Você está na página 1de 127

História da Educação

Professora Doutoranda
Marcia Regina de Oliveira Lupion
Diretor Geral
Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa


Victor Biazon
UNIFATECIE Unidade 1
Rua Getúlio Vargas, 333,
Secretário Acadêmico Centro, Paranavaí-PR
Tiago Pereira da Silva (44) 3045 9898

Projeto Gráfico e Editoração UNIFATECIE Unidade 2


André Oliveira Vaz Rua Candido Berthier
Fortes, 2177, Centro
Revisão Textual Paranavaí-PR
Kauê Berto (44) 3045 9898

UNIFATECIE Unidade 3
Web Designer Rua Pernambuco, 1.169,
Thiago Azenha Centro, Paranavaí-PR
(44) 3045 9898

UNIFATECIE Unidade 4
BR-376 , km 102,
Saída para Nova Londrina
FICHA CATALOGRÁFICA
Paranavaí-PR
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFATECIE.
Credenciado pela Portaria N.º 527 de 10 de junho de 2020,
(44) 3045 9898
publicada no D.O.U. em 15 de junho de 2020.
Núcleo de Educação a Distância;
LUPION, Marcia Regina de Oliveira. www.unifatecie.edu.br
História da Educação.
Marcia. Regina de Oliveira Lupion.
Paranavaí - PR.: UniFatecie, 2020. 127 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos. do site ShutterStock
AUTORA

Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion

● Doutoranda em História, Cultura e Narrativas com ênfase em História das Reli-


giões e Religiosidades pela UEM – Universidade Estadual de Maringá;
● Mestre em História Social pela UEM – Universidade Estadual de Maringá;
● Especialista em História das Religiões – Fundamentos para a pesquisa e o
ensino pela UEM – Universidade Estadual de Maringá;
● Graduada em História pela UEM – Universidade Estadual de Maringá.
● Membro do Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades – LERR da
UEM – Universidade Estadual de Maringá;
● Atuação como docente da Rede Pública entre 2012 e 2016;
● Atuação como docente da Universidade Estadual de Maringá entre 2004 e 2006
e 2016 e 2017;
● Atuação como docente da Faculdade SMG – Santa Maria da Glória entre 2013
e 2016;
● Atuação como docente da Especialização em Religião e Cultura no Ensino de
História do Brasil pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari,
FAFIMAN;
● Atuação como docente da Especialização em História das Religiões – Fun-
damentos para a pesquisa e o ensino pela UEM – Universidade Estadual de
Maringá;
● Coautora do livro “Nas Águas de Lobato: uma micro-história construída a partir
das falas de seus moradores”, 2008, resultado da pesquisa de mestrado desen-
volvida entre os anos 2001 e 2004.

Áreas de concentração: Religiões e Religiosidades com ênfase na Religiosidade


Católica; História de Cidades, Micro-história, Biografia, História das Sensibilidades, História
Regional e História Oral.

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6053672753953434


APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Olá, alunas e alunos!


Este material, sobre a História da Educação, está dividido em quatro unidades. A
primeira unidade intitulada História da Educação: conceitos e fatores, terá como proposta
a compreensão de qual é a gênese da educação, como ela surge e de que maneira está
arraigada às tradições dos grupos humanos, sejam primitivos ou atuais. Prosseguiremos
resgatando as primeiras formas de educação e a sua sistematização nas primeiras civiliza-
ções ocidentais e orientais, até a contemporaneidade.
Nesta unidade, cujo título é História da Educação: da Antiguidade à Contempora-
neidade, compreenderemos como o processo de sistematização leva à criação da institui-
ção escola, muitas vezes confundida com o ato de educar. Descobriremos também qual
a importância e o papel da escola e os diversos tipos de educação nestas sociedades,
bem como o que herdamos, direta ou indiretamente, delas. É nessa fase histórica que as
paidéias, no plural, surgem e se fortalecem como pedagogias orientadoras dos modelos
educacionais.
Ainda na unidade II, abordaremos a educação em diferentes períodos do Império
Romano até o declínio dessa sociedade e o fortalecimento do cristianismo e de uma pro-
posta de educação que se afasta do humanismo proposto pelos romanos. Com o fenômeno
histórico da queda do Império Romano e o início do período Medieval, surgem novos perso-
nagens sociais, a ascensão da Igreja Católica e a formulação da educação pela fé. A partir
dessa nova sociedade, a reflexão terá como orientação o modelo católico educacional,
cujas propostas sofreram mudanças ao longo do milênio em que o mundo medieval se
organizou e se desarticulou.
Os tópicos relativos à educação no Renascimento e na Modernidade buscam
demonstrar como o processo de transformação na educação decorrida das novas ideias
gestadas nesses períodos influenciaram os séculos e movimentos posteriores, como o
Iluminismo, por exemplo. É a partir da Modernidade que veremos como se construíram os
novos modelos educacionais em uma sociedade anteriormente agrária, confessional, para
uma civilização urbana, industrializada e na busca da laicidade do ensino do século XIX.
Nesse período, surgem pedagogias mais expressivas, como a de Augusto Comte, Maria
Montessori, John Dewey dentre outros. Foi durante o processo de laicização da sociedade
que a rede de escolas públicas se ampliou em muitos países, com o interesse em educar
a sociedade, desde a mais tenra idade, para o mundo do trabalho industrializado e tec-
nológico. Por isso, à pedagogia somam-se estudos psicológicos como forma de melhor
compreender os indivíduos e melhorar a produção.
Na terceira unidade, denominada Atualismo pedagógico e Nova Escola, serão
estudados três modelos educacionais específicos do início do século XX, assim como tam-
bém abordaremos a história da educação no Brasil. Os modelos educacionais estudados
são o proposto pelo italiano Gentile, que pode ser compreendido como uma proposta de
educação totalitária, seguido pela educação marxista com ênfase em três modelos específi-
cos e que vigoraram sobretudo na extinta União Soviética e, por fim, o modelo democrático
proposto por John Dewey. São, portanto, três modelos educacionais que buscam atender
aos programas políticos e aos modelos de indivíduos ou cidadãos desejados pelos gover-
nos estabelecidos.
Ainda neste tópico apresentaremos um breve histórico da educação no Brasil, que
tem sua origem na Contrarreforma ocorrida na Europa, passando pela chegada dos euro-
peus às Américas e a primeira fase da ocupação portuguesa. A partir desse evento faremos
uma reflexão concisa dos principais momentos da construção do saber nacional. Por fim,
encerraremos o tópico apresentando os fatos importantes, a saber, em todo o processo
da formação educacional no Brasil, com o intuito de orientar o (a) aluno (a) para futuras
pesquisas neste tema.
No quarto e último tópico – Diretrizes e políticas –, a discussão recai sobre as
políticas educacionais que norteiam a educação no Brasil nos dias atuais. Serão analisa-
dos, para isso, três documentos, em especial: as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Plano
Nacional de Educação e a Base Nacional Comum Curricular. Tais documentos norteadores
são apenas uma parte das políticas educacionais brasileiras adotadas, sobretudo pós pro-
cesso de redemocratização da sociedade, e devem ser lidos em conjunto com a legislação
educacional e a Constituição Federal de 1988, assim como também com as diretrizes
elaboradas por Estados e Municípios, que, junto com a União, são os responsáveis pela
educação no Brasil.
Sabemos que essas poucas páginas não esgotam o tema sobre a História da Edu-
cação no Brasil ou no mundo e seria ousado acreditar que isso é possível. Por isso, além
de desejarmos a você bons estudos, desejamos ainda que esta obra colabore para sua
formação e que seja o ponto de partida para novas contribuições e discussões na educação.
Abraço terno,

Marcia Regina de Oliveira Lupion


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 7
História da Educação: Conceitos e Fatores

UNIDADE II.................................................................................................... 30
História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade

UNIDADE III................................................................................................... 82
Atualismo Pedagógico e a Nova Escola

UNIDADE IV................................................................................................... 97
Diretrizes e Políticas
UNIDADE I
História da Educação:
Conceitos e Fatores
Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
● Gênese da educação;
● Origens e desenvolvimento nos diferentes momentos históricos.

Objetivos de Aprendizagem:
● Estudar o conceito de educação;
● Compreender a educação como uma construção social e complexa;
● Analisar as singularidades das pedagogias em diferentes momentos históricos;
● Estudar a gênese e as transformações da educação no período Neolítico.

7
INTRODUÇÃO

Caríssimo(a) estudante, o objetivo desta unidade é apresentar e discutir como se


desenvolveu o conhecimento por meio do processo educativo pautado pela organização
sociocultural dos agrupamentos humanos ao longo da história. Portanto, a educação será
apresentada como uma construção social que se renova e se fortalece quando saberes são
adquiridos, transformados ou superados. Intenta-se, ainda, demonstrar as singularidades
das pedagogias produzidas nas diferentes sociedades e tempos históricos, como forma de
compreender a relação entre educação e complexidade.
Iniciaremos estudando o significado do conceito de educação, geralmente confun-
dido com a instituição “escola”. A questão educação deve ser compreendida por meio de
sua gênese, do processo de humanização do homem, de sua capacidade de cognição que
foi, ao longo do tempo e do espaço, transformando esses saberes em conhecimento adqui-
rido que se configura na educação primitiva de caráter difuso. Adquiridos cotidianamente,
tais conhecimentos capacitaram os seres humanos na compreensão e na interpretação do
mundo, que passou a ser concebido por meio de significações e ressignificações dadas por
eles próprios e, também, por sua capacidade de reprodução pela comunicação junto ao
grupo, possibilitando sua disseminação e perpetuação.
Com o domínio da agricultura e dos animais, a complexidade gerada trouxe novas
formas de organizações sociais que, por sua vez, levaram certos grupos a um processo
de institucionalização e divisão interna conhecida por hierarquia. Com ela, o processo
de aprendizagem adquire novos sentidos que irão se configurar em sistemas de ensino
com objetivos claros e específicos. É o momento em que a educação se institucionaliza,
tornando-se ferramenta de manutenção da organização social, bem como de legitimação
do poder vigente, do tradicionalismo, não como memória somente, mas como elemento de
perpetuação da dominação de alguns grupos sobre outros.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 8


1 A GÊNESE EDUCACIONAL

Buscar por uma data ou evento específico que se configure como a gênese da
educação é adentrar num campo perigoso cuja única certeza é a de que não é possível
estabelecer tal ou tais eventos. Entretanto, é convenção entre os historiadores da educação
que, desde o instante em que os primeiros grupos humanos passaram a construir uma
cultura, ou seja, em que saberes, fazeres e formas de pensar passaram a ser criados,
reproduzidos e modificados, iniciou-se processos de aprendizagens diversos e informais
configurando-se no “modelo” educacional primitivo baseado na imitação e na disseminação
difusa ocorrida entre os primeiros hominídeos.
Antes, porém, de estudarmos o modelo primitivo de educação, veremos o significa-
do do termo educação.

1.1 O Conceito de Educação


De um modo geral, sempre que ouvimos o termo “educação” costumamos reduzi-lo
a um período que, normalmente, fica situado entre os anos de estudo vividos por uma
determinada pessoa. Portanto, é claro que sempre relacionamos educação com estudo em
um processo sistematizado.
A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados,
estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não
são absolutos. A ação educativa implica um conceito de homem e de mundo
concomitantes, é preciso não apenas estar no mundo e sim estar aberto ao
mundo. Captar e compreender as finalidades deste a fim de transformá-lo,

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 9


responder não só aos estímulos e sim aos desafios que este nos propõe. Não
posso querer transmitir conhecimento, pois este já existe, posso orientar tal
indivíduo a buscar esse conhecimento existente, estimular a descobrir suas
afinidades em determinadas áreas (FREIRE, 1986, p. 46).

Conforme descrito acima, podemos compreender que a educação não está limitada
ao espaço físico que denominamos escola, sala de aula etc. Os estudos acadêmicos fazem
parte do processo educacional do homem de forma que seria errôneo associar educação
às diferentes etapas de estudo. O processo de ensino e aprendizagem faz parte de uma
dinâmica que precisa ser buscada e vivida durante toda a existência humana.
A educação engloba os processos de ensinar e aprender, de ajuste, adaptação e de
socialização. É um fenômeno observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos
destas; responsável pela sua manutenção e perpetuação às gerações que se seguem, dos
modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um
membro no seu grupo ou sociedade.
Enquanto processo de socialização, a educação é exercida nos diversos espaços
de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do indivíduo ao grupo
ou dos grupos à sociedade. A prática educativa formal (observada em instituições específi-
cas) se dá de forma intencional e com objetivos determinados, como no caso das escolas
quando pode ser definida como Educação Escolar. Já no caso específico da educação
exercida para a utilização dos recursos técnicos e tecnológicos e dos instrumentos e ferra-
mentas de uma determinada comunidade, dá-se o nome de Educação Tecnológica.
Para além desses modelos, atualmente configura-se um modelo educacional que
busca juntar saberes, ou seja, o fazer e o pensar devem estar alinhados para que a for-
mação seja completa. O conceito de Noosfera, como utilizado por Chevallard (2000), trata
de espaço no qual as ideias produzem e são produtoras de saberes com interação com
a cultura, colocando a educação na atualidade como uma das áreas essenciais para a
formação do indivíduo de fins do século XX e início do XXI para uma vida complexa.
Em última análise, educação é passar de uma mentalidade ou de um senso comum
a uma consciência. Significa sair de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticu-
lada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista, para assumir uma concepção
unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada, como define
Libâneo (1990, p. 62):
o ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade sistemática
de interação entre seres sociais, tanto no nível do intrapessoal como no nível
da influência do meio, interação essa que se configura numa ação exercida
sobre sujeitos ou grupos sujeitos visando provocar neles mudanças tão
eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 10


Sendo assim, só podemos compreender a educação por meio do contexto históri-
co-social concreto e da cultura existente, quando a prática social se coloca como ponto de
partida, mas, também, como ponto de chegada da ação educacional. Portanto, a educação
tem intencionalidades geradas pelo processo de necessidades dos setores a serem aten-
didos. Estes, por sua vez, determinam dentro dos meios sociais específicos, definindo e
explicitando, dentro de sua práxis, os fins a serem atingidos no processo.

1.2 A Gênese Educacional

Figura 1 - Cotidiano de povos primitivos

Fonte: MORABAD, Mahantesh C. Esboços de guerreiros a cavalo com espadas nas mãos desenhadas por
povos primitivos nas Cavernas Bhimbetka perto de Bhopal, Madhya Pradesh, Índia, Ásia

Como visto na conceituação acima, muito antes da criação de instituições de en-


sino já havia o processo de educação que, de certa forma, permanece em nosso meio
social, como a primeira educação. Estamos nos referindo ao papel da família no processo
de iniciação da criança como sujeito cultural, uma tarefa que se repete desde os primeiros
grupos humanos organizados, instrução inicial esta que faz parte do que chamamos de
educação primitiva e que pode ser considerada como a gênese da educação.
[...] sob o regime da tribo, a educação tem como característico essencial o de
ser difusa; ela é dada por todos os membros do clã, indistintamente. Não há
mestres determinados, encarregados especiais da formação da juventude;
são todos os anciãos, é o conjunto das gerações anteriores, que desempenha
esse papel (DURKHEIM, 1978, p. 61).

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 11


O saber da comunidade, aquilo que todos sabem, o saber próprio dos homens, mu-
lheres, velhos e jovens. Os que sabem, ensinam, orientam, vigiam, demonstram, corrigem,
punem, premiam. Os que não sabem observam, imitam, são treinados, corrigidos. Estamos
diante da fase anterior ao período Neolítico quando,
[...] o Homo Sapiens, que já tem as características atuais: possui linguagem,
elabora múltiplas técnicas, educa os seus “filhotes”, vive da caça, é nômade,
é “artista (de uma arte naturalista e animalista), está impregnado de cultura
mágica, dotado de cultos e crenças, e vive dentro da “mentalidade primitiva”
marcada pela participação mística dos seres e pelo raciocínio concreto, liga-
do a conceitos-imagens e pré-lógicos, intuitivo e não-argumentativo (CAMBI,
1999, p. 58, grifos no original).

Entre os povos primitivos, as crianças aprendiam por meio do método da imitação.


Naquele contexto, a aprendizagem ocorria naturalmente enquanto a criança participava
progressivamente das atividades comuns de seu grupo, forma denominada por Aranha
(2012) como uma educação difusa, ou seja, o aprendizado se dava a partir da vivência coti-
diana e não de forma sistêmica ou esquematizada. Ao crescer, o papel que desempenha na
comunidade se torna mais importante e definido. Nessa fase, a educação consistia em um
processo iniciado no interior do núcleo familiar e prosseguia nas atividades desempenhadas
pelo grupo social, conforme seu potencial físico e intelectual.
O homem atua sobre o meio ativamente e o transforma dentro de sua perspectiva
cultural e econômica, obtendo bens materiais necessários para sua sobrevivência ou em
outras instâncias superando esta barreira. Para isso, desenvolve instrumentos necessários
para a otimização do trabalho e, em cada nova geração que recebe estes instrumentos das
gerações anteriores, são modificados e melhorados.
Nesse sentido, de acordo com estudos realizados por arqueólogos, a capacidade
humana de produzir cultura teria sido o elemento essencial para o desenvolvimento humano
há mais de 100 mil anos antes do presente.
Os ossos humanos da foz do rio Klasies e de outros sítios africanos mostram
que pessoas anatomicamente semelhantes a nós, o que inclui o tamanho do
cérebro, apareceram nesse continente entre 120 e 100 mil anos atrás. Seu
comportamento, entretanto, não teria seguido o mesmo ritmo de progresso
percebido no aspecto físico. A arqueologia relaciona a expansão geográfica
dos seres humanos moderna à sua capacidade altamente desenvolvida de
inventar utensílios, formas sociais e ideias. Isso é, sua habilidade absoluta-
mente atual de produzir cultura (MOREIRA; QUINTEIROS, 2011, p. 18).

Nesse sentido, a transformação de instrumentos obedece a uma ordem organizada


por uma necessidade de aprimoramento em virtude de alguma superação com um fim maior.
Ou seja, o trabalho não é uma atividade isolada, mas uma atividade social e à medida que
essa sociedade se transforma, junto com ela também, os meios de produção e reprodução.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 12


Para Oliveira (2001), o trabalho primitivo era diversificado, descontínuo e cessava
toda vez que se alcançava o objetivo da manutenção da sobrevivência. Uma vez que estas
comunidades não produziam ou não obtinham mais do que o necessário, não havia, a
produção de excedentes.
A humanidade contava com elementos de trabalho muito rudimentares: pau,
machado de pedra, faca de pederneira e lança com ponta de pederneira;
mais tarde foram inventados o arco e a flecha. A alimentação era produto da
caça e a colheita de frutos silvestres; posteriormente começa a agricultura
na base do trabalho com picareta. A única forma conhecida era o músculo
do homem. Com somente este instrumento e armas, o homem tinha sérias
dificuldades para enfrentar as forças da natureza e fornecer seu alimento;
unicamente o trabalho em comum podia garantir a obtenção dos recursos
necessários para a sua vida (OLIVEIRA, 2001, p. 31).

Os grupos humanos eram nômades e colhiam vegetais ou faziam pequenas caça-


das. Somente com a melhoria dos instrumentos de trabalho é que foi possível organizar um
sistema de trabalho em que se pudesse melhorar as condições de sobrevivência do grupo.
Armadilhas, lanças, facas e outros instrumentos aperfeiçoados, além do desenvolvimento
da comunicação, aliada a uma primeira divisão do trabalho, foram determinantes para que
estes grupos pudessem conseguir obter mais recursos alimentares, bem como a melhoria
das condições de vida.
Eiroa (2000) nos informa que, há aproximadamente 8.000 a.C., vários grupos espa-
lhados em regiões do Oriente promoveram mudanças que transformariam profundamente a
organização social, inclusive o trabalho. Estou me referindo ao que historiadores chamam
de revolução agrícola, ocorrida durante o período conhecido como Neolítico. Com o homem
do Neolítico, a comunidade primitiva entra em fase de desintegração e as caçadas se tor-
nam especializadas. O aporte de carne, agora, passa a servir tanto para o consumo quanto
para a troca.
O homem aprende a fazer a fundição de metais, criando novas ferramentas. A
invenção e o uso do arado nas plantações permitiram um grande rendimento na produção.
Como garantia, o homem passa a domesticar os animais para o uso no trabalho e, também,
para o consumo. A partir deste momento, os grupos deixam de ser nômades para se torna-
rem sedentários. As relações sociais se aprimoram e encontramos as primeiras civilizações
mais complexas, nas quais a divisão do trabalho passa a ter um contexto não mais de
igualdade coletiva, mas de diferentes hierarquias.
A reprodução do conhecimento, que, inicialmente, tinha um cunho de informação
mais voltada às tarefas que davam condições de sobrevivência dentro da economia focada
na obtenção de alimentos, sofre drástica alteração. À medida que os grupos foram se aglo-

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 13


merando e se estabelecendo em definitivo nas áreas ocupadas, outros fatores se tornaram
importantes, como a defesa territorial e dos integrantes da aldeia. Saberes especiais, como
questões espirituais em um momento em que o pensamento mítico era o que predominava,
portanto, as respostas dos sacerdotes eram entendidas como leis.
Nas sociedades que atingiram um grau mínimo de desenvolvimento, ocorreu a
divisão de trabalho, o que denota um aprimoramento nas relações internas. A primeira di-
visão se dá pelo sexo, onde homens e mulheres executam tarefas distintas, orientados por
diferentes parâmetros, nos quais a força física é, comumente, o que norteia a classificação
das tarefas. É possível notar esta divisão mais claramente dentro dos grupos que deixaram
de ser nômades e aplicaram o recurso do plantio e da colheita. São grupos nos quais
amplia-se a possibilidade de obtenção de alimentos bem como o estímulo para tornaram
mais complexas as relações. Isso foi possível porque dentro destas sociedades ocorre-
ram as hierarquizações e a divisão dos trabalhos de maneira a otimizar as operações de
reprodução da economia de subsistência. Além da força física, o outro parâmetro utilizado
também é o dote intelectual.
A revolução neolítica é também uma revolução educativa: fixa uma divisão
educativa paralela à divisão do trabalho (entre homem e mulher, entre espe-
cialistas do sagrado e da defesa e grupos de produtores); fixa o papel-chave
da família na reprodução das infraestruturas culturais: papel sexual, papéis
sociais, competências elementares, introjeção da autoridade; produz o incre-
mento dos locais de aprendizagem e de adestramento específicos (nas diver-
sas oficinas artesanais ou algo semelhante; nos campos; no adestramento;
nos rituais; na arte) que, embora ocorram sempre por imitação e segundo
processos de participação ativa no exercício de uma atividade, tendem depois
a especializar-se, dando vida a momentos e locais cada vez mais específicos
para a aprendizagem (CAMBI, 1999, p. 59).

Posteriormente e já entre as sociedades complexas, como a mesopotâmica e a


egípcia, por exemplo, a linguagem e as técnicas (linguagem mágica e técnicas pragmáti-
cas) passam a regular, “de maneira cada vez mais separada – dois modelos de educação”
(CAMBI, 1999, p. 59): a formal e institucionalizada e a familiar e cotidiana. À medida que
crescem e se tornam mais capazes, as crianças deixam o núcleo familiar para serem as-
sistidas por um preceptor ou um oficial, que, aos poucos, vai passando seu conhecimento
ao aprendiz. A partir deste momento, a educação perpassa a fronteira familiar e passa a
compor o interesse da comunidade.
Nesta estrutura de educação, somente no campo dos ritos e das crenças é que
havia uma especialização educativa, também para uma atividade de trabalho exclusiva e
qualitativamente distinta dos demais grupos. Aos poucos, com o processo de especializa-
ção de tarefas dentro dos grupos sociais, desenvolveram-se sistemas de aprendizagem

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 14


diferenciados. Da cristalização deste processo surgiram as divisões sociais mais complexas
muitas vezes denominadas de castas. As castas, com interesses próprios e antagônicos,
vão utilizar mediante a educação diferenciada, um meio de aumentar as divisões em hierar-
quias cada vez mais distintas e distantes entre si. Neste contexto é onde irá surgir a escola,
ou seja, surge da necessidade de estabelecer a divisão de tarefas, separando de forma
hierárquica os saberes e sistematizando as diferentes formas de trabalho.
É a partir desse novo olhar sobre a educação que, ao ensino, soma-se a neces-
sidade de uma “pedagogia” capaz de traçar as teorias que determinarão as práticas de
transmissão do saber. Algumas sociedades aprimoraram de tal forma esse processo de
educação que acabaram por eleva-lo a um nível complexo de especialização. Diante dessa
complexidade, em um breve período de tempo, o saber acumulado propiciou o desenvolvi-
mento de tecnologia em diversos segmentos da vida em sociedade, definindo as estruturas
econômicas, políticas e culturais. Foram civilizações muito poderosas e que deixaram um
rico legado que chegam aos nossos dias sob as mais diversas formas: literatura, matemá-
tica, filosofia, organização política etc.
Na próxima unidade discutiremos a educação desde a Antiguidade Oriental até
a Contemporaneidade, considerando os modelos educacionais propostos por diferentes
sociedades.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 15


Sócrates (centro, esquerda), na escola de Atenas, 400 a.C.,
Gravação após pintura por Raphael.

2 ORIGENS E DESENVOLVIMENTO NOS DIFERENTES MOMENTOS HISTÓRICOS

Nesta unidade, vamos abordar de forma panorâmica os modelos educacionais


adotados nos diferentes momentos históricos. Contudo, devemos levar em conta que a
análise será feita de forma genérica, tendo em vista que, na próxima unidade, os modelos
aqui apresentados serão melhor detalhados. Como a “educação por difusão” ou educação
primitiva foi abordada no subtópico acima, iniciamos esse tópico a partir das propostas
presentes no Oriente Antigo.

2.1 Os Modelos de Educação no Oriente Antigo


Neste subtópico, vamos abordar a questão da educação nas sociedades do Oriente
Próximo, considerando as aproximações existentes entre os modelos presentes no Egito,
na Mesopotâmia, na Índia, China e Japão. Nesse sentido, partimos do princípio de que a
maior característica dessas sociedades é a manutenção da tradição.
Do ponto de vista da educação – por serem sociedades de forte teor religioso
–, o que há de comum em todas elas é o seu caráter estático ou de muito
lenta mutação. Devido à complexidade delas, a educação exigiu a criação da
escola, apesar de restrita a poucos e muito tradicionalista (ARANHA, 2012,
p. 45).

De forma geral, essas sociedades se organizaram a partir de governos despóticos


e teocráticos, como, por exemplo, no Egito, onde o faraó era tido como de origem divina, ou
na China, onde o imperador era o próprio Filho do Céu. Nesse tipo de organização política,

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 16


a prioridade era manutenção das tradições, assim como o apego ao passado (ARANHA,
2012, 46).
Essas sociedades desenvolveram, então, um tipo de estudo marcado pelo dualismo
escolar que diferenciava o ensino para os filhos do povo em geral do ensino ofertado para
os filhos dos nobres e altos funcionários. Esse dualismo levou, ainda, a uma diferenciação
entre “os destinados aos estudos do sagrado e da administração e aqueles voltados ao
adestramento para os diversos ofícios especializados” (ARANHA, 2012, p. 52).
Contudo, não havia uma reflexão propriamente pedagógica nesse período e o
aprendizado se dava a partir dos livros sagrados com ênfase nas normas de conduta e
preceitos religiosos e morais, de forma a não haver transgressão de normas ou mudança
nos costumes, o que caracteriza o elemento tradicionalista dessas sociedades.

2.2 As Paidéias Grega e Romana


Dada a originalidade cultural e política da Grécia, autores como Cambi (1999) con-
sideram ser possível conceituar como o “milagre grego” as mudanças que essa sociedade
trouxe em todos os setores de uma sociedade, dentre elas no espaço educacional. Quer
seja pelo caráter democrático de sua política, quer seja pela elaboração de uma forma de
pensar racional, laica, crítica, humanizante e ideal (a filosofia), o fato é que, com os gregos,
a educação passou a se pautar pelo pensamento crítico, individual e a se universalizar.
Além disso, estabeleceu uma nova pedagogia, que passa da prática e tradição para uma
pedagogia teorizada cujos modelos influenciaram os sistemas educacionais desde então.
O modelo pedagógico desenvolvido pelos gregos desde o período arcaico resultou
numa série de Paidéias, ou seja, em modelos educacionais que se iniciaram no período
arcaico. Desse modelo inicial se desenvolvendo outras pedagogias até alcançarem sua
maturidade com os sofistas e a proposta de formação humana baseada na universalidade
do saber e na capacidade individual dos homens.
Paidéia é um conceito complexo que não se deixa compreender de imediato, mas
que exprime, de maneira geral, as diversas formas de educar que visam a formação integral
do homem grego e que têm em Homero e Hesíodo os modelos iniciais, passando pelos
sofistas como Protágoras de Abdera (484-411 a. C.) e Geórgias de Lentini (484-376 a. C.)
e, posteriormente, por filósofos como Sócrates (470-399 a. C.), Platão (427-347 a. C.),
Isócrates (436-338 a. C.) e Xenofonte (435-354 a. C.), até chegar à Paidéia helenística,
última etapa da evolução da escola na Grécia, quando a formação linguístico-literária e a
formação do caráter tornam-se centrais na pedagogia proposta.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 17


A mudança operada pelos gregos “no âmbito da organização social e política e na
visão da cultura” (CAMBI, 1999, p. 71), realizada em direção à laicização, à racionalização
e à universalização levou a uma fuga dos estudos baseados nas práticas mágicas e esoté-
ricas que eram exclusivas dos sacerdotes e iniciados para se transformar em conhecimento
próprio da mente de cada homem que, por meio da crítica, demonstração e rigor irá validar
ou não esse conhecimento. Ou seja, no centro da cultura grega está o racionalismo:
A racionalidade grega, de fato, tem este duplo aspecto: é regra universal na
reconstrução da experiência, pela sua interpretação; e é um valor em si, um
fim a desejar por si mesmo, que realiza o aspecto mais alto do homem: sua
vocação à “vida contemplativa” (CAMBI, 1999, p. 71, grifo no original).

Com isso, o conhecimento laicizado e democratizado gera a universalidade do saber


e da cultura, permitindo, inclusive, a mobilidade social, algo impensável até o surgimento
do pensamento sofista. Essa noção de “ser humano” é delineada na antiguidade arcaica
e atinge a maturidade com os sofistas quando a “Paidéia” torna-se a base da pedagogia
grega.
Com essa introdução, pretendemos demonstrar que o modelo ou os modelos de
educação na Grécia antiga estão ligados à concepção de ser humano expressa acima, ou
seja, de uma humanidade que não é grega, nem egípcia ou mesopotâmica, mas, sim, algo
inerente ao ser humano e, portanto, universal.
O milagre grego, cujas características são o racionalismo, a laicidade e a univer-
salidade, foi possibilitado por pelo menos duas condições postas com a formação da ideia
de uma Grécia unificada, diferente da organização política arcaica baseada em reinos
independentes.
São estas portanto,
[...] as condições-chave para compreender a “virada” que se opera no mundo
antigo com a civilização grega: virada que investe em particular sobre cultura,
tornando-a mais autônoma, mais enciclopédica (articulada sobre todos os sa-
beres e vista como sua reunião orgânica), mais propriamente humana (basta
pensar na noção de paideia , de “formação humana” por meio de atividades
mais próprias do homem, culturais portanto), mais teorética e submetida ao
regulador da teoria (aspecto que a torna mais independente da tradição e a
contrapõe a ela) (CAMBI, 1999, p. 73).

Com relação à pedagogia, a contribuição grega e inovadora e irá estabelecer


as bases da educação ocidental até a modernidade. A primeira contribuição é dada pela
“passagem da educação (como práxis e como tradição) à pedagogia (como teoria e como
construção de modelos autônomos e inovadores em relação à tradição)” (CAMBI, 1999, p.
74).

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 18


Depois, tem-se a Paidéia, que pode ser compreendida como um ideal de formação
humana no qual o ser humano é visto como tal por “meio do comércio íntimo com a cultura,
que deve estruturá-lo como sujeito e torná-lo indivíduo-pessoa” (CAMBI, 1999, p. 74). So-
mam-se às duas condições anteriores os estudos históricos e literários próprios dos “studio
humanitates” que privilegiam os saberes do homem e pelo homem, eixo cultural da escola
e dos programas de estudo.
Um último elemento da Paidéia grega é a divisão da formação e da escola em dois
âmbitos, sendo um teórico, contemplativo e cultural e outro técnico, pragmático e de caráter
aplicativo realizado nas oficinas e destinado ao aprendizado.

2.3 Roma e a Humanitas


Para Manacorda (1992), em Roma, a educação tinha um cunho humanista que
caracteriza o homem em todos os tempos e lugares. Essa educação era conhecida como
“humanitas”.
A Humanitas – palavra era usada por Cícero para descrever a formação
de um falante ideal (orador), que ele julgava que deveria ser educado para
possuir um conjunto de virtudes do caráter apropriado para uma vida ativa
de serviço público; estas incluem um fundo de aprendizagem adquirida com
o estudo das litterae bonae (“boas letras”, ou seja, a literatura clássica,
especialmente a poesia), que também seria uma fonte de cultivo contínuo
e prazer no lazer e aposentadoria, a juventude e a velhice, bem e mal, boa
sorte (MANACORDA, 1992, p. 63, grifo no original).

Uma educação moral, cívica e religiosa com características próprias, mas, também,
com influência grega, inclusive o estudo das letras. Ao que tudo indica, a sociedade romana
valorizava o papel primordial da família no processo educativo da criança, o primeiro edu-
cador é o pater famílias, ou seja, o pai. Esta educação no seio da família é frequentemente
exaltada por diversos escritores romanos.
Diferente da mulher grega, a mulher romana, ou melhor, a mãe (nutriz), tem um
papel importante na educação da criança, a qual, em seus primeiros anos, passará mais
tempo ao lado da nutriz do que do pater, ou pai. Por um longo tempo, a Roma antiga não
oferecerá educação às crianças, ficando, portanto, a primeira fase da educação sob a tutela
e responsabilidade da família, fenômeno que também acontece em outras civilizações que
estudamos anteriormente.
Fato relevante é que este processo, ao mesmo tempo em que dá à família a res-
ponsabilidade de transmitir as tradições ancestrais, também é o pequeno núcleo social
regido pela figura paterna. Portanto, a obediência encontra aí não somente o espaço para

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 19


ser reproduzido no mundo externo como também favorece os laços familiares e o que
representa a família dentro dessa sociedade.
Nesta primeira fase, os pais ensinam aos filhos as letras, o direito e as leis. Inclu-
sive, a mãe ensina os primeiros traçados das letras por meio de jogos e brincadeiras, uma
vez que a brincadeira é largamente utilizada nesta primeira fase do aprendizado, como
descreve Manacorda (1992, p. 75):
entre os jogos, por exemplo, Horácio enumera a brincadeira de construir casi-
nhas, de amarrar ratos a um carrinho, de tirar par ou ímpar, de andar a cavalo
em uma cana; Pérsio lembra o jogo das nozes e, até, o parar de brincar como
sinal do fi m da infância; e sabemos que se brincava de mora, de pião e de
aro empurrado por um bastãozinho. Existiam também jogos de reflexão como
a dama, o xadrez, os astrágalos e os dados; outros jogos, como a altilena,
cabra cega, a raia, talvez tenham sido importados da Grécia.

A partir do fim da primeira infância, aos sete anos, as crianças ficavam mais sob os
cuidados do pai, que transmitia as tradições familiares e da pátria, exercícios físicos e mili-
tares, como também as primeiras formas do saber. Com o tempo, parte da educação será
transferida aos profissionais do ensino. No entanto, continua sendo de responsabilidade do
pai os ensinamentos ou a garantia ao acesso destes.
De acordo com Aranha (2012), podemos dividir a educação romana em três mo-
mentos distintos:

Quadro 1 - Períodos da educação romana

1. Educação latina original, de natureza patriarcal.

2. A influência do helenismo, criticada pelos defensores da tradição.

A fusão entre a cultura romana e helenística, com elementos orien-


3. tais e de fortes valores gregos.

Fonte: Aranha (2012).

2.4 A Educação e o Cristianismo Nascente


Um fato histórico preponderante ocorrido durante o Império romano é o surgimento
do cristianismo.
O cristianismo começou a expandir-se para além dos “pobres” que compunham
a comunidade de Jerusalém e Paulo iniciou a pregação do Evangelho para
todos os homens, não apenas para os judeus, como tinha sido nos primeiros
anos após a morte de Jesus. Paulo distinguia os ensinamentos de Cristo
da religião tradicional dos judeus, defendendo uma doutrina distinta da dos
israelitas. Por mais de vinte anos, Paulo viajou e pregou, pelo Mediterrâneo
Oriental, até ser preso em 58 d.C. Como Paulo tinha a cidadania romana, em
60 d.C. pediu para ser julgado em Roma. Em 64 d.C. ocorreram as primeiras
perseguições aos cristãos, tendo Pedro e Paulo sido martirizados em Roma,
por essa época (FUNARI, 2002, p. 82).

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 20


Somente com o imperador Constantino é que os cristãos terão liberdade de culto,
algo em torno do ano 313. Até esse período, eram travados muitos embates entre pagãos
e cristãos, tornando-se religião oficial do Império no século IV e já bastante modificada nos
seus fundamentos ancestrais, adquirindo uma estrutura muito parecida com a organização
política de Roma.
Quando o cristianismo se tornou a religião do Estado, o culto aos antigos deuses
[...] começou a ser combatido, ainda que persistisse, por muitos séculos.
Não foi combatido à toa, mas porque o cristianismo tornou-se uma religião
de Estado e os que não o aceitassem estariam, de certo modo, desfiando
o poder. Nos lugares mais distantes, no campo, o cristianismo demorou a
firmar-se, daí que os que cultuavam deuses tenham sido chamados de “pa-
gãos”, os habitantes das aldeias. O cristianismo foi, assim, fundamental para
a mudança da sociedade e o fim do mundo antigo liga-se, diretamente, à sua
transformação em religião oficial (FUNARI, 2002, p. 84).

A sociedade forjada pelo cristianismo organizou uma forma particular de educar


seus integrantes. Para isso, atacou a cultura dos pagãos e suas escolas por transmitirem
valores diferentes dos presentes nos Evangelhos. No entanto, reconheceram que a Paidéia
grega e romana eram ideais para propagação da cultura cristã precisando apenas ser atua-
lizada no sentido cristão (CAMBI, 1999).
Assim, se a Paidéia cristã segue as normas das Paidéias grega e romana, seus
“materiais de estudo” são de outra categoria. A mensagem educativa formativa cristã tinha
como documentos essenciais os Evangelhos, as Epístolas de Paulo, o Apocalipse de João
e os Atos dos Apóstolos (CAMBI, 1999).
A igreja desenvolveu, ainda, ações educativas sobre a família, que, além de se
dedicar ao amor recíproco e à criação dos filhos, deve ser uma instituição baseada na
autoridade do pai. Assim como a comunidade, que recebe a ação educativa a partir dos
pressupostos cristãos que, cada vez mais, sobretudo a partir de Constantino, assume o
poder civil até tomar o lugar do Estado, ou transformar-se em uma igreja-estado (CAMBI,
1999, p. 126).
A igreja adota, então, uma cultura de governo religiosa e civil baseada no direito
romano. Estamos num momento posterior aos primeiros séculos do cristianismo, quando
acontece a fusão entre a máquina cristã e o imperialismo. Desse modelo de governo teo-
lógico-secular surgem dois modelos educativos: um centralizado na imitação da pessoa de
Jesus Cristo e o outro com foco na formação por meio da cultura clássica, literário-retórica
e filosófica gregos (CAMBI, 1999).
O diálogo entre pensamento grego e cristianismo fundou a primeira tradi-
ção filosófica da nova religião e tocou em particular o âmbito da teorização
pedagógica que incorporou e transcreveu a noção de Paidéia, embora a

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 21


experiência cristã deixasse conviver ao lado uma visão educativa rigorista
e anti-intelectual, de inspiração rigidamente religiosa. A ruptura cristã tam-
bém em pedagogia foi sensível, mas as categorias que vinham organizando
aquela experiência mantiveram uma profunda continuidade com a reflexão
clássica que operou durante toda a Idade Média e, depois, na própria Idade
Média (CAMBI, 1999, p. 130).

Por essas condições, segundo Cambi (1999), o cristianismo foi responsável por
uma profunda revolução cultural no mundo antigo, pois propunha não somente uma nova
sociedade mas, também, um novo tipo de homem, no qual a igualdade, a solidariedade, a
humildade, o amor universal, a dedicação pessoal, a castidade e a pobreza são virtudes
essenciais a serem desenvolvidas.

2.5 A Idade Média e os Modelos Educacionais


Segundo Aranha (2012), a educação na Idade Média é marcada pela fé, notada-
mente a fé católica. O período histórico que compreende a Idade Média Ocidental se es-
tende desde o século IV até o século XV e apresenta diferentes modelos de educação e de
escolas. Durante a Idade Média ainda, são criadas as primeiras Universidades, que visam,
num primeiro momento, atender à formação específica de profissionais que colaborem com
as necessidades da nascente sociedade burguesa e, também, dos nobres investidores.
Nesse sentido, grande parte do investimento no sistema educacional do período se desti-
nava à formação de trabalhadores para os diversos ofícios artesanais, assim como também
para construtores de mapas, visando as navegações e o comércio marítimo, por exemplo.
Será um longo período, onde a Igreja Católica se tornará senhora tanto das
questões do espírito quanto do Estado. Seu modelo mais expressivo de educação ficou
conhecido como escolástica, um tipo de “filosofia das escolas cristãs ou das doutrinas da
igreja” (ARANHA, 2012, p. 176).
A atividade docente na universidade era desenvolvida conforme o método
da Escolástica, baseado na lectio (leitura) e na disputatio (discurso), pelas
quais os estudantes exercitavam as artes da dialética, discutindo proposições
controvertidas (ARANHA, 2012, p. 172).

O método escolástico entra em declínio em fins do século XIV, quando, inclusive as


universidades, limitadas pelo dogmatismo do método, entram em decadência.

2.6 O Modelo de Educação Praticado no Renascimento


Neste momento histórico, o próprio pensamento antropocêntrico, que leva o homem
a ser o grande responsável pelas suas ações, irá influenciar, irremediavelmente, um ensino
laico, longe dos dogmas da Igreja. O interesse da burguesia era, justamente, a libertação
para que se desenvolvesse o processo científico.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 22


A grande novidade da nova ciência foi a valorização da técnica, ao privilegiar
o método experimental, mérito que coube a Galileu Galilei (1564-1642). Em
oposição ao discurso formal da física aristotélico-tomista, Galileu valorizou
a experiência e o testemunho dos sentidos. Seu método resultou do feliz
encontro da experimentação com a matemática, da ciência com a técnica.
Tais procedimentos não provocaram simples evolução na ciência, mas uma
verdadeira ruptura com a tradição, decorrente da nova linguagem científica,
de um novo paradigma (ARANHA, 2012, p. 245).

Este novo paradigma, exposto acima, foi um marco que separou séculos de uma
educação clássica, religiosa e determinista, como resultado da interdependência entre
ciência e técnica, no qual a ideia de ação humana como elemento capaz de incidir sobre a
natureza foi ampliada para além das limitações impostas pelo pensamento medieval. Em
certo sentido, essas mudanças inauguram o que se convencionou denominar de Período
Moderno.

2.7 A Educação na Modernidade


Apesar destas conquistas, o século XVII será o momento em que os colégios reli-
giosos alcançarão números de instituições fundadas jamais vistos antes. A disseminação
da escola jesuítica, com o ensino tradicional, apesar de bem organizado, não conseguirá
se manter por muito mais tempo neste formato já ultrapassado para uma época em que os
valores burgueses, bem como o seu poder, se fortalecerão muito, principalmente depois da
Revolução Francesa. Algumas outras escolas religiosas, como dos oratorianos, relata Ara-
nha (2012), da Congregação do Oratório, fundada em 1614, serão opositores do sistema
jesuítico, acolhendo as novas ciências e a filosofia de Descartes. Esta congregação será
herdeira dos colégios da Companhia de Jesus, quando esta for dissolvida no século XVIII.
O discurso de educação popular toma força também neste período, na Alemanha,
por meio dos protestantes que pregavam uma formação universalista e se concentravam
principalmente na importância ao estudo secundário, portanto, de cunho elitista. Na França,
o abade Charles Démia (1636-1689), conforme Aranha (2012), publicou um livro defen-
dendo a educação popular. Sob sua direção e influência foram fundadas diversas escolas
gratuitas para crianças pobres e um seminário para a formação de mestres. Outros lugares
na Europa também baixaram decretos ou apresentavam projetos de obrigatoriedade esco-
lar, pelo menos do ensino elementar.

2.8 A Educação na Contemporaneidade


Não há datas específicas para determinar o início e o fim do período denominado
modernidade. Costuma-se utilizar alguns fatos como referência, como, por exemplo, a

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 23


transição teórica entre o pensamento medieval ou renascentista e o pensamento moderno
racional. Mas, sobretudo, tem-se como referência a elaboração do método experimental
proposto por Descartes (1596-1650) que irá perdurar até a Revolução Francesa em 1789.
Já o século XVIII é palco de grandes transformações, que vão abalar toda a Eu-
ropa, culminando na mais simbólica e profunda: a Revolução Francesa, em 1789. Entre
outros fatores, esta revolução marcou o fim do domínio da Igreja e do absolutismo real. Na
América, os EUA declararam sua independência, momento em que a democracia deixa
de ser uma teoria e passa a existir por meio do presidencialismo norte-americano. A nova
ordem do mundo é resumida em “igualdade, liberdade e fraternidade” e insere-se nessa
discussão a proposta de uma educação democrática.

2.9 A Educação em Fins do Século XX


Atualmente, pensadores como Edgar Morin elevaram ainda mais a relevância da
educação e suas atribuições ao considerarem a necessidade de uma educação que privile-
gie a complexidade da sociedade contemporânea. Enquanto o século XIX se caracterizou
pela fragmentação dos saberes, ao final do século XX a exigência é de um novo paradigma
de complexidade “que, ao mesmo tempo disjunte e associe, que conceba os níveis de
emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais” (MORIN,
2002, p. 53).
Esse novo paradigma se faz necessário, uma vez que, no mundo atual, é consenso
que “as ideias e, mais amplamente, as coisas do espírito, nascem dos próprios espíritos,
em condições socioculturais que determinam as suas características e as suas formas,
como produtos e instrumentos de conhecimento” (MORIN, 1991, p. 95).
A esse mundo das ideias, produtor e renovador das culturas e formas de pensar e
agir Morin denominou Noosfera. O termo Noosfera, entretanto, está diretamente ligado ao
didata francês Yves Chevallard (1946), algo que pode ser compreendido como um espaço
ou uma esfera “donde se piensa” (CHEVALLARD, 2000, p. 28). É assim que, ao final do
século XXI, a educação toma novos rumos e parte da pedagogia para tornar-se ciência da
educação (CAMBI, 1999, p. 595) e responder às demandas da complexidade da sociedade
onde novos sujeitos, saberes, interesses e necessidades se apresentam notadamente no
campo da tecnologia e das mídias digitais.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 24


SAIBA MAIS
O sistema educacional como conhecemos hoje teve muitas contribuições. Uma delas
foi o estudo realizado pelo sociólogo Norbert Elias (1897 - 1990), plasmado na obra O
Processo Civilizador. Nessa obra o autor analisa a história dos costumes a partir da for-
mação do Estado Moderno e suas influências sobre a civilização e nos leva a pensar no
que aconteceria se um homem da sociedade contemporânea fosse, de repente, trans-
portado para uma época remota de sua própria sociedade. É possível que encontrasse
um modo de vida muito diferente do seu. Alguns hábitos e costumes lhe seriam atraen-
tes, convenientes e aceitáveis do seu ponto de vista, enquanto outros seriam inadequa-
dos. Estaria diante de uma sociedade que, para ele, não seria civilizada. No Processo
Civilizador, Elias procura analisar questões fundamentais como quais os motivos e de
que forma ocorreu essa mudança. Leitura agradável que nos convida a pensar acerca
da importância da cultura como elemento essencial para pensar as sociedades e, com
isso, valorizar as diferenças bem como combater a discriminação e outras formas de
preconceito.
Fontes: Elias (1993) e Elias (1994).

REFLITA
Reflita acerca de como o corpo passou a ser objeto de disciplinarização, sobretudo a
partir do século XVIII, por meio das instituições sob o domínio dos governos nacionais,
como hospitais, escolas, manicômios etc.
A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o contro-
le das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da
escola, do quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizado, uma
racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do
infinito. E uma História do Detalhe no século XVIII, colocada sob o signo
de Jean-Baptiste de La Salle, esbarrando em Leibniz e Buffon, passando
por Frederico II, atravessando a pedagogia, a medicina, a tática militar e
a economia, deveria chegar ao homem que sonhara no fim do século ser
um novo Newton, não mais aquele das imensidões do céu ou das mas-
sas planetárias, mas dos “pequenos corpos”, dos pequenos movimentos,
das pequenas ações; ao homem que respondeu a Monge (“Só havia um
mundo a ser descoberto”) (FOUCAUT, 1987, p. 02).

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 25


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, procuramos compreender a gênese da educação, desde sua prática


no interior das comunidades paleolíticas e neolíticas, até a transformação e sistematização
do ensino formal e não formal.
Nosso principal foco foi a análise da estruturação da educação dentro do contexto
do desenvolvimento cultural das sociedades humanas como diretriz para a formação dos
diferentes modelos de educação que se estabeleceram nas diversas sociedades em tem-
pos históricos distintos.
Num segundo momento, abordamos, de forma introdutória, como a educação foi
se desenvolvendo junto aos primeiros povos organizados em forma de Estado e marcados
pelas teocracias, como os povos egípcios e mesopotâmicos. Junto a esses, somam-se os
povos orientais da China e do Japão com características escolares marcadas pela manu-
tenção da tradição e, portanto, modelos educacionais estáticos.
Com as Paidéias gregas, ocorreu o que Cambi (1999) denominou como revolução
educacional quando, mais do que formar pessoas para o trabalho, passou-se a valorizar a
formação intelectual dos indivíduos. Esse modelo educacional gerou, por sua vez, a duali-
dade entre trabalho manual e trabalho intelectual.
Influenciados pelo mundo grego, os romanos adotam a última fase da revolução
grega e instituem o modelo educacional baseado na humanitas, que será, por sua vez,
transformado a partir do momento em que o cristianismo propõe um novo homem marcado
pela caridade e pela humildade.
Esse modelo de homem seria modificado ainda mais durante a Idade Média, fase
em que a medida de todos os homens passa a ser a fé. Transformada em poder político e
econômico, a religião Católica impõe modelos educacionais baseados em dogmas religio-
sos que terão na Escolástica seu maior exemplo. Entretanto, mudanças na ordem social e
econômica, oriundas tanto da Reforma Protestante quanto do fortalecimento da burguesia,
ao negarem a hegemonia do poder católico, passaram a elaborar outras formas de educar
que, ao longo do tempo, gestaram o que viria a ser conhecido como escolas laicas.
As escolas laicas, embora tenham existido durante a Idade Média, são caracterís-
ticas, sobretudo, do mundo moderno e contemporâneo. Isso não exclui a existência, ainda

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 26


nos dias atuais, de escolas proselitistas. Entretanto, o mundo pós-industrialização e com
foco nas democracias e na constituição do indivíduo-cidadão apostou nas ciências como a
psicologia e a psicanálise como elementos essenciais dessa formação.
Por fim, vimos brevemente como o século XX, sobretudo a partir dos anos 1950,
gestou modelos educacionais diversos. Algo que já acontecia desde o final do XIX mas, que
se intensificou depois da Segunda Grande Guerra. Na próxima unidade, vamos analisar as
singularidades das pedagogias em diferentes momentos históricos.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 27


LEITURA COMPLEMENTAR

1. No artigo abaixo, Jean-Claude Filloux apresenta a reflexão feita por Durkheim


acerca da educação: FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Recife: Funda-
ção Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. Disponível em: http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/me4657.pdf. Acesso em: 06 mar. 2020.

2. Em O processo civilizador, o sociólogo Norbert Elias estuda como a evolução


nos costumes e hábitos colaborou para a constituição da civilização moderna.
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. V. I. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

3. Em Vigiar e punir, Michel Foucault analisa como as instituições colaboram para


coibir e educar os indivíduos. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis:
Vozes, 1987.

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 28


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: História da Pedagogia
• Autor: Franco Cambi
• Editora: UNESP
• Sinopse: a obra de Franco Cambi aborda a educação enquanto
um produto cultural que se inicia juntamente com a jornada huma-
na em fins do Paleolítico até os dias atuais.

FILME/VÍDEO
• Título: Sabedoria Romana - os estoicos e a arte de viver
• Ano: 2017
• Sinopse: no vídeo “Sabedoria romana: os estoicos e a arte de
viver”, a professora Renata Peluso discute sobre quais saberes
e práticas a filosofia estoica foi elaborada. O estoicismo foi uma
doutrina fundada no século III antes da era cristã. Seu criador foi o
filósofo Zenão de Cício (335-264 a.C.) e se caracterizava por ser
uma filosofia que propunha a extirpação das paixões, de forma a
tornar o homem um sábio.
• Link: https://www.youtube.com/watch?v=Vm0JSeMwo2I

UNIDADE I História da Educação: Conceitos e Fatores 29


UNIDADE II
História da Educação da
Antiguidade à Contemporaneidade
Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• A educação no Oriente Antigo
• A educação no Ocidente Antigo
• A educação na Idade Média
• A educação no Renascimento
• O mundo moderno e a educação
• A educação na contemporaneidade

Objetivos de Aprendizagem:
• Visualizar como a educação acontecida no Oriente Antigo criou bases para a
institucionalização do ensino formal;
• Compreender os modelos educativos existentes na Grécia Antiga e na Roma Antiga;
• Conhecer as fases da educação romana;
• Analisar os modelos educacionais desenvolvidos durante a Alta e a Baixa Idade Média;
• Estudar a educação perante as mudanças ocorridas no Renascimento e na
Modernidade;
• Investigar o surgimento da Escola Nova em fins do século XIX, início do período
Contemporâneo.

30
INTRODUÇÃO

Querido (a) aluno (a),

Nesta unidade analisaremos como a educação se desenvolveu em diversos mo-


mentos históricos. Por exemplo estudaremos a educação praticada pelos mesopotâmicos
e egípcios que permitirá compreendermos como o ensino tornou-se relevante para a or-
ganização econômica daquelas sociedades e passou a contar com espaços destinados
ao aprendizado sistêmico, como templos por exemplo, ainda que ocupados por outros
eventos. Ao se institucionalizar, no entanto, a “escola” ou “casas de vidas” passou a ser
algo esquemático e excludente.
Já na Grécia a abordagem irá recair sobre o exemplo clássico de educação basea-
da na paidéia que organiza os planos de estudo ocidentais ainda em nossos dias. Com a
paidéia, a formação educacional ultrapassa o modelo presente na sociedade egípcia no
qual a educação visava a obediência e a submissão além da aquisição de conhecimentos
técnicos.
No modelo grego o racionalismo, a reflexão e o questionamento dos saberes
passam a fazer parte da formação do homem grego, depois cidadão e, posteriormente,
como ser universal. Filosofar acerca do homem, da sociedade, dos saberes, dos mitos,
das religiões, etc., leva a elaboração da ideia de um indivíduo ideal, modelo a ser buscado
não só para o desenvolvimento e manutenção da pólis, mas, para o próprio crescimento
humano. Educa-se para a humanização. E, na Roma antiga veremos como a educação
baseada na humanitas permeia a formação do cidadão romano, mas, acima de tudo, do
homem romano.
No tópico destinado à educação durante a Idade Média, observaremos que esse
período, por ser dividido em suas partes (Alta Idade Média e Baixa Idade Média), apresen-
tam modelos educacionais diversificados. As escolas monásticas por exemplo, são mais
expressivas durante a Alta Idade Média mas, com o surgimento da burguesia e os novos
interesses desse grupo teremos as escolas seculares e palacianas que se preocupam com
um conhecimento voltado para a vida prática, o que as afasta o modelo monástico cujo pri-
vilégio eram os estudos voltados para a espiritualidade. Durante a Alta Idade Média surge

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 31


também a escolástica, que pode ser compreendida como uma filosofia voltada para explicar
o mundo a partir dos dogmas cristãos.
Entretanto, em meio a burgueses e catolicismos, surgem as universidades e os
saberes dogmáticos então, passam a ser, cada vez mais questionados. A Reforma protes-
tante e o fortalecimento do pensamento burguês irão inaugurar outras formas de educar,
cada uma de acordo com seus interesses e que culminará com mudanças que terão sua
expressão durante os anos do Renascimento, algo em torno dos séculos XIV a XVI.
Com o advento da Modernidade (XVII – XIX), o pensamento racional toma forma
também nos modelos educacionais que buscam estender os ensinamentos para o maior
grupo de pessoas possíveis, ainda que não priorizem o mesmo saber para as diferentes
camadas sociais. Com a industrialização a escola técnica assume a incumbência de formar
mão de obra capaz de atender a demanda do mundo do trabalho. Pedagogicamente, no
entanto, tem-se nesse período uma inovação que irá mudar de forma radical as propostas
educacionais. É no século XIX que o homem passa a ser visto como fruto da interação
social e não somente educacional e assim, a criança torna-se o foco do sistema educacio-
nal. Esse movimento foi conhecido como Escola Nova e influenciou a educação em fins do
dezenove e grande parte do século XX como veremos na Unidade 3.
Bons estudos!

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 32


CALZADA, David H. Escrita Cuneiforme na Assíria
e na Suméria Antigas/Mesopotâmia.

1 A EDUCAÇÃO NO ORIENTE ANTIGO

Os povos aos quais denominamos antiguidade oriental surgiram no norte da Áfri-


ca e na Ásia (Oriente Próximo, Oriente Médio e Extremo Oriente) e são civilizações que
transformaram a estrutura da antiga aldeia ou grupos de aldeias em cidades, com templos,
palácios, setores de administração e, pelo processo de transformação das relações sociais,
o desenvolvimento da escrita, da matemática e da política. Todas estas civilizações são
fundadas em fortes bases religiosas, outras características que podemos ressaltar é o
caráter estático onde a mudança nos processos sociais é muito lenta. Como reflexo de sua
complexidade de estruturação surge a escola restrita à classe dominante ou aos nobres e
de cunho tradicionalista.
A maior parte dessas sociedades se formou ao longo de planícies sulcadas por
grandes rios os quais foram por elas controlados sobretudo quanto ao uso das águas para
desenvolvimento da agricultura. Em geral apresentavam forte divisão do trabalho e nítida
distinção entre as classes sociais
com forte controle social, tendendo portanto a desenvolver a gestão do poder
na dimensão do Estado (= governo gerido pelo soberano e pela burocracia
administrativa, guerreira, religiosa)/ que dão corpo a uma tradição de rituais,
de mitos, de técnicas, de saberes que, por sua vez, levanta o problema da
sua transmissão/transformação/incremento e que é gerada pela estabilidade
e pela colaboração que marca tais sociedade (CAMBI, 1999, p. 60).

Os modelos mais estudados para a antiguidade oriental são a China e a Índia


na região dos oceanos Pacífico e Índico e as sociedades mesopotâmicas e egípcia. De

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 33


forma sintética, Cambi (1999), enumera três características para a educação desenvolvida
e praticada nessas sociedades:
1. ela é, ainda, transmissão da tradição e aprendizagem por imitação, mas
tende a tornar-se cada vez mais independente deste modelo e a definir-se
como processo de aprendizagem e de transformação ao mesmo tempo;
2. liga-se cada vez mais à linguagem – primeiro oral, depois escrita -, tor-
nando-se cada vez mais transmissão de saberes discursivos (ou discur-
sos-saberes) e não somente de práticas, de processos que são apenas,
ou sobretudo, operativos;
3. reclama uma institucionalização desta aprendizagem num local destinado
a transmitir a tradição na sua articulação de saberes diversos; a escola
(CAMBI, 1999, p. 61).

Aponta ele também, que a escola se torna cada vez mais central como organismo
instrutor de saberes, sobretudo com o fortalecimento dos trabalhos especializados. Com
as sociedades estamentais surgidas então, a escola torna-se uma escola dúplice uma vez
que atende ao conhecimento da cultura e do trabalho; forma profissionais e acentua o
enrijecimento dos papéis sociais em classes separadas e hierarquias diversas além de
transmitir a tradição dos povos.
De forma esquemática, abordaremos nos próximos tópicos e subtópicos, dados
básicos história da educação na China, na Índia, no Japão, no Egito e na Mesopotâmia.
Sociedades altamente hierarquizadas, sectárias e autoritárias.

1.1 Mesopotâmia
Os mesopotâmicos provavelmente tenham se organizado como civilização a partir
do quinto ou quarto milênio a.C., às margens dos rios Eufrates e Tigre, como atestam
diversos achados arqueológicos. Standage a descreve assim:
a maioria de seus habitantes era formada por fazendeiros que viviam entre
os muros da cidade e saíam a cada manhã para tomar conta de seus cam-
pos. Administradores, artesãos que não trabalhavam nos campos foram os
primeiros a levar vidas inteiramente urbanas. Veículos com rodas circulavam
pelas ruas, e as pessoas compravam e vendiam mercadorias em mercados
movimentados. Cerimônias religiosas e feriados públicos ocorriam num ciclo
regular que traziam conforto (STANDAGE, 2005, p. 27).

Cidades com estruturas bem construídas, inclusive para compensar questões


geográficas, como enchentes dos rios, sistemas de irrigação, levam a crer que havia ali
naquela região uma intensa atividade de produção e escoamento de produtos através dos
rios também.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 34


Figura 1 - Mesopotâmia

Sabemos que vários povos se sucederam no decorrer de sua história, dentre os


quais: sumérios, acádios, assírios e os persas. Sendo os sumérios, um povo de origem
incerta, os responsáveis por organizar a vida social mesopotâmica fundando cidades, “ca-
nalizando as águas, cultivando grãos, cevada, palmáceas e vendo em paz, sem “políticas
de poder” e adorando deuses nos templos” (CAMBI, 1999, p. 64).
Utilizavam diversos instrumentos feitos por meio de fundição de metais, o que
denota conhecimentos tecnológicos importantes para tal fabricação. Compreende-se, por-
tanto, uma constante atividade econômica que deveria ser controlada por pessoas de alta
confiança, no caso os sacerdotes, mas mediante um registro concreto:
para tudo isso funcionar, os sacerdotes e seus súditos tinham de ser capazes
de registrar o que tinha trazido e recebido. Recibos de impostos foram
inicialmente mantidos em formas de fichas dentro de envelopes de barro [...].
Os documentos escritos mais antigos, que datam de 3.400 a.C., da cidade de
Uruk, são tabuletas pequenas e lisas de barro que cabem confortavelmente
na palma da mão [...]. Cada compartimento contém um grupo de símbolos,
alguns obtidos pela pressão das fichas no barro e outros rabiscados utilizando
estiletes (STANDAGE, 2005, p. 32).

Com o desenvolvimento e expansão econômica a necessidade de registros di-


versos, inclusive leis, levou ao desenvolvimento de um sistema de escrita chamada de
cuneiforme (pela maneira como era modelada) em placas de argila e que tinham diversas
funções.
Por volta de 3.000 a.C., alguns símbolos surgiram para representar sons
específicos. Ao mesmo tempo, pictogramas feitos de impressões profundas
com o formato de cunha tomaram o lugar daqueles compostos por rabiscos

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 35


superficiais. Isto tornou a escrita mais rápida, porém reduziu a qualidade
pictográfica dos símbolos, de tal modo que a escrita começou a parecer de
forma mais abstrata (STANDAGE, 2005, p. 34).

Parece-nos, portanto, que o ato da escrita compunha não somente uma prática
diária, mas também uma necessidade organizacional, sendo assim compunha parte do
aprendizado de algumas castas, diferente do que veremos nos primeiros tempos no Egito.
Apesar de as informações sobre a educação serem poucas, sabemos que desen-
volveram estudos sobre a astronomia, medicina, engenharia. A educação predominante na
era dos sumérios (3.800 – 3.500 a.C.) era doméstica, os saberes eram transmitidos dentro
do núcleo familiar, geralmente por meio do chefe desta. Os ensinamentos eram, como
pressupõem-se, carregados de misticismo, no entanto com o passar dos séculos ocorrem
mudanças significativas:
Após 1240 a.C., quando os assírios conquistaram a Babilônia, foram criadas
escolas públicas, com a intenção de impor valores conquistadores. Com o
tempo surgiram instâncias de educação superior – os centros de estudos de
história natural, astronomia, matemática criados nos palácios reais – a que os
historiadores chamaram de “Universidade Palatina da Babilônica”. Também
proliferaram ricas bibliotecas no interior dos templos, em que os “livros” eram
tabuletas ou cilindros gravados com caracteres cuneiformes e versavam
sobre os mais diversos assuntos (ARANHA, 2012, p. 56).

Vale dizer que as bibliotecas já existiam com os sumérios, mas se multiplicaram em


várias regiões com os assírios, o que também nos leva a crer que parte da simplificação da
escrita, conforme relatamos acima, facilitou a disseminação do conhecimento e do ofício de
ler e escrever.
Mesmo este processo de estruturação do ensino, não nos fornece dados de que
houve uma inovação nos processos de ensino, sendo mais claro afirmar que mesmo sendo
criados novos espaços para a educação, esta permanecia tradicionalista, atendendo basi-
camente as classes mais abastadas ou dirigentes, em detrimento das camadas de servos
e trabalhadores. A classe sacerdotal gozava de grande poder e prestígio e eram fiéis de-
positários do conhecimento e encarregada pela educação. Ainda no segundo milênio a.C.,
o rei Hamurabi institui uma lei que será conhecida na história pelo seu nome, lei esta que
resultava da autoridade divina, portanto imutáveis e não passíveis de transgressão, que
confirmam a emanação divina do rei e dos sacerdotes e levadas à cabo pela população.
A classe sacerdotal era depositária da palavra, conhecedora das técnicas da leitura
e da escrita nas línguas suméria e acadiana, ambas presentes na sociedade mesopotâmica.
Esse acúmulo de conhecimentos e responsabilidades tornava os sacerdotes depositários
também das formações escolares, tecnocráticas e médicas “ligadas a um “processo de

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 36


iniciação” e conferida com “extrema seriedade”, segundo um sistema gradual: primeiro
aprendia-se a língua oralmente, depois “de forma criptográfica”, por fim na dimensão escrita
comum” (CAMBI, 1999, p. 64).
Por suas capacidades, os sacerdotes eram os responsáveis por formar os escribas
que tinham a função de ler e reproduzir os textos religiosos, registrar transações comerciais,
entre outras produções muitas vezes encomendadas pelos reis.

1.2 Egito

Figura 2 - Thoth, deus da sabedoria

Thoth, deus do Egito Antigo.

Thoth, deus egípcio representado pela figura com corpo humano e cabeça de
íbis é considerado deus da sabedoria e “criador de toda atividade intelectual de todos os
povos” (MANACORDA, 1992, p. 10). Ele representa a maturidade cultural e instrucional
da sociedade egípcia, ou seja, Thoth representa um momento em que o mundo egípcio já
se encontrava em pleno desenvolvimento educacional instituído por meio da valorização
do profissional responsável pela produção, manutenção e transmissão dos saberes assim
como, pela constituição de espaços específicos para a transmissão desses conhecimentos.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 37


Com essa assertiva, Manacorda nos leva a considerar que houveram, na socie-
dade egípcia, diferentes momentos na dimensão educacional e que culminaram com a
representação em sua plenitude na figura do deus da sabedoria Thoth.
Cada período histórico egípcio determinou alterações nas formas de ensinar. Com
base nesse fato, dividiremos nossa apresentação considerando os quatro períodos clássi-
cos daquela sociedade: o Antigo Império, o Segundo Império, o Novo Império e, por fim, o
período Demótico.

1.2.1 A educação no Antigo Império egípcio


A civilização egípcia que se formou ao longo do rio Nilo é fruto da fusão de diversos
grupos étnicos, politeístas e organizados politicamente sob a instituição dos faraós. Sua
economia era agrária e representava a grande riqueza daquele país (CAMBI, 1999, p. 66).
Durante o antigo império, ainda sob o governo de Menés (3.100 a.C.), o faraó
tonou-se símbolo da unidade do país. Investido de conotações divinas e governava exer-
cendo controle sobre os demais membros da sociedade como os altos funcionários da
corte, os sacerdotes, os burocratas, os guerreiros e os técnicos. A educação nesse período
não fazia uso de livros sagrados nem havia magistérios instituídos.
De acordo com Aranha (2012, p. 54), embora a sociedade egípcia tivesse vastos
conhecimentos em botânica, zoologia, mineralogia, geografia, geometria e matemática, o
volume de informações sob seu domínio não vinha acompanhado de questões teóricas,
demonstrações, princípios ou leis científicas. Caberia aos gregos a grande contribuição
nesse sentido.
Em um Estado centralizado e teocrático como o egípcio, a transmissão do conheci-
mento religioso e técnico se restringia aos sacerdotes que por sua vez, instruíam os demais
por meio de ritos de iniciação (ARANHA, 2012, p. 54).
As escolas, já institucionalizadas, eram frequentadas por mais de vinte alunos e
“não funcionavam em prédios especialmente construídos para essa função, mas sim, em
templos e algumas casas” (ARANHA, 2012, p. 54). Para as aulas,
Os mestres sentavam-se em uma esteira e os alunos ao redor dele, muitas
vezes ao ar livre, “sob uma figueira”, como atesta a rica iconografia egípcia.
Os textos eram aprendidos mediante a repetição mnemônica, isto é, pela
leitura em voz alta, em conjunto, para facilitar a memorização. O ensino
autoritário tinha por finalidade curvar o aluno à obediência (ARANHA, 2012,
p. 54).

Além da obediência, a educação formal egípcia valorizava o “falar bem”. Consi-


derado elemento essencial para o desempenho político, o falar bem contribuia na arte de

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 38


convencimento tanto dos conselheiros reais quanto das multidões (ARANHA, 2012, p. 54).
Durante o antigo império predominava a educação por meio da literatura sapiencial, que
são os livros voltados para o ensinamento via moral e comportamentos.
Os autores desses primeiros ensinamentos, fossem eles príncipes ou es-
cribas-funcionários, constituíram uma tradição tornando-se os clássicos por
excelência da literatura egípcia, dado que seus escritos chegaram até nós em
muitas coletâneas escolásticas mais recentes. Mencionamos Kares, Heige-
def (Gedefor), Khety, Neferty, Ptahemgiehuti, Khakheper-ra-seneb, Pthhotep
e Imhotep, do qual não nos restou nada: são “os sábios que prediziam o
futuro”, pois, isto é, são os autores de uma literatura que poderíamos chamar
de profética ou sapiencial, como aquilo que costumamos encontrar na Bíblia
(MANACORDA, 1992, p. 11, grifo no original).

É possível dizer que a “relação pedagógica” existente no período era marcada por
uma educação mnemônica na qual se valorizava a repetição e era passada de pai para filho
(MANACORDA, 1992, p. 12).
Somado aos ensinamentos ético-comportamentais os exercícios físicos. Ainda du-
rante a antiguidade egípcia, atividades físicas como natação passam a ser ensinadas aos
jovens juntamente com o uso do arco, a corrida, a caça e a pesca. Nesse período, a técnica
do “escrever bem” não fazia parte da educação voltada para o “falar bem”. O ensino da
escrita era voltado para um grupo específico de técnicos como os escribas encarregados
dos registros de atos oficiais ou registros de comércio (ARANHA, 2012, p. 54).
No final do terceiro milênio a.C. e do advento do segundo, os escribas passaram a
ter mais prestígio assim como as técnicas de escritas. Dada a relevância desse técnico da
escrita, responsável pela leitura das escrituras antigas; redator dos escritos do rei, mestre
das crianças e filhos do rei (nascidos ou ascensos), esse profissional será introduzido na
dinâmica de sua majestade o que o levará a tornar-se “além de funcionário da adminis-
tração, também – se não sobretudo – mestre dos grandes (por nascimento ou ascensão
socialmente) e, particularmente, dos “filhos do rei” e dos filhos de outros grandes” (MANA-
CORDA, 1992, p. 20, grifo no original).

1.2.2 A educação no Médio Império


Durante o Médio Império (2100 – 1780 a. C), o livro uso do livro texto se generaliza.
Já não são mais usados somente sapienciais e sim, escritos realizados pelos próprios
escribas. Escriba que pode ser o próprio pai, “confirmando que, originalmente, a intuição
era um fato interno à família, com para qualquer outra atividade profissional, ou um escriba
que está formando seu aprendiz” (MANACORDA, 1992, p. 20), como se ensina a um filho.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 39


A escola não pública, mas, coletiva e privada. Nessa época, a profissão de escriba
se apresenta como uma possibilidade, inclusive de prestígio e ascensão social (MANA-
CORDA, 1992, p. 21). O saber técnico, expresso por um profissional ou um mestre, se
especializa em si mesma e um escriba pode ser um conhecedor dos hieróglifos; um escriba
da casa dos escritos (biblioteca) ou da casa da vida (escola). Mas, acima de tudo, um
escriba é a pessoa que domina o saber da escrita e irá atuar tanto no palácio quanto no
comércio.
A sabedoria torna-se cultura, isto é, “em conhecimento erudito e em assimilação da
tradição com seus rituais e a correlativa constituição da escola com seus materiais didáticos,
os rolos de papiro (os atuais livros)” (MANACORDA, 1992, p. 21, grifo no original).

Figura 3 - Papiro antigo egípcio com diferentes imagens e hieróglifos

BONDARENKO, Ihor. Papiro antigo egípcio com diferentes imagens e hieróglifos

São fortalecidas nesse momento, a obediência submissão aprendidas quer seja


na escola da vida ou em casa, e, os estudos apreendidos com um escriba para tornar-se
também um escriba se transformam em ações favoráveis para uma vida proveitosa e ideal
para a promoção social, resume Manacorda (1992, p. 23).

1.2.3 A educação no Novo Império


No novo império ocorrerá a generalização das escolas, a educação passa a ser não
somente física (militar), mas também uma formação intelectual. Nas escolas, os materiais
didáticos passam a ser empregados de maneira sistêmica, o uso de coletâneas escolares
que são compostos por textos e cadernos de exercícios, continham hinos, orações, senten-

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 40


ças morais, sátira dos ofícios e a exaltação dos antigos escribas, aliás, é preciso salientar
que o perfil deste ofício muda também neste período:
o escriba Hori, após ter exibido sua capacidade estilística, provoca o adver-
sário a responder questões de matemática, geometria, geografia, engenharia
e outras. Temos aqui um exemplo vivo da cultura técnica e não sapiencial
como outrora, que um escriba deveria possuir. Todas as questões são muito
concretas: cálculo das rações para os soldados, dos tijolos para a construção
de uma rampa, da mão-de-obra para o levantamento do obelisco ou para o
esvaziamento de um armazém (MANACORDA, 1992, p. 34).

O saber universal passa a ser uma referência de ensino em um mundo real e con-
creto, dominado pelas exigências práticas e, portanto, o escriba tem um papel fundamental
na preparação desta nova realidade.
Os métodos educativos, preservados sobretudo nos textos sapienciais e também
nos escritos dos próprios escribas mostram que a punição ainda é um elemento disciplina-
dor no Novo Império. Ensina-se por meio da punição e pela aceitação do aspecto técnico
do ofício de escriba que é exatamente o domínio da arte da escrita e da leitura. A primeira
adquire-se com o adestramento das mãos e dos dedos e a segunda, por meio da leitura em
voz alta ainda que haja presentes na sala (MANACORDA, 1992, p. 33).
Os métodos de ensino da matemática são inexistentes nesse período segundo
Manacorda (1992, p. 34). Explica ele que não havia então pressupostos teóricos para o en-
sino da matemática sendo que os algoritmos eram fornecidos pelos mestres e deviam ser
repetidos até estarem decorados. Nesse período, “qualquer raciocínio, teoria ou justificativa
lógica eram reservados aos graus superiores dos estudos” (MANACORDA, 1992, p. 35).
Outro elemento da cultura educacional criada pelos egípcios são as Onomásticas.
A Onomástica, juntamente com o ensino mnemônico, ajudava a controlar uma complexa
administração estatal e são consideradas as ancestrais das nossas enciclopédias.
Consideradas como obras de saber universal, as Onomásticas apresentavam um
interesse não tão filológico, mas de conteúdo, isto é, são listas de coisas reais e não de
palavras, como em nossos vocabulários. Nelas estão contidos em setores as listas do que
se deve saber sobre: o céu, a água e a terra. Sobre pessoas, ofícios, profissões e, sobre
classes: tribos, tipos de seres humanos; as cidades; edifícios e suas partes; terrenos agrí-
colas (MANACORDA, 1992, p. 35).
Com estas classificações eram feitas catalogações que eram utilizadas na profissão
do escriba enquanto funcionário do Estado, bem como nos recursos a serem ensinados aos
seus discípulos.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 41


1.2.4 A educação no período Demótico
O período Demótico, que compreende os anos de 1069 a 333 a.C., inaugura uma
forma de educação cujo objetivo não é mais formar para o bem falar. Não mais a oratória
política capaz de convencer conselheiros do reino ou a população em geral é o foco da
educação realizada quer seja institucionalmente quer seja nos lares. Ainda que a educação
continue pautada em questões morais, nas tradições ancestrais e no falar bem, um novo
elemento se soma a esses saberes. Agora foco da instrução não é mais exclusivamente a
formação para o universo da política, mas sim para a vida cortesã, cabendo aos escribas
prepararem os mais jovens por meio da escrita, leitura obediência e submissão (MANA-
CORDA, 1992, p. 36).
Via de regra, a formação contínua no todo tradicionalista dividindo a escola com ob-
jetivos intelectuais ou profissionais (práticos), sendo a primeira destinada aos nobres para
a política e a guerra, a segunda o ensino dos ofícios que além dos prestigiados escribas
formavam médicos, engenheiros, arquitetos.
A instrução intelectual continua a ser exclusivamente dos grupos dominantes, nobres
e funcionários. “Trata-se, portanto, ou da enculturação ético-comportamental do homem de
qualidade ou da instrução profissional do administrador do Estado” (MANACORDA, 1992,
p. 38). A grande massa, pressupõe-se, que continuava a aprender com a família ou com os
adultos depois de uma certa idade um ofício menor.

1.3 China

Figura 4 - Caligrafia Chinesa

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 42


Os chineses com várias dinastias já estabelecidas em meados do segundo milênio
a.C., mantiveram no decorrer de sua história uma tradição educacional que irá romper
os séculos e serão mantidas sem mudança até um período bem recente de sua história.
Esta sociedade, assim como a mesopotâmica, tem em seus escritos religiosos a base do
conservadorismo pedagógico, pois orientavam-se no I Ching (livro das mutações), como
alerta Aranha (2012, p. 59), Lao Tsé e Confúcio (séc. VI a.C.) se inspiraram neste livro para
fundar o Taoísmo e o Confucionismo.
Como sociedade, a estrutura chinesa se organiza por meio da tradição profunda-
mente marcada pela família, pelo patriarcalismo e pelo autoritarismo. Esses elementos
tidos como de coesão social terão nos mandarins (altos funcionários de extrema confiança
do imperador) a figura que irá dominar o ofício da educação, ao invés dos sacerdotes como
foi entre os mesopotâmicos.
A educação também é tradicional: dividida em classes, opondo cultura e tra-
balho, organizada em escolas fechadas e separadas para a classe dirigente
(para as quais se compilam livros e estudam técnicas de aprendizagem com
exame), nas oficinas para os artesãos ou nos campos para os camponeses
(CAMBI, 1999, p. 63).

Essa forma autoritária e sectária de educar não diferente de outras sociedades que
veremos no decorrer desta obra.

1.4 Índia
A Índia Antiga formou-se a partir de grupos organizados em sociedades sedentárias
ao longo do segundo milênio a.C., nas regiões próximas aos rios Ganges e Indo. A tradição
religiosa é marcada pelo hinduísmo e o budismo, sendo que esta última foi a que se difundiu
até o extremo oriente.
Sob a dominância do hinduísmo em sua maioria influenciados pelo bramanismo, a
sociedade indiana vai se organizar mediante as divisões de castas muito fechadas, bastan-
te radicais e de extrema discriminação. Nesta sociedade são os sacerdotes os líderes que
mantêm ensinamentos dogmáticos imutáveis e excludentes.
Devido à crença de que todos saíram do corpo do deus Brahman, os brâmanes
eram considerados os mais importantes por terem sido gerados da cabeça do
deus. No outro extremo, os párias, por nem sequer terem origem divina, não
pertenciam a nenhuma casta e por isso eram intocáveis e reduzidos a uma
condição miserável (ARANHA, 2012, p. 58).

Marcada pela imutabilidade e incomunicabilidade entre as castas, a possibilidade


de combate à hierarquização da sociedade indiana não era uma possibilidade. E, a edu-

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 43


cação indiana se estruturava da mesma forma que a sociedade, isto é, discriminatória e
privilegiando os membros das castas superiores:
Segundo tão rígida hierarquia, que predeterminava as condições de casa-
mentos e a escolha de profissões, a educação também era discriminadora,
privilegiando os brâmanes. Encaminhados por mestres, eles aprendiam
os textos sagrados do Vedas, compilados em sânscrito a partir da tradição
oral [...] O mestre era venerado, e a disciplina não abusava de castigos. Os
estudos tinham fundo religioso e moral, e o aprendizado era mnemônico
(ARANHA, 2012, p. 58).

Os brâmanes estudavam, além da religião a gramática, a filosofia, direito, astro-


nomia, medicina, somente depois de muito tempo outros segmentos puderam ter acesso
aos estudos, mas de formação elementar, lembrando que os párias continuavam excluídos
por serem intocáveis. Importante ressaltar que os indianos sob o domínio da religião hindu
permanecem na mesma situação até os dias atuais.

1.5 Japão
O Japão se caracteriza por ser uma sociedade marítima e feudal em seus primór-
dios. Organizada sob uma rígida sociedade de classes e por profissões, desenvolveu “uma
religião naturalista que valorizava a submissão à natureza e à ordem social, e durante
séculos hegemonizada pelos modelos da civilização chinesa” (CAMBI, 1999, p. 63).
Como no modelo chinês, a educação no Japão se caracteriza por ser excludente
opondo classe dirigente e demais classes; cultura e trabalho. Sendo que aos grupos pri-
vilegiados, ligados ao poder político e econômico, eram reservadas as escolas enquanto
artesãos e camponeses aprendiam em oficinas e no próprio campo.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 44


Centauro, mitologia grega antiga.

2 A EDUCAÇÃO NO OCIDENTE ANTIGO

2.1 Grécia Arcaica


No período arcaico grego encontramos duas as formas de educação: a homérica
e a hesíodeica e, segundo Cambi (1999, p. 77), se caracteriza por ser uma “pedagogia do
exemplo” por ter como base as ações dos heróis-guerreiros, como Aquiles por exemplo.
Essa concepção se baseia, portanto, nos escritos poéticos e, segundo Jaeger (1995):
a concepção do poeta como educador do seu povo – no sentido mais amplo
e profundo da palavra – foi familiar aos gregos desde a sua origem e manteve
sempre a sua importância. Homero foi apenas o exemplo mais notável desta
concepção geral e, por assim dizer, a sua manifestação clássica (JAEGER,
1995, p. 61).

No entanto, é preciso compreender que não se trata da poesia em sua estrutura


estética e sim,
a não separação entre a estética e a ética é característica do pensamento
grego. O procedimento de separá-las surge relativamente tarde. Para Platão,
ainda, a limitação do conteúdo de verdade da poesia homérica, acarreta ime-
diatamente uma diminuição do seu valor. Foi a antiga retórica que fomentou
pela primeira vez a consideração formal da arte e foi o Cristianismo que, por
fim, converteu a avaliação puramente estética da poesia em atitude espiritual
dominante (JAEGER, 1995, p. 61).

As diretrizes para a concepção de educação no conceito homérico são dadas prin-


cipalmente pela Ilíada. Produzida no século VIII a. C., o poema relata um tempo de heróis,
homens-guerreiros cujos atos eram transmitidos às tradições vivas da aristocracia de seu
tempo.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 45


a educação heróica esboçada na Ilíada retoma aspectos da formação de
Aquiles e se delineia como uma educação prática, que une “língua” e “mão”
e versa sobre o cuidado com o corpo, mas não exclui a oratória guiada
pelo “centauro Quirão”1, ou seja, organizada por uma relação pessoal entre
mestre e aluno, que remete, talvez, à própria prática dórica da pederastia;
da formação do jovem guerreiro através de uma amizade (até carnal) com
um guerreiro mais velho que, funcionava como treinador e guia [...] (CAMBI,
1999, p. 76, grifo no original).

Portanto, o valente é sempre o nobre, homem de posição social elevada, sendo a


luta e a vitória a distinção mais alta e o conteúdo próprio da vida.
Se na Ilíada são revelados o gosto pela guerra e a aspiração à honra como autên-
ticos representantes de uma classe, quando inclusive são poucos os quadros de uma vida
cotidiana, fora do campo de batalha, na Odisseia o herói que se liga de forma natural à
guerra, representa o homem dentro do contexto também dos tempos de paz, demonstra a
existência do herói depois da guerra, as viagens de aventuras, a vida em casa com família
e amigos. Baseia-se, portanto, em um mundo mais real e um estilo de vida dos nobres
daquele tempo mais primitivo. Representa muito bem uma classe de nobres e senhores em
seus palácios, suas aventuras, a saga vista de maneira poética.
Na Ilíada a nobreza é demonstrada em uma forma ideal de fantasia, criada a partir
de traços transmitidos pela tradição dos antigos cantos heroicos. Na Odisseia é possível
observar um sentimento de humanidade entre pessoas comuns, apesar de não haver muito
claro a separação orgulhosa do nobre e o homem do povo, uma proximidade entre o pa-
triarca e seu servo, pressupõe-se que mesmo assim não haja formação consciente fora da
casta privilegiada.
O adestramento como formação da personalidade humana, mediante o con-
selho constante e a direção espiritual, é uma característica típica da nobreza
de todos os tempos e povos. Só esta classe pode aspirar à formação da
personalidade humana na sua totalidade, o que não pode conseguir sem
o cultivo consciente de determinadas qualidades fundamentais. Não basta
crescer, como as plantas, de acordo com os usos e costumes dos antepas-
sados. A posição e o domínio preeminente dos nobres acarretam a obrigação
de estruturar os seus membros desde a mais tenra idade segundo os ideais
válidos dentro de seu círculo (JAEGER, 1995, p. 44).

Está aqui um modelo de educação, um ideal de formação propondo a modelagem


do homem integral pautado em um padrão fixo de classe. Homero assinala nitidamente,
que toda a educação tem como ponto de partida a formação de um tipo humano nobre que
dá origem ao cultivo das qualidades próprias de senhores e heróis.

1 Quirão ou Quíron era um centauro como conhecimento ímpar e, por esse motivo, auxiliou na educação
dos heróis Jasão e Aquiles tornando-se também amigo de ambos (WILLIS, 2007, p. 164) embora centauros e
homens fossem, historicamente, inimigos entre si (JULIEN, 2005, p. 48).

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 46


Um dos elementos mais claros nos escritos de Homero são as qualidades inatas e
hereditárias do sangue e da raça, além dos conceitos de raça e povo. Por esses motivos,
a influência homérica irá perpassar os séculos vindouros permeados pela sua influência no
que tange a consciência de nação.
Outra referência de educação para os gregos, ao lado de Homero, está Hesíodo
(VIII a. C.). Nele está uma cultura da vida no campo, a produção da terra, principalmente o
tema específico, o trabalho. Hesíodo, nos trabalhos e os dias, revela então o trabalho como
fonte de cultura, demonstrando que o heroísmo não se manifesta somente nas batalhas,
entre os guerreiros nobres e seus adversários, mas também e, principalmente, na batalha
diária e pontual da lida com o cultivo da terra e com os elementos da natureza, que exigem
disciplina e norte, formando de fato o heroísmo do homem.
Um parêntese aqui para pontuar o trabalho no mundo grego e de sua importância
para a educação daquele povo, como afirma Jaeger (1995, p. 85), não “foi em vão que a
Grécia foi o berço da humanidade que põe acima de tudo o apreço pelo trabalho”.
É preciso esclarecer que a geografia das regiões dominadas pela Grécia não tem
as mesmas características de outros povos como os mesopotâmicos e os egípcios que
contavam com grandes planícies e áreas alagadas, terras extremamente férteis para o
cultivo abundante e variado. O solo grego é formado de muitos vales estreitos e paisagens
cortadas por montanhas, basicamente não se encontram planícies, que são em geral mais
fáceis de cultivar, fato este que, obriga a uma luta constante e diária com o solo para conse-
guir extrair deste o que ele pode produzir. O pastoreio e o cultivo da terra são as ocupações
mais importantes dos gregos, o comércio e a navegação só ocorrerão muito mais tarde,
portanto no período arcaico o que predomina é o cultivo agrícola.
Logo, em Hesíodo podemos compreender como um patrimônio de sabedoria e
moralidade camponesa conforme a afirmação de Manacorda (1992, p. 44):
Muito pouco chegou até nós: somente quatro fragmentos autênticos e alguns
outros incertos, onde se encontra a exortação de honrar o pai e escutar a
outra parte. O seu poema “Os trabalhos e os dias” constitui um testemunho
excepcional de uma moral do trabalho, contra os poderosos e os prepotentes.

Considera ainda Manacorda (1992), que posteriormente ao mundo de Hesíodo,


a tradição grega contrapôs os dois modelos ideais de educação, isto é, as duas tradições
culturais do campo e da polis. De um lado a aristocracia guerreira e de outro a população
de agricultores que neste momento ainda não eram subjugados pela casta nobre, pelo
contrário mostram neste momento um espírito de independência e uma clareza jurídica
muito concreta.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 47


Este conflito se aliará mais adiante a outros fatores como o nascimento. A partir daí
se dará a discussão de excelência por nascimento e excelência adquirida, entre virtudes
inatas e virtudes aprendidas, conflito entre natureza e educação, este pensamento levará
por meio dos mais conservadores a uma posição de preconceito e desprezo por aqueles
que ascendem socialmente mediante a educação (MANACORDA, 1992).
Em face destas tradições da nobreza guerreira, religiosas, éticas e sociais revela-
das em Homero, para Hesíodo ficam em segundo plano, pois a atitude original do homem
face à natureza, à sua existência, se formam no mito, levando a crer que independente de
qual classe pertença, todas têm seus próprios mitos. Assim relata Jaeger (2001, p. 90),
Ao lado dos mitos, o povo guarda a sua antiga sabedoria prática, adquirida
pela experiência imemorial de incontáveis gerações e que se compõem de
conhecimentos e conselhos profissionais, e de normas morais e sociais, con-
centrados em fórmulas breves, de modo a permitir conservá-los na memória.

Ou seja, vemos que há nitidamente uma constante discussão das diferentes classes
que compõem o cenário da antiga Grécia, cada qual tentando senão impor, mas defender
seu ponto de vista sobre o que entendem como civilização ideal. Se temos um modelo de
educação voltada para as classes mais nobres e outro que afirma o trabalho enquanto o
centro da discussão, não temos aqui a rigidez dos modelos que foram vistos anteriormente
em outras civilizações como a mesopotâmica e a egípcia, pelo contrário, entre os gregos
prevalece um ambiente favorável ao debate, à democracia.
Durante a educação no período arcaico há ainda o processo de aculturação moral,
religiosa, patriótica, o ensino das técnicas e da arte de governar e reproduzir uma educação
focada na fala e na escrita conforme descreve Manacorda (1992, p.46):
as “palavras e as ações” de Homero e de Fênix reaparecerão na Grécia
histórica como educação através da “música” (mousiké) e da “ginástica”
(gymnastiké): por música entende-se a aculturação do patrimônio ideal,
transmitidos através dos hinos religiosos e militares, cantados em coro pelos
jovens(naquele tempo não havia transmissão escrita, portanto o verso can-
tado era necessário para a memória e a prática coral para a sociabilidade),
e por ginástica entende-se a preparação do guerreiro. Este mesmo autor
complementa ainda que: Além da oposição das duas paideias de Homero e
Hesíodo, dos guerreiros e dos camponeses (que em Laerte tem um ponto em
comum), historicamente o ideal de educação ginástica sofrerá as críticas e as
oposições de um outro ideal, quando em confronto com os áristos surgirem
novas forças sociais.

Vemos aqui a formação de uma escola que defende não somente a formação por
meio do ideal moral, mas também voltada ao conhecimento e à prática política para uma
sociedade que está passando por grandes transformações estruturais, como no caso da
última citação acima as “novas forças sociais”, compreende o fortalecimento da classe dos
comerciantes.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 48


Nessa sociedade que se transforma, a educação heróica destina-se a adolescentes
da aristocracia que se reúnem no palácio real para serem treinadas no combate por meio
de jogos competições e jogos (dardo, disco, arco, carros) e nos quais exercitam a força, a
astúcia, a inteligência e, sobretudo o espírito de luta. Formados a partir dessas práticas e
critérios, os jovens ainda contam com a formação para a vida na corte, a oratória, a música,
o canto e a dança. O universo religioso se apresenta com a aquisição de saberes e prática
de rituais acerca dos deuses que compõem o panteão religioso grego.
Para Cambi, “estamos diante de uma “pedagogia do exemplo” na qual Aquiles
encarna a areté (o modelo ideal mais complexo da formação) ligada à excelência e ao
valor” (CAMBI, 1999, p. 77). Com a chegada do século V a. C., essa pedagogia sofrerá
críticas severas de parte dos sofistas e dos filósofos e as paideias baseadas nos poemas
de Homero e Hesíodo são superadas por modelos baseados desenvolver o pensamento
racional, laico e universal.

2.2 A Educação Grega no Período Clássico (séc. V a. C. – IV a. C.)

Figura 5 - Platão e Aristóteles

Fonte: SAIKO: Platão e Aristóteles, 1437-1439.


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/70/Plato_Aristotle_della_Robbia_OPA_Florence.jpg/490px-Plato_Aristot-
le_della_Robbia_OPA_Florence.jpg

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 49


No período conhecido como Grécia Clássica (V a IV a. C.), a sociedade grega for-
taleceu o conceito de unidade política e territorial que teve, na pólis, sua concretude. Como
um estado que se autogoverna, a pólis congregava em seu interior interesses diversos
num universo que mesclava o contato com o mar, o comércio, a política e diferentes grupos
sociais. Organismo complexo, a pólis se orientava internamente em torno de valores e fins
comuns e, externamente, mantinha relações comerciais, territoriais, culturais e marítimas
nem sempre amistosas (CAMBI, 1999, p. 77).
Na pólis desenvolveu-se o pensamento democrático. Os homens, voltados para os
interesses comuns presentes no espaço citadino, cada vez mais utilizavam a palavra como
instrumento político desde o período arcaico quando o saber argumentar tornou-se um ele-
mento essencial para o cidadão, isto é, aquele que toma as decisões na pólis. Na formação
desse homem que argumenta, existe ainda outro componente que é a religiosidade. Em
sua cultura religiosa, a sociedade grega possuía um panteão de deuses caracterizado pelo
fato de que também os deuses são cidadãos (CAMBI, 1999, p. 78).
Cultuados no interior dos lares ou em templos específicos, eram homenageados
em jogos agonísticos ou ginásticos masculinos e femininos, continua Cambi (1999, p. 79),
e no teatro. Dois momentos da religiosidade grega que tinham função educativa no âmbito
da pólis.
Nos lares, primeiro espaço de socialização, a família patriarcal ditava as regras
morais e éticas que educavam para a obediência, mas, também, para a vida na pólis. Os
modelos de atuação no espaço urbano regulam a divisão de gênero no qual às mulheres
cabe a submissão ao marido e ao lar, seu reino por excelência. As crianças são educadas
primeiro pelas mulheres e submetidas ao poder paterno. O conceito de infância como co-
nhecido atualmente inexiste, sendo considerado apenas uma idade de passagem (CAMBI,
1999, p. 81).
Na estrutura social da vida na pólis, a cultura grega atinge de fato sua forma clássica.
Mesmo em um mundo rodeado pelos campos, mesmo a aristocracia rural sendo ligada às
tomadas de decisão na sociedade, a cultura que define o modelo de vida é citadina. A pólis
é o ambiente onde se engloba todas as esferas da vida espiritual e humana, determinando
de forma decisiva sua estrutura, ela é, em outros termos, o marco social da história da
formação grega. Dessa sociedade surgem dois modelos distintos de educação, a ateniense
e a espartana.
Até seus ideais e modelos educativos se caracterizavam de maneira oposta
pela perspectiva militar de formação de cidadãos guerreiros, homogêneos à
ideologia de uma sociedade fechada e compacta, ou por um tipo de formação
cultural e aberta, que valorizava o indivíduo e suas capacidades de construção

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 50


do próprio mundo interior e social. Esparta e Atenas deram vida a dois ideais
de educação: um baseado no conformismo e no estatismo, outro na concepção
de paidéia, formação humana livre e nutrida de experiências diversas, sociais,
mas também culturais e antropológicas (CAMBI, 1999, p. 82).

Neste cenário Esparta era uma importante cidade-estado e, mesmo depois do


período arcaico valoriza muito as atividades guerreiras, muito diferente das outras polis, e,
será conhecida por isso em sua história. A educação em Esparta era severa e militar com
a característica de o Estado passa a representar, pela primeira vez na história, uma força
educadora.
Ao contrário do que é analisado por Aristóteles de que a educação espartana era
uma preparação somente voltada para a guerra, para o mundo das armas, os espartanos
evoluíram e inovaram no campo da educação, somente no período de declínio desta pólis
é que a austeridade da educação se aproximará da vida na caserna. No período áureo, no
entanto, além do ensino militar, era ensinado a música e a prática dos esportes.

Figura 6 - A disciplina espartana

Cena da Grécia Antiga. Cerâmica de figura negra. Mitologia grega antiga. Guerreiros Esparta, deuses
Fonte: https://image.shutterstock.com/image-vector/ancient-greece-scene-black-figure-600w-577810900.jpg

Havia uma seleção dos melhores seres para a formação na qual,


Os cuidados com o corpo começavam com uma política de eugenia – prática
de melhoramento da espécie – que recomendava fortalecer as mulheres
para gerarem filhos robustos e sadios, bem como abandonar as crianças
deficientes ou frágeis demais (ARANHA, 2012, p. 85).

A primeira educação ocorria em família, até a idade de sete anos, quando recebiam
por parte do Estado educação pública, lembrando que obrigatória para ambos, a família
de encaminhar os filhos e o Estado de ofertar a educação. Nesta primeira fase estudavam

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 51


música, dança e canto, estas disciplinas eram comuns, aliás, em toda Grécia. As crianças
espartanas do sexo masculino eram, a partir dos sete anos de idade, retiradas de suas
famílias e submetidas a uma formação no estilo militar que favorecia a força e a coragem.
Em Esparta será formado o cidadão-guerreiro que terá o domínio das armas, da coragem
e da força. Obediente, o jovem cidadão-guerreiro espartano recebia poucas instruções na
área da escrita e da leitura, mas, aprendem e memorizam as obras de Homero, Hesíodo ou
do poeta Tirteu (CAMBI, 1999, p. 83).
Após os doze anos o rigor da aprendizagem e o treino da educação física se apro-
ximavam da prática do que era aplicado no exército, tinham de preparar o corpo para todas
as situações limites como fome, frio, desconforto, a aprendizagem da obediência mediante
a educação moral também era uma tônica neste processo de formação. As mulheres, nesta
sociedade, também terão oportunidade de formação, inclusive dos exercícios. Aos jovens
era imposto o castigo como parte da metodologia de aprendizagem que servia também para
reforçar os laços de hierarquia, principalmente com os mais velhos e, deixar claro conceitos
de vida comunitária, ou seja, pertenciam à um corpo onde eles eram membros integrantes
e responsáveis pelo bom e correto funcionamento e manutenção social (ARANHA, 2012,
p. 86).
Esparta define como sua educação não somente uma forma de agir, mas funda o
conceito, o próprio Estado, é o que propõe Jaeger:
A contribuição das demais cidades gregas para a formação do homem político
estão definidas com menor precisão do que a contribuição de Esparta. Não se
pode mencionar nenhum Estado que tenha dado passos tão decisivos quanto
Esparta neste sentido. É na Atenas do séc. VI que voltaremos a encontrar
uma tradição sólida. Foi lá e, nessa época, que se exprimiu nas criações de
Sólon o novo espírito que se apoderou do Estado. O Estado jurídico ético
pressupõe, todavia, uma longa evolução, dado que Atenas é a última das
grandes cidades a aparecer na História (JAEGER, 1995, p. 130).

Logo após o conflito do Peloponeso (451-404 a. C.), Esparta entra em declínio


sendo sobrepujada por outras cidades gregas que tinham na escrita e no intercâmbio co-
mercial a base de suas relações. O cidadão-guerreiro torna-se, segundo Cambi (1999, p.
83), “atração para os turistas”.
Já Atenas encontra-se num momento de “esplêndido florescimento em todos os
campos: da poesia ao teatro, da história à filosofia” (CAMBI, 1999, p. 84). Tendo saído
fortalecida do conflito com Esparta e tendo se tornado a cidade mais influente de toda a
Grécia, Atenas precisava de uma burocracia culta e assim, a escrita se difundiu por todo
o povo e os cidadãos livres que passaram a se dedicar à escrita, à oratória, à filosofia,
à leitura enquanto desprezavam o trabalho manual e comercial. Com isso, a educação

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 52


ateniense tendeu a universalização e ultrapassou os limites da pólis (CAMBI, 1999, p. 84).
Todo esse processo contou com a escola de escrita que foi aberta a todos os cidadãos:
na Grécia, com a escrita alfabética, surge um meio democrático de comu-
nicação e educação, e a escola da escrita se abre tendencialmente a todos
os cidadãos. Junto aos mestres de ginástica e de música surge um novo
mestre, o das letras do alfabeto, o grammatistés, que certamente não tem
a autoridade do escriba egípcio, mas exerce uma importante função social
(MANACORDA, 1995, p. 48).

Os recursos utilizados para a aprendizagem da leitura era a silabação, repetição,


memorização e declamação, a escrita era feita em tábuas. O mestre reunia as crianças em
um cômodo, em uma tenda ou ainda em praças para o ensino. Os textos utilizados eram
como havíamos dito anteriormente de Homero e de Hesíodo. Esta educação se iniciava aos
sete anos para os meninos que, além da alfabetização, aprendiam a educação física e a
música (ARANHA, 2012, p. 88). As crianças eram acompanhadas de um escravo, este tinha
o dever de não somente conduzi-los, mas também vigiá-los e orientá-los na concentração
e disciplina.
Numa primeira fase, a educação era dada aos rapazes que frequentavam a
escola e a palestra, onde eram instruídos através da leitura, da escrita, da
música e da educação física, sob a direção de três instrutores: o grammatis-
tes (mestre), o kitharistes (professor de música), o paidotribes (professor de
gramática). O rapaz (pais) era depois acompanhado por um escravo que o
controlava e guiava: o paidagogos (CAMBI, 1999, p. 84).

A criança, ainda na fase elementar, participava da competição em jogos, para


praticar a educação física, sendo corrida, salto, luta, lançamento de dardo, natação. O
fundamento desta prática na educação não perdia o foco da moral, mas tinha uma forte
ênfase no contexto estético. A dança também faz parte da modalidade de exercícios e, são
complementados mediante a educação musical, que além do ensino de um instrumento,
ainda propunha o canto como parte integrante deste saber. As meninas também recebiam
instrução só que recebiam os conhecimentos em casa e, aprendiam essencialmente
funções dos afazeres domésticos. A partir dos treze anos iniciava-se uma outra fase da
formação masculina,
as crianças mais pobres saíam em busca de um ofício, enquanto as de fa-
mília rica prosseguiam os estudos, sendo encaminhadas ao ginásio [...] com
o tempo, as atividades musicais se direcionaram para discussões literárias,
abrindo espaço para assuntos gerais, como matemática, geometria e astro-
nomia, sobretudo sob a influência dos filósofos. Com a criação de bibliotecas
e salas de estudo, o ginásio adquiriu feição mais próxima do conceito de local
de educação secundária (ARANHA, 2012, p. 88).

Aos poucos, o ginásio fica cada vez mais próximo da ideia que fazemos da escola
enquanto instituição, com locais desenvolvidos para a prática de vários saberes, dos físi-

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 53


cos, aos teóricos, inclusive da escrita e leitura. No século IV a.C., entre os 16 e 18 anos,
os jovens tinham formação militar, com ensinamentos cívicos, no entanto com a abolição
do serviço militar este espaço será ocupado pelo ensino da literatura juntamente com a
filosofia. Os filósofos terão papel preponderante na educação a partir do século V a.C.,
como os sofistas por exemplo.
Os sofistas indicam, segundo Cambi (1999, p. 85), uma virada na cultura grega
pois remetem ao homem atenção quase que exclusiva assim como aos problemas que
o cercam. Assim, a filosofia sofista buscava, a partir do discurso e para além da cultura
tradicional, naturalista e religiosa, elaborar uma nova cultura baseada no reconhecimento
de que existem conhecimentos e capacidades distintos da “sapiência do sacerdote, da
produção teórica do cientista, das habilidades do técnico especialista” (CAMBI, 1999, p.
86).
Para os sofistas, a Nova Cultura era “entendida como a formação moral, retórico-lin-
guística, histórica do homem político enquanto tal” (CAMBI, 1999, p. 86) e que se baseia na
leitura e na escrita e, que irá, ao fim, levar cada indivíduo a cultivar seus aspectos humanos,
“elevando-o a uma condição de excelência, que todavia não se possui por natureza, mas se
adquire pelo estudo e pelo empenho” (CAMBI, 1999, p. 86).
Dada a complexidade da formação proposta pelos sofistas, inicia-se um declínio
da sociedade ateniense marcada pela substituição da tradição aristocrática-religiosa por
uma visão menos orgânica da sociedade e na qual os indivíduos, livres de etnia, casta e de
cidadania, podem realizar “sua própria “livre universalidade humana”” (CAMBI, 1999, p. 86
grifo do autor).
A Paidéia que se seguiu à sofista, foi a dos filósofos e se caracterizava por ser uma
proposta baseada nas reflexões de Sócrates, Platão, Isócrates, Xenofonte e Aristóteles.
As Paidéias propostas por esses pensadores torna-se ainda mais complexa que a Paidéia
sofista porque se articula numa série de modelos que “refletem tanto a problemática da
nação quanto as diversas perspectivas segundo as quais [o homem] pode desenvolver-se”
(CAMBI, 1999, p. 88). Assim como os sofistas, filósofos como
Sócrates, Platão e Aristóteles também ministraram educação superior. En-
quanto Sócrates se reunia informalmente na praça pública, Platão utilizou um
dos ginásios de Atenas, a Academia, e mais tarde seu discípulo Aristóteles
ensinou em outro ginásio, o Liceu. Ainda em Atenas, Isócrates abriu uma
escola muito concorrida, que valorizava a retórica (ARANHA, 2012, p. 89).

Das Paidéias propostas pelos filósofos encontramos como aspecto comum a edu-
cação voltada para a formação integral que propõe que o indivíduo deve estar em constante

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 54


amadurecimento, tornando-se seu próprio mestre. Que ele seja um pesquisador, duvide
e problematize sempre por meio do diálogo de forma que o saber assim produzido possa
tornar-se universal.
Esse modelo educacional vigorou por praticamente toda a Grécia Clássica, mas,
com o declínio do poder grego em fins no século IV frente aos macedônios, a educação
baseada na virtude e no conhecimento também entrou em declínio sendo sobrepujada por
uma educação ao modelo espartano sob a orientação de Xofonte (435-354 a. C.). Para
esse filósofo, somente uma educação militar poderia fazer Atenas sair da crise do período:
[...] deve-se retornar a uma educação familiar tradicional, com a mulher ligada
aos trabalhos domésticos, com a valorização de uma inteligência apenas prá-
tica, com centralidade na disciplina e nas atividades guerreiras, opondo-se à
identificação platônica da virtude e do conhecimento (CAMBI, 1999, p. 93).

A partir do período helênico (séc. IV a.C.), em função das dominações estrangeiras


e a decadência das cidades-estados, a educação passará por transformações, ampliando
os estudos teóricos, com a predominância do saber erudito com base na ética. É a substi-
tuição da antiga Paideia pela enciclopédia.
Nesta nova concepção a retórica toma uma importância ainda maior e fundamental
no ensino secundário. A educação física é reduzida a um tempo menor. O ensino é es-
truturando em sete artes liberais sendo três humanísticas (trivium): gramática; retórica e
dialética e, quatro disciplinas denominadas de científicas (quadrivium): astronomia; música;
aritmética e geometria.
Já no período de dominação romana pode ser encontrada uma grande quantidade
de escolas filosóficas, inclusive a Universidade de Atenas. Os romanos mantiveram e pre-
servaram algumas práticas educacionais dos gregos, transformaram outras constituído seu
próprio modelo, como veremos no tema seguinte.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 55


2.3 A Educação na Roma Antiga – Humanitas

Figura 7 - Humanitas, a educação romana

Conceito de nuvem de palavras de paciência. Ilustração vetorial


Patience word cloud concept. Vector illustration
Fonte: BORIS 15, 2020.

Estes diferentes momentos estão ligados aos períodos de organização política


também diferentes, que são: Realeza; República e Império. Nesse último período teremos
ainda a influência do cristianismo, movimento surgido no século I da nossa era.

2.3.1 Realeza
Esse período que vai entre 753 a.C. a 509 a.C., é marcado pelo intenso desenvolvi-
mento das urbs, o centro urbano de Roma, onde se desenvolve a vida política e religiosa da
“civitas” que passa a dividir espaço com a antiga economia agrícola e do pastoreio. Quando
ocorre também a divisão das terras que deixam de ser comunais, gerando com isso a
propriedade privada e com ela a aristocracia, baseados na formação de classes sociais.
Os donos de terras eram chamados de patrícios enquanto a maioria da população livre
era denominada de plebeus, estes inclusive não tinham direitos políticos. Aos poucos os
escravos também comporão esta sociedade, como mão de obra (ARANHA, 2012, p. 127).
No período da realeza, a aristocracia recebia uma educação que tinha como objeti-
vo perpetuar os valores da nobreza e conhecer as obras e valorizar os ancestrais, esta fase
da educação em Roma é denominado de latina original ou como heroico-patrícia.
Praticamente a educação moral do jovem romano era, como a do grego,
alimentada por uma escolha de exemplos oferecidos à sua admiração, mas,
eram tirados da história nacional e não da poesia heroica; o fato de muitos
destes exempla serem legendários pouco importa: é como históricos que
eram apresentados e revividos (MARROU, 1973, p. 366, grifo no original).

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 56


Vamos abrir um parêntese aqui para comentar sobre esta primeira fase da educação
em Roma. Como se pode perceber há uma semelhança também com outras civilizações,
inclusive a educação da classe dominante perpetuando sua classe por meio da educação
voltada também aos alunos que irão dirigir a sociedade na posteridade, daí a educação
tradicionalista.
Voltando a nossa apresentação, no período da realeza, as crianças permaneciam
com a família, como foi dito anteriormente, sob a orientação dos pais, aprendiam a ler e
escrever, os primeiros rudimentos do saber e sobre as leis, onde os meninos deveriam
decorar a Lei das Doze Tábuas para o desenvolvimento do patriotismo e da consciência
histórica.
As Doze Tábuas foi o texto-base da educação romana desde 451 a. C. Escritas no
bronze, as Doze Tábuas costumavam ficar expostas no fórum para que todos pudessem
lê-las. Foi por meio dessa fonte que se soube que os romanos tinham como princípios
educativos a tradição – espírito, costumes, disciplina dos pais -, e o código civil baseado
no poder do pai. Além disso, as Doze Tábuas “fixavam a dignidade, a coragem, a firmeza,
como valores máximos, ao lado, porém, da pietas e da parcimônia” (CAMBI, 1999, p. 105).
Aranha (2012, p. 133) explica que:
Por viver em uma sociedade agrícola, o menino aprendia a cuidar da terra,
atividade que de início, colocava lado a lado o senhor e escravo. Aprendia
também a ler, escrever e contar, bem como desenvolvia habilidades no
manejo das armas, na natação, na luta e equitação. Os exercícios físicos
visavam à preparação do guerreiro, mais do que propriamente do esporte.

Como podemos ver, a educação está voltada às atividades práticas e o trabalho é


valorizado, diferente do que percebemos com os gregos. Já aos 15 anos os meninos apren-
diam o civismo, mediante a ação do pai que levava o filho à praça central apresentando
o comércio, os espaços públicos, os monumentos. Aos dezesseis anos era encaminhado
para função militar ou política, dependo da sua posição na hierarquia social (ARANHA,
2012, p. 133). Nesse período, a educação pouco se voltava para o preparo intelectual e
mais para a formação moral, baseado na convivência cotidiana e na imitação de modelos
apresentados pelos pais e dos antepassados, sendo o pai o guia e o exemplo a ser seguido
(CAMBI, 1999, p. 105).

2.3.2 República
De acordo com Aranha (2012, p. 127), com a queda do último rei etrusco, teve início
a República, fase em que os patrícios dominam a política e, por consequência, representa-

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 57


vam seus interesses particulares. A duração da República romana foi de aproximadamente
cinco séculos, sendo delimitada pelos anos de 509 a. C. até 27 a. C.
Luzuriaga (1984, p. 86) nos situa sobre a organização política:
O poder executivo era representado por dois cônsules eleitos. O senado,
composto por membros vitalícios, constituía o principal órgão da República.
Com o enriquecimento de algumas camadas da plebe – sobretudo as que se
dedicavam ao comércio –, intensificaram-se as lutas pela igualdade de direi-
tos políticos e civis. Os plebeus obtiveram diversas conquistas nos séculos V
e IV a.C., como a criação do Tribunato da Plebe, a permissão do casamento
misto, a publicação da Lei das Doze Tábuas. A importância desta última
decorre do fato de constituir o primeiro o primeiro código escrito romano.

Estas mudanças são fruto de uma nova aristocracia, determinada agora pela rique-
za ao invés do nascimento como era anteriormente. Estes tinham a intenção de ascenderão
poder, mediante altos cargos públicos. Os plebeus pobres, por outro lado, tiveram sua
situação piorada em função de uma política expansionista que visava à entrada de mais
escravos que competiam para a mão de obra mais barata. Além disso, continuavam sem
ter acesso ao ensino.
Estes escravos trabalhavam nas mais diversas funções desde serviços públicos
aos privados, como construção, comércio, serviço de urbanização. Dentro deste ambiente
alguns vão conseguir a liberdade, por recompensa pelo serviço prestado. Com relação a
educação, os escravos passaram, segundo Manacorda (1992, p. 78), por uma evolução
histórica. Do escravo pedagogo e “mestre na própria família ao escravo mestre das crian-
ças de várias familiae e, enfim, ao escravo libertus que ensina em sua própria escola”
(MANACORDA, 1992, p. 78).
Após 146 a. C., com o processo de expansão militar as tradições romanas serão
alteradas profundamente com a anexação da Grécia em 146 a. C. Este período é caracteri-
zado pelo helenismo com o contato cultural de diversas civilizações, dentre elas a Índia e o
Egito, acarretando em uma transformação da postura política, a saber, o despotismo típico
dos regimes do Oriente. Neste cenário ocorrerá a fase da educação cosmopolita, com a
forte influência do helenismo e com fortes divergências de uma parcela da população fiéis
defensores da tradição latina.
Com essa aproximação entre culturas, a noção de Paidéia, de formação humana
pela cultura com vistas à universalização das características próprias do homem, desenvol-
veu-se com Marco Túlio Cícero (106 -43 a. C.), a noção de Paidéia romana, ou humanitas
(CAMBI, 1999, p. 109). A partir de Cícero surgem pedagogias ligadas ao estoicismo, à
Paidéia retórica e à concepção enciclopédica do saber. Assim, com Cícero temos, o

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 58


[...] nascimento de uma pedagogia no sentido próprio, como saber refletido
sobre a educação [...], mais universal, menos contingente e local, elaborado
através de um discurso racional. São criados assim, modelos de pedagogia
estreitamente ligados ao saber que se manifesta como mais universal e mais
autônomo, o saber filosófico (CAMBI, 1999, p. 111).

As escolas, primeiro ligadas à formação na língua e retórica gregas no século II a.


C., passam, no século seguinte a formar também na língua latina e a se organizarem como
espaços distintos para o saber (CAMBI, 1999, p. 114).
Após os séculos III e II a.C., por meio da expansão romana em território grego,
aqueles serão influenciados pela cultura helênica e a partir deste momento a educação
em Roma se tornará mais diversificada, como o ensino da língua grega juntamente com a
língua latina. As chamadas escolas do gramático surgirão neste período, onde jovens entre
doze e dezesseis anos aprendiam várias disciplinas de origem helênica, tal como geografia,
literatura, aritmética, geometria, astronomia e parte da filosofia. Ilustramos melhor com o
que descreve Aranha (2012, p. 134):
Segundo a tradição helenística, o indivíduo livre devia ter uma formação
encíclica [...] enciclopédia significa literalmente “educação geral” e consiste
na ampla gama de conhecimentos exigidos para a formação da pessoa cul-
ta. Essa nova exigência assustava os mais conservadores, como Catão, o
Antigo, que criticava a influência grega, por achá-la deformadora da tradição
romana.

Não obstante as reservas de Catão o antigo, em Roma as escolas vão se dissemi-


nar por todo o Império e atender a dois grupos específicos: os filhos das classes dirigentes
e funcionários públicos e para os grupos inferiores. Frequentam a primeira, jovens da elite,
sendo estes preparados para a vida política ou militar enquanto que o segundo grupo fre-
quenta “escolas técnicas, escolas profissionalizantes, ligadas aos ofícios e às práticas de
aprendizado das diversas artes e ofícios” (CAMBI, 1999, p. 115).
Das transformações ocorridas com o expansionismo romano associado à influência
estrangeira proveniente das regiões dominadas e a reformulação na educação, veremos
esta sociedade mudar substancialmente a partir do final século I a.C., nosso próximo tema.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 59


2.3.3 A educação durante o império romano

Figura 8 - Constantino, imperador (272-337)

Imperador Constantino.
Fonte: https://image.shutterstock.com/image-photo/york-england-uk-5-april-600w-549377641.jpg

No interior da frágil República, manobras para a tomada do poder absoluto ocorrem


e, em 27 a.C., Otávio (titulado Augusto), implanta o Império. Neste período veremos flores-
cer em Roma um grande desenvolvimento urbano, contemplando várias construções como
termas, aquedutos, edifícios públicos, uma grande extensão de estradas, especialização de
produção no campo (ARANHA, 2012, p. 129).
No campo das artes também a produção será bem profícua, são desta época
Ovídio, Virgílio, Horácio, Tito Lívio. Aranha (2012, p. 129) afirma que ao atingir sua exten-
são máxima no início do século II d.C., e como necessitava de uma complicada máquina
burocrática, o Império aumentou seu contingente de funcionários do governo, inclusive para
a arrecadação de impostos.
O império começa a sofrer a partir do século II d. C., com o desmantelamento do
modelo político, a corrupção, lutas internas pelo poder, a dissipação dos costumes e o luxo
exacerbado. Também ocorrerão mudanças no sistema de mão de obra, como descrevendo
que no século III ao cessarem as guerras é sentido a crise do sistema de escravidão que
aos poucos será substituída pelo regime de colonato, onde os camponeses estão ligados

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 60


diretamente a terra e não podem ser desvinculada dela, ainda devem pagar com parte do
que produzem aos proprietários da terra (ARANHA, 2012, p. 131).
Perceptível também é a crise urbana, do comércio inclusive que gera um movi-
mento de parte da população para os campos. Os chamados bárbaros, por serem externos
ao império, aos poucos, se infiltraram em território romano ora como colonos ora como
soldados. Segundo Aranha (2012, p. 131), no ano de 395 o Império Romano dividiu-se em
Oriental, com sede em Roma e Oriental com sede em Constantinopla.
Neste cenário em que a República perece sob a mentalidade imperial, serão formu-
ladas algumas mudanças na educação, com a constante intervenção do Estado com inte-
resse em montar uma grande máquina burocrática, composta por funcionários que tenham
sido educados no mínimo na educação elementar. De início, o Estado interferia de forma
mais sugestiva, com o passar do tempo controlava a educação por meio de legislação, por
fim tomou para sua inteira responsabilidade. Luzuriaga (1984, p. 75) destaca que:
já no século I a.C., o Estado estimulava a criação de escolas municipais em
todo o Império. O próprio César concedera o direito de cidadania aos mestres
liberais. No século I d.C., Vespasiano liberou de impostos os professores de
ensino médio e superior e instituiu o pagamento a alguns cursos de retórica,
de que se beneficiou o mestre Quintiliano. Pouco tempo depois, Trajano
mandou alimentar os estudantes pobres.

Aranha (2012, p. 136) complementa que:


mais tarde, outros imperadores legislaram sobre a exigência de as escolas
particulares pagarem com pontualidade os professores e também definiram
o montante a ser pago. Coube ao imperador Juliano (ano 362) praticamente
oficializar toda nomeação de professor, feita pelo Estado.

Aos poucos os Imperadores passaram a administrar todas as etapas didáticas das


escolas, utilizando a instituição da escola como aparelho do Estado. Neste mesmo período
permanecem as escolas de ensino superior com a formação de retórica, filosofia sendo
acrescentadas as cátedras de direito, mecânica e medicina. Os funcionários públicos ocu-
pavam cargos conforme seu grau de formação, sendo que algumas funções eram exercidas
sem uma formação específica, mas elementar e, eram chefiados por funcionários de cargos
mais elevados, sendo estes, com formação superior (ARANHA, 2012, p. 137).

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 61


3 A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

O período denominado Idade Média costuma ser dividido em dois momentos: o


primeiro vai do século V ao século X e outro que percorre os séculos XI ao XV. Esses pe-
ríodos são denominados Alta Idade Média e Baixa Idade Média respectivamente. Cada um
deles apresenta uma constituição social, econômica, política e cultural que os caracterizam.
Enquanto na Alta Idade Média predominavam a reclusão da vida nos feudos, na Baixa
Idade Média tem-se o fortalecimento da vida urbana e com ela, de novas relações sociais,
econômicas e culturais.
Nos dois momentos da sociedade medieval existiam modelos educacionais. Como
já visto na Unidade anterior, o cristianismo em ascensão desde o final do século III impôs
ao mundo europeu um novo modelo de homem baseado na vida de Jesus Cristo, mas,
esse modelo seria superado por outras formas de pensar propostas pelo mundo medieval
centrado na Igreja Católica.
A Igreja foi o “palco fixo” por trás do qual se moveu toda a história da Idade
Média e um dos motores do seu inquieto desenvolvimento (ao lado do Impé-
rio e das cidades), talvez o motor por excelência. A Europa, de fato, nasceu
cristã e foi nutrida de espírito cristão, de modo a colocá-la no centro de todas
as manifestações, sobretudo no âmbito cultural (CAMBI, 1999, p. 145).

Essa sociedade marcada pelo poder do catolicismo desenvolve uma educação em


estreita simbiose com a Igreja e a fé cristãs que se tornam os únicos veículos aceitos para
formar e conformar a população. Da instituição católica emergem modelos educacionais

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 62


diferenciados para o povo e para as classes privilegiadas, demonstrando uma continuidade
no dualismo educacional que perdurava desde o mundo antigo (CAMBI, 1999, p. 146).
Cambi (1999), ensina ainda, que a escola conhecida por nós é produto da Idade Média.
Modelo assim definido por ele:
A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos
de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja
ou a outro poder (seja ele local ou não); as suas práticas ligadas à lectio e
aos autores, à discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc.; as sua
práxis disciplinares (prêmios e castigos) e avaliativas vêm daquela época e da
organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais e sobretudo
nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos culturais da escola
moderna e até mesmo contemporânea: o papel do latim; o ensino gramatical
e retórico da língua e imagem da filosofia, como lógica e metafísica (CAMBI,
1999, p. 146 grifo do autor).

Com base nesses dados, em seguida nos debruçaremos sobre os três modelos
escolares praticados pela sociedade medieval representados pelas:

Escolas Monásticas ou Abaciais


Escolas Catedrais
Escolas Palatinas ou Palacianas

De acordo com Aranha (2012, p. 154), embora tenha havido retrocessos em di-
versos setores, dependendo da época e lugar, a Idade Média se caracterizou por ser um
período de intensas transformações. Basicamente, a educação na Idade Média “resulta,
portanto, em determinados comportamentos que conduzem as pessoas ao respeito a Deus
e aos homens, condição imprescindível ao convívio social” (OLIVEIRA, 2010, p. 26) além
de se constituir sobre um sistema hierárquico de sociedade.

3.1 A alta idade média

A Alta Idade Média – caracterizada pelas invasões bárbaras e pela formação dos
primeiros reinos germânicos -, teve por base a educação patrística no Ocidente de tradição
cristã. Este período é descrito assim por Manacorda (1992, p. 111):
No início do século VI verificam-se fenômenos políticos significativos. De
um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam firmemente em
territórios do Império do Ocidente, onde a única autoridade política autentica-
mente romana é a Igreja e especialmente o papado; do outro lado o Império
do Oriente conserva ainda sua unidade e a sua força, o que lhe permitirá
tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de poder, tão diferentes
entre si, se enfrentarão numa complexa luta ideológica e militar.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 63


Esta desagregação da antiga ordem que irá gerar insegurança entre a popula-
ção levará ao fenômeno de despovoamento das cidades e uma maciça migração para o
campo. Este processo de ruralização se estendeu até o século X e foi caracterizado como
feudalismo. Neste panorama constata-se o desaparecimento gradual da escola clássica e
a formação da escola cristã.
Segundo Cambi (1999, p. 156 grifos do autor), a sociedade medieval era dividida
hierarquicamente entre clérigos (oratores); guerreiros (bellatores) e camponeses e artesãos
(laboratores), ou seja, o povo. Nessa sociedade, os vínculos entre homem e homem são
os de sangue e não mais interesses ligados à pólis ou às civitas assim como tampouco às
comunidades cristãs. Para essa população compartimentada foram desenvolvidas formas
diferentes de educar.
Em princípio as Escolas Monásticas ou abaciais (Abadias), dedicavam-se a uma
cultura ascética, ligada a leituras de “textos sagrados e do saltério, dedicado à formação
espiritual e à meditativo” (CAMBI, 1999, p. 158). Somente a partir do século VII é que a
educação medieval começa a tomar forma e se estabelecer como uma educação a cargo
da Igreja Católica responsável por formar o menino-monge ou noviço por meio da leitura,
memorização, cálculo e do canto (CAMBI, 1999, p. 158).
Já as Escolas Catedrais, como o próprio nome enseja, se instalaram junto a igrejas
de grandes cidades da França e da Bélgica como Paris, Liége e Orléans. Nessas “escolas”
investia-se em mestres e docentes e no ensino da gramática e artes para jovens sacerdotes
e aspirantes CAMBI, 1999, p. 159). Ou seja, era uma escola voltada para formação do clero
secular, e, nessas escolas,
[...] cultivava-se o estudo do trívio (gramática, retórica, dialética), mas sobre-
tudo do quadrívio (aritmética, geometria, astronomia, música) e se difundia
um saber enciclopédico tirado de Boécio, Cassiodoro e Isidoro de Sevilha,
caracterizado pela “tradição e submissão”, vinculado pela auctoritas, fosse ela
representada pela Sagrada Escritura, pelos textos dos Padres ou elaboração
dos Concílios, e destinado a fixar a ordo e a regula: o primeiro “estabelece
invariavelmente o antes e o depois, os meios e os fins” e, portanto, uma
hierarquia entre os saberes; a segunda “requer a virtude mais apreciada na
ética de toda a Idade Média: a fidelidade (fides)”, como própria do intelectual
(Aléssio) (CAMBI, 1999, p. 159 grifos do autor).

As escolas catedrais mantiveram um estudo conservador e não criativo e, somente


com o renascimento das cidades esse modelo foi questionado e modificado quando, diante
da nascente sociedade burguesa, outros saberes tornaram-se necessários.
Paralelamente ao ensino monástico e catedrático, desenvolveu-se o modelo pa-
laciano ou palatino de educação. Voltado para a formação da nobreza da corte e admi-
nistradores do Império – geralmente eclesiásticos -, o ensino palaciano iniciado ainda no

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 64


governo de Carlos Magno (742-814), era voltado ao poder laico. Nessa escola ensinava-se
a gramática e a retórica e foram elaborados manuais diversos como a Sulla gramaticae, a
Sulla retórica e a Sulla ortografia. O método de ensino era “organizado em escalas ordena-
das de argumentos e resumos” (CAMBI, 1999, p. 160).
Por volta do Ano Mil, o mundo medieval dominado pelo poder descentralizado
dos feudos começa a se alterar. Toma corpo a burguesia, grupo social ligada à vida nas
cidades, ao comércio local e intercambial. Esse novo grupo social compartilha de valores
e princípios que diferem dos impostos pela Igreja Católica como a ideia de indivíduo, de
liberdade e de produtividade. Assim, é no século XI que veremos o germe de valores que
irão se fortalecer durante a Modernidade. Estamos diante do segundo momento da Idade
Média, denominado Baixa Idade Média e que durou do século XI ao XV.

3.2 A baixa idade média


No período denominado como Baixa Idade Média (XI a XV), as mudanças na edu-
cação serão ainda mais complexas que as ocorridas até então. Em fins do século XI, depois
de várias incursões das Cruzadas e com elas a liberação do Mar Mediterrâneo, o comércio
volta aos poucos a se organizar, com isto as cidades também voltaram a se estabelecer,
oriundas dos antigos burgos e, com o tempo, estes burgos se transformarão em cidades
livres.
Por volta do século XI, o comércio ressurgiu, as moedas voltaram a circular,
os negociantes formaram ligas de proteção, montaram feiras em diversas
regiões da Europa e passaram a depender das atividades dos banqueiros.
As cidades cresceram graças ao comércio florescente. Como resultado das
lutas contra o poder dos senhores feudais, as vilas se libertaram aos poucos,
transformando-se em comunas ou cidades livres (ARANHA, 2012, p. 167).

Com a expansão das cidades, por meio do crescente comércio, as necessidades


de formação também se transformaram. As modificações exigidas no sistema de educação
fizeram surgir as escolas seculares, não religiosas, os burgueses necessitavam de uma
educação que atendesse os objetivos da vida na cidade, em específico a manufatura e o
comércio. Mas, também surgiram formas diferentes de educar os nobres cavaleiros e as
mulheres e com isso, observa-se que são criados modelos de educação diversos que aten-
dessem aos interesses de cada um dos diferentes grupos que compunham a sociedade.
Um desses modelos visava formar as “gentes de ofício” como o alfaiate, ferreiro,
boticário, tecelão, marceneiro, etc. Com o incremento comercial e as exigências por luxo
e conforto da nascente burguesia e da já existente nobreza, os artesãos passaram a se
organizar em Corporações de Ofício. Assim, para aprender uma profissão, o jovem deveria

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 65


viver sob o mesmo teto que o mestre e passava a ser chamado de “aprendiz”. Não recebia
pagamento e só se tornavam mestres oficiais após serem submetidos a um exame autorizado
pelo mestre. Se aprovados, poderiam abrir suas próprias oficinas (ARANHA, 2012, p. 169).
Outra modalidade de formação não religiosa foi a dos cavaleiros, também denomi-
nada educação militar e fundamentalmente composta por nobres, haja vista que para ser
um cavaleiro era necessário certo investimento em uma montaria e armadura por exemplo,
o que somente os nobres tinham condições para prover. O cavaleiro era geralmente o
segundo filho da família de nobres, uma vez que ao primeiro cabia o direito de propriedade
pela primogenitura.
Segundo Aranha (2012, p. 170), o Cavaleiros eram formados em três etapas como
exemplificado abaixo:

Quadro 1 - Etapas da formação do Cavaleiro:

1. Pajem Dos 7 aos 15 anos o menino servia como pajem no Castelo, aprendia música,
poesia, jogos de salão, convivia com as damas, aprendia a falar bem, exercita-
va-se nos esportes e adquiria maneiras cortesãs;
2. Escudeiro Aprendia a montar e a manejar armas com vistas a uma formação para guerras;
Era introduzido em assuntos políticos e rudimentos amorosos;
Continuava a estudar poesias e música;
3. Cavaleiro Aos 21 anos era sagrado Cavaleiro após cerimônia religiosa de grande pompa.

Fonte: Elaborado de acordo com Aranha, 2012, p. 170.

A educação das mulheres não foi prioridade no mundo medieval, no entanto, a ela
foram destinados alguns espaços de instrução como nos mosteiros onde, desde o século
VI, lhes foi dada a permissão de aprenderem a ler e escrever a fim de serem educadas e
consagradas a Deus. Já as filhas dos nobres podiam receber instruções dentro do próprio
Castelo onde aprendiam além de ler e escrever, música, religião e rudimentos das artes
liberais (geografia e história por exemplo). Conduto, sua educação era geralmente voltada
para atividades consideradas exclusivamente femininas (ARANHA, 2012, p. 174).
Os servos, geralmente trabalhadores das regiões agrícolas, não recebiam qualquer
tipo de instrução formal. Bastava apenas que fossem educados para serem cristãos. As
formas de educar essa população eram baseadas em grandes edificações como Catedrais
que remetiam a uma espiritualidade transcendental; em afrescos e cantos com temas reli-
giosos; festas e literatura voltada para a biografia de santos, as hagiografias. Todos esses
mecanismos visuais e auditivos educavam para a devoção e o comportamento cristão
(ARANHA, 2012, p. 174).

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 66


Não podemos deixar de incluir uma das mais importantes instituições de ensino
surgidas neste período, as Universidades. Estas representaram um modelo inovador na
educação superior e a primeira Universidade que se tem notícia surgiu em Salerno na Itália
ainda no século X e oferecia o curso de medicina (ARANHA, 2012, p. 172).
De início eram conhecidas como assembleias corporativas, aliás, o corporativis-
mo será uma organização frequente em diversos setores, neste caso era a corporação
dos mestres e estudantes. Esse espírito das corporações resultou da influência da classe
burguesa que desejava ascender socialmente. Dawson (2014) explica que estes mestres
ensinavam principalmente a partir do método escolástico que foi o método responsável
“pela preparação da mentalidade ocidental” (DAWSON, 2014, p. 334).
Quando falamos em Escolástica e escolásticos, normalmente nos referimos
ao desenvolvimento posterior do pensamento medieval que se seguiu à des-
coberta de Aristóteles. No sentido etimológico estrito, contudo, a Escolástica
nada mais é que a tradição educacional das escolas medievais – o currículo
das sete artes liberais, o Trivium e o quadrivium – gramática, retórica e dialé-
tica (lógica).

De início era a lógica de Aristóteles que norteava os estudos, depois com a tra-
dução de suas obras para o latim, a Escolástica tomará poder no processo de educação
superior, no século XIII. Temos como o maior expoente Tomás de Aquino para quem, o fim
do homem é o aperfeiçoamento de sua natureza, o que somente poderá se cumprir em
Deus. A finalidade última das ações humanas transcenderia, portanto, ao próprio homem,
cuja vontade, mesmo que ele não o saiba, leva-o a dirigir-se ao supremo. Para que a
pessoa seja considerada boa, a vontade deve conformar-se à norma moral que se encontra
nos homens como reflexo da lei eterna da vontade divina.
Na política, São Tomás distingue três tipos de lei, que dirigem a comunidade ao
bem comum:

1. O primeiro é constituído pela lei natural (conservação da vida, geração e educação


dos filhos, desejo da verdade).
2. O segundo inclui as leis humanas ou positivas, estabelecidas pelo homem com base
na lei natural e dirigida a utilidade comum.
3. Por fim, a lei divina guiaria o homem à consecução de seu fim sobrenatural, enquanto
alma imortal.

As Universidades serão locais onde a atividade cultural será uma constante, geran-
do novas ideias e constantemente criando conflitos com a Igreja. Aos poucos a hegemonia
da fé católica começa a ser afrontada, sendo também estes espaços de educação, a partir

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 67


do século XII, um dos locais de ação do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) na busca de
heresias.
Esse modelo de educação universitária sofre duras críticas a partir do século XIV,
quando
[...] as universidades entraram em decadência, asfixiadas pelo dogmatismo
decorrente da ausência de debate crítico. Resistindo às mudanças, tentavam
manter a influência escolástica de recusa à observação e experimentação,
distanciando-se, portanto, das tendências que prenunciavam o nascimento
da ciência moderna (ARANHA, 2012, p. 171).

Além da educação formal superior discutida nos últimos parágrafos, existiram ainda
modelos educacionais ofertados a crianças e jovens que eram instruídos de acordo com as
ocupações geralmente de suas famílias. Por exemplo, o filho do comerciante costumava
frequentar pequenas escolas na cidade, as escolas seculares, assistido por um professor
leigo nomeado pela administração municipal.
Essas escolas, é claro, eram independentes umas das outras. Forrava-se o
chão com palha, e os alunos aí se sentavam. (…) Então, o mestre esperava
pelos alunos, como o comerciante espera pelos fregueses. Algumas vezes,
um mestre roubava os alunos do vizinho. Nessa sala, reuniam-se então me-
ninos e homens de todas as idades, de 6 a 20 anos ou mais (ARIÈS, 1986,
p. 167).

Nas escolas seculares, os alunos recebiam instrução em língua vulgar – não em


latim portanto –, e noções de história, geografia e ciências naturais, saberes em acordo
com os interesses da burguesia em ascensão. O Trivium e o Quadrivium não faziam parte
desse sistema educacional (ARANHA, 2012, p. 127).
Vejamos no próximo tópico como a mudança na mentalidade do homem medieval
plasmou uma nova sociedade e com ela uma nova forma de compreender a educação e
seu papel social.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 68


4 A EDUCAÇÃO NO RENASCIMENTO

No período renascentista (Séc. XIV-XVI), veremos que com o fortalecimento da


burguesia o crescimento da manufatura alterou significativamente as formas de trabalho,
onde a produção doméstica feita por artesãos foi sendo substituída por uma produção em
maior escala, dentro dos moldes capitalistas em franco desenvolvimento então. Com isso,
a nova ordem do Mercantilismo, levou, dentre outras medidas políticas e econômicas, uma
aliança entre burgueses e a alta nobreza. Outra característica do período foram modifica-
ções no pensamento religioso passa por modificações pautadas pelo racionalismo que, por
sua vez, é a retomada do pensamento filosófico presente na Antiguidade Clássica.
Retoma-se nesse período, a tradição do ensino elitizado no qual a formação cortesã
assume seus contornos mais expressivos. O ensino enciclopédico e literário recupera os
valores laicos da cultura greco-latina (ARANHA, 1990, p. 79).
Muitos se opunham aos critérios rígidos da fé e buscavam na capacidade humana
a libertação para uma sociedade mais livre para construir seus caminhos, baseados em
seus interesses pessoais. O antropocentrismo resgata a dimensão humana sobre todos
os aspectos, favorecendo a quebra com vários laços medievais, tendendo sempre a uma
negação de antigos dogmas e levando a um senso crítico que, aos poucos, flui para uma
laicização do saber, contrários ao preconceito e às intolerâncias.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 69


Neste sentido, Renascença ou Renascimento, significa a libertação do homem
quando “o olhar humano desvia-se do céu para a terra, ocupando-se mais com as questões
do cotidiano” (ARANHA, 2012, p. 196).
A vida passa a estar em suas mãos e não mais definida, imutavelmente pela vontade
de Deus. O homem se liberta da antiga filosofia e passa a construir um mundo totalmente
novo, com novas ideias, novos conhecimentos, valores, regras e um pensamento ético
diferente. Neste momento de transição, o pensamento humanista orienta os intelectuais em
sua forma de entender o mundo.
O espírito inovador do Renascimento manifestou-se inclusive e, sobretudo, na re-
ligião. Desde o século XII a fé católica enfrentava seus oponentes por meio da Inquisição,
mas esta atividade não conseguiu frear o desenvolvimento urbano e as relações comerciais
que delas emanavam. Portanto, movimentos contra a Igreja serão uma constante a partir
do século XII e tomarão corpo cada vez maior nos séculos seguintes.
As causas dos movimentos não eram exclusivamente religiosas, mas as restrições
econômicas, como a condenação da Igreja do lucro, o empréstimo, praticados pela própria
Igreja inclusive, vão aos poucos atormentando as operações dos burgueses e se tornando
um entrave ao desenvolvimento comercial. Esta situação, à medida que as relações comer-
ciais crescem, se torna insustentável. No entanto, o maior embate ocorrido foi a Reforma
Protestante, proclamadas por Lutero e Calvino, que viam no enriquecimento um sinal de
favorecimento divino, logo os nobres e a burguesia começaram a aderir à nova crença que
se instalava.
No século XVI, surge uma proposta de implantação de instrução universal. A
ideia parte de Lutero e Melanchthon, iniciadores da Reforma protestante que
consideram a educação para todos uma atribuição do Estado. Conscientes
da importância da alfabetização como instrumento de divulgação da Refor-
ma, os protestantes muito influenciaram na organização da escola elementar,
na esperança de possibilitar a leitura e a interpretação da Bíblia, já então
traduzida para o vernáculo (ARANHA, 1990, p. 79).

Mesmo com a Contrarreforma da Igreja promovida pela Igreja Católica perante a


Reforma protestante por meio do recrudescimento maior da Inquisição, não foi possível
deter este movimento que abrirá, inclusive, precedentes na reformulação do ensino e a
liberdade que a ciência necessitará para florescer.
E, para combater a expansão do protestantismo, Aranha (2012, p. 202) relata que
a Igreja Católica incentivou a criação de ordens religiosas, deste processo descendem os
colégios jesuítas, tendo por seu organizador Inácio de Loyola, ex-militar que não podendo
mais exercer suas funções por motivos da guerra, resolveu utilizar seus conhecimentos de

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 70


regimento fundando a Companhia de Jesus. Com esta característica, a Ordem estabelecia
rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação da fé cristã, contra os
heréticos, no entanto com o tempo perceberam que arregimentar almas novas era mais
eficiente do que adultos, estes esforços foram desviados para a fundação dos colégios.
Neste sentido, Aranha (2012, p. 203) complementa nossa abordagem:
A eficiência da pedagogia dos jesuítas deveu-se ao cuidado com o preparo
rigoroso do mestre e à uniformidade de ação. Em 1550 foi fundado o Colégio
Romano, para formar professores. Como unidade centralizadora, recebia os
relatórios das experiências realizadas em toda a parte do mundo. (ARANHA,
2012, p. 203).

Tinham como diretriz o Ratio Studiorum (organização escolar), com regras práticas
sobre a ação pedagógica bastante rígida dividida entre estudos inferiores e estudos supe-
riores, a organização administrativa, toda a hierarquia dos profissionais da educação. O
Ratio também organizava o andamento do colégio e dos estudos, desde funções do reitor e
professores passando pela didática e disciplina estudantil, sempre com fins ético-religiosos
(CAMBI, 1999, p. 261).
No Renascimento as crianças passam a ser vistas e cuidadas de forma especial,
sendo separadas inclusive nas escolas dos adultos, fato que esta mistura anteriormente
era comum:
Os contratos [...] de pensão escolar, raramente mencionavam a idade do
menino, como se isso não tivesse importância. Se considerarmos esta indi-
ferença com relação à idade, se nos lembrarmos do que foi dito atrás sobre
métodos pedagógicos utilizados, sobre a simultaneidade e a repetição do
ensino, não nos surpreenderemos em ver na escola medieval todas as idades
confundidas no mesmo auditório. E essa mistura de idade continuava fora da
escola. Velhos ou jovens, os alunos eram abandonados a si mesmos. Alguns,
muito raramente, viviam com os pais. Outros viviam em regime de pensão,
quer na casa do próprio mestre, quer na casa de um padre ou cônego [...].
(ARIÈS, 1986, p. 166).

Com o fim de proteger as crianças de más influências foi proposto a hierarquia


diferente, com disciplina severa, a meta da escola não se restringia à transmissão do co-
nhecimento, mas também à formação moral. Em todos os setores da sociedade ocorreram
mudanças profundas, e a educação será um deles, em todas as dimensões.
Um campo também que recebeu um grande impulso foi a ciência, inclusive com
interesse da burguesia em desenvolver novas formas mais eficientes de produção e ex-
ploração, que será o futuro das grandes companhias e indústrias. Nesta nova ordem, o
saber não correspondia a um acúmulo de conhecimento encerrado em si, mas o saber
correspondia a “transformar”.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 71


Este período se constrói dentro de uma contradição entre o absolutismo real em um
mundo cada vez mais liberal, onde os valores burgueses ficavam cada vez mais evidentes
enquanto se fortaleciam gradualmente. As novas formas de vida obrigavam cada vez mais
pessoas a educarem-se, a especialização dos saberes ganha forma. Nas palavras de Arru-
da (1995, p. 53) podemos verificar as áreas que se desenvolveram nesse período histórico:
O renascimento deu grande privilégio à matemática e às ciências da nature-
za. A exatidão do cálculo chegou até mesmo a influenciar o projeto estético
dos artistas desse período. Desenvolvendo novas técnicas de proporção e
perspectiva, a pintura e a escultura renascentista pretendiam se aproximar
ao máximo da realidade. Em consequência disso, a riqueza de detalhes e a
reprodução fiel do corpo humano formavam alguns dos elementos correntes
nas obras do Renascimento. (ARRUDA, 1995, p. 53).

A partir desta realidade burguesa, notamos um reflexo na educação que se desen-


volvia para uma pedagogia realista, aspirando um conhecimento universal, estendido para
todos, no entanto a maior parte do ensino ainda estava na mão dos religiosos que, além de
prevalecer um conhecimento baseado ainda nos termos da Igreja, formava uma nobreza
aburguesada, uma vez que a educação se estendia a um número um pouco maior, mas
tendo a grande maioria fora dos domínios da educação. No entanto, uma grande massa
de trabalhadores precisa cada vez mais de uma formação mínima para atender as novas
formas de produção, deixando claro o que a sociedade viverá em termos de educação
depois do século XVII, uma escola dualista, um tipo de formação para a elite e outra para
o povo.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 72


5 A EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE

O momento da iluminação, 1791.


Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bd/Minerva_als_Symbol_der_Toleranz.jpg

O século XVIII é conhecido por meio da definição dos livros didáticos por “Século
das Luzes”, é denominado também por alguns teóricos de “Século da Educação”, apesar
de ainda persistirem antigas contradições decorrentes da decadência do regime feudal e

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 73


da ascensão da burguesia, mesmo assim, as luzes traduzem o poder da razão humana de
interpretar e reorganizar o mundo. Assim relata Manacorda (1992, p. 236):
Educar humanamente todos os homens torna-se o grande objetivo da edu-
cação moderna: de várias maneiras, com diferentes iniciativas e não sem
graves recaídas no paternalismo e no assistencialismo, os iluministas, os
novos utopistas, os reformadores e os revolucionários deste século tentam
concretizar este ideal.

Do pensamento humanista, nem o antigo patrimônio cultural serão mais suficientes,


com o surgimento da ciência moderna, será colocado em xeque também o latim que não
se adéqua aos novos tempos. É o momento de cisão e negação do período medievo, do
mundo feudal.
A economia capitalista nesse período investe na necessidade de escolas e legisla-
ções referentes a obrigatoriedade de estudos baseados em programas, níveis e métodos
que atendam às necessidades da produção (ARANHA, 1990, p. 79). Destaca-se em Lyon
na França, o abade Charles Démia (1636-1689), “defensor da educação popular e fundador
de diversas escolas gratuitas para crianças pobres” (ARANHA, 1990, p. 80). Aranha informa
ainda que, de instrução religiosa, essas escolas formavam mão de obra para o trabalho nas
indústrias e comércio bem como para trabalhos domésticos em residências de pessoas ricas.
Outro destacado estudo voltado para a educação moderna é oriundo do trabalho
desenvolvido por João Amós Comênio (1562-1670), para quem o ideal de educação é o
democrático no qual o acesso devia ser garantido a todos “fossem homens ou mulheres,
ricos ou pobres, inteligentes ou ineptos” (ARANHA, 1990, p. 80).
São muitos os pensadores deste rico e intenso período, podemos citar principalmente
Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), um dos ícones do pensamento iluminista. Ele pregava
uma educação nova, baseado no desenvolvimento dos dons naturais da criança (teoria de
forte influência pedagógica para outros autores posteriores, inclusive na atualidade) ideia
esta que será implantada e posta em prática nos séculos posteriores. Por esses motivos,
Rousseau será chamado de “pai da pedagogia contemporânea” (CAMBI, 1999, p. 342).
Podemos dizer que quando se inicia a Idade Moderna, junto com ela vem uma nova
forma de pensar que tem como ponto de partida o problema do conhecimento. Filósofos
como Descartes, Bacon, Locke, Hume, Espinosa abriram o espaço para a discussão da
teoria do conhecimento segundo questões do método, isto é, colocando em discussão os
procedimentos da razão na investigação da verdade, antes de se permitir teorizar sobre
qualquer tema. Neste sentido, a autonomia do pensamento, bem dirigido pelo “método”
leva a razão a encontrar a verdade.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 74


6 A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

No século XIX, são muitos os teóricos ligados direta ou indiretamente à educação.


Eles influenciaram e contribuíram à sua maneira com a proposta de uma nova escola,
que mesmo tendo se mantido ainda de forte tendência individualista, mostraram a nítida
preocupação com os fins sociais da educação. Um exemplo é Johann Heinrich Pestalozzi
(1746-1827) em seu trabalho com a educação elementar das crianças pobres (ARANHA,
2012, p. 353).
Havia neste momento uma preocupação de fato de preparar as crianças para uma
vida social mais justa e equilibrada, preocupada com o bem-estar social, com o progresso
e a transformação. É o período das escolas técnicas, do desenvolvimento gigantesco das
disciplinas científicas das quais algumas foram reformuladas, dividiram-se ou criaram-se
novas. Segundo Aranha (2012, p. 361) o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900),
ao examinar a cultura de seu tempo lamentou o estilo de educação praticado uma vez que o
modelo proposto, segundo ele, era depositário de uma erudição vazia e, portanto, separada
da vida.
Observaremos neste século também o momento da escola pelo Estado, em uma
tentativa de organização da educação pública, como aponta Aranha (2012, p.336):
Enquanto o Estado se esforçava para oferecer a escola gratuita para os po-
bres, é bem verdade que os ricos ainda procuravam as escolas tradicionais
religiosas[...] Apesar das críticas dos religiosos à educação laica, lentamente
os governos conseguiram intervir inclusive nas escolas particulares, mediante
legislação que buscava uniformizar o calendário escolar, o controle de tempo,
o currículo, os procedimentos criando os “sistemas educativos nacionais”.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 75


A autora supracitada ainda afirma que nesse período, verificou-se uma nítida sepa-
ração entre pedagogos, ou teóricos da educação, e os educadores propriamente ditos, que
exerciam sua função em sala de aula. No ensino secundário a formação segue duas ver-
tentes, a propedêutica ou o ensino clássico, para as elites, na outra ponta a disseminação
de escolas técnicas para os pobres e operariados. No ensino superior um dado importante
que além da ampliação dos currículos foi o aumento das escolas politécnicas que visavam
atender as exigências de uma sociedade baseada nas novas experiências tecnológicas.
No século em que a razão humana é exaltada, a escola leiga, livre e universal
torna-se o modelo democrático proposto pelo Marquês Condorcet (1743-1794), Lepelletier
(1760-1973) e Diderot (1713-1784) (ARANHA, 1990, p. 80).
Por outro lado, Voltaire (1694-1778) e Filangieri (1752-1788), irão defender uma
educação pública para todas as classes, mas, não a mesma educação para todos (ARA-
NHA, 1990, p. 80). O que configura em fins do século XVIII como uma instituição excludente
e recheada de privilégios para as elites. Esse modelo de educação, foi superado no século
seguinte quando surge o movimento que ficou conhecido como Escola Nova e sobre o qual
nos iremos nos debruçar na próxima unidade.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 76


SAIBA MAIS

A EDUCAÇÃO E O ESTADO ROMANO

Apesar de sua vigência relativamente longa, a República em Roma (509 a 27 a.C.) não
adotou uma política educacional propriamente dita. Esse fato adquire um grande signi-
ficado quando se tem em conta que Roma incorporou à sua cultura muitos aspectos do
helenismo, menos o tratamento que era dado à educação. Enquanto entre os gregos a
educação foi um assunto de grande interesse do Estado, o mesmo não aconteceu com
Roma. Em comparação com um povo intelectual e artista como o grego, o romano era
um povo de camponeses, que valorizava o “profissional”, o negotium militar, político e
agrícola, entre outros. Os romanos provavelmente admitiram a diferenciação estabele-
cida pelos gregos entre a formação “liberal” e a formação “profissional”, porém demons-
trava clara preferência pela última. Neste caso, introduziram outros elementos, como a
possibilidade de utilização prática e o caráter utilitário, conferindo à formação intelectual
um novo perfil. Outro indicativo desta pragmática é a concepção de que a educação
deveria preparar para a vida.

Fonte: Mais informações em: MELO, José Joaquim Pereira. A educação e o estado romano. Disponível
em: <http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1331/1140>. Acesso em: 11 mar. 2020

REFLITA
O povo, durante a Idade Média – e durante muito tempo também na Idade
Moderna -, é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e
tradições ou observações de senso comum: seu horizonte cultural é mui-
to limitado, mas bem firme na centralidade atribuída à fé cristã e à visão
do mundo, que chega a ele por muitas vias alternativas à escrita: sobre-
tudo através da palavra oral e da imagem, que são duas vias de acesso
à cultura por parte do povo. (CAMBI, 1999, p. 178).

Como visto, a Igreja Católica dominou o setor educacional durante a Idade Média.
Tanto a produção escrita quanto a imagética foram determinadas por essa instituição que
também determinava o acesso da população a essa cultura. Com base na afirmativa feita
pelo educador italiano Franco Cambi (1940 -), reflita acerca do poder das mídias na socie-
dade atual.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 77


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Querido (a),

Nosso objetivo nesta unidade foi estudar aspectos elementares da educação prati-
cada desde os povos da Antiguidade Oriental e Ocidental até o final do século XX.
E, enquanto sociedades como a mesopotâmica e a egípcia inauguraram a institu-
cionalização das escolas, vimos que os modelos educacionais propostos tinham por base
a paidéia grega. Vimos também que não é mais possível falarmos apenas em paidéia no
singular e sim, em paideias como a homérica e a hesiódica assim como também as paideias
propostas pelos filósofos e pelos sofistas cada qual partindo das realidades econômicas,
sociais e políticas presentes em suas sociedades.
Anexados pelo poderoso império romano, o mundo grego e sua cultura influenciam
seus dominadores com sua cultura refinada e suas propostas educacionais. Com o cris-
tianismo tendo se tornado uma igreja com poderes estatais, um novo modelo de homem
é proposto e, nem sempre com base no racionalismo e sim, baseado numa educação
marcada pela fé e pelo dogmatismo católico.
Vimos que a educação, neste período, se manterá estática por muito tempo, mas
talvez menos que nas civilizações do período clássico. A Igreja teve o papel importante
de preservar e transmitir parte da cultura antiga no decorrer dos séculos, no entanto o
processo do conhecimento gerou com o tempo o germe da dúvida, da oposição e, por fim,
da libertação. Quanto a esse processo a Igreja não pode fazer nada de concreto por muito
tempo, mesmo que tivesse tentado de todas as formas.
Vimos, portanto, a libertação do pensamento humano a partir do século XV e o
processo de transformação na educação alcançou uma nova dimensão e velocidade. À
medida que se libertava do dogma católico, uma nova forma de compreender o mundo, de
se relacionar com as diversas áreas do conhecimento levou o homem a patamar de figura
principal, é o fazer-se, construir-se, o homem pelo próprio homem num antropocentrismo
que gestou o Renascimento e a própria sociedade Moderna.
A partir deste momento a transformação na educação desenvolverá uma velocidade
e proporcionará uma variedade de ideias, métodos, jamais vistos na história da humanidade

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 78


sobretudo a partir do século XVIII quando a velocidade das máquinas se refletirá no tempo
do homem, da sua necessidade de formação e no elaborar e reelaborar os projetos educa-
cionais ideais que foram pensados sobretudo pelo filósofo estadunidense John Dewey em
fins do século XIX e início do XX.
De forma geral, verificamos nessa unidade, como foi fértil a discussão sobre a
educação e a riqueza de ideias e proposições desde os ideais Iluministas. O processo de
laicização da educação mais as revoluções ocorridas na sociedade desde aquele momento
histórico permitiram um ambiente de mais liberdade de discussão e recebeu uma atenção
maior, juntamente com a contribuição de vários pensadores que viam na educação a única
via para a transformação da sociedade. Muito além disto, a educação para todos deixou
de ser um ideal e se transformou em uma necessidade, inclusive por causa da ciência
moderna e as inovações tecnológicas. Tudo isso permitiu novas teorias e a sistematização
de métodos para que a escola e o saber se adequassem dentro das necessidades da
sociedade moderna.

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 79


LEITURA COMPLEMENTAR

1. Obra que aborda em detalhes a formação da cristandade desde a tradição judai-


co-cristã até a ascensão e queda do mundo medieval. DAWSON, Christopher. A
formação da cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e
queda da unidade medieval. São Paulo: É Realização Editora, 2014.

2. Nesta obra Marrou narra minuciosamente como se deu a educação na Anti-


guidade: MARROU, Henri-Irénée. História da educação na antiguidade.
São Paulo: Editora da Usp, 1973. Disponível em: https://kupdf.net/download/
marrou-henri-ir-eacute-n-eacute-e-hist-oacute-ria-da-educa-ccedil-atilde-o-na-
-antiguidade-pdf_590b4176dc0d601811959ecb_pdf

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 80


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: O Nome da Rosa
• Autor: Umberto Eco
• Editora: Record
• Sinopse: em 1327, em pleno período escolástico, William de
Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von
Melk (Christian Slater), um noviço, chegam a um remoto mosteiro
no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um
conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas,
mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem
no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso,
que se mostra bastante intrincado, além dos mais religiosos
acreditarem que é obra do Demônio. William de Baskerville não
partilha desta opinião, mas antes que ele conclua as investigações
Bernardo Gui (F. Murray Abraham), o Grão-Inquisidor, chega no
local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que
tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Como não gosta
de Baskerville, ele é inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que
são diabolicamente influenciados. Esta batalha, junto com uma
guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada
enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado.

FILME/VÍDEO
• Título: O físico
• Ano: 2013
• Sinopse: no cenário de superstição e esplendor do século XI,
desenrola-se a extraordinária história de Rob J. Cole (Tom Payne).
Órfão e sem dinheiro é quando a mãe morre de uma misteriosa
doença que Rob se apercebe que possui um dom que, nos tempos
que corriam, enviava um homem para a fogueira: tinha a capaci-
dade de sentir a morte ao pousar a sua mão sobre os vivos. Cres-
cendo como assistente e aprendiz do cirurgião-barbeiro (Stellan
Skarsgård) que o acolheu, o jovem soube que nascera para ser
médico. A sua busca pelo conhecimento levá-lo-á a Isfahan, na
antiga Pérsia, à escola do mais reputado médico do seu tempo,
Ibn Sina (Ben Kingsley). Uma aventura de tirar o fôlego na tradição
de grandes filmes europeus como a O Nome da Rosa e O Perfu-
me - História de um Assassino. O Físico é baseado no romance
best-seller de Noah Gordon que vendeu mais de 21 milhões de
exemplares em todo o mundo.
• Link: https://www.youtube.com/watch?v=MG3xN-ZRVU8

UNIDADE II História da Educação da Antiguidade à Contemporaneidade 81


UNIDADE III
Atualismo Pedagógico e a Nova Escola
Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Situações de atualismo pedagógico;
• O Movimento Pedagógico na Nova Escola.

Objetivos de Aprendizagem:
• Estudar algumas das pedagogias mais influentes durante o século XX;
• Analisar as características do Movimento Pedagógico na Escola Nova.

82
INTRODUÇÃO

Caríssimo(a),
Nesta Unidade iremos estudar situações de atualismo pedagógico ocorridas,
sobretudo, na primeira metade do século XX, juntamente com o Movimento Pedagógico
Nova Escola. Para isso, veremos como a escola laica e sob a tutela do Estado contou com
uma série de modelos educacionais desenvolvidos para atender às demandas políticas e
econômicas da sociedade moderna, industrializada e do entre-guerras.
Como noutros períodos históricos, cada sociedade em particular desenvolveu suas
próprias propostas e, em países como o Brasil, muitas dessas teorias foram absorvidas
e adaptadas à nossa realidade. Assim como as escolas ativistas tiveram seu auge nos
anos 1930 com os escolanovistas, a pedagogia do estadunidense John Dewey também
encontrou seu espaço numa sociedade em busca da democracia.
Se os modelos democráticos ocuparam seu espaço no ocidente, no mundo sovié-
tico as pedagogias marxistas gestaram modelos educacionais diversos, tendo por base,
sobretudo, a disciplina e o trabalho. Houve espaço, inclusive, para as pedagogias fascistas,
como a de Giovanni Gentile na Itália e suas propostas idealistas e atualistas.
Outra proposta educacional que mereceu nossa atenção foi a teoria do pensamen-
to complexo, de Edgar Morin. De acordo com esse teórico, a compartimentalização dos
saberes, iniciada no século XVI e acentuada no XIX, não respondia mais às necessidades
dos indivíduos contemporâneos. Para o autor, o viver em sociedade demanada saberes
complexos capazes de resolverem problemas planetários envolvendo o pensamento teóri-
co, mas, também filosofia, ética e moral.
Sem esgotar o universo das pedagogias do século XX, essa Unidade pretende ser
uma introdução ao tema cuja complexidade pode ser conhecida por meio da bibliografia
sugerida ao final do texto.
Vamos a ele!

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 83


1 SITUAÇÕES DE ATUALISMO PEDAGÓGICO

1.1 Situações de Atualismo Pedagógico


Segundo Franco Cambi (1999), a renovação escolar ocorrida no início do século XX
se deu a partir das teorias propostas pelo italiano Giovanni Gentile (1875-1944), por John
Dewey e pelo marxismo. Esses três modelos, geralmente denominados modelos idealistas,
compõem situações de atualismo pedagógico dentro do período a que estão submetidos:
[...] de modo específico, vieram rearticular a fronteira teórica da pedagogia,
mas, ao mesmo tempo, realça sua identidade teórico-filosófica e, portanto,
a necessidade de enquadrar os problemas educativos e as vias de sua
solução num horizonte mais autônomo, mais coerente, mais rigorosamente
fundamentando, ao qual deve referir-se sobretudo a filosofia (CAMBI, 1999,
p. 534).

Os modelos idealistas colocam-se entre os mais radicais do século em pedagogia


e em muitos sentidos alimentaram e atuaram na história da educação desde suas criações
até a atualidade (CAMBI, 1999, p. 536). Vejamos alguns detalhes de cada uma dessas
propostas e dos contextos históricos que as gestaram:

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 84


Figura 1: Giovanni Gentile. 1875-1944. Figura 2: John Dewey 1859-1952.

1.1.1 Giovanni gentile e a pedagogia do fascismo


Giovanni Gentile nasceu 1875, em Castelvetrano, na Itália, e foi assassinado por
membros do antifascismo italiano em abril de 1944, na cidade de Florença. Formado em
filosofia, tonou-se ministro da Instrução Pública em 1922 e 1924, quando aprovou a reforma
escolar de 1923.
Apoiador do regime de Mussolini, para Gentile:
a verdadeira pedagogia científica é aquela que pensa a educação e o homem
que é seu protagonista, em termos de espírito, de desenvolvimento dialético
e de unidade, mediante o princípio da síntese a priori. Desse modo, a ver-
dadeira ciência é só a filosofia, como verdadeira educação é auto-educação
(CAMBI, 1999, p. 537).

A teoria proposta por Gentile para uma educação escolar oscilava entre a espon-
taneidade e a necessidade de disciplinar e retomar a centralidade da pessoa do professor.
Gentile afastava-se, ainda, da concepção positivista e laica da educação vendo na religião
uma forma de “orientação ideal da escola, quase uma filosofia inferior adaptada às crianças
e às massas” (CAMBI, 1999, p. 539).
Segundo Aranha (2012, p. 432),
enquanto a Escola Nova teve por ideal educar para a liberdade, no sentido
de possibilitar a autogestão do educando e a construção da sociedade demo-
crática, as escolas nos governos totalitários representaram um desvio e um
retrocesso, além de evidente violência simbólica.

Com a crítica realizada por Aranha, podemos observar que a educação é, desde as
sociedades arcaicas, um veículo utilizado pelos governos para educar o indivíduo, seja ele
súdito, servo ou cidadão, de acordo com interesses da sociedade que desejam estabelecer
ou manter. Sigamos com outro modelo de educação surgido no mesmo período que a
pedagogia de Gentile, que é o modelo democrático, proposto pelo estadunidense John
Dewey.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 85


1.1.2 A Pedagogia de John Dewey
John Dewey nasceu em Burlington, nos Estados Unidos, no dia 20 de outubro de
1859 e faleceu em Nova York, em 1º de junho de 1952. Considerado o maior pedagogo do
século XX, Dewey era também filósofo e considerava que o indivíduo não é um ser isolado
e, sim, participante da sociedade.
Sua filosofia de educação foi concebida a partir de uma visão democrática de ins-
tituição e influenciou, sobretudo, a educação no pós Segunda Guerra. Antes, porém, de
ter sua pedagogia aceita e difundida, ele tornou-se diretor do Departamento de Filosofia,
Psicologia e Educação da Universidade de Chicago, em 1894.
O pensamento de Dewey influenciou grandes transformações sociais e cognitivas
no século XX ligadas “à industrialização, à difusão da ciência, ao advento da sociedade de
massa e ao desenvolvimento da democracia” (CAMBI, 1999, p. 548).
Sua pedagogia visava a promoção humana, uma vez que se voltava para resolver
os problemas da sociedade industrial moderna e pôde ser caracterizada por três pontos
específicos:

Quadro 1 – Características da pedagogia democrática de John Dewwy

1. Inspirada no pragmatismo e, portanto, em um permanente contato entre


o momento teórico e o prático, de modo tal que o “fazer” do educando se
torne o momento central da aprendizagem;

2. Entrelaçada intimamente com as pesquisas das ciências experimentais, às


quais a educação deve recorrer para definir corretamente seus problemas,
em particular à psicologia e à sociologia;

3. Empenhada em construir uma filosofia da educação que assume um pa-


pel muito importante também no campo social e político, enquanto a ela é
delegado o desenvolvimento democrático da sociedade e a formação do
cidadão dotado de uma mentalidade moderna, científica e aberta à cola-
boração.

Fonte: Cambi (1999).

Devido a essas características, a pedagogia de John Dewey se tornou o modelo-guia


dentro do movimento escola-ativa, que vigorou desde fins do XIX até 1930 e influenciou as
pedagogias europeia e americana.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 86


1.1.3 Os Modelos Marxistas de Pedagogia
Os modelos marxistas de educação foram concebidos entre 1900 e 1945 e estive-
ram atrelados às lutas revolucionárias do período, seus princípios doutrinários e estratégias
de consolidação da política soviética. Os principais modelos propostos por especialistas e
políticos soviéticos foram:
● A pedagogia da II Internacional;
● Lenin e as orientações da pedagogia soviética;
● Anton Semionovitch Makarenko e a pedagogia revolucionária;
● Gramsci e a filosofia da práxis.

Figura 3: Bandeira Soviética Figura 4: Vladimir Lênin, 1870-1924.

Figura 5: Anton Semnovich Makarenko, Figura 6: Antonio Gramsci, 1891-1937.


1888-1939. Retrato de Antonio Gramsci por volta
dos 30 anos no início dos anos 1920.

Cambi (1999), considera ser possível resumir em cinco tópicos os aspectos espe-
cíficos comuns à pedagogia marxista, presentes em maior ou menor medida nos quatro
modelos acima:
1. uma conjunção “dialética” entre educação e sociedade, segundo a qual
todo tipo de ideal formativo e de prática educativa implica valores e inte-
resses ideológicos, ligados à estrutura econômico-política da sociedade
que os exprime e aos objetivos práticos das classes que a governam; 2. um
vínculo, muito estreito, entre educação e política, tanto em nível de interpre-
tação das várias doutrinas pedagógicas, quanto em relação às estratégias
educativas voltadas para o futuro, que recorrem (devem recorrer) explícita e
organicamente à ação política, à práxis revolucionária; 3. a centralidade do
trabalho na formação do homem e o papel prioritário que ele vem assumir no
interior de uma formação integralmente humana de todo homem, libertado
de condições, inclusive culturais, de submissão e alienação; 5. oposição,

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 87


quase sempre exclusivamente frontal, a toda forma de espontaneísmo e de
naturalismo ingênuo, dando ênfase, pelo contrário, à disciplina e ao esforço,
ao papel de “conformação” que é próprio de toda educação eficaz” (CAMBI,
1999, p. 555, grifo no original).

É preciso considerar que a pedagogia marxista buscou responder ao modelo sovié-


tico de sociedade em diferentes momentos históricos, nos quais se destacam o pré e o pós
Revolução de 1917 e o governo de Stálin.
Para essa sociedade, a pedagogia era concebida como algo orgânico, cuja orienta-
ção estava centralizada pela categoria do trabalho. A educação, nesse sentido, deveria ser
emancipativa e igualitária, delegada a uma escola renovada por um modelo histórico-crí-
tico, dialético, científico e cujos fins políticos eram explícitos, isto é, o desenvolvimento do
modelo soviético de sociedade.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 88


2 MOVIMENTO PEDAGÓGICO NA NOVA ESCOLA

2.1 O Movimento Pedagógico na Escola Nova


Com todas as discussões realizadas no campo da filosofia, da política e da econo-
mia, muitas serão as teorias apontadas para uma nova forma de ver e entender a educação.
Neste processo, se desenvolve a chamada escola nova e, enquanto na escola tradicional,
o centro de tudo era o conteúdo:
nas escolas “novas”, a espontaneidade, o jogo e o trabalho são elementos
presentes: é por isso que depois foram chamadas “ativas”. São frequentemen-
te escolas nos campos, no meio de bosques, equipados com instrumentos
de laboratório, baseadas no autogoverno e na cooperação, onde se procura
ao máximo respeitar e estimular a personalidade da criança. Portanto, o
conhecimento da psicologia infantil e da psicologia da idade evolutiva, tanto
da criança individual como da infância e da adolescência em geral, como
idade que tem em si suas leis e suas razão de ser, são temas essenciais da
pedagogia das escolas novas. O próprio trabalho, nessas escolas, não se
relaciona tanto ao desenvolvimento industrial, mas ao desenvolvimento da
criança: não é preparação profissional, mais elemento de moralidade e, junto
de modalidade didática (MANACORDA, 1992, p. 305).

Neste contexto, a ênfase da educação não se concentra na acumulação de conhe-


cimentos, mas na capacidade de aplicá-los às situações vividas. Neste modelo de escola
há uma preocupação voltada para a formação do cidadão, na formação de uma sociedade
democrática, plural.
De acordo com a organização de Aranha (2012), podemos distinguir quatro perío-
dos principais para a escola nova:

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 89


Quadro 2 - Principais períodos da Escola Nova

1889 a 1900 Criação das primeiras escolas novas na Europa e na América;


1900 a 1907 Formulação das novas ideias ou teorias da educação nova, de, na
qual começam suas duas principais correntes pedagógicas: a do
pragmatismo ou instrumentalismo de John Dewey;

1907 a 1918 Criação e publicação dos primeiros métodos ativos;


1918 até nos- Difusão, consolidação e oficialização das ideias e métodos da edu-
sos dias cação nova.

Baseado na mesma autora (ARANHA, 2012), ainda é possível utilizar outro critério
para classificar os métodos:

Quadro 3 - Métodos de trabalho da Escola Nova

• Métodos de trabalho individual: Montessori, Mackinder, Plano Dalton;


Decroly, Sistema de Winnetka, Plano
• Métodos de trabalho individual – coletivo:
Howard;
O de projetos, o de ensino sintético,
• Métodos de trabalho coletivo:
Técnico de Freiner;
• Métodos de trabalho por grupos: De equipes, Cousinet, Plano Jena;
As cooperativas escolares, a autonomia
• Métodos de caráter social:
dos alunos, as comunidades escolares.

Aranha (2012) define que é sob o binômio da psicologia e do trabalho que podemos
entender a iniciativa da nova escola. Maria Montessori (1870-1952), médica italiana, criado-
ra da Casa dei Bambini, escola para atender crianças, filhos de operários,
[...] estimulava a atividade livre concentrada, com base no princípio da au-
toeducação. Nesse método marcantemente ativo, o aluno usa o material na
ordem que quiser, cabendo ao professor apenas dirigir a atividade, e não
propriamente ensinar. As crianças cuidam da higiene pessoal e da limpeza
das salas, recolocando em ordem todo o material usado. A atenção ao ritmo
de cada um, no entanto, não se contrapõe à socialização, antes facilita a
integração no grupo (ARANHA, 2012, p. 305).

Theodore Schultz (1973), em sua teoria do capital humano, afirma que a educação
deve estar com vistas ao crescimento econômico. Um trabalhador qualificado consegue
produzir mais e ser mais bem remunerado, contribuindo para o crescimento do país. Nesse
ponto, como afirma abaixo o autor, podemos dizer que, aos poucos, o próprio trabalhador se
torna capitalista. “Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 90


propriedade das ações da empresa, mas pela aquisição de conhecimentos e capacidades
que possuem valor econômico” (SCHULTZ, 1973, p. 35).
Para Dewey (1859-1952), conforme Aranha (1990), educação era ação. Desse
modo, o aspecto instrucional da educação ficava relegado a um segundo plano. Dewey
imaginava o processo educacional como algo contínuo, no qual, permanentemente, re-
construía-se a experiência concreta, ativa e produtiva de cada ser humano. Para ele, a
escola não deveria preparar para a vida, pois a escola deveria ser a própria vida.
Muito do que pregava Dewey foi utilizado, principalmente, no ensino fundamental,
influenciando, inclusive, a escola nova no Brasil, por meio de Anísio Teixeira (1900-1971)
que, após intenso contato com Dewey, foi o principal divulgador das teorias em nosso país,
as quais tiveram uma grande força entre as décadas de 1920 a 1940 (ARANHA, 2012, p.
531).
De maneira geral, podemos afirmar que, como vimos anteriormente, as propostas
educacionais amplamente debatidas no decorrer do século XIX reafirmam, no século se-
guinte, a necessidade da escola pública, leiga, gratuita e obrigatória. Inevitavelmente, esta
proposta deveria ser implantada, verificando a explosão demográfica e o desenvolvimento
industrial e tecnológico.
Também podemos dizer que a organização dos estudos em três níveis distintos –
fundamental, médio e superior –, pautados dentro de métodos novos, levaram as pessoas
a perceberem a escola como local de preparo para a ascensão social ou, pelo menos, de
garantida de manutenção da vida em sociedade. Esta visão de escola e educação foi, com
certeza, a contribuição da reforma proposta pela escola nova.

2.2 Edgar Morin e a Teoria do Pensamento Complexo


Reservemos algumas palavras para discorrer sobre o pensamento do intelectual
francês Edgar Morin (1921) e a sua teoria do pensamento complexo. Dada sua formação
eclética (antropologia, direito, história, geografia, sociologia e filosofia), é difícil definir o
pensamento de Morin ou classificá-lo em apenas uma tendência ou teoria educacional.
Contudo, em páginas anteriores nos referimos ao fato de que ele é um dos representantes
da Escola Nova, mas suas proposições não se resumem a esse modelo.
De forma geral, no entanto, é possível considerar que Morin criticou o pensamento
racionalista e cientificista, caracterizante do pensamento moderno. Esse paradigma surgido
no século XVI seria, segundo Morin, reducionista e estaria em declínio no século XX, uma
vez que o conhecimento passou a ser fragmentado, sobretudo a partir do século XIX. Nesse

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 91


período, surgiram as disciplinas e seus campos específicos do saber, o que teria levado
a “incapacidade de captar ‘o que está tecido em conjunto’, isto é, o complexo, segundo o
sentido original do termo” (MORIN, 2002, p. 16).
Outro ponto criticado por ele é a separação entre a cultura humanista e a cultura
científica, uma vez que a primeira valoriza as obras do passado e as revitaliza enquanto
que a segunda valoriza apenas aquelas obras adquiridas no presente. Assim, a ausência
de interlocução entre ambas traria, segundo ele, “graves consequências uma para a outra”
(MORIN, 2002, p. 17), uma vez que, na ausência dessa comunicação, os problemas funda-
mentais do ser humano (cuja reflexão é feita por meio da filosofia, do ensaio e da literatura)
não encontram eco na cultura científica que se assenta sobre a teorização e não sobre o
“futuro da própria ciência” (MORIN, 2002, p. 17).
Essa fragmentação e falta de comunicação entre os saberes foi conceituada por
Morin como uma crise planetária e, por isso, sua teoria do pensamento complexo propõe
romper com o conhecimento compartimentado e assumir uma postura complexa na qual
o conhecimento deve mobilizar não apenas uma cultura diversificada, mas
também a atitude geral do espírito humano para propor e resolver problemas.
Quanto mais potente for essa atitude geral, maior será sua aptidão para tratar
de problemas específicos. Daí decorre a necessidade de uma cultura geral
e diversificada que seja capaz de estimular o emprego total da inteligência
geral, ou melhor dizendo, do espírito vivo (MORIN, 2002, p. 19).

Nesse sentido, podemos dizer que Morin aposta na transdisciplinaridade como


elemento essencial para uma formação humana, na qual as fronteiras entre as disciplinas
sejam superadas de forma a tornar os indivíduos capazes de lidar com os problemas co-
tidianos, agindo a partir de conhecimentos diversos, como, por exemplo, saber lidar com
problemas ecológicos, considerando aspectos biológicos, sociais, éticos, morais, geográfi-
cos e econômicos.
Segundo Aranha (2012), essa abordagem global do conhecimento já está presente
em algumas universidades que já possuem centros transdisciplinares que se dedicam ao
estudo específico das disciplinas sem a substituição dos departamentos. Nesses centros,
encontram-se especialistas que, sem perder o alto nível nas pesquisas, buscam interação
e integração entre as disciplinas.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 92


SAIBA MAIS

ANÍSIO TEIXEIRA - Educador Brasileiro

Anísio Teixeira (1990-1971) foi um educador brasileiro, responsável pelas reformas edu-
cacionais que mudaram a educação no Brasil. Anísio Spínola Teixeira nasceu em Cae-
tité, no sertão baiano. Estudou em colégios jesuítas em Salvador. Formou-se em direito
no Rio de Janeiro, em 1922. Na Bahia, ocupou o cargo de diretor geral da instituição
pública de 1924 e 1929. Anísio Teixeira reformou o sistema escolar baiano. Em 1928,
publicou “Aspectos Americanos da Educação”, concluindo, no ano seguinte, a formação
em educação, o Teacher’s College da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos.
Regressou ao Brasil em 1929 e assumiu a cadeira de filosofia e história da educação
da Escola Normal de Salvador. Anísio Teixeira foi funcionário do Ministério da Educação
do Distrito Federal. Em 1932, foi signatário dos Pioneiros da Escola Nova, que propu-
nha uma escola leiga, obrigatória e gratuita. Foi responsável pelo aumento do número
de escolas no Brasil e programas de aperfeiçoamento dos programas de treinamento
para professores. Também aprimorou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Anísio
Teixeira escreveu os livros “A Universidade e a Liberdade Humana” (1954) e Educação
no Mundo Moderno (1969). Morreu no Rio de Janeiro, em 1971.

Fonte: Biografia de Anísio Teixeira. Disponível em: < https://www.ebiografia.com/anisio_teixeira/>. Acesso


em: 09 abr. 2020.

REFLITA
A educação proposta por Gramsci está centrada no valor do trabalho e na
tarefa de superar as dicotomias existentes entre o fazer e o pensar, entre
cultura erudita e cultura popular. Para tanto, a escola classista burguesa
precisaria ser substituída pela escola unitária, oferecendo a mesma edu-
cação para todas as crianças, a fim de desenvolver nelas a capacidade
de trabalhar manual e intelectualmente. Nesse caso, entrar em contato
com a técnica do seu tempo não significa deixar de lado a cultura geral
humanista, formativa (ARANHA, 2012, p. 464).

Considerando o fragmento acima, reflita em que medida a proposta pedagógica de


Gramsci faz uma crítica ao modelo marxista de educação.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 93


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que o século XIX pregou, o século XX teve de colocar em prática: a escola para
todos, laica, obrigatória e como papel do Estado. Mesmo ainda que uma escola dualista,
muito se avançou em termos de inclusão, apesar de que este desafio ainda é um dos
principais debates entre educadores e líderes mundiais.
Ao passo que o século XX se deparou com mudanças muito rápidas e radicais, a
educação também se viu obrigada a, ao menos, acompanhar em parte estas transforma-
ções e a proposta de Edgar Morin, de uma educação baseada na complexidade planetária,
procura dar respostas a essas expectativas recentes, ainda que não tenha se tornado um
paradigma amplamente utilizado.
Graças ao novo papel da escola em sociedade, fruto da escola nova e compreen-
dendo que a educação só pode ser compreendida em determinado contexto histórico, os
novos rumos são também de uma educação que precisa ser construída, tendo, inclusive,
como ponto principal aqueles que permanecem à margem da sociedade, excluídos não
somente, mas principalmente, da educação.

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 94


LEITURA COMPLEMENTAR

A pesquisa do prof. Marcos Fonseca procura analisar o nível de relação entre este
processo e o segmento mais expressivo dentro da estrutura demográfica de Minas Gerais,
ou seja, a população negra livre que era classificada através de diferentes terminologias
(pretos, pardos, crioulo, cabras), que demarcavam proximidades e distâncias com o mundo
da escravidão e o sistema educacional, sendo a escola espaço de afirmação social para
esse grupo marginalizado.

Fonte: Fonseca (2007).

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 95


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: A história da educação dos negros no Brasil
• Autor: Marcos Vinícius Fonseca e Surya A. Pombo de Barros
(Orgs.).
• Editora: Editora da Universidade Federal Fluminense - EdUFF
• Sinopse: finalmente, as questões relativas à população negra
foram incorporadas à educação brasileira. Isso se deu a partir de
um longo processo de reivindicação construído pelos movimen-
tos sociais criados pela população negra durante todo o século
XX. A partir dos anos de 1980, estas reivindicações começaram
a encontrar ressonância em diferentes segmentos da sociedade,
possibilitando a construção de dispositivos pedagógicos e legais
que estabeleceram diretrizes para o tratamento das questões
étnico-raciais na educação. Esse livro fala um pouco sobre a tra-
jetória educacional do negro no Brasil e que resultou nas políticas
públicas atuais.

FILME/VÍDEO
• Título: A educação proibida
• Ano: 2012
• Sinopse: documentário que se propõe a questionar as lógicas
da escolarização moderna e a forma de entender a educação,
mostrando diferentes experiências educativas, não convencionais,
que propõem a necessidade de um novo modelo educativo.
• Link: https://www.youtube.com/watch?v=OTerSwwxR9Y

UNIDADE III Atualismo Pedagógico e a Nova Escola 96


UNIDADE IV
Diretrizes e Políticas
Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion

Plano de Estudo:
• Conceitos e Definições de Diretrizes Educacionais
• Campo das Políticas Públicas Educacionais no Brasil
• Breve histórico da educação no Brasil

Objetivos de Aprendizagem:
• Compreender as atuais diretrizes e políticas da educação brasileira;
• Conceituar e contextualizar as políticas educacionais brasileiras pós 1988;
• Estudar características do PNE e das DCN;
• Desenvolver um breve histórico da educação no Brasil.

97
INTRODUÇÃO

Olá, aluno(a)!
Chegamos a última unidade de nossa apostila. Depois de termos feito um estudo
sistemático da educação desde os povos primitivos do Paleolítico até a contemporaneidade,
passamos a analisar alguns documentos norteadores da política educacional brasileira. Os
temas que irão orientar nossa discussão serão as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN
–, o Plano Nacional de Educação – PNE – e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC,
uma vez que é sob esses três documentos que se encontram estruturadas as bases nacio-
nais da educação brasileira juntamente com a Carta Magna de 1988 e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394 de 1996. Além disso, faremos um voo
panorâmico sobre a história da educação no Brasil de forma que esse voo nos permita
compreender os contextos geradores dos documentos citados acima e seus conteúdos.
Num primeiro momento, discutiremos as DCNs, que foram o último documento a
ser produzido acerca do tema. Analisar, em primeiro lugar, as Diretrizes, nos permite partir
de um campo conhecido que é a forma como a educação está estruturada na atualidade
para compreender, em retrospectiva, como chegamos a essa proposta educacional.
Em seguida, analisaremos o Plano Nacional de Educação, documento cuja previ-
são de existência já constava da LDB 9394/96, assim como as DCNs e a BNCC, esta última
resumida ao final deste texto. Com esses temas e conteúdos, acreditamos ser possível
compreender as políticas públicas e as diretrizes que norteiam o sistema educacional bra-
sileiro desde 1988 até a atualidade.
Tenha um bom estudo!

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 98


1 DIRETRIZES ATUAIS DA EDUCAÇÃO

1.1 Breve Histórico da Educação no Brasil


Antes de iniciarmos com o tema deste tópico, vamos conhecer algumas caracte-
rísticas da história da educação no Brasil, considerando tanto os contextos que geradores
quanto as pedagogias utilizadas.
Nesse sentido, não é objetivo abordar em detalhes a história da educação no Brasil,
até porque precisaríamos de um livro exclusivo para esta proposta. No entanto, faremos
uma síntese ao que chamamos de Breve Histórico da Educação no Brasil, para ligar nosso
sistema de ensino ao que foi debatido na Europa desde o século XVI, sendo possível que
se faça uma analogia dos fatos ocorridos fora de nosso país e a ligação que tiveram e as
particularidades dos interesses coloniais em nosso território.
Muito de nossa história, inclusive educacional, dependeu de como Portugal e Es-
panha se situaram no cenário do desenvolvimento econômico e cultural europeu. Neste
sentido, em relação à França e Espanha, que privilegiavam a manufatura, a classe burgue-
sa portuguesa estava arraigada a um modelo medieval no qual o absolutismo real era o
epicentro da estrutura. Descreve-nos assim Aranha (2012, p. 224):
por ser um país católico, que resistiu ao movimento protestante com a Con-
tra-Reforma e a Inquisição, Portugal condenava os juros, o que restringiu a
acumulação de capital e retardou a implantação do capitalismo. Além disso,
enquanto a Europa renascentista preparava para o livre pensar que se conso-
lidaria no Iluminismo do século XVIII, Portugal permanecia cioso da herança
cultural clássico-medieval, preservando o latim, a filosofia e literatura cristã.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 99


Portanto, herdaremos uma cultura escolar muito antiga e reacionária, se compa-
rada com o que estava acontecendo em regiões onde o capitalismo havia florescido e a
reforma era uma realidade. Fica claro entendermos porque o nosso primeiro fundamento
educacional está ligado ao processo da Contrarreforma, daí os Jesuítas são os primeiros,
em solo nacional, a iniciarem o trabalho de “catequização”.
Essa, portanto, é a fase jesuítica da educação colonial que irá perdurar entre 1549
até 1759, culminando com a expulsão dos Jesuítas por ferir interesses econômicos por-
tugueses. Conforme Ribeiro (2003), o objetivo dos colonizadores era o lucro e a função
da população colonial era propiciar tais lucros às camadas dominantes metropolitanas.
Portanto, a colonização, em termos de povoamento e cultivo da terra, se torna uma meta
a se cumprir. Neste cenário, os Jesuítas ficaram responsáveis por criar colégios para a
formação gratuita de sacerdotes, onde deveriam catequizar os nativos e escravos vindos
de fora, recebendo subsídios do governo português.
Ribeiro (2003, p. 21) aponta os objetivos da educação neste momento:
o plano de estudos propriamente dito foi elaborado de forma diversificada,
com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de capacidades. Co-
meçando pelo aprendizado do português, incluía o ensino da doutrina cristã,
a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua, em caráter opcional, o
ensino de canto orfeônico e de música instrumental, e uma bifurcação tendo
em um dos lados o aprendizado profissional e agrícola e, de outro, aula de
gramática e viagem de estudos à Europa.

Como vemos, existem dois tipos de educação. O plano legal era, na verdade,
catequizar e instruir os índios, porém, o que ocorre na realidade é que os filhos dos colo-
nizadores receberão instrução e os índios serão apenas catequizados, sendo os colégios
jesuíticos instrumento de formação da elite colonial. A ação sobre os indígenas, portanto,
resumiu-se a cristianizar, tornando-os dóceis para o trabalho, ao passo que à elite colonial
era oferecida o estudo elementar, podendo se estender até instrução superior na Europa.
No século XVIII, a Europa passa por uma crise entre o absolutismo real frente
ao mercantilismo. Nesse cenário, a Inglaterra está à frente e faz uma profunda reforma
econômica e política, levando-a ao capitalismo industrial. Os ingleses impõem a alguns
países europeus, incluindo Portugal, sua política capitalista em troca de proteção: me refiro,
em específico, ao conhecido Tratado de Methuen (1703), que obrigava os portugueses a
comprarem produtos da Inglaterra quando o pagamento era feito em parte com os produtos
de origem das colônias. Como Portugal não acompanha o processo de transformação do
mercantilismo na Europa, o primeiro ministro Marquês de Pombal propôs uma reorganiza-
ção do reino na busca de modernizá-lo e de manter o regime absolutista.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 100


Conforme expõe Aranha (2012), no Brasil, a esta época, predominava a cultura ca-
navieira. Logo, a estrutura social era baseada na classe dominante, formada pelos senhores
de engenho, que fundavam seu poder na propriedade da terra e na exploração agrícola
por meio de mão de obra escrava. Ainda ocorre o início do processo de mineração, que
modifica a organização social, pois desencadeia não somente o processo de urbanização
como, por meio do comércio, desenvolve uma classe burguesa.
Quando a extração do ouro retraiu, Pombal exige a arrecadação de impostos das
cidades estabelecendo um valor mínimo a ser cumprido, agindo de forma arbitrária, utilizan-
do as tropas para fazer valer sua vontade. Além desta medida, irá controlar o comércio e
proibir toda atividade manufatureira. Esta será uma época de grandes revoltas por conta da
política pombalina. O Marquês de Pombal pretendia não só tirar o maior proveito possível
das colônias para a recuperação econômica portuguesa como, também, pretendia transfor-
mar aquela sociedade em capitalista. Para isso, então, recorre à instrução defendida pelo
Iluminismo que vigorava na época na Europa.
Do ponto de vista educacional, a orientação adotada foi formar o perfeito
nobre, agora negociante; simplificar e abreviar os estudos fazendo com
que um maior número se interessasse pelos cursos superiores; propiciar o
aprimoramento da língua portuguesa; diversificar o conteúdo, incluindo o de
natureza científica; torná-los os mais práticos possíveis. Surge, com isso, um
ensino público propriamente dito. Não mais aquele financiado pelo Estado,
que formava o indivíduo para Igreja, e sim financiado pelo e para o Estado
(RIBEIRO, 2003, p. 33).

Portanto, a Companhia de Jesus não tem mais espaço e não corresponde aos
interesses dentro deste novo contexto proposto por Pombal. Em 1579, então, são expulsos.
Ribeiro (2003) ainda nos aponta que o Alvará de 28 de junho de 1759 criava o cargo de
diretor geral dos estudos, através do qual todos os professores são obrigados a prestarem
exames e terão direitos de nobres. Importante ressaltar que o ensino particular passa a
ser proibido, sendo feito, inclusive, um levantamento dos professores sem a licença para
exercer o cargo.
Como se vê, há um cuidado com o policiamento do que se ensina e de quem
ensina. Persistia o programa do analfabetismo e do ensino precário, restrito a poucos. O
que predominou foi um programa de estudo clássico que valorizava a literatura e a retórica,
desprezando, assim, a ciência e a atividade manual, aumentando cada vez mais a distância
entre as classes e mantendo uma maioria de analfabetos.
Este panorama se estende até 1808, quando, por motivos da expansão e das
guerras de Napoleão, obrigam a corte de Portugal a se transferir para o Brasil. Com a vinda
de D. João VI, algumas regiões passam por uma reestruturação muito grande, de início,

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 101


somente para receber a Monarquia, mas servindo também para preparar o terreno de um
futuro país independente.
No período joanino, primeira metade do século XIX, não havia ainda uma política
de educação sistemática e planejada. No entanto, no Brasil, enquanto sede da Coroa Por-
tuguesa, precisou-se tomar diversas medidas para a estruturação intelectual, como nos
aponta Ribeiro (2003, p. 40):
[...] se fez necessária uma série de medidas atinentes ao campo intelectual
geral, como: a criação da Imprensa Régia (13-5-1808); Biblioteca Pública
(1810 – franqueada o público em 1814); Jardim Botânico do Rio (1810), Mu-
seu Nacional (1818)[...] em razão da defesa militar são criadas, em 1808, a
Academia Real da Marinha e, em 1810 a Academia Real Militar(que em 1858,
passou chamar-se Escola Central; em 1874, Escola Politécnica, e hoje é a
Escola Nacional de Engenharia), em 1808 é criado o curso de cirurgia (Bahia)
no hospital Militar, e os cursos de cirurgia e anatomia no Rio de Janeiro.

Assim que chegou, tomou decisões, portanto, para montar um sistema educacional
que respondesse às necessidades da corte. São criados vários cursos próprios para a
construção de um território que estava todo por fazer-se. Por este motivo é que alguns
dizem que o Brasil só começou de fato a ser construído a partir da vinda da coroa. Diversas
outras escolas são criadas, como serralheiro, espingardeiro, curso de economia na Bahia,
estudos de botânica, química industrial e geologia e Ribeiro (2003) afirma que, no Rio, o
laboratório de química (1812) e o curso de agricultura (1814) são cursos responsáveis pela
formação de técnicos em economia, agricultura e indústria e que representam a inaugura-
ção do nível superior no Brasil.
No que diz respeito ao ensino elementar, a situação continuava caótica: o método
em funcionamento, voltado mais para o modelo econômico agrário não correspondia à
realidade do país, que se desenvolvia, mesmo que timidamente, para outras atividades,
como a indústria. Somente após a Independência, e influenciados pelo Ideal da Revolução
Francesa, alguns políticos aspiravam à educação para todos que, na verdade, não obteve
resultados, até porque perceberam que tal projeto era inexequível. O que de concreto
ocorreu foi a instituição da lei de 1827, que reservou para o ensino elementar algo menos
ambicioso:
a necessidade e a urgência da criação de um sistema de instrução pública fo-
ram, durante todos os debates, associadas diretamente ao caráter do regime
político nacional e liberal: educar homens livres, capazes de sustentar o novo
sistema representativo (XAVIER, 1990 apud ARANHA, 2012. p. 279).

O projeto foi protelado por não haver um levantamento da realidade nacional. Por-
tanto, mesmo que outorgada na constituição de 1824 – o “sistema nacional de educação”
–, nada de novo foi operacionalizado, até porque não era exigida a comprovação de estudo

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 102


primário para se cursar outros níveis, o que revela que a elite poderia ensinar em casa,
inclusive com professores particulares, e a plebe continuava sem instrução, com a oferta
de poucas escolas públicas, que ofertavam em seu ensino elementar ler, escrever e contar.
Somente em 1834 é que o ensino elementar passará a ser responsabilidade das
províncias, ficando os cursos superiores à cargo do poder central. Foi fundada em 1835, na
Escola de Niterói, as escolas normais, procurando melhorar a formação dos mestres. No
entanto, com o funcionamento precário e com a falta de alunos, foram fechadas em 1849.
A educação brasileira segue, ao longo de todo o século XIX, anárquica, desorga-
nizada e totalmente desagregada. O golpe de misericórdia é dado quando, em 1834, com
a descentralização do ensino, a formação elementar, que fica à cargo das províncias, não
tem uma política efetiva e organizada para garantir o ensino de qualidade, nem há uma
unidade sobre a metodologia e o programa das disciplinas.
Quanto ao ensino secundário, em 1937 é fundado, no Rio, o Colégio D. Pedro II.
Ficando sob a jurisdição da Coroa, servia de modelo para os demais liceus e era destinado
à formação da elite intelectual, sendo ainda o único a realizar exames para o título de
bacharel. Portanto, os outros liceus deveriam utilizar os mesmos materiais didáticos que o
colégio padrão, muitas vezes mais com o intuito de preparar para os exames do que uma
formação concreta.
A partir de 1860, alguns debates começam a surgir em torno do modelo de uma
escola mais liberal, pautada nos moldes do que acontecia na educação Norte-Americana.
Sobre este aspecto, Aranha (2012, p. 384) relata que:
Leôncio de Carvalho – “o inovador de ensino mais audacioso e radical do
período do Império”, segundo Fernando de Azevedo – estabeleceu normas
para o ensino primário, secundário e superior na reforma de 1879. Nesta lei,
defendia a liberdade de ensino (inclusive sem a fiscalização do governo) de
frequência, de credo religioso (os não católicos ficavam desobrigados de as-
sistir a aula de religião) a criação de escolas normais e o fim da proibição de
matrícula de escravos. Estimulou ainda a criação de colégios com propostas
divergentes, como, por exemplo, de tendência positivista [...].

Esta reforma, infelizmente, teve pouca duração. Leôncio de Carvalho pretendia,


inclusive, com a escola positivista, valorizar as ciências. Também com a liberdade de ma-
trícula a todos, pensava na superação do analfabetismo que ameaça o desenvolvimento
interno. Esta tentativa de Leôncio de Carvalho irá repercutir principalmente no período da
República, mas desde o desenvolvimento da indústria, modesta, com o surgimento de
outras classes como a burguesia, as ideias positivistas começam a enfrentar a tradição do
pensamento católico e o ideal de escolas liberais e leigas vão, aos poucos, abrindo terreno
nas discussões sobre a educação no Brasil.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 103


Em 1882, o conselheiro Dantas, Rodolfo Dantas, apresenta ao parlamento um
projeto de reforma, que é analisado por aquela casa que formará uma comissão para tal;
dentre eles figurava Rui Barbosa. Deste processo, resultou uma proposta em face ao que
se fazia de mais adiantado no mundo em termos de educação vinculado com a realidade
nacional, que se tornou também inexequível. No entanto, estava aberto o procedente para
uma sistematização escolar renovada no país.
Com a queda do Império, é instaurada, no Brasil, a Primeira República: uma re-
pública oligárquica e que, baseada em interesses de determinadas classes, vai gerar uma
política do desequilíbrio, inclusive do desenvolvimento social em determinadas províncias,
ou melhor, estados da federação. Portanto, a base do desenvolvimento educacional que
veremos a partir daqui está concentrada nas regiões mais desenvolvidas, como São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Como característica dos últimos anos do século XIX, o Estado havia encaminhado
uma educação seriada, processo que toma força nas décadas seguintes do século XX.
Nesse modelo são adotados métodos, procedimentos específicos bem como se iniciam
ponderaçoes sobre construção de prédios para as instalações das escolas. Estes ambien-
tes atendem às especificações do que se praticaria de correto no sentido de ordem, porém
tais ambientes de ensino servem, não distante, para promover os ideias republicanos:
o projeto político republicano visava implantar a educação escolarizada,
oferecendo o ensino para todos. É bem verdade que se tratava ainda de
uma escola dualista, em que para elite era reservada a continuidade dos
estudos, sobretudo científicos – já que os republicanos recusavam a educa-
ção tradicional humanista –, enquanto o ensino para o povo ficava restrito ao
elementar e ao profissional (ARANHA, 2012, p. 523).

Neste cenário, a educação se reafirmava organizada da seguinte maneira: a União


era responsável pela educação superior, enquanto o ensino elementar era papel dos esta-
dos, reafirmando o perfil elitista de provimentos educacionais. A reforma positivista não vai
ocorrer por diversos problemas, inclusive alguns estruturais. Aliás, a influência positivista
da Primeira República no plano educacional teve efeitos passageiros, além de que vários
projetos nunca foram implantados de fato. No entanto, os republicanos vão redesenhar
todo um traçado de sistema educacional e, à medida que o século avança, o resultado de
vários embates abrirá cada vez mais espaços para novos projetos, principalmente depois
da Primeira Guerra Mundial.
A partir deste fenômeno, ocorre um aumento da implantação de novas indústrias
e, com eles, vem a consolidação da burguesia industrial e o operariado. Por um lado essa
burguesia que se relaciona com outros setores econômicos, vai, aos poucos, impondo seus

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 104


interesses, afetando o sistema político e se tornando a base do processo da revolução que
ocorrerá em 1930. Do outro lado, o operariado, enquanto expressão política e totalmente
insatisfeito, irá se manifestar mediante a organização de atos públicos.
Os primeiros trintas anos do século XX no Brasil serão férteis em discussão sobre
educação e pedagogia. No entanto, diversos interesses se opunham. Neste cenário, o gover-
no promulgava suas reformas, a maioria delas muito conservadoras e que não atendiam as
reivindicações, principalmente, dos setores mais radicais. Os conservadores representados
pela Igreja Católica pregavam a pedagogia tradicional estruturada por Herbart, enquanto
os liberais democráticos pregavam a transformação da sociedade por meio da escola – as
escolas novistas. Como cita Aranha (2012), são conhecidos como educadores profissionais
devido à especialização de seus interesses, focados na educação, além de vários deles
terem participado de reformas de ensino. Entre eles, estão figuras bem conhecidas dos
historiadores e pedagogos, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho.
Apesar da difusão das ideias da Escola Nova, que reagiam ao individualismo e ao
academicismo da educação tradicional, propondo escola única, obrigatória e gratuita, não
foi possível aplicar esses ideais de maneira uniforme, ficando restritos a alguns locais. Um
dos pontos culminantes deste ideal de educação foi o Manifesto dos Pioneiros da Educa-
ção, fato que ocorreu principalmente dentro do clima de conflito que havia em 1932 com a
revolução de Vargas. Em oposição, a ala católica reagia pregando um modelo de educação
baseado no tomismo ou neotomismo, que era a releitura da filosofia perene de Tomás de
Aquino, conforme relata Aranha (2012). Os pensadores católicos rejeitavam a educação
laica, pregada pela escola nova e implantada pela república, assim como também eram
ferrenhos combatentes contra o comunismo, movimento político em alta, e suas ideias
presentes no Brasil por meio da fundação do Partido Comunista na década de 1920.
Em meio a todos estes embates, o que veremos de concreto na década de 1930 é o
esforço do Estado em fundar e organizar universidades. Em 1934, a USP é implementada,
sendo a primeira com nova organização educacional que permitiu a anexação de diversas
faculdades. A universidade do Rio de Janeiro também é implementada a partir de 1936,
assim como outras instituições confessionais ou laicas serão implementadas. Na vigência
do Estado Novo, período que abrange 1937 a 1945, na ditadura Vargas, o ministro Gustavo
Capanema, responsável pela pasta da educação, regulamenta diversos decretos-leis e a
influência do movimento renovador era presente. O curso secundário reestruturado passou
a ter quatros anos de ginásio e três anos de colegial, como escreve Romanelli (1986, p.
157):

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 105


em síntese, a julgar pelo texto da lei, o ensino secundário deveria: a) pro-
porcionar cultural geral e humanística; b) alimentar uma ideologia política
definida em termos de patriotismo e nacionalismo de caráter fascista; c)
proporcionar condições para o ingresso no curso superior; d) possibilitar a
formação de lideranças.

Como vemos, a prática da escola atende também os interesses da afirmação do


estado fascista de Vargas. No entanto, já é possível verificar uma organização metodológica
da educação.
O ensino primário não receberá, neste período, reformas, as quais ocorrerão so-
mente após 1945. Outro tema a ser lembrado é o fato de que o processo de industrialização
vem em crescente ascendência. O ministro Capanema, por meio da lei Orgânica, define
dois tipos de curso profissionalizante: em 1942 é criado o SENAI, mantido e organizado
pela Confederação Nacional das Indústrias e, em 1946, surge o SENAC – Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial. Era uma resposta, mesmo que tímida ainda, a um processo
de profissionalização principalmente das classes operárias.
A partir de 1945, com o fim da Ditadura, as mudanças econômicas geram transfor-
mações internas, como a vinda de capital estrangeiro e a implantação de indústrias multi-
nacionais. Na educação, começam debates importantes que irão resultar na proposição da
Lei de Diretrizes e Bases, discussão que irá se estender até 1961.
Quando a Lei nº 4.024 (LDB) foi publicada em 1961, já se encontrava ultra-
passada, porque nesse meio tempo um país semi-urbanizado, com economia
predominantemente agrícola, passará a ter exigências diferentes, decorren-
tes da industrialização (RIBEIRO, 2003, p. 172).

Ribeiro (2003) ainda complementa dizendo que, embora o anteprojeto de lei fosse
avançado na época da apresentação, envelhecera no decorrer dos debates e do confronto
de interesses.
No curso da década de 1960, a educação popular e a disseminação da educação
vão tomando corpo e um dos pontos de discussão era definir nossa identidade nacional.
Os intelectuais da educação, entre eles Darcy Ribeiro, descendente direto das ideias de
Anísio Teixeira. Darcy Ribeiro será o responsável por fundar a Universidade de Brasília em
1961, instituição organizada sob os novos moldes da organização acadêmica e do ensino
superior.
Vários grupos discutiam ideias novas e propunham mudanças, fundando organiza-
ções, como Centros Populares de Cultura, Movimentos de Cultura Popular e Movimentos
de Educação de Base criados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Importante
ressaltar a intensa atividade, também, nestes movimentos, da UNE – União Nacional Es-

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 106


tudantil –, pois tudo indicava que a educação tomaria outros rumos, tendo como norte uma
estruturação baseada nas discussões de várias bases, de cunho eminentemente democrá-
tico. Entretanto, o Golpe Militar de 1964 desativou estes movimentos de conscientização
popular, considerando-os subversivos e perseguindo seus líderes.
Durante vinte anos (de 1964 a 1985) os brasileiros viveram o medo gerado
pelo governo do arbítrio e da ausência do estado de direito. Esses anos de
chumbo, além do sofrimento dos torturados e “desaparecidos”, foram desas-
trosos para a cultura e educação. Também provocaram prejuízos econômicos
e políticos ao país (ARANHA, 2012, p. 550).

Uma das primeiras providências da Ditadura foi a extinção de todos os movimentos


que vinham acontecendo. Como havíamos dito anteriormente, somente a CNBB foi poupa-
da, mas seu papel passou a ser somente sugestivo de aconselhamento. A UNE passa a ser,
então, uma pedra no sapato do governo, pois mesmo extinta, funcionará clandestinamente,
atuando, inclusive, com movimentos de guerrilha.
A resposta do governo será dura: as perseguições e a caçada são implacáveis, o
aparelho do Estado está munido de todos os meios para vigiar e impedir qualquer atividade
popular e, para fazer valer suas atitudes, é promulgado o AI-5, que retirava todas as garan-
tias individuais, públicas ou privadas e concedia ao presidente da República poderes para
atuar nos poderes executivo e legislativo.
Na educação, o Decreto-lei nº 477, promulgado no início de 1969, proibia pro-
fessores, alunos e funcionários das escolas de toda e qualquer manifestação de caráter
político e, ainda, foram inseridos no currículo do ensino médio (secundário), as disciplinas
de Educação Moral e Cívica, das quais o professor encarregado era uma pessoa de con-
fiança da direção da escola. O governo militar vai fechando o cerco em todos os setores,
promulgando quantos decretos-leis achar necessário.
Para implantar o projeto de educação proposto, o governo militar não revogou
a LDB de 1961 (Lei nº 4.024), mas introduziu alterações e fez atualizações.
Enquanto essa lei fora antecedida por amplo debate na sociedade civil, ao
contrário, a Lei nº 5.540/68(para o ensino universitário) e a lei nº 5.692/71
(para o 1º e 2º graus) foram impostas por militares e tecnocratas (ARANHA,
2012, p. 555).

Veremos aqui o modelo tecnicista sendo aplicado na escola, baseado no modelo


empresarial, por meio do sistema de racionalização, característica do sistema capitalista,
assim, os teóricos adaptaram a formação de acordo com o que necessitavam os industriais,
o comércio e a tecnologia. Em outras palavras, investir em educação se traduzia em possi-
bilitar crescimento econômico para a elite, impreterivelmente.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 107


Durante o período de transição democrática, nos anos 1980, em face do fracasso
da LDB podemos citar a Lei nº 7.044/82, que dispensava a formação técnica e retomava o
caráter de formação geral os currículos educacionais.
Após a Ditadura, os debates acerca da educação retomam de maneira tímida no
início, mas de forma constante e, em 1988, com a aprovação da Nova Constituição, seria
proposta uma elaboração de uma nova LDB que só ocorreu definitivamente em 1996, com
a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394. Inicialmente,
o projeto proposto para a nova lei de educação, tendo por relator Jorge Hage, sofrerá
mudanças. Uma vez que este projeto era fruto do debate democrático da comunidade de
educadores, o então senador Darcy Ribeiro propõe um novo projeto, amplamente discutido
e aprovado em 1996.
Desta nova LDB, uma série de novos embates metodológicos irá surgir, dando ori-
gem a modelos escolares, curriculares, com propostas ora avançadas, ora conservadoras.
Mesmo tendo sido acusada de neoliberal, a nova LDB permitiu caminhar e muito para uma
construção democrática de educação, mais permitiu de fato uma organização mais efetiva
da educação nos moldes nacionais. A Lei não está encerrada: pelo contrário, ela gera
novas possibilidades de discussão e construção e, por isso, em termos técnicos, elementos
citados na LDB 9394/96 foram sendo implantados, como veremos a seguir, iniciando com
as DCNs.

1.2 Diretrizes Atuais da Educação


Uma diretriz pode ser tanto uma linha que determina um traçado quanto o esboço
de um plano um projeto, ou seja, é algo que indica um caminho, uma orientação. No que
tange às Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, uma diretriz significa orien-
tação para o pensamento e a educação em âmbito escolar e se configura como uma das
políticas públicas educacionais vigentes no Brasil.
O documento contendo as diretrizes está disponível na internet e foi aprovado no
ano de 2010 sob o Parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação – CNE/CEB nº
07/2010. Historicamente a produção das DCNs segue o protocolo estabelecido pelo artigo
9º alínea “c” da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/1996
publicada em 1996 e pela Resolução CNE/CEB nº 02/1998.
A imagem abaixo mostra como a educação pós redemocratização foi sendo orga-
nizada a partir da Constituição Federal de 1988:

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 108


Figura 1 - Trajetória das Políticas Educacionais no Brasil Pós 1988

Fonte: a autora.

Como podemos observar, as DCNs são um dos últimos documentos elaborados


desde que, em 1988, a Constituição Federal instituiu a educação para todos. Contudo, iniciar
essa unidade trabalhando esse documento nos aproxima do nosso cotidiano, de forma que
iremos vislumbrar, retroativamente, como se organizou o ensino no Brasil redemocratizado.
De acordo com a Resolução 02/1998, cabe à DCN definir,
[...] sobre princípios, fundamentos e procedimento da educação básica,
expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na
organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas
pedagógicas (BRASIL, 1998a).

E, são seus objetivos, de acordo com o próprio documento das Diretrizes:


I – Sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica con-
tidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os
em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum
nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola;
II – Estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação,
execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação
Básica;
III – Orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais – do-
centes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos
dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente
da rede a que pertençam (BRASIL, 2013, p. 07).

Com base nos objetivos acima, as DCNs foram pensadas considerando que a so-
ciedade tem uma história própria marcada por tramas, nas quais as diferentes dimensões
sociais se encontram, se entrelaçam e se distanciam num movimento simultâneo, contínuo
e complexo, pois, a sociedade contemporânea movimenta-se na continuidade e na descon-
tinuidade, na universalização e na fragmentação (BRASIL, 2013).
Diante dessa complexidade, às DCNs cabe garantir o direito humano universal e
social inalienável à educação, de forma a potencializar o cidadão de forma plena em sua
dimensão planetária. Nesse sentido, “a educação é, pois, processo e prática que se con-

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 109


cretizam nas relações sociais que transcendem o espaço e o tempo escolares” (BRASIL,
2013, p. 15) e, por isso, deve atender à essa demanda social plural. Neste viés, para que
esse cidadão pleno se efetive, é necessária a socialização da cultura da vida, espalho de
construção, manutenção e transformação dos saberes, conhecimentos e valores.
Para levar a campo seus objetivos, as Diretrizes estabelecem as bases comuns
nacionais aos diversos níveis e modalidades da educação no Brasil, como podemos ver na
imagem abaixo:

Figura 2 - Níveis e Modalidades de Educação e de Ensino no Brasil

Educação Básica
Educação Infantil
Educação Fundamental
Ensino Médio

Educação Escolar
educação e de ensino no Brasil

Educação Infantil
Níveis e modalidade de

Educação Fundamental
Ensino Médio
Educação Superior

Modalidades de Ensino
Educação Quilombola
Educação Básica do Campo
Educação a Distância
Educação Profissional e Tecnológica
Educação de Jovens e Adultos
Educação em Direitos Humanos
Educação étnico-racial
Educação Ambiental
Educação Indígena
Edcação Especial
Educação de crianças, adolescentes e
jovens em situação de itinerância

Fonte: A autora.

Para atender a demanda educacional de níveis e modalidades de ensino, as DCNs


se constituíram operacionalizando e atuando diretamente nas escolas, orientando o projeto
político pedagógico, o regimento escolar, o sistema de avaliação, a organização escolar e

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 110


a gestão democrática. A formação inicial e continuada do professor e o compromisso com
uma educação integral para todos são outros elementos que constituem as Diretrizes e
que foram elaborados de acordo com os princípios constitucionais de 1988 e com a LDB
9394/1996.
A seguir, estudaremos o Plano Nacional de Educação – PNE –, outro documento
que direciona o sistema educacional brasileiros e que também estava previsto na Lei de
Diretrizes de Bases da Educação Brasileira em 1996.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 111


2 O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – PNE

Embora esteja consolidado o uso no singular do Plano Nacional de Educação, na


realidade, nós já estamos na terceira versão deste documento. O primeiro deles foi elabo-
rado no ano de 1962 e atendeu aos pressupostos da LDB n.º 5692/61; o segundo Plano foi
organizado durante o processo de redemocratização da sociedade brasileira e se alinhou
com as diretrizes da LDB n.º 9394/96, assim como também ocorreu com o Plano em vigor
desde o ano de 2014 e com prazo de avaliação e término para o ano de 2024.
Nesse sentido, podemos dizer que, no Brasil, houve Planos Nacionais de Educação
que se alinharam aos momentos históricos decorridos desde os primeiros anos da década
de 1960 até os dias atuais e que, certamente, sofrerão novas intervenções e modificações,
uma vez que os Planos são elaborados de acordo com as demandas da sociedade e dos
modelos educacionais pretendidos pelos governos.
Com relação aos históricos dos Planos, o primeiro deles, adotado em 1962, foi
divido em duas partes e, num primeiro, momento buscava “traçar metas para um Plano
Nacional de Educação e, numa segunda parte, estabelecer as normas para a aplicação dos
recursos correspondentes aos Fundos de Ensino Primário, do Ensino Médio e do Ensino
Superior” (COMISSÃO, 2020).
Esse primeiro Plano foi superado por propostas pedagógicas que estavam de acor-
do com o contexto histórico dos anos 1980, marcado pelo processo de redemocratização
da sociedade brasileira. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Plano de

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 112


educação foi mencionado no artigo 214 desse documento que visava fomentar uma socie-
dade nos modelos democráticos de administração, educação e cidadania, dentre outros
aspectos. A Carta Magna, portanto, se opunha ao período militar que vigorou entre 1964 e
1985 no Brasil.
Sobre o PNE, assim está exposto na CF/88:
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração dece-
nal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime
de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de imple-
mentação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas
dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 1988b).

Na LDB n.º 9394 de 1996, é referido como sendo de incumbência da União a elabo-
ração do PNE em colaboração com Estados, o Distrito Federal e os municípios. De acordo
com o Artigo 87, parágrafo 1º da LDB 9394/96:
§1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encami-
nhará ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes
e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos (BRASIL, 1996).

Esse segundo Plano foi sancionado pela Lei nº 10.172 de nove de janeiro de 2001
e teve, como indicado pela LDB 9394/96, vigência decenal.
Atualmente, a educação brasileira se organiza a partir do PNE publicado em junho
de 2014 e tem vigência até o ano de 2024. De acordo com esse documento, os objetivos
do PNE são:
induzir e articular os entes federados na elaboração de políticas públicas
capazes de melhorar, de forma equitativa e democrática, o acesso e a
qualidade da educação brasileira. Como sintetiza o documento do Ministério
da Educação (MEC), “Planejando a Próxima Década – Conhecendo as 20
Metas do Plano Nacional de Educação” (Brasil. MEC, 2014, p. 7), um plano
“representa, normalmente, reação a situações de insatisfação e, portanto,
volta-se na direção da promoção de mudanças a partir de determinadas inter-
pretações da realidade, dos problemas e das suas causas, refletindo valores,
ideias, atitudes políticas e determinado projeto de sociedade” (BRASIL, 2015,
p. 11, grifo no original).

Para atender aos desafios presentes na sociedade brasileira e colocar em prática


os objetivos pretendidos, o PNE 2014-2024 estabeleceu dez diretrizes e metas, sintetizadas
da seguinte forma:

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 113


Quadro 1 - Síntese das dez metas propostas no PNE 2014-2024

SÍNTESE DAS DEZ METAS PROPOSTAS NO PNE 2014-2024


• Metas estruturantes para a garantia do direito à educação básica com
qualidade
• Metas voltadas à redução das desigualdades e à valorização da diversi-
dade
• Metas para a valorização dos profissionais da educação
• Metas referentes ao ensino superior

Fonte: BRASIL, 2015, p. 13.

Com esses dados, encerramos a discussão acerca dos documentos que sustentam
a política educacional no Brasil. É bem provável que, nos próximos anos, novas discussões
sejam realizadas em âmbito ministerial para a concepção de Plano Educacional que será
adotado a partir de 2024. Por enquanto, mantêm-se, ainda que com perdas cada vez mais
expressivas, as propostas de uma educação democrática, inclusiva, diversificada e que
busca desenvolver a equidade na oferta do ensino.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 114


3 A BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM – BNCC

3.1 O que é a BNCC


A Base Nacional Comum Curricular, ou BNCC, é o documento que direciona os
conteúdos das disciplinas escolares em escolas públicas e privadas e foi elaborado por
especialistas, com a participação de profissionais de ensino e da sociedade civil, finalizado
no ano de 2017 e publicado em 2018.
Consiste em um documento plural, contemporâneo e estabelece o conjunto de
aprendizagens essenciais para as diversas etapas da Educação Básica, que, como vimos,
se divide em três momentos: Educação Infantil, Educação Fundamental e Ensino Médio, o
que o configura como uma política educacional nacional sob a orientação do Ministério da
Educação, o MEC.
De forma objetiva a BNCC é:
[...[ um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desen-
volver ao longo das etapas e modalidades a Educação Básica, de modo a
que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento,
em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE)
(BRASIL, 2018, p. 07, grifo no original).

Por ter fundamento nas Diretrizes Curriculares Nacionais, visa a formação humana
integral e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 115


3.2 Como está Organizada a BNCC
A BNCC se organiza a partir do desenvolvimento, nos estudantes, de dez compe-
tências gerais, como mostra a imagem abaixo presente no próprio documento.

Figura 3 - Competências Gerais da BNCC

Fonte: BRASIL, 2018, p. 09.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 116


Por competências, compreende-se a “mobilização de conhecimentos – conceitos
e procedimentos –, habilidades – práticas, cognitivas e socioemocionais –, atitudes e valo-
res” (BRASIL, 2018, p. 08) que colaborem na formação de cidadãos capazes de “resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho” (BRASIL, 2018, p. 08). Além disso, as competências gerais se articulam nas três
etapas da Educação Básica.
Uma das maiores características da BNCC é sua capacidade de se adequar às
realidades regionais sendo o tripé igualdade, diversidade e equidade as palavras chave
para compreender essa capacidade de adequação. Assim, o documento enseja a igualdade
de oferta de educação para todos os brasileiros, respeitando as singularidades regionais,
assim como também a diversidade econômica, social e de raça dos brasileiros. A equidade,
portanto, pressupõe ofertar ensino educacional, de forma que sejam contempladas as dife-
renças presentes na sociedade.

3.3 A BNCC e os Currículos


Para assegurar as aprendizagens essenciais, a BNCC adequou os currículos disci-
plinares às realidades locais da seguinte forma:

Quadro 2 - BNCC - Aprendizagens Essenciais

BNCC – Aprendizagens Essenciais


• contextualizar os conteúdos dos componentes curricu- • selecionar, produzir, aplicar e avaliar
lares, identificando estratégias para apresentá-los, repre- recursos didáticos e tecnológicos para
sentá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los signifi- apoiar o processo de ensinar e apren-
cativos, com base der;
na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendiza-
gens estão situadas;
• decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos • criar e disponibilizar materiais de
componentes curriculares e fortalecer a competência pe- orientação para os professores, bem
dagógica das equipes escolares para adotar estratégias como manter processos permanentes
mais dinâmicas, de formação docente que possibilitem
interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino contínuo aperfeiçoamento dos proces-
e da aprendizagem; sos de ensino e aprendizagem;
• selecionar e aplicar metodologias e estratégias didáti- • manter processos contínuos de
co-pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos dife- aprendizagem sobre gestão pedagó-
renciados e a conteúdos complementares, se necessário, gica e curricular para os demais edu-
para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos cadores, no âmbito das escolas e sis-
de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comu- temas de ensino.
nidades, seus grupos de socialização etc.;
• construir e aplicar procedimentos de avaliação formati- • conceber e pôr em prática situações
va de processo ou de resultado que levem em conta os e procedimentos para motivar e enga-
contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais jar os alunos nas aprendizagens;
registros como referência para melhorar o desempenho
da escola, dos professores e dos alunos;
Fonte: BRASIL, 2018, p. 16.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 117


Todas as modalidades de ensino devem seguir às diretrizes da BNCC.

3.4 Críticas à BNCC


Alguns estudiosos, como Silva e Santos (2020), questionam o fato de que a BNCC
possa trazer melhorias para a educação no Brasil. O argumento dos autores é o de que a
Ementa Constitucional n.º 55/2016, que estabelece um limite para os gastos públicos nos
próximos vinte anos, possa comprometer o investimento na educação, elemento essencial
para a efetivação da BNCC.
Questionam, ainda, se a BNCC irá reduzir as desigualdades educacionais e sociais,
como propõe o texto do documento, tendo em vista a homogeneização dos conteúdos,
o que, para os autores, contribui para um distanciamento dos sujeitos de conhecimento
(SILVA; SANTOS, 2020). Tema que certamente será contemplado pela História da Educação
brasileira do início do século XXI.

REFLITA
A reforma necessária do pensamento é aquela que gera um pensamento
do contexto e do complexo. O pensamento contextual busca sempre a
relação de inseparabilidade e as interretroações entre qualquer fenôme-
no e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer
um pensamento que capte relações, interrelações, implicações mútuas,
fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente soli-
dárias e conflitivas (como a própria democracia que é o sistema que se
nutre de antagonismos e, que, simultaneamente os regula), que respeite
a diversidade, e ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento orga-
nizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes (MORIN,
2002, p. 19).

Seria o atual modelo educacional adotado no Brasil capaz de atuar de acordo com
o modelo de complexidade proposto por Morin?

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 118


SAIBA MAIS

Histórico da BNCC

“A demanda por uma BNCC está presente na Constituição Federal (CF/88), na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96) e no Plano Nacional de Educação
(PNE/2014). O texto da CF/88 estabeleceu conteúdos mínimos nacionais e conteúdos
específicos em âmbito local e regional. A LDBEN/96 determinou a necessidade de uma
base comum nacional equilibrada com conteúdos específicos mediante a diversidade
étnica, geográfica e cultural do Brasil. O PNE, aprovado em 2014, reiterou essa deman-
da por meio de metas e estratégias para serem alcançadas até o ano de 2024. A CF/88
e a LDBEN/96 regulamentaram documentos para a Educação Básica, como os Parâme-
tros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997; 2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998; 2010; 2011). Os Parâmetros são documentos de caráter não obrigatório
com referências para a elaboração do currículo de todas as etapas da Educação Básica.
As Diretrizes, por sua vez, são normas obrigatórias que orientam o planejamento curri-
cular das escolas e sistemas de ensino e fixadas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE). O texto da BNCC faz alusão ao pacto federativo definidor da República brasilei-
ra, às profundas desigualdades sociais e à acentuada diversidade do país para afirmar
que a busca por equidade na educação exige currículos diferenciados e adequados a
cada sistema, rede e instituição escolar. Para tanto, propõe o alcance da equidade por
meio de um conjunto de aprendizagens e desenvolvimento a que todos têm direito: “Daí
a importância da articulação entre a BNCC e os currículos e de um intenso regime de
colaboração entre todos os atores educacionais” (BRASIL, 2017, p. 11)”.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 119


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta Unidade, nosso objetivo foi estudar algumas das políticas educacionais mais
expressivas da história da educação brasileira. Iniciamos nossa discussão abordando a
educação no Brasil desde a chegada dos jesuítas no Brasil até as nova Base Curricular
Nacional publicada em 2018.
Nesse período, diversos foram os modelos educacionais adotados pelos governos
brasileiros, em sua maioria, excludentes e elitistas. Vimos que, a partir do Manifesto dos
Pioneiros até a atualidade, muitas foram as leis e diretrizes educacionais estabelecidas
como parâmetros para a educação no Brasil.
Observamos que a educação em nossa sociedade ainda está longe de promover
a igualdade, a equidade e a dignidade de seus cidadãos, mas, por outro lado, atualmente
estamos diante de novas bases curriculares e planos educacionais nacionais e regionais
que ditam normativas para o ensino baseado, sobretudo, na formação democrática e em
valores humanos.
Esses documentos não são isentos de intenções políticas governamentais, mas
representam um posicionamento democrático por parte de seus organizadores e colabora-
dores, pois tanto a sociedade civil quanto especialistas em educação e políticos de carreiras
foram os responsáveis pela redação dos textos e pelas proposições ali presentes. Se há um
projeto de cidadão presente nessa documentação desejado pelos governos que os elabo-
raram, também há tendências pedagógicas modernas que direcionam essa formação e que
nem sempre permitem que os governos sejam os únicos a interferirem nessa formação.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 120


LEITURA COMPLEMENTAR

Nesta é possível conhecer um pouco dos modelos educacionais desenvolvidos na


Amazônia. São diversos artigos que abordam experiências e possibilidades de trabalho na
região.

ESTÁCIO, Marcos André Ferreira; NICIDA, Lucia Regina de Azevedo. (Orgs.). História da educação na
Amazônia. Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publica-
tion/313382835_Historia_e_Educacao_na_Amazonia. Acesso em: 14 abr. 2020.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 121


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
• Título: História da educação no Brasil. Desafios e perspectivas.
• Autor: Ivone Goulart Lopes (Organizadora)
• Editora: Atena Editora
• Sinopse: neste livro, são apresentados diversos artigos dire-
tamente vinculados aos desafios e perspectivas da história da
educação. Eles nos permitem ter uma ideia abrangente do estado
da arte desta área em termos nacionais e colaborarão para o seu
desenvolvimento, que é seu principal objetivo. É precioso e indis-
pensável atentarmos bem para a história da educação; sem sombra
de dúvida, aquele que ignora a história corre o risco de repeti-la em
seus desacertos. Uma leitura dinâmica, feita no sumário deste livro
lhe mostrará a policromia de abordagens e os recortes de visão
que esta obra encerra. O livro está organizado em nove capítulos
que tratam dos desafios e perspectivas da História da Educação
nacional. Pontos de vista divergentes, experiências complementa-
res, posicionamentos questionadores percorrem as páginas deste
livro como espelhamento do processo histórico vivido.
• Link:
https://www.atenaeditora.com.br/wp-content/uploads/2017/03/
Hist%C3%B3ria-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-no-Brasil.pdf

FILME/VÍDEO
• Título: Uma lição de vida
• Ano: 2010
• Sinopse: o filme reconta a história de Kimani Maruge Ng’ang’a,
um queniano que foi preso e torturado por lutar pela liberdade de
seu país. Aos 84 anos, quando soube de um programa governa-
mental de escolas para todos, Maruge se candidata a uma escola
primária que atende crianças de seis anos de idade. Sua entrada
acontece graças ao apoio de uma das professoras e ele também
se torna um grande educador.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 122


REFERÊNCIAS

ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1990.

ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia. Geral e do Brasil. 3. ed. São Paulo:


Moderna, 2012.

ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

ARRUDA, J. J. de A. História antiga e medieval. 17. ed. São Paulo: Ática, 1995.

Biografia de Anísio Teixeira. Disponível em: https://www.ebiografia.com/anisio_teixeira/. Acesso em:


09 abr. 2020.

BORIS 15. Conceito de nuvem de palavras de virtudes. Disponível em: < https://www.shuttersto-
ck.com/pt/image-vector/virtues-word-cloud-concept-vector-illustration-723397114 >. Acesso em: 11
mar. 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal. Disponí-


vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 15
abr. 2019.

BRASIL. INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Plano


Nacional de Educação – PNE 2014 – 2024: Linhas de Base. Brasília: Inep, 2015.

BRASIL. Lei De Diretrizes E Bases Da Educação Nacional. 1996. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em 15 abr. 2020.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Bá-


sica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 2/1998a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/


resolucao_ceb_0298.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Editora da Unesp, 1999.

CHEVALLARD, Y. La transposición didáctiva: del saber sabio al saber ensiñado. Argentina: Aique
Grupo Editor, 2000.

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO. Histórico do Plano Nacional de Educação – PNE. Disponível em:


<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/plano-na-
cional-de-educacao/historico >. Acesso em: 15 abr. 2020.

DAWSON, C. A formação da cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e


queda da unidade medieval. São Paulo: É Realização Editora, 2014.

DURKHEIM, É. Educação e sociologia. 11. ed. São Paulo: Melhoramentos; Rio de Janeiro: Fun-
dação do Material Escolar, 1978.

EIROA, J. J. Nociones de Prehistoria General. Barcelona: Editorial Ariel, 2000.

ELIAS, N. O processo civilizador: Formação do Estado e Civilização. v. II. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1993.

ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. v. I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1994.

FONSECA, M. V. Pretos, pardos, crioulos e cabras nas escolas mineiras do século

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 123


FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 02

FREIRE, P. Fazer Escola Conhecendo a Vida. São Paulo: Papirus, 1986.

FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2002.

JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

JULIEN, N. Dicionário de Rideel de mitologia. São Paulo: Rideel, 2005.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez Editora, 1990.

LUZURIAGA, L. História da educação e da pedagogia. 15. ed. São Paulo: Nacional, 1984.

MANACORDA, M. A. História da educação. Da antiguidade aos nossos dias. 3. ed. São Paulo:
Cortez: Autores Associados, 1992.

MARROU, H.-I. História da educação na antiguidade. São Paulo: Editora da Usp, 1973.

MELO, J. J. P. A educação e o estado romano. Disponível em: http://www.periodicos.udesc.br/


index.php/linhas/article/view/1331/1140. Acesso em: 11 mar. 2020

MOREIRA, L. F. V.; QUINTEROS, M. C. (Orgs.). História da América: da pré-história ao período


colonial. Maringá: EDUEM, 2011.

MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002.

MORIN, E. O método IV: as ideias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Portugal: Publica-
ções Europa-América, Lda, 1991.

MORIN, E. Os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002.

OLIVEIRA, C. R. de. História do trabalho. 2. ed. São Paulo: Ática, 2001.

OLIVEIRA, T. Religiosidade e educação no século XIII: um olhar sobre o mestre franciscano Boa-
ventura Bagnoregio. In: OLIVEIRA, T. (Org.). Religiosidade e educação na história. Maringá:
EDUEM, 2010. p. 23-38.

RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira. 19. ed. Campinas: Editores Associados, 2003.

ROMANELLI, O. História da educação no Brasil: 1930-1973. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

SAIKO. Platão e Aristóteles, 143-1439. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/thumb/7/70/Plato_Aristotle_della_Robbia_OPA_Florence.jpg/490px-Plato_Aristotle_
della_Robbia_OPA_Florence.jpg>. Acesso em 30 mar. 2020.

SCHULTZ, T. Teoria do Capital Humano. São Paulo: UNICAMP, 1973.

SILVA, M. V.; SANTOS, J. C. T. A BNCC e as implicações para o Currículo da Educação Básica.


Disponível em: https://editorarealize.com.br/revistas/conadis/trabalhos/TRABALHO_EV116_MD1_
SA13_ID786_08102018110158.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.

STANDAGE, T. História do Mundo em Seis Copos. São Paulo: Zahar, 2005.

WILLIS, R. Mitologias. São Paulo: Publifolha, 2007.

XIX. 2007. 256 f. Doutorado – Universidade de São Paulo, 2007. Disponível em: https://www.teses.
usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-08112007-143618/pt-br.php &gt. Acesso em: 09 abr. 2020.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 124


CONCLUSÃO

Olá, pessoal! Chegamos ao final da nossa apostila e podemos afirmar que, a partir
do que foi estudado, foi possível compreender que o processo educacional não está dire-
tamente associado à instituição escola e que, portanto, educar-se faz parte do processo de
convivência humana. Edgar Morin e sua teoria da complexidade são nosso maior exemplo
nesse sentido e muito de sua pedagogia está presente na elaboração da BNCC, documento
que, como vimos, direciona os conteúdos mínimos dos currículos escolares nacionais.
No início dos nossos estudos vimos que podemos aprender independentemente
de estarmos matriculados em uma escola. Nesse sentido, compreende-se atualmente que
os meios de aprendizado são múltiplos e podem se dar por meio da convivência dentro da
sociedade quando somos constantemente afetados pelos processos culturais. A isto cha-
mamos de experiência vivida, que é associada ao conhecimento científico, sistematizado e
orientado para um determinado fim. Neste caso, por meio da escola.
O conhecimento especializado sistematizado permitiu à civilização o desenvolvi-
mento da tecnologia, necessária à superação da natureza e domínio desta mas serviu,
também, como ferramenta de dominação, de exclusão e de punição.
Os conheceres foram estrategicamente dominados por uma minoria por um longo
período de tempo, mas sucumbiu à necessidade humana de descoberta, da ciência. Com o
florescimento da ciência, um novo mundo se apresentou e, com ele, novas necessidades,
inclusive – e, contudo – na educação, única via, segundo os Iluministas, de a humanidade
se libertar das trevas do obscurantismo religioso em que ficaram estagnados por muitos
séculos. Com estas ideias libertárias, o objetivo de educação para todos nasce.
A ideia de coletividade da educação vinha de encontro aos interesses de uma
classe social que tinha objetivos claros de expansão, portanto, educação para todos, mas
somente o necessário para desempenhar algumas tarefas. Neste momento ainda teremos
uma educação dividida entre os saberes técnicos e profissionalizantes voltados para os
grupos menos abastados, e os saberes científicos cujo foco são os filhos das elites.
Com a Revolução Industrial e, com ela, a expansão das novas tecnologias propicia-
das pela ciência moderna, a educação coletiva e obrigatória se tornou não mais um ideal,
mas se revelou uma necessidade humana para os novos tempos.

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 125


Hoje, em um mundo liberal, onde a presença do Estado é cada vez mais distante,
há a necessidade e o desafio de fazer-se. A educação passa a pregar cada vez mais a
inclusão, apesar de que muito ainda precisa ser feito neste sentido.
Na atual “sociedade do conhecimento”, os saberes são cada vez mais indispen-
sáveis para uma presença atuante, principalmente no mundo do trabalho, da informação,
da tecnologia e, fundamentalmente, na formação humanística. Aliás, o está aí é um dos
grandes objetivos da educação contemporânea. Uma vez que o tecnicismo se mostrou in-
suficiente para os novos parâmetros de vida em sociedade, a educação moderna promoveu
uma revisão em suas prioridades quando passou a compreender a escola como um espaço
de formação humana e principalmente ética.
As políticas educacionais vigentes atualmente no Brasil procuram tanto dar conta
das diversidades culturais regionais quanto disciplinar conteúdos e práticas pedagógicas
mínimas que devem orientar o fazer em sala de aula. Contudo, os documentos apresentam
ter consciência de que os seres humanos são criaturas complexas e que a escola não é mais
o espaço único de promoção do conhecimento. O reconhecimento dessa complexidade e
busca por lidar com esse fato é um dos maiores desafios do século XXI para a educação.
Espero que este trabalho possa contribuir não somente como um guia histórico da
educação, mas como ferramenta para a reflexão e discussão de uma nova educação, atual
e que atenda, acima de tudo, a todos.

Sucesso em seus estudos!

Marcia Regina de Oliveira Lupion

UNIDADE IV Diretrizes e Políticas 126

Você também pode gostar