SUMÁRIO
Apresentação...............................................................................................................................3
Plano de Ensino...........................................................................................................................4
UNIDADE 1: ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO UM DIÁLOGO POSSÍVEL.....................5
1.1 A Antropologia e suas Especialidades...............................................................................5
1.2 Desenvolvimento Histórico das Principais Teorias Antropológicas.................................6
1.3 Relações entre Antropologia e Educação..........................................................................9
UNIDADE 2: BASES CONCEITUAIS SOBRE A CULTURA E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA A EDUCAÇÃO..............................................................................................................11
2.1 O desenvolvimento do conceito de cultura.....................................................................11
2.2 Cultura e educação..........................................................................................................13
UNIDADE 3: MULTICULTURALISMO E IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS.......................16
3.1 O que é multiculturalismo?.............................................................................................16
3.2 Multiculturalismo e Educação............................................................................................18
UNIDADE 4: A CULTURA DA ESCOLA RITOS, RITUAIS E PRÁTICAS ESCOLARES.20
4.1 A Cultura da Escola e suas Especificidades....................................................................20
4.2 Cultura Escolar e Práticas Escolares...............................................................................22
UNIDADE 5: ETNOCENTRISMO E IDENTIDADE CULTURAL NA ESCOLA:
INCLUSÃO E EXCLUSÃO.....................................................................................................25
5.1 Entendendo o Etnocentrismo..........................................................................................25
5.2 O Preconceito..................................................................................................................26
5.3 Identidade Cultural..........................................................................................................27
5.4 Processos de Inclusão e de Exclusão...............................................................................28
UNIDADE 6: EDUCAÇÃO, DIFERENÇAS E INTERCULTURALIDADE.........................30
6.1 Igualdade e Diferença: um debate contemporâneo.........................................................30
6.2 Interculturalidade e Educação.........................................................................................31
6.3 Diferença e Interculturalidade Educacional....................................................................32
UNIDADE 7: RAÇA, ETNICIDADE, MINORIAS E CULTURA EDUCACIONAL...........34
7.1 O conceito de Raça..........................................................................................................34
7.2 O Conceito de Etnicidade................................................................................................35
7.3 O Conceito de Minorias..................................................................................................36
7.4 Ações Afirmativas, o que é isso?.....................................................................................36
7.5 O Programa de Cotas: um mecanismo de ação afirmativa..............................................37
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO........................................................................................38
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Apresentação
Caro estudante,
É um prazer compartilhar com você os conteúdos da disciplina EDUCAÇÃO E
ANTROPOLOGIA CULTURAL. Por meio deles, poderemos nos aprofundar na compreensão
das questões culturais e sua relação com a educação, observando os principais conceitos e
correntes teóricas da Antropologia.
Discutiremos as contribuições do conceito de cultura para a reflexão sobre a
sociedade e a educação, bem como as perspectivas do multiculturalismo e da
interculturalidade na educação. Analisaremos, também, a cultura da escola, seus ritos, rituais e
práticas escolares.
Abordaremos os conceitos de etnocentrismo, preconceito e a construção da
identidade cultural na escola, enfatizando a questão da exclusão/inclusão. Por fim, trataremos
da questão das etnias na educação brasileira, por meio de uma abordagem antropológica,
observando as ações afirmativas desenvolvidas em favor das minorias. Todas essas discussões
são muito importantes para sua formação de futuro educador e para sua compreensão da
realidade escolar.
Como você observou, teremos muito estudo e trabalho pela frente. Esperamos que
você tenha um ótimo aproveitamento desta disciplina para a sua formação docente. Essa é a
nossa expectativa e desejo.
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Plano de Ensino
EMENTA
Antropologia e suas contribuições para a reflexão sobre a sociedade e a educação
no Brasil. Cultura, educação e socialização: a contribuição teórico-metodológica da
Antropologia para o seu entendimento.
Multiculturalismo, pluralidade cultural, igualdade, diferença e educação:
perspectivas antropológicas. A cultura da escola: ritos, rituais e práticas escolares. Etnias e
educação brasileira: a abordagem antropológica. A investigação antropológica e o
conhecimento do cotidiano escolar.
OBJETIVO
• Refletir sobre os conceitos básicos da Antropologia e sua contribuição para a análise da
cultura escolar e suas práticas no contexto de uma sociedade multicultural.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
• Relações entre sociedade, cultura e educação
• Teorias modernas sobre a cultura e suas implicações para a educação
• As implicações educativas em uma sociedade multicultural
• Etnocentrismo e identidade cultural na escola
• A perspectiva intercultural na educação
• Etnias e educação na abordagem antropológica
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
MARCONI, Marina; PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2001.
OLIVEIRA, Rachel. Tramas da cor: enfrentando o preconceito no dia-a-dia escolar. São
Paulo: Selo Negro Edições, 2005.
SANTOS, Maria Sirley dos. Pedagogia da diversidade. São Paulo: Memnon, 2005.
SANTOS, José L. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
AQUINO, Júlio Groppa. Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas.
São Paulo: Summus, 1998.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do
conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
MORAIS, Regis de. Cultura brasileira e educação. Campinas/SP: Papirus, 1989.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994.
TEIXEIRA, Valéria Borges et al. Ações afirmativas em educação: experiências brasileiras.
São Paulo: Selo Negro Edições, 2003.
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Pré-requisitos
Para que você tenha uma compreensão mais ampla desta unidade, sugerimos que
faça uma leitura do texto Um outro olhar: entre a antropologia e a educação, que está no sítio
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621997000200004>. Nele,
você encontrará uma discussão muito relevante sobre as peculiaridades desses campos do
saber, bem como um mapeamento da relação entre Antropologia e Educação.
Introdução
Você já observou a diversidade de grupos que compõem a sociedade em que
vivemos? Já se perguntou sobre a infinidade de relações culturais que resultam dos contatos
entre esses grupos? Agora, imagine toda essa diversidade associada ao espaço da sala de aula,
por exemplo. Como gerir essa gama de teias de significados nesse universo, é um desafio que
todo professor/educador enfrenta na sua prática diária. É nesse sentido que a Antropologia
pode contribuir na compreensão dos fenômenos educacionais. O professor/educador precisa
ter um olhar antropológico sobre o seu espaço de atuação. Esse olhar o auxiliará a lidar com
os conflitos e as contradições que surgem do confronto e do contato entre os diferentes grupos
sociais, contribuindo para uma prática docente relativizadora.
Saiba mais
A palavra Antropologia, etimologicamente, vem do grego antrophos – homem/ pessoa e logos
– razão/ pensamento e significa Estudo do homem.
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Apesar das especificidades de cada área dessa ciência, podemos dizer que ela é
uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, uma busca por descobrirmos quem
somos a partir do outro, esteja ele longe ou perto, presente ou extinto. É uma maneira de nos
situarmos frente aos vários mundos sociais e culturais, abrindo possibilidades de ampliarmos
nossa capacidade de agir, sentir e refletir sobre o que nos torna tão singulares e diferentes.
Os primeiros relatos sobre esse outro, descoberto em terras longínquas na época
das grandes navegações, eram feitos por meio de cartas, diários, relatórios dos viajantes,
comerciantes, missionários, militares, entre outros. Esses relatos se constituíram em uma
literatura sobre a diversidade cultural dos povos descobertos pelos europeus. A carta de Pero
Vaz de Caminha sobre o descobrimento do Brasil é um exemplo desses relatos.
Porém, é a partir da influência das teorias de Charles Darwin (1809-1882) e de
seu tratado sobre “A Origem das Espécies” que a Antropologia começa a desenvolver-se
teoricamente. Surge o evolucionismo social, que pode ser caracterizado, segundo DaMatta
(1997, p. 91-7), por quatro ideias gerais:
1. As sociedades humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus
costumes, [...] como entidades isoladas de seus respectivos contextos.
2. Os costumes têm uma origem, uma individualidade e um fim.
3. As sociedades se desenvolvem de modo linear [...] da mais simples para a mais
complexa e da mais indiferente para a mais diferenciada, numa escala irreversível.
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para Geertz o trabalho antropológico sempre foi tarefa de ‘corpo a corpo’ – uma
grande e complexa experiência de campo -, mas nem por isso menos severa. Revelar
as singularidades de outros povos, examinar o alcance e a estrutura da experiência
humana, aí estavam dispostos os maiores trunfos dessa antropologia interpretativa,
hermenêutica para alguns, simbólica ou criativa para outros.
Assim Geertz inaugura uma nova forma de fazer a etnografia, tomando a cultura
como um texto que deve ser lido e interpretado, tanto por seus integrantes como pelo
pesquisador.
Mais recentemente, a partir da década de 1980, observamos um movimento que
tem atingido vários campos do saber. Trata-se da crise dos paradigmas científicos e o
surgimento de novas propostas de análise. Na Antropologia, as teorias pós-modernas têm sua
expressão nos trabalhos de James Clifford e George Marcus. Para eles, a cultura é um
9
processo polissêmico. A Antropologia passa a dar voz, em seu trabalho etnográfico, a uma
polifonia, exatamente, devido à diversidade cultural. É um movimento de crítica à autoridade
etnográfica e seu texto clássico.
Saiba mais
Assim, ambas estabelecem um diálogo do qual fazem parte o debate teórico-metodológico das
pesquisas educativas, relacionadas às diferentes formas de vida que desafiam o conhecimento,
principalmente nos dias atuais.
Em um movimento de tensão e de compreensão, é que emerge o diálogo entre
antropologia e educação, posto que ambas são devedoras científicas do processo de imposição
de uma cultura sobre outra, criado pelo colonialismo europeu, cujo objetivo era suprimir a
alteridade em favor de uma vida cultural e uma pedagogia do tipo homogeneizadora e
etnocêntrica.
Saiba mais
Essa autora afirma, também, que “vivemos uma época em que é preciso resgatar e
redimensionar o mundo das diferenças e da diversidade, o que exige renovar a visão de
mundo e das coisas” (GUSMÃO, 1997). Daí a necessidade de aproximar esses dois campos
do conhecimento para o avanço dos debates sobre a diversidade cultural e suas implicações
para o processo de aprendizagem.
Poderíamos ficar enumerando uma série de pontos de contato entre a antropologia
e a educação, mas, ao longo de todas as aulas, essa temática será recorrente e irá sendo melhor
esclarecida. Mas, até aqui, você já percebeu a importância de se estabelecer um diálogo entre
essas áreas do conhecimento, se quisermos compreender melhor o ser humano em seu
universo cultural e as dimensões do ensino.
Síntese da Unidade
Nesta unidade, você observou que a Antropologia é uma ciência relativamente
nova, pois só se constituiu como disciplina acadêmica e sistematizou um método de análise,
no século XIX. Essa ciência se subdividiu em áreas específicas, devido à amplitude de seu
objeto: o homem em suas dimensões social, cultural e biológica.
Assim, temos a Antropologia Social, a Cultural e a Física ou Biológica. Além
disso, você pôde conhecer os aspectos históricos e teóricos dessa ciência que tem no
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Pré-requisitos
Sugerimos, para um bom aproveitamento desta aula, que você leia o livro O que é
cultura, de José Luiz dos Santos. Ele faz parte de uma coleção chamada Primeiros Passos, e é
um texto introdutório que o auxiliará na compreensão do conceito de cultura, além de outros
temas como cultura e diversidade, cultura e relações de poder entre outros.
Introdução
Você já ouviu alguém dizer “Nossa! Fulano é tão culto” ou “Sicrano não tem um
pingo de cultura”? Essa é uma maneira de pensar em cultura, comum a um grande número de
pessoas. Cultura entendida dessa maneira refere-se ao nível de conhecimento, à sofisticação e
educação que uma pessoa tem. Será que quanto mais cultura tem os membros de uma
sociedade, mais civilizada ela é? Será que cultura é só isso? O conceito de cultura é bem mais
complexo que uma simples hierarquização entre cultos e incultos ou entre mais e menos
civilizados.
O Antropólogo, quando usa esse conceito, o compreende como peça fundamental
de seu estudo sobre um grupo humano qualquer. Além disso, tal conceito contribui para a
compreensão das diferenças culturais, fundamental, por exemplo, para você, futuro professor,
que lidará com elas o tempo todo no universo escolar.
[...] em seu amplo sentido etnográfico, este todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Esse conceito de Tylor, elaborado em 1871, foi bastante inovador para sua época e
abarcava todas as possibilidades de realização humana, enfatizando um caráter de
aprendizagem da cultura, em oposição aos determinismos biológico e geográfico que
defendiam uma aquisição inata.
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Saiba mais
Se carruagens foram usadas antigamente e são usadas hoje em dia, isso não ocorre
porque elas são traços que sobraram dos bons tempos antigos [...] as carroças a
cavalo têm, pois, uma função (um papel) a cumprir e esse papel é o de lembrar ou
sinalizar para o passado [...] porque ela nos remete, por contraste, a uma faceta do
mundo urbano, onde a velocidade tornou-se perturbadora. Esse é [...] o significado
social da carruagem.
[...] onde todas as coisas estão relacionadas de forma que a alteração de um desses
elementos resultaria na alteração de todo o sistema. O que há de comum em todos
esses sistemas presentes em diferentes culturas é a estrutura.
a educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade.
Formas de educação [...] entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que
atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho,
os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo
precisa reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos [...]
e desde onde ajuda a explicar de geração em geração, a necessidade da existência de
sua ordem.
Saiba mais
Assim, no cotidiano dos diferentes grupos humanos, seja em uma tribo indígena
ou numa metrópole, “todas as situações entre pessoas, e entre pessoas e a natureza, mediadas
pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo, têm em menor ou maior escala a sua
dimensão pedagógica” (BRANDÃO, 1995, p. 20). Todos os que convivem no grupo,
aprendem, seja da sabedoria dos seus integrantes, seja da norma dos seus costumes, o saber
que os torna aptos, pessoalmente e socialmente, para a convivência social, para o trabalho,
para a guerra, para o amor.
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Esse autor destaca outro aspecto importante nessa relação da cultura com a
educação. Trata-se do processo de endoculturação, por meio do qual um grupo socializa, em
sua cultura, seus membros como sujeitos sociais. Todo o conhecimento que existe em uma
cultura e que é adquirido pela experiência pessoal com o mundo e com os outros membros
dela, tudo o que se aprende independente de como se aprende, faz parte desse processo, e a
educação é o seu campo mais importante.
Quando uma mãe corrige seu filho para que fale corretamente a língua do grupo,
ou quando explica à filha as regras sociais para ser mulher, ou quando o pai ensina o filho a
fazer uma flecha, ou quando os guerreiros saem com os mais novos para ensiná-los a caçar, a
educação aparece como resultado de formas sociais de condução e controle nesse processo de
ensinar e aprender.
Até aqui falamos do ensino informal, aquele que não está restrito a um lugar
específico nem a um corpo técnico especializado que aplica as teorias educacionais e no qual
o espaço educacional não é o escolar. Ele se refere ao saber da comunidade, àquilo que todos
conhecem de alguma maneira e que envolve situações pedagógicas interpessoais familiares e
comunitárias, porém destituídas de técnicas pedagógicas escolares.
Mas as sociedades se complexificam e a cultura se transforma e, mesmo as mais
primitivas, acabam desenvolvendo hierarquias que passam a distribuir desigualmente o
conhecimento. Isso pode vir a reforçar as diferenças, ao contrário do saber anterior, que
afirmava a comunidade. É o começo da separação entre os que sabem e os que fazem, os que
planejam e os que executam. É o momento em que a educação se transforma em ensino e
inventa a pedagogia, a teoria da educação. Mas, o que isso significa? Brandão (1995, p. 28)
explica que
significa que, para além do saber comum de todas as pessoas do grupo e transmitido
entre todos livre e pessoalmente, para além do saber dividido dentro do grupo entre
categorias naturais de pessoas (homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e
velhos) e transferido de uns aos outros segundo suas linhas de sexo e idade, por
exemplo, emergem tipos e graus de saber que correspondem desigualmente a
diferentes categorias de sujeitos (o rei, o sacerdote, o guerreiro, o professor, o
lavrador), de acordo com a sua posição social no sistema político de relações do
grupo.
industrial, indivíduos ignoram indivíduos e grupos ignoram grupos, apesar de existir uma
cultura geral (VIEIRA, 1996).
Como a educação prende-se às culturas produzidas pelas sociedades, a escola, na
sociedade industrial, retrata muito bem a situação delineada anteriormente. Nela, quase
sempre se valoriza aquilo que se desvaloriza na casa do aluno e vice-versa. Nela, valoriza-se a
cultura geral, em detrimento das subculturas. Tanto os professores quanto os alunos
expressam essa cultura geral por meio de suas culturas específicas, ou seja, vêem a sociedade
a partir da cultura dos seus grupos e têm posição particular na interpretação da cultura geral.
Os professores não experimentam toda a cultura geral e, dessa forma, não são
superiores às culturas de seus alunos. O simples fato de exercerem a docência não lhes
confere a superioridade inata de sua cultura específica sobre as dos alunos. O respeito à
pluralidade das culturas nascidas na sociedade e a rejeição ao apego exagerado a determinada
cultura é condição essencial ao exercício da atividade docente.
Importante, até esse momento, é que você tenha compreendido que a relação da
cultura com a educação se dá nos processos de socialização e endoculturação, pois a cultura
pressupõe um aprendizado, que nos vários momentos da história da educação, se dá de formas
diferenciadas. Hoje, temos, além dos conhecimentos, das normas e regras sociais que são
apreendidos no convívio familiar e comunitário, a educação escolar com uma cultura própria,
a cultura escolar, na qual também se desenvolvem saberes e comportamentos específicos, e,
ainda, se evidencia a construção de ritos e rituais que a definem, além das práticas que a
constituem. Mas esse é um tema que veremos mais adiante, na aula quatro.
Síntese da unidade
Nesta aula, você conheceu o conceito de cultura e o seu desenvolvimento histórico
nas principais teorias antropológicas como o evolucionismo, o funcionalismo, o
estruturalismo e a antropologia da interpretação. Também compreendeu as relações entre a
cultura e a educação informal e escolar. Observou a importância dos conceitos de socialização
e endoculturação como norteadores dessa compreensão. Certamente percebeu a importância
de um olhar antropológico para observar as diferentes subculturas que convivem no espaço
escolar e ter uma conduta de respeito a essa pluralidade cultural que nos rodeia.
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Pré-requisitos
Para que você tenha um bom entendimento desta aula, é importante retomar as
discussões sobre cultura e educação da aula dois. Também sugerimos que leia o texto
Multiculturalismo e currículo em ação: um estudo de caso, disponível no sítio
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n21/n21a05.pdf>. Nele, você encontrará a definição de
multiculturalismo e uma importante etnografia de uma prática pedagógica multicultural e
crítica.
Introdução
No ocidente moderno, consideramos crianças de doze ou treze anos de idade,
muito novas para se casarem, porém, em algumas culturas, casamentos entre crianças dessa
idade são vistos como algo natural. Os judeus não comem carne de porco, e os indianos não
comem carne de vaca. No ocidente, comemos ostra, por exemplo, mas não comemos gatinhos
ou cães de estimação; no entanto, ambos são considerados iguarias no mercado chinês. Esses
diversos traços de comportamento, segundo Giddens (2005, p. 40), “são aspectos de amplas
diferenças culturais que distinguem as sociedades umas das outras”.
As sociedades mais simples tendem a ser monoculturais, ou seja, culturalmente
mais uniformes. O Japão, embora sendo uma sociedade moderna e industrializada, tem-se
mantido bastante monocultural. No entanto a tendência, em sociedades mais complexas, é
tornarem-se cada vez mais diversas culturalmente ou multiculturais. Essa perspectiva tem
ampliado o debate sobre o diferente e trazido à discussão novos conceitos como o de
multiculturalismo que veremos a seguir.
sociais e humanos, precisa ter como palavras-chave o diálogo, o estudo, a criação, o amor e o
compromisso com a transformação e a construção.
É essencial se perguntar: o que nós como educadores faremos? Como serão e
deverão ser nossas aulas? Como nosso currículo se configurará? O que a autora nos remete a
pensar é que não haverá uma fórmula única para lidar com a sociedade multicultural na
escola. Cada contexto, cada realidade exigirá do educador posturas que privilegiem a
autonomia, o contato, o diálogo e o movimento. Há que se questionar até mesmo a disposição
das disciplinas como a história, a física, a psicologia entre outras, na discussão das diferenças
na sociedade contemporânea. Resumindo, tudo está por se fazer.
Síntese da Unidade
Nesta aula, você entrou em contato com o conceito de multiculturalismo e
observou que ele se refere, em seu sentido amplo, à presença de várias culturas em uma
mesma localidade. Porém ele representa também um campo teórico e político de reflexão.
Duas dimensões se destacam quando falamos em multiculturalismo: a conservadora e a
crítica. Na primeira, uma educação multicultural deve ensinar a tolerância e o respeito sem se
preocupar com o conflito provocado pelos contatos dos diferentes grupos étnicos. A segunda,
propõe uma educação que perceba as diferenças como históricas e, portanto, construídas por
nós.
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Pré-requisitos
Para um bom entendimento desta aula, você precisa retornar à unidade dois e reler
o tópico que discute as relações da cultura com a educação e o surgimento da escola.
Sugerimos, também, que você leia o texto Cultura escolar: quadro conceitual e possibilidades
de pesquisa, que será utilizado como referência nesta unidade. Nele, você encontrará o
desenvolvimento do conceito de cultura escolar, bem como a indicação dos campos de
pesquisa nessa área.
Introdução
Folheando a revista Por um Triz: cultura e educação, encontramos um relato
bastante ilustrativo de nossa aula. Com o nome Alterações na rotina, o texto aborda a
implantação dos cantos-atividade e do café-da-manhã de uma creche em São Paulo. Antes da
implantação, a entrada das crianças era bastante tumultuada, pois a educadora ficava
recepcionando os pais, enquanto elas ficavam ociosas no parque. O café-da-manhã não
oferecia às crianças autonomia na escolha, pois elas dependiam dos adultos para servir-se.
Não havia organização apropriada do espaço nem troca de afetividade. Imagine a bagunça!
Depois da implantação, a porta de entrada fica aberta e as educadoras esperam suas crianças
nas salas com os cantos-atividade, nos quais são colocados brinquedos e jogos aos quais elas
têm livre acesso e livre escolha para brincar, e fazem isso até a hora do café. Nele, foi
implantado um sistema de self-service, com mais de uma opção de alimentos para as crianças.
Como o refeitório é também uma sala de aula, as educadoras fazem um revezamento de
turmas para não prejudicar a rotina das atividades em cada sala. Mas e o que isso tem a ver
com cultura escolar? Tudo, pois ela pode ser entendida “como um conjunto de práticas,
normas, ideias e procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano
escolar” (FRAGO citado por SILVA, 2006). Exatamente ao que se refere o relato. Vamos nos
aprofundar mais nessa definição?
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[...] a escola é também um “mundo social”, que tem suas características de vida
próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de
símbolos.
Assim como Chevel, esse autor vê a escola como uma instituição que possui uma
cultura própria, tecida por seus atores principais, professores, alunos, familiares e gestores que
constroem os discursos e as práticas que a definem.
Frago, autor citado na introdução desta aula, é também um dos estudiosos da
cultura da escola e ressalta a importância dos estudos sobre o espaço e o tempo escolares e a
alfabetização como parte dessa cultura e como “conformadores de aspectos cognitivos e
motores dos sujeitos sociais” (VIDAL, 2005, p. 5). Frago citado por Silva (2006, s/p), vê no
conceito de cultura escolar
[...] cadernos, provas escolares, diários de classe, cartazes, quadros, [...] formato de
quadro-negros, ardósias ou lousas individuais, faixas, barras; bem como a
associação do papel a outros materiais como tecido, plástico e sucata. Emerge como
relevante a referência aos vários objetos da escrita como giz, lápis, caneta, giz de
cera, lápis de cor, canetas coloridas. Esses objetos culturais e muitos outros,
individuais e coletivos, necessários ao funcionamento da aula, trazem as marcas da
modelação das práticas escolares, quando observados na sua regularidade. Mas
portam índices das subversões cotidianas a esse arsenal modelar, quando percebidos
em sua diferença.
Tais índices de subversão são percebidos nas várias formas inventivas com que os
usuários se apropriam dos objetos culturais e nas mudanças que imprimem nas práticas
escolares. Outras fontes, como fotos, autobiografias, história oral, podem contribuir na
compreensão desses fazeres e da “constituição de corporeidades nos sujeitos da escola”
(VIDAL, 2005, p.17). Vamos ver um relato de Garcia (1999, p. 56-9) sobre o cotidiano e as
práticas culturais escolares.
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Um dia, Mercedes chegou à escola e encontrou uma de suas alunas, a Rosinha, acocorada no
chão e chorando. Abaixou-se para perguntar à menina por que chorava e Rosinha lhe contou
que [...] seu avô lhe dera um cachorrinho e que a mãe não lhe permitira levar para a escola. [...]
As duas entraram juntas na sala de aula e, logo, logo, Mercedes pôs em discussão o problema
de Rosinha, sugerindo que pensassem juntos o que poderia ser feito. [...] Depois de muita
argumentação e contra argumentação acabaram chegando a um consenso. As crianças iriam em
comissão perguntar se a diretora permitiria a presença de um cachorro na escola, e, se ela
permitisse, iriam escrever para a mãe de Rosinha dizendo que todos se responsabilizariam pelo
cachorrinho.[...] A diretora, apesar de relutante, acabou cedendo, com algumas condições – não
poderia aparecer sujeira de cachorro. [...] À medida que se sentiu compreendida e ajudada,
Rosinha parou de chorar e sua expressão de tristeza desapareceu de seu rosto, fazendo
reaparecer o brilho de seus olhos cor de mel. Ao voltarem para a sala de aula, a professora
propôs que fizessem juntos uma carta para a mãe de Rosinha. E assim fizeram. A carta ficou
imensa, pois todos queriam participar.[...] À medida que a carta ia sendo escrita, as crianças a
liam, ainda que não soubessem ler como a escola exige. [...] Uma das crianças quis fazer um
desenho na própria carta e o fez. [...] Quando tudo parecia acabado, alguém lembrou que carta
precisa de envelope. Mercedes então ensinou como se pode fazer um envelope, com papel,
tesoura, cola e régua. [...]mas era preciso ensinar o que é uma régua, para que serve e como se
usa. Mercedes o fez e as crianças foram aprendendo a ler uma régua. [...] logo elas estavam
querendo medir a mesa, o tamanho dos pés, a janela, a porta; tudo o que viam queriam medir.
[...] No dia seguinte as crianças chegaram cedo para fazer o envelope. [...] Alguns envelopes
ficaram tortos, outros lambuzados, outros ficaram muito pequenos para caber a carta.
Finalmente escolheram o envelope que lhes pareceu o mais bem feito e no qual coubesse a
carta.
Há uma riqueza de detalhes que o relato nos revela sobre o que foi discutido até
aqui, nesta aula. O espaço da sala de aula, lugar privilegiado da transmissão de
conhecimentos, se transformou num espaço de vivências que proporcionou tanto situações de
aprendizagem como de construção de valores e responsabilidades. Uma série de situações
culturais foi sendo criada à medida que as práticas iam sendo desenvolvidas, por intermédio
de ações altamente compartilhadas.
Vários atores se envolveram, os alunos, a professora, a diretora, os familiares,
dando significado aos fazeres, à medida que “aprendiam a participação e a organização, o
respeito pela palavra do outro e a lutar pelo direito à palavra, a argumentar, a persuadir, a
fazer alianças, a criar estratégias para enfrentar problemas” (GARCIA, 1999, p. 60).
Estamos diante do que afirmava Frago citado por Silva (2006), já citado
anteriormente, sobre a cultura da escola como modos de pensar e atuar que proporcionam aos
seus componentes estratégias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas como fora delas e
integrar-se na vida cotidiana das mesmas.
Assim como a cultura de um grupo social ou uma sociedade que, por meio de suas
práticas, cria ritos e rituais, a cultura da escola, da mesma forma, também produz os seus.
Como exemplos de ritos sociais, temos o casamento, o baile de debutantes, o chá de panela, a
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corrida de toras entre os KraHô . Como exemplos de rituais na escola, temos o conselho de
classe, o planejamento, o recreio, entre outros. Vejamos o ritual do conselho de classe.
Saiba mais
Síntese da unidade
A cultura da escola ou cultura escolar é um campo novo de investigação nas
pesquisas das várias áreas do conhecimento. Ela pode ser entendida como modos de pensar e
fazer, atitudes, rituais, mitos, discursos e práticas, amplamente compartilhados pelos seus
vários atores, professores, alunos, familiares e gestores, que orientam uns e outros a
desempenhar suas tarefas diárias. Esta cultura da escola é compreendida através do estudo dos
ritos e rituais, das práticas, dos discursos que ocorrem no universo escolar. Vários autores se
destacam nos estudos dessa cultura, entre eles, Dominique Julia, André Chevel e Frago. Tais
estudos contribuíram para que se evidenciasse a escola como produtora de uma cultura
própria que é dinâmica e interfere no contexto mais amplo da cultura geral da sociedade.
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Pré-requisito
Para compreender melhor esta aula, você precisa reler a aula um, na qual é feita
uma indicação ao termo etnocentrismo, e a aula dois, na qual discutimos o conceito de
cultura, fundamental para compreendermos o preconceito, a inclusão e a exclusão, bem como
o etnocentrismo. Sugerimos, também, a leitura do livro da coleção Primeiros Passos, O que é
Etnocentrismo, de Everardo Rocha. Nele, você encontrará uma discussão sobre esse termo e
sua influência nos diversos grupos sociais, na escola e na sociedade.
Introdução
Aprendemos, nos meios de comunicação, na mídia, nos filmes, revistas e jornais,
nos livros, a idealizar algumas características humanas como as representantes legítimas e
naturais do que seja ser humano. Aprendemos este preconceito relativo ao que seja um ser
humano ideal e quando nos deparamos com nossos alunos reais ou abrimos mão dessa
idealização ou passamos a exercer nosso racismo, machismo, etnocentrismo; passamos a
estigmatizar e tornar invisível a realidade que nos cerca (TRINDADE, 2003).
Ao agirmos dessa forma, perpetuamos as situações de exclusão em nossa
sociedade e continuamos a reproduzir a desigualdade, seja ela social, econômica ou cultural.
Daí a importância de conhecermos os conceitos de etnocentrismo e identidade
cultural, enfocando a realidade da inclusão e exclusão como situações presentes na escola.
Além disso, conhecer o processo de construção da identidade cultural na instituição escolar,
pois ela é um espaço em que as diferenças se encontram e as culturas se cruzam.
relatos dos primeiros viajantes europeus que tentavam descrever os exóticos costumes dos
povos com os quais mantinham contato (COSTA, 1997, p. 107).
Notou que a autora assinala que essa ciência busca investigar o outro? Pois então,
o entendimento sobre o etnocentrismo recai justamente na preocupação de quem é o outro e,
também, de denominar quem é o eu.
Rocha (1994, p. 7) assinala que o etnocentrismo é uma visão de mundo em que o
nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e de todos os outros valores, modelos e
definições do que é a existência.
Associando essa concepção à realidade atual e escolar, podemos observar que a
visão etnocêntrica defende a cultura de uma região como sendo superior à outra, por exemplo,
o nível educacional de escolas privadas do sudeste, onde o sistema de ensino é o mesmo de
todo o país, tem uma preparação de qualidade mais elevada, é superior às existentes na região
nordeste. Isso porque essa visão toma como centro do saber um determinado lugar – no caso a
região sudeste.
Vejamos outros autores enfocando a definição do termo etnocentrismo. Marconi e
Presotto (2001, p. 52) enfatizam que esse termo significa a supervalorização da própria
cultura, em detrimento das demais. Todos os indivíduos são portadores desse sentimento e a
tendência na avaliação cultural é julgar as culturas segundo os moldes da sua própria. Essas
autoras ainda assinalam que a ocorrência da grande diversidade de culturas vem testemunhar
que há modos de vida bons para um grupo e que jamais serviriam para outro. Quando se fala
dessa realidade, o etnocentrismo torna-se evidente em casos de manifestações no
comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade e até de hostilidade.
Assim como Rocha, essas autoras também entendem que o etnocentrismo julga as
culturas conforme os modelos próprios, desprezando com isso, as outras. Essas são questões
que podem ser identificadas com o preconceito. Sobre isso, Itani (1998, p. 119) afirma que,
A concepção que se tem é de uma estreita relação existente entre essas temáticas
(etnocentrismo e preconceito), pois, como assinala o autor, “para trabalhar com essas
questões, é preciso compreendê-las, saber como se manifestam e em que bases são expressas,
notadamente se levarmos em conta que elas não podem ser analisadas fora de seus contextos”
(ITANI, 1998, p. 119).
Ao tratarmos de temas importantes como o preconceito e a identidade cultural,
que se refletem, também, na realidade escolar, é fundamental compreender seus aspectos
conceituais, pois, assim, os que lidam com os mesmos, como os professores, alunos e os
demais componentes da instituição escolar, podem buscar soluções mais elaboradas. Vamos
ver esses aspectos.
5.2 O Preconceito
Você já se perguntou: existe preconceito em nossa sociedade? E a escola como
encara o preconceito? Os alunos, como agem diante de um caso de preconceito? São algumas
indagações dentre muitas existentes. O racismo, por exemplo, é um tipo de preconceito
presente em nossa sociedade, que desperta nas pessoas indignação e discussões.
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Assim podemos ver que a escola tem inúmeros recursos pedagógicos relevantes a
serem desenvolvidos pelos professores, nas aulas, para evidenciar a construção da identidade
cultural. Essas iniciativas servem como defesa para a própria escola contra os preconceitos, o
etnocentrismo, que prejudica o desenvolvimento escolar e da sociedade.
Como você viu até agora, a escola está propensa a passar por vários desafios, mas,
também, tem outros aspectos que, por um lado, elevam sua eficiência, quando trabalha para
incluir os alunos em seu ambiente e, por outro, quando recebe críticas da sociedade e de
poderes constituídos, por excluí-los.
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quem são os excluídos, disfarçados em incluídos? São aqueles que para não
denunciarem as injustiças decorrentes da ideologia dominante, necessária para a
manutenção do poder de alguns e de um status quo, são incluídos no sistema. São os
negros, que denunciam a escravidão, hoje disfarçada em preconceitos ou
discriminações ambíguas. São os deficientes que denunciam a ausência da Saúde
Pública e de educação reabilitadora. São os pobres que denunciam a injustiça
econômica e a má distribuição de renda que impede o acesso à saúde e à educação.
Essa é uma reflexão crítica sobre exclusão/inclusão, pois percebe que a inclusão
não se dá no nível da situação de excluído, mas com ações que são mais um paliativo para
silenciar grupos potencialmente aptos a afrontar o status quo. Porém, apesar desse aspecto
nocivo dessa relação, há que se levar em conta as discussões e as ações que estão sendo
dirigidas aos excluídos socialmente.
Muito bem, e na escola, o que ocorre em relação à exclusão? Será que ela exclui
ou inclui? François Dubet (2003), em seu artigo A escola e a exclusão explica que
no final das contas, os alunos mais favorecidos socialmente, que dispõem de maiores
recursos para o sucesso, são também privilegiados por um conjunto de mecanismos
sutis, próprio do funcionamento da escola, que beneficia os mais beneficiados. Essas
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Rui, aluno de nove anos, que frequentava a primeira série de uma escola pública de
primeiro grau e residia na favela, ia mal na escola porque, além de desligado,
escrevia tudo errado. Para algumas professoras era retardado; para outras, imaturo;
para outras, ainda, vítima de uma família desestruturada. Não tinha mesmo jeito, e
Rui, após frequentar três anos a primeira série, desistiu da escola (CAMPOS, 2001).
Síntese da Unidade
Nesta unidade, você conheceu os conceitos antropológicos de etnocentrismo e
identidade cultural e observou a importância deles para a compreensão de fenômenos como a
exclusão e a inclusão, principalmente no universo escolar. Viu que a prática do etnocentrismo
leva a uma conduta preconceituosa e geradora de graves conflitos sociais. Percebeu que a
escola reforça processos de exclusão, porém ela é também o lugar onde se pode praticar uma
educação inclusiva, capaz de diminuir as desigualdades de toda espécie, social, cultural,
econômica, etc.
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Pré-requisitos
Faça a leitura do artigo Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos,
disponível no sítio <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a11.pdf>. Nele, os autores
buscam problematizar a necessidade de a cultura vir a ser o eixo central de uma proposta
curricular, bem como de a interculturalidade se tornar a dinamizadora da prática docente.
Introdução
Um dos temas que têm provocado acalorados debates no âmbito da sociedade
como um todo e, de modo especial, no campo educacional, é a questão das relações
envolvendo a igualdade e a diferença entre as culturas.
Na realidade, em termos conceituais, estamos vivendo uma transição da
perspectiva da igualdade – que muitas vezes silencia ou nega as peculiaridades culturais –
para a da diferença ou diferenças, cujo fundamento está em dar maior visibilidade aos
diversos grupos sociais, para que, dessa forma, se evidencie a necessidade de se estabelecer
políticas públicas de redistribuição e reconhecimento mais equitativas.
Nesta unidade, o nosso intento é possibilitar que você alcance maior
aprofundamento acerca do debate entre igualdade e diferença(s) culturais na arena
educacional, a partir da noção de interculturalidade.
Saiba mais
Você deve ter observado, a partir da citação de Sacristán, que a educação escolar
passa a ser, portanto, o locus em que se percebe com maior visibilidade o embate entre
igualdade e diferença, dada a diversidade de culturas que a frequenta.
Se, como dissemos na introdução desta aula, a igualdade, em vez de se tornar uma
noção que favorecesse a garantia de direitos para os vários grupos sócio-culturais, funcionou
muito mais como um conceito silenciador e/ou negador das identidades culturais, o que o
conceito de diferença pode proporcionar em termos de visibilidade para esses mesmos
grupos? Perucci citado por Candau (2004, p. 4) nos ajuda a refletir sobre essa questão
explicando que
somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser
diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava, segura de si, no primeiro
termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou.
A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa
atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em
ritmo acelerado e perturbador a consciência de que nós, os humanos, somos
diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes além de preferências sexuais
diferentes, somo diferentes de origem familiar e regional, nas tradições e nas
lealdades, temos deuses diferentes. Mas somos também diferentes de direito. É o
chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo
diferente. [...]. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou queremos menos.
Motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e
projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente
diferentes uns dos outros.
Diante desse novo quadro cultural e ideológico apresentado por Perucci, como podemos
articular, no âmbito educacional, a relação entre igualdade e diferença, de modo que a
valorização de um não se torne a anulação do outro? Como relativizar a importância de cada
um deles no processo educacional? Questões como essas é que buscaremos problematizar no
próximo tópico, tendo como referência a perspectiva intercultural.
encaradas. Mais que isso, a interculturalidade visa à superação de uma abordagem das
diversas identidades culturais, sempre tão complexas e mutáveis, de uma maneira unificada e
estabilizada, favorecendo, dessa forma, a construção de focos de preconceito e de
discriminação na instituição escolar.
A opção da perspectiva intercultural, em termos educacionais, é o de estabelecer a
tensão entre o ideal, proposto pela perspectiva da igualdade, e o real, exigido pela necessidade
de reconhecimento da diferença, mediante a prática constante de um diálogo crítico. Candau
(2004, p. 14) explicita que
Síntese da unidade
Nesta unidade, você compreendeu que, entre os diversos temas que estão na
ordem do dia do cotidiano educacional, está a questão das relações entre igualdade e diferença
culturais. A relação igualdade/diferença aponta para outras polêmicas discussões: a da
superação das desigualdades, a da democratização de oportunidades e a do reconhecimento
dos diferentes grupos sócio-culturais. A educação escolar é o espaço em que se percebe com
maior visibilidade o embate entre igualdade e diferença, dada a diversidade de culturas que a
frequenta. A interculturalidade propõe uma discussão sobre a questão das diferenças culturais
no âmbito educacional, que vá além do caráter psicológico e de identidade cultural de classe
com que normalmente elas são encaradas. A interculturalidade visa à superação de uma
abordagem das diversas identidades culturais de uma maneira unificada e estabilizada, que
permite a construção de focos de pré-conceito e de discriminação na instituição escolar.
A opção da perspectiva intercultural é a de estabelecer a tensão entre o ideal,
proposto pela perspectiva da igualdade, e o real, exigido pela necessidade de reconhecimento
da diferença, mediante a prática constante de um diálogo crítico. Um dos principais aspectos
da interculturalidade educacional em relação à temática da diferença é a linguagem, em razão
de seu poder constitutivo de construção de identidades sociais. Nesse sentido, a sala de aula é
um local privilegiado em que ocorre a articulação de diversas experiências culturais que são
narradas pelos alunos, a partir das quais, a escola pode estabelecer alternativas pedagógicas de
combate a qualquer tipo de preconceito e de discriminação. É necessário lidar com a noção de
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Pré-requisito
A leitura do texto Refletindo sobre as identidades culturais, a raça e a etnicidade
disponível no sítio <http://www.espacoacademico.com.br/069/69foetsch.htm> proporcionará
a você uma excelente introdução à temática proposta por esta aula. Nele, a autora busca, de
forma didática, esclarecer os conceitos de raça e de etnicidade na construção da identidade
cultural do indivíduo.
Introdução
Nesta unidade, você será apresentado às discussões conceituais que dizem respeito
às noções de raça, etnicidade e minorias. A elucidação de cada um desses conceitos auxiliará
em sua compreensão das dinâmicas de inclusão e de conflito, envolvendo grupos éticos e
minoritários, em especial os afrodescentes, e a cultura educacional, sobretudo no que diz
respeito às políticas de ações afirmativas para negros, desenvolvidas no Brasil.
Para tanto, nesta aula, buscaremos evidenciar a noção de ação afirmativa,
apresentando seus principais objetivos e realizando uma breve discussão sobre o sistema de
cotas para negros nas universidades públicas brasileiras, como uma ação reparadora de uma
histórica discriminação étnica.
Saiba mais
estabelecia a existência de três raças denominadas pela cor: a branca, a negra e a amarela.
Vejamos, por exemplo, como Gobineau citado por Giddens (2005, p. 205) caracterizava a raça
branca e a negra: “[...] a raça branca possui inteligência, moralidade e força de vontade
superiores. [...]. Os negros, em contraste, são os menos capazes, marcados por uma natureza
animal, uma falta de moralidade e uma instabilidade emocional”.
Por esse exemplo, é possível compreender como as primeiras teorizações sobre
raça fundamentaram ideologias e práticas discriminatórias, como as desenvolvidas pelo
nazismo de Adolf Hitler, na Alemanha; pela Ku-Klux-Klan, grupo de supremacia branca dos
Estados Unidos, e pelos idealizadores da política de segregação racial do apartheid, na África
do Sul.
Após a Segunda Guerra Mundial, as teorias que se pautavam em fundamentos
científicos duvidosos e questionáveis caíram por terra.
Um forte argumento contra a chamada ciência da raça foi a afirmação de que, em
termos biológicos, não existem raças como uma definição pré-estabelecida e sim variações de
tipos físicos entre os seres humanos. Giddens (2005, p. 205) explica que “as diferenças de
tipos físicos entre os grupos humanos surgem da procriação consanguínea da população, que
varia de acordo com o grau de contato existente entre diferentes grupos sociais ou culturais”.
Nesse sentido, as diferenças raciais entre os seres humanos devem ser
compreendidas em termos de diversidade de tipos físicos que os componentes de uma
determinada comunidade ou sociedade definem como socialmente significativos.
Por exemplo: a diferença da cor da pele é considerada como um aspecto racial a se
destacar. Já a cor dos cabelos não é considerada um aspecto relevante para a identidade racial.
Uma conceituação trabalhada por Giddens (2005), bem distanciada da perspectiva
discriminatória apresentada no início desta aula, afirma que raça é um complexo arranjo de
relações sociais que autoriza localizar indivíduos e grupos em determinado conjunto de
características, baseado em aspectos biologicamente definidos.
Dessa conceituação de raça, deriva o processo mediante o qual são realizadas as
interpretações e as classificações de indivíduos e grupos sociais: a racialização.
A racialização, portanto, nada mais é que a constatação da existência de
discriminação e preconceito contra determinados grupos sociais que são estigmatizados ou
rotulados por sua constituição física, portanto, biológica. Dessa forma, Giddens (2005, p. 205)
afirma que “as distinções raciais representam mais do que formas de descrever as diferenças
humanas – são também fatores importantes na reprodução de padrões de poder e de
desigualdade dentro da sociedade”.
Disso resulta que o processo de racialização dentro de uma sociedade, como a
brasileira, por exemplo, interfere diretamente na vida social das pessoas: emprego, relações
pessoais, habitação, serviços de saúde, educação e representação legal, moldando e
constrangendo, conforme a caracterização física e biológica do indivíduo.
Humanos II, em 2002. Domingues (2005, p. 167) destaca, entre as principais medidas
apresentadas pelo referido documento, a seguinte recomendação:
Síntese da Unidade
Nesta unidade, buscamos elucidar os conceitos de raça, etnicidade e minorias,
atentando para os seguintes aspectos: que as principais teorias sobre o conceito de raça foram
evidenciadas a partir do final do século XVIII e início do século XIX; que as primeiras teorias
sobre raça tinham fins ideológicos para justificar a expansão de países imperialistas; que o
principal argumento contra ciência da raça foi afirmar que, biologicamente, não existem raças
como uma definição pré-estabelecida e sim variações de tipos físicos entre os seres humanos;
que raça é um complexo arranjo de relações sociais que localiza indivíduos e grupos em um
conjunto de características baseado em aspectos biologicamente definidos; que racialização é
o processo em que são realizadas interpretações e classificações de indivíduos e grupos
sociais; que o conceito de etnicidade tem significado exclusivamente social: diz respeito às
práticas e aos modos de ser e viver de determinado grupo social; que entre os aspectos étnicos
mais considerados estão a língua, a história, a religião e os estilos de roupas e adornos; que o
conceito de minorias precisa ser considerado em termos essencialmente sociológicos; que,
sociologicamente, grupo minoritário encontra-se em desvantagem social em relação a
determinado grupo majoritário; que o termo ação afirmativa foi conceituado por John F.
Kennedy, em 1963, como um conjunto de políticas concebidas, com vistas ao combate da
discriminação de raça, gênero, etc. bem como para corrigir os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado; que o programa de cotas se traduz na reserva de vagas
para um grupo de específico da população, principalmente no acesso à universidade, ao
mercado de trabalho e à representação política; e que, por fim, o programa de cotas para
negros, como um dispositivo de ação afirmativa, visa à reparação histórica da discriminação
social sofrida pelos afrodescendentes no Brasil.
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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO