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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Universidade Aberta do Brasil


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Diretoria de Educação a Distância

Licenciatura em Educação Profissional, Científica e Tecnológica


Trabalho e Educação

Océlio Jackson Braga


Elenilce Gomes de Oliveira

Fortaleza, CE
2013
Créditos
Presidente Camila Ferreira Mendes
Dilma Vana Rousseff Denis Rainer Gomes Batista
Ministro da Educação Érica Andrade Figueirêdo
Aloízio Mercadante Oliva Luana Cavalcante Crisóstomo
Lucas de Brito Arruda
Presidente da CAPES
Lucas Diego Rebouças Rocha
José Almeida Guimarães Marco Augusto M. Oliveira Júnior
Diretor de EaD - CAPES Quezia Brandão Souto
João Carlos Teatini Clímaco Rafael Bezerra de Oliveira
Suzan Pagani Maranhão
Reitor do IFCE
Equipe Web
Virgílio Augusto Sales Araripe
Aline Mariana Bispo de Lima
Pró-Reitor de Ensino Benghson da Silveira Dantas
Reuber Saraiva de Santiago Corneli Gomes Furtado Júnior
Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora Fabrice Marc Joye
Germano José Barros Pinheiro
UAB/IFCE
Herculano Gonçalves Santos
Cassandra Ribeiro Joye Lucas do Amaral Saboya
Coordenadora Adjunta UAB Pedro Raphael Carneiro Vasconcelos
Cristiane Borges Braga Samantha Onofre Lóssio
Tibério Bezerra Soares
Coordenadora do Curso de Licenciatura
Áudio
em Educação Profissional, Científica e
Lucas Diego Rebouças Rocha
Tecnológica
Revisão
Gina Maria Porto de Aguiar
Antônio Carlos Marques Júnior
Elaboração do conteúdo Aurea Suely Zavam
Océlio Jackson Braga Débora Liberato Arruda Hissa
Elenilce Gomes de Oliveira Nukácia Meyre Araújo de Almeida
Colaboradora Saulo Garcia
Lívia Maria de Lima Santiago Logística
Equipe Pedagógica e Design Instrucional Francisco Roberto Dias de Aguiar
Daniele Luciano Marques Secretários
Iraci de Oliveira Moraes Schmidlin Breno Giovanni Silva Araújo
Isabel Cristina Pereira da Costa Laide Ane de Oliveira Ferreira
Jane Fontes Guedes Auxiliar
Karine Nascimento Portela Charlene Oliveira da Silveira
Lívia Maria de Lima Santiago Daniel Oliveira Veiga
Luciana Andrade Rodrigues Nathália Rodrigues Moreira
Maria Cleide da Silva Barroso Yara de Almeida Barreto
Márcia Roxana da Silva Regis
Marília Maia Moreira
Saskia Natália Brígido Batista
Virgínia Ferreira Moreira
Equipe Arte, Criação e Produção Visual
Benghson da Silveira Dantas
Catalogação na Fonte: Tatiana Apolinário Camurça CRB- 3 / 1045

B813t Braga, Océlio Jackson


Trabalho e Educação / Océlio Jackson Braga; Elenilce Gomes de
Oliveira. Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/ IFCE,
2013.
99 p. : il. ; 27cm.

ISBN 978-85-63953-87-2

1. TRABALHO. 2. EDUCAÇÃO. 3. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL.


4. ENSINO. 5. EGRESSOS. I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III.
Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.

CDD 371.3078
SUMÁRIO
Apresentação 7
Referências 94
Currículo 99

AULA 1 Trabalho e Educação no contexto socio-


econômico contemporâneo (Parte I) 8
Tópico 1 O trabalho como a categoria fundante das
relações sociais 9
Tópico 2 O trabalho: das sociedades tribais à sociedade
capitalista 11
Tópico 3 As diferentes visões sobre o trabalho no mundo
contemporâneo15
Tópico 4 Capital, trabalho e as crises econômicas19

AULA 2 Trabalho e Educação no contexto socio-


econômico contemporâneo (Parte II) 22
Tópico 1 As implicações da relação capital e trabalho e o
desenvolvimento do trabalho 23
Tópico 2 Capitalismo de livre concorrência na indústria
nascente 28
Tópico 3 Capitalismo monopolista ou imperialista 31
Tópico 4 Capitalismo tardio 34

AULA 3 Trabalho, ciência e cultura 40

Tópico 1 Ciência, tecnologia e a indústria cultural no mundo


do trabalho 41
AULA 4 A cultura e a educação como elemen-
tos de reprodução e transformação
social 52
Tópico 1 Cultura e educação na formação do indivíduo 53
Tópico 2 Os intelectuais orgânicos e a formação cultural da
classe trabalhadora 59

AULA 5 Perfil profissional: a transição


escola e trabalho 65
Tópico 1 Organização e controle do trabalho: retomando a
discussão do perfil profissional 66
Tópico 2 Qualificação e competência: alguns elementos
para a discussão 73

AULA 6 A educação escolar e a força de trabalho no


âmbito das relações entre capital e trabalho
e a situação do emprego no Brasil 80
Tópico 1 Escolaridade e competências subjetivas no merca-
do de trabalho: a corrida pela empregabilidade 81
Tópico 2 A escolaridade como elemento preferencial dos
jovens para acesso ao mercado de trabalho e a
situação do emprego no brasil 87
APRESENTAÇÃO
Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo à disciplina Educação, Trabalho e Cidadania!

Se você é ou deseja ser um educador, certamente precisará do que vamos tratar


aqui, pois você compreenderá a escola no contexto das relações entre educação,
trabalho e cidadania. A disciplina está dividida em seis aulas, as quais, por sua vez,
estão divididas em tópicos.

Nas duas primeiras aulas, abordaremos o trabalho e a educação no contexto


socioeconômico contemporâneo. Ao final, esperamos que você compreenda as
principais transformações que ocorreram no sistema produtivo, bem como seu
impacto na organização social e na educação dos trabalhadores.

Nas duas seguintes, discutiremos trabalho, ciência e cultura. Você perceberá que
o trabalho e a ciência influenciam a forma como nos relacionamos uns com os
outros e como lidamos com as coisas que produzimos. Compreenderá, ainda,
que a educação escolar dialoga com outros saberes advindos da experiência dos
sujeitos em espaços diversos de sua existência.

Nas aulas finais, analisaremos a transição da escola ao trabalho, discutindo


perfil profissional, tensões e preocupações dos trabalhadores nessa transição. A
finalidade é que você compreenda as novas exigências do mundo globalizado na
formação do trabalhador.

Então, vamos começar!

APRESENTAÇÃO 7
AULA 1 Trabalho e Educação no
contexto socioeconômico
contemporâneo (Parte I)

Caro(a) aluno(a),

Nesta aula, abordaremos a primeira parte sobre trabalho e a educação no contexto


socioeconômico contemporâneo. Ao final, esperamos que você compreenda as
principais transformações históricas que ocorreram no sistema produtivo, bem
como seu impacto na organização da classe dos trabalhadores.

Objetivos

• Entender a importância do trabalho no contexto das diferentes sociedades


existentes
• Compreender a divisão social do trabalho, seus avanços e contradições na
organização da sociedade contemporânea
• Relacionar trabalho, capital e mercadorias à situação de exploração dos
trabalhadores

8 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
TÓPICO 1 O trabalho como a categoria
fundante das relações sociais
O bjetivo
• Compreender trabalho como categoria determinante
para a vida em sociedade

A vida em sociedade depende da nossa capacidade de produzir


os bens necessários à nossa sobrevivência. Água, alimentação,
roupas, remédios, moradia, lazer, móveis e utensílios são apenas
alguns exemplos. Desde os primórdios da civilização, a produção de bens para
a satisfação das nossas necessidades sempre exigiu não só tempo, habilidades e
dedicação à sua fabricação, mas a condição imprescindível de nos relacionarmos
socialmente para trocar os bens produzidos, uma vez que sozinhos não somos
capazes de produzir durante uma jornada de trabalho o que precisamos para viver
com dignidade e conforto.
Assim, o trabalho além de ser uma atividade social está relacionado à nossa
capacidade de ensinar às novas gerações o que fazer. Todavia, ao executar o ato
de ensinar e aprender, é certo que o homem pode desenvolver e acrescentar novos
conhecimentos e novas habilidades e, dessa forma, criar novos objetos de uso ou
troca e estabelecer ou até ampliar as relações sociais a partir dos bens produzidos,
dos saberes constituídos, e das formas como se relacionam entre si.
Podemos concluir então que a continuação do trabalho como condição para
a existência da vida em sociedade sempre exigiu a sua reprodução ao longo dos
tempos na forma de um conjunto de saberes e práticas comumente chamados por
nós de educação, cuja finalidade – além nos preparar para viver e transformar
a sociedade – deve garantir nossa formação para o mundo do trabalho e nossa
realização pessoal e coletiva.

AULA 1 TÓPICO 1 9
Cabe acrescentar: não há garantia de sobrevivência do gênero humano senão
por meio do trabalho, pois, como vimos, ele permite tanto a sobrevivência das
pessoas quanto a reprodução da existência delas pela capacidade de aprender das
novas gerações. Com isso, não estamos afirmando que a vida humana se resume a
trabalho, mas que ele é imprescindível para a existência em sociedade. Por certo,
não vivemos para o trabalho; contudo, sem ele tampouco existe vida.
Vale ressaltar ainda que as pessoas trabalham e não obtêm diretamente o seu
alimento, abrigo, lazer, etc. Elas recebem um pedaço de papel ou de metal (atualmente
as moedas são confeccionadas com uma liga de aço inox e bronze, por exemplo) onde
está atribuído um valor monetário, permitindo-lhes comprar mercadorias como:
casa, comida, roupas, eletrodomésticos, objetos de decoração, brinquedos, etc. O
pagamento, em dinheiro, do trabalho realizado por outra pessoa tornou-se mais
interessante do que a simples troca de objetos.
Imagine como acontecia no início da civilização: você
construía duas cadeiras e as levava ao mercado para trocar
SAIBA MA I S
por leite e carne. Ao final do dia, não encontrou ninguém
Acesse o site https://www. interessado em cadeiras. Nos dias seguintes você também
bcb.gov.br/htms/origevol.asp não obteve sucesso com a troca e você continuou sem a
e obtenha mais informações carne e o leite de que tanto precisava. Ora, assim não dá para
sobre a “Origem e Evolução do viver não é mesmo? Seria necessário que surgisse algo que
dinheiro”.
facilitasse as trocas e fosse universal. É dessa necessidade de
facilitar as trocas que nasceu o dinheiro.
O dinheiro tornou-se tão útil que passou a pagar o
trabalho realizado por uma pessoa ou por um grupo de
Você SA B I A? pessoas e tornou-se universal a tal ponto que atingimos
uma forma de organização de vida em sociedade em que
O salário mínimo surgiu no Brasil
não trabalhamos para receber outra coisa, senão dinheiro
em meados da década de 1930 com
ou salário. Portanto, o dinheiro está na base da organização
a lei nº 185 de janeiro de 1936 e
social capitalista que caracteriza o mundo contemporâneo.
regulamentada pelo Decreto-Lei nº
Mas nem sempre foi assim.
399 de abril de 1938. Mas o nome
Você percebeu que o trabalho está relacionado não só às
vem do latim salarium, e tem sua
origem na prática de pagamento com questões de satisfação das nossas necessidades materiais,
“sal” que era realizada aos soldados mas a própria vida em sociedade depende da divisão social
romanos por seus serviços prestados. do trabalho e de formas de compensação como o dinheiro
como forma de trocarmos os objetos produzidos.

10
10 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 2
O trabalho: das sociedades
tribais à sociedade capitalista

O bjetivo
• Conhecer os aspectos históricos das so-
ciedades primitivas até a sociedade atual

N as sociedades tribais, por exemplo, sejam de tempos remotos ou


atuais, muitos estudiosos classificaram o modo de trabalho e a
produção marcados por uma economia de subsistência e pelo
uso de ferramentas rudimentares devido a inexistência de atividade comercial ou
produção em escala relevante. Embora constitua um engano, pois o trabalho desses
povos tribais foi muitas vezes erroneamente avaliado pelos critérios do modo de
produção da sociedade atual, podemos concluir que nem sempre o trabalho existiu
como uma atividade penosa.
Figura 1 - Gravura: Índio caçando com arco (1565)
O antropólogo Marshall Sahlins (1974) afirma
que muitas dessas sociedades dedicavam poucas
horas ao trabalho para suprir suas necessidades,
restando-lhes muito tempo livre, sendo, mais
adequado classificá-las como “sociedades da
abundância e do lazer”. As tarefas como caçar,
colher frutos, pescar, ainda que divididas por
sexo ou idade estão relacionadas a crenças, rituais
e ocorrem em perfeita harmonia com a natureza.
Assim, não há a divisão do trabalho como
conhecemos na agricultura ou na fábrica. Portanto,
não constituíam um “mundo do trabalho”. Mas,
Fonte: Biblioteca Nacional (BN, REcvS 360 A.)
nem por isso, podem ser consideradas inferiores
ou atrasadas já que conseguiam gozar de uma qualidade de vida singular.

AULA 1 TÓPICO 2 11
Entre as civilizações da Antiguidade, os gregos e os
romanos sintetizam bem as diversas formas de representação
do trabalho que estavam relacionadas à escravidão.
Você SA B I A? Embora existissem outros trabalhadores como os artesãos,
Meeiros eram os agricultores camponeses e meeiros, a produção dependia praticamente
que trabalhavam em terras que dos escravos.
pertenciam a outras pessoas. Eles Entre as civilizações da Antiguidade, os gregos e os
se ocupavam de todo o trabalho e romanos sintetizam bem as diversas formas de representação
repartiam com o dono da terra o do trabalho que estavam relacionadas à escravidão.
resultado da produção. Geralmente Embora existissem outros trabalhadores como os artesãos,
o que recebiam era um pequeno lote camponeses e meeiros, a produção dependia praticamente
onde podiam morar e cultivar a terra dos escravos.
em benefício de sua família. Os senhores e proprietários de terras eram os cidadãos
e viviam do “ócio”, do tempo livre dedicado à política e
à vida pública na administração da cidade e de seus bens.
Na obra, A República, o filósofo Platão (427-347 a.C.) define
claramente qual o papel de cada classe social na pólis: há os
Você SA B I A? que defendem a cidade (os guerreiros); os que a administram
Pólis: segundo Marilena Chauí (sábios cidadãos; excluindo, mulheres, crianças, estrangeiros
(2002), é a cidade-estado grega; e escravos); e os que produzem os bens necessários à sua
ou a reunião dos cidadãos em seu
território e sob suas leis. É dela que existência pelo seu trabalho (os escravos, os artesãos e
deriva a palavra política que é a camponeses). A ideia de trabalho para os gregos estava
busca do bem comum.
relacionada a três diferentes concepções: labor ou “trabalho
braçal” como o cultivo da terra; poiesis ou “trabalho de
fabricar” como os artesãos, ferreiros, escultores, etc.; e práxis ou “atividade dos
cidadãos” que se ocupam da ética e da política na vida pública (ARENTD, 2000).
Na Idade Média, o trabalho continuou nas sociedades feudais com o aspecto
negativo, pois se tratava de uma atividade inferior, cansativa, penosa, repetitiva
e extenuante que deveria ser realizado pelos servos, pelos camponeses livres e
aldeãos. Talvez por considerar esse aspecto negativo, muitos historiados atribuem
a origem da palavra trabalho ao vocábulo latino tripallium, cujo significado está
relacionado a “instrumento de tortura”. A visão judaico-cristã de que o homem
deveria viver do suor do seu rosto, ou seja, do trabalho árduo, corroborava esse
aspecto negativo e mantinha a organização social. Mas, como você pode perceber,
nem os nobres, nem os religiosos exerciam a atividade laboral que abastecia os

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12 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
feudos e as cidades medievais.
O fragmento a seguir é um trecho dos escritos do bispo Adalberon (947-
1031) de Lion, França, e nos dá uma ideia de como era a organização social em
torno do trabalho:

Os nobres são os guerreiros, os protetores das igrejas, defendem a todo o povo,


aos grandes da mesma forma que aos pequenos [...]. A outra classe é a dos
servos, esta raça de desgraçados não possui nada sem sofrimento, fornecem
provisões e roupas a todos, pois os homens livres não podem valer-se sem eles
(ARLOTA, 1975, p. 70 apud PINSKY, 1982, p. 71).

No período medieval, havia também as corporações de ofício constituídas por um


mestre de ofício e seus aprendizes (entre eles adolescentes e jovens) que fabricavam
artesanatos, roupas, instrumentos de trabalho, e até construções como prédios, igre-
jas, praças, etc. Como os servos, também as corporações de ofício estavam obrigados a
pagar altas taxas de impostos ao rei e ao senhor feudal onde atuavam. As corporações
eram obrigadas a se comprometer com a ordem e a obedecer às leis locais.
Somente na Idade Moderna, com a emergência do mercantilismo e do capitalismo
é que o trabalho assumiu um aspecto positivo. Com a expansão do comércio, com
as grandes navegações e mudanças no cenário político das monarquias que, paula-
tinamente, cederam lugar aos estados nacionais, o trabalho escravo e dos servos foi
sendo substituído pelo trabalho remunerado nas grandes cidades.
No início, artesãos e pequenos produtores se tornaram assalariados, pois passa-
ram a trabalhar para a nova classe emergente: os comerciantes e capitalistas indus-
triais que organizaram a produção para o consumo em massa. O produto como re-
sultado do trabalho assalariado era a mercadoria que não se destinava somente ao
consumo pessoal ou familiar local, mas à venda em grande escala.
Aqueles artesãos das corporações de ofício que dominavam o processo de pro-
dução em pequenos grupos e poucas quantidades e trabalhavam em casa ou numa
oficina atuavam na forma de uma cooperação simples com uma pequena produção e
com o lucro dividido entre eles ou pagos na forma de salário.
Paulatinamente, deram lugar às formas de cooperação avançada dirigidas pelos
capitalistas que tinham recursos para investir na produção em escala maior com o
objetivo de venda e o consumo em massa. A essa cooperação avançada também é co-
nhecida como o nome de produção manufatureira.
A diferença para a cooperação simples ou “manufatura simples” é que o trabalha-

AULA 1 TÓPICO 2 13
dor, embora continuasse como artesão, já não dominava todo o processo produtivo.
Na produção de sapatos, por exemplo, cada um cuidava de uma parte e só dominava
o que lhe era ensinado a fim de garantir os segredos da produção. Esta é coletiva so-
mente no sentido de envolver vários trabalhadores com habilidades específicas para
realizar, cada qual, a parte que lhe compete no processo produtivo manufatureiro.
O produto final desejado pelo novo dono da produção (o capitalista) é a merca-
doria que será vendida e parte do lucro obtido será utilizada para pagar o salário do
trabalhador. Ressalte-se que a relação capitalista-trabalhador-mercadoria-lucro nun-
ca foi uma relação pacífica, pois ela esconde algumas contradições de classe social
que iremos aprofundar.
No tópico a seguir estudaremos as diferentes visões sobre o trabalho levando em
consideração o mundo contemporâneo.

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14 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 3 As diferentes visões sobre
o trabalho no mundo
contemporâneo
O bjetivos
• Relacionar capitalismo e Revolução
Industrial às modificações no mundo do
trabalho e à luta de classes
• Entender as diferentes concepções sobre
a divisão social do trabalho

C omo é vista a situação do trabalhador no mundo contemporâneo?


Também não é diferente apesar do avanço técnico-científico e da conquista
de alguns direitos sociais e trabalhistas. A situação do trabalhador continua sendo
de exploração. Vamos comparar, a seguir, duas
visões: a do filósofo social e economista alemão Karl
Marx (1818-1883) e a do sociólogo francês Émile
Sai b a mai s
Durkheim (1858-1917) sobre a relação trabalho-
sociedade no mundo contemporâneo. Ambos Revolução Industrial: de acordo

iniciam suas pesquisas sobre o fenômeno histórico com o historiador Eric Hobsbawm
(1917-2012), trata-se de um conjunto
da Revolução Industrial e a crescente especialização
de mudanças profundas não só no
do trabalho promovida pela produção industrial
campo técnico-científico que teve
moderna e pelos conflitos entre trabalhadores e
início por volta de 1760, na Inglaterra,
capitalistas.
e alterou o modo de os seres humanos
Em sua primeira obra, A divisão social
viverem, relacionarem-se e produzirem
do trabalho (1893), Durkheim enuncia dois
mercadorias. O modo de produção
princípios básicos que devem orientar quem
predominante nas cidades europeias
deseja compreender o trabalho na sociedade: antes da Revolução Industrial consistia
consciência coletiva e solidariedade mecânica e no artesanato e na manufatura.
orgânica.

AULA 1 TÓPICO 3 15
Figura 2 – Émile Durkheim Por consciência coletiva, Durkheim (2005) entende a
existência de um conjunto de crenças e sentimentos comuns
aos membros de uma comunidade/sociedade e que estão
presentes nas regras, normas, leis e costumes que garantem
sua integração. Ela influencia o comportamento dos
indivíduos e permanece como herança passada às gerações
futuras por intermédio da educação, sendo percebida no
modo de vida, na cultura por eles desenvolvida. Dessa
forma, a sociedade ‘prevalece sobre o indivíduo por meio
das instituições sociais como a família, a escola, o Estado que

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/
solidificam as relações sociais, o trabalho e a modo de vida
24/Emile_Durkheim.jpg de seus membros.
Nas sociedades primitivas, por exemplo, a coerção social era mantida pelos
costumes, tradições e pouca diversidade da divisão do trabalho. Nelas o indivíduo
poderia sofrer severas punições se ousasse romper com o conjunto de crenças e
sentimentos que mantinham unido seu grupo. A esta forma de integração social
Durkheim (2005) chamou de solidariedade mecânica.
Com a complexa vida em sociedade que evolui ao longo dos tempos, além da
crescente diferença de crenças e valores, o trabalho se diversificou, aumentando
as relações de troca e dependência mútua entre as pessoas. As sanções repressivas
baseadas somente na tradição já não eram suficientes, mas foram instituídos novos
sistemas sociais para manter coesa a sociedade como o sistema legislativo, penal,
comercial, econômico, educacional, etc.
O princípio da solidariedade orgânica é justamente baseado na diversificação
das relações sociais e na divisão do trabalho que gerou uma interdependência das
funções sociais. Ou seja, necessitamos uns dos outros para garantir a sobrevivência
coletiva e as instituições sociais são responsáveis por manter a harmonia social
mediante a aplicação de leis e punições. Para Durkheim (2005), os constantes e
violentos conflitos entre os trabalhadores e os capitalistas de sua época na divisão
do trabalho são consequências de uma anomia, isto é, da ausência ou insuficiente
normatização das relações sociais ou, ainda, falta de regulamentação das relações
trabalhistas por instituições competentes.
Não há dúvida de que as ideias de Émile Durkheim contribuíram para nossa
compreensão da organização social e da divisão do trabalho. Ele concordava que os
conflitos existentes entre trabalhadores e empresários podiam ser resolvidos se as

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16 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
instituições sociais fossem fortalecidas e mediassem os problemas entre empresários
e trabalhadores. Mas mesmo com a mediação do Estado, no século XX, isso não se
confirmou.
Vamos compreender agora, na visão de Karl Marx, os principais processos
que modificaram, ao longo do tempo, a divisão do trabalho no contexto das relações
sociais.
Os animais caçam, acumulam comida, mas suas ações são meramente
instintivas. A formiga, a abelha ou a aranha, por exemplo, apenas executam aquilo
que está predeterminado em sua natureza. Marx foi um dos primeiros a afirmar

O que é trabalho? Você concorda que é a atividade mediante a qual


as pessoas buscam a sobrevivência? E os animais? Podemos afirmar
que eles trabalham?

que o trabalho é uma atividade exclusivamente humana. Para ele, o trabalho é


o fundamento que possibilita a vida em sociedade e se apresenta como a ação
criativa que nos diferencia dos animais e nos realiza como seres humanos. Somente
o homem cria valor ao produzir algo para uso ou troca com pleno exercício de
sua consciência e liberdade. Portanto, o trabalho é uma atividade exclusivamente
humana; e, no trabalho que o homem produz estão implícitos os conhecimentos
e as habilidades desenvolvidos que são ensinados às novas gerações para que
seja possível a continuação da existência em sociedade (Marx, 1983). Nisto está
implícito o princípio básico da educação como reprodução do saber social: alguém
ensina e alguém aprende, e a interação entre os indivíduos é que resulta na ação
social. Mas diferentemente de Durkheim, para Marx, a existência de conflitos em
qualquer sociedade tem sua origem na luta de classes sociais.
Marx (1983) observou em seu tempo que, com o advento da Revolução
Industrial em meados do século XVIII, a produção e o consumo expandiram, em
escala global, o que consolidou o sistema capitalista. Este, por sua vez, modificou
o modo como compreendemos o trabalho nas relações sociais em todas as culturas,
dando origem, a partir das ruínas da sociedade feudal, a duas classes antagônicas:
a burguesia e o proletariado. Se olharmos para a Idade Média, as classes sociais

AULA 1 TÓPICO 3 17
antagônicas são: os senhores feudais e os servos, camponeses e escravos. Na
sociedade antiga: os patrícios e os plebeus.
Assim, para Marx, o mundo do trabalho tornou-se o mundo do capital, as
relações sociais erguem-se a partir das relações de produção, sendo, na sociabilidade
burguesa, relações antagônicas, pois somente uma classe usufrui do produto da
riqueza social pela acumulação do capital, restando aos trabalhadores a parte
relativa à sua sobrevivência, paga na forma de salário MARX (s/d apud BEZERRA,
2011).
Vamos agora aprofundar esses conceitos que caracterizam o pensamento
marxiano.

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18 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 4 Capital, trabalho e as crises
econômicas
O bjetivos
• Relacionar capital e trabalho ao sistema
produtivo e às formas de remuneração do
trabalhador
• Entender o lucro como parte da riqueza
gerada pela força de trabalho

O capital, cabe esclarecer, não é somente o dinheiro. Por


natureza, o capital é uma relação social que funciona à base
de acumulação de riquezas; se essa acumulação não for mais
possível, as relações sociais e as relações de produção entram em crise e
deterioram-se (MARX, 1983).
Um exemplo notável de uma crise na
Sai b a mai s
sociedade capitalista foi a Crise de 1929, nos
EUA, com a quebra da bolsa de valores de Para obter mais informações sobre
New York, que gerou a falência de milhares de a Crise econômica de 1929, acesse o
empresas e milhões de desempregados (BRENER, site https://www.mundovestibular.
1998). com.br/articles/545/1/A-

No sistema capitalista, crises econômicas CRISE-ECONOMICA-DE-1929/

acontecem com certa regularidade. Para evitar o Paacutegina1.html

colapso desse modelo econômico, o capital modifica-


se, metamorfoseia-se e inova os meios de produção
– instrumentos e objetos de trabalho – com o uso da tecnologia regularizando a
acumulação de riquezas e contornando as crises; o que, na maioria das vezes, exige
a exploração da classe trabalhadora, incluindo, aqui, o achatamento dos salários,
a perda de direitos sociais e trabalhistas e, claro, a adaptação aos novos processos
produtivos através da qualificação profissional, como estudaremos mais adiante.
Na busca por dinheiro, o trabalhador vende a sua força de trabalho,

AULA 1 TÓPICO 4 19
tornando-a disponível à produção como uma mercadoria, seja na área industrial,
comercial ou de serviços.

O que o trabalhador recebe em troca? O salário do trabalho é óbvio.


Mas o que é salário pago ao trabalhador? Corresponde somente às
horas empregadas na produção de mercadorias?

Para os detentores do capital a força de trabalho empreendida em qualquer


atividade é apenas mais uma mercadoria que, juntamente com os instrumentos de
trabalho, são adquiridas com a finalidade de desenvolver-se, aperfeiçoar-se a fim
de elevar os níveis de produção com um objetivo: gerar lucro com a venda das
mercadorias.
Nesse sentido, explica Marx (1984, p. 105):

A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, é


essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para
si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem
de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz
mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital.

Pergunto a você: o lucro que é a “mais-valia” ou o “valor a mais”


embutido no preço da mercadoria é gerado pelas máquinas? Pelo
material empregado nela? Ou pelo trabalho? Concorda que é pelo
trabalho?

Segundo Marx (1983), o que o capitalista chama de lucro (mais-valia) é


o trabalho excedente realizado pelo trabalhador – ou trabalho não pago, que é
apropriado pelo contratante, ou melhor, pelo dono do capital monetário. Para
compreender como o capitalista (dono da propriedade e dos meios de produção)
apropria-se do trabalho excedente ou da riqueza gerada pelo trabalhador, reflita, a
seguir, sobre a situação baseada na teoria de valor de Marx (1983): em uma fábrica
de sapatos, um grupo de trabalhadores passa 8 horas trabalhando e produz 100

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20 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
pares de sapatos. Retirando todos os custos com a produção, incluindo seus salários
(70 pares), o excedente de riqueza gerado por eles equivale a 30 pares de sapatos
que o capitalista, quando vender, irá chamar de lucro.
Os 30 pares de sapatos excedentes – sejam transformados em lucro ou não
– constituem-se, grosso modo, na riqueza gerada que só se torna possível graças
à força de trabalho do grupo. Todavia, no sistema capitalista, ela é compreendida
como “resultado da produção”, “lucro” e não é dividida entre os trabalhadores e,
sim, apropriada pelo capitalista. Assim, de acordo com essa lógica de acumulação
de riqueza do capitalista, a força de trabalho empreendida no processo produtivo
é considerada apenas mais uma mercadoria contratada pelo menor preço: o salário.
Você compreende agora que todo produto criado ou transformado
pelo trabalhador e colocado à venda contém um excedente de trabalho? Esta
característica acrescenta ao produto o valor de troca, permitindo, por sua vez, a
acumulação de riquezas, uma vez que o produto traz consigo uma quantidade de
trabalho não paga a quem o produziu.
O que resta então ao trabalhador? Responde Marx (2004, p. 28):

[…] ao trabalhador pertence a parte mínima e mais indispensável do produto;


somente tanto quanto for necessário para ele existir, não como ser humano,
mas como trabalhador, não para ele continuar reproduzindo a humanidade,
mas sim a classe de escravos [que é a] dos trabalhadores.

A parte mínima é apenas o salário cuja medida é


ajustada ao que pode custear sua miserável subsistência.
Apesar do desenvolvimento da ciência e da tecnologia Sai b a mai s
e da conquista de direitos sociais, ao longo do século
Para conhecer mais a situação dos
XX, a classe trabalhadora ainda continua destituída da trabalhadores na primeira fase da Revolução
riqueza que produz. Em seu cotidiano, você percebe a Industrial, assista ao filme: D’aens - Um
situação de exploração da classe trabalhadora? Grito de Justiça, Ano: 1992, Direção:
Estamos acertados então quanto ao entendimento Stijn Coninx Gênero: Drama / Biografia
de que o trabalho é imprescindível ao gênero humano / Histórico
e que a divisão social do trabalho consiste na maneira
como os homens organizam essa atividade básica
indispensável para sua sobrevivência na sociedade contemporânea? Na próxima aula,
apresentaremos os desdobramentos históricos do trabalho no contexto das mudanças
no modo de produção capitalista e sua relação com a educação dos trabalhadores.

AULA 1 TÓPICO 4 21
AULA 2 Trabalho e Educação no
contexto socioeconômico
contemporâneo (Parte II)

Caro(a) aluno(a),

Nesta aula você irá compreender as diferentes fases de desenvolvimento do


capitalismo durante o avanço tecnológico da Revolução Industrial, bem como as
formas de adaptação da classe trabalhadora ao processo produtivo. Esperamos
que você entenda também como a educação foi utilizada no processo de
formação e qualificação dos trabalhadores.

Então, vamos à aula!

Objetivos

• Conhecer os desdobramentos da relação trabalho e educação nas diferentes


fases do capitalismo
• Compreender as diferentes formas de adaptação e resistência da classe
trabalhadora às exigências de qualificação profissional do capital

22 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
TÓPICO 1 As implicações da relação
capital e trabalho e o
desenvolvimento do trabalho
O bjetivo
• Conhecer as principais mudanças ocorri-
das no mundo do trabalho e na educação

N este tópico você compreenderá a


relação entre trabalho e educação
em seus desdobramentos
históricos e as diferentes fases do capital em que
a educação é tomada como forma de ampliar a
Em 2012, em Barcelona, na Espanha,
aproximadamente cem mil
Vo c ê sab i a?

pessoas
manifestaram nas ruas sua insatisfação
produção e o lucro. Abordaremos também como
com a política econômica e com o
a classe trabalhadora reagiu diante das mudanças
alarmante crescimento do desemprego,
tecnológicas que ocorreram no avanço do processo
que atinge a taxa de 24% da população
produtivo capitalista.
ativa (CALIXTO, 2012).
Na obra O Manifesto Comunista, de 1848, Karl
Marx e Friedrich Engels, afirmam que “A História de
toda a sociedade que existiu até agora é a História da
luta de classes” (1996, p. 9). Isso nos faz pensar que
a educação, assim como a economia, ou a política Sai b a mai s
ou o desenvolvimento técnico-científico não podem
O Manifesto Comunista é uma excelente
ser analisados fora do referencial histórico e das
obra para compreender a relação entre
relações sociais.
classes dominantes e classes dominadas a
A educação escolar ou profissional, por
partir do referencial sociopolítico e histórico.
exemplo, uma vez contextualizada historicamente
Disponível em <http://www.ebooksbrasil.
a partir da luta de classes, sempre revela os reais
org/adobeebook/manifestocomunista.
interesses de seus idealizadores, bem como, se
pdf>. Acesso: 23 abr 2013.
sua finalidade contempla apenas o domínio de

AULA 2 TÓPICO 1 23
conteúdos e habilidades ou se visa à emancipação social de quem vai recebê-la.
É o que vamos aprofundar a seguir com os estudos de Mariano Enguita, em sua
obra A face oculta da escola (1989), e Michel Foucault (1926-1984) sobre disciplina e
controle nas instituições coletivas.
Na sociedade capitalista, principalmente, a educação escolar é direcionada
conforme o interesse do modo de produção de quem detém os meios de produção, e é
imposta a classe trabalhadora para gerar mão de obra abundante, pois quanto maior
o exército de trabalhadores disponíveis, menor será o valor pago a eles na forma de
salário. Mas não é só isso. Há uma preocupação em disciplinar o indivíduo para que
haja conforme as regras estabelecidas.
Figura 3 – Enguita Figura 4 – Foucault

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/1/1a/Mariano_ern%C3%A1ndez.jpg en/5/52/Foucault5.jpg

Nesse sentido, Enguita (1989), em seus estudos ste o surgimento da escola


na Revolução Industrial, explica bem o direcionamento da educação em função do
modelo de produção vigente ao afirmar que os capitalistas industriais exigiram do
Estado, no século XVIII, providências para preparar, desde a primeira infância, um
novo tipo de trabalhador que fosse dócil e obediente na rotina fabril. Não só com
princípios cristãos, piedoso, humilde, resignado às promessas de que o reino dos céus
passaria a ser dos pobres e de que os últimos seriam os primeiros, mas disciplinado e
disposto a obedecer a ordens. E o instrumento apropriado para isso era a escola. Sobre
documentos da época, relata Thompson (1967, p.84 apud ENGUITA 1989, p. 114):

Em 1772, William Powell já havia visto a educação como meio de adquirir


ou instalar o ‘hábito laborioso’, e o reverendo William Turner, em 1786,
enaltecia as escolas dominicais de Raikes como “um espetáculo de ordem e
regularidade” e citava um fabricante Gloucester [Inglaterra] afirmando que as
crianças que frequentavam as escolas voltavam “mais tratáveis e obedientes, e
menos briguentas e vingativas”.

24
24 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
O pensador francês Michel Foucault (1926-1984), em seu livro Microfísica
do Poder (1979), diferentemente de Émile Durkheim reconhece nas instituições
coletivas como a prisão, o hospital, o exército, o trabalho, a escola, a forma mais
dissimulada de disciplinamento do indivíduo pela criação de mecanismos de controle
como as normas e regras destinadas a sufocar a iniciativa e a individualidade e não
necessariamente manter a coesão social.
Segundo Foucault, em espaços públicos como o mercado ou as praças ainda
se podia desfrutar de certa liberdade, mas os espaços fechados pesquisados por ele
desde a Revolução Industrial foram meticulosamente elaborados e manipulados
para subjugar o indivíduo. As formas de controle podem ser verificadas na
vigilância panóptica, na organização do espaço, no controle do tempo, nos registros
contínuos das atividades e do conhecimento.

Você concorda que a ação disciplinadora e de controle na fábrica e na


escola são muito semelhantes e visam subjugar o trabalhador?

Podemos também concluir que desde o século XIX, a tecnologia evoluiu e


apareceram no cenário produtivo novas máquinas que exigiram uma organização
maior e trabalhadores mais qualificados e o papel da educação não seria outro senão
preparar o homem para dominar a máquina. Mas, nesse cenário, em que cada vez
mais as máquinas assumem as funções do trabalhador, precisamos compreender
qual o real papel da educação.
Digamos que o modo de produção seja incrementado com novas máquinas,
novas tecnologias que exijam do trabalhador a capacidade de mover essas máquinas
ou de aprender uma nova habilidade para produzir mais. É aí que entra a educação,
que passa a ser utilizada não só para qualificar o trabalhador, mas, também, como
instrumento indireto de acumulação do capital. Afinal, os grupos humanos em
determinada situação histórica demandam um tipo de educação que, por sua vez,
articula-se com os “arranjos produtivos e com suas correspondentes estruturas
sociais, políticas e culturais” (ARRAIS NETO, 2006, p. 21).

AULA 2 TÓPICO 1 25
Assim, qualquer projeto de educação é um projeto que traz em si interesses
sociais, políticos e econômicos e, como explicamos acima, o modo mais fácil e
coerente de compreender as implicações entre educação e trabalho é situá-la
historicamente no contexto da luta de classes, pois a classe dominante é quem
determina o modelo de educação apropriada aos seus interesses.
No quadro a seguir, você pode perceber como as fases de desenvolvimento
da Revolução Industrial e do Capitalismo estão inter-relacionadas com os projetos
educacionais implantados no mundo contemporâneo:
Quadro 1: Painel Histórico do Capitalismo

Painel Histórico do Capitalismo Revolução industrial Relação Educação e


(Baseado em Ernest Mendel) (Baseado em Eric Hobsbawm) Trabalho

Capitalismo de Livre Concor- 1ª Fase (1760 a 1850): Instrução elementar: Não


rência Predomínio da fabricação de havia interesse dos capi-
1ª Fase: fim do século XVIII. bens de consumo; destaca-se talistas nem do Estado em
a indústria têxtil e a energia a promover a educação para a
2ª Fase: de 1848 a 1873. classe trabalhadora.
vapor.
Substituição gradual da produção A produção industrial exigia
artesanal e manufatureira pela o trabalho braçal e intenso
produção industrial capitalista dos operários.

Capitalismo Monopolista ou 2ª Fase (1850 a 1900): Taylorismo: a racionaliza-


Imperialista Expansão da industrialização ção do processo produtivo:
- de 1870 a 1940: pelo mundo com o surgimento administração científica.

Expansão do capital para domi- das novas formas de energia,


nar a nações subdesenvolvidas como hidrelétricas e os deriva-
e alinhá-las aos interesses dos dos do petróleo e as melhorias
países dominantes. no sistema de transporte, como
as locomotivas e os barcos a
vapor.

Capitalismo Tardio 3ª Fase (1900 a 1980) Fordismo: seguindo os


princípios do taylorismo,
a partir de 1940 com a terceira Começa a formação das multina-
introduziu a linha de monta-
revolução tecnológica. cionais. A produção fica automa- gem; a produção em série; e
tizada, inicia-se a produção em um sistema de recompensas
série e a sociedade de consumo e punições conforme o com-
em massa. Amplia-se os meios portamento dos operários na
de comunicação, e surge a fábrica.
indústria química e eletrônica, Toyotismo: modelo japonês
a engenharia genética e também que surgiu na década de
microeletrônica, a robótica e a 1970 e inspirou novas mod-
informática. elos de produção exigindo
qualificação profissional do
trabalhador.
Fonte: baseado no livro Capitalismo Tardio (1972) de Ernest Mendel

26
26 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
Aqui você compreendeu que a escola teve um papel importante como instituição
social utilizada pelos capitalistas para preparar o trabalhador à rotina na fábrica, bem como
percebeu as diversas fases de desenvolvimento do capital no mundo contemporâneo.

AULA 2 TÓPICO 1 27
TÓPICO 2 Capitalismo de livre
concorrência na indústria
nascente
O bjetivo
• Relacionar liberalismo econômico e Revolução
Industrial no desenvolvimento do capita-lismo
concorrencial

Segundo Ernest Mendel (1985), o capitalismo


pode ser compreendido em três estágios históricos:
Você SA B I A? 1º estágio: capitalismo concorrencial; 2º estágio:
capitalismo monopolista ou imperialista; e 3º
Ernest Mandel (1923-1995) foi um importante
estágio: capitalismo tardio. Em cada um deles, a
economista, escritor, líder político e militante marxista
que nasceu em Frankfurt, atuou na Bélgica e teve relação trabalho e educação foi diferente, exigindo
grande influência nos partidos de esquerda no mundo. novas adaptações da classe trabalhadora que, ao
Sua obra: “Capitalismo tardio” (1972) é considerada longo do tempo, se organizou para reivindicar seus
uma contribuição significativa para a compreensão
histórica das metamorfoses do capitalismo e para a
direitos.
ação política do marxismo no século XXI. O primeiro momento do capitalismo pode
ser também chamado de “capitalismo de livre
concorrência”, porque, baseada nos ideais do
liberalismo econômico e, tendo início no fim do
século XVIII, inaugurou um novo modo de produção
Você SA B I A? que, gradativamente, destruiu a produção artesanal
Liberalismo econômico: teoria econômica que e nativa.
seguia os princípios dos Economistas Clássicos como A Revolução Industrial alterou,
o escocês Adam Smith (1723-1790). Pregaram a definitivamente, o modo de produção no qual
propriedade privada; a não intervenção do Estado na predominou a fabricação de bens de consumo em
economia; a livre concorrência; e a lei da procura e da uma escala intercontinental nunca antes vista na
oferta, afirmando que o mercado se autorregulava. história da humanidade; com destaque da indústria

28 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
têxtil, que adaptou a inovação tecnológica da energia a vapor a seu maquinário de
produção tornando-se, em pouco tempo, a principal fonte de riqueza por retirar
seu lucro do trabalho excedente dos trabalhadores.
A produção artesanal e manufatureira que garantia a sobrevivência familiar
ou de grupos de famílias organizados em oficinas de produção não conseguiu
competir e diversificar seus produtos como a indústria nascente. Entre os anos
de 1840 a 1870, a indústria têxtil tornou-se a melhor opção de empregabilidade,
levando ao inchamento populacional as metrópoles, principalmente, da Grã-
Bretanha e dos EUA. Posteriormente, França, Bélgica, Itália, Japão e Espanha
adotaram o modelo industrial-capitalista, iniciando uma verdadeira corrida pela
construção de estradas e ferrovias, a fim de facilitar a distribuição e o escoamento
das mercadorias e a abertura de novos mercados. A acumulação primitiva do capital
em todos esses países dependia principalmente da exploração dos trabalhadores
que chegavam a trabalhar 12 a 16 horas por dia em condições desumanas.
O grau de instrução escolar atingia uma quantidade ínfima de alguns
estamentos da sociedade. Não havia interesse dos capitalistas nem do Estado
em promover a educação para a classe trabalhadora. Poucos conseguiam uma
instrução elementar (baixo domínio da leitura e habilidade de fazer contas). Em
sua obra, A face oculta da escola, Mariano Enguita (1989), descreve duas citações: a
primeira do filósofo John Locke (1632-1704) e a segunda de um dos dirigentes das
escolas anglicanas de Hannah More, na Inglaterra do século XIX, sobre o modelo
de educação pensada pela burguesia em ascensão para as massas de trabalhadores.
Ei-las:

Ninguém está obrigado a saber tudo. O estudo das ciências em geral é assunto
daqueles que vivem confortavelmente e dispõem de tempo livre. Os que têm
empregos particulares devem entender as suas funções; e não é insensato
exigir que pensem e raciocinem apenas sobre o que forma sua ocupação
cotidiana (LOCKE, s.d.: III, 225 apud ENGUITA, 1989, p. 111).

[As crianças aprendiam] durante a semana trabalhos toscos que os preparam


para serem serventes. Não permito que se ensine a escrever os pobres,
pois meu objetivo não é convertê-los em fanáticos, mas formar os baixos
estamentos para a indústria e a piedade (VAUGHAN ; ARCHER, 1971, p. 37
apud ENGUITA, 1989, p. 111).

A produção industrial do capitalismo concorrencial exigia pouca instrução e


trabalho braçal e intenso dos operários (DAL ROSSO, 2008). O trabalhador operava a

AULA 2 TÓPICO 2 29
máquina com movimentos repetitivos e, diferentemente da produção artesanal – na
qual era essencial seu conhecimento – em pouco tempo já não dominava as partes da
produção, tornando-se mão de obra supérflua e facilmente substituível.
A criação de um exército de desempregados era uma estratégia de dominação
para baixar os custos e manter a disciplina e o controle no chão da fábrica. A inserção
de mulheres e crianças no processo produtivo garantia ainda mais a diminuição dos
custos da produção, pois seu salário era menor que dos homens.
Diante de tantas condições de degradação e violência, a classe trabalhadora
passou a organizar-se e a exigir mudanças nas condições de trabalho. Foi o período do
surgimento dos sindicatos e movimentos sociais e políticos a favor dos trabalhadores.
Apesar do ganho de alguns direitos trabalhistas, como a diminuição da carga-horária
de trabalho e a regulação dos salários, poucas mudanças ocorreram, e o capital
concorrencial continuou avançando no mundo do trabalho, acumulando mais-valia
e propagando a cultura do consumo.

30
30 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 3 Capitalismo monopolista
ou imperialista
O bjetivo
• Entender as estratégias de expansão do capital
no modelo de produção taylorista-fordista

N o período de 1870 a 1940, o capital acumulado pelas empresas


dos países dominantes assumiu um caráter expansionista,
tendo o Estado liberal como plataforma de projeção para abrir
novos mercados. A concentração e centralização da riqueza monetária permitiram
a formação dos primeiros trustes e cartéis capazes de manipular o mercado e se
infiltrar financeira e politicamente nos países pobres e subdesenvolvidos com
o apoio dos governantes e empresários locais. Esses países, mais tarde, foram
chamados de “Terceiro Mundo” e seu crescimento foi alinhado aos interesses dos
países dominantes, seja para a retirada de matérias-primas, seja para o escoamento
da produção.
Segundo Braverman (1987), o capital assumiu essa forma expansionista
porque, simultaneamente, aderiu ao processo de colonização do mundo, às
rivalidades internacionais e conflitos armados pela divisão do globo, financiando
as guerras e a política de dominação.

Como se dá a adaptação do trabalhador nesse novo estágio do


capital?

AULA 2 TÓPICO 3 31
Podemos acrescentar que o aprimoramento do maquinário e o surgimento
de novas formas de energia, como hidrelétricas e os derivados do petróleo,
além das melhorias no transporte, como as locomotivas e os barcos a vapor
– que caracterizam a segunda fase da revolução industrial – constituem-se
elementos históricos que impulsionaram o estágio do capital monopolista e de
industrialização mundial.
A necessidade de ajustar o trabalhador às mudanças e avanços do processo
produtivo na fábrica tornou-se a preocupação permanente dos donos do capital.
Tanto o local de trabalho como as pessoas que executavam as atividades passaram
a ser observadas com um olhar científico, a fim de que fossem desenvolvidas
metodologias de trabalho para habituar o trabalhador ao maquinário (BRAVERMAN,
1987).
Em 1911, com sua obra Princípios da Administração Científica, o engenheiro
mecânico Frederick Taylor (1856-1915) introduziu o conceito de “organização
científica do trabalho” com a finalidade de implantar metodologias de trabalho
eficientes como a qualificação de gerentes, seleção e treinamento dos trabalhadores
para se evitar desperdícios e aproveitar ao máximo a força de trabalho disponível.

Em consequência, surgiram, dentro dos departamentos do pessoal [...] e


outras instituições acadêmicas e para-acadêmicas, um complexo de disciplinas
acadêmicas e práticas, destinadas ao estudo do trabalhador. Logo depois de
Taylor, surgiram a Psicologia Industrial e a Fisiologia industrial para aperfeiçoar
os métodos de seleção, adestramento e motivação dos trabalhadores e foram
logo ampliadas numa pretensa sociologia industrial, para o estudo da oficina
como um sistema social. (BRAVERMAN, 1987, p. 125).

O taylorismo tinha a finalidade de racionalizar o processo produtivo


(administração científica); garantir o monopólio do conhecimento com a gerência
científica para não se tornar refém do saber do trabalhador e garantir que este não
dominasse os segredos da produção. Competia às lideranças da fábrica a seguinte
missão: integrar o homem à máquina, de tal forma que este se sentisse parte
daquela. A formação profissional era básica e visava habituar os trabalhadores ao
trabalho repetitivo e exaustivo; ao disciplinamento do corpo e à obediência; além
de garantir sua substituição imediata em casos de resistência pessoal ou coletiva,
como as greves ou outras formas de organização de classe como ações empreendidas
pelos sindicatos.

32
32 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
A partir dos anos de 1930, o fordismo
difundiu-se no mundo, seguindo os princípios
Vo c ê sab i a?
básicos da teoria da administração científica
(taylorismo). Introduziu a linha de montagem; a Referência ao empresário estadunidense
produção em série; e um sistema de recompensas Henry Ford (1863-1947) fundador da Ford
e punições, conforme o comportamento dos Motor Company que introduziu a produção
operários na fábrica. E aqui cabe ressaltar o e o consumo em massa de automóveis no
modelo de educação implícito no sistema fordista mundo.

de produção para convencer o trabalhador a


submeter-se ao sistema capitalista.
Você lembra que a acumulação de riquezas está relacionada à elevação da
quantidade de trabalho excedente (não pago ao trabalhador) e que a estratégia
fundamental daquele que detém os meios de produção (o capitalista) é criar
condições para aumentar essa quantidade de trabalho excedente. Pois bem. Isto
ocorre de duas maneiras: com o aumento da jornada de trabalho e com o aumento
da produtividade das pessoas, da matéria-prima e das máquinas (MARX, 1983).
Ora, o aumento da produtividade das pessoas passa pela educação/instrução.
E não estamos nos referindo somente a cursos preparatórios para uso de ferramentas
e máquinas específicas, que consistem em:
a. Acostumar as pessoas a assumir o controle de suas emoções e pulsões.
b. Disciplinar fisicamente as pessoas para o estudo, o que implica
permanecer entre quatro paredes durante a maior parte do dia, sentar-
se horas a fio, não conversar com o colega durante a aula, e enfileirar-se.
c. Recepcionar informações compartimentalizadas em disciplinas e
reproduzi-las em casa ou no ambiente de trabalho, etc.
Muitos de nós já vimos esse modelo de
educação, não é verdade? Esse padrão escolar
Sai b a mai s
perdura até hoje e é muito útil ao capital,
sobretudo para os processos de produção de Durante os anos de 1930 a 1970,
regime fordista, onde o disciplinamento, a prevaleceu nas economias capitalistas o
obediência e a padronização são imprescindíveis. modelo de acumulação denominado de
Para mais informações, acesse o site: http://
www.cienciashumanas.com.br/resumo_
artigo_5713/artigo_sobre_o_fordismo

AULA 2 TÓPICO 3 33
TÓPICO 4 Capitalismo tardio
O bjetivos
• Compreender as crises do capital no
modelo de produção fordista e a reestru-
turação produtiva com o toyotismo
• Relacionar o avanço tecnológico e a
qualificação profissional ao perfil do traba-
lhador no modo de produção flexível

Você SA B I A?

Também chamada de revolução técnico-


E m meio a tantas crises, a partir
de 1940 com a terceira revolução
tecnológica, o capital diversificou a
produção com o uso de novas tecnologias, migrando
para os países subdesenvolvidos para usufruir de
científica que surgiu na segunda metade do mão de obra mais barata e de matérias-primas.
século XX, com a automatização da produção; O modelo de produção taylorista/fordista já
o surgimento da indústria química e eletrônica; não fazia tanto sentido diante de uma indústria que
dos meios de comunicação; a informática; se renovava tecnologicamente numa velocidade que
a microeletrônica; a robótica; a engenharia
não podia vender seus produtos em grande escala
genética, etc.
como no período monopolista nem mantê-los em
estoques por muito tempo.
A necessidade de novos mercados e as crises econômicas, como a crise do
petróleo na década de 1970, de caráter universal e alcance global, o desemprego
estrutural e as reivindicações dos trabalhadores fizeram com que o sistema capitalista
se reinventasse à procura de um modo de produção mais flexível (MÉSZÁROS, 2002).
Este novo modelo deveria contemplar a diminuição dos custos com a produção, dos
encargos sociais e os direitos trabalhistas e, simultaneamente, aproveitar as novas
tecnologias como a robótica e a microeletrônica. Para tanto, a qualificação técnica
e profissional também tinha que mudar nas nações subdesenvolvidas com políticas
educacionais de abrangência nacional capaz de gerar mão de obra qualificada para

34 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
atender às novas exigências do mercado global.
O objetivo de obrigar o Estado a investir tanto na qualificação profissional das
nações subdesenvolvidas está relacionado à chegada das multinacionais que migraram
a partir da década de 1980 para onde podiam pagar impostos e salários menores,
sobretudo na América do Sul e na Ásia. O custo de abertura e funcionamento de
uma empresa em vários países, seguindo um processo de fragmentação da produção,
na maioria das vezes, tornou-se mais competitivo, uma vez que os salários pagos
eram irrisórios se comparados aos países de origem dessas multinacionais. Para
atraí-las, os governos prometiam pacotes de isenção de impostos e segurança de
novos mercados para seus produtos, gerando uma guerra fiscal entre estados de uma
mesma federação que ainda perdura em nossos dias.
Houve também uma diversificação quanto à área de investimento do capital.
As economias nacionais já não podiam mais gerar empregos e se manter somente
com os parques industriais. No novo cenário, a partir da década de 1970, com a
queda vertiginosa do regime fordista de produção seriada para consumo em massa,
a área de serviços mostrou-se um campo lucrativo, pois diversificou os empregos,
principalmente, o setor financeiro.
A criação de bancos internacionais e
fusões de conglomerados permitiram a criação de
fundos de empréstimos para as nações pobres e Vo c ê sab i a?
subdesenvolvidas que escondiam os interesses dos
A origem da nossa Dívida Externa vem
países desenvolvidos. As altas taxas de juros de
da Independência do Brasil, mas foi
bancos como o Banco Mundial e o FMI resultaram
durante a ditadura, entre as décadas
no endividando dessas nações, tais quais os países de 1960 e 1980, que a dívida deu o
da América Latina, entre eles o Brasil, obrigando- seu maior salto. Antes do Golpe de
os a assumir compromissos de abertura de suas 1964, a dívida externa no Brasil era
fronteiras alfandegárias e comerciais para os de 12 bilhões de dólares e, ao final da
produtos estrangeiros em detrimento dos produtos ditadura, ela já atingia a casa dos 100
nacionais/locais, e o que é pior, aceitando a proposta bilhões. A dívida se estabilizou somente
de pagamento de baixos salários aos trabalhadores. depois dos governos FHC e Lula.
Para Antunes (2003), o capitalismo, após Fonte: http://www.brasilescola.com/

um longo período de acumulação monopolista que brasil/divida-externa-brasileira.htm .

ocorreu durante o fordismo e da fase keynesiana, Acesso em: 12 maio 2013.

começou a mostrar, em meados dos anos 70, sinais


de um quadro muito crítico, dando lugar a novos

AULA 2 TÓPICO 4 35
modelos produtivos. Uma das experiências de produção flexível que se disseminou
nesse período de crise foi o toyotismo, modelo japonês que exige uma formação
profissional baseada nas competências individuais do trabalhador.
Na concepção de Ohno (1997), entre suas
características destaca-se a produção em pequenos
lotes; estoque mínimo; aumento constante da
Voc ê SA BI A?
eficiência; eliminação do desperdício; redução
Com a reestruturação produtiva do modelo de custos de produção; sistema de gestão com
fordista para modelos mais flexíveis como o ênfase na criatividade e na multifuncionalidade,
toyotismo, os trabalhadores perderam postos pois cada colaborador é treinado para cuidar de
de trabalho, e os sindicatos, força de persuasão
várias máquinas e executar tarefas diferenciadas.
nas negociações. O objetivo já não era lutar pela
O trabalho é horizontalizado e em equipe,
superação do capitalismo nem reivindicar direitos,
diferentemente da verticalização do modelo
mas evitar demissões em massa.
fordista.
Fonte: ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio
As organizações de produção flexíveis não se
sobre as metamoforses e a centralidade do mundo
tornaram hegemônicas em toda parte, assim como
do trabalho. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
o modelo fordista que as precedeu. Mas a classe
trabalhadora sofreu a desregulamentação de seus
direitos com os novos contratos de trabalhos flexíveis (temporários, terceirizados,
subcontratados, etc.), com o desmantelamento dos sindicatos, por força dos novos
acordos econômicos e com a mobilidade das multinacionais operando em lugares
sem tradição de organização sindical (HARVEY, 1992).
Figura 5 – Keynes A crise do capital tornou-se estrutural e
desencadeou profundas mudanças econômicas,
sociais, políticas e ideológicas com a finalidade
de recuperar o ciclo de valorização do capital.
Todavia, nenhuma dessas mudanças seria
possível sem a redefinição do papel do Estado:
este ficaria reduzido a um mínimo de ações.
O Estado interventor e do Bem-Estar Social
defendido pelo economista inglês John Maynard
Keynes, adotado pela maioria dos países após a
Crise de 1929, e que favoreceu principalmente a
sobrevivência do sistema capitalista, deu lugar
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-
mons/6/66/John_Maynard_Keynes.jpg
ao Estado das privatizações e da flexibilização

36
36 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
dos direitos trabalhistas, orientado por uma nova teoria econômica dos anos de
1980: o neoliberalismo (SOUSA, 2006).
As ideias dos economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman, ambos da
Universidade de Chicago, entraram na ordem do dia e se tornaram a nova cartilha
econômica imposta pelos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, nos anos
80, aos países periféricos, através de organismos internacionais como o FMI e o
Banco Mundial. Esta “nova teoria econômica” é alicerçada nas ideias do economista
escocês Adam Smith (1723-1790). Sobre ela explica Dalarosa (2001, p. 198) que “o
liberalismo é uma filosofia política, defende os princípios do modo de produção
capitalista, fundamenta-se na liberdade individual, na propriedade privada dos
meios de produção e na liberdade de ação do capital em relação ao trabalho e ao
Estado”.
Estes princípios retomados no mundo
globalizado da década de 1990, isto é, no mundo
em que as novas tecnologias, os transportes Sai b a mai s
e a comunicação aproximam as nações, além
de manterem os fundamentos do capitalismo Considerado um dos mais importantes
economistas de toda a história, John
e pregarem o Estado mínimo, os princípios
Maynard Keynes nasceu numa família
estabelecem agora como meta para os Estados
de intelectuais. Estudou no famoso
Nacionais a contenção dos gastos com o social; a
Colégio Eton, da aristocracia inglesa,
desestatização; a elevação das taxas de juros para
onde obteve medalhas por mérito em
atrair capital; a abertura do mercado interno para
matemática. Fonte: http://educacao.uol.
multinacionais; a desregulamentação dos direitos
com.br/biografias/john-m-keynes.jhtm
trabalhistas e a desarticulação dos sindicatos
(SOUSA, 2006).
No âmbito da educação e de sua relação com o trabalho, a tarefa principal do
Estado nessa reestruturação produtiva que chegou aos nossos dias é abrir caminho
para o progresso nos padrões neoliberais de desenvolvimento, proporcionando
uma política educacional que garanta a formação de trabalhadores com alto padrão
de qualificação para, mais uma vez, adequar-se às mudanças do capital.
Nesse contexto, a educação profissional e tecnológica é direcionada
estrategicamente para produzir conhecimentos científicos e reproduzir a lógica
do capital, legitimando o controle social. Frigotto (1995, p. 26) esclarece o uso
direcionado do sistema educacional na reprodução da nova ordem ao afirmar que,
no emparelhamento: neoliberalismo, reestruturação produtiva e globalização, as

AULA 2 TÓPICO 4 37
relações sociais de produção capitalistas não se perpetuam automaticamente, mas
são articuladas e impostas com objetivos e fins específicos numa rede de ações
estruturadas para que os indivíduos internalizem o modelo produtivo vigente. Dessa
forma, a educação é subordinada pelas políticas nacionais ao sistema capitalista
para adequar-se e atender às necessidades dos novos tempos de globalização.
Segundo Antunes (2003), ainda com base na nova fase de reestruturação
produtiva, as estratégias utilizadas pelas empresas para aumentar a produtividade
e a lucratividade também mudaram ao ponto de exigirem agora a participação dos
trabalhadores chamados já nesse novo contexto de “colaboradores”, a fim de que
se sintam membros participantes do processo produtivo. Contudo, ainda segundo o
autor citado, a mudança não passa de uma estratégia manipuladora, pois preserva,
em sua lógica e forma, as condições do trabalho alienado, denunciada por Marx
(2004, p. 36): “O trabalhador não está defronte àquele que o emprega na posição de
um livre vendedor. [...] O valor da força de trabalho é completamente destruído se
não for vendida a cada instante”.
Em quaisquer contextos – ou da “acumulação
rígida” do capitalismo concorrencial ou monopolista
ou da “acumulação flexível” do capitalismo tardio
Você SA B I A?
– a educação é fundamental para consolidar a
A capacidade de ser flexível está associada formação do caráter humano e sua participação no
à recente modificação na organização do mundo do trabalho. A questão que devemos refletir
trabalho denominada de reestruturação é que na disputa por trabalho cada trabalhador vê
produtiva. A flexibilidade está relacionada,
no outro o seu oponente e somente em algumas
entre outras características, à atitude das
situações opõe-se aos empregadores ou políticos
pessoas diante de situações econômico e
mantenedores da situação de exploração.
sociais imprevisíveis, adaptando-se a novas
Cabe destacar ainda que a competição entre
situações (SALERNO, 1995).
os trabalhadores transpõe-se, de alguma maneira,
para a educação escolar à medida que os mecanismos
de seleção para o emprego incluem níveis cada vez maiores de escolarização como
um dos critérios para a sua contratação. E o resultado dessa competição entre os
trabalhadores é inegavelmente vantajosa para o capital. Some-se o fato de que
atualmente existe vasto exército industrial de reserva de trabalhadores que se formam
todos os anos para atuar, por exemplo, na área metalúrgica ou automobilística e não
conseguem emprego e, caso consigam, sabem que podem ser facilmente substituídos,
como acontece nos momentos de greve coletiva.

38
38 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
O capital ainda tem como vantagem à sua disposição o sistema financeiro
que lhe permite retirar o dinheiro de um país e investir em outro rapidamente;
a quebra de barreiras geográficas para a entrada de seus produtos; a elevação do
nível de qualificação dos trabalhadores que as políticas educacionais são obrigadas
a realizar como o aumento de cursos tecnológicos e as inovações das comunicações
e dos equipamentos/ferramentas de trabalho que barateiam os preços das
mercadorias (HARVEY, 2011).
Reforçamos, por último, que a educação é necessária para os trabalhadores,
apesar de servir também às finalidades do processo de acumulação de riquezas.
Não por acaso, Marx (2004) se referiu à importância da educação escolar, que deve
ser garantida gratuitamente às crianças e jovens, integrando atividades físicas,
artístico-culturais e científico-tecnológicas.
Chegamos ao final desta aula, em que apresentamos alguns elementos para
ajudar a compreender as relações historicamente determinadas entre trabalho e
educação, situando-as no contexto atual. Até a próxima aula!

AULA 2 TÓPICO 4 39
AULA 3 Trabalho, ciência e
cultura

Caro(a) aluno(a),

Nesta aula, discutiremos acerca da relação existente entre trabalho, ciência e


cultura. Você perceberá que, no mundo contemporâneo, essa relação torna-se
cada vez mais estreita, à medida que a ciência é aplicada – na forma de novas
tecnologias – no sistema de produção e consumo capitalista influenciando o modo
como nos relacionamos com os outros e lidamos com as coisas que produzimos.

Objetivos

• Compreender a ciência como um elemento da cultura e da sociedade por


meio de suas diferentes concepções
• Entender a relação existente entre saber tradicional, saber científico e
tecnologia
• Compreender cultura e educação como elementos de reprodução e
transformação social

40 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
TÓPICO 1 Ciência, tecnologia e a indústria
cultural no mundo do trabalho
O bjetivos
• Conhecer as concepções racionalista e empirista da ciência
• Diferenciar ciência e tecnologia e seu emprego na produção e
na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos
• Reconhecer como o capital se utilizou da ciência na Revolução
Industrial para criar uma sociedade do consumo
• Estudar a influência dos meios de comunicação social no fo-
mento do consumo exagerado

A ciência e a tecnologia estão presentes em nosso cotidiano e


são frutos do desenvolvimento ao longo dos séculos e estão
relacionadas ao sistema produtivo, ao trabalho, à melhoria
da nossa qualidade de vida e ao consumo. Vamos estudar como estes elementos
interagem na cultura, no modo de vida em sociedade no mundo contemporâneo.

1.1 A CIÊNCIA E O AVANÇO DA TECNOLOGIA EM NOSSO COTIDIANO


A cada dia que passa, deparamo-nos com novas descobertas que evidenciam
o avanço da ciência, entre as quais destacamos: o raio x, a tomografia, a ressonância
magnética, o raio laser, as células-tronco, o DNA, a energia solar, a fibra de carbono,
o coração artificial, as telecomunicações, a internet, as novas tecnologias digitais, etc.
Figura 6 - Equipamento de ressonância magnética Figura 7 - Planta de energia solar

Fonte: http://www.saude.ba.gov.br/han/index.php?option=com_cont Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Valle_1_y_


ent&view=article&id=461&catid=13&Itemid=59 Valle_2.jpg

AULA 3 TÓPICO 1 41
Figura 8 - Internet Figura 9 - Telefonia móvel

Fonte: DEaD/IFCE Fonte: http://www.corbisimages.com/


stock-photo/royalty-free/42-47253319/man-
on-laptop-talking-on-cell-phone

As inovações da ciência alteram as ferramentas e instrumentos de trabalho.


No campo da educação escolar, por exemplo, o professor usa a educação a distância,
o e-book, a lousa digital; o aluno substitui a apostila pelas ferramentas de busca da
internet e faz suas leituras em mídia eletrônica.
No âmbito da saúde, o médico não precisa mais fazer uma intervenção
cirúrgica invasiva, pois a ressonância permite conhecer o estado dos órgãos
internos. Na seara das comunicações, diminui a velocidade da transmissão de
imagem e voz, o que permite a comunicação em tempo real de pessoas localizadas
em lugares diferentes, um exemplo disso é a ferramenta videoconferência. Os
automóveis tornam-se mais leves e, surpreendentemente, mais rápidos. Enfim,
podemos elaborar uma lista enorme de benefícios proporcionados pela ciência, mas
é importante ter claro o principal benefício: economia de tempo e melhoria da
qualidade de vida das pessoas.
Os avanços mencionados acima se consolidaram na segunda metade do
século XX e historiadores, como Toffler (1980), chamam essa fase de “terceira onda”
ou “terceira revolução tecnológica” ou ainda de “revolução digital” em referência
ao novo modelo de sociedade que se constitui no século XXI: a sociedade da
informação, do conhecimento e da comunicação.

Mas será que a sociedade do conhecimento conseguiu diminuir a


desigualdade social, a exploração dos trabalhadores e aumentar a
qualidade de vida do homem contemporâneo?
É o que vamos discutir mais adiante.

Primeiro, é imprescindível diferenciar o que seja ciência e tecnologia. E,


depois, compreender em que sentido a relação ciência e tecnologia com a cultura e a

42
42 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
educação fomentam a transformação da sociedade, isto é, as mudanças efetivas nas
relações sociais, pois para muitos autores, como Toffler (1980), a grande diferença
do crescente desenvolvimento tecnocientífico consiste em afirmar que a Revolução
Industrial cumpriu o papel de substituir o esforço físico do homem e a “revolução
digital” cumpre bem o papel de substituir o esforço mental do homem.

1.2 O SABER CIENTÍFICO E O SABER DAS TRADIÇÕES


Segundo Ander-Egg (1978) a ciência é um conjunto de conhecimentos
racionais cujos conteúdos são certos ou prováveis porque são obtidos com rigor
metodológico mediante verificações e sistematizações constantes em referência a
um objeto de mesma natureza. O conhecimento, portanto, é o resultado do trabalho
científico que envolve delimitação do objeto ou fato a ser investigado, rigorosos
procedimentos metodológicos para observação, verificação, experimentação,
sistematização e demonstração da prova científica: o que o sujeito afirma
corresponde ao objeto estudado; corresponde à sua natureza propriamente dita
(CHAUI, 2010, p. 299). Logo, não se trata de um saber baseado na opinião, ou na
tradição, ou na experiência cotidiana de algumas pessoas como se constitui o saber
do senso-comum.
Contudo, não significa que o saber do senso-comum como as práticas milenares
de plantio na agricultura, ou os ritos de socialização das tribos indígenas ou mesmo
crenças religiosas estejam erradas ou não possam ter seu valor comprovado. Muitas
vezes o saber científico confirma a aplicação de práticas culturais ou ações sobre a
natureza que vêm sendo repassadas de geração a geração como é o caso de muitas
plantas medicinais utilizadas pelas sociedades tribais cuja eficácia pode ser hoje
comprovada nos mais sofisticados laboratórios farmacológicos.

Os saberes tradicionais ou do senso-comum mantêm alguma ligação


com os saberes científicos ou são divergentes? Quais as diferenças
e interlocuções dos saberes científicos com os saberes tradicionais?

Pritchard (s/d apud CUNHA, 2007), em seu estudo sobre bruxaria e oráculos
no Sudão, concluiu que as premissas sobre o que existe no mundo tornam os
saberes científicos diferentes dos tradicionais. Outra distinção é apresentada por

AULA 3 TÓPICO 1 43
Strauss (s/d apud CUNHA, 2007) que identifica o conceito científico como uma
ideia abstrata, principal característica do conhecimento moderno ao passo que o
conhecimento tradicional opera com as percepções (cheiro, cores, sabores, etc.) do
sujeito.
Cunha (2007) identifica a dominância
do saber científico sobre o saber tradicional,
Você SA BI A? advertindo que a aproximação dos cientistas com o
saber tradicional limita-se a apreendê-lo para, em
Na Amazônia brasileira, biólogos
seguida, destruí-los ou desconsiderá-los, embora
ensinavam aos seringueiros e aos índios o
ainda existam estudos que reconheçam práticas
modelo sustentável de caça, desprezando
tradicionais.
o conhecimento acumulado por essas
De fato, não é comum o reconhecimento dos
populações? Após quase dez anos, um
estudo científico considerou sustentável
paradigmas e práticas de ciências tradicionais como

o conhecimento tradicional adotado pelos fontes potenciais de inovação da ciência. Essas


seringueiros (CUNHA, 2007). atitudes se transpõem para o âmbito escolar, onde
os conhecimentos científicos são apresentados,
muitas vezes, sem o estabelecimento de qualquer
conexão com os saberes obtidos em circunstâncias diversas da vida cotidiana.
Uma vez que você entendeu a relação que existe entre o saber tradicional
(senso-comum) e o saber científico no modo como formulam e produzem o
conhecimento, vamos diferenciar ciência e tecnologia.

1.3 CIÊNCIA E TECNOLOGIA: DIFERENCIANDO UMA DA OUTRA


O saber científico, rigoroso e sistemático, busca comprovar hipóteses e
formular leis. A tecnologia, ao contrário, é a aplicação das leis ou descobertas
científicas, isto é, do conhecimento científico obtido através de técnicas e de
instrumentos em situações práticas que visam melhorar a relação do homem com
a natureza e com sua qualidade de vida. No sentido mais amplo, a tecnologia está
relaciona às soluções do mundo do trabalho e, em alguns casos, independe do saber
científico. Por exemplo, o domínio e a utilização do fogo pelos homens primitivos ou
do uso do ferro nas civilizações pré-históricas para fabricação de armas, carroças,
objetos de trabalho, etc. são tecnologias desenvolvidas que marcaram a cultura
desses povos. Nem por isso eles podem ser considerados atrasados. Uma coluna
ou uma ponte construída no mundo contemporâneo segue princípios e técnicas
desenvolvidos na Antiguidade embora não se utilize mais os mesmos materiais ou

44
44 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
instrumentos. O saber (científico ou do senso-comum) é enriquecido de geração em
geração no processo de ensino-aprendizagem e é aplicado (na forma de técnicas ou
tecnologia) na vida prática.
Estamos de acordo então que ciência e
tecnologia caminham juntas?
É importante que você saiba que existem Vo c ê sab i a?
diferentes concepções de ciência que foram
A Teoria da Relatividade de Albert
gestadas e modificadas ao longo do tempo de
Einstein (1879-1955) já não está tão
acordo com a história e a cultura das sociedades
distante do nosso cotidiano. Atualmente
que as produziram. Portanto, a ciência também é
é utilizada para calibrar GPS e observar
um fenômeno cultural.
o Universo.
A concepção de ciência como a explicamos
Para saber mais: http://noticias.uol.
anteriormente e que predomina atualmente
com.br/ciencia/ultimas-noticias/
nasceu na Idade Moderna. O filósofo Francis redacao/2013/03/20/teoria-da-
Bacon (1561-1626) destaca-se desse período relatividade-e-usada-para-calibrar-gps-
como “fundador da ciência moderna”, com sua e-observar-o-universo.htm. Acesso em:
obra Novum Organum (1620), em que ressalta 13 maio 2013.
a necessidade de um método científico baseado
na experiência chamado de empirismo. Explica
Chalmers (1999, p. 18):

O filósofo Francis Bacon e muitos de seus


contemporâneos sintetizaram a atitude
científica da época ao insistirem que, Vo c ê sab i a?
se quisermos compreender a natureza,
Empirismo segundo Chaui (2010) é
devemos consultar a natureza e não
os escritos de Aristóteles. As forças a concepção científica baseada na
progressivas do século XVII chegaram interpretação dos fatos mediante
a ver como um erro a preocupação dos observações e experimentos que
filósofos naturais medievais com as permitem estabelecer induções e que, ao
obras dos antigos – especialmente de serem confirmadas, oferecem a definição
Aristóteles – e também com a Bíblia, como
do objeto, suas propriedades e leis de
as fontes do conhecimento científico.
funcionamento.
Estimulados pelos sucessos dos “grandes
experimentadores”, como Galileu,
eles começaram cada vez mais a ver a
experiência como fonte de conhecimento.

AULA 3 TÓPICO 1 45
Você deve entender que essa concepção
de ciência baseada no método indutivo e na
Voc ê SA BI A? experiência se opunha à concepção de “ciência
clássica” existente que vinha desde os gregos
Corrente filosófica do século XVI que antigos e que teve no racionalismo de René
concebe a ciência como a unidade Descartes (1596-1630) sua forma mais brilhante.
sistemática de axiomas, postulados e Em sua obra mais famosa, O Discurso do Método
definições alcançados dedutivamente (1637), tomando os postulados da matemática

pela razão e demonstrados por meio de como modelo e questionando todo o saber até

verdades universais então produzido com incerto já que carecia de


fundamentação, propôs a dúvida como método e
princípio da verdade e que o conhecimento claro
Figura 10 - Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632). Óleo e seguro só poderia ser obtido pela razão de forma
sobre tela de Rembrandt (1606-1669)
dedutiva, sendo demonstrado através de verdades
universais. As experiências deveriam ser realizadas
apenas para confirmar as demonstrações teóricas.
As duas concepções de ciência coexistiram,
gerando uma crise entre a filosofia e a ciência na
modernidade. Contudo, tanto o racionalismo como
o empirismo tinham em comum o objetivo de
intervir na natureza, dominá-la a serviço do homem
e do progresso e renunciar a todo saber baseado

Fonte http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:The_Anatomy_Lesson.jpg
nas crenças, nas tradições e na história que não
pudesse ser comprovado e demonstrado pela razão
ou pela experiência mediante a utilização de um
método seguro.
Com a redescoberta do homem como horizonte
SAIB A MA I S de todo saber no Renascimento; a diminuição do
poder da Igreja; a ascensão da burguesia, dos
Durante os séculos XV e XVI intensificou-se,
na Europa, a produção artística e científica.
Estados nacionais; o advento do Iluminismo e
Esse período ficou conhecido como das descobertas da astronomia, da medicina, da
Renascimento ou Renascença. física, da biologia, da química, cada vez mais
filosofia e ciência se distanciam, prevalecendo a
cultura do saber baseado na experiência.

46
46 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
No século XIX, floresce, a partir das bases do empirismo baconiano, o método
positivista do filósofo Auguste Comte (1798-1857) que influenciou decisivamente
as ciências que se desligaram da filosofia e passaram a produzir conhecimentos
com postulados e definições próprias, como a física newtoniana, a química (antiga
alquimia) e a biologia chamadas no contexto da Revolução industrial de “ciências
da natureza”.
Segundo Abrão (1999, p. 396), o pensamento de Auguste Comte é
nitidamente impulsionado pela vontade de estar à altura do saber científico da
modernidade representando o ideal iluminista adaptado à Era Industrial. Para o
autor citado acima, o positivismo é movido pela crença no progresso tecnológico,
no domínio da natureza e em desenvolver no homem a consciência histórica de
decidir seu destino, libertando-se dos mitos e superstições.
Auguste Comte também criou a sociologia chamada então de “física social”
para compreender os fenômenos culturais e sociais com critérios rigorosos muito
semelhantes aos de quantificação e mensuração utilizados nas ciências naturais.
Apesar das críticas ao rigor reducionista da corrente positivista em relação às
ciências humanas para explicar as contradições sociais, como a fome, a miséria,
o desemprego, a violência, elevou a ciência ao status de único saber capaz de
alcançar a verdade e relegou a filosofia à categoria de “não ciência” já que não
podia demonstrar empiricamente seus argumentos e teorias.
Assim, ciência e tecnologia impulsionaram a Revolução Industrial, a produção
e o trabalho com as descobertas científicas e o aparecimento de novas máquinas
que mudaram a cultura do trabalho vivenciado
na fábrica. As universidades se tornaram as
Vo c ê sab i a?
instituições responsáveis pela construção e
organização do saber científico nos moldes do
O lema na bandeira nacional brasileira:
positivismo comtiano. Instigadas pelo capital e
“Ordem e Progresso” é inspirado
pelo Estado, passaram a fomentar o surgimento de
no lema político do positivismo
escolas, centros de pesquisa e cursos politécnicos
de Augusto Comte(1798-1857): “ O
visando, cada vez mais, o progresso científico
Amor por princípio e a Ordem por
(LAVILLE; DIONNE, 1999).
base; o Progresso por fim ”.
Mesmo com o avanço científico-tecnológico
do homem sobre a natureza, do surgimento das
máquinas e da escolarização crescente do século

AULA 3 TÓPICO 1 47
XX, o progresso não instaurou a cultura da
liberdade, da igualdade e da fraternidade como
ideais propostos pelo movimento iluminista.
Você SA B I A?
Para o filósofo Karl Marx (1983), os
benefícios materiais do avanço técnico-científico
O movimento iluminista ou
jamais chegariam aos mais pobres, à classe dos
“Iluminismo”, “Ilustração” ou “ideal
trabalhadores, como apregoavam os positivistas,
iluminista da burguesia” são termos
pois a riqueza produzida era apropriada pelos donos
utilizados em função da tradução do
do capital, que detinham os meios de produção,
original Aufkärung para designar não
isto é, as máquinas e os instrumentos de trabalho
só a “Época das Luzes” ou a “filosofia
(MARX, 1983). A crítica de Marx procede já que
dos pensadores iluministas do século o acesso a esses benefícios depende ainda hoje da
XVIII” como uma época histórica que nossa capacidade de pagar por eles. Isto ocorre
contribuiu econômica e politicamente porque os produtos da ciência e os seus avanços
para consolidação do capitalismo por não pertencem à coletividade; são privados. Mas,
meio das ciências modernas. então, onde está a raiz do problema?
Já comentamos na aula anterior, tópico 1,
que de acordo com o pensamento de Marx (1983),
está na sociedade de classes, na divisão social do trabalho e na propriedade privada,
pois constituem a forma pela qual nos organizamos para viver, em que poucos se
apropriam da riqueza produzida pelo trabalho (manual e intelectual) e a maioria
recebe somente o suficiente para sobreviver na forma de salário.

1.4 CAPITALISMO, PROGRESSO E INDÚSTRIA CULTURAL


No século XX, enquanto pensadores positivistas acreditavam na neutralidade
da ciência, pensadores críticos como os filósofos da Escola de Frankfurt que
analisam a sociedade na perspectiva de Marx afirmam que a ciência não paira sobre
a sociedade como se fosse um ente independente. Herbert Marcuse (1898-1979),
por exemplo, afirma que ela, na sociedade industrial capitalista, também se tornou
mercadoria e é incorporada à massa de produtos que, como tais, são produzidos
com a finalidade de venda. Assim, toda a ciência e tecnologia, tal como o trabalho,
foram postas a serviço do grande capital e não da emancipação humana (MARCUSE,
1979). sobre a sociedade como se fosse um ente independente.

48
48 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
Figura 11 – Escola de Frankfurt

Foto atual do Instituto de Pesquisa Social (anexo a


Universidade de Frankfurt), também chamado de Es-
cola de Frankfurt, foi fundado em 1924 por iniciativa
de Félix Weil. Destacam-se entre seus membros: T.
Adorno, M. Horkheimer, H. Marcuse, Walter Benja-
min, Erich Fromm.
Fonte: http://comunicacaoppunip.blogspot.com.br/.
Acesso em 14 maio de 2013.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0
/02/Ffm-adorno-ampel001.jpg

Herbert Marcuse (1898-1979), por exemplo, afirma que ela, na sociedade


industrial capitalista, também se tornou mercadoria e é incorporada à massa de
produtos que, como tais, são produzidos com a finalidade de venda. Assim, toda a
ciência e tecnologia, tal como o trabalho, foram postas a serviço do grande capital
e não da emancipação humana (MARCUSE, 1979).
Segundo Horkheimer e Adorno (1985), o método científico inspirado no
positivismo, propagado como único capaz de produzir conhecimento seguro,
tornou-se ideologia e apoderou-se de toda e qualquer forma de oposição filosófica
e política, pois não admite o saber que não seja quantificável. Com ele veio
uma enxurrada de informações planejadas, precisas e difundidas através dos
meios de comunicação de massa como a nova forma de dominação cultural que
tomou conta do atual modo de vida: o consumo desenfreado. Na obra Dialética
do Esclarecimento (1947), eles chamaram de Indústria Cultural o bombardeio
propagandístico e o preenchimento do tempo do trabalhador nas horas vagas com
entretenimentos da mídia de rádio, cinema, televisão, etc. que desviam as pessoas
do foco das discussões críticas e as colocam a serviço da ordem existente como
meros consumidores.

Você acha que ainda hoje os meios de comunicação estão a serviço


do consumo?

AULA 3 TÓPICO 1 49
É importante refletir que a televisão, o rádio, o cinema e outras formas de
mídia como outdoor, busdoor, sites e blogs com propaganda têm a finalidade de
convencer o público a comprar o produto ou o serviço que estão veiculando.
Quando não há divulgação com foco exclusivo na venda direta do produto, como
nas campanhas das empresas em prol de alguma causa social ou em defesa do meio
ambiente, o objetivo é tornar a marca visível como algo natural que faz parte do
cotidiano das pessoas. A repetição de uma mesma marca em diferentes mídias e
por longas semanas ou meses tem a finalidade de gerar afinidade com o cidadão
que, nesse contexto, assume a figura de mero consumidor para as empresas. Na
maioria das vezes, as técnicas de repetir imagens e sons referentes à marca em
anúncio não são baseadas em “argumentos” e, sim, em fortes apelos emocionais ao
estilo de vida, ao gosto pessoal, ao luxo, ao desejo, etc. O objetivo é persuadir o
indivíduo associando o produto a uma sensação de felicidade. Um exemplo são as
propagandas que associam liberdade e lazer a bebidas alcoólicas ou o prestígio e
o reconhecimento social pelo uso de determinada marca famosa como de roupas e
bolsas que a maioria da população não tem condições de adquirir.

Vo cê SA BIA?

O cartão de crédito tal como o conhecemos foi criado nos Estados Unidos, em
1950. Porém, ainda na década de 20, a ideia de dar crédito aos clientes fiéis já era
colocada em prática por hotéis, postos de gasolina e outros tipos de comércio. Já
em 1960 essa modalidade de crédito era aceita em mais de 50 países, inclusive o
Brasil. Atualmente existem várias operadoras de cartão que fomentam o consumo
pelo crédito, cobrando altas taxas de juros que resultam no endividamento de
seus usuários.
Para saber mais: http://www.infoescola.com/economia/historia-do-cartao-de-
credito/. Acesso em: 18 jun. 2013.

Tanto a criação de “necessidades” como a ilusão da liberdade ou realização


pessoal pela aquisição de produtos são estratégias da Indústria Cultural
para conformar os indivíduos ao consumo, impedindo-os de julgar e decidir

50
50 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
conscientemente (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Até
as formas de ócio ou lazer como tempo livre do trabalho Sai b a mai s
acabam por se tornar apenas mais fonte de lucro e
Para compreender a influência da
consumo, pois exigem o dinheiro como mediação para
mídia no fomento da sociedade
desfrutar dos espaços culturais. As crianças e os jovens,
de consumo e os transtornos
por exemplo, têm muita dificuldade de encontrar
psicológicas causados pelo
espaços públicos para expressar sua criatividade pelas consumo compulsivo assista ao
formas de arte como a dança, a música, a pintura, o filme: Os delírios de consumo de
teatro ou mesmo espaços como parques florestais ou Becky Bloom. Ano: 2009. Direção:
campos e quadras para praticar esportes ou realizar J. P. Hogan. Nacionalidade: EUA.
encontros. Portanto, os meios de comunicação social
ainda influenciam decisivamente o modo de vida dos
indivíduos seja no tempo de trabalho ou lazer, fomentando o consumo desenfreado
para sustentar o sistema capitalista de produção.
Nesta aula, conhecemos as diferentes concepções de ciência e em que sentido
a tecnologia é aplicada, mundialmente, no trabalho e na qualidade de vida dos
indivíduos. Compreendemos com os pensadores da Escola de Frankfurt que os
indivíduos de uma sociedade podem ser conduzidos a fazer certas coisas não por
imposição da força ou da lei, mas por influência dos meios de comunicação social,
por convencimento cultural a que estão expostos diariamente. Na próxima aula,
vamos aprofundar o que é cultura e como ela está relacionada com nossa formação
e ao cotidiano de nossas vidas.

AULA 3 TÓPICO 1 51
AULA 4 A cultura e a educação como
elementos de reprodução e
transformação social

Caro(a) aluno(a),

Nesta aula, discutiremos acerca da relação entre cultura e educação como formas
de preparar o indivíduo para a vida em sociedade e para trabalho coletivo. Ao
final, esperamos que você diferencie cultura formal e cultura informal no âmbito
da instituição escolar e compreenda o papel político e social dos educandos e
educadores no processo de transformação da sociedade capitalista.

Objetivos

• Relacionar cultura, educação e conhecimento ao mundo do trabalho e ao


modelo de sociedade existente
• Estudar como se constituiu historicamente a dualidade na educação escolar
e a proposta de uma escola unitária
• Compreender a relação entre cultura formal e cultura informal no âmbito da
organização escolar

52 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
TÓPICO 1 Cultura e educação na
formação do indivíduo
O bjetivo
• Relacionar cultura e consumo na sociedade capitalista

J á vimos na primeira aula, tópico 1, as ideias do sociólogo Émile


Durkheim (1858-1917). Em sua obra Da divisão do trabalho
social (1893) ele afirma que na sociedade prevalece a influência
das instituições sociais sobre o indivíduo. Este, por sua vez, é movido por um
conjunto de crenças e sentimentos comuns que o mantêm agindo dentro de certos
limites éticos admitidos, com um sistema de punições e penalidades em caso
de transgressão (DURKHEIM, 2001). Sobre a obra de Durkheim é verdade que
apresenta uma explicação para a coesão social baseada no estudo da cultura. Além
disso, durante a aula você irá refletir sobre outra concepção como a de Antonio
Gramsci (1891-1937) que está diretamente relacionada à escola e ao trabalho na
perspectiva de transformar a sociedade.

Vo c ê sab i a?
1.1 CAPITAL, CIÊNCIA, TECNOLOGIA
UTILIZADOS PARA O CONSUMO A cultura é mais do que objetos e
A ciência e a tecnologia, como explicamos na conhecimentos produzidos. A cultura
aula anterior, no tópico 2, são elementos da cultura se desenvolve nas tessituras das
e estão relacionadas diretamente com o mundo do relações sociais, ou seja, ela é construída
trabalho e a melhoria da qualidade de vida das historicamente. Assim, não há que se
pessoas. Contudo, podem também ser utilizados falar em gente com cultura e gente sem

como instrumentos de dominação no modelo de cultura. Todos temos cultura, ainda que

sociedade industrial capitalista em que o foco diferentes culturas.

AULA 4 TÓPICO 1 53
principal é atender os interesses da classe que paga por suas descobertas. Um
exemplo disso, é a descoberta e a fabricação de produtos cuja finalidade principal
é alimentar. O consumo desenfreado e acabam aumentando a exploração dos
recursos naturais; a desigualdade social; e trazendo sérios prejuízos à natureza.
O modelo de sociedade do consumo estimulado pela mídia (Adorno
e Horkheim, 1985) nem sempre existiu – é um fenômeno social do mundo
contemporâneo – mas pode culturalmente continuar a reproduzir-se por muito
tempo ou pode ser transformado, conforme a ação crítico-reflexiva dos indivíduos
que compõem a sociedade, uma vez que o ser humano pode agir intencionalmente.
Chamamos a capacidade de agir intencionalmente de ação transformadora, de
ação consciente do trabalho ou da práxis social. Como vimos na aula anterior,
no tópico 2, para Marx (1983) o trabalho é o instrumento e também o princípio
da intervenção humana, pois o ato de trabalhar é fundamental e necessário para a
sobrevivência humana e as relações sociais se configuram a partir dele.
Mas qual a relação entre trabalho e cultura?
Segundo Cortella (2008), o conjunto dos resultados da ação humana sobre o
mundo por intermédio do trabalho é uma construção social à qual denominamos
de cultura. Ao mesmo tempo em que reproduzimos uma cultura somos também
por ela formados. Dessa relação, trabalho e cultura, resultam as ideias e as coisas.
Um exemplo disso, é que a cada dia, no mundo, nascem cerca de trezentos
e vinte mil pessoas. Esses bebês nascem em condições históricas alheias à sua
escolha, deparando-se com, aproximadamente, sete bilhões de pessoas os quais
tiveram acesso a uma infinidade de coisas e ideias durante os vários anos de suas
vidas (Worldometers, 2012). A linguagem, a educação, os costumes, a religião, os
laços familiares, as relações afetivas e sociais são fatores culturais externos que
irão influenciar definitivamente a personalidade das crianças. As escolhas futuras
em maior ou em menor grau estão diretamente relacionadas aos fatores culturais
transmitidos pela convivência social.
Já nos grupos sociais jovens a cultura é herdada a partir de um conhecimento
socialmente elaborado pelas velhas gerações. A partir de sua ação no mundo, as
novas gerações tentam modificá-lo, embora não criem algo absolutamente novo,
pois o novo não se descola das condições existentes (DURKHEIM, 2001). Essa
ação dos jovens é continuamente obstruída pela velha geração, que assume a

54
54 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
função de sedimentar os seus valores, crenças e
conhecimentos. Esse confronto entre as gerações
é secundário, uma vez que, ao final, “A geração Vo c ê sab i a?
‘antiga’ realiza sempre a educação dos jovens”
No Brasil, nos anos 1980, as definições de
(GRAMSCI, 1988, p. 52).
conteúdos escolares passaram pelo crivo
Dessa maneira, a cultura é repassada,
de educadores críticos que propunham
reproduzida pela educação, que, por sua vez, mudanças na pedagogia tradicional. Seus
cumpre a missão de garantir a reprodução cultural questionamentos principais destacaram
por meio da transmissão de valores, crenças, regras que os conteúdos escolares estão
e conhecimentos. Oportuno lembrar que essa vinculados a um conjunto de saber-padrão,

tarefa educativa é exercida por diversas entidades valorizado pela classe que detém o poder.

e corporações políticas, religiosas, econômicas e


artísticas, que utilizam os mais variados veículos
de informação e formação.

Os grupos sociais constituem uma identidade quando compartilham e


consolidam crenças, ritos, mitos, costumes, saberes, moralidade, direitos e deveres.
A escola acaba tonando a instituição social responsável para preparar as novas
gerações. Todavia, nem sempre a formação tem por finalidade o exercício pleno
da autonomia e o bem comum. O compromisso dos educadores e educandos em
transformar a sociedade é o que estudaremos no próximo item.

AULA 4 TÓPICO 1 55
1.2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO ESPECIFICAÇÃO
DA CULTURA E COMO MECANISMO DE
SAIBA MA I S TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A Antropologia é a ciência que O surgimento da escola relaciona-se com a divisão
estuda o homem, sua evolução social do trabalho entre classes desiguais. Estudos da
biológica ou física, cultural e
Antropologia evidenciam a inexistência da escola apenas
social consolidada como disciplina
nas sociedades “[...] onde ainda não há uma rigorosa divisão
científica apenas no século XIX.
social do trabalho entre classes desiguais, e onde o exercício
social do poder ainda não foi centralizado por uma classe
como um Estado” (BRANDÃO, 2003, p.32).
Considerando o elevado grau de complexidade de organização da sociedade
contemporânea, a educação escolar se tonou tão necessária que se confunde com
a educação em seu aspecto mais geral, Adorno (2006) chamou essa educação de
“formação cultural”, pois ela vai além da formação escolar envolvendo a família, os
amigos, a mídia, os objetos, a localidade, etc. Para ele, a escola não deve se restringir
a conteúdos formativos para o mundo do trabalho, mas deve ir além e ensinar o
que há de melhor na cultura e assumir uma postura conscientizadora, política e
socialmente emancipatória. Nesse sentido, só há duas opções de postura: a escola
pode limitar-se apenas a reproduzir a sociedade – formação cultural restrita – ou
engajar-se com seus educandos e educadores numa perspectiva crítica de refletir
as contradições da sociedade e conscientizar as pessoas para a mudança social –
formação cultural emancipatória (LUCKESI, 1994). Eis o desafio!

A escola em que você estudou tinha uma postura reprodutivista


ou transformadora?

Ainda sobre a formação cultural escolar há um aspecto que merece relevância


e que você percebe em seu cotidiano: a dualidade do modelo escolar de ensino.
Segundo Machado (1982), a dualidade no ensino escolar pode ser percebida ao
longo do século XX, especialmente nas nações pobres ou subdesenvolvidas como
os países da América do Sul em que é notória a existência de uma educação escolar
destinada aos trabalhadores e seus filhos e uma educação escolar destinada às

56
56 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
elites. A autora observa que no Brasil, por exemplo, até a década de 30 do século
XX, o Estado já mantinha escolas de aprendizes de ofícios para os desafortunados,
órfãos, menores desvalidos, sendo que o processo de industrialização que se seguiu
no Brasil durante a ditadura do então presidente Getúlio Vargas (1930-1945 /1951-
1954) tornou a formação dos trabalhadores uma preocupação política que passou por
diversos arranjos resultando na educação profissional e tecnológica que conhecemos
hoje. Atualmente o objetivo ainda é o mesmo daquela época: garantir mão de obra
qualificada a indústria brasileira.
As políticas públicas de trabalho e educação ensaiadas pelo Estado nos modelos
propostos à sociedade industrial do século XX escondem os reais interesses daqueles
que querem assegurar novas bases de acumulação mantendo subalterna a classe
trabalhadora ao sistema de produção capitalista (ANTUNES, 2003, p. 178).
De acordo com Nosella (2006, 153), já em algumas obras do filósofo Karl Marx
(1818-1883) é possível compreender a educação politécnica ou pluriprofissional
como a proposta predileta dos donos do capital industrial para a classe trabalhadora.
Nesse sentido, o autor ressalta que analisar tanto a educação como o trabalho implica
analisar sua complexidade no contexto da sociedade estruturada em classes: a que
detém o domínio econômico e político dos meios de produção (que tem acesso a
uma formação cultural abrangente) e a que dispõe apenas de sua força de trabalho
como meio de sobrevivência (que recebe uma formação cultural restrita). Assim, a
dualidade na educação é um reflexo inegável do antagonismo de classes sociais que
não é característica somente dos países da América Latina, mas uma condição inerente
ao modelo de produção capitalista que precisa de uma massa de trabalhadores com
pouco acesso a cultura para servir de mão de obra no mundo do trabalho.
A dualidade da qualidade de ensino é outra questão pertinente à formação cultural
no âmbito escolar. Para muitos educadores a qualidade do
ensino na escola pública difere sensivelmente da qualidade
de ensino na escolar particular. Você concorda? Mas a questão sai b a mai s
principal não é comparar simplesmente a escola pública e a
No Brasil, cerca de 3,7 milhões
escola particular quanto ao nível de qualidade do ensino e,
de crianças e jovens estão fora da
sim, quanto ao propósito de sua finalidade: que é preparar os
escola. Veja mais em: http://www.
indivíduos para reproduzir a sociedade de classes antagônicas unicef.org/brazil/pt/br_oosc_
ou conscientizá-los para transformá-la. Poderíamos nos execsum_ago12.pdf Acesso em: 25
perguntar: então a educação escolar não é a mesma para todos? ago. 2012.
É bom lembrarmos que no Estado Democrático de Direito de

AULA 4 TÓPICO 1 57
acordo com o princípio da igualdade, todos são iguais perante a lei, ou seja, todos
possuem os mesmos direitos independentemente de sua cor, raça, credo ou posição
social. Portanto, a educação escolar deveria ser de qualidade principalmente no que
se refere à sua finalidade social e, claro, acessível a todos. Contudo, você percebe que
a igualdade é apenas formal, não ocorre de fato na vida dos cidadãos? Isso acontece
porque o acesso aos bens culturais – e a educação escolar é um deles – é restrito a quem
pode pagar.
Assim, tanto para a família como para o Estado a escola é a instituição que
melhor prepara as gerações mais jovens para o mundo do trabalho. A perspectiva de
uma educação conscientizada, política e transformadora da desigualdade social está
cada vez mais distante da escola que se empenha em adequar seus conteúdos e práticas
às necessidades do mercado de trabalho. A dualidade.

58
58 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 2 Os intelectuais orgânicos e a
formação cultural da classe
trabalhadora
O bjetivos
• Compreender a cultura no contexto histórico da organização
das classes sociais
• Diferenciar a educação formal e a educação informal na forma-
ção dos grupos sociais e nas relações cotidianas

2.1 OS INTELECTUAIS ORGÂNICOS E A FORMAÇÃO CULTURAL DA


CLASSE TRABALHADORA
Os conhecimentos, hábitos, costumes, crenças são geralmente ensinados
pelos pais aos filhos. Mas além da família, os amigos, os grupos sociais como a
igreja, a escola, e outras instituições sociais também contribuem para a formação
do indivíduo. Em cada grupo, comunidade ou sociedade é possível perceber um
conjunto de traços ou características associados aos valores e práticas que se
interligam e nos permitem diferenciar o modo de ser e viver das pessoas. Há certa
unidade nos traços e características que nos permitem identificar um grupo.
Na Antropologia, chamamos de configuração cultural
“uma qualidade específica que caracteriza uma cultura.
Tem sua origem no inter-relacionamento de suas partes”
sai b a mai s
(LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 139). Como exemplo,
podemos citar os traços que caracterizam a cultura indígena Antonio Gramsci foi uma das
ou o dia a dia numa comunidade de pescadores. A questão, referências essenciais do pensamento

a saber, é se para formar (educar) e manter a identidade de de esquerda no século XX, co-

um grupo ou de uma classe social é necessário a atuação de fundador do Partido Comunista


Italiano. Mais informações acesse
agentes culturais específicos.
o site: http://educacao.uol.com.br/
O jornalista e filósofo político Antonio Gramsci
biografias/antonio-gramsci.jhtm
(1891-1937) explica que cada classe social possui seus
próprios intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 1982), isto

AULA 4 TÓPICO 2 59
Figura 12 - Antonio Gramsci é, profissionais comprometidos com os interesses da classe
social à qual pertencem. Dessa forma, a tarefa do intelectual
comprometido com uma classe social é organizar a cultura,
ou seja, organizar as ideias, os valores éticos produzidos
historicamente, permitindo a formação de novas concepções
de mundo. Contribuem significativamente para a elaboração de
formas inovadoras de interpretação do mundo.
Portanto, a organização social em torno de um objetivo
comum exige uma atitude política e ideológica próprias
do grupo ou da classe social que deseja mudanças. E classe
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gramsci.png trabalhadora como a classe que deseja mudanças estruturais
na sociedade deve também contar com a ação valiosa de seus
intelectuais. E para Gramsci (1982) a escola se situa entre os mais importantes meios
utilizados para o “convencimento” acerca de qualquer tema: religioso, político,
ético, moral e científico-tecnológico (GRAMSCI, 1988).
O espaço escolar é, sem dúvida, por excelência a instância das discussões,
da aprendizagem. Nem sempre os educadores escolhem o currículo, os conteúdos,
mas a vida escolar é o período privilegiado da formação de uma pessoa em que
as principais temáticas da vida em sociedade são discutidas. Daí porque a escola
tornou-se instrumento de disputa das classes sociais distintas: trabalhadores e
capitalistas (MARX, 1983). Gramsci (1982, p. 118) explica que:

A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema


racional: a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, ao passo
que a clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais. A crise
[da dualidade do ensino] terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir
esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que
equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das
capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de
repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas
especializadas ou ao trabalho produtivo.

Como exemplo de um intelectual orgânico da classe trabalhadora capaz


de conscientizá-la pela luta da cidadania efetiva da conquista de seus direitos,
podemos citar o educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), um dos admiradores
das ideias de Gramsci, para quem a tarefa do intelectual da classe trabalhadora

60
60 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
pode ser considerada muito complexa, porque esta classe é influenciada pela forma
de pensar e pelas práticas e gostos da cultura dominante. Mas, de qualquer forma,
Gramsci evidenciou que a leitura de mundo não é constituída exclusivamente
pelo pensamento de uma classe, até porque as contradições sociais vividas pela
classe trabalhadora ensejam novos ensinamentos, quebrando a possibilidade de
cristalização da cultura (FREIRE, 1996).
Dessa maneira, podemos compreender que a reprodução da sociedade
capitalista dividida em classes sociais não ocorre somente no âmbito econômico
como nos ensinou Karl Marx (1818-1883), pois como afirmou Gramsci (1982)
também a inegável implicação do aspecto da cultura, especialmente desenvolvida
na educação escolar. Cabe ao educador conscientizar-se do seu papel político e
social e contribuir com a transformação da sociedade como intelectual, como um
ser que pensa a cultura e que pode educar, preparar novos intelectuais para que
façam o mesmo com liberdade e consciência convidando as pessoas que direta
ou indiretamente estão na escola e na comunidade e que desejam transformar a
sociedade.
Aprendemos com Gramsci (1982) que a escola é o espaço privilegiado do
saber e das relações sociais, e, por isso, da conscientização das pessoas sobre a
situação social e política em que vivem. É imprescindível então conhecer como
ocorre a influência cultural no ambiente escolar. Este é o nosso próximo assunto.

2.2 A RELAÇÃO ENTRE CULTURA FORMAL E CULTURA INFORMAL NO


CONTEXTO DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
Podemos observar que o espaço escolar é um espaço cultural que contempla
basicamente: o ensino e a aprendizagem; a formação para a cidadania; a preparação
para o mundo do trabalho; e o desenvolvimento da personalidade com suas
habilidades e competências em níveis e modalidades diferenciados de educação
(LDB 9.394/96). Já a organização escolar refere-se aos princípios e procedimentos
relacionados ao planejamento e a gestão do trabalho educacional; à racionalização
dos recursos (materiais, financeiros, intelectuais); e à coordenação e avaliação
do trabalho desenvolvido pelos atores do processo educativo, tendo em vista a
consecução de fins intencionalmente estabelecidos (LIBÂNEO, 2003).
Assim, a escola é constituída para exercer uma influência cultural sobre os
indivíduos que nela estão. Mas será que os indivíduos também não exercem uma
influência poderosa sobre ela? Para entendermos os conflitos vivenciados dentro

AULA 4 TÓPICO 2 61
da escola precisamos compreender o que é cultura formal e cultura informal e como
esses dois aspectos interagem na educação vivenciada no espaço escolar.
Na organização escolar, a cultura informal pode ser investigada no conjunto
de valores, crenças, no modo de agir, no relacionamento entre educandos e
educadores, no envolvimento da família, na participação da comunidade, na
aceitação ou resistência do programa de atividades e das mudanças empreendidas
na rotina de trabalho. Já a cultura formal pode ser encontrada no modo como o
espaço escolar é estruturado em relação às normas legais, à hierarquia, à rotina, aos
horários, ao currículo, às formas de controle (BRAGA, 2012). Com a fusão cotidiana
desses dois elementos culturais (formal/informal), a escola acaba adquirindo uma
cultura própria, composta pelos elementos que a constituem, sendo, também,
expressão viva dos fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e psicológicos
que influenciam sua organização: “As culturas internas das escolas se relacionam
com as da sociedade mais ampla” (ESCUDERO ; GONZÁLEZ, 1994 apud, LIBÂNEO,
2003, p. 91).
Os dois aspectos, acima citados, em relação à organização escolar são
entendidos por Chiavenato (1989, p. 3) como “unidade social” ou espaço social em
que as pessoas trabalham juntas; e “unidade administrativa” ou espaço em que os
processos de funcionamento relacionados à estrutura, à manutenção e aos recursos
são geridos. Vamos explicar melhor.
Quando entramos em uma escola, as normas, o calendário de atividades,
a rotina de aulas, os conteúdos de ensino já estão determinados pela gestão e
pelos educadores. Os elementos determinados pela hierarquia fazem da escola um
“espaço administrado” culturalmente cujo objetivo é obter certos comportamentos
dos indivíduos que ali trabalham ou estudam. Mas, é importante perceber que
os mesmos indivíduos que compõem a escola podem reagir com comportamentos
inesperados, diferentes ao resultado planejado pelos administradores. Podem,
inclusive, exigir mudanças, propor inovações ou até rejeitar o que está posto.
As relações sociais vivenciadas no interior da instituição escolar são
dinâmicas e contraditórias e, em conjunto, formam a “unidade social” a que nos
referimos acima com o autor citado. Marques (1990), ao analisar a dinâmica histórica
e cultural da instituição escolar, estabelece dois componentes fundamentais: o
elemento instituído que são os meios materiais, as formas institucionalizadas, o
sistema de valores e normas; e o elemento instituinte que são as pessoas envolvidas
atuando de forma dinâmica nos processos interativos. É somente a partir da relação

62
62 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
de forças entre esses dois componentes que o espaço escolar é construído e juntos
formam a cultura organizacional escolar. Nesse sentido, esclarece Libâneo (2003,
p. 316) “[...] a organização escolar define-se como unidade social que reúne pessoas
que interagem entre si, intencionalmente, operando por meio de estruturas e de
processos organizativos próprios, a fim de alcançar objetivos educacionais”.
Para Jürgen Habermas (1987b) qualquer cultura organizacional corresponde
ao acervo de saber que os participantes retiram do seu cotidiano, do seu mundo
vivido. É do mundo das relações cotidianas que retiram seus conhecimentos,
valores, crenças, costumes, modos de falar e de se comportar, adquiridos no seio da
família e da sociedade em que vivem e levam para a organização social onde atuam.
Portanto, a organização social ou a organização escolar propriamente dita possuem
uma cultura formal. Esta corresponde aos componentes instituídos (sistemas e
estruturas de funcionamento, hierarquia, recursos e modelos administrativos) que
visam à integração sistêmica. Já a cultura informal corresponde aos componentes
instituintes (atos de fala e ação dos atores do processo educativo) que visam à
interação social.
Conforme Libâneo (2003, p. 319), destacar a cultura organização como um
conceito central na análise da organização das escolas significa buscar a relação
das práticas culturais dos indivíduos e sua subjetividade com sua influência nas
formas de organização e gestão escolar.
Para Libâneo (2003) é a conjugação desses elementos que torna a cultura
organizacional escolar mais dinâmica, o que significa que ela pode ser modificada,
discutida, avaliada e planejada no rumo que responda aos interesses e às aspirações
da comunidade escolar.
Na figura abaixo destacamos os elementos em que os indivíduos podem
interferir e modificar as relações de reprodução para conseguir uma educação
escolar mais democrática e com a finalidade social e política de conscientizar e
transformar a sociedade. Dentre eles destacamos (na figura 2): o projeto político
pedagógico; o currículo escolar; o modelo de gestão; a avaliação; a formação
continuada dos educadores; e a aprendizagem dos educandos.

AULA 4 TÓPICO 2 63
Figura 13 – Cultura Organizacional Escolar

Fonte: DEaD/IFCE

O modelo da figura 2 mostra as estruturas de integração dos sistemas da


escola, mas esconde as contradições da interação social (das relações de interesse
e conflito) que há entre eles e que Escudero e González (1994 apud LIBÂNEO,
2003) descrevem como concepção crítica da cultura escolar. Para estes autores, a
escola é um lugar de luta de interesses entre os elementos instituídos pela gestão
(cultura formal) e aqueles elementos inseridos pelas pessoas (cultural informal) que
estão vivenciados os conflitos cotidianos. No conflito é que ocorre a negociação e a
inserção de novos valores e significados da vida escolar.
Portanto, se quisermos compreender a organização escolar e sua relação com
a ciência (os conhecimentos que ela ensina) ou o trabalho (como uma das finalidades
da escola) devemos considerar os dois aspectos de sua cultura (formal e informal).
Qualquer mudança proposta deve conter a participação de todos para que ocorram
mudanças efetivas no processo educativo.
Esperamos que você tenha compreendido a importância de diferenciar o saber
científico e o saber tradicional, bem como, a relação existente entre ciência, cultura
e trabalho no contexto da formação escolar dos indivíduos que tanto influenciam
como são influenciados pelo ambiente em que convivem. Nas próximas aulas
discutiremos o perfil profissional exigido no mundo do trabalho e como ocorre a
transição da formação escolar para o mercado de trabalho. Até breve!

64
64 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
AULA 5 Perfil profissional: a
transição escola e trabalho

Caro(a) aluno(a),

Chegamos à nossa quinta aula. Nas aulas anteriores você identificou as relações
entre trabalho e educação no contexto contemporâneo. Nós aprendemos, entre
outras discussões, que a educação escolar se efetiva para reproduzir os saberes e
valores predominantes de um modo específico de organização econômico-social-
político-cultural.

Abordamos a relação existente entre trabalho, ciência e cultura. Compreendemos


que a ciência se transpõe para os instrumentos de trabalho, influenciando os
modos como nos relacionamos com os outros e lidamos com as coisas que
produzimos. Nesta aula, analisaremos a transição da escola ao trabalho, discutindo
a organização e controle do trabalho, perfil e qualificação profissional.

Objetivos

• Compreender as formas de cooperação do trabalho coletivo


• Estudar o perfil do trabalhador no período anterior à Revolução Industrial
• Relacionar organização e controle do trabalho com o perfil profissional do
trabalhador
• Diferenciar qualificação profissional e competência do trabalhador

AULA 5 65
TÓPICO 1 Organização e controle do
trabalho: retomando a discussão
do perfil profissional
O bjetivos
• Identificar o perfil do trabalhador no período que prece-
deu a Revolução Industrial
• Relacionar a maquinofatura às mudanças no modo de
produção e ao mercado de trabalho
• Compreender os sistemas de produção e suas impli-
cações para o sistema escolar

J á vimos na primeira aula, tópico 1, que na sociedade moderna o trabalho


passa a ser considerado como algo positivo. O modo de produção
mercantilista, as navegações e a interação comercial consolidaram as
bases do sistema capitalista como o conhecemos hoje e resultaram na diminuição
do trabalho servil e da escravidão que até o final do século XIX já não fazia mais
parte das economias desenvolvidas. Conheça agora as bases do trabalho coletivo e
como a escola foi utilizada para gerar mão de obra para a indústria nascente.

1.1 COOPERAÇÕES: LABORAL SIMPLES E


AVANÇADA COMO BASES DO TRABALHO
Você SA B I A? COLETIVO
O trabalho coletivo na sociedade capitalista teve
O Brasil foi o último país das Américas a abolir
início na Europa do século XVIII com os artesãos que
a escravidão no dia 13 de maio de 1888, com
se dividiam em mestres e aprendizes em corporações
a Lei Áurea. Nem por isso o estado brasileiro
se preocupou em oferecer condições para que
de ofício. A cooperação mútua entre os artesões da

os antigos escravos pudessem ser integrados época ocorreu inicialmente em oficinas- residências.
ao mercado de trabalho formal e assalariado. Com o investimento nas oficinas e a direção dos
F o n t e : h t t p : / / w w w. s u ap e s q u i s a . c o m / comerciantes, o local de trabalho, os instrumentos, as
historiadobrasil/abolicao.htm. Acesso em 25 horas de trabalho, a confecção dos produtos artesanais,
de maio de 2013. a venda e o lucro passaram a ser administrados por
um dono, com objetivos capitalistas.

66 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
Na cooperação simples, a formação do aprendiz, contudo, dependia
fundamentalmente do mestre que dominava todas as partes da produção e limitava o
saber a círculos de iniciantes. O recrutamento era realizado nas famílias conhecidas
pelos mestres que escolhiam crianças, adolescentes e jovens para o aprendizado e
desempenho das novas funções. Os valores pagos pelo mestre da oficina ou pelo
comerciante proprietário eram inferiores à quantidade de trabalho empreendida e
mal cobriam as despesas com a sobrevivência, mas a ideia de um ofício de trabalho
era bem vista pelos pais, pois garantia a formação do caráter e a sobrevivência da
família.
Já a aprendizagem do trabalhador na Figura 14 – Artesãos trabalhando

cooperação avançada diferenciava-se da


cooperação simples, porque o artesão executava
apenas uma parte do processo. Por exemplo, na
produção de casacos ou de sapatos, ele ficaria
responsável somente pela fixação de botões ou na
fixação da sola do sapato. No passo seguinte, o
produto saía de suas mãos para ser completado
por outro artesão. Além do monopólio dos meios
de produção, do local de trabalho e o domínio
parcial do conhecimento, do trabalhador, era
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Artes%C3%A3o_REFON.jpg

uma garantia, para o capitalista, de evitar a


Figura 15 - Trabalho coletivo de produção manufatureira
concorrência. O que era pago ao trabalhador
pela produção eram horas de trabalho. Portanto,
o trabalho tornou-se também uma mercadoria
adquirida pelo capitalista no processo produtivo e
na cooperação avançada, não exigia qualificação,
apenas a habilidade simples de executar processos
repetitivos.
Com o aparecimento das máquinas a partir
da segunda metade do século XVIII, teve início
a maquinofatura e a fábrica se tornou o lugar
principal da produção em grande escala e da
oportunidade de trabalho ainda que sem nenhuma Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/Ford_Motor_Com-
pany_assembly_line.jpg

garantia trabalhista a não ser o recebimento de


baixos salários. As oficinas de trabalho artesanal

AULA 5 TÓPICO 1 67
ou de cooperativa avançada não podiam suportar a concorrência com as fábricas e,
aos poucos, migraram para o trabalho industrial.
No modo de produção industrial em grande escala já não era o trabalhador
que produzia com suas mãos; ele agora devia servir a máquina. As exigências da
contratação do trabalhador se limitavam a sua capacidade de operar ou auxiliar o
maquinário por 12 ou até 14 horas, por dia, durante toda a semana. Adaptar um
contingente gigantesco de homens, mulheres e crianças a se manterem confinados
em ambientes fechados sem estrutura adequada para o trabalho exigia disciplina e
obediência. Adaptar os adultos ao trabalho repetitivo em que o controle do tempo e
da produção eram essenciais para se obter lucro na fábrica não era uma tarefa fácil.
Seria necessária uma instituição diferente da fábrica e da igreja que preparasse
os trabalhadores desde a infância para serem disciplinados e obedientes. É nesse
contexto que os empresários industriais do século XVIII compreenderam a escola
como a instituição capaz de “moldar” o comportamento do trabalhador e adaptá-lo
à realidade da indústria.

1.2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DISCIPLINADOR PARA


A JORNADA DE TRABALHO
SAIBA MA I S A escola tem atualmente a função social de educar as
novas gerações e garantir o aprendizado para continuação
O funcionalismo é uma teoria
da sociedade e satisfação de suas necessidades. Contudo,
sociológica que procura explicar
no início da Revolução Industrial (século XVIII), setores
fenômenos sociais realizando o papel
representativos da sociedade, como as igrejas, os políticos, os
das instituições na sociedade. Se
empresários, os governantes, vislumbraram a escola como a
uma determinada mudança social
instituição de formação da mão de obra industrial (TOMAZI,
promove um equilíbrio harmonioso,
2010). Baseados nas ideias de Émile Durkheim (1858-1917),
é considerada funcional; caso
de que as instituições sociais prevalecem sobre o indivíduo
contrário será analisado seu papel
e de que a sociedade se mantém organicamente equilibrada
disfuncional dentro dos sistemas
como um sistema, os funcionalistas, uma corrente da
da sociedade. Fonte: http://
sociologia norte-americana, difundiu a concepção da escola
psicopsi.com/pt/teoria-sociologica-
como um sistema a serviço do mundo do trabalho.
funcionalismo-durkheim/.
Diz Talccot Parsons (1976, p. 74 apud ENGUITA, 1989,
p. 138) um de seus principais representantes:

68
68 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
O sistema escolar é um microcosmos do mundo do trabalho adulto, e a
experiência nele constitui um campo muito importante de atuação dos
mecanismos de socialização da segunda fase [a primeira é a familiar], a
especialização das orientações de papel.

A ideia de tornar a escola um “microcosmos” do mundo do trabalho escondia


o real objetivo a que eram submetidos os pobres. A indústria nascente precisava de
trabalhadores obedientes e disciplinados que empregassem sua forma de trabalho
para produzir o máximo no menor tempo possível, o que não era facilmente
alcançado uma vez que se tratava de uma forma de trabalho exploradora, repetitiva
e em condições precárias.
A escola tornou-se o espaço adequado para fornecer
a mão de obra adaptada às necessidades e exigências da
indústria. A preocupação não era tanto com o ensino ou sai b a mai s
com a instrução básica de leitura e da habilidade de contar,
contudo na adequação do corpo à rotina de trabalho na Segundo Braverman (1987),
a maioria dos trabalhadores
fábrica. Tyack (1974, p.73) traz uma reflexão acerca da
não frequentava a escola até o
postura dos professores sobre a educação disponível na
início do século XX e, quando
época.
frequentavam, a ênfase era

Quando os educadores argumentavam que o para que aprendessem os bons


costumes e a se comportar
trabalhador educado era um empregado melhor, isto
obedientemente no trabalho. Os
não significava simplesmente que soubesse ler as
empregadores tinham receio de
instruções ou que estivesse menos inclinado a beber
revoltas, greves, organizações
uísque ou a entrar em greve; significava também,
sindicais e luta por direitos
na realidade, que havia sido adequadamente
trabalhistas.
socializado nas novas formas de produção, adaptado
à hierarquia, à neutralidade afetiva, às exigências
específicas de papel e aos incentivos extrínsecos
com relação ao rendimento

Portanto, além da instrução básica de leitura e escrita de algumas palavras


e de saber fazer cálculos simples, a principal preocupação da escola era formar o
trabalhador com perfil comportamental de submissão para o trabalho na indústria.

AULA 5 TÓPICO 1 69
Figura 16 - Produção de automóveis no modelo 1.3 ORGANIZAÇÃO E CONTROLE DO
fordista, década de 1920
TRABALHO: MODELOS TAYLORISTA E
FORDISTA E O PERFIL PROFISSIONAL
CORRESPONDENTE
A organização e controle do trabalho
teve a seu benefício a gerência científica
desenvolvida por Frederick Taylor (1856-
1915), que apresentou a supervisão como
método eficiente para a redução do tempo
de trabalho necessário para a conclusão de
determinada tarefa. Largamente adotado
nas rotinas fabris, o taylorismo associou-
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/Ford_Mo-
tor_Company_assembly_line.jpg se ao modelo de organização do trabalho
experimentado por Henry Ford em sua
fábrica de automóveis. Os dois modelos – taylorismo e fordismo – contribuíram
para a acumulação e expansão do capital investido nos negócios que envolvem,
sobretudo, a produção de bens e serviços.
Figura 17 - Cartaz do filme Tempos Modernos (1936), de Charles Os modelos taylorista e fordista,
Chaplin, uma sátira ao trabalho em série como princípio da Ad-
ilustrados nas figuras 3 e 4, estão associados
ministração Científica do modelo taylorista de produção.
ao nível de desenvolvimento tecnológico
de base elétrica e mecânica. Esses modelos
conduziram a produção resultando em um
tipo de trabalhador domesticado, obediente,
acostumado a rotinas e à segmentação entre o
pensar e o fazer. Portanto, para o taylorismo
e o fordismo é fundamental o disciplinamento
do corpo e da mente, cultivando, sobretudo, a
obediência e adaptação a rotinas. É necessário,
pois, um trabalhador específico, com instrução
básica, dotado de perfil profissional onde são
fundamentais o autocontrole, a disciplina e a
separação do desenvolvimento das faculdades
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/36/Modern_Times_poster.jpg
intelectuais e das atividades físicas corporais. O
trabalho executado é essencialmente repetitivo

70
70 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
e acelerado, com a finalidade de aumentar a produção e evitar o desperdício do
tempo e do material empregado.
No âmbito da educação escolar, o corpo é disciplinado desde os primeiros
anos de escola a permanecer inerte, contido, moldando-se para o exercício do
trabalho na fábrica. De acordo com Foucault (1979), a escola pratica quatro etapas
de disciplinamento similares às fábricas, veja figura 18.
Figura 18 – Etapas de disciplinamento

Fonte: DEaD/IFCE

O disciplinamento operado pela escola contribui tanto para moldar padrões de


comportamento quanto para a “domesticação” da classe operária. Nessa condição, o
operariado aceita com mais facilidade a submissão ao tempo e ritmo das máquinas,
bem como as normas da fábrica. Mais do que isso, esse nível de disciplinamento
irá contribuir para que o operariado aceite as contradições presentes nas relações
sociais desiguais como algo “natural” em seu cotidiano (ENGUITA, 1989).
Na década de 1970, tanto o taylorismo como o fordismo, como sistemas de
organização da produção e controle do trabalho e como modelos de formação do
perfil profissional decorrentes deles, mostraram sinais de esgotamento e perderam
sua vitalidade mediante as alterações nas economias capitalistas, sobretudo, com a
transferência de capital produtivo para o sistema financeiro, o qual se mostrou mais

AULA 5 TÓPICO 1 71
lucrativo com a expansão dos bancos e a oferta de crédito e
ganho com altas taxas de juros. Com o avanço da tecnologia
SAIBA MA I S e a crise do petróleo na década de 1970, a produção em larga
Obtenha mais informações escala com o modelo fordista entrou em colapso exigindo
sobre a crise do petróleo na modelos de produção mais flexíveis.
década de 1970, acessando o Desde então a organização e controle do trabalho com
site https://brasilescola.uol. base no taylorismo/fordismo cedeu lugar a outros modelos,
com.br/geografia/a-crise-do- entre os quais o modelo derivado da experiência da Toyota,
petroleo.htm denominado toyotismo que estabeleceu um novo perfil
profissional. Veremos mais informações sobre esse modelo
no próximo tópico.

72
72 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
TÓPICO 2
Qualificação e competência:
alguns elementos para a
discussão
O bjetivos
• Compreender o modelo toyotista e o perfil profissional
exigido pelas mudanças tecnológicas
• Diferenciar qualificação profissional de competência pro-
fissional
• Relacionar qualificação e competências exigidas do tra-
balhador à carreira e ascensão profissional

O novo modelo de organização e controle do trabalho chamado de


toyotismo surgiu no Japão após a Segunda Guerra Mundial, mas
difundiu-se mundialmente no contexto da chamada reestruturação
produtiva da década de 1970. O toyotismo consiste em um metabolismo empreendido
pelo capital para dar continuidade ao seu processo de expansão e acumulação
adaptado aos avanços tecnológicos, ao mercado de consumo, e exigiram mudanças
significativas dos trabalhadores chamados a partir de então como colaboradores da
produção e dos resultados financeiros das empresas capitalistas.

2.1 ORGANIZAÇÃO E CONTROLE DO Figura 19 – Fábrica Toyota em 1958


TRABALHO: MODELO TOYOTISTA E O PERFIL
PROFISSIONAL CORRESPONDENTE
As origens do toyotismo estão relacionadas
às inovações organizacionais realizadas na fábrica
japonesa Toyota que adquiriu projeção global.
Em primeiro lugar, porque se espalhou
rapidamente para as empresas japonesas; em
segundo, porque representaram, para nosso País,
a consolidação do capitalismo industrial, elevando
os índices de produtividade e de acumulação
capitalista (OLIVEIRA, 2004). Fonte: http://www.ufpi.br/uapi/conteudo/disciplinas/economia/uni03/uni03_ima-
gens/fig16.jpg

AULA 5 TÓPICO 2 73
A adoção do toyotismo no Ocidente manteve alguns traços inabalados,
como: produção vinculada à demanda e, portanto, organizada sob um processo
flexível, redução dos estoques, fabricação diferenciada, e localização de novos
nichos de mercados consumidores, trabalho operário em equipe, quebra da rigidez
hierárquica da estrutura funcional, etc. (OLIVEIRA, 2004).
A flexibilidade surge como o diferencial que se contrapõe à rigidez
estabelecidas pelos modelos taylorista e fordista, além disso exprime as mudanças
que estão no bojo do desenvolvimento das tecnologias avançadas que paulatinamente
foram diminuindo os postos de trabalho. Como exemplo, podemos citar que no
lugar da tecnologia elétrica e mecânica fortemente presentes nos processos de
produção taylorista e fordista tornou-se proeminente a tecnologia da robótica e da
microeletrônica a serviço da versatilidade da produção e da espetacular velocidade
da comunicação proporcionada pela informática e outros meios de comunicação,
como a TV, que facilmente difundia produtos e novos hábitos de consumo.
Esse desenvolvimento tecnológico permitiu a proliferação de uma percepção
positiva no perfil profissional da força de trabalho apontando para a superação
da dicotomia entre o fazer e pensar (ARRAIS NETO, 2001). Tais tecnologias
exigiam um trabalhador com capacidade de operar máquinas complexas e atuar em
ambientes diversos. A escola então é utilizada mais uma vez pelos empresários e
pelo Estado como o espaço adequado para preparar a mão de obra qualificada que
o mercado exige sem, no entanto, permitir que essa mesma escola refletisse acerca
do seu papel social e político na discussão dos problemas do mundo do trabalho.
Sem dúvida, os avanços tecnológicos, agora eletrônicos, permitem ao
trabalhador afastar-se de atividades que exigiam elevada força física, sobressaindo
o desenvolvimento intelectual, o domínio linguístico, o raciocínio, o trato da
informação, a criatividade, entre outras. Em termos de comportamentos dos
trabalhadores, cai a importância da repetição e da obediência e cresce a ênfase
sobre a criatividade, a iniciativa, a flexibilidade, a capacidade de adaptar-se a
novas situações.
Há uma nova percepção acerca do surgimento do perfil do trabalhador no
modelo toyotista. Contudo, apesar das mudanças no ambiente de trabalho e da
exigência de novas habilidades persiste o processo de dominação capital-trabalho.
De fato, nessa nova forma de dominação, fica obscurecida a lógica do aumento da
lucratividade do capital e constrói-se o ideário do associado ou colaborador e da
inexistência da luta de classe.

74
74 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
O novo perfil profissional do trabalhador toyotista acena com a reunificação
do fazer e do pensar, recompondo o processo de trabalho até então fragmentado,
sobretudo pelo taylorismo e fordismo. Entretanto, na prática, atualmente ainda
não é comum encontrar empresas que propiciem aos trabalhadores autonomia
para decidir, inventar e intervir em processos fabris cada vez mais dependentes
da tecnologia e gerencialmente mais centralizados com os avanços dos meios de
comunicação e com a informática.
Do ponto de vista empresarial, a recomposição do fazer e pensar limita-se,
com raríssimas exceções, à ampliação de tarefas do trabalhador, à intensificação
e precarização do trabalho. Dessa maneira, ao invés da recomposição entre teoria
e prática, pensar e fazer ou integração entre homem e máquina no processo
produtivo, acentua-se, nas atividades laborais, cisão entre trabalho intelectual
e manual. O resultado dessa cisão, foi a constituição de uma elite trabalhadora,
minoritária, resultante de longo processo de educação de qualidade que se seguiu
a partir da década de 1970. Do lado oposto a essa elite encontra-se a maioria dos
trabalhadores cuja educação se restringe ao fazer instrumental, dissociado dos
fundamentos científicos e tecnológicos (KUENZER, 2005).
Por isso, não podemos imaginar que os modelos de produção citados
anteriormente desapareceram. Prevaleceu, sim, a dominância capital-trabalho
dirigido pelo empresariado que rearticulou formas de trabalho tayloristas, fordistas
e toyotistas em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
Na prática, o que ocorreu no processo de reestruturação produtiva nos anos
de 1970 foi a terceirização ou a transferência das atividades com menos tecnologia
para os países ou regiões periféricas, devido aos baixos salários pagos aos
trabalhadores desses locais, como exemplo algumas regiões da Ásia e da América do
Sul. Assim, grande parte da força de trabalho permaneceu desqualificada, ao passo
que somente uma pequena parcela da elite operária se beneficiou do comemorado
novo perfil profissional baseado em novas habilidades e competências instauradas
pelo modelo toyotista.
Na seção seguinte, estudaremos sobre os aspectos da qualificação profissional
e da competência exigida do novo profissional.

2.2 O NOVO PERFIL DO TRABALHADOR: QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E


COMPETÊNCIAS
Enquanto o Japão, em meados de 1950, para adaptar-se as exigências do
mercado, inovava seus processos produtivos para produzir bens em pequena

AULA 5 TÓPICO 2 75
escala, com pouca energia e matéria-prima, contanto com o perfil de trabalhador
multifuncional e flexível, em países desenvolvidos, como Inglaterra e Estados
Unidos, a qualificação para o trabalhador manual ainda estava mais fortemente
associada à experiência do que a formação escolar e técnica. A partir da expansão
industrial para os países subdesenvolvidos e pobres, do avanço tecnológico e
do desenvolvimento econômico após a Segunda Guerra Mundial é que a escola
e sua relação com a educação profissional passaram a ser requisitos relevantes
na contratação dos trabalhadores, especialmente, os de qualificação média que
executavam as funções burocráticas e intermediárias na produção industrial, na
área comercial e no setor de serviços.
O conjunto de mudanças ocorridas nas condições técnicas e tecnológicas
dos processos de produção e das relações de trabalho, deflagradas no bojo da
reestruturação produtiva de 1970, provocaram alterações nos requisitos de
contratação e permanência do trabalhador no exercício das atividades laborais. As
empresas passaram a desconsiderar a experiência e reforçaram as atitudes pessoais,
conforme figura 20.
Figura 20 – Atitudes pessoais

Fonte: Adaptada de Invernizzi (2000).

Assim, exaltam-se as tompetências do trabalhador, assinalando a


insuficiência da qualificação.

76
76 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
Compreenda a diferença. Com a ideia de
qualificação – tão comum no modelo fordista, até 1970
– o trabalhador comprovava com o diploma escolar Vo c ê sab i a?
e/ou profissional sua capacidade; era associado ao
O trabalhador não precisava saber
exercício de uma função em um posto de trabalho
a rotina e os processos de outros
e tinha uma carreira linear e, em alguns casos,
setores, apenas respeitar seu tempo
ascendente. Nesse contexto, o trabalhador só devia
de trabalho, ser disciplinado, executar
mostrar as qualidades necessárias para permanecer no
as funções que lhe eram destinadas e
setor e realizar com destreza as atividades da rotina obedecer.
do cargo.
Com a ideia de competências – apregoadas
com o surgimento do modelo toyotista – não desaparece
a necessidade de qualificação, mas incorpora-se
a supervalorização das capacidades subjetivas do Vo c ê SAB I A?
trabalhador para realizar várias funções. Embora seja
Junto com o toyotismo de Taiicho
contraposto à ideia que se tinha de qualificação por não
Ohno (1912-1990) – considerado o
enfatizar tanto a posse dos saberes e técnicas adquiridas
maior responsável por esse modelo de
na formação, diferencia-se ao exigir do trabalhador
produção – diversas técnicas foram
a capacidade de assumir várias funções, enfrentar o importadas do Japão e aplicadas nas
imprevisto no trabalho e resolver os mais variados empresas ocidentais como o CCQ’s
problemas com foco na produtividade e na qualidade (Círculos de Controle de Qualidade),
(FERRETTI, 1997). Kanban / JIT (Just in time ou
Assim, no que se refere à questão da competência “produção enxuta”), TQC (Total
vinculada à formação técnica e profissional no exercício da Quality Control), Kaizen (Mudança
para Melhor), técnica dos 5S’s, TPM
atividade, o trabalhador passa a ser responsabilizado por
(Total Productive Maintenance). Fonte:
seu sucesso ou fracasso na empresa. O diploma tornou-
ALVES, G. Trabalho e mundialização
se mera formalidade. Qualquer processo de seleção
do capital: a nova degradação do
passou a exigir não mais só o diploma, mas uma série de trabalho na Era do Capital. São Paulo:
atributos subjetivos condizentes com as necessidades do Editora Praxis, 1999. Disponível em:
empregador e com a função a ser desempenhada e que, <http://pt.scribd.com/doc/406935/
na maioria das vezes, ele não aprendeu na escola ou nos Toyotismo-e-Mundializacao-do-
cursos de formação profissional. Explica Ferretti (2005, Capital>. Acesso em junho de 2013.

p. 112) da seguinte forma:

AULA 5 TÓPICO 2 77
[...] aos ganhos para a empresa decorrentes da utilização de tais atributos
[competências pessoais] na produção de bens ou serviços, soma-se a transferência
para o trabalhador da responsabilidade por sua contínua formação, sem o que
será visto como não identificado com os objetivos institucionais e, portanto,
responsável pela sua própria demissão.

A competência, de acordo com o modo de produção flexível (toyotismo),


consiste em ser criativo, multifuncional, proativo, motivado e competitivo com
altos níveis de produção em um sistema que se altera de acordo com a demanda do
mercado e com o uso de novas tecnologias; exige-se também integração permanente
com a equipe de trabalho. Caso um setor não atinja as metas estabelecidas, a
responsabilidade é dividida entre seus membros que deverão repensar o trabalho
para não serem penalizados com a perda de bônus, promoções ou mesmo
substituídos.

at e n ção !

Diferentemente da qualificação, as competências não propõem nem garantem a


ascensão profissional pelos graus de certificação ou aumento salarial pela longa
trajetória de dedicação à empresa como ocorria no período do fordismo; mas exigem
múltiplas habilidades que o trabalhador tem que desenvolver para enfrentar
imprevistos e resolver problemas de forma dinâmica, com maior produtividade,
em diversas áreas e em menos tempo.

Sobre as exigências do perfil do trabalhador Antunes (1998) explica que há


duas questões que não podem deixar de ser abordadas: a primeira é a nova lógica da
empregabilidade em que o trabalhador deixa de ser um “funcionário” remunerado
para exercício de uma função e passa a ser um “colaborador” acumulando múltiplas
funções gerando maior lucratividade e diminuição de pessoal; a segunda é a
lógica da inversão da responsabilidade pela formação, pois cabe ao trabalhador
“multicompetente” atender as exigências ou ser demitido.

78
78 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
Figura 21 - Capa do caderno de formação sindical sobre o toyotismo, Buenos Aires, 2011.

Fonte: http://www.fetia.org.ar/index.php/publicaciones/capacitacion. Acesso em: jun. 2013..

Portanto, qualificação e competência são exigidas do trabalhador no ato da


contratação no sentido de que tanto o diploma como as qualidades subjetivas devem
corresponder ao saber técnico e à capacidade operacional real na qual importa as
relações e a gestão com foco na produtividade e na lucratividade da empresa.
Nesta aula, vimos que cada modelo específico de organização e controle do
trabalho exercerá pressão para que a escola contribua com um tipo de educação dos
trabalhadores condizente com as necessidades das empresas, em conformidade com
as relações entre capital e trabalho. Aprendemos ainda a diferenciar qualificação e
competência, a partir do modelo toyotista e reconhecer as novas exigências do perfil
profissional do trabalhador. Na próxima aula, abordaremos a educação escolar e suas
contradições na inserção do trabalhador no mercado de trabalho. Até lá!

AULA 5 TÓPICO 2 79
AULA 6 A educação escolar e a
força de trabalho no âmbito
das relações entre capital
e trabalho e a situação do
emprego no Brasil

Caro(a) aluno(a),

Chegamos à nossa última aula. Na aula anterior discutimos os modelos produtivos


e aprendemos a diferenciar qualificação profissional e competências no contexto
da reestruturação produtiva tendo o toyotismo como exemplo das transformações
no atual modelo produtivo. Nesta aula, analisaremos as contradições existentes
entre a educação escolar e a inserção do trabalhador no mercado de trabalho
com base na situação do emprego no Brasil.

Objetivos

• Identificar a educação escolar como um dos mecanismos seletivos das


oportunidades de trabalho
• Compreender os critérios de seleção para o trabalho e a relação do saber-
fazer a atividade de trabalho

80 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
TÓPICO 1
Escolaridade e competências
subjetivas no mercado de
trabalho: a corrida pela
empregabilidade
O bjetivos
• Relacionar escolaridade aos problemas de desemprego
estrutural e inserção no mercado de trabalho
• Compreender as diferentes visões dos jovens brasileiros
sobre a transição escola e trabalho no contextual atual

1.1 ESCOLARIDADE, QUALIFICAÇÃO E CORRIDA AOS POSTOS DE


TRABALHO
Nas últimas décadas do século XX, destacaram-se acontecimentos em torno da
tendência da crise de acumulação do capital, que se manifesta na predominância do
capital financeiro, na quebra da hegemonia do modelo de regulação social fordista,
na reorganização da gestão do trabalho, na elevação do patamar tecnológico e
científico aplicado ao campo social e econômico.
Destacaram-se, ainda, aspectos positivos como a redução do tempo de
viagens; difusão dos conhecimentos da área da saúde que permitem mais tempo
de vida; descobertas de novas tecnologias para a agricultura que permitem
a capacidade de crescimento da produção de alimentos. Ao lado disso, porém,
prolongam-se os bolsões de pobreza; ocorre a perda da biodiversidade, degradação
ambiental; insegurança e violência; surgem “[...] novas formas de subsunção
política e cultural à produção e reprodução sociais globais que acontecem cada
vez mais sob as regras determinadas pelas necessidades do capital [...]” (ARRAIS
NETO, 2004, p.109).

Especificamente, no campo da educação escolar, quais seriam essas


contradições?

AULA 6 TÓPICO 1 81
A formação-capacitação ou qualificação escolar ou a educação profissional e
tecnológica dos trabalhadores envolve diversos aspectos. Destacamos, em primeiro
lugar, o aspecto da contradição que consiste, segundo Arrais Neto (2004), em
negar a própria lógica que a escola pretende apoiar, que é a lógica da igualdade
de oportunidades. Se este raciocínio estiver correto, comecemos pelo fato de que a
escola é portadora da grande promessa revolucionária e democrática da burguesia:
permitir a mobilidade da posição social para cima ou para baixo, de acordo com a
dedicação aos estudos daqueles que estão no sistema escolar.
É sabido que com o fim do feudalismo, o pertencimento a uma classe social
mais alta deixou de ser privilégio exclusivamente hereditário; agora, no sistema
capitalista, tornou-se necessário fazer por merecê-la, demonstrando esforço,
capacidade e livre iniciativa.

Reflita um pouco: Que instituição poderia identificar aqueles que


fazem por merecer melhorar de vida senão a escola?

A escola ainda hoje é reconhecida por medir as aptidões das pessoas e, às


pessoas que conseguem cumprir a proposta escolar a que se submeteu é fornecido
uma credencial denominada diploma. Aos que conseguem obtê-lo, está dada a
oportunidade para alterar a sua posição social; aos que não conseguem, cai-lhes
bem o selo de fracasso (reprovação) e, por sorte, a permanência da posição social
garantida pelos bens materiais que porventura possuam.

GUA RD E BE M ISSO
Não estamos afirmando que a escolaridade possui um defeito que não lhe permite
tornar-se medida plena e capaz de selecionar o trabalhador. Outros elementos devem
ser cogitados para compreender o conjunto de critérios utilizados para esse tipo de
seleção. Além disso, é preciso considerar que a grande quantidade de força de trabalho
disponível permite ao capital incluir diversos critérios – técnicos e subjetivos – nesse
processo seletivo.

82
82 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
A escolaridade não se constitui, entretanto, medida absoluta da capacidade
e do mérito das pessoas nem tão pouco garantia de inserção no mercado e ascensão
profissional, porque outros elementos precisam ser considerados na mobilidade
social. Isto se expressa, por exemplo, em atividades cotidianas como a busca
por trabalho, onde a escolaridade não é medida suficiente para a seleção do
trabalhador. Dependendo do cargo que o empregado pretenda ocupar, habilidades
mais especificas são exigidas, como exemplo, motorista de uma empresa comercial.
De acordo com Bourdieu (s/d apud TARTUCE, 2007) as teorias meritocráticas
consideram a escolaridade como um fator de mobilidade social para aqueles que não
dispõem de fator econômico e tampouco padrão cultural desejado pelo empregador.
Porém, quando as pessoas possuem escolaridade igual, os atributos recaem sobre
aspectos invisíveis, como liderança, comunicação, capacidade de trabalhar em
equipe, atingir metas, etc. Esses processos seletivos de força de trabalho oscilam,
de acordo com a disponibilidade da força de trabalho no mercado, alternando os
critérios de seleção, que não estão relacionados necessariamente às proficiências
relacionadas ao saber-fazer a atividade de trabalho.
Assim, o quadro que reúne, de um lado, trabalhadores em busca de qualificação
ou já qualificados e, de outro, postos de trabalho quase inexistentes em empresas
empregadoras, tem como divisor um exército de reserva de desempregados que
permite aos empresários tanto diminuir os salários como aumentar as exigências
de contratação; embora, em alguns casos, as atividades a serem executadas não
necessitem de um currículo tão diversificado (BRAVERMAN, 1987).

Mas a responsabilidade do trabalhador não conseguir emprego é


devido a falta de qualificação, a concorrência ou a falta de postos
de trabalho? É o que vamos discutir no próximo item.

1.2 FATORES INTERVENIENTES NA SELEÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO


PARA O TRABALHO
No Brasil, a grande quantidade de força de trabalho disponível no mercado
de trabalho contribui para o aumento das exigências de contratação do trabalhador,
incluindo-se aí os aspectos invisíveis e subjetivos. Essa realidade suscitou a
realização de vários estudos visando a analisar a transição escola e trabalho, suas

AULA 6 TÓPICO 1 83
tensões e contradições. Um desses estudos foi realizado por Tartuce (2007) que
analisa essas tensões, observando agências de emprego e o Centro de Integração
Escola-Empresa (CIEE), entrevistando 45 jovens, com faixa etária de 16 a 28 anos,
em São Paulo.
O estudo de Tartuce (2007) aponta que a transição escola e trabalho precisa
ser especificada, considerando:

Com base na compreensão dos três fatores acima mencionados, Tartuce


(2007) dividiu as entrevistas em sete grupos:
Grupo 1 – Caracteriza-se pela experiência ocupacional anterior, embora sem
comprovação.
Trata-se de jovens que começaram a trabalhar por volta dos 14 anos de
idade; estudaram na escola pública, sendo que alguns concluíram curso superior.
No discurso desse grupo prevalece o desejo de “crescer profissionalmente”. O
trabalho é considerado necessário para a sobrevivência e para a volta aos estudos,
apesar de que tenham claro o fato de que o ensino superior não mudou suas vidas.
Além disso, consideram que a competitividade, o local onde residem e a falta de
oportunidades são obstáculos para a contratação de sua força de trabalho. Para o
grupo entrevistado que não possuía curso superior, a obtenção de emprego associa-
se, sobretudo, à experiência profissional e à elevação da escolaridade. No caso de
preenchimento desses critérios surgem outras barreiras: cor, sexo e idade.
Grupo 2 – Uma parcela de jovens que estuda no ensino médio e outra,
concluiu.
No discurso dos jovens, reside o objetivo de “ser alguém na vida”. Todos
procuram por trabalho pela primeira vez e pretendem obter trabalho fixo para

84
84 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
custear os estudos; deparam-se, porém, com as exigências de níveis mais elevados
de estudos e experiência profissional. Quem está se formando alega que precisa
de experiência profissional; quem já está formado alega que precisa do ensino
superior para destacar-se.
Grupo 3 – Jovens entrevistados que estão na faixa etária de 16 a 18 anos e
ainda frequentam o ensino médio.
Concorrem com outros na mesma situação, buscando trabalhar como
estagiários com o sonho de serem efetivados posteriormente como empregados.
Grupo 4 – Entrevistados que possuem 25 anos de idade e já concluíram o
curso superior.
Manifestam frustração por não seguir trabalhar na área de sua formação.
Grupo 5 – Situa-se na faixa etária de 18 a 24 anos e são de origem social
diversa.
Os jovens entrevistados também adotam o discurso de “crescer
profissionalmente”. Todos estão no ensino superior, buscam crescimento e
reconhecimento profissional e sentem-se preparados para atender, no presente, as
exigências de seleção para estágio ou emprego, pois estão confiantes no seu vasto
portfólio.
Grupos 6 – Jovens que cursam nível superior, possuem boas relações (capital
cultural) e origem social mais elevada.
O discurso predominante é: “fazer sua chance” e “subir”. Enfatiza a
primazia do estudo e o capital cultural (boas relações que facilitam a aprovação nos
processos seletivos). São estudantes matriculados em instituições de nível superior,
reconhecidas e prestigiadas socialmente. A busca por trabalho ou estágio somente
teve início após o ingresso no curso superior. O estágio ou trabalho corresponde
às áreas de sua formação e não é considerado prioridade se atrapalhar as horas
destinadas aos estudos.
Grupo 7 – Grupo dos jovens que apresenta medo de entrar no mundo adulto
e enfrentar os aspectos a ele relacionados, como o trabalho, a responsabilidade, etc.
A análise dos grupos de entrevistados revelou que:
I. Os mais jovens e que ainda estudam demonstram maior otimismo e
segurança para a obtenção do trabalho.
II. Aqueles que não deram continuidade à sua formação na etapa da
escolaridade obrigatória sentem-se incapacitados na busca por trabalho.
III. Os grupos com percurso educacional ou laboral mais longo valorizam

AULA 6 TÓPICO 1 85
essas experiências e contam com elas para a inserção ou reinserção no
mercado de trabalho.
IV. Os grupos provenientes de meios sociais mais elevados (5, 6 e 7)
consideram-se mais aptos a obter trabalho e são muito seletivos em
relação às atividades laborais.
Um ponto comum é que todos os grupos creem no processo contínuo de
qualificação como uma maneira capaz de enfrentar as dificuldades de obtenção
de trabalho, sendo que esse processo depende de seu empenho pessoal e de sua
disposição de seguir adiante. Não percebem, porém, a influência dos fatores
externos, como: desemprego estrutural; concorrência excessiva por postos
de trabalho; lentidão do governo para diminuir o desemprego; exploração do
trabalhador; baixos salários; elevação dos padrões de contratação cada vez mais
exigentes e seletivos; economia com predominância do capital financeiro em vez do
capital produtivo, etc. Outro ponto de convergência apresentada nas entrevistas é
que os jovens, na transição escola e trabalho, “[...] são obrigados a construir, por si
próprios, múltiplas experiências, atualizando constantemente seus conhecimentos
e competências” (TARTUCE, 2007, p.365).
A pesquisa de Tartuce (2007) evidenciou também que a transição da escola
ao trabalho, na atualidade, não é tranquila e tampouco homogênea. A este respeito,
Guimarães (2006) assevera que não há um padrão na transição da escola para o
trabalho, variando entre países, grupos sociais e até entre gerações de uma mesma
sociedade.
Podemos concluir que os processos seletivos para empregabilidade exigem
cada vez mais graus elevados de escolaridade e, quando estes não são suficientes,
critérios subjetivos são escolhidos de forma que a maioria não consegue se inserir
no mercado, porque as vagas de trabalho são escassas e o número de concorrentes
muito elevado e que os jovens, em sua maioria, não percebem a influência dos
fatores externos nos processos de empregabilidade.

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Mate
TÓPICO 2
A escolaridade como elemento
preferencial dos jovens para
acesso ao mercado de trabalho
e a situação do emprego no
Brasil
O bjetivos
• Relacionar influência dos fatores externos na transição es-
cola e trabalho
• Compreender os problemas relacionados à situação do
emprego no Brasil

N o período pós-Segunda Guerra, a transição da escola ao trabalho


era quase automática porque os níveis de emprego se expandiam
com o crescimento industrial das nações ricas. Segundo Paiva
(1995), em países como a França era comum um ordenamento social das profissões e
da estrutura de cargos e salários de forma que a cada profissão correspondia um nível
escolar de qualificação com conteúdos próprios que quase não exigiam por longos
anos novas aprendizagens. Entretanto, nos períodos de crise do capital e dos avanços
tecnológicos, a inserção no mercado de trabalho tornou-se praticamente aleatória,
uma vez que predominou novas formas de contratação como a de tempo parcial,
o trabalho em domicílio, o trabalho autônomo, etc. No contexto de reestruturação
produtiva da década de 1970, os vínculos com o trabalho se caracterizaram pela
instabilidade e precariedade DUBAR(s/d apud GUIMARÃES, 2006).
No Brasil, a partir da década de 1980, período em que se consolida a
reestruturação produtiva, a análise da transição escola e trabalho deve considerar,
segundo Guimarães (2006, p. 175) dois aspectos importantes: “o acesso muito
precoce ao trabalho e, consequentemente, a persistente superposição entre escola
e trabalho”. Como exemplo, podemos citar a pesquisa realizada entre jovens de 10
a 19 anos por Hasenbalg (s/d apud GUIMARÃES ,2006) que mostrou que a maioria
dos jovens atraídos para o mercado de trabalho nesse época sequer concluiu
oito anos de estudos. Nesse caso, exclui-se a ideia da escolarização como critério
absoluto de inserção no mercado de trabalho.

AULA 6 TÓPICO 2 87
A escolarização, de qualquer forma, ainda é um fetiche e exerce um poder
mágico nos jovens trabalhadores. Nas pesquisas realizadas por Pires (2007), por
exemplo, os jovens expressam total confiança na capacidade da escola de promover
a ascensão social. Ao referirem-se aos estudos, comentam: “[...] hoje em dia quem
não tem estudo, não tem nada” (PIRES, 2007, p. 125); segundo o autor citado os
jovens entendem que os estudos permitirão “[...] serem alguém na vida” (idem, p.
125). Esse fascínio dos jovens pelos estudos, principalmente, em nível superior,
como elemento diferenciador para ascensão profissional é identificado, inclusive,
entre aqueles que já estão trabalhando, cuja expectativa é, por meio desses estudos,
alcançar o trabalho desejado enquanto labutam no trabalho possível, no momento
(CORROCHANO, 2008).
Todavia, a conciliação entre trabalho e estudo, no Brasil, tem sido
considerada difícil nas camadas sociais mais baixas, em que a inserção profissional
de jovens ocorre, em geral, em contexto marcado pelas transformações econômicas,
tecnológicas e institucionais (SPÓSITO, 2005).
É forçoso notar que o significado da escola e do trabalho é continuamente
reforçado pela divisão social do trabalho na sociabilidade atual, que repõe a divisão
entre as duas classes fundamentais (a classe dominante / classe trabalhadora),
embora esteja mantida a promessa da mobilidade social para todos por meio da
educação.
Outra manifestação das contradições da formação-capacitação escolar se
refere ao emblemático crescimento do desemprego. Sabemos que, com a introdução
da robótica e da microeletrônica nas áreas da agricultura, indústria e serviços,
o capital se desvencilha, cada vez mais, da presença do trabalhador, eliminando
postos de trabalho e substituindo-os por máquinas. Tomazi (2010) cita como
exemplo a crescente automação das linhas de produção de veículos no País que
colocou milhares de pessoas na rua. Na década de 1980, o setor empregava 140 mil
operários para produzir 1,5 milhão de veículos. Atualmente, produz 3 milhões de
veículos com apenas 90 mil trabalhadores.
A mecanização no campo – preparo da terra, plantio e colheita – também
desempregou significativamente as pessoas na agricultura gerando o êxodo rural e o
inchaço urbano. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio
(PNAD) realizada pelo IBGE, em 2011, das 92,3 milhões de pessoas ocupadas, 78,2
milhões (84,72%) trabalhavam em atividades não agrícolas. E, de acordo com o
gráfico 1, o setor que mais emprega é o setor de serviços com 41,5 milhões (44,96%)

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Mate
de pessoas ocupadas (PO) contra apenas 12,4 milhões (15,3%) do campo. Além da
concentração de milhões de famílias nas grandes cidades e da situação desfavorável
no campo, deve-se considerar a acentuada queda da empregabilidade (com taxa de
-8%) no setor industrial, como demonstra o gráfico 1, entre os anos de 2009 e 2011,
que pode ser explicada – além dos fatores econômicos como as crises internacionais
do capital e a política de altos juros – pelo crescente avanço tecnológico que vem
substituindo cada vez mais os trabalhadores.

Gráfico 1:Distribuição da PO por agrupamento de


atividade(%)

Fonte: IBGE / PNAD, 2009/2011

O cenário atual do mercado de trabalho no Brasil é que mesmo com o


crescente acesso à escolaridade, desde 1980, o nível de empregabilidade tem
diminuído significativamente. O resultado só favorece aos empregadores e aos
donos do capital, pois podem oferecer baixos salários já que dispõem de um
exército de desempregados procurando trabalho nas grandes cidades brasileiras.
Segundo Braverman (1987), uma das consequências presumíveis deste cenário é o
aumento exagerado das exigências na contratação do trabalhador – o que multiplica
as contradições na relação escolaridade e trabalho. O resultado é que temos um
número significativo de pessoas qualificadas, inclusive, com ensino técnico e
superior, exercendo funções bem abaixo do seu grau de formação. Segundo os
estudos e pesquisas do sociólogo Tomazi (2010, p. 60): “[...] a elevação do nível
de escolaridade não significa necessariamente emprego no mesmo nível e boas
condições de trabalho”. Diz ele:

Quantos graduados em Engenharia ou Arquitetura estão trabalhando como


desenhistas? Quantos formados em Medicina são assalariados em hospitais e
serviços médicos, tendo uma jornada de trabalho excessiva? E os formandos
em Direito que não conseguem passar no exame da Ordem dos Advogados do

AULA 6 TÓPICO 2 89
Brasil (OAB), muitos por ter uma formação deficiente, e se empregam nos mais
diversos ramos de atividade, em geral muito abaixo daquilo que estão, em tese
habilitados a desenvolver? Ou seja, a formação universitária, a cada dia mais
deficiente, não garante empregos àqueles que possuem diploma universitário,
seja pela qualificação insuficiente, seja porque não existe emprego para todos.
(TOMAZI, 2010, p. 60).

Para exemplificar a relação de contradição entre escolaridade e emprego


apresentada pelo autor acima, tomemos novamente os dados de 2011 da Pesquisa
Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
Gráfico 2: Distribuição da PO
por categoria da ocupação(%)

Fonte: IBGE / PNAD, 2009/2011.

Gráfico 3: Distribuição dos empregados, por pú-


blico e privado e existência de carteira(%)

Fonte: IBGE / PNAD, 2009/2011.

De acordo com os gráficos 2 e 3 da pesquisa acima, das 92,3 milhões de


pessoas economicamente ativas, 56,7 milhões são empregados do setor privado
(80,2%) e do setor público (19,8%). Do total de empregados, 36,2 milhões (63,8%)
possuem carteira assinada, e 13,6 milhões (24,1%) trabalham sem carteira assinada.
A diferença de 6,9 milhões (12,1%) corresponde aos militares e funcionários
públicos estatutários.

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90 Trma ábtai cl hao Beá sEidcuacIaI ç ã o
Mate
Embora as fontes oficiais (PNAD 2011/IBGE) afirmem que a taxa de
desemprego no Brasil oscile entre 7 a 10% de 2010 a 2013, tanto os direitos
garantidos por lei como os sistemas de proteção ao trabalhador, assim como também
o salário necessário a uma vida digna diminuíram consideravelmente apesar de
todo o empenho dos trabalhadores no processo de retorno à escola e de qualificação
profissional. Podemos observar, conforme o gráfico 4 a seguir, sobre a evolução do
salário mínimo real e do PIB per capita – 1940-2005(DIEESE/IBGE), que houve um
crescimento econômico fantástico que multiplicou o Produto Interno Bruto (PIB)
em cinco vezes nos últimos sessenta anos. E o salário mínimo, ao contrário, foi
reduzido a um terço do valor inicial no mesmo período de tempo. Percebemos que
a riqueza gerada pelos trabalhadores tanto na forma de impostos para o Estado
como na forma de lucro para as empresas não vem sendo dividida com justiça para
garantir as condições básicas de vida de milhões de famílias que eles representam
nesse País.
Gráfico 4: Evolução do Salário
Mínimo real e do PIB per capita

Fonte: DIEESE/IBGE (2006)

Dessa forma, a relação escolaridade e emprego remonta a relação capital e


trabalho que abordamos na primeira e na segunda aula desta disciplina. Porque o
Brasil está longe de ser considerado um país pobre, populoso ou com problemas
geográficos insuperáveis já que desde 2002 mantém-se entre as dez economias de
maior PIB global. Ocorre que a concentração de renda nas mãos da classe que
detém os recursos financeiros é cada vez maior e não permite que a classe que vive
do trabalho usufrua da riqueza por ela gerada mesmo que esta tenha aumentado
significativamente a escolaridade e seja inegável sua participação no processo de
crescimento econômico do PIB.

AULA 6 TÓPICO 2 91
O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, elaborado pelo PNUD
(Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento), conforme IPEA/2004, aponta
que o Brasil aparece como um dos piores países do mundo no que se refere à
concentração de renda, com o Índice de Gini de 0,591, quase no final da lista de
127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda. Já os
dados mais recentes do PNUD/2010, pelo índice de Gini, apontam o Brasil com
o resultado de 0,56. Contudo, mesmo assim, continua como terceiro país mais
desigual do mundo. O PNUD/2010 constatou, ainda no mesmo ano, que dos 15
países mais desiguais do mundo, 10 se encontram na América Latina e no Caribe.
Logo, apesar de ter sido apresentada como veículo da mobilidade social,
a escola encontra os seus limites na impossibilidade do sistema econômico de
expandir os empregos durante longos períodos sem explorar a classe trabalhadora
com baixos salários e ameaçá-la constantemente pela substituição do exército
de reserva de desempregados. Afinal, a contratação para uma atividade laboral
não depende exclusivamente da formação-capacitação, sendo-lhe acrescentados,
atualmente, critérios subjetivos nem sempre explícitos. Além disso, os fatores
externos vinculados à economia como a concentração de renda, a desigualdade
social e o desemprego estrutural contribuem para que a relação escola e trabalho
tenha se tornado um grande desafio, sobretudo, para os jovens.
Evidencia-se, ainda, que a escola se articula com os interesses capitalistas. Ao
cumprir a tarefa de formar, envolve-se em contradições, ou seja, envereda também
por outras possibilidades capazes de negar a própria lógica que pretende apoiar:
de que com a educação todos terão mobilidade social. Todavia, cabe acrescentar
a acepção de que “(...) a escola pode ser um instrumento eficaz na formulação
das condições concretas da superação destas relações sociais de produção (...).”
(FRIGOTTO, 2001, p.24). Em outras palavras, se considerarmos que a “escola
não é orgânica a este modo de produção, pode articular-se com outros interesses
antagônicos ao capital” (IDEM, p. 24). Para tanto, educandos e educadores devem
conscientizar-se do seu papel político e social na transformação da atual realidade
brasileira.
Vimos, então, conforme os estudos apresentados no tópico 1 e 2 desta aula, que
o desemprego se articula fortemente com a introdução de ferramentas ou máquinas
capazes de substituir um número cada vez maior de trabalhadores, ainda que
possuam elevado nível de escolarização. Compreendemos que se todos auferissem a
formação-capacitação escolar demandada pelas diversas fragmentações do trabalho

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Mate
assalariado não haverá como inclui-los no mercado de trabalho devido aos fatores
sociais e econômicos discutidos. Finalmente, a nossa análise apontou para o fato de
que as limitações da sociabilidade, no contexto do sistema capitalista atual, afetam
o princípio de igualdade de oportunidades para todos e a ascensão social pelo
caminho da educação, entendida como qualificação profissional e competências
pessoais e sociais desenvolvidas ao longo dos anos de preparo na escola.
Esperamos ter correspondido às suas expectativas! Até breve!.

AULA 6 TÓPICO 2 93
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98 Tr a b a l h o e E d u c a ç ã o
CURRÍCULO
Elenilce Gomes de Oliveira

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em


Educação pela mesma universidade. Graduada em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Ceará (IFCE). Membro do Fórum Estadual de Educação do Ceará.
Colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira/UFC.
Coordenadora adjunta do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação
Profissional (LABOR). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Educação
Profissional (NUPEP). Possui publicações sobre as temáticas: trabalho-educação,
políticas educacionais, Ensino Médio e Educação Profissional e Tecnológica

Océlio Jackson Braga

Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui


graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Mestrado
em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É professor universitário,
coach, palestrante, escritor e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre
Trabalho e Qualificação Profissional - LABOR / UFC. Consultor em Gestão
Educacional e Formação de Equipes de Alta-performance com publicações
sobre trabalho-educação, Ensino Médio e Educação Profissional e Tecnológica.

http://lattes.cnpq.br/8917225858283611

CURRÍCULO 99

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