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12/12/2022 19:54 UNINTER

 
 
 
MÉTODOS PSICANALÍTICOS
AULA 1

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

Esta caminhada, num primeiro


momento, tem o objetivo de inserir o contexto histórico do ato de
fundação da
psicanálise. Para alcançar os nossos
trilhos, percorreremos os de Freud visando

estabelecer uma
visão epistemológica dos acontecimentos que deram origem à história do

movimento psicanalítico.

Em
seguida, buscaremos estabalecer os métodos que compõem a prática psicanalítica,
por

meio da análise dos textos que ficaram conhecidos como os escritos


tecnicos de Freud, sem deixar,

contudo, de articulá-los aos desdobramentos


conceituais propostos por Lacan, que foi,

indiscutivelmente, o melhor leitor e


intérprete dos pensamentos freudianos.

Por
último, mas não menos importante, trabalharemos a questão da ética em
psicanálise, assim

como a formação do analista e o desejo do analista,


que põe em ato a clínica psicanálitica.

TEMA 1 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA


PSICANÁLISE

Na
origem da psicanálise encontramos o paradigma das mulheres histéricas, as quais,
para

exprimir as suas aspirações pela liberdade, não tinham outro recurso a não
ser os seus corpos

atormentados. Foi, então, por meio da presença estarrecedora


e de seus relatos clínicos que Freud

pôde erigir uma nova teoria que se


inaugurava como uma práxis.

Depois
de sua experiência como residente no hospital La Salpêtrière, em Paris,
quando teve a

oportunidade de atuar ao lado de seu mestre, Charcot, médico


renomado no trato das histéricas,

Freud retorna a Viena com o objetivo de


retomar o caso de Anna O., uma antiga paciente de Breuer,

que lhe deixara


imensamente impactado. Trata-se de uma jovem paciente, de boa educação, que

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adoecera quando cuidava de seu pai acamado. Vale sublinhar que Ana O. era devotamente
afeiçoada

a seu pai.

Seus
sintomas consistiam em um quadro de variadas paralisias com contraturas,
inibição e

confusão mental. Foi observado pelo seu médico que, quando Ana O. conseguia
expressar com

palavras as suas fantasias emotivas, ela tinha um alívio desses


estados nebulosos de consciência,

aos quais se encontrava submetida no momento.


Por meio dessa descoberta Breuer passou a

hipnotizá-la, com o objetivo de


questioná-la para fazê-la dizer o que lhe oprimia a mente. Dessa

forma, os
ataques de confusão depressiva foram separados e, em seguida, Breuer usou a
mesma

técnica para eliminar suas inibições e distúrbios físicos. Contudo, em


seu estado de vigília, a

paciente não conseguia fazer nenhum tipo de ligação


com a origem dos seus sintomas, mas,

quando hipnotizada, de pronto descobria a


ligação que faltava.

O
fato é que todos os seus sintomas retornavam quando ela voltava a cuidar de seu
pai, o que
fez levantar a hipótese de que eles tinham um significado, mas
ficavam sob efeito de um resíduo ou

reminiscência daquela situação emocional. No


decorrer do seu tratamento, foi possível verificar que,

toda vez que lhe vinha


um pensamento ou impulso que ela evitava ou o suprimia estando na

cabeceira do
enfermo, o que surgia no lugar desses pensamentos era o sintoma.

O
Caso Anna O. surpreendeu tanto a Freud que, quando ele retorna a Viena, volta
disposto a

construir um novo saber científico que pudesse tratar esse tipo de


paciente, mesmo que o preço a

pagar fosse a sua amizade com Breuer.

1.1 ESTUDOS SOBRE A HISTERIA

O
Estudo sobre a histeria, publicado em 1895 por Freud e Breuer, pode ser
lembrado como o
ponto de partida da psicanálise, pois de fato podemos afirmar que
as investigações e as

descobertas clínicas feitas com base nesse fenômeno,


preparam o terreno para a prática da clínica

psicanalítica.

As
observações feitas nesse estudo de Freud e Breuer revelaram que a origem dos
sintomas

histéricos não podia ser estabelecida por interrogatório, mesmo que


ele fosse feito de forma

minuciosa, pois de fato as pacientes não seriam capazes


de recordar da experiência vivida e, muitas

vezes, não existia nenhuma suspeita


de conexão casual entre o evento desencadeador e fenômeno

patológico.

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Nesse
período, a principal técnica utilizada nos pacientes era a hipnose, pois
ao hipnotizá-los as

lembranças da época em que os sintomas surgiram pela


primeira vez poderiam ser evocados por

sugestão.

Em
busca da origem dos sintomas Freud e Breuer passaram a estabelecer uma relação
comum

entre a patogênese da histérica e as neuroses traumáticas:

Nas neuroses traumáticas a causa atuante da doença não é o


dano físico insignificante, mas o

afeto do susto – o trauma psíquico. De


maneira análoga, nossas pesquisas revelam para muitos,
se não para a maioria
dos sintomas histéricos, causas desencadeadoras que só podem ser

descritas como
traumas psíquicos. Qualquer experiência que possa evocar afetos aflitivos –
tais
como os de susto, angustia, vergonha ou dor física – pode atuar como um
trauma dessa natureza.

(Freud, 1996a, p. 41)

Assim, o trauma psíquico ou, como


especifica Freud, a lembrança traumática, atua no psiquismo
como
um corpo estranho, que, mesmo muito tempo depois de sua entrada, permanece como
um

agente em plena função, portanto mente e corpo não funcionam de forma


separada.  

A novidade trazida por Freud e Breuer foi que, por


meio de suas observações, puderam

constatar, com grande surpresa, que “cada


sintoma histérico individual desaparecia, de forma

imediata e permanente,
quando conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança do fato que o

havia
provocado e despertado o afeto que o acompanhara” (Freud, 1996a, p. 42). Desse
modo,

quanto mais o afeto fosse transformado em palavras, maior alívio era


experimentado pelas

pacientes. De igual modo, se as lembranças não fossem


recordadas sem afeto, invariavelmente não

produziam resultados. Portanto, segundo


essas constatações, o processo psíquico deve ser levado

de volta à sua nascente


para então ser concebido em expressão verbal.

1.2 CLÍNICA COM AS HISTÉRICAS: PRIMEIRAS DESCOBERTAS

O
sofrimento histérico consistiria, então, em lembranças traumáticas, cujo
tratamento seria a

rememoração do acontecimento, no entanto, para produzir um


efeito de suspensão do sintoma, era

necessário que houvesse uma reação


energética, a qual diz respeito ao modo como o paciente

descarrega os afetos,
de ordem voluntária ou involuntária. Segundo Freud, tal reação deve ocorrer

em
grau suficiente, ou seja, a ponto de produzir um alívio; caso contrário, quando
a reação é

reprimida, o afeto permanece vinculado à lembrança. Ele ainda


destaca que a linguagem tem a

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mesma característica, pois, quando reprimida,


tende a fazer adoecer. Dessa forma, um afeto só

poderia ser ab-reagido,


ou seja, elaborado, se passasse por um processo catártico.

Paradoxalmente as lembranças traumáticas não


estariam inteiramente disponíveis na

lembrança, sendo impossível acessá-las em


estado de vigília. Freud então adere à técnica da

hipnose, sob a declaração


de que “Apenas quando o paciente é inquirido sob hipnose é que essas

lembranças
emergem com a nitidez inalterada de um fato recente” (Freud,
1996a,
p.
45).

TEMA 2 – TÉCNICAS E MÉTODOS QUE PRECEDERAM A


PSICANÁLISE   

Nos
primeiros anos de trabalho clínico de Freud, momento em que também ocorrera a

publicação
do Estudo sobre a histeria, o principal método terapêutico utilizado era
o catártico,

descoberto por Breuer, cuja função se resumia em


transformar em palavras a cota de afeto preso de

uma experiência traumática e responsável


por manter o sintoma. No entanto, para que houvesse

uma ab-reação do afeto, era


indispensável que essa produção viesse com uma quantidade

necessária de carga
energética, pois só dessa forma proporcionaria uma descarga emocional. O fato

é
que “a lembrança do trauma psíquico atuante não se encontra na memória normal
do paciente,

mas em sua memória ao ser hipnotizado” (Freud, 1996a, p. 47).

2.1 HIPNOSE

A
hipnose foi a principal técnica utilizada com as histéricas no período que
precedeu a

publicação do Estudo. Mas, ao contrário do modo como a


utilizavam naquela época, via sugestão ou

proibição, Freud a empregou pelo


método de Breuer, cuja técnica era usada para determinar a origem

dos sintomas.
Quando obtinha o conhecimento da origem do sintoma, esse conteúdo era

comunicado aos pacientes a fim de despertar o afeto que acompanhara o momento


traumático e

produzir uma catarse para que enfim houvesse uma ab-reação do


afeto.

Mas,
ainda que Freud tenha insistido e demostrado um grande interesse pela hipnose,
ele

apontou para algumas dificuldades ao trabalhar com ela, pois, em sua


experiência clínica, pôde

verificar que “nem todas as pessoas que exibiam


sintomas histéricos [...] podiam ser hipnotizadas” e

que, portanto, havia


neuroses menos suscetíveis à sugestão hipnótica (Freud, 1996a, p. 272).

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Outro
ponto levantado por Freud é que nem sempre as comunicações feitas sobre as
revelações

hipnóticas suscitavam no paciente de vigília as mesmas reações do


estado hipnótico. Assim,

questionando suas habilidades como hipnotizador, pouco


a pouco Freud foi introduzindo novas

técnicas que pudessem substituir a


hipnose.

2.2 CONCENTRAÇÃO 

Outra
das técnicas adotadas por Freud nesse período foi o método de concentração,
que

consistia em deitar o paciente, pedir que ele fechasse os olhos


deliberadamente e fazer uma

pressão sobre a sua fronte a fim de se concentrar e


evocar novas lembranças. Nessas

circunstâncias, Freud pôde se dar conta de que


havia outro problema a ser superado – a resistência.

Portanto, o
trabalho psíquico deveria ir na direção onde pudesse superar as forças psíquicas
que se
opunham à tomada de consciência das representações patogênicas.

Com
base nessa elaboração, Freud começa a pensar na ideia de defesa, em que uma
força
psíquica, por parte do ego, se oporia ao seu retorno à memória, afirmando
que “o não saber do

paciente histérico seria, de fato, um não querer saber”


(Freud, 1996a, p. 284).

2.3 MÉTODO CATÁRTICO EM FREUD

Ao
abandonar a hipnose, Freud foi se aprofundando no método catártico, oriundo de
Breuer, e se
empenha em descobrir novas formas de análise. O termo análise
passa a ser empregado por ele

para se referir a essa nova técnica clínica. A


primeira impressão de Freud sobre seus avanços na
análise com seus pacientes é
relatada assim:

O material psíquico patogênico aparentemente esquecido, que


não se acha à disposição do ego e

não desempenha nenhum papel na associação e


na memória, não obstante está de algum modo à

mão, e em ordem correta e adequada.


Trata-se apenas de remover as resistências que barram o
caminho para o material
[...] O material psíquico patogênico parece constituir o patrimônio de uma

inteligência não necessariamente inferior à de um ego normal. A aparência de


uma segunda
personalidade é muitas vezes apresentada de maneira mais enganosa. (Freud,
1996a, p. 299-300)

Com
o desenvolvimento da técnica, agora ela visava remover as barreiras da
resistência. Para

isso, era necessário, segundo as orientações de Freud, que o


médico se mantivesse na periferia da
estrutura psíquica, ou seja, que acolhesse
a fala sem muitos questionamentos para não criar

barreiras, fazendo com que o


paciente dissesse aquilo de que se lembrasse e soubesse. Assim, aos

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poucos suas
resistências eram superadas e isso lhe abriria novos caminhos para uma camada
mais
interna, ainda que o material trazido parecesse desconexo, logo seria
possível descobrir ligações

lógicas.

Freud
passo a passo se aproximava do que, mais tarde, ele vai conceber como psicanálise.
Por
enquanto, o método catártico não vislumbrava o problema da etiologia das
neuroses, ainda que, para

ele, o caso Anna O. demonstrasse evidências da


etiologia sexual, contudo não podia prescindir da
colaboração de Breuer que
inaugurou o método, mas privilegiava a causalidade fisiológica.

TEMA 3 – INVENÇÃO DA PSICANÁLISE 

O
Estudo sobre a histeria permanecia incompleto, visto que o problema da
etiologia continuava

sem solução, mas com as novas descobertas de Freud, o terreno


se encontrava preparado para as
novas investigações. Inevitavelmente, essas investigações
custariam a sua popularidade como

médico, motivo pelo qual Breuer não estava


disposto a se arriscar, pois já era um médico de renome.
Assim, o rompimento
com Breuer representou um novo começo para Freud, que passou a investigar

a
vida sexual dos neuróticos e fortaleceu a sua amizade Fliess, a quem endereçou
muitas cartas
contendo a sua autoanálise e falando sobre suas descobertas
teóricas.

As
correspondências a Fliess são indiscutivelmente um grande arquivo de notas e
ideias que

resultariam na invenção da psicanálise. Foram nessas


correspondências que Freud revelou no
Rascunho K o grande segredo de sua
clínica – a experiência primária de gozo, que resultaria em duas

repartições da clínica: a histeria e a neurose obsessiva (Freud, 1996a,


p. 267).

O
mecanismo de defesa seria responsável por essas repartições, pela qual a
experiência de
gozo na histeria provoca uma repulsa e na neurose obsessiva, uma
autorrecriminação, pois em

ambas estruturas a experiência de gozo sofre uma


repressão.

A
teoria da repressão assumiu o lugar central dos estudos com os neuróticos, em
que o objetivo

do tratamento não era mais ab-reação, mas revelar os


afetos reprimidos substituindo-o por
julgamentos que resultariam em uma
aceitação.

Em
março de 1896, Freud apresenta pela primeira vez no artigo “A hereditariedade e
etiologia

das neuroses”, o seu novo método, que deixa de ser chamado de catarse
para ser nomeado de
psicanálise. Esse novo método de tratamento por meio
da fala, inventado por Breuer e adaptado por

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Freud, visava encontrar a origem


da doença, pois uma vez revelada e confessada, com a ajuda do

terapeuta, os
distúrbios psíquicos podiam ser entendidos, tratados e às vezes curados. 

De
início, para Freud, a origem da neurose residia em traumas sexuais vividos na
infância,
quando crianças entre dois e cinco anos de idade sofriam atentados precoces,
acometidos por

adultos do seio familiar. No entanto, essa teoria não se


sustentava por si só. Logo Freud se viu
obrigado a abandonar a ideia de um
adulto abusador de criança na ordem da família burguesa e

desloca-se para a interpretação


do discurso, passando a considerar que tais cenas de sedução se
tratavam,
na verdade, de uma fantasia, ou seja, uma representação imaginária.
Em carta à Fliess,

datada de 6 de abril de 1897, escreve sobre a sua


descoberta:

O aspecto que me escapou na solução da histeria está na


descoberta de uma nova fonte a partir

da qual surge um novo elemento da


produção inconsciente. O que tenho em mente são as
fantasias histéricas, que,
habitualmente, segundo me parece, remontam a coisas ouvidas pelas

crianças em
tenra idade compreendidas somente mais tarde. A idade em que elas captam
informações dessa ordem é realmente surpreendentes – dois seis ou sete meses em
diante!...

(Freud, 1996g, p. 293)

Sobre
a fantasia, que é um material robusto de análise, não nos cabe agora
abordá-la, mas
deixamos mencionado para que se detenham sobre sua relevância. Por
ora, vamos ao que nos

importa – o inconsciente.

3.1 O INCONSCIENTE NA PSICANÁLISE

O
termo inconsciente já era empregado muito antes de Freud e a
psicanálise, mas a conotação

do termo ganhou uma nova ordem a partir de toda a


contribuição da psicanálise como um novo
saber: “A psicanálise considera tudo
de ordem mental como sendo, em primeiro lugar, inconsciente”,
ou seja, de uma
qualidade ulterior da “consciência” (Freud, 1996e, p. 37).

Para
a filosofia, a consciência e o mental tinham a mesma conotação, não se
concebendo a
ideia de algo mental ser inconsciente. Assim, com o rigor que a
psicanálise deu ao inconsciente, foi

possível instaurar um novo status


para a compreensão dessa instância psíquica. Garcia-Roza, no
livro Introdução
a metapsicologia freudiana 3, entoa a preocupação de Freud em distinguir o
conceito

de inconsciente para psicanálise da antiga noção dominante:

A preocupação de Freud é assinalar as diferenças entre o


inconsciente tal como é concebido por
ele e o inconsciente tal como era pensado
pela filosofia e pela psicologia, e uma das formas de se

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marcas a diferença é
apontando o que o inconsciente freudiano não é. Ele não é uma franja ou

margem
da consciência, também não é o profundo da consciência, assim como não é o
lugar do
caótico e do misterioso. E Freud em plena razão, estava preocupado em
assinalar essas diferenças

e em afirmar a irredutibilidade do seu conceito às


noções até então dominantes. (Garcia-Roza,
2008, p. 209)

3.2 O INCONSCIENTE: O QUE É ISSO?  

É
possível que ainda hoje encontremos pessoas querendo localizar o inconsciente
em alguma

parte do cérebro, mas o único lugar possível de localizar o


inconsciente é na fala. Lacan, que foi o
melhor intérprete de Freud, foi
categórico ao afirmar: “o inconsciente é um fato, na medida em que se

sustenta
no próprio discurso que o estabelece” (Lacan, 2003, p. 479).

A
dificuldade em responder de forma abrangente à questão do inconsciente tem sido
a razão de
vários equívocos. Freud, no texto Alguns comentários sobre o
conceito de inconsciente na

psicanálise, de 1912, forneceu um importante


estudo teórico sobre o inconsciente, ele diz:

o inconsciente é uma fase inevitável que ocorre regularmente


nos processos que constituem

nossa atividade psíquica, e todo ato psíquico


começa com ato inconsciente e pode assim
permanecer, ou pode desenvolver-se em
direção à consciência, dependendo de encontrar ou não

resistência. (Freud, 1996c,


p. 87)

Assim, o inconsciente postulado por Freud não


se restringe apenas ao âmbito patológico
neurótico, mas a toda região da mais
legítima produção humana, ou seja, “nenhuma de nossas

ações, escolhas,
tendências, desejos escapam à ação do inconsciente” (Oliveira, 2013).

As
formações do inconsciente (atos falhos, lapsos de linguagem, esquecimentos
etc.) foram
formalizadas no texto A psicopatologia da vida cotidiana, de
1901, em que Freud sublinha que tais

acontecimentos oriundos dessa formação não


são exclusivos do tratamento psicanalítico, mas
fazem parte da vida comum, em
que todas as escolhas revelam um “determinismo do inconsciente”

(Jorge, 2005,
p. 11)

A
introdução da noção do inconsciente concebido pelo pai da psicanálise foi mais
um golpe
desferido sobre a humanidade, ao lado de Copérnico, que retirou a
Terra do centro do universo e de

Darwin, que tirou o homem do centro da criação.


Freud, ao subverter o cogito cartesiano – “Penso,
logo, sou”, por ele
pensa onde não é, descentralizou o homem de si mesmo.

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A
complexidade do funcionamento do inconsciente se apresenta ao tentarmos nos
aproximar
dele, visto que a única forma é por meio de desvios e nunca por via
direta. Foi assim que Freud

chegou até ele pelos sonhos e pôde constatar seu


funcionamento.  

TEMA 4 – INTERPRETAÇÃO DO SONHO

O
sonho é uma das facetas da formação do inconsciente, cujo conteúdo, segundo
Freud, é
constituído de mensagens cifradas, como as dos rádios transmissores
durante a guerra, que

emitiam comunicados que confundiam os inimigos. Essas mensagens


criptografadas são
construídas como um rébus ou uma linguagem hieroglífica,
termos que foram utilizados por Freud,

como nos lembra Colette Soler (2012), em


seu livro O inconsciente: que é isso?

A
obra freudiana A Interpretação dos sonhos, de 1900, representa um marco
na história da
psicanálise, visto que, em termos acadêmicos, trata-se, de fato,
do ato fundante da teoria

psicanalítica, pois é nesse momento que Freud revela


um rico campo de investigação do
inconsciente – os processos oníricos.

O
sonho passou a ser objeto de investigação para Freud quando seus pacientes, de
forma
espontânea, em seus relatos de associação, citavam os sonhos em suas
conversas. Mas a
descoberta do método de interpretação do sonho surge com os
sonhos do próprio Freud, que ele

submente a uma autoanálise no capítulo 2 do


livro e conclui: “Quando o trabalho de interpretação se
conclui, percebemos que
o sonho é a realização de um desejo” (Freud, 2001, p. 135). Trata-se de

desejos
infantis e reprimidos de caráter sexual; particularidade esta que excede as
categorias de
saúde e enfermidade e que permite discernir, para
além das neuroses, a eficácia do inconsciente. 

4.1 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DO SONHO

O
sonho apresenta o conteúdo manifesto, que são as imagens de nossa memória.
Pelo
conteúdo manifesto do sonho, podemos chegar ao conteúdo latente, que
são as conclusões da

investigação. Dito de outra maneira, são os pensamentos


do sonho que se obtêm por meio da
análise. Freud (2001, p. 276) declara: “É
desse pensamento do sonho, e não de seu conteúdo

manifesto, que depreendemos


seu sentido”.

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Transformar
o sonho manifesto em sonho latente é a problemática do método, pois, na maioria

dos casos, o sonho latente não é iminente nem para o sonhador. Assim, para
realizar a tarefa de
fazer do sonho uma comunicação, é necessário utilizar algumas
técnicas. Em Novas conferências

introdutórias sobre psicanálise, de


1932, Freud retoma as concepções do livro A interpretação dos
sonhos,
para uma nova reflexão sobre a técnica de interpretação e a teoria dos
processos oníricos. 

Sobre a técnica de interpretação do sonho, que diz respeito


ao método psicanalítico, o
psicanalista que ouve o relato do sonho deve estar
disposto a manter-se atento ao que é narrado,
mas não manter uma reflexão sobre
o conteúdo manifesto, pois, ainda que posteriormente possam

ser encontrados
muitos elementos que contribuam com a interpretação, na hora do relato deve-se
desprezá-los.

Deve-se
pedir ao sonhador para livrar-se das impressões que o sonho lhe causou num todo
e
referir-se a cada parte do sonho contando o que lhe vem à mente
sucessivamente. Essas

associações, providas desde aí, logo lançarão luz sobre


diferentes partes do sonho, levando ao
entendimento do porquê das associações
com o conteúdo manifesto. Mas Freud adverte: “as

associações ao sonho ainda não


são os pensamentos oníricos latentes” (Freud, 1996f, p. 22) e sim o
material que
servirá para a interpretação da mensagem do conteúdo latente. Esse será,
portanto, o

método para a interpretação do sonho.

4.2 PROCESSO DA ELABORAÇÃO ONÍRICO

O
processo de elaboração onírica consiste em uma das mais importantes descobertas
de Freud,

visto que foi por meio dela que se revelou o funcionamento do sistema
inconsciente: “A importância

dessa constatação foi ainda


acrescida da descoberta de que, na construção dos sintomas

neuróticos, estão em
atividade os mesmos mecanismos” (Freud, 1996f, p. 27).

Trata-se
da metáfora, um mecanismo de trabalho do sonho, que revela o máximo de
alcance da
equivocidade da linguagem e é desde esse momento que se abre para o inconsciente.
A esse

funcionamento Freud nomeia de deslocamento e condensação.

A
condensação transforma um pensamento em imagem, dando uma equívoca
preferência a

imagens que admitem um agrupamento, sujeitando o material a uma


condensação. Freud conclui:

Em consequência da condensação, um elemento do sonho


manifesto pode corresponder a

numerosos elementos dos pensamentos oníricos


latentes; mas também, inversamente, um

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elemento dos pensamentos oníricos pode


estar representado por diversas imagens no sonho.

(Freud, 1996f, p. 29)

O
deslocamento, por sua vez, é, segundo Freud (1996f), o responsável pelas
distorções oníricas,

os quais estão submetidos à censura. Por meio do


deslocamento, os afetos são despojados das
ideias oníricas e deslocados para
alguma coisa no sonho que não o configurem como o principal,

pois essa é a
única forma de encontrar passagem para o sonho, visto que se trata de um
conteúdo

proibido para a consciência.

Mabel
Levato (2012) escreve, em seu livro Matapsicología – el inconsciente
freudiano, que o

deslocamento não se esgota em seu efeito descentralizador,


mas revela ainda um enorme esforço
de subversão do que está em torno de uma
fixação psíquica. “O deslocamento da intensidade

comporta uma fixação de


determinadas representações, demonstrando indícios do reprimido” e,

citando a
Freud, conclui que “O resultado do deslocamento é que [...] o sonho só devolve
(reflete)

uma desfiguração (desloca) o desejo inconsciente” (Levato, 2012, p. 80,


tradução livre).

Com
a publicação do livro A interpretação dos sonhos, a psicanálise ascende no
meio

acadêmico e para além dele, ganhando novos adeptos como um novo movimento
de renovação da
psicologia e psiquiatria, criando, informalmente, um círculo de
discípulos em torno de Freud.

TEMA 5 – MOVIMENTO PSICANALÍTICO

A
I Guerra Mundial, iniciada em julho de 1914, coincide com os novos rumos tomados
por Freud

para a psicanálise, pois foi nesse período que ele inicia uma série
de textos de revisão sobre a sua

produção teórica. Paralelamente à guerra que


se espalhava por toda a Europa, uma outra guerra em
particular emergia dentro
dos corredores da psicanálise, dessa vez travada entre Freud e seus

principais
discípulos Adler e Jung, criando instabilidade à recém-fundada Associação
Psicanalítica

Internacional (IPA).

As
revelações sobre esse período conturbado para o futuro da psicanálise foram
descritas por

Freud no texto A história do movimento psicanalítico, de


1914, onde retrata a necessidade de firmar o
rigor da teoria psicanalítica, a
fim de que os seus desertores não a levassem para um eterno

equívoco teórico e
conceitual.

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Na
biografia de Freud escrita por Elizabeth Roudinesco, ao considerar esse momento
histórico
da psicanálise, a autora descreve a tensão e a luta travada pelo pai
da psicanálise:

A psicanálise, essa estranha disciplina meio caminho da


arqueologia, da medicina, da analise

literária, da antropologia e da psicologia


mais abissal – a de um mais além do íntimo –, jamais foi
reduzida pelo seu
inventor a uma abordagem clínica da psique. [...] Numa época de expansão do

feminismo, do socialismo e do sionismo, Freud também sonhava conquistar a terra


prometida,
tornando-se o Sócrates dos tempos moderno. E, para executar seu
projeto, não podia se limitar ao

ensino universitário. Precisava fundar um


movimento político. (Roudinesco, 2016, p. 135)

5.1 MÉTODO PERIGOSO

Freud,
sempre preocupado com o futuro de sua teoria, buscou um nome para zelar por ela

quando ele partisse, e o escolhido foi Jung, um jovem médico que demonstrava
inteligência,
grandeza e afinidade com a psicanálise. A ele Freud entregou a
presidência da recém-fundada

Sociedade Psicanalítica Internacional, que dera início


de forma muito intimista em reuniões na casa

de Freud nas quartas-feiras à


noite.

Com
o avanço da sociedade rumo ao internacional, alguns conflitos sobre a doutrina

começaram a surgir e o maior entre elas se deu justamente entre Freud e aquele que
ele escolhera
para ser o herdeiro da psicanálise, Jung. Sobre sua escolha,
Freud revela a sua decepção dizendo:

Eu não tinha, na ocasião, a menor ideia de que a escolha era


a mais infeliz possível, que eu havia
escolhido uma pessoa incapaz de tolerar a
autoridade de outra, mais incapaz ainda de exercê-la

ele próprio, e cujas


energias se voltavam inteiramente para a promoção de seus próprios

interesses. (Freud,
1996d, p. 42)

Jung
pretendia uma concepção da libido entendida como energia vital, ou seja,
uma libido

estendida. Freud o acusava de ter cedido à “lama negra do


ocultismo”. O rompimento se deu em

1912, após Jung ter voltado do EUA e


apresentado um relatório de suas atividades onde
descaracterizava completamente
a teoria da sexualidade e negava o pulsional, justificando que

assim a
psicanálise seria mais bem aceita.

As
modificações introduzidas por Jung na psicanálise foram comparadas por Freud à
famosa

espada de Linchtenberg, explica Garcia-Roza (2008, p. 14): “mudou o cabo


e botou uma lâmina nova,

e porque gravou nela o mesmo nome espera que seja


considerada como o instrumento original”.

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NA PRÁTICA

As
elucubrações que foram expostas nesta etapa visam trazer uma noção histórica
dos

acontecimentos que deram origem ao ato de fundação da teoria e clínica


psicanalíticas. A
importância de conhecer a sua história e os passos dados por
Freud na criação da psicanálise

consiste, pelo mesmo método que se aplica a


esta, em construir um saber para além da pura e

simples teoria.

Na
clínica, quando ouvimos o sonho de um paciente, devemos cuidar para não nos

apressarmos, pois uma interpretação de sonho nem sempre tem seu desfecho na
sessão. Imagine-
se recebendo uma jovem para entrevista, mas, como esta já havia
feito análise, ela já veio em

transferência com a psicanálise e foi assim que


ela contou o seu sonho. Ela relata que várias vezes

sonha com uma casa em que


morou na infância, e nessa casa ela tem a sensação de ter esquecido

no terraço
um cachorro, que foi muito importante para ela, pois este lhe fez companhia no
momento
mais solitário de sua vida. Então, ela acorda muito angustiada, tentando
recordar se realmente ela

esqueceu o cachorro e se dá conta de que é só um


sonho, pois o animal já havia morrido há muitos

anos.

A
casa de infância representa a própria moça que conta o sonho; o cachorro
representa um

trauma de sua vida, que ela pôde abordar durante a análise; e a sensação
de angústia é o que de real

retorna no sonho e pode ser simbolizado ao


falar dos seus afetos. Tudo isso levou anos de análise
para ganhar uma
simbolização.

FINALIZANDO

Sigmund
Freud foi um homem capaz de sucumbir às imposições morais de seu tempo e ouvir

para além da dor orgânica a voz de mulheres que gritavam em silêncio por
socorro, pois foi por meio

desse apelo das mulheres histéricas que a voz do


inconsciente que emergia em seus corpos
contorcidos foi ouvida, e assim foi
criada a psicanálise.

Com
a publicação dos Estudos sobre a histeria, Freud começa a tatear uma
nova forma de

clinicar que ia para além de um diagnóstico de doença biológica, pois,


ao deixar o doente falar,

permitia que este mesmo se conduzisse à sua cura.

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Com
A interpretação dos sonhos, Freud pôde decifrar a mensagem que surgia em
forma de um

hieróglifo e conceber o funcionamento do inconsciente,


que fala por metáfora, utilizando-se do
mecanismo de deslocamento
e condensação visando driblar as resistências, realizando no
sonho um

desejo inconsciente.

A
duras penas Freud logrou estabelecer as doutrinas de sua teoria, mas morreu
temendo que,

com o passar dos anos, ela viesse a desaparecer pelo próprio


conceito que ele concebeu como

resistência, pois a psicanálise existe no


que se sobrepõe a ela. Assim, o retorno a Freud é sempre um

bom caminho para


mantê-la viva.

REFERÊNCIAS

FREUD. S. (1893-1895) Estudos


sobre a histeria. In: _____. Edição standard brasileira das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. v.


II.

_____. (1886-1889).
Publicações pré-psicanalíticas. In: _____. Edição standard brasileira das

obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996b.


v. 1.

_____. (1900). A
interpretação dos sonhos. Edição comemorativa, 100 anos. Rio de Janeiro:

Imago, 2001.

_____. (1912). Uma nota


sobre o inconsciente na psicanalise. In: _____. Edição standard

brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1996c. v. XII.

_____. (1914). A história


do movimento psicanalítico. In: _____. Edição standard brasileira das

obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996d. v.
XIV.

_____. (1925-1926). Um
estudo autobiográfico. In: _____. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996e. v.
XX.

_____. Novas
Conferências Introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos (1932-1936).
In:
Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro:

Imago, 1996f. v. XXII.

_____. Extratos dos


documentos dirigidos a Fliess. In: Edição Standard brasileira das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996g.  

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GARCIA-ROZA, L. A. Introdução
à metapsicologia freudiana. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

JORGE, M. A. C. Fundamentos
da psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. v. 1.

LACAN. J. O aturdito
– Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

LEVATO,
M. Metapsicología – el inconsciente freudiano: un estudio de la
constitución y
funcionamiento del aparato psíquico en la obra de Freud. Buenos
Aires: Letra Viva, 2012.

OLIVEIRA, R. M. M. A
hora do despertar em Clarice Lispector: A paixão segundo G.H.

Monografia
(Especialização em Teoria Psicanalítica). Universidade de Brasília. Brasília,
2013.

ROUDINESCO, E. Sigmund
Freud na sua época e em nosso tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

SOLER, C. O
inconsciente – Que é isso? São Paulo: Annablume, 2012.

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MÉTODOS PSICANALÍTICOS
AULA 2

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA
INICIAL

Antes de iniciarmos esta etapa,


precisamos lembrar que a psicanálise trouxe um avanço para a
sociedade ao
instaurar a ideia de que o homem não se restringe ao seu biológico, mas, ainda
assim,

ela segue sendo alvo de ataques por aqueles que pretendem substitui-la
por tratamentos químicos

julgados mais eficazes por inibir os sintomas dos


quais o homem não quer nada saber.

Podemos observar que as histéricas


já não são as mesmas de Freud, o corpo já não é tão

atormentado como antes e, em


seu lugar, surge um ser angustiado, com um sofrimento psíquico em

forma de
depressão, um inimigo invisível e silencioso que devasta a alma.

Assim, de um lado temos o saber da


psicanálise e os sintomas da atualidade, que surgem sob o
sujeito concebido
pela ciência, que, por outro lado, não exerce eficácia sob ele. Eis, então, a
pergunta:

por que a psicanálise hoje?

TEMA 1 – PSICANÁLISE E CIÊNCIAS

Desde a sua criação, a psicanálise sofre ataque


pelos que se dizem do lado da ciência,

considerada por eles um sistema de


interpretação literária dos afetos e dos desejos, que, por assim

ser, não
depende da experimentação. Assim, em nome de uma “ciência cognitiva”, a única
capaz de

atestar uma “ciência verdadeira”, insistem em repensar a organização


de todos esses campos, tal
como a sociologia, a história, a antropologia, a linguística
etc.

Segundo os comentários de Roudinesco (2000) em


seu livro Por que a psicanálise?, “esses

procedimentos cientificistas
pressupõem que existiria uma separação radical entre as chamadas

ciências ‘exatas’
e as chamadas ciências ‘humanas’”(p. 113). Essa concepção se inclina para uma

aberração.
A exemplo disso, temos a comemoração do centenário da psicanálise, que teve seu

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evento adiantado na Library of Congress (LOC) por conta de uma petição que
considerava o evento

demasiadamente institucional.

O fato é que a psicanálise propõe uma ruptura


com os “saberes oficiais”, e reconhece de forma

racional os fenômenos que


outrora foram marginalizados. No texto Sonhos e ocultismo, de 1932,

Freud, ao afirmar o caminho estreito que a psicanálise trilha, evidencia os


seus critérios:

O ocultismo afirma que existem, de fato, ‘mais coisas no céu


e na terra do que sonha a filosofia’.

Pois bem, não precisamos nos sentir


amarrados pela estreiteza de vistas da filosofia acadêmica;
estamos prontos a
acreditar naquilo que nos é demonstrado de forma a merecer crédito.

Propomos lidar com essas coisas da mesma forma como o fazemos


com qualquer outro material
científico: antes de mais nada, estabelecer se se
pode realmente demonstrar que tais eventos

acontecem, e então, e somente então,


quando sua natureza factual não pode ser posta em dúvida,
dedicar-nos a sua
explicação. (Freud, 1932, p. 39)

Freud
recusou-se a tornar a psicanálise uma ciência demasiadamente positivista, mas
teve todo

o cuidado de construir uma lógica, assim, “existe em sua doutrina um


pacto original que liga a

psicanálise à filosofia do iluminismo e, portanto, a


uma definição de um sujeito fundamentado na

razão” (Roudinesco, 2000, p. 126).

1.1 AS MODALIDADES DO IRRACIONAL

A ciência a partir de Galileu foi definida como


o conhecimento das leis que regem os processos

naturais e, em seguida, originou


novas abordagens que têm como ponto comum o ato de retirar a

análise da
realidade humana da antiga dominação das ciências ditas divinas, baseadas na

Revelação.

Surgem, então, as ciências formais (lógica e


matemática), as ciências naturais (física e biologia)

e as ciências humanas
(sociologia, antropologia, história, psicologia, linguística e psicanálise). A
que

nos interessa – a humana – oscila entre duas atitudes, explica Roudinesco


(2000, p. 120):

uma toma como modelo uma única realidade humana, os processos


físico-químicos, biológicos ou

cognitivos, eliminando, assim, toda forma de


subjetividade, de significação ou símbolo; a outra
reivindica as categorias
eliminadas.

No entanto, nenhuma ciência está protegida do


processo de irracionalidade que a permeia. A

exemplo disso, Roudinesco (2000)


cita Gilles Gaston, que, em um recente livro, evidencia três

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modalidades do
irracional da própria história da ciência.

1. Obstáculos
constituídos por um conjunto de doutrinas que regem uma época, da qual o

cientista
tem que contestar o modelo dominante, sendo o recurso ao irracional o meio de
suscitar uma imagem da razão e, assim, lograr novamente uma nova racionalidade.

2. Surge
quando se está com um pensamento fixo em uma doutrina, ficando incapaz de avançar

sobre ela. Então, prolonga-se o ato criador que lhe deu origem, influindo nele
um novo vigor.

3. Delibera-se
um modo de pensar estranho à racionalidade, pela qual se assiste uma rejeição
ao

saber dominante.

Roudinesco (2000, p. 122) assinala que, assim


como essas três modalidades do irracional

perpassam por todas as ciências,


também estão presentes na história da psicanálise. “Contudo,

Freud sempre se
manteve dentro dos limites das duas primeiras”.

Verificamos
o primeiro momento no período entre 1887 e 1900, quando Freud abandonou a

teoria da sedução e construiu uma nova teoria da sexualidade. Depois, entre


1920 e 1935, quando

Freud introduziu a dúvida no cerne da racionalidade da


psicanálise com a finalidade de combater o

positivismo que a ameaçava por


dentro, em primeiro lugar com a hipótese da pulsão de morte que

transformava
por completo o modo de pensar da teoria e, em seguida, Freud passou por um

“irracional especulativo”, que o conduziu a outras inovações.

Diferentemente do percurso de Freud, a terceira


modalidade do irracional surge apenas na

história da psicanálise e, segundo


Roudinesco, apresentou-se mesmo durante a vida de Freud,

quando alguns retornam


à prática de negar a própria ideia de uma explicação racional do psiquismo.

1.2 O FUTURO DA PSICANÁLISE

O que pudemos observar até aqui é que se Freud


em algum momento tentou integrar a

psicanálise às ciências da natureza, nenhum


passo foi dado por ele nessa direção. Em vez disso, ele

elaborou um modelo
especulativo e passível de dar conta de uma conceituação não restritiva da

experiência
clínica, mas que se amplia em relação à metafísica (ramo da filosofia), que
trata das

coisas especulativas, do ser ou da imortalidade da alma. A esse


modelo nomeou de metapsicologia.

Assim, com a sua nova doutrina do inconsciente,


rompeu com a psicologia clássica, traduziu a

metafisica numa metapsicologia e


inventou um método interpretativo que convocou e convoca até

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os dias de hoje a
desconstrução de “mitos”, “bem e mal”, “imortalidade” etc.

Desse modo, poderá a psicanálise resistir ao


imperativo da ciência? Cabe, então, a cada um de

nós o futuro da psicanálise.

TEMA 2 – A ESPECIFICIDADE DA PSICANÁLISE

Quanto
ao termo especificidade, precisamos ter a clareza do que representa. No
dicionário on-

line Dicio, encontramos a seguinte definição: “qualidade daquilo


que é específico; particularidade/

qualidade própria”. Dito isso, podemos


compreender que, para tomarmos a responsabilidade do

futuro da psicanálise, é
imprescindível que mantenhamos o rigor daquilo que caracteriza a sua

especificidade. Em decorrência disso, decidimos dividir o que a psicanálise


revela como sua

especificidade em duas partes a fim de obtermos uma melhor


compreensão. A primeira, quanto à

especificidade da clínica, ou seja, sobre o


tratamento; a segunda, quanto à formação do psicanalista,

sobre aquilo que


concerne à especificidade para a sua prática.

2.1 A ESPECIFICIDADE DO TRATAMENTO

O
termo “psicanálise” foi usado pela primeira vez por Freud em 1896, em seu texto
redigido em

francês, mas, o que o precedera foi a publicação do livro Estudo


sobre a histeria, que traz o caso da

Anna O., uma paciente que se tornou


referência para a psicanálise por evidenciar um método – o

tratamento
fundamentado na fala.

A
fala para a psicanálise é um agente de cura, a cura pela fala, vindo desde o
método catártico

que, a princípio, visava à ab-reação e, depois, revelou-se a


principal via de acesso à psique humana.

Foi ao escutar o sofrimento de seus


pacientes que Freud pôde descobrir o funcionamento do
inconsciente e elaborar o
conceito de resistência, de recalque e de transferência, entre outros

conceitos
base da psicanálise.

No
texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953), Lacan
resgata a

especificidade da clínica psicanalítica – a linguagem – já acrescida


de toda significação e denuncia

os pós-freudianos por terem se afastado dela:

A descoberta de Freud é a do campo das incidências, na


natureza do homem, de suas relações
com a ordem simbólica, e do remontar do seu
sentido às instâncias mais radicais da simbolização

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no ser. Desconhecer isso é


condenar a descoberta ao esquecimento, a experiência à ruina. (Lacan,

1953, p. 276)

No livro
Fundamentos da psicanálise (2005), Marco Antônio Coutinho Jorge afirma
que a

psicanálise opera por meio de um único meio, a palavra do analisando. Lacan


estabeleceu sob a

obra de Freud a relação inevitável entre as diversas


formações do inconsciente e a linguagem, meio

pela qual ela necessariamente se


manifesta (Jorge, 2005, p. 65).

Assim,
quando se fala, o que entra em jogo é o inconsciente, mesmo quando se depara
apenas

como o silêncio, diz Lacan, se tiver um ouvinte. Aí está o cerne da


função da análise (1953, p. 249). O

aforisma lacaniano “o inconsciente é


estruturado como uma linguagem” reflete a diferença entre o

inconsciente de
Freud, que seguia o modelo biológico, e o inconsciente de Lacan, que se apoia
no

modelo linguístico. É o que nos explica Roudinesco no livro Dicionário de


psicanálise (1998).

A
incisão feita no conceito de inconsciente, depositando nele o saber da
linguística, do qual

Freud não teve a mão, Lacan pôde identificar algumas evidências


que o levariam ao entendimento de
que “o inconsciente é estruturado como uma
linguagem”, logrando ampliar o entendimento sobre a

fala do analisante,
destacando que toda produção é da ordem do sentido, portanto, da ordem
simbólica, isto é, um sistema de representação baseado na linguagem, cujos
signos e significações

determinam o sujeito.

Dessa forma, o sujeito está mais implicado na


sua fala do que ele possa imaginar, e o verbo
realiza no discurso o ato que
devolve ao sujeito a história, que lhe dá a sua verdade. Luciano Elia, no

livro
O conceito de sujeito (2004), afirma:

Só a fala permite que o sujeito, que emergirá nos tropeços


das intenções conscientes daquela fala,

possa, além de emergir nesses tropeços,


ser reconhecido como tal pelo falante, que, a partir desse
reconhecimento, não
será mais o mesmo porquanto terá sido levado a admitir como sua uma

produção
que desconhecia, mas que, ainda assim, faz parte dele. (Elia, 2004, p. 23)

A fala, como linguagem concreta na experiência


psicanalítica, revela ao sujeito o seu

inconsciente, um inconsciente não


caótico ou biológico, mas estruturado como uma linguagem, ou
seja, com
elementos materiais simbólicos que desembocam em significantes engendradores de

sentido, mesmo não portando sentidos constituídos em si, mas que faz produzir sentidos,
faz
significar (Elia, 2004, p. 23).

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Enfim, por meio da experiência psicanalítica,


que torna a fala a sua especificidade, é possível
compreender “que é no dom da
fala que reside toda a realidade de seus efeitos; pois foi através

desse dom
que toda realidade chegou ao homem, e é por seu ato contínuo que ele mantém”
(Lacan,
1953, p. 323).

2.2 A ESPECIFICIDADE DA FORMAÇÃO DO PSICANALISTA

Quanto à especificidade da formação do


psicanalista, cuja direção é lacaniana, existe uma frase
que nos orienta tanto
quanto nos desorienta: “o analista só se autoriza de si mesmo!”. Ao fazer essa
declaração, Lacan conseguiu, mais do que nunca e mais do que qualquer outra
pessoa, implicar o

sujeito em sua formação.

Retomemos um pouco a história para lembrar que


a Associação de Psicanálise Internacional

(IPA) foi inicialmente fundada para


normatizar a análise e formar os profissionais de psicanálise. A
necessidade
surgiu pela iminente expansão da teoria psicanalítica pelo mundo. Mas ao mesmo

tempo em que a IPA exportava os modelos de formação, com o intuito de manter-se


fiel às doutrinas
freudianas, ela foi se tornando uma fábrica de produção de
grandes notáveis que, segundo

Roudinesco (2000), pela força de cultivas mais a


norma do que a originalidade, e de cultivar a
globalização em detrimento do
internacionalismo, o terreno do debate político e intelectual foi
banido. Nesse
sentido, foram se desinteressando pelo mundo real para se voltar à fantasia de
seres

intocáveis.

Ao
recusar os moldes enrijecidos da IPA na França, em 1963 Lacan teve sua excomunhão,
como

ele mesmo nomeou (um modo crítico para expressar o seu não aceite em
relação à IPA). A partir do
ano de 1964, fundou em Paris, como o seu “Ato de
Fundação”, a Escola Francesa de Psicanálise,

com o objetivo de resgatar a práxis


e a doutrina psicanalítica, cujo valor maior é prezado pelo bem-
fundado da
experiência (Lacan, 1964, p. 235).

Com
efeito, para Dominique Fingermann, no livro A (de)formação do psicanalista
(2016), o que

qualifica a sua eficiência específica (referindo-se


à formação do psicanalista) não é a autoridade de
uma teoria, o pertencimento a
uma associação de pares ou a aplicação de uma cartilha técnica,

menos ainda a
conformidade à demanda de quem solicita sua presença e sua escuta (Fingermann,
2016, p. 21).

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O que institui um sujeito analista é, em


primeiro lugar, a sua experiência com o seu próprio

inconsciente,
apreendida em sua análise, “o analista não opera a partir do senso comum, mas a
partir do ponto fora do comum” (p. 22).

No
texto A questão da análise leiga (1926)[1], ao
tratar da formação do analista, Freud diz que

“somente no curso de sua análise,


quando vivencia de fato os processos postulados pela análise em
seu corpo –
dito de outro modo: em sua própria alma – que se adquirirá as convicções que o
guiará

como analista[2]. (p. 186).


Resumidamente, o que Freud nos ensina e reafirma durante toda sua obra

é que a
condição de analista é pela própria análise do analista.

No
entanto, a análise pessoal como especificidade da formação do analista
não esgota a
resposta à questão sobre a formação do psicanalista, pois a ela se
acrescenta o estudo teórico e a

supervisão, o tripé que


estabelece a especificidade da formação do analista.

2.2.1 Supervisão

Sobre a questão da supervisão que soa tão


contraditório ao ato de autorizar-se por si mesmo,
Lacan afirma que ela se “impõe”
para o analista. O que isso significa? Fingermann (2015), ao

interpretar o
sentido dessa imposição, declara que o fato de o analista não ter a garantia no
autorizar-se de si mesmo torna a supervisão necessária. “A supervisão convoca o
analista a ‘dar as

razões da sua clínica’, dar prova da sua posição e de suas


consequências que só podem qualificar
um ato propriamente sem qualidade” (Fingerman,
2016, p. 181).

Outro
ponto para o qual a supervisão se impõe para o analista em formação permanente
diz

respeito ao impossível da transmissão, dito de outro modo, sobre um ponto


que é foracluído para
analista e, que, apenas ao dispor de um terceiro (outro
analista com mais experiência) ele poderá

tornar audível o que ficou esquecido


atrás dos ditos. Diz ainda:

Engajar-se em um trabalho de supervisão coerente com o


discurso analítico consiste, antes de
qualquer coisa, em manter viva a sensação
de um risco absoluto. O supervisor precisa estar à

altura dessa
responsabilidade se quiser colaborar para a manutenção da aposta do ato do
psicanalista, que inquieta justamente o supervisionando. (Fingermann, 2016, p. 26)

A supervisão é o primeiro lugar em que se


pratica a práxis da teoria.

2.2.2 Estudo teórico

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Por meio das escolas de psicanálises, Lacan


almejou o “ensino verdadeiro”, aquele que não
parasse de se submeter às chamadas
“novações”. Para isso, criou o dispositivo “cartel”, cuja fórmula

podemos
resumir pela frase: “para que a psicanálise, ao contrário, volte a ser o que
nunca deixou de
ser: um ato por vir” (Lacan, 1968, p. 293).

O cartel é o “órgão base” da Escola de


psicanálise proposta por Lacan. Ela indica um caminho

indispensável para quem


se responsabiliza por sua formação permanente e se engaja na tarefa de
transmissão. Não nos propomos a ir mais fundo sobre esse tema, pois, por hora,
queremos apenas

por acento no que concerne ao estudo teórico como parte da


especificidade da formação em
psicanálise.

Com a entrada do ensino da psicanálise nas


universidades, podemos considerá-la como mais

um aporte ao conjunto que integra


o tripé da formação do psicanalista, ou mais bem dito, uma porta
de entrada
para a modalidade dos estudos teóricos que visam ser permanentes no processo de

formação.

Freud e Lacan deram insistentes orientações a respeito


do que o psicanalista tinha que saber
para estar à altura de sua operação (Fingermann,
2016). O não saber do analista jamais pode se

equivaler à ignorância. “A
aparente incompatibilidade entre o ensino e a experiência não pode ser um
motivo, uma desculpa, para não saber nada, satisfazer-se na posição do não
saber, da ignorância”

(Fingerman, 2016, p. 60).

TEMA 3 – A PRÁXIS PSICANALÍTICA

A ética da psicanálise é a práxis de sua


teoria, declara Lacan no Ato de fundação (1964). Para
nos orientar a
respeito dessa afirmação, nos guiaremos de acordo com as seguintes questões: quais

são as consequências dessa prática? A escola de psicanálise pode garantir essa


prática? Afinal, o
que é a psicanálise? É o que tentaremos responder a seguir.

3.1 O QUE É A PSICANÁLISE?

Iniciaremos
pela última pergunta, acreditando que ela abrirá caminhos para responder às

demais
questões. Pois bem, certa vez Lacan foi interrogado a respeito da nossa questão
– o que é a
psicanálise?

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“A psicanálise [...] é o tratamento que se


espera de um psicanalista”[3]. A
resposta dada por ele

foi um tanto quanto provocativa, recolocando a questão da


formação do analista ao mesmo tempo
em que devolve a responsabilidade da
psicanálise aos seus operadores, fazendo-os lembrar,

iminentemente, que a
psicanálise é um tratamento, ou como diz Lacan, uma cura. Assim, para
entendermos melhor, buscaremos mais referências com outros autores.

No
livro Fundamentos da psicanálise (2017), Jorge traz à luz uma citação de
Lacan que nos

remete ao que estamos buscando responder: “É de meus analisandos


que aprendo tudo, que
aprendo o que é psicanálise” (p. 7). Desde então, podemos
pensar que a psicanálise não é um saber

circunscrito, ou seja, a psicanálise se


produz a cada início de sessão, sendo sua apreensão da ordem
do impossível.

No
livro A estranheza da psicanálise (2009), Antonio Quinet reafirma que a
psicanálise não é

uma ciência, visto que não tem o propósito de transmitir tudo


sem resto, pois sabe que a verdade
jamais será dita por inteiro por conta do
recalque originário, assim, ela se sustenta pela lógica do

não todo (p. 75). Amelia


Imbriano, no seu livro La Odiseia del siglo XX (2010), declara que a
psicanálise se funda como uma práxis delimitada no campo da experiência
psicanalítica, na qual o

que está em tratamento é o sujeito do inconsciente,


sendo essa a invenção freudiana. Assim,
podemos entender que a psicanálise
tampouco se reduz a uma simples técnica, mas parece ser

mais um tipo de
trabalho inspirado pelo seu analista durante a análise. Desse modo, a práxis
que
instaura a experiência psicanalítica decorre de seu procedimento próprio,
que transforma a dor e o

mal-estar em fala dirigida ao psicanalista.

Com
esses autores, observamos que a psicanálise é um trabalho psicanalítico que,
por sua
complexidade, jamais será abarcado em sua totalidade, sendo apenas possível
apreendê-la pela

experiência. Assim sendo, quem poderá garantir a sua prática? A


Escola?

3.2 AS ESCOLAS DE PSICANÁLISE OU UNIVERSIDADES GARANTEM A PRÁXIS DA


PSICANÁLISE?

Em sua
época, Freud foi questionado sobre quem poderia exercer a psicanálise. Assim, dedicou-

se
ao texto A questão da análise leiga (1926)[4] para
responder à sociedade que acusava de

charlatanismo aquele que praticava a


psicanálise não sendo médico. A pergunta que não se calava
era: como e onde se
aprende o necessário para exercer a psicanálise?[5] O
acento dado por Freud foi

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que “a análise é
leiga: é uma experiência subjetiva, singular, que implica uma ética peculiar”.
Para

Freud, a psicanálise poderia ser exercida por qualquer campo do saber,


desde que o sujeito em
questão assumisse um compromisso ético com a sua práxis. E foi
seguindo esses trilhos que Lacan

propôs a sua Escola, no Ato de fundação.

Imbuída em reaver a que se propõe a formação do


analista no que tange à ética de sua prática,

Fingermann declara:

A ética da psicanalise é a práxis de sua teoria [...] a ética


do analista, sua disposição para o ato,

que, enquanto tal, dispensa qualquer


modelo e modelização, depende da sua disponibilidade para
algo que excede o
simples estudo da teoria. Esta não é o modelo que se aplica, mas uma práxis

que
a produz à medida das ocorrências, e, por isso, é coerente com o que se espera
de um
psicanalista à altura do ato e do real.

Do próprio exercício da transmissão da prática clínica


depende a formação permanente da
analista. A práxis da teoria é o exercício do
analista, o qual põe à prova o seu saber, não o seus

conhecimentos.
(Fingermann, 2016, p. 25)

Dessa
forma, podemos concluir que a prática que põe em ato a psicanálise só pode
partir da
própria ética daquele que se pretende psicanalista.

3.3 QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS DA PRÁTICA PSICANALÍTICA?

A partir de então, podemos refletir sobre


as consequências da prática psicanalítica. Se nos

remetermos ao ato inaugural da


psicanálise, podemos extrair como consequência o ato que nos deu

acesso ao inconsciente
e à sua formalização. Segundo Quinet (2016), o ato tem marca de um antes
e um
depois, que traz em si a descontinuidade e, por ser assim, tem a estrutura de
corte (p. 7).

Assim, quando um psicanalista autoriza uma


análise, o ato fundador de Freud se renova. É

preciso compreender que não se


trata de uma consequência que tente ao místico, pois os

fundamentos e alicerces
que compõem o ato psicanalítico estão entrelaçados ao tripé da formação

permanente do psicanalista e, por assim ser, as consequências do tratamento instituem


o valor de
verdade aos sintomas, de modo que se valida a angústia como
indicador da singularidade real de um

sujeito. Posto isso, conclui Fingermann:


“Que extravagância nesses tempos de cólera do discurso da

ciência e do
capitalismo: como ousar dar valor de uso para algo que não tem valor de troca”
(2016, p.

71).

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TEMA 4 – PARA ALÉM DA CLÍNICA

No texto que se intitula Proposição sobre o


analista da Escola (1967), Lacan, já no âmago da sua
Escola, insere os
termos “psicanálise em extensão” e “psicanálise em intensão”. A primeira diz

respeito a toda função da Escola cujo objetivo é presentificar a psicanálise no


mundo; a segunda

refere-se à afirmação dos conceitos aos seus operadores, pelo


qual depende da qualificação da

primeira (psicanálise em extensão).

Os termos (extensão/intensão) que foram


retirados da lógica por Lacan buscam refletir a
operação da formação do
psicanalista que coexiste à própria psicanálise
e ao seu emprego na

sociedade. Assim, a prática psicanalítica pode ser


reexaminada toda vez que pensada sobre seu

alcance e limitações.

4.1 PSICANALÍTICA EXTENSÃO X INTENSÃO

A psicanálise em extensão diz respeito à ética


política da Escola em sua transmissão, cujo viés

que a orienta a essa


experiência original é a psicanálise em intensão, visto que somente a prática

funda a teoria e o lugar da Escola. Desse modo, a psicanálise em intensão é


anterior à experiência

da psicanálise em extensão, que, por sua premissa,


implica na destituição de um mestre, visto que é
só num depois que ela
acontece.

O dualismo se configura como uma banda de


moebius, na qual dentro e fora constituem-se um
só, como o funcionamento de uma
engrenagem que promove o avanço da psicanálise em sua

intensão (sua prática) e


extensão em sua pólis.

TEMA 5 – A NOÇÃO DE SUJEITO

Quando se fala em sujeito, logo pensamos em uma


persona ou em uma espécie de construto,

pois o termo “sujeito” não diz respeito


a um conceito no sentido filosófico ou científico, mas trata-se
de uma
categoria.

A categoria de sujeito se impõe na elaboração da


teoria psicanalítica com base em Lacan, que o
aborda pela sua constituição, sendo
assim, sua tese se baseia nas concepções freudianas sob a

constituição do
aparelho psíquico, pelo qual o sujeito não nasce ou se desenvolve, mas se
constitui

no campo da linguagem.

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Sob esses argumentos, no texto dos Escritos – A


subversão do sujeito e dialética do desejo
(1960), Lacan demarca uma distinção
entre a concepção de sujeito da ciência e da fenomenologia

hegeliana e o
sujeito da psicanálise:

Nossa dupla referência ao sujeito absoluto de Hegel e ao


sujeito abolido da ciência dá o

esclarecimento necessário para formular em sua


verdadeira medida a dramaticidade de Freud:
reingresso da verdade no campo da
ciência, ao mesmo tempo em que ela se impõe no campo de

sua práxis: recalcada,


ela ali retorna. (Lacan, 1960, p. 813)

Nesse contexto, ao apontar para a diferença


entra a ciência e a psicanálise, Lacan localiza a

psicanálise por meio da


ciência, visto que o sujeito sobre o qual operamos é o sujeito da ciência.

5.1 SUJEITO DA CIÊNCIA E SUJEITO DA PSICANÁLISE

O sujeito sobre quem operamos em


psicanálise só pode ser o sujeito da ciência, declara Lacan

no texto A
ciência e a verdade (1956). Tal declaração, então, desemboca em três
situações: que a

psicanálise opera sobre um sujeito e não, por exemplo, sobre


um eu; que há um sujeito na ciência; e,

por último, que esses dois sujeitos


constituem apenas um. Essas reflexões foram trazidas por Jean-
Claude Milner em A
obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia (1996).

Assim,
podemos situar o sujeito da ciência por meio do nascimento da ciência moderna

estabelecido
a partir de Descartes, no que confere o chamado Cogito, em que se
inaugura um

“ancoramento no ser”, pelo qual o ato de pensar determina a


existência do sujeito – penso, logo sou

(ou penso, logo existo).

O surgimento do sujeito concebido pela ciência


moderna, no entanto, não opera com ele nem
sobre ele, segundo o que nos explica
Luciano Elia (2004). O autor declara, ainda, que é ao contrário

disso, pois o
que a ciência faz é excluir o sujeito do seu campo operatório, ou seja, “o
sujeito é posto

pela ciência para, no mesmo ato, ser dela excluído, ou, mais
exatamente, ser excluído do campo de

operação da ciência” (Elia, 2004, p. 14).

Ao
passo que a ciência exclui o sujeito, é sobre ele que a psicanálise opera. Isso
significa que a

psicanálise não opera sobre uma pessoa humana ou um indivíduo,


mas sobre o mesmo sujeito da
ciência. É aí que está a subversão declarada pela
psicanálise, em criar condições de operar nesse

sujeito por meio da regra


fundamental da psicanálise – fale o que lhe vier à mente. Ao instituir a

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associação livre, Freud se dirige diretamente ao sujeito, supondo-lhe um saber


inconsciente sobre si,

saber esse que emerge pela fala e por meio de falhas da


fala.

NA PRÁTICA

Autorizar-se
psicanalista é uma posição ética e não institucional, visto que não há um lugar
que

forme psicanalista a não ser pela implicação do sujeito com o seu desejo. A
escola de psicanálise

ou as universidades jamais poderão ser o lugar de


garantia da prática da psicanálise, ainda que

ofertem o título.

O
que garante a práxis do psicanalista é a psicanálise pura, ou seja, a
experiência que inclui o

tripé da formação: análise pessoal, supervisão e estudo


teórico. Na escola não se ensina, só “se
copia”, parafraseando Estamira, no documentário
que levava o seu nome. O modelo pensado por

Freud e Lacan considera o sujeito


na sua peculiaridade e leva até as últimas consequências o seu

saber na
experiência.

A
responsabilidade de não permitir que a psicanálise seja sucumbida aos anseios
de se fazer

ciência cabe a cada um que se pretenda psicanalista, sendo


necessário sustentar as suas
especificidades com o mesmo rigor estabelecido por
Freud. Para isso, Lacan nos deixou advertidos

para um permanente retorno aos


textos freudianos.

FINALIZANDO

Podemos, agora, retomar a nossa questão inicial: por que


a psicanálise hoje? A psicanálise é a

ciência que toma o sujeito como objeto e


se coloca como testemunha de sua verdade. Talvez essa
seja a forma mais
resumida de expressar a sua práxis, mas o que decorre numa sessão de análise é

território infinito de possibilidade, visto que, ao devolver a fala ao sujeito,


faz emergir em seu ser todo

o emaranhado de sua fantasia que dá suporte aos


seus sintomas. A psicanálise hoje e sempre será

a cura para o sujeito, o


sujeito que a ciência não alcança, pois ele não faz parte de seu campo de
experiência.

A invenção de Freud – a psicanálise – como uma


experiência do discurso visa alcançar o bem-
dizer da ética do desejo ao tocar
no singular do sujeito, sem que, com isso, deixe de reconhecer o

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caminho da
ciência e as mudanças sociais, pois a psicanálise anda ao seu tempo em extensão
e

intensão (transmissão e tratamento).

A garantia de sua prática será sempre um lugar


problemático, pois é assim que deve se manter,

no debate. É essa a estranheza


da psicanálise em relação a outras disciplinas e à própria civilização.
É neste
ponto que Lacan situa o âmago de sua Escola, escreve Antonio Quinet (2009).

REFERÊNCIAS

Elia, L. O
conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

Fingermann, D. A
(de)formação do psicanalista. As condições do ato psicanalítico. São
Paulo:

Escuta, 2016.

Freud, S. ¿Pueden los legos ejercer


el análisis?, 1926. In: ______. Obras completas. v. XX. Buenos

Aires: Amorrortu, 1986.

______. Sonhos e
ocultismo, 1933. In: ______. Obras completas. v. XXII. Rio
de Janeiro: Imago,

1996.

Imbriano, A. Las Odisea del


siglo XXI: Efectos de la globalización, Buenos Aires: Letra Vivas,

2010.

Lacan, J.
Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, 1953. In: ______. Escritos.
Rio
de Janeiro: Zahar, 1998.

______. Ato
de Fundação, 1964. In: ______. Outros Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

______.
Proposição de 9 de outubro, 1967. In: Outros
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

Jorge, M. A. C. Fundamentos da
Psicanálise de Freud a Lacan. v. 3. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

Milner, J. C.
A
obra clara: Lacan, a ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Quinet, A. As
4+1 condições da análises. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

______. A estranheza
da psicanálise, a escola de Lacan e seus analistas. Rio de Janeiro: Zahar,

2009.

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Roudinesco, E. Por que a psicanálise?


Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

______. Dicionário
de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

[1] Tradução livre da obra em espanhol: “puedes


los legos ejercer el análisis?”

[2] Tradução livre.

[3] Fingermann cita Lacan no livro A


(de)formação do psicanalista (2015, p. 70).

[4] Edição Amorrotu, Buenos


aires: “¿Puedes los legos ejercer el análisis?”

[5] Tradução livre.

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MÉTODOS PSICANALÍTICOS
AULA 3

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

Nesta etapa, entraremos nos


conceitos principais que dão nome de nosso estudo. É certo que
em toda a sua
obra, Freud sempre tentou, mesmo que de forma indireta, estabelecer algo sobre
a

técnica, mas só depois de um longo tempo vivenciando em sua clínica a prática


de suas

descobertas ele pôde direcionar sua escrita para os Artigos sobre


técnica (1912), em que apresentou

os elementos que constituem a prática da


clínica psicanalítica. Sobre o início do tratamento, o autor

indica o caminho:

Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos


livros, cedo descobrirá que somente

as aberturas e os finais de jogos admitem


uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita

variedade de jogadas
que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição desse tipo.
Esta
lacuna na instrução só pode ser preenchida por um estudo diligente dos jogos
travados pelos

mestres. As regras que podem ser estabelecidas para o exercício


do tratamento psicanalítico
acham-se sujeitas a limitações semelhantes. (Freud,
[S.d.], p. 139)

Veremos, então, o que Freud estabeleceu como


métodos e os conceitos técnicos dos seus

artigos sobre a técnica. No entanto, iremos


dividir o estudo em duas partes. Por ora, cabe-nos a

Parte I, que se inicia com


a Talking Cure (cura pela fala), o método nomeado pelas histerias; a

associação livre, a regra fundamental da psicanálise; a atenção flutuante,


mecanismo que viabiliza a

escuta ao inconsciente; as entrevistas preliminares,


o limiar da porta de análise; e, por último, a

questão do dinheiro cobrado pela


sessão e o seu real valor.

Fazer cumprir o dever da psicanálise, no


entanto, não significa seguir à risca tudo aquilo que foi

prescrito por Freud.


Vale lembrar, principalmente nessas disciplinas em que o conteúdo refere-se à

técnica,
que a prática da psicanálise jamais se resumirá em apanhados de conceito, pois
o teor de

sua teoria compete ao campo da experiência vivida e isso ninguém pode


ensinar a não ser em sua

experiência pessoal com a sua análise.

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TEMA 1 – TALKING CURE

A
palavra foi tomada como instrumento por Freud desde que iniciou sua clínica. Coutinho
Jorge,

em seu livro Fundamentos da psicanálise, v. 3, lembra-nos de um


artigo de Freud intitulado

Tratamento psíquico ou mental, que embora tenha


sido datado de 1905, trata-se, na verdade, de um

texto de 1890.

O que impressiona o autor é que mesmo sendo um


texto tão percursor, já continha todo um

projeto clínico que foi desenvolvido


ao longo de toda obra de Freud.

A
capacidade de afirmar a importância da linguagem foi salientada por Jorge, que
cita Freud

quando declara o poder “mágico” das palavras que evoca o célebre


artigo de Claude Lévi-Strauss, A

eficácia simbólica, que esteve no cerne


da elaboração do simbólico em Lacan.

Voltado
para as suas investigações sobre a histeria, mas sem ainda dimensionar a
sexualidade

em sua gênese, Freud concebeu a ideia de uma fronteira tênue entre


os sintomas histéricos e

psicossomáticos; uma ação igual da mente sobre o corpo,


e não apenas do corpo sobre a mente.

Além disso, Freud também faz referência a


“curas milagrosas”, como uma força mental que se

reverte a favor do crente, ou à


cura com um médico da moda (fator que podemos relacionar hoje
com o conceito de
transferência).

Freud
(1905) foi, ao longo de suas elaborações, estabelecendo uma relação intima
entre os

fenômenos transferências e o poder da palavra, que veio a constituir,


tempos depois, a base do seu

método. O autor afirma no artigo:

As palavras são um bom meio de provocar modificações mentais


na pessoa a quem são dirigidas,
e por isso já não soa enigmático afirmar que a
mágica das palavras pode eliminar os sintomas de

doenças, e especialmente
daquelas que se fundam em estados mentais. (Freud, 1905, p. 279)

No
mesmo período em que ele escreveu esse artigo, estava às voltas também com a
hipnose, à

qual se referiu como um “estranho e imprevisível método”. Seu


interesse pela hipnose havia surgido

alguns anos antes, quando estagiou com


Charcot em Paris, momento em que foi confrontado

diretamente com a clínica das histerias.


Mas, logo, pôde observar as falhas do métodos e se sentiu

convencido de que
seria melhor abandonar a hipnose para dar início a um novo rumo para a sua

clínica.

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Sobre
a técnica da hipnose, no entanto, Freud pode apreender, embrionariamente, o
fenômeno

da transferência, em que vislumbrou o aspecto da sugestão, acentuando


a atitude do paciente

hipnótico em relação ao hipnotizador. Ele declara que,


embora o paciente se comporte como se

estivesse dormindo para o mundo exterior,


o mesmo se mantém desperto em relação à pessoa que

o hipnotizou (p. 282).

Para Jorge, o que Freud salienta é que deve-se


estabelecer uma boa relação de transferência no

início do tratamento com o


paciente, de modo a conquistar a sua confiança, deixando com que sua

desconfiança
e seu senso crítico se neutralizem (Jorge 2017, p. 23).

Jorge
ainda sublinha o modo incisivo como Freud aborda o tema da sugestão,
questionando o

ponto nevrálgico da prática da hipnose, em que distingue a


sugestão de outros tipos de influência

psíquica. Freud também incide na ideia


de que a sugestão não pode ser considerada apenas um

fenômeno psíquico
patológico, visto que pode ser produzida com frequência nas relações humanas.

Assim, a questão da transferência e do amor transferencial começa a ser tocada


e, mais tarde, a
mesma o levou ao inconsciente.

A
transferência vai se tornar um precioso conceito para a psicanálise, e Freud
fez questão de

distingui-la da sugestão hipnótica, pois, de fato, trata-se de


outra coisa. A transferência traz à tona o

inconsciente. No Esquema del


psicoanálisis, texto de 1938, Freud declara que “o paciente nunca mais

se
esquecerá do que vivenciou nas formas da transferência, pois ela tem uma força
de

convencimento para ele maior do que qualquer outra coisa” (tradução livre, p.
177), o que não é o

caso da hipnose, que suspende por um tempo a resistência,


mas volta em seguida.

Assim,
logo após abandonar de vez o método sugestivo da hipnose, Freud passa a empregar

como princípio do seu tratamento a palavra. Lacan, descreve Jorge, reafirmou


esse posicionamento

ao dizer que o que especifica a psicanálise como prática é


o fato de que o analista não utiliza o

poder que a transferência lhe outorga


(p. 28). Isso significa que é o paciente que certamente “dirige o

tratamento”
com a sua fala.

Desse modo, quando os cincos casos clínicos foram


apresentados em Estudos sobre a histeria,

algo sobre os métodos que


vieram a fundamentar a prática da psicanálise já estava em processo de

elaboração por Freud. Ana O., o primeiro caso apresentado, tratada por Breuer,
foi quem nomeou o

método de Talking Cure (cura pela fala). E, nos quatro


casos seguintes que receberam tratamentos

por Freud, é possível verificar uma


crescente posição de escuta, como também de invocação da fala,

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pela qual Freud


incita os seus pacientes a uma experiência de associação livre, método que se

tornará a regra de ouro da psicanálise.

TEMA 2 – ASSOCIAÇÃO LIVRE

Laplanche e Pontalis, em Vocabulários da


psicanálise (2001), definem a associação livre como
um método que consiste
em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao

espírito,
quer por meio de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho,
qualquer

representação), quer de forma espontânea (p. 38).

Roudinesco
(1998), em Dicionário de psicanálise, disponibiliza o conceito de
associação livre no

tema de regra fundamental, já deixando evidenciada a


sua importância para a prática psicanalítica.

Para a autora, a associação livre


consta ser a regra constitutiva da situação psicanalítica, segundo a

qual o
paciente deve esforçar-se por dizer tudo o que lhe vier à cabeça,
principalmente aquilo que se

sentir tentado a omitir, seja por qual razão for (p.


649). A associação livre representa uma derivação

do método catártico do
período pré-psicanalítico. Freud também desenvolveu esse método por meio

de sua
autoanálise ao analisar os seus próprios sonhos, que serviram como ponto de
partida para a
descoberta das cadeias associativas.

A
ação que funda a associação livre se acentua na “liberdade” do analisando falar
o que lhe vier

à mente mesmo sem fornecer nenhum ponto de partida. Contudo,


Laplanche chama a atenção para

o fato de que não se deve tomar a liberdade no


sentido de uma indeterminação: “a regra de

associação livre visa em primeiro


lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos”, ou seja,

eliminar a
censura para que, então, entre em cena o que está inconsciente.

Em
sua autobiografia, Freud (1924) retorna à evolução do seu método e insiste na
necessidade

de se manter o respeito à regra fundamental da psicanálise, visto


que só por meio dela é possível

fazer emergir as resistências e,


consequentemente, dar a elas uma interpretação. Roudinesco

sublinha o caráter
irremediável da associação livre e evidencia também os seus limites. Para isso,

cita um exposição feita por Ferenczi:

Todo o método psicanalítico se apoia na regra fundamental


formulada por Freud [...]. sob nenhum

pretexto devemos tolerar qualquer exceção


a essa regra, e é preciso tirar a limpo, sem indulgência,

tudo aquilo que o


paciente, seja por que razão for, procurar subtrair a comunicação. Entretanto,
depois de o paciente ter sido educado, não sem alguma dificuldade, para seguir
essa regra ao pé

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da letra, pode suceder que sua resistência se apodere


precisamente dessa regra e que ele vencer o

médico com suas próprias armas.


(Ferenczi, citado por Roundinesco, 1998, p. 650)

O efeito da regra fundamental, segundo Laplanche


e Pontalis, não é dar livre curso ao processo

primário puro e simples de abrir


acesso às cadeias associativas inconscientes, mas sim favorecer a

emergência de
um tipo de comunicação em que o determinismo inconsciente é mais acessível pela

elucidação de novas conexões ou lacunas significativas no discurso (Laplanche; Pontalis,


2001, p.

439).

A associação livre – regra fundamental da


psicanálise – é colocada por Freud como via de

acesso ao inconsciente no mesmo


patamar que as interpretações dos sonhos e os atos falhos.

Outras consequências
que implicam o ato da associação livre foram enumeradas, também, por

Laplanche
e Pontalis:

1. Ao aceitar o convite de dizer tudo o que lhe vier à mente, apenas ao dizer suas
emoções,

impressões corporais e ideias, o sujeito tem suas recordações


canalizadas para a linguagem.
“A regra tem como corolário implícito fazer
surgir como acting-out um certo campo do sujeito”;

2. A observância da regra põe em evidência a forma como derivam as associações e os


“pontos
nodais” em que se entrecruzam;

3. No próprio uso e efeito da regra, o analisante tem algumas resistências


conscientes e
inconscientes ao aplicá-la, de forma que ele recorre
sistematicamente a disparates sem nexo

ou tenta demostrar que ela é absurda.

Assim, para esses autores, além de ser uma


técnica de investigação, a associação livre dá a
estruturação do conjunto da
relação analítica. Nesse sentido, ela pode ser tomada como

fundamental.
Portanto, os autores concluem que

a regra de dizer tudo não deve ser compreendida como um


simples método entre outros para ter

acesso ao inconsciente [...]. Ela está


destinada a fazer surgir no discurso do analisando a
dimensão de pedido
dirigido a outro. Combinado com o não-agir do analista, leva o analisando a

formular os seus pedidos sob diversas modalidades que para ele assumiram, em
determinadas

fases, um valor de linguagem. (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 440)

No texto A direção do tratamento e os


princípios de seu poder (1958), Lacan destacou que a
regra fundamental da
psicanálise encaminha o paciente a se confrontar com uma fala livre, cujo

controle ele não detém, uma fala “plena” suscetível à verdade e, por isso, dolorosa.

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TEMA 3 – ATENÇÃO FLUTUANTE

Ao lançar o analisante na experiência de deixá-lo


falar o que lhe vier à mente, Bruce Fink (2020),

em seu livro Fundamentos da


técnica psicanalítica, supõe uma pergunta: o que a analista escuta? A
atenção flutuante é o que possibilita ouvir o que é novo e diferente na fala do
analisante. Freud

recomendou que a cada novo caso, ele fosse tomado como o


primeiro, o que significa não presumir
nada do que possa ocorrer, desse modo,
deve-se manter a “atenção uniformemente suspensa em
face de tudo o que se
escuta” (Freud, 1911, p. 125).

A atenção flutuante é oposta a se prender a uma


determinada afirmação dada pelo paciente,
tentando analisá-la profundamente ou associá-la
a outra coisa, pois, quando isso ocorre, o analista

acaba perdendo a
continuidade da fala do paciente. Fink afirma que a atenção flutuante é uma
atenção que compreende no mínimo um nível de significado e consegue ouvir todas
as palavras e a

maneira como são pronunciadas, incluindo velocidade, volume,


entonação, emoção, deslize,
hesitação e assim por diante (Fink, 2020, p. 28).

La Planche e Pontalis (2001), ao estabelecerem


a definição da atenção flutuante seguindo as

instruções de Freud, concluem que


trata-se do modo como os analistas devem escutar seus
analisandos, não devendo
privilegiar a priori qualquer elemento do discurso deles, uma vez que isso

implica deixar funcionar o mais livremente possível a própria atividade


inconsciente, suspendendo
as motivações que dirigem habitualmente sua atenção. Os
autores destacam que essa

recomendação aos analistas equivale à regra da


associação livre proposta aos analisandos
(Laplanche; Pontalis, 2001, p. 40).

Freud declara: “ele (referindo-se ao médico)


deve simplesmente escutar e não se preocupar se

está se lembrando de alguma


coisa” (p. 126), e o que sucede a isso será suficiente para todas as
exigências
durante o tratamento. A atenção flutuante é a regra que, segundo Freud, vai
permitir ao

analista as conexões inconscientes do discurso do analisando. Por


isso, é graças a ela que o
analista consegue conservar na memória uma multidão
de elementos aparentemente insignificantes,

das quais suas correlações só poderão


ser feitas num a posteriori.

Laplanche e Pontalis apontam para os problemas


teóricos e práticos levantados pela atenção
flutuante, que apresenta em seu próprio
termo uma aparente contradição.

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1. O fundamento teórico do conceito fica evidente quando encaramos a questão pelo


lado do

analisando: pois, para os autores, como as estruturas inconscientes,


tais como Freud as
descreveu, surgem de múltiplas deformações, cabe que os
elementos mais importantes

podem se esconder por detrás de elementos insignificantes.


Dessa forma, a atenção flutuante
deve ser adaptada de forma objetiva aos
objetos essencialmente desformados;

2. Pelo lado do analista, a problemática da questão teórica da atenção flutuante é ainda


mais
difícil: é concebível que o analista tente suprimir a influência de seus
preconceitos conscientes

e de suas defesas inconscientes que poderiam exercer


força contra a sua atenção. Freud
preconiza que sejam eliminados o máximo
possível por meio de sua analise didática, visto que
todo recalque não
liquidado tem ação sobre a percepção analítica. O que Freud almeja é uma

comunicação de inconsciente a inconsciente.

De modo geral, anuncia Laplanche e Pontalis, é


preciso compreender a regra da atenção

flutuante como uma regra ideal, que, na prática,


encontra exigências contraditórias. Em Lacan
(1956), em seu texto Situação
da psicanálise e formação do psicanalista, verificamos sua crítica aos

analistas que se tornam obcecados em compreender todo o significado que seus


pacientes dizem
conscientemente, deixando passar os esquecimentos de seu
discurso, o modo como usam as

palavras e seus sons indistintos. Lacan diz


ainda:

Nós repetimos a nossos alunos: “abstenham-se de compreender!”


e deixem essa categoria

nauseante para os senhores Jaspers e consortes. Que um


de seus ouvidos ensurdeça, enquanto o
outro deve ser aguçado. E é esse que
vocês devem espichar na escuta dos sons ou fonemas, das

palavras, locuções e
frases, sem omitir as pausas, escansões, cortes, períodos e paralelismo, pois
é
aí que se prepara a literalidade da versão sem a qual a intuição analítica fica
sem apoio e sem

objeto. (Lacan, 1956, p. 474)

Assim,
a história contada é uma das maiores armadilhas que pode prender os novos
analistas.
Fink ressalta que o importante para os pacientes, principalmente
aqueles que estão no início da

análise, é que o analista, assim como qualquer


outra pessoa com quem conversem nas diversas
situações da vida, alcance sua
fala, compreenda o ponto de vista que eles tentam formar. Pois, o

paciente
dificilmente começará uma análise com o desejo explícito de que o analista ouça
algo, no
que ele está dizendo, que seja diferente do que em sua consciência ele
esteja dizendo. Por outro
lado, é importante que o analista se desabitue de
escutar de forma convencional e perceba que

compreender a história ou o detalhe


se torna menos importante que perceber o modo como é
contada.

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A atenção flutuante é uma regra – na verdade, uma disciplina


– designada a nos ensinar a ouvir

sem entender. Além do fato de que o


entendimento geralmente leva o analista a se defrontar e a se
concentrar,
apresentando uma infinidade de fenômenos imaginários [..], frequentemente há
muito

pouco que pode ser entendido no discurso do paciente. (Fink, 2020, p. 30)

Por fim, lembremos que a escuta, cuja atenção é


flutuante, também não significa que não

venhamos a mostrar atenção e interesse


ao que é dito pelos analisandos. Sugere-se que o analista
desenvolva uma ampla
gama de “hums” e “hãhs”, em diversos tons e intensidades.

TEMA 4 – ENTREVISTAS PRELIMINARES

O primeiro contato do paciente com o


psicanalista não diz respeito à sua entrada em análise,
pois essa confere um
outro momento de grande valor para o processo analítico. As primeiras

consultas
convêm ser o que Lacan nomeou de entrevistas preliminares, em que o próprio
nome dá
algumas indicações do poder vir a ser feito, pois trata-se de um tempo
anterior e, portanto,

preliminar, no qual questões relacionadas ao tratamento


devem ser respondidas ao candidato a
analisante. Por parte do analista é a hora
de fazer perguntas que possam ajudar a conhecer o sujeito

que está em seu


consultório, pois a entrevista preliminar impõe um limiar da porta de entrada
para a
análise, que se distingue da porta de entrada do consultório, sendo
assim, todas as dúvidas devem

ser tiradas na entrevista preliminar.

Freud (1912), em seu texto Sobre o início do


tratamento, declarou ter por hábito a prática de,
antes de iniciar o
tratamento psicanalítico propriamente dito, começar por um “tratamento

experimental”
(ou de ensaio). Esse tratamento experimental teria uma duração de uma a duas
semanas e serviria para evitar a interrupção da análise após um certo tempo.

O propósito desse tratamento experimental seria


ligar o paciente ao seu tratamento e à pessoa
do analista. Mas, em particular, o
principal objetivo almejado é traçar um diagnóstico diferenciado (p.
140). As
elucubrações das entrevistas preliminares propostas por Lacan correspondem ao

tratamento
experimental de Freud. Na obra As 4+1 condições de análise, de Antonio
Quinet (1991),
podemos encontrar uma boa explanação, assim, a tomaremos por
referência para seguirmos no

tema.

4.1 CONDIÇÃO DE ANÁLISE

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As
entrevistas preliminares são uma ferramenta do analista para promover uma
transferência
entre o analisando e sua pessoa, além de dar elementos para poder
estabelecer um diagnóstico. As

dúvidas sobre esse início do tratamento são


recorrentes entre os iniciantes da psicanálise, visto que
a entrada em análise
não implica uma continuidade dela, mas sim uma descontinuidade, “um corte

em
relação ao que era anterior e preliminar [...]. Esse preambulo a toda
psicanálise é erigido por
Lacan em posição de condição absoluta: ‘não há
entrada em análise sem as entrevistas

preliminares’” (Quinet, 1991, p. 14).

No
entanto, na prática nem sempre é possível demarcar nitidamente esse umbral da
análise,

visto que o que está em jogo, tanto nas entrevistas preliminares


quanto na própria analise, é a
associação livre, estabelecida desde Freud, pelo
qual declarou:

Esse experimento preliminar, contudo, é, ele próprio, o


início de uma psicanálise e deve conformar-

se às regras desta. Pode-se talvez


fazer a distinção de que, nele, se deixa o paciente falar quase
todo o tempo e
não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazê-lo

prosseguir no que está dizendo. (Freud 1912, p. 140)

Dessa
forma, Freud deixa indicado aos analistas a tarefa de apenas realçar o discurso
do
paciente para que entre em cena a questão diagnóstica. Quinet vai dizer que
as entrevistas

preliminares têm a mesma estrutura da análise, mas são


distintas, de modo que seus paradoxos
podem ser escritos da seguinte forma:

EP = A ↔ EP ≠ A

Lê-se: entrevistas preliminares são iguais à


análise, implicando que entrevistas preliminares são
diferentes da análise.
Disso se conclui:

1. A associação livre mantém a identificação das entrevistas preliminares com a análise (EP=A);

2. Esse tempo de diagnóstico faz com que se distinga entrevistas preliminares da análise (EP ≠
A).

É nesse ponto que Quinet situa a questão ética


do analista de tomar a decisão de aceitar ou não

aquela demanda de análise. Para


a análise se desencadear, é necessário, além da escolha pelo
analista, uma
escolha também por parte do analista. Na constituição dessa dupla escolha, o
sujeito

será impelido a elaborar a sua demanda de análise, ou seja, na produção


do seu sintoma, dito de
outro modo, acreditar no inconsciente. Com base no que
foi exposto, Quinet acrescenta três funções

das entrevistas preliminares, cuja


distribuição é antes lógica do que cronológica:
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1. A função sintomal (sinto-mal): a queixa do sujeito que busca análise por conta de
um sintoma

(o sinto-mal) deve ser transformada em uma demanda endereçada àquele


analista. Assim,
passa-se de um sintoma com estatuto de resposta ao estatuto de
questão para o sujeito, pelo

qual se sente instigado a decifrar. A constituição


do sintoma analítico é correlato ao
estabelecimento da transferência que faz
emergir o sujeito do “suposto saber”;

2. A função diagnóstica: essa se coloca para a psicanálise como função na direção do


tratamento, sendo que ele só pode ser buscado no registro simbólico, em que são
articuladas

as questões fundamentais do sujeito (sexo, morte, procriação,


paternidade), constituindo a
travessia do complexo de Édipo, cujo efeito indica
as estruturas de neurose, perversão e

psicose. “Dado que o analista será


convocado a ocupar na transferência o lugar do Outro do
sujeito a quem são
dirigidas suas demandas, é importante destacar nesse trabalho prévio a

modalidade da relação do sujeito com o Outro” (Quinet, 1991, p. 23);


3. A função transferencial: o surgimento do sujeito sob transferência é o que dá
sinal de entrada

em análise, de modo que esse sujeito é vinculado ao saber. A


exemplo, Quinet toma a paciente
de Freud, Frau Emmy von N., quando ela pede
para que Freud se cale para que a deixe falar. Há

para ela um saber, em seu


próprio dito, momento a partir do qual podemos situar o início de
uma análise,
visto que a paciente reconhece um saber, o qual acredita que seu analista sabe

sobre o seu sintoma, ou seja, acredita num suposto saber, sendo essa
subjetividade correlata
ao saber que constitui a transferência. Desse modo,
Quinet afirma que a transferência não é

uma função do analista, mas do


analisante. A função do analista é saber utilizá-la (Quinet,

1991, p.
26).

TEMA 5 – O DINHEIRO EM PSICANÁLISE

A questão do dinheiro em psicanálise é de muita


relevância, pois se refere à quantidade de libido

investido. Para Freud, a


libido é a energia dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual, da qual não se
tem uma representação no inconsciente, pois ela se presentifica como energia de
grandeza

quantitativa.

Quinet (1991) demonstra da seguinte forma:

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No esquema
apresentado, verificamos que no inconsciente só se encontram os representantes

representativos da pulsão, ou seja, aquilo que é da ordem do significante, pelo


qual Lacan escreveu o
matema da pulsão ($ ◊ D), em que D se refere aos
significantes da demanda oral, anal etc. Já a libido

não tem representação, ela


é uma grandeza quantitativa, sendo apreendida pelas suas

manifestações
dinâmicas – a satisfação.

A libido, diz Quinet, é o que se satisfaz no


sintoma, constituindo sua resistência sob dois

aspectos: resistência ao
deciframento e resistência do sujeito a abandonar o seu sintoma, o gozo do

sintoma (Quinet, 1991, p. 76). O autor conclui sobre o aspecto do dinheiro:

O dinheiro na análise encontra-se exatamente nessa conjunção


entre o que é da ordem do

ciframento e o que é da ordem dessa energia


quantificável que tem valor inestimável para o sujeito
e que Freud designou
como libido. Assim, o dinheiro pode permitir amoedar esse capital do sujeito

que é a libido. Se o que é da ordem do ciframento pode equivaler, no nível


inconsciente, à própria
cifra (montante das operações comerciais), podemos
fazer um paralelo e dizer que, na análise, a

cifra, assim como o cifrão, vem


representar o montante das operações libidinais. (Quinet, 1991, p.

76-77)

Nesse
sentido, o dinheiro é também o suporte material de uma inscrição simbólica – o
valor.

Assim, no discurso da psicanálise, no próprio estatuto do inconsciente,


sem o capital e a prática que

ele instaura não teria sido possível a fundação


da psicanálise.

5.1 O VALOR COBRADO NA SESSÃO

Quanto
aos acordos de dinheiro, no texto Sobre o início do tratamento (1912), Freud
diz que

um analista não discute que o dinheiro deve ser considerado,


em primeira instância, como meio de

autopreservação e de obtenção de poder, mas


sustenta que, ao lado disso, poderosos fatores

sexuais acham-se envolvidos no


valor que lhe é atribuído. (Freud, 1912, p. 146)

Com base no que Freud afirmou, Quinet situa dinheiro


em cinco funções:

1. A ordem da necessidade, é preciso ter dinheiro para viver;

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2. Um símbolo fálico, isto é, o dinheiro escamoteia a falta, ou seja, escamoteia a castração;


3. O dinheiro é da ordem da demanda e não do amor, visto que amor é dar o que não se
tem,

quando se dar dinheiro sem tê-lo se demanda amor, assim, o dinheiro entra
aqui como um dos

objetos que podem ser pedidos: objeto da demanda que adquire


um valor que transmite o sinal

de amor;
4. No nível do desejo, o dinheiro se inscreve para o sujeito como significante em sua
cadeia

associativa. Se para a necessidade existe um objeto de satisfação


(fome-comida), no ser

falante a significação da necessidade e sua articulação


com a pulsão faz do objeto específico

um objeto perdido e sempre buscado pelo


desejo constante e indestrutível. A quantidade de
dinheiro não paga a falta
simbólica;

5. O gozo do dinheiro é o que designa a libidinização do capital no ser falante – o


fator sexual da

ordem da pulsão.

5.2 A QUESTÃO DO DINHEIRO E O SEXUAL

Freud
(1912) enfatiza que dinheiro e sexo dividem o sujeito, pelo qual nunca haverá
uma

resposta para todos, pois elas são individuais. No entanto, o analista não
deve tratar com a questão

do dinheiro com a mesma hipocrisia e pudor. Ao


contrário disso, sua atitude com o paciente deve ser

com a mesma franqueza


natural com a qual deseja educá-lo sobre as questões relativas à vida
sexual,
rejeitando a falsa vergonha sobre o assunto quando lhe cobra o preço do seu
tempo (Freud,

1912, p. 146).

O analista se vende como objeto que tem valor


inicialmente contabilizado: X por sessão. Assim,

o analista se torna um objeto


libidinalmente investido e amoedado com seu dinheiro. A análise só

pode ser
feita por um total investimento, pois nada pode ficar de fora da análise.

O
sujeito vem prestar conta do seus crimes e, para tal, ele paga com dinheiro,
explica Quinet
(1991), sendo essa a única maneira de colocar em movimento a
dívida simbólica, dívida essa que o

sujeito paga pela entrada no simbólico (p.


92). Pelo lado do analista, ao fazer pagar, ele mostra que

não está ali por


amor, por sacrifício, para gozar das histórias de seus pacientes ou porque se

interessa pelo sujeito como objeto, mas sim para ser o depositário das
histórias de alto valor do
sujeito. Além disso, o preço pago tem a função ainda
mais precisa de não dever nada a alguém

(Quinet, 1991, p. 93).

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NA PRÁTICA

Os
artigos técnicos escritos por Freud trazem até os dias de hoje todos os métodos
de

operação da clínica psicanalítica, no entanto, vale a ressalva: não se trata


de fórmulas rígidas e
métodos de aplicação, mas dizem respeito a orientações
sobre a prática que se compreende como

psicanálise em extensão, ou seja, o


estudo isolado dela não implica formação do psicanalista, visto

que o valor da
psicanálise é na sua intenção, isto é, a psicanálise pura na sua experiência
analítica. O

tripé da formação – análise pessoal, estudo e supervisão é que


capacita o sujeito a se apropriar do
seu lugar como analista.

Ao
observarmos, desde o início, o percurso de Freud com as histerias que deram o
nome ao

método Talking Cure e, depois, verificarmos o seu interesse


pelas histórias de seus pacientes, ao

ponto de se colocar na escuta do que lhes


viesse à mente pelo método livre de associação até

chegar ao mais íntimo do ser


– o inconsciente –, podemos concluir que o método fundamental da
psicanálise
nos convoca a uma permanente revisão de sua prática, visto que ela caminha com
o

sujeito em seu tempo.

É
importante ressaltar que o analista que ainda não consegue viver de seu oficio
deve procurar

outros meios de ganhar dinheiro, pois em hipótese alguma ele deve


ficar na mão do analisante ou ter

receio de dizer algo por medo de afastá-lo de


sua análise. As questões econômicas do analista

devem ficar de fora da sessão.

FINALIZANDO

Nesta etapa, vimos os conceitos:

Talking Cure: um método descoberto pela paciente;


Associação livre: método
que desloca a fala até um outro lugar, muito além da intenção

consciente de
comunicar algo, pois ao falar, o sujeito comunica muito mais que aquilo a que

inicialmente se propôs;
Atenção flutuante: consiste na maneira pela qual o
analista deve escutar o analisando, não

privilegiando a priori qualquer


elemento do discurso;

Entrevistas preliminares: momento de conhecer o candidato à análise e firmar o contrato

simbólico do tratamento;

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O dinheiro na psicanálise: não se poupe o analista sobre essa questão.

REFERÊNCIAS

Fink, B. Fundamentos
da técnica psicanalítica. Uma abordagem lacaniana para praticantes. São

Paulo: Blucher, 2017.

Freud, S.
Artigos sobre técnica e outros trabalhos, 1912. In: ______. Obras completas.
v. XII. Rio
de Janeiro: Imago, 1996.

______. Três ensaios


sobre a sexualidade, 1905. In: ______. Obras Completas. v. VII. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.

______. Um estudo
autobiográfico, 1924. In: ______. Obras Completas. v. XX. Rio de
Janeiro:

Imago, 1996.

MAC, J. Fundamentos
da psicanálise. De Freud a Lacan. v. 3. Rio de Janeiro:
Zahar, 2017.

Lacan, J. A
direção do tratamento e os princípios de seu poder, 1958. In: ______.
Escritos. Rio
de

Janeiro: Zahar, 1998.

Laplanche,
J.;
Pontalis, J-B. Vocabulário da
psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Quinet, A. As
4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

Roudinesco, E. Dicionário
de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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MÉTODO PSICANALÍTICO
AULA 4

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

Para
darmos continuidade em nossos estudos sobre os métodos psicanalíticos, abordaremos
os outros cincos conceitos que completam o conjunto de técnica assinalada por
Freud: a dinâmica

da transferência, a interpretação em análise, a função do


divã, o tempo da sessão e a escuta clínica.

Todos
esses temas, somados aos que já trabalhamos na primeira parte (a associação
livre,

atenção flutuante, entrevistas preliminares, e o dinheiro na psicanálise),


dizem sobre os métodos,

técnicas, e conceitos da clínica. Compreender a função de


cada uma delas se faz importante para o

bom funcionamento da prática

TEMA 1 – A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA  

Como vimos anteriormente, as entrevistas


preliminares são um “portal” para a entrada em

análise. Freud mencionou que a


duração desses “tratamentos experimentais” podia ser de uma até

duas semanas,
mas é importante lembrar que em sua época, as consultas aconteciam cinco vezes

por semana, diferente da nossa realidade – em que as consultas raramente


ocorrem mais de uma

vez por semana. Sendo assim, a duração das entrevistas preliminares,


que antecede a entrada em

análise, pode ter um tempo maior de espera. De todo


modo, o objetivo é que, passado esse tempo,

ela cumpra a função de estabelecer uma


“transferência operativa”, ou seja, uma transferência na
qual o analista esteja
permitido a intervir por meio da interpretação. Antes disso, qualquer tentativa

por parte do analista poder adquirir um aspecto invasor, ou sem efeito algum. Assim,
é necessária a

observação de uma primeira transferência para dar uma


interpretação.

A transferência é dita por


Freud como o motor de uma análise. A transferência, diz Coutinho

Jorge em Fundamentos
da Psicanálise, é a única forma do inconsciente se presentificar de modo

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12/12/2022 19:58 UNINTER

sistemático na análise, e não apenas pontualmente, como também na formação da


vida cotidiana

(lapso, ato falho e chistes) (p. 156) .

Freud (1912), em A Dinâmica da Transferência,


distinguia duas atitudes básicas do analisando

em
relação ao tratamento: de um lado, a cooperação, e de outro, a resistência.
Estas atitudes, que se

contrapõem entre si, receberam o nome de


transferência positiva, constituída de amor e ternura e,

respectivamente,
transferência negativa, vetor de sentimentos hostis e agressivos.

Já sob o olhar de Roudinesco, em seu Dicionário


de Psicanálise (1998), a transferência é

designada como um processo


constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos

inconscientes do analisando, concernentes a objetos externos, passam a ser


repetir no âmbito da

relação analítica, na pessoa do analista, colocado na


posição desses diversos objetos. (p. 766-767).

E Lacan (1964), finalmente, no Seminário


11, reconhece o conceito da transferência com sendo um

dos quatro conceitos


fundamentais da psicanálise, pois trata-se de uma operação pela qual o
inconsciente
se atualiza na realidade.

1.1 RECONHECENDO A TRANSFERÊNCIA

O termo Übertragung foi introduzido


na literatura psicanalítica por Freud e traduzido por

“transferência” – o que,
segundo o autor, diz respeito aos sentimentos deslocados na direção do
analista. No entanto, dada a sua presteza, Freud pode observar que não se
tratava apenas da

situação produzida no tratamento, mas que a origem desses


afetos emergia de outro lugar e que, na

verdade, o que surgia em análise era


uma “nova edição” ou cópias idênticas dos impulsos e

fantasias que substituem


uma pessoa por aquela que ocupa o lugar do analista, ou seja, as

experiências
vividas no passado são revividas e deslocadas para a pessoa do analista, no
momento

presente. 

Fink (2017) em Fundamentos da Técnica Psicanalítica,


delimita as formas como as

transferências, ditas na sua literalidade como uma


transposição, podem surgir em análise:

Em nível perceptível – seja visual, auditivo, olfativo, tátil ou outro sentido. Ou


seja, é algum

aspecto do analista que faz com que o paciente se lembre de um de


seus pais (ou de qualquer

outra pessoa importante de seu passado), tais como o


som de voz, a cor dos olhos, cabelo ou

pele, gestos, forma de se cumprimentar e


assim por diante.  Não é que realmente haja alguma

dessas características no
analista, mas o que ocorre é uma projeção no analista de algo preso

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12/12/2022 19:58 UNINTER

em algum momento
do ente querido do paciente, que passa a ser associado. O paciente vê seu

analista como se fosse um registro perceptivo.

Característica “codificada” – a companhia ou o próprio ambiente faz com que o paciente se

lembre de um de seus pais (ou de qualquer outra pessoa importante de seu


passado), tais

como idade, jeito de se vestir, maquiagem ou acessório, o


vocabulário usado, o modo de falar (

que pode indicar classe social ou


aspiração social, região ou país), localização do consultório,

decoração, etc. Todos


esses aspectos, envolvendo sinais de  um tipo ou de outro, produzem no

imaginário do paciente uma livre interpretação que pode promover a transferência.

Expressão de emoção por parte do analista – todas as emoções detectáveis podem ser

associadas pelo paciente como vista em outras pessoas  do seu passado e são
colocadas sob

o título de efeitos afetivos, envolvendo a libido. “Na verdade, a


analista não precisa sentir ou

manifestar qualquer emoção para o paciente


“perceber” uma determinada emoção que venha

dela: em vários casos o paciente


projeta na analista, emoções que percebia em sua mãe –

emoções que o
perturbaram e com as quais ele ainda luta” (p. 216).

Mas o conceito da transferência em análise


é bem mais do que tudo isso, é preciso um

reconhecimento maior desse conceito


para não nos equivocarmos e acreditarmos que qualquer

sentimento do paciente
seja o de transferência.

Pois bem, um sentimento só pode existir se


consciente, ou seja, se ele for inconsciente, não é,

em sentido estrito, um
sentimento, pois o sentimento só pode ser quando sentido. No entanto,

aspectos
reprimidos podem criar posturas contrárias ao que ele perceba, - portanto,
quanto maior a

resistência, mais extensiva a atuação.

No texto Recordar, repetir e elaborar


(1914), Freud traz novas recomendações sobre essa

técnica, quando diz que a


transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a
repetição é uma “transferência do passado esquecido”, não apenas para o médico,
mas também

para todos os outros aspectos da situação atual. (p. 166)

  Desse modo, a transferência pode envolver


uma repetição de alta complexidade, na qual se

reflete toda a estrutura


familiar nas sessões de análise, não se restringindo apenas ao sentimento

dirigido ao analista, mas podendo se estender a uma passagem traumática da vida


do paciente – e

com a qual o setting analítico se torna um palco para a “encenação”.

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12/12/2022 19:58 UNINTER

1.2 A CONTRATRANSFERÊNCIA

A contratransferência refere-se a uma dimensão


fundamental do modo como o analista se

coloca diante do paciente e se deixa ser


por ele afetado. Dito de outro modo, é a forma como o

analista responde à
transferência. Nesse aspecto, a contratransferência se inclui também na

dinâmica do trabalho analítico.

Para pensar nessa modalidade, Luís Claudio Figueiredo,


em Elementos para a clínica

contemporânea (2018), diz que a


contratransferência primordial configura-se como um “deixar-se

colocar” diante
do sofrimento antes mesmo de se saber do que e de quem se trata, sendo essa,

justamente, a disponibilidade humana para funcionar como suporte da


transferência, de modo que

“todo psicanalisar, no que implica lidar com as


transferências – e as outras coisinhas mais, que

emergem e podem ser tratadas


nesses processos – dependem, portanto, dessa contratransferência

primordial”
(p. 132).

Para Lacan, em comentário de Roudinesco (1998),


a ideia de contratransferência é desprovida
de objetivo, ou seja, se torna
apenas um impasse para o processo analítico, visto que não designa

nada além
dos efeitos da transferência que atingem o desejo do analista, não como pessoa,
mas

como alguém que é colocado no lugar do Outro pela fala do analisando.


Lacan vai dizer, portanto,

que não é necessário fazer intervir a


contratransferência, como se ela fosse algo que constituísse a

parte própria e,
muito mais do que isso, a parte falha do analista (p. 134).

TEMA 2 – A INTERPRETAÇÃO  

A transferência e a interpretação andam lado a


lado na situação analítica. Freud recomendou

que o analista só interpretasse


após o aparecimento da transferência, já Lacan apontou para uma via

aparentemente
oposta, na qual a interpretação é o que, de fato, instaura a transferência.

Coutinho Jorge (2017) destaca que, para Lacan,


é na medida em que o analisando se perceba

sendo escutado, enquanto sujeito,


que emerge a dimensão do sujeito de suposto saber, sendo essa

a mola essencial
para a transferência (p. 156).

Dessa forma, é essencialmente a posição do


psicanalista que permite que se instaure a

transferência, por meio do modo que ele


acolhe a demanda do analisando e recebe a fala do seu

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sofrimento. Sendo que é


do desdobramento da fala do analisando e de sua interpretação que pode

advir
uma possível consolidação da transferência. 

A interpretação está no cerne da teoria e da técnica


freudiana. O primeiro modelo de

interpretação foi apresentado através do sonho,


onde ele destacou o simbolismo singular da pessoa.

A formulação
de Freud a respeito da interpretação, nesse ponto, é a seguinte:

A. É a partir do relato do
sonho de quem sonhou que se constitui a interpretação (o conteúdo

manifesto do
sonho).

B. As associações livres
conduzem para o sentido do sonho (o conteúdo latente).

C. A interpretação visa
lançar luz sobre o desejo inconsciente que no sonho se realiza.

Na psicanálise,
o sentido técnico da interpretação está desde sua origem, na Interpretação do
sonho, e aplica-se a toda produção inconsciente que no discurso e comportamento
surge como uma

marca defensiva.   

2.1 O QUE SE INTERPRETA?

Laplanche
e Pontalis, em Vocabulário de Psicanálise (2001), discorrem sobre dois
pontos da

interpretação (p. 245):

A. Destaque para a
investigação analítica do sentido latente nas palavras e nos comportamentos
de
um sujeito. A interpretação traz à luz as modalidades do conflito defensivo e,
em última

análise, tem em vista o desejo inconsciente.


B. No tratamento, a comunicação
feita ao sujeito, visando dar-lhe acesso à esse sentido latente,

segundo as
regras determinadas pela direção do tratamento.

Portanto, o objetivo da interpretação é trazer


um modelo inconsciente para a atenção do
paciente, cuja finalidade é fazer com
ele reconheça o seu funcionamento e possa, no futuro, deter-se

antes de repetir
um comportamento compulsivo da repetição inconsciente.

Bruce Fink (2017) declara que no setting analítico


a interpretação que visa amarrar um único

significado tende a fazer com que o


paciente pare de falar, em um certo sentido, interrompendo o
fluxo de suas
associações, ou seja, acaba fechando portas ao invés de abrir. “Resumindo,
alguém

pode dizer que o pensamento do paciente (ou seu ego) recristaliza em


torno das interpretações

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facilmente apreensíveis, ao passo que o objetivo do


trabalho psicanalítico com neuróticos seja
frustrar tais cristalizações” (p. 140).

A dimensão do trabalho analítico no que tange a


interpretação, pode ser equacionada pela

seguinte fórmula: o psicanalista sabe


que o sujeito sabe, sem saber que sabe.

Coutinho Jorge (2017) indica que enquanto o


analisando se situa, de início, numa relação dual,

num eixo imaginário, o


analista deve tomar a relação analítica no seu conjunto ternário, onde inclui o
Outro (o inconsciente). Tais etapas da relação analítica são representadas pelo
autor da seguinte

forma:

Quadro 1 – Etapas de relação analítica

Fonte: Elaborado com base em Coutinho Jorge, 2017.

No primeiro quadro, o analisando se dirige ao


analista como sujeito do suposto saber,
estabelecendo a raiz do vetor
transferencial. O segundo quadro, o que especifica a posição do

analista, diz o
autor, é o fato do analista não responder desde esse lugar, pois ele não está
identificado com o sujeito que sabe, mas sim de semblante do objeto a causa de
desejo.

No terceiro quadro observa-se o analista por


sua posição de escuta, que aciona a fala do

analisando pela associação livre,


indicando assim, o lugar terceiro – o inconsciente. O efeito desse
acionamento
é visto no quarto quadro, onde a interpretação surge do lugar do Outro, o saber

inconsciente.

TEMA 3 – A FUNÇÃO DO DIVÃ

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“Das entrevistas preliminares à conquista do


divã” – foi dessa forma que Lacan passou a tratar

o divã, como uma “conquista”


em análise para os neuróticos, onde se deixa a posição de “face a
face” com o
analista, para deitar-se no divã.

Nos ensinos de Lacan, o divã é uma condição que


marca o fim das entrevistas preliminares e

pontua a entrada em análise. Quinet


(1991) se questiona se o ato de deitar o paciente no divã trata-
se apenas de
procedimento técnico. O autor definiu que o divã tem um “fundamento ético” que

orienta a sua técnica e, por seu turno, Lacan buscou esse fundamento ao
promulgar o retorno a
Freud.

O uso do divã foi uma insistência de Freud


trazida do método de hipnose. No texto Sobre o Início

do Tratamento
(1912) ele enuncia diversas razões para se manter o divã. O primeiro motivo foi
para
evitar ser olhado pelo paciente. Além de ter seus próprios motivos para
isso, ele explica que as

expressões faciais do analista não deveriam fornecer


elementos a serem interpretados pelo
analisando quee pudessem influenciar na
direção de sua fala. Freud ainda diz que mesmo que o

paciente se sinta
incomodado com essa posição, isso não deve ser negociado, visto que ela também
tem o objetivo de impedir que a transferência se misture imperceptivelmente às
associações do

paciente.

Antonio Quinet declara, então, que a principal


razão do divã na análise deve-se à estrutura da
transferência. Trata-se de uma
tática, cujo objetivo é dissolver a pregnância do imaginário da

transferência,
para que o analista possa distingui-la no momento de sua pura emergência nos
dizeres do analisando. (p.39)

O analista por trás do divã ocupa o lugar da


invisibilidade, na medida em que seu ato surge
como real e não atuação. Dessa
forma a indicação ao divã na entrada em análise tem o estatuto de

ato analítico
que produz em cada análise o ínicio da psicanálise.

Quinet, seguindo as orientações lacanianas,


expõe o campo da visão no campo do engodo do
desejo, na medida em que ele é
protegido pela imagem [i(a)]. O olho institui, na relação do sujeito

com o
outro imaginário, o desconhecimento de que sob esse desejável há um desejante.
O “desejo
do analista”, enquanto função, deve ir contra esse desconhecimento e
fazer surgir para o analisante

a interrogação sobre sua própria posição em


relação ao desejo do Outro (p. 39).

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Assim, pela função de se


deitar no divã, o analisante é levado a deixar a imagem do outro i(a),
que
representa a persona do analista, dando lugar ao ideal do Outro I(A). Sendo,
portanto, este

procedimento, um meio de esvaziar o imaginário e ir contra o


desconhecimento do eu, fazendo, por
fim, emergir o discurso do Outro.

Por último, Quinet sublinha que para não fazer


do divã um uso padrão, é necessário aprender as

particularidades de cada caso,


assim como qualquer outro aspecto da experiência analítica.

TEMA 4 – O TEMPO DE ANÁLISE

Para o tempo, nos deparamos com duas


vertentes: o tempo de duração da análise, onde o que
entra em cena é o final da
análise e o tornar-se psicanalista; e o tempo de duração de cada sessão,
sendo
essa, para os que seguem as orientações lacanianas, a que mais causa embates no
meio

psicanalítico e no campo das psicologias.

Quinet
(1991) enumerou cinco proposições, extraídas dos ensinos de Lacan, para
demonstrar a

ressignificação da experiência psicanalítica após a introdução da


questão do “tempo lógico”. Em seu
texto Que tempo para a análise? as
proposições são listadas como:


proposição – O tempo em psicanálise deve corresponder à estrutura do campo
freudiano.

Isso significa que o tempo não pode ser algo meramente técnico ou
empírico, mas deve
responder aos conceitos fundamentais da psicanálise.


proposição – As sessões sem tempo determinado se estabelecem num plano que não
é o
da burocracia e sim o da lógica do inconsciente e da ética da psicanálise. Assim,
somos

conduzidos pela própria transferência que é o conceito mesmo da análise,


porque é o tempo
da análise.


proposição – As sessões psicanalíticas sem tempo determinado encontram sua
lógica em
duas definições distintas de estrutura, que implicam dois aspectos do
sujeito:

A
estrutura do campo psicanalítico é equivalente à estrutura da linguagem. O
sujeito é
definido a partir de sua determinação pelo significante, definição
essa correlata à

formulação do inconsciente estruturado como uma linguagem.


A estrutura não é apenas
definida pela linguagem, visto que a estrutura não é toda feita

de linguagem,
mas contém o objeto a, real, exterior à linguagem e que está fora do
significante. Trata-se, aqui, da estrutura do ato psicanalítico, ato
fundamentado por

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Lacan, a partir de uma estrutura paradoxal em que o objeto


seja ativo e o sujeito
subvertido (a → $).


proposição – O tempo em análise deve ir contra o tempo do neurótico.

proposição – O tempo da sessão deve incluir em si mesmo e a cada sessão a
finitude da

análise. Assim, cada sessão de análise contém o final da análise.

Partindo do entendimento dessas proposições,


Lacan rompeu com a tradição psicanalítica, que

estabelecia a regra das sessões com


tempo determinado de 50 minutos, e insere as “sessões
curtas”, nas quais o que
se é evocado é a experiência analítica na função da fala e no campo de

linguagem.

4.1 SESSÃO CURTA – TEMPO LÓGICO

O
tempo das sessões foi proposto por Freud em seus Artigos sobre Técnica
(1912), texto no
qual ele assinalou que trabalhava com seus pacientes seis
vezes por semana, interrompendo os

atendimentos nos fins de semana, e


disponibilizava a eles uma hora por dia (p. 51). E, muito embora
Freud não
tenha estabelecido uma rigidez em relação a isso, a duração das sessões foi
padronizada

pela IPA, que convencionou que as sessões deviam ocorrer mínimo


três vezes por semana e
tivessem cinquenta minutos de duração, sem dar nenhuma
justificativa para tal adoção.

Lacan se opôs enfaticamente a esse


conjunto de convenções e propôs que os analistas se

orientassem apenas pela


fala dos seus analisantes para conduzir o tempo de análise. Para época, a
declaração de sessão orientada pelo tempo do inconsciente pareceu um escarnio.

No entanto, Lacan não renunciou às sessões


curtas, visto que, para ele, o inconsciente tem
estrutura de linguagem, então
caberia ao analista pontuar na fala do analisante aquilo que evocaria o

inconsciente, transformando um discurso comum em manifestação do inconsciente.


Ou seja, essa
técnica se colocava em oposição a técnica que, até então, era a
empregada pelos psicanalistas, em

que o objetivo era tornar consciente aquilo


que estava inconsciente – e que, para isso, não se
abstinha de dar
interpretação. 

4.2 A PONTUAÇÃO

Lacan esclarece que a suspensão da sessão deve obedecer


não ao tempo do relógio, mas, sim,

à trama do discurso do analisando. Para


isso, ele evidencia um esquema de comunicação que diz
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respeito não só a
análise, mas também a experiência comum do dia a dia.

O
esquema de comunicação que Lacan evidenciou corresponde ao entendimento
freudiano de
“posteriori”, no qual, só num depois que uma frase seja
terminada é que se entenderá o seu sentido.

Quinet explica desse modo: “se eu


disser ‘agora vou’, ninguém entenderá”. Mas quando ele diz a
frase inteira:
“agora vou ao quadro escrever o que estou dizendo”, nesse momento o “agora vou”
fará

sentido. Portanto, se uma frase é considerada uma cadeia de significantes,


só conseguiremos
entender o seu sentido inicial por meio de uma retroação, ou
seja, só após uma frase terminada é
que se pode entender o seu sentido (p. 52).

Esse esquema de retroação é fundamental na psicanálise, pois


corresponde ao esquema da

constituição do trauma. Para que haja trauma são


necessários dois tempos. Se tomarmos o
trauma por excelência, o da castração,
teremos: no primeiro momento, quando da masturbação

infantil, o menino ouve


ameaças reais de castração. Essas falas provocarão angústia quando o
menino se
defrontar à falta de pênis na mulher (da mãe), ou seja, quando se defronta com
a

 castração do Outro. O efeito de ameaça adquire seu sentido nesse processo de


retroação, em que

a primeira experiência será ressignificada.

Para
exemplo, pensemos num individuo que chega em análise com pontos enigmáticos em
sua
história, de tal forma condensados que apontam para determinado gozo que
sempre retorna em seu

discurso. Esse ponto enigmático e pleno de sentido, surge


para o individuo de forma completamente

irracional, mas na medida em que o


analista aponte para o esquecimento de algo, ou dê ênfase a
uma palavra, ou
interprete algo de sua fala, faz com que a frase que vinha numa cadeia de

significantes retroaja, permitindo novas ressignificações. Quinet apresenta-nos


um gráfico:

Gráfico 1 - Retroação

Fonte: Elaborado com base em Quinet, 1991.

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O
corte em sessão tem para Lacan o mesmo valor: “é por isso que a suspensão da
sessão [...]

desempenha aí o papel de uma escansão que tem todo o valor de uma


intervenção, precipitando os

momentos conclusivos” (Lacan 1953, p. 253). Isto


é, não podemos ser indiferentes à trama do

discurso do sujeito em detrimento


puramente cronológico.

TEMA 5 – A ESCUTA CLÍNICA   

“Que se diga fica esquecido detrás do que se


diz no que se ouve.” Essa declaração feita por
Lacan no seminário 20 (1972-73) pode
ser desdobrada em várias vertentes, mas, para início,

tomemos a primeira
delegação aos psicanalistas – ouça o seu paciente. 

O psicanalista, ao se colocar como ouvinte,


ouve a dor, o mal-estar, a queixa do sintoma e tudo

que apareça no campo da


fala, e através do seu acolhimento e pontuações, todas essas queixas são

transformadas em uma demanda de análise.

Agora, nesse percurso de análise, o que surgirá


pela frente? De fato, é a escuta do psicanalista
que dará norte a essa caminhada,
e se foi através do princípio de prazer que Freud regulou o

psiquismo, Lacan
soube extrair as consequências lógicas dessa trama e desbravou o campo do

gozo,
para além do princípio de prazer. Assim, o que se segue a partir da entrada em análise,
é a

“travessia do rochedo” da castração.

Dominique Fingermann e Mauro Mendes Dias confluem,


no livro Por causa do pior (2005), as
exigências lógica, ética e clínica
propostas por Lacan ao incluir o campo do gozo na escuta clínica

(p. 44):

1. No
ponto de origem do sujeito, dizem os autores, há um trauma, uma
incompatibilidade:

castração, impasse, spaltung, divisão.

2. Inibição,
sintoma, angústia, repetição, obsessão, conversão, depressão, pânico, pesadelo,

estranheza, culpa, masoquismo etc., testemunham essa dimensão no mundo e na


clínica.
3. Diversos
destinos e avatares dessa causa comum indicam que é possível haver
transformação

e remanejamentos. A psicanálise propõe-se a explorar as condições


de tratamento da causa

do pior/ gozo: analisar, descolar, desmontar,


demonstrar, esvaziar, matemizar, poetizar, inverter,
retroverter,
subverter, sublimar, enlaçar.

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A psicanálise
ao acolher o sujeito e sua dor singular, ela também se coloca a escuta do modo
como o sujeito trata a impossibilidade. E de certo, há infinitas formas. E
sobre todas essas formas

possíveis, todos sofrem com algo que dizem aos berros


ou sussurros: “tem algo em mim que é mais

forte do que eu”[1], dão


vários nomes a essa “coisa”. Na psicanálise, Freud nomeou de isso, ou

pulsão de morte e ainda sobre conotação de unheimlich, um estranho íntimo,


que não cabe no eu, no
Ideal e nem na lei.

Fingermann e Dias expõem que Lacan, ao


interpretar Freud, colocou a experiência analítica à

altura do Pior/gozo e não


mais ao nível do Pai. “O Pai é o que dá sentido às coisas; a experiência da

psicanálise trata do sem sentido da Coisa” (p. 46). Assim:

O sofrimento do sintoma testemunha a verdade esquecida, a


essência nunca ocorrida, foracluída,

que retorna no real do corpo, da vida ou


dos pensamentos. O sintoma, na repetição lancinante de
seu tormento, insiste como
eco que dá presença ao oco que dá substância, ao vazio da identidade,

insiste
como se quisesse dizer alguma coisa.

É, então, desde a ausência de


sentido que se pode ouvir o que atormenta e obtém a

consistência do sintoma, e
se configura como uma queixa tentando dizer alguma coisa, foi dessa
conjugação
entre sintoma e demanda que Freud respondeu com a invenção da psicanálise.

NA PRÁTICA

Os conceitos de transferência e interpretação


são elementos extremamente orgânicos que

cabem muito mais no campo da


experimentação do que em conceitos teóricos. É de fato na

experiência analítica
que se pode dimensionar o modo como cada um se presentifica uma do lado
do
analisante e outra do lado do analista que responde com a interpretação.

A escuta por sua vez, embora seja muito


enfatizada no campo psicanalítico, não se engane, os
bons ouvintes são escassos
e existem vários fatores para isso, inclusive razões estruturais, pois o

que
nosso narcisismo gosta de ouvir mesmo é sobre nós mesmo, portanto, só através
da análise

pessoal que podemos reduzir essa dimensão imaginaria, que constitui


o campo do narcisismo para
podermos ouvir de fato a alteridade do outro.

Outro fator importantíssimo de lembrarmos para


a nossa prática é que a lógica capitalista -
tempo e dinheiro - não deve ser
confundida com o princípio de realidade, mas pode haver outra

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relação possível
para isso, por isso a lógica do tempo da psicanálise é transferencial e deve
ser

buscada no discurso do sujeito.

Por exemplo, um analisando que, após algumas


sessões, de muitas associações que o fizeram
entrar em contato com a sua dor,
subitamente tem uma melhora. Chega na análise dizendo que está

ótima, que a
analista é maravilhosa e que não tem nada a dizer. O analista diz: “se não tem
nada pra

falar, me fale o que você fez da última sessão pra cá”. A analisanda,
então, começa a relatar de

forma minuciosa tudo que ela fez, registrava até o


horário de cada coisa, então, ela conta que
quando foi estacionar o carro,
bateu no carro do vizinho, e sorrindo diz: “ah, mas essa sou eu, né?” e

a
analista responde: essa qual é você?” E, depois de uma pausa, vem o choro: “a
que sempre estraga

tudo”. Deste ponto, se abre para uma nova cadeia


significante...

FINALIZANDO

A transferência é o
motor de uma análise. É a única forma do inconsciente se presentificar de
modo
sistemático na análise, e não apenas pontual, como na formação da vida
cotidiana (lapso, ato

falho e chistes).

A interpretação tem sua fórmula delimitada na


interpretação do sonho:

A. É a partir do relato do
sonho de quem sonhou que se constitui a interpretação (o conteúdo

manifesto do
sonho).

B. As associações livres
conduzem para sentido do sonho (o conteúdo latente).

C. A interpretação viso
lançar luz sobre o desejo inconsciente que no sonho se realiza.

Pela função de deitar-se no


divã, o analisante é levado a deixar a imagem do outro i(a), que
representa a
persona do analista, dando lugar ao ideal do Outro I(A). Sendo, então, o
procedimento

de deitar-se no divã, um meio de esvaziar o imaginário e ir contra


o desconhecimento do eu, fazendo

por fim, emergir o discurso do Outro.

O tempo da sessão não obedece ao tempo


cronológico, mas tempo logico do inconsciente.

Assim, a
suspenção da sessão deve obedecer, não ao tempo do relógio, mas, sim, a trama
do

discurso do analisando. Para isso, ele evidencia um esquema de comunicação


que diz respeito não
só a análise, mas também a experiência comum do dia a dia.

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A escuta do analista é,
então, desde a ausência de sentido que se pode ouvir o que atormenta e

em que
se obtém a consistência do sintoma, e se configura como uma queixa tentando
dizer alguma
coisa. Foi dessa conjugação entre sintoma e demanda que Freud correspondeu
com a invenção da

psicanálise.

REFERÊNCIAS

COUTINHO JORGE. M. A. Fundamentos


da Psicanálise de Freud a Lacan. Vol. 3, Rio de Janeiro:

Zahar, 2017

FIGUEIREDO, L. C. Elementos
da Clínica Contemporânea. São Paulo: Escuta, 2018

FINGERMANN, D., DIAS,


M. M. Por Causa do Pior. São Paulo: Iluminuras, 2005.

FINK, B. Fundamentos da
técnica psicanalítica. Uma abordagem lacaniana para a prática. São

Paulo:
Blucher, 2017.

FREUD, S. Artigos sobre


técnicas. In Obras Completas. vol. XII. Rio de Janeiro: Imago,
1996.

LACAN, J. Função e
campo da fala e linguagem. In Escritos. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.

________. Seminário
20: Mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

LAPLANCHE, J., PONTALIS, J.


B. L. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

QUINET. A. As 4+1 condições


da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

ROUDINESCO, E. Dicionário
de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998

[1] Fingermann e Dias citam aqui um trecho de


autoria de João Guimarães Rosa

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MÉTODO PSICANALÍTICO
AULA 5

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

O campo da psicanálise é o campo da economia de


gozo, desde Freud em Estudos sobre a
histeria, que estabeleceu a
associação livre como método, até a Interpretação do sonho, quando

introduz a linha do trabalho do inconsciente que se realiza cifrando o gozo, o


analista denuncia:

goza-se!

O pai do gozo absoluto é morto, e o sujeito


goza do próprio corpo tomando-o como objeto.

Depois, ao lançar luz sobre os


paradoxos do gozo que se apresentam entre prazer e desprazer, insere

uma nova
dimensão no discurso do analista, o qual entra em jogo o impossível. Com a
afirmação de

um masoquismo originário, Lacan, por sua vez, extrai dos textos freudiano
o campo do real e implica
o trabalho analítico no campo do gozo.

Dessa forma, a formação do analista, tal qual


pensou Lacan, não pode excluir a dimensão do

gozo, aplicando no coletivo um


efetivo retorno a Freud, que toma a formação do analista pelas

formações do
inconsciente. Portanto, para seguirmos na proposta de estudos, cabe-nos também

abordar, nesse momento, a formação do analista, que inclui, em sua dimensão: a


Escola de

formação do psicanalista, o cartel, o passe, o final de análise e o


ato analítico.

TEMA 1 – A ESCOLA DE FORMAÇÃO DO PSICANALISTA

Não há formação do analista; há formação do


inconsciente, destaca Antonio Quinet em seu livro

A estranheza da
psicanálise (2009), no qual aponta para a impossibilidade de generalizar a
formação

do analista, visto que ela deve ser pautada na análise do


inconsciente, ou seja, de sujeito a sujeito.  

A pergunta que surge é: então, o que quis Lacan


ao fundar a Escola de psicanálise? A resposta é

dada por ele nos textos


fundadores do capítulo V, em os Outros Escritos. Nesses textos, Lacan

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(1964) destaca seu posicionamento sobre a análise e o analista, as precisões


organizacionais e os

manifestos dos quais ele participou. E é sobre esses


textos que nos debruçaremos agora.  

O uso do termo “Escola” foi utilizado


pretensiosamente para enfatizar o lugar de ensino e do

estudo, distinguindo das


“associações e sociedades” das quais já se presume um centro cientifico

ou um lugar
de corporativismo. A Escola de psicanálise consiste em um lugar para o
psicanalista e

também o não analista, desde que a causa seja a psicanálise. Assim,


o principio da Escola se liga à

permutação e a duas estruturas inovadoras


instituídas por Lacan: o cartel e o dispositivo do passe.

Colette Soler, em seu livro A psicanálise na


civilização (1998), defronta-nos com esses princípios

da Escola e nos
indica que espera-se que a permutação quebre a consistência da hierarquia que

configurou
na IPA, visto que contraria a própria transmissão analítica. O cartel deve
servir ao trabalho

para todos, ou seja, tanto para os galonados quanto para os


novatos, pois se não há grupo sem traço

unário, mais vale a identificação ao trabalhador


analisante que a identificação ao colégio dos
mestres, complementa Soler (1998,
p. 144).

Quanto ao passe, é a estrutura da Escola que se


destina a fazer da Escola uma verdadeira

escola de psicanálise, ao dar evidências


ao fim de uma análise. Soler declara que “ele visa, mais-

além do título que ele


outorga, uma nova compilação de testemunhos verídicos sobre análise que

torna
possível o analista” (1998, p. 144).

No entanto, conforme nos expõe Soler, a Escola


proposta por Lacan não alcançou o seu

objetivo, uma vez que a permutação foi


ali uma palavra em vã, esquecida no Ato de fundação,

erigindo rapidamente uma


oligarquia. Os cartéis permanecem adormecidos e, mesmo que tenha

incitado
alguma euforia, houve mais causadores do que trabalhadores. E quanto ao passe, ele
tampouco alcançou o seu objetivo.

Desse modo, segundo Soler, a Escola serviu mais


aos seus membros do que propriamente à

psicanálise, visto que foi útil para


publicidade e para autorizar quem a consumiu. “Enfim, para dar a

última palavra
a Lacan, ela tornou seu ensino ‘água de esgoto’” (Soler, 1998, p. 144-45).

A crítica às sociedades de psicanálise, que foram


se propagando mundo a fora com objetivo

aparente de identificar os
psicanalistas na sociedade, é grande. Pois, para Soler, os psicanalistas

adoram
se reunir para falar de psicanálise, mas, isso torna-se uma irresponsabilidade
de dimensão

coletiva, já que, a propósito da psicanálise se constituir por


hiâncias irredutíveis, com as quais Lacan

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12/12/2022 20:00 UNINTER

não se cansou de compor experiências,


no entanto, vê-se uma tentativa de tamponar suas fendas

com suas “tagarelices”.

1.1 AS ESCOLAS DE PSICANÁLISE: O CONCEITO LACANIANO

A Escola inventada por Lacan tem a mesma


estrutura do sujeito, cuja organização se dá a partir

do furo. É pela ausência


de conceitos pré-estabelecidos sobre o analista e sua formação que ela se

organiza e faz progredir a psicanálise. Quinet (2009, p. 91) diz: “A formação


do analista é necessária

e estranhamente desregulamentada e está, em sua


essência, referida e pautada pela psicanálise

pura – a análise que produz um


psicanalista”.

Sendo assim, ao fundar a Escola, Lacan cria um


novo conceito que tira do centro das atenções o

saber do mestre e coloca o


ensino em seu lugar, incluído, desse modo, o discurso como o agente da

causa. A
Escola, portanto, é um lugar que abriga o objeto a.  E se o objeto a,
como objeto pulsional e

causa de desejo, diz Quinet, é aquilo que é rejeitado


pela civilização, a Escola é a instituição que,

apesar de ser da civilização,


deve abrigá-lo, sabendo que, por sua estrutura e por ser próprio a cada

um, o
objeto a, diferente do significante, não é coletivizador (Quinet, 2009, p.
93).

A Escola é um organismo de trabalho, situou


Lacan em seus artigos fundador de 1964. O

aspecto skolé não é o de


lazer, o seu sentido é de trabalho, um trabalho para a psicanálise, em que

analistas
se empenham a produzir saber, através de estudos e escritas. Segundo Quinet,
tal atitude

mudou completamente a história da psicanálise, a partir da qual os


psicanalistas passam a

responder a uma exigência ética e epistêmica para que


deem conta dos seus atos a partir da

elaboração de seu saber (2009, p. 94).

A Escola tem, em seu âmbito, a “transferência de


trabalho”, visto que a transmissão da

psicanálise só é efetiva em
transferência. Sendo assim, a transmissão se realiza no um a um,

fazendo
objeção à normatização, pois o que está em jogo é o estilo, que é tributário,
daquilo que ele

tem de mais particular – o objeto a. Desse modo, o


ensinante transmite a psicanalise como sujeito

dividido, interrogando outro


sujeito com o seu estilo, transferindo assim o trabalho que a psicanalise

o
leva a realizar. “A transmissão implica, portanto, transferir o trabalho
provocado pela psicanálise”

(Quinet, 2009, p. 94).

O “trabalhador decidido”, ou seja, a decisão do


sujeito de trabalhar pela psicanálise é o critério

para se entrar na Escola, e não


necessariamente os analistas, ou mesmo quem querer ser analista,

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pois, na
Escola, são os trabalhadores que serão aceitos.

Assim, no Ato de fundação, testifica o


trabalhador como referência da Escola, não impondo

distinção entre os membros,


mas sim categorias de membros, nas quais os mais experientes e os

mais novos,
os didatas e os candidatos, os analistas e os não analistas encontram-se no
mesmo

nível trabalhando juntos em cartéis (Quinet, 2009, p. 76).

1.2 A PROPOSIÇÃO DE 9 DE OUTUBRO 1967

Nesse texto, Lacan introduz a desigualdade dos


membros em relação à psicanálise, visto que

nem todos se mantêm iguais perante


a formação analítica e o reconhecimento como analista pela

Escola. A diferença
surge na designação do analista, em que uns fazem ali a sua formação, e outros

são os analistas da Escola.

Lacan ainda traz a hierarquia que compõe os


órgãos de gestão da Escola – presidente,

conselho, diretor, diretoria, comissão


de publicação, biblioteca e carteis. Tais hierarquias, situa-nos

Quinet, deve
estar desarticulada das comissões responsáveis pelas designações dos analistas
da

Escola.

Totalmente desligada da hierarquia de mando da


instituição, Lacan institui um grau para o

analista que fez sua formação na


Escola e deu provas de sua prática, são eles: AME, analista

membro da Escola,
cujo título é dado pela Escola; AE, analistas da Escola, cujo título é
conferido

àqueles que fizeram o passe e é pedido à Escola. Ambos os títulos são


conferidos por um júri, de

recepção e de confirmação, respectivamente.

Os juris são compostos por seis membros


escolhidos entre AME e AE, e o diretor faz parte de

ambos. Quinet nos explica


que, para o júri de confirmação, são escolhidos os candidatos que se

apresentarem por votação em assembleia geral. Eles são nomeados por três anos,
sendo um terço

renovado todo ano por sorteio dos que saem nos dois primeiros
anos e, em seguida, por antiguidade
e por eleição a novos membros. No júri de
recepção, são escolhidos nove candidatos pelo diretor os

quais a assembleia
geral optará por seis em votação, sendo a permuta idêntica a do júri de

confirmação (Quinet, 2009, p. 79).

Os títulos de garantias na Escola obedecem,


portanto, a duas necessidades de ordem

diferentes, as quais Quinet dispõe da


seguinte forma:

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1. Para o
interior da Escola, o titulo de AE qualifica aquele que se compromete a
participar na

elaboração da doutrina a partir de sua experiência pessoal como


analisante;

2. Para
fora, a Escola garante para o corpo social a qualidade profissional daqueles
entre seus

membros que receberam o título de AME.

Sendo assim, Quinet conclui que, “a autorização


do analista, que Lacan reconhece como uma

situação de fato e que sempre


existiu, só tem sentido dentro da Escola da qual a garantia da

formação do
analista é parte integrante.” (2009, p. 80-81).

TEMA 2 – O CARTEL

Como apresentado, a Escola é um organismo de


trabalho, cujo objetivo é manter a verdade do
campo aberto por Freud e fazer
cumprir o dever da psicanálise na sociedade. Para isso, o órgão base

da escola,
proposto por Lacan, é o trabalho do cartel. O cartel é um dos pilares da
Escola, que induz
a produção de saber em psicanálise e
favorece o vínculo pelo trabalho ao invés de uma

pseudofraternidade.

Os cartéis são pequenos grupos de estudo,


formados por quatro a cinco pessoas, que se
escolhem e se juntam em torno do
seu não saber que se fez questão, e a escolha pelo Mais-um (a

função do
mais um será abordada mais adiante) segue o mesmo princípio. Na lógica do
cartel,
inclui-se a sua dissolução, que está presente desde o início, pois o
tempo de concluir já esta em seu

horizonte, influindo sobre o tempo de


compreender.

O cartel se opõe aos efeitos da lógica dos


grupos, os quais Freud concebeu em ser texto

Psicologia das massas (1921),


já que nele busca esvaziar as identificações aos lideres e aos seus
pares. No
cartel, cada um entra com um projeto pessoal de trabalho. Sendo assim, o que
enlaça o
sujeito ao cartel é a transferência ao tema de estudo.

Engajar-se num cartel não é confortável, afirma


Fingermann (2016). “Fazer” cartel é jogo duro,
assim como todos os tempos da
formação do psicanalista, porque o não sabido, o Unbewüsst, o

saber que
falta, constitui o ponto de partida (Fingermann, 2016, p. 156). Segundo o
autor:

O cartel começa com um incômodo, um não saber que atormenta,


um sintoma, que pela graça da

aposta se transforma em questão. O não sabido não


é inefável, ele pode se formular, e fazer

questão. A questão formulada por cada


um no grupo chamado cartel tem consequência: ela expõe
e compromete quem a
formulou e assina o seu engajamento de uma produção, de uma elaboração

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de saber
digna da psicanálise perante a comunidade analítica. Melhor ela “faz”, ela
produz essa

comunidade na base da aposta, do risco e da “transferência de


trabalho”

As
referências à montagem do cartel estão discriminadas por Lacan no texto chamado
D’Écolage, no qual é proposta uma “fórmula refinada do cartel”. Tal
momento dá início à Causa

Freudiana, em 1980, quando culminou a dissolução da


EFP, e, não sem propósito, deixa de chamar
Escola e passa a ser nomeada de
campo. O cartel, por Lacan, confere então:

Primeiro
– quatro se escolhem para empreender um trabalho que deve ter seu produto.
Esclareço: produto próprio a cada um e não coletivo.
Segundo
– o conjunto dos quatro se faz em torno do mais-um, que, se ele é qualquer um,
deve

ser alguém. Cabe a ele a tarefa de velar pelos efeitos internos à


empreitada e de provocar nela
a elaboração.

Terceiro
– para prevenir o efeito de cola, a permutação deve se feita ao final
pré-fixado de um
ano, no máximo dois.

Quarto
– não se espera nenhum progresso além daquele de uma exposição periódica, tanto
dos resultados quanto das crises de trabalho.

Quinto
– o sorteio assegurará a renovação regular dos limites demarcados com a
finalidade de
vetorizar o conjunto.

A
inspiração do cartel veio através da experiência clínica de pequenos grupos
realizada por Bion,

um médico inglês que se interessou pela psicanálise e que,


durante a Segunda Grande Guerra,
instalou a primeira comunidade terapêutica, na
qual desenvolveu um trabalho com homens

atrasados na instrução, devastados pelo


sentimento de inferioridade, desajustados e facilmente
delinquentes. Para esse
grupo, foi utilizado o principio do “grupo sem líder”, status que despertou o

interesse de Lacan para pensar o cartel e designar a função do Mais-um.  

2.1 A FUNÇÃO DO MAIS-UM

A
posição do Mais-um no cartel é problemático, já que, em sua própria estrutura,
força-se a

designação de um líder, mas sua tarefa é justamente não ocupar o


lugar de liderança. A função do
Mais-um é simplesmente um a mais que balizará o
princípio do cartel, não com o seu saber, pois o

Mais-um pouco sustenta o


discurso do mestre, sendo, pelo contrário, um lembrete da estrutura, isto
é, um
significante a mais que marca e presentifica a falta do significante. Nesse
modelo, ele é

menos-um – S(A), encarnação da falta.


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Para Quinet, o Mais-um é aquele que aponta para


o furo da função do líder, que barra esse lugar

de suposição de saber para


fazê-lo circular, fazendo de cada um, um mestre (2009, p. 86). Sendo
assim, o Mais-um
fica a serviço do saber dos outros membros, isto é, ele evidencia o destino de

produção de cada um, fazendo funcionar o cartel ao apontar para sua dissolução.

TEMA 3 – O PASSE

O passe, em primeiro lugar, não tem nenhuma relação


conceitual ou de definição termológica

com rituais espirituais. Na verdade, a


palavra passe vem da língua francesa – la passe, que significa
passagem
– e é utilizada em dois sentidos: para passar de um lugar para outro, como
também

evocando um local, logradouro ou passadouro.

O termo em português o passe, portanto, não


é uma tradução, é antes um neologismo, já que

recebe um novo sentido. É a


passagem, uma mudança subjetiva de analisante para analista, é a isto
que o
dispositivo do passe da Escola se destina, sendo
um convite ao analisante para oferecer a sua
experiência de análise a outros.

Lacan formulou
esse dispositivo quando a Escola passava por uma grave crise, na qual o saber
e
as novas práticas cediam aos velhos hábitos, portanto era necessário
estabelecer uma reforma

que indicasse os analistas da Escola.

O passe se distingue
em três funções que foram destacados por Simone Perelson (2009) em
seu artigo O
passe: da articulação entre a autonomia e a dependência. A primeira vem dar lugar à

produção de um trabalho
teórico sobre a enigmática passagem do sujeito da posição de analisando
para a
de analista, passagem esta que será também chamada por Lacan de passe. Na
segunda, ele

deve funcionar como um mecanismo de nomeação do analista


da Escola (AE), a partir da
autenticação da passagem em questão. E a
terceira diz respeito à viabilização um novo tipo de laço

social para a
comunidade de sua Escola, o qual seria marcado pela transmissão do real em jogo
nesta passagem do analisando ao analista.

O dispositivo do
passe estabelece, então, um continuum, usando as palavras de Quinet, que

inclui a experiência psicanalítica (individual, privada e particular) e a


transmissão da psicanálise e
sua doutrina (pública e transindividual), o que
leva Lacan a propor a topologia moebiana para a

Escola, situando, no plano


projetivo, a vinculação da psicanálise em intensão e extensão. (Quinet,

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2009, p.
81). Portanto, verificamos que a proposta do passe se articula como mais uma
tarefa da
Escola, a de fazer avançar a psicanálise para além da clínica
propriamente transferencial. Quinet

conclui assim: “O passe tem como direção


elaborar um saber (fora da transferência) sobre esse
final, a partir da lógica
da construção de caso e de um trabalho de doutrina sobre a própria análise e
a
passagem de psicanalisante a psicanalista” (2009, p. 82).

A esse respeito,
Farias questiona em seu artigo “O que nos dizem os analistas no passe?”.
Ali ele
vai dizer que conduzir a análise até o seu fim implica tornar-se
analista de sua própria experiência,

isto é, tomar uma distância diferente diante de sua própria análise. Isso
permite ver a sua própria
neurose, a teoria e seus problemas em relação à psicanálise,
como também que o que essa análise

lhe ensinou não é guardado para si, mas


transmitido a outros pelo dispositivo do passe.

O testemunho vem situar o núcleo da


verdade particular, do qual surge a elaboração do saber,
que se torna
transmissível, possibilitando essa inédita articulação entre o mais singular do
sujeito e

o generalizável de um saber exposto. Trata-se, pois, de um testemunho


que mostra a possibilidade
de fazer série com a diferença, sendo esse o ponto
indicado por Lacan com clareza.

3.1 O PASSE NA PRÁTICA

Para nos situarmos a respeito da prática do passe, buscaremos


fazer um breve apanhado, a fim
de expor os processos que conduzem a sua
prática.

1. O candidato ao passe deve endereçar o seu pedido a uma comissão,


que designará um

membro para entrevistá-lo;


2. Quando aceito, é feito um sorteio sem que o candidato veja, para
que sejam eleitos dois

passadores escritos;
3. Se o candidato ao passe aceitar o nome dos passadores, ele deve
entrar em contato com eles

de modo individual e agendar um encontro para


contar-lhes o seu passe;
4. Após terminar o relato do passe, o passante comunica à comissão, e
esta avisa ao júri ou ao

cartel do passe;
5. A comissão/cartel do passe convoca os dois passadores, que, por
sua vez, relatam o que

ouviram.

Assim, declara Quinet, o passador recolhe o testemunho do passante


e passa-o ao cartel do
passe. Ele passa a fala; os enunciados; a enunciação, de
uma margem a outra; passa a fala e a

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carrega de um lado para o outro. Desse


modo, ele passa a palavra. Eis que o passador, segundo
Lacan, é o passe (Quinet,
2009, p. 110).

3.2 O CARTEL DO PASSE

O cartel do passe é formado para


ouvir o relato dos passantes narrado pelos passadores e é
quem concede a
nomeação de AE. Em sua composição termológica, está composto por dois

elementos
que constituem o pilar da Escola: cartel e passe.

O passe, segundo Fingermann, é a


aprovação da Escola que nunca é constituída, pois ela ex-
siste no
“fazer” escola. Assim, o cartel do passe configura o nó que conecta a
psicanálise em

intensão (verificação da análise) à psicanálise em extensão


(transferência de trabalho pelo cartel).

O cartel do passe responde a três


níveis de atuação: a experiência do encontro com os

passadores, a elaboração
dessa experiência e a comunicação dos resultados. O seu trabalho
termina depois
de dois anos, mas o seu compromisso com a Escola não tem fim, pois a

responsabilidade do seu trabalho ecoará por muito tempo.

TEMA 4 – O FINAL DE ANÁLISE

Colette Soler (1998, p. 309) traduz o final de


análise como um final de amor. O par analista e

analisante corresponde a um
amor verdadeiro, visto que, ao final, seus desdobramentos uma ideia
sobre o
amor, um amor lúcido do qual só o ódio se aproxima.

Há um final de análise, mas Freud, em seu texto


Análise terminável e análise interminável (1937),
depreende a
experiência psicanalítica no desembocar do “rochedo da castração”, ou seja, na
falta

que desvela a negatividade do falo, para ambos os sexos, sendo intransponível. 

A castração, como o impasse para um final de


análise, foi tomada, então, por Lacan, como algo
a ser transponível, isto é,
ele propõe a sua ultrapassagem ou, dito de outro modo, a sua travessia, a

partir do conceito da fantasia.

A fantasia sustenta o desejo para o sujeito,


constituindo uma ficção, na qual o sujeito fica
“fixado” em um gozo ao qual
estará submetido. Através do trabalho da associação livre, o

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inconsciente,
estruturado como linguagem, leva o analisante, sustentado pela transferência
como o

analista, a decifrar o saber inconsciente.

Nesse exercício, o sujeito se experimentará


como faltante sob dois aspectos, apontados por

Quinet (1991). De um lado, falta


o significante que diria o que ele é, visto que os significantes
identificatórios do sujeito perdem sua função em análise (ou, no mínimo, ficam
abalados), revelando-

se tal como são – significantes que não definem o sujeito,


mas aos quais ele está assujeitado. Por
outro lado, um significante que defina
o sujeito não é o que lhe falta apenas, mas falta o próprio ser:
o sujeito é
falta-a-ser.

Tal experiência, levada a cabo, assemelha-se ao


que Freud designou como “rochedo da
castração” – ponto incurável do sujeito.
Para Lacan, trata-se de um ponto de chegada, visto que o

sujeito se cura da sua


divisão. E Quinet (1991, p. 97) sublinha que: “’Fazer da castração sujeito’ é o
dever do analista. Este ser que lhe falta é o que sua fantasia ($◊a) lhe
indica como sendo o objeto

com o qual ele, como sujeito, se encontra em


conjunção (^) e disjunção (v) – o objeto condensador
de gozo: objeto (a)”.

O final de analise implica, então, a decifração


do enigma do sujeito (x), em que esse (x) equivale

ao ser, que pode ser


apresentado com dois valores distintos: (-φ) e (a). O -φ corresponde à
castração, ao seja, a falta no Outro, indicada pela falta do significante que
designa o ser do sujeito e,

portanto, o Outro como faltoso aponta para a falta


de garantias, que retorna para o sujeito como

complexo de castração. O objeto a,


causa de desejo, surge como solução do ser, obturando a falta e
dividindo o
sujeito pela sua alternância: presença/ausência. É, pois, pela impossibilidade
de ser

alcançado como significante, conjugada à indestrutibilidade do desejo do


sujeito, que o objeto a se

articula como objeto mais-de-gozar.  

Assim, pela lógica traçada por Lacan, o


trabalho de análise deve levar o sujeito ao

atravessamento de sua fantasia


($◊a), sendo os dois termos disjuntos, e o sujeito deve adquirir uma
espécie de
saber que colocará o seu mais-de-gozar a seu serviço, fazendo-se ser. O sentido
de “se

fazer ser” é evocado por Soler (1998, p. 316) quando diz: “Qual é o
benefício do final pelo “se fazer

ser”? Evidentemente, ele toma seu sentido e


seu peso da falta-a-ser. O sujeito que se experimentou

como falta-a-ser e como


divisão na experiência, chega a, ou então encontra uma posição de ser que
cuida
a sua falta-a-ser”.

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Mas, a questão sobre o fim de análise não se


esgota aí, pois ainda é preciso saber se o

analisante, ao receber a chave de


sua divisão, a chave que o coloca frente à causa do seu desejo,

diante do
impossível e sobre sua singularidade que, por consequência, descerra-o de toda

impotência neurótica, há ainda um desejo de saber. O que Soler vai responder


lançará luz sobre o
passe, pois, para ela, o seu sentido está justamente em
fazer evocar um novo saber.

4.1 ELABORAÇÃO DO SABER

Na elaboração do saber, admite-se, logo de início,


uma aquisição de saber na análise, que faz o

analisando verificar a causa do


seu desejo. Essa experiência o leva ao reconhecimento de uma falha
estrutural
que proporciona a dimensão do impossível, pois, sobre o recalque originário,
existe os

significantes que lhe escapam, sendo cobertos pelo objeto a,


que responde pelos significantes que

ficaram de fora da simbolização.

Na passagem de analisando para analista, Lacan,


segundo Soler, faz uma exortação ao evocar

no analista o desejo de saber, para,


então, fazer-se ser, “ser nomeado” AE. Mas, é necessária a

elaboração do saber,
e eis a astúcia do dispositivo. Produzir saber, na falta de uma causa, é a tese
de
Soler: “Um testemunho preciso constitui o primeiro passo de uma elaboração
de saber e há

seguramente testemunho mais ou menos precisos” (1998, p. 322).

TEMA 5 – O ATO PSICANALÍTICO 

O ato psicanalítico por excelência é aquele em


que o analisante passa para analista, assim o

dispositivo do passe é o momento


de leitura do ato. Quinet (2009) nomeia de “textoato”, no qual o
ato é
transmitido pela fala e, nesse momento, recebe o nome de passe.

Todo ato é sem o Outro,


dispensando a presença de plateia, pois o ato só pode ser de um, um
sozinho, uma
vez que, segundo Quinet, não há ato coletivo. Entretanto, o autor adverte sobre
o que o

próprio Lacan evidenciou, que, apesar de ser um, ele não é solitário,
pois a Escola é o suporte dessa

solidão – não como cola, pois cada um se vira


sozinho (Quinet, 2009, p. 134). Assim, a Escola não
partilha
da relação com a causa analítica, mas somente oferece o lugar para dispor do
seu ato.

A relação com o ato analítico não é, no


entanto, uma coisa evidente ou automática, visto que ele
se impõe no interior
de uma análise, no momento de passagem de analisante para analista. Dessa

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relação, o analista se depreenderá para conduzir as análises operadas por ele.

Desse modo, o termo “ato analítico” se refere


ao que Lacan nomeou tanto como passe, quanto
ao que ocorre no interior de uma
prática clínica entre analista e analisante.

Dispor da relação com o ato analítico significa estabelecer,


falar, escrever, restituir, transmitir o ato

analítico para que dele o analista


possa dispor. Esse dispor se conjuga com expor. Assim como o
ato da
“Proposição...” necessitou de um escrito para ser lido, da mesma forma, o ato
analítico

precisa passar pelo relato para ser escutado. (Quinet, 2009, p. 135)

Lacan ainda implica o ato analítico ao manejo


da transferência, pois, como Freud ressaltou, a

transferência é a única
dificuldade com a qual o analista realmente se depara em sua prática. O ato

está no inicio de uma análise, visto que, para aceitar uma demanda de análise,
é necessário o ato de
decisão do analista. O ato, pelas palavras de Lacan no
seminário Ato psicanalítico (1967-68),

"consiste em autorizar a tarefa psicanalisante, com o que isso


comporta de profissão de fé no

sujeito suposto saber" (p. 140).

A fé no sujeito
suposto saber é simplesmente poder apostar que haja analista para sustentar a

análise. Isso significa que a presença do analisante apenas não é suficiente, sendo
necessário o ato

do psicanalista, isto é, um ato que, por um lado, implique o


analisante em sua tarefa, e, por outro
lado, possa garantir a manutenção do
sujeito suposto saber, visto que, para isso, há de dispor do de-

ser desse
sujeito.

Fingermann (2016)
declara que o ato do analista é a-normal, pois ele se apresenta (a-presenta)

em
descontinuidade em relação à neurose, e não em continuidade, sendo a sua
manifestação em

corte, discordância, desconcerto em relação à previsão


neurótica. Diz ainda:

O ato do analista é a-anormal


pois sua “norma” é o objeto a, isto é, essa função lógica que, ao

mesmo tempo,
marca limite da linguagem e funda a sua lógica de encadeamento infinito. Por
isso

podemos dizer que o ato de psicanalista se apresenta, ou seja, que o


analista se dispõe a
intrometer nas cadeias significantes da associação livre,
uma presença do objeto a, objeto do qual

não se sabe nada, mas fundamentalmente


descompleta o sujeito, indica sua incompletude.
(Fingermann, 2016, p. 46)

O ato adquire a sua propensão na dedução da


própria análise do analista, quando ele é levado
até esse ponto de consequência
lógica em sua experiência.

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NA PRÁTICA

Para pensarmos o “Na prática” dessa etapa,


quero evidenciar como se forma um cartel, pois é o

órgão base das Escolas de


psicanálise e se tornou imprescindível na formação do psicanalista, visto
que
nele ecoa toda a estrutura do sujeito.

Nas Escolas de orientação lacaniana, qualquer


pessoa interessada em psicanálise pode fazer
cartel. Para isso, basta inscrever
o tema que se deseja estudar ou se inscrever em algum tema que já

esteja aberto
no mural destinado ao cartel na Escola, pois em toda Escola tem um mural
destinado

ao cartel.

Quando o cartel estiver formado, ou seja,


quando estiver inscrito 3+1 ou no máximo 5+1, o Mais-

um, escolhido pelos


integrantes do cartel, deverá declarar o cartel na Escola. Para isso, o tema é
retirado do mural, e todos os integrantes do cartel devem preencher um
formulário com nome, tema

da produção individual e telefone. Depois de


declarado, a contagem do tempo é iniciada.

O modo como cada cartel se organizará vai


variar de acordo com o desejo do grupo, pois não há

uma regra especifica para


esses encontros, podendo acontecer semanalmente, quinzenalmente ou

até
mensalmente. Podem ser presenciais ou virtuais.  

A implicação do sujeito com o seu desejo é


exposta no grupo, pois, após iniciar o cartel, se um

dos integrantes por algum


motivo desistir, todo esforço do grupo para sustentar o espaço de
circulação de
saber é perdido e o cartel tem que dissolver.

Quanto às produções de cartel, a Escola oferece


um espaço destinado à divulgação, que pode

variar de acordo com cada


instituição. Assim, vale lembrar que, do mesmo modo que o cartel parece

ser
muito atrativo para ingressar no trabalho da Escola, ele apresenta todos os
impasses criados por

um grupo, de modo que, para concluir um trabalho de


cartel, é certo que os que mais têm sucesso
são aqueles que aprenderam, em sua
análise, a suportar a falta no Outro.

FINALIZANDO

Escola
de psicanálise – lugar para abrigar o ensino psicanalítico; o psicanalista faz Escola,
e

não o contrário.

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Cartel
– sua estrutura remete ao funcionamento de trabalho da Escola, na qual a falta
é que

coloca em movimento o saber.


Passe
– é a possibilidade de transmitir o que descobriu em sua análise a uma
experiência

coletiva.

Final
de análise – é ali que o sujeito se encontra, no lugar onde não se procurava,
pois trata-se

de uma verdade perdida que foi recuperada, em um puro fala-ser.


O
ato psicanalítico – causa sem saber, pois é essa relação de sujeito suposto
saber que o

psicanalista deve suportar em seu ato.

REFERÊNCIAS

FARIAS, F.
F. O que nos dizem os analistas no passe?. Stylus, Rio de
Janeiro, n. 36, p. 63-73, jun.

2018.

FINGERMANN,
D. A (de)formação do Psicanalista: as Condições do ato Psicanalítico.
São

Paulo: Escuta, 2016.

Lacan, J. D'Écolage. Revista da Letra Freudiana: Escola,


Psicanálise e Transmissão,

Documentos para uma Escola, Rio de Janeiro,


v. 1, 1980a.

_____. O seminário: o ato psicanalítico – Livro 15. Versão


anônima: 1967-1968.

_____. Outros Escritos – Capítulo V. Rio de Janeiro:


Zahar, 2003.

PERELSON, S. O passe: da articulação entre a autonomia e a dependência. Psicologia


Clínica, v.

21, n. 2, 2009.

QUINET, A. As 4+1 condições de análise. Rio de Janeiro: Zahar,


1991.

_____. A estranheza da psicanálise. A escola de Lacan e seus


analistas. Rio de Janeiro: Zahar,

2009.

SOLER, C. A psicanalise na civilização. Rio de Janeiro: Contra


Capo, 1998.

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MÉTODO PSICANALÍTICO
AULA 6

 
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Prof.ª Juliana Santos

CONVERSA INICIAL

Em um momento anterior, estudamos as dimensões que compreendem


o espaço das Escolas
de psicanálise, tendo em conta a proposta de Lacan para
formação do analista. Nesta etapa,

estudaremos o que, em contrapartida das


Escolas, o sujeito que pretende a formação de analista

deve compreender para


empreender o seu desejo na direção da formação.

Lacan elaborou a ética da


psicanálise associada ao desejo do analista, mas a expressão “desejo

do
analista” pode ter vários sentidos; inicialmente, ele é o indicativo necessário
para iniciar um

tratamento psicanalítico, como também designa o suporte para


sustentar a função do encargo de

analista. Sobre o desejo inapropriado de


certos analistas, há um fator do qual Lacan adverte e que
jamais deve ser
esquecido: o psicanalista nada deve
desejar para o analisando, não impondo assim

a ele qualquer ideal de civilidade,


de curabilidade ou mesmo de normalidade subjetiva.

Assim, o desejo do
analista se vincula à ética da psicanálise na medida em que ele se coloca na

posição de “não penso” para fazer circular o discurso da ordem do desejo do


sujeito. Assim,

abordaremos o desejo do analista, o lugar do analista, o


discurso psicanalítico, a ética da psicanálise

e a função e campo da fala.

TEMA 1 – DESEJO DO ANALISTA

O estatuto do desejo é localizado pela falta, pois é por ela


que se constitui a relação com o

Outro. O desejo do Outro é o eixo do desejo do


psicanalista, pelo qual, inicialmente, Lacan afirma em

a Direção do tratamento (1958) que o desejo do psicanalista tem que


causar o desejo do sujeito

como desejo do Outro, ou seja, fazer-se causa desse


desejo. Portanto, a análise trata-se de desejo

como causa, que na transferência


faz demanda entrelaçando o desejo do sujeito ao desejo do

analista,
evidentemente inconsciente, declara Soler em O
inconsciente: que isso? (2012).

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Por meio da elaboração das estruturas do discurso, Lacan situa


o analista na posição de objeto

a, em que o discurso do analista coloca


o objeto a no lugar do semblante, isto é, no lugar em que se
efetuam
todos os efeitos analíticos. Notem aí a passagem da função causal do Outro para
a função

causal do objeto. Tal passagem, com efeito, diz Soler (2012, p. 80),
encontra a sua coerência no fato

de que o próprio objeto a é efeito do


Outro.

Esses desdobramentos tem relação com a


operação do analista. Quanto ao desejo, ele é

imprescindível para sustentar


esse lugar, no entanto, para poder situar o desejo é preciso pensar o

fantasma
ou, do mesmo modo como questionou Soler, “qual é a função do objeto a no
desejo do

psicanalista”?

O desejo, como apontado por Lacan, é não identificado, mas


fixado, tendo o seu suporte

sustentado no fantasma do sujeito. O desejo do


analista, de igual modo, não vai ser puro, ou seja, o

desejo puro como o


descrito por Emmanuel Kant se define por excluir todo objeto. Lacan declara:

O desejo do analista não é um


desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que

intervém
quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira
vez, à
posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um
amor sem limite, porque fora

dos limites da lei, somente onde ele pode viver. (Lacan, 1964/1979, p. 260)

Soler (2012, p. 81), então, declara que se o desejo do


analista não é puro, uma coisa podemos

admitir: “o analista em seu ato não


opera com seu fantasma de desejo pessoal, aquele que o

sustenta em sua vida”, pois


a própria definição do ato diz respeito a uma suspensão do sujeito.

Pensar o ponto da suspensão é, segundo a autora, o ponto


certo, pois o fantasma está presente

nas alocuções que surgem na transferência,


rateado o seu ato por vias da contratransferência.
Entretanto, o desejo do
psicanalista deve ser esvaziado de qualquer substância identificatória, pois

vem aos moldes do objeto a.

Sendo assim, a questão do desejo do analista, de largada, não


é o desejo de um que se diz

analista, mas o desejo que torna o processo


analítico possível, isto é, tem que ser um desejo

advertido, ou seja, que pressuponha para o psicanalista a


posição de objeto da transferência. Para

isso, é preciso que o analista tenha


se destituído de sua subjetividade, efeito de sua análise pessoal,

cuja
advertência sobrevém após atravessar a sua fantasia, em que os seus enganos e
desenganos
são vividos na experiência transferencial.

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Portanto, é o
analista no lugar do objeto a, objeto de causa de desejo, que leva o analisante
a

tomá-lo como Outro e que faz desvelar aí o próprio desejo, o desejo motor da
análise, sublinhado por

Lacan, e o mesmo do qual Freud (1915)


já assinalava em seus artigos sobre a técnica, para tratar

sobre o amor
transferencial:

A técnica analítica exige do


médico que ele negue à paciente que anseia por amor a satisfação que

ela exige.
O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência. Com isto não quero
significar
apenas a abstinência física, nem a privação de tudo o que a paciente
deseja, pois talvez nenhuma

pessoa enferma pudesse tolerar isto. Em vez disso,


fixarei como princípio fundamental que se deve
permitir que a necessidade e
anseio da paciente nela persistam, a fim de poderem servir de forças

que a
incitem a trabalhar e efetuar mudanças, e que devemos cuidar de apaziguar estas
forças por

meio de substitutos. (Freud, 1915, p. 182)

Desse modo, o que


Freud assinalou como “força” para que incite o trabalho de análise, é a

mesma
coisa que Lacan nomeou como desejo do analista. O desejo do analista é, então,
por livre

associação entre Freud e Lacan que haja análise, é um desejo que


entra no jogo em posição de

objeto. Para dizer de outro modo, o desejo do


analista é o desejo pelo saber.

Andrade Júnior (2007,


grifo do autor), em seu artigo “O desejo em questão: a ética da

psicanálise e
desejo do analista”, faz a seguinte declaração:

um desejo pelo saber: um saber


do desejo, um convite ao reconhecimento de algo que, para o

analisante, fala a
despeito de suas convicções morais. O analista é então convocado a criar
o
desejo pelo saber disso, onde antes existia apenas um nada querer saber. Portanto, do lado do

analista, existe também um desejo, desejo causa da


análise.

1.1 CONTRATRANSFERÊNCIA E DESEJO DO ANALISTA

Freud (citado por Jorge, 2017, p.


182) constatou a contratransferência como um dos problemas

mais complexos da
psicanálise, pois, segundo o autor “nenhum analista vai mais longe do que os

seus próprios complexos de resistências internas”. Portanto, ultrapassá-la leva


à necessidade de o

analista submeter-se a uma análise pessoal.

A contratransferência é algo que diz respeito somente aos


sentimentos do analista, ou seja, não
tem nada a ver com o analisando, pois
trata-se do analista como sujeito. Desse modo, quando a

contratransferência não
é percebida, o analista coloca em cena a sua posição subjetiva, colocando

em
risco a condução da análise.

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Lacan evidencia a relação analítica entre o sujeito e o


analista, na qual dividi-la em termos de

transferência e contratransferência
(eu do sujeito e eu do analista) significaria eliminar o que se

coloca em jogo
em análise – a relação ternaria, em que o Outro é um terceiro presente-ausente.

A contratransferência se opõe, de todas as formas, ao desejo


do analista que coloca em função

o trabalho de análise, visto que o primeiro se


relaciona ao desejo do sujeito psicanalista e, Lacan, ao

evidenciar o desejo do
analista, declara que ele é categoricamente o desejo que impõe uma

diferença
absoluta, isto é, um desejo que conduz a análise na direção de isolar os
significantes do

seu campo simbólico de uma posição subjetiva particular.

Dessa forma, na contratransferência há o fantasma do analista


na análise que não lhe pertence,
e de outro modo, o desejo do analista é um
desejo que se situa além do fantasma e é denominador

comum a todos os objetos a.

TEMA 2 – LUGAR DO ANALISTA

Talvez o que se pense sobre o lugar do analista é que seja em


um setting terapêutico, e a

resposta seria sim, se o lugar do analista


fosse uma localização espacial, mas, de fato, quando

abordamos o tema do lugar


do analista estamos falando precisamente de uma posição subjetiva,

que para
ocupar é imprescindível mantê-lo vazio. Eis então mais um paradoxo da psicanálise,
o lugar

do analista é vazio.

Lacan, no Seminário 8 – A transferência (1960-1961) –,


empreende a ofertar as coordenadas

sobre a posição que o analista deve


alcançar; posição que ele nunca deixou de esboçar durante todo

o seu ensino, visto


tratar de um lugar fundamental para que haja trabalho de análise.

Diana Rabinovich toma Lacan com


base no Seminário 8 para escrever seu livro O desejo do

psicanalista,
liberdade e determinação em psicanálise (2000). Ela aponta para o que Lacan
concebeu

a respeito do lugar do analista: “[...] talvez possamos definir, em


termos de longitude e latitude, as
coordenadas que o analista deve ser capaz de
alcançar para simplesmente ocupar o lugar que é seu,

que se define como o que


deve oferecer vazio para o desejo do paciente para que se realize como

desejo
do Outro” (Lacan, citado por Rabinovich, 2000, p. 14).

A autora então sublinha que o psicanalista deve oferecer o


vazio, que significa dizer que ele deve

deixar livre o lugar do próprio desejo,


isto é, que o desejo não esteja ocupado pelo objeto, o desejo do

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Outro seu particular.

Nasio, em seu livro, Como trabalha um psicanalista?


(1999), destaca que a relação analítica só

se efetua no momento em que o


analista assume a sua posição, visto que só a partir daí que ele

pode operar,
pois o lugar do psicanalista é o desejo do analista, sendo os dois uma coisa
só. No

entanto, ousaremos demarcar essa diferença entre desejo e lugar para


compor essa estranha

posição subjetiva que o analista ocupa no setting


terapêutico.

2.1 CADA ANALISTA DEVE REINVENTAR A PSICANÁLISE

Jorge (2017) elabora essa questão evocada por Lacan, que


afirma: cada analista deve reinventar
a psicanálise. O termo “reinvenção” é
frisado, pois não se trata de recriação, visto que ela foi criada

por Freud,
como também evoca outro dito de Lacan, que diz que a psicanálise é
intransmissível.
Além disso, indica que, na psicanálise a intransmissibilidade
e a reinvenção estão intimamente

ligadas, ou melhor, uma deve muito à outra, visto


que o analista deve submeter essa
intransmissibilidade à sua capacidade de
reinvenção, pois é disso que constitui o nó da psicanálise.

Assim, desde sua


invenção até os dias de hoje, o que pode ser exigido do analista é em termos do
que foi e a sua reinvenção a cada sessão.

Jorge (2017) nos adverte que o desejo de ser analista não


protege o lugar que deve ser ocupado

pelo analista, visto que compreende um


lugar subjetivo, no qual a realidade externa não pode
preencher.

É interessante sublinhar que, se a construção de um quadro


radicalmente neutro visa precisamente

“neutralizar” a interferência da
subjetividade do analista, na medida em que ela se apoia
demasiadamente na
dimensão imaginaria dessa neutralidade, ela esquece a verdadeira

neutralidade
requisitada ao analista, a simbólica. (Jorge, 2017, p. 234)

Esse deslocamento da neutralidade simbólica para a


neutralidade imaginária impele a um dos
maiores equívocos da situação
analítica, em que o desejo de ser analista substitui ao desejo do

analista.
Para ilustrar, Jorge (2017) narra uma situação clínica que nos servirá de
exemplo:

Trata-se de uma primeira entrevista, e, percorrendo o breve


caminho que vai da sala de espera –
onde foi chamar seu paciente – ao
consultório, Bataille (a analista tomada como exemplo) faz

várias reflexões: o
paciente estava lendo o jornal e pareceu se perturbar com sua intrusão; seu
olhar a desafiava; ele caminha lentamente e olha tudo. Ao entrar no
consultório, ele pede fogo e ela

lhe responde: “certamente não foi para fumar


um cigarro que você veio aqui.” Ela mesmo observa

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que atribuiu à conduta desse


homem uma significação que lhe concernia. E conclui: cada vez que

eu atribuo
uma intenção ao paciente, eu me sinto visada pelo paciente como sujeito; que eu
quero
representar alguma coisa para ele e inclusive representar a analista, eu
estou fora da posição de

analista. (Jorge, 2017, p. 234-235)

Esse exemplo demostra o desejo de ser analista no lugar do


desejo do analista. Isso leva o autor

a concluir que o medo de sair do lugar do


analista, isto é, de não intervir como analista, manifesta
sempre,
paradoxalmente, um deslocamento do lugar do objeto que lhe é próprio da
transferência e

uma entrada em uma posição subjetiva qualquer (Jorge, 2017, p. 235).

Para Fingermann (2016, p. 67), a


posição ética do analista implica suportar a psicanálise e, cada
vez,
reinventá-la. Tal precisão se estende ao entendimento de que entre o
psicanalisando e o

psicanalista não há uma continuidade, não há uma reprodução


da experiência, nem prolongação e
tampouco uma identificação. “O que se indica,
a cada vez, é um momento inaugural que recomeça a

psicanálise e começa pela


transferência.”

Assim, suportar a psicanálise é suportar a transferência,


dando suporte ao trabalho e ao
produto, mas, sem assim, se enrascar nela, nem
tropeçar topando contra a contratransferência.

TEMA 3 – DISCURSO ANALÍTICO

De um desejo que se faz lugar, imprescindível para o analista,


ao discurso do analista, que é o

único capaz de dar ao setting


imaginário uma dimensão amplamente maior. Foi por meio da teoria
do discurso
que Lacan pode situar a estrutura de cada discurso, cuja matriz pode ser
caracterizada

por quatro lugares: a verdade; o semblante; o gozo; e o


mais-gozar. Esses lugares vêm alojar-se nas
respectivas letras que as designam:
$ – sujeito dividido; S¹ – significante mestre; S² – o saber; a – o

objeto a. Por meio dessa matriz, Lacan demonstra que podem ser escritos
quatro tipos de discurso,
apenas deslocando as letras e respeitando as regras
da estrutura.

Assim, Lacan distingue cada estrutura em função do agente que


está no lugar de comando, isto

é, quando o agente é o S¹, o discurso do mestre;


quando S², o discurso universitário; quando a, o
discurso psicanalítico,
quando $, o discurso do histérico.

Dessa forma, no jogo da análise, podemos observar que a


formulação lacaniana sobre o
discurso psicanalítico é, como destacou Jorge
(2017, p. 237), “um ponto de chegada fundamental de

toda reflexão sobre o lugar


do analista.”
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O analisando entra em análise pelo discurso da histérica, cuja


estrutura é a de um sujeito ($) que

busca um mestre (S¹) para que ele lhe produza


um saber (S²) sobre o objeto desejado (a). A fórmula
do discurso da
histérica é a seguinte:

O psicanalista, quando responde do lugar do analista, faz


girar o discurso. Desse modo, o saber
buscado no discurso histérico no outro (tomado
como mestre), quando é pelo discurso analítico, o

saber passa a estar no


sujeito, pois o outro é sempre o sujeito para a psicanálise.

Outra forma de acionar o discurso do psicanalista é na posição


do Outro, demostrado por Jorge
(2017, p. 161) pelo seguinte esquema:

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Lê-se: SsS – sujeito suposto saber/ a – objeto a/ S² – saber


do Outro / $ – sujeito do
inconsciente/ S¹ – significante mestre.

O discurso psicanalítico na dimensão do objeto a


(silêncio) e lugar do Outro, S² (interpretação),

são esses os desdobramentos


dos diferentes tempos do ato analítico, em que na posição de objeto
a o
analista aciona a associação livre e, na posição de S², produz a interpretação.
Isso só se torna

possível na medida em que o analista se abdica do seu saber.

3.1 DISCURSO DO MESTRE X DISCURSO PSICANALÍTICO

Na psicanálise, o lugar do analista é


evidenciado ao evitar a produção de sentido para o
sofrimento do sujeito. Em
contrapartida, o discurso do mestre é aquele que representa a entrada da

criança no mundo da linguagem, pois na relação mãe e bebê, quando ele chora,
tem seu choro
imediatamente interpretado por ela, ao passo que, com o passar do
tempo, para cada gesto do choro

há uma interpretação (é fome, é sono, é sede


etc.). Logo, a criança, por esse discurso, não só
encontra representação diante
do Outro, S¹ → S², como também, por meio desses significantes, se

aliena para se constituir


como sujeito (Jorge, 2017, p. 163).

O discurso do analista, quando interpreta, interpreta para


esvaziar o sentido. Temos pronta, aí, a

fórmula que diferencia o discurso do


mestre do discurso do analista. A mãe para o bebê tem o
discurso do mestre,
pois o mestre oferece os significantes que, ao produzirem o sujeito, faz o laço

social entre o mestre e o escravo, suprime a sua divisão, S¹/$. Já o discurso


do analista leva o
analisando a produzir um saber sobre o significante que o produziu
como sujeito dividido, $/S¹, ou

seja, faz o laço social entre o analista e o


analisando.

A psicanálise parte da constatação do caráter inarredável


dessa alienação originária e, portanto, se

pressupõe a necessidade de uma


radical desalienação do sujeito, ela não pode propor nenhum
significante que
venha inflar ainda mais seus extenso rol de identificações. A psicanálise
parte, ao

contrário, do acionamento do real, a, sobre sujeito: a → $. E, em vez de lhe propor novos

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significantes alienantes, ela convoca o sujeito à separação, ou seja, a


produzir em seu discurso os

significantes fundadores de sua própria história,


os significantes que estiveram na origem de sua
constituição como sujeito, isto
é, de sua alienação originária: $ → S¹.
(Jorge, 2017, p. 163)

TEMA 4 – ÉTICA DA PSICANÁLISE

A etimologia grega
da palavra “ética” diz respeito a uma ciência dos costumes, isto é, que tem
como objeto de estudo os atos humanos como certos ou errados, segundo os
critérios da moral. Na

ética filosófica de Aristóteles, o bem está no cerne das


atitudes humanas, ou seja: “toda arte e todo
saber,
assim como tudo que fazemos e escolhemos, parece visar algum bem”.

Na psicanálise, desde
quando Freud formulou a questão sobre a pulsão de morte, no texto Além
do
princípio de prazer (1920), a questão do “bem” ganha uma outra dimensão. Posteriormente,
no
texto Mal-estar da civilização (1930[29]) Freud demonstra que o caminho
da felicidade será restrito

ao modo própria de cada constituição, e que a busca


pela satisfação do prazer recalcado, na
verdade, pode gerar grande desprazer na
consciência.

Sendo assim, o
caminho para o bem do sujeito não tem uma via garantida. Portanto, o
tratamento
psicanalítico não deve propor um bem qualquer para o sujeito, visto que não há

caminhos que comportam a garantia de um sucesso antecipado. Freud, desde os


seus artigos
técnicos, já previa uma relação ética no trato da psicanálise com
os pacientes, em que o analista, ao

seguir o caminho da análise, trilha “um


caminho para o qual não existem modelos na vida real”.
(Freud, 1915, p. 183).
Portanto, não há um caminho único, mas para cada análise se descobre uma

nova
possibilidade.

Lacan, seguindo as mesmas trilhas de Freud, dedica todo um


seminário para pensar a ética que
deve conduzir a prática psicanalítica: o Seminário
7, A ética da psicanálise (1959-1960).

Nesse seminário, Lacan coloca a questão da ética pela via do


desejo, e, portanto, pela falta que

a constitui, situado desse modo, a dimensão


simbólica que depreende o seu gozo. Desse modo, a
castração se impõe para o
sujeito ao interditar o acesso ao gozo, que agora só poderá ser obtido

mediado
pela linguagem, mas com isso deixando parte do gozo de fora.

Com base nessa lógica simbólica, que deixa parte do gozo fora
da simbolização, Lacan introduz

a noção freudiana de das Ding, como essa


parte do Outro absoluto do sujeito que ele busca se

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reencontrar. Assim, das


Ding está no impasse da ética, como um gozo inacessível e irredutível ao

sujeito.

No artigo “Ética da psicanálise e modalidades de gozo”, Fabio


Bispo e Luis Couto (2011, p. 3)

declaram que das Ding demarca um núcleo


problemático para o sujeito, na medida em que a
castração marca a inacessibilidade
à mãe como objeto e, inevitavelmente, nenhum outro é capaz de

substituí-la
totalmente. Assim, não há nada no campo dos bens capaz de substituir esse “bem
primordial”,
reconhecido como supremo e julgado a suprir toda a falta do desejo.

Nesse sentido, Lacan contrapõe a ideia de Bem Supremo de


Aristóteles, que o consentia como

aquilo que é desejável em si, e não por outra


coisa, ou seja, um bem insubstituível. Por essa
perspectiva, Aristóteles não
inclui o que fica de fora, e, para Lacan (1959-1960, p. 385), “não há outro

bem
senão o que pode servir para pagar o preço do acesso ao desejo – na medida em
que esse
desejo, nós o definimos alhures como a metonímia de nosso ser”.

Nesse sentido, o que se coloca para o sujeito como insuperável


é a sua falta a ser, visto que a

linguagem jamais alcançará traduzir o


essencial do desejo. Desse modo, toda predicação do ser se
resulta
insuficiente.

No seminário 20 (1972-1973), Lacan (2008) lança luz sobre a


ética de uma nova perspectiva, já
não mais dando foco ao modelo universal da
estrutura, mas ao particular de cada posição de gozo.

Ou seja, se, no seminário


7, havia uma concentração do simbólico e da linguagem, pelo qual o

inconsciente
se estruturava em torno da falta fundamental, fazendo emergir o desejo
referenciado

ao reconhecimento do Outro, no seminário 20, o problema crucial


gira em torno do gozo como não
todo, que se ordena pela linguagem, ou seja, o
sujeito tem um modo particular de gozar da língua.

Lacan, no seminário 20, formaliza o impasse da ética ao tomar


a experiência por uma lógica da
contingência, isto é, ao abandonar a pretensão
de se forjar um saber que seja bom para todo mundo,

que se pode demarcar a


ética. Desse modo, Lacan nomeia o que vem a ser a ética da psicanálise ao

responder:
“devo extrair de minha prática a ética do Bem-dizer” (Lacan,
1974, p. 539).

4.1 ÉTICA DO BEM-DIZER

A ética do Bem-dizer deve ser compreendida por sua relação


entre o dito e o dizer, de modo que

o bem na psicanálise é a propósito de que


ela não seja apenas bem dita, mas que se suporte o ato

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de dizer, isto é, “que


não se recue da enunciação de uma solução contingente diante da

impossibilidade
de formalização de um enunciado válido para todos.” (Bispo; Couto, 2011, p. 127).

A ética do Bem-dizer diz respeito às palavras que produzem


efeitos operatórios. Lacan, em seu

texto “Função e campo da fala e linguagem”


(1953) já evocava os efeitos da palavra na prática

clínica, pelo qual


poderíamos citar diversos momentos do texto que contribuiriam para o nosso
entendimento do bem dizer, que vamos deixar para o próximo tópico.

Enquanto isso, podemos destacar que o Bem-dizer da psicanálise


é um bem amoral e não deve
ser confundido com um belo-dizer, mas trata-se de
dizer o que quer ser dito em sua verdadeira

enunciação. Nesses termos, a psicanálise


só pode ser composta pela ética do bem-dizer o desejo,

reconhecendo assim as
distintas maneiras de lidar com o objeto a, abrindo novas possibilidades
aos

sintomas.

Assim, a ética do Bem-dizer evidenciada por Lacan é posta sob


três formulações feitas por
Ferreira Netto, em seu
artigo “O sentido da ética no contexto psicanalítico”:

1. sendo a psicanálise uma prática que se dá pelas vias das palavras, no


campo da linguagem, a

ética é uma “ética do discurso”, do particular no que se


opõe ao imperativo categórico universal

kantiano e ao direito ao gozo sadeano;

2. a ética do Bem-dizer é a ética que leva o sujeito a dizer o seu próprio


desejo; tem a ver, da parte
do analista, com a interpretação e a construção; por
parte do analisando, a ética implica o

meio-dizer, já que a verdade não pode


ser toda dita, de modo que a regra da associação livre

não pode ser cumprida


totalmente;

3. o Bem-dizer que satisfaça e que cause uma mutação na economia do desejo,


tomando-o mais
forte, pela modificação da posição do sujeito em relação ao
dito. A ética do Bem-dizer e do

gozo é também a ética do supereu,


de onde se pode falar da clínica do real.

TEMA 5 – FUNÇÃO E CAMPO DA FALA E LINGUAGEM

“Numa libertação do sentido aprisionado que vai da revelação


do palimpsesto à palavra dada do

mistério e o perdão da fala”, declara Lacan no


seu texto que ficou conhecido como “O discurso de
Roma”.

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Nesse texto, encontram-se as características do pensamento


lacaniano da década de 1950, em
que ele busca resgatar os fundamentos da
psicanálise que se instituem precisamente no campo da

fala e linguagem, visto


que os que se nomeavam pós-freudianos haviam traçado um caminho que se

desviava
dos conceitos básicos que compunham a própria técnica psicanalítica.

A relevância do texto é marcada pelo próprio Lacan, que inicia


o texto assim: “o discurso que

encontraremos aqui merece ser introduzido por suas circunstâncias. Pois ele
traz delas a marca” (p.
237).

Apesar de esse
texto trazer o estilo lacaniano de ser, em que fica exposto o seu tipo erudito
e
toda complexidade de sua escrita, é um texto indispensável para a reflexão da
psicanálise. Por ora,

traremos alguns pontos para a nossa reflexão.

Lacan, ao fazer a
distinção “fala vazia e fala plena”, diz que a fala vazia é aquela que habita o

registro imaginário e diz respeito ao eu e, consequentemente, aos seus


processos de identificação

pelo qual o sujeito se perde na linguagem como


objeto. Muitas das vezes vêm a funcionar como
obstáculo para estabelecer a
transferência. A fala plena é a fala que faz ato, e por consequência que

forma
a verdade, estabelecendo um reconhecimento dialético na relação analítica.
Nesse momento

da obra, Lacan impõe ao trabalho o anúncio da verdade do desejo e o


reconhecimento desse desejo

pelo outro.

A fala vazia é a
que o analista tem ao seu dispor, e mesmo que ela deva ser ultrapassada e
seguir na direção da palavra plena, não há como deixar de passar pela estrutura
imaginária do eu.

O único objeto que está ao


alcance do analista é a relação imaginária que o liga ao sujeito como

eu, e, na
impossibilidade de eliminá-la, é lhe possível servir-se dela para regular o
afluxo de seus
ouvidos, segundo o uso que a fisiologia, de acordo com o
Evangelho, mostra ser normal fazer:

ouvidos para não ouvir, ou, dito de outra


maneira, para fazer a detecção do que deve ser ouvido. (p.
255, grifos do autor)

Assim, a fala é o
único meio operador, na medida em que ela confere um discurso que dá

sentido às
funções do individuo, sendo em suas histórias o que constitui a emergência da
verdade
no real. No entanto, Lacan enfatiza que, na retransmissão desse
discurso, o analisante não pode

receber de volta, da mesma forma alienante,


portanto, há que se fazer emergir o terceiro termo, que é

descoberta freudiana
– o inconsciente. “O inconsciente é a parte do discurso concreto, como
transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a
continuidade de seu discurso

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consciente” (Lacan, [S.d.], p. 260). Lacan


completa essa reflexão com a seguinte declaração, que

jamais pode ser esquecida


pelos psicanalistas: “o inconsciente é o capítulo de história que é
marcado por
um branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Mas a verdade
pode

ser resgatada; na maioria das vezes, já está escrita em outro lugar.” E lista
da seguinte maneira:

nos monumentos – e esse é meu corpo, isto


é, o núcleo histérico da neurose em que o sintoma

histérico mostra a estrutura


de uma linguagem e se decifra como uma inscrição que, uma vez

recolhido, pode
ser destruída sem perda grave;
nos documentos de arquivo, igualmente – e
esses são as lembranças de minha infância, tão

impenetráveis, quando não lhes


conheço a procedência;

nas evoluções semânticas – e isso


corresponde ao estoque e às acepções do vocabulário que

me é particular, bem
como ao estilo de minha vida e a meu caráter;
nas tradições também, ou seja, nas lendas
que sob forma heroicizadas veiculam minha

história;

nos vestígios, enfim, que conservam


inevitavelmente as distorções exigidas pela reinserção do

capítulo adulterado
nos capítulos que o enquadram, e cujos sentidos minha exegese se
restabelecerá.

Nesse sentido,
Lacan sublinha que no valor da fala essa reverberação do discurso do outro que

constitui a fala plena. Ou seja, o que parece ser prolixidade no nível da


informação funciona como

ressonância no nível do inconsciente, visto que o que


importa é o ato de endereçamento ao outro;

“pois, nela, a função da linguagem


não é informar, mas evocar.” ([S.d.], p. 299).

NA PRÁTICA

A ética da psicanálise se inscreve pela sua prática, ou seja,


o que é a psicanálise? É aquilo que o

psicanalista faz, disse Lacan. O desejo


do analista é o que deve entrar na análise em parceria com o

analisante, e não
o desejo do analista, portanto, a fúria sanante, a orientação política,
religiosa não

esta em causa, pois o analista em sua posição de analista é um


depositario das historias que
enlaçam a estrutura que constitui o sujeito.

Em nossa época, estamos presenciando muitos psicanalistas que


usam a teoria psicanalítica
para tentar validar o seu discurso político, se
colocam como tendo posse de uma verdade e

abandonam a lógica que sustenta o


discurso psicanalítico que é a ética do Bem-dizer. Portanto, é

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importante
ressaltar que o psicanalista, quando faz isso, não age como analista, mas como
sujeito

desejante, que se utiliza da teoria para tamponar a sua falta,


portanto, trata-se muito mais de uma
posição perversa, que se distancia da
verdade da prática psicanalítica.

FINALIZANDO

O desejo do analista é por excelência o desejo de que haja análise.

O lugar do analista é o lugar do vazio, para que emerja o discurso do sujeito.

O discurso do analista entra assumido o lugar do objeto a que vai na


direção do sujeito,

colocando em causa o seu saber.


A ética da psicanálise é a ética do Bem-dizer do sintoma do sujeito.

A função e o campo da fala e linguagem marcam o ensino lacaniano e reiteram o


retorno à

essência do conceito freudiano, restaurando a fala na direção da fala


plena.

REFERÊNCIAS

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<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-

11382007000200013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 4 maio 2021.

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L. F. S. Ética da psicanálise e modalidades de gozo: considerações sobre o

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7 e o Seminário 20 de Jacques Lacan. Estudos de Psicologia, Natal,
v. 16, n. 2, p. 121-129,

maio/ago. 2011. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/epsic/a/pG5JC5Nwb5vsYqSSHcW9MSS/?


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