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da do alimento. Alguns mamam com os olhos aber-


tos, outros com os olhos fechados.
Seja como for, em relação a essas variações
individuais, parece que, por um lado, a sucção cons-
titui para o bebê uma necessidade em si: quando o
alimento é tomado muito rapidamente, o bebê ten-
.lcopatologla da Esfera de a prolongar o tempo de sucção com seus dedos
Oro-Alimentar ou com um outro objeto; por outro lado, a alimen-
tação de um bebê não se reduz apenas ao apazi-
guamento da fome fisiológica, mas representa o
protótipo· das interações humanas. Muito cedo,
Freud distinguiu, assim, a satisfação da própria
:im tomo da alimentação se fixa o mais preco- necessidade alimentar (a fome) e o prêmio de pra-
jxo de interação entre mãe e filho, eixo que irá zer (a sucção) que o lactente daí retira, cujo traço
itituir o núcleo de referência das diversas fases ontogenético, poder-se-ia dizer esquematicamente,
t~riores do desenvolvimento. A importância permaneceria sendo o apetite. Em torno desse "prê-
' Uis trocas entre a criança e seu meio, no que se mio de prazer", organizam-se no bebê as primeiras
ire à alimentação, não precisa mais ser demons- interiorizações de relações humanas sobre as quais
'"a, mas a multiplicidade dos fatores que nela se apoiarão posteriormente as diversas escolhas de
:rvêm toma dificil seu estudo. Evocaremos bre- objetos da criança. Todavia, a tendência atual é a
;:J!nente os fatores que tangem à própria criança, de considerar que nesse "prêmio de prazer" não
~is à relação maternal e, enfim, à dimensão só- participam unicamente a sucção e a satisfação da
o-cultural da alimentação. fome, mas também o conjunto do manuseio da
·-· O recém-nascido possui, desde o nascimento, criança (Winnicott): contatos corporais, palavras,
·. equipamento neurofisiológico particularmente olhares, caricias ou embalos maternais, etc., e sua
desenvolvido no nível do comportamento de necessidade de apego (Bowlby).
)sucção: o reflexo dos p0ntos cardeais acompanha- A sucção é, no entanto, o "momento forte" des-
.;,·:do da rotação da cabeça, o reflexo de fuçadura, o sa troca e representará o modo privilegiado graças
-~~ reflexo de sucção e de deglutição (acompanhados ao qual o lactente começa a explorar o mundo em
·:;~.por tentativas de preensão dos dedos) representam sua volta; atesta-o a fase na qual leva sistematica-
' ·!Dª unidade motora imediatamente funcional. Nem mente tudo à boca (4 a 5 meses a 10 e 12 meses).
ir isso se deve concluir que todos os bebês apre- Não se deve pensar que a agressividade esteja
,tam o mesmo comportamento frente ao alimen- excluída dessa troca, cuja dimensão libidinal até
aqui salientamos. Engolir, fazer desaparecer, su-
As enfermeiras de maternidade sabem distin- primir já é um movimento agressivo e, ainda que
iir rapidamente, desde as primeiras refeições, os devamos acolher com prudência a hipótese de fan-
.,1ue comem pouco" e os "glutões". Quando se es- tasma agressivo precocíssimo dirigido contra o seio
o ritmo de sucção do seio e a freqüência das materno (Klein), basta dizer que nutrir lÍm bebê é
, pode-se igualmente distinguir laetentes que também fazer desaparecer o estado de tensão e a
. .amam em um ritmo rápido, quase sem pausa, e apetência anteriores. Se a troca alimentar não for
' utros, cujo ritmo de sucção é mais lento e entre- frutífera, o desaparecimento dessa necessidade
" cortado por numerosas paradas. Parece, aliás, que pode ser sentido pelo bebê como uma perda, uma
OI meninos fazem, mais freqüentemente, parte desse ameaça e até um perigo de aniquilamento: todos os
·. aegundo grupo (1. Lézine e Col.). Mas esse com- autores descrevem os bebês com as cólicas do ter-
portamento de sucção, já diferente de um re- ceiro mês (ver p. 266) ou uma anorexia precoce
c6m-nascido a outro, é acompanhado de um con- (ver p. 104) como vivos, ativos, tônicos ... Pode-
junto de manifestações também variáveis. Alguns mos nos questionar se, precisamente, o estado de
beb!s choram, agitam-se ruidosamente diante do repleção pós-prandial não seria para estes bebês
que devem sentir como uma intolerável tenslo, uma ameaça potencial. A agressividade ligada à
outros parecem esperar mais calmamente a chega- incorporação toma-se clara na fase oral sádica (ver
104 D. MARCELLI MANUAL DE PSICOPATOLOGIA DA INFÂNCIA DE AJURIAOUERRA tos
p. 30) como testemunha o prazer que as crianças igualmente examinar o lugar da puericultura na -la. Uma apetência viva por líquidos com- e pontuam as poucas refeições que consentiu em
pequenas têm em mordiscar e mesmo morder avi- lação entre o bebê e sua mãe. A puericultura, com freqüência, a anorexia em relação a realizar. Nessas condições, uma repercussão so-
damente (12 a 18 meses). rante muito tempo, respondeu à variabilidade idos. Não é raro, por fim, que essa anorexia es- mática pode ocorrer. A criança empalidece, passa li
Não retomaremos aqui o estudo da evolução condutas citadas acima com uma pressão mo: 'ª centrada na relação com a mãe, e que o lactente a ter um aspecto abatido sem, todavia, estar desen-
i
da oralidade (ver p. 30), mas é importante salientar
suas diversas significações com a idade e os está-
mórfica na qual o pólo dietético (qualidade e q ·,a perfeitamente com qualquer outra pessoa volvendo uma verdadeira doença. il
jl
tidade de alimentos) era tremendamente privi de leite, puericultora da creche, avó, ... ). A Por muito tempo, os pais procuraram uma ori- '
gios libidinais e agressivos. giado em relação ao pólo relacional. sente essa conduta como uma recusa centrada gem orgânica que é rara (cardiopatia, mal-absor- :i
A adtude da mãe é função não apenas do com- Atualmente, a tendência seria antes invers~ ente sobre ela, fica angustiada, contrariada ção digestiva, infecção, encefalopatia ou tumor :i
~
portamento de seu recém-nascido e de seus pró- com a alimentação livre, o risco estaria mais ,. · ·•,e a aproximação da refeição, não tem mais a cerebral) e não é acompanhada pelo mesmo con-
prioa afetos frente à oralidade, mas também de sua deixar a jovem mãe completamente desarmada .nibilidade necessária. Nessas condições, a texto psicológico.
capacidade de aprendizagem ou de adaptação às a seus receios e fantasmas relacionados com a feição não mais significa, para a criança, alimen-
novu 1ituações. Desse modo, 1. Lézine e Col. de- mentação, sem a orientação tranqülizadora ·!1$C. mas sim absorver a angústia de sua mãe )•:·
monatraram que, no decorrer das primeiras mama- conselhos e recomendações dietéticas. .Plto). Abordctgem pslcopatológla
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da1, "poucas mdes prlmiparas logo encontram, de Estudaremos agora a anorexia do lactente;. ' -ua evolução permite distinguir duas formas
""'"•Ira d•Hmbaraçada e destra, os gestos que obesidades e algumas condutas alimentares ai) :isler): A atenção se centrou inicialmente nas mães dos
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dtlv.m /aHr para segurar o bebê, manipulá-lo, rantes. A cólica idiopática do terceiro mês, os 4 anorexia simples surge. cómo um distúr-
anoréticos. Ainda que sejam, com freqüência, des- ·1':1:1
flOO/mâ-lo •satisfazer suas necessidades de modo mitos psicogênicos e o mericismo serão exami · critas como autoritárias, manipuladoras e invaso- '1
llff«llatam•nl• gratificante ". No princípio, seu rit- bio essencialmente reacional (ao desmame, ras, estão longe de apresentar um perfil psicopato-
dos no capítulo dedicado aos distúrbios psic
mo do alimentação, as paradas e retomadas que a uma doença intercorrente, a uma mudan- lógico preciso. Em contrapartida, para todas, a re-
somáticos (ver p. 265).
Impõe nlo correspondem ao ritmo próprio do bebê. ça no contexto de vida, ... ), passageira, con- lação alimentar parece ser o eixo privilegiado de
Maia freqüentemente, pelo quarto dia aproxima- duta de recusa ligada freqüentemente a uma interação que mascara, sob a necessidade de ali-
damente, produz-se uma espécie de adaptação re- atitude da mãe de forçar a criança. O pro- mentar, uma viva angústia de não ser uma boa mãe,
ESTUDO PSICOPATOLÕGICO
ciproca, a mãe primlpara conscientizando-se de seu blema é facilmente resolvido com uma ou uma angústia de abandono, ou de morte ...
be~ como tal e exprimindo o sentimento de ser Anorexia do Segundo Trimestre mudança de comportamento da mãe, após No lactente, a recusa alimentar recebeu diver-
mais capaz de se ocupar da criança. Essa adapta- ter sido tranqüilizada, ou com alguns ma- sas interpretações, em função das fases genéticas
ção recíproca se produz bem mais rapidamente nas 'Essa anorexia ocorre, mais freqüentemen nejos práticos (refeição dada pelo pai, au- do desenvolvimento. A anorexia pode ser compre-
secundíparas. entre 5 e 8 meses. Surge quer progressiva, qu xílio temporário de uma puericultora...); endida como uma tentativa de evitar a fase de
Além desse processo de harmonização recípro- brutalmente, às vezes, por ocasião de uma m anorexia mental grave não difere em nada repleção e de repouso pós-prandial, vivida como
ca, as mães reagem diferentemente em função das dança de regime alimentar: desmame ou ablac· no princípio da precedente. Mas seja por- potencialmente perigosa devido ao desaparecimen-
ção (donde o termo "anorexia do desmame"), i que a reação anorética da criança esteja pro- to de qualquer tensão. Por sua vez, Spitz conside-
manifestações da criança: umas parecem assusta-
das com a avidez desta, outras se orgulham disso. trodução de alimentos sólidos ... Classicamen: fundamente inscrita em seu corpo, seja rou que o afastar da cabeça da mamadeira ou do
Inversamente, algumas mães podem exprimir o re- trata-se de um lactente vivo, tônico, desperto, mi porque a atitude maternal não seja suscetí-
vel de mudança, o comportamento
seio para assinalar a saciedade representaria o pro- !
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ceio de que uma sucção lenta e interrompida seja o nifestando curiosidade pelo meio, avançado e'. tótipo do gesto semântico "não", e que, nesse sen- ,1

seu desenvolvimento. Muito rapidamente, es anorético persiste. Outros distúrbios podem tido, a anorexia seria uma conduta maciça de recu- J.
indicio de futuras dificuldades alimentares. Essas '~
recusa mais ou· menos total de alimento susc surgir: dificuldades no sono, cóleras inten- sa na relação mãe-filho que poderia, em seguida, . ti"
diversas atitudes despertadas pela criança provêm, 11
sas, espasmo do soluço... Diante do alimen- ti
6 claro, dos próprios fantasmas inconscientes ou uma reação ansiosa da mãe; surge então todo entravar o acesso a uma simbolização mais menta-
pr6-conscientes da mãe, fantasmas cuja reativação comportamento cujo objetivo é o de fazer a to, a criança mostra quer um total desinte- lizada. Na mesma ótica, observou-se a freqüente e li
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ança comer: tenta-se distraí-la, brincar, seduzi·~ resse, quer uma viva oposição. Neste últi- excessiva familiaridade dos lactentes anoréticos em i\i
pode levar o par mãe-filho a uma situação patogê-
espera-se que esteja sonolenta ou, ao contrári mo caso, as refeições constituem verdadei- relação aos estranhos, em uma época na qual nor-
nica tanto para um como para outro. \l!
presa na cadeira, suas mãos são seguradas, teni ras batalhas entre uma mãe que tenta utili- malmente se constituiria a angústia frente aos mes-
A sociedade, por fim, intervém, também ela,
se abrir sua boca à força. Inelutavelmente, a cri' zar todos os ardis possíveis para introduzir mos. Essa familiaridade atestaria uma incapacida-
de modo definitivamente privilegiado na troca ali-
ça sai vitoriosa do combate; a mãe, exaustª· um pouco de alimento na boca da criança de de individualizar o rosto matemo e de focalizar
mentar mãe-filho. Nossa proposição não é a de tra-
vencida. Família ou amigos são requisitados p (seduçlo, chantagem, ameaça, coerção...) a angústia no rosto estranho. A recusa alimentar
tar aqui do conjunto do simbolismo cultural relaci-
dar conselhos e opiniões cuja divergência só fÍ e uma criança que se debate, cospe, joga mostraria a "contaminação ansiosa" a que seria
onado à alimentação, nem do papel social sempre
aumentar a ansiedade da mãe. seu alimento por tudo, vira seu prato... submetida a relação com a mãe, com a tentativa de
fundamental da refeição (após a cena primitiva, vem
a Ceia familiar). Lembremos, assim, que na ado- Essa anorexia apresenta-se isolada, o lact1 ' Ba1e comportamento anorético pode ser entre- domínio que daí resulta. Essa dificuldade de men-
lesc!ncia numerosos conflitos giram em tomo da continua crescendo e, muitas vezes, engordan1 º por períodos durante os quais a criança talização poderia constituir a base de uma futura
refeição familiar, e que uma freqüente observação É raro que a anorexia seja tão profunda que pro melhor, mostrando-se, no entanto, ainda ca- organização psicossomática.
das jovens anoréticas mentais é o desgosto que que uma quebra na curva ponderai e, mais . cho11: unicamente alimentos açucarados, ou A atitude terapêutica deve centrar-se na rela-
declaram sentir vendo seus pais comendo. Convém na curva estatura!. Uma constipação pode aco 1clnioa, ou legumes ... Os vômitos são freqüentes ção mãe-filho, tentar acalmar a angústia da mãe e
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reduzir as atitudes nocivas mais acentuadas. Às No plano clinico, 11 obesidade se define po: eia sob a forma de cólera súbita. Todavia, a entrelaçam fatores genéticos e hábitos alimentares.
vezes, a decisão de consultar um psiquiatra infantil excedente de, no mini mo, 20% do peso em ret e a passividade não são constantes, uma cer- Do mesmo modo, a obesidade é freqüente nas crian-
basta para acalmar esses receios: assim, não é raro à média normal para a altura. Um excedente dei ,, 'dade física pode, pelo contrário, caracterizá- ças de classes desfavorecidas que acabam de ter
que o bebê coma bem na véspera da consulta. Con- de 60% representa um fator de risco certo. AÍ tros sintomas que atestam o sofrimento psi- acesso à "sociedade de consumo". Nessas famíli-
tudo, como essas atitudes se originam em fantas- qüência da obesidade é de aproximadamentel ·.co associam-se, muitas vezes, à obesidade: as, a obesidade encontra-se ainda investida do sim-
mas pré-conscientes ou inconscientes da mãe no na população escolar. ,o escolar, enurese, que seria encontrada mais bolismo de "boa saúde".
que concerne à relação de amamentação, uma Ainda que a procura de consulta seja tardiS: :ntemente nas obesidades secundârias. Quan- Na constelação familiar, descreveu-se o com-
psicoterapia quer seja da mãe individualmente, quer volta da puberdade, o início da obesidade podi· i eficiência intelectual é normal ou superior, a portamento excessivamente alimentador das mães
seja do par mãe-filho se faz, por vezes, necessâria. precoce, desde o primeiro ano de vida, ou seji ~Ção ou a passividade, com freqüência, entra- (H. Bruch) que respondem a toda manifestação de
um grande distanciamento entre a idade de co~ ;"O êxito. seu bebê através de um aporte alimentar: isso per-
tuição e a idade dê consulta para obesidade. E: mais freqüente é que a obesidade não se ins- turbaria a sensação de fome da criança, qualquer
FOIJIMS pddlcuktres de dllorexkt tem dois períodos de predileção para a cons~ ·r. em um quadro sindrômico claro, ainda que, tensão posterior desencadeando uma necessidade
do 1.tctente ção de uma obesidade: desde o primeiro an; · s, integre-se em um quadro psicopatológico de absorver alguma coisa.
vida e quando do período pré-puberal, entre como uma psicose. No seio dessa psicose, A criança obesa e seu corpo: o esquema cor-
Em função da idade, encontram-se mais rara- 13 anos. Distinguem-se, assim, as obesidades idade pode então se caracterizar por seu as- poral da criança obesa encontra-se, muitas vezes,
mente: márias e as obesidades secundárias. monstruoso (60% ou mais de sobrecarga) e perturbado, tanto mais se a obesidade for precoce-
11 11norexla essencial precoce surge desde Em função do aspecto e do número de ª' ·· ~sua variabilidade, realizando o que se denomi- mente constituída. A representação de um corpo
o nascimento, sem intervalo livre, em um citos, os pediatras descrevem: "obesidade deformante". filiforme, aéreo, não é rara. Abordamos aqui a pro-
lactente inicialmente passivo, parecendo · A obesidade encontra-se também comumente blemática da identidade, inclusive sexual, na qual
as obesidades hiperplásicas, nas quaiS'
nllo demonstrar nenhum interesse pelas quadros de debilidade mental: a procura pela a obesidade tem um papel diferente conforme o
pool de adipócitos é demasiadamente e'
mamadeiras. A atitude de oposição surge .ça de satisfações imédiatas, não simbolizadas, sexo. Muito esquematicamente, poder-se-ia dizer
vado, obesidades que se constituiriam d1
secundariamente; lução da função parental a seu papel de nutridor, que a obesidade da menina seria um meio ativo de
de o primeiro ano de vida;
as obesidades hipertróficas, quando o
Ps que educativo são as explicações propostas. afirmação viril de seu corpo, negando sua castra-
No plano diagnóstico, assinalemos que a ano- icontra-se freqüentemente a existência de uma ção, ao passo que, no menino, a obesidade que su-
rexia precoce grave pode ser um dos primeiros si- mero de células adiposas é normal, mas ,
,ltência afetiva que pode, aliás, estar associada a foca o sexo na gordura pré-pubiana apareceria
tamanho é excessivo;
nais de autismo ou de psicose infantil precoce, cuja!;
por fim, as obesidades mistas.
nquadro de debilidade ou pseudodebilidade. A como uma proteção passiva contra as angústias de
demais manifestações devem sempre ser pesqui- 1blemática do cheio e do vazio ocupa aí um lu- castração, mascarando a própria existência desse
sadas: podem surgir, aos poucos, durante o segun- No plano alimentar, a obesidade se consti privilegiado, a criança tentando preencher a sexo, o que, muito freqüentemente, os testes
do ano; às vezes, após crises bulímicas da criança, mas, ;•;;_',ta tão cruelmente sentida. projetivos mostram bem.
a anorexia da segunda infância sucede, freqüentemente, ocorre após uma hiperfagia m Vida fantasmática da criança obesa: sob as
mais freqüentemente, à forma típica. To- tida pelo clima familiar. O excesso de aporte atitudes de prestância, força e vigor, revela-se, com
davia, pode surgir nesta idade, marcada por ser global ou se fazer em favor dos glicídios (f~' freqüência, uma vivência depressiva mais ou me-
uma viva atitude de oposição e pela fre- las ou açúcares) absorvidos sobretudo à tarde, a1 nos importante, da qual o obeso procura se prote-
o retorno da escola. '~: Já assinalamos a grande distância existente en- ger: o vazio, a falta, a ausência são intensamente
qüente existência de caprichos alimentares
mais ou menos variáveis; As obesidades que comportam uma ca. )a constituição da obesidade e a idade da crian- sentidos. Rapidamente, uma vida fantasmática li-
endócrina silo excepcionais (menos de 1%) e '
1
:;quando da primeira consulta. Salvo excepcio- gada à oralidade se encontra mobilizada, sustenta-
a anorexia das adolescentes (ver Adoles-
acompanhadas por um atraso de crescimento. '-: mente, é na puberdade, entre 11 e 13 anos, que da por intensas angústias de devoração •. sendo o
cence et Psychopathologie, 4ª. ed., 1995,
p. 145). No plano psicológico, é, por vezes, diflcil, ]>ais se inquietam, mais freqüentemente em re- mundo exterior percebido como perigoso. Frente a
vez instalada a obesidade, distinguir a dim Õlo à sua filha que a seu filho. Todos 'os autores esse perigo, a regressão narcísica, testemunhada
reacional ou causal dos distúrbios observados. ' , 1nhccem a relativa persistência do sintoma ape- pelo freqüente recurso aos temas marinhos e oceâ-
Obesidade dos diversos tratamentos realizados. Somente nicos nos testes, é a segunda vertente, servindo a
a 25% das obesidades regridem (Job), e as de- obesidade de afirmação de si e tomando concreta-
Por muito tempo mantidos em segundo plano, Persondlldade da cddnça obesa s persistem na idade adulta. mente o lugar da imagem do eu ideal. Assim, a
atrás da anorexia mental, os problemas levantados obesidade teria constantemente esse duplo papel:
pela obesidade começam a ocupar a dianteira da Uma tipologia característica da obesidade por um lado, de protetora contra o ambiente e, por
cena, em particular após numerosos trabalhos so- pesquisada, em particular na oposição anorex entos de redexAo pslcop.ito/6gla
1
outro, de garantia da integridade e do valor da ima-
bre a obesidade do adulto e sua evolução, de onde magreza-hiperatividade e polifagia-obesidade- gem de si, a importância relativa de cada um dos
resulta que a precocidade do aparecimento da obe- sividade (H. Bruch). As crianças obesas são, A criança obesa e suafamflia: o determinismo papéis, o que explica a variedade dos quadros clí-
sidade constitui um importante fator de prognósti- freqüência, descritas como moles, apáticaa, tf iliar e cultural da obesidade é importante. Des- nicos.
co. das, sendo, no entanto, capazes de reaçõea modo, existem familiaa de obesos nas quais se
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TriÚíflllento Maneirismo e repu/SAS eletW.ws ' essa potomania se mostra como uma pertur- Coprofagia
~ da noção de sede que encontra sua significa-
Dirigir-se unicamente ao sintoma da obesidade Trata-se de comportamentos muito freqUe scja em um comportamento neurótico regres- Não é comum na infância. Ainda que não seja
é, em geral, fonte de inconveniência e de fracasso, na tenra infiincia que, às vezes, alternam-se (a primeira alimentação do lactente é líquida, raro que a criança pequena, entre 2 e 4 anos, quan-
tanto mais porque o regime é solicitado pelos pais períodos anoréticos. Referem-se a certos gêni' ,.Jbsorção dos primeiros "pedaços" causa, com do da aquisição do asseio, estenda pelo menos uma
e não pela criança. Se é possível fazer com que a de alimentos, quer no sentido da repulsa, qu· · Qência, numerosos problemas, tanto para as vez suas fezes em sua cama, em seus lençóis ou na
criança emagreça durante o regime, rapidamente sentido do desejo. Pode-se citar, por exempl·' angustiadas pelo temQr do sufocamento quan- parede, essa conduta é, em geral, isolada e reverte-
esta recobra os quilos perdidos, após sua interrup- desejo eletivo de alimentos lácteos de cor bra: as próprias crianças não habituadas com a se rapidamente em repulsa. Pelo contrário, o gosto
ção. desejos eletivos de coisas açucaradas, de choc·: itigação), seja em um comportamento de opo- pelas fezes é raro e traduz uma profunda perturba-
A restrição calórica, certamente útil, e até in- te. Inversamente, pode-se citar a repulsa eletiv: ao meio, mais freqüentemente à mãe que pro- ção, tanto do investimento corporal quanto da re-
dispensável, deve ser acompanhada por uma avali- carnes, alimentos fibrosos como vagens, asp ., ' limitar a quantidade de líquido ingerido. lação com o outro, particularmente com a mãe. O
ação do papel psicossomático da obesidade e de alho. 'S episódios espontaneamente regressivos de comportamento de coprofagia é observado, muitas
uma motivação da criança a esse tratamento. Algu- Alguns alimentos suscitam muitas vezes 'pmania não são raros. Podem, às vezes, prece- vezes, quando a criança está sozinha em sua cama,
mas consultas terapêuticas ou mesmo uma psicote- vivas na criança, quer seja pela cor, consistêi · .:.ou seguir uma conduta bulímica ou, inversa- e poder-se-ia ver aí uma espécie de paralelismo com
rapia de apoio se fazem necessárias. ou caráter altamente simbólico do alimento: d: ·.te, anorética. o mericismo.
Os tratamentos medicamentosos são desacon- modo, "a nata do leite" raramente deixa indifc As mães das crianças coprofágicas seriam, com
selhados, e os anorexígenos anfetamínicos devem te a criança, que a ela reage, na maioria das v· freqüência, frias, sem afeto e mesmo hostis, indo
ser manejados com prudência. com repulsa. O desejo regressivo do seio tradJ até a maltratar seu filho (Spitz). A coprofagia se
do em seu contrário, em forma de repulsa, seri0i integra, mais comumente, em um quadro que lem-
explicação disso (A. Freud). Se esses gostos e · , Do nome latino da pega, o pássaro de voraci- bra a psicose.
Comportamentos Alimentares pulsas eletivas são o testemunho evidente do '~e onívora, descreve-se com o termo de pica a
Desviantes vestimento fantasioso particular de certos alim' ~estão de substâncias não comestíveis para além
tos e de sua absorção (como, por exemplo, a ten' fperíodo normal (entre 4 e fJ a 10 meses), no BIBLIOGRAFIA
Cdses de bullmla tiva de controlar ou de negar a agressividade or:, Fn:er do qual a criança leva tudo à boca ~orno
.tunerro modo de apreensão do mundo. Na pica, a BRUCH (H.): Les yeux et /e ventre. Payot, Paris, 1975.
os fantasmas canibalistas na recusa da carne), ·
Podem ser vistas em adolescentes anoréticos ou iança ingere as substâncias mais diversas: prego, BRUSSET (B.): L 'assiette et /e miroir. Privat, Toulouse,
bém são, para a criança, um modo de pressão e., 1977.
crianças obesas, mas também em crianças que apre-· manipulação de seu meio. A criança peque? foeda, botão, pequenos brinquedos, lápis, cinza
CUKIER-MEMEURY (F.), LÉZINE (!.),
sentam diversos tipos de estruturas mentais. Trata- anorética consegue, por vezes, que seus pais re. ·!lle cigarro, papel, gesso, grama, terra, areia, etc. AJURIAGUERRA (J. de): Les postures de l'allaite-
se de impulsos irresistíveis em se alimentar, sobre- zem proezas para obter "o produto" desejado, co: ~or vezes, a criança ingere sempre o mesmo obje- ment au sein chez les femmes primiparcs. Psychiatrie
vindo brutalmente, acompanhados ou não por sen- . 1, mas, mais freqüentemente, ingere qualquer coi-
firmando assim seu total poder sobre os mesmoi enfant, 1979, 22 (2), p. 503-518.
sações de fome, relacionados normalmente a ali- Em uma idade mais avançada, tais condut DOYARD (P.A.): Le pédiatre et l'obésité de l'enfant.
mentos apreciados ou não pelo sujeito, mais fre-
qüentemente sem discriminação. São descritas
persistentes podem revelar, com mais clareza, i c;,Esse comportamento parece ser observado quer
'.'crianças em situação de carência afetiva pro-
Perspectives psychiatriques, 1979, 17 (74), p. 362-
ganizações patológicas e até veicular idéias d~ 365.
como uma necessidade imperiosa de encher a boca, rantes de tipo hipocondríaco. ou de abandono, quer em crianças psicóticas, KESTEMBERG (E.), KESTEMBERG (J.), DECOBERT
mastigando-se mais ou menos, verdadeiras fomes iando-se então a outras perturbações, especi- (S.): Lafaim et /e corps. P.U.F., Paris, 1972.
devoradoras que podem durar um tempo variável 1te distúrbios da função alimentar e digestiva KREISLER (L.), FAIN (M.), SOULE (M.): L 'enfant et
de alguns minutos a várias horas. Cessam brutal- :xia, diarréia/constipação, incontinência, ...). son corps. P.U.F., Paris, 1974
Potomanla MARCELLI(D.),CANARELLA(Th.),GASPARD(B.):
mente, sendo comumente seguidas de uma impres- .,ºAlguns autores, diante da freqüente constatação
Les aspects cliniques de l'obésité de l'enfant. Pers-
do de repulsa ao ver o refrigerador devastado, potes Trata-se de uma necessidade imperiosa de ·· ,uma anemia hipocrônica nessas criani;:as, inter-
pectives psychiatriques, 1979, 17 (74), p. 366-374.
de doces vazios e ao constatar amargamente a total ber grandes quantidades de água ou, em suá fl ,, ~ seu comportamento como uma busca de SELVINl-PALAZZOLI (M.), BOSCOLO (L.),
ausencia de qualquer senso crítico e de qualquer ·qualquer outro líquido. Quando se tenta limitar ~- Uma terapêutica à base de ferro teria permi- CECCHIN (G), PRATA (G): Paradoxe et contre-
higiene alimentar durante o fenomêno. Com fre- conduta, alguns autores descreveram crianças· [~ alguns melhoramentos da conduta de pica, mas paradoxe. E.S.F., Paris, 1980.
qüência terminam em um acesso de torpor, até pazes de beber sua própria urina. es resultados se mostraram muito inconstantes.
mesmo de sonolência no qual um sentimento de O diagnóstico diferencial deve, cuidadosam•
replcção pode ser experimentado, seja com repul- te, eliminar uma causa orgânica (diabete glico ,
sa, seja com prazer. rica, diabete insípido, síndrome poliúro-polidípt
Assinalemos que graves crises bulímicas se in- ca), antes de confirmar a potomania.
tegram, por vezes, em uma conduta psicótica na No plano psicopatológico, se algumas crian
qual o alimento é o suporte de um investimento apresentam distúrbios de personalidade que se i
delirante. crevem no quadro de uma psicose, em outras si .

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