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Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão [...]
Milton Nascimento
Há em cada um, algo da criança que um dia existiu. Talvez seja a parte mais
bem guardada, a mais alegre ou talvez se encontre esquecida em algum lugar...
Mas ela está lá, sempre pronta para retornar, se o adulto lhe der uma chance. O fato
é que um dia esta criança existiu. Mas é comum que, com o passar dos anos, a
leveza e o lúdico, experimentados na infância, cedam lugar às preocupações,
responsabilidades, ocupações e tantas outras coisas próprias da idade adulta.
Algumas pessoas desaprendem a alegria, o lúdico, a espontaneidade. Como no
diálogo da tartaruga com a libélula, personagens de ALVES (2004):
[...] Os adultos fazem assim. E vivem nos mais diferentes tipos de buracos,
que vão de casas até empregos públicos. Minha carapaça é forte. Nem
martelo consegue quebrá-la. Você é mole. Eu sou dura. Moles são as
crianças, os poetas, os artistas, os sonhadores. Duros são os banqueiros,
os policiais, as pessoas de convicções sólidas, possuidoras da verdade.
Todas as libélulas devem se tornar tartarugas. Para isto existe a educação.
(ALVES, 2004, p. 8).
Mas o mundo das crianças não é tão feliz quanto se pensa, ou quanto parece
ser. Nele também existem medos, angústia, tristeza, dor. É preciso entender um
pouco do funcionamento psíquico da criança para poder ajudá-la a compreender e
elaborar suas próprias experiências2.
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Psicóloga, Psicoterapeuta, Facilitadora de Grupos, Professora Universitária e Supervisora Clínica. Mestre em
Educação, Especialista em Sexualidade Humana, Coordenadora da Célula de Psicologia do Programa
Educacional Diabetes Weekend, Vice-Coordenadora Geral da Associação Ibero-americana da Abordagem
Centrada na Pessoa. National Focusing Coordinator (Coordenadora Nacional de Focusing) e Focusing Trainer
pelo The Focusing Institute (NY-EUA). Coordenadora de Focusing e Diretora Presidente do CPHMINAS.
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O termo experiência é usado por Rogers e deve ser entendido no sentido fenomenológico: é tudo que se
passa no organismo em um determinado momento e que é potencialmente disponível à consciência. O mesmo
que campo fenomenológico.
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Não é fácil definir criança, talvez seja melhor começar a dizer o que não é
criança. Criança não é inferior, não é melhor nem pior, não é objeto, não é o futuro
da nação, não é anjo, nem demônio. É preciso deixar que ela ocupe o lugar que lhe
é devido que, segundo Damazio (1988, p.8) é: “um sujeito em seu momento
específico de vida”. Como tal, merece reconhecimento e respeito por sua
capacidade, por sua autonomia, por seu momento presente, tão peculiar em sua
forma de ser, de pensar, de se expressar.
Ao longo da história, a criança já foi vista e tratada de diversas formas
conforme a ótica adotada; e esta fase da vida sempre esteve ligada à ideia de
dependência, de fragilidade, de alguém que ainda não é, mas com a perspectiva de
vir-a-ser. (PHILIPE ARIÉS, 1981).
Há duas teorias clássicas que buscam explicar a relação do ser humano com
o mundo, estas são o ponto de partida para as abordagens científicas que surgem
construindo suas teorias. São elas o Empirismo e o Racionalismo.
Para o Empirismo, o pensamento é o resultado da ação do mundo externo
sobre o cérebro. Tudo que se sabe é resultado do que os órgãos dos sentidos
conseguem captar. Então a criança é um ser passivo da ação externa, do ambiente.
(DAMAZIO, 1988).
Para o Racionalismo, a compreensão do mundo só é possível pela razão. O
representante clássico da corrente racionalista foi o filósofo francês René Descartes,
que cunhou a célebre frase do penso, logo existo. De acordo com este pensamento,
então a criança é um futuro sujeito. (DAMAZIO, 1988).
Em ambas as formas de pensar, a criança não é considerada em sua forma
singular de interagir com o mundo, de atuar no mundo, não é considerada no
momento presente de sua existência.
Segundo Áries (1981) a infância era considerada como um período de
transição até o século XVII. Somente a partir daí é que a infância passou a ser
reconhecida como uma etapa distinta no desenvolvimento humano, marcada por
características próprias.
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idades não devem ser buscados nos sintomas ou indícios externos, mas nas
mudanças internas do processo de desenvolvimento infantil”. (VYGOTSKI, 1991, p.
256).
Vygotski afirma que a origem das formas superiores de comportamento
consciente deve ser achada nas relações sociais que o homem mantém. O homem
é visto como um ser ativo, que incide sobre o mundo através de suas relações
sociais. O desenvolvimento infantil é compreendido a partir dos aspectos
instrumental, cultural e histórico. História da sociedade e desenvolvimento humano
caminham juntos. (BOCK, 1999).
Um pensamento inovador
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O termo enriquecimento deve ser entendido no sentido fenomenológico e refere-se a tudo que favorece o
desenvolvimento integral do indivíduo pelo crescimento de tudo o que possui e de tudo o que é – importância,
saber, poder, felicidade, talentos, prazer, posses e tudo o que aumenta a satisfação que ele obtém disso.
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Consequente com este conceito central, Rogers & Kinget (1977: I) afirmam
que a criança
[...] é equipada com um sistema inato de motivação (a tendência à
atualização própria de todo ser vivo) e de um sistema inato de controle (o
processo de avaliação “organísmica”) que, por meio de comunicação interna
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automática , mantém o organismo a par do nível de satisfação das
necessidades que emanam da tendência à atualização (ROGERS &
KINGET, 1977: I, p. 196).
Pode-se concluir que a criança cria seu próprio mundo, um mundo que existe
somente para ela, ou seja, a realidade da criança é constituída pela representação
que ela faz de seu meio. Seu comportamento é determinado pela percepção que ela
tem da realidade ou do estímulo. Evidentemente, a realidade que afeta seu
comportamento é a realidade vivida.
Dentro desta sua realidade, de acordo com suas experiências, a criança
muitas vezes padece seus conflitos, medos, sentimentos e muitas vezes não
encontra forma, lugar ou a pessoa adequada para ouvi-la e compreendê-la, gerando
precocemente adoecimentos de ordem psicológica, dificultando o desenvolvimento
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Rogers afirma que este sistema de controle é de ordem cibernética, isto é, até certo ponto comparável aos
mecanismos do autocontrole de certas máquinas.
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A totalidade do indivíduo, a partir de uma visão holística da pessoa. É uma totalidade que interage com o
ambiente. Diz respeito às experiências vividas pelo indivíduo, o que envolve sentimentos, pensamentos,
emoções, etc.
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É o próprio cliente quem sabe o que sofre, qual deve ser a direção a seguir,
quais são os problemas cruciais. Comecei a compreender que mais
importante que demonstrar minha clarividência e sabedoria, o melhor era
deixar com o cliente a direção do movimento no processo psicoterapêutico.
(ROGERS, 1997, p. 13).
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Brincadeira séria
A palavra criança simboliza o próprio ato de criar. O dia a dia da criança está
repleto de criatividade e, por isso, a brincadeira e o brincar, representam o que de
mais sério ela realiza. Consequentemente, no atendimento a essas pessoas de
pouca idade, o brincar é a forma mais natural dela se mostrar.
O brincar é uma importante forma de comunicação para a criança e é por
meio dele que a criança consegue criar, reproduzir, expressar e até mesmo revelar
seus sentimentos. É no brincar que ela expõe suas maiores dificuldades, facilidades,
medos, angústias, sofrimentos, conflitos, prazeres (GARCIA, 2002).
Segundo Axline (1972), a criança que não brinca não elabora situações
difíceis da vida, pois o faz-de-conta auxilia no desenvolvimento da criatividade e da
autonomia. Pode-se dizer que brincando a criança está se preparando para a vida
adulta. Brincando ela aprende a lidar com as suas frustrações, conflitos, sofrimentos
e alegrias.
O lúdico é a forma natural de expressão das crianças. Sendo assim, através
do brinquedo e de uma relação interpessoal facilitadora, a criança libera seus
sentimentos, conscientizando-se deles, expressa, aceita e começa a construir seu
caminho, tomando a responsabilidade por seus próprios atos, indo ao encontro do
seu verdadeiro eu.
Considerações Finais
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REFERÊNCIAS
GAIVA, Maria Aparecida Munhoz; PAIAO, Mara Regina Ribeiro Souza. O ser
criança: percepção de alunas de um curso de graduação em enfermagem. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 7, n. 1, jan. 1999.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
11691999000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 07 de julho 2013.
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ROGERS, R. C. Tornar-se Pessoa, São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda,
1997.
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