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Ciência
política
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Ciência
política
Gisele de Cássia Galvão Ruaro
Denise da Silva Vieira
Giane Albiazzetti
Silvana Braz Wegrzynovski
Wilson Sanches
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© 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A.

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Editor: Casa de Ideias
Editor assistente: Marcos Guimarães
Revisão: Mônica Rodrigues dos Santos
Capa: Bruno Portezan Jorge e Sheila Ueda Piacentini Barison
Diagramação: Casa de Ideias

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Albiazzeti, Giane
A335c Ciência política / Giane Albiazzetti, Denise da Silva
Vieira, Wilson Sanches, Silvana Braz Wegrzynovski,
Gisele de Cassia Galvão Ruaro. – Londrina: Editora e
Distribuidora Educacional S. A., 2014.
168 p.

ISBN 978-85-68075-62-3

1. Pensamentos. 2. Teoria. 3. Contemporâneo. I. Vieira,


Denise da Silva. II. Sanches, Wilson. III. Wegrzynovski,
Silvana Braz. IV. Ruaro, Gisele de Cassia Galvão. V.
Título.

CDD 320
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Sumário

Unidade 1 — A formação do pensamento político ........1


Seção 1 A gênese da ciência política .................................................2
1.1 O que é e para que serve a política? ....................................................2
1.2 Por que surgiu o interesse pela política? ...............................................3
1.3 O pensamento político ao longo do tempo:
da filosofia à ciência política ...............................................................5
Seção 2 Pensamento político clássico ................................................9
2.1 O pensamento político na Modernidade e suas contribuições para a
compreensão das relações sociais nos dias de hoje..............................9
2.2 Da filosofia para a ciência política:
um longo percurso .............................................................................31

Unidade 2 — Teoria política e seus grandes


pensadores.............................................39
Seção 1 Introdução à teoria política, diferentes doutrinas
políticas e formas de governo .............................................40
1.1 Introdução à teoria política ................................................................40
1.2 Doutrinas políticas .............................................................................42
1.3 Formas de governo .............................................................................50
Seção 2 Os clássicos do pensamento político ..................................55
2.1 Política para Aristóteles ......................................................................55
2.2 Política para Thomas Hobbes .............................................................57
2.3 Política para John Locke .....................................................................58
2.4 Política para Nicolau Maquiavel ........................................................60
2.5 Política para Platão ............................................................................62
2.6 Política para Santo Agostinho .............................................................63
2.7 Política para São Tomás de Aquino.....................................................65
2.8 Política para Sócrates .........................................................................66
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vi CIÊNCIA POLÍTICA

Unidade 3 — Ciência política e sociedade...................75


Seção 1 A crítica socialista de Marx ................................................76
Seção 2 A discussão contratualista
e o pensamento de Rousseau ..............................................81
Seção 3 A divisão dos poderes e a democracia ................................86
3.1 As ideias de Montesquieu ..................................................................86
3.2 As análises de Tocqueville..................................................................90
Seção 4 As tipologias de poder e a necessidade da hegemonia ........95
4.1 As formas de governo.........................................................................96
4.2 Ciência política e a teoria
do Estado na concepção de Gramsci ...............................................101

Unidade 4 — Política na contemporaneidade ............115


Seção 1 Origem e evolução do Estado ...........................................117
1.1 Origem do Estado ............................................................................118
1.2 Teorias do Estado .............................................................................118
1.3 O progresso histórico da origem do Estado ......................................123
Seção 2 A crise do Welfare State e a crítica à globalização ...........128
2.1 O modelo Welfare State ...................................................................128
2.2 Origem ............................................................................................129
2.3 Estado do bem-estar social ou Welfare State.....................................133
Seção 3 Os impactos da Revolução Francesa .................................138
3.1 Girondinos e Jacobinos ....................................................................139
3.2 A burguesia no poder.......................................................................139
Seção 4 O pensamento político contemporâneo............................141
4.1 Hannah Arendt (1906-1975) ............................................................141
4.2 John Rawls (1921-2002): o liberalismo revivido ...............................142
4.3 Anthony Giddens: a terceira via alternativa ......................................143
Seção 5 Relação do Estado com o liberalismo e neoliberalismo .....146
5.1 Liberalismo ......................................................................................146
5.2 Neoliberalismo ................................................................................148
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Apresentação

A política é uma característica humana essencial, nas palavras de Aris-


tóteles, “o homem é um animal político”. Desde os tempos mais remotos
da história da humanidade tivemos que encontrar maneiras de resolvermos
nossos conflitos e estabelecermos normas de convivência, em um primeiro
momento estas regras eram simples assim como as formas de socialização.
À medida que as sociedades foram se tornando complexas, as formas de
fazer política também foram se tornando complexas, motivando os escritos
de Aristóteles e, depois deles, vários outros autores que se debruçaram sobre
essa característica humana.
A política, portanto, é a maneira pela qual se decide aquilo que é coletivo,
mas não é só isso, quando decidimos sobre algo coletivo também verificamos
quem tem mais poder. A política é também uma disputa pelo poder, um poder
que pode se manifestar das mais distintas formas nas mais distintas épocas.
Neste livro, caro(a) leitor(a), queremos oferecer uma visão ampla das di-
versas nuanças da política, buscando uma explicação histórica e conceitual
sobre esse tema. Este conhecimento histórico e conceitual pode auxiliar para
que possamos perceber com maior senso crítico os aspectos da política de
hoje. Compreender os caminhos, e descaminhos, da política nos auxilia
em nossa própria atuação nos dias atuais, compreendendo, sobretudo, que
a forma como praticamos a política hoje não é obra do acaso, mas de um
processo histórico que ainda está em curso e do qual temos que nos tornar
participantes ativos.
Para obtermos tal compreensão o livro foi estruturado da seguinte maneira:
A Unidade 1 tem por objetivo estabelecer alguns conceitos básicos para
a discussão da política, a começar pelo próprio conceito do que se con-
vencionou chamar Ciência Política. Nessa unidade abordaremos também
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viii CIÊNCIA POLÍTICA

os conceitos de Estado, burocracia, regimes políticos e cidadania, além das


reflexões sobre o poder, que é uma das características essenciais da política.
Na Unidade 2 refletiremos sobre um conjunto de autores que formam o
que chamamos de pensamento político clássico. Iniciaremos com os escritos
de Aristóteles, que, como já citamos anteriormente, é o primeiro a se dedicar a
fazer uma obra chamada A política, posteriormente diversos autores se detive-
ram sob os diversos temas da política e, até os dias de hoje, possuem relevância
em qualquer discussão.
A Unidade 3 faz uma abordagem sobre alguns autores que pensaram na
interação entre a Ciência Política e a sociedade. São pensadores que estavam
refletindo sobre o fazer da política e seus reflexos na sociedade, entre eles
temos Marx e Gramsci como críticos dos modelos adotados na modernidade;
Montesquieu que elaborou um modelo estabelecendo a separação dos poderes
de um Estado, modelo adotado até os dias atuais; e Tocqueville que se pre-
ocupa em como a democracia pode atingir sua potencialidade e se livrar de
suas mazelas, bem como uma discussão sobre as formas de governo possíveis.
A Unidade 4 tem por objetivo debater a política na contemporaneidade,
pensar em temas que escutamos muito na atualidade, como Liberalismo e
Neoliberalismo, e quais as diferenças entre esses modelos que são concebidos
inicialmente como modelos econômicos e que iterferem nas políticas de Estado.
Nessa unidade também refletiremos sobre a origem do Estado Moderno, o que
foi o Welfare State e quais os impactos da globalização sobre a forma de fse
fazer política na atualidade.
Caro(a) leitores(a), deixo aqui um convite para iniciarmos o estudo sobre
este tema que interessa a todos, a Ciência Política. Pois, a todo momento esta-
mos fazendo política,, mesmo quando dizemos que não queremos participar
da política estamos fazendo política, por isso, quanto mais nos aprofundarmos
nos temas, mais capazes seremos de orientar nossas ações políticas de maneira
consciente.
Bons estudos!
Prof. Wilson Sanches
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Unidade 1
A formação do
pensamento político
Giane Albiazzetti

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade você irá conhecer


alguns autores de referência para o estudo da formação do pensa-
mento político, bem como compreender a importância da política
para as sociedades e para nossa vida.

Seção 1: A gênese da ciência política


Nesta seção você irá conhecer o surgimento do inte-
resse filosófico pela política, pelas relações de poder
entre os homens e pela coisa pública.

Seção 2: Pensamento político clássico


Nesta seção serão apresentados alguns dos nomes
de maior referência para o pensamento político
ocidental no contexto da modernidade.
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2 CIÊNCIA POLÍTICA

Introdução ao estudo
Esta unidade aborda a formação do pensamento político, tendo como referên-
cia dois períodos históricos distintos — a Grécia Antiga e a Modernidade — e as
ideias centrais de alguns dos principais filósofos que se dedicaram ao tema. Os
conteúdos trabalhados estão divididos em duas seções: na primeira, é apresentada
a gênese ou a origem da política e da ciência política; na segunda, são aborda-
dos alguns autores clássicos do pensamento político ocidental, começando por
Nicolau Maquiavel e seguindo para Thomas Hobbes, Montesquieu, John Locke,
Rousseau, Tocqueville, Karl Marx e Max Weber. Um ótimo estudo a todos!

Seção 1 A gênese da ciência política

É inegável que todos nós estamos inseridos em um universo político, mesmo


sem perceber. Em qualquer época histórica, nos diferentes povos e em todas as
sociedades existe a política. Política é algo que, querendo ou não, está presente
em nossas vidas, tendo relação direta com nosso passado, presente e futuro.
Portanto, para sua formação acadêmica e profissional, é muito importante
conhecer o surgimento do interesse filosófico pela política, pelas relações de
poder entre os homens e pela coisa pública.

Questões para reflexão


Você, leitor, já parou para refletir sobre o que é a política, sua impor-
tância para a humanidade, e o porquê de ouvirmos diariamente tantas
notícias, discussões e debates sobre o tema? Ou então, o que é e para
que serve a política?

1.1 O que é e para que serve a política?


A política faz parte da vida humana, de tal forma que é possível afirmar que
todo homem é um ser político por natureza, pois temos de viver em sociedade,
em coletividade, e isso nos impõe a convivência com outras pessoas. Desde a
pré-história, para vencer as adversidades naturais (animais mais fortes e eventos
da natureza) e garantir a sobrevivência, o ser humano teve de se adaptar a uma
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A formação do pensamento político 3

vida coletiva. Contudo, a convivência entre os homens não é naturalmente har-


mônica; ao contrário, é comum que, nas relações sociais, haja divergência de
opiniões e conflitos. Além disso, o homem é um ser competitivo por natureza, e
assim surge a necessidade de dominar, de ter poder sobre os demais. Por todos
esses motivos e para que a vida em sociedade não se torne uma guerra cons-
tante é preciso que seja estabelecido um conjunto de acordos, normas, regras,
limites e leis que tornem possível o convívio social. A natureza associativa do
homem é, portanto, a origem da política.

1.2 Por que surgiu o interesse pela política?


A política como campo de conhecimento científico só surgiu no século
XIX, mas o pensamento político é muito anterior, remontando à Antiguidade,
com as ideias de filósofos da Grécia e de Roma. Reflexões filosóficas sobre a
vida privada e a vida pública, sobre liberdade e submissão, sobre a relação
entre o interesse individual e o coletivo, bem como sobre poder e domina-
ção, acompanham a humanidade há muito tempo. Algumas obras clássicas,
como A República, do filósofo grego Platão, tratam das ações humanas na vida
em sociedade e, portanto, da ação política. Nessa obra o filósofo se dedica a
pensar a questão da justiça nas relações entre os homens, o que seria a essência
da boa conduta humana (PLATÃO, 2006).
Como já vimos, uma característica fundamental do ser humano, já assinalada
na Antiguidade pelo filósofo Aristóteles, é sua natureza gregária ou associativa,
que faz da convivência com os pares uma necessidade vital. Por outro lado, todo
ser humano é essencialmente livre e cada um tem seus próprios interesses, neces-
sidades, aptidões, conhecimentos, preferências e convicções, o que caracteriza
sua singularidade ou individualidade. Esta ambivalência entre as demandas e
exigências impostas pelo grupo social, de um lado, e os anseios e necessidades
dos indivíduos, de outro, cria uma permanente área de tensões e conflitos, que
podem e devem ser harmonizados para o bem de todos, por meio de uma série
de normas, regras e leis disciplinadoras do comportamento humano. Vejam o que
afirma o pensador Émile Durkheim (apud TOMAZI, 2000, p. 17) a esse respeito:
[...] na vida em sociedade o homem defronta com regras
de conduta que não foram diretamente criadas por eles,
mas que existem e são aceitas na vida em sociedade,
devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras, a
sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos
devem obedecer a elas.
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4 CIÊNCIA POLÍTICA

A necessidade de estabelecer limites para o comportamento humano com


fins de assegurar a convivência em sociedade, bem como de definir objetivos
coletivos são tarefas que pertencem ao campo da política. Importante ressaltar
que esse conjunto de normas, regras, leis e objetivos deve refletir as vontades
e os interesses de todos os indivíduos que participam do grupo social, preser-
vando a possibilidade de autonomia e liberdade individual desde que isso não
prejudique a convivência entre todos. Pressupõe-se, portanto, que cada um
deva aprender a agir com certos limites de comportamento, isto é, aprender a
obedecer as leis e respeitar aquilo que é definido para o coletivo.
Inúmeras obras filosóficas apresentam concepções sobre o universo político.
Da Antiguidade destacam-se as ideias dos sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles;
na Modernidade o destaque vai para as obras de Maquiavel, Hobbes, Montes-
quieu, Locke, Rousseau, Tocqueville, Marx e Weber.
Em certo sentido podemos dizer que o papel da filosofia política é prover
um conjunto de informações e análises racionais acerca das estruturas de
poder que configuram, caracterizam e ordenam as relações entre os homens,
levando, portanto, a um entendimento mais aprofundado sobre o modo como
se estabelece a vida em sociedade. Importante frisar que a chamada “vida em
sociedade” não seria possível sem uma complexa organização coletiva e con-
sensual sobre o pertencer a um grupo (como diriam os filósofos contratualistas,
que serão apresentados mais à frente).
Para Bobbio (2000), a filosofia política assume quatro significados distintos,
os quais, de algum modo, se complementam. São eles: 1) a filosofia política
representa uma forma de se descrever, projetar e teorizar a formação dos Es-
tados e das repúblicas, especialmente em seus aspectos éticos e não éticos;
2) a filosofia política estuda e propõe modelos explicativos acerca dos funda-
mentos do poder e da obediência coletiva, isto é, dos critérios adotados nas
mais diversas sociedades para a legitimação do poder de um ou de uns sobre
os demais; 3) outra forma de se conceber o pensamento filosófico sobre o uni-
verso político é considerá-lo em uma perspectiva mais geral, como um campo
de conhecimento autônomo, que não pode ser confundido com a economia,
a religião ou o direito, por exemplo. Nesta perspectiva, estudar a política é
buscar conhecer e compreender suas particularidades em relação a outras
esferas do conhecimento, ainda que estabeleça relações diretas com essas;
4) finalmente, é possível pensar a filosofia política como um tipo de leitura
crítica da ciência política, portanto, uma metaciência, cujo fim é colocar em
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A formação do pensamento político 5

questionamento permanente os modos pelos quais os estudos políticos e seus


saberes são produzidos.
Desta forma, é possível distinguir o que é campo da filosofia política e o
que é campo da ciência política, mas não podemos desconsiderar as contri-
buições de uma em detrimento da outra. Assim, pode-se afirmar que a filosofia
política (ou “filosofias políticas”) como a base da formação e sustentação da
ciência política.

1.3 O pensamento político ao longo do tempo:


da filosofia à ciência política
O período histórico chamado de Antiguidade compreende vários sécu-
los, de aproximadamente 4000 a.C. até 476 d.C., quando ocorre a queda do
Império Romano do Ocidente. Na Grécia Antiga, Aristóteles (2009) defendia
que a política deveria estudar a pólis e as suas estruturas e instituições (a sua
constituição e conduta). Esse filósofo é um dos mais reconhecidos precursores
do pensamento político ocidental, pois considerava a política uma espécie de
“ciência maior”, ou seja, um campo de conhecimento superior em relação aos
demais. Formulou, também, um método de observação para explicar a vida
em sociedade. Aristóteles tinha uma preocupação central: um bom governo
teria de ser capaz de garantir o bem-estar geral, portanto, tudo o que fosse de
interesse público.
Noções de público e privado, bem como de formas de governo, estavam
presentes no pensamento desse e de outros filósofos da Grécia e de Roma, na
Antiguidade. Importante destacar que a esfera pública se refere a tudo aquilo
que se relaciona com os interesses da sociedade como um todo, isto é, com a
coletividade. Em nossos dias, por exemplo, podemos pensar nas leis que apli-
cam a todos os cidadãos; na construção de espaços que podem ser utilizados
por todos, indistintamente; na criação de serviços que atendem às diferentes
necessidades da população (serviços públicos de saúde, educação, transporte,
saneamento, iluminação, segurança etc.); no estabelecimento de taxas e im-
postos que devem ser pagos pelos cidadãos e empresas; entre outros. O fato
é que desde a Antiguidade, a chamada “coisa pública”, ou tudo aquilo que
atende ao conjunto da população, é — ou deveria ser — de interesse de todas
as pessoas que fazem parte da sociedade, e exatamente por isso depende da
fiscalização e do zelo contínuo por parte de todos.
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6 CIÊNCIA POLÍTICA

O filósofo grego Platão, outro grande expoente do pensamento político na


Antiguidade, em sua obra clássica A República, procura descrever essa relação
dos cidadãos com a coisa pública, com campo prático da ação política (PLA-
TÃO, 2006). Para o filósofo, a política deve ter como base essencial a justiça,
e os homens devem ser doutrinados para exercê-la em todas as situações,
uma vez que na vida em sociedade há diferentes, e, muitas vezes, divergentes
interesses e necessidades (aqui, um entendimento mais próximo do que seria
hoje, para nós, o campo da esfera privada). Assim, a fim de que prevaleça
a priorização dos interesses e necessidades coletivos, de todos os cidadãos,
há de se promover o senso de justiça e o uso da razão (VELOSO, 2003).
Posteriormente, ao longo da Idade Média, na sequência dos eventos histó-
ricos que levaram ao enfraquecimento da filosofia grega, o mundo ocidental
passou a ser dominado e explicado pela crença de que a organização das
sociedades e o poder dos imperadores, reis e rainhas tinham fundamento
em leis divinas (e não mais em leis feitas pelos homens, como defendiam os
filósofos da Antiguidade). Essa cultura pautada na explicação teológica, no
sagrado e no divino, passou a justificar as relações de dominação e de su-
bordinação dos povos, e as imensas desigualdades sociais que distanciavam
os grupos sociais entre si. Isso também influenciou o pensamento político na
Idade Média, que deixou de ser pautado na interpretação racional e lógica,
e foi substituído pelas crenças sobrenaturais.
Durante muitos séculos, grande parte da humanidade foi levada a crer que
as desigualdades sociais e as formas de poder e de dominação entre os homens
eram fruto da vontade de Deus.
Um antecedente histórico importante a ser lembrado é a reforma religiosa
do século XVI, que desencadeou uma série de eventos significativos em termos
políticos, sociais, econômicos e ideológicos no continente europeu (LUIZETTO,
2000). Por um lado, o movimento reformista provocou, na Europa, rupturas
com o cristianismo católico, ainda que isso não tenha enfraquecido o pensa-
mento religioso. Lembre-se que as religiões passaram a compor os elementos
de centralização política, fortalecendo o poder dos reis e rainhas absolutistas.
Por outro lado, as religiões reformadas fortaleceram o individualismo, especial-
mente em função das ideias de livre-arbítrio defendidas por Martin Lutero e a
crença na predestinação, de Calvino, cuja ênfase no trabalho e sua valorização
contribuíram com o fortalecimento dos ideais liberais/burgueses (direito à liber-
dade individual, à propriedade privada e à acumulação de capitais). O fato é
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A formação do pensamento político 7

que esse processo promoveu a consolidação do modo de produção capitalista,


os interesses pela expansão territorial, pela conquista e dominação de outros
povos por parte das monarquias europeias e adquiriu dimensões sem prece-
dentes na história da humanidade, tendo em vista as motivações econômicas
e de acumulação do capital.

Para saber mais


Muitos de nós aprendemos de forma equivocada o que foi a Idade Média. Um dos historiadores
medievalistas mais importantes da contemporaneidade é Jacques Le Goff, pesquisador e autor
de vários livros sobre esse importante período histórico. Para aprender mais sobre as sociedades
ocidentais no período medieval, sua concepção de mundo, organização social, cultural, eco-
nômica e política, recomendo conhecer as publicações deste historiador.

Essas transformações históricas representam o marco do fim do feudalismo


e do início do capitalismo, a nova ordem sociocultural que passou a imperar
na Europa e, posteriormente, no mundo, como resultado do desenvolvimento
das ideias, a partir do Renascimento, das mudanças do modo de produção (do
trabalho artesanal para o fabril/industrial assalariado), do enriquecimento e
emancipação da burguesia, e de novos costumes mais pautados nos preceitos
materiais e econômicos.
Foi a partir desse período, já na época moderna, que o pensamento político
fundamentado na razão, na lógica, na filosofia e na ciência, ressurgiu com força.
Como vimos, a chamada Idade Moderna é marcada pelo rompimento com a
explicação irracional e teológica da realidade, e pelo secularismo resultante de
uma nova ordem social: o modo de produção capitalista. Os grandes eventos
históricos desse período, como os descobrimentos marítimos, as monarquias
absolutistas, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, a invenção da
imprensa, o advento de campos de conhecimento científico em várias áreas,
o aperfeiçoamento de técnicas de produção, de transporte e de comércio,
o desenvolvimento de tecnologias avançadas, e a formação de uma cultura
baseada nos valores da vida material e racional, conduziram ao interesse por
uma nova forma de explicar a política, rompendo com a visão medieval em
relação à organização da vida em sociedade e suas relações hierárquicas. Nesse
contexto, muitos filósofos passam a se dedicar ao entendimento do universo
político e social de seu tempo, com destaque para os que serão apresentados
a seguir, na próxima seção.
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8 CIÊNCIA POLÍTICA

Atividades de aprendizagem
1. O que é política e qual a sua importância?
2. Como surgiu o interesse pela política?
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A formação do pensamento político 9

Seção 2 Pensamento político clássico

Nesta seção serão apresentados os filósofos de referência para o estudo do


pensamento político moderno. Você verá que as ideias desses autores continuam
muito atuais, pois por meio delas conseguimos refletir sobre o que acontece
no universo político em nossos dias.

Questões para reflexão


Você já parou para pensar no quanto sua vida está vinculada aos
assuntos de natureza política? Muitos dizem que política é um “mal
necessário”... Que ela é necessária não restam dúvidas, mas será que
a política é um “mal” para a humanidade?

2.1 O pensamento político na Modernidade e suas


contribuições para a compreensão das relações
sociais nos dias de hoje
Nicolau Maquiavel (Itália, 1469-1527) foi o primeiro pensador a refletir
sobre a formação dos Estados modernos. O Estado absolutista foi a primeira
forma de Estado moderno, que começa com a crise da sociedade feudal. Ma-
quiavel foi um filósofo renascentista, e em sua obra procurou enfatizar o papel
e a ação dos governantes (na época, os reis absolutistas). Seu livro de referência
é O príncipe (1513), dedicado a Lourenço II da dinastia Médicis, revelando
um teor profundamente realista em termos políticos. Maquiavel descreve a
política como ela é e discute como os governantes devem agir para governar
com soberania. Foi o primeiro a conceber a ideia de “Estado” como o conjunto
de instituições políticas, jurídicas e sociais de uma sociedade. A afirmação a
seguir, extraída de O príncipe, nos traz o modo como ele procurou explicar as
relações de poder e os governos através de uma visão profundamente realista.
É necessário a um príncipe que deseja manter-se príncipe
aprender a não usar apenas a bondade [...]. Bem sei que
cada qual admitirá que seria coisa muito louvável que num
príncipe se encontrassem, de todas as qualidades que acima
arrolei, aquelas que são julgadas boas. Todavia, visto que
não pode possuí-las todas, nem de todo praticá-las, dada a
condição humana que o veda, o príncipe terá de mostrar-se
prudente o bastante (MAQUIAVEL, 1999, p. 88).
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10 CIÊNCIA POLÍTICA

Em sua obra, Maquiavel apresenta para nós, leitores, algumas “lições”


clássicas sobre a ação política — esta mais pensada enquanto ação de um go-
vernante —, cuja finalidade é conquistar e manter o poder. Dentre essas lições
maquiavélicas, menciono algumas que nos ajudam a refletir sobre a política no
mundo de hoje. Vejamos: Os fins justificam os meios — os fins, segundo o que
se atribui a esse filósofo, referem-se ao modo concreto com que um governante
assegura sua dominação política, ou melhor, o modo como assume o poder
perante uma sociedade. Ao lermos esta passagem de O príncipe temos a clara
impressão de que não importam os meios adotados, desde que o governo seja
mantido. Para tanto, Maquiavel nos mostra caminhos que ainda hoje ainda
são comumente trilhados pelos homens da política. Se pensarmos no Brasil
contemporâneo, é possível observar, nos políticos eleitos e naqueles que de-
sejam se eleger, inúmeros comportamentos que nos sugerem um aprendizado
consistente das ideias do filósofo renascentista.
A um príncipe é necessário ter o povo ao seu lado — aqui Maquiavel
admite a importância da aceitação do conjunto da sociedade em relação às
políticas adotadas pelo governo. Por isso, ao promover ações que de alguma
forma atendam àquilo que a coletividade anseia, o governante consegue obter
apoio dos cidadãos, o que amplia suas possibilidades de se manter no poder.
Em outra parte de sua obra, Maquiavel (1999) defende que para ascender
politicamente e fortalecer-se no poder o governante depende de apoio, tanto do
povo quanto dos homens mais poderosos. Nesta sua afirmação, o autor orienta
que o fortalecimento do poder político do governante depende diretamente
de duas forças: por um lado, o apoio da população, por meio de sua aceita-
ção, obediência e aval, por outro, o apoio daqueles que detêm outras formas
de poder ou liderança, seja do ponto de vista político, bélico, econômico ou
mesmo social. Se pensarmos novamente no exemplo da atual política brasi-
leira, podemos destacar, a título de ilustração, as alianças partidárias que são
realizadas antes das eleições e suas posteriores concessões de cargos políticos.
Trata-se, portanto, de uma das mais eficazes formas de conquistar e manter o
poder político em um Estado.
Maquiavel (1999) também escreve que o governante deve se preocupar
em obter a simpatia e o temor de seu povo, mas agindo, sobretudo, de modo
a mostrar-se temeroso. Quando aborda esta questão, o filósofo parece lançar
sobre os governantes de seu tempo — os monarcas absolutistas — um grande
desafio, que é mostrar-se ao mesmo tempo carismático (emprestando aqui um
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A formação do pensamento político 11

termo mais weberiano do que maquiavélico) e forte perante a sociedade. Ao


expor sua concepção de “amor e medo”, defende que, na impossibilidade de
conseguir conciliar os dois sentimentos entre o povo, é mais importante garantir
uma conduta política que revele um estilo de comando a ser temido, o que, em
outras palavras, corresponderia a uma maneira de obter respeito e subserviência
da sociedade, bem como um controle sobre os adversários.
Uma outra lição interessante é sobre a existência de duas maneiras de se con-
quistar e manter o poder político: pelas leis e pela força. Aqui, Maquiavel aponta
para a necessidade de um corpo de leis (uma das ideias convergentes entre os filó-
sofos da política moderna), instituídas pelo príncipe — lembrando que estamos
falando do primeiro grande pensador clássico do Estado moderno —, e também
da existência de um aparato militar que esteja a serviço do monarca (no século
XV, o exército real). Sendo assim, para que se conquiste o poder político e nele se
mantenha, o governante deve ter o respaldo desses dois pilares: as leis e as armas
(que posteriormente Max Weber chamará de monopólio da violência).
Outro momento de destaque nas interpretações contundentes do autor é
quando se afirma que o governante precisa agir como um dissimulador, pois
ao usar de mentiras sempre haverá quem se deixe convencer delas, o que
será politicamente muito proveitoso. Esta passagem do livro O príncipe nos
remete ao comportamento de grandes líderes de Estado (e suas sociedades) do
século XX e tempos atuais. Neste ponto a obra se torna tão realista que parece
transportar o leitor para os bastidores da política contemporânea. Desde a
chamada modernidade (leia-se aqui o período correspondente aos séculos XV
e primeiras décadas do século XX, na óptica de alguns historiadores), o jogo
político vem se constituindo de práticas de dissimulação, de mentiras e en-
ganação, muitas vezes aceitas ou ignoradas pela coletividade. Mais uma vez,
se quisermos exemplificar, podemos pensar no que os grandes ditadores do
século XX, passando por Josef Stalin, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Augusto
Pinochet, Francisco Franco, Kim Il-Sung, António de Oliveira Salazar, Saddam
Hussein, entre outros, fizeram para conseguir o poder, tendo, inclusive, o apoio
de parcelas imensas da população de seus países.
Para Nicolau Maquiavel (1999), o que realmente conta é a opinião e a
força política da maioria da população, desde que esta se sinta amparada
pelo governante. Mais uma vez, em política, a obtenção de apoio é funda-
mental. Neste caso, Maquiavel aponta para o fato de que o governante deve
demonstrar sua benevolência em ajudar o povo a fim de obter, em troca, seu
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12 CIÊNCIA POLÍTICA

apoio irrestrito (uma relação de troca). Sendo assim, ainda que haja oposi-
tores, o governo se sustenta no poder, pois a maioria da população se sente
politicamente amparada.
Assim que, em muitos casos, o governante irá precisar e até mesmo de-
pender de apoiadores corruptos, e nesse caso deve adaptar-se às suas exi-
gências e condições (MAQUIAVEL, 1999). Impressionante pensarmos que a
corrupção na política já fazia parte dos governos absolutistas da Europa, não
é mesmo? O que parece mais interessante é que Maquiavel destaca que a
aliança do governante com aliados corruptos pode se fazer necessária a fim
de se conquistar e manter o poder. Mais uma vez, ao analisarmos a história
política brasileira, podemos observar claramente esta tese maquiavélica,
especialmente nos governos democráticos, nos quais a vitória nas urnas de-
pende de alianças entre partidos e concessão de altos cargos públicos para
os aliados, ainda que muitos desses possam estar envolvidos em denúncias
ou casos de corrupção. Nesses casos, como ensina o filósofo, é prudente ao
governante adequar-se às circunstâncias e satisfazer os interesses de quem
o apoia, mesmo que corrupto.
Uma outra lição extraída de O príncipe é bastante conhecida, inclusive do
público leigo, quando o filósofo observa que os que pretendem conquistar e
se manter no poder político precisam oferecer ao povo entretenimento, festas
e espetáculos, ou, em outras palavras, o governante deve exercer a prática de
oferecer ao povo pão e circo. Há muitos exemplos de como conquistar a simpa-
tia dos eleitores, e um dos meios mais eficazes é promover ações de concessão
de benefícios não contributivos e grandes eventos festivos.

Para saber mais


Para compreender alguns aspectos do republicanismo de Maquiavel e entender qual a natureza
do desejo do povo e seu papel na vida política, veja os artigos:
ADVERSE, Helton. Maquiavel, a república e o desejo de liberdade. 2007.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/trans/v30n2/a04v30n2.pdf>.
CHAIA, Miguel. A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel. 1995.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n23/v9n23a11.pdf>.
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A formação do pensamento político 13

Outro importante precursor da ciência política é Thomas Hobbes (Ingla-


terra, 1588-1679), filósofo defensor da monarquia absolutista e do despotismo.
Sua obra de referência é o Leviatã (1651). Essa obra é a representação de uma
fera citada na Bíblia (Jó, 40-41), poderosa, forte, destemida e fria. O autor
compara essa fera ao Estado. Hobbes defende a necessidade de um Estado
forte e soberano como único meio de manter a ordem e a paz na sociedade.
Trabalha com a hipótese de como seria catastrófico um mundo onde os homens
vivessem em seu estado de natureza, sem o Estado e suas leis.
O estado de natureza seria, para Hobbes (e, posteriormente, para outros
filósofos também), uma espécie de condição mais primitiva e irracional do
ser humano, em que cada um, individualmente, lutaria pela sobrevivência
em seu meio natural. Trata-se de um conceito meramente hipotético, uma
vez que o homem desde sempre procurou se associar coletivamente para
superar as adversidades. Para transpor o estado de natureza, que poderia
ser mais uma ameaça, ou uma guerra de todos contra todos, como afirma o
filósofo, os homens tiveram de estabelecer, desde suas origens, um tipo de
pacto coletivo — o chamado contrato social.
A ideia de um contrato social na modernidade representa a transferência
de poder dos indivíduos para o Estado, por meio do estabelecimento de leis
e de controle das condutas humanas. Thomas Hobbes concebe o Estado como
um grande corpo social, organizado a fim de zelar pela sociedade. Vejam
como ele se expressa diante desta questão:
Entendo por leis civis aquelas leis que os homens são
obrigados a respeitar [...]. E em primeiro lugar é evidente
que a lei, em geral, não é um conselho, mas uma ordem.
E também não é uma ordem dada por qualquer um, pois
é dada por quem se dirige a alguém já anteriormente obri-
gado a obedecer-lhe [...], a pessoa do Estado (HOBBES,
1997, p. 207).

Hobbes é um absolutista que se contrapõe totalmente à concepção ante-


riormente aceita de que o poder dos monarcas seria atribuição divina. Em sua
filosofia política o autor concebe a racionalidade e a secularização (finitude do
homem) como pilares para se analisar as relações sociais e políticas das socie-
dades e os governos de seu tempo. Assim, sua teoria sobre o Estado moderno
defende que é a vontade humana e não mais a vontade de um ser sobrenatural
que impõe as regras da vida social (CASTELO BRANCO, 2004).
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14 CIÊNCIA POLÍTICA

Sua teoria se organiza em três partes: De corpore, De homine e De cive.


Na primeira e na segunda, o filósofo teoriza sobre a condição natural do ho-
mem, discorrendo a respeito da necessidade de superação do pensamento
teológico/religioso predominante na cultura ocidental até então por meio dos
enunciados das ciências naturais. A moral e a política se inserem nesses textos
como elementos capazes de elevar a racionalidade humana, promovendo a
autonomia do pensamento e das ideias sobre o mundo (LISBOA, 2005). Em
De cive Hobbes trata da sociedade, aprofundando sua análise política sobre
o papel do Estado. Esse é o texto considerado por muitos intérpretes da obra
hobbesiana como sendo “[...] a primeira redação de sua obra-prima, o Leviatã”
(NOGUEIRA FILHO, 2010, p. 95).
No Leviatã, o Estado se fundamenta nas leis e por meio delas se empodera,
assumindo o direito legítimo de intervir na organização da vida humana. Trata-se
de um poder temporal, secular, fruto da razão humana. Sem isto, a sociedade
civil sucumbiria. Esse aparato legal é que impede os homens de retornarem ao
estado de natureza, à condição originária de todo ser humano, em que cada
um competiria ferozmente em defesa da própria sobrevivência. O homem
hobbesiano é um ser natural, mas, acima de tudo, um ser político, que precisa
se organizar coletivamente por meio do contrato social, submetendo-se às leis
estabelecidas pelo Estado.
Para analisar a obra de Hobbes, é preciso começar
lembrando que as bases teóricas do chamado modelo
jusnaturalista (do direito natural), sobre a origem e os
fundamentos do Estado, já existiam antes e continuaram
a existir depois de Hobbes. Elas implicam a existência
de uma grande dicotomia entre o “estado da natureza”
e o “estado civil”. Entre ambos existe uma relação de
contraposição, na medida em que o estado civil é a antítese
do estado da natureza. Este é constituído, principalmente,
de indivíduos, associados ou não em grupos como as
famílias, livres e iguais, uns em relação aos outros, ou
seja, um Estado em que preponderam tanto a liberdade
quanto a igualdade. A passagem de um estado a outro
é o resultado de uma convenção estabelecida pelos que
desejam sair do estado de natureza, o que faz supor a
crença de que o estado civil é uma entidade artificial,
produto da nossa cultura. O princípio legitimador
do estado civil é, portanto, o consenso, estabelecido
entre aqueles que desejam passar de um estado a outro
(NOGUEIRA FILHO, 2010, p. 96, grifo do autor).
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A formação do pensamento político 15

Esse homem concebido na filosofia de Thomas Hobbes é um ser competi-


tivo por natureza, que busca de alguma forma ter poder nas suas relações com
o mundo, e assim conseguir garantir a sobrevivência. E a solução encontrada
pelo pensador absolutista o arranjo societário dos grupos humanos por meio
da sociedade civil, a qual transfere para o Estado todo o poder. Mas esse con-
senso descrito por Nogueira Filho (2010) é um modelo hipotético, meramente
teórico, no qual Hobbes pressupõe uma intencionalidade originária — que
o autor chama de “desejo” — em tornar os grupos humanos associados de
modo mais organizado e controlado, por meio de um “contrato social”, que
representa o início da formação do Estado moderno. Deduz-se, portanto, que o
poder que antes era diluído entre os indivíduos e grupos humanos agora passa
a se concentrar totalmente nas mãos do Estado — o Leviatã.
Por outro lado, o entendimento hobbesiano acerca do Estado moderno se
traduz como uma contraposição também ao poder religioso, atemporal. Con-
forme afirma Castelo Branco (2004, p. 28): “Para dar cabo à disputa política do
Estado e da Igreja, o autor submete a Igreja ao poder estatal. O Estado absolutista
de Hobbes suprime qualquer forma de poder ou instituição autônoma — seja
econômica, religiosa ou de qualquer outra espécie [...]”, incluindo a autono-
mia dos indivíduos e dos monarcas. Por isso, a figura metafórica do Leviatã é
adotada como forma de explicar a dominação integral da vida humana e das
sociedades por parte do Estado.
Sem dúvida, as crises religiosas do século XVI e as pertur-
bações civis que as acompanharam, ao fazerem surgir os
grandes medos da anarquia e da destruição das estruturas
políticas e sociais, permitiram a constituição, tida como
vital, de um Estado forte (GOULEMENT, 1987 apud NO-
GUEIRA FILHO, 2010, p. 93).

Ao defender o Estado como uma espécie de ser forte, poderoso, domina-


dor e destemido (usando a metáfora do monstro bíblico), que se coloca acima
da sociedade e dos reis — ainda que regulado por leis —, o filósofo procura
enfraquecer ou mesmo suprimir qualquer possibilidade de que interesses par-
ticulares, alheios à vontade geral, possam assumir o comando da política nas
sociedades absolutistas.
Podemos perceber, então, que Hobbes elabora parâmetros de ética e de
justiça na conduta política dos governantes (LISBOA, 2010), mas não faz um
discurso orientador como fez Maquiavel. Se comparadas, as ideias dos dois
pensadores parecem se aproximar mais de uma perspectiva idealista sobre o
papel do Estado e do governante nas sociedades modernas.
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16 CIÊNCIA POLÍTICA

Para saber mais


Leia a obra de Pedro Castelo Branco, Poderes invisíveis versus poderes visíveis no Leviatã
de Thomas Hobbes (2004). Este artigo sugere que o conceito de secularização nem sempre
foi pensado como separação entre o poder espiritual e o poder temporal. A investigação do
Leviatã de Thomas Hobbes indica outro sentido para a compreensão do conceito de
secularização.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24619.pdf>.

Seguindo em uma linha diferente, John Locke (Inglaterra, 1632-1704), filó-


sofo crítico do absolutismo (ao contrário de Hobbes), é reconhecido como o
grande precursor do liberalismo político e defensor dos ideais burgueses. Obser-
vem que ele viveu em pleno contexto do Iluminismo, corrente de pensamento
que muito inspirou a revolução política da burguesia na Europa moderna (a
Revolução Francesa, expressão histórica da tomada do poder político pelos
burgueses, ocorreu em 1789). O livro de referência de Locke é o Segundo
tratado sobre o governo civil (1690), no qual descreve a importância da razão
humana para a superação do estado de natureza, e defende como princípios
essenciais em uma sociedade a existência de um governo civil que assegure a
todos, indistintamente, os direitos naturais. Para este filósofo, todo ser humano
tem, naturalmente, o direito à vida, à felicidade, à liberdade, à independência
e à propriedade (isso combina com os ideais burgueses, não é mesmo?). Para
superarem o estado de natureza, os homens devem obedecer às leis que são
pactuadas coletivamente — o contrato social — e que são organizadas e de-
fendidas pelo governo.
John Locke é o primeiro defensor de um governo que seja escolhido pela
sociedade civil, por isso se contrapõe ao poder divino atribuído aos monarcas
absolutistas de sua época. Sendo assim, defende que um governante deve ser
substituído quando não estiver conseguindo assegurar a todas as pessoas os
seus direitos naturais. Conseguem perceber o quanto suas ideias liberais foram
revolucionárias para o seu tempo? Vamos agora a um trecho de seu livro. Ob-
servem que ele defende a existência do poder legislativo a fim de assegurar a
toda a sociedade seus direitos naturais por meio da ação do Estado.
Os homens reuniram-se em sociedades [...] para proteger
e defender suas propriedades [...]. Foi com esta finalidade
que os homens renunciaram a todo o seu poder natural e o
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A formação do pensamento político 17

depuseram nas mãos da sociedade em que se inseriram, e


a comunidade social colocou o poder legislativo nas mãos
que lhe pareceram as mais adequadas; ela o encarregou
também de governá-los segundo leis promulgadas, sem as
quais sua paz, sua tranquilidade e seus bens permanece-
riam na mesma precariedade que no estado de natureza
(LOCKE, 1999, p. 165).

Vale destacar a diferença entre monarquia e república. O termo Monarquia


significa o governo ou poder de um só, no caso o rei ou rainha. Já o termo
República representa o governo ou poder de vários, os quais representam a
coletividade, o que implica, portanto, um nível mais avançado de elaboração
política por parte da sociedade.
O pensamento político de Locke corresponde a uma ruptura teórico-
-ideológica em relação às ideias predominantes até então, e para compreender
sua concepção de política é necessário fazer uma contextualização da Europa
de seu tempo. No período em que viveu, entre 1632 a 1704, as sociedades
europeias, em particular a inglesa e a francesa, viviam uma intensa transfor-
mação cultural. No caso da Inglaterra, a Revolução Gloriosa, que ocorreu no
século XVII, representou uma espécie de acordo entre as classes econômicas
dominantes (no caso, os proprietários rurais e a burguesia urbana), que se em-
penharam em participar mais diretamente das decisões políticas do país sem
ter de derrubar a monarquia (CAMARGO NETO, 2005). É importante lembrar
que foi nesse contexto que o Parlamento inglês se constituiu, migrando de
uma Inglaterra monárquica absolutista para uma monarquia parlamentarista,
como é até hoje, onde o poder político do monarca é subordinado às demais
lideranças parlamentares.
Nesse cenário, o filósofo John Locke elabora sua teoria acerca do Estado
moderno. Ao contrário de Thomas Hobbes, que como vimos foi um defensor
da centralização política absolutista, para Locke o poder soberano teria de vir
da sociedade civil, representada pelo parlamento e pelas leis do país, os quais
teriam de promover os princípios do liberalismo em favor de todos os indivíduos
(NOGUEIRA FILHO, 2010).
É possível observar como Locke é contundente ao se posicionar contraria-
mente ao absolutismo e à centralização do poder político na seguinte afirmação:
Desde que surgiu no mundo uma geração pronta a lisonjear
os príncipes formulando a opinião de que estes são inves-
tidos de um direito divino de exercer o poder absoluto,
sem levar em conta leis destinadas a reger a instituição de
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18 CIÊNCIA POLÍTICA

seu cargo e o exercício de seu governo, ou condições para


que eles iniciem suas funções, ou ainda o compromisso
de respeitá-las, fosse este ratificado por juramentos ou
promessas da maior solenidade, estas pessoas negaram à
humanidade seu direito à liberdade natural: assim fazendo,
não somente expuseram todos os indivíduos à pior miséria
da tirania e da opressão, tanto quanto puderam, mas ainda
os títulos dos príncipes tornaram-se duvidosos e seus tronos
abalados (pois, segundo esta doutrina, todos os príncipes,
com uma única exceção, também eles nascem escravos, e,
em virtude de um direito divino, são herdeiros legítimos de
Adão), como se eles quisessem entrar em uma guerra contra
todo o governo e inverter as próprias bases da sociedade
humana (LOCKE, 1999, p. 53).

O que o pensador liberal defende é, na verdade, a valorização de cada indi-


víduo, e o respeito supremo à liberdade natural do homem, independentemente
de sua condição social. Reis e nobres se tornam, portanto, igualmente humanos,
destituídos de privilégios concedidos por qualquer força sobrenatural divina.
Por exemplo, quando aborda o tema do “estado de natureza” da humanidade,
hipoteticamente anterior ao estado da sociedade civil (pelo contrato social),
o filósofo concebe que “[...] toda a humanidade aprende que, sendo todos
iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde,
sua liberdade ou seus bens” (LOCKE, 1999, p. 84).
Assim, ao humanizar os poderosos monarcas absolutistas de sua época, e
ao afirmar que seu poder é meramente um instrumento racional, secular, tem-
poral, Locke se torna uma espécie de intérprete do pensamento burguês, um
porta-voz das intenções políticas das classes economicamente dominantes da
Europa capitalista, o que o coloca na posição de “pai do liberalismo político”,
de grande defensor dos ideais burgueses.
Outro filósofo que provavelmente você conhece é Charles-Louis de
Secondat, ou barão de Montesquieu (França, 1689-1755). Filósofo monarquista
republicano, crítico do despotismo, e defensor da existência de uma Constitui-
ção que legitimasse e racionalizasse o poder monárquico, é reconhecido pelo
livro Do espírito das leis (1748), em que defende a necessidade de divisão do
poder monárquico em três esferas: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Distinguiu três diferentes formas de governo: a Tirania (fundamentada no medo
em relação ao governante), a Monarquia (cuja base seria a honra e o respeito
para com o governante), e a Democracia (baseada na virtude do governante).
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A formação do pensamento político 19

Para Montesquieu, a República da Grécia Antiga representava a democracia


clássica, enquanto a Monarquia Constitucional por ele defendida representava
a democracia moderna (daí a importância da Constituição e da divisão dos
três poderes).
O governo monárquico tem uma grande vantagem sobre
o despótico. Como é próprio de sua natureza existirem,
sob a dependência do príncipe, várias ordens que se re-
lacionam com a Constituição, o Estado é mais estável, a
Constituição mais sólida, e a pessoa dos que governam
mais garantida (MONTESQUIEU, 1997, p. 97).

Em sua análise sobre os governos monárquicos, Montesquieu destaca que


as leis têm a função de regular o poder político, dificultando possíveis abusos
de poder por parte do governante. Sua noção de política é de certa forma rela-
tivista, pois defende que cada sociedade deve ter leis específicas, em respeito
às necessidades e características que lhe são próprias. Para muitos intérpretes
de sua obra, trata-se de um pensador com viés republicano, na medida em que
coloca a sociedade como potencialmente soberana em relação ao monarca.
No segundo livro da obra Do espírito das leis, o filósofo descreve a natureza
de três diferentes formas de governo: o monárquico, o despótico e o republicano
(que pode ser aristocrático ou democrático). As monarquias, para ele, deveriam
seguir o modelo inglês da época, governando sob princípios constitucionais
(por ele chamados de “leis fundamentais”), ainda que houvesse uma conside-
rável parcela de poder político nas mãos dos príncipes: “[...] na monarquia o
príncipe é a fonte de todo poder político e civil. Essas leis fundamentais su-
põem necessariamente canais médios por onde o poder se manifesta, pois se
no Estado apenas existe a vontade momentânea e arbitrária de uma só pessoa,
nada pode ser fixo” (MONTESQUIEU, 1997, p. 52). É importante frisar que sua
obra foi produzida depois que a Inglaterra já havia se tornado uma monarquia
parlamentar, daí sua compreensão de que o poder monárquico deveria ser
diluído em diferentes esferas: legislativo, executivo e judiciário.
Quanto ao Estado despótico, o problema consiste, segundo o filósofo, no fato
de que o poder do príncipe é extremamente concentrado, colocando em risco o
bem-estar da sociedade. Sendo assim, não há consentimento para a existência
de outras forças políticas legítimas; não há, portanto, oposição ao governo. Essa
passagem de Montesquieu faz lembrar de um debate bastante atual que vem
acontecendo em diversos países, inclusive no Brasil: muitos governos que se
autoproclamam democráticos vêm se revelando, na prática, bastante centrali-
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20 CIÊNCIA POLÍTICA

zadores e autoritários. Por exemplo, quando tentam minar a ação dos partidos
de oposição ao realizar alianças políticas estratégicas com partidos fisiológicos
(menos ideológicos). Os partidos de oposição, ao se tornarem minorias no
parlamento ou no Congresso, ficam enfraquecidos, com menor possiblidade
de exercer o contracontrole ideológico/programático necessário ao fortaleci-
mento da democracia. Outro exemplo, ainda, é quando tais governos ameaçam
cercear as liberdades de opinião e de manifestação políticas, seja inibindo
movimentos de expressão da sociedade ou ameaçando coibir o trabalho dos
canais midiáticos e dos meios de comunicação de massa (PIERANTI; MARTINS,
2008). Mas, voltando ao pensamento clássico de Charles-Louis de Secondat, o
barão de Montesquieu, o que se observa é uma crítica contundente às formas
despóticas de governar.
Quanto à aristocracia, esta forma de governo pode acontecer em uma so-
ciedade republicana, mas nunca em monarquias. O autor enfatiza que “[...]
o poder soberano encontra-se em mãos de um número certo de pessoas. São
elas que estipulam as leis e as fazem executar” (MONTESQUIEU, 1997, p. 50).
Significa, então, que em uma república aristocrática o poder político se con-
centra nas mãos de uma pequena parcela de homens, os quais compõem uma
elite política e econômica que governa para atender seus próprios interesses.
O povo, neste caso, fica à margem, alheio às decisões de quem governa.
Ainda em relação à república, outra forma de governo destacada por
Montesquieu é a democracia, que, ao contrário da aristocracia, coloca o povo
como soberano das decisões políticas. Neste caso, admite-se o sufrágio, isto
é, o voto como meio de se promover a vontade geral e a participação política
dos cidadãos, sendo que esta deve se dar por meio da eleição de assembleias
(parlamentos). No entanto, o sufrágio não é pensado como um direito universal,
tal como se define nas atuais democracias. Para Montesquieu, os cidadãos re-
presentam somente uma parcela da sociedade, como nas democracias clássicas.
O pensador, entusiasmado com o ideal republicano e democrático de-
fendido pelos muitos iluministas de sua época, afirma que “[...] o povo é ad-
mirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade”
(MONTESQUIEU, 1997, p. 46). Contudo, admite que não é possível ao povo
exercer por si mesmo o governo, sendo necessário, para tanto, que se pro-
ceda com a eleição de representantes mais capacitados. Neste caso, o poder
executivo deve se subordinar às orientações constitucionais elaboradas pelo
legislativo, bem como à rigorosa supervisão do judiciário.
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A formação do pensamento político 21

Como afirma Nogueira Filho (2010, p. 121), a essência da teoria política


“[...] do nobre francês é a de que nenhum poder seja ilimitado”, o que o coloca
como um dos mais respeitados intérpretes do Estado moderno. Ainda que não
tenha tido a pretensão de se colocar como um intelectual revolucionário, sua
obra é reconhecida por muitos cientistas políticos como um “divisor de águas”,
na medida em que propõe a divisão dos poderes que impera nas constituições
democráticas da contemporaneidade.

Para saber mais


Que tal mais algumas informações sobre o pensamento político desses filósofos? Acesse:
<http://www.mundodosfilosofos.com.br>.

A filosofia política continua a se desenvolver amplamente a partir do século


XVIII, período em que se destacam as ideias de Jean-Jacques Rousseau (Suíça,
1712-1778), filósofo iluminista, músico e poeta. Rousseau foi precursor do
Romancismo e do Idealismo, grande crítico do racionalismo e defensor da
democracia. Obra de referência: Do contrato social (1762), na qual argumenta
sobre os efeitos maléficos da sociedade sobre o homem, por ter perdido sua
nobre condição natural e sua individualidade, substituindo-a pelo “estado
de guerra”, no qual imperam a competição, a racionalidade e a desigualdade
social (observem que este pensador está se referindo à sociedade europeia
de sua época, ou seja, a sociedade capitalista industrial).
Segundo Rousseau, todo Estado tem de ser governado pela democracia,
e a sociedade deve eleger seus representantes para trabalhar em favor dos
interesses da coletividade. A todos devem ser assegurados direitos iguais.
Observem suas palavras:
O pacto social estabelece entre os cidadãos uma igual-
dade tal, que eles se obrigam todos debaixo das mesmas
condições, e todos devem gozar dos mesmos direitos.
Assim, pela natureza do pacto, todo o ato de soberania,
isto é, todo o ato autêntico da vontade geral obriga ou
favorece igualmente todos os cidadãos, de maneira que
o soberano só conhece o corpo da nação e não distingue
nenhum daqueles que a compõem (ROUSSEAU, 2000,
p. 44).
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22 CIÊNCIA POLÍTICA

Ele defende os princípios de justiça e igualdade social (igualdade de direitos


e de deveres), de respeito à “vontade geral” e aos sentimentos individuais, a
liberdade civil, educação para todas as pessoas, o patriotismo, o bem comum
e a moral. Acredita que a condição natural do homem o torna bom, mas a
condição de civilizado o torna mau (pois a sociedade corrompe o homem),
por isso, é necessário que todos pactuem por meio de um contrato social. O
soberano, para Rousseau, é o próprio povo, e não o governante.
Para esse pensador, a sociedade civil possui poderes muito maiores do que
qualquer governante, uma vez que reúne as forças políticas individuais, ou,
em outras palavras, a capacidade de cada um pensar racionalmente e de agir
segundo seus próprios interesses e paixões. Assim, as ações do Estado somente
podem ser pensadas e executadas segundo a vontade geral. O “bem comum”
é tomado como o princípio básico e norteador da política, pois é por meio
deste que a vida coletiva se torna possível. Ao considerar que ao passar a vi-
ver em sociedades os homens abdicaram de sua liberdade individual natural,
Rousseau teoriza que a sociedade civil se tornou o único caminho possível
para a sobrevivência da humanidade, particularmente em um mundo marcado
pelas lutas egoístas entre grupos que disputam o poder no mundo capitalista de
seu tempo. Em seu livro Do contrato social, afirma que “[...] é somente nesse
comum interesse que deve ser governada a sociedade. [...] Porque a vontade
particular tende por sua natureza às preferências, e a vontade geral, à igualdade”
(ROUSSEAU, 2000, p. 39).
Como podemos observar, o sentido do termo “igualdade” na obra rous-
seouniana se revela essencialmente idealista, pois nele há uma crença de
que o homem político é capaz de realizar o bem comum ou a vontade geral
em função de seu desejo de viver harmoniosamente a vida social. Contudo,
Rousseau admite que os homens podem errar e desejar o mal ao pensar de
forma egoísta, e isto ocorre quando o povo é iludido por governantes que lhe
prometem satisfazer suas vontades individuais, privadas. Para ele, não é o povo
quem age mal, mas sim os governantes, de tal forma que a sociedade, quando
muito, é apenas ludibriada e seduzida por promessas de uma vida melhor. Um
bom exemplo dessa tese é quando observamos, no Brasil, o comportamento dos
candidatos aos cargos públicos nas eleições, e também seu processo de escolha
por parte dos eleitores; os que prometem melhores condições de vida material
para os indivíduos e as famílias podem ter mais chance de sucesso nas urnas.
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A formação do pensamento político 23

Para esse grande filósofo iluminista, o contrato social que possibilita à


humanidade viver coletivamente deve ser obtido por meio de um pacto que
assegure a igualdade entre todos os homens, com cada qual vivendo sob as
mesmas regras e bases materiais e tendo os mesmos direitos. Observa-se aqui
a necessidade do uso da razão e da existência de leis que sirvam unicamente
aos interesses coletivos. Somente assim pode existir a soberania do povo, capaz
de enfraquecer o poder político de um governo movido por interesses privados.
Esse ato de soberania do corpo social é, segundo Rousseau,
[...] uma convenção do corpo com cada um de seus
membros; uma convenção legítima, porque se escora no
contrato social; justa, por ser a todos comum; útil, porque
não pode ter outro alvo que o bem geral; e sólida, porque
a força pública e o poder supremo lhe servem de garantia
(ROUSSEAU, 2000, p. 44).

Em outra passagem do livro, em que se trata especificamente das leis, o autor


trabalha com a tese de que a sociedade deseja o bem comum, mas não sabe
exatamente como consegui-lo. Por isso é preciso que os legisladores — que
são uma pequena parte do corpo social — elaborem as regras da convivência
coletiva sem delas tirar proveito próprio, visto que esses homens também fazem
parte da sociedade e, da mesma forma que todos os demais, são movidos por
desejos e paixões individualistas. Interessante observar que Rousseau separa
os legisladores dos governantes, dando a cada um apenas parte do poder polí-
tico, pois, se os primeiros elaboram as leis, os segundos somente as executam.
Assim, sua obra revela um traço semelhante ao pensamento de Montesquieu,
uma divisão de poderes, muito embora desta vez é o povo quem detém o poder
inalienável e intransferível de decidir quais leis devem existir para reger a vida
social, pois o povo é o único poder soberano.
O pensador entende que essa formatação do Estado e da sociedade civil por
meio de um conjunto de leis que atendam a todos igualmente, sob o consentimento
coletivo, é a base de uma república. Por república, Rousseau concebe o tipo de
governo que busca sempre servir à coisa pública, ou seja, àquilo que é de interesse
da sociedade em geral, e nunca de somente poucos (ROUSSEAU, 2000, p. 48).
Como afirma Nogueira Filho (2010), a obra filosófica de Rousseau não foi
apenas ousada ao propagar a igualdade como direito de todos, em pleno auge
da exploração capitalista e da desigualdade de classes no curso da Revolução
Industrial da Europa; e também não surgiu somente como um contraponto teó-
rico dos filósofos anteriores que tanto defendiam o renascimento das ciências,
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24 CIÊNCIA POLÍTICA

das artes e da política como meios de explicação e de reordenamento da vida


social daquele continente; sua obra representou, sobretudo, uma revolução no
campo das ideias e do comportamento político de seu tempo, influenciando
lideranças anticapitalistas que sonhavam com uma sociedade mais justa, livre
e igualitária. Por todas essas razões, é considerado um dos maiores filósofos
iluministas da Revolução Francesa, revolução esta reconhecida por ter sido o
início do fim das monarquias absolutistas.
No século XIX, quando a Ciência Política começa a se consolidar, surge
a obra de Alexis de Tocqueville (França, 1805-1859), reconhecido como um
filósofo liberal-democrático. Produziu suas ideias na França pós-revolucionária,
contrapondo-se aos filósofos contratualistas anteriores. Seu livro mais conhecido
é Democracia na América (1834), no qual procurou analisar a especificidade
da organização política dos Estados Unidos, defendendo que seu modelo
de democracia representaria a essência do pacto social capaz de assegurar
o bem comum. Procurou comparar diversas realidades políticas, especialmente
a francesa e a americana, demonstrando as causas históricas de sua condição
política e suas possíveis tendências.
Tocqueville (1987) estabeleceu o conceito de democracia (a exemplo da
democracia americana) como a condição essencial da garantia de liberdade
e igualdade. Sobre a concepção de democracia deste pensador, Silva (2007)
afirma que:
Daí a afirmação de Tocqueville de que os anglo-ameri-
canos que se instalaram no Novo Mundo se encontravam
num estado de igualdade social, pois, entre eles, não
havia homens de baixo nascimento, nem pobres. Ao invés
disso, eram homens com “maior igualdade de fortuna e
de intelecto” (1969: 66). Essa igualdade de condições
existente entre os anglo-americanos foi o fator decisivo
para que, na prática, a democracia fosse instalada na
América, garantindo que, constitucionalmente, a sobe-
rania fosse colocada nas mãos do povo e não nas mãos
de um só ou de poucos. É a igualdade geradora do gosto
pela liberdade que levaria a Nova Inglaterra a respeitar
as liberdades provinciais e a criar, depois da luta das
colônias pela independência, uma constituição democrá-
tica e um sistema federativo, onde seriam contemplados
não só os interesses comuns existentes entre elas, mas
também as diversas aspirações provinciais (SILVA, 2007,
p. 1, grifos do autor).
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A formação do pensamento político 25

Tocqueville foi educado em meio aos padrões aristocráticos da França pós-


-revolucionária, não tendo recebido influência dos pensadores democráticos de
seu tempo. No ano de 1830 foi para os Estados Unidos e lá observou que as leis
facilitavam a democracia, passando a admirar o modo como esse regime havia
sido implantado naquele país e o modo como se organizava no cotidiano, sem
que uma classe social economicamente dominante ou uma ideologia religiosa
mais forte determinassem os rumos da vida social, a exemplo do que ocorrera
nos países europeus, sobretudo na França.
Segundo o que relata em seu livro, na América do Norte o povo parecia
viver de fato a democracia tão teorizada por inúmeros filósofos, especialmente
porque foram os levantes populares que fizeram com que o país se tornasse
independe da Inglaterra, entre os anos de 1776 e 1783. Os norte-americanos
instituíram uma república federalista, tendo como princípios constitucionais
o liberalismo e a prosperidade econômica, sem distinção entre as pessoas, a
despeito das profundas diferenças sociais existentes entre países do Norte e do
Sul (TOCQUEVILLE, 1987).
Sua análise sobre a democracia dos Estados Unidos passa pela compreen-
são de que foram os imigrantes chegados da Europa revolucionária os respon-
sáveis por difundir os ideais democráticos tão sonhados, e por implantar um
modelo político mais próximo do ideal iluminista, em que é o povo quem
governa, pois em seus países de origem tal modelo não havia se concretizado.
Esses imigrantes, inconformados com a imposição política e econômica da
monarquia inglesa no Novo Mundo, se organizaram em inúmeras assembleias
para garantir seus direitos civis e políticos, bem como para discutir formas de
se libertarem do poderio inglês.
Tocqueville (1987) escreve que as eleições periódicas nos Estados Unidos
foram uma escolha do próprio povo, cujo objetivo seria a possibilidade de
alternância do poder político e de substituição dos governantes, da maneira
como John Locke havia pensado muitos anos antes. No entanto, este pensador
observa que nas democracias em geral há o risco de os governos gastarem mais
do que deveriam, uma vez que há mais interesses em jogo, daí a necessidade
de que os impostos pagos pela população sejam devidamente fiscalizados, pois,
caso contrário, os riscos de corrupção e mau uso das verbas públicas também
aumentam. O autor acreditava que a democracia, embora tivesse vencido as
monarquias absolutistas, não iria se opor à nova classe governante: a burgue-
sia capitalista. E seria justamente essa nova classe econômica, com esse novo
modelo político, que iria ganhar força e se enraizar pelo mundo afora.
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26 CIÊNCIA POLÍTICA

Tocqueville estava certo. Em sua obra Democracia na América, conseguiu


prever uma nova forma de dominação política construída a partir dos pilares
da igualdade, da liberdade e das leis, com a vitória do capitalismo em todo o
planeta. Ao olharmos para a história do século XX e para os tempos atuais,
o que observamos é uma fermentação, cada vez maior, dos princípios demo-
cráticos nos mais diferentes países e nas mais diversas culturas. Povos que antes
estavam submetidos a governos ditatoriais, povos que viveram por décadas sob
o domínio de governantes centralizadores e totalitários, agora se rebelam nas
ruas — e nas redes sociais — em defesa da democracia e da descentralização
política. Em muitos países, a exemplo do Brasil, as constituições se proclamam
democráticas. Resta saber se os novos modelos de democracia existentes serão
capazes de por fim às inúmeras manifestações de desigualdade, exclusão e
aprisionamento humano que ainda imperam neste mundo regido pelo capital.
Também no contexto do século XIX, em plena efervescência da Revolução
Industrial, destacam-se as teorias políticas de Marx e de Weber. Karl Marx
(Alemanha, 1818-1883) é um dos grandes nomes das ciências sociais, filósofo
materialista que teve grande influência das ideias de Kant e Hegel, e que di-
fundiu, ao lado de Friedrich Engels, os princípios do Socialismo Científico
e do Comunismo. Em seus livros, Marx procura analisar e explicar a sociedade
capitalista, suas contradições e as relações entre as classes sociais predominan-
tes: a burguesia e o proletariado (trabalhadores livres assalariados).
Marx, juntamente com Friedrich Engels, critica o Socialismo Utópico e
defende o Socialismo Científico, segundo ele o único caminho possível para
uma sociedade baseada nos princípios comunistas e livres da economia liberal
(defensora do direito à propriedade privada).
Marx entende que a realização do comunismo só seria possível por meio da
transição do capitalismo para o socialismo, e para isso seria necessário manter
um Estado forte, governado pelo Partido Comunista, legítimo representante dos
interesses coletivos.
Na produção social da própria vida, os homens contraem
relações determinadas, necessárias e independentes de
sua vontade, relações de produção estas que corres-
pondem a uma etapa determinada de desenvolvimento
de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas
relações de produção forma a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma su-
perestrutura jurídica e política, e à qual correspondem
formas sociais determinadas de consciência [...]. Não é
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A formação do pensamento político 27

a consciência dos homens que determina o seu ser, mas,


ao contrário, é o seu ser social que determina sua cons-
ciência (MARX, 1982, p. 25).

Vejam que Marx concebe a política como um dos pilares do modo de


produção capitalista, ao lado da superestrutura jurídica. Para este pensador,
a sociedade como um todo é levada a aceitar a realidade como ela se apre-
senta, sem conseguir perceber os mecanismos de reprodução do capital que
são respaldados pelo Estado — um Estado burguês, portanto. O proletariado
representa o principal agente de transformação da realidade social, por meio
da organização coletiva em sindicatos de trabalhadores e partidos políticos de
cunho socialista-comunista, único caminho possível, segundo Marx e Engels,
para a revolução do proletariado, é a tomada do poder político e a instauração
de uma sociedade mais justa e igualitária.
A teoria política de Marx e Engels não pode ser separada de sua teoria eco-
nômica. Em inúmeras obras, como Para a crítica da economia política (1859) e
O capital (1867), é feita uma espécie de descrição crítica sobre o modo como
se dá essa “exploração do homem pelo homem”, antes teorizada em outros
textos como O Manifesto do Partido Comunista (1848). Muitas dessas obras
foram escritas pelos dois pensadores, parceiros intelectuais na luta contra o
capitalismo.
A teoria de Marx e Engels se revelou, na prática, um arcabouço ideológico
para diversos modelos de ditadura em todo o mundo. Ao defenderem que
o Estado deveria ser governado por partidos políticos de esquerda, contrários
ao sistema capitalista, durante o tempo necessário para que os países se ade-
quassem a uma nova ordem social regida pelo comunismo e pela ausência de
classes, acabaram servindo de inspiração e de justificativa para as revoluções
socialistas e comunistas ocorridas no século XX.
A Revolução Russa representou o primeiro marco histórico do socialismo
real. Ocorreu no ano de 1917, quando o poder político foi tomado pelos bol-
cheviques, membros do Partido Operário Social-Democrata Russo, insatisfei-
tos com a monarquia czarista e sua opressão contra a população. O partido
era comandado por Vladimir Lenin, que assumiu o poder e depois acabou
se tornando um dos maiores ditadores do século XX, seguido por Josef Stalin
(a partir de 1922, já na União Soviética). Esta primeira revolução armada foi
realizada a partir da crença de que serviria de base para todas as demais revo-
luções marxistas que ainda tomariam o poder nos países capitalistas mais avançados
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28 CIÊNCIA POLÍTICA

da Europa. Foi, portanto, uma espécie de laboratório experimental para as


futuras revoluções socialistas-comunistas defendidas por Marx e Engels e seus
seguidores (BARROS, 1998).
Os revolucionários acreditavam que o capitalismo e seu modelo de ex-
ploração econômica do homem estavam com os dias contados. Uma nova
ordem social, em um primeiro momento socialista, e depois, no futuro,
uma ordem regida pelo ideal comunista de igualdade e liberdade, seriam as
consequências naturais das inúmeras revoluções que seriam realizadas pelos
partidos operários de esquerda em todo o mundo. Esses partidos representa-
vam, para muitos ideólogos e líderes políticos, o único caminho possível para
a organização do proletariado e seu preparo ao exercício do poder político
nos Estados provisórios, após a queda dos governos burgueses capitalistas
que a cada dia se fortaleciam nos grandes países industrializados (sobretudo
na Inglaterra, Alemanha e França).
A Revolução Russa constitui um dos principais marcos
da história humana, cuja importância se deve não apenas
a seus efeitos políticos e econômicos de alcance global,
mas também à capacidade de cativar a imaginação das
gerações que se seguiram. O ano de 1917 deu corpo a
esperanças e anseios reprimidos pelos rígidos padrões
implantados no final do século XIX e início do século XX
(BARROS, 1998, p. 19).

Mas a história revelou que a tão sonhada revolução do proletariado e sua


consequente sociedade igualitária fracassaram. Porém, antes disso, outras re-
voluções ocorreram, mostrando a face opressora e sanguinária dos opositores
do modo de produção capitalista.
Para Groppo (2008), o socialismo resultou em uma extrema concentração
de poder político pelos partidos comunistas. Estes se colocavam como defen-
sores de uma “forma superior de democracia”, a qual se revelou, na prática,
como mero discurso ideológico, pois nada mais representou do que um meio
de conquistar o apoio dos intelectuais de esquerda e das massas exploradas
para se manter no poder.

Para saber mais


Para entender melhor toda essa teoria política, vá à fonte e leia Para a crítica da economia
política, de Marx (1982).
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A formação do pensamento político 29

Maximillian Carl Emil Weber (Alemanha, 1864-1920), economista, jurista


e precursor da Sociologia, também se dedica à ciência política. Parte da análise
do Estado capitalista e da burocracia do Estado Moderno, tendo a Alemanha
de industrialização tardia como parâmetro. Para Weber, a política deve ser reali-
zada com a ajuda da ciência, sendo esta considerada um instrumento do saber
a serviço da sociedade como um todo. Vejam o que ele diz a respeito do papel
dos homens que fazem a política:
Qualquer um que deseja dedicar-se à política e, em
especial, aquele que deseja dedicar-se à política como
vocação, deve tomar consciência dos paradoxos éticos
e da responsabilidade [...] e, além disso [...] vemos que
a ética da convicção e a ética da responsabilidade não
se contrapõem, mas se completam e, juntas, formam
o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar
à vocação política (WEBER, 2004, p. 121-123).

Weber entende a política como uma vocação de homens que se dedicam


à vida pública, servindo aos interesses do bem comum e do Estado por meio
de ações responsáveis (ações racionais movidas por fins). O político deve per-
seguir princípios éticos e agir em prol das necessidades coletivas. O Estado é
a instituição legítima da ação política, que tem autoridade para usar mecanis-
mos de poder, como a força e o monopólio da violência, por meio do aparato
policial, militar e bélico.
Que entendemos por política? É extraordinariamente
amplo o conceito e abrange toda espécie de atividade
diretiva autônoma. [...] Por política entenderemos tão
somente a direção do agrupamento político hoje denomi-
nado “Estado” ou a influência que se exerce nesse sentido
(WEBER, 2004, p. 59, grifo do autor).

A base da ação do Estado moderno é a racionalidade, a burocracia e as


leis. O homem da política, segundo Weber, deve ter foco nas decisões e ações
voltadas para as questões práticas da vida social (fundamentado na ciência).
As ideias políticas de Weber correspondem a uma forte ênfase na autonomia
dos indivíduos (por isso opondo-se a Durkheim e a Marx).
A concepção política em Weber pressupõe uma relação de dominação
entre homens, com base no instrumento da violência legítima, ou seja, no
monopólio da violência. Essa violência legitimada socialmente representa a
existência de um aparato policial e bélico, por meio das polícias e das forças
armadas, que servem para proteger a sociedade de possíveis ameaças internas
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30 CIÊNCIA POLÍTICA

ou externas. Estas, por usa vez, se subordinam ao poder maior do governante,


líder político do povo. Significa que o Estado assume o papel de ordenador da
sociedade, e para tal necessita do uso constante desse monopólio da violência
(WEBER, 2004).
Para o autor, o poder político legítimo pode se apresentar de várias formas, e
para explicar isso ele desenvolve uma teoria que parte das seguintes premissas:
primeiro, o poder decorre da possibilidade de que um indivíduo ou um pequeno
grupo exerça domínio sobre outras pessoas. Portanto, há de se ter duas partes
envolvidas — quem exerce a dominação e quem se submete a ela, aceitando
o poder e a autoridade do outro. Nessa relação há uma série de interesses em
jogo, e cada parte consegue obter aquilo que deseja ou necessita. Acontece
que não existe somente um tipo de dominação política, segundo Weber (1979).
O autor propõe três formas básicas, as quais ele chama de “tipos puros de
dominação”. A primeira delas é a dominação tradicional — ocorre quando a
liderança política obtém o poder por força da cultura de um povo. É o caso dos
caciques indígenas, dos monarcas ou mesmo de alguns governantes civis que
se perpetuam no poder durante anos, pois a sociedade reconhece essa forma
liderança como algo incorporado aos seus costumes, admitindo uma espécie
de obediência cega. Uma segunda forma pura de dominação é aquela que se
fundamenta na capacidade ou na habilidade do líder em se tornar simpático
e confiável, que o autor chama de dominação carismática. Esse tipo de lide-
rança política é conquistado a partir de certos comportamentos que despertam
a afetividade e o respeito daqueles que são liderados, muito comum quando
se trata de grupos sociais mais vulneráveis ou que se organizam em função
de uma identidade própria, na qual predominam fortes laços de dependência
mútua entre os membros, como uma associação de moradores ou um movi-
mento social — se quisermos pensar em exemplos mais próximos da nossa
realidade. Essa forma de liderança carismática também nos sugere o padrão
de comportamento político manifesto por certos governantes (presidentes, go-
vernadores e prefeitos) de perfil populista, que sempre se fizeram presentes na
história política brasileira. É comum, no caso das democracias, que candidatos
mais simpáticos, que dizem exatamente aquilo que o povo quer ouvir, saiam
vitoriosos nas urnas.
Mas, na perspectiva weberiana, esses dois modelos podem comprometer
o desenvolvimento de uma sociedade, dependendo de sua complexidade.
Líderes tradicionais ou carismáticos nem sempre conseguem assegurar uma
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A formação do pensamento político 31

administração imparcial ou racional. Daí a necessidade de se configurar a terceira


forma de dominação pura: a dominação racional-legal. Trata-se do tipo de lide-
rança mais comum entre os Estados capitalistas, compondo, portanto, o padrão
das sociedades que se apoiam em bases jurídicas, isto é, em constituições e leis
que garantem a legitimidade administrativo-governamental (WEBER, 1979).
Max Weber (1979) analisa as bases econômicas como substrato do Estado
moderno capitalista. Para ele, a burocracia se faz necessária em virtude da
complexidade das relações institucionais desse tipo de sociedade regida pelo
poder racional-legal. O poder que se funda nas leis e na razão força todos,
incluindo o próprio líder, a uma obediência às normas instituídas. E para dar
concretude à vida social, esse Estado racional-legal depende tanto do monopó-
lio da violência quanto do trabalho de um conjunto de técnicos especialistas,
que em seu exercício profissional coloca em andamento as políticas e ações
necessárias à sociedade. Essa forma de organização e de administração do
Estado é, segundo o autor, necessariamente hierárquica, disciplinada e buro-
crática, a fim de proteger o povo de possíveis instabilidades e irracionalidades
(características comuns em sociedades governadas por líderes tradicionais ou
carismáticos).

Para saber mais


Como fonte fundamental, veja também a obra de Weber, Ciência e política: duas vocações
(2004).

2.2 Da filosofia para a ciência política:


um longo percurso
Como vimos, com base nessas ideias de caráter filosófico o pensamento
político começou a assumir contornos mais científicos. No final do século XIX
a ciência política é reconhecida nos Estados Unidos a partir da produção de
conhecimento nas universidades. Com a Segunda Guerra Mundial, a ciência
política ganha mais força, sempre muito atrelada à filosofia. No século XX, cada
vez mais surgem disciplinas voltadas para o conhecimento político nos centros
acadêmicos, com objetivo de analisar o universo da política tanto sob enfoque
mais filosófico quanto científico. Tais disciplinas foram inseridas na formação
universitária de diversos cursos das áreas humanas e sociais.
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32 CIÊNCIA POLÍTICA

Entre os fatores que contribuíram para o crescimento e o fortalecimento da


ciência política destacam-se a diversidade de sistemas de governo predominan-
tes no século XX, com destaque para os modelos de base liberal e democrática,
por um lado, e os de base totalitária (capitalista, socialista e comunista) por
outro, a proliferação de partidos políticos ideologicamente diferentes, a difu-
são do sufrágio universal em diversos países, os conflitos de natureza política
e econômica entre os países — com destaque para as duas grandes guerras
mundiais e a Guerra Fria e a divisão geopolítica do globo. Todo esse contexto
levou ao aumento do interesse pelo conhecimento científico acerca desses
fenômenos, fazendo com que ganhasse força a ciência política.

Atividades de aprendizagem
1. Por que o estudo do pensamento político clássico é importante na
atualidade?
2. Qual a principal diferença na concepção de democracia em Rousseau
e em Tocqueville?

Fique ligado!
Neste capítulo estudamos o surgimento do interesse pela política, inicial-
mente filosófico e depois científico, e as ideias centrais de importantes
pensadores clássicos da teoria política. Esse estudo nos ajuda a distinguir o
que se traduz como uma “boa política” e uma “má política”. Como vimos,
a principal diferença entre a boa política e o bom governo, por um lado,
e a má política e o mau governo, por outro, se revela não na forma pela
qual o poder se realiza, mas sim na finalidade última de toda ação política:
por quem, para quem e por que se governa. Não restam dúvidas de que
o estudo dos pensadores clássicos, assim como dos contemporâneos, nos
ajuda a responder, ao menos em parte, tal questionamento.
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A formação do pensamento político 33

Para concluir o estudo da unidade


A política, de modo geral, é tão importante para nossa vida que seria
impossível imaginar uma única situação que não a contemple de alguma
forma, seja nas relações interpessoais, nas relações internas de um país ou
de uma sociedade, assim como nas relações internacionais. A política faz
parte de nós e de nossos relacionamentos, querendo ou não, gostando ou
não. Como vimos nesta primeira unidade, o conhecimento teórico sobre
a ciência política e suas inúmeras questões pode auxiliar o assistente
social em seu trabalho, uma vez que fornece instrumentos conceituais
necessários para se pensar as relações de poder, as formas de governo,
as decisões políticas que afetam todos na sociedade, bem como o
campo dos direitos em geral.

Atividades de aprendizagem da unidade


1. A concepção política de Maquiavel, filósofo renascentista, pressupõe:
I — A ética e a moral como meios de um governante se manter no
poder.
II — O combate à corrupção e a vocação para o bem comum como
características essenciais de um bom governante.
III — Um modelo político destituído de moralidade, em que os
meios utilizados são justificados em função da necessidade
de se conquistar e manter o poder.
IV — Uma maneira cética e realista de analisar a ação dos governantes.
Estão corretas:
a) III e IV somente;
b) I, II e IV somente;
c) II e III somente;
d) II, III e IV somente;
e) Todas estão corretas.
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34 CIÊNCIA POLÍTICA

2. O Estado hobbesiano se assemelha a uma figura metafórica citada na


Bíblia (Jó, 40-41), a qual se revela:
I — Frágil e constantemente ameaçada pelo poder divino.
II — Incomodada e inconformada com a maldade dos homens.
III — Forte, destemida, poderosa, capaz de submeter a si todos os
homens.
IV — Desonesta, corrompida e submetida aos caprichos mundanos.
V — Perigosa, sem regras ou leis, que pode agir segundo instintos
egoístas e violentos.
a) Somente I e IV estão corretas.
b) Somente III e V estão corretas.
c) Somente II está correta.
d) Somente IV está correta.
e) Somente III está correta.
3. A política tem sido campo de inúmeras teorias desde a Antiguidade.
No início da era moderna, diversos filósofos se ocuparam da tarefa
intelectual de compreender o poder político da sociedade de seu
tempo. Dentre esses, um se destaca pelo fato de ter pensado a política
como ela era de fato, e não como deveria ser, e por isso é considerado
nos dias de hoje como um filósofo político profundamente realista.
De quem estamos falando?
a) Karl Marx.
b) Barão de Montesquieu.
c) Thomas Hobbes.
d) Nicolau Maquiavel.
e) John Locke.
4. O que ciência política estuda?
I — As relações de poder entre os homens.
II — As formas e sistemas de governo.
III — As ações que uma sociedade define como necessárias para
preservar o bem da coletividade.
IV — A ética, conjunto de princípios e regras de conduta voltados
para garantir o bem comum.
V — O monopólio da violência por parte do Estado.
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A formação do pensamento político 35

Entre todas as afirmativas, estão corretas:


a) I e II.
b) II, IV e V.
c) II, III e IV.
d) I, II, III e V.
e) I, II, III, IV e V.
5. O “pai do liberalismo político”, John Locke, em seu livro Segundo
tratado sobre o governo civil afirma:
Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme
dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e
posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá
ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu im-
pério e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer
outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no
estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é
muito incerta e está constantemente exposta à invasão de
terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo
homem igual a ele, e na maior parte pouco observadores
da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que
possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada.
Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma con-
dição que, embora livre, está cheia de temores e perigos
constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade
juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos,
ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida,
da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”
(LOCKE, 1983, p. 82.).

Para esse pensador político:


a) O direito à propriedade não contribui com a justiça social, mas
somente com o poder das elites dominantes.
b) No estado de natureza há liberdade, mas não há igualdade do
ponto de vista social.
c) O direito individual de ter bens materiais e de ter a propriedade
da terra é compatível com a vida em sociedade.
d) Devido à insegurança e ao medo próprios do estado de natureza,
os homens escolheram abrir mão de seus direitos naturais.
e) Para garantir os direitos naturais do homem o poder político deve
se concentrar nas mãos de um monarca soberano.
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36 CIÊNCIA POLÍTICA

Referências
ADVERSE, Helton. Maquiavel, a república e o desejo de liberdade. 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/trans/v30n2/a04v30n2.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2014.
ARISTÓTELES. A política. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2009.
BARROS, Sebastião do Rego. A revolução de outubro: 80 anos. Estud. Av., v. 12, n. 32,
p. 19-36, 1998.
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Rio de Janeiro: Campus, 2000.
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A formação do pensamento político 37

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Unidade 2
Teoria política e seus
grandes pensadores
Denise da Silva Vieira
Gisele de Cássia Galvão Ruaro

Objetivos de aprendizagem:
identificar as diversas doutrinas políticas e as formas de governo;
ter o primeiro contato com os clássicos da política, tais como:
Aristóteles; Thomas Hobbes; John Locke; Nicolau Maquiavel;
Platão; Santo Agostinho; São Thomas de Aquino e Sócrates, e
seus respectivos pensamentos e teorias.

Seção 1: Introdução à teoria política,


diferentes doutrinas políticas e formas de
governo
Nesta seção serão abordados: a introdução à teoria
política, diferentes doutrinas políticas, tais como libe-
ralismo, capitalismo, socialismo e social-democracia
e formas de governo: classificação dos romanos (cí-
cero), a monarquia dividida em: absoluta e limitada
e república.

Seção 2: Os clássicos do pensamento político


Nesta seção serão abordados especificamente os
clássicos do pensamento político: Aristóteles, Tho-
mas Hobbes, John Locke, Nicolau Maquiavel, Platão,
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Sócrates.
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40 CIÊNCIA POLÍTICA

Introdução ao estudo
Caro(a) acadêmico(a), nesta unidade entraremos no mundo intrínseco da
teoria política e vamos fornecer os conceitos necessários à condução da ciên-
cia política. Apresentaremos uma compreensão dos princípios norteadores das
diversas doutrinas políticas e formas de governo, além de propiciar um primeiro
contato com os clássicos das políticas e seus respectivos pensamentos e teorias.

Seção 1 Introdução à teoria política,


diferentes doutrinas políticas e
formas de governo
Caro(a) acadêmico(a), esta unidade tem como objeto de estudo a introdu-
ção à teoria política, diferentes doutrinas e formas de governo. Você poderá
compreender melhor o contexto das formas como o Estado exerce e aplica o
poder sobre a sociedade, o desenvolvimento econômico e os sistemas diferen-
ciados na condução da economia de vários países que acabam influenciando
diretamente a vida dos indivíduos.
Primeiro, apresentaremos uma breve introdução à teoria política, às di-
ferentes doutrinas que proporcionaram, para construção das estruturas dos
Estados e formas de governabilidade, uma fundamental contribuição para o
desenvolvimento do contexto social.
Em seguida, abordaremos as formas de governo, para uma melhor com-
preensão sobre o liberalismo, o capitalismo, o socialismo e a social-democracia,
bem como a classificação do romano (Cícero) e a monarquia e república.
Por fim, apresentaremos em tópicos os principais assuntos abordados, bem
como as atividades de aprendizagem. Compreendemos que esta é mais uma
alternativa de estudo referente aos temas discutidos nesta unidade.

1.1 Introdução à teoria política


Para compreender a teoria política é necessário um breve entendimento de
sua origem. O termo “política” tem origem na palavra grega pólis, que conforme
Cicco e Gonzaga (2011, p. 177), “[...] se refere ao urbano, ao que é civil e so-
cial, ao que é público, relaciona-se com a cidade e a tudo que lhe diz respeito,
ligada a ideia de poder”.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 41

A teoria política veio fornecer os conceitos necessários à condução da


ciência política, esclarecer o desenvolvimento desta ciência e dos valores po-
líticos e contribuir para o seu avanço. Tem início na Grécia, quando já havia
a preocupação de como administrar a pólis. É a partir desse período que os
grandes ideais de homens e sociedades, pensados pelos filósofos, começam a
ganhar forma. Os pensadores políticos interpretaram a sua realidade fática de
acordo com o período em que vivenciaram as circunstâncias sociais do mo-
mento, levando, assim, a proferir conceitos que viessem a definir e a identificar
a problemática social, promovendo, muitas vezes, uma solução ideológica.
O termo “ciência política”, segundo Cicco e Gonzaga (2011, p. 178),
“[...] é o estudo de teorias e casos práticos da política, bem como a análise e
a descrição dos sistemas políticos e seu comportamento”, ou seja, é a teoria
e prática da política, que consiste no estudo da sociedade por parte do go-
verno, com o intuito de analisar e compreender a realidade social, histórica
e seu funcionamento.
A ciência política está pautada diretamente nas variações sociais ocorridas
pelo sistema capitalista e pela estabilização da sociedade industrial e urbana.
A partir do momento em que começam a aparecer dois princípios como o pú-
blico, representado pelo Estado, e o privado, pela sociedade, ficam evidentes as
dificuldades para o surgimento da ciência política. Esta passa a ganhar força à
medida que surgem e são ampliados os direitos coletivos, fazendo-se presentes
perante a sociedade. O Estado e o governo começam a ceder espaço de análise
referente à organização e ao funcionamento do sistema político, apresentando
importâncias relacionadas com o processo de avanço e ampliação da demo-
cracia, surgindo o nascimento da ciência política, a qual passa de pensamento
político moderno a pensamento político contemporâneo.
A ciência política abrange diversos campos, tais como: teoria e filosofia
política, os sistemas políticos e econômicos, ideologia, entre outros. Também
podemos citar as doutrinas políticas e a essência das doutrinas principais, sobre
a qual trataremos mais especificamente a seguir.

Para saber mais


“A pólis [...] era o modelo das antigas cidades gregas, desde o período arcaico até o período
clássico, vindo a perder importância durante o domínio romano.”
(Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3lis>. Acesso em: 14 mar. 2014.
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42 CIÊNCIA POLÍTICA

Questões para reflexão


Caro(a) acadêmico(a), o que significa o termo ciência política?

1.2 Doutrinas políticas


Faremos uma breve explanação das principais doutrinas políticas, tais como:
liberalismo, capitalismo, socialismo e a social-democracia, que proporciona-
ram, para construção das estruturas dos Estados e formas de governabilidade,
uma fundamental contribuição para o desenvolvimento do contexto social.

1.2.1 Liberalismo
O liberalismo teve sua origem no século XVII, na Inglaterra. Surgiu por
meio de publicações sobre a política do filósofo inglês John Locke. No século
XVIII, o liberalismo econômico teve força com os pensamentos defendidos pelo
filósofo e economista escocês Adam Smith.
Liberalismo é um conjunto de princípios e teorias políticas, que apresenta
como questão principal a defesa da liberdade política e econômica, sendo
os liberais contrários à forte influência do Estado na economia e na vida das
pessoas. Segundo Bobbio (1988, p. 17), “[...] liberalismo é uma doutrina do
Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções”.
Com a industrialização, o crescimento econômico e a democratização, come-
çou a se desenvolver uma alteração no modelo liberal de Estado (mínimo) com
incorporação dos aspectos de justiça social.
Conforme Cruz (2001, p. 106), o liberalismo teve “[...] grande influência de
ambas as correntes de pensamentos, que teve lugar na sociedade em profun-
dos processos de transformação, tantos rurais como nas urbanas indústrias”.
O liberalismo econômico fortalecia o político principalmente na Espanha e
no Brasil, no final do século XIX. Nesse sentido, a Espanha teve de pactuar a
transição com a aristocracia e oligarquia, e o Brasil foi a favor do liberalismo
econômico; inclusive liberalismo pode ser definido como um conjunto de
princípios e teorias políticas que apresenta como ponto principal a defesa da
liberdade política e econômica. Os liberais são contrários ao forte controle
do Estado na economia e na vida das pessoas e trabalham este liberalismo no
terreno cultural para ganhar força.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 43

Podemos destacar sobre o liberalismo alguns princípios fundamentais, tais


como: defesa da propriedade privada; liberdade econômica (livre mercado);
igualdade perante a lei (Estado de direito) e participação mínima do Estado nos
assuntos econômicos da nação.
Na relação dos indivíduos e o mercado com o Estado temos dois tipos de libera-
lismo: o político e o econômico. Sell (2006, p. 56) distingue-os da seguinte forma:
Enquanto o liberalismo político reflete especialmente sobre a
relação indivíduo e Estado, o liberalismo econômico procura
refletir primordialmente sobre a relação entre mercado e Es-
tado. Enquanto o liberalismo político defende a superioridade
do indivíduo em relação ao Estado, o liberalismo econômico
defende a superioridade do mercado ante o Estado. Colo-
cando de outra forma: enquanto o liberalismo político postula
a não interferência do Estado na vida privada, o liberalismo
econômico postula a tese da não interferência do Estado na
vida econômica.

Havendo esta distinção, de forma geral, segundo Sell (2006, p. 56):


O liberalismo político e o liberalismo econômico têm um
fundamento comum: a sua visão do Estado. O liberalismo,
de forma geral, defende a ideia do “Estado Mínimo”, ou
seja, ainda que o Estado seja necessário, sua interferência
na vida pessoal e econômica deve ser a menor possível.
Quanto menor a interferência do poder político nestas duas
esferas, maior será o espaço de liberdade dos indivíduos.

Neste sentido, podemos concluir que o liberalismo pode ser entendido


como um conjunto de teorias e princípios políticos que defendem os indivíduos
diante do Estado na defesa da liberdade política e econômica. Dessa forma,
a concentração do poder de controle do Estado na economia e na vida das
pessoas é algo contrário aos princípios liberais.
Alguns princípios básicos do liberalismo:
Defesa da propriedade privada.
Liberdade econômica (livre mercado).
Igualdade perante a lei (Estado de direito).
Participação mínima do Estado na economia (restrição do governo,
limitação).
Por meio dos pensamentos liberais, desencadeou-se o surgimento do ca-
pitalismo, fomentado por Adam Smith. Sobre esse assunto, a seguir, faremos
uma breve explanação.
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44 CIÊNCIA POLÍTICA

1.2.2 Capitalismo
A palavra “capital” provém do latim, e posteriormente derivou o termo “ca-
pitalista”, que se refere ao proprietário de capital. O capitalismo surgiu nos
séculos XIII e XIV, na Europa. Com o renascimento urbano e comercial surgiu
uma nova classe social: a burguesia. Esta nova classe buscava o lucro por meio
de atividades comerciais.
Neste cenário, surgem os banqueiros e cambistas, que ganhavam com o
dinheiro em circulação, em uma economia em pleno desenvolvimento, iden-
tificando lucro, acúmulo de riquezas, controle de produção, expansão nos
negócios, entre outros.
Já dos séculos XVI ao XVIII, surgem as grandes navegações e expansões
marítimas europeias, quando a burguesia começa a buscar riquezas em outras
terras fora da Europa, e os comerciantes procuravam ouro, prata e especiarias —
ocasionando um ciclo de exploração, mão de obra assalariada, com o objetivo
de acumular riquezas, e fortalecendo a burguesia e as desigualdades sociais.
Ainda no século XVIII, começam a surgir mudanças no sistema de produção
europeu. Na Inglaterra iniciava a Revolução Industrial, fortalecendo o sistema
capitalista em todas as regiões do mundo. Modificando o sistema de produção,
os maquinários substituíam a mão de obra, os burgueses aumentavam o capital
e a produção acontecia de forma mais acelerada, consequentemente, os tra-
balhadores estavam sendo prejudicados, com desemprego, baixos salários e
péssimas condições de trabalho.
O capitalista compra a força de trabalho das pessoas para produzir bens ou
serviços que, após serem vendidos, permitem recuperar o capital investido e
obter um acréscimo, uma vantagem, denominada lucro, ou seja, aumento do
capital investido originariamente.
Todos os países onde o modo de produção é o capitalismo são denominados
de países capitalistas, sendo que alguns dos elementos que os caracterizam
são: acúmulo de capital, geração de riquezas, dinheiro, mercados financeiros,
concorrência e inovação tecnológica.
Os Estados Unidos foram os grandes precursores do capitalismo, porém,
depois de liderarem a economia capitalista mundial até 1929, foram abalados
por uma intensa crise econômica, que sacudiu toda a estrutura e também a
credibilidade do, até então, infalível sistema. Por isso, fez-se necessário adotar
medidas que viessem a equilibrar a economia.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 45

Assim, o Estado começou a intervir na economia, criando empresas es-


tatais, implantando medidas de proteção ou restrição na economia interna e
no comércio exterior e aumentando a participação dele no consumo e nos
investimentos nacionais.
Os vários problemas ocorridos durante a história fizeram com que o sis-
tema se aperfeiçoasse constantemente. Com isso, o Estado acabou se fazendo
necessário para contribuir na sua evolução e no controle socioeconômico.
Atualmente, o que predomina no mundo é o sistema capitalista, porém, com
uma intensidade maior de participação do Estado.
De acordo com Sell (2006, p. 56-57), Adam Smith, em sua obra chamada
A riqueza das nações, defendia que:
[...] o Estado não deve interferir na competição de mer-
cado. Segundo esta visão, quando o mercado atua de
acordo com suas próprias regras, sem qualquer interfe-
rência externa, o resultado é o aumento da eficiência
econômica e, como consequência, melhoria das condi-
ções de vida dos indivíduos. [...] A economia, por sua
vez, deveria ser dirigida pelo princípio do laissez-faire
(deixe-fazer) e laissez-passer (deixe-passar): em resumo,
pela liberdade irrestrita de mercado.

Para Adam Smith, o papel do Estado na economia deveria se limitar à


manutenção da lei e da ordem, à defesa nacional e à responsabilidade em de-
terminados bens públicos em que o setor privado não estaria interessado, tais
como: a saúde pública, o saneamento básico, a educação, as infraestruturas
de transporte etc. Ele faz, portanto, a defesa de um “Estado Mínimo”, ou seja,
aquele Estado que interfira o menos possível nas atividades pessoais e econô-
micas, garantindo mais espaço de liberdade aos indivíduos.

Para saber mais


Adam Smith, nascido em 5 de junho de 1723, foi um filósofo e economista escocês. Conside-
rado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico. Sua
principal obra foi A riqueza das nações, de 1776.
Para visualizar esse sistema econômico discorrido por consideráveis teóricos, como Smith, você
pode assistir ao filme Tempos modernos (1936, Charles Chaplin), que mostra a alienação dos
trabalhadores das fábricas, a formação de movimentos grevistas, a situação de miséria e
desemprego que o modo de produção capitalista, com sua produção em série nas linhas de
montagem idealizadas por Henry Ford, ocasionou.
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46 CIÊNCIA POLÍTICA

1.2.3 Socialismo
Socialismo surgiu no final do século XVIII, sendo considerado uma doutrina
política e econômica, caracterizado pela ideia de modificação da sociedade
por meio da distribuição equilibrada de riquezas e propriedades, e enfraque-
cimento da distância entre ricos e pobres. Segundo Cruz (2001, p. 127), “[...]
socialismo é a corrente de pensamento dotada de uma infinidade de expressões
ideológicas concretas que coincidem na busca da igualdade entre os homens
que, entre eles, são — ou deveriam ser — sócios e não adversários”.
O socialismo é o oposto do capitalismo, ou seja, prega que todos os bens e
propriedades particulares deveriam ser de todos os indivíduos, com repartição
de trabalho comum e dos objetos de consumo, com liberdade individual e
coletivização dos meios de produção.
O socialismo é uma linha de pensamento criada para confrontar o libera-
lismo e o capitalismo; sendo também denominado de sistema político-econô-
mico. Surgiu devido à realidade que existia na época, na qual o trabalhador
era subordinado a uma classe minoritária, porém, detentora dos meios de
produção, chamada de burguesia, fazendo com que o proletariado tivesse uma
grande jornada de trabalho, com baixos salários, entre muitas outras formas
de exploração.
Nesse sentido, o socialismo propõe a extinção da propriedade privada
dos meios de produção e a retirada da concentração do poder da burguesia,
buscando o controle pelo Estado e a promoção da divisão igualitária da renda.
Dois pensadores muito importantes para o socialismo são os conhecidos,
e citados na unidade anterior, Karl Marx e Friedrich Engels.
A mais rigorosa crítica ao capitalismo foi feita por Karl Marx, segundo Fer-
nandes (1995, p. 250), “[...] para Marx, o Estado e o poder são fenômenos de
força, que estão em interação permanente com as forças econômicas e sociais.
Por isso, o estudo do Estado e do Poder é orientado para a análise concreta
dessas forças”. Marx foi um ideólogo alemão que propôs a alternativa socialista
para substituir o capitalismo.
Segundo Fernandes (1995, p. 250), a análise do Estado, para Engels, se dá
da seguinte forma:
A transformação da sociedade primitiva em sociedade de
classes tornou necessária uma instituição que colocasse
sobre as novas formas sucessivamente desenvolvidas de
aquisição de propriedade — ou seja, o crescimento cada
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 47

vez mais rápido das riquezas — o carimbo da legislação


para a sociedade em geral; uma instituição que não perpe-
tuasse somente a crescente divisão da sociedade em clas-
ses, mas também o direito da classe dominante a explorar
a quem nada possuía, e a preponderância daquela sobre
esta. E essa instituição surgiu: o Estado foi inventado. O
Estado está, pois, a serviço da classe dominante; mas deve
ser colocado a serviço da coletividade, do proletariado. E,
quando todos tiverem acesso à propriedade coletiva dos
meios de produção, deve única e simplesmente deixar
de existir como autoridade pública.

As ideias socialistas tiveram suas influências concretizadas somente no


século XX, quando a Rússia implantou o socialismo e, a partir de 1917,
quando ocorreu a Revolução Russa, que retirou o governo monarquista e
implantou o socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial, outros países aderiram
ao socialismo: países do Leste Europeu, China, Cuba, alguns países africanos
e outros do sudeste asiático.
O capitalismo, apesar de ser fortemente criticado pelos socialistas, mostrou
uma importante capacidade de adaptação a novas situações de ordem eco-
nômica e social, por isso o socialismo perdeu força no mundo. Atualmente,
poucos países são socialistas, ou parcialmente socialistas, como a China, o Vietnã,
a Coreia do Norte e Cuba.
Com o legado científico deixado por Marx e Engels, o
socialismo passou a configurar uma nova forma de en-
xergar a condição do homem e sua história. Por meio de
suas propostas, novos movimentos e pensadores deram
continuidade ao desenvolvimento de diversas teorias de
influência marxista. Ainda hoje, podemos nos deparar
com partidos e movimentos que lutam cada um a seu
modo, pelas ideias um dia elaboradas por esses dois
teóricos (SOUSA, 2009, p. 1).

Esse legado perpassa o pensamento político atual e muito contribuiu para


uma crescente humanização do sistema capitalista, induzindo à implantação
de sistemas de governo como a democracia e a social-democracia, lembrando
que o movimento socialista atuou a partir de 1917 em duas correntes: os “socia-
listas revolucionários”, que deram origem, por exemplo, à Revolução Russa de
1917, e o “socialismo social-democrata”, que deu origem aos partidos social-
-democratas e à social-democracia, nosso próximo assunto.
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48 CIÊNCIA POLÍTICA

Para saber mais


Karl Marx nascido em 5 de maio de 1818 na Alemanha, foi um intelectual e revolucionário,
fundador da doutrina comunista moderna, atuou como economista, filósofo, historiador, teórico
político e jornalista.
Friedrich Engels, nascido em 28 de novembro de 1820 em Londres, foi um teórico revolucio-
nário que junto com Karl Marx fundou o denominado socialismo científico ou marxismo. Ele
foi coautor de diversas obras com Marx, sendo que a mais conhecida é o Manifesto Comunista.
Também ajudou a publicar, após a morte de Marx, os dois últimos volumes de O capital, prin-
cipal obra de seu amigo e colaborador.
Fonte: Wikipedia (2014).

1.2.4 Social-democracia
A social-democracia surgiu no final do século XIX, por partidários do
marxismo, que apostavam que uma sociedade socialista deveria ocorrer sem
revolução, por meio de reforma legislativa do sistema capitalista.
De acordo com Sell (2006, p. 70), a social-democracia “[...] nasceu de uma
divisão no campo das esquerdas”. Com a morte de Karl Marx, “[...] as organi-
zações políticas marxistas se dividiram em duas visões diferentes a respeito do
processo de transição do capitalismo ao socialismo”, originando dois grupos
que já mencionamos no item sobre o socialismo: os socialistas revolucionários
e os socialistas social-democratas. Ainda segundo Sell (2006, p. 71):
A estratégia política fundamental dos socialistas revolu-
cionários era a insurreição política que deveria ser uma
revolução que tinha como objetivo fazer com que o prole-
tariado organizado conquistasse o poder do Estado. Uma
vez conquistado o poder estatal, o proletariado adotaria
a estratégia econômica da eliminação da propriedade
privada e da coletivização de todas as forças produtivas.
A estratégia do socialismo social-democrata era diferente.
Para esta corrente de esquerda, a estratégia política para
a conquista do poder passava pela participação dos partidos
proletários nas eleições. À medida que os partidos operários
fossem chegando ao poder (apoiados pelos votos dos pró-
prios operários), eles adotariam como estratégia econômica
um programa de reformas que fosse eliminando os funda-
mentos da sociedade capitalista e introduzindo, aos poucos,
as características de uma sociedade socialista.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 49

Podemos dizer que a social-democracia é uma ideologia, em que, por meio


de adeptos ao marxismo, acreditava-se numa sociedade socialista concretizada
e disseminada sem revoluções. Propunha uma solução política alternativa:
nem o capitalismo “selvagem”, nem o “socialismo revolucionário”. A social-
-democracia prega uma gradual reforma do sistema capitalista, a fim de torná-lo
mais igualitário. Assim, pelas gradativas reformas sociais, poderá se implantar
o socialismo.
Alguns princípios da social-democracia:
Combate à miserabilidade, assegurando direitos como: moradia, saúde e
segurança. O Estado também deve criar condições favoráveis que gerem
oportunidades de emprego.
Busca por uma gradual mudança do capitalismo por meio de reformas
sociais.
Para evitar prejuízos ao país e à população, pode ocorrer a intervenção
do Estado na economia, quando necessário e em setores estratégicos.
Contudo, os sociais-democratas apostam na reforma do capitalismo, por
meio da regulação estatal e implementação de programas que amenizassem
ou eliminassem as injustiças sociais, inerentes ao sistema capitalista. Diferen-
ciando do socialismo tradicional, substitui o sistema capitalista por um novo
sistema econômico, caracterizado pela propriedade coletiva dos trabalhadores
e seus meios de produção. Conforme Maluf (1995, p. 277), “[...] democracia
é um sistema de organização política em que a direção geral dos interesses
coletivos compete à maioria do povo, segundo convenções e normas jurídicas
que assegurem a participação efetiva dos cidadãos na formação do governo”.
Nesse sentido, podemos afirmar que a participação do coletivo predomina
nos interesses de bem comum, a democracia não se prende a nenhum sistema
próprio, deve ser dinâmica para acompanhar o desenvolvimento do mundo,
atendendo de forma geral às novas realidades que surgirem na sociedade.

Questões para reflexão


O que se entende por democracia?
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50 CIÊNCIA POLÍTICA

1.3 Formas de governo


Prezado(a) acadêmico(a), antes de compreender as formas de governo, vamos
entender o que significa o termo “governo”: segundo Cicco e Gonzaga (2011, p. 74),
“[...] entende-se governo como sendo o conjunto ordenado das funções do Estado que
deve garantir a ordem jurídica, econômica e social”. As funções do governo podem
variar em diversos aspectos, como a origem, a natureza e o desenvolvimento,
assim como suas várias formas, que trataremos a seguir.
As formas de governo são um conjunto de organização do Estado, com intuito
de exercer seu poder sobre a sociedade. Conforme Bonavides (2011, p. 207),
“[...] como formas de governo, temos a organização e o funcionamento do poder
estatal, consoante os critérios adotados para a determinação de sua natureza”.
Segundo Maluf (1998, p. 175-176):
[...] a origem da formação de um governo pode se dar por
uma lei fundamental do Estado, conferindo, a este governo,
legitimidade para exercitar seu poder sobre a sociedade.
Também podem surgir formas de governo que venham a se
concretizar através de fraude ou violência e aqueles em que
há concentração de poder em uma única pessoa ou órgão.

As formas de governo são expressas por diversos pensadores em opiniões


variadas. Algumas classificações foram apontadas como as mais importantes,
tais como: dos romanos (Cícero), Aristóteles e Maquiavel — dos quais tratare-
mos mais especificamente na sequência.

1.3.1 Classificação dos romanos (Cícero)

Figura 2.1 Cícero

Fonte: Bertrand Benoit/Shutterstock (2014).


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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 51

Nascido em 3 de janeiro de 106 a.C. em Arpino, na Itália, Marco Túlio


Cícero, filósofo, orador, escritor, político romano e advogado de sucesso, era
visto como uma das mentes mais versáteis da Roma Antiga e apresentou aos
romanos as escolas da filosofia grega criando o vocabulário filosófico em latim.
Cícero apontava as formas já conhecidas da classificação aristotélica, sendo
um quarto tipo: a forma mista de governo. Conforme Bonavides (2011, p. 209),
“[...] governo misto aparece [...] por limitação ou redução dos poderes da mo-
narquia, da aristocracia e da democracia, mediante determinadas instituições
políticas, como um Senado aristocrático ou Câmara democrática”.
Essa forma de governo apresenta três elementos institucionais, tais como a
Coroa monárquica, a Câmara aristocrática e a Câmara democrática ou popular.
Como exemplo contemporâneo do governo misto, podemos citar a Inglaterra
que, apesar do sistema monárquico, tem, além do rei, também a Câmara dos
Lordes e a Câmara dos Comuns, formando, com estes três elementos, o Parla-
mento inglês.

1.3.2 Formas de governo: monarquia e república

1.3.2.1 Monarquia
Caro(a) acadêmico(a), vamos entender outras formas de governo como a
monarquia e a república, classificadas por Nicolau Maquiavel.
Entende-se por Monarquia um sistema político na qual o monarca é o líder
do Estado, mantendo-se no poder até a sua morte, tendo como atribuições
coordenar a administração da nação, em vista do bem comum e da harmonia
social.
A monarquia está classificada em monarquia absoluta e monarquia limitada.
Monarquia absoluta, segundo Cicco e Gonzaga (2011, p. 83), “[...] é a forma
de governo por meio da qual o monarca exerce o poder de maneira absoluta
[...] sua principal característica é a inexistência de tripartição do poder”.
De acordo com Maluf (1998, p. 178), entende-se que a monarquia absoluta é:
[...] aquela em que todo o poder se concentra na pessoa
do monarca. Exerce ele, por direito próprio, as funções de
legislador, administrador e supremo aplicador da justiça.
Age por seu próprio e exclusivo arbítrio, não tendo que
prestar contas dos seus atos senão a Deus. O monarca
absolutista justifica-se pela origem divina do seu poder.
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52 CIÊNCIA POLÍTICA

Os princípios que caracterizam a monarquia absoluta, segundo Lima (apud


MALUF, 1998, p. 177), são: “[...] a) autoridade unipessoal; b) vitaliciedade; c) he-
reditariedade; d) ilimitabilidade do poder e indivisibilidade das supremas funções
de mando; irresponsabilidade legal, inviolabilidade corporal e sua dignidade”.
Explicando cada um dos itens:
Autoridade unipessoal: o poder está concentrado somente no rei, que é
soberano em todas as decisões de governo.
Vitaliciedade: o governante, no caso o rei, governa por toda a sua vida,
a menos que abdique do trono.
Hereditariedade: o poder de governar passa do monarca a seus descendentes.
Ilimitabilidade do poder e indivisibilidade das supremas funções de
mando: o poder de governar não apresenta limites e as funções (de le-
gislador, administrador e supremo aplicador da justiça) são de exclusivo
e indivisível exercício do monarca.
Irresponsabilidade legal, inviolabilidade corporal e sua dignidade: não
há represálias de qualquer ordem pelos atos praticados pelo monarca,
independente de quais sejam.

1.3.2.2 Monarquia limitada


Monarquia limitada “[...] é aquela em que o poder central se reparte e admite
órgãos autônomos, ou se submete esse poder às manifestações da soberania
nacional” (CICCO; GONZAGA, 2011, p. 83).
Quando há descentralização de funções do monarca ou rei para nobres,
órgãos que auxiliam a realeza, ou quando existe alguma limitação do seu poder,
a monarquia é considerada limitada e se divide em:
Monarquia de estamentos: descentralização de funções para terceiros
(nobres, órgãos que são desdobramentos do poder real).
Monarquia constitucional: exerce somente a função do poder executivo,
em que os demais poderes serão regidos por uma Constituição.
Monarquia parlamentar: o monarca não exerce função de governo, porém,
é atribuído o poder moderador que fiscaliza todos os demais poderes no
Estado.
É autoridade moral sobre o povo e os próprios órgãos governamentais
(MALUF, 1998, p. 179).
São somente dois os princípios que caracterizam a monarquia limitada: a
vitaliciedade e a hereditariedade.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 53

1.3.2.3 República
O termo “república” designava o próprio Estado, considerado coisa de
todos (do latim: res = coisa + publica = pública). Ganhou seu sentido atual
de forma de governo com a Revolução Francesa de 1789 (CICCO; GONZAGA,
2011, p. 85). Nesse tipo de governo, ao contrário da monarquia, o chefe de
governo tem um mandato com prazo de duração de quatro anos, com direito à
reeleição. Segundo Streck e Morais (2000, 1988, p, 154), “[...] a república surge
como aspiração democrática de governo, através de reivindicações populares.
Buscava-se além da participação popular a limitação do poder”.
A República é caracterizada pelo poder temporário, cujo exercício se dará
de forma eletiva, ou seja, é atribuído ao eleitor através do voto. Esta forma de
governo pode ser aristocrática ou democrática, com base na classificação ex-
traída de Maluf (1998, p. 179-180):
República Aristocrática: é aquela na qual exerce o governo uma classe
privilegiada pela origem ou conquistas, era uma espécie de assembleia
representativa, a representação se dava por algum motivo, como: cultura,
patriotismo, riqueza etc. Este regime republicano se afasta da representa-
ção popular, pois se limita a um grupo de pessoas que possuem vantagens
sociais e que eram classificados como os melhores perante o contexto
popular. Foi posto em prática em Atenas e Veneza.
República Democrática: é a república em que o poder do Estado pertence
ao povo ou a um Parlamento que o represente. A república democrática
se baseia no princípio da soberania popular. O povo é aqui o alicerce
principal dos poderes do Estado.
Como uma das diferenças fundamentais entre as repúblicas aristocráticas
e democráticas, tem-se o fato de que, para se candidatar a governante na re-
pública aristocrática, o candidato deveria pertencer a determinado grupo, ter
posses, cultura etc., restringindo o acesso do povo ao governo, mesmo que
de maneira indireta. Como princípios que caracterizam a república temos a
eletividade e a temporariedade:
Eletividade: este princípio garante que os governantes devam ser eleitos
pelo povo de maneira direta ou indireta.
Temporariedade: neste princípio, fica evidente o fato de que o mandato
tem um tempo definido, com um fim determinado, a partir do qual se deve
proceder a nova eleição.
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54 CIÊNCIA POLÍTICA

Para saber mais


Para obter mais informações sobre este tema é importante que você faça a leitura do livro de
Norberto Bobbio, Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política (2004).

Atividades de aprendizagem
1. Uma das classificações das formas de governo no pensamento de
Maquiavel foi a Monarquia e a República, explique a diferença entre
as duas formas de governo.
2. As doutrinas políticas proporcionaram, para construção das estru-
turas dos Estados e formas de governabilidade, uma fundamental
contribuição para o desenvolvimento do contexto social. Diante
desse contexto, identifique e explique a diferença entre liberalismo,
socialismo.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 55

Seção 2 Os clássicos do pensamento político

Caro(a) acadêmico(a), nesta seção, apresentaremos especificamente os clás-


sicos do pensamento político. Abordaremos os grupos distintos de pensadores,
que fizeram parte de uma época da política moderna, nos trazendo argumentos
para a construção de conceitos do Estado contemporâneo.
Esses pensadores clássicos com seus variados pensamentos sobre as formas
de governo trouxeram para a história contemporânea, muitos ensinamentos,
mesmo que de um passado distante, é fundamental que percebamos a compre-
ensão da sua história para entendermos a pluralidade das políticas existentes
em nossa sociedade.

2.1 Política para Aristóteles

Figura 2.2 Aristóteles

Fonte: Panos Karas/Shutterstock (2014).

Aristóteles nasceu em 384 a.C., na cidade antiga de Estagira, na Grécia.


Grande filósofo grego, astrônomo e matemático, fixou residência em Atenas aos
17 anos, onde conheceu Platão, de quem se tornou discípulo. Em suas diversas
obras, com destaque para A Política, sempre se dedicou ao campo político.
Apresentando uma visão realista do Estado, abordou também a cidade, família,
riquezas, os regimes políticos e fez uma crítica a Platão.
Seus escritos abrangem os mais variados assuntos tais como física, metafí-
sica, as leis da poesia e do drama, governo, entre outros, e o autor é tido como
um dos fundadores da filosofia ocidental.
Aristóteles destaca três formas de governo: a monarquia, aristocracia e de-
mocracia, conforme Cicco e Gonzaga (2011, p. 192), “[...] todas devem buscar
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56 CIÊNCIA POLÍTICA

o bem comum da Polis, sob pena de se tornarem formas corruptas ou desvirtu-


adas, degenerando-se então sob a forma de tirania, oligarquia e demagogia”.
O filósofo classifica as formas de governo como sendo três boas e três
desvirtuadas. Na sua visão, as boas são consideradas aquelas que visam ao
bem comum, ou seja, que objetivam favorecer os governados, e não apenas
os governantes. E as que não visam ao bem comum são formas desvirtuadas
de governo. Aristóteles diferenciou as formas impuras e corruptas de governo,
pois eram distorções das formas que ele denominava como corretas, conforme
demonstra o Quadro 2.1 a seguir.

Quadro 2.1 Classificação formas de governo

Consideradas boas Consideradas desvirtuadas


Monarquia: poder centrado em uma pessoa Tirania: forma distorcida, contrária de monar-
física, ou seja, governo de um. quia.
Aristocracia: poder no qual o Estado é gover- Oligarquia: forma impura, degenerada de
nado por um grupo de pessoas. aristocracia.
Democracia ou Politeia: governo de uma Demagogia ou Olocracia: a corrupção da
maioria, do povo. democracia.

Fonte: Do autor (2014).

De acordo com Azambuja (1998, p. 201-202), a classificação de Aristóteles


pode ser explicada da seguinte forma:
Quando o governo é exercido por um só, tendo em vista
o bem geral, é a monarquia, ou realeza; quando é um só
que governa, mas no interesse próprio, desprezando o in-
teresse geral dos governados, oprimindo-os e espoliando-
-os, temos a forma corrupta ou anômala da monarquia,
que é a tirania ou despotia.
Quando o governo é exercido por uma minoria privilegiada,
pela nobreza, em benefício de toda a sociedade, temos a
aristocracia; se o poder é exercido por essa minoria em
proveito próprio, aparece a forma impura ou degenerada
da aristocracia, que é a oligarquia. Se o poder é ou pode
ser exercido por todos os cidadãos, para o bem comum,
temos a democracia; se o governo está nas mãos da multi-
dão revoltada ou esta domina diretamente os governantes,
implantando um regime de violência e de opressão, surge
a forma corrupta da democracia, que é a demagogia.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 57

Para Aristóteles, quando na gestão pública os interesses pessoais e parti-


culares dos governantes se sobrepõem aos interesses da sociedade, as boas
formas de governo se degeneram por completo prejudicando o bem comum
e interesse coletivo, restando a tirania, a oligarquia ou a demagogia (CICCO;
GONZAGA, 2011, p. 79).
Aristóteles apontava as três formas boas como sendo legítimas e corretas,
porque visavam ao bem coletivo, porém apontava a democracia como sendo
a melhor forma de governo, tendo em vista que a população se fortalecia nas
participações de bem comum.
Conforme Cicco e Gonzaga (2011, p. 78), “[...] para Aristóteles, a ética deve
nortear os seres humanos para que estes administrem com eficiência não só
o modo de vida destes como também as grandes cidades”. A ética e a moral
devem prevalecer em todas as formas de governo, atendendo a sociedade como
um todo, observando os princípios de liberdade e igualdade.

2.2 Política para Thomas Hobbes

Figura 2.3 Thomas Hobbes

Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock (2014).

Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588, na Inglaterra. Foi filósofo,


matemático, teórico político, autor de várias obras, entre elas Leviatã, em que
expõe seu ponto de vista sobre a natureza humana, e Do cidadão, que descreve
as necessidades de governos e sociedades.
Na obra Leviatã, Hobbes dispôs o poder de um estado eclesiástico e civil.
Conforme Cicco e Gonzaga (2011, p. 215), “Estado de natureza e Estado po-
lítico civil, que podem ser definidos pela oposição. O Estado de natureza é
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58 CIÊNCIA POLÍTICA

uma construção ficcional que se apresenta de modo conflituoso, beligerante, um


verdadeiro estado de guerra”.
A sociedade se incorporava conforme suas necessidades e sob estado de
medo, sendo essas situações sanadas com o aparecimento do Estado político
e organizado, trazendo recurso e estratégias para impedir o fim da espécie
humana. “A drástica solução e a organização do Estado político, de modo
que a força de todos se opusesse ao egoísmo de cada um e com isso fosse
garantida a vida, a segurança e a organização” (CICCO; GONZAGA, 2011,
p. 216).
Destaca em seu entendimento que, no estado de natureza, todos os homens,
na luta pela sobrevivência, promovem a guerra, mas é por meio do medo e da
consciência de que é melhor viver em paz que os homens, em comum acordo,
submetem-se a um poder soberano.
Para Hobbes, essa teoria pessimista considerava que o homem é o lobo
do homem e essa luta de todos contra todos tem como consequência o desa-
parecimento da sociedade. O mesmo autor diz que “[...] para que haja paz,
o indivíduo abre mão de suas liberdades naturais em troca de uma liberdade
civil que garante sua vida” (CICCO; GONZAGA, 2011, p. 216). Contudo, este
princípio se apresenta como um favor do poder absoluto do governante.
Hobbes é, portanto, defensor de um Estado absoluto, ao qual o homem, em
última análise, deve se submeter, a fim de garantir sua própria condição de so-
brevivência, já que o estado de natureza não é mais possível no contexto social.

2.3 Política para John Locke


Figura 2.4 John Locke

Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock (2014).


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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 59

John Locke nasceu em 29 de agosto de 1632, em Wrington, na Inglaterra,


foi um filósofo inglês, estudou em Oxford, onde se formou em medicina, pos-
teriormente se tornou professor daquela universidade. Suas principais obras
foram: Cartas sobre a tolerância, Ensaios sobre o entendimento humano e os
Dois tratados do governo civil.
Conhecido como o defensor da liberdade e da tolerância religiosa, e
considerado o fundador do empirismo, “[...] doutrina segundo a qual todo
o conhecimento deriva da experiência” (WEFFORT, 2006, p. 83). O mesmo
autor diz ainda que “como filósofo, Locke é conhecido pela teoria da tábula
rasa do conhecimento, desenvolvida no ensaio sobre o entendimento hu-
mano” (WEFFORT, 2006, p. 83). É a partir do conhecimento adquirido que
se desenvolve essencialmente o próprio conhecimento. Segundo Weffort:
A teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina
das ideias inatas, formuladas por Platão e retomada por
Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios
e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem
independentemente da experiência (WEFFORT, 2006, p. 83).

Na busca do conhecimento por meio das experiências que o ser humano vai
estabelecendo novas formas de trabalho, o livre consentimento da sociedade
para a formação de governos, sendo estes para Locke os principais fundamentos
do estado civil.
O autor pontua o “Estado de natureza” e o “Estado Político”; no de natu-
reza, todos têm de fazer valer a lei natural. Acreditava que o trabalho era o que
dava direito à propriedade, desde que não prejudicasse ninguém, assim sendo
assegurado o direito ao fruto do trabalho.
John Locke define as formas de governo em que “[...] a comunidade pode
ser governada por um, por poucos ou por muitos, conforme a escolha a mo-
narquia, oligarquia ou democracia” (WEFFORT, 2006, p. 87). Pontua que essa
escolha poderá incidir sobre o governo misto. Defende como forma de governo
a monarquia absoluta, “[...] desconhecendo limitações de qualquer natureza, é
incompatível com os justos fundamentos da sociedade civil” (MALUF, 1995, p.
121). A adaptação da sociedade e organização do Estado foram dadas em bene-
fícios próprios, não sendo possível neste segmento a afirmação do poder com
amplitude, ao contrário do que o bem público estabelece. Conforme Weffort,
Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à
liberdade e à propriedade constituem para Locke o cerne
do estado civil e ele é considerado por isso o pai do in-
dividualismo liberal (WEFFORT, 2006, p. 88).
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60 CIÊNCIA POLÍTICA

Com os princípios de um direito natural do Estado, baseado na concordância


e submissão do poder executivo e legislativo, de direito de resistência, Locke
pontua as diretrizes fundamentais do Estado Liberal.

2.4 Política para Nicolau Maquiavel


Figura 2.5 Nicolau Maquiavel

Fonte: Raluca Tudor/Dreamstime (2014)

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, na Itália, no dia 3 de maio de


1469, historiador, poeta, diplomata e músico italiano, foi reconhecido como
fundador do pensamento e da ciência política moderna, e escreveu diversas
obras, sendo a mais reconhecida O príncipe.
Com 29 anos de idade, ingressa na vida pública exercendo um cargo de
destaque, sendo interrompida quando os Médicis recuperaram o poder. Afastado
da vida pública, Maquiavel inicia uma nova fase estudando os clássicos, poste-
riormente dando vida as suas obras tais como O príncipe (1512-1513), A arte da
guerra (1513 a 1519) e outros. Era reconhecido como o fundador do pensamento
e da ciência política moderna, pelo fato de escrever sobre Estado e Governo.
Maquiavel classifica as formas de governo em termos dualistas, de uma parte
a monarquia e poder singular, e de outra parte a República ou poder plural.
Acredita serem ideais três formas boas de governo: monarquia, aristocracia e
democracia.
Segundo Cicco e Gonzaga (2011, p. 80), “[...] afirma que todos os gover-
nos que existem ou já existiram apresentam-se sempre como Repúblicas ou
principados (monarquias)”. Republicanas não apresentam características da
vitaliciedade e nem hereditariedade do governo. Sua forma pode se manifestar
por meio da democracia, aristocracia e timocracia ou oligarquia. O principado
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 61

pode ser hereditário dos governos, podendo se manifestar como monarquia


ou tirania. Salientamos que para Maquiavel a forma de governo tem de ser
eficaz, atingindo a paz social, sendo esta o objetivo maior a ser alcançado
pelo governante.
Para Maquiavel, o Estado real é capaz de impor a ordem, tendo como ponto
de partida e chegada a realidade concreta. Conforme Weffort (2006, p. 17),
“[...] esta é a sua regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como ela
é e não como se gostaria que ela fosse”.
Maquiavel estabelece a especificidade da política, mostrando-a como esfera
autônoma da vida social; que ela não é pensada a partir da ética nem da reli-
gião, rompendo com os antigos e com os cristãos; nem pensada no contexto
da filosofia, passando a ser campo de estudo independente. A vida política tem
regras e dinâmica independentes de considerações privadas, morais, filosófi-
cas ou religiosas. A política é a esfera do poder por excelência, é a atividade
constitutiva da existência coletiva: tem prioridade sobre todas as demais esferas.
Maquiavel apresenta duas forças opostas quando há fator social de instabili-
dade “[...] uma das quais provém de não desejar o povo ser dominado nem opri-
mido pelos grandes, e a outra de quererem os grandes dominar e oprimir o povo”
(O príncipe, cap. IX). Salienta que, se todos quisessem o comando, a oposição
seria resolvida pelo governo dos vitoriosos (WEFFORT, 2006, p. 20).
O problema político é encontrar estratégias que atribuam equilíbrio das re-
lações, que sustentem uma determinada correlação de forças. Maquiavel coloca
que há duas respostas: a anarquia decorrente da natureza humana e o confronto
entre grupos sociais: o Principado e a República (WEFFORT, 2006, p. 20).
O mesmo autor diz que “[...] a escolha de uma ou de outra forma institucio-
nal não depende de um mero ato de vontade ou de considerações abstratas e
idealistas sobre o regime, mas da situação concreta” (WEFFORT, 2006, p. 20).
Acreditava que quando a nação encontra-se ameaçada seria necessário um
governo forte, com estratégias e instrumentos de poder capazes de inibir as
forças fragmentadas.
Maquiavel descrevia a política como sendo uma prática de homem livre
de freios extraterrenos, este sujeito da história, prática esta que exigia virtù, o
domínio sobre a fortuna, ou seja, agir de maneira correta diante das situações.
Política é a forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável
da história: envolve fortuna e virtù. Por fortuna, compreende-se a contingência
própria das coisas políticas: não é manifestação de Deus ou Providência Divina,
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62 CIÊNCIA POLÍTICA

podendo o homem, com seu papel na história, desafiar e mudar a fortuna. Por
virtù, compreendem-se as qualidades, como: a força de caráter, a coragem
militar, a habilidade no cálculo, a astúcia, a inflexibilidade no trato dos adversá-
rios. Para Maquiavel, a política tem uma ética e lógica próprias, para se pensar e
fazer política que não se enquadra no tradicional moralismo piedoso “[...] a
resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é seguramente o
que dá origem ao ‘maquiavélico’” (WEFFORT, 2006, p. 24). Para Maquiavel,
o governo ideal é aquele que consegue consolidar as forças desfavoráveis
presentes na sociedade, equilibrando o anseio daqueles que impõem o do-
mínio e a resistência dos que não aceitam ser dominados.
Maquiavel defendia, segundo Sell (2006, p. 26), que “[...] a tarefa do estudo
da política é mostrar a verdade efetiva dos fatos, ou seja, como se dá, concre-
tamente, a conquista e manutenção do poder, que seriam, para ele, os reais
objetivos da política”. Na sua obra O príncipe, Maquiavel analisa a constitui-
ção do Estado, em que o governo pode violar todas as regras jurídicas, morais,
políticas e econômicas. Maquiavel distinguiu a moral particular, criando o
conceito “Razão de Estado”, no qual “os fins justificam os meios”.

2.5 Política para Platão


Figura 2.6 Platão

Fonte: Nick Pavlakis/Shutterstock (2014).

Nasceu em 428/427 a.C. em Atenas, foi um filósofo matemático. Escreveu


diversos diálogos filosóficos, foi o fundador da Academia em Atenas, a primeira
instituição de ensino superior, e contribuiu na construção dos alicerces naturais,
da ciência filosófica.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 63

Suas principais obras foram O banquete e A república. Nesta última, des-


creve a importância da arte de governar. Afirma que os governantes devem ser
filósofos; classifica a política como defensora da justiça, na qual o bem deveria
sempre prevalecer, com diálogos entre os governantes e os governados; toma
como base as frases de seu mestre Sócrates, para as proposições de modelos
de cidade, Estado, nação, justiça e cidadania.
Platão classifica as formas de governo em graus de degenerescência, ou seja,
degenerando de aristocracia passando para a timocracia, oligarquia, democracia
até resultar na forma de tirania, que para ele é a pior forma de governo. Presen-
ciaram as primeiras discussões sobre a democracia, queda das aristocracias e
tiranias após guerras. Acreditava que a aristocracia e a monarquia são formas
boas de governo. Segundo Cicco e Gonzaga (2009, p. 77), “[...] o governo
aristocrático é aquele dos que possuem [...] virtudes, o governo monárquico
seria bom, pois o governo pensaria nos seus súditos. Nos bons governos impera
o logos, a sabedoria e a virtude”.
Para Platão, o Estado ideal é completamente baseado na justiça, as respon-
sabilidades políticas deveriam preparar o governo para administrar a cidade,
destacando a possibilidade de filósofos assumirem o governo, tendo em vista que
estavam preparados para representarem a sociedade, com alto grau de formação
e conhecimento.

2.6 Política para Santo Agostinho

Figura 2.7 Santo Agostinho

Fonte: Renata Sedmakova/Shutterstock (2014).


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64 CIÊNCIA POLÍTICA

Caro(a) acadêmico(a), apresentaremos uma breve descrição de Santo Agosti-


nho, apontando-o como um pensador medieval, com uma concepção universal,
relacionando Deus, o mundo terreno e bases nacionais. Considerando que seus
ensinamentos referentes ao Estado e governo são dignos de estudos, tendo em
vista que Santo Agostinho foi um filósofo marcante deste período.
Nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste na Argélia, considerado uma
das figuras mais importantes do desenvolvimento do cristianismo ocidental. Foi
filósofo, bispo e teólogo cristão, escritor de diversos sermões importantes. Em
A cidade de Deus, Santo Agostinho combate as heresias e o paganismo. Na obra
Confissões faz uma descrição de sua vida antes da conversão ao cristianismo.
Procura defender o cristianismo, frente à fragilidade e desgraça do império ro-
mano, justificando as acusações feitas pelos pagãos, os quais foram responsáveis
ao abandonar a proteção dos deuses antigos pela tomada e saque de Roma.
Na obra A cidade de Deus, Agostinho descreve as diversas religiões e cos-
tumes, destacando que há duas espécies de sociedade humana, sendo uma
comandada por homens que vivem sobre o jogo do poder e pecado, e outra
orientada pelo espírito. Diz ainda que para o Estado chegar à justiça tem que
optar pelos princípios morais cristãos, ou seja, para o pensador, a Igreja é su-
perior ao Estado e os dois têm de andar juntos, para um bom governo e uma
comunidade reunida nos princípios da fé cristã, tendo os interesses espirituais
acima de tudo. ”[...] Existem dois tipos de seres humanos: os que amam a si
mesmos tanto até o ponto de desprezar a Deus, de um lado; os que amam
a Deus tanto até o ponto de desprezar a si mesmos, de outro lado” (CICCO;
GONZAGA, 2011, p. 197).
Desenvolveu sua própria abordagem referente à filosofia e teologia, com
variados métodos e perspectivas diferentes. Considerado importante doutor da
Igreja, patrono da ordem religiosa, um dos pais teólogos da Reforma protestante,
ensinando a salvação e graça divina. O mesmo autor diz ainda que com os
valores cristãos voltados para a Igreja de Cristo, o Estado deve subordinar-se
em tudo relacionado à moral, conservando a autonomia das questões políticas
e administrativas (CICCO; GONZAGA, 2011, p. 198). Nesse sentido, afirma
que existia um poder direto da Igreja sobre o Estado que com o decorrer do
tempo tornou-se uma teoria medieval de subordinação do Estado à Igreja,
favorecendo a prática do cristianismo.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 65

2.7 Política para São Tomás de Aquino


Figura 2.8 São Tomás de Aquino

Fonte: Claudio Zaccherini/Shutterstock (2014).

São Tomás de Aquino nasceu em 1225, na cidade de Roccaseca na Itália.


Estudou filosofia em Nápoles e Paris, dedicando-se aos estudos filosóficos e
teológicos. Tornou-se discípulo de Santo Alberto Magno, que ficou impressio-
nado com sua inteligência.
Teve mérito com a síntese do cristianismo, apresentando uma visão aris-
totélica do mundo, ou seja, estudo formal moderno, compreendendo maior
desenvolvimento da teoria lógica.
Apresentam duas summae, conhecimento filosófico e teológico da época,
summa theologia e a summa contra gentiles, a partir daí a Igreja tem uma teologia
fundada na revelação e uma filosofia baseada no exercício da razão humana, ou
seja, na fé e na razão, unidas em direção comum rumo a Deus. Deixando escritos
conselhos políticos: Do governo do Príncipe, ao rei de Chipre. Cicco e Gonzaga
(2011, p. 202) afirmam: “Também coloca um limite claro ao poder legislativo do
Estado, quando hierarquiza [...] a lei eterna, expressão da sabedoria e vontade de
Deus [...] ou lei natural, lei universal e permanente já presente nos ensinamentos”.
Contudo, seria inviável uma lei contra o direito natural e seus mandamentos.
São Tomás de Aquino pontua o direito como a maneira plena à justiça, con-
tudo, para ele o que é justo por natureza não pode estar contido plenamente no
direito, ou seja, cada um deveria receber o que seria seu por direito — tomando
a igualdade como uma relação entre pessoas e não entre matéria.
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66 CIÊNCIA POLÍTICA

Sobre a ética, destaca que consiste em agir de acordo com a natureza ra-
cional, em que todos têm livre-arbítrio, orientados pela consciência e a ordem
moral, praticar o bem e evitar o mal, baseando-se na razão natural de Deus.
Retomou o conceito de Aristóteles e procurou aplicá-lo à teologia cristã e
à sociedade da época, defendendo a ideia de um regime político misto (mo-
narquia, aristocracia e democracia) defendido por Aristóteles.
Seu pensamento define o ser humano em dois elementos distintos: a matéria
(potencialidades) e o princípio realizador, sendo a base da existência humana.
A concepção hilemórfica é coerente com a crença, sendo Deus o salvador de
toda a humanidade.

Para saber mais


Summae é uma palavra que na língua inglesa significa conhecimento em um campo, como
os compêndios de teologia, filosofia e direito canônico, que foram usados tanto como livros
didáticos nas escolas e como livros de referência durante a Idade Média.
Fonte: Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Summa>. Acesso em: 28 de mar. 2014.

2.8 Política para Sócrates


Figura 2.9 Sócrates

Fonte: Georgios Kollidas/Dreamstime (2014).

Nascido em 469 a.C. em Atenas, na Grécia, foi um filósofo grego do período


clássico da Grécia Antiga, conhecido como um dos fundadores da filosofia
ocidental. Foi considerado um importante filósofo para a sociedade. Seus
primeiros pensamentos abordavam a essência da alma humana e a natureza.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 67

Sócrates não escrevia seus pensamentos, gostava de usar a voz, o que se sabe
sobre suas ideias foi deixado nas obras de seus discípulos Platão e Xenofontes.
Acreditava que a sabedoria era limitada a sua própria ignorância e que os
erros eram consequências, com intenção de fazer com que as pessoas refletis-
sem sobre os seus desconhecimentos.
Apontava que a melhor forma para se viver era concentrar-se no próprio
desenvolvimento natural e na melhor forma de conviver e se relacionar com
a comunidade, em vez de buscar a riqueza material. Suas ações confirmam o
que pregava, aceitando a sentença de morte, acreditando que não poderia fugir
de sua comunidade e colocando a virtude acima de tudo.
Na política, acreditava que as ideias e ações pertenciam ao mundo que
somente os sábios conseguiriam entender. Apostando nos filósofos para assumir
o governo, por este pensamento chamou atenção da sociedade, principalmente
atraindo os jovens que queriam vê-lo no poder. Por este motivo não foi visto
com bons olhos, sendo acusado injustamente, aceitando a condenação, pois
acreditava que não se questionava o império da lei.

Questões para reflexão


Por que esses pensadores retratados anteriormente são importantes
para a história da ciência política?

Caro(a) acadêmico(a), esperamos que o estudo desta unidade tenha con-


tribuído significativamente para seu aprendizado. Para aperfeiçoar ainda mais
seus conhecimentos, sugerimos a leitura do livro Teoria geral do Estado e da
ciência política, Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga.

Atividades de aprendizagem
1. Qual o pensador que afirma que o “homem é o lobo do homem”.
Assinale a alternativa correta:
( ) Nicolau Maquiavel.
( ) Hobbes.
( ) Locke.
( ) Rousseau.
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68 CIÊNCIA POLÍTICA

2. O pensador Nicolau Maquiavel é reconhecido como o fundador do


pensamento e da ciência moderna. Diante desse contexto, explique
por que teve tal reconhecimento.

Fique ligado!
Caro(a) acadêmico(a), apresentamos uma discussão geral acerca da
teoria política e as diferentes doutrinas, na qual foram abordados os
seguintes itens:
A teoria política veio fornecer os conceitos necessários à condução
da ciência política, esclarecer e contribuir para o desenvolvimento
desta ciência e dos valores políticos.
Liberalismo é um conjunto de princípios e teorias políticas, que apresenta
como questão principal a defesa da liberdade política e econômica.
O capitalista compra a força de trabalho das pessoas para produzir bens
ou serviços que, após serem vendidos, permitem recuperar o capital
investido e obter um acréscimo, uma vantagem, denominada lucro, ou
seja, aumento do capital investido originariamente.
Socialismo surgiu no final do século XVIII, sendo considerado uma dou-
trina política e econômica, caracterizada pela ideia de modificação da
sociedade por meio da distribuição equilibrada de riquezas e proprie-
dades, enfraquecendo a distância entre ricos e pobres; é o oposto do
capitalismo.
Social-democracia surgiu no final do século XIX, por partidários do
marxismo, que apostavam que uma sociedade socialista deveria ocorrer
sem revolução, e sim pela reforma legislativa do sistema capitalista.
A classificação do romano Cícero, acrescentando uma quarta forma de
governo: governo misto.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 69

Maquiavel classifica as formas de governos em monarquia e república.


A monarquia está dividida em absoluta e limitada.
A república pode ser aristocrática ou democrática.
Abordamos uma discussão referente aos clássicos do pensamento
político; seus variados conceitos foram explanados como segue:
Aristóteles destaca as formas de governo como sendo três boas e três
desvirtuadas.
Thomas Hobbes é defensor de um Estado absoluto, ao qual o homem,
em última análise, deve se submeter, a fim de garantir sua própria con-
dição de sobrevivência, já que o estado de natureza não é mais possível
no contexto social.
John Locke foi um filósofo inglês, estudou em Oxford, onde se formou
em medicina; posteriormente, se tornou professor dessa universidade.
Nicolau Maquiavel classifica as formas de governo em termos dualistas,
de uma parte, a monarquia e poder singular, e de outra, a república ou
poder plural.
Platão foi um filósofo matemático. Escreveu diversos diálogos filosóficos,
foi o fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de ensino
superior.
Santo Agostinho foi um filósofo, bispo e teólogo cristão, escritor de
diversos sermões importantes.
São Tomás de Aquino teve mérito com a síntese do cristianismo, apre-
sentando uma visão aristotélica do mundo, ou seja, estudo formal
moderno, compreendendo maior desenvolvimento da teoria lógica.
Sócrates foi considerado um importante filósofo para a sociedade, seus
primeiros pensamentos abordavam a essência da alma humana e a
natureza.
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70 CIÊNCIA POLÍTICA

Para concluir o estudo da unidade


Caro(a) acadêmico(a), nesta unidade apresentamos uma discussão refe-
rente aos clássicos do pensamento político, seus pensamentos e teorias,
vale relembrar, para aprofundar ainda mais seus conhecimentos, que
sugerimos a leitura do livro Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes,
Locke, Montesquieu, de Francisco C. Weffort (2002).

Atividades de aprendizagem da unidade


1. Sobre as doutrinas políticas, formas de governo e suas classificações,
assinalem V para a sentença verdadeira e F para a falsa.
( ) O liberalismo defende a extinção da propriedade privada e dos
meios de produção.
( ) O capitalismo defende uma reforma total em seu sistema.
( ) O romano Cícero defendia um quarto tipo de forma de governo,
o misto.
( ) A monarquia absoluta é aquela em que o governo por meio do
monarca exerce o poder de maneira parcial.
( ) O socialismo é uma linha de pensamento criada para confrontar
o liberalismo e a monarquia.
Assinale a alternativa correta:
( ) V, V, V, F, V ( ) V, V, V, V, V ( ) F, F, V, F, F
( ) V, F, V, F, F ( ) F, F, V, V, F
2. Em relação aos pensamentos dos clássicos políticos, avalie as afirma-
ções corretas.
I — Nicolau Maquiavel é reconhecido como fundador do pen-
samento e da ciência política moderna, por escrever sobre o
Estado e o governo.
II — Thomas Hobbes afirmou que o homem é defensor da proprie-
dade privada e do Estado liberal.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 71

III — John Locke defende como forma de governo a monarquia


absoluta.
IV — As principais obras de Aristóteles foram O banquete e A
república. Nesta última, descreve a importância da arte de
governar.
V — Sócrates, em sua abordagem, estabelece a especificidade da
política, mostrando-a como esfera autônoma da vida social.
Assinale a alternativa correta:
( ) Apenas as sentenças I, II e V estão corretas.
( ) Apenas as sentenças I, e IV estão corretas.
( ) Apenas as sentenças I, III e V estão corretas.
( ) Apenas as sentenças I e III estão corretas.
( ) Apenas as sentença IV e V estão corretas.
3. A república é caracterizada pelo poder temporário, cujo exercício
se dará de forma eletiva, ou seja, é atribuído ao povo por meio do
voto, pode ser classificada em aristocrática ou democrática. Diante
do exposto, assinale a alternativa correta.
( ) A república aristocrática se baseia no princípio da soberania do
governo, o povo é o alicerce principal dos poderes do Estado.
( ) A república aristocrática é aquela em que o governo é exercido
por uma classe privilegiada pela origem ou conquistas, era uma
espécie de assembleia representativa, a representação se dava
por algum motivo, como: cultura, patriotismo, riqueza.
( ) A república aristocrática é aquela em que o poder do Estado
pertence ao governo.
( ) A república aristocrática é aquela em que o poder do Estado
está fortemente ligado ao povo, de forma que este tem o poder
de decisão.
( ) A república pode ser aristocrática, democrática e monárquica.
4. O liberalismo teve sua origem no século XVII, na Inglaterra. Surgiu
das publicações sobre a política do filósofo inglês John Locke. No
século XVIII, o liberalismo econômico teve força com os pensamentos
defendidos pelo filósofo e economista escocês Adam Smith. Diante do
exposto, assinale V para a sentença verdadeira e F para a falsa.
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72 CIÊNCIA POLÍTICA

( ) O liberalismo pode ser entendido como o conjunto de teorias e


princípios políticos que defendem os indivíduos perante o Estado.
( ) Liberalismo é considerado um sistema econômico que tem por
base o lucro e a produção em massa.
( ) Liberalismo é um conjunto de princípios e teorias políticas, que
apresenta como questão principal a defesa do modo de produção
capitalista.
( ) Liberalismo é um conjunto de princípios e teorias políticas, que
apresenta como questão principal a defesa da liberdade política
e econômica.
( ) O liberalismo compra a força de trabalho das pessoas para
produzir bens ou serviços que, após serem vendidos, permitem
recuperar o capital investido e obter um lucro.
Assinale a alternativa correta:
( ) V, F, V, F, V ( ) V, V, V, F, F ( ) V, V, V, V, V
( ) V, F, F, V, F ( ) V, F, V, F, V
5. Capitalismo é o sistema econômico que se caracteriza pela proprie-
dade privada dos meios de produção e pela liberdade de iniciativa
das pessoas para empreender, ou seja, liberdade da iniciativa privada.
Sobre esse tipo de doutrina política, é correto afirmar que:
I — A sua origem ocorreu, principalmente, devido às ideias do
socialismo.
II — Atualmente, a maioria dos países não adota o sistema capita-
lista, mas, sim, o socialista.
III — No sistema capitalista, as indústrias, lojas, distribuidoras, em-
presas em geral, pertencem a empresários e não ao Estado.
IV — Os Estados Unidos foram os grandes precurssores do capitalismo.
V — Todos os países que atuam no modo de produção do capita-
lismo são denominados países capitalistas.
Assinale a sentença correta:
( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
( ) As afirmativas II, IV e V estão corretas.
( ) As afirmativas III, IV e V estão corretas.
( ) As afirmativas II, III estão corretas.
( ) As afirmativas II, III, IV e V estão corretas.
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Te o r i a p o l í t i c a e s e u s g r a n d e s p e n s a d o r e s 73

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Unidade 3
Ciência política
e sociedade
Wilson Sanches

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade discutiremos alguns


autores da modernidade que se preocupam com questões relacio-
nadas à política e à sociedade.

Seção 1: A crítica socialista de Marx


Discutiremos a crítica socialista de Marx.

Seção 2: A discussão contratualista


e o pensamento de Rousseau
Discutiremos o contratualismo de Rousseau.

Seção 3: A divisão dos poderes e a democracia


Faremos a discussão sobre a divisão dos poderes e
a democracia, abordando respectivamente Montes-
quieu e Tocqueville.

Seção 4: As tipologias de poder e a necessidade


da hegemonia
Discutiremos as tipologias de poder e a necessidade
da hegemonia apresentando as formas de governo
e a teoria gramsciana.
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76 CIÊNCIA POLÍTICA

Introdução ao estudo
Há uma expressão que diz “a desgraça de quem não se interessa por política
é ser governados pelos que se interessam”. Muitos afirmam que política não
se discute. Ao contrário, nós acreditamos que política se discute sim e que
não se interessar pela política é impossível porque ela está presente em todos
os momentos de nossas vidas. A política enquanto relações interpessoais e a
política como intervenção institucional. Há um conjunto enorme de leis que
governam nosso dia a dia, todas elas decididas no âmbito da política, como
não se interessar? Como não discutir?
Apresentaremos brevemente nesta unidade alguns autores que discutiram a
política em todas as suas vertentes, muitos no sentido de construir uma proposta
que seguimos até hoje, outros que discordaram da forma como a política era e
é feita propondo novos rumos. O interessante é mergulharmos nesta aventura
que é aprender sobre grandes pensadores ao mesmo tempo que pensamos e
refletimos sobre nossa própria realidade.

Seção 1 A crítica socialista de Marx

Você já percebeu como algumas pessoas marcam a história? Como alguns


nomes conseguem transcender sua própria época e ser lembrados e estudados
durante anos? Estes são os clássicos, pensadores que conseguiram produzir
obras que são fundamentais para compreender nossa própria história e o de-
senrolar dos acontecimentos que desembocaram na atualidade tal e qual ela é.
Pois bem, marcar o nome na história e ser lembrado não significa ser amado por
todos; alguns pensadores produzem ideias, outros, além de ideias, produzem
sentimentos dos mais variados.

Questões para reflexão


O Estado, na forma como o conhecemos hoje, é necessariamente a
única forma de vivência política?

Em meados do século XIX um alemão empreendeu diversos esforços para


se afastar do idealismo em que a filosofia alemã havia mergulhado e tentar
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Ciência política e sociedade 77

compreender os homens reais, homens de carne e osso, que são movidos por
suas necessidades materiais e estão dentro de um contexto histórico. Karl Marx
(1818-1883) tentou explicar como os homens produzem sua existência social
por meio do trabalho e, além disso, pintou um quadro bastante completo de
como se dá a emergência da burguesia e o surgimento do proletariado urbano,
como, ao mesmo tempo, surgia o capitalismo industrial e as nações e os Estados
modernos se consolidavam.

Para saber mais


Para conhecer melhor o pensamento de Karl Marx, sugerimos a obra O que é marxismo, da
Coleção Primeiros Passos, de autoria de José Paulo Netto (2006).

Para Marx, o surgimento do Estado moderno não está desvinculado das bases
materiais, não há sentido estudar a política como se fosse algo desconectado
dos outros elementos da vida material, pois não é a política que diz como as
coisas são, é como as coisas são que diz como a política é. Vamos permitir que
o próprio Marx se explique:
O resultado geral ao qual cheguei, e que, uma vez adquirido
serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado
brevemente assim: na produção social de sua existência, os
homens entram em relações determinadas, necessárias e
independentes de suas vontades, relação de produção que
corresponde a um grau de desenvolvimento determinado de
suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações
de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se ergue uma superestrutura jurí-
dica e política e à qual corresponde a formas de consciências
sociais determinadas. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual
em geral. Não é a consciência do homem que determina o
seu ser; é inversamente seu ser social que determina a sua
consciência (MARX, 1978, p. 4).

Portanto, para Marx, a sociedade precisa de um conjunto de forças produ-


tivas e relações sociais que são a base da sociedade, e é a partir disso que se
erguem as instituições sociais e políticas, ou seja, é necessário uma infraestrutura
(base econômica em seu sentido mais amplo) para que exista uma superestru-
tura, as relações de produção são a infraestrutura, enquanto a política pertence
à esfera da superestrutura.
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78 CIÊNCIA POLÍTICA

Se a política pertence à esfera da superestrutura, e esta, por sua vez, é er-


guida sobre uma base material, as relações de produção reais, como é a polí-
tica na sociedade capitalista? Para compreender o pensamento de Marx sobre
o Estado moderno e a política é preciso entender sua visão sobre a história e,
mais especificamente, como se deu a constituição da sociedade capitalista.
Para Marx (2003), a história da sociedade é uma sucessão de lutas de classes
em que a classe dominada se levanta contra a classe dominante. Esse levante
revoluciona todo o modo de produção e, por conseguinte, todas relações sociais
que emanam das relações de produção. A burguesia, durante o período feudal,
era a classe dominada. Como tal, ela desempenhou seu papel revolucionário,
ou seja, levantou-se contra a classe dominante e, ao revolucionar o modo de
produção, revolucionou todas as forças sociais, sobretudo a política.
Cada etapa no desenvolvimento da burguesia acompa-
nha-se de um progresso político correspondente. Classe
oprimida pela nobreza feudal, associação armada
administrando-se a si própria na comuna; aqui república
urbana independente (como na Itália e na Alemanha), ali
terceiro Estado, tributário da monarquia (como na França);
depois, no período manufatureiro, servindo a monarquia
semifeudal ou absoluta como contrapeso da nobreza, de
fato pedra angular das grandes monarquias em geral — a
burguesia, desde o estabelecimento da indústria moderna
e do mercado mundial, conquistou finalmente a soberania
política no Estado representativo moderno. O Governo
do Estado moderno é apenas um comitê para gerir os
negócios comuns de toda a burguesia (MARX; ENGELS,
2003, p. 28, grifo nosso).

A burguesia conseguiu moldar o mundo à “sua imagem e semelhança”. O


Estado moderno, assim como toda a política,
serve exclusivamente para gerir os negócios
Para saber mais da burguesia e atender aos seus interesses, ou
Um filme muito interessante sobre seja, tornar o caminho livre para que o capital
as contradições de um Estado ca- possa se valorizar cada vez mais. O Estado
pitalista é SICKO — $O$ Saúde,
dentro do modo de produção capitalista é
do diretor Michael Moore. Entre
uma entidade de classe, da classe dominante.
outras coisas, ele aborda a questão
da seguridade social e de saúde nos A política aparece, neste sentido, como “[...] o
Estados Unidos. poder organizado de uma classe para oprimir
outra” (BOBBIO, 1993, p. 741).
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Ciência política e sociedade 79

No entanto, não foram só as condições para seu enriquecimento e domi-


nação que a burguesia criou, ela também fundou o proletariado urbano, este
proletariado que será a classe dominada, a qual deverá, ao seu tempo, cumprir
seu papel revolucionário. Vejam o que Marx e Engels falam no Manifesto do
Partido Comunista (2003, p. 37):
A condição essencial para a existência e o domínio da
classe burguesa é a formação e o crescimento do capital;
a condição de existência do capital é o trabalho assala-
riado. Esse baseia-se exclusivamente na concorrência entre
os trabalhadores. O progresso da indústria, cujo agente
involuntário é a própria burguesia, substitui o isolamento
dos operários, resultante de sua associação. O desenvol-
vimento da indústria moderna, portanto, abala a própria
base sobre a qual a burguesia assentou seu regime de
produção e de apropriação. O que a burguesia produz
principalmente são seus próprios coveiros. Sua queda e a
vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.

Ao cumprir seu papel revolucionário, o proletariado terá de fazer valer


essa política para conseguir chegar a uma sociedade sem classes. No pensa-
mento de Marx, segundo Bobbio (1993), a luta de classe conduz à ditadura do
proletariado, e essa ditadura é apenas uma passagem para o fim da sociedade
dividida em classes.
Qual a diferença entre a ditadura do proletariado e a ditadura de outras
classes? Norberto Bobbio (1993, p. 743) nos ajuda a responder a essa questão:
Todos os Estados que existiram foram ditaduras de uma
classe. A essa regra não faz exceção o Estado em que o
proletariado se torna classe dominante, mas diferentemente
da ditadura de outras classes, que foram sempre ditadura
de uma minoria de opressores sobre uma maioria de opri-
midos, a ditadura do proletariado, sendo a ditadura de uma
enorme maioria de oprimidos sobre uma minoria de opres-
sores destinada a desaparecer, é ainda uma forma de
Estado, mas tal que, tendo objetivo à eliminação do an-
tagonismo das classes, tende à gradual extinção daquele
instrumento de domínio de classe que é o próprio Estado.
[...] Estado em que a classe dominante é o proletariado
não é, então, um Estado como os demais, porque está
destinado a ser o último Estado: é um Estado de transição
para a sociedade sem Estado. É um Estado diferente de
todos os demais, porque não se limita a apoderar-se
do Estado existente, mas cria um novo Estado, tão novo
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80 CIÊNCIA POLÍTICA

que põe as condições para o fim de todos os Estados. O


Estado de transição, enfim, se caracteriza por dois elemen-
tos diferentes que não podem ser confundidos: ele, apesar
de destruir o Estado burguês anterior, não destrói o Estado
como tal; todavia, construindo um Estado novo, já lança
as bases da sociedade sem Estado.

Nesse texto, Bobbio (1993) apresenta um movimento complexo da teoria


marxista. O Estado não pode ser superado, ele deve desaparecer. Porém, o
que deve sumir não é o Estado como tal, mas o burguês. No entanto, com a
destruição do Estado burguês, o Estado como tal entrará em extinção.
Ainda hoje há uma série de influências da obra de Marx sobre a política.
É evidente que maior questão que se levanta acerca de seus escritos é sobre
a possibilidade de haver ou não uma revolução. Quais são as reais possibi-
lidades de uma revolução do proletariado nos dias de hoje? Quem é esse
proletariado hoje? Uma crítica de vários marxistas da atualidade é de que as
expressões que remetem à ideia de classe aos poucos foram desaparecendo de
nossa sociedade, em vez de se falar de classe fala-se de sociedade civil, este
nome que não ajuda a entender o caráter revolucionário da ideia de classe.
A sociedade moderna é uma sociedade divida em classe, a política atual é
marcadamente fruto da infraestrutura material, e para a revolução acontecer
é preciso lembrar da última frase do Manifesto do Partido Comunista: “operá-
rios do mundo, uni-vos!”.

Atividades de aprendizagem
1. É possível falar de uma revolução dos trabalhadores hoje? Desenvolva
um pequeno texto argumentativo sobre essa questão.
2. Faça um pequeno texto argumentativo apresentando elementos que
comprovem e que contrariem a afirmação de Marx contida no Mani-
festo do Partido Comunista: “O Governo do Estado moderno é apenas
um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia”.
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Ciência política e sociedade 81

Seção 2 A discussão contratualista


e o pensamento de Rousseau
Todos nós, em algum momento de nossa vida, já assinamos um contrato.
Um contrato de trabalho, de prestação de serviço, de recebimento de serviços
etc. O que continha esse contrato? Basicamente, havia um enunciado legal
sobre as responsabilidades e os direitos de cada uma das partes assinantes do
contrato. Em um contrato de trabalho, por exemplo, o empregador se com-
promete a remunerar o empregado em determinado dia, a fornecer condições
necessárias para o desenvolvimento do trabalho, a dar o descanso semanal
remunerado etc., ao mesmo tempo em que o empregado se compromete a
trabalhar um número fixo de horas por semana, a se comportar de acordo com
as normas da empresa etc. Após a assinatura, as partes estão comprometidas
pelo que contém o documento, há uma relação contratual. Mas o que têm a
ver contrato e política?

Questões para reflexão


Como nossas relações políticas estão estruturadas? Quem concordou
com o fato de haver quem mande e quem obedeça?

O século XVII marca a era do grande racionalismo e a tendência do pen-


samento a se secularizar, e é neste contexto que começam algumas preocu-
pações em explicar a origem do Estado sem recorrer à intervenção divina ou
qualquer outro tipo de pensamento religioso. Partindo desses pressupostos,
o pensamento político do século XVII e XVIII será marcado por uma explicação
sobre a origem do Estado por meio do contrato social. Aqui, é preciso ter claro
que a ideia de origem não se refere à cronologia, não há uma preocupação em
delimitar quando o Estado foi criado, mas a ideia de origem está relacionada à
razão de ser do próprio Estado. O que se procura é “[...] legitimidade da ordem
social e política, a base legal do Estado” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 238).
A corrente teórica que tratará desta legitimidade política por meio do contrato
social chama-se contratualismo.
Norberto Bobbio (1993) afirma que correntes teóricas muito diversas entre
si podem ser identificadas com o contratualismo e, por essa razão, a definição
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82 CIÊNCIA POLÍTICA

do termo é bastante complexa. No entanto, este mesmo autor define o termo


da seguinte maneira:
O Contratualismo compreende todas aquelas teorias po-
líticas que veem a origem da sociedade e o fundamento
do poder político (chamado, quando em quando, potestas
imperium, Governo, soberania, Estado) num contrato, isto
é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos in-
divíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural
e o início do estado social e político. Num sentido mais
restrito, por tal termo se entende uma escola que flores-
ceu na Europa entre o começo do século XVII e os fins
do século XVIII e teve seus maiores expoentes em J. Al-
thusius (1557-1638), T. Hobbes (1588-1679), B. Spinoza
(1632-1677), S. Pufendorf (1632-1694), J. Locke (1632-
-1704), J.-J. Rousseau (1712-1778), I. Kant (1724-1804).
Por escola entendemos aqui não uma comum orientação
política, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou de
uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força
e alicerçar o poder do consenso (BOBBIO, 1993, p. 272,
grifos nossos).

Podemos destacar aqui dois fatos importantes: a) apesar de o contratualismo,


num sentido estrito, estar delimitado aos séculos XVII e XVIII, ele ainda tem
grande influência sobre o pensamento político moderno; e b) a fórmula básica
do contratualismo é a passagem do estado de natureza ao estado social, ou
político. O problema desta última afirmação é que não há um consenso entre
os contratualistas sobre quais seriam as condições dos homens nesse estado de
natureza, e quais seriam as causas para que se deixasse o estado de natureza
e se passasse a um estado social ou político. Por esse motivo, a partir de agora
nosso foco serão as discussões feitas por Jean-Jacques Rousseau.
Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, e com 30 anos mudou-
-se para Paris, onde estavam em efervescência os ideais que culminariam na
Revolução Francesa (1789). Ele viveu em pleno Iluminismo, período em que se
apostava nos poderes da razão, porém, não tinha muito otimismo em relação aos
poderes da técnica e do progresso. “Rousseau valorizava o sentimento em um
ambiente sobremaneira racionalista” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 249). Escre-
veu peças de teatro, romances, sobre música e, evidentemente, sobre política.
Os temas mais candentes da filosofia política clássica,
tais como a passagem do estado de natureza ao estado
civil, o contrato social, a liberdade civil, o exercício da
soberania, a distinção entre o governo e o soberano, o
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Ciência política e sociedade 83

problema da escravidão, o surgimento da propriedade,


serão tratados por Rousseau de maneira exaustiva, de
um lado, retomando as reflexões de autores da tradicio-
nal escola do direito natural, como Grotius, Pufendorf
e Hobbes e, de outro, não poupando críticas pontuais
a nenhum deles, o que o colocará no século XVIII em
lugar de destaque entre os que inovaram a forma de se
pensar a política, principalmente ao propor o exercício da
soberania pelo povo, como condição primeira para sua
libertação (NASCIMENTO, 2000, p. 194, grifo do autor).

A posição de Rousseau em distinguir os conceitos de governo e soberania é,


de algum modo, inovadora. Duas obras desse autor são importantes para a com-
preensão de seu pensamento político, por comporem uma unidade temática, a
saber, Do contrato social e Do discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens. Para compreender a unidade temática em Do
contrato social é interessante observarmos a afirmação do próprio Rousseau no
primeiro capítulo dessa obra: “O homem nasceu livre, e por toda parte geme
agrilhardado; o que julga ser senhor dos demais é de todos o mais escravo.
Donde veio tal mudança? Ignoro-o. Quem a legitima? Esta questão creio poder
responder” (ROUSSEAU, 2004, p. 23). O autor suíço irá resolver a questão da
legitimidade das mudanças que levaram o homem livre à condição de escravo
no livro Do discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre
os homens, no qual ele constrói a história hipotética da humanidade. Nessa
construção, os homens viviam em estado de natureza, “[...] bons, sadios e
felizes, cuidando de sua própria sobrevivência até o momento em que surge
a propriedade e uns passam a trabalhar para os outros gerando escravidão e
miséria” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 250). Essa escravidão e miséria surgem
de um primeiro pacto, um falso pacto social apresentado pelos que possuíam
propriedade a fim de defender suas propriedades. Eis a proposta:
Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter
os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo
que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e
de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se,
que não abram exceção para ninguém e que, submetendo
igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, re-
parem de certo modo os caprichos da fortuna. Em uma
palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mes-
mos, reúnamo-nos num poder supremo que nos governe
segundo sábias leis que protejam e defendam todos os
membros da associação, expulsem os inimigos comuns
e nos mantenham em concórdia eterna.
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84 CIÊNCIA POLÍTICA

Foi preciso muito menos do que o equivalente a este


discurso para arrastar homens grosseiros e fáceis de
seduzir [...] Todos correram para suas cadeias de ferros,
acreditando assegurar a própria liberdade. [...] Tal foi
ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que
deram novos entraves aos fracos e novas forças aos ricos,
destruíram sem remédio a liberdade natural, fixaram para
sempre a lei da propriedade e da desigualdade, de uma
astuta usurpação fizeram um direito irrevogável, e, para
o proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro
todo gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria
(ROUSSEAU, 2014, p. 113-115).

Para saber mais


O filme V de Vingança, dirigido por James McTeigu, é um excelente exemplo de um falso pacto.

Esse primeiro pacto é falso porque beneficia exclusivamente os que pos-


suem a propriedade. Em Do contrato social (2004), o que Rousseau pretende
estabelecer são as condições de possibilidade para um pacto legítimo, em que
os homens, depois de terem perdido a liberdade natural, ganham a liberdade
civil, e para que isso aconteça é necessária a:
[...] alienação total de cada sócio, com todos os seus
direitos, a toda a comunidade; pois, dando-se cada um
por inteiro, para todos é igual a condição, e, sendo ela
para todos igual, ninguém se interessa em torná-la aos
outros onerosa (ROUSSEAU, 2004, p. 31).

Para saber mais


Para conhecer melhor as condições para um pacto legítimo, sugerimos a leitura dos capítulos
VI, VII e VIII do Livro I, em Do contrato social, de Rousseau.

Aqui se estabelece uma condição de igualdade que legitima o pacto, nin-


guém sai prejudicado nesse tipo de contrato,
pois o corpo soberano que surge após o contrato é o único
a determinar o modo de funcionamento da máquina polí-
tica, chegando até mesmo a ponto de poder determinar a
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Ciência política e sociedade 85

forma de distribuição da propriedade, já que a alienação


da propriedade de cada parte contratante foi total e sem
reservas (NASCIMENTO, 2000, p. 196).

Aqui, Nascimento (2000) já dá uma pista da ideia de soberania em Rous-


seau, ou seja, para o autor suíço, o soberano é o corpo coletivo que expressa
sua vontade geral por meio de leis. A soberania do povo se manifesta pelo
legislativo e é inalienável, ou seja, não pode ser dada a outros, o povo não
pode ser representado, qualquer lei que não seja validada pelo povo é nula.
O governo, seguindo os princípios citados anteriormente, não é constituído
por senhores do povo, mas antes são os oficiais do povo podendo ser eleitos
e destituídos conforme a conveniência e os interesses do povo. A democracia
direta é a melhor forma de governo para Rousseau, os cidadãos devem ser
consultados constantemente por meio de assembleias, o governo constituído
apenas executa as leis do soberano, que é o povo.

Atividades de aprendizagem
1. Qual tipo de pacto há no Brasil: pacto legítimo ou ilegítimo? Justifique
sua resposta com dois argumentos.
2. No Brasil, podemos falar de uma soberania da coletividade segundo
os moldes de Rousseau? Utilize exemplos e argumentos para construir
um texto sobre este questionamento.
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86 CIÊNCIA POLÍTICA

Seção 3 A divisão dos poderes


e a democracia
Moramos em um país democrático, somos governados por um presidente e
temos um grupo de pessoas no congresso que fiscaliza o poder do presidente
e outro grupo de juízes que verifica se as leis são de fato constitucionais.
É claro que há outras atribuições, mas qual a importância dessa estrutura para
a manutenção da democracia? Você já ouviu falar da teoria dos três poderes,
ou seja, do poder executivo, legislativo e judiciário? Um dos pensadores que se
preocupou com essa questão foi Charles-Louis de Secondant, mais conhecido
como barão de Montesquieu.

Questões para reflexão


Como fazer para que um poder não domine os outros?

3.1 As ideias de Montesquieu


Charles-Louis de Secondant (1689-1755) nasceu em Brède, perto de Bor-
deaux, na França. Filho de família nobre, foi chamado de barão de La Brède e,
mais tarde, barão de Montesquieu. Montesquieu recebeu formação iluminista,
a qual fez que ele se tornasse um crítico ferrenho do clero e do absolutismo,
que estava em franca decadência.

Para saber mais


Uma das possíveis definições de absolutismo é “[...] sistema político em que se concretiza juri-
dicamente através de uma forma de Estado e que toda autoridade (poder legislativo e executivo)
existe, sem limites nem controle, nas mãos de uma única pessoa” (BOBBIO, 1993, p. 2).

Montesquieu é uma figura paradoxal dentro da história do pensamento,


pois antes de ter ultrapassado Locke, foi discípulo direto dele
[...] do constitucionalismo britânico. No ensaio Sobre o
poder civil encontram-se ao mesmo tempo, como observa
o decano Davy, “a teoria do poder limitado pelas leis
fundamentais do bem público e da liberdade privada e
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Ciência política e sociedade 87

a famosa repartição das funções, garantia da liberdade”.


Porém, Montesquieu é sucessor do tradicionalismo aris-
tocrático, do qual deriva uma parte das suas concepções.
Se bem que esteja ligado pela sua condição à nobreza de
toga, está próximo, pelo espírito, dos grandes senhores,
de Fénelon e de Saint-Simon, e documenta-se junto com
Le Laboureur e de Boulainvilliers.
Assegurando a confluência das duas tendências, Montes-
quieu é talvez o mais temível adversário do absolutismo,
por ser mais realista. O verdadeiro processo para enfra-
quecer o poder no interesse da liberdade individual, não
é dividi-lo como proporá Rousseau, mas sim partilhá-lo.
Ora, esta partilha pode ser feita de duas maneiras; no
sentido vertical, através da interposição entre o poder e
os súditos de corpos intermediários que serão, segundo a
tradição aristocrática, depositários de uma parte do poder,
e no sentido horizontal, através do reconhecimento de
um poder legislativo, de um poder executivo, e de um
terceiro poder que, para Locke era “federativo” e que,
para Montesquieu será “judiciário”. Estes três poderes
equilibram uns aos outros (PRELÓT, 1974, p. 51-52).

Agora entramos em algo que está presente em nosso cotidiano. Quantas


vezes você ouviu falar dos poderes executivo, legislativo e judiciário no
Brasil? Pois é, a teoria dos três poderes, ou a teoria da separação dos pode-
res, aparece na obra de Monstequieu, mas não só isso. Ele também trata das
tipologias dos governos.
Nosso nobre barão contribui também para a adoção do conceito de leis
científicas nas ciências humanas, ou seja, Montesquieu afirmou que haveria cer-
tas uniformidades, certas constâncias na forma como os homens se organizam.
Assim, Montesquieu rompe com a tradição que submete a política à teologia,
afirmando que há uma regularidade na política e que é possível estudá-las
desde que se observem as leis que derivam das relações políticas. “As leis que
regem as instituições políticas, para Montesquieu, são relações entre as diversas
classes, as formas de organização econômica, as formas de distribuição de po-
der e etc.” (ALBUQUERQUE, 2000, p. 115). Especificamente, o que ele elege
como seu objeto de estudo são as instituições que os homens criam para reger
suas relações com os outros homens, e é por causa desse objeto que ele irá se
interessar pelas formas de governo, sua preocupação não está em perceber a
existência de instituições políticas, mas em compreender como elas funcionam.
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88 CIÊNCIA POLÍTICA

Em seus escritos, Montesquieu considera duas formas de funcionamento


político das instituições: 1) a natureza, que diz respeito a quem detém o poder;
e 2) o princípio de governo, que é a paixão que move os governos, o modo
de funcionamento do governo. São três os princípios de governo. Tentaremos
mostrar como essas duas dimensões se articulam (Quadro 3.1).

Quadro 3.1 Tipos de governo segundo sua natureza e princípio

Dimensões
Tipo de governo
Natureza Princípio
Um só governa, por meio de leis
Monarquia Honra
fixas e instituições
Governa o povo no todo ou em
República Virtude
parte (repúblicas aristocráticas)
Despotismo Governa a vontade de um só Medo
Fonte: Do autor (2014).

O despotismo é um regime, segundo Montesquieu, que se situa no limiar


da política, é quase uma extensão do estado de natureza (o mesmo estado de
natureza que discutimos anteriormente de Rousseau); os homens agem movidos
pelos instintos e apenas orientados para a sobrevivência, razão pela qual esse
regime está fadado à autofagia, ou seja, um tipo de governo em que o princípio
é o medo, que está fadado à autodestruição.
A honra, própria dos governos monárquicos, não é uma paixão política pro-
priamente dita, antes de tudo ela é uma paixão social. “Ela corresponde a um
sentimento de classe, a paixão da desigualdade, o amor aos privilégios e prer-
rogativas que caracterizam a nobreza” (ALBUQUERQUE, 2000, p. 117). É por
meio da honra que a nobreza pode transformar seu apetite em bem público.
Só a virtude é uma paixão propriamente política: ela nada
mais é do que o espírito cívico, a supremacia do bem público
sobre os interesses particulares. É por isso que a virtude é o
princípio da república. Onde não há leis fixas nem poderes
intermediários, onde não há poder que contrarie o poder
como a nobreza contraria o rei e esse à nobreza, somente a
prevalência do interesse público poderia moderar o poder e
impedir a anarquia ou o despotismo, eternamente a espreita
dos regimes populares (ALBUQUERQUE, 2000, p. 117).
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Ciência política e sociedade 89

Se pudéssemos classificar em termos cronológicos o que Montesquieu pensa


a respeito dos tipos de governo, poderíamos dizer que a República é o governo
do passado, uma vez que precisaria estar em lugares em que se reunia um pequeno
número de homens com certas igualdades para decidir as coisas referentes à
política. O despotismo é uma ameaça futura, pois na época em que Montesquieu
está escrevendo ele está muito presente; na monarquia absolutista que abolira os
privilégios da nobreza em que apenas o executivo governava sozinho. Apenas a
monarquia é o governo do presente, uma vez que é o governo das instituições.
O autor francês, em uma de suas muitas
viagens, vai à Inglaterra, o que poderia dar Para saber mais
equilíbrio à monarquia. Na Inglaterra, ele
Que tal acompanhar os poderes de
analisa o Parlamento inglês divido em suas
nossa República? Câmara dos De-
duas câmaras — o sistema bicameral em que
putados Federais <http://www2.
há a Câmara dos Lords (constituída pela No- camara.leg.br/>, e Senado Federal
breza) e a Câmara dos Comuns (eleita por <http://www.senado.gov.br>; a
voto popular) — e a função dos três poderes: presidência da República <http://
executivo, legislativo e judiciário. www2.planalto.gov.br>; e o Judi-
A teoria dos três poderes de Montesquieu ciário <http://www.stf.gov.br>.

também é conhecida como separação dos


poderes ou, ainda, equipotência. O Estado de direito só pode existir na medida
em que os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) estiverem separados
e dotados de igual poder. Segundo Bobbio (1993), o que Montesquieu gostaria
de apresentar era a teoria de um “governo balançado”, em que os diversos orga-
nismos, por meio de um jogo de peso e contrapeso, realizariam um “equilíbrio
constitucional” que impediria a consolidação de um poder absoluto.
Você percebeu como a teoria dos três poderes está presente hoje e é uma
das bases da República em que vivemos? Você também deve ter percebido
que o autor que estamos estudando afirmou que a república era coisa de um
passado em que os homens poderiam se reunir para discutir as coisas, então,
qual a tendência política de Montesquieu?
Para responder a essa questão, vamos pedir o auxílio de Aranha e Martins
(2003, p. 249):
Embora o pensamento de Montesquieu tenha sido apro-
priado pelo liberalismo burguês, as suas convicções
dão destaque aos interesses de sua classe e, portanto,
aproximam-se dos ideais de uma aristocracia liberal. Ou
seja, critica toda forma de despotismo, mas prefere a
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90 CIÊNCIA POLÍTICA

monarquia moderada e não aprecia a ideia de ver o povo


assumindo o poder. Aliás, com exceção de Rousseau, o
pensamento liberal do século XVIII permanece restrito aos
interesses dos proprietários e, portanto, elitista. Mesmo
para o ideal Repúblicano de Kant, “o empregado domés-
tico, o balconista, o trabalhador ou mesmo o barbeiro
não são membros do Estado, e assim não se qualificam
para ser cidadãos”. É preciso esperar o século XIX para
ver alterações na política.

Atividades de aprendizagem
1. Analise a República brasileira e verifique se os três poderes (executivo,
legislativo e judiciário) possuem uma correlação de forças que permita
o equilíbrio ou se há algum poder que se sobreponha ao outro.
2. Faça um pequeno texto argumentativo sobre o seguinte tema: a repre-
sentatividade do cidadão no poder legislativo. Nesse texto você pode
abordar questões sobre se o poder legislativo de fato representa o povo,
e sobre como esse poder poderia desempenhar melhor seu papel.

3.2 As análises de Tocqueville


Qual a importância da liberdade para você? Será que em uma sociedade
democrática todos somos iguais? Até que ponto a igualdade não interfere na
liberdade?
Essas e outras questões possivelmente passaram pela cabeça de Alexis de
Tocqueville. Falar de Tocqueville é falar da democracia, da liberdade e da
igualdade.
Alexis de Tocqueville (1805-1859) nasceu em uma família aristocrática
que pertencia à pequena nobreza do Antigo Regime. Foi historiador, escritor
e pensador político que viveu durante o século XIX na França. Sua principal
obra é A democracia na América, de 1835.
Em 1832, Tocqueville foi encarregado de estudar o regime penitenciário
nos Estados Unidos, e ao chegar em terras norte-americanas ele descobre uma
sociedade civil nova em que a igualdade civil e a preponderância da classe
média estavam em um patamar que a velha Europa nunca havia imaginado.
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Ciência política e sociedade 91

Segundo Prelót (1974, p. 172), “Tocqueville descobre que a democracia como


fenômeno social existe e explica aos seus contemporâneos que essa democracia
constitui inevitavelmente o futuro”.
Gostaria de ressaltar aqui um elemento importante: a descoberta da demo-
cracia como fenômeno social. A democracia é uma palavra antiga, cujo con-
ceito, como todos sabem, é governo do povo, então, por que Prelót (1974) fala
de descoberta? Porque uma coisa é o conceito teórico, ou seja, saber o que a
palavra democracia significa buscando sua etimologia; outra coisa é percebê-la
como fenômeno social. Você se lembra do que estudamos sobre Montesquieu?
Uma República, ou seja, coisa de todos, em que todos opinem (democracia) é
coisa do passado, de sociedades pequenas. Tocqueville, no entanto, descobre
a democracia como fenômeno social, ou seja, ela existe, está em curso, e não
apenas nos livros. Mas por que o pensador político francês se encantou com
os Estados Unidos?

Para saber mais


O filme Lincoln (2013), dirigido por Spielberg, se passa durante a guerra civil norte-americana,
em meio à qual havia outra preocupação: formar uma única nação, e para isso era fundamental
a aprovação da lei contra a escravidão.

Porque o processo em curso nos Estados Unidos apontava para uma


igualdade crescente entre os cidadãos, ao mesmo tempo que esses cidadãos
conseguiam preservar a liberdade. Para Tocqueville, isso era fantástico, mas
por quê? Nosso autor, desde que se deparou com os contratualistas clássicos,
formulou uma questão central para todos os seus estudos: “O que fazer para
que o desenvolvimento da igualdade irrefreável não seja inibidor da liberdade,
podendo por isso vir a destruí-la?” (QUIRINO, 2000, p. 152).
Para Tocqueville, a questão fundamental é que o avanço da igualdade pode
levar ao fim da liberdade, porque em nome de uma sociedade mais igualitária os
indivíduos deveriam abrir mão de uma série de coisas, inclusive de si mesmos.
Abordar, portanto, a questão da liberdade e da igualdade
em Tocqueville é necessariamente falar em democracia.
Em primeiro lugar porque Tocqueville identifica, escla-
recendo, igualdade com democracia. Em segundo lugar,
porque ao não trabalhar apenas com indagações abstratas
procura entender a questão da liberdade e da igualdade,
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92 CIÊNCIA POLÍTICA

em que, acredita, elas não foram contraditórias. Isso é,


quando um processo de igualização crescente se dava ao
mesmo tempo em que preservava a liberdade, melhor di-
zendo, quando a democracia se realizava com liberdade.
Para ele, isso estava acontecendo nos Estados Unidos da
América, por volta de 1830 (QUIRINO, 2000, p. 152).

O interesse de Tocqueville não é apenas conhecer a democracia na Amé-


rica, mas construir um conceito definidor de democracia. Ele tenta pintar traços
gerais das sociedades democráticas. Vejamos, então: o conceito de democracia
já existe na época de Tocqueville, e é dado pela própria etimologia da pala-
vra — demo = povo e cracia = governo. Portanto, em uma definição abstrata,
democracia é o governo do povo, mas o que isso quer dizer na realidade con-
creta? Essa é a questão em Tocqueville: para além da mera abstração, o que se
pretende é formular um conceito de democracia que toque as sociedades reais,
concretas. A democracia foi definida por Tocqueville como o governo no qual
o povo desempenha um papel considerável, e seu significado está intimamente
ligado à ideia de liberdade política.
Apesar do seu [Tocqueville] conceito de democracia ter
sido construído a partir principalmente da realidade so-
ciopolítica americana e Toqueville considerar que era nos
Estados Unidos que o processo democrático apresentava-
-se mais desenvolvido, isto não quer dizer que neste país
a democracia já esteja plenamente realizada ou que o
processo igualitário se repetirá da mesma forma, vindo a
cumprir as mesmas etapas em outros lugares. Pelo con-
trário, para ele, cada país, cada nação terá o seu próprio
desenvolvimento democrático. Porém, sem dúvida, todas
caminharão para uma situação cada vez mais ampla de
igualdade de condições. Nessa diversidade de caminhos
que as nações podem percorrer para a realização da de-
mocracia, o fator mais importante para defini-los é a ação
política de seu povo (QUIRINO, 2000, p. 154).

No entanto, no horizonte de nosso autor há alguns problemas que o de-


senvolvimento democrático pode ter de enfrentar. O primeiro é a aparição da
sociedade de massa, a qual poderia destruir as possibilidades das manifestações
de minorias ou mesmo de indivíduos diferenciados. Isso é definido por Tocque-
ville como a tirania da maioria. Outro problema vislumbrado pelo pensador
francês é o surgimento de um Estado autoritário-despótico. O individualismo,
alimentado pelo desenvolvimento do industrialismo capitalista, em que o in-
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Ciência política e sociedade 93

teresse mais alto é o lucro, pode gerar um descaso nos indivíduos em relação
à coisa pública, de modo que o Estado, aos poucos, tomará para si todas as
atividades públicas e começará a decidir sozinho em todos os assuntos públicos,
e aos poucos irá intervir nas liberdades individuais.

Para saber mais


Um livro bastante interessante sobre como a igualdade pode pôr fim à liberdade é 1984, de
George Orwell. O romance mostra uma época em que, em nome da igualdade, viola-se a li-
berdade do indivíduo. No cinema, há pelo menos duas versões para essa obra.

Tocqueville aponta que, para diminuir os perigos para a democracia, é pre-


ciso, no mundo moderno, que os cidadãos participem das atividades políticas,
assim, dificilmente o Estado poderá tomar as decisões sozinho, pois a sociedade
não é de massa, mas uma sociedade de cidadãos. Além disso, é preciso primar
pela existência e manutenção de certas instituições que podem dificultar o
aparecimento de um Estado autoritário.
Apesar dos riscos que estão no horizonte da democracia, da liberdade e da
igualdade, Tocqueville não faz longas considerações tristes sobre essas ameaças,
antes ele tenta indicar aos homens o que é preciso fazer para escapar à tirania e
à degradação.

Atividades de aprendizagem
Leia atentamente o texto a seguir de Mendes (2007):

O individualismo descrito por Tocqueville estaria associado, por sua


vez, à ideia de que o habitante dos Estados Unidos apega-se “[...] aos
bens desse mundo como se tivesse certeza de que jamais morreria”,
e os que dedicaram seu coração à procura exclusiva dos bens deste
mundo são sempre apressados, “[...] pois têm o tempo apenas limitado
para encontrá-los, apoderar-se deles e gozá-los” (TOCQUEVILLE,
1977, p. 409-410).
Ou seja, no desenfreio da procura pelo bem-estar estaria a fonte da
inquietude de espírito dos americanos. Começa aí a descrição de To-
cqueville sobre os perigos que o gosto pelos prazeres materiais pode
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94 CIÊNCIA POLÍTICA

acarretar para a vida pública. Tocqueville reconhece que os homens


dos tempos democráticos “[...] têm necessidade de ser livres, a fim
de procurar mais facilmente os prazeres materiais pelos quais cons-
tantemente suspiram”, mas às vezes ocorre, entretanto, que “[...] o
gosto excessivo que alimentam por esses mesmos prazeres os entrega
ao primeiro senhor que se apresenta” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 412).
Aqui Tocqueville aponta uma clivagem na democracia americana: as
pessoas, em nome da liberdade, julgam seguir a doutrina do interesse
próprio, reduzindo-a grosseiramente ao campo de suas vidas privadas
e acabam desprezando qualquer interesse pela esfera pública.
Agora responda às questões:
1. Depois de ler sobre a teoria de Tocqueville e o texto acima, você
acredita que hoje estamos mais perto de uma democracia ideal ou
de uma democracia despótica? Justifique.
2. As pessoas hoje estão mais interessadas nas discussões de interesse
público ou estão simplesmente se deixando levar pelo individualismo
consumista? Quais são as consequências disso?
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Ciência política e sociedade 95

Seção 4 As tipologias de poder


e a necessidade da hegemonia
No dia 21 de abril de 1993 houve um plebiscito para que os cidadãos esco-
lhessem qual seria a forma de governo do Brasil, bem como qual seria o sistema de
governo. Entre as formas de governo estavam as opções Monarquia e República,
e entre os sistemas de governo estavam o Presidencialismo e o Parlamentarismo.
Como você deve ter percebido, venceram a República e o Presidencialismo.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (2013):
O plebiscito foi determinado pelo artigo 2º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Cons-
tituição Federal de 1988. Pelo artigo, a consulta popular
estava marcada originalmente para ocorrer no dia 7 de
setembro de 1993, mas foi antecipada para 21 de abril de
1993 pela Emenda Constitucional nº 2, de 25 de agosto
de 1992.
De um universo de 90.256.461 eleitores na época, com-
pareceram às urnas 66.209.385 (73,36%), sendo que
551.043 votaram em trânsito na ocasião. A República foi
escolhida por 43.881.747 (66,28%) eleitores, sendo que
a Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) votos. Votaram
em branco neste item 6.813.179 (10,29%) eleitores, e
8.741.289 (13,20%) anularam o voto.
Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo sistema
presidencialista de governo, e 16.415.585 (24,79%),
pelo parlamentarista. Votaram em branco neste item
3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) vo-
taram nulo.

Percebam que os números acima mostram a esmagadora vitória da Repú-


blica sobre a Monarquia e um triunfo mais modesto do Presidencialismo sobre
o Parlamentarismo. No entanto, há aqui um primeiro problema de ordem con-
ceitual. Qual a diferença entre formas e sistemas de governo?

Questões para reflexão


Se você pudesse escolher outra forma, e outro sistema, de governo
para o Brasil, qual seriam?
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96 CIÊNCIA POLÍTICA

4.1 As formas de governo


Da maneira como foi usada no plebiscito, as formas de governo se distan-
ciam da conceituação das formas de governo em Aristóteles. Bobbio (1998,
p. 56) cita Aristóteles mostrando que para esse autor “[...] governo é o poder
soberano da cidade, é necessário que esse poder soberano seja exercido por
‘um só’, por ‘poucos’ ou por ‘muitos’”. O próprio Aristóteles explica seus
conceitos apresentando três maneiras boas de essas três formas de governos
serem exercidas, bem como três maneiras ruins, de modo que para ele há seis
formas de governo:
Chamamos “reino” ao governo monárquico que se pro-
põe a fazer o bem público; “aristocracia”, ao governo de
poucos [...], quando tem por finalidade o bem comum;
quando a massa governa visando ao bem público, temos
a “polida”, palavra com que designamos em comum todas
as constituições [...] As degenerações das formas de go-
verno precedentes são a “tirania” com respeito ao reino;
a “oligarquia”, com relação à aristocracia; e a “democra-
cia”, no que diz respeito à “polida”. Na verdade, a tirania
é o governo monárquico exercido em favor do monarca;
a oligarquia visa ao interesse dos ricos; a democracia, ao
dos pobres. Mas nenhuma dessas formas mira a utilidade
comum (ARISTÓTELES apud BOBBIO, 1998, p. 56).

Para Aristóteles, a classificação das formas de governo é feita a partir de dois


critérios simples: 1) “quem governa”, e 2) “como governa”. A expressão “quem
governa” indica se o governo é exercido por um só, por poucos ou por muitos,
e “como governa” indica se a forma de governo é boa ou ruim.

Quadro 3.2 Formas de governo e seus desvios segundo Aristóteles

Forma de exercício
Formas de governo Formas de desvio do governo
do poder soberano
Governo de um só Monarquia Tirania
Governo de poucos Aristocracia Oligarquia
Governo de muitos Polida Democracia
Fonte: Do autor (2014).

Modernamente, no entanto, há outra maneira de descrever as formas de


governo. Giddens (2005) mostra que um dos aspectos importantes da sociedade
contemporânea é o governo e a política. Para ele:
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Ciência política e sociedade 97

O governo refere-se à representação regular de políticas,


decisões e assuntos de Estado por parte dos servidores que
compõem um mecanismo político. A política diz respeito
aos meios pelos quais o poder é utilizado para influenciar
o alcance e o conteúdo das atividades governamentais
(GIDDENS, 2005, p. 342).

O governo, portanto, é exercício da política por parte de quem está no poder,


sendo assim, em Giddens, não há o estudo das formas de governo, já que estas
seriam transitórias, mas de regimes políticos. Para ele há três tipos fundamentais de
regimes políticos na contemporaneidade: monarquia, democracia e autoritarismo.
A monarquia é o sistema político liderado por um único indivíduo, e o poder,
geralmente, é herdado da família. “A autoridade das monarquias é legitimada
pela força da tradição, e não da lei” (GIDDENS, 2005, p. 343). Na Antiguidade e
na Idade Média houve várias monarquias, e na atualidade ainda existem em Es-
tados como a Grã-Bretanha e a Bélgica. A diferença entre as monarquias antigas
e as novas é que as monarquias da atualidade são monarquias constitucionais,
ou seja, o poder do monarca é restringido pela constituição do país, e essa
mesma constituição confere autoridade aos representantes eleitos pelo povo.
A democracia é um sistema político no qual quem governa é o povo. O pro-
blema dessa definição tão simples é que ao longo da história a expressão “povo”
assumiu significados diferentes, algumas vezes seu sentido foi de homens com
propriedades, brancos, adultos, homens e mulheres que sabem ler e escrever
etc. Como vimos anteriormente com Tocqueville, a democracia diz respeito à
igualdade e à liberdade; na atualidade, a democracia é vista como um sistema
capaz de assegurar o bem comum. A democracia também pode ser de duas
formas diferentes, a direta ou participativa, em que as decisões são tomadas
por todos aqueles que serão afetados por elas, e a representativa, em que se
elegem representantes para tomar as decisões em nome de toda a sociedade.
O autoritarismo é o regime político no qual a participação do povo é repu-
diada ou restringida. Nesse tipo de regime, o interesse do Estado tem prioridade
em relação aos interesses comuns dos cidadãos.

Para saber mais


O filme A Onda, do diretor Dennis Gansel, mostra um professor que propõe um projeto da
escola em que durante uma semana ele precisaria ministrar um curso sobre autocracia. Seu
projeto aborda a manipulação das massas.
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98 CIÊNCIA POLÍTICA

Voltando a falar do plebiscito de 1993, as formas de governo em que se


podia votar eram república ou monarquia. A monarquia foi explicada anterior-
mente. Mas e república, o que é? Vamos a ela.
República é uma palavra que surgiu em Roma para definir uma nova forma
de organização do poder após a saída dos reis. Segundo Bobbio (1993, p. 1107):
[...] res publica quer pôr em relevo a coisa pública, a
coisa do povo, o bem comum, a comunidade, enquanto
quem fala de monarquia, aristocracia, democracia, realça
o princípio de Governo (archia). Foi Cícero, sobretudo,
quem definiu conceitualmente o significado de res pu-
blica, ao demonstrar que por povo se há de entender “non
omnis hominum coetus quoquo modo congregatus sed
coetus moltitudinis iuris consensu et utilitatis communione
sociatus” (não uma multidão unida de qualquer maneira,
mas sim uma multidão unida pelo consenso do direito e
pela utilidade comum).

Vemos na afirmação anterior que a República romana já dá importantes


pistas de como ela irá se diferenciar das monarquias e dos governos injus-
tos. No entanto, apesar de o termo república ter se originado em Roma, na
atualidade ele assume alguns contornos diferentes, sobretudo em função da
Revolução Americana.
Com a Revolução Americana, este significado da palavra
República mudou totalmente: os americanos (John Adams,
Alexander Hamilton) chamaram ao Estado e à Federação,
Repúblicas, não só porque não existia instituição monár-
quica, mas também porque a sua democracia era uma
democracia representativa, baseada na separação dos
poderes e num sistema de pesos e contrapesos entre os
vários órgãos do Estado (BOBBIO, 1993, p. 1108-1107).

Portanto, a república é a coisa de todos, em que todos podem, a partir das


leis vigentes, influenciar em suas decisões mediante os diversos organismos
sociais que permitem haver um equilíbrio entre as forças do Estado, pela divisão
dos poderes, e dos cidadãos, pelo acesso à participação nas decisões que os
afetam diretamente.
Maluf (2013, p. 187) apresenta uma definição mais sucinta de república:
“República é o governo temporário e eletivo”. No plebiscito feito em 1993
se pensava na separação entre monarquia e república, ou seja, se o chefe de
Estado seria um cargo temporário exercido por alguém escolhido pelo povo
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Ciência política e sociedade 99

(república) ou se seria alguém vindo de uma família cujos valores tradicionais


lhe garantiriam ficar como chefe de Estado de maneira vitalícia (monarquia).
E quanto ao parlamentarismo e presidencialismo, qual a diferença entre eles?
O governo parlamentar se encontra tanto em repúblicas como em mo-
narquias. A origem do governo parlamentar está nas monarquias europeias,
principalmente a inglesa. Em realidades bipartidárias (somente dois partidos
disputando a preferência dos cidadãos), o partido que obtiver a maioria dos
votos deve escolher o chefe de governo, tornando-se, assim, responsável pelo
governo. Em realidades multipartidárias, diferentes partidos podem se unir
para formar um governo de coalizão.

Para saber mais


O filme A dama de ferro, dirigido por Phyllida Lloyd, conta a história da primeira-ministra
britânica Margareth Thatcher. Outra obra interessante é A rainha, filme de Stephen Frears que,
depois da morte da princesa Diana, mostra a relação entre o Chefe de Estado (Rainha Elizabeth II)
e o chefe de governo (primeiro-ministro Tony Blair).

Nos governos parlamentares existe uma divisão entre o chefe de governo,


que é o responsável pela administração do Estado, nomeação dos ministros,
articulação política com o parlamento etc., e o chefe de Estado, que pode ser
um monarca ou um presidente. O chefe de Estado tem por atribuição exercer
as relações diplomáticas com outros países, fortalecer as instituições do Es-
tado e servir como poder moderador entre as forças partidárias. Maluf (2013,
p. 270) afirma que:
Teoricamente, o parlamentarismo é o mais perfeito sis-
tema de governo democrático, e a primeira razão está em
que permite o funcionamento normal do sistema repre-
sentativo sem impedir a manifestação plena e contínua
da soberania nacional.

Permite a soberania nacional porque não precisa esperar quatro anos para
escolher novos representantes; se o chefe de governo não atende aos anseios
da população, ele pode ser destituído pelo parlamento, mesmo que não seja
o período eleitoral. Da mesma forma que o parlamento pode ser dissolvido
pelo chefe de Estado se aquele não atende seus cidadãos. A consulta pública
é constante.
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100 CIÊNCIA POLÍTICA

O presidencialismo só pode ocorrer nas repúblicas. O presidente deve


acumular os cargos de chefe de Estado e de chefe de governo. Ele é eleito pelo
voto da população. Como é escolhido pela totalidade do corpo eleitoral, sua
posição é central em relação a todas as instituições que compõem o Estado.
Segundo Maluf (2013, p. 257):
O sistema presidencial consiste, em última análise, numa
transferência do poder de soberania ao governo. E quando
isso ocorre, o sistema de governo é democrático no to-
cante à sua origem, mas não na sua realização.

Por que Maluf (2013) fala da transferência da soberania? Porque no sis-


tema presidencial o povo pode escolher periodicamente seus representantes,
e estes exercerão o poder de acordo com suas convicções e motivações pelo
período em que estiverem ocupando o cargo. Apesar de haver uma separação
entre os poderes, o presidente eleito pelo voto direto é representante da sobe-
rania nacional tanto quanto o congresso. Por isso ele pode enviar leis de sua
autoria para aprovação no congresso, bem como vetar artigos de lei, linhas
ou uma só palavra daquilo que é elaborado pelo congresso. O presidente só
poderá ser destituído de suas funções caso ele tenha cometido algum crime
no conceito específico da lei penal, mas caso apenas tome decisões erradas,
ou que desagradem aos cidadãos, não poderá ser cassado.
Bem, como vimos, as formas de governo são importantes porque elas in-
fluenciam diretamente a vida de todos nós, e vimos também que hoje moramos
em uma República Presidencialista por nossa livre escolha.

Atividades de aprendizagem
1. Se você pudesse escolher hoje o sistema de governo do Brasil, es-
colheria o parlamentarismo ou o presidencialismo? Justifique sua
resposta com um pequeno texto argumentativo.
2. Como as formas de governo influenciam nossas vidas? Quais são as
formas de participação política da população no presidencialismo?
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Ciência política e sociedade 101

4.2 Ciência política e a teoria do Estado na concepção


de Gramsci
Antonio Gramsci é uma figura impressionante dentro da corrente marxista.
Esse italiano nasceu em 1891 e ingressou no Partido Socialista Italiano em
1915. Sua vida é marcada por uma série de acontecimentos que o levaram a
não concluir o curso superior, dedicar-se ao jornalismo e à formação do Partido
Comunista Italiano, foi senador na Itália e preso durante o período do fascismo
italiano. Produziu vários escritos antes da prisão, mas a organização póstuma de
seus escritos na prisão são os mais conhecidos; o título geral que se dá a essas
obras é Os cadernos do cárcere. Sua atuação dentro do marxismo se mostra um
pouco diferenciada, pois ele dá enorme importância à superestrutura. Você se
lembra do que discutimos anteriormente em Marx sobre superestrutura e infra-
estrutura? Lembra-se de que comentávamos que Marx, no século XIX, dizia que
era preciso uma mudança na infraestrutura (modo de produção) para se ter uma
mudança definitiva na superestrutura (política, cultura etc.)? Pois é, em Gramsci
a coisa se dá de maneira um pouco diferente. Ele acredita que deve haver uma
mudança no modo de produção, mas demonstra que a superestrutura, sobretudo
a ideologia e a política, devem ter uma atenção especial.
Gramsci não nega o marxismo, mas apenas atualiza as questões que devem
ser pensadas no século XX, período em que há uma nova concepção de homem,
de trabalho e, por conseguinte, de mundo. Ele aponta que no século XX há
uma disputa fundamental, ocorrida no plano da visão de mundo, ou seja, na
ideologia, pois é por meio do plano ideológico que se conquista a hegemonia.
A classe dominante conseguiu impor sua ideologia a todas as outras classes,
ou seja, conseguiu se tornar a classe, hegemônica, e agora os trabalhadores
precisam se identificar com a ideologia de sua classe e não com as ideologias
da classe dominante. Bobbio (1993, p. 580) mostra que:
Uma conjugação de força e de consenso, de ditadura e de
hegemonia é fundamental em todo o Estado; o que varia é
a proporção entre ambos os elementos, em razão do grau
de desenvolvimento da sociedade civil, que, como sede da
ação ideologicamente orientada, é o locus de formação e
difusão da Hegemonia, o centro nevrálgico de toda estraté-
gia política. Quando a sociedade apresenta uma “estrutura
maciça”, como ocorre no ocidente industrial e mobilizado
pelo capitalismo, o papel da ação hegemônica torna-se
crucial, não só na gestão como até mesmo na conquista
e construção do Estado, um papel privilegiado em relação
ao da força, no entanto, sempre presente.

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