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Atividades

Ocupacionais e
Reintegração
Social
Prof. Edilson Fernando de Borba
Prof.ª Gabrielle Kalline Nunes Mendes Stone
Prof.ª Rafaella Marineli Lopes

Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof. Edilson Fernando de Borba
Prof.ª Gabrielle Kalline Nunes Mendes Stone
Prof.ª Rafaella Marineli Lopes

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

B726a

Borba, Edilson Fernando de

Atividades ocupacionais e reintegração social. / Edilson


Fernando de Borba; Gabrielle Kalline Nunes Mendes Stone;
Rafaella Marineli Lopes. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

167 p.; il.

ISBN 978-65-5663-832-4
ISBN Digital 978-65-5663-828-7

1. Sistema penitenciário. - Brasil. I. Borba, Edilson Fernando


de. II. Stone, Gabrielle Kalline Nunes Mendes. III. Lopes, Rafaella
Marineli. IV. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
CDD 360

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático sobre Atividades Ocupacionais
e Reintegração Social, que abordará o estudo teórico acerca do sistema penitenciário,
com a finalidade de desenvolver uma análise crítica do ambiente e entender as operações
implicadas nos serviços penais para evitar situações de risco, manter a segurança e o
ambiente sadio.

Para a melhor compreensão do conteúdo que envolve o sistema prisional, a


divisão do livro será feita em três unidades. Na Unidade 1, apresentaremos a sociedade
prisional, na busca por entender quem são seus atores, como são as relações de
convivência e poder no cárcere, quais as boas práticas do sistema penitenciário e os
projetos de prevenção e reintegração social.

Em seguida, na Unidade 2, abordaremos a relação de atores externos com o


sistema penitenciário, identificaremos as principais organizações e facções criminosas,
a participação de grupos religiosos e de assistência espiritual, de voluntários e a
convivência e relação dos familiares com os apenados.

Por fim, na Unidade 3, serão observados os princípios básicos e o ambiente


interno do sistema prisional (o trabalho na prisão, as atividades físicas, de lazer e
intelectuais), bem como o apoio e o acompanhamento dos egressos.

Compreender o funcionamento do sistema prisional é um desafio que exige o


estudo dos seus atores, as relações de convivência e de poder, os princípios básicos
do sistema e as boas práticas exigidas. O objetivo geral da obra é desenvolver a análise
crítica e eficiente do sistema carcerário com o fim de que as operações implicadas nos
serviços penais sejam desenvolvidas de modo seguro, que evitem situações de risco e
mantenham o ambiente carcerário sadio.

Portanto, esperamos que os conteúdos abordados, juntamente aos materiais


selecionados, estimulem sua leitura e que o livro de estudos seja útil e relevante em sua
aprendizagem e formação profissional. Boa leitura e bons estudos!

Prof. Edilson Fernando de Borba


Prof.ª Gabrielle Kalline Nunes Mendes Stone
Prof.ª Rafaella Marineli Lopes
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 — SISTEMA PRISIONAL E REINTEGRAÇÃO SOCIAL............................1

TÓPICO 1 - PROJETOS DE PREVENÇÃO E DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL.............. 3


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 3
2 PROJETOS DE PREVENÇÃO AO CRIME ..............................................................4
3 MEIOS DE PREVENÇÃO À REINCIDÊNCIA CRIMINAL ........................................ 8
4 MECANISMOS DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL ..................................................... 10
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................... 13
AUTOATIVIDADE.................................................................................................... 14

TÓPICO 2 - REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DOS PRESOS................. 15


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 15
2 BOAS PRÁTICAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO ...............................................17
3 A QUESTÃO CONSTITUCIONAL EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DOS PRESOS.....21
4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E OS DIREITOS DO PRESO .................................23
RESUMO DO TÓPICO 2...........................................................................................32
AUTOATIVIDADE....................................................................................................33

TÓPICO 3 - TEMAS DA SOCIEDADE PRISIONAL..................................................35


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................35
2 RELAÇÕES DE CONVIVÊNCIA NA PRISÃO........................................................ 37
3 A QUESTÃO DO PODER NO AMBIENTE PRISIONAL...........................................42
4 O ESTADO DEMOCRÁTICO COMO “CARACTERIZADOR” DO INDIVÍDUO
CRIMINOSO ............................................................................................................45
RESUMO DO TÓPICO 3...........................................................................................49
AUTOATIVIDADE....................................................................................................50
REFERÊNCIAS........................................................................................................53

UNIDADE 2 — ORGANIZAÇÕES E FACÇÕES CRIMINOSAS, GRUPOS RELIGIOSOS


E VOLUNTÁRIOS E RELAÇÃO FAMILIAR DENTRO DAS PRISÕES.......................55

TÓPICO 1 - ORGANIZAÇÕES E FACÇÕES CRIMINOSAS...................................... 57


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 57
2 CONCEITO E BALIZAMENTO HISTÓRICO .........................................................58
3 TRIBUNAL PARALELO DENTRO DAS PRISÕES ................................................63
4 AVANÇO DO PODER DAS FACÇÕES NA HODIERNIDADE..................................65
RESUMO DO TÓPICO 1...........................................................................................68
AUTOATIVIDADE....................................................................................................69

TÓPICO 2 - GRUPOS RELIGIOSOS E ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL NAS PRISÕES.... 73


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 73
2 O DIREITO À LIBERDADE E AO ACESSO RELIGIOSO DENTRO DO AMBIENTE
PRISIONAL ............................................................................................................. 74
3 A ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL COMO POSSIBILIDADE DE REINSERÇÃO
SOCIAL ................................................................................................................... 76
4 OS GRUPOS RELIGIOSOS E SUA ATUAÇÃO DENTRO DAS PRISÕES ..............78
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................... 81
AUTOATIVIDADE....................................................................................................82
TÓPICO 3 - PARTICIPAÇÃO DE GRUPOS VOLUNTÁRIOS NO TRABALHO
PENITENCIÁRIO.....................................................................................................85
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................85
2 A AÇÃO HUMANITÁRIA DE GRUPOS VOLUNTÁRIOS NAS PRISÕES ...............85
3 A ATUAÇÃO DA PASTORAL CARCERÁRIA ........................................................88
4 A PASTORAL CARCERÁRIA COMO SERVENTUÁRIA DA JUSTIÇA ..................90
RESUMO DO TÓPICO 3...........................................................................................93
AUTOATIVIDADE....................................................................................................94
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 97

UNIDADE 3 — EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL.......................................... 101

TÓPICO 1 - EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL...............................................103


1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................103
2 EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL ..............................................................104
3 O APOIO ESTATAL AO EGRESSO......................................................................106
4 A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS: PARCERIAS PÚBLICO-
PRIVADAS DE OPORTUNIDADES AO EX-PRESO...............................................109
5 AUSÊNCIA DE ACOMPANHAMENTO PÓS-SAÍDA DA PRISÃO E OS REFLEXOS
DISSO.................................................................................................................... 112
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................... 116
AUTOATIVIDADE...................................................................................................117

TÓPICO 2 - O TRABALHO NA PRISÃO: ATIVIDADES LÚDICAS E INTELECTUAIS....119


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................119
2 DIREITO AO TRABALHO ...................................................................................120
3 ATIVIDADES LÚDICAS NO AMBIENTE PRISIONAL ......................................... 123
4 A IMPORTÂNCIA DE INCENTIVAR AS ATIVIDADES INTELECTUAIS NA PRISÃO
E O DIREITO À EDUCAÇÃO................................................................................... 125
RESUMO DO TÓPICO 2.........................................................................................128
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 129

TÓPICO 3 - ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER NOS AMBIENTES PRISIONAIS...... 133


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 133
2 ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER NOS AMBIENTES PRISIONAIS................ 133
3 ASPECTOS EDUCACIONAIS............................................................................. 135
4 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CÁRCERE........................................ 136
5 EDUCAÇÃO FÍSICA ........................................................................................... 137
6 PRINCÍPIOS BÁSICOS E FINALIDADES DE SE MOTIVAR O PRESO AO
CONDICIONAMENTO FÍSICO...............................................................................138
7 TIPOS DE CONDICIONAMENTO FÍSICO............................................................140
8 TREINAMENTO DA APTIDÃO CARDIORRESPIRATÓRIA ................................. 141
9 PRESCRIÇÃO DO TREINAMENTO.....................................................................142
10 CONTROLE DAS RESPOSTAS AO TREINAMENTO.........................................143
11 TREINAMENTO DE FORÇA...............................................................................146
12 TREINAMENTO DE FLEXIBILIDADE............................................................... 147
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................. 149
RESUMO DO TÓPICO 3..........................................................................................151
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 152
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 155
UNIDADE 1 -

SISTEMA PRISIONAL E
REINTEGRAÇÃO SOCIAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender quem são os atores da sociedade prisional;

• compreender as relações de convivência e de poder no sistema prisional;

• debater acerca das boas práticas do sistema prisional;

• observar as regras mínimas para o tratamento de presos e o desenvolvimento de um


ambiente carcerário sadio;

• identificar e compreender os projetos de prevenção e de reintegração social.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PROJETOS DE PREVENÇÃO E DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL


TÓPICO 2 – REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DOS PRESOS
TÓPICO 3 – TEMAS DA SOCIEDADE PRISIONAL

CHAMADA
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
PROJETOS DE PREVENÇÃO E DE
REINTEGRAÇÃO SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos os Projetos de Prevenção ao Crime e
os Mecanismos de Reintegração Social do Preso. O papel do Estado não é apenas o
de encarcerar. O Estado deve se preocupar, também, com a prevenção do crime e a
ressocialização do seu autor. A função da pena não é apenas punitiva, mas igualmente
preventiva e ressocializadora.

Prevenir o crime significar dissuadir a intenção do infrator, ou seja, fazê-lo mudar


de opinião, desaconselhar o criminoso com a imposição de um castigo. Para muitos,
é uma forma de evitar a reincidência do infrator. Ressocializar, por sua vez, significa
reinserir os infratores às regras da sociedade.

A Lei de Execução Penal prevê, como funções do Estado, essas duas funções de
prevenção do crime e ressocialização do condenado. Contudo, ela encontra numerosas
dificuldades no cenário carcerário real para ser implementada, inclusive no que tange a
esses dois objetivos.

A realidade carcerária brasileira encontra dados desalentadores acerca das


condições humanizadoras e da possibilidade de ressocialização de presos. O problema
do hiperencarceramento e da superlotação carcerária impede o desenvolvimento sadio
e harmonioso do sistema carcerário como um todo. As condições dos presídios em todo
o território nacional são precárias, uma vez que o Supremo Tribunal Federal declarou,
em 2015, um completo “estado de coisas inconstitucional” no cárcere, e a necessidade
da atenção dos poderes e de órgãos públicos em uma atuação coordenada para superar
esse estado.

O objetivo deste tópico, portanto, é desenvolver e verificar a existência de


políticas públicas de prevenção e de reintegração social, e como a ausência do Estado
e de possibilidades aos presos geram índices ainda maiores de reincidência criminal.

3
2 PROJETOS DE PREVENÇÃO AO CRIME
Os Projetos de Prevenção ao Crime são aqueles desenvolvidos de acordo com as
Diretrizes Gerais de Prevenção à Criminalidade e com a Política Nacional de Segurança
Pública. Tais projetos têm como objetivo geral a prevenção e a redução da violência e
da criminalidade no território nacional, de acordo com as especificidades da localidade
para o qual foi desenvolvido.

Para melhor compreendê-los e, posteriormente, exemplificá-los, é necessário
entender quais as diretrizes gerais que seguem e quais os parâmetros estabelecidos
pela Política Nacional de Segurança Pública.

No ano de 2002, foram implementadas, no Brasil, as Diretrizes para Prevenção


à Criminalidade, que delinearam a elaboração de atividades de cooperação e de
assistência técnica e a criação de projetos de prevenção à criminalidade urbana.

Dentre os princípios norteadores dessas diretrizes, foram elencados o


do Tratamento Local dos problemas e o Plano de Ação Integrada de Prevenção à
criminalidade.

Pelo Princípio do Tratamento Local dos Problemas, entende-se a necessidade


de uma resposta coordenada em nível local para diagnosticar os fenômenos criminais
locais e suas peculiaridades e identificar todos os atores relevantes que possam
participar desse diagnóstico de prevenção à criminalidade e de combate ao crime, por
exemplo, as instituições públicas (nacionais ou locais), políticos locais eleitos, o setor
privado (associações, empresas), voluntários, representantes comunitários etc. Pode-
se, ainda, criar mecanismos de consulta que estimulem o intercâmbio de informações e
o delineamento de estratégias para a solução dos problemas no contexto local.

O Plano de Ação Integrada de Prevenção à Criminalidade deve definir a natureza


e os crimes a serem considerados, incluindo todos os fatores que possam, direta ou
indiretamente, causar ou fomentar a criminalidade, e estabelecer os objetivos a serem
alcançados em tempo necessário para a sua consecução. Deve prever a ação pretendida
e as responsabilidades de todos os envolvidos diretamente na implementação do plano,
e considerar a inclusão de diversos atores (sociedade civil, comunidade, representantes
políticos, associações, voluntários, familiares, organizações de vítimas, setor econômico
e empresarial, assistentes sociais, psicólogos, agentes de educação, comunitário e de
saúde, polícia, promotores, juízes etc.).

O plano de ação deve considerar fatores relevantes, tais como as relações


familiares, a educação, a religião, os valores morais, cívicos e de cultura, questões de
saúde e drogas, questões relacionadas à moradia, assistência governamental e combate
à cultura de violência. Deve, igualmente, considerar a criação de condições para ações
em diversos níveis de prevenção, com projetos de prevenção primária e de prevenção
de reincidência.
4
ATENÇÃO
A prevenção primária ocorre por meio de medidas de prevenção de
situações favoráveis ao crime, promoção de bem-estar social, promoção de
valores comuns, respeito aos direitos humanos e fundamentais, incentivo à
responsabilidade social e facilitação dos métodos de adaptação do trabalho
entre a polícia e os tribunais. A prevenção à reincidência ocorre por meio
da adaptação de métodos de intervenção policial, intervenção judicial,
implementação de soluções alternativas e delegação à comunidade de um
papel ativo na reabilitação de infratores.

A implementação do Plano de Ação deve envolver as autoridades centrais e as


autoridades de todos os níveis, em atuação sempre pautada em promover o respeito
aos direitos fundamentais, promover o intercâmbio de conhecimentos, estimular a
produção e a informação de dados, dar suporte aos profissionais envolvidos, coordenar
políticas e estratégias e proporcionar meios de avaliação regular de eficácia das mesmas,
e organizar mecanismos de consulta e cooperação entre as diversas autoridades
envolvidas.

Segundo as Diretrizes para a Prevenção ao Crime,

Há evidências de que estratégias bem planejadas de prevenção à


criminalidade não só previnem o crime e a vitimização, como também
promovem a segurança comunitária e ainda contribuem para o
desenvolvimento sustentável dos países. Uma prevenção ao crime
realizada de forma eficaz e responsável melhora a qualidade de vida
da sociedade como um todo. Seus benefícios são duradouros quanto
à redução dos custos associados ao sistema judicial criminal formal.
A prevenção ao crime oferece oportunidades para que o problema da
criminalidade seja tratado de forma mais humanitária e com melhor
custo-benefício (ONU, 2010 s.p.).

As diretrizes gerais aplicadas à prevenção da criminalidade podem ser


adotadas em políticas de prevenção desenvolvidas por cada estado. O objetivo geral é
o desenvolvimento de políticas públicas criminais, de justiça e segurança públicas para
contribuir com a prevenção e a redução da violência e da criminalidade, de acordo com
as particularidades de cada localidade. A sua relevância está em fortalecer, ampliar e
complementar o acesso universal às políticas de proteção social.

A prevenção criminal representa o conjunto de medidas, públicas ou privadas,


adotadas com o escopo de impedir a prática de delitos, que abarca tanto as políticas
sociais para a redução da delinquência, quanto as políticas criminais com a formulação
de respostas penais adequadas (OLIVEIRA, 2020).

5
Para Viana (2018, p. 387), do ponto de vista científico, a prevenção abarca a
integralidade das políticas sociais que visam impedir ou reduzir a delinquência, para
parte da doutrina. Por outro lado, o autor elenca que para outra corrente doutrinária,
a prevenção “[...] refere-se à totalidade dos esforços, privados e estatais, cuja meta é
impedir o cometimento dos delitos, ou o conjunto de medidas de política criminal que
tem por finalidade limitar a possibilidade do surgimento do crime”.

O autor destaca que há uma pluralidade conceitual para a prevenção, diante


do que a melhor solução é adotar a sugestão conceitual contida na Resolução Ecosoc
2012/03 da ONU, para a qual

[...] a prevenção à criminalidade abrange estratégias e medidas que


buscam reduzir o risco de ocorrência de crimes, assim como seus
possíveis efeitos nocivos sobre os indivíduos e a sociedade, incluindo
o medo do crime, intervindo para influenciar suas múltiplas causas
(ECOSOC, 2003, s.p.).

Quanto à finalidade da prevenção, a corrente doutrinária também é plural. A


doutrina de Garcia-Pablos de Molina (2003, p. 982) classifica a prevenção quanto à
finalidade em categorias de “prevenção como dissuasão”, “prevenção como intervenção
seletiva no cenário do crime” e “prevenção como prevenção especial”. A prevenção
como dissuasão tem como finalidade “dissuadir o potencial infrator por meio do efeito
intimidatório da pena”, ou seja, interfere na motivação do autor para a não prática do
crime. A prevenção como intervenção seletiva no cenário do crime trata da dissuasão
mediata ou indireta alcançada por meio de instrumentos penais que alteram o cenário do
crime, modificam os fatores e os elementos de modo a aumentar os riscos e diminuem
os benefícios para o infrator. A prevenção como prevenção especial é o efeito buscado
pelos programas de ressocialização e reinserção que têm como destinatário o apenado,
com a finalidade de evitar a sua reincidência.

Já a doutrina de Nestor Sampaio Penteado Filho (2016, p. 95) classifica a


prevenção quanto à finalidade como medidas prevencionistas diretas (profilaxia
direta) e medidas prevencionistas indiretas (profilaxias indiretas). As profilaxias diretas
“direcionam-se à infração penal em formação”, enquanto as profilaxias indiretas
“recaem de forma indireta sobre o crime, atuando sobre suas causas e tendo como alvo
o indivíduo e o meio em que habita”, e devem ser analisadas a personalidade, o caráter
e o temperamento do sujeito, e mais o meio social em que vive, de modo a propiciar a
melhoria na qualidade de vida como forma de redução de criminalidade e prevenção de
crimes.

Em resumo, a prevenção contém diversas definições conceituais e doutrinárias,


e a melhor forma de abordá-la é o conceito definido pela Resolução Ecosoc 2012/03
da Organização das Nações Unidas (ONU). A finalidade da prevenção também é plural,
e existem diversas doutrinas e diversas definições que podem ser conjuntamente
consideradas.

6
ATENÇÃO
Para a criminologia clássica, a ação preventiva do Estado estava limitada
à punição do indivíduo como resposta ao mal por ele causado. Já para a
criminologia moderna, a estratégia de política penal cedeu espaço a uma
perspectiva complexa do cenário criminal; e o enfrentamento do delito
passou a considerar, além da figura do criminoso, a vítima e a comunidade
na qual esses sujeitos estão inseridos (VIANA, 2018, p. 396).

Quanto aos Projetos de Prevenção ao Crime, a melhor doutrina nacional elenca


os seguintes programas:

• Programas de Prevenção Espacial ou Geográfica.


• Programas de Remodelação da Convivência Urbana.
• Programas de Orientação Comunitária.
• Programas de Prevenção Vitimária.
• Programas Político-Sociais de Prevenção.
• Programas de Prevenção da Reincidência.

Os Programas de Prevenção Espacial ou Geográfica partem da premissa de que


o crime é um produto social do urbanismo. O crime é o resultado da interação entre o
meio ambiente, a população e a organização social. Portanto, a maior concentração
de criminalidade ocorre em áreas de desorganização social, sem infraestrutura e com
agrupamento humano mais conflitivo. A forma de prevenir o crime, nesse caso, é intervir
no espaço urbano por meio de políticas públicas para a melhoria da infraestrutura e do
saneamento urbanos (SUMARIVA, 2017).

Os Programas de Remodelação da Convivência Urbana correlacionam a


criminalidade aos fatores urbanísticos e arquitetônicos e propõem a intervenção em
cenário de crime com a interposição de barreiras, que aumentem os riscos para o
infrator. Defendem também o fomento do controle social, por meio do desenvolvimento
solidário e responsável entre os habitantes da comunidade (SUMARIVA, 2017).

Os Programas de Orientação Comunitária são aqueles que consideram o delito


um problema social, e tomam como medida de prevenção a adoção de alternativas
conciliatórias e a reforma social.

Os Programas de Prevenção Vitimária reconhecem a existência de vítimas


potenciais, consideradas vulneráveis e alvos de fácil acesso ao criminoso pelas suas
condições sociais, físicas, de idade, sexo e origem. A proposta é a conscientização da
vítima e a orientação acerca dos riscos. Um dos maiores exemplos da atualidade são
as mulheres em situação de violência doméstica e os programas desenvolvidos pelos

7
órgãos policiais e de justiça para a conscientização dos muitos tipos de violência contra
a mulher e da disponibilização de programas sociais e de canais de comunicação para
as denúncias.

Os Programas Político-Sociais de Prevenção se destinam à prevenção primária


da criminalidade, ao adotar as políticas sociais progressivas e inclusivas, que asseguram
a igualdade de oportunidades, a qualidade de vida e do bem-estar social.

Os Programas de Prevenção à Reincidência estão voltados à prevenção da


criminalidade do condenado, com a finalidade de reeducá-lo quando do cumprimento
da pena e ressocializá-lo para que não volte ao mundo do crime quando em liberdade.

São diversos fatores que influenciam o crime e o desenvolvimento de políticas


públicas preventivas à criminalidade. O desenvolvimento desses programas deve levar
em conta, segundo Sumariva (2017) e Penteado Filho (2016), o criminoso, a vítima, a
sociedade e o meio, assim como as desigualdades sociais e a precariedade econômica,
a pobreza e a miséria, a fome, as questões habitacionais como a falta de infraestrutura
e de saneamento básico, e fatores atrelados à educação (familiar, social e escolar), à
política, aos meios de comunicação e ao preconceito.

3 MEIOS DE PREVENÇÃO À REINCIDÊNCIA CRIMINAL


O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) busca fomentar a  Política
Nacional de Atenção às Pessoas Egressas do Sistema Prisional com foco na reintegração
social do indivíduo e na redução da reincidência criminal, e desenvolver alternativas
para que as pessoas egressas do sistema prisional encontrem ferramentas mínimas
para retornar à vida além das grades com dignidade e segurança. Segundo dados do
Depen (2009), a reincidência criminal no Brasil atinge 82%, e no caso da cidade de São
Paulo, 58% dos presos reincidem, ou seja, a cada dois presos que saem da cadeia, um
retorna.

A criminologia elenca os programas de implementação da política criminal com


o fim de composição do conflito social, controle de criminalidade e manutenção da
ordem e paz social. Tais programas são desenvolvidos com base em três modelos de
reação social ao delito, tratados pela criminologia, quais sejam: o modelo dissuasório, o
modelo ressocializador e o modelo restaurador (OLIVEIRA, 2020).

• Modelo Clássico, Dissuasório ou Retributivo: para esse modelo, a pena tem a


finalidade exclusiva da reprovação e da retribuição. O caráter intimidatório previne
futuros delitos. O sistema penal deve ter penas mais gravosas e ser mais severo, de
forma a dissuadir o infrator da prática da infração penal quando sopesar os benefícios
do crime e o seu eventual castigo. Nesse modelo, não há preocupação com a

8
ressocialização do condenado, apenas com a prevenção do crime. O protagonista é o
Estado e o delinquente, assumindo a vítima e a sociedade posições secundárias.
• Modelo Ressocializador: a pena tem função preventiva e de reinserção social, e
não apenas a função de castigo ou de retribuição do mal causado.
• Modelo Restaurador, integrador, consensual de justiça penal ou justiça
restaurativa: é o modelo que busca a composição dos interesses entre as partes
envolvidas no crime. É buscado o acordo, a transação, a conciliação, a mediação ou a
negociação do crime para reparar o dano sofrido pela vítima, proporcionar a assistência
ao ofendido e a recuperação do delinquente. São propostos meios alternativos de
pena à privação da liberdade quando for possível. A atuação das partes no processo
restaurativo deve compreender a exposição dos fatos, o sentimento da vítima e a
assunção da culpa pelo ofensor, de forma voluntária. Esse modelo está baseado na
confissão do delito, mediante a assunção de culpa pelo autor do fato, em que se
acorda com a quantidade de pena (inclusive no caso de pena privativa à liberdade), a
perda dos bens, a reparação dos danos e a forma de execução da pena é denominada
pela doutrina de justiça criminal negociada (SUMARIVA, 2018).

O Brasil adota principalmente os dois últimos modelos, embora a pena ainda


tenha caráter punitivo e de castigo pelo crime cometido. A justiça restaurativa é uma
novidade para o processo penal brasileiro, e que vem ganhando cada vez mais espaço
nos últimos anos.

Esses modelos tomam uma conjuntura para fazer cumprir a finalidade


preventiva, punitiva e ressocializadora da pena. A pena, no Brasil, adota a Teoria Mista,
Unitária ou Eclética, no sentido de combinar a retribuição com os fins de prevenção e
ressocialização do apenado.

Conforme disposto no artigo 10, da Lei de Execução Penal, é dever do Estado


prestar assistência ao preso com o fim de prevenir o crime e orientar o seu retorno à
sociedade, e estender essa assistência ao egresso. A assistência descrita engloba a
assistência material, de saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

• Assistência material: fornecimento de alimentação, vestuário e instalação


higiênica.
• Assistência à saúde: de caráter preventivo e curativo, compreende o atendimento
médico, farmacêutico e odontológico. Nos presídios femininos, é garantido o
acompanhamento à mulher em situação de gravidez.

• Assistência jurídica: aos presos e internados que não têm condições financeiras de
constituir advogado, é assegurada a defesa pela Defensoria Pública.
• Assistência educacional: instrução escolar e formação profissional do preso e do
internado.
• Assistência social: o serviço do assistente social deve acompanhar a situação
do preso ou do internado, de modo a prepará-lo para o retorno em sociedade, e

9
compreende: relatar às autoridades as dificuldades e os problemas do infrator;
acompanhar os resultados de permissões de saída; promover a recreação; promover
a orientação do liberando na fase final do cumprimento da pena; providenciar
a obtenção de documentos dos benefícios de previdência social e do seguro por
acidente de trabalho;, orientar; e amparar a família do preso, do internado e da vítima.
• Assistência religiosa: será prestada aos presos e aos internados, o que permite a
participação nos serviços organizados no estabelecimento penal e a posse de livros
religiosos, e deve haver local apropriado para a realização de cultos na prisão. O
exercício religioso é uma faculdade do preso, e é vedada a sua imposição.
• Assistência ao egresso: o egresso é o liberado definitivo, assim considerado
pelo prazo de um ano, após a sua saída do estabelecimento prisional, ou o liberado
condicional, durante o período de prova. A assistência consiste na orientação e no
apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade, na concessão, quando necessário, de
alojamento e alimentação em estabelecimento adequado pelo prazo de dois meses,
e pode ser prorrogado para mais dois meses, caso haja necessidade comprovada
declarada pelo assistente social, e desde que este esteja procurando emprego. O
serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho.

Essas assistências asseguradas são de suma importância para o fator da


prevenção da reincidência, já que cada uma possui sua particularidade e função neste
meio. No próximo subtópico, elencaremos os principais mecanismos de reintegração
social voltados ao preso e ao egresso.

4 MECANISMOS DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL


A reintegração ou reinserção social, também denominada pela doutrina como
reeducação ou ressocialização (FALCONI, 1998), significa “[...] o ato de educar novamente
aquele que se afastou das normas educacionais socialmente impostas” (JÚNIOR;
MARQUES, 2006, p. 3). A reintegração social pode ser entendida como a abertura de
comunicação e a interação entre o presídio e a sociedade (BARATTA apud SILVA, 2003,
p. 38).

A reintegração é a ideia de ser a última etapa evolutiva dentro da finalidade


da pena, uma vez que aquele que apresentou uma conduta social desviada, ao fim da
condenação, poderá retornar à vida em sociedade.

Para alcançar a sua reintegração social, o infrator precisa ser reeducado no


cárcere. Os instrumentos de reeducação são, principalmente, o trabalho e a educação.
O ambiente prisional, contudo, nem sempre está apto para o desenvolvimento de
atividades laborais e educativas, já que, geralmente, as péssimas condições carcerárias
impedem o desenvolvimento de atividades laborais e educativas.

10
A reinserção social depende de políticas públicas prisionais e que assistam
ao egresso após a sua saída do sistema prisional; e a realidade brasileira demonstra
descaso com as políticas de reintegração.

Para Schecaira e Corrêa Junior (1995), o ato de ressocializar não deve estar
limitado apenas à reeducação do preso, mas à promoção da sua efetiva reinserção
social, por meio da criação de mecanismos e de condições para o retorno seguro à
sociedade.

A efetividade da reinserção social depende de mecanismos e de um conjunto de


ações que devem ser iniciadas antes do ingresso do preso no sistema prisional, durante
o período de cumprimento de pena e após a sua saída (JÚNIOR; MARQUES, 2006). A
Lei de Execução Penal prevê mecanismos voltados a essa finalidade da pena, como o
trabalho e o estudo, desenvolvidos internamente no sistema prisional, ou por meio de
autorizações de saída.

O trabalho do preso pode ocorrer dentro ou fora do sistema prisional. O art. 31,
da LEP, dispõe a obrigatoriedade do trabalho do preso, na medida de suas aptidões e
capacidade. Ou seja, além de ser o trabalho um direito do preso, constitucionalmente
previsto (art. 6º da Constituição Federal de 1988), é um dever exposto na lei. Ao Estado,
incumbe o dever de dar trabalho ao condenado, em cumprimento de pena privativa de
liberdade, bem como estabelecer a sua remuneração.

A jornada normal de trabalho que deve ser cumprida pelo preso não será inferior
a 6, nem superior a 8 horas, com descanso aos domingos e feriados (art. 33, da LEP). A
remuneração deverá ser redirecionada para:

• indenizar os danos causados pelo crime, caso a sentença judicial o tenha determinado;
• assistir à família do preso;
• para pequenas despesas pessoais;
• para ressarcimento ao Estado das despesas dispendidas com o preso.

A quantia que sobrar é o pecúlio, e deve ser depositada em poupança que será
entregue ao condenado quando posto em liberdade. O trabalho do preso não está sujeito
ao regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Contudo, pode ser indenizado, no
caso de acidente de trabalho ou enfermidade profissional, e assegurar-lhe os direitos da
Previdência Social (arts. 39, do Código Penal, e 41, inciso III, da LEP).

A remição também é um instituto voltado à reintegração social mais rápida.


Ela permite ao condenado remir a pena por meio do trabalho, e abreviar a duração da
sentença. O condenado que cumpre pena em regime fechado, ou semiaberto, poderá
diminuir a pena pelo trabalho. A cada três dias de trabalho, desconta-se um dia de pena.
A remição vale, inclusive, para outros benefícios ao condenado: progressão de regime,
livramento condicional e indulto.

11
A educação é um direito humano e fundamental a qualquer pessoa, inclusive
ao preso. Não é um favor ou privilégio, mas sim um dever do Estado. Deve ser provida
pelo Estado ao preso; contudo, as condições prisionais brasileiras indignas e insalubres,
muitas vezes ferem e violam esse direito fundamental.

A Lei n° 12.433, de 2011, regulamentou a possibilidade da remição da pena


por meio do estudo. As unidades prisionais, a partir de então, passaram a modificar a
estrutura para atender às condições físicas e pedagógicas, e para garantir vagas de
estudos aos presos. Embora existam, atualmente, os Planos Estaduais de Educação em
Prisões, dificuldades estruturais e regionais impedem que o direito seja exercido de modo
efetivo. Não existem vagas para todos os presos, os espaços escolares muitas vezes são
improvisados em celas superlotadas. A Lei prevê a possibilidade de atividades de estudo
presencial e a distância, mas ainda falta a estrutura necessária para o desenvolvimento
destas.

Embora a educação seja um direito de todos e o melhor caminho para a


ressocialização do preso, juntamente com o trabalho, as condições carcerárias
nacionais são péssimas e inefetivas nesse sentido. O preso, geralmente, detém suma
interesse nos estudos e no trabalho, principalmente por serem institutos que permitem
a diminuição do tempo de pena. Contudo, a ausência de implementação de políticas
públicas efetivas nesse sentido e da coordenação de poderes para o desenvolvimento
e fiscalização dessas políticas impedem que a função ressocializadora da pena seja
cumprida de forma efetiva.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O Estado tem a função de prender, de reeducar e de ressocializar o preso. A pena não


exerce apenas a função punitiva, mas igualmente a função de prevenção criminal e
de reintegração do preso à sociedade.

• Embora a Lei de Execução Penal preveja numerosos direitos e garantias fundamentais


ao apenado, assim como a Constituição Federal de 1988, a sua aplicação encontra
óbices diante da grande problemática do sistema carcerário nacional: alta taxa de
encarceramento e superlotação carcerária.

• Os Projetos de Prevenção ao Crime são aqueles desenvolvidos de acordo com as


diretrizes gerais de prevenção à criminalidade e com a Política Nacional de Segurança
Pública. Tais projetos têm como objetivo geral a prevenção e a redução da violência e
da criminalidade no território nacional, de acordo com as especificidades da localidade
para as quais foram desenvolvidos.

• São elencados pela doutrina nacional como Projetos de Prevenção ao Crime: 1)


Programas de Prevenção Espacial ou Geográfica; 2) Programas de Remodelação
da Convivência Urbana; 3) Programas de Orientação Comunitária; 4) Programas de
Prevenção Vitimária; 5) Programas Político-Sociais de Prevenção; 6) Programas de
Prevenção da Reincidência.

• O Brasil adota a Teoria Mista da pena, segundo a qual a pena não tem apenas a
função punitiva, mas também a função de prevenção ao crime e de ressocialização.
Os meios de prevenção à reincidência e os mecanismos de reintegração social estão
previstos na Lei de Execuções Penais e incluem diversos meios assistenciais devidos
pelo Estado ao preso/internado (assistência jurídica, educacional, social, à saúde,
material e religiosa).

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AUTOATIVIDADE
1 Segundo a Lei de Execução Penal, a assistência ao preso e ao internado é dever do
Estado, que objetiva prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
A respeito do tema, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) A assistência se estende ao egresso.


b) ( ) A assistência será material, à saúde, jurídica, sexual, educacional e religiosa.
c) ( ) A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de
alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
d) ( ) O estabelecimento disporá de instalações e de serviços que atendam aos presos
nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e
objetos permitidos e não fornecidos pela administração.

2 Nos termos da Lei de Execução Penal, a assistência à saúde do preso e do internado


terá caráter:

a) ( ) Preventivo e compreenderá atendimento médico e farmacêutico.


b) ( ) Curativo e compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
c) ( ) Curativo e retributivo e compreenderá atendimento médico, odontológico e
psicológico.
d) ( ) Preventivo e curativo e compreenderá atendimento médico, farmacêutico e
odontológico.

3 Assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos


pela sentença ou pela lei.
b) ( ) Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política ao
condenado e internado.
c) ( ) A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, com objetivo de
prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
d) ( ) A assistência não se estende ao egresso.

4 O que é a Teoria Eclética ou Mista da Pena? JUSTIFIQUE, explicando os modelos de


reação social ao delito.

5 A Constituição Federal prevê a indispensabilidade do Advogado na defesa do preso.


Contudo, existem situações em que o preso não detém condições financeiras para
arcar com os custos do processo e com os honorários advocatícios. Nesse caso, a
assistência jurídica é um dever do Estado ao preso? Discorra e justifique.

14
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DOS
PRESOS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos a sociedade prisional, apresentaremos
os seus principais atores e as regras mínimas para o tratamento dos presos dentro do
sistema penitenciário. O objetivo é compreender o ambiente prisional brasileiro, os seus
principais atores, as boas práticas exigidas dentro do sistema penitenciário, os direitos
fundamentais e as garantias constitucionais do preso, previstos na Constituição Federal
de 1988 e na legislação penal.

A estrutura do sistema prisional brasileiro é composta pelo apenado, pelos


agentes penitenciários, pelo juiz da execução penal, pelo promotor da execução
penal e pelos demais órgãos de execução e de fiscalização estabelecidos pela Lei de
Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – LEP). Existem garantias e direitos
fundamentais do preso instituídos pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação
penal extravagante, que conduzem a convivência e as boas práticas dentro desta
relação de hierarquia dos presos e do Estado, e que serão adiante estudados.

O sistema carcerário brasileiro é composto, atualmente, por 759.518 presos


e monitorados eletronicamente, segundo dados disponíveis pelo Departamento
Penitenciário Nacional (Depen) em 2020. A superlotação carcerária do sistema
penitenciário brasileiro é a grande problemática enfrentada pelos órgãos de justiça e
de segurança nacional. Estima-se, atualmente, um déficit de 231.768 vagas, embora em
2020 tenha havido um decréscimo do crescimento populacional carcerário, segundo
informações do Depen.

O Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, fica atrás
apenas da China e dos Estados Unidos. Estima-se que para cada 100 mil habitantes
brasileiros, existam 338 pessoas encarceradas, o que faz o país ocupar a 26ª posição
dentre os países que mais prendem no mundo (DEPEN, 2014). A superlotação carcerária
ocasionada pelo déficit de vagas é a grande problemática do sistema carcerário nacional,
que não tende a ser solucionada tão cedo diante da alta taxa de encarceramento. A
população carcerária brasileira, assim como no resto do mundo, é formada basicamente
por jovens, do sexo masculino, com baixa renda e com baixo nível de escolaridade.

15
No que se refere ao aprisionamento feminino, os dados divulgados pelo Depen
identificaram o crescimento de 5.601 mulheres encarceradas, nos anos 2000, para
44.721 mulheres encarceradas, no ano de 2016, o que denota um aumento de 698%.
Isso faz com que o Brasil fique em quarto lugar no ranking mundial dos países com maior
índice de aprisionamento de mulheres, atrás dos Estados Unidos (cerca de 211.870),
China (cerca de 107.131) e Rússia (48.478).

Com base nessas informações introdutórias, discutiremos, a seguir, a estrutura


do sistema penitenciário brasileiro, a partir da análise dos seus principais atores, órgãos
e legislações relacionadas ao tema.

GRÁFICO 1 – NÚMERO DE PESSOAS PRESAS X NÚMERO DE VAGAS NO BRASIL

FONTE: Adaptado de CNJ (2020)

INTERESSANTE
Para a criminologia clássica, a ação preventiva do Estado estava limitada
à punição do indivíduo como resposta ao mal por ele causado. Já para a
criminologia moderna, a estratégia de política penal cedeu espaço a uma
perspectiva complexa do cenário criminal; e o enfrentamento do delito
passou a considerar, além da figura do criminoso, a vítima e a comunidade
na qual esses sujeitos estão inseridos (VIANA, 2018, p. 396).

16
2 BOAS PRÁTICAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
O Ministério da Justiça lançou, em 2007, o Manual de Boas práticas do Sistema
Penitenciário Nacional. As boas práticas do sistema penitenciário são políticas e
programas sociais de tratamento, escolarização, profissionalização, geração de emprego
e renda desenvolvidas com o objetivo de reintegração social do preso, de reabilitação
dos egressos do sistema prisional e de prevenção criminal e promoção de segurança
(BRASIL, 2007).

As boas práticas são aplicadas tanto em nível federal, pelo Sistema Penitenciário
Federal, criado a partir de 2006, cuja finalidade é a gestão e a fiscalização das
Penitenciárias Federais de todo território nacional, também aplicadas em nível estadual,
que guarda a relação dialógica entre o sistema de justiça criminal e a formação de redes
de enfrentamento, proteção e atendimento aos presos, e visam à humanização da pena
(BRASIL, 2007).

A cartilha lançada pelo Ministério da Justiça elencou diversas boas práticas


desenvolvidas por penitenciárias federais e estaduais, distribuídas por todo o território
nacional. Segue um quadro demonstrativo de algumas dessas políticas desenvolvidas
no sistema penitenciário em território nacional.

QUADRO 1 – POLÍTICAS DESENVOLVIDAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO


EM TERRITÓRIO NACIONAL

17
18
19
FONTE: Brasil (2004)

As boas práticas desenvolvidas no cárcere elencam políticas sociais, de saúde,


profissionalizantes, de arte e cultura, de proteção à mulher encarcerada, práticas
educacionais, dentre outras, que envolvem os órgãos de Justiça, de Segurança Pública,
a sociedade civil e a sociedade carcerária. Todos unidos nessas políticas, que tem como
finalidades principais tornar o ambiente prisional produtivo e harmonioso, e reeducar o
preso, preparando-o para a sua reintegração social quando do fim do cumprimento de
sua pena.
20
DICAS
A Cartilha Boas práticas no Sistema Penitenciário foi desenvolvida pelo
Ministério da Justiça, em 2007, e traz um rol de boas práticas desenvolvidas
nos presídios dos estados. Pode ser acessada pelo link: https://bit.ly/3GMXabi.

3 A QUESTÃO CONSTITUCIONAL EM RELAÇÃO AO


TRATAMENTO DOS PRESOS
A Constituição Federal, de 1988, é a nossa Lei Maior. Nela, estão previstos
todos os direitos e as garantias fundamentais do indivíduo, no seu artigo 5º, que prevê,
inclusive, os direitos e as garantias fundamentais do indivíduo preso.

Segundo a Constituição, a pena é individual e inderrogável, não pode passar


da pessoa do condenado e atingir aqueles que não participaram da conduta criminosa.
Salvo a obrigação de reparação do dano pela prática do crime, que pode ser estendida aos
sucessores do condenado e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido. Exemplo: José é pai de Antônio. José pratica homicídio em face de Marta,
sua vizinha, e Antônio presencia o ato. José é condenado e preso a cumprir uma pena
de 20 anos. Antônio, que presenciou a cena, não poderá ser condenado pelo crime do
seu pai. Suponha, contudo, que haja uma ação de indenização pelo crime cometido por
José contra Marta, e que José venha a falecer durante o cumprimento de sua pena, e
deixa bens ao seu herdeiro Antônio. Essa ação indenizatória poderá alcançar os bens
que foram herdados pelo Antônio, até o limite do valor do patrimônio herdado.

A Constituição Federal estabelece que a pessoa condenada pela prática de


crime poderá receber as seguintes penas:

a) privação ou restrição de liberdade;


b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos.

A Constituição Federal proíbe, expressamente, as seguintes penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada;


b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.

21
A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, e é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral.

INTERESSANTE
A Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal, estabelece que só
é lícito o uso de algemas, no caso de resistência e de fundado receio de fuga
ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de
terceiros, sob pena de responsabilidade civil, penal e disciplinar do agente ou
da autoridade que forçar o uso da algema sem a fundamentação necessária,
por escrito, e sob responsabilidade civil do Estado.

A Constituição Federal, de 1988, estabelece que “[...] ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente”. Após a efetivação da prisão em flagrante, ou por ordem judicial, há a
necessidade de comunicação da prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre.
Deverão ser, imediatamente, comunicados o juiz competente e a família do preso, ou a
pessoa por ele indicada.

O preso será, imediatamente, comunicado dos seus direitos, inclusive o de


permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. O
preso tem o direito de ser informado a respeito dos responsáveis pela sua prisão e pelo
seu interrogatório policial. A Constituição veda levar à prisão ou nela manter pessoa que
praticou crime que admita a liberdade provisória, com ou sem fiança.

No caso de a prisão ser ilegal, e desrespeitar qualquer dos preceitos


constitucionais legais, ela deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.
O preso que entender ter sido a sua prisão injusta ou ilegal poderá pedir a sua liberdade
por meio do pedido de relaxamento de prisão ou por meio do remédio constitucional do
Habeas Corpus.

IMPORTANTE
Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a
do depositário infiel.

22
É direito constitucionalmente previsto à pessoa que pratica infração penal o
devido processo legal. Logo, o indivíduo só poderá ser processado e sentenciado pela
autoridade competente, e só poderá ser privado da sua liberdade ou dos seus bens após
o devido processo legal.

Os estudos acerca do Princípio do Devido Processo Legal têm como ponto de


partida a experiência constitucional americana do due process of law. Segundo tal
princípio, há a garantia de que qualquer pessoa exija do Estado um julgamento justo, em
conformidade com as regras procedimentais previamente estabelecidas, assegurado
ao preso o contraditório e a ampla defesa, e são inadmissíveis as provas processuais
obtidas por meios ilícitos (CUNHA; NOVELINO; 2013).

O Princípio Constitucional da Licitude da Prova estabelece o direito à prova. O


direito à prova pelo Estado e pelo preso não é absoluto, ou seja, encontra restrições
legais e constitucionais. A função da prova, no processo, segundo a lição de Barbosa
Moreira, “[...] consiste em proporcionar ao juiz o conhecimento de que ele precisa para
reconstituir mentalmente os fatos relevantes para a solução do litígio”.

A Constituição estabelece, ainda, a necessidade de trânsito em julgado (ou


seja, não cabe mais recursos da decisão) da sentença penal condenatória, sem a
qual ninguém poderá ser considerado culpado. Trata-se do Princípio da Presunção da
Inocência, segundo o qual é proibido ao Estado considerar culpado o indivíduo que
ainda está na fase de investigação e processo.

Em suma, os direitos e garantias fundamentais do preso estão elencados no


artigo 5º, da Constituição Federal, de 1988. O desrespeito a esses direitos e garantias
torna a prisão ilegal, que deverá ser imediatamente revogada pela autoridade judiciária,
e colocado o preso em liberdade. Cabe ao Estado e à autoridade judicial, bem como ao
Ministério Público, ao advogado e ao defensor público a fiscalização do cumprimento da
legalidade da prisão.

4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E OS DIREITOS DO PRESO


O preso, que trataremos neste tópico, é o indivíduo apenado que cumpre pena
quando condenado pelo juiz, por meio de uma sentença judicial a uma pena privativa
de liberdade (preso definitivo), ou o indivíduo que se encontra privado de sua liberdade
enquanto está sendo investigado e responde a um processo criminal (preso provisório).

O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940)


dispõe em seu artigo 59, que o juiz é o responsável por estabelecer a pena aplicável
dentre as cominadas, a quantidade de pena aplicável dentro dos limites e o regime
inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, bem como a possibilidade da sua
substituição por outro tipo de pena.

23
A pena privativa de liberdade (prisão) é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta
ao condenado por uma sentença judicial pela prática de infração penal, e que consiste
na restrição e na privação da liberdade do indivíduo. A finalidade da pena é a de punir o
criminoso e de prevenir a prática do crime (CAPEZ, 2012).

A pena deve atender aos seguintes requisitos: legalidade, anterioridade,


personalidade, individualidade, inderrogabilidade, proporcionalidade e humanidade.

O requisito da legalidade impõe que a pena deva estar prevista em lei, e a


anterioridade prevê que esta lei deva estar em vigor na época em que for praticada a
infração penal.

O requisito da personalidade dispõe que a pena não pode passar da pessoa do


condenado, atingir terceiros, que em nada contribuíram com o ato criminoso.

O requisito da individualidade dispõe que a pena deve ser imposta ao criminoso


e por ele cumprida, de acordo com a sua culpabilidade pelo ato criminoso.

A inderrogabilidade da pena diz respeito à sua aplicação obrigatória, e não pode


deixar de ser aplicada ao culpado, sob nenhum fundamento.

Por fim, a proporcionalidade da pena e a humanidade dizem respeito à aplicação


proporcional da pena, de acordo com o crime praticado e a não admissão de pena de
morte, perpétua, de trabalho forçado, de banimento e cruel.

A pena privativa de liberdade pode ser de três espécies: reclusão, detenção ou


prisão simples. A reclusão é a pena privativa de liberdade mais severa, imposta a crimes
mais graves, e pode ser cumprida sob três regimes: aberto, semiaberto e fechado. A
detenção é a pena privativa de liberdade aplicada para crimes de menor gravidade, e
pode ser cumprida apenas sob dois regimes: aberto ou semiaberto.

O apenado por reclusão pode cumprir a sua pena em regime inicial aberto,
quando for condenado pela prática de crime cuja previsão legal for igual ou menor que
quatro anos. O apenado por reclusão com uma pena maior que quatro anos e igual ou
menor que oito anos cumprirá a sua pena em regime inicial semiaberto. O apenado por
reclusão com pena maior que oito anos iniciará o cumprimento de sua pena em regime
inicial fechado.

Exemplo 1: suponha que Dirso ameaçou Darso com uma faca. Dirso foi condenado
pela sentença judicial a uma pena de detenção de 6 meses. O crime de ameaça,
previsto pelo art. 147, do Código Penal, prevê pena de detenção de 1 a 6 meses. Logo,
Dirso cumprirá a pena privativa de liberdade de detenção, em regime inicial aberto, já
que a pena imposta é menor que quatro anos.

24
Exemplo 2: suponha que Virso roubou o carro de Vera. Virso foi condenado pela
sentença judicial a uma pena de reclusão de 5 anos. O crime de roubo, previsto
pelo art. 157, do Código Penal, prevê pena de reclusão de 4 a 10 anos. Logo, Virso
cumprirá a pena privativa de liberdade de reclusão, em regime inicial semiaberto,
já que a pena imposta é maior que quatro anos e menor que oito anos.

Exemplo 3: suponha que Tirso matou Tarso. Tirso foi a júri popular, foi considerado
culpado, e a sentença judicial lhe determinou uma pena de reclusão de 10 anos. O
crime de homicídio, previsto pelo art. 121, do Código Penal, prevê pena de reclusão,
de 6 a 20 anos. Logo, Tirso cumprirá a pena privativa de liberdade de reclusão, em
regime inicial fechado, já que a pena imposta é maior que oito anos.

O Brasil conta com cerca de 1,4 mil unidades prisionais. A Lei de Execução Penal
brasileira (Lei n° 7.210/84) prevê os tipos de estabelecimentos penais que receberão
os presos, tanto os definitivos (condenados), quanto os provisórios (que respondem a
processo criminal).

A penitenciária é o estabelecimento penal destinado aos presos condenados


à pena de reclusão, em regime fechado. A previsão legal é a de que a cela deva ser
individual, salubre, com dormitório, aparelho sanitário, lavatório e área mínima de seis
metros quadrados.

A colônia agrícola, industrial ou similar, destina-se ao cumprimento de pena em


regime semiaberto, e deve haver uma seleção adequada dos presos e respeitar o limite
máximo que atenda aos requisitos de individualização da pena.

A casa do albergado se destina ao cumprimento de pena privativa de liberdade


em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. O prédio deve se situar em
centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência
de obstáculos físicos contra fuga. O local serve de acomodação dos presos para cursos
e palestras.

Em suma, o preso pode ser o provisório, que aguarda, com a restrição de sua
liberdade, a conclusão do processo penal, ou pode ser o definitivo, que já foi julgado e
condenado por uma sentença judicial pela prática do crime. A Constituição Federal de
1988, o Código Penal e a Lei de Execuções Penais são as legislações responsáveis pelas
previsões relacionadas ao condenado e as espécies de penas aplicáveis a quem comete
infração penal. A pena que nos interessa neste estudo acerca do sistema carcerário é a
pena privativa de liberdade, uma vez que o sujeito, objeto de estudo, é o preso. Este, por
sua vez, pode ser condenado a três espécies de pena privativa de liberdade: reclusão,
detenção ou prisão simples. O regime inicial para o cumprimento da pena pode ser o
aberto, o semiaberto ou o aberto, a depender da quantidade da pena imposta pela
sentença judicial. O estabelecimento penal em que o preso será recolhido dependerá do
regime de condenação.

25
ATENÇÃO
Preso condenado em regime fechado cumpre pena em penitenciária.
Preso condenado em regime semiaberto cumpre pena em Colônia
Agrícola. Preso condenado em regime aberto cumpre pena na Casa
do Albergado. Preso provisório é recolhido em Centro de Detenção
Provisória (CDP) ou na Cadeia Pública.

Os demais direitos do preso previstos pelo artigo 41, Lei de Execução Penal, são:

1. alimentação e vestuário;
2. atribuição de trabalho proporcional e remuneração;
3. previdência social;
4. descanso e recreação;
5. exercício de atividades intelectuais, artísticas, profissionais e desportivas;
6. assistência jurídica, familiar, educacional, social e religiosa;
7. entrevista pessoal e reservada com Advogado;
8. visita da família, cônjuge e companheiro;
9. tratamento humanizado com chamamento nominal e igualdade no tratamento;
10. audiência com o diretor do estabelecimento;
11. representação e petição a qualquer autoridade para defesa de direito;
12. contato com o mundo exterior, por meio de correspondência escrita, leitura e outros
meios de informação;
13. atestado de pena a cumprir, emitido anualmente pela autoridade competente, sob
pena de responsabilidade do juiz da execução;
14. assistência à saúde e ambulatorial.

Da mesma maneira, a Lei de Execução Penal estabelece ao preso, em seu artigo


39, os seus deveres, a seguir enumerados:

1. disciplina no cumprimento da pena;


2. urbanidade e respeito no trato com servidores e demais presos;
3. conduta oposta a movimentos de fuga ou subversão da ordem e da disciplina;
4. execução de trabalho e de ordens e tarefas recebidas;
5. submissão à sanção disciplinar imposta;
6. indenizar a vítima ou seus sucessores;
7. indenizar o Estado das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante
desconto proporcional na sua remuneração de trabalho;
8. higiene pessoa e da cela.

O juiz da Execução Penal, o membro do Ministério Público, o defensor público e o


advogado são os atores responsáveis pela correta aplicação da pena e pela fiscalização
do seu cumprimento dentro das determinações legais.

26
Após a condenação criminal por meio de uma sentença judicial, inicia-se o
Processo de Execução Penal. É expedida a guia de recolhimento, na qual consta todas
as informações e os principais dados da ação penal, elaborada pela vara criminal em
que tramitou o processo e gerou a condenação. Essa guia será enviada para uma nova
vara, denominada Vara de Execução Penal, onde um novo processo será iniciado para
administrar e fiscalizar o cumprimento da pena. A Vara de Execução Penal é chefiada
pelo juiz da Execução Penal, encarregado de administrar e de fiscalizar o cumprimento
da pena da pessoa condenada e para quem devem ser realizados todos os pedidos
relacionados ao preso.

O Ministério Público ficará responsável pela fiscalização da execução da


pena e por oficiar os processos de execução. Deve, o Promotor de Justiça, fiscalizar
as guias de recolhimento do preso e requerer todas as providências necessárias ao
processo de execução. Cabe a ele converter as penas, regredir ou progredir os regimes
dos apenados e visitar mensalmente os estabelecimentos penais, além de tomar as
medidas necessárias e informar os demais órgãos de fiscalização, quando averiguar
qualquer situação de calamidade ou desumanidade com relação aos presidiários nos
estabelecimentos prisionais.

A Defensoria Pública, órgão essencial à função jurisdicional do Estado, deve atuar


pela defesa dos necessitados. No caso da execução penal, velará pela sua regularidade
e atuará nos processos dos presos que, pela situação de vulnerabilidade econômica,
não contenham nos autos advogado constituído. Cabe ao Defensor Público requerer
todas as providências do processo de execução penal que estiverem de acordo com a
lei e puderem beneficiar o preso, tais como pedidos de progressão de regime, detração
e remição de pena, conversão de pena, suspensão da pena, livramento condicional,
indulto, saída temporária etc. O membro da Defensoria Pública, assim como o Promotor
de Justiça, deve visitar os estabelecimentos penais, tomar as devidas providências para
o seu funcionamento ideal, e requerer à autoridade judicial, ou ao órgão fiscalizatório, a
apuração de responsabilidade dentro do estabelecimento penal, bem como os pedidos
de interdição do estabelecimento penal se os direitos fundamentais dos presos forem
violados.

O advogado é indispensável para a administração da justiça, conforme


preceituado pela Constituição Federal, de 1988. Quando no exercício de sua profissão,
o advogado é inviolável pelos seus atos e manifestações, dentro dos limites da lei. Nas
execuções penais, cabe ao advogado exercer a defesa do preso, intervir em todos os
atos do processo de execução, direcionar os pedidos referentes ao cumprimento da
pena ao juízo de execução e auxiliar na fiscalização do descumprimento dos direitos
fundamentais dos encarcerados, além de denunciar possíveis violações aos órgãos
fiscalizatórios.

27
Em suma, o processo de execução penal originado após a condenação do
preso, por uma sentença judicial criminal, será de responsabilidade dos atores elencados
anteriormente. Cabe ao Juiz da execução penal a condução do processo de execução
e a fiscalização do cumprimento da pena. O Promotor de Justiça fica incumbido da
fiscalização do cumprimento da pena, e das necessárias intervenções e pedidos dentro
do processo de execução. Ao Defensor Público e/ou ao advogado, cumpre defender
o preso, da melhor maneira, realizar os pedidos necessários dentro do processo de
execução, e auxiliar na fiscalização do ambiente carcerário nas possíveis violações dos
direitos fundamentais dos presos.

DICAS
Os artigos 65 a 68 e 81-A e 81-B, da Lei 7.210/1984 (LEP) elencam as
funções no processo de execução penal dos atores citados ao longo do
texto.

DICAS
O artigo Estado de Coisas Inconstitucional: a judicialização em busca
da efetivação dos direitos fundamentais no cárcere, desenvolvido pelos
professores Rubens Beçak e Rafaella Marineli Lopes trata do tema da
violação dos direitos fundamentais dos presos, no sistema carcerário
brasileiro, e contém dados a respeito de um fenômeno que o Supremo
Tribunal Federal denominou como “estado de coisas inconstitucional”
do cárcere. Disponível para leitura em: https://bit.ly/2ZOaoTY.

Além de atores responsáveis pela condução direta do processo de execução


penal e pela fiscalização do correto cumprimento da pena, a legislação prevê órgãos
responsáveis pela fiscalização dessa atuação e dos estabelecimentos prisionais. São eles:

• Departamento Penitenciário Nacional (Depen);


• Da direção e do quadro de pessoal dos estabelecimentos penais;
• Conselho Penitenciário;
• Conselho da Comunidade.

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) é o órgão executivo que


acompanha a aplicação da Lei de Execução Penal e as Diretrizes da Política Penitenciária
Nacional, e cumpre ordens advindas do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária. É subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, previsto no
art. 72, da Lei de Execução Penal.

28
São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional:

• a gestão do Sistema Penitenciário Federal e o isolamento das lideranças de crime


organizado;
• o acompanhamento rigoroso do cumprimento da Lei de Execução Penal, em todo
território nacional de presos de alta periculosidade (líderes de facções criminosas,
presos responsáveis por fugas ou grave indisciplina no sistema prisional, presos
colaboradores ou delatores, presos sujeitos ao regime disciplinar diferenciado etc.);
• a inspeção e fiscalização periódica dos estabelecimentos e dos serviços penais;
• a prestação de assistência às unidades federativas, mediante convênios para
implementação de estabelecimentos e serviços penais;
• a gestão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen);
• a consolidação e divulgação dos dados e informações relacionadas ao sistema
penitenciário brasileiro, necessários para a elaboração de políticas públicas de saúde,
educação, trabalho, assistência social e acesso à justiça.

ATENÇÃO
A legislação local (estadual ou municipal) pode criar o Departamento
Penitenciário Local ou órgão similar, que tem como finalidade a
supervisão e coordenação dos estabelecimentos penais locais da
unidade federativa a que pertencer.

A Direção do estabelecimento penal será exercida por diretor com diploma de


ensino superior em Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviço Social,
deve possuir experiência administrativa na área, idoneidade moral e reconhecida aptidão
para desempenho da função, deve residir no estabelecimento ou nas suas proximidades
e dedicar tempo integral à sua função, segundo disposto na Lei de Execução Penal (art.
75, da Lei n° 7.210/1984).

Quanto ao quadro de pessoal penitenciário, a escolha atenderá à vocação, à


preparação profissional e aos antecedentes pessoais do candidato, que existem para os
eleitos curso de formação profissional e reciclagem periódica, para fins de progressão
funcional. No caso de estabelecimento prisional feminino, exige-se a composição do
quadro de funcionárias do sexo feminino, salvo para o pessoal técnico especializado.

O Agente Penitenciário realiza serviço público de alto risco, por salvaguardar


a sociedade civil, que contribui com o tratamento penal, a vigilância e a custódia da
pessoa presa no sistema prisional, durante a execução da pena de prisão, ou de medida
de segurança, conforme determinadas pelos instrumentos legais, motivo pelo qual
precisa de perfil adequado para o efetivo exercício da função (DEPEN, 2009).

29
Segundo disposto pela normativa do Departamento Penitenciário Nacional, são
deveres do agente penitenciário a disciplina e a manutenção da segurança da unidade,
o zelo pela integridade física e moral dos presos e dos visitantes, a apresentação em
serviço portando colete de identificação e crachá, a submissão à revista pessoal quando
da sua entrada em estabelecimento penal, a atuação de acordo com o plano de segurança
da unidade prisional, o cumprimento de determinações previstas no Regimento
Interno, Lei de Execuções Penais, Estatuto Penitenciário e demais instrumentos legais
reconhecidos, a manutenção da vida pessoal com decoro exigido pela profissão.

Algumas atribuições do agente penitenciário, conforme a normativa do


Departamento Penitenciário Nacional, são:

• participar das propostas para definir a individualização da pena e tratamento, que


objetiva a adaptação do preso e a sua reinserção social;
• atuar como agente garantidor dos direitos individuais do preso em suas ações;
• receber e orientar presos, quanto às normas disciplinares, divulgar os direitos, os
deveres e as obrigações, conforme normativas legais;
• revistar presos e instalações;
• prestar assistência aos presos e internados, encaminhando-os para atendimento
nos diversos setores, sempre que se fizer necessário;
• verificar as condições de segurança comportamental e estrutural, e comunicar as
alterações à chefia imediata;
• acompanhar e fiscalizar a movimentação de presos ou internados no interior da
Unidade;
• acompanhar presos em deslocamentos diversos, de acordo com as determinações
legais;
• efetuar a conferência periódica dos presos ou internados, de acordo com as normas
de cada Unidade;
• observar o comportamento dos presos ou internados em suas atividades individuais
e coletivas;
• não permitir o contato de presos ou internos com pessoas não autorizadas;
• revistar toda pessoa previamente autorizada que pretenda adentrar ao
estabelecimento penal;
• verificar e conferir os materiais e as instalações do posto, e zelar por eles;
• controlar a entrada e saída de pessoas, veículos e volumes, conforme normas
específicas da Unidade;
• conferir documentos, quando da entrada e saídas de presos da unidade;
• operar o sistema de alarme, monitoramento audiovisual e demais sistemas de
comunicação interno e externo;
• executar outras atividades correlatas.

Em suma, o agente penitenciário é o responsável pela condução (encaminhar


ou apresentar pessoa sob a sua custódia), vigilância (observar determinada área,
pessoa, objeto e estrutura física), custódia (guardar, proteger, manter em segurança e

30
sob vigilância pessoa presa) e escolta (conduzir de um local para o outro, como medida
de prevenção ou proteção com o fim de se atingir objetivo preestabelecido) do indivíduo
dentro do sistema carcerário. Deve cumprir a sua função com aptidão, honestidade,
disciplina, equilíbrio emocional, empatia, autoridade e responsabilidade, a fim de manter
o ambiente carcerário sadio e harmonioso.

O Conselho Penitenciário é o órgão consultivo e fiscalizador da execução da


pena. É órgão colegiado com função consultiva para emitir parecer em pedidos de
indulto e livramento condicional, e com função fiscalizadora para inspecionar os
estabelecimentos prisionais e assistir aos egressos.

É composto por profissionais de áreas multidisciplinares (área jurídica, área da


psicologia, da psiquiatria etc.) e por representantes da comunidade, e seus membros,
nomeados pelo governador do estado, terão mandato de quatro anos.

ATENÇÃO
O parecer consultivo do Conselho Penitenciário não é discricionário,
ou seja, o Conselho deve ser obrigatoriamente consultado acerca
da conveniência e da oportunidade de concessão de Livramento
Condicional e Indulto.

A Lei de Execução Penal prevê a existência de um Conselho da Comunidade,


em cada Comarca, que será composto por, no mínimo, um representante de associação
comercial ou industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do
Brasil e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional
de Assistentes Sociais. Embora a LEP preveja um número mínimo, não existe um número
máximo previsto em lei para a composição do conselho.

São atribuições do Conselho da Comunidade:

• visitar, mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na Comarca;


• entrevistar presos;
• apresentar relatórios mensais ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário;
• diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao
preso.

O Conselho é criado pelo Juiz da Execução da Comarca, e fiscalizado pelo


Promotor de Justiça designado para essa função, a quem cabe, igualmente, estimular
a participação da sociedade civil, analisar e emitir parecer a respeito dos recursos
financeiros direcionados ao conselho, e receber e avaliar os relatórios de atividades. Após
a sua constituição e regularização, o Conselho deve celebrar Termo de Compromisso
com o Juiz e o Promotor responsáveis pela supervisão.
31
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A grande problemática do sistema carcerário brasileiro é a superlotação, existe um


amplo déficit de vagas impelido pela alta taxa de encarceramento. Em 2015, o Supremo
Tribunal Federal declarou a situação relacionada ao cárcere caótica e desumana, e
declarou um completo “estado de coisas inconstitucional”, que a ser sanado pela
coordenação entre os poderes eleitos e pelos órgãos públicos de justiça e segurança.

• O sistema penitenciário brasileiro é composto pelos seguintes atores: presos


provisórios (com processo penal em andamento) e definitivos (com sentença judicial),
Juiz da Execução Penal, Ministério Público, advogado, Defensoria Pública e órgãos de
fiscalização. A todos esses atores incumbe o papel de fiscalizar o correto cumprimento
da pena e de denunciar as violações aos direitos fundamentais dos presos, previstos
pela Constituição Federal, de 1988, e que ocorrerem dentro do sistema carcerário.

• O Preso condenado em regime fechado cumpre pena em Penitenciária, enquanto


o preso condenado em regime semiaberto cumpre pena em Colônia Agrícola. Já o
preso condenado em regime aberto cumpre pena na Casa do Albergado. Por fim, o
preso provisório é recolhido em Centro de Detenção Provisória (CDP) ou na Cadeia
Pública.

• Cabe ao Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao ministério da


Justiça e órgão executivo da Política Penitenciária Nacional, a fiscalização da
aplicação da Lei de Execução Penal e as Diretrizes da Política Penitenciária Nacional,
cumprir ordens advindas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Ademais, é deste órgão que provém os dados do sistema carcerário nacional que
servem de base, inclusive, para a formulação de políticas públicas relacionadas ao
cárcere e a áreas de saúde, educação e política de segurança nacional.

32
AUTOATIVIDADE
1 Com base na LEP, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de


execução da pena e da medida de segurança.
b) ( ) Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e
personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
c) ( ) A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o
programa individualizador da pena restritiva de liberdade adequada ao condenado
ou preso provisório.
d) ( ) A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será
presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1
(um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de
condenado à pena privativa de liberdade.

2 Segundo a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, é INCORRETO


afirmar que:

a) ( ) O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de


execução da pena e da medida de segurança.
b) ( ) A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado.
c) ( ) A Lei de Execuções Penais não aplicar-se-á ao preso provisório e ao condenado
pela justiça eleitoral ou militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à
jurisdição ordinária.
d) ( ) Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos
pela sentença ou pela lei. Não haverá qualquer distinção de natureza racial,
social, religiosa ou política.

3 Segundo a Lei de Execução Penal, cumpre ao condenado, além de obrigações legais


inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena. A respeito
dos deveres do preso, analise as afirmativas a seguir:

I- Urbanidade e respeito no trato com os demais condenados.


II- Indenização à vítima ou aos seus sucessores.
III- Conservação dos objetos de uso pessoal.
IV- Indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua
manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho.

33
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.


b) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.
c) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
d) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.

4 A Constituição Federal de 1988 estabelece os direitos e garantias fundamentais dos


presos, e prevê os requisitos constitucionais da prisão e da pena para que sejam
lícitas. Suponha que Tarso tenha sido preso em flagrante e permaneceu incomunicável
durante cinco dias na prisão da Delegacia de Polícia da Comarca da Cidade X, local
onde foi praticado o delito. Suponha que ao ser levado à autoridade judicial, não teve
a oportunidade de estar assistido por advogado, e foi ouvido, exclusivamente, pelo
Juiz e pelo Promotor de Justiça. Suponha que, após a oitiva, ele foi levado preso para
a Penitenciária para aguardar o seu julgamento. Nesse caso, a prisão de Tarso foi
lícita?

5 “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”. Julgue o item como VERDADEIRO OU FALSO, e
JUSTIFIQUE.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
TEMAS DA SOCIEDADE PRISIONAL

1 INTRODUÇÃO
Neste Tópico 3, abordaremos temas relacionados à sociedade prisional, com o
fim de perceber o ambiente das prisões como um reflexo da sociedade brasileira. Serão
abordadas as relações de convivência e poder, bem como a figura do Estado como
“caracterizador” do indivíduo criminoso.

Em 1948, a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de


modo a garantir, de forma integral, os direitos humanos de todos os povos e nações, e
reduzir as violações à dignidade humana ocorridas no mundo.

Em 1984, o Brasil promulgou a Lei de Execução Penal (LEP), amparada na


Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratativas internacionais, com o
fim de regular a execução penal no território nacional, e apontar os direitos, as garantias
e os deveres da pessoa em situação de cárcere, posteriormente referendados pela
Constituição Federal de 1988.

Outras normativas internacionais foram aderidas, ao longo dos anos pelo Brasil,
para tratar do preso e da execução da pena. A seguir, estão elencadas as principais:

• Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Nelson
Mandela).
• Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não
privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok).
• Regras mínimas das Nações Unidas sobre medidas não privativas de liberdade
(Regras de Tokio).

As Regras de Nelson Mandela surgiram em documento originalmente adotado


em 1955, durante o Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção ao Crime
e o Tratamento de Infratores e elenca padrões mínimos universalmente reconhecidos
para a gestão de locais de privação de liberdade e para o tratamento de pessoas
presas, e passaram a ser observado pelos Estados na elaboração de leis, políticas e
práticas penitenciárias no mundo todo. Mais do que isso, as Regras foram reconhecidas
como parâmetro mundial e principal fonte para a estruturação de mecanismos de
monitoramento e inspeção do tratamento conferido a pessoas presas (CNJ, 2020)

O documento inclui as seguintes áreas temáticas revisadas para a gestão de


locais de privação de liberdade e o tratamento de presos:

35
• respeito à dignidade e valores inerentes aos seres humanos;
• reconhecimento de grupos vulneráveis e atenção a necessidades específicas
• serviços médicos e de saúde;
• restrições, medidas disciplinares e sanções;
• investigação de mortes em custódia, bem como de qualquer sinal ou alegação de
tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante;
• direito à assistência jurídica;
• denúncias e inspeções externas; e
• capacitação de pessoal para implementação das Regras. Além disso, houve revisão
de terminologias defasadas e inclusão de perspectivas de gênero ao longo do
documento.

O principal marco normativo internacional a abordar a problemática das regras


gerais ao encarceramento feminino são as chamadas Regras de Bangkok – Regras
das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de
liberdade para mulheres infratoras. Essas Regras propõem olhar diferenciado para as
especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução
penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja,
que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário (CNJ, 2020).

As Regras mínimas das Nações Unidas sobre medidas não privativas de


liberdade (Regras de Tokio) tratam da prevenção de delitos e justiça criminal relacionadas,
principalmente, com as medidas alternativas ao encarceramento. Elas elencam normas
para a elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade, aprovadas pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1990, e objetivam incentivar a adoção
de medidas não encarceradoras pelos Estados-membros.

Dentre as normas contidas no documento internacional, destaque-se a


disposição quanto à necessidade de consentimento do acusado para as medidas
aplicadas no curso do processo, respeitada a dignidade e a privacidade do infrator.

Outrossim, a prisão preventiva é prevista como ultima ratio, que se reservam


a casos-limites e perduram pelo tempo estritamente necessário. Nessa linha, são
enumeradas medidas não privativas de liberdade, que poderão ser aplicadas pela
autoridade judiciária, quais sejam:

• sanções verbais, como a censura, a repreensão e a advertência;


• acompanhamento em liberdade antes da decisão do tribunal;
• penas privativas de direitos;
• sanções econômicas e pecuniárias, como multas e multas diárias;
• ordem de confisco ou apreensão;
• ordem de restituição à vítima ou indenização desta;
• condenação suspensa ou suspensão da pena;
• regime de experiência e vigilância judiciária;

36
• imposição de prestação de serviços à comunidade;
• envio a um estabelecimento aberto;
• prisão domiciliar;
• qualquer outra forma de tratamento não institucional;
• uma combinação destas medidas.

Como medidas substitutivas à pena privativa de liberdade, indica:

• autorizações de saída e processo de reinserção;


• libertação para trabalho ou educação;
• libertação condicional, de diversas formas;
• remissão da pena;
• indulto.

O conjunto de todas as legislações apresentadas deve ser considerado para fins


de aplicação da lei penal, pelo Estado Democrático Brasileiro, e direcionar as relações
internas no sistema carcerário e as relações de poder entre Estado x Condenado, a
seguir analisadas.

2 RELAÇÕES DE CONVIVÊNCIA NA PRISÃO


Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor
e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser
submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos
ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes
justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos
servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve
ser sempre assegurada (REGRAS DE NELSON MANDELA, Regra 1).

A legislação da execução penal brasileira, promulgada em meio ao processo de


redemocratização política do país, acolheu como norte principiológico os parâmetros
internacionais de reconhecimento e respeito aos Direitos Humanos, compreendidos
como universais e indissociáveis à vida de cada indivíduo, que incluem aqueles que
são alcançados pelo sistema de justiça criminal. Outras normativas internacionais
preveem a regulação da convivência dentro do sistema carcerário e dos direitos
humanos no cárcere, que passamos a analisar nos tópicos, a seguir.

Primeiro, no que tange à convivência de presos no ambiente prisional, cumpre


ressaltar a necessidade da individualização da pena, princípio constitucionalmente
previsto e que deveria ser assegurado tanto pelo Poder Judiciário, no que diz respeito
à imposição das penas e de sua execução, quanto pelo Poder Executivo, no que diz
respeito à composição de forças para sua garantia e à implantação de modelos de
gestão que lhe viabilizassem (CNJ, 2020).

37
Em regra, o cumprimento da individualização da pena deve ser fiscalizado,
e a administração penitenciária deve se ater aos mecanismos e estruturas para
a recepção de pessoas no sistema prisional. Embora seja essa a teoria, a prática do
sistema penitenciário nacional nem sempre apresenta condições adequadas para
essa separação, o que ocasiona diversos problemas de gestão carcerária e influenciam
na reincidência criminal, ao possibilitar a convivência entre presos condenados e
provisórios.

As regras de individualização da pena se aplicam aos presos condenados


e aos presos provisórios, e existe a necessidade de separação dessas duas categorias
nos estabelecimentos prisionais.

Segundo as Regras de Nelson Mandela, normativa internacional seguida para


a individualização da pena, “[...] as administrações prisionais devem ter em conta as
necessidades individuais dos reclusos, particularmente aqueles em situação de maior
vulnerabilidade” (Regra 2).

As regras incluem procedimentos de classificação, separação, ingresso e


alojamento das pessoas presas, que deverão considerar características individuais, o
que reforça o princípio da individualização e a estratégia de prevenção de violação e
garantia dos direitos dentro das unidades, bem como a preparação para a liberdade.
É necessário que haja a separação dos presos com base no sexo, na idade, nos
antecedentes criminais e nas razões determinantes da prisão. A normativa penal prevê
igualmente a separação dos presos temporários e dos presos por dívida de pensão
alimentícia.

Os critérios de separação também incluem o tipo penal os crimes hediondos


ou equiparados, ou crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa e, em
relação aos presos condenados, a reincidência pela prática de crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa. As mulheres e as pessoas maiores de 60 anos de
idade deverão ser recolhidas em estabelecimentos próprios e adequados à sua condição
pessoal, e o preso com a integridade física, moral ou psicológica ameaçada também
deve ser segregado dos demais presos sem, no entanto, ser confinado solitariamente
(CNJ, 2020).

Em resumo, a Constituição Federal estabelece como princípio a individualização


da pena, assegurado ainda na Legislação de Execução Penal e normativas internacionais
para garantir a separação dos presos, de acordo com as características descritas.

A Lei de Execução penal traz uma série de previsões a respeito da assistência


do preso dentro do sistema carcerário, tais como a assistência à saúde, ao trabalho, à
cultura, à assistência material, à assistência social, à assistência religiosa e às mulheres
encarceradas.

38
O direito à saúde é universal. Toda a população tem direito ao SUS, inclusive
a população carcerária, embora o fornecimento desse direito nos estabelecimentos
prisionais seja de difícil acesso. Com vistas a garantir o acesso à saúde, foi instituído pelo
Ministério da Saúde e pelo Ministério da Justiça o Plano Nacional de Atenção Integral à
Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que objetiva
garantir o acesso permanente à população sob custódia ao SUS, que articula a política
prisional com a política de saúde e da integração dos seus equipamento e serviços.

No âmbito da saúde, foram instituídas ainda a Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei


nº 10216/2011), que dispõe sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais, e o cuidado ao atendimento às pessoas que, em cumprimento de pena
privativa de liberdade, ou em medida de segurança, apresentem danos decorrentes do
uso de álcool e drogas.

No âmbito da educação, a Constituição Federal estabelece como um direito de


todos e um dever do Estado, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/1996) os objetivos, diretrizes e responsabilidades dos entes federados para
o alcance do direito à educação.

A lei de Execução Penal prevê o direito à remição, pelo apenado, por meio do
estudo. Segundo o artigo da lei, o benefício da remição pelo estudo autoriza a redução
de um dia de pena a cada 12 horas de estudo, distribuídas em três dias, em atividades de
ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou de requalificação profissional.

Embora haja a previsão legal, não existe ainda uma política nacional de educação
no cárcere. Existe, contudo, as Diretrizes Nacionais para Oferta de Educação a Jovens e
Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos Penais (2010), que
implementou importantes dispositivos de fomento às ações em educação nos presídios
e orientações (CNJ, 2020). Algumas das orientações previstas nas diretrizes são: a)
financiamento por meio de recursos públicos, b) articulação dos Estados e do Distrito
Federal com os órgãos responsáveis pela administração penitenciária, c) envolvimento
da comunidade e dos familiares, d) vinculação de unidades educacionais e programas
educacionais.

Quanto ao trabalho desenvolvido nas prisões, os arranjos normativos e


institucionais preveem a estruturação de uma política de trabalho para as pessoas em
privação de liberdade e egressas as sistema prisional, com o fim de ocupação, remição
de pena e ressocialização. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional,
19,28% dos presos, no ano de 2019, encontravam-se envolvidos em alguma atividade
laboral (CNJ, 2020, p. 56).

A Política Nacional de Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional (PNAT), voltada


à amplificação e à qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e
à formação profissional dos presos e egressos, propõe a cooperação entre os Poderes,

39
o Ministério Público, os órgãos internacionais, os órgãos trabalhistas e sindicais e
a sociedade civil, com o fim de formulação de programas de trabalho e arranjos
intersetoriais que assegurem a ocupação, a dignidade humana, o desenvolvimento
pessoal, social e profissional e a ressocialização do preso.

A Constituição Federal, de 1988, prevê o dever do Estado de garantir a todos


o exercício dos direitos culturais, e o Plano Nacional de Cultura (Lei nº 12.343/2010)
reafirma tal direito. Nas prisões, o artesanato e a leitura são as atividades culturais de
maior expressão, além de artes visuais, teatro, música, hip hop, capoeira, entre outras,
realizadas, muitas vezes, de forma espontânea nos ambientes prisionais de convívio com
a função de ocupar o tempo e formar laços de solidariedade entre os presos. A prática
prisional indica pouco envolvimento da administração penitenciária e das direções dos
estabelecimentos nessas atividades (CNJ, 2020).

A assistência material ao preso e ao internado é uma garantia da Lei de Execução


Penal. Segundo a LEP, é direito do fornecimento de alimentação, vestuário e instalações
higiênicas. Os estabelecimentos devem dispor, necessariamente, de instalações e
serviços que atendam às necessidades dos presos, de modo que existam locais para a
venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela administração prisional.

O Conselho Nacional de Justiça contém normativa (Resolução nº 4, de 5 de


outubro de 2017) que dispõe acerca do fornecimento de insumos de higiene, vestuário
entregues no momento da entrada do preso no sistema prisional, e sugestão de itens a
serem entregues na saída.

Tratativas internacionais a respeito do tema, seguidas pelo Brasil, dispõe acerca


da necessidade de alimentação adequada, acomodação digna, condições de higiene,
salubridade e vestimentas. Exemplo são as Regras de Nelson Mandela, a “Declaração
de Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção às Pessoas Privadas de Liberdade nas
Américas”, publicadas em 2011 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Ambas dispõem acerca das exigências
de salubridade e higiene do espaço prisional. As Regras de Bangkok dispõem acerca
das instalações e de materiais exigidos para satisfazer necessidades específicas das
mulheres presas.

A Constituição Federal de 1988 estabelece a assistência social como um direito


social e dever do Estado, que cabe a sua prestação a quem necessitar, e não tem caráter
contributivo. A assistência social no âmbito prisional compreende alguns mecanismos
implementados, com destaque para:

• a inserção de um campo específico no Cadastro Único (CadÚnico) para identificação


de famílias com membros presos no sistema carcerário;

40
• a elaboração de proposta de Política Nacional de Assistência Social no Sistema
Prisional, no âmbito do Projeto BRA 14/011 – Cooperação entre o Departamento
Penitenciário Nacional e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
• Resolução nº 2, do CNPCP, de 8 de agosto de 2017, que dispõe acerca do
encaminhamento de cópia de auto de prisão em flagrante, delito de mulheres
grávidas, lactantes e com filhos até 12 anos incompletos ou deficientes para o Centro
de Referência em Assistência Social ou entidade equivalente, a fim de apoiar o HC
coletivo às mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade;
• a elaboração do documento “Atenção às famílias de Mulheres Grávidas, lactantes e
com filhas/os até 12 anos incompletos ou com deficiência privados de liberdade”;
• a Resolução Conjunta nº 1, do CNPCP e Conselho Nacional de Assistência Social, de
7 de novembro de 2018, que qualifica o atendimento socioassistencial às famílias
de pessoas encarceradas e egressas do Sistema Penitenciário no Sistema Único de
Assistência Social (CNJ, 2020).

A Lei de Execução Penal, complementada por um conjunto de normas nacionais


e internacionais, regula o direito da pessoa privada de liberdade à participação de cultos
e reuniões, a posse de livros religiosos, a mudança de crença e religião, e demanda
a pluralidade religiosa nos estabelecimentos prisionais. A assistência religiosa é um
direito positivo do Estado aos seus cidadãos, em que é defendida a pluralidade e o
sincretismo religiosos, a liberdade de culto e a proibição da discriminação. Nas prisões,
as manifestações religiosas que ocorrem em maior quantidade são os cultos e os rituais
de origem cristã e, nessa vertente, é explícita a predominância de matrizes católicas
e evangélicas. Dados identificados pelo Relatório Final da Comissão Parlamentar de
Inquérito do Sistema Penitenciário, de 2009, demonstram, também, a ausência de
diversidade religiosa, e constatam a prevalência das denominações evangélicas e da
Pastoral Carcerária Católica nos estabelecimentos prisionais visitados (CPI DO SISTEMA
CARCERÁRIO, 2009).

O processo de aprisionamento feminino engloba diversas particularidades, o


que levou, em 2014, o estabelecimento da Política Nacional de Atenção às Mulheres
em situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE). O
Ministério da Justiça instituiu um conjunto de diretrizes, objetivos e metas voltadas ao
encarceramento feminino, e à execução de seis metas principais:

• criação e reformulação de banco de dados em âmbito estadual e nacional acerca do


sistema prisional, com dados específicos a respeito do encarceramento feminino e
das políticas prisionais voltadas para mulheres;
• promoção dos direitos fundamentais no âmbito das políticas prisionais para mulheres;
• adequação da estrutura física dos estabelecimentos prisionais às especificidades do
encarceramento feminino;
• promoção de ações voltadas à segurança e gestão prisional;
• processos formativos de servidores/as, voltados às especificidades da custódia de
mulheres privadas de liberdade e relações de gênero;
• ações voltadas às mulheres pré-egressas e egressas das prisões.

41
Em pesquisa realizada recentemente pelo CNJ (2020, p. 81), ao averiguar
a implementação das metas da política pública, notou-se “uma fragilidade adicional
do processo de implantação da PNAMPE, que se soma à informação acerca da
inexistência do grupo gestor da política na maioria dos estados”, o que reforça a falta de
arranjos institucionais constituídos entre o poder público, os órgãos de execução e as
administrações penitenciárias para a execução da PNAMPE.

O assistencialismo prestado no sistema penitenciário nacional pode ser


resumido nesses tópicos já elencados. Embora existam previsões normativas nacionais
e internacionais para a recepção do preso/internado no sistema penitenciário, que
o assistam no ingresso e na saída do sistema, as políticas públicas carcerárias são
poucas, e as existentes demonstram ineficiência diante da descoordenação dos arranjos
institucionais para a correta execução. Os fatores de superencarceramento e o déficit
de vagas, atrelados ao fator ausência e/ou ineficiência de políticas públicas carcerárias
são a fórmula do desastre do sistema carcerário nacional.

3 A QUESTÃO DO PODER NO AMBIENTE PRISIONAL


O século XVIII foi um transformador de todas as relações sociais até então
existentes. A explosão demográfica ocasionada pelo crescimento das cidades atrelada
à Revolução Industrial e ao processo de acumulação do capital (capitalismo) suscitou
problemas sociais que a sociedade optou por disciplinar. Nesse sentido,

O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade


específica do poder disciplinar [...], cujos processos de submissão das
forças e dos corpos, cuja “anatomia política” [...] podem ser postos
em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de
instituições muito diversas (FOUCAULT, 1987, p.182).

A prisão surgiu nesse contexto, e é um dos exemplos de poder disciplinar


socialmente imposto, segundo a ideia de Michel Foucault em sua obra “Vigiar e Punir”,
na qual descreve a relação entre poder, direito e verdade. Para Foucault, a prisão é um
mecanismo de poder disciplinar, por meio da disciplina corporal, já que exerce o controle
do corpo, e legitima o poder punitivo do Estado, com um falso discurso humanista e
ressocializador.

NOTA
Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão é um livro do filósofo francês Michel
Foucault, publicado originalmente em 1975 e considerado uma obra que
alterou o modo de pensar e de fazer política social no mundo ocidental.
Só foi publicado no Brasil na versão traduzida em 1987.

42
O hospital, a escola, a oficina, as fábricas, os quartéis, as prisões e a polícia são
exemplos de mecanismos de poder, em que é exercido o processo disciplinar. Essas
instituições foram

[...] colonizadas pelas disciplinas e transformados em aparelhos nos


quais qualquer mecanismo de objetivação produz sujeição [...] e o
poder disciplinar constrói uma sociedade disciplinar, adestrando e
produzindo coletivamente corpos individualizados e dóceis (BENELLI,
2014, p. 64).

Na visão foucaultiana, o poder expressa o conjunto de estratégias da classe


dominante, que pode ser manifestado e reproduzido pela classe dominada. A disciplina
é uma técnica de poder que fabrica indivíduos, tomando-os como objeto e como
instrumento de seu exercício (FOUCAULT, 1999b, p.143). O poder e a disciplina são uma
rede, e a segunda é responsável por fortalecer o primeiro.

Para Foucault (1999, p. 141), o poder disciplinar é responsável pelo controle dos
corpos de três maneiras: celular (por meio do jogo de repartição espacial), orgânica (por
meio da codificação formal das atividades), genética (acumular tempo segmentado) e
combinatória (composição de forças). Na visão foucaultiana, o poder disciplinar seria um
poder que, em vez de apropriar e retirar, tem como função maior “adestrar”.

Para Foucault, o processo de disciplinarização ocorre em locais


arquitetonicamente preparados para o exercício de poder. Geremy Bentham (1775)
foi um estudioso do sistema penitenciário, nesse sentido da arquitetura das prisões e
estabelecimento de poder, ao que ficou denominado como ambiente “panóptico”. Para
Bentham, a arquitetura escolhida para a vigilância penitenciária é ideal, uma vez que
a disposição ideal dos presos dentro da cela serve para observação sistemática dos
corpos por meio de uma torre de vigia ao centro, com janelas abrindo para o lado interno,
o que mantém o interior sempre em observância. O medo e o receio de não saber se
estão sendo observados os leva a adotar o comportamento desejado pelo vigilante.

Dessa forma, a prisão se torna um aparelho disciplinar exaustivo, e está a seu


cargo todos os aspectos da vida do indivíduo, e o seu cuidando com zelo totalitário:
treinamento físico, aptidão para o trabalho, comportamento cotidiano, atitude moral e
disposições. Ela determina uma disciplina incessante e despótica, e dá poder quase total
sobre os detentos e com mecanismos internos de repressão e de castigo (FOUCAULT,
1999).

As ideias de Foucault foram essenciais para estruturar críticas abolicionistas


ao sistema penal e penitenciário, embora não possa ser considerado um defensor do
abolicionismo penal. O abolicionismo parte da ideia de que o mal causado à sociedade é
muito mais grave que o proporcionado pelo fato, que gera a sua intervenção (OLIVEIRA,
2019).

43
A vertente mais radical do movimento denominado abolicionismo penal defende
o fim das prisões e do próprio Direito Penal, uma vez que o considera um instrumento
manejado por grupos sociais dominantes que define o que é crime, de forma excludente
e estigmatizante. A seguir, estão descritos alguns defensores do movimento.

A visão sociológica de Thomas Mathiesen (1933), de forma bastante semelhante
ao defendido por Foucault, vincula o sistema penal a uma estrutura produtiva capitalista,
de modo a enxergar o sistema penal como um instrumento de dominação de classe
e que, por isso, deve ser extinto. É um autor abolicionista do sistema penal da forma
como é dado, e propõe uma revolução permanente, gradual e ilimitada com a adoção
de profundas reformas nas instituições punitivas, com o fim de progressiva abertura ao
sistema de penas e a drástica redução da necessidade do sistema penal.

Nils Christie (1928-2015), sociólogo, critica o sistema penal, segundo ele, o


sistema opera mediante a produção de dor e sofrimento e está assentado em falsas
premissas dissociadas da realidade do homem, da sociedade e das formas de controle
da criminalidade, e estabelece uma classificação dicotômica entre culpado e inocente
que destrói os vínculos sociais horizontais. Para o autor, o ideal seria a substituição do
sistema sancionatória pela justiça participava, em que a vítima seria parte da resolução
da situação problema em condições de igualdade com o autor do fato, e com foco na
real reparação do dano.

Outro movimento advindo da relação de poder, em uma posição intermediária


entre o abolicionismo e o direito penal, é o do minimalismo, para o qual existe uma
necessidade de limitação do direito penal que deve incidir apenas em ultima ratio, e
que se restringe à tutela dos bens jurídicos relevantes e quando os demais ramos do
direito não forem suficientes (OLIVEIRA, 2019, p. 237). Esse movimento se fortaleceu
após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação do Estado Democrático de Direito,
o liberalismo e a filosofia humanista.

O movimento neorrealista adota uma perspectiva realista, e que tem como ideai
central o socialismo, que reconhece os reflexos da pobreza na criminalidade, e encara
o delito como um problema real, defende a adoção de uma ampla política social para o
controle da zona de delinquência (OLIVEIRA, 2020)

O movimento denominado “garantismo penal” vigorou na Europa durante o


século XVIII, e era um movimento clássico contra o regime absolutista monárquico e o
liberalismo econômico. Na modernidade, o “garantismo penal” foi uma teoria reformulada
pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli (2011), para o qual o sistema penal deve se ater ao
respeito máximo aos direitos fundamentais e às garantias processuais (OLIVEIRA, 2020).

O cenário do sistema carcerário brasileiro está completamente falido. Notam-se


quadros generalizados de superlotação carcerária e altos índices de encarceramento nos
estabelecimentos prisionais, condições insalubres e desumanas e o descumprimento da

44
finalidade educadora e ressocializadora do condenado. O processo disciplinar buscado
pela prisão, com caráter educativo, torna-se um processo autoritário, desarrazoado,
desumano e degradante, o que reafirma a crença foucaultiana de que a prisão fracassa
na tarefa de reduzir a prática de crimes e, contrariamente, apresenta-se como meio
hábil à produção da delinquência.

4 O ESTADO DEMOCRÁTICO COMO “CARACTERIZADOR”


DO INDIVÍDUO CRIMINOSO
O delito é um fenômeno social, segundo a criminologia, ciência que tem por
objeto a sua análise, a do criminoso, a da pena, a da vítima e a do controle social. A
ideia do direito de punir e a evolução da sociedade disciplinar é anterior à criação da
ciência da criminologia, e compreende desde os primórdios da Antiguidade até o Estado
Moderno.

NOTA
A criminologia, ciência que estuda o crime, o criminoso e o controle social,
teve origem na obra “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso,
a quem é dado o título de “pai da criminologia”, segundo a doutrina
majoritária.

Na Antiguidade, pensadores como Protágoras (485-415 a.C.), Sócrates (470-


399 a.C.), Hipócrates (460-355 a.C.) contribuíram para definições acerca das bases do
delito, da punição e as suas causas (LIMA JR., 2017). O Código de Hamurábi era a lei da
época, e existia uma ideologia de vingança e a ideia de julgamento mais severo dos ricos
com relação aos pobres, uma vez que aqueles dispunham de mais oportunidades para
aquisição de bens materiais e culturais (SUMARIVA, 2018).

Nesse período, não existia a sistematização de um estudo a respeito do crime e


do criminoso, e as bases explicativas desses fenômenos ocorriam na Religião. O crime e
o criminoso eram considerados pecado e pecador, e ambos eram frutos do “demonismo”,
em que o criminoso era considerado uma figura diabólica (OLIVEIRA, 2020). Os doentes
mentais, inclusive, foram submetidos à tratamentos desumanos na época, uma vez que
eram considerados como portadores de uma possessão demoníaca e, por isso, recebiam
castigos e torturas pelas suas condições (VIANA, 2018).

Na Idade Média, com o feudalismo e com Cristianismo, o delito passou a ser


identificado como o pecado e o criminoso como o pecador, segundo a Teologia e a
Filosofia da época. A religião ainda é o fator dominante e a responsável por incriminar,
julgar e dar a pena ao condenado. Os meios de provas eram cruéis e torturantes,

45
submetendo os investigados às “ordálias” ou ao “juízo de Deus”, que consistiam em
um ritual em que o réu era submetido a uma provação divina que comprovaria a sua
inocência ou culpabilidade.

A Idade Média na Europa ficou reconhecida pela doutrina como o “Período da


Vingança”. O acusado sofria três tipos de vingança. A primeira era a vingança privada,
regida pela Lei do Talião, em que a vítima poderia exercer a justiça pelas próprias mãos
sob o fundamento do “olho por olho, dente por dente”. A segunda vingança era a pública,
cujo exercício do poder punitivo era atribuído à igreja, que considerava o sacerdote como
o mandatário de Deus para produzir a prova e a culpabilidade por meio das ordálias. A
terceira era a vingança pública, na qual o monarca, representante do Estado, assumia
o poder punitivo e executava o condenado em rituais públicos, o que ficou conhecido
como “ciclo do terror” (OLIVEIRA, 2020, p. 29).

A Idade Moderna, compreendida entre o final do feudalismo e início da Idade


Contemporânea, foi o período de surgimento das bases sociais, econômicas e da
sociedade atual. A criminologia passou a ser estudada, tornando-se a ciência do estudo
sobre o crime, o criminoso e a pena. Autores começaram a publicar obras a respeito
dos temas, e o desenvolvimento científico ocorre em etapas. Disso, surgiram novos
conceitos e escolas penais responsáveis pelos estudos da criminologia. As ideias de
crime, criminoso e pena foram modificadas, no seguinte sentido:

• o crime passou a ser entendido como um reflexo social à desorganização social e à


pobreza (Thomas Morus, 1478-1535, obra Utopia, publicada em 1516);
• o criminoso, segundo os fisionomistas, passou a identificar características externas do
indivíduo para definir as características físicas da índole criminosa (Della Porta, 1535;
Joahnn Kaspar Lavater, 1741). Surgiram as ciências da cranioscopia, que identifica
o criminoso com base na medição externa da cabeça e do crânio (Franz Gall, 1758),
e a frenologia, que estuda o cérebro e suas funções anímicas (Franz Gall, 1758). A
psiquiatria se desenvolveu como ciência autônoma e passou a distinguir o criminoso
do enfermo mental, e substituiu a pena deste pelo tratamento (VIANA, 2018, p. 32);
• a pena passou a ser reconhecida como uma sanção de caráter retributivo e de defesa
social, e passou a recair sobre a liberdade do indivíduo, e não mais sobre o seu corpo.

Há o surgimento da Escola Clássica de criminologia, cujos expoentes foram


Cesare Beccaria, Francesco Carrara, Kant, Hegel e Bentham. É o marco do início do Direito
Penal como ciência. O Direito Penal passou por uma reforma humanista, tornando-se
uma ciência de limitação ao poder punitivo do Estado, a partir do século XVIII.

O surgimento da Sociologia Criminal sob a influência de Auguste Comte, para


quem o crime é um fenômeno social e busca justificar a maneira como os fatores do
meio ambiente social atuam sobre a conduta social e conduzem o homem à prática
delitiva (1789). Posteriormente, o surgimento da Sociologia criminal norte-americana
(Sutherland; Sellin), após a Primeira-Guerra Mundial, faz difundir o estudo das causas
dos crimes pelos países ocidentais.

46
A abordagem sociológica, segundo a doutrina nacional, abarca causas e
fatores sociais que influenciam na criminalidade. São os denominados “fatores sociais
criminógenos”, de importante conhecimento da a implementação de políticas públicas
relacionadas ao cárcere e para a prevenção do delito. A doutrina nacional identifica
alguns fatores sociais criminógenos responsáveis pelo aumento da criminalidade, e que
passamos a identificar a seguir (SUMARIVA, 2018).

1) Sistema Econômico: Desigualdades sociais e precária situação econômica, má


distribuição de renda.
2) Pobreza, Miséria e Fome: ausência de condições mínimas, exclusão e revolta social.
Embora a pobreza não seja um fator condicionante extremo da criminalidade, haja
vista, por exemplo, a prática dos crimes de colarinho branco pela elite da sociedade,
as estatísticas criminais demonstram que a maioria de autores de crimes patrimoniais
é pobre. A fome, por sua vez, é a falta do que comer no dia a dia ou a alimentação
inadequada, que acarreta danos psicossomáticos em sua formação.
3) Habitação: proliferação de favelas, cortiços, onde há precárias condições de vida,
falta de saneamento básico e de estrutura, o que ocasiona a criminalidade.
4) Educação: a ausência de educação e de políticas públicas educacionais torna o
indivíduo vulnerável à criminalidade.
5) Má vivência: grupo polimorfo marginalizado que vive em situação de parasitismo,
sem aptidão para o trabalho, excluídos da vida social como prostitutas, pessoas em
situação de rua (CARVALHO, 1973).
6) Meios de comunicação: exercem função pedagógica sobre a sociedade, e o seu o
fomento e a divulgação podem repercutir na criminalidade.
7) Migração: a absorção de mão-de-obra imigrante por países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos nem sempre é possível diante do enfrentamento de altas taxas
de desemprego, o que ocasiona o aumento populacional desregrado e gera maior
índice de criminalidade.
8) Crescimento Populacional: quando ocorre de forma desorganizada é apontado
como um fator criminógeno, articulando-se diretamente ao crescimento do índice
de desemprego e subemprego e, consequentemente, de pobreza e de miséria.
9) Preconceito: preconcepção de uma ideia, positiva ou negativa, despida de análise
crítica, em relação a uma coisa ou a uma pessoa. Geralmente, é veiculado por
julgamentos desfavoráveis ou generalizações apressadas, o que dá ensejo à
discriminação. A discriminação é campo fértil para conflitos sociais, e é obstáculo
para a convivência pacífica entre as pessoas.
10) Política: A organização política da sociedade exerce influência na vida dos diversos
grupos sociais e, consequentemente, no fenômeno criminal, conforme maior ou
menor grau de liberdade que gozem seus cidadãos, haja vista a imitação pelo povo
das elites governantes.

No Estado Democrático de Direito brasileiro atual, o Direito Penal dentro do


ordenamento jurídico segue o Princípio da ultima ratio, segundo o qual a lei criminal
e a pena serão aplicados somente nos comportamentos humanos mais graves e
perniciosos à coletividade que os outros ramos do Direito não seja capaz de solucionar.

47
A missão do Direito Penal é a proteção dos valores fundamentais para a
subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde e a liberdade (CAPEZ, 2011).
Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em
seu artigo 8º, determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias, e
estabeleceu o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal.

A pena privativa de liberdade não é a regra no Brasil. Trata-se da exceção a ser


aplicada aos crimes mais graves. Para delitos de pequena ou média reprovabilidade,
devem ser aplicados penas alternativas, como as restritivas de direitos ou a pena de
multa, previstas pelo ordenamento penal.

Embora a restrição da liberdade não seja a regra, o Brasil encontra um


cenário desolador com altas taxas de encarceramento, superlotação e condições
carcerárias degradantes. Vigora a hegemonia da pena de prisão e a ineficiência do
Estado brasileiro para controlar a maior parte das questões relacionadas ao cárcere.

O demonstrativo mais evidente de que as finalidades atribuídas à instituição


prisional não são alcançadas é a altíssima reincidência, o que se constitui um meio
insatisfatório de combate à criminalidade e que permanece sendo utilizada pela falta de
investimento em outras possibilidades, inclusive as de prevenção ao delito (SÜSSEKIND,
2014).

No Relatório de Pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)


sobre Reincidência Criminal no Brasil, realizado em 2015, ficaram constatados que a
amostra de reincidentes criminais no Brasil é composta basicamente de homens jovens,
brancos e de baixa escolaridade, e que a cada quatro apenados, um é reincidente
legalmente, embora várias pesquisas documentarem uma taxa de reincidência bem
superior a isso (IPEA, 2015).

A legislação brasileira composta pela Lei de Execução Penal e pela assimilação de


diversos tratados internacionais acerca de direitos humanos preza pela recuperação do
condenado, pela sua ressocialização e pelo respeito à dignidade humana, fundamentada
no Estado Democrático de Direito. Por consequência, abomina tratamentos cruéis
ou degradantes como castigos físicos e proíbe presídios insalubres. Dessa forma, há
esperança de que a pena opere uma transformação no indivíduo para que possa levar
uma vida útil e produtiva.

O espírito da lei, portanto, é sempre no sentido de apostar na recuperação


da pessoa, dar oportunidade ao preso de reintegração à sociedade. Mas como criar
condições efetivas para que isso ocorra? A esse grande desafio não há respostas
definitivas (SÜSSEKIND, 2014).

48
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A normativa que rege a execução penal no Brasil é composta pelas normas nacionais
(Constituição Federal, Lei de Execução Penal e outras normas infralegais, resoluções
do CNJ etc.) e por normas internacionais a que o Brasil aderiu (Regras Mínimas das
Nações Unidas para o Tratamento de Presos; Regras das Nações Unidas para o
tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres
infratoras; Regras mínimas das Nações Unidas sobre medidas não privativas de
liberdade).

• O delito é um fenômeno social, segundo a criminologia, ciência que tem por objeto
a sua análise, a do criminoso, a da pena, a da vítima e a do controle social. O Estado
pune o crime de formas distintas ao longo da História, e a Idade Contemporânea foi o
período de surgimento da ciência da criminologia.

• No Estado Democrático de Direito brasileiro atual, o Direito Penal dentro do


ordenamento jurídico segue o Princípio da ultima ratio, segundo o qual a lei criminal
e a pena serão aplicados somente nos comportamentos humanos mais graves
e perniciosos à coletividade, que os outros ramos do Direito não seja capaz de
solucionar.

• As relações de convivência estão previstas na Constituição Federal, na Lei de


Execução Penal e nas normativas internacionais a que o Brasil aderiu.

• A obra Vigiar e Punir, publicada em 1975, por Michel Foucault, descreve as relações de
poder no cárcere, e serve de base para diversos movimentos abolicionistas do Direito
Penal e das execuções penais.

49
AUTOATIVIDADE
1 Considerando a atual conjuntura da política criminal brasileira, é CORRETO afirmar
que:

a) ( ) A eficiência do trabalho policial pode ser verificada pelo baixo índice de letalidade
e o alto índice de prisões efetuadas.
b) ( ) O processo de encarceramento em massa no Brasil se alavancou no período
de vigência da Constituição Federal, de 1988, apesar de esta ter como seus
fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
c) ( ) A construção de presídios tem sido uma política eficaz de redução do
encarceramento em massa.
d) ( ) O crescimento da população prisional é isonômico, no aspecto de gênero.

2 “O atestado de que a prisão fracassa em reduzir os crimes deve talvez ser substituído
pela hipótese de que a prisão conseguiu muito bem produzir a delinquência, tipo
especificado, forma política ou economicamente menos perigosa – talvez até
utilizável – de ilegalidade; produzir delinquentes, meio aparentemente marginalizado,
mas centralmente controlado; produzir o delinquente como sujeito patologizado”.
Esse trecho, extraído de “Vigiar e Punir”, sintetiza uma importante conclusão de
Michel Foucault decorrente de suas análises acerca da prisão como uma instituição
disciplinar moderna. Para o autor, a prisão permite:

a) ( ) Objetivar a delinquência por trás da infração e consolidar a delinquência no


movimento das ilegalidades.
b) ( ) Classificar a delinquência em suas categorias e erradicar a delinquência do meio
social.
c) ( ) Reduzir a delinquência por intermédio do controle e controlar a delinquência por
meio da repressão.
d) ( ) Combater a delinquência por meio da punição e erradicar a delinquência do meio
social.

3 Julgue os itens a seguir como VERDADEIRO ou FALSO:

( ) O Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Departamento de Monitoramento


e Fiscalização do Sistema Carcerário, publicou, no ano de 2014, diagnóstico de
pessoas presas no Brasil, posicionando-nos em terceiro lugar no ranking dos dez
países com maior população prisional do mundo, com computo das pessoas que
se encontram em prisão domiciliar no Brasil. Outras constatações relevantes e
retratadas no referido diagnóstico foram o considerável déficit de vagas prisionais e
o elevado número de mandados de prisão em aberto.

50
( ) Quanto à teoria da finalidade da pena, a função preventiva especial, em razão do
caráter abstrato da previsão legal dos delitos e das penas, enfoca o delito e não o
infrator individualmente.
( ) As finalidades da pena são "retribuição e prevenção", assim, o objetivo da prevenção
é o de evitar que o infrator da lei volte a delinquir (especial) e que a punição sirva de
exemplo para que outros não pratiquem o mesmo ato (geral).

4 Na atualidade, observa-se uma generalização do sentimento coletivo de insegurança


nos cidadãos, caracterizado tanto pelo temor de se tornarem vítimas, como pela
preocupação, ou estado de ânimo coletivo, com o problema do delito. Com base no
exposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O incremento dos índices de criminalidade registrada (tese do volume constante


do delito) mantém correspondência com as demonstrações das pesquisas de
vitimização, já que seus dados procedem das mesmas repartições do sistema
legal.
b) ( ) A população reclusa oferece uma amostra confiável e representativa da
população criminal real, já que os agentes do controle social se orientam pelo
critério objetivo do fato cometido e se limitam a detectar o infrator, qualquer que
seja este.
c) ( ) O fenômeno do medo ao delito não enseja investigações empíricas na
Criminologia, por se tratar de uma consequência trivial da criminalidade,
diretamente proporcional ao risco objetivo.
d) ( ) O medo do delito pode condicionar negativamente o conteúdo da política
criminal, além de imprimir nesta um viés de rigor punitivo, contrário, portanto,
ao marco político-constitucional do nosso sistema legal.

5 “Levado pela onipresença dos dispositivos de disciplina, apoiando-se em todas as


aparelhagens carcerárias, este poder se tornou uma das funções mais importantes de
nossa sociedade. Nela há juízes da normalidade em toda parte. Estamos na sociedade
do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-juiz, do 'assistente social-juiz´; todos
fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um no ponto em que se encontra,
aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os
desempenhos”. O trecho, extraído da obra Vigiar e punir, de Michel Foucault, refere-
se ao tipo de poder cujo grande apoio, na sociedade moderna, foi a rede carcerária,
em suas formas concentradas ou disseminadas, com seus sistemas de inserção,
distribuição, vigilância, observação. Esse poder é denominado pelo filósofo de poder:

a) ( ) Totalitário.
b) ( ) Total.
c) ( ) Judiciário.
d) ( ) Normalizador.

51
52
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Estabelece a
normativa para a execução penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 1984.

BRASIL. Presidência da República. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário


Nacional (Depen). Boas práticas do sistema penitenciário nacional. Brasília, 2004.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/manual-boas-praticas.pdf. Acesso em: 31
ago. 2021.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios


das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. (Org.) Secretaria
Nacional de Justiça. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2009. 344 p.

BRASIL. Presidência da República. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário


Nacional (Depen). Sistema Nacional de Informação Penitenciária. Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen. Brasília, dezembro, 2014.
Disponível em: www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14 .pdf.
Acesso em: 18 mar. 2017.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade


mecum. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.


Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 ago. 2021.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Conselho Nacional de Justiça. Programa das


Nações Unidas para o Desenvolvimento. Departamento Penitenciário Nacional (coord.)
Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi [et al.]. Diagnóstico de arranjos institucionais e
proposta de protocolos para execução de políticas públicas em prisões [recurso
eletrônico]. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2020.

CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. Vol. 1, parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, F. Processo Penal Simplificado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

53
CNJ. Conselho Nacional de Justiça. América Latina: Panorama é de superlotação e
prisões provisórias. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/america-latina-panorama-e-
de-superlotacao-e-prisoes-provisorias/. Acesso em: 27 ago. 2021.

CUNHA, D.; NOVELINO, M. Constituição Federal para Concursos. 4ª ed. Salvador:


JusPodvm, 2013.

CUNHA, R. S. Código Penal para Concursos. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

CUNHA, R. S. Lei de Execução Penal Comentada. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2019.

FERNANDES, A. S. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: Editora Revista


dos Tribunais, 2007.

FERRAJOLI, L. Derecho y razón: Teoría del garantismo penal. 10. ed. Madrid: Editorial
Trotta, 2011.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história de violência nas prisões. Petrópolis: Editora


Vozes, 1987.

FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. 24. ed. São Paulo: Edições Graal, 2007.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, A. O que é Criminologia? Trad. Danilo Cymrot. São


Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

NUCCI, G. de S. Manual de direito penal.3. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, N. A. de. Criminologia. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

PENTEADO FILHO, N. S. Manual Esquemático de Criminologia [e-book]. 6. ed. São


Paulo: Saraiva, 2016.

SUMARIVA, P. Criminologia: teoria e prática. 5. ed. Niterói, Rj: Impetus, 2018.

VIANA, E. Criminologia. 6. ed. Salvador: JusPodvm, 2018.

ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema


penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

54
UNIDADE 2 —

ORGANIZAÇÕES E FACÇÕES
CRIMINOSAS, GRUPOS RELIGIOSOS
E VOLUNTÁRIOS E RELAÇÃO
FAMILIAR DENTRO DAS PRISÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conceituar as organizações criminosas e entender o seu funcionamento;

• estudar os grupos religiosos e a assistência espiritual nas prisões;

• analisar a participação dos grupos voluntários no trabalho penitenciário.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ORGANIZAÇÃO E FACÇÕES CRIMINOSAS

TÓPICO 2 – GRUPOS RELIGIOSOS E ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL NAS PRISÕES

TÓPICO 3 – PARTICIPAÇÃO DE GRUPOS VOLUNTÁRIOS NO TRABALHO PENITENCIÁRIO

CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

55
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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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56
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
ORGANIZAÇÕES E FACÇÕES CRIMINOSAS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos o tema Organizações e Facções
Criminosas e os reflexos sociais da atuação desses grupos dentro e fora do sistema
prisional. O crime organizado se desenvolve diante de um Estado ausente, e se constitui
um dos maiores problemas do mundo globalizado. O crescimento do crime organizado
é uma ameaça não apenas à sociedade, mas ao próprio Estado Democrático de Direito,
uma vez que os crimes praticados contêm muita lesividade e uma forte influência dentro
do Estado.

As organizações criminosas mais conhecidas no território nacional são: o PCC


(Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho); mas estas não foram
as únicas organizações na história brasileira. A manifestação mais remota do crime
organizado foi o Cangaço, bando liderado por Virgulino Ferreira da Silva (“Lampião”).
Posteriormente, desenvolveram-se as associações criminosas voltadas à exploração
dos jogos de azar e de tráfico de drogas, armas e animais silvestres. No ordenamento
jurídico brasileiro, o crime organizado está previsto pela Lei nº 12.850/13.

O presente tópico tem como objetivo entender as origens das organizações e
das facções criminosas no mundo e no Brasil, conceituar o crime organizado, entender
os graus de hierarquia existentes nessas organizações e os reflexos do avanço destas
para o Estado e para a sociedade civil.

FIGURA 1 – ORGANIZAÇÕES E FACÇÕES CRIMINOSAS

FONTE: Pinheiro e Carone (2019, s.p.)

57
2 CONCEITO E BALIZAMENTO HISTÓRICO
O conceito de organizações e facções criminosas é advindo de parâmetros
internacionais, junto com as origens de tais organizações. O objetivo do tópico é a
descrição dessas origens, e como o ordenamento jurídico atual conceitua as facções
criminosas e atua no seu combate. A Lei nº 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas)
define a organização criminosa nos seguintes termos:

Artigo 1º, §1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4


(quatro ou mais) pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo
de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam
superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A conduta criminosa do crime organizado atinge a paz pública e o sentimento


coletivo de segurança e de confiança na ordem e na proteção jurídica (LIMA, 2014). São
tidas como condutas caracterizadoras da organização criminosa: promover, constituir,
financiar ou integrar, pessoalmente, ou por pessoa interposta, organização criminosa.
A pena prevista para o crime é o de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das
penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. A previsão é do artigo
2º, da Lei n° 12.850/13:

Artigo 2º. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou


por pessoa interposta, organização criminosa.
Pena: reclusão, 3 a 8 anos, e multa.

Outras regras aplicadas a quem comete o crime de organização criminosa são:

• nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a
investigação de infração penal que envolva organização criminosa;
• as penas são aumentadas até a metade se, na atuação da organização criminosa,
houver emprego de arma de fogo;
• a pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização
criminosa, ainda que não pratique, pessoalmente, atos de execução;
• a pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): se há participação de criança
ou adolescente; se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização
criminosa dessa condição para a prática de infração penal; se o produto ou proveito
da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; se a organização
criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; se
as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização;
• se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização
criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego
ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
investigação ou instrução processual.

58
As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à
disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de
segurança máxima. O condenado expressamente em sentença por integrar organização
criminosa, ou por crime praticado por meio de organização criminosa, não poderá
progredir de regime de cumprimento de pena, ou obter livramento condicional, ou outros
benefícios prisionais, se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do
vínculo associativo. 

Caso haja indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a
Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público,
que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.

A organização criminosa mundialmente reconhecida e a mais famosa de todas


é a Máfia Italiana. Com uma estrutura familiar, a Itália é berço de diversas máfias, como a
“Cosa Nostra”, a “Camorra”, a “N´Drangueta”. Inicialmente, as atividades ilícitas estavam
ligadas ao contrabando e à extorsão; posteriormente, passaram a atuar com o tráfico
de drogas e a lavagem de dinheiro. Com o objetivo de resguardar o bom andamento
das atividades ilícitas, a Máfia Italiana passou a atuar na política, e a comprar votos e a
beneficiar campanhas eleitorais (LIMA, 2014).

No Japão, a Yakusa tem formação exclusivamente masculina, tendo em vista


que as mulheres são consideradas fracas e incapazes de lutar como homens. A atuação
engloba tráfico de drogas, prostituição, pornografia, jogos de azar, extorsão e tráfico de
pessoas. Existe um código interno rigoroso elaborado com base na justiça, lealdade,
fidelidade, fraternidade e dever para com a organização. Existem numerosas obrigações
impostas aos seus participantes, como: não violar mulher ou filhos de outros membros,
não se envolver com drogas, não esconder dinheiro do grupo etc. Os membros têm
tatuagens pelo corpo com símbolos, samurais, dragões, serpentes, que servem na
identificação dos integrantes e para estabelecer o grau de liderança estabelecido dentro
da organização (LIMA, 2014).

De origem chinesa, a Tríade Chinesa foi fundada em 1911, e é uma organização


criminosa voltada, principalmente, para o tráfico de drogas, a prostituição e a extorsão,
que abrange a região da Tailândia, Birmânia e Laos, e detém uma estrutura hierárquica
muito rígida (LIMA, 2014).

No Brasil, em meados da década de 1980, o Comando Vermelho (CV) teve


origem nas penitenciárias do Rio de Janeiro, com o objetivo de dominar o tráfico de
drogas nos morros da cidade. Inspirada em grupos de guerra e em táticas de guerrilha
urbana inspiradas em grupos de esquerda armada, o CV aproveitou da ausência
do Estado nas favelas cariocas para desenvolver uma política de benfeitorias e de
proteção, com o fim de conseguir o apoio da comunidade (LIMA, 2014).

59
Atualmente, a facção do Rio é nutrida por jovens e é considerada por policiais
como a mais sanguinária dentre os inimigos. A história do CV começou antes mesmo
do século XX, quando a prisão de Ilha Grande, situada no Rio, cometia atrocidades
aos presos que ali viviam. Os prisioneiros eram doentes de cólera e tifo, e a prisão se
transformou, no século XX, em arcabouço para prisioneiros políticos, opositores da
ditadura, guerrilheiros, criminosos comuns, assassinos e estupradores. Em 1979, surgiu
o Comando Vermelho nesta prisão, uma mistura entre presos enquadrados na Lei de
Segurança Nacional e presos comuns. A facção se profissionalizou para assaltar bancos,
sequestrar empresários, personalidades da mídia, mas a atividade principal e que
perdura até a atualidade é o narcotráfico e o roubo de cargas.

Em 1990, 90% das favelas do Rio de Janeiro pertenciam ao Comando Vermelho,


e os traficantes ganharam fama ao financiar escolas de samba e campanhas políticas.
O poderio da facção está no grande número de adeptos e no poder bélico, que desfruta
de grande contingente de armas, fuzis e granadas. As regras internas estabelecidas
pela facção são inquebráveis, e o tribunal do crime pune os que transgridam suas
normas. Um dos líderes mais famosos da facção é Fernandinho Beira-Mar, condenado
a mais de 400 anos de prisão e um dos maiores traficantes de armas e drogas da
América Latina. Atualmente, o Estado instalou, nos locais dominados pelo Comando
Vermelho, as conhecidas UPPs (Unidades Pacificadoras), com o objetivo de expulsar
os traficantes e destruir a facção.

FIGURA 2 – 10 MANDAMENTOS DA FACÇÃO

FONTE: Sá (2020, s.p.)

60
O Primeiro Comando da Capital (PCC) também teve origem no sistema carcerário,
em 1993, no estado de São Paulo. Um dos principais objetivos do PCC é a luta pela
melhoria dentro dos presídios paulistas. O ingresso do indivíduo o faz seguir uma série
de regras de conduta entabuladas no Estatuto do PCC.

O Estatuto do PCC, descoberto em 1996, por autoridades policiais, prevê:

1. lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido;


2. a luta pela liberdade, justiça e paz;
3. a união da luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões;
4. a contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão, por
meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ações de resgate;
5. o respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja
conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, dividir
a irmandade será excluído e repudiado pelo Partido;
6. jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoas de fora;
7. aquele que estiver em liberdade e bem estruturado e não contribuir com os irmãos
que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão;
8. o estatuto proíbe que haja assalto, estupro e extorsão dentro do sistema;
9. o partido não admite: inveja, cobiça, mentira, traição, calúnia, egoísmo, mas sim a
verdade, a fidelidade, a hombridade, a solidariedade, o interesse e o bem de todos;
10. o lema é “somos um por todos, e todos por um”;
11. a opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores
do Partido;
12. o Primeiro Comando da Capital foi fundado em uma luta descomunal e incansável
contra a opressão e as injustiças da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, e
tem como tema absoluto a liberdade, a justiça e a paz;
13. o partido não admite rivalidades externas, disputa do poder na liderança do comando;
14. a prioridade do comando é pressionar o Governo do Estado a desativar o anexo da
Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté;
15. a partir do comando central, as diretrizes e ações são organizadas simultâneas em
todos os estabelecimentos penais do estado, em uma guerra sem trégua até a vitória
final;
16. o importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta, porque a semente do
comando se espalhou por todo o sistema e conseguimos também nos estruturar do
lado de fora, com muitos sacrifícios e perdas irreparáveis, mas nos consolidamos em
nível estadual; e a médio e a longo prazo, vamos nos consolidar em nível nacional. Em
coligação com o Comando Vermelho, revolucionaremos o país dentro das prisões, e
nosso braço armado será o terror dos poderosos e opressores e tiranos que usam o
Anexo de Taubaté e o Bangu I, do Rio de Janeiro, como instrumento de vingança da
sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos nossa força e a força nos nossos
inimigos poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será
vencido. LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ! O quartel general do PCC, Primeiro Comando da
Capital, em coligação com o Comando Vermelho CV. UNIDOS VENCEREMOS”

61
O PCC se tornou não apenas uma organização poderosa em termos nacionais,
mas o grupo mais poderoso do crime organizado do Brasil e América do Sul, e conta,
atualmente, com 35 mil membros. Além do domínio das prisões e das favelas, a
organização gerencia o tráfico de drogas nacional e internacional, e faz girar em torno
de 100 milhões de dólares por ano (485 milhões de reais). Para o PCC, o grande inimigo
é o Estado. O poder paralelo da facção contém um núcleo de 35 mil membros, fora as
centenas de milhares de pessoas que vivem sob as ordens da facção (delinquentes,
biscateiros, faxineiras, pedreiros, vendedores ambulantes, de telemarketing).

O PCC detém o seu próprio código de justiça e controla as rotas do tráfico de


drogas, da produção e da distribuição em portos do outro lado do continente, tem aliados
europeus e africanos. Pelo código de conduta, os irmãos são proibidos de admitir ou
proclamar que pertencem ao PCC, e há grandes dificuldades da Segurança Pública em
saber como eles se reconhecem.

O PCC detém um sistema de justiça próprio baseado em três pilares: 1) o


acusado tem o direito de se defender; 2) está proibido de matar sem autorização; e
3) os vereditos são debatidos até que seja alcançado um consenso. O sistema busca
afastar a proteção e a atividade policial dos locais em que o Estado não chega (favelas
e bairros humildes em que o apoio do Estado é mínimo). Os problemas com o crime e
problemas locais da comunidade são resolvidos pela própria facção. Muitas vezes, o
sistema da “irmandade”, como é chamado, substitui a justiça comum. As sentenças da
facção são dadas após um consenso e conta com a participação de vários criminosos,
que discutem o caso antes de determinar a pena final (FELTRAN, 2018).

O grupo desenvolveu diversas terminologias para sua atuação: caixinha


(contribuição mensal), comando (o PCC), coisa (o inimigo e a polícia), cunhadas (esposa
dos membros), é decretado (é condenado à morte), o estatuto (código de conduta), a
família (PCC), irmãos (os membros do PCC), vai para as ideias (quando alguém é julgado),
os salves (recados e circulares), a sintonia final geral (a cúpula).

Em 2006, a organização se utilizou de telefones móveis nos presídios para


organizar a rebelião simultânea em 30 prisões do Estado de São Paulo. O Estado ficou
em alerta, e foram feitos diversos atentados contra policiais, delegacias e quartéis, o que
provocou o medo generalizado e o fechamento de bancos, escolas, lojas, e circulação
de ônibus. Aproximadamente 560 pessoas morreram em duas semanas (EL PAÍS, 2020).

As prisões são o local de recrutamento dos criminosos. As duas facções


criminosas (PCC e Comando Vermelho), atualmente, estão rompidas. Em 2017, logo no
primeiro dia do ano, as rebeliões ocorridas no sistema prisional no Norte e Nordeste
brasileiros deixaram diversos presos mortos de forma brutal e é o episódio conhecido
por romper a aliança entre as duas organizações criminosas. Começou, a partir de então,
uma guerra pelo controle das rotas de droga.

62
O crime organizado surge onde o Estado deixa espaços. As prisões são o
local de maior omissão estatal, e onde o poder paralelo destas facções toma conta. O
recrutamento de indivíduos para as facções começa de dentro das prisões para fora, e
o controle das facções também. Para a sociologia, que se debruça na temática, houve o
aumento substancial das facções no sistema prisional com a inserção de telefonia móvel,
de modo ilegal, já que os telefones permitem o entrelaçamento com o mundo exterior
e o controle. Atualmente, as facções brasileiras vivem um período de instabilidade,
principalmente com a levada de muitos líderes criminosos a cadeias federais, e com a
quebra da aliança entre PCC e Comando Vermelho, na disputa pela rota da droga.

DICAS
MANSO, B. P.; DIAS, C. N. A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do
crime organizado. São Paulo: Editora Todavia, 2018.
FELTRAN, G. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das
Letras, 2018.
BIONDI, K. Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no
PCC. Terceiro Nome, 2018.
AMORIM, C. Comando Vermelho. Rio de Janeiro: Best Seller, 2011.

DICAS
Filme: 400 contra 1 – Uma história do crime organizado.
Filme: Salve Geral (2009)

3 TRIBUNAL PARALELO DENTRO DAS PRISÕES


O caos no ambiente prisional e a ausência de políticas públicas efetivadoras dos
direitos humanos tem como resultado a gestão paralela imposta pelas organizações
criminosas, principalmente sob o fundamento das graves violações que ocorrem neste
ambiente.

A origem das organizações criminosas, no Brasil, tem quase o mesmo


fundamento: as graves violações dos direitos humanos no cárcere. A consolidação do
PCC no sistema prisional, como visto no item anterior, por exemplo, ocorreu por conta
da tortura e das violações ocorridas no anexo da penitenciária de Taubaté, na década
de 1990. As omissões do Estado em promover o controle do sistema prisional permitiu
às organizações criminosas a instituição de uma nova ordem econômica, política e
ideológica dentro dos presídios. Ocorre a instituição de um disciplinamento paralelo aos
mandos do Estado que, caso não sejam cumpridos, tornam-se motivo suficiente para
utilização de violência.
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Dentro do sistema carcerário, é criada uma dinâmica de sociabilidade própria,
ao instituir um código de conduta que deve ser cumprido e respeitado por todos, como
se fosse um “processo pedagógico aos encarcerados e um rígido controle sobre os
detentos” (BIONDI, 2010, s.p.). Os que não cumprem o código estabelecido são punidos,
severamente, inclusive com a morte. O monopólio de tutela do Estado é dividido com a
organização criminosa.

A organização criminosa explora, economicamente, uma série de atividades no


interior dos presídios, tais como a cobrança por proteção física, o tráfico de drogas, e, aos
poucos, esse domínio econômico se expande para fora das prisões, e a continuidade dos
negócios é promovida externamente. O domínio sob o sistema econômico nas prisões
e a sua expansão extramuros permite à organização criminosa estabelecer a sua rede
fora dos presídios, e utilizar o aparato telefônico móvel na sua organização. O domínio
extramuro das facções é exercido, no Brasil, principalmente pelo PCC, que já foi capaz
de provocar o pânico na população com ataques às autoridades do Estado, à polícia e
à população, de modo geral por meio do terror, a organização legitima o seu pode ante
o poder estatal.

O domínio do PCC, na atualidade, eclodiu em uma série de execuções sumárias


decorrentes de decisões determinadas pelos tribunais do crime, responsáveis por
determinarem diversas execuções penais depois de julgamentos clandestinos advindos
de ordens dos integrantes do PCC em presídios brasileiros. A esse modus operandi da
facção se denomina “tribunal do crime”, em que os julgamentos ocorrem por meio de um
debate realizado por, aproximadamente, oito ou nove juízes acerca dos acontecimentos
apreciados. O réu tem o direito à defesa, e depois é dado o veredito, geralmente o de
execução primária, sendo que a vítima (credor) que solicitou à facção o julgamento
poderá participar da definição da punição ao acusado.

A hegemonia do PCC nas prisões potencializa uma séria de violações impostas


à massa carcerária, por meio de um rigoroso código de conduta e severas punições, ao
impor, por exemplo, condutas ilícitas dentro da unidade como a entrada de entorpecentes
e celulares, e o comando sob comportamentos e ações em desconformidade com
as normas disciplinares internas, e articulação das punições e execução de presos
e agentes de segurança. Embora o PCC tenha se originado com o ideal de combater
a tortura e as péssimas condições carcerárias, este fundamento serviu apenas para
legitimar suas ações de modo que os presos fossem mobilizados e uma ideia de coesão
surgisse e fosse fortalecida pela adversidade enfrentada (BOLZANI; SANTOS, 2012).

Para Bolzani e Santos (2012), a ineficácia das políticas públicas para o setor
facilita a consolidação deste cenário, uma vez que o enfraquecimento institucional
legitima os ideais e os benefícios oferecidos pelas organizações criminosas no cárcere,
que influenciam os presos diante das condições de vulnerabilidade, e ofertam a
ascensão deste na sociedade do crime.

64
De acordo com Dias (2013), consolidada a posição de monopólio dentro das
prisões, a organização criminosa passa novamente por alterações na forma de atuar e
de manter seu domínio, com menos demonstrações públicas de violência e a instalação
de tribunais para a resolução de conflitos dentro e fora das prisões, o que descentraliza
a tomada de decisões, e as penalidades são aplicadas em nome da organização e não
mais como decisão de um membro hierarquicamente mais bem posicionado.

Outro fator relevante, a partir desta fase, é uma expansão e organização cada
vez maior das atividades do PCC fora das prisões; este desdobramento da facção é
observado por Dias (2013) e caracterizado como “o PCC empresa”. O aumento na
incidência de crimes resulta em grande volume de dinheiro subtraído e necessitam
de grande investimento no aparato de armamento e logística para ser executado. São
exemplos, as ocorrências de grandes roubos a bancos e cargas, e explosões de caixas
eletrônicos. Também se constata uma associação da organização para a exploração do
tráfico de drogas e comércio ilegal de armas.

A situação carcerária é tão gravosa que, em 2012, durante uma conferência a


respeito do sistema prisional, o então Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, proferiu
dizeres que comparava o sistema penitenciário nacional às masmorras medievais,
violadora dos direitos humanos, degradante, que não só não cumpre com a função
ressocializadora, como também é um ambiente que propicia, ao pequeno delinquente,
sair do sistema como membro de uma organização criminosa e praticar grandes crimes.
A omissão estatal não fere apenas os direitos fundamentais dos presos, mas permite a
condução da sociabilidade, da economia e da política nas prisões pelas organizações
criminosas, responsáveis pela instituição dos tribunais do crime dentro e fora do sistema
carcerário.

4 AVANÇO DO PODER DAS FACÇÕES NA HODIERNIDADE


O Brasil é considerado o país das facções, com um mercado interno considerável,
políticas de segurança pública voltadas para repressão e representa um importante caminho
na rota internacional do tráfico de drogas para a Europa e a África, com o escoamento da
droga vinda do Paraguai, Bolívia, Colômbia e Venezuela. O sucesso dos cartéis colombianos,
na década de 1980, impulsionou esse mercado, e fez do Brasil uma rota de expansão do
tráfico internacional de drogas.

No Brasil, mais de 30 facções criminosas articulam o crime organizado no sistema
penitenciário federal. Essas penitenciárias abrigam apenas os detentos considerados
mais perigosos, com potencial para desestabilizar as unidades administradas pelos
Governos estaduais, ou que continuaram a dar as cartas no mundo do crime, mesmo
atrás das grades. Fernandinho Beira-Mar (CV); Nem da Rocinha (Amigo dos Amigos);
Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola (PCC); e José Roberto Fernandes Barbosa,

65
vulgo Zé da Compensa (FDN), são alguns dos custodiados nas federais, que já abrigaram
também os irmãos Gerominho e Natalino, fundadores da milícia Liga da Justiça (EL PAÍS,
2020).

A tabela, a seguir, indica o número de presos por facção criminosa, e as principais


facções do país.

TABELA 1 – NÚMERO DE PRESOS POR FACÇÃO CRIMINOSA

FONTE: Departamento Penitenciário Nacional (2009, s.p.)

Uma das metas elencadas pelo PCC, em seu código de conduta, era a sua
expansão em nível nacional. Atualmente, a facção é internacionalmente reconhecida
pela rota da droga estabelecida entre países latino-americanos, Brasil, Europa e África.
Uma das principais pesquisadoras nas ciências sociais, acerca do PCC, Camila Nunes
Dias, estudou a expansão do crime organizado nos últimos anos, e elencou os anos de
2001 e 2006 como os principais anos de expansão do PCC, em nível nacional. Em 2001,
o PCC foi o responsável por uma megarrebelião em 29 unidades prisionais do estado de
São Paulo, o que ocasionou 30 presos mortos em conflitos internos e a reivindicação do
PCC pela desativação do Anexo da Casa de Custódia de Taubaté. No ano de 2006, o PCC
desencadeou, no estado de São Paulo, diversos atentados simultâneos, que colocaram
a sociedade em alerta e paralisou as atividades essenciais. Em 2012, novo conflito se
estabeleceu entre as forças de segurança e o PCC, o que deixou um número de vítimas
elevado entre civis e militares.

Em 2016, as rebeliões voltam a assustar a sociedade civil, as autoridades públicas


e os próprios presos. Depois de anos, o PCC e o CV (Comando Vermelho) romperam com
qualquer vínculo existente entre as duas facções criminosas pelo domínio da rota da
droga.

Certo esgarçamento das relações entre CV e PCC pode ser notado de um para
outro estatuto, entre os quais há um lapso temporal de aproximadamente 15 anos.
Enquanto o primeiro documento produzido pelo PCC vislumbrava a possibilidade de uma
união nacional do “crime”, representada pela “coligação PCC-CV”; o segundo estatuto
coloca a prioridade muito mais nos acordos comerciais, com todos os grupos de outros
estados, em vez de alianças políticas estratégicas com um grupo específico. Também
fica evidente que não há um necessário compartilhamento de valores e de formas de
conduta entre o PCC e o CV. Para Dias (2019, s.p.),

66
As ressonâncias dessa fratura nas alianças entre os dois grupos
foram significativas em termos da ordem prisional nos diversos
estados brasileiros. Em escala nacional, as prisões passaram por uma
adaptação ao novo cenário de conflito entre essas duas facções.
Foram intensas as remoções de presos de um presídio para outro
para seu isolamento do convívio com os membros das facções
inimigas.

Desta última rebelião promovida entre as facções, resultaram chacinas e
numerosas mortes de presos em penitenciárias do Amazonas, Roraima e Rio Grande
do Norte, com 64, 33 e 26 mortes, respectivamente. As ressonâncias dessa fratura
nas alianças entre os dois grupos foram significativas, em termos da ordem prisional,
nos diversos estados brasileiros. Em escala nacional, as prisões passaram por uma
adaptação ao novo cenário de conflito entre essas duas facções. Foram intensas as
remoções de presos de um presídio para outro, para seu isolamento do convívio com os
membros das facções inimigas (DIAS, 2019).

Em suma, a omissão estatal e a ausência de políticas públicas carcerárias


atreladas aos fatores do superencarceramento e da violação dos direitos fundamentais
no cárcere ocasionam o denominado “poder paralelo” das facções criminosas dentro
das prisões, com a instituição de poderio econômico, social e político no ambiente
carcerário, capaz de comandar não apenas o sistema prisional, como também a
sociedade criminal extramuro. Esse poderio tem sido alavancado, nos últimos anos, no
Brasil, por diversas facções criminosas, e a principal delas é o PCC, que, recentemente,
promoveu a ruptura com o Comando Vermelho pela disputa da rota da droga, o que
ocasionou diversas chacinas e rebeliões simultâneas em prisões de todo o país, e
atacou, novamente, a sociedade civil.

FIGURA 3 – A GUERRA

FONTE: Dias e Manso (2018, s.p.)

67
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O crime organizado surge onde o Estado deixa espaços. As prisões são o local de maior
omissão estatal, e onde o poder paralelo destas facções toma conta. O recrutamento
de indivíduos para as facções começa de dentro das prisões para fora, e o controle
das facções também. As principais facções criminosas no Brasil atualmente são:
Primeiro Comando da Capital (PCC – São Paulo) e Comando Vermelho (CV – Rio de
Janeiro).

• Considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas


estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas
sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional

• O Brasil é considerado o país das facções, com um mercado interno considerável,


políticas de segurança pública voltadas para repressão e representa um importante
caminho na rota internacional do tráfico de drogas para a Europa e África, que escoam
as drogas vindas do Paraguai, Bolívia, Colômbia e Venezuela. O sucesso dos cartéis
colombianos na década de 1980 impulsionou esse mercado, e fez do Brasil uma rota
de expansão do tráfico internacional de drogas.

• Atualmente, as omissões estatais quanto às políticas carcerárias são os principais


fatores que geram o poder paralelo das organizações criminosas dentro e fora do
cárcere. As facções detêm estatutos próprios e agregam indivíduos dentro e fora
do sistema carcerário, no Brasil, o PCC é a maior delas, com uma estimativa de mais
de 30 mil integrantes. A rivalidade entre as facções criminosas ocasiona rebeliões
carcerárias, em todo o país, como a de 2017, nos presídios do Norte e do Nordeste
brasileiros.

68
AUTOATIVIDADE
1 O Primeiro Comando da Capital é uma das maiores organizações criminosas do
Brasil. A facção atua, principalmente, em São Paulo, mas também está presente
em todos os estados brasileiros, além de países próximos como: Paraguai, Bolívia,
Colômbia e Venezuela. Possui cerca de 30 mil membros, sendo 8 mil apenas no estado
de São Paulo. A previsão legal que traz o conceito de Organização Criminosa está
prevista na Lei n° 12.850/2013. Sobre este assunto, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas


estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas
sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional.
( ) São tidas como condutas caracterizadoras da organização criminosa: promover,
constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por pessoa interposta, organização
criminosa.
( ) A pena prevista para o crime é o de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo
das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
( ) A pena prevista para o crime é o de detenção, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo
das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

2 A conduta do crime organizado atinge a paz pública e o sentimento coletivo de


segurança e de confiança na ordem e na proteção jurídica (LIMA, 2014, p. 482).
São tidas como condutas caracterizadoras da organização criminosa: promover,
constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por pessoa interposta, organização
criminosa. A respeito das origens das organizações criminosas, analise as sentenças
a seguir:

I- O PCC foi fundado em 31 de agosto de 1993, por oito presidiários, no anexo da


Casa de Custódia de Taubaté, até então a prisão mais segura do estado de São
Paulo. O PCC, que foi também chamado, no início, de Partido do Crime, afirmava
que pretendia "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar
a morte dos 111 presos", em 2 de outubro de 1992, no "massacre do Carandiru",
quando a Polícia Militar matou presidiários no pavilhão 9, da extinta Casa de
Detenção de São Paulo. O grupo usava o símbolo chinês do equilíbrio yin-yang em
preto e branco, e considerava que era "uma maneira de equilibrar o bem e o mal

69
com sabedoria".
II- A organização é financiada, principalmente, pelo tráfico de maconha e de cocaína,
mas roubos de cargas, assaltos a bancos e sequestros também são fontes de
faturamento. O grupo está presente em 90% dos presídios paulistas, os negócios
particulares dos líderes e da própria facção têm um faturamento estimado, pela
inteligência policial em, no mínimo, 400 milhões de reais por ano. Alguns policiais
e promotores acreditam que esse número pode chegar a cerca de 800 milhões de
reais.
III- O Comando Vermelho (CV) teve origem nas penitenciárias do Rio de Janeiro,
com o objetivo de dominar o tráfico de drogas nos morros da cidade e aproveitou
da ausência do Estado nas favelas cariocas para desenvolver uma política de
benfeitorias e de proteção, com o fim de conseguir o apoio da comunidade.
IV- O PCC e o CV são facções integradas.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

3 Em 1990, 90% das favelas do Rio de Janeiro pertenciam ao Comando Vermelho, e


os traficantes ganharam fama ao financiar escolas de samba e campanhas políticas.
O poderio da facção está no grande número de adeptos e no poder bélico, além
de possuírem um grande contingente de armas, fuzis e granadas. Atualmente, o
Estado instalou nos locais dominados pelo Comando Vermelho, as conhecidas UPPs
(Unidades Pacificadoras), com o objetivo de expulsar os traficantes e destruir a facção.
Acerca das UPPs, assinale a alternativa CORRETA:

( ) Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um projeto da Secretaria Estadual de


Segurança do Rio de Janeiro, que pretendia instituir polícias comunitárias em
favelas, principalmente na capital do estado, como forma de desarticular quadrilhas
que, antes, controlavam esses territórios como verdadeiros estados paralelos.
( ) Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um projeto do Ministério da Justiça, que
pretendia instituir polícias comunitárias em favelas, principalmente na capital do
estado, como forma de desarticular quadrilhas que, antes, controlavam esses
territórios como verdadeiros estados paralelos.
( ) As UPPs instaladas nos complexos do Rio de Janeiro não tinham como objetivo
principal a diminuição da criminalidade e a retomada da segurança pública pela
polícia e pelo aparato estatal, e de promover a queda das organizações criminosas
que comandavam as localidades.
( ) As UPPs, implementadas na última década no Rio de Janeiro, foram extintas porque
cumpriram definitivamente com o seu papel nas favelas do RJ, ao reduzirem,
drasticamente, a criminalidade e o comando das comunidades por organizações
criminosas.

70
4 “No âmbito das ciências sociais, diversos estudos foram produzidos, desde a década
de 1980, na tentativa de explicar o crescimento da criminalidade no Brasil, bem
como os seus efeitos sobre a vida das populações urbanas e sobre os aparatos
destinados à gestão do controle sobre o crime e a punição (PINHEIRO, 1981; PAIXÃO,
1988; ZALUAR, 1983; FISHER; ADORNO, 1987; MISSE, 1999; 2006; ADORNO, 1996).
O expressivo crescimento da população encarcerada, nesse período, colocou em
cena também novas dinâmicas no domínio da criminalidade e nas formas de sua
contenção que ampliaram os desafios para as pesquisas na área das ciências sociais
no país. Uma questão instigante, por exemplo, foi a emergência de grupos criminosos
organizados dentro dos ambientes prisionais, para além daquelas quadrilhas e
bandos que ali sempre estiveram presentes. Tais grupos forjaram identidades a partir
de componentes próprios do mundo do crime e mesclaram no seu modo de atuação
práticas e referências já existentes na sociabilidade das áreas pobres e periféricas
das grandes cidades” (DIAS, 2013, p. 174). O trecho extraído artigo “Decifrando as
dinâmicas do crime”, de Camila Nunes Dias, publicado na Revista Brasileira de Ciências
Sociais, que traz um estudo acerca das dinâmicas das organizações criminosas no
Brasil. Explique o que são as organizações criminosas e descreva as duas principais
facções existentes no Brasil.

5 As facções criminosas detêm estatutos próprios que subordinam os seus


integrantes. Eles são regidos pela lei da facção, e não do Estado, o que ocasiona o
denominado “poder paralelo”. O crime organizado se apodera de territórios urbanos,
em grandes centros, alicia a população, forma uma rede de relações criminosas que
manipula relações e promove a violência. Nesse sentido, identifique, pelo menos,
três mandamentos do estatuto da organização criminosa do Primeiro Comando da
Capital.

71
72
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
GRUPOS RELIGIOSOS E ASSISTÊNCIA
ESPIRITUAL NAS PRISÕES

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, vamos aprender acerca dos Grupos Religiosos e Assistência
Espiritual nas prisões. Analisaremos, no decorrer deste tópico, os grupos e as atividades
desenvolvidas atreladas à assistência religiosa e espiritual nas prisões, prevista pela Lei
de Execução Penal como uma das assistências devidas pelo Estado ao preso, assim
como a assistência material, à saúde, jurídica, educacional e social.

O principal objetivo do assistencialismo religioso nas instituições carcerárias é


o da reinserção e ressocialização do preso, que proporcione a busca da mudança de
comportamento, por meio do desenvolvimento espiritual, o aprendizado de novos valores
éticos e morais e a humanização do sistema prisional, além de evitar comportamento
subversivo.

A atuação de grupos religiosos assinala que, por meio do compartilhamento


de regras, normas e valores, o grupo garante o controle social comunitário e a coesão
moral, e impede ou minimiza a violência e os comportamentos infracionais. Além disso,
participar de atividades religiosas no ambiente prisional permite ao preso o sentimento
de pertencimento, que favorece a socialização e a inclusão do indivíduo em uma nova
comunidade moral, onde ele passa a compartilhar da proteção e do apoio desses grupos.

Após a leitura do tópico, você deverá compreender o direito do preso ao


assistencialismo religioso no ambiente carcerário, bem como a liberdade religiosa,
o direito à religião como uma forma de inserção social e a relevância da atuação dos
grupos religiosos nas prisões, como forma de garantir proteção ao preso, além de apoio,
desenvolvimento do autoconhecimento e da espiritualidade, e de possibilitar a formação
de um vínculo com o preso quando da sua saída do sistema prisional, que lhe mostre um
caminho possível a ser seguido.

73
2 O DIREITO À LIBERDADE E AO ACESSO RELIGIOSO
DENTRO DO AMBIENTE PRISIONAL
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 fez prevalecer, efetivamente, uma
gama de direitos fundamentais, dentre eles o da liberdade religiosa. Além de haver
a previsão legal da assistência religiosa pela Lei de Execução Penal, como um dever
do Estado, a Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 5º, inciso VII, a assistência
religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva.

A Constituição ainda prevê a inviolabilidade da liberdade de consciência e


de crença, e assegura o exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e suas liturgias, bem como o direito de que “ninguém será
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recursar-se a
cumprir prestação alternativa fixada em lei”.

A liberdade religiosa é um direito humano universal, aplicável a todas as pessoas


privadas de liberdade ou não, e está previsto pelo artigo 18, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, a seguir descrito.

Artigo 18, DUDH. Todas as pessoas têm direito à liberdade de


pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade
de mudar de religião ou crença, bem como a liberdade – quer
individualmente, quer conjuntamente com outros e em público ou
em particular – de manifestar sua religião ou crença em ensinamento,
prática, adoração e observação.

Outros ordenamentos internacionais preveem acerca do direito à liberdade
religiosa. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos prevê que

[...] toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de


consciência e de religião [...] implicando esse direito em liberdade de
ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade
de professar sua religião ou crença”, enquanto as Regras Mínimas
para o Tratamento de Pessoas Presas, dispõe que “caso a instituição
abrigue um número suficiente de presidiários da mesma religião
será nomeado um representante qualificado dessa religião [...] e se
o número de presidiários justificar e as condições permitirem, esse
arranjo deve ser aplicado em tempo integral.

Na Lei de Execução Penal, o artigo 24 prevê a prestação da assistência religiosa


da seguinte maneira:

Artigo 24, LEP. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será


prestada aos presos e aos internados, permitindo a participação nos
serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse
de livros de instrução religiosa.
§ 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos
religiosos.

74
§ 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de
atividade religiosa.

Nesse sentido, a liberdade de culto é uma escolha do preso, e a atividade religiosa


deve ocorrer em local apropriado e não pode obrigar a participação do apenado. É direito
do preso trazer consigo livros que digam respeito à religião seguida.

A tentativa de reformar o infrator por meio da religião é muito antiga e remota ao


tempo do Império Romano, época em que chamavam os sacerdotes aos cárceres para
realizarem assistência moral e consolo aos presos. Essa postura surgiu, a partir da ideia
de que os monges ou clérigos fossem recolhidos a suas celas, nos mosteiros da Idade
Média, a fim de se dedicarem à meditação e, assim, poderem se arrepender das faltas
cometidas e se reconciliarem com Deus (MIRABETE; FABRINI, 2017).

O aparato religioso nas prisões é um elemento educacional e que deve, segundo


a teoria, ser incorporado à rotina penitenciária. Para tanto, segundo dispõe Mirabete e
Fabbrini (2017), a administração prisional deve oferecer celebrações religiosas, palestras
e bibliotecas para que a assistência religiosa consiga ser cumprida.

O preso que não quiser receber assistência religiosa na prisão não poderá ser
obrigado a participar das celebrações religiosas, já que o direito à liberdade de culto
e de crença são direitos fundamentais e indisponíveis. Ademais, o Estado brasileiro
é laico, separado e imparcial em relação às questões religiosas, e não pode permitir
a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou
algumas religiões em detrimento das demais.

INTERESSANTE
O Brasil é o maior país católico do mundo, com uma estimativa de 12
milhões de fiéis (65% da população) e representa 12% dos católicos do
mundo (dados do IBGE, 2013). Mesmo com esses números, o Brasil é um
estado laico e adota uma posição neutra no campo religioso, e não pode
apoiar nem discriminar qualquer religião (POLITIZE, 2017).

Nesse sentido, as políticas carcerárias voltadas para religiosidade visam


oferecer todo tipo de culto ou manifestação religiosa, promover o desenvolvimento da
espiritualidade e com o objetivo de diversificar e ampliar a humanização carcerária.

A respeito do sentido da religião, a religião que deve ser aplicada no cárcere é a


voltada para cuidar dos “órfãos e das viúvas em suas dificuldades, e lembrar dos presos
como se estivesse preso com eles”, em referência ao versículo bíblico de Hebreus, 13:3,
que diz “Lembrai-vos dos encarcerados, como se estivésseis aprisionados com eles; e
todos aqueles que sofrem maus tratos, como se vós pessoalmente estivésseis sendo

75
maltratados”. Sem proselitismo e sem doutrinação, a religião a ser aplicada no cárcere
é no sentido de que “a melhor religião é aquela que te faz melhor”, segundo profetizou
Dalai Lama. A religião no cárcere deve respeitar a diversidade cultural e as diferentes
instituições voluntárias dentro da unidade prisional.

DICAS
QUIROGA, A. M. Religiões e Prisões no Rio de Janeiro: presença e
significados. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3nUs7ld.

3 A ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL COMO POSSIBILIDADE DE


REINSERÇÃO SOCIAL
A assistência espiritual ao preso é um forte aliado no seu processo de reinserção
e reintegração social, e está atrelada igualmente à prevenção criminal, uma vez que, por
meio dela, é possível a sua reabilitação no sistema social, por meio da busca incessante
pela sua recuperação física e psicológica, além de proporcionar a sua inclusão em
programas que o encaminhem para a conversão religiosa.

Para Minayo e Ribeiro (2014), esse papel vem sendo desenvolvido por igrejas e
autoridades religiosas, com programas de prevenção e reabilitação em diversas cidades
brasileiras, principalmente no sentido da prevenção criminal em espaços periféricos, ora
por financiamento do poder público, ora por trabalho de voluntários não correlacionados
ao Estado (por exemplo, o trabalho de organizações não governamentais – ONGs).

Por religião, entende-se um sistema de crenças que estabelece as relações dos


grupos sociais com um ser transcendente. As religiões são compostas por narrativas
históricas, símbolos e tradições que se destinam a dar sentido à vida, a explicar sua
origem e a do universo. A palavra religião tem um aspecto público. A maioria das
instituições religiosas têm comportamentos organizados, que incluem hierarquias
clericais, definição do que constitui adesão ou filiação, congregações de leigos, reuniões
regulares, serviços para fins de veneração ou adoração de uma divindade, lugares
de oração e escrituras sagradas a que têm acesso os praticantes. De cada religião
costumam derivar códigos de moralidade, ética e leis que se diferenciam segundo as
instituições (RIBEIRO; MINAYO, 2014).

Por haver confusão entre os termos "religião" e "espiritualidade" – o que pode


ser observado nos textos aqui analisados – é importante diferenciá-los. A religião é
um sistema institucionalizado, enquanto a espiritualidade é uma dimensão de força
interior de uma pessoa, que traduz um modo de viver característico das relações entre
o indivíduo e o transcendente. A espiritualidade pode ser uma característica da pessoa

76
religiosa, mas não necessariamente exige participação em práticas e ritos das igrejas
(RIBEIRO; MINAYO, 2014).

A igreja transforma o espaço do caos, que é o espaço da força e da violência,


em um espaço de convívio, em um espaço do discurso. O papel da igreja é não somente
converter, mas também transformar relações que seriam semelhantes à de um “estado
de natureza” em relações discursivas, coloca à mão um discurso para que as pessoas
possam diminuir seus conflitos, com menor recurso, ao poder de morte. Ela instala esses
conflitos em um campo discursivo e os medeia, tanto entre evangélicos, quanto entre
presos que não são evangélicos (MARQUES, 1998).

Não apenas no sentido de reinserção social do preso à religião é um fator de


relevo. O sentido de prevenção criminal da religião também é explorado pela doutrina,
que a elenca como um modo de proteção dos indivíduos a problemas de conduta e
àqueles expostos à violência (PIERCE et al., 2003).

Outro aspecto a ser observado na relação entre religião e prisão está o da


possibilidade de o apenado se envolver com a assistência religiosa, tomando-a como
um meio de trabalho na prisão e fora dela. Participar das atividades religiosas para estes
apenados representa muito mais que satisfazer uma necessidade ou de ocupar o tempo,
é um ato de entrega e a possibilidade de ter uma nova vida, de transformar as suas
próprias existências. Muitas vezes, o apenado acaba por converter-se, religiosamente,
como uma forma de “salvação”.

A religião promove a reabilitação de pessoas encarceradas, ao passo que


desenvolve um papel protetivo e auxilia na recuperação da saúde mental, além de
ser um ponto de apoio e de interferência positiva no ambiente e no ajustamento de
conduta dos presos. A religião contribui para diminuir a vulnerabilidade e provém o
sentido à vida, o que permite uma motivação para a mudança. O isolamento carcerário
é amenizado pela participação de grupos religiosos e cria laços que possibilitam ao
preso vivenciar, quando da sua saída do ambiente prisional.

No Brasil, atualmente, há poucos seguimentos quantitativos que permitam falar


com segurança acerca dos índices de reincidência, ao longo dos anos. Mas, em geral,
o conhecimento prático dos guardas carcerários e as estatísticas existentes mostram
que o grau de reincidência entre os convertidos não apresenta diferença notável com
as dos não convertidos (MINAYO; RIBEIRO, 2014). Mesmo com a dificuldade dos estudos
realizados com os egressos, que relacionem a diminuição do índice de encarceramento
à assistência religiosa, a religião é um fator indispensável para o preso manter a sua
saúde mental, desenvolver o autoconhecimento e o sentimento de pertencimento,
minimizar a violência e manter a sanidade do ambiente prisional.

77
DICAS
Acadêmico, indicamos a leitura do texto O papel da religião na promoção da
saúde, na prevenção da violência e na reabilitação de pessoas envolvidas com a
criminalidade, disponível em: https://bit.ly/3wb6Zej.

4 OS GRUPOS RELIGIOSOS E SUA ATUAÇÃO DENTRO DAS


PRISÕES
A atuação dos grupos religiosos dentro do sistema penitenciário está prevista
pela Resolução nº 8, de 9 de novembro de 2011, do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária. Dentre as atividades religiosas a serem desenvolvidas dentro
do ambiente prisional estão:

• celebração de missas e cultos;


• celebração de eucaristia;
• batismo;
• confissão e aconselhamento;
• distribuição de livros de instrução religiosa;
• casamentos.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária prevê, por meio da


Resolução nº 8, de 9 de novembro de 2011, as diretrizes para a assistência religiosa nos
estabelecimentos prisionais, elencadas, a seguir:

• direito de profecia de todas as religiões;


• o direito de consciência aos agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas;
• a vedação à discriminação religiosa, a proibição da assistência religiosa com fins de
benefício ou privilégio;
• o direito à participação e abstenção de atividade religiosa;
• o direito de mudar de religião a qualquer tempo, sem prejudicar a sua situação
prisional;
• a definição do conteúdo religioso poder ser determinado pelo grupo religioso e pelas
pessoas presas.

A resolução prevê, ainda, diretrizes para os espaços onde serão professados


os cultos religiosos, onde não podem conter objetos, arquitetura ou desenhos que
identifiquem uma determinada religião. Contudo, durante o culto religioso, é permitido o
uso de símbolos e objetos religiosos, salvo itens que ofereçam risco à segurança. Caso
o estabelecimento prisional não contenha local apropriado para a prática religiosa, as
atividades serão realizadas no pátio ou nas celas, em horários específicos. É assegurado,
ao representante religioso, o ingresso e a permanência no estabelecimento prisional,

78
em que o número de representantes seja proporcional ao número de pessoas presas. É
vedada a revista íntima do representante religioso. O preso pode receber atendimento
individual do representante religioso.

É proibida a comercialização de itens religiosos ou pagamento de contribuições


religiosas. É permitida, contudo, a doação de itens às pessoas presas, por parte das
organizações religiosas. São deveres dos prestadores de assistência religiosa:

• agir de forma cooperativa com as denominações religiosas;


• informar-se e cumprir as regras do estabelecimento prisional;
• comunicar o estabelecimento prisional acerca da impossibilidade da realização da
atividade religiosa prevista;
• desenvolver propostas de ampliação de assistência humanitária, como oficinas de
trabalho, escolarização, e atividades culturais.

A prática religiosa pode ser feita por entidades religiosas e/ou não governamentais
que estejam legalmente constituídas, há mais de um ano. O representante religioso deve
ser maior de 18 anos e residente no país, devidamente credenciado pelas organizações
cadastradas. Deve estar regularmente no Brasil, caso estrangeiro, e ser membro ativo
de entidade religiosa a ser representada, portar carta de apresentação e recomendação
firmada por seu dirigente ou representante local, ser credenciado pela Coordenadoria
de Assistência Religiosa do Sistema Prisional (CARSP), ou apresentar-se pessoalmente
à Unidade Prisional em que pretende exercer a atividade religiosa, portanto documento
de identidade e comprovante de residência.

Cabe aos funcionários prisionais da SAP e da SUAPI, em conjunto, supervisionar


e controlar as atividades dos agentes religiosos durante a sua permanência no interior
das unidades prisionais. As reuniões, palestras, aconselhamentos e seminários restritos
aos agentes religiosos não poderão ser realizadas no interior das unidades prisionais.
Deve existir documento próprio da unidade prisional que preveja todos os eventos e
atividades religiosas a serem desenvolvidas pelos agentes religiosos, e compete aos
Diretores das Unidades Prisionais a tomada de todas as medidas relativas à garantia da
segurança dos eventos.

A assistência religiosa deve ser realizada em ambiente de respeito e sem


incomodar os internos que não estejam participando. Não será permitido ao agente
religioso prestar assistência religiosa na Unidade Prisional em que exista interno com
o qual tenha parentesco até o 4º grau. O agente religioso que estiver prestando a
assistência religiosa deverá portar-se de acordo com as seguintes normas:

• trajar-se de maneira adequada ao ambiente, com vestimenta de cores diferentes das


utilizadas pelos detentos e funcionários;
• não trajar uniformes proativos das forças armadas, policiais, corpo de bombeiros e de
agentes penitenciários;

79
• não portar joias, bijuterias, celulares e similares;
• portar crachá de identificação contendo os dizeres “Agente Religioso Voluntário”, que
será devolvido na Portaria da Unidade ao sair;
• portar apenas o livro de instrução religiosa, bloco de papel e caneta transparente;
• não se apresentar sob efeito de álcool ou de substância entorpecente;
• portar objetos religiosos indispensáveis que não apresentem riscos à segurança do
preso e da unidade prisional.

Em regra, a assistência religiosa ocorrerá apenas em dias úteis, e será de 60


minutos, a contar do ingresso no espaço ecumênico, e no caso dos estabelecimentos
com mais de 1 mil presos, o prazo poderá ser estendido a 120 minutos. Não é permitido,
ao agente religioso, ficar na unidade prisional fora dos horários estabelecidos para a
prestação da assistência religiosa. É expressamente proibida a comercialização de
produtos religiosos, livros e impressos, arrecadação de dízimo, contribuição ou oferta
a qualquer título, sob pena de ser descredenciado. O envolvimento sentimental com os
internos ou o comportamento inadequado também é motivo para descredenciamento.

A assistência religiosa será identificada em relatórios mensais encaminhados


pela unidade prisional à CARSP, que devem identificar a entidade religiosa prestadora
da assistência, o nome do agente religioso atuante, os dias e horários da assistência
religiosa, a dinâmica da assistência religiosa, os eventuais problemas causados pelos
agentes religiosos, bem como os resultados alcançados com a assistência religioso.

80
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O assistencialismo religioso ao preso é uma previsão legal tanto da Constituição


Federal de 1988, quanto da Lei de Execução Penal (LEP), e de tratados e normativas
internacionais de direitos humanos. É um direito do preso e está atrelado ao direito
à liberdade religiosa no sentido de que o preso não é obrigado a ter uma crença,
ou uma religião, e seguir as atividades religiosas que são oferecidas pelo sistema
penitenciário.

• O principal objetivo do assistencialismo religioso nas instituições carcerárias é


o da reinserção e ressocialização do preso, proporcionar a busca da mudança de
comportamento pelo desenvolvimento espiritual, o aprendizado de novos valores
éticos e morais e a humanização do sistema prisional, além de evitar comportamento
subversivo.

• O Estado brasileiro é um estado laico, dissociado de qualquer religião. A pluralidade e a


liberdade religiosa, de crença e de culto são direitos fundamentais de todo indivíduo,
inclusive do preso.

• A atuação dos grupos religiosos dentro do sistema penitenciário está prevista pela
Resolução nº 8, de 9 de novembro de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária, bem como as diretrizes para a prestação da assistência.

81
AUTOATIVIDADE
1 A liberdade religiosa, de culto e de crença é uma previsão do artigo 5º, da Constituição
Federal de 1988, que assegura que “inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. De acordo com o previsto no
ordenamento jurídico brasileiro, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A liberdade religiosa do indivíduo é um direito disponível quando se trata do


apenado; o Estado pode deliberar acerca da obrigatoriedade de o preso participar
de cultos religiosos ofertados no ambiente prisional.
b) ( ) O indivíduo preso poderá remir a sua pena por meio de atividade religiosa.
c) ( ) O catolicismo é a única religião aceita para atividades no ambiente carcerário.
d) ( ) A pluralidade religiosa é a regra no Estado brasileiro e no ambiente prisional.

2 A religião é um dos meios de reinserção social do apenado e da sua reintegração


social. A Lei de Execução Penal prevê a possibilidade da realização de cultos no
interior do sistema prisional, bem como a possibilidade de o preso ter consigo livros
religiosos atrelados à sua fé. A partir deste contexto, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) As políticas carcerárias voltadas para religiosidade visam oferecer todo tipo de culto
ou manifestação religiosa, e promover, principalmente, a doutrinação dos presos.
( ) O objetivo das atividades religiosas no cárcere é diversificar e ampliar a humanização
carcerária, com fins de reintegrar o preso e facilitar a ressocialização.
( ) É um dever do preso ter uma crença, uma religião e seguir as atividades religiosas
que são oferecidas pelo sistema penitenciário.
( ) O aparato religioso nas prisões não é um elemento educacional e pode ser aplicado
de forma esporádica e discricionária pelo Diretor do estabelecimento prisional.

3 A laicidade do Estado brasileiro é concretizada principalmente após a Constituição


Federal de 1988. O Estado Laico é representado pela separação entre Estado e
Igreja. Os ideais da laicidade nos mostram que os interesses religiosos não podem
interferir nas decisões governamentais. Apesar disso, não quer dizer que o Estado
seja contra as religiões, apenas garante a liberdade religiosa aos seus cidadãos.
Nesse sentido, analise as sentenças a seguir:

I- Todas as pessoas têm o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Esse


direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, bem como a liberdade – quer
individualmente, quer conjuntamente com outros e em público ou em particular – de
manifestar sua religião ou crença em ensinamento, prática, adoração e observação.

82
II- A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e
aos internados, que permitam a participação nos serviços organizados no
estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
III- No estabelecimento prisional, os cultos religiosos são realizados em qualquer lugar
apropriado, exceto quando do batismo de presos, em que será permitida a sua
saída do estabelecimento prisional.
IV- Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa
realizada na prisão, exceto a obrigatoriedade na participação de atividade de
catequização.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

4 “O tema ‘religiões e prisões’ vem comparecendo na cena pública cada vez que
a questão penitenciária eclode através de evasões em massa, motins, tensões
motivadas pela superlotação carcerária etc. Pastores são chamados para a mediação
de conflitos. Igrejas se mobilizam através de Comissões de Direitos Humanos. Famílias
de presos demandam a intermediação de agentes religiosos para localização de seus
membros. É como se as religiões estivessem garantindo ou infundindo na população
maior confiabilidade para ocupar espaços e exercer funções civis, em princípio, de
responsabilidade de órgãos técnicos ou do próprio aparelho de Estado.” O trecho foi
retirado do texto “Religiões e Prisões no Rio de Janeiro: presença e significados”, da
autora antropóloga Ana Maria Quiroga. Com base na ideia do trecho destacado, elenque
a laicidade do Estado e a necessidade da religião nas prisões, conforme o predito pelo
ordenamento jurídico brasileiro.

5 “Marcelo Jorge Araújo Rodrigues, que em novembro passado deixou o presídio ao


encerrar sua segunda temporada atrás das grades, surpreende na resposta: ‘Fiquei
triste’. A explicação para o sentimento, diz ele, tem a ver com o fato de que, pouco antes
de sua captura, ele se tornara um pastor evangélico. ‘Saí e senti saudades dos irmãos
que ficaram lá presos, a quem pregava, que me escutavam. Aquilo tudo foi muito
doído’, conta. ‘Eles discriminaram minha imagem, não acreditando no Evangelho’.
Ainda assim, Rodrigues recortou todas as reportagens e as guarda numa pasta
vermelha. De tempos em tempos, exibe-as para os fiéis para mostrar ‘que é possível
deixar o crime para trás’. Na segunda passagem por Pedrinhas, ele diz ter convertido
mais de 30 presos. E mesmo após sair em liberdade condicional em novembro,
enquanto aguarda ser julgado pela morte do sogro, continua frequentando o presídio
para celebrar cultos. De acordo com o trecho exposto, correlacione a relevância da
religião para a reintegração social do preso.

83
84
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
PARTICIPAÇÃO DE GRUPOS VOLUNTÁRIOS NO
TRABALHO PENITENCIÁRIO

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 3, abordaremos a participação de grupos voluntários no trabalho
penitenciário. Analisaremos os grupos e as atividades desenvolvidas atreladas à
assistência dos grupos voluntários nas prisões, prevista pela Lei de Execução Penal,
como uma possibilidade para o auxílio nas atividades educativas, lúdicas, religiosas e na
reinserção e na reintegração social do apenado.

O trabalho voluntário está definido pela Lei n° 9.608/1998, e pode ser entendido
como a  atividade não remunerada  prestada por pessoa física e entidade pública de
qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive
mutualidade.

O principal objetivo deste tópico é entender como o trabalho voluntário pode ser
realizado dentro das prisões e como essa atuação auxilia a justiça, a manutenção das
relações sociais e familiares do apenado com o público externo e abre caminho para uma
ressocialização efetiva. Após a leitura do tópico, o aluno deverá compreender o trabalho
voluntário realizado no ambiente carcerário e a sua relevância para a ressocialização e a
reintegração social do preso, a partir do contato com o público externo.

2 A AÇÃO HUMANITÁRIA DE GRUPOS VOLUNTÁRIOS NAS


PRISÕES
A atuação voluntária é aquela voltada para um conjunto de ações de interesse
social e comunitário, realizada de forma desinteressada pelas pessoas, no âmbito de
projetos, intervenção social ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade,
sem fins lucrativos e desenvolvidos por entidades públicas ou privadas (MARTINS, 2011).

No âmbito prisional, a atuação voluntária é uma atividade organizada e


sustentada por um programa de gestão do voluntariado, adequadamente acompanhada
por entidades promotoras de voluntariado (organizações representativas de voluntariado
que celebram acordo com determinado estabelecimento prisional), que coordenam o

85
exercício de atividade do voluntariado, consubstanciada por intermédio de projetos, de
forma a permitir a interface entre o saber e a vontade de colaborar, que contribui para a
melhoria da qualidade de vida de quem está privado de liberdade (MARTINS, 2011).

O voluntariado prisional está assentado, sobretudo, na informalidade e na boa


vontade. Nos dizeres de Martins (2011, p. 7), “uma palavra amiga, um cigarro ou um café,
um recado para a família, uma ajuda a pintar o bloco basta para trazer um pouco de
felicidade a quem se encontra preso”.

O voluntário é o indivíduo com características específicas para o trabalho


prisional, deve ser uma pessoa emocionalmente estável, que saiba respeitar os limites
das regras da unidade prisionais, capaz de manter relacionamentos de apoio e diálogo
com os presos, articular a neutralidade (ou seja, não recriminar o preso), privilegiar
o trabalho em grupo, ser uma pessoa de bom humor e disposta e que saiba usar do
diálogo e das suas qualidades para auxiliar a pessoa em situação de prisão, e não piorá-
la, respeitando o entendimento de que

Ser voluntário num Estabelecimento Prisional é, para além de uma


partilha de saberes e de experiências, uma troca de valores. É,
ao mesmo tempo, uma iniciativa aliciante e responsabilizadora,
potenciadora de um crescimento pessoal e interpessoal, promotora
de um maior comprometimento social e esperançada numa melhor
sociedade. O investimento na reabilitação do indivíduo dentro
da prisão permite, a longo prazo, fomentar a sua reintegração na
sociedade, contribuindo para que a permanência na prisão promova
a mudança necessária com vista a uma sociedade mais segura
(Manual de Gestão do Voluntariado em Meio Prisional).

Veja, a seguir, alguns exemplos da atuação de grupos voluntários nas prisões:

• FBAC: uma das maiores organizações com projetos de reabilitação de criminosos e


infratores  é a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Por meio do
seu site, você confere os seus projetos com as APACS, que são prisões mais huma-
nizadas e que oferecem diversas oportunidades para reabilitação social e possuem
projetos de voluntários.
• Pastoral Carcerária: esse programa de caráter cristão atua com diversas
atividades, entre elas: visita aos presos, atenção às áreas de extrema violência em
prisões e conscientização da importância da espiritualidade na vida dos presos.
• Prison SMART: uma atividade voluntária voltado para a qualidade de vida e bem-
estar do preso, com a busca do equilíbrio por meio da meditação e da yoga. Os
detentos têm aulas regulares de meditação e yoga, o que promove um ambiente
com mais paz. Mesmo que esse tipo de trabalho voluntário ainda seja pouco
conhecido, existem vários recursos disponíveis para quem quer se envolver
com voluntariado nas prisões. O mais importante é a vontade de ajudar.

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Um dos exemplos de trabalho voluntário nas prisões que vingou, transformando-
se em um verdadeiro aparato ao Estado, foi o prestado pelos membros do movimento
Cursilhos de Cristandade da Igreja Católica, que realizavam visitas periódicas à cadeia
pública da cidade para prestar assistência material e religiosa aos presos e fundaram a
“Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC”, em 1974.

Conhecida, atualmente, como uma prisão administrada de forma independente


por grupos cristãos que fazem a função de custódia e os guardas são os seus próprios
presos, a prisão sem guarda é responsável por observar as suas próprias normas e
regras de conduta, e a desenvolver atividades religiosas, que pune quaisquer eventuais
transgressões dos prisioneiros que se encontravam sob a sua tutela. A prisão é
administrada pela própria sociedade civil. Nas últimas décadas, o modelo religioso
de administração prisional se disseminou por várias regiões brasileiras, e existem,
atualmente, 35 prisões administradas por APACs.

Nessas prisões, os presos estão submetidos a uma rotina institucional com


atividades de cunho religioso obrigatórias, são encorajados a assumir uma religião
(católica ou evangélica), avaliados quanto ao seu comportamento e comprometidos
com a vida profissional dentro da APC, participam da administração dos regimes do
cumprimento de pena, executam tarefas ligadas aos serviços de segurança e disciplina
do presídio. A direção do estabelecimento é realizada pelo grupo religioso, que substitui
a figura do diretor penal.

Os presos das APACs são denominados “recuperandos”, utilizam as suas


próprias roupas, são chamados pelo nome e ensinados às novas regras de convivência
pelos membros do conselho. Nessas prisões sem guardas, os recuperandos são
encorajados a começar a trilhar suas vidas em direção a uma estrada religiosa. Durante
as atividades religiosas diárias, são ensinados novos valores éticos, morais e a palavra
de Deus que o instruirá para seguir no caminho do bem.

A doutrina distingue dois tipos de recuperandos dentro das APACs: os


“compromissados”, tidos como aqueles que entenderam a administração apaquiana
e o caminho de Deus como uma nova oportunidade, e os “mentes viradas”, que são
os recuperandos ainda em fase de aceitação das regras apaquianas e dos caminhos
religiosos, uma vez que ainda estão viciados pelos códigos de conduta das prisões
comuns (OLIVEIRA, 2013).

A importância da prática da atividade voluntária na prisão está em fornecer ao


recluso um alento. As atividades de apoio buscam despertar no recluso a boa convivência,
a harmonia, e talvez até o desenvolvimento de algum talento ou de atividade com a qual
ele possa se motivar, buscar entendimento e crescimento pessoal e profissional na sua
convivência com a comunidade exterior.

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Assim como o papel da assistência religiosa e educacional proveniente da
comunidade externa, o trabalho voluntário em prisões pode desempenhar a reabilitação
e a reinserção social do recluso, construir ou reconstruir um novo caminho de vida
socialmente integrado, reviver no recluso o sentimento de confiança na sociedade civil
e sua capacidade de mudança do percurso de vida, motivando-o a novas perspectivas
de integração social.

3 A ATUAÇÃO DA PASTORAL CARCERÁRIA


A Pastoral Carcerária é um movimento de atendimento religioso às pessoas em
situação de cárcere, que tem como objetivo principal reafirmar a presença de Cristo e da
Igreja no ambiente prisional. Intitula-se como um movimento sociotransformador, com
fundamento no catolicismo e da doutrina social da Igreja Católica, e busca a construção
de um “mundo sem cárcere”, mais solidário e mais fraterno.

Sua busca é para a individualização do preso, que é tratado como um indivíduo


carente de necessidades, aspirações e sonhos, liberdade aos oprimidos, e proteção
aos pobres. A Pastoral Carcerária é, também, samaritana, no sentido de atender aos
necessitados, cuidar dos abandonados e dos esquecidos pela sociedade, e oferecer a
eles a misericórdia divina.

Portanto, em seu trabalho de atendimento religioso às pessoas presas, os/


as agentes pastorais promovem um serviço de escuta e de acolhimento, anunciam
a Boa Nova, contribuem para o processo de iniciação à vida cristã e para a vivência
dos sacramentos, e atuam no enfrentamento às violações de direitos humanos e
da dignidade humana que ocorrem dentro do cárcere, já que “[...] todo processo
evangelizador envolve a promoção humana”. Assim, a evangelização se concretiza
de forma integral, de acordo com as orientações da Igreja: “As profundas diferenças
sociais, a extrema pobreza e a violação dos direitos humanos […] são desafios
lançados à evangelização” (PUEBLA, 1990, s.p.).

O Brasil tem, atualmente, a terceira maior população carcerária do mundo, em


contínuo e elevado aumento, desde o início dos anos 1990, o que revela a perversa
política de encarceramento em massa, que está em curso no país, e que tem como alvo
os grupos sociais marginalizados e empobrecidos, destacadamente jovens, negros e
moradores/as das periferias e das áreas urbanas socialmente mais precarizadas.

Está claro que encarcerar mais pessoas, em sua maioria pobres e negras, não
diminui a violência; ao contrário, o encarceramento serve para torturar as pessoas mais
pobres e gerar ainda mais violência. É urgente e necessário que se paute e defenda um
programa de redução da população carcerária.

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Com vistas a isso, a Pastoral, em parceria com diversas outras organizações,
movimentos e pastorais sociais, lançou, em 2013, a Agenda Nacional Pelo
Desencarceramento. O documento visa viabilizar o desencarceramento e fortalecer as
práticas comunitárias de resolução pacífica de conflitos, por meio de diretrizes como:

• suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais;


• limitação máxima das prisões cautelares, redução de penas e descriminalização de
condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas;
• ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade;
• proibição absoluta da privatização do sistema prisional;
• combate à tortura e desmilitarização das polícias, da política e da vida.

Dentre as principais características da Pastoral Carcerária, estão a busca pela


proximidade com as pessoas que estão privadas da liberdade, a busca pela libertação
integral, a anulação de todas as legislações relacionadas a violações de direitos
fundamentais dos presos e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Segundo as diretrizes da pastoral, “[...] só a proximidade que nos faz amigos nos
permite apreciar profundamente os valores das pessoas privadas de liberdade, seus
legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé”. É necessária a formação de uma
“[...] consciência de que é preciso enfrentar as urgências que decorrem da violência e
da miséria do sistema prisional, sendo as pessoas presas sujeitos da evangelização e da
promoção humana integral”. Existe a necessidade de respeito ao ser humano em tudo
que lhe é próprio: corpo, espírito e liberdade; tratar as pessoas presas como ser humano,
sem preconceito, nem discriminação, acolher, perdoar, recuperar a vida e a liberdade
de cada um, denunciar os desrespeitos à dignidade humana e considerar as condições
materiais, históricas, sociais e culturais em que cada pessoa vive.

Dentre as atividades realizadas pela Pastoral podemos elencar os seguintes:

• evangelização e promoção da dignidade humana, por meio da presença da Igreja nos


cárceres, e das equipes de pastoral na busca de um mundo sem cárceres;
• lutar pelo fim da política de encarceramento em massa no país, por intermédio do
desencarceramento da população carcerária;
• encaminhar as denúncias de torturas, maus-tratos e violações de direitos humanos
praticados contra as pessoas privadas de liberdade;
• priorizar a defesa intransigente da vida, bem como a integridade física e moral das
pessoas privadas de liberdade;
• conscientizar a sociedade para a difícil situação do sistema prisional;
• superar a justiça retributiva por meio da justiça restaurativa;
• acompanhar as pessoas privadas de liberdade em todas as circunstâncias e atender
suas necessidades pessoais e familiares;
• reuniões de formação, atualização e de espiritualidade da equipe da Pastoral
Carcerária.

89
INTERESSANTE
O símbolo da Pastoral Carcerária: o primeiro elemento é um círculo
aberto. É um universo em que se constrói uma nova humanidade, uma
nova espiritualidade. Ele é aberto porque o projeto está em constante
mudança, movimentação, construção, redefinição. Ele precisa de uma nova
educação. Dentro do círculo há uma forma que remete a uma colina sobre
a qual estão colocados três palanques, que unidos formam uma grade. O
palanque está vazio e as grades estão abertas, sinal de que começou um
momento novo, uma nova criação e que surgiu uma nova humanidade, uma
nova sociedade. É o mundo sem cárceres. Todavia, o círculo nos remete
também a um o pão; e o corpo, a um peixe. O pão representa a partilha, o
banquete, a eucaristia. É a fonte de vida nova que é serviço, fraternidade,
paz, misericórdia e justiça. A cauda do peixe, com uma esfera na parte final,
mostra a silhueta de um ser humano que constitui uma unidade, com o
resto do corpo, que lembra a dimensão fundamental de que nossa vida tem
sentido se unida, enxertada em Cristo. Ao mesmo tempo, é o homem novo
que, em Cristo, ressuscitou. Nele nós temos vida plena e abundante. Esse
ser humano está de pé, erguido e com os braços abertos, em uma atitude
de exultação e alegria plena, porque banhado no sangue de Cristo, ele
enxerga e experimenta a vida da nova criação, a de Jesus, que é o Salvador.

4 A PASTORAL CARCERÁRIA COMO SERVENTUÁRIA DA


JUSTIÇA
A Pastoral Carcerária, desde a sua origem, é um mecanismo de monitoramento
e fiscalização dos ambientes prisionais, reconhecido, nacional e internacionalmente,
como uma organização e como órgão de acompanhamento e controle social dos
presídios, tanto por suas denúncias, quanto por propor soluções construtivas de
humanização do sistema criminal, além de ser o único organismo da sociedade civil
organizada presente no dia a dia de quase todos os presídios do País (PASTORAL...,
2010).

A Pastoral Carcerária mantém contatos e relações de trabalho e parceria


com organismos dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, bem como com
Organizações Não Governamentais (ONGs) locais, nacionais e internacionais. A
organização é responsável por visitar locais de privação de liberdade com as seguintes
finalidades: promoção do assistencialismo religioso, monitoramento das condições
prisionais, mediações com o poder público e com a sociedade brasileira para melhorias
nas condições de encarceramento. A sua ação é de natureza jurídico-política, e tem
como objetivos:

• a colaboração para a garantia dos direitos humanos no cárcere;


• a conscientização da sociedade civil, acerca da situação do sistema prisional;
• a contribuição para a redução da população carcerária;
• a promoção da inclusão social da pessoa presa;

90
• a motivação ao poder público para a criação de políticas públicas voltadas aos Direitos
Humanos no cárcere;
• acompanhamento de pessoas em situação de privação de liberdade e atendimento
aos seus familiares;
• defesa da vida e da integridade física e moral do preso;
• atenção para denúncias de tortura, maus-tratos e corrupção no sistema prisional;
• intermediação das relações entre as pessoas privadas de liberdade e de seus
familiares.

A organização possui amplo acesso aos locais de privação de liberdade,


e as visitas são realizadas por seus representantes, e ocorrem pelo menos uma vez
na semana, com fins de fiscalização e de monitoramento do ambiente prisional ,que
exige os seguintes requisitos para a sua efetivação: a) independência funcional, b)
acesso irrestrito aos locais de detenção, c) acesso aos detentos para entrevistá-los,
reservadamente; d) acesso a todas informações acerca da população encarcerada; e)
regularidade e periodicidade das visitas; f) habilidades dos representantes da pastoral
para identificar os problemas; g) elaboração de relatórios e recomendações (PASTORAL...,
2010).

A Pastoral Carcerária tem buscado aperfeiçoar, ao longo dos anos, sua atuação e
seu trabalho pastoral, a partir de aprimoramentos, formação dos agentes de pastoral,
recebimento e apuração de denúncias de tortura e maus-tratos, encaminhamentos
das denúncias às autoridades responsáveis, acompanhamento dos casos e os
desfechos destes nos âmbitos administrativo e judicial, participação em
conferências de direitos humanos e de segurança pública, ampliação do diálogo
com autoridades públicas, articulações com movimentos sociais e entidades de
direitos humanos (PASTORAL..., 2010).

Os temas desenvolvidos na atuação da Pastoral Carcerária estão relacionados à:

• Agenda Nacional do Desencarceramento (2016-2017): em novembro de 2013,


em audiência pública com o Governo Federal, provocada pelo movimento Mães
de Maio, movimentos e organizações sociais de enfrentamento ao Estado Penal
apresentaram uma agenda para o sistema prisional, cuja proposta central apontava
para a exigência de um programa de desencarceramento, que estabelecesse metas
claras para a redução imediata e drástica da população prisional. O objetivo é a
construção de uma sociedade menos violenta e desigual (PASTORAL..., 2016).
• Mulher Encarcerada: o encarceramento feminino tem sido proporcionalmente
superior ao masculino, nos últimos anos. O próprio Ministério da Justiça assume que
a população carcerária feminina do Brasil cresceu 698% entre 2000 e 2016. Essa
realidade reafirma a orientação punitivista do sistema penal. Revela, sobretudo,
a reprodução das desigualdades e opressões de gênero, e precariza ainda mais
as condições de sobrevivência das mulheres presas. O objetivo é a superação do

91
encarceramento em massa junto com a superação em relação ao machismo, ao
patriarcalismo, à homofobia e à LGBTfobia, em uma luta antipunitivista, e uma luta
contra as opressões de gênero.
• Combate à Tortura: a tortura faz parte do sistema carcerário brasileiro. O mero
ato de privar uma pessoa de sua liberdade e colocá-la em uma cela superlotada,
sem ventilação, higiene e outras condições minimamente aceitáveis já constitui
uma forma de tortura. A definição de tortura, apenas como agressão física, não é
suficiente para se compreender a gravidade das violações cometidas no sistema
carcerário cotidianamente, em todos os presídios brasileiros, a maioria das quais não
vem a público. Por isso, é missão da Pastoral Carcerária e seus agentes combater e
denunciar a tortura em todos seus aspectos: físico, psicológico, social e espiritual.
• Justiça Restaurativa: a Pastoral Carcerária defende o modelo da justiça
restaurativa como uma prática apta ao desencarceramento em massa. Promove
cursos de formação acerca das práticas restaurativas, que vem sendo cada vez mais
implementadas no sistema penal e processual penal brasileiros.
• Denúncia de Tortura a Maus Tratos: existe um canal para denúncia de tortura e
maus tratos no cárcere, no site da Pastoral Carcerária.

Em suma, a Pastoral Carcerária exerce um serviço essencial de fiscalização e


monitoramento da situação prisional brasileira, atua como serventuária do Judiciário,
ao passo que leva até o poder e à sociedade a situação prisional real, as propostas de
políticas públicas necessárias, as denúncias de violações de direitos fundamentais no
cárcere e de prática de torturas e maus tratos. Auxilia, por meio de relatórios feitos por
agentes da pastoral habilitados, o poder judiciário a agir no sistema carcerário diante
das denúncias e das propostas, e os demais poderes, Executivo e Legislativo.

92
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O trabalho voluntário está definido pela Lei n° 9.608/1998, e pode ser entendido como
a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos,
culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive
mutualidade.

• No âmbito prisional, a atuação voluntária é uma atividade organizada e sustentada


por um programa de gestão do voluntariado, adequadamente acompanhada por
entidades promotoras de voluntariado (organizações representativas de voluntariado
que celebram acordo com determinado estabelecimento prisional), que coordenam
o exercício de atividade do voluntariado, consubstanciada por meio de projetos, de
forma a permitir a interface entre o saber e a vontade de colaborar, que contribui
para a melhoria da qualidade de vida de quem está privado de liberdade (DORES;
MARTINS, 2011).

• A Pastoral Carcerária é um movimento de atendimento religioso às pessoas em


situação de cárcere, que tem como objetivo principal reafirmar a presença de Cristo e
da Igreja no ambiente prisional. Intitula-se como um movimento sociotransformador,
com fundamento no catolicismo e da doutrina social da Igreja Católica, e busca a
construção de um “mundo sem cárcere”, mais solidário e mais fraterno. Funciona
como um aparato da justiça, no sentido de promover o assistencialismo religioso,
material e social nas prisões, conforme a previsão da Lei de Execução Penal, além
de monitorar e fiscalizar o ambiente carcerário, o que é considerado um aparato da
política penitenciária nacional.

93
AUTOATIVIDADE
1 O trabalho voluntário é a  atividade prestada por pessoa física a entidade pública
de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha
objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência
social, inclusive mutualidade. A respeito do trabalho voluntário, assinale a alternativa
INCORRETA:

a) ( ) Não pode ser remunerado.


b) ( ) O trabalho voluntário deve ser acompanhado pela entidade promotora.
c) ( ) A finalidade pode ser com fim punitivo ao preso.
d) ( ) Só pode ser realizado por quem tem ensino superior.

2 Os presos das APACs são denominados “recuperandos”, utilizam as suas próprias


roupas, são chamados pelo nome e ensinados as novas regras de convivência
pelos membros do conselho. Nessas prisões sem guardas, os recuperandos são
encorajados a começar a trilhar suas vidas em direção a uma estrada religiosa. A
respeito das APACs, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Nessas prisões, os presos estão submetidos a uma rotina institucional com


atividades de cunho religioso não obrigatórias
( ) “Compromissados” são os recuperandos ainda em fase de aceitação das regras
apaquianas e dos caminhos religiosos, já que ainda estão viciados pelos códigos de
conduta das prisões comuns.
( ) A direção do estabelecimento é realizada pelo grupo religioso, que substitui a figura
do diretor penal.
( ) Os recuperandos são avaliados quanto ao seu comportamento e comprometidos
com a vida profissional dentro da APC

3 A Pastoral Carcerária detém função de monitoramento e fiscalização do sistema


prisional brasileiro, que vai além do seu serviço de assistencialismo religioso. É
considerada um aparato da Política Penitenciária Nacional e do Poder Judiciário.
Acerca dos temas desenvolvidos pela Pastoral Carcerária no sistema prisional
brasileiro, analise as sentenças a seguir:

I- “Mulheres encarceradas” é tema tratado pela Pastoral.


II- Existe um canal de denúncia para tortura e maus tratos, no site da Pastoral
Carcerária.
III- Cumpre à Pastoral Carcerária desenvolver políticas públicas carcerárias.
IV- A Pastoral Carcerária defende políticas de aprisionamento, boas condições
carcerárias, defesa da dignidade humana e dos direitos fundamentais do preso.

94
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.
c) ( ) Somente a sentença IV está correta.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

4 “Ser voluntário num estabelecimento prisional é, para além de uma partilha de


saberes e de experiências, uma troca de valores. É ao mesmo tempo, uma iniciativa
aliciante e responsabilizante, potenciadora de um crescimento pessoal e interpessoal,
promotora de um maior comprometimento social e de esperança numa sociedade
melhor. O investimento na reabilitação do indivíduo dentro da prisão permite, a
longo prazo, fomentar a sua reintegração na sociedade, contribuindo para que a
permanência na prisão promova a mudança necessária com vista a uma sociedade
mais segura.” (Manual de Gestão do Voluntariado em Meio Prisional). De acordo com
o trecho supratranscrito, discorra a respeito do conceito do trabalho voluntário na
prisão.

5 “A partir de 1970 houve uma grande pressão internacional no IV Congresso das Nações
Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em Kioto,
para que os países membros implantassem as Regras Mínimas na Administração de
Instituições Penais. Em 1994, em Viena, o Comitê Permanente de Prevenção do
Crime e Justiça Penal das Nações Unidas recomendou que todos os países
signatários editassem as Regras Mínimas no âmbito da Justiça Penal (Brasil, 1995).
Nesse contexto, surge, no Brasil, a Pastoral Carcerária, mecanismo de monitoramento
e fiscalização dos locais de privação de liberdade”. Diante do trecho extraído do Artigo
A Pastoral Carcerária e a Luta por Justiça e Dignidade no Sistema Prisional Brasileiro
(usp.br), publicado na Revista “Gestão e Políticas Públicas”, discorra acerca de pelo
menos três (3) objetivos da Pastoral Carcerária e justifique porque o órgão está
atrelado ao sistema de justiça.

95
96
REFERÊNCIAS
AMORIM, C. Comando Vermelho. Rio de Janeiro: Best Seller, 2011.

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Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/reclusos-sao-batizados-
dentro-de-prisao-em-portugal/.

100
UNIDADE 3 —

EGRESSOS DO SISTEMA
PRISIONAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender quem são os egressos do sistema prisional, a necessidade de políticas


públicas ao egresso e como o Estado apoia a sua reinserção na sociedade;

• compreender o trabalho no sistema prisional e como o mesmo se desenvolve;

• identificar a relevância das atividades físicas e de lazer no ambiente prisional.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL


TÓPICO 2 – O TRABALHO NA PRISÃO
TÓPICO 3 – ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER NO AMBIENTE PRISIONAL

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101
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UNIDADE 3!

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102
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos sobre o egresso do sistema prisional e
o apoio estatal por meio de políticas públicas e sociais voltadas para a sua reinserção
em sociedade, bem como os reflexos da falta do assistencialismo do Estado no período
após a saída do sistema prisional.

Perceberemos que a reinserção social do egresso em sociedade é um dever


do Estado, o qual deve criar, implementar e fiscalizar políticas públicas garantidoras do
retorno do indivíduo em sociedade, com condições favoráveis para a sua reintegração.
Contudo, a aplicação de políticas públicas voltadas ao egresso prisional enfrenta
inúmeros problemas a serem delineados ao longo de nossos estudos, sendo um deles o
número exorbitante da população carcerária brasileira.

As dificuldades em reinserir um quantitativo imenso de egressos do sistema


prisional, em condições de hipossuficiência e vulnerabilidade que os acompanham
desde antes da privação da liberdade, ocasionam um sem-número de sujeitos que
reincidem na prática criminal e retornam ao sistema penitenciário, dado que demonstra
a falência do sistema penal e do não cumprimento da finalidade da pena, conforme
esperado pela teoria.

Nesse sentido, a seguir, apresentaremos o apoio do Estado em estabelecer


políticas públicas voltadas ao egresso e à sua reinserção social, bem como as dificuldades
de criação, implementação e fiscalização de tais políticas diante do completo estado
de falência do sistema carcerário nacional, além da ausência de coordenação entre os
poderes públicos para a resolução do problema.

FIGURA 1 – CÁRCERE

FONTE: <http://galeria.dtcom.com.br/picture.php?/2895/search/935>. Acesso em: 28 set. 2021.

103
2 EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL
O egresso do sistema prisional diz respeito ao cidadão que rompeu o pacto
social ao violar as regras socialmente estabelecidas, sendo submetido a punições
prescritas pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido privado de sua liberdade
durante o cumprimento de sua pena em estabelecimento penal (penitenciária, colônia
agrícola ou casa do albergado).

IMPORTANTE
A definição do egresso na Lei de Execução Penal é assim disposta: o egresso
é aquele que foi definitivamente liberado do sistema prisional, pelo prazo
de um ano a contar da sua saída do estabelecimento, e também o liberado
condicional, durante o período de prova (BRASIL, Art. 26).
Durante um período, o egresso teve uma diminuição do seu “status de
cidadão”, o que ocorreu por meio da redução de seus direitos civis (liberdade
de locomoção) e políticos (suspensão dos direitos políticos).

Quando pensamos acerca do público egresso do sistema prisional, devemos


relembrar o perfil do indivíduo egresso muito antes do seu aprisionamento. Além
disso, precisamos considerar que a população carcerária brasileira é composta por
um público que durante toda a sua vida foi privado dos direitos fundamentais e
básicos desde a infância. Geralmente, a pessoa levada ao sistema carcerário é aquela
a quem o Estado negou os direitos à educação, moradia, saúde, alimentação e a um
desenvolvimento sadio durante a sua infância e adolescência, concretizando uma
ausência de possibilidades que levaram o indivíduo ao mundo do crime.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), reconhecida como a Carta


Magna ou a Lei Maior, principal instrumento jurídico de todo o ordenamento jurídico
brasileiro, elenca em seus artigos 5º e 6º os direitos e garantias fundamentais e sociais, ou
seja, são direitos estendidos a todos os indivíduos brasileiros, sem distinção. Segundo a
Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988, Art.
5º), elencando ainda a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações.
Já o Artigo 6º (BRASIL, 1988) assegura a todos os direitos sociais, a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

104
ATENÇÃO
Embora tais direitos estejam previstos constitucionalmente, sabemos que o
Brasil ainda caminha a passos curtos para concretizá-los. Assim, pensar os
egressos do sistema prisional como sujeitos que não tiveram ao longo da vida
seus direitos garantidos, nos desafia a pensarmos políticas públicas capazes
de alcançar o indivíduo desde a sua infância e adolescência, enquanto pessoa
que está em processo de desenvolvimento e formação de caráter.

Por isso, é fundamental considerarmos as políticas públicas voltadas ao sujeito


desde a infância e adolescência, pois é uma forma de evitar a criminalidade, as altas
taxas de encarceramento, reduzindo a superpopulação carcerária e melhorando, assim,
as políticas de reintegração social (CORRÊA, 2013).

Outro fator a ser considerado para a melhoria das políticas públicas voltadas
ao egresso, são as ações de combate ao estigma e preconceito contra o ex-preso.
Ao considerar que a sociedade prisional é formada por pessoas, geralmente, de
baixa escolaridade, de baixa renda, que enfrentou situações de pobreza, miséria e
marginalidade, conforme os fatores criminógenos descritos, o preconceito e o
estigma social prejudicam ainda mais a reinserção do indivíduo em sociedade.

NOTA
No que diz respeito ao estigma, podemos considerar algo que uma pessoa
carrega por obter uma característica fora do padrão considerado pela
sociedade, seja um traço físico, psíquico ou de caráter. Tal característica
faz com que tais pessoas sejam vistas como inferiores perante os outros.
O estigma interfere diretamente, segundo Goffman (1998, p. 15 apud
CORRÊA, 2013, p. 104), na relação social do indivíduo, uma vez que o limita
no seu reconhecimento enquanto ser social.

O preconceito ao egresso, por sua vez, reduz as chances de vida do ex-apenado


(GOFFMAN, 1998 apud CORRÊA, 2013, p. 104), sendo uma conduta discriminatória,
portanto injusta, contra aquele que não teve condições de assumir a sua identidade
coletiva, justamente por ter sido privado ao longo da vida e durante o cumprimento da
pena, de direitos e garantias fundamentais devidos dentro do Estado-Social.

Segundo Corrêa (2013, p. 104), o egresso do sistema prisional é marcado pela:

• vivência em bairros periféricos;


• baixa escolaridade;

105
• ausência de oportunidade de profissionalização;
• ausência de trabalho formal.

Além desses, existem outros fatores que, após a sua saída da prisão, são
agravados pela exigência de atestado de antecedentes criminais, pela ausência de
direitos políticos e pela situação de vulnerabilidade numa sociedade competitiva e
progressiva como a nossa. Isso reflete diretamente na ressocialização do egresso,
que muitas vezes retorna à criminalidade e à reincidência pela falta de oportunidade.

Diante do conceito do que seja egresso e das suas condições anteriormente
apresentadas, iremos discutir, a seguir, como ocorre ou como deveria ocorrer o apoio
estatal ao indivíduo recém-saído do ambiente prisional, e como a omissão estatal ao
ex-preso agrava a situação da criminalidade, da segurança pública, do sistema prisional
e da sociedade como um todo.

3 O APOIO ESTATAL AO EGRESSO


A assistência ao egresso é um conjunto de ações para a reinclusão
do sujeito excluído, com a finalidade de que os mesmos tenham uma participação
socialmente ativa, isto é, não como meros “objetos de assistência”, mas como sujeitos”
(SÁ, 2005).

NOTA
A expressão reintegração social advém de práticas de gestão prisional, de
proposições oriundas da militância de movimentos sociais e de estudos sobre
o tema (MELO, 2014), podendo considerar que é a partir da Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984) que tal expressão encontra sua fundamentação.

Desse modo, a reintegração social, enquanto função social do sistema


prisional, está voltada para o período de cumprimento de pena e para o período pós-
soltura, em que presos e presas são juridicamente definidos como egressos e egressas
prisionais (MELO, 2014), e tem previsão legal também nas proposições da Organização
das Nações Unidas (ONU):

Desde o início da execução da sentença, será dada atenção para o


futuro do recluso após sua libertação, devendo-se incentivar e ajudar
o preso a manter ou estabelecer relações com pessoas ou entidades
externas que possam facilitar sua reintegração social e os interesses
principais de sua família (MELO, 2016 apud UN, 2015, Regra 107).

106
É dever do Estado e da sociedade civil promover o bem-estar social e
a reintegração de pessoas saídas do sistema prisional, criando políticas públicas
de atendimento e ações de enfrentamento ao estigma e preconceito contra esses
indivíduos, de modo a não segregar ainda mais o indivíduo após a sua saída do ambiente
prisional.

ATENÇÃO
A dimensão social do Estado brasileiro compreende uma busca constante
pela correção das desigualdades sociais e econômicas ocorridas ao longo
dos séculos, em decorrência da colonização do país e do próprio capitalismo.
Essa correção ocorre, principalmente, por meio de direitos prestacionais do
Estado ao indivíduo.

Os direitos sociais, prestacionais ou os direitos fundamentais de 2ª dimensão,


originados após a superação do Estado Liberal, são conhecidos como aqueles direitos
que exigem do Estado uma postura ativa, e a sua realização compreende um conjunto
de ações afirmativas e de políticas públicas, visando a redução das desigualdades
sociais. São direitos que exigem prestação positiva do Estado.

Além das previsões sobre os direitos prestacionais sociais, a Constituição


Federal (BRASIL, 1988) contém uma seção destinada ao dever de assistência social
do Estado, devendo ser prestada a quem dela necessitar, com os objetivos de proteção
da família, da maternidade, da infância, da adolescência e da velhice, o amparo às
crianças e aos adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de
trabalho, a habilitação e reabilitação de pessoas portadores de deficiência. Com isso,
as previsões de assistencialismo atingem também o egresso do sistema prisional
devido à situação de hipossuficiência e vulnerabilidade. Ademais, a Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984) determina, especificamente, a assistência ao egresso, sobre a qual
passaremos a detalhar a seguir.

NOTA
A Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984, Art. 10º) estabelece a assistência ao
preso e ao internado como um dever do Estado, objetivando prevenir o crime
e orientar o retorno à convivência em sociedade. O assistencialismo estatal
dedicado ao preso, sob a tutela do Estado, é estendido também ao egresso
pelo prazo de um ano, a contar da saída do estabelecimento prisional.

107
Essa previsão tem como objetivo auxiliar a reinserção social do egresso,
que muitas vezes, pelo estigma e preconceito já apresentados, o indivíduo encontra
dificuldades em relação ao vínculo de trabalho formal, devido às restrições do atestado
de antecedentes criminais, permanecendo numa situação de vulnerabilidade ainda
mais grave do que antes da sua entrada no sistema prisional.

Conforme mencionado, são formas de assistência ao egresso todas aquelas


previstas na lei (BRASIL, 1984), ou seja, a assistência material, a jurídica, a educacional,
a religiosa, a de saúde e a social, vejamos:

• Assistência material: compreende o fornecimento de alimentação, vestuário e


instalação higiênica.
• Assistência à saúde: possui caráter preventivo e curativo. Compreende o
atendimento médico, farmacêutico e odontológico, existindo nos presídios femininos
a garantia do acompanhamento à mulher em situação de gravidez.
• Assistência jurídica: aos presos e internados é oferecida àqueles que não detêm
condições financeiras de constituir advogado, e é assegurada a defesa pela Defensoria
Pública.
• Assistência educacional: compreende a instrução escolar e a formação profissional
do preso e do internado.
• Assistência religiosa: será prestada aos presos e aos internados, permitindo a
participação nos serviços organizados no estabelecimento penal e a posse de livros
religiosos, devendo haver na prisão local apropriado para a realização de cultos. O
exercício religioso é uma faculdade do preso, sendo vedada a sua imposição.
• Assistência social: compreende o serviço do assistente social, que deve
acompanhar a situação do preso ou do internado de modo a prepará-lo para o
retorno em sociedade, e compreende relatar às autoridades as dificuldades e os
problemas do infrator, acompanhar os resultados de permissões de saída, promover a
recreação, promover a orientação do liberando na fase final do cumprimento da pena,
providenciar a obtenção de documentos dos benefícios de previdência social e do
seguro por acidente de trabalho, orientar e amparar a família do preso, do internado e
da vítima

A assistência ao egresso compreende o egresso liberado definitivo, assim


considerado pelo prazo de um ano após a saída do estabelecimento prisional, ou o
liberado condicional, assim considerado durante o período de prova. Consiste na
orientação e no apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade, na concessão, quando
necessário, de alojamento e alimentação em estabelecimento adequado pelo prazo
de dois meses, podendo ser prorrogado para mais dois meses, caso haja necessidade
comprovada declarada pelo assistente social, e desde que o mesmo esteja procurando
emprego. O serviço de assistência social deve colaborar com o egresso para a
obtenção de trabalho.

108
Em suma, o apoio estatal ao egresso é previsto pela Constituição Federal
(BRASIL, 1988) ao tratar dos direitos sociais e prestacionais devidos pelo Estado
a todos os indivíduos, indistintamente, e também ao trazer uma seção específica ao
assistencialismo destinado às pessoas em situação de hipossuficiência e vulnerabilidade
econômico-social.

ATENÇÃO
Todos os direitos prestacionais e de assistência previstos pela Constituição
são devidos ao egresso do sistema prisional, pois são indivíduos com histórico
geralmente de miserabilidade, pobreza, pouco ou nenhum acesso à educação
e com poucas oportunidades de reinserção social. A Lei de Execução Penal
(BRASIL, 1984) traz, especificamente, a assistência e a prestação social do
Estado ao egresso, detalhando a previsão constitucional.

Nesse sentido, o Brasil é considerado um Estado Social de Direito, afinal, tem


o dever estatal em prestar positivamente os direitos constitucionalmente previstos,
visando a redução das desigualdades sociais, concretizando o princípio da dignidade
humana, também elencado constitucionalmente.

FIGURA 2 – DIREITO AO REINGRESSO

FONTE: <http://galeria.dtcom.com.br/picture.php?/2641/search/941>. Acesso: 27 set. 2021

4 A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS: PARCERIAS


PÚBLICO-PRIVADAS DE OPORTUNIDADES AO EX-PRESO
Neste tópico, serão apresentadas as políticas públicas e sociais, bem como
as parcerias público-privadas voltadas à reinserção social do egresso do sistema
prisional. O Estado, por meio de diferentes arranjos institucionais e coordenação entre
os poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário), busca implementar, executar e
fiscalizar um conjunto variado de ações às pessoas egressas, juntamente com o apoio
da sociedade civil e da iniciativa privada.
109
O público dos egressos exige uma demanda específica do Estado, assim
como um atendimento especializado, com mecanismos que articulem a política
penitenciária e as políticas voltadas especificamente ao egresso, e levem em
consideração o apoio de iniciativas estatais e não estatais, não apenas ao egresso, mas
direcionadas também aos seus familiares.

IMPORTANTE
Em relação ao Poder Judiciário, por exemplo, trata-se de um importante aliado
às políticas direcionadas ao egresso, tendo desenvolvido nos últimos anos os
denominados Escritórios Sociais, já presentes em 17 unidades da federação,
criados pelo Conselho Nacional de Justiça com a finalidade de proporcionar
aos poderes locais a colaboração com a reintegração dos egressos e o apoio
aos seus familiares.

Os pressupostos de integração entre a política prisional e as políticas


sociais que se seguem, estão previstos no Modelo de Gestão da Política Prisional
(MELO, 2016), que destaca os seguintes pontos de atenção às políticas públicas voltadas
ao egresso:

• educação;
• assistência social;
• saúde;
• assistência jurídica;
• trabalho;
• qualificação profissional.

Na área de educação e cultura, as políticas públicas devem promover


alternativas de retorno ao universo escolar, criando formas de prevenção e combate
à estigmatização e evasão. De modo que o ensino modular ou semipresencial e
as escolas, junto com iniciativas direcionadas à educação de jovens e adultos (EJA),
precisam ser adotadas como rede de atendimento, pois são espaços formados por
outros públicos, os quais foram, historicamente, estigmatizados e afastados da
escola, como é o caso de operários, trabalhadores rurais, comunidades ribeirinhas e
famílias de assentamento, por exemplo (MELO, 2016).

ATENÇÃO
“O fomento à participação em atividades culturais ou de educação não escolar
também fazem parte desse campo de atuação da Política” (MELO, 2016, p. 99).

110
Com relação ao campo da assistência social, deve-se potencializar a atuação
dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e dos Centros
de Referência de Assistência Social (CRAS), com a realização de processos formativos
para as equipes, ajudando a:

[...] compreender e auxiliar egressos e egressas prisionais, bem como


seus familiares, no tocante aos processos sociais decorrentes da
vivência prisional, tais como conflitos motivados por divergências
entre grupos de pertencimento, conflitos decorrentes de convívio
territorial, com agentes estatais das áreas de segurança e com
grupos ou agrupamentos vinculados ao mundo do crime, processos
de sujeição criminal e prisionização, além de auxiliar na retirada e
regularização de documentos, na busca por emprego e qualificação
profissiona (MELO, 2016, p. 100).

No tocante à saúde, é importante priorizar a construção de fluxos de


encaminhamentos e continuidade (para tratamentos iniciados durante o período
de privação de liberdade), assim como os atendimentos e tratamentos entre familiares
e custodiados (quando as pessoas privadas de liberdade apresentem alguma doença
infectocontagiosa). “Atenção aos casos de uso abusivo de drogas e políticas específicas
para gestantes, lactantes e egressas prisionais com filhos também devem fazer parte
deste escopo” (MELO, 2016, p. 100).

Com relação à assistência jurídica, a prioridade é garantir orientação


nos processos de pós-soltura, “desde as apresentações aos órgãos judiciais de
acompanhamento de penas (quando se trata de livramento condicional, concessão de
regime aberto, prisão albergue domiciliar ou outros), como a instauração de processos
de reabilitação criminal” (MELO, 2016, p. 100).

Já nas áreas de trabalho e qualificação profissional, a prioridade circunda


em volta da articulação de redes de formação profissional e inserção em iniciativas
populares de geração de renda. Além disso, é preciso realizar a inserção nas redes formais
de apoio ao trabalho e qualificação profissional. “Orientações e encaminhamentos para
vagas de trabalho, bem como negociações setoriais com áreas específicas de geração
de empregos, são tarefas intrínsecas a este campo da política” (MELO, 2016, p. 100).

DICAS
A respeito das parcerias público-privadas, cabe destacar que foram instituídas
como modalidades de contratos administrativos pela Lei n° 11.079/2004
(BRASIL, 2004). Para conhecer, acesse: https://bit.ly/2ZQNLhH.

111
A Parceria Público-Privada (PPP), segundo a lei, é caracterizada pelo contrato
de prestação de obras ou serviços não inferiores a 20 milhões, com duração mínima
de cinco e no máximo 35 anos, firmado entre o parceiro privado e o parceiro público.
Nas PPPs, como são chamadas, o governo remunera a empresa pelo serviço prestado,
podendo, inclusive, ter uma combinação de remuneração pelo governo e pelos
usuários.

O objetivo do Estado em estabelecer parcerias público-privadas (PPPs) é


desenvolver a infraestrutura dos serviços públicos para o atendimento das demandas da
sociedade, existindo diferentes demandas e formas de articulação entre o setor público,
empresas e organizações não governamentais, cuja finalidade é viabilizar projetos de
interesse para a sociedade ao mesmo tempo em que beneficia o exercício da atividade
empresarial pelo setor privado.

A busca por essa “sociedade” entre o público e o privado é de cumprimento


dos objetivos sociais, econômicos e políticos, ao mesmo tempo em que ocorre o
beneficiamento do capital financeiro. No caso das PPPs estabelecidas pelo poder público
no sistema prisional brasileiro, o foco é a melhoria da prestação dos serviços penais,
da estrutura dos estabelecimentos penais e da abertura de novas oportunidades,
principalmente de trabalho e educação, aos presos e egressos do sistema prisional.

FIGURA 3 – SISTEMA PRISIONAL

FONTE: <https://bit.ly/3GGGlyC>. Acesso em: 28 set. 2021.

5 AUSÊNCIA DE ACOMPANHAMENTO PÓS-SAÍDA DA


PRISÃO E OS REFLEXOS DISSO
Existem múltiplos fatores de redução da criminalidade e do encarceramento.
O principal deles é o direcionamento de políticas públicas do Estado para a redução da
superlotação carcerária, combate à tortura e aos maus tratos, além de ações de
atenção ao apenado e ao egresso. Como anteriormente observado, a saída do sistema
prisional é um fator a ser considerado pelo Estado, sendo um dever dos poderes e órgãos
públicos a articulação de políticas públicas direcionadas ao egresso.

112
IMPORTANTE
Por inúmeras vezes, o Brasil foi denunciado em órgãos internacionais pelas
péssimas condições carcerárias e pela falta de assistencialismo ao preso e ao
egresso, cujos direitos e garantias fundamentais, são inúmeras vezes violados
enquanto e após o cumprimento da pena.

Em 2020, com o avanço do coronavírus nas prisões, o Brasil foi denunciado


à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) sobre a ausência de medidas emergenciais para controlar o
crescimento exponencial do número de infectados e mortos nos presídios, pela
seletividade do Judiciário e dos agentes de segurança pública no que diz respeito ao
perfil comum dos presos (pobres e negros), e pelo quadro de insalubridade das unidades
prisionais, entre outros aspectos.

DICAS
Tal denúncia se baseia em um levantamento do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) junto aos governos estaduais, constatando “um aumento de 800%
na taxa de contaminação dos presídios desde maio.” (ANGELO, 2020, on-line).
Leia a matéria na íntegra: https://bit.ly/3bFH5Wo.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado por uma Arguição
de Descumprimento dos Preceitos Fundamentais no cárcere (ADPF nº 347), provocada
pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para exigir do Estado uma resposta
sobre a total falência do sistema prisional brasileiro e a descoordenação dos
poderes em efetivar políticas públicas carcerárias para melhorias. O tribunal declarou
um completo estado de coisas inconstitucionais no cárcere, e emitiu decisão para o
imediato descontingenciamento do FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), para que
os valores deste fundo fossem direcionados ao sistema carcerário nacional, inclusive
para formulação, implementação e fiscalização dessas políticas.

A omissão inconstitucional é o descumprimento do mandamento


constitucional atuando positivamente, constituindo uma norma legal (BARROSO, 2016),
e ocasiona a inconstitucionalidade por omissão, no sentido da inércia dos poderes
públicos e autoridades para a elaboração de atos e políticas públicas direcionadas
ao cumprimento da Constituição (BRASIL, 1988) e dos comandos constitucionais.
A omissão pode ocorrer no âmbito dos três poderes, ou seja, legislativo, executivo e
judiciário. E no que tange às omissões relacionadas ao sistema carcerário nacional,
engloba a descoordenação desses poderes e dos órgãos públicos na realização de
políticas públicas carcerárias.

113
Desse modo, a omissão pode partir do Poder Legislativo, quando a sua função
é editar a lei voltada ao sistema penal e de execução penal e não o faz; ao Executivo,
quando sendo necessário a expedição de atos de execução relacionadas ao tema, e
permanece inerte; ao Judiciário, quando não for capaz de fiscalizar o cumprimento da
pena e as execuções penais, as políticas públicas relacionadas, e não for capaz de exigir
dos demais poderes o cumprimento dos comandos constitucionais.

ATENÇÃO
A prevenção ao delito é o meio mais eficaz que deve ser direcionado ao
egresso do sistema prisional. Uma vez em contato com o sistema, a tendência
é que o egresso saia em condições ainda piores do início do cumprimento
da pena. Nesse sentido, é necessário que o Estado se volte ao egresso com
oportunidades fora do cárcere, por meio de profissionalização, emprego,
estudo e políticas de prevenção ao delito.

Sobre as políticas de prevenção ao delito, trata-se de um conjunto de


medidas e políticas sociais adotadas por uma série de esforços entre os entes públicos
e privados, com o intuito de impedir ou diminuir o cometimento de crimes (VIANA, 2018).
Segundo a definição mais acertada do que sejam as políticas de prevenção ao delito,
temos que, a prevenção à criminalidade abrange estratégias e medidas que buscam
reduzir o risco de ocorrência de crimes, assim como seus possíveis efeitos nocivos sobre
os indivíduos e a sociedade, incluindo o medo do crime, intervindo para influenciar suas
múltiplas causas.

Sendo assim, a prevenção detém várias dimensões. De acordo com Viana (2018,
p. 391-393), temos:

• Dimensão Política da Prevenção: enfoque na prevenção como modelo de dissuasão


geral e especial, aumentando os custos do crime, reduzindo a oportunidade para o
cometimento do crime e aumentando a probabilidade de prisão (modelo conservador).
Considera o crime um problema social, que deve ser tratado por meio de estratégias
de tratamento individual ou intervenção familiar comunitária (modelo liberal).
• Dimensão Clássica da Prevenção: a prevenção pode ser primária, secundária ou
terciária. A prevenção primária é neutralizar as causas do delito antes que o problema
se manifeste. A prevenção secundária é feita por meio das políticas legislativas e das
ações policiais. A prevenção terciária é a prevenção orientada à ressocialização e,
portanto, à população carcerária.
• Dimensão Pluridimensional da Prevenção: a prevenção poder ser feita por
meio do sistema de justiça penal, pela prevenção situacional do delito (redução
da oportunidade de cometimento do delito), prevenção comunitária (intervenções
estratégicas que modifiquem as condições sociais, ligadas à sociologia urbana),
prevenção evolutiva (redução de fatores de risco).

114
A prevenção delitiva, portanto, não está atrelada apenas à ressocialização do
preso. É um instituto plural e complexo, abrangendo desde a dissuasão do indivíduo
para o cometimento do crime, até a neutralização das causas do delito antes mesmo
que ele se manifeste, reduzindo a oportunidade de cometimento do delito, modificando
as condições sociais do indivíduo e do cenário em que ele vive, e reduzindo os fatores de
risco da criminalidade. O Estado, portanto, deve criar políticas públicas voltadas a todas
essas dimensões preventivas, e não apenas à ressocialização do egresso prisional.

ATENÇÃO
Quanto às políticas voltadas ao egresso prisional, devemos perceber que
são medidas preventivas de criminalidade atreladas também a todas essas
dimensões. O egresso deve ser ressocializado, obviamente, mas este seria
apenas o primeiro passo da prevenção criminal para a diminuição da
criminalidade.

Ao egresso e ao indivíduo em situação de vulnerabilidade próximo de envolver-


se ou já envolvido com o crime, a prevenção estatal deve ocorrer estrategicamente,
com a criação e implementação de políticas públicas de saúde, moradia, educação,
trabalho, profissionalização, lazer, entre outras, atendendo aos direitos sociais já
previstos constitucionalmente.

Lembrando que as omissões inconstitucionais do Estado, na ausência de


atendimento aos direitos básicos do indivíduo, desde a sua infância, refletem no
aumento da criminalidade e na dificuldade de ressocializar o indivíduo que passou pelo
sistema carcerário. É essencial que o Estado esteja voltado para as políticas citadas e
para as políticas de melhoria carcerária, além da diminuição da superlotação e altas
taxas de encarceramento.

FIGURA 4 – ENCARCERAMENTO

FONTE: <http://galeria.dtcom.com.br/picture.php?/3914/tags/3284>. Acesso em: 28 set. 2021.

115
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O apoio estatal ao egresso é previsto pela Constituição Federal de 1988, ao tratar


dos direitos sociais e prestacionais devidos pelo Estado a todos os indivíduos,
indistintamente

• A reintegração social, enquanto função social do sistema prisional, está voltada para
o período de cumprimento de pena e para o período pós-soltura (MELO, 2016).

• O público dos egressos exige uma demanda específica do Estado, bem como um
atendimento especializado, com mecanismos que articulem a política penitenciária
e as políticas voltadas especificamente ao egresso, e levem em consideração o apoio
de iniciativas estatais e não-estatais, não apenas ao egresso, mas também aos seus
familiares.

• Uma das formas de implementar as políticas públicas ao egresso é por meio das
parcerias público-privadas (PPPs).

116
AUTOATIVIDADE
1 A previsão constitucional dos direitos sociais no artigo 6º (Constituição Federal de
1988), traz o direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia,
ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados e o direito ao transporte. São os denominados
direitos prestacionais ou de 2ª dimensão. Com base no exposto, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A Teoria da Reserva do Possível foi desenvolvida na Alemanha, após a 1ª Guerra


Mundial, quando emergiu o Estado Social para superar as falhas do antigo Estado
Liberal. Segundo essa teoria, existe um limite ao Estado na plena realização dos
direitos prestacionais por conta das limitações orçamentárias. A reserva do possível
não se aplica, contudo, à Teoria do Mínimo Existencial.
( ) Entre os direitos sociais, os últimos implementados por meio de Emenda
Constitucional foram o direito à moradia (EC 26/2000), o direito à alimentação (EC
64/2010) e o direito ao transporte (EC 90/2015).
( ) As medidas legais, concretizadoras dos direitos sociais, devem ser elevadas a nível
constitucional. Nesse sentido, é proibido ao Estado criar normas ou políticas que
retrocedam os direitos sociais já alcançados. Essa teoria recebe o nome de Vedação
ao retrocesso.
( ) A Teoria do Mínimo Existencial está ligada ao princípio da dignidade humana, e
coloca o Estado no papel de garantidor do mínimo necessário à vida do indivíduo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V.
b) ( ) V – F – F.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) V – F – V.

2 A assistência social é prevista em uma seção da Constituição federal de 1988.


Entende-se como assistência social a política social que provê o atendimento das
necessidades básicas do indivíduo, independentemente de contribuição à previdência
social ou de qualquer pagamento efetuado ao Estado. Sobre esse assunto, analise as
sentenças seguir:

I- O conceito de assistência social é previsto na Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei


8.212/1991), e revela uma íntima conexão com o princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual impõe o dever de proteção e promoção de bens e utilidades a uma
existência digna.

117
II- Os programas de assistência social compreendem ações integradas e
complementares com objetivos para melhorar os benefícios e os serviços
assistenciais. Dependem de formulação, implementação e fiscalização de políticas
públicas pelos Poderes Públicos e órgãos da Administração Pública.
III- A assistência social faz parte de um sistema não contributivo, no qual os recursos
utilizados na prestação de auxílio a determinadas pessoas são provenientes da
arrecadação de tributos, e não da contribuição direta daqueles que dela necessitam.
Apenas recursos da União são direcionados para o assistencialismo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Leia o trecho a seguir:


“Apenas um muro separa os 115 presidiários selecionados para trabalhar no “Módulo
de Respeito” dos demais 1,5 mil detentos do presídio de Aparecida de Goiânia, que
reúne 35% dos presos do Estado de Goiás. Há nove meses, a Hering passou a oferecer
a oportunidade de reinserção no mercado de trabalho aos presos em regime fechado.
Eles trabalham de segunda à sábado, das oito da manhã às cinco da tarde, embalando,
dobrando, etiquetando e conferindo 30 mil peças que chegam diariamente no galpão
onde antes funcionava uma ala do presídio. As razões variam, mas sempre combinam
algum grau de preocupação social com redução de custos, seja de encargos, para
as empresas, seja com a própria segurança pública, para os governos.”. O trecho
apresenta um exemplo de parceria-público privada. Explique o que são as parcerias
público-privadas e como as mesmas auxiliam na finalidade ressocializadora da pena.

FONTE: PORTAL DO GOVERNO. Empresas e Estados ampliam programas para presos e ex-presos. 2010.
Disponível em: https://bit.ly/3q31o8J. Acesso em: 28 set. 2021.

5 Leia o trecho a seguir:


“A população carcerária do Brasil cresceu 83 vezes em setenta anos. É o que
demonstrou um mapeamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
com o apoio do Ipea, com base nos dados publicados no Anuário Estatístico do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O total de apenados condenados
no sistema prisional passou de 3.866 pessoas em 1938 para 321.014 em 2009 (gráfico
1). Se considerarmos informações mais recentes, e que 38% da população carcerária
encontra-se em situação provisória, a realidade adquire contornos ainda mais
dramáticos: o Brasil possuía, em 2012, 515.482 pessoas presas para apenas 303.741
vagas, déficit de 211.741 vagas. Atualmente, o número de presos ultrapassa os 770 mil.
O Brasil já é o quarto país que mais encarcera no mundo e, mesmo assim, convive
com taxas de criminalidade muito altas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública (2012).”. O trecho apresenta dados referentes ao sistema carcerário. Relacione,
a seguir, como o Estado pode auxiliar o egresso, e como a omissão estatal potencializa
os altos índices de reincidência e encarceramento.

FONTE: IPEA. Instituto de pesquisa econômica aplicada. Reincidência Criminal no Brasil. Rio de Janeiro,
2015. Disponível em: https://bit.ly/31mLFqF. Acesso em: 27 set. 2021.
118
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
O TRABALHO NA PRISÃO: ATIVIDADES
LÚDICAS E INTELECTUAIS

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, analisaremos o trabalho no sistema prisional. Conheceremos
sobre as atividades lúdicas e intelectuais realizadas pelo preso, tais como estudos,
leitura, escrita, música, teatro e artes em geral. Também iremos conhecer o trabalho
dentro da perspectiva constitucional e normativa da Lei de Execução Penal (BRASIL,
1984) e dos tratados e convenções internacionais, dos quais o Brasil faz parte.

Como estudamos anteriormente, a maior problemática do sistema prisional


brasileiro é o superencarceramento e as altas taxas de encarceramento. A política
criminal brasileira amparada na legislação criminal pouco minimalista, incrimina e prende
muito, conferindo veracidade à ideia de que no Brasil “prende-se muito, e prende-se
mal”. Uma das soluções acertadas pela legislação criminal para buscar solucionar
essa problemática, foi instaurar o Instituto de Remição da Pena por meio do estudo e
do trabalho no sistema carcerário. Esse instituto será melhor explicado e exemplificado
adiante.

Por fim, compreenderemos como o Estado busca a reeducação e a humanização


ao tratamento do preso dentro do ambiente carcerário por meio do trabalho e da
educação, pensando na reinserção social do preso ainda quando este cumpre a sua
pena.

FIGURA 5 – REEDUCAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3GGGlyC>. Acesso em: 28 set. 2021.

119
2 DIREITO AO TRABALHO
O trabalho é um direito social, conforme previsto na Constituição Federal
(BRASIL, 1988), além disso, é um dever social do preso e condição da dignidade
humana, com finalidade educativa e produtiva, segundo o artigo 28 da Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984). A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) prevê
o direito ao trabalho livre, justo e remunerado da seguinte maneira:

Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho,


a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção
contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma,
a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma
remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família
uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se
possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa
tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar
em sindicatos para defesa dos seus interesses (ONU, 1948, Art. 23º).

No âmbito internacional, o trabalho e os direitos do trabalhador são protegidos


pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada pela Conferência da Paz, em
Versalhes em junho de 1919, com o objetivo de promover a justiça social e respeitar
os direitos humanos no mundo do trabalho. Já no ordenamento jurídico brasileiro, o
trabalho é previsto e regulado pelos princípios constitucionais da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), bem como pela Consolidação das Leis Trabalhistas (a CLT, aprovada
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943).

ATENÇÃO
Os tratados internacionais de direitos humanos aderidos pelo Brasil e
relacionados ao direito do trabalho também funcionam como norma
constitucional, e são aplicados no sistema trabalhista brasileiro. Outros
tratados e convenções a que o Brasil aderir sobre o trabalho também
tem validade normativa, embora não sejam consideradas normas
constitucionais.

No que tange ao trabalho realizado pelo preso, este trabalho não recebe a
proteção normativa da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Logo, o preso que
trabalha quando do seu cumprimento da pena, dentro ou fora do sistema prisional
(trabalho interno ou externo), não poderá recorrer à Justiça do Trabalho para postular
direito trabalhista.

Embora não seja aplicada a CLT, é garantia do preso a dignidade humana na


realização do trabalho, sendo protegido por todos os princípios constitucionais e pelos
tratados e convenções internacionais a que o Brasil aderir. Nesse sentido, é vedado ao

120
preso receber pena do Estado de trabalhos forçados, de trabalho violador da dignidade
humana ou da sua integridade física ou moral, devendo o trabalho seguir todas as
precauções relativas à segurança e à higiene (BRASIL, 1985, Art. 28º).

O trabalho do preso será remunerado em tabela, e não pode ser inferior a ¾


do salário-mínimo, devendo o produto do seu salário atender:

• a indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente
e não reparados por outro meio;
• a assistência à família;
• pequenas despesas pessoais;
• ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado.

Desse modo, o montante restante do salário do preso constituirá o pecúlio. O


pecúlio será depositado em caderneta de poupança do preso e será entregue quando
ele for posto em liberdade.

IMPORTANTE
Tarefas realizadas pelo preso a título de prestação de serviço à comunidade
não serão remuneradas. Embora não aplique a CLT, o preso tem direito à
Previdência Social.

Segundo previsão da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), o trabalho do preso


pode ser interno ou externo ao ambiente prisional, sendo obrigatório o trabalho ao
preso condenado à pena privativa de liberdade, na medida das suas aptidões e da sua
capacidade. Caso o preso seja provisório, o trabalho não será obrigatório, e só poderá
executá-lo no interior do ambiente prisional.

ATENÇÃO
Devem ser levadas consideradas a sua condição pessoal e as
oportunidades de mercado. Aos maiores de 60 anos, a adequação deve
ser conforme a idade, e aos doentes ou deficientes físicos, as atividades
serão apropriadas ao seu estado.

121
Em relação ao trabalho interno do preso, isto é, realizado dentro do ambiente
prisional, a jornada normal de trabalho não será inferior a seis nem superior a oito horas
por dia, tendo direito ao descanso nos domingos e feriados, podendo ser atribuído horário
especial de trabalho ao preso que for designado para a manutenção do estabelecimento
penal.

O trabalho pode ser gerenciado por empresa pública ou por fundação, com
autonomia administrativa, e tem por objetivo a formação profissional do condenado.
A entidade na qual o preso trabalho deverá gerenciar a produção e suportar as despesas
e a remuneração com o preso. Os governos federal, estadual e municipal poderão
celebrar convênio com a iniciativa privada para implantar oficinas de trabalho.

A respeito do trabalho externo, será admitido ao preso em regime fechado


somente em serviço ou obra pública realizada por órgão da administração direta ou
indireta, ou então, entidades privadas, desde que tomada a devida cautela com
disciplina e contra fugas. O limite total de presos será de 10% do total de empregados
da obra. O trabalho será remunerado e depende de consentimento expresso do preso
quando realizado em entidade privada. A prestação do trabalho externo depende de
autorização do estabelecimento prisional, e depende também de aptidão, disciplina
e responsabilidade do preso, que só pode ir para o trabalho externo após cumprido 1/6
da pena. Será revogada a autorização do trabalho externo ao preso que praticar crime,
for punido com falta grave ou tiver comportamento contrário à disciplina ou apresentar
risco de fuga.

ATENÇÃO
Ao condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto,
parte da pena poderá ser remida por meio do trabalho, ou seja, a cada
três dias trabalhados, um dia de pena será descontado. Caso o preso
esteja impossibilitado de prosseguir no trabalho por conta de acidente
de trabalho, a remição da pena continua. A remição é declarada pelo
juiz da execução penal, após ouvido o promotor de justiça. Pode haver a
revogação de até 1/3 da remição pelo juiz da execução no caso de o preso
praticar falta grave.

Em resumo, o trabalho é um direito e um dever social do preso, que serve à


manutenção da sua dignidade humana enquanto estiver cumprindo a sua pena. Ao
preso definitivo, o trabalho é um dever, mas ao preso provisório, o trabalho não será
obrigatório, pois ele ainda se encontra em período de investigação pelo Estado, sem
haver uma sentença definitiva condenatória.

122
3 ATIVIDADES LÚDICAS NO AMBIENTE PRISIONAL
A Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) não especifica as atividades lúdicas
que podem ser desenvolvidas no ambiente prisional, embora preveja o direito à prática
de atividades esportivas e recreativas. O lazer e a cultura são direitos constitucionais
que devem ser preservados.

ATENÇÃO
A ONU (1988), em suas Regras Mínimas para o Tratamento de Presos,
apresenta preocupações em relação às atividades de lazer dos detentos,
“sugerindo uma hora diária de exercícios físicos ao ar livre, indicando que
deve haver instalações que permitam a prática de atividades físicas e
recreativas e sugerindo que devem ser oferecidas atividades recreativas e
culturais” (MELO, p. 1, 2007).

O direito, constantemente reconhecido em leis e tratados internacionais,


regulamentos e propostas, lamentavelmente, na prática é pouco observado e respeitado,
por descaso e deficiência das políticas públicas voltadas ao cárcere. “Pensar em um
programa de lazer adequado e de qualidade parece ainda mais distante quando sabemos
que muitos outros direitos dos detentos são sistematicamente desrespeitados” (MELO,
2007, p. 1).

A previsão legal ordena aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a


atuação coordenada com a administração dos estabelecimentos prisionais,
para o desenvolvimento de normativas e políticas públicas que garantam desses direitos
no ambiente prisional. Um dos exemplos dessa coordenação interinstitucional entre os
poderes ocorreu em 2013, no âmbito da assistencial educacional.

Sendo assim, até pouco tempo não havia a regulamentação normativa


para o desenvolvimento de atividades educacionais na prisão, o que não permitia
saber quantos dias o preso tinha o direito de remir a sua pena por meio dos estudos.
Com a Recomendação nº 44/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o tema
foi regulamentado para abranger a remição por meio de três tipos de atividades
educacionais desenvolvidas no ambiente prisional: educação regular (realizada em
escolas prisionais), práticas educativas não-escolares (esportes, leitura e atividades
culturais). Para fazer jus ao direito da remição pelos estudos, o preso deverá cumprir
os requisitos estabelecidos pela lei e pela regulamentação do CNJ.

Quanto às práticas esportivas desenvolvidas na prisão, Melo (2007) elenca


o futebol como a prática mais comum entre os presos, pois não há a necessidade de
instalações muito elaboradas, e o material utilizado é barato e de fácil acesso. Embora

123
seja o mais comum, não é o único esporte, sendo bastante popular a realização de
rodas de capoeira e aulas de arte com artesanato ou com teatro e música. Ainda
para Melo (2007), a relevância da implementação de programas de lazer e de atividades
lúdicas nos presídios funcionam não apenas como válvulas de escape ao preso, mas
também como uma estratégia para interagir o preso, harmonizar a convivência e
trabalhar com ele outros conteúdos.

DICAS
Em 2007, o Manual de Boas Práticas do Sistema Penitenciário, criado em
conjunto pelo Ministério da Justiça e pelo Departamento Penitenciário
Nacional, apontou algumas atividades lúdicas desenvolvidas pelas
penitenciárias das unidades da Federação. Para saber mais, acesse: https://
bit.ly/3GMXabi.

Embora as atividades esportivas, de lazer e cultura desenvolvidas no ambiente


prisional detenham uma finalidade educativa, de harmonização do ambiente
prisional e reintegradora, tais atividades não são computadas, para fins de execução
penal, no cálculo da remição da pena. Em 2012, inclusive, a Defensoria Pública da União
ingressou até o Supremo Tribunal Federal postulando o direito de um detento de uma
penitenciária federal remir a sua pena por meio da participação em curso de capoeira,
alegando ser a capoeira uma atividade artística, cultura, e que desenvolve, além do
preparo físico, o intelecto do aluno. Embora relevante a argumentação da defesa, o
recurso foi negado pelo tribunal, para o qual a Lei da Execução Penal (BRASIL, 1984) é
restrita na sua interpretação de remição da pena pelo trabalho e pelo estudo.

FIGURA 6 – FUTEBOL NO SISTEMA CARCERÁRIO

FONTE: <https://bit.ly/3pYW2vg>. Acesso em: 27 set. 2021.

124
4 A IMPORTÂNCIA DE INCENTIVAR AS ATIVIDADES
INTELECTUAIS NA PRISÃO E O DIREITO À EDUCAÇÃO
Sabemos que a educação é um dos meios ressocializadores mais eficazes ao
preso e ao egresso do sistema prisional, possibilitando a sua alfabetização, capacitação
técnica, profissionalização e, muitas vezes, o ingresso em curso superior. O direito à
educação está previsto em diversos ordenamentos aplicados no Brasil. O primeiro deles
está na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita,


pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução
elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será
acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no
mérito. 
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento
da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos
direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das
Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
instrução que será ministrada a seus filhos (ONU, 1948, Art. 26º).

O direito também está garantido pela Constituição Federal de 1988, que


elenca a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, devendo
ser assegurada e promovida com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, e o seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. Como ocorre com o restante dos direitos sociais, a educação
é um direito prestacional, exigindo do Estado uma atuação positiva para torná-la
efetiva, tendo como base o princípio da universalidade, pois é um direito de todos.

Além disso, o direito à educação ao preso é uma previsão da Lei de Execução


Penal (BRASIL, 1984), e está atrelado ao princípio constitucional da dignidade humana.
De acordo com tal lei, o Estado tem o dever de prestar ao preso o assistencialismo
educacional. As Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação para Jovens
e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos
Penais reforçaram o direito à educação nas prisões, garantindo no sistema
prisional a oferta de professores qualificados e a certificação e continuação dos
estudos.

125
ATENÇÃO
Como bem percebemos, o perfil dos presos e egressos do sistema prisional
é de indivíduos com baixa renda, pouca ou nenhuma escolaridade e
profissionalização, cujos direitos fundamentais foram violados desde a
infância, principal motivo de incidência desses indivíduos na criminalidade.

A educação nas prisões compreende as atividades formais e as atividades


complementares. Dentro das atividades formais são desenvolvidas a alfabetização, o
ensino fundamental, médio e superior, os cursos técnicos e de capacitação profissional.
Podem ser tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância. Com
relação às atividades complementares, são desenvolvidos programas de redução de
pena por meio de projetos de leitura, de esporte, videotecas e atividades de lazer e
cultura.

Quanto às atividades desenvolvidas no ambiente prisional, elas servem de


remição de pena. Lembrando que a remição é o instituto penal que permite a redução
da pena, por meio de desconto de dias. A pena descontada varia conforme a modalidade
do estudo e funciona da seguinte forma:

• Nas atividades formais de ensino: a cada 12 horas de atividade escolar, divididas


em, no mínimo, 3 dias, o preso tem direito a 1 dia de pena reduzido. No caso de
conclusão do ensino fundamental, médio ou superior, durante o cumprimento da
pena, o tempo descontado em função das horas de estudo será acrescido de 1/3.
• Nas atividades complementares: a cada 1 obra lida, o preso tem direito a 4 dias
de pena reduzida. O preso tem o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra,
apresentando ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deve ser
avaliada pela comissão organizadora do projeto. O limite é de 12 obras por ano.

IMPORTANTE
Cabe ressaltar que não são todos os presos a serem beneficiados pela
remição por meio do estudo. Podem participar deste tipo de programa de
remição apenas os presos em regime fechado ou semiaberto (não aplica ao
preso em regime aberto que cumpre pena em Casa do Albergado).

126
A remição leva em consideração o número de horas de efetiva participação
do preso nas atividades, independentemente do aproveitamento, exceto quando o
condenado é autorizado a estudar fora do estabelecimento prisional, quando deverá
cumprir as regras da Instituição de Ensino que frequenta, com a comprovação do seu
rendimento. Os presos que estudarem sozinhos e obtiverem certificados de conclusão
de ensino fundamental por meio de aprovação no Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos (ENCEJA) e pelo Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) também têm direito à remição.

FIGURA 7 – CLUBE DE LEITURA

FONTE: <https://bit.ly/3wbc9XA>. Acesso em: 27 set. 2021.

127
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O trabalho é um direito social, conforme previsto na Constituição Federal de 1988,


além de ser um dever social do preso e uma condição da dignidade humana.

• O trabalho serve à manutenção da dignidade humana enquanto estiver cumprindo a


pena. Ao preso definitivo, o trabalho é um dever, mas ao preso provisório, o trabalho
não será obrigatório, pois ele ainda se encontra em período de investigação pelo
Estado, sem uma sentença definitiva condenatória.

• A educação nas prisões compreende as atividades formais e as atividades


complementares.

• As atividades lúdicas da prisão compreendem atividades de escrita, leitura,


esportes, arte, música, teatro, entre outras. Embora todas estejam relacionadas
ao processo de reeducação e reintegração social do preso, as atividades lúdicas
não são consideradas para fins de remição de pena, apenas atividades laborais e a
educação formal ou complementar.

128
AUTOATIVIDADE
1 Conforme estudamos, o trabalho é um direito social e um dever do apenado, conforme
a previsão da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984). O trabalho realizado pelo preso
pode ser interno, ou seja, dentro do ambiente prisional, a exemplo dos serviços de
manutenção do cárcere, e também pode ser externo. A respeito do trabalho externo,
assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Será admissível aos presos em regime fechado, mas apenas em serviço ou obras
públicas.
b) ( ) Se admissível a preso em regime fechado, deve respeitar a porcentagem de 10%
do total de empregados da obra.
c) ( ) A remuneração caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa
empreiteira.
d) ( ) Precisa de autorização judicial.

2 A previsão constitucional sobre a pena, proíbe, expressamente, penas de trabalhos


forçados, ou seja, trabalhos degradantes, humilhantes ou que exponham a integridade
física e moral do preso em risco. Contudo, o preso definitivo, ou seja, condenado
por uma sentença judicial transitada em julgado, é obrigado a trabalhar dignamente
enquanto estiver cumprindo a sua pena. O preso provisório não é obrigado. Com
relação à remuneração do preso, leia as sentenças abaixo e classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A remuneração do preso não servirá de indenização dos danos causados pelo crime
quando não houver determinação da sentença judicial.
( ) A remuneração do preso é destinada à assistência à família, às pequenas despesas
pessoais e ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção
do condenado
( ) A remuneração do preso não pode ser inferior a um salário-mínimo
( ) A remuneração do preso que sobrar depois de cumpridas as outras finalidades,
constitui o pecúlio, depositado diretamente para o Fundo Penitenciário Nacional.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) V – F – V – F.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) V – V – F – F.

129
3 O trabalho e o estudo do preso são meios do Estado tentar ressocializar o preso e
reeducá-lo antes do seu retorno à sociedade, enquanto este ainda cumpre a sua
pena e está sob a tutela do Estado. São meios que o Estado encontrou para diminuir
os índices de reincidência e as altas taxas de encarceramento, dando ao preso a
oportunidade de recomeçar. A remição é o instituto previsto pela Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984), permitindo ao condenado acelerar o cumprimento da sua pena
por meio do trabalho e do estudo. Nesse sentido, analise as sentenças a seguir:

I- A cada três dias trabalhados, três dias de pena será descontado.


II- O acidente de trabalho interrompe a remição da pena.
III- A remição é declarada pelo diretor do estabelecimento penal, após ouvido o
promotor de justiça, que pode revogá-la da ½ no caso do preso praticar falta leve.
IV- A remição pelo estudo compreende o perdão de 1 dia de pena a cada 12 horas de
frequência escolar, divididas, no mínimo, em 3 dias.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença IV está correta.
c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença II está correta.

4 Leia o texto a seguir:


“Dezesseis presos de Mato Grosso foram aprovados na 1ª chamada Sistema de
Seleção Unificada (SiSU) de 2021, sistema do Ministério da Educação que usa as
notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para entrada em graduações e
cursos técnicos públicos. Eles fizeram o Enem para pessoas privadas de liberdade
(Enem/PPL). Três conquistaram a vaga em engenharia florestal, um em engenharia
mecânica, dois em engenharia agrícola e ambiental, um em zootecnia, três em física,
um em ciências econômicas, um em matemática, um em administração, dois em
letras e um em educação física. Dos novos estudantes de ensino superior, nove
conquistaram as vagas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), seis na
Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e um na Universidade Estadual de Mato
Grosso (Unemat). Os aprovados cumprem pena na Penitenciária da Mata Grande
(4), Centro de Ressocialização de Cuiabá (6), Cadeia Pública do Capão Grande (1),
Cadeia Pública de Santo Antônio de Leverger (3), Cadeia Feminina de Rondonópolis
(1), Cadeia Pública de Diamantino (1). Em alguns casos, os estudantes colocam a
tornozeleira para ir à universidade. Mas na maioria das situações, o recuperando está
perto da progressão e o juiz libera para prisão domiciliar com uso de tornozeleira”. De
acordo com a notícia, discorra sobre a remição da pena permitida ao preso por meio
dos estudos.

FONTE: REDE DA NOTÍCIA. Em MT, 16 presos são aprovados no Enem e conquistam vagas em universida-
des públicas. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3wcYoHS. Acesso em: 15 de set. de 2021).

130
5 Leia o trecho a seguir:
“Bernardo, Bryan e Júlio aprimoraram-se para a ocasião. Não é todos os dias que há
uma inauguração dentro da prisão – e muito menos a inauguração de um espaço
inspirado em Mozart. Os três reclusos integraram o exclusivo grupo de convidados que
assistiu, na fria sexta-feira de 8 de janeiro, ao primeiro dia oficial do Pavilhão Mozart
– Centro de Artes Performativas. “Este é com certeza um momento histórico”, frisou
o responsável da iniciativa pública Portugal Inovação Social, uma das entidades que
ajuda a realizar mais um sonho da Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP):
criar no interior do Estabelecimento Prisional de Leiria – Jovens (EPL-J) um espaço
permanente de criação e exibição de arte, com sala para ensaios e concertos e área
de produção”. Este exemplo, embora não seja no Brasil, é um modelo internacional
de prática reintegrativa do preso por meio da arte, da música e da cultura. No Brasil,
existem práticas nesse sentido, embora as condições carcerárias nacionais estejam
em completo estado de falência. É possível utilizar as atividades lúdicas desenvolvidas
no sistema prisional para a remição da pena? Qual a relevância de desenvolver a
atividade lúdica no ambiente prisional?

FONTE: LEIRIA, M. As imagens de Ópera na Prisão – Pavilhão Mozart em exposição na Rodoviária de Leiria.
2019. Disponível em: https://bit.ly/3nS8Tgc. Acesso em: 28 set. 2021.

131
132
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER NOS
AMBIENTES PRISIONAIS

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, conheceremos a prática de atividades físicas dentro do sistema
prisional. Temos a intenção de apresentar uma reflexão sobre a necessidade da
manutenção da atividade, bem como da integração social dos indivíduos.

As práticas pedagógicas têm um desafio enorme em se adaptar ao público


supracitado, e uma adaptação se faz necessária para que a interação seja alcançada
de forma plena. Os professores que atuam, precisam estar atentos aos recursos
disponíveis para o ensino e desenvolvimento das práticas educacionais, de modo que a
interatividade deve ser planejada previamente para que as interações tenham períodos
definidos, onde se tem um início, meio e fim de certa atividade, mostrando clareza na
execução.

Serão abordadas, então, as atividades de lazer dentro do ambiente prisional.


Discorreremos sobre a importância de motivar o indivíduo à prática das atividades e
abordaremos os principais pontos relacionados ao treinamento para a manutenção
da saúde dos indivíduos, controle e modelos para alguns tipos de atividades. Todas as
atividades podem ser prescritas para pessoas privadas de liberdade, com ajustes de
acordo com o regimento interno, mas a utilização de métodos válidos para controle
sempre deve ser incentivada.

Com uma preocupação acentuada sobre a atividade física e a manutenção da


saúde por meio do condicionamento físico, muitos trabalhos divulgados relacionam
à prática regular de atividade na prevenção de várias doenças, tais como obesidade,
diabetes, problemas cardiovasculares.

2 ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER NOS AMBIENTES


PRISIONAIS
Um programa de condicionamento físico pode envolver práticas desportivas
ou apenas movimentos lúdicos, que quando praticados podem contribuir para
aprimoramento da qualidade de vida.

133
ATENÇÃO
Mesmo que as duas vertentes, a esportiva (de alta competitividade) e a
puramente voltada à saúde tenham componentes similares, devemos
lembrar que uma intervenção no que diz respeito à intensidade, duração e
volume devem diferenciar as modalidades e o esforço do indivíduo. Outro
fato que deve ser levado em consideração é a construção de desconstrução
do indivíduo privado de liberdade, levando em consideração a realidade do
sistema onde eles estão inseridos.

A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), definida na Lei


n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, traz a Educação Física como componente
obrigatório na matriz curricular, assim como qualquer outra disciplina, pois faz parte
do desenvolvimento do cidadão. E os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s)
destacam que “a Educação Física precisa buscar sua identidade como área de estudo
fundamental para a compreensão e entendimento do ser humano, enquanto produtor
de cultura” (BRASIL, 1996, p. 156). Então, devemos permitir o acesso à integração de
forma completa aos indivíduos para que se evite a formação de indivíduos hostis e
sem uma luz crítica sobre a realidade da interação comunitária.

Quando partimos para o ensino, indiferente do modelo educacional seguido ou


da matéria a ser aplicada, nós esbarramos em vários paradigmas, além da contradição
do que é proposto no sistema de ensino e no sistema prisional, transformando o
acesso à formação.

IMPORTANTE
O sistema de ensino busca transformar os indivíduos, dando acesso a
novas oportunidades, criando indivíduos que possam pensar de forma crítica
e questionar a sua participação na comunidade, por outro lado nós temos o
sistema prisional, que possui como característica a privação de liberdade
de expressão e controle do indivíduo para que seja mantida a ordem. Os
dois sistemas não se completam, eles precisam se adaptar para fornecer um
equilíbrio entre ser livre para pensar e ser obrigado a obedecer.

A atuação profissional deve contemplar a prática de várias atividades, obviamente


isso está totalmente associado ao que é oferecido de forma física na estrutura do local.
Também cabe ao profissional identificar em qual local pode inserir atividades esportivas,
competitivas ou apenas de interação, como atividades lúdicas coletivas ou desafios
individuais como leitura e/ou interpretação de livros textos.

134
Todas as possibilidades de atividade devem gerar desafios para o profissional,
órgão envolvido e até mesmo os agentes carcerários, por isso deve-se considerar
um ensino continuado adaptado à realidade individual e natureza da privação de
liberdade. A educação física na prisão deve ser vista também como parte do processo
de restabelecimento do indivíduo em sociedade.

Devemos perceber que, apesar da necessidade de preparo, que por vezes inclui
aspectos psicológicos para trabalhar com estes indivíduos, o professor precisa também
estar capacitado para apresentar e integrar em sua atuação a mudança, podendo levar
o interno a uma consciência da realidade exterior (DIORO, 2017).

3 ASPECTOS EDUCACIONAIS
A prisão tem um processo educacional associado, esse ato foi discutido por
vários autores que relacionam o sistema prisional com a fronteira entre o bem e o mal,
ao ato de fazer justiça pela ação danosa, mas no fim, a principal intenção do sistema é
proteger e reintegrar indivíduos pois o espaço reservado ao cárcere tem características
de transformação humana, e por isso é muito importante a atuação continuada para
que a transformação não seja prejudicial para o indivíduo.

Mesmo assim, há um longo caminho a percorrer quando tentamos inserir


modelos de atividades nos grupos, pois a prisão não é somente o cárcere, ela envolve
de forma complexa muitos fatores que prejudicam a continuidade da formação. A
prisão pode servir como um local de formação, mas em sua essência, ela pode ser um
local de dominação, e isso tem sido um dos maiores fracassos do sistema prisional
quando se tratando de reintegração social.

Pensando nisso, podemos afirmar que é necessário realizar uma adequação dos
sistemas no processo de ressocialização, com a utilização de atividades de formação e
desenvolvimento social de forma básica, então, é muito importante o acesso à educação
em sua forma mais completa.

Obviamente, o acesso à educação pelos sujeitos em privação de liberdade está


previsto na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984, Art. 126). Porém, ainda é necessário
equilibrar o acesso ao trabalho e estudo, pois ao que parece, o trabalho é considerado
mais importante que o acesso ao estudo, mas como podemos perceber, o acesso aos
dois, formaria ou reconstruiria um cidadão para a continuidade da vida em liberdade.

135
4 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CÁRCERE
O sistema prisional teve acesso à educação de jovens e adultos em 1955,
em Genebra, em que foram tratadas as regras mínimas para a manutenção dos
prisioneiros. Em 1990, a ONU aprovou, em seu conselho econômico social, mudanças
na educação no cárcere. No mesmo ano, ainda são aprovadas novas resoluções que
ampliam ou modificam os métodos de tratamento dos detentos, para que pudesse ser
mantido o desenvolvimento das pessoas por meio do acesso a atividades educacionais,
incluindo, obviamente, as atividades físicas desenvolvidas pela educação física.

Assim, no código penal, “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela
perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade
física e moral” (BRASIL, 1940, Art. 38). Sabemos que a população prisional necessita de
acesso tanto ao ensino formal como à prática de exercícios, e isso se evidencia quando
pensamos na precariedade do sistema, que não consegue suprir as necessidades
básicas do detento, mesmo que essas necessidades estejam previstas em lei.

ATENÇÃO
Nesse contexto, é necessário, primeiramente, estabelecer metas para as
instituições, a fim de que essas possam elaborar um plano de otimização
dos espaços para a realização de tarefas diversas. Não é uma situação
generalizada, mas há a necessidade de ajustes tanto nos espaços quanto
no modelo de ensino planejado para a população prisional.

Dentro dos modelos de ensino, podemos destacar dois, o formal e o informal,


em que o primeiro (formal) se define pela matrícula no ensino básico, indiferente
do período a ser cursado, enquanto o segundo (informal) quanto à participação em
atividades não caracterizadas pelo estudo especifico de alguma disciplina teórica, como
é o caso de atividades recreacionais, como pintura, leitura, aulas que proporcionam um
aprendizado amplo e que fazem parte da sua estruturação social, pois não é baseado
na frequência alcançada do ensino básico que poderiam garantir a plena formação
do indivíduo, e sim no conjunto de atividades educacionais, de lazer, aprendizado e
interação social.

Quando pensamos também na atuação do profissional, fica evidente que a


limitação do ensino que temos fora do sistema prisional é aumentado no cárcere,
isso se dá em decorrência das limitações impostas pelas regras estabelecidas para a
segurança dos que frequentam o local, sejam os prisioneiros ou os que atuam de forma
laboral. Um exemplo disso é a proibição do uso de tecnologias, como celulares, ou o
acesso à internet, então, o professor deve explorar a atividade como um todo de forma
adaptada, na maioria das vezes, e se for necessário adotar uma abordagem teórica,
esse deve se prender ao quadro, apenas.
136
5 EDUCAÇÃO FÍSICA
Sabemos que a educação física tem um papel de formação do indivíduo,
além de manutenção da saúde. Incialmente ela estava mais associada com a atividade
física, mas hoje sabemos que a formação para a vida do indivíduo passa por uma aula de
educação física bem estruturada, e diferente do que se pensava, a educação física não
difere de outras matérias no que diz respeito ao modelo conceitual. Antes, a educação
tinha como objetivo melhorar a aptidão do indivíduo, indiferente da idade.

Antigamente, a atividade também tentava moldar o pensamento e controlar os


que a praticavam, com um modelo mais militarizado do que o atual, que ainda sofre
influência do início dos tempos, em que o militarismo usava a atividade para preparar
o indivíduo para os quartéis. Quando pensamos nessa disciplina apenas como forma
de se exercitar, podemos perceber que as atividades se limitam à ginastica, lutas e
esportes, mas é claro que as atividades por si colaboram para a formação física, melhoria
da saúde e interação social. Para Soares (1994), a educação física fornece meios para
viabilizar a formação e construção do sujeito ou do novo sujeito, se pensarmos em
reintegração social.

INTERESSANTE
No início do século XX, a prática da atividade física era uma forma de
tratamento disciplinar do detento, sofrendo grande influência da cultura
militar, no que diz respeito à disciplina. Assim, a disciplina era utilizada para
controlar, moralizar e disciplinar o indivíduo biológico e social, tentando
contribuir para sua reintegração na sociedade. Sendo assim, a prática de
exercícios tinha como função ocupar os tempos ociosos, controlando melhor
a indecisão e confusão causada nos períodos inativos.

Com o passar dos anos, a educação física passou a ser vista como algo além de
atividade e esporte, integrando várias funções sociais na vida dos indivíduos, porém,
ainda perdura o conhecimento comum de que essa disciplina deve estar associada
somente com a prática esportiva, sem se importar com a luz intelectual que poderia
ser produzida se o educador tivesse conhecimento suficiente para explorar de forma
mais profunda as atividades da disciplina, usando a cultura corporal como base
de percepção qualitativa do movimento para o ensino nas aulas, trazendo maior
qualidade de vida aos indivíduos.

Para que o profissional possa atuar dentro do sistema prisional, ele deve realizar
capacitações especificas, pois como já mencionamos, a realidade é diferente do que
encontramos no sistema básico de ensino tradicional. Dioro (2017) destaca que a
atuação dos profissionais de ensino é sempre acompanhada de um esgotamento
mental e físico.

137
Quando pensamos no professor de educação física, devemos levar em conta
toda a estruturação da disciplina ao longo dos tempos, deve-se explorar a cultura da
atividade pois ela está associada ao desenvolvimento dos povos, uma vez que os jogos,
danças, e outras atividades são presentes na cultura de cada região. Essa disciplina tem
como característica enfatizar o ser humano em todas as suas características, seja de
forma afetiva, cognitiva ou motora, para que o sujeito reconheça seu próprio corpo em
movimento. Podemos preparar o corpo para o trabalho, não o laboral de forma direta,
mas o trabalho muscular, o trabalho do corpo para a atividade proposta.

Em momento algum podemos desassociar a educação física dos processos


educacionais, pois a disciplina de educação física está ligada à formação de
conhecimento, então, trabalhar com a educação física no cárcere é proporcionar
aos detentos vivenciar a prática pedagógica. A cultura corporal discutida na
educação física tem o objetivo de transformar, de orientar, garantir a inclusão de todos,
provocando até no cárcere sensações de liberdade quando se realizam atividades sem
o compromisso de vencer ou disputar.

Evidentemente, o profissional deve explorar a cultura como um todo, ao


planejar a atividade. Portanto, ela não deve estar limitada ao local, mas deve explorar
as culturas existentes, por exemplo, no Brasil como um todo. No entanto, é sempre
importante observar também o que o aluno possui de bagagem cultural. O profissional
pode, nesse âmbito, se munir de atividades que não caracterizem exercícios, ou seja,
as dinâmicas de grupo e os filmes são bons exemplos de atividades que podem ser
exploradas pelo professor, visando a transformação do indivíduo.

6 PRINCÍPIOS BÁSICOS E FINALIDADES DE SE MOTIVAR


O PRESO AO CONDICIONAMENTO FÍSICO
Quando pretendemos orientar os indivíduos com atividades físicas, devemos
elaborar um programa de desafios crescente, assim não excluímos nenhum indivíduo
da atividade, pois cada um dos praticantes deve trazer consigo experiências particulares
de vida e níveis complexos de conhecimento acerca das modalidades exploradas, esse
aumento no nível de complexidade da atividade deve ser sistematizado para desenvolver
o processo de aprendizagem incluído de forma sutil nas aulas.

A educação física, como forma de ensino, tem como objetivo melhorar o


conhecimento acerca das dimensões corporais. Para que isso aconteça, é faz
necessário explorar de forma profunda as mais diversas atividades, sempre com um
olhar para o grupo que está realizando a atividade, podendo assim se aprofundar com
os tipos de atividades conhecidas na comunidade especifica.

138
IMPORTANTE
Existem alguns direcionamentos para que a atividade física no sistema
prisional seja executada de forma estruturada, eles podem seguir a seguinte
orientação: corpo e sociedade; esporte; jogos; lutas; dança.

Quando atuamos com o corpo e sociedade, devemos explorar a consciência


corporal, bem como toda a interação social que a atividade pode proporcionar. O
indivíduo deve ser submetido a atividades que ampliem sua experiência de trabalho
em grupo e que a ludicidade faça parte do contexto, para proporcionar maior leveza
no conteúdo propôs. Já para o esporte, devemos pensar em esportes coletivos e
individuais, o esporte praticado deve integrar os participantes e desenvolver suas
práticas para que eles possam ampliar as percepções das vivencias corporais.

O condicionamento físico está associado a práticas executadas por cada


indivíduo. O jogo faz com que haja uma cooperação com o outro, em sua essência
recreacional, envolvendo características de saúde, interação social e cultural. A
ginástica pode ser a rítmica ou circense, com o objetivo de ampliar a coordenação
motora e também a sensibilidade auditiva e visual. As lutas, como um instrumento
de aproximação, explorar a cultura, utilizando a capoeira por exemplo, como atividade
de luta, dança e cultura em uma só atividade. E a dança, independentemente do tipo
de dança, sejam de rua, folclóricas, clássicas, entre outras, o objetivo é explorar a
modalidade.

ATENÇÃO
Se juntarmos todas as atividades citadas anteriormente, podemos
identificar que o ensino da educação física no cárcere acontece com práticas
corporais de integração social, isso independente da modalidade utilizada.
Essas atividades contribuem para que os educandos privados de liberdade
possam se descobrir, entender o próprio corpo, entender onde eles estão
no meio, compreender o ambiente e as interações com outras indivíduos
em situação similar, isso melhora o desenvolvimento físico, afetivo, ético e
social para reintegração na sociedade.

Além de toda interação social entre os detentos, consequentemente haverá


uma melhora do condicionamento físico, diminuindo o sedentarismo podemos reduzir
os problemas musculares, articulares e de sobrepeso, e por consequência, reduzimos
o risco de problemas relacionados a isso, como diabetes, altos indicies de colesterol,
e providenciaremos uma qualidade de vida melhorada dentro dos espaços em que os
indivíduos são privados de liberdade

139
7 TIPOS DE CONDICIONAMENTO FÍSICO
Para a prescrição de atividades, com o intuído de melhorias no
condicionamento físico, devemos sempre levar em conta que iremos atuar em cima
de alguns pilares da aptidão, são eles: força, flexibilidade e resistência (aptidão
cardiorrespiratória). Essa última associada ao componente cardiovascular e ainda
considerada a mais importante das variáveis de manutenção da saúde a longo prazo.

Uma maior aptidão aeróbica ou cardiovascular pode fazer com que o indivíduo
consiga executar tarefas do dia a dia sem muito esforço, contribuindo para a qualidade
de vida geral do ser humano. Para medir esse componente, podemos utilizar o volume
de oxigênio (VO2) como marcador, porém, testes diretos podem não ser uma solução
acessível para determinar se a população especifica deve ampliar o modelo de
treinamento ou iniciar uma atividade controlada, então a solução comum seria adicionar
todos os indivíduos em um programa de exercícios para que ao longo do tempo
fossem alcançadas melhorias cardiovasculares, de força e flexibilidade.

A força também é um componente importante do condicionamento, pois está


associada com as atividades de vida diária, uma melhoria no deslocamento, diminuição
de quedas e de acidentes em geral. Além de uma manutenção nas atividades do
cotidiano, a execução dessas tarefas se torna menos esgotante, se com o treinamento
há uma redução da fadiga o indivíduo terá ainda uma margem de força para manutenção
das atividades, se essa energia for completamente utilizada em tarefas comuns
pode haver um esgotamento, e assim, uma exposição maior a acidentes e a lesões
musculoesqueléticas.

IMPORTANTE
De acordo com Stone (1991), quanto maior a força que o músculo é capaz
de produzir, menor será o estresse relativo imposto pelas atividades diárias,
sem contar que a prática de exercícios com uma carga, seja ele o impacto do
próprio corpo ou de algum equipamento, pode aumentar a densidade óssea,
otimizando ainda mais a qualidade de vida e reduzindo de forma satisfatória
a chance de lesões por trauma mecânico diretamente no osso.

A flexibilidade também faz parte do conjunto de pilares de um bom


condicionamento físico, uma melhor elasticidade pode contribuir para uma melhor
eficiência do sistema locomotor, bem como auxiliar na redução de desconfortos
causados por atividades repetitivas do cotidiano. Indivíduos que possuem melhores
níveis de flexibilidade são menos suscetíveis a problemas osteoarticulares e uma baixa
flexibilidade de tronco e quadril estão associados a problemas posturais (CORBIN;
NOBLE, 1980).

140
Sendo assim, precisamos abordar todas as valências físicas, cardiorrespiratório,
força e flexibilidade dos indivíduos quando pensamos em manutenção da saúde física
e um bom envelhecimento, principalmente nos indivíduos privados de liberdade,
proporcionando a eles menor acesso a atividades que causem estresse fisiológico e
contribuem para uma melhoria na saúde generalizada do indivíduo.

8 TREINAMENTO DA APTIDÃO CARDIORRESPIRATÓRIA


Para o treinamento da aptidão cardiorrespiratória devemos prescrever
atividades aeróbicas, ou seja, atividades com períodos mais prolongados que utilizem
o metabolismo aeróbico, normalmente atividades contínuas que ultrapassem 3 minutos.
Podemos também atuar com o indivíduo em atividades dentro de faixas de demônios
de intensidade para melhorar essa distribuição, por exemplo, podemos atuar dentro do
domínio pesado de intensidade para corridas longas, sejam de 5 ou 10 km.

Essa distribuição fica mais clara na imagem a seguir:

FIGURA 8 – DOMÍNIOS DE INTENSIDADE

FONTE: Poole e Jones (2012, p. 937)

Na imagem podemos identificar, por meio da cinética do VO2 os domínios de


intensidade relacionados a atividade, a atuação do componente rápido e lento do VO2
são características especificas de cada intensidade e a estabilização do consumo de
oxigênio durante a atividade pode ser relacionada com o nível de intensidade aplicado
na atividade. Não necessariamente corridas são a única opção, qualquer atividade
pode colaborar com a melhora a aptidão física, porém algumas podem proporcionar um
ganho maior em um período menor de treinamento.

141
O treinamento aeróbio é consagrado como instrumento desencadeador
de adaptações fisiológicas positivas em todos os sistemas do corpo humano
(GARBER et al, 2011). Melhora o bem-estar e qualidade de vida, melhora das atividades
de vida diária, diminuição de estresse, prevenção e tratamento de inúmeros quadros
clínicos e doenças são os principais efeitos globais do treinamento aeróbio na saúde
(GARBER et al., 2011).

Se o gasto energético for mantido constante, o exercício realizado em


intensidade vigorosa parece resultar em maiores benefícios cardioprotetores
(SWAIN; FRANKLIN, 2006), bem como em uma maior aptidão aeróbia, em comparação
com o exercício em intensidade moderada. O Colégio Americano de Medicina Esportiva
sugere a prática de ao menos 30 minutos de exercícios, com intensidade moderada, na
maioria dos dias da semana (GARBER et al., 2011).

ATENÇÃO
A OMS (2011) recomenda, para manutenção do peso, a prática de 150
minutos semanais de atividade moderada ou 75 minutos de atividade física
severa e outros autores sugerem a pratica de pelo menos 60 minutos por dia
(DIAS; MONTENEGRO; MONTEIRO, 2014). Segundo estas recomendações,
há uma dose-resposta entre a prática de exercícios e os benefícios à saúde.

O treinamento aeróbio promove no sistema musculoesquelético o


aumento da quantidade de mitocôndrias, melhora da função mitocondrial, aumento
na quantidade de enzimas oxidativas, hipertrofia muscular e aumento na quantidade
de mioglobina celular (MCARDLE et al., 2011). No sistema cardiovascular, promove
aumento da massa e volume do coração, diminuição da frequência cardíaca de repouso,
aumento no volume de ejeção sistólica, aumento do débito cardíaco máximo, aumento
da diferença arteriovenosa de oxigênio e redução da pressão arterial durante exercício
submáximo e repouso (MCARDLE et al., 2011). Já no sistema respiratório, o diafragma
e os músculos acessórios à ventilação são especificamente beneficiados, no sentido
que esse tipo de treino retarda a fadiga dessa musculatura diminuindo sua demanda
energética e, com isso, é possível manter altas ventilações e um ambiente metabólico
compatível com o exercício, culminando na realização da atividade por mais tempo
(DUNHAM; HARMS, 2011).

9 PRESCRIÇÃO DO TREINAMENTO
O treinamento aeróbio promove no sistema musculoesquelético o aumento da
quantidade de mitocôndrias, melhora da função mitocondrial, aumento na quantidade
de enzimas oxidativas, hipertrofia muscular e aumento na quantidade de mioglobina
celular (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011).

142
No sistema cardiovascular, promove aumento da massa e volume do coração,
diminuição da frequência cardíaca de repouso, aumento no volume de ejeção sistólica,
aumento do débito cardíaco máximo, aumento da diferença arteriovenosa de oxigênio e
redução da pressão arterial durante exercício submáximo e repouso (MCARDLE; KATCH;
KATCH, 2011).

Já no sistema respiratório, o diafragma e os músculos acessórios à ventilação


são especificamente beneficiados, no sentido que esse tipo de treino retarda a fadiga
dessa musculatura diminuindo sua demanda energética e, com isso, é possível manter
altas ventilações e um ambiente metabólico compatível com o exercício, culminando na
realização da atividade por mais tempo (DUNHAM; HARMS, 2011).

O planejamento da atividade para manutenção ou melhoria da aptidão


aeróbica deve incluir uma avaliação individual, pois o nível do condicionamento é
importante para a escolha da intensidade da atividade. Nesse caso, é possível aplicar
testes para mensurar o consumo de oxigênio, mas que talvez não estejam ao alcance,
principalmente no sistema prisional, além disso, o teste exige pessoal especializado e
materiais caros e essas informações podem ser obtidas com outros testes mais simples
e aplicados que a análise de trocas respiratórias.

E quando aplicamos a atividade, devemos manipular as variáveis importantes


para obter um melhor rendimento do indivíduo, sendo elas o tipo de atividade, a
duração, a intensidade e a frequência de treinos. Normalmente, pessoas com pouco
nível de aptidão não terão condições de manter a atividade continua em estado estável,
nesse caso, caminhada pode ser uma alternativa para a execução de uma atividade
continua que tem como característica melhorar o condicionamento cardiovascular.

Quando prescrevemos o exercício e manipulamos a duração do esforço,


seja ele leve, moderado ou severo, devemos levar em consideração que esse tempo
de atividade deve ser inverso à intensidade do exercício. Como já citamos, exercícios
trarão mais benefícios se mantidos por um período prolongado no que diz respeito ao
condicionamento cardiovascular, nesse caminho entendemos, então, que a intensidade
deve ser diminuída para a manutenção da atividade por um período maior. Exercícios
de alta intensidade tem uma relação com a baixa aderência, principalmente em adultos
sedentários, por isso a recomendação de iniciar com atividades mais longas e menos
intensas.

10 CONTROLE DAS RESPOSTAS AO TREINAMENTO


Para que possamos controlar a intensidade do exercício e evitar que
ela fique além ou aquém do esperado para cada indivíduo, precisamos, em primeiro
lugar, conhecer a capacidade de execução do exercício do nosso aluno, essa deve ser
mensurada de alguma forma para melhorar o controle da prescrição.

143
Quando pensamos em corrida, podemos facilmente executar um teste
de velocidade, já que esse marcador é suficiente para que possamos controlar a
intensidade. Um exemplo de teste de velocidade é o teste submáximo de velocidade
crítica, criado por Follador et al. (2020), em que podemos identificar a fronteira entre os
domínios de intensidade pesado e severo. Essas fronteiras determinam o lugar para o
qual é possível levar o aluno, pois ela divide o treinamento contínuo do intervalado. Para
ficar mais evidente, podemos pensar da seguinte forma:

FIGURA 9 – TESTE

FONTE: O autor

Com essa informação, temos uma ideia sobre a localização do limite de


velocidade que o indivíduo poderia sustentar por um período de tempo, e assim
poderíamos controlar melhor o treinamento.

ATENÇÃO
Lembrando que existem inúmeros testes que podem fornecer informações
sobre o indivíduo, podemos utilizar o que for mais simples e de fácil
acesso, pensando nas características da amostra e do ambiente em que
executaríamos o teste.

Outro exemplo de teste muito utilizado é o YOYO Endurance test, que podemos
fazer utilizando um aplicativo de celular, mas nesse caso, exigiríamos um esforço
máximo do indivíduo para determinação do VO2. Obviamente, saber o VO2 é importante,
mas é necessário saber a velocidade que esse marcador de associa para que possamos
prescrever, pois usar o marcador apenas como controle de melhoria do desempenho
pode não ser interessante em grupos cujo objetivo não é o desempenho físico em
modalidades especificas.

Sabendo como atuar durante as sessões de treinamento, precisamos perceber


as respostas que esse treinamento está causando, para isso devemos aplicar técnicas
de controle da intensidade. Para tanto, podemos utilizar escalas de percepção de
esforço, que se ancoradas de forma satisfatória, podem representar de forma mais
sensível a estresse causado pelo treinamento.

144
Ao considerar as cargas de treinamento, devemos considerar tanto a carga
externa como a carga interna. A carga externa representa a dose realizada, nesse
caso, o tempo ou a distância percorrida, fica mais fácil determinar esse valor ao controlar
a aula. E a carga interna representa o estresse psicofisiológico vivenciado pelo
indivíduo (FOSTER et al., 2001). Todos os indivíduos podem receber a mesma carga de
trabalho externa, como percorrer 5 km em 30 minutos, porém as cargas internas serão
diferentes, essas diferenças podem ser influenciadas por doenças, clima e nutrição, que
causam adaptações diferentes entre os resultados (VAHIA et al., 2019.).

Desse modo, a busca por uma boa relação entre carga, fadiga e desempenho
não é tarefa fácil, visto que se trata de um processo individual influenciado por
fatores internos e externos, os quais, às vezes, são independentes da própria carga
de trabalho. Por isso, é fundamental compreender os processos que ocasionam a fadiga,
além de conhecer os alunos, só assim podemos estabelecer bons níveis de adaptação
cardiovascular sem prejudicar a saúde dos indivíduos.

FIGURA 10 – ESCALA DE PERCEPÇÃO SUBJETIVA DE ESFORÇO


PARA CAMINHADA E CORRIDA - OMNI

FONTE: Utter et al. (2004, p. 1777)

Percebemos, então, que muitos profissionais acabam utilizando a frequência


cardíaca como marcador de controle de treinamento, mas não indicamos esse controle,
pois ele representa de forma sensível as mudanças na atividade, além disso, sofre
influência do ambiente, não sendo ideal utilizar tabelas de faixas da frequência cardíaca
para prescrever treinamento aeróbico, pois temos muitos outros índices mais seguros
para o controle do treinamento. Todavia, caso não haja nenhuma forma de controle, a
frequência cardíaca pode ser uma alternativa.

145
O método escolhido pelo profissional deve estar baseado na literatura, ser
exequível e principalmente, estar relacionado com a atividade proposta, para que possa
representar fielmente as condições de treinamento e condicionamento na atividade.
Dentro do exposto, parece haver uma quantidade ideal para cada indivíduo de atividade
física, quantidade se referindo ao volume, intensidade, frequência, para que esse se
desenvolva sem prejuízos, então, é necessário observar todos os marcadores de
desempenho para compreender melhor os níveis de condicionamento do nosso aluno.

11 TREINAMENTO DE FORÇA
O treinamento de força é funcional pra o envelhecimento sadio e para a
manutenção da saúde durante toda a vida. Esse tipo de treinamento está associado a
níveis de tensão aplicados sobre um músculo durante a execução de uma tarefa, como
descrito por McArdle (1992).

Qualquer estímulo pode gerar desenvolvimento de força, isso é evidenciado


de forma mais visível em pessoas com menor nível de força, já que em indivíduos
treinandos existe a necessidade de aplicar uma sobrecarga além da última, para que o
desenvolvimento possa ocorrer de forma contínua.

ATENÇÃO
Ao pensamos no desenvolvimento da força, temos que saber que o conjunto
de ativações melhora o nível, não somente o volume muscular. Esses sistemas
constituem o aumento no número de unidades motoras e o grau de ativação,
assim o músculo melhora a capacidade de produzir tensão.

O treinamento de força pode ser aplicado por meio de exercícios estáticos


ou dinâmicos, sendo os dinâmicos divididos em dois modelos, o concêntrico e
excêntrico. Cabe ao professor avaliar qual a característica se encaixa na prática
específica a ser desenvolvida.

Em busca de atividades com finalidade de saúde e interação, podemos utilizar


os dois modelos em conjunto, para que o treinamento ofereça uma dinâmica mais
agradável e que a adesão seja alta, principalmente se pensarmos que a atividade não
deve estar associada com a competição dentro de alguns sistemas de ensino, pois o
exercício muscular, nesse caso, tem como objetivo melhorar a funcionalidade e fazer uma
manutenção da qualidade de vida do praticante.

146
IMPORTANTE
Quando montamos um planejamento para os treinos de força, devemos levar
em conta alguns fatores imprescindíveis: número de exercícios; repetições;
intensidade; séries; condução; ângulo; frequência.

A manipulação desses fatores irá determinar se o exercício será eficiente e


cumprirá, portanto, com o papel proposto pelo profissional para a população e para
o ambiente em que está aplicando. O intervalo entre os exercícios também deve ser
avaliado pelo orientador, já que esse precisa promover uma ressíntese de ATP adequada
para o objetivo.

12 TREINAMENTO DE FLEXIBILIDADE
O treinamento de flexibilidade possui alguns tipos mais comuns de
execução, são balísticos, passivos e de facilitação neuromuscular. Cada um deles com
particularidades ligadas ao objetivo específico do indivíduo e com respostas singulares.

No caso do treinamento balístico, ele é executado de forma forçada até


o limite do movimento, esse tipo de movimento estimula amplamente os reflexos de
estiramento e pode ocasionar lesões, mesmo assim é utilizado em várias modalidades
de exercícios.

Já no passivo, o movimento de alongamento é feito de forma lenta e progressiva,


no final do ângulo de movimento se mantém durante alguns segundos o estimulo. A
intenção dessa técnica é levar o nível de flexibilidade a uma amplitude maior, trazendo
benefícios à saúde geral do praticante. Em contrapartida, esse tipo de alongamento
pode não ser indicado nas práticas específicas, pois perde a individualidade da atividade.

ATENÇÃO
Temos também o treinamento de facilitação neuromuscular, esse tipo
de alongamento se difere dos outros dois, pois conta com a contração do
músculo alongado por aproximadamente três segundos depois de alcançar
o maior ângulo possível do alongamento.

147
Cada uma das articulações possui um nível especifico de flexibilidade, desse
modo, devemos levar em conta o tipo de articulação e os movimentos permitidos por
essa articulação. Escolher os gestos de acordo com a especificidade do músculo é
também importante para saber em qual região está atuando e em qual região podemos
atuar com mais ênfase, no caso de um encurtamento muscular.

Para compreendermos melhor como executar cada tipo de alongamento,


podemos citar as regras elaboradas por Araújo (1987), em que que devemos realizar os
alongamentos de forma lenta e crescente até o desconforto. Podemos tentar de alguma
forma relaxar a musculatura para aumentar o grau de execução.

Se formos utilizar o método de facilitação neuromuscular, precisaremos estar


cientes que o objetivo da aplicação é aumentar de forma mais rápida a flexibilidade,
ainda mais em articulações com limitações de mobilidade. Deve-se incluir exercícios
de alongamento em todas as sessões de exercícios, mesmo que a literatura não aponte
para diminuição do número de lesões pela aplicação dos exercícios de alongamento,
também não há uma contraindicação de utilizar o alongamento como aquecimento
ou relaxamento (pré e pós-exercício, respectivamente). Além disso, é essencial evitar
sempre movimentos bruscos ou de amplitude máxima sem preparar a articulação
antecipadamente para a execução.

Sempre que possível, devemos combinar os exercícios passivos e ativos


para ampliar os tipos de exercício e otimizar a flexibilidade. Aplicar alongamentos nas
principais articulações também é fundamental, lembrando sempre do movimento
prioritário de cada articulação.

Os exercícios devem ser incluídos no dia a dia dos indivíduos, indiferente do


local em que se executa a tarefa. É necessário, ainda, evitar o ganho descontrolado de
flexibilidade sem motivos específicos para tal, e saber que possivelmente haverá dor
tardia devido à intensidade do alongamento. E, por último, deve-se aproveitar as séries
de alongamento pra relaxar.

148
LEITURA
COMPLEMENTAR
EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL

Secretaria de Estado de educação do rio de janeiro

CONTEXTUALIZAÇÃO

População Carcerária no Brasil – 574.027


Vagas no Sistema Prisional no Brasil – 317.733
Déficit de vagas no Brasil – 256.294

Custodiados no Sistema Prisional: 537.790.


Presos em atividades educacionais: 58.750 (10,92%).
Presos analfabetos: 27.468 (5,1%).
Presos alfabetizados: 65.567 (12,19%).
Presos com ensino fundamental incompleto: 236.519 (43,97%).

Penitenciárias no Brasil: 470.


Colônias Agr. e Industrial no Brasil: 73.
Casa de Albergado Brasil: 65.
Cadeias Públicas no Brasil: 826 Hospitais de Custódia.
Hospitais de Custódia no Brasil: 32.

HOMENS: 93,70%.
MULHERES: 6,30%.

Presos Provisórios: 251.876.


Regime Fechado: 223.798.
Regime semiaberto e aberto: 94.442.
Medida de segurança: 3.911.

ETNIA
Branca: 32,75%.
Negra: 57,21%.
Amarela: 0,51%.
Indígena: 0,13%.
Outras: 2,01%.
S/Inf: 7,1%.

149
Pessoas presas entre 18 e 29 anos de idade: 50,88% (273.655 pessoas).

Pessoas presas entre 18 e 34 anos de idade: 68,66% (369.261 pessoas).

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3q543ik>. Acesso em: 28 set. 2021.

150
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A prática pedagógica deve ser adaptada e oferecida para todos, indiferente da


situação de liberdade do indivíduo, bem como da sua idade ou nível de conhecimento.

• A atuação profissional deve contemplar a prática de várias atividades.

• É necessário adequar o sistema de ensino para o ambiente prisional, para que o


detento possa ter acesso completo ao ensino, mesmo com as limitações impostas
pelo próprio sistema prisional.

• A educação física tem um papel muito importante na formação do indivíduo. Além de


fornecer a manutenção da saúde de forma generalizada para os detentos, também
proporciona um momento de interação, conhecimento e desenvolvimento social e
cognitivo.

151
AUTOATIVIDADE
1 A educação é um direito de todos os indivíduos, porém, no sistema prisional, muitos
paradigmas são encontrados. Além da dificuldade de atuação do profissional, pois
esbarra nas regras impostas pela unidade para a segurança de todos. Sobre o
contexto, leias as sentenças abaixo e classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

( ) É necessário que haja uma adequação no sistema educacional, a fim de cumprir


com o proposto dentro das prisões.
( ) O estudo dentro das penitenciarias é mais importante do que o trabalho.
( ) O acesso ao ensino está previsto em lei, por isso é direito do indivíduo privado de
liberdade.
( ) O professor deve se esforçar para transmitir o conteúdo, para que a pena do detento
seja reduzida.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) F – F – V – F.
c) ( ) V – F – V – F.
d) ( ) V – V – V – F.

2 A população prisional necessita de acesso tanto ao ensino formal como à prática de


exercícios físicos. Com isso, analise as sentenças e assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O preso possui todos os direitos que não estão relacionados com a perda da
liberdade.
b) ( ) O preso possui os direitos de acesso ao ensino somente em regime semiaberto.
c) ( ) O preso só terá direito se for réu primário.
d) ( ) O preso tem os mesmo direitos do que o indivíduo livre.

3 Não temos como desvincular a educação física do processo de formação e


reintegração do indivíduo na sociedade, pois ela faz parte do aprendizado como um
todo, além de ser uma disciplina fundamental para entender os níveis de interação
e socialização das pessoas. Com base na afirmação, analise as sentenças a seguir e
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A educação física tem como objetivo preparar o corpo do detento para o trabalho,
e assim poder fazer a reintegração do mesmo na sociedade produtiva.
b) ( ) A educação física tem como objetivo transformar e orientar o indivíduo, garantindo
a inclusão do mesmo na sociedade.

152
c) ( ) É papel da educação física orientar o indivíduo para que ele se desenvolva
fisicamente e possa se manter ativo dentro da prisão.
d) ( ) A educação física não tem ferramentas para otimizar o desenvolvimento social e
cognitivo do detento.

4 Entendemos que a educação é um direito de todos, inclusive dos privados de liberdade,


isso se aplica também à educação física, que tem além da educação tradicional, um
meio de ampliar o desenvolvimento do indivíduo. Pensando nessa afirmativa, disserte
sobre essa área de atuação e as formas de desenvolvimento que a disciplina pode
ampliar.

5 Existem muito modelos de treinamento, mas independente do modelo escolhido


pelo orientador de atividades físicas, eles devem estar associados aos pilares da
manutenção da saúde física da população. Recordando o material estudado, descreva
os tipos de treinamento e as características de cada um deles.

153
154
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158
ANOTAÇÕES

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