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Direito Processual Civil

1º Semestre

Professor Doutor Tiago Ramalho


Autoria: Maria Carolina Carvalho

É importante mencionar que estes apontamentos consistem apenas num guia de


estudo, por isso, não é de modo nenhum dispensável a consulta de bibliografia
obrigatória.
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

1. Noções Fundamentais
Regra fundamental do direito processual português: artigo 1º CPC
• Esta regra está na origem do processo civil, mas também do Direito e do
discurso jurídico
• Consta deste artigo o princípio da proibição do recurso à força para fazer valer
o próprio direito. Daqui decorre, articulando esta disposição com as demais
regras do ordenamento, que o Estado chama a si o monopólio da força
autorizada
▪ Estado = Comunidade Política Organizada, Soberana (não
reconhece entidade acima de si)
o Usa da força OU define os casos em que alguém que não o Estado se
pode servir legitimamente da força
▪ PROBLEMA: o Estado pode proibir o uso da força, mas
continuam a haver conflitos entre pessoas e existe a tentação de
procurar, mediante os próprios meios, fazer valer as próprias
posições jurídicas. Então, é necessário que a comunidade
politicamente organizada conceda uma alternativa aos seus
membros para conseguirem resolver os seus conflitos.
▪ ASSIM, o processo civil é a alternativa que o Estado dá aos seus
membros de resolverem os seus litígios de uma forma diferente
que pela força.
Portanto, deste artigo decorrem duas consequências fundamentais desta disciplina
e de todo o Direito:
1. Constrangimento e limitação
a. Não podemos fazer uso da nossa própria força para resolver estes
problemas
2. Contrapartida
a. Se não podemos fazer uso da força, dá-se a alternativa legítima do
processo
Distinção entre dois modos de tutela:
• Autotutela: tutela (proteção ou garantia dos direitos) das posições jurídicas
realizada pelo próprio
• Heterotutela: tutela realizada por outra pessoa, por alguém diferente (esse
alguém é o Estado, ou melhor, os agentes através dos quais a comunidade age)

O que decorre do artigo 1º CPC é que a autotutela é excecional e que a regra é a


heterotutela. Vale o princípio-regra da proibição da autotutela.
 Este princípio não tem validade irrestrita: há casos em que o próprio pode
recorrer à força para fazer valer as suas posições jurídicas e isso não é desconforme
ao direito (exemplo: legítima defesa – tal como prevista no DP, também está
prevista no DC, artigo 337º CC; ação direta – artigo 336º CC; etc.). Estas são, no
entanto, figuras excecionais que têm pressuposto comum: impossibilidade de

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recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais. Ou seja, sempre que
heterotutela é possível, a autotutela é proibida. Daí que o princípio da proibição do
uso da força tenha um amplíssimo alcance no nosso direito.

Mesmo quando alguém pode recorrer à força para fazer valer o próprio direito,
mesmo nos casos em que essa possibilidade é admitida, em princípio ninguém tem o
privilégio de declarar o próprio direito. O monopólio do poder de dizer o direito é da
comunidade política.
Exemplo: na legítima defesa permite-se que o titular de uma certa posição jurídica
a defenda, mas ele não tem poder de declarar que estão verificados os pressupostos da
legítima defesa (isto só por pronúncia judicial). Ou seja, ele pode defender-se, mas não
pode dizer que os pressupostos da legítima defesa estão verificados. Plano da realização
das posições jurídicas vs plano da declaração do direito.
MAIS: o monopólio do poder de dizer o direito é o que chamamos de poder
jurisdicional (poder que comunidade política arroga a si própria, poder de jurisdição).
Jurisdição: Ius + Dicere = iurisdictio  Etimologicamente significa “dizer
o direito”. Este poder é o poder de qualificadamente dizer o que é direito e o que não é.
Ora, o poder de dizer o que é direito no caso concreto é um poder reservado à
comunidade política.
Subentenda-se que em certos casos a comunidade entende que outras
entidades possam resolver os litígios (tribunal arbitral, por exemplo) – mas é a
comunidade que o diz, e que define em que termos o pode fazer.

Portanto, existe consagrada uma proibição do uso da força e de declarar o direito.


Assim, o processo é a alternativa: possibilidade através da qual a pessoa pode ver as
suas posições jurídicas declaradas e realizadas.
Qualquer tipo de processo não é nenhum favor que é feito aos membros da
comunidade jurídica, mas uma verdadeira contrapartida pela diminuição da liberdade
que decorre da proibição do uso da força.

Processo: modo mediante o qual a comunidade jurídica se predispõe a declarar e a


executar as posições jurídicas dos diferentes membros da comunidade. O processo,
articulando com a jurisdição, é assim a forma de exercício da jurisdição. Portanto, se
alguém quiser ver o seu direito declarado (jurisdito) deve recorrer ao processo.
Portanto, o processo tem de compreender esse amplo conjunto de regras e de
pressupostos que compreendem a execução do direito.
No início de qualquer processo temos um CONFLITO. No fim de cada processo
teremos, idealmente, uma SENTENÇA, que depois transitará em julgado, formará caso
julgado e definirá a solução em definitivo.
O processo é, deste modo, um certo caminho, método. Isso decorre da própria
palavra processo (do latim: Pro – para a frente + Cedo – marcha). O processo desde o
início está preparado para caminhar para a frente.

ESTRUTURA DO PROCESSO
• (mesmo antes do processo) Posição jurídica exercida através do processo:
direito subjetivo à tutela jurídica

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o Sempre que alguém recorre à tutela jurisdicional exerce este direito.


Pretensão de qualquer membro da comunidade jurídica de exigir à
comunidade que as suas pretensões sejam tuteladas.
o Mediante o exercício deste direito (exercido quando se apresenta
petição inicial), é desencadeado todo o processo.
Fases do processo
1. Fase dos ARTICULADOS
a. Artigos 552º e seguintes CPC
b. Os articulados são:
i. Um da parte do autor: petição inicial (artigo 552º CPC) 
articulado através do qual o autor pede tutela jurídica de uma
sua qualquer posição; pede proteção jurídica contra outra
pessoa (réu)
ii. Um da parte do réu: contestação (artigo 569º CPC)
c. A fase dos articulados pode ser mais complexa ou mais simples, mas
tipicamente tem estes dois elementos
d. PARA QUE SERVE ESTA FASE? Serve para delimitar o âmbito da
controvérsia.
É nesta fase que as partes apresentam ao tribunal os termos do seu litígio
e o âmbito da causa, da lide, é determinado com base em três elementos:
i. Partes
ii. Pedido
1. Que certo direito seja exercido, que certo valor seja pago,
etc.
iii. Causa de pedir (factos)
1. São os factos dos quais decorre a aplicação de uma regra
que permite a procedência do pedido. É a situação de
facto que permite sustentar o pedido por desencadear a
aplicação de certa regra de direito.
2. Exemplo: incumprimento de um contrato. A propõe ação
contra B para que B seja condenado a pagar a A
determinada prestação.
a. Partes: A e B
b. Pedido: condenação ao pagamento
c. Causa de pedir: facto do incumprimento
Estes três elementos constam do artigo 581º/1 CPC

Ora, deve haver um momento da marcha processual destinado a


que as partes apresentem estes elementos: artigo 552º CPC (tem
por objeto os requisitos da petição inicial – que já tem que
delimitar os termos da causa). Portanto, estes três elementos que
caracterizam a causa têm de estar presentes na petição inicial. O
que o réu faz é apresentar uma razão que impede que ação seja

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admissível ou então defende-se quanto ao fundo da causa (nega


factos, etc.).

Apresentam peças processuais.

2. Condensação e saneamento OU gestão inicial do processo (fase da apreciação


pelo tribunal)
a. Artigos 590º a 598º CPC
b. O juiz terá de considerar todas as peças processuais e ver qual a
pronúncia pedida. O juiz tem de apurar de que é que se fala na petição
inicial e na contestação (o que é que está em litigio), tem de identificar
o âmbito da controvérsia, quais os factos mais ou menos assentes (e
quais estão em dúvida) e ainda se estão reunidos todos os pressupostos
processuais necessários para que se conheça da causa.
i. Apura da regularidade do processo e termos fundamentais do
litígio
c. Esta fase tem vários momentos, mas o seu grande momento é a
AUDIÊNCIA PRÉVIA (nem sempre se realiza, mas está prevista).
i. Artigo 591º/1/c CPC (finalidade da audiência prévia)
ii. A audiência é presencial

3. Instrução, discussão e julgamento


a. Artigos 599º e seguintes CPC
b. Se houver dúvidas quanto a certos factos terem acontecido ou não, é
necessário realizar atividade probatória (finalidade da instrução)
c. Há também debate da causa (partes fazem as suas alegações) e, por
fim, tomada da decisão pelo juiz
i. Uma ação bem sucedida em 1ª instância termina com sentença
(decisão do tribunal pela qual se decide a causa – artigo 152º/2
CPC)

CARACTERÍSTICAS E FUNÇÃO DO PROCESSO


O processo que estamos a considerar é o processo civil. Não é a única forma de
processo que existe: há processos que visam realizar ao nível adjetivo diferentes
domínios do direito substantivo (contencioso administrativo, a regulação processual
específica do tribunal constitucional, o código de procedimento e processo tributário
que serve para DF, o código de processo do trabalho, código de processo penal).

Que matérias de direito material são aplicadas através do código de processo civil?
Serve para mais que o Direito Civil. Para se compreender porque é que o âmbito do
DPC é mais amplo que o Direito Civil temos que compreender a sua designação:
Direito Processual Civil  CIVIL provem do adjetivo civilis que vem do substantivo
civis. Portanto, o direito civil é o direito do cidadão. Isto porque é o Direito Civil que
baliza as possibilidades de cada um dos membros da comunidade jurídica de interagir
com os outros membros da comunidade jurídica. É o direito fundamental da pessoa na

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sua relação com as outras pessoas. É um direito de participação na vida pública (não
política em sentido estrito, mas pública, com os outros). O Direito Civil pressupõe um
certo modelo de direito público em que se reconhece a cada membro da comunidade a
possibilidade de terem relações próprias, privadas, entres si.
Nos finais do século XVIII/início do XIX com as codificações, usa-se o civil neste
sentido: a compreensão da pessoa é paritária, há igualdade fundamental entre todos os
membros da comunidade, daí haver o código do cidadão, e esse seria o código civil.
Esta é a raiz do termo, mas este evoluiu e foi precisado, tendo surgido diferentes
domínios de especialidade.
Ao nível do Direito Privado:
• Direito civil
• Direito comercial
o Direito societário
o Direito dos valores mobiliários
o Direito dos títulos de crédito
• Direito do trabalho
• Direito do consumo
• Etc.
Ou seja, houve processo de fragmentação ao nível do direito substantivo.
Ao nível do direito processual, excluindo o direito do trabalho, há apenas um:
Direito Processual Civil. ASSIM, o Civil do DPC é muito mais amplo que o Civil do direito
substantivo.
Por isso, este direito processual aplica-se subsidiariamente: se as outras regras
processuais não tiverem regulação específica, a aplicação subsidiária é do DPC.

FUNÇÃO E FINALIDADES FUNDAMENTAIS DO PROCESSO


1. O processo civil tem por finalidade a resolução de conflitos
a. No caso da ação declarativa é a resolução de conflitos quanto ao direito
de cada um; e recorre ao processo declarativo para resolver essas
dificuldades.
2. O processo civil não é uma qualquer forma de resolução de conflitos, mas uma
forma específica de resolução de conflitos.
a. No processo civil procura-se que os conflitos sejam resolvidos pelo direito
e através da palavra (e não através da força). Aliás, alguns teorizadores
dizem que o direito é a alternativa à guerra, é a racionalização da força.
Portanto, o processo civil tem por finalidade uma cultura pacífica,
assente na palavra (é claro que, no decorrer do processo, pode haver
agressões verbais, mas mesmo assim é uma guerra pela palavra).
b. No processo civil procura-se resolver conflitos imperio rationis (por força
da razão) e não ratione imperii (e não por razão da força).

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3. O processo civil é um instrumento de controlo da própria legitimidade


(conformidade à lei) das relações jurídicas privadas – esta possibilidade de
controlo deve-se ao facto de ser proposta nos tribunais públicos.

NOTA sobre a importância prática do processo civil: a dimensão da


instrumentalidade do DPC acaba por condicionar a correta aplicação do direito
substantivo. Referência a alguns instrumentos técnicos de que o legislador se serve
para assegurar o funcionamento do processo (ónus, prazos, preclusões, nulidades
processuais, limites objetivos, subjetivos e temporais das decisões) e que podem
interferir com o sentido final do julgamento dado o automatismo dos efeitos que
alguns deles produzem.

NOTA 2 sobre os fins do processo declaratório:


a) Tutela dos direitos subjetivos como fim primário da intervenção dos tribunais
b) Garantia da coercibilidade do ordenamento jurídico
c) Restauração da paz social através da legitimação da decisão judicial dada pelo
procedimento seguido na aplicação do direito
A resposta que os tribunais dão aos casos concretos que julgam, dada a visibilidade
que os rodeia, projeta para a comunidade – pelo menos, para aquela que está mais
próxima dos factos que os julgadores apreciaram – o conhecimento dos valores últimos
das normas de direito material aplicadas. O conhecimento dos resultados finais dos
litígios e, sobretudo, da fundamentação que acompanha as decisões judiciais acaba por
funcionar como fator de divulgação de mensagens comportamentais explicitados a
partir das normas que os tribunais convocam quando decidem.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1. O nosso processo civil é resultado de uma evolução histórica. Alguns traços
específicos do processo civil romano: o direito romano é uma realidade que
durou cerca de 2000 anos; e, obviamente, o processo passou por várias
transformações:
a. 1ª fase: Legis actiones
b. 2º fase: processo formulário (agere per formula)
i. Características fundamentais:
1. Distinção entre 2 fases: in iure X apud iudicem
 In iure (no tribunal, na presença do pretor)  é a fase mais
característica do direito romano. O processo iniciava-se com a
chamada do réu ao tribunal pelo pretor.

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• Pretor que pede actio perante o réu – que constava ou não constava das
disponíveis (se constava merecia tutela). Podia também recusar uma ação.
• Réu ouvido para tomar uma de várias atitudes: 1º podia limitar-se a
contestar a ação (dizia que aquilo que estava a ser pedido não tinha
fundamento); 2º podia elencar novos factos (diferentes dos avançados pelo
autor) que garantiriam a improcedência do direito pedido pelo autor (isto
designa-se por exceptio – contra direito); 3º podia reconhecer o direito do
autor (confessio in iure).
• Se fosse para avançar com o litígio, designava-se um juiz e o pretor concede-
lhe uma possibilidade de julgamento: Iudicium dare (pretor dava um juízo,
cujas características fundamentais constavam do formulário)

 Apud iudicem (junto do juiz): passada a fase in iure, seguia-se à fase


apud iudicem. O juiz deveria decidir e não podia a ser ressuscitada
uma nova questão com o mesmo objeto.
2. Separação da atividade do pretor e do juiz.
3. Não admitia possibilidade de recurso (a 1ª decisão é decisiva)

c. 3º fase: extraordinária cognitio - modalidade de processo introduzida no


século I aC por Augusto. Afastou o antigo processo formulário.

Características fundamentais:
✓ Já só há 1 fase, que decorre na presença de um único juiz, delegado pelo
imperador.
✓ É conferido ao juiz um amplo espaço de decisão.
✓ A decisão é recorrível, através de recurso de apelação.
✓ As diferentes figuras deixam de designar uma parte da fórmula e passam a
caracterizar categorias materiais (e é assim até hoje).

Evolução do Processo Civil: a principal diretriz tem sido o reforço da celeridade


processual.
 Reformas em Portugal: 1876; 1939; 1961; 1966; 2013.
 Questão: talvez Portugal não tenha um verdadeiro problema civil de falta de
celeridade processual, pois na verdade este é mais um problema ao nível do
Direito Penal. A ação declarativa em PT demora, em média, cerca de 1 ano em 1ª
instância (o que não é muito). Portanto, a morosidade processual, no direito civil,
não é um verdadeiro problema.

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CARACTERES DO DPC
Duas características fundamentais:

1. O Processo Civil é um processo instrumental ou adjetivo


OBS: instrumental ≠ substancial/ material; adjetivo ≠ substantivo.

i. Instrumental: pretende salientar-se que se encontra ao serviço das posições


jurídicas materiais, que é um instrumento da respetiva realização. Esta mesma
ideia está presente na ideia que o Direito Processual se associa ao direito
substantivo e dá-lhe um caráter mais preciso, que é o modo da sua realização.
Daqui resultam algumas consequências:
• Se o direito processual é instrumental, então deve ser orientado pelas
mesmíssimas valorações de fundo do mesmo direito a que pretende dar
realização. É esta a razão pela qual, para se considerar o DPC, é preciso
conhecer muito bem os regimes substantivos (pois, se está ao seu serviço,
só conhecendo o direito substantivo é que vamos encontrar a forma mais
adequada de aplicar o regime substancial).
• Por outro lado, o Direito Civil, sem o DPC e sem um regime de considerações
do regime substantivo, não se consegue realizar este e este não consegue
existir – a existência prática do Direito Civil depende do DPC. Alguns
autores dizem que são 3 os aspetos fundamentais do direito civil:
propriedade em sentido amplo, o contrato e o processo.
• Desta instrumentalidade não resulta que o processo civil não tenha
especificidades: tem características especificas, por exemplo: tem a
intervenção do julgador; tem o conjunto de pressupostos processuais;
matéria probatória, etc.

ii. Adjetivo

2. O DPC é direito público ou direito privado? De forma unânime, classifica-se o


processo como um ramo do direito público e não do direito privado – isto por
causa do exercício do poder de autoridade (por parte do juiz). Contudo, esta
caracterização corrente parece, a ver do prof, enganadora: o direito privado
também tem esta vertente pública, pois também ele tem a ver com o exercício
de poderes de autoridade – é também ordenador e impositivo. O direito privado,
tem, também, a ver com exercício de poderes de autoridade (no interesse de
posições privadas, é certo).

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NOTA: presença de normas processuais derrogáveis. Existem setores na disciplina


jurídica dos pressupostos processuais que podem sofrer a interferência de acordos das
partes destinados a alterar o respetivo regime legal. Por exemplo, permite-se que as
partes criem, mediante ‘negócio’, situações de legitimidade plural (litisconsórcio
necessário), onde seria observada a regra da legitimidade singular na ausência de tal
acordo. Também se dá espaço às partes para, dentro de certos limites e atendendo aos
seus interesses, alterarem as regras que fixam a competência interna, mediante pactos
de competência ou de aforamento (artigo 95º CPC), ou a competência internacional
celebrando pactos de jurisdição (artigo 94º CPC). Renúncia à invocação de meios de
defesa. Contratos probatórios. Renúncia prévia à utilização de meios de impugnação de
decisões desfavoráveis. Acordo sobre eliminação do 2º grau de jurisdição, no caso de
recurso per saltum (artigo 678º CPC). Negócios de Auto disposição do objeto do
processo.
 Os direitos exercidos no processo são privados e não públicos.
 Do POV do prof., o PC tem natureza simultaneamente pública e privada –
sendo que está ao exercício de interesses privados. O direito privado não é um
direito que prescinde da comunidade política.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DOMÍNIOS PRÓXIMOS


• Diferentes disciplinas de direito substantivo que o processo civil aplica.
o DPC é direito adjetivo ≠ direito substantivo
• DPC distingue-se de outros direitos processuais (contencioso administrativo,
etc.).
o Critério: ramo ou disciplina de direito substantivo que aplica.
• Processo Civil e organização judiciária:
o O objeto do Processo Civil é o próprio processo que se deve observar
para a resolução de um litígio por parte de um tribunal público
o A organização judiciária respeita a organização da justiça (diferentes
tribunais, juízes, etc.).
• Processo civil e prática formulária:
o Prática/ jurisprudência formulária: estudo das formas dos diferentes
atos processuais (que seguem determinada estrutura).

CATEGORIAS CENTRAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL:

Ação declarativa ≠ ação executiva (artigo 10º/1 CPC)

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O critério subjacente à classificação das ações está contida, no artigo 10º CPC.
Temos que ter sempre em conta as limitações com que essa sistematização dos meios
de tutela judicial deve ser entendida.
1. Ação declarativa: aquelas que têm por finalidade declarar o direito, dizer o que
é conforme ao direito. São ações em que se procura formular um juízo, uma
decisão. Tem a ver, portanto, com julgamento. Movem-se no domínio da
palavra, da iuris dictio.
2. Ação executiva: aquelas que têm por finalidade a execução de uma ação (artigo
10º/4 CPC), levar a cabo certo direito. Têm a ver, portanto, com operações/
imposições (e não julgamento). Movem-se no domínio da força, imposição, no
campo do imperium.
a. Não existe questão de fundo ou de mérito
b. O fim do processo de execução não é decidir uma causa, mas dar
satisfação efetiva a um direito já declarado por sentença ou constante de
título com força executivo.

*) Quanto ao fim, as AÇÕES DECLARATIVAS podem ser (nos termos do artigo 10º/3
CPC):
• Simples apreciação
o Positiva
o Negativa
• Condenação
o In futuro
o Inibitórias
o Genérica
• Constitutivas

1. Ações de simples apreciação: artigo 10º/3/a CPC.


a. Não têm muita frequência.
b. Aquelas em que se pretende obter unicamente a declaração de existência
ou inexistência de um direito ou de um facto. Todas as ações, sejam elas
de simples apreciação/ condenação/ apreciativa, pressupõem a
existência de certos factos ou de certo direito, MAS a especialidade das
ações de simples apreciação é que a única finalidade procurada é a
apreciação (se procurar mais alguma coisa será ação de condenação ou
apreciativa). O propósito é resolver uma situação de incerteza.

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i. Exemplo: certa pessoa afirma que determinado imóvel é seu;


aquele que alega ser verdadeiro titular do imóvel pode propor
ação de apreciação para averiguar que aquele imóvel é seu e não
do titular.
c. Podem ser: positivas OU negativas.
i. São positivas quando se pretende afirmar que certo facto ou
certo direito existe.
ii. São negativas quando se pretende a declaração que certo facto
ou certo direito não existe.
1. Estas são ações em que a prova por parte do autor é
tremendamente difícil. Por conseguinte, há uma regra de
direito material que permite inverter o ónus da prova
(artigo 343º/1 CC)
Exemplo mais corrente de ação de simples apreciação: declaração da nulidade do
contrato para fixar que o contrato não produziu efeito. MAS se o autor quiser
prevalecer-se de efeitos associados à nulidade do contrato, a ação já será de
condenação.  temos de interpretar o pedido de ação e de acordo com o procurado
pelo autor escolhemos a ação adequada.

2. Ações de condenação: artigo 10º/3/b CPC


a. Do POV estatístico, estas serão as ações mais recorrentes
b. O autor procura que o réu seja condenado na prestação de certa coisa ou
certo facto, prevendo
c. Caso típico destas ações é aquele em que certo direito do autor foi
violado e este pretende que o réu seja condenado a reintegrar a OJ
violada.
i. Exemplos: autor proprietário e possuidor de certo bem, que é
furtado de terceiro – pode propor ação de reivindicação.

Casos especiais da ação de condenação:


• Condenação in futurum: em algumas hipóteses o autor pretende não só que o
réu seja de imediato condenado a respeitar certo direito que cumpre ao autor,
mas que também seja condenado para o futuro a ter de observar certo
comportamento (mesmo ainda que nenhuma violação tenha havido lugar). É
uma condenação também prospetiva. Só é admitida quando a lei o consente.
o Exemplo: artigo 557º/1 CCP.
• Condenação ao cumprimento de prestação não quantificada: há uma regra do
princípio do pedido, segundo o qual o tribunal se deve ater ao pedido formulado

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pelo autor (deve considerar aquilo que lhe foi formulado), mas da mesma forma
o autor deve quantificar/ precisar o âmbito do pedido.
o MAS há uma exceção: em certas hipóteses particulares admite-se que
alguns dos elementos integrantes do pedido sejam deixados por
concretizar – tratam-se dos casos de pedido genérico (artigo 556º CPC).
▪ Exemplos admitidos: herança, nos casos de RC em que o lesado
não sabe todos os danos que sofreu; quando a determinação do
quantitativo esteja dependente de prestação de contas que ainda
não recebeu; etc. O pedido genérico é admitido nestes casos,
MAS, contudo, se no momento da sentença já for possível
determinar o objeto e quantidade da prestação, o Tribunal já deve
condenar nessa parte (artigo 609º CPC).

 Importante distinguir entre 2 noções:


a. An debeatur (se é devido? acaso é devido?) ≠ Quantum debeatur
(quanto é devido?):
b. Mesmo quando o pedido genérico é admitido, só pode ser admitido se
apenas houver dúvidas quanto ao quantum debeatur. Não pode ser
admitido quando está em causa o an debeatur. A desnecessidade de
quantificar diz respeito apenas ao quantum debeatur.
 OBSERVAÇÃO: Pressupostos a ser verificados: facto – ilícito – culposo –
danoso – nexo causalidade entre facto ilícito e o dano se se
verificarem nasce a indeminização que engloba todos os danos. Não
pode haver dúvida acerca do dano e do nexo de causalidade (que diz
respeito ao an debeatur).

• Ações inibitórias: casos em que não houve nenhuma violação do direito por
parte do réu e mesmo assim deve ser condenado. Têm por finalidade inibir o réu
para o futuro de realizar um determinado comportamento violador do direito do
autor. Se for previsível que o reu vai violar um direito do autor, ainda que não o
tenha violado, pode o autor propor uma ação inibitória para proteger o seu
direito.
o Exemplos: artigo 1276º CC (ação de prevenção contra o dano); artigo
70º/2 CC; artigo 25º DL Cláusulas Contratuais Gerais; artigo 210º-J do
Código do Direito de Autor e Direitos Conexos; artigo 338º-N do Código
da Propriedade Industrial.

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3. Ações Constitutivas: estão previstas no artigo 10º/3/c CPC. São aquelas


nas quais o autor pretende provocar uma mudança na ordem jurídica.

Repare-se na diferença entre estas e as anteriores. Numa ação de simples


apreciação não se quer mudança: quer que tribunal declare que certo direito existe, ou
não. Na de condenação quer apenas que o tribunal reconheça que há obrigação,
incumprida e que réu foi condenado; ou reconhecer propriedade do autor, que está no
réu e por isso deve ser restituído. Nas constitutiva temos a pretensão a uma modificação
das posições jurídicas materiais.
Aqui, temos um direito potestativo: poder introduzir mudança na OJ por declaração
de vontade.
 Do lado ativo: direito potestativo
 Do lado passivo: estado de sujeição (não pode reagir aos efeitos do exercício de
direito).
Exemplo: direito legal a constituir servidão legal de passagem. Quem está na
posição passiva não pode reagir ao exercício do direito.

Nestas ações o efeito é gerado pela sentença judicial.


NOTA: os direitos potestativos começaram por causa de um estado. Potestativo
está ligado ao verbo “posserem” – posições de poder, de forçar certo efeito. Mas na
designação alemã (gestaltungsrecht), gestaltung significa conformação, pelo que os
direitos potestativos são direitos de conformação das posições jurídicas. Ou seja, em PT
a designação aponta para posição de poder; a designação Alemã aponta para efeito (são
direitos conformativos, que querem conformar conteúdo da relação jurídica).

EXEMPLOS DE DIREITOS POTESTATIVOS:

• Ação de anulação (conforma-se conteúdo de relação contratual, destruindo-a;


287º), servidão legal de passagem (1550º e 1547º; conforma-se a propriedade
imobiliária – titular do prédio encravado passa a poder usar prédio vizinho para
aceder ao seu terreno)
• Ação de divisão de coisa comum (cada comproprietário pode exigir que se
ponha termo à compropriedade – tem este direito potestativo; 1412º)
o O que temos aqui é uma coisa, um direito e vários contitulares
▪ Uma das hipóteses é fracionar a coisa, se tivermos uma
biblioteca, por exemplo)
o Passamos a ter várias coisas, vários direitos, vários titulares singulares
• Obrigação de alimento (1003º): tem por objeto alimento, vestuário e
habitação. Trata-se de uma obrigação que impende sob certos familiares
(elencados no artigo 2009º) de prestar alimento a outros familiares em
situação de necessidade.

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o Se hoje não tem âmbito de aplicação muito amplo (irmão na penúria


que pede que outro irmão lhe preste esta obrigação de alimento)
porque temos que assegurar a segurança pública
o Esta obrigação de alimento pode-se constituir de várias formas, uma
delas sendo em resultado de uma decisão judicial. Trata-se de um
direito potestativo de, através de decisão judicial, tornar certos
alimentos devidos.
▪ O irmão não quer financiar o outro  outro propõe ação de
constituição de obrigação de limento para receber dinheiro do
irmão
• Direito de resolução (432º): ao contrário de outros direitos potestativos, este
não tem de ser exercido judicialmente (não dando lugar a ação constitutiva,
porque basta declaração negocial – 436º/1)

Pode haver casos de ações constitutivas que não se reconduzem a direito


potestativo.
Exemplo:

• Impugnação pauliana (610º e seguintes CC)


o Temos credor, devedor e terceiro
o O devedor aliena bem ao terceiro (o proprietário é agora o terceiro)
o O credor pode mover ação que se proceder esta alienação é-lhe
inoponível: bem pertence ao terceiro, mas se quiser credor pode
executar esse bem, porque transmissão não lhe foi oponível
▪ 616º/1 CC
• Ação de execução específica do contrato de promessa:
o Contrato principal: compra e venda, pelo qual se aliena bem
o Contrato de compra e venda, para ser válido, tem de ser celebrado pelo
proprietário do bem, porque senão documento não vai receber forma
específica que deve. Estamos a construir imóvel e queremos já vender
as frações que estamos a construir  celebramos contrato promessa de
compra e venda (porque só proprietário pode celebrar contrato compra
e venda)
▪ Objeto: partes comprometem-se a, no futuro, celebrarem
contrato de compra e venda
▪ Prestações devidas pelas partes: declarações negociais (o
promitente vendedor promete que vai emitir declaração
negocial de venda no futuro; o promitente comprador promete
que vai emitir declaração negocial de compra no futuro)
• Se vierem a cumprir este contrato, o resultado é a
celebração de contrato de compra e venda
o 410º e seguintes CC: contrato de promessa

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

REGIME ESPECIAL DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA:


o Quando uma das partes não emite a sua declaração negocial, pode a
contraparte exigir que tribunal se substitua.
▪ Falha declaração negocial
▪ O promitente fiel recorre ao sistema de justiça para obter a
declaração negocial em falta do promitente faltoso 
EXECUÇÃO ESPECÍFICA (próprio objeto da prestação que é
executado, e não equivalente; 830º CC)
ORA, o efeito desta ação é que tribunal emite declaração em nome de
devedor: modifica ordem jurídica existente (cria algo que não existia) 
é ação constitutiva (para garantir cumprimento de contrato, MAS as
ações quanto ao fim caracterizam-se pelo efeito procurado pelo autor, e
este, nesta ação, não é condenação do réu – a emitir declaração – mas
sim que tribunal se substitua ao reu e introduza mudança na OJ)

As ações constitutivas podem ser sujeitas a uma segunda classificação:


Ações constitutivas negativas
o Finalidade: eliminar efeito jurídico
o Exemplo: ação de anulação
Ações constitutivas positivas
o Finalidade: introduzir novo efeito jurídico
o Exemplo: obrigação de alimento

Estas podem ter efeitos subsequentes condenatórios (pontualmente, o efeito útil


procurado pelo autor pode ser também condenatório, como consequência do efeito
constitutivo)
Exemplo:
Ação de execução específica de contrato promessa
o Tribunal substitui-se ao devedor  celebra-se contrato de compra e
venda, e nos termos deste o vendedor é obrigado a entregar a coisa
▪ Ação é constitutiva, mas leva a que promitente faltoso entregue
Ação de anulação: tem por consequência a destruição dos efeitos da
declaração negocial. Mas como consequência disto temos efeito condenatório:
obrigação de restitui o que foi prestado.

*) Distinção entre plano da admissibilidade e do mérito

• PLANO DA ADMISSIBILIDADE
o Para enquadrar o processo, foi desenvolvida, no século XIX, uma certa
categorização própria (cada ramo tinha as suas relações jurídicas
específicas). O processo tem como categoria específica a relação

16
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

jurídica processual. Isto deve-se a Oskar Bülow e esteve na base da


autonomização do Direito processual
▪ Esta relação processual é uma relação tripolar, ou seja, com três
polos diferentes
• Autor ------ Réu
Tribunal
(engloba secretaria do tribunal que pratica atos
processuais)

 A partir de que momento é que autor é autor? A partir do momento em que


apresenta petição inicial, criando-se relação entre autor e tribunal (relação de
ação – alguém demonstra ao tribunal que pretende exercer direito e que ele
seja tutelado; 259º/1 CPC)
o A relação processual inicia-se com estas duas partes
 A partir de que momento é que réu faz parte desta relação? A partir do
momento em que é CITADO (variante da notificação) – os efeitos da ação são
agora oponíveis ao réu.
o A partir daqui se houver decisão, ela é oponível ao réu. Ele está sujeito a
qualquer caso julgado se venha a formular.
 Relação de contradição: entre tribunal e réu (chamado o réu para poder
contradizer)
 Relação material controvertida: entre autor e réu
 259º/2: oponibilidade da ação ao réu
o Admissibilidade desta relação processual (se pode ou não subsistir)
▪ Se for proposta em tribunal incompetente, a ação não subsista

Tribunal Citação
Petição inicial
A Réu

Relação material
controvertida

• PLANO DO MÉRITO
o As condições para que tribunal saiba do fundo da causa: pressupostos
processuais (condições cuja verificação é necessária para que tribunal
conheça do mérito – relação material controvertida)

17
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

▪ Se falta algum deles, o tribunal deve abster-se de conhecer do


fundo da causa

Esta diferença entre admissibilidade e mérito reflete-se no valor das decisões:


▪ Decisão proferida quanto à admissibilidade, vale como caso julgado formal
(620º/1)
o Como não se pronuncia sob o mérito, consequência é extinguir apenas
aquela relação processual (vale apenas para aquela ação)
▪ Tribunal declara-se incompetente  absolvição da instância
▪ Quando se pronuncia sob fundo da causa: caso julgado material (619º)
o Com condenação ou absolvição do pedido

Portanto, 1ºo tribunal conhece da admissibilidade, e só depois é que olha ao


mérito.

NOTA: no nosso CPC a relação processual é chamada de INSTÂNCIA (artigos 259º e


seguintes). Os efeitos da absolvição da instância é a não sujeição aos efeitos da causa,
é a extinção daquela relação.

*) Distinção entre processos comuns e especiais

• Processo comum: aplica-se à falta de processo especial


o CPC regula processo comum e especial
▪ Comum declarativo e executivo, mas a partir dos artigos 878º e
seguintes regulam-se diferentes processos especiais
• Uma das razões para vários dos processos especiais é
terem simultaneamente natureza declarativa e executiva

*) Distinção entre tutela judicial definitiva ou provisória (isto quanto ao grau de


consistência da decisão que venha a ser proferida)

• A tutela processual definitiva exerce-se através de ações que resolvem


definitivamente os termos de uma controvérsia
• A tutela processual provisória é obtida através de providências cautelares
o Artigo 2º/2 e 362º e seguintes
o Está sujeita a causas específicas de caducidade (373º)
NOTA: há formas de tutela cautelar definitiva. Exemplo: ações
inibitórias – não tem causa específica de caducidade.

18
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Portanto, a tutela definitiva pode ser dividida em:


 Tutela reintegratória
o Ações de simples apreciação, ações de condenação (quando está
pressuposta violação de direito)
 Tutela constitutiva
o Ações constitutivas
 Tutela cautelar in futurum

A tutela provisória à partida só tem:


 Finalidade cautelar
o Porque esta tutela é introduzida para que titular de dada posição
jurídica se possa acautelar quanto aos riscos da demora do processo

*) Ação e incidente

• Ação ou tramitação principal: refere-se ao conjunto da tramitação que


tipicamente tem lugar para resolver um litígio
o Ação: articulados, fase de saneamento, audiência, solução
• Incidente: é uma tramitação meramente eventual que se pode acrescentar à
tramitação principal por necessidade
o Incidente, etimologicamente, é algo que tem caráter acessório, estando
ao serviço de outra coisa
o Respeitam a coisas acessórias, meramente eventuais, mas que numa
causa em especifico tem de ser considerada
o Exemplo: ação é proposta contra pessoa, e ela morre na pendência da
ação  Resultado: temos que chamar herdeiros ou os que tenham
sucedido na posição jurídica litigada. Numa ação regra não há este risco:
não se prevê momento para prever que uma parte tenha morrido, MAS
se houver esse problema há uma tramitação eventual que numa dada
ação específica é necessária
o Artigos 292º e seguintes
▪ Tramitação padrão e especial, para incidentes especiais

INTERVENIENTES DO PROCESSO
1. PARTES vs INTERVENIENTES
a. Processo tem mais intervenientes que partes
i. PARTES: autor, tribunal e réu
ii. INTERVENIENTES (conjunto de pessoas chamadas a contribuir
para modelação e desfecho da ação)
1. Do lado do tribunal: juiz, secretaria judicial (livro II do
CPC – 144º e seguintes, 150º e seguintes, 157º e

19
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

seguintes), além de diferentes funcionários judiciais com


funções próprias
2. Do lado das partes: partes, representantes (pai que
representa o filho) e advogado ou solicitador (para
exercer o patrocínio judiciário; nem sempre é
obrigatório)
3. MP (intervém para promoção de certos interesses)
a. Via de regra não intervém, mas pontualmente
aparece
Fala-se na ideia de comunidade processual. Em lugar de se salientar as posições
antagónicas, o conflito entre as partes, com esta ideia quer-se salientar uma vertente
mais colaborativa entre os intervenientes (seria mais o que uniria os intervenientes do
que o que os separava).
Os alemães usam “comunidade de trabalho”: lado mais informal, colaborativo,
cordato  resolver processo como o fazemos nas aulas práticas.
A salientar está, contudo, o seguinte: no processo cada interveniente desempenha
papel e tem as posições adequadas para desempenhar o papel que lhe cabe. O juiz não
está lá como pessoa individual: está lá para decidir. O advogado não está lá para dar a
sua opinião, mas sim representar. Há uma formalização das posições jurídicas:
desumaniza, enquadra em papeis.
 A palavra PESSOA vem de persona, que significa máscara. No processo
cada interveniente usa máscara adequada à sua função. E é isto que torna o
processo digerível para os seus intervenientes (a carga emotiva se não tivéssemos
esta formalização, tornava o processo decisório extremamente difícil).
Há interesses conflituantes que não devemos perder de vista, apesar da ideia de
comunidade. Para além disto, há intervenientes no processo que não têm por missão,
não desempenham o papel de, procurar a melhor solução para a causa: o advogado de
uma das partes procura a solução mais conveniente para o seu mandante. Dos
diferentes intervenientes do processo o que tem por função procurar a melhor solução
para a causa é apenas o juiz.
Já houve estados que aboliram a advocacia. Exemplo: a Prússia – em
lugar dos advogados intervinham funcionários públicos, para evitar que
existissem intervenientes não preocupados com a melhor solução para a causa.

APRENDEMOS PROCESSO A PARTIR DO ÂNGULO DO JUIZ

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO


PRECISÃO: os princípios não são um resumo de todo o direito processual. Os
princípios são a concretização normativa.
Os princípios oferecem-nos certas ideias de diretrizes, que marcam presença ao
longo do processo civil. Mas para percebermos o seu alcance é preciso concretizar,
conhecer a tramitação.
Não queremos substituir o conjunto da tramitação processual, apenas dar conta
de ideias diretrizes do processo.
3 categorias:
1. Princípios atinentes às partes (posição das partes, poder das partes)
a. Princípio do pedido: artigo 3º/1 CPC. A iniciativa para propositura de
ação está reservada em exclusivo às partes (as partes têm o poder
exclusivo do direito de ação civil)
i. Fundamento desta regra: propriedade privada. Se numa ação
civil se litiga sobre posições jurídicas privadas, então essas
posições jurídicas privadas só devem ser sujeitas aos efeitos de
um caso julgado na medida em que os respetivos titulares
consentiram na propositura da ação. Note-se, todavia, a
seguinte precisão: o autor tem o direito de iniciar o processo,
mas o réu está sujeito aos seus efeitos. Ou seja, cada membro da
comunidade jurídica está sujeito a que uma decisão possa atingir
os seus bens pessoais, sem que tenha dado origem a essa ação
(sujeitabilidade processual passiva). Em todo o caso, ao menos
no que respeita a iniciativa para propositura da ação, porque
estão em jogo posições privadas, deve ser particular a iniciar
ação.
ii. Consequências de um regime diferente (terceiro podia iniciar
ação): alguém ficava com direito em causa sem seu
consentimento
iii. Ne eat iudex ultra petita partium: não vá o juiz além dos pedidos
das partes
iv. Nemo iudex sine autore: nenhum juiz sem um autor
Uma vez que o processo está ao serviço de interesses privados, a sua constituição
deve vir das partes. O autor modela a causa nos termos fundamentais.
Poder do autor de conformar processo:

• Autor formula pedido


o 552º/1/e CPC
• Autor define quem é o reu
o 552º/1/a CPC

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Autor é que apresenta os factos fundamentais que constituem a causa do


pedido (causa petendi)
o 552º/1/d CPC

Em função da delimitação do objeto da causa, define-se a:

• Litispendência
• Caso julgado

O pedido, como é ato humano, tem de ser interpretado. É só em resultado da


interpretação da petição inicial que podemos concluir pelo sentido do pedido. Em
certos termos admite-se que o julgador dê uma solução diferente da requerida pela
parte, quando conclua que houve um erro na designação do meio processual ou da
providência especificamente solicitada.
Exemplos:
x artigo 609º/3 CPC  ordenar restituição em vez da manutenção da posse
x artigo 376º/3 CPC  tribunal pode decretar providência cautelar diferente da
pretendida, se assim satisfizer intuito do requerente ao pedir a providência cautelar
x artigo 193º/3 – havendo erro na qualificação do meio processual, ele é corrigido
oficiosamente (só conseguimos perceber isto se no pedido concluirmos pela finalidade
que prossegue)
Fora destes casos, o juiz não pode ultrapassar os termos da pronúncia que lhe foi
pedida e não se pode abster de se pronunciar. Se assim não acontecer a sentença que
profira incorre em nulidade, seja quando não se pronuncia sobre tudo, seja quando se
pronuncia sobre mais (615º/1/d/2ª parte e alínea e).

A ação civil deve ser iniciada por particular. Mas o DPC é instrumental do direito
substantivo, pelo que se nos termos do regime do substantivo há uma posição jurídica
cuja defesa não está confiada a titular ou está também confiada a terceiro, esse
terceiro também pode propor ação civil (juntamente com tribunal, oficiosamente). Ou
seja, se a posição material pode ser oficiosamente tutelada, então oficiosamente
também pode ser iniciada ação (isto por causa da instrumentalidade do processo civil).
Só é correto dizer que PC está na disponibilidade das partes se naquela ação as
posições jurídicas estão na disponibilidade das partes.
Exemplo de ação com iniciativa oficiosa:

• Ação de investigação da maternidade ou paternidade


o Artigo 1864º CC

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

b. Princípio do contraditório e da igualdade de partes: como correlato


passivo do princípio do pedido, temos o princípio do contraditório. O
tribunal não pode resolver um conflito de interesses sem que a
resolução lhe seja pedida. Contudo, só pode conhecer do conflito de
interesses depois de ter dado ao réu ou ao requerido a oportunidade de
contraditar. Isto por causa da ideia fundamental de igualdade de partes:
não há nenhuma razão material fundamental que leve a atribuir força
especial ao requerimento formulado por uma pessoa.
i. Este princípio tem tido crescentemente mais relevo e alargado o
seu âmbito. Hoje, engloba a ideia de que qualquer uma das
partes deve ter a possibilidade de se pronunciar sobre qualquer
elemento que possa definir a sua posição jurídica, ou que a
possa afetar. E é um princípio que engloba a defesa não só
contra a contraparte, mas também contra o tribunal, o juiz.
1. Audiatur et altera pars: que seja ouvida também a outra
parte
ii. O âmbito do princípio é mais amplo: direito de pronúncia sobre
qualquer elemento que possa influenciar a decisão judicial.
1. Exemplo: o autor propõe ação contra réu de
cumprimento do contrato. O reu contesta. Juiz quando
está para proferir sentença: temos uma regra de
processo civil que diz que no que toca à qualificação
jurídica, o tribunal não está adstrito à qualificação das
partes (elas dizem que é contrato e juiz que é um caso de
responsabilidade civil)
a. Pedido e contradição com fundamento em
contrato, juiz depois muda
b. Considerando o princípio do contraditório neste
sentido amplo, ele tinha de dar às partes a
possibilidade de se pronunciar sobre esta nova
qualificação
2. Artigo 3º CPC
a. Nº 1: necessidade de pedido e contradição
b. Nº 2: casos muito particulares em que há risco de
contraparte pôr em causa direito do credor se for
notificada
c. Nº 3: através do princípio do contraditório nesta
aceção mais ampla, as partes são protegidas
também em face da eventualidade de uma
decisão surpresa da iniciativa do juiz. Ou seja,
ainda que juiz tenha o poder de conhecer
materialmente de certa questão,
procedimentalmente só o poder fazer depois de
ter dado oportunidade de pronúncia às partes.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

i. Se partes já se pronunciaram, juiz não tem


de perguntar outra vez.
iii. O princípio do contraditório, em rigor, é uma regra.
1. Protege não só a oportunidade de pronúncia contra
alegações da outra parte, mas também de tomadas de
posição novas por parte do tribunal (proibição das
decisões surpresa)

iv. 3º/1: tribunal só decide depois de haver pronúncia por cada


uma das partes
v. 3º/3: protege partes mesmo contra próprio tribunal e juiz
vi. Este princípio do contraditório manifesta-se em três planos
diferentes:
1. Alegação: as alegações de factos de uma parte devem
poder ser contraditadas pela contraparte
2. Prova: se for necessária fazer atividade instrutória, de
prova, este princípio reclama as seguintes consequências
– que as partes tenham idênticas possibilidades de
propor meios probatórios; que a atividade instrutória
(obtenção de testemunho, por exemplo) seja realizada
quando possível em audiência (momento em que ato
processual decorre na presença do juiz e das partes;
importância disto – é que se decorre em audiência, cada
um dos mandatários das partes pode contestar,
exercendo-se logo o contraditório); reclama que as
partes se possam pronunciar sobre a prova produzida,
tirando conclusões desta
3. Possibilidade de haver contraditório quanto aos
fundamentos de direito da decisão: é claro a vertente do
princípio do contraditório que procura proteger as partes
de decisões surpresa. O enquadramento jurídico dado
pelo tribunal não pode ser completa novidade: tem de
ter sido discutido.
 A partir deste princípio do contraditório garante-se que as
partes tenham a oportunidade de tentar persuadir o tribunal. O
processo civil não é autocrático: intervenientes têm de ter uma efetiva
possibilidade de participação (ainda que juiz discorde do entendimento
das partes)
Este princípio tem de ser observado ao longo de todo o processo  se não foi
temos NULIDADE PROCESSUAL: vício que tem lugar quando juiz pratica ato que não
pode, ou pratica ato que não deve (artigo 195º CC)
Este princípio está muito ligado à ideia de igualdade de partes, que está
relativamente autonomizada na estrutura do CPC (artigo 4º). O 1º é uma forma de

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

proteger e realizar o 2º: se uma das partes é dada a possibilidade de agir, à outra tem
de ter possibilidade de se defender; etc.
Se houver vários autores e réus tenta-se dar-lhes posição de autonomia em
relação às outras partes.
c. Princípio do dispositivo: traveja todo o processo civil. O objeto do
processo está na disponibilidade das partes (ideia base deste princípio),
e nesse caso então é às partes que cabe a liberdade de instaurar o
processo, de conformar o seu objeto, de delimitar as suas partes, de
colocar termo ao processo, de suspender a instância.
i. Este princípio, tal como o princípio do pedido, é uma tradução
processual da ideia da autonomia privada e de respeito pela
titularidade privada dos direitos. Assim, tendencialmente o seu
âmbito será mais amplo quando o objeto da ação respeita
direitos disponíveis (geralmente direitos pecuniários), e será
mais restrito quando os direitos são indisponíveis (relativos a
posições jurídicas pessoais, e relativas a questões de Estado –
por exemplo, não posso dispor da minha filiação porque é uma
questão de ordem pública)
ii. É na petição que se formula pedido, se designam partes, etc.
iii. Liberdade de colocar termo ao processo: se o objeto do
processo está na disponibilidade das partes, elas podem praticar
certos atos negociais que têm eficácia processual e que põe
termo ao processo (certos negócios jurídicos com incidência
processual – o próprio processo pode ser objeto de negócio
jurídico)
1. Há uma parte do CPC que sintetiza estes diferentes atos
negociais que podem ter por objeto o processo:
a. Artigo 283º: 1) se a relação processual tem duas
partes que podem ficar sujeitas ao efeito da
decisão (autor e réu), se questão jurídica litigada
respeita a direitos disponíveis, então autor e réu
devem ter possibilidade de colocar termo ao
litígio por acordo. O contrato mediante o qual se
põe termo ao litígio mediante concessão mútua
(1248º a 1250º CC) – contrato de transação. A
transação faz cessar a causa nos precisos termos
em que foi efetuada.
Exemplo: No contrato estipula-se que réu
deve 200, e causa termina com réu a
dever 200 porque foram esses os termos
do contrato

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2) desistência: o direito de desistência cumpre ao


autor. Mas devemos distinguir dois tipos de
desistência: do pedido e da instância (artigo 285º)
Do pedido: extingue direito de pedido (réu
fica em posição paralela à que resultaria da
absolvição do pedido; caso julgado a seu favor)
É livre, porque não representa
desvantagens para réu.
Da instância: autor limita-se a desistir
daquela relação processual, reservando a
possibilidade de propor ação no futuro com o
mesmo objeto.
Esta, que pode representar perda para réu,
carece de consentimento do réu para ser eficaz
(artigo 286º/1 CPC).
3) Confissão do pedido: por parte do réu (artigo
283º/1/parte final CPC). Aqui, se o réu confessar
toda ou parte do pedido, o réu é culpado
(reconhece irrestritamente o direito do autor).
Não há necessidade do consentimento do autor
porque a sua posição é tutelada.
Este princípio está ligado à disponibilidade do objeto, pelo que estes atos
elencados acima só podem ser admitidos quando respeitem a direitos disponíveis
(289º CPC).
Em qualquer um destes três casos, nos termos do artigo 290º CPC vemos que eles
estão sujeitos a certa forma e que, sendo tal forma observada, o ato é homologado por
sentença (290º/3). Com esta homologação controla-se disponibilidade do objeto +
sentença meramente homologatória porque o juiz só tem de controlar a regularidade
do ato como ato negocial (não é uma sentença em sentido decisório).

Este princípio manifesta-se ainda na possibilidade das partes suspenderem a


instância: o processo é introduzido no interesse das partes. Contudo, por razões
estatísticas do funcionamento do sistema de justiça, de eficiência, da organização dos
tribunais, o Estado tem interesse a que as ações decorram a certo ritmo (que não haja
pendência) – portanto, esta possibilidade de suspensão da instância é limitada.
Artigo 272º/4 CPC: a parte final quer procurar garantir o bom
funcionamento do tribunal (pretende-se que não haja perturbação do aparelho de
justiça).

Muito relacionado com este princípio estão princípios pouco tratados, mas
importantes:

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Princípio da controvérsia: e usa-se como tradução de verhandlungsmaxime. Na


base deste princípio está a ideia de que todos os factos relevantes para a
decisão devem ser alegados pelas partes. Consequência: o juiz, na atividade
instrutória descobre novos factos. Pode conhecer deles? Não, porque não
foram alegados pelas partes.
o Assim, a conformação dos termos da controvérsia deve ser apresentada
pelas partes.
o Nalguma medida apenas esta ideia resulta do artigo 5º/1 CPC
▪ Os termos da controvérsia têm que ser delimitados,
apresentados, pelas partes
 A que é que se opõe o princípio da controvérsia? Em certos termos, ao princípio
do inquisitório: que se pudessem conhecer todos os factos sem necessidade de
alegação de todos eles (é sobretudo princípio de DPP, e com lugar pequeno no DPC).

Ligado ao princípio da controvérsia (responsabilidade pelos termos do litígio cabe


às partes) estão:

• Princípio da preclusão: o processo civil serve-se da figura do ónus. Ónus


significa peso, encargo, pelo que é a necessidade de observar um dado
comportamento sob pena de sofrer dada consequência. São diversos os ónus
que o DPC prevê: ónus para a prática de certos atos sob pena de precludir o
direito à prática de certo ato. Daí também a ideia da autorresponsabilidade…
• Princípio da autorresponsabilidade das partes: cada parte tem liberdade e
tempo para praticar certos atos – se não os praticar, é responsável.
o Sempre que haja prazo perentório (previsto para pratica de ser ato),
uma vez esgotado, o ato já não pode ser praticado (artigo 139º/3 CPC)
Para termos noção da importância destes princípios temos que dar conta de uma
regra: é o autor que na petição inicial alega conjunto de factos; réu contesta e na
contestação pode tomar várias posições.
No que toca a matéria de facto o réu ou impugna ou não faz nada. Se
não impugnar os factos articulados pelo autor na petição inicial consideram-se
admitidos por acordo esses factos: o direito à contestação preclude neste momento.

d. Princípio da cooperação: uma forma tradicional de pensar o processo


civil, e fundamentalmente certa, é olhar o PC como duelo entre duas
partes, em que cada uma esgrime as suas razões e procura prevalecer
sobre a outra. Mas numa evolução também ela correta, esta ideia de
fundo vem sendo mitigada, e vem-no sendo através da introdução de
diferentes deveres de cooperação das partes, uma para com a outra.
Esses diferentes deveres de colaboração das partes umas para com a
outra reconduzem-se a este princípio geral.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

i. A regra não é a cooperação das partes: elas estão em conflito,


então cada uma cuida das suas posições jurídicas. O regime de
direito material é de autonomia das pessoas. Mas depois esta
ideia de princípio é corrigida, sendo as exceções os casos de
cooperação
ii. Artigo 7º/1 CPC: regra programática, de sentido muito vago.
1. Mas cooperar como? É uma PURA declaração de
princípio.
iii. Artigo 7º/2 CPC: princípio do contraditório – é garantir direitos
de defesa, não é cooperar.
iv. Artigo 7º/4 CPC: isto corresponde, no essencial, aos poderes
que juiz tem em matéria de prova para reunir os elementos
necessários para prova dos factos controvertidos
 artigo 7º, que supostamente o consagra, não nos aponta uma regra clara,
densificada.
Em todo o caso, no conjunto do CPC há regras específicas que preveem a
necessidade de para certos aspetos as partes terem de cooperar entre si: a regra mais
importante é o artigo 417º CPC*.
* Todavia, o sentido de cooperação assenta no facto de todas as pessoas terem de
participar na atividade instrutória, sob pena de sujeição a sanções de diferente
natureza (417º/2), e são em certos termos obrigados a submeter-se a certos atos
processuais, mesmo em seu prejuízo.
e. Princípio da boa fé: artigo 8º. “Boa fé” não se trata de termo com
grande tradição. Em todo o caso, podemos entender que são violações
da boa fé alguns institutos processuais: aqueles institutos que
sancionam negativamente o recurso abusivo ao processo, seja por não
haver litígio seja por recurso ao processo ter apenas em vista prejudicar
a contraparte (artigo 612º - simulação do litígio*; artigo 542º -
condenação por litigância de má fé*1)
i. * tribunal deve na decisão obstar ao efeito pretendido pelas
partes
ii. *1 a consequência é sanção pecuniária
1. Nº 2
Fora destes casos mais extremos, não há grandes regras que
venham sendo justificadas por referência à boa fé.
Este princípio apenas serve para enquadrar estas hipóteses.

2. Princípios atinentes ao poder do juiz (pretendem enquadrar a sua posição)


a. Princípio da independência e imparcialidade:
i. NOTA: tribunal não é sinónimo de juiz – tem organização mais
complexa (juiz, secretaria, etc.)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

1. O juiz é aquele que tem poder jurisdicional, dentro do


tribunal

• Artigo 203º CRP


• É um princípio constitutivo da atividade jurisdicional
o Houve alguns autores que tentaram determinar o que era
específico da atividade jurisdicional:
▪ Tomar decisões? Não, porque a atividade administrativa
toma decisões.
▪ O seu estatuto particular? SIM – quer a força da decisão,
quer a imparcialidade e independência face às partes em
litígio
• É significativo que a independência é referida logo
em 2º lugar na parte dos tribunais ad CRP

• Por independência entende-se que juiz não está sujeito a nenhum poder
superior, no que toca à decisão sobre um certo ponto
o É diferente de orgânica administrativa
o Não está em relação de inferioridade hierárquica face a ninguém
▪ É a última autoridade face àquele caso, independentemente
de haver recurso ou não
o É garantida através do estatuto especifico dos juízes: órgãos
disciplinares próprios (conselho superior da magistratura), sujeitos
a regimes de inamovibilidade específicos
▪ Artigo 216º CRP
o A independência nunca é completa. Mas o que se procura com esta
garantia não é saltar sobre a natureza humana, mas sim procurar a
independência possível

2 tipos de independência:
o Independência sobre certo caso: tendencialmente absoluta (não
pode observar ordens ou instruções de decidir num certo sentido),
mas há condicionamentos laterais que podem limitar a sua
independência
▪ Estes condicionamentos laterais são: a própria carreira
profissional do juiz
• Em função dos critérios estabelecidos para subir na
carreira, é possível condicionar lateralmente a sua
independência
o Através da definição das regras do estatuto dos magistrados, é
possível gerar dependência face a outros poderes públicos,
sobretudo em virtude do fator económico
▪ Revista de Legislação e Jurisprudência, Manuel de Andrade,
2009/2010, “Bruscamente no Verão Passado”
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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Através de regras que definem competência e


estatuto de juízes é possível manipular a
magistratura, e interferir nesta
NOTA: a independência é sempre condicionada.

• Imparcialidade: o juiz que ocupe uma posição equidistante de qualquer uma


das partes, que à partida não tome partido de nenhuma das partes, mas que se
predispunha desde o primeiro momento a sobrepesar os contributos de cada
uma das partes da mesma forma. Pretende-se que juiz não esteja condicionado
a favor de qualquer uma das partes.
• Quer a independência quer a imparcialidade são garantidas através de
mecanismos diferentes:
o Vinculado apenas à lei, e não qualquer outro poder
▪ Acima do juiz está a lei
o Dada pelas regras da competência: princípio do juiz natural. Ou seja, a
competência para conhecer de uma certa causa é fixada pela lei e não,
por exemplo, por uma autoridade
o Havendo vários juízes em certo tribunal, a distribuição de processos é
feita por critério aleatório
▪ Único fator que releva: equilíbrio na repartição do trabalho
o (sobretudo garante a imparcialidade) regime do impedimento (artigos
115º e 117º) e da suspeição (120º): trata-se de um conjunto de causas
cuja verificação lança profunda suspeita quanto à imparcialidade do juiz
▪ Por exemplo, a sua afinidade familiar com uma das partes da
causa
▪ 115º: em caso de impedimento, juiz não pode conhecer da causa
• Impedimento opera automaticamente
▪ Em caso de suspeição, é necessário que haja um julgamento
para aferir se a causa coloca em dúvida a parcialidade ou
imparcialidade do juiz
• Suspeição depende de declaração específica a apurar

b. Princípio da legalidade: o juiz, se está livre de qualquer poder superior,


está, contudo, vinculado à lei. Está livre de qualquer poder superior
para poder estar apenas dependente da lei (artigos 8º/2 CC, 203º CPC)
i. A legitimação do juiz é sobretudo técnica, burocrática, e não
carismática
1. Vê-se com este princípio: juiz legitima a sua decisão na
medida em que aplica a lei (reconduz a sua legitimidade
à lei)
ii. Esta ideia manifesta-se em diferentes aspetos:
1. Tem de observar a lei processual

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2. Tem de aplicar o direito legal que se adeque àqueles


concretos factos que são colocados à sua apreciação
3. Manifesta-se também num aspeto específico dos
poderes do juiz na ação: se no que toca aos factos
relevantes para a causa, a iniciativa para os trazer para o
processo cabe às partes, quer por causa do princípio do
dispositivo quer pelo princípio da controvérsia, no que
toca ao direito aplicável aos factos o juiz pode dar a
qualificação que entenda mais conveniente
a. Artigo 5º/3 CPC: vê-se esta articulação entre os
dois elementos no brocado “dá-me os factos que
eu darei o direito”
Em certos casos, o juiz não vai aplicar o direito legal à causa. Em lugar do princípio
da legalidade vale o princípio da equidade. ESTA NÃO É A REGRA: só acontece quando
a lei o permite e com efeitos muito circunscritos. O juiz pode, portanto, decidir
segundo a equidade quando as partes assim o pedem (esta envolve a consideração de
muitos fatores que não tem a ver com a aptidão técnica para resolver caso, daí que
partes geralmente não peçam isto) – artigo 4º/b e c CC.
NOTA: o princípio da legalidade envolve também a legalidade processual (é o
processo que confere competência ao juiz).

c. Princípio/dever de fundamentação racional das decisões judiciais: artigo


205º/1 CRP e 154º CPC. A regra é que qualquer decisão sobre
substância da causa, ou que possa interferir nesta ou nos direitos
processuais das partes, tem de ser fundamentada. Já as decisões de
mero expediente não têm de o ser.
i. Exemplo: despacho que ordena a citação não tem de vir
fundamentado.
ii. Para vermos importância da fundamentação podemos ver
estrutura de sentença: artigo 607º CPC
1. 1ª parte: relatório – quais as partes, qual o litígio
(descreve a situação que vai apreciar) (607º/2)
2. 2ª parte: fundamentos (607º/3 a 5)
a. Deve ser quanto a facto e Direito
3. Última parte: decisão
iii. Isto porque o que legitima o juiz é a vinculação à lei. Assim, ele
tem de dar conta das razões que entende porque é que é aplica
certa norma e não outra.
1. Se porventura uma decisão for proferida sem
fundamentação, é NULA (artigo 615º/1/b, c CPC)

Qual a importância do dever de fundamentação das decisões?

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Para que juiz possa controlar a sua própria decisão


o Como tem de explicar porque é que decide de certo modo, é obrigado a
controlar a razão que está na base da solução que oferece ao caso
o A decisão que juiz toma é emotiva, voluntária, daí que seja sujeita a um
controlo. Este controlo funciona da seguinte forma: juiz vai apurar se
decisão a que emotivamente chega pode ser explicada de acordo com
critérios racionais, e assim controla a decisão que toma.
▪ Se chegar à conclusão, por exemplo, que a decisão a que chegou
é motivada por fatores extra-processuais, então vai ter de a
afastar
• Permitir justificar perante as partes quais foram as razões que levaram à
solução da causa
o Quer-se garantir a aceitação social do Direito, a aceitação judicial dos
tribunais, bem como seu prestigio e autoridade
• Permitir e facilitar o controlo da decisão do tribunal inferior por parte do
tribunal superior (finalidade meramente eventual)
o Trata-se do dever de fundamentação RACIONAL: o juiz deve oferecer
fundamentação tal, que de acordo com os cânones hermenêuticos e
decisórios correntes possa ser tida como apta para resolver aquele
litígio
o O juiz deve dar uma fundamentação para a sua decisão, e não da
matéria que abstratamente se coloca naquele caso – fundamentação
deve estar centrada no caso
▪ Não tem de fazer exposição teórica da matéria aplicável ao caso.
O que tem de fazer é identificar qual o exato critério decisório
que aplica ao caso: e aqui, os casos são irrepetíveis (tem de dizer
porque é que àquele caso que é único se aplica aquela regra
geral).
• Direito (julgamento) facto
o Julgamento é mistura de facto e Direito, daí ser
este o momento que mais carece de
fundamentação
NOTA: a fundamentação não tem de ser longa. Desde que seja apta a justificar
sentença, é suficiente.

d. Princípio do inquisitório: em PC, devemos estar precavidos ao falar


deste princípio porque o seu âmbito é muito restrito, ao contrário do
que acontece no PP.
i. Artigo 411º CPC: “quanto aos factos de lhe é lícito conhecer” 
OU SEJA, o juiz só tem o poder de investigar os factos dentro dos
factos trazidos pelas partes. Além dos factos articulados pelas
partes, apenas pode conhecer dos factos indicados no artigo
5º/2.
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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

ii. Portanto, para percebermos como o alcance deste princípio é


reduzido: o autor alega que o contrato tem a cláusula x, o réu é
citado para contestar e não impugna esta afirmação do autor.
Consequentemente, considera-se o facto como admitido. O juiz
ao confrontar os autos fica com impressão de que cláusula não
existiu, mas juiz não pode investigar.
1. ASSIM, este princípio está limitado, ou os poderes
inquisitórios do juiz, estão limitados aos factos
controvertidos. Os que não são controvertidos, porque já
foram provados, não foram trazidos pelas partes, não
podem ser investigados pelo julgador.
a. Poderes limitados pelo dispositivo e controvérsia
iii. Não é sempre assim! Há processos especiais, como os de
jurisdição voluntária, em que inquisitório já é compreendido em
termos mais amplos: nos processos de jurisdição voluntária,
966º/2, o tribunal pode investigar livremente os factos (numa
ação de processo comum isto não acontece, coligir as provas,
ordenar inquéritos, etc).
iv. Exemplo de poderes de que o juiz se pode servir: pode ordenar a
junção de certo documento ao processo (436º), ordenar prova
pericial (477º), 490º/1, etc.
PORTANTO:
Quem avança factos? Partes
Quem conhece Direito? Juiz.
 são as partes que dão a conhecer os termos do litígio que juiz vai
decidir

e. Princípio da gestão processual: artigo 6º CPC. Trata-se de um princípio


que com esta formulação foi introduzido em 2013 e que é reflexo no
processo do que é massificação do discurso da gestão (quando, até, esta
não é a expressão mais adequada – o juiz é responsável por processo,
não gestão). O que motiva atividade de juiz é processo com
oportunidade de participação, respeito pela posição das partes e que
propicie decisão adequada (e não garantir um processo eficiente).
i. Dimensões fundamentais deste princípio:
1. Ideia de que juiz é o responsável pelo processo, e se é o
responsável deve providenciar pelo seu procedimento
(artigo 6º/1)
a. Deve assegurar que processo conhece a sua
finalidade: respeitar as posições materiais em
presença

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

NOTA: tem um correlato importante: o juiz deve, nos


termos do artigo 6º/2, oficiosamente, providenciar pelo
suprimento da falta de pressupostos processuais (que
são todas as condições de verificação necessária para
que o juiz conheça do mérito; se faltar um, nos termos
do artigo 576º/2, não pode conhecer do mérito)
b. Se função do juiz é garantir que conheça mérito,
então de garantir que os pressupostos
processuais não faltam
2. O juiz pode tomar medidas de agilização do processo,
adaptando as regeras processuais previstas em geral às
especificidades do caso concreto. Este poder de
adequação dos termos do processo é muito relevante
para as hipóteses em que se trata de uma questão
jurídica, para cuja apreciação não há uma forma
processual já preparada
a. Exemplo: A propõe ação (de condenação ao
cumprimento de obrigação) contra réu. Segue
forma comum. O réu, em reconvenção, dirige
pedido contra autor (quando alguém age contra
pessoa, réu pode agir contra autor, formular
pedido autónomo – é isto a reconvenção). Esse
valor só pode ser aferido em resultado de uma
prestação de contas (réu diz que contas têm de
ser fechadas primeiro, porque ele é que tem de
receber dinheiro). Esta prestação de contas é
processo especial.
i. A exige cumprimento de 50. Réu é credor
de A noutro valor, e pede condenação do
autor nesse outro valor.
PORTANTO: reconvenção só é permitida quando
forma de processo é a mesma. MAS CPC autoriza
juiz a adaptar, harmonizar, as duas formas,
permitindo a sua tramitação conjunta. É um caso
claro da manifestação deste princípio através da
adequação das formas processuais.
Este poder está relacionado com princípio geral
que vale para atos processuais: artigo 130º CPC –
não deve ser praticado nenhum ato inútil.
Portanto, se não deve ser praticado nenhum ato
inútil, quando juiz recebe processo e vê que certo
ato não vai produzir nada de proveitosos, pode
adaptar processo para cumprir esta diretiva.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

1ª precisão: este poder de gestão processual só deve ser exercido em permanente


respeito pelas posições das partes. A gestão processual não é um meio de tornear
certas garantias que o processo pretende dar.
Por exemplo: citação do réu é onerosa, mas juiz não a pode dispensar.
Com vista a superar certas situações que podiam resultar de leitura
leviana deste princípio temos que considerar: regras legais do processo são
instrumento de previsibilidade e simplificação. Saber que há certas formas
prescritas, são já instrumento que facilitam quer a atuação das partes quer a
atuação do juiz. Se as partes sabem que processo vai ser feito de atos x, y e z já
não perdem tempo e recursos a pensar em que atos devem ser praticados,
porque eles já estão predefinidos. O já se saber todas estas coisas é já uma
forma de simplificação do processo.

2ª precisão: O processo que está prescrito é aquele que para legislador traduz a
valoração fundamental a respeito da prática de um concreto ato processual. Se juiz
introduzir alterações à forma prescrita não o pode fazer para tornear valoração legal,
mas sim, e apenas, para realizar a valoração legal.
O princípio da gestão processual e adequação formal não é forma de
introduzir soluções contra legem, mas sim praeter legem (para além do texto,
corrigindo-o em função das especificidades daquele caso).

Rigorosamente, para estes poderes de gestão processual serem bem exercidos, o


juiz deverá previamente conhecer de forma muito adequada todas as formas
processuais já prescritas, porque só depois disto é que pode concluir que naquele caso
concreto elas não devem ter lugar, ou devem ser adaptadas.
Isto vale para qualquer cláusula geral: temos que tomar em linha de conta as
normas mais determinadas (instrumento de previsibilidade), e ver cláusula como
mecanismo que introduz soluções que realizam sentido do ordenamento e não que o
substituam.

Por isso, podemos distinguir cláusula geral do conjunto do ordenamento. Não se


começa pela cláusula geral (pelos princípios), mas sim pelas normas determinadas (o
conjunto do ordenamento, as formas prescritas).
MAIS: mecanismos como as cláusulas gerais não funcionam em sistemas onde há
má formação jurídica. Aqui não são instrumentos de adaptação do Direito, mas sim de
criação de imprevisibilidade do Direito.

3. Princípios atinentes à estrutura do processo:

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Princípio da proporcionalidade: todos os atos processuais devem ser


proporcionados à finalidade que pretendem realizar (necessários,
adequados e não deve haver excesso)
i. É uma ressalva de ordem geral, parâmetro de controlo geral na
estrutura do processo
ii. Pode ter relevo na ação executiva, não tanto na declarativa
b. Princípios da imediação, oralidade, concentração, e plenitude da
assistência do juiz: relativos à atividade probatória e que não têm o
mesmo relevo ao longo de todo o processo
i. Imediação, oralidade e concentração: numa 1ª fase do processo
eles não têm lugar, porque esta é uma fase essencialmente
escrita. Contudo, numa fase mais avançada e sobretudo em
matéria de atividade instrutória, relativa à produção de prova,
estes princípios já têm campo de aplicação mais vasto
1. Imediação: o seu âmbito é o seguinte- decorre deste
princípio que o juiz, sempre que possível, deve ter
relação imediata, sem qualquer intermediação com os
meios probatórios relevantes para a decisão da causa
a. Exemplo: há várias testemunhas – juiz deve
escolher a que tiver estado mais próxima do facto
carecido de prova. Deve ouvir pessoalmente os
diferentes testemunhos também.
2. Oralidade e concentração: ambos estão ao serviço da
ideia da imediação.
3. Oralidade: os meios de prova pessoal, sempre que
possível, decorrem sob forma oral. Aliás, a regra em
matéria de audiência (e a prova é geralmente produzida
aqui) é que os atos processuais são praticados oralmente
(sendo depois gravados -artigo 155º/1 CPC, o que
permite recurso). Garante imediação porque podem ser
feitas precisões, maleabilidade que o registo escrito não
permite.
4. Concentração: este princípio diz-nos que os atos de
instrução e a discussão da causa devem concentrar-se na
unidade de tempo o mais contínua possível. O ideal é
que audiência seja contínua (artigo 606º/2 CPC).
a. Primeira fase: articulados, petição inicial – não é
preciso concentração
b. Audiência prévia, que serve para ver os termos
fundamentais do litígio e programar processo
para futuro: concentração não se aplica
c. Audiência final: precisamos deste princípio
porque é aqui que tudo se discute

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

d. Com este princípio garante-se a imediação (juiz


está em contacto com tudo), e trata-se de uma
forma de prevenção contra um risco que aflige
todos – a perda de memória (se as diferentes
atividades instrutórias ocorrem em simultâneo
todos os intervenientes têm os mesmos
elementos e podem formular melhor o juízo – os
detalhes escapam com o decurso do tempo)
e. Para garantir este princípio encontra-se o
princípio da plenitude da assistência do juiz
ii. Plenitude da assistência do juiz - 605º: deve ser o mesmo juiz
que preside a todos os atos praticados na audiência final
1. Quer-se garantir a imediação, que é a mesma pessoa que
formula juízo sobre a totalidade dos factos em causa
c. Esta ideia de oralidade não está presente em todos os momentos do
processo. Rigorosamente, o processo civil articula dois princípios
diferentes: princípio da literalidade e da oralidade.
i. No PC a literalidade releva na fase dos articulados, para a
própria sentença (é normalmente escrita – mas não tem de o
ser)
ii. Em todo o caso, com vista a garantir a documentação dos dados
processuais, mesmo quando vale a oralidade, os dados carecem
de ser reduzidos a escrito ou gravados
1. 155º/1, 591º/4 – regra de gravação dos dados orais
2. 155º/7 – quando não são gravados, são registados em
ata

d. Princípio da publicidade: o processo é público (artigo 206º CRP, 606º/1


CPC). Via de regra as audiências judicias são públicas, assim como é
público o acesso ao processo (único requisito é haver interesse nessa
consulta). Esta regra só é restringida quando seja necessária para
proteger bens jurídicos de valor superior (intimidade da vida familiar,
dignidade das pessoas).
i. Regime da publicidade: artigos 163º e seguintes CPC
ii. Com a publicidade quer-se garantir a transparência do
funcionamento do sistema público de justiça. Não se quer
garantir o acesso das partes ao processo, mas sim de terceiros.
1. É um sistema de justiça que não se esconde

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

3. TUTELA CONSTITUCIONAL
Proteção constitucional oferecida a certos valores processuais.
Porque é que a CRP é importante para este efeito? O Direito Constitucional releva
no atual direito por duas razões muito diferentes (que está na base de duas disciplinas
diferentes):
1. O Direito Constitucional traça o estatuto fundamental da organização do poder
político (delimitação da competência do poder político)
a. Foi assim que o Direito Constitucional nasceu
b. A modernidade (1500-1789) é caracterizada pela ideia de que no POV
jurídico o princípio não está sujeito a nenhum limite, e o DC vem
racionalizar o poder, limitá-lo (é uma das grandes pretensões da idade
moderna). E assim acontece também com o poder judicial.
c. Portanto, o DC releva para o processo na medida em que delimita o
estatuto jurídico do sistema judiciário (artigos 202º e seguintes CRP)

2. Dimensão que se foi desenvolvendo à medida que se desenvolveram modelos


de fiscalização da constitucionalidade: a grande utilidade do DC é que através
destes sistemas de fiscalização o DC vai facultar a possibilidade de colocar em
causa o valor da própria lei
a. Do POV pragmático, do jurista, que tem de dar uma solução ao caso, o
DC nesta segunda dimensão permite-lhe harmonizar dois valores que se
podem opor: obediência ao direito E liberdade perante a lei
i. Noutros tempos históricos, a preocupação de garantir a
liberdade perante a lei era obtida invocando um direito superior
(divino, etc.). Agora, é obtido invocando o DC: sistema de
fiscalização dá liberdade a jurista para atacar o próprio direito
legislado.
b. A tutela constitucional pode ser fragmentária (mais do que a perspetiva
piramidal, o que interessa ao falar do DC é vermos que este tem um
núcleo em todo o direito, sendo a possibilidade de sindicar qualquer
coisa): o que importa é ver quais as pedras de amparo para poder
sindicar o direito legislado
i. Na ideia piramidal, o DC está em síntese e projeta-se sobre tudo.
Ele tem valores fundamentais, mas pode deixar espaços em
branco.
ii. Portanto, quando perguntamos se valores processuais tem
cobertura e proteção na lei constitucional, estamos a perguntar
por aqueles valores que na solução do texto constitucional
servirão de parâmetro de fiscalização do direito constitutivo.
iii. MAIS: justamente pela razão que nos foi dada (DC servir de
parâmetro para contestar o valor do direito ordinário e ter esta
função útil), muitas vezes as regras constitucionais têm

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

conteúdo genérico e impreciso, porque querem conferir


liberdade de pronúncia aos juízes constitucionais
1. Processo equitativo como parâmetro de controlo:
objetivo é conferir liberdade aos juízes constitucionais

Para sindicar as regras processuais há duas normas da CRP repetidamente


invocadas: norma específica – artigo 20º CRP; norma geral – artigo 2º CRP.

• Artigo 20º CRP (“acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva)


o Tem servido como fundamento para muita da atividade do TC
o O que é que se entende que se reconduz a este artigo?
Em 1º lugar afirma-se o direito de acesso ao direito (20º/1), sendo
essencialmente o direito de acesso aos tribunais.
Entende-se que deste direito decorrem 4 subdireitos/consequências:
1. compreende-se no direito de acesso o direito, o direito de
ação: direito dirigido contra o Estado a poder desencadear a atividade
judiciária. Artigo 2º/2 CPC: sempre que identifiquemos posição jurídica
material temos de encontrar forma processual para a respetiva
garantia.
2. Direito a um processo: a uma forma organizada, com
possibilidades de participação para defesa das posições jurídicas de
direito material.
3. Direito à decisão da causa por um tribunal: sendo a ação
colocada à apreciação de um tribunal, este deve decidir. Isto não é
evidente, porque assim se exclui uma possibilidade: o tribunal não pode
demitir-se da decisão, ainda que tenha dúvidas quanto ao direito
aplicável (artigo 8º/1 CC).
4. Direito à execução: a atividade dos tribunais tem dois âmbitos
diferenciados principais – atividades declarativas jurisdicionais (declarar
o direito) e atividade executiva (impor o direito – ação executiva:
cumprimento é imposto ao réu caso ele não cumpra voluntariamente)

o (20º/1/parte final CRP) Em razão da proibição da denegação da justiça


por insuficiência de meios económicos exige-se que haja mecanismos
de apoio judiciário. Note-se que ao contrário do que acontece em
diferentes matérias, como a saúde (64º/2/a) ou como ensino básico
universal, não há nenhuma regra constitucional que imponha que
sistema de justiça seja gratuito ou tendencialmente gratuito. O âmbito
da proteção constitucional é apenas do da garantia de acesso a quem
tem insuficiência de meios económicos; quem não tem insuficiência,
deverá ter de pagar as custas associadas ao processo e honorários do
advogado.
Para realizar este direito há uma lei: lei 34/2004, de 29 julho.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Direito de acesso à informação ou consulta jurídica (20º/2): uma coisa


é a constituição de um advogado para o patrocínio nunca causa, outra
coisa é a simples consulta jurídica (pedido que alguém faz para ser
aconselhado quanto ao seu direito) – este direito à consulta jurídica é
garantido pela constituição. A lei 34/2004 garante apoio judiciário nos
casos de isenção de custas e acesso à consulta jurídica para quem não
tem meios. Consulta jurídica é de acesso condicionado: é um ato
próprio de um advogado, daí ter custos associados, e daí ser necessário
existir algum apoio.
Alternativa a isto: direito ser mais simples  irrealizável porque
sociedade é extremamente complexa.

o Direito ao patrocínio judiciário (fazer-se acompanhar de advogado


perante qualquer autoridade) – 20º/2. Rigorosamente, as razões que
estão na base do patrocínio judiciário são duas diferentes:
1) Garantir uma adequada tutela dos interesses do
representante. Justamente porque direito é muito complexo, na medida
em que há assimetrias de informação (parte não conhece todos os
direitos de que é titular), pode socorrer-se de advogado para dar o
devido aconselhamento.
2) Nalguns casos, na maioria das ações civis, para que parte
possa agir precisa de constituir patrono judiciário (vale quando é parte
que quer constituir representante). Aqui está em jogo o bom
funcionamento do sistema (e não necessariamente a proteção da parte)
– a ideia é que se todos os intervenientes no processo tiverem
adequada formação jurídica, o processo pode ser mais célere e ter
solução adequada.
o (20º/5) criação de instrumentos particularmente céleres para proteger
DLG. Aqui não se trata de posição jurídica que é conferida às partes,
mas de uma injunção que é feita ao legislador ordinário. Efetivamente,
hoje encontramos estes procedimentos para defesa dos DLG dotados
de particular celeridade e prioridade. Em matéria civil, destaque para
processo especial (878º e seguintes), destinado à remoção de ofensas à
personalidade. Outro processo, não de natureza civil mas que realiza
esta diretriz: intimação para proteção de DLG (artigos 109º e seguintes
CPTA)

o (20º/4) o direito a obter decisão em prazo razoável. Trata-se não


propriamente de direito que é concedido às partes para exercerem no
processo, mas de uma injunção que é feita ao legislador ordinário para
desenvolver sistema de justiça de tal forma que se possam obter
decisões em prazo razoável. Importante salientar: prazo razoável, e não

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

rápido. Trata-se de prazo razoável, por relação à complexidade do litígio


(para ser razoável é necessário tempo).
Duas precisões:
x prazo não excessivo, MAS é necessário também um prazo
suficiente para respeitar as exigências de um processo
equitativo. É que pode haver tendência para procurar aceleração
processual à custa de as partes exercerem bem os seus direitos.

o Processo equitativo: tem um sentido genérico de processo razoável.


Para precisarmos o seu sentido temos de atender ao modo como tem
vindo a ser fixado pela jurisprudência constitucional e do TEDH. Tem-se
entendido que faz parte de um processo equitativo:
1. direito à igualdade de armas: princípio da paridade das partes,
em PC
2. direito ao contraditório
3. Direito ao prazo razoável (autonomizado na CRP)
4. Direito à fundamentação das decisões
5. Direito de acesso ao processo e aos dados dele constantes
(princípio da publicidade em PC)
6. Direito à prova
*direito aqui como sistema de justiça

• Artigo 2º CRP (“a republica PT é um Estado de direito democrático” – a partir


desta expressão, o TC retira o princípio da confiança)
o Diretamente, do Estado de Direito não decorre este princípio, mas
existe esta função do direito, e por isso os termos e os seus sentidos
vão-se alargando
o Forma de sindicar regra processual: dizer que ela não é conforme às
exigências de um Estado de Direito
NOTA: outra norma de grande importância – a proteção dos DFs opera em
diferentes níveis (na Europa há um outro nível, que é o que é conferido pela CEDH e
especificamente pelo TEDH). A CEDH tem uma norma que tem servido de base a
repetidas pronúncias do TEDH: artigo 6º. Durante muitos anos, PT foi repetidamente
condenado por TEDH a sanção pecuniária, e foi com base neste artigo (direito é um
processo equitativo) – é uma tutela essencialmente indemnizatória.

Não se enquadra na proteção constitucional o direito ao recurso. Tal como se


entende o artigo 20º CRP, entende-se que não é garantia fundamental a possibilidade
de poder recorrer das decisões. Ou seja, que se pode limitar o acesso aos tribunais

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

superiores. Só não é assim em matéria penal. Mas em matéria civil não se garante o
direito ao recurso.
Note-se que na orgânica judiciária se preveem vários níveis de superiores, mas
acesso aos tribunais superiores pode ser limitado.

A competência para legislar sobre a organização e competência dos tribunais, MP,


estatuto dos magistrados e entidades não jurisdicionais que resolvem litígios é da
reserva relativa da AR. Vantagens: a AR raramente motiva os seus diplomas, e o
Governo tem o fazer.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

4. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS


Matéria altamente promovida pelo poder político, nos últimos tempos. Se
limitássemos a matéria de PC declarativo ao PC tradicional, a imagem que teríamos
destes meios seria imperfeita.

São meios alternativos ao sistema judicial processual de resolução de litígios. A


sigla que se usa para estes meios é MARL (em inglês ADR – alternative dispute
resolution).
A prova de que estes meios têm tido crescentemente relevo é:
1. Circunstância de terem sido objeto de muitas intervenções do DUE
2. Circunstância de terem sido objeto de muitas intervenções do legislador
nacional
3. A Direção Geral da Política de Justiça (DG do Ministério da Justiça que tem por
função a política legislativa - elaboração de legislação) tem gabinete dedicado à
matéria de resolução alternativa de litígios
4. A circunstância de haver até imposição por instâncias internacionais da
promoção destes mecanismos
NOTA: foi celebrado memorando de entendimento entre Governo e Troika (que
será à partida uma convenção internacional atípica, apesar de haver discussão quanto
ao seu valor), em 2011. Dizíamos que eram medidas de pendor essencialmente
económico, MAS havia um ponto onde se exigia a promoção de mecanismos
alternativos de resolução de litígios (pontos 76 a 78). Por aqui vemos que há instâncias
internacionais que têm a preocupação de divulgar estes mecanismos, bem como impô-
los. E não devemos ser ingénuos: por detrás destes mecanismos está uma
compreensão do direito muito distinta daquela que está por detrás dos sistemas
judiciais de justiça – há uma luta pelo Direito. Não é uma discussão ligeira,
transparente, honesta, quanto aos melhores modos de resolução de litígios.

Entre estes mecanismos alternativos há alguns que se destacam. Ao longo dos


últimos anos houve três que tomaram mais relevo, tendo um deles uma longa história
(arbitragem)
1. Arbitragem
a. Longa tradição, mas recente a sua alta promoção
2. Mediação
3. Julgados de paz
a. Espécie de processo simplificado (muito próximo do sistema público de
justiça)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

A prova de que estes mecanismos são cada vez mais considerados é de que a
legislação sobre eles é da reserva relativa de competência da AR, na mesma alínea que
nos diz que a AR tem competência para legislar sobre matéria judicial (165º/1/c CRP).

4.1. ARBITRAGEM

• É um meio de resolução de litígios muito antigo, mas também é certo que no


sistema em que o monopólio da jurisdição cabe ao Estado o âmbito de
aplicação da arbitragem será necessariamente mais reduzido (isto porque a
regra é que o poder jurisdicional cabe ao sistema público de justiça)
o Mesmo que seja muito antiga, no atual sistema jurídico o seu
significado é diferente. Se tivéssemos sistema sem sistema público, o
papel da arbitragem seria muito maior que o que é
• Artigo 211º/2 CRP – constitucionalmente prevista a sua existência
• Há muitos casos diferentes de arbitragem. O que há em comum a toda a
arbitragem é que juiz para a causa é escolhido pelas partes, ou pelo menos um
juiz designado em execução de um acordo entre as partes de que o seu litígio
devia ser colocado á apreciação de um árbitro.
o Qualquer um de nós pode ser árbitro, basta que alguém nos designe e
que aceitemos (não é preciso serem juristas)
• Na história do DUE, o relevo da arbitragem surgiu sobretudo em dois domínios:
o Direito público: arbitragem foi importante para resolver litígios entre
Estados
▪ Único mecanismo ao seu dispor seria designarem árbitro que
resolva caus
o Direito privado: o âmbito privilegiado de aplicação da arbitragem foi o
Direito Comercial Internacional. Isto por uma razão semelhante à dos
conflitos entre estados: quando temos conflito internacional entre
comerciantes de diferentes estados estamos perante relação jurídica
que se diz plurilocalizada, em que nenhum dos tribunais de qualquer
um dos E-M tem uma pretensão forte de querer enquadrar aquela
causa, porque a relação jurídica não lhe pertence inteiramente. MAIS:
os valores próprios do comércio internacional – para estes serem
respeitados seria necessário designar árbitros que os conhecessem
especificamente (e evidentemente que estas entidades promovem a
arbitragem para não estarem sujeitas ao poder estadual)
▪ Arbitragem resolveu-se muito apta
o No campo religioso a arbitragem também teve relevo. Isto para resolver
litígios entre crentes de confissões diferentes.
▪ Hoje em dia este tipo de hipóteses já não é tão frequente, mas
para a Igreja Católica (a quem reconhecemos OJ autónoma) isto
existe.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• No direito PT é amplamente e crescentemente reconhecida.


• Novidade: arbitragem tem sido trazida para domínios novos, entre eles (um dos
domínios cujos litígios a ele atinentes podem ser resolvidos por arbitragem) é a
arbitragem de consumo.
o A novidade não é o instituto, mas sim o seu relevo, que hoje tem sido
trazido para mais domínios do que aquele para o qual inicialmente era
usado
o Consequência: mundo da arbitragem é hoje tão vasto que não é possível
formular um juízo unitário sobre o instituo.
▪ Alguém pode, por exemplo, entender que a arbitragem é
adequadíssima para certos casos e desadequadíssima para
outros, porque são tão heterogéneos que não podem ser
sujeitos a juízo global.

Para lidarmos com esta complexidade temos de fazer várias classificações e


distinções:

• Arbitragem ad hoc (só para isto) VS arbitragem institucionalizada


o 2º caso: há uma entidade (centro de arbitragem) que já está preparada
para o conhecimento de litígios que devam ser resolvidos por recurso a
arbitragem
▪ Âmbito de aplicação privilegiado/VANTAGEM:
• Reduzem os custos de negociação das partes e os riscos
de pouca informação das partes (de assimetria de
informação)
o Isto porque estas entidades normalmente
apresentam já dois dos seguintes aspetos: uma
lista de árbitros (partes já não têm de indagar que
árbitros são ou não competentes) e modelos de
regras processuais (as partes já não têm de definir
todas as regras).
▪ Isto reduz os custos de negociação.
o Já tem muita coisa preparada de antemão
▪ Nos termos do DL 60/2011, de 6 de maio previu-se a rede
nacional de centros de arbitragem institucionalizada
▪ A nível de comércio internacional, há vários centros
institucionalizados de arbitragem
o 1º caso: árbitros são designados só para aquele caso; tudo feito a partir
do zero
▪ Âmbito de aplicação privilegiado:
• As partes quererem determinar especificamente todos os
aspetos da arbitragem

• (a distinção mais importante) arbitragem voluntária VS arbitragem necessária


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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o 1º caso: representa o caso típico e mais relevante de arbitragem. É a


arbitragem que tem por fundamento um acordo das partes no sentido
de, caso haja um litígio, ele dever ser resolvido por um tribunal arbitral
(daí ela ser voluntária – tem por trás este acordo das partes)
▪ Quando tratarmos da arbitragem, vai ser desta
▪ Regulada na Lei da Arbitragem voluntária (lei 62/2011, de 14 de
dezembro)
• Feita por associação PT de arbitragem
o 2º caso: altamente problemática porque o que a caracteriza é que a
coincidente de certo litígio só pode ser submetida a apreciação de
tribunal arbitral. Ou seja, os tribunais judiciais públicos estão privados
da competência de conhecer destes litígios. Ou seja, em PT temos
litígios cuja apreciação não pode ir a tribunal judicial público. Isto não é
a regra – só existe nos casos especificamente previstos na lei.
▪ Em matéria de conflitos relativos aos medicamentos genéricos
(lei 62/2011, 12 de dezembro) o conhecimento de tais causas
está reservado a tribunais arbitrais (sendo designado o mesmo
árbitro para casos muito frequentes, semelhantes)
• Fundamento: por detrás destes litígios temos a
necessidade de apreciação por parte do árbitro dos
químicos que estão nos genéricos – matéria altamente
especifica e especializada. As partes não podem exigir
que questão seja conhecida por juiz que goze de estatuto
de magistrado.
▪ O tribunal arbitral do desporto: nos termos do respetivo estatuto
(lei 74/2013), o TAD tem competência para arbitragem
necessária (artigos 4º e 5º) e para arbitragem voluntária (artigos
6º e 7º)
• Nas questões dos artigos 4º e 5º trata-se da única
entidade competente no direito PT para o respetivo
conhecimento: os tribunais judiciais públicos não são
competentes. MAIS: as partes não podem aceder a estes
últimos.
▪ Direito potestativo a exigir a constituição de tribunal arbitragem:
em certas hipóteses, é a própria lei que diz que uma das partes
pode exigir que conhecimento de um litígio seja da competência
de um tribunal arbitral. Se direito não for exercido é do
conhecimento de tribunal público, se for é do conhecimento de
tribunal arbitral.
• Lei 23/96 (serviços públicos essenciais): artigo 15º diz que
os litígios relativos a serviços públicos essenciais são
submetidos a arbitragem necessária – mas não é bem,
porque está dependente dos utentes exercerem o direito
de constituição de tribunais arbitrais. Portanto, não

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

temos arbitragem necessária, mas sim este direito


potestativo.

• Arbitragem interna VS arbitragem internacional


o 1º caso: aquela que está em contacto apenas com um estado
▪ Exemplo: partes PT, numa ação arbitral em PT, relativo a litígio
resultante de factos praticados em PT
• Todos os elementos relevantes para aquela causa estão
em PT
o 2º caso: litígio põe em causa os interesses do tráfego internacional
o Distinção importante porque a lei da arbitragem voluntária distingue os
dois casos. Lei está pensada para arbitragem interna, mas a partir dos
artigos 49º e seguintes fixa as especificidades para a arbitragem
internacional
▪ Para efeitos da LAV a arbitragem internacional é apenas aquela
que põe em causa os interesses do comércio internacional. Isto
porque por detrás da arbitragem está o comércio internacional,
dado que este instituto se desenvolveu por sua causa (vemos
resquícios disso no artigo 49º/1 da lei)

• Arbitragem comum VS arbitragem especial (quanto a matéria, partes, etc. –


laboral, civil, etc.)
o Merece especial nota a ARBITRAGEM DE CONSUMO: modalidade que
vem sendo amplamente promovida.
▪ Diretiva 2013 11/UE
▪ Procura reforçar-se a posição do consumidor em face da posição
da contraparte
▪ As regras do direito de consumo são desniveladas, procurando
assim compensar-se/equilibrar relações

• O tipo de arbitragem quanto áquilo que é solicitado ao tribunal arbitral:


arbitragem propriamente jurisdicional (quer-se que TA resolva um litígio, um
conflito – hipóteses regra) VS perícia arbitral (pretende-se apenas que certo 3º
imparcial intervenha para integrar o conteúdo de um certo contrato ou de uma
certa relação jurídica – artigo 1º/4 LAV)
o Exemplo: contrato que é celebrado, há alteração das circunstâncias.
Podem as partes, em vez de entrar em conflito, pedir que 3º intervenha
para definir quais os novos termos contratuais após haver alteração das
circunstâncias. Isto, em termos de PC corresponde mais ou menos aos
casos de jurisdição voluntária.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

REGIME DA ARBITRAGEM
Tomamos por referência a arbitragem voluntária de natureza contenciosa (para
resolver litígio entre as partes).

• Regime está na LAV


• O requisito para que possa haver AV é uma convenção arbitral: acordo
negocial que tem por objeto a previsão de constituição de um TA
o Artigo 1º/1 LAV

Vamos distinguir, em relação à convenção arbitral:

• Os seus factos constitutivos (objeto e forma – elementos da convenção


arbitral). Estes requisitos têm de se verificar, sob pena de nulidade (artigo 3º
LAV)
OBJETO
o Requisitos relativos à relação jurídica que é submetida à apreciação do
tribunal arbitral (não é qualquer questão jurídica que pode ser
apreciada, resolvida por árbitro)
▪ Depois de interpretada a convenção deve resultar que a relação
jurídica material é patrimonial (artigo 1º/1 LAV) ou disponível
(dois critérios diferentes e não são cumulativos) – são requisitos
de arbitrariedade
• A natureza patrimonial do litígio é um critério muito
pouco preciso
o Um bem patrimonial é um direito suscetível de
avaliação pecuniária. MAS o que é que não é
suscetível de avaliação pecuniária? Não há –
basta que alguém esteja disposta a pagar um
valor que bem passa ser suscetível de avaliação
pecuniária. AGORA, o que pode acontecer é que
essa valoração económica seja irrelevável.
Portanto, temos de entender a natureza
patrimonial aqui em causa como bens suscetíveis
de avaliação em dinheiro e entendidos na
comunidade como bens de relevo pecuniário
(bem cujo relevo se esgota nesta avaliação
pecuniária)
• Podem ser arbitrados litígios relativos a bens ou relações
jurídicas sobre os quais possam celebrar transação
(artigo 1º/2 LAV)
o Transação refere-se ao contrato do artigo 1299º
CC (contrato mediante o qual partes põe fim a
litígio)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Podem fazer isto quando direito/litígio for


disponível
▪ Exemplo: direitos de autor têm natureza pessoal e patrimonial,
mas não disponível. DAÍ que existam estes dois critérios, em
alternativa, para alargar o âmbito de litígios que possam ser
apreciados pelo TA.
o Consoante o litígio seja presente ou futuro distinguimos dois tipos de
convenções arbitrais
▪ Litígio presente: compromisso arbitral
▪ Litígio eventual futuro: cláusula arbitral (mera cláusula no
contrato, no qual se prevê a constituição futura de um TA)
 Esta distinção consta da LAV porque os efeitos são diferentes
(artigo 1º/3).
Estes elementos para determinação do litígio são essenciais da arbitragem: têm de
ser determinado pelas partes. Se não for, a convenção arbitral é nula.
Na convenção arbitral podem designar-se mais pontos (que não apenas o núcleo
de elementos essências). Mas este núcleo tem de ser designado por elas: o tribunal
não se pode substituir a elas

FORMA:
o Deve observar a forma escrita (artigo 2º/1 LAV)
▪ Se não for observada, mas o autor alegar que celebrou com réu
uma convenção de arbitragem, e o réu não o contestar,
entende-se que requisito da forma está cumprido (artigo 2º/5)
▪ Estas regras podem ser modificadas até que haja aceitação do 1º
árbitro (artigo 4º/1) e podem ser revogadas na totalidade, a
todo o tempo, até à prolação da sentença arbitral, desde que
haja acordo (artigo 4º/2)

• Efeitos da convenção arbitral


o Temos de distinguir consoante se trate de compromisso arbitral ou
cláusula arbitral
o Compromisso: celebrado quando há litígio entre as partes, e esse litigio
pode estar a ser apreciado por um tribunal público, mas as partes a
dada altura entendem que é melhor para a prossecução dos seus
interesses que o litígio seja acometido a TA.
▪ Nesse caso (de estar a decorrer litigio), o compromisso é causa
da extinção da instância (277º/b e 280º CPC)
▪ Pode ser celebrado a todo o tempo
• A todo o momento as partes podem retirar competência
a tribunal público para conhecer da causa

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Exemplo: uma das razões para arbitragem é


garantir alguma reserva dos dados das partes.
▪ Portanto, o efeito é extinguir a instância declarativa que esteja
em curso
o Cláusula: o litígio é meramente eventual. Nos termos do artigo 96º/b
CPC, considera-se que os tribunais judiciais são absolutamente
incompetentes para conhecer desta causa. Simplesmente esta causa de
incompetência deve ser arguida pelas partes (artigo 97º CPC)
▪ Chama-se a isto uma EXCEÇÃO DILATÓRIA: direito do réu a
obstar a que aquele concreto tribunal conheça da causa (artigo
577º/a CPC)
• Consequência: absolvição do réu da instância (artigo
99º/1 CPC). Ou seja, esta relação processual extingue-se
e o tribunal deixa de conhecer da causa. A finalidade
disto é que tribunal público não possa desrespeitar a
convenção de arbitragem
▪ Se nenhum deles invocar a convenção, então tribunal público
pode conhecer da causa (porque isto não é de conhecimento
oficioso)
NOTA:

• Para garantir a possibilidade de constituição de TA há uma regra da LAV que


prevê que as questões relativas à nulidade, ineficácia e inexequibilidade da
convenção de arbitragem não podem ser autonomamente conhecidas em ação
de simples apreciação negativa proposta num tribunal estadual (artigo 5º/4),
salvo quando esta causa de não produção de efeitos seja manifesta (artigo
5º/1)
o Partes previram constituição de TA  Um dos mecanismos a que
podiam recorrer para não ir a TA era propor ação em tribunal judicial a
dizer que convenção arbitral não tinha efeito. Para evitar isto, a ação de
simples apreciação negativa não pode ser proposta junto de tribunal
público.
o Ou seja, o TA é que terá competência para aferir da sua competência,
mesmo que a convenção seja nula.

ÁRBITRO

• Característica da arbitragem é que o conhecimento de um litígio é reservado a


uma figura específica chamada árbitro
• Quem pode ser árbitro? Qualquer pessoa singular que seja capaz (em sentido
jurídico: que não seja menor, inabilitado e interditado)
o A responsabilidade para escolha do árbitro recai sobre partes

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Não tem de ser formado em Direito: interessante para certos tipos de


casos. Há TA que recorrem sistematicamente a árbitros não formados
em direito.
▪ Exemplos: empreitada e um litígio relativo a instalação de
turbinas numa barragem (se foram bem ou mal instaladas). Ação
gira em torno de matéria de facto. Para hipóteses desta
natureza as partes podem achar que TA deve ser formado por
engenheiro, jurista, e outra pessoa da área.
• Ter alguém conhecedor da matéria ajuda a decidir sobre
matéria de facto

• Artigo 9º/3 LAV: árbitro deve ser imparcial e independente


o Diferença para com juiz: não goza das mesmas garantias de
imparcialidade e independência (que vem do estatuto do magistrado
que lhe confere independência económica, funcional) – o árbitro não
tem isso
▪ Pode acontecer que um dos árbitros tenha um incentivo
económico a fazer prevalecer uma das posições de uma das
partes
▪ Não tendo por detrás o estatuto e magistrado judicial, a própria
condição do árbitro é mais insegura que a constituição de um
juiz
o Outro problema: convencer os clientes que árbitros são independentes
e imparciais (e que depois podem querer que eles o sejam, antes que a
outra parte o seja)
o Um juiz num tribunal público não tem medo de decidir num ou noutro
sentido porque no dia a seguir vai ter outro caso

• Número de árbitros mínimo: 1 (artigo 8º/1)


• Número de árbitros supletivo: 3 (artigo 8º/2)
o Se nada se determinar na convenção arbitral, designam-se 3
o A única limitação que se coloca é que eles têm de ser designados em
número ímpar
• Como é que normalmente se processa a designação?
o Cada parte designa um árbitro, e esses dois designam o árbitro
presidente (artigo 10º/3)
o Importa salientar que do POV do regime da arbitragem o árbitro
indicado pela parte não representa a parte. O representante é o
advogado. O árbitro decide litígio conforme ao Direito, e não conforme
à parte que o designou.
▪ O ideal será os três estarem de acordo quanto à decisão: isto
mostra que um dos árbitros designado por uma das partes está a
decidir contra os interesses dela

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• O árbitro tem a liberdade de o ser ou não, de aceitar ou rejeitar esta


incumbência (artigo 12º LAV) e tem direito a remuneração
• Uma vez aceite o encargo da arbitragem, o árbitro só se pode dela desincumbir
caso haja justa causa ou impossibilidade. Ou seja, uma vez aceite a posição de
árbitro tem o dever de exercer as suas funções.
o Regime da aceitação: artigo 12º LAV
• O dever principal do árbitro é o dever de conduzir o processo e decidir a causa
(praticar todos os atos necessários para resolver causa), mas também tem
deveres alterais, como o de sigilo relativo a todas as informações que obtenha
no processo (artigo 30º/5 LAV)

COMPETÊNCIA
4 níveis de competência do TA:

1. Competência para fixar a sua própria competência (Kompeteng-kompeteng),


mesmo que a cláusula arbitral (que lhes dá competência) seja nula
a. Tem poder para formular juízo sobre a sua competência para conhecer
da causa. Dois efeitos:
i. Negativo: nenhum outro tribunal se pode pronunciar, à partida,
sobre a competência do TA
ii. Positivo: o tribunal pode formular juízo sobre competência
b. Este princípio é particularmente relevante para as hipóteses em que do
contrato do qual consta cláusula arbitral seja nulo. Distinções a fazer:
i. 1º aspeto a considerar: para efeitos da aferição da competência,
considera-se nos termos do artigo 18º/2 LAV que a cláusula
compromissória que faça parte do contrato é um acordo
independente das demais cláusulas
1. Temos contrato com várias cláusulas, e depois uma é a
arbitral. Considera-se que a cláusula arbitral é resultado
doutro acordo, diferente daquele que resultou na
formulação do restante clausulado. Isto é a REDUÇÃO do
negócio jurídico (aproveitamos a cláusula arbitral por
tecnicamente provir de um acordo diferente). Ou seja,
pensamos em dois acordos: contrato e cláusula arbitral,
embora constem do mesmo texto são vistos como
acordos diferentes (porque tem objetos diferentes)
2. Se assim for, o TA é competente para duas coisas:
a. Se cláusula arbitral não for atingida (pela nulidade
do resto contrato) ele pode pronunciar-se sobre
competência e questão de fundo
i. Ou seja, TA pode declarar o resto do
contrato nulo

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

b. Se cláusula arbitral é inválida, o TA só se pode


declarar sobre a sua incompetência (e declarar-se
incompetente porque o fundamento da sua
competência é inválido)
ii. NOTA: se não houver cláusula arbitral, litígio não pode ser
submetido a TA

2. Se tribunal se declara competente, tem competência para se pronunciar sobre


a causa. Ou seja, se cláusula for válida eles têm competência para se
pronunciar sobre litígio
a. Litígio atinente a contrato, contrato é nulo. Se convenção arbitral é
válida, os árbitros podem declarar o resto do contrato nulo (artigo
18º/1)
b. Pode ser proferida na sentença final ou em decisão interlocutória
(decisão a meio do processo – já decorreu qualquer coisa antes, e vai
decorrer algo depois)
i. Tomar decisão sobre competência em momento interlocutório
evita prática de atos processuais inúteis
1. Pode ser mais conveniente numa fase intermédia do
processo tomar esta decisão (momento do despacho
saneador, numa ação cível comum)
2. Artigo 18º/9 LAV

3. (meramente eventual, que pode ser retirada pelas partes) O TA tem


competência para providências cautelares (artigo 20º LAV): se as partes nada
estipularem em sentido contrário, os árbitros podem proferir decisão sobre
fundo da causa e decretarem medidas provisórias para valerem enquanto
decisão sobre fundo da causa não é proferida
a. Particularidade das providências cautelares da LAV: ao contrário das do
CPC, as da LAV só podem ser decretadas depois de se ouvir a
contraparte (a audição da contraparte não pode ser dispensada)
i. CPC: audição pode ser dispensada (ainda que via de regra se oiça
a contraparte)
b. As providências cautelares têm força executiva, mas se não forem
respeitadas podem ser executadas num tribunal cível público (artigo
27º LAV). Durante muito tempo entendeu-se que elas eram
incompatíveis coma arbitragem, mas isso mudou com nova LAV

4. (meramente eventual, as partes podem retirar esta competência aos árbitros)


competência para proferir ordens preliminares (artigo 23º LAV)
a. As ordens preliminares são ordens que são dadas pelo TA a uma das
partes para que observe um certo comportamento enquanto a
providência cautelar não é decretada (artigos 22º e 23º LAV)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

b. Estas, que são decretadas sem audição da contraparte, não podem ser
executadas coercivamente (artigo 27º LAV a contrario)
NOTA: as providências cautelares só valem a partir da audição do réu (tutela
provisória). Tutela principal só vale a partir da sentença. Tutela provisoríssima através
da ordem preliminar que vale até poder ser decretada providência cautelar (ou seja,
no período entre petição inicial e contestação do réu).
A competência própria de um TA é para fixar a sua competência e proferir a
sentença final. Para decretar providências cautelares e ordens preliminares tem essa
competência supletivamente (mas as partes podem retira-la)

REGRAS DO PROCESSO

• A LAV não fixa regras processuais precisas. Elas poderão ser acordadas pelas
partes (artigo 30º/2 LAV)
o A nível internacional há mesmo obras que têm regras processuais que
podem ser definidas pelas partes
o Normalmente, as partes apoiam-se em regras processuais que já
existem (remetem para regras do CPC, para regras do processo arbitral
x ou y, etc.,)
• Em todo o caso, a LAV fixa certos parâmetros que têm de ser respeitados por
estas regras processuais. Portanto, não é uma liberdade absoluta. Se a decisão
arbitral vai valer como decisão com força executiva é necessário que ela seja
proferida ao termo de um processo em que se observaram certas garantias
fundamentais.
o Princípios que não podem ser postergados (artigo 30º/1 LAV) – são
princípios elementares
▪ Alínea a): demandado tem de ser citado para se defender
▪ Alínea b): partes são tratadas com igualdade + oportunidade de
fazerem valer os seus direitos
• Princípio do contraditório e da paridade das partes
▪ Alínea c): observância do princípio do contraditório
• Este princípio é também um meio de proteção das partes
contra o tribunal. O TA deve dar às partes pelo menos
uma oportunidade de pronúncia sobre TODOS os aspetos
relevantes para decisão
o Dentro destes cânones gerais, as partes têm liberdade de conformação
do processo arbitral
• Processo inicia-se supletivamente (33º/1) com o pedido de uma das partes,
mais especificamente quando este é recebido pelo demandado de que o
demandante pretende submeter um certo litígio à arbitragem. Despois do
pedido ser feito, caso não seja respeitado, o demandante pode reforçar a
constituição do TA. Depois do pedido são apresentadas as peças processuais.
o Artigo 33º/2 LAV
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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Decisão arbitral e seu decurso

• Sabemos que o processo arbitral pode gozar de regras modeladas com grande
grau de liberdade. O fim de um processo arbitral, tendencialmente, é sempre o
mesmo: é uma decisão sob a forma de SENTENÇA proferida pelos árbitros
o Sentença = decisão que poe termo a uma causa
• Sentença pode ser proferida com base em três fundamentos diferentes:
o 1ª opção supletiva: árbitros decidirem segundo direito estrito (artigo
39º/1 LAV)
▪ Neste caso, é possível o recurso da decisão que será interposto
para o tribunal da relação (artigo 59º/1/e LAV)
▪ Particularidade: via de regra o recurso não é admitido na
arbitragem (artigo 39º/4 LAV). Ou seja, para que possa haver
recurso é preciso que as partes hajam especificamente acordado
nessa possibilidade.
o 2ª opção/fundamento para decisão: se as partes nisso acordarem
expressamente, pode impelir que decisão seja tomada com base na
equidade (39º/2)
o 3ª opção: decisão tomada com apelo ao equilíbrio dos interesses em
jogo (artigo 39º/3)
▪ Esta possibilidade é admitida em tribunal civil, se houver acordo.
Mas aqui não é interessante, e sim nos TA porque partes
escolhem árbitros e podem apelar às particulares sensibilidades
dos árbitros
▪ Neste caso, contudo, justamente porque a decisão a ser
proferida é proferida em resultado da sensibilidade dos árbitros,
de sensibilidade específica, pessoal, NÃO PODE haver recurso da
decisão
NOTA: a arbitragem, historicamente, teve muito sucesso no direito comercial (no
sentido de comércio internacional) e é aqui que a ideia de resolução de litígios com
base na equidade ou equilíbrio dos interesses em jogo, é interessante (exemplo: partes
que há medida que processo avança mudam sensibilidade e que perder ação ia
prejudicar muito outra, pelo que uma decisão compromissória iria beneficiar ambas as
partes).

Particularidade da arbitragem é que as partes podem dispensar a fundamentação


de sentença. Trata-se da perda de uma garantia fundamental das partes, mas é uma
diminuição desta que é tolerada pela LAV – carece de convenção prévia. As partes têm
de assumir este risco de serem destinatárias de decisão cujos fundamentos não são
regulados. Em PT a sentença arbitral vale como sentença de tribunal judicial, não
precisando de reconhecimento, mesmo que não tenha fundamentação.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Artigo 40º LAV prevê duas regras para tomar decisão:


1. A decisão é tomada por maioria dos árbitros
2. Se não houver maioria (portanto, se cada árbitro pensar de maneira diferente,
adotar posição diferente), a decisão do presidente do TA é aquela que
prevalece. A sentença é proferida pelo presidente do TA (artigo 40º/1/parte
final LAV)
a. No regime supletivo, o presidente é aquele que não foi designado por
nenhuma das partes (posição de maior independência entre os árbitros)
NOTA: a regra da composição do TA diz-nos que o TA tem de ter
composição ímpar (o que permite aplicar esta regra de decisão).
Se a decisão vier a ser proferida, vale com o mesmo valor, salvo uma ou outra
especialidade que possa haver, que uma sentença proferida por um tribunal público
(não carece de qualquer processo de reconhecimento) – artigo 47º LAV. A única
possibilidade que as partes têm de atacar esta decisão depois de ela transitar em
julgado é pedirem a respetiva anulação.
A anulação é sempre admitida (artigo 46º LAV). Trata-se de um direito
irrenunciável (46º/5), exercido no prazo de 60 dias contados da data de notificação da
sentença (46º/6). Só e admissível em casos de enorme gravidade.
Fundamentos para anulação: artigo 46º/3 LAV.
Exemplos:
x Caso se viole princípios contraditório ou paridade de partes,
sentença pode ser anulada (46º/3/a/ii).
X 46º/3/b/ii  ordem pública internacional e PT (as regras mais
importantes). É um conceito relativamente indeterminado, mas que se
usa como recusa da aplicação do direito quando decisão é proferida por
órgão que não tem posição integrante do sistema.
NOTA: a arbitragem voluntária, muito embora seja executada, promovida, por
particulares conta com o auxílio do sistema público de justiça. É importante salientar
que o tribunal da relação tem competência para a prática de uma série de atos que
permitem garantir o bom funcionamento do TA (artigo 59º/1 LAV).
Exemplo: se partes não nomeiam árbitros, podem recorrer a TR para
que esses sejam nomeados (artigo 59º/1/a LAV)

VANTAGENS E INCOVENIENTES
Do POV sociológico goza de grande heterogeneidade. Um juízo que se formule
em geral é sempre frágil: pode valer para uns tipos de arbitragem, mas não
para outros.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Vantagens
• Trata-se de um meio de resolução de litígo que pode garantir uma decisão
particularmente rápida
o Porquê? A LAV prevê prazo supletivo de 12 meses para que decisão seja
proferida (artigo 43º LAV). MAIS: justamente pela possibilidade que as
partes têm para escolher o árbitro. Podem escolher árbitros que estão
em condições de proferir decisão num espaço curto de tempo.
▪ Reverso: pode não ser árbitro que decida com celeridade
▪ MAIS: isto tem custos  gozar de atividade de pessoa em
exclusivo tem de pagar
• Trata-se de um meio de resolução de litígios particularmente apto a resolver
litígios que obriguem a um certo conjunto de conhecimentos especializados
o Juiz num tribunal público é generalista, mas há matérias de grande
especialidade para o qual ele pode não estar vocacionado a resolver
o Daí a arbitragem ter tido sucesso nestes domínios (arbitragem do
desporto)
• Trata-se de um mecanismo que permite a resolução de litígios com certa
discrição, longe dos olhares do público
o Partes podem não querer revelar ao público a sua contabilidade, os seus
segredos de negócio, etc.
o Exemplo interessante: litígios sucessórios – os herdeiros podem
pretender que as diferentes questões atinentes à sucessão não sejam
desocultadas (caso extramatrimonial do que faleceu, etc.)
• No campo comercial, a arbitragem pode servir de mecanismo de abertura a
soluções negociadas entre as partes (uma sociedade comercial não está
preocupada com ter o direito do seu lado ou não, mas sim com o lucro, e se a
solução negociada com outra parte e favorecida pelos árbitros permitir manter
boa relação com a outra parte, nada a obstar a que assim aconteça)
Inconveniente

• Não goza de todas aquelas garantias que estão associadas ao sistema público
de justiça. Este último pretende reduzir um certo risco que recai sobre os
membros da comunidade: risco das assimetrias de informação quanto aos
elementos que podem contribuir para a definição das suas posições jurídicas.
o Ou seja, se os membros da comunidade ignoram o lado jurídico
aplicável às suas posições jurídicas, então a comunidade jurídica garante
que julgador goza de formação jurídica, de estatuto, pelo que parte é
protegida em face da sua própria ignorância
o Estas garantias não estão presentes na arbitragem porque quem
designa é a própria parte: ela não é protegida face à sua ignorância
• Os custos associados
o Nuns casos podem ser marcadamente superiores aos de recurso a
tribunal judicial

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

A arbitragem alarga espaço de liberdade dos membros da comunidade jurídica,


concedendo-lhes uma nova opção. Todas as suas vantagens e desvantagens estão
associadas a este elemento.
 Grande vantagem: aumentar a liberdade, as possibilidades de modos de
resolução de litígio, permitir que a parte escolha o mecanismo mais conveniente.
 Grande desvantagem: risco que recai sobre parte de decisão não
informada, não esclarecida e do desconhecimento de todas as circunstâncias que
envolve um litígio.

Tipicamente a arbitragem será boa para casos em que há paridade de poder entre
as partes (máxime, comércio internacional).

4.2. MEDIAÇÃO
Intervém para a resolução de litígios o mediador, cuja função é aproximar as
partes para que elas partes coloquem termo ao seu conflito. Na mediação, há um
terceiro que é chamado a intervir, mas que não decidirá sobre a causa: terá uma mera
função de aproximação das partes do litígio para que elas próprias resolvam o litígio
sozinhas.
Por detrás da mediação está também uma diferente compreensão de direito: a
ideia que lhe subjaz não é de que as partes têm direitos subjetivos próprios, cujos
pressupostos vão ser verificados numa ação judicial, no âmbito da qual se declarará o
direito, MAS SIM que a solução do litígio não deve passar pelo esclarecimento relativo
às posições jurídicas de cada uma, mas pelo consenso. Ou seja, na mediação o litígio é
resolvido de forma negocial.

Lei 29/2013 – regula a mediação.


Artigo 2º/a: definição de mediação. Na mediação quem resolve o conflito são as
próprias partes, sendo que o 3º se limita a aproximar as partes.

No sentido de partir de pressupostos diferentes, esta é uma verdadeira alternativa


ao sistema judicial, tem sido um mecanismo amplamente promovido pelos poderes
públicos (interno e a nível da UE): em diferentes domínios têm-se afirmado formas de
mediação, como por exemplo mediação familiar, laboral, penal, civil e comercial 
claramente há uma preocupação em ampliar o campo de aplicação desta forma de
resolução de litígios.
No direito da UE há uma diretiva muito importante: 2013/11 UE. Esta diretiva é
relativa a resolução de litígios de consumo, promovendo a mediação.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Quais são as razões que estão por detrás da introdução desta figura?
Exercício interpretativo: interessam as razões que são dadas para legitimar a
introdução da figura, bem como as que não são dadas, mas servem para explicar a
figura.
1. Por esta via procura-se aumentar o conjunto de possibilidades de resolução de
litígios disponível para os membros da comunidade jurídica. Isto é, procura-se
por esta via reforçar as formas de proteção jurídica, não através de ações
judiciais, mas através de soluções consensuais, obtidas através do auxílio de
terceiro.
2. Procurar-se por esta via descongestionar os tribunais. Num processo judicial
intervém muita gente (advogados, juízes, escrivães, etc.). Na mediação só se
exige partes e mediador, pelo que se tratará de modalidade de resolução de
litígios menos onerosa e, portanto, de um expediente, entre muitos outros, que
o legislador se pode servir para tentar descongestionar os tribunais.
3. Por detrás da mediação está uma diferente compreensão do Direito, segundo a
qual as posições jurídicas estão ao serviço de interesses de outra natureza. Por
exemplo de interesses de natureza económica. Se assim é, então não há
nenhuma razão para continuar a fazer prevalecer um meio de resolução de
litígios que assenta no reconhecimento formal de posições jurídicas (porque
elas não têm valor por si próprias) havendo, sim, que introduzir meio de
resolução de litígios em que elas estão livremente subordinadas a outros
interesses (em que elas são mero e simples objeto de negociação).
a. Razão não oficialmente avançada
b. Ou seja: conhecer as posições de que se é titular e vê-las declaradas não
tem valor por si próprias; elas são meramente instrumentais face a
qualquer outro interesse.
c. O mediador não tem de ser licenciado em direito, as partes não têm de
ser assistidas por advogado – o momento formal do Direito não
desempenha qualquer função
i. Trata-se de um mecanismo quase à margem do Direito
4. Por detrás da divulgação deste mecanismo pela UE, está a preocupação por
parte do DUE de desenvolver o seu mecanismo próprio, específico, de
resolução de litígios, cuja legitimidade não radique no direito dos E-M. A
estrutura de proteção jurídica dos E-M assenta em sistemas processuais
jurisdicionais; a UE tem promovido à margem destes sistemas um 2º modo de
resolução de conflitos (o seu modo próprio). Devemos equacionar pelo menos
a possibilidade de estarmos aqui na presença de como que uma luta pelo
processo civil (qual o PC que devemos ter), sendo que UE promove um modo
de resolução de litígios que não passa pelo processo mas sim outros
mecanismos.
a. Razão não oficialmente avançada

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Ponto 4 da Diretiva 2013/11 UE: forma simples, eficaz, célere e económica de


resolver litígios nacionais e transfronteiriços. Note-se que o DUE tem importância
enorme em todos os domínios, mas tem um perfil de legitimação diferente do direito
nacional. Mais: nesta sequência de adjetivos não se diz que se quer assegurar formas
mais justas de acesso à justiça. Portanto, o critério não é justiça, mas sim eficiência
(bom funcionamento, ou pelo menos mais eficiente, do mercado interno).

Juízo que devemos formular acerca da mediação:

• Desde que a mediação não sirva como uma forma de diminuir as garantias
conferidas pelo sistema formal de justiça (sistema de justiça pública), ou seja,
desde que opere como complemento, enriquecimento de possibilidades dadas
aos membros da comunidade jurídica, nesse caso é um mecanismo que
devemos aceitar e considerar favorável.
• Se, pelo contrário, operar como justiça de 2ª categoria para quem não tem
acesso a advogado nem tem capacidade económica real para poder suportar o
custo de uma ação judicial (em vez de ser complemento, é sucedâneo para
quem não tem acesso ao processo público), nesse caso a mediação é de
afastar.
Por detrás da mediação, para esta ter legitimidade, deverá haver consentimento
esclarecido, informado, das partes e deverá haver um mediador qualificado.

REGIME DA MEDIAÇÃO
Legislação aplicável:

• Lei 29/2013, de 19 de abril


o Duplo âmbito: fixa princípios gerais da mediação (para qualquer tipo de
mediação) e depois fixa regime específico da mediação civil e comercial
• Portaria 344/2013, de 27 de novembro
o Apontamentos do doutor Tavares Sousa não a refere
Na base da mediação está um acordo das partes: acordo de mediação. Tem por
objeto o recurso a um mediador que facilite a obtenção de acordo entre as próprias
partes.
Este acordo pode ter lugar em três contextos diferentes:
1. Pode ser acordo celebrado para resolver um litígio atual
a. Partes estão em conflito e decidem recorrer a mediação
b. A mediação inicia-se apenas com o protocolo de mediação, nos termos
do artigo 16º/2
2. As partes podem celebrar uma convenção de mediação, em termos análogos a
uma cláusula arbitral (artigo 12 º/1)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. As partes no seu contrato preveem que em caso de conflito recorrerão


a um mediador
b. Regime desta cláusula: nos termos do artigo 12º/4, se a ação vier a ser
proposta num tribunal judicial, o réu, na sua 1ª oportunidade de defesa
pode arguir a preterição de mediação.
i. Consequência da preterição de mediação: suspensão de
instância (e processo segue para mediação; e depois pode voltar
se mediação for mal sucedida)
1. Diferença para TA: quando há preterição, há absolvição
de instância porque vai haver um novo processo judicial
(mediação não é um processo judicial)
3. A ação dá entrada num tribunal judicial e é posteriormente determinado que o
conflito seja sujeito a mediação (artigo 273º CPC)
a. Próximo do compromisso arbitral
b. Esta determinação de que o litígio será submetido a mediação pode ser
feita:
i. 1) Pelo juiz
1. Há a possibilidade de as partes expressamente oporem-
se a isto (273º/1)
ii. 2) Pelas partes
1. Nesse caso a instância suspende-se
No que toca ao litígio, ele só pode ser sujeito a mediação caso a relação material
seja patrimonial (artigo 11º/1 da lei de mediação) ou caso as partes possam celebrar
transação sobre o direito controvertido (artigo 11º/2 da lei)
 Nos mesmos casos em que é permitida arbitragem em matéria civil e
comercial, é permitida a mediação

Fundamental é a regra de que a mediação é sempre voluntária (artigo 4º -


princípio da voluntariedade). Este princípio é lógico porque se a mediação assenta no
consenso, o consenso só é livre se a parte continuar a gozar da liberdade de dizer ‘não’
ao acordo. Se parte tem de gozar desta liberdade a todo o momento, também tem a
liberdade de dizer ‘não’ ao procedimento de mediação que se destina a favorecer esse
acordo. Este princípio manifesta-se em três planos:
1. Na base do procedimento de mediação tem de estar um acordo das partes
a. Exceção: mediação determinada pelo juiz (mas partes podem-se opor
expressamente, pelo que há garantia do respeito pela posição subjetiva
de cada uma das partes)
b. Trata-se de um consentimento que deve ser esclarecido e informado: as
partes devem conhecer qual é o âmbito da mediação, o que podem
perder através desta (conhecer vantagens e riscos)
2. O consentimento que as partes deram à mediação pode ser revogado a todo o
momento (artigo 4º/2)

61
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Se isto acontece, estamos num caso de acordo eficaz não vinculante:


eficaz porque produz efeitos, não vinculante porque a parte pode
mudar a sua intenção de revogar a sua declaração
i. Acordo não obsta a que parte possa mudar o seu arbítrio
3. As partes não podem sofrer nenhuma consequência por recusarem iniciar ou
prosseguir o procedimento de mediação (artigo 4º/3). De outra forma, o
consentimento não seria completamente livre.
Dificuldade interpretativa: se vale o princípio da voluntariedade, como se
harmoniza este princípio com o artigo 12º/4 (regra que permitia ao réu excecionar a
preterição de mediação, fazendo com que a ação fosse remetida para mediação)?
Se vale o princípio da voluntariedade, não deveríamos pensar que através do seu
articulado (petição inicial) o autor revoga o seu consentimento à mediação? Se
mediação é sempre voluntária, mas autor não recorre a ela, mas propõe ação judicial,
não devíamos entender que revogou à mediação? Não. Não podemos abrogar uma
regre especial face a regra geral: temos de fazer o oposto – regra especial vale sobre
geral (artigo 12º/4 é uma limitação ao princípio da voluntariedade, é regra especial).
MAS: qual é a utilidade de autor ser remetido para mediação quando não quer
que ela funcione? Qual a utilidade de afirmar que esta regra é especial face ao
princípio da voluntariedade? A mediação antes de se iniciar é precedida de sessão de
pré-mediação, na qual as partes são informadas das vantagens e regras da mediação.
Ora, com esta regra, pode procurar-se garantir que o autor que se comprometeu a
recorrer à mediação é concretamente informado das vantagens, E DEPOIS pode
revogar consentimento. Não é obrigado a seguir mediação, mas porque se vinculou
antes é forçado a, antes de formar a sua vontade, ser informado das vantagens e
inconvenientes da mediação.

MEDIADOR

• O mediador está definido no artigo 2º/b da lei. É referido como um 3º,


imparcial, independente, sem poderes de imposição (não tem poderes
decisórios), mas que tem por função auxiliar as partes na obtenção de um
acordo.
o Na mediação há um 3º que intervém a ajudar as partes a resolverem
litígio por si próprias: ele só as aproxima.
• Este mediador deverá (artigo 8º da lei) adquirir as competências adequadas ao
exercício da sua atividade, frequentando ações de formação (…) nos termos do
artigo 24º. Portanto, procura-se que ele goze de algum tipo de formação. Esta
formação não é necessariamente uma formação jurídica em sentido estrito
porque a mediação não é forma de resolução de litígios em sentido estrito. A
competência específica de que mediador goza traduz-se em saber aproximar as
partes: precisa de ter competência emocional, de aproximação.
o Isto vê-se nas autoridades autorizadas a realizar estes cursos de
formação (lista do MJ): muitas delas não se dedicam à formação

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

jurídica. Até por aqui se vê que a mediação é o modo que mais desafia a
nossa forma de aplicar o Direito, porque verdadeiramente não o aplica.
• Se o mediador gozar de certas aptidões específicas e se for inscrito na lista de
mediadores de conflitos organizada pelo MJ, se intervier no procedimento de
mediação o acordo que vier a ser obtido tem características especiais e é
exequível (artigo 9º/1)
o A lei não enquadra situação de mediador não ter formação nenhuma

• Quem é que escolhe mediador? Duas hipóteses


o Escolha livre das partes (17º/1)
▪ É isto que nos interessa
▪ Se forem prudentes, devem designar mediador que faz parte da
lista de mediadores do MJ
o Estar organizado o que lei designa de sistema público de mediação
(artigos 30º e seguintes). Nesse caso, deve ser designado um dos
mediadores inscritos no sistema (artigo 38º)

ESTATUTO DO MEDIADOR
Não está definido com grande clareza, mas há um conjunto de regras que fixam
marcos que balizam a respetiva atividade

• Princípio da confidencialidade (artigo 5º): o mediador tem um dever de sigilo


em relação a todos os factos de que tome conhecimento no processo de
mediação. Este regime é garantido por outra regra:
• Artigo 5º/4: conteúdo das sessões de mediação não pode ser valorado em
tribunal
o Uma das razões que pode levar ama das partes a ser renitente acerca da
revelação de certos factos é saber que eles podem ser usados contra si.
Isto leva a que ação civil possa assumir uma vertente mais conflitual.
Contrariamente, a mediação pretende, justamente para garantir clima
mais dialogante, convivial, cooperativo, impedir que informações dadas
pelas partes possam ser valoradas noutro contexto.
o Claro que isto não é assim tão linear: a garantia tem as suas fragilidades.
Quando partes vão para procedimento de mediação sabem que, caso
procedimento não seja bem-sucedido, pode suceder uma ação
principal. Ora, muitas vezes, as próprias partes podem, no
procedimento de mediação, adotar já um comportamento mais
retraído, mais cauteloso. É verdade que informação não pode ser
valorada: mas o que foi dito, foi dito.
o Este princípio não garante que partes ajam com total transparência
porque têm medo que em ação futura o que disseram possa ser obtido
por outra forma. A confidencialidade não garante tudo, porque
informação já foi dita.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Princípio da igualdade e imparcialidade (artigo 6º): justamente porque se


pretende um acordo entre ambas as partes, procura-se que ambas as partes
possam participar em condições de paridade no procedimento de mediação.
Para garantir um acordo válido é preciso que vontade seja esclarecida, e para
isso elas têm de participar do procedimento de mediação, e daí que medidor as
tenha de tratar com igualdade e imparcialidade.
• Princípio da independência (artigo 7º): para aproximar as partes, o mediador
não está sujeito, naquela concreta atividade de mediação, às indicações de
qualquer outra pessoa (ele age por si próprio – nem de forma delegada nem
subordinada). É ele que escolhe o mecanismo que a seu entender é o mais apto
a aproximar as partes. Para garantia deste regime encontra-se previsto um
amplo conjunto de direitos e deveres dos mediadores nos artigos 23º e
seguintes.

PROCEDIMENTO
Artigos 16º e seguintes
1. O procedimento de mediação inicia-se com a realização de uma sessão de pré-
mediação (artigo 16º/1)
a. Finalidade desta sessão: informar as partes do funcionamento e das
regras da mediação (artigo 16º/1/2ª parte)
b. Em função desta informação, as partes podem pretender continuar com
a mediação ou não
i. O resultado da sessão de pré-mediação é eventual acordo das
partes em verem o seu conflito mediado por terceiro OU recusa
da mediação (e por força do princípio da voluntariedade, não há
mediação)
2. Se pretenderem que mediação ocorra, assinam protocolo de mediação (artigo
16º/2)
a. Protocolo: termo pouco técnico
b. Natureza do protocolo: acordo negocial que dá origem ao procedimento
de mediação
c. Neste protocolo constam todos os elementos relevantes para
mediação (artigo 16º/3): identificação das partes, data da mediação,
etc.
d. Este protocolo configura verdadeiro PROGRAMA da mediação: os
termos fundamentais da mediação estão lá todos (relativos ao litígio,
procedimento, mediador)
i. Verdadeiro ato iniciático da mediação
ii. Celebrado este, inicia-se mediação propriamente dita
Não é um meio judicativo de resolução de litígios, pelo que não há regras
procedimentais

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

3. As sessões de mediação decorrem na presença das partes, acompanhadas de


advogados/solicitadores, e mediadores
4. O que acontece na mediação? Não há tramitação precisa – isso é a técnica do
mediador.

O mediador decide de acordo com direito ou equidade? Não decide nada.

Quando termina procedimento? Artigo 19º (aponta causas de extinção do


procedimento)

• Alínea a: obtenção de acordo das partes


• Alínea b: desistência de qualquer das partes
o O acordo de mediação não é vinculante
• Alínea c: quando o mediador o decida, mesmo contra a vontade das partes
• Alínea d: quando se verifique impossibilidade de obtenção do acordo
• Alínea e: quando se atinja prazo máximo de duração do procedimento,
incluindo prorrogação do mesmo (isto na medida em que esteja estabelecido
prazo para ele)

VALOR DO ACORDO DAS PARTES


Devemos distinguir dois tipos de mediação:
1. Mediação na pendência de processo judicial: o juiz deve suspender a instância
(273º CPC).
a. Imaginemos que instância suspendeu, ocorreu mediação e obteve-se
acordo. Mas instância continua suspensa. Por isso, vai ser preciso
homologar o acordo das partes. Se for obtido o acordo nos termos do
273º/5, ele é enviado para o tribunal para ser homologado. Isto
acontecendo, a instância extingue-se por acordo das partes.
b. Nos termos do artigo 45º da lei, o juiz segue os critérios do artigo 14º
da lei (as regras de homologação são sempre as mesmas)
2. Mediação fora da pendência de um processo judicial
a. Se acordo de mediação respeitar os pressupostos do artigo 9º/1 não
carece de ser homologado e tem logo força executiva
i. Regra específica para ter logo força executiva: mediador está na
lista oficial do MJ
b. Nos restantes casos, o acordo não vale logo como exequível, mas partes
têm possibilidade de promover a homologação judicial do acordo nos
termos do artigo 14º. Se o fizerem, ele passa a ter força executiva.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

4.3. JULGADOS DE PAZ


Os julgados de paz são um meio alternativo de resolução de litígios que está
previsto quer ao nível constitucional quer ao nível da legislação ordinária.
Ao nível constitucional prevê-se uma regra de que eles podem ser constituídos, e
ao nível da legislação ordinária esta possibilidade de constituição foi exercida e eles
desde 2001 que estão compreendidos no direito PT.
A regra constitucional é o artigo 209º/2 CRP: podem ser criados. Não se diz que
no sistema judiciário eles existem, mas refere-se a possibilidade da sua criação.
Na LOSJ, que estrutura sistema de justiça, no artigo 151º estes estão previstos:
efetivamente os julgados de paz marcam presença no sistema judiciário.
A regulação específica dos julgados de paz consta da lei 78/2001, de 13 julho
(alterada pela ultima vez pela lei 54/2013, de 31 de julho).

Esta figura foi introduzida no direito PT em 2001, a título experimental. Isto é uma
das características que o Direito tem vindo a assumir: figuras experimentais. Neste
momento, já estão estabilizados e já não se faz menção a este caráter. Contudo, há
que referenciar que muito embora seja uma figura recente: a designação juiz de paz é
muito antiga. É uma designação que já existia nas Ordenações, e existiu até ao século
XX, sempre com diferentes funções. Portanto, tentou introduzir-se figura nova com o
nome de figura antiga. Portanto, julgados de paz não tem 400 anos.
Havia juízes de paz nas Ordenações, mas não eram estes. Recuperou-se
significante antigo para ter significado diferente.

CARACTERÍSTICAS
O mote de merchandising da lei é “justiça de proximidade”
Do POV material, as características são as seguintes:
1. Procedimento com maior simplicidade e com menores exigências
procedimentais.
a. Daqui decorre celeridade (e possivelmente decisão mais imprevisível)
2. (vantagem extraordinária) os custos são extraordinariamente baixos
a. Nos termos da portaria 1456/2001, de 28 setembro: custo total do
processo é 70€.
b. Funciona bem para resolver pequenos litígios
c. Há uma fase do processo, onde pode haver mediação, e que se for bem
sucedida só custa 50€.
3. Ainda que se trate de um meio de resolução alternativa de litígios, com
simplicidade processual, ainda goza de certas garantias processuais (meio
procedimentalmente mais simples, mas ainda assim procedimental)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Isto vê-se com o facto de o juiz de paz ter estatuto próprio: muito
embora não seja magistrado, goza das garantias dos próprios
trabalhadores que exercem funções públicas, gozando de posição de
independência face às partes (o que é muito importante)

Caracterizar estrutura dos julgados de paz no seu conjunto:


 Estrutura judicativa porque serva para proferir julgamento
• Estrutura fragmentária:
o Só tem competência para algumas matérias
o No que respeita à competência territorial, os julgados de paz não têm
competência sobre todo o território nacional
▪ A criação de julgados de paz depende de juízo de oportunidade,
de conveniência

• Autónoma dos tribunais judiciais (do POV orgânico)


o Órgãos decisórios que organicamente são autónomos dos tribunais
judiciais
o Está sujeito à atividade de fiscalização do Conselho de Julgados de paz
(artigo 65º da lei)
▪ Este conselho funciona junto da AR
• Entidade administrativa independente (com finalidade
regulação e supervisão económica E outras relativas à
proteção de DFs, funcionado junto da AR)
• Este conselho funciona quase assim: entidade
administrativa independente que funciona junto da AR e
que tem por função supervisionar o funcionamento dos
julgados de paz
o DF em causa: acesso ao direito e proteção jurídica
• Tem 6 membros, e apenas 1 é apenas representante dos
juízes de paz (artigo 65º/2 da lei)
o Mostra que é efetivamente uma entidade de
controlo

• Cujas competências se articulem funcionalmente com as dos tribunais judiciais:


categoria de órgãos decisórios cujas competências se articulam funcionalmente
com as competências dos TJ  Esta coordenação funcional revela-se ao menos
nas seguintes três características
o 1) da decisão do julgado de paz cabe recurso para tribunal de 1ª
instância (artigo 62º/2)
o 2) se a ação for proposta junto do julgado de paz, e este for
incompetente, deverá remeter processo para tribunal competente
(artigo 7º)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o 3) se for necessária a produção de prova pericial, o processo é remetido


para tribunal de 1º instância, e depois de feita a prova é devolvido ao
julgado de paz (artigo 59º/4): tribunal judicial desempenha função de
auxílio do julgado de paz

NATUREZA JURÍDICA
São ou não são verdadeiros tribunais? A resposta depende daquilo que se entenda
que é um tribunal. O que é um tribunal? Pergunta que não é muitas vezes suscitada.
A favor da qualificação como tribunal, depõe os seguintes argumentos:

• Do POV normativo, efetivamente, os julgados de paz estão compreendidos na


parte da CRP relativa à organização judiciária. Por outro lado, estão também
previstos na LOSJ
o São pensados como entidades que exercem uma certa função de
resolução de litígios
• Acresce que eles resolvem litígios de acordo com o método da aplicação do
Direito a certos factos (seguido nos tribunais judiciais comuns)
• O próprio decisor dos julgados de paz é chamado ‘juiz de paz’: a designação
aponta para a sua qualificação como juiz e, portanto, qualificação do órgão
como tribunal de sua própria natureza

Argumento a favor da sua não qualificação como tribunal, mas sim instância de
outra natureza:

• Há entidades que não são tribunais que têm por finalidade aplicar o Direito a
certos factos, com efeitos vinculativos das partes
o Ou seja, não é privativo dos tribunais a aplicação com força vinculante
do Direito a certos factos
o E aplicação essa por sujeitos independentes, imparciais
▪ Exemplo: entidades reguladoras independentes (fazem isto)
o Portanto, para ser tribunal é preciso algo mais do que poder decidir com
força vinculante. E o que é esse algo mais? É o estatuto orgânico,
específico do julgador
▪ Há tribunal onde há juiz, e há juiz quando há alguém que goze de
estatuto de juiz (é elemento diferenciador do tribunal). Então,
julgados de paz não são verdadeiro tribunal: são seguramente
instância de resolução de litígios, mas não tribunal, porque juiz
de paz não é magistrado, mas apenas funcionário público
▪ Portanto, a designação como meio alternativo de resolução de
litígios parece adequada: meio quase por via de tribunal (a meio
caminho entre instância administrativa e judicial em sentido
estrito)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

▪ MAS tudo isto depende daquilo que entendemos por tribunal.


Se alguém entender que não é preciso este estatuto de juiz,
então julgados de paz já poderão ser qualificados como
tribunais.

REGIME APLICÁVEL
Lei dos julgados de paz

• Esta lei tem normação reduzida


o Subsidiariamente aplicamos regras do CPC, nos termos do artigo 63º da
lei

COMPETÊNCIA
Para determinar a respetiva competência a lei serve-se de vários fatores (que se
têm de verificar em simultâneo – fatores cumulativos):

• Finalidade do processo: os julgados de paz só têm competência para ações


declarativas (artigo 6º/1), não tendo competência para ações executivas – só
declaram direito, não impondo a sua observância. Caso se pretenda recorrer a
ação executiva, temos de ir a tribunais comuns.

• Valor: os julgados de paz têm competência para ações cujo valor não exceda 15
000€ (artigo 8º da lei)
o Alteração de 2013
▪ Até lá era de 5 000€
▪ Daqui decorre-se que se está a aumentar a competência dos
julgados de paz
• Aumento da confiança a nível político ao nível das
virtualidades deste mecanismo
o Cálculo efetuado de acordo com as regras dos artigos 296º e seguintes
CPP, por força do artigo 63º da lei

• Matéria: artigo 9º. A matéria respeita à natureza jurídica da questão


submetida a litígio. Devemos distinguir dois tipos de casos (9º/1 e 2):
o 9º/1: refere praticamente todos os casos que possa haver de ações de
natureza obrigacional e real
▪ Excluem-se ações de natureza pessoal, familiar e sucessória
▪ ENORME EXCEÇÃO: 9º/1/a/2ª parte – obrigação pecuniária
decorrente de contrato de adesão. Por trás desta exclusão está o
facto de as cláusulas contratuais gerais servirem para celebração
de contratos em massa. Tipicamente essas questões que os
contratos suscitam respeitam a grandes operadores económicos
de um dos lados da relação. Portanto, exclui-se competência

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

para conhecer destas ações para garantir que não ficam


congestionados e focarem-se na sua função (ações de pequena
dimensão, de particulares; e não de grandes dimensões, de
massa)
o 9º/2: há uma regra do PP que é o princípio de adesão – se numa ação
penal o titular do bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime
pretender ser indemnizado deve deduzir o pedido de indemnização
cível na ação penal (artigo 71º CPP). Este artigo 9º/2 permite que se
alguém, independentemente da verificação do tipo legal de crime,
pretender apenas a formação de pedido de indemnização cível,
dispensando ação penal, pode recorrer a julgados de paz desde que se
trate de tipo legal de crime que estão neste artigo. Requisitos:
▪ Não haver participação criminal ou ter havido desistência (9º/2)
▪ Se trate de um dos crimes aí elencados (9º/2)
• Crimes atinentes à posição jurídica de particular
• Rigorosamente, o julgado de paz não vai apreciar as
consequências civis do crime: vai apreciar caso de
responsabilidade civil com base num destes
fundamentos.
▪ 9º/3: se fizer isto não pode depois instaurar processo penal
(para respeitar princípio da adesão)
▪ Portanto: julgados de paz não têm competência em matéria
penal, só civil, mesmo que se trate de indemnização cível que
noutras circunstâncias devesse ser deduzida em processo penal.

• Território: a cobertura dos julgados de paz é fragmentária (artigo 10º). Há que


fazer duas operações:
o 1) qual o julgado de paz abstratamente competente
▪ Aplicar regra da competência territorial primeiro
o 2) ver se julgado de paz existe ou não (se não existir, questão não é da
sua competência)
o Exemplo: ação de reivindicação de imóvel em Gaia. Regra de
competência de ações relativas a direitos reais: lugar onde bens se
situam. Portanto, será competente o julgado de paz com competência
em Gaia. Agora, ponto 2: há julgado de paz lá? Sim.

PORTANTO, REGRAS DE COMPETÊNCIA:


o 1) ações relativas a bens reais ou pessoais de gozo devem ser propostas
no foro da situação dos bens (11º/1)
o 2) ações relativas ao cumprimento e não cumprimento de obrigações:
vale o foro alternativo (lei abre duas opções, e demandante escolhe
onde propõe).

70
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

▪Essas opções são: lugar do cumprimento da obrigação


(considerar regime material) OU domicílio do demandado
(12º/1)
o 3) ação de responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou no risco:
ação deverá ser proposta no lugar onde de facto ocorreu (12º/2)
▪ Quer-se facilitar a atividade probatória

o 4) (regra supletiva – 13º/1) é competente o julgado de paz do domicilio


do demandado
▪ Se for pessoa coletiva: SEDE (artigo 14º)
▪ Depois de se aplicar esta regra, há que aplicar a 2ª (ver se existe
ou não). Se não existir, entende-se que é causa que não é da
competência dos julgados e paz no seu conjunto (porque a sua
competência é fragmentária)

o Em razão do território podem ser competentes para um ou vários


concelhos (4º/1)

REGIME DA INCOMPETÊNCIA
São de verificação cumulativa: basta falhar um dos fatores para que julgado de paz
não seja competente para a causa.
Artigo 7º: regra – sempre de conhecimento oficioso, e consequência de remessa
para tribunal competente.

Questão que levantou polémica: saber se a competência dos julgados de paz,


quando lhes é atribuída, é exclusiva ou concorrente da dos tribunais judiciais. Ou seja:
quando são competentes, são-no em exclusivo (e TJ não podem conhecer da causa) ou
em termos concorrentes?
Tipo de caso em que toda a responsabilidade é do legislador (que não o fez).
Questão foi resolvida quase na totalidade por Acórdão de uniformização de
jurisprudência 11/2007: competência é concorrente, alternativa. Note-se que é
alternativa apenas para o demandante, porque se este tomar a iniciativa de propor
ação no julgado de paz este é competente, e o demandado não pode escolher. Este
entendimento fixado no acórdão aprece o mais adequado porque de outra forma
negar-se-ia de todo a possibilidade de alguém poder obter uma decisão em 1ª
instância por parte de tribunal judicial, e isto seria grave porque não há 2ª primeira
instância (a partir da 1ª instância já só se tenta modificar alguns aspetos da decisão,
porque decisão já foi fixada).
Em todo o caso, o artigo 533º CPC, nº 4 e 5 prevê regime de repartição de custas
particularmente oneroso para quem podendo recorrer a meio alternativo de resolução

71
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

de litígios, não o faça. Se alguém que pode não o fizer tem de arcar com as custas,
mesmo que ganhe a ação.
 através de desincentivos económicos procura-se que ação de entrada
nos julgados de paz.
Contudo, para esta regra se aplicar é preciso que haja portaria a definir quais as
entidades de resolução alternativa de litígios para efeitos do artigo. Esta ainda não
existe. Portanto, o legislador elaborou Portaria 284/2013, de 30 de agosto que vem
dizer que enquanto não for elaborada a portaria necessária, as custas são suportadas
pela parte vencida e não pelo que recorre ao sistema de justiça público.

ESTATUTO DO JUIZ DE PAZ


Se a função judicial depende do estatuto do que decide, é importante para
percebermos as capacidades dos julgados de paz sabermos o estatuto de quem aí
exerce funções.

• Aplica-se o mesmo regime de impedimentos e suspensões que vale para juiz de


tribunal judicial (artigo 21º/1)
o Artigos 115º e seguintes CPC
• Do POV estatutário, o juiz de paz goza das garantias próprias dos trabalhadores
que exercem funções públicas (artigo 29º da lei dos julgados de paz + 19º a
24º da lei geral do trabalho em funções públicas)
o Regime propriamente administrativo
NOTA: um aspeto que coloca parcialmente em causa a independência dos
julgados de paz é a circunstância de serem designados pelo período de 5 anos (artigo
25º/1), sendo avaliados nos termos do artigo 25º/3. Um dos fatores principais de
avaliação é a eficiência do serviço (quantidade de casos resolvidos, e não qualidade).

• As funções do juiz de paz são exercidas em exclusivo (artigo 27º/1), não


podendo desempenhar outra atividade pública ou privada
• Designação por 5 anos: pode fazer com que decida casos em favor de fatores
que sabe que lhe vão garantir nova nomeação – põe, portanto, em causa a
independência

QUALIFICAÇÕES DO JUIZ DE PAZ

• Têm de observar requisitos do artigo 23º


o Alínea a, b e c: ter nacionalidade portuguesa, ter licenciatura em Direito
e ter mais 30 anos
• Recrutamento depende da realização de certas provas (artigo 24º/1)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Artigo 24º/2: pessoas que em função de certas profissões que possam


ter exercido estão dispensados das provas (docentes de direito,
magistrados judicias, etc.)
• Porque é que se exige a formação jurídica dos juízes? Porque é meio de
resolução de litígios que assenta na aplicação de direito à causa, pelo que
legitimação dos juízes de paz é técnica (o que significa que ele tem de ter
qualificação necessária que o dote dessa aptidão)

PROCESSO NOS JULGADOS DE PAZ


Em aplicação do mote de ‘justiça de proximidade’ procura-se que partes
compareçam pessoalmente (artigo 38º/1), de resto não é necessário o patrocínio
judiciário obrigatório (não há dever nem é pressuposto processual a constituição de
advogado, advogado estagiário ou solicitador, sendo apenas direito da parte). Só assim
não acontece quando uma das partes seja desconhecedora da língua PT ou esteja em
posição de manifesta inferioridade, caso em que a assistência por advogado é
obrigatória – artigo 38º/2.

PROCEDIMENTO
O procedimento tem 4 fases (duas que numa ação comum serão fases normais, e
duas fases eventuais):
1. Apresentação das peças processuais
2. Pré-mediação (fase eventual)
3. Mediação (fase eventual)
4. Julgamento

A sequência pode ser esta, ou 1 e 4 (apenas com apresentação das peças


processuais e julgamento), ou 1, 2 e 4 (apresentação das peças processuais, pré-
mediação e julgamento). O regime supletivo inclui a pré-mediação e mediação (ideia
por trás é tentar mediação e se não for possível ir para julgamento).

1. APRESENTAÇÃO AS PEÇAS PROCESSUAIS


As peças processuais, nos termos em que lei as denomina, são:

• Requerimento inicial (em vez de petição inicial): apresentado na secretaria


(artigo 43º/1) e tem duplo efeito
o Efeito de natureza processual: é início do processo nos julgados de paz
o Efeito de natureza substantiva: interrupção da prescrição (artigo 43º/8)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Pode ser apresentado sob forma escrita OU oral (artigo 43º/2). Caso
seja apresentado com forma oral, o secretário deve reduzi-lo a escrito
(artigo 43º/3).
▪ Estrutura de grande simplicidade

o O que deve constar deste requerimento:


▪ Artigo 43º/2: termos fundamentais da causa
• Esses termos fundamentais são: causa de pedir (factos
que estão na base da posição jurídica de que afirma ser
titular), pedido e partes (com indicação do nome e
domicílio), bem como valor da causa (importante porque
competência dos julgados de paz está definida pelo
valor)
▪ Artigo 43º/5: aperfeiçoamento tem de ser feito antes da
audiência de julgamento
• Exemplo de despacho de aperfeiçoamento: A diz que é
proprietário de B e que o quer reivindicar (no
requerimento inicial). Mas isto não basta: tem de alegar
factos pelos quais adquiriu propriedade.
o Causa de pedido: factos constitutivos da
propriedade titulado pelo autor. Portanto, A tem
de elencar que adquiriu bem, foi possuidor
durante x tempo, adquiriu por usucapião, etc., e
que por isso é proprietário.
o Ex facto oritum ius: direito nasce da aplicação do
facto

• Citação do demandado: artigo 45º/1


o Dupla finalidade:
▪ Dar a conhecer ao demandado que foi iniciado este processo no
julgado de paz: finalidade notificativa
• Daí que citação deva se acompanhada com cópia do
requerimento do demandante
▪ O início da contagem do prazo para que seja apresentada
contestação (artigo 47º). Esse prazo é de 10 dias.

o Modalidade de citação:
▪ A citação pode seguir qualquer uma das modalidades previstas
no CPP (artigo 46º).
• Remissão para 2º semestre

o Prazo para citação: prazo é de 10 dias (artigo 47º/1 da lei)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o No caso de ação declarativa comum, caso não seja apresentada


contestação, o réu entra em REVELIA e, entre outros efeitos,
consideram-se admitidos por acordo os factos articulados pelo autor.
Nos julgados de paz não é bem assim: regime menos gravoso. Nos
termos do artigo 58º/2 da lei dos julgados de paz, para que se
considerem confessados pelo réu ou admitidos por acordo todos os
factos pelo autor é preciso que se verifiquem três requisitos:
▪ Não ser apresentada contestação
▪ Não comparecer na audiência de julgamento
▪ Não justificar a falta
Portanto, a simples não apresentação da contestação não tem por
efeito a confissão dos factos articulados pelo autor, mas apenas em
conjugação com os outros 2 elementos. Portanto, a contestação não
tem o relevo fundamental que tem na ação declarativa comum: ainda é
possível impugnar certos factos articulados pelo autor, em momento
posterior (daí que prazo seja de 10 dias, e não de 30 dias).

o A contestação pode seguir forma escrita ou oral (artigo 47º/1)

o Contestação pode seguir-se de imediato ao requerimento inicial (artigo


43º/4)

Termina 1ª fase: partes já apresentaram litígio ao conhecimento julgado


de paz. Procura a lei dar a oportunidade às partes de o seu litígio ser
resolvido por acordo, em vez de por sentença. Daí não se seguir o
julgamento da causa, mas sim pré-mediação.

2. PRÉ-MEDIAÇÃO
• A data para pré-mediação é logo indicada quando se faz requerimento inicial
(artigo 43º/7), sendo comunicada na notificação ao demandado (artigo 45º/2)
• Qual a finalidade da sessão de pré-mediação? Informar as partes das
vantagens, desvantagens e características da mediação (artigo 50º/1)
o Só numa circunstância é que não tem lugar esta sessão: quando
qualquer uma das partes tenha logo excluído essa possibilidade (artigo
49º/1/2ª parte)

• A sessão de pré-mediação tem apenas dois resultados possíveis:


o Celebração de protocolo de mediação (51º/1), sendo escolhido
mediador de entre a lista disponível (51º/2), prosseguindo a mediação
em julgado de paz (51º/3)
▪ Avançar para mediação

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Recusarem protocolo de mediação, avançando-se de imediato para


audiência de julgamento (caso em que partes não pretendem resolver
litígio por acordo, mas sim sentença do juiz de paz) – 50º/3
• De resto, as partes nos termos que já conhecemos do regime da mediação
podem desistir a todo o momento da mediação (55º/1, por força do princípio
da voluntariedade - artigo 4º da lei da mediação)
o Se desistirem da mediação antes do seu início isto é comunicado à
secretaria e processo continua para audiência de julgamento (55º/2)

3. MEDIAÇÃO

• Só chegamos aqui se partes não tiverem excluído esta possibilidade no


requerimento, não tiverem desistido, entretanto, ou tiverem assinado
protocolo de mediação
• Artigo 53º faz remissão geral para a lei da mediação (29/2013, de 19 de abril)
• Mediação pode terminar de duas formas:
o Obtenção de acordo das partes (artigo 56º/1). Caso haja sido possível
obter acordo das partes, o acordo é reduzido a escrito, assinado por
todos os intervenientes e é homologado pelo juiz de paz, valendo como
sentença (sentença homologatória de acordo, em vez de sentença
decisória)
▪ Caso tem-se por resolvido
o Não obtenção de acordo. Isto pode decorrer de duas causas:
▪ Desistência das partes, em que rigorosamente há caducidade do
procedimento de mediação (55º/3 – desistência é comunicada a
mediador)
▪ Conclusão de que não foi possível chegar a acordo (56º/2), pelo
mediador ou alguma das partes
 Sendo alguma destas a hipótese, nos termos do artigo 56º/2
o mediador comunica isto ao juiz de paz e processo vai para
audiência de julgamento (56º/3).

4. JULGAMENTO

• Chegamos aqui quando não houve pré-mediação, desistência da pré-mediação


ou mediação, ou mediação foi mal sucedida
• Destinada à produção de prova e audição das partes (artigo 57º/1)
• Finalidade: que o juiz forme o seu entendimento sobre a causa, quer quanto
aos elementos de facto, quer quanto ao Direito que se lhe aplica
o Julgamento significa ajuizar

Como é que se inicia a audiência de julgamento?

• 26º/1: juiz procurará conciliar as partes

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o 594º CPC: isto acontece na ação declarativa comum também


o Porque é que depois de tentativa tão forte de mediação ainda há lugar a
esta tentativa de conciliação?
▪ 1. Insistência da lei em tentar soluções consensuais
▪ 2. Conciliação é promovida pelo juiz, sendo ele quem tem poder
decisório, podendo tentar aproximar as partes aludindo a
possíveis decisões
• Uma das partes está convencida de que terá vencimento
de causa, e juiz na conciliação pode dar-lhe a entender
que isso não vai acontecer e recomendar a conciliação
o A conciliação pode ter algum lugar e utilidade
quando o juiz de paz já conhece os autos, já
pensou nas soluções possíveis e em função disso
tenta aproximar as partes
o Mas o juiz não fica vinculado a nada do que diga
nesse momento
▪ Se não for bem sucedida, a audiência prossegue
• Prossegue com a atividade probatória que seja necessária (requerida ou
ordenada pelo juiz) e com as alegações das partes (quer em matéria de facto
quer em matéria de direito)
• A audiência de julgamento termina com sentença (artigo 60º): proferida na
audiência, devendo depois ser reduzida a escrito
o Sentença deve compreender os elementos do artigo 60º/1
o Costuma-se distinguir três partes numa sentença:
▪ 1) relatório: é a apresentação das partes (identificação delas) e
dos termos fundamentais do litígio (artigo 60º/1/a e b)
• Trata-se de uma caracterização da causa nos seus traços
fundamentais
▪ 2) fundamentação: (artigo 60º/1/c da lei + aplicação subsidiária
do artigo 607/3/1ª parte e 607º/4 CPC) Na regra dos julgados de
paz refere-se que a fundamentação é sucinta. Através da
fundamentação deve ser possível que as partes consigam
compreender quais foram as razões que levaram o juiz a concluir
pela verificação ou não verificação de certo facto, e a concluir
pela solução de direito que ofereceu à causa. Portanto, a
fundamentação refere-se tanto a matéria de direito como a
elementos de facto.
• Nota: relembremos que o princípio da fundamentação
racional das decisões é um princípio do processo civil
(154º/1 CPC)
▪ 3) decisão: critério que juiz deve seguir é, de acordo com regra
supletiva, a aplicação de direito estrito. 2ª possibilidade:
havendo acordo das partes, e não excedendo o valor da ação o

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

valor de metade da alçada dos julgados de paz, pode ser


decidido por equidade (artigo 26º/2 da lei)
• Razões desta interpretação para 2ª possibilidade: a
circunstância de esta regra dizer que só pode decidir
segundo juízos de equidade nesta circunstância. A
decisão segundo a equidade é apenas quando as partes
assim o acordarem (que é a regra geral do CC).
• Qual é a alçada do julgado de paz? A noção de alçada é o
valor até ao qual tribunal julga sem possibilidade de
recurso. Assim, temos que ver até que valor é que
julgado de paz julga sem possibilidade de recurso. Este
valor é o de metade da alçada do tribunal de 1ª instância
(artigo 62º/1): 1 250€.

• PORTANTO: pode decidir segundo critérios de equidade


quando partes assim o acordarem E quando valor da
ação não exceda 1 250€.
o Comentário a esta lei tem entendimento diferente
(usando como ‘valor da alçada’ o valor da
competência)
▪ Artigo 607º/3/1ª parte CPC: com decisão, responde tribunal ao
pedido de tutela formulado por demandante. Se sentença é
proferida na audiência de julgamento, ela é notificada
pessoalmente às partes, imediatamente antes do encerramento
da audiência (60º/2 da lei). Com a prolação da sentença
extingue-se o poder jurisdicional do juiz (613º/1 CPC) – a partir
da li já não pode conhecer daquela causa.
• Questão que se pode levantar: a sentença é proferida
no termo da audiência de julgamento. Há a dificuldade
de que produção da prova pode ser complicada, redação
pode ser complicada (exigindo tempo), carecendo tudo
isto de tempo. Por isso, juiz pode suspender a audiência
de julgamento, designando posterior data para a leitura
de sentença (nos termos do seu poder de gestão
processual).
o No momento em que audiência começa, não sabe
se vai ter de produzir sentença. Para não inutilizar
o seu trabalho, não elabora logo sentença
(usando primeiro a conciliação), e só a preparará
depois, se necessário.
o A ideia por detrás disso é juiz poder explicar
pessoalmente às partes as razões que o levaram à
decisão (dado que elas não são assistidas por
advogado)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

▪ Proferida a decisão vale ela como sentença, com o mesmo valor


de um tribunal de 1 instância (artigo 61º), podendo servir como
titulo executivo (703º/1/a CPC)
▪ Desta sentença pode ser interposto recurso: para tribunal de 1ª
instância (artigo 62º/1 da lei)
• Recurso com efeito meramente devolutivo: a decisão
pode ser logo executada, sem ter de esperar a decisão de
recurso
o Recurso com efeito suspensivo é a outra opção
• Se não for interposto recurso da decisão, a sentença
proferida pelo juiz de paz transita em julgado e adquire
valor de caso julgado material (619º/1 CPC). Portanto, a
relação material controvertida, tal como fixada na
sentença, pode ser definitivamente oposta entre aquelas
concretas partes (fica indiscutível, incontrovertida entre
aquelas concretas partes)

Última referência: os julgados de paz têm competência também para decretar


providencias cautelar (artigo 41º-A da lei).

QUAL É O JUÍZO QUE PODEMOS FORMULAR SOBRE OS MEIOS ALTERNATIVOS DE


RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS?
A profunda variedade leva-nos a concluir que só com muita dificuldade
poderemos formular juízo genérico: tem pontuais vantagens e inconvenientes,
devendo ser promovidos na medida das suas vantagens, e não promovidos na medida
dos seus inconvenientes.
Em todo o caso, há uma diretriz clara que se deve referir: os meios alternativos de
resolução de litígios são de aplaudir quando representem um meio complementar ao
sistema público de justiça (quando consigam satisfazer certas finalidades que PC
comum não consegue). Na arbitragem sobre matérias de alta especialidade: a
presença de decisor competente naquela matéria é algo que sistema judicial público
não consegue garantir.

Quando é que meios alternativos de resolução de litígios não devem ser de


admitir? Quando representem apenas uma forma degradada de tutela para os que não
têm bens suficientes para aceder ao processo civil. Em particular, estes meios não
devem ser usados como um simples mecanismo para combater a morosidade dos
tribunais. Esta morosidade combate-se reforçando os meios ao dispor dos tribunais.
Caso se prive as partes do acesso a decisão proferida em processo civil, com todas
as garantias associadas, demove-se o direito de acesso ao direito: são meios
alternativos, mas não substitutivos. Enquanto for complementar, são meios
extremamente interessantes; quando substitutivos, sem satisfazerem as mesmas

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

finalidades, então não são (corre-se risco de serem meio de realização do direito de 2ª
categoria para quem não consegue aceder ao processo civil).

Última referência: uma das razões para divulgação destes meios tem a ver
simplesmente com o alargamento das possibilidades de atuação económica de
advogado, e isso não é bom. A resolução de litígios não é, tal como se pensa no
processo civil, matéria que seja mercantilizável, porque litígios são apenas resolvidos
por juiz, e este não pode desempenhar atividades de promoção de resolução judicial
de litígios. Com estes meios alternativos, estas atividades que estavam fora do
mercado, passam a ser colocadas dentro do mercado (de resolução de litígios), que
funciona obtendo designação como árbitro ou mediador.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

5. PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

São medidas que têm por finalidade oferecer uma forma de tutela temporária
enquanto não é possível obter uma decisão final da causa. Nessa medida, as
providências cautelares estão dependentes na sua força de uma ação principal porque
não servem para resolver definitivamente a causa (para isso precisamos de propor ação
judicial autónoma).
Esta dependência manifesta-se em diferentes aspetos do regime:
1. As providências cautelares ou são propostas antes da propositura da ação
principal, e nesse caso uma vez decretada a providência cautelar é preciso que
se siga a ação principal, sob pena de caducidade da providência.
2. Ou então são tramitadas como incidente de uma ação principal (ação principal
é logo proposta, e lateralmente é pedido o decretamento de providência
cautelar).
Características fundamentais:
• São medidas cautelares, com finalidade preventiva, que visam acautelar um
direito ou posição jurídica, antes da sua violação OU tendo em vista o não
agravamento da violação.
• São medidas provisórias: valem enquanto não houver uma decisão final, e
mesmo que não haja decisão final na ação principal (sentença) é necessário
que pelo menos a ação principal, depois de decretada a providência cautelar,
venha a decorrer.
Estas características não são sinónimas: há formas cautelares de posição jurídica
que são definitivas (exemplo: ação inibitória). As providências cautelares são as
providências provisórias com finalidade cautelar, de acordo com o seu sentido (isto
porque há medidas definitivas com finalidade cautelar).

Visam oferecer tutela cautelar e provisória. A possibilidade de providência cautelar


está no artigo 2º/2/parte final CPC: as providências cautelares são os procedimentos
previstos para acautelar o efeito útil da decisão que venha a ser proferida na ação
principal
Esta provisoriedade das providências cautelares manifesta-se nas respetivas causas
de caducidade.
Vale a regra de que a providência cautelar se encontra na dependência de ação
principal: artigo 364º/1 CPC. Assim, ela pode operar de duas formas:
1. Operar como incidente da ação principal: ação principal é proposta e na sua
margem decorre por apenso um procedimento cautelar
a. É competente para a providência cautelar o tribunal no qual decorre a
ação principal (364º/3 CPC)
2. Pode a providência cautelar ser instaurada antes da ação principal: ela é
tramitada como preliminar da ação principal (364º/2 CPC)
a. Via de regra, é competente para providência cautelar o tribunal que
seria competente para ação principal (78º/1/c CPC)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

A dependência da providência em relação à ação principal manifesta-se nalgumas


das causas de caducidade da providência que venha a ser decretada. Causas de
caducidade: artigo 373º CPC.
Exemplos: se a ação principal não vier a ser proposta no prazo de 30 dias contado
do trânsito em julgado da decisão que ordena providência cautelar, caduca a
providência cautelar (373º/1/a CPC). Só se considera que veio a ser proposta a ação
principal na medida em que esta vise proteger a mesma posição jurídica que a
providência cautelar procurava resguardar.
Imaginemos que providência cautelar é providência de arresto para proteção da
obrigação pecuniária base em certo contrato e a ação principal é ação de reivindicação.
Neste caso, caduca a providência cautelar uma vez que esta providência é destinada à
garantia principal do crédito e ação principal destina-se a fazer valer direito real. Assim,
ação principal tem de proteger o mesmo direito cuja tutela provisoriamente se
procurou.

2º hipótese: artigo 373º/1/b CPC. Justamente porque a tutela é meramente


provisória, exige-se que o requerente impulsione o processo de tal modo que seja
proferida decisão definitiva sobre a causa.

3º hipótese: 373º/1/d CPC. Se réu for absolvido da instância e requerente não


propuser nova ação a tempo de aproveitar efeitos da proposição da anterior. Se na ação
principal o réu é absolvido da instância, ação principal extingue-se. Contudo, em certos
casos a lei admite que muito embora haja absolvição da instância, se possa aproveitar
os efeitos da propositura da primitiva ação (artigo 279º/2 CPC). Das duas uma: se réu é
absolvido da instância, ou é proposta nova ação a tempo ou caduca providência
cautelar.

Último aspeto que mostra a dependência da providência cautelar face a causa


principal: 3673º/1/c e e CPC. se ação principal é improcedente caduca providência;
MAIS, o direito do requerente pode ter-se extinguido entretanto (373º/1/e CPC).

Mas se as providências são marcadas por esta relação de dependência, no que toca
aos seus pressupostos de atribuição e decretamento estão em relação de autonomia
face à causa principal. Assim, o julgamento que seja feita no procedimento cautelar é
independente do julgamento que venha a ser feito na causa principal (artigo 364º/4
CPC). A decisão em matéria de providência cautelar não tem efeito na decisão da ação
principal.
O julgador, se já houve providência cautelar, já tem impressão quanto aos
factos. Mas formalmente não pode aproveitar providência para ação principal porque
tramitação é autónoma.
Assim, pode acontecer que providência cautelar seja decretada e ação principal
improceda, e vice-versa (e não há contradição porque são julgamentos autónomos).
Excecionalmente, há certos regimes previstos no direito português que permitem
aproveitar o procedimento cautelar para a partir dos elementos aí reunidos obter
decisão final da causa. Dois regimes permitem isto:

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

1. Regime da inversão do contencioso: decisão proferida no procedimento


cautelar pode valer também como resolução definitiva da causa
2. Regime específico para contrato de locação financeira

Iremos analisar regime comum das providências cautelares.

REGIME
Distinção básica em matéria de providências cautelares por referência ao seu
conteúdo é distinção entre:
1. Providências cautelares antecipatórias: aquelas que antecipam o resultado
pretendido com decisão final; as que antecipam a totalidade ou parte do efeito
útil pretendido com decisão final
a. Exemplo: restituição provisória da posse (377º CPC), alimentos
provisórios (384º CPC), arbitramento de reparação provisória (388º
CPC)
b. Nestes casos a providência cautelar pode corresponder, nalgumas
hipóteses, integralmente ao conteúdo da ação principal
i. Exemplo: providência antecipatória do efeito pretendido com
servidão legal de passagem
2. Providências cautelares conservatórias: visam conservar um certo estado de
coisas anterior ou contemporâneo da propositura de ação.
a. Exemplo: suspensão de deliberação social (361º/3 CPC), arresto (391º/2
CPC), embargo de obra nova (397º/1 CPC)
 isto por referência à causa principal. Distinção tendencial: uma providência
cautelar pode ser uma coisa e outra ao mesmo tempo – providência de
suspensão de deliberação social é conservatória porque visa obstar a que sejam
executadas as deliberações, MAS pode ser antecipatória também (se na ação
principal se quiser suspender a deliberação social, então o efeito conserva
estado de coisas e antecipa decisão da ação principal)

3. Procedimentos cautelares comuns (362º e seguintes CPC – ‘providências


cautelares não especificadas’) VS Providências cautelares especificadas (377º e
seguintes CPC):
 Tem consequências claras de regime. Estão em relação de
especialidade/generalidade. Se se verificarem os pressupostos de uma
providência cautelar especificada aplica-se a respetiva providência. Caso não
haja, aplica-se uma providência não especificada, valendo um princípio geral de
liberdade de decretamento da providência adequada (362º/2 e 3 CPC – o nº3 é
a regra que nos diz que prefere a aplicação das providências cautelares
especificadas).
Pode também acontecer haver regimes especiais dentro da providência cautelar
especificada.
Exemplo: arrolamento (403º e seguintes CPC) – especificada e especial. No 409º
CPC há caso especial de arrolamento.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Em termos de regime, os pressupostos de decretamento destes dois tipos de


providências não são inteiramente coincidentes.

REQUISITOS PARA DECRETAMENTO


Podemos distinguir entre pressupostos comuns e específicos de decretamento.
• Comuns: artigo 368º/1 CPC – regra geral das PC não especificadas
o Aplicam-se subsidiariamente à falta de providência especificada
• Específicos: regime das PC especificas (377º e seguintes)

Como é que juiz deve avaliar da providência cautelar mais adequada? Do POV
metódico, 1º há que ver se há providência especificada. Na sua falta, aplica-se regime
comum

PRESSUPOSTOS COMUNS
368º/1
1. Deve haver probabilidade séria de existência do direito (do direito cuja
proteção é pretendida pelo requerente) – requisito designado pela expressão
latina fumus boni iuris (‘fumo/aparência de bom direito’): não é preciso haver
certeza absoluta quanto à sua existência
a. No que toca ao direito material, basta aparência de bom direito
2. Deve haver receio suficientemente provado da lesão do direito – expressão
latina periculum in mora (‘perigo de haver danos ou agravamento de danos
decorrente da demora da ação principal’)
a. Aqui, juiz tem de averiguar se risco existe naquele concreto momento
3. Nas providências cautelares não especificadas, acrescenta-se requisito
adicional: requisito da proporcionalidade OU não desproporcionalidade
(368º/2 CPC)
a. A providência cautelar deve ser recusada quando o prejuízo que dela
resulte para o requerido seja consideravelmente superior ao dano
sofrido pelo requerente.
b. NOTA: se for ação principal, não há este requisito – este requisito é para
providência cautelar.
A respeito do 3º requisito é preciso fazer consideração adicional:
• Está previsto para providências cautelares não especificadas, daí que
poderíamos pensar que ele se aplica subsidiariamente às especificadas. Mas
não é assim: 376º/1 CPC é uma limitação do 368º/2 CPC (proporcionalidade
não se aplica às providências cautelares especificadas).
o Não se faz controlo da proporcionalidade porque se entende que ao
nível normativo essa ponderação já foi feita, que para aquele caso
específico pode ser decretada providência, pelo que juiz não vai recusa-
la, senão estaria a violar a lei
o Sem prejuízo, o princípio da proporcionalidade é uma regra geral do
processo civil. Se numa providência cautelar, mesmo que especificada,

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

houver duas opções que garantam de igual forma o direito do


requerente o juiz deve adotar que menos agrave a causa ao requerido
As providências cautelares são, assim, orientadas por princípio geral de liberdade
de decretamento. A isto acresce que o juiz não está adstrito à providência cautelar
concretamente requerida pelo requerente: 376º/3/1ª parte CPC. O juiz está vinculado
ao pedido de proteção feito por requerente, mas pode determinar qual a providência
que mais adequadamente responde a esse pedido.
Caso em que própria lei o refere: 379º CPC. Isto é uma aplicação do mesmo princípio
que tem concretização na regra de que é o juiz que conhece o direito aplicável à causa
(adstrito a pedido, matéria de facto invocada pelas partes, mas não ao direito invocado
pelas partes).

A vinculação do juiz aos procedimentos cautelares especificados é dupla:


1. Se houver uma providência cautelar especificamente prevista, tem de a
decretar
2. Se decorrer do regime das providências cautelares especificadas que se
pretendeu excluir certa categoria de providências, mesmo que ao abrigo do
regime comum, o juiz não as pode decretar
a. Exemplo: em matéria de reparação provisória, prevê-se nos artigos 388º
e seguintes CPC como é que a reparação provisória deve ser decretada.
Mas destas regras decorre que não é possível reparação provisória em
termos diferentes dos aqui previstos.

TRAMITAÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES


372º e seguintes CPC: tramitação comum (supletivamente vale para qualquer
providência cautelar, em tudo o que não seja especificamente afastado).
As providências cautelares sendo qualificadas como incidentes são
subsidiariamente reguladas pelo 293º a 295º CPC (remissão do 365º/3 CPC)
Incidente: ação principal tem tramitação, incidente é tramitação
eventual que é introduzida à margem do procedimento principal para responder a uma
questão que nele mereça resposta. As providências cautelares rigorosamente não são
incidentes, mas aplicamos-lhe as regras deste.

Como se inicia procedimento cautelar?


1. Mediante apresentação de uma petição: 365º/1 CPC. Nessa petição o
requerente solicita a providência desejada e faz prova sumária do direito
ameaçado e do receio da sua violação.
a. Tratando-se de uma petição aplicam-se subsidiariamente as regras da
petição inicial (552º e seguintes)
b. Recebida pela secretaria e esta abre conclusão para juiz, para proferir
despacho liminar
2. Despacho liminar (por parte do juiz): se juiz é chamado a proferir este
despacho (artigo 226º/4/d e 590º/1 CPC) significa que é chamado a fazer
controlo preliminar da petição, antes de ouvir o requerido. O despacho liminar
pode ter vários conteúdos:
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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Indeferimento liminar: quando o requerimento da providência cautelar


seja manifestamente desprovido de fundamento ou haja exceções
dilatórias insupríveis (590º/1 CPC)
i. Ação dirigida contra algo sem personalidade jurídica
ii. Procedimento cautelar termina aqui
b. Se as deficiências da petição de providência cautelar forem suscetíveis
de sanação ou de correção deve o juiz proferir despacho de
aperfeiçoamento (artigo 6º/2 + 590º/2/a CPC)
i. Podem ser corrigidos ou não (mediante certo prazo)
1. Se não forem: indeferimento liminar
2. Se sim: procedimento avança
c. Não há qualquer irregularidade formal e procedimento cautelar
prossegue. Pode prosseguir de duas formas:
i. Mediante despacho de citação do requerido: esta é a regra (e
não a dispensa do mesmo)
ii. Mediante dispensa da audição do requerido (dispensa do
contraditório prévio): isto acontece quando receia que
requerido, ao ser citado da providência cautelar e para
procedimento cautelar, agrave o dano que possa causar ao
requerente (praticando atos que diminuam ou inutilizem o
efeito da providência cautelar)
1. Se requerente tiver receio que requerido dissipe bens,
quer surpreende-lo com providência cautelar, daí
pedindo a dispensa do contraditório prévio
2. NOTA: na arbitragem voluntária, estes eram casos de
ordens preliminares
Se for citado o requerido inicia-se a contagem do prazo para apresentar oposição à
providência cautelar. Na eventualidade da ação principal já ter sido proposta, e
providência cautelar decorrer como incidente falamos em notificação (e não citação),
porque já houve citação para ação principal..
NOTA: a citação é modalidade específica de notificação.
Nos termos do 293º/2 CPC (aplica-se por força do 365º/3), o prazo de oposição é
de 10 dias. Por aqui se vem como as providências cautelares, sendo forma de tutela
provisória, são decretadas num procedimento em que possibilidade de participação das
partes é reduzida. ç
Caso o requerido não se oponha, aplica-se o regime comum da revelia (567º/1 CPC),
com uma consequência gravosa: factos articulados pelo requerente consideram-se
admitidos pelo requerido (apenas para efeitos da providência cautelar, e não para ação
principal).
Nesse momento da oposição, por aplicação subsidiária do regime previsto para
contestação, deve o requerido concentrar toda a sua defesa na contestação (573º CPC)
– momento oportuno para que dê conta dos graves prejuízos que possam ser gerados
pelo decretamento da providência cautelar.

PORTANTO:
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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Despacho pré-saneador (590º/2)  audiência prévia (591º)  despacho saneador


(595º).
Caso seja necessário realizar atividade instrutória, o procedimento cautelar
prossegue para audiência final (597º e 599º e seguintes), e termina com proferimento
da providência cautelar.
Em toda esta tramitação há preocupação de celeridade. Um aspeto em que isto é
visível é no curto prazo previsto para oposição. Mas mais: 363º/1 CPC, as providências
cautelares são tramitadas de forma urgente, precedendo todo o serviço judicial que não
tenha essa tramitação. Da mesma forma, os prazos para as providências cautelares não
se suspendem durante as férias judiciais.
NOTA: sendo esta uma forma de tutela provisória, está permanente disponível -
pressupostos menos exigentes, mas mais facilmente decretáveis.
Prazo de decretamento da providência cautelar é muito curto: se for ouvido o
requerido o prazo máximo é de 2 meses, se o requerido não tiver sido citado, o prazo é
de 15 dias (363º/2).

Importante em todo o regime é a proteção do requerido. Esta manifestação está


muito patente na possibilidade do contraditório: na possibilidade de participar do
procedimento cautelar, de tal forma que tenha a oportunidade de convencer o juiz
quanto ao decretamento ou não da providência. Daí que valha a regra de que o
requerido deva ser ouvido antes do decretamento da providência (366º/1 CPC).
Só em casos excecionais é que pode o tribunal dispensar a audição do requerido.
Fá-lo apenas quando a sua citação prévia coloque em risco serio o fim ou eficácia da
providência.
Nestes casos, o requerido só é notificado da decisão (só é citado) depois da
realização da providência cautelar (366º/6). 1º é surpreendido com providência cautelar
e só depois conhece que ela foi proposta e decretada contra si.
Quando há dispensa da audição prévia do requerido, a estrutura do procedimento
é ligeiramente diferente. O juiz pode fazer uma de duas coisas:
1. Decretar logo a providência cautelar
2. Abrir audiência para produção de prova
a. Quando é que o faz? Quando elementos probatórios apresentados por
requerente não sejam suficientes (aqui não participa requerido, só
requerente)
b. Em resultado da atividade instrutória aqui realizada, decreta ou não
providência cautelar
i. Se não decretar, ordena citação do requerido OU recusa
providência cautelar (se já estiver convencido de que não há
causa para ela)

Em certos casos particulares, é a lei que determina que o requerido não é citado
previamente ao decretamento da providência cautelar:
1. Se for pedida providência cautelar de restituição provisória da prova (377º CPC
e 1279º CC), a restituição é ordenada sem necessidade de audiência prévia do
esbulhador (o que usa da força para obter posse).

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Regra que visa proteger a paz pública: se alguém usa da força, tribunal
quer restituir rapidamente o que foi pela força perturbado
2. Caso do arresto: verificados os pressupostos do arresto não se exige audiência
do requerido (arrestado). Pretende-se com isto obter o efeito surpresa da
providência cautelar para que requerido não consiga ocultar ou sonegar os seus
bens (393º/1 CPC)
3. Casos em que se deva empregar a citação edital (366º/4 e 240º e seguintes
CPC) é dispensada a audiência prévia
a. A citação edital pode ter o conteúdo do próprio nome: é um meio de
citação do requerido que por um lado demora muito tempo e que tem
taxa de eficácia baixíssima (porque ninguém consulta citação edital).
b. Porque a citação edital demora muito tempo ou pelo seu baixo grau de
eficácia, quando seja de empregar esta há dispensa de audiência prévia
do requerido
i. Tribunal não deve empregar este método se puder usar outro
Dispensada a audição prévia o decretamento da providência cautelar é feito sem que se
oiça requerido. Como é que requerido pode reagir? De duas formas (372º CPC)
1. Recorrer para tribunal superior por entender não estarem verificados os
pressupostos de decretamento da providência
a. 694º/1/a CPC: recurso de apelação (da decisão de recrutamento)
2. Apresentar oposição à própria providência cautelar junto do tribunal e 1ª
instância quer para hipóteses em que recurso não é admitida quer para alegar
factos ou apresentar meios de prova que não tenham sido primitivamente
apresentados. Nesse caso, o juiz vem a decidir da manutenção, redução ou
revogação da providência concedida.
a. Assim, pode haver duas providências cautelares: a decretada antes da
audição do requerido  ele opõe-se  ação instrutória  depois juiz
decida se mantem, reduz ou revoga providência cautelar
primitivamente decretada
Além desta regra, a possibilidade de contraditório, há outras regras que visam
tutelar o requerido:
• Causas especificas de caducidade
o Ónus de um impulso processual da ação principal pelo requerente
▪ Não se pode acomodar à sombra da providência cautelar, tendo
de promover ação principal
• Se providência cautelar vier a ser considerada injustificada ou caducar por facto
imputável ao requerente (que pode ser uma destas causas de caducidade), o
requerente responde perante requerido pelos danos que tenha causado caso
não tenha agido com a prudência normal
o Há, portanto, eventual responsabilidade civil do requerente para com
requerido em caso de injustificação de natureza causal

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• O juiz pode estabelecer que deva ser prestada caução pelo requerente para
que seja decretada providência cautelar (artigo 374º/2 CPC) e pode
requere-lo mesmo que não haja audição prévia do requerido
o A caução está regulada nos artigos 620º e seguintes CC, e esta é uma
garantia que é prestada. Qual o conteúdo específico desta garantia?
Depende – grande liberdade de fixação do conteúdo da caução (pode
ser hipoteca, penhor, etc.)
o Sendo requerida a caução, garante-se elevado grau de probabilidade
que a providência cautelar é séria
o Note-se, todavia, que a regra é a da desnecessidade de caução: o juiz só
deve requerer caução prestada pelo requerente quando suspeite de
uma das circunstâncias que pode dar lugar à respetiva responsabilidade
• Pode o próprio requerido, a seu pedido, pedir nos termos do artigo 368º/3 a
substituição da providência cautelar por caução adequada e aí o requerente já
fica garantido
o Note-se que há aqui ideia de proporcionalidade: se se garante que com
caução fica acautelado direito do requerente, e requerido tem
preferência por caução em vez de providência cautelar decretada,
então é essa medida menos lesiva do requerido que deve ser adotada
• Se uma providência cautelar tenha sido julgada injustificada ou tenha caducado
não pode ser repetida na dependência da mesma causa (362º/4 CPC)
Nota: a possibilidade de o juiz exigir prestação de caução pelo requerente só vale
para as providências cautelar comuns e para as providências cautelares especificadas de
arresto e embargo de obra nova (376º/2 CPC).

DECRETAMENTO DE PROVIDÊNCIAS CAUTELARES – EFEITOS


A providência cautelar tem por conteúdo o que determinado pelo juiz (portanto,
depende do que juiz achar adequado ao caso).
No que toca à força jurídica: providência cautelares gozam de força executiva
(703º/1/a e 705º/1 CPC).
No caso do ARRESTO é mais que isso: é medida executiva (não goza de força
executiva) – a própria providência é execução.
Além desta tutela cível: força executiva ou ser logo executada providência, a
providência cautelar goza de duas formas complementares de tutela:
1. Tutela penal: aquele que desobedecer a PC incorre no crime de desobediência
(375º CPC e 348º/2 CP)
a. Sanção é pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias
2. Possibilidade de ser decretada sanção pecuniária compulsaria (829º-A CC +
365º/2): esta está pensada em 1ª linha para garantia de prestações de facto.
Como funciona? Por cada infração ou pelo período da infração deve o infrator
pagar uma certa prestação em dinheiro.
a. Imaginemos embargo de obra nova: além disto o requerente pode
requerer que por cada dia de continuação de obra o requerido tenha de
pagar certo valor em dinheiro

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

b. Esta sanção é medida compulsória do POV psíquico, porque o efeito da


sanção vai-se multiplicando com passagem dos dias
i. Altamente persuasiva
Da decisão proferida em sede de procedimento cautelar cabe recurso: interposto
para o tribunal da relação. Vale a particularidade de não ser admitido recurso para STJ.
A única exceção são casos do artigo 629º/1 (370º/2 ressalva-os) em que recurso para
STJ é sempre admissível.

REGIME DA INVERSÃO DO CONTECIOSO


Regime que foi introduzido no CPC de 2013 foi a chamada inversão do contencioso.
Como funciona? Dentro dos respetivos pressupostos pode ser requerido que caso o
requerido não venha a propor a ação principal a decisão proferida no procedimento
cautelar valha como definitiva.
Qual a sequência normal em matéria de providência cautelar? O requerente age
contra o requerido. Decretada a providência cautelar, requerente deve propor ação
principal contra o requerido.
Comportamento omissivo do requerente: providência cautelar caduca.
Como funciona na inversão do contencioso? Há procedimento cautelar no qual se
pede a inversão do contencioso. Se for pedida, tem de ser o requerido a agir contra
autor, e se não o fizer termina (providência cautelar vale como decisão definitiva da
causa). A regra é que contencioso é iniciado por requerente: mas aqui é requerido que
tem de o fazer.
Se não vier a ser proposta ação principal pelo requerido: providência
cautelar torna-se definitiva e vale como composição definitiva da lide. Portanto, a ação
principal é meramente eventual e por iniciativa do requerido. Daí que isto só valha
quando juiz estiver convencido que direito é do requerente.

Este regime permite que a providência cautelar valha, também, como composição
final da causa. A providência cautelar não é a decisão final da causa: pode sê-la também,
mas num momento diferente (1º é providência cautelar e depois se não for proposta
ação ela será decisão final da causa – os efeitos não se produzem ao mesmo tempo).
Possibilidade introduzida no CPC de 2013, mas já estava incluída no Regime
Processual Civil Experimental (de 2006 a 2013), em vigor em algumas comarcas.
Finalidade deste regime: obter alguns ganhos de economia processual. Em todo o caso,
é um regime interessante pelo seguinte: há ganhos de economia processual sem negar
possibilidade de propor ação principal. Ou seja, não se força a que decisão proferida no
termo do procedimento cautelar tenha de valer como decisão final.

REQUISITOS
Artigo 369º CPC
• Nº 1: o juiz no curso do procedimento cautelar deve ter formado convicção
segura da existência do direito cautelar
o Para providência cautelar bastava aparência de bom direito
o Para haver inversão de contencioso, juiz tem de ter convicção de que
direito existe.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Uma hipótese em que juiz deverá ser cauteloso em relação ao


decretamento desta inversão: quando não ouviu previamente o
requerido (convicção formada sem contraditório, pelo que o risco de
estar a desconsiderar fatores que não representa é muito elevado)
▪ Assim, aqui há que ter particular cautela antes do decretamento
• Nº 1: a providência cautelar decretada deve ser apta a realizar a composição
definitiva do litígio
o Caso em que tipicamente ela é apta a realizar isto: quando é
providência cautelar antecipatória que pretende antecipar efeito
pretendido com decisão final
o Caso típico de providência cautelar incompatível com a composição
definitiva do litígio é a providência cautelar de arresto: na providência
pede-se o arresto de certos bens para garantia de uma obrigação; na
ação principal discutir-se-á o cumprimento ou não da obrigação
▪ O arresto não resolve questão jurídica material porque o pedido
no procedimento cautelar é meramente auxiliar da questão
principal
▪ Por isso é que se pode dizer que tendencialmente a inversão do
contencioso adequa-se a providências cautelares antecipatórias.
Daqui não resulta que não possa haver casos de inversão de
contencioso em relação a providências cautelares
conservatórias: isto pode acontecer quando o efeito pretendido
com ação principal seja conservatório (aqueles casos em que
providência cautelar é antecipatória e conservatória ao mesmo
tempo – exemplo: suspensão de execução de ação social).
o O critério é que pode valer como composição definitiva do litígio – e
não que tem que ser uma providência cautelar antecipatória.
▪ Há quem entenda que se exclui completamente as
conservatórias, mas professor discorda.
▪ As providências cautelares conservatórias tipicamente não serão
capazes de composição definitiva do litígio, mas se forem, serão
admitidas
• Nº1/parte inicial: a inversão tem de ser requerida
o Não pode ser decretada contra a vontade do requerente
o Requerimento deve ser feito até ao encerramento da audiência final
(artigo 369º/2/1ª parte CPC)
▪ Isto porque o encerramento da audiência final marca o último
momento em que partes podem agir
▪ NOTA: o contraditório obtém-se de imediato na audiência final
(requerido pode aí opor-se à inversão)
▪ Nos casos em que não há contraditório prévio, a oposição à
inversão é feita por impugnação da própria da providência
(artigo 369º/2 CPC)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

▪ Há prazo para permitir que requerido formule este pedido


depois de ver realizada a atividade instrutória
• Nº 1: se for decretada a inversão de contencioso, a sua consequência é a
dispensa de o requerente de arcar com ónus de propor ação principal
o O ónus, em matéria de providência cautelar, traduz-se no facto de se
não propuser ação principal caduca providência cautelar
o Aqui, quem tem ónus é requerido: prazo de 30 dias (artigo 371º CPC)
▪ Das duas uma:
• Requerido propõe ação principal: se ela proceder e
transitar em julgado, caduca a providência cautelar
decretada; se não proceder, consolida-se (artigo 371º/3)
• O requerido nada faz: nos termos do artigo 371º/1 CPC,
a providência cautelar vale como composição definitiva
do litígio em termos análogos (não idênticos) ao caso
julgado material (questão tem-se como definitivamente
resolvida)
NOTA: a mesma providência processual vale em momentos
diferentes com dois valores diferentes (até certo momento
vale como providência cautelar, e depois como solução
definitiva da causa).
Podemos falar, na inversão do contencioso, de tutela sumária
definitiva.
A inversão do contencioso não inverte regras do ónus da prova (valem as regras do
regime comum).

PROVIDÊNCIAS CAUTELARES ESPECIFICADAS


Artigos 377º e seguintes CPC
1. Restituição provisória da posse: serve para restituição da posse
particularmente célere, para as hipóteses em que possuidor seja dela privado
por esbulho violento
a. 377º CPC
b. Do POV direito material, este procedimento cautelar serve para
garantir, do POV processual, a pretensão constante do 1279º CC
c. Com este procedimento cautelar visa-se reintegrar a OJ com a maior
celeridade possibilidade para responder energicamente à violência
(direito prefere estabilidade à perturbação) a providência é declarada
sem audiência prévia do requerido (artigo 378º CPC)

2. Suspensão de deliberações sociais: deliberações sociais são modo de tomada


de decisão de assembleias (seja de uma sociedade, de uma associação, de uma
cooperativa, etc.)
a. Artigo 380º CPC (isto em relação a assembleias de associações)
b. Esta possibilidade está ainda prevista para a suspensão das deliberações
sociais das assembleias dos condóminos (383º/1 CPC)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

c. Pressupostos de decretamento das suspensões de deliberações sociais


(providência cautelar de natureza essencialmente conservatória) –
380º/1 CPC:
i. Contrariedade à lei, aos estatutos ou ao contrato
ii. A qualidade de sócio
iii. A execução da deliberação causar dano apreciação
d. Esta providência deve ser pedida no prazo de 10 dias da deliberação
e. Em virtude do artigo 381º/2 CPC, pode o juiz deixar de suspender a
deliberação quando o prejuízo dela resultante seja superior ao prejuízo
da execução
i. Trata-se aqui do requisito da proporcionalidade
1. Dissemos que ele não se aplica a providências cautelares
especificadas, EXCETO quando a própria lei o impõe

3. Alimentos provisórios: esta providência visa, nos termos do artigo 384º CPC,
conceder alimentos periódicos enquanto não se profere a decisão definitiva da
causa e não houver pagamento da 1ª prestação definitiva
a. Regime sem grandes particularidades

4. Arbitramento de reparação provisória: pretende-se com esta providência


cautelar (introduzida na versão de 2013 do CPC) obter uma indemnização
enquanto na ação principal não se decide definitivamente da sua verificação ou
montante.
a. Requerida sob a forma de renda mensal (388º/1 CPC)
b. Note-se que esta reparação provisória se distingue da indemnização
provisória (575º CC)
i. Na reparação provisória o tribunal ainda não proferiu decisão
quanto ao fundo da causa
c. Pressupostos desta providência cautelar:
i. Deve correr como dependente de uma ação de indemnização
fundada em morte ou lesão corporal
1. Exemplo: caso de acidente que gere lesão corporal,
levando a que lesado fique impossibilitado de trabalhar e
auferir rendimento periódico. Para acudir a lesado nestas
circunstâncias, existe esta providência cautelar.
ii. Necessidade
1. Deve o juiz concluir que requerente necessidade da
reparação provisória
2. 388º/2 CPC
iii. Haja prova sumária da existência do direito do requerido
1. Requisito comum nas providências cautelares
2. Esta possibilidade de arbitramento de reparação
provisória é ainda possível quando se funde em certo

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

dano suscetível de por em causa o sustento ou habitação


do lesado (artigo 388º/4 CPC)

5. Arresto: este procedimento cautelar tem por finalidade a garantia patrimonial


das obrigações. A regra é que, pelas obrigações de alguém, responde, em caso
de incumprimento, o seu património, pelo que se prevê ao nível do direito
material uma série de providências cautelares ao dispor do credor que tem em
vista conservar garantia patrimonial quando devedor pratique atos que a
diminuam ou que não a conservem (619º a 622º CC + 391º a 396º CPC)
a. Consiste numa apreensão judicial dos bens do devedor para garantia do
crédito do credor. Esta apreensão é feita nos mesmos termos que uma
penhora e depois se vier a ser proposta ação executiva, o arresto pode
ser convertido em penhora)
b. Pressupostos do decretamento do arresto:
i. Probabilidade da existência do credito (artigo 392º/1 CPC)
ii. Receio de perder a garantia patrimonial do seu credito (artigos
392º/1 e 391º/1 CPC)
1. Caso o juiz fique convencido da verificação destes
pressupostos decreta arresto sem audição prévia do
requerido (artigo 393º/1 CPC)
c. Embora não se apliquem regras da proporcionalidade, o regime
específico do arresto tem certas concretizações que visam garantir que
ele seja proporcionado à necessidade de tutela do direito do credor
i. Aplicam-se limites específicos de proporcionalidade constantes
do seu regime específico
ii. Artigo 393º/2 CPC: se arresto tiver sido requerido em mais bens
que suficientes para assegurar crédito, é reduzido ao limite
necessário. Arresto não deve ser decretado com mais alcance
que o estritamente necessário.
iii. Artigo 393º/3 CPC: o arrestado não pode ser privado dos
rendimentos estritamente indispensáveis ao seu alimento e da
sua família.
iv. Daqui decorre que juiz, caso seja pedido este procedimento
cautelar, deve na medida em que não há audição prévia do
requerido fazer controlo efetivo da adequação do aresto à
finalidade de satisfação do crédito do requerente.
1. O juiz não se deve bastar com a verificação dos
pressupostos do arresto, mas deve criticamente analisar
as medidas executivas solicitadas
d. Tem causa específica de caducidade: artigo 395º CPC
i. Além das regras gerais que fazem caducar providência cautelar
decretada, se após sentença com trânsito em julgado proferida
na ação principal não vier a ser proposta ação executiva no
prazo de 2 meses, a providência cautelar caduca

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

6. Embargo de obra pública: este procedimento de natureza conservatória, nos


termos do artigo 397º/1 CPC tem como propósito suspender imediatamente a
execução de uma obra que esteja a ser realizada, que ofenda direito real ou
pessoal de gozo do requerente
a. Esta providência cautelar deve ser requerida no prazo de 30 dias
contados do conhecimento do facto
b. Também neste caso vale o requisito da proporcionalidade, não pelas
regras gerais, mas si específicas do artigo 401º CPC
c. Finalidade: suspensão imediata da realização da obra
i. Apenas se pode requerer a destruição da parte nova (a parte
que foi construída depois de decretada a suspensão)
ii. Providência cautelar nitidamente conservatória

7. Providência de arruamento: artigo 403º CPC. Caso haja receio de extravio,


ocultação, dissipação de bens, pode requerer-se que esses bens sejam
descritos, avaliados e depositados (artigo 406º/1 CPC).
a. À semelhança do que acontece com o arresto, aplicam-se as regras
relativas à penhora (artigo 406º/5 CPC)
i. É uma providência cautelar com certa intenção executiva
b. Pressuposto do decretamento do arruamento:
i. Haver justo receio de extravio dos bens
ii. Haver interesse na conservação dos bens (artigo 404º/1 CPC)
c. O arresto corre na dependência de uma ação para a qual importa
especificação destes bens (artigo 403º/2 CPC) ou relativa à prova da
titularidade (artigo 403º/2 CPC)
NOTA: não está configurado como providência cautelar as diligências antecipadas
de produção de prova. Elas são possíveis nos termos do artigo 419º CPC; traduzindo-se
na produção de diligências de prova antes de iniciada ação principal, mas não são
providências cautelares. Mas na LAV são: artigo 20º/1/b. No CPTA também são tidas
como providências cautelares.

Fora do CPC merece breve nota o regime jurídico da locação financeira:


• Especificidade do regime das providências cautelares neste contrato: sendo
requerida providência cautelar nos termos do artigo 21º do DL 149/95, caso a
providência cautelar seja decretada pode o tribunal em seguida proferir juízo
sobre a causa principal (21º/7 do DL)
o Trata-se aqui de fazer cessar a autonomia entre providência cautelar e
ação principal

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

6. Processos de jurisdição voluntária


Previstos como processos especiais (com tramitação própria): artigos 986º e
seguintes CPC.
Este processo tem algo de diferente face aos restantes.
Por oposição a estes temos os processos de jurisdição contenciosa: no
processo civil estudamos principalmente a jurisdição contenciosa. O que vamos
ver aqui são especialidades de tramitação ou julgamento que se preveem para
estes processos. Em tudo o mais aplicam-se as regras comuns.
Estes processos são de grande diversidade entre si, mas agrupados para efeitos de
certas regras comuns.
Diretriz comum que guia os diferentes casos de processos de jurisdição
voluntária, ou a sua maioria: nesgas hipóteses o juiz, em lugar de dirimir um litígio de
acordo com aplicação do direito estrito e com a identificação do direito de cada um,
compõe o conteúdo de posições jurídicas, que ainda não estava determinado, de
acordo com considerações de conveniência e oportunidade.
Exemplo: artigo 1014º CPC – pedido de autorização judicial. Juiz para conceder ou
não autorização não está vinculado a critérios de direito estrito: deve analisar
oportunidade do ato para aquele concreto incapaz. O processo não é contencioso em
sentido estrito porque a posição jurídica ainda não está determinada: ela será
composta pelo julgador.
Daqui resultam as particularidades destes processos: há quem diga que eles nem
são de jurisdição, nem voluntários. Não são de jurisdição porque não está em jogo o
exercício da atividade jurisdicional em sentido estrito, mas sim da função
administrativa (composição do conteúdo das posições jurídicas). Não são voluntários
porque mesmo que uma das partes não concorde com o procedimento, ele produz os
seus efeitos.
NOTA: têm o nome de jurisdição voluntária por causa do que acontecia durante a
Idade Média - quando as partes tinham litígio entre si relativo a conteúdo de relação
jurídica, e queriam apreciação de 3º, ficcionavam discordo e punham isto a apreciação
de terceiro.

Estes processos de jurisdição voluntária estão essencialmente previstos no CPC. À


margem destas regras salientam-se a relevância do seguinte: processo constante do
Regime Jurídico dos Processos Tutelares Cíveis que prevê um amplo conjunto deste
tipo de processos, entre os quais o relativo a divergência quanto ao nome do filho (lei
141/2015) – artigo 3º: quase todos estes casos giram em torno de questões de
oportunidade. Nos termos do artigo 12º da lei têm natureza de jurisdição voluntária,
pretendendo-se com sito remeter para regras do CPC.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Outra particularidade: muitos processos de jurisdição voluntária não são da


competência dos tribunais judiciais, mas sim de MP ou conservatórias (DL 272º/2001,
de 13 de outubro fez esta transferência).
Fundamento para transferência de competência: não são processos
jurisdicionais em sentido estrito (está em jogo uma decisão essencialmente de
cariz administrativo).

Estes processos têm parte comum e especial (só iremos estudar a primeira).
REGIME COMUM
Artigos 986º a 988º CPC
4 as principais características deste tipo de processo, aí previstas:
1. Artigo 986º/2 CPC: note-se a diferença face ao PC comum. No OPC comum o
tribunal está adstrito aos factos alegados pelas partes (aos termos da
controvérsia apresentado pelas partes – princípio da controvérsia), e aqui não
porque se quer que decisor tome decisão de acordo com critérios de
oportunidade, pelo que tem de poder reunir todos os elementos que
interessam para tomar decisão mais conveniente- isto é mais visível quando
decisão vai recair sobre alguém que não partes (filho, por exemplo) – princípio
do inquisitório no seu sentido mais puro.
a. Há liberdade de investigação, de instrução, sem as restrições que se
colocam na jurisdição contenciosa
b. Da mesma forma, pode o juiz (em sinal contrário), não admitir as provas
que não considere necessárias (só tendo e admitir as que considera
necessárias)
c. Na jurisdição contenciosa está em jogo um conflito entre duas partes:
juiz só é chamado a conhecer do conflito nos termos precisos em que
partes o apresentam, daí as restrições do processo civil. Se juiz se
pronunciar sobre factos que partes não alegaram há nulidade da
sentença.
i. Aqui, quer-se a melhor solução possível para conteúdo de
posição jurídica e não resolver conflito entre partes, daí que ele
(juiz) tenha de estar dotado de todos os meios necessários

2. Critério de julgamento: nos processos de jurisdição voluntária o juiz não está


vinculado a critérios de legalidade estrita, devendo adotar a decisão mais
conveniente e oportuna
a. Não está sujeito a critérios de legalidade estrita porque eles não
existem nestes casos

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

b. Juiz tem legitimação sobretudo técnica, pelo que estes processos são
particularmente delicados (no sentido de que juiz não está legitimado
para isto)

3. Uma vez que as resoluções são, via de regra, conferidas por critérios de
conveniência e oportunidade não é admitido recurso para STJ (artigo 988º/2
CPC)
a. Razão: na repartição de competências entre diferentes tribunais parte-
se da matriz de que o tribunal da relação conhece do facto e do direito,
mas o STJ é tribunal que apenas conhece de direito. Ora, uma resolução
com base em critérios de conveniência, oportunidade, razoabilidade é
uma resolução que se atém à exata valoração daqueles factos, por isso
só tribunal que conheça de factos é que pode conhecer da decisão em
recurso.
b. Mas se a questão jurídica suscitada não for atinente à valoração
específica daqueles casos, mas sim ao direito estrito, então aí é
admitido recurso para STJ nos termos gerais.

4. As resoluções que são neles tomadas podem ser modificadas logo que
circunstâncias supervenientes justifiquem alteração (artigo 988º/1 CPC)
a. A superveniência pode ser quer objetiva (circunstâncias que só
ocorreram depois) quer subjetiva (circunstâncias que podendo ter
ocorrido antes, só foram conhecidas depois)
b. Exclui-se deste regime da modificabilidade as hipóteses em que a
resolução adotada já tenha produzido a totalidade dos seus efeitos
i. Imaginemos que nos termos do artigo 1000º é autorizada
prática de certo ato, ato é praticado, pelo que não se pode
modificar resolução decretada
ii. Salienta-se o termo usado pela lei: não se fala em sentença, mas
sim resoluções, porque não se coloca termo a causa

Em sede de tramitação, estas resoluções feitas em jurisdição voluntária têm


especialidades: 292º a 295 CPC (nos termos do artigo 986º/1 CPC). Estas regras são
referentes ao regime geral dos incidentes que preveem tramitação simplificada.
Prazo decisório muito curto: 15 dias
Não se obriga à constituição de advogado (artigo 986º/4 CPC). Mesmo em termo
de prática forense, estes processos podem ter lugar de decurso diferente: julgador
pode reunir com partes no gabinete; ou seja, não há ritualismo de conflito aberto.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

7. Ação declarativa comum


APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Diretriz geral: artigo 12º CC – lei dispõem apenas para o futuro. O que aqui está
em jogo é a confiança das partes na estabilidade do quadro normativo. Lei só vigora
para futuro porque só a partir desse momento é que partes podem contar com a sua
aplicação.
Em sede processual tem esta diretriz consequência fundamental: o processo é
uma sequência de atos, pelo que se entende como diretriz geral que a lei nova se
aplica a todos os atos que tenham que ser praticados no futuro e não se aplica a
nenhum dos atos que já hajam sido praticados no passado. Isto tem exceções.
Casos especiais:
1. Regras de competência
a. A competência é porção de jurisdição dada a certo tribunal
b. Qual é a diretriz em sucessão de leis no tempo em matéria de
competência? A competência fixa-se no momento da propositura da
ação (artigo 38º da LOSJ + 259º/1 CPC determina momento da
propositura da ação)
c. Aplica-se lei vigente no momento da propositura de ação. Mais: tribunal
uma vez competente para conhecer da causa, é competente para a
conhecer até ao seu termo
i. Uma vez competente, sempre competente
ii. semel competens, semper competens
1. Princípio da perpetuatio iurisdiction
d. O poder jurisdicional do juiz esgota-se quando ele profere sentença
e. Esta regra tem duas exceções:
i. Ser suprimido o tribunal a que a causa estava afeta (o processo
passa a correr no tribunal que lhe sucedeu)
1. 1º pode acontecer que tribunal continua a existir, mas
perdeu competência: ele continua competente
2. 2ª hipótese: tribunal deixou de existir na orgânica
judiciária  perde competência e isto passa para o que
lhe sucede
a. Razão: conveniência organizativa e administrativa
ii. Ainda que a ação dê entrada no tribunal incompetente, se
entretanto este se tornar competente ao abrigo de uma
sucessão de leis (antes de proferir decisão de competência –
num despacho saneador) conserva a sua competência (porque
no momento do despacho saneador já é competente para
conhecer da causa)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

1. O tribunal competente é sempre competente, e o


incompetente pode tornar-se competente se a causa lhe
for conhecida (se houver nova lei que lhe dê competência)
2. Formalismo processual: cabe distinguir consoante estejamos a falar de cada
ato processual concreto ou forma de processo no seu todo
a. Cada ato processual concreto: aplica-se a cada ato a lei vigente ao
tempo da sua prática
i. Se ato é audiência aplica-se as regras de realização da audiência
ao tempo que ela é iniciada
ii. Aplica-se de imediato lei nova (artigo 136º/1 CPC)
b. Forma de processo no seu todo: aplica-se lei vigente ao tempo da
propositura da ação (artigo 136º/2 CPC)

NOTA: lei aplicada aos atos processuais: segue-se a regra do artigo 136º/1/2 CPC.

SUCESSÃO DAS LEIS NO TEMPO EM MATÉRIA DE RECURSOS E ALÇADAS


Vale aqui a regra, à falta de disposição especial, de que se aplica a lei vigente ao
tempo da prolação da decisão de que se pretende recorrer.
Exemplo: a ação dá entrada no dia 1; no dia 20 exclui-se recurso; no dia 30
profere-se a decisão. Questão: no dia 30 admite-se recurso? Não. O momento
relevante é o momento da prolação da decisão.
1. 1ª hipótese: nova possibilidade de recurso introduzida depois de proferida
sentença – é admissível recurso? NÃO. Porque define-se pelo momento da
prolação de sentença (porque nesse momento não havia qualquer expectativa
a tutelar).
2. 2ª hipótese: nova lei reduz a possibilidade de recurso. A nova lei aplica-se de
imediato, mas não se aplica a recursos já interpostos ou na pendência do prazo
para a respetiva interposição. Nota: o direito ao recurso quando se constitui,
constitui-se com um prazo (é até ao limite desse prazo). Vale a regra de que
vale o recurso que for vigente ao tempo de prolação da sentença; tudo o resto
é concretizações desta regra.

Um regime especial tem a alçada (relembre-se que alçada é o valor até ao qual
não se admite recurso ordinário das decisões do tribunal – artigo 629º/1). No que toca
às alçadas, diferentemente do que acontece para as demais regras do recurso,
entende-se que vale a lei vigente ao tempo da propositura da ação. Portanto, se na
pendência da ação vier a ser modificado o valor da alçada, restringindo a possibilidade
de recurso ordinário, essa restrição não afeta possibilidade de recurso das ações
pendentes. Isto consta do artigo 44º/3 LOSJ (momento da propositura da ação).

100
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Nota: o professor entende que este regime não parece coerente, mas que não
causa perturbações de maior - no caso da alçada, entende-se que expectativa das
partes quanto ao recurso é tutelada, sendo que no recurso isto já não acontece (sendo
isto o que não lhe não parece razoável).

LEIS EM MATÉRIA DE PROVA


Nesta sede, devemos distinguir direito probatório formal e direito probatório
material.
I. Direito probatório formal: é o direito probatório relativo ao modo como se
deve desenrolar a atividade probatória. Está essencialmente regulado no CPC,
nos artigos 410º e seguintes.
II. Direito probatório material: é o direito probatório que compreende as regras
relativas ao valor probatório de certos documentos ou de certos atos. Está
essencialmente regulado no CC, nos artigos 341º e seguintes.

Ora, consoante se trate de direito probatório formal ou direito probatório


material, é diferente a regra da aplicação da lei no tempo:
1. No direito probatório formal aplica-se de imediato lei nova (isto no fundo é
uma concretização da regra de que se aplica a lei nova a atos posteriores,
mesmo que sejam atos probatórios).
2. Ao direito probatório material aplica-se via de regra a regra probatória material
vigente ao tempo da prática do ato aprovado. Aplica-se esta regra na medida
em que se possa considerar que as partes depositaram a sua confiança no valor
probatório atribuído ao ato praticado.
a. Exemplo: em 1990 contrato deve seguir forma de documento particular;
mas 5 anos depois modifica-se e a regra probatória e diz que deve ser
por escritura pública. Qual a lei a aplicar? Será a primeira, pois é a única
em que as partes podem contar que o ato praticado pudesse ser dado
como provado em tribunal (esta em jogo a confiança das partes).

LEIS RELATIVAS A PRAZOS (artigo 297º CC)


Se a lei introduzir um prazo mais curto, a nova lei aplica-se de imediato, mas o
prazo só se conta a partir da sua entrada em vigor (artigo 297º/1).
Por exemplo: imaginemos que a lei antiga previa um prazo de 30 dias; e a nova
de 10. Ao dia 10 entra em vigor lei nova – quando termina o prazo? No dia 20 (o
prazo antigo era 30, ainda não se esgotou).

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Se aumentar o prazo vale o mesmo – aplica-se de imediato a lei nova,


simplesmente computa-se o prazo já decorrido.
Por exemplo: lei nova prevê prazo de 40 dias (então aqui contam já os 10
dias que já decorreram).

LEIS RELATIVAS À FORMA DO PROCESSO


A grande estrutura da ação declarativa encontra-se compreendida numa forma do
processo – aplica-se a forma vigente ao tempo da propositura da ação (artigo 136º/2
CPC). A forma do processo é determinada em função do pedido que é feito pelo autor -
em matéria declarativa podemos distinguir entre: processos comuns e processos
especiais.
A. Processo comum (artigo 548º CPC):
a. Aplica-se diretamente a quase todos os casos; e
b. Aplica-se subsidiariamente quer à ação executiva, quer aos processos
especiais.
B. Processos especiais (artigos 878º e seguintes CPC)
a. Um exemplo de processos especiais são os processos de jurisdição
voluntária;
b. Sendo formulado determinado pedido: deve interpretar o que é pedido
e ver se será de aplicar processo especial.
c. Razões por detrás deste regime de especialidade: encontrar formas
processuais que têm natureza declarativa e executiva.

O processo comum, no atual processo civil PT, segue forma única*


*Nota: na ação executiva não é assim (forma ordinária e forma extraordinária)
Contudo, há uma regra que prevê certas especialidades processuais para as ações
de valor não superior a metade da alçada da relação – e essas especialidades constam
do artigo 597º CPC.
Por outro lado, nas ações de valor não superior a metade da alçada da 1ª instância
também há certas restrições especiais: limite quando ao número de testemunhas
(artigo 511º/1/parte final CPC) ou quanto ao tempo das alegações (artigo
604º/5/parte final CPC).

Fora do CPC há uma ação muito importante: ação para cumprimento de ações
pecuniárias (que não vamos desenvolver). É importante porque se aplica a ações
pecuniárias de valor superior a 15 000 euros. Está regulada no DL 269/88 de 1
setembro.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS NO REGIME PRÓPRIO DO PROCESSO COMUM


A finalidade do recurso a uma ação judicial está em obter uma decisão relativa ao
fundo da causa, em obter uma sentença que venha a transitar em julgado (artigo 619º
CPC). Os limites da causa são dados pela causa de pedir e pelos seus sujeitos. Portanto,
uma causa é um pedido dirigido por uma pessoa (sujeito 1) contra outra pessoa
(sujeito 2), com uma causa específica de pedir.
Pressupostos processuais são os requisitos cuja verificação é necessária para que
tribunal possa conhecer do mérito da causa, possa proferir uma decisão relativa à
relação material controvertida. São exemplos de pressupostos processuais:
a. Personalidade judiciária
b. Representação judiciária
c. Legitimidade
d. Competência
e. Interesse em agir
f. Patrocínio judiciário
Os pressupostos processuais são relevantíssimos porque se não estiverem
verificados o juiz não se pode pronunciar sobre o fundo da causa. Para compreender
os pressupostos processuais é necessário traçar uma distinção cabal entre 2 planos de
controvérsia que pode ser apreciada no processo: o plano da admissibilidade VS plano
da procedibilidade.
A. Plano da Admissibilidade: respeita à relação processual
i. Pode ser objeto de controvérsia (se tribunal é ou não competente);
ii. Dá lugar à produção de um caso julgado formal (não resolve litígio material,
refere-se apenas à relação processual)  artigo 620º CPC
 Note-se que o caso julgado formal tem eficácia mais restrita (apenas
para aquele caso).
B. Plano da procedibilidade ou do mérito: respeita à relação material.
i. O caso julgado que se produz é um caso julgado material (artigo 619º CPC).
ii. Tem eficácia mais ampla do que o caso julgado formal.

O plano da admissibilidade está ao serviço do plano da procedibilidade - podemos


fazer uma pirâmide: se se verifica o 1º plano (admissibilidade), passa-se ao 2º
(procedibilidade).

O plano da admissibilidade goza de procedência em relação ao plano da


procedibilidade. Por esta mesma razão, o juiz, antes de proferir qualquer decisão de

103
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

direito material, deve controlar a admissibilidade da ação. Há 4 momentos


fundamentais:
1. Nos casos em que haja despacho liminar (que tem excecionalmente lugar nos
casos do artigo 226º/4 CPC, logo a seguir à petição inicial; e se não houver
indeferimento limitar há citação a que se pode seguir a contestação 
estamos na fase dos articulados) – e há lugar a despacho liminar nos termos do
artigo 226º/4 – o juiz deverá indeferir o pedido do autor, quando existam
exceções dilatórias insupríveis (artigo 590º/1 CPC). Não há lugar sequer à
citação do réu (não é preciso que ação prossiga) – há logo controlo da
admissibilidade da ação.
a. Há despacho para regularização da instância.
b. Caso irregularidade seja suprível (artigo 6º/1 CPC)
i. Se for suprível, cita-se o réu
2. Não havendo lugar a despacho liminar, quando o juiz pode controlar a
regularidade da instância? No momento do despacho pré-saneador (artigo
590º/2 CPC). Se os pressupostos processuais em falta forem supríveis, pode o
juiz, no despacho pré-saneador convidar à regularização da instância
(590º/2/a CPC)
3. Despacho saneador. Das duas uma:
a. Ou foi regularizada a instância no despacho pré saneador – e nesse
caso juiz julga admissível;
b. Caso não tenha sido suprida, conhece da respetiva falta (artigo
595º/1/a CPC). A consequência da falta é que pode ser diversa (uma
delas pode ser absolvição instância)
4. 4º e último momento que juiz tem ao seu dispor para conhecer da causa: o
poder do juiz esgota-se com a prolação da sentença (o último momento para
esgotar o seu poder é na sentença). Na sentença, o juiz conhece em primeira
mão a falta de pressupostos processuais.
a. Artigo 608º/1 CPC

NOTA: no despacho saneador pronuncia-se sobre determinados aspetos


pelo que na sentença não pode pronunciar-se novamente sobre estes aspetos
(mas se forem outros, diversos, pode). Se dentro do processo decidiu já da
questão e não se pode interpor recurso – juiz já não pode conhecer; se o
despacho saneador já resolveu a questão, já se esgotou o poder jurisdicional
quanto aquele caso específico – é para isto que interessa o caso julgado formal.

Aquilo que designamos por pressupostos processuais são os pressupostos que se


colocam para a ação declarativa no seu conjunto. A par destes pressupostos que
poderíamos designar pressupostos processuais gerais, temos também os

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

pressupostos processuais específicos de cada ato processual. Podemos aplicar, com


as devidas especificações, o regime dos pressupostos processuais gerais aos atos
processuais específicos.
Os diferentes pressupostos processuais  o artigo 577º CPC apresenta um elenco
(não taxativo, mas exaustivo) de exceções dilatórias.

Nota: desde que haja caso julgado formal, o juiz perde oportunidade de se
pronunciar (mas só aquele juiz, pois se houver recurso o tribunal de recurso vai poder
pronunciar-se). Só se produz caso julgado quando se produz decisão. Caso o juiz não se
pronuncie especificamente sobre a admissibilidade (mas conhece do mérito) isso é
irrelevante – sentença não padece de qualquer vício (é válida mesmo que houvesse
falta de pressupostos processuais). O juiz começa por conhecer dos pressupostos
processuais, mas se não os conhecer a sentença é válida na mesma. MAS, assim sendo,
como pode reagir o réu? Pode verificar se há caso de recurso extraordinário de
sentença (para casos especialmente graves). Só há caso julgado daquilo que se
pronuncia o juiz; se não há decisão, não há caso julgado.

CLASSIFICAÇÕES
Objeto do pressuposto processual: há certos pressupostos processuais que
respeitam às partes (por exemplo, a personalidade judiciária, a capacidade judiciária, o
patrocínio judiciário, etc). Há pressupostos processuais que respeitam ao tribunal (por
exemplo, a competência). E há pressupostos processuais que respeitam ao objeto do
processo (por exemplo, não haver litispendência, não haver caso julgado). Há ainda
pressupostos processuais que respeitam à relação entre partes e objeto do processo
(por exemplo, a legitimidade).

Os pressupostos processuais podem ser: sanáveis OU não sanáveis.

• São sanáveis quando a sua falta possa ser colmatada, corrigida. São insanáveis
no caso inverso.
• A regra é que, tratando-se de pressuposto processual sanável, o juiz deve
convidar à respetiva sanação – deve, portanto, na medida possível, aproveitar
aquela concreta ação (não se aplicar logo o regime da falta de pressuposto
processual e convidar á sanação). Outra opção que tem ao seu dispor é a de o
próprio juiz ordenar a prática de todos atos necessários à regularização da
instância (artigo 6º/2 CPC).

A falta de pressupostos processuais pode ser: de conhecimento oficioso OU de


conhecimento provocado

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• São de conhecimento oficioso quando juiz, sem necessidade de alegação por


uma das partes, possa conhecer da falta de pressuposto processual.
• É de conhecimento provocado quando depende de alegação por uma das
partes
 A regra é que são de conhecimento oficioso – artigo 578º CPC. Mas nalguns
casos, muito embora o conhecimento seja oficioso, este conhecimento só pode
ser feito até certo momento do processo.

Quanto à iniciativa para o suprimento: nuns casos é de iniciativa exclusiva das


partes; noutros casos a iniciativa pode ser do juiz; e noutros casos até pode ser de
um terceiro.

• Exemplo de caso em que a iniciativa é de um terceiro: ação devia ser proposta


entre A e B, mas foi proposta só contra A (mas devia ser também contra B). Isto
pode ser corrigido de 2 formas: pede-se regularização contra B ou então o
próprio B pode pedir regularização.

O conteúdo dos pressupostos processuais pode ser: positivo OU negativo

• Pressuposto de conteúdo positivo: carecem de verificação para que juiz


conheça do mérito da causa.
o Exemplo: personalidade (é necessária para que se possa conhecer da
causa).
• Pressuposto de conteúdo negativo: para que o juiz conheça mérito da causa,
não se devem verificar.
o Exemplo: caso julgado material (se já houver, não se pode conhecer da
causa).

EFEITOS DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:


O efeito da falta de todo o pressuposto processual é, via de regra, a abstenção do
conhecimento do mérito da causa (artigo 576º/2/1ª parte CPC). Mesmo que o
pressuposto seja sanável, mesmo que seja expectável que venha ser sanado, o juiz
deve abster-se desde logo de conhecer o mérito da causa.
Uma vez que a falta do pressuposto processual leva a que o juiz não possa
conhecer do mérito da causa, esta falta de pressuposto processual pode ser utilizada
pelo réu como modo a obstar a que seja proferida decisão processual – pode ser
utilizada como meio de defesa: e que meio de defesa é esse? É a exceção dilatória –
artigo 576º CPC e elenco no artigo 577º CPC  A abstenção do juiz do conhecimento
da causa – a relação processual entra em paralisia (que é o efeito contrário ao objeto
do processo).

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Outro efeito é o de poder ter lugar a absolvição da instância. Via de regra, a falta
de um pressuposto processual tem por consequência a absolvição instância (artigo
2768º/1 CPC + 576º/2/2ª parte CPC).
Como sabemos isto? Porque no artigo 268º/1/e diz que à falta de regime especial
há absolvição da instância.
Outra solução possível é a remessa do processo para outro tribunal (artigos 105º/3
e 576º/2/parte final CPC).

Algumas particularidades a respeito da absolvição instância:


O efeito da absolvição da instância é a extinção daquela relação processual –
portanto, naquela concreta relação processual o tribunal já não conhece do mérito da
causa. Daqui decorre que não obsta a que seja proposta uma ação com outro objeto –
e nessa nova ação o tribunal já pode conhecer do mérito (a não ser que também
padeça de vício de pressuposto processual)  artigo 279º/2 CPC.
a. Está diretamente relacionada com a natureza do caso julgado: que é formal
(artigo 620º).
b. Em todo o caso, mesmo que haja absolvição da instância, é possível, dentro dos
termos facultados pela lei, aproveitar alguns efeitos da primitiva ação. Quais? O
artigo 279º/2 permite que, caso seja intentada nova ação no prazo de 30 dias a
contar do trânsito em julgado da absolvição da instância, se possam aproveitar
os efeitos civis da propositura da ação.
i. Quais são esses efeitos civis? Produzem-se logo efeitos de direito material.
 Interrupção do prazo de caducidade: artigo 331º/1 CC
 Com a citação do réu, cessa a boa fé do possuidor (artigo 564º/a CPC),
cessa o prazo de prescrição (artigo 223º CC), caduca prazo de usucapião
(artigo 1122º CC), e o réu entra em mora nos termos do artigo 805º/3
CC. Admite-se ainda, nos termos do artigo 279º/3 CPC, que na segunda
ação possa, em dadas hipóteses, aproveitar-se provas produzidas na
primeira.

A regra da falta de pressupostos processuais é a absolvição da instância. Mas


excecionalmente pode o tribunal legitimamente proferir decisão acerca do mérito.
Para que o tribunal, apesar da falta de pressupostos processuais, pronuncie sentença
de mérito, é necessário que se verifiquem 3 pressupostos:
1. Deve tratar-se da falta de pressuposto processual que vise proteger apenas a
posição de uma das partes.
a. Exemplo: capacidade judiciária que deve ser suprida, por exemplo, de
um menor. Visa proteger a pessoa incapaz.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2. Deve tratar-se de decisão integralmente favorável a essa parte.


3. Não deve haver nenhuma outra exceção dilatória que tenha por consequência
a absolvição da instância.

*Vamos agora analisar cada um dos pressupostos processuais acima elencados:

7.1. PERSONALIDADE JUDICIÁRIA


Trata-se de um pressuposto processual relativo às partes da ação. Por
conseguinte, antes de considerarmos o pressuposto da personalidade judiciária, temos
de considerar quem é parte da ação (noção de parte é anterior à noção de
personalidade judiciária).
Ora, o processo civil adota aquilo a que se designa de noção formal de parte: isto
é, para o processo civil não interessa quem é realmente parte da relação material
controvertida (essa questão é relativa ao mérito da causa). No que toca à relação
processual, partes são simplesmente aqueles que arcam com os efeitos da decisão
(artigos 581º/2, 619º/1 e 620º).

• Imaginemos o seguinte: A propõe ação contra B, na qual afirma que celebrou


contrato com C. Quem é parte desta ação? A e B (B não será parte legítima,
mas é parte da ação naquele momento). O que o tribunal deve fazer neste
caso? Deve proferir decisão de absolvição do pedido (e não da instância).
• Outro exemplo: ação movida contra B e este está representado por C. Quem é
parte desta ação? A e B (parte é quem arca com as consequências da ação, logo
não é C).

Numa ação declarativa, a parte ativa designa-se autor e a parte passiva designa-se
réu.
Adotando-se esta noção formal de parte, só conseguimos determinar as partes da
ação em função de dois mecanismos:
a. Ou da interpretação da Petição Inicial, da qual constam as partes originárias (e
isto é a regra);
b. Ou em resultado dos chamados incidentes de intervenção de terceiros OU de
habilitação (que têm lugar já depois da petição inicial, normalmente têm lugar
depois da citação do réu).

Da petição inicial devem constar os dados relativos às partes (artigo 552º/1/a).


Portanto, o autor deve apresentar-se e deve apresentar aquele contra quem propõe
ação. Mas como sabemos quais são as partes da ação? Por interpretação da Petição

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Inicial. Depois deste momento, pode haver novas partes. E pode haver novas partes
mediante: (i) a intervenção de novas pessoas (caso em que se recorre aos incidentes
de intervenção de terceiros – artigos 311º e seguintes), ao lado das primitivas; (ii) ou
pode haver substituição de pessoas (caso em que se recorre ao incidente e habilitação
previsto nos artigos 351º e seguintes), em substituição das primitivas.

No que toca à posição na instância, distinguimos entre dois tipos de partes: partes
principais e partes acessórias. As partes principais são aquelas que arcam diretamente
na sua esfera jurídica com os efeitos da sentença. São partes acessórias aquelas que
assistem a parte principal, estando a sua atividade subordinada à da parte principal (e
em caso de conflito prevalece a opção da parte principal)  artigo 328º/1.
Regime especifico das partes acessórias: à parte acessória é oponível o caso
julgado, mais precisamente a autoridade do caso julgado formado na primitiva ação.
a. Exemplo: A propõe ação contra B por RC porque B alienara a A bem defeituoso.
B, adquiriu aquele bem de terceiro. Terceiro não é parte principal (porque no
pedido de ação principal é parte A e B).

A Personalidade Judiciária (que é um pressuposto processual relativo às partes) é


a tradução processual da personalidade jurídica. Ora, se a personalidade jurídica tem
por noção a suscetibilidade ser titular de direitos e obrigações, então a personalidade
judiciária tem por noção a possibilidade de ser titular de efeitos jurídicos processuais
 artigo 11º/1 CPC
Qual o princípio geral nesta matéria? É o da equiparação entre a personalidade
jurídica e a personalidade judiciária. Quem tem personalidade jurídica tem
personalidade judiciária.
Deste modo, em 1ª linha, temos de considerar quem tem, nos termos de direito
material, personalidade jurídica. São 2 grupos de casos nos quais se enquadra a
personalidade:

• Pessoas singulares: artigo 66º/1 CC


o Vale hoje regra de quem tem humanidade biológica tem personalidade
jurídica.
• Certas corporações à-s quais é atribuída a personalidade.
o Associações, fundações, sociedades comerciais a partir do registo que
as institui.
o Artigo 5º do Código Sociedades Comerciais.

Nota: elenco da personalidade judiciária é mais amplo do que o elenco de casos de


personalidade jurídica.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Há um 1º círculo que é o círculo que contém aquelas pessoas ou entidades aos


quais se atribui personalidade jurídica. Há coincidência necessária entre personalidade
jurídica e judiciária.
Contudo há entidades que não têm personalidade judiciária sem ter jurídica. É um
2º círculo constituído por entidades que se limitam a ter personalidade judiciária.
Noção de pessoa é muito discutida: uma pessoa é essencialmente uma entidade
jurídica (centro de imputação jurídica, criado pelo direito). Quando falamos de pessoa
em processo civil é neste sentido que nos referimos. Simples construção para efeitos
práticos: isto é evidente no caso das pessoas coletivas (não há nenhum ser vivo
singular por detrás dela), por isso não repugna que hajam entidades que tenham
personalidade judiciária e não jurídica.

Artigo 12º CPC: entidades a quem damos personalidade judiciária

• Alínea a): herança jacente e patrimónios autónomos semelhantes sem titular


determinado
o Artigo 2046º: herança jacente é a herança aberta (abre-se herança com
morte do autor da sucessão) mas ainda não aceita nem declarada vaga
a favor do Estado
▪ Processo sucessório: há um 1º momento em que pessoa morre
(é aqui que surge a herança), sendo que herdeiros são chamados
a aceitar ou repudiar, sendo que nesse momento a herança
continua a existir (só depois da partilha é que termina a
herança). A aceitação e a partilha retroagem ao momento da
morte. MAS antes da aceitação a herança está num estado em
que não tem titular. Então como se promove ação contra
herança?
• Duas hipóteses: não se promoveria (mas aqui denegar-
se-ia tutela jurídica) OU promove-se (herança jacente
tendo personalidade judiciária, pelo que a ação é
proposta diretamente contra ela)
• Depois da aceitação, contra quem é que é proposta
ação? Contra sucessores (porque herança aqui já tem
titulares)
▪ A jacência termina logo que sucessivos aceitarem herança
(2049º CC) ou quando for declarada vaga a favor do Estado
▪ Depois de ter sido aceite a herança os direitos a ela relativos são
exercidos por todos ou contra todos os herdeiros (porque aqui já
há titulares)
o Baldios: terrenos comunitários que pertencem a uma comunidade e
que são geridos por ela e no artigo 1º/6 da lei dos baldios (lei nº 68/93,
que foi revogada pela lei 75/2017) ficam sujeitos ao regime da

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

personalidade judiciária. À falta de disposição especial do novo diploma


continua a aplicar-se este regime. Artigo 4º/1 da nova lei: não refere
património autónomo, mas sim que têm personalidade judiciária (não
têm personalidade jurídica, sem prejuízo de terem personalidade
judiciária)

• Entidades às quais via de regra se atribui personalidade jurídica, mas porque


no caso concreto, por qualquer razão, não gozam dela
o Comissões especiais (12º/b CPC e 195º e seguintes CC), sociedades civis
(12º/c CPC, 980º CC), sociedades comerciais até á data do registo
definitivo do contrato sociedade (5º Código das Sociedades Comerciais,
12º/d CPC)
o Em qualquer um destes casos elas, de acordo com regime regra, podem
adquirir personalidade jurídica, mas no caso concreto não a têm
o São referidas como pessoas jurídicas rudimentares

• Condomínio: nos termos do artigo 12º/e CPC tem personalidade judiciária e


tem-na apenas para as ações que caibam dentro do campo de competência do
administrador de condomínio
o Traços fundamentais desta figura: surge no contexto do direito real
propriedade horizontal (artigos 1414º e seguintes CC). Este direito de
propriedade horizontal tem por conteúdo a propriedade exclusiva da
fração e a propriedade comum das partes comuns. A propriedade
comum das partes comuns é justamente designada condomínio
(1420º/3 CC).
o Órgão de administração: administrador de condomínio
o 1436º e 1437º CC – funções de administrador do condomínio
o Contra quem deve ser proposta ação que caiba fora do âmbito do
administrador (dado que condomínio não tem personalidade judiciária,
esta deve ser proposta contra os condóminos). Se ao condomínio não se
atribui personalidade judiciária, os titulares do direito são condóminos.
o Ação de nulidade de uma decisão da assembleia de condóminos: não
está nas funções do administrador, pelo que ação de nulidade deve ser
proposta por um contra todos, para que decisão possa ser declarada
nula contra todos os condóminos
• Navios em casos previstos em legislação especial (12º/f CPC, 28º/2 do DL
258º/6 de 21 de outubro, artigo 7º do DL 202º/98, de 10 de julho – estatuto
legal do navio, sendo que nesse artigo 7º afirma-se que navio tem
personalidade judiciária)
• Artigo 13º CPC: atribui-se personalidade judiciária a sucursais, agentes, filiais,
delegações de certa entidade (com personalidade jurídica) quando a ação
proceda de facto por elas praticadas
o Exemplo: rede de supermercados
▪ Personalidade jurídica: sociedade que é proprietária

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Caso ação seja proposta contra alguma destas entidades e ela não
tenha personalidade judiciária a irregularidade pode ser sanada
mediante decisão de administração principal e ratificação ou repetição
do processado (artigo 14º CPC)
• Código das Sociedades Comerciais: possibilidade de um órgão de uma
sociedade ter personalidade judiciária para certos efeitos
o Caso de órgão de fiscalização da sociedade ao qual se deve atribuir
personalidade judiciária para pedir a declaração de nulidade ou
anulação de decisões sociais (57º/2 Código das Sociedades Comerciais)
▪ Para órgão poder satisfazer a sua finalidade e missão é que se
lhe atribui esta personalidade

CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE PERSONALIDADE


A falta de personalidade judiciária constitui a falta de um pressuposto processual
e, por isso, dá lugar ao surgimento de uma exceção dilatória (artigo 577º/c CPC). Uma
vez que é exceção dilatória, quais as consequências?
1. Abstenção do conhecimento do mérito da causa pelo juiz (artigo 576º/2/1ª
parte CPC)
2. Qual o regime que se aplica além da abstenção? Distinguir consoante exceção é
insanável (ação proposta contra alguém que não existe ou nunca existiu) ou
sanável
a. Insanável: indeferir liminarmente
i. Se não tiver havido despacho liminar e tiver sido dado hipótese
de pronúncia a cada parte deve absolver réu da instância em
despacho saneador ou sentença final (608º/1)
ii. 278º/1/c CPC: absolvição da instância
b. Se falta de personalidade judiciária for sanável, o juiz deve, ao abrigo
dos seus poderes de gestão processual, convidar as partes a
regularizarem a instância (se houver despacho liminar logo aí, e se não
for regularizada indeferimento liminar; despacho pré-saneador –
590º/2/a)
c. EM PRINCÍPIO, nas pessoas singulares é insanável

Note-se que a personalidade judiciária é pressuposto processual que deve marcar


presença ao longo de todo o processo.
Mas e se no curso do processo se extinguir personalidade judiciária?
Exemplo: ação proposta contra pessoa singular e no curso da ação ela morre
(extingue-se esta personalidade judiciária).

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Consequências da falta superveniente deste pressuposto dependem da instância


conservar a sua utilidade ou não. Porque é que não há absolvição da instância? Porque
a relação processual foi validamente constituída.

Outra hipótese: instância torna-se inútil.


Exemplo: A propõe ação contra B para que B se abstenha de praticar certos factos
que perturbam posse de A, e B morre. Como era ação pessoal dirigida contra o
específico réu, quando ele morre a ação perde utilidade. Mas se houver pedido
indemnizatório também? Esse mantém-se (porque aí há utilidade que herança
responda).
Inutilidade da lide: extinção da instância (277º/e).

ORA, a instância não perde utilidade pela extinção da personalidade judiciária de


uma das suas partes: não perde utilidade porque há o princípio de que as relações
jurídicas não se extinguem por morte do titular, pelo que em relação àquela relação é
possível continuar a litigar mesmo quando uma das partes deixou de ser titular dela.
No caso da morte de pessoa singular, quem passa a ser titular das suas relações
jurídicas é a herança, e depois sucessores (relação não se extingue, titular é que
desapareceu).
Nos casos em que instância conserva utilidade, deve aplicar-se o regime de
sucessão de parte. É preciso que intervenham novas partes em lugar da anterior para a
substituir.

Regime aplicável
Pela morte de uma das partes, dado que se perdeu pressuposto fundamental, a
instância suspende-se (269º/a CPC). Qualquer uma das partes tem dever de dar a
conhecer do processo a morte de qualquer outra das partes, mesmo que seja a parte
contrária (se autor sabe que réu morreu, tem de o dar a conhecer no processo –
270º/2 CPC, tem de juntar documento comprovativo do facto). Caso este dever não
seja cumprido pode haver responsabilidade civil por parte de quem não dá a conhecer
este facto. Este dever estende-se a cada um dos sucessores a quem se pode exigir as
informações necessárias para que a parte cuja personalidade se extinguiu seja
substituída.

Podemos propor ação contra quem está morto? Não.


Quando é que cessa suspensão com base neste fundamento? Quando se considere
habilitado o sucessor da parte falecida (276º/1/a CPC). Mesmo que a instância não

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

tenha sido suspensa porque não havia conhecimento que uma das partes tinha
morrido, são nulos todos os atos praticados depois da data de falecimento, sem
prejuízo de esses atos poderem ser ratificados por sucessores (artigo 270º/4 CPC –
caso em que não se produz efeito da nulidade).
Nulidade em processo civil é nulidade que na maioria dos casos é sanável (não é
coincidente com nulidade do Direito Civil).

1º efeito: suspensão da instância


Como regularizar instância? Incidente de habilitação (artigo 351º). Rigorosamente
existem várias formas de habilitação, esta é uma delas (no decurso de ação substituir
partes). Este incidente serve para que ingressem na instância aqueles que à luz do
regime de direito material aplicável sucederam na titularidade jurídica da posição
litigada. O que é que se avalia no incidente? Se houve sucessão (são admitidos a entrar
na instância) – parte está substituída e instância pode prosseguir.

Morre parte  Suspende-se instância  Período intermedio de habilitação


(terminada esta retoma-se processo)

Regime particular previsto no Código Sociedades Comerciais. Tratando-se de uma


das partes uma sociedade comercial, se a sociedade entretanto se extinguir é
automaticamente substituída pela generalidade dos sócios, representada pelos
liquidatários, sem necessidade de habilitação (162º Código das Sociedades
Comerciais).
Ou seja: quem atua no lugar da sociedade? Administradores. Os sócios
confiam gestão do seu interesse da sociedade aos gestores/administradores. Extingue-
se sociedade  substituída por generalidade dos sócios. Sociedade continua a ser
representada pelos liquidatários (gestores e administradores). Houve alguma
perturbação? Não, continuam a ser os mesmos sujeitos a agir, daí não se justificar a
suspensão da instância. Sócios não eram chamados antes, e não o são agora. Assim, a
mudança entre período pré-extinção e pós não é assim tão grande, daí não haver
suspensão nem habilitação.

NOTA: nos casos em que entidade tem personalidade judiciária sem ter
personalidade jurídica torna-se delicado explicar a respetiva natureza. Tavares Sousa
diz: “tratam-se de entidades que têm personalidade jurídica pelo menos para efeitos
processuais”. Entidades com personalidade jurídica ultralimitada, para este propósito.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

7.2. CAPACIDADE JUDICIÁRIA


Saímos do pressuposto da personalidade e passamos para pressuposto da
capacidade.
Se pressuposto da personalidade traduz para processo a categoria substantiva da
personalidade jurídica, o pressuposto da capacidade judiciária traduz para processo a
categoria material de capacidade de exercício.
Noção: artigo 15º/1 CPC (suscetibilidade de estar, por si só, em juízo). A base e
medida da capacidade judiciária é dada pelo regime substantivo da capacidade de
exercício de direito. Só mediante consideração do regime de direito substantivo é que
conseguiremos apurar se no caso concreto parte é ou não capaz.
Exemplo: menores  menor de 17 anos exige cumprimento de obrigação de
serviço que prestou a outra pessoa. É capaz ou não? Depende do regime substantivo:
em princípio é incapaz, mas nos casos do 127º CC ele será capaz (exceções).

Regras processuais que valem para estas hipóteses de capacidade e incapacidade


Pessoa singular

• Alguém incapaz: deve estar em juízo representado ou autorizado pelo curador


(inabilitações)
o 16º/1 CPC
o Quem deve ser citado (inabilitação)? Curador e inabilitado (19º/2 CPC),
porque nos termos do direito substantivo o inabilitado é só ajudado por
curador, daí que no processo ele possa exercer direito
o Se não houver representante geral deve requerer-se ao tribunal a
nomeação de curador especial ou provisório (17º/1 CPC), para que
pessoa não fique desassistida
• Menores: a representação é dada a ambos os pais. Por isso, deve estar
representado por ambos os pais. Em caso de desacordo entre os pais, pode
pedir-se resolução de conflito do desacordo pelo tribunal (artigo 18º CPC)
o Quem deve ser citado? Ambos os pais (16º/3 CPC)
• Se ausente ou incapaz não deduzirem oposição, é o MP que assume a tutela
(artigo 21º CPC)

Pessoa coletiva:

• As pessoas coletivas são representadas nos termos do artigo 25º CPC


(supletivamente: órgão de administração)
• As demais entidades às quais se atribua personalidade judiciária são
representadas pelos seus administradores ou gerentes (26º CPC)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Condomínio, por exemplo

REGIME DA FALTA DE CAPACIDADE E SUPRIMENTO DA RESPETIVA FALTA


A incapacidade judiciária é exceção dilatória, e consequentemente obsta a que o
tribunal conheça do mérito da causa e pode ter por limite como consequência a
absolvição do réu da instância (artigos 278º/1/c, 576º/2, 577º/c CPC).
É uma falta de pressuposto sanável. Como se sana? Através da intervenção ou da
citação do representante legítimo ou do curador (artigo 27º/1 CPC). A particularidade
deste pressuposto processual, do respetivo regime de sanação é que esta pode ser
ordenada pelo juiz (ou seja, juiz tem poder de regularizar a instância 28º/1 CPC – iusso
iudicis que significa por ordem do juiz).
Assim, o juiz convida à regularização da instância? Não: ordena a regularização
da instância.
Uma vez intervindo ou citado, o representante legítimo pode ratificar atos já
praticados ou recusar a respetiva ratificação. No caso de ratificar, a instância
prossegue e atos mantem-se força; se recusar, fica sem efeito todo o processado
desde o 1º momento de incapacidade judiciária não suprida (27º/2 CPC).
Se houver lugar a despacho liminar, o juiz deverá ordenar a prática dos atos
necessários à regularização da instância (590º/1 CPC, ao abrigo do 6º/2 CPC). Nos
casos em que despacho liminar não tem lugar, deverá o juiz, no despacho pré-
saneador, ordenar a prática desses atos necessários à regularização da instância
(notificação ou citação do representante em falta).
A incapacidade, apesar de ser exceção dilatória, e causa de absolvição da instância
(278º/1/c CPC), tipicamente não dá lugar à absolvição da instância porque juiz tem
poder de a regularizar – a opção do juiz não é absolver, mas sim regularizar, e aí
conhece do fundo da causa.
Mesmo que este pressuposto não esteja verificado pode o julgador, em casos
excecionais, conhecer do mérito da causa:

• Artigo 278º/3 CPC (se puder proferir decisão quanto ao fundo, não há outra
razão para absolvição da instância e decisão é só quanto a uma das partes)

Este regime de incapacidade judiciária aplica-se com necessárias adaptações a


outra causa: caso de se exigir autorização ou deliberação para pratica de certo ato (29º
CPC).
Exemplo de autorização exigida: no regime do Código das Sociedades Comerciais
prevê-se, no artigo 75º, que para que se possa responsabilizar os administradores da
sociedade é preciso haver previamente uma deliberação da assembleia geral. Nesse
caso, se ação vier a ser proposta sem a referida autorização ou deliberação, o tribunal
fixa prazo para se juntar a referida autorização ou deliberação, suspendendo-se os

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

termos da causa (29º/1 CPC). Das duas uma: se não se juntar a autorização ou
deliberação exigida, o réu é absolvido da instância; se pelo contrário fosse o
representante do réu a dever ter de apresentar autorização ou deliberação para poder
atuar no processo, nesse caso a consequência não é absolvição da instância, mas sim
processo prosseguir como se não houvesse oposição.

7.3. LEGIMITIDADE PROCESSUAL


Vamos ver a legitimidade singular (pluralidade de partes é para 2º semestre).
Conteúdo deste pressuposto: por legitimidade processual entende-se a
correspondência que deve existir entre as partes do processo e as partes da relação
material controvertida, tal como delineada pelo autor.

Exemplo:
A propõe ação contra B na qual afirma que é credor de C (relação material
controvertida). Quem é que é parte na ação: A e B. O pressuposto da legitimidade
processual é relativo às partes do objeto do processo.
Será B parte legítima? C é que figura como devedor, por isso ação deveria ter sido
proposta contra ele e não B, pelo que B não é parte legítima.

O pressuposto processual no seu conteúdo quer garantir que as partes na ação


são as mesmas partes da relação material controvertida tal como delineada pelo autor,
para que as partes da relação material controvertida tenham oportunidade de se
pronunciar sobre a causa. A não verificação do pressuposto da legitimidade processual
dá-se no lugar do surgimento de uma exceção dilatória (artigos 577º/e e 278º/1/d
CPC). a sua consequência é a absolvição da instância e, eventualmente, nos casos do
278º/3 CPC pode haver absolvição do pedido.

Este pressuposto da legitimidade processual pode distinguir-se da categoria da


legitimidade substantiva, material, a que se chama legitimação.
Qual o conteúdo da legitimidade material/legitimação? Entendemos a relação que
deve haver entre o autor de um ato e o efeito que pretende produzir para que o efeito
se produza. Exemplo: alienação de um direito. Efeito que se pretende? Alienar direito.
Relação que deve existir entre pessoa e direito? Titularidade de direito.

Uma relação de correspondência entre as partes da relação processual e material,


tal como delineada pelo autor na petição inicial: é isso que se quer.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Ora, o critério seguido em processo civil para delimitar a legitimidade das partes
está fixado no artigo 30º/1 CPC. Aí se dispõe que o autor é parte legítima quando tem
interesse direto em demandar, e o réu quando tem interesse direito em contradizer. A
noção de que se serviu legislador foi a de INTERESSE. Problema? É que noção de
interesse é polissémica no discurso jurídico, não sendo prática nem operativa. Daí que
o nº 2 o 3 procurem concretizar o que se entende por interesse.

• Nº 2: tem contornos demasiadamente indefinidos (problema)


o A propõe ação contra B. Filho de B tem interesse de contradizer?
Poderíamos dizer que sim porque da procedência da ação ele sofre
reflexamente consequências patrimoniais. Mas ele não tem
legitimidade porque nos termos da relação jurídica litigada ele não é
parte. Daí o nº3.
• Nº 3: critério geral da legitimidade. A regra geral de legitimidade é, portanto,
que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares de
interesse relevante para legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal
como configurada pelo autor
o Para resolvermos os casos de legitimidade temos de qualificar a relação
material controvertida tal como apresentada, ver as suas partes e
apurar quem deve marcar presença na ação.

3 observações que sintetizam o que temos vindo a dizer:


1. Critério é titularidade
a. Nesta medida, a legitimidade processual pressupõe o conhecimento das
estruturas jurídicas de direito material aplicáveis
2. Não é a titularidade real, mas sim a titularidade tal como delineada pelo autor
3. Trata-se de regime supletivo
a. A própria lei admite em casos particulares que alguém que não titular
possa ser parte legítima
i. Casos de legitimidade extraordinária ou indireta ou de
substituição processual

Importância de dizer ‘titularidade tal como delineada pelo autor’? Autor afirma
que é credor de B. Quem são as partes legitimas da ação? A e B. MAS no curso da ação
descobre-se que devedor é C, e não B. B continua a ser parte legítima? O que define
legitimidade é relação material controvertida tal como delineada pelo autor na petição
inicial  ASSIM, B é parte legítima do 1º ao último momento. Portanto, tribunal deve
proferir absolvição do pedido (ao conhecer que afinal é C o devedor, e não B), porque
relevante é quem foi apresentado como parte legítima e não quem realmente é parte
da relação material (essa é a questão de mérito, a que vai ser apreciada).
O pressuposto da legitimidade refere-se apenas a quem deve estar presente na
instância para que possa ser conhecida a questão apresentada ao tribunal.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Critério geral para aferir de legitimidade das partes numa ação civil
Concretizado no artigo 30º CPC

• Nº1: é parte legítima quem tem interesse em demandar e quem tem interesse
em contradizer
o PROBLEMA: indefinição da noção de interesse
▪ Esforço para concretizar o que é interesse para efeitos de
legitimidade (daí os números 2 e 3)
• Nº3: supletivamente, são titulares do interesse os sujeitos da relação jurídica
tal como delineados pelo autor na petição inicial
o Interesse/titularidade

Esta definição da regra de legitimidade é resultado de um longo debate que na


origem teve uma controvérsia entre dois processualistas PT: Alberto dos Reis e
Barbosa de Magalhães – controvérsia a propósito de caso jurídico real que foi
apreciado pela Relação de Lisboa. Ora, o caso era o seguinte: certo Autor moveu ação
contra Ré (sociedade), no curso da ação veio a apurar-se que a Ré não havia celebrado
qualquer contrato com Autor mas que havia intervindo como intermediário. Portanto,
relação material tinha a seguinte estrutura:
A ----------> 3º
(Ré – seria estranha à relação material controvertida, não seria parte)
Questão que se colocou: quando se apura que réu não é parte da relação
controvertida deve ser absolvido do pedido ou da instância? Alberto dos Reis
pronunciou-se no sentido de que a absolvição devia ser da instância por entender que
a finalidade do pressuposto da legitimidade seria garantir que a ação tivesse por partes
as partes reais da relação material controvertida para que se resolvesse
definitivamente o litígio (para que a ação tivesse utilidade seria necessário que fosse
conduzida pelas partes reais). Neste caso, o autor rigorosamente o que queria resolver
era o problema do contrato de fornecimento. Daí que Alberto dos Reis diga que
tribunal não consegue cumprir a sua missão (conhecer do litígio). Vantagem desta
posição: se entendêssemos que havia absolvição da instância o Réu seria absolvido e o
processo seguiria para parte legítima (numa única ação resolviam-se dois problemas –
afastava-se parte ilegítima e chamava-se a parte legítima).
De outra banda, Barbosa de Magalhães sustentava que a legitimidade haveria de
ser aferida em função da relação material alegada e não na relação material realmente
existente. Diferença de regime: se a legitimidade se afere por relação à relação jurídica
alegada, mesmo que se apure que o réu não é titular material, o tribunal deve
conhecer mas deve absolver réu do pedido e não da instância. Grande razão que
podemos avançar para este entendimento, que acabou por ser recebido pelo CPC em
1995/1996: o objeto do processo é a relação material nos seus elementos objetivos

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

mas também subjetivos. Ora, se é também nos seus elementos subjetivos a falta de
indicação de um desses elementos é já questão de mérito, tendo de ter por
consequência a absolvição do pedido (reconhecimento de quem quera alegadamente
réu nada devia, tendo caso julgado material a seu favor). Por conseguinte, a
legitimidade vem a ferir-se apenas em razão do modo como relação é delineada
(questão de admissibilidade) e não em razão do modo como é conhecida (questão do
mérito).
E a grande vantagem da 1ª tese (ideia de que através da absolvição instância
aproveitavam-se efeitos da primitiva ação)? Quando lei optou por 2ª hipótese
introduziu um mecanismo processual apto a garantir o efeito útil da primeira ação:
mecanismo da pluralidade subjetiva subsidiária.

PLURALIDADE SUBJETIVA SUBSIDIÁRIA


O autor poderá dirigir o pedido em relação de subsidiariedade contra dois
diferentes Réus (artigo 39º CPC).
Imaginemos que autor não tem certeza quanto aquele que é devedor material –
como se pode proteger? Dirige pedido contra um réu e caso não proceda dirige
processo contra o ouro, garantindo que naquela única ação é definitivamente
conhecida a relação material controvertida em tudo quanto de interesse. Consegue
garantir que todos os potenciais interessados nela marcam presença.
Uma particularidade muito importante é que a parte subsidiária pode ser
chamada até ao termo da fase dos articulados (artigos 316º/2 e 318º/1/b CPC). Qual o
interesse desta possibilidade? A questão que levantou controvérsia hoje resolve-se
facilmente graças a este mecanismo.
O autor alega que relação é só com Ré. Ré é parte legítima. Mas Ré tem ónus de
na sua contestação concentrar toda a defesa: é na contestação que afirmará que não é
devedor, que o devedor é 3º. O que é que autor pode fazer? Dirigir pedido contra
terceiro, porque pode faze-lo até fim da fase dos articulados (pode adaptar a instância
nos seus elementos subjetivos ao resultado das alegações do réu pelo que primeira
ação resolve definitivamente a causa – improcede contra réu, mas procede contra
terceiro).
 Isto é útil porque pedido contra terceiro pode ser formulado até fim da
fase dos articulados, podendo esperar pelos elementos constantes da contestação
para fazer esse pedido.

Em que casos pode haver pluralidade subjetiva subsidiária? Lei permite-o em duas
circunstâncias:
1. Dúvida do próprio autor quanto ao titular passivo da obrigação

120
Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

a. Autor propõe ação contra dois réus em relação de subsidiariedade


i. Exemplo: responsabilidade por acidente de viação procurando-
se responsabilizar o condutor da mota, mas iam duas pessoas na
mota e não se sabe quem era condutor. Autor propõe ação
contra os dois.
2. As dúvidas surgem no curso da ação em função da alegação do réu
a. Pode ser deduzido pedido subsidiário, sendo apenas que pedido não é
feito inicialmente, mas sim depois da alegação do réu ou conhecimento
privativo que autor possa ter tido

Aplicar regra de legitimidade a casos particulares:


1. Ação de condenação: quem tem legitimidade? Legitimidade ativa tem-na quem
se afirma beneficiário do objeto da condenação; legitimidade passiva tem-na
aquele que se pretende realizar certa prestação ao autor.
a. Tudo depende de quem se alega ser beneficiário e obrigado à prestação
b. Caso que levanta algumas dificuldades é o caso da ação de reivindicação
(1311º/1 CC): esta ação é de condenação porque se pretende vindicar o
bem.
i. O alegado titular do bem reivindica a coisa de certa pessoa (C),
mas C não é possuidor da coisa.
1. Posse é exercício de poderes de facto sobre bem ao
abrigo do Direito
ii. Se C não é possuidor, C está a colocar em causa direito de
propriedade do autor? É parte legítima o réu? Para resolver este
problema a lei no artigo 1311º permite que a ação de
reivindicação sirva para duas coisas: pode servir para a
condenação à entrega do bem OU pode servir também para o
reconhecimento do direito (entrega e reconhecimento). Assim,
ação pode ser movida contra possuidor e simples detentor.
Única diferença entre os casos? Se ação for movida contra
simples detentor (alguém que não arroga direito de
propriedade) não se discute questão da propriedade, mas sim só
questão da restituição.
iii. Particularidade: se ação vier a ser proposta apenas contra
detentor e o réu (detentor) tiver dúvidas quanto a quem é
verdadeiro proprietário pode pedir a sua intervenção na ação
como opoente (artigo 338º CPC).
2. Ações constitutivas: tem legitimidade ativa aquele que se arrogue titular do
direito potestativo e tem legitimidade passiva aquele contra o qual se pretenda
fazer valer os efeitos resultantes do exercício do direito potestativo (tudo
depende de como esta alegação é feita).
3. Ações de simples apreciação: tem legitimidade ativa aquele que alega ter
interesse legítimo na declaração e tem legitimidade passiva aquele contra o

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

qual se pretende fazer valer a declaração da existência ou inexistência do


direito.

NOTA: deve entender-se que assim como cada uma das partes pode litigar sobre a
sua posição jurídica cada uma delas na ação pode litigar sobre qualquer relação
jurídica de que a sua dependa.
Exemplo: autor quer fazer valer um seu direito resultante de contrato de
sublocação. Se para fazer valer esse direito tiver de invocar locação pode faze-lo,
apesar de ele não ser parte do contrato de locação, mas é questão prévia à sua posição
jurídica.

Classificação dos casos de pluralidade de partes


O que vimos até agora foram casos de pluralidade singular (um sujeito no lado ativo
e outro no lado passivo). Mas pode haver casso de pluralidade partes. A pluralidade de
partes pode, por seu turno, ser sujeita a diferentes classificações:
1. Pólo da relação processual a que respeita a pluralidade de partes: pluralidade
de partes ativa, passiva e mista
a. ATIVA: quando há dois ou mais autores
i. Exemplo: dois cônjuges que propõe ação de defesa da casa de
morada de família
b. PASSIVA: quando referente ao lado passivo da relação processual
i. Exemplo: ação de responsabilidade proposta contra promitente
e promissário; ação proposta contra todos os herdeiros
c. MISTA: lado ativo e passivo
2. Fundamento: pluralidade de partes pode ser voluntária ou necessária
a. VOLUNTÁRIA: quando é da iniciativa das partes a propositura ou
chamamento à instância de uma pluralidade de sujeitos
i. Exemplo: obrigações solidárias (512º e seguintes CC + 518º e
seguintes CC) quanto ao lado passivo caracterizam-se por a
prestação poder ser exigida a qualquer um dos devedores
(credor pode agir contra um, dois, etc. - como preferir).
b. NECESSÁRIA: razão da pluralidade de partes pode ser regra legal;
necessária para que tribunal possa conhecer do mérito da causa
i. Quando estamos perante este caso, a pluralidade de partes
exige-se para que se respeite o pressuposto da legitimidade
(parte só é legítima se todas as partes estiverem presentes)
ii. Exemplo: ação de reivindicação de bem que pertence a vários
comproprietários do lado passivo deve ser proposta contra
todos. Haveria falta de legitimidade se fosse proposta apenas
contra alguns.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

iii. Isto não significa pluralidade de partes automática: mesmo


quando há situação de litisconsórcio necessário ou coligação
necessária quem tem iniciativa de chamamento são sempre as
partes da instância por causa do princípio do dispositivo
3. Momento:
a. ORIGINÁRIA: constitui-se no inicio do processo
b. SUCESSIVA: no decurso da ação
i. Chamamento da nova parte é feita através dos incidentes de
intervenção do terceiro (311º e seguintes CPC)
ii. Incidente de habilitação também permite que novos sujeitos
intervenham não par acrescer para subsistir alguma das
primitivas partes
4. Natureza:
a. LITISCONSÓRCIO: litiga-se sobre uma relação jurídica
i. Artigos 32º e seguintes CPC
b. COLIGAÇÃO: litiga-se sobre várias relações jurídicas
i. Artigos 37º e 38º CPC
 não é pacífico qual o critério usado para distinção. Usamos o da
pluralidade/unidade das relações jurídicas
Ação de reivindicação de coisa que pertence a vários comproprietários é
LITISCONSÓRCIO porque só há uma relação.
Ação de reivindicação de 3 coisas diferentes que pertencem a três titulares é
COLIGAÇÃO, se for admitida.

A pluralidade de partes interseta-se com pluralidade quando lei prevê que ela deva
ser observada, sobretudo nos casos de litisconsórcio necessário.

LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA
Casos em que excecionalmente se admite que litigue sobre posição jurídica alheia.
A regra geral de legitimidade: pode litigar e pode-se litigar contra aquele que seja
titular, ativo ou passivo, da relação material controvertida.
O que é que se agrega nos casos de legitimidade extraordinária? Hipóteses em
que é admitido litigar quem não é titular da relação jurídica ou titular exclusivo desta.
 Hipóteses designadas de legitimidade extraordinária, ou indireta ou
substituição processual.
Vem-se procurando traçar um regime tendencialmente unitário de legitimidade
extraordinária, mas o professor considera-o diferente porque casos são muito
heterogéneos, daí que devamos considerar caso a caso e a partir daí agrupar grupos de
casos.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Casos de legitimidade extraordinária


1. Transmissão de coisa ou direito na pendência de litígio: na eventualidade de a
ação ser proposta contra certa pessoa e alguma das partes alienar a coisa ou
direito que seja objeto da controvérsia os efeitos da ação vinculam o
adquirente. Neste caso, a partir do momento em que a alienação foi feita a
parte da ação está a agir como substituta processual do titular do direito.
a. A propõe ação contra B. Quem tem legitimidade? Os que são
alegadamente autor e réu. Mas qual a especificidade deste regime? Se
A alienar a 3º ou se B alienar a 3º muito embora as partes da ação
continuem apenas a ser A e B os efeitos da ação produzem-se também
por referência a C e D (estendem-se os efeitos do caso julgado àqueles
que não são partes da ação e é aqui que há legitimidade extraordinária)
b. Admite-se, contudo, que as partes primitivas da ação requeiram a sua
substituição pelo adquirente. Incidente para esta substituição: incidente
de habilitação (inter vivos) – 356º/2 CPC
i. Ou é admitida e é substituída uma das partes, OU não é
admitida e ação prossegue entre primitivas partes sendo o caso
julgado oponível em relação ao adquirente.
ii. Porque é que temos este regime? Porque alternativa seria parte
que estivesse em risco de perder o bem alienava-o, daí que
sentença seja oponível ao adquirente
c. Porque a partir do momento da transmissão o titular do direito já não é
a primitiva parte deve entender que já não tem poderes para transigir,
para desistir ou para confessar (290º/3 CPC)
d. Neste caso, mesmo que adquirente não sejuuuza admitido a litigar
poderá constituir-se como assistente (como parte acessória) – 326º e
seguintes CPC
2. Hipótese em que alguém é admitido a administrar um património alheio
a. São hipóteses a que no Direito Alemão se designa de parteier kraft
antes – casos de parte de ação em virtude de certa função, de certo
ofício, que são chamadas a desempenhar
b. Dois exemplos: o testamenteiro – pode ser instituído pelo de cujus em
testamento (de cujus é testador) com uma específica função que é de
vigiar o cumprimento do testamento e executá-lo no todo ou em parte
(artigo 2320º CC). De entre diferentes funções que lhe podem ser
atribuídas (2325º CC) há uma que é sustentar a validade das disposições
testamentárias em juízo (2326º-B CC), logo ele tem legitimidade
processual para defender as disposições testamentárias. Ideia por
detrás disto: testamenteiro poder defender vontade do de cujus contra
vontade dos seus sucessores.
i. A quem é que pertence a herança? A herança pertence aos
herdeiros. Mas legatórios, credores são interessados (mas são
apenas terceiros com direito à herança). O testamenteiro tem

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

legitimidade extraordinário: bem ora não seja titular dos bens


sobre os quais litiga está admitido a litigar para proteção de
certo interesse (vontade do de cujus
c. Outro exemplo: insolvência – depois de declaração de insolvência o
devedor perde a possibilidade de dispor dos seus bens e esta é
conferida ao administrador de insolvência. A partir desse momento
quem tem legitimidade para conduzir ações é administrador da
insolvência. Assim, a quem é que pertencem os bens? Ao insolvente.
Quem teria legitimidade direta? Insolvente. Mas lei diz que quem a tem
é o administrador – legitimidade extraordinário (efeitos das ações que
este coloque produzem efeitos para insolvente, que quanto muito pode
ser parte acessória).
3. Constituído por certos meios de conservação da garantia patrimonial. No CC
preveem-se diferentes possibilidades conferidas ao credor para proteger a
garantia patrimonial o seu crédito. Qual é a garantia patrimonial do crédito do
credor? Património do devedor. Preveem-se quatro possibilidades:
a. Credores podem pedir a declaração de nulidade de atos praticados pelo
devedor (605º e seguintes do CC)
b. (606º a 609º CC) sub-rogação do credor ao devedor no exercício dos
seus direitos
c. (610º a 618º CC) impugnação pauliana
d. (619º a 622º CC) arresto
 A sub-rogação e impugnação pauliana constituem casos em que se confere
legitimidade extraordinária ao credor para litigar sobre posições jurídicas que
não lhe pertencem, tendo que ser estudados aqui.

• Sub-rogação do credor ao devedor: se devedor não exercer direito que lhe


pertence e se esse direito for essencial para a satisfação do crédito pode o
credor substituir-se ao devedor no seu exercício
o Bondade da regra: imaginemos que A é credor de B, B é credor de C. B
deve 1000 a A e C deve 1000 a B. B não tem quaisquer bens para pagar
a A. A pode executar B e penhorar crédito com C.
▪ Outro mecanismo: exercer crédito em lugar de B (sub-roga-se a
B no exercício do seu crédito; A executa valor no património de
B).
o Ideia por detrás disto: cada um de nós tem direito de ser desleixado na
condução das suas relações jurídicas, mas quando isso prejudica
credores eles tem de ter a oportunidade de exigir os direitos que
melhorariam a sua condição – nemo liberalis misi liberatus (ninguém
pode andar a praticar liberalidades a não ser que não tenha dívidas).
o Há regimes específicas da sub-rogação: direito das sociedades
comerciais tem regra que diz que quando gerente não é
responsabilizado por sociedade sócios minoritários podem intentar ação
de responsabilidade.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

o Esta sub-rogação distingue-se de outras 2 modalidades de sub-rogação:


sub-rogação em resultado do cumprimento -se 3º que não devedor
realizar prestação fica sub-rogado nos direitos do primitivo credor
(artigos 589º e seguintes CC); sub-rogação real prevista quando é a
própria lei que estabelece que objeto de um certo direito é substituído
em virtude de qualquer causa nela (lei) prevista

o PRESSUPOSTOS (606º CC):


▪ Omissão do devedor
▪ Direito de natureza patrimonial
▪ Cujo exercício não esteja reservado ao seu titular
▪ Ser necessário à satisfação ou garantia do direito do credor
 Se estes 4 estiverem verificados o credor pode exercer direito
em sede sub-rogatória e fazendo-o os efeitos do seu exercício
aproveitam a todos os credores (609º CC).

 Esta ação é movida pelo credor mas contra quem?


o Autor é credor (A) (a título extraordinário)
o Réu: C (terceiro)
o Mas B tem de estar presente ou não? A lei, neste caso, prevê que o
devedor tenha de ser citado para esta ação (caso de litisconsórcio
necessário) apesar de não ser ele o réu (artigo 608º CC)
▪ É citado a que título? Como autor ou como réu? Caso raríssimo
de hipótese que não é tecnicamente oposição, mas onde há três
partes diferentes, três polos: autor é apenas A, réu é apenas C e
devedor é citado para tomar posição que tanto pode ser
conforme à do autor, conforme à do réu ou em parte conforme
à do autor e noutra conforme ao réu
• Caso de litisconsórcio recíproco
o B está numa posição que pode ser oposta quer á
de um quer à de outro
• Objeto da controvérsia é duplo:
o Admissibilidade da sub-rogação
o Relação material do crédito (relação creditória)
O devedor pode ter mesma posição que credor no que
toca à 2ª, mas oposta no que toca à 1ª.
 Legitimidade processual do autor decorre da simples alegação de que estão
verificados os pressupostos da sub-rogação
o Se os pressupostos não estiverem verificados, o tribunal toma decisão
de absolvição do pedido, mas com a seguinte precisão: isto significa
que devedor já não tem de cumprir crédito? Não, tribunal não
conhecesse isso. Se no que toca a mérito diz que não estão verificados

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

os pressupostos da sub-rogação, então não conhece do mérito da


causa. Por isso, no dia a seguir devedor pode interpor ação contra
titular passivo da ação.
o Se tribunal entender que estão verificados pressupostos da sub-
rogação conhece da relação material e o caso julgado é oponível a
todos os intervenientes.
▪ Porque é que no 1º caso o caso julgado não é oponível a todos?
Porque faltando os pressupostos já não pode conhecer da 2ª
questão. Absolve do pedido por falta de legitimidade
substantiva para o credor exercer aquele direito.

• Impugnação pauliana:
o Pressupostos (4 gerais e 2 eventuais):

Gerais (610º CC)


▪ Devedor ter praticado ato que tenha diminuído a garantia
patrimonial do credito
• Alienação de um bem, por exemplo
▪ Ato ter natureza não pessoal
▪ O crédito do credor ser anterior ao ato depauperatório ou se
crédito for posterior o ato ter sido praticado com intuito
emulativo de diminuição da garantia patrimonial do credito
▪ Impossibilidade de satisfazer integralmente o crédito de outra
maneira

Eventuais
▪ Se o ato impugnado for oneroso exige-se a má-fé quer do
alienante quer do adquirente (612º/1 CC) E se houver nova
transmissão exige-se que haja má-fé do novo adquirente
(613º/1/b CC)
o Se proceder ação de impugnação pauliana (de natureza constitutiva) o
credor tem direito de excetuar os bens cuja transmissão impugnou
ainda que os bens pertençam ao terceiro (616º/1 CC). É por aqui que se
vê que a impugnação pauliana representa um caso de legitimidade
extraordinária
▪ B e C celebram contrato de alienação. Quem tem legitimidade
direta para litigar sobre este contrato? B e C. Impugnação
pauliana permite a terceiro que esta declaração lhe seja ineficaz
quando isso seja necessário à satisfação do seu crédito.

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

NOVO GRUPO: hipóteses de contitularidade de posições jurídicas


Titularidade: relação de pertença de um certo direito a alguém (ou relação de
pertinência de um bem a certa pessoa)
Contitularidade: relação pertença de um só bem a diferentes pessoas (caso mais
conhecido: contitularidade)

Regime de legitimidade próprio destas situações de contitularidade


Vamos vê-lo através do caso paradigmático da contitularidade.
Artigos 1403º e seguintes CC
Especialmente para efeitos de processo civil, artigo 1405º CC.
Regra do 1405º/1 CC: quem deve tomar parte da instância são todos os
comproprietários; os comproprietários exercem as suas funções jurídicas em conjunto;
os comproprietários exercem em conjunto as funções jurídicas que competiriam ao
titular singular da coisa (não havendo especificidade face ao regime geral)
Especialidade está no 1405º/2 CC: tratando-se de ação de reivindicação qualquer
comproprietário pode agir isoladamente  legitimidade extraordinária (não tem de
haver litisconsórcio – 32º/2 CPP)

NOTA: 1405º/1 CC: casos em que se modifica o direito de propriedade; 1405º/2


CC: defender o direito de propriedade.

Sorte desta ação, caso seja proposta por apenas um comproprietário: se proceder,
aproveita a todos (porque ele está a agir em proveito de todos).
Se ação improceder, o outro comproprietário pode agir no dia a seguir
para reivindicar a coisa? A lógica do Direito Civil é que quando há direito subjetivo
apenas ao seu titular pode ser dada a sua possibilidade de o exercer ou não (não pode
ser forçado por terceiro a fazer o que quer que seja). Se isto fosse verdadeira
substituição não poderia, mas isto não é verdadeira substituição. MAIS: cada um é
titular completo do direito de compropriedade. Ora, limite de caso julgado: partes 
Ou estamos numa situação excecional onde se alargam os princípios do caso julgado,
que não podemos presumir, ou então caso julgado só vale para comproprietário que
colocou ação.
Mas isto parece pôr réu em situação frágil. O réu, no caso em que seja
exercido direito que alegadamente pertença a uma pluralidade de pessoas, pode ao
abrigo do artigo 316º/3/b CPP provocar a intervenção de possíveis contitulares
(incidente de intervenção pessoal provocada).

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

A age contra D mas D pode forçar que B e C sejam chamados à instância,


resolvendo definitivamente o problema na ação (se não quiser ser mais
perturbado sobre aquele tema pede intervenção dos restantes contitulares).
Esta possibilidade está prevista para a compropriedade, mas rigorosamente
parece ser possibilidade geral dos casos de contitularidade: o mesmo regime vale para
a composse (1286º/1 CC) – posse é posição jurídica; pertencendo a posse a vários
compossuidores, cada um pode defende-la sozinho.
Outro exemplo: em matéria de direito sucessório, cada um dos co-herdeiros pode
sozinho reivindicar quaisquer bens que estejam no poder de terceiro (2078º/1 CC). A
regra em matéria de herança é que direitos são exercidos por todos ou contra todos,
mas para reivindicar terceiro cada um pode agir sozinho (mesma regra que
compropriedade porque inicialmente isto era matéria de compropriedade).

ÚLTIMO GRUPO DE CASOS: casos da ação direta


A ação direta é modo de exclusão de ilicitude quando alguém sem recurso ao
sistema público de justiça faz valer a sua posição jurídica (336º CC). MAS a de que
vamos falar agora não tem nada a ver com a do 336º CC. No 336ºCC está em jogo
alguém fazer valer diretamente, pela força, o seu direito. Na ação direta de que
estamos a falar, o que está em jogo é a possibilidade de credor de certo crédito, em
relação ao lesante, poder agir diretamente contra segurador.
PORTANTO, o que estamos a estudar é: ação direta em matéria de seguros
Em que é que se traduz esta possibilidade? Um caso normal de responsabilidade
civil envolve quase sempre seguro (tipicamente acidentes de viação).
Estrutura do problema jurídico: de um lado temos o lesante (condutor ou
responsável pelo risco), do outro temos o lesado (pode exigir um crédito ao lesante), e
depois temos seguradora (com relação contratual com lesante). No CC só se regula
relação entre lesante e lesado.
Problema: um caso normal de acidente de viação é um caso que com muita
facilidade ascende a valores muito elevados. Dificilmente, algum lesante tem o
dinheiro suficiente para pagar ao lesado.
Lógica do mecanismo de ação direta: se neste circuito económico quem vai
suportar a indemnização é a seguradora, qual é a utilidade de a ação ter de ser
proposta contra lesante? Se agir contra lesante, o lesante teria de num 2º nível chamar
seguradora para o auxiliar na defesa, quando para as partes é mais simples que ela
marque logo presença na instância porque é ela que no limite suporta o valor. Para
facilitar pagamento dos valores desenvolveu-se esta figura.
Portanto, havendo seguro constituído, e situação de responsabilidade civil, e
sendo esse obrigatório, pode o lesado agir diretamente contra o segurador, muito

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

embora não haja nenhuma relação entre ele e o segurado. A ação é DIRETA por causa
disso.
Previsto para essencialmente duas hipóteses:
1. Seguro obrigatório (146º/1 do regime do contrato seguro DL 72/2008, 16/04):
nos termos deste artigo pode o lesado optar por agir contra o segurador.
Porque é que isto é exceção às regras da legitimidade? Porque quem é devedor
é lesante. Segurador limita-se a segurar responsabilidade do lesante.
2. Caso específico do seguro obrigatório em matéria de responsabilidade civil
automóvel: nos termos do artigo 64º/1/a DL 291/2007, 21 de agosto (regime
do sistema de seguro obrigatório em matéria automóvel) dentro do capital
mínimo obrigatoriamente seguro a ação é dirigida em exclusivo contra o
segurador (já nem é dirigida contra lesante); mas se tiver valor superior ao
capital mínimo então é dirigido contra os dois (64º/1/b do DL)
a. Sentido da regra: condutor comum é alguém ignorante em acidentes de
viação e regime jurídico, pelo que ideia é colocar seguro (interessado
em boa defesa para não ter de pagar tanto) de forma a proteger de
modo mais completo o próprio detentor do seguro
b. Nos casos em que ação é movida apenas contra segurada, pode a
seguradora pedir a intervenção do detentor do seguro para a auxiliar na
defesa (64º/2 DL)

A exceção ao regime regra está no facto de ter legitimidade alguém que não é
devedor perante lesado.

QUAL O REGIME APLICÁVEL NO CASO DE FALTA DE LEGITIMIDADE?


Devemos distinguir 2 hipóteses:
1. Falta de legitimidade pessoal: aquela pessoa em nenhuma circunstância tem
legitimidade para a causa
a. Autor propõe ação contra sócio, dizendo que sociedade lhe deve x
b. Falta de legitimidade é exceção dilatória (576º e 577º/e CPC)
c. Juiz não pode conhecer do mérito da causa e temos absolvição da
instância (278º/1/d)
i. Mesmo que haja absolvição da instância é de salientar que o
autor nos termos do 279º/2 CPC pode propor nova ação num
certo prazo ou requerer a citação do réu num certo prazo para
aproveitar efeitos da ação interposta em 1º lugar
2. Falta de legitimidade em virtude da ausência de qualquer outra pessoa
a. O sujeito que está na instância até pode ter legitimidade, mas para a ter
tem de estar acompanhado por outros sujeitos
b. Dá origem a exceção dilatória (mesmos artigos que os acima indicados)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

c. O juiz não pode conhecer do mérito da causa


d. Falta de pressuposto é sanável e juiz deverá convidar as partes a
regularizarem a instância nos termos do 6º/2 CPC
i. Momento para o fazer: despacho pré-saneador (590º/2/a CPC)
1. Se instância for regularizada, pode juiz conhecer do mérito
2. Caso não seja, réu deve ser absolvido da instância
(278º/1/d CPC)
e. Como se regulariza instância? O que ainda não está presente intervém
espontaneamente (311º CPC - intervenção principal espontânea) ou é
chamado para instância (316º CPC - intervenção principal provocada)
i. Pode ser proposta nova ação num dado prazo aproveitando-se
efeitos da primitiva (279º/2 CPC)

Há um certo tipo de ações que gozam de particularidade em matéria de


legitimidade: artigo 31º CPC - ações para tutela de interesses difusos.
Qual o problema específico levantado pelos interesses difusos? Tratam-se de
posições jurídicas cuja proteção não assenta na atribuição de direitos subjetivos.
Assim, torna-se mais difícil determinar quem está legitimado, ou não, apara a respetiva
propositura (justamente porque o esquema de tutela não assenta na atribuição de
direitos de ação).
Nos termos do artigo 31º CPC, tratando-se de interesse difuso, sobretudo de
algum dos lá referidos, qualquer cidadão ou qualquer associação ou fundação
defensora de tais interesses, ou ainda o Ministério Público, podem propor ações para a
respetiva defesa. Prevista no artigo 52º/3 CRP e designação de direito de ação popular.
Do POV procedimental, este direito de ação popular está na lei 83/95, de 31 de
agosto.

ESTRUTURA DE DIREITO DE AÇÃO POPULAR


1. Serve para proteger que posições jurídicas? Dois tipos de hipóteses:
a. Proteção de interesses difusos
i. Exemplos de interesses difusos: artigo 1º/2 da lei (mesmo teor
que 31º CPC) – ambiente, qualidade de vida, saúde, proteção de
consumo de bens e serviços, património cultural
ii. Estas ações têm sido pouco usadas porque se torna difícil
determinar quais os bens jurídicos protegidos porque estão
definidos com grande indefinição
b. Defesa do domínio público: defesa de posições jurídicas subjetivas (é
essencialmente uma ação sub-rogatória face às instâncias que devem
defender o domínio público)

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

i. A maior parte das ações populares propostas são em relação ao


domínio público
ii. Mais corretamente ainda: o domínio público pertence à
Comunidade Pública. Quem é que a integra? Definido através da
cidadania. Se o domínio público pertence à comunidade pública,
e ela é integrada pelos seus membros, então o domínio público
pertence em compropriedade aos seus membros
1. Portanto, temos aqui uma situação de compropriedade
(tal como explicado e nos mesmos termos que elencado
acima): um dos cidadãos, dos contitulares, defender
sozinho o que pertence a todos
a. Compropriedade de natureza diferente porque
não se pode exigir a divisão da coisa, por exemplo

2. Legitimidade para propor estas ações:


a. Artigo 2º/1 da lei: qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e
políticos
b. As associações ou fundações que defendam tais interesses, mas nos
termos do artigo 3º da lei tais fundações ou associações devem ter nos
seus objetivos, nas suas atribuições estatutárias, a defesa de tais
interesses
i. DECO para questões relativas à defesa do consumidor, por
exemplo
c. O Ministério Público, dentro das competências que lhe são
especificamente atribuídas (artigo 16º/1 da lei de ação popular)

3. Esta lei prevê rigorosamente dois tipos de participação possível:


a. Participação procedimental
i. Não nos interessa
b. Ação popular: pode ter natureza administrativa ou cível (artigo 12º da
lei)
i. Sendo questão de conhecimento dos Tribunais Administrativos,
tem natureza administrativa; da competência dos tribunais civis,
tem natureza civil (12º/2 da lei)
ii. Qual é o regime para estas ações:
1. Tem um regime especial de indeferimento da petição
inicial (13º da lei)
a. Se o julgador, ouvido o Ministério Púbico e feitos
já algumas averiguações preliminares concluir que
é manifestamente improvável a procedência da
ação, indefere-a liminarmente
2. São citados para a ação nos termos do artigo 15º/1 da lei
todos os titulares dos interesses em causa e se não
declararem que não pretendem ser excluídos dos efeitos

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Direito Processual Civil – 1º Semestre Ano Letivo 2017/2018

daquela concreta ação podem ficar sujeitos aos efeitos


do caso julgado
a. Esta citação é feita por anúncio público (15º/2 da
lei)
b. Quem toma a iniciativa para esta ação pode gozar
de um regime específico de representação de
todos os titulares do interesse em causa (artigo
14º da lei)
i. Isto é relevante porque existe risco
conatural desta ação que é o de alguém
que nunca tomou conhecimento de que
esta ação veio a ser proposta não poder
defender o interesse, porque citação feita
por anúncio é meio pobre para dar a
conhecer a propositura de uma ação
3. Regime específico da força do caso julgado: importa
distinguir se houver insuficiência de prova, o caso julgado
não se estende a 3º; se houver suficiência de prova, o
caso julgado abrange todos os titulares do interesse que
não se tenham excluído (19º/1 da lei) – tenha a ação
procedido ou improcedido. Se ação improceder, mas
houver suficiência de prova, os seus efeitos estendem-se
a todos os interessados mesmo que não hajam
intervindo concretamente naquela ação por não terem
exercido direito de autoexclusão
a. Regime do anúncio não é suficiente para dar
conhecimento e é por isso que a lei coloca estas
cautelas: regime especial de indeferimento
liminar e se ação improceder por insuficiência de
prova, o caso julgado não se estende

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