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Esta sebenta respeita às aulas teóricas da turma 1 de Direito das Obrigações do ano letivo de
2019/2020, lecionadas pelo docente Miguel Pestana de Vasconcelos. A sebenta foi realizada com os
apontamentos das vogais do Departamento de Pedagogia Inês Vale de Amorim e Joana Moreira.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de
Direito das Obrigações. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do e-
mail da CC3: cc3fdup1920@gmail.com de modo, a que o documento seja aperfeiçoado
Bom estudo!
17/09/2019
I. INTRODUÇÃO
1. Noção de Direito das Obrigações
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importantíssimo fenómeno da colaboração económica entre os homens. A cooperação
económica entre os homens, assente na livre iniciativa, pode revestir diversas
modalidades:
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As principais alterações ao Direito das Obrigações decorreram da I Guerra Mundial,
destacando-se: os institutos dos negócios usurários, o alargamento da responsabilidade
civil fundada no risco, o princípio da boa fé no momento pré-negocial e no cumprimento
da obrigação, a figura das obrigações naturais, o enriquecimento sem causa, a tutela da
confiança, o direito do consumo, as cláusulas contratuais gerais, etc.
4. Conceito de obrigação
Art.397º CC – “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com outra à realização de uma prestação”.
Obrigação consiste numa relação jurídica entre pessoas determinadas, ou pelo menos
uma delas determinada, tutelada pelo Direito através da atribuição ao sujeito ativo do
direito de crédito (direito a uma prestação) e ao sujeito passivo do dever jurídico (dever
de realizar a prestação). Consiste no vínculo jurídico que abrange tanto o crédito (lado
ativo) como o débito (lado passivo) e tem por objeto uma conduta específica, a prestação
(ex: realizar um serviço, entregar uma coisa, não fazer algo, etc.).
Para Antunes Varela, a obrigação é a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais)
pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação.
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A relação obrigacional desenrola-se, portanto, em torno de dois polos indissociáveis:
o direito subjetivo de uma das partes de exigir o cumprimento da prestação, associado ao
dever jurídico de prestar, imposto à contraparte.
Dever jurídico:
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a um dever de não perturbar o exercício do direito absoluto do seu
titular.
Estado de sujeição:
Ónus jurídico:
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real: A e B são coproprietários e têm obrigação de contribuir, na medida
da sua quota, nas despesas geradas pela coisa.
familiar: os pais estão obrigados a prestação de alimentos aos filhos.
sucessória: o cumprimento do legado, na falta de disposição em
contrário, cabe aos herdeiros.
O regime destes dois tipos de obrigações é o mesmo, a não ser que o regime geral das
obrigações venha a colidir com os vínculos específicos estabelecidos entre as partes. A
ligação funcional das obrigações não autónomas à relação base (real, familiar ou
sucessória) pode conduzir à fixação de um regime diferente. Tal regime pode ser fixado
diretamente pela lei ou decorrer da atividade hermenêutica do intérprete.
Ex: A obrigação de alimentos (não autónoma), ao contrário do regime geral, não é
transmissível, não é renunciável e o seu montante pode ser sujeito a alteração posterior,
logo, sai do âmbito do regime geral das obrigações.
1) Os direitos de crédito são direitos relativos, enquanto que os direitos reais são
direitos absolutos.
Quanto às características:
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Os direitos absolutos podem fazer-se valer contra todos os que com ele interfiram
(eficácia erga omnes). Os direitos reais resultam do exercício, para o seu titular, de
uma posição isolada, ao passo que para o lado passivo supõem uma espécie de “relação
universal”. Nos direitos reais, o titular pode obter a restituição da coisa de qualquer
terceiro ou exigir o seu respeito de qualquer terceiro.
Ex: A vende a B um imóvel, depois vende a C em data posterior, esta segunda venda é
nula e prevalece o primeiro direito (imóvel pertence a B). A maioria da doutrina defende
que nestes casos não chega a haver conflito de direitos pois há um direito e um não direito.
Ex: A empresta o seu automóvel a B. Se mais tarde o quiser vender prevalece o direito
real de A sobre o direito de crédito de B. A é o dono do automóvel, assim sendo, pode
retirar propriedades (utilidades da coisa) do mesmo. Por outro lado, B precisa da atuação
de A para poder utilizar o automóvel. B não pode retirar qualquer propriedade ao
automóvel (não o pode danificar, vender – obrigação passiva universal).
Contudo no que diz respeito à locação isto não acontece. Se A arrendar a B um imóvel
e depois o vender a C, o contrato de arrendamento não cessa.
A entrega a B um imóvel como garantia do seu crédito. Mais tarde hipoteca esse
mesmo imóvel a D. Prevalece a hipoteca primeiramente constituída (art.713º CC).
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Colocam-se duas exceções ao princípio da prevalência dos direitos reais:
Ex: Se B vende um imóvel alvo de hipoteca a favor de C a D, e D, por sua vez, vende
o imóvel a E, C pode exercer a sua hipoteca sobre E, visto que a hipoteca segue o bem. O
que significa que, em caso de incumprimento da obrigação garantida, o credor titular da
hipoteca (direito real) poderá fazê-la valer, executar a coisa, mesmo sendo esta
propriedade, não do seu devedor, mas do adquirente.
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Direitos pessoais de gozo – são aqueles direitos de crédito que proporcionam ao
seu beneficiário o gozo (uso/fruição) de uma coisa corpórea, o que os torna
particularmente próximos de um direito real.
Nos termos do art.407º CC, “quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor
de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis
entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do
registo”.
2) Os direitos reais conferem um poder direto (por atingirem a coisa) e imediato (por
prescindirem de intermediários) sobre uma coisa, enquanto que, os de crédito
constituem um direito a uma prestação que, eventualmente, pode consistir na
entrega de uma coisa.
Quanto ao conteúdo:
O titular de um direito real não carece da colaboração de outrem para retirar utilidade
da coisa, pode fazê-lo diretamente. Para os créditos é sempre necessária a colaboração do
devedor através da realização da prestação para que o credor tenha acesso à coisa/satisfaça
o seu interesse (quando tem por obrigação a prestação da coisa). Os direitos reais são
direitos reais sobre uma coisa, enquanto que as obrigações, mesmo que não tenham por
objeto a prestação da coisa, são sempre meros direitos à coisa, à entrega.
Quanto à forma:
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CC –, não podendo criar direitos reais para além dos previstos, nem podem alterar o seu
conteúdo tal como ele está definido na lei, a não ser que a lei o permita (não é possível
quanto à propriedade), não sendo possível, por analogia, atribuir natureza real a novas
figuras.
23/09/2017
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impossibilidade da prestação. Ex: A, cantor, acorda com B a realização de um
espetáculo no ano novo no estabelecimento de B. No dia anterior, A é atropelado
logo não pode realizar o espetáculo. Há uma impossibilidade de prestação. Pode B
demandar o lesante já que o seu crédito foi indiretamente por ele “danificado”? O
mesmo sucede mutatis mutandi com o objeto da coisa danificada.
Até que ponto tem um terceiro o dever genérico de não perturbar direitos de crédito
alheios? Pode o credor exigir a reparação dos danos (indemnização) ao terceiro que
tenha tornado impossível o cumprimento da prestação pelo devedor ou tenha instigado
ou cooperado com ele nesse incumprimento?
A responsabilidade de terceiros só é aceite, quer pela doutrina que a defende, quer pela
doutrina que a afasta, se este conhecia o vínculo anterior. Nos casos em que conhecia
um vínculo anteriormente constituído, é responsável.
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alheios”, refere-se também, ao contrário da interpretação da Escola de Coimbra, a direitos
de crédito. Nestes termos, para que haja uma obrigação de terceiro em indemnizar o
credor teriam que estar reunidos os pressupostos da responsabilidade aquiliana que são a
ocorrência de:
i) um facto;
ii) ilícito;
iii) danoso;
iv) com culpa por parte do agente;
v) nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A ilicitude, difícil de provar, preenche-se quando o terceiro tem vontade de violar o direito
de crédito de outrem ou, pelo menos, o dever jurídico de cuidado face ao autor do crédito.
Esta posição tem sido alvo de críticas, entendendo a generalidade dos autores que o
art.483º CC apenas se aplica a direitos absolutos e não às obrigações, cujo incumprimento
se rege pelo regime da responsabilidade contratual (art.796º e ss).
Contudo, admite o Menezes Cordeiro um caso especial: o terceiro que contrate com o
devedor em termos incompatíveis com o crédito que esse mesmo devedor tenha
previamente constituído (ex: E promete vender a F, mas G, conhecedor da promessa,
oferece um preço mais alto, acabando E por vender a G). Nestas situações, o terceiro
exerce a liberdade contratual que a ordem jurídica lhe reconhece, não havendo ilicitude,
requisito necessário à aplicação do art.483º CC. O simples ato de contratar com o devedor
conduzindo ao incumprimento do vínculo inicial não constitui ilicitude. Aqui o dever
geral de respeito não teria alcance. Então, há que recorrer ao abuso de direito (art.334º
CC) que não depende da ilicitude. Não deixa de assinalar que se trata de uma
responsabilidade excecional, apesar do seu entendimento de “excecional” ser muito lato.
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circundantes”, violando-se os valores fundamentais da confiança e da boa fé, estamos
perante abuso de direito, havendo, por esta via, responsabilidade extracontratual.
Toda a doutrina da Escola de Coimbra entende que as obrigações não têm qualquer
eficácia externa e que, quanto muito, embora varie com os autores, será possível
responsabilizar ao terceiro ao abrigo do abuso do direito (art.334º CC) ou,
eventualmente, das regras relativas à concorrência desleal ou, sancionando
penalmente a atuação daquele.
Ferrer Correia entendia que, neste caso seria possível responsabilizar o terceiro por
abuso de direito (abuso da faculdade de contratar) porque havia circunstâncias muito
específicas que levavam a configurar o exercício desta faculdade por parte do terceiro
como um autêntico abuso (o terceiro conhecia o pacto de preferência e sabia também que
o vendedor só lhe realizava a venda a ele, sem cumprir o pacto de preferência, porque
pretendia prejudicar o titular daquele). Isto porque, este não vendeu o lote a um preço
superior ao anteriormente acordado, logo, não havia vantagem patrimonial. O ato era um
simples ato emulativo destinado a prejudicar C. Logo, D pratica um abuso de direito.
Concluindo, incorre em abuso de direito o terceiro que tinha conhecimento da vinculação
contratual e não tinha um interesse que justificasse a violação dela.
Antunes Varela, tal como a quase totalidade da Escola de Coimbra, apenas admite a
eficácia externa das obrigações em casos muito contados. Entende que, em princípio, só
será possível responsabilizar o terceiro quando este exceder a sua margem de
liberdade, caindo no abuso de direito (art.334º CC) e, eventualmente, na concorrência
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desleal ou quanto muito incorrerá em responsabilidade penal. O art.483º CC aplica-se
apenas a direitos absolutos. Ou seja, não basta que o terceiro conhecesse a existência do
crédito para que, impedindo ou perturbando o exercício da relação obrigacional, possa ser
responsabilizado. Entende que só pode aplicar-se este artigo aos casos em que o terceiro
dolosamente se intitula credor da prestação como tal se deixa tratar, porque a titularidade
é um direito absoluto.
Ribeiro de Faria defende que, não é possível falar em eficácia externa das obrigações.
Todavia, viola um princípio ético-jurídico o terceiro que voluntariamente pretende
causar prejuízo ao credor ou tem consciência do prejuízo que causará com a sua
conduta (ex: o credor que sabe que o devedor não tem condições para indemnizar).
Nestes casos, e excecionalmente, o ordenamento jurídico deverá atuar através do instituto
do abuso de direito. Ribeiro de Faria diz que Antunes Varela não inclui no art.334º CC a
possibilidade de contratar. Esta é também a posição do prof..
Vaz Serra tem uma posição intermédia. Ele entendia que era possível responsabilizar
o terceiro ao abrigo do abuso de direito incluindo o abuso da faculdade de contratar,
mas só quando o terceiro, tendo conhecimento do vínculo anterior, tenha agido com
fraude.
Do ponto de vista do direito constituído, é difícil sustentar a tese da eficácia externa
das obrigações, isto porque decorre do art.406º nº2 CC que o contrato só produz efeito
em face de terceiros nos casos previstos na lei. Aqueles casos em que o contrato-promessa
e o pacto de preferência são oponíveis a terceiros, são casos de eficácia real – art.413º e
art.421º CC.
O art.495º nº3 CC, pelo qual se estabelece que os credores de alimentos do lesado
podem demandar o lesante, é uma norma excecional portanto não é suscetível de
aplicação analógica.
O art.794º CC, relativo ao “commodum” da representação, constitui/confere
indicações contra a eficácia externa das obrigações, pelo seguinte: este artigo permite a
um credor substituir-se ao devedor num crédito que este tenha adquirido face a um
terceiro e que decorra do facto que tornou impossível a prestação. Ou seja, se a realização
da prestação devida se tornar impossível por facto imputável a terceiro (que destrói a
coisa devida) ou ao próprio devedor e, em consequência disso, o devedor adquirir algum
direito (de crédito) contra terceiro, pode o credor substituir-se ao devedor no exercício do
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direito (relativo) que este tiver obtido contra terceiro. Ex: A, obriga-se a entregar um
automóvel a B. Há transmissão da propriedade e do risco. Entretanto o automóvel é
destruído, mas encontrava-se seguro num contrato contra todos os riscos. A destruição
torna impossível a entrega e impede que o devedor adquira um crédito face à companhia
seguradora. O credor pode substituir-se ao devedor nesse crédito face à companhia. Não
há uma responsabilidade direta de terceiro.
7. Função da Obrigação
O interesse do credor não é necessariamente patrimonial, pode ser espiritual (ex: ida
ao cinema). O interesse consiste no fim a que a obrigação se destina, mas não faz parte
da sua estrutura, condiciona no entanto o seu regime. De que forma?
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A lei permite que um terceiro, que o deseje, possa realizar a prestação em
lugar do devedor, estando o credor obrigado a aceitar essa prestação (art.767º
nº1 e 2 CC). Só pode recursar se houver acordo prévio das partes nesse sentido
ou se essa substituição trouxer prejuízo para o seu interesse. Caso contrário, o
credor não pode exigir que seja o devedor a cumprir, porque o que está em
causa não é a pessoa que cumpre, mas sim o interesse a satisfazer. Recusando,
entra-se numa situação de mora do credor, que é o caso em que o credor não
cria as condições necessárias para que o devedor cumpra a obrigação;
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uma prestação fungível. Se esta pode ser realizada por terceiro não devedor, não é pelo
facto do devedor não a poder realizar que ela se extingue, sob pena de o próprio devedor
incorrer em mora.
É também a manutenção do interesse do credor que define se o incumprimento é
definitivo ou temporário, permitindo também equiparar o incumprimento parcial ao total.
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Art.793º: no caso de impossibilidade parcial da prestação, sem que esse
facto seja imputável ao devedor, em princípio, há uma redução da
contraprestação, mantendo-se o contrato. Todavia, o credor pode resolver o
contrato alegando que justificadamente perdeu o interesse. Ora, esta perda
residirá na ausência de uso alternativo para a prestação parcial.
Art.802º: neste caso, há uma impossibilidade parcial imputável ao devedor.
O credor pode resolver o contrato não podendo o devedor obstar a esta,
alegando o uso alternativo da prestação, a não ser dentro do limite do nº2 deste
artigo.
30/09/2019
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o risco de incumprimento é menor. O crédito pode ter garantias, os créditos dos bancos
sobre os devedores têm normalmente uma hipoteca, se não pagar o bem pode ser
hipotecado, vendido judicialmente. A capacidade do devedor e a existência ou não de
garantias relativamente ao pagamento do crédito condicionam o valor do mesmo.
Há certos créditos que estão incorporados em documentos, créditos que estão
incorporados em letras de câmbio, por exemplo (um sujeito que emite um cheque
endossado ou um cheque ao portador).
No mundo empresarial, este valor patrimonial do crédito pode ser mobilizado através
da cessão do crédito. Há um conjunto de esquemas financeiros que assentam na
transmissão do crédito:
Estes esquemas são muito utilizados. Quando pensamos em obrigações temos de ter
presente que elas podem ser mobilizadas.
9. Estrutura da Obrigação
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questiona que esse facto tenha uma importância conformadora da obrigação. A relação
obrigacional, em termos de conteúdo, depende do seu facto constitutivo, ou seja, o
conteúdo da própria obrigação é definido na fonte.
9.1. Sujeitos
Os sujeitos da relação obrigacional são, pelo lado ativo, o credor e, pelo lado passivo,
o devedor.
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Há uma outra forma indireta de determinação do credor, a determinação real. É o que
se verifica com os títulos ao portador. Ex: bilhete de cinema – o credor, ou seja, quem
podem exigir a prestação (ver o filme) é o proprietário, o dono do bilhete.
Naqueles casos em que sujeito não esteja determinado logo desde o início, mas seja
determinável, diz-se que estamos face a um puro estado de vinculação de bens.
Quanto aos sujeitos, a obrigação pode dizer-se singular, quando de cada um dos lados
da relação há apenas uma pessoa (um só credor e um só devedor) ou plural, havendo de
um dos lados, ou dos dois, mais do que um sujeito.
A obrigação depende, à partida, da existência de dois sujeitos, mas tal não significa
que durante o tempo em que a obrigação persista seja necessária a manutenção desses
sujeitos originários para que a relação creditória permaneça inalterada. Assim, a
obrigação pode persistir com todos os seus atributos fundamentais ainda que um ou
ambos os seus sujeitos da relação mudem. Ex: Se B morrer e lhe suceder um único
herdeiro, este ocupará o lugar de B na relação creditória, sendo que essa relação se
mantém inalterada. Para além da sucessão de créditos agora vista, a transmissão (art.577º
e ss CC) da obrigação (pela venda, troca ou doação) é, também, um fenómeno frequente.
Cunhou-se, a este propósito, e para destacar a facilidade com que a obrigação muda e os
sujeitos, a expressão “ambulatoriedade” da obrigação.
9.2. Objeto
O conteúdo da obrigação é, dentro dos limites da lei, livremente fixado pelas partes –
art.398º nº1 CC.
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Nos termos do art.400º CC, o objeto não tem de estar determinado, mas tem de ser
determinável.
O dever de prestar resulta ou do próprio negócio jurídico (se é B que vende a casa a C,
tendo, por tal, o dever de a entregar) ou da lei (quem lesa um direito tem a obrigação de
indemnizar os danos causados pela lesão).
Nas prestações de facto, não há objeto mediato, o objeto da obrigação esgota-se num
simples comportamento positivo ou negativo, material (ex: reparar um automóvel) ou
jurídico (ex: A confere a B um mandato com procuração para praticar atos em seu nome
e por sua conta).
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Nas prestações de coisa, a coisa (quid) constitui o objeto mediato da relação.
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Obrigação de meios: o devedor pode ter contraído uma obrigação de meios,
ou seja, obriga-se apenas a procurar, desenvolvendo todos os esforços, que o
terceiro pratique o dito ato/adote o comportamento. Na eventualidade de o
terceiro não querer ou não poder praticar o ato, o devedor exonera-se, não
sendo responsabilizado, desde que tenha atuado com a diligência exigível. Ex:
A obriga-se a desenvolver os seus esforços para que B, jogador de futebol,
celebre contrato com o clube C. Se o devedor desenvolver esses esforços, ele
cumpre, independentemente de o jogador não querer ou não poder celebrar o
contrato. O que está em causa é o facto próprio do devedor.
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Nas obrigações de meios a presunção de culpa mantém-se, cabendo ao devedor provar
que adotou todos os meios necessários e razoáveis tendentes à obtenção do resultado e
que a não obtenção não foi culpa sua.
dar (dare);
entregar;
restituir.
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No direito alemão, que assenta no direito romano, a transmissão do direito real implica
sempre, para além do contrato obrigacional, um contrato real subsequente ao qual se junta
a entrega da coisa para se transmitir a propriedade. Quando se tratar de coisa imóvel, para
além do contrato, é necessário o registo.
Em regra, a prestação de coisa refere-se a uma coisa já existente. A lei, não obstante,
admite a prestação de coisa futura (art.399º CC). Uma coisa futura não tem ainda
existência ou consiste numa coisa a que o credor não tem direito aquando da celebração
do contrato – art.211º CC. Será aquela que ainda não tem existência em si (ex: A vende
a B a produção de cortiça do ano seguinte; A vende a B as ações que irá adquirir de C),
ou aquelas que tendo já existência, não são autónomas (ex: frutos, enquanto estiverem
ligados à árvore não podem ser negociados autonomamente, mas sim como coisas futuras,
dando-se a transmissão quando estes se desprenderem – art.408º nº2 CC), ou que ainda
não estão na titularidade do disponente, embora ele espere vir a obtê-las (ex: a venda de
bens alheios feita na qualidade de bens futuros, art.893º CC).
No que respeita ao regime da prestação de coisa futura, ele vem definido quanto à
venda no art.880º CC. Daqui decorre, desde logo, para o devedor uma obrigação de
meios, isto é, sobre ele impende a necessidade de adotar/realizar as diligências necessárias
para que a outra parte adquira a coisa, de acordo com o estipulado. Assim, por exemplo,
no caso do comerciante, este deverá realizar os esforços necessários para que o comprador
adquira a coisa, ou então, se a coisa não tiver existência, realizar os esforços necessários
para que ela venha a ter.
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O verdadeiro problema das prestações de coisa futura coloca-se quando a coisa não
chega a adquirir existência. Há que ter em conta a responsabilidade ou não do devedor
alienante na eventualidade de se verificar uma impossibilidade total ou parcial de prestar.
Ex: A vende a B a totalidade das laranjas do seu pomar que ainda estão na árvore. Trata-
se da venda de coisa móvel futura. Supondo que essas laranjas são furtadas, há um
impedimento de prestar.
Para resolver este problema importa conhecer a vontade das partes expressa no negócio
(art.880º CC). O regime geral diz que, por causa que não seja imputável ao devedor,
quando a coisa futura não chegue a existir, a obrigação extingue-se com a respetiva
extinção da contraprestação por parte do credor (nos contratos bilaterais) – art.795
nº1 CC (e quanto ao devedor o art.793º nº1 CC).
Mas há casos em que as partes negoceiam a própria esperança, expectativa (emptio
spei), atribuindo caráter aleatório ao contrato – art.880º nº2 CC. O adquirente corre o
risco da impossibilidade da realização da prestação. Neste caso, a obrigação extingue-se,
mas a contraprestação não, continuando o preço a ser devido, ou seja, ele terá que pagar.
Estes negócios são vantajosos pois permitem a venda de bens a um preço mais baixo do
que no caso da emptio rei speratae (venda de coisa esperada, estando aqui em causa a
quantidade prometida/desejada, e não a existência da coisa – art.880º nº1 CC).
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constituem prestações duradouras). A duração temporal da relação creditória tem
influência decisiva na conformação global da prestação. Ex: contrato de
arrendamento; contrato de trabalho; contrato de fornecimento de energia – haverá
fornecimento maior ou menor, consoante o tempo que dure o contrato de fornecimento;
empréstimo oneroso, etc.
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influencia), e nessa medida, são instantâneas, sendo porém acordado que o cumprimento
irá ser realizado ao longo do tempo (através de prestações instantâneas sucessivas). Ex:
pagamento do preço a prestações.
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exigir desde logo as 10 prestações em falta, por exemplo. O devedor tem um
benefício do prazo que perde após incumprimento de uma prestação –
art.781º CC (exceção art.934º CC).
Nas vendas a prestações, por razões de tutela do adquirente, é fixado um regime que é
mais favorável a este último do que o regime geral que vimos. Este regime diz que, no
que diz respeito à perda do benefício do prazo, se estiverem face à venda a prestações,
com entrega de coisa, o adquirente só perde o benefício do prazo numa das 2 hipóteses
seguintes:
No que diz respeito à resolução, sempre que estiver face a uma venda a prestações com
reserva de propriedade e tenha havido entrega de coisa, o credor só poderá resolver o
contrato se o devedor tiver deixado de cumprir mais do que uma prestação, ou se a
prestação incumprida for superior a um oitavo do preço.
No que toca ainda há distinção entre prestação instantânea e duradoura, há que ter em
conta os atos preparatórios da prestação. Ex: Contrato de empreitada (art.1207º e ss
CC), pelo qual o sujeito se obriga a realizar uma obra por um preço. Estamos perante uma
realização de uma obrigação com prestação instantânea, uma vez que ela só é cumprida
aquando da entrega. Todavia, a realização de uma obra implica um trabalho prévio de
realização da obra, ou seja, atos prévios. A prestação do empreiteiro em si é instantânea
e realiza-se com a entrega da coisa (construída ou elaborada).
Assim, entende a doutrina que a empreitada é um contrato de execução prolongada,
mas em que a prestação devida não é duradoura (portanto, não se aplica o art.434º nº2
CC).
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causas particulares de cessação de relações duradouras, não podendo haver prestações
perpétuas. Ex: Se um contrato tiver sido celebrado por tempo indeterminado, qualquer
uma das partes pode pôr-lhe um fim, tendo embora que observar um pré-aviso. As partes
não têm que ficar vinculadas indeterminadamente. Nos contratos que são celebrados a
termo, a lei estabelece frequentemente limites materiais, como acontece com a locação –
art.1025º CC.
As prestações fungíveis são aquelas em que, ou por acordo das partes ou pela sua
própria natureza, a prestação pode ser realizada por terceiro, sem prejuízo do interesse
do credor (ex: pagamento de um preço) – art.767º nº1 CC.
As prestações infungíveis são aqueles em que, ou por acordo das partes
(infungibilidade convencional) ou pela sua natureza (infungibilidade material), a
prestação não pode ser realizada por terceiro, portanto só o devedor a pode cumprir,
considerando as suas características especiais. Nestas obrigações o credor não está apenas
interessado na prestação em si, mas também em certas qualidades pessoais do devedor
(ex: prestação de um arquiteto) – art.767º nº2 CC.
Não tendo as partes nada estabelecido quando ao caráter fungível ou não da prestação,
será necessário recorrer aos usos da vida, que indicam que, por exemplo, a prestação de
um cirurgião é infungível (possui a habilidade para tal, o saber).
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restrito de terceiros com determinadas características (ex: um sujeito está com uma ligeira
gripe e contrata com um médico de clínica geral. Em princípio, a prestação terá uma
fungibilidade relativa, isto é, para o credor não há perigo do seu interesse se ele for
assistido por um outro de clínica geral). Esta classificação tem particular relevo no que
diz respeito às prestações de facto.
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relativamente fungível. Se A adoecer terá que procurar um terceiro que o
substitua. Se não o fizer, a sua atuação será culposa e logo há responsabilidade).
A patrimoniabilidade da prestação
A prestação pode ou não ter caráter patrimonial, sendo que a regra é que tem. Ex: A,
cantor, compromete-se a realizar um espetáculo no casino de B. A sua prestação tem um
caráter patrimonial. Contudo, A, vizinho de B, cai e canta mal. A sua prestação não tem
qualquer valor pecuniário.
É possível que as prestações tenham caráter patrimonial, mas sirvam interesses ideais.
Por outro lado, pode ainda suceder que as prestações não tenham valor patrimonial, mas
sirvam interesses patrimoniais (ex: A paga a B, seu vizinho, para que este não cante
durante uma tarde para que A possa estudar. A prestação de B não tem valor patrimonial,
mas serve um interesse de natureza económica que visa satisfazer).
A questão que se colocava no início do séc.XX era que a prestação tinha que ter
necessariamente um caráter patrimonial. Isto porque se entende que do incumprimento
de uma prestação sem valor patrimonial só podiam resultar danos não patrimoniais (danos
morais) e esses, no âmbito contratual, não eram suscetíveis de serem
indemnizados/ressarcíveis. Essa assunção de que uma prestação sem valor patrimonial só
pode gerar danos não patrimoniais foi contraposta, nomeadamente, por Manuel de
Andrade.
A prestação não precisa de ter valor patrimonial porque, mesmo que só gere danos
morais, estes são compensáveis. Defende ainda que o interesse não precisa de ter caráter
patrimonial, ou seja, ser suscetível de avaliação pecuniária, bastava que servisse um
interesse real do credor digno de tutela legal (isto é, suscetível de proteção jurídica). Esta
posição é particularmente relevante, sendo consagrada no atual CC – art.398º nº2.
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Pode tratar-se de um simples interesse espiritual, mas exige-se que se trate de um interesse
digno de tutela legal. Isto não significa que só estejam tutelados interesses objetivos e
socialmente úteis, pois interesses subjetivos podem ser tutelados. No fundo, só se exclui
aquilo que se designa por “mero capricho” do devedor (ex: usar cabelos compridos) ou
matérias que mereçam tutela por outros ordenamentos (ex: moral, religião).
Existem, então, três elementos que integram o vínculo existente entre os sujeitos da
relação:
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ser exigida. A não realização da prestação pelo devedor consiste num ato
ilícito.
Dever de prestar – necessidade imposta pela lei ao devedor de adotar a
conduta devida, com vista à satisfação de um interesse do credor, sob pena de
sanções no caso de incumprimento. Consiste num verdadeiro dever jurídico.
Garantia – para assegurar a realização da prestação, prevê-se o mecanismo da
ação creditória, através da qual o credor exige judicialmente o cumprimento da
obrigação, quando o devedor não cumpra voluntariamente, e executa o seu
património (art.817º CC). Pelo lado do credor, a obrigação traduz-se na
responsabilidade do seu património pelo cumprimento da prestação, estando os
seus bens sujeitos à execução específica. O património do devedor responde
previamente pela obrigação.
01/10/2019
A relação obrigacional simples vem definida no art.397º CC. Esta é constituída por
um único direito de crédito, isolado, do credor face ao devedor (ex: A obriga-se a entregar
1000€ a B).
A relação jurídica complexa tende a ser definida como a relação global que um
determinado tipo contratual cria. Geralmente, a fonte destas obrigações são contratos.
Esta relação obrigacional complexa consiste num quadro onde se englobam um conjunto
de posições jurídicas cujo centro/núcleo são os deveres principais de prestação, mas que
pode compreender posições jurídicas de natureza diferente. É constituída não só por
direitos à realização de prestações principais, mas também por deveres, ónus,
expectativas e sujeições. Esta relação tem um sentido final, só podendo compreender-se
devidamente na sua relação ao fim, isto é, à satisfação do interesse do credor.
A doutrina alemã diz que, a relação obrigacional complexa consiste num organismo
atendendo à variabilidade e à alteração/desenvolvimento dos elementos que a constituem
(ex: o dever de prestar pode passar, em certos casos, ao dever de indemnizar). Por outro
35
lado, no desenvolvimento da relação contratual, uma das partes pode adquirir direitos
potestativos face à outra (ex: o direito à resolução do contrato). Este direito pode ou não
ser exercido.
Estas relações são particularmente ricas quando sejam relações duradouras (ex: as que
decorrem de um contrato de trabalho).
Para além destes, temos os (2) deveres secundários que podem ser:
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mora. Estamos perante um dever secundário com prestação autónoma
complementar da prestação principal, dever esse que se mantém.
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abarcados pelo círculo de tutela destes deveres? Estes terceiros serão aquelas
pessoas em relação às quais o credor confia na sua segurança, como se fosse ele
próprio (ex: no círculo de proteção do contrato de locação estão abrangidos as
pessoas da família do locatário com ele habitante). Ex: contrato de locação, A
arrenda um andar a B. Por defeito de conservação da escadas, C, filho do locatário,
tropeça e parte uma perna. As partes são A e B, C não é parte do contrato. Estes
deveres laterais só se estabeleceriam reciprocamente às partes. Dada a proximidade
entre o locatário e C que vive com ele, o dever de proteção do locador abrange
também C. Este aspeto é importante porque a responsabilidade aqui do locador
face a C não será meramente extracontratual (art.483º CC), mas será obrigacional,
o que é mais favorável para o lesado. Estes contratos costumam denominar-se
contratos com eficácia de proteção para terceiros.
b) Estes deveres laterais podem existir ainda antes da celebração do contrato (pré-
contratual) ou mesmo independentemente da celebração, no sentido em que,
tendo embora as partes entrado em negociações, o contrato pode não vir a ser
concluído. Nesta fase, estes deveres decorrem do art.227º CC - responsabilidade
pré-contratual ou culpa in contrahendo. Isto é, tanto na fase de negociação
(preliminares) como na fase decisória (formação), as partes devem adotar a
conduta imposta pela boa fé, ou seja, neste caso, estabelece-se entre as partes uma
relação obrigacional sem deveres de prestação, só com deveres laterais
conformados pela boa fé, destinados a prevenir danos nas esferas das partes. Esses
são também os ditos deveres de proteção que abarcam não só a pessoa ou o
património do outro “contraente”, mas também pessoas particularmente ligadas a
este sujeito.
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provocado danos. Estamos aqui na fase pré-contratual. A pessoa lesada, ou seja,
a filha, não era parte desta relação. No entanto, os deveres de proteção abrangem
também a filha dada a especial conexão com a mãe (pré-contratante). Neste caso,
havia uma violação do dever de proteção incorrendo o dono do estabelecimento
comercial em responsabilidade obrigacional face à filha. Este aspeto é importante
porque o regime da responsabilidade obrigacional é mais favorável para o lesado
do que o regime da responsabilidade extracontratual, uma vez que o devedor se
presume culpado, não tendo o lesado que fazer prova da culpa como em geral
acontece na responsabilidade extracontratual.
Imaginemos que uma senhora da limpeza lava o chão do lobby de um prédio e
não sinaliza devidamente. A filha de um dos inquilinos entra e cai, partindo uma
perna. Esta espera um nível de proteção idêntico ao que seria aplicado ao seu pai.
O responsável pela empresa de limpeza responde pelos atos dos auxiliares nos
termos do art.800º CC, como se esses atos tivessem sido praticados por ele.
Sendo uma relação obrigacional aplicam-se as regras desta, nomeadamente no que
diz respeito à responsabilidade dos atos dos auxiliares – 3ª via da responsabilidade
civil, sendo esta uma responsabilidade específica.
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Extintas as obrigações principais, há deveres laterais que se mantém. Por exemplo, A,
médico, arrenda um edifício a B onde estabelece o seu consultório. Cessado o contrato,
muda-se para um outro local. Se um cliente seu se dirigir ao antigo consultório, B tem o
dever de o informar da mudança.
Os deveres laterais de boa fé são tanto mais intensos quanto a relação de confiança
envolvida, a colaboração exigida entre as partes e a duração da relação contratual. Em
alguns casos, pode falar-se mesmo de uma causa particular de cessação dos contratos
duradouros por violação de deveres decorrentes da boa fé. Assim, uma das partes terá
uma justa causa de resolução do contrato quando a outra tenha, ao violar estes deveres,
posto em causa a relação de confiança entre as partes. Ex: Um sujeito contrata outro para
o ajudar numa experiência. Embora seja um excelente trabalhador, o facto é que violou
deveres de segredo quanto a conhecimentos que obteve no âmbito da relação contratual.
Um comportamento destes atinge a relação de confiança entre as partes, tornando exigível
ao credor a manutenção da relação contratual que, nessa medida, a pode resolver com
base em justa causa.
07/10/2019
Contratos;
Gestão de negócios;
Enriquecimento sem causa;
Negócios jurídicos unilaterais;
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Responsabilidade civil.
1. Os Contratos
Pode ser definido como um acordo juridicamente vinculativo assente sempre em pelo
menos duas declarações de vontade (proposta e aceitação) contrapostas, mas
convergentes, articuladas na comum intenção de produzir um resultado jurídico
unitário, uma composição unitária de interesses (noção de Antunes Varela).
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Liberdade de celebração: as partes, em princípio, podem livremente decidir
contratar ou não.
Contudo, existem casos em que são obrigados a contratar, há um dever jurídico
quando se verifiquem certos pressupostos:
Venda de coisas feita por pais a filhos ou por avós a netos (art.877º CC);
Doações a favor de pessoas abrangidas por indisponibilidades relativas
(art.953º, 2192º a 2198º CC);
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Cessão e venda de direitos ou coisas litigiosas (art.579º e 876º CC).
Modalidades contratuais
Os contratos não têm meramente eficácia obrigacional. São fontes de direitos reais, ou
seja, a constituição ou a transferência de direitos reais sob coisa certa e determinada dá-
se por mero efeito do contrato – art.408º nº1 CC. Em regra, dá-se também no momento
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da celebração do contrato, embora, por vezes, não seja necessariamente assim (é possível
que as partes acordem não transmitir a propriedade no momento da celebração do
contrato). Ex: B vende a C uma casa, ficando as partes obrigadas à entrega do imóvel
contra a entrega do preço. Porém, por força do art.408º nº 1 CC (combinado com o art.
879º CC), a propriedade da casa foi desde logo transferida aquando da celebração do
contrato. Radicando, embora, a transferência do direito real no contrato, ela só se faz
posteriormente à conclusão deste. Assim, tratando-se de uma coisa futura ou
indeterminada, ela só se transfere quando a coisa for adquirida pelo alienante ou
determinada com o conhecimento de ambas as partes. Tratando-se de frutos naturais ou
de partes componentes ou integrantes, para a transmissão do direito real é necessária a
colheita ou a separação – art.408º nº2 CC.
Esta é uma regra geral no nosso Direito. Não é necessário um ato posterior ou futuro
para haver eficácia real – é um sistema de título.
Estes contratos não devem ser confundidos com os contratos reais quoad
constitucionem – a perfeição do contrato depende de um certo ato material, que é
geralmente a entrega da coisa (contrato de mútuo, por exemplo). A estes opõem-se os
contratos consensuais – a perfeição do contrato alcançasse pela simples emissão das
declarações negociais, prescindindo-se a entrega da coisa, isto é, formam-se só com
acordo entre as partes.
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A adoção de um sistema ou outro tem consequências relevantes em termos de regime:
O efeito real do contrato constitui uma regra supletiva que pode ser afastada pelas
partes através da aposição ao contrato de uma cláusula de reserva de propriedade –
art.409º CC. Isto é, o alienante pode reservar para si a propriedade da coisa (manter na
titularidade o domínio da coisa) até que o adquirente cumpra aquilo a que se obrigou ou
até que se verifique um outro acontecimento. A propriedade só se transmite verificado
um evento previsto no contrato.
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sujeito vender uma coisa a outrem, caso o outro não pague o preço, ele não poderá nos
termos gerais resolver o contrato, readquirindo a coisa, terá que se limitar a exigir o
cumprimento de pagar o preço à outra parte.
Para evitar este resultado, ou o vendedor não entrega a coisa, o que é inconveniente
nas vendas em que a coisa é logo entregue, mas o preço só tem que ser pago decorrido
determinado tempo, ou fixa uma cláusula em contrário que o art.886º CC admita. No
entanto, a hipótese mais segura é a de recorrer à reserva de propriedade, fazendo a
transmissão do direito depender do pagamento do preço (condição suspensiva).
Consequentemente, enquanto o preço não for pago totalmente, a propriedade nunca sai
da esfera do devedor.
Em caso de incumprimento, este continua a poder resolver o contrato e exigir a
restituição da coisa que nunca deixou de ser dele. O vendedor pode, com toda a
segurança, vender com espera de preço, o que é extremamente vulgar no comércio quando
aliada à reserva de propriedade. Favorece a concessão de crédito por parte do vendedor.
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B utilizar o dinheiro para pagar a A, a propriedade transmite-se de A para B e deste,
posteriormente, para C. Se não for pago o preço, ele poderá resolver o contrato com B e
reivindicar a coisa face a C. No entanto, para o efeito, uma vez que C está protegido pelo
art.1301º CC e o adquirente não conhecia a reserva, o A para obter a restituição tem de
entregar a C o que ele pagou pelo computador a B.
Trata-se de um instituto de garantia de enorme importância prática.
São contratos unilaterais aqueles de onde só emergem obrigações para uma das partes
(ex: doação).
São contratos bilaterais aqueles de onde emergem obrigações para ambas as partes
(ex: contrato de compra e venda).
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pode é recorrer ao direito de retenção, ou seja, pode recusar-se a restituir o cavalo
enquanto ele não lhe pagar essas despesas.
c) contratos bilaterais sinalagmáticos – há um vínculo de reciprocidade
(sinalagma) entre as obrigações contraídas pelas partes. Há um nexo que liga as
obrigações de ambas as partes. Cada uma delas só contrai a obrigação porque a
outra contrai uma outra obrigação ligada à primeira. Ex: compra e venda – entre a
obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.
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Os deveres principais de prestação estão incluídos no sinalagma, deixando de fora os
deveres secundários acessórios. Os deveres secundários acessórios da prestação principal
só integram o sinalagma naqueles casos em que, eles estejam de tal forma ligados ao
dever principal de prestação, que o cumprimento deste sem o daquele, nada valha (ex:
venda de um automóvel sem a entrega dos seus documentos). Face ao não cumprimento
do dever secundário, a outra parte pode valer-se da exceção do não cumprimento do
contrato.
Os deveres laterais não fazem parte do sinalagma. O que pode acontecer é que o seu
não cumprimento por uma das partes pode lesar de tal forma a expectativa e confiança na
outra parte, que dê fundamento de resolução do contrato com base em justa causa.
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circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo. Estas
circunstâncias são as que constam do art.780º CC:
Qualquer um destes casos leva à perda do benefício do prazo e, pelo art.429º CC,
permite-se que o outro contraente recorra à exceção de não cumprimento do
contrato. Assim, no caso da venda do automóvel, o vendedor poderia recusar-se a
entregar o carro se, por exemplo, o comprador se tornasse insolvente. Este
resultado só podia ser afastado pelo devedor caso desse garantia do cumprimento
ou efetivamente cumprisse.
50
(art.º 762º nº2 CC). É necessário ter em atenção a importância do defeito, se este for de
pouca relevância, contrariaria a boa fé recorrer ao instituto da exceção.
Se num contrato bilateral sinalagmático uma das prestações se tornar impossível por
facto não imputável ao devedor, esta obrigação extingue-se – art.790º CC. O credor
fica, ao mesmo tempo, desobrigado de realizar a sua contraprestação – art.795º CC. Não
há qualquer direito de recorrer à exceção do não cumprimento do contrato. Trata-se de
uma manifestação de nexo sinalagmático. Na eventualidade de uma das prestações se
tornar impossível por facto imputável ao devedor (ex: venda de automóvel e é o
vendedor que conduz em excesso de velocidade para entregar o automóvel e acaba por
destruí-lo) o credor pode resolver o contrato – art.801º CC. Esta faculdade de resolver o
contrato é uma manifestação do sinalagma funcional.
São contratos gratuitos (ou liberalidades) aqueles em que haja meramente uma
atribuição patrimonial de uma das partes à outra. Uma das partes retira do contrato
apenas sacrifícios e a outra vantagens (ex: doação).
São contratos onerosos aqueles em que haja atribuições patrimoniais realizadas por
cada uma das partes à outra, sendo que, na perspetiva das partes (subjetiva), essas
atribuições se equivalem. Há, então, esforços económicos simultâneos com vantagens
correlativas (ex: contrato de compra e venda).
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contratos comutativos – aqueles em que as vantagens patrimoniais para cada
uma das partes podem ser adquiridas logo no momento da celebração do
contrato, porque as atribuições derivam daí (ex: contrato de compra e venda).
contratos aleatórios – há um risco, uma alea, o que significa que as partes,
ambas ou apenas uma, se sujeitam a um ganho ou a uma perda, isto porque,
essa avaliação, o próprio conteúdo ou existência da prestação, só se verificará
no futuro (ex: contrato de jogo e aposta, contrato de seguro no respeitante ao
segurador).
contratos parciários – um contrato em que uma das partes faz prestação à
outra para que ela a aproveite, correndo o risco desse mesmo aproveitamento
(ex: parceria pecuária – o sujeito entrega animais a um outro sujeito para que
ele cuide deles para partilharem os benefícios decorrentes. Corre o risco de
doenças de animais e consequentemente preços mais baixos do que se estavam
a contar).
Há casos híbridos, como é o caso da doação com encargos: A doa B, que se obriga a
realizar qualquer coisa; doação mista: isto é, contrato em que se faz uma venda e o preço
corresponde, porque as partes assim o pretendem, a um valor bastante inferior. Desta
forma, através da fixação do preço mais baixo, beneficia-se a outra parte, mas sem se
prejudicar.
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08/10/2019
1.2. Contrato-Promessa
O objeto do contrato-promessa pode ser um conjunto muito vasto de tipos contratuais (ex:
a compra e venda, locação, trabalho, franquia, etc.). Em termos de designação das partes
contratuais, estaremos face a um promitente-vendedor e um promitente-comprador (no
caso da compra e venda, que é o contrato-promessa mais comum).
Quais são as razões que levam as pessoas a celebrar este tipo de contratos?
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a escritura de compra e venda com o vendedor, celebra ao mesmo tempo um
contrato de mútuo com o banco e adquirindo o imóvel, hipoteca-o a favor do
banco.
Regime do contrato-promessa
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disposições da compra e venda, nomeadamente as que dizem respeito à eficácia
constitutiva ou translativa do contrato. Assim, não se aplicam os arts.879º al. a);
796º; 886º; 892º; 1682º-A CC.
Se for contrato-promessa que diga respeito à constituição dos direitos reais de gozo
ou à sua transmissão, as suas regras não se aplicam ao contrato-promessa.
No que respeita à forma (uma das exceções), estabelece-se como regra geral de
requisito de forma o que consta no art.219º CC (princípio da liberdade forma). Contudo,
colocam-se aqui duas exceções:
art.410º nº2 CC: sempre que um contrato definitivo estiver sujeito a forma, o
contrato-promessa exige um documento assinado por ambas as partes (bilateral)
ou por uma das partes (unilateral). Ex: na compra e venda de um imóvel, uma vez
que a lei exige escritura pública para a venda em si, o contrato-promessa terá que
ser celebrado por documento assinado por uma ou ambas as partes.
art.410º nº3 CC: nos contratos-promessa relativos à constituição ou transmissão
de um direito real sobre edifício ou fração autónoma dele, para além do
documento particular assinado pelas partes (nº2), é exigido o reconhecimento
presencial da(s) assinatura(s) do(s) promitente(s) e a certificação notarial da
existência de licença de construção ou utilização. Há uma maior solenidade,
pretendendo-se obstar à celebração de contratos-promessa relativos à construção
clandestina.
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regra, o promitente-vendedor) conste no documento. Uma vez que pretendem
celebrar um contrato bilateral, falta aqui um requisito de forma: uma
assinatura. Logo, este contrato é nulo. A questão que se coloca aqui é se este
contrato poderá valer como contrato-promessa unilateral.
Mais tarde, o acórdão do STJ de 25/03/93 veio admitir que o assento de 29/11/89 deve
ser interpretado no sentido de consagrar a nulidade parcial do contrato-promessa, e,
logo, a sua redução.
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Art.410º nº3 CC – a assinatura tem que ser reconhecida pelo notário. O
promitente-alienante só pode invocar a falta de requisitos quando ela tenha sido
culposamente provocada pela outra parte. O promitente-adquirente já tem
legitimidade para invocar a nulidade. Colocam-se as seguintes questões:
Calvão da Silva entende que, aqui, a nulidade é atípica, não podendo ser invocada
pelo terceiro interessado, nem pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal. Só
pode ser invocada pelo promitente-adquirente e, com as devidas exceções do art.410º
CC, pelo promitente-alienante. Para ele, no art.220º CC estabelece-se, em termos gerais,
a possibilidade de explicação de outro regime para além da nulidade. O art.285º CC
prevê também, ao lado dos regimes típicos de nulidade e anulabilidade, as chamadas
invalidades mistas, regime este especial. O art.410º nº3 CC é uma norma de ordem
pública de proteção, é uma norma que materialmente tem por finalidade proteger o
promitente-comprador, consumidor (embora a lei não se refira ao consumidor). A norma
deve ser interpretada atendendo à finalidade de proteção que está na sua base, devendo
entender-se que está aqui consagrada uma nulidade atípica pois esta atua
automaticamente (não é necessária uma ação para esse efeito), mas é atípica dada a
restrição de legitimidade para a invocar e é suscetível de ser sanada, o que, em princípio,
a nulidade típica não pode ser.
Dois assentos do STJ consagram esta posição:
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14/10/2019
Um sinal (art.442º CC) consiste numa cláusula acessória do negócio jurídico onde se
insere, que pode ter por objeto dinheiro ou outra coisa fungível (ou mesmo não fungível),
que um dos contraentes entrega a outro no momento da celebração ou num momento
posterior, como prova da seriedade do compromisso e de garantia do cumprimento (sinal
confirmatório) ou como antecipação da indemnização devida em caso de incumprimento
(hipótese em que o sujeito que constitui o sinal se arrepende do negócio e pretende voltar
atrás; sinal penitencial).
Se o contrato-promessa for cumprido, ou seja, celebrado depois o contrato definitivo,
o sinal é imputado na prestação (ex: A obriga-se a pagar 1000 euros, tinha entregue 200
euros de sinal, portanto, apenas paga 800 euros).
Em regra, no contrato-promessa funciona o regime do sinal penitencial.
Nos termos do art.440º CC, a simples entrega antecipada do objeto da prestação por
uma das partes não é tida como sinal, mas meramente como antecipação do cumprimento.
Contudo, estamos perante o sinal quando as partes atribuam essa natureza a uma
antecipação do cumprimento por uma das partes.
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Nos termos do art.441º CC, tratando-se de um contrato-promessa de compra e venda,
a entrega de uma quantia por parte do promitente-comprador ou promitente-vendedor,
presume-se ser um sinal (presunção ilidível).
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compra e venda de um imóvel. Acordam que o contrato é celebrado daí a um ano.
Fixaram o valor de 100 mil euros para o imóvel e o sinal logo entregue foi de 20
mil euros. Entretanto, foi construída uma estrada ao lado do imóvel, e este passou
a valer 130 mil euros. Caso tenha havido entrega do imóvel, se o promitente-
vendedor se recusar a vender, a outra parte pode optar pelo dobro do sinal (40 mil)
ou então pela indemnização fixada assim em 130 mil euros menos os 100 mil
euros mais 20 mil euros (50 mil euros) – art.442º nº2 in fine. Isto é para haver
maior probabilidade de cumprir o contrato do que não cumprir. A lei acredita que
quando tenha havido entrega da coisa, há uma expectativa acrescida do
promitente-comprador em adquirir o imóvel.
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neste caso é o direito de crédito do sinal em dobro, que se vai impor sobre a
hipoteca do bem. O que prevalece é o direito de retenção, a hipoteca fica em
segundo lugar, mesmo tendo sido anteriormente constituída. A banca em geral é
avessa a este direito de retenção e ele é alvo de várias críticas por porque prejudica
a posição de A.
Se um sujeito tiver uma dívida face a outro, tendo ele património, pode recusar-
se a cumprir. O outro sujeito tem um crédito e a garantia do crédito é o património
do sujeito. O problema e o caso mais grave é caso em que o promitente-vendedor
seja declarado insolvente. Ele não tem património para satisfazer todas as
obrigações.
Muitas vezes o promitente-vendedor é o empreiteiro. Sucedia-se que o contrato
era celebrado, a coisa era entregue, os empreiteiros declaravam insolvência.
Quando assim é, estamos face ao regime de insolvência que está previsto no CIRE
(Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) – art.106º. Esta norma
expõe que sempre que tiver havido tradição da coisa e o contrato-promessa tiver
eficácia real, o administrador da insolvência, que é quem gere a massa, é obrigado
a celebrar o contrato definitivo. Todavia, nos outros casos, aparentemente, o
administrador podia escolher. A questão é que sempre que estejamos face a um
contrato-promessa sinalizado e tenha havido entrega da coisa, se o administrador
da insolvência optar por não cumprir o contrato não vai vender o imóvel e aqui
não restam grandes dúvidas que esse sujeito terá direito a uma indemnização.
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Não são passíveis de execução específica os casos em que:
Se estivermos perante os casos do art.410º nº3 CC, o direito à execução específica não
pode ser afastado pelas partes (art.830º nº3 CC). Mesmo que tenha sido constituído sinal,
nunca se pode afastar a via da execução específica, mesmo que tenham estipulado
convenção em contrário. A lei permite que o promitente faltoso peça a modificação do
contrato com base em modificação ocasional das circunstâncias apesar de estar em mora
(art.830º nº3 in fine CC), contrariando o regime regra previsto no art.438º CC que proíbe
a modificação dos contratos em caso de mora.
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Nos termos do art.830º nº4 CC, estando em causa um contrato-promessa a que se
refere o art.410º nº3 CC, e estando o bem a transmitir hipotecado, uma vez que o direito
segue a coisa (sequela), o promitente-comprador irá adquiri-la, por via da execução
específica, hipotecada. Nestes casos, a lei permite que o promitente-comprador possa
pedir a condenação do promitente-vendedor, à entrega do montante necessário à
expurgação da hipoteca – art.721º CC. Ex: A celebra um contrato-promessa com B, que
deve ser cumprido no dia 1/06/2019. O promitente-vendedor (A) hipoteca o imóvel a C.
É possível recorrer à execução específica. Havendo execução específica, o imóvel passa
para o património de B. Por força da regra da sequela, ele vai transmitir-se hipotecado,
visto que, a hipoteca segue o imóvel. Suponha-se que é dito que esta hipoteca tem o valor
de 100 mil euros. Se B não paga, o imóvel pode ser executado, é uma dívida de 100 mil
euros. O promitente-comprador (B) pode exigir que A seja condenado a pagar os 100 mil
euros necessários para ele expurgar a hipoteca (pega nos 100 mil euros e entrega a C, o
credor hipotecário extingue a hipoteca). Se A celebrar um contrato-promessa com o
imóvel hipotecado está a incumprir. Se o imóvel ainda estiver hipotecado na data anterior
a 1/06/2019, aí pode colocar o A em incumprimento definitivo e exigir o sinal em dobro.
Nestes casos, a sentença tem uma dupla natureza: (1) constitutiva, leva à transferência do
direito, e (2) de condenação, execução específica.
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mecanismo da interpelação cominatória (art.808º CC). Ex: A obriga-se a celebrar um
contrato definitivo de um contrato-promessa de compra e venda a ser celebrado no dia 1
de outubro. Nesta data não comparece no cartório – incumprimento culposo temporário
imputável ao promitente-vendedor (está em mora), o cumprimento é possível ainda, mas
não foi realizada na data de vencimento da obrigação, havendo responsabilidade pelos
danos. Se o incumprimento temporário não for imputável ao devedor estamos então
perante uma possibilidade temporária não culposa (não há responsabilidade). B, faz a
marcação de nova escritura e A continua sem aparecer. Este sujeito não pode ficar
eternamente à espera de que o contrato seja cumprido. Qual o mecanismo que a lei
consagra para A se desvincular do contrato? Interpelação cominatória – dar um prazo
adicional dado pelo credor ao devedor em mora para ele cumprir, advertindo
expressamente que se ele não cumprir dentro daquele período de tempo, não pode mais
cumprir, ficando em incumprimento definitivo, passando o credor a poder resolver
o contrato e pedir uma indemnização pela totalidade dos danos sofridos.
Discutia-se, no âmbito do art.442º nº3 CC, se seria ainda necessário, neste caso
específico, em que haja tradição da coisa, promessa sinalizada e o devedor não cumpre,
o regime da interpelação cominatória ou se, a partir da letra da lei, estaríamos face a uma
exceção em que não seria necessário e que ele através do incumprimento pudesse logo
resolver o contrato. Este regime aplicar-se-ia não só a esta figura específica de
indemnização pelo aumento do valor da coisa, mas também a outros casos de
incumprimento, ou seja, os casos de exigência do sinal em dobro ou em caso paralelo de
perda do sinal. Há uma divergência doutrinal neste sentido, alguns queriam que se
aplicasse o regime geral e outros sustentavam que este regime era excecional.
64
transformar a mora em incumprimento definitivo, resolver o contrato e exigir
uma das indemnizações previstas no art.442º nº2 CC. Face à simples mora, o
promitente-comprador pode, desde logo, exigir uma destas indemnizações. Esta
posição resulta da interpretação do art.442º nº3 CC: o contraente fiel pode optar
pelo aumento do valor da coisa, a outra parte pode opor-se ao exercício desse
direito, oferecendo-se para cumprir, salvo o disposto no art.808º CC. Antunes
Varela, daqui retira o seguinte:
se a lei permite que o promitente não faltoso exija uma indemnização pelo
aumento do valor da coisa sem ter que recorrer ao art.808º CC, daí resulta
que basta a simples mora para o promitente fiel exigir a indemnização pelo
aumento do valor da coisa e, por igualdade de razão, em alternativa o dobro
do sinal. Assim, na perspetiva deste autor, qual a importância do recurso
ao art.808º CC? Tal não é necessário, mas facilita a prova do
incumprimento da outra parte e impede que a outra parte, se lhe for exigida
uma indemnização pelo aumento do valor da coisa, se possa opor,
oferecendo-se para cumprir – art.847º nº3 CC.
65
contrato e o devedor não pode mais oferecer-se para cumprir (exceção do
cumprimento). Assim, se para exigir indemnizações pelo aumento do valor da
coisa é necessário extinguir o contrato, este deixa de se exigir e não mais se pode
cumprir. Esta posição tem tido algum acolhimento jurisprudencial.
O promitente fiel pode optar pelo recurso à execução específica (art.830º CC). Só
não o poderá fazer se houver convenção em contrário (note-se que aqui não há
sinal, que é presumido como convenção em contrário) ou se tal se opuser à
natureza da obrigação assumida. O recurso à execução específica não pode ser
afastado no caso do art.830º nº3/4 CC.
15/10/2019
66
C. PROMESSA COM EFICÁCIA REAL SINALIZADA
D. PROMESSA COM EFICÁCIA REAL NÃO SINALIZADA
Para a promessa ser de facto de eficácia real é necessário que se preencha os requisitos
do art.413º CC:
A promessa com eficácia real pode ser ou não sinalizada. Se for sinalizada, as opções
do promitente fiel, em caso de incumprimento da outra parte, são:
67
› alternativamente, recurso à execução específica – art.830º CC.
A especialidade, em termos de efeitos, da promessa com eficácia real, opera nos casos
de violação da promessa. Nesta hipótese, o promitente fiel tem o direito potestativo à
celebração do contrato prometido, que é oponível a terceiros.
O Dr. Henrique Mesquita entendia que, a venda de bens a terceiros por contrato-
promessa não é nula, nos termos do art.892ºCC, mas ineficaz face ao adquirente (ou seja,
o terceiro), quando o registo da promessa seja anterior à alienação ou oneração a favor de
terceiro, embora a execução específica seja posterior. O Dr. Antunes Varela sustentava
que, em termos de legitimidade passiva, a ação tem de ser interposta contra o promitente-
alienante e o promitente-adquirente (por causa dos efeitos da nulidade). Já o Dr. Mesquita
entendia que, não era necessário que a ação fosse interposta contra o promitente-
adquirente, sendo a segunda venda ineficaz, a ação de execução específica só tem de ser
interposta contra o promitente-alienante.
68
1.3 Pacto de Preferência
15/10/2019
Apesar do que o 414º possa indicar, esta regra não se aplica exclusivamente à
compra e venda, ainda que seja o caso mais relevante e frequente neste domínio. Aplica-
se a todos os contratos onerosos nos quais faça sentido conferir a um sujeito prioridade
relativamente a outros potenciais concorrentes.
“As disposições dos artigos anteriores relativas à compra e venda são extensivas, na
parte aplicável, à obrigação de preferência que tiver por objeto outros contratos com ela
compatíveis” – artigo 423º
Para que se compreenda melhor esta figura e o seu âmbito, será pertinente distingui-la
face a outras, de alguma forma próximas, e com as quais possa ser erroneamente
confundida.
69
unilateral há já um vínculo presente, no pacto de preferência a obrigação de contratar
só nasce depois do exercício do direito de preferência pelo seu titular.
No pacto de opção, uma das partes já emitiu a declaração negocial e a outra, exercendo
o direito potestativo, leva à conclusão do contrato. Isto não acontece no pacto de
preferência, pois o obrigado não emite inicialmente qualquer declaração inicial.
Requisitos de forma
No que toca aos requisitos de forma que vinculam o pacto de preferência, o artigo
415ºCC remete para o artigo 410º/2 - se o contrato objeto de preferência exigir
documento autêntico ou particular, é necessário que haja documento assinado pelo
obrigado à preferência; porém, esta remissão não abrange o nº3 do 410º.
Modalidades de preferência
70
do direito de preferência e A é o obrigado à preferência, no entanto celebrou com B um
contrato que viola o direito de C. Se a preferência for legal ou dotada de eficácia real, C
tem o direito potestativo de se substituir a B no contrato, no âmbito da ação de preferência
(que analisaremos infra).
Ainda no que toca às preferências legais e às de eficácia real, note-se que o direito de
preferência pode ser exercido não só no âmbito puramente contratual, mas ainda nos
âmbitos da execução singular e da insolvência. Nos termos do 819º do CPC, é necessário,
em qualquer um destes casos – da execução ou da alienação insolvencial - notificar o
preferente para que, se ele assim o quiser, exerça o seu direito de preferência.
No que toca às preferências convencionais, dada a sua natureza, já pode haver renúncia
geral ao direito de preferência por parte do seu titular.
71
Mecânica do direito de preferência
Por isso, pelo menos nos casos em que a comunicação de preferência e a aceitação
revestem a forma exigível para um contrato-promessa, a generalidade da doutrina defende
72
que se deve aplicar diretamente o regime do contrato-promessa. Há ainda autores que
defendem que, mesmo não estando verificados esses requisitos de forma, o regime do
contrato-promessa é aplicável por analogia. Esta equiparação é muito relevante,
principalmente nos casos em que o obrigado à preferência se recusa a contratar com o
preferente - aplicando-se o regime do contrato-promessa, o último pode defender-se
através do recurso ao mecanismo da execução específica, plasmado no artigo 830º. Na
perspetiva do Professor, não há efetivamente motivos para que este regime não se aplique.
Há ainda a hipótese de, para a celebração do contrato definitivo entre o titular do direito
de preferência e o obrigado à preferência, não ser necessária a observância de forma mais
exigente. O entendimento é que o próprio contrato definitivo se dá por celebrado com o
exercício do direito de preferência por parte do seu titular .
73
A ação de preferência consiste no exercício de um direito potestativo que permite
que o preferente se sub-rogue ao terceiro no contrato, ou seja, que o substitua parte
contratual. Encontra-se regulada no artigo 1410º CC, e vale a pena destacar dois aspetos:
- Prazo para o depósito do preço – Interposta a ação, é necessário que o preferente faça o
depósito do preço fixado no contrato no prazo de 15 dias.
74
Outro argumento que sustenta esta posição é o de que deve haver uma unidade
dos julgados. Se a ação de preferência apenas puder ser interposta contra o
terceiro adquirente, e pretendendo-se pedir uma indemnização por danos
causados, tem de se interpor uma segunda ação, desta feita contra o obrigado à
preferência. Assim, embora a questão seja a mesma, as ações são distintas, e
corre-se o risco de haver uma diferença de julgamentos.
Por fim, há a questão das custas judiciais, que na perspetiva do Dr. Antunes
Varela devem recair apenas sobre o sujeito que violou o direito de preferência,
logo ação tem de ser interposta também contra ele.
75
se se tratar de preferência convencional obrigacional, há apenas lugar a
indemnização;
nos casos em que a preferência for legal ou com eficácia legal, há aquisição,
por parte do preferente, do direito potestativo de se sub-rogar ao terceiro no
contrato, sendo esse direito exercido por via judicial (ação de preferência).
Pode acontecer que, na venda a terceiro que viola a preferência, o preço fixado no
contrato não corresponda ao preço efetivamente pago - estamos a falar de casos de
simulação do preço em negócios que violam a preferência.
Muitas vezes motivada por motivos fiscais (entre outros), a situação inversa também
se verifica, e o preço dissimulado é superior ao preço simulado. Por outras palavras, o
preço declarado no contrato é inferior ao peço efetivamente praticado. Pode o titular do
direito de preferência exercer o seu direito relativamente ao valor simulado? E se o fizer,
pode ser-lhe oposto, pelos simuladores, o valor do negócio dissimulado? No fundo,
pergunta-se se o preferente pode preferir pelo preço mais baixo. A solução para este
caso não é tão simples. Por força do artigo 243º CC, a nulidade decorrente de simulação
não é oponível a terceiros de boa fé, e o titular do direito de preferência é terceiro de boa
fé em caso de ignorância da simulação ao tempo em que foi constituído o direito.
Aparentemente, os simuladores não podem, então, invocar a nulidade da simulação e opô-
la contra o preferente, o que seria do seu interesse se este quisesse exercer o seu direito
potestativo.
Todavia, Mota Pinto faz uma interpretação do nº3 do 243º CC, atendendo à finalidade
de proteção da norma, segundo a qual esta visa impedir prejuízos para o terceiro, mas não
76
deve conduzir a um locupletamento (vantagem indevida). Através desta interpretação
restritiva do 243º, com a qual a o Professor concorda, torna-se possível que o preço
dissimulado (ou seja, o mais elevado) seja oposto ao titular do direito de preferência.
Contudo, sendo o preferente de boa-fé e tendo acreditado nos termos fixados no contrato,
a simulação configura uma situação de violação de confiança. Assim, Ribeiro de Faria
sustenta que o valor real pode, sim, ser oposto ao preferente, no entanto acrescenta, e bem,
que se este vier a sofrer danos recorrentes das despesas que tenha realizado na expectativa
da aquisição, terá direito a ser indemnizado pelo dano de confiança. Trata-se de um caso
de responsabilidade por violação da confiança.
Nota: o facto de os simuladores poderem opor o preço dissimulado ao preferente não torna a
simulação em si inócua, nomeadamente do ponto de vista do Direito Fiscal e de outros ramos do
Direito, podendo ser-lhes aplicadas graves sanções nesse âmbito. Porém, lembre-se que estamos
a fazer uma análise meramente na ótica do Direito das Obrigações.
Como sabemos, diversas coisas podem ser alienadas conjuntamente, por um preço
global. Pode ocorrer que o preferente apenas tenha direito de preferência sobre uma das
coisas do conjunto. Quais as soluções?
Imagine-se que está em causa uma valiosa coleção de livros antigos sobre os
Descobrimentos. O titular do direito de preferência quer exercer o seu direito de
preferência só quanto a um dos livros. Embora à partida o possa fazer, também há
situações em que o obrigado à preferência pode exigir que ele prefira, mas sobre todo o
conjunto de bens, se estes não puderem ser separados sem um prejuízo separável. Isto
acontece porque a coleção valerá mais do que a soma do valor individual dos livros.
O mesmo se aplica aos casos em que o direito de preferência tem eficácia real e a
coisa sobre a qual incide tiver sido vendido conjuntamente com outras, de acordo com o
nº2 do artigo 417º. O terceiro adquirente pode exigir também que o preferente exerça o
seu direito sobre a globalidade do conjunto.
77
Ainda assim, se o terceiro que comprou não tivesse realizado o negócio separando a coisa,
ou seja, se a integralidade da coleção foi condição de celebração do negócio, o terceiro
pode também exigir que o direito de preferência seja exercido sobre o conjunto.
Venda a terceiro mediante prestação acessória que titular da preferência não pode
satisfazer – artigo 418º CC
se a prestação acessória for avaliável em dinheiro e não tiver sido acordada para
afastar o direito de preferência, o titular do direito de preferência poderá entregar
em dinheiro a quantia equivalente.
se se puder determinar que a prestação acessória foi fixada com o intuito de afastar
o direito de preferência, o preferente não tem sequer de satisfazer essa prestação
acessória, nos termos do nº2 do 418º.
Exemplo: suponha-se que se vende um imóvel por 100 mil euros e um jaguar. No primeiro
caso, se o preferente pretender exercer o direito de preferência, pode, em vez do jaguar
(que à partida não tem), entregar em conjunto com os 100 mil euros o valor monetário do
carro; no segundo caso, o preferente apenas tem de pagar os 100 mil euros.
Pode acontecer que, embora a preferência tenha vários titulares, apenas possa ser
exercida por um deles. Se não houver indicação de qual dos titulares a pode exercer e
mais do que um o quiser fazer, abre-se licitação entre eles.
78
Natureza jurídica do direito de preferência
22 e 28/10/2019
79
Distinção face a figuras próximas
Temos depois os casos dos contratos com prestação a terceiro. Numa das suas
modalidades, o devedor pode cumprir a terceiro, extinguindo a obrigação se o fizer. Note-
se que em princípio o sujeito só pode cumprir face ao credor, mas por força do contrato é
possível que ele possa cumprir também face a terceiro. No entanto, isto não configura um
contrato a favor de terceiro porque o terceiro não adquire o direito. Noutra modalidade
dos contratos com prestação a terceiro, o devedor só poder fazer o pagamento a terceiro.
Esta é uma figura especialmente próxima do contrato a favor de terceiro, mas que se
distingue pelo seguinte: o terceiro não é titular de um direito, apenas o credor o é. Só o
credor é que pode exigir o cumprimento, apesar de o cumprimento ter de ser feito a
terceiro.
O contrato a favor de terceiro distingue-se também daqueles contratos que são
celebrados recorrendo-se à representação voluntária. Distingue-se também do mandato
sem representação. no contrato a favor de terceiro, A celebra com B um contrato e desse
contrato resulta a constituição ou transmissão do direito. Há um único negócio. No
mandato, há dois negócios - C transmite a B e B transmite a A.
80
até do próprio contrato. Trata-se da relação de valuta, subjacente à de cobertura, e
que se estabelece entre o promissário e o terceiro. É a causa da atribuição do direito ao
terceiro.
81
Todavia, há meios de defesa de que o promitente não se pode fazer valer:
Não pode opor a terceiro meios de defesa decorrentes de outras relações com o
promissário, de outro eventual contrato que tenha com ele. Só pode recorrer aos
meios de defesa daquele contrato que constitui a relação base.
Não pode recorrer a quaisquer meios de defesa decorrentes da relação de valuta,
pois é um negócio entre outros sujeitos.
O terceiro pode ou não aderir ao direito - pode aceitar ou rejeitar o mesmo. A adesão
não é necessária, dado que o terceiro adquire o direito ainda antes de ter aderido ao
contrato. Todavia, a posição do terceiro fica mais sólida depois dele ter aderido ao
contrato, tendo de o fazer mediante declaração ao promitente e ao promissário (artigo
447º/3 CC). O direito consolida-se esfera jurídica do terceiro – já estava nela integrado
anteriormente, mas fortalece-se pela adesão. A partir do momento da aceitação pelo
terceiro, não é possível revogar a atribuição do direito. O promissário só a pode revogar
antes da aceitação, nos termos do artigo 448º/1 CC.
É possível também que o terceiro rejeite o direito (artigo 447º, nº1 CC), tendo de o
comunicar ao promitente que depois deve comunicar ao promissário. Se o terceiro
rejeitar, há lugar à saída do direito da sua esfera jurídica.
82
Note-se que o terceiro não é contraente, por isso não pode exercer os direitos
inerentes à posição de parte contratual. É apenas titular do direito à prestação, o que
significa que o terceiro pode, por acordo, alterar o objeto da prestação; significa também
que a indemnização substitutiva da prestação principal cabe ao terceiro; significa
finalmente que a mora do terceiro tem os mesmos efeitos da mora do credor. Sempre que
seja necessária a colaboração do credor para se cumprir a prestação e este não colaborar,
nos termos dos artigos 803ºss, há um conjunto de consequências que incorrem para o
credor. Neste caso, sendo o terceiro o credor, é ele que pode incorrer em mora de credor.
83
Relação entre o promissário e as pessoas estranhas ao benefício – artigo 450º CC
No nº 1 do artigo 450º, aquilo que está irregular é a necessidade que por vezes, no
âmbito da impugnação pauliana, diz respeito de reintegrar o património do promissário.
É o caso do contrato de seguro a favor de terceiro, em que não há coincidência entre a
atribuição a terceiro e os bens que para esse efeito saem do património do promissário. O
que sai do património são os prémios de seguro, mas aquilo que o terceiro adquire é o
direito de indemnização posterior. No âmbito da impugnação pauliana, o que há a ser
reintegrado são os prémios de seguro.
Quanto aos casos em que do contrato a favor de terceiro resulta um direito que
não é somente atribuído ao terceiro, mas também a outros entes, apenas aquele conjunto
de entes a quem é atribuído o direito é que pode dispor do direito à prestação. Nem os
herdeiros do promissário nem as entidades competentes para prosseguir os interesses em
causa podem produzir alterações ao objeto da prestação.
22/10/2019
“Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro
que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato” – artigo
452º CC
Com um contrato para pessoa a nomear, uma das partes reserva o direito de
nomear um terceiro que a substituirá enquanto parte contratual, adquirindo os direitos e
assumindo as obrigações decorrentes desse mesmo contrato. Em rigor, não estamos
perante um contrato, mas sim perante uma cláusula inserida num contrato.
Em que contexto é que se recorre a este mecanismo? Muitas vezes, acontece que
o terceiro, C, não quer inicialmente aparecer no contrato, daí que este seja celebrado entre
84
as partes originárias, A e B, com uma cláusula para pessoa a nomear, adquirindo A o
direito potestativo de nomear. Isto pode acontecer por múltiplas razões, nomeadamente
más relações entre B e C, ou o facto de se querer evitar que B pratique um preço superior
a C. Celebrado o contrato, A nomeia C, sendo que o último substitui integralmente o
primeiro enquanto parte do negócio, deixando A de participar no mesmo.
Note-se que não estamos a tratar de um contrato a favor de terceiro, pelo qual,
imediatamente, emerge um direito na esfera de um terceiro. Neste caso, não há qualquer
atribuição de direitos a terceiro; simplesmente, a uma das partes do contrato reserva-se o
direito de, sem necessidade do consentimento do outro contraente, indicar o terceiro que
a substitui enquanto parte contratual, sendo que todos os direitos e deveres adquiridos
pelo terceiro são inerentes à posição de contraente que passa a ocupar. Lembre-se que, no
âmbito do contrato a favor de terceiro, o terceiro nunca chega a ser parte contratual.
85
Regime do contrato para pessoa a nomear
Nos termos do artigo 453º/1 CC, a nomeação do terceiro poderá ser feita por
escrito dentro do prazo dos cinco dias posteriores à celebração do contrato (salvo
disposição convencionada em contrário). A declaração de nomeação tem sempre de ser
acompanhada, sob pena de ineficácia, de um instrumento de ratificação por parte do
nomeado, ou então de uma procuração anterior para esse efeito (também do nomeado) –
453º/2 CC.
Sendo realizada a nomeação nos termos do artigo 453º CC, o nomeado adquire
“os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir da celebração dele”
– artigo 455º/1 CC. Ou seja, os efeitos do contrato repercutem-se retroativamente na
esfera do nomeado. Todavia, a nomeação não é obrigatória. Não sendo feita, o contrato
mantém-se simplesmente entre as partes originárias (455º/2), salvo estipulação em
contrário.
Nem todo os contratos são suscetíveis de integrar esta cláusula. Não se pode
recorrer à reserva de nomeação naqueles contratos em que seja essencial, desde logo, a
determinação dos contraentes. Também não se pode recorrer a esta cláusula nos contratos
que atendem às especiais qualidades da outra parte (por exemplo, o casamento).
O que acontece nos casos em que haja uma colisão entre os atos praticados pelo
nomeante e a posição do nomeado?
86
hipoteca. Também não há proteção do negociante da hipoteca, porque este estava ciente
da cláusula de nomeação, mais uma vez por via do registo.
Imagine-se agora uma compra e venda de móvel não sujeito a registo, que o
nomeante penhora antes da nomeação. Quando for feita a substituição das partes
contratuais por via da nomeação, o nomeado adquirirá o bem, mas adquiri-lo-á
empenhado. Isto porque, aqui, não há a proteção do registo, havendo prevalência dos
direitos que foram constituídos primeiro.
Esta cláusula está sujeita a uma condição resolutiva, atinente ao contrato inicial
com as partes originárias, cujos efeitos se desencadeiam com a nomeação do terceiro; por
outro lado, está sujeita a uma condição suspensiva da aquisição do terceiro no que toca
ao contrato entre as partes finais, pois só produz efeitos se houver nomeação de terceiro
e só a partir desse momento.
28 e 29/102019
“Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio
no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada” – artigo
464º CC
Estamos face a uma gestão de negócios quando alguém, sem que esteja autorizado para
esse efeito, assume a direção de um negócio que não é seu e o faz no interesse e por conta
do dono do mesmo. A situação muda de figura sempre que houver uma autorização, que
pode decorrer, por exemplo, de mandato, e que impede desde logo que uma atuação se
configure como gestão de negócios.
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vizinho de A, contrata com um empreiteiro que arranje a janela. Temos então B a
assumir a gestão de negócio alheio, no interesse de A; suponhamos agora que C
está ferido e inconsciente na estrada; C leva-o ao hospital e ainda lhe compra os
medicamentos necessários. É outro caso de gestão de negócios.
A gestão de negócios é uma atuação que visa tutelar interesses do dono do negócio.
Todavia pode, simultaneamente, tutelar interesses do gestor do negócio, tratando-se assim
de uma situação de gestão mista. A possibilidade da gestão mista alarga muito o âmbito
da gestão de negócios, pois são-lhe aplicáveis as regras desta última.
Requisitos:
A expressão “negócio” não está aqui empregada no seu sentido técnico, dado que não
abrange apenas negócios jurídicos. Tem antes por significado “interesse ou assunto
alheio”. Inclui negócios jurídicos, mas também pode traduzir-se em simples atos jurídicos
ou mesmo em meros atos materiais. Este é outro fator que alarga o âmbito de aplicação
do regime da gestão de negócios.
88
está em causa e verdadeiramente importa é transferir os efeitos práticos e úteis da gestão
para a esfera do dono do negócio.
Tanto há ausência de autorização quando esta não tenha sido dada como quando o
contrato em que tenha sido dada seja nulo. Também não há autorização quando o sujeito
excede os limites da mesma.
Note-se ainda que a gestão de negócios pode ser representativa ou não representativa.
Quando for representativa, teremos o gestor a atuar em nome do dono do negócio; quando
for não representativa, o sujeito atua em nome próprio. No exemplo da inundação
previamente exposto, o gestor pode ter contratado com o empreiteiro em nome do dono
da casa – gestão representativa – ou em nome próprio – gestão não representativa.
89
costumes (por exemplo, se dono pretender que se plante marijuana). Pode dar-se o caso
em que haja uma discrepância entre aquilo que é o interesse objetivo do dono do negócio
e aquela que é a sua vontade (real ou presumível).
O gestor deve prestar contas da sua atividade, logo que cesse a gestão ou logo que
o dono do negócio assim o exigir. Para além disso, deve prestar todas as informações
relevantes acerca da gestão que efetua ao dono do negócio.
Logicamente, o gestor tem de entregar ao dono do negócio tudo aquilo que tenha
recebido de terceiros no âmbito e no exercício da gestão. Se o negócio se tratar da
cobrança de uma dívida, por exemplo, o gestor tem obrigatoriamente de entregar ao dono
o montante cobrado.
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Finalmente, o gestor tem o dever de prosseguir a gestão até concluir o ato ou até
que o dono do negócio possa prover à gestão. Se, injustificadamente, o gestor interromper
a gestão, responde pelos danos causados.
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Ainda no âmbito da responsabilidade do gestor por interrupção culposa da gestão,
é necessário que se determine o nexo entre a interrupção culposa da gestão e os danos que
daí advieram. Se os danos verificados não estão relacionados, em termos de nexo causal,
com a interrupção culposa da gestão, o gestor não responde.
Face a atuação do gestor, o dono do negócio pode aprovar a gestão ou não aprovar
a gestão.
Se ele aprovar a gestão, o gestor adquire os direitos previstos no artigo 468º/1 CC,
ou seja, o direito a ser indemnizado pelo prejuízo que sofreu e o direito a receber os
valores decorrentes das despesas que fundadamente tenha considerado indispensáveis;
além disso, se o gestor exercer aquela atividade no âmbito da sua atividade profissional,
tem direito a uma remuneração (artigo 470º CC). A aprovação tem ainda por efeito a
renúncia por parte do dono do negócio a uma eventual indemnização a ser paga pelo
gestor e vale como conhecimento dos direitos ainda agora mencionados (artigo 469º CC).
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praticado e, por isso, não os queira ratificar; pode dar-se ainda o caso inverso, em que o
dono não aprova a gestão, mas quer ratificar um ou outro negócio.
São estas as regras básicas da gestão de negócios que, como vimos, tem um âmbito
de aplicação mais vasto do que a intuição nos diz. No que toca ao seu regime, a análise
tem de incidir nos deveres do gestor.
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04/11/2019
O enriquecimento sem causa é uma figura com relevo bastante grande, sendo
considerado uma válvula de escape. Em termos genéricos, do enriquecimento sem causa
nasce uma obrigação de restituição, ou seja, este é fonte desta. Permite corrigir um
conjunto de deslocações patrimoniais, quando não haja um outro instrumento a que se
possa recorrer para o efeito, uma vez que, esta figura entre nós, tem um caráter
subsidiário.
Esta figura implica sempre o enriquecimento, que pode provir de um ato da outra parte,
mas também de um ato do próprio enriquecido ou ainda um ato de terceiro. Fala-se, então,
numa deslocação patrimonial, que engloba qualquer ato pelo qual se verifica sempre a
existência de uma vantagem patrimonial. Sempre que essa vantagem decorra de um ato
da outra parte, fala-se numa atribuição patrimonial.
Essa vantagem patrimonial pode decorrer, não apenas de um ato da outra parte, mas
também de um ato de terceiro. Por exemplo, quando a dívida é extinta por terceiro, ou
seja este paga a dívida de outrem, julgando erradamente que estava obrigado a cumpri-la
– art.478º. Pode decorrer de um ato do próprio enriquecido, por exemplo, A utiliza
durante 1 mês, sem autorização, o apartamento de B.
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A lei começa por fixar uma cláusula geral no art.473º. Estabelece os requisitos gerais
do enriquecimento sem causa, que são: o enriquecimento; o empobrecimento; a
ausência de causa.
Todavia, no art.473º nº2 são estabelecidos casos específicos de enriquecimento sem
causa (arts.476º a 478º). É uma enumeração exemplificativa:
95
da prestação for desculpável, há um direito de repetição. O verdadeiro
credor vai ter que repetir, represtar. Todavia, se o erro não for desculpável,
ou então sendo desculpável, o credor, desconhecendo o erro, se tiver
privado, ou do título ou das garantias, ou deixado prescrever o crédito, não
há um dever de repetição, mas aquele sujeito (o autor da prestação) fica
sub-rogado, adquire os direitos do credor (nº2). Aqui, ao contrário da
primeira hipótese, ele não pode exigir a restituição, mas adquire o direito
do credor por sub-rogação e irá depois exigir a prestação ao verdadeiro
devedor.
Art.478º – trata-se do cumprimento de uma obrigação alheia, que se sabe
que é alheia. O autor da prestação está convencido, embora erroneamente,
que está obrigado a cumpri-la, portanto, o autor da prestação sabe que não
é devedor, sabe que a obrigação é de outro, mas crê que está obrigado a
cumprir. Por exemplo, ele acha que tem uma obrigação de garantia e,
portanto, tem de cumprir. Qual é a consequência? Neste caso, há um
enriquecimento por parte do devedor que foi exonerado, cuja obrigação se
extinguiu, portanto, ele terá que restituir, mas ao abrigo do enriquecimento
sem causa. Só há lugar à restituição (devolver face ao autor da prestação)
quando o credor conhecia o erro no momento da realização da prestação e
a aceitou, aí ele tem de devolver. Quando o credor não conhecia o erro,
aplicam-se as regras da restituição ao abrigo do enriquecimento sem causa,
mas face ao devedor exonerado, o que significa que o credor não terá que
restituir. Nessa medida, o sujeito que realiza a prestação só pode dirigir-se
ao devedor exonerado e não ao credor.
96
venda futura, o efeito pretendido acabar por não se verificar. Isto só deixa
de ser assim se o autor da prestação soubesse que ela era impossível, ou
então, se ele agindo contra a boa-fé impediu a sua verificação. Nestes
casos nos termos do art.475º, não há lugar a restituição (casos muito
específicos).
Conjunto de casos relacionados com a segurança jurídica e a boa-fé. No
âmbito de uma cessão de créditos, o pagamento efetuado pelo devedor ao
cedente antes de ter sido notificado da cessão (ex: crédito de A (banco)
sobre B (cliente) de 10 mil euros. A precisa de dinheiro e vende o crédito
por 8 mil euros a C. O preço de compra foi de 8 mil, logo o A recebe 8
mil euros. B tem que saber a quem vai pagar, portanto se o crédito foi
cedido a C, este tem que notificar B que tem que lhe pagar a ele. Se B não
for notificado pode cumprir liberatoriamente face ao A. O que aconteceria
é que o banco iria receber os 10 mil euros, sendo que já recebeu 8 mil. A
enriqueceria à custa de C).
Casos da impugnação pauliana (art.610º nº1) – este é um instrumento para
atingir um negócio que diminua a garantia patrimonial de um sujeito, em
termos do credor depois não conseguir obter a satisfação patrimonial do
seu crédito. É um meio de conservação da garantia patrimonial. Sendo
impugnada a venda/o negócio, o credor tem direito à restituição desses
bens do património do devedor, na medida do seu interesse. Ex: A vende
a B um automóvel. C, credor de A, recorre à impugnação pauliana, o que
significa que ele pode atingir o automóvel, em termos de execução, que
está no património de B ou pode levar a que o carro volte a integrar o
património de A, para depois o executar. Acontece que, em ambos os
casos, B fica sem o automóvel através da impugnação pauliana interposta
por C, tendo contudo pago o preço a A. Assim, há um enriquecimento
sem causa de A à custa de B. Também é este o caso da dupla venda e
aquisição por força do registo pelo segundo adquirente. O vendedor
enriquece sem causa à custa do primeiro adquirente que não regista.
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em abstrato (enriquecimento real). Consiste na avaliação do benefício
patrimonial desligado do enriquecido, isto é, avaliado objetiva e
isoladamente (valor objetivo dos bens, no caso do apartamento ou dos
chocolates, temos o preço real do bem no mercado);
em concreto (enriquecimento patrimonial). Determina-se através de uma
comparação entre a situação em que o enriquecido se encontra (situação
real) e aquela em que se encontraria se não se tivesse verificado o
enriquecimento (situação hipotética). Enriquecimento efetivo e atual.
98
empobrecimento pelo valor dessa vantagem, da utilização do bem. Direitos de
autor, de propriedade intelectual, por exemplo, são esferas protegidas, qualquer
vantagem cabe única e exclusivamente ao seu titular.
99
Não há uma coincidência necessária entre a causa em sentido objetivo e subjetivo. Ex:
A entrega a B uma quantia com a vista a extinguir uma obrigação (causa subjetiva
verificada) e a obrigação não existia.
05/11/2019
100
a) Por exemplo, no caso do usucapião, que é uma forma de aquisição de propriedade.
Pode também acontecer nos casos de caducidade ou casos de prescrição. Por
exemplo, se prescrever um direito de crédito, a obrigação transforma-se numa
obrigação natural e isso significa que o devedor não é obrigado a cumprir. Se for
um crédito pecuniário não tem de entregar a quantia. A lei atribui-lhes causa
justificadora ou legitimadora, logo não estamos face ao enriquecimento sem causa.
Temos outros meios que permitem recompor a situação do enriquecimento sem causa:
101
subsidiariedade, deve poder pedir a diferença entre o dano e o enriquecimento. Um
outro caso é, quando o dano é superior ao enriquecimento, mas o juiz pode fixar
uma indemnização abaixo do dano, nos termos do art.494º. O tribunal não pode
fixar uma indemnização abaixo do valor do enriquecimento, que funciona como
limite mínimo (ex: se o dano for de 100, se o enriquecimento for de 80, o tribunal
vai aplicar o art.494º, não pode fazer descer a indeminização abaixo dos 80).
Verificados todos estes pressupostos temos a constituição da obrigação de restituir
ao abrigo do enriquecimento sem causa.
11/11/2019
102
em sentido patrimonial é 0€. Ou então, não gosta de chocolates e ofereceu a um sobrinho.
Também aqui o enriquecimento patrimonial é 0€. Temos de ver qual o limite do
enriquecimento e o limite do dano em sentido patrimonial. Se a caixa de chocolates
valesse 100€, o dano em sentido patrimonial era de 100€. Todavia, se o sujeito só
estivesse disposto a gastar 50€ numa caixa de chocolates, o enriquecimento em sentido
patrimonial era de 50€. Se estes valores não forem idênticos, a restituição faz-se pelo mais
baixo destes valores, neste caso, seria 50€.
103
depois, o rio repõe a reia. O dano patrimonial é 0€, pois o rio repôs a areia, e o dano em
sentido real, é o valor da areia (200€). Para extrair a areia, o sujeito causa prejuízos no
valor de 300€. O dano patrimonial é de 300€. Neste caso, o dano em concreto é superior
ao dano real, sendo que calculando o limite do dano pelo valor mais alto, o limite do dano
é dado pelo dano em concreto. Portanto, o valor da restituição é de 300€.
Para se aplicar esta correção do triplo limite, implica que tenha sido causado um dano
em sentido patrimonial e que esse dano seja superior ao dano em sentido real. Sempre
que não se verifique um dano em sentido patrimonial ou que não seja superior tem
aplicação, mas em casos limitados.
O que é que se passa naqueles casos em que o enriquecido tenha alienado gratuitamente
o objeto de enriquecimento?
104
Nos casos em que existe má fé, tanto do alienante, como do adquirente, e sabem da
falta de causa do enriquecimento, respondem nos termos do art.480º, ou seja, respondem
agravadamente pela restituição. Se o alienante estiver de má fé, responde tal como
adquirente – art.481º. Nos termos do art.482º, a obrigação de restituir tem um prazo
prescricional de 3 anos, contando-se da data em que o titular do crédito teve conhecimento
do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora não tenha que saber a
extensão integral da obrigação de restituir.
No nosso sistema estes negócios são fonte de obrigações? Pode uma pessoa,
voluntariamente, constituir uma obrigação sem ser necessário consentimento daquele
face a quem se vincula?
105
promessa de cumprimento decorre de um contrato nulo ou anulado, ou de uma obrigação
que já foi cumprida.
Esta situação é diferente dos negócios jurídicos abstratos. Nesses negócios há um
negócio independentemente da causa, ou seja, não têm causa. Contudo, aqui não há
qualquer negócio independente, mas sim um negócio com causa presumida.
A lei estabelece requisitos tanto para a promessa de cumprimento como para o
reconhecimento da dívida – art.458º nº2. É necessário a forma escrita, a não ser que a
relação base exija forma mais solene. É possível que certos documentos assinados pelo
devedor valham com título executivo.
Nos casos em que a promessa não tenha prazo pode ser revogada a todo o tempo,
desde que proceda para a revogação a mesma publicidade que foi dada à sua
constituição;
Nos casos em que a promessa tenha prazo, quando ele tiver sido fixado pelo
promitente ou imposto pelo fim ou natureza da promessa, não pode ser revogado
dentro do prazo. Isso só pode acontecer, ou seja, haver revogação dentro do prazo,
se houver justa causa para esse efeito – art.461º nº1.
106
mil euros. Há uma revogação da promessa, mas nesse momento, o gato já foi encontrado.
Quando assim for, então a revogação não tem efeito).
o Gratuita – quando inexista uma vantagem económica para aquele que faz a
promessa, ou seja, o promitente. Visa meramente individualizar uma pessoa a
quem se quer fazer uma liberalidade;
o Onerosa – quando exista uma vantagem económica para o promitente. É o
caso das promessas públicas feitas em jornais e revistas, cujo objetivo é
aumentar a sua circulação.
Suponhamos que, para a obtenção daquele resultado, o gato foi encontrado por duas
pessoas. Nesse caso, o prémio deverá ser distribuído atendendo à participação que cada
uma das pessoas teve para o resultado – art.462º.
Para além de terem que estar definidos estes elementos, é necessário também fixar um
prazo para a apresentação das candidaturas – art.463º nº1. As decisões quanto à admissão
das candidaturas e quanto à atribuição do prémio pertence unicamente às pessoas
designadas no anúncio ou então se o anúncio não designar, ao próprio promitente –
art.463º nº2. Se houver divergências de opinião, prevalecerá a decisão da maioria.
11/11/2019
5. Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil é a fonte da obrigação de indemnizar. No nosso sistema,
pode ser do tipo contratual ou do tipo extracontratual.
107
lei. Assim sendo, este é um dos casos em que a parte significa o todo, pois quando usamos
o termo “responsabilidade civil contratual” estamos tecnicamente a usá-lo no sentido de
“responsabilidade civil obrigacional”.
Estes casos são relativamente comuns. Aquilo que temos é um concurso entre as
regras das duas modalidades de responsabilidade civil. A mesma situação de facto leva
ao preenchimento dos requisitos de ambas as modalidades. A obrigação de indemnizar é
só uma, não há duas. Porém, as regras aplicáveis são diferentes conforme o tipo de
responsabilidade em causa, desde logo no que diz respeito à culpa (há uma presunção de
culpa na responsabilidade contratual). Também no âmbito da responsabilidade contratual,
há regras específicas no que é atinente aos auxiliares, que genericamente não existem na
responsabilidade extracontratual.
Como é que se resolve esta situação? A lei não resolve estas questões, porém
temos duas teses desenvolvias pela doutrina:
108
1. Sistema de cúmulo, que tem dois modelos:
Tese de ação híbrida: em que se recorre às normas de um e de outro regime.
Tese da escolha do lesado: o lesado opta por um sistema ou por outro.
2. Sistema não cúmulo – tese da consumpção: não se aplicam ambos os regimes,
sóse aplica um visto que o regime da responsabilidade contratual consome o regime
da responsabilidade extracontratual. Este é um aspeto importante, porque há
inúmeros casos em que, no âmbito do incumprimento de um contrato, pode
verificar-se que estejam preenchidos também os pressupostos da responsabilidade
civil extracontratual.
Uma nota muito importante a que vale a pena atender é o facto de que, apesar de a
lei estabelecer regimes diferentes para as duas modalidades da responsabilidade civil, ela
estabelece um tratamento unitário no que toca à obrigação de indemnizar – artigos 562ºss
CC
“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o
lesado pelos danos resultantes da sua ação” – artigo 483º CC
109
necessário que haja uma “conduta humana pensável como controlada pela vontade e
que, nessa medida, pode ser imputada objetivamente”.
Tendo isto em conta, há desde logo situações que ficam fora do âmbito da vontade do
agente, e que não verificam por isso este pressuposto. Excluem-se todos os casos naturais
e/ou de força maior e todos os factos acidentais. Excluem-se também todas as condutas
praticadas em estados de inconsciência ou sob coação.
Lembre-se que uma pessoa pode agir voluntariamente por omissão, logo este facto
voluntário pode traduzir-se, naturalmente, numa ação, mas também numa omissão.
12/11/2019
5.1.2 Ilicitude
A ilicitude é, logicamente, o requisito central da responsabilidade por factos ilícitos,
pelo que nos merecerá uma grande atenção. Corresponde a um juízo de desvalor da ordem
jurídica, relativo àquela ação. Para se aferir concretamente a ilicitude, esta definição é
insuficiente, por isso há a necessidade de se recorrer ao critério plasmado no artigo 483º,
CC. Segundo este, a ilicitude configura-se se houver:
Para melhor compreender este tópico, analisemos a situação conhecida por “Cable
Cases”, que é a tipicamente usada para explicar esta matéria dos danos patrimoniais
puros:
110
Havia uma fábrica que era servida por um sistema elétrico. A, um sujeito, trabalhador
de uma empresa de construção e que estava a fazer fundações para um prédio, cortou
acidentalmente os cabos que levavam energia à fábrica, gerando grande prejuízo para a
mesma. A principal questão que se levanta é se este prejuízo é indemnizável e em que
medida. Do prisma do nosso sistema, temos de enquadrar a figura no âmbito da ilicitude
legalmente prevista. Não há nenhuma dúvida de que a fábrica sofreu um grande prejuízo
patrimonial. Analisemos as várias relações do caso:
Em suma, não é atingida nenhuma das figuras utilizadas pela lei para delimitar a
ilicitude, que no nosso sistema não abrange todo o tipo de dano. Há da nossa parte uma
grande precisão no que toca ao âmbito da ilicitude, o que faz sentido visto ser necessária
alguma previsibilidade em termos de responsabilidade civil. No entanto, em termos de
resultado, não é uma solução brilhante, pois há grandes danos patrimoniais sem que haja
direito a indemnização. Para contornar isso e resolver a questão, foi sustentada a
111
existência de um “direito à empresa”, que implica o exercício da atividade normal por
essa mesma empresa. Não é unívoco, mas é uma forma de resolver a questão.
Mas quais as consequências do abuso do direito? Na verdade, a lei não impõe uma
consequência específica para a atuação de um sujeito em abuso do direito; como veremos,
pode ser uma forma de ilicitude a par das outras previstas nos artigos 443º e seguintes, e
ser, portanto pressuposto, da responsabilidade por factos ilícitos, dando lugar a
indemnização; Para além disto, pode levar à colocação da situação em causa na sua fase
prévia (status quo ante). Pode ainda conduzir à paralisação do direito, como acontece, por
exemplo, nos casos de venire contra factum proprium ou então de invocação das
nulidades. Como vemos, não há uma consequência específica do abuso de direito, nem
ele é somente fonte de obrigações de indemnizar. Por isso podemos incluir no abuso de
direito os casos de eficácia externa das obrigações, não porque elas têm eficácia externa,
mas por se configurar um exercício abusivo de uma faculdade primária- a de contratar.
112
confiança. Há até casos tipificados de abuso de direito, sendo um dos mais relevantes o
do venire contra factum proprium (o sujeito pratica um ato que gera confiança justificada
na outra parte no sentido do não exercício de um direito, sendo que mais tarde vem
efetivamente a exercer esse direito). Outro exemplo importante é atinente à invocação de
nulidades.
No fundo, a figura do abuso do direito tem uma grande plasticidade, podendo conduzir
a resultados diferentes de uma simples ilicitude. Como quase todas as válvulas de escape
do sistema, é muito comum que no dia a dia o abuso de direito seja invocado
inadequadamente e sem qualquer fundamento. No entanto, é uma figura técnica que visa
regular situações específicas, logo há pressupostos que têm de ser verificados para que
seja aplicada.
18/11/2019
A justificação da ilicitude
Causas gerais de exclusão de ilicitude
Note-se ainda que a lei prevê casos de conflitos de direitos; em princípio, deve haver
uma cedência proporcional adequada quando os direitos forem de nível idêntico. Porém,
113
se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o direito que se deva
considerar superior nos termos do artigo 365º/2, CC.
Para além disto, que são causas de ordem geral de exclusão de ilicitude, temos um
conjunto de causas de natureza especial previstas na lei, que estudaremos de seguida.
Repare-se que a ação direta pode consistir na destruição de um determinado bem (por
exemplo, quando um sujeito fura os pneus do automóvel de um assaltante para evitar a
sua fuga). Também pode ser usada para afastar um ato de resistência ilícita. Veremos que
um sujeito pode usar e mesmo destruir bens de outrem em estado de necessidade, atuando
licitamente. A resistência a esse ato será ilícita e, verificados os pressupostos, poder-se-á
recorrer à ação direta.
Atuando um sujeito em ação direta, o ato é lícito e não há dever de indemnizar. Agora,
se o sujeito que recorrer à ação direta estava em erro sobre os pressupostos da mesma,
sendo que afinal não estavam preenchidos, é obrigado a indemnizar. Só deixa de o ser se
esse erro for desculpável (por exemplo, um sujeito pensa que pode recorrer à ação direta
114
porque desconhece que existe esquadra da polícia na rua ao lado. Se o sujeito não for
daquela zona, o erro é desculpável e ele não é obrigado a indemnizar).
Uma vez mais, reforce-se que a ação direta é admitida em casos muito limitados.
Genericamente, consiste numa defesa contra uma agressão humana, seja contra o
próprio ou contra terceiro. Vejamos quais os seus pressupostos:
115
coisa alheia, com vista a evitar um dano superior (quer para o agente, quer para o terceiro).
Se na ação direta é possível recorrer à força própria para exercer um direito e na legítima
defesa é possível responder a uma agressão humana, aqui aquilo que se permite é a
danificação, destruição ou simples uso de uma coisa alheia de modo a evitar que se
verifique ou consume um perigo para o agente ou para o terceiro.
Exemplo: o cão de B ataca A, que para se defender dá com um pau no cão. Não
se trata de uma agressão humana, logo não é uma legitima defesa, mas antes um
estado de necessidade.
Em primeiro lugar, o autor do dano, quando o perigo se ficar a dever a um ato de sua
culpa exclusiva.
116
Exemplo: um sujeito faz uma fogueira no quintal, que leva a que depois haja um
incêndio. Por causa disso, vê-se obrigado a danificar a porta do vizinho para usar
o extintor. O ato em si é lícito, mas o sujeito terá de indemnizar o vizinho.
Também pode ser condenando a indemnizar aquele que tenha sido o beneficiário da
atuação.
A lei, devidamente interpretada nos termos do artigo 339º/2, CC, permite que a
indemnização seja só imposta ao autor do dano, mas também ao beneficiário do dano ou
eventualmente a ambos, cumulativamente, se se provar que contribuíram para a situação
de perigo que gerou o dano.
Um sujeito pode também consentir que outro utilize uma coisa sua.
O consentimento não será válido, nos termos do artigo 340º CC, se for contrário à
disposição legal ou aos bons costumes – regras morais comuns de uma determinada
sociedade, num determinado momento e em determinado lugar. É preciso determinar
aquilo que são os bons costumes para verificar se o consentimento os atinge ou não.
117
terceiro pode atuar desde que de acordo com o interesse e a vontade real ou presumível
do sujeito. Imagine-se que um sujeito está inconsciente e necessita de uma transfusão de
sangue. O médico, de acordo com a vontade presumível do sujeito e atuando no interesse
do mesmo, tem de realizar a transfusão, não sendo preciso que o paciente preste
consentimento. Porém, se o médico souber que o sujeito não quer receber transfusões de
sangue – que é a sua vontade real -, não a pode efetuar, mesmo que esta seja necessária
para o salvar. Em suma, o que acontece é que, muitas vezes o médico, atua de acordo com
a vontade presumível do sujeito. No entanto, quando conhecer a vontade real do sujeito,
é essa que tem de seguir.
No que toca aos menores, pode haver uma autorização judicial para suprir a ausência
de uma autorização parental.
19/11/2019
5.1.3 Culpa
Noção; autonomia dos conceitos de ilicitude e culpa
A ilicitude é um juízo de carácter objetivo, sempre um facto em si sobre o qual a
lei faz um juízo negativo. A culpa não é isso, já que assenta no agente e na conduta deste.
O ato pode ser ilícito, mas o agente não ter culpa. É necessário que a sua conduta seja
efetivamente censurável, ou seja, que se confirme que nas circunstâncias do caso concreto
aquele agente podia e devia ter atuado de outra forma.
Assim, é importante perceber bem a diferença entre uma coisa e outra e ter
presente que no nosso sistema, que é muito analítico, há autonomia dos conceitos de culpa
e ilicitude e ambos são pressupostos da responsabilidade civil. No sistema francês, esta
distinção já não é tão clara.
Imputabilidade
118
A imputabilidade abrange dois elementos: um intelectual e um volitivo. O
elemento intelectual significa que o sujeito tem de estar em condições de valorar a sua
própria conduta, ou seja, tem de poder conhecer o desvalor da sua conduta, aquilo é
errado. Segundo o elemento volitivo, o sujeito tem de ter a possibilidade de se determinar
de acordo com a sua avaliação. São dois pressupostos cumulativos, e na falta de um deles
não há culpa.
A imputabilidade está prevista no artigo 488º, CC. Não responde aquele sujeito
que não estava em posição ou estava incapacitado de entender que quer aquele ato.
Acontece, por exemplo, com uma criança que pega num fósforo e provoca um incêndio,
ou que destrava um carro. Coisa diferente é se o agente culposamente que colocou naquele
estado, mas esse estado for transitório, como no caso do consumo de drogas, por exemplo.
Aqui, o agente responde, desde que se tenha colocado culposamente nessa posição. Se
porventura A beber rápido a bebida branca que B colocou no seu copo sem saber que não
era água, não tem culpa. Mas se beber demais ou misturar bebidas, tem culpa.
119
alimentos necessários ou então de prestá-los quando a isso estiver obrigado (artigo
489º/2, CC). Em princípio, a indemnização calcula-se pelo limite do dano, ou seja, não
pode ser superior a este. O inverso já não se verifica. Em certos casos, e atendendo à
culpa, a indemnização pode ficar abaixo do dano. Se um sujeito tiver atuado com mera
culpa, o juiz pode fixar uma indemnização que seja inferior ao dano – artigo 494º CC.
a) Dolo direto: o sujeito prefigura um resultado ilícito e quer esse mesmo resultado ilícito.
Exemplo - A prefigura a morte de B e dá-lhe um tiro para esse efeito.
b) Dolo necessário: o sujeito prefigura o resultado ilícito como efeito necessário da sua
conduta e, embora não o queira, sabe que ele se irá verificar. Exemplo - A coloca uma
bomba numa embaixada para atingir embaixador B; sabe que nessa altura lá estarão os
120
seguranças do embaixador, e que todos serão atingidos pela explosão. Relativamente aos
seguranças, configura-se um caso de dolo necessário. O agente prefigura a morte deles
como efeito certo da sua conduta, embora pretenda diretamente outra coisa (dolo direto
quanto a B).
c) Dolo eventual: o sujeito prefigura o resultado ilícito como possível, mas não como
necessário, e não confia que esse resultado não se irá produzir. Exemplo - A pretende
matar o embaixador com a bomba; sabe que a essa hora, a da explosão, poderá também
lá estar o secretário do embaixador e ser também atingida pela mesma. No entanto, não
tem a certeza que tal se venha a verificar. É-lhe indiferente se tal acontecer.
Negligência
25/11/2019
Nos termos da lei, o que determina se um sujeito se comporta diligentemente ou
negligentemente? Nos termos do artigo 487º/2, CC, a culpa apura-se em abstrato e
atendendo a dois elementos:
121
(por exemplo, um condutor que respeita as regras de trânsito e que conduz de forma atenta
e vigilante). Porém, um sujeito pode fazer um esforço muito grande e não ter o nível de
competência técnica para desempenhar competentemente aquela função. É o caso de um
médico que atue fora da sua área de especialidade, ou de um condutor com problemas de
visão que conduz à noite. Quando falamos em competência técnica, falamos de requisitos
técnicos necessários para o desenvolvimento de determinada atividade, sendo uma
questão que ultrapassa o âmbito do esforço.
2. Face ao caso concreto – é necessário verificar as condições em que o agente
exerce a sua atividade, no caso concreto. Suponha-se que um médico está a realizar
cirurgias seguidas há 24 horas, por causa de uma vaga de acidentes e de falta de médicos.
Se atendermos apenas ao critério anterior, a culpa ser-lhe-ia imputada. No entanto, as
circunstâncias do caso concreto fazem com que tal culpa não lhe seja atribuída. Dando
um exemplo mais extremo, imagine-se que um passageiro de um avião precisa de uma
cirurgia imediatamente, e que há um cirurgião a bordo que o opera dispondo apenas dos
precários meios que há no avião. Se o cirurgião usasse esses meios num hospital, seria
despedido por negligência, no entanto, nas circunstâncias descritas, não lhe é imputada
culpa.
122
2) que os danos se tinham produzido mesmo que o tivessem cumprido (relevância
negativa da causa virtual)
Relativamente aos menores – o dever de vigilância face a uma criança de 5 anos não
é, evidentemente, o mesmo do que face a uma de 14. Praticamente se extingue. Imagine-
se que um pai deixa a chave da sua mota acessível ao filho de 15 anos, e que o filho
conduz a mota ilicitamente sem que o pai saiba, causando um acidente. Haverá
incumprimento do dever de vigilância por parte do pai? - depende do caso concreto. Se o
jovem tem uma obsessão por motas e estava à espera da primeira oportunidade para andar
de mota, tendo já havido tentativas, pode considerar-se que sim. Porém, em situações
normais, aos 15 anos uma pessoa já tem autodeterminação e responsabilidade, e supõe-se
que não haverá necessidade de comportamentos extremos por parte dos pais (como
esconder uma chave). No entanto, este caso aconteceu e o tribunal entendeu que o pai
violou o dever de vigilância.
123
Em primeiro lugar temos um edifício que pode ruir no todo ou em parte. No caso da
varanda, um edifício ruiu parcialmente; já com “outra obra” pretende-se referir a uma
construção fixa ao prédio ou ao solo, como muros, viadutos, pontes, canais, mas também
andaimes, antenas e caleiras. Já não se abrangem coisas acessórias, como um vaso, por
exemplo. O elemento determinante aqui é a ligação fixa.
Temos os casos em que a ruína se deve a defeito de conservação. Quando assim for,
quem responde é aquele obrigado à conservação. O dever de conservação pode decorrer
da lei ou de negócio jurídico. Isto não significa que não possa haver, simultaneamente,
responsabilidade por parte do proprietário na escolha do vigilante, mas já se trata de outra
responsabilidade (responsabilidade solidária face ao lesado, mas em termos diferentes)
A causa real é a que efetivamente produziu o dano, como por exemplo a queda de
uma antena que provoca uma lesão craniana em A. A causa virtual é aquela que teria
124
produzido o dano não fosse a causa real. Suponha-se que cai uma antena de um prédio
sobre um automóvel parado na rua (causa real), todavia, se isso não se tivesse verificado,
uma hora depois um terramoto teria levado à queda da antena e obter-se-ia o mesmo
resultado (causa virtual). Também a título de exemplo, podemos imaginar que A
envenena B, em termos tais que é seguro que B morrerá dentro de 3 horas. Contudo, B
morre antes disso porque C lhe dá um tiro. O tiro é a causa real da morte, porém o
envenenamento é a causa virtual.
A existência de uma causa virtual gera duas questões, tendo a primeira a ver com a
responsabilização do sujeito (relevância positiva) e a segunda com a possibilidade de
afastar a responsabilidade do autor da causa real. Essa possibilidade é que configura a
relevância negativa da causa virtual. No caso da antena e do terramoto, ao conceder-se
uma relevância negativa à causa virtual afastava-se a responsabilidade do dono do edifício
por causa da causa virtual (terramoto). Configura um caso excecional de afastamento de
responsabilidade. Assim, a causa virtual só releva nos casos em que está prevista na lei,
pois as normas excecionais não são suscetíveis de aplicação analógica.
26/11/2019
Aquele que estiver obrigado a vigiar um animal, responde pelos danos causados
pelo mesmo animal. É óbvio que esta responsabilidade depende da perigosidade dos
próprios animais – um Hamster não implica, em princípio, o mesmo dever de vigilância
que um cavalo. Mas se o animal causar danos, há presunção de culpa. Pode acontecer,
por exemplo, que um sujeito esteja a passear com o seu cão e o animal morda alguém.
Nesta situação, há uma presunção de culpa de que o dono não cumpriu o dever de
vigilância.
125
responsabilidades – a presunção de culpa não afasta a responsabilidade pelo risco do
artigo 502º, CC.
Temos depois os casos do artigo 493º/2, CC, que estabelecem uma presunção de
culpa que recai sobre sujeitos que exerçam atividades perigosas. Temos como
exemplo a manipulação de líquidos explosivos, o transporte de combustível, o transporte
de matérias perigosas, etc. Sendo que a atividade pode ser perigosa por si mesma ou pelos
meios utilizados, a responsabilidade só pode ser afastada se se demonstrar que o lesante
teve todas as diligências exigidas pelas circunstâncias, com vista a prevenir os danos. Não
há relevância negativa da causa virtual nestes casos, e há uma carga probatória pesada
que recai sobre o obrigado à indemnização (lesante).
126
argumento de que os animais podiam ter saído das viaturas onde eram
transportados nas estações de combustível. Deste modo, a empresa
concessionária não teria culpa nenhuma. É uma prova difícil de se conseguir.
Foi este panorama que levantou a discussão acerca de se há não presunção de
culpa, que por sua vez implicaria a exploração das autoestradas como atividade
perigosa.
127
entendimento é que esta responsabilidade já estaria salvaguardada pela
responsabilidade pelo risco, nos termos dos artigos 503ºss, CC. A
responsabilidade pelo risco é menos exigente em termos de requisitos,
dispensando a culpa. Não seria, portanto, necessário incluir a condução sob
efeito de álcool no artigo 493º/3, CC. Isto é essencialmente verdade, todavia o
que se passa é que a responsabilidade pelo risco tem limites patrimoniais
impostos pelo artigo 508º CC. À data, estes limites eram relativamente baixos,
portanto, naquela altura, a decisão não foi a melhor; no entanto, atualmente, estes
limites são extremamente amplos, pelo que a posição do lesado estará
efetivamente tutelada nos termos da responsabilidade pelo risco automóvel dos
artigos 503ºss CC.
128
03/12/2019
5.1.4 – O dano
A primeira grande distinção a fazer é entre o dano real e o dano patrimonial. O dano
real diz respeito ao prejuízo que o lesado sofreu diretamente nos bens em si próprios (ex:
se um veículo bater noutro, o dano em sentido real é a destruição do veículo). O dano
patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
O dano patrimonial mede-se, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a
situação real atual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria, se não fosse
a lesão. Este dano abrange não só o dano emergente, que compreende o prejuízo causado
nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, traduzindo-se
na diminuição do ativo, como o lucro cessante, que abrange os benefícios que o lesado
deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da
lesão, não fazendo parte do seu património. Ambos são indemnizáveis de acordo com o
art.564º nº1.
A avaliação em abstrato do dano tem que ver com o valor de mercado do bem em
termos objetivos ou as despesas que, normalmente, se fariam para uma determinada
aquisição. A avaliação em concreto do dano tem que ver com o reflexo deste dano no
património do sujeito. A este propósito coloca-se a questão de saber se tendo sido
danificada uma coisa usada, o lesante terá de entregar uma coisa nova. Por exemplo, ao
destruir um casaco com alguns anos, há a questão de saber se o lesante teria que comprar
um casaco novo para entregar e, caso comprasse, se teria direito à diferença, ou então não
teria direito a nada e apenas tinha que entregar o novo. Em termos patrimoniais, o sujeito
só tem direito a uma coisa com valor idêntico, daí que, em princípio, ele terá direito a
esse valor. Apenas em casos excecionais e muito específicos, é que se pode exigir a
entrega de um bem novo, com um valor superior àquele que o bem danificado ou
129
destruído tinha. Quando tal suceda não é possível determinar, em termos genéricos, qual
o valor que deverá ser entregue pelo lesado ao lesante. O professor Ribeiro de Faria
resolve a questão, que não pode ser dada em termos genéricos, deixando-a a cargo da boa
fé e da equidade. Temos a destruição de um bem que é um bem usado, a questão que se
coloca é se terá que ser entregue um bem com valor idêntico ou um bem novo com valor
superior. Em princípio, terá que ser entregue um bem com valor idêntico, porém, quando
não seja possível fazê-lo aquilo que os tribunais têm entendido é que a restauração natural
não é possível e, portanto, a indemnização calcula-se em termos patrimoniais, por
diferença de património, ou seja, pelo valor patrimonial do bem lesado. O que Ribeiro de
Faria sustenta é que, em certos casos, pode ser necessário, ainda assim, entregar um bem
novo. A questão é saber se há direito à compensação do lesante pela diferença de valor,
que terá que ser decidida mais tarde à luz da boa fé. Em princípio, na destruição de um
automóvel, há um conjunto de automóveis em 2ª mão, ou então podemos entregar o valor
do automóvel à pessoa, sendo que esta poderá depois com o dinheiro recebido comprar
um carro semelhante.
Devemos distinguir:
130
Danos diretos e danos indiretos: na categoria do dano cabem não só os danos
diretos, que são os efeitos imediatos do facto ilícito no património do lesado,
mas também os danos indiretos, que em virtude do dano direto têm lugar no
património do lesado. Ex: A por descuido destrói o vidro do estabelecimento
de B. Devido a isto há um conjunto de assaltantes que acabam por furtar parte
da mercadoria. O dano patrimonial direto é o vidro partido, já o dano
patrimonial indireto é o furto da mercadoria.
131
Há uma indemnização pelos danos não patrimoniais que, em rigor, é uma
compensação. Este montante deverá ser fixado nos termos do art.496º nº3 e art.494º. Este
último permite a fixação de uma indemnização em que é possível que o julgador atenda
em concreto às circunstâncias económicas, tanto do lesante, como do lesado. Significará
que a compensação pode ser mais elevada, se o lesante tiver mais bens patrimoniais. Com
o decurso do tempo a indemnização por danos não patrimoniais tem vindo a subir de
valor.
09/12/2019
A ideia de sofrimento psicológico não era uma ideia tão clara há uns anos, eram aspetos
pouco revelados. A depressão como doença, por exemplo, não era conhecida. Hoje em
dia, há um conjunto de conhecimentos de caráter médicos que nos ajudam a compreender
que este sofrimento deve ser indemnizado. Por exemplo, o marido vê a mulher ser
atropelada, o que o leva a cair numa forte depressão. Esse sofrimento tem de ser
compensado. Hoje o direito vê o sofrimento de forma diferente, porque a nossa cultura
também evolui nesse sentido. O Direito tem de ser aberto à realidade sociológica no
momento, bem como à ciência e, em especial à ciência médica, para perceber os valores
a consagrar na lei. Neste sentido, em 2017, foi consagrado na indemnização do sofrimento
que uma pessoa sofre pela morte de um animal, ou se este ficar lesado. Há uns anos era
possível indemnizar, mas não havia uma indemnização específica, entrava no âmbito
art.496º, possivelmente. Isto tem que ver com a grande sensibilidade da nossa época aos
animais que, por diversas razões que não existiam no passado, têm uma relevância maior
na vida dos sujeitos.
A lei pretende atender, no que diz respeito aos danos não patrimoniais, ao grau de
culpabilidade (sendo mais severo quando o grau de culpabilidade for superior), bem
como atender às circunstâncias económicas do lesante e do lesado, ou seja, pretende
equilibrar a compensação às circunstâncias económicas de ambas as partes.
O Dr. Antunes Varela defendeu que a responsabilidade por danos não patrimoniais se
limitava aos casos de responsabilidade extracontratual, mas esta ideia é ultrapassada. Não
há nenhuma razão para não aplicar a compensação por danos patrimoniais à
responsabilidade contratual. Ex (1): uma senhora que vai casar no sábado, encomenda um
vestido de noiva, pelo que o vestido deve ser-lhe entregue na sexta. Porém, o seu alfaiate
132
atrasa-se e, no dia do casamento, a senhora não tem vestido de noiva. Isto gera danos não
patrimoniais, porque lhe estraga o casamento e, contudo, há responsabilidade contratual.
Ex (2): A contrata com B, cirurgião, para a realização de uma operação. A operação fica
mal realizada. A sofre dores e tem de ser operado outra vez. Há aqui danos não
patrimoniais que resultam também de um incumprimento contratual.
O dano da morte
O dano da morte é o dano pelo qual o sujeito perde a vida, o qual está previsto no
art.496º nº2.
Durante muito tempo, entendeu-se que o dano da morte não seria indemnizável, visto
que o sujeito, no momento em que morre, perde a personalidade jurídica (art.68º CC) e,
com efeito, não pode adquirir direitos. Portanto, se o sofrimento prévio à morte seria
indemnizável por danos não patrimoniais, o dano da perda da vida em si já não seria.
Aqueles que consideram que o direito pelo dano da morte não poderia radicar
na vítima e depois transferir-se, por via sucessória, para os seus descendentes.
Acreditavam que, a partir do momento em que o sujeito perdia a sua
133
personalidade jurídica, não poderia adquirir nada. Só existiria indemnização
para os efeitos do dano da morte nos familiares que lhe eram mais próximos,
que são os previstos nos números 2/3 do art.496º.
O art.496º nº4 permite cobrir o sofrimento da vítima antes da sua morte, por um dano
que resultará apenas depois da morte em si. Ex: A é atropelado e vai para o hospital. São
realizadas intervenções cirúrgicas que lhe causam sofrimento. A acaba por morrer. Temos
danos diferentes: o sofrimento prévio à morte e, só depois, a perda da vida. Além disso,
permite ainda indemnizar os danos sofridos pelos familiares previstos nos nº2/3 do
mesmo artigo pelo sofrimento que estes experimentam em virtude do sofrimento que
experimenta a própria vítima.
Há ainda os casos em que o sujeito não morre, mas fica com uma deficiência
incapacitante para o resto da vida (ex: A fica paraplégico). Geralmente, essa pessoa acaba
por ter de ficar a cargo de outra, normalmente os próprios pais. Essa pessoa receberá uma
indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, que poderá ser fixada
em termos de renda. Contudo, a questão que se coloca é se a pessoa que fica a tomar conta
do sujeito, que muitas vezes tem que se desempregar, tem direito a ser indemnizada. A
doutrina refere-se a esta situação como um dano por ricochete. Existem danos não
patrimoniais quanto a esta pessoa? Isto é, tem esta pessoa direito a ser indemnizada?
134
Evidentemente que, é possível haver um dano psicológico por ver uma pessoa a sofrer. A
questão é, se esse dano, em si, tem cobertura em termos indemnizatórios. As normas do
nº2/3 não são suscetíveis de aplicação analógica, pois são excecionais e, como tal, não
cobrem estes danos. Todavia, segundo o entendimento pessoal do prof., não parece que
estas situações estejam afastadas dos danos patrimoniais do art.496º nº1, embora se possa
dizer que este cobre apenas os danos sofridos pelo próprio lesado, não por outros. Mesmo
seguindo este entendimento, o prof. crê que é possível interpretar o art.496º nº2/3 no
sentido de que, naqueles casos em que não se verificou a morte da vítima, mas há um
dano de uma enorme gravidade para a mesma com um reflexo definitivo na sua vida
futura e, tendo em conta, que isso implicará também a necessidade de um familiar
próximo o acompanhar, sofrendo esse familiar danos não patrimoniais graves pelo
sofrimento que experimenta a ver outra pessoa muito próxima a sofrer, nestas
circunstâncias, bastante restritas por sinal, há lugar a indemnização.
Nota 1: Art.496º nº2: danos sofridos por aquelas pessoas que lidam com a morte do
sujeito (ex: o pai morre, o filho sofre com isso. Há um sofrimento pessoal do filho, além
do sofrimento do pai, que morre. O filho é indemnizado pelo seu sofrimento pessoal e,
por via sucessória, pelo facto da morte do pai). Nº4: danos sofridos antes da morte. Cabe
neste artigo o caso da pessoa que sabe que vai morrer. Há aqui um dano, uma agonia
passada por quem está à espera da morte.
Nota 2: O prof. referiu ainda o dano pela perda de chance que não será objeto de
avaliação em exame. A Dra. Rute Pedro escreveu tese de mestrado sobre isto.
Ex (1): B morre. O seu médico, negligentemente, não lhe fez um exame que, se tivesse
realizado, a hipótese de sobrevivência daquele sujeito teria aumentado substancialmente.
Não é certo, contudo, que mesmo com o exame realizado, B tivesse sobrevivido. Porém,
a não realização do mesmo, certamente, levou à diminuição da possibilidade de que ele
sobrevivesse. Poderá B (neste caso os seus familiares) ser indemnizado?
Ex (2): Um advogado de C não interpõe uma ação dentro do prazo requerido
legalmente. Não era certo que, interpondo-a, C viesse a ganhar a causa, mas ao não
interpor, diminuiu as chances de tal.
Foi, basicamente, à volta disto que se desenvolveu a teoria da perda de chance. Mesmo
que fosse aceite esta posição, a indemnização nunca seria pela totalidade (totalidade do
ganho de causa, p.ex.). Em segundo lugar, não há nenhum bem que tenha sido atingido,
135
daí que a doutrina diga que é necessário que exista já uma vantagem económica radicada
no sujeito.
Aquilo que os juízes fazem muitas vezes é um chamado “julgamento entre
julgamentos”. No caso do advogado, eles procuram ver, de acordo com aquele caso, qual
seria a probabilidade de o sujeito ter sucesso na ação. Desta forma, procuram algo
substancial para indemnizar. A jurisprudência vai aceitando esta hipótese, mas apenas
quando haja uma vantagem patrimonial já bastante consolidada na esfera do lesado. A
indemnização, nesse caso, terá um caráter proporcional a isso.
Tem sempre obrigação de reparar um dano aquele o causa, ou seja, o lesante. Por
sua vez, a reparação deve operar-se por via de uma reconstituição (não do estado anterior
à lesão, mas sim do estado em que o lesado se encontraria não fosse a lesão).
As questões que se colocam são: como é que se delimitam os danos decorrentes do
facto ilícito culposo que o lesante terá de indemnizar e em que moldes se fará a sua
reparação. Ex: A atropela B e, em consequência do atropelamento, B vai parar ao
hospital. Por erro médico, é dada a B uma transfusão de sangue errada que o infeta com
uma doença contagiosa. Doente, B acaba por ser conduzido a casa por uma ambulância
do hospital. Pelo caminho, a ambulância é atingida por um camião, que leva B a ficar sem
uma perna. Face a estas circunstâncias, a mulher de B divorcia-se dele. Desesperado, B
atira-se do andar de casa e morre. Deixa dois filhos menores. Temos vários danos (cadeia
causal). Responderá A por todos?
É a esta a questão que visa dar resposta o nexo de causalidade, ou seja, quais os danos
pelos quais terá de responder. Para este efeito foram-se desenvolvendo várias teorias:
Teoria da equivalência das condições (ou “teoria da conditio sine qua non”)
– serão causa do dano todas as circunstâncias cuja falta determinaria a não
produção deste. Ou seja, seria causa a circunstância necessária para a produção
desse mesmo dano, em termos tais que, se esta não existisse, o dano não se
verificaria. Daí que, se não pudermos retirar nenhum dos elementos do
processo causal sem perda do efeito do resultado, então é porque cada um deles
é causa.
136
Contudo, esta é uma posição demasiado extensa e que levaria a uma
indemnização por demasiados danos, não podendo ser aceite. No exemplo
acima, nos termos desta teoria, A seria culpado judicialmente pelo suicídio de
B.
Teorias seletivas:
Qualquer uma destas teorias acabou por ser rejeitada, sendo consideradas insuficientes.
Tornou-se, então, necessário analisar a noção de causa num sentido normativo e não
simplesmente num sentido naturalístico. Foi este pensamento que deu lugar à teoria da
causalidade adequada, sendo hoje genericamente adotada. O ponto de vista a partir do
qual se há de escolher a noção de causa, será assim, um ponto de vista jurídico.
Nota: Cabe ao credor a prova de que o dano não teria tido lugar sem o facto que dá origem
à indemnização (cabe-lhe provar a condição “sine qua non”). Por outro lado, caberá à
outra parte a prova de que aquele facto, pela sua natureza geral, era de todo indiferente
para a produção do dano, o qual só surgiu devido a circunstâncias completamente
extraordinárias.
137
Todavia, é também necessário que se possa fazer um juízo de causalidade em abstrato:
Acontece que, há condições que, se é certo que são condições necessárias para um
dado resultado, não são, em abstrato, suas causas adequadas.
138
provável ou previsível mediante a causa). De acordo com esta formulação,
também será causa adequada da morte de uma pessoa o ferimento por via do qual
ela foi internada num hospital, onde apanhou uma gripe que redundou na infeção
pulmonar que a vitimou.
139
Por exemplo, há um derrame de petróleo no mar. Nesse local marítimo, passaram 3
barcos. Neste caso, não era possível saber qual deles é que efetivamente fez o derrame de
petróleo e atingiu aquela costa.
Na verdade, não se exige que o nexo causal seja imediato, porque podemos estar
no âmbito de uma causalidade mediata. Ou seja, basta que o ato ilícito e danoso
dê lugar a uma condição posterior que provoque imediatamente o dano, salvo
se esta segunda condição, que provocou o dano de forma imediata, não estiver em
relação adequada com o facto que deu lugar à primeira. Esta segunda causa, a causa
imediata, pode resultar de um ato de terceiro, ou eventualmente de um ato do
140
próprio lesado, e pode vir a ser imputável ao agente, se se puder ainda qualificar
como um efeito adequado do facto gerador da responsabilidade. Ex (1): A é
atropelado por B e, em consequência, vai para o hospital. No hospital contrai um
vírus, ficando a sofrer de uma doença. Há aqui uma causalidade mediata
imputável/atribuível/relacionada ao primeiro facto, que é o atropelamento. Ex (2):
Uma criança parte o vidro de uma loja. Posteriormente, face à falta de vidro, os
objetos que estão dentro da loja acabam por ser furtados. O furto é uma causalidade
mediata e depois há uma atuação de terceiro que provoca o dano. Mas ainda é
possível considerar o furto subsequente. Note-se ainda que, como já vimos, se a
criança fosse menor de 7 anos, os pais da mesma teriam uma presunção de culpa e
teriam de pagar uma indemnização à loja.
Pode também ser o próprio lesado a causar o dano imediato, só que, nesse caso,
esse ato do lesado não comporta necessariamente o nexo de causalidade. Por
exemplo, o lesado que não cumpre as ordens do hospital e apanha um vírus. Cabe
ao tribunal determinar aqui, com base na gravidade das culpas de ambas as partes
e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve existir e em que
termos, por força do art.570º. A indemnização pode ser reduzida ou até mesmo
excluída devido à culpa do lesado.
10/12/2019
141
quando ela seja excessivamente onerosa para o devedor (ex: A destrói um bem
pelo valor de 10€ e para mandar fazer um bem igual, o custo é de 100€).
Nos dois primeiros casos, manda a lei que se proceda à restituição por equivalente, que
é uma restituição por dinheiro (art.566º nº1). Neste caso, a indemnização calcula-se
segundo a teoria da diferença: atende-se à situação patrimonial do lesado no momento
mais recente que possa ser atendido pelo tribunal (não é a situação à data do dano) e
aquela em que o lesado estaria, também nessa data, se não tivesse ocorrido o dano
(art.566º nº2). O juiz pode também atender, e isso não está diretamente previsto nesta
teoria, aos danos futuros (art.564º nº2).
142
Temos, depois, os casos específicos de danos, nos quais não atendemos aos critérios
gerais de fixação da indemnização:
o Danos com natureza continuada: por exemplo, um sujeito sofre um dano que
afeta a sua capacidade de trabalho, pois acarreta uma incapacidade parcial.
Vamos supor que fica sem um órgão. Nesse caso, a forma mais completa de
indemnização é fixar um valor global numa determinada data onde é possível
incluir os danos futuros, mas é possível ainda, em alternativa, e apenas a
requerimento do lesado (não pode ser fixada oficiosamente), a indemnização
ser fixada no valor mensal de uma renda ao longo do tempo (art.567º). Não tem
de ser totalmente indemnizado em renda, pode-o ser apenas em parte. O outro
aspeto específico é que este valor poderá ser alterado com o decurso do tempo,
mediante pedido. Isto acontece sempre que as circunstâncias em que assentou
o estabelecimento do montante ou duração da renda sofrerem uma alteração
sensível (p.ex., se o sujeito piorar, ficou com uma saúde ainda mais frágil).
Neste tipo de danos é a melhor de indemnização porque acompanha a duração
do dano, podendo ser adequada à sua evolução.
Nem sempre o Direito Civil é estritamente reparatório. Há situações em que não é justo
proceder de acordo com a paridade da indemnização em relação ao dano. Uma destas
situações é, desde logo, quando há um certo grau de culpa do lesado, ou quando há uma
certa desculpabilização da conduta do lesante. Estas situações levam à necessidade de
nos desviarmos desta teoria.
143
em montante inferior aos danos. Por isso, atende-se, em primeiro lugar, ao grau
de culpabilidade do agente, às circunstâncias económicas do lesante e do lesado
e às demais circunstâncias do caso.
No que diz respeito à negligência, dentro desta, existem determinados graus de culpa:
Por outras palavras, nós temos um padrão para definir a culpa, que consiste na conduta
do “bom pai de família”, o que significa, em termos técnicos, um bom operador dentro
das circunstâncias do caso concreto.
O que é que o sujeito, para o caso concreto, teria de saber a nível de competência
técnica, e quais os esforços que ele deveria ter atingido? Atingiu o padrão do bom
operador? Então, não tem culpa. Não atingiu? Então, há culpa. Ex: um advogado tem de
saber da lei e da doutrina geral. Se não o conhecer, no respeitante à competência técnica,
não sabe o exigido. Atendemos a um critério de culpa leve.
144
Culpa grave ou negligência grosseira – o grau de falta de competência
técnica e de esforço é extremamente elevado. É uma conduta considerada de
todo inadmissível. Ex: um sujeito engana-se na entrada da autoestrada e entra
em sentido contrário. Não há dolo, apenas se engana. É, ainda assim, uma
conduta especialmente grave.
Dito isto, há uma zona de fronteira/cinzenta entre a culpa leve e a culpa grosseira, que
os tribunais muitas vezes têm dificuldade em precisar. Na opinião do prof., a culpa
grosseira só deve ser admitida em casos escandalosos, isto é, extremamente graves face
àquela pessoa e àquele caso concreto. Ex: uma pessoa com 70 anos e com um nível de
instrução muito baixo. Podemos dizer que age com culpa grave quando não há dolo? Crê
o prof. que não, mas é uma zona cinzenta, porque nós, jovens instruídos, já teríamos culpa
grave pelo mesmo dano.
Aula de 16/12/2019
Outra coisa são os sujeitos que podem ser atingidos em termos de posições
absolutas em certos casos, em virtude de um dano causado a outrem. São os chamados
danos de ricochete. É o caso de um sujeito que seja atingido no seu direito à integridade
física, que é um direto absoluto, sofrendo graves danos que implicam que um familiar
145
tenha que reduzir ou fazer cessar a sua atividade profissional para o acompanhar. Neste
caso, é atingida a posição do terceiro, e é um dano de ricochete porque o atinge
indiretamente. O entendimento da doutrina e da jurisprudência é que há dever de
indemnizar. São situações específicas e muito limitadas. E se se tratar de um dano não
patrimonial na esfera desse terceiro? O Professor também entende este dano como um
dano de ricochete e, embora a jurisprudência não seja tão clara na sua posição, o Professor
entende que também devem ser indemnizados. O Dr. Ribeiro de Faria aborda este assunto
através do exemplo do marido que assiste ao atropelamento da mulher e, com efeito, sofre
grande desgosto e sofrimento. Aqui, por força do 496º, nº1, é atingida uma posição
absoluta e direta. O Dr. Ribeiro de Faria interpreta este exemplo como um dano causado
a outrem que atinge a sua dimensão psicológica de forma direta.
Têm também direito a ser indemnizados aqueles que podiam exigir alimentos ao
lesado, ou mesmo aqueles a quem o lesado prestava alimentos em cumprimento de uma
obrigação natural – artigo 495º/3 CC. A obrigação de alimentos traduz-se num crédito
sobre o lesado, que é atingido pela lesão da qual decorreu a morte. Nestas circunstâncias
específicas, a lei impõe ao lesante que indemnize também os sujeitos que eram titulares
desse crédito. Evidentemente que a melhor forma de reparação desses danos é por via de
renda. Esta tem de ser pedida, não é automática. Trata-se de uma obrigação civil, no
entanto a lei estende essa proteção aos casos de obrigações naturais, que apesar de não
poderem ser exigidas judicialmente, fundam-se num dever de justiça.
146
concedendo-lhe o direito de indemnização. Note-se que se trata de uma via
de tutela excecional.
147
maior, esteja impedido de exercer o seu direito nos três últimos meses do prazo, leva à
suspensão do prazo até que conheça. É a tese de Menezes Leitão e Ribeiro de Faria.
Pode dar-se o caso de o facto ilícito e danoso ser crime. Nos termos do artigo
498º/3, CC, sempre que o prazo prescricional da lei penal for mais extenso, é esse prazo
que se aplica.
Pode haver mais que um responsável pelos danos. Nesse caso, como vimos, nos
termos do artigo 497º, CC, são todos responsáveis, e a responsabilidade é solidária.
Haverá depois direito de regresso entre eles, nos termos do mesmo artigo, que se
determina em função das respetivas culpas. Este direito de regresso também tem um prazo
prescricional, que corresponde a três anos contados da data do cumprimento (data de
pagamento ao lesado).
Nos termos do 498º/4, CC, aquilo que sucede é que, se já tiver decorrido o prazo
prescricional da responsabilidade civil, mas por algum motivo não tiver decorrido, por
exemplo, o prazo prescricional do enriquecimento sem causa, nos casos de cumulação
pode-se intentar o enriquecimento sem causa. Geralmente, como já vimos, em casos de
cumulação, prevalece a responsabilidade civil em relação ao enriquecimento sem causa.
Aliás, um dos requisitos do enriquecimento sem causa é que o dano não se possa inserir
na indeminização a título de responsabilidade civil. Contudo, ela aqui já prescreveu. Com
efeito, é já possível recorrer ao enriquecimento sem causa, tal como é possível recorrer a
uma ação de reivindicação.
Uma nota muito importante é que devemos ter sempre presente a distinção entre
prescrição e caducidade. A prescrição tem de ser alegada, é suscetível de suspensão e não
está na disponibilidade das partes. A caducidade é de conhecimento oficioso, não se
suspende, não se interrompe e está na disponibilidade das partes; normalmente está ligada
a direitos potestativos.
Uma outra nota é que há o prazo geral de prescrição e depois há prazos mais curto
de prescrição. Por exemplo, no que diz respeito aos juros, o prazo é de 5 anos. Há ainda
148
prescrições presuntivas – o crédito de um comerciante sobre um não comerciante tem
uma prescrição presuntiva de 2 anos.
O que acontece quando o facto ilícito danoso seja também crime? Aplica-se o
princípio da adesão - tem de se deduzir o pedido da ação penal (artigo 71º CPP; há
exceções).
149
dano para terceiro, deve acarretar também com os prejuízos daí advindos. Não porque
tem culpa, mas porque quem recolhe as vantagens decorrentes desse risco deve também
recolher as desvantagens, traduzidas, agora, num dever de indemnizar pelos danos
causados a terceiros. Fixado o princípio, foi aplicado e alargado a outras áreas de
atividade.
Nos termos do artigo 499º, CC, A lei manda aplicar à responsabilidade pelo risco as
regras da responsabilidade por factos ilícitos, na parte aplicável e sempre que não haja
norma em contrário – princípio da extensão.
No nosso sistema, esta é uma responsabilidade pelo risco. Não assenta, como
poderia e como acontece no sistema alemão, numa presunção de culpa. É independente
de culpa do comitente, não querendo isto dizer que o comitente não possa atuar com culpa.
Pode ter culpa in eligendo (na escolha do comissário), in vigilando (na vigilância sobre o
comissário) ou in instruendo (na formação e nas informações/instruções que dá ao
comissário). Nesses termos, pode responder.
150
Em primeiro lugar, temos de definir Comissão: consiste num serviço de qualquer
natureza, de facto ou de direito, de qualidade superior ou inferior, permanente ou
transitória. Esta é uma noção ampla, mas o importante é que o comissário atue
151
tinha um conflito com esse sujeito. Está no quadro abstrato das suas
funções, logo o comitente responde.
Exemplo 2 – um bancário que burla um cliente do banco usando as
ferramentas de que dispõe enquanto bancário – está no quadro abstrato das
suas funções. Há responsabilidade do comitente.
Exemplo 3- sujeito que aproveita para furtar o telemóvel ao cliente do
banco; ou funcionário do empreiteiro que agride um sujeito com quem tem
conflitos e que por acaso está a passar em frente à obra. Já não estão no
quadro abstrato das suas funções. Há uma ligação puramente ocasional.
Por que é que temos uma responsabilidade objetiva do comitente face aos atos do
comissário? Esta responsabilidade visa tutelar os lesados. Eles deixam de ter um único
responsável, que seria o comissário, e passam a ter dois sujeitos solidariamente obrigados,
o que significa que podem fazer valer os seus direitos sobre dois patrimónios e não sobre
só um. Na maior parte das vezes, o comitente tem mais meios do que o comissário para
responder. Nas relações internas, responde só depois o comissário, o que quer dizer que
o risco de o comissário não ter bens suficientes para satisfazer totalmente a indemnização
corre por conta do comitente. A função desempenhada pelo comitente é uma função
de garantia, ele é um garante do pagamento da indemnização. O lesado pode
demandar o comitente, o comissário, ou ambos.
Aula de 17/12/2019
Órgãos deliberativos: em regra são órgãos internos, como uma assembleia geral
de uma sociedade; mas também pode haver outros órgãos, como um conselho de
administração de uma sociedade, etc. Esses são normalmente órgãos executivos, pelo que
representam a pessoa coletiva externamente.
152
Uma pessoa coletiva funciona por via dos seus órgãos, que são de onde decorre a
vontade da pessoa coletiva, através da deliberação, e são quem estabelecem a sua relação
com terceiros. Outra coisas são os agentes da pessoa coletiva (trabalhadores, etc.).
2. É necessário também que os danos se incluam nos riscos próprios causados por
aquele animal. Diferentes animais acarretam riscos diferentes. Nós podemos utilizar um
gato como uma arma (atirá-lo contra uma pessoa, por exemplo), mas os danos que ele
provocar nestas situações não são os seus riscos próprios.
O facto de haver responsabilidade pelo risco não afasta, sempre que se verifiquem
os respetivos requisitos, a responsabilidade do vigilante nos termos do artigo 493º
(presunção de culpa). Basta que não seja afastada a presunção de culpa. A presunção recai
153
sobre aquele que tem o dever de vigiar ou sobre aquele que assumiu o dever de vigilância.
Muitas vezes haverá uma confluência na mesma pessoa, e aí será o proprietário a
responder, mas noutros casos não. Imagine-se que B vai passear o cão de C e que nesse
passeio o cão morde a D. Haverá aqui responsabilidade pelo risco pelo proprietário do
animal? Sim, mas há também uma presunção de culpa com base no 493º que recai sobre
B, que assumiu o dever de vigilância. Isto significa que a responsabilidade face a terceiros
é solidária. Porém, internamente, temos de ver o risco específico do animal e a culpa do
vigilante, de modo fixarem-se as quotas do direito de regresso. Se estivermos a falar num
caniche, o risco específico do animal é diminuto e pesará mais a culpa do vigilante.
Por fim, temos aqueles casos de força maior. Por exemplo, uma tempestade ou um
relâmpago que assustam o animal e que levam a que este provoque uma lesão em alguém.
Isto enquadra-se na responsabilidade pelo risco específico daquele animal, não a afasta.
Claro que em todos estes casos, além do risco específico em abstrato do animal,
temos de fazer uma análise em concreto da situação do animal e do animal em si. Mesmo
animais da mesma espécie têm níveis de perigosidade diferentes.
154