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Teoria da

Argumentação
Jurídica
Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Ivone Fernandes Morcilo Lixa
a

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

L788t

Lixa, Ivone Fernandes Morcilo

Teoria da argumentação jurídica. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa.


– Indaial: UNIASSELVI, 2021.

206 p.; il.

ISBN 978-65-5663-612-2
ISBN Digital 978-65-5663-611-5

1. Argumentação jurídica. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


da Vinci.

CDD 340

Impresso por:
Apresentação
Olá, caro acadêmico. Seguramente, você já ouviu que o profissional
do Direito tem como principal ferramenta o domínio da linguagem e das
técnicas de convencimento. É sabendo se expressar adequadamente que
direitos são requeridos, defendidos e assegurados nos tribunais. Com o
domínio das expressões e do vocabulário jurídico, o operador do Direito
se diferencia e se destaca em sua permanente luta pela justiça. Através da
linguagem e da capacidade de argumentar é possível peticionar, apelar,
recorrer, sustentar teses jurídicas, persuadir, provar, julgar e até mesmo
condenar ou absolver.

Sem dúvida, a argumentação jurídica, como capacidade de


exteriorizar através do domínio da linguagem, o sentido e alcance da norma
no caso concreto é que o Direito concretiza na realidade fática. Mais do que
conhecer leis e conceitos jurídicos, é necessário que o jurista tenha habilidades
e competências que lhe permitam ser ao mesmo tempo pensador do direito,
orador e escritor de excelência.

Pensando em lhe possibilitar a aquisição de boa capacidade


argumentativa e interpretativa do Direito é que elaboramos este livro
especialmente para você, selecionando temas atuais e relevantes para que
seja um profissional diferenciado e de sucesso.

Metodologicamente, o livro está dividido em três grandes unidades,


subdivididas em tópicos que lhe permitirão um estudo minucioso e
sistemático sobre o tema da argumentação e interpretação jurídica.

Na Unidade 1 serão estudados os conceitos básicos acerca da


Linguagem, Comunicação e Vocabulário Jurídico, de forma a particularizar
o campo do Direito com o objetivo de compreender as distintas e múltiplas
inter-relações dos sentidos e significações jurídicas com vistas a dominar as
técnicas de persuasão de maneira correta e eficaz.

Na Unidade 2, o principal foco do estudo será a Argumentação


Jurídica, em que você conhecerá essa importante ferramenta para a atividade
do profissional do Direito nos dias de hoje. Vivemos um momento em que
se compreende o Direito para além do mero texto legal, exigindo-se do
intérprete, o domínio de um raciocínio lógico e argumentativo para que seja
possível solucionar o caso concreto de maneira justa e razoável.

Na Unidade 3, quando então já dominados os conceitos básicos


e fundamentais da argumentação jurídica, chegaremos ao estudo da
hermenêutica jurídica e os novos desafios no campo da interpretação e
aplicação do Direito.
Ao final de cada tópico, você terá à disposição autoatividades que
lhe permitirão avaliar e aprofundar melhor os estudos realizados. Leia
atentamente os textos selecionados e indicados em cada unidade.

Bons estudos!!! Você não estará só nesta jornada que se inicia.


Estaremos sempre juntos.

Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA.......................................................... 1

TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS................................................................................................ 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 LÍNGUA E LINGUAGEM: CONCEITOS INICIAIS..................................................................... 3
3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM.......................................................................................................... 10
4 NÍVEIS DE LINGUAGEM................................................................................................................ 14
5 LINGUAGEM ORAL E ESCRITA................................................................................................... 17
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 23
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 24

TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA........................................................................................... 27


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 27
2 LINGUAGEM JURÍDICA................................................................................................................. 28
2.1 JARGÃO JURÍDICO E PODER SIMBÓLICO............................................................................ 31
2.2 AS CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM JURÍDICA......................................................... 35
3 TÉCNICO-CIENTÍFICA.................................................................................................................... 36
3.1 LÓGICA E ESTILO........................................................................................................................ 39
3.2 CONCISÃO..................................................................................................................................... 40
3.3 ESTÉTICA ...................................................................................................................................... 40
4 OS NÍVEIS DA LINGUAGEM JURÍDICA................................................................................... 41
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 47
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 48

TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO...................................................................................... 51


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 51
2 POLISSEMIA....................................................................................................................................... 51
3 HOMONÍMIA..................................................................................................................................... 53
4 SINONÍMIA E PARONÍMIA........................................................................................................... 54
5 AMBIGUIDADE E VAGUEZA........................................................................................................ 55
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 60
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 64
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 66

UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA............................................. 67

TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS............................................... 69


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 69
2 ORATÓRIA.......................................................................................................................................... 69
3 A ORATÓRIA NO CAMPO JURÍDICO........................................................................................ 75
4 RETÓRICA........................................................................................................................................... 80
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 89
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 90
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES........93
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 93
2 ARGUMENTAÇÃO............................................................................................................................ 93
3 TIPOS DE ARGUMENTOS.............................................................................................................. 97
4 FALÁCIAS ARGUMENTATIVAS................................................................................................. 101
5 FIGURAS DE LINGUAGEM......................................................................................................... 105
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 110
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 111

TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA...................................... 113


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 113
2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA..................................................................................................... 113
3 LÓGICA E ARGUMENTAÇÃO..................................................................................................... 120
4 O DIREITO COMO SISTEMA LÓGICO.................................................................................... 125
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 134
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 137
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 138

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 140

UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA


E HERMENÊUTICA...................................................................................................141

TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA......................... 143


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 143
2 A RACIONALIDADE CIENTÍFICA MODERNA...................................................................... 143
3 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO MODERNO............... 149
4 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO MODERNO NO MARCO DO POSITIVISMO
LEGALISTA........................................................................................................................................ 154
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 160
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 161

TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO


DIREITO CONTEMPORÂNEO.............................................................................. 163
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 163
2 A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO.................................................................................... 163
3 EMERGÊNCIA DO NOVO CONSTITUCIONALISMO COMO PARADIGMA DE
DIREITO E DE INTERPRETAÇÃO............................................................................................... 166
4 A ARGUMENTAÇÃO E A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS ................................... 171
5 A PONDERAÇÃO COMO TÉCNICA INTERPRETATIVA..................................................... 174
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 180
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 181

TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO


DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO.................................................... 183
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 183
2 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CONCEITOS INICIAIS....................................... 183
3 HERMENÊUTICA JURÍDICA....................................................................................................... 190
4 DESAFIOS PARA A HERMENÊUTICA JURÍDICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO....... 194
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 198
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 202
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 203

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 205
UNIDADE 1 —

LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a diferença entre língua, linguagem e fala de forma a definir


a língua como o conjunto de palavras organizadas através de regras
gramaticais específicas;
• identificar o processo de comunicação como um interativo entre sujeitos
– emissor e receptor – situados histórica e culturalmente de forma a
diferenciar a comunicação humana como específica estabelecida através
de um conjunto de sinais e respectivas regras de diferentes níveis que
servem de instrumentos de comunicação;
• diferenciar a linguagem oral da escrita como modalidades distintas, cada
qual com características específicas;
• particularizar a linguagem jurídica como uma metalinguagem e manifestação
específica da língua portuguesa que se justifica por ser o direito um espaço
comunicativo no qual o domínio da linguagem é essencial;
• caracterizar a linguagem jurídica em sua particularidade técnica
e científica própria com estilo e lógica que permite não ser apenas
informativa, mas expressa termos de distintas significações e sentidos
que se inter-relacionam com vistas à persuasão;
• compreender o vocábulo jurídico como um conjunto de termos que
devem ser utilizados de maneira adequada, usando-se corretamente as
figuras de linguagem quando forem necessárias, evitando ambiguidades
e/ou vaguezas de forma a garantir a prestação de um serviço eficaz.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – CONCEITOS INICIAIS


TÓPICO 2 – LINGUAGEM JURÍDICA
TÓPICO 3 – VOCABULÁRIO JURÍDICO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

CONCEITOS INICIAIS

1 INTRODUÇÃO
A linguagem é o instrumento que garante ao ser humano estabelecer
diálogo com seu semelhante ao mesmo tempo que confere sentido à realidade e a
seu agir. Através da linguagem nomeamos coisas e fatos, além de organizarmos
nosso pensamento sobre nosso mundo existencial.

Desde a infância, o ser humano se comunica através das distintas formas


de linguagem – choro, sons, olhares e gestos – que é compreendida por nossos
familiares. Aos poucos, adquirindo a cultura do meio em que vivemos, vamos
adquirindo a linguagem através dos signos, e assim, é estabelecida a relação entre
um significante e um significado.

Em síntese, a linguagem é o instrumento de comunicação através do qual


é possível a atividade ou a ação entre os membros de um grupo social, sendo
construída por um conjunto de sinais e respectivas regras que estabelecem
combinação entre eles, podendo ser classificada em verbal, não verbal e mista.

Variando os níveis de linguagem, desde a coloquial e informal até a mais


sofisticada e culta, podemos utilizar as modalidades oral e escrita como “recursos”
expressivos de acordo com a oportunidade e necessidade persuasiva.

Pronto para iniciar os estudos? Vamos adiante!

2 LÍNGUA E LINGUAGEM: CONCEITOS INICIAIS


Embora no cotidiano os termos linguagem, língua e fala sejam utilizados
sem rígida distinção são expressões que não podem ser confundidas. Apesar
de serem conceitos relacionados entre si revelam aspectos diferentes da
comunicação humana estudados pela linguística. A linguística é definida como
campo do conhecimento que estuda a linguagem verbal humana que, com base
em teorias e estudos específicos, possibilita compreender as transformações
das línguas e seus desdobramentos em distintos idiomas. Ainda, também tem a
preocupação de analisar a estrutura das palavras, expressões e a particularidade
fonética de cada idioma.

3
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

A linguística se ocupa de discussões e definições que, em geral, não


são preocupações dos “seres humanos falantes”. Seguramente, poucos se
preocupariam em conhecer a origem e evolução da língua que utilizam, bem
como a classe gramatical das palavras e sua função no contexto da oração ou frase.
Isso porque a língua e a linguagem são atividades próprias da natureza humana
e qualquer indivíduo tem a habilidade de compreender sua língua quando em
diálogo com outro ser falante “naturalizando” o processo comunicativo.

Na linguística são encontradas inúmeras distinções entre língua e


linguagem, já que essa discussão é uma constante nessa área do conhecimento e
não é uma tarefa fácil.

Desde o início é importante salientar que o termo “linguagem”, como


melhor veremos mais adiante, é relacionado a fenômenos bastante diversos.
Além de referir-se a uma capacidade humana, é utilizado para compor expressões
como “linguagem corporal”, “linguagem literária”, “linguagem jurídica”, dentre
outras. Porém, em termos gerais linguagem é definida como instrumento de
comunicação e, desde tal concepção, a língua é entendida como um “código”
através do qual se estabelece a comunicação entre um emissor (aquele que
codifica) e um receptor (aquele que decodifica). É o que se conhece como esquema
ou processo comunicativo que envolve diferentes elementos, quais sejam:

• Emissor: também chamado de locutor ou remetente. É aquele que emite a


mensagem para um ou mais receptores, o que comunica, que solicita ou que
expressa algo.
• Receptor: conhecido por interlocutor, destinatário ou ouvinte. É aquele que
recebe a mensagem emitida pelo emissor.
• Mensagem: é o conteúdo ou conjunto de informações transmitidas pelo
emissor. Pode ser um texto verbal (uso de palavra oral ou escrita) ou não
(corporal, gestos ou sinais).
• Código: é o conjunto de signos utilizados na mensagem que são comuns tanto
para o emissor como para o receptor.
• Canal de comunicação: meio utilizado para a transmissão da mensagem, tais
como: televisão, revista, meios virtuais etc.
• Contexto: podendo ser chamado também de referente. É a situação comunicativa
que emissor e receptor estão inseridos.
• Ruídos na comunicação: ocorre quando a mensagem não é decodificada de
forma correta pelo interlocutor, causados por diversos fatores, tais como:
código utilizado pelo locutor desconhecido pelo interlocutor; barulho no local;
tom de voz do locutor etc.

4
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

FIGURA 1 – ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO

FONTE: <https://www.metamorfose.adm.br/ELEMENTOS-DA-COMUNICAcaO+54851>.
Acesso em: 20 abr. 2021.

Nesse processo de comunicação há um componente relevante a ser


acrescentado: a cultura. Não basta apenas que o emissor e receptor partilharem o
mesmo código para haver uma comunicação eficiente. É também necessário que
pertençam a meios ou tradições culturais semelhantes ou comuns, uma vez que
os códigos linguísticos não são homogêneos para indivíduos que falam a mesma
língua, nem tampouco a mesma competência linguística.

A linguagem é também uma interação entre sujeitos históricos e culturais


que utilizam a linguagem para agirem e transformarem seu meio social. Essa
concepção é aceita pelo moderno conceito de linguagem e é importante na análise
do discurso e na argumentação. Nesse sentido, nos explica Mikhail Bakhtin
(2006, p. 72):

[...] para observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos


– emissor e receptor ao som –, bem como o próprio som, no meio
social. Com efeito, é indispensável que o locutor e o ouvinte pertençam
à mesma comunidade linguística, a uma sociedade organizada. E
mais, é indispensável que estes dois indivíduos estejam integrados na
unicidade da situação social imediata, quer dizer, que tenham relação
de pessoa para pessoa sobre terreno bem definido.

Apesar da dificuldade em reduzir os termos linguagem a um único


conceito, é possível afirmar que é um sistema de sinais complexo utilizado pelo
ser humano para exprimir e transmitir ideias e pensamentos.

5
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Atualmente, considera-se a linguagem como ação, como atividade que


permite a um determinado grupo social a prática de diversos atos que exige do
semelhante reações, comportamentos e vínculos.

Há que se frisar que a comunicação não é exclusiva de seres humanos,


existindo também entre os animais não humanos. Mas embora tendo a
capacidade comunicativa através de linguagem própria, os animais não humanos
não desenvolvem a língua. Apesar de ser complexa em algumas espécies, a
comunicação natural dos animais não humanos é muito diferente por utilizar
uma linguagem natural como cheiro, toque, movimento, sinais visuais e faciais.
A linguagem são sinais adquiridos genericamente ou ensinado pela vida em
grupo servindo para procriação, afastar inimigos, como forma de submissão etc.
Embora demonstrando possuir raciocínio analítico e capacidade de emitir sons
e pronunciar palavras, não elaboram cultura e, ao que parece, a linguagem é
limitada e sem capacidade de combinar e aprimorar informações.

A linguagem sempre estará presente no processo comunicativo, tornando


possível a relação entre os comunicadores. Tradicionalmente é definida como um
sistema de sinais utilizados pelos seres humanos desde os tempos mais remotos para
exprimir e transmitir ideias e pensamentos. Muitas foram as formas de linguagem
utilizadas pelo ser humano ao longo da história, desde sistemas de sinais, como
gestos e gritos até a fala e meios técnicos sofisticados como nos dias de hoje.

FIGURA 2 – A EVOLUÇÃO DA LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

FONTE: <https://miro.medium.com/max/558/0*dFCXziBhDFkiLIy_.jpg>. Acesso em: 20 abr. 2021.

6
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

NOTA

A Evolução da Comunicação

O homem começou a sentir a necessidade de se comunicar desde que começou


a viver em sociedade, fosse para alertar sobre alguma coisa ou expressar sua cultura ou
sentimento. Ao longo dos tempos, a comunicação evoluiu paralelamente com o homem até
hoje. A evolução da comunicação pode-se dividir em duas partes: Pré-História e História.
Pré-História é toda a forma de civilização anterior à invenção da escrita. O surgimento da
escrita marca o início da História.

Paleolítico e Mesolítico de 500.000 a.C. a 18.000 a.C. 


Foi quando o homem começa a dominar a natureza, fabricar utensílios, usar trajes
para se proteger do frio, usar o fogo e, dentre outras coisas, desenvolver a linguagem para
se comunicar. Nesse processo, inicia-se o que hoje conhecemos como pinturas rupestres,
ou seja, desenhos feitos em cavernas ou pedras para conseguir se expressar.

FIGURA – PINTURA RUPESTRE

FONTE: <http://twixar.me/RZ8m>. Acesso em: 20 abr. 2021.

Neolítico de 18.000 a.C a 5.000 a.C.


O homem passou a viver em grupos maiores, as habitações passaram de cavernas
a casas construídas por ele próprio, os trajes eram feitos por tear, e a comunicação passou
a ser expressa através da técnica de gravar o cotidiano em ossos, pedras e madeiras, assim
como apareceu a modelagem em argila.

Idade dos metais de 5.000 a.C a 4.000 a.C. 


É assim denominada porque o homem começou a utilizar cobre, ferro e bronze
no seu dia a dia; as civilizações viram centros urbanos e o homem descobre a importância
de se desenvolver perto de rios. Os seus meios de locomoção também se desenvolvem,
porém, o meio de comunicação continua o mesmo. A transição da Pré-história para a
História se dá no final da Idade dos Metais, que foi por volta de 4.000 a.C. Os historiadores
aceitam como certo o aparecimento da escrita na Mesopotâmia e no Egito. Agora,
chegamos à História que é assim denominada, pois nessa Era temos arquivos que registram
e datam os acontecimentos. Através dessa época é que temos uma real noção de como
o homem vivia e se comunicava, o que pensava e o que sentia em relação ao mundo
ao seu redor. Se o surgimento da escrita marca o início da história, a invenção da técnica
de imprimir ilustrações, símbolos e a própria escrita promove a possibilidade de tornar a
informação acessível a um número cada vez mais crescente de pessoas, alterando assim, o
modo de viver e de pensar de uma sociedade.

7
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

É a linguagem atividade ou ação que possibilita a interação entre os


membros de um grupo social para a prática de diversos e distintos atos que exigem
reações e/ou comportamentos que estabeleçam vínculos entre os indivíduos.
É constituída por um conjunto de sinais e respectivas regras que estabelecem
combinação entre eles e utilizada como instrumento de comunicação.

Podemos afirmar, em síntese, que linguagem é todo sistema de sinais


convencionais através dos quais os sujeitos interagem uns com outros. São
inúmeras as formas de linguagem. Exemplo: linguagem corporal, linguagem
falada, linguagem da informática etc. É importante destacar que de acordo com o
sistema de sinais que se utiliza, a linguagem é classificada em:

• Linguagem verbal: é aquela que utiliza as palavras para a comunicação. O


termo “verbal” é de origem latina “verbale”, vem de “verbu” que significa
“palavra”. Essa é a maneira mais convencional de linguagem utilizada por ser
momentânea e pode transmitir ideias e pensamentos de qualquer nível de
complexidade. Podemos classificar a linguagem verbal em dois tipos:
◦ Escrita: essa maneira de se comunicar verbalmente é utilizada, em geral,
quando o receptor não está presente na conversa e, na maioria das vezes, a
interação não é momentânea.
◦ Oral: diferente da escrita, em sua maioria, apresenta a interação imediata. Ela
pode ocorrer independente do fato de o interlocutor estar no mesmo local,
como é o caso de uma conversa por telefone. Para uma boa comunicação oral
é preciso estar atento à naturalidade e à objetividade da mensagem.
• Linguagem não verbal: é aquela que utiliza qualquer outro tipo de sinal como
gestos, sons, imagens etc. Por exemplo: quando alguém, por alguma razão, não
tem ou perde a capacidade de fala, utiliza linguagem não verbal.
• Linguagem mista: é quando ocorre uma mescla entre a linguagem verbal e a não
verbal, utilizando simultaneamente palavras e sinais (ou outros códigos) para
comunicar uma mensagem ao interlocutor. Por exemplo: quando chamamos
alguém pelo nome ou concordamos com um “sim” ao mesmo tempo que
movimentamos a cabeça com sinal positivo.

FIGURA 3 – LINGUAGEM VERBAL, NÃO VERBAL E MISTA

FONTE: <https://sites.google.com/site/linguagemverbalenaoverbal/introduo>. Acesso em: 20 abr. 2021.

8
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

É comum utilizarmos a combinação da linguagem verbal e não verbal,


do tipo mista. Nos dias de hoje, utilizamos mensagens via internet com palavras
(mensagem verbal) e com emojis (linguagem não verbal). Você já notou isso?

A língua é a linguagem que utiliza a palavra como sinal de comunicação,


sendo assim, um aspecto de linguagem. Para Terra (2018, p. 13), em geral, define-
se a “língua como um sistema de natureza gramatical, que pertence a um grupo
de indivíduos, formado por um conjunto de sinais (o léxico) e por um conjunto
de regras para a combinação (gramática em sentido amplo)”. A língua é uma
construção social de caráter abstrato que se concretiza através da fala, que é um
ato individual de vontade e inteligência.

Para Ferdinand de Saussure (1972, p. 27) há uma clara distinção entre


língua e fala:

[...] esses dois tipos objetos (língua e fala) estão estreitamente ligados
e se implicam mutuamente: a língua é necessária para que a fala seja
inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para
que a língua se estabeleça; historicamente o fato da fala vem sempre
antes [...] Existe, pois, interdependência da língua e da fala; aquela é
ao mesmo tempo o instrumento e produto desta. Tudo isso, porém não
impede que sejam duas coisas absolutamente distintas.

A língua, portanto, é uma construção sociocultural que existe independente


do comunicador. Ao nascermos, a língua já está formada e partilhada pelo grupo
humano e subsistirá independente de nossa existência. Em geral, em todas
sociedades, a escrita é posterior à língua e não é raro que se faça uso da língua
sem que se saiba utilizar sua escrita.

NTE
INTERESSA

VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM CULTURAS ÁGRAFAS?

O que é uma sociedade ágrafa? Sociedade ágrafa é aquela que não desenvolveu
por si mesma um sistema próprio de escritura. Exemplo: os Incas foram uma civilização
avançada, mas nunca tiveram uma escritura; eram ágrafos. Como se registra a história de
uma sociedade ágrafa, já que a escrita é uma das mais conhecidas fontes histórias?

Com a colaboração de outras ciências, como antropologia, arqueologia e


paleontologia, novos materiais passaram a servir de indícios do passado de um povo:
imagens, relatos orais, vestígios, artefatos, ossos, armas, fotografias, músicas, construções e
outros objetos. Essas podem ser tão importantes quanto a escrita no processo de resgate
do passado de uma civilização ou comunidade.

9
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Sendo assim, sabendo que as sociedades ágrafas ou que fazem parte da história
antiga não possuíam recursos como fotografias, músicas e outras fontes mais modernas,
para estudarmos essas sociedades, utilizamos as fontes materiais, que são os vestígios
materiais. Sinais que o homem deixa pelos lugares por onde passa, que podem ser vistos
em vários sítios arqueológicos abertos à visitação pública ou em museus especializados.
Exemplos: cerâmicas com elementos femininos, pedras talhadas e polidas, fósseis, ruínas,
entre outros. 

FONTE: <https://brainly.com.br/tarefa/21508142>. Acesso em: 20 abr. 2021.

A língua é o elemento que possibilita a interação entre os indivíduos em


um determinado grupo social que torna os signos realidade através da associação
entre significantes sonoros e significados. É um fenômeno de grande diversidade
e complexidade cujas forças que lhe dão dinâmica são inúmeras, tais como os
meios de comunicação em massa.

3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Segundo a utilização da linguagem pelo comunicador ou falante, a
linguagem possui diferentes funções que dependem dos elementos utilizados na
comunicação, ou seja, do emissor, receptor, mensagem, código, canal e contexto.
As combinações desses elementos determinam o objetivo do ato comunicativo.
De acordo com Petri (2017), as funções da linguagem podem ser classificadas
em: função referencial, função emotiva, função conotativa, função poética e
função metalinguística, cada qual possuindo características bastante particulares.
Veja a seguir:

• Função Referencial ou Denotativa: é também chamada de função informativa,


a função referencial e tem como objetivo principal informar ou referenciar
algo. Por sua função, esse tipo de texto é escrito na terceira pessoa (singular
ou plural) enfatizando seu caráter impessoal. Como exemplo: a linguagem de
textos jornalísticos e científicos. São textos que por meio de uma linguagem
denotativa (sentido literal ou real) informam a respeito de algo, sem explicitar
aspectos subjetivos ou emotivos à linguagem. São textos claros e objetivos
(PETRI, 2017).
Exemplo: Na linguagem jurídica, tem-se função referencial, por exemplo, em
uma qualificação de parte. Observe a objetividade do texto.

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TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

QUADRO 1 – FUNÇÃO REFERENCIAL

João Paulo de Souza Filho, brasileiro, casado, comerciante, portador do


documento de identidade RG n° 123.456.78-910, inscrito no CPF sob n°
109.876.543-21, com endereço eletrônico jpsilva@marte.com.br, domiciliado e
residente na Rua: Das Flores n° 67, Bairro Oliveira, São Caetano do Sul, SP.
CEP: 89.056-240, nesta Comarca onde recebe intimações, vem respeitosamente
ante Vossa Excelência propor:

FONTE: A autora

• Função Emotiva ou Expressiva: essa função traz as emoções do emissor e


é também chamada de função expressiva e tem como objetivo principal
transmitir suas emoções, sentimentos e subjetividades por meio da própria
opinião. É o tipo de função que explicita, que evidencia, as opiniões e emoções
de quem escreve a mensagem, por isso é escrito em primeira pessoa e está
voltado para o emissor, porque possui um caráter pessoal. Como exemplos
temos: os textos poéticos, as cartas, os diários. Em geral são textos marcados
pelo uso de sinais de pontuação, por exemplo, reticências, ponto de exclamação
etc., a fim de dar ênfase à mensagem transmitida (PETRI, 2017).
Exemplo: Na linguagem jurídica, exemplos de função emotiva aparecem num
boletim de ocorrência ou numa sentença. Veja um trecho da sentença do famoso
“Caso Nardoni”, destacando trecho do texto de função emotiva:

QUADRO 2 – FUNÇÃO EMOTIVA

“Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam


a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração
criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata,
por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou
intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa
de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a
comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado
aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele
sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da
Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve
de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que
acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma consequência
remota e incerta, como se nada tivessem feito” (grifo nosso).

FONTE: <https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-nardoni.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2021.

11
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

• Função Conativa ou Apelativa: o objetivo é influenciar o receptor a partir do


apelo, por essa razão é chamada também apelativa. É caracterizada por uma
linguagem persuasiva que tem o intuito de convencer o leitor. Por isso, o
grande foco é no receptor da mensagem. Essa função é muito utilizada nas
propagandas, publicidades e discursos políticos, de modo a influenciar o
receptor por meio da mensagem transmitida. Esse tipo de texto costuma se
apresentar na segunda ou na terceira pessoa com a presença de verbos no
imperativo e o uso do vocativo (PETRI, 2017).
Exemplo: Na linguagem jurídica, encontra-se a função apelativa nas alegações
finais. Destaca-se, a seguir, trecho com função apelativa.

QUADRO 3 – FUNÇÃO APELATIVA

Efetivamente, o réu empreendeu desforço defensivo, tendo se contraposto,


no tempo oportuno, a intentona patrocinada pela vítima, a qual anelava,
com todas as veras de sua alma, por termo a vida do primeiro, malgrado
tenha fracasso em seu ignóbil intento, ante a oposição expedita do réu, o
qual para salvaguardar seu bem maior (vida) neutralizou a truculenta
investida ao abrigo da lei. Já proclamava o axioma: “matar para não morrer,
não é crime”; logo, na controvérsia entretida, o réu encontra-se “a cavaleiro
de qualquer censura” na feliz assertiva debitada a PEDRO A. PINTO. Ou,
como diria com maior engenho e arte o jurista CARLOS BIASOTTI, em repto
à peça prodrômica: “antes que réu, é vítima o acusado do equívoco, se não
do arbítrio”.
FONTE: <https://sites.google.com/site/wwwcostalinsadvogadoscombr/a-151>.
Acesso em: 20 abr. 2021.

• Função Poética: essa função tem como objetivo enfatizar a mensagem,


ressaltando a maneira como ela é estruturada para dar destaque ao seu
significado. Ao escolher a função poética, a preocupação é muito mais com as
rimas, que pode ser tanto em prosa como em verso, com a estrutura e com a
imagem do que com as palavras em si. O texto não é objetivo e transmite pouca
informação (PETRI, 2017).
Exemplo: Embora sendo raro no campo jurídico pode-se encontrar peças
processuais em forma de versos, como a sentença prolatada nos Autos do
Processo n° 0301112-67.2017.805.0244 (Restituição de Coisa Apreendida) pela
Vara Criminal da Comarca de Senhor do Bonfim (Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia).

12
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

QUADRO 4 – LINGUAGEM POÉTICA

Não sei quem é o proprietário/ Mas, o possuidor do melhor documento (fls.


62)/ É presumido o signatário/ Dono daquele instrumento/ Ficando com o
direito/ De recebê-la no peito como fiel depositário/ Não decido por decidir/
Mas, por a lei me permitir (art. 120, § 4°, CPP)/ Colocar em suas mãos/ Que
outrora foi tirada, do povo e dos cidadãos/ Sem piedade e compaixão/ Aquela
sanfona velha que imortalizou Gonzagão/ Nilvado o direito é seu, como fiel
depositário/ Visto o seu opositor não ter provado o contrário/ Até que se finde a
contenda/ Delegado me atenda/ Como da outra vez foi buscar/ A bela sanfona
do povo, vá agora entregar/ E para finalizar/ Hei por bem declarar/ Que fui
competente para buscar/ Sou também para entregar/ Cumpra-se, sem titubear!

FONTE: <https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2018/3/art20180326-09.pdf>.
Acesso em: 20 abr. 2021.

• Função Metalinguística: a função metalinguística é caracterizada pelo uso


da metalinguagem, ou seja, a linguagem que se refere a ela mesma, como a
que se usa nos dicionários, cujos verbetes explicam a própria palavra. Ou ainda
no filme que tem por próprio tema o cinema. No poema que tem por tema o
fazer literário ou em uma peça de teatro que tem por tema o teatro e demais
gêneros em que a linguagem está preocupada com o próprio código. Nesses
casos, o emissor explica um código utilizando o próprio código (PETRI, 2017).
Exemplo: No caso jurídico, a metalinguagem é utilizada para definir conceitos
jurídicos, por exemplo, o Conceito de Crime previsto no artigo 1° do Decreto-
Lei n° 3.914/1941 (BRASIL, 1941):

QUADRO 5 – FUNÇÃO METALINGUÍSTICA

Considera-se crime a infração penal a que a Lei comina pena de reclusão ou de


detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão
simples ou de multa, ou de ambas, alternativa ou cumulativamente.

FONTE: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 20 abr. 2021.

13
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

FIGURA 4 – AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM E SUA RELAÇÃO COM OS ELEMENTOS DA


COMUNICAÇÃO

FONTE: <http://twixar.me/Drtm>. Acesso em: 20 abr. 2021.

4 NÍVEIS DE LINGUAGEM
Você já deve ter percebido que são inúmeras as variações linguísticas de
um idioma como resultado de contínuas e dinâmicas relações comunicativas
de um determinado grupo social. O Brasil, por exemplo, é um país com imensa
variedade de línguas. Somos o oitavo país com maior número de línguas em
uso, sendo a maioria das comunidades indígenas. São 190 línguas indígenas que
atualmente estão em perigo de extinção. O Brasil, além dos diferentes sotaques
regionais, é um país multilíngue.

FIGURA 5 – REGISTRO ESCRITO DE LÍNGUA INDÍGENA EM PERIGO DE EXTINÇÃO

FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43010108>. Acesso em: 20 abr. 2021.

14
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

Portanto, somos parte de um país com uma população de mais de 210


milhões de indivíduos distribuídos em um território de proporções continentais,
com forte influência de povos indígenas e distintas ramificações estrangeiras
de origem africana, europeia e norte-americana, cada qual contribuindo
historicamente para uso e desuso de termos e a criação de expressões linguísticas.

Ao longo do tempo, nossa língua sofreu mudanças constantes. Por


exemplo, a palavra “Você”; antigamente era “Vossa Mercê”, que se transformou
sucessivamente em “Vossemecê”, “Vosmecê”, “Vancê” e, com o passar do tempo,
foi sendo modificada, por populações, culturas, povos diferenciados.

Assim, vamos nos dando conta de que é comum nos depararmos com
linguajares diversificados de uma região à outra, o que vai contribuindo de
maneira significativa para a complexidade de nosso idioma.

Mas como unificar essa grande variedade linguística? Isso é possível?


A escola é o centro de referência para o ensino da língua vernácula, a língua
“pura” sem “estrangeirismos”, a chamada linguagem culta, sem elementos
descaracterizadores, constituída por normas gramaticais. Entretanto, há uma
permanente dicotomia entre a norma culta e o universo linguístico dos indivíduos,
em que o falar/escrever “certo” sobrepõe-se às variantes linguísticas. Há um “falar
brasileiro” que é um modo de se utilizar a língua portuguesa, que é a língua
nacional, com enormes variedades linguísticas.

Haveria uma forma “certa” para uso da língua? Para Marcos Bagno
(2007), a língua é um enorme iceberg que flutua no mar do tempo e a gramática
normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível, que é a
chamada “língua culta”. Mas, esta é parcial e não pode ser aplicada a todo resto
da língua, sob o risco de ser reproduzido um tipo de preconceito comum na
sociedade brasileira: o preconceito linguístico.

Chamando a atenção para o preconceito linguístico, afirma Bagno (2007, p.16):

Como a educação ainda é privilégio de muito pouca gente em nosso


país, uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem
do domínio de uma norma culta. Assim, da mesma forma como
existem milhões de brasileiros sem terra, sem escola, sem teto, sem
trabalho, sem saúde, também existem milhões de brasileiros sem
língua. Afinal, se formos acreditar no mito da língua única, existem
milhões de pessoas neste país que não têm acesso a essa língua, que é
a norma literária, culta, empregada pelos escritores e jornalistas, pelas
instituições oficiais, pelos órgãos do poder – são os sem-língua. É
claro que eles também falam português, uma variedade de português
não-padrão, com sua gramática particular, que, no entanto, não é
reconhecida como válida, que é desprestigiada, ridicularizada, alvo
de chacota e de escárnio por parte dos falantes do português-padrão
ou mesmo daqueles que, não falando o português-padrão, o tomam
como referência ideal — por isso podemos chamá-los de sem-língua.

15
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Superar o preconceito linguístico é um enorme desafio porque são muitos


os aspectos comunicativos de nosso idioma. Desde o espaço físico, no qual
interagimos, que é um campo de atividade social de grande importância quando se
refere à atuação linguística que, por natureza, se concretiza no terreno geográfico
onde suas qualidades geológicas e produtivas influenciam significativamente em
nossa maneira de se comunicar, de se comportar, de agir, de viver (SANTOS,
2018). Em região de floresta densa, por exemplo, a linguagem local/regional
será repleta de termos que se referem às especificidades da natureza local, por
exemplo, a palavra “buriti” – do tupi-guarani: mbur = alimento; iti = árvore alta; =
árvore alta de alimento ou de vida.

Ainda, conforme as relações sociais vão se desenvolvendo vão sendo


criadas novas palavras e expressões que condizem com a necessidade de nomear
novos bens de consumo e entretenimento. Um exemplo é o estrangeirismo que
atribui valores linguísticos a produtos e bens de serviço através da língua do país
de origem, como é o caso de internet, pendrive, hot-dog, videogame, shampoo etc.

Ainda, Santos (2018, p. 6) nos esclarece que:

Toda sociedade é heterogênea, ou seja, ela é portadora de diferentes


tipos de cenários onde as ações humanas podem se manifestar: cenários
culturais, religiosos, artísticos, profissionais, de lazer, comerciais etc., e
entre esses cenários há um elemento divisor de águas que difere entre
si e estabelece limites de comportamentos que acabam restringindo,
de certa forma, o desenvolvimento da outra, são as classes sociais dos
indivíduos. O modo de comunicação das diferentes classes sociais
se estabelece perante o modo de vida dos falantes e das formas de
expressões características das mesmas. Tem-se, superficialmente,
disseminado a ideia de que, dependendo da classe social, pode-se
estabelecer um determinado linguajar para cada uma delas; todavia,
essa ideia acaba entrando em contradição ao inferir-se que mesmo
inseridos em uma classe social específica um ou mais indivíduos
podem possuir e exercer maior ou menor domínio linguístico em
qualquer classe social.

Portanto, as diferenças sociais não podem servir de condição para que


os indivíduos sejam considerados aptos a exercerem a comunicação “certa ou
errada”. Na verdade, são adequações e conformidades da língua estabelecidas
que não podem excluir indivíduos, mas contribuir para coesão e coerência em
momento que necessitam de maior ou menor dedicação de atenção.

A escolarização pode levar a pensar que a linguagem correta é a linguagem


escrita, que é, por natureza, lógica, clara, explícita, ao passo que a linguagem
falada é mais confusa, incompleta, sem lógica etc. Essa percepção é equivocada.
A fala tem elementos contextuais e pragmáticos que a escrita pode revelar, e, por
outro lado, a escrita tem elementos que a linguagem oral não utiliza.

16
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

Utiliza-se a expressão “linguagem culta” para designar uma variedade


linguística representada pelas pessoas de alta escolarização formal e com acesso à
cultura letrada. Linguagem de nível culto é aquela considerada ideologicamente
como “certa” e é definida como aquela que o grupo social atribui valor distinto
da linguagem popular que é aquela que se constrói nas múltiplas relações
comunicativas entre os indivíduos de diferentes espaços e vivências sociais. É
aquela que tende a ser coloquial e, muitas vezes, é responsável pelo surgimento
de termos comuns como gírias, jargões e figuras de linguagem, dentre outras
manifestações e expressões linguísticas.

FIGURA 6 – LINGUAGEM CULTA E LINGUAGEM COLOQUIAL

FONTE: <https://mundotexto.files.wordpress.com/2014/02/norma-culta-charge-surfista.jpg>.
Acesso em:20 abr. 2021.

5 LINGUAGEM ORAL E ESCRITA


A linguagem comporta duas modalidades distintas e bastante utilizadas: a
linguagem oral e a linguagem escrita. São formas diferentes tanto em “recursos
expressivos” como gramaticalmente. Não há dúvida de que a linguagem falada
é o primeiro e mais importante meio de comunicação. Não é sem razão que o ser
humano é considerado um “animal que fala”.

Como adiante veremos, sob o ponto de vista argumentativo, a comunicação


oral possui vantagens em relação à escrita, apesar de algumas desvantagens
também. Usando a oralidade é possível mais agilidade e interação comunicativa,
além de outras formas de linguagem, como a corporal, o que garante mais eficácia
da comunicação.

17
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Ao estarmos presencialmente com nosso interlocutor podemos estar mais


atentos à reação dos que nos ouvem e sendo possível “moldar” ou reorientar
a linha argumentativa de acordo com a interação com os receptores. Gestos
ou postura corporal podem indicar necessidade de reformular ou reforçar a
argumentação a fim de persuadir o público-alvo.

A linguagem oral ou a “palavra falada” possui relevância e validade no


campo jurídico produzindo efeitos, como veremos. Imagine, por exemplo, uma
situação em que ocorreu grave ofensa verbal a alguém que pleiteia danos morais
em juízo. Como produzir prova se não há documento escrito para produzir o
convencimento do magistrado? É possível provar o alegado através de prova
testemunhal, audiovisuais, depoimento pessoal do ofendido etc.

Outro exemplo jurídico em que a oralidade é relevante é o caso do artigo


107 do Código Civil que afirma: A validade da declaração de vontade não dependerá
de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (BRASIL, 2002). Observe
que, neste caso, a forma dos negócios jurídicos é livre, podendo, sem prejuízo de
sua validade, ser celebrada verbalmente.

Evidentemente, a escrita representa maior segurança jurídica porque


fica o registro de um ato ou um fato com relevância na vida social e jurídica.
Mas, a informalidade da palavra falada permite mais agilidade nas revisões e
possibilidade de persuasão.

Em síntese, segundo Petri (2017, p. 26), são características da linguagem


oral:

1. É mais abrangente uma vez que mesmo pessoas não alfabetizadas,


mas que conheçam o código, são capazes de se comunicar, usando
essa modalidade;
2- Faz uso de recursos da linguagem não verbal como gestos, olhares, etc.;
3- Entonação e ritmo que se modificam de acordo com o sentido da
mensagem;
4- Maior interação entre emissor e receptor uma vez que estão “face a
face”;
5- Pode ser mais repetitivo a fim de reforçar o significado da
mensagem;
6- Não há possibilidade de ser apagada a mensagem como ocorre na
escrita;
7- A frase pode utilizar complementos e ser feito o uso de pausas;
8- É possível o uso de marcadores conversacionais, ou seja, expressões
utilizadas para confirmação como: “né”?; “certo?”; “não é mesmo?”, etc.
9- Pode utilizar expressões populares e gírias.

Portanto, no uso da linguagem oral é comum que o emissor utilize

18
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

recursos que permite ao receptor sentir-se participante ativo da comunicação. A


informalidade, típica da linguagem oral, pelo desapego gramatical e forma de
interação possibilita agilidade na comunicação e, em alguns casos, dependendo
da competência e habilidade do comunicador, maior convencimento.

A linguagem escrita, historicamente, posterior à oral em todas as culturas,


estima-se que teve sua origem na antiga Mesopotâmia, há cerca de 5.000 anos por
meio da chamada escrita cuneiforme, dado a seu formato em forma de “cunha” e
também no Egito antigo, por meio dos hieróglifos.

Sem dúvida, a escrita foi um grande marco para o desenvolvimento da


humanidade, permitindo, entre outras coisas, o acúmulo e aprimoramento do
conhecimento. Portanto, a escrita não é apenas uma questão de mero registro de
saberes, sentimentos, ideias e culturas, mas representa a possibilidade de agregar
conhecimento, o que permitiu o avanço da ciência.

FIGURA 7 – AS PRIMEIRAS FORMAS DE ESCRITA / EVOLUÇÃO DA ESCRITRA

FONTE: <https://conhecimentocientifico.r7.com/escrita-origem-historia/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

19
FIGURA 8 – ESCRITA CUNEIFORME / ESCRITA HIEROGLÍFICA DOS EGÍPCIOS

20
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA
FONTE: <http://cpdec.com.br/a-evolucao-da-escrita-dos-hieroglifos-ao-whatsapp/>. Acesso em: 22 abr. 2021.
TÓPICO 1 — CONCEITOS INICIAIS

Sob o ponto de vista argumentativo, a linguagem escrita possui a vantagem


de ser produzida antes de ser apresentada ao receptor, o que permite planejar
com cuidado a produção textual, escolher o nível de linguagem a ser utilizado e
rever antecipadamente antes de sua exposição.

Por outro lado, não há interação imediata com o receptor não havendo
a possibilidade de correção ou esclarecimento caso a mensagem não seja bem
compreendida, uma vez que, em regra geral, a leitura do texto não é feita na
presença do escritor.

Assim, a escrita de um texto exige clareza, coerência e coesão na exposição


das ideias e enunciados de forma a afastar obscuridades ou lacunas. Um texto
jurídico, por exemplo, exige a verificação cuidadosa de sua objetividade e
compreensão, uma vez que ao ser, as peças processuais são lidas e consideradas
pelo magistrado sem a presença do peticionário.

O inverso também é verdadeiro. Uma decisão judicial também deve ser


clara e perfeitamente compreensível pela parte e seu advogado. Tanto assim é que
há como recurso os chamados embargos de declaração ou embargos declaratórios,
que são utilizados em processos judiciais para pedir que o magistrado esclareça
a decisão por ela dada. Tal recurso está previsto no artigo 1022 do Código de
Processo Civil (BRASIL, 2015, s.p.):

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão


judicial para:
I- esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II- suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se
pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III- corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I- deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável
ao caso sob julgamento;
II- incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1°.

Considera-se obscuridade quando a decisão não é feita de maneira clara


e objetiva, faltando clareza na decisão, o que pode fazer com que ela não seja
bem compreendida. A contradição se aplica quando a decisão apresentar pontos
que não estejam de acordo entre si ou se a conclusão não for compatível com a
fundamentação legal da sentença. Por outras palavras, quando o que foi dito na
sentença não está de acordo com a lei usada para o caso em apreço. A omissão
pode acontecer de duas maneiras. No primeiro caso, o juiz pode deixar de analisar
alguma questão que foi apontada por uma das partes do processo. No segundo
caso, o juiz não decide sobre fatos que ele tem o dever de se decidir.

Portanto, o jurista deve ter muito cuidado na elaboração de um texto, em


razão de que, apesar dos modernos e ágeis meios virtuais de comunicação, no
campo jurídico, a maioria dos atos processuais se realiza por meio da escrita:

21
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

petições, atas, documentos, certidões, mandados, laudos, despachos, sentenças,


acórdãos etc., apesar de a comunicação oral ser bastante presente na seara jurídica,
por segurança jurídica os atos praticados devem ser devidamente registrados a
fim de serem consultados a qualquer momento.

Para Petri (2017, p. 26-27), são características da linguagem escrita:

1- É menos abrangente uma vez que apenas pessoas alfabetizadas


podem fazer uso dela;
2- Não aproveita os mesmos recursos da linguagem oral;
3- Não é possível ao emissor perceber a reação do leitor;
4- Não há normalmente repetição de palavras;
5- Há a possibilidade de correção;
6- Utiliza raramente gírias e expressões populares;
7- É mais permanente que a linguagem oral;
8- Utiliza pontuação para representação a entonação e ritmo da
modalidade oral;
9- É mais prestigiada socialmente.

Na linguagem oral há compartilhamento de situação espaço-temporal,


o que permite ao emissor direcionar sua atividade de maneira a garantir um
discurso explícito. Já na linguagem escrita há outros recursos importantes, como
a pontuação que indica pausas dando mais função expressiva à comunicação.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Embora os termos linguagem, língua e fala sejam utilizados sem distinção, um


estudo mais atento permite compreender que são aspectos diferentes utilizados
na comunicação humana e estudados pela linguística.

• A linguagem é definida como um instrumento utilizado no processo


comunicativo e envolve: emissor, receptor, mensagem, código, canal de
comunicação, contexto e ruídos.

• Ao longo da história da civilização humana, a linguagem tem servido para a


interação dos membros de um grupo social e se manifesta de distintas formas
sendo classificadas em: verbal, não verbal e mista.

• A linguagem possui distintas funções, quais sejam: denotativa, emotiva,


conotativa, poética, metalinguística, dentre outras.

• É possível a utilização da linguagem em diferentes níveis, servindo todas para


a comunicação de acordo com o contexto e necessidade.

• É um equívoco admitir a linguagem culta, a “escolarizada”, como “a correta”.


Tal concepção é uma forma de segregação ideológica que desconsidera e
marginaliza as diferentes formas de comunicação.

• A linguagem tanto escrita como oral são modalidades de comunicação


e recursos expressivos, cada qual com vantagens e desvantagens, ambas
utilizadas no campo jurídico exigindo cuidado e domínio linguístico.

23
AUTOATIVIDADE

1 “Comunicação” é uma ação natural e inerente à vida social humana através


da qual é possível conhecer, divulgar ou informar; expor ou noticiar;
divulgar ou transmitir ideias, saberes, conceitos e valores etc. Acerca do
propósito da comunicação, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) Toda comunicação é uma finalidade em si mesma.


b) ( ) A comunicação possibilita estabelecer relações e conexões entre os
indivíduos de uma sociedade.
c) ( ) O objetivo da comunicação independe da vida social.
d) ( ) A comunicação independe de sua forma, não tem objetivo definido,
uma vez que é um ato imediato e autoexplicativo.

2 A comunicação verbal é a forma mais utilizada de comunicação por ser


momentânea e poder transmitir ideias e pensamento de qualquer nível de
complexidade, podendo ser definida como todo tipo de troca de informação
através da linguagem. Considerando tal afirmação é CORRETO afirmar que:

a) ( ) A comunicação verbal é caracterizada pelo uso de palavras através de


linguagem escrita ou falada.
b) ( ) A comunicação verbal é exclusivamente a linguagem “falada” que
utiliza o acervo de vocábulos – palavras – do emissor.
c) ( ) A transmissão de ideias não pode ser realizada através da comunicação
verbal, mas somente escrita.
d) ( ) Com o avanço tecnológico nos dias atuais, pouco se utiliza a comunicação
verbal.

3 Alguns elementos são primordiais para a realização do processo


comunicativo, dentre os quais o emissor, receptor, referente, canal, código
e mensagem. Cada um dos elementos possui função específica e possibilita
uma adequada compreensão da mensagem. Acerca da função do EMISSOR
no processo comunicativo, assinale a assertiva CORRETA:

a) ( ) O emissor é aquele que idealiza e codifica a mensagem.


b) ( ) A codificação ou transmissão da mensagem é a função do emissor no
processo comunicativo.
c) ( ) A interpretação da mensagem é a função do emissor.
d) ( ) Emissor e receptor são elementos do processo comunicativo compostos
por um conjunto de signos escolhidos para a transmissão da mensagem.

24
4 Comunicação é uma atividade que faz parte do cotidiano e pode ser
realizada através de distintos meios e fundamental em inúmeros campos
da atividade humana. Assim, considere as seguintes afirmações.

I- "Comunicar" é uma habilidade exclusivamente humana.


II- A comunicação é a forma e habilidade através da qual se estabelece o
relacionamento entre os membros de um grupo social.
III- O ato de transmissão de uma mensagem é um ato de comunicação.
IV- "Comunicar" é estar em contato ou em relação com alguém com a finalidade
de expor, noticiar ou veicular.

Assinale a afirmação CORRETA:


a) ( ) As afirmações I, II, III e IV estão corretas.
b) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmações I e III estão corretas.
d) ( ) As afirmações I, III e IV estão corretas.

5 A comunicação é a arte de tornar algo comum para duas ou mais


pessoas, o que era monopólio de um ou poucos. Permite o intercâmbio de
conhecimentos e ideias, além da criação de vínculo entre as pessoas. Sobre
o considerado, analise as asserções a seguir e a relação entre elas:

I- A comunicação interliga e quebra as distâncias entre as pessoas. É um elo


que possibilita encontros de sujeitos isolados.

PORQUE

II- Quando interagimos uns com os outros, aquele que era solitário passa a ser
integrado com outros (duas ou mais pessoas).

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, sendo a I a justificativa correta da II.
b) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, sendo a II a justificativa da I.
c) ( ) A asserção I é verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) ( ) A asserção I é falsa e a II é uma proposição verdadeira.

25
26
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

LINGUAGEM JURÍDICA

1 INTRODUÇÃO
Comunicar utilizando diferentes tipos de linguagem é parte das relações
humanas. Cada profissão cria e aprimora expressões próprias com características
comuns que são utilizadas por seus membros, definindo-se, assim, a linguagem
jurídica de cada campo técnico. No campo jurídico não é diferente. Para os
profissionais do direito, a linguagem e seu domínio é a principal ferramenta
utilizada para convencer, transigir, demandar, enfim, atuar na luta pela defesa e
garantia de direitos.

Você verá em seus estudos como é importante o domínio do vocabulário


jurídico. Conhecer o sentido dos termos utilizados nas leis e códigos, as relações
das palavras nos textos jurídicos e as variações nas estruturas sintáticas das
palavras que permitem dar ênfase ao discurso.

O conhecimento e domínio do vocabulário jurídico, com o cuidado de


não cometer excessos, é a tarefa primeira que se impõe aos que abraçam o campo
profissional do direito.

Por meio da palavra, o direito se concretiza. Além de falar bem para as


necessidades do cotidiano aos que se dedicam ao mundo jurídico é necessário ir
além: é dominar a linguagem jurídica com precisão.

Manter o formalismo, o estilo e a ética, os profissionais do direito devem


se modernizar constantemente para persuadir e convencer. Sem o “juridiquês”
desenfreado, que é filho da inútil e ingênua afetação, para não cair no ridículo, a
linguagem jurídica deve ser clara e precisa, porém culta e erudita.

Vamos conhecer um pouco sobre a linguagem jurídica!

27
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

2 LINGUAGEM JURÍDICA
A linguagem jurídica é uma das manifestações específicas da língua
portuguesa aplicada à uma área específica do conhecimento com características
próprias. Embora, em não raras vezes, utilizando signos linguísticos da linguagem
comum não é compreendida imediatamente por um não jurista, por um leigo.
Sem dúvida, esse é um obstáculo a ser superado quando do início da formação
acadêmica no direito. As definições e conceitos específicos com que o direito
opera são elementares e necessárias para o campo jurídico, mas sem sentido fora
do direito porque não têm outra função a não ser exprimir termos e expressões
que apenas possuem pertinência exclusivamente jurídica.

São, basicamente, duas as razões para que se justifique a linguagem do


direito:

• Há um vocabulário jurídico próprio.


• Confere sentido ao discurso e argumentação jurídica.

A linguagem jurídica é utilizada em situações particulares pela necessidade


de, no exercício profissional, serem conceituados fenômenos relacionados ao
Direito e estabelecer seu sentido jurídico, que em regra geral não têm o mesmo
ou não encontram qualquer significado no uso corrente. Isso ocorre porque tem
natureza técnico-científica própria, uma vez que utiliza palavras para o campo
teórico-prático do Direito, que é onde reside o problema do vocabulário jurídico.
E aí está o primeiro obstáculo a ser enfrentado, porque como qualquer ciência,
os termos devem ser utilizados com exatidão, devendo o termo técnico ser
empregado adequadamente, sendo absolutamente indispensável não só para
a compreensão rápida dos argumentos utilizados como também para a correta
identificação dos fenômenos discutidos.

Há que se observar que nenhum termo está dissociado de sua significação


comum ou lexical (da língua, da linguagem natural ou do código abstrato), em
geral relacionada a sua etimologia (origem), e que, quando se estabelece sentido
mais específico (técnico-científico) há necessidade de ser verificado seu sentido
contextual que identificará a forma mais precisa ou técnica, uma metalinguagem,
ou seja, é uma linguagem que descreve outra linguagem artificial, termos
utilizados para designar fatos da vida social que possuem sentido e relevância
no campo jurídico.

28
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

NOTA

METALINGUAGEM

A metalinguagem nada mais é do que a preocupação do emissor totalmente


voltada ao próprio código que está sendo utilizado. Isso quer dizer que o código é o tema
da mensagem ou, então, ele é usado para explicar sobre ele mesmo. O código, no texto
verbal, é a língua. No momento em que usamos uma mensagem verbalizada para explicar
a língua, usando a própria linguagem, ocorre a metalinguagem. Observe, em seu cotidiano,
como isso é feito várias e várias vezes: em conversas de caráter informal ou até mesmo
durante suas aulas.

FIGURA – EXEMPLO DE METALINGUAGEM

FONTE: <https://blogdoenem.com.br/metalinguagem-literatura-enem/>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

Exemplo de metalinguagem: um quadrinho em que um personagem fala sobre o


balão, forma característica da linguagem dos quadrinhos.

Qual a razão do direito construir uma linguagem própria?

Como já discutido no tópico anterior, a própria natureza intrínseca ao ser


humano é social, vive em sociedade para atender as suas necessidades, interesses
e realizar suas potencialidades. Essa característica inata do ser humano em colocar
“seu eu”, seu pensar, em comum com o próximo é o ato comunicativo próprio da
convivência, de relação de grupo e da prática social.

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UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Porém, o estudo da comunicação jurídica se justifica pela relação inerente


entre o direito e a sociedade, na qual a atuação daquele tem como objetivo
normatizar as relações sociais e os seus efeitos. E diante do universo jurídico, se
pode afirmar que as ações humanas que verdadeiramente importam à ciência
jurídica dizem respeito aos efeitos, estas podem gerar ao grupo social ou a algum
de seus membros, já que a própria existência do direito tem por objetivo regular
os atos que afetam os membros da sociedade, são os chamados valores jurídicos.

Valores jurídicos tais como a ordem, a segurança, a liberdade, as justiças,


dentre outros, são inerentes à condição humana e são compreendidos de maneira
distinta pelos indivíduos e o direito estabelece uma espécie de “consenso”, a
fim de estabelecer critérios que possibilitem a vida em comum, e é aí que surge
a necessidade de uso de linguagem própria e complexa. Assim como outros
profissionais, o advogado, por exemplo, ao ser solicitado para prestação de um
trabalho específico, é necessário relatar o fato valorado juridicamente, bem como
o que deve ser feito de acordo com critérios técnicos.

FIGURA 9 – A ESPECIFICIDADE DA LINGUAGEM JURÍDICA

FONTE: <http://www.praticadapesquisa.com.br/2010/10/em-11-de-agosto-de-2005-amb-
associacao.html>. Acesso em: 22 abr. 2021.

Pela figura, percebe-se a dificuldade de compreensão da linguagem


jurídica por aqueles que não são profissionais da área. Observe que os termos
utilizados são conceitos que regulam e protegem valores. No caso, utiliza-se a
expressão in dubio pro reo, o que significa que na dúvida a “balança deve pender”
para o acusado uma vez que a liberdade integra o conjunto de bens inerentes à
condição humana e de grande relevância no mundo do direito.

Sem dúvida, o direito é, por excelência, se comparado a outros campos


do conhecimento, a ciência da palavra, o que exige o aprimoramento do domínio
da palavra no exercício da profissão, pois é, na linguagem, o espaço em que
o direito se efetiva. Assim, pode-se afirmar que a capacidade de realizar uma

30
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

boa comunicação permite recriar os fatos com consistência e credibilidade e de


estabelecer relações de causa e efeito entre estes e as leis formarão um parâmetro
decisório que irá amparar o direito requerido.

O direito é um espaço de comunicação relevante para as relações


humanas, uma vez que a sociedade humana é uma coletividade constituída por
entes comunicantes. É nesse sentido que Miguel Reale (1992, p. 34) considera o
direito uma linguagem indissociável das relações humanas:

O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe


senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das
características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade,
a sua qualidade de ser social. Logo, ... desde que passou a viver em
sociedade, o homem vem sentindo cada vez mais a necessidade
imperiosa de se comunicar, pois já foi dito que o homem é aquilo que
consegue comunicar aos seus semelhantes.

Por meio da palavra é que o profissional do Direito atua, devendo ter claro
que se comunicar para atender às necessidades comuns e diárias de comunicação
é diferente de falar com precisão no exercício da profissão jurídica, havendo
a necessidade de domínio da linguagem para que tenha cautela na escolha
das palavras.

Isso não significa que linguagem jurídica se confunda com “jargão


profissional”, para que o profissional acabe se encapsulando em um hermetismo
vocabular somente acessível e compreendido por poucos iniciados.

2.1 JARGÃO JURÍDICO E PODER SIMBÓLICO


Jargão é o vocabulário típico de uma especialidade profissional e é
utilizado especificamente por pessoas que compõem determinado segmento ou
grupo tecnicamente especializado. Por exemplo, existem jargões de médicos,
engenheiros, técnicos de informática etc. Evidente que o jargão é importante para
a compreensão dos procedimentos e documentos jurídicos por sua complexidade,
com significados incompreensíveis para leigos.

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UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

FIGURA 10 – JARGÃO JURÍDICO

FONTE: <http://paginasclandestinas.blogspot.com/2011/04/jargao-juridico.html>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

Como veremos adiante, o uso exagerado e impróprio da linguagem


jurídica, sob uma falsa roupagem de tecnicismo, é mais uma preocupação de
efeitos “pirotécnicos” da palavra do que propriamente com o compromisso com
o rigor profissional.

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TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

QUADRO 6 – ALGUNS JARGÕES JURÍDICOS

FONTE: <https://luizabrito67.blogspot.com/2011/10/juridiques-no-banco-dos-reus.html>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

Entretanto, o domínio da linguagem jurídica é também um meio de


promoção social, política ou cultural que exprime relação de poder. É obvio
que por ser o Direito objeto de ciência, este desenvolve seu próprio discurso,
com lógica e terminologia peculiares e aqueles que se dedicam à árdua tarefa
de estudar cientificamente o direito poderá ter domínio sobre seu aparato
conceitual. Não se pode conceber o direito sem sociedade, ou mesmo uma
sociedade sem normatização que venha a se valer de regras (ou princípios) para
controlar/limitar as condutas dos indivíduos que integram o grupo social.

Sob certo ponto de vista, o direito é um instrumento de sustentação social


criado para impor condutas coercitivamente, obrigatória e independente da
vontade da parte. É evidente que nem toda sociedade deverá obrigatoriamente
possuir Códigos, tal qual concebemos na cultura jurídica ocidental, para reger
a convivência humana, mas sempre haverá um conjunto de normas que
lhe possibilite estabilidade e que permita o desenvolvimento de atividades
econômicas, políticas, familiares etc., a fim de garantir relativa segurança para os
indivíduos e para as relações surgidas entre estes, para evitar que somente a força
(individual), por si só, seja o único elemento para solucionar conflitos.

Ao longo da história, a luta foi a condição para a construção e manutenção


de direitos, uma vez que não são dados espontaneamente pela natureza nem
tampouco graciosamente concedido pelos donos do poder. No entender de
Ihering (2006), é um dever do interessado para consigo mesmo e também um
dever com a sociedade a luta pelo direito. E afirma Ihering (2006, p. 1): “Todos os
direitos da humanidade foram conquistados na luta: todas as regras importantes
do direito devem ter sido, direito de um povo ou direito de um particular, faz-
se presumir que se esteja decido a mantê-lo com firmeza”. Portanto, o direito
não são palavras, são vivências e experiências humanas construídas e garantidas

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UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

pela força e luta. “O Direito não é pura teoria, mas uma força viva ..... A justiça
sustenta numa mão a balança e que pesa o Direito e, na outra é a força brutal; a
balança sem a espada é a impotência do Direito” (IHERING, 2006, p. 5).

Nesse sentido, os indivíduos, ao edificarem o direito, que tem como


mediação a linguagem para reger e limitar as relações sociais, aceitam como
legítimo tanto o poder político, que cria as normas, quanto válidas e aceitáveis os
conteúdos destas, pois, em certo sentido, se assim não fosse, existiria, no mínimo,
insubordinação social e política questionando-se o poder regulatório constituído
e suas instituições.

É nesse ponto que ganha relevância a importância o pensamento de


Bourdieu (2007) sobre a concepção do direito como poder simbólico e a noção
de que o autor pressupõe que os dominados se submetem espontaneamente ao
controle porque possuem alguma crença neste comando.

[…] como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e


fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste
modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico
que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física
ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce
se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa
que o poder simbólico não reside nos “sistemas simbólicos” em
forma de uma “illocutionary force” mas que se define numa relação
determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e
os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do
campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder
das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de
a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as
pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras
(BORDIEU, 2007, p.14-15).

A pergunta que fazemos é: como o poder político consegue impor o


direito em uma determinada sociedade? O direito tem uma face simbólica que
se manifesta através de uma linguagem aparentemente lógica e coerente capaz
de garantir interesses e necessidades humanas, como se tivesse, por si mesmo, o
poder de disciplinar a vida social.

Assim, o direito expresso na linguagem jurídica vai sendo visto como


algo “natural” criando uma autonomia de um sistema que se autoexplica. E é sob
tal aspecto que Bordieu (2007) considera que a reivindicação de uma autonomia
absoluta do direito e o esforço dos juristas em elaborar um corpo de doutrinas,
regras e conceitos, independente de constrangimentos e pressões sociais,
elaborando em si seu próprio fundamento é onde reside seu poder simbólico.

São construídos modelos que, na realidade, são puras ficções da ciência


jurídica que vão construindo uma pretensa neutralidade valorativa, afastando
o fenômeno social que lhe é subjacente, concepção que influencia diretamente a
formação jurídica que privilegia o ensino estritamente técnico do direito. E assim,

34
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

o sistema se autoalimenta afastando o futuro jurista dos fenômenos sociais,


construindo uma linguagem e discurso homogêneo que, no momento de suas
escolhas juridicamente possíveis para um conflito, há pouca possibilidade de
desfavorecer ou contrariar o modelo dominante.

Desde tal crítica, chama-se a atenção para o fato de que a linguagem


jurídica, que expressa as normas jurídicas, dá a falsa impressão de que é perfeita,
pronta e acabada independente de suas contradições e pressões sociais, e aí
encontramos um aspecto importante para uma análise permanente crítica e
cuidadosa da linguagem jurídica.

Em síntese, se a linguagem jurídica procura criar e manter uma simbologia


própria, que é fortalecida pelos jargões jurídicos que apenas são compreendidos
pelos profissionais aptos e treinados, os conflitos sociais são aparentemente
mantidos sob controle e dentro da expectativa do aceitável.

DICAS

Para melhor compreender o tema acerca do direito como expressão do


poder simbólico, sugerimos a leitura do breve texto de autoria de Daniel França disponível
em: https://projetouve.wordpress.com/2014/05/25/1771/, bem como o texto de Rodrigo
Ghiringhelli de Azevedo: A força do direito e a violência das formas jurídicas, disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n40/04.pdf.

Sem dúvida, o campo do direito é um espaço de concorrência de monopólio


de “dizer o direito” através de uma linguagem própria no qual se confrontam
sujeitos competentes e de capacidade reconhecida de compreender e definir o
justo e legítimo do caso concreto. Isso implica na necessidade de reforçar um
discurso com estilo próprio que confere ao mesmo tempo capacidade técnica,
política e social para utilizá-lo na transformação da realidade social – um conflito
entre partes – em realidade jurídico-judicial – debate entre profissionais que
conhecem as “regras do jogo” e dominam a linguagem jurídica.

2.2 AS CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM JURÍDICA


Como você já compreendeu, a linguagem jurídica possui algumas
características que a tornam singular em relação à língua nacional. Já vimos
que possui particularidade em função da existência de um vocabulário técnico-
científico próprio e é exatamente desde tais aspectos específicos que a linguagem
jurídica se distingue.

35
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Segundo Petri (2017, p. 44), a linguagem jurídica carrega em si ambiguidade


na medida em que “[...] é ao mesmo tempo culta (na sua origem), popular (por
destinação) e técnica (por sua produção). Sua juridicidade a especializa quando
sua finalidade é a de destinar a todos”. É linguagem de um grupo que “fala” o
direito, seja o legislador (o que o edita), aquele que o diz (o juiz), os profissionais
do direito em geral (advogados, defensores, membros do Ministério Público,
estudantes de direito etc.) e para os destinatários do direito. Assim, é uma
linguagem de caráter profissional manejada por diferentes atores sociais sendo,
portanto, uma linguagem cultural.

3 TÉCNICO-CIENTÍFICA
A linguagem jurídica é, em grande parte, legada pela tradição, ou seja,
foi sendo construída e reproduzida ao longo do tempo pelos pensadores do
direito e acumulada pelo saber jurídico. Embora sendo modificado o sentido das
expressões do direito, como mais adiante veremos, a grande marca da linguagem
jurídica é sua perenidade inscrita na história. Mas será que é uma linguagem
ultrapassada e atrasada? Não, porque os termos antigos, alguns deles até em
latim, não perdem força porque a renovação da linguagem jurídica é permanente,
sobretudo pelos neologismos, que é a atribuição de novos sentidos a palavras já
existentes na língua.

A renovação permanente da linguagem jurídica é dada sobretudo pela


jurisprudência e doutrina jurídica. Mas, lembre-se de que a linguagem jurídica
deve ser prática e a serviço dos profissionais do direito. É criada e realizada em
função da atividade jurídica e judicial e, por essa tal razão, é definida como uma
linguagem técnico-científica.

A característica técnico-científica ocorre em função do uso semântico


(acepção) de uma palavra (lexia) no campo teórico-prático do Direito, o que é um
primeiro problema de vocabulário jurídico a ser enfrentado quando iniciamos o
estudo do direito, pois a primeira dificuldade, que existe em qualquer ciência e
precisa ser convenientemente enfrentada, é sem dúvida a da nomenclatura ou a
da exatidão dos termos obrigatoriamente a serem utilizados tecnicamente para a
perfeita comunicação.

Há que se destacar que não há palavra sem significação comum ou mesmo


lexical, o sentido do termo no texto segundo o próprio idioma, da língua natural,
que é estabelecida, via de regra por sua etimologia. Porém, ao ser utilizada
em sentido técnico é necessária a verificação de seu sentido contextual, o que
permitirá a identificação precisa do termo.

36
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

É uma linguagem que essencialmente nomeia institutos jurídicos


(casamento, divórcio, posse etc., que são “agrupamentos” conceituais e legais
que permitem sua “localização”, sua identificação no ordenamento jurídico), seu
referente (a que o termo se refere juridicamente) e seu vocabulário específico.

Destaca Petri (2017, p. 45) que a linguagem jurídica:

[...] nomeia as realidades jurídicas, isto é, essencialmente as instituições


e as operações jurídicas, entidades que o direito cria, consagra ou
modela. Assim, ela nomeia todos os níveis dos poderes públicos,
todas as formas de atividade econômica, as bases da vida familiar, os
contratos, as convenções.
O direito nomeia igualmente as realidades naturais e sociais que ele
apreende e transforma em “fatos jurídicos”, atribuindo-lhes efeitos de
direito. Assim, ele nomeia os delitos e as situações jurídicas.

O direito, como toda ciência, desenvolve uma linguagem correspondente,


com terminologias próprias que se distanciam de seu sentido comum e originário
e assim, criam-se categorias próprias que também servem para neutralizar a
linguagem natural, contribuindo não possibilitar aos não juristas às convenções
e práticas jurídicas.

Confundir linguagem técnica com uso de “palavras difíceis”, termos


“exclusivamente” jurídicos e rebuscamento desnecessário corre o risco de cair em
um cientificismo desnecessário e forma de exercício de poder que reforça o poder
simbólico autolegitimador do direito.

DICAS

GLOSSÁRIO JURÍDICO

Você encontrará disponível na internet diversos glossários e dicionários jurídicos.


Será importante você ir se familiarizando com a linguagem que fará parte de seu cotidiano.
Sugerimos consultar: https://www.trt2.jus.br/consultas/221-pagina-principal/atendimento-
e-servicos-trt2/1422-glossario-de-termos-juridicos.

Por fim, salientamos que, no caso do direito, linguagem técnica não se


confunde com latinismos. Apenas para esclarecer melhor, o chamado “latinismo”
é uma reminiscência com emprego do uso de palavras latinas de maneira
exagerada. Evidente que há termos como habeas corpus que é de uso comum e
com significado próprio. Mas e quando nos deparamos com expressões como:
Cláusula rebus sic stantibus; data venia; venia conecessa; mandamus; in casu?

37
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Embora, para alguns, o uso de expressões latinas demonstra erudição,


mas como já dito, a função da comunicação no direito não é pirotécnica!!! O uso
inadequado e indiscriminado do latim pouco contribui para o acesso à justiça
e garantia do direito, até porque, em não raras vezes, sequer o usuário sabe o
significado do termo empregado.

QUADRO 7 – AS DEZ EXPRESSÕES LATINAS MAIS UTILIZADAS

1. Conditio sine qua non 6. A posteriori


Essa expressão significa a condição sem a qual Já a expressão a posteriori é o oposto. Ela já é
algo não pode ser. Ela é aplicada para justificar aplicada em argumentações mais avançadas,
que, se não for daquela forma, não haverá a tendo o efeito como principal avaliação, para
devida validade. Uma das principais aplicações então chegar até a causa. Nessa etapa, a análise
do termo é em casamentos. Nesse caso, a união já conta com provas mais concretas para justificar
só acontece se houver a vontade mútua do casal, todo o contexto do caso.
ou seja, conditio sine qua non.
7. Data venia
2. Periculum in mora Essa é uma expressão cordial, utilizada no
O termo é utilizado para mostrar que há o contexto de argumentações jurídicas. Data
perigo na demora. Nesse caso, ele deixa explícito venia pode ser entendida como uma licença ou
que a morosidade do processo judicial pode permissão para discordar de determinado ponto
gerar algum dano aos envolvidos no processo. de vista. Sua aplicação é uma forma respeitosa
O advogado utiliza o termo para justificar a de, diante de uma ideia, colocar outra colocação
necessidade de uma decisão mais rápida, como contrária com opiniões diferentes.
uma liminar, visando proteger seu cliente de riscos.
8. Modus operandi
3. Habeas corpus Essa é uma das expressões jurídicas em latim
Uma das expressões jurídicas em latim mais mais utilizadas também fora do Direito. Trata-se
conhecidas, habeas corpus significa “que tenha da indicação de uma forma de agir padronizada,
o corpo”. Essa referência à liberdade é direta, ou um procedimento convencional aplicado.
já que o termo é utilizado na solicitação desse Seu uso no Direito é muito comum na avaliação
direito a alguém, evitando qualquer ato abusivo. de criminosos em série, que sempre repetem a
O habeas corpus é solicitado para evitar uma forma de praticar os atos.
prisão ou a continuidade dela inadequadamente.
9. Amicus curiae
4. Erga omnes É uma expressão simples que significa “amigo
Seu significado é “para todos”, ou seja, é da corte”. Sua utilização ocorre em casos em que
utilizada em decisões nas quais o efeito vale para uma terceira pessoa é convocada para auxiliar
todas as partes envolvidas. Suas implicações são o juiz para definir o veredito. O amicus curiae é
válidas para todos os casos, por isso a expressão uma figura muito comum em casos de grande
é utilizada como um método de eficácia. Assim, apelo popular, com cobertura ampla das mídias
fica entendido que todos devem cumprir tradicionais e mobilização considerável.
determinada decisão.
10. In dubio pro reu
5. A priori In dubio pro reu significa “em dúvida pelo réu”.
A priori é um termo que se aplica quando há a Nesses casos, o termo é utilizado quando se
indicação de que um conceito ou argumento é pressupõe a inocência do acusado. O artigo
fundamentado de maneira inicial. Nesse caso, as 5° da Constituição determina que, se houver
provas são fundamentadas apenas na razão, sem dúvidas quanto à culpa, o veredito do juiz deve
que tenha havido determinado estudo. ser favorável ao réu, ou seja, ele é inocentado.

FONTE: <https://blog.unyleya.edu.br/vox-juridica/dicas-de-estudo4/saiba-quais-sao-as-10-
expressoes-juridicas-em-latim-mais-comuns/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

38
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

Observe no quadro que as expressões latinas trazem em si complexos


conceitos jurídicos.

3.1 LÓGICA E ESTILO


Como expressão de um pensamento, a linguagem não pode ser tão somente
informativa, mas uma comunicação racional e logicamente ordenada. Como nos
lembra Telles Júnior (1980, p. 32), a “[...] lógica é a ciência da argumentação (ou
produto do raciocínio), diretiva da operação de raciocinar”. Para se compreender
a comunicação jurídica é absolutamente indispensável a construção e manutenção
de um raciocínio lógico durante o processo comunicativo, no sentido de
“organizar” sistematicamente o discurso.

Mais adiante, estudaremos a lógica e argumentação jurídica de maneira


específica ao tratarmos o tema de interpretação na Unidade 3. Entretanto, apenas
para compreendermos que não é possível deixar de frisar que a linguagem jurídica
como exposição argumentativa não pode deixar de considerar a compreensão
adequada das expressões utilizadas. Embora se possa expressar diferentes termos
com distintas significações, os sentidos se estruturam e se inter-relacionam,
de forma a fixar limites de sentido contribuindo para a não ambiguidade e
contradição, com vistas a melhor persuasão.

Ainda, há que se compreender que o discurso jurídico, em sua totalidade,


tem por centro vetor principal o chamado princípio da interação entre emissor e
receptor. Como já estudado, a comunicação tem como princípio básico a interação
de ideias e pensamentos entre o emissor e o receptor através da fala e, para que
ocorra o processo comunicativo e reações entre ambos, a construção do discurso
há de ser lógica e coerente e, sobretudo culta.

O nível culto da linguagem jurídica é relacionado com a necessidade


persuasiva e lógica a fim do operador demonstrar o domínio e capacidade de
expressar a profundidade conceitual que serve para manejar a linguagem com
autoridade.

A logicidade se evidencia na clareza e uso semântico adequado da


linguagem evitando-se a ambiguidade, vagueza ou obscuridade da mensagem,
razão pela qual os termos devem estar em seu “devido lugar no discurso”, como
se diz: usar “ a palavra certa no lugar e sentido certo”.

A correção da linguagem no direito confunde-se com o seu inerente


formalismo, rigor gramatical e precisão técnica. É por essa razão que os juristas
possuem um estilo próprio utilizando pronomes de tratamento formais, títulos
e adjetivos de tal maneira que acaba por ser bastante evidente no cotidiano do
trabalho dos juristas o estilo jurídico de se expressar.

39
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

O tradicionalismo no tratamento jurídico é bastante arraigado na


formação e na cultura jurídica de tal maneira que são consolidadas pelo costume.
Expressões como: “egrégio Tribunal de Justiça”; “nobre casuístico”; “eminente
julgador”; “excelso Supremo” etc. são expressões que conferem característica
específica ao texto e discurso jurídico.

Porém, há sempre que se ter cuidado no uso das expressões jurídicas a fim
de tanto não pecar pela erudição exagerada e sem propósito como a falta de clareza
e lógica na comunicação, o que é um fator que compromete o objetivo persuasivo.

3.2 CONCISÃO
Outro atributo importante da linguagem jurídica é a concisão,  ou
objetividade, que é a busca de expressão do pensamento de forma breve
privilegiando o essencial do que se pretende expor.

É aqui que o uso de locuções e de máximas (brocardos, aforismos,


provérbios) latinos podem auxiliar, uma vez que são formas concisas que
auxiliam na expressão de significados jurídicos. Locuções latinas como ad
judicia (procuração válida apenas para o juízo); data venia (com a devida licença
para discordar); e mutatis mutandis (mudado o que deve ser mudado), por si só
sintetizam o objetivo da comunicação. Ou mesmo brocardos jurídicos como pacta
sunt servanda (os acordos devem ser cumpridos); nullum crimen sine lege (não há
crime algum sem lei como princípio do direito penal) possuem a função de expressar
de maneira concisa um complexo conceito.

Destaca-se que, apesar na necessidade de objetividade e concisão, não é


adequado o uso do que se denomina “frases de arrastão”, que são frases que
utilizam pouco e variados conectivos coordenativos, por exemplo: "pois é, é,
então, pois”. Ainda não são recomendáveis as chamadas “frases de ladainha”,
que utilizam excesso de conectivos, tais como: “viveu feliz e leu e amou e chorou
e sofreu e morreu”. Ou mesmo as “frases telegráficas”, como: “o acusado entrou
na audiência e sentou. Abaixou a cabeça. Estava triste. Sabia da condenação”.

3.3 ESTÉTICA
Uma das características relevantes na comunicação jurídica é a elegância.
O direito e sua linguagem é produto de uma acumulação histórica milenar que se
reveste de técnica. É neste sentido que afirma Reale (1992, p. 87):

Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho de


sua linguagem multimilenar, dignidade que bem poucas ciências
podem invocar [...] antes exige os valores da beleza e da elegância" e
devem "ter vaidade da linguagem jurídica, uma das primeiras a
se revestir de forma científica, continuando a ter, desde as origens,
o Direito Romano como fonte exemplar e ponto de referência.

40
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

Você já deve ter se dado conta de que o direito é, por excelência, a arte e a
ciência da palavra e que deve ser boa e bem elaborada, porque é através dela que o
profissional do direito se expressa.

Como o jurista busca, na prática, a realização do justo no caso concreto no


sentido de garantia e proteção a direitos, tendo na pessoa humana e sua dignidade
como fonte valorativa, não há como dissociar a técnica da ética.

FIGURA 11 – CONCEITO DE ÉTICA

FONTE: <https://www.pensador.com/frase/MTI0ODIxMA/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

A figura chama a atenção para o fato de que no manejo da linguagem jurídica,


a ética se define como parâmetro para seleção de termos e elaboração do discurso.

4 OS NÍVEIS DA LINGUAGEM JURÍDICA


Como já estudado, a linguagem em geral possui distintos níveis que se
definem, como o modo de falar e escrever variam de acordo com as circunstâncias
e habilidades do comunicante. A linguagem jurídica na verdade também possui
uma vasta gama de variáveis, uma vez que não há uma linguagem jurídica
propriamente dita, mas distintos níveis de acordo com a finalidade para a qual é
utilizada. Vejamos alguns distintos níveis da linguagem jurídica.

• Linguagem legislativa: é a versão da linguagem jurídica utilizada em códigos,


leis esparsas etc. com a finalidade de criar o direito em hipótese.
Ex.:
Artigo 5° da Constituição Federal:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...

41
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Artigo 213 do Código Penal brasileiro:


Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
(Redação dada pela Lei n° 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei n° 12.015,
de 2009)

Observe as diferenças nos enunciados. A linguagem empregada é bastante


distinta. No caso do Artigo 5° da CF há uma declaração de direito e para tanto a
“montagem” da frase é apropriada para tal finalidade. Já no artigo 213 do CP há
uma definição de tipo penal. Perceba a diferença na montagem das orações e uso
verbal. No caso da tipificação inicia-se a frase com verbo no infinitivo pessoal a
fim de conferir “força” e coercibilidade à oração.

• Linguagem processual ou forense: é a linguagem técnica utilizada nos


processos judiciais a fim de ser aplicado o direito.
Ex.: sentença judicial.

QUADRO 8 – SENTENÇA JUDICIAL

FONTE: <https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/
arquivos/424ab0ab1da4a9df40370eba8914289b.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.

Além da linguagem técnica objetiva, com o uso de termos específicos


(“emendar a petição inicial”, “despacho”, “polo ativo”, “relação processual” e
“indeferimento”) no modelo de sentença ao final há as palavras: “Publique-se.
Registre-se. Intimem-se” que são utilizadas em peças processuais desta natureza
e com sentido específico, qual seja: a publicação da decisão bem como dar ciência
da sentença à parte a fim de gerar efeitos jurídicos.

42
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

• Linguagem convencional ou contratual: é a linguagem jurídica utilizada nos


contratos através dos quais se criam direitos e obrigações.
Ex.: contrato de comodato (tipo de contrato aplicado a empréstimos gratuito).

QUADRO 9 – CONTRATO DE COMODATO

CONTRATO DE COMODATO

I- DAS PARTES

xxxxxxxx, brasileira, menor impúbere, neste ato representada por seu pai
xxxxx, brasileiro, casado, comerciante, inscrito no CPF/MF sob o n° xxxxxxxx,
residente nesta capital, doravante denominada COMODANTE, e

xxxxxxxxxx, brasileira, viúva, aposentada, inscrita no CPF/MF sob o n° -------


------------, residente nesta capital, doravante denominada COMODATÁRIAS.

xxxxxxxxxxx e sua mulher xxxxxx, brasileiros, casados, ele comerciantes,


ela do lar, inscritos no CPF/MF sob o n° xxxxxxx, doravante denominados
ANUENTES.

II- DO OBJETO

O presente Contrato tem por objeto o Comodato do bem abaixo descrito, de


propriedade da COMODANTE, tendo como usufrutuários os ANUENTES,
nos termos da legislação em vigor:

Bem: imóvel constituído pelo apartamento xxx do prédio da Rua xxxxx xxxx, e
a correspondente fração ideal xxxxdo lote n° xxx, do quarteirão xxxxxxx, com
área, limites e confrontações de acordo com a planta respectiva, tudo conforme
registro no Cartório do 07° Ofício de Registros de Imóveis de Belo Horizonte/
MG, livro n° xxxx, matrícula xxxxx, datado xxxx.

III- DO PRAZO
O prazo do presente contrato é indefinido, devendo as COMODATÁRIAS
desocuparem e restituírem o imóvel no prazo de 15 (quinze) dias após simples
notificação da COMODANTE.

IV- DAS CONDIÇÕES GERAIS


O imóvel dado em comodato na presente data, encontra-se em perfeito
estado de conservação e limpeza, devendo ser desocupado e restituído à
COMODANTE nas mesmas condições.

Belo Horizonte, data da ocupação.

FONTE: <https://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/23130/civel-contrato-de-comodato>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

43
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Note que a linguagem utilizada no contrato acima utiliza termos próprios


como “partes”, “objeto”, “prazo” e “condições gerais” bem como a disposição
dos parágrafos são específicos, por exemplo, descrevendo o bem que é objeto do
contrato e condições gerais.

• Linguagem doutrinária: é a linguagem utilizada pelos pensadores


(doutrinadores) do direito e tem por finalidade discutir os conceitos jurídicos
utilizados pelos juristas.
Ex.:

QUADRO 10 – LINGUAGEM DOUTRINÁRIA

“O direito é uma organização da força. Pois o Direito vincula certas


condições ao uso da força em relações entre os homens, autorizando o emprego
da força apenas por certos indivíduos e apenas sob certas circunstâncias. O
Direito permite a conduta que, em todas as outras circunstâncias, tem de ser
considerada proibida .... A técnica social que chamamos de “Direito” consiste
em induzir o indivíduo, por meio específico, a se abster de intervenção à
força nas esferas de interesse alheias: no caso de tal intervenção, a própria
comunidade jurídica reage com uma intervenção similar nas esferas de
interesse do indivíduo responsável pela intervenção anterior”

FONTE: Kelsen (2001, p. 231-232)

Leia com atenção o conceito utilizado pelo autor. A linguagem é específica


(conceitual) com termos próprios, tais como “se abster de intervenção”, “esfera
de interesse alheias”, “comunidade jurídica”, dentre outros.

• Linguagem cartorária ou notarial: é a linguagem que tem por finalidade


registrar atos de direito.
Ex.: Certidão de casamento.

44
TÓPICO 2 — LINGUAGEM JURÍDICA

FIGURA 12 – CERTIDÃO DE CASAMENTO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/854909941757978988/?nic_v2=1a4VISTjO>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

45
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

No documento cartorial acima (certidão de casamento) há termos


específicos tais como “matrícula”, “regime de bens de casamento”, “cônjuge” etc.

Em síntese, “linguagem jurídica” é uma expressão que comporta distintos


níveis de acordo com a finalidade e destinatário. Utilizada desde intelectuais
do direito, passando pela prática judicial e chegando no leigo, é uma forma de
comunicação que se caracteriza por sua pluralidade.

Neste sentido, afirma Petri (2017, p. 49): “A linguagem do direito, pois


não é uma língua e não é uma. Mas esta linguagem existe sob a forma de dois
elementos que a constituem in intellectu, em seu vocabulário, e in actu, em seu
discurso, em diversos níveis e diversas relações que, sobre um fundo comum,
fazem viver múltiplas manifestações”.

Em relação à linguagem jurídica, nunca é demais lembrar que ela se


caracteriza por ser simultaneamente: culta em sua origem, popular por sua
destinação e técnica em sua produção.

46
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A linguagem jurídica é uma das manifestações da língua portuguesa aplicada


à atividade profissional dos juristas.

• O excesso de uso de jargões jurídicos, que é o vocabulário próprio dos


profissionais da área é, de um lado, necessário, e de outro, uma das faces do
poder simbólico do direito que constitui uma forma de controle “consentida”
ou de poder simbólico.

• A linguagem jurídica possui características próprias sendo simultaneamente:


técnica e científica, lógica e com estilo próprio, concisa, estética e ética.
Características que devem ser conhecidas e dominadas pelo profissional do
direito.

• A linguagem jurídica possui distintos níveis de acordo com a finalidade e


destinatário. De leigos a intelectuais e pensadores do direito, a linguagem
jurídica é plural, o que exige atenção nas distintas formas de utilizá-la.

47
AUTOATIVIDADE

1 A linguagem jurídica é definida como uma metalinguagem, ou seja, é


uma linguagem específica que serve para descrever o conjunto de normas
jurídicas que regulam a vida social sendo a necessidade primeira do
jurista compreendê-la e manejá-la adequadamente. Assinale a alternativa
CORRETA acerca da necessidade de domínio da linguagem jurídica pelo
profissional do direito:

a) ( ) A linguagem jurídica é uma linguagem técnica própria da atividade


dos profissionais do direito.
b) ( ) A linguagem jurídica não é técnica, mas sim, culta.
c) ( ) A linguagem jurídica é um conjunto de termos sofisticados e sem
sentido.
d) ( ) Um leigo do direito que tenha bom domínio da gramática também
domina a linguagem jurídica por ela ser genérica e universal.

2 O jargão é definido como vocabulário típico de uma especialidade


profissional e é utilizado por um grupo de pessoas que compõem
determinado segmento especializado. O jargão jurídico é constituído por
um conjunto de expressões e palavras com sentido próprio. Acerca do
jargão jurídico, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) O jargão jurídico não tem sentido técnico.


b) ( ) O direito expresso na linguagem cria e mantém uma simbologia própria
fortalecida pelos jargões jurídicos.
c) ( ) O jargão jurídico é desnecessário na atividade profissional.
d) ( ) Jargão jurídico e normas jurídicas são sinônimos.

3 A linguagem jurídica possui características próprias que a tornam singular


em relação à língua portuguesa. Sua particularidade é a existência de um
vocabulário técnico-científico próprio. Acerca da característica técnica-
científica da linguagem jurídica, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) A linguagem jurídica não é técnica e sim um conjunto de termos


sofisticados compreendidos somente por profissionais do direito.
b) ( ) A linguagem jurídica é técnica, criada pela tradição e renovada pela
jurisprudência e doutrina.
c) ( ) Não existe uma ciência do direito e sim uma linguagem técnica-
normativa.
d) ( ) A linguagem jurídica não é parte da língua portuguesa por ser
tecnicamente específica.

48
4 Quanto à expressão latina, associe corretamente os termos a seguir:

A- Erga omnes
B- In dubio pro reu
C- Modus operandi
D- Habeas corpus

( ) Expressão utilizada para solicitação do direito à liberdade para evitar a


prisão ou a continuidade inadequada dela.
( ) “Na dúvida para o réu” e é utilizada quando se pressupõe a inocência do
acusado.
( ) É a expressão utilizada quando uma decisão é válida para todas partes
envolvidas.
( ) Significa uma forma de agir padronizada ou um comportamento
convencional.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) D – B – A – C.
b) ( ) B – C – D – A.
c) ( ) C – B – A – D.
e) ( ) D – A – C – B.

5 Uma das características da linguagem jurídica é ser lógica. A lógica é uma


forma específica de raciocinar que possibilita a organização sistemática e
coerente de um discurso. Acerca da lógica como característica da linguagem
jurídica é CORRETO afirmar que:

a) ( ) A lógica é evidenciada na clareza e uso da linguagem de tal forma que


permite evitar a ambiguidade e vagueza da mensagem.
b) ( ) A lógica jurídica deve ser evitada a fim de garantir clareza na
comunicação.
c) ( ) O discurso jurídico é técnico e não lógico
d) ( ) A lógica aplica-se às ciências exatas e não ao direito.

49
50
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

VOCABULÁRIO JURÍDICO

1 INTRODUÇÃO
Como você deve ter percebido, o direito se manifesta e se concretiza
através da linguagem, que é aplicado ao caso concreto sob a forma de uma decisão
judicial ou administrativa. Há que se frisar que a linguagem jurídica é produto
de uma longa tradição por juristas, tribunais e doutrinadores do direito, o que faz
com que seja um nível culto e elevado intelectualmente.

Por essa razão, a linguagem jurídica é constituída por um complexo


vocabulário que comporta cuidado para ser estabelecida sua adequada significação,
sendo seu estudo essencial para a formação jurídica para que o profissional da
área possa se expressar objetiva e adequadamente, daí a importância do domínio
do vocabulário jurídico.

Porém, o vocabulário jurídico carrega consigo vícios para os quais


devemos estar atentos. Polissemia, Homonímia, Sinonímia, Paronímia, Vagueza
e Ambiguidade são os desafios a serem enfrentados pelos juristas a fim de
adequadamente interpretar e aplicar a norma jurídica.

São “ruídos” na comunicação jurídica que depois de bem compreendidos


e identificados devem ser superados.

Vamos para o último tópico desta primeira unidade? E não deixe de fazer
as autoatividades ao final do tópico.

2 POLISSEMIA
Até o momento estudado já deve estar bastante claro que a linguagem
jurídica utiliza termos com sentido específico, porém utilizando palavras que não
são exclusivamente jurídicas, o que gera a polissemia. Polissemia é quando uma
palavra comporta múltiplos significados tendo sentido jurídico como não jurídicos.

51
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

É o que acontece com a palavra “direito”. É um termo que se origina do


latim directus (direito, reto), mas que é adotada com múltiplas acepções. Segundo
Trubilhano e Henriques (2019, p. 37), somente a palavra “direito” comporta as
seguintes significações:

• Conjunto de normas jurídicas positivadas por instituições


politicamente legítimas e regulam a vida social. É o também
chamado direito positivo;
• Faculdade do jurisdicionado de exigir em juízo interesses,
necessidades e valores assegurados em lei;
• Conjunto de conhecimento, disciplinas e cursos necessários à
formação jurídica;
• O oposto do errado;
• O retilíneo;
• O oposto ao esquerdo;
• O que é justo de acordo com normas morais e éticas.

As palavras e expressões jurídicas, por comportarem distintos significados,


exigem rigor de critérios para o estabelecimento de critérios para a determinação
correta de sentido, uma vez que utiliza termos da língua corrente.

A polissemia no campo jurídico ocorre de duas maneiras:

• Polissemia externa: ocorre quando uma palavra possui um significado na


linguagem coloquial – sentido comum – e outro na linguagem jurídica.
Ex.:

◦ “sentença” :
▪ Na linguagem coloquial significa uma frase, uma oração oral ou escrita.
Ex.: Paulo escreveu a seguinte sentença no e-mail: enviar o documento.
▪ Na linguagem jurídica significa a decisão final de um em relação a um
processo. Ex.: A sentença do Juiz Antonio de Carvalho indeferiu o pedido
de prisão preventiva de João da Silva.

◦ “ação”:
▪ Na linguagem coloquial refere-se ao verbo agir. Ex.: Penso antes de
cometer qualquer ação.
▪ Na linguagem jurídica significa o ato de requerer intervenção ou tutela
judicial a fim de solucionar um litígio. Ex.: Paulo Souza entrou com ação
judicial requerendo pensão alimentícia.

◦ “despacho”:
▪ Na linguagem coloquial significa oferenda à entidade divina realizada em
ritual religioso. Ex.: Maria da Graça fez um despacho no mar no primeiro
dia do ano para Iemanjá.
▪ Na linguagem jurídica é o ato de expedir ou deferir. É a decisão tomada por
uma autoridade competente. Ex.: A ação tinha como pedido a revogação
da liminar por cinco dias contados a partir do despacho do juiz.

52
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

• Polissemia interna: ocorre quando há mais de um significado jurídico.


Ex.:

◦ “prescrição”:
▪ Pode significar determinação ou definição legal. Ex.: A lei prescreve que o
recurso de apelação deve ser interposto no prazo de 15 dias.
▪ Também pode significar a perda de um direito por decurso de prazo. Ex.: O
prazo de prescrição para requerer indenização por dano moral é de 5 anos.

◦ “alvará judicial”:
▪ É uma ordem judicial na qual aquele que requer necessita de uma
autorização judicial para a prática de determinado ato. Ex.: Expede-se
alvará judicial para que Mariana Fernandes realize o saque do FGTS.
▪ Pode também significar pedido para expedição de alvará judicial para
a intervenção do juiz em situação específica. Ex.: Paulo Silveira solicita
alvará judicial para revisão do inventário de seu pai.

◦ “autos”:
▪ Significa o conjunto de documentos físicos que compõem o processo. Ex.:
O documento está nos autos do processo.
▪ Também pode significar documento público ou solene emanado de
autoridade competente com a função de notificar alguém a cumprir uma
ordem legal. Ex.: Luiz recebeu o Auto de Infração de trânsito para pagar a
multa imposta.

3 HOMONÍMIA
Ocorre homonímia quando as palavras possuem a mesma grafia ou a
mesma pronúncia, porém com significados diferentes. Esclarecem Trubilhano e
Henriques (2019, p. 38) que “[...] homonímia é a identificação fônica (homofonia)
ou a identidade gráfica (homografia) dos fonemas que não tem o mesmo sentido,
de modo geral”. Adotando a distinção feita pelo referido autor, temos então
Homonímia como gênero que se desdobra em duas espécies: Homofonia (ou
Homônimos) e Homografia (ou Homógrafos).

Exemplos de Homônimos Homófonos:

• Cessão: ato ou efeito de ceder algo ou direito.


Sessão: reunião, por exemplo, sessão de julgamento.
Seção: repartição, por exemplo, seção de direito público.
• Remissão: perdão.
Remição: resgate, liberação, pagamento.
• Cassar: revogar, anular, proporcionar privação.
Caçar: procurar, perseguir.

53
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

Exemplos de Homônimos Homógrafos:

FIGURA 13 – EXEMPLOS DE HOMÔNIMOS HOMÓGRAFOS:

• ato judicial praticado fora do fórum por ordem judicial;


"diligência" • cuidado, zelo;
• investigação, pesquisa

• queda
"decadência" • perda de um direito

FONTE: A autora

Há relevância dos homônimos para além do sentido jurídico que trazem


consequências no mundo do direito. Você já ouviu falar de pessoas que mudaram
de nome com autorização judicial? Como regra geral, pelo estabelecido no artigo
58 da Lei n° 6015/1973 (BRASIL, 1973), o prenome é definitivo, por ser esta uma
norma de ordem pública. Contudo, há situações em que é alteração do prenome,
tais como:

• Quando o prenome expõe seu portador ao ridículo, ao vexame, que cause


constrangimento, segundo o disposto no artigo 55 da Lei n° 6015/73. Ex.:
Em 1972 por força de decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo
(RT 443/146) foi permitida a alteração do nome Kumio Tanaka para Jorge
Tanaka uma vez que a pronúncia do nome (“Kumi o Tanaka”) ridicularizava
seu portador que era vítima de escárnio, tendo sido resolvida a situação com
mudança autorizada.
• Ainda quando for caso de nomes iguais, que é um fenômeno comum em
nosso cotidiano, há uma grande discussão judicial, isto porque há sérios
problemas com inclusão indevida em cadastros restritivos de consumidores
(SPC/SERASA), certidões positivas de distribuidores judiciais, nos cadastros
criminais do Instituto de Identificação etc.

4 SINONÍMIA E PARONÍMIA
Sinonímia se define quando há mais de um vocábulo com a mesma ou quase
a mesma significação, por exemplo, os termos “casa”, “lar”, “residência”, “solar”.
Para Trubilhano e Henriques (2019), a identificação de acepções que constituem
sinonímia apresenta-se como total ou stricto sensu e parcial ou parassinonímia ou
quase sinonímia. A sinonímia total ocorre entre termos cujo sentido cognitivo e
afetivo são equivalentes. A rigor, apenas ocorre sinonímia total se as palavras são

54
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

sinônimas em qualquer contexto, sem mais sutil ou pequena que seja a mudança
no sentido. Desde tal concepção, na prática, não haveria sinonímia absoluta, uma
vez que não existem palavras com sentidos idênticos.

No campo jurídico há predominância de termos com sentido denotativo,


ou seja, em seu sentido literal ou real, como as palavras “crime” e “delito”. Cada
qual possui o tom afetivo ou expressivo específico, utilizando-o de acordo com o
contexto e necessidade que o discurso exige.

Paronímia ocorre quando há afinidade de palavras de sentido diverso


em relação a outras, quer pela forma gráfica quer pelo som. Tal ocorrência exige
atenção e cuidado, pois são termos parecidos e, por essa razão, geram equívocos
sobretudo na área jurídica. São exemplos de parônimos comuns na linguagem
jurídica:

• Prover: deferir (recurso) ou fornecer algo necessário/ Provir:


originar-se ou proceder.
• Infligir: impor ou aplicar uma pena/ Infringir: desobedecer.
• Mandado: ordem ou determinação judicial/ Mandato: outorga de
poderes de representação ou contrato cujo instrumento é a procuração.
• Elidir: suprimir ou excluir/ Ilidir: refutar ou anular.
• Eminente: insigne ou excelente/ Iminente: próximo a ocorrer.
• Delação: ato de delatar ou indicar autoria/ Dilação: ao de dilatar ou
prologar, por exemplo, um prazo.
• Flagrante: o que acabou de acontecer/ Fragrante: aromático.
• Tráfico: praticar comércio ilegal ou ato de traficar/ Tráfego: fluxo ou
ato de trafegar.

Salientam Trubilhano e Henriques (2019) que há “parentesco” entre


paronímia e paranomásia, que é o “jogo” de palavras com sons semelhantes,
porém de sentidos diferentes. Exemplo: não há que se confundir habeas corpus
com habeas copo ou o clássico “capitão de fragata com cafetão de gravata”.

5 AMBIGUIDADE E VAGUEZA
Como já vimos, na comunicação, “ruído” é considerado tudo aquilo que
pode atrapalhar a mensagem, fazendo com que se torne pouco clara, com duplo
sentido ou mesmo incompreensível, fazendo com que o receptor não compreenda
como deveria o sentido desejado pelo comunicante.

Um dos “ruídos” na comunicação é a ambiguidade. O termo “ambiguidade”


se origina do latim ambiguitas, que significa equívoco ou incerteza. Também sua
origem por ser relacionada ao termo grego amphibolia, que quer dizer duplicidade
de sentido. Portanto, ambiguidade, por sua origem etimológica, pode ser
compreendida como “duplo sentido” de uma mensagem como um todo, de um
termo ou de uma expressão.

55
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

FIGURA 14 – CONCEITO DE AMBIGUIDADE

FONTE: <https://www.dicio.com.br/ambiguidade/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

QUADRO 11 – EXEMPLOS DE FRASES COM AMBIGUIDADE

• João foi atrás do taxi correndo.


Na frase acima a palavra “correndo” é utilizada de tal forma que não é possível ter certeza
sobre o sentido da frase. Afinal: João, correndo, foi atrás do taxi ou João foi atrás do taxi que
passou correndo?
• Antônio sentou no sofá e quebrou o braço.
Na frase a palavra “braço” permite mais de um significado. Afinal: Antônio sentou e quebrou
o braço do sofá ou Antônio ao sentar no sofá quebrou seu próprio braço?

FONTE: <https://www.significados.com.br/exemplos-de-ambiguidade/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

A ambiguidade está presente em todas as formas de comunicação. Observe a


imagem a seguir. São inúmeras as possibilidades de interpretação, uma vez que o
observador, de acordo com o enfoque, tenha distinta interpretação. Afinal, o que
há na figura? Ambiguidade não está presente apenas na linguagem jurídica, mas
em todas formas de linguagem, inclusive as não verbais.

FIGURA 15 – AMBIGUIDADE LINGUAGEM NÃO VERBAL

FONTE: <http://sobreasletras.blogspot.com/2011/05/ambiguidade.html>. Acesso em: 22 abr. 2021.

56
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

Na figura acima, o que você vê primeiro? Tente mostrar a figura para


outras pessoas e verá que serão diferentes as primeiras impressões!!!

Ambiguidade é considerada como um vício de linguagem, isto é, uma


espécie de “desvio” ou inadequação de uso das normas estabelecidas pela língua
portuguesa.

Vícios de linguagem são alterações defeituosas de uma língua padrão,


produzidas por ignorância, descuido ou descaso por parte do emissor.

QUADRO 12 – TIPOS DE VÍCIO DE LINGUAGEM

Tipo Conceito Exemplo


Compania (em vez de
companhia), gor (em vez de
Cacoepia É a má pronúncia de uma palavra
gol), cadalço (em vez
de cadarço);
Récorde (em vez de recorde),
É a troca de acentuação prosódica
Silabada rúbrica (em vezde rubrica),
de uma palavra
íbero (em vez de ibero);
Maizena (em vez de maisena),
É a má grafia ou
Cacografia cidadões (em vez de cidadãos),
má flexão de uma palavra
interviu (em vez de interveio)
Mala leviana (por mala leve),
peixe com espinho (por peixe
Deslize É o mau emprego de uma palavra
com espinha), vultuosa quantia
(por vultosa quantia).
Abuso do emprego de palavras estrangeiras, Abajur, boate, garagem,
grafando-as como na língua de origem. Por coquetel, checape, píteça,
Estrangeirismo princípio, todo estrangeirismo que não possuir xampu, xortes, e não abat-jour,
equivalente adequado em nossa língua deve boite, garage, cocktail, check-
ser aportuguesado. up, pizza, shampoo, shorts
Concordância é o mecanismo pelo qual algumas Houveram eleições (por houve
De
palavras alteram suas terminações para eleições), o pessoal chegaram
concordância
adequar-se à terminação de outras palavras (por o pessoal chegou);
Regência nominal é a relação de dependência
que se estabelece entre o nome (substantivo,
Assisti esse filme (por assisti a
adjetivo ou advérbio) e o termo por ele regido.
esse filme), ter ódio de alguém
De regência A regência verbal estuda a relação que se
(por ter odio a alguém), não lhe
estabelece entre os verbos e os termos que
conheço (por não o conheço)
os complementam (objetos diretos e objetos
indiretos) ou caracterizam (adjuntos adverbiais)
Um dos aspectos da harmonia da frase refere-
se à colocação dos pronomes obliquos átonos. Darei-lhe um abraço (por
Tais pronomes situam-se em três posições: dar-lhe-ei um abraço), tenho
De colocação
- Antes do verbo (próclise): Não te conheço. queixado-me bastante (por
- No meio do verbo (mesóclise): Avisar-te-ei. tenho me queixado bastante)
- Depois do verbo (ênclise): Sente-se, por favor.

FONTE: <https://blog.maxieduca.com.br/vicios-de-linguagem/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

57
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

A ambiguidade é um tipo de vício de linguagem que, embora podendo


ser utilizado em alguns casos como na poesia ou literatura, não é admitido na
linguagem técnica, como é o caso da linguagem jurídica, pela exigência de clareza
e precisão no uso dos termos. Informalmente ou mesmo na linguagem oral
coloquial, a ambiguidade é utilizada e pode denotar até certa simpatia, porém é
necessário estar atento para não ser utilizada no campo jurídico.

No campo do direito, em que surgem controvérsias e conflitos, desacordos


e incertezas, pode frequentemente surgir, exatamente, como veremos mais
adiante, dada a generalidade e abstração da norma jurídica cuja interpretação e
aplicação dependem muito do contexto em que é utilizada.

Podem ser inúmeras as situações em que ocorre ambiguidade, porém


destacaremos algumas a fim de que você as evite.

• Uso indevido de pronome possessivo: pode ocorrer quando há mais de um


sujeito na sentença e o uso de qualquer pronome possessivo pode causar
equívocos. Ex.: O Comandante Cardozo pediu ao soldado Fernandes que
pegasse sua munição. De quem era a munição? Do Comandante Cardozo ou
do soldado Fernandes?
• Colocação inadequada de palavras: quando pela sintaxe da frase há prejuízo
no entendimento. Ex.: O depoente mal-humorado resmungou durante a
audiência. Ser mal-humorado é uma característica do depoente ou foi somente
durante a audiência?
• Uso indevido de formas nominais: ocorre quando a ambiguidade aparece
pelo uso de verbos na forma nominal (gerúndio, particípio ou infinitivo). Ex.: A
testemunha viu Pedro correndo. Quem estava correndo: a testemunha ou Pedro?

A vagueza, de maneira distinta da ambiguidade, é quando um termo ou


expressão se apresenta de maneira incerta ou imprecisa.

FIGURA 16 – CONCEITO DE VAGUEZA

FONTE: <https://www.dicio.com.br/vagueza/>. Acesso em: 22 abr. 2021.

58
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

Sem dúvida, um dos fatores relacionados à vagueza no direito é a própria


dificuldade do legislador em legislar sobre fatos e eventos futuros. A questão que
fazemos na área jurídica diz respeito à vagueza: o direito, por sua natureza, não
possuiria uma linguagem aberta e vaga já que são inúmeras as possibilidades de
sentido da norma jurídica?

DICAS

No campo jurídico há o caso do que se costuma chamar de vagueza conceitual.


Você poderá conhecer o caso do conceito de “concurso de pessoas” especificado no artigo
288 do Código Penal brasileiro. Leia mais em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.
br/artigos/295703564/a-vagueza-conceitual-e-o-delito-de-associacao-criminosa.

Em síntese, existem diversos fatores que prejudicam a comunicação,


dentre os quais, a ambiguidade e a vagueza. A primeira é definida como uma
incerteza designativa e ocorre quando coexistirem dois ou mais significados. A
ambiguidade pode ser de vários tipos, como o caso de palavras iguais na forma,
mas de origem, gênero e significados diferentes, homônimos. Ex.: “peça” (parte
de um instrumento/mecanismo ou juridicamente parte de um processo judicial –
peças processuais).

Já a vagueza, por sua vez, não há precisão para sua aplicabilidade porque
existem inúmeras possibilidades em que ocorre e depende do contexto. No caso
do direito, especificamente, há o caso de vagueza normativa. Ex.: o artigo 5°
da Constituição Federal estabelece no inciso LXXVIII que “a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O que é “razoável duração
do processo”? O que é aceitável? O que é sensato? Na prática, cabe ao Poder
Judiciário estabelecer o que é razoável para si. É um parâmetro que depende da
atuação dos advogados, que devem exigir a garantia de um direito constitucional
líquido e certo e do próprio Judiciário, como poder público que tem o dever em
observar os padrões mínimos de razoabilidade para não permitir que um direito
possa perecer.

59
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

LEITURA COMPLEMENTAR

“A ELITIZAÇÃO DA LINGUAGEM JURÍDICA COMO OBSTÁCULO AO


ACESSO À JUSTIÇA”

Renata Martins de Sousa

A possibilidade de todos terem acesso, sem restrições, à tutela jurisdicional


constitui uma das grandes preocupações da sociedade contemporânea.

Cappelleti e Garth (1988, p.12) destacam que o acesso à Justiça pode ser
encarado "como o requisito fundamental — o mais básico dos direitos — de um sistema
jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não proclamar os direitos de todos".

A ideia de acesso à Justiça, que tomou relevo sobretudo no bojo do Estado


Social, não implica, porém, apenas possibilitar o acesso à Justiça como instituição
estatal, mas também viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (GRINOVER, 1996,
p. 115-116).

Dada a relevância da matéria, o acesso à Justiça, ao menos em tese, é um


direito humano consagrado pela grande maioria das Constituições. No Brasil, o
citado direito encontra-se previsto no artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal,
segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito".

Contudo, a despeito de sua previsão  no plano formal, não há como


desconsiderar a existência de inúmeros obstáculos que tendem a refletir
diretamente na capacidade de efetividade de tal direito. Nesse sentido, a título de
mera ilustração, cabe mencionar que o próprio hermetismo da linguagem jurídica
pode figurar como um instrumento de cerceamento do amplo acesso à Justiça.

Quanto a isso, convém lembrar que a linguagem e o Direito, como


práticas sociais, são elementos interligados, não se questionando o fato de que
o discurso jurídico no país, geralmente estabelecido por meio de linguagem
formal (expressões técnicas), torna-se inacessível à maioria das pessoas, o que
leva alguns a denunciar que a matriz liberal do Direito se ocupa, assim, de ocultar
a realização de propósitos autoritários.

A própria análise das obras da literatura brasileira, que se ocupam das


razões que operam a marginalização e a exclusão social no país, facilita no
processo de compreensão do uso erudição da linguagem jurídica no Brasil. Nessa
lógica, cumpre destacar, que ao tratar da formação do patronato político-jurídico
no país, o sociólogo Raymundo Faoro (2001, p. 885), além de advogar que as
especificidades brasileiras decorreriam de sua herança lusitana, também apresenta-nos
uma concepção de que o estamento patrimonial continua a controlar o Estado

60
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

brasileiro segundo interesses particularistas, fazendo perpetuar um sistema de


privilégios no âmbito do aparelho estatal, inclusive por meio do emprego do
formalismo jurídico, traduzido, em grande medida, por leis, retóricas e elegantes,
criadas dentro de uma estrutura tendenciosa a concentrar o poder político nas
mãos de poucos. Sintetizando tais ideias, destaca o sociólogo:  "O poder — a
soberania nominalmente popular — tem donos, que não emanam da nação, da sociedade,
da plebe ignara e pobre" (FAORO, 2001, p. 885).

Nessa linha de reflexão, é possível apontar que, no Brasil, além dos


obstáculos diretamente relacionados às desigualdades sociais que, há muito,
protraem-se no tempo, o próprio tecnicismo da linguagem, aliado ao uso
de vestes talares nos tribunais e o uso das formalidades excessivas dos ritos
judiciários,  também  corrobora para o afastamento do cidadão comum das
instâncias do Judiciário e, por conseguinte, do pleno acesso à Justiça.

Deveras, a linguagem rebuscada da legislação e seu distanciamento


da linguagem coloquial, além de impedir a necessária comunicação entre os
jurisdicionados, por vezes também implica em dificuldade de compreensão
por parte dos próprios profissionais da área jurídica. Senão vejamos. Em meio
a um julgamento, o magistrado de Barra Velha, comarca de Santa Catarina, teria
proferido a seguinte ordem: "Encaminhe o acusado ao ergástulo público" (Jornal Folha
de São Paulo, 23/1/2005, com adaptações). A sofisticação da linguagem por parte
do magistrado, Ricardo Roesler, impossibilitou que sua ordem fosse cumprida de
imediato,  dada a ausência de compreensão por parte dos servidores do Poder
Judiciário acerca do sentido e significado da expressão  "ergástulo"  —  palavra
arcaica usada como sinônimo de cadeia. Quando Roesler descobriu que nem seus
subordinados entendiam o que ele falava, decidiu substituir os termos pomposos
e os em latim por palavras mais simples.

Em meio a tal contexto, marcado pela vagueza e violência simbólica


do estilo hermético que muitas vezes se transmuda em exercício de poder e
intimidação contra os mais humildes, propõe-se a  adequação da linguagem
jurídica na interlocução das partes processuais, com vista a possibilitar mudanças
progressivas no universo do Direito.

Com efeito, o fomento ao emprego de técnicas processuais amparadas


na simplicidade e informalidade, contribuem para o empoderamento de grupos
oprimidos e a garantia de seus direitos, além de propiciar a interação das pessoas
comuns com a cultura jurídica e estimulá-las a deliberar e apresentar seus
argumentos no processo decisório, refutando concepções paternalistas e elitistas.

Ao destacarem a necessidade de a Constituição ser levada a sério pela


sociedade, ponderam Soares e Barros, citando Pablo Lucas Verdú (VERDÚ,
1998  apud  SOARES; BARROS, 2014, p. 163), que o sentimento constitucional
se manifesta como "expressão de afeição do cidadão pela justiça e pela equidade,

61
UNIDADE 1 — LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA

relacionando-se diretamente à norma fundamental, pois esta dispõe sobre valores como
liberdade". Daí surge a necessidade de se encontrar mecanismos aptos a incorporar
as pessoas que não têm acesso à justiça, repensando as instituições para o povo,
para o qual a Constituição foi criada.

Logo, estando assentado que o cidadão comum deve integrar a ordem


jurídica, não podendo figurar como mero espectador, resta comprovada a
relevância da simplicidade da linguagem jurídica, que pode figurar como
mais uma ferramenta de emancipação de enorme contingente de pessoas que
encontram obstáculos quanto ao acesso à Justiça.

Ressalte-se, nesse sentido, o trabalho desempenhado pela Defensoria


Pública, instituição ligada ao sistema de Justiça que, calcada na expansão da
cidadania, além de prestar o serviço de assistência jurídica integral aos vulneráveis,
encontra-se diretamente comprometida com a democratização e pluralização
do acesso à Justiça, priorizando a clareza e transparência na comunicação com
seus assistidos.

À luz do princípio da dignidade humana, a Defensoria não se presta apenas


ao patrocínio judicial da causa dos necessitados (condição que deve ser aferida do
ponto de vista não apenas econômico, mas também social e organizacional), uma
vez que também é responsável pela orientação extrajudicial de enorme parcela
da população, fomentando a participação popular, possibilitando a prevenção
de litígios e educando grupos vulneráveis na consolidação de seus direitos e
garantias fundamentais.

Assim, no intuito de franquear o acesso à Justiça a todos, bem como a


necessária acessibilidade ao seu público-alvo, afastando-se do cientificismo
exacerbado, a instituição prima pelo emprego da linguagem coloquial,
reconhecendo que esta exerce um papel indispensável na constituição significativa
do mundo e do próprio Direito.

Cabe, nesse aspecto, citar  iniciativas simples tomadas por órgãos de


execução da Defensoria de todo o país, capazes de ilustrar a atuação da instituição
no papel de educação em direitos e promoção da inclusão, por meio da linguagem.
A Defensoria Pública do Estado da Bahia, por exemplo, lançou no fim do ano de
2019 cartilha que trata dos direitos das pessoas com deficiência, objetivando criar
condições para que os cidadãos possam ocupar mais os espaços de reivindicação
e de construção de políticas públicas. A publicação busca sintetizar em linguagem
acessível o rol das garantias legais do público das pessoas com deficiência,
como o direito à saúde, à mobilidade, educação, trabalho, previdência, lazer,
acessibilidade, entre outros.

Seguindo a mesma trilha, a Defensoria Pública do Estado do Pará lançou,


no mesmo período, o Manual de Direitos do Cidadão na Abordagem Policial. A
ideia partiu de uma demanda exposta por movimentos sociais, em decorrência de

62
TÓPICO 3 — VOCABULÁRIO JURÍDICO

algumas abordagens policiais que possivelmente violaram os direitos humanos.


Como foi solicitado pelas lideranças, o manual é acessível e possui uma linguagem
simples, tendo por finalidade permitir que os cidadãos entendam os seus direitos
diante de tal situação.

Os casos acima retratados revelam a preocupação por parte da Defensoria


em educar a população, por meio de linguagem acessível para o alcance de todos,
além de reconhecer na alteridade um pressuposto filosófico relevante e capaz de
fundar um discurso que reconhece os invisíveis como humanos, empreendendo
esforços para assegurar aos seus assistidos patamares mínimos necessários de
tutela da dignidade humana.

Por derradeiro, medidas como essas tornam-se necessárias para gerar


conhecimento e condições para superação de problemas sociais e estruturais da
sociedade brasileira, identificando e combatendo situações de opressão e violação
de direitos humanos, além de alçar os indivíduos  à condição de verdadeiros
cidadãos.

Com base nas considerações tecidas, necessário identificar que o Judiciário


e as instituições que integram o sistema de Justiça devem perder seu isolamento
e articular-se com a sociedade civil, priorizando o emprego de uma linguagem
acessível e menos elitizada, de forma a  contribuir para fazer minimizar as
injustiças ocorridas à luz de uma ordem constitucional e para a construção de
uma Justiça de proximidade, assegurando ao cidadão comum condições de poder
se expressar juridicamente, com base em mecanismos postos à disposição.
 
FONTE: <https://www.conjur.com.br/2020-set-29/tribuna-defensoria-elitizacao-linguagem-
juridica-obstaculo-acesso-justica>. Acesso em: 22 abr. 2021.

63
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A linguagem jurídica utiliza termos com sentido específico, porém são palavras
que não são exclusivamente jurídicas, o que produz polissemia, que ocorre
quando uma palavra comporta múltiplos significados jurídicos e não jurídicos.

• A polissemia, na linguagem jurídica, ocorre de maneira interna e externa. A


primeira é quando há mais de um significado jurídico e a segunda quando o
termo possui um sentido jurídico e outro na linguagem coloquial.

• Homonímia é quando as palavras possuem a mesma grafia ou a mesma


pronúncia, porém com significados diferentes cujo conhecimento evita
consequências não desejadas no mundo jurídico.

• A sinonímia e paronímia são vícios de linguagem que no direito ocorrem


comumente, mas devem ser reconhecidos e bem utilizados, quando for o caso,
no mundo jurídico.

• A ambiguidade e a vagueza, embora estando presente em todas formas de


comunicação, no campo do direito onde surgem controvérsias e conflitos,
desacordos e incertezas podem surgir que depende do contexto em que incide.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

64
AUTOATIVIDADE

1 A linguagem jurídica utiliza termos com sentido específico, porém utilizando


palavras que não são exclusivamente jurídicas, o que gera a polissemia.
Polissemia é quando uma palavra comporta múltiplos significados tendo
sentido jurídico como não jurídicos. A polissemia no campo jurídico ocorre
de duas maneiras, quais sejam: polissemia externa e polissemia interna.
Acerca do conceito de polissemia interna, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) É aquela que ocorre quando a palavra possui o mesmo significado na


linguagem jurídica e na coloquial.
b) ( ) É quando um termo possui mais de um significado jurídico.
c) ( ) Ocorre quando a lei estabelece o sentido do termo jurídico.
d) ( ) Quando a palavra possui a mesma grafia e mesma pronúncia.

2 Homonímia é um vício de linguagem que ocorre quando as palavras


possuem a mesma grafia ou a mesma pronúncia, porém com significados
diferentes. Podem ocorrer de duas formas: homônimos e homógrafos.
Quanto aos homônimos homógrafos, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) São definidos como as palavras que possuem a mesma grafia com


sentidos distintos.
b) ( ) São as palavras ou termos jurídicos com a mesma grafia e mesmo
sentido.
c) ( ) São os termos jurídicos escritos em latim.
d) ( ) São as palavras jurídicas utilizadas no sentido coloquial.

3 Considere a seguinte afirmação:

“Aberta a temporada de caça a um antigo inimigo da Justiça, que a corrói


por dentro tanto quanto a morosidade nas sentenças e a estrutura arcaica dos
tribunais. É o juridiquês, o uso de um português arrevesado, palavrório cheio
de raciocínios labirínticos e expressões pedantes.
O vetusto vernáculo manejado no âmbito dos excelsos pretórios, inaugurado a partir
da peça ab ovo, contaminando as súplicas do petitório, não repercute na cognoscência
dos frequentadores do átrio forense.”

FONTE: <https://www.estrategianaadvocacia.com.br/artigos2.asp?id=156#.X6G2gflKjIU>.
Acesso em: 22 abr. 2021.

A afirmação refere-se ao chamado “juridiquês”, que é o uso excessivo


e desnecessário de uma linguagem rebuscada. Escreva como esse vício
linguístico comum no mundo jurídico impede o acesso à justiça.

65
REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 49. ed.
São Paulo: Loyola, 2007.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz,


10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

BRASIL. Lei n° 13.05 de 16 de março de 2015. Disponível em: Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso
em: 20 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 20 abr. 2021.

BRASIL. Lei n° 6015 de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acesso em: 20 abr. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n° 3.914, de 9 de dezembro de 1941. Disponível em: http://


www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 abr. 2021.

IHERING, R. V. A luta pelo direito (der kampf um´s Recht). Tradução de João
Vasconcelos. São Paulo: Forense, 2006.

KELSEN, H. O que é Justiça? 3. ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001. p. 231-232.

PETRI, M. J. C. Manual de Linguagem Jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

REALE, M. O Direito como experiência: introdução à


epistemologia jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

SANTOS, L. dos. Dimensões linguísticas e não linguísticas: o limite das


palavras. 2018. Disponível em: https://www.webartigos.com/index.php/artigos/
dimensoes-linguisticas-e-nao-linguisticas-o-limite-das-palavras/155886. Acesso
em: 20 abr. 2021.

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1972.

TELLES JÚNIOR, G. Tratado da Consequência: curso de Lógica Formal. 5. ed.


São Paulo: Bushatsky, 1980.

TERRA, E. Linguagem, língua e fala. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

TRUBILHANO, F., HENRIQUES, A. Linguagem Jurídica e Argumentação:


teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas editora, 2019.
66
UNIDADE 2 —

LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO
JURÍDICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• diferenciar oratória de retórica;


• identificar os fatores relevantes de oratória e retórica;
• compreender a relevância da oratória jurídica para o exercício da
atividade profissional na área jurídica;
• definir a retórica enquanto arte e habilidade adquirida pelo orador de
forma a se comunicar de maneira clara e eloquente a fim de persuadir;
• compreender a origem e construção histórica da retórica desde a
Antiguidade grega, seu legado e redefinição pela linguística moderna e
contemporânea;
• conceituar a argumentação como processo de estruturação de um
raciocínio lógico e coerente que tem como propósito convencer alguém
para modificar seu comportamento ou opinião;
• identificar os diferentes elementos que constituem a argumentação;
• diferenciar os tipos de argumentos mais utilizados de acordo com a
finalidade;
• conceituar e diferenciar as falácias argumentativas compreendidas como erros
lógicos, conscientes ou não, que conduzem a pré-compreensões equivocadas
produzindo preconceitos ilegítimos, estereótipos e más decisões;
• compreender as diferentes figuras de linguagem enquanto estratégias
utilizadas pelo orador;
• definir a argumentação jurídica como estratégia específica de convencimento;
• identificar o processo de construção do processo argumentativo no direito
com vistas a produzir um resultado válido juridicamente;
• relacionar lógica e argumentação de forma a compreender a elaboração
de premissas válidas e conclusões jurídicas adequadas;
• compreender o direito como um sistema lógico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

TÓPICO 2 – ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS


CARACTERIZADORES

TÓPICO 3 – DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

67
CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

68
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios das civilizações humanas encontramos registros de
uso da oratória como instrumento persuasivo. A oratória é definida como um
conjunto de habilidades que permitem falar com desenvoltura e eloquência,
demonstrando conhecimento e domínio do conteúdo da mensagem.

Neste primeiro tópico, estudaremos os elementos que caracterizam


a boa oratória, tais como a dicção, entonação e gesticulação que permitem ao
orador transmitir uma mensagem de maneira agradável e convincente, que são
importantes instrumentos para o profissional da área jurídica.

Ainda, você conhecerá alguns dos grandes oradores da história. Procure


observar as técnicas utilizadas. Lembre-se de que a oratória é uma habilidade que
pode ser adquirida e aprimorada.

2 ORATÓRIA
Não é incomum os termos oratória e retórica serem equivocadamente
utilizados como sinônimos, uma vez que ambos possuem conceitos semelhantes
e estão relacionados com a habilidade de comunicação.

Como veremos a seguir, a retórica é mais abrangente e é independente da


existência de uma plateia, e tem o claro objetivo de persuadir o público. Alguém
que possua boa retórica pode se comunicar não estando necessariamente diante
de um público.

Define-se a oratória como a arte de bem falar em público, de forma eloquente


e é uma forma específica de comunicação. É uma habilidade comunicar-se com
confiança e clareza. Portanto, ter boa oratória é fundamental para se expressar de
maneira convincente.

Entretanto, oratória não é somente falar bem em público. Existem fatores


com determinam a maneira com que um discurso é recebido pelo público. O tom
de voz, a expressão facial, a postura e a linguagem corporal implicam diretamente
na boa comunicação. Portanto, o bom orador se comunica bem utilizando tanto a
linguagem verbal como a não verbal.

69
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A oratória é considerada um conhecimento específico constituído por


meios e regras através das quais se chama a atenção e influencia o público
ouvinte. Se é um conhecimento pode ser aprendido através do domínio de
técnicas específicas.

Como já estudado, a comunicação é a transmissão de uma mensagem


para um receptor. Receptor poderá ser tanto uma multidão como um pequeno
grupo de indivíduos. A oratória independe do número de receptores, mas sim da
capacidade de convencimento do orador.

Quais são os principais fatores relacionados à oratória? Todo discurso tem


seu início com um bom planejamento. É necessário escolher adequadamente o
conteúdo que possa ser desenvolvido no tempo estipulado para a apresentação.
O que será dito deve ser selecionado considerando o impacto que deverá causar
nos ouvintes e que possa ser interessante e compreendido.

Chegada a hora de falar em público, quais fatores são relevantes?

• Dicção: é a forma como o orador articula e pronuncia as palavras. Porém, a


boa dicção não significa que o indivíduo não se expresse de maneira adequada
porque é comum a dificuldade na pronúncia de certas palavras. Muitas vezes
são pequenos erros que podem estar relacionados aos hábitos de linguagem de
uma determinada cultura.

FIGURA 1 – E QUANDO A LÍNGUA “TRAVA”? COMO TER BOA DICÇÃO?

FONTE: <https://www.estudokids.com.br/20-trava-linguas-folclore/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

São inúmeras as técnicas que podem ser utilizadas para “destravar a


língua” e adquirir uma boa dicção. Os fonoaudiólogos ensinam que é necessária
uma boa respiração e aquecimento dos músculos do rosto e da língua com alguns
pequenos exercícios diários, como falar trava-línguas, uma espécie de brincadeira
que devem ser ditos inicialmente devagar e depois ir acelerando. São frases
populares tais como: "Sabendo o que sei e sabendo o que sabes e o que não sabes e
o que não sabemos, ambos saberemos se somos sábios, sabidos ou simplesmente
saberemos se somos sabedores."

70
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Outro bom recurso é a leitura em voz alta de textos e poemas clássicos e


a escrita. Vamos conhecer como essas técnicas foram utilizadas por Demóstenes,
o orador gago.

FIGURA 2 – DEMÓSTENES, O GRANDE ORADOR GAGO

FONTE: <https://amenteemaravilhosa.com.br/demostenes-grande-orador-gago/>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

No breve texto a seguir, você conhecerá a história de Demóstenes, um dos


maiores oradores de todos os tempos e que teve que superar suas dificuldades
físicas com sacrifícios inimagináveis para atuar de forma brilhante nos antigos
tribunais gregos. É um exemplo que nos inspira.

NTE
INTERESSA

Na fantástica e emocionante história da oratória através dos tempos, o grego


Demóstenes certamente foi o maior de seus personagens, porque, sem dúvida, quem mais
sacrifícios pessoais fez para realizar seus sonhos e objetivos.

Nasceu em 333 Antes de Cristo. Era filho de um rico industrial, falecido quando
tinha apenas 07 anos de idade. Órfão, ficou sob a tutela de parentes que acabaram
dilapidando parte de sua fortuna.

Aos 14 anos, pela permanente e dedicada leitura, já possuía instrução cultural


suficiente para compreender, inclusive, a linguagem prolixa de Calístrato, um dos mais
veementes oradores da época.

Como habilidosa técnica de aprendizagem dos segredos de falar em público,


copiava pacientemente a história de Thucydides, orador famoso pela sonoridade das
suas palavras.

71
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

E, por não preencher, ainda, os requisitos necessários para se tornar advogado e falar
nos Tribunais, Demóstenes se tornou escritor de discursos pronunciados por outros oradores.

Interessante é que, nessa condição, podia pedir a palavra depois do cliente, para
esclarecimentos. Sua sofrível dicção, porém, não o ajudava muito.

Nervoso na tribuna, se perturbava, se confundia, e provocava risos nos ouvintes. Além


disso, tinha peito fraco, articulação defeituosa, e o estranho vício de levantar constantemente
uma das espáduas, sendo por isso várias vezes, vaiado e ridicularizado em público.

Mas, não desistiu. Tinha uma meta a cumprir.

Disposto a vencer, procurou fortificar os pulmões com exercícios físicos diários.


A gagueira nervosa, dominou falando ao mar, à exaustão, com seixos na boca. E, para tirar
o vício de levantar descontroladamente o ombro, ficava debaixo da ponta de uma espada
dependurada, ferindo-se, a sangrar, cada vez que a tocava.

O mais comovente é que, para não se distrair no esforço de vencer as dificuldades


desse dramático treinamento, fechava-se num subterrâneo e mandava raspar seu cabelo
e barba, para que, por qualquer motivo, não se sentisse tentado a ir para as ruas, já que
pessoalmente inadequado à vida social da época.

Ao mesmo tempo, o grande amigo Satyros, famoso comediante, ensinava-lhe a


pronúncia exata das palavras, a ação e tom de falar em voz alta, e a arte da declamação.

Seu esforço não foi em vão. Demóstenes não apenas venceu os defeitos físicos,
como aprendeu a falar corretamente, tornando-se o mais completo orador da Grécia, e o
maior exemplo de tenacidade em todos os tempos.

Certo, pois, que o bom orador não nasce feito. Ao contrário, é natural consequência
de paciente e permanente treinamento das regras de comunicação.

FONTE: <https://www.abracrim.adv.br/artigos/um-historico-exemplo-de-persistencia-e-
superacao-demostenes-o-maior-orador-da-grecia-antiga>. Acesso em: 26 abr. 2021.

• Gesticulação: seguramente, você já ouviu a frase: “o corpo fala” e o que isso


significa? Ao nos comunicarmos, temos posturas corporais para, na maioria
das vezes, inconscientemente, darmos ênfase ao que falamos.

O que fazemos com o corpo expressa nosso domínio emocional. Como


usar as mãos? A cabeça deve ser mantida erguida? Andar ao falar é necessário?
Não há uma fórmula pronta para todas as situações e pessoas, mas é necessário
dar atenção à postura.

72
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

FIGURA 3 – LINGUAGEM CORPORAL

FONTE: <http://linguagemdocorpo.blogspot.com/2008/10/captulo-12-aplicaes-prticas.html>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

A gesticulação deve ser sempre moderada e natural, sem exageros e deve


estar em sintonia com a fala. Há que se considerar o tamanho do público e seu
nível intelectual. Para um número menor de pessoas e com maior intelectualidade
não é recomendável muita gesticulação. O olhar é uma linguagem corporal
relevante para a boa comunicação. Para que o público se sinta parte da exposição
é necessário que de direcione o olhar para cada uma das pessoas. Enfim, o bom
orador utiliza os gestos corporais como importante meio de comunicação.

• Intensidade de voz: você já deve ter notado que as pessoas tímidas falam em
tom de voz baixo e, em alguns casos, chega a ser inaudível. O bom orador
sabe dosar o tom de voz de acordo com a mensagem. A entonação vocal é
um instrumento muito poderoso para o convencimento. A altura, velocidade e
impostação da voz são medidores de uma boa comunicação. Falar aos berros
cria bloqueios e ruídos na comunicação da mesma forma que falar muito
devagar gera desinteresse e desestímulo para o público.

Ao longo da história, os grandes líderes ganharam destaque e arrastaram


multidões pelo poder da oratória. Vamos conhecer a capacidade de convencimento
de importantes personagens da história e as técnicas utilizadas por cada um deles.

73
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

• Nelson Mandela e a pausa no discurso: Rolihiahia Dalibhunga Mandela


(1918-2013), filho de importante chefe tribal, ao iniciar seus estudos recebeu o
nome inglês de “Nelson” e teve acesso a importantes escolas para negros da
elite, tendo ingressado no curso de Direito em 1939, mas o abandonou para
se dedicar à luta contra o regime político de segregação racial na África do
Sul. Em 1964 foi condenado à prisão perpetua até que, em 1984, por pressão
internacional é proposto acordo para trocar a liberdade pelo abandono
da militância política, mas ele se manteve firme a seus ideais. Em 1990 foi
libertado e, em 1994, Mandela conquistou as eleições multirraciais, tornando-
se presidente da África do Sul. Seus discursos eram repletos de pausas, dando
a impressão de reflexão.

DICAS

Veja o discurso de posse de Mandela “chegou o momento de construir”.


Observe as pausas ao falar em reconciliação, paz e harmonia.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ircG8scNUWg&feature=emb_title.

• Martin Luther King e a repetição: King (1929-1968) foi importante ativista


na defesa dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos da América. Filho
de pastores da Igreja Batista seguiu o mesmo caminho após formar-se em
Teologia. Defensor da igualdade racial provocou a ira de autoridades e grupos
racistas como a Ku Klux Klan que, com violência, atacavam os militantes
da luta antirracial. Um de seus discursos mais famosos - I have a dream (eu
tenho um sonho) - foi em 1963, quando liderou uma marcha sobre a cidade de
Whashington reunindo 250 mil pessoas. Foi assassinado no dia 04 de abril de
1968 na cidade de Memphis.

DICAS

Conheça dois discursos de Martin Luther King. O discurso “eu tenho um sonho”.
Além da belíssima e humanitária mensagem na defesa da igualdade, observe a repetição
com ênfase e repetição da frase “eu tenho um sonho”.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aWlhPFHOl-Y.

Outro discurso de King no mesmo estilo e comovente é seu último discurso


conhecido como “eu estive no topo da montanha”, proferido dias antes de ser assassinado.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RWlSc63xkfk.

74
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

• Charlie Spencer Chaplin e o poder da oratória na crítica contra o nazismo:


Chaplin, (1889-1977) além de ator, escritor, comediante e diretor de cinema,
destacou-se como um grande orador. No filme O grande ditador, de 1940, profere
um dos belos discursos contra o nazismo, o fascismo e regimes autoritários em
geral. É um discurso extremamente atual no qual são utilizadas as diversas
formas de linguagem demonstrando inigualável oratória.

DICAS

Conheça o discurso de Charles Chaplin feito no filme O grande ditador.


Observe o domínio das palavras, a mudança de tom de voz, o olhar e gestos corporais.
Sem dúvida, além do conteúdo sensível e autêntica declaração em defesa da liberdade é
autêntica lição de oratória.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K2K9519Upe.

3 A ORATÓRIA NO CAMPO JURÍDICO


Após o estudo inicial da oratória, você já percebeu sua importância para
o profissional do ramo do direito. É uma ferramenta essencial para a atividade
jurídica. Sua importância é reconhecida no próprio Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil (BRASIL, 1994) em seu artigo n° 7, que estabelece as
situações em que o advogado deve se manifestar oralmente:

IX- sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo,


nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância
judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se
prazo maior for concedido.
X- usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal,
mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou
dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações
que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou
censura que lhe forem feitas;
XI- reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo,
tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei,
regulamento ou regimento;
XII- falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação
coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo
(BRASIL, 1994, p. 3).

No cotidiano, o profissional do direito obriga-se a usar a oratória para


expor seus argumentos, influindo diretamente na decisão de um processo judicial.
Neste sentido, expõe Bradi (apud  CAVALCANTI, 1999, p. 12): “Dominando
a “arte da oratória”, podemos informar comunicar ideias, defender, refutar,
realizar discursos ou falar com propriedade. São essas oportunidades que fazem
da oratória uma arte sempre atual, cujo conhecimento tanto é imprescindível
para o triunfo social quanto para promover o próprio trabalho”.
75
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Evidentemente, se o profissional do direito não souber organizar suas


ideias e expô-las de maneira ordenada, objetiva e clara estará colocando em
risco a concretização da justiça no caso concreto, isso porque é uma atividade
profissional que depende da capacidade de bem falar.

A chamada oratória forense é aquela utilizada no cotidiano dos tribunais,


seja na sustentação oral ou mesmo na sustentação de um recurso. Ainda nas
audiências, o profissional do Direito necessita fazer intervenções a fim de
esclarecer dúvidas ou equívocos que podem interferir diretamente no julgamento
de uma causa ou mesmo replicar afirmações que, no seu entender, devem ser
contestadas, usando-se a expressão “pela ordem”.

NOTA

A diferença das expressões “questão de ordem” e


“pela ordem” no Tribunal do Júri

Na maior parte de um júri, a defesa passa sentada na sua bancada como mera
expectadora do julgamento. Legalmente, falará por no máximo duas horas e meia
(art. 477 do CPP). Ocorre que há situações em que se deve invocar a palavra da bancada para
não só garantir a plenitude de defesa, mas também a plenitude do exercício profissional,
sendo elas as seguintes:

1. "Questão de ordem"
O mecanismo da “questão de ordem” serve para suscitar questões de direito, principalmente
quando o advogado se depara com alguma ilegalidade. A palavra deve ser requerida ao
juiz, que, em razão do advogado arguir “questão de ordem”, deve lhe conceder a palavra
para que a fundamente, ou seja, indique qual o dispositivo legal está sendo violado e em
razão de quais motivos. No Tribunal do Júri, o fundamento dessa situação está previsto
no art. 497, X, do CPP, que prevê, como atribuição do juiz presidente resolver as questões
de direito  suscitadas  no curso do julgamento. O advogado deve sempre requerer que
a “questão de ordem” por ele suscitada seja registrada em ata, com fundamento no art. 495,
incisos XIV e XV, do CPP, tendo em vista que, se não estiver registrada, haverá grande
probabilidade de ser considerada preclusa, por inobservância ao art. 571, VIII, do CPP.

2. "Pela ordem"
É extremamente comum o termo “pela ordem” ser usado como se fosse “questão de
ordem”, de modo que, embora, por costume, sejam utilizadas como se sinônimas fossem.
Tecnicamente não o são. O mecanismo do uso da palavra “pela ordem” é uma prerrogativa
do advogado prevista no art. 7°, inciso X, da Lei n. 8.906/94. Trata-se do uso da palavra
mediante “intervenção sumária”, ou seja, para falar “pela ordem”, é desnecessário que o
juiz conceda a palavra, deve-se simplesmente fazer a manifestação. Logo, se a palavra do
advogado for cassada ou o juiz presidente negar uma questão de ordem que o advogado
entenda estar ligada ao seu exercício profissional, pode utilizar a palavra “pela ordem”.

FONTE: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/780414463/questao-de-ordem-e-
pela-ordem-voce-sabe-quando-se-deve-usa-las-no-tribunal-do-juri>. Acesso em: 26 abr. 2021.

76
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

FIGURA 4 – COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI

FONTE: <https://patperruchi.jusbrasil.com.br/artigos/398816176/tribunal-do-juri>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

É no plenário do Tribunal do Júri, conhecido também como Júri Popular,


que promotor e advogado têm a oportunidade de demonstrarem a capacidade
de oratória, uma vez que um dos princípios que rege esse instituto do direito
processual penal é a oralidade.

Através dos discursos tanto da defesa como a acusação, as teses são


apresentadas aos jurados que compõem o Conselho de Sentença, os quais, após
ouvirem a instrução no plenário, que é basicamente interrogatório do réu, leitura
de peças processuais quando necessário, oitiva de testemunhas e a atuação da
acusação e da defesa, decidem sobre a inocência ou culpa do acusado.

No Tribunal do Júri, os profissionais do direito não apenas utilizam a


linguagem jurídica, mas utilizam de recursos de oratória, entendido por leigos
equivocadamente como mera teatralização, para persuadir o Conselho de Sentença.

O uso adequado do tempo para a apresentação das teses expressas


nos argumentos defendidos oralmente são verdadeiros confrontos em que são
combinadas fortes emoções, conhecimento jurídico e domínio de oratória.

Inúmeros são os juristas que se destacaram e se destacam na atuação


do Tribunal do Júri pela capacidade de convencimento, mas de todos, Evandro
Lins e Silva é inigualável. Atuando na defesa de casos polêmicos, dono de uma
oratória ímpar, foi um defensor incansável da justiça e do direito, deixando claro
que a defesa, por pior que seja o delito, não é mais importante que “dar voz” a um
acusado inocente ou criminoso culpado.

77
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 5 – EVANDRO LINS E SILVA: O JURISTA BRASILEIRO DO SÉCULO

FONTE: <https://canalcienciascriminais.com.br/a-defesa-tem-a-palavra-algumas-consideracoes-
sobre-a-ausencia-de-preparacao-de-advogados-para-atuarem-perante-o-tribunal-do-juri/>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

Conheça brevemente, no texto a seguir, a história inspiradora de Evandro


Lins e Silva, nascido em 18 de janeiro de 1912, na cidade de Parnaíba, Estado
do Piauí, e bacharelado em 1932, pela antiga Universidade do Rio de Janeiro,
na Faculdade de Direito, especializando-se na matéria penal, militando durante
muitos anos nos tribunais brasileiros.

QUADRO 1 – HISTÓRIA DE EVANDRO LINS E SILVA

A defesa tem a palavra, pela honra e liberdade brasileira

Sua caminhada foi árdua, para naquela época, discordar da ditadura de


Vargas, ser perseguido e ainda ser reconhecido como talentoso profissional.
Defendendo presos e acusados políticos, o que demonstrava com veemência
a sua afeição pela independência e a liberdade política. Como ministro não
se curvou diante da sociedade norte-americana, que usavam como pretexto
a tentativa de evitar a expansão do comunismo, tornando o Brasil alheio aos
avanços e a liberdade política, Evandro se manteve firme em favor do regime
democrático, pois era socialista e democrata, e sonhava com um mundo menos
injusto, e esse não era o ideal norte-americano, e aí se concentrava esse choque
de idealização.
Sua impecável dignidade e firmeza renderam a Evandro inúmeras
oportunidades, das quais ele aproveitou de maneira espontânea, buscando
sempre a defesa da Honra e da Liberdade do Brasil, então dentro dessa cheia
profissão cheia de árduas surpresas, Evandro ao prestar um depoimento
pessoal que foi republicado em 1° de fevereiro de 2012 no Instituto dos
Advogados Brasileiros na sessão comemorativa do centenário de nascimento
de Evandro Lins e Silva, O Pensamento Vivo de Evandro Lins e Silva (2012, p.

78
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

8), nos disse: “Nestes sessenta anos, como advogado, não fiz outra coisa senão
repetir a sina de Sísifo, em todos os pretórios, defendendo a liberdade alheia.
Trabalhei muito, empurrei a pedra da lenda para levá-la ao topo da montanha,
e, quando lá chegava, descia outra vez para empurrá-la de novo. Tem sido um
esforço incessante, durante toda a vida”.
Evandro ao ser questionado acerca da defesa de casos polêmicos deixou claro
que a defesa por pior que seja o delito não é menos importante que à satisfação
da moralidade pública e que esta tem a função de estar ao lado do acusado
inocente ou criminoso a voz dos seus direitos legais. E deixa claro que a Voz do
Direito no meio da paixão pública é suscetível de se demasiar, até mesmo pela
exaltação da sua própria nobreza, e tem aí a missão sagrada nesses casos de
não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica
em extermínio cruel.
Sua concepção mostrou sempre que todo indivíduo independente do ocorrido
tinha direito a defesa, e Evandro ao longo de sua caminhada se mostrou aberto
para defender os mais diferentes tipos de casos, com sua injusta aposentadoria
consolidou sua carreira polêmica ao defender o a causa de Raul Fernando do
Amaral Street, o famoso e polêmico caso  Doca Street, em que o acusado em
30 de novembro de 1976 na praia dos Ossos em Búzios, matou Ângela Maria
Fernandes Diniz, o então acusado de homicídio qualificado por motivo torpe,
meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima, e Evandro não
mostrou intimidação ao clamor público e a pressão da imprensa, e em 1979
estava lá para o julgamento que repercutiu na Argentina, Estados Unidos e
até em países africanos, pois o caso era considerado uma demonstração de
machismo cruel, mas a decisão do júri beneficiou a defesa, Doca Street foi
condenado a dois anos de detenção, por homicídio culposo e beneficiado
pelo sursis que é um instituto do Direito Penal que garante que o condenado
não se sujeite à execução de pena privativa de liberdade de pequena duração,
ou seja, permite que, mesmo condenada, uma pessoa não fique na cadeia,
e depois Evandro publicou o livro que consagra a história dessa magnífica
defesa: A Defesa tem a Palavra – O caso Doca Street e algumas lembranças.
Evandro é considerado um Doutor em Humanidade, apesar da defesa de casos
tão polêmicos, pois utilizava a sua formação intelectual e seu desempenho
humanístico para analisar as questões jurídicas, não se deixando abater pelo
calor do momento, ou clamor da causa, ou seja, para não ser injusto não se
deixava em nenhum momento ser levado pela emoção, e ao longo de sua
carreira atuou com louvor, e foi reconhecido mundialmente.

FONTE: <https://www.editorajc.com.br/o-direito-no-pensamento-juridico-de-evandro-lins-e-silva/>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

79
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

DICAS

Para completar e enriquecer seu estudo sobre oratória forense assista à sustentação
oral feita por Luis Roberto Barosso em 05/05/2011, à época advogado, na defesa pela união
homoafetiva. Observe a impecável oratória de Barroso e os argumentos utilizados.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DDpn9H3h3lQ.

4 RETÓRICA
A palavra retórica tem sua origem no latim rhetorica, termo que remete ao
grego rhetoriké (arte da retórica), que significa a arte de falar bem, de se comunicar
de forma clara  e transmitir ideias com convicção. A retórica, junto à oratória,
permite ao orador a boa comunicação de forma a persuadir. É um importante
instrumento da argumentação que pode ser aprendida e praticada.

FIGURA 6 – A RETÓRICA É UM CAMPO DE ESTUDO QUE VEM DESDE A ANTIGUIDADE

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/retorica/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

A sua origem lendária remonta a Sicília no século V a.C. A retórica antiga


nasceu em 465 a.C., na Sicília Grega, sendo sua origem jurídica quando Córax,
discípulo do filósofo Empédocles, e Tísias, publicaram a obra Arte Retórica, com
o objetivo de instrumentalizar os cidadãos envolvidos em disputas judiciais à
habilidade de convencer. Na antiga Grécia não existia a figura do advogado
e os litigantes apresentavam suas razões, redigidas por logógrafos (espécies
de escrivães públicos que conheciam as leis e utilizavam os ensinamentos de
Córax, que se apresentavam como argumentos imbatíveis, capazes de convencer
qualquer pessoa.

80
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Nos tribunais gregos, os processos eram essencialmente orais e para


tanto, o discurso retórico era essencial. A retórica era uma habilidade ensinada
pelos sofistas que dava a habilidade de confrontar argumentos contrários e
não a sustentação de uma verdade. Córax, Górgias e Protágoras eram sofistas
conhecidos para os quais a retórica era tida como a arte do discurso persuasivo, a
eles interessando ensinar aos seus seguidores a arte de transformar um discurso
forte em um discurso fraco, assim como um discurso fraco em um discurso forte.

Os  sofistas  eram uma espécie de professores e pensadores viajantes da


Grécia Antiga que realizavam discursos públicos para atrair estudantes, de quem
cobravam para lhes ensinar a arte da retórica.

NTE
INTERESSA

QUEM ERAM OS SOFISTAS?

“Os sofistas correspondem aos filósofos que pertenceram à “Escola Sofística” (IV e V a.C.).


Composta por um grupo de sábios e eruditos itinerantes, eles dominavam técnicas de
retórica e discurso, e estavam interessados em divulgar seus conhecimentos em troca do
pagamento de taxa pelos estudantes ou aprendizes. Os sofistas rompem com a tradição
pré-socrática, ao criticar os costumes e tradições da sociedade ateniense da época. Note
que a palavra “sofista”, de origem grega, “sophistes”, corresponde a um termo derivado de
“sophia”, ou seja, sabedoria. Dessa maneira, os jovens bem-nascidos buscavam os sofistas
interessados em adquirir conhecimentos e especialmente o “aretê”, conceito grego que
denota nobreza, excelência e virtude e, no caso dos sofistas a união dos conhecimentos
gerais indispensáveis (mais precisamente nas áreas da oratória, retórica, ciência, música e
filosofia), uma vez que na Grécia Antiga, a função política, muito destacada, dependia do
bom uso da palavra”.

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/sofistas/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

É nesse cenário que surge Protágoras (481 a.C.- 411 a.C.), quando então
é feita a perfeita relação entre a sofística e a retórica, passando a ser a retórica
conhecida como a arte de convencer a qualquer custo, independentemente de
ser o argumento verdadeiro ou justo. Para Protágoras, todo argumento pode ser
contraposto a outro e qualquer tema pode ser sustentado ou refutado.

81
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 7 – IMPORTANTES SOFISTAS E A DIFERENÇA ENTRE SOFISTAS E FILÓSOFOS

FONTE: <https://cursoenemgratuito.com.br/sofistas/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

82
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

A cultura grega era essencialmente oral e isso tornava a retórica essencial


para o cidadão que precisava falar bem para convencer e, assim, exercer sua
cidadania plenamente. A própria literatura grega tinha uma origem oral e a
poesia dramática era feita para ser declamada ou cantada. Da política à literatura é
impossível imaginarmos a antiga cultura grega sem a beleza cênica.

DICAS

Conheça as obras literárias Antígona e Édipo Rei, de


Sófocles, dramaturgo grego que teria vivido no século V a.C.

Leia as referidas obras em:


http://portaleinstein.com.br/uploads/7910sofoclestrilogiatebana
postadoem27.fev.pdf.

Entretanto, os filósofos desde Sócrates vão se opor aos sofistas por


entender que a retórica não era parte da filosofia na busca da verdade. Segundo
ele, “a arte oratória que não oferece a verdade ao que não a conhece e não tem
feito senão caçar opiniões, será uma arte ridícula a meu ver e até desprovida de
arte” (PLATÃO, 2004, p. 68).

Da mesma maneira, pensadores como Aristóteles passaram então a criticar


sistematicamente os sofistas e a partir daí o termo adquire um sentido pejorativo,
entendido pelo vocabulário filosófico o mesmo que um sofisma que é um falso
argumento ou intencionalmente falacioso.

83
FIGURA 8 – A OPOSIÇÃO ENTRE OS SOFISTAS E OS FILÓSOFOS

84
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
FONTE: <https://prezi.com/xqegp5wb8azs/sofistas/?frame=2ee03d6bc47386200a181c36d4926d82c3cb485b>. Acesso em: 26 abr. 2021.
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

No campo da retórica, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) foi além de seu
mestre Platão. Indo além da crítica buscou sistematizar o estudo sobre a retórica.
Segundo o filósofo, a retórica é o estudo lógico da argumentação, tendo sido
definida como “a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com
o fim de persuadir” afirmando, ainda, que persuadimos pelo discurso “quando
mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em
cada caso particular” (ARISTÓTELES, 2017, p. 86).

Nos primeiros séculos cristãos na Idade Média, a retórica permanece


valorizada, mas aplicada nas declamações cerimoniais e estudos escolares com a
recuperação de exercícios retóricos gregos antigos chamados de Progymnasmata
(exercícios preliminares) dando-se ênfase aos discursos morais. Esse período
é conhecido como a “segunda sofística”, uma vez que a retórica era utilizada
para confirmar os valores religiosos e morais da sociedade da época. Porém, a
retórica continuava a ser criticada por ser vazia de significado, mas era um bom
instrumento para a conversão e justificativa do cristianismo.

É no século XIX que a retórica vai perdendo sua influência e vai reduzindo
seu objetivo pragmático, ou seja, a utilidade do discurso na prática e vai ganhando
novos contornos.

NOTA

O QUE É A PRAGMÁTICA?

“Trata-se do ramo da linguística que analisa o uso concreto da linguagem pelos falantes da
língua em seus variados contextos. A Pragmática extrapola a significação dada às palavras
pela  semântica e pela sintaxe, observando o contexto extralinguístico em que estão
inscritas; ou seja, ocupa-se da observação dos atos de fala e suas implicações culturais
e sociais. Segundo a Pragmática, o sentido de tudo está na utilidade, no efeito prático
que os atos de fala podem gerar. Para ela, o que realmente importa é a comunicação
e o funcionamento da linguagem entre os usuários, concentrando-se nos processos de
inferência pelos quais compreendemos o que está implícito”.

FONTE: <https://www.portugues.com.br/redacao/pragmatica.html>. Acesso em: 26 abr. 2021.

É no século XX que a retórica é retomada por Chaïm Perelman, na obra


escrita em 1958, juntamente com Lucie Olbrechts-Tyteca, “Traité de l’argumentation
– la nouvelle rhetorique” (a teoria da argumentação). Na obra, Perelman deixa
claro que seu estudo não se tratava da mesma concepção da retórica tradicional,
retomando apenas o conceito de “auditório”, elemento essencial, uma vez que a
argumentação visa à adesão dos que deseja influenciar.

85
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Para Perelman, argumentar é:

[...] fornecer argumentos, ou seja, razões a favor ou contra uma


determinada tese. Uma teoria da argumentação, na sua concepção
moderna, vem assim retomar e ao mesmo tempo renovar a retórica
dos Gregos e dos Romanos, concebida como a arte de bem falar, ou
seja, a arte de falar de modo a persuadir e a convencer, e retoma a
dialética e a tópica, artes do diálogo e da controvérsia (PERELMAN,
2014, p. 234).

Para Perelman (2014), a argumentação é sempre situada em um


determinado contexto; dirige-se à um auditório determinado; o orador por seu
discurso visa persuadir o auditório; os auditores devem estar dispostos a ouvi-
lo – a ser persuadido –; querer persuadir implica em renunciar a “dar ordens”
ao auditório, mas sim procurar a adesão intelectual. A adesão nada tem a ver
com verdade ou falsidade das teses que o orador defende, mas sim com o poder
argumentativo de poder enfrentar uma tese contrária à sua.

FIGURA 9 – A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO EM PERELMAN

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/3296894/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Na Teoria de Perelman, a argumentação é um processo dialético que


pressupõe duas figuras centrais: orador e auditório. A aceitação do auditório se
dá pelo argumento que deve ser razoável, justo ou socialmente útil e não por ser
uma tese verdadeira e sua aceitação é sempre provisória.

86
TÓPICO 1 — ORATÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

QUADRO 2 – SÍNTESE: A NOVA RETÓRICA DE PERELMAN

a) Semelhante a uma semente em estado de latência, a Retórica aguardou por


muitos séculos o ambiente propício para seu ressurgimento. Foram necessários
desenvolvimentos históricos recentes, como a democracia representativa e
a emergência dos meios tecnológicos de comunicação de massa, para que a
importância de seu instrumental teórico voltasse a interessar o meio acadêmico.
b) Somente em meados do século XX, devido à importância dada à Filosofia da
Linguagem, os estudiosos voltaram a considerar a Retórica como objeto digno
de estudo. Em 1958, Chaïm Perelman, professor da Universidade Livre de
Bruxelas, publica um livro que vai representar o renascimento contemporâneo
da Retórica: Traitè de l’argumentation. La nouvelle Rhétorique (PERELMAN, 1999).
Seu livro abre dizendo-se em ruptura com a concepção de razão e raciocínio
saídos do pensamento cartesiano. Era uma premonição do que viria a ocorrer
nas décadas seguintes, com relação à crítica pós-moderna da razão.
c) O campo de eleição da Retórica é o diferendo. Ao contrário do espírito cartesiano,
que visa ao  critério universal, fora do qual tudo é erro. Perelman reclama a
tradição antiga, que remonta ao Aristóteles, da Retórica, como também da
Dialética, como artes de razoar, a partir de opiniões geralmente aceitas, detidas
por um conjunto de indivíduos que a Retórica constitui em auditório.
d)  O Auditório – enquanto que para a lógica formal as provas utilizadas são
impessoais, devendo ser aceitas universalmente, para o discurso retórico
é vital a relação entre o orador e o auditório a que se dirige. Segundo
Perelman, o auditório é “todo o conjunto daqueles que o orador deseja
influenciar mediante seu discurso”. A influência pela argumentação não é
mais do que fazer uso público da razão. A noção de auditório passa pela
de  reconhecimento  de outro, o que implica uma renúncia à violência. As
técnicas retóricas visam à persuasão que, por sua vez, é sempre precária,
porque está ligada à doxa (crença). Por isso, a ação discursiva visa obter um
resultado no âmbito de uma troca relacional. E o estado de crença, como
Charles Peirce também registrou, se faz necessário para que possamos nos
relacionar uns com os outros e com o mundo em nossa volta.
e) Neste princípio de século XXI, a Retórica parece ter retornado para ficar entre
nós, definitivamente, embora as razões para isso não estejam propriamente nela
mesma. Como a democracia, os direitos humanos, a liberdade individual e de
associação juntaram-se aos meios tecnológicos de comunicação para formar
uma sociedade em que a vontade e a deliberação da maioria tornaram-se um
credo universal, o espaço de atuação no palco da história volta a ser ocupado
pela Retórica. Embora não seja mais aquela Retórica clássica organizada por
Aristóteles e outros pensadores, tais como Cícero e Quintiliano, a Retórica
contemporânea dialoga com as diversas filosofias da linguagem, com a semiótica
e as teorias da comunicação, retomando seu lugar de direito entre os saberes da
academia. Assim, também, a Retórica empresta seus instrumentos e mecanismos
para a publicidade, para o jornalismo e seus sucedâneos, com vistas a melhorar
o diálogo entre as pessoas, entre emissores e receptores, cada um desses
representando seus papeis sociais em busca de interesses próprios e coletivos.

FONTE: <https://revistacontemporartes.com.br/2019/09/20/elementos-da-arte-retorica/>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

87
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Perelman teve grande relevância para o pensamento jurídico. Para


Oliveira (2020), Perelman, na obra Sobre a Justiça, publicada em 1945, analisa o
problema da justiça, com o objetivo de conceituá-la, e conclui que a justiça é um
dos conceitos mais difíceis de serem conceituados e com um sentido emotivo
muito forte. É esse sentido emotivo que dificultaria para o autor o conceito de
justiça. Portanto, para Perelman seria necessário extirpar todo o subjetivismo e
irracionalismo vinculado à noção de justiça.

O filósofo belga parte de seis concepções diferentes de justiça para, então,


tentar encontrar algo em comum entre elas, com a intenção de construir uma
fórmula geral. Essas seis concepções são: 1) a cada qual a mesma coisa; 2) a cada
qual segundo seus méritos; 3) a cada qual segundo suas obras; 4) a cada qual
segundo suas necessidades; 5) a cada qual segundo sua posição; 6) a cada qual
segundo o que a lei lhe atribui.

Para Perelman, segundo Oliveira (2020, p. 64), a ideia de justiça caminha


junto com a de igualdade e que, na verdade, em todas as referidas concepções
está implícito o pensamento de se tratar de uma forma idêntica seres idênticos, e
acaba formulando a noção de justiça da seguinte maneira: a justiça é um princípio
de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser
tratados da mesma forma.

Um dos grandes dilemas para os pensadores do direito é exatamente


o conceito de justiça porque uma noção formal de justiça não permite que, em
um caso concreto, seja possível verificar se foi feita justiça ou não, uma vez que
sempre devem ser estabelecidos critérios que devem ser demonstrados.

A fórmula de justiça de Perelman se aplicada à história da humanidade


demonstra a fragilidade, pois seres humanos diferentes não poderiam receber o
mesmo tratamento. E essa exatamente foi e é a causa de muitas injustiças como
é o caso das mulheres, negros, indígenas e demais grupos, que por sua diferença
foram sistematicamente perseguidos e ultrajados.

88
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A oratória é uma habilidade distinta da retórica, definida como arte ou


habilidade de falar em público de forma eloquente e convincente, enquanto a
retórica tem como objetivo a comunicação de forma clara e objetiva.

• Há fatores relevantes e essenciais a serem utilizados e dominados por um bom


orador, quais sejam: a) dicção – que é a forma de articulação e pronúncia das
palavras; b) gesticulação – a ênfase da postura corporal durante a comunicação;
e c) intensidade de voz – a “dose” dada à entonação vocal a fim de conferir
maior atenção à mensagem emitida pelo orador.

• A oratória jurídica é um instrumento essencial para o exercício da atividade


profissional na área jurídica cuja habilidade influi diretamente na aplicação do
direito no caso concreto.

• Ao longo da história existiram importantes oradores cujos discursos foram


memoráveis, dentre os quais destacou-se o jurista Evandro Lins e Silva,
considerado o maior dos oradores do direito penal brasileiro por sua oratória
ímpar e defensor incansável da justiça.

• A retórica, enquanto arte e habilidade adquirida pelo orador, é uma forma de


comunicação clara e eloquente que tem como finalidade persuadir, aprendendo
também a origem e construção histórica da retórica desde a antiguidade grega,
seu legado e redefinição pela linguística moderna e contemporânea.

89
AUTOATIVIDADE

1 Embora exista uma relação entre a oratória e a retórica são distintas as


habilidades utilizadas com finalidade persuasiva. A oratória é definida
como falar bem em público, enquanto a retórica é o uso adequado das
palavras de forma a produzir o convencimento. Acerca da diferença entre
oratória e retórica, considere as seguintes afirmações:

I- A oratória é um tipo específico de comunicação feita diante de um público.


II- O uso da retórica não exige obrigatoriamente a existência de um público,
uma vez que pode ser utilizada em textos escritos.
III- Tanto a retórica como a oratória exigem obrigatoriamente a presença de
um orador diante de um público.
IV- Oratória e retórica são instrumentos de comunicação.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As afirmações I, II e III estão corretas.
b) ( ) As afirmações I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmações II e III estão corretas.

2 A oratória forense é utilizada no cotidiano do exercício da atividade do


profissional do direito. O advogado é um profissional cuja atividade é
regulada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n° 8.906/94),
o qual estabelece a manifestação oral para determinados procedimentos.
Acerca das situações em que o advogado deve se manifestar oralmente,
assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) É permitido ao advogado usar a palavra, pela ordem, em qualquer juízo


ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívocos
ou dúvidas em relação a fatos, documentos ou afirmações que possam
interferir no julgamento.
b) ( ) Não é permitido o uso da palavra para reclamar verbalmente ou por escrito
perante qualquer tribunal, juízo ou autoridade contra inobservância de
preceito de lei, por ser esta uma atividade privativa do juiz.
c) ( ) Obrigatoriamente, quando o advogado faz uso da palavra, deve
manter-se em pé.
d) ( ) Nos Tribunais superiores, o advogado não poderá fazer uso da palavra.

3 Embora sendo instrumentos de comunicação complementares, oratória


e retórica distinguem-se, sendo que a oratória exige obrigatoriamente a
presença de um público, enquanto que a retórica pode ser utilizada em
textos escritos. Avalie as asserções a seguir sobre os textos retóricos:

90
I- Há uma profunda diferença entre um texto retórico e um informativo,
uma vez que nos retóricos usam-se argumentos, comparações ou qualquer
possibilidade capaz de persuadir o leitor.

PORQUE

II- Nos textos argumentativos, o objetivo é o convencimento do leitor.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são falsas.
b) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, sendo a II a justificativa da I.
c) ( ) A asserção I é verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) ( ) A asserção I é falsa e a II é uma proposição verdadeira.

4 O Tribunal do Júri ou Júri Popular é um instituto do direito processual penal


que tem como competência julgar os crimes de homicídio, induzimento,
instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto – provocado pela
gestante, com seu consentimento ou provado por terceiro. É no Tribunal
do Júri que se torna evidente a capacidade de oratória de um profissional
do direito. Quais procedimentos exigem o uso da retórica e da oratória no
Tribunal do Júri?

5 Embora muitas são as atividades profissionais que exigem o domínio da


retórica e oratória, particularmente, na área jurídica, tal conhecimento é
essencial. Apesar de os termos retórica e oratória serem relacionados e
complementares, possuem conceitos distintos. Diferencie retórica de oratória.

91
92
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS


CARACTERIZADORES

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, centramos nossos estudos na Argumentação, que é
importante recurso retórico de linguagem elaborado desde um conjunto de
proposições organizadas, fundamentadas e lógicas que tem por finalidade
persuadir o interlocutor, leitor ou ouvinte. Trata-se de importante instrumento
para a atuação de profissionais de qualquer área, com destaque na jurídica, pois
possibilita o domínio de técnicas tanto para propor (argumentar) como para
rebater ou refutar proposições argumentativas (contra-argumentação).

Serão destacados os principais tipos de argumentos que comumente são


utilizados de acordo com o conteúdo da mensagem e sua finalidade, uma vez que
nem todos os argumentos possuem a mesma força de persuasão e, por essa razão,
para ser cuidadosamente elaborado a fim de ser claro e bem construído.

Ao final, você compreenderá as diferentes técnicas argumentativas para


lhe auxiliar na proposição e desenvolvimento de afirmações, conceitos e ideias
claras, ordenadas, coerentes e com forte poder persuasivo.

2 ARGUMENTAÇÃO
Argumento é um termo que deriva do latim argumentum, que significa um
raciocínio que se utiliza para demonstrar ou comprovar uma proposição ou ainda
para convencer. Portanto, argumentar é expressar-se de forma oral ou escrita
utilizando um raciocínio de forma a justificar de maneira razoável algo, tendo
como finalidade a persuasão ou a demonstrar de um conteúdo, de uma ideia ou
conceito, com sentido de verdade.

Portanto, para convencer ou persuadir os argumentos utilizados devem


ser coerentes, consistentes e sem contradições. Apenas dessa maneira conseguirá
atingir seus objetivos, pois caso contrário, poderá ser contestado ou rejeitado pelo
receptor ou auditório.

Em síntese, podemos definir a argumentação como um recurso que


tem como propósito convencer alguém, para que este tenha a opinião ou o
comportamento modificado.

93
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 10 – CONCEITO DE ARGUMENTAÇÃO

FONTE: <https://www.dicio.com.br/argumentacao/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Argumentar, como você já percebeu, tem claros objetivos: convencer


ou persuadir. Mas qual seria a diferença dessas duas ações já que ambas levam
alguém a “entrar em acordo” sobre algo comum? Convencer é o primeiro passo
que tem por objetivo esclarecer, fazer compreender, conscientizar. Já persuadir é
ir mais além e leva a um resultado por ter como objetivo um “levar a fazer”.

Segundo Henriques (2013, p. 37), há clara diferença entre convencer e


persuadir. Observe o quadro a seguir:

QUADRO 3 – DIFERENÇA ENTRE CONVERCER E PERSUADIR

Convencer Persuadir
• foge à noção de tempo • é temporal
• refere-se ao auditório universal • reporta-se ao auditório particular
• busca o racional • busca o não racional
• usa o raciocínio lógico • usa o raciocínio plausível
• leva à certeza • leva a possibilidades
• busca o entendimento • busca a vontade

FONTE: Henriques (2013, p. 37)

Persuasão depende essencialmente da argumentação utilizada pelo orador e


necessita da existência de três elementos: o orador – emissor ou falante, que é aquele
que produz o discurso; o auditório – espectador, destinatário, receptor ou ouvinte, que
é a pessoa ou o grupo de pessoas às quais se dirige o discurso e sobre as quais o seu
poder persuasivo deve incidir; e, o assunto – aquilo de que trata o discurso.

94
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

A argumentação, portanto, deve ser elaborada de acordo com o auditório


e deve possuir elementos ou componentes básicos que, segundo Henriques
(2013), são os seguintes:

a) Coerência: a argumentação deve ser coerente, isto é, deve obedecer a uma
sequência lógica de forma a permitir a compreensão da conclusão pretendida.
Pode-se dizer que a coerência ocorre quando há a formação de uma “cadeia lógica”
no argumento utilizado a fim de ter sentido para o auditório, leitor ou ouvinte.

• Tipos de coerência:
1- Coerência Descritiva: é quando se promove a pertinência da descrição
com a cena, ambiente e tempo no qual estão situados os personagens e
acontecimentos descritos.
2- Coerência Textual: é o elemento que permite o entendimento do argumento
transmitido no texto e tem como princípios: a não contradição – as ideias
utilizadas não podem se contradizer a fim de não interromper a lógica do
texto – e relevância – que é a percepção do interlocutor em relação às ideias
expostas de maneira sequencial de forma a conferir significado ao conjunto
do argumento.

• Fatores de coerência:
1- Conhecimento: o conjunto de saberes que integram o patrimônio intelectual
são arquivados na memória, o que permite elaborar um argumento coerente
explorando o acumulado. Ex.: “Culpa, Dolo e Crime. Tudo pronto para a
celebração religiosa”. A frase está incoerente porque “culpa, dolo crime”
são conceitos jurídicos e não religiosos. A frase coerente seria: Culpa, Dolo e
Crime. São conceitos jurídicos penais presentes no processo penal.
2- Inferência: é a operação intelectual através da qual é possível se chegar a
uma conclusão, uma dedução por meio de um raciocínio. Ou seja, aquilo
que se deduz a partir de uma outra coisa.

QUADRO 4 – O QUE É INFERÊNCIA

Inferência
- Operação mental pela qual extraímos uma proposição nova (conclusão)
de uma ou mais proposições já conhecidas (premissas).
- As inferências ou são verdadeiras ou falsas.
- A conclusão só será válida se estiver contida e/ou implícita na premissa

Inferências Imediatas Inferências Mediatas


- As que a conclusão antecede uma única - As que a conclusão antecedem pelo
premissa. menos duas premissas.
- Obtém-se por um processo de conversão
e de oposição das proposições.
Raciocínio por analogia, indução
e dedução

FONTE: <http://www.filorbis.pt/filosofia/Inferencia.htm>. Acesso em: 26 abr. 2021.

95
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

• Fatores de Contextualização: são fatores que inserem o interlocutor na


mensagem fazendo com que haja mais clareza. Por exemplo, utilizar
acontecimentos largamente explorados pela mídia. Daí a importância da
valorização de uma comunicação à altura intelectual do ouvinte.

NOTA

DIFERENÇA ENTRE COESÃO E COERÊNCIA

“Coesão e coerência são coisas diferentes, de modo que um texto coeso pode
ser incoerente. Ambas têm em comum o fato de estarem relacionadas com as regras
essenciais para uma boa produção textual.

A coesão textual tem como foco a articulação interna, ou seja, as questões gramaticais. Já a
coerência textual trata da articulação externa e mais profunda da mensagem”.

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/coesao-e-coerencia/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

b) Carisma: a argumentação pode ser compreendida como uma virtude


necessária para produzir alto grau de convencimento. Para os antigos gregos,
o termo kharisma era considerado um dom de origem divina. O uso adequado
das emoções aliada à postura, aliada à ética, permite o desenvolvimento da
habilidade necessária para influenciar a vontade dos ouvintes.
Diferença entre Carisma e Manipulação: como muitos pensadores ao longo da
história já discutiram, a relação humana tem presente uma relação de poder,
entretanto, manipular é uma relação de poder nefasta e egoísta que não tem
um objetivo maior a não ser a satisfação da satisfação de dominar. Embora a
manipulação seja um instrumento eficaz para promover o convencimento é
um jogo de poder no qual aquele que manipula não está preocupado com os
resultados. Ao contrário da manipulação, a persuasão carismática mostra com
clareza as razões de ser seu argumento adequado, sem dissimulações e sim
com segurança e transparência.

FIGURA 11 – CARISMA É UM ATRIBUTO QUE FACILITA ESTABELECER VÍNCULOS ENTRE OS


INDIVÍDUOS E ENGAJAR PESSOAS

FONTE: <https://portalsocial.v2v.net/pt-BR/aggregators/45cede1b-b29c-46a9-a1e5-de742675370a>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

96
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

c) Dialética: no processo persuasivo não há como separar a dialética da retórica.


A dialética é um dos meios utilizados para se obter a adesão do auditório,
isso porque é uma espécie de movimento argumentativo que possibilita a
interação com o auditório. A palavra dialética advém do grego dialetiké que é a
justaposição dos termos dia (interação/troca) e letiké (razão/conceito). Portanto,
a dialética, no sentido argumentativo é o embate e ideias diferentes do qual
pode surgir uma nova ideia.

FIGURA 12 – PROCESSO DIALÉTICO

Antítese
• Junção das
• Ideia inicial;
• Nova ideia; ideias.
• Pergunta.
• Resposta. • Conclusão.

Tese Síntese

FONTE: <https://cursoenemgratuito.com.br/metodo-na-filosofia/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Em síntese, argumentar tem como objetivo o convencimento ou persuasão


e para tanto é necessário o desenvolvimento de um conjunto de premissas
seguidas de uma conclusão, tornando, assim, o argumento válido.

3 TIPOS DE ARGUMENTOS
A estratégia argumentativa é estabelecida com a finalidade de estabelecer
o “acordo” entre orador e auditório, que são partícipes de uma interação. Lembre-
se de que o objetivo da argumentação é o de criar inicialmente uma recepção para
então introduzir aceitação para introduzir uma opinião ou ideia.

Esse processo se dá em duas etapas: na primeira, busca-se construir uma


“base real e comum” entre os participantes da interação e, na segunda, a criação
de vínculos para o estabelecimento do acordo.

Na primeira fase, para estabelecer uma base comum podem ser utilizados
como argumentos:

• Argumento de Autoridade (ab auctoritate): é um tipo de argumento que mais


serve para estabelecer uma hierarquia, uma subordinação, e não propriamente
uma confiança. É dar “voz a outro” que dificilmente será questionado, não quanto
ao argumento, mas quanto prestígio.

97
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A natureza do prestígio subdivide-se em:

1- Competência: os argumentos utilizados pressupõem competência técnica,


científica, moral ou profissional que legitimam a opinião.
2- Experiência: pressupõem argumentos utilizados a partir de experiências
vivenciadas por quem está argumentando.
3- Testemunhos: são as experiências vivenciadas por aquele que não é o orador
que tão somente testemunha o argumento.

• Pressupostos Comuns: são opiniões ou ideias comumente aceitas que são


consideradas espécie de ‘lugar comum” em uma determinada comunidade.
São utilizadas não apenas opiniões, mas também valores.

QUADRO 5 – EXEMPLIFICATIVO DA PRIMEIRA FASE DO GATILHO ARGUMENTATIVO

FONTE: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/1112711_2013_cap_5.pdf>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

Na segunda fase do gatilho argumentativo é o momento de ser estabelecido


o vínculo para complementar a opinião ou ideia proposta. Neste momento podem
ser utilizados dois tipos argumentativos: dedutivo e analógico.

1- Dedutivo: pretende construir uma cadeia contínua e lógica entre elementos


fortemente relacionados.
2- Analógico: implica em estabelecer uma relação entre o argumentado e
outra opinião ou ideia aceita pelo auditório. Pressupõe o estabelecimento de
comparação com elementos comuns. A comparação é um recurso bastante
utilizado para estabelecer os vínculos entre o argumentado e o que é aceitável,
podendo ser utilizados: exemplos – modelo prático – ou metáfora –uma relação
de semelhança.

98
FIGURA 13 – TIPOS DE ARGUMENTO

99
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

FONTE: <https://filosofianaescola.com/logica/tipos-de-argumentos/>. Acesso em: 26 abr. 2021.


UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Para melhor compreender e fixar os distintos tipos de argumentos, observe


o breve texto-síntese a seguir.

QUADRO 6 – DISTINTOS TIPOS DE ARGUMENTOS

Argumento de autoridades
O argumento de autoridade é aquele que se baseia na citação de uma fonte
confiável, como um especialista no assunto que está sendo debatido. Em
um debate sobre educação, por exemplo, Paulo Freire, como educador e
pedagogo reconhecido internacionalmente, poderia ser citado como meio de
fundamentar uma ideia apresentada na fala. A citação da fonte pode ser feita
tanto de forma direta  – quando há a transcrição da citação, utilizando, em
geral, as aspas – quanto de forma indireta, quando se reescreve aquilo que foi
dito pela autoridade escolhida.

Argumento por evidência (ou por comprovação)


Esse tipo de argumento se baseia em uma evidência que possa levar o leitor
a admitir e aceitar uma tese. Essa evidência pode ser, por exemplo, formada
por dados estatísticos ou por pesquisas de diversos tipos, desde que a fonte
esteja  explícita. Ainda é possível utilizar esse tipo de argumento a partir
de fatos notórios, ou seja, que são de domínio público.

Argumento por comparação (ou por analogia)


A argumentação por comparação ou analogia é aquela em que se estabelece
relação de semelhança ou diferença entre a tese defendida e algum tipo de
dado a fim de comprovar o ponto de vista defendido. Nesse caso, é possível
construir analogias com obras de ficção, por exemplo, tais como romances e
séries de televisão.

Argumento por causa e consequência


Esse tipo de recurso argumentativo busca comprovar a tese defendida a
partir da exploração das relações de causa e consequência associadas ao
tema debatido. Ao explicar os  porquês  e as  consequências  da temática em
questão, pode-se confirmaras ideias expressas pela tese.

Argumento por ilustração (ou exemplificação)


Quando se tem um tema, ou mesmo uma tese, de caráter muito teórico, uma
das maneiras mais interessantes de fundamentar o ponto de vista adotado
é por meio da  ilustração  ou  exemplificação. Esse recurso argumentativo se
constrói a partir da elaboração de uma breve narrativa, que pode ser real ou
fictícia, com o intuito de tornar mais concreto aquilo que está sendo defendido
pelo texto.

FONTE: <https://querobolsa.com.br/enem/redacao/tipos-de-argumentos>. Acesso em: 26 abr. 2021.

100
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

4 FALÁCIAS ARGUMENTATIVAS
O termo “falácia” tem sua origem no verbo latino fallare (enganar), sendo,
portanto, relacionado com engano, falha, erro ou equívoco. Para Freitas (2012,
p. 138), “Falácias são erros lógicos, conscientes ou inconscientes, enganadores
e/ou autoenganadores, que servem para ludibriar e formar pré-compreensões
equivocadas, conducentes a preconceitos ilegítimos, estereótipos e más decisões”.

Falácia argumentativa ocorre quando o raciocínio desenvolvido aparenta


ser válido e verdadeiro, mas em realidade é falso e incorreto em razão dos vícios e
incoerências de que possui, e, por essa razão. Isso faz com que o interlocutor possa
ter a ilusão de estar diante de um raciocínio argumentativo válido, verdadeiro e
coerente, quando na realidade trata-se de mera impressão ou aparência. Nesse
sentido, falácia passa a ser sinônimo de sofisma, que é um argumento que
parte de premissas verdadeiras ou assim consideradas, mas que chega a uma
conclusão inaceitável ou absurda. Ou seja, nos sofismas, embora as premissas
sendo verdadeiras a conclusão é falsa.

Exemplo de sofisma:
“Conviver com criminoso é presunção de criminalidade.
Pedro convive com um criminoso.
Logo; presume-se que Pedro também seja criminoso”.

Perceba o erro, vício, contido no raciocínio acima. A premissa é


aparentemente verdadeira, mas a conclusão é equivocada, um resultado distorcido
que pode levar o ouvinte a uma adesão equivocada ao argumento utilizado.

São várias as falácias que são encontradas ou utilizadas. Vejamos algumas


delas:

• Falácias da ignorância do assunto (ignoratio elenchi): é a falácia também


chamada de razões irrelevantes. Trata-se em discutir ou inserir no argumento
o que não faz parte da discussão ou temática em pauta de forma a apelar para
a ignorância do interlocutor que não pode ou não tem conhecimento para
refutar a asserção reconhecidamente falsa. No direito considera-se argumento
falacioso por ignorância, por exemplo, se um advogado de defesa expõe no
Tribunal do Júri sobre as mazelas ou malefícios das prisões, para comover os
jurados e impedir uma condenação do réu, deixando de lado a materialidade
do crime e a culpabilidade do agente, e não as condições em que eventualmente
poderá cumpri a pena cominada.

101
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 14 – APELO À IGNORÂNCIA

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/10183391/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

• Falácia da Falsa Analogia: trata-se de um tipo de falácia argumentativa que é


o equívoco de semelhança ao se tomar uma coisa por outra. É realizada através
da comparação de duas premissas que supostamente possuem características
comuns, produzindo um resultado equivocado. Ou seja, a conclusão não
se sustenta porque as premissas utilizadas não são análogas, não possuem
propriedade ou características semelhantes, não servindo, portanto, como base
de uma conclusão válida e verdadeira.

Exemplo:
“Estamos diante de uma falsa analogia ao afirmar que “o Estado deve
ser gerido como uma empresa, pois tanto o Estado como a empresa necessitam
de gestores”. Trata-se de uma falácia, visto que, embora ambos precisem de
gestores, existem diferenças relevantes entre estes, tais como a cobrança de
impostos e a obrigatoriedade de oferecer serviços educacionais e de saúde por
parte do Estado, que não são exigências impostas às empresas privadas. Ou
ainda: “Os empregados são como pregos. Temos de martelar a cabeça para
desempenharem a sua função. O mesmo deve acontecer com os empregados”.

FONTE: <https://griczynskir.jusbrasil.com.br/artigos/697923047/exemplos-das-falacias-mais-
comuns>. Acesso em: 26 abr. 2021.

No segundo exemplo, observe que se trata de uma falácia, uma vez que
“empregados” e “pregos” possuem diferenças em suas características e funções.

• Falácia da Petição de Princípio (petitio principii): é também chamada de


falácia por falta de razões. Também denominada  argumentum in circulo, é
aquela falácia com a qual se dá como provado o que deve ser provado (id
quod probandum est). A falácia é utilizada com a pretensão de argumentar
utilizando um argumento “sem argumento” aditando ‘razões’ cujo significado
é simplesmente equivalente ao da pretensão original. Seria apresentar como
demonstrado o que exatamente lhe cabe demonstrar.

Exemplo: o réu suicidou-se porque se envenenou. Observe que não há


apresentação de argumentos, mas limita-se repetir o que deve ser justificado.

102
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

• Falácia genética: é aquela que consiste em extrair conclusões equivocadas ou


indevidas sobre algo a partir da qualidade ou propriedade de sua fonte de
origem.

QUADRO 7 – FALÁCIA GENÉTICA

A falácia genética ocorre quando uma ideia é rejeitada com base em sua origem
ou história. Imagine você contando a um amigo que pensou em uma nova
explicação para a origem do universo enquanto dormia. E ele respondendo:
Se uma ideia teve origem num sonho, certamente ela está errada! Seu amigo
acaba de cometer a falácia genética ao rejeitar sua ideia apenas com base no
que a originou. Outro exemplo dessa falácia seria o seguinte. Você descobre
que o Fusca da Volkswagen foi desenvolvido com o apoio de Hitler e com base
nisso conclui que esse não era um bom carro. Novamente, está chegando a
uma conclusão falaciosa por levar em consideração apenas a origem do carro.

Por que é uma falácia?


O que torna uma teoria verdadeira são as razões que existem a seu favor.
As causas que levaram ao seu surgimento não contribuem em nada para
mostrar se é verdadeira ou falsa.
FONTE: <https://filosofianaescola.com/falacias/falacia-genetica/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

• Falácia ad populum: consiste em apelar a sentimentos populares para


substituir ou suprir a falta de consistência na argumentação. Essa falácia
desperta uma espécie de “argumento” ou “mentalidade” de massa levando o
indivíduo a concordar com a multidão, sob o risco de ser excluído e perder o
sentimento de pertinência.

FIGURA 15 – FALÁCIA AD POPULUM

FONTE: <https://www.slideshare.net/j_sdias/persuadir-e-convencer-ethos-pathos-e-logos-corrigido>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

103
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

• Falácia ad miseridordiam ou apelo à piedade: tal modelo de falácia consiste


em apelar a sentimentos de compaixão e/ou piedade para conquistar uma
conclusão errada e insustentável.

Observe a figura a seguir. O argumento do aluno ao afirmar que estudou


16 horas por dia pretende convencer que merece ser aprovado.

FIGURA 16 – APELO À PIEDADE

• Como pode dizer que


eu reprovo? Eu estava
mais perto da positiva
e, além disso, estudei
16 horas por dia.

FONTE: <https://www.slideshare.net/jadsonmoura1/falcias-argumentativas>. Acesso em: 26 abr. 2021.

QUADRO 8 – TEXTO-SÍNTESE: FUJA DAS FALÁCIAS ARGUMENTATIVAS

Todo  texto argumentativo  busca convencer. Para alcançar esse objetivo, os


argumentos tornam-se imprescindíveis. Há várias estratégias argumentativas,
as citações, exemplos, argumento, contra-argumento, entre outras. Todos os
argumentos são válidos?   Posso usar qualquer exemplo para embasar meu
texto? Ao argumentar, buscam-se razões que embasem uma conclusão, por
isso é preciso tomar cuidado com as falácias.
Falácia  é um substantivo, derivado de um adjetivo latino  fallace,  que significa
enganador, ilusório. Todas as vezes em que um raciocínio errado ou mentiroso
é colocado como verdadeiro ocorre a falácia. A imagem utilizada no texto é
falaciosa. Por quê? Todos sabem que os coelhos não botam ovo, mas a imagem
coloca esse argumento como verdadeiro. Entretanto, a lógica o invalida. Todo
argumento falacioso pode encontrar razões psicológicas, íntimas, emocionais,
mas nunca lógicas. Por isso, é preciso estar atento à construção textual, porque o
texto argumentativo deve usar argumentos plausíveis, pautados na lógica. Então,
cuidado com aqueles que parecem sustentar uma conclusão, mas na realidade
não sustentam.  A seguir, veja alguns exemplos de argumentos falaciosos:
“Todo político é corrupto”.
“A violência no Brasil é resultado dos programas de TV”.
“Joana morreu depois de fazer radioterapia. Então quem tem câncer não deve
fazer esse procedimento”.
Os argumentos acima são falaciosos, visto que não são pautados na lógica, portanto,
não podem sustentar uma conclusão. No primeiro exemplo, a afirmação não leva

104
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

em consideração que possam existir políticos honestos. Já no segundo, afirma-se


que a única culpada pela violência é a mídia e isso não é uma verdade absoluta,
uma vez que a violência tem outras causas. No último exemplo, o fato de os eventos
terem acontecido em sequência, não significa que um seja a causa do outro.
Como visto acima, a falácia pode fragilizar sua argumentação, por isso não a
use. Lembre-se de que os argumentos precisam ser contundentes.

FONTE: <https://www.portugues.com.br/redacao/fuja-falacia-no-texto-argumentativo.html>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

5 FIGURAS DE LINGUAGEM
As figuras de linguagem são importantes recursos linguísticos utilizados
de maneira original e criativa para tornar a comunicação mais expressiva. As
figuras de linguagem são formas de utilização não literal das palavras que,
distanciando-se dos padrões gramaticais convencionais, dão à argumentação
mais ênfase. Por sua importância merecem destaque particular.

São inúmeras as figuras de linguagem. Algumas têm a finalidade de dar
estilo e ornamentação ao discurso enquanto outras facilitam a persuasão ou
mesmo servem para sensibilizar e emocionar o auditório.

Antes de iniciarmos a tipificação das figuras de linguagem é importante


conhecermos os conceitos de denotação e conotação para melhor compreendermos
o uso das figuras de linguagem. Observe a figura a seguir.

FIGURA 17 – CONOTAÇÃO

FONTE: <https://conhecimentocientifico.r7.com/conotacao-gramatica/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Conotação é quando a palavra é utilizada em uma oração em sentido


figurativo e a intenção da mensagem apenas é compreendida ao analisar ou
conhecer o contexto em que é utilizada, tal qual a expressão “cabeças vão rolar”
é utilizada na Figura 17. Portanto, conotação ocorre quando a palavra é utilizada
em sentido figurado, indo além de seu sentido literal.

105
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Denotação é quando a palavra é utilizada de maneira próxima a seu


sentido real, literal ou dicionarizado. Em geral, o sentido denotativo é utilizado
quando o objetivo é a transmissão de uma mensagem cuja finalidade é persuadir,
transmitir informações ou orientar sobre determinados assuntos como, por
exemplo, memorandos, manual de instruções, reportagens. O sentido denotativo
é utilizado para definir conceitos.

Portanto, as figuras de linguagem compreendidas como estratégias do


orador para alcançar determinado “efeito” nos ouvintes através do uso não literal
das palavras aproximam-se do uso conotativo das palavras. São recursos linguísticos
que tornam as mensagens mais expressivas e significativas. As figuras de linguagem
podem ser classificadas em distintos tipos. Vejamos algumas dessas classificações.

• Figuras de Palavras ou Semânticas: são as figuras de linguagem em que há


o emprego das palavras em sentido figurado ou conotativo, indo além ou
extrapolando o significado original das palavras dando a elas um sentido novo
ou incomum.

QUADRO 9 – FIGURAS DE PALAVRAS

Figuras Definição Exemplos


Comparação (mental) sem uso de
"Sua boca era um pássaro escarlate."
Metáfora: conectivos comparativos, com verbo de
(Castro Alves)
ligação explícito na frase.
Transferir a uma palavra o sentido
Batata da perna, pé da mesa,
Catacrese: próprio de outra, utilizando-se formas já
cabeça de alho.
incorporadas aos usos da língua
Comparação entre dois elementos
"Como um anjo caído
Comparação comuns, semelhantes. Normalmente se
questão de esquecer..."
ou Símile: emprega uma conjunção comparativa:
(Legião Urbana)
como, tal qual, assim como, que nem.
Fusão de no mínimo dois dos cinco "De amargo e então salgado
Sinestesia:
sentidos físicos. ficou doce," - Paladar (Legião Urbana)
Substituímos um nome proprio pela O Pai da Aviação
Antonomásia:
qualidade ou característica que o distingue. (= Santos Dumont)
Gosto de ler Jorge Amado.
Troca-se uma palavra por outra com a
Metonímia: (observe que o nome do autor está
qual ela se relaciona.
sendo usado no lugar de suas obras).
Troca que ocorre por relação de
compreensão e que consiste no uso do O mundo é violento.
Sinédoque:
todo pela parte, do plural pelo singular, (= os homens)
do gênero pela espécie, ou vice-versa.
Substituição de um nome por uma O país do futebol acredita no seu povo.
Perífrase:
expressão que facilita a sua identificação. (país do futebol = Brasil)

FONTE: <https://blog.maxieduca.com.br/figuras-linguagem-escrita/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

106
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

• Figuras de Pensamento: seu uso possui como objetivo dar mais ênfase às
ideias e pensamentos que se deseja expressar buscando-se provocar emoções e
sentimentos através da exploração e ampliação do uso das palavras.

QUADRO 10 – FIGURAS DE PENSAMENTO

Figuras Definição Exemplos


Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
É a aproximação de palavras de
Antítese Onde queres um lar, Revolucão
sentidos contrários, antagônicos.
E onde queres bandido,
sou heroi." (Caetano Veloso)
Paradoxo ou É mais que a aproximacao antitética; "O mito é o nada que é tudo."
Oximoro: é a propria ideia que se contradiz. (Fernando Pessoa)
O lindo mar verdejante, tuas ondas
É a evocação, o chamamento.
entoam cantos, és tu o dono reinante
Apóstrofe: Identifica-se facilmente na função
das brancas mares espumantes ...
sintática do VOCATIVO.
(Nel de Moraes)
Designação dos objetos, acidentes
Perífrase: geográficos, indivíduos e outros que Cidade Luz (= Paris)
não queremos simplesmente nomear.
"Dissecou-a a tal ponto, e
É uma sequência de palavras ou
com tal arte, que ela,
Gradação: ideias que servem de intensificação
Rota baca noienta vil."
numa sequência temporal.
(Raimundo Corrêa)
Consiste em dizer o oposto do que A excelente Dona Inácia era
Ironia: se pensa, com intenção sarcástica ou mestra na arte de judiar de criança"
depreciativa. (Monteiro Lobato)
É a figura do exagero, a fim de
"Rios te correrão dos olhos, se
Hipérbole: proporcionar uma imagem chocante
chorares!" (Olavo Bilac)
ou emocionante.
"E pela paz derradeira que
enfim vai nos redimir
Figura que atenua ideias
Eufemismo: Deus lhe pague."
desagradáveis ou penosas.
(Chico Buarque)
Paz derradeira = morte
Expressão grosseira em lugar de Você não passa de um porco...
Disfemismo
outra, suave, branda. um pobretão.
"O vento beija meus cabelos
Personicação ou Consiste em dar vida a seres As ondas lambem minhas pernas
Prosopopeia: inanimados. O sol abraça o meu corpo."
(Lulu Santos - Nelson Motta)
Consiste em 'coisificar' os
Reificação: "Tia, botei os candidatos na lista "
seres humanos.
Consiste em negar por afirmação "Ela até que não é feia."
Litotes:
ou vice-versa (logo, é bonita!)

FONTE: <https://blog.maxieduca.com.br/figuras-linguagem-escrita/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

107
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

• Figuras de Efeito Sonoro ou de Harmonia: são as figuras sonoras que criam


efeitos de sentido pela representação de sons na língua escrita. Servem para
dar ritmo expressivo à frase.

QUADRO 11 – FIGURAS SONORAS

FONTE: <http://joanaguga.blogspot.com/2015/06/figuras-sonoras-ou-de-harmonia.html>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

• Figuras de Construção ou de Sintaxe: são as que se caracterizam por algum


tipo de modificação, inversão, repetição ou omissão dos termos em uma frase.
Por outras palavras, é um tipo de estratégia utilizada para modificar a estrutura
sintática da oração de um texto a fim de tornar mais expressivo seu conteúdo.

108
TÓPICO 2 — ARGUMENTAÇÃO: CONCEITOS E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

QUADRO 12 – FIGURAS DE CONSTRUÇÃO

FONTE: <https://pt.slideshare.net/AulasParticularesInfo/figuras-de-linguagem-
inverso-16421998>. Acesso em: 26 abr. 2021.

109
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A argumentação é definida como processo de estruturação de um raciocínio


lógico e coerente que tem como propósito convencer alguém para modificar
seu comportamento ou opinião e, assim, é de fundamental relevância para a
atuação de profissionais da área jurídica.

• A argumentação é constituída de distintos elementos, quais sejam: a)


Coerência – a construção de uma sequência lógica de forma a possibilitar a
compreensão da conclusão e depende de fatores tais como conhecimento,
inferência e contextualização; b) Carisma – virtude ou capacidade pessoal de
produzir alto grau de convencimento; e; c) Dialética – espécie de “movimento”
argumentativo em que se produz o embate de ideias distintas (tese e antítese)
do qual é possível a produção de uma nova (síntese).

• É possível a utilização de diferentes tipos de argumentos de acordo com a


finalidade e o auditório, sendo os mais comuns o de autoridade, de pressupostos
comuns, analogia ou de comparação, dentre outros.

• Conceituar e diferenciar as falácias argumentativas compreendidas como erros


lógicos, conscientes ou não, que conduzem a pré-compreensões equivocadas
produzindo preconceitos ilegítimos, estereótipos e más decisões.

• Como se caracterizam e quais são as diferentes figuras de linguagem enquanto


estratégias utilizadas pelo orador cujo objetivo é alcançar determinado efeito
nos ouvintes através do uso não oral das palavras.

110
AUTOATIVIDADE

1 A argumentação é definida como atividade utilizada para justificar ou


refutar opiniões de forma a justificar de maneira razoável algo e envolve
um conjunto de declarações com a finalidade de persuadir ou demonstrar
um conteúdo, ideia ou conceito de maneira consistente e sem contradições.
Acerca da argumentação, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) Argumentação são opiniões aceitas sem necessidade de justificação,


bastando a coerência.
b) ( ) Argumentar e persuadir são fenômenos distintos e sem relação entre si.
c) ( ) Argumentar é uma habilidade que pode ser adquirida.
d) ( ) Argumentação não é utilizada em textos escritos.

2 A argumentação é elaborada de acordo com o auditório e deve possuir


elementos ou componentes básicos dentre os quais a coerência, que é definida
como uma sequência lógica que permite a compreensão de uma conclusão.
A construção de argumentação coerente depende do uso de determinados
fatores, dentre os quais, o conhecimento. Acerca do conhecimento como
elemento argumentativo, considere as seguintes asserções:

I- Conhecimento é o conjunto de saberes que integra o patrimônio intelectual


acumulado pelo orador que possibilita a elaboração de argumentos coerentes.

PORQUE

II- O conhecimento é uma forma de inferência argumentativa.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são falsas.
b) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, sendo a II a justificativa da I.
c) ( ) A asserção I é verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) ( ) A asserção I é falsa e a II é uma proposição verdadeira.

3 A argumentação é uma estratégia cuja finalidade é estabelecer um “acordo”


entre o orador e o auditório que são partícipes de uma interação que se dá
em distintas etapas. Em uma primeira etapa ou fase podem ser utilizados
distintos tipos de argumentos, dentre os quais, o de autoridade. Acerca do
argumento de autoridade, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) O argumento de autoridade é um tipo de argumento que serve para


estabelecer uma relação hierárquica ou de subordinação.
b) ( ) Argumento de autoridade independe da competência do orador, uma
vez que depende do grau de hierarquia entre os partícipes da interação
comunicativa.

111
c) ( ) Argumento de autoridade não deve ser utilizado juridicamente.
d) ( ) Argumento de autoridade independe dos valores compartilhados por
um grupo de pessoas ou de um grupo social.

4 Em Minas Gerais, na cidade de Carmo da Cachoeira, o Juiz Ronaldo Tovani,


substituto da Comarca de Varginha, concedeu a liberdade provisória a um
acusado preso em flagrante por ter furtado duas galinhas, lavrando a sentença
em versos. Considere o trecho da referida sentença transcrito a seguir:

“No dia cinco de outubro


Do ano ainda fluente
Em Carmo da Cachoeira Terra de boa gente
Ocorreu um fato inédito
Que me deixou descontente.
O jovem Alceu da Costa
Conhecido por "Rolinha"
Aproveitando a madrugada
Resolveu sair da linha
Subtraindo de outrem
Duas saborosas galinhas...”.

FONTE: <https://jus.com.br/artigos/32022/juiz-poeta-sentencia-em-versos-a-liberdade-de-
-um-ladrao-de-galinha>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Pergunta-se: Por que a expressão “sair da linha” é uma figura de linguagem?


Que tipo de figura de linguagem é?

5 A argumentação é definida como atividade utilizada para justificar ou


refutar opiniões de forma a justificar de maneira razoável algo e envolve
um conjunto de declarações com a finalidade de persuadir ou demonstrar
um conteúdo, ideia ou conceito de maneira consistente e sem contradições.
Quais são os distintos elementos que constituem a argumentação?
Caracterize cada um deles.

112
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

1 INTRODUÇÃO
A lógica jurídica é definida como um conjunto de técnicas racionais
que possibilitam a elaboração de um raciocínio argumentativo persuasivo
cujo objetivo é a tomada de uma decisão na esfera jurídica. Neste tópico, você
compreenderá que o exercício do direito é mais do que conhecer as leis, mas exige
também a habilidade de enfrentar contradições e solucionar um conflito da vida
social através da operacionalização do sistema normativo lógico e coerente.

Veremos que a validade de um argumento jurídico decorre da lógica


das inferências elaboradas, ou seja, poderemos compreender que na atividade
do jurista se impõe a necessidade de realização de um conjunto de deduções
conceituais e relacionadas aos fatos ou informações relevantes a fim de produzir
o direito do caso concreto.

Em síntese, compreenderemos a possibilidade de estruturar argumentos


jurídicos de maneira lógica de forma a conferir operacionalidade e sentido ao
sistema normativo.

2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Como já estudado, a argumentação é definida como recurso linguístico
que tem como estratégia razões de defesa de uma conclusão – argumentos – a fim
de convencer alguém. Assim, ao utilizarmos recursos lógicos de argumentação
estamos fazendo uso de mecanismos para convencer alguém a “pensar como
pensamos” (ELTZ; TEIXEIRA; DUARTE, 2018, p. 110).

Esse mesmo conceito aplica-se quando falamos em argumentação jurídica,


que é definida como um recurso próprio e técnico de convencimento cujo objetivo
é a tomada de uma decisão na esfera jurídica. “Toda decisão jurídica deverá ser
embasada com o emprego racional de análise da legislação pertinente – porém,
a argumentação poderá vir a se tornar fator decisivo para a análise e a aplicação
da lei” (ELTZ; TEIXEIRA; DUARTE, 2018, p. 110). Assim, a atividade jurídica, em
qualquer um de seus campos, exige o domínio de técnicas argumentativas, não se
admitindo que o profissional do direito desconheça, além da linguagem jurídica,
a técnica argumentativa.

113
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Nesse sentido, Atienza (2014, p, 17) chama a atenção:

Ninguém duvida de que a prática do direito consista, fundamentalmente,


em argumentar, e todos costumamos convir em que a qualidade que
melhor define o que se entende por um “bom jurista” talvez seja a sua
capacidade de construir argumentos e manejá-los com habilidade.

O exercício do direito não é tão somente o conhecimento de leis, mas é


o exercício de uma atividade argumentativa buscando cumprir as funções da
concretização do direito na prática. Sem dúvida, a argumentação jurídica é um
processo em que conceitos e conhecimentos técnicos e factuais se interagem a fim
de instrumentalizar o operador do direito no enfrentamento de contradições e
inúmeras possibilidades de solução diante de um fato da vida social.

Lembremos de que, no campo jurídico há, em geral, a oposição de interesses,


bens jurídicos e direitos, o que se chama de lide, exigindo do profissional da área
sustentação das razões de direito através da argumentação.

FIGURA 18 – RETÓRICA E DIREITO

FONTE: <http://filosofialogoss.blogspot.com/2019/02/retorica-como-arte-da-persuasao.html>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

DICAS

O QUE É “LIDE”?

“Trata-se do conflito de interesses manifestado em juízo. Tal termo é muitas vezes


utilizado como sinônimo de ação, porém na verdade aquela (lide) é um meio pelo qual se
exercita o direito a esta (ação). Significa demanda, litígio, pleito judicial. Pode ser pendente,
quando já houve citação, porém ainda não se proferiu a sentença; e temerária, quando há
abuso de direito, em que uma parte litiga apenas para prejudicar outrem”.

FONTE: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/873/Lide>. Acesso em: 26 abr. 2021.

114
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

No direito não há exercício de nenhuma atividade sem justificação e


argumentação. Costuma-se afirmar que não se formula nenhum pedido a um juiz
sem que se explique o porquê sob pena de indeferimento do pedido, podendo, em
caso de petição inicial, por exemplo, ser considerada inepta. Ou seja, um pedido
judicial deve ser muito bem formulado, sendo o fato e os fundamentos jurídicos
muito bem demonstrados, sob pena de ser indeferido. Veja a decisão a seguir.

INDEFERIMENTO DA INICIAL. NARRATIVA CONFUSA. AUSÊNCIA


DE CONCLUSÃO LÓGICA. INÉPCIA DA INICIAL. SENTENÇA
MANTIDA. Na hipótese em julgamento deve ser mantida a inépcia da
inicial decretada pelo MM Juízo a quo, pois a exordial não permite
ao magistrado uma apreciação lógica do pedido, pois a narrativa
dos fatos é confusa, desconexa e impede uma análise lógica do
pedido. Indeferimento da inicial que se mantém. (TRT-13 – Recurso
Ordinário: RO 0152600-30.2014.5.13.00010152600-30.2014.5.13.0001.
Data de publicação: 02/06/2015).

DICAS

QUANDO UM PEDIDO JUDICIAL É CONSIDERADO INEPTO?

Inepto é algo que não tem habilidade ou aptidão para produzir efeito jurídico.
A petição inicial ou a denúncia, por exemplo, são consideradas ineptas quando não
preenchem os requisitos legais e, portanto, são rejeitadas pelo juiz. As peças inaugurais
ineptas devem ser "refeitas".

Fundamentação: Artigo 395, inciso I, do Código de Processo Penal Artigos 330,


inciso I e parágrafo único; 337, inciso III; 918, inciso II; todos do Código de Processo Civil.

FONTE: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/961/Inepcia-Novo-CPC-Lei-no-13
105-15>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Da mesma maneira, nenhum juiz profere uma decisão sem justificativa.


Não é admitido no direito que a fundamentação de uma decisão se limite à mera
transcrição ou se remeter à outra peça processual, conforme decisão do Superior
Tribunal de Justiça que transcrevemos a seguir:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora admita


que o julgador se utilize da transcrição de outros alicerces jurídicos
apresentados nos autos para embasar as suas decisões – no caso,
do parecer do Ministério Público –, ressalta a necessidade também
de fundamentação própria, devendo o julgador expor, ainda que
sucintamente, as razões de suas conclusões, o que não foi realizado
pelo Tribunal de origem. 2. Recurso ordinário em habeas corpus
provido para anular o acórdão proferido pelo Tribunal Regional
Federal da 2ª. Região nos autos do Habeas Corpus n.° 0008330-
61.2018.4.02.0000, determinando que outro seja prolatado, com a
necessária fundamentação” (RHC 104.665/RJ, j. 13/12/2018).

115
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Você facilmente percebe que a prática do direito é essencialmente


argumentativa, sendo considerado um bom profissional aquele que possui a
habilidade de construir e utilizar bons argumentos, uma vez que não se trata somente
de extrair meras conclusões de um texto legal. Através da argumentação, o jurista
elabora, além do conhecimento, critérios de validade das decisões judiciais.

Elaborar a correta relação entre os fatos da vida social e o direito é um trabalho,


além de lógico, como adiante veremos, também argumentativo. Não é por outra
razão que se costuma dizer que a verdade jurídica é uma construção argumentativa
elaborada a partir da análise dos fatos à luz do conjunto de normas jurídicas.

É necessário que se reconheça que verdade é uma criação humana e tem


como base um processo de conhecimento e formas sociais. Michel Foucault (2005),
um dos maiores filósofos do século XX, toma como exemplo as verdades jurídicas
para demonstrar que são resultado de complexa construção social, demonstrando
como as práticas sociais constroem conceitos, técnicas e formas de conhecimento.

Em seu trabalho, Foucault (2005) analisa os discursos e entende que são


como jogos estratégicos de ação e reação relacionados com seu campo de origem,
como o direito e a literatura, assim, a verdade produzida não é objetiva, absoluta
e inquestionável. Em sua obra A Verdade e as Formas Jurídicas, publicada na década
de 1970 a partir de uma série de conferências, Foucault questiona radicalmente o
conceito de verdade e a relaciona com a construção do poder.

Em síntese, no direito, o conceito de verdade é relacionado ao de


probabilidade e validade jurídica, como ensina a consagrada jurista Ada P.
Grinover (1999, p. 74): “Verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente
atingíveis, no processo ou fora dele. Mas é imprescindível que o juiz diligencie
a fim de alcançar o maior grau de probabilidade possível”. Como nos explica
Foucault (2005), é o mesmo que dizer que algo é verdade por não poder ser
refutado e qualificado ou mesmo que algo não existe porque é algo que não
acreditamos ou não conhecemos.

DICAS

VERDADE E JUSTIÇA PARA FOUCAULT

Sem dúvida, o pensador francês Michel Foucault em relação ao conceito de justiça


explorado na obra A Verdade e Formas Jurídicas, centrada na análise dos discursos jurídicos
merece ser conhecido. Segue um breve resumo de interessante texto que indicamos para
leitura complementar.

116
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

“Resumo:
Nas suas obras se evidencia o empenho no resgate histórico, arqueológico e a análise
crítica da problemática. Em específico, a obra base desta pesquisa é Verdade e as Formas
Jurídicas (1973/2005), na qual o autor trata dos três conceitos centrais, apresentados no
título deste texto. O percurso do texto inicia, na primeira parte, localizando o conceito de
conhecimento na história, tratando de diversas formas de definição. O entendimento da
que as formas de definição de conhecimento anteriores são a justificativa para produção
de Foucault. Sua obra pode ser entendida como um exercício de reconstrução das formas
de conhecimento inventadas pela humanidade. Mas especificamente, a obra de Foucault
está centrada na análise das práticas discursivas, compreendendo as mesmas como uma
plataforma para visualizar o conhecimento numa sequência histórica que partiu da razão,
do sujeito racional e passou pela linguagem. A segunda parte do texto trata da relação
entre e da dependência que o conceito de conhecimento tem do conceito de verdade,
bem como a vinculação histórica entre verdade e formas jurídicas. A pesquisa realizada
apresenta uma compreensão do conceito de justiça, vinculado aos conceitos de forma
jurídica, verdade e conhecimento, disponibilizando referenciais para compreender os
parâmetros das relações humanas e a vida em sociedade. Assinala-se, por fim, que o
método empregado nessa pesquisa é a análise do discurso”.

FONTE: <https://www.imed.edu.br/Uploads/israelkujawa_maurogaglietti_(%C3%A1rea4).pdf>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

Perceba a importância da argumentação na construção de uma verdade


jurídica ou de um conceito válido.

Argumentação, no sentido jurídico, é utilizada especificamente como


uma forma de desenvolver um raciocínio de forma a estabelecer uma sucessão
de questionamentos e por essa razão, na Antiguidade, o discurso argumentativo
era chamado de questiones. Segundo Ferraz Jr. (2016), todo problema jurídico
tem o caráter de um conflito que necessita de uma decisão e tem início com um
questionamento prévio que condiciona as respostas argumentativas subsequentes.

A retórica antiga chamava essa primeira etapa de translatio, pois ela


permite às partes litigantes uma transferência do objeto da discussão
para outro que mantém com o primeiro uma relação condicionante
de que um não possa ser discutido sem que antes se discuta o outro
(lembre-se, por exemplo, da possibilidade de se discutir a validade de
um documento – em uma ação declaratória – que serve de base a uma
ação executiva) (FERRAZ JR., 2016, p. 28).

Após a translatio, ou seja, da identificação do interesse ou conflito humano


como bem jurídico – amparado pelo direito – passa-se ao procedimento conjuntural,
que é a demonstração das condições fáticas, articulando-se o fato ao autor. É aí que
nasce o ato de argumentar como um conjunto de sucessivos questionamentos a
fim de respondê-los.

117
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Portanto, explica Ferraz Jr. (2016, p. 30), que:

O ato de argumentar procede, então, pelo questionamento: há o fato?


Quem é o autor? Esta última interrogação, por sua vez, sugere uma
conjectura do ânimo do autor (vontade livre, coagida, intencional,
etc.), de suas condições de possibilidade, de seu relacionamento com
o fato. O questionamento estrutura as posições de ataque e defesa.
O ataque mais forte afirma o fato e relaciona-o ao autor. A defesa
mais forte nega ambos. A defesa mais fraca admite o fato, mas nega
a autoria, objetando o ânimo, ou as condições de possibilidade, ou o
relacionamento causal.

A sequência de questionamentos vai estruturando o raciocínio


argumentativo, relacionando o fato ao sujeito envolvido na lide, levando a um
terceiro momento que é a proposição, a definitivo, quando se discute a relação
entre o fato e seu sentido previsto na norma jurídica, sendo a resposta mais
adequada às questões propostas a mais forte sob o aspecto argumentativo.

QUADRO 13 – QUESTIONAMENTOS GERAIS DO RACIOCÍNIO ARGUMENTATIVO

O quê? Fato jurídico principal ou questão jurídica em discussão.


Definição das partes envolvidas e devidamente qualificadas: nome,
Quem? nacionalidade, estado civil, profissão, residência e demais informações de
identificação (RG, CPF etc.).
Quando? Sequência cronológica dos fatos.
Como? Dinâmica da ocorrência dos fatos.
Por quê? Razões que deram origem ou justificam o fato jurídico.
Então .... Adequação do fato à norma jurídica.

FONTE: A autora

Facilmente, concluímos que a argumentação, no campo jurídico, é uma


maneira organizada e sistematizada de expor claramente e de forma compreensível
as razões que conduzem à determinada conclusão.

No entender de Eltz, Teixeira e Duarte (2018, p. 110), os argumentos


jurídicos podem ser simples ou padronizados e complexos.

• Argumentos Simples: é a padronização de um argumento de forma a estabelecer


frases que servem de premissas e frases que servem como conclusão.

118
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

QUADRO 14 – EXEMPLO DE ARGUMENTO SIMPLES

FONTE: Eltz, Teixeira e Duarte (2018, p. 110)

Observe que o argumento padronizado é mais simples que o original e


as últimas frases são repetidas e são utilizadas para enfatizar as premissas. Os
argumentos simples, em geral, são compostos ou uma ou mais premissas de uma
única conclusão.

No campo jurídico, os argumentos simples são aqueles que são


construídos recorrendo à lei e à jurisprudência que não apresentam divergências
de entendimento, exigindo menos esforço argumentativo. Em geral, utiliza-se
uma introdução para a colocação do problema, seguida de um argumento de
autoridade, a lei e a jurisprudência seguidas de conclusão, incluindo, se necessário,
outros tipos de argumento.

• Argumentos Complexos: possuem mais encadeamentos lógicos que os simples.

119
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

QUADRO 15 – EXEMPLO DE ARGUMENTO COMPLEXO

FONTE: Eltz, Teixeira e Duarte (2018, p. 112)

No caso acima, a premissa B é um argumento bastante simples que


decorre da premissa A, sendo que a premissa B serve de argumento para outra
premissa, a C, e esta última conduz à premissa D como conclusão. Note que são
argumentos organizados e encadeados que conduzem a uma conclusão final. Esse
tipo de argumento é bastante utilizado no campo jurídico nas sentenças judiciais,
petições de advogados, denúncia de promotores etc.

Sobre o tema, Atienza (2014, p. 116) afirma: “Nos casos simples, pode-se
considerar que o respaldo consistiria simplesmente na enunciação da proposição
normativa correspondente. Mas, nos casos difíceis, isso não basta; é preciso também
apresentar uma combinação de enunciados descritivos, normativos e avaliativos”.

Finalizando, o direito não é tão somente o que está literalmente explícito em


uma norma jurídica, ou seja, o direito é mais que a lei. O exercício profissional do
direito é basicamente argumentativo com o claro objetivo de produzir uma resposta
adequada ao caso concreto desde o conhecimento técnico, ético e responsável.

3 LÓGICA E ARGUMENTAÇÃO
Vamos compreender alguns conceitos básicos e essenciais de lógica
a fim de podermos compreender sua relação com a argumentação jurídica.
Lógica é um termo relacionado tanto a um conjunto de regras racionais que
conduzem a um conhecimento como à área da filosofia que estuda a validade
formal de proposições matemáticas ou linguísticas. Especificamente, no
campo da linguística, a lógica não tem como objetivo discutir a veracidade dos
enunciados, mas sua validade formal, ou seja, conferir sentido estrutural do
argumento ou frase enunciada. Por outras palavras, pode-se afirmar que há
lógica no enunciado que há um padrão formal correto.

Pode-se dizer que a lógica é o que caracteriza a racionalidade humana


e não foi criada, mas nominada e estudada sistematicamente desde o pensador
grego Aristóteles, entre os anos 384 a.C. e 322 a.C.

120
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

FIGURA 19 – A LÓGICA DETERMINA A ORGANIZAÇÃO E VALIDADE DO PENSAMENTO


E DOS ENUNCIADOS LINGUÍSTICOS

FONTE: <https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/logica.htm>. Acesso em: 26 abr. 2021.

A chamada lógica aristotélica é a clássica e tem como fundamento princípios


racionais e o silogismo. Aristóteles definiu o ser humano como “animal que fala”,
ou seja, percebeu que diferente dos demais animais, o homem possui linguagem e
que os enunciados linguísticos possuem sentido e validade, nascendo desde aí, a
lógica como estudo sistemático dos enunciados linguísticos.

NOTA

O QUE É A LÓGICA ARISTOTÉLICA?

Aristóteles define que o fundamento


da lógica é a proposição. Essa usa a linguagem
para expressar os juízos que são formulados pelo
pensamento. Proposição atribui um predicado
(denominado P) a um sujeito (denominado S).
Os juízos encadeados por esse segmento são
expressados de maneira lógica por conexões de
proposições, o que é denominado silogismo.
O silogismo é o ponto central da lógica
aristotélica. Representa a teoria que permite a
demonstração das provas a que estão ligados
o pensamento científico e filosófico. A lógica
investiga o que faz um silogismo ser verdadeiro, os tipos de proposições de silogismo e os
elementos que constituem uma proposição. É marcado por três características principais:
é mediato, é demonstrativo (dedutivo ou indutivo), é necessário. Três proposições o
constituem: premissa maior, a premissa menor e a conclusão.

O mais famoso exemplo de silogismo é: Todos os homens são mortais. Sócrates


é homem. Logo, Sócrates é mortal.

121
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Analisemos:

1. Todos os homens são mortais - premissa universal afirmativa, pois inclui todos os seres
humanos.
2. Sócrates é homem - premissa particular afirmativa porque refere-se apenas a um
determinado homem, Sócrates.
3. Sócrates é mortal - conclusão - premissa particular afirmativa.

Proposição: é o enunciado por meio do discurso declarativo de tudo o que foi


pensado, organizado, relacionado e reunido pelo juízo. Representa, reúne ou separa pela
demonstração verbal o que foi separado pelo juízo mentalmente. A reunião de termos é
feita pela afirmação: S é P (verdade). A separação ocorre pela negação: S não é P (falsidade).

Sob o prisma do sujeito (S), existem dois tipos de proposições: proposição


existencial e proposição predicativa.

As proposições são declaradas conforme a qualidade e a quantidade e obedecem


à divisão por afirmativas e negativas. Sob o prisma da quantidade, as proposições se dividem
em universais, particulares e singulares. Já sob o prisma da modalidade, se dividem em
necessárias, não-necessárias ou impossíveis e possíveis.

Caso tenha interesse, leia também: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-


que-e-logica-aristotelica/.

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/logica-aristotelica>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Os estudos de Aristóteles sobre a lógica o levaram a concluir que um


enunciado ou argumento válido deve obedecer a três princípios básicos:

• Princípio da Identidade: é a enunciação da identidade, do que é, os seres e as


coisas. Por exemplo, quando afirmamos: “isto é um texto” estamos anunciando
ou indicando a identidade da coisa.
• Princípio da não Contradição: segundo tal princípio, um ser ou uma coisa não
pode ao mesmo tempo ter e não ter uma identidade. Ou seja, algo não pode ser
e não ao mesmo tempo. Exemplo: se afirmamos “isto é um texto” não posso
afirmar que “isto não é um texto” em relação à mesma coisa.
• Princípio do Terceiro Excluído: segundo tal princípio, se o ser ou a coisa é ou
não é algo não existe uma possibilidade. Exemplo: se afirmo “isto é um texto”
ou “isto não é um texto” não há outra possibilidade. Se isto “é um cavalo”
deixa de ser “um texto” e se encaixa como segunda possibilidade.

122
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

FIGURA 20 – OS PRINCÍPIOS DA LÓGICA ARISTOTÉLICA

FONTE: <https://pt.slideshare.net/hodukitove/lgica-formal-58342380>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Já na contemporaneidade, outros filósofos estudaram a relação entre


a lógica e linguagem, dentre os quais se destaca Bertrand Russell (1872-1970),
um dos mais influentes filósofos do século XX que se dedicou ao estudo da
relação da matemática e das analogias com a ciência, conhecido por defesa
de causas sociais e pacifista, seguramente pelos impactos que sofreu pelas
guerras mundiais e tecnologia. Defendeu o não recrutamento militar durante a
segunda guerra, o que lhe custou, além da prisão, a demissão da Universidade
de Cambridge. Juntamente com Albert Eistein fundou um movimento pela paz
mundial e liderou movimentos antiarmamentistas.

FIGURA 21 – BERTRAND RUSSELL

“O problema é que os imbecis são categóricos


e os inteligentes são cheio de dúvidas”
(B. Russell)

FONTE: <https://novaescola.org.br/conteudo/1415/bertrand-russell-um-logico-na-educacao>.
Acesso em: 21 abr. 2021.

123
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Mas qual a relação da lógica com a argumentação?

Como vimos, a argumentação é um instrumento persuasivo elaborado a


partir de um conjunto de proposições concatenadas de maneira específica, sendo
que uma proposição sustenta outra, havendo inferência entre elas.

FIGURA 22 – CONCEITO DE INFERÊNCIA

FONTE: <https://www.dicio.com.br/inferencia/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Inferência é uma operação mental através da qual se extrai uma conclusão


– nova proposição – de outras proposições já conhecidas. Realizar uma inferência é
deduzir conceitos, ideias ou informações que estão implícitas em um texto, sendo
este o ato que confere lógica e coerência ao texto.

Quando a inferência obedece, com rigor, aos princípios da identidade,


terceiro excluído e não contradição, bem como às demais regras lógicas,
o argumento é logico e, então, poderemos ter a certeza de que, se as
premissas são verdadeiras e se efetivamente são atendidos tais princípios
e regras, a conclusão é verdadeira também (COELHO, 2012, p.19).

A validade de um argumento decorre da lógica das inferências enquanto


que a veracidade ou falsidade são atributos das proposições.

Observe a figura a seguir e perceba que o erro do pinguim está nas


proposições e não na forma de raciocínio. Portanto, se utilizarmos premissas ou
proposições falsas chegaremos a uma conclusão errada, porém logicamente válida.
Portanto, se partimos de uma premissa errada chegaremos a uma conclusão falsa
mesmo que o raciocínio seja correto.

124
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

FIGURA 23 – A “LÓGICA DO PINGUIM”

FONTE: <https://www.indagacao.com.br/2019/07/fatec-2019-silogismo-e-uma-estrutura-
logica-que-designa-uma-forma-de-raciocinio-dedutivo.html>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Para Coelho (2012, p. 18), há duas condições para que um raciocínio lógico
conduza à verdade:

A primeira é: a veracidade das premissas. Partindo-se de premissas


falsas, pode-se chegar a conclusões falsas, mesmo que o raciocínio seja
vigorosamente lógico. A segunda condição para se chegar à verdade
é a correção do próprio raciocínio, no sentido de obediência estrita às
regras da lógica. Os lógicos se ocupam apenas da segunda condição,
já́ que da veracidade das premissas cuidam os cientistas (biólogos,
físicos, sociólogos, psicólogos etc.).

A importância de conhecermos a lógica, principalmente no campo jurídico,


é o cuidado com o procedimento argumentativo e não nos deixarmos fascinar
pelo mero encadeamento lógico das ideias e não analisarmos sua veracidade.

4 O DIREITO COMO SISTEMA LÓGICO


Como vimos, a lógica é um instrumento que permite organizar o raciocínio
e elaborar argumentos de maneira adequada de forma a produzir um resultado.
É, portanto, uma maneira de organizar o pensamento relacionando ideias desde
determinadas premissas obedecendo às regras próprias como o princípio da
identidade, não contradição, terceiro excluído, silogismo etc. Assim, um sistema
de enunciados ou conceitos é lógico na medida em que estiver articulado de
forma específica obedecendo a tais regras.

125
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A fim de verificarmos a lógica e coerência do direito é necessário


compreender inicialmente a diferença entre norma jurídica e proposição jurídica,
uma vez que ambas compõem o sistema operado pelo profissional da área. As
normas jurídicas são prescrições – devem ser – definidas por uma autoridade
política competente, o Estado através dos Poderes constituídos, que formula um
juízo de valor definindo uma consequência. Por exemplo, o Código Penal define
em seu artigo 121 que matar alguém tem como punição, como consequência,
reclusão de 6 a 20 anos. Significa dizer que “se alguém matar alguém deverá
ser imposta a pena de 6 a 20 anos”. Ou seja, há uma relação lógica entre matar
alguém e a imposição de uma pena, uma vez que tem uma premissa válida. A
validade ou não das normas jurídicas depende, por exemplo, da competência
da autoridade que a produz.

Porém, essas normas são estudadas e analisadas pelos estudiosos do


direito, pelos doutrinadores os quais elaboram, através da ciência jurídica,
um fundamento. Por exemplo, para o referido artigo 121 do Código Penal há
todo um fundamento e justificativa que discute a vida como um bem protegido
juridicamente, a necessidade de haver a relação entre o ato praticado e o evento
morte – o nexo de causalidade, causas de exclusão de culpabilidade etc. Essas
fundamentações elaboradas pelos doutrinadores que se referem ao conteúdo
da norma são as chamadas proposições jurídicas. Não se trata de uma mera
reprodução da norma jurídica, é sua descrição científica, considerando sua
finalidade e valores.

Assim, ao ser criada uma norma jurídica por um legislador, ela ganha
harmonia com o conjunto de fundamentos e valores do direito para ser aplicada
e inserida no conjunto do ordenamento jurídico, adquirindo uma espécie
de “novo status” como prescrição jurídica, e dessa maneira adquire lógica
e coerência dentro do sistema normativo. Considera-se que para manter a
unidade e coerência do direito é necessário que, de alguma maneira, sobretudo
argumentativa, conferir sentido às normas jurídicas, solucionando-se os
problemas de lacuna e antinomia. Mais adiante você verá que o fundamento
valorativo da norma jurídica e do sistema normativo é dado pela ordem
constitucional que estabelece as diretrizes, finalidades, valores e princípios que
devem nortear o agir político do Estado e da sociedade.

Considerar o direito um sistema lógico e coerente pressupõe a inexistência


de lacunas e antinomias. Lacuna é a ausência de norma para disciplinar o caso
concreto, que pode ser de diferentes tipos, como você poderá observar melhor
na Figura 24. Uma das soluções é a analogia que consiste em uma forma de
raciocínio lógico através da comparação, servindo como integração da lei. É
um método de interpretação jurídica utilizado quando, diante da ausência
de previsão específica em lei, aplica-se uma disposição legal que regula casos
idênticos, semelhantes, ao da controvérsia.

126
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

FIGURA 24 – AS LACUNAS DO DIREITO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/382665299563439655/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Como exemplo de lacuna normativa podemos citar o artigo 499 do Código


Civil, quando trata do contrato de compra e venda e afirma: “É lícita a compra e
venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão”. Observe que
a lei fala em cônjuges e não em companheiros. Mas como fica em casos de união
estável? Neste caso, pode-se utilizar a analogia. Se é lícita a compra e venda entre
cônjuges na constância do casamento, também é lícita a compra e venda entre
companheiros na constância da união estável, desde que relativa a bens excluídos
da comunhão, uma vez que união estável e casamento possuem semelhança
quanto ao bem jurídico protegido que é a família.

127
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 25 – USO DE ANALOGIA NO DIREITO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/382665299563439655/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

O fundamento da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual a


lei deve tratar de forma igual os iguais e na exata medida de sua desigualdade e,
assim, casos semelhantes devem ser regulados por normas semelhantes.

NOTA

DIFERENÇA ENTRE ANALOGIA, INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA


E INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

“1. Analogia: Faz-se uso da analogia na ausência de norma a regular o caso concreto,
colmatando-se a lacuna normativa com a aplicação de outro texto legal que regule outra
hipótese semelhante ou idêntica. Aplica-se a solução de um caso previsto e regulado pelo
direito a outro caso não regulado. O operador do direito deve argumentar que, se houvesse
regulação prevista para o caso lacunoso, teria a mesma aplicação e solução do dispositivo
legal o qual usa como referência. Além de estar presente expressamente em outros textos
legais, a analogia tem previsão na Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro –
LINDB, conforme se verifica de seu art. 4°: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Colhe-se da
redação literal que o uso da analogia depende de omissão da lei e, por isso, se diz que não
é método de interpretação, mas de integração da lei.

128
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

2. Interpretação analógica: Diferentemente da analogia, na interpretação analógica há


uma lei a ser aplicada e interpretada e, então, não há lacuna ou omissão legislativa ou
normativa. Todavia, há a necessidade da aplicação desse método interpretativo quando
em parte do próprio texto da lei há uma fórmula ou conceito genérico que precisa ser
interpretado e ter sua norma revelada a partir do mesmo texto legal. Nesse caso, não se
utilizam outras leis para tal interpretação, extraindo-se conceitos análogos do próprio texto
o qual se procura interpretar.
Os exemplos mais famosos são os do Direito Penal, como o seguinte: Art. 121. Matar
alguém:... Homicídio qualificado...§ 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga
ou promessa de recompensa,  ou por outro motivo torpe; ...A própria lei indicou que a
paga ou a promessa de recompensa seriam motivos torpes, razão pela qual a descoberta
de "outro motivo torpe" a qualificar o crime deverá ser extraída da análise dos próprios
conceitos do precitados. Essas hipóteses ocorrem especialmente quando o legislador, por
impossibilidade de antecipar e prever todos os fatos da vida, estipula uma fórmula genérica
que permite ao interprete revelar outras situações comparativas às quais deveriam se
aplicar a lei.

3. Interpretação extensiva: Por fim, na interpretação extensiva também não há lacuna,


nem generalidade nos conceitos. Há lei regulando o caso concreto e interpreta-se
conceitos ou palavras do texto de forma a ampliar seu alcance ou significado. Dessa
forma, desvenda-se o sentido e extensão dos conceitos determinados e previstos no
texto legal para que situações que, à primeira vista, não possuíam regulação por aquela
norma, possam ser por ela também regidas. É por isso que se defende, nesse tipo de
interpretação, que seu uso naquele caso concreto é possível porque "o legislador teria
dito menos do que queria". Um exemplo interessante consta na decisão do STJ no Resp
621.399/RS em que se ampliou o alcance da impenhorabilidade de bem de família para
proteger imóvel que, embora fosse de propriedade de pessoa jurídica, abrigava a única
moradia dos sócios de uma empresa familiar.
Veja-se o teor da norma interpretada extensivamente: Art. 1° O imóvel residencial próprio
do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges
ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei. (Lei n. 8.009/1990)”.

FONTE: <http://twixar.me/6D8m>. Acesso em: 26 abr. 2021.

129
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

FIGURA 26 – ANALOGIA SEGUNDO A LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/509117932856628831/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Já a antinomia é o caso de conflito de normas que pode ocorrer em três


situações: a) quando uma norma obriga certo ato e outra o proíbe (normas
contrárias); b) quando uma norma obriga certo ato e outra permite a abstenção
desse ato (normas contraditórias); c) quando uma norma proíbe certo ato e
outra o permite (normas contraditórias). Como solução existem três critérios: o
cronológico, o hierárquico e o da especialidade.

O critério cronológico ocorre quando a norma posterior prevalece sobre a


anterior - lex posterior derogat priori. Ou seja, no direito brasileiro entende-se que
a norma jurídica mais nova revoga a mais antiga, pela necessidade de constante
aperfeiçoamento do direito positivo e tem como fundamentado o artigo 2°, §
1°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que regula que
norma posterior revoga a anterior: “A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (COELHO, 2012, p. 67).

130
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

O critério hierárquico é a solução por excelência das antinomias, isso


porque a norma superior prevalece sobre a inferior, por exemplo, a Constituição
Federal  de 1988 tem caráter supralegal, na qual as demais leis (ordinárias,
complementares etc.) devem estar em consonância, em harmonia com os
princípios por ela estabelecidos, sob pena de declaração de inconstitucionalidade,
perdendo, assim, sua efetividade.0 Portanto, “Se um dispositivo constitucional é
antinômico em relação a uma lei ordinária, aquele deve ser respeitado em prejuízo
desta” (COELHO, 2012, p. 18).

E, finalmente, o critério da especialidade é o que determina que a norma


especial prevalece sobre a geral. Por exemplo, as regras sobre o contrato de compra
e venda do Código Civil não se aplicam às relações de consumo caso o Código de
Defesa do Consumidor possuir disposição diversa, porque esta é mais específica,
por dizer respeito apenas aos contratos envolvendo consumidores enquanto que
o Código Civil é aplicável aos contratos em geral. Outro exemplo é a Lei Maria
da Penha, que é aplicável nos casos de grave ameaça doméstica, enquanto que o
artigo 158 do Código Penal é geral e diz respeito a situações gerais.

Mas como no cotidiano dos profissionais do direito a lógica e argumentação


são utilizadas? Advogados, juízes, promotores, procuradores da justiça etc.
diariamente obrigam-se a produzir peças processuais, pareceres ou decisões de
maneira organizada e com bons argumentos. Se refletirmos bem a lógica é o que
auxilia na estruturação de toda argumentação, com ênfase no silogismo. Conforme
afirma Coelho (2012, p. 78), “Para alguns lógicos do direito, o profissional do
direito, em seu trabalho, não se limita a encadear operações mentais dedutivas,
mas, ao contrário, conjuga diversas outras faculdades mentais, como a intuição
e a indução”. Consiste em um trabalho silogístico, sendo: a) a premissa maior, o
conteúdo da norma jurídica – a lei; b) a premissa menor, o caso concreto, a realidade
do fato; e, c) a conclusão, a aplicação ou adequação da norma ao caso concreto.

Vejamos um exemplo bastante simples:

Matar alguém é crime previsto no artigo 121 do Código Penal com punição de 6
a 20 anos – premissa maior;
Pedro matou João – fato ou premissa menor;
Logo, Pedro deve ser punido - conclusão.

Esse tipo de raciocínio é denominado subsunção, que é a transformação da


norma jurídica, na maioria das vezes, geral e abstrata em direito no caso concreto.

131
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

NOTA

SUBSUNÇÃO – UM ESTUDO DE CASO DE SILOGISMO JURÍDICO

“Suponhamos que ocorra uma colisão entre dois automóveis. Os respectivos


motoristas dizem que a culpa foi do outro. Desejam obter o pagamento de um valor que
permita o conserto dos carros. Como não querem aceitar as razões alheias, param de se
comunicar, frustrados.

Um dos motoristas, dias depois, busca um terceiro comunicador que possa ouvi-
lo e ao outro, para decidir quem tem razão. Esse terceiro é o juiz de direito, procurado por
meio de um processo judicial. A partir de então, a comunicação torna-se exigível e deixa
de ser meramente subjetiva. Os motoristas não podem mais comunicar quando, como
e o quê quiserem. Agora, devem comunicar aquilo o que é solicitado no processo, no
momento em que for solicitado.

O processo judicial, assim, é uma forma de se restabelecer a comunicação


interrompida que causa o conflito. Ele se inicia por meio da interposição de uma petição inicial
(regulada no art. 282 do CPC). Nessa petição, o autor deve apresentar, entre outras coisas:

1. Os fatos, demonstrando que existe um conflito e descrevendo todas as circunstâncias


que o envolvem. Sobretudo, deve apresentar um responsável pelo conflito e destacar
que se trata de uma situação que viola o direito;
2. Os fundamentos jurídicos, a fim de especificar a violação do direito, destacando quais
as normas legais que serão utilizadas para resolver o caso (se houver lacuna, quais os
procedimentos para preenchê-la que devem ser adotados). Uma vez destacadas as
normas legais, elas devem ser interpretadas, demonstrando-se que possuem significados
válidos e vigentes (sem serem incompatíveis com outras normas superiores), que se
referem ao fato que engloba o conflito (alcançam o fato, sociológica e historicamente)
e que podem resolver o conflito com eficácia (cumprindo seus fins sociais) e com
legitimidade (permitindo a concretização do bem comum);
3. O pedido, que consiste na aplicação das normas legais interpretadas aos fatos narrados.

A petição inicial, assim, descreve o conflito, sugere normas legais que podem
resolvê-lo e pede a aplicação das mesmas. Ela reinstaura a comunicação, exigindo do réu
uma resposta, que se torna obrigatória. O meio mais comum de responder é a contestação
(art. 300 do CPC). De modo geral, o réu contesta os três itens acima, negando a versão
apresentada dos fatos, questionando as normas jurídicas e suas interpretações e pedindo
uma aplicação diversa das leis.

Lembremos: a causa do conflito é a falta de comunicação. Ao ser institucionalizado


no Poder Judiciário, a comunicação torna-se obrigatória e o conflito será resolvido
pelo juiz. Mas, para que o conflito possa ser resolvido, há a necessidade de que ele seja
determinado: qual sua abrangência? Serão considerados pontos conflituosos aquelas
questões que surgirem durante a comunicação: as controvérsias entre o autor e o réu, ou
seja, as divergências comunicacionais.

Voltando ao exemplo da colisão de automóveis, se o autor afirmar que o acidente


ocorreu no dia 10, às 10h e o réu concordar com isso, não teremos um ponto controvertido,
pois ambos se entenderam no processo comunicacional. O juiz nada precisará fazer quanto
ao momento do acidente. Porém se o réu afirmar que cruzou o sinal verde e o autor disser
que o sinal estava vermelho para o autor, teremos uma controvérsia. O conflito limitar-se-á
a esta questão.

132
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

O juiz resolverá os pontos controvertidos por meio da sentença (art. 485 do


CPC). Ele tomará decisões para resolver os conflitos fáticos e jurídicos. Em termos fáticos,
os envolvidos no conflito deverão apresentar provas que permitam convencer o juiz da
veracidade do que alegam. Em termos jurídicos, os conflitantes deverão convencer o juiz a
utilizar determinadas normas legais, interpretá-las da forma que reputam melhor e aplicá-
las por meio da apresentação de argumentos doutrinários e jurisprudenciais.

De modo simplificado, a decisão é um ato no qual uma possibilidade é escolhida


e outras são descartadas. O juiz escolherá uma versão para os fatos narrados (pode ser a
versão de uma das partes, uma mescla de ambas ou uma versão própria do juiz, obtida por
meio das provas apresentadas), escolherá as leis que utilizará, delimitará seus significados
por meio de uma interpretação e, enfim, transformará o texto legal em um texto sentencial.

A resolução final do conflito dar-se-á, assim, pela aplicação do direito. Podemos


enxergá-la como um procedimento silogístico”.

FONTE: <https://direito.legal/interpretacao-e-alicacao/53-aplicacao-do-direito/>. Acesso em:


26 abr. 2021.

FIGURA 27 – SILOGISMO JURÍDICO

FONTE: <http://twixar.me/KF8m>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Observe na figura anterior, a proposta de estruturação de um argumento


jurídico, verbal ou escrito, de maneira lógica. Há que sempre se considerar que o
objetivo de um argumento jurídico é o convencimento que deve ser demonstrado
de maneira lógica e coerente a fim de conduzir a uma necessária conclusão.

133
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

LEITURA COMPLEMENTAR

“LINGUAGEM: QUAL SUA IMPORTÂNCIA NO MUNDO JURÍDICO?”

Kelly Graziely da Cruz

A sociedade depende fundamentalmente da linguagem. O que é a


linguagem, porém? Em qualquer dicionário de língua portuguesa significa, “o uso
da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre
pessoas”, isto é, a linguagem é a forma de comunicação entre os seres humanos
e para isso utiliza-se da ferramenta palavra e seus respectivos significados. O
Direito, por sua vez, é um conjunto de normas, ou seja, um dever ser expressado
por meio de textos escritos e transmissão oral que nada mais são do que uma
linguagem. A linguagem é um conjunto de signos naturais e artificiais. Os signos
artificiais são elaborados pelo homem e possuem uma base (dicionário) e um
contexto (da base retira-se um significado que seja mais coerente com o contexto
em análise). A linguagem tem três aspectos relevantes: a sintática (signo + signo);
a semântica (signo + referente – a imagem convencionada culturalmente); e
a pragmática (signo + contexto e usuário). Logo, o mundo jurídico tem como
principal instrumento de labor a linguagem.

Atualmente o mundo jurídico busca soluções para os casos concretos


ou conflitos da sociedade na hermenêutica, com seus métodos interpretativos,
principalmente averiguando a linguagem das normas. Deve-se salientar,
entretanto, que ainda hoje se dá pouca importância à parte teórica do Direito,
preferindo-se mais o Direito substancial que o material, ação totalmente errônea,
pois a prática para ser boa necessita muito da formação teórica do profissional,
ou seja, de sua argumentação. Assim, é extremamente importante analisar a
interpretação e consequentemente a linguagem do Direito.

Em vista disso percebe-se que o Direito instrumental não pode ser visto
como uma lógica matemática, em que dois mais dois são quatro, e sim interligado
ao Direito material, estudando os dois conjuntamente. Com isso vem à tona o
problema da linguagem e até onde o Direito tem uma linguagem extremamente
técnica? Será que o mundo jurídico se “aliena” da linguagem vulgar? Para saber
se o Direito tem linguagem técnica ou natural é preciso conhecer as duas divisões.
A linguagem natural se caracteriza por ser o instrumento de comunicação por
excelência entre os seres humanos, não se preocupando com rigor científico ou
técnico, enfim, é a linguagem espontânea.

Por outro lado, a linguagem técnica tem um caráter mais cientifico, com
signos determinados, embora encontre sua base na linguagem natural.

134
TÓPICO 3 — DIREITO, ARGUMENTAÇÃO E LÓGICA JURÍDICA

É fundamental destacar, que a linguagem ordinária não é suprimida


pela jurídica, sendo que a vulgar possui pressupostos e elementos constitutivos
do Direito. A linguagem do Direito atua também em termos caricaturais
e até da literatura infantil o leitor retira de alguns dos seus fundamentos. O
Direito, muitas vezes, se afasta da realidade reduzindo as pessoas à condição
institucional. Várias vezes, se não em todas, o discurso da argumentação jurídica
alega posições que não aquela que nos convém naquele momento, sendo este
um discurso puramente institucional.

Em vista disso, para ser um jurisconsulto renomado não se pode esquecer


a linguagem comum, visto que o cliente é afeito apenas à linguagem diária e o
advogado terá de lhe responder na mesma linguagem, caso contrário não será
entendido. A autora Joana Aguiar e Silva, citando o ilustre jurista White, aborda
o seguinte: “E uma vez que a história tanto começa como acaba na linguagem e
experiência vulgares, o essencial do Direito é o processo de tradução através do
qual tem que trabalhar da linguagem vulgar para a jurídica e outra vez para a
vulgar”. A legislação não é imutável, uma vez que a sociedade se modifica a cada
minuto. O legislador se refere à mulher honesta, mas o que é honestidade hoje? É
o mesmo que significava quando a regra foi elaborada, em 1940?

É dizer que a linguagem possui vários segmentos no âmbito da sociedade,


como a dos médicos, dos juristas e da população em geral, que é universal e todos
a entendem. O Direito tem sua própria linguagem e é através das palavras ou
signos que se exterioriza a lei, que por sua vez deve ser interpretada e aplicada
ao caso concreto. Então, a arte das palavras faz com que o jurista descubra a
solução mais adequada. Salienta-se que o jurista com vocabulário pobre não terá
sucesso profissional. De outro lado, o Direito não pode esquecer da linguagem
comum, visto que tudo começa com a linguagem vulgar e com esta também
termina. Na verdade, o que ocorre é uma tradução, assim como traduzir uma
língua estrangeira desconhecida.

A linguagem, além disso, não é extremamente clara e objetiva, havendo


imprecisão em seus signos, entrando em cena as figuras da vagueza e da
ambiguidade. A vagueza tem uma dimensão denotativa (o que é?), por exemplo,
a palavra “careca” tem vários significados e deve-se averiguar no caso concreto
a qual deles a palavra está sendo aplicada. A ambiguidade, dimensão conotativa
(qual dos sentidos?), por exemplo, “manga”, pode ser de uma blusa ou uma fruta.
O Direito também contém em suas normas as figuras da vagueza e a ambiguidade,
tendo inúmeros casos de imprecisão ou de dúvidas de interpretação acerca da
significação de algum termo contido na lei.

O Direito, deste modo, é interligado à linguagem, quem sabe até mais


que o próprio curso de Letras, por isso a importância de aprofundar os estudos
com um vocabulário enriquecido e ao mesmo tempo conseguir a tradução desta
linguagem técnica para a comum, para ser entendida por todos indistintamente.

135
UNIDADE 2 — LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

O mundo jurídico com o uso da retórica procura solucionar os conflitos


da sociedade e é por meio da linguagem que as leis se exteriorizam, sejam elas
escritas ou verbais. Daí a preocupação dos mestres em ensinar um palavreado
mais rebuscado aos acadêmicos para que tenham uma formação mais aberta e não
sejam simples formalistas, quer dizer, aplicar a lei tal qual é, estritamente formal,
devendo aplicá-la, mas sob o aspecto social e atual, em que o fato se concretizou,
utilizando as palavras para obter o resultado almejado. De tal modo, no âmbito
jurídico a comunicação é o fator que viabiliza a existência do Direito.

Assim, a linguagem do Direito é técnica, porém é a vulgar que o torna


entendido pelos leigos. Por isso tal importância da linguagem na vida do jurista,
e até se deve conhecer mais a fundo as palavras e seus significados para construir
uma interpretação criativa com embasamento forte e convincente.

É necessário ainda inferir que a linguagem, sendo uma forma de


comunicação entre as pessoas, busca construir signos com significados para uma
relação clara e objetiva. A linguagem técnica, por ter um caráter de cientificidade
deixa muitas pessoas confusas e por isso a importância de operadores jurídicos
para sanar essas dúvidas, esclarecendo os termos técnicos que a ciência do
Direito possui.

Conclui-se nessa pequena e rápida análise que o Direito não deve


reduzir-se a uma só linguagem, apesar de não poder se afastar da tecnicidade
de suas normas. Ou seja, a linguagem do Direito não é exclusivamente natural
ou exclusivamente técnica, mas composta de ambas as espécies, podendo-
se denominar a linguagem jurídica como mista. Afinal, em decorrência da
necessidade de se cumprir as normas, a linguagem empregada nas normas
jurídicas, ou melhor, na tradução destas, deve se basear na linguagem natural
para que o Direito cumpra o seu papel de controle social e resolução de conflitos.

Linguagem e Direito são, portanto, como “a panela e a tampa”, e o Direito


nada seria sem a linguagem. Logo, o Direito não é e não pode ser uma linguagem
estritamente técnica nem especificamente vulgar, bem como o acadêmico ou
operador jurídico não deve se ater apenas ao Direito instrumental, “esquecendo-
se” do Direito material, devendo haver um equilíbrio entre ambos para obter um
bom desempenho jurídico e social, traduzindo os termos jurídicos e esclarecendo
as pessoas em geral”

FONTE: <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/view/760>.
Acesso em: 26 abr. 2021.

136
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A argumentação jurídica é definida como estratégia específica de convencimento


e tem como objetivo uma tomada de uma decisão na esfera jurídica a fim de
tornar o direito realidade.

• O processo de construção argumentativo no direito deve ser feito de forma


lógica e demonstrável com vistas a produzir um resultado válido juridicamente.

• O domínio da lógica e argumentação jurídica permite elaborar e discutir a


validade das premissas e conclusões jurídicas auxiliando, assim, o profissional
da área jurídica atuar de forma competente e com alta probabilidade de êxito.

• O direito é um sistema lógico cujo domínio auxilia na organização do raciocínio


e argumento jurídico, relacionando ideias a partir de premissas que obedecem
a regras e princípios articulados de forma a solucionar os casos de lacunas e
antinomias.

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137
AUTOATIVIDADE

1 No exercício da atividade profissional considera-se o bom jurista aquele


que possui não apenas a capacidade de construir argumentos adequados,
mas também a habilidade de os manejar com competência e segurança.
Desde tal concepção, considere as seguintes afirmações:

I- O exercício do direito não é tão somente o conhecimento de leis, mas é o


exercício de uma atividade argumentativa.
II- No campo jurídico há, em geral, a oposição de interesses, bens jurídicos
e direitos, o que se chama de lide, exigindo do profissional da área
sustentação das razões de direito através da argumentação.
III- A formulação de um pedido a um magistrado não exige justificação e sim
argumentação.
IV- Um pedido judicial deve ser bem formulado, sendo o fato e os fundamentos
jurídicos muito bem demonstrados, sob pena de ser indeferido.

Assinale a afirmação CORRETA:


a) ( ) As afirmações I, II e III estão corretas.
b) ( ) As afirmações I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmações II e III estão corretas.

2 No direito, o conceito de verdade é relacionado à probabilidade e validade


jurídica, uma vez que ao afirmarmos que algo é verdadeiro significa que não
pode ser contestado ou refutado, sobretudo porque verdade é um conceito
absoluto e dificilmente atingido no campo jurídico. Acerca do conceito de
verdade no campo jurídico, considere as seguintes asserções:

I- No campo jurídico é dever do órgão julgador atuar de forma cuidadosa a


fim de alcançar a maior probabilidade possível de certeza.

PORQUE

II- No direito, a verdade e justiça não dependem da lei e sim da capacidade


argumentativa do profissional da área jurídica.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são falsas.
b) ( ) As asserções I e II são verdadeiras, sendo a II a justificativa da I.
c) ( ) A asserção I é verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) ( ) A asserção I é falsa e a II é uma proposição verdadeira.

138
3 Considere o seguinte texto:

“A linguagem do Direito há de conformar-se aos rigores da técnica jurídica.


Mas sem desprezo à clareza, à transparência, à elegância e ao ritmo melodioso
da poesia. As palavras, para o professor, para o advogado, para os operadores
do Direito, em geral são feitas para persuadir, demover, incentivar. Não
basta sintaxe. É preciso paixão (Luís Roberto Barroso). A citação destaca a
importância da linguagem verbal para o profissional do direito no desempenho
de suas funções. Observa-se que Luís Roberto Barroso enfatizou o uso de
uma linguagem clara, objetiva, precisa, em que a razão direcione o discurso
a ser produzido, a fim de que se alcance o principal objetivo no discurso
jurídico: o convencimento. Entretanto com destaque, exaltou um componente
indispensável a ser associado à razão: a emoção. Ora, o orador deve envolver,
emocionar, apaixonar o seu auditório, a fim de persuadi-lo. ”

FONTE: VALVERDE, Alda da Graça Marques e outros. Linguagem e argumentação jurídica.


6. ed. São Paulo: Editora Forense, 2020. p. 401-402).

Acerca da relevância da linguagem e argumentação jurídica, assinale a


afirmação CORRETA:

a) ( ) Argumentação jurídica é um recurso de convencimento utilizado na


área jurídica que deve ser construída de forma a utilizar uma linguagem
clara e objetiva embasada racionalmente na lei e técnica jurídica.
b) ( ) Para o convencimento, o jurista deve privilegiar a retórica e a emoção
em detrimento da técnica jurídica.
c) ( ) A atividade do profissional do direito exige capacidade de convencer
com emoção e não o manejo da técnica jurídica.
d) ( ) Na aplicação da lei não há que ser considerados argumentos e sim fatos.

4 O direito é definido como um sistema normativo lógico cujo domínio


auxilia na organização do raciocínio e argumento jurídico, relacionando
ideias a partir de premissas que obedecem a regras e princípios articulados
de forma a solucionar os casos de lacunas e antinomias. Diferencie lacuna
de antinomia.

5 Considera-se antinomia quando há conflito de norma jurídica diante do


caso concreto e pode ocorrer em três situações: a) quando uma norma
obriga certo ato e outra o proíbe (normas contrárias); b) quando uma
norma obriga certo ato e outra permite a abstenção desse ato (normas
contraditórias); c) quando uma norma proíbe certo ato e outra o permite
(normas contraditórias). Como são solucionados os casos de antinomia?
Fundamente sua resposta.

139
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Retórica. Traduzido por Edson Bini. Editora: Edipro, 2017.

ATIENZA, M. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. Tradução de


Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.

BRASIL. Lei n° 8.906 de 04 de julho de 1994. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 26 abr. 2021.

CAVALCANTI, D. Atuação vocal do advogado-oratória. Rio de Janeiro, 1999.

COELHO, F. U. Roteiro de lógica jurídica. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

ELTZ, M. K. F.; TEIXEIRA, J. K. M.; DUARTE, M. de. F. Hermenêutica e


Argumentação Jurídica. Porto Alegre: Sagah Educação S.A., 2018.

FERRAZ JR., T. S. Argumentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Editora Manole, 2016.

FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2005.

FREITAS, J. Sustentabilidade. Direito ao futuro. Belo Horizonte: Editora Forum,


2012.

GRINOVER, A. P. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório.


In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 27, ~jul./set. 1999.

HENRIQUES, A. Argumentação e Discurso Jurídico. 2. ed. São


Paulo: Atlas, 2013. Disponível em: http://www.cefac.br/library/teses/
d3a52bd39fc943ead47ffe6563b8bebd.pdf. Acesso em: 26 abr. 2021.

OLIVEIRA, P. C. Concepções de justiça em Chaim Perelman e John Rawls:


introdução ao debate multidisciplinar entre o relativismo e o universalismo. Ed:
CRV, 2020.

PERELMAN, C. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins


Fontes, 2014.

PLATÃO, P. Société d’Edition ‘Les Belles Lettres’. In: CARNEIRO, M. F. et al.


Teoria e prática da argumentação jurídica. Curitiba: Juruá, 2004.

140
UNIDADE 3 —

DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO


JURÍDICA E HERMENÊUTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o direito moderno como produto da racionalidade científica


moderna que nega o senso comum e concebe que o conhecimento deve ser
demonstrável e verificável por um método objetivo;

• identificar o Positivismo Científico como concepção de ciência social que


reduz os fenômenos da realidade a fatos comprováveis e que abandona
questões metafísicas ou demasiadamente complexas;

• diferenciar o Positivismo Jurídico do Positivismo científico de forma


a individualizar o Positivismo Jurídico como concepção de direito
estritamente legal produzidas pelo Estado;

• relacionar o processo de codificação do direito moderno com as correntes


interpretativas que se limitam ao procedimento de subsunção;

• particularizar a teoria de Hans Kelsen com relação aos procedimentos


interpretativos do direito considerado como sistema normativo
hierárquico e autossuficiente;

• analisar a crise do direito desde o marco positivista identificando a novo


constitucionalismo como novo paradigma de direito e de interpretação;

• diferenciar o conceito de regras e princípios jurídicos de forma a compreender


os distintos procedimentos compreensivos destas categorias normativas;

• compreender a ressignificação interpretativa do direito a partir da Teoria


da Argumentação de Robert Alexy adquirindo a habilidade de interpretar
a norma jurídica desde o procedimento da ponderação;

• conceituar Hermenêutica Jurídica como campo específico de saber


preocupado com os pressupostos que norteiam a interpretação e aplicação
da norma jurídica;

• diferenciar as distintas concepções hermenêuticas desde o marco do


positivismo jurídico;

• analisar a particularidade do direito brasileiro contemporâneo em relação


aos desafios a serem superados no campo interpretativo e argumentativo.

141
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

TÓPICO 2 – A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA


DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

TÓPICO 3 – HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA:


DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

CHAMADA

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142
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

1 INTRODUÇÃO
Atualmente, quando falamos em direito estamos situados na tradição do
pensamento moderno, que se define como técnico e instrumental e tem como
maior expressão, no campo das ciências sociais, o positivismo comtiano. Trata-
se de uma concepção que se funda na devoção à ciência legítima um tipo de
conhecimento neutro, ou seja, livre de valores de qualquer natureza.

No campo do direito, especificamente, o que melhor expressa o pensamento


moderno é o positivismo jurídico. Direito Positivo designa o conjunto de normas
jurídicas “postas” pelo poder político. Portanto, o Direito Positivo é, nesse sentido,
o conjunto de normas legais formais necessárias ao controle social estabelecido e
modernamente postas pelo Estado. A maior expressão do positivismo jurídico foi
a chamada Escola da Exegese, que criou conceitos e procedimentos interpretativos
que serviram de sustentação e justificação da lógica positivista.

Partindo de tais concepções, neste Tópico 1 será discutida a interpretação do


direito como reprodução do texto legal, o que torna o trabalho do jurista mera exegese
e limitada a subsunção do texto legal ao fato da vida social desde um raciocínio lógico
dedutivo, que tem na Teoria Pura de Hans Kelsen sua grande expressão.

2 A RACIONALIDADE CIENTÍFICA MODERNA


Quando falamos em Direito estamos nos referindo a uma certa concepção
construída na modernidade quando, desde a convergência de fatores e elementos
sociais, políticos, econômicos, históricos e culturais ocorridas no mundo ocidental
a partir dos séculos XVIII e XIX, se define um novo modo de vida e de pensar que
colocou fim de maneira definitiva a Idade Média e abandonada a crença na posição
secundária do Direito em relação ao poder divino. Sem dúvida, foi um enorme e
prodigioso esforço para a superação da tradição medieval até então dominante, o que
acabou por conduzir a uma nova concepção de mundo, inaugurando-se um novo
momento da sociedade humana.

Neste novo cenário, a recuperação do conhecimento e a revolução da


cultura começam a ser considerados ponto de partida para a construção de uma
nova maneira de pensar o ser humano em suas múltiplas dimensões. As inovações
técnicas se alastram e permitem a visualização de um novo horizonte existencial,

143
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

por exemplo, a bússola magnética, a pólvora, o relógio mecânico e a imprensa.


Inovações que provocam a expansão do mundo conhecido, uma nova relação
com o tempo e a expansão da secularização do conhecimento

Este é o ambiente de um novo ser humano que constrói novas formas de


pensar sobre si mesmo e as relações de poder adquirindo mais confiança em sua
própria capacidade de discernimento e autodeterminação do que nas autoridades.
Enfim, um ser orgulhoso de sua própria razão e ciente de que seria capaz de
compreender e controlar o mundo circundante desde suas próprias categorias da
razão sem depender de nenhuma divindade onipotente.

FIGURA 1 – CONCEITO DE MODERNIDADE

FONTE: <https://pt.slideshare.net/carolinapuerto505/filosofiamoderna1anook-
120913154712phpapp02-1>. Acesso em: 27 abr. 2021.

Então, de forma definitiva eram rompidos os vínculos com o passado


medieval e inaugurada uma era em moldes absolutamente novos anunciando
o alvorecer de um progresso humano infinito. Nesses novos tempos, o passado
não tinha mais sentido em ser revivido, mas ser compreendido como forma de
perspectiva para o futuro. A autoridade da tradição é abolida. O conceito de
moderno inclui a independência e a inovação. Talvez, por essa razão, o conceito
de modernidade é de abertura; de contínua ideia de inovação; de predominância
da ciência.

144
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

Vejamos as razões que tornam a ciência moderna uma forma inédita de


produzir conhecimento.

Entre os séculos XVIII e XIX, na Europa, quando a ciência já havia assumido


uma instância superior, indo além do bem e do mal (SOUSA SANTOS, 2001, p.
51), finalmente, os “tempos modernos” vão predominando e a ciência torna-se
um novo meio de conhecimento que exige uma forma específica de racionalidade.

Trata-se de um modelo de racionalidade essencialmente orientada pelos


postulados e métodos das ciências naturais que pouco a pouco se estende aos
diversos campos do conhecimento, que, no entender de Sousa Santos, acabou por
constituir-se num modelo totalitário, universal de conhecimento, já que “nega o
caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos
princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas” (SOUSA SANTOS,
2001, p. 61).

NTE
INTERESSA

O QUE É A CIÊNCIA?

“O conceito de ciência é algo que vem sendo debatido desde os primeiros


estudos sobre o próprio termo. Por conta disso, torna-se difícil estabelecer algo estático, já
que os estudos e desenvolvimento científico são uma constante. Dessa forma, podemos
estabelecer alguns tópicos para exemplificar o conceito deste termo. O conhecimento
científico se caracteriza como uma crença que pode ser questionada. Ou seja, para se
chegar à algo conclusivo os estudos passam por uma série de testes e averiguações
com o intuito de comprovar e afirmar algo ou alguma questão. Neste caso, se difere
da religião, por exemplo, pois independente das crenças, qualquer pessoa pode chegar aos
mesmos resultados ou, até mesmo, colocá-los em análise novamente. Assim, é passível
de questionamentos, pesquisas e investigações. Outro ponto a ser analisado, é que a
ciência não é um argumento de autoridade. Ou seja, os estudos evoluem de acordo com
novas descobertas, novos instrumentos de pesquisa, etc. Com isso, não significa que o
conhecimento desenvolvido por estudiosos (Sócrates, Platão, Aristóteles, Tales de Mileto,
etc.) seja lei ou algo do tipo. Isso porque, estão sujeitos à averiguação e análises. Assim, para
que o conhecimento seja considerado científico, ele deve ser racionalmente garantido.
A ciência também não se enquadra no conceito de senso comum. Ou seja, o senso
comum se refere à saberes adquiridos durante determinado tempo e que são passados por
gerações. Portanto, aprendemos sobre determinada situação pelas experiências de vida.
Pelo senso comum, temos respostas prontas sobre questões do dia a dia, por exemplo”

FONTE: <https://conhecimentocientifico.r7.com/o-que-e-ciencia/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

145
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 2 – MÉTODO CIENTÍFICO MODERNO E O RELIGIOSO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/559079741224068150/>. Acesso em: 26 abr. 2021.

Observe a figura acima. Perceba que a produção do conhecimento


considerado científico obedece a um criterioso e rigoroso método e é distinto,
por exemplo, da religião que explica os fenômenos através da fé e revelação.
Essa característica essencial da ciência moderna é diferente das concepções de
conhecimento em momentos históricos anteriores.

Com o conceito moderno de conhecimento é edificado um modelo de


racionalidade que rompe com o senso comum, negando qualquer conhecimento
fundado tão somente na prática. Partindo da concepção de que o mundo pode
ser compreendido como uma espécie de “máquina” consolida-se a concepção
de que o conhecimento é resultado da adoção de critérios metodológicos
adequados e precisos, tendo como pressuposto a certeza da existência da ordem,
previsibilidade e estabilidade que pode ser conhecida. Assim, a compreensão da
realidade passa a pressupor o uso adequado de uma operação técnica.

Tal modelo de racionalidade que foi sendo construída desde o


Renascimento no mundo europeu, e a partir do século XIX, adquire o status de
modelo global de racionalidade científica alastrando-se para os diversos campos
do conhecimento, colonizando culturas e sociedades, sobretudo ocidentais. Esse
modelo é representado melhor pelo positivismo, em suas distintas vertentes, que
para Sousa Santos assenta-se nas seguintes ideias fundamentais:

[...] distinção entre sujeito e objecto e entre natureza e sociedade


ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples
susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da realidade
dominada pelo mecanicismo determinista e da verdade como
representação transparente da realidade; uma separação absoluta

146
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

entre o conhecimento científico – considerado o único válido e


rigoroso – e outras formas de conhecimento como o senso comum
ou estudos humanísticos; privilegiamento da causalidade funcional,
hostil à investigação das “causas últimas”, consideradas metafísicas, e
centrada na manipulação e transformação da realidade estudada pela
ciência (SOUSA SANTOS, 2006, p. 25).

O termo “positivismo” foi empregado pela primeira vez pelo filósofo


francês Claude Saint-Simon (1760-1825) para designar o método exato das ciências
e a possibilidade de sua extensão à filosofia. Mais tarde, Auguste Comte (1798-
1857) utilizou a expressão para designar a sua filosofia, que teve grande expressão
no mundo ocidental durante a segunda metade do século 19 (estendendo-se no
Brasil à primeira metade do século 20).

FIGURA 3 – AUGUSTE COMTE E O POSIVITIVISMO

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/11117776/>. Acesso em: 27 abr. 2021.

A característica essencial ao positivismo, tal qual o concebeu Comte, é a


devoção à ciência, vista como único guia da vida individual e social, única moral
e única religião possível.

147
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

Da obra fundamental de Comte, Curso de Filosofia Positiva, escrita entre 1830


e 1942, a partir das aulas dadas pelo pensador se extrai elementos fundamentais
de seu pensamento:

Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a


impossibilidade de obter noções absolutas, renúncia a procurar
a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao
uso bem combinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetivas,
a saber, as suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A
explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de
agora em diante à ligação estabelecida entre os diversos fenômenos
particulares e a alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência
tende cada vez mais a diminuir (COMTE, 1978, p. 36-37).

É a partir do positivismo filosófico de Comte que passa a predominar a


concepção segundo a qual as ciências devem se ater aos fatos e aos fenômenos
conhecidos, abandonando questões metafísicas ou demasiadamente complexas,
utilizando-se da observação desses fenômenos e da reflexão lógica sobre eles.
O positivismo comtiano é absorvido por diversos ramos, tais como a história,
sociologia e também o direito (ELTZ; TEIXEIRA; DUARTE, 2018, p. 33-34).

Em síntese, o positivismo é a concepção que melhor caracteriza a


ciência moderna. Se caracteriza pela crença que somente é válido e confiável
o conhecimento acerca dos fatos observados e estudados através do método
próprio das ciências experimentais (observação, quantificação e experimentação),
pressupõe que o espírito e os métodos científicos experimentais devem se estender
a todos os domínios da vida intelectual, política e moral.

Porém, como veremos a seguir, positivismo jurídico é uma expressão


específica utilizada para designar uma doutrina de direito que é elaborada desde
a predominância do legalismo como legitimação de qualquer ação social, tanto
no individual quanto no plano político, a partir da previsão legal – conjunto
normativo escrito de caráter geral e abstrato – e que obedece a um modelo
técnico-racional e produzida unicamente pelo Estado, trazendo como um de seus
corolários o princípio do primado da lei.

O predomínio do paradigma da legalidade como fundamento de direito


é uma invenção do século XIX que vem na esteira das revoluções burguesas
que vincula a teoria da soberania popular e da representação parlamentar como
reação à concepção absolutista de Estado.

148
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

3 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO EXPRESSÃO DO


DIREITO MODERNO
Para melhor compreendermos como se construiu o Direito Moderno,
seus postulados interpretativos e argumentativos, é necessário lembrar
rapidamente o “cenário” político e histórico no qual ele foi construído, e para
isso retornemos ao mundo europeu dos séculos XVI a XVIII, dentro do qual
reinventou-se o conceito de política e de poder que servirá de explicação para o
modo como o Direito foi elaborado.

Um dos elementos centrais e ponto de partida é o conceito de


contratualismo, uma espécie de “fórmula” política e jurídica que vai aliar
convenientemente convivência social e submissão a um poder comum. Os
pensadores contratualistas, tais como Thomas Hobbes (1588-1679), B. Spinoza
(1632-1677), S. Pufendorf (1632-1694), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), I. Kant (1724-1804) defendiam a ideia de que o “estado de
natureza” é um tipo de condição humana irracional que deveria definitivamente
ser superado quando uma forma de poder fosse capaz de controlar os conflitos.
Esse estado de natureza, marcado por um individualismo caótico, deveria ser
substituído por um mundo de indivíduos dotados de direitos iguais formando
um corpo político comum, uma força esmagadoramente maior do que qualquer
um isolado, e governado por um único poder legítimo: o Estado.

O contratualismo moderno, proposto nas teorias de Hobbes, Locke e


Rousseau, funda-se na crença de que para haver uma nova ordem social e política
esta deve estar subordinada a uma justiça comum racional e objetivamente
elaborada, de forma que sua compreensão se aproxime do método científico e,
assim, as obrigações políticas e jurídicas, unificadas, vão sendo elaboradas como
legítimas, racionais, verdadeiras e objetivas.

É nessa concepção de contrato social e racionalidade moderna que se


funda o corpo político: a recíproca obrigação política horizontal, cidadão para
cidadão, e vertical, do cidadão para com o Estado. Nessa indissociável relação é
que se compreende o objetivo do Direito Moderno. Em outras palavras, o direito
não pode servir de instrumento de violação da vontade geral e deve ser tão
universal e abstrato como a vontade que o justifica.

Em síntese, o Direito Moderno é definido potencialmente como vontade


do soberano, manifestação de consentimento e autoprescrição. Embora com
divergências, os pensadores políticos e jurídicos modernos são movidos pelo desejo
de justificar uma nova ordem social que vinha emergindo a partir de critérios
racionais e universalmente válidos, na qual o direito ocupa um papel central.

149
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

QUADRO 1 – OS CONTRATUALISTAS E SUAS TEORIAS

FONTE: <https://fabiomesquita.wordpress.com/2018/03/02/contratualistas/>. Acesso em: 27 abr. 2021.

150
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

É a partir da concepção do contratualismo que se consolida um dos grandes


princípios do Direito Moderno: o princípio da legalidade. Tal princípio funda-se
na ideia de que um conjunto de normas objetivas, tecnicamente adequadas
e legitimamente construídas é capaz de promover a segurança jurídica e a
previsibilidade nas relações humanas.

Segurança jurídica, para o jusfilósofo Miguel Reale (1994, p. 102), é a


existência de “algo subjetivo, um sentimento, a atitude psicológica dos sujeitos
perante o complexo de regras estabelecidas como expressão genérica e objetiva
da segurança mesma”. Para esse autor, o problema da “segurança” não é somente
uma questão de “sentimento” ou “sensação”, mas também a certeza de existência
de um conjunto de instrumentos eficazes e complexos de garantias a fim de
proteger os indivíduos envolvidos nas “tramas” da convivência humana. Afinal,
“segurança” sem “certeza” seria uma falácia!

Lembrando o conceito de Estado Moderno enquanto produto de uma


vontade geral, ideia de contrato social, este ente político torna-se fonte legítima
para a produção do Direito através de algumas crenças, tais como o paradigma
da legalidade e a onipotência do legislador.

O legalismo moderno pode ser compreendido como um conjunto de


normas objetivas gerais e abstratas produzidas exclusivamente pelo Estado, cuja
finalidade é controlar a ação social, tanto individual como política, estabelecendo
deveres e direitos de forma coercitiva.

FIGURA 4 – MÁXIMA EXPRESSÃO DA LEGALIDADE

FONTE: <http://www.acarlosoliveira.com/2017/04/12/dura-lex-sedlex-a-lei-e-dura-
mas-e-a-lei/>. Acesso em: 27 abr. 2021.

O paradigma da legalidade era, no século XIX, de certa maneira é, um dos


pilares centrais da segurança jurídica, uma vez que garante a coesão do grupo
social e organiza a consciência individual em função de padrões universais,
válidos para todos, de justiça e previsibilidade, legitimando a ordem política e
jurídica posta, criando uma espécie de “consenso” no agir coletivo e individual.

151
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

O historiador português do Direito, Antonio Manuel Hespanha, esclarece


que o plano jurídico vinha ao encontro da pretensão de colocar fim tanto à
incerteza e ao casuísmo do modelo jurídico tradicional, quanto à proliferação
de sistemas especulativos sobre direito natural que haviam surgido ao longo do
século XVIII, “ou seja, dirigia-se tanto contra a vinculação do direito à religião e à
moral, como contra a sua identificação com especulações de tipo filosófico como
as que eram correntes nas escolas jus-racionalistas. Contra uma coisa e contra a
outra proclamava-se a necessidade de um saber dirigido para coisas positivas”
(HESPANHA, 1997, p. 15).

A partir do século XIX, passa a predominar a concepção de que o direito é


um sistema de normas que expressam os direitos inatos do indivíduo e necessários,
definidos pela natureza humana expressos na letra da lei.

Assim, vai se construindo a concepção de Direito como Direito Positivo,


ou seja, de que direito legítimo e válido é aquele posto pelo poder político estatal,
e este é o postulado central do positivismo jurídico, que é a doutrina segundo a
qual o único direito é o direito positivo.

FIGURA 5 – POSITIVISMO JURÍDICO

FONTE: <http://legemdiscipulus.blogspot.com/2014/08/o-positivismo-juridico.html>.
Acesso em: 27 abr. 2021.

“Direito Positivo” é a expressão que designa o conjunto de normas jurídicas


“postas” pelo poder político. Portanto, o Direito Positivo é, nesse sentido, o que
é necessário para o controle social estabelecido modernamente pelo Estado, cuja
maior expressão do positivismo jurídico foi a chamada Escola da Exegese.

A Escola ou Corrente Exegética é produto do contexto da França


revolucionária do século XIX, quando o movimento da codificação veio a mudar
radicalmente o conceito de Direito, fazendo verdadeira “tábua rasa” da ordem
jurídica anterior. Ao criar uma nova mentalidade que identifica Direito com os
códigos, os juristas desenvolvem um instrumental técnico de interpretação e
aplicação do Direito, seguindo uma orientação exegética.

152
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

FIGURA 6 – CÓDIGO CIVIL FRANCÊS PROMULGADO NO SÉCULO XIX

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/historia/codigo-napoleonico>. Acesso em: 29 abr. 2021.

NTE
INTERESSA

A MODERNA CODIFICAÇÃO NAPOLEÔNICA

O Código Napoleônico surge após Napoleão Bonaparte tornar-se Imperador da


França, entrando em vigou no dia 21 de março de 1804. Nesse período, a economia nacional
atendia às necessidades da elite burguesa tanto financeira, como de grupos ligados ao
comércio e à produção de bens de consumo. Além desse apoio ao projeto econômico
burguês, o governo de Bonaparte ofereceu garantias jurídicas que os proprietários vinham
querendo há bastante tempo, instituindo assim o Código Napoleônico, um novo código
civil. Napoleão criou uma comissão para elaborar esse novo código civil. De acordo com o
novo Código Napoleônico, todos os franceses estavam sujeitos às mesmas leis. Antes do
Código outorgado por Napoleão, a França não tinha um único conjunto de leis, estas eram
baseadas em costumes locais, havendo frequentes isenções e privilégios dados por reis
ou senhores feudais. Os princípios de igualdade e liberdade foram consagrados no código
elaborado por Napoleão. Instituiu o casamento civil e o divórcio e abolia os privilégios
do clero e da nobreza. As greves foram consideradas ilegais. O Código Napoleônico
também determinava: Liberdade individual; Liberdade de iniciativa privada; Consolidava
o liberalismo político e econômico; Favorecia os interesses da burguesia; Liberdade de
pensamento; Liberdade religiosa; Direito à propriedade privada; Consolida a discriminação
a mulher: a mulher deve estar submetida ao homem (pai, irmão ou marido). Para garantir
a adoção desse sistema, foi necessária a imposição de forte censura à imprensa e a
organização de uma força policial eficiente para cumprir as determinações do imperador
nas cidades. Tais medidas, mais semelhantes às políticas feudais do que as ideias trazidas
com a Revolução permitiram à França tornar-se o primeiro país a ter um efetivo sistema de
leis escrito. Grande parte do Código, em especial os artigos que tratam do direito privado e
do direito das obrigações permanecem em vigor na França até hoje neste que é certamente
a contribuição mais duradoura de Napoleão para a história.

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/historia/codigo-napoleonico>. Acesso em: 29


abr. 2021.

153
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

Com a codificação é inaugurada uma forma específica de interpretação


do direito conhecida como técnica exegética. No dizer de Bobbio, a técnica
exegética consiste em: “[...] assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema
de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal
tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código” (BOBBIO,
1993, p. 83).

A Escola da Exegese teve como pretensão reduzir o direito à lei


sistematizada nos códigos, desde então compreendidos como única manifestação
legítima do direito. Tal concepção acaba por transformar o saber jurídico em
conhecimento dos códigos, trazendo como consequência um autêntico culto à
lei e o princípio da autoridade. Nessa perspectiva, a interpretação e aplicação da
lei tem por base a intenção do legislador expressa na lei. Em assim, a função do
jurista é “revelar” ou “desentranhar” do texto legal a vontade do legislador.

A ficção jurídica da crença de um legislador onipotente e detentor de


“uma vontade” expressa no texto legal é herança do dogmatismo positivista,
que compreende o texto da lei como expressão da mens legislatoris (vontade do
legislador) e pressupõe que os códigos são instrumentos políticos com poder de
garantir a certeza das relações sociais e políticas.

Assim, o direito considerado como fato objetivado e delimitado nos


códigos deve ser interpretado e aplicado através de regras de dedução de forma
a estabelecer o sentido imanente da norma tal qual foi previsto pelo legislador.

A máxima do pensamento exegético dura lex sed lex (a lei é dura, mas é a
lei) deixa evidente que a interpretação e aplicação da lei devem ser submetidas à
razão expressa na lei, a razão de um Estado Legislador.

Para dar conta da perspectiva formalista e lógica da ciência jurídica,


definitivamente o intérprete não pode operar senão o que lhe é dado, que são as
proposições normativas e sistematicamente organizadas nos códigos.

Essa preocupação cientificista herdada pelos juristas do século XVIII


se explica pelo conceito sistemático de Direito, que se resume em um conjunto
de elementos estruturados pelas regras da dedução. Nesse sentido, interpretar
significa, sob tal ótica, estabelecer o sentido imanente da norma na totalidade do
sistema tal qual foi previsto pelo legislador.

4 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO MODERNO NO MARCO


DO POSITIVISMO LEGALISTA
Desde a perspectiva moderna, interpretar o direito se reduz à reprodução do
texto legal, tornando o trabalho do jurista uma mera exegese limitada à subsunção
do texto legal ao fato da vida social desde um raciocínio lógico dedutivo.

154
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

A subsunção é uma forma de raciocínio jurídico própria da prática


positivista. Trata-se de uma concepção que entende que a aplicação do direito ao
caso concreto é resultado de um pensamento silogístico no qual o juiz fixa:

a) O fato como premissa maior.


b) O sistema normativo como premissa menor.
c) O direito do caso concreto como conclusão necessária e inquestionável.

Esse modelo pressupõe:

a) O direito como um sistema autossuficiente – não necessita de nenhum elemento


valorativo externo como por exemplo moral – e coerente.
b) O raciocínio lógico é a metodologia adequada para fixar o justo do caso concreto.
c) Há possibilidade de distinção entre fato (premissa maior) e direito (premissa
menor).
d) A decisão, justo do caso concreto, é resultado do necessário e inquestionável
“enquadramento” (subsunção), extraindo daí os efeitos legais e jurídicos para
o caso concreto.

O fundamento dessa prática é a ideia de que o direito posto (direito


positivo) tem a capacidade de resolver todos os casos concretos e a atividade
jurídica é um ato neutro (independente de valores morais e éticos) e imparcial.

E
IMPORTANT

Subsunção é a aplicação da norma ao caso concreto; o perfeito enquadramento


do fato individual à norma abstrata e geral prevista.

Desde o século XX, poucos foram os autores que ousaram desafiar o


paradigma interpretativo da subsunção, especialmente após o advento da obra
Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, pensador que se esmerou em demonstrar
como a “pureza” metodológica do Direito é a principal característica de sua
cientificidade.

O direito, nessa perspectiva, é transformado em uma ciência dogmática


estática, reservando ao jurista o papel de reprodutor de códigos e leis, eliminando
qualquer discussão acerca dos valores, interesses e necessidades sociais que estão
subjacentes à norma jurídica e como isso, além de empobrecer o papel do direito,
o transforma de instrumento de reprodução de uma ordem política posta.

155
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

Kelsen contribui decisivamente para a autonomia científica do Direito,


sobretudo com a publicação da obra Teoria Pura do Direito, em 1934 – com segunda
edição em 1960, sendo esta a mais destacada produção do autor ao lado de Teoria
Geral do Direito e do Estado e Teoria Geral das Normas – obra póstuma.

A Teoria Pura do Direito é a obra pioneira que distingue duas esferas


distintas: o fenômeno jurídico – manifestação social e valorativa do Direito –
e a ciência do Direito – entendimento técnico procedimental científico dessa
manifestação. E é nessa distinção que vamos encontrar a base da teoria
kelseniana, qual seja: direito e moral.

Desde tal perspectiva, o órgão julgador – Estado – não está legitimado


a julgar de acordo com convicções políticas/morais, mas sim de acordo com
o sentido do fato dado pelas normas estatais. É nessa dimensão que deve ser
compreendida a famosa dicotomia “ser” - mundo dos fatos/da vida social -; e
“dever ser” – direito positivado/o fato como deve ser -; ou seja, a preocupação de
Kelsen é diferenciar o direito como é (vigente) da valoração moral do conteúdo
ou sentido normativo.

O “dever ser” é sempre produto de uma vontade política legítima e o


“ser” é produto da vontade politicamente sem legitimidade. Ou seja, alguém
pode exigir que outro faça ou deixe de fazer algo por entender moralmente justo
(prescrever uma ação ou omissão), mas não pode obrigar ao sujeito fazer ou
deixar de fazer o que quer. Por quê? Exatamente porque não possui legitimidade
política para tal exigência. E a ciência do Direito permite a abstração do direito do
mundo dos fatos sociais.

Vejamos como Kelsen define sua Teoria:

A teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito


positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do
Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais
ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação.
Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio
objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito?
Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito,
ou como deve ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito [...]
De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se
confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria
política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo fato de estas
ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma estreita
conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar
o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por
ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta
evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da
ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza
do seu objeto (KELSEN, 2006, p. 1).

156
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

Lendo atentamente as primeiras palavras da obra não é difícil concluir


que o objetivo de Kelsen é “depurar” o Direito, entendido exclusivamente como
Direito Positivo, de outras formas de conhecimento, compreendendo-o como
ciência em si mesma.

É evidente em Kelsen que a atividade do jurista, a partir de um sistema


normativo previamente definido – Direito Positivo – deve chegar à norma do
caso concreto, não cabendo nesta análise os valores que antecedem a elaboração
da norma. Exatamente por esta concepção é que Direito e Estado seriam “duas
faces” de uma mesma “moeda”.

Um conceito importante na teoria kelseniana é o conceito de validade da


norma. Validade deve ser compreendida como a qualidade e condição da norma
que quando ela é emanada de um órgão político competente e se elaborada de
acordo com o procedimento, modo, hierarquia, estrutura e lógica prevista pelo
ordenamento jurídico.

Validade não significa que a norma é certa ou errada/ justa ou injusta; mas
elaborada de acordo com os pressupostos estabelecidos de maneira formal pelo
sistema normativo.

A validade normativa deve ser compreendida a partir do fundamento


de validade de todo sistema normativo: a norma hipotética fundamental
(Grundnorm). A recíproca e hierárquica relação de validade entre as normas que
compõem o sistema é definida a partir do fundamento último de validade de
todo ordenamento jurídico, formando uma espécie de “pirâmide” cujo vértice é
a norma fundamental.

[...] segundo uma teoria jurídica positivista, a validade do Direito


positivo se apoiar numa norma fundamental que não é uma norma
posta nas uma norma pressuposta e que, portanto, não é uma
norma pertencente ao Direito positivo cuja validade objetiva é
por ela fundamentada, e também no fato de, segundo uma teoria
jusnaturalista, a validade do Direito positivo se apoiar numa norma
que não é uma norma pertencente ao Direito positivo relativamente ao
qual ela funciona como critério ou medida de valor, podemos ver um
certo limite imposto ao princípio do positivismo jurídico (KELSEN,
2006, p. 238).

Portanto, há um pressuposto de validade de todo sistema, uma norma


não jurídica, mas política, que estabelece uma espécie de estrutura hierárquica
de normas onde, em tal escalonamento, no ápice – ponto mais alto da hierarquia
– há uma última norma que não é a norma constitucional de um Estado, mas um
pressuposto inexistente fisicamente, mas existente logicamente.

Todo sistema hierárquico requer um “ponto final” de referência para


não regressar ad infinitum, além de que, se não há um pressuposto de validade
pode ser aceito qualquer um. O que se pode afirmar é que o limite de validade

157
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

aceito pelo pacto social são os valores que constituíram a ordem constitucional,
e é a partir daí que deve raciocinar o jurista, funcionando como um princípio/
fundamento de legitimidade de todo sistema.

Desde esse conceito de validade não é difícil compreender que Kelsen


nos leva a compreender que Direito é um sistema de normas hierarquicamente
definidas desde a ordem política e jurídica estabelecida segundo um pressuposto
de validade – norma hipotética fundamental – e que permite o controle de
constitucionalidade das normas.

FIGURA 7 – A HIERARQUIA E VALIDADE DAS NORMAS EM KELSEN

FONTE: <http://blogoosfero.cc/politica-cidadania-e-dignidade/blog/piramide-de-kelsen>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

Não é difícil concluir que o método kelseniano de interpretação deve


ser compreendido como a busca de uma tentativa de autonomia da ciência do
Direito, não como o estudo ou a teoria de uma ordem jurídica particular, mas

158
TÓPICO 1 — O DIREITO MODERNO E A QUESTÃO INTERPRETATIVA

compreender as estruturas sobre as quais de constrói o Direito Positivo e a


universalização dessas estruturas. Exclui-se qualquer preocupação sociológica ou
juízo acerca do justo, uma vez que o que importa para a Teoria Pura é compreender
os pressupostos de validade, vigência e eficácia da norma jurídica.

Isso significa que o objeto do Direito nessa concepção pode e deve ser
estudado como algo diverso/separado dos fenômenos sociais e estudar a ciência
jurídica é independente da realidade social. Essa é uma das grandes problemáticas
do positivismo jurídico, devendo o jurista limitar-se ao Direito posto, estabelecido
pelas relações de poder, não observando as questões valorativas, éticas ou sociais
que o conduziriam a realidade social.

O Direito normativo/dogmático e somente este é seu objeto de estudo.


Diante disso, o jurista não precisa ficar indiferente no que diz respeito
a valores éticos, morais e sociais; ele pode criticar o Direito positivo
e esforçar-se para modificá-lo, alcançando assim sua reforma e a
estruturação de algumas normas quando julgar necessário (LIXA;
SPAREMBERGER, 2016, p. 36).

Como já afirmado, o postulado central do positivismo é a crença


epistemológica que o sentido do justo está expresso na letra da lei. Como parte
integrante da mesma crença, os ideais de plenitude, coerência, universalidade
e atemporalidade do sistema normativo permitem, enquanto instância racional,
a elaboração de ficções hermenêuticas, como a “vontade do legislador” e
“vontade da lei", de múltiplas funções práticas e ideológicas. Inicialmente, esses
postulados justificam a atividade compreensiva do direito como ato formal,
excluindo qualquer possibilidade de criação por parte do intérprete e inferência
de elementos substanciais, em nome da igualmente ficção “segurança jurídica”.

Em tal perspectiva, as aparentes ambiguidades, insuficiências, lacunas


ou mesmo contradições do sistema poderiam ser solucionadas com critérios
hermenêuticos adequados e análise mais detalhada do significado do texto legal.
Esta “flexibilidade dogmática” seria necessária para resolver as dificuldades
práticas, solucionada com a reportação do intérprete à mente do legislador,
compreendendo o caso concreto tal qual teria sido previsto ou poderia resolver o
elaborador da lei.

Enfim, o postulado da vontade do legislador permitiria ao intérprete


superar os silêncios, imprecisões e contradições do texto legal, mantendo as
exigências procedimentais do formalismo em sua aplicação.

Assim, a operacionalidade técnica do sistema normativo acaba por


identificar metodologia da ciência jurídica com procedimento interpretativo,
confundindo-se essa metodologia, e por vezes absorvendo, com o ato
hermenêutico. Trata-se, sobretudo, de uma racionalidade cognitiva-instrumental
específica do direito moderno que pretende solucionar o problema básico da
atividade jurídica como a correta e segura determinação do sentido prático da
ordem normativa.

159
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O direito moderno é resultado da racionalidade científica moderna que nega o


senso comum e concebe que o conhecimento deve ser demonstrável e verificável
por um método objetivo.

• O Positivismo Científico é a concepção de ciência social que reduz os fenômenos


da realidade a fatos comprováveis e que abandona questões metafísicas ou
demasiadamente complexas.

• O Positivismo Jurídico se diferencia do Positivismo científico, sendo o Positivismo


Jurídico a concepção de direito estritamente legal produzidas pelo Estado.

• A codificação do direito moderno iniciada no século XIX legaram correntes


interpretativas que se limitam ao procedimento de subsunção.

• A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen com relação aos procedimentos


interpretativos considera direito como direito positivo, ou seja, como sistema
normativo hierárquico, autossuficiente e autointerpretativo.

160
AUTOATIVIDADE

1 A questão interpretativa do direito moderno é reduzida à reprodução do


texto legal, tornando o trabalho do jurista uma mera exegese limitada à
subsunção do texto legal ao fato da vida social desde um raciocínio lógico
dedutivo. Acerca do procedimento interpretativo de subsunção, assinale a
afirmação CORRETA:

a) ( ) A subsunção é um procedimento que considera como fonte de


interpretação os fatos e valores da vida social.
b) ( ) A subsunção entende que a aplicação do direito ao caso concreto é
resultado de um pensamento silogístico que considera o fato como
premissa maior e o direito positivo ou sistema normativo como
premissa menor.
c) ( ) A subsunção considera que o direito não é autossuficiente, necessitando
de referências morais e éticas para sua interpretação e aplicação.
d) ( ) A decisão do caso concreto no marco do positivismo jurídico não utiliza
a subsunção e sim a ponderação.

2 Hans Kelsen foi um pensador que contribuiu decisivamente para a


autonomia científica do Direito, sobretudo com a publicação da obra
Teoria Pura do Direito, em 1934. Tal teoria distingue duas esferas distintas:
o fenômeno jurídico – manifestação social e valorativa do Direito – e a
ciência do Direito – entendimento técnico procedimental científico desta
manifestação. Considerando o conceito de interpretação do direito em
Kelsen, assinale a afirmação CORRETA:

a) ( ) Para Kelsen, a atividade do jurista, a partir de um sistema normativo


previamente definido – Direito Positivo – deve chegar à norma do
caso concreto, não cabendo nesta análise os valores que antecedem a
elaboração da norma.
b) ( ) Na interpretação necessariamente devem ser incluídos valores éticos e
sociais, a fim de conferir validade ao procedimento interpretativo.
c) ( ) A validade da interpretação não depende do órgão político que emana
e sim do poder argumentativo do órgão julgador.
d) ( ) O método de Kelsen de interpretação não pretende autonomia, uma
vez que inclui o juízo acerca do justo ético.

3 Para o pensamento científico moderno, a produção do conhecimento


considerado científico obedece a um criterioso e rigoroso método e é
distinto, por exemplo, da religião que explica os fenômenos através da fé e
revelação. Desde tal consideração, assinale a afirmação CORRETA:

161
a) ( ) Para a ciência moderna há uma reaproximação com o senso comum.
b) ( ) O conhecimento deve ser resultado da adoção de critérios metodológicos
adequados e precisos de forma a produzir um saber objetivo e demonstrável.
c) ( ) O positivismo de Comte condena a ciência moderna por compreender
que a fé é o fundamento da razão.
d) ( ) Com a ciência moderna há aproximação entre saber e moral.

4 Do positivismo de Augusto Comte se originou o cientificismo moderno


que se caracteriza pela crença absoluta na razão humana e nos métodos
de investigação objetivos e verificáveis. Para Comte, a devoção à ciência
deve ser o único guia da vida individual e social, única moral e única
religião possível. Pergunta-se: desde Comte, o que pode ser considerado
um conhecimento confiável cientificamente?

5 Considere a seguinte afirmação de Lenio L. Streck:

“[...] o positivismo é uma postura científica que se solidifica de maneira decisiva no século
XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como sendo os fatos
[...]. Evidentemente, fatos, aqui, correspondem a determinada interpretação da realidade
que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se
possa definir por meio de um experimento. No âmbito do direito, essa mensurabilidade
positivista será encontrada num primeiro momento no produto do parlamento, ou seja, nas
leis, mais especificamente, um tipo de lei: os Códigos”.

FONTE: STRECK, L. L. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêuticas e teorias


discursivas. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. p. 31).

Conforme tal afirmação, como se pode definir positivismo jurídico?

162
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO


DIREITO CONTEMPORÂNEO

1 INTRODUÇÃO
No campo do direito, o século XX é marcado simultaneamente pela
ascensão e queda do positivismo jurídico, sobretudo pela grande catástrofe
humana que foi a Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos. As
guerras mundiais significaram o rompimento com o positivismo jurídico e seus
postulados, levando ao descrédito as teorias que haviam servido de sustentação,
encontrando aproximação entre democracia e constitucionalismo, a solução para
um novo modelo de Estado constitucional de Direito, movimento que passou a ser
conhecido como neoconstitucionalismo.

O neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo trouxe


significativas alterações no direito, particularmente na interpretação normativa,
principalmente quando os princípios, amparados e declarados pelas constituições,
antes considerados como meros adornos, ganham força normativa.

Neste Tópico 2, desde a compreensão do novo constitucionalismo e a


nova exigência interpretativa será analisada a Teoria dos Direitos Fundamentais
de Robert Alexy como nova proposta no campo argumentativo, destacando-se a
ponderação como procedimento capaz de assegurar Direitos Fundamentais e os
valores amparados pelas constituições contemporâneas.

2 A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO


Se o século XIX foi marcado por um enorme esforço de construção de
ciência desde o modelo proposto por Comte, com a pretensão de estabelecer um
conhecimento fundado na neutralidade e objetividade científica, no século XX
assiste-se a uma autêntica crise, uma transformação, sobretudo no período pós-
guerra. Crise, no campo da ciência, é quando uma teoria ou uma forma dominante
de compreender a realidade não é mais eficiente, obrigando à utilização de novos
métodos de observar o mundo ao nosso redor, obrigando à busca de novas teorias.
Enquanto não são elaborados novos métodos e novas formas de conhecimento há
um período de transição, de crise.

Para autores como Habermas (1992, p. 109-110), o projeto da modernidade


foi construído graças a um enorme esforço intelectual de pensadores iluministas
que pretenderam desenvolver uma ciência objetiva, uma moralidade e uma

163
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

concepção de direito que fossem universalmente válidas pela intrínseca lógica


de suas proposições gerada pelo acúmulo de conhecimento produzido por
sujeitos livres e criativos aliados pelo objetivo comum de buscar emancipação e
enriquecimento.

O resultado, como já vimos no tópico anterior, foi um grande otimismo em


relação à ciência, o que foi dolorosamente rompido pelos eventos que marcaram o
século XX, particularmente a grande catástrofe humana que foi a Segunda Guerra
Mundial, marcada pelos episódios de Auschwitz e Hiroshima, sendo colocado em
cheque a concepção positivista de direito.

NOTA

Auschwitz foi um campo de concentração localizado no sul da Polônia


encontrado por soldados soviéticos no dia 27 de janeiro de 1945, quando foram resgatados
sobreviventes torturados e extremamente fracos e calcula-se que foram exterminadas mais
de 1,1 milhão de pessoas pelo regime nazista. A maioria eram judeus que chegavam aos
campos de concentração em trens sem janelas, banheiros ou comida. Ao chegar eram
divididos entre os que poderiam trabalhar e os que deveriam ser mortos imediatamente,
quando então eram encaminhados às câmaras de gás Zyklon-B. O holocausto, que é o
nome dado ao genocídio cometido pelos nazistas, ao todo vitimou 6 milhões de pessoas
entre judeus, ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais, opositores políticos etc.,
embora sendo o maior número de vítimas, judeus.

Hiroshima é uma cidade japonesa que durante a segunda guerra serviu de quartel
general para as tropas sino-japonesas. Em 06 de agosto de 1945, a cidade foi arrasada
por uma bomba atômica lançada pelos Estados Unidos da América matando 250 mil
pessoas e ferindo milhares. O objetivo era a rendição total do Japão e a demonstração do
poder bélico-americano. No momento da exploração morreram instantaneamente 86%
das pessoas que estavam próximas e os corpos foram desintegrados, não restando sequer
corpos para serem contados.

FIGURA 8 – EXTERMÍNIO EM CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

FONTE: <https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/sobibor/>. Acesso em: 30 abr. 2021.

164
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

O aprofundamento da crise do positivismo jurídico tem como marco


a origem dos regimes totalitários nos países europeus logo após a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918). O totalitarismo, em suas distintas versões como o
stalinismo soviético, o fascismo italiano de Benito Mussolini, o nazismo alemão
de Hitler, o salazarismo português e o franquismo espanhol, levou boa parte
da humanidade a deixar de acreditar que através da lei haveria justiça. Os
regimes totalitários e suas atrocidades, alimentados por crenças ideológicas
internacionalizadas socialmente, produziram barbáries e inegável violação aos
direitos fundamentais, encontraram no estrito legalismo o álibi perfeito. Talvez
por essa razão o positivismo jurídico tornou-se alvo de acusações teóricas e
políticas no pós-guerra.

A partir dos anos 1950, a Europa, e com ela boa parte da humanidade,
deixou de acreditar na neutralidade e autonomia do direito constatando-se que a
exclusão de valores éticos e morais do campo interpretativo seriam responsáveis
pela complacência dos juristas com o extermínio de seres humanos. Caía em
descrédito as grandes promessas que sustentaram o discurso da modernidade.
Em síntese, em fins da primeira metade do século XX, marcado pelo pessimismo
e descrença, tornou-se urgente a tarefa de lançar um novo olhar sobre um mundo
alienado, aniquilado e sem esperança emancipatória.

O modelo positivista, ferrenhamente defendido desde fins do século


XIX, é levado a julgamento juntamente com os oficiais nazistas no Tribunal de
Nuremberg, iniciado em 20 de novembro de 1945, quando então os acusados
invocaram em sua defesa o cumprimento da lei e obediência emanada de
representantes de um Estado legítimo.

Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da


lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao
fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico
indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente
formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais
aceitação no pensamento esclarecido (BARROSO; BARCELLOS,
2003, p. 107).

Sem dúvida, as guerras mundiais também significaram rompimento com


o positivismo jurídico e seus postulados, levando ao descrédito as teorias que
haviam servido de sustentação. Mesmo Hans Kelsen, judeu perseguido pelo
regime nacional-socialista, foi acusado de ser elaborador de uma teoria que
sustentou o nazismo. Como vimos anteriormente, para Kelsen, a interpretação
e aplicação do direito decorre de um raciocínio lógico-dedutivo a partir da
hierarquia normativa, o que subordina as normas inferiores às superiores,
independente da validade ética ou moral. Advertia Kelsen:

Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem poder para


encerrar em campos de concentração, forçar a quaisquer trabalhos
e até matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável.
Podemos condenar com a maior veemência tais medidas, mas o que
não podemos é considerá-las como fora da ordem jurídica desses
Estados (KELSEN, 2006, p. 44).

165
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

Por outras palavras, o positivismo jurídico em sua versão kelseniana


evidencia a inexistência de valores transcendentes de justiça absoluta e universal,
demonstrando que o direito é vulnerável aos regimes políticos que podem ser
despóticos, totalitários, antidemocráticos e violadores de direitos fundamentais.

A tentativa de superação do legalismo positivista distanciado de valores


surge com o movimento do constitucionalismo democrático europeu da segunda
metade do século XX, batizado como neoconstitucionalismo, que redefine não
apenas a ordem política e jurídica, mas o procedimento interpretativo, quando
então a argumentação jurídica é renovada, como veremos a seguir.

3 EMERGÊNCIA DO NOVO CONSTITUCIONALISMO


COMO PARADIGMA DE DIREITO E DE INTERPRETAÇÃO
A crise do positivismo e as catástrofes humanitárias deixaram evidentes a
necessidade de mudança do direito no sentido de assegurar garantias fundamentais
e estabelecer limites jurídicos para a ação do Estado. No dizer de Padilha (2011, p. 5):

As atrocidades cometidas por Adolf Hitler só foram possíveis graças


a este entendimento; e.g., através de Decreto expedido em 07.04.1933,
os Judeus foram afastados do funcionalismo público, do exército
e das universidades; através da Lei publicada em 14.07.1933, foram
retirados os direitos de cidadão dos Judeus imigrantes no Leste
Europeu; a chamada ‘Lei da Cidadania’ tirou dos judeus alemães a
cidadania alemã; a ‘Lei da Proteção da Honra e Sangue Alemão’
proibia os casamentos dos Judeus com não Judeus, proibia o emprego
de judeus na Alemanha e proibia os Judeus de exibirem a bandeira
alemã, entre outras medidas. Por fim, através de Decreto assinado pelo
então presidente Paul Von Hindenburg, foram suspensas sete seções
da Constituição de 1919 da República de Weimar, que garantiam
liberdades individuais e civis ao povo.

Portanto, por mais sanguinário que tenha sido o regime nazista, Hitler não
cometeu ilegalidades ou mesmo inconstitucionalidades. Muitas atrocidades eram
amparadas pela lei. A própria constituição alemã vigente na época, a chamada
constituição de Weimar, em seu artigo 48 conferia poderes ao presidente, poderes
para adotar as medidas necessárias para manutenção e restauração da ordem
pública, utilizando, se necessário, o uso das forças armadas e a suspensão
temporária, total ou parcial dos direitos fundamentais.

Esse fato demonstra que não basta a existência da lei ou de uma constituição
para garantir direitos. Em “nome da lei”, o Estado, através de seus agentes, pode
violar a liberdade, a vida, a igualdade e tantos outros direitos fundamentais.

A tentativa de superação desse cenário dá-se com o surgimento de um


movimento que se alastra no meio jurídico que passa a aproximar direito, ética e
justiça, bem como a recuperação dos valores morais aplicados ao direito até então
“esquecidos” pelo positivismo jurídico.

166
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

Pouco a pouco vai se definindo uma nova cultura jurídica sustentada por
um novo constitucionalismo, consagrado por algumas Constituições do período
pós-guerra, que aproximou democracia e constitucionalismo, dando contornos
a um novo modelo de Estado constitucional de Direito, passando-se a utilizar o
termo neoconstitucionalismo para designar a reformulação do direito desde um
constitucionalismo que reafirma os direitos fundamentais, a democracia e seja
capaz de romper com o tradicional positivismo jurídico.

O termo “neoconstitucionalismo” é relacionado ao conceito de


constitucionalismo construído na Espanha e na Itália e tem sido amplamente
utilizado sobretudo após os estudos do jurista mexicano Miguel Carbonell.
Segundo Carbonell (2004), o constitucionalismo contemporâneo, particularmente
representado inicialmente pelas constituições da Itália (1947), Alemanha (1949) e
posteriormente pelas constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978) possui,
apesar das diversidades, traços específicos, dentre os quais a supremacia atribuída
à Constituição no sentido de atribuir alta hierarquia no ordenamento jurídico.
Trata-se de uma redefinição da própria cultura jurídica que passou a considerar
as constituições como normas superiores de natureza programática, ou seja, os
princípios por elas declarados passam a vincular também a interpretação do
próprio direito.

FIGURA 9 – CONCEITO DE NEOCONSTITUCIONALISMO

FONTE: <https://pt.slideshare.net/jeffersonmatheus94/neoconstitucionalismo-41904121>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

167
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

O neoconstitucionalismo, chamado também de novo constitucionalismo


ou constitucionalismo contemporâneo, trouxe significativas alterações no
direito, particularmente na interpretação normativa. Ao se considerar o caráter
normativo da Constituição, ou seja, considerar os direitos declarados norma em
si com poder coercitivo, e a necessidade de proteger valores anunciados através
de soluções jurídicas inaugura uma nova prática de interpretação e aplicação de
normas jurídicas, indo além da mera subsunção.

NOTA

PARA LEMBRAR:

Subsução é a ação ou efeito de subsumir, isto é, incluir (alguma coisa) em algo


maior, mais amplo. Juridicamente, ocorre a subsunção quando o caso concreto se “encaixa”, se
“enquadra” a uma legal em abstrato. É o raciocínio interpretativo próprio do positivismo legalista!

Os princípios amparados e declarados pelas constituições, antes


considerados como meros adornos, ganham força normativa, sendo possível
afirmar que a compreensão dos sistemas normativos contemporâneos se
condiciona, necessariamente, aos princípios constitucionais.

NOTA

O QUE SÃO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS?

“Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais


da ordem jurídica. Nos princípios constitucionais condensa-se bens e valores considerados
fundamentos de validade de todo sistema jurídico. Sabe-se que os princípios, ao lado das
regras, são normas jurídicas. Os princípios, porém, exercem dentro do sistema normativo
um papel diferente dos das regras. As regras, por descreverem fatos hipotéticos, possuem
a nítida função de regular, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se enquadrem
nas molduras típicas por elas descritas. Os princípios consagrados constitucionalmente,
servem, a um só tempo, como objeto de interpretação constitucional e como diretriz
para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação. Serve
o princípio como limite como limite de atuação do jurista. No mesmo passo em que
funciona como vetor de interpretação, o princípio tem como função limitar a vontade
subjetiva do aplicador do direito”.

FONTE: <https://marcelduraes.jusbrasil.com.br/artigos/189323010/principios-constitucionais>.

168
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 10 – DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS

FONTE: <https://emporiododireito.com.br/leitura/teoria-dos-principios-de-humberto-avila-por-
marcelo-pichioli-da-silveira>. Acesso em: 30 abr. 2021.

A alternativa para a superação da crise do positivismo jurídico que


reduz o direito à noção tradicional de norma limitada à regra é quando, no
entender do neoconstitucionalismo, o direito passa a considerar os princípios
como normas jurídicas, até então consideradas como meras normas políticas
dirigidas ao legislador.

169
FIGURA 10 – A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

170
FONTE: <https://www.xmind.net/m/3wmN/>. Acesso em: 30 abr. 2021.
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

De maneira bastante simplificada, Luiz Roberto Barroso propõe três


critérios para diferenciar regras de princípios:

1. Quanto ao conteúdo: regras são relatos objetivos descritivos de


condutas a serem seguidas; princípios expressam valores ou fins a
serem alcançados;
2. Quanto à estrutura normativa: regras se estruturam, normalmente,
no modelo tradicional das normas de conduta: previsão de um fato
– atribuição de um efeito jurídico; princípios indicam estados ideais
e comportam a realização por meio de variadas condutas;
3. Quanto ao modo de aplicação: regras operam por via do
enquadramento do fato no relato normativo, com enunciação da
consequência daí resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção;
princípios podem entrar em rota de colisão com outros princípios ou
encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que
serão aplicados mediante ponderação (BARROSO, 2009, p. 317).

Segundo Canotilho (2002), os princípios são normas com um alto grau de


abstração, enquanto as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
Em relação à aplicação aos casos concretos, os princípios, por serem vagos e
indeterminados, necessitam de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz),
enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta. Ainda, os princípios são
normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento
jurídico devido a sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios
constitucionais) ou com importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.:
princípio do Estado de Direito).

A normatividade dos princípios, ou seja, a igualdade de status jurídico


entre regras e princípios aponta para uma superação do positivismo jurídico,
descortinando um novo conceito não apenas de direito, mas de interpretação na
medida em que passa a exigir do intérprete do direito novas formas de expressar
o conteúdo valorativo das normas jurídicas, ganhando também relevância a
argumentação jurídica, como veremos a seguir.

4 A ARGUMENTAÇÃO E A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS


O constitucionalismo contemporâneo com a normatividade dos
princípios trouxe profundas transformações com relação à interpretação e
aplicação das normas jurídicas, sobretudo por colocar em destaque os direitos
fundamentais amparados constitucionalmente, o que veio a representar um
novo desafio aos juristas. Debruçando-se sobre a inovação trazida pelos direitos
fundamentais, o pensador Robert Alexy desenvolveu uma destacada teoria
conhecida como Teoria dos Direitos Fundamentais, que possui importante
desdobramento no campo argumentativo.

171
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 11 – ROBERT ALEXY

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/filosofia-permanecer%C3%A1-sempre-indispens%C3%A1vel-
diz-professor-robert-alexy/a-15098328>. Acesso em: 30 abr. 2021.

NOTA

O jurista Robert Alexy é professor titular da cadeira de Direito Público e Filosofia


do Direito na Universidade de Kiel. Considerado um dos mais importantes filósofos do direito
da Alemanha, sua pesquisa se concentra na interface entre Direito Constitucional e Filosofia
do Direito, especialmente nos temas que envolvem a jurisdição constitucional, os Direitos
Fundamentais, a Teoria da Justiça e a relação entre as esferas do Direito e da Moral. Seu
livro mais conhecido é a Teoria da argumentação jurídica, trabalho de referência obrigatória
nas Faculdades de Direito e traduzido para pelo menos oito idiomas diferentes, inclusive o
português. Nesse livro ele defende, em linhas gerais, que uma argumentação jurídica não
deve ficar apenas no campo exclusivo da racionalidade lógica da decisão jurídica, mas
deve valorar os fatos e as normas (argumentação lógico-valorativa), procurando assim uma
justificação racional e ao mesmo tempo prática do discurso jurídico.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/filosofia-permanecer%C3%A1-sempre-
indispens%C3%A1vel-diz-professor-robert-alexy/a-15098328>. Acesso em: 30 abr. 2021.

A proposta desenvolvida por Robert Alexy parte da teoria dos direitos


fundamentais, que aprimora a análise e compreensão dos direitos fundamentais
contidos na Constituição alemã e as decisões do Tribunal Constitucional Federal
Alemão. Entende Alexy que os direitos fundamentais, em certa medida, se
assemelham a princípios, e que, em algum momento na prática, vão colidir, o que
obriga a uma solução equilibrada e sensata em favor de um ou outro.

É, portanto, no momento da decisão que se coloca o problema interpretativo.


Quando se trata da relação entre regras e direitos fundamentais, em geral, há uma
regra que garante esse direito. Entretanto, nem sempre há normas positivadas ou
explícitas de direitos fundamentais, isso porque pode ocorrer que há normas de
direitos fundamentais que não são previstas como direito objetivo.
172
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

Para a Teoria dos Direitos Fundamentais (ALEXY, 2017), norma é


considerado como conceito fundamental e taxativo, ou seja, não é dirigido a uma
finalidade ou caso concreto específico, uma vez que, por sua natureza de alto
grau de abstração, possibilita aplicação de acordo com cada caso concreto. Daí
surge a necessidade de distinção entre regras e princípios e adota, que para Alexy
(2017) é uma distinção qualitativa, uma vez que este considera que os princípios
são mandamentos de otimização, ou seja, devem ser realizados ao máximo,
sendo normas que determinam sua concretização na maior medida possível,
considerando a possibilidade dos fatos e dentro do Direito.

Entende Alexy (2017) que as regras são ordens definitivas e só podem ser
cumpridas ou não. Portanto, há obrigatoriamente uma metodologia diferente de
solucionar os conflitos entre as regras e colisões entre princípios. O conflito entre
regras deve ser resolvido por meio de subsunção, sendo que o a colisão entre
princípios dever ser solucionada por intermédio do sopesamento, ou ponderação,
como veremos a seguir.

QUADRO 2 – DIFERENÇA ENTRE A COLISÃO DE REGRAS E PRINCÍPIOS

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/3553615/>. Acesso em: 30 abr. 2021.

Pelo quadro acima é bastante evidente a diferença entre regra e princípio


quando da colisão entre regras e entre princípios, uma vez que há diferença
de grau de generalidade e na diferença qualitativa. Enquanto os princípios são
ordens de otimização, como já dissemos anteriormente, devem ser aplicados até
o seu esgotamento dentro das possibilidades fáticas e jurídicas permitidas. Por

173
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

terem generalidade mais ampla, os princípios podem ser utilizados como ponto
de partida a ser observado no cumprimento das regras. Isso vale dizer que as
regras possuem como característica principal as determinações e são aplicadas
sem ponderações ou flexibilizações.

A chamada lei do sopesamento ou ponderação é utilizada quando existem


princípios em colisão, não sendo utilizada em casos de regras conflitantes, uma
vez que em caso de colisão de regras uma anula a outra o que não é o caso de
princípios.

Ao ser aplicada a lei do sopesamento em uma situação com dois princípios


colidentes, não há uma solução prévia e definida para o caso em apreço. Isso
significa que quando houver conflito de dois princípios, um deve ceder para
a aplicação do outro, sem que se opere a invalidação do princípio que cedeu.
Portanto, há que se avaliar de forma individual o “peso” ou relevância de cada
princípio e não a sua validade, se considerando todas as variáveis que incidem no
caso concreto para, então, ser atribuído “um peso” a cada necessidade, valor ou
interesse em questão de forma a identificar qual princípio deve prevalecer. Essa
avaliação com base no peso de cada princípio é a base da lei do sopesamento.

Como toda teoria, a ponderação não permanece sem críticas e


dificuldades. A primeira crítica que se faz à lei do sopesamento é que permite
grande subjetivismo na interpretação, podendo incorrer em arbitrariedade e
voluntarismo nas decisões. Assim, corre o risco de imprevisibilidade, o que seria
uma ameaça aos direitos fundamentais. A segunda crítica está relacionada à perda
da autonomia dada ao legislador, pela natureza de mandamento otimizador dos
direitos fundamentais.

5 A PONDERAÇÃO COMO TÉCNICA INTERPRETATIVA


A ponderação de princípios é um árduo exercício interpretativo e
argumentativo. Seguindo o pensamento de Alexy (2017), ao compreender o
direito como razão prática discursiva, propõe o preceito de proporcionalidade
como método de aplicação e solução de conflito de princípios. Tendo como base
a razoabilidade e devido processo legal, subdivide a proporcionalidade em três
sub-regras: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Tais sub-regras na prática devem ser aplicadas de forma sucessiva e subsidiária,
ou seja, deve ser desenvolvida uma forma de raciocínio sequencial avaliando a
adequação e idoneidade do meio adequado para dar concretude ao fim necessário.
Portanto, apenas pode ser adotada uma medida ou decisão em nome de um
princípio somente se puder realizar sua finalidade.

A adequação é evidente quando leva em conta, além de sua inépcia para


garantir a realização de uma finalidade amparada por um princípio, ainda afeta
negativamente outro princípio, sendo, portanto, o juízo de adequação a relação
entre os meios utilizados para os fins desejados.

174
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

De acordo com o próprio Alexy (2017, p. 46):

Vamos supor que o legislador elabore a norma N com a intenção de


melhorar a segurança do Estado. N viola a liberdade de expressão.
A segurança do Estado pode ser concebida como materialmente, um
princípio, dirigido a proteção de um bem coletivo. Este princípio
podemos chamar de P1. A liberdade de expressão pode ser concebida
como direito individual fundamental que tem como base um princípio.
A esse princípio chamemos de P2. Vamos supor que a norma N não é
adequada para promover P1, ou seja, a liberdade de expressão. Nesse
caso há uma inadequação, existe a possibilidade fática de cumprir
ambos princípios conjuntamente em uma maior medida declarando
inválida N. aceitar a validade de N não garante nenhum direito para
P1, apenas perdas para P2.

A necessidade, por sua vez, ocorre quando comparados os princípios


normativos, a aplicação de um poderia causar restrição ou prejuízo a outros.
Sendo assim, deve-se optar pelo meio menos gravoso, ou seja, o princípio que
cause menos prejuízo aos demais. Por outras palavras, diante de múltiplas
possibilidades e decisões diferentes, a necessidade será atendida através da
adoção de um meio que menos afete os demais princípios que incidem no caso
em questão.

Novamente, tomemos o exemplo proposto por Alexy (2017, p. 46): “Vamos


supor que há uma alternativa N* para N, e é suficiente adequada para promover
P1, e fere menos P2 que N. Nesse caso, P2 proíbe a aplicação de N, uma vez que
não é necessária porque P1 pode ser cumprido com um custo menor”.

Em ambos os casos, as sub-regras são suficientes e há possibilidade


fática de incidência de um princípio. Porém, quando há situações em que um
ato necessário e adequado atinge diretamente princípios relevantes, fala-se em
proporcionalidade. Neste caso, entra em questão a razoabilidade de restrição aos
princípios preteridos quando se compara aos benefícios obtidos com a prevalência
de um princípio.

Vejamos um caso concreto em que se utiliza a ponderação como critério


interpretativo:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA


VERSOS DIREITO À IMAGEM. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS -
PREVALÊNCIA DO DIREITO À IMAGEM, NO CASO CONCRETO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VALOR ADEQUADO AOS
CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Insurge-se o recorrente
contra a sentença que reconheceu os danos morais sofridos pelo
requerido e, por consequência, deferiu a indenização imaterial no
valor de R$ 5.000,00. Irretocável o julgado. 2. Os princípios da livre
manifestação de pensamento e liberdade de informação (art. 5°, incisos
IV e IX, e art. 220 da Constituição Federal) devem levar em consideração
os direitos fundamentais à honra e à imagem do indivíduo (art. 5°,

175
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

inciso X da Constituição Federal) quanto se referem à publicação de


notícia relativa a sua vida íntima. 3. Em sede de reclamação o STF
proferiu entendimento no sentido de que: Eventual uso abusivo da
liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por
meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar
a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de
comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. Rcl 22328/
RJ- julgado em 06/03/2013 1ª Turma Dje 09/05/2018 4. Na ponderação de
princípios constitucionais conflitantes deve o juiz, para julgar a causa,
eleger aquele que deva prevalecer sobre os demais, tomando em conta
o caso concreto e o direito violado. 5. No afã de conseguir um número
maior de leitores, não se pode publicar manchetes sensacionalistas e
ou propor matérias usando termos que denigram o direito de imagem
da pessoa envolvida na notícia veiculada. 6. No caso, da leitura da
matéria publicada em 08/11/2017 (ID 3654681 págs.1/3) observa-se, ao
contrário do que afirma o recorrente, que o enfoque da notícia não
se limitou à natureza informativa acerca de depoimento de terceiro
vinculado a processo criminal de amplo conhecimento e divulgação
de esquemas de propinas envolvendo figuras públicas em âmbito
nacional, mas sim é possível verificar que o recorrente atribuiu juízo
de valor negativo a comportamento privado atribuído ao recorrido,
ao dar à matéria o título: “Na orgia petista, senador comemorou
propina em prostíbulo”, bem como ao afirmar no texto da matéria
que: “A tradicional cortesia, o ministro preferiu transformar numa
noite de festa em uma casa de massagem, um prostibulo na acepção
da palavra. A festa foi memorável, as meninas muito animadas
e o ministro feliz da vida”. 7. O juízo sentenciante corretamente
reconheceu que a matéria divulgada foi abusiva e violou a honra
subjetiva do autor/recorrido e que a recorrente extrapolou seu direito
de livre informação, restando induvidoso o nexo causal existente
entre a conduta e o resultado danoso, a ensejar a incidência de dano
moral. 8. Noutro passo, o fato de se tratar, o autor recorrido, de pessoa
no exercício de cargo público (Senador da República) não exime ou
minora a responsabilidade da publicação, haja vista a maior extensão
e alcance da matéria jornalística inadequada e não informativa. 9. A
indenização fixada em R$ 5.000,00, para o caso em exame, atende aos
critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, por isso que deve
ser mantido. 10. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 11. Decisão
proferida na forma do art. 46 da Lei n° 9.099/95, servindo a ementa
como acórdão. 12. Custas e honorários pela recorrente, estes fixados
em 15% (quinze) por cento sobre o valor da condenação.
(TJ-DF 07470688920178070016 DF 0747068-89.2017.8.07.0016, Relator:
ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 14/08/2018, 3ª
Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 21/08/2018 . P.: Sem Página Cadastrada.)

No caso acima, tem-se o conflito entre dois direitos fundamentais expressos


em princípios: os princípios da livre manifestação de pensamento e liberdade de
informação (art. 5°, incisos IV e IX, e art. 220 da Constituição Federal) devem levar
em consideração os direitos fundamentais à honra e à imagem do indivíduo (art.
5°, inciso X da Constituição Federal) quando se referem à publicação de notícia
relativa a sua vida íntima a liberdade de expressão. A decisão foi feita desde a
ponderação entre, como se lê no acórdão, o afã de conseguir um número maior de
leitores através de manchetes sensacionalistas e ou propor matérias e denigram

176
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

o direito de imagem da pessoa envolvida na notícia veiculada. Verificou-se no


caso concreto que a notícia não se limitou a informar um acontecimento, mas
foi abusiva e violou a honra de um indivíduo, o que não pode ser tolerado
pelo direito. Por fim, o valor fixado para indenização foi, segundo o Tribunal,
razoável e proporcional ao mal causado, devendo ser mantido.

Outra situação comum é o uso da ponderação para o pagamento de


aluguel pelo Poder Público. No caso trazido a seguir há a colisão de princípios
entre o direito à moradia e recebimento do benefício do aluguel social e o
interesse financeiro do Estado que foi considerado de menor peso em relação ao
primeiro. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL - PAGAMENTO DE ALUGUEL SOCIAL -


RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - ESTADO DO RIO DE JANEIRO
E MUNICÍPIO - SEPARAÇÃO DE PODERES - RESERVA DO
POSSÍVEL - PONDERAÇÃO. Pleito autoral versa direito fundamental
à moradia e o princípio da dignidade da pessoa humana, prevendo
a Constituição Federal competência comum dos entes da federação
em promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico. Autora preencheu
os requisitos ao recebimento do benefício aluguel social. Colisão
de princípios constitucionais. Solução dimensional sugerida por
Dworkin. Direito à moradia segura integra o direito fundamental à
vida e à dignidade da pessoa humana, prevalecendo sobre o interesse
financeiro e secundário do Estado. Ainda que não fosse assim, aplica-
se a hipótese o enunciado de súmula 241 deste Tribunal. Exclusão
da condenação do Estado do Rio de Janeiro ao pagamento da taxa
judiciária ante o instituto da confusão. Negado provimento ao recurso
do Município e parcial provimento ao recurso do Estado.
(TJ-RJ - APL: 00627207520128190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 9
VARA CIVEL, Relator: EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data
de Julgamento: 21/03/2018, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data
de Publicação: 23/03/2018).

Vamos relembrar os Direitos e Garantias Fundamentais?

177
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 12 – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DE ACORDO COM A


CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

FONTE: <https://www.passeidireto.com/arquivo/50592706/direitos-e-garantias-fundamentais-
mapa-mental>. Acesso em: 30 abr. 2021.

178
TÓPICO 2 — A REDEFINIÇÃO INTERPRETATIVA E ARGUMENTATIVA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO

Em síntese, quando da aplicação de princípios ao caso concreto, o


jurista deve responder através da argumentação questões tais como: quais os
princípios incidem no caso concreto? Quais as necessidades, valores e interesses
por eles protegidos? Quais são mais relevantes? Por quê? Estabelecendo uma
relação entre as perdas e os ganhos, qual princípio deve prevalecer? O princípio
sacrificado é justificável? Observe que há que ser demonstrado de forma
argumentativa, a princípio, deve ser dado mais peso.

Evidente que a ponderação deve ser realizada considerando os impactos


da decisão na realidade e sua viabilidade fática, considerando sua adequação
à estrutura do ordenamento jurídico conferindo validade e legitimidade à
decisão. Observe que a subsunção, como critério interpretativo, não exige tanta
demonstração do “caminho” escolhido pelo julgador, uma vez que em casos de
regras não há que se falar em ponderação diante do caso concreto.

179
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A crise do direito desde o marco positivista ganhou maior intensidade a partir


da segunda metade do século XX, quando as mudanças políticas e jurídicas
acabam por construir uma nova concepção de constitucionalismo como novo
paradigma de direito e de interpretação.

• Com o novo constitucionalismo, os Direitos Fundamentais ganham maior


status jurídico. Com essa nova ordem política e jurídica há diferenciação no
conceito de regras e princípios jurídicos de forma a compreender os distintos
procedimentos compreensivos destas categorias normativas.

• O novo constitucionalismo redefine o procedimento interpretativo quando


então o compreender normativo é ressignificado, sobretudo a partir da
Teoria da Argumentação de Robert Alexy que possibilita a aquisição de nova
habilidade interpretativa desde o procedimento da ponderação.

180
AUTOATIVIDADE

1 O termo “neoconstitucionalismo” é relacionado ao conceito de


constitucionalismo construído na Espanha e na Itália e tem sido amplamente
utilizado sobretudo após os estudos do jurista mexicano Miguel Carbonell,
que entende que as novas constituições, apesar das diferenças, adquirem
supremacia na hierarquia no ordenamento jurídico. Acerca do conceito de
neoconstitucionalismo é CORRETO afirmar:

a) ( ) Considera o caráter normativo das constituições e o poder coercitivo


dos direitos declarados.
b) ( ) Não reconhece a natureza normativa dos princípios.
c) ( ) Por não haver diferença entre regras e princípios, as constituições são
consideradas cartas políticas declarativas de direitos.
d) ( ) Os princípios não são normas jurídicas, mas fundamento de validade
formal das normas.

2 O neoconstitucionalismo desde fins do século XX representou uma


possibilidade de superação do positivismo jurídico que reduz o
direito à noção tradicional de norma limitada à regra, enquanto para o
neoconstitucionalismo, o direito passa a considerar os princípios como
normas jurídicas, até então consideradas como meras normas políticas
dirigidas ao legislador. Em relação à diferença entre regras e princípios é
CORRETO afirmar:

a) ( ) Não há diferença entre regras e princípios, pois são normas jurídicas


com igual natureza e poder coercitivo.
b) ( ) Regras são previsões e relatos objetivos descritivos de condutas a serem
seguidas e princípios expressam valores ou fins a serem alcançados.
c) ( ) As regras são normas em colisão aplicadas através da subsunção.
d) ( ) Os princípios são previsões legais de condutas.

3 Considere a seguinte afirmação: Para a Teoria dos Direitos Fundamentais


proposta por Robert Alexy, norma jurídica é um conceito fundamental e
taxativo, ou seja, não é dirigido a uma finalidade ou caso concreto específico,
uma vez que, por sua natureza de alto grau de abstração, possibilita aplicação
de acordo com cada caso concreto. Desde tal Teoria, recepcionada pelo direito
brasileiro contemporâneo, há distinção entre regras e princípios. Pergunta-
se: desde a diferenciação entre regras e princípios, qual o procedimento
interpretativo em caso de colisão de princípios?

181
4 A ponderação de princípios é um árduo exercício interpretativo
e argumentativo. Para o pensador do direito, Robert Alexy, ao
compreender o direito como razão prática discursiva, propõe o preceito
de proporcionalidade como método de aplicação e solução de conflito
de princípios. Tendo como base a razoabilidade e devido processo
legal, subdivide a proporcionalidade em três sub-regras: a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Como se diferenciam
a adequação da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito?

182
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS


DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

1 INTRODUÇÃO
A Hermenêutica é definida como uma forma específica de conhecimento
acerca da interpretação dos textos que tem como objetivo determinar seu significado.
A preocupação hermenêutica é discutir ou questionar quais são os pressupostos
e elementos que interferem no processo compreensivo com a finalidade de ser
estabelecido um “diálogo” entre o autor de um texto e seu intérprete.

Especificamente no campo jurídico, a hermenêutica é construída com o


advento do direito moderno quando, diante de um agir político-social no sentido
de estabelecer as condições para viabilizar o Estado e o modelo de sociedade
moderna, é que se coloca a necessidade de uma específica racionalização, não
apenas da criação do Direito, mas de sua interpretação e aplicação através de
critérios hermenêuticos.

Neste Tópico 3 será analisada e discutida especificamente a Hermenêutica


Jurídica como conhecimento prévio e necessário para o desenvolvimento do
procedimento argumentativo, dando ênfase à hermenêutica jurídica brasileira e
os desafios colocados com o advento do constitucionalismo contemporâneo que
exige cuidadoso critério metodológico.

2 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO: CONCEITOS INICIAIS


O uso do termo “Hermenêutica” para querer significar interpretação ou
compreensão do sentido de uma mensagem expressa na linguagem não é recente
na cultura ocidental. Trata-se da tradução latina da palavra grega hermèneutike
(IIЄpí EpµηνЄίας utilizado por Aristóteles) que é relacionado à compreensão da
mensagem expressa de um texto. Isso significa que o problema da interpretação
do discurso – expresso nas diversas formas – é o objeto mais tradicionalmente
associado à hermenêutica.

183
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 13 – HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS

FONTE: <http://santiagobarreto97.blogspot.com/2017/05/hermeneutica.html>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

NOTA

O QUE É HERMENÊUTICA?

É o conhecimento e a interpretação, especialmente de textos, para determinar


o significado exato das palavras por meio das quais um pensamento foi expresso. É
interpretar, declarar, anunciar, esclarecer e finalmente traduzir. Significa que algo se torna
compreensível ou levado à compreensão.

O termo hermenêutica deriva do grego "hermenéuiein" que significa expressar


ou enunciar um pensamento, decifrar e interpretar uma mensagem ou um texto
filosoficamente. Trata-se de uma tendência que surgiu no século XX e cujos maiores
expoentes são Hans Georg Gadamer, Martin Heidegger, Luigi Pareyson, Gianni Vattimo e
Paul Ricoeur.

FONTE: <http://santiagobarreto97.blogspot.com/2017/05/hermeneutica.html>. Acesso em:


30 abr. 2021.

Mas qual é o problema da interpretação que é objeto de preocupação


da hermenêutica? A questão interpretativa envolve a discussão acerca da
possibilidade de ser estabelecido um consenso compreensivo dentre um universo
de sujeitos. Buscando responder a essa questão surge o conceito mais tradicional
de hermenêutica desenvolvido entre os séculos XVII e XVIII por pensadores
europeus, sobretudo após a Reforma Luterana, como a seguir veremos, cuja
preocupação foi a de buscar a compreensão do sentido do texto a partir do
próprio texto. Nesta perspectiva, a atividade hermenêutica era a de “revelar o
sentido certo ou verdadeiro” de um texto tal qual teria pretendido o autor.

184
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Porém, como já vimos na Unidade 1 de nosso estudo, há arbitrariedade


dos signos quando ocorre a separação das significações de suas bases concretas,
os significantes. É necessário que se leve em conta algumas condições, tais como o
contexto cultural, a temporalidade e a particularidade do autor, como elementos
de construção da mensagem, o que permite afirmar que não há sentido pleno e
fixo de uma mensagem sem levar seu contexto, as mudanças de sentido ao longo
do tempo e autoria.

Além de outros elementos relevantes, o contexto é elemento que constrói


o sentido, exatamente porque é no contexto que encontramos a expressão da
cultura de um grupo social. A compreensão de sentido não se trata de somente
domínio da linguagem ou o reconhecimento das palavras. A construção de sentido
e interpretação de um texto trata-se de uma autêntica “trama” que envolve vários
elementos, como você pode observar na figura a seguir.

FIGURA 14 – O ENTRELAÇAMENTO DE “FIOS” NO PROCESSO DA COMPREENSÃO DE UM TEXTO

FONTE: <https://www.iniciativaeducacao.org/pt/ed-on/ed-on-artigos/para-compreender-o-
-que-le-nao-basta-ao-aluno-conhecer-as-letras>. Acesso em: 30 abr. 2021.

A compreensão, portanto, é um processo que envolve o conhecimento


prévio da linguagem em si, a decodificação das palavras e o vínculo ou elo
cultural e/ou intelectual com o autor do texto. No processo compreensivo há
existência de elementos prévios que o intérprete carrega em si e agem diretamente
na compreensão. É aí que está um dos campos da hermenêutica. Seu objeto de
estudo: a definição de pressupostos que reconhecem os elementos prévios que
agem no processo compreensivo e norteiam o processo argumentativo, a partir
da definição de um método.

185
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 15 – CONCEITO DE COMPREENSÃO

FONTE: <https://www.dicio.com.br/compreensao/>. Acesso em: 30 abr. 2021.

Ainda, outro elemento relevante a ser analisado é a relação estabelecida


entre o compreender e a realidade em que o intérprete se insere. Trata-se de uma
relação entre o texto e o mundo da vida, o contexto, que é histórico, cultural,
político, econômico etc.

O processo compreensivo decorre das circunstâncias em que o intérprete


se insere e sua carga, ou bagagem, intelectual, cultural, ideológica etc., ou seja,
o sujeito é produto de suas circunstâncias desde as quais estabelece o horizonte
compreensivo, ou horizonte hermenêutico.

O que é ter horizonte? Vamos recorrer à definição do importante pensador


Hans-George Gadamer:

Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo que é visível


a partir de um determinado ponto [...], ter horizonte significa não estar
limitado ao que há de mais próximo, mas poder ver mais além disso
[...]. A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção
do horizonte de questionamento correto para as questões que se
colocam frente à tradição (GADAMER, 1999, p. 452).

Por outras palavras, “ter horizonte”, no sentido hermenêutico, é


estabelecer, de maneira consciente e proposital, um “ponto” a partir do qual se
dá a compreensão da realidade. É o que o senso comum muitas vezes chama de
“ponto de vista”. Um “ponto de vista” ou “lugar de fala”, como preferem alguns,
é eleger os pressupostos valorativos e culturais desde os quais a mensagem é
elaborada, emitida e compreendida.

186
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A preocupação hermenêutica é discutir ou questionar quais são os


pressupostos e elementos que interferem no processo compreensivo com a
finalidade de ser estabelecido um “diálogo” entre o autor de um texto e seu
intérprete. A interpretação é um diálogo mediado pela linguagem entre dois
horizontes que se fundem. Portanto, compreender não é mera reprodução de
sentidos ou concepções alheias. É o intérprete, desde suas circunstâncias do
presente, que recria um sentido dado por um autor.

FIGURA 16 – FUSÃO DE HORIZONTES: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COMPREENSIVA

FONTE: <http://marcosmucheroni.pro.br/blog/?p=15444#.YG9F8vlKjIU>. Acesso em: 30 abr. 2021.

Portanto, falar de interpretação no campo hermenêutico é pensar,


no sentido mais contemporâneo, não como um ato subjetivo e individual,
mas um diálogo entre o passado e o presente mediado pela linguagem.
Independentemente de cada particularidade histórica de cada intérprete, a
compreensão é sempre diferente daquilo que originalmente foi pretendido. Se
a diferença compreensiva pode criar “muros” entre os indivíduos correndo-
se riscos de isolamento de cada qual em “suas verdades” interpretativas, a
hermenêutica possibilita, através do diálogo, construir pontes com as “pedras”
– obstáculos – tiradas dos próprios “muros” e “verdades” que isola.

Observe a figura a seguir. É uma representação do complexo processo


interpretativo que envolve o ato de compreender, analisar e interpretar. Por
evidente que esses distintos fenômenos se somam para produzir um único
resultado que é a apreensão e reprodução do sentido de um texto ou mensagem.

187
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 17 – PROCESSO INTERPRETATIVO

FONTE: <https://pt.slideshare.net/clauheloisa/interpretao-e-compreenso-de-texto>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

Perceba que os recursos da linguagem são inúmeros e podem produzir


inúmeras formas de um enunciado, porém isso não significa que também sejam
infinitas as interpretações. Até porque, se assim fosse, não haveria possibilidade
de segurança jurídica e a interpretação do direito seria tão infinita e variável
como o número de intérpretes. É exatamente aí que a hermenêutica se torna
uma ferramenta muito eficaz para serem definidos os pressupostos adequados
de interpretação.

A atividade hermenêutica é utilizada nos diferentes campos onde se


coloca a questão interpretativa, quais sejam: o teológico, o literário e o jurídico.
Vejamos brevemente como se construiu o pensamento hermenêutico moderno
para individualizar a hermenêutica jurídica.

Em síntese, a hermenêutica é definida como um campo de estudo, para


alguns uma teoria, acerca dos pressupostos que norteiam um procedimento
interpretativo adequado.

188
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

“Hermenêutica”, no sentido aqui tratado, é um conceito moderno


reinventado no século XVII, quando a palavra “hermenêutica” passou a designar
um tipo específico de conhecimento de pretensão doutrinária-técnica-normativa
cujo objetivo era estabelecer critérios competentes para dirimir controvérsias na
interpretação de textos.

Sem querer mergulhar no “imenso oceano” da construção ocidental das


diferentes concepções acerca da hermenêutica, o importante a destacar é que o
problema da compreensão do sentido adquire um caráter novo, porque, como
afirma Gadamer (1999), foi neste momento histórico que são reunidas condições
inéditas e renovadoras para a questão interpretativa.

Tais condições começaram a ser definidas entre os séculos XV e XVII,


como já vimos anteriormente, quando um conjunto de transformações sociais
aliadas à emergente Revolução Científica modificam as concepções de mundo e do
conhecimento até então dominantes. No campo hermenêutico, o evento que veio a
representar o passo inicial para a definição da hermenêutica moderna foi a Reforma
Luterana, e essa mudança, como veremos, foi significativa para o campo jurídico.

Sob a inspiração do humanismo, Martinho Lutero abriu o caminho para


o fim da concepção homogênea cristã do mundo e também de interpretação de
textos. Segundo a proposta luterana, a Sagrada Escritura deveria ser interpretada
em si mesma, sem a necessidade de se recorrer a uma autoridade interpretativa,
uma vez que segundo Lutero e seus seguidores, o texto bíblico possui uma
literalidade de sentido unívoco.

Partindo do desafio de interpretar o texto a partir do próprio texto, os


protestantes que se dedicaram à questão hermenêutica resgataram um importante
conceito que é o de Círculo Hermenêutico. Trata-se de um conceito que parte do
pressuposto de que há em todo texto um sentido que é o que permite a coerência
de cada parte do texto e sua relação com o todo, sentido este que é captado e
reproduzido pelo intérprete.

FIGURA 18 – CÍRCULO HERMENÊUTICO

FONTE: <https://ensaiosenotas.com/2014/11/20/o-circulo-hermeneutico-para-leituras-criticas/>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

189
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

Círculo hermenêutico pode ser definido como um raciocínio de ordem


lógica em que é estabelecida a relação de um todo significativo com seus elementos
e vice-versa e deste com o intérprete. É também uma forma de ser construída
a argumentação circular, até porque ao ser elaborado um argumento, com a
finalidade de convencer, é necessária a demonstração dos fatos ou fundamentos
que se deseja provar.

Ao compreender e interpretar um texto, seja literário, religioso ou jurídico,


além da relação entre o autor e o intérprete desde sua experiência existencial, a
confrontação de um horizonte com outro é uma operação que pressupõe a pré-
compreensão, isso porque apenas se compreende o que se compara com algo que
já se conhece. Toda compreensão é uma reorganização e redefinição do prévio,
sendo, portanto, ao mesmo tempo um processo de reconstrução e integração.

A compreensão é, portanto, um processo que se dá através das relações


significativas entre o autor, o texto e o intérprete, devendo ser levado em conta o
contexto presente. Por essa razão, interpretar é uma dinâmica reinvenção desde
os juízos prévios, ou pré-compreensões. Para Palmer (2018, p. 180) o passado
não é um amontoado de fatos sem sentido, mas um fluxo de significações dentro
do qual nos movemos e construímos nossas referências que não são absolutas e
desde o qual se dá a interpretação.

3 HERMENÊUTICA JURÍDICA
Com o advento da moderna concepção de direito como instrumento
técnico, racional, intrinsicamente lógico e disciplinador da vida social que
encontra na lei a máxima expressão de um saber e vontade política legítima, o
direito é convertido em uma ciência sistemática racional.

Como já vimos, é sob tal paradigma que se constrói o positivismo jurídico,


desde o qual, direito e estrita legalidade tornam-se conceitos inseparáveis,
formando como “duas faces” de uma mesma moeda. Por via de consequência,
hermenêutica jurídica passa a querer significar a correta interpretação das normas
desde um método adequado. Assim, a metodologia hermenêutica positivista
absorveu e acabou por confundir-se com a reprodução do sistema normativo.

Na esteira desse modelo jurídico e hermenêutico floresce e predomina


a convicção de que o sistema normativo positivado possui em si os critérios
necessários para legitimamente resolver os conflitos jurídicos, não necessitando
seu operador recorrer a nenhuma outra fonte para além daquelas estabelecidas
pelo legislador. Nessa perspectiva, tendencialmente a ordem jurídica possuiria
capacidade de autointegração, devendo, portanto, seus operadores estarem
submetidos exclusivamente à lei, sendo então, a administração da justiça a
administração do Direito legal (SAAVEDRA, 1978).

190
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A estatização da lei acaba por produzir a perda de autoridade dos


juristas frente às novas formas de exercício de poder legislativo, e, segundo
Garcia (1994, p. 142), faz com que o direito deixe de ser um direito dos juristas em
sentido estrito da palavra.

A positivação do direito, um longo e complexo processo, onde convergem


fatores sociais, políticos, ideológicos, orquestrados pelos interesses da burguesia em
ascensão, transformam a racionalização em estatização do direito culminando com
o fenômeno moderno da codificação que acaba por produzir progressivamente um
sistema normativo complexo que exige, para sua interpretação e aplicação a
intermediação de juristas profissionais e especializados. E é aí que se define a
hermenêutica jurídica como saber técnico limitado à formalidade legal.

A necessidade de um saber dogmático acerca da norma jurídica, que


passará a ser nominado hermenêutica jurídica, um campo específico, especializado
de conhecimento, pode ser compreendida como parte integrante de um processo
cultural, ideológico e político que impôs não apenas a necessidade de racionalizar
e explicar a criação do Direito, mas também sua interpretação e aplicação.

Portanto, apenas diante de um agir político-social no sentido de estabelecer


as condições para viabilizar o Estado e o modelo de sociedade moderna é que se
coloca a necessidade de uma específica racionalização, não apenas da criação do
Direito, mas de sua interpretação e aplicação. A crença segundo a qual a vontade
jurídica do Estado é expressa na lei – portadora de princípios estáveis, seguros
e permanentes da “vontade geral” – permite que a lei ganhe uma centralidade
nova (HESPANHA, 2005).

Em síntese, nessa perspectiva, o ato interpretativo se confunde com método


de fixar um sentido estritamente técnico e legal. Por outras palavras, no campo do
direito, o problema hermenêutico consiste em definir, a partir do texto jurídico, o
sentido normativo formal e legal a ser conferido a um fato da vida social.

Para as correntes tradicionais do direito, a interpretação não é apenas


restrita ao órgão julgador, uma vez que a função do juiz é decidir/aplicar da
sentença. Porém, há outros órgãos com competência para interpretar. Desde essa
consideração, a interpretação jurídica se classifica de acordo com o seu intérprete que
pode ser: autêntica, judicial e doutrinária, podendo-se falar ainda em interpretação
administrativa que é aquela feita pelos órgãos da administração pública.

A Interpretação Autêntica é aquela que é feita pelo Legislador, que é feita na


própria lei ou em lei complementar. É, portanto, um ato do Poder Legislativo e por
isso tem força de lei. Já a Interpretação Judicial ou Jurisdicional é aquela que é feita
pelo órgão julgador, que aplica a norma ao caso concreto. Esse tipo de interpretação só
tem força de lei para o caso em apreço. A Interpretação Doutrinária é a interpretação
feita por profissionais do direito que utilizam os preceitos normativos de acordo com
as doutrinas, as teorias do direito. Por fim, a Interpretação Administrativa é aquela
que é feita pelos próprios órgãos administrativos do governo mediante pareceres,
portarias, circulares, despachos etc.
191
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 19 – A INTERPRETAÇÃO DE ACORDO COM O INTÉRPRETE

FONTE: <https://www.slideshare.net/EstresLopes/reviso-estratgia-para-oab-xxi-filosofia-do-
direito-ricardo-torques-filosofia-dodireitoricardotorques>. Acesso em: 30 abr. 2021.

Em relação aos métodos ou procedimentos, vejamos os principais métodos


da hermenêutica tradicional de matriz positivista:

1- MÉTODO EXEGÉTICO, LITERAL OU GRAMATICAL: esse método surgiu


no século XIX, na França, com a codificação e a chamada Escola da Exegese.
Para essa concepção, a interpretação do direito restringe-se à interpretação das
leis, priorizando o método gramatical buscando o significado e alcance de cada
uma das palavras do texto legal. A interpretação gramatical preocupa-se com a
expressão escrita da norma, devendo ser o intérprete fiel ao seu conteúdo.
2- MÉTODO LÓGICO-SISTEMÁTICO: esse método busca situar a norma
dentro do conjunto do sistema jurídico compreendendo seu sentido levando em
conta que ela é parte de um todo normativo. Diferente do método exegético,
não considera as palavras do texto normativo isoladamente, mas no contexto e
as proposições expressas por elas. Tal método leva em consideração o sistema
jurídico como um todo, introduzindo na interpretação elementos gerais do
sistema, por exemplo, analisando e confrontando o texto normativo principal em
apreço e outro texto da mesma lei, ou com os textos de outros sistemas jurídicos
positivos, levando em conta que as normas são mutuamente relacionadas.
3- MÉTODO TELEOLÓGICO: o termo Telos  significa finalidade, portanto, o
método teleológico busca compreender o propósito e finalidade da norma. É
evidente que o direito tem como finalidade maior promover o bem comum e
amparar necessidades, interesses e potencialidades humanas, sendo a norma
uma das expressões do direito e busca atender a tal fim, de acordo com o
método teleológico.

192
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

4- MÉTODO HISTÓRICO-EVOLUTIVO: a origem desse método está no


pensamento jurídico alemão do século XIX na Escola Histórica de Savigny.
Surge como espécie de reação ao método  exegético, considerando que em
inúmeras situações práticas as normas não contemplam os casos concretos. Para
esse método, o sentido da norma é encontrado buscando-se as condições e/ou
contexto de surgimento da norma com o objetivo de encontrar a “vontade” por
trás de sua criação. O método histórico-evolutivo cria um legislador fictício – um
mero artifício retórico – e atribui-se a ele uma vontade. Ainda compara as normas
antigas com as que as sucederam, bem como as transformações jurisprudenciais a
fim de compreender o contexto e as condições em que foram criadas.

FIGURA 20 – SÍNTESE: OS MÉTODOS TRADICIONAIS DE INTERPRETAÇÃO

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/10055011/>. Acesso em: 30 abr. 2021.

Pode-se concluir que os procedimentos hermenêuticos de matriz


positivista trataram de colocar a tarefa interpretativa como uma questão
puramente metodológica formal, se afastando de valores ou mesmo reflexão
sobre sua finalidade prática. Assim, a hermenêutica jurídica assume a tarefa
de legitimar a ordem normativa cumprindo a função de conferir coerência e
plenitude ao sistema jurídico, ao mesmo tempo, dando a flexibilidade necessária à
aplicação da norma, reafirmando os postulados da generalidade e universalidade
do Direito, privilegiando a subsunção do fato à norma, conforme nos ilustra a
figura a seguir.

193
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

FIGURA 21 – ATIVIDADE INTERPRETATIVA DO DIREITO NA PERSPECTIVA FORMAL

FONTE: <https://www.esquematizarconcursos.com.br/artigo/metodos-de-interpretacao-da-
constituicao>. Acesso em: 30 abr. 2021.

4 DESAFIOS PARA A HERMENÊUTICA JURÍDICA DO BRASIL


CONTEMPORÂNEO
A ordem política e jurídica colocada em marcha no Brasil com a Constituição
de 1988 e o inédito momento histórico de então somados representaram a
consolidação dos direitos fundamentais que representaram a concretização de
uma ordem política e jurídica que buscava superar um histórico e quadro social
de exclusão e violação sistemática de direitos.

Naquele momento, lembra Sarmento (2010), a maioria dos juristas entram


em sintonia com as tendências constitucionalistas que apontavam como grande
desafio garantir a efetividade das constituições democráticas, como já estudado.
Até então, historicamente, os comandos jurídicos e políticos constitucionais,
de fato, estavam nas mãos dos detentores dos poderes político, econômico e
social e, finalmente, o país começou a “levar a sério”, como se costuma dizer, a
Constituição e, apesar das dificuldades enfrentadas, os avanços em relação ao
passado são inquestionáveis (SARMENTO, 2010, p. 3-4).

Logo após a homologação da Constituição de 1988, juristas como Luis


Roberto Barroso e Clèmerson Merlin Clève passaram a militar a concepção de que
a Constituição, enquanto norma jurídica, deveria ser aplicada comumente pelos
juízes, defendendo um “constitucionalismo de efetividade”, independentemente
de qualquer mediação legislativa.

[...] o que viria a tirar do papel as proclamações generosas de direitos


contidas na Carta de 88, promovendo justiça, igualdade e liberdade. Se
até então, o discurso da esquerda era de desconstrução da dogmática
jurídica, a doutrina da efetividade vai defender a possibilidade de um
uso emancipatório da dogmática, tendo como eixo a concretização da
Constituição (SARMENTO, 2010, p. 248).

194
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

NOTA

Destacando-se a obra Direito Constitucional e a Efetividade das Normas, de


Luis Roberto Barroso publicada no início da década de 1990 e A Teoria Constitucional
e o Direito Alternativo: para uma dogmática constitucional emancipatória. In: Uma vida
dedicada ao Direito: uma homenagem a Carlos Henrique de Carvalho publicada em 1995.

Desde aí se aprofundaram e se radicalizaram os estudos da hermenêutica


jurídica. Influenciados pelo pensamento de Ronald Dworkin, Robert Alexy, John
Rawls, Hans Georg Gadamer, Jurgen Habermas, entre outros, juristas como
Lenio L. Streck e Eros Roberto Grau refundam o pensamento jurídico brasileiro
denunciando e renunciando ao velho positivismo e seus procedimentos
hermenêuticos. Nessa nova etapa é acentuada a natureza valorativa do Direito e
dos princípios constitucionais.

Nesse contexto, lembra Daniel Sarmento, há uma “verdadeira febre


de trabalhos sobre teoria dos princípios, ponderação de interesses, teorias da
argumentação, proporcionalidade, razoabilidade, etc.” (SARMENTO, 2010, p. 249)
e se incorpora no pensamento jurídico crítico brasileiro o neoconstitucionalismo.
Tratava-se de um momento de conquistas e necessidade de que fossem garantidas.

Entretanto, já na primeira década do século XXI, muitos se davam conta


das dificuldades de interpretação com o neoconstitucionalismo. Como afirma
Streck (2011), não é porque o neoconstitucionalismo tem um discurso valorativo
que é superado o positivismo formal legalista.

As novas teorias utilizando a ponderação de princípios, como estudado,


acabaram por cair na incerteza e indeterminação do Direito. Seguramente, a
Teoria da argumentação de Alexy foi mal incorporada no pensamento brasileiro
e, ao se decretar o fim do método e o triunfo da ponderação passou a reinar
absoluta incerteza e relativismo nas decisões judiciais. Possivelmente, são os
efeitos perversos de uma lógica colonizada que insiste em ser mantida na cultura
jurídica brasileira.

As novidades interpretativas e argumentativas trazidas ao Brasil em


fins do século XX, sobretudo com a entrada em cena do neoconstitucionalismo,
acabou por produzir descontrolado solipsismo que corre o risco de confundir
discricionariedade com arbitrariedade.

195
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

NOTA

SOLIPSTISMO INTERPRETATIVO: é uma espécie de sacralização da atividade


judicial. Uma crença de que o julgador, por sua própria natureza e características imanentes,
é capaz de dizer o que é bom, justo, certo e verdadeiro para toda sociedade, em especial,
para aqueles que sofrerão os efeitos de suas decisões, chegando ao desprezo de elementos
processuais para formar sua convicção. A postura solipsista é comum no ambiente forense,
e é visível quando alguns magistrados, ao julgar, utilizam frases como “minha íntima convicção”,
“minha compreensão”, “decido conforme minha consciência, convicção e sentir” etc.

FIGURA 22 – O SOLIPTISTA

FONTE: <https://maestrovirtuale.com/solipsismo-historia-caracteristicas-e-representantes/>.
Acesso em: 30 abr. 2021.

A interpretação solipsista tem como fonte de certeza seu “eu” e a atividade


hermenêutica é independente da realidade e qualquer outra referência. Desde aí,
todo procedimento argumentativo é fundamentado na crença do “eu” e “minhas”
deduções intelectuais.

DICAS

Para melhor conhecer o tema do solipsismo produzido pela dificuldade de


recepção da Teoria da Argumentação pelo direito brasileiro sugerimos a leitura do texto: o
problema da decisão jurídica em tempos pós-positivistas, de Lenio Luiz Streck, disponível
em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/viewFile/1766/1406.

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TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Para importantes pensadores, como Luigi Ferrajoli, nos dias de hoje


quando se vive uma difícil impotência política predomina um constitucionalismo
principialista, e neste momento é colocada em risco a ordem estatal, por se colocar
em “perigo a separação dos poderes, o princípio da legalidade e submissão do juiz
somente à lei: em síntese, todos os princípios do estado de direito (FERRAJOLI,
2015, p. 245). Diante de angustiante constatação, pergunta o pensador garantista
italiano: quais alternativas se pode contrapor a esta orientação que coloca no
direito em uma espécie de loteria do protagonismo judicial? É momento de
profundo e profícuo debate das vias possíveis de solução.

Chama a atenção Ferrajoli (2015) que todas as soluções, principalmente as


mais controversas, não podem ser consideradas “verdadeiras” ou “objetivamente
corretas”, uma vez que cada decisão, no campo hermenêutico, poderia ser
considerada como condições de possibilidade de decisão definidas a partir do
horizonte compreensivo e, portanto, é inevitavelmente orientada por opções
morais e políticas do intérprete (FERRAJOLI, 2015). E conclui o referido autor:

Mas os juízes não serão nunca, porque não poderão nunca sê-lo,
simples bocas da lei, como desejavam os iluministas. Nem poderão
jamais alcançar verdades absolutas, mesmo que seja na forma da
“verdadeira” resposta correta. O reconhecimento desta imperfeição, ou
se quiser, aporia, repito, é um fato de saúde institucional: gera o hábito
da dúvida, a consciência do erro sempre possível, a disponibilidade
para escutar todas as razões opostas que se confrontam no juízo, a
“prudência” – a partir da qual advém o belo nome “jurisprudência”
– como estilo moral e intelectual da prática jurídica e, em geral, das
nossas disciplinas (FERRAJOLI, 2015, p. 254).

Em síntese, frente à complexidade do fenômeno jurídico contemporâneo


e à permanente reconstrução e vigilância da ordem democrática no Brasil são
possíveis múltiplas possibilidades de soluções para a questão hermenêutica e a
construção de argumentos, uma vez que nem o legislador e nem mesmo o Estado
são detentores de todas as hipóteses de interpretação e aplicação da norma jurídica.

197
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

ATIVISMO JUDICIAL COMO PARADOXO JURÍDICO

Jaquelina Leite da Silva Mitre

1. Conceito de Ativismo judicial

A expressão ativismo judicial surgiu na revista americana Fortune, um


termo com duplo sentido. A revista tinha como seu "share" de mercado um público
de não-juristas. Ao delimitar o perfil dos juízes norte-americanos, o jornalista
Arthur Schlesinger Jr atribuiu-os  como ativistas e  como não ativistas, ou seja,
juízes limitados pelos próprios poderes.

Muito se tem falado de ativismo judicial, tornou-se uma expressão um


tanto quanto curiosa e banalizada no mundo jurídico. O que quase nunca é
discutido, por detrás dos bastidores, são os reflexos causados à sociedade quando
os direitos fundamentais estão sendo ameaçados, ou até mesmo quando estão
sendo rejeitados pelo chamado ativismo judicial.

Este artigo tem o cunho de versar sobre o assunto de maneira compacta


e com a intenção de provocar a curiosidade dos demais juristas e estudiosos da
área jurídica, colocando em pauta reflexões e valores, o momento de opção entre
o Direito e a Justiça.

É sabido que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5° e em outros


artigos esparsos, traz em seu corpo direitos fundamentais de grande importância
para a sociedade brasileira. E ainda, que jamais este Estado teve em sua história
uma Constituição tão comprometida com os valores e garantias dos cidadãos.
Sem ficar tecendo elogios, pretende-se demonstrar o quão importantes são
esses direitos para a sociedade brasileira, e mais do que isso, o quão complexo
e dificultoso é fazer com que essas garantias sejam perpetradas com efetividade,
equidade, eficiência e justiça no mundo jurídico brasileiro.

O assunto parece inesgotável. Na seara jurídica, podem ser citados


inúmeros exemplos, julgados e casos concretos como sendo violados a cada
instante. Nessa esteira, surge, então, o ativismo judicial, que nada mais é do
que uma postura proativa do Poder Judiciário de fazer valer os direitos e garantias
fundamentais, cumprindo o que dispõe a Constituição.

O ativismo judicial tem lugar diante da omissão dos demais poderes e do


argumento da reserva do possível, utilizado para afastar a concessão dos direitos
violados. Tal fato acaba desencadeando uma disputa de poder. 

198
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

As contendas na identificação do ativismo judicial não estão apenas


nas dificuldades do processo de interpretação constitucional. Para que seja
caracterizado o ativismo judicial, faz-se necessária a correta interpretação do
dispositivo constitucional e a reiteração de conduta que desafia e interfere na
esfera de outro poder. Não se trata de mero controle de constitucionalidade.

Segundo Streck,

"Antes de tudo, é necessário dizer que a simples declaração de uma


inconstitucionalidade não quer dizer ativismo ou não ativismo. O
controle de constitucionalidade é justamente a função precípua e
democrática de uma corte constitucional. Logo, número de ações
contra ou a favor não permite epitetar um tribunal de ativista (ou
antiativista). Podem ser elementos que apontam algo. Mas não tudo.
Aliás, por vezes os números escondem e não desvelam."

Fica um questionamento de grave reflexão: o que seria de maior


importância? O direito fundamental do cidadão em meio às garantias
fundamentais, ou a saúde financeira do poder Executivo?

Por falar em saúde, vale mencionar um dos casos mais polêmicos, atuais
e controversos dentro do ativismo judicial.

São inúmeras situações de cidadãos necessitando de medicamentos que


chegam à corte e vão a óbito por negativa de fornecimento, seja por parte do
plano de saúde ou pelo próprio SUS. Tais instituições comprometeram-se com a
sociedade em salvar vidas, mas agem ao revés, provocando milhares de óbitos.

Por vezes, na negativa do fornecimento, e também pelo descaso, ou até


mesmo pela certeza de que a alegação será a reserva do possível, é que o mínimo
existencial fica notoriamente inferiorizado perante o argumento frágil e repetitivo
da reserva do possível. Pode-se falar que beira ao genocídio.

Diante de tais circunstâncias, o poder Judiciário acaba intervindo para


tentar sanar as injustiças ocorridas. É o que se depreende do seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART.  1.036
DO  CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES
DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL.
REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos:
A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15,
e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer
uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na
forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A
Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora
recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições
financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-

199
UNIDADE 3 — DIREITO MODERNO, ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E HERMENÊUTICA

se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da
entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos
incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento
de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente,
pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado
por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do
poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do
SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento,
previsto no inciso I do art. 19-M da lei 8.080/90, não se analisando os casos de outras
alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão
dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença
cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico
fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade
financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro
na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não
provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (STJ. Recurso
especial 1.657.156 - RJ. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Data do julgamento: 25/04/2018).

Entretanto, não nos parece tão simples a aplicação da ponderação dos


poderes, quanto aos chamados "Freios e Contrapesos". Os poderes Legislativo,
Judiciário e Executivo são independentes e harmônicos entre si, visando a evitar
que um intervenha na esfera do outro, impedindo um possível desequilíbrio
orçamentário. Cabe ressaltar que essa separação dos poderes deu-se em nível
de cláusula pétrea, contudo os direitos fundamentais também são considerados
cláusulas pétreas. Eis um dos maiores problemas da questão.

Alguns constitucionalistas vêm utilizando a expressão ativismo judicial


como uma maneira de justificar os fins pelos meios, alegam que o ativismo
judicial provoca grande conflito entre as normas e traz um efeito reflexo entre os
poderes. O argumento tem por finalidade a perda de credibilidade do instituto,
prejudicando assim, mesmo que sem intenção, a sociedade.

Por fim, para se caracterizar uma decisão como ativismo, é preciso se utilizar
de comparações, o que Pontes de Miranda definiu como "Diálogo das Fontes".
Ademais, não se trata de simples atividade de controle de constitucionalidade, e
sim uma rejeição ao ato dos poderes Legislativo e Executivo.

2. Judicialização constitucional

2.1. Conceito Judicialização Constitucional:

Jurisdição Constitucional, pela ótica de Hans Kelsen, é "a garantia


jurisdicional da Constituição", e "um elemento do sistema de medidas técnicas
que tem por fim garantir o exercício regular das funções estatais" (KELSEN, 2007,
p. 12, janeiro de 2019)

200
TÓPICO 3 — HERMENÊUTICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A jurisdição constitucional brasileira deu-se em 1891, com a criação


do Supremo Tribunal Federal, iniciando-se assim, a trajetória do Controle
de Constitucionalidade das normas diante da Constituição Federal. Pode-se
observar que o ponto mais alto do controle de constitucionalidade ocorreu com
o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe consigo um controle de
constitucionalidade concentrado, ampliou o rol dos legitimados para propositura
de ação direta de inconstitucionalidade e criou instrumentos de controle
por omissão legislativa, tais como: ação direta de inconstitucionalidade por
omissão e mandado de injunção. É o que se pode chamar de cenário atual de
constitucionalismo.

A Judicialização Constitucional entrega ao poder Judiciário o condão


de resolver questões de grande repercussão política e social, retirando-as das
vias tradicionais, como poder Executivo e Congresso Nacional. Contudo, a
judicialização, no panorama brasileiro, trata de uma circunstância que decorre
do modelo constitucional que se adotou, e não de um exercício deliberado de
vontade política.

Destarte, faz-se necessário que, na judicialização, o poder Judiciário seja


devidamente provocado a se manifestar, nos limites dos pedidos formulados.
Neste momento, o tribunal deixa de ter alternativa, de conhecer ou não sobre as
ações, ou 5 de se pronunciar sobre o seu mérito, quando preenchidos os requisitos
do cabimento da ação.

A judicialização não se desdobra de uma opção ideológica ou filosófica do


Judiciário. Tal poder decide em cumprimento ao ordenamento jurídico vigente,
de maneira rigorosa.

Conclusão

Contudo, podemos observar que o ativismo judicial e a judicialização


constitucional caminham para a direção de solução das lides. Entretanto, estes
se utilizam de controles constitucionais de formas diferentes. Por um lado, o
ativismo se sobrepõe aos demais poderes, priorizando a correta interpretação do
dispositivo constitucional e a reiteração de conduta que desafia, e interfere na
esfera de outro poder. Não se trata de mero controle de constitucionalidade.

Por outro lado, a judicialização constitucional incorpora o controle de


constitucionalidade, engessando as regras existentes na própria Constituição
Federal. É a interpretação literal da norma e seus meios positivados.

FONTE: <https://www.migalhas.com.br/depeso/303319/ativismo-judicial-como-paradoxo-
juridico>. Acesso em: 30 abr. 2021.

201
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Hermenêutica no sentido mais contemporâneo, não como um ato subjetivo


e individual, mas um diálogo entre o passado e o presente mediado pela
linguagem. Independente de cada particularidade histórica de cada intérprete,
a compreensão é sempre diferente daquilo que originalmente foi pretendido.

• A Hermenêutica Jurídica definiu-se desde fins do século XIX, desde o marco


teórico do positivismo jurídico, como campo específico de saber preocupado
com os pressupostos que norteiam a interpretação e aplicação da norma
jurídica.

• Há diferenças entre as distintas concepções hermenêuticas desde o marco do


positivismo jurídico, sendo a exegética a corrente de pensamento interpretativo
dominante no direito moderno em geral e brasileiro em particular.

• Há no direito brasileiro contemporâneo em relação aos desafios a serem


superados no campo interpretativo e argumentativo sobretudo a partir da
promulgação da Constituição de 1988 quando a grande maioria dos juristas
entram em sintonia com as tendências constitucionalistas que apontavam
como grande desafio garantir a efetividade das constituições democráticas.

• Um dos desafios interpretativos para os juristas brasileiros é o cuidado com o


soliptismo e ativismo judicial que corre o risco de confundir discricionariedade
com arbitrariedade.

CHAMADA

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202
AUTOATIVIDADE

1 Hermenêutica, no sentido mais contemporâneo, é compreendida como


tipo de diálogo entre o passado, o texto e seu autor, e o presente, o
intérprete, mediado pela linguagem. Desde tal conceito de hermenêutica
é CORRETO afirmar:

a) ( ) O problema da compreensão do sentido ganha relevância e caráter


novo a partir dos séculos XVII e XVIII quando são reunidas condições
sociais e teóricas para renovação da questão interpretativa.
b) ( ) Na modernidade, interpretar é um ato de subordinação do intérprete à
autoridade interpretativa de doutores e intelectuais acadêmicos.
c) ( ) Com o advento da modernidade e a Reforma Luterana é que surge o
termo hermenêutica.
d) ( ) Hermenêutica um diálogo entre autor e intérprete, mas um ato de
subordinação ao sentido do texto.

2 Quando falamos de “hermenêutica” encontramo-nos situados [...]


na tradição científica da modernidade. O uso moderno da palavra
“hermenêutica” principia exatamente aí, quer dizer, com o surgimento
do conceito moderno de método e de ciência” (GADAMER, 1999, p. 452).
Considerando a afirmação, assinale a(s) assertiva(s) CORRETA(S):

a) ( ) “Hermenêutica” é um campo específico do conhecimento que desde os


antigos gregos é um saber científico.
b) ( ) É na modernidade com a convergência de fatores sociais, teóricos e
históricos que “hermenêutica” torna-se um saber técnico-científico.
c) ( ) “Hermenêutica” não é um campo da ciência, mas da arte de interpretação
metódica.
d) ( ) É na modernidade, a partir dos séculos XVII e XVIII, que se define o
que atualmente chamamos de “hermenêutica” como campo específico
do conhecimento relacionado com a questão interpretativa.

3 Círculo hermenêutico é um raciocínio de ordem lógica em que é estabelecida


a relação de um todo significativo com seus elementos e vice-versa e deste
com o intérprete. É também uma forma de ser construída a argumentação
circular, até porque ao ser elaborado um argumento, com a finalidade de
convencer, é necessária a demonstração dos fatos ou fundamentos que se
deseja provar. Considerando tal assertiva, assinale afirmação CORRETA:

a) ( ) O ato de compreender é um processo que se dá através das relações


significativas entre o autor, o texto e o intérprete, de maneira circular
desde o contexto presente.
b) ( ) Círculo Hermenêutico é um conceito que não se aplica ao campo jurídico,
uma vez que o texto legal possui sentido prévio proposto pelo legislador.

203
c) ( ) O texto, seja ele qual for, possui um sentido próprio e autônomo que
não pode ser atualizado pelo intérprete e sim reproduzido.
d) ( ) O lapso temporal entre autor e intérprete não interferem no processo
interpretativo.

4 Embora atualmente o sentido do termo “hermenêutica” não ser unívoco, o


que parece incontroverso é sua relação com o fenômeno da compreensão
interpretativa explicado pela origem grega do termo “hermenêutica”: arte
de interpretação, tradução ou transmissão através de palavras de um sentido
compreensível. Sob uma perspectiva histórica, a “questão hermenêutica” é
colocada no mundo moderno nos campos do conhecimento relacionados
com a interpretação de textos, sobretudo a teologia e a jurisprudência, ou
seja, com as disciplinas teóricas que vão ser obrigadas a criar instrumentos
técnicos fundamentados, segundo uma lógica cientifista, acerca do conteúdo
de textos transmitidos pela tradição através de uma correta interpretação
de seu sentido. Considerando o breve texto pergunta-se: Com a ciência
moderna, como se define a hermenêutica jurídica?

5 As novidades interpretativas e argumentativas trazidas ao Brasil em fins


do século XX, sobretudo com a entrada em cena do neoconstitucionalismo,
acabou por produzir descontrolado soliptismo que corre o risco de
confundir discricionariedade com arbitrariedade. Pergunta-se: o que é
soliptismo jurídico?

204
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206

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