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RESUMO
INTRODUÇÃO
Em 13 de Julho de 1990, foi publicada a lei nº 8.069 (Estatuto da Criança e do
Adolescente, ECA). Em seus princípios, destaca-se a necessidade de proteção
integral a este grupo, garantindo um tratamento pautado no cumprimento dos direitos
humanos, e o acesso a todos os serviços de responsabilidade do Estado (saúde,
educação, assistência social). Dentro deste paradigma, o ECA estabelece que as
autoridades judiciais competentes poderão optar pela aplicação de Medidas
Socioeducativas com ou sem privação de liberdade aos adolescentes autores de atos
infracionais (BRASIL, 1990). A mais gravosa medida socioeducativa constitui-se na
integral privação de liberdade em uma unidade de internação, onde o adolescente
deve passar por um processo socioeducativo sendo acompanhado por equipes
multiprofissionais que atuem no sentido de estimular nele a ressignificação de valores
e gradual preparo para retorno à comunidade.
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Anais do V Seminário Internacional A Educação
Medicalizada: “existirmos, a que será que se destina?”
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reconstrução de saberes. Para Saviani (2008), para alcançar este objetivo, o trabalho
pedagógico precisa criar condições favoráveis para que os estudantes se apropriem
de tais conhecimentos, atribuindo a escola uma grande responsabilidade no processo
de humanização dos sujeitos. Neste cenário, possui papel crucial no desenvolvimento
de atitudes que objetivem subsidiar o exercício consciente da cidadania, assim como
de instrumentalizar os atores que compõem o espaço escolar a analisar os aspectos
presentes na sociedade de forma crítica e coletiva.
Com isso cabe ressaltar que, em consonância com as concepções de escola e de
socioeducação aqui defendidas, o termo "reinserção social", tão empregado nos
estudos das áreas da psicologia e educação, perde seu significado por duas razões.
Primeiramente por considerarmos a escola e a unidade de internação espaços
permeáveis e não apenas em diálogo permanente com a sociedade, mas também
sendo parte integrante desta. Em segundo lugar, pomos em questionamento a noção
de reinserir um sujeito a um contexto no qual este nunca foi inserido, diante da
exclusão sofrida ao longo da vida.
Reconhecer que o fortalecimento do exercício consciente de uma cidadania ativa
está diretamente ligado a valorização das diversidades no âmbito escolar, reitera a
imprescindibilidade em abarcar de modo representativo os aspectos multiculturais dos
seus atores. Ou seja, as diferenças desafiam os sujeitos que compõem o cotidiano
escolar, especialmente os educadoras(es), a construírem práticas pedagógicas que
estejam sintonizadas com as diversidades culturais presentes naquele espaço.
No que tange às escolas inseridas em dispositivos de privação de liberdade, este
desafio se amplia. Sem a possibilidade de desenvolver estratégias pedagógicas
construídas e permeadas pelas comunidades de origem dos adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa, devido à recorrente distância entre as
unidades de internação e as comarcas ou bairros onde estes sujeitos residiam,
acessar aspectos identitários e representativos demandará outras abordagens. Aqui,
cabe explorar coletivamente as expressões de singularidades que emergem nas
relações tecidas em âmbito escolar, referenciando as construções sob a égide das
diversidades de gênero, raça, orientação sexual, por exemplo, bem como tempo de
reclusão, relações nos demais espaços de abrigamento e possíveis desejos pós
cumprimento de sentença.
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“Por que, ainda alegres e comunicativos [...], deve a ‘turma’ obriga-las a calar-
se, a ficar sentadas imóveis como coisas ou animais amestrados, e sobretudo
ensinar-lhes à força, em nome de um programa, o que elas ainda não tiveram
desejo de conhecer, a leitura, a escrita, o cálculo?” (DOLTO, 1986, p. 28).
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Se, por um lado, tal caráter denota a construção de parcerias que podem
extrapolar o ambiente escolar, por outro evidenciam-se relações de poder às quais os
profissionais devem estar atento ao conduzirem as atividades pedagógicas. Não se
deve esquecer, entretanto, que a escola não existe como ambiente hermético, pois
está em constante diálogo com a sociedade na qual se insere (SETTON, 2017) e
fenômenos externos podem encontrar no ambiente escolar um espaço frutífero para
emergir. Acreditamos, portanto, que tão logo o atendimento socioeducativo que ocorre
extramuros à escola esteja sendo realizado com qualidade, ofertando aos
adolescentes contextos restaurativos nos quais estes de fato ressignifiquem valores e
elaborem projetos de vida cidadãos, esse movimento reverberará na escola. Assim,
as interações existentes no espaço de sala de aula deixam de ser vistas como
potenciais confrontos e passam a representar elementos formadores fundamentais
para a prática pedagógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Intentamos, com este texto, trazer à tona reflexões concernentes ao cotidiano
do ambiente escolar imerso no sistema socioeducativo. Propusemos, ao longo deste,
questionamentos sobre a organização do formato escolar e seu papel produtor e
reprodutor de violações e/ou possibilidades. Ademais, buscamos explorar meandros
através dos quais a psicologia pode se inserir, ressalvando a necessidade de manter
um posicionamento crítico que equilibre o fazer socioeducativo e escolar aos
interesses e particularidades dos adolescentes autores de ato infracional, público ao
qual estas políticas se debruçam.
Longe de buscar finalizar a discussão, procuramos finalizar elencando campos
estratégicos que podem ser ocupados por profissionais de psicologia e demais atores
sociais que colaborem com o sistema socioeducativo em relação com as políticas
escolares e educacionais. Sugere-se aqui que estes profissionais rompam com as
lógicas culpabilizantes, sejam elas voltadas aos estudantes (socioeducandos), ou às
famílias, às(os) professoras(es), a fim de tensiosar a esfera cotidiana da escola, com
destaque aos seus aspectos políticos e organizacionais, produzindo novos sentidos e
formas outras de encarar as dificuldades por ela encaradas. Neste processo, espera-
se que proliferem discursos acerca da construção de subjetividades que não
individualizam as leituras de mundo, particularizando problemas em sujeitos
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específicos sem considerar a estrutura social que atua em sincronia. Certamente, tal
postura não supõe que desconsiderem-se as singularidades que compõem cada
sujeito.
Ressalva-se o risco de, neste processo, surgirem perspectivas de atuação da
psicologia que se sobrepõem à educação, elevando o saber psicológico ao grau de
maior conhecimento e – portanto – maior fornecedor de respostas aos problemas
encarados no contexto educativo. Sugere-se, entretanto, uma troca de saberes bem
articulada e qualificada, de modo a desnaturalizar as exclusões e resistir a quaisquer
tentativas de naturalizar expectativas homogêneas e adaptativas na formação escolar
e socioeducativa.
Com isso, espera-se contribuir com o avanço dos processos escolar e
socioeducativo, convocando a psicologia e seus representantes a uma postura crítica
que tenha como finalidade o bom cumprimento da política pública na qual se insere,
mantendo compromisso com seu público que vai além dos adolescentes privados de
liberdade, mas toda a sociedade na qual estes se desenvolvem.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Levantamento Anual SINASE 2014. Brasília: Secretaria
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos
Humanos, 2017.
KOMATSU, K. Otherness is Everywhere to Bring About Your Self: An Inquiry into the
Whimsical Emergence of Children’s Selves. In: VALSINER J., MARSICO G.,
CHAUDHARY N., SATO T., DAZZANI V. (eds). Psychology as the Science of
Human Being. Annals of Theoretical Psychology, vol 13. Springer, Cham, 2016.
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SOUZA, Beatriz de Paula. Orientação à queixa escolar. 2. ed. São Paulo, SP:
Casa do Psicólogo, 2010.
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