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FACULDADE METROPOLITANA DA AMAZÔNIA

CURSO DE ENFERMAGEM

ENFERMAGEM NA ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E ADOLESCENTE

ADELAIDE BAIA

JULINETE BARBOSA

KÁTIA CARDIAS

LUCÉLIA OLIVEIRA

LUCIENE VERAS

MAURICIO ESTEVES

BELÉM

2009
ADELAIDE BAIA

JULINETE BARBOSA

KÁTIA CARDIAS

LUCÉLIA OLIVEIRA

LUCIENE VERAS

MAURÍCIO ESTEVES

VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E ADOLESCENTE

Trabalho apresentado ao Curso de


Enfermagem da Faculdade
Metropolitana da Amazônia - Famaz,
como requisito parcial e avaliação à
obtenção de nota(____________) na
disciplina Enfermagem na atenção à
saúde da criança e adolescente.

Orientadora: Profª. Glenda Bentes

Ass.: _____________________________________________________________________

1º Exam.: Glenda Bentes – Msc.– Faculdade Metropolitana da Amazônia

BELÉM

2009
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................3

I. Violência e Vulnerabilidade: literatura e conceitos........................................................4

II. Criança versus Família......................................................................................................6

III. Violência Doméstica...........................................................................................................7

IV. A Violência Sexual Intrafamiliar Praticada Contra a Criança: a quem compete

produzir a prova?..........................................................................................................................9

V. Exploração do trabalho infanto-juvenil.........................................................................15

VI. Educação infanto-juvenil.................................................................................................19

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................22

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...........................................................................................23
INTRODUÇÃO

A violência contra crianças e adolescentes acompanha a trajetória da humanidade,


manifestando-se de múltiplas formas, nos diferentes momentos históricos e sociais, em acordo
com aspectos culturais.

A violência “tem significado” a sociedade brasileira, atingindo crianças e


adolescentes pobres de forma cruel e infame. Os assassinatos, torturas e maus-tratos a que estes
são violentamente submetidos têm-se apresentado com um certo caráter de normalidade.
Acreditamos, no entanto, que tais ações não são cometidos de forma individual, mas são
conseqüências de um imaginário construído historicamente que concebe a violência como
elemento estruturador e organizador das relações sociais e da superação dos conflitos sociais.

Este texto sustenta que a violência sofrida pelas crianças e jovens possui fortes
vínculos com a condição de vulnerabilidade social em que se encontra nosso país. Ressalta-se
que a violência, embora, em muitos casos, associada à pobreza, não é sua conseqüência direta,
mas sim da forma como as desigualdades sociais, a negação do direito ao acesso a bens e
equipamentos de lazer, esporte e cultura operam nas especificidades de cada grupo social
desencadeando comportamentos violentos.

Portanto, a violência estrutural, responsável pela desigualdade social, contribui com


o desenvolvimento da violência interpessoal, nos diferentes segmentos sociais, em especial na
dinâmica e no modelo familiar. Estudos apontam que a violência doméstica faz parte de um
contexto socioeconômico e cultural, que pode influenciar o comportamento agressivo dos
familiares, os quais tendem a repetir as condições de exploração e abandono de que são vítimas,
contribuindo assim para a perpetuação da violência contra a criança e adolescentes, num ciclo
vicioso.
I. Violência e Vulnerabilidade: literatura e conceitos

Não é simples a tarefa de definir a violência. Conceitos de violências têm sido


propostos para falar de muitas práticas, hábitos e disciplinas, de tal modo que todo
comportamento social poderia ser visto como violento, inclusive o baseado nas práticas
educativas, tais como na idéia de violência simbólica proposta por Pierre Bourdieu (2001). Para
esse autor, a violência simbólica se realiza sem que seja percebida como violência, inclusive por
quem é por ela vitimizada, pois se insere em tramas de relações de poder naturalizadas.

Em que pesem as dificuldades em definir a violência, sendo comum a formulação de


conceitos ad hoc,ou seja, mais apropriados ao lugar, ao tempo histórico que se examina, a
literatura, a seguir apresentada, aponta uma tendência de conceituar a violência de forma mais
abrangente do que relacioná-la com atos que imputam danos físicos a pessoas ou grupos de
pessoas. Chauí (1999: 3-5), por exemplo, define violência como:

“(...) 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é
desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de
alguém (é coagir, constranger, torturar,brutalizar); 3) todo ato de transgressão contra
o que alguém ou uma sociedade define como justo e como direito.
Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela
opressão e intimidação, pelo medo e o terror (...).”

A noção de violência é, por princípio, ambígua. Não existe uma única percepção do
que seja violência, mas multiplicidade de atos violentos, cujas significações devem ser analisadas
a partir das normas, das condições e dos contextos sociais, variando de um período histórico a
outro.

A violência é um dos eternos problemas da teoria social e da prática política. Na


história da humanidade, tem-se revelado em manifestações individuais ou coletivas. Chesnais
(1981) apresenta as múltiplas formas de violência registradas em diferentes épocas e sociedades,
privada e coletivamente. Neste sentido, chama a atenção para o fato de que existem várias
concepções de violência, as quais devem ser hierarquizadas segundo o seu custo social. Para o
autor, o referente empírico do núcleo desse conceito é a violência física – inclusive a violência
sexual – que pode resultar em danos irreparáveis à vida dos indivíduos e, conseqüentemente,
exige a reparação da sociedade mediante a intervenção do Estado.
A segunda concepção abrangeria a violência econômica, que se refere somente aos
prejuízos causados ao patrimônio, à propriedade, especialmente aqueles resultantes de atos de
delinqüência e criminalidade contra os bens, como o vandalismo. Para o autor, essa modalidade
foge ao significado estrito de violência, já que não caracteriza a violação da integridade da
pessoa.

Uma terceira concepção tem por foco a idéia de autoridade, que possui forte
conteúdo subjetivo e, segundo o autor, encontrasse na moda: trata-se da chamada violência moral
ou violência simbólica. Chesnais sustenta que “falar de violência neste sentido é um abuso de
linguagem, próprio a certos intelectuais ocidentais, excessivamente bem instalados na vida para
conhecer o mundo obscuro da miséria e do crime”.

O autor sustenta que somente a primeira concepção tem por base uma definição
etimologicamente correta, encontra amparo nos códigos penais e nas perspectivas profissionais –
médicas e policiais, por exemplo – quanto ao fenômeno. Assim, a violência física é que
significaria efetivamente a agressão contra as pessoas, já que ameaça o que elas têm de mais
precioso: a vida, a saúde, a liberdade.

É comum chegar-se a conceitos ad hoc, ou seja, mais apropriados ao lugar, ao tempo


histórico que se examina. De fato, é tênue o consenso sobre o que é violência, o que já traduz sua
força, segundo Arblaster (1996: 803-805), em verbete sobre o termo no Dicionário do
Pensamento Social do Século XX:

“O termo é potente demais para que [um consenso] seja possível. Não obstante, um
entendimento do termo ditado pelo senso comum é, grosso modo, que a violência
classifica qualquer agressão física contra seres humanos, cometida com a intenção de
lhes causar dano, dor ou sofrimento. Agressões consideradas, com freqüência, atos
de violência. E é comum falar-se também de violência contra certa categoria de
coisas, sobretudo a propriedade privada.”

Na busca por definições mais finas, alguns autores disputam a relação entre o
conceito de violência, o de força e o de ser a violência necessariamente um regime de
excepcionalidade, tanto quando o nível de analise é o Estado, como grupos sociais e indivíduos.
Discute-se que na contra corrente, por não violência poder-se-ia apelar para a correlação de
forças, ou o reconhecimento de simetrias para resolver conflitos e se obter negociações. Assim,
segundo Bourdon e Borricauld (1982: 613), "a renuncia à violência não resulta de uma
conversão, mas de uma aprendizagem, que parte do reconhecimento de uma relação de forças
que se impõe às duas partes (...) sem ‘perder a face’ ".

O conceito de violência muitas vezes é usado de forma indiscriminada para referir-se


a agressões, incivilidades, hostilidades e intolerâncias. Ainda que, em perspectiva ética geral ou
dos sentimentos da vítima, tais fenômenos possam reverberar como violações de direitos, há que
cuidar, principalmente quando se lida com crianças e jovens, dos limites conceituais, já que no
plano de recomendações e políticas é importante conceituar bem o tema (Chesnais in
Debarbieux, 1996).

II. Criança versus Família

Não parece fácil definir exatamente o que seja uma família (figura 1). Para Fukui
(1981), pode-se afirmar que não existe a família, mas uma diversidade de combinações
circunscritas histórica e socialmente. O convívio entre as pessoas pode ser variado, indiferente
ou não a “laços de sangue” e, mesmo assim, podemos defini-lo como um conjunto de relações
familiares.

Figura 1 – Família e a criança


A atual família nuclear tornou-se modelo de estrutura familiar na grande maioria das
sociedades industrializadas, caracterizado pela divisão dos papéis de homem e mulher, de pais e
filhos, seguindo uma hierarquia de poder que é típica do seu funcionamento. Historicamente,
essa proposta que rompe com modos e costumes de épocas anteriores, isola a família em seu lar,
onde o marido e pai passa a ser o provedor do sustento da família; a mulher passa a responder
pela vida doméstica e pela educação dos filhos, e estes, por sua vez, devem total obediência aos
pais, como também devem a eles a sua educação, principal preocupação do casal (Ariés,
1973/1981; Poster, 1979).

Com o seu surgimento, a família nuclear trouxe consigo novos padrões de higiene e
novos hábitos alimentares (principalmente para as crianças, no que se refere à amamentação),
definindo novos rumos aos papéis da sexualidade e, consequentemente, ao casamento e à vida
afetiva (Ariés, 1973/1981). Outras transformações ainda ocorreram no seio da família nuclear.
Algumas dessas mudanças se deram principalmente pela nova atitude da mulher e o seu papel na
sociedade, inserindo-se no mercado de trabalho e, muitas vezes, sustentando toda a família. Seus
filhos, que antes viviam exclusivamente sob seus cuidados, hoje cada vez mais precocemente,
são obrigados a freqüentar creches, escolas e outras alternativas, que acabam atuando em sua
educação.

É importante que a família tenha momentos de encontro. A hora das refeições pode
ser um desses momentos. Parte do dinheiro da família deve ser destinada para as despesas com
as crianças. A divisão das tarefas, despesas e responsabilidades deve ser decidida em conjunto e
de acordo com a organização de cada família. Os projetos de vida, os sonhos, os medos também
devem ser compartilhados por todos. A família é responsável por criar, cuidar, educar, proteger e
garantir o desenvolvimento de suas crianças.

III. Violência Doméstica4

Ao ler sobre a violência doméstica (Figura 2) que nossas crianças estão submetidas,
seja ela negligência, violência física, psicológica ou mesmo sexual, pensamos logo em países
subdesenvolvidos, sem emprego e onde a fome toma conta da sua população. Seria verdadeira
essa afirmação? A violência por acaso não ocorre nos países europeus, ou na América do Norte?
O que levaria o agente agressor a tanta barbárie? Existem pesquisas que apontam a própria
família (pai ou mãe) com maio índice de agressão: pai 25% dos casos, mãe, 50%, pais 13%. As
pesquisas também apontam que quem revela os abusos são, na maioria a comunidade ou pessoas
autônomas.

O que existe na verdade é um problema mundial que deve ser considerado um tema
de grande preocupação de todos os poderes. Não conseguimos resolver, apenas instituindo leis,
estatutos sem uma conscientização de todos os envolvidos. Além das leis, a política de
atendimento da criança e do adolescente exige a criação de conselhos municipais, estaduais e
nacional de seus direitos com força de órgãos deliberativos e controladores das ações em todos
os níveis.

Apesar de tudo, as pesquisas continuam apontando os mesmo índices de violência


para com a criança e o adolescente. E o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no Brasil já
fez dez anos.

Violência física, segundo FERREIRA (2002, p. 21), são violências praticadas pelos
pais e/ou responsáveis que vão desde uma palmada até um espancamento e podem resultar em
hematomas, queimaduras, fraturas, engasgo, hemorragias internas e até a morte. Não é incomum
a comunicação de acidentes, por parte dos adultos responsáveis pelas crianças, para casos de
violência. Especialmente os sinais físicos de queimaduras e hematomas, provenientes de
violências, são mascarados em acidentes e levados diretamente aos profissionais de saúde, por
meio dos hospitais, postos de saúde e pronto socorros.

Figura 2 – Violência doméstica


Todo cidadão deve sentir-se responsável e o estatuto da criança abre a possibilidade
de elaborar e concretizar uma política educacional em todos os âmbitos (municipal, estadual e
federal); mas, a mudança só ocorrerá se os conselhos não forem transformados em órgãos
burocráticos cooptados e pelo Estado.

Devemos então fazer uma discussão não jurídica e sim de política educacional,
porque só a educação será o agente básico para essa transformação.

IV. A Violência Sexual Intrafamiliar Praticada Contra a Criança: a quem compete


produzir a prova?

A infância, historicamente vista como objeto a serviço dos interesses dos adultos, a
partir do século XX, passa a ser compreendida como etapa do desenvolvimento humano. A
violência sexual contra crianças é um tema sobre o qual paira uma barreira de silêncio.
Esporadicamente, vem à baila sob forma de um escândalo envolvendo alguém famoso, como
aconteceu com o cantor Michael Jackson, e rapidamente desaparece. Quando o assunto é o abuso
praticado por alguém da família, o pacto é ainda mais inquebrantável. Não existem sequer
estatísticas confiáveis, porque na maioria das vezes a criança sofre calada a experiência
devastadora do incesto. Um passo importante para encarar a realidade desse crime terrível, pelos
efeitos sobre as pequenas vítimas e por violar um dos tabus fundadores da civilização.

Pizá & Barbosa fundadoras de uma clínica desde de 1996, afirmam ter registrados
mais de 2.000 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes de todas as classes
sociais, dos quais mais de 80% têm como agressor o próprio pai. As psicanalistas debruçaram-se
sobre 853 prontuários de atendimento a crianças entre 2 e 9 anos de idade, para tornar público o
drama do incesto sob o ponto de vista delas.

Os desenhos que ilustram este trabalho fazem parte do conjunto de 31 imagens


selecionadas por Graça Pizá para ilustrar o que batizou de "vocabulário ilustrado dos afetos
emparedados" – uma síntese dos sentimentos mais freqüentemente expostos por seus pequenos
clientes. São um testemunho comovente da experiência aterrorizante do incesto. Numa idade em
que não têm como compreender o que sentem quando violentadas, elas se desenham mutiladas,
isoladas. O medo é comunicado através de seres monstruosos ou, ao contrário, de situações
absurdamente realistas, povoadas por enormes órgãos sexuais. Uma menina retratou-se refletida
num espelho de teto como os que se vêem nos motéis, deitada sob um homem identificado como
"papai".

Como ajudar essas crianças, vitimadas justamente pelas pessoas em quem mais
deveriam confiar, a quebrar a barreira do silêncio? "A criança violentada vive emparedada pelo
seu próprio medo de falar e pela surdez de quem deveria ouvi-la", diz Graça Pizá. Por isso a
proposta do centro é formar uma rede de apoio e atendimento.

Pizá & Barbosa publicaram um livro com artigos de especialistas em medicina,


educação, Justiça e segurança que analisam em suas respectivas áreas as dificuldades para
reconhecer e enfrentar o problema. Em todos, a constatação é que, diante de uma evidência de
incesto, a tendência é descrer da criança. O principal motivo é que esse tipo de violência é algo
que vai contra a própria noção de humanidade, uma vez que a proibição de relações sexuais entre
pais e filhos é uma das características que nos distinguem dos animais.

Diante de uma suspeita, a tendência é fechar os olhos, e isso se faz desqualificando a


criança como interlocutor, jogando o que ela diz sob o rótulo de "fantasia infantil". O impulso
sexual infantil existe e dá origem a fantasias que podem, sim, envolver o pai, o padrasto, o
namorado da mãe, ou a própria mãe. Mas a criança que fantasia esse tipo de envolvimento
imaginário não tem o relato de sofrimento, de dor física, de nojo, de medo que uma vítima de
violência real faz. "Quando a base é fantasiosa ou simplesmente mentirosa, a história não se
sustenta", afirma Graça Pizá, que só não confirmou 0,5% das suspeitas de incesto que chegaram
à Clínica de Violência.

O triste é constatar que, mesmo quando a criança consegue ser ouvida em casa, o
crime não consegue ultrapassar as barreiras externas, como mostra o relato de uma mulher que
descobriu que seu ex-marido abusava da filha de 2 anos e quis processá-lo. Não conseguiu. Sem
prova material de estupro (que na maior parte das vezes não existe), seria palavra contra palavra.
Mais do que isso, a denúncia poderia virar contra ela, por acusação sem provas. "O que mais me
chocou foi a impossibilidade de agir. Eu não podia fazer nada", diz. Para a advogada Elizabeth
Sussekind, ex-secretária nacional de Justiça, o problema é que o Judiciário só crê no material, no
incontestável. Com isso, muitas vezes crianças que foram abusadas acabam devolvidas
judicialmente a seus agressores. É preciso começar a mudar essa lógica, definindo os caminhos
jurídicos de reconhecimento da credibilidade das vítimas, ressalvadas evidentemente com as
devidas garantias aos acusados. O principal, em qualquer circunstância, é ouvir o que a criança
tem a dizer. Esse é um direito fundamental de todo ser humano.

1. "vocabulário ilustrado dos afetos emparedados":

"Ele é um monstro, vampiro"

Ela demora a perceber que uma parte do que sente é nojo e não consegue
inicialmente expressar esse sentimento em palavras. Mas o exprime através de
monstros que têm "língua de fogo", "língua que me lambe". Um simples programa
de fim de semana com o pai vira história de terror no relato de uma dessas pequenas
vítimas. "Uma vez um caranguejo mordeu o meu dedo. Doeu muito. No domingo
papai me levou à praia, depois ao shopping. Tirou a minha roupa e eu me senti um
caranguejo. Ele é um monstro, um vampiro."

AVERSÃO
O encontro da sexualidade adulta com a infantil é muito violento. A
criança sente a invasão do corpo, mas não absorve seu significado.
"Morri um pouquinho"

É comum crianças se desenharem mutiladas, em auto-retratos relacionados a uma


imagem corporal alterada, de quem passou por um trauma tão grande que se
despedaçou. Em alguns casos, elas não se dão conta da mutilação. É preciso
perguntar se não está faltando nada no desenho. A narrativa de alguns sonhos,
como o que se segue, dá conta dessa vivência silenciosa de horror. "Sonhei que o
carro estava lá em cima, caiu lá embaixo e eu morri. Mas só um pouquinho. A
minha cabeça morreu, mas o corpo estava em pé, não estava morrido."

SILÊNCIO
A barreira erguida em torno da violência torna invisível a
identidade da criança. A menina se representa num corpo de
mulher, de salto alto – e sem rosto.

Violência "invisível"

Montanhas e praias desertas aparecem recorrentemente. Mas o abuso acontece


também em lugares públicos, como o cinema ou o metrô. É uma situação visível (a
criança no colo de um adulto) que torna invisível uma outra (o pai que bolina a
própria filha). Uma dessas crianças contou seu drama a partir de uma brincadeira:
escondia um objeto, mas deixava uma parte à mostra. O mesmo acontecia com ela.
Seu pai a violentava "escondido" na frente de todo mundo.
MEDO DE REAGIR
A montanha é uma clara representação da solidão da criança violentada. Além
da submissão física e moral, ela sofre do medo de reagir contra o agressor

Segundo o Ministério publico do rio grande do sul, à vulnerabilidade, das crianças


estão expostas a várias formas de violência, sendo que a violência sexual intrafamiliar é a que
traz maiores dificuldades de manejo, responsável por sequelas que podem acompanhar a sua
vida, com reflexos no campo físico, social e psíquico, justificando o envolvimento de
profissionais de várias áreas do conhecimento na busca de alternativas de minorar os danos. É
comum a violência sexual intrafamiliar praticada contra a criança vir desacompanhada de
vestígios físicos, acarretando para o Sistema de Justiça inúmeras dificuldades para desvendar os
comunicados e ocorrências que chegam ao Conselho Tutelar e à Delegacia de Polícia, assim
como as denúncias que aportam nas Varas Criminais e nos litígios que se deflagram nas Varas de
Família, através de disputas de guarda e regulamentação de visitas. A inexistência de vestígios
físicos, aliada à falta de testemunhas presenciais, uma vez que a violência sexual intrafamiliar
praticada contra a criança geralmente se dá na clandestinidade, levaram os Tribunais a valorizar
a palavra da vítima, favorecendo a sua exposição a inúmeros depoimentos no afã de produzir a
prova e possibilitar a condenação do réu3.

Exigir da vítima a responsabilidade pela produção da prova da violência sexual,


através do depoimento judicial, como costumeiramente se faz, não seria uma nova violência
contra a criança? Estaria a criança obrigada a depor? Estes e outros questionamentos precisam
ser enfrentados sob a ótica da Doutrina da Proteção Integral.

Inquirir a vítima, ainda que através de métodos que visam dar outra roupagem à
inquirição , com o intuito de produzir prova e elevar os índices de condenação, não assegura a
credibilidade pretendida, além de expor, a criança, a nova violência, ao forçá-la a reviver
situação traumática, renovando o dano psíquico produzido pelo abuso. Enquanto a primeira
violência foi de origem sexual, a segunda passa a ser psíquica e jurídica, na medida em que se
espera que a materialidade, que deveria ser produzida por peritos capacitados, venha ao bojo dos
autos através do depoimento da criança, sem qualquer respeito às suas condições de imaturidade.
Direito de ser “ouvida”, como prevê a Convenção (art. 12), não tem o mesmo significado de ser
“inquirida”. Considerar a “fala” da criança necessariamente não exige o uso da palavra falada,
porquanto o sentido da norma é muito mais amplo, estando a significar a necessidade de respeito
incondicional à criança em face de suas condições de desenvolvimento. A inquirição destina-se a
produzir prova, podendo levar o abusador, com quem tem laços afetivos, ainda que distorcidos, à
cadeia, recaindo sobre a ela a responsabilidade pelo evento. É comum, a criança avistar o
abusador, no ambiente forense, por ocasião de sua inquirição, ainda que o depoimento não seja
prestado na sua presença, fato que contribui para reacender o conflito e a ambivalência de seus
sentimentos, porquanto, em muitos casos, “nutre forte apego pelo abusador, com quem, no mais
das vezes, mantém vínculos parentais significativos”.

Delegacias de Polícia, Fóruns e Tribunais não são locais apropriados para crianças;
são, essencialmente, espaços de resolução de litígios envolvendo adultos.
A perícia, levada a efeito por psicólogos e/ou psiquiatras, especialistas na infância e
adolescência, no lugar da inquirição judicial da criança, nos crimes envolvendo violência sexual,
com ou sem vestígios físicos, mostra-se a melhor alternativa, permitindo ao Julgador obter a
prova através da constatação das lesões ou danos ao aparelho psíquico da vítima, podendo a
autoridade judiciária e as partes oferecerem quesitos a serem respondidos pelo Perito.

Quando a violência deixa vestígios físicos, não é a autoridade judicial que faz a
constatação direta das lesões, na sala de audiências, cabendo ao médico perito examinar o corpo
da vítima, em ambiente preservado, descrevendo os achados que serão disponibilizados não só
ao Julgador como também às partes, assegurado o contraditório e a ampla defesa preconizados
na Constituição Federal.
Sustentamos que a autoridade judicial, diante de pedido dos representantes legais da
vítima, da própria vítima ou do Ministério Público, devidamente justificado, de dispensa de
prestar depoimento, poderá deferi-lo, levando em consideração as condições pessoais da criança,
como idade, aspectos emocionais, existência de vínculo familiar ou afetivo com o réu. Ademais,
“a criança pode sempre se recusar a falar diante do juiz”, “o direito à oitiva tem como corolário o
direito de recusar de exprimir-se, isto é, o direito ao silêncio”, garantido expressamente na Carta
Maior, inclusive, ao réu (artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal).

Substituir a inquirição da criança vítima de violência sexual intrafamiliar pela perícia


psicológica e/ou psiquiátrica, através de profissionais especializados na área da infância, aliada a
outros elementos de prova, como o estudo social e a avaliação do próprio abusador (via de regra
poupado até mesmo de uma criteriosa avaliação), é o caminho capaz de assegurar à criança a
proteção integral que a lei lhe confere, reservando-se a medida apenas aos casos em que a
criança manifesta o desejo de ser ouvida pela autoridade judicial.

É momento de pensar em instrumentos para averiguar o dano psíquico, situado no


campo da proteção à saúde, em substituição à exigência da inquirição da vítima, quando criança,
evitando a reedição do trauma já experimentado. Profissionais de várias áreas começam a
perceber a relevância de sua atuação na proteção à criança, repensando procedimentos e
investindo em ações abraçadas pelo manto da interdisciplinaridade. A mudança é lenta e há de
começar por aqueles que acreditam na possibilidade de avançar, mantendo acessa a chama da
esperança e preservando espaço para o sonho de uma vida mais digna à criança3.

V. Exploração do trabalho infanto-juvenil

A maior parte das crianças que trabalham mora na zona rural. As condições de
trabalho no campo são muito difíceis e prejudicam a saúde. Só as vezes as crianças recebem
pagamento e, mesmo assim muito pouco, em geral, o trabalho infantil é considerado ajuda e não
é remunerado.

Nas cidades, a maioria das crianças trabalham prestando serviços aqui e ali
(“biscates”): em supermercados e feiras livres, como carregadores, empacotadores; as que
trabalham nas ruas vedem frutas, balas, chocolates, ou são guardadores de carros; há ainda
crianças trabalhando em fábricas de roupas, calçados etc...5
Apesar de a incidência de trabalho infantil estar diminuindo, um grande número de
crianças continua trabalhando e por um período longo de horas. O Departamento de Estatística
da Organização Internacional do Trabalho estimou em 2000 que, mundialmente, existiam em
torno de 211 milhões de crianças entre cinco e 14 anos trabalhando. As maiores porcentagens
eram observadas na Ásia, na África e na América Latina. Enquanto a Ásia tinha a maioria dos
trabalhadores infantis em termos absolutos, a África ocupava o primeiro lugar em termos
relativos (ILO, 2002).

No Brasil, dados da PNAD de 2003 mostram que ainda existem mais de dois milhões
e setecentas mil crianças e jovens de cinco a 15 anos trabalhando ou 7,5% do total nessa faixa
etária, apesar de ter havido um declínio acentuado, principalmente, a partir da metade da década
de 90. Em 1992, por exemplo, havia quase cinco milhões e meio de crianças trabalhando,
correspondendo a 14,6% da população entre cinco e 15 anos1.

As estatísticas sobre o trabalho infantil levantadas em diversos países do mundo


devem ser analisadas com cuidado, pois os valores podem estar subestimados ou superestimados.
Os levantamentos de dados realizados, geralmente, contabilizam o trabalho efetuado por crianças
na semana anterior à pesquisa. Entretanto, Levison ET al. (2002) apontam que se considerado o
trabalho no ano, o número de trabalhadores infantis é bem maior. Isto ocorre, segundo os
autores, pelo fato de uma parte do trabalho de menores ser sazonal e intermitente.

Existe ainda o problema de não se considerar o trabalho dentro do domicílio,


largamente realizado por meninas, o que pode ser a explicação para o fato de haver uma maior
porcentagem de meninos trabalhando. Em muitos países, como na Índia, o trabalho realizado por
meninas dentro do domicílio é tão árduo que até as impede de estudar (Burra, 1997).

Trabalho infantil é uma atividade que gera benefícios imediatos na forma de renda,
mas também gera custos por não estudar e/ou por reduzir o tempo de lazer. Assim sendo, fatores
que afetam os benefícios do trabalho (salário), ou os custos (retornos à educação) também
afetarão a decisão com relação ao trabalho infantil.

Apesar de ser o mais esperado, pobreza é o determinante mais controverso dentro da


literatura sobre trabalho infantil. Basu e Tzannatos (2003) ressaltam que filhos de advogados,
médicos, professores e, em geral, da população de classe média alta não trabalham na infância.
Vários estudos mostram que o aumento da renda familiar reduz a probabilidade de a criança
trabalhar e aumenta a de ela estudar [Nagaraj (2002), Edmonds (2001), Kassouf (2002)]. Em
nível mais macroeconômico, observa-se que as nações que se tornaram mais ricas apresentaram
uma redução no trabalho infantil.

A baixa escolaridade e o pior desempenho escolar, causados pelo trabalho infantil,


têm o efeito de limitar as oportunidades de emprego a postos que não exigem qualificação e que
dão baixa remuneração, mantendo o jovem dentro de um ciclo repetitivo de pobreza já
experimentado pelos pais6. A equação estudo e trabalho se realiza de forma
diversificada entre os jovens, como se ilustra no quadro seguinte:

Outra conseqüência do trabalho realizado na infância é a de piorar o estado de saúde


da pessoa, tanto na fase inicial da vida, quanto na fase adulta. Os efeitos maléficos do trabalho
infantil sobre a saúde foram constatados em alguns estudos, apesar de a literatura abrangendo
esse tópico ser bastante escassa pela falta de dados6.

Forastieri (1997) coloca que os locais de trabalho, equipamentos, móveis, utensílios e


métodos não são projetados para utilização por crianças, mas, sim, por adultos. Portanto, pode
haver problemas ergonômicos, fadiga e maior risco de acidentes. O autor argumenta que as
crianças não estão cientes do perigo envolvido em algumas atividades e, em caso de acidentes,
geralmente não sabem como reagir. Por causa das diferenças físicas, biológicas e anatômicas das
crianças, quando comparadas aos adultos, elas são menos tolerantes a calor, barulho, produtos
químicos, radiações etc., isto é, menos tolerantes a ocupações de risco, que podem trazer
problemas de saúde e danos irreversíveis.
Quadro 1 Fonte: CEPAL. Juventude, População e Desenvolvimento na América Latina e no Caribe. 2000.

Kassouf et al. (2001), utilizando dados do Brasil, mostram que quanto mais cedo o
indivíduo começa a trabalhar pior é o seu estado de saúde em uma fase adulta da vida, mesmo
controlando a renda, escolaridade e outros fatores. (O’Donnell et al.,2003), ao analisarem o
trabalho rural de crianças vietnamitas, concluem que as atividades realizadas durante a infância
aumentam o risco de doenças em uma fase posterior da vida.

Além do desemprego entre a população jovem, outro aspecto de


sua vulnerabilidade no que se refere ao trabalho é a grande distribuição de
jovens por postos de trabalho pouco remunerados, muitas vezes situados no
mercado informal. Os depoimentos que se seguem, colhidos em pesquisa da
UNESCO no Brasil (Castro et. al 2001: 46), corroboram essa concentração do
público jovem em atividades informais, desnudando tanto as precárias
condições vividas nas relações de trabalho, como sua vulnerabilidade a
explorações.
Quadro 2 Fonte: Castro et al (2001: 46).

VI. Educação infanto-juvenil

Por se tratar de um componente chave para a qualidade de vida da população juvenil,


uma primeira dimensão a ser analisada de modo a compreender a situação da juventude latino-
americana é a educação. Ela é considerada o principal instrumento para a elevação dos níveis de
capital humano e para promover o bem-estar de jovens e adolescentes. Além disso, a interação
que surge nas escolas também acumula capital social, já que ali se constroem relações sociais,
redes de amigos e contatos. Neste sentido, a educação em conjunto com a família constitui um
dos espaços tradicionais de socialização entre os jovens (UNESCO, 2002).

Os fracassos escolares (abandonos e insucessos), o mal-estar dos professores, a


agressão física e verbal existentes, a violência, ilustram essa realidade (figura 3). É nosso dever,
obrigação e necessidade trabalharmos em conjunto7.
FIGURA 3 - Abandono e insucesso escolar

A escola com o apoio da comunidade escolar e esta com o apoio da escola têm que
trabalhar no sentido de levar os pais à escola. Pais e professores não têm que discutir se devem
ou não colaborar, são obrigados a isso, todos estão ligados a tarefas comuns, "criar" as mesmas
crianças (figura 4). A escola nada pode sem a ajuda e o apoio contínuo, mas não incondicional
dos pais, cuja educação é uma das condições da boa adaptação escolar dos filhos7.

Figura 4 - Educação dos pais e educadores na escola


Pizarro argumenta que é uma característica própria da educação a segmentação dos
estudantes segundo seu nível de renda, ou seja, as crianças e jovens de famílias com rendas
superiores usualmente estudam na rede particular que oferece uma melhor infra-estrutura e
qualidade de ensino. Já as famílias mais pobres só podem ter acesso a estabelecimentos públicos,
onde, em alguns casos, é evidente a precariedade das instalações e a deteriorização acadêmica.
Assim, dadas às novas exigências do mercado de trabalho e à diferença de qualidade entre a
educação pública e privada, percebe-se que os jovens piores situados na escala de distribuição de
riquezas estão mais vulneráveis(UNESCO, 2002).

Por fim, também relacionada a esses problemas, encontra-se uma preocupação dos
jovens estudantes, referente a uma outra dimensão crucial de sua vida o trabalho. Em geral, a
principal inquietação dos jovens sobre a educação remete à questão da perda da importância do
ensino formal para sua inserção no mercado de trabalho: "Eu me pergunto: pra que o segundo
grau? E tenho que trabalhar não é? Não vejo bem a necessidade de um segundo grau para ganhar
dinheiro. Pedem mais é experiência." (Castro et al, 2001: 505).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência infantil não pode ser discutida com ressalvas e preconceitos. Deve-se
atentar para fatores tanto sociais, como culturais, políticos e econômicos, colocando de lado os
tabus e realizando ações efetivas de erradicação e prevenção, de forma a diminuir as ocorrências
que são provavelmente muito maiores do que apontam as estatísticas.

Nossa pesquisa mostrou a violência que as crianças e jovens sofrem de todas as


formas e condições como, violência intrafamiliar, exploração sexual e de trabalho, fome, miséria,
falta ao direito a educação, saúde e laser, tudo isso, contribui a violação aos direitos da criança e
adolescentes.

Assim, todas as situações de violência afetam todos os que direta ou indiretamente


convivem com ela. Insistimos que é preciso apurar os nossos olhares em nossas diferentes áreas
de atuação com crianças, especialmente na educação e na saúde. Detectar focos de possíveis atos
de violência, significa proteger estas crianças e adolescentes do sofrimento físico e,
principalmente, do sofrimento psicológico que marcará suas vidas para sempre.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. Abramovay, Miriam. Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina:


desafios para Políticas Públicas. UNESCO, BID, 192 p. Brasília, 2002.

2. A Violência Silenciosa do Incesto (Imprensa Oficial de São Paulo); 244 páginas.

3. http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id614.htm acesso 08/12/2009

4. http://www.partes.com.br/educacao02.html acesso: 2009/12/08

5. http://www.portaldascuriosidades.com/forum/index.php?topic=63198.0 acesso em 8/12/2009

6. Kassouf, A. L. Trabalho infantil: causas e conseqüências. Depto. de Economia,


Administração e Sociologia da ESALQ/USP, 2005.
7. Criança, Família, Escola, Que Relação. Revista Boletim do IAC, Junho/set nº81, 2006.
8. FERREIRA, K.M.M. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes –
nossa realidade, In: Violência doméstica contra a criança e o adolescente. Recife: EDUPE,
2002.p.19-43.

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