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Comitê Editorial da
http://www.abecbrasil.org.br
Filosofia Brasileira [recurso eletrônico] / Ronie Alexsandro Teles da Silveira -- Porto Alegre, RS: Editora Fi,
2018.
285 p.
ISBN - 978-85-5696-511-0
CDD: 199
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia Brasileira 199
Para Melissa
Sumário
Apresentação ............................................................................................... 13
1.................................................................................................................... 17
A Revolução além da Razão
1.O dilema: Modernidade Artística e Revolução .................................................. 17
2.História e história narrada .................................................................................23
3.Kinema e Psycanalise .......................................................................................... 25
4.Inconsciente Coletivo .......................................................................................... 27
5.Ciência e radicalização da revolução ..................................................................33
6.O eterno na história e sua linguagem ................................................................ 37
7.Conclusão: A revolução além da razão e do indivíduo ..................................... 41
Referências ............................................................................................................. 43
2 .................................................................................................................. 45
A Eficácia Estética do Futebol Brasileiro
1.A Modernidade do Futebol ..................................................................................45
2.A Pureza da modernidade ................................................................................... 51
3.Uma Interpretação Brasileira do Football ......................................................... 57
4.A Semântica da Pelada ....................................................................................... 60
5.A Psiquê de Pêndulo ........................................................................................... 66
5.A hibridização entre a Modernidade e a Pré-modernidade ............................. 72
Referências .............................................................................................................. 77
3 ................................................................................................................... 81
Neymar e Felipão contra o Vórtice Antimatéria da Modernidade
1. Introdução ........................................................................................................... 81
2. A Subjetividade .................................................................................................. 82
3.Mourinho e o Vórtice Antimatéria .................................................................... 86
4.Neymar não é Ético ............................................................................................ 89
5.O Comportamento Estético ................................................................................ 91
6.Felipão e Nietzsche ..............................................................................................95
7.Conclusão .............................................................................................................97
Referências ............................................................................................................. 98
4 ................................................................................................................. 101
O Homem que Samba
1.Ideologia e cultura .............................................................................................. 101
2.A libertação da música ...................................................................................... 103
3.Devo, não nego. Pagarei quando puder ........................................................... 106
4.Amo, mas não é muito ...................................................................................... 110
5.Suspeita generalizada ........................................................................................ 114
6.A crueza do mundo ............................................................................................ 115
7.Mentir para ser livre .......................................................................................... 118
8.Dar a volta por cima .......................................................................................... 122
Conclusão .............................................................................................................. 126
Referências ............................................................................................................ 127
5 ................................................................................................................. 129
A Carnavalização da Existência
1.Introdução: ver e tocar ...................................................................................... 129
2.A Carnavalização ............................................................................................... 133
3.A Seriedade ........................................................................................................ 136
4.Natureza Carnavalesca e Tecnologia Lúdica ................................................... 138
5.O Carnavalesco .................................................................................................. 142
6.Conclusão ........................................................................................................... 146
Referências ............................................................................................................ 149
6 ................................................................................................................. 151
Elegbara não é Kant
1.Introdução............................................................................................................ 151
2.A teleologia da democracia ............................................................................... 152
3.Autonomia e heteronomia ................................................................................ 153
4.O Brasil não é um país civilizado ..................................................................... 158
5.Religiosidade sem dogmas ................................................................................ 160
6.Sem sujeição, sem objetivação ......................................................................... 168
7.Conclusão ........................................................................................................... 173
Referências ............................................................................................................ 174
7 ................................................................................................................. 177
O Brasil é a Crise
1.Introdução........................................................................................................... 177
2.Tautologias ocidentais ....................................................................................... 179
3.Ginga na integração .......................................................................................... 184
4.O Brasil é a crise ................................................................................................188
Referências ............................................................................................................ 195
8 ................................................................................................................. 197
Epistemologia da Telenovela Brasileira
1.Introdução........................................................................................................... 197
2.Ficção e realidade .............................................................................................. 199
3.Aproximação com o Brasil ............................................................................... 204
4.“De Corpo e Alma” ........................................................................................... 208
5.“O Rei do Gado” ................................................................................................. 213
6.A abertura epistemológica da telenovela brasileira........................................ 216
7.Conclusão ...........................................................................................................225
Referências ............................................................................................................227
9 ................................................................................................................. 231
Só a Telenovela nos Salva da Morte
1.A superficialidade como motivo........................................................................ 231
2.A angustiada vida intelectual ........................................................................... 234
3.O medo da morte .............................................................................................. 240
4.A ressurreição de Cristo ................................................................................... 246
5.Conclusão ........................................................................................................... 251
Referências ............................................................................................................ 255
10 ...............................................................................................................257
A Jeitosa Fazenda
1.Introdução........................................................................................................... 257
2.A fazenda além de si mesma ........................................................................... 259
3.A fazenda como sistema produtivo ................................................................. 262
4.A brecha camponesa no escravismo................................................................. 271
5. Dualidade funcional ......................................................................................... 276
6.Conclusão: o pensamento jeitoso .................................................................... 280
Referências ........................................................................................................... 282
Apresentação
como se faz filosofia tradicional foi perturbado pelo Brasil. Por isso,
creio que se trata aqui efetivamente de filosofia brasileira e não de
filosofia no Brasil – como se costuma dizer com algum pudor.
Como tenho insistido, essas práticas tradicionais não estão
erradas, apenas limitam a filosofia a uma conversa preparatória
cuja protelação apenas a torna cansativa e aborrecedora. Como a
filosofia é um tipo de atividade intelectual vivaz que discute aquilo
que nos cerca, não vejo nenhuma ocupação mais interessante do
que a de pensar o meu país.
Os textos aqui presentes apareceram originalmente na
ordem em que se encontram e nos seguintes volumes:
“A Revolução Além Da Razão” publicado em O Cinema
Brasileiro e a Filosofia em 2012 pela Editora da Universidade de
Uberlândia.
“A Eficácia Estética do Futebol Brasileiro” e “Neymar e
Felipão contra o Vórtice Antimatéria da Modernidade” publicados
em O Futebol Brasileiro e a Filosofia em 2014 pela Editora PHI.
“O Homem que Samba” publicado em O Samba e a Filosofia
em 2015 pela Editora Prismas.
“A Carnavalização da Existência” publicado em O Carnaval e
a Filosofia em 2016 pela Editora FI.
“Elegbara não é Kant” publicado em A Religiosidade
Brasileira e a Filosofia em 2016 pela Editora FI.
“O Brasil é a Crise” publicado em O que resta das Jornadas
de Junho em 2017 pela Editora FI.
“Epistemologia da Telenovela Brasileira” e “Só a Telenovela
nos Salva da Morte” publicados em A Novela Brasileira e a Filosofia
em 2016 pela Editora FI.
“A Jeitosa Fazenda” publicado em A Fazenda e a Filosofia em
2018 pela Editora FI.
Não foram incluídas alterações de maneira proposital, de tal
forma que se pode acompanhar aquele processo de deturpação
gradativa do Brasil sobre a tradicional prática filosófica europeia.
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 15
3.Kinema e Psycanalise
4.Inconsciente Coletivo
1
Jung (1970, p. 69) aproxima a distinção consciente/inconsciente da distinção aparência/realidade:
“A consciência é intermitente, descontínua. (...) O inconsciente, ao contrário, é um estado constante,
duradouro que, em sua essência, se perpetua semelhante a si mesmo; sua continuidade é estável”
(grifos no original).
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 29
2
“Estruturalmente o filme de Glauber é um sonho” (AMENGUAL, 1977, p. 105)
32 | Filosofia Brasileira
“Seu próximo filme tem que ser sobre o quilombo dos Palmares.
E diga a Nelson que ele tem que fazer ‘Memórias do Cárcere’, está
na hora”. Assim, segundo ele, nós fecharíamos o circuito
histórico. Nelson ia revelar e condenar a barbárie autoritária, que
não podia nunca mais acontecer de novo no Brasil; e eu,
sucedendo a essa informação, viria com a utopia do Zumbi, a de
uma sociedade igualitária e livre, mas com identidade cultural
original e bem definida. Ele me disse ainda que era preciso
convencer Leon a fazer um filme sobre Canudos, recolocando em
cena a tradição popular do campo, abandonada pela migração em
direção às grandes cidades do país, onde se perdia o caráter.
Enquanto Paulo César faria um grande musical romântico e
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 41
Referências
_____. Cacá escreve livro de memórias sobre o cinema brasileiro para a Editora
Objetiva (Disponível em http://www.carlosdiegues.com.br/ consultado
em 8/02/2010)
44 | Filosofia Brasileira
_____. Cartas ao mundo. Org. Ivana Bentes. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
SALLES GOMES, P. E. Prefácio: nota aguda. IN: GERBER, R. Glauber Rocha. São
Paulo: Paz e Terra, 1977. pp. 9.
XAVIER, I. Sertão Mar – Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac &
Naif, 2007.
2
3
Como na região do Recôncavo da Bahia, especialmente em Cruz das Almas por ocasião das festas
juninas.
48 | Filosofia Brasileira
4
Compare com a primeira escalação do Sampaio Correa de 1923: Rato; Zé Novais e João Ferreira;
Roi Bride, Chico Bola e Raiol; Turrubinga, Mundiquinho, Zezico, Lobo e João Macaco.
54 | Filosofia Brasileira
Para fazer outro era preciso outra conversa. Sem saber quanto ia
ganhar, não dava uma bicicleta. Plantava-se no meio do campo,
botava as mãos na cintura, as bolas passando por êle, êle nem
nada. Marcara o seu gol, cumprira com a sua obrigação, não
estava mais para ser explorado (idem, p. 249).
Que saltos, que corridas elásticas! Havia umas rasteiras sutis, uns
jeitos sambísticos de enganar, tantas esperanças davam aqueles
volteios rapidíssimos, uma coisa radiosa, pânica, cheia das mais
sublimes promessas! E até o fim, não parou um segundo de
prometer... Minerva porém ia chegando com jeito, com uma
segurança infalível, baça, vulgar, sem oratória nem lirismo, e
juque! Fazia gol (2008, p. 67).
Referências
_______. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1637/1979. FIFA. Laws of
the game. Disponível em http://www.fifa.com/mm/document/
affederation/federation/81/42/36/lawsofthegameen.pdf. Acessado em
10/05/2010.
FOER, F. Como o futebol explica o mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
_____. Casa grande & senzala. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.
78 | Filosofia Brasileira
HUGGINS, M.; TOLSON, J. The railways and sport in victorian Britain. Journal
of Transport History, 2001, v. 22, n. 2, pp. 99-115.
MUYLAERT, R., SOARES, J., NOGUEIRA, A. A copa que ninguém viu e a que não
queremos lembrar. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
NOGUEIRA, A.; SOARES, J.; MUYLAERT, R. A copa que ninguém viu e a que não
queremos lembrar. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
WISNIK, J.M. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
1. Introdução
2. A Subjetividade
Não podemos negar que Neymar joga futebol. Quer dizer, ele
joga pelada, mas nunca jogou football. Isso constitui a configuração
específica atual de um jogo de futebol que envolva jogadores
brasileiros. Falo da situação corriqueira de grandes times
europeus, constituídos por jogadores de várias nacionalidades,
incluindo alguns formados no ambiente brasileiro. Nos jogos com
esses times mistos, se apresenta a estranha situação em que alguns
jogam um jogo e os outros jogam outro, sem que as partes se deem
conta disso. Assim, estão reunidas em uma única partida de futebol
duas disposições psicológicas distintas. Uma delas é a moderna,
caracterizada pelo respeito às regras do jogo, calcada na concepção
ética de liberdade e autonomia moderna. A outra é caracterizada
pela busca da realização do interesse pessoal, pelo gozo da
liberdade ontológica e pela lógica da diversão. Uns competem
enquanto os outros se divertem.
Certamente que um jogador que adotasse explicitamente a
lógica do interesse pessoal não permaneceria muito tempo em
campo. Em primeiro lugar, porque se trata de um jogo coletivo em
que as jogadas de exclusivo interesse pessoal são encaradas como
um comportamento indesejado. O espaço para os fominhas tem
sido restringido visivelmente em função da modernização
crescente. O individualismo não é bem vindo aqui. Em segundo
lugar, porque o desrespeito sistemático às regras o levaria
92 | Filosofia Brasileira
6.Felipão e Nietzsche
7.Conclusão
Referências
1.Ideologia e cultura
6
Todas as citações das letras de músicas de Noel foram retiradas do encarte ao Box com 229
gravações
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 107
originais de Noel Rosa (JUBRAN, 2000). Assim, nas citações indicarei apenas o número da página do
encarte. O símbolo [...] indica que versos foram omitidos por uma questão de brevidade.
108 | Filosofia Brasileira
Em vão te procurei
Notícias tuas não encontrei
Eu hoje sinto saudades
Daqueles dez mil réis que eu te emprestei
Beijinhos no cachorrinho
Muitos abraços no passarinho,
Um chute na empregada,
Porque já se acabou o meu carinho.
Mulata fuzarqueira,
Artigo raro,
Que samba e dá rasteira,
Que passa a noite inteira em claro (p. 23)
5.Suspeita generalizada
Eu bem dizia
Que eu sabia
Que a Maria
Fazia
Na sacristia
Cortesia
Ao sacristão
E não brinca não...
Que até o padre é gavião! (p. 44).
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 115
A mulher é um achado
Que nos perde e nos atrasa
Não há malandro casado,
120 | Filosofia Brasileira
Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente assim.
Nesta prontidão sem fim,
Vou fingindo que sou rico,
Pra ninguém zombar de mim.
[...]
Quanto a você
Da aristocracia,
Que tem dinheiro
Mas não compra alegria,
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva a hipocrisia (p. 79)
Julieta
Tens a volúpia da infidelidade
E quem te paga as dívidas sou eu...
[...]
Tu decretaste a morte dos madrigais
E constróis um castelo de ideais
No formato elegante de um chapéu
[...]
Nos teus anseios loucos, delirantes
Em lugar de canções queres brilhantes
Em lugar de Romeu, um coronel (p. 79)
Conclusão
Referências
GIRON, L. A. Mario Reis: o fino do samba. São Paulo: Editora 34, 2001.
JUBRAN, O. Noel pela primeira vez: 229 gravações de Noel Rosa em suas versões
originais. Manaus: Velas Produções Artísticas, Musicais e Comerciais,
2000.
LEITÃO, L. R. Noel Rosa: poeta da Vila, cronista do Brasil. 2ª Ed. São Paulo:
Editora Expressão Popular, 2011.
MÁXIMO, J.; DIDIER, C. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1990.
PINTO, M. Noel Rosa: o humor na canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
WISNIK, J.M. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
5
A Carnavalização da Existência
2.A Carnavalização
3.A Seriedade
5.O Carnavalesco
6.Conclusão
Referências
ECO, H. Los marcos de la “libertad” cómica. In: ECO, H.; IVANOV, V. V.;
RECTOR, M. ¡Carnaval! México: Tezontle, 1989. pp. 9-20.
1.Introdução
dois modos de vida, porque não julgo que isso tenha qualquer
pertinência. A discussão de valores existentes só tem sentido com a
finalidade de explicitar suas características e permitir comparações
elucidativas. Ela nada significa quando se converte em algum
processo de avaliação racional independente.
3.Autonomia e heteronomia
afetado por nada que não seja minha própria vontade, segundo a
determinação da minha razão. A posse plena da autonomia, da
liberdade e, portanto, da dignidade humana ocorre quando me
mostro capaz de regular-me interiormente sem permitir
interferências externas. Assim, nego-me a comer um pote de leite
condensado porque sei que isso faz mal à minha saúde. Nessa
recusa exerço a função de conduzir minha vontade na direção que
decido conduzi-la. E se decido por essa ação, então exerço, por
meio da decisão consciente, minha autonomia e respeito minha
dignidade convertendo-me em um fim.
A esse respeito, Kant (s.d., p. 78) afirmou que
corpo. Daí que para não ser dominada por forças alienígenas é ela
quem deve dominar a si mesma.
As alternativas kantianas são formuladas, portanto, a partir
da perspectiva de um homem exilado da natureza: ou ele se rende
a um ser estranho que o domina ou é ele quem domina a natureza
– principalmente aquela parte dela que se encontra nele mesmo.
Claro que ao dominar a si mesmo, ele domina a natureza que está
nele – seu próprio corpo. Ambas as opções envolvem a afirmação
de que uma ação de controle e de domínio irá se estabelecer de
qualquer forma: ou o homem se controla ou a natureza exterior o
controlará.
Em ambas as possibilidades o ambiente é hostil, em ambas o
homem não se compreende como integrado à natureza, como
parte de um mundo, como um ser natural entre outros seres
naturais. A teoria moral kantiana pressupõe o caráter
absolutamente independente do ser humano com relação a tudo o
que é natural. Por isso, ele afirma que a dignidade específica que
nos constitui - e que deveríamos atualizar no âmbito moral -
implica em agir por motivos que não são naturais, por motivos que
dizem respeito exclusivamente a nós mesmos. Nós mesmos
significa aqui, bem entendido, nossa racionalidade.
Por isso, a dignidade a ser obtida consiste basicamente em
manter a plena independência racional original do homem, em não
se render a elementos naturais que são estranhos a ela. Pressupõe-
se não apenas que o homem não é um ser natural como também
que ele deve se manter independente de qualquer contaminação
moral quando age. A dignidade humana é, nesse sentido, a
expressão do caráter não natural da humanidade e implica em
assumir que essa condição lhe é específica.
Traçar a origem remota dessa noção de valorização
independente da racionalidade, pressuposta pela teoria moral de
Kant, nos conduziria muito longe para trás na história da
civilização ocidental. Parece-me que Taylor (2010; 2013) fez uma
parte importante desse rastreamento, tornando explícito algumas
158 | Filosofia Brasileira
7.Conclusão
Referências
LÉRY, J. de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo: Biblioteca do Exército Editora,
1961.
MELLO E SOUZA, L. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986.
THOMAS, K. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Cia. Das Letras, 1991.
O Brasil é a Crise
1.Introdução
2.Tautologias ocidentais
3.Ginga na integração
Essa força tem sido anulada nesses mais de 500 anos de exposição
e de resistência sofisticada. Como vimos, esse sistema de forças
tensionadas permite, inclusive, compreender as diferenças
regionais do Brasil como instâncias que consolidam diferentes
tipos de equilíbrios precários. Uns mais permeáveis aos valores
europeus, outros menos. Uns dotados de maior profundidade,
outros de menos. Uns talvez mais cristãos, outros menos etc.
No conjunto do país podemos admitir que a presença das
forças integradoras tem sido relativamente contida em limites
bastante estreitos, de tal forma que o Brasil nem pode ser
identificado com uma nação nem o que temos aqui corresponde a
um Estado, em um sentido muito estreito e muito europeu desses
dois termos. Ou seja, de um ponto de vista que considera a
totalidade nacional, o Brasil não é um país ocidental, embora seja
verdade que os valores ocidentais também nos constituem.
Há duas questões que emergem desse panorama geral,
ambas ligadas à (suposta) crise atual por que passa o Brasil – o
tema principal aqui. A primeira delas diz respeito a quem está
efetivamente em crise. Parece-me que, daquele ponto de vista
simplificador e convencional que tentei evitar aqui, o que está em
crise é a democracia brasileira. Dessa perspectiva, a falência do
sistema político republicano e representativo é evidente, dado o
lastro e a intensidade da prática de corrupção que tem sido
revelada recentemente.
Não há como cogitar seriamente na hipótese republicana de
que exista espaço para a consolidação de um interesse público em
um sistema político que se dedica com tanto esmero na prática do
canibalismo financeiro do Estado. Canibalismo que impede que
essa entidade exerça plenamente sua função de Estado e que se
alimenta dos pedaços impotentes desse último. O sistema político
instalado hoje no Brasil tornou-se incapaz de preservar traços
mínimos de universalidade – aquele requisito fundamental para se
caracterizar a existência do Estado e da nação, como vimos acima.
190 | Filosofia Brasileira
Referências
____. O Intelectual latino americano. Pacarina del Sur, ano 8, nº 31, 2017.
8
1.Introdução
2.Ficção e realidade
7.Conclusão
Referências
MORAIS, F. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
ORTIZ, R.; BORELLI, S.; RAMOS, J. Telenovela: história e produção. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
_____. A brasileiríssima filosofia brasileira. Síntese, v. 43, n. 136, 2016, pp. 261-278.
paciente. Afinal, nesse caso, ele não processa o trauma por meio da
identificação de suas causas originárias e nem mesmo se torna
consciente delas. Ele deixa de sofrer pela intervenção de um
bloqueio do processo que o atormenta, através de uma intervenção
externa do terapeuta que implanta nele uma falsa memória.
Intervenção que é tão imediata quanto superficial: ela se efetiva
sem o comprometimento consciente do paciente, sem o seu esforço
individual, sem uma racionalização do processo de sofrimento.
Poderíamos dizer que ela é efetuada sem a participação do próprio
paciente, já que ele se encontra sob hipnose e sem condições de
atuar deliberadamente sobre si mesmo durante o tratamento.
A opção psicanalítica exige, ao contrário, o processamento
profundo e a obtenção de uma solução que só pode emergir do
enfrentamento do mal em seus próprios termos. Nesse caso, a
consciência deve se estender até as causas do sofrimento e
apoderar-se racionalmente delas. Ela deve ser capaz de
reconstituir, através de seu próprio esforço, o processo que
conduziu ao sofrimento. Assume-se que somente através desse
empenho pessoal de obtenção da verdade o paciente pode
efetivamente libertar-se do mal porque é ela que produz a
compreensão. Ou seja, é o exercício teórico que redime, é a verdade
que liberta.
Curiosamente, a solução destinada às grandes massas
populacionais deixou de ser considerada científica em benefício da
alternativa séria, isto é, profunda e racional. A hipnose seguida da
implantação de falsas memórias suprime o aspecto
comportamental do trauma, mas não revolve o terreno do
sofrimento pela raiz e não oferece a possibilidade de vencer o
inimigo em seu próprio ambiente. Ela não solicita a dimensão da
profundidade. Qualquer semelhança entre essa opção científica
pela Psicanálise e o descrédito intelectual pela superficialidade da
telenovela não é uma mera coincidência. Ambas fazem parte de um
mesmo conjunto de procedimentos.
244 | Filosofia Brasileira
5.Conclusão
Referências
A Jeitosa Fazenda
1.Introdução
1977, p. 79). Essa opção não está ligada, portanto, apenas ao fato
do autóctone não se prestar bem ao tipo de trabalho ligado à rotina
produtiva do açúcar e sim ao fato de que sua captura e
comercialização não rendiam dividendos para a nascente burguesia
metropolitana.
O que os europeus objetivavam era “a promoção do
comércio marítimo e os interesses comerciais dos mercadores
metropolitanos, envolvidos no tráfico de escravos africanos”
(MARTINS, 1081, p. 121). Aliás, a própria colonização por meio do
povoamento sistemático não foi objeto de preocupação de
nenhuma das nações colonizadoras da América. Só o comércio lhes
interessava e é o que caracteriza o empreendimento colonial desde
o seu início (PRADO JÚNIOR, 1942).
A respeito da solução apresentada pela escravidão africana à
carência de mão de obra da economia colonial, Guimarães (1964)
dirá que no Brasil o feudalismo europeu regrediu ao escravismo
justamente em função da indisponibilidade da mão de obra servil.
Essa tese da presença de um feudalismo escravista no Brasil
colonial parece-me uma das expressões da inadequação de nossos
hábitos mentais ocidentais diante do país. A tese contrária, da
existência de um capitalismo colonial (OLIVARES, 2008;
BERTERO, 1999), soa exatamente igual: como indicação da
limitação analítica dentro de quadros de pensamento habituais e,
por isso, muito estreitos. Ou seja, tendemos geralmente a pensar a
fazenda como uma forma feudal ou uma forma capitalista.
Desnecessário dizer que essas alternativas são tentativas
trôpegas de pensar o Brasil com as categorias históricas europeias
nossas conhecidas. Veremos adiante como essas categorias não se
mostram adequadas para a compreensão da fazenda. Observe, de
saída, a enorme conjunção de fatores envolvidos na produção de
açúcar na fazenda brasileira. A cana é de origem asiática, os
conquistadores são europeus, a mão de obra forçada é
(principalmente) africana e o massapé é americano. Além disso, o
produto final visava uma inserção no mercado internacional – que
Ronie Alexsandro Teles da Silveira | 265
5. Dualidade funcional
Referências
BASTIDE, R. Brasil, terra de contrastes. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
DAVATZ, Th. Memórias de um colono no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, s.d.
DEL PRIORE, M.; VENÂNCIO, R. Uma história da vida rural no Brasil. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2006.
OLIVARES, G. Caio Prado Jr. y la historia agraria de Brasil y Mexico. Revista IEB,
n. 47, 2008, pp. 75-92.
SPIX; MARTIUS. Viagem pelo Brasil. Tomo II. São Paulo: Melhoramentos, s. d.