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v. 1 ; 356p.
ISBN 978-65-85725-43-9
DOI 10.22350/9786585725439
CDU 14(81/899)
APRESENTAÇÃO 13
Ronie Alexsandro Teles da Silveira
1 14
A FILOSOFIA LATINO-AMERICANA DA SUPERFICIALIDADE
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................... 14
HISTÓRIA ORGÂNICA E SUJEIÇÃO .................................................................................................................... 19
UM MUNDO SEM HISTÓRIA ................................................................................................................................ 25
PERTINÊNCIA FILOSÓFICA .................................................................................................................................. 33
A FILOSOFIA LATINO-AMERICANA DA SUPERFICIALIDADE ...................................................................... 38
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................... 43
2 46
A RACIONALIDADE DO BRASIL
TEMPO E ESCRITA .................................................................................................................................................. 46
RACIONALIDADE E MONOTEÍSMO ................................................................................................................... 50
A EXPERIÊNCIA NÃO HISTÓRICA DA HISTÓRIA ............................................................................................ 57
A RACIONALIDADE DO BRASIL .......................................................................................................................... 63
O PAÍS QUE NÃO SE RESUME ............................................................................................................................. 71
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................................... 74
3 76
CULTURA E FILOSOFIA LATINO-AMERICANA NO SÉCULO XXI
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 76
2 A FILOSOFIA CONTRA A PÓS-MODERNIDADE .......................................................................................... 83
3. A CULTURA DA FILOSOFIA LATINO-AMERICANA .................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 100
4 102
A HIPOCRISIA DA FILOSOFIA LATINO-AMERICANA
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 120
5 122
A COLONIAL FILOSOFIA BRASILEIRA
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 144
6 145
REALIDADE E FICÇÃO NA AMÉRICA LATINA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 145
ESPÍRITO PRÁTICO E FANTASIA SEM PROVEITO ......................................................................................... 154
UNILATERALIDADE E PROMESSA .................................................................................................................... 159
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 163
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 168
7 170
LA ORIGINALIDAD DE LA FILOSOFÍA BRASILEÑA
INTRODUCCIÓN ................................................................................................................................................... 170
DE LA FILOSOFÍA PARA LA FILOSOFÍA BRASILEÑA ................................................................................... 173
DESMOVILIZACIÓN Y SECTARISMO ................................................................................................................ 176
LA FILOSOFÍA BRASILEÑA NO ES HISTORIA DE LA FILOSOFÍA .............................................................. 179
LA NECESIDAD DEL AMOR ............................................................................................................................... 181
LA ORIGINALIDAD DE LA FILOSOFÍA BRASILEÑA ...................................................................................... 183
CONCLUSIÓN ........................................................................................................................................................ 192
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 194
8 196
CAMINHO PARA A AMÉRICA LATINA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 196
SUJEITOS E INDIVÍDUOS .................................................................................................................................... 204
O GOZO IMEDIATO ............................................................................................................................................. 211
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 221
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 225
9 227
PROBLEMAS DE FILOSOFIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 227
FORMA E CONTEÚDO......................................................................................................................................... 229
FILOSOFIA E CULTURA ....................................................................................................................................... 240
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 251
10 252
A AMÉRICA LATINA COMO FRONTEIRA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 252
A FRONTEIRA INTERNA DO MUNDO EUROPEU .......................................................................................... 253
A FRONTEIRA EXTERNA DO MUNDO EUROPEU ......................................................................................... 259
NEM DO LADO DE DENTRO, NEM DO LADO DE FORA ............................................................................ 267
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 270
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 276
11 277
DIREITOS HUMANOS E CULTURA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 277
DEMOCRACIA E DEMOCRACIA FORMAL ...................................................................................................... 278
A CONTRADIÇÃO ENTRE CIDADANIA E PRIVILÉGIO .................................................................................. 286
A OUTRA RACIONALIDADE DA CULTURA BRASILEIRA ............................................................................. 290
A POLÍTICA DA DEMOCRACIA NÃO DEMOCRÁTICA ................................................................................. 296
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 300
12 302
A AMÉRICA LATINA ENTRE O MACONDISMO E O MORALISMO
O MACONDISMO ................................................................................................................................................. 302
O FUNDAMENTO MORAL DA MODERNIDADE ............................................................................................ 307
O MORALISMO ..................................................................................................................................................... 310
OPACIDADE E TRANSPARÊNCIA DA AMÉRICA LATINA ............................................................................ 316
A MATÉRIA FLEXÍVEL DA AMÉRICA LATINA ................................................................................................. 322
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 326
13 329
O FUTURO DA FILOSOFIA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 329
A FILOSOFIA IMITATIVA ..................................................................................................................................... 331
A FILOSOFIA BRASILEIRA ................................................................................................................................... 348
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 354
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................ 355
APRESENTAÇÃO
Ronie Alexsandro Teles da Silveira
INTRODUÇÃO
encaminhar-se para esse objetivo tanto mais decidido quanto possa ser.
Um sujeito é um homem que se coloca em condições de administrar sua
própria vida. Elias (2011) descreveu esse processo de civilização ou
sujeição do homem europeu no início da modernidade europeia. O que
está em questão nesse processo é a capacidade humana de dar-se uma
unidade, de forjar um domínio de si mesmo, de fazer chegar o eu a si
mesmo —cuja realização é chamada de liberdade. Observe que essa
noção de liberdade equivale à de autodomínio, ao controle de si mesmo
tendo em vista o ordenamento da personalidade para uma vida
superior. Nesse sentido, Hegel não se distanciou da noção kantiana de
autonomia (Kant, s. d.), embora tenha expandido suas dimensões além
daquelas típicas da moralidade individual.
Um exemplo desse processo de integração de si é a exposição, feita
por Hegel (1997) acerca da emergência do Estado europeu moderno. Para
ele, o Estado é uma solução orgânica para os conflitos existentes na
sociedade civil. Ou seja, o Estado reúne e soluciona as tensões sociais
existentes em um patamar superior de realização da vontade humana.
Isso ilustra as soluções modernas como esquemas de unificação
integradora das diferenças em um patamar superior de
aperfeiçoamento, a solução dos conflitos elaborada na história através
de um aprofundamento em direção ao futuro.
Destaco aqui a importância da noção de profundidade para esse
relato. É ela quem permite a proposição de uma solução futura para o
conflito, a fragmentação e a diferença. Quando há um projeto de
aperfeiçoamento em curso, ocorre naturalmente uma disjunção entre
um estado de coisas atual e um ideal, um futuro a ser realizado. A
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 25
conteúdo, porém sob sua própria modalidade atual. Tudo aquilo que em
um relato histórico europeu teria se convertido em passado, na América
Latina ainda é presente. Daí nossa situação não histórica: “La escritura
de la historia puede comenzar solo cuando el presente se ha dividido del
passado” (Conley citado por Pizarro, s. f., p. 70).
Na verdade, se ainda temos o passado em nosso presente, isso quer
dizer que não se aplica aqui o esquema histórico que distingue uma
dessas dimensões temporais da outra. Só há o presente na medida em
que nada foi resolvido, nada se aperfeiçoou ou foi superado, nada
realmente perdeu o significado em benefício de uma verdade superior
integradora. Não se operou um aperfeiçoamento ou se revelou um
significado superior de uma ação determinada que teria, assim, deixado
de ser o que era. Não houve uma distensão histórica, um desdobramento
em novas situações que se apresentaram através da decadência das
antigas. Só há a perseveração do presente segundo a forma do presente.
Ao contrário de uma história, podemos falar mais propriamente do
paralelismo dos “tiempos plurales de la cultura de América Latina”
(Pizarro, s. f., p. 129).
Daqui decorre também aquela sensação de sermos uma promessa,
uma potência que ainda não se realizou plenamente. Temos esse aspecto
jovem, típico das civilizações que ainda não consolidaram um passado
mesmo 500 anos após a colonização e a despeito do contraexemplo dos
Estados Unidos: tão jovem quanto nós, porém historicamente mais
velho. A solidificação de um passado é o que fornece os limites do futuro,
na medida em que estipula parâmetros para o que poderá ser realizado
em função do que existe isso se seguirmos uma lógica histórica
28 • Filosofia Latino-Americana
PERTINÊNCIA FILOSÓFICA
REFERÊNCIAS
Agassiz, L., y Agassiz, E. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Brasília: Senado Federal, 2000.
Bondy, A. ¿Existe una filosofía de nuestra América? México: Editorial Siglo XXI, 1967.
44 • Filosofia Latino-Americana
Echeverría, E. Obras completas (tomo V). Buenos Aires: Carlos Casavalle, 1874.
Guirin, Y. Más allá del oriente y el occidente: ¿Identidad o mismidad? Teoría y Debate,
2001, 7(20), 39-59. México: Universidad de Guadalajara.
Zea, L. La filosofía latinoamericana como filosofía sin más. México: Editorial Siglo XXI,
1989.
Zea, L. En torno a una filosofía americana. Cuadernos Americanos, 1942, 3, (pp. 63-78).
2
A RACIONALIDADE DO BRASIL
TEMPO E ESCRITA
RACIONALIDADE E MONOTEÍSMO
serem submetidas a tal requisito elas não são partes, mas meros
elementos desconectados uns dos outros.
Um esclarecimento terminológico se faz necessário nesse ponto.
Não é necessário admitir aqui que a racionalidade seja exclusivamente
um tipo de operação cognitiva caracterizada pela introdução da unidade
como um requisito fundamental do seu procedimento típico. Porém,
tudo indica que essa tendência a produzir sínteses seja, de fato, um de
seus componentes básicos. Então, para os objetivos desse texto só é
necessário reconhecermos que a racionalidade também envolve
procedimentos orientados para a produção de sínteses.
Além dessa precaução, também parece mais prudente nos
referirmos a diversos graus de intensidade de unificação existentes nos
processos de racionalização. Isso torna possível falar de processos que
seriam caracterizados por graus diferentes de exigência com respeito à
unificação dos elementos em questão em cada caso. A expressão parece
mais adequada do que tratar da racionalidade como se fosse um golpe
súbito a partir de uma situação hipotética totalmente destituída do
requisito da unidade. Afinal, parece pouco crível uma situação marcada
por pelo grau zero de racionalidade, que funcionaria como suporte para
o início de operações de síntese.
Nesse último caso, meramente hipotético, teríamos que
compreender a racionalidade como um evento discreto que não possui
graus e teria emergido como um evento súbito nos procedimentos
explicativos utilizados pelos seres humanos. Dessa maneira, parece
mais razoável nos referirmos a uma gradação nos processos de
racionalização na mesma proporção em que se intensificariam as
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 53
A RACIONALIDADE DO BRASIL
REFERÊNCIAS
Abreu, C. de. Capítulos de história colonial, 1500-1800. São Paulo: Publifolha, 2000.
Agassiz, L.; Agassiz, E. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Brasília: Senado Federal, 2000.
Bastide, R. Brasil, terra de contrastes. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
Kirk, G. S.; Raven, J. E.; Schofield, M. The Presocratic Philosophers. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007.
Silveira, R. A. T.; Cervi, M.; Krewer, M. Memória e Escrita no Fedro de Platão. Barbarói,
Santa Cruz do Sul, 13, p. 7-33, 2000.
Taylor, Ch. Uma era secular. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010.
Vernant, J.-P. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.
1 INTRODUÇÃO
isso o princípio dos átomos, das vontades individuais: tudo isso deve ser
obra de seu poder expresso e de sua aprovação expressa. Com este
formalismo da liberdade, com essa abstração, os liberais não deixam
consolidar-se nada na organização. Às distintas disposições do governo,
opõe-se em seguida a liberdade; (...). Continuam, pois, o movimento e a
intranquilidade. Esta colisão, este nó, este problema é o que a história terá
que resolver nos tempos vindouros.
REFERÊNCIAS
Nietzsche, F. Humano, demasiado humano. São Paulo, Companhia de Bolso, 2018. URL =
<http://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2017/05/Humano-
Demasiado-Humano.pdf > [Consultado em 13/5/2021].
Silveira, R. A. T. Uma mirada sobre a América Latina. In: D. Ramaglia e R.A.T. Silveira.
Miradas filosóficas sobre América Latina. Porto Alegre: Fi, 2020, pp. 164-188).
Volek, E. Anverso y reverso del 101ortuguês de la soledad: Octavio Paz y cien años de
Macondo, Cuadernos del CILHA, 8(9): 131-143, 2007.
Zea, L. La filosofía latinoamericana como filosofía sin más. Mexico: Siglo Veintiuno, 1989.
4
A HIPOCRISIA DA FILOSOFIA LATINO-AMERICANA
Deus único que é a origem de tudo o que existe. Esse Deus não nasceu
de algo preexistente, mas se originou de si mesmo. Como um princípio
superior auto fundante, sua natureza não se mistura com as
circunstâncias da existência espacial e temporal.
Muito mais tarde, o exercício individual de submeter a escrutínio
as próprias crenças conduziu esse tipo de impulso a um novo patamar
(Descartes, 2018). Impulso que pode ser compreendido como uma
característica de toda a Filosofia Moderna e seu intuito de avaliar a
capacidade humana de conhecer (Locke, 1983; Hume, 2004; Kant, 1994).
A crítica aqui está voltada contra o próprio sujeito que critica, de tal
maneira que exige que ele se afaste epistemologicamente de si mesmo,
se separe de si para, então, poder melhor avaliar sua capacidade de
conhecer.
De uma maneira geral, podemos falar de um dispositivo crítico que
perpassa grande parte da filosofia e da própria cultura ocidental e que
visa aprimorar uma perspectiva desengajada de análise, uma forma
distanciada de avaliar. Ele valoriza aquela dimensão de independência
de um ponto de vista epistemologicamente superior como um requisito
para a emissão de juízos de valor não comprometidos ou estritamente
científicos.
Esse dispositivo crítico é uma espécie de pedra de toque contra o
qual a filosofia latino-americana deve ser contraposta ou um espelho
contra o qual ela adquire uma forma visível. Isso na medida em que a
filosofia latino-americana define-se com relação a esse dispositivo
fundamental da filosofia europeia. Afinal, a existência da filosofia no
ambiente cultural latino-americano se deve ao impulso promovido pela
104 • Filosofia Latino-Americana
Vimos que não somos uma sucursal europeia bem sucedida, já que
a América Latina não é uma Europa transplantada para outro
continente. Então, parece que a segunda hipótese é a mais ajustada para
descrever os eventos que já aconteceram na América Latina. Digo isso,
porque aquelas hipóteses não são dois projetos alternativos, mas duas
formas de contar uma história já acontecida ou em vias de acontecer. A
questão que parece se impor para a Filosofia Latino-americana é a de
verificar se sua situação com relação à crítica expressa um fracasso,
uma promessa de originalidade ou alguma outra coisa. O que não parece
razoável é acreditar que tenhamos nos tornado um capítulo bem
integrado da narrativa europeia mais ampla.
É evidente que o reconhecimento de um fracasso é sempre mais
difícil de ser aceito. Parece mais confortável apostar na possibilidade de
sermos originais, embora sem saber exatamente em que consistiria essa
originalidade. Nesse ambiente, a crença na superioridade da
mestiçagem cultural parece inevitável, porque o seu oposto é o
reconhecimento de que a América Latina não passa de um fracasso –
civilizatório e filosófico. Através da mestiçagem cultural refiro-me ao
fato de que a cultura europeia não colonizou inteiramente o mundo
americano – ao contrário do que ocorreu na América Anglo-Saxã. A
mestiçagem racial está incluída aqui como uma espécie de substrato
biológico dessa mestiçagem cultural, mas essa é bem mais ampla que
aquela e inclui mesmo um país como a Argentina, povoada por três
quartos de imigrantes europeus.
A mestiçagem cultural poderia nos permitir compreender a
absorção parcial do dispositivo crítico como uma vantagem, como uma
110 • Filosofia Latino-Americana
com o mundo europeu. Ou seja, ela tem encampado o discurso crítico sem
nenhum tipo de questionamento sobre sua propriedade ou pertinência
para a América Latina – como se o que vale lá também vale aqui, como se
a forma da filosofia já realizada valesse para toda circunstância.
De fato, essa postura afirma implicitamente que a filosofia que
praticamos está dotada de um poder especial de constituir um sentido
que ainda não existe nas demais áreas da cultura. Esse poder especial
derivaria daquela disposição de considerar a totalidade da cultura de um
ponto de vista desengajado, típico da crítica. Em função desse ponto de
vista muito elevado é que caberia aos filósofos latino-americanos a
missão de liderar a obtenção de um sentido para aquilo que resultou na
transposição da crítica para a América. E isso se justificaria porque nós
estaríamos especialmente dotados de...capacidade crítica!
Parece que temos todos os motivos para suspeitar de qualquer um
que queira analisar a feição assumida pelo estatuto crítico na América
Latina em função de se declarar melhor aparelhado com relação ao uso
desse mesmo estatuto. O círculo é muito evidente para não levantar
suspeitas sobre a totalidade desse processo de avaliação. Em último
caso, estaríamos usando a crítica para interpretar e estabelecer o
sentido da interação da crítica com o ambiente latino-americano.
Esse tipo de atitude teórica apenas reafirma a base geral de
conhecimentos adquiridos nos processos de formação fornecida pela
História da Filosofia Ocidental. Ou seja, o que se opera aqui é uma
tomada de posição dentro de um quadro de referências cerrado, que não
admite interferências diferentes daquelas que já se encontram
consolidadas. Esse é um resultado – criticamente deficitário – da
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 113
se essa alegada virtude crítica, da qual tanto nos orgulhamos, não fosse
devidamente colocada em prática. Daí a carência de crítica na maneira
como exercemos a filosofia latino-americana, nossa hipocrítica ou
nossa hipocrisia involuntária.
Pior que essa conotação elitista do exercício filosófico são as
consequências danosas para a própria filosofia. Uma filosofia que se
detenha dentro dos muros de sua própria disciplina recai sempre em
alguma forma de historiografia. Ela passa a viver da sua própria riqueza
já consolidada, das conquistas do passado. Mas isso não garante a ela
nenhum tipo de capacidade para articular-se com o restante da cultura.
Ao contrário, esse hábito em alimentar-se apenas de si mesmo torna-a
gradualmente inapta ao diálogo, à expansão de seus horizontes e à sua
própria redefinição em contato com outros mundos. Toda filosofia
dotada de vitalidade necessita comer os outros.
Ou a filosofia latino-americana dialoga com outras áreas da cultura
ou definha em culto à sua própria tradição, logo em filosofia ocidental.
Definha porque sua vitalidade depende da capacidade de dizer algo de
relevante para o restante do universo não filosófico. O valor de uma
determinada atividade não se estabelece em função de características
tidas como excelentes pelos que a praticam. Ele se estabelece pela
capacidade de afetar o mundo externo, de estabelecer conexões e
mostrar-se importante para os outros. O fato da filosofia ocidental ter
se mostrado importante para alguém em alguma ocasião não faz dela
algo importante para todos e sempre.
Não há opção a esse reconhecimento exterior dos outros que não
conduza a algum estreitamento da atividade filosófica. Acredito que
120 • Filosofia Latino-Americana
REFERÊNCIAS
Descartes, R. Discours de la méthode pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans
les sciences. Disponível em http://lyc-sevres.ac-versailles.fr/eee.13-14.docs/
descartes.discours.texte.integral.pdf Consultado em 17/4/2021
Locke, J. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
Kirk, G. S.; Raven, J. E.; Schofield, M. The presocratic philosophers. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007.
Silveira, R.A.T. Uma mirada sobre a América Latina. IN: Ramaglia, D.; Silveira, R. A. T.
(Orgs.) Miradas filosóficas sobra a América Latina. Porto Alegre: FI, 2020. pp. 164-188.
5
A COLONIAL FILOSOFIA BRASILEIRA
da vida nacional etc. Porém, esse sonho europeu em nada altera o fato
da desintegração ter sido e estar sendo a norma da sociabilidade
brasileira.
Nesse mesmo sentido, corresponde à filosofia assimilar essa
situação de desintegração cultural na sua prática intelectual, ajustar-se
ao país e não desejar que o país se ajuste a ela. Isso explica o motivo pelo
qual essa atividade intelectual ainda se faz de costas para o Brasil: ela
espelha o dispositivo de justaposição de extratos culturais diversos e de
perpetuação da desintegração. Nossa prática filosófica é colonial na
medida em que isso expressa o que tem sido a cultura brasileira.
O que ganhamos ao perceber que estamos sendo vítimas desse
ambiente cultural colonial – e não sujeitos ativos? Por meio da
percepção do fato de que a filosofia brasileira adota os mesmos padrões
culturais vigentes no Brasil, acredito que nós – os filósofos brasileiros
– eliminamos certa visão ingênua acerca do nosso próprio trabalho.
Essa visão supõe que o fato de alguém dedicar-se à filosofia libera-o
automaticamente das conexões culturais mais imediatas, retira-o do
raio de influência do ambiente em que se está inserido. Isso certamente
faz ressoar alguma noção relativa ao isolamento de matriz cartesiana
que perdura em parte da atividade filosófica brasileira –
equivocadamente convertido de método temporário em situação
existencial permanente. Para não tomarmos um grande desvio de rota,
observemos apenas que essa visão equivocada da liberdade de
pensamento faz passar por desinteresse o que é um interesse muito
particular pelo desinteresse.
140 • Filosofia Latino-Americana
REFERÊNCIAS
Novais, F. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São Paulo: Perspectiva, 1986.
INTRODUÇÃO
UNILATERALIDADE E PROMESSA
As teses a que Cruz Costa foi levado a endossar dizem muito sobre
o que ele entendia serem as opções interpretativas sobre a América
Latina – o Brasil incluso, obviamente. Como vimos, ele afirmou que os
portugueses exibiam um espírito científico e eram dotados de um
pendor prático. Segundo ele, pelo menos esse último teria sido nos
deixado de herança. Por outro lado, ele detectou a presença nos
portugueses e em nós, brasileiros, daquela fantasia sem proveito.
Para afirmar que os portugueses eram científicos, Cruz Costa
supõe que eles faziam uma distinção entre o mundo objetivo dos fatos e
as ficções e interpretações humanas. Essa é uma condição básica de todo
espírito científico baseada no expurgo de qualquer traço espiritual do
mundo natural (Taylor, 2010; 2013). Após esse processo cultural de
separação, essa mentalidade distingue um mundo objetivo, de um lado,
de um mundo fantasioso, de outro: o que as coisas são e as
interpretações humanas, certas ou erradas, que se podem fazer.
No conjunto, se trata de opor o mundo dos fatos ao mundo da
fantasia, a constatação do que efetivamente há no mundo e do que aí
poderia haver de acordo com o livre fluxo de nosso desejo e imaginação.
Esse tipo de oposição binária entre realidade e aparência tem
funcionado como um grande sistema de avaliação filosófico no mundo
ocidental, pelo menos desde Platão (1979). Como sua história envolve
160 • Filosofia Latino-Americana
CONCLUSÃO
pertinente com o que temos sido. Não se trata de se decidir a saltar fora
do ocidente e caminhar por um terreno civilizatório perigoso e
desconhecido. Trata-se de reconhecer a falência da adequação entre um
tipo de mentalidade e a América latina e fazer as alterações de rumo que
se fazem necessárias em função dessa falência. Deve ser significativo
que depois de 500 anos da conquista ainda lutemos para estabelecer um
padrão de agricultura compatível com o meio ambiente e a população
que existia no Império Inca (Mazoyer e Roudart, 2010), por exemplo. Isso
deve significar que estamos tentando resolver os problemas de uma
maneira inadequada.
A mentalidade que estamos utilizando – nós os intelectuais latino
americanos – só consegue fazer panoramas inconsistentes ou prometer
um futuro superior brilhante, assim como qualquer outra seita
milenarista. Por isso, abandonar a maneira filosófica ocidental de tratar
a América Latina é uma necessidade derivada de uma situação de
fracasso histórico da cultura ocidental entre nós. Isso significa algo
muito simples: que um conjunto de valores não se aplica
indistintamente a todos os lugares e a todas as situações humanas.
REFERÊNCIAS
Casas, J. Um novo caminho para a América Latina. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Taylor, Ch. As fontes do self: a construção da identidade moderna. São Paulo: Edições
Loyola, 2013.
Taylor, Ch. Uma era secular. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2010.
INTRODUCCIÓN
DESMOVILIZACIÓN Y SECTARISMO
CONCLUSIÓN
REFERÊNCIAS
Bastide, R. Brasil: terra de contrastes. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
Hegel, G.W.F. Diferença dos sistemas filosóficos de Fichte e Schelling. Lisboa: Imprensa
Nacional da Casa da Moeda, 2003.
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 195
Lima Vaz, H. O problema da filosofia no Brasil. Síntese. vol. 11, núm. 30 (enero-abril de
1984), pp. 11-25.
Mangabeira Unger, R. A segunda via: presente e futuro do Brasil. São Paulo: Carta Capital,
1999.
Nóbrega, M. Diálogo sobre a conversão do gentio (1556-1557). São Paulo: Metalibri, 2006.
Oliveira Vianna. Evolução do povo brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
Silveira, R.A.T. Os últimos dias da crítica. Opsis, vol. 16, núm. 2, 2016, pp. 430-444
Silveira, R.A.T. A brasileiríssima filosofia brasileira. Síntese. Revista de Filosofia, vol. 43,
núm. 136, 2016, pp. 261-278.
Silveira, R.A.T. Apresentação do Brasil. Santa Cruz Cabrália: Ronie Alexsandro Teles da
Silveira, 2015.
Silveira, R.A.T. O homem que samba. In: Noguera, R.; Silveira, R.A.T.; Schaefer, S. (Orgs.).
O samba e a filosofia. Curitiba: Prismas, 2015, pp. 91-122.
Vernant, J.P. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
INTRODUÇÃO
SUJEITOS E INDIVÍDUOS
O GOZO IMEDIATO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Buarque De Holanda, S. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia Das Letras, 1994.
De Janvry, A. The agrarian question and reformism in Latin America. Baltimore: Johns
Hopkins Press, 1981.
Lagos, M. A máscara sorridente da América Latina. Opinião Pública, Vol. Vi, N. 1, Pp. 1-
16, 2000.
Silveira, R. A. T. O Intelectual Latino Americano. Pacarina Del Sur, Ano 8, N. 31, Abril-
Junio, 2017a. Disponível Em Http://Www.Pacarinadelsur.Com/Home/Abordajes-Y-
Contiendas/1459-O-Intelectual-Latino-Americano
INTRODUÇÃO
FORMA E CONTEÚDO
ela é dotada de uma natureza crítica. Com efeito, se há algo que torna a
filosofia desnecessária é a festa.
Fundamentalmente se trata aqui de sacrificar a capacidade crítica
em benefício da compreensão. Através de um deslocamento de fora para
dentro, de uma aproximação que visa à compreensão, se chega à
aceitação plena. Nesse caso, abandonamos o moralismo pela
conformidade: essa redundância que aceita tudo o que existe em uma
tentativa de estabelecer empatia e aproximação.
Chamo a atenção do leitor para algo que ocorreu aqui, bem nas
nossas costas: ao propor uma disposição mais compreensiva da
atividade filosófica brasileira com relação ao nosso país, deslocamos a
discussão para além do conteúdo. Acima afirmei que uma filosofia
brasileira começava como uma intenção de tomar o Brasil como objeto.
Agora estamos verificando que isso seria insuficiente e que alguma
alteração de forma também é necessária. Quero dizer, com isso, que
começamos a propor que alguma alteração na forma da atividade
filosófica se faz necessária quando pretendemos tratar do Brasil. Que a
cabeça precisa se deslocar para ver melhor o que se passa, que os olhos
precisam se movimentar.
Claro que isso não elimina o caráter problemático daquela
dicotomia entre o fora e o dentro, entre categorias de análise estranhas
e as caseiras, entre crítica e compreensão. Se a filosofia é crítica, não há
problema em manter-se o distanciamento. Isso me parece inteiramente
legítimo como proposição de uma atividade filosófica tradicional. A
questão aqui me parece ser a repetição e inoperância a que o moralismo
nos conduz. O Brasil não correspondeu, até o momento, às expectativas
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 237
FILOSOFIA E CULTURA
grega. Vamos tentar rastrear agora essa ligação, de modo sumário como
é possível aqui. Mais detalhes podem ser encontrados em outra parte
(Silveira, 2020).
A religião grega antiga era politeísta. Entretanto, seu politeísmo é
problemático, ao contrário de outras formas desse mesmo tipo de
religião. Qualquer uma das tragédias gregas ilustra esse aspecto
problemático do politeísmo a que me refiro. Em qualquer uma delas,
ocorre um choque entre princípios morais antagônicos. O ser humano,
no interior dessas narrativas, é atirado contra os rochedos de uma
moralidade conflituosa que ele desconhece na sua totalidade, porque só
vislumbra elementos morais particulares. Mesmo sendo fiel ao seu deus
preferido, mesmo consagrando sua vida inteiramente a um
determinado padrão de moralidade, o ser humano não consegue
perceber a lógica profunda do antagonismo moral que rege mundo. Essa
parcialidade, dada a incapacidade de gerar uma leitura unitária dos
antagonismo, produz cegueira e, portanto, más decisões e sofrimento.
De fato, a instabilidade no mundo é encarada como fonte de
sofrimento em função da instabilidade moral que ela produz. Aristóteles
(2014) chamou a atenção para o fato de que nem mesmo um homem morto
poderia estar seguro de ser feliz, justamente em função dessa oscilação
constante de tudo o que nos cerca. Mesmo tendo conduzido sua vida com
moralidade, ninguém poderia estar certo do que faria sua descendência.
Ela poderia desonrá-lo, anulando seu esforço em conduzir-se de maneira
adequada durante sua passagem por esse mundo.
Com efeito, movendo-se através de suas referências sempre
parciais, o ser humano termina invariavelmente deparando-se com a dor
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 243
REFERÊNCIAS
Silveira, R. A. T. “Uma mirada sobre a América Latina”. IN: RAMAGLIA, D.; silveira, R.
Miradas filosóficas sobre América Latina. Porto Alegre: Fi, 2020. pp. 164-188.
Silveira, R. A. T.; LOPES, M. (Orgs.). A religiosidade brasileira e a filosofia. Porto Alegre: Fi,
2016.
10
A AMÉRICA LATINA COMO FRONTEIRA
INTRODUÇÃO
perceptível que algum arranjo adicional precisa ser tentado – que não
seja a mera transposição cultural da Europa além do Atlântico.
A percepção da existência de uma resistência prática em se
instituir uma réplica europeia na América Latina é a maior fragilidade
para a defesa de que efetivamente somos uma fronteira interna desse
mundo.
O que se levanta contra essa hipótese é justamente o fato de que
ainda não termos nos tornamos europeus, mesmo após quinhentos anos
de história colonial. Parece razoável acreditar que isso não se deve a um
fracasso europeu e sim a uma resistência latino-americana. E se há uma
resistência é porque existe alguma incompatibilidade cultural entre os
valores envolvidos. Nesse caso, só nos cabe reconhecer que essa
incompatibilidade reflete uma diferença intransponível. Essa diferença
indica justamente que não fazemos parte da cultura europeia e que
somos sua fronteira externa.
Se não isso, o mero cálculo egoísta também pode nos levar à mesma
conclusão. Afinal, em uma situação de aventura cultural ninguém pode
saber se um futuro conjunto de valores não irá transformar a si mesmo
em um pária social ou em uma figura indesejável. Pode ser que nesse
futuro estado de coisas, os professores de filosofia barbudos e bonitos
seja tipos sociais condenáveis sob todos os aspectos. Em tal situação de
insegurança não há como saber para onde tenderão os novos valores a
serem adotados e, portanto, também os novos tipos de preconceitos.
Qualquer um, pensando apenas em si mesmo, deveria considerar a
possibilidade de um prejuízo definitivo para sua pessoa gerado pela
aventura cultural fora da segurança representada pelos valores
europeus. Seria, assim, mera questão de interesse próprio e de instinto
de sobrevivência colocar-se sob o signo desses valores.
Quero dizer, com isso, que me parece inviável que a América Latina
– ou mesmo uma de suas nações – coloque de lado o mundo europeu e
se lance para fora desse passado comum. Essa possibilidade exigiria um
desgarramento tão radical com respeito a tudo o que temos sido desde
a colonização que não parece possível do ponto de vista prático e
coletivo. O grau de ruptura necessário para isso não poderia ser
realizado sem um custo humano enorme. Assim, simplesmente não
parece fazer sentido defender a hipótese de que a América Latina
mergulhe em alguma modalidade de aventura cultural inteiramente
fora dos parâmetros europeus.
Embora qualquer governo possa lançar mão da justificativa de que
determinado estado de coisas é, na verdade, uma consequência da busca
por originalidade política do lado externo do mundo europeu, não é
razoável imaginar que essa legitimação possa perdurar nas mentes e na
prática por muito tempo. Ou seja, embora essa justificativa possa surgir
esporadicamente aqui e ali, ela não pode se sustentar como uma posição
política durável para a dimensão integral da cultura latino-americana,
em função do compromisso já estabelecido por esta última com a matriz
de valores europeus.
Por outro lado, quando nos colocamos do lado de dentro da
fronteira da cultura europeia somos obrigados a concluir também que
somos uma configuração resistente a tais valores – como vimos antes.
Isto é, como ainda não atingimos parâmetros sociais e institucionais
semelhantes aos da Europa, só nos resta nos representarmos como uma
configuração europeia que, por algum motivo, resiste a se tornar
plenamente europeia.
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 269
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Casas, J. Um novo caminho para a América Latina. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Robertson, W. The life of Miranda. Chapel Hill: The University of North Carolina Press,
1929.
Stein, S.; Stein, B. A herança colonial da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1077.
11
DIREITOS HUMANOS E CULTURA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
razão suficiente. O ponto central que desejo destacar é que não pode
haver democracia efetiva em um ambiente cultural elitista - como o que
tem se caracterizado o Brasil.
A democracia enquanto uma experiência de vida e um sistema de
valores exige a experiência existencial da igualdade diante da lei, a
vigência da crença de que nos encontramos na mesma condição em que
nossos semelhantes se encontram. Ela não se resume a condições
institucionais específicas, embora não possa existir sem elas. Afinal,
essas últimas podem se fazer presentes mesmo na ausência dos
requisitos culturais necessários para que possam cumprir plenamente
com suas finalidades – como parece ser o caso do Brasil. Nesse sentido
- em que as instituições existem sem que sejam acompanhadas de
sentimentos e crenças pertinentes – podemos falar, na melhor das
hipóteses, em democracia formal. Para evitar ambiguidades, prefiro
deixar claro que essa situação existencial não se caracteriza como
efetivamente democrática.
No Brasil, temos orientado nossas vidas fundamentalmente na
direção da obtenção de privilégios sociais. Isto é, temos nos ocupado na
grande maioria das vezes em conquistar vantagens que nos coloquem
em condições diferenciadas no que diz respeito à distribuição da riqueza
social, do poder e do status. Não temos nos esforçado por nos
diferenciar dos demais a partir de um parâmetro universal igualitário,
que funcionaria como um ponto de partida válido para todos. Pelo
contrário, temos tentado obter e preservar benefícios sociais
independentemente de quaisquer outras circunstâncias. Nossos
esforços têm se dirigido a criar mecanismos de obtenção e de
280 • Filosofia Latino-Americana
REFERÊNCIAS
Bastide, R. Brasil, terra de contrastes. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
Buarque de Holanda, s. Raízes do Brasil. 17ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 301
Lagos, M. A máscara sorridente da América Latina. Opinião Pública, vol.6, nº.1, 2000.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/op/v6n1/16918.pdf Consultado em
18/6/2018.
Marx, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001.
O MACONDISMO
O MORALISMO
REFERÊNCIAS
Sarlo, B. Una modernidad periférica: Buenos Aires 1920-1930. Nueva Visión, 2003.
Volek, E. Anverso y reverso del laberinto de la soledad: Octavio Paz y cien años de Macondo.
Cuadernos del CILHA, 9, 131-143, 2007.
INTRODUÇÃO
A FILOSOFIA IMITATIVA
rumos vigentes na cultura brasileira. Claro que essa opção pode ser
atenuada através da afirmação de que o Brasil ainda não se tornou
totalmente europeu – mas que o fará em algum momento futuro. Por
isso, uma filosofia imitativa seria desejável em face desse progresso em
vias de concretizar nossa condição europeia. Uma filosofia imitativa
estaria, inclusive, alinhada com nosso futuro europeu – embora não
com o nosso presente.
Seja como for, essa atividade filosófica imitativa pode se mostrar
viável, mas não pode se apresentar como ajustada ao que o país tem sido.
Ela realmente pode ser desenvolvida com base na esperança de nosso
futuro europeu, mas não no reconhecimento do que o Brasil tem sido.
Se trataria, portanto, de um estilo de filosofia calcado na expectativa de
que o país venha a ser algo que ele ainda não é. Ressalto que não parece
haver nada de filosoficamente errado com a posição imitativa. A
fragilidade desse tipo de atividade filosófica se apresenta quando
analisamos sua falta de aderência ao restante do país. Não há como
evitar que ela reflita problemas que não são os nossos, simplesmente
porque adota um ponto de partida segundo o qual somos europeus.
Assim, se verificarmos com cuidado, veremos que uma filosofia
imitativa só obtém repercussão em alguma instância particular da
cultura brasileira. Isso permite que ela estabeleça um diálogo com
aquela dimensão da vida nacional que já se encontra alinhada com o
mundo europeu: o próprio ambiente acadêmico universitário, por
exemplo. Como nele predominam os valores típicos da atividade
científica europeia, é perfeitamente esperado que a filosofia imitativa
obtenha reconhecimento e chancela nesse ambiente restrito. Porém,
336 • Filosofia Latino-Americana
por falta de reconhecimento social, mas por uma opção em realizar uma
atividade imitativa, incapaz de estabelecer um diálogo com o restante
do nosso país.
Insistir na prática de uma filosofia de matriz europeia, como a
maioria de nós tem feito até aqui, implica em adotar um
comportamento imitativo, como se nada de diferente houvesse no país
com respeito ao mundo europeu. Ou, se se reconhecem tais diferenças,
se crê que podemos nos converter definitivamente em europeus em
algum momento futuro. Nesse caso, as diferenças são reconhecidas
como características indesejadas, como imperfeições que devem ser
superadas durante o progresso em direção à Europa.
De fato, essa última expectativa envolve reconhecer alguma
deficiência de nossa vontade no sentido de realizarmos aqui, na prática,
o mundo europeu. Por isso, tudo o que devemos fazer é perseverar na
prática de uma filosofia semelhante à europeia. Ao final, se espera que
essa perseverança conduzirá a resultados culturais semelhantes aos
europeus. O estado em que nos encontramos deve ser uma fase
intermediária de desenvolvimento de um processo cultural europeu –
que repetiremos tardiamente aqui. Como fomos colonizados estaríamos
reconstruindo aqui, nos mesmos termos que lá, os processos de
maturação que na Europa levaram milênios. Somos um país jovem, por
isso seria natural algum atraso na obtenção prática de um mundo
europeu na América.
Assim, se observa que o que se quer dizer com essa prática
imitativa é que a filosofia é uma só, de que o melhor para o país é
esforçar-se por se tornar plenamente europeu – o que requer uma
338 • Filosofia Latino-Americana
A FILOSOFIA BRASILEIRA
A fase anterior já anuncia um novo passo que terá que ser tentado
na sequência. Ele terá que ser tentado porque aquele momento anterior
não concretiza a totalidade do movimento a que se propôs inicialmente.
Se a filosofia se dispõe a tratar do Brasil, ela terá que perceber em algum
momento que o país não está ajustado a seus conceitos convencionais.
E isso decorre do fato do Brasil não ser um país europeu, de que há
diferenças antropológicas que precisam ser consideradas pela atividade
filosófica. A filosofia pode certamente tomar outros rumos, como de
fato tem tomado, mas ela não pode ignorar permanentemente o
ambiente cultural em que está inserida. Ao se dispor a dar um passo
adiante em direção ao Brasil, a filosofia não pode mais suspender os pés
do chão e congelar-se no ar. Ela terá que efetivamente caminhar em
direção ao país.
Não se trata, nesse terceiro momento, de promover um estilo de
filosofia mais verdadeiro ou superior. Se trata de reconhecer que há algo
que solicita a atenção, mas não enquanto um objeto que requer os
mesmos tratamentos de sempre, forjados para dar conta de situações
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 349
aquele passo inicial com respeito ao Brasil, que demanda esse segundo
passo adiante no sentido de se estabelecer uma atividade filosófica
pertinente. Somente ele possibilita a realização de uma filosofia
brasileira – algo que vá além da imitação e de uma atividade sobre o
Brasil.
Se a proposição da segunda etapa era promover uma atividade
filosófica que tematizasse o Brasil, agora será necessário que o país
altere os procedimentos vigentes da filosofia europeia. Se o passo
anterior envolvia o aspecto material de fazer a filosofia se expandir
sobre um novo objeto, agora se trata naturalmente de que a filosofia seja
afetada formalmente por esse novo objeto do qual ela se aproximou. Por
isso, é da própria dinâmica da filosofia brasileira tornar-se, em algum
momento, brasileira. É por isso que se pode derivar com certa segurança
essa previsão das condições atuais de nossa prática filosófica.
Essa transformação implica que a atividade filosófica adquire um
espírito mais intensamente receptivo. Se dá um passo adiante aqui em
relação àquela absorção de novos objetos que ainda não haviam sido
tematizados. Ao realiza-lo, a filosofia deu mostras de sua capacidade de
adaptação a novos ambientes – embora tenha mantido intactos os seus
procedimentos históricos já consolidados.
Agora se torna necessário dar outro passo adiante em relação à
mera expansão da filosofia para as novas terras tropicais recém
descobertas. E isso envolve a alteração dos procedimentos formais da
filosofia quando confrontada com novas necessidades da parte do seu
objeto. Isso significa que a filosofia brasileira não pode se definir
somente como uma filosofia europeia sobre o Brasil, pois isso implicaria
Ronie Alexsandro Teles da Silveira • 351
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Silveira, R. A. T. Uma mirada sobre a América Latina. In: Ramaglia, D.; Silveira, R.A.T.
(Orgs.). Miradas filosóficas sobre América Latina. Porto Alegre: FI, p. 164-188, 2020.
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