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necessidade urgente
Títulos da Coleção Ensaios
NEFI Edições
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Reitor: Mario Sergio Alves Carneiro
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Luís Antônio Campinho Pereira da Mota
Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPEd)
Coordenadora: Rita Frangella
Vice-Coordenador: Alexandra Garcia
Núcleo de Estudos de Filosofias e Infâncias (NEFI)
Coordenador: Walter Omar Kohan
Conselho Científico (NEFI/UERJ) Conselho Editorial (NEFI/UERJ)
Alejandro Ariel Cerletti, Univ. Buenos Aires e Univ. Nac Gral Sarmiento Alice Pessanha Souza de Oliveira
Alexandre Filordi de Carvalho, UNIFESP, Brasil Allan Rodrigues
Alexandre Simão de Freitas, UFPE, Brasil Arthur Henrique F. de Almeida
Barbara Weber, University of British Columbia Daniel Gaivota Contage
Beatriz Fabiana Olarieta, UERJ, Brasil Fabiana Martins
Carlos Bernardo Skliar, FLACSO, Argentina Felipe Froes Pereira Trindade
César Donizetti Leite, UNESP, Rio Claro, Brasil Marcelly Custodio de Souza
Claire Cassidy, University of Strathclyde, Escócia Ocimar Castro Maximo
Fabiana Fernandes Ribeiro Martins, (Colégio Pedro II, Brasil) Robson Roberto Lins
Gregorio Valera-Villegas, Univ. Experimental Simón Rodríguez, Venezuela Simone Berle
Gustavo Fischman, Arizona State University, Estados Unidos da América
Jason Wozniak, West Chester University, Estados Unidos da América Capa:
Juan Pablo Álvarez, Universidad sw Playa Ancha, Chile Marcelly Custodio de Souza
Juliana Merçon, Universidad Veracruzana, México
Junot Cornelio Matos, UFPE, Brasil Diagramação:
Karin Murris, Cape Town University, África do Sul Arthur Henrique F. de Almeida
Lara Sayão, Sedec RJ, Brasil Revisão:
Laura Viviana Agratti, Universidad Nacional de La Plata, Argentina Arthur Henrique F. de Almeida
Magda Costa Carvalho, Universidade dos Açores, Portugal
Maria Reilta Dantas Cirino, UERN, Brasil
Marina Santi, Università degli Studi di Padova, Itália
Maristela Barenco Corrêa de Mello, UFF, Brasil
Maximiliano Durán, Universidad de Buenos Aires, Argentina
Olga Grau, Universidad de Chile, Chile
Óscar Pulido Cortés, Universidad Tecnológica y Pedagógica de Colombia
Paula Ramos de Oliveira, UNESP - Araraquara, Brasil
Pedro Pagni, UNESP - Marília, Brasil
Renato Noguera, UFRRJ, Brasil
Roberto Rondon, UFPB, Brasil
Rosana Fernandes, UFRGS, Brasil
Rosimeri de Oliveira Dias, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo, UNICAMP, Brasil
Simone Berle, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Virgínia Kastrup, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Walter Omar Kohan, UERJ, Brasil
Wanderson Flor do Nascimento, UnB, Brasil
“A comissão para avaliação cega dos trabalhos da Coleção Ensaios em 2023 foi integrada por Felipe Ceppas e Magda
Costa Carvalho.”
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Prefácio
Da necessidade e urgência (da obra e do exemplo) de Lorieri: minha singela
homenagem ao amigo Marcos.............................................................................13
Patrícia Del Nero Velasco
Introdução.........................................................................................................17
Capítulo 1
A constituição da área de ensino de filosofia no Brasil: memórias de um
encontro......................................................................................................... 21
Capítulo 2
Fazer filosofia como educação: argumentos quanto às suas possibilidades
formativas...........................................................................................................39
Capítulo 3
Posicionamentos meus relativos ao ensino de filosofia.......................................65
Capítulo 4
Aulas de filosofia podem ajudar para o respeito às diferenças............................. 79
Capítulo 5
A proposta de ensino de filosofia de Matthew Lipman.......................................89
Capítulo 6
Ética no ensino de filosofia: contribuição para a formação do jovem................ 101
Capítulo 7
Filosofar é um direito por ser uma necessidade: filosofia e formação no ensino
superior.............................................................................................................. 113
Referências.......................................................................................................123
Posfácio............................................................................................................129
Uma obra importante de um grande educador
Walter Omar Kohan
Anexo 1
Boas lembranças de Matthew Lipman................................................................133
Anexo 2
Catherine e o Programa de Filosofia para Crianças no Brasil..............................135
Nota inicial
1
ANPOF Oficial. Memórias da constituição da área de Ensino de Filosofia no Brasil. YouTube,
13 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S4HoLgNNd9A.
9
Apresentação
Ao ler este livro o leitor e a leitora reconhecerão a trajetória de uma vida dedi-
cada ao ofício de professor de filosofia e ao ofício de filósofo da educação;
uma vida que buscou pensar e colocar em ação modos de possibilitar o encon-
tro de crianças e jovens com a filosofia. Sim, Marcos Lorieri tem uma vida dedi-
cada à filosofia, ou como ele mesmo diz: “Uma vida de uma nota só: Filosofia,
Filosofia, Filosofia… até hoje. Tenho gostado muito, mas muito mesmo, do
que tenho feito em minha vida de educador profissional, na qual o cerne tem
sido o ‘ser professor’ e, em especial, ser professor de filosofia” (Entrevista à
REFILO, 2017).
Ao final dos anos 1960, ele iniciava sua trajetória como professor de filo-
sofia em escolas da cidade de São Paulo e, posteriormente, como professor
universitário. Em seus estudos de mestrado e doutorado, dedicou-se ao ensi-
no da filosofia a partir da construção de relações prodigiosas entre filosofia e
educação, dois campos de conhecimento que, pela qualidade de seu trabalho
intelectual, nos oferecem modos singulares de estudo, de análise e de prática
docente. É a partir desse escopo que Marcos Lorieri produziu sua Filosofia da
Educação, com olhar voltado à escola, à sala de aula e ao ensino – seus objetos
de pensamento filosófico. Nosso autor foi um dos pioneiros, no Brasil, dos
estudos sobre ensino da filosofia na Educação Básica.
Ensino da filosofia foi e continua sendo seu tema predileto, mas a ampli-
tude com que sempre o abordou em seus artigos, livros e conferências é
sua marca, e reforçamos esta compreensão quando lemos os capítulos que
compõem seu sumário: ensino de filosofia para jovens, ensino de filosofia no
Ensino Superior, proposta de Mattew Lipman de Filosofia para Crianças, ensi-
no de filosofia a partir de alguns pensadores, aulas de filosofia e respeito às
diferenças, enfim, uma riqueza de abordagens e referências filosóficas. Por
isso, apresentar Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente à comunida-
de filosófica e educacional tem um duplo sentido: primeiro, porque é um livro-
-homenagem ao seu autor, que formou gerações de professores e professoras
de filosofia especialmente vinculados à escola básica. Também porque produ-
ziu reflexões filosóficas fundamentais sobre o ensino da filosofia que ajuda-
ram a formar pesquisadores e pesquisadoras comprometidos com a constru-
ção do campo de conhecimento ensino de filosofia, que era algo inimaginável
11
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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Prefácio
Da necessidade e urgência (da obra e do exemplo) de Lorieri:
minha singela homenagem ao amigo Marcos
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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Marcos Antônio Lorieri
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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Introdução
17
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
2
Disponível em: http://filoeduc.org/nefiedicoes/editora.php.
3
ANPOF Oficial. Memórias da constituição da área de Ensino de Filosofia no Brasil. You-
Tube, 13 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S4HoLg-
NNd9A.
18
Marcos Antônio Lorieri
4
Cf. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Xavier de; DANNER, Leno Francisco; DANNER, Fernando;
DORRICO, Julie. (org.). As diferenças no ensino de filosofia: reflexões sobre filosofia e/da
educação. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2017. p. 93-114.
5
Cf. DANNER, Fernando; DANNER, Leno Francisco. (org.). Ensino de Filosofia, Gênero e Diver-
sidade: Pensando o Ensino de filosofia na escola. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2014. p. 30-51.
6
Cf. CAVALHO, Adalberto Dias de. (org.). Interculturalidade, educação e encontro de pessoas
e povos. Porto, PT: Edições Afrontamento, 2013. p. 193-203.
7
Cf. VELASCO, Patrícia Del Nero. Ensino de – qual? – Filosofia: ensaios a contrapelo. Ma-
rília, SP: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2019. p. 253-278 com ajustes
e acréscimos.
8
Cf. LORIERI, Marcos Antônio. Ética no ensino de filosofia: contribuição para a formação
do jovem. Revista Primus Vitam, São Paulo: Mackenzie, v. 1, p. 1-12, 2011.
9
Cf. LORIERI, Marcos Antônio. Filosofia e formação no Ensino Superior. Revistas Páginas
de Filosofia, UFABC, São Paulo: São Bernardo do Campo, v. 2, n. 1, p. 47-60, jan.-jun. 2010.
19
Capítulo 1
10
O encontro “Memórias da constituição da área de Ensino de Filosofia no Brasil”, reali-
zado virtualmente em 13 de outubro de 2021, teve também como finalidade prestar-me
uma homenagem por ocasião dos meus 80 anos de vida, sendo quase 60 deles dedicados
ao ensino de filosofia. Daí minha gratidão e a ideia da organização deste livro.
21
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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Marcos Antônio Lorieri
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
11
Para os interessados em conhecer esta proposta, há diversas publicações a respeito. Su-
gere-se a leitura de livros da coleção “Filosofia na Escola”, da Editora Vozes, em especial
o primeiro volume. Cf. KOHAN, W. O; WUENSCH, A. M. (orgs.). Filosofia para crianças: a
tentativa pioneira de Matthew Lipman. Petrópolis: Vozes, 1999.
12
Para saber mais a respeito sugere-se o livro: KOHAN, Walter; OLARIETA, Beatriz Fabiana
(orgs.). A escola pública aposta no pensamento. Rio de Janeiro: Autêntica Editora, 2012.
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Marcos Antônio Lorieri
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
13
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2003.
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Marcos Antônio Lorieri
Perguntar pelos seres humanos, pela vida, pelos valores, é mesmo coisa de
se aprender. Chega a hora em que a gente descobre que filosofar, para nós,
é como respirar. E tem hora que a gente fica sem ar…
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
quando fazem estas compras, já pagam este imposto. E que, portanto, quem
dava o dinheiro para o governo pagar o meu salário eram os pais deles.
Aí, um desses alunos mais espertos, pensou um pouco e disse: “Se é
nossa família que dá o dinheiro para pagar você, então é nossa família que
manda em você. E você tem que fazer o que eles querem”.
“Pois é”, disse eu. “E o que seus pais querem que eu faça aqui na esco-
la?” Respostas: “Que você cuide bem da escola”, “Cuide bem da gente para
a gente estudar”.
“E o que eu tenho que fazer para vocês poderem estudar?” Resposta do
aluno: “Aquilo que a menina disse antes: você tem que mandar a gente estu-
dar direito, mandar a gente obedecer a professora e várias outras coisas”.
Pararam um pouco e começaram a dizer algo assim: “É legal pensar
nisso. Não é que você seja mais importante. Todo mundo aqui é importante.
Todo mundo ajuda”.
Nesse momento, aproveitei para explicar um pouco a importância do
“público”. “Esse é um serviço público, dirigido ao público. E vocês, suas famí-
lias e nós da escola fazemos parte do público. A escola pública é de todos nós
e para todos nós”, e fiz algumas considerações a este respeito.
Em uma reunião com as professoras e os professores, comentei esta
conversa e coloquei um desejo meu que, na verdade, indica uma convicção:
nesta escola, eu não gostaria que fôssemos chamados de “funcionários públi-
cos”, e sim “funcionários do público”. O público é o povo, é a sociedade e nós
temos que agir de acordo com as necessidades deles; no caso de uma escola,
de acordo com as necessidades educacionais deles. Há muitos outros aspec-
tos a pensar sobre isso e, nem sempre, o senso comum (inclusive o nosso) dá
conta de pensar adequadamente a respeito.
Quero crer que este é um exemplo de reflexão filosófica que parte da
realidade de pessoas que não percebem certos aspectos que são subjacentes
às nossas vidas e às nossas práticas e, em especial, não percebem as razões
pelas quais as coisas acontecem, as razões pelas quais certas ideias estão
nas nossas mentes, as razões pelas quais devemos respeitar os outros, ou
as razões pelas quais se deve agir de determinada maneira considerada boa
em vez de outra considerada não boa. Quando as pessoas podem (é o que se
espera), primeiro, entender e, a seguir, fazer suas escolhas, isso significa um
salto qualitativo em sua humanidade.
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Marcos Antônio Lorieri
Quando penso no que seja filosofia, penso nisso: ser capaz de buscar
razões para compreender por que tudo ocorre. Ou ser capaz de buscar
razões em virtude das quais certas pessoas afirmam o que afirmam. Sempre
há razões para o que ocorre e para o que as pessoas afirmam. Buscar saber
dessas razões é fundamental para nossas decisões. E decisões são encaminha-
mentos de ações, de como agir vivendo a vida.
Penso que isso deve ser feito já no ensino Médio (e mesmo antes). Com
esta maneira de trabalhar no ensino de filosofia, pode-se abordar questões
relativas à ideologia, à dominação simbólica, ou seja, à inculcação de ideias
nas mentes das pessoas e questões outras relativas não apenas às formas de
exploração e de dominação, mas também relativas a todos os demais aspec-
tos da realidade já mencionados anteriormente.
Prestar este serviço como professor de filosofia é fundamental para a
formação das crianças e dos jovens e, por consequência, para a formação da
futura sociedade, pois as crianças e os jovens de hoje serão as pessoas que
constituirão as futuras sociedades.
Matthew Lipman, em uma passagem do livro Filosofia na sala de aula
(1994), aponta algo muito interessante quanto às contribuições formati-
vas da filosofia, ao comentar que, geralmente, as pessoas aceitam passiva-
mente ideias dominantes a respeito de tudo e, como pais ou educadores,
acabam transmitindo às novas gerações esta passividade ou conformismo.
Eles se tornam exemplos deste conformismo passivo e o ensino de filosofia
pode ser um antídoto a esta passividade, fazendo com que as crianças de
hoje não sirvam, no futuro, deste tipo de modelo exemplar às novas gera-
ções. Diz ele:
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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Marcos Antônio Lorieri
Há coisas, Eliana (aluna que organizou o livro), que a gente precisa dizer
e redizer, sempre com força, convicção. Há uma que tenho dito e escrito
muitas vezes e vou agora repetir: o espontaneísmo não é o contrário positivo
da manipulação e vice-versa. Se não sou, por princípio, por coerência políti-
ca, manipulador, não posso ter, no espontaneísmo, o meu caminho. Como
professor, nem posso deixar os alunos entregues a eles mesmos, nem fazer
deles meros pacientes de minha competência, não importa se trabalho com
crianças, ou adultos. Nem só a liberdade deles que, sem minha autoridade, vira
licença, nem só a minha autoridade que, sem a liberdade deles, vira autoritaris-
mo (Itálicos meus).14
Neste texto de Freire fica bem clara sua posição quanto a não concor-
dar com autoritarismos nem com a falta da indicação de limites (devidamente
justificados) para as educandas e os educandos.
Walter diz que teria sido muito mais fácil, mesmo discordando do que as
crianças disseram com relação à função de “mandar”, ter explicado por que
não era isso. Mas o que foi feito fez com que as crianças, através de pergun-
tas, pensassem no que haviam dito, olhassem para dimensões da realidade
para as quais não haviam olhado e percebessem alguns aspectos do problema
que não haviam considerado. As crianças aprenderam que ninguém é superior
14
Não consegui localizar o “pequeno livro” ao qual me refiro. Mantenho comigo uma cópia
reprografada do manuscrito de Freire, cujo original ficou, por direito, com as alunas.
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
a ninguém, não apenas nas falas de um adulto, mas também porque viveram
isso na forma como foram escutadas e consideradas.
Eu penso que trabalhar com as crianças convidando-as a pensar e repen-
sar suas falas, portanto, a refletir, é uma maneira “filosófica” de auxiliá-las no
desenvolvimento do seu pensamento reflexivo e crítico que é uma das carate-
rísticas fortes da maneira de pensar filosófica. E isso pode ser feito de maneira
respeitosa e alegre como disse Terezinha Rios, ao comentar a afirmação de
Jorge Larrosa, na qual faz um lindo elogio do riso e lembra que a alegria é irmã
da seriedade (Larrosa, 2004, p. 170).
Dalva Garcia, no tocante a provocações para que crianças pensem ou
se sintam convidadas a pensar dessa maneira, comentou sobre uma situação
ocorrida em sala de aula com crianças que desenvolviam atividades propostas
no Programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, afirmando que,
naquela ocasião, teríamos ajudado as crianças “a alterar o estado de dúvida
em pergunta”. Ou de dar à pergunta o estado de dúvida.
Neste momento, foi posta uma pergunta: que diferença há entre pergun-
ta e dúvida? Não consegui dizer. Mas busquei saber, fui indagar, pois pergun-
tar tem a ver com interrogar ou mesmo indagar para esclarecer a dúvida. Já a
dúvida diz respeito a alguma hesitação, a alguma incerteza em relação a algo,
ou a alguma dificuldade de compreensão.
O interrogar ou indagar do perguntar pode, se a pergunta força a neces-
sidade da resposta, levar à investigação, à pesquisa. Já a dúvida pode, pela
indecisão que provoca, ser paralisante da ação. No caso da ação de buscar
respostas, a dúvida, se não paralisa a investigação, a dificulta. Dificulta até o
momento em que se consegue transformar o estado de dúvida em um estado
de indagação, ou de pergunta.
Exemplificando: se estou em dúvida quanto a que decisão tomar no
tocante à compra de uma geladeira, posso transformar esta dúvida em uma
ou mais perguntas, como “que tipo de geladeira necessito em minha casa?”,
“qual seu tamanho?” (pensando no espaço disponível), “qual sua capacida-
de?” (pensando no que pretendo nela guardar), “qual seu consumo médio
de energia?”, “qual o preço?” etc. Tendo as perguntas, posso desencadear
uma pesquisa, uma ou várias investigações que poderão me proporcionar a
superação do estado de dúvida, levando-me à compra, ou não, da geladeira.
O “não comprar”, por exemplo, devido ao preço e devido às minhas possi-
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Marcos Antônio Lorieri
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
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FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antônio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985.
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Marcos Antônio Lorieri
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Uma filósofa, Hannah Arendt, no livro A vida do espírito, diz das perguntas impossíveis
que, mesmo sabendo-as impossíveis de responder definitivamente, nos obrigam a enfren-
tá-las com os recursos do filosofar, pois precisamos de alguma luz para os caminhos da vida
humana por entre tantos assombros (Arendt, 1995, p. 42-51).
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
temente. Tendo-as e concordando com elas, nos orientamos (ou somos orien-
tados) sobre como viver. Não concordando, buscamos alternativas. E esta é a
luta filosófica: a busca continuada de respostas às perguntas irrespondíveis e a
busca, daí decorrente, de exame reflexivo e crítico das respostas que se apre-
sentam como definitivas. É a luta pelos sentidos ou significados de tudo: do
mundo, do ser humano, de sua existência, da vida em sociedade, dos valores
morais, dos valores políticos, dos valores estéticos, dos critérios de verdade
para nossas afirmações. Este é o espaço do filosofar sempre necessário para os
humanos. Os outros animais não necessitam dele, nem os anjos ou os deuses!
Vê-se, pois, que o espaço do filosofar é necessário e importante, assim como
são necessários e importantes o ensino e o aprendizado do filosofar.
Alguns participantes da roda de conversa (do chat) comentaram sobre
os exemplos de conversas com as crianças e me perguntaram sobre quando
comecei a prestar mais atenção às falas delas.
Acho que comecei a prestar mais atenção nas crianças quando comecei
a trabalhar com o Programa de Filosofia para Crianças criado por Matthew
Lipman. Isso ocorreu em 1988. Até então eu não havia imaginado a riqueza
que é esta vida da infância. Walter não trabalha o tema da infância apenas com
relação às crianças, mas também com o sentido de sempre “novos começos”.
Penso que todos nós carregamos, ao longo da vida, algo de criança em
nós. Somos uma mistura de adultez e de infância: há momentos em que a
gente é uma criança pura e há outros em que a gente é uma criança não tão
boa. Há momentos nos quais somos adultos (bons, ou não tão bons) e há
outros nos quais somos crianças que brincam, que perguntam muito, que
buscam e também oferecem aconchegos.
Penso que o nosso grande esforço é estar “de bem”. Uma expressão
que me agrada: estar de bem com a vida, com as pessoas, com os amigos,
com os inimigos, se existirem, de bem com a natureza (com o inverno, com a
primavera, com o verão, com o outono, com os dias de sol ou de chuva etc.).
Este “estar de bem” acho que é um estado de infância, um estado de crianci-
ce: está tudo bem, vamos brincar. Brincar é a coisa mais importante para as
crianças (dizem, e eu concordo) e cada um de nós pode e deve brincar.
Meus alunos dizem que minhas aulas são divertidas porque brinco nelas.
Isso até me preocupa, pois temo certa perda do rigor acadêmico. Por que
tudo tem que ser assim “tão sério”?
36
Marcos Antônio Lorieri
Com relação a estas falas, Walter disse ver nelas mais um argumento
para levar a filosofia à praça pública, como colocou Patrícia Velasco em uma
pergunta, visto que a Filosofia nos coloca em certo estado de infância, de
criancice, como foi dito, um certo estado de leveza, um tempo que não é um
tempo de relógio, um tempo do cronômetro, um tempo apressado, mas um
tempo demorado a ser degustado prazerosamente.
Diz ele que viu nas falas algo implícito relativo não só à filosofia para crian-
ças, para a infância, mas, na verdade, algo que nos faz pensar em infância para a
filosofia, pois a filosofia precisa de infância para nos oferecer uma certa leveza,
um certo sorrir, uma certa doçura, uma certa maneira de habitar o mundo como
“infantil”, uma certa forma que é também um tempo, um tempo que não se
preocupa com o relógio, mas que se preocupa em perguntar a partir da dúvida
e entender ações, em questionar. Parece que, nessas falas, diz ele, a filosofia
oferece, exige e chama para uma certa infância. Para uma certa maneira infan-
til de habitar o mundo e as relações com os outros. E como foi dito, de uma
certa humildade: humildade de perguntar por que não sabe e se deseja saber.
Habitamos o mundo de uma maneira muito adultizada, conclui Walter.
Nesse momento, lembrei-me de uma fala de Saramago na qual ele diz
que, quando morrer, quer ter a certeza de nunca ter desonrado a criança que
sempre foi e que gostaria de levar com ele essa criança17.
Essas caraterísticas da doçura, da leveza, da humildade podem ser faci-
litadoras do esforço de levar o filosofar para todos os alunos e de levar argu-
mentos a favor do ensino de filosofia e do filosofar “à praça pública”. Talvez
seja um dos caminhos: isso é uma resposta possível à pergunta de Patrícia
Velasco. Ela perguntou assim: “Como levar a Filosofia à praça pública hoje? E
como convencer os ‘ímpares’ (já que os ‘pares’ sabem disso) do valor formati-
vo da Filosofia e de seu ensino?”.
Esta pergunta e outras considerações motivaram algumas pessoas
a perguntar sobre como pensar o espaço para o ensino da filosofia e do
filosofar no atual Ensino Médio, tendo em vista o início de medidas que
visam o cumprimento das novas orientações para este nível de ensino que
17
Estas falas constam de um vídeo gravado pouco antes de sua morte. Disponível em:
http://caderno.josesaramago.org. Acesso em: 18 jun. 2010.
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
38
Capítulo 2
Isso pode parecer muito abstrato, mas esta é uma linguagem apropriada
para textos acadêmicos da área. Um dos bons resultados da educação esco-
lar básica é (ou deveria ser) a preparação de pessoas capazes de dominar,
também, este tipo de linguagem que é própria dos denominados conheci-
mentos filosófico e científico.
39
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
Para efeito de uma das finalidades deste livro, que é de oferecer estas
ideias a um público que, por diversas razões, não teve acesso a este tipo de
linguagem, penso que se pode dizer com outras palavras o que o autor diz na
linguagem que utiliza. Vejamos.
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Marcos Antônio Lorieri
Buscar respostas para estas e outras perguntas, assim tão amplas, tem
sido o trabalho da filosofia (ou do filosofar), e este trabalho tem produzido
respostas variadas.
41
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
• Favaretto diz que a filosofia pode contribuir para nos ajudar a ter
algum sistema de significação que contribua para que possamos
realizar experiências reflexivas que nos deem uma organização de
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Marcos Antônio Lorieri
43
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
44
Marcos Antônio Lorieri
mente aceitar sem antes examinar reflexiva e criticamente. Por isso o autor
diz que o ensino de filosofia auxilia os jovens a saber produzir, em relação às
organizações, interrogações, questões e objeções.
Isso é importante para que eles possam se apoderar de uma linguagem
de segurança própria, trabalhada e articulada com os recursos da reflexão e
da criticidade que o exercício do filosofar lhes pode proporcionar. Neste exer-
cício, o trabalho com textos filosóficos é um recurso importante, pois neles
“estão os temas, os problemas, os conceitos, os métodos, os procedimentos”
(Favaretto, 2004, p. 52) a serem aprendidos, além da possibilidade de aprender
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
não se deixem guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes esta-
belecidos, de acordo com Chauí, e, além disso, para que conheçam o sentido
das criações humanas nas artes, nas ciências e na política e tenham meios
para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liber-
dade e a felicidade para todos, então pode-se afirmar que a filosofia é um
saber altamente formativo desses alunos.
Pode-se ver, nestas falas, argumentos bastante provocativas, no mínimo
para que se pense se estes benefícios formativos podem mesmo ser produzi-
dos pelo ensino de filosofia, por qualquer ensino de filosofia, ou por determi-
nado tipo de ensino de filosofia.
Outro autor, José Auri Cunha (2011), aponta, como uma das funções
formativas importantes do Ensino Médio, o desenvolvimento de uma cultura
racional como a que está presente nas ciências, nas tecnologias e na filosofia.
Ele acrescenta, além das ciências e da filosofia, as tecnologias como mais uma
área de entendimentos próprios de uma cultura racional.
Pode-se dizer que as tecnologias são conhecimentos derivados das
ciências voltados diretamente para a elaboração de meios de intervenção na
realidade. Hoje, ninguém nega a importância das tecnologias e a necessidade
de as compreendermos; em especial, a necessidade de os jovens terem uma
boa compreensão delas e de seu papel na vida humana. Eles, mais do que os
jovens de outras gerações, serão os utilizadores das tecnologias no mundo e
precisam saber criticamente a respeito do seu funcionamento e das finalida-
des (os sentidos) de sua utilização.
Esta cultura racional precisa ser desenvolvida em todas as pessoas,
juntamente ao desenvolvimento das emoções, que são fundamentais para a
realização dos seres humanos. A educação precisa cuidar de ambas.
A cultura racional (a cultura que envolve o conhecimento das ciências, da
filosofia, das tecnologias) e sua utilização, guiada por valores bem pensados,
exige tanto o desenvolvimento de atitudes (aqui entram os valores) quan-
to de procedimentos lógico-metodológicos (aqui entra o pensamento bem
pensado), “sem os quais a aprendizagem e prática do pensamento conceitual
não se sustenta” (Cunha, 2011, p. 1).
O pensamento conceitual é o pensamento que trabalha quase apenas
com ideias, com conceitos: tudo aquilo que as pessoas dizem ser muito abstra-
to e “distante da realidade”.
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Marcos Antônio Lorieri
18
Ver, neste livro, o capítulo sobre Ética, no qual há uma discussão sobre valores e valores
morais em especial.
47
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
das aulas das várias ciências, para compreender matemática mais avançada,
para entender certos filmes e determinados tipos de literatura. Não se pode
negar esta formação a eles. Eles merecem se desenvolver assim para se torna-
rem adultos autônomos e capazes de decisões bem pensadas ao longo de
suas vidas.
Segundo Auri Cunha, este desenvolvimento encontra, na filosofia, “uma
condição particularmente privilegiada”, pois é próprio do seu exercício “ques-
tionar a verdade das crenças e a sustentação argumentativa dos princípios e
regras morais ou políticas” (2011, p. 1). É próprio do seu discurso ser
Diz ele que, para ter acesso a este tipo de pensamento conceitual, não é
possível “prescindir das técnicas, artifícios e métodos da reflexão e da crítica
filosófica” (Cunha, 2011, p. 1).
Vale repetir o que ele diz na citação: “É neste momento que ocorre a
iniciação nos procedimentos mais formais da aprendizagem do conhecimento
e dos princípios ou regras apresentados como verdadeiros”. Além de apren-
der conceitos básicos das ciências e da filosofia e conjuntos de pensamen-
tos elaborados por vários filósofos a respeito de temas filosóficos (tudo isso
faz parte de pensamentos conceituais e da cultura racional), é necessário
o aprendizado concomitante dos procedimentos mais formais (abstratos)
da aprendizagem do conhecimento e dos princípios ou regras de produção
desses conhecimentos.
Com relação ao desenvolvimento do pensamento conceitual e à contri-
buição da filosofia nessa direção, diz Matthew Lipman, em A filosofia vai à
48
Marcos Antônio Lorieri
49
Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
e, por isso, erram bastante.” “Meus filhos vão à escola para aprender conhe-
cimento ou conhecimentos.”
Mas o que é conhecimento? Em aulas de Filosofia, os alunos aprendem
o que é conhecimento em uma parte da programação que é denominada de
“Teoria do Conhecimento”. Isso os ajudará a compreender o que é conheci-
mento e a entender vários aspectos que estão envolvidos no conhecimento.
Segundo exemplo: o mesmo ocorre com palavras/conceitos como
“verdade”/“falsidade”, “objetividade”/“subjetividade”, “valores”, “valo-
res morais”, “ética”, “política”, “sociedade”, “cultura”, “artes”/“estética”
dentre outras. Nós utilizamos estas palavras/conceitos com frequência e
nem sempre sabemos o que significam. Nas aulas de filosofia, estas palavras/
conceitos são trabalhadas para ajudar os jovens a saberem do que estão falan-
do quando as utilizam em suas conversas; quando leem textos nos quais elas
aparecem; ou quando as ouvem nas falas de comunicadores tão presentes
nos meios de comunicação de massa.
A par da contribuição relativa ao desenvolvimento do pensamento
conceitual e ao aprendizado de procedimentos racionais, “o estudo da filoso-
fia envolve também um tipo especial de questionamentos, justamente um rol
daquelas questões que, a rigor, são irrespondíveis” (Cunha, 2011, p. 2).
Há várias “questões irrespondíveis” que nos “perseguem” sempre,
como diz Hilton Japiassu:
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Afirmar isso: que “o existir é que forma as pessoas”, é uma posição filosófica aqui ado-
tada. Há posições diferentes a este respeito. A Filosofia coloca em questão tanto esta po-
sição quanto as outras, para, a partir daí, cada pessoa poder fazer sua escolha de maneira
esclarecida.
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mentais da existência humana para que não sejam nem levadas a adotar
respostas interessadas ou “interesseiras” nem manipuladas nas direções de
suas vidas, o que geraria uma deformação delas.
Como fazer isso, especialmente no trabalho com os jovens?
Fazer isso é buscar fazer filosofia como educação, pois a filosofia é a
educação da humanidade, como diz Chauí no livro de Olgária Matos, Filosofia:
a Polifonia da Razão, de 1997. Nele, diz ela: “Não leremos ‘filosofias da educa-
ção’, mas veremos o projeto da filosofia como educação” (Matos, 1997, p. 5).
Matos, nesse livro, refere-se aos gregos e diz que eles não se enganaram ao
propor o exercício do filosofar. Aponta o pensar bem do filosofar como uma
medicina (pharmakon) da alma. “A filosofia forma almas fortes pelo exercício
da análise de si e do pensamento autônomo” (Matos, 1997, p. 7). Se o ensino
de filosofia caminhar nas perspectivas mencionadas, ele pode ser um bom
aliado do processo formativo de “almas fortes”.
Almas ou espíritos fortes capazes de “decisão de não aceitar como natu-
rais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores,
os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem
antes havê-los investigado e compreendido” (Chauí, 2003, p. 17-18). As pesso-
as, os jovens em particular, precisam e, por isso, têm o direito de ser “fortes
de espírito”. Para isso, é fundamental que aprendam a ser reflexivos, críticos,
rigorosos, radicais e abrangentes na análise das “questões de fundo” e na
análise das respostas a essas questões com que se defrontam no seu meio
cultural. Além disso, devem ser capazes de produzir suas próprias respostas
quando as que encontram prontas não satisfazem suas necessidades atuais
de direções bem fundamentadas.
Para a realização deste exercício formativo é necessário, segundo
outro filósofo brasileiro, Antônio Joaquim Severino, desenvolver as sensibi-
lidades epistêmica, ética, estética, política e antropológica, pois, dentro da
perspectiva aqui adotada, o desenvolvimento dessas sensibilidades é uma
exigência do processo formativo em geral. Suas ideias, além de se soma-
rem às dos autores já citados, trazem contribuições específicas na busca
de argumentos que possam reforçar a afirmação relativa às possibilidades
formativas da filosofia. Ao tratar da necessidade da filosofia na educação,
o autor fala em desenvolvimento dessas variadas formas de sensibilidade:
da sensibilidade para a compreensão da existência humana (sensibilidade
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[…] é importante que todo jovem, ao ter contato com a filosofia, possa
desenvolver experiências de pensamento, aprendendo a reconhecer e a
produzir, em seu nível, conceitos, a fazer a experiência da crítica e da radicali-
dade sobre a sua própria vida, a desenvolver uma atitude dialógica frente ao
outro e ao mundo e, fundamentalmente, possa aprender uma atitude inter-
rogativa frente ao mundo e a si mesmo. Pensamos que uma educação para a
autonomia, no sentido da formação de indivíduos que possam escolher por
si mesmos em que mundo querem viver, só pode ser tal se nela tiver lugar a
filosofia (Gallo e Kohan, 2000, p. 195).
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Diz este autor que não. Precisamos das informações, mas precisamos,
além de avaliá-las criticamente, saber articulá-las para construir entendimen-
tos, explicações e significados. Para isso, há necessidade de momentos de
experiências de pensamento e de trabalho do pensamento como julgamos
que deva ocorrer em aulas de filosofia desde os estágios iniciais. Um trabalho
que demanda certas qualidades: a reflexão, a criticidade que inclui a proble-
matização, o rigor, a profundidade (radicalidade, que é ir às raízes profundas
de tudo o que se pensa), a contextualização. A filosofia ajuda nesta direção e
é um espaço fundamental de construção, de preferência coletivo, dos neces-
sários significados para o existir humano.
Saramago (2010), pouco antes de sua morte, escreveu o seguinte sobre
a necessidade da Filosofia:
Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar,
método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a
ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar,
precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a
parte nenhuma (Saramago, 2010).
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tais e provocar para a reflexão, para a crítica, para o exame rigoroso das
ideias. Não só provocar, mas também ajudar a desenvolver esta forma de
pensamento.
Um aspecto interessante a salientar no pensamento do autor é a impor-
tância que dá à dimensão filosófica do pensar:
Estas ideias fazem parte de sua proposta para formação de pessoas que
pensem bem: ele diz que é “preciso valorizar o ‘pensar bem’” (Morin, 2002,
p. 23), que pode ser entendido como estimular um pensamento interroga-
tivo e reflexivo, além de outras qualidades deste “pensar bem”. “Trata-se,
desde cedo, de encorajar, de instigar a aptidão interrogativa e orientá-la para os
problemas fundamentais de nossa própria condição e de nossa época” (Morin,
2002, p. 22, grifos do autor).
Lidia Maria Rodrigo (2009), em livro que trata do ensino de filosofia no
Ensino Médio, após interessante discussão sobre as polêmicas relativas à
democratização da filosofia (ou do saber filosófico), assim se posiciona sobre
a importância desse ensino:
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Primeiro:
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ção imediata, sem tempo para o pensamento organizado” (Gallo, 2012, p. 23).
E acrescenta:
Ele aponta, ainda, para uma segunda resistência para a qual o exercício
do filosofar traz uma grande contribuição: a resistência contra o “achismo”,
ou seja, contra a terrível mania de muitas pessoas se apoiarem apenas em
opiniões (nos “eu acho”), ao invés de se apoiarem em saberes bem funda-
mentados (nos “eu sei”, com base nos argumentos). Diz a este respeito:
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ças e os jovens de hoje não sejam “pacatos cidadãos” que tudo aceitam sem
nenhum questionamento e, por isso, a tudo se submetem sem nenhuma luta.
Não queremos isso para nossos filhos e netos.
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Capítulo 3
A primeira ideia de que parto para trabalhar com filosofia, seja no meu próprio
filosofar, seja no estudo de produções dos denominados “Filósofos” ou
“Grandes Filósofos”, seja no ensino de filosofia (ou do filosofar) para e com
crianças, jovens e adultos, é a da necessidade do filosofar e do exame reflexi-
vo e crítico de produções filosóficas, em especial as que se apresentam hege-
monicamente na sociedade de que fazemos parte.
Vejo, pois, três formas de trabalho filosófico que se interpenetram: o do
meu filosofar, o do exame dos resultados do filosofar de outras pessoas e o
trabalho do ensino da filosofia e do filosofar (não os separo).
“Ensino a filosofar” buscando ajudar meus alunos a compreenderem
conceitos básicos das áreas específicas da filosofia, a verem que há aspectos
próprios da investigação filosófica, que em cada aspecto há questões específi-
cas e que estas questões são de interesse de todas as pessoas, dada a necessi-
dade que se verifica de os seres humanos as colocarem e buscarem respostas
a elas. Estas são as que, em outros capítulos deste livro, são denominadas
“questões de fundo”, ou “questões fundamentais”, ou, ainda, “perguntas da
vida”, explicitando-as.
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Considerações a partir de texto apresentado no encontro “VI Experiência de Formação:
pensando com outros os sentidos do filosofar”, realizado em Ilha Grande, no estado do
Rio de Janeiro, de 10 a 14 de março de 2011, promovido pelo Núcleo de Estudos Filosóficos
da Infância (NEFI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenação de
Walter Omar Kohan.
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Esta consideração pode nos levar a pensar que o ideal é que todas as
formas de conhecimento cooperem juntas na busca da compreensão da reali-
dade na qual todos vivemos.
Quando todas as formas de conhecimento “conversam” entre si, elas
praticam o que é denominado “interdisciplinaridade”. Quando escolas traba-
lham o aprendizado das disciplinas de maneira isolada umas das outras, elas
não praticam a “interdisciplinaridade”. E isso não é bom para o aprendizado de
modo geral nem para o desenvolvimento de uma maneira de pensar interligada
a respeito da realidade. Tudo na realidade está ligado, ou relacionado, a tudo.
Pensar de maneira interligada, ou de maneira interdisciplinar, é pensar bem.
Precisamos do pensar bem. Não por acaso mães e pais sábios (avós
também) dizem a seus filhos (e netos) quando os veem tomando decisões:
“Minha filha, meu filho (minha neta, meu neto), pensem bem antes de tomar
a decisão”.
Sábio conselho, pois pensar é articular ideias produzindo explicações,
entendimentos, significados. Ao pensar, articulamos ideias que são originárias
de nossas sensações e percepções, de nossa imaginação e dos processos de
comunicação com outras pessoas. Ideias que dizem respeito a nós mesmos e
a tudo que está presente na realidade da qual fazemos parte. Sem ideias não
há pensamento. Sem realidade não há ideias. Sem realidade e ideias não há
pensamento.
Pode-se dizer que filosofar é uma maneira específica de pensar, de arti-
cular ideias relativas a nós mesmos e à realidade, a partir de certas questões
que nossas vidas e a realidade nos colocam e sugerem.
O conteúdo do filosofar são estas “certas questões”. Ou as tais
“perguntas da vida”. São questões que nós nos colocamos e que pedem
algo mais que apenas constatações, descrições, explanações, quantificações,
causas próximas.
Elas nos pedem posicionamentos amplos e, ao mesmo tempo, significati-
vos, de tal forma que nos ofereçam sentidos, quer como grandes explicações,
quer como rumos de vida ou como direções. Podemos chamar a estes posicio-
namentos de referências, de princípios, de significações.
Há necessidade de que esses princípios ou essas significações sejam
bem argumentados e, por isso, tenham plausibilidade de ser bons explica-
dores, referenciadores e orientadores de nossas existências. Mas, ao mesmo
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tempo, sabemos que eles não são absolutamente garantidos como verda-
deiros. Daí uma busca contínua em torno deles, com uma constante repo-
sição e retomada das questões de diversas perspectivas. A este movimen-
to desafiador e instigante, denominamos investigação filosófica. Filosofar é
uma maneira de pensar, dentre outras, mas dirigida à busca de respostas a
certas questões.
É uma necessidade profundamente humana nos envolvermos com e
nestas questões e estarmos atentos criticamente em relação às “respostas”
que são dadas a elas no ambiente cultural de que sempre fazemos parte.
Essas “respostas” acabam, algumas delas, tornando-se princípios que pautam
a forma de condução de determinadas sociedades e, muitas vezes, de toda
uma época, para determinadas formações sociais.
Veja-se, como exemplo, o Liberalismo (Filosófico, Político e Econômico)
na formação histórica denominada Capitalismo. Não que as ideias desta filoso-
fia tenham vindo antes de as sociedades capitalistas se formarem: elas foram
produzidas e, de alguma forma, mantidas com ajustes, no próprio processo
de constituição e de manutenção dessas sociedades.
As “respostas” às tais “certas questões” que fazem parte dos pensa-
mentos do Liberalismo tornam-se princípios orientadores, ou referências,
ligadas, sempre, a determinados interesses que podem não ser os de todos,
como ocorre com outras filosofias em outras formas de sociedade.
Não há sociedade humana sem alguma referência significativa, seja
produzida por alguma filosofia, seja produzida por alguma forma de conheci-
mento religioso; ou produzida por conhecimentos mitológicos, ou ainda por
alguma forma de sincretismo.
Princípios orientadores ou referências ligadas a determinados interes-
ses, que podem não ser os de todos, fazem parte do cultural de cada socie-
dade. Há inclusive princípios e referências conflitantes dentro de uma mesma
sociedade ou de um mesmo cultural. O conjunto destes princípios ou de refe-
rências pode ser denominado ideologia ou ideologias.
Uma das tarefas importantes da reflexão filosófica é a de examinar refle-
xiva e criticamente as ideologias. E isso se aprende em aulas de filosofia. Ou
deveria ser aprendido.
Como já afirmado, os princípios ou referências decorrem das respostas
dadas, em cada sociedade, às “certas questões” ou às “questões de fundo”,
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Ver capítulo sobre a proposta de Filosofia para Crianças de Lipman.
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Para mais informações e reflexão sobre a proposta de Matthew Lipman, ver capítulo
específico neste livro.
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Capítulo 4
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minações legais que devem orientar certas condutas dos brasileiros. Dentre
esses princípios, no artigo 1º, inciso III, consta a afirmação da “dignidade da
pessoa humana”.
Princípios! Por que são colocados e por que são adotados?
Esta é uma pergunta importante e merece ser respondida a partir de
reflexão crítica. São aceitos como pontos de partida: daí serem “princípios”,
isto é, o que vem primeiro, ou no início de uma argumentação; não gratuita-
mente, mas por conta de algumas razões.
Quais seriam? Isso é algo que convém ser colocado sob análise crítica
nas aulas de filosofia. Partimos de vários princípios para justificar maneiras
de ser, de pensar e de agir, mas raramente nos perguntamos pelas razões
que temos para adotá-los. Um deles é o da “dignidade da pessoa humana”,
que não pode ser desrespeitada. Com base nesse princípio, a Constituição
Brasileira, no Título II, Capítulo I, que trata dos “Direitos e deveres individu-
ais e coletivos”, aponta a igualdade de todas as pessoas no Artigo 5º, como
um desses direitos:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes (Brasil, 1988, p. 13).
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Ao comentar esta afirmação de Kant, Abbagnano diz que isto indica que
todo ser humano é um fim em si mesmo e, portanto, “possui um valor não rela-
tivo”. Isto é, nada se iguala a um ser humano. Nada vale o que ele vale. Nada
pode ser trocado por ele, nem ele por coisa alguma. Nada. Sua dignidade está
acima de qualquer outra coisa. A pessoa está acima de qualquer equivalência, de
qualquer comparação. A pessoa humana não é relativa a nada: é humana e vale
por si mesma enquanto tal e não em relação à sua classe social, à cor de sua pele,
ao seu gênero, às suas posses, ao cargo que ocupa em governos, instituições ou
empresas, ou a qualquer outro aspecto que não seja o fato de ser uma pessoa.
A citação anterior, de Dallari, diz isso ao afirmar que a dignidade humana
é algo a ser posto antes de qualquer coisa: “A dignidade é postulada como
essencial aos seres humanos. Eles não podem, pois, ser submetidos a situa-
ções em que essa dignidade não seja reconhecida e respeitada”.
Que provas científicas temos para afirmar o direito de respeito à digni-
dade humana? Talvez não as tenhamos, mas é possível argumentar a favor
deste postulado, ou princípio. Norberto Bobbio (2004) utiliza, como um forte
argumento, o fato de haver um “quase consenso” das nações do mundo em
relação a ele ao se referir à Declaração Universal dos Direitos do Homem nos
seguintes termos:
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Expressão latina que pode ser traduzida por: consenso de todas as pessoas.
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mesmo entre os que o adotam, nem sempre se servem dele nas suas práti-
cas diárias.
Segundo muitos autores que se debruçam sobre este tema, aí está
um grande problema: respeitar, através de ações concretas, esta proclama-
da dignidade. Bobbio é otimista ao dizer que, após longos anos depois de
1948, os direitos da pessoa humana passaram do apenas “serem pensados”
para a sua formalização “concreta” em normas jurídicas. Ou seja, em leis de
muitos países.
É um grande avanço sem dúvidas. Mas, como ele mesmo diz, ainda
resta uma grande luta política para que todas as pessoas pensem favoravel-
mente sobre o direito à dignidade humana e para que elas realizem ações
concretas de respeito a este direito. Bobbio insiste nesta necessidade ao
dizer que “são coisas diversas mostrar o caminho e percorrê-lo até o fim”
(2004, p. 31).
Se cada pessoa não se imbuir desse pensamento favorável aos direi-
tos humanos e dos princípios que os sustentam (o da igual dignidade de
todos) e, mais ainda, não se dispuser a levar este pensamento à prática nas
relações do dia a dia de suas vidas, a “era dos direitos” (título do livro de
Bobbio) não terá efetivamente chegado a todos, pois, conforme ele mesmo
alerta: “uma coisa é a consciência do meio, outra a sua realização” (Bobbio,
2004, p. 31).
Sem a consciência, porém, torna-se praticamente impossível buscar
os meios para a realização efetiva dos direitos. A consciência da dignidade
da pessoa humana é o pressuposto de qualquer outra tomada de consciên-
cia neste campo, assim como o é a consciência da dignidade igual de todas
as pessoas.
Nesse aspecto, a educação tem um importantíssimo papel e, dentro
dela, as aulas de filosofia na educação escolar também desempenham crucial
responsabilidade quando as professoras e os professores, consciente e efeti-
vamente, convidam seus alunos para refletir crítica e profundamente sobre
este tema e para, além disso, pensar em ações que possam ajudar a garantir a
realização do respeito a este direito.
De acordo com Barroso (2010), há hoje um grande consenso em rela-
ção ao princípio da dignidade humana no Direito, mas faltam ações concre-
tas. Diz ele:
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nhos para esta tomada de consciência, penso serem úteis, ainda, as conside-
rações que seguem.
Uma das diferenças que existe entre os seres humanos é a de gênero:
há seres humanos masculinos e seres humanos femininos. Ambos igualmente
seres humanos e, portanto, dignos de respeito igual. Na Língua Portuguesa,
temos duas palavras para nos referirmos a cada um desses dois gêneros:
mulher e homem. Mas, quando queremos nos referir a ambos os gêneros,
dizemos, costumeiramente, os homens.
Poderíamos dizer, nesses casos, ao invés de “homens”, seres humanos
ou pessoas. Nem sempre o fazemos. Por quê?
Como uma provocação para se pensar sobre isso, talvez valha observar
que, na língua grega, há três palavras para designar as pessoas, ou seja, os
seres humanos: antropos (o ser humano em geral), guiné (o ser humano femi-
nino) e andrós (o ser humano masculino).
Algo a se pensar. Se estou correto em relação ao que afirmei sobre a língua
grega, parece-me que, nela, há uma indicação clara de que tanto seres huma-
nos masculinos quanto seres humanos femininos e seres humanos de demais
gêneros são, ao mesmo tempo, diferentes e iguais. As diferenças são manifes-
tações singulares da fundamental igualdade dos seres humanos que se espa-
lham pelo planeta Terra, os quais, como igualmente humanos, manifestam a
riqueza de possibilidades deste “igual ser humano”: igual como humano, igual
como merecedor (digno) de respeito por ser humano, e de ser respeitado no
seu direito de ser humano à sua maneira, isto é, diferenciadamente. Seja com
quais gêneros se identificar; seja como criança, jovem, adulto, idoso; seja como
pertencente a etnias ou raças diferentes; seja como falante de línguas diversas;
seja como membro/produtor de culturas variadas; seja com maneiras diversas
de pensar e de se expressar; seja como participante de religiões diferentes ou
mesmo sem participar de nenhuma delas; seja filiado a este ou àquele partido
político; seja por qualquer outra diferenciação na maneira de ser gente.
Na base, no fundamental, no âmago do humano, somos todos igualmen-
te dignos de respeito. Este é o princípio aqui defendido e que rebate no segun-
do princípio: o do direito de realizar a igual humanidade de maneiras diversas;
o direito à diversidade, que é um direito igual para todos os humanos.
Edgar Morin traz outras contribuições para se pensar esta temática ao
afirmar que as diferenças são a grande riqueza do humano, que é uno enquan-
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to humano e diverso nas suas manifestações. Ele afirma algo que se pode
propor aqui como um convite para a reflexão filosófica em geral e, em espe-
cial, para o ensino de filosofia:
A pátria terrestre não é abstrata, porquanto foi dela que saiu a humanidade. O
próprio do que é humano é o unitas multiplex: é a unidade genética, cerebral,
intelectual, afetiva do homo sapiens demens que exprime as suas virtualida-
des incontáveis através da diversidade das culturas. A diversidade humana é
o tesouro da unidade humana, a qual é o tesouro da diversidade humana. Daí
o duplo imperativo: reencontrar e cumprir a unidade humana na manifesta-
ção das diversidades. Salvar singularidades e diversidades e ao mesmo tempo
instituir um tecido comum (Nair; Morin, 1997, p. 34, grifos dos autores).
Diz ele que o próprio do humano é o unitas multiplex, expressão latina que
pode ser traduzida por “unidade multíplice” ou, ainda, por “unidade variada ou
diversificada”. Há uma multiplicidade de manifestações do humano. É sempre
o mesmo humano presente nas suas variadas manifestações. “A diversidade
humana é o tesouro da unidade humana, a qual é o tesouro da diversidade
humana”, diz também. São dois tesouros a respeitar: o da unidade humana e
o da diversidade, também humana. São dois tesouros “dignos de respeito”,
merecedores de respeito. Respeita-se a unidade humana ao se tratar qualquer
pessoa, qualquer ser humano, com o respeito que merece, simplesmente por
ser humano, independentemente da maneira como realiza sua humanidade.
Respeita-se, ainda, o humano nas pessoas, quando se percebe que, em certas
condições de existência, elas estão degradadas em sua igual humanidade, e
luta-se para ajudá-las a superar esta situação. Exemplos: pessoas que vivem na
miséria têm o direito de assim não viver e há uma obrigação moral de ajudá-las
a não viver assim. Isso por conta do princípio assumido de respeito à dignidade
da pessoa humana. Pessoas que são exploradas de alguma maneira: elas têm
o direito de ser ajudadas a sair da situação de exploradas. Pessoas que sofrem
qualquer forma de opressão, a mesma coisa. Ou então de discriminação, idem.
Uma pergunta: quem deve oferecer esta ajuda e de que forma? Com certe-
za, cada sociedade e, dentro dela, cada pessoa de acordo com suas possibilida-
des. Uma dessas possibilidades é oferecer apoio às medidas sociais já tomadas
e pressionar para que outras medidas sejam implantadas. Obviamente que,
no tocante à responsabilidade social para superar as situações de desrespei-
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Ao concluir este texto, vi, em um jornal da TV, uma reportagem dizendo que uma criança
negra de cinco anos não queria mais ir à escola de educação infantil porque outras crianças
a chamavam de “cocô”. A mãe disse em entrevista que conversou com ele e que foi à
escola para propor às educadoras e aos educadores fazerem um trabalho com as crianças
contrário à discriminação. Crianças tão pequenas já trazem nelas este preconceito. Não
nasceram com ele: o adquiriram nas relações sociais nas quais estão envolvidas. Isso em 20
de setembro de 2022. Se nada for feito, que adultos serão? Gostaremos de conviver com
eles? Serão modelos preconceituosos para seus filhos?
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Capítulo 5
25
Matthew Lipman nasceu em 1923 na cidade de Vineland, Nova Jersey, EUA. Douto-
rou-se em Filosofia na Universidade Columbia, em Nova York, em 1953. Fez pós-doutorado
na França e foi o fundador do IAPC (Instituto para o Desenvolvimento de Filosofia para
Crianças), sediado na Universidade Estadual de Montclair, Nova Jersey. Faleceu em 26 de
dezembro de 2010 em Montclair.
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“Bem, acho que devo deixar bem claras duas funções da Filosofia”, respon-
di. “Uma é analítica. Cada disciplina é reflexiva e, pois, crítica quanto a seu
próprio conhecimento. A filosofia engloba a crítica dessas críticas median-
te uma análise permanente dos critérios e padrões utilizados. […] A outra
função”, disse eu, ainda tateando por onde ia, “é mais síntese do que análise,
mais especulativa do que empírica. Em certa medida, cada filósofo procura,
como fez Spinoza, construir um sistema de ideias com o qual tudo quanto
acontece seja coerente” (1997, p. 100).
26
Dentre estes núcleos, podem ser citados: Instituto de Filosofia e Educação para o Pensar –
Fundação Sidónio Muralha (fsm.ifep@philosletera.org.br) e Centro de Educação para o Pensar/
Editora Sophos. Disponível em: https://editorasophos.com.br/pensar/login/index.
27
Em levantamento realizado em maio de 2022, foram encontradas mais de 100 produções
acadêmicas entre Dissertações e Teses de Doutorado.
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Veja-se, no capítulo relativo à necessidade da formação filosófica no Ensino Superior, o
que é dito sobre a necessidade dessa formação para os formados nas áreas técnicas.
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Platão poderia ter dito, é muito melhor, então, que elas não tenham filosofia
alguma (Lipman, 1990a, p. 30-31).
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Finalmente, as crianças buscam significados que não sejam nem literais (como
as explicações científicas) nem simbólicos (como os contos de fadas) mas
significados que possam ser chamados de filosóficos. É possível que as crian-
ças façam muitos tipos de perguntas que podem ser consideradas filosóficas
e que demandam respostas filosóficas (Lipman; Oscanyan; Sharp, 1994, p. 61).
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Defendemos isso também, ainda que seja preciso dizer que não é a filo-
sofia a única forma de saber que promove um pensar com as características
acima mencionadas. Mas, com certeza, como diz Lipman, ela é um espaço
privilegiado para isso.
Quando pensamos nos caminhos da boa formação humana na educa-
ção escolar, não podemos mais deixar de pensar em todas as contribuições
da filosofia.
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Capítulo 6
Introdução
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Noção de valor/valores
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zar. Valorizar tem sempre uma conotação positiva. Já valorar, tal como enten-
dido aqui, não tem nem conotação positiva nem negativa. Quando valoramos,
avaliamos algo como importante (positivo) ou como não importante (nega-
tivo); como preferível (positivo) ou como detestável (negativo); como bom
(positivo) ou como ruim (negativo). Daí é necessário dizer valorar positiva-
mente e valorar negativamente.
Os valores formam o conjunto que explicita nossas relações de não-indi-
ferença, ou nossas relações de preferência ou de não-preferência, estabeleci-
das com algo.
Tipos de valores
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Ensinar filosofia e a filosofar: necessidade urgente
tiva, é o que dizemos ser uma relação de não-indiferença. Não havendo valo-
ração positiva ou negativa, há então indiferença.
Valores econômicos. Dizem respeito à valoração econômica, isto é, à
possibilidade de um determinado objeto ter uma apreciação em relação a
outro, propiciando uma comparação que leve a uma troca. A troca de um
objeto por outro implica comparação entre suas propriedades em relação a
necessidades humanas. Daí nascem as relações comerciais. Nelas, os objetos
transformam-se em mercadorias. Passam a ser apreciados positivamente ou
negativamente pelo que valem, ou pelo peso que têm nas trocas (no comér-
cio) entre si. Passam a ser valorados economicamente.
Valores religiosos. Dizem respeito a apreciações, a escolhas, a preferên-
cias feitas com base em razões de ordem religiosa. Certos objetos, lugares ou
atitudes são valorados positiva ou negativamente em função dessas razões
religiosas. Daí se diz que algo é sagrado ou profano. Ou que atitudes são
piedosas ou não piedosas. Ou ímpias.
Valores afetivos. Dizem respeito a relações de não-indiferença que esta-
belecemos com qualquer coisa, pessoa, lugar etc. por razões afetivas; porque
as ligamos aos nossos afetos de benquerença ou de aversão; ou porque as
amamos ou odiamos; ou porque nos remetem a relações amorosas ou odiosas.
Valores morais. São aqueles que dizem respeito às atitudes, aos compor-
tamentos, às maneiras de agir. Valoramos positivamente a honestidade, a
veracidade, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas, não discrimi-
nar pessoas, e valoramos negativamente atitudes opostas a estas. Valoramos
com base em certos critérios, em certos princípios.
É no campo filosófico da Ética que são estudados os valores morais e os
princípios e critérios que utilizamos para valorar positivamente ou negativa-
mente as maneiras de agir. O conjunto das normas do agir, decorrente dos
princípios, dos valores ou dos critérios elaborados pela reflexão ética, é o que
se pode denominar Moral.
A valoração envolve julgamentos ou juízos. Julgamos ou ajuizamos com
base em critérios, princípios ou valores. Juízo é toda afirmação (ou negação)
que fazemos a respeito de algo. As afirmações que fazemos dizendo o que
algo é (ou não é), como é e porque é (como não é e porque não é), são deno-
minadas “afirmações/negações de fato” ou juízos de fato. As afirmações/
negações que fazemos avaliando, apreciando, atribuindo importância/não
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Ética/Moral
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[…] “ética” é aquela parte da Filosofia que se dedica à análise dos próprios
valores e das condutas humanas, indagando sobre seu sentido, sua origem,
seus fundamentos e finalidades. Sob essa perspectiva geral, a ética procura
definir, antes de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o conjun-
to de noções (valores) que balizam o campo de uma ação que se considere
ética. […] A ação ética é balizada pelas ideias de bem e de mal, justo e injusto,
virtude e vício. Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e responsável
e será virtuosa se realizada em conformidade com o bom e o justo.
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Com qual tipo de educação moral queremos trabalhar com nossas crian-
ças e nossos jovens? Qual dos dois julgamos apresentar um caráter formati-
vo positivo?
São questões que, como educadoras e educadores, temos necessidade
de nos colocarmos, como muitos filósofos e outras educadoras e educado-
res o fizeram.
Vale verificar a presença das indagações éticas, por exemplo, em obras
de filósofos, pois impressiona a quantidade de obras produzidas ao longo da
história do pensamento humano sobre o tema da moral e da ética. Além da
quantidade, há a recorrência das preocupações aí presentes que são muito
semelhantes às colocadas por nós, nos dias de hoje.
Platão (427–347 a.C.) o faz enfaticamente em vários de seus diálogos.
Aristóteles (384-322 a.C.) dedica duas obras ao assunto: Ética a Nicômaco
e Ética a Eudemo. Estóicos e Epicuristas, nos primeiros séculos depois de
Cristo, trataram do tema. O mesmo fizeram Agostinho (354-430) e Tomás
de Aquino (1226-1274). Só aí já temos mais de mil e setecentos anos de
história e de registros escritos em que a preocupação com ética e moral e
com a com a educação moral das pessoas aparecem. Na Época Moderna,
a produção a respeito é abundante. Descartes (1596-1640), nas Meditações
Metafísicas, trata do certo e do errado e, no Discurso do Método, trata da
moral provisória. Espinoza (1632-1677) tem uma obra inteira sobre o assun-
to, Ética. Assim como Hume (1711-1776), que escreveu Uma investigação
sobre os princípios da moral. Kant (1724-1804) trata do tema de maneira
exaustiva. Obras como Fundamentação da metafísica dos costumes e Crítica
da Razão Prática e Metafísica dos costumes mostram o quanto ele se dedi-
cou ao assunto. Nietzsche (1844-1900) tem famosas reflexões sobre moral
e ética. Sua obra mais conhecida é Genealogia da Moral. Mais recentemente,
outros pensadores, como Foucault, especialmente nos volumes de História
da Sexualidade; Habermas, que escreve Consciência Moral e agir comunica-
tivo; Adolfo Sánchez Vázquez, que escreve Ética; e Fernando Savater, que
escreve Ética para meu Filho (2001). Por este rápido panorama, vê-se que a
preocupação com o tema perpassa mais de dois mil e quinhentos anos de
história da humanidade.
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Capítulo 7
Necessidade da filosofia
Nunca é demais retomar, talvez com outras palavras, algo já afirmado, nos
capítulos anteriores, relativo à necessidade da filosofia. Ela é uma necessida-
de porque é através dela que as pessoas podem produzir, de maneira refle-
xiva, crítica, metódica, abrangente e profunda, algum significado, algum
sentido, para suas existências, o que engloba produzir algum significado ou
sentido para a realidade de que fazem parte. E isso inclui produzir significado
ou sentido para suas ações, para o próprio esforço de busca de conhecimen-
tos, para sua atitude de dizer que algo é belo ou não belo, para o esforço de
dizer da “vida-com-os-outros” e da necessidade, ou não, da regulação da vida
em comum etc.
Ao afirmar isso, parte-se do pressuposto de que as pessoas necessitam
de sentidos ou significados para suas vidas.29
29
As religiões são formas de conhecimento que oferecem sentidos ou significados, mas
não são produções que se oferecem a um exame reflexivo e crítico: são doutrinas que
pedem adesão pela fé e não pela compreensão a que chamamos de “racional”. Não julgo
atitudes de fé, em geral, como irracionais. Há argumentos racionais que podem, de alguma
forma, justificar ter alguma fé religiosa. O que não me parece justificável é o sectarismo,
a doutrinação impositiva, as crendices e a utilização de doutrinas religiosas para a domi-
nação e exploração de pessoas.
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Um exemplo desta “não permissão” está nos vários momentos em que grupos que
estão no exercício do poder político teimam em retirar dos currículos escolares a disciplina
filosofia.
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Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000153601?posInSet=1&queryI-
d=96371cc0-73e3-405e-adcc-2dfc79fd6439.
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Infelizmente, esta expectativa da continuidade da presença da filosofia nos cursos supe-
riores nos diversos países tem sido frustrada recentemente. Em vez de desânimo, porém,
esta notícia deve ser tomada como mais um incentivo pela luta por sua presença na for-
mação dos jovens universitários.
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Referências
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Posfácio
Uma obra importante de um grande educador
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da dinâmica geral da editora, como também sabemos que ele teria preferido.
Um dos pareceristas, de quem agora podemos desvelar a identidade, foi o
Filipe Ceppas, professor da UFRJ, e uma das referências na área de ensino de
filosofia no Brasil. Ele começava assim o seu parecer:
O livro do prof. Lorieri não deveria passar por análise de parecerista. Ele
é um livro necessário por muitos motivos. Primeiro, por ser um livro do
prof. Lorieri – e, enquanto tal, impossível de tornar-se “anônimo”. Qualquer
parecerista da área o reconheceria. Sendo uma coletânea de textos do prof.
Lorieri, trata-se de livro indispensável da área, uma vez que o autor é um de
seus mais constantes e importantes interlocutores. Por fim, os ensaios que
compõem o livro constituem contribuições valiosas para o tema do ensinar
e aprender a filosofia e o filosofar, além de serem um testemunho vivo não
apenas da importância da trajetória do prof. Lorieri, mas também de sua
simpatia e generosidade. Essas virtudes não são um mero adendo irrelevante
na perspectiva teórica do prof. Lorieri, perspectiva sempre intimamente refe-
rida à (e construída a partir da) prática. Elas são um instrumento fundamental
no jeito mesmo do prof. Lorieri fazer com que a análise teórica sobre o ensi-
nar e o aprender a filosofar tenha um alcance imediato a não importa quem
se interesse pelo assunto.
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veis entre nós aos interesses do capital de que a uma educação como a sonha-
da nestas páginas por Marcos Lorieri. Porém, esperemos que ele se sinta, pelo
menos, um pouco feliz ao saber que muitos dos que lutamos pela presença de
um ensino de filosofia filosofante encontramos, nestas páginas, inspiração e
incentivo para seguir lutando.
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Anexo 1
Boas lembranças de Matthew Lipman
Lipman chegou primeiro entre nós com a ideia de Filosofia para Crianças apre-
sentada por Catherine Young Silva numa reunião na Secretaria da Educação
de São Paulo (1984) e, em seguida, numa palestra na PUC-SP organizada por
ela e proferida por Ann Margaret Sharp em novembro de 1984. Convidado
por Catherine, levei meus alunos do Curso de Filosofia. Entre eles, Ana Luíza
Falcone e Sylvia J. Hamburger Mandel, futuras tradutoras das novelas e manu-
ais. Em fevereiro de 1985, foi fundado o Centro Brasileiro de Filosofia para
Crianças, que promoveu um curso de um mês, neste ano, em São Paulo; foi
quando conhecemos Lipman pessoalmente. Ele e Ann M. Sharp trabalharam
na formação dos primeiros professores de Filosofia que se dedicaram ao estu-
do e a preparação de monitores do Programa de Filosofia para Crianças (PFC).
Nos intervalos do curso, Ana Luiza, Sylvia e eu fomos com ele a três escolas
públicas da periferia de São Paulo onde já trabalhávamos com o Programa.
Ele participou de algumas aulas com as crianças (Sylvia e Ana Luiza serviam
como intérpretes), dialogou com elas sobre a “novela” Pimpa e fez revela-
ções sobre sua vida ao responder a uma das crianças que lhe perguntou se era
casado. Respondeu que sim e pela segunda vez. Uma das crianças perguntou-
-lhe se havia feito as histórias e o Programa de Filosofia para Crianças pensan-
do primeiro nas crianças ou na sua carreira. Surpresa geral. Lipman lhe disse
que realmente havia pensado na sua carreira, mas junto havia sim pensado
nas crianças. Gostaria que todas pudessem filosofar, pois julgava isso muito
importante. Nesse mesmo dia, à noite, fez uma conferência na PUC-SP. Disse
aos presentes que tinha ficado muito bem impressionado com as crianças
pela sua curiosidade e pelo interesse e fez o seguinte comentário: “Os olhos
dessas crianças são diferentes dos olhos das crianças pobres de países ricos
por onde tenho andado; nesses olhos vejo esperança, o que não vejo em meu
país. Talvez porque os pobres de lá já não enxergam saída para sua condição”.
Numa das escolas, Lipman experimentou bolo de mandioca: apreciou-o muito
e repetiu, elogiando a mãe do aluno que o havia feito.
Ele voltou ao Brasil por mais duas vezes: em 1988, para um Congresso
em Maringá, no Paraná. Foi uma oportunidade para todos nós de conversar-
mos muito com ele. De volta a São Paulo, pediu para verificarmos a possibili-
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dade de uma conversa sua com Paulo Freire. Com a ajuda de Moacir Gadotti,
a conversa aconteceu. Em 1994, veio participar do I Encontro Nacional de
Educação para o Pensar, em Florianópolis, Santa Catarina. Passando, na volta,
por São Paulo, encontrou-se novamente com Paulo Freire.
Com uma bolsa de estudos, participei em Mendham de um Seminário de
vinte dias, em 1991, coordenado por Lipman. Pedi a ele para nos dizer de suas
principais referências teóricas, o que não lhe agradou muito. Mas, em um dos
dias, entregou-me duas folhas manuscritas com os nomes de pensadores que
o tinham especialmente influenciado.
As ideias de Lipman chegaram primeiro que sua pessoa. Sua pessoa se
foi. Suas ideias continuam entre nós: é uma maneira de ele ficar conosco.
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Anexo 2
Catherine e o Programa de Filosofia para Crianças no Brasil
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