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_ Conferéncia 6 . AMERINDIA NUMA VISAO NAO EUROCENTRICA DA HISTORIA MUNDIAL ‘Tendo j@ feito abrit-se-em-flor’ 0 fundamento-da-patavra’ que havia de ser, tendo {4 feito abrir-se-em-flor um unico amor na sabedoria contida em seu ser-do-céu’ em virtude de seu saber que se abre-em-fior, fez que se abrisse-em-flor um canto* sagrado em solidao. Antes que a terra existisse, no meio da noite antiga quando nada se conhecia, fez que se abrisse-em-flor para si mesmo em sua soliddo um canto sagrado. (Ayvu Rapyta dos Guaranis} Agora é preciso mudar de “pele”, ter novos “alhos”. Ja néo. sao a pele e os othos de ego conquiro que culminara no ego cogito ou na “vontade de poder". Ja ndo s4o m&os que empu- nham armas de ferro, e olhos que véem das caravelas dos intrusos europeus’ e gritam “terra!” com Colombo. Agora temos de ter a suave pele bronzeada dos caribenhos, dos andinos, des amazénicos... Os olhcs admirados daqueles indios que, da praia, com pés descalgos sobre as suaves ¢ quentes areias das has “yiram™ se aproximar, flutuando no mar, deuses nunca vistos. Temos de ter a pele que sofrera tantas pentrias nas encomendas @ no repartimento, que apodrecera nas pestes dos estranhes, que sera ferida até aos ossos na coluna onde se agoitavam os escravos - pacificos camponeses da savana africana vendidos 89 como animais em Cartagena das Indias, Bahia, Havana ou Nova Inglaterra... Temos de ter os olhos do Outro, de outro ego, de um ego de quem devemos re-construir 0 processo de sua formagéo (coma a “outra face" da Modernidade) e, por isso, devemos agora partir do Oceano Pacifico’. Mudar de pele como as cobras, nao, porém, como a perversa serpente traicoeira que tentava Ad&o na Mesopotamia, e sim a “serpente emplumada” da Divina Dualidade (Quetzalcoat!), que “tuda de pele” para crescer. Mudemos a pele! Adotemos agora “mnetodicamente” a pele do indio, do africano escravo, do mestigo humilhado, do camponés empobrecido, do operério explorado, dos milhées de marginalizados amontoados pelas cidades latina-americanas contemporaneas. Fagamos nossos os “olhos” do povo oprimido, desde “os de baixo” - como se exprimia Azuela em sua conhecida novela. Nao € o ego cogite mas © cogitatum (mas um “pensado” que também pensava... embora Descartes ou Husserl ignorassem isso}: era um cogita- tum, mas antes era ainda o Outro como subjetividade “distinta” {ndéo meramente “diferente” como para os pés-modemos). Re- construamos ent&o as “figuras” de seu processo. 1, Do Oeste para o Leste: a Amerindia na Histéria Mundial Com razdo se afirmou que a América Latina estava excluida, como que fora da historia’, A questdo é propor uma “reconstru- ao" que seja histérica e arqueologicamente aceitavel € que ao mesmo tempo corrija o desvio eurocentrista. Para isso langare- mos m4o, simplesmente, das historias das civilizagdes que a prépria Europa ocidental produz. Nelas se descobre que a visio hegeliana é uma auténtica “inversdo” ~ além de uma invengao ideolégica com sentido eurocéntrico. Os povos e etnias indigenas americanos néo entram na historia mundial come contexto do descobrimento da América — que é 0 momento em que os programas vigentes de historia ein cursos médios e superiores falam pela primeira vez do indio Gunto com as ilhas, palmeiras, animais exdticos... havia também 90 indios nas praias que Colombo descobre). Seu lugar na historia deve ser racional e historicamente encontrado. Para isso deve- mas voltar até a “revolugdo neolitica”, quando se inventou a agricultura e a organizagéo da confederagéo de cidades (4 “tevolugao urbana”). Se este momento é estudado no tempo e& no espago, conelnitemos — ac contrario do que propunha Hegel - que esta revolugd&o situou-se primeiramente no Oeste (na Mesopotamia e pouco depois no Egito) e que foi surgindo sucessivamente, sem necessdrios contatos diretos, no Leste: no vale do Indo, no vale do rio Amarelo, na China, e para além das culturas do Pacifico no espago mesoamericano (para culminar com os maias e astecas) e nos Andes co sul (nas regides do império inca)”. Grandes culturas neoliticas e areas de contatos do Oeste em direge ao Leste" Estepes da Asta central a Cutturas do Cceano Asteca Pacifico Maia Inca”? Mesopotamia ——+ {ndica—+> Chinesa —* “ay > Ghibcha Egipcia I Culturas banty Culturas da Indo-China Todos os autores reconhecem que em certos lugares propi- cios, © em momentos adequados, surgiram sistemas civilizato- tios de confederagées urbanas que podemos chamar grandes civilizagées. Para nds essas civilizagdes foram pelo menos seis”, e houve zonas de contato {f e Il no esquema anterior) 4s quais desejamos prestar atengdo. Bsta proposta, por ingénua e sabida que possa parecer, tem o propésito explicito de incluir a América Latina, desde sua origem, na Histéria Mundial (do mesmo modo que a Africa bantu e a Asia}, e nao mais como antecedentes da cultura posterior européia (como “Idade Antiga”} e sim como os pilares - para falar como Alfred Weber — da Historia Mundial. Evidentemente ha duas areas iatino-americanas de grande cul- Tura: a regiéo meso-americana, que culmina com os maias e 91 astecas, e a andina do sul, posteriormente inca. Isto é da maior importéncia no debate atual. A “lustragdo (Aufklarung)” dos americanos tem de ser incluida no “Tempo eixo” de Jaspers, como veremos. Na regido mesopotamica (suméria, acadica, babilénica, etc.} floresceré um centro de alta cultura neolitica de regadio™. Existia um conjunto de cidades j4 no IV milénio aC, tais como, Ur, Eridu, Erec, Larsa, etc. “Por volta de 4000 aC, a enorme regide de terra semi-arida, que das margens do Mediterrénec oriental se esten- de até a India (cujo coragao era a Mesopotamia), estava povoado. por um grande numero de comunidades”. A cultura do Tel-el'- Obeid chegou a se estender a “toda a Asia ocidental antiga, desde 0 Mediterraneo até as mesetas do Ira’. Sobre este caldo de cultura nasceu Sumer. Por ocasiao das lutas entre Lagash e Umma, o rei Eannadu nos deixou estelas de gloriosas campea- mhas. Pouco depois o rei Mesilim de Kish estende seu dominio no ano 2700 aC, e assim se sucederdo, uns depois dos outros, os reinos, reis, pequenos impérios. O templo mais espléndido de Sumer era um jardim em forma de piramide escalonada (0 Ziggurat de Ur) edificado em honra de Nanar, a Lua - como na imensa Calzada de los Muertos de Teotihuacan em México -; enquanto que em Nippur ou An en Uruk se adorava Enlil. O universo tinha um “centro”, onde se reuniam o Céu-Terra-Hades (Dur-An-Ki)”, ¢ cuja ligagao era a “montanha mitica”: 0 Ziggu- rat. Esta visdo mitol6gico-ritual supunha um altissimo grau de racionalizacao. Os mitos supdem uma tacionalidade de alto grau de criticidade, uma certa “ilustrag&o (Auskldrung)”. S6 a lingua- gem humana e seu ciscurso simbdlico sistematizado em “rela- tos” com sentido é uma obra enormemente desenvolvida da yaz4o. Levando em conta somente os indigenas bororos, e outros vizinhos do Brasil tropical — cujas mitologias nao sao tao elabo- yadas como as da Mesopotamia, do México antigo ou do Peru dos Incas -, Claude Levi Suauss descobrira mitos com estrutu- yas, momentos de sistemas de uma enorme complexidade codificada racionalmente: Os mitos repousam sobre cédigos de segunda ordem (pois os de primeira ordem sao aqueles em que consiste a linguagem)". 92 Desde a Mesopotamia até o Império inca teremos, entéo, o mundo racional do mito em civilizagdes urbanas. Cortés se defrontara, de certa maneira, com uma consciéncia racional situada no mesmo nivel do neolitico das culturas que indicare- mos a seguir. Séculos depois, no famoso Cédigo de Hammurabi (1728- 1686 aC), expressar-se-do os principios éticos de universelidade racional definitiva: Aqueles a quem governei em paz, eu os defendi com sabedoria, de mado que o forte néo oprimisse o fraco e se fizesse justiga ao 6rfao @ & vitwa”® O Egito”, pela configurag&o dos desertos que cercam 0 rio Nilo, procede do préprio coragdo das culturas bantus, de onde procedem os mitos de origem”. No final do IV milénia aC (ern toro de 3000 aC), o “Reino do Sul” (bantu, afticano, negro} vence o “Servidor de Hérus” do norte”. O fundador da primeira dinastia “tinita" (por causa da cidade de This ou Tinis, nao longe de Abidos) inicia a histéria institucional da “nagéo egipcia”. O nivel ético desta cultura foi imenso. Lemos no Livre dos mortos: Dei 0 pao ao faminta, agua ao que tinha sede, roupa a0 nu e uma barca ao naufraga, aos deuses, oferendas e libag6es ... Espiritos divinos, livrai-me, protegai-me, ndo me acuseis perante a grande divindade (Osiris)!" A “carne” - n4o © corpo ou 4 alma”™ - morte e tessuscita. Isto mostra, num nivel de racionalizacao “mitica", que esta carne tem uma dignidade absoluta, e por isso dar pao, Agua ou roupa ~ese falta a “casa” @ porque no clima quente do Egito era mais importante uma “barca” que servia de casa e de meio de subsisténcia, de transporte - 6 0 principio ético concreto abso- Into”. No Leste, no vale do Indo (hoje Paquistao) até Penjab, floresceram culturas tais come as de Mohenjo-Daro e Harappa —cujas muralhas podem ser datadas de 2500 aC. Junto com elas, cidades como Amri, Canhu-Daro, Jhangar, Jhukes, Nal, estavam. divididas em quadras com Tuas de até oito metros de laigura. Hoje em dia se descarta a “invaséo” indo-curopéia dos arios, mas certamente o sAnscrito foi a lingua comercial e sagrada que 93 foi se impondo lentamente em toda a area. BE o tempo do Rig-Veda, quando a experiéncia primitiva receberé a superpo- sigéo de grupos dominantes (as “castas”)”. No “tempo eixo” Buda comegara sua critica a religido de castas e iniciard o caminho estreito da “comunidade” de monges contemplativos. Sempre para 0 leste, na regio chinesa do Rio Amarelo”, deixando de lado a mitica dinastia Hsia, devemos remontar a 1523-1027 aC para ver reinar a dinastia Shang, que conquistou © Yangtsé, o Chansi e Chen-si, cuja capital era Anyang. No “tempo eixo” (proposto por Jaspers) Confticio exprimiu sua sabedoria. No Tao te King de Lao Tse lemos: Calma significa inagdo, e quando prevalece o principio da inagao, cada homem cumpre seu dever. Inagao significa estar consigo Iesmo, e, quando se esta em paz consigo mesmo, as penas e oS temores ndo podem preocupar e ento se goza de longa vide*. O Tao é 0 absoluto. Uma moral da “ordem” do Tao, a Totalidade, imperara por séculos. Os chineses, com sua nave- gagao experimentada, certamente chegaram. aléas costas orien- tais da Africa, mas parece que também as costas ocidentais da América. Nao sera a antiga “Catigara” do mapa de Martellus de 1487 - que navegantes 4rabes e chineses tinham comunicado aos portugueses - a cidade Chan Chan pré-inca da costa do Peru?” De qualquer maneira, a historia do neolitico nos levou, em sua rota em direg&o ao Oriente, até as costas do Oceano Pacifico. Mas nosso caminho nao terminou... apenas 0 comega- mos! 2. O Oceano Pacifico e o “Cemandhuac”, “Abia Yala”, “Tahuantisuyo”” A nova viséo da Historia Mundial, que deve incluir nao s6 a Africa ea Asia, nado como momento “imaturo” (a Unmiindigkeit de Kant}, mas como progresso consistente da Humanidace, inclui também os povos amerindios ao Oriente do Pacifico. Na realidade foram as populagées orientais do Oriente, o Extremo- Onente do Oriente. Eram asidticos por suas ragas, lInguas, culturas. Colombo morreu afirmando ter chegado a Asia; gragas a Américo Vespucio se soube que era um “Mundus Novus". Do que até agora nao se tomou consciéncia (pelo menos ao nivel da consciénela cotidiana ¢ do ensinamento da historia em colégios secundarios e universidades) é¢ que na realidade a Amerindia era 0 Extremo-Oriente da Asia: 0 “ser asidtico” da América era seu ser auténtico, contra a conclusio de O'Gorman. Vejamos isto por partes, © pata nunca mais se afirmar que 0 “descobrimento” da América dé o “lugar” aos amerindios na Historia Mundial {como contexto do descobtimento). Seu “lugar” € outro e o “descobrimento” agora é interpretado nao s6 como “encobrimento” mas também como “invasdo” genocida. Para isso sigamos, como aconteceu, a historia da humanidede “para 0 Leste”, para o Oriente. Ha diversas dreas de contato entre as culturas “pilares” (Mesopotamia, Fgito, Vale do Indo, vale do rio Amarelo, Meso- américa e a zona Inca). Uma delas é a do Mediterraneo oriental”. Mais importante, quanto a relagao das culturas de tedo o continente euro-asiatico, 6 a dea migratoria da Asia central - com (I} no esquema anterior”. Desde a Mongolia — regidio onda se domestica 0 cavalo no V milénio aC -, eem seu meio odeserto de Gobi®, atravessando o Turquestdo oriental au chinés (Sin- Kiang, de Dzungatia ao vale do Turfan, o Tarim) e 0 Turquestao ocidental ou russo (o Turan), para se abrir em diregao ao sul pelo Tra e para 0 ceste pelas estepes que se abrem pelo norte do Mar Negro 4 Europa. Esta imensa regio de caravanas e caminhos, 0 “caminho da seda”, é a chave de toda a historia do continente euro-asialico até o século XVI. Desta area seréo “empurradas", entre outras, aS invasdes de cavaleiros com armas de ferro, desde os hititas ou hicsos, dos aqueus ou dérics até os jénios, ou, posteriormente, das persas ou dos germanos. E é justamenie no momento em que os turcous dominarem estas regides (onde tinham estado presente desde 760 aC no Turfan) que os euro- peus deverdo lancar-se no final do século XV dC ao Atlantico, pata retomar 0 contato com o Oceano Indico separados pelo “cerco” ou o “sitio” mugulmano - como veremos em excurso desta Conferéncia 6. Por sua vez, 0 Oceano Pacifico (tanto para os espanhdis como para os astecas e incas o “Mar do Sul", e no mapa de a5 Martelius o “Sinus Magnus” miticd) é a area de contato - com (I) do esquerna anterior — que nos interessa. O “Grande Mar” dos gregos era um horizante percorrido por peritos navegantes. neoliticos; o “centro” da primeira-histéria americana {a Proto- histéria americana em sentido estrito, forte). Muitos milénios antes, numa época interglacial, uns 50.000 anos antes de Cristo, segundo as ultimas medigées, caminhando através do estreito de Behring, pelo vale de Anadir e o rio Yukon, passaram numetosas migragées asiaticas, “descobrindo”™ estas temas, e comecando assim nossa proto-histéria (de modo algum a “Pré- historia americana”). Fugiam da Asia pressionados pela expan- sdo demografica do Gobi ou Sibéria - os que vieram por titimo, que ficaram entre os dois continentes, séo os esquimés -, de Tapas australdides, tasmandide, melonesdide, proto-indonésio, mongoloide e até malaio-polinésicos. O amerindio, entao, é asidtico, mas habitante origindrio das costas ocidentais do Pacifico especificamente. S6 a modo de exemplo, desejamos indicar alguns fatos para “situar” a América Latina na Histéria Mundial. De fato, cerca de 1700 aC, expulsos da Birmanla, Java ou de outras ilhas da Indonésia ou do su) da China, os proto-polinésios se langaram ao grande Oceano. Passaram pela Melanésia (Nova Cuiné}, dali para Samoa - onde ha restos fosseis desde 806 aC, Alguns foram para o nordeste (Micronésia), até Havai (onde chegaram em 124 dC}; outros para o leste (ilhas Marquesas) e para o sudeste (IIhas Sociedade e Tuamatu, Taiti, Pitcaim, etc.). Duas invasdes che- garam até a ilha de Pascoa, a ultima de cultura Ariki, a centenas de quilémetros do Chile. Pelo Pacifica sul a Corrente de Hum- boldt permitia que, em julhe e agosto, as grandes balsas (com. até 150 pessoas, e durante 4 ou 5 semanas) pudesserm navegar de Taiti até a itha de Pascoa e as costas dos araucanos do Chile ou dos incas do Peru. Das ilhas Christmas podia-se navegar, gragas a corrente equatorial, chegando-se as regides maias e astecas. Pelo norte, casteando o continente (esta era a maneira da navegagae chinesa) unia-se mais facilmente a Asia nordeste com o Alasca, até o teritorio californiano. Correntes migratérias das culturas do Pacifico ‘As sotas indicam as migragoes transpaciticas e comtinentais OQ Oceano era um “mundo” cultural. Por exemplo, o conceito je machado {arma de guerra ou instrumento de trabalho) era axpresso pela palavra tok/ nas ilhas Tonga, Samoa, Tahiti, Nova 2elandia, Mangereva, Havai, Paéscoa e entre os araucanos do Chile. Os verbos tokin e thokin significam mandar, governat, ulgar. “Ao dispor por categorias nossos dados objetivos, pode- nos deduzir que a corente isoglossematica do toki se estende desde 0 limite oriental da Melanésia, através das ilhas do Pacifico, até o territério americano, onde penetra como vocabulo de cultura, e, em toda esta trajetéria, os significados deste vocabulo sofreram idéntica transformagdo semantica””. Da cnesma maneira, em linguas polinésicas e em quéchua (uma das 4nguas do império inca) séo semeJhantes o verbo levar (auki, awid), meio (waka, huaca), comer (kamu, kamuy), veltio (auki, Awki), guerreito (inga, inga), forte (puhara, pucara)”. Mas se passarmos para outros niveis culturais, 0 do “circulo da cultura” -— como diria W. Schmidt ou Graebner - as seme- changas entre polinésicos e ametindios séo assombrosas. Frie- dericl mostrou que a taclla ou pd da agricultura peruana é idéntica até nos detalhes secundarios 4 taclia maoria de Nova Zelandia. No sul do Chile se bebe a kava, bebida nacional polinésica, denominada do mesmo modo e fermentada mascan- do a raiz de certas plantas. Mostrar a lingua como gesto sagrado tem 0 mesmo sentido religiosc em todo o Pacifico, inclusive na india, nas estatuas ciclpeas da Ilha da Pascoa e até entre os astecas (“mostra a lingua” o Huitzilopochtli da quinta Idade do Mundo da “Pedra do Sol”, hoje exposta no Museu de Antropo- logia do México). A tudo isto poderiam ser acrescentados milhares de elementos tais como a identidade ou semelhanga 3m zarabatanas, propulsores, macands, anéis, arcos, fundas, lagos, anzdis, pontes de cipds, remos, balsas, canoas duplas, decoragao da proa, tipos de habitacéo, morteiros, assentos de madeira, redes, mosquiteiros, escovas para cabelo, abrigos de fibras contra a chuva, técnicas téxteis, omamentos nasais, tambores de madeira - que se tocam com o mesmo ritmo -, arcos musicais, flautas, diversos tipos de jogos, bebidas alcod- licas, cultivos em terragos, tipos de imigagao, pesca com vene- nos, oferendas religiosas de conchas, dangas com méscaras, 98 mutilagdes, etc. A estes detalhes externos deve ser acrescenta- do o “sentido” dos instrumentos dentro de sua fungao ritual, as palavras que as exprimem, as musicas, ete. Tudo isto nos permite afirmar que o Pacifico foi o centro cultural da proto-historia amerindia, j4 que de suas costas puderam tirar sua influéncia em numerosos aspectos culturais para as mesetas do México, Guatemala, Peru: a “América nuclear” urbana. Por sua origem e por sua proto-histéria a Amerindia é parte da Asia em torno do nucleo gerador das culturas do Oceano Pacifico. Nao se quer afirmar — e seria um grave emo, pois no México foram encontrades no lago de Tezcoco fésseis de agricultura do VII milénio aC - que as culturas urbanas ou outras tiveram origem por influéncia poli- nésica. Absolutamente. Quisemos apenas sugerir que, proce- dentes da Asia (“origem do homem americano”, atravessanda o Berhing), o Pacifico continuou sendo um espage de inteream- bio cultural. Em sua costa orfental, portanto, havia uma imensa massa continental, com diversos nomes, segundo os povos qué ahabitavam: o Cemandhuac dos astecas, o Abia Yala dos kunas do Panama, o Tahuantisuyo dos incas... diversos nomes autéc- tones para um continente ja humanizado em sua totalidade quando Colombo chegou. 3.0 “tekoha”” ou “mundo” de um povo autéctone americano Desde a Asia, desde o Pacifico, os poves amerindios foram descendo durante 50 mil anos, desde o Alaska, pelos vales {desde os Grandes Lagos, pelo Mississipi-Misstii até Flérida e o Caribe, pelas ithas Antilhas e outras até o Orinoco, 0 Amazo- nas, © Rio da Prata; hoje diriamos: de Chicago a Buenos Aires) ou pelas montanhas (pelas Rochosas para Sierra Madre Oriental ou Ocidental no México, que como um imenso funil produziu uma enorme concentragaéo demografica, em dire¢do aos Andes colombianos, peruanos, e até Terra do Fogo). Asiaticos por ragas, linguas, religides, foram “dando origem” em seu longo caminhar migratorio a novas culturas, com centros semi-auté- 99 nomos, coM escassos contatos entre si. Todos eles, desde os simples pescadores e coletores do extreme sul (como os alakaluf ou yahagan} ou do extremo norte (como os esquimés) reconhe- cem uma grande divindade uranica mitica que imediatamente se toma “dual” (a Grande Mae-o Grande Pai, os irmaos ou irmas gémeas ou os principios abstratos da dualidade), Parentesco taitico assombroso de todo um continente“. N&o é nosso pro- pésito aqui descrevet a vida, nem o "mundo" dos amerindios, mas somente sugerir seu lugar na Historia Mundial. Houve wés graus, em nossa interpretagéo, de desenvolwi- mento cultura] dos povos americanos na proto-histéria do con- tinente. Num primeiro grau, no caso dos clés e tribos de pescadores, cagadores e coletores nomades do sul" e do norte”, Num segundo giau, os plantadores com aldeias de clas, tribos 2 confederagéo de tibos (pré-urbanos), das culturas das Cordi- Yheitas a0 sul e sudeste do império inca, até os amazénicos (tupi-guaranis e aruacues), caribes, e as culturas do sudeste, das pradarias e do sudoeste do atual Estados Unidos. Num terceiro gfau a “América Nuclear” ou urbana, desde Meso-Ameérica (dos maias @ astecas do México ¢ Guatemala) até os Chibchas da Colombia e a area do império inca do Equador ao Chile e Argentina. Imenso "mundo" cultural que ocupava todo 0 conti- nente, que havia “descoberto” rios, montanhas, vales, pradarias; que thes pusera “nomes” que cs tinha incorporado em seu “mundo da vida (Lebenswelt)” com um sentido humana pleno. Isto néo era umm “vazio" incivilizado e barbaro: era um “pleno” de humanizagao, historia, sentido. Tomemos um exemplo entre as culturas de segundo grau, Um destes povos que habitam as selvas do Amazonas até o Paraguai, os Tupi-Guarani, e que em suas manifestagées cultu- Tais externas puderam parecer totalmente desprovidos de todo desenvolvimento™: e que por isso poderiam parecer verdadeiros “parbaros” em seu sentido mais primitivo, no terceiro sentido de José de Acosta“, sfio esse “Outro” totalmente “encoberto" no fendmeno do “des-cobrimento” (que como um “1492” dia- crénico e metafdrico vai se fazendo presente em todo o conti- nente com o passar dos anos, desde o século XV até o presente. Mas 0 “mundo” daqueles povos, em seu sentido heideggeriano 100 existencial, nao difere, pelo seu desenvolvimento humano, mui- to do moderne se “entrarmos” no nicleo de sua experiéncia cultural. De fato, expressa o “grande canto” Ayvu Rapyta como nucleo gerador de seu “mundo”, de seu “mundo da vida (lebens- welt)", 0 seguinte: © verdadeiro Pai Ramandu, o Primeiro, de uma parte de seu proprio ser-de-céu®, da sabedoria contida em seu ser-de-céu com seu saber que vai se abrindo-como-flor”, fez com que fossem geracias chamas e ténue neblina. Tendo se incorporado e erguido como homem, da sabedoria contida em seu set-de-céu, com seu saber que se abre-qual-flor conheceu pata si mesmo a fundamental palavra futura... e fez com que fizesse parte de seu proprio ser-de-céu... Isto foz Namandu, o pai verdadeito, o primeito"*. Toda a existéncia guarani era um culto mistico, profunda- mente racional, da “palavra": palavra como divindade, palavra como "nucleo inicial da pessoa (ayvu ou nhe’é), como porcao divina por participacdo""; “palavra-alma” como a esséncia do ser humano; palavra que se descobre no sonho™, que se inter- preta, que se expressa no “canto ritual” que se festeja. A vida de uM guarani comega quando lhe é imposto um “nome” - momento originario da vida - e na realidade sua biografia nao ¢ senéo 0 “desenvolvimento” de sua palavra: “aquilo que man- tém-em-pé" o fluir do dizer”™, A existéncia humana se "funda- menta”, se “pOe-em-pé” a partir da palavra eterna de “Nosso Pai Nhamandu’, expressa quando se nasce (quando se “abre- em-flor", quando é criado), e que guia 0 "modo-de-ser" de cada guarani: 0 teko™: Oh nosso Primeiro Pai! Foste tu que por primeito conheceste as normas de nosso mado- de-ser (teko). Foste tu quem por primeito conheceste em ti mesmo o que havia de ser a palavra fundamental, antes de abrir e manifestar a morada terrena (tekkoha)". A motada terrena 6 0 “lugar” que o guarani "abre”” na selva para fazer sua aldeia, para praticar a agricultura, para “viver™ 101 humanamente. F ali onde desenvolverd sua “palavia”, a partir da “palavra fundamental” (como o destino) misteriosamente oculta desde a origem no Primeiro Pai que se “abre-em-flor”, criador. Apalavia é sempre comunitaria e econémica, num sistema de total “reciprocidade”: A festa guarani néo é s6 uma ceriménia, é também a metafora concreta de uma economia de reciprocidade vivida ... O intercam- bio de bens, sejam de consumo ou de uso, ¢ regido por principios de distribuigao igualitéria, segundo os quais a obrigagao de dar supe a obrigagdo de teceber, e receber se toma, por sua vez, Obrigagdo de dar. Por isso o interc4mbio 6 de fato um didlogo social, mediante o qual o que mais circula é o prestigio de quem sabe dar e a alegria de quem sabe receber, segundo o modelo dos Primeiros Pais e Primeitas Maes que ja na origem convidavam 2 ram convidados™. A “festa” é o lugar da “palavra" (inspirada em sonhos, cantada em longos relatos miticos e improvisados, dangados Titual e comunitariamente com ritmo e musica de grande beleza durante dias) ¢ da reciprocidade econdmica: quem participa do banguete se obriga a convidar e participar de sua produgao”. Por causa disto tudo, por serem povos que migravam pela selva - que em poucos anos esgotam os terrenos que Nac server mais pata nova produgiio agricola - toda a existéncia de cele- bragao da "palavra” estava destinada a chegar 4 “terra sem mal": A expressao: yvy marane’y, que os modernos etndélogos traduzern como terra sem mal, significa simplesmente “solo intécto, que nao foi edificado”, ou ka’a marane'y é “mato de onde nao foram tirados troncos, nem manuseado"®. B uma “terra” onde ndo havera inimigos para expulsar, nem animais daninhos para matar, nem se devera tabalhar para comer...; terra onde em reciprocidade perfeita se devera cantar, dangar, proferir a “palavra fundamental” etemamente. A palavia na alma do guarani. Ayvy: palavia-alma; alma-palavra. A vida e a marte do guarani sao a vida de sua palavra e a medida de suas realizagdes e de suas crises € dada pelas formas que toma sua palavra. A historia do guarani é a historia de sua palavia, a 102 palavra que lhe é imposta com o nome, a palavra que se escuta, a palavra que ele mesmo dir, cantara, vezara, a palavra que em sua morte ainda é a paiavra que foi: ayvukue®. Estranho seria procurar dizer tudo isto ao conquistador do Rio da Prata, e mesmo aos generosos € profundos jesuitas que tealizaram as magnificas Redugdes do Paraguai. Aqueles “indi- genas”, barbaros... erarn cultores insignes da "Palavra” eterna, sagrada, historica, no meio das selvas tropicais. Para conhecer seu “mundo” teria sido necessario conhecer sua “lingua” (sua “palavia’), té-la “vivido". Para “dialogar” com eles teria sido preciso viver seu proprio “mundo”, a partir de sua tekoha téo bela, téo profunda, tao racional, tao ecologica, tao “desenvolvi- da”®, to humana. Para estabelecer uma “conversagao” - no estilo de Richard Rorty - teria sido preciso “des-cobrir” o “mundo” do Outro, estabelecer antes as condigées de possibi- lidade dela. Nesse caso a “compreensio”, o “acordo” nao seria incomensuravel, embora sempre dificil. Porém, ao mesmo tern- po, sem as referidas condigées, no eurocentrismo dos conquis- tadores {posigao também do moderno Ginés de Septilveda e partilhada hoje por racionalistas que parece crer que é facil o didlogo ou que pelo menos nao desenvolveram uma teoria de suas condigdes de possibilidade, como J. Habermas), nem a “conversagdo” é possivel (muito menos uma argumentagao na “comunidade real de comunicagéo”). Historicamente, infeliz- mente, tudo isto ficou “en-coberto" desde os tempos do “des- cobrimento” da América pelos europeus. Aquele mitico 1492 foi sendo diacronicamente projetado sobre todo o continente com um manto de esquecimento, de batharizagao, de “modemiza- go". Poderiamos dar centenas de exemplos de povos menos desenvolvidos {come o3 némades co sul ou do norte), ou mais desenvolvidos (da América Nuclear). O dos guaranis, contudo, @ suficiente para indicar a questdo. Das culturas da “América Nuclear” nos ocuparemos, novamente como exemplo, dos na- huat] nas préximas conferéncias. 103 Europa periférica do Mundo Muculmano (1480-1500) 1 Ruropa periténice U império otomano 1 Outros povos mugulmanos V A Borda Dourada (1480) V A Horda Azul (1480) ‘Vi Outrae horas mongois VIL irapétio Sataw 1500) VIII Império Monge! (1800) ix China X Comerciantes muguimanos Xi Mindanao {Fiipinas} mogu'mana XB Coptas (0 “Preste Joan") A Oceano Atlantico B Mar Mediterraneo C Mar dos Arabes DO Sinus Magnus (0 Oceano Pacifico) Fonte: Amold Toynbee, Historical Atlas, de A study of history, Oxford University Press, t. XI, 1962, p. 132, 158 e 164. Notas 1. Abnt-em-fior significa crier. 2. Jé vetemos, também entre os astecas e maias, que o “fundamento" @ onde se apéia, repouss, assenta, @ as casas “se poem de pd", Da meama maneira a humanidade & “palavra’, mas sua “palavra’ se assenta no Grande Pai Origindrio antes da criagao (abir-se em flor"} do universo, 3, Sor-de-céu é ¢ divino, 4. Bntre os Ava-Katu 0 oporaive 6 o “cantor”. O “canto” ¢ a expressdo humana saprema, 6 0 lugar onde o divino origindrio e o humeno se unem, onde se unem o individuo e a comunidade. a histaria ¢ o futuro (a “terra sem mal”), a Terma, @ selva, 0 cfu. E a tealizagso plena do “set” Cos tupi-quaranis, 5, Tupac Amaru usava esta expressdo para se zeleris aos espanlisis: “europens’. Ver Rolesiso Lewin, La rebelidn de Tupac Amaru, SELA, Buenos Altes, 1967, p. 428 Paz anos ponsamos em denomrinar de “intrusio” o ato violento dos europeus, mas foram as assembleias indigenas no final da década de 80 que nos Impugetam o cor ‘ito de “invasao" de um comtinente 8. E, O'Gorman, numa entievista na televisdo, disse anos atras que os incilos n&o uinham descoberto a América porque nem noticia tinham do continente como tel. De fato, nunca deseobsiram @ continente como uma totalidade. Simplesmente “vivian” sobre um espaco piépiio, experiéncia velirica regional, nunca global. Mas o que muitos parecem ignorar é que, de qualquer maneira, os indios, a partir de sua sudjetividace humana, foram as ptimeiras pessoas que ocuparem culturalmente estas tetias america- nas e, POT isso, a experiencia do “descobrimento” européfa 6 “segunda”. Ela se sobrepbe sobre a “primeira” experiéncia indigena, ¢ isto precisa set expresso filosoficamonte. Heidegger nos permite também desctever o “mundo” indigena dentro do qual aparecem as europeus “descobiidores’, Mas esta perspectiva nfia @ acotada de fato como palspectiva metodologica pot Edmundo O'Gorman. 7. Ao esciexer estas linhas, aqui em Zihuatanejo, Estado de Guerrero (México), ‘escuto a cadéncia das ondas do Grande Mat dos gregos, do Sinua Magnus de Martellus 2 Colombo, do Mar del Sut de Balboa, do Oceano Pacitica. Creio que perto deste oceano 60 lugar exato para comecar esta Segunda Parte dlestas Conferéncias 6. “Quetzal” um péssaro de maravilhoca beleza da América Centual; suas penas eram sinal de divindade. “Coal” é a dualidade, os dois prlnctpios do Universo. Gueval-Coatl, na realidade represen‘ado como serpente pelos astecas, ofa a suprema divindado, 0 principio dual do universo, como veremos. 9. Ver Leopoldo Zea, América en ia histona, FCE, México, 1957. Nessa época, para Zea, a “oultura ocidenial” acaba sondo a dos Estados Unidos {jé que a prépria Europa fica “a margem do Ocidente”, p. 155s), fa “cultura ocidental” que se tornou mundial ip. 888). Do mesmo modo que em suas obras anteriores (por exemplo América como conciencia, Cuademos Americanos, México, 1953, ou La esencia de Jo amesicano, Pleamar, Buenos Aires, 1971) a “cultura ockdental” é para Zea a chave de sua interpie- tagdo. Depois de nosso encontro de San Miguel (com Salazar Bondy e em tomo do tema da “Blosofia da lbertagdo"). Zea adota a chave da “dependéncia” (ver. por exemplo, Filosofia de la Historia Americana, FCE, 1978). Agora ha um projeto colontzador tbérico (. 102s) ¢ ocidental, norie-amencano (p. 133s). Diante doles, € contta a dependéacia, ‘ha um projeta libertério (p. 189s}, outta conservador (p. 211s), e pot dltimo civilizador- liberat (p. 244s), que s40 subsumidos num “projeto assuntivo” (p. 269s) como sinteso do todo 0 passado e com viséo de futuro - Simon Bolivar e Marti so figuras centrais. Em toda esta interpretacéo, contude, nao existe algo semelhante a um “projeto indigena” ‘ou amerindio; tampouco exiscem os das classes, gnupos gu ethias subalternog, quez 105 dizer, parece que néo se descobrtu um “projeto de iberagao” do bloc social dos ‘oprimidos, do pove latino-americano explorado, empobrecido. 120, Tratei longamente este tema em algumas de minhas obras. Em minha obra Hipstesis para ei estudio de Jatincamética en la Historia Universal, Universidade de Nordeste, Resistencia, Argentina, t. L 1966, 268 p., onde hé uma extensa bibliogratia. ‘Também na Introduccion t. 1/2 da Historia general de ia Iglesia en Amétice Latina, Siguerne, Salamanca, 1968, p. 108s; 5i humeniz heléaico, EUDEBA, Buenos Attes, 1575; Ethumanismo seme, EUDEBA, Buenos Aires, 1969. Especialmente meu artigo Iberoa- maérica en ja Historia Universal”, era Revisca de Oocidente, Madrid, 25 (1965). p. 85-95. All {4 propus as hipdteses que agora resumirei novamente. 11. Darcy Ribeito, em sua obra O proceso civiizatinio, Peudpolis, Vozes, 1991, 10 edig2o, escreve: “Na fixacéo do paredigma de Estados Rurais Artosansig t:vemos om mente ... as cidades-Estados que inaugurar 2 vida plenamente urbane, com base na agricubura de tegadio ¢ em sistemas sécio-econtmcos coletivistas, antes de 4000 aC na Mesopotamia (Halat}, entre 4000 e 3000 aC no Egite (Manis, Tebas); na india (Mosnjo-Daro) por Yolta de 2800 aC; antes de 2000 aC na China (Yang Shao, Hsia}; smulto mais tarde ... no Altiplano Andino (Salinar Gelinazo, 700 aC, e Mochica, 200 aC); na Meso-América {Usamal, 300.dC), na Colémbia (Chibcha, 1000 40)" (p. 80). Ribeiro esquece aqui o manda meso-americano, Por exemplo, 0 conjunto Zaeatenco-Copiloo. Juntoao lago Tezcoco (eubizbio da cidade do México) loresce 2000 aC; mas suas 6pocas eléssices devern ser situadas entie 360 e 900 dC para a drea yucantano-asteca (eotihnacén HI floresce no ano 700 dO), ¢ para o Tiahuanaco do Titicaca holiviano enue 400 e 800 dC. 22. As setas nio indica nenhama relagdo necessariamente direta enue a3 cutturas, mas simplesmente uma direy4o no espagoe ume posterioridade De termpo, que am algum caso pode ser relagSo direta (como entre os polinésios e as culturas urbanss: amerindias). £3, Pata Cowald Spengier foram: a egipcia, habiléntca, indiana, chinese, gre0o-10- mana, Arabe, mexicana ¢ ocidental (A decadéneia do Ocidente, Fd. Calpe, Maciid, t. LIV, 1923-1927}. Claro que interpreta eurocentricamente toda a histéria mundial com do Teduzido niimero de cukturas. Nés estamos nos relerindo 56 as primeiras @ mals fundamentais culturas necliticas em cada macro-regido. Para Amold Taynbee (A study of History, Oxtord University Press, Londres, t I-XI, 1934-39} havia seis civilizagdee primérias: egipeia, suméria, minéica, sinica, maiz ¢ andina. Fxclui a indica e inci a indica. Alfred Weber nos fala da “histénia des grandes culturas egipcia, eumero-acd- dio-babilinics, chinesa e indostanica, os quavro pllaes da historia” (Kultuweschichte als Kultursoziologée, Piper, Manchen, 1963; wad. espanhola, FCE, México, 1960, p. 12). A elminagdo da América Latina & evidente € continuard em toda a interpretagdo eurocéntrica de Weber. Tomarei dele, porém, a idéia das Prindren Hochkuituren (Grandes cukuras primérias). Karl Jaspere (em Vom Umprung und Zell der Geschichte, Piper, Munchen, 1963} da importincia av Achsenzeit {tempo-eixo}, que ele situa no tempo de Confiicio, e Lao Tae na China, nos Uparishad da fndia, de Buda no Nepal € norte da fndia, de Zaratustia no é, dos primeitos grandag profetas de Israel (Etias, Isaiag), @ dos primero flésofos pié-socréticos na Grésia: “A época mistica nha ‘terminado e com ela sua trangia placides e sua ingenuidade” (p. 22). Este “ternpo- 1x0", evidentemente. ndo se situa no comega da revelugéo neailtica-urbana, ¢ sim como ‘sua cuiminagdo. Além disso, ¢ mais uma vez, a Aniérice Latina ficard de fora, Jespers: nao sabia nada da sabedoria critica dos Tematinime ou de umn Nezanualeoyotl no México nem dos amauias do impérie inca (a quem Toynbee, porém, attibui o fato de tor ‘comecado uma etapa aritica e universal do pensamento: “the vitacochinism”, da visdo weoldgics de Viracocha, 0 “Fazedor otigingrio do universo”), Para Jaspers as cuituras superiotes foram: a mesopotémice, o Egits, o Indo e Huang-ho, és quais depois se actescentariam a civiizago mediterranea, india ¢ Chins. § sobre elas que depois viria 108 0 “tempo eixo”. A Saaculum Weltqeschichte (ed. H. de Franke e H. Hoffmann ¢ H. dedin, Ed. Herder, Freiburg, iniciada em 1966, t. 1) propde j4 “zonas de contatos”, idéla que 1néa tomaremos Nos casos das ootapes ouro-asiéticas © das cukuras do Pacifico, 14. Ver D.-O. Edzard, Im Zweistromland, em Saeculum Weltgaschichie, I, p. ‘239-281, eem outros muitos lugares desta obra; C.L. Walley. Ur, ie cuidad de los Caldeos, ‘tad. castelhana FCE, México, 1953; Idem, The Sumerians, Oxford University Press, Londies, 1928; André Parrot, Archéalogie Mésopotamienne, Paris, 1946; € tudo o que se refore & Mesopotémie em Cambridge Ancient History, varias edigées. 15. Gordon Childe, Los arlyenes de Ja civilizacién, FCE, México, 1969, p. 174 16. Jouyet-Ohorme, Les premidres civilisations, PUF, Paris, 1960, p. 116. 17. Cf. B. Burrows, Some cosmological patterns in Babillonian religion, em The Labyinth, Londres, 1950, p. 45-70. 18. Mitologias. Lo erudo y io cocide 1, BOB, México, 1986, t. 1, p. 21. Pare Levi Strauss sua propria linguagem etnografica, que é uma interpretagia de mitos, constitul ‘um terceno codigo, significa uma metalinguager, mas “de modo diferente da 1eflexdo filosbfica, que pretende se remontar até sua fonte, as reflexdes que watamos aqui se Teferem a raics catentes de todo foco ... postulam contude uma ongem comu. 1: ponto ideal onde convergiriam os raios deavindos pela estrutura do mito” Uhid,, p. 15). E claro que a metalinguagem interpretativa da etnologia nao é a metatinguagem filosifica. Mas, de qualquer maneira, 0 mito esta Jonge de ser uma linguagem ingénua, ndo erftica. Significa um processo de zacionalizagao que ocupou & humanidade durante centenas de milhares de anos (se considerarmos que 0 home habilis apateceu ha trés ou quatro Tnilhdes de anos), ¢ dezonas de milhares de anos no desenvolvimento do home sapiens. 19. O principio ético da “exierioridade” ou Akeridade (0 érldo, a vitiva, o estren- geito, 0 pobre...) supera o nivel 5 e 6 dos niveis éticos de Koblberg, porque questiona atéa “universalidade” de um “mundoda vida" - no qual permanecem de todas os modes: ‘0s eitados niveis de Kohlberg ou os dois principios de John Rawls, “Lberals” e por isso limitados 4 experiéncia da Lebenswelt moderna). 20, Ver E. Otto, Im Niital. Aegyptan, em Szeculum Weltgeschichte, I, p. 282s; E Drioton @ J. Vandier, L Boypte, Clio, PUF, Paris, 1962; John Wilson, La cultura egipcia, PCE, México, 1958; Jougel-Dhorme-Vandter, Les premiéres civilisations, em Peuples et ‘Givlisations, 1, p. 21-300; ate. 21. Fat provado recentemente que Osiris, o deus da ressurreico da came, @ sabe ‘cujo pedestal eo construiu toda a cultura do Nilo (sondo as pirdmides tumbas de mortos ‘que esperam a ressurrei¢ao, tal como descteve C livro dos mortos), procede das culturas ‘pantus da Africa negra - que desta Maneita "enuam” na Historia Mundial, que Hege! tinha deixado “fora”. 22, Por isso, sempre, 0 farad egipeio usaré duas coroas, mas a primeira que ‘Sclocava em sua cabega, ¢ olhando para o sul, era @ coroa "negra" bantu. 23, Papiro fu, wad, espannola de Juan Betgua, Madrid, 1962, p. 181-182 24. Este é 0 argumento de minhas primeitas obras, desde £? humanisino sernita, id citado, a1é 7 dualsmo en Ja antropoiogla de ia crstiandad. La antropotogia desde a! ‘origen del cristianismo hasta el descubsimiento de América, Guadalupe, Buenos Aires, 1974, Uma fitosofia da Libertapso devia ser situada a parti de seus antecedentes mais Jonginquos na Hietéria Mundial, ¢ foi o que fiz. Por isso, a censura de Arturo Roig ou de ‘Leopoldo Zea, de ter pretendido ignorar a hist6rla, me parece parcial. De fato, Zea me critica (ver Dependencia y Libemcién on Is Filosofia Latinoamericana, em Fiosofla y cultura latinoamericana, Centro Romulo Gallegos, Caracas, 1976, p. 21 interessante estacar a reayo que diante da filosotia da Ubertacso, da geragéo de Alberdi, ter auto ‘argentino ... Enrique Dussel ... (pretend) apagar o nefasto passado; apagd-lo, ndo ‘assimili-lo, para partir novamente do zero”, p. 214), sam adverctir que se partia de uma efinigdo restrita de filosofia (quer dizer, para mim, nesse momento se tratava 26 da 107 tHosofia académica ensinada nes tniversidades, na época colonial, a escoldatics, ou na

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