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GRAMÁTICA HISTÓRICA
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Rio de Janeiro
Edição do Autor
2010
José Pereira da Silva
Direitos Autorais © 2010 José Pereira da Silva
Revisão:
Beatriz Pereira da Silva
Capa:
Silvia Avelar Silva
Impressão:
Ingráfica Editorial
Tel.: (21) 3868 3614 – 99972541
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-99373-04-0
CDD – 469.5
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................13
0. INTRODUÇÃO ................................................................................................15
0.1. CONCEITOS DIVERSOS .........................................................................................15
0.1.1. Linguagem ................................................................................................15
0.1.2. Língua ................................................................................................15
0.2. CLASSIFICAÇÃO DAS LÍNGUAS ........................................................................16
0.3. DIALETO ................................................................................................17
0.3.1. Causas da dialetação de uma língua .........................................................17
0.4. O DIALETO BRASILEIRO ......................................................................................17
0.5. O INDO-EUROPEU ................................................................................................18
QUESTIONÁRIO ................................................................................................18
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José Pereira da Silva
1.8.1. Na área balcano-românica .........................................................................29
1.8.2. Na área ítalo-românica ...............................................................................30
1.8.3. Na área galo-românica ...............................................................................30
1.8.4. Na área ibero-românica .............................................................................30
1.9. AS FASES DA LÍNGUA PORTUGUESA ...............................................................30
1.10. O GALEGO-PORTUGUÊS E A FIXAÇÃO DO PORTUGUÊS-MODERNO 32
1.11. FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA ...................................32
1.12. A EXPANSÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA ...................................................33
1.13. RESUMO DO CAPÍTULO ....................................................................................34
1.14. SINOPSE – ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA........................................34
CANTIGA DA R IBEIRINHA ( OU DA G UARVAYA) ...................................................35
QUESTIONÁRIO ................................................................................................36
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
3. NOÇÕES ELEMENTARES DE FONÉTICA HISTÓRICA, ACENTO TÔNICO E
ALTERAÇÕES FONÉTICAS ...........................................................................................51
3.1. FONÉTICA ................................................................................................51
3.2. FONEMAS ................................................................................................51
3.3. A FONÉTICA HISTÓRICA......................................................................................53
3.3.1. Classificação das alterações fonéticas ......................................................54
3.3.2. Palavras populares e empréstimos ............................................................55
3.4. A ACENTUAÇÃO NO LATIM VULGAR ..............................................................55
3.5. A IMPORTÂNCIA DA SÍLABA TÔNICA ..............................................................57
3.6. NOMENCLATURA DAS ALTERAÇÕES FONÉTICAS ......................................57
3.6.1. Desaparecimento de fonemas ....................................................................58
3.6.1.1. Aférese ............................................................................................58
3.6.1.2. Síncope ............................................................................................59
3.6.1.3. Haplologia ......................................................................................59
3.6.1.4. Apócope...........................................................................................60
3.6.2. Desenvolvimento de fonemas.....................................................................60
3.6.2.1. Prótese (ou próstese) .....................................................................60
3.6.2.2. Epêntese ..........................................................................................61
3.6.2.3. Ditongação .....................................................................................61
3.6.2.4. Paragoge .........................................................................................61
3.6.3. Troca de posição de fonemas ou metátese ...............................................62
3.6.4. Transformação de fonema .........................................................................62
3.6.4.1. Assimilação ....................................................................................62
3.6.4.2. Dissimilação ...................................................................................64
3.6.4.3. Vocalização ....................................................................................65
3.6.4.4. Consonantização ............................................................................65
3.6.4.5. Crase ...............................................................................................65
3.6.4.6. Nasalização ....................................................................................65
3.6.4.7. Desnasalização...............................................................................66
3.6.4.8. Sonorização ou Abrandamento ...................................................67
3.6.4.9. Palatalização ..................................................................................68
3.6.4.10. Oclusão ......................................................................................69
3.6.4.11. Assibilação ................................................................................69
3.6.4.12. Monotongação ou Redução ....................................................69
3.6.4.13. Apofonia ...................................................................................70
3.6.4.14. Metafonia ..................................................................................70
ESQUEMA ...............................................................................................72
EXERCÍCIOS DE METAPLASMOS ...................................................73
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José Pereira da Silva
4. VOCALISMO ................................................................................................75
4.1. VOGAIS ÁTONAS ................................................................................................77
4.1.1. Vogais pretônicas iniciais ...........................................................................77
4.1.2. Vogais pretônicas internas .........................................................................78
4.1.3. Vogais postônicas internas .........................................................................78
4.1.4. Vogais postônicas finais..............................................................................78
4.2. VOGAIS TÔNICAS ................................................................................................79
4.3. ESTUDO DO DITONGO ...........................................................................................80
4.3.1. Ditongos latinos ...........................................................................................80
4.3.2. Ditongos românicos .....................................................................................80
4.3.3. Origens dos ditongos românicos ...............................................................81
4.3.4. Fontes do ditongo OU ................................................................................81
4.3.5. Fontes do ditongo OI .................................................................................82
4.4. ESTUDO DO HIATO ................................................................................................82
4.4.1. Hiatos latinos................................................................................................83
4.4.2. Hiatos românicos .........................................................................................83
QUESTIONÁRIO ................................................................................................84
5. CONSONANTISMO ................................................................................................85
5.1. CONSOANTES SIMPLES INICIAIS .......................................................................85
5.2. CONSOANTES SIMPLES MEDIAIS OU INTERNAS ..........................................86
5.2.1. Consoantes surdas .......................................................................................86
5.2.2. Consoantes sonoras .....................................................................................87
5.2.3. Grupo de consoantes mais semivogal (ou I consoante) ..............................88
5.3. CONSOANTES FINAIS.............................................................................................89
5.4. CONSOANTES DOBRADAS ...................................................................................90
5.5. CONSOANTES AGRUPADAS.................................................................................90
5.5.1. Outros encontros de consoantes ...............................................................91
5.5.2. Grupos iniciais .............................................................................................91
5.5.2.1. Consoante seguida de r .................................................................91
5.5.2.2. Consoante seguida de l..................................................................92
5.5.2.3. Grupos iniciais com s impuro.......................................................93
5.5.3. Grupos internos ...........................................................................................93
5.5.3.1. Intervocálicos .................................................................................93
5.5.3.2. Não intervocálicos .........................................................................94
5.6. OUTROS ENCONTROS ............................................................................................94
5.6.1. Encontros românicos ..................................................................................95
QUESTIONÁRIO ................................................................................................96
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
6. A ORTOGRAFIA E A FONÉTICA HISTÓRICA ........................................................97
6.1. PERÍODO FONÉTICO ...............................................................................................97
6.2. PERÍODO PSEUDOETIMOLÓGICO ......................................................................98
6.3. PERÍODO HISTÓRICO-CIENTÍFICO .....................................................................98
6.4. AS NORMAS ORTOGRÁFICAS ...........................................................................100
6.4.1. Emprego do H ............................................................................................100
6.4.2. Emprego do CH .........................................................................................100
6.4.3. Emprego do X ............................................................................................101
6.4.4. Emprego do C sibilante ............................................................................101
6.4.5. Emprego do S surdo inicial......................................................................102
6.4.6. Emprego do S surdo medial = SS ...........................................................103
6.4.7. Emprego do J e do G ................................................................................103
6.4.8. Emprego do S sonoro ................................................................................104
6.4.9. Emprego do Z medial ...............................................................................104
6.4.10. Emprego do Z final ...................................................................................104
6.4.11. Acentuação gráfica ...................................................................................104
6.5. O PLURAL DAS PALAVRAS TERMINADAS EM –ÃO ...................................105
QUESTIONÁRIO ..............................................................................................106
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José Pereira da Silva
8.6. OS CASOS NO LATIM VULGAR E A SOBREVIVÊNCIA DO ACUSATIVO ...120
8.7. VESTÍGIOS DE OUTROS CASOS ........................................................................121
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
10. FATOS DEVIDOS À ANALOGIA ................................................................................139
10.1. O INFINITIVO SABER ........................................................................................140
10.2. O INFINITIVO PODER ......................................................................................140
10.3. A FORMA ESTOU ..............................................................................................140
10.4. A FORMA ESTEJA ..............................................................................................140
10.5. A FORMA ESTIVE ..............................................................................................141
10.6. A FORMA SOU ..............................................................................................141
10.7. A FORMA É ..............................................................................................141
10.8. A FORMA SOIS ..............................................................................................141
10.9. DESPEDIR, EXPEDIR, IMPEDIR, MENTIR, ARDER .....................................141
10.10. PARTICÍPIO DA SEGUNDA CONJUGAÇÃO ...............................................142
10.11. DESLOCAMENTO DO ACENTO EM FORMAS VERBAIS ...............................142
10.12. FEMININOS ANALÓGICOS .............................................................................143
10.13. PLURAIS ANALÓGICOS ..................................................................................143
10.14. CINCO, OITENTA, NOVENTA ........................................................................144
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José Pereira da Silva
12.3. DIFERENÇAS SEMÂNTICAS ..........................................................................160
12.4. CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA O LÉXICO DA LÍNGUA ..............161
12.4.1. De procedência indígena ..........................................................................162
12.4.2. De procedência africana ...........................................................................163
QUESTIONÁRIO .......................................................................................163
ANEXO 1:
PALAVRAS PORTUGUESAS DE ORIGEM TUPI ..................................................187
ANEXO 2:
PALAVRAS PORTUGUESAS DE ORIGEM ÁRABE ..............................................193
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
PREFÁCIO
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José Pereira da Silva
de perguntas e respostas, pressupostos fundamentais e indispensáveis à di-
cotomia ensino-aprendizagem.
Com esta obra, o autor nos dá a conhecer, de modo meticuloso, en-
foques importantes de nossa gramática histórica, assunto por vezes árido,
por vezes difícil, mas ao mesmo tempo fascinante pelo seu conteúdo histó-
rico, social, linguístico-filológico, político, econômico, cultural enfim.
Em 18 de fevereiro de 2010.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
APRESENTAÇÃO
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José Pereira da Silva
guesa, não só pela carência dos conhecimentos de língua latina e de outras
línguas românicas, mas também por não haver o mesmo grau de motivação
prática para o seu estudo, já que não será imediatamente necessária na práti-
ca docente no ensino fundamental e médio.
Além dessa dificuldade, a novidade na assimilação da matéria para a
maioria dos estudantes de graduação lhes traz a necessidade de maior esfor-
ço, o que não ocorria no século XX e não ocorre ainda hoje em outros paí-
ses como os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), por exemplo.
Felizmente, vêm tomando grande impulso os estudos diacrônicos da
língua portuguesa no Brasil e esses estudos voltam a ser preocupação de um
numeroso séquito de professores do ensino superior de Letras, já compro-
vadas as limitações que têm aqueles que só conseguem ver a língua do pon-
to de vista descritivo e sincrônico.
Esperamos estar contribuindo, com este manual, para que os estudos
diacrônicos da língua portuguesa sejam mais rápida e eficientemente incre-
mentados entre os profissionais dessa área de conhecimentos.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
INTRODUÇÃO
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José Pereira da Silva
c) Extinta é a língua que desapareceu sem deixar memória documental.
Ex.: O indo-europeu.
1 O total das línguas conhecidas e estudadas no mundo é de mais de três mil, supondo-se que deva
atingir o dobro disso, dependendo do crité
16
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
“bonito”/“bonita” ou na parte interna da palavra como em
‘faz”/“fiz”/“fez”; neste caso, chamam-se Inflexões. Cerca de um bi-
lhão de pessoas praticam esse tipo de língua, pois todas as línguas in-
do-europeias são flexivas.
d) o critério genealógico reúne as línguas segundo o grau de paren-
tesco que apresentam entre si. Este critério é considerado o mais ci-
entífico e racional dentre todos. Foi exatamente pelo critério genea-
lógico da classificação das línguas que se chegou à conclusão da
existência da famosa unidade linguística: o indo-europeu.
0.3 – DIALETO
Esta é a definição proposta pelo Dr. J. Mattoso Câmara Jr.: “dialeto é
a modificação regional de uma língua, ou ainda, são línguas regionais que
apresentam entre si coincidências de traços linguísticos essenciais.”
17
José Pereira da Silva
vremente, causando grandes diferenças fonéticas e semânticas no português
do Brasil em face ao europeu.
O brasileiro é, portanto, o maior dialeto da língua portuguesa.
0.5 – O INDO-EUROPEU
Em vista do parentesco observado entre as línguas da Ásia e da Eu-
ropa, e suas derivadas, conclui-se ter existido um idioma primitivo como
unidade comum, e que convencionalmente se chamou indo-europeu. A este
tronco linguístico pertenceu o ramo itálico, que teve como línguas o osco, o
úmbrio e o latim. Deste último vão se originar todas as línguas românicas,
dentre elas o português.
QUESTIONÁRIO
1 – Qual o objetivo da gramática histórica?
2 – A que grupo e ramo linguístico pertence o latim?
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
1. A LÍNGUA PORTUGUESA
SUA ORIGEM, HISTÓRIA E DOMÍNIO
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José Pereira da Silva
ocasião do cerco de Sagunto, os celtiberos chamaram em socorro os romanos.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
tumes romanos e até já nem se lembram de sua própria língua.”
No ano 74 da nossa era o imperador Vespasiano concedia direito de
cidadania às populações do interior da Península, e o brilho da civilização
latina foi tão grande em terras da Ibéria que esta deu a Roma filósofos como
os dois Sênecas – pai e filho – poetas como Lucano e Marcial, um historia-
dor como Paulo Orósio, e até imperadores como Trajano e Adriano.
21
José Pereira da Silva
que os soldados, apanhados pelo serviço militar obrigatório, deviam servir
em províncias distantes e eram forçados a usar a língua comum? E como
poderiam uns e outros usar um idioma que, além de naturalmente difícil, era
a maior parte das vezes aprendido ao acaso, de ouvido, como o imigrante,
por exemplo, aprende o português?
Daí poder-se afirmar que “a designação latim vulgar não conceitua
uma língua, mas um conglomerado de falares de vários tipos”, ideia que
ressalta bastante clara da maneira, às vezes desdenhosa, como o latino culto
designava o falar do povo: sermo plebeius, a fala da plebe; sermo proleta-
rius, a fala dos operários; sermo castrensis (de castra, acampamento), o lin-
guajar dos soldados.
Os colonizadores das províncias romanas procediam das mais diver-
sas camadas sociais e dos mais vários recantos do Império. Eram frequentes
as colônias de veteranos, formadas por soldados desmobilizados aos quais
eram dadas terras como recompensa. Na Hispania, a primeira colônia de ve-
teranos foi fundada no ano 106 antes de Cristo.
Por tudo isso é que Carolina Michaëllis de Vasconcelos ensina, em
obra já citada antes:
Não é da língua cultíssima de Cícero e de César, os deuses maiores da prosa
clássica, que as línguas românicas procedem, e muito menos da linguagem poéti-
ca, sublimada, de Horácio, Catulo, Vergílio. É do latim falado por todas as clas-
ses, mas, sobretudo pelo verdadeiro povo; do latim de conversação despreocupa-
da, com fins meramente práticos, sociais, como instrumento de comércio, de pes-
soa a pessoa... (VASCONCELOS, C. M., s/d, p. 10)
Não se deve pensar, porém, que existisse mais de uma modalidade
de língua. O que se tinha era o latim literário, língua artificial, criada por
imitação dos modelos gregos, unicamente escrita, cheia de variações que
deviam embelezá-la; e o latim vulgar, língua unicamente falada, que possu-
ía vida própria, que não estava presa a princípios rígidos de fonética, morfo-
logia e sintaxe. Essa língua falada, que foi no começo o idioma do Lácio e
das tribos que primitivamente se aglomeraram em torno de Roma – etrus-
cos, oscos, úmbrios, volscos etc. – foi-se tornando cada vez mais rica e
também mais complexa, à medida que recebia novos contatos e novas in-
fluências oriundas das novas terras acrescentadas ao Império.
Enquanto a língua literária se fazia mais fixa e mais rígida, à propor-
ção que os eruditos lhe impunham regras e normas, a língua falada se enri-
quecia sempre mais, ganhava mais vida e colorido, mais complexidade e va-
riação, com a multiplicação das conquistas que davam a Roma novas for-
mas de vida correspondentes às castas, às classes sociais, às novas ocupa-
ções.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Literário
somente escrito, usado pelos poetas, oradores e filósofos
familiar = da classe média
latim – língua plebeu = da classe baixa
Vulgar
do Império castrense = dos soldados
falado pelas várias classes, com
náutico = dos marinheiros
aspectos diferentes
proletário =dos operários
rural = dos camponeses
2Substrato linguístico é a influência da língua de um povo vencido sobre a qual se superpõe a língua do
vencedor.
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José Pereira da Silva
cedido, expulsou os vândalos para o Norte da África e assenhoreou-se de
toda a Península Ibérica.
Os bárbaros destruíram o Império, quebraram a relativa unidade lin-
guística, fizeram desaparecer as escolas, extinguiram a organização comer-
cial, mas não puderam resistir ao brilho da civilização latina e, fato estra-
nho, embora conquistadores, acabaram vencidos pela cultura dos povos
conquistados, principalmente depois que o cristianismo ajudou a abrandar a
aspereza exterior de uma raça fundamentalmente mística. Como lembrança
do período de dominação germânica sofrido pela antiga Hispania, ficaram
apenas alguns vocábulos, muitos dos quais viveram durante longo tempo
sob formas alatinadas, como é o caso de brandire (derivado de brand = es-
pada), blancus (de blanch), Henricus (de Haimrik), Ricardus (de Rikhard),
além de guerra, elmo, feltro, guisa etc. (Cf. 11.3.1).
1.5.2. Os árabes
Os árabes invadiram a Península no século VIII e, embora tivessem
ocupado quase todo o território – com exceção apenas de uma pequena fai-
xa ao Norte – durante sete séculos, a sua influência foi bem menor do que a
dos visigodos, a tal ponto que mesmo os cristãos dominados e arabizados
(conhecidos pela denominação de moçárabes) se fizeram bilíngues e nunca
perderam a fala românica. A razão é que falavam eles idioma fundamental-
mente diverso do latim, de dificílimo, senão impossível caldeamento. Por
isso, não obstante o longo convívio de séculos, as duas línguas se mantive-
ram autônomas quanto à estrutura gramatical.
Também dos árabes restam no vocabulário português muitas pala-
vras, mais frequentemente de uso na agricultura e no comércio. Tal influên-
cia se restringe apenas ao léxico: cerca de mil vocábulos de origem árabe
existem no léxico português. Estes vocábulos são, de modo geral, caracteri-
zados pelo prefixo AL, artigo definido árabe, como acelga, açougue, açú-
car, açude, alface, alambique, alfândega, álcool, aldeia, alcaide, alfazema,
algodão, alqueire, alcatifa etc. (Ver tópico 11.3.2 e SILVA, J. P., 1996, p.
21-46).
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
ta na escola.
Ao afirmar que a relação entre a unidade e a diferenciação do latim
vulgar oferece a chave para que se compreenda a origem das línguas româ-
nicas, Benedek Elemér Vidos (VIDOS, 1996, p. 175), apoiado em E.
Richter (RICHTER, 1934, p. 5), ensina: “O latim vulgar, como qualquer ou-
tra língua falada, estava sem dúvida diferenciado vertical (social) e horizon-
talmente (geograficamente)”.
Foi esse problema da diferenciação geográfica, mais do que o da di-
ferenciação social, que criou condições para que a língua latina viesse um
dia a dar origem às línguas românicas.
Socialmente, o latim seria bem falado ou mal falado, conforme a cul-
tura daqueles que o empregassem e, mais ainda, conforme a situação em
que fosse empregado. Já tem sido repetido várias vezes que ninguém fala
como escreve e que mesmo os bons escritores não utilizam, no falar diário e
até mesmo na correspondência íntima, a linguagem rebuscada, altamente li-
terária, de que se valem nas obras que escrevem.
Geograficamente, porém, as diferenças deviam ser muito mais sérias,
porque à medida que o Império se ampliava, envolvia povos de raças dife-
rentes, o que vale dizer também povos de falas diferentes: primeiro, foram
úmbrios, etruscos, oscos e tantas outras nações próximas, para chegar de-
pois aos recantos mais distantes e alcançar a Gália, a Germânia, a Ibéria, a
Britânia, a Macedônia, os mais remotos recantos do mundo conhecido.
Ao estudar os problemas relativos à transformação do latim vulgar,
na sua marcha lenta para dar origem às línguas românicas, resultado da fer-
mentação na fala de tantos povos que existiram dentro do Império, os lin-
guistas modernos formularam a teoria do substrato, a que se veio juntar,
quase de imediato, a hipótese do superestrato, ambas agora acompanhadas
pela aceitação da existência do chamado adstrato.
No dizer do já citado Vidos e consoante o que ficou estabelecido no
V Congresso Internacional de Linguística, realizado em Brujas, em 1939,
“substrato, superestrato e adstrato são meras expressões metafóricas para
indicar as influências linguísticas dos povos, respectivamente, vencidos,
vencedores e conviventes”. (VIDOS, 1996: 178).
Esta afirmação permite, então, que se estabeleçam os seguintes con-
ceitos:
1.6.1. Substrato
Existe substrato quando um povo conquistador impõe a sua própria
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José Pereira da Silva
língua a um povo conquistado, determinando o desaparecimento gradativo
da língua dos primitivos habitantes. Durante algum tempo haverá uma fase
de bilinguismo, isto é, as duas línguas, tanto a do vencedor como a do ven-
cido, serão usadas nas relações mútuas, para que os povos se possam enten-
der, mas aos poucos a língua do povo dominado vai sendo esquecida, até
que predomine apenas a fala do vencedor. Do idioma perdido restarão ape-
nas palavras esparsas, incorporadas à fala do vencedor, contaminações vo-
cabulares, nomes próprios, nomes de lugares. Não se deve, porém, imaginar
que substrato seja apenas a palavra imposta a uma língua, pois que às vezes
ele é representado pela maneira de dizer que era própria do povo vencido e
até mesmo pela sua tendência fonética, a qual pode tornar-se viva muito
tempo depois da época em que teve lugar a dominação. É ainda o próprio
Vidos quem o ensina ao afirmar:
À medida que o poder de Roma começou a ceder e o prestígio do latim a di-
minuir, debilitou-se na população bilíngue o ideal linguístico do latim, que tivera
até então uma ação refreadora sobre o substrato, e os barbarismos tiveram possi-
bilidade de se desenvolverem livremente. (ALONSO, 1951, p. 323, apud VI-
DOS, 1996, p. 184).
A respeito dessa persistência e, mais ainda, demonstrando a sua lon-
ga duração, vale a pena ter-se em conta uma afirmação de Serafim da Silva
Neto:
...muitas mutações que vieram, mais tarde, verificar-se na fase do latim impe-
rial (II ao V século da era cristã), eram peculiares aos dialetos itálicos. Vejamos
exemplos: a queda do –g– intervocálico (cf. português ruído de rugito) era co-
mum no osco e no úmbrio, pois ao latim magis correspondia o osco mais e ao la-
tim magistro correspondia o úmbrio mestro. (SILVA NETO, 1956, p. 52)
Vejamos exemplos de palavras portuguesas devidas ao substrato:
1.6.1.1. Célticas
Há palavras celtas que foram possivelmente trazidas à Península Ibé-
rica pelos próprios legionários romanos, pois que entraram na língua latina
ao tempo das primeiras lutas com os gauleses, na alta Itália, por volta do sé-
culo IV antes de Cristo. Outras, sem dúvida as mais numerosas, datam da
conquista da Gália e da própria Ibéria. São de origem céltica: bragas, brio,
bico, cabana, caminho, camisa, carpinteiro, carro, cerveja, gato, gordo,
lança, légua, seara, saio, toca, touca, vassalo, Coimbra, Bragança, Lima,
Penafiel, Segóvia, além de outras. (Cf. tópico 11.1.2).
1.6.1.2. Ibéricas
Vale a pena ter-se em conta a afirmação de Adolfo Coelho, reprodu-
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
zida por Ismael de Lima Coutinho: “Dificilmente se apurarão trinta palavras
fundamentais em português a que se possa com verossimilhança atribuir
uma origem euscara [tudo aquilo que diz respeito ao vasconço]”. São do
substrato ibérico, além das palavras e dos sufixos que podem ser vistos no
tópico 11.1.1: abarca, baía, balsa, barro, cama, garra, manto, néspera, sa-
po, sarna, veiga.
1.6.1.3. Fenícias
Embora tenham passado pela Península Ibérica primeiro os fenícios
e, depois, os cartagineses, racialmente descendentes daqueles, não é grande
a contribuição do substrato dessas duas origens. (Cf. tópico 11.1.3).
1.6.2. Superestrato
O termo superestrato, segundo Fredrick H. Jungemann,·
Foi usado pela primeira vez por W. von Wartburg, no Congresso de Roma-
nistas de Roma em 1932, para designar um povo imigrante e conquistador, que
gradualmente adota a língua do seu novo ambiente e ao mesmo tempo influi de
alguma forma no desenvolvimento ulterior dessa língua. (JUNGEMANN, 1955,
p. 17)
É fácil notar que, relativamente ao substrato, a diferença é profunda:
No primeiro caso, há um povo vencedor que domina, e um povo vencido
que é dominado; o vencedor impõe a sua língua, mas recebe palavras, mo-
dismos, influências vocabulares, daquele a quem venceu. No segundo caso
– isto é, no caso do superestrato –, há também um vencedor e um vencido,
um povo que domina e outro que vem a ser dominado, mas a civilização e a
cultura do vencido são maiores do que a do dominador, e acontece que este
perde a sua língua, aceita a fala daquele a quem venceu, e apenas vai forne-
cer para o vocabulário dominante algumas palavras, maneiras de dizer, no-
mes próprios, nomes de lugar, denominação de objetos.
27
José Pereira da Silva
Em todas as línguas românicas há fartos exemplos da influência do
superestrato e encontramo-los também em português, durante a dominação
dos bárbaros – principalmente dos visigodos – e dos árabes. Essas altera-
ções são, às vezes, fonéticas e às vezes representadas por vocábulos dos idi-
omas dos dominadores romanizados e incluídos na língua da Península.
O som w dos germanos passou às línguas novilatinas como guê: werra, por-
tuguês guerra, italiano guerra etc. O h aspirado dos árabes foi cambiado, em por-
tuguês, no f: almihadda > almofada. (SILVA NETO, 1956, p. 50)
Os árabes modificaram, de acordo com os seus hábitos glóticos, certos nomes
que encontraram cá, os quais depois passaram, assim modificados, para o nosso
vocabulário: Tagu, por exemplo, foi mudado em Tejo e Pace (de Pax Iulia), cer-
tamente na forma *Paga, foi mudada em Beja; no Algarve castella ou castellum
tornou-se Cacela, do mesmo modo que na língua comum castru se tornou alcacer
< al-cacer. Mas os sons resultantes são perfeitamente portugueses, e iguais aos
que se observam em palavras provenientes do latim. Dizemos Tejo como inveja
(do latim invidia), e Cacela como cancela (do latim cancellu). O mesmo notamos
nas palavras de origem germânica. (VASCONCELOS, J. L., 1959, p. 37)
Há grande número de vocábulos resultantes do superestrato germâni-
co e árabe, no português, relacionados nos tópicos 11.3.1 e 11.3.2, respecti-
vamente, parte intitulada Vocábulos pós-romanos.
1.6.3. Adstrato
“Com o termo adstrato, raras vezes empregado, faz-se referência ou
a línguas contíguas ou a línguas de substrato, ainda existentes”, ensina
Fredrick H. Jungemann (1962, p. 18). Benedek Elemér Vidos ainda é mais
explícito e mais positivo:
O conceito de adstrato poderia ser um útil complemento dos outros dois, no
sentido de que o substrato e o superestrato representam as influências em direção
vertical, de baixo para cima e de cima para baixo respectivamente, enquanto o
adstrato representa a influência de duas línguas coexistentes uma ao lado de outra,
isto é, horizontalmente.
Embora o adstrato possa estar em estreita correlação com os outros dois con-
ceitos, não se compara a eles em igualdade de condições, e pelo que se refere a
sua influência não tem a mesma importância, posto que substrato e superestrato
supõem o bilinguismo, o que não ocorre no adstrato. (VIDOS, 1996, p. 177.)
Fica bastante claro e vale como conclusão que o maior papel do
adstrato é facilitar empréstimos entre as línguas que vivem lado a lado, mas
sem que haja superposição dessas mesmas línguas, uma vez que uma não
chega a tomar o lugar da outra.
São adstratos, em relação ao português, o espanhol, o francês, o in-
glês, o italiano, o alemão e até mesmo certas línguas orientais, como o japo-
nês e o chinês, que emprestaram à língua de Portugal vocábulos hoje defini-
28
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
tivamente incorporados ao léxico. (Ver tópicos 11.3 a 11.3.8).
29
José Pereira da Silva
1.8.2. Na área ítalo-românica:
3) o italiano, falado na Itália, na Córsega e na Sicília.
4) o sardo, falado na Sardenha
5) o rético ou ladino, falado ao norte da Península Itálica, no Tirol
e no cantão suíço dos Grisões.
30
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Compreende dois períodos:
a) Período do Português Arcaico – Estende-se do século XII ao sé-
culo XV e a língua já aparece em documentos escritos, tanto em prosa como
em verso, mas não tem ainda as formas definitivas, que vai adquirir no perí-
odo seguinte.
No século XII aparece o primeiro texto inteiramente redigido em por-
tuguês. É a «Cantiga da Ribeirinha», poesia escrita por Paio Soares de Ta-
veirós dedicada à D. Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha. A grande filóloga
Dra. Carolina Michaëlis de Vasconcelos datou este primeiro documento da
língua portuguesa de 1189. A partir de então aparecem textos em poesia e,
mais tarde, em prosa. Podemos conhecer o português arcaico através das
poesias trovadorescas que estão reunidas em “Cancioneiros” e, ainda, na
prosa de cronistas como Fernão Lopes, Gomes Eanes Zurara, Rui de Pina.
Em 1290, D. Dinis, o Rei Trovador, torna obrigatório o uso da língua
portuguesa, e funda, em Coimbra, a primeira Universidade.
b) Período do Português Moderno – Estende-se do século XVI até
nossos dias e compreende duas fases distintas graças às influências sofridas:
a clássica, do século XVI ao XVIII, e a pós-clássica ou contemporânea, do
século XIX até hoje.
No século XVI, sob a influência dos humanistas do Renascimento,
houve um processo de aperfeiçoamento e enriquecimento linguísticos, vol-
tando-se os escritores à imitação dos modelos latinos, e procurando aproxi-
mar a língua portuguesa à língua mãe. Como a coroar esse processo, apare-
ce, em 1572, a obra de Luís de Camões, Os Lusíadas, marcando a história
do nosso idioma com o maior monumento literário e linguístico.
É ainda no século XVI que se inicia a gramaticalização do idioma
com a publicação, em 1536, da primeira gramática da língua portuguesa, es-
crita pelo Pe. Fernão de Oliveira, Gramática da Lingoagem Portugueza. Em
1540 João de Barros escreve a segunda com o mesmo título da primeira.
ESQUEMA
1ª PRÉ-HISTÓRICA (séc. V - IX) - temos o ROMANCE LUSITÂNICO
31
José Pereira da Silva
1.10. O GALEGO-PORTUGUÊS
E A FIXAÇÃO DO PORTUGUÊS-MODERNO
A língua que aparece usada em Portugal no período arcaico, aquela
que vemos escrita nos primeiros documentos, datados do século XII, não é
ainda o português propriamente dito, mas uma mescla a que se chamou ga-
lego-português (ou galaico-português) e cujo domínio se estendeu da Galiza
até o Algarve. Posteriormente, com a consolidação da independência de
Portugal e a anexação do território galego ao reino de Castela, as pequenas
diferenças dialetais foram-se acentuando, as duas línguas – o galego e o
português – ganharam formas próprias, até que no começo do século XVI,
com a publicação das duas primeiras gramáticas da língua e com o apareci-
mento de Os Lusíadas, o português adquiriu as linhas definitivas que co-
nhecemos hoje.
32
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
1.12. A EXPANSÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Ao criar, em 1412, a Escola de Sagres, com o fim de incrementar o
estudo da arte náutica, mal sabia o Infante D. Henrique estar preparando a
epopeia dos Descobrimentos e a consequente expansão da língua portugue-
sa por todo o mundo.
Em 1419, Perestrelo, Zarco e Tristão Vaz descobrem a ilha da Ma-
deira; em 1434, Gil Eanes ultrapassa o cabo do Bojador; em 1468, Diogo
Cão pisa terras do Congo; em 1488, imortaliza Bartolomeu Dias as velas
portuguesas, quando transpõe o cabo das Tormentas; em 1498, coroa Vasco
da Gama a comovente pertinácia dos lusos, presenteando a Civilização com
o descobrimento do caminho marítimo para as Índias; em 1500, aportam as
naus cabralinas a solo americano!
Constituiu-se assim um grande império português ultramarino, em
terras da África, da Ásia, da Oceânia e da América. Levada pelos navegan-
tes e colonizadores, a língua portuguesa se fez ouvir pelos quatro cantos do
universo.
Com os descobrimentos marítimos, acima citados, que imortalizaram
o nome português a partir do século XV, graças a Diogo Cão, Bartolomeu
Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros, Portugal leva
aos quatro cantos do mundo o idioma a que dera forma e prestígio. Firme-
mente estabelecida em alguns lugares, como acontece no Brasil, onde é a
língua nacional, concorrendo com dialetos nativos em outros, o português
atinge hoje os seguintes domínios, segundo o Dr. Leite de Vasconcelos:
1) Português continental – falado em Portugal e com vários dialetos.
2) Português insulano – falado nas ilhas europeias da Madeira e dos
Açores.
3) Português ultramarino, que compreende:
a) o brasileiro;
b) o indo-português, com os dialetos crioulos de Damão, Diu e
Goa;
c) o crioulo de Ceilão;
d) o crioulo de Macau;
e) o malaio-português, com os dialetos crioulos de Java, Malaca e
Cingapura;
f) o português de Timor Leste (ilha da Oceania);
g) o crioulo do Cabo-Verde;
33
José Pereira da Silva
h) o crioulo da Guiné-Bissau;
i) o português de Angola, Moçambique, Zanzibar, Mombaça e
Melinde (todas regiões africanas).
Diz-se que um falar é do tipo crioulo quando “apenas se estabelecem
relações comerciais, entre vencedor e vencido, entre superior e inferior, e,
portanto, só há o interesse de mútua compreensão”. Nessas condições, a fala
importada concorre em igualdade de condições com os dialetos nativos,
como acontece ao português em algumas regiões da Ásia e da África.
SINOPSE
ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA
iberos
celtiberos
celtas
1. Povos de civilização pré-
fenícios
romana na Península Ibérica:
gregos
cartagineses
2 – Romanização da Península Ibérica
Inicia-se no séc. III a. C.
Propósito da ida dos romanos para a Península Ibérica:
a) Atender diretamente ao pedido de socorro da cidade de Sagunto, cercada em 219 a. C.
por Aníbal, general cartaginês.
b) Sustar a expansão de Cartago, que representava séria ameaça aos romanos no mundo me-
diterrâneo.
Ações dos romanos para impor sua civilização e sua língua.
1º) Abriram escolas.
2º) Organização do serviço militar obrigatório e obrigatoriedade do uso do latim. Outras
benfeitorias: construção de estradas, de templos, de praças; organização do comércio e do cor-
reio etc.
34
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
3 – Povos de civilização pós-romana na Península Ibérica:
a) Bárbaros Germânicos (alanos, suevos, visigodos, vândalos) (séc. V. d. C.).
Ações dos bárbaros pelas quais eles causaram a dialetação do latim vulgar na Península Ibéri-
ca:
1º) Causaram a dissolução da unidade política do império.
2º) Fecharam as escolas.
3º) Extinguiram a nobreza romana na Península Ibérica.
35
José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1. Que são línguas românicas?
2. Quantas e quais são as línguas neolatinas ou românicas?
3. Quais, dentre elas, são oficiais?
4. Todas as línguas românicas são línguas vivas?
5. Qual a origem mediata e imediata das línguas românicas?
6. Que é romance?Definir e localizar no tempo e no espaço.
7. Quais são os principais povos pré-latinos da Península Ibérica?
8. Em que século e por que os romanos invadiram a Península Ibérica?
9. Que se entende por romanização?
10. Que é substrato linguístico?
11. Quais os povos que invadiram a Península Ibérica após os romanos?
Em quais séculos se deram essas invasões?
12. Até quando ficaram os romanos dominando a Península Ibérica?
13. Por que os bárbaros germânicos e os árabes, sendo vencedores, não
conseguiram implantar sua cultura na Península Ibérica?
14. Quando os árabes deixaram, definitivamente, a Península Ibérica?
15. Quem foi D. Alfonso VI? E D. Henrique de Borgonha?
16. E D. Afonso Henriques?
17. Quando se deu a independência política do Condado? Quem a conse-
guiu?
18. Quem foi o 1º rei de Portugal? Quando foi reconhecido o novo reino?
19. Que dialeto era falado na região onde foi fundado Portugal?
20. Em que século aparecem os textos inteiramente redigidos em português?
21. Qual o 1º documento da língua portuguesa?De quando é datado?
22. Quais as fases da língua portuguesa? Faça um esquema.
23. Situar, no tempo, o português arcaico e falar ligeiramente sobre as
obras poéticas de tal época.
24. Qual a importância do Renascimento na evolução histórica do portu-
guês?
25. Que é domínio geográfico de uma língua?
26. Qual o domínio geográfico da língua portuguesa?
36
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
37
José Pereira da Silva
2.2. LATIM BÁRBARO
O latim bárbaro foi língua, somente escrita, usada pelos tabeliães da
Idade Média. Eis como Carolina Michaëllis explica essa modalidade de lín-
gua:
Ignorando o latim, eles (os tabeliães) misturavam parcelas mal aprendidas do
idioma do Lácio com fórmulas tradicionais, colhidas nos formulários do cartó-
rio. E onde essa ciência espúria falhava, acudiam com locuções e vocábulos do
romanço que no trato comum usavam; estropiando as primeiras gramaticalmen-
te, e deturpando mesmo as últimas porque lhes davam grafia e flexão pseudola-
tinas. (VASCONCELOS, C. M., [s./d])
Era possível, por essa razão, encontrarem-se nesses textos vocábulos
como abelia, ovelia e conelium, formas alatinadas do português abelha,
ovelha e coelho, que nem de longe correspondem ao latim vulgar apicula,
ovicula e cuniculum.
Essas modalidades de latim – o baixo e o bárbaro – são lembradas a
título de informação, porque não contribuíram para formar o português, uma
vez que eram apenas línguas escritas.
Sabido que o latim vulgar era língua somente falada, da qual não nos
restam documentos uniformes, importa perguntar: como podemos conhecer
as formas, as características, as tendências dessa modalidade do latim?
38
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
2.3.1. As inscrições
As inscrições são textos gravados em vários lugares – monumentos,
placas comemorativas, pedras tumulares etc. – nas quais os operários, pouco
cultos, praticavam erros, às vezes, ao escrever, a que estavam habituados na
fala. Imaginemos que um artífice, ao fazer um cartaz, hoje, escreva sinhora
em vez de senhora, ou riu em vez de rio. Não ficará claro que essa é, na fala
corrente, popular, a pronúncia dessas palavras? Pois os operários da época
do latim vulgar praticavam erros dessa espécie, escrevendo, por exemplo,
isse em lugar de ipse, falha que nos permite conhecer uma tendência capaz
de explicar a origem do pronome esse.
Infelizmente nem todas as inscrições têm o mesmo valor. Há as oficiais, que
são as mais corretas; há as funerárias, que obedeciam a certos formulários; há, en-
fim, as inscrições gravadas por pessoas de alguma ilustração.
As mais valiosas, para nós, são aquelas exaradas espontaneamente. Nesse rol
contam-se as chamadas tábulas execratórias, de cunho eminentemente popular.
Consistem em fórmulas mágicas, encantações, maldições, enfim, assuntos di-
retamente ligados à massa do povo. (SILVA NETO, 1946, p. 85).
Ao estudo especial das inscrições chama-se Epigrafia.
39
José Pereira da Silva
Por exemplo, o vernáculo orelha seria impossível em face do erudito
auris, mas torna-se explicável ante o popular oricla, sabendo-se que o cl la-
tino normalmente evolui para lh em português. O mesmo dir-se-ia de velho,
só explicável diante de veclus, artelho, admissível em face de articlus, olho,
compreensível ante a forma oclus etc.
40
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
1) Porphireticum Marmor non Purpureticum 115) Lilium non Lileum
Marmur 116) Glis non Gliris
2) Tolonium non Toloneum 117) Delīrus non Delērus
3) Speculum non Speclum 118) Tinea non Tinia
4) Mascŭlus non Masclus 119) Exter non Extraneus
5) Vĕtŭlus non Vĕclus 120) Clamis non Clamus
6) Vitulus non Viclus 121) Vir non Vyr
7) Vernaculus non Vernaclus 122) Virgo non Vyrgo
8) Articulus non Articlus 123) Virga non Vyrga
9) Baculus non Vaclus 124) Occasio non Occansio
10) Angulus non Anglus 125) Caligo non Calligo
11) Iugulus non Iuglus 126) Terĕba non Telĕbra
12) Calcostegis non Calcosteis 127) Effiminatus non Imfimenatus
13) Septizonium non Septidonium 128) Botruus non Butro
14) Vacua non Vaqua 129) Grus non Gruis
15) Vacui non Vaqui 130) Anser non Ansar
16) Cultellum non Cuntellum 131) Tabula non Tabla
17) Marsias non Marsuas 132) Puella non Poella
18) Cannelam non Canianus 133) Balteus non baltius
19) Hercules non Herculens 134) Fax non Facla
20) Colŭmna non Colomna 135) Vico Capitis non Africae non Vico Caput
21) Pecten non Pectinis Africae
22) Aquaeductus non Aquiductus 136) Vico Tabuli Proconsolis non Vico Castrae
23) Cithara non Citera 137) Vico Castrorum non Vico Castrae
24) Crista non Crysta 138) Vico strobili non Vicostrobili
25) Formica non Furmica 139) Teter non Tetrus
26) Musīuum non Museum 140) Aper non Aprus
27) Exequiae non Execiae 141) Amycdăla non Amĭddŭla
28) Gyrus non Girus 142) Faseolus non Fasiolus
29) Avus non Aus 143) Stabulum non Stablum
30) Miles non Milex 144) Triclinium non Triclinu
31) Sobrius non Suber 145) Dimidius non Demidius
32) Figulus non Figel 146) Turma non Torma
33) Masculus non Mascel 147) Pusillus non Pisinnus
34) Lanius non Laneo 148) Meretrix non Menetris
35) Iuvencus non Iuvenclus 149) Aries non Ariex
36) Barbarus non Barbar 150) Persica non Pessica
37) Equus non Ecus 151) Dysentericus non Dysintericus
38) Coquus non Cocus 152) Opobalsamum non Ababalsamum
39) Coquens non Cocens 153) Tensa non Tesa
40) Coqui non Coci 154) Raucus non (D) Raucus
41) Acer non Acrum 155) Auctor non Autor
42) Pauper Mulier non Paupera Mulier 156) Auctoritas non Autoritas
43) Carcer non Car 157) (Ipse non Ipsus?)
44) Bravium non Bra (brum) 158) Linteum non Lintium
45) Pancarpus non Parcarpus 159) A ...Petre non ...tra
46) Theophilus non Izofilus 160) Terrae motus non Terrimotium
47) Homfagium non Monofagium 161) Noxius non Noxeus
48) Byzacenus non Byzacinus 162) Coruscus non Scoriscus
49) Capsesis non Capsessis 163) Tonĭtru non Tonǒtru
50) Catulus (non cat) elus 164) Passer non Passar
51) Catulus non Ca (te) llus 165) Anser non Ansar
52) Doleus non Dolium 166) Hĭrundo non Harundo
53) Calida non Calda 167) Obstetri non Opsestris
54) Frigida non Fricda 168) Capitulum non Capiclum
55) Vinea non Vinia 169) Nouerca non Nouarca
56) Tristis non Tristus 170) Nurus non Nura
57) Tersus non tertus 171) Socrus non Socra
58) Umbilīcus non Imbilīcus 172) Neptis non Nepticla
41
José Pereira da Silva
59) Tŭrma non Torma 173) Anus non Anucla
60) Celebs non Celeps 174) Tundeo non Detundo
61) Ostium non Osteum 175) Riuus non Rius
62) Flauus non Flaus 176) Imāgo non ...
63) Cauea non Cauia 177) Pauor non Paor
64) Senatus non Sinatus 178) Colŭber non Colober
65) Brattea non Brattia 179) Adĭpes non Alĭpes
66) Cochlea non Coclia 180) Sibĭlus non Sifĭlus
67) Cocleāre non Cocliarium 181) Frustrum non Frustum
68) Palearuim non Paliarium 182) Plebs non Pleps
69) Primipilaris non Primipilarius 183) Garrŭlus non Garŭlus
70) Alveus non Albeus 184) Parentalia non Parantalia
71) Globus non Glomus 185) Poples non Poplex
72) Lancea non Lancia 186) Locuples non Locuplex
73) Favilla non Failla 187) Robīgo non Rubīgo
74) Orbis non Orbs 188) Plasta non Blasta
75) Formosus non Formunsus 189) Bipennis non Bipinnis
76) Ansa non Asa 190) Ermeneumata non Erminomata
77) Flagĕllum non Fragĕllum 191) Tymum non Tumum
78) Calatus non Galatus 192) Strofa non Stropa
79) Digĭtus non Dicĭtus 193) Bitūmen non Butūmen
80) Solea non Solia 194) Mergus non Mergulus
81) Calceus non Calcius 195) Myrta non Murta
82) Iecur non Iocur 196) Zizipus non Zizupus
83) Auris non 197) Junipĭrus non Junipĕrus
84) Camĕra non Cammăra 198) Toleraviles non Tolerabilis
85) Pegma non Peuma 199) Basilica non Bassilica
86) Cloaca non Cluaca 200) Vĭrĭdis non Vĭrdis
87) Festuca non Fistuca 201) Tribŭla non Tribla
88) Ales non Alis 202) Constabilitus non Constabilitus
89) Facies non Facis 203) Sīrēna non Serena
90) Cautes non Cautis 204) Musium uel Musīuum non Museum
91) Pleves non Plevis 205) Labus non Lapsus
92) Vates non Vatis 206) Orilegium non Orologium
93) Tabes non Tavis 207) Ostiae non Hostiae
94) Suppellex non Superlex 208) Februarius non Febrarius
95) Apes non Apis 209) Glatri non Cracli
96) Nubes non Nubs 210) Allec non Allex
97) Suboles non Subolis 211) Rabidus non Rabiosus
98) Vulpes non Vulpis 212) Tintinaculum non Tintinabulum
99) Palumbes non Palumbus 213) Adon non Adonius
100) Lues non Luis 214) Grundio non Grunnio
101) Deses non Desis 215) Vapulo non Baplo
102) Reses non Resis 216) Necne non Necnec
103) Vepres non Vepris 217) Passim non Passi
104) Fames non Famis 218) Nunquit non Minquit
105) Clades non Cladis 219) Nunquam non Nunqua
106) Syrtes non Syrtis 220) Noviscum non Voscum
107) Aedes non Aedis 221) Vobiscum non Voscum
108) Sedes non Sedis 222) Nescioubi non Nesciocubi
109) Proles non Prolis 223) Pridem non Pride
110) Draco non Dracco 224) Olim non Oli
111) Ocŭlus non Oclus 225) Adhuc non Aduc
112) Aqua non Acqua 226) Idem non Ide
113) Alium non Aleum 227) Amfora non Ampora
114) Celebs non Celeps
42
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
2.3.7. Estudo comparativo das línguas românicas
Formas hipotéticas
Há, ainda, uma fonte indireta para o conhecimento do latim vulgar: é
a reconstituição de formas pelo estudo comparativo das línguas românicas.
Muitas vezes, determinada palavra não aparece em nenhum documento; to-
davia, é lícito supor a existência dela no latim vulgar, quando somente ela
pode explicar a presença de certas formas das línguas românicas.
Exemplifiquemos: o verbo português semelhar, o espanhol semejar,
o italiano simigliare, o galego somellar e outras formas românicas não po-
deriam originar-se da palavra latina similare. Pelo que se conhece da fonéti-
ca histórica dessas línguas, deduz-se ser *similiare a única forma que con-
vém a todas. Admite-se, então, como positiva, a existência de *similiare,
(proposta pelo grande romanista Frederico Diez).
A fim de mostrar o rigor científico do método filológico, basta dizer
que muitos vocábulos assim reconstruídos foram posteriormente encontra-
dos em documentos.
Tal aconteceu, por exemplo, com o étimo do português chover, es-
panhol llover, italiano piovere, francês pleuvoir, para os quais foi assentada,
por dedução, a palavra *plovere. Mais tarde, num texto de Petrônio, escritor
latino que viveu ao tempo de Nero, descobriu-se a forma plovebat, que veio
confirmar a exatidão da hipótese.
Essas formas conjeturais recebem o nome de hipotéticas ou recons-
truídas e são convencionalmente assinaladas por um asterisco (*).
43
José Pereira da Silva
2.4.1. Tendência para o emprego de sufixos
Tendência para o emprego de sufixos, principalmente os tônicos e os
diminutivos.
apicula em vez de apis ovicula em vez de ovis
auricula em vez de auris sperantia em vez de spes
anellus em vez de anulus fibella em vez de fubulus
44
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
2.4.5. Tendência para substantivar adjetivos
Houve tendência para substantivar adjetivos, aproveitando, assim,
toda a força e todo o colorido do determinante:
aestivus, em vez de tempus aestivus – (port.) estilo
veranus, em vez de tempus veranus (port.) verão
malum, indicava em latim o fruto da macieira; mala matiana (plural neutro) indi-
cava certo tipo
Que se veja o que a este respeito escreve Meillet (MEILLET, A., 1933), re-
ferindo-se ao falar latino:
A língua popular possui termos próprios que transparecem nos textos. Casa e
domus existiam um e outro; a palavra domus, que designava uma habitação do ti-
po “burguês”, desapareceu; restou apenas a palavra casa, que designa a residência
do homem do povo. Equus e caballus coexistiam; mas o termo vulgar caballus
sobrepujou equus.
45
José Pereira da Silva
ráter analítico da língua.
6 -- desaparecimento da quantidade das vogais, que as faziam
longas e breves, e adoção do acento de intensidade, o que as tornou átonas e
tônicas
7 -- redução dos ditongos a vogais.
Para facilidade de estudo, ponhamos lado a lado alguns caracteres
morfológicos da língua literária e da vulgar
LATIM LITERÁRIO LATIM VULGAR
cinco declinações três declinações
seis casos simplificação e confusão de casos
três gêneros dois gêneros
quatro conjugações três conjugações
três vozes verbais duas vozes verbais
voz passiva sintética nos tempos do infec- voz passiva analítica em todos os tempos
tum
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
LATIM LATIM LATIM LATIM
LITERÁRIO VULGAR LITERÁRIO VULGAR
caput capǐtia cor *coratio
apis apǐc(ǔ)la ovis ovǐc(ǔ)la
avus *aviolus genu genuc(ǔ)lu
auris auric(ǔ)la
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José Pereira da Silva
2.5.2. Transformações semânticas
A semântica estuda a significação dos vocábulos.
Muitas vezes, na passagem para o português, não é a forma da pala-
vra latina – ou não é só a forma – que se altera: também o sentido sofre mo-
dificações profundas, determinadas por fatores vários, que agem lentamen-
te, de maneira insensível, e de cujo trabalho só se tem ideia quando, séculos
depois, a palavra aparece na língua traduzindo ideia muito diversa daquela
que um dia exprimiu.
Por exemplo, o substantivo focus indicou, em latim, a lareira, o fo-
gão; no português designa aquilo que se contém na lareira, ou seja o fogo.
Burrus, para os romanos, era adjetivo e significava vermelho, aver-
melhado, ou, quando muito, ruço avermelhado. Dir-se-ia, então, de um
animal asĭnus burrus, asno avermelhado, para diferenciar de um asno bran-
co, pedrês etc. Com a substantivação do adjetivo, tivemos também a altera-
ção semântica, e burro, hoje, indica o próprio asno.
Às vezes, como veremos mais detidamente no estudo das formas di-
vergentes (tópico 7) a alteração da forma acompanha a alteração semântica,
e a língua, mais tarde, volta a buscar o vocábulo latino, porque a palavra
que possui não mais exprime a ideia primitiva, que lhe falta.
Que se veja, para exemplo, o caso de planu. Na evolução para o por-
tuguês veio a dar chão, com o significado mais corrente de solo, pavimento,
superfície. Foi necessário voltar ao latim e tomar o vocábulo erudito para
traduzir a verdadeira ideia de plano: liso, sem acidentes.
O mesmo ocorreu com leal e legal; caldo e cálido; solda e sólida;
cheio e pleno, além de muitos outros.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Seja, diz ele, uma proposição latina correspondente à portuguesa Deus ama o
homem: o sujeito será expresso pelo nominativo Deus, o predicado pelo verbo
diligit, o objeto sobre que recai diretamente a ação do verbo pelo acusativo ho-
minem. Qualquer que seja a ordem por que se disponham estas três palavras, o
sentido é sempre claro, óbvio, idêntico:
Deus diligit hominem Deus hominem diligit Hominem diligit Deus
Hominem Deus diligit Diligit Deus hominem Diligit hominem Deus
Não é isso o que se verifica no português: desapareceu a liberdade de
transposição do latim, e as relações são indicadas pela ordem natural das pa-
lavras (ordem direta), ou pelo uso das preposições.
Essas tendências fazem-se sentir no latim vulgar, e a Dra. Carolina
Michaëlis (op. cit., p. 253) mostra que, mesmo em frases pequenas, a cons-
trução popular divergia da clássica:
popular – Suus caballus est bellus
clássico – Equus eius pulcher est.
Ainda na sintaxe era notável a tendência do latim vulgar para o anali-
tismo na construção das orações subordinadas substantivas. Assim como em
português podemos construir as orações subordinadas substantivas de duas
maneiras: reduzidas de infinitivo, por exemplo: “o povo diz ser a Terra re-
donda”, ou desenvolvida mediante a conjunção integrante: «O povo diz que
a Terra é redonda», assim também, o latim clássico preferia sempre a forma
infinitiva: «Vulgus dicit terram esse rotundam», mas o latim vulgar preferia
a forma desenvolvida ou analítica. «Vulgus dicit quod terra est rotunda».
2.6. RESUMO
A lei do menor esforço, isto é, a tendência para simplificar sempre
mais a fala, levou o povo a alterar o latim, modificando-o de acordo com in-
fluências que podiam ser resultantes do desejo de fugir a dificuldades natu-
rais da língua ou consequências da imitação de outras línguas.
De que essas alterações existiram dão-nos provas documentos vários,
como as peças de teatro, o testemunho dos gramáticos, as inscrições, certos
livros etc., nos quais se pode ver como, levado por preferências irresistíveis,
o povo ora mudava a quantidade das vogais, ora desenvolvia o uso dos di-
minutivos, às vezes utilizava as formas perifrásticas, em certos casos desen-
volvia o emprego das preposições, não raro escolhia vocábulos estranhos no
lugar de vocábulos latinos etc. Tais e tão profundas são as alterações, que se
admite a existência de modalidades outras de latim, além do literário e do
vulgar, como o latim bárbaro e o baixo latim, ambos somente escritos, con-
forme foi explicado nos tópicos 2.1 e 2.2.
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José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1 – Que é latim clássico? E latim vulgar? E baixo-latim? E latim bárbaro?
2 – Citar 2 diferenças léxicas, 2 fonéticas, e 2 sintáticas entre o latim clás-
sico e o latim vulgar.
3 – Dar 2 exemplos de analitismo no latim vulgar comparando-os com o
sintetismo do latim clássico.
4 – O latim clássico e o latim vulgar são duas línguas diferentes ou dois as-
pectos da mesma língua?
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
3. NOÇÕES ELEMENTARES
DE FONÉTICA HISTÓRICA;
ACENTO TÔNICO; ALTERAÇÕES FONÉTICAS
3.1. FONÉTICA
A fonética é a ciência que trata dos fonemas que constituem a lin-
guagem.
“A fonologia não se opõe à fonética”, ensina Bechara. Ela “determi-
na a natureza física e fisiológica das distinções observadas”, enquanto a
“fonologia estuda o número de oposições utilizadas e suas relações mútuas”
dentro de cada língua. (Cf. BECHARA, 2001, p. 556)
3.2. FONEMAS
Fonemas “são todas as sensações auditivas determinadas pelas modi-
ficações que os órgãos da fala imprimem à corrente de ar expelida pelos
pulmões” (NIEDERMAN, 1933).
Importa rever, aqui, algumas noções fundamentais, aprendidas du-
rante o ensino médio:
Fonema é o som; letra é a representação gráfica desse som, pelo que
pode haver fonemas grafados com mais de uma letra (como rr em carro) do
mesmo modo como uma só letra pode representar mais de um fonema (co-
mo o x de táxi, dito tacsi).
Os fonemas compreendem três grupos: vogais, semivogais3 e conso-
3 Rigorosamente, semivogal é o fonema vocálico precedido da vogal básica em uma sílaba, eliminando-
se os chamados encontros vocálicos instáveis da classificação de ditongos, exceto nos grupos “qu” e o
“gu” quando não constituem dígrafos, como em quase, água, cinquenta, tranquilo, aguentar, linguiça etc.
As semivogais, em nossa nomenclatura gramatical, incluem o que realmente deveria ser chamado de
semiconsoantes, termo incomum na gramaticologia em língua portuguesa. A semivogal se distingue da
semiconsoante por ficar sempre depois da base silábica e subordinada a esta, enquanto a semiconsoan-
te fica sempre antes, podendo ser separada desta para formar um hiato. Na verdade, os ditongos cres-
centes são variantes dos hiatos. Exemplos de semiconsoantes: armá-rio (-ri-o), tê-nue (-nu-e), histó-ria (-
ri-a); exemplos de semivogais: cai-xa, céu, coi-sa, cau-sa, an-dais.
51
José Pereira da Silva
antes.
Vogais são fonemas puros, musicais, produzidos unicamente pela vi-
bração das cordas vocais, constituindo-se na base da sílaba. São orais se a
coluna de ar passa exclusivamente pela boca, ou nasais se a passagem é fei-
ta parte pela boca, parte pelas fossas nasais.
Semivogais (lato sensu) são os fonemas i, u, quando formam sílaba
com uma vogal. No stricto sensu, distinguem-se das semiconsoantes por
formarem sílabas apenas com a vogal antecedente, que é a base silábica.
Consoantes são fonemas produzidos pela corrente de ar com partici-
pação dos demais órgãos da fala: língua, lábios, dentes etc. Há consoantes
sonoras, quando produzidas com vibração das cordas vocais, e surdas,
quando as cordas vocais ficam imóveis.
Fundamentalmente as vogais são sete, sendo que algumas delas se
neutralizam em sílabas átonas, além de poderem ser consideradas também
como orais ou nasais.
Eis o quadro das vogais orais que podem ocorrer em sílabas tônicas
do português falado no Brasil:
altas i u altas
ê ô
médias é ó médias
baixa a baixa
anteriores posteriores
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
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José Pereira da Silva
Em primeiro lugar, convém não esquecer que as épocas de coloniza-
ção foram diversas, diversos eram os colonos (Cf. tópico 1.3), diversos os
povos colonizadores, as raças e os climas. Depois, vale a pena lembrar que a
disciplina gramatical da língua, artificialmente criada por Lívio Andronico,
Névio, Ênio e outros estudiosos, segundo o modelo da gramática fisiológica
dos que deviam falar o latim, e oferecia a povos às vezes rudes e semibárba-
ros dificuldades linguísticas insuperáveis.
Dentro da própria Península Itálica, na própria Roma, essas trans-
formações eram evidentes, como ensina, por exemplo, esta passagem do
gramático Varrão, no seu tratado de Língua Latina: “In multis verbis in quo
antiqui dicebant s, postea discunt r.” (Em muitas palavras nas quais os anti-
gos diziam s, depois dizem r). E exemplificara; plusina = plurima; meli-
osem = meliorem; asenam = arenam” (NIEDERMANN, 1933).
4“Sin embargo, cada vez se cree menos en la incondicionalidad fonética, y el nombre de cambio inde-
pendiente se aplica más bien a aquel cuyas condiciones mensurables nos son desconocidas”. (GAYA,
1950: 160).
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
t é uma consoante surda. Por isso, sob a influência das vogais que o ladea-
vam, o t se contaminou da sonoridade delas, o que vale dizer que foi substi-
tuído por d (recorde-se que a diferença entre t e d consiste em que neste há
vibração das cordas vocais e naquele não se dá essa vibração). Aí está, por-
tanto, uma alteração condicionada.
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José Pereira da Silva
ção do português resultam apenas das modificações de acentuação ou da vi-
zinhança da sílaba tônica.
As vogais latinas deviam ser diferençadas por dois aspectos, como
lembra Ernesto Faria em sua Fonética Histórica do Latim: quantidade e
timbre. Portanto, não se diferenciavam em tom. Ou seja: o tom não era traço
distintivo na língua latina.
a) quantidade – era o tempo de duração da pronúncia, e as vo-
gais podia ser longas ou breves. A duração de uma vogal lon-
ga, na pronúncia, era igual ao dobro de duração de uma vogal
breve.
b) timbre, mostra as vogais abertas ou fechadas.
Eram, então, as seguintes as vogais latinas:
longas – ā ē ī ō ū
breves – ă ĕ ĭ ŏ ŭ
Excetuando-se o a, que era sempre aberto, as vogais breves eram
abertas e as longas eram fechadas.
Essa diferenciação, que se destinava a dar à frase cadência musical,
se era difícil para os latinos, mais difícil ainda seria, sem dúvida, para os
povos conquistados, e o resultado foi que a acentuação tradicional, baseada
na quantidade se transformou, no latim vulgar, em acento de intensidade.
As vogais passaram, de longas e breves que eram, a fortes e fracas,
ou, conforme a inadequada nomenclatura fonética generalizada, a tônicas5 e
átonas.
Vigoravam para a acentuação latina, de modo geral, as seguintes re-
gras:
1 – Não havia palavras oxítonas.
2 – Nas palavras dissílabas, o acento recaía sempre na penúltima sí-
laba:
légis, inter, dómus, páter, ámat, púlcher, ipse, ego, unus, ave, nun-
quam.
3– Nas palavras de três ou mais sílabas, a posição do acento depen-
dia da quantidade da penúltima sílaba: se ela era longa, recebia o acento; se
era breve, o acento recuava para a antepenúltima.
5Observe-se que o adjetivo “tônico” significa “com destaque pelo tom” e que “átono” significa “não mar-
cado ou não acentuado pelo tom”.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Exemplo com a penúltima longa: fidēlis, amātur, vehemēnter, plenu,
rotundu, magister.
Exemplos com a penúltima breve: fácĭlis, fémĕna, ímpĕtus, difícĭlis,
pópǔlu, tépǐdu, discípŭlu,
A acentuação dos polissílabos apresentava, no latim vulgar, exceção
em dois casos, em confronto com a língua literária:
a) havendo um hiato, se o i era tônico, a tonicidade se transferia
para a vogal seguinte:
paríetem > pariétem > (port.) parede mulíerem > muliérem > (port.) mulher
lancéǒla > lanceóla > lançó avíǒlu > aviólu > avóo > avô
uistíǒla > uistióla > ichó ascíǒla > ascióla > enxó
linéǒlu > lineólu > linhol aranéǒlu > araneólu > aranhó
lintéǒlum > lentiólum > lençol filíǒlum > filiólum > filhol
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José Pereira da Silva
3. troca de posição de fonemas (no início, no interior ou no final da
palavra),
4. transformação de fonemas (no início, no interior ou no final da pa-
lavra).
Seja qual for o metaplasmo6, sempre se deve ter em conta que a
transformação que se verifica em um fonema é:
a) inconsciente, isto é, ocorre sem que as pessoas tenham consciência das
alterações e, portanto, sem que as efetuem deliberadamente. Por exemplo,
quando alguém, entre nós, diz ocê, em lugar de você, não deliberou suprimir
o fonema inicial do pronome e nem perceberá que o faz.
b) gradual, isto é, resulta de uma série de transformações, sucessivas e, às
vezes, tão lentas que levam séculos para o seu processamento definitivo.
Por exemplo, esse mesmo pronome você, mencionado acima, é o resultado
da lenta transformação de vossa mercê – vossemecê – vosmecê – vossê (co-
mo aparece no século XVII, em D. Francisco Manuel de Melo) e, finalmen-
te, você.
c) regular, isto é, efetua-se de maneira uniforme, dentro da mesma época
em face das mesmas condições.
Feita essa advertência, podemos estudar os vários metaplasmos ou
alterações fonéticas:
6 Metaplasmo é o nome que se dá a qualquer alteração que as palavras sofrem na sua evolução.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Não é fácil encontrarem-se exemplos em que ocorram apenas os fe-
nômenos que no momento estão sendo estudados, embora procuremos sem-
pre exemplos simples. Caberá ao professor das as explicações que cada caso
comportar, até que os estudantes tenham adquirido conhecimentos mais
completos.
3.6.1.2. Síncope
Síncope é o desaparecimento de fonema no interior da palavra: virĭde
> vir’de > verde, ocŭlu > oc’lu > olho, pede > pee > pé, legenda > lenda,
malu > mau, tegenda > tenda, pérola > perla, inimigo > imigo, solidão >
soidão, soledade > soidade > saudade, alteru > outro, dominu > dono, le-
pore > lebre, positu > posto, *pulica > pulga, gallicum > galgo, angelu >
angeo > anjo, macula > mágoa, spatula > espádua, tábula > tábua, delica-
tu > delgado, follicare > folgar, *salicarium > salgueiro, comitatu > con-
dado, verecundia > vergonha, veritate > verdade, recitare > rezar.
Pode-se ver, a partir dos exemplos arrolados, que a crase constitui,
de certo modo, um desaparecimento de fonema, visto que as duas vogais
idênticas se transformam em uma apenas. (Cf. tópico 3.6.4.5)
Há casos de síncope que são constantes, como acontece, por exem-
plo, com as consoantes sonoras, que em geral desaparecem na passagem pa-
ra o português, quando entre vogais. São elas:
d – crudele > cruel fidele > fiel crudu > cruu > cru
l – malu > mau filu > fio
n – granu > grão sanu > são manu > mão
g – legale > legal magis > mais
3.6.1.3. Haplologia
Haplologia é o fenômeno que consiste no desaparecimento de uma
sílaba quando na palavra há outra igual ou semelhante: perdida> pérdida >
perda, bondade + oso > bondoso (não bondadoso), semi + mínima > semí-
nima (não semimínima), ídolo + latra > idólatra (não idololatra), tragico-
comédia >tragicomédia, formicicida > formicida, maldade + oso > maldo-
so, vendita > vendida > venda, simplices > simprezes > simprez > simples;
aurifices > ourivezes > ourives, rotatore > redador > redor, –tatosu > –
dadoso > –doso
Semelhantemente ocorre a haplologia sintática, que consiste na redu-
59
José Pereira da Silva
ção de duas palavras homônimas ou parônimas, e vizinhas, a uma só, como
se pode ver nestes exemplos:
Antes queria morrer do que [que] me acusassem de ladrão." (Domin-
gos Monteiro, Contos do Dia e da Noite, p. 137); "Aquele homem exalava
de si o [que] quer que fosse de sobrenatural e de divino." (Guerra Junqueiro,
Pátria, p. 204); pelo amor (de) Deus!...; Madre (de) Deus; ... melhor do que
(que) ele esteja a padecer, Rua Visconde (de) Niterói, Rua Conde (de) Bon-
fim, cal(do) de cana, des(de) que venhas.
3.6.1.4. Apócope
Apócope é o desaparecimento de fonema no final da palavra: amat >
(port.) ama, et > (port.) e, dare > (port.) dar, mare > mar, male > mal, facile
> fácil, capitale > capital, mármore > mármor; valle > val, grande > gran,
dominu > dono > dom, centum > cento > cem, quantu > quanto > quam >
quão, tantu > tanto > tam > tão, sanctu > santo > são, ille > ele > el, mille >
mil, inde > em, multu > muito > mui, belu > bel (bel prazer), casa > cas (em
cas de), monte > mon (Monsanto), castellu > castel (Castel-branco), valle >
val (Valverde).7
60
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
lesão > aleijão; rã > arrã; mora > amora, nana > nã > anã, metade >
ametade.
3.6.2.3. Ditongação
Ditongação é o fenômeno que consiste no desdobramento de uma
vogal até criar um ditongo: vena > vea > veia, avena > avea > aveia, cate-
na > cadea > cadeia, alienu > alheio, plenu >cheio, foedu > feio, frenu >
freio, sinu > seio.9
A ditongação é fenômeno constante. Tanto que ainda hoje se diz
douze por doze; nós > nóis; rapaz > rapaiz; três > trêis; dez > déiz..
3.6.2.4. Paragoge
Paragoge é o desenvolvimento de fonema no final da palavra: fran-
cês chic > chique, francês bric-à-brac > bricabraque, inglês beef > bife,
inglês club > clube, inglês film > filme, assi > assim, entonce > entonces
(arcaico), ante > antes, amabant > amavam foi a evolução natural, mas a
pronúncia portuguesa é amavãu, pelo que se deve notar o aparecimento de
um fonema u, isto é, um som de u, que não se escreve, mas pode ser ouvido.
8 “Fenômeno muito parecido com a epêntese é a troca de uma consoante por outra: medĭcam > melga,
magĭdam > *madiga > malga, pallĭdum > pardo, papўrum > papel, ulĭcem > urze; iudicāre > julgar, porta-
tĭcum > portádego > portalgo (arcaico)” (Williams, 1986: 118).
9 A ditogação pode ser ainda um fenômeno: de síncope ou queda de uma consoante intervocálica (ama-
tis > amades > amais); de metátese (amabiles > amavies > amáveis); de hipértese (desvario > desvairo),
de alongamento da vogal tônica (sum > so > sou) e de vocalização (conceptum > conceito).
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José Pereira da Silva
3.6.3. Troca de posição de fonemas
Os metaplasmos por transposição podem ocorrer por deslocamento
de fonema ou de acento tônico da palavra.
A troca de posição de fonemas na mesma sílaba recebe o nome parti-
cular de metátese: pro > por, semper > sempre, inter > entre, super > so-
bre, fernesim > frenesim, preguntar > perguntar, perparar > preparar, me-
rulum > melro > merlo, instrumento > estormento (arcaico), tenebras > te-
evras > trevas, praesaepem > pesebre (arcaico).
Hipértese é a transposição de um fonema de uma sílaba para a outra:
capio > caibo, primariu > primairo > primeiro, fenestra > festra > fresta,
genuculum > geolho > joelho, dehonestare > deostar > doestar, sibilare >
silvar, inodium > enojo, fenestram > feestra > fresta, pigritiam > pegriça
> preguiça, fabricam > fravega; capistrum > cabresto, satisfacĕre > satis-
fazer > sastifazer (popular), clericum > creligo (arcaico) > florem > frol
(arcaico), ancalçar > alcançar.
3.6.4.1. Assimilação
Assimilação é a influência que um fonema exerce sobre outro pró-
ximo, a ponto de dar-lhe semelhança total ou parcial.
Trata-se, portanto, de uma alteração condicionada pelo ambiente fo-
nético: consiste na aproximação de um fonema a outro, podendo essa apro-
ximação determinar até o igualamento deles.
Tomemos, por exemplo, o vocábulo latino assibilare. Na passagem
para o português, dá ele origem ao vernáculo assobiar. Que alterações foné-
ticas sofreu?
1 – apócope do e final: assibilar,
2 – síncope do l intervocálico: assibiar,
3 – passagem do primeiro i para o, alteração esta que ocorre por as-
similação, pois é o fonema b, bilabial, que age sobre o i, vogal velar, de
modo a torná-lo o, que é também vogal labial (ver o quadro das vogais, no
início deste capítulo). Assim temos: assibilare > assobiar.
62
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
A palavra latina vǐpĕra produziu, na língua arcaica, vibera, que, de-
pois, passou a víbora; o e átono da penúltima sílaba transformou-se em o
por influência da consoante labial b, que lhe é contígua. Dada a sua condi-
ção de labial, o b provocou a mudança do e (vogal palatal) em o (vogal que
também é labial);
A palavra persǐcǔ produziu pêssego, em que foi tão completa a in-
fluência do s no r, que este se igualou àquele (rs > ss).
A assimilação, de acordo com a maneira como se processa, pode ser:
1 – parcial, 2 – total, 3 – progressiva, 4 – regressiva.
É parcial quando o fonema assimilado não fica totalmente igual ao
assimilador. É o caso de assibilare > assobiar, dado acima: uma vez que o i
não se tornou em b, mas apenas adquiriu um ponto de semelhança com o
fonema assimilador – ambos são labiais – a assimilação é parcial.
Há também assimilação parcial em: fame > fome, in + pio > impio >
ímpio, auru > ouro, lacte > laite >leite, assibilare > assibiar > assobiar,
molinarium > molneiro > moleiro, debent illum > *deben-lo > devem-no,
*fiz-lo > fi-lo.10
É total quando o fonema assimilado fica totalmente igual ao assimi-
lador. Por exemplo, na evolução persona > pessoa, o fonema r é totalmente
assimilado pelo s, tanto assim que se transforma em s. São também casos de
assimilação total: ipse > esse, ipsum > isso, subponere > suppor > supor,
subgenere: suggerir > sugerir, persicum > pêssego, inregulare > irregular,
per + lo > pello > pelo, in + legal > illegal > ilegal, persona > pessoa, mi-
rabilia > maravilha, novaculam > navalha; parabolam > paravra (arcai-
co), eleemosynam > esmolna > esmola, sal nitrum > salitre, *amare-lo >
amarlo > amá-lo.
É progressiva, quando o fonema assimilador está antes do fonema
assimilado: nostru > nosso, vipera > vibera > víbora, vostru > vosso,
amam-lo > amam-no, molinariu > molnario > mollairo > moleiro.
É regressiva quando o fonema assimilador está depois do fonema as-
similado: persona > pessoa, persicu > pêssego, fame > fome, captare > ca-
ttar > catar, ipsa > essa
A assimilação é a mais importante e frequente das alterações fonéti-
cas se reveste de aspectos muito variados. Numerosas mudanças existem
10 Um caso particular importante de assimilação parcial ocorre no caso da ressonância nasal em exem-
plos como: hac nocte > onte > ontem, pectinem > peitem > pẽitem > pentem (arcaico e dialetal); nubem
> nuve >*nũve > *nũvem > nuvem. mugilem > mugee > *mũge > mugem.
63
José Pereira da Silva
que, não obstante terem nomes especiais, não deixam de ser, em última aná-
lise, casos de assimilação.
Eis as principais: sonorização, nasalação, palatalização,vocalização,
crase e oclusão.
3.6.4.2. Dissimilação
Dissimilação é a transformação de um fonema para torná-lo desigual,
dessemelhante a outro. Pode-se dizer que constitui fenômeno oposto à assi-
milação: rotundo > rodondo > redondo: a dissimilação do primeiro o resul-
ta da influência da vogal tônica. O mesmo se dá em: temor + oso > temoro-
so > temeroso; valoroso > valeroso; formosu > fermoso; rotatorem > re-
dor; remoinho > rodomoinho > redomoinho > redemoinho; primarium >
primairo > primeiro; liliu >lírio; locustam > lagosta, sexaginta > sessenta
> sassenta (arcaico), dicebat > dizia > dezia (arcaico), locale > lugar, ani-
mam > alma, memorare > nembrar > lembrar11; priorem > priol (arcaico),
globellum > lovelo > novelo, *ligaculum > legalho > negalho, arbitrum >
álvidro (arcaico), campanam > pampãa > campa; *ventanam > ventãa >
venta; quintanam > quintãa > quainta, português arcaico pentem > pente12.
Às vezes a dissimilação é tão violenta e profunda que leva ao desa-
parecimento do fonema: aratru > arado; prora > proa; cribru > crivo; ros-
tru > rosto, proprium > própio (arcaico e dialetal).
Como acontece com a assimilação, a dissimilação pode ser total,
parcial, progressiva e regressiva.
É total, quando se opera tão violentamente que ocasiona a elimina-
ção de um dos sons: prora > proa; rostrǔ > rosto; aratrǔ > arado.
É parcial, quando um dos sons apenas se distingue do outro, fazendo
contrastarem os caracteres que lhes eram comuns: da palavra latina anima
saiu, pela síncope regular da vogal postônica, a forma an’ma, da qual, por
dissimilação do n, se teve a portuguesa alma. O que havia de comum entre n
e m era a nasalidade; então, o n a perdeu, para melhor se distinguir do m. (O
fonema que tem caracteres iguais aos do n, exceto a nasalidade, é o l).
11Embora as duas consoantes em latim anima e português arcaico nembrar não fossem a mesma, eram
ambas nasais; a dissimilação se processou pelo desaparecimento da nasalidade para l.
12 Como se vê nestes últimos exemplos, a dissimilação também pode ocorrer na ressonância nasal.
64
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
3.6.4.3. Vocalização
Vocalização é a passagem de uma consoante a semivogal: lacte >
laite > leite, pectu > peito, nocte > noite, multu > muito, regno > reino, ab-
sencia > ausência, conceptum > conceito, acctum > auto, iactum > jeito,
falcem > foice,
3.6.4.4. Consonantização
Consonantização é a transformação de um fonema vocálico em con-
soante. Ocorreu, frequentemente, na formação do português, com i e u
quando, em função de semiconsoantes foram transformadas em j e v: Iesus
> Jesus, iacere > jazer, hierarquia > jerarquia, uacca > vaca, iam > já, ui-
ta > vida, maiestate > majestade, boue > bove > boi, laudare > *lodare >
loar > louar > louuar > louvar, audire > *odire > oir > ouir > ouuir >
ouvir.
3.6.4.5. Crase
Crase é a fusão de vogais iguais em uma só: pedem > pee > pé, se-
dem > see > sé, colorem > coor > cor; dolorem > door > dor, sagittam >
saeta > seeta > seta, cinitiam > ceinza > ciinza > cinza; creditum > credo
> criido > crido; sigillum > seello > selo; praedicare > preegar > pregar;
videre > veer > ver; medicinam > meezinha > mezinha; *panatarium >
paadeiro > padeiro, sanatiuum > saadio > sadio; palumbum > paombo >
poombo > pombo; creditorem > creedor > credor; maiorem > maor > mo-
or > mor
Quando a crase se dá pela junção da vogal final de uma palavra com
a vogal inicial de outra, na formação de expressões compostas, recebe o
nome especial de sinalefa: outra + hora > outrora, de + este > deste, de +
intro > dentro, a a > à, a as > às, a aquela(s) > àquela(s), a aqueles) >
àquele(s), a aquilo > àquilo, a aquele(s) outro(s) > àqueleoutro(s); a aque-
la(s) outra(s) > àqueleoutra(s).
3.6.4.6. Nasalização
Nasalização é a transformação de um fonema oral em nasal. Pode
ocorrer em virtude da influência de uma consoante nasal próxima (m, n), ou
por analogia (ver capítulo 10).
1º caso: mihi > mii > mim (por influência do m), nec > ne > nem
(por influência do n), lana > lãa > lã (por influência do n desaparecido),
65
José Pereira da Silva
bonu > bom; tenes > tens; fines > fins, unum > uno > ũu > um; canes >
cães;homines > homens; ordines > ordẽes > ordens, orphanam > órfãa >
órfã, matres > mães;germanum > irmão, manum > mão;organum > órgão,
orphanum > órfão; Stephanum >Estêvão, lectiones > lições; pones > pões,
manum > mão, vadunt > vão, vinum > vinho, nidum > ninho, gallinam >
gallĩa > galinha; vicinam : vizĩa > vizinha; litaniam > lidaĩa > ladainha;
venibam > venĩa > veĩa > viĩa > viinha > vinha; *cinitia > cẽiza > ciinza
> cinza, divinitatem > divĩidade > divindade; poenitentiam > pendença;
devinare > adivinhar; ordinare : ordinhar > ordenar; denarium > dĩeiro >
dinheiro; venitis > vindes, multum > muito, benedicamus > bendigamos,
*nec-unum > ningum (arcaico) > nenhum, *-udinem > *-oen > –õe (arcai-
co), *-udines > *-oens > –ões, –inum > –inho, –inam > –inha.
2º caso: sic > si > sim (por influência de não). Por analogia, portan-
to. Visto que não se trata de uma causa interna da palavra em questão. Ti-
vemos a forma arcaica si, que se nasalou por associação com o antônimo
non. Tal nasalidade estendeu-se aos compostos assim e outrossi, moderna-
mente assim e outrossim. Registre-se que, modelados por mim, houve na
língua antiga os pronomes tim e sim.
3.6.4.7. Desnasalização
Desnasalização é o desaparecimento da nasalidade de um fonema.
Por exemplo, na formação do português, é frequente, em certa época, a que-
da do n intervocálico, o qual transmite à vogal anterior a nasalidade que po-
de desaparecer.
1º caso, a nasalidade fica: granu > grão manu > mão, vinu > vio >
vinho e outros, como vimos em 3.6.4.6.
2º caso, há desnasalização: luna > lũa > lua, arena > arẽa > area >
areia, corona > corõa > coroa, bona > bõa > boa, ponere > põere > poer
> pôr, generale, gẽerale > gẽeral > geeral > geral; sonare > sõare > sõar
> soar; alienu > aliẽo > alhẽo > alheo > alheio > cena > cẽa > cea >
ceia, seminare > semẽare > semear, vena > vẽa > vea > veia, fenestra >
fẽestra > feestra > festra > fresta, cuniculu > ceculu > cõeculu > coeculu
> coeclu > coelho, persona > persõa > persoa > pessoa, genesta > gĩesta
> giesta, mensa > mẽsa > mesa, mense > mẽse > mẽs > mês, mensura >
mẽsura > mesura, sponsu > esponso > espõso > esposo; ansa > ãsa > asa,
consuere > cõsuere > cosuere > coser, tensu > tẽsu > tẽso > teso, monstrare
> mõstrare > mostrar, adminacia > amẽacia > ameaça, moneta > mõeta >
mõeda > moeda, vanitate > vãitate > vaitate > vaidade, venatu > vẽatu > vea-
do, manachum > mãago >maago > mago; tenere > tẽere > teere > ter.
66
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
3.6.4.8. Sonorização ou Abrandamento
Sonorização é a troca de uma consoante surda pela sua homorgânica
sonora (ver tabela do início deste capítulo). Um fonema é denominado ho-
morgânico em relação a outro quando têm o ponto de articulação em co-
mum. Só ocorre a sonorização se a consoante surda estiver em posição in-
tervocálica.
As surdas que se sonorizam são:
p>b 13
– capio > caibo; lupu > lobo; sapui > soube; capere > caber,
caepulla > cebola, capitia > cabeça, cupa > cuba, sapone > sabão, capilu
> cabelo, napu > nabo, recepere > receber, caput > cabo, cupiditia > co-
biça, superbia > soberba, scopam > escova, apicula > abelha, ripa > riba,
capra > cabra, episcopu > bispo, aprile > abril
t > d – civitate > cidade; cito > cedo; maritu > marido; vita > vida; fata >
fada; solitate >soidade > saudade, fatu > fado, acutu > agudo, catellam >
cadela, cogitare > coidar >coidar > cuidar, salutare > saudar, vita > vida,
materia > madeira, tutum > tudo, acetum > azedo, mutu > mudo, metu >
medo, latrone > ladrão, patre > padre, matre > madre, atrium > adro, vi-
tru > vidro, citrea > cidra, putre > podre, utre > odre, grate > grade,
aratrum > arado, rutru > rodo, catena > cadeia, nata > nada, senatore >
senador, laudatu > louvado
c > g – pacare > pagar; aqua > água; amicu > amigo; aquila > águia; ca-
ttu > gato, acutu > agudo, securu > seguro, amicu > amigo, lacuna > la-
guna > lagõa > lagoa, ciconea > cegonha, vacare > vagar, resicare > res-
gare > rasgar, caballicare > cavalgar, pullica > pulga, vesica > bexiga,
periculu > perigo, acume > gume, jocu > jogo, manica > mãica >manga,
dominicu > domĩcu > domingo, delicatu > delcato > delgado, lacrima >
lágrima, sacrare > sagrar, secretu > segredo, cattu > gato, caveola > ga-
viola > gaiola, crate > grade, crypta > gruta, quiritare > critare > gritar,
caecu > cego, dico > digo, vindicare > vingar, plicare > pregare e chegar,
dracone > dragão, ficu > figo, socru > sogro, advocare > advogar.
c (e, i) > z – acetu > azedo, vicinu > vizinho, facere > fazer, dicis > dizes,
placere > prazer, vices > vezes, dece > dez, decembre > dezembro, jacere
> jazer, cruce > cruz, voce > voz, veloce > veloz, rapace > rapaz, audace
> audaz.
13 Em algumas palavras, esse “p” evoluiu para “v”: nepeta > néveda, populum > poboo > povo, scopa >
escova. Esse desenvolvimento adicional pode ter sido ocasionado em algumas dessas palavras pela
dissimilação.
67
José Pereira da Silva
f > v – profectu > proveito; aurifice > ourives, trifoliu > trevo, aurifice >
ourives, profectus > proveito, Stephanu > Estêvão,
b > v14 – caballu > cavalo; faba > fava; populu > pobo > povo, gubernu >
governo, mirabilia > maravilha, dubitare > duvidar, scribere > escrever,
probare > provar, fibula > fibela > fivela, trabe > trave, cibare > cevar,
amabat > amava, debet > deve, habere > haver, nubem > nuvem, curbare
> curvar, libru > livro, libre > livre.
3.6.4.9. Palatalização
Palatalização é a fusão de uma consoante e um iode, determinando o
aparecimento de uma consoante palatal. Chama-se iode ao i que, pronuncia-
do com fechamento do canal bucal, como acontece com ioiô, adquire som
consonântico. Como o iode é de natureza palatal, palataliza a consoante a
que está ligada. Assim, por exemplo, as consoantes l, n, d, ss, quando acompanha-
das de iode, transformam-se, respectivamente, nas consoantes palatais lh, nh, j, x: fi-
lia (pronunciado fi-lya) > filha; venio (pronunciado ve-nyo) > venho; hodie (pro-
nunciado ho-dye) > hoje; bassiu (pronunciado ba-ssyo) > baixo.
Frequentemente se dá com:
n (e, i) + vogal > NH – vinea > vinha, aranea > aranha, seniore > senhor,
juniu > junho, maneana > manhã, regina > rainha, gallina > galinha, vinu >
vinho, cicinu > vizinho, juniu > junho, testimoneu > testemunho, montanea
> montanha, somniu > sonho, linea > linha, pinea > pinha, pino > pinho,
molinu > moinho, vagina > bainha, farina > farinha, ingeniu > engenho, ve-
recunnia > vergonha, extraneu > estranho, teneo > tenho, baneu > banho,
addivinare > adivinhar.
l (e,i) + vogal > LH palea > palha, folia > folha, julio > julho, muliere >
mulher, alliu > alho, malleu > malho, consiliu > conselho, milia > milha, vi-
rilia > virilha, batalia > batalha, meliore > melhor,
d (e,i) + vogal > J video > vejo, hodie > hoje, invidia > inveja, adiutare >
ajudar,
pl, cl, fl > CH pluvia > chuva, scoplu > escolho, manuplo > molho, ma-
cula > mancha, masculu > macho, marculatu marclatu > machado, implere
> encher, clave > chave, masculu > masclu > macho, flamma > chama, in-
flare > inchar, plagare > chagar, pleno > cheio, plantare > chantar, clamare
> chamar, inflatu > inchado, afflare > achar, flagrare > cheirar
68
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
cl, pl, gl> LH oculu > oclo > olho, apicula > apecla > abelha, scopulu >
scoplo > escolho, tegula > tegla > telha, peduculu > decuclu > piolho, spe-
culu > especlu > espelho, ragulare > raglare > ralhar, ovicula > ovelha, ma-
cula > macla > malha, acucula > acucla > agulha, coagulu > coalho, tragula
> tragla > tralha
sc, ss (i, e) > X pisce > peixe, passione > paixão, miscere > mexer, russeu >
roxo, fasce > feixe,
s (i) > J cerevisia > cerveja, basiu > beijo, ecclesia > igreja
3.6.4.10. Oclusão
A oclusão consiste na passagem de uma das vogais extremas i (às
vezes e) e u (às vezes escrito o) a semivogais, formando ditongo com a vo-
gal anterior. Oclusão quer dizer fechamento. “Desde que a vogal passa a
semivogal, é porque ela se vai fechando cada vez mais, indo constituir a
semivogal de um ditongo”. (SILVA NETO, 1956)
ego > eo (duas sílabas) > eu (uma sílaba), solitate > so/i/da/de > sau/da/de,
De/us > Deus (uma única sílaba), amabilis > a/ma/be/les > a/ma/ve/es >
a/má/veis, Ex.: malu > mao (hiato) > mau (a oclusão se deu na passagem de
/ o / para / w /); lat. meu > meo (hiato) > meu; amabilis > amavees (hiato) >
amáveis (verbo), habui > haubi > houve, laicu > leigo, sapui > saupe > sou-
be, materia > mateira > madeira, corrigia > corriia > correia, rege > rei
3.6.4.11. Assibilação
É a transformação de um ou mais fonemas em um sibilante. Comu-
mente se dá com:
t (e, i) + vogal > Ç ou Z capitia > cabeça, lentiu > lenço, traditione > tradi-
ção, conditione > condição, editione > edição, tristitia > tristeza, captiare >
caçar, fortia > força, acutiare > aguçar, matiana > maçã, gratia > graça, lin-
teolum > lençol, linteu > lenço., duritia > dureza
d (e, i) + vogal > Ç audio > ouço, ardeo > arço (arc.)
c (e, i) + vogal > C ou Z lancea > lança, minacia > ameaça, judiciu > juízo,
dicis > dizes, placere > prazer.
69
José Pereira da Silva
faxa, cuitelo > cutelo, luito > luto, pluvia > chuvia > chuva, enxuito > enxu-
to, tructa > truita > truta
3.6.4.13. Apofonia
É a mudança de timbre de uma vogal por influência de um prefixo:
in + aptu > inepto, in + barba > imberbe, sub + jactu > sujeito, in+ arte >
inerte, in + amigo > inimigo, dis + facile > dificile > dificil; in + arma>
inerme
3.6.4.14. Metafonia
É a mudança de timbre de uma vogal tônica por influência de outra,
geralmente i ou u: debita > dúvida, tepidu > tíbio, tosso (v. tossir) > tusso,
cobro (v. cobrir) > cubro, decima > dizima, veni > vim, feci > fiz, ista > es-
ta, illa > ela, ipsa > essa, formosa > formosa,
Além da nomenclatura aqui disponibilizada, seria importante, a título
de exercício, buscar em outros livros de Linguística e de Filologia os signi-
ficados e sinônimos de: abrandamento, aférese, aglutinação, alargamento,
apócope, apofonia, assibilação, assimilação, consonantização, crase, desna-
salação, diástole, dissimilação, ditongação, elisão, epêntese, haplologia, hi-
perbibasmo, hipértese, metafonia, metaplasmo, metátese, monotongação,
nasalização, palatalização, paragoge, próstese, prótese, redução, sinalefa,
síncope, sístole, sonorização, suarabácti, vocalização.
70
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
NOTAS: 1– Segundo alguns autores, também é ectlipse a elisão do “s” fi-
nal com vogal inicial de palavra seguinte.
2– No encontro da preposição “com” com o artigo masculino, nor-
malmente, além da ectlipse dá-se a crase: com + o = co’o > c’o com +
os = co’os > c’os
“Crendo c’o sangue só da morte indina” (CAMÕES).
“C’o ferro o duro Pirro se aparelha” (CAMÕES).
3. Os casos de desarticulação, considerados antes vícios de prosódia.
Tais casos ocorrem por:
a) Aférese: tá (por está), péra (por espera); Zé (por José), cê (por vo-
cê); inda (por ainda) , té (por até)
b) apócope ou ensurdecimento: bobage (por bobagem); qué (por
quer); sabê (por saber); passá (por passar); pô (por pôr)
c) prótese ou aglutinação: arrecear arrenegar alagoa (por lagoa)
d) epêntese ou suarabácti: beneficiência, prazeirosamente, hipinotis-
mo, peneu, iguinorante, opitar, obiter
e) ditongação: saudar (sau-dar por sa-u-dar); arruinar (ar-rui-nar por
ar-ru-i-nar); ruim (rữi por ru-im); fuzil (fuziu por fuzil);mais (por mas)
f) monotongação: fêxe, pêsce,frera, dotor, Oropa, Ogênio
g) palatização: Antonho (por Antônio) Demonho (por demônio)
h) despalatização (especificamente ieísmo): muié (por mulher), cuié
(por colher), oreia (por orelha)
i) assimilação: tamém (por também), probrema (por problema)
j) dissimilação: pírula (por pílula), estrambólico (por estrambótico),
breganha (por barganha)
l) hipértese: metereologia, areoporto, largatixa.
m) metátese: preto (por perto), preguntar (por perguntar), parteleira
(por prateleira), braganha (por barganha).
n) rotacismo: farta (por falta), armoço, bardiação, arface
o) lambdacismo: flera (por freira)
p) dissimilação eliminadora: dibre (por dribre, corrupção de drible)
q) haplologia: entretimento (por entretenimento), paralepípedo (por
paralelepípedo) infabilidade (por inbalibilidade)
71
José Pereira da Silva
r) desdobramento: sintaxe (pronunciado sintacse por sintasse), má-
ximo (cs por ss)
Obs: Notável é a supressão por síncope e apócope na palavra “Seu”
de Senhor (seu dotor, seu Zé etc.).
ESQUEMA
Prótese: statua > estátua
1 Por AUMENTO Epêntese: stella > estrela
Paragoge: ante > antes
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
EXERCÍCIOS SOBRE METAPLASMOS
Dar o nome das seguintes alterações fonéticas:
1 – dolore > dolor > door > dor
2 – veritate > veridade > verdade
3 – oculu > oculo > oclo > olho
4 – lŭpu > lupo > lopo > lobo
5 – voce > voze > voz
6 – acume > agume > gume
7 – ipse > epse > esse
8 – macula > macla > malha
9 – integru > integro > intégro > inteiro
10 – inflare > inflar > inchar
11 – liliu > lilio > lírio
12 – multu > multo > muito
13 – dicere > dicére > dicer > dizer
14 – hodie > hodye > hoje
15 – fenestra > fẽestra > feestra > festra > fresta
16 – arena > arẽa > area > areia
17 – aranea > aranya > aranha
18 – bellitia > belitia > beletia > beletya > beleza
19 – bonitate > bonidade > bondade
20 – credo > creo > creio
21 – apĭcula > apicla > apecla > abecla > abelha
22 – parĭcula > paricla > parecla > parelha
23 – auricula > auricla > oricla > arecla > orelha
24 – coagulare > coagular > coaglar > coalhar
25 – civitate > cividade > ciidade > cidade
26 – ciconia > ceconia > cegonia > cegonya > cegonha
27 – clamare > clamar > chamar
28 – cerevisia > cerevesia > cervesia > cerveja
29 – filiu > filio > filyo > filho
30 – gallina > galina > galĩa > galinha
31 – vinu > vino > vìo > vinho
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José Pereira da Silva
32 – vicinu > vicino > vizino > vizĩo > vizinho
33 – flagrare > flagrar > chagrar > chairai > cheirar
34 – consiliu > consilio > conselio > conselyo > conselho
35 – avarĭtia > avaretia > avaretya > avareza
36 – animalia > alimalia > alimária
37 – adversu > adverso > avverso > averso > avesso
38 – debita > dibita > dibida > dívida
39 – solitariu > solitario > soltario > soltairo > solteiro
40 – primariu > primario > primairo > primeiro
41 – mollinariu > mollinario > molinario > molnario > mollario > molario >
molairo > moleiro
42 – dixi (dicsi) > dissi > disse
43 – tepidu > tepido > tebido > tebio > tíbio
44 – horologiu > horologio > rologio > relógio
45 – fructu > fructo > fruito > fruto
46 – invidia > invedia > invedya > inveja
47 – malu > malo > mao > mau
48 – lacuna > lacona > lagona > lagõa > lagoa
49 – nidu > nido > nĩo > ninho
50 – navigiu > navigio > naviio > navio
51 – rabia > ravia > raiva
52 – ponere > ponére > poner > poẽr > poer > poor > pôr
53 – operariu > operario > oberario > obrario > obrairo > obreiro
54 – populu > populo > popolo > pobolo > poboo > pobo > povo
55 – plenu > pleno > plẽo > pleo > cheo > cheio
56 – palumba > palomba > paomba > poomba > pomba
57 – persona > persõa > persoa > pessoa
58 – rotundu > rotundo > rotondo > rodondo redondo
59 – regina > reina > reĩa > reinha > rainha
60 – sapuit > sapui > sabui > saubi > saube > soube
61 – semper > sempre
62 – stella > stela > estela > estrela
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
4. VOCALISMO
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José Pereira da Silva
ă dar < dăre >; água < ăqua; águia < aquila; madre < matre; lado < latu
a< amar < amāre; graça < grātia; estar < stare; paço < palatiu; amargo <
ā
amaricu
pedra < pĕtra; dez < dĕce, égua < ĕqua, breve < brĕve, febre < fĕbre, né-
ĕ
é< voa < nĕbula
ae céu < caelǔ, quero < quaero, cego < caecum, prédio < praediu
ē dever < debēre; segredo < secrētǔ15
ê< ĭ cerca < cĭrca; verde < vir(ĭ)de
oe feio < feo < foedǔ
i< ī vida < vīta; fio < fīlǔ
ó< ŏ rosa < rŏsa; roda < rŏta
ō amor < amōre; lavor < labōre
ô<
ǔ onda < ǔnda; lobo < lǔpǔ
u< ū puro < pūrǔ; seguro < secūrǔ
Este quadro nos mostra a origem remota das nossas sete vogais; já
sabemos que a sua fonte imediata foram as vogais do latim vulgar.
Contribuíram também para a formação de vogais dois dos ditongos
latinos – ae e oe – que evoluíram do seguinte modo:
ae > é oe > ê
Sirvam os seguintes exemplos:
a do português correspondente a ā e ă do latim clássico: ăquam > água;
dăre > dar; măle > mal; căsa > casa; clārum > claro; ārborem > árvore;
stāre > estar.
é do português corresponde a ĕ e ae do latim clássico: dĕce > dez; brĕve >
breve; vela > vĕla; pĕde > pé; caelu > céu; praediu > prédio
ê do português corresponde a ĭ, ē e oe do latim clássico16: cĭto > cedo; pĭlum >
pêlo; sĭte > sede; secrētu > segredo; trēs > três; foeno > feno; poena> pe-
na; nive > neve17; mētu > medo18
15Quando seguido de semivogal ou de consoante vocalizável, o ĕ (“e” breve) se fecha por influência da
semivogal, como em matĕria > madeira, pĕcto > peito, lĕcto > leito, grĕge > grei, concĕptu > conceito.
16 Quando o “a” ou o “e” do latim eram seguidos de “i” ou de consoante vocalizável, foi muito comum a
formação de um ditongo na língua portuguesa, de modo que a semivogal fechou a vogal anterior: amavi
> amei, primariu > primairo > primeiro, materia > mateira > madeira, pecto > peito. A ocorrência do di-
tongo éi ou ói é excepcional, motivo pelo qual é acentuado graficamente, exceto nos paroxítonos.
17O ĭ corresponde normalmente a ê. Logo, o esperável seria neve (ê), e não neve (é). O timbre desse é
deve ter-se alterado por influência analógica do é da palavra névoa.
18Ao ĕ corresponde normalmente é. Logo, o esperável seria medo (é), e não medo (ê). O fechamento
dessa vogal foi decerto provocado pelo u átono da sílaba seguinte, o qual é fechado, tanto que o patro-
nímico "medo", proveniente da Medeia, permanece aberto, por ser um termo erudido ou raro.
76
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
A este fenômeno ocorrido com as vogais tônicas de “neve” e “medo”
se chama metafonia, que é definida pelo grande português Gonçalves Viana
como “Influência da vogal átona sobre o timbre de outra antecedente tônica”.
Eis exemplos de metafonia: pŏrcu > porco; ceriu > círio; feci > fici
> fiz.
i do português corresponde a ī do latim clássico: fīlu > fio; amīcu > amgo;
rīvu > rio; spīca > espiga
ó do português corresponde a ŏ do latim clássico: rŏsa > rosa; rŏta > roda;
prŏba > prova
ô do português corresponde a ō ou a ŭ do latim clássico: dolōre > dor;
amōre > amor; corōna > coroa; sŭper > sobre; gŭstu > gosto; cŭbitu >
côvado
u do português corresponde a ū do latim clássico: acūtu > agudo; nūbe >
nuvem; virtūte > virtude; rūga > ruga
a > o: fame > fome19.
19O a tônico de fame(m) está em português representado por o, fato absolutamente anômalo. O que
possivelmente concorreu para esse desvio foi a influência das consoantes vizinhas, ambas labiais. Daí
os derivados faminto, famigerado, esfaimado (mas também esfomeado).
20
As palavras "pretônico" e "postônico" também se grafam como "pré-tônico" e "pós-tônico".
77
José Pereira da Silva
gume; apothēca > bodega; aprīle > abril; amarĭcu > amargo; epīscopo >
bispo; attōnitu > tonto; acucŭla > agulha; amicu >amigo; acutu > agudo
Se, porém, a vogal pretônica inicial estiver apoiada por uma conso-
ante, fica: filāre > fiar; cabāllu > cavalo; dormīre > dormir; delicātu >
delgado
Vejam-se agora exemplos de permanência de vogais pretônicas, ou de
troca por outras:
a) permanência: aprile > abril (a), filare > fiar (i), dormire > dormir (o)
b) troca: antenatu > enteado (ã > ẽ), regina > reĩa > rainha (e > a), verrēre >
varrer (e > a)
78
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
lea > baleia; bene > bẽe > bem; amare > amar; mense > mês; cruce >cru-
ze > cruz; mare > mar; male > mal; vulgare > vulgar
Deve-se notar que o i final evolui para e e o u evolui graficamente
para o, apesar de continuarem foneticamente. Exemplos: dixi > disse; flūctu
> fruto; sabucu > sabugo; vivi > vive; vesti > veste; campu > campo; libru
> livro
79
José Pereira da Silva
3º – e tônico do latim vulgar, seguido de i, ditonga-se com ele e, ao
passar para o português, evolui para e fechado: materia > madeira feria >
feira; medio > meio; lactu > leito
21 Assim como a semivogal /w/ do ditongo /aw/ (grafado “au” ou “ao”), a semivogal /y/ do ditongo /ay/
(grafado “ai” ou “ae”) influenciou na vogal /a/, fechando-a e transformando-a em /ọ/ e /ẹ/ respectivamen-
te, como se vê nos vocábulos “ouro” e “leite”. Em outras palavras: /a/ tônico, seguido, imediatamente ou
não, da semivogal /y/ e /w/, ou consoante vocalizável (por exemplo, /k/ ou /p/ em lacte, factu, saxu e
conceptu ou “l” em alteru), transforma-se em /ẹ/ ou em /ọ/ dando os ditongos /ey/ e /ow/.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
2 – au – que frequentemente evolui para ou: falce > fauce > fouce; habui >
*haubi > houve; alteru > auteru > autro > outro
3 – ui – que frequentemente evolui para u: fructu > fruitu > fruto; lucta >
luita > luta; multu > muito > muĩto, cultellu > cuitelo > cutelo.
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José Pereira da Silva
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
a
é ó
ê ô
i u
(semivogal) y w (semivoval)
O tratamento difere conforme se estude a evolução de um hiato lati-
no ou de um hiato formado em português.
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José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1 – Que é vocalismo?
2 – Compare as vogais tônicas do latim clássico, do latim vulgar e do por-
tuguês.
3 – Assinale a quantidade das vogais tônicas latinas, considerando o tim-
bre das vogais tônicas portuguesas: nebula > névoa; siccu > seco; ficu
> figo; super > sobre; rota > roda; luce > luz; cito > cedo.
4 – Qual o tratamento das vogais átonas pretônicas e postônicas?
5 – Que são ditongos de origem latina? E de origem românica?
6 – Quais as causas da ditongação na língua portuguesa? Exemplifique.
7 – Quais as origens do ditongo –ão português?
8 – A epêntese de um i para desfazer um hiato, como em creo > creio, re-
cebe o nome de oclusão, alargamento ou metafonia?
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
5. CONSONANTISMO
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José Pereira da Silva
c) v > b: vascellu > baixel, vessica > bexiga, vota > boda, vagina > bai-
nha, vipera > bibora, palore > bolor; libelu > nível,
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
5.2.2. Consoantes sonoras
As consoantes sonoras geralmente caem:
d – fidele > fiel; crudu > cruu > cru; radiu > raio; sedere > ser; crudele >
cruel; sudore > suor; pede > pee > pé, mediu > meio, fastidiu > fastio,
gradu > grau, sedentare > sentar, badiu > baio, tradere > trair, sudare >
suar, tepido > tíbio, teda > teia
l – filu > fio; velu >véu; gelare > gear; palatiu > paaço > paço, aquila >
águia, caelum > céu, palum > pau, voluntate > vontade, gelata > geada,
malu > mau, polumbu > pombo, molere > moer, dolente > doente; fidele >
fiel, crudele > cruel, sole > sol, aprile > abril
g – No latim clássico era sempre gutural, mesmo antes de e ou i. Dir-se-ia,
então: ghemere, ghentem, ghigantem, reghere, redighit.
Quando intervocálico e não sendo seguido de e ou i, geralmente cai:
legale > leal; regale > real; ligame > liame; legere > ler, regina > rainha,
legere > ler, legenda > lenda, tagenia > tainha, vagina > bainha, ruga >
rua, sigillu > selo, rugitu > ruído, Pelagiu > Paio, plaga > praia, magistru
> mestre, navigiu > navio, cogitare > cuidar, digitu > dedo, magis > mais,
rege > rei, sagita > seta, ego > eu, legitimu > lídimo, fagea > faia, sagu >
saio, lege > lei
NOTA – A queda do e final, nos dois primeiros casos, foi explicada
no lugar próprio (tópico 4.1.4)
Quando seguido de e ou i, deu origem, muitas vezes, ao fonema pala-
tal sonoro gê: regere > reger, redigit > redige, exigit > exige, rugire > rugir
n – ao cair, transmite à vogal anterior nasalidade que pode ficar, pode desa-
parecer ou pode dar origem ao dígrafo nh:
1 – a nasalidade fica: manu > mão, granu > grão, lana > lã, vanu >
vão, sanu > são, latrone > ladrõe > ladrão, planu > chão, bonu > bom, donu
> dom, sine > sem, jejunu > jejum, cane > cãm > cão, unu > um, manu >
mão, romanu > romão, sonu > som.
2 – a nasalidade desaparece: arena > arẽa > areia, luna > lũa > lua,
avena > avẽna > areia, generale > gẽeral > geral; persona > pessõa >
pessoa, alienu > alheio, corona > coroa, cena >ceia, moneta > moeda, se-
minare > semear, vanitate > vaidade, vena > veia, ponere > poer > pôr,
fenestra > fresta, catena > cadeia, minutu > miúdo, bona > boa, luna >
lua, lacuna > lagoa, Ulyssipona > Lisboa, cuniculu > coelho, genesta > gi-
esta
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José Pereira da Silva
3 – a nasalidade dá origem ao dígrafo nh, nas terminações ina e inu
desenvolveu-se um fonema de transição nh: vinu > vĩo > vinho, caminu >
caminho, regina > reĩa > rainha.
b – fugindo à regra, e de acordo com a tendência que já existia no latim vul-
gar e se manteve na Península Ibérica, alterna-se com v: faba > fava, ca-
ballu > cavalo, cubĭtu > côvado
O v cai na terminação ivu e no substantivo bove, mas em outros casos cos-
tuma ficar: rivu > rio, tardivu > tardio, vagativu > vaadio > vadio, bove >
boi; lavare > lavar, nove > nove, nive > neve, avena > avẽa > avea > aveia.
m –: permaneceu: amicu > amigo; lacrima > lágrima, demon > demo, fa-
ma > fama, cremare > queirmar, pomare > pomar,
r –: permaneceu: hora > hora; corona > coroa; arena > area > areia, sa-
nare > sarar, aranea > aranha, aratru > arado, peiorare > piorar, jurare
> jurar, scarabiculu > escaravelho, farina > farinha, vipera > víbora,
amore > amor, pavore > pavor; mercede > mercê, circinare >cercear, cir-
ca > cerca, cardu > cardo, ordine > ordem, perdere > perder, virginem >
virgem, marginem > margem, virtutem > virtude, porta > porta, curtare >
cortar, formica > formiga, formare > formar, tornare > tornar, sarna >
sarna, carpu > carpo, corvu > corvo, cervo > cervo, parvulu > parvo, bar-
baru > bárbaro22
22Geralmente, o grupo –rb– se transforma em –rv-: arbore > árvore, arboretu > arvoredo, sorbere > sor-
ver, carbone > carvão, turbidu > turvo, sorba > sorva, turba > turva, arbutu > ervodo.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
> paço, capitia > cabitya > cabeça, bellitia > bellitya > beleza, sperantia >
sperantya > esperança
3 – Dy assibila-se para c ou palatiza-se para j: audio > audyo > ouço, ardeo
> ardio > ardyo > arço (arc.), verecundia > verecundya > vergonça (arc.),
insidio > ensedyo > enseio, hodie > hodye > hoje, invidia > invidya > inveja
4– Gy palatizou-se a j: fugio > fugyo > fujo, angelu > angeo > angyo > an-
jo, spongia > spongya > esponja
NOTA: – Em certas palavras correntes em classe social de melhor
nível de cultura, as consoantes D e G, dos grupos DY e GY, foram tratadas
como intervocálicas, sofrendo, portanto, síncope. A justificativa é que a vo-
gal I não passou para IODE, isto é, não se consonantizou. Ex.: radiu > radio
> raio, badiu > badio > baio, navigiu > navigio > navio, exagiu > exagio >
ensaio
5 – Sy – ssy passam respectivamente para ij e ix: baseu > basiu > basyi >
baijo > beijo, caseu > casiu > casyo > caijo > queijo, ecclesia > igreija >
(arc.) > igreja, russeu > russio > russyo > roixo > roxo, passione > passyone
> paixão
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José Pereira da Silva
r – resulta do desaparecimento de uma vogal final: muliere > mulher, de-
bēre > dever, audīre > ouvir, seductōre > sedutor, mare > mar, amare >
amar
z – resulta da evolução de um grupo final de ce: dece > dez , judice > juíz,
luce > luz, voce > voze > voz
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
O seu tratamento, na passagem do latim para o português variou con-
forme fossem:
a) iniciais b) internas
Alguns provêm do latim, outros se formaram na fase românica.
Estudá-los-emos segundo o quadro abaixo:
1) consoante + r: pratu > prado, bruttu > bruto, gradu > grau etc.
I– 2) consoante + l: clamare > chamar, clavu > cravo, flacco > fraco etc.
iniciais 3) s + consoante: stare > ĭstare > estar,
sponsa > ĭsponsa > esposa etc.
1) consoante + r: macru > magro, aprile > abril, pu-
tre > podre
a) intervocálicos
2) consoante + l: macula > macla > malha,
II – duplo > dobro, tribulo > trilho
Mediais 1) consoante + r: exfricare > esfregar,
membru > membro, monstrare > mostrar
b) protegidos
2) consoante + l: masculu > masclo > macho,
inflare > inchar
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José Pereira da Silva
pr > pr – pratu >prado; praeda > prea; probare > provar; profectu > pro-
veito
br > br – breve > breve brachiu > braço bruttu > bruto
tr > tr – trabe > trave; tres > três; truncu > tronco; trans > trás; tristitia >
tristeza
dr > dr – dracone > dragão; drama > drama
cr > cr – credere > crer cruce > cruz crudele > cruel
Apontam-se casos, excepecionais, em que esse grupo evolui para gr:
crate > grade, crypta > gruta
gr > gr – granu > grão; gradu > grau; gracŭlu > gralho; granatu > grado
fr > fr – fraxino > freixo; fronte > fronte; fructu > fruto; frenu > freio
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
bl > br – blandu > brando; blancu >branco
gl > gr – glute > grude
gl > l – glattire > latir
23 Sobre “cadeira < catedra” e “inteiro < integru”, vide o tópico que trata do deslocamento do acento.
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José Pereira da Silva
gl > lh – tegŭla > teg’la > telha
gr – regŭla > reg’la > regra
Em certos casos, o R da sílaba átona desapareceu por dissimilação
total. Ex.: aratru > arado, rostru > rosto, cribru > crivo, fratre > frade,
matrasta > madrasta
No caso das palavras Patre e Madre dando pai e mãe, há duas hipóteses.
Conforme a primeira teoria as palavras Padre e Madre deram pai e
mãe através das formas pade e made de caráter afetivo. A segunda teoria é
de Lima Coutinho, segundo o qual já existiam no latim vulgar pate e mate
análogas de frate, em que o r caiu por dissimilação total.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
pt > it: conceptu > conceito, praeceptu > preceito;
gn > in – regnu > reino
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José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1 – Que é consonantismo?
2 – Qual o tratamento das consoantes surdas em posição intervocálica?
3 – Quais as consoantes finais latinas que se conservam em português?
4 – Qual o tratamento dos grupos consonantais homogêneos, ou consoantes
geminadas? Exemplos.
5 – O português possui consoantes geminadas? Não? Então como se expli-
ca a grafia de carro e cassa?
6 – Dê exemplos de palatizações ocorridas com os grupos Cl-, Fl-, Pl– ini-
ciais.
7 – Dê exemplos de palatizações ocorridas com os grupos –bl-, –cl-, –fl-, –
gn-, –pl-, –tl em posição medial.
8 – Aplicando os conhecimentos de metaplasmos, vocalismos e consonan-
tismo, explicar a evolução dos seguintes vocábulos: aurícula – veritate –
invidia – inflare – ansa – persicu – cathedra – granu – acetu – sponsa –
clamat – afflare – episcopu – flamma – tenere – colore – aurifice.
9 – Dê o étimo e a evolução das seguintes formas portuguesas: esse – eu –
lua – lembrar – Lisboa – pôr – ombro – pessoa – creio – céu – olho – sadio
– mão – pé.
10 – Explique a presença dos dígrafos lh e nh nas palavras abaixo: filiu >
filho; palea > palha; aranea > aranha; seniore > senhor.
96
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
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José Pereira da Silva
bia), e, inda, instalar-se arbitrariamente, sem função definida (hűa = űa hi-
dade = idade).
Não obstante às vacilações existentes, o que caracterizava a grafia do
português arcaico era a simplicidade e, principalmente, o sentimento fonético.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
forma ortográfica, pela imprensa e pela cátedra, muitos ilustres filólogos
brasileiros, entre os quais Silva Ramos, Mário Barreto, Sousa da Silveira,
Antenor Nascentes e Jaques Raimundo.
A reforma de Gonçalves Viana foi baseada na fonética histórica, daí
o sistema simplificado ser o verdadeiramente etimológico. A reforma orto-
gráfica já prescrevia:
a) Proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia gre-
ga: th, ph, ch (k), rh e y;
b) Redução das consoantes dobradas a singelas, com exceção de rr e ss, mediais,
que têm valores peculiares;
c) Eliminação das consoantes nulas, quando não influem na pronúncia da vogal
que as precede;
d) Regularização da acentuação gráfica.
Condições políticas especiais não permitiram, porém, que durasse o
Acordo. A Constituição Brasileira de 1934 determinou a volta ao sistema
anterior. Fez-se necessário, então, novo entendimento entre os dois países,
entendimento de que resultou a Convenção Luso-Brasileira de 1943, que
revigorou o Acordo de 1931.
Posteriormente, a fim de aplainar pequenas divergências que surgi-
ram na interpretação de algumas regras, reunira-se em Lisboa, de julho a
outubro de 1945, delegados das duas academias, daí surgindo as “Conclu-
sões Complementares do Acordo de 1931”. As modificações então introdu-
zidas foram, porém, tais e tantas, que quase equivaliam a nova reforma,
contra a qual protestaram prestigiosos professores brasileiros, especialmente
Júlio Nogueira e Clóvis Monteiro.
Posta em vigor em Portugal a partir de 1° de janeiro de 1946, a “or-
tografia de 1945” nunca vigorou no Brasil.
Entrementes, continua de pé, entre nós, a “ortografia de 1943”, con-
substanciada no Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(Imprensa Nacional, 1943), elaborada pela Academia Brasileira de Letras,
cuja ortografia foi exigida oficialmente até 2008, começando, no Brasil,a
partir de primeiro de janeiro de 2009, a implementação do Acordo Ortográ-
fico da Língua Portuguesa de 1990, e, em Portugal, a partir de primeiro de
janeiro de 2010.
A 18 de dezembro de 1971, o governo brasileiro publica a Lei 5765,
que “aprova alterações na ortografia da língua portuguesa”, resultantes do
parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ci-
ências de Lisboa, que unificou a ortografia do português em pequenos deta-
lhes, especificamente sobre acentuação gráfica, determinando que
99
José Pereira da Silva
...fica abolido o trema nos hiatos átonos26; o acento circunflexo diferencial na le-
tra e e na letra o da sílaba tônica das palavras homógrafas de outras em que são
abertas a letra e e a letra o27, exceção feita da forma pôde, que se acentuará por
oposição a pode; o acento circunflexo e o grave com que se assinala a sílaba sub-
tônica dos vocábulos derivados em que figura o sufixo –mente ou sufixos inicia-
dos por z. (Cf. FERREIRA, p. XIII)
6.4.1. Emprego do h
Esta letra não tem valor [não representa fonema] em português, co-
mo já não tinha em latim, e foi conservada apenas como inicial, em respeito
à etimologia: haver, hélice, hidrogênio, hóstia, hem?.
No interior do vocábulo só se emprega em dois casos: quando inte-
grante de um dígrafo – ch, lh, nh – e nos compostos em que o segundo ele-
mento, com h inicial, se une ao primeiro por meio de hífen: macho, malho,
manha, anti-higiênico, pré-história, super-homem.
6.4.2. Emprego do ch
O ch português – sempre com o som xê – resulta:
26No Vocabulário de 1943 o trema era não obrigatório, mas facultativo, nesse tipo de hiatos; teria sido
conveniente mantê-lo quando, em poesia metrificada, se deseja contar como hiato um encontro vocálico
mais comumente lido como ditongo. É o caso, por exemplo, de saudade e saudoso, que, sendo, de ordi-
nário, contados como trissílabos, ainda hoje aparecem também como tetrassílabos.
27Fala-se de oposição entre e e o fechados (vistos que trazem sobrepostos o acento circunflexo) e as
mesmas vogais abertas. Duas observações: A primeira: se a oposição é entre vogal fechada e reduzida,
o acento da primeira se mantém: pôr (verbo) e por (preposição). A segunda: se há um grupo de três ho-
mônicos, o primeiro com vogal tônica fechada, o segundo com vogal tônica aberta, e o terceiro com vo-
gal reduzida (e, portanto, dissílabo átono), então haverá, respectivamente, o acento circunflexo, acento
agudo, e ausência de acento: pêlo (s.m.), pélo (do verbo pelar) e pelo (contração); pêra (s.f.), péra (s.f.)
e pera (preposição antiga), dissílabo átono; pôlo (s.m. e adj.), pólo (s.m.) e polo (contração antiga).
100
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
a) da transformação dos grupos latinos pl, cl, fl, iniciais ou mediais: afflare
> achar; amplu > ancho; mascŭlo > masclu > macho; capŭlu > caplu >
cacho; planu > chão; implere > encher.
b) da evolução do grupo latino sti+vogal: bestia > bicha; mustione > mu-
chão; ustiolu > ichó (armadilha para apanhar pequenos animais)
Note-se que é frequente a presença do dígrafo ch por influência do
francês e do espanhol: bachelier > bacharel; cachalot > cachalote; broche >
broche (franceses); charco > charco; charneca > charneca; rancho > ran-
cho.
6.4.3. Emprego do x
O x português resulta, geralmente:
Da palatalização do s latino, isolado ou em grupos como ss, sç ou ps,
às vezes ligado a um iode: vascella > *vaiscella > baixela; capsa > caixa;
Carthusiu > Cartuxo; asciata > enxada; insertare > enxertar; passione >
paixão; fasce > feixe; miscere > mexer; ressue > roxo.
Do x latino: buxu > buxo; coaxare > coaxar; coxa > coxa; coxu >
coxo; laxare > deixar; exaguare > enxaguar; examen > exame; fluxu >
frouxo; luxu > luxu; mataxa > madeixa; relaxare > relaxar; rixa > rixa.
Da palatalização do s em contato com c fricativo: pisce > peixe; mis-
cere > mexer.
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José Pereira da Silva
O batel de Coelho foi depressa
Po’lo tomar; mas antes que chegasse,
Um etíope ousado se arremessa
A ele, porque não se lhe escapasse;
Outro e outro lhe saem; vê-se em pressa
Veloso, sem que alguém lhe ali ajudasse;
Acudo eu logo, e enquanto o remo aperto,
Se mostra um bando negro descoberto.
(Os Lusíadas,V: 32)
102
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
> sebe; siccu > seco; secretu > segredo; site > sede; sinu > seio; silva >
selva; sigillu > selo; sedere > ser; serenu > sereno; sermone > sermão.
6.4.7. Emprego do j e do g
No emprego de j e do g respeita-se a etimologia, a não ser quando
razões fonéticas obrigam a troca de uma letra pela outra, justamente para
que se respeite o som, como veremos abaixo.
O g português representa também o g do latim vulgar: gelu > gelo;
gemere > gemer; elogiu > elogio; generale > geral; gigante.
Note-se: O latim viaticu sofreu abrandamento do c intervocálico: via-
ticu > viagem.
O j português representa:
a) a consonantização do i semiconsoante latino: iactu > jeito; iam > já; Ie-
sus > Jesus; maiestate > majestade.
b) o resultado da evolução de um iode (Cf. o tópico 3.6.4.9) antecedido de
consoante: hodie > hoje; radiare > rajar; basiu > beijo; caseu > queijo.
São muitos os casos em que se escreve j em substituição ao g, apenas
por uma razão de pronúncia, isto é, para que o g, antes de a, de o, ou de u
não tome outro som: angeo > anjo, mas escrevem-se com g angélico, ange-
litude, Angelina. Viaticu > viagem, mas escrevem-se viajem, viajar.
O mesmo pode-se observar em: fugir, a par de fujo, rugir, a par de
rujo, dirigir, a par de dirijo, eleger, a par de elejamos.
103
José Pereira da Silva
6.4.8. Emprego do s sonoro
O s sonoro português, sempre medial (intervocálico) tem o som de z
e origina-se:
a) da sonorização do s intervocálico latino, sempre surdo naquela língua e,
por isso, sempre com o som ss: casa (pronunciado cassa) > casa; rosa >
rosa; risu > riso; usu > uso.
b) da redução do encontro ns: mensa > mesa; sponsa > esposa; defensa >
defesa; pensu > peso; prehensa > presa; retensu > reteso.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
6.5. O PLURAL DAS PALAVRAS TERMINADAS EM ÃO
Cabe aqui, sem a menor dúvida, uma palavra sobre o problema da
formação do plural dos vocábulos terminados em ão, bastante difícil de
apreender quando o estudante ainda não tem ideia da formação do vocabu-
lário português.
Essas palavras fazem o plural de várias maneiras:
ãos – mão, mãos; cidadão, cidadãos; cristão, cristãos
ães – pão, pães; cão, cães; alemão, alemães
ões – multidão, multidões; coração, corações
De que depende a variação, se todas terminam de maneira igual, no
singular? Será possível formular uma regra para a formação plural, regra
que poupe o esforço de estar decorando plurais, como a acontece até agora?
De início, é preciso lembrar que o final ão português tem várias ori-
gens:
anu > ão – manu > mão
ane > ão – pane > * pãe > pã > pão
one > ão – ratione > * razõe > razom > razão
udine > ão – multitudine > multidõe > multidõ > multidão
A evolução dessas terminações foi lógica; o n intervocálico cai nasa-
lando a vogal anterior (Cf. tópico 3.6.4.6). Depois, a partir de uma época
que o Dr. Leite de Vasconcelos estima, em suas Lições de Filologia Portu-
guesa, pela altura do século XIV, as formas ã (de ane), õm (de one) e õe
(de udine), por dissimilações ou por analogia com a terminação ão, mais
comum e talvez mais sonora, evoluíram também para ão.
É preciso, porém, considerar que o plural dessas palavras não se
forma em português – o que seria feito apenas com o acréscimo do s, mas
veio formado já do latim, evoluindo da mesma forma como evoluiu o singu-
lar, com a queda do n intervocálico. Convém saber, a propósito, que o acu-
sativo latino de onde se origina o vocabulário português (ver tópico 8.6)
terminava no plural em s. Assim temos:
sing. manu > mão pl. manus > mãos
sing. pane > *pãe > pã > pão pl. panes > pães
sing. ratione> razõe > razom > razão pl. rationes > razões
sing. multitudine > multidõe > multidõ > multidão, pl. multitudines > mul-
tidões
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José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1- Na história da ortografia portuguesa, o que sabe a respeito dos períodos
Fonético, Etimológico (ou Pseudoetimológico) e Simplificado?
2- Qual desses sistemas ortográficos é o vigente no Brasil?
3- Por que escrevemos jeito com j?
4- Justifique a grafia de: azedo – coração – tristeza – lança.
5- Explique o ch em:
a. afflare > achar; implere > encher
b. capulu > cacho; masculu > macho
6- Justifique o x em:
a. passione > paixão; russeu > roxo
b. miscere > mexer; pisce > peixe
7- Explique o dígrafo ss em:
a. dixi > disse; ipsu > isso
b. sexaginta > sessenta; persona > pessoa
8- Por que escrevemos hoje com h? Dê 5 formas portuguesas em que haja
o h inicial e justifique seu emprego.
9- Explique o emprego do z final em: audaz – veloz – rapaz – fugaz.
10- Qual a origem do ch português?
106
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
107
José Pereira da Silva
mácula (forma erudita)
mágoa (forma semierudita)
Macǔla malha (forma popular mais antiga)
mancha (forma popular também antiga)
mangra (forma popular mais recente)
29mangra = ferrugem do trigo. Cf. “... a sua seara teve boa erva, mas depois deu-lhe mangra, no tempo
que avia de engraecer a espiga”. (PINTO, 1843: II, 339)
30 O br ainda se vê nos derivados: diabrete, diabrura, endiabrado.
108
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Implicare > implicar, Solitarium > solitário, solteiro
Impregnare > empregar Somnium > sono, sonho
Latinum > latino, ladinho, ladino Tensum > tenso, teso
Legale > legal, leal Tomum > tomo, tombo
Turbam > turba, turma
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José Pereira da Silva
anos depois, camadas mais ilustradas da população o empregam com a for-
ma e o sentido clássicos.
110
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
7.4. VOCÁBULOS POPULARES, ERUDITOS E SEMIERUDITOS
7.4.1. Vocábulos populares
Vocábulos populares são resultantes das transformações sofridas pe-
las palavras que, levadas à Península no tempo dos romanos, foram sofren-
do alterações sucessivas, modificadas pelo falar do povo.
plumbu < chumbo < prumo articulu < artelho < artigo
corona < coronha coroa
111
José Pereira da Silva
com a evolução de planus, que nos oferece: formas populares: porão,
chão, prão; forma erudita: plano; importada do italiano: piano(ritmo);
forma importada do francês: piano (instrumento); importada do espa-
nhol: lhano.
112
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Ainda hoje figuram tais formas nos superlativos eruditos (amabilís-
simo, terribilíssimo) e nos substantivos abstratos derivados de muitos adje-
tivos (amabilidade, volubilidade).
113
José Pereira da Silva
QUESTIONÁRIO
1 – Que são formas divergentes?
2 – Quais as causas das formas divergentes? Exemplificar.
3 – Do vocábulo latino capitalem temos 3 formas portuguesas. Caudal, ca-
bedal e capital. Dizer a que corrente pertence cada uma delas e indicar o
critério adotado para a classificação.
4 – Que são formas convergentes? Exemplificar?
5 – Quais as causas das formas convergentes?
6 – Como se justifica a existência dos homônimos na língua portuguesa?
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
8 – O DESAPARECIMENTO DO NEUTRO;
REDUÇÃO DAS DECLINAÇÕES; OS CASOS;
SOBREVIVÊNCIA DO ACUSATIVO
8.1. GÊNEROS
No primitivo indo-europeu o gênero gramatical dos substantivos
fundamentavam-se no sexo real e por isso os seres inanimados eram do gê-
nero neutro (neuter = nem um nem outro).
Tal distinção, porém, tornou-se, funcionalmente falando, uma super-
fluidade. Daí que já o grego e o latim, embora tivessem conservado o gêne-
ro neutro, não eram rigorosos no seu uso; vamos encontrar nessas línguas
seres inanimados que podiam ser masculinos ou femininos.
Na passagem para as línguas neolatinas, o gênero neutro foi desapa-
recendo progressivamente e hoje se pode dizer que, nas línguas românicas,
deixou de existir como categoria gramatical.
Eram três os gêneros no latim clássico: masculino, feminino e neutro.
A distribuição dos nomes por esses três gêneros era arbitrária e bem difícil
de fazer, às vezes, porque não obedecia a regras fixas nem lógicas.
Havia nomes neutros na segunda, na terceira e na quarta declinações;
eles apresentavam o nominativo, o vocativo e o acusativo iguais no singu-
lar, e tinha, nesses três casos, o plural em ă:
Segunda declinação: Nominativo – templum (singular), templa (plu-
ral); Vocativo – templum (singular), templa (plural); Acusativo – templum
(singular), templa (plural)
Terceira declinação: Nominativo – lac (singular), lacta (plural);
Nominativo – lac (singular), lacta (plural); Nominativo – lac (singular), lac-
ta (plural)
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José Pereira da Silva
Quarta declinação: Nominativo – cornu (singular), cornua (plural);
Vocativo – cornu (singular), cornua (plural); Acusativo – cornu (singular),
cornua (plural)
A ideia de gênero não se ligava, vale a pena lembrar, ao sexo ou à
falta de sexo; era uma distinção puramente gramatical, cuja observância de-
pendia, na quase totalidade dos casos, da forma externa. Além disso, quan-
do as palavras perdiam suas terminações diferenciadas, resultava a confusão
dos gêneros.
8.2. DECLINAÇÕES
Eram cinco as declinações latinas, caracterizadas principalmente pela
terminação do genitivo singular:
1º. genitivo singular ae: poeta, ae
2º. genitivo singular i: dominus, i
3º. genitivo singular is; pater, is
4º. genitivo singular us: fructus, us
5º. genitivo singular ei: dies, ei
8.3. CASOS
Eram seis os casos e cada um deles correspondendo a uma função
sintática diferente, porque o latim era uma língua sintética, com pouco
desenvolvimento do emprego das preposições.
Assim é que no latim literário existem tantas flexões ou desinên-
cias, quantas são as funções sintáticas que uma palavra pode receber na
preposição.
Explicando melhor: tomemos, por exemplo, a palavra Pedro
exercendo as funções de:
português latim clássico
1. Sujeito Pedro Petrus
2. Compl. Restritivo de Pedro Petri
3. Objeto indireto a Pedro Petro
4. Objeto direto Pedro Petrum
5. Vocativo ó Pedro Petre
6. Adj. Adverbial com Pedro cum Petro
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
VOCATIVO – caso das imprecações (discipule);
ACUSATIVO – caso de objeto direto (discipulum);
GENITIVO – caso do adjunto restritivo, traduzia também ideia de
posse (discipuli);
DATIVO – caso de objeto indireto (discipulo)
ABLATIVO – caso dos complementos e adjuntos circunstanciais.
(discipulo)
Ora, as línguas de origem popular procuram – para maior facilidade
– reduzir essas flexões casuais, substituindo-as pelo uso de artigos e prepo-
sições.
A evolução da língua, através de alterações profundas, acabou crian-
do modificações entre o latim clássico e o latim vulgar que levariam à estru-
tura do português.
117
José Pereira da Silva
b) Feminino tomado ao plural neutro: ligna > lenha, brachia > braça, ova
> ova, fructa > fruta
Compreende-se também assim, que alguns substantivos apresentem
no feminino sentido coletivo, embora o masculino exprima ideia de unida-
de, como acontece com lenha, que lembra quantidade de achas de madeira.
ova (plural de ovum) > ova (f.) folia (plural de folium) > folha (f.)
gesta (plural de gestum) > gesta (f.) interanea (plural de interaneum) > entranha (f.)
ligna (plural de lignum) > lenha (f.) vestimenta (plural de vestimentum) > vestimenta (f.)
amora (plural de amorum) > amora (f.) ferramenta (plural de ferramentum) > ferramenta (f.)
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
5. Quando o sujeito é indeterminado em frases como estas: Limonada
é bom; É proibido entrada.
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José Pereira da Silva
8.6. OS CASOS NO LATIM VULGAR
E A SOBREVIVÊNCIA DO ACUSATIVO
A distinção das funções sintáticas por meio das desinências dos ca-
sos, além de naturalmente complexa, devia oferecer dificuldades quase in-
superáveis para os povos conquistados, cujas línguas não só eram bárbaras,
mas também possuíam, em geral, estrutura diferente da latina. Daí o desen-
volvimento do emprego das preposições, as quais, usadas de começo com o
propósito de tornar mais precisas as diversas relações sintáticas, vieram por
fim a suplantar o uso das desinências casuais.
Essas dificuldades, unidas à semelhança que certas desinências apre-
sentavam entre si, acabaram por levar ao desaparecimento dos casos e o
mau emprego deles com algumas preposições:
a) O vocativo, sempre igual ao nominativo, teve as suas funções absorvi-
das por este;
b) O genitivo foi inicialmente substituído pelo ablativo precedido de pre-
posição de;
c) O dativo foi substituído pelo acusativo regido de ad.
Assim se passaram, pois, a exprimir as funções sintáticas:
1) sujeito: pelo nominativo-acusativo;
2) objeto direto: pelo acusativo;
3) objeto indireto: pelo acusativo precedido de ad;
4) complemento restritivo: pelo acusativo precedido de de;
5) adjuntos adverbiais: pelo acusativo precedido de várias preposições (per,
cum, inter, de).
O maior desenvolvimento do emprego das preposições levou, poste-
riormente, a transformações mais profundas e o acusativo, empregado com
per, cum, de, acabou assumindo também o papel de ablativo.
Estariam os casos, desse modo, reduzidos a dois:
1) nominativo, para o sujeito e o vocativo;
2) acusativo que, sem preposição ou com ela, poderia desempenhar fun-
ção de complementos ou de adjuntos.
Aconteceu, porém, que o acusativo, perdendo o m final que o carac-
terizava no singular, tornou-se, na grande maioria dos casos, igual ao nomi-
nativo e, confundido com este, acabou por tomar-lhe o lugar.
Tornado caso único, o acusativo passou a expressar todas as fun-
ções sintáticas e dá-se-lhe o nome de caso lexicogênico – isto é, gerador do
léxico, – porque dele se origina a grande maioria das palavras portuguesas.
120
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
É assim que temos:
Da 1ª declinação: acusativo a(m) – as
Da 2ª declinação: acusativo u(m) – os
Da 3ª declinação: acusativo e(m) – es
Pode-se, então, explicar:
1. Que o feminino em português termine em a, porque essa era a desinên-
cia da 1ª declinação, na qual quase todos os substantivos eram femininos.
2. Que o masculino em português termine em o, pois essa foi, com a evo-
lução, a desinência da 2ª declinação, na qual predominavam os masculinos.
3. Que o plural em português termine em s, pois essa foi sempre a termi-
nação do acusativo plural.
Os nomes da 3ª declinação, terminados em e, foram distribuídos arbi-
trariamente pelos dois gêneros: o dente, a pele etc.
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José Pereira da Silva
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
9.1.1.Quatro conjugações:
– A primeira, infinitivo em are
– A segunda, infinitivo em ēre (longo)
– A terceira, infinitivo em ĕre (breve)
– A quarta, infinitivo em ire
Em quase todo o Império Romano permaneceram as quatro termina-
ções do infinitivo.
Mas se deram muitas migrações de verbos de uma para outras conju-
gações.
Na Itália, prevaleceu a terceira; nas Gálias, a quarta; na Hispânia
(Península Ibérica), perdeu-se inteiramente a conjugação em ĕre.
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José Pereira da Silva
9.1.2.2. O perfectum
Perfectum é o grupo de tempos que indicam uma ação passada, já
concluída, o que corresponde ao aspecto perfeito.
Compreendia:
– no indicativo: o pretérito perfeito, o pretérito mais-que-perfeito e o futuro
perfeito
– no subjuntivo: o pretérito perfeito e o pretérito mais-que-perfeito
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Qual a razão dessas alterações?
A maior parte das vezes não é fácil explicá-las, sendo certo que pro-
cedem, quase sempre, de razões dialetais, regionais, respeitáveis em todos
os casos.
Em relação a Portugal e Espanha, onde desapareceu totalmente a ter-
ceira conjugação, costuma-se invocar como razão apreciável a dificuldade
que devia representar fazer-se a diferença entre o ē longo e o ĕ breve, quan-
do se sabe – se já o estudamos no início do capítulo 4 – que a tendência era
para acabar com o acento de quantidade, substituindo-o pelo acento de in-
tensidade.
O que se verifica, então, no latim vulgar da Península Ibérica, é a
redução das quatro conjugações a três:
1ª conjugação – are – amare,
2ª conjugação – ere – debere,
3ª conjugação – ire – audire.
Os verbos em are, ere, ire deram, respectivamente, em português: ar,
er, ir.
A primeira conjugação é a mais resistente uma vez que além de não
perder verbos, recebeu-os da segunda e da terceira. Assim: torrēre > torra-
re > torrar; fidere > fidare > fiar; prosternere > prostrare > prostar
Os verbos da antiga terceira conjugação, que tinham vogal breve no
infinitivo – ĕre – foram incorporados à segunda, com vogal longa: facĕre >
facēre, dicĕre > dicēre, capĕre > capēre, legĕre > legēre, ponĕre > poēre >
poer (arc) > pôr.
Alguns verbos passaram a pertencer à terceira – antiga quarta, – com
a terminação do infinitivo em ire: fugĕre > fugire, fingĕre > fingire, petĕre
> petire.
Note-se que os compostos de ducere e de sequi deram em português
verbos em ir: conduzir, produzir, reduzir, seduzir, perseguir, prosseguir etc.
Portanto, a quarta conjugação latina deu a terceira em português.
Transformações mais profundas apresenta o verbo ponĕre. Passa,
como a grande maioria, da terceira para a segunda conjugação, com o alon-
gamento da vogal temática: ponĕre > ponēre. As alterações fonéticas im-
primem-lhe mudanças naturais: queda do n intervocálico e desaparecimento
da vogal final: ponēre > poēr > poer.
Sob a forma poer, foi o verbo corrente no português arcaico.
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José Pereira da Silva
Razões históricas levaram ao desaparecimento da vogal e no infiniti-
vo, embora ela esteja presente em outras formas do verbo: tu pões, ele põe,
vós pusestes, se eu pusesse etc.
Lembrança do infinitivo arcaico poer vive até hoje no adjetivo poe-
deira, em poente (oposto a nascente) etc.
De modo que não é certo se dizer que o verbo pôr forma, com os
seus compostos, uma quarta conjugação portuguesa, pois ele é, na realidade,
um verbo irregular da segunda.
Note-se ainda que houve mudança de conjugação dentro da própria
língua portuguesa. Ex.: cadĕre > cadēre > caer (arc) > cair; corrigĕre > cor-
rigēre > correger (arc) > corrigir
II – Modo Subjuntivo
Presente Pret. Imperf. Pret. Perf.
Amem > eu ame amarem > (amasse) amarim > (tenha
amado)
Pret. + que Perf. Futuro
Amassem > (tivesse amado) X > (eu amar)
Formas Nominais
1. Infinitivo
Impessoal = amare > amar
Presente
Pessoal = X > (amar eu)
Impessoal = amasse > (ter amado)
Perfeito
pessoal = X > (ter eu amado)
Impessoal = amaturum esse > (haver de amar)
Futuro
pessoal = X > (haver eu de amar)
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
2. Particípio
Presente amans > (amante, amando)
Passado amatus > amado
Futuro amaturus > (X)
Supino amatum > (X)
g. amandi > (X)
d. amando > (X)
Gerúndio
ac. amandum > (X)
abl. amando > amando
Gerundivo amandus-a-um > (X)
9.1.4.1. No indicativo
Ficam: o presente, o pretérito imperfeito, o pretérito perfeito, o pre-
térito mais-que-perfeito
Desaparecem:
a) o futuro imperfeito, cujas terminações – bo, bis, bit – levaram a fácil
confusão com as do imperfeito – bam, bas, bat.
b) o futuro perfeito que se fundiu com o pretérito perfeito do subjuntivo,
dando origem, em português, a um tempo novo: o futuro do subjuntivo.
Ao lado da forma normal de futuro (ex. amabo) existiam as locuções
verbais formadas do verbo auxiliar habere mais o infinitivo. Ex.:
«De republica nihil habeo ad te scribere». (Cicero ad Att.)
Em Sêneca «quid habui facere» (o que eu tive intenção de fazer).
Compensando a perda dos dois futuros, o latim vulgar deu origem a
duas formas, criadas de acordo com a tendência que a língua apresentava
para as formas perifrásticas (ver tópico 2.4). Essas duas criações foram o fu-
turo do presente e o futuro do pretérito, durante muito tempo chamado con-
dicional.
Ambos se formam juntando o auxiliar haver ao infinitivo do verbo
que se conjuga, do seguinte modo:
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José Pereira da Silva
FUTURO DO PRESENTE = INFINITIVO + PRESENTE DE HABERE:
amare + habeo > amar + *hai (o) > amarei
amare + habes > amar + *has > amarás
amare + habet > amar + *hat > amará
amare + habebomus > amar + *h (ab) emos > amaremos
amare + habetis > amar + *h (ab) etis> amareis
amare + habent > amar + *haunt > amarão
9.1.4.2. No subjuntivo
Ficam: o presente, o pretérito imperfeito (com função nova)
Deve-se notar:
1º – O IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO latino – amarem, amares, amaret
– deu origem ao INFINITIVO PESSOAL português.
O atual IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO português (amasse,
amasses, amasse) é o resultado da evolução do MAIS-QUE-PERFEITO la-
tino (amavissem, amavisses, amavisset). É portanto, um tempo que assumiu
uma nova função.
2º – O futuro do subjuntivo não existe em latim. Por isso a nossa forma
quando eu amar é também uma nova função assumida.
Esta forma é resultante de uma confusão entre o futuro perfeito e o
pretérito perfeito do subjuntivo, formas, aliás, quase idênticas no latim.
9.1.4.3. No imperativo
Fica apenas o presente: ama > ama, amate > amai.
Desaparecem o FUTURO IMPERATIVO e, por outro lado, o PRE-
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
SENTE DO SUBJUNTIVO português passou a fornecer ao IMPERATIVO
AFIRMATIVO três pessoas e ao NEGATIVO todas as pessoas.
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José Pereira da Silva
A partir do século XVI, tal emprego é considerado latinismo.
Hoje, o particípio presente se reduz a mero adjetivo: água corrente,
resposta urgente; ou a substantivo como: estudante, crente; ou até a preposi-
ções: durante, mediante etc.
Também o particípio futuro perdeu sua forma correspondente no
português; deixou apenas alguns vestígios como em nascituro ou nas formas
em «ouro»: vindouro, imorredouro etc.
– O particípio passado conserva-se: amatus > amado; amata >
amada
– O supino que é, em latim, um tempo primitivo em relação aos seus
derivados (particípio presente, particípio futuro ativo e infinito futuro ativo
e passivo) não deixou vestígios em português.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
PRETÉRITO PERFEITO
amatus sum = fui amado amati sumus = fomos amados
amatus es = foste amado amati estis = fostes amados
amatus est = foi amado amati sunt = foram amados
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José Pereira da Silva
9.1.5.4. Verbos Anômalos
O verbo esse transformou-se em essere (confere italiano essere; fran-
cês être). O português e o espanhol “ser” não vêm de essere e sim de sedere
que, originariamente, significava estar sentado.
O verbo posse deu potēre, donde em português poder.
Os compostos de ferre passaram em geral para a quarta conjugação
latina, dando, em português, verbos em ir. Exemplos: conferre > conferire
> conferir; differre > differire > diferir; aferre > afferire > aferir; praefer-
re > praferire > preferir; referre > referire > referir.
Mas os verbos sufferre e offerre deram também sufferēre e offeres-
cēre, donde o português sofrer e oferecer.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
saram as línguas românicas, e entre elas o português, a formar o futuro do
pretérito, antes conhecido pelo nome de condicional (Vide 9.1.4.1).
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José Pereira da Silva
9.2.5. O infinitivo pessoal
Criação românica é também, embora sua existência se limite apenas
ao português, ao galego e ao mirandês, o chamado infinito pessoal. Os es-
pecialistas não são acordes no que diz respeito à origem dessa forma verbal,
admitindo uns que ela proceda do imperfeito do subjuntivo latino, enquanto
outros consideram-na oriunda do próprio infinitivo pessoal, flexionado por
analogia, mas, seja como for, é certo que o latim não a conheceu.
Três são as teorias explicativas de seu aparecimento:
A primeira teoria (de MEYER-LÜBKE) atribui origem analógica ao
infinitivo flexionado. Assim, como no futuro do subjuntivo se diz amar,
amares, amar etc.
A segunda teoria (de Leite de Vasconcelos) também é analógica. A
construção de frases como: «ter eu saúde é bom», “ter ele saúde é bom”, te-
ria estendido a «teres tu saúde é bom»; «termos nós saúde é bom» etc. Essa
nova modalidade de infinitivo teria sido ajudada pela flexão do subjuntivo
nos verbos fracos.
A terceira teoria (conta com o maior número de filólogos) sustenta
que o nosso infinitivo flexionado deriva-se diretamente do pretérito imper-
feito do subjuntivo latino.
Aliás, do ponto de vista fonético nenhuma dificuldade haveria nessa
passagem.
Compare-se:
Pretérito Imp. Subj. Infinitivo Pessoal
Amarem > amar
Amares > amares
Amaret > amar
amaremus > amarmos
amaretis > amardes
amarent > amarem
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
prática possivelmente adotada também pela fala popular.
Cícero teria escrito: Magnus ille Alexander. (CÍCERO, Arch, 10,
apud J. J. NUNES, Digressões Lexicológicas ) .
Com a redução dos casos latinos, passou-se a dizer illu filiu, illa pe-
tra, donde as formas portuguesas ello filho, ella pedra. Ello e ella, quando
colocadas em próclise, diante de palavras acentuadas, perderam a vogal ini-
cial, do que resultaram as formas lo, la. A transformação lo > o, la > a, ve-
rificou-se nos séculos XI ou XII, sempre que o l ficava entre vogais, como
nos casos a lo, de la, expressões que evoluíram para ao e da: Assim, tive-
mos as transformações:
illu > ello > elo > lo> o illa > ella > ela > la > a
illus > ellos > elos > los > os illas > ellas > elas > las > as
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José Pereira da Silva
illu > elo > lo > o illa > ela > la > a
illos > elos > los > os illas > elas > las > as
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
QUESTIONÁRIO
1. As conjugações verbais portuguesas correspondem a quais conjugações
do latim clássico?
2. Qual a formação do futuro do presente e do futuro do pretérito?
3. Dar a justificação histórica da mesóclise na língua portuguesa.
4. Qual a origem do infinitivo pessoal?
5. Por que se diz que o infinitivo flexionado é um idiotismo do português?
6. Qual é o caso lexicogênico da língua portuguesa? Por que é assim cha-
mado?
7. Por que o plural em português é feito com s?
8. Dar dois vestígios, no português, dos casos: nominativo, genitivo, dativo,
ablativo.
9. Qual o caso que deu origem aos patronímicos portugueses?
10. A 1ª, 2ª e 3ª declinações do latim vulgar correspondem a quais do latim
clássico?
11. Por que o português representa o feminino com a e o masculino com o?
12. O que ocorreu com os nomes de gênero neutro do latim clássico?
13. As conjugações verbais portuguesas correspondem a quais do latim
Ccássico?
14. Qual a formação do futuro do presente e do futuro do pretérito?
15. Dar a justificação histórica da mesóclise na língua portuguesa.
16. Qual a origem do infinitivo pessoal?
17. Por que se diz que o infinitivo flexionado é um idiotismo do português?
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José Pereira da Silva
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
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José Pereira da Silva
Foi grande no passado – e de certo modo continua a ser ainda hoje –
a força da analogia na transformação da língua, de tal forma que só pela sua
influência podem ser explicados muitos fatos de fácil comprovação.
Por seu caráter imprevisto, assistemático e irregular, a analogia é
uma das mais frequentes causas perturbadoras da normalidade da evolução
fonética.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
10.5. A FORMA ESTIVE
É fora de dúvida que o latim steti só poderia dar estede. O português
estive resulta, segundo alguns autores, da analogia com tive.
10.7. A FORMA É
A 3ª pessoa do presente do indicativo latino est só podia dar em por-
tuguês es, graças à sistemática queda do t final.
A redução de es a é vem a ser produto da analogia, por duas razões:
1º porque o s final é característica da segunda pessoa do singular; 2º porque
nenhuma terceira pessoa do singular tem s final.
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José Pereira da Silva
10.10. PARTICÍPIO DA SEGUNDA CONJUGAÇÃO
Os verbos da segunda conjugação, no período arcaico, faziam o par-
ticípio em udo e, assim, eram correntes as formas recebudo, conheçudo. A
partir do século XVI, por analogia com os verbos da terceira conjugação
(ferido, fingido), os verbos da segunda passaram a fazer o particípio em ido:
recebido, conhecido, vencido.
Na linguagem jurídica ainda se mantém, por tradição, o particípio ar-
caico e é, comum escrever-se teúdo em lugar de tido e manteúdo por mantido.
INDICATIVO
IMPERFEITO MAIS QUE PERFEITO
amabam > amava amaveram > amara
amabas > amavas amaveras > amaras
amabat > amava amaverat > amara
amabamus > amávamos amaveramus > amáramos
amabatis > amáveis amaveratis > amáreis
amabant > amavam amaverant > amaram
IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO
amavissem > amassem > amasse
amavisses > amasses > amasses
amavisset > amasset > amasse
amavissemus > amassemus > amássemos
amavissetis > amassetis > amásseis
amavissent > amassent > amasse
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
10.12. FEMININOS ANALÓGICOS
A própria maneira como se indicam os gêneros em português já é re-
sultado da analogia: a desinência o é o resultado da evolução do acusativo
da 2ª declinação latina – u (m) – na qual os nomes eram predominantemente
masculinos, do mesmo modo como a desinência a provém do acusativo da
1ª declinação – a (m) – na qual quase todos os nomes eram femininos.
A tendência para essa generalização era sensível já no latim, e tanto
isso é verdade que nomes femininos da 2ª declinação, como socrus e nurus,
passaram à 1ª, transformados em socra e nora. Mais frequente ainda foi a
transformação com substantivos femininos da 3ª declinação, que não termi-
navam em a e aos quais o latim vulgar emprestou depois desinência da 1ª
declinação: bicorne > bicorna > bigorna; pulĭce > pulĭca > pulga; nepte >
nepta > neta.
Já mostramos no lugar próprio (tópico 8.4) que muitos nomes neu-
tros, tomados ao singular, foram adaptados ao masculino, com a terminação
o, mas deram uma forma também para o feminino, tomada ao plural, onde
eles terminavam em a. É o caso de braço e braça, ovo e ova, fruto e fruta,
lenho e lenha.
Aconteceu, porém, que muitas palavras, embora originariamente não
estivessem nesse caso, tomaram também, por analogia com aqueles nomes,
duas formas, uma para o masculino e outra para o feminino, como acontece
com barco e barca, poço e poça, ramo e rama, veio e veia, cabeço e cabe-
ça, madeiro e madeira, saio e saia, bolso e bolsa, caldeiro e caldeira etc.
No português, arcaico eram uniformes os substantivos e adjetivos
terminados em or, ol, ante, ês, e se podia dizer indiferentemente um pastor
ou uma pastor; meu senhor ou minha senhor; homem espanhol ou mulher
espanhol. Ainda no século XVIII, Antônio Dinis da Cruz e Silva escrevia “a
nossa português, casta linguagem”.
português(a), infant(e/a), senhor(a), espanhol(a).
A partir do século XV, fez-se sentir a ação da analogia e aqueles
nomes, antes uniformes, passaram a formar o feminino com o acréscimo da
desinência a: pastor, pastora; senhor, senhora; espanhol, espanhola; por-
tuguês, portuguesa.
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José Pereira da Silva
eles – formou-se com o acréscimo de s ao singular português ele e não po-
de originar-se do nominativo plural latino que era illi. (Cf. 9.3.3)
estes – forma-se com o acréscimo de s ao singular português e não pode
originar-se do acusativo plural latino que era istos.
lhes – O pronome lhes não existia em latim, como já foi mostrado: illi > *ili
> lhe. O plural lhes formou-se com o acréscimo de s ao singular, por
analogia com as demais palavras da língua. (Cf. 9.3.3.2)
144
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
O que foi estudado até agora permite que se tenha uma ideia a respei-
to da maneira como se formou e se enriqueceu, para chegar até nós, a língua
portuguesa.
A maior contribuição da língua é latina, mas muitos outros povos, an-
tes e depois dos romanos, concorreram para formar e ampliar o vocábulo do
pequenino reino fundado um dia por Dom Afonso Henriques na faixa oci-
dental da Península Ibérica.
Ainda hoje podem ser encontradas palavras de procedência vária no
idioma de Portugal, que se misturam com os vocábulos sabidamente de ori-
gem latina, de tal modo que seria justo fazer-se a seguinte divisão para efei-
to de estudos:
a) vocábulos pré-romanos: ibéricos, celtas, fenícios, cartagineses,
gregos etc.
b) vocábulos latinos
c) vocábulos pós-romanos: provençais, germânicos, árabes, france-
ses, italianos, asiáticos, africanos, americanos, ingleses etc.
Nem sempre é fácil uma diferenciação precisa, rigorosa, dada a ma-
neira como se misturam dentro do vocabulário os elementos de determinado
grupo. É o que acontece, por exemplo, com os vocábulos de origem grega.
É fora de dúvida que colonos gregos habitaram a Península Ibérica antes
dos romanos e lá fundaram colônias prósperas como Sagunto e Sevilha
(primitivamente chamada Hispalis), mas as palavras que nessa fase vão
atingir o vocabulário da Lusitânia ficarão, depois, forçosamente perdidas na
fala dos colonos latinos, uma vez que, por várias razões, o léxico de Roma
estava cheio de elementos tomados ao grego.
Em todo caso, em um trabalho como este, mais de informação didáti-
ca, não importam as indagações profundas e minuciosas, bastando apenas
lembrar quais as contribuições de que se formou o léxico português e como
foram elas recebidas.
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José Pereira da Silva
11.1. VOCÁBULOS PRÉ-ROMANOS
11.1.1. Elementos ibéricos
Os iberos foram os mais antigos habitantes de que se tem notícia na
Península Ibérica. Como não há documentos literários deixados por eles, o
que deles conhecemos, no vocabulário, é tomado dos nomes próprios, de
inscrições lapidares, de moedas, de palavras citadas por autores gregos e la-
tinos, e do falar vasconço, conservado ao noroeste dos Pireneus como últi-
ma lembrança das derradeiras tribos ibéricas puras.
São de origem ibérica, além de nomes de rios como Tagus (Tejo),
Anas (Guadiana) e Lima, nomes comuns como lousa, arroio, páramo, vei-
ga, nava, bezerro, barro, abóbora, cama, sapo, sarna, morro, modorra,
carrasco, bizarro, esquerdo, baía, balsa. Como elementos morfológicos,
são de origem ibérica os sufixos arra, erro, urro, orro, que tanto aparecem
isolados (bocarra, naviarra, cigarro) como combinados ao sufixo ão: can-
zarrão. (Cf. 1.6.1.2)
146
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
poucas palavras, entre as quais podem destacar saco, barca, mapa, nata, su-
fete e, segundo Adolfo Coelho, Lisboa.
147
José Pereira da Silva
cos, como os asiáticos e africanos, mas nada se perde do caráter profunda-
mente latino da fala lusitana. Antes até são as palavras estranhas sobrevin-
das à língua com o passar dos anos, que se submetem à disciplina que o por-
tuguês herdou do latim, e aceitam as flexões de gênero e número próprias
dos nomes portugueses ou os acidentes verbais que caracterizam as conju-
gações. Eis por que o romeno, apesar de possuir um altíssimo percentual de
palavras de origem eslava, continua a ser língua românica; o inglês, porque
conte perto de oitenta por cento de palavras de origem latina, não deixa de
ser língua anglo-germânica; e o persa, cujo vocabulário básico é totalmente
semita, não renega sua origem indo-europeia.
Que se veja, para exemplo, o que acontece às palavras semitas entra-
das na língua. Por três vezes povos de origem semítica – fenícios, cartagine-
ses, árabes – invadiram a Península, mas apesar disso, e embora o último
deles mantivesse a ocupação durante quase oito séculos, a influência deles
se fez sentir apenas no vocabulário, sem contribuição na fonética, na morfo-
logia e na sintaxe.
É importante notar-se que, embora seja grande o número de palavras
estrangeiras incorporadas ao português, são latinos todos os nossos prono-
mes (pessoais, possessivos, indefinidos, demonstrativos, relativos), os nu-
merais, os advérbios, as preposições e as conjunções.
Os elementos latinos da língua portuguesa compreendem dois gru-
pos: 1) vocábulos populares; 2) vocábulos eruditos. (Cf. 7.4)
Os vocábulos populares representam o cerne do léxico português, re-
sultam da evolução natural do latim vulgar, alterado de maneiras múltiplas.
Os vocábulos eruditos foram trazidos diretamente do vocabulário la-
tino, pelos estudiosos, para atender às necessidades da linguagem científica
ou se buscaram às obras dos grandes escritores romanos para servir à beleza
e propriedade do estilo literário.
Flama: flamma > flama; Auscultar: auscultare > auscultar; Solitário: soli-
tariu > solitário.
Os vocábulos semieruditos são as que entraram na língua nos pri-
mórdios da época literária, sofrendo, ainda, algumas transformações fonéti-
cas, porém menores que as populares.
Humanidade: humanitate > humanidade
A permanência do i pretônico denuncia influência erudita enquanto
que a sonorização das surdas intervocálicas é uma influência popular.
148
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
11.3. VOCÁBULOS PÓS-ROMANOS
11.3.1. Elementos germânicos
O grosso dos vocábulos germânicos incorporados ao português apa-
rece depois que os visigodos ocupam a Península, mas antes disso muitas
palavras de procedência gótica já tinham sido incorporadas ao latim vulgar,
graças aos contatos de múltipla modalidade que os romanos mantinham
com os germanos; relações de fronteira, guerras, inclusão de recrutados ou
de mercenários nas legiões. Em muitos escritores latinos já aparecem, sob
forma alatinada, inúmeros vocábulos germânicos como bando, bramar, al-
bergue, elmo, trégua, guarda, harpa, carpa, branco, liso, morno, fresco,
gravar, trepar, burgo, adubar, arreio, agasalho, canivete, rico.
Depois das invasões dos visigodos, o número de vocábulos góticos
incorporados à fala peninsular aumenta consideravelmente, e são quase to-
dos referentes à arte militar, a utensílios, a usos e costumes: arauto, arrear,
arreio, esgrima, barão, banho, sopa, grupo, esquife, luva, droga, banco,
dardo, espeto, feltro, galardão, guerra, guia, jardim, lista, laca, escaramu-
ça, espora, marco, marechal, roca, roubar, trégua, sítio, roupa etc. Os qua-
tro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste. Alguns nomes próprios: Ataul-
fo, Frederico, Godofredo Álvaro, Elvira, Branca, Fernando, Geraldo, Gui-
lherme, Rodrigo, Teles, Rui.
149
José Pereira da Silva
11.3.3. Elementos provençais e franceses
A nacionalidade portuguesa nasceu ao abrigo da casa de Borgonha, e
essa circunstância ligava Portugal às influências da França, o que gerou os
primeiros passos da literatura portuguesa na imitação da poesia provençal.
Daí resultou que, desde os primeiros anos de vida, a língua falada pelos por-
tugueses apresenta apreciável número de palavras provençais e francesas,
número que cresce sempre mais porque foi grande e constante, século após
século, a irradiação da cultura francesa para Portugal. Justamente porque a
contribuição é constante e ininterrupta, as palavras de origem francesa exis-
tentes na língua portuguesa compreendem dois grandes grupos:
1º – palavras entradas em épocas remotas e que foram definitivamente in-
corporadas ao nosso léxico, às vezes sem alteração da forma primiti-
va: chapéu, libré, assembleia, genebra, linhagem, manjar, dama,
joia, loja, chaminé, maré, alegre, anel, jogral, trovador etc.
2º – palavras de aquisição mais recente e que conservam ainda a forma
francesa ou foram adaptadas ao português: comitê, detalhe, toalete,
atelier, assassinato, abajur, plissê, tricô, buquê, cabina, chance, go-
vernante, greve, maquete, menu, nuance, omelete, chofer, felicitar,
fetichismo, placar, apartamento, aleia, ancestral, avalancha, aveni-
da, banal, bicicleta,blague, cabotagem, cachenês, chassis, restau-
rante, revanche, silhueta, creche, debacle, deboche, ecran, elite, en-
velope, feérico, flanar, fuzir, frapê, pose, reclame, valise, vitrina etc.
150
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
comunicações artísticas e às relações comerciais, a língua de Dante está
sempre presente no vocabulário português. São de origem italiana: na lin-
guagem artística: adágio, alegro, andante, ária, bandolim, barcarola, can-
tata, cavatina, contralto, crescendo, dueto, maestro, moderato, piano, pizi-
cato, quinteto, serenata, solfejo, sonata, soprano, tenor, traviata, alerta,
balcão, violoncelo, boletim, festim, fiasco, gazeta, piloto, poltrona, tômbola,
aquarela, caricatura, madrigal, arlequim, carnaval, confete, palhaço, pas-
tel, porcelana, camarim, cenário, concerto, soneto etc. Na linguagem mili-
tar: alarme, alerta, anspeçada esquadrão, bandido, esdrúxulo, piloto, fraga-
ta, galera, mosquete, sentinela etc. Na culinária: banquete, macarrão, ta-
lharim, mortadela, salame, salsicha etc.
Vale a pena lembrar que, se deconsiderarmos a recente linguagem
técnica da informação, o italiano é a terceira língua, logo depois do francês
e do latim, em quantidade de termos exportados como empréstimos para ou-
tras línguas, em todo o mundo.
151
José Pereira da Silva
anil, azul, bule, bambu, catre, jangada, jaca, pires, biombo, leque, quimo-
no, ganga, avatar, jambo, suarabácti, divã etc.
QUESTIONÁRIO
1. Dar a procedência das seguintes palavras: guerra, arroio, caminho, bar-
ca, anjo, refém, álgebra, jogral, vitrina, pandeiro, bar, gás, escorbuto,
quermesse, banana, furacão, abacate, batata, anil, bule, chá, sândalo.
2. Definir e exemplificar: palavras populares, eruditas e semieruditas.
3. Definir e exemplificar latinismos e helenismos.
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
153
José Pereira da Silva
Sr. Ministro:
A comissão, designada por V. Exª, com a aprovação do Sr. Presidente da Re-
pública, para cumprir a determinação contida no art. 35 do Ato das Disposições
Transitórias, apenso à Constituição dos Estados Unidos do Brasil promulgada em
28 de setembro do corrente ano, tem a honra de trazer ao conhecimento de V. Exª
o resultado dos seus trabalhos.
154
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
CONSIDERAÇÕES LINGUÍSTICAS
É inteiramente falso dizer-se que, assim como do latim vulgar transplantado
para o ocidente da Península Ibérica resultou o idioma português, assim do portu-
guês trazido para o Brasil resultou a língua brasileira.
Proceder desse modo é comparar fatos diversos, e a conclusão a que se chega
percorrendo semelhante caminho, será, forçosamente, errada.
O latim vulgar levado para o ocidente da Península Ibérica e adotado por lín-
gua própria pelas populações que lá habitavam – de civilização inferior à dos ro-
manos –, esteve longo tempo sem escrever-se; e, depois da queda do Império
Romano do ocidente, ficou entregue à ação das forças naturais de evolução e dife-
renciação; quando, mais tarde, foi adotado como língua escrita, estava muitíssimo
diversificado do padrão latino da língua clássica, conservado nas obras dos gran-
des escritores romanos e imitado pelos escritores do baixo latim.
Comparando esse latim vulgar com o antigo latim dos documentos, literários
ou não, ele apresenta diferenças de estrutura fonética, de morfologia e sintaxe,
que constituem características suficientes para torná-lo uma nova língua, inde-
pendente do latim, embora dele derivada.
Com o português transplantado para o Brasil, outros, bem outros, são os fa-
tos. Nunca ficou em abandono igual ao do latim vulgar na Península Ibérica; ao
contrário, esteve sempre em contato com o da metrópole, onde a literatura atingiu
alto cume no século XVI e continuou no seu desenvolvimento florescendo até os
nossos dias. Frei Vicente do Salvador, nascido no Brasil, escrevia em português a
sua História do Brasil; o Padre Antônio Vieira pregara, no Brasil, muitos dos
seus sermões; Morais, nascido no Brasil, compunha o seu Dicionário da Língua
Portuguesa; brasileiros iam a Portugal e formavam-se na Universidade de Coim-
bra; D. João VI, com A SUA CORTE, VEIO PARA O Rio de Janeiro e aqui per-
maneceu por mais de uma década. Os nossos grandes poetas épicos Santa Rita
Durão e Basílio da Gama; outros ilustres poetas nossos, como Cláudio Manuel,
Alvarenga Peixoto etc., escreviam em excelente língua portuguesa, com os olhos
sempre voltados para os monumentos literários de Portugal.
Os estudos linguísticos, sérios e imparciais, aplicados ao Brasil, fazem-nos
concluir que a nossa língua nacional é a língua portuguesa, com pronúncia nossa,
algumas leves divergências sintáticas em relação ao idioma atual de além-mar, e o
vocabulário enriquecido por elementos indígenas e africanos e pelas criações e
adoções realizadas em nosso meio.
Ainda mais: esses estudos, à proporção que se ampliam e se aprofundam, re-
duzem a lista dos brasileirismos, mostrando que alguns deles existem em dialetos
portugueses (parecendo que de Portugal nos vieram) e que, se outros podem ser
admitidos como inovações nossas, podem também considerar-se relíquias brasi-
leiras de arcaísmos portugueses.
As palavras brasileiras são iguais às portuguesas na sua composição fonética,
apenas diferindo na pronúncia; os nomes de números são os mesmos em Portugal
e no Brasil; as conjugações são as mesmas, num e noutro país; as mesmas são
também as palavras gramaticais: os pronomes (pessoais, possessivos, demonstra-
tivos, relativos, interrogativos, indefinidos), os artigos, os advérbios (de tempo,
modo, quantidade, lugar, afirmação, negação), as preposições e as conjunções.
Em geral é o mesmo o gênero gramatical, cá e lá; são as mesmas as regras de
155
José Pereira da Silva
formação do plural; o mesmo o sistema de graus de substantivos e adjetivos; os
mesmos os preceitos de concordância nominal e verbal; quais na totalidade dos
casos é a mesma a regência dos complementos dos nomes e dos verbos; o mesmo
o emprego de modos e tempos, e a mesma a estrutura geral do período quanto à
sucessão das orações e a ligação de umas com outras.
Lemos e compreendemos tão bem uma página de Eça de Queirós, quanto
uma de Machado de Assis; e, quando, em escrito de autor brasileiro ou português,
desconhecemos o significado de qualquer palavra, recorremos, salvo tratando-se
de algum termo muito restritamente regionalista, a um dicionário da língua portu-
guesa; nunca o brasileiro, para ler, compreendendo, um jornal ou livro português,
precisou de aprender previamente a língua de Portugal como se aprende uma lín-
gua estrangeira; não há dicionário português-brasileiro, nem brasileiro-português,
como há, por exemplo, dicionário português-espanhol e espanhol-português; a
gramática da língua nacional do Brasil é a mesma gramática portuguesa.
Afirmações idênticas a essa que acabamos de fazer, não teriam lugar se com-
parássemos o português com o espanhol, não obstante serem línguas românicas
parecidíssimas uma com a outra: é que espanhol e português são línguas diversas,
ao passo que é a mesma língua a que se fala e escreve no Brasil e a que se fala e
escreve em Portugal.
Quando os linguistas tratam da geografia das línguas românicas, incluem a
língua do Brasil no domínio do português; e nas estatísticas relativas ao número
de pessoas que falam as grandes línguas do globo, o povo brasileiro figura entre
os de língua portuguesa.
CONCLUSÃO
À vista do que fica exposto, a Comissão reconhece e proclama esta verdade:
o idioma nacional do Brasil é a língua portuguesa.
E, em consequência, opina que a denominação do idioma nacional do Brasil
continue a ser: língua portuguesa.
Essa denominação, além de corresponder à verdade dos fatos, tem a vanta-
gem de lembrar, em duas palavras – língua portuguesa – a história da nossa ori-
gem e a base fundamental da formação de povo civilizado.
Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1946.
156
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Em que consistem as diferenças entre a fala do Brasil e de Portugal?
Tais diferenças são de três ordens, principalmente: fonética, sintática
e semântica.
157
José Pereira da Silva
duz o empalidecimento ou a atrofia das átonas ou subtônicas” (Revista de
Cultura, n° 103).
4) Também o i pretônico não sofre alteração da pronúncia normal
brasileira, mas desaparece na fala portuguesa:
No Brasil: militar, vizinho, ministro
Em Portugal: m’litar, v’zinho, m’nistro
5) A vogal o, pretônica, seja inicial ou interna, é fechada na pronún-
cia brasileira: orelha, ondulação, porteiro, coroa
Em Portugal soa como u ou desaparece: urelha, undulação, purteiro,
c’roa
6) O ditongo ei é proferido, no Brasil, de duas maneiras: às vezes,
como e+i – lei, sei, mandei – às vezes, principalmente antes de j e de r, co-
mo ê – bêjo, pêxe. Em Portugal ele é sempre âi: lâi, primâiro, bâijo, pâixe.
Soa também ãi, na fala portuguesa, o ditongo grafado em, ens, e que
no Brasil dizemos ẽi: também (tambẽi e tambãi), ninguém (ninguẽi e nin-
gãi) etc. Que se leia esta quadra de Tomás Ribeiro:
Triste de quem der um ai
Sem achar eco em ninguém,
Felizes os que têm pai,
Mimosos os que têm mãi.
7) O ditongo ou, na fala popular, descuidada, no Brasil, é dito ô –
couve > côve, louco > lôco, trouxe > trôsse, ouro > ôro; as pessoas cultas
dão aos ditongos a sua pronúncia real: louco, touro, ouro, trouxe. Em Por-
tugal o comum é a alternância ou > oi: couve, louco, mas oiro, toiro, tesoi-
ro.
8) É comum, na fala portuguesa, a intercalação de um i para separar
o hiato: a i água, foi a i aula. Tal fenômeno jamais ocorre no Brasil.
9) No trato das consoantes, é sistemática em Portugal, a alternância b
> v – v > b, jamais verificada no Brasil, uma vez que não temos o b fricati-
vo intervocálico: bou (vou); vurru (burro); biste (viste); bento (vento).
10) É também sistemático, no falar lusitano, o aparecimento de um i
paragógico depois do l e do r finais: Manueli (Manuel); soli (sol); doutoiri
(doutor); deberi (dever), fenômeno jamais verificado no falar de pessoas
cultas do Brasil e, na linguagem popular, somente em poucas regiões.
11) Em certos encontros consonantais, é frequente, no falar brasilei-
ro, a epêntese de um e ou i, fato que não ocorre na fala lusitana: abissoluta-
mente, por absolutamente; adivogado ou adevogado, por advogado, e até
mesmo Edigar, por Edgar.
158
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
12) Não ocorre no Brasil a nasalidade que o pronome átono apresen-
ta em Portugal depois de não, quem, bem e outras nasais: Não no viram;
Quem no mandou? Bem no mostram.
13) Os pronomes átonos me, te, se, lhe, inteiramente desprovidos de
acentuação em Portugal (m’, t’, s’, lh’) soam no Brasil mi, ti, si, lhi, o que
determina, como veremos a seguir, alterações sintáticas de vulto.
159
José Pereira da Silva
A sua carta? Ele não ma deu – diz-se em Portugal.
A sua carta? Ele não me deu – dizemos no Brasil, com supressão do
objeto direto.
4) Ainda a respeito dos pronomes o, a, os, as: não se costuma, no Brasil,
combiná-los com a segunda pessoa do singular ou com qualquer das três
pessoas do plural, como é comum no falar lusitano:
– Ama-lo tu? – perguntar-se-ia em Portugal, fazendo a combinação
amas + o = ama-lo
– Tu o amas? – preferir-se-ia no Brasil.
O mesmo se pode dizer das outras combinações: amamo-lo (amamos
+ o); amai-lo (amais + o); amam-no (amam + o); di-lo (diz + o); trá-lo (traz
+ o).
5) É comum no Brasil o uso da preposição em com os verbos de movimen-
to: Ir na cidade; Chegar na janela.
6) O português usa o infinitivo regido de a nas construções em que o brasi-
leiro prefere o gerúndio: O navio está a chegar, dirá um português; O navio
está chegando! exclamará um brasileiro.
Aliás, não é apenas nesses casos que o uso da preposição estabelece
diferença entre o falar brasileiro e o de Portugal. Que se vejam os seguintes,
abaixo:
Em Portugal No Brasil
Cheiro A alecrim Cheiro DE alecrim
Cedeu A grande pena Cedeu COM grande pena
Casa coberta A zinco Casa coberta DE zinco
Escangalhou-se A rir Escangalhou-se DE rir
Luvas pespontadas A preto Luvas pespontadas DE preto
Sentar-se AO trono Sentar-se NO trono
Estava À janela Estava NA janela
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
guarda-freio ....................... motorneiro piúga ...................... meia (vestuário)
barco .................................. navio impedido ................ ordenança
paródia ............................... pândega carapinhada ............ refresco
desgarrada ......................... desafio (canto) neve ........................ sorvete
combóio ............................. trem rebuçado ................. bala
bica .................................... cafezinho talho ........................ açougue
161
José Pereira da Silva
Até o começo do século XVIII a relação do tupi para o português era de 3:1.
Em algumas capitanias, como São Paulo, Amazonas e Pará, ainda muito tempo
depois predominava o tupi. No Rio Grande do Sul, ainda há meio século se falava
o tupi em diversas regiões, especialmente nas do Ocidente.
Fatores vários, entre os quais sobreleva a luta dos jesuítas contra a
escravização do indígena, trouxeram ao Brasil o africano, já há muito usado
como escravo em Portugal. Coube, então, ao negro tomar, aos poucos, o lu-
gar do índio em todas as atividades: na lavoura, na mineração, nas ativida-
des domésticas, na criação dos filhos do senhor branco. Começa, desse mo-
do, a aparecer no vocabulário brasileiro a contribuição africana, menos
abundante do que a ameríndia, não há dúvida, mas, ainda assim, viva, sen-
sível e, o que é mais importante, indispensável atualmente.
Por tudo isso, enriqueceu-se o idioma de grosso cabedal de palavras
índias e africanas, que, dicionarizadas, andam por volta de dez mil. No en-
tanto, a maioria só tem vigência regional; poucas se incorporaram ao uso
vivo da língua corrente. O relicário dos nossos tupinismos são os nomes de
lugares (topônimos).
Andam em cerca de dez mil os vocábulos indígenas e africanos in-
corporados ao português no Brasil. Além dessas, algumas dezenas de pala-
vras nos vieram – veiculadas quase todas pelo espanhol – de outras línguas
americanas, através das estreitas relações que no sul do país sempre manti-
vemos com os povos do Prata, entre os quais podem ser destacados:
162
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
12.4.2. De procedência africana
Topônimos: Bangu, Carangola, Muzambinho, Caxambu, Cubango,
Guandu, Quilombo etc.
Crenças: candomblé, Exu, Iemanjá, macumba, mandinga, muamba,
zumbi etc.
Alimentos: aluá, cuscuz, cachaça, munguzá, quibebe, quindim, quitu-
te, vatapá.
Flora e fauna – dendê, jiló, camundongo, macaco, marimbondo etc.
Utensílios e costumes – maxixe, batuque, caximbo, berimbau, tanga
etc.
De línguas americanas não-brasileiras: cacique, canoa, batata, fura-
cão, xucro, condor, mate, pampa, gaúcho, tomate, abacate, chocolate, xícara.
QUESTIONÁRIO
1 – Dentre as diferenças entre o Português do Brasil e o Português Euro-
peu citar duas na fonética, duas na sintaxe, duas no vocabulário.
2 – Separar as palavras de origem africana das de origem tupi: lambari, ji-
ló, jacá, caipira, marimbondo, piracema, jacaré, muamba.
3 – Temas para discussão: “O dialeto brasileiro”; “A língua brasileira”.
163
José Pereira da Silva
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Gramática Histórica da Língua Portuguesa
13. ARCAÍSMOS
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José Pereira da Silva
como comparativo (quam > ca), ainda podia ser confundido com o advérbio
de lugar cá (aqui). O mesmo ocorreu com u (advérbio: huc > hu > u), fácil
de confundir com a vogal; e como osso (substantivo urso) cuja confusão
com o atual osso era bastante natural.
166
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
13.3. COMO SE DIVIDEM OS ARCAÍSMOS
Podem os arcaísmos ser léxicos, ou de palavras, e sintáticos, ou de
construção, fonéticos e morfológicos. Os primeiros são constituídos por vo-
cábulos em desuso atualmente; os segundos representam combinações sintá-
ticas que foram correntes somente no passado.
167
José Pereira da Silva
c) Indeterminação do sujeito feita pela palavra homem: “Omem non podia
mostrar”.
d) Uso de cujo como interrogativo: «Cuja é esta glória?»
e) Uso abundante de pleonasmos: «Oje em este dia». «Boas bondades».
f) Períodos extensos, colocação livre das palavras na frase, pouca acentua-
ção.
g) verbo no singular, concordando com sujeito coletivo no plural: “... mor-
reo grandes gentes”. (NUNES, 1943, p. 52)
h) particípio passado da voz ativa a concordar com o objeto direto, nos tem-
pos compostos: “As quais casas de nova tinha feitas” (NUNES, 1943, p. 67)
168
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
Algumas palavras tinham gênero gramatical diverso no português ar-
caico: fim, mar, mapa, planeta, cometa eram femininos. Tribo, coragem, lin-
guagem eram masculinos.
O particípio passado da segunda conjugação era em udo: perdudo
(perdido), temudo (temido), recebudo (recebido), conheçudo (conhecido).
Havia particípios passados em eito e eso: colheito (colhido), coseito
(cosido), maltreito (maltratado), despeso (despendido), defeso (defendido =
proibido).
usavam-se formas verbais foneticamente regulares, que foram depois
substituídas por outras, analógicas: estê (< stem) – substituída por esteja,
arço (< ardeo) – substituída por ardo, mouro (< morio) – substituída por
morro, conhosca (< cognoscat) – substituída por conheça, perdon (< per-
donet) – substituída por perdoe.
Alguns textos:
“ – Amygos, dade-me de comer e ajudade-me, ca eu mouro com
ffame.” (NUNES, 1943, p. 77).
– Tal companhon foi Deus filhar
no bon rei, a que Deus perdon,
que jamais non disse de non
a nulh’omen por lh’algo dar...
(Cancioneiro da Ajuda, 10245)
5) a segunda pessoa do plural tinha a desinência des exceto no preté-
rito perfeito do indicativo: amades (amais), devedes (deveis), partides (par-
tis), digades (digais), sodes (sois), quisessedes (quisésseis).
31 Esse tópico foi integralmente extraído do livro Português no Colégio, do Professor Rocha Lima,.129-130.
169
José Pereira da Silva
De sorte que, por avença cordial entre todos, se deliberou...
(RUI BARBOSA In: BATISTA PEREIRA.
Coletânea Literária. São Paulo, 2ª ed., p. 274).
2) nado = nascido
— Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
(GONÇALVES DIAS, I-Juca-Pirama,
na Antologia de Manuel Bandeira, p. 76.)
3) pleonasmo da negação:
Dargo, o valente Dargo, a quem na guerra
Ninguém nunca jamais não viu as costas...
(GARRETT, Flores sem Fruto, 1848, p. 64)
4) acertar + de + infinitivo = acontecer, suceder:
Cada um dos presentes acertou de contar uma anedota.
(MACHADO DE ASSIS,
Brás Cubas, Garnier, 4ª ed., p. 150)
5) dizer de não = dizer que não;
Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não...
(RUI BARBOSA, Orações aos Moços,
São Paulo 1921, p. 12.)
6) homem (como sujeito indeterminado):
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto;
Uma ave negra, friamente a isto;
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: “Nunca mais!”
Machado de Assis, Poesias,
Jackson, vol. 27, 1938, p. 352.
QUESTIONÁRIO
1 – Que são arcaísmos?
2 – Como se explica a arcaização das palavras?
3 – Dar dois exemplos de arcaísmos léxicos, fonéticos, morfológicos e sin-
táticos.
170
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
1. BARCAROLA
El-rey de Portugale33
32
32 El-rey: el é forma arcaica do artigo definido masculino. Provém do latim ĭllǔ, através da seguinte cadeia foné-
tica: ĭllǔ > elo > el (com apócope do o em virtude da próclise).
Na língua atual, somente se usa antes do substantivo rei, mas outrora podia preceder outras palavras.
33 Portugale: Portugal. Do latim Portucale, pela sonorização do –c– e apócope do e.
Segundo o medievalista brasileiro, Professor Celso Cunha, o e paragógico que aí aparece deve explicar-se pela
tendência a evitar o final agudo no verso. (Cf. CUNHA, 1999: 213)
Idêntica paragoge de origem rítmica ocorreu com as palavras lavrare, portugueese, fazere, deytare e metere,
que se leem nesta “Barcarola”.
34portuguese: português. Do latim portucalense, através de: portucalense > portugaes > portuguees > portu-
guês. Houve sonorização do –c-, síncope do –l-, assimilação do a ao e, crase dos ee e queda da vogal final.
35lavrare: construir, fabricar (referindo-se a uma embarcação). Do latim laborare, pela síncope do o pretônico e
passagem normal do grupo intervocálico br a vr, como liberare > livrar.
36migo: comigo. Do latim mecum saiu a forma arcaica mego, a quall, conforme a opinião de muitos, teria pas-
sado a migo sob a influência de mi. No entanto, parece mais exato ligá-la diretamente a micum, palavra de que
não falta abonação no latim vulgar.
Nesta forma migo existe a preposição cum, representada pela sílaba go; tendo-se, porém, esquecido a compo-
sição da palavra, foi ela reforçada com a preposição com, donde comigo (com + migo).
37mya: minha. Forma proclítica do possessivo mia, pronunciada numa sílaba só e mais tarde reduzida a ma.
Era comum aparecer grafado mha.
171
José Pereira da Silva
2. EXEMPRO38 DHŨA MONJA
38enxempro: exemplo. Do latim exemplu procedeu normalmente, na língua arcaica, a forma eixempro. A
par desta, com o desaparecimento da subjuntiva do ditongo, houve exempro.
Para a nasalação do e inicial deve ter concorrido a vogal nasal da sílaba seguinte.
39hũa: uma. O nosso artigo indefinido tem por étimo o numeral latino: una > ũa (também grafado hũa) >
uma.
40 fremosa: formosa. Metátese de fermosa, do latim formosa, com dissimilação do o-o em e-o: formosa >
fermosa (dissimilação) > fremosa (metátese).
41 coraçõ: coração. Do latim *coratione.
Várias terminações latinas convergiram para a forma ão:
a) one: leone > leõ > leão, dracone > dragom > dragão;
b) anu: granu > grão, paganu > pagão;
c) ane: cane > cã > cão, pane > pã > pão;
d) ǔdine: certitǔdine > certidõe > certidõ > certidão.
42antre: entre. Por ser proclítica esta preposição, pôde a sua sílaba inicial ser tratada como átona. Daí a
vacilação en-an, tal como acontece com antenatu > enteado ou anteado, ampǔlla > empola ou ampola,
anguila > enguia ou anguia.
A forma antre teve grande uso na língua; exemplos:
Ali, antre os meus cordeiros,
Soía dormir a sesta,
À sombra dos amieiros.
(Bernardim Ribeiro. Éclogas. Coimbra, 1932, p. 23).
172
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
O senhor da terra a vyo45 e qujsea 46 aver per47
amores, mes48 nõ pode, e mandouha49 rroubar per
sua gente. E ella, quando os vyo, temeos50
muyto, e preguntouhos51 por que a amava seu se-
nhor mais que as outras. E elles rresponderom:
Senhora, por vossos olhos. E ella os fez logo thi-
rar, e enujou-lhos52 e mandou-lhe dizer que ha
avia o que desejava, que daquello fezesse 53 sua
voontade54. E ella amou mais perder fremosura
do corpo que ha55 da alma.
(VASCONCELOS, 1922, p. 51)
45 vyo: viu
46 qujsea: qui-la. É o pretérito perfeito de querer, que traz aglutinado a si o pronome pessoal átono a.
47 per: por. Na língua antiga havia per (do latim per) e por (do latim pro).
Em por se condensaram as funções sintáticas de uma e outra, de sorte que veio per a desaparecer, ex-
ceto nas locuções de per si, de permeio, e nas combinações com os artigos definidos e com os prono-
mes demonstrativos átonos (pelo, pela, pelos, pelas).
48 mes: mas. Do advérbio latino magis saiu o advérbio português mais, que passou a exercer também a
função de conjunção adversativa. “Durante muito tempo não sofreu ele qualquer distinção de forma num
e noutro caso, e ainda hoje não a sofre na língua do povo, mas depois, devido provavelmente à sua qua-
lidade de átono quando usado como conjunção, perdeu o i, ficando reduzido ao mas, exclusivo da língua
culta.” (NUNES, 1928: 219)
A forma que figura no texto, mes, parece “ser já uma evolução de mas” (Id., ib., p. 219, nota).
49 mandouha: mandou-a.
50 temeos: temeu-os.
51 preguntouhos: perguntou-os (= perguntou-lhes).
Preguntar é a forma mais antiga na língua e a que, ainda hoje, se usa em Portugal. No Brasil, escreve-
se e pronuncia-se perguntar. A origem é, talvez, *precuntare. Quanto à sintaxe do texto, observe-se que,
atualmente, este verbo se constrói com objeto direto de coisa e indireto de pessoa (perguntar alguma
coisa a alguém, perguntar-lhe algo).
52 enuyoulhos: enviou-lhos.
53 fezesse: fizesse.
54voontade: vontade. Do latim volǔntate, pela queda do –l-, mutação do ǔ em o e sonorização do se-
gundo i por estar intervocálico: volǔntate > voontade > vontade. Houve finalmente a crase dos oo.
55 ha: a. É o artigo feminino, que também aparecia grafado aa.
Exemplos:
“... quando o queria levar contra aa fonte.”
“... comendaram aa donzela a Deus”. (Augusto Magne. A demanda do Santo Graal. Rio de Janeiro,
1944, vol. III, p. 16)
173
José Pereira da Silva
3. O LOBO E O CORDEIRO
56medês: mesmo. Do nominativo latino ĭpse, precedido da partícula met, formou-se a palavra metĭpse,
donde, por evolução normal, se originou a forma arcaica medês: metĭpse > *medesse > medês. Essa
partícula met era um elemento de reforço, que muito frequentemente se pospunha aos pronomes pes-
soais. Originariamente pospositiva, “pasó a usar-se como um prefijo por medio de combinaciones como
semet ipsum, interpretado se metipsum” (Grandgent, 1928: 36)
57 luxas: sujas.
58 pero: ainda que, embora.
59 abolver: revolver, turvar.
60 braada: brada. De balatrat, com metátese do r: balatrat > baadra > braada.
Os aa, que depois se fundiram num só (brada), representam, aqui, a pronúncia como hiato. Muitas ve-
zes, porém, o redobro de vogais é mero expediente gráfico com que se assinala a tonicidade da sílaba.
Eis um exemplo:
Com isope espargeraas
E serey limpo muy breve;
Tu, Senhor, me levaraas
E minha alma leyxaraas
Muyto mais alva que a neve.
(Gil Vicente. Salmo de miserere mei Deus, extraído da edição de 1562)
Em espargeraas (= espargerás), lavaraas (= lavarás) e leyxaraas (= deixarás), os aa servem de mostrar
que são tônicas as sílabas em que eles figuram.
Cumpre notar que não havia, entretanto, rigor no marcar a tonicidade por meio da duplicação da vogal.
Nem todas as sílabas tônicas aparecem com a vogal dobrada, assim como às vezes se encontram com
redobro vogais átonas.
174
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
– Nom te avonda61 que tu me fazes enjuria e
dano, e ainda me ameaças?
E o cordeiro outra vez homildosamente rres-
pondeo:
– Nom te ameaço, mais eu me escuso com
boa razom.
E o llobo rrespondeo outra vez:
– Ainda me ameaças? Já ssemelhavill injuria
me fezeste62 tu e teu padre, ssom já bem sseis
meses.
O cordeiro disse:
– Ó ladrom, eu não ey tanto tempo!
E o lobo iroso disse:
– Oo maao63 rrapaz, ainda ousas de falar?
E foi-sse a ell e matou-ho e comê’o64.
(Apud SILVA NETO, 1942, p. 118)
61 avonda: basta.
62 fezeste: fizeste. Do latim fecĭsti. O i surgiu por influência da primeira pessoa do singular (fiz < fecĭ).
63 maao: mau. Do latim malu. Os aa indicam que a vogal é tônica.
64 comê’o: comeu-o.
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José Pereira da Silva
b) Textos para comentário
65 pera = para.
66 veer = ver. Do latim videre.
67 talhou preito = combinou, prometeu.
68 alá = forma arcaica de lá, do latim illac.
69 madre = mãe.
70mig’á = o mesmo que migo há, isto é, tem comigo. O ponome latino mecum teria evoluído: mecu(m) >
micu > migo. Na sílaba go está a preposição latina cum. Perdida essa noção, voltou-se a ligar ao prono-
me a mesma preposição, donde com migo > comigo, formação que aparece no primeiro verso da tercei-
ra estrofe.
176
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
14.2. CANTIGA DE AMIGO
sso-lo = sob o. A respeito da consoante inicial dobrada, veja-se o que foi dito no capítulo A ORTO-
71
177
José Pereira da Silva
14.3. CANTIGA DE AMIGO
Média. Até então, escrevia-se como está no texto: uos por vós.
76 digades = digais.
77 migu’ = comigo. Ver, a propósito, a nota acima sobre mig’á.
78hey = hei = tenho. A respeito da irregularidade gráfica, ver o que foi dito no capítulo A ORTOGRAFIA
E A FONÉTICA HISTÓRICA.
79mandado = recado, notícia. Note-se que ainda hoje é forma popular dizer-se “nem novas nem manda-
do”.
80 querria = queria.
81 hirey = irei.
82 mya = minha: mea > mia > mĩa > minha.
83 a la = à.
84 hu = onde, do latim huc ou ubi.
85 uan = vão.
178
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
14.4. BARCAROLA
86 verrá = virá.
87 o por que eu = aquele por quem eu.
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José Pereira da Silva
14.6. LENDA DO REI LEAR
Este rrey Leyr nom ouue88 filho, mas ouue tres filhas muy fermosas e
amaua-as muito. E huum dia ouue sas rrazõoes 89 com ellas e disse-lhes que
lhe dissessem verdade, quall d’ellas o amaua mais. Disse a mayor que nom
auia cousa no mundo que tanto amasse como elle; e disse a outra que o
amaua tanto como ssy90 mesma; e disse a terceira, que era a meor,91 que o
amaua tanto como deue d’amar filha a padre. E elle quis-lhe mall porém, e
por esto non lhe quis dar parte no rreyno. E casou a filha mayor com o du-
que de Cornoalha, e casou a outra com rrey de Scocia, e nom curou 92 da
meor. Mas ella por sa93 vemtuira94 casou-sse melhor que nenhũa95 das ou-
tras, ca96 se pagou97 d’ella el-rrey de Framça, e filhou98-a por molher. E de-
pois seu padre d’ella99 em sa velhice filharam-lhe seus gemrros a terra, e foy
mallandamte, e ouue a tornar aa merçee100 d’ell-rrey101 de Framça e de sa fi-
lha, a meor, a que nom quis dar parte do rreyno. E elles reçeberom-no muy
bem e derom-lhe todas as cousas que lhe forom102 mester,103 e honrrarom-no
mentre104 foy uiuo; e morreo em seu poder.
(Do Nobiliário ou Livro de Linhagens do Conde d. Pedro.
Séc. XIII ou XIV. Apud Dr. J. Leite de Vasconcelos. Textos Arcaicos)
180
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
14.7. A DONA PEE DE CABRA
181
José Pereira da Silva
go Lopez e sa molher, assentaua ell apar
de ssy116 o filho e ella assẽentaua apar de
ssy a filha, da outra parte. E hũu dia foy
elle a seu monte e matou hũu porco muy
gramde e trouxe-o pera sa casa e pose-o
ante ssy hu117 sya118 comemdo com ssa
molher e com seus filhos, e lamçarom hũu
osso da mesa e veerom a pellejar hũu
alãao119 e hũua podenga120 sobre’elle em
tall maneyra que a podenga trauou ao alão
em a gargãta e matou-o. E Dom Diego
Lopes, quando esto vyo, teue-o por milla-
gre e synou-sse121 e disse:
– Santa Maria, vall!122 quem vio nunca
tall cousa?
(Apud J. J. NUNES. Crestomatia Ar-
caica)
182
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
14.8. O RATO DA CIDADE E O DA ALDEIA
123 ouve com elle gramde prazer = teve grande prazer em vê-lo.
dey = a forma dei é bastante regular, pela evolução de dedit. A atual forma deu resultou da analogia
124
183
José Pereira da Silva
pera o matar, feri’-o muy mall; empero130
fugiu-lhe e partio-sse muy mall ferido.131
E o rrato da çidade veemdo-o, cha-
mou-ho, que outra vez viesse a comer
com elle, e nom ouvesse medo; e o outro
rrato lhe respondeo:
– Amigo meu, ora fosse eu jajuum132
do comvite que me fezeste! A mym
praz133 mais de comer triiguo, favas e
hervamços em paz que galinhas e capões
com temor e periiguo de morte. A paz, a
quall ssempre tenho comiguo, me faz a
mym os meus comeres sseerem134 delica-
dos. E poren135 teus comeres guarda-os
pera ty, ca eu me comtento do que hey.
E, as palavras dictas136, partirom-se.
(Apud RODRIGUES LAPA – LEITE
DE VASCONCELOS. O Livro de Esopo)
184
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
14.9. RHEGRA SUA PERA Q UEM Q UISER
VIUER EM PAZ
185
José Pereira da Silva
14.10. LIVRO DA ENSINANÇA
DE BEM CAVALGAR TÔDA SELA
186
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
ANEXO 1
PALAVRAS PORTUGUESAS DE ORIGEM TUPI137
Abacatuaia, abacaxi, abaeté, abaetê, abaré, abaruna, abati, abativi, abiu, abi-
urana, abuna, abutua, acaboclado, açacu, açaí, acaiacá, acaipirado, açaizal,
açaizeiro, acaju, acajucatinga, acapu, acapurana, acará, acará-bandeira, aca-
racoro, acaracoroi, acaraobi, acarapeba, acarapitanga, acarapitinga, acari,
acaricuara, acariúba, acauã, açu, guaçu, acutiboia, acutipuru, aguapé, agua-
peaçoca, aguaraquiá, aí, aiapa, aiereba, aig, aipim, airi, airizeiro, ajajá, aju-
beraba, ajuru, ajuruaçu, ajuruatubira, ajurucurau, ajurucurica, ajuruetê, aju-
ruim, ajuruju, ambuá, ambuaçava, amendoim, amingua, amisaua, amoque-
car, amoré, amoreatim, amoreguaçu, amorepocu, anacã, anajá, anajé, anam-
bé, ananás, ananasal, ananaseiro, anani, anapuru, andá, andá-açu, andirá,
andirababapari, andiroba, andirobeira, angaturama, anguera, anhá, anhaíba,
anhauíba, anhaíbatã, anhangá, anhangaquiabo, anhangoera, anhanguiara,
anhuma, anhumapoca, anijuacanga, aninga, aningal, aniuá, anu, apapá, apa-
reíba, apé, apeíba, aperema, apiacá, apicu, apií, apitiuba, apuizeiro, aquê,
aquiqui, ará, arabutã, araçá, araçanhuna, araçari, aracati, araçazal, araçazei-
ro, araçoia, aracu, aracuã, araguaguá, araguaí, araguari, aramaçá, aramaré,
arapapá, arapari, arapiraca, araponga, arapongado, arapuã, arapuado, arapu-
ca, arara, arará, araramboia, araranin, araraúba, araraúna, arari, araribá, ara-
rica, ararimba, araroba, arasoare, ara(pa)soare, arataca, arataciú, araticum,
araticum-panã, araticunzeiro, aratu, aratuém, araturé, araueboia, arauiri,
araxá, araxixá, arirana, ariranha, aritara, aruaná, arubé, atá, ati, atiati, atin-
gaçu, atucanado, atucupá, aturá, aturiá, axuá, babaçu, bacaba, bacabeira, ba-
cu, bacupari, bacuparizeiro, bacurau, bacuri, bacuripari, bacurubu, bacutin-
gui, baeapina, baepeçu, baêvaû, baiacu, baitaca, batuíra, beiju, beribeba, bi-
aribi, biboca, bicuíba, bicuibeira, bicuibuçu, biguá, bijupirá, biribá, bocaiú-
va, bocima, boicinimpeba, boicininga, boiobi, boioçu, boioçupecanga, boi-
peba, boipiranga, boiquatiara, boitatá, boitauá, boitiapuá, boiúna, borarí,
bororê, boré, braúna, bubuia, buçu, buijeja, burahu, buranhém, buri, buriqui,
137 Esta lista foi extraída do Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi, de Antônio Ge-
raldo da Cunha.
187
José Pereira da Silva
buriti, buritial, buritiral, buritirana, buritizal, buritizeiro, butiá, caamenbeca,
caancuam, caaobitinga, caapara, caapeba, caapeno, caapepena, caapiá, caa-
piranga, caapoã, caataia, caatimai, caatinga, caatingal, caatingano, caatin-
gueira, caatingueiro, caaxima, caba, cabajuba, cabatã, cabecê, cabiúna, ca-
boclada, caboclismo, caboclo, caburé, cabureíba, cacundê, caçununga, cacu-
ri, caetê, caferana, caiacanga, caiarara, caiçara, caiçu, caiçuma, caimbé, cai-
nana, caipira, caipiragem, caipora, caiporismo, caitetu, cajá, cajati, cajazei-
ra, cajazeiro, cajeiju, caju, cajuada, cajual, cajueiral, cajueiro, cajuí,
cajupeba, cajuzal, cajuzeiro, camaçari, camaíua, camapu, camará, camboa,
camboatá, camboatã, cambucá, cambucazeiro, cambuí, cametaú, camina,
camiranga, campinarana, campuava, camucim, camurim, camurupim, cana-
paúba, canarana, candiru, cangoeira, canguçu, canhambola, canhembora,
caninana, canindé, canitar, canjerana, capão, capim, capinação, capinado,
capinador, capinal, capinar, capinzal, capitari, capiúna, capivara, capixaba,
capoeira, capoeirão, capoeiro, capororoca, capuaba, capueruçu, cará, cara-
buçu, caracará, caracaraí, caraetê, caraguatá, caraguatal, caraíba, caraipé,
carajuru, caramuru1, caramuru2, caraná, carandá, carandazal, caranha, carão,
carapanã, carapanaúba, carapiaçaba, carapicu, carapina, carapinima, cara-
quopitam, carará, carataí, caraubeira, caraúna, caraúno, caraxué, carazal, ca-
ribé, carimã, carioca, cariperana, caripirá, carnaúba, carnaubal, carnaubeira,
caroba, caruara, carumã, carumbé, carunje, catanduva, catauari, catimpoei-
ra, catuaba, catulé, catulezeiro, cauaçu, cauim, caúna, cauré, caxiri, chayge,
chiriúba, chonta, cipó, cipoada, cipoal, cipotá, claraíba, coirana, coivara,
comandá, comandoí, congonha, copaíba, copaibeira, copaibuçu, copiar, co-
rimbó, corneíba, coroca, corocuturu, coruatatíua, craúba, criciúma, crueira,
cuandu, cuatá, cuati, cuatiara, cuatimundé, cuatipuru, cuaxinguba, cuia, cui-
aba, cuiada, cuiaíba, cuiapeua, cuiarana, cuica., cuidaru, cuieira, cuiejurimu,
cuiém, cuiemuçu, cuiepiá, cuietê, cuim, cuipeúna, cuipuna, cuíra, cuitezeira,
cuiú-cuiú, cujubi, cumari, cumaru, cumarurana, cumaruzeiro, cumaté, cum-
bira, cumbuca, cunambi, cunapu, cunauaru, cunduru, cunhã, cunhambira,
cunhamena, cunhamucu, cunhantã, cunhatainape, cupá, cupim, cupiúba, cu-
pu, cupuaçu, cupuaçuzeiro, cupuaí, curauabí, curaxirì, curcurana, curi, curi-
boca, curica, curicaca, curimã, curimatã, curió, curuá, curuanha, curuatá, cu-
rumim, curupaí, curupicaí, curupira, cururi, cururu, cururu-apé, cururupeba,
cururutimbó, cutia, cutitiribá, cutuba, cuxiú, descoivarado, eixuá, embaúba,
embaubeira, embautinga, embiara, embira, embirado, embirataí, embiricica,
embiriti, embiruçu, emboaba, enapupê, encaiporar, encoivarar, enduape, en-
guanxumado, ensamambaiado, ensapezado, enxu, enxuí, epené, ereiteuna,
ereitiuna, espipocar, gaitiepia, gambá, ganbiapiruera, gaponga, gapuiar, ga-
quara, garepe, gargaúba, gaturamo, gibato, graúna, grexiuruba, grumixama,
grumixameira, grupiara, guabiju, guabirana, guabiroba, guabirobeira, guabi-
188
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
ru, guacá, guacaré, guacucuiá, guacuri, guaí, guaiá, guaiaimbira, guaiamum,
guaiarara, guaibicuara, guaibicuaraçu, guaibicuati, guaihirabá, guainumbi,
guaipeva, guajará, guajaraí, guajeru, guaju-guaju, guajuvira, guamirim,
guaná, guanandi, guanandirana, guapeba, guapebeira, guapiú, guapuí, gua-
quaqua, guará, guarabebe, guarabu, guaracão, guaracema, guaraciaba, gua-
racu, guaraguá, guaraí, guarajuba, guarantã, guarapiapunha, guarapicica,
guarapicu, guarara, guararieí, guararimá,gararina, guarataiaçu, guaratimbó,
guaravira, guaraxaim, guariama, guariba, guaricanga, guaricuja, guaripoa-
pém, guariroba, guariúba, guaru, guaruçá, guaru-guaru, guarumá, guatambu,
guatapu, guaxe, guaxima, guaxupé, guigó, guirapanema, guirapuru, guira-
téu, guirateúna, guira-téu-téu, guiratinga, guirauaçu, guiraundi, guiraupia-
guara, guiri, guoazaranha, guoquy, guraputepoca, guri, guriatã, guriaz, goa-
riá, gurijuba, guronna, gurumarim, guturá, hain, hiá, iá, iara, iaroubi, ibabi-
raba, ibacamuci, ibamirim, ibanemixama, ibapuringa, ibaraè, ibarùba,
ibaxùma, iberàba, ibiaú, ibiboca, ibiboboca, ibijara, ibijaú, ibiraçanga, ibira-
cica, ibiraçoca, ibiracuá, ibiracuatiara, ibiracuatino, ibiracuí, ibiraigara, ibi-
raipu, ibiraitá, ibirajaca, ibiraobi, ibirapariba, ibirapaúba, ibirapeaponha, ibi-
rapeteruna, ibirapinima, ibirapiranga, ibirapiroca, ibirapocá, ibiraporomoca-
ci, ibirarema, ibiratinga, ibiraúna, ibiriba, içá, icica, icicariba, igaçaba, iga-
pó, igara, igaraçu, igarapé, igaraúna, igarité, ijija, imbé, imbu, imburana,
imbuzada, imbuzeiro, inambu, inaúba, indaiá, indaié, ingá, ingapenambi,
ingarana, ingazeira, ingazeiro, inimbó, intanha, inúbia, ipadu, ipê, ipeca,
ipecacuanha, ipecu, iperu, ipu, ipueira, ipupiara, irara, irerê, iriarana, iru,
iruçu, itã, itacaba, itacuatiara, itaicica, itaimbé, itaipava, itamembeca, itamo-
tinga, itaoca, itapicurú, itapuá, itaúba, ituá, ivirapema, jabebira, jabebirapi-
nima, jabota, jaburandi, jaburu, jabutapitá, jabuti, jabuticaba, jabuticabal,
jabuticabeira, jabutipeba, jacá, jacamim, jaçanã, jacarandá, jacarandatã, ja-
caré, jacarepinima, jacaretinga, jacareúba, jacarezada, jacina, jacitara, jacu,
jacuá, jacucaca, jacuguaçu, jacuíba, jacumã, jacumaíba, jacumaú, jacundá,
jacupema, jacuruaru, jacurutu, jacutinga, jaguacati, jaguacininga, jaguané,
jaguapeva, jaguapitanga, jaguapopeba, jaguar, jaguaracanguçu, jaguararua-
pem, jaguaretê, jaguaroba, jaguaruçá, jaguaruçu, jaguatirica, jajaboçui, ja-
maru, jamaxi, jandaia, jandiá, japá, japacanim, japarana, japaranduba, japa-
ti, japecanga, japeraçaba, japerujaguara, japicaí, japinabeiro, japu, jaquira-
naboia, jaracatiá, jaraqui, jararaca, jararacapeba, jararacuçu, jararaguaipi-
tanga, jataí, jataíba, jataicica, jataí-mondé, jataipeba, jataizeiro, jaticá, ja-
tium, jatobá, jatuaíba, jatuarana, jaú, jauaraicica, jauari, jauatí, jaueti, jeitivi,
jeju, jeneúna, jenipapeiro, jenipapo, jeniparana, jequi, jequiri, jequiriti, je-
quitibá, jequitiguaçu, jererê, jerimum, jerimuzeiro, jerivá, jeroqui, jetica, je-
ticuçu, jia, jiboia, jiboiaçu, jiquitaia, jirau, jitinga, jitiquera, jitirana, juá, jua-
rana, juazeiro, jucá, jucá,(pau,de), juçana, juçara, jucirana, juí, juiguaraiga-
189
José Pereira da Silva
raí, juijiá, juiperega, juiponga, jundiaíba, jupará, jupiá, juquiá, juquiraí, ju-
quiri, jurará, jurarapeba, jurema, juremari, juriti, jurubeba, jurubebal, juru-
cuá, jurugua, jurujuba, juruparã, jurupari, jurupencú, jurupenden, jurupoca,
jururu, juruva, kacum, lambari, lindirâna, macacaúba, macacica, macambi-
ra, maçaranduba, maçarandubeira, macaúba, macaubeira, macaxeira, macu-
caguá, macuco, macucu, maçunim, maguari, maira, mairia, majerioba, ma-
moá, manacá, manaíba, manaibaru, manaibuçu, manaitinga, manapuçá,
mandaçaia, mandacaru, mandaguari, mandi, mandioca, mandiocaí, mandio-
cal, mandioqueiro, mandubi, manduri, manduricão, mangaba, mangabal,
mangabarana, mangabeira, mangabeiral, mangabeiro, mangangá, mangará,
mangarito, maniçoba, maniçobal, maniim, manoiu, manima, manipueira,
maniveira, mapará, mapurunga, mará, maracá, maracajá, maracanã, maraca-
tim, maracuguara, maracujá, maracujazeiro, maraguigana, marajá, marajaí-
ba, marandová, maranduba, marapuama, margui, mari, maricá, marimari,
maririçó, maritacaca, marizeiro, maruim, marupá, marupiara, matamatá,
matapi, matarana, matintaperera, matiri, matuim, matupá, matupiri, matura-
qué, maturi, mejuare, membi, membiapara, membiguaçu, menhu, meru, me-
ruanha, metara, miaçaba, miapeatã, micuim, mindocuruera, mingau, mirim,
mirindiba, miuaná, miúva, mixira, moani, moçacara, mocitaíba, mocó, mo-
cororó, moqueação, moqueado, moquear, moquém, moracira, morubixaba,
mosuinha, moxiricuíba, mucaiúba, mucajá, mucajazeiro, muçambé, muci-
qui, muçuã, mucuíba, mucujê, muçum, mucunã, mucura, mucuracaá, muçu-
rana, mucuri, muiepereru, muirapuama, muiraquitã, mujanguê, mumbaca,
mumbuca, mundéu, mundururu, munguba, mungubeira, muquirana, mura-
juba, murehí, muremuré, murici, muriçoca, murucaia, murucu, murucututu,
murungu, mururê, mutá, mutirão, mutuca, mutum, mututi, nambiju, nanauí,
narinari, nhaçaruamembeca, nhambi, nhambucaru, nhandu, nhanduabiju,
nhanduaçu, nhanduí, nhanduvai, oca, ocara, oiti, oiticica, oiticoró, oitizeiro,
onaoraz, paca, pacamão, pacapeua, pacará, pacaré, pacavira, paçoca, paco-
va, pacoval, pacoveira, pacu, pacuã, pacuera, pacuí, pacupeba, paiauaru, pa-
jamarioba, pajé, pajelança, panacu, panapaná, panema, panemice, papa-
capim, papiri, paqueiro, paquinha, paracuuba, paraí, parapará, paraparaíba,
parari, parati, pari, paricá, parinari, pariparoba, pariri, parnaíba, paru,
pasendo, passaraíva, patacu, patativa, pati, patiguá, patioba, paturi, paxicá,
paxiúba, peaçaba, peba, peipeçaba, peiti, peitica, pepéua, pequi, pequiá, pe-
quirana, pequizeiro, perau, pereba, perereca, pererecar, periaz, peroba, pete-
ca, petimbabo, petume, peunha, peúva, pexarorém, piaba, piabanha, piaça-
ba, piaçoca, piaga, piapara, piau, picaçu, picaçurova, picaí, picarurú, picuá,
picuí, picuiguaçu, picuipeba, picuipitanga, picumã, picuruata, piguaja, pin-
dá, pindaíba, pindaibal, pindá-siririca, pindauaca, pindoba, pindobuçu, pi-
nima, pipira, pipoca, pipocar, pipupipuba, piquira, pirá, pirá-andirá, pirá-
190
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
apapá, pirá-bandeira, pirabebe, piracambucu, piracanjuva, piraçaquém, pira-
catinga, piracava, piracema, piracuara, piracuaxiara, piracuca, piracuera, pi-
racuí, piracururu, piraém, piraguajura, piraí, piraiapeva, piraíba, piraiquê,
piraiucuri, pirajaguara, pirajuba, pirambeba, piramboia, pirambu, piramuta-
ba, piranambu, piranema, piranha, piranhatinga, pirapema, pirapetimbabo,
pirapitinga, pirapuã, pirapucu, piraputanga, piraquiba, piraquira, piraquiroá,
pirára, pirarara, pirarucu, pirá-tapioca, piraúna, piri, piriantã, pirimembeca,
piripiri, piripirioca, piririguá, piriuáca, piron, piruá, pissandó, pitanga, pi-
tangueira, pitauá, pitia, pitinga, pititinga, pitiú, pitomba, pitombeira, pitribí,
pitu, piúca, pium, piúna, pixaim, pixé, pixi, pixirica, pixuna, pixurim, poaia,
pocema, pococim, pocosi, pojuji, poracê, poranduba, poraquê, pororoca, po-
taba, poti, potiguaçu, potipema, potiquequiá, potó, preá, preguari, pritiuba,
pubo, puba, puçá, puçanga, puçanguara, punaré, pupunha, pupunheira, pu-
rupuru, putumuju, putunara, puxi, quaiaquaiais, quaparaiva, queiroá, quere-
juá, querico, quibuquibura, quicé, quintim, quipá, quiquió, quiri, quiriba,
quirimbaba, quiriri, quiriru, quixaba, quixabeira, rerimirim, reripeba, reriu-
çu, reruba, ressoca, saaçu, sabacu, sabiá, sabiacica, sabiapitanga, sabiapoca,
sabiaponga, sabiatinga, sabiaúna, sabijujuba, sacaí, sacaiboia, saci, sacuraú-
na, saguaritá, sagui, saí, saipé, saíra, sairé, saixê, sale, samambaia, samam-
baiaçu, samambaial, sambaíba, sambaqui, samburá, sanhaço, sanharó, sapé,
sapezal, sapezeiro, sapinhanguá, sapiranga, sapirão, sapiroca, sapiroquento,
sapopema, sapotaia, sapucaia, sapucaieira, sapuva, sarã, saracoma, saracura,
sarandi, sarapó, sarará, sariguê, sariguebeiju, sauá, sauacuri, sauiá, sauiatin-
ga, saúna, saúva, sauxaz, savitu, sebui, senembi, sepenica, sereíba, sericoia,
seriema, sernambi, sernambitinga, siaum, siri, siringaúa, sobaúra, soca, so-
caúna, socó, socoí, socoró, sororoca, suaçu, suaçuapara, suaçucanga, sua-
çuetê, suaçupitanga, suaçupucu, suaçutinga, suçuarana, sucupira, sucuri, su-
curijuba, sucuritinga, sucuuba, suí, suia, suindara, suiriri, sumaré, sumaúma,
sumaumeira, suraju, surubim, surucuá, surucuru, sururu, sururuzeiro, suum-
ba, taba, tabarana, tabaréu, tabaroa, tabatinga, tabebuia, taboca, tabocal, ta-
boquear, taboqueira, tabujajá, tacape, taçape, tacaranha, taciaí, tacibura, ta-
cicema, tacipitanga, tacumburî, tacupapirema, tacuri, taguaíba, taguaranha,
taiaçu, taiaçuetê, taiaçupita, taiaçutirica, taioba, taiobeira, taiobuçu, taioca,
taiuiá, tajá, tajacica, tajamembeca, tamanduá, tamaquaré, tamaracá, tamara-
na, tamatarana, tamatiá, tambaqui, també, tambuape, tamburupará, tamuatá,
tanajura, tananá, tangapema, tangará, tapacurá, tapanhoacanga, tapeis, tape-
jar, tapejara, tapera, taperá, taperado, taperebá, taperebazeiro, taperização,
tapiaí, tapicuru, tapinhoã, tapioca, tapiocano, tapiopuba, tapir, tapiranga, ta-
pireçá, tapiretê, tapiri, tapiruçu, tapiti, tapiucaba, tapiúja, tapupe, tapuru, ta-
quara, taquaral, taquaratinga, taquari, taquariço, taquarirana, taquariúba, ta-
quaruçu, taquerú, taquira, taraba, tarajaba, tararaca, tararucu, tarioba, taru-
191
José Pereira da Silva
mã, tarumaneiro, tarumazeiro, tataíra, tatajuba, tataoca, tatapecoaba, tata-
puiaçu, tatu, tatuapara, tatucaba, tatuguaxima, tatuí, tatupeba, tatupebuçu,
tatuquira, taturana, tauá, tauari, tauató, tauguape, taxi, taxizeiro, teiú, teiua-
çu, tejeçu, tembetá, terepomonga, teringuá, teú, teúba, téu-téu, ticuarapuã,
ticuaraúna, tié, tiguera, tijucal, tijuco, tijucupaua, tijupá, timbaúba, timbó,
timborana, timbu, timburé, timixira, timucu, timuna, tingacanga, tinguaciba,
tingui, tinguijada, tinguijar, tinhorão, tipirati, tipiti, tipoia, tiquaam, tiquara,
tiquarã, tiquira, tiriba, tiririca, titara, titarimbo, tobi, tocaia, tocaiar, tocaiei-
ro, tocandira, toré, toroupirá, tracajá, tracuá, traíra, trairamboia, trapiá, tra-
poeraba, tremembé, trocano, tubi, tubura, tucano, tucum, tucumã, tucuman-
zeiro, tucunaré, tucupi, tucura, tucurana, tuijuba, tuim, tuíra, tuiuiú, tuivire,
tumurupára, tunga, tungaçu, tupã, tupé, tupiana, tupuxuara, turu, turuçã, tu-
ruri, tururucari, tuxaua, uacã, uaçaçu, uacanuá, uacumã, uaiúa(de-), uapé,
uapi, uapuçá, uaracapurí, uariá, uarimá, uauaxí, uavaona, ubá, ubaém, ubaia,
ubaieira, ubapeba, ubapitanga, ubarana, ubatinga, ubaxainha, ubim, ubuçu,
uçá, uçururé, uéua, uiçu, uiraçaba, umari, umauari, umiri, umirizeiro, unaú-
na, upiúba, uraçu, urataí, urepe, uritinga, uru, uruá, uruana, urubu, urubutin-
ga, urubuzada, urucá, urucapi, urucatu, urucu, uruçuca, urucurana, urucuri,
urucuriá, urucurizeiro, urucuzeiro, urujaguara, urumaru, urumbeba, urumu-
tum, urundeúva, urupê, urupema, ururau, urutau, urutaurana, urutu, uxi, uxi-
zeiro, vapuí, varem, viatã, vieçacoatinga, vimojipaba, vipuba, vitinga, vivia,
vupapussa, xerimbabo, xexéu, zabucai
192
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
ANEXO 2
PALAVRAS PORTUGUESAS DE ORIGEM ÁRABE138
138 Esta lista foi extraída do Léxico português de origem árabe, de João Baptista M. Vargens.
193
José Pereira da Silva
almocádem, almocafre, almocela, almocreve, almoeda, almofaça, almofada,
almofala, almofariz, almofate, almofia, almofreixe, almofrez, almogama,
almogavre, almojama, almojávena, almôndega, almorávida, almorraram,
almotacé, almotolia, almoxarife, almuadem, almucábala, almucântara, al-
mude, almuinha, alnáibe, aloé, alparcata, alqueire, alqueive, alquequenje,
alquermes, alquibla, alquicé, alquiez, alquifa, alquilé, alquimia, alquiré, al-
quitão, alquitara, altair, aluá, aludel, alufá, alvaiade, alvanega, alvanel, alva-
rá, alvaraz, alvarral, alveitar, alvíssaras, alvitana, alvoroço, âmbar, amim,
anaco, anadel, anafa, anáfaga, anafaia, anáfega, anafil, andaime, andaluz,
anexim, anfião, anil, anta, anúduva, arabi, araca, aravia, argel, argola, arma-
zém, aroeira, arrabalde, arrabil, arraia, arraião, arrais, arrátel, arre, arrebi-
que, arrecife, arrequife, arriaz, arricaveiro, arrife, arroba, arrobe, arroz, ar-
senal, arzanefe, assassino, assumi, atabal, atabaque, atafal, atafera, atafona,
atalaia, atambor, atanor, atarracar, ataúde, até, atum, auge, aval, avaria, ave-
lório, averroísmo, avicenismo, axabeba, aximez, axorca, azaca, azáfama,
azagaia, azambujo, azaqui, azar, azaria, azarola, azebre, azeche, azeite, azei-
tona, azêmola, azenha, azerve, azeviche, aziar, azimute, azinhaga, azinha-
vre, azougue, azul, azulejo baba hanuche, babismo, babucha, badana, bafari,
bairro, balde, baldo, baque, bar, baraço, barda, barica da subá, barregana,
batafaluga, bedém, beduíno, beirute, beleua, beliz, benjoim, berbere, berin-
jela, bissimilai, bodoque, bolota, borni, caaba, cabaia, cabide, cabila, cacife,
cacifo, caciz, cádi, cadimo, cadoz, café, cafetã, cáfila, cafre, cafta, caima-
ção, calibre, califa, camsim, canana, cande, cadil, caneco, cânfora, capuz,
caravana, ceifa, ceitil, celamim, cenoura, cequim, ceroulas, cetim, chaabã,
chafariz, chaual, cherne, chifra, chué, chúmea, cifa, cifra, coraixita, cordo-
vão, cubeba, cuscuz, damasco, daroês, debalde, dinar, divã, djema, djim,
dulcada, dulrija, elche, elixir, embelecar, emir, enxaca, enxaqueca, enxara,
enxaravia, enxarrafa, enxávega, enxeco, enxerca, enxoval, escabeche, esfi-
ha, espinafre, estragão, falafel, falca, falifa, faluca, fanga, faquir, faraz, far-
roupo, fateixa, fatia, fazer sala, febra, felá, fez, folforinho, forro, fota, fula-
no, gafa, garrafa, gazel, gazela, gazua, gelba, gergelim, ginete, girafa, giz,
hadji, haique, haquim, harém, harmala, haxixe, hégira, homos, huri, ifrite,
imame, iradê, intifada, islame, jaez, jamada, jamada alula, jarra, jarro, jas-
mim, javali, jihad, julepo, laban, labna, laca, lacrau, laranja, leilão, lemano,
lezíria, lilás, lima, limão, loque, macana, maçalassi, maçari, madraçal, ma-
foma, magarefe, magazine, malê, mameluco, manchil, mandil, maneco las-
salana, maquia, marabuto, maravedi, marfim, maroma, maromba, maronita,
marrão, máscara, masmorra, mate, matraca, mesquinho, mesquita, mijadra,
mimbar, minarete, mirabe, miramolim, mitical, moçafo, moçárabe, moçua-
quim, mofatra, mogatace, monção, mosleme, moxama, mozmodi, muçul-
mano, mudéjar, mufti, muladi, múmia, mussurumim, muxarabiê, nababo,
194
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
nácar, nacibo, nadir, nafar, nafé, nafta, názir, nesga, nochatro, nora, nuca,
olíbano, osga, osmanli, oxalá, papagaio, quermes, quibe, quilate, quintal,
rabadão, rabia alarrir, rabia alual, rabia atani, rajabe, rafadi, ramadão, real-
gar, rebato, rebite, recamar, récua, refece, refém, regueifa, rês, resma, reta-
ma, riel, rígel, rima, rincão, roque, rume, rusma, sacá, safar, sáfar, safári, sa-
faria, safeno, safra, sagena, saguão, salá, salamaleco, salamaleque, salepo,
saloio, sanefa, saramago, sega, sene, sica, simum, sirage, siroco, soda, sofá,
sucata, sufi, sultão, sumagre, suna, sura, surrão, tabaxir, tabefe, tabi, tabica,
tabique, tabule, taça, taforeia, tahine, taifa, taipa, talco, taleiga, talibã, talim,
tâmara, tamarindo, tara, tarbuche, tareco, tarefa, tareia, tarifa, tarima, tarim-
ba, tarrafa, tauxia, tecebá, tercenas, timbale, tiraz, toranja, tremoço, tripa,
tubel, tufão, turgimão, turqui, uale, ulemá, úsnea, vizir, xadrez, xairel, xale,
xamal, xáquima, xareta, xarope, xaveco, xelma, xeque, xerife, xiita, zaga,
zagal, zaino, zambuco, zarabatana, zaragatoa, zarcão, zarco, zegri, zênite,
zero, zirbo.
195
José Pereira da Silva
196
Gramática Histórica da Língua Portuguesa
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