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OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

REITOR
Paulo Gabriel Soledade Nacif
VICE-REITOR
Sílvio Luiz de Oliveira Soglia
PRÓ-REITORIA DE ADMINISTRAÇÃO
Rosilda Santana dos Santos
PRÓ-REITORIA DE GESTÃO DE PESSOAL
Neilton Paixão de Jesus
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
Luciana Alaíde Alves Santana
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, CRIAÇÃO E INOVAÇÕES
Ana Cristina Firmino Soares
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO
Juvenal de Carvalho Conceição
PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
Ana Rita Santiago da Silva
PRÓ-REITORIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS E AÇÕES ESTUDANTIS
Ronaldo Crispin Serra Barros

EDITORA DA UFRB
Conselho Editorial
Titulares
Sérgio Augusto Soares Mattos (Presidente)
Alessandra Cristina Silva Valentim
Ana Cristina Fermino Soares
Fábio Santos de Oliveira
Ana Georgina Peixoto Rocha
Robério Marcelo Ribeiro
Rosineide Pereira Mubarack Garcia
Suplentes
Ana Cristina Vello Loyola Dantas
Geovana da Paz Monteiro
Jeane Saskya Campos Tavares
NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS DO RECÔNCAVO DA BAHIA (NEAB-RECÔNCAVO)
Coordenador – Antonio Liberac Cardoso Simões Pires
Vice-Coordenadora – Rosy de Oliveira
CONSELHO CONSULTIVO
Antonio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB-Presidente)
Carlos Eugênio Libano Soares (UFBA)
Carmen Alveal (UFRN)
Eduardo de Oliveira (UFBA)
Eurípides Funes (UFC)
Flavio dos Santos Gomes (UFRJ)
Geraldo da Silva (UFT)
Lívio Sansone (UFBA)
Luiz Felipe de Alencastro (SORBONNE IV – França)
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho (UFPE)
Mary Del Priore (IHGB-RJ)
Nicolau Pares (UFBA)
Rafael de Bivar Marquese (USP)
Solange Pereira da Rocha (UFPB)
Suzana Matos Viegas (UNIVERSIDADE DE COIMBRA – PORTUGAL)
OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA
Organizador
Fabricio Lyrio Santos
Volume 10

Organizador Coleção UNIAFRO • Antonio Liberac Cardoso Simões Pires

Cruz das Almas, Belo Horizonte


2015
© 2015 Fabrício Lyrio Santos.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, de qualquer forma ou por qualquer
meio, sem autorização do autor.

CONSELhO EDITORIAL Fino Traço Editora Ltda.


Av. do Contorno, 9317 A – 2.º andar
Titulares Prado . Belo Horizonte. MG. Brasil
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Robério Marcelo Ribeiro
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Geovana da Paz Monteiro
Jeane Saskya Campos Tavares

Editora da UFRB.
Rua Rui Barbosa, 710, Centro
Cruz das Almas. Bahia. Brasil. CEP 44.380-000
Fone: +55 75 3621 2350
www.ufrb org.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca Nacional
F723
Os índios na história da Bahia / Organizado por Fabricio Lyrio
Santos. -- Cruz das Almas : UFRB; Belo Horizonte : Ed. Fino
Traço, 2015.
152 p. : il. (Coleção UNIAFRO)

ISBN 978-85-67589-12-1(Coleção)
ISBN 978-85-67589-21-3 (v. 10)

1. História – Bahia (Brasil). 2. Índios – Bahia (Brasil). 3. Colonização –


Brasil. I. Série. II. Santos, Fabricio Lyrio.

CDU: 94(814.2)
SUMÁRIO

A P R E S E N TA ÇÃ O DA C O L E Ç Ã O U N I A F R O 20 1 5......................................................................7

P ref á cio ...............................................................................................................9

CA PÍT U LO 1. Velhos e novos desafios da história indígena no Brasil.......................13


Francisco Cancela

CA PÍT U LO 2. Catequese e povos indígenas na Bahia colonial................................23


Fabricio Lyrio Santos

CA PÍT U LO 3. Os índios e a fundação da cidade de Salvador..................................33


Patrícia Verônica Pereira dos Santos

CA PÍT U LO 4. A ocupação do Sertão das Jacobinas...............................................43


Solon Natalício Araújo dos Santos

CA PÍT U LO 5. A Conquista do Sertão da Ressaca...................................................57


Renata Ferreira de Oliveira

CA PÍT U LO 6. A integração por decreto: a lei de liberdade e o diretório


dos índios na Bahia..........................................................................................71
Teresinha Marcis

CA PÍT U LO 7. Legislação fundiária e extinção de aldeamentos na Bahia


durante o período imperial................................................................................85
André de Almeida Rego

CA PÍT U LO 8. Pensamento sobre os índios no Brasil do século XX..........................99


Zeneide Rios de Jesus

CA PÍT U LO 9. Reflexões acerca da implantação do Posto Indígena no


Sul da Bahia...................................................................................................111
Kelly Silva Prado

CA PÍT U LO 10. Índios na atualidade: uma realidade de perdas e ganhos................125


Maria Hilda Baqueiro Paraiso

FON T ES E B IB L IOG RA F I A...........................................................................................145

S ob re os /as autores/as.......................................................................................149
COLEÇÃO UNIAFRO 2015
O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Recôn-
cavo da Bahia (NEAB – UFRB) surgiu a partir das ações do Grupo de Pesquisa
NEAB – UFRB/CNPq e do Núcleo de Diversidade, Educação e Cultura (NUDEC),
da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis, no ano de 2006.
A partir daí foram incrementadas as ações relativas à consolidação da infraes-
trutura, da adesão de novos pesquisadores e da elaboração de diversos projetos
voltados para o fortalecimento das linhas de pesquisa do Grupo-NEAB/UFRB.
Nessa perspectiva foram desenvolvidas pesquisas de campo vinculadas às linhas
de pesquisa: “Comunidades Negras Rurais”, “Educação e Relações Inter-étnicas”;
“Escravidão e Pós-Abolição”, “Saúde das Populações Negras”, “Gênero e Raça” e
“Cultura Negra”. Nessas linhas foram realizadas diversas atividades: de inicia-
ção científica, de trabalhos de conclusão de curso, eventos de ensino, pesquisa
e de extensão, voltados para o curso de Pós-Graduação Latu Sensu em História
da África, da Cultura Negra e do Negro no Brasil. O referido curso destina-se à
formação dos profissionais das instituições de ensino público, estadual e muni-
cipal da Bahia (SECADI/MEC/FNDE), incluindo também o Programa de Pós-Gra-
duação: Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas (UFRB/CAPES).
Esse processo de institucionalização e de produção acadêmica possibili-
tou a participação do NEAB-UFRB no edital do Programa UNIAFRO da Secre-
taria de Ensino Continuado, Alfabetização e Inclusão do Ministério da Educação
(MEC). O principal objetivo do Programa UNIAFRO é a implementação da Lei n.º
11.645/2008, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História da África, da
Cultura Afro-Brasileira e dos Povos Indígenas nos currículos da Educação Básica.
Esta Coleção UNIAFRO prioriza a publicação de Coletâneas envolvendo uma
significativa rede de pesquisadores brasileiros e estrangeiros filiados às várias
instituições de ensino superior e de fundações culturais, oferecendo vasto ma-
terial para professores e pesquisadores, em variadas abordagens disciplinares e
interdisciplinares, objetivando a implantação e difusão de produtos vinculados
à Lei n.º 11.645 de 2008.
Ressaltamos, também, a importância da coedição da Editora da UFRB com
a Fino Traço Editora, o que garante a posterior publicação comercial das obras.
Entretanto, a escolha dos caminhos para a editoração e revisão é nossa, isentan-
do a instituição parceira de qualquer responsabilidade nesta primeira tiragem
da Coleção. Com a aprovação do referido projeto pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação
para trazer a lume esta COLEÇÃO UNIAFRO 2015, do Núcleo de Estudos Afro
-Brasileiros do Recôncavo da Bahia, a publicação destas obras se tornou possível.
Esta Coleção é uma conquista dos movimentos negros e indígenas brasi-
leiros em suas lutas seculares.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

Abaixo o rol dos volumes que compõem a Coleção:


Volume 1: Entre Veredas e Arrabaldes: escravos e libertos na comarca de Nazaré das
Farinhas durante o oitocentos e no pós-abolição, por Edinelia Maria Oliveira Souza
(UNEB), Virginia Queiroz Barreto (UNEB) e Wellington Castellucci (UFRB); volume
2: Cenários da Saúde da População Negra no Brasil: diálogos e pesquisas, por Regina
Marques de Souza Oliveira (UFRB); volumes 3 e 4: Formação Cultural: sentidos
epistemológicos e políticos/Cultura e Negritude: linguagens do contemporâneo,
organizados por Rita de Cássia Dias Pereira Alves (UFRB) e Cláudio Orlando Costa
do Nascimento (UFRB); volume 5: Diáspora Africana nas Américas, organizado por
Isabel Cristina F. dos Reis (UFRB) e Solange P. Rocha (UFPB); volume 6: Reflexões
Sobre a África Contemporânea, organizado por Juvenal de Carvalho (UFRB); volume
7: Histórias da Escravidão e do Pós-Abolição nas Escolas, organizado por Giovana
Xavier (UFRJ); volume 8: Da Escravidão e da Liberdade: processos, biografias e
experiências da abolição em perspectiva transnacional, organizado por Antonio
Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB); Flávio dos Santos Gomes (UFRJ), Maria
Helena P. T. Machado (USP), Paulo Roberto Staudt Moreira (Unisinos), Petrônio
Domingues (UFS), Walter Fraga (UFRB) e Wlamyra Albuquerque (UFBA); volume 9:
Territorialidades Negras em Questão: conflitos, lutas por direito e reconhecimento,
organizado por Ana Paula Comin de Carvalho (UFRB), Cíntia Beatriz Müller (UFBA
e Rosy de Oliveira (UFRB); volume 10: Os Índios na História da Bahia, organizado
por Fabrício Lyrio (UFRB); volume 11: Pensadores Negros -Pensadoras Negras –
Brasil, Séculos XIX e XX, organizado por Ana Flávia Magalhães Pinto (Unicamp)
e Sidney Chalhoub ( Harvard University); volume 12: Atlântico de Dor: faces do
tráfico de escravos, organizado por João José Reis (UFBA) e Carlos da Silva Jr.
(University of Hull/Inglaterra); volume 13: Capoeira em Múltiplos Olhares: estudos
e pesquisas em jogo; organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB),
Franciane Simplício (Fundação Gregório de Mattos - BA), Paulo Magalhães (UFBA) e
Sara Abreu (UFBA); volume 14: Das Formações Negras Camponesas: estudos sobre
remanescentes de quilombos no Brasil, organizado por Rosy de Oliveira (UFRB) e
Flávio dos Santos Gomes (UFRJ); volume 15: Antinegritude: o impossível sujeito
negro, organizado por João H. Costa Vargas (University of Texas/Austin) e Osmundo
Pinho (UFRB); volume 16: Beleza Negra: representações sobre o cabelo, corpo e
identidade das mulheres negras, organizado por Ângela Figueiredo (UFRB) e Cíntia
Cruz (UFRB); volume 17: Territórios de Gente Negra: processos, transformações
e adaptações: ensaios sobre Colômbia e Brasil organizado por Antonio Liberac
Cardoso Simões Pires (UFRB), Axel Rojas (Universidad Del Cauca/Colômbia) e
Flávio dos Santos Gomes (UFRJ); volume 18: Tramas Negras, organizado por Ana
Paula Cruz (UEFS), Clíssio Santos Santana (UFBA), Fred Aganju Santiago Ferreira
(UFRB), Jôsy Barcelos Miranda (UFRB) e Lumara Cristina Martins Santos (UFRB);
volume 19: As Vinte e Uma Faces de Exu, por Emanoel Soares (UFRB); volume 20:
Africanos na Cidade da Bahia: escravidão e identidade Africana–século XVIII, por
Cândido Domingues (UNEB), Carlos da Silva Jr. (University of Hull/Inglaterra) e
Carlos Eugênio Líbano Soares (UFBA); volume 21: Caminhos para a Efetivação da Lei
n.º 11.645.2008, organizado por Leandro Antonio de Almeida (UFRB); volume 22:
O Recôncavo no Olhar de Jomar Lima: patrimônio, festas populares e religiosidade,
organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires e Rosy de Oliveira.
Aqui expressamos nossos agradecimentos!
COMISSÃO ORGANIZADORA DA COLEÇÃO
Antonio Liberac Cardoso Simões Pires, Cláudio Orlando Costa do Nascimento,
Emanoel Luis Roque Soares, Rita de Cássia Dias Pereira Alves e Rosy de Oliveira.

8 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA


PREFÁCIO

No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988 que, através do


seu artigo 232, faculta aos índios capacidade jurídica plena, as relações dos
povos indígenas com o estado e com a sociedade nacionais vêm, aos poucos,
rompendo o paradigma da tutela imposto por séculos de regime colonial. Nes-
te sentido, temos observado cada vez mais a livre organização e representação
dos povos indígenas, através de suas próprias associações e conselhos, cujos ob-
jetivos, entre outros, são a luta para uma livre e informada participação nas
instâncias de formulação, supervisão e controle social das políticas públicas
que lhes são atinentes; o direito à construção, ao acesso e à gestão participa-
tiva de sistemas próprios de assistência à educação e à saúde; e a autonomia
ou o protagonismo na gestão de seus territórios e dos recursos nele existentes.
Nos 26 anos decorridos deste processo, merecem destaque, além dos
avanços na própria organização indígena, a conquista, ainda que lenta e con-
flitiva, de rotinas profissionalizadas, participativas e técnica e juridicamente
definidas nos processos de regularização das Terras Indígenas – em lugar do
antecedente mero arbítrio da agência estatal; a conquista de paradigmas de
especificidade e de gestão participativa nos sistemas de atenção à educação e
à saúde, ainda que estes sigam funcionando de modo extremamente precário,
insatisfatório e muitas vezes desrespeitoso; e, enfim, a própria consolidação do
reconhecimento das organizações indígenas autônomas como instâncias legí-
timas de representação e de participação indígena na vida política da nação.
Este período caracteriza-se, também, por uma presença mais intensa
e efetiva de indígenas nas universidades brasileiras, tanto em cursos de
graduação, como de mestrado e doutorado, incrementando uma tendência
já sentida com a vigência de 10 anos do sistema de ações afirmativas em
universidades, como a Universidade Federal da Bahia – UFBA, por exemplo.
Experiências exitosas de cursos de licenciaturas interculturais têm propor-
cionado cada vez mais a capacitação de indígenas, correspondendo à luta
por um currículo de formação específica e contextualizada.
Por outro lado, muitas das perspectivas de avanço se encontram lon-
gamente travadas e direitos conquistados têm sido ameaçados. Isso se deve,
entre outros motivos, à não promulgação de um novo estatuto para os po-
vos indígenas1, que ensejará uma definitiva superação de paradigmas tute-

1 O chamado Estatuto do Índio (Lei 6.001/ 1973) dispõe sobre as relações do Estado e da
sociedade brasileira com os índios. Inspirado pelo Código Civil brasileiro, de 1916, preconiza
que os índios seriam "relativamente incapazes", e que por isso deveriam ser tutelados pelo
Estado até que eles estivessem “integrados à sociedade brasileira”. Essa percepção,não
condizente com a realidade dos povos indígenas, e contraditória do que preconiza a
constituição, ainda é um entrave para uma plena autodeterminação dos povos. Desde 1994,
quando foi aprovada,em comissão da Câmara dos Deputados, uma proposta para novo
Estatuto aguarda tramitação.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

lares, ou as seguidas iniciativas de parlamentares do segmento “ruralista”


de propor Projetos de Lei ou de Emenda Constitucional (PL e PEC) para
restringir ou reverter os direitos indígenas, sobretudo quanto à garantia
dos territórios. A situação é igualmente grave no que diz respeito à relação
com o Poder Judiciário. A intensa e histórica criminalização das lideranças
indígenas é mais um ardil para a negação de direitos e para a tentativa de
inviabilização das lutas.
Os povos indígenas do Estado da Bahia são protagonistas históricos
dessas lutas, pois, apesar de ser um dos locais de colonização mais anti-
ga, a Bahia, atualmente, possui cerca de 20 povos indígenas, que repre-
sentam uma população de mais de 20.000 indivíduos espalhados por 32
municípios baianos,2 em quase todas as suas regiões: baixo-sul, sul, ex-
tremo-sul, norte e oeste. Esses povos, em sua grande maioria, ainda sem
territórios demarcados ou, quando demarcados, insuficientes e intrusados
(presença de não-índios), são responsáveis por grande parte da riqueza e
diversidade socioculturais que caracterizam o Estado, ao passo em que
ocupam zonas ambientais singulares, como o Rio São Francisco, a Cha-
pada Diamantina, a caatinga e a mata atlântica. Entretanto, são bastante
precárias as informações disponíveis – inclusive nos meios educacionais
– a respeito da questão indígena: informações, aparentemente inocentes,
mas que em muito contribuem para a formação de uma visão estereoti-
pada e preconceituosa sobre o “índio”, interferindo, assim, na própria es-
fera da política indigenista.
A promulgação da Lei 11645/08, que trata da obrigatoriedade do ensi-
no da história e da cultura indígena nas escolas sinaliza uma possibilidade
de reversão desse quadro. A iniciativa do Programa de Pós-graduação em
História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas/UFRB, e do Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros (NEAB/UFRB) na publicação do livro “Os Índios na
História da Bahia” é fundamental para a formação e capacitação dos pro-
fissionais da educação envolvidos com a temática. Outrossim, vem somar à
ainda incipiente produção sobre história indígena da Bahia.
Cuidadosamente pensada e organizada por Fabricio Lyrio Santos, esta
oportuna e importante publicação, mais propriamente voltada para profes-
sores dos ensinos fundamental e médio, certamente auxiliará na construção
de reflexões críticas, mediante a interação entre a produção do conheci-
mento acadêmico e o aparato educacional fundamental, contribuindo, subs-
tancialmente, para a transformação do universo social. Estamos convictos
de que a compreensão da organização social e política dos povos indígenas

2 Os dados referentes aos números de povos e municípios foram retirados do “Quadro de


Acompanhamento da Situação Fundiária das Terras Indígenas na Bahia”, elaborado e
atualizado pelos antropólogos Sheila Brasileiro (PRBA) e José Augusto Sampaio (ANAÍ). Já o
número populacional foi arbitrado a partir de dados da FUNASA, de 2010.

10 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA


COLEÇÃO UNIAFRO

na contemporaneidade não será possível sem reflexão e recuperação críti-


cas de sua história.
Os povos indígenas são, hoje, tanto quanto as comunidades quilombo-
las, segmentos com posição de protagonismo nos cenários agrário e urba-
no e no das políticas de diversidade sociocultural da sociedade brasileira.

Jurema Machado de Andrade Souza.


Cachoeira, Julho de 2015.

PREFÁCIO 11
CAPÍTULO 1

VELhOS E NOVOS DESAFIOS DA hISTÓRIA


INDÍgENA NO bRASIL
Francisco Cancela

O ponto de partida para a reflexão sobre a temática indígena será um


pequeno relato de um episódio que vivenciei como observador. Não se tra-
ta obviamente de nenhum fato histórico de grande relevância; no entanto,
representa uma importante evidência sobre a visão que a sociedade brasi-
leira possui da história e da cultura dos povos indígenas. Como um exercí-
cio didático, vou descrever este acontecimento para costurar o argumento
central deste capítulo.
O episódio aconteceu na aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, no municí-
pio de Santa Cruz Cabrália, localizado no Extremo Sul da Bahia. Essa aldeia
é uma das mais importantes comunidades indígenas do Nordeste, pois pos-
sui uma das maiores concentrações demográficas da região, sendo a mais
populosa povoação indígena do Estado da Bahia (IBGE, 2010). Esta aldeia
também é bastante conhecida por possuir um singular capital simbólico,
uma vez que está assentada no sítio em que teria aportado a esquadra de
Pedro Álvares Cabral em 1500, dando início à conquista e colonização do
território que hoje conhecemos como Brasil. Por fim, deve-se registrar que
Coroa Vermelha se transformou em ponto de referência na difusão de um
novo modelo de sobrevivência econômica dos índios Pataxó, pautado na
produção e na comercialização do artesanato, aproveitando os milhares de
turistas que visitam anualmente a região chamada atualmente de “Costa
do Descobrimento” (Cf. GRÜNEWALD, 2001).
O calendário marcava dia 14 de março de 2008. A aldeia de Coroa
Vermelha estava preparada para receber um grande evento esportivo or-
ganizado por um canal fechado da televisão brasileira. Tratava-se do pro-
jeto Caravana do Esporte, que busca difundir os princípios da qualidade
de vida, cooperação e intercâmbio cultural através do incentivo a práticas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

esportivas. Como representante de uma organização não governamental


indigenista, fui escalado para acompanhar o desenvolvimento da atividade.
Ao chegar à aldeia, percebi que o evento sofreria algum atraso. Para
passar o tempo, resolvi caminhar pelas ruas de Coroa Vermelha, com a
curiosidade peculiar de um pesquisador. Não muito distante, passei a ob-
servar as famílias indígenas que começavam a montar suas barracas de
artesanato, admirando aquela rotina laboral que aliava tradição e, ao mes-
mo tempo, inovação. Foi nesse momento que me deparei com um grupo
de turistas que também passeava pelos mesmos caminhos. De longe, co-
mecei a observar o estranhamento deles, que pareciam procurar algo na-
quelas ruas e barracas.
Curiosos para encontrar de imediato os “índios do Descobrimento”,
os turistas demonstravam certa frustração ao percorrer a aldeia. De um
lado, pareciam estar desolados por que as barracas estavam quase todas
fechadas naquelas primeiras horas da manhã, o que inviabilizava a reali-
zação da compra de lembranças e o contato direto com a cultura material
daqueles “primeiros habitantes do Brasil”. Do outro, externavam perplexi-
dade porque não conseguiam nenhum contato com um “índio de carne e
osso”, frustrando o tão esperado encontro romântico e épico com um pas-
sado bastante distante deles.
Impacientes, se dirigiram a um homem que varria o chão de uma
das cabanas e perguntaram: “Senhor, a que horas os índios estarão aqui?”.
De forma inusitada, o homem que vestia calça jeans e blusa com pro-
paganda comercial respondeu: “Já estamos aqui. Esperem um pouco que
estamos arrumando as mercadorias para abrir a loja”. Inconformados e
insistentes, os turistas replicaram: “Não, moço. Queremos ver os índios
de verdade. Que horas eles chegarão?”. Pacientemente, e, certamente,
já acostumado com tal comportamento, o rapaz novamente respondeu:
“Vocês estão diante de um índio Pataxó e, até que me provem o contrá-
rio, sou de verdade!”.
A atitude desse grupo de turistas evidencia uma visão bastante pre-
conceituosa e profundamente equivocada que, em geral, a sociedade brasi-
leira possui sobre a cultura e a história dos povos indígenas. A maliciosa
pergunta sobre os “índios de verdade” revela não apenas a existência de
um tipo idealizado de ser indígena, como também demonstra a ausência de
compreensão histórica dos processos de transformações culturais vividos
por esses grupos ao longo dos séculos de violento contato com o mundo
Ocidental. De norte a sul do país, o desconhecimento da história e a re-
produção de uma concepção de cultura fixa, estável e imutável contribui
para a permanência de ideias e práticas pessimistas, negativas e violen-
tas contra as populações indígenas.
Não é possível compreender a questão indígena no Brasil sem an-
tes problematizar a permanência desse tipo de visão que a sociedade en-
volvente reproduz sobre os índios. Nas últimas décadas, em suas lutas

14 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA


COLEÇÃO UNIAFRO

políticas, os povos indígenas têm reivindicado não apenas a retoma-


da de seus territórios, mas também o direito à diferença e à memória.
Mais do que um exercício meramente acadêmico, o questionamento às
“verdades” preconceituosas e equivocadas constitui um posicionamen-
to político necessário para a construção de novas ideias e práticas que
permitam redimensionar o lugar das relações étnico-raciais no Brasil
contemporâneo, construindo caminhos alternativos para a superação do
preconceito, para a valorização da diversidade cultural e para a autode-
terminação dos povos.
Neste capítulo, pretendo apresentar algumas questões que julgo im-
prescindíveis para a compreensão da relação entre o historiador e a te-
mática indígena no Brasil. Não caberá aqui realizar uma discussão histo-
riográfica mais profunda, pois o espaço e a natureza desta publicação não
permitem. No entanto, buscarei (ousadamente) utilizar este espaço para
apresentar velhos e novos desafios que os historiadores engajados neste
campo de pesquisa precisam enfrentar, levando-se em consideração tan-
to as demandas mais específicas do universo acadêmico quanto as outras
oriundas da própria situação da questão indígena no Brasil.

Uma história de exclusão


Tradicionalmente, desde a fundação da historiografia nacional, no sé-
culo XIX, os índios ocuparam um lugar secundário na história do Brasil.
Sem despertar muito interesse para os historiadores, suas ações sempre
foram identificadas e analisadas à luz da atuação pioneira e heroica do
europeu, responsável direto pela implantação de um projeto supostamente
civilizatório nas terras conquistadas e colonizadas ao sul do Novo Mundo.
De um modo geral, a escrita da história no Brasil negou o papel dos ín-
dios como sujeitos históricos, retratando-os, quando muito, como vítimas
passivas ou indóceis da ambição e violência dos europeus.
Em certa medida, a forte presença de uma ideia assimilacionista,
comprometida com o processo de ocidentalização, imprimiu o desapareci-
mento dos índios na escrita da história brasileira. Segundo esta perspec-
tiva, os índios que se inseriam na sociedade colonial e, posteriormente,
nacional, iam progressivamente sofrendo um processo de aculturação. À
medida que se aliavam ou se rebelavam diante da sociedade envolvente,
perdiam seus traços culturais distintivos, fosse por meio da mistura com
a massa da população local, fosse através dos processos de escravização e
extermínio. Como vítimas indefesas desta situação, os índios perdiam suas
culturas e, ao mesmo tempo, perdiam também a legitimidade de atuarem
como sujeitos de sua própria história.
A herança desta perspectiva assimilacionista se manifestou prin-
cipalmente no pensamento antropológico da segunda metade do século
XIX, mantendo-se influente até a primeira metade do século XX. Neste

Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil 15


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

período, culturas, identidades e contatos interétnicos eram estudados


de forma sincrônica, ou seja, desprezavam-se no exercício analítico os
processos de mudança vividos numa determinada temporalidade. Fixa,
estável e imutável, a cultura era vista pelos estudiosos como uma es-
trutura isolada e não como um fenômeno historicamente produzida. Por
isso mesmo, tornou-se comum a difusão de abordagens que buscavam
entender as histórias dos contatos interétnicos por meio de dualismos
simplistas e reducionistas, tal como índio puro versus índio aculturado,
que impediam a percepção da atuação dos índios como sujeitos, ain-
da que vivessem num cenário de profunda desigualdade e exploração.
No campo da história, a ideia assimilacionista se aliou à perspectiva
metódica, que se fazia hegemônica na historiografia desde o século
XIX. Influenciados pelo cientificismo, os historiadores difundiam vários
procedimentos metodológicos que pretendiam atribuir ao conhecimento
histórico o estatuto de ciência. Nestes termos, o êxito da história en-
quanto ciência positiva dependia necessariamente das regras universais
impostas aos pesquisadores, dentre as quais se destacava a obrigação
de narrar a sucessão linear dos fatos através da crítica aos documentos
escritos e oficiais.
Um dos expoentes dessa perspectiva na historiografia brasileira foi
Francisco Adolfo de Varnhagen, que ocupou função de sócio, secretário e
orador do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Varnhagem assumiu
a tarefa de escrever a primeira História Geral do Brasil, entre 1857 e
1860, utilizando grande quantidade de documentos coloniais e siste-
matizando uma visão totalizante da formação da nação brasileira. Em
sua obra, Varnhagen dedicou as primeiras páginas para refletir sobre os
índios brasileiros. Contudo, após longas descrições (etnocêntricas) sobre
os “costumes bárbaros”, a localização e distribuição geográfica de alguns
povos e algumas indicações das formas de organização social retirada
de relatos de cronistas e viajantes, concluiu: “de tais povos na infância
não há história: há só etnologia” (VARNHAGEN, 1978, p. 30). Afinal, o
suposto primitivismo típico desses povos, evidenciado na ausência da
escrita e na constituição de modos de vida comunitários, impedia o
estudo de seu passado e a inteligibilidade de sua historicidade.
Este clima de pessimismo se manteve forte até os anos 1970 do
século XX. De um modo geral, sua presença se fazia sentir tanto nas
legislações indigenistas quanto no pensamento de antropólogos e his-
toriadores, difundindo a ideia do inevitável desaparecimento dos índios
no Brasil. Embora se fizessem denúncias sobre as práticas de violências
e se buscassem alternativas para a defesa dos direitos indígenas, havia
certo consenso entre intelectuais e indigenistas de que, mais cedo ou
mais tarde, os índios finalmente sumiriam da história do Brasil.

16 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA


COLEÇÃO UNIAFRO

Novos rumos, novas histórias


As últimas décadas do século XX, no entanto, reservaram aconte-
cimentos surpreendentes que contestaram a tese do desaparecimento
dos índios. As contestações, diga-se de passagem, não partiram das
universidades, nem foram produtos exclusivos de novas tendências
teórico-metodológicas; mas, ao contrário, se materializaram na própria
história do tempo presente, tendo os povos indígenas como sujeitos
que lutaram em defesa de seus direitos e se afirmaram como grupos
étnicos diferenciados.
A partir dos anos 1980, os povos indígenas no Brasil vivenciaram
um vigoroso processo de retomada demográfica. Após cinco séculos de
constantes declínios e de verdadeiras catástrofes demográficas causadas
pela violência do contato, tanto através das epidemias, quanto por meio
das guerras e escravizações, as populações indígenas experimentaram
um verdadeiro processo de explosão populacional. A dança dos números
nos últimos censos comprova este fenômeno: em 1980, foram registrados
150 mil índios no Brasil; em 1991, o número cresceu para 270 mil indí-
genas; já no ano 2000, a população indígena alcançou mais de 700 mil
indivíduos; e, atualmente, o IBGE estima a existência de quase 900 mil
indígenas, que compõem uma parte significativa da riqueza cultural do
país, uma vez que representam 305 etnias distintas e falam 274 línguas
específicas (IBGE, 2010).
Essa explosão demográfica pode ser explicada por alguns fatores
cruciais. Um deles é o crescimento vegetativo das próprias comunidades
indígenas, que tem apresentado altas taxas de fecundidade, decorrente de
algumas políticas públicas de apoio à maternidade indígena, bem como de
políticas elaboradas pelos próprios povos indígenas, como, por exemplo,
a proibição determinada por alguns grupos étnicos de seus membros
realizarem casamentos interétnicos dentro dos territórios tradicionais.
Outro fator é o processo de reivindicação da identidade indígena ocultada,
uma vez que um número significativo de grupos étnicos ocupantes de
áreas antigas de colonização encobertavam sua indianidade como forma
de se proteger de retaliações políticas e sociais. Mas, com a garantia de
direitos constitucionais no fim da década de 1980, esses grupos passaram
a reivindicar sua identidade indígena, bem como o direito ao território
tradicionalmente ocupado (Cf. OLIVEIRA, 1999). Por fim, há também outra
face desse fenômeno que é o processo de valorização étnica, no qual muitos
indivíduos passam a reconhecer sua condição de “índios-descendentes”,
fazendo crescer, por exemplo, os números de citadinos que se autodeclaram
índios nos últimos censos no Brasil, a ponto de existir indígenas em mais
de 80% dos municípios brasileiros (IBGE, 2012).
Foi também a partir do fim da década de 1970 que os índios passaram
a ocupar espaço no cenário político nacional. Desfazendo o discurso

Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil 17


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de passividade e pessimismo, os índios iniciaram a organização de um


movimento político envolvendo todos os povos até então reconhecidos,
encampando lutas em defesa de seus direitos. Deste movimento, inúmeras
organizações indígenas e indigenistas surgiram no país, permitindo a
formação de um novo indigenismo que destacava o protagonismo dos pró-
prios índios, combatia as políticas assimilacionistas e exigia a demarcação
dos territórios tradicionais de cada povo (Cf. LUCIANO, 2006, pp. 56-85).
Graças a este movimento político, a Constituição Federal promulgada
em 1988 assegurou direitos aos povos indígenas no Brasil. O Capítulo
VIII, intitulado “Dos Índios”, sintetizou a base da nova política indigenista
que, pela primeira vez na história brasileira, contou com a participação
direta dos próprios índios. De acordo com o texto constitucional, a mais
importante conquista dos povos indígenas foi o reconhecimento dos “di-
reitos originários sobre a terra que tradicionalmente ocupam”. Além disso,
deve-se destacar a conquista do direito à diferença cultural e linguística,
pondo fim à tradicional política de integração dos índios à sociedade
nacional. Por fim, os indígenas também conseguiram a obrigatoriedade
de serem consultados no caso de aproveitamento de recursos hídricos
ou minerais existentes em suas terras (Cf. ARAÚJO, 2006).
Essa nova história escrita pelos índios a partir do final da década de
1970 combateu a velha história escrita no Brasil que insistia em negá-los
e coisificá-los. Este novo momento da trajetória histórica dos povos indíge-
nas não foi consequência da caridade do Estado nem uma concessão das
classes dominantes, mas resultado das lutas e conquistas implementadas
pelos próprios índios, que reelaboraram suas identidades étnicas a partir
da experiência vivida e acumulada em cinco séculos de contato com a
sociedade ocidental.

A emergência da Nova História Indígena: velhos e novos desafios


A década de 1970 ainda reservaria mais conquistas para os povos
indígenas do Brasil. O ressurgimento dos índios enquanto sujeitos da sua
própria história condicionou antropólogos e historiadores a repensarem
seus pressupostos teóricos e metodológicos a fim de reescrever o papel
destes povos na formação histórica brasileira. Neste contexto, um ino-
vador diálogo entre história e antropologia possibilitou um momento de
mudança que resultou na antropologização da história e na historicização
da antropologia. Desta forma, os estudiosos das relações de contato
passaram a compreender a influência mútua entre processos históricos
e estruturas culturais.
No início da década de 1990, John Monteiro (1995) escreveu um
pequeno texto que se tornou clássico para os estudiosos da história dos
índios no Brasil. Trazendo uma perspectiva otimista, destacava como o
contexto histórico da década de 1970 e 1980 se constituía num “campo

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fértil” para se repensar o passado e o futuro dos povos indígenas. Segundo


sua avaliação, os movimentos indígenas emergentes, somados aos novos
pressupostos teóricos da história e da antropologia, conduziam ao abandono
de antigas acepções que contribuíram para excluir os índios da história,
trazendo a público uma nova história indígena que tinha como objetivo
recuperar o papel dos índios na formação da cultura e da história do
Brasil e reinterpretar os processos históricos a partir das experiências e
memórias dos próprios índios. Por meio desse processo, surgiram novas
categorias explicativas para o relacionamento entre brancos e indígenas,
além dos primeiros trabalhos históricos de reescrita do papel dos índios
na formação histórica brasileira, tanto regional, quanto nacionalmente
(Cf. CUNHA, 1992a; FARAGE, 1991; GRUPIONI, 1994; MONTEIRO, 1994a;
PARAÍSO, 1994; VAINFAS, 1995).
Hoje, quase duas décadas depois da escrita deste texto, é possível
afirmar que sobre aquele campo fértil surgiu uma renovada historiografia
no Brasil. Um simples levantamento nos bancos de teses e dissertações
revela que houve um crescimento significativo dos trabalhos sobre a
história indígena nos cursos de pós-graduação em história. Levando-se
em consideração o banco de dados da CAPES, entre os anos 2000 e
2010, tivemos um aumento de mais de 60% no número de pesquisas
defendidas sobre a temática indígena na área de história. No entanto,
o mais enriquecedor é perceber que este crescimento não é apenas
numérico, mas também qualitativo, pois tem revelado o recurso de novos
conceitos, novas abordagens e novos problemas.
Aos poucos, inclusive, historiadores estão adquirindo maior parti-
cipação e autoridade num campo antes dominado apenas por antropó-
logos. No Simpósio Nacional de História, organizado bienalmente pela
Associação Nacional de História (ANPUH), já se consolidou o Grupo de
Trabalho Índios na História, que, no último encontro em Recife (2013),
se desdobrou em dois simpósios temáticos dedicados, respectivamente,
à pesquisa histórica sobre os povos indígenas e ao ensino de história e
cultura indígenas nas escolas. Nas universidades espalhadas pelo país,
multiplicam-se as linhas, grupos, laboratórios e núcleos de pesquisa que
trazem no seu nome o termo “história indígena”. Autores como Pedro
Puntoni, Patrícia Sampaio, Mauro Cezar Coelho, Maria Regina Celestino
de Almeida, Edson Silva, Maria Hilda Paraíso, Elisa Garcia, entre tantos
outros, têm, de fato, alcançado certa notoriedade, contribuindo para a
efetiva consolidação deste campo de pesquisa no Brasil.
Ao reescrever a história da formação brasileira, este grupo de
pesquisadores tem revelado diversos temas e diferentes abordagens
para a questão indígena. Já são muitos os trabalhos que discutem a
relação entre índios e jesuítas, demonstrando como as missões também se
transformaram em espaços de tradução, mediação e negociação cultural
e política (Cf. ALMEIDA, 2003; POMPA, 2003; AGNOLIN, 2007). Algumas

Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil 19


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pesquisas também têm destacado o papel dos índios na produção da


riqueza, atuando como mão de obra nos engenhos, nas minas e nas vilas,
tanto na condição de forro, quanto na condição de escravos (Cf. MON-
TEIRO, 1994a; PARAÍSO, 1998; CANCELA, 2012). A família indígena, as
estratégias de sociabilidade e as resistências culturais ganham espaço a
partir da exploração das fontes eclesiásticas, demonstrando um mundo
de fronteira cultural embebido de tensões, conflitos e reinvenções (Cf.
RESENDE, 2003). Com estes e outros temas, os pesquisadores da história
indígena têm evidenciado a forte e permanente presença de índios nas
vilas, cidades, aldeias e sertões das mais diversas regiões do país, nos
mais variados contextos históricos.
Ao longo destes anos, a abordagem interdisciplinar se consolidou
nas pesquisas sobre a temática indígena. Para desvendar as diversas
experiências vividas pelos índios, pesquisadores colocaram a história em
constante diálogo não apenas com a antropologia, mas também com a
sociologia, a linguística, a arqueologia, entre outros campos do saber. Desta
interação têm surgido novos recursos metodológicos e teóricos, dentre
os quais se destacam a etnografia, a redução de escala, os conceitos de
etnogênese, territorialização e etnicidade, entre outros. Considerando,
portanto, as diferentes culturas, historicidades e modos de vida dos
povos indígenas em diferentes tempos e espaços, a interdisciplinaridade
se apresenta como um recurso potencialmente favorável à construção de
uma história indígena mais holística.
Quanto ao recorte temporal, os trabalhos realizados nos últimos
anos apresentam bastante heterogeneidade. Deslocam-se no tempo com
maior ou menor extensão à medida que os problemas são colocados
pelos pesquisadores para os diferentes povos nos distintos espaços
em que trabalham. No entanto, percebe-se certa tendência em priori-
zar os estudos sobre o período colonial, colocando como desafio atual
explorar não apenas o já consagrado “índio colonial”, mas também as
experiências vividas anteriores à conquista e durante os diferentes
momentos entre os séculos XIX e XX. Ademais, outra demanda que se
apresenta tanto pelas próprias mudanças no campo da história quanto
pela própria dinâmica histórica das populações indígenas no Brasil é a
produção de uma história indígena do tempo presente, que, certamente,
poderá auxiliar na diminuição dos conflitos interétnicos, bem como na
consolidação dos direitos indígenas.
Deve-se destacar também que a nova história indígena acumulou
excelente experiência no trato com as fontes históricas. Se antes os
historiadores metódicos (ditos positivistas) excluíram os índios da história
pelo fato de serem povos ágrafos, os historiadores atuais demonstraram
habilidade, inovação e competência na exploração dos vestígios da pre-
sença indígena na história do Brasil. Apresentaram novas questões aos
documentos, retiraram deles as vozes e os interesses dos índios e ainda

20 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DA BAHIA


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descortinaram inúmeras outras fontes para a escrita desta história.


Não se esquivaram também de organizar catálogos, inventários e guias,
possibilitando maior difusão das potencialidades das fontes para a história
indígena (Cf. MONTEIRO, 1994b).
Embora este esforço seja louvável, ainda se coloca como desafio a
identificação e catalogação de inúmeros conjuntos documentais que tratam
da temática indígena no Brasil. Nos arquivos públicos estaduais, descansam
anônimas, nas séries ou pastas classificadas como “diversos”, inúmeras e
desconhecidas informações sobre os povos indígenas. Também merecem
atenção especial os acervos eclesiásticos e cartoriais, que guardam inéditos
e promissores documentos da história regional e local, recheada de atores
indígenas em diferentes situações. Neste sentido, ainda se apresenta como
desafio atual a tarefa de identificar, catalogar e disponibilizar esta parte
do patrimônio documental que trata da temática indígena.
Desde 2008, o movimento indígena colocou uma nova demanda para
os historiadores: a colaboração na implantação da lei 11.645, que torna
obrigatório o ensino de história e cultura dos povos indígenas nas esco-
las públicas e privadas do Brasil. Esta legislação certamente contribuirá
para recuperar o papel dos índios na formação da sociedade brasileira e
possibilitará a construção de uma escola efetivamente intercultural. Em
outras palavras, a implantação desta nova legislação poderá melhorar
o entendimento das relações étnico-raciais do Brasil atual, bem como
estimular o respeito e a afirmação da diversidade e da diferença cultural
do nosso país.
A existência da lei 11.645/08, no entanto, colocou um duplo desafio
para os historiadores da temática indígena. De um lado, eles precisam
pressionar para que as universidades atuem na formação continuada
dos professores da educação básica, bem como na produção de recursos
pedagógicos que façam a transposição didática dos trabalhos de pesquisa
já existentes. Do outro, também precisam fomentar o engajamento destas
instituições na oferta de cursos de graduação e pós-graduação interculturais
para os próprios índios, de modo que eles mesmos assumam o protagonismo
na implantação da referida lei.3
O último desafio a ser destacado neste capítulo diz respeito ao
compromisso ético e político exigido ao pesquisador da história indígena
no Brasil. Como foi aqui demonstrado, a nova história indígena se
fortaleceu no fim da década de 1970 porque os historiadores ousaram
escutar as vozes dos índios que reclamavam por seus direitos através
de uma intensa luta política. Os trabalhos de pesquisa produzidos neste

3 Na Bahia, vale destacar a existência de dois cursos de licenciatura intercultural para


indígenas, ofertados pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pelo Instituto Federal da
Bahia (IFBA – Campus Porto Seguro).

Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil 21


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momento começaram a ocupar um papel bastante relevante acadêmica


e politicamente, pois reconstruíam a trajetória dos diversos grupos
indígenas, destacando as diferentes políticas indigenistas e indígenas
produzidas em mais de cinco séculos de contato. Esses estudos também
contribuíram para a própria consolidação dos direitos indígenas, pois
muitos deles fundamentaram os processos de demarcação dos territórios
de inúmeros povos Brasil afora.
Esta função social e política do trabalho do historiador da temática
indígena tem ganhado maior dimensão nos dias atuais. Lamentavel-
mente, um forte movimento conservador tenta mais uma vez restringir
os direitos dos povos indígenas no Brasil. No Congresso Nacional, a
bancada ruralista tenta redefinir os dispositivos para a demarcação
das terras dos índios (PEC 215), além de defender, juntamente com
outros setores retrógrados, a livre exploração das riquezas naturais
existentes nos territórios indígenas. No Governo Federal, a adesão às
políticas neoliberais, o pacto com o agronegócio e o compromisso com um
programa desenvolvimentista acabam impedindo a implantação de uma
política indigenista que respeite a diferença e promova a autonomia e a
sustentabilidade dos povos indígenas. Neste cenário, tem se alastrado no
país conflitos entre índios e outros segmentos da sociedade envolvente,
retornando um contexto de intensa instabilidade política, de reforço
das ideias preconceituosas e de expropriação do direito à diferença.
Por isso, mais do que nunca, os historiadores são chamados ao desafio
de fornecer fundamentos e diretrizes para a própria compreensão da
questão indígena no Brasil contemporâneo.

Conclusão
Estes, obviamente, não são todos os desafios que estão colocados para
a história indígena no Brasil. No entanto, se conseguirmos enfrentá-los
com habilidade, compromisso e competência, certamente evitaremos
que as gerações futuras convivam com episódios como aquele narrado
na introdução deste capítulo. Para concluir, uma posição ainda atual
do saudoso John Monteiro pode ser apresentada como alerta geral aos
novos e velhos amantes da história indígena: “(...) o maior desafio que
o historiador dos índios enfrenta não é a simples tarefa de preencher
um vazio na historiografia, mas, antes, a necessidade de desconstruir
as imagens e pressupostos que se tornaram lugar-comum nas represen-
tações do passado brasileiro” (MONTEIRO, 1999, p. 239).

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