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SUMÁRIO

1 A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR ................ 2

1.1 A Psicologia.......................................................................................... 2

1.2 Psicologia em Contexto Hospitalar ....................................................... 6

1.3 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro


............................................................................................................. 7

1.4 A Psicologia Hospitalar no Brasil ........................................................ 11

2 Competências necessárias à prática psicológica hospitalar ..................... 12

2.1 Demanda psicológica hospitalar ......................................................... 14

2.2 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática


multidisciplinar ....................................................................................................... 17

2.3 Análise indutiva .................................................................................. 19

2.4 Análise crítica ..................................................................................... 21

3 Gestalt-terapia e o diálogo psicológico no hospital ................................... 23

3.1 O Contexto do Diálogo no Hospital .................................................... 24

3.2 Corpo e Diálogo ................................................................................. 26

3.3 Presença e Inclusão ........................................................................... 27

4 PSICODIAGNÓSTICO .............................................................................. 32

4.1 Caracterização do Processo .............................................................. 37

4.2 Operacionalização .............................................................................. 44

5 A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA SAÚDE ................ 46

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 52

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1 A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR

1.1 A Psicologia

Fonte:pedagogiaaopedaletra.com

A história da Psicologia, como área de pesquisa e campo de conhecimento,


passou por grandes transformações nos últimos quarenta anos. O crescimento
exponencial do número de publicações (artigos, livros didáticos, manuais, etc.) indica
essa mudança quantitativa.
A ênfase inicial na História da Psicologia como Ciência e em uma História
puramente intelectual vem sendo substituída por uma investigação que pluralizou
seus interesses, apresentando interessantes estudos sobre a profissionalização da
Psicologia (GEUTER, 1992; CAPSHEW, 1999), o impacto social dos testes
psicológicos (SOKAL, 1987; ZENDERLAND, 1998; DERKSEN, 2001; GIBBY;
ZICKAR, 2008), relação da Psicologia com o racismo (RICHARDS, 1997; GUTHRIE,
1998), a relação da Psicologia com a sociedade (O’DONNELL, 1985; ASH;
WOODWARD, 1989; CUSHMAN, 1995), a internacionalização da Psicologia
(BROCK, 2006; PICKREN, 2009) e o contexto social da produção do conhecimento
psicológico (DANZIGER, 1994), para citar alguns exemplos.

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Essa mudança qualitativa na produção historiográfica sobre Psicologia decorre
de um intenso questionamento do que se denominou de “história tradicional da
psicologia” (YOUNG, 1966; DANZIGER, 1979, 1984, 1993; O’DONNELL, 1979;
RICHARDS, 2002; ROGER, 2005; ROSE, 2008; TOOMELA, 2010).
A História Tradicional da Psicologia parte de um questionamento historiográfico
que se ancora nas normas hodiernamente vigentes para definir o objeto de estudo da
Psicologia e com ênfase em autores e ideias. O marco inaugural dessa corrente
historiográfica é o livro História da Psicologia Experimental, escrito por Edwin Boring
e publicado originalmente em 1929. O propósito de Boring era apresentar uma
Psicologia Unificada a partir de uma suposta hegemonia da Psicologia Experimental
(O’DONNELL, 1979). As principais características da História Tradicional da
Psicologia são:
1) Ênfase na obra de “grandes” personalidades da Psicologia
(Individualismo): Robert Watson é o primeiro historiador da Psicologia a apresentar
uma História da Psicologia a partir da contribuição de alguns autores, identificando as
principais contribuições destes pensadores ao campo psicológico e também
estudando a biografia e o desenvolvimento intelectual destas figuras. O estudo
biográfico pode servir para uma análise ampla de uma determinada época e de um
contexto cultural específico. Infelizmente não é isso que ocorre com os estudos da
História da Psicologia, que tradicionalmente se limita a investigar “grandes homens” e
suas contribuições teóricas à Psicologia. Essa característica pode ser descrita como
uma expressão do individualismo da cultura Ocidental na pesquisa em História da
Psicologia. Uma rara exceção a esse viés é o estudo de Leila Zenderland (1998), que
analisa como os testes psicológicos se tornaram parte da cultura estadunidense a
partir de um estudo sobre a vida e a obra de Henry Goddard.
2) Pouca importância atribuída ao contexto social (Internalismo): A
concepção historiográfica tradicional tem produzido o que se denominou de “histórias
internas” da Psicologia. O uso de ferramentas epistemológicas da Teoria do
Conhecimento por parte de pesquisadores que eram predominantemente psicólogos
e filósofos para analisar o desenvolvimento do conhecimento psicológico e os
métodos de pesquisas desenvolvidos na Psicologia como se este envolver ocorresse
na forma de um progresso gradual e linear até o presente, que se transforma em
parâmetro para julgar o passado. Outra característica importante do internalismo é

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apresentar a história como o desenvolvimento da racionalidade e com o triunfo do
conhecimento científico frente à irracionalidade e a superstição.
3) História da Psicologia como História da Psicologia Estadunidense
(Etnocentrismo): Em função da ascendência econômica e militar dos Estados Unidos,
concomitantemente ao declínio da Cultura Alemã, o modelo de Psicologia que
floresceu naquele país americano foi exportado para várias partes do planeta sob o
rótulo de “A Psicologia”. Os manuais de História da Psicologia, escritos por autores
estadunidenses e traduzidos em vários países, expressam essa dominação: tomam
como uma verdade inelutável que a História da Psicologia é a História da Psicologia
nos Estados Unidos (PICKREN, 2009).
4) História da Psicologia como História da Psicologia Experimental, com
pouca ou nenhuma preocupação com outras áreas da Psicologia e com a Psicologia
Aplicada (Experimentalismo): Boring (1950) escreveu sua História da Psicologia
Experimental para – entre outros objetivos – demonstrar que, embora durante algum
tempo a Filosofia exercesse um papel importante para o desenvolvimento da
Psicologia, havia chegado o momento que a presença do discurso filosófico na
Ciência Psicológica se tornara anacrônica e obtusa (O’DONNELL, 1979) e propor, em
um confronto com psicólogos que estavam desenvolvendo uma Psicologia Aplicada
em várias áreas do campo social, uma Psicologia que produzisse um conhecimento
essencialmente experimental derivado da pesquisa pura, sem nenhuma aplicação.
Assim, seguindo o modelo de Boring, muitos manuais e pesquisas sobre História da
Psicologia não apresentavam nenhuma informação sobre importantes áreas da
Ciência Psicológica (Psicologia do desenvolvimento, Teoria da personalidade e
Psicologia Social, por exemplo), o mesmo ocorrendo em relação a áreas aplicadas
como Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, e Psicologia da Educação.
A superação do monopólio dessa forma de produzir História produziu o que
ficou conhecido como História Crítica da Psicologia. Danziger (1984) desenvolve uma
análise de dois sentidos possíveis para a expressão “história crítica da psicologia”.
Inspirado no Programa Forte da Sociologia do Conhecimento, que compreende o
conhecimento científico como o resultado de um complexo processo de construção
social de consensos entre especialistas acerca do que seja conhecimento legítimo, o
psicólogo alemão distingue uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco”
de uma em um sentido “Forte”.

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A História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco” se assenta, em três
compromissos básicos:
1) um questionamento das autoridades e fontes primárias do campo;
2) analisar reflexivamente os pressupostos e compromissos do próprio
historiador;
3) postura crítica em relação à Psicologia, questionando o caráter progressivo
da produção do conhecimento psicológico.
Uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Forte”, contudo, pressupõe
a construção de um marco historiográfico alternativo a partir de novas ferramentas
conceituais: os processos construtivos dos objetos psicológicos (DANZIGER, 1984;
1993; 2003).
Danziger (1984) está interessado nas atividades construtivas (teóricas, práticas
ou institucionais) que produzem objetos conceituais (o conceito de inconsciente, por
exemplo), objetos técnicos (a psicoterapia breve, para citar um exemplo) e objetos
sociais (o psicólogo hospitalar, para ilustrar com um exemplo tipicamente brasileiro).
Danziger (1979), fundamentado em Habermas (1990), propõe o conceito de
interesses intelectuais, que define o ponto de contato entre os interesses sociais e as
estruturas cognitivas. São os interesses intelectuais de uma comunidade científica que
definem os conteúdos de sua disciplina. O conceito de interesse intelectual está
relacionado ao de Profissionalização da Psicologia.
Há várias experiências de profissionalização que geraram modelos diferentes
de Psicologia. Danziger (1979) compara os processos desenvolvidos nos Estados
Unidos (Autonomia da Psicologia em relação à Filosofia) com o da Alemanha (projeto
de um programa de investigação psicológica sem ruptura com outros campos
disciplinares). O Brasil pode ser visto como exemplo de um terceiro modelo:
desenvolvimento de um projeto de Psicologia aplicada à Educação e Saúde, com um
precário suporte de um incipiente sistema universitário, sem possibilidade de
construção de uma autonomia profissional até a década de cinquenta.
Outra categoria importante proposta por Danziger (1984) é de problemática.
Diferentemente de problema, que remete a interesses individuais, esta categoria
privilegia o estudo de sujeitos coletivos, buscando ir além das auto representações
que os psicólogos constroem de suas práticas e produções mediante as quais
constroem seus objetos psicológicos.

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A expressão “contexto social” é inadequada para designar essa compreensão
da problemática, pois expressa uma concepção naturalista fundamentada na relação
de um organismo com seu ambiente. Sujeitos coletivos formam um grupo social e/ou
uma tradição intelectual, cujo trabalho reproduz uma tradição intelectual ou social em
que estão imersas as práticas produtoras de objetos psicológicos.
Outra característica da História Crítica de Danziger é sua preocupação com o
impacto no desenvolvimento teórico da disciplina produzido pela pesquisa histórica.
História e Teoria Psicológicas estariam imbricadas, sendo o conhecimento histórico
uma ferramenta importantíssima para desnaturalizar os objetos psicológicos.

1.2 Psicologia em Contexto Hospitalar

Foi a partir do final do século XX que a Psicologia começou a integrar o contexto


hospitalar (Amaral, 1999) e o movimento psicossomático contribuiu para tal (primeiro
a entrada de psiquiatras e depois de psicólogos), isto é, a partir do momento em que
as doenças psicossomáticas começaram a ser aceitas pela Medicina (Silva, 2012).
Em contexto hospitalar, cabe a cada profissional de saúde conhecer os seus
próprios limites e articular-se com os restantes colegas para uma outra compreensão
do caso. Este trabalho em equipe pode ser interdisciplinar, multidisciplinar e
transdisciplinar. É interdisciplinar quando vários profissionais discutem a situação de
um paciente relativamente a aspectos comuns às várias especialidades;
multidisciplinar quando o paciente é atendido por vários profissionais de saúde de
forma independente. Por último, é transdisciplinar quando as ações são planeadas e
pensadas em conjunto pela equipe. Este trabalho em grupo coloca o sujeito na sua
condição biopsicossocial (Tonetto & Gomes, 2007). Assim sendo, no hospital, o
atendimento que era individual é substituído pelo trabalho integrado com a equipe. O
Psicólogo sai do seu setting para estabelecer contato obrigatório com outros
profissionais (Silva, 2012).
Enquanto profissional, o Psicólogo Clínico deverá ter sempre em atenção três
aspectos, como: a ética enquanto princípio moral, a deontologia no contexto de regras
e deveres profissionais e a legislação vigente que poderá influenciar a atividade do
psicólogo Os princípios gerais englobam o respeito pela dignidade e direitos da
pessoa (os psicólogos devem respeitar as decisões e os direitos da pessoa); a
competência (os psicólogos têm como obrigação exercer a sua atividade de acordo

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com os pressupostos técnicos e científicos da profissão, a partir de uma formação
pessoal adequada e de uma constante atualização profissional); a responsabilidade
(os psicólogos devem ter consciência das consequências que o seu trabalho pode ter
junto das pessoas, da profissão e da sociedade em geral); a integridade (a integridade
é a qualidade de quem revela integridade moral, uma conjugação coerente dos
aspectos do eu); e para terminar a beneficência e não-maleficência (os psicólogos
devem ajudar o seu paciente a promover e a proteger os seus legítimos interesses).
Relativamente aos princípios específicos, alguns exemplos são: o consentimento
informado (isto é, a escolha de participação voluntária do paciente em um ato
psicológico); a confidencialidade e privacidade (relativamente a toda a informação do
seu cliente); as relações profissionais (é importante a colaboração com outros
profissionais. O encaminhamento de clientes é um exemplo e sugere a importância
de psicólogos indicarem os serviços de outros colegas sempre que não tenham
competência ou manifestem impossibilidade de assumir a intervenção); a avaliação
psicológica (a avaliação psicológica concretiza-se através do recurso a protocolos
válidos e deve responder a necessidades objetivas de informação, salvaguardando o
respeito pela privacidade da pessoa).

1.3 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro

Fonte:cdn.univicosa.com.br

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Os primeiros estudos sobre o trabalho do psicólogo no contexto hospitalar
brasileiro apareceram no final da década de oitenta (LAMOSA, 1987; CAMPOS,
1988). Lamosa (1987) sugere que o psicólogo deve desenvolver uma imagem mais
ampla como profissional de saúde, não se restringindo a questões de Saúde Mental.
Campos (1988) propõe que o psicólogo, enquanto profissional de saúde, tenha um
papel clínico, social, organizacional e educacional.
De certa forma, essa discussão se insere em um contexto mais amplo no qual
a relação da Psicologia com o campo da Saúde é ressignificado e problematizado no
Brasil. Alguns trabalhos publicados ainda na década de oitenta iniciaram a discussão
sobre a atuação do psicólogo no contexto da saúde (MEJIAS, 1984; BRAGA
CAMPOS, 1988; SILVA, 1988).
Na década de noventa, a discussão sobre a relação da Psicologia ganha maior
divulgação a partir do lançamento do livro “Psicologia e Saúde: repensando práticas”,
publicado em 1992. A reflexão sobre a inserção da Psicologia no âmbito sanitário
brasileiro ganhou uma maior visibilidade. Um dos textos mais influentes do livro foi o
de Mary Jane Spink (1992), que versou sobre a estruturação do campo da Psicologia
da Saúde. Embora não contenha nenhum texto específico sobre o trabalho do
psicólogo no contexto hospitalar, “Psicologia e Saúde: repensando práticas”, pode ser
considerado o marco inaugural de uma Psicologia Crítica da Saúde no contexto
brasileiro.
A produção de livros sobre o que se denominou de Psicologia Hospitalar,
contudo, começou a ocorrer ainda na primeira metade da década de oitenta
(ANGERAMI-CAMON, 1984). O psicólogo Valdemar Augusto Angerami, mais
conhecido como Camon, publica uma série de livros sobre o tema durante a década
de noventa (ANGERAMI- CAMON, 1995; 1996; 1997; 1998), sendo um dos autores
mais influentes do assim denominado campo da Psicologia Hospitalar.
Em 1998, Yamamoto e Cunha publicam um artigo no qual, a partir de uma
pesquisa empírica, apresentam alguns questionamentos ao campo. Os autores
apontam para a necessidade de se repensar a formação do psicólogo brasileiro em
função dos desafios do campo da saúde e criticam a constituição de uma Psicologia
Hospitalar, defendendo que se situe o trabalho do psicólogo dentro da perspectiva da
Psicologia da Saúde tomada em um sentido mais amplo. Em um artigo posterior,
Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) reafirmam a inadequação do uso de um local
de trabalho para designar uma área de atuação e acrescentam que tal prática tenderia

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a pulverizar e fragmentar o campo profissional da Psicologia, tornando assim muito
difícil a construção de uma identidade profissional da Psicologia da Saúde.
O trabalho mais sistemático sobre o campo de atuação do psicólogo que
trabalha em hospitais, no que tange ao entendimento da identidade profissional, foi o
de Castro e Bornholdt (2004), que compreendem a denominada Psicologia Hospitalar
como pertencente à área de Saúde, que utilizaria conhecimentos da Psicologia
Clínica, das Ciências Biomédicas e da Psicologia Comunitária para intervir nos mais
diversos contextos sanitários, incluindo o hospital. Outra contribuição importante do
artigo é que ele é um dos primeiros a tratar da especificidade da Psicologia Hospitalar
no Brasil tendo como parâmetro a realidade internacional. As autoras comparam
nossa realidade com as realidades estadunidense e espanhola, nas quais o marco
conceitual da Psicologia da Saúde serve de fundamentação teórica e prática para o
trabalho no contexto hospitalar.
Uma crítica ao trabalho de Castro e Bornholdt (2004) é que as autoras
apresentam a Psicologia da Saúde como se esta fosse uma área homogênea. De
acordo com Crossley (2000) e Teixeira (2004), há pelo menos duas perspectivas
teóricas atualmente: uma Psicologia da Saúde Tradicional e uma Psicologia da Saúde
Crítica. Essa discussão, contudo, é praticamente inexistente no Brasil.
Seild e Costa (1999) publicaram um estudo sobre o trabalho do psicólogo na
rede pública de Brasília no qual descreveram o modo como os psicólogos que
atuavam em hospitais desenvolviam suas atividades. A pesquisa constatou a
existência de dois modelos de atuação: o modelo clínico, caracterizado por
atendimentos individuais, com pouca ou nenhuma interação com equipes de saúde.
O modelo de atenção integral à saúde, em contraste, apresenta uma atuação difusa
em diversos setores do hospital, em interação constante com os demais profissionais
da saúde, visando atender pacientes e seus familiares, equipe e a comunidade em
geral.
A pesquisa de Seild e Costa (1999) apontou também que os psicólogos que
atuavam de acordo com o modelo de atenção integral eram caracterizados por
realizarem mais pesquisas e pelo maior interesse em contribuir para a construção de
um corpo teórico- prático da Psicologia da Saúde. Não há nenhum outro estudo a
respeito da existência desses dois modelos, de modo que não é possível generalizar
esse resultado e discutir os modelos de atuação existentes no Brasil. A crítica a uma
abordagem clínica no contexto hospitalar, todavia, aparece em alguns trabalhos da

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área. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998; MARCON; LUNA; LISBÔA, 2004; CASTRO;
BORNHOLDT, 2004; SÁ, et al., 2005;). Um aprofundamento dessa crítica, contudo,
precisa considerar alguns dados apresentados em algumas pesquisas, que apontam
a Psicanálise como a abordagem predominante e a Psicoterapia Breve como a técnica
mais utilizada no contexto hospitalar. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998; MARCON; LUNA;
LISBÔA, 2004;). Os psicanalistas têm produzido uma reflexão sobre a prática da teoria
criada por Freud no contexto hospitalar que já se avoluma (MOREIRA; PAMBLONA,
2006; COUTO, 2007; DUTRA; FERRARI, 2007; MOURA; SOUZA, 2007; PINHEIRO;
VILHENA, 2007; GOMES, 2008; PISETTA, 2008). Infelizmente essa literatura não é
utilizada nos estudos sobre a prática psicológica no hospital, o que possibilitaria uma
discussão mais polifônica sobre a questão. Os estudos mais recentes sobre o campo
hospitalar são muito específicos e não abordam a questão da fundamentação teórica
da prática profissional (MORE, et al., 2009; SANTOS; JACÓ-VILELA, 2009).
Por fim, existe uma incipiente discussão a respeito da atuação do psicólogo em
equipes multidisciplinares (FOSSI; GUARESCHI, 2004; TONETTO; GOMES, 2007).
Vasconcelos (2002), contudo, prefere denominar de práticas pluriauxiliares aquelas
em que ocorre a utilização de contribuições de um ou mais campos de saber para o
domínio de um deles já existente, que se posiciona como coordenador dos demais.
No âmbito do Conhecimento, o impacto dessa prática na área da Saúde ocorre na
forma de um imperialismo epistemológico; no campo da prática, na forma de
medicalização do social, sempre como decorrência da hegemonia da racionalidade
médica (VASCONCELOS, 2002; TESSER, 2006a; 2006b; 2009; TESSER; LUZ,
2008).
Almeida (2000) questiona o imperialismo epistemológico no hospital geral,
propondo uma interlocução entre os saberes que respeite a especificidade de cada
um. A autora afirma que o trabalho do psicólogo no hospital geral não deve se limitar
a resolução de conflitos, mas também deve ocorrer visando à promoção da saúde dos
pacientes. Em suas palavras,

Pensar a inserção do psicólogo no hospital geral, especialmente numa


instituição pública, não pode dispensar a reflexão sobre a situação do sistema
público de saúde, sua organização, as possibilidades de acesso da
população aos serviços, as condições em que se dá o trabalho dos
profissionais, as características sociais da população atendida, enfim, o
conhecimento e a articulação de todos os fatores envolvidos no processo
saúde-doença. (ALMEIDA, 2000, p. 27)

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1.4 A Psicologia Hospitalar no Brasil

A Psicologia da Saúde - e mais especificamente a Psicologia Hospitalar -, em


seu início seguiu e se identificou com métodos do mainstream psicológico,
comportamental e quantitativo. Amplamente, essa área abordou e se filiou a uma
perspectiva biomédica ao invés de desenvolver um pensamento crítico em relação a
esse modelo. A medicina é uma profissão poderosa no mundo ocidental e no início do
trabalho das equipes multiprofissionais sua dominância das práticas era devida,
também em parte, à dificuldade de se estabelecer o papel específico de cada membro
da equipe e seu lugar em espaços tradicionalmente médicos (Spink, 1992; Murray &
Chamberlain, 1999).
Na década de 1960, os pioneiros - tais como a Drª Matilde Neder, do Hospital
das Clínicas de São Paulo -, buscaram na psicologia clínica um modelo de atuação
para o atendimento de seus pacientes e geralmente eram solicitados a responder à
demanda médica e a "apagar incêndios" ou "segurar a barra" dos doentes, como
afirma Spink (1992).
Em entrevista concedida à Revista Prática Hospitalar, Chiattone (2004) afirma
ser o Brasil pioneiro mundial na especialidade de psicologia hospitalar, embora a
American Psychological Association (APA) tenha sido a primeira a reconhecer a área
da saúde como campo oficial de atuação do psicólogo. Em 20 de dezembro de 2000,
o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da resolução nº 14/00, instituiu,
entre outras especialidades, a de especialista em psicologia hospitalar.
Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2009), o psicólogo hospitalar tem
sua função centrada no âmbito secundário e terciário de atenção à saúde, atuando
em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico,
grupos psicoterapêuticos, grupos de psicoprofilaxia, atendimentos em ambulatório e
unidade de terapia intensiva, em pronto atendimento, enfermarias em geral,
psicomotricidade no contexto hospitalar, avaliação diagnóstica, psicodiagnóstico, Inter
consultas e, ainda, atua também por meio de consultoria nestes contextos.
A realidade e o trabalho do psicólogo hospitalar também sofrem influências das
políticas públicas de humanização em saúde que tornaram a presença de equipes
multidisciplinares obrigatória no atendimento ao doente hospitalizado. A psicologia da
saúde e a psicologia hospitalar apresentam perspectivas variadas de teorização e
prática, derivadas das mais diversas perspectivas psicológicas: comportamental,

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social, psicanalítica e fenomenológica. Entretanto, sob o olhar da Gestalt-terapia,
consideramos ser necessário uma reflexão mais abrangente. No presente trabalho
propomos refletir também como o self do terapeuta e o diálogo Eu-Tu podem ser
poderosos instrumentos de trabalho do psicólogo hospitalar, assim como já nos é na
clínica, quando estamos atentos para suas especificidades.

2 COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À PRÁTICA PSICOLÓGICA HOSPITALAR

Fonte:midias.folhavitoria.com.br

Educação por competências é hoje uma nova área de teoria, pesquisa e


aplicação, como ilustra o programa intitulado “Education and competence studies”, do
Wageningen University and Research Center na Holanda (WESSELINK et al., 2004). A
literatura sobre educação por competência tem crescido nos últimos anos, com
destaque para as publicações institucionais. São exemplos os artigos: “Transforming
the curriculum” (JONES, 2002), publicado pela Higher Education Reports, e “College
curriculum competencies and skills former students found essential to their careers”,
publicado pelo College Student Journal (2004). Há também uma tendência de elaborar
competências com base em relatos de egressos (COLLINS, 1993). No caso específico
da psicologia, um exemplo é o artigo “Curriculum review using a knowledge, skills, and
abilities-based assessment of alumni” (FRIED; JOHANSON, 2003), publicado pela
Teaching of Psychology.

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Resta-nos, agora, analisar os conceitos de competências e habilidades.
Habilidade é o poder técnico ou legal para realizar um ato. Competência é o uso
apropriado de habilidades para a realização de um ato, isto é, a escolha de um entre
vários procedimentos possíveis. Um ato pode ser uma atividade aparentemente
simples, como segurar um lápis, ou complexa, como escrever. A competência (SVEIBY,
1998) envolve conhecimento explícito e factual; proficiência prática, física e mental;
reflexão sobre erros e sucessos passados; e julgamento de valor. O desenvolvimento
de competências requer, portanto, educação formal, treinamento em ações físicas e
mentais, análise de experiência e exercícios de decisão.
É um processo iniciado e fortalecido em relações sociais, mediado por tradições
culturais e circunscrito a condições ambientais. Competências aplicáveis a uma cultura
ou situação nem sempre são transferíveis para outras culturas ou situações.
A competência expressa-se em procedimentos focais e associativos que
estabelecem elos entre conhecimento e estratégia. O conceito de competência
assemelha-se ao conceito de conhecimento tácito de Polanyi (1967/1983). Neste
sentido, a competência age por meio de movimentos entre partes e todo, alternando
entre diferentes níveis lógicos (premissas e conclusões) e manifestando-se de modos
habituais ou inovadores. A competência é móvel, apresentando-se de modo inovador
em função das experiências, e reinterpretando por intermédio de variações em sua
forma de expressão, principalmente por meio da linguagem. É, portanto, um saber
interiorizado e integrado.
Conceber um currículo em competências e habilidades não é o mesmo que
classificar taxonomias e operações. É definir um caminho que leve o estudante ao
encontro do conhecimento, por meio de procedimentos claramente definidos, com
atenção ao que é próximo, distante, subsidiário e focal. No entanto, como diz Polanyi
(1967/1983), o sentido de cada procedimento está nele mesmo e é compreendido por
dentro, pela imersão no contato real. O termo competência é também entendido como
idoneidade ou amparo legal para realizar determinada tarefa, conforme indicado no
termo habilitação.
A atuação em psicologia hospitalar requer determinada qualificação para que o
profissional seja capaz de desenvolver um trabalho que efetivamente contribua para a
promoção da saúde. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2001), são
atribuições do psicólogo hospitalar:
1) atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário;

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2) atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa
voltado para o aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação;
3) atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe e instituição, visando o
bem-estar físico e mental do paciente;
4) atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades
médicas;
5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento
para promover e/ou recuperar saúde física e mental do paciente; e
6) intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família,
os demais pacientes, a doença e a hospitalização.
Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre
a qualidade dos serviços psicológicos oferecidos em hospitais.
O objetivo do presente estudo foi definir as competências e habilidades
necessárias à atuação do psicólogo no âmbito hospitalar a partir da análise das
diferentes demandas existentes neste contexto. Espera-se que a proposta seja útil ao
desenvolvimento de ênfases profissionais na área da saúde e especialmente à
organização pedagógica de cursos de especialização em psicologia hospitalar.

2.1 Demanda psicológica hospitalar

Segundo as práticas analisadas, espera-se que o psicólogo hospitalar seja


capaz de desenvolver ações de assistência, ensino e pesquisa. A assistência consiste
em prestar atendimento a pacientes internados ou ambulatoriais e seus familiares, e
assessorar as equipes hospitalares na definição de condutas e tratamentos. Há
instituições que incluem nas tarefas do mesmo profissional tanto atividades
administrativas (recursos humanos) quanto atendimento a funcionários.
As ações assistenciais podem ser realizadas de forma individual ou grupal, em
espaços reservados, junto ao leito do paciente ou em outros espaços hospitalares,
conforme a pertinência do atendimento, com enfoque psicológico ou multidisciplinar.
As variações decorrem dos seguintes fatores: natureza da instituição, vínculo do
psicólogo (por meio de um serviço de psicologia ou de uma equipe assistencial,
constituída por profissionais de diferentes áreas), capacitação do profissional,
recursos disponíveis, necessidades do paciente e características da unidade em que

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ele é atendido (por exemplo, centros e unidades de tratamento intensivo,
emergências, internações ou ambulatórios).
A intervenção psicológica pode ser de apoio, orientação ou psicoterapia. Os
objetivos são os mais diversos: avaliar o estado emocional do paciente; esclarecer
sobre dúvidas quanto ao diagnóstico e hospitalização; amenizar angústias e
ansiedades em situações desconhecidas; trabalhar vínculo mãe-bebê, trabalhar
aspectos da sexualidade envolvidos na doença e no tratamento; preparar para
cirurgia; garantir adesão ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condição de vida
imposta pela doença; orientar os pais sobre maneiras mais adequadas de informar as
crianças sobre a hospitalização ou morte de um familiar; e facilitar o enfrentamento de
situações de morte e de luto.
O hospital contemporâneo pode ser caracterizado pelas interações Inter
profissionais e pelo trabalho em equipes multidisciplinares. Em equipes
multidisciplinares, compete ao psicólogo: esclarecer sobre acontecimentos biológicos
que provocam mudanças significativas na vida das pessoas; informar sobre causas,
consequências e tratamento de doenças que os pacientes apresentam; assegurar a
adesão ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condição de saúde; propiciar
trocas de experiência entre pessoas que enfrentam situações semelhantes; criar
oportunidades de contato com a equipe para esclarecer dúvidas; comunicar normas e
rotinas de determinada unidade; e avaliar a qualidade dos serviços oferecidos pela
instituição.
A demanda para atendimento psicológico pode ser identificada pelo psicólogo
ou por outro profissional da saúde. No entanto, ao ser solicitado a intervir com
determinado paciente, cabe ao psicólogo verificar se existe demanda por parte do
paciente ou se ela é decorrente de dificuldades de conduta da equipe.
Se for confirmada a necessidade de atendimento psicológico, é preciso avaliar
o interesse e disposição do paciente para tal intervenção. Caso se trate de dificuldade
da equipe, cabe ao psicólogo ouvir os participantes e ajudá-los a rever a maneira como
o caso está sendo conduzindo. Na alta hospitalar de pacientes em acompanhamento
psicológico, o psicólogo é responsável por avaliar se há necessidade de continuar o
tratamento e tomar as providências pertinentes. O psicólogo deve intervir de modo a
obter resultados significativos em curto espaço de tempo. Dependendo das
características e exigências do hospital, tais resultados devem ser apresentados de

15
forma concreta. Isto requer a elaboração de instrumentos capazes de avaliar os
resultados obtidos com a intervenção psicológica.
O trabalho em hospitais requer flexibilidade na intervenção psicológica.
Condutas e procedimentos devem ser adaptados aos recursos, às características e
às necessidades e contexto de atendimento. Os psicólogos devem ser capazes de
lidar com a questão da morte e do morrer, e serem efetivos na decodificação da
demanda não verbal. Capacidades de empatia, de persistência e de tolerância à
frustração são necessárias tanto para os procedimentos de rotina quanto para o
convívio com as equipes e com a cultura hospitalar.
As ações de ensino do psicólogo hospitalar consistem em supervisionar
estágios e, esporadicamente, ministrar treinamentos, cursos, palestras e aulas. A
orientação consiste em dar instruções para atendimentos aos pacientes e em sugerir
estratégias para as interações com a equipe. Os estagiários são orientados a justificar
e esclarecer as dúvidas suscitadas diante da recomendação de atendimento
psicológico. As supervisões também procuram atender às perguntas e dúvidas dos
estagiários, ouvindo e discutindo os sentimentos decorrentes do convívio hospitalar.
A consulta sistemática à literatura e a realização de pesquisas no ambiente hospitalar
ainda são práticas incipientes. Justifica-se tal conduta com o argumento de que a
demanda é intensa, não havendo muita chance de um trabalho regular de
investigação científica. Contudo, com o auxílio dos estudantes, têm sido coletados
dados para trabalhos de conclusão de curso (monografias, dissertações e teses). Há
um entendimento de que o trabalho de pesquisa se fortalecerá se houver maior
entrosamento com a universidade. A relação entre prática e pesquisa não é
consensual. As opiniões divergem em três sentidos:
1) há os que reconhecem a necessidade de respaldo científico para a prática e
tentam efetuá-la no limite de seu trabalho, mas com pouco rigor metodológico;
2) há os que reconhecem a necessidade, mas não a efetuam por dificuldades
de conciliação com as demais atividades; e
3) há os que entendem que a consistência e credibilidade dos serviços será
uma decorrência natural da boa prática e não, necessariamente, da realização de
pesquisas.

16
2.2 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática
multidisciplinar

De acordo com as práticas examinadas, o psicólogo precisa ser persistente na


defesa de suas ideias e buscar interagir com os demais profissionais para se inserir
no hospital e conseguir desenvolver seu trabalho. A solicitação de seu serviço
depende de ele buscar esclarecer quais benefícios podem ser obtidos com a
intervenção psicológica. O trabalho tende a ser aceito e valorizado por parte daqueles
profissionais que reconhecem a interferência de fatores emocionais no quadro clínico
de seus pacientes.
Os reducionismos profissionais e as diferenças hierárquicas são fatores que
impedem o desenvolvimento da prática multidisciplinar. Por um lado, a psicologia
exacerba a defesa do emocional; por outro lado, a medicina limita-se ao tratamento
do corpo. Avanços neste sentido dependem de o psicólogo promover uma visão
integrada da relação mente/corpo e reconhecer as implicações orgânicas no estado
emocional dos pacientes.
O psicólogo deve ser capaz de expor seus posicionamentos e sustentá-los
perante os médicos. Caso contrário, criam-se barreiras à intervenção psicológica por
desconhecimento do trabalho realizado ou por falta de evidências quanto à sua
efetividade. Também é imprescindível que o psicólogo seja capaz de se expressar de
forma clara, objetiva e coerente com a linguagem médica.
O psicólogo enfrenta dificuldades para trabalhar em equipe multidisciplinar em
virtude de dois fatores limitadores. Um deles é o reduzido número de psicólogos e,
por conseguinte, a limitação de tempo, indicados nas dificuldades em conciliar o
acompanhamento às visitas médicas, a discussão de casos e o atendimento
psicológico. O outro é a pouca disposição dos chefes de serviços em conceder espaço
ao trabalho de equipe.
É comum a inserção do psicólogo em determinadas unidades ocorrer mais por
facilidades interpessoais do que por levantamento de necessidades. Contudo, o
psicólogo deve buscar vincular sua atuação ao serviço ou unidade e não ao
profissional autor do convite. Caso contrário, o trabalho psicológico poderá ser
inviabilizado no momento em que houver mudanças no quadro funcional da unidade.
Segundo o relato de enfermeiras, o trabalho em equipe propicia maior
conhecimento aos demais profissionais da área da saúde sobre as atribuições do

17
psicólogo. A fala das enfermeiras reitera a percepção das psicólogas de que a
valorização dos serviços dependente dos resultados obtidos. A enfermagem também
tem expectativas claras com relação à contribuição da psicologia para as equipes.
Espera-se que a psicologia assessore na definição de condutas e tratamentos,
trazendo conhecimentos sobre a influência dos aspectos emocionais no quadro clínico
dos pacientes. Deste modo, é atribuída ao psicólogo a função de qualificar a equipe
para ser capaz de tomar decisões condizentes com as necessidades dos pacientes.
Isto implica em tornar a equipe mais autônoma, já que nem sempre o profissional da
psicologia tem disponibilidade para atendê-la.
As enfermeiras mencionam basicamente dois tipos de demandas psicológicas.
A primeira requer maior presença do psicólogo na equipe, explicitando suas posições
e intervenções para todo o grupo e não somente para enfermeiras por ocasião de
visitas a pacientes. A segunda traz um aspecto positivo, o reconhecimento da
demanda, e um aspecto preocupante, a inserção prematura de estagiários no serviço.
As enfermeiras reconhecem a limitação de tempo da psicologia para atender toda a
demanda existente. No entanto, consideram que as intervenções psicológicas seriam
mais eficazes se esses profissionais atendessem a um menor número de unidades e
investissem mais nas situações cuja atuação está consolidada.

Fonte:uninassau.edu.br

18
2.3 Análise indutiva

Com base na descrição apresentada, entende-se que para o psicólogo


hospitalar se inserir no contexto hospitalar e atender a demanda psicológica existente,
o mesmo deve apresentar as seguintes competências:
1. Assegurar autonomia profissional para analisar a demanda psicológica
hospitalar e propor ações para atendê-la independentemente da natureza da
instituição e do lugar que a psicologia ocupa na hierarquia.
2. Sistematizar o trabalho de tal modo que seja possível desenvolver ações
assistenciais, de ensino e de pesquisa.
3. Empenhar-se para que o nível de abrangência não comprometa a qualidade
do serviço prestado.
4. Identificar a necessidade dos pacientes e escolher métodos de intervenção
condizentes com o estado de saúde que apresentam e com as características da
unidade que estão vinculados (Centros e Unidades de Tratamento Intensivo,
Emergência, Internação ou Ambulatório).
5. Priorizar ações que complementem o trabalho dos demais profissionais e
promovam a prática multidisciplinar.
6. Vincular o trabalho da psicologia às unidades e não a determinados
profissionais.
7. Analisar o interesse e disposição do paciente para receber atendimento
psicológico nas situações em que o serviço é oferecido.
8. Atuar de modo a obter resultados em curto espaço de tempo para alcançar
níveis satisfatórios de produtividade.
9. Garantir que o paciente tenha a oportunidade de continuar o tratamento
psicológico após a alta hospitalar, quando for avaliado que isto é necessário.
10. Participar ativamente dos espaços que criam oportunidades de interação
com outros profissionais.
11. Coordenar e manejar processos grupais tendo em vista as diferenças
individuais e socioculturais de seus membros.
12. Adotar condutas que evidenciem a relevância dos aspectos emocionais no
quadro clínico dos pacientes e mostrem aos demais profissionais no que consiste a
prática psicológica hospitalar.
13. Assessorar as equipes de saúde na definição de condutas e tratamentos.

19
14. Avaliar a necessidade de trabalhar dificuldades de manejo da equipe e, se
for o caso, intervir neste sentido.
15. Identificar quando é necessário utilizar a terminologia médica e quando isto
pode representar a perda da identidade psicológica.
16. Avaliar a pertinência de se envolver com atividades burocráticas e de
interesse administrativo.
17. Avaliar a importância de oferecer atendimento psicológico para funcionários
ou trabalhar com eles aspectos relacionados ao ambiente hospitalar.
18. Potencializar a ação da psicologia com o trabalho de estagiários de modo
que resulte na conquista de novos espaços e na obtenção de maior reconhecimento
da prática psicológica hospitalar.
19. Desenvolver o pensamento crítico dos estagiários criando oportunidades
de rever a prática realizada e debater assuntos relacionados à mesma.
20. Contribuir para o desenvolvimento da psicologia hospitalar realizando
estudos que propiciem maior cientificidade à área.
21. Propor estratégias que conciliem a prática de pesquisa com as demais
atividades que precisam ser desenvolvidas no âmbito hospitalar.
22. Desenvolver recursos que permitam avaliar os resultados obtidos com a
intervenção psicológica e demonstrar ganhos institucionais na redução de custos.
23. Apresentar trabalhos e debater em público assuntos relacionados à prática
psicológica hospitalar.
24. Analisar os fatores que dificultam a prática psicológica hospitalar e propor
ações capazes de superá-los.
25. Evitar assumir responsabilidades que não são funções do psicólogo
hospitalar para que não sejam geradas expectativas equivocadas com relação à
atuação deste profissional.
O desenvolvimento destes atributos pressupõe a aquisição das seguintes
habilidades:
1. Identificar, analisar e interpretar demandas psicológicas expressas de forma
verbal e não verbal.
2. Compreender e cumprir as normas e rotinas das unidades em que os
pacientes estão internados.
3. Adaptar referenciais teórico-metodológicos às necessidades da demanda.

20
4. Realizar atendimentos individuais ou grupais, de apoio, orientação,
psicoterapia ou psicodiagnóstico.
5. Intervir em situações de luto e de morte.
6. Compartilhar seu conhecimento de forma clara e objetiva.
7. Articular o conhecimento psicológico com os demais saberes que integram
as equipes de saúde.
8. Conhecer e compreender a terminologia médica.
9. Utilizar o conhecimento e a experiência adquiridos na prática para orientar
os estagiários.
10. Planejar e realizar pesquisas aplicando métodos científicos na rotina
profissional.
11. Levantar informações sobre o conhecimento produzido na área e assuntos
relacionados.
12. Fazer contato com instituições da comunidade que realizam tratamento
psicológico para encaminhar os pacientes que precisam deste serviço após a alta
hospitalar.

2.4 Análise crítica

A análise das competências e habilidades do psicólogo hospitalar teve como


ponto de partida as resoluções do Conselho Federal de Psicologia (2000, 2001) sobre
a caracterização da especialidade. O documento do Conselho Federal de Psicologia
(2000) é uma descrição geral dos espaços e focos do trabalho da psicologia em
hospitais, enfatizando as demandas esperadas. Com base neste documento e na
experiência dos participantes, foi possível fazer o levantamento das competências e
habilidades apresentadas neste estudo. Tais definições ressaltam as condutas e os
procedimentos profissionais necessários ao desempenho da prática psicológica
hospitalar. Entende-se que tais competências e habilidades refletem padrões reais e
consensuais de desempenho dos profissionais inseridos na área, e não articulações
burocráticas para atender determinadas exigências legais.
Como se pôde constatar, muitos dos aspectos levantados são aplicáveis a
outros contextos de atuação do psicólogo. Tais aspectos são ilustrativos do que pode
ser considerado geral e compartilhado com outras demandas profissionais e o que
pode ser específico na prática hospitalar. As competências e habilidades

21
apresentadas contêm a diferença gradativa do que é geral ao psicólogo, conforme
listado nas habilidades básicas, e do que é específico ao psicólogo hospitalar,
conforme listado nas competências. Contudo, é difícil definir fronteiras entre o básico,
a ênfase profissional ainda na graduação e a especialização, no sentido da pós-
graduação lato sensu.
A noção de educação por competências é um recurso pedagógico ágil e
flexível, sensível aos novos tempos. Infelizmente, entre nós, a novidade pedagógica
veio como exigência legal. Melhor teria sido se viesse como descoberta institucional,
trabalho de pesquisa ou proposição diferenciada de instituições comprometidas com
um ensino de qualidade. Como um estatuto legal, é bem possível que os frutos sejam
escassos. Com isso, todo o trabalho de planejamento do currículo por competências
pode se transformar em um expediente apenas burocrático, posteriormente
engavetado ou gravado em CD para impressionar visitantes. Com efeito, serão
documentos distantes e indiferentes aos espaços pedagógicos reais.
Por outro lado, a aplicação da noção de competências requer articulação e
integração entre professores e um projeto pedagógico capaz de implodir a hegemonia
da sala de aula, dando espaços a laboratórios, bibliotecas, grupos de discussão,
equipes tutoriais, estágios qualificados e entrosamento com o mundo do trabalho. Um
bom plano pedagógico por competências requer cuidadoso sistema de avaliação tanto
para professores quanto para estudantes. Por fim, cabe lembrar as considerações de
Sveiby (1998) ao relacionar especialidade com competência. Ao especialista, cabe a
construção das próprias competências e a crítica ao trabalho, apoiada em evidências.
Cabe ressaltar o caráter preliminar das competências e habilidades apresentadas
neste estudo, tendo em vista que foram definidas somente a partir das práticas
analisadas. Considera-se que a validação das mesmas e a possível ampliação para
contemplar exigências da demanda de diferentes configurações hospitalares
dependerão do desenvolvimento de novos estudos. Torna-se imprescindível, por
exemplo, examinar sua veracidade e nível de abrangência, conforme a prática
psicológica hospitalar desenvolvida no Brasil, nestes últimos cinquenta anos,
conforme relato da literatura

22
3 GESTALT-TERAPIA E O DIÁLOGO PSICOLÓGICO NO HOSPITAL

Fonte:valordoconhecimento.com.br

A Gestalt-terapia é uma abordagem com foco na relação dialógica. O diálogo é


por nós entendido como fundamental para a existência humana e característica
essencial da relação terapêutica (Freitas, 2009a). No âmbito hospitalar pode,
inclusive, ser assumido como instrumento - até mesmo preventivo - frente às
dificuldades humanas que o adoecer e a hospitalização podem suscitar no cliente,
como por exemplo, o isolamento de suas atividades cotidianas, da família e do seu
círculo social, as mudanças de papéis acarretadas pelas limitações e desafios das
doenças e seus tratamentos, sem mencionar os desafios do processo intrínseco ao
adoecimento físico.
Incluir a dimensão ontológica dos usuários dos serviços de saúde possibilita o
resgate da intersubjetividade e da humanização nesse espaço moldado pela
impessoalidade de técnicas invasivas e da pretensa neutralidade científica. Em um
espaço assim moldado, a existência passa a ser referenciada pela ordem das
intervenções hospitalares e não mais pela própria condição do existir (Sant'Anna,
2001; Freitas, 2009b). Uma existência, que destacamos ser vivida corporalmente,
embora em um corpo que não é apenas objeto como a medicina por vezes considera
e prioriza.
É sabido que com o Renascimento Cultural, especialmente com Descartes, foi
permitido um retorno mais intenso à separação entre res cogitans e res extensa. O
sagrado abre espaço para o material, com a separação entre o sublime - alma - e o
denso e impuro - o corpo. Com esta separação nasce o avanço dos manuais de

23
anatomia, da ciência e da medicina, que vão permitir ao médico tratar a doença e não
o doente (Foucault, 2001). Tal separação mantém até hoje a herança de uma atuação
em saúde centrada na cura, no hospital e na esfera orgânica ao invés de se pautar
em uma atuação preventiva, comunitária e holística ou organísmica.
Apesar de todos os avanços e propostas de humanização e de uma
compreensão do homem desde sua totalidade - encontrada na Organização Mundial
de Saúde (OMS) e no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro - no contexto da
atuação em saúde é ainda o paradigma cartesiano da separabilidade corpo-mente
que tem prioritariamente motivado a atuação profissional, posicionando a existência
humana como revelada apenas pela racionalidade, lançando-a para fora das relações
humanas (Castro, 2002). Não se trata de negar ou esquecer que o usuário dos
sistemas de saúde público e privado procura tais serviços por sua condição de
adoecimento somático. Entretanto, tal concepção moderna, cartesiana de homem e
mundo, que privilegia o contexto da saúde pública como ainda centrado na instituição
hospitalar restringe a compreensão do existir humano em sua plenitude e se afasta
das concepções contemporâneas que apontam para uma abordagem complexa do
humano.

3.1 O Contexto do Diálogo no Hospital

Inspirados na filosofia existencial de Martin Buber (1974; 1982), autores como


Hycner e Jacobs (1997) vão refletir sobre a importância da relação dialógica para a
constituição do humano e, consequentemente, para todas as relações de cuidado em
Gestalt-terapia. O diálogo em uma relação psicoterápica se refere ao "contexto
relacional total em que a singularidade de cada pessoa é valorizada; relações diretas,
mútuas e abertas entre as pessoas são enfatizadas" (Hycner & Jacobs, 1997, p.30).
Mas há especificidades e diferenças relevantes entre o contexto psicoterápico e o
contexto hospitalar.
Buscar a construção de uma qualidade de diálogo nas instituições hospitalares
é um desafio com dificuldades impostas pelas próprias condições do contexto: as
enfermarias que se constituem como espaços públicos, diferente da privacidade dos
consultórios particulares, a rotatividade dos pacientes, o pouco e exíguo tempo de
contato, delimitado pelo tempo de internação ou de espera, conflitante com o tempo
indeterminado dos processos terapêuticos tradicionais, e as infindáveis intervenções

24
médico-hospitalares entremeando a relação como um conta-gotas infinito. Não são
raras as vezes em que a intervenção ou apenas uma visita ao paciente ocorre em
meio a interferência de outros pacientes, familiares, equipe, o que exige do
profissional uma compreensão desse contexto como sendo sua condição relacional e
singular naquele momento, determinado pela rotina hospitalar e pela patologia e suas
conseqüências. O papel do psicólogo nesse contexto não é o do psicoterapeuta em
um sentido estrito, apesar de defendermos a possibilidade do investimento em uma
qualidade relacional que o Gestaltterapeuta procura exercer em sua prática.
Diante da despersonalização sofrida na instituição hospitalar, estar presente
para um paciente e incluir-se em sua existência exige que o foco do trabalho esteja
centrado na possibilidade do restabelecimento da sua autonomia e do seu bem-estar
frente à sua condição. Esta nova, por vezes transitória, condição é permeada pela dor,
mal-estar e frequentemente, pelo medo, pela ameaça de mutilação ou de interrupção
de projetos de vida. Essas são condições existenciais delimitadoras do contexto da
atuação em saúde com as quais o psicólogo hospitalar deve estar preparado para
lidar.
Segundo Freitas (2009b, p. 87)

(...) dentro de uma perspectiva da Gestalt-terapia, todos estes elementos


devem ser compreendidos como mundo, condição existencial do contexto
relacional. Assim sendo, todas estas diferenças, interrupções, vínculos,
podem ser trabalhados como abertura para novas significações, mediante a
problematização de tais conflitos dentro do como o paciente se apresenta.

Além das dificuldades impostas pelo contexto, a busca ou o estabelecimento


de uma relação terapêutica em função de uma atitude dialógica pelo psicólogo não
determina necessariamente a ocorrência do diálogo:
Ao abordarmos o outro com uma atitude Eu-Tu, não temos a garantia de que
um encontro mútuo Eu-Tu irá se desenrolar. Posso me aproximar da outra pessoa
com uma atitude genuinamente aberta à possibilidade de que tal movimento ocorra.
No entanto, ele só poderá ocorrer se o outro disser 'sim' a minha aproximação (Hycner
& Jacobs, 1997, p. 104).
No contexto da intervenção hospitalar, assim como na psicoterapia, o diálogo
se constitui a partir da possibilidade da existência da relação mútua entre psicólogo e
paciente. O que constitui o próprio diálogo, por conseguinte, não é a fala. O que
comunica é a relação Eu-Tu. Ela pode acontecer simplesmente pelo silêncio, se

25
constituindo não pela expressão da voz e sim pelo contato. Diálogo é, destarte,
contato (Hycner, 1995; Freitas, 2009a).
O diálogo, portanto, se mostra como fenômeno do "entre", do espaço e do
campo relacional (Hycner, 1995; Freitas, 2009a). Para o estabelecimento do diálogo
são necessários dois elementos fundamentais, explorados por Hycner (1995) que
vamos contextualizar aqui no trabalho em saúde, a saber, a presença e a inclusão.
Aliado a estes elementos, apresentamos o corpo como elemento fundamental da
relação dialógica. Segundo Freitas (2009a) o diálogo ocorre em dois níveis diferentes:
no da corporeidade e no nível da fala. "O corpo é, portanto, fundo da expressão",
espaço da realização do contato. Sendo o corpo "fundo", é o lugar das intersecções,
é campo, é ponto de contato e encontro entre paciente e psicólogo. Nada mais
significativo quando o ponto central ou de partida da relação é justamente o
adoecimento somático. Ao constatarmos que o corpo é elemento essencial do diálogo
é necessário compreender o que chamamos de corpo e como este se constitui
enquanto dimensão dialógica.

3.2 Corpo e Diálogo

Segundo uma perspectiva fenomenológica, assim como da Gestalt-terapia -


que concebe o homem como totalidade -, o corpo deve ser apreendido não mais como
objeto, mas, como perspectiva do mundo, em que o corpo não se torna
completamente objeto do mundo, senão seu meio de comunicação com este (Freitas,
2005, 2009a).
Para a fenomenologia o corpo não é algo que eu tenho, mas que eu sou
(Merleau-Ponty, 1994). Por isso, no contato com o outro, eu me exponho por meio de
gestos, atitudes, mímicas, olhares, lágrimas, pelo sorriso e por tantos outros gestos e
expressões faciais. Tais gestos expressivos não são da ordem apenas corporal, mas
da ordem do sujeito que é corpo, do corpo como campo expressivo.
Dito de outra forma: numa compreensão organísmica, "do ponto de vista
psicológico o corpo se apresenta como espaço de expressão subjetiva e lugar de
organização de novos sentidos que apontam para a existência humana" (Freitas,
2005, p. 35).
A medicina tradicional e mesmo a psicossomática revelam um corpo como um
objeto a ser compreendido e, quando muito, apenas espaço de uma realidade

26
psicológica outra, separada e ali representada, embora distante daquela corporal e
material O corpo doente não é apenas um organismo acometido de infecções ou
patologias, mas é um corpo experienciado por um doente, como um doente, dotado
de uma função na relação desse sujeito com o mundo, mas que, apesar de estar
doente, é também um corpo com história e com perspectivas. Isso é, um corpo que
carrega sentidos subjetivos que tem relações íntimas com a própria história da
pessoa, com seus contextos de vida e com os recursos de que dispõe para lidar com
a doença.
Assim sendo, diferentemente do médico, o psicólogo da saúde não trabalha
com o corpo biológico, mas com o corpo vivido, que é uma história, um nó significativo,
como nos diria Merleau-Ponty (1994). Deste modo, como psicólogos inseridos no
contexto da saúde, devemos todo tempo nos questionar sobre como estas dimensões
interagem na significação da existência e na configuração da subjetividade no aqui e
agora da internação, do adoecimento, da eminência da cirurgia ou até mesmo da
morte.
O diálogo Eu-Tu enquanto encontro existencial entre duas pessoas se distancia
da relação Eu-Isso, característica da atuação biomédica, na qual o corpo perde essa
condição existencial de campo expressivo e passa a ser figura destacada de seu fundo
de subjetividade. Por se constituir como um campo expressivo, o diálogo pode se
configurar por meio de gestos e comunicações não-verbais, recursos indispensáveis
quando no trato de doentes inseridos no contexto dos leitos do hospital e com os quais
o psicólogo diariamente necessita se relacionar.
O ponto de partida é a sua existência fragilizada e debilitada pelo adoecimento.
O psicólogo hospitalar deve intervir com foco na abertura de possibilidades do
paciente, em sua atual configuração existencial, seu processo do existir nesse
contexto específico que é permeado pelo comprometimento somático ou que derivam
deste.

3.3 Presença e Inclusão

A presença é uma atitude do psicólogo na qual este se revela como uma pessoa
autêntica. É estar na relação abrindo-se existencialmente para que o outro possa se
apoiar em seu self como caminho de autopercepção. A presença não significa
simplesmente uma forma de estar com o outro na qual não deva existir interferência

27
de considerações ou reservas. A presença é um estar consciente de si para e na
relação. Ela é fundamental uma vez que o paciente hospitalizado se encontra em
constante confronto com seu self, seja por sua doença ou mesmo pela situação
existencial na qual se encontra.
O psicólogo hospitalar tem como função desempenhar o papel de facilitador e
promover o diálogo utilizando-se da presença, que em seu desenvolvimento fixa-se
em fazer com que o paciente se perceba dentro de novas possibilidades. É como se,
por meio da presença, o paciente pudesse fazer uso do self do terapeuta para
perceber a si próprio. Essa forma de abordagem é mencionada por Yontef (1998)
como diálogo horizontal, que é o ato de "se chegar ao centro da existência que o
paciente esta vivendo" (Yontef, 1998, p. 259).
Segundo Hycner (1995), presença "é a consciência que se dirige
completamente ao 'processo de existir' da outra pessoa. Isso requer que o terapeuta
esteja atento à experiência do cliente, mas atento também a sua própria experiência"
(p. 114), em nosso caso, atento a sua própria experiência humana de contato íntimo
e cotidiano com a dor, com a morte e a limitação. É estar aware de si na relação com
o outro; e estar voltado atentamente à experiência do outro nos conduz à inclusão.
Na inclusão há uma busca por posicionar-se na experiência do cliente, sem
julgar, analisar ou interpretar. Tal atitude facilita a ressignificação de sua condição
existencial e de sua conscientização, abre a possibilidade da auto-aceitação quanto a
sua experiência frente ao desconhecido, à dependência de uma equipe, às (im)
possibilidades de tratamento e às limitações que possa vivenciar advindas de sua
patologia e hospitalização. Na tarefa de atuar no contexto institucional como um todo
seria de grande valia a reflexão e o estudo de tais atitudes junto à família e à equipe,
uma vez que o trabalho do psicólogo hospitalar não se restringe ao acompanhamento
dos pacientes, mas em todo o contexto do processo saúde-doença. Trabalhar as
expectativas, sofrimentos, desejos e limitações da família e da equipe também se
constituem como parte fundamental do trabalho do psicólogo hospitalar, sem
entrarmos no mérito da atuação em saúde nem tampouco dos contextos sociais e
comunitários de prevenção, também carentes de reflexões em Gestalt-terapia.
Hycner (1995) afirma que a inclusão é necessária para a existência de uma
relação dialógica genuína, um movimento de "ir-e-vir", onde o psicólogo
(...) precisa ser capaz de, tanto humanamente quanto possível, tentar
experienciar o que o cliente está experenciando do seu lado do diálogo. Na melhor

28
das hipóteses, é apenas uma experiência momentânea, pois ninguém pode manter
uma atitude desse tipo durante muito tempo (...). Há uma experiência de ausência de
self nesses momentos.
O self do terapeuta passa a ser fundo para que a existência do paciente seja
figura. Em seu campo, significa emprestar sua existência e sua corporeidade para
permitir que o estranhamento do sentido do outro encontre espaço de expressão na
existência atual do terapeuta (Freitas, 2009a). Diferente da empatia, a inclusão é um
voltar-se "(...) existencialmente para o outro e uma tentativa de experienciar o lado da
pessoa assim como o próprio" (Hycner, 1995). É permitir ao outro ser ele mesmo
enquanto Tu.
Na teoria da Gestalt-terapia é salientada a importância ôntica do contato. Tal
forma específica de contato que é o diálogo torna-se a base para a autorrealização.
Quando possibilita a awareness integrativa, permite ao paciente, à família ou à equipe
responder a uma situação de forma apropriada às suas necessidades e às
possibilidades da situação que o contexto possa apresentar (Hycner & Jacobs, 1997).
Sabemos que a Gestalt-terapia defende que para viver essa integração a
pessoa não deve julgar sua experiência nem desprezar ou alienar aspectos de si
mesma. Isso inclui seus sentimentos, o medo, a raiva, o seu corpo, seus
pensamentos, o ambiente, a espera, o desconhecido, assim como sua história. O que
é também particularmente verdadeiro para o contexto hospitalar, entretanto, com a
delimitação de que esses sentimentos no momento e contextos atuais estão
intimamente relacionados com o processo de saúde-doença. Não é aniquilar a tensão
entre as partes constitutivas do vivido de uma enfermidade, uma intervenção cirúrgica
ou uma internação. É permitir que a tensão entre as partes seja suficiente ao mesmo
tempo para a manutenção da autonomia do paciente, assim como para a continuidade
do processo de restabelecimento do seu bem-estar físico e psicológico, que pode
significar a continuidade ou a não continuidade do tratamento médico em todos ou
alguns de seus aspectos. É uma proposta de descentramento de um modelo de cura
romântico que busca o restabelecimento de um estado imaginário anterior de bem-
estar para uma proposta de busca incessante da manutenção da autonomia do
paciente, regulada pela confiança no saber médico e não por um autoritarismo cego
a um suposto poder científico da medicina contemporânea.
Assim como a perspectiva de compreensão da totalidade defendida pela
Gestalt-terapia, a psicologia da saúde busca um modelo que compreenda os múltiplos

29
fatores inerentes ao processo de adoecimento (biológicos, psicológicos, sociais e
espirituais), rompendo com modelos lineares e causais da compreensão dos
processos de saúde-doença (Ogden, 1996). Segundo Freitas (2009b), em Gestalt-
terapia saúde e doença são vistos como dois pólos de um único processo
pluridimensional, dinâmico e contínuo. As polaridades saúde e doença não se
enquadram dentro de um critério de exclusão, mas se articulam em uma relação
complexa e processual. Ser saudável não significa ausência de doenças, nem
tampouco, estar doente, ausência de saúde, isto é, "o processo de saúde-doença
implica a compreensão dos significados dos sintomas no contexto da personalidade,
no contexto de vida, pensamentos e sentimentos dos sujeitos e da cultura" (Freitas,
2009b, p. 71). Contato é sempre contato, não há parâmetros possíveis para se
estabelecer o que seja bom ou mau contato. Há que se entender, outrossim, os
sentidos de cada expressão e de cada traço do sujeito em seu contexto de vida e não
em comparação com uma curva ou gráfico que buscam uma pretensa padronização
do campo homem/meio. Buscar aniquilar as tensões inerentes à hospitalização e ao
adoecimento é aniquilar o próprio sujeito.
Entender o homem como um campo organismo/meio que se estrutura em uma
corporeidade expressiva é, especialmente em nosso contexto, falar de alguém que
sofre sendo seu corpo material, visível e sensível à dor, ao toque, ao olhar do outro,
ao cheiro que se desprende, ao processo de transformação física, aos sentimentos
que dele e com ele vivencia.
Abrir-se a esta possibilidade é permitir uma compreensão de que frente ao
adoecimento estamos expostos à ressignificação existencial. Uma organização de
novos sentidos para essa existência no ambiente hospitalar é facilitada por meio do
contato psicológico, pela mútua atitude do encontro Eu-Tu. Entende-se que o diálogo
possibilita que a pessoa seja percebida como um ser relacional e considerada na sua
totalidade, dentro do seu contexto existencial aqui-e-agora, que é aquele da doença,
da internação, da intervenção médica, da espera e/ou da cirurgia. O diálogo é a busca
de novos sentidos que advém desta experiência, geralmente destruíndo sentidos
antes já-constituídos. É a busca de novos sentidos existenciais a partir dessa nova
história já que o doente não é apenas um organismo acometido de infecções ou
patologias, mas se refere a um corpo experienciado por um doente, como um doente,
dotado de uma função na relação deste sujeito com o mundo, mas que, apesar de

30
estar doente, é tambem um corpo com história e com possibilidades e perspectivas
(Freitas, 2009b, p. 35).
Longe de ser alguém que necessariamente conhece e pensa científica ou
tecnicamente sua patologia, o doente é um ser que vive e sente seu corpo e sua
doença, o corpo é a extensão de seu projeto existencial humano. Projeto esse que
extrapola o ambito hospitalar já que é também sua própria subjetividade que mantém
articulação constante com os espaços sociais, sendo um corpo-no-mundo (Freitas,
2009b).
A doença é uma facticidade, no entanto, é revestida pelo sentido que o doente,
a familia e a equipe atribuem à dor, à enfermidade ou ao tratamento. A doença existe
independente da vontade do doente, no entanto, é o sofrimento, a dor e todos os
possiveis desdobramentos de se estar hospitalizado e em tratamento que muitas
vezes apontam para uma possibilidade de ruptura, entendida aqui como
ressignificação, na vida da pessoa:
O corpo doente tem um sentido próprio por nos tirar do habitual, um corpo
"esquecido" e, por isso mesmo, vivido. A doença faz-nos lembrar que temos um corpo.
A dor rompe com uma história e com um cotidiano, com um "habitual ser". Mas,
paradoxalmente, essa história que ao mesmo tempo é surpreendida e forçada a seguir
novos rumos, é uma referência para os sentidos da dor, essa intrusa inesperada
(Freitas, 2009b, p. 40).
E o psicólogo, é a testemunha ocular e existencial dessa vida e dessa invasão.

31
4 PSICODIAGNÓSTICO

Fonte: psicodiagnosticocordoba.com

Jurema A. Cunha explica que enquanto os psicólogos em geral realizam


avaliações, os psicólogos clínicos, entre outras tarefas, realizam psicodiagnósticos.
Pode-se dizer que avaliação psicológica é um conceito muito amplo. Psicodiagnóstico
é uma avaliação psicológica, feita com propósitos clínicos e, portanto, não abrange
todos os modelos de avaliação psicológica de diferenças individuais. É um processo
que visa a identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco
na existência ou não de psicopatologia. Isso não significa que a classificação
psiquiátrica seja um objetivo precípuo do psicodiagnóstico, mas sim que, para medir
forças e fraquezas no funcionamento psicológico, devem ser considerados como
parâmetros os limites da variabilidade normal (Yager & Gitlin, 1999). É esta
abordagem que confere a perspectiva clínica a esse tipo de avaliação de diferenças
individuais.
O psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica, introduzida por Lighter Witmer,
em 1896, e criada sob a tradição da psicologia acadêmica e da tradição médica.
Consta que nem ao fundador da psicologia clínica agradou a designação “clínica”,
adotada apenas por falta de melhor alternativa (Garfield, 1965). Não obstante, tudo
indica que essa tradição médica, associada à psicologia clínica, teria efeitos

32
marcantes na formação da identidade profissional do psicólogo clínico, oferecendo-
lhe, por um lado, modelos de identificação e, por outro, acentuando as suas
dificuldades nas relações Inter profissionais.
Aquele fim de século e o começo do seguinte foram marcantes pelos trabalhos
de Galton, que introduziu o estudo das diferenças individuais, de Cattell, a quem se
devem as primeiras provas, designadas como testes mentais, e de Binet, que propôs
a utilização do exame psicológico (por meio de medidas intelectuais) como
coadjuvante da avaliação pedagógica. Por tais razões, a esses três autores é atribuída
a paternidade do psicodiagnóstico (FernándezBallesteros, 1986).
A nossa tradição psicométrica, assim alicerçada, ficou melhor sedimentada
pela difusão das escalas Binet, seguidas pela criação dos testes do exército
americano, Alfa e Beta. Se a contribuição da psicometria foi e é essencialmente
importante para garantir a cientificidade dos instrumentos do psicólogo, torna-se
importante, conforme salienta Groth-Marnat (1999), estabelecer a diferença que existe
entre o psicometrista e o psicólogo clínico. O primeiro tende a valorizar os aspectos
técnicos da testagem, enquanto, no psicodiagnóstico, há a utilização de testes e de
outras estratégias, para avaliar um sujeito de forma sistemática, científica, orientada
para a resolução de problemas. O psicometrista “utiliza testes para obter dados”, e,
em sua abordagem, “o produto final é muitas vezes uma série de traços ou descrições
de capacidades”. Mas é importante lembrar que “essas descrições tipicamente não
estão relacionadas com o contexto total da pessoa e nem se voltam para os problemas
singulares que ela possa estar enfrentando”
Por outro lado, ainda no século passado, a comunidade científica foi muito
marcada pelas descobertas ocorridas no campo da biologia, com início na verificação
da “correlação de síndromes clínicas com modificações morfológicas observadas na
autópsia” (Klerman, 1990) e continuada por outra série de descobertas, como pelas
“tentativas feitas para correlacionar síndromes mentais com achados de autópsia e
dados bacteriológicos”. A base científica fornecida à medicina pela biologia levava
psiquiatras a buscarem as causas da doença mental no organismo e, em especial, no
sistema nervoso central. Em consequência, “os pacientes psiquiátricos, não mais
considerados lunáticos, se tornaram ‘nervosos’ (...) ou ‘neuróticos’ ” (Wolman, 1965).
Dessa época data a divisão dicotômica dos transtornos psiquiátricos em “orgânicos”
e “funcionais”. Foi nessa escola pré-dinâmica da psiquiatria que surgiu Kraepelin, que
se notabilizou por seu sistema de classificação dos transtornos mentais e,

33
especialmente, por seus estudos diferenciais entre esquizofrenia e psicose maníaco-
depressiva. Em consequência, as classificações nosológicas e o diagnóstico
diferencial ganharam ênfase.
Não obstante, mesmo no período entre as duas grandes guerras, a
classificação das doenças mentais pressupunha uma hierarquia, conforme o modelo
médico, em grandes classes: “transtornos mentais orgânicos, psicoses, neuroses,
transtornos de personalidade e estados reativos/transitórios”. Quando se evidenciava
uma condição orgânica, esta “tomava precedência sobre todos os outros diagnósticos”
(Klerman, 1990, p.18). Neste cenário, tiveram especial importância as obras de Freud
e Kraepelin, caracterizando bem a diferença entre estados neuróticos e psicóticos,
dentre os transtornos classificados como funcionais (não-orgânicos). Tal distinção foi
considerada muito adequada porque “parecia combinar cinco aspectos da
psicopatologia, simultaneamente:
1) sintomas descritivos;
2) causação presumida;
3) psicodinâmica;
4) justificação para hospitalização;
5) recomendação sobre tratamento”.
Deste modo, Freud, que provinha da melhor tradição neurofisiológica,
representou o primeiro elo de uma corrente de conteúdo dinâmico, logo seguido pelo
aparecimento do teste de associação de palavras, de Jung, em 1906, e fornecendo
lastro para o lançamento, mais tarde, das técnicas projetivas.
Nesse cenário, Rorschach publicou sua monografia, em 1921, que teve maior
divulgação na década seguinte. O teste passou a ser utilizado como um passo
essencial (e, às vezes, único) do processo de diagnóstico. A grande popularidade
alcançada nas décadas de quarenta e cinquenta é atribuída ao fato de que “os dados
gerados pelo método eram compatíveis com os princípios básicos da teoria
psicanalítica” (Vane & Guarnaccia, 1989.).
Esse foi o período áureo das técnicas de personalidade. Embora o Rorschach
e o TAT fossem os instrumentos mais conhecidos, começaram a se multiplicar
rapidamente as técnicas projetivas, como o teste da figura humana, o Szondi, o MPAS
e tantos outros.
O entusiasmo que cercou o advento das técnicas projetivas pode ser, em
grande parte, explicado por dois fatores de peso:

34
1) o fato de que os testes, tão valorizados na época anterior, principalmente na
área militar e da indústria, já não pareciam tão úteis “na avaliação de problemas da
vida (neurose, psicose, etc.) ” (Groth-Marnat, 1999, p.4), e
2) a valorização atribuída pela comunidade psiquiátrica ao entendimento
dinâmico.
Entretanto, a partir de então, as técnicas projetivas começaram a apresentar
certo declínio em seu uso, por problemas metodológicos, pelo incremento de
pesquisas com instrumentos alternativos, como o MMPI e outros inventários de
personalidade, por sua associação com alguma perspectiva teórica, notavelmente a
psicanalítica (Goldstein & Hersen, 1990), e pela ênfase na interpretação intuitiva
apesar dos esforços para o desenvolvimento de sistemas de escore (Vane &
Guarnaccia, 1989). Apesar disso, essas técnicas ainda são bastante utilizadas,
embora com objeções, por parte dos psicólogos que propugnam por avaliações de
orientação comportamental e biológica.
Atualmente, há indiscutível ênfase no uso de instrumentos mais objetivos,
interesse por entrevistas diagnósticas mais estruturadas, notadamente com o
incremento no desenvolvimento de avaliações computadorizadas de personalidade,
que vêm oferecendo novas estratégias neste campo (Butcher, Keller & Bacon, 1985).
Também, as necessidades de manter um embasamento científico para oferecer
respostas adequadas e compatíveis com os progressos de outros ramos da ciência,
especialmente em termos de questões diagnósticas, criadas por modificações
introduzidas nas classificações oficiais, têm levado à revisão, renormatização e
criação de novas estratégias de avaliação.
Aliás, Zacker, já em 1989, afirmava que o reconhecimento da qualidade do
psicodiagnóstico tem que ver, em primeiro lugar, com um refinamento dos
instrumentos e, em segundo lugar, com estratégias de marketing de que o psicólogo
deve lançar mão para aumentar a utilização dos serviços de avaliação pelos
receptores de laudos. Na mesma década, GrothMarnat (1984) salientava a
importância do profissional se familiarizar com as reais necessidades do usuário,
observando que, muitas vezes, psicólogos competentes acabam por “fornecer uma
grande quantidade de informações inúteis para as fontes de encaminhamento” por
falta de uma compreensão adequada das verdadeiras razões que motivaram o
encaminhamento ou, em outras palavras, por desconhecimento das decisões que
devem ser tomadas com base nos resultados do psicodiagnóstico. Recentemente

35
(1999), insistiu na mesma ideia, afirmando que o psicólogo clínico deve “entender o
vocabulário, o modelo conceitual, a dinâmica e as expectativas da fonte de
encaminhamento”.
As sugestões apontadas, de conhecer as necessidades do mercado e de
desenvolver estratégias de conquista desse mercado, parecem se fundamentar na
pressuposição de que o psicólogo, sobrecarregado com suas tarefas, não está
avaliando a adequabilidade de seus dados em relação ao público usuário.
Mas que público é esse? Que serviços ou profissionais podem ter necessidade
de solicitar psicodiagnósticos? Primeiramente, vejamos onde costuma trabalhar um
psicólogo que lida com psicodiagnóstico. Segundo Groth-Marnat (1999), o psicólogo
clínico mais frequentemente exerce suas funções numa instituição que presta serviços
psiquiátricos ou de medicina geral, num contexto legal ou educacional, bem como em
clínicas psicológicas. Em termos de Brasil, embora cada vez mais se encontrem
profissionais da psicologia trabalhando nesses ambientes, especialmente em
instituições de cuidados com a saúde, é muito comum que o psicodiagnóstico se
realize em clínicas ou em consultórios psicológicos, em que ele recebe
encaminhamento principalmente de médicos psiquiatras ou de outra especialidade
(pediatras, neurologistas, etc.), da comunidade escolar, de juízes ou de advogados,
ou atende casos que procuram espontaneamente um exame, ou são recomendados
a fazê-lo por algum familiar ou amigo.
A questão básica com que se defronta o psicólogo é que, embora um
encaminhamento seja feito, porque a pessoa necessita de subsídios para basear uma
decisão para resolver um problema, muitas vezes ela não sabe claramente que
perguntas levantar ou, por razões de sigilo profissional, faz um encaminhamento vago
para uma “avaliação psicológica”. Em consequência, uma das falhas comuns do
psicólogo é a aceitação tácita de tal encaminhamento, com a realização de um
psicodiagnóstico, cujos resultados não são pertinentes às necessidades da fonte de
solicitação.
É, pois, responsabilidade do clínico manter canais de comunicação com os
diferentes tipos de contextos profissionais para os quais trabalha, familiarizando-se
com a variabilidade de problemas com que se defrontam e conhecendo as diversas
decisões que os mesmos pressupõem. Mais do que isso: deve determinar e
esclarecer o que dele se espera, no caso individual. Esta é uma estratégia de
aproximação, que lhe permitirá adequar seus dados às necessidades das fontes de

36
encaminhamento, de forma que seus resultados tenham o impacto que merecem e o
psicodiagnóstico receba o crédito a que faz jus.

4.1 Caracterização do Processo

4.1.1.1 Definição

Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza


técnicas e testes psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender
problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos,
seja para classificar o caso e prever seu curso possível, comunicando os resultados
(output), na base dos quais são propostas soluções, se for o caso.
Caracterizamos o psicodiagnóstico como um processo científico, porque deve
partir de um levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou infirmadas
através de passos predeterminados e com objetivos precisos. Tal processo é limitado
no tempo, baseado num contrato de trabalho entre paciente ou responsável e o
psicólogo, tão logo os dados iniciais permitam estabelecer um plano de avaliação e,
portanto, uma estimativa do tempo necessário (número aproximado de sessões de
exame).
O plano de avaliação é estabelecido com base nas perguntas ou hipóteses
iniciais, definindo-se não só quais os instrumentos necessários, mas como e quando
utilizá-los. Pressupõe-se, naturalmente, que o psicólogo saiba que instrumentos são
eficazes quanto a requisitos metodológicos. Portanto, a questão, aqui, é o quanto
certos instrumentos podem ser eficientes, se aplicados com um propósito específico,
para fornecer respostas a determinadas perguntas ou testar certas hipóteses.
Selecionada e administrada uma bateria de testes, obtêm-se dados que devem ser
inter-relacionados com as informações da história clínica, da história pessoal ou com
outras, a partir do elenco das hipóteses iniciais, para permitir uma seleção e uma
integração, norteada pelos objetivos do psicodiagnóstico, que determinam o nível de
inferências que deve ser alcançado.
Tais resultados são comunicados a quem de direito, podendo oferecer
subsídios para decisões ou recomendações.

37
4.1.1.2 Objetivos

O processo do psicodiagnóstico pode ter um ou vários objetivos, dependendo


dos motivos alegados ou reais do encaminhamento e/ou da consulta, que norteiam o
elenco de hipóteses inicialmente formuladas, e delimitam o escopo da avaliação.
Portanto, relacionam-se essencialmente com as questões propostas e com as
necessidades da fonte de solicitação e “determinam o nível de inferências que deve
ser alcançado na comunicação com o receptor” (Cunha, 1996).
Resumidamente, os objetivos mais comuns são apresentados no Quadro 1.
Como se pode pressupor, dependendo da simplicidade ou da complexidade
das questões propostas, variam os objetivos.
As perguntas mais elementares que podem ser formuladas, em relação a uma
capacidade, um traço, um estado emocional, seriam: “Quanto?” ou “Qual?”. Um
exemplo comum de exame com tal objetivo seria o de avaliação do nível intelectual,
que permitiria uma classificação simples. O examinando é submetido a testes,
adequados a sua idade e nível de escolaridade. São levantados escores, consultadas
tabelas, e os resultados são fornecidos em dados quantitativos, classificados
sumariamente.
Estritamente, se o examinador se restringe a tal objetivo, sua tarefa seria
caracterizada mais como a de um psicometrista do que a de um psicólogo clínico.
Todavia, o psicólogo clínico, que não perde a referência da pessoa do examinando,
dificilmente iria se restringir a tal objetivo, porque analisaria escores dos subtestes (se
tivesse usado um instrumento WIS), bem como diferenças inter e intratestes, que são
suscetíveis de interpretação. Então, teria condições de identificar forças e fraquezas
no funcionamento intelectual. No caso, o objetivo do exame seria de descrição. Mas,
se se detivesse a examinar certos erros e desvios, poderia levantar pistas que
servissem de base para hipóteses sobre a presença de déficits cognitivos. O objetivo
ainda seria o de descrição, mas o processo seria mais complexo.

1 Objetivos de uma avaliação psicológica clínica


Objetivos Especificação
Classificação O exame compara a amostra do comportamento do examinando com os resultados
Simples de outros sujeitos da população geral ou de grupos específicos, com condições
demográficas equivalentes; esses resultados são fornecidos em dados

38
quantitativos, classificados sumariamente, como em uma avaliação de nível
intelectual.
Descrição Ultrapassa a classificação simples, interpretando diferenças de escores,
identificando forças e fraquezas e descrevendo o desempenho do paciente, como
em uma avaliação de déficits neuropsicológicos.
Classificação Hipóteses iniciais são testadas, tomando como referência critérios diagnósticos.
Nosológica
Diagnóstico São investigadas irregularidades ou inconsistências do quadro sintomático, para
diferencial diferenciar alternativas diagnósticas, níveis de funcionamento ou a natureza da
patologia.
Avaliação É determinado o nível de funcionamento da personalidade, são examinadas as
Compreensiva funções do ego, compreensiva em especial a de insight, condições do sistema de
defesas, para facilitar a indicação de recursos terapêuticos e prever a possível
resposta aos mesmos.
Entendimento Ultrapassa o objetivo anterior, por pressupor um nível mais elevado de inferência
dinâmico clínica, havendo uma integração de dados com base teórica. Permite chegar a
explicações de aspectos comportamentais nem sempre acessíveis na entrevista, à
antecipação de fontes de dificuldades na terapia e à definição de focos terapêuticos,
etc.
Prevenção Procura identificar problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa de
forças e fraquezas do ego, de sua capacidade para enfrentar situações novas,
difíceis, estressantes.
Prognóstico Determina o curso provável do caso.
Perícia Fornece subsídios para questões relacionadas com “insanidade”, competência para
forense o exercício das funções de cidadão, avaliação de incapacidades ou patologias que
podem se associar com infrações da lei, etc.
Fonte: Cunha, in Taborda, Prado-Lima & Busnello, 1996

Também seria descritivo o exame do estado mental do paciente ou o exame


das funções do ego, frequentemente realizados sem a administração de testes, pelo
que não são de competência exclusiva do psicólogo. O exame do estado mental do
paciente, por exemplo, é um tipo de recurso diagnóstico que envolve a exploração da
presença de sinais e sintomas, eventualmente utilizando provas muito simples, não-
padronizadas, para uma estimativa sumária de algumas funções, como atenção e
memória. Este constitui um exame subjetivo de rotina em clínicas psiquiátricas, muitas
vezes complementado por um exame objetivo.
Frequentemente, dados resultantes desse exame, da história clínica e da
história pessoal permitem atender ao objetivo de classificação nosológica. Essa

39
avaliação com tal objetivo é realizada pelo psiquiatra e, também, pelo psicólogo,
quando o paciente não é testável. Nesse caso específico, pode-se dizer que ambos
usam preferencialmente um modelo categórico para analisar a psicopatologia, isto é,
devem fazer um julgamento clínico sobre a presença ou não de uma configuração de
sintomas significativos (Dobson & Cheung, 1990). Dessa maneira, estariam
verificando o que o paciente tem de similar com outros pacientes na mesma categoria
diagnóstica. Se o trabalho se restringisse a chegar a um código classificatório, não
caberia a sua qualificação como psicodiagnóstico propriamente dito.
Não obstante, quando o paciente apresenta condições para testagem, é
possível se desenvolver um psicodiagnóstico em estrito senso: o psicólogo organiza
seu plano de avaliação e lança mão de uma bateria de testes, para verificar
cientificamente suas hipóteses, ou, ainda, para levantar outras a serem analisadas,
conforme a história e o contexto de vida do paciente. A classificação nosológica, além
de facilitar a comunicação entre profissionais, contribui para o levantamento de dados
epidemiológicos de uma comunidade. Assim, deve ser usada, mas, num
psicodiagnóstico, a tarefa não se restringe a conferir quais os critérios diagnósticos
que são preenchidos pelo caso.
Outro objetivo praticamente associado a esse é o de diagnóstico diferencial. O
psicólogo investiga irregularidades e inconsistências do quadro sintomático e/ou dos
resultados dos testes para diferenciar categorias nosológicas, níveis de
funcionamento, etc. Naturalmente, para trabalhar com tal objetivo, o psicólogo, além
de experiência e de sensibilidade clínica, deve ter conhecimentos avançados de
psicopatologia e de técnicas sofisticadas de diagnóstico.
O objetivo de avaliação compreensiva considera o caso numa perspectiva mais
global, determinando o nível de funcionamento da personalidade, examinando
funções do ego, em especial quanto a insight, para indicação terapêutica ou, ainda,
para estimativa de progressos ou resultados de tratamento. Não chega
necessariamente à classificação nosológica, embora esta possa ocorrer
subsidiariamente, uma vez que o exame pode revelar alterações psicopatológicas.
Mas, de qualquer forma, envolve algum tipo de classificação, já que a determinação
do nível de funcionamento é especialmente importante para a indicação terapêutica,
definindo limites da responsabilidade profissional. Assim, um paciente em surto
poderia requerer hospitalização e prescrição farmacológica sob os cuidados de um
psiquiatra. Um paciente que enfrenta uma crise vital pode se beneficiar com uma

40
terapia breve com um psicoterapeuta. Pressupõe-se que certas funções do ego
estejam relativamente intactas para que haja uma resposta terapêutica adequada para
determinados tipos de tratamento.
Basicamente, podem não ser utilizados testes. Esse é um objetivo explícito ou
implícito nos contatos iniciais do paciente com psiquiatras, psicanalistas e psicólogos
de diferentes linhas de orientação terapêutica. Entretanto, se o objetivo é atingido por
meio de um psicodiagnóstico, obtêm-se evidências mais objetivas e precisas, que
podem, inclusive, servir de parâmetro para avaliar resultados terapêuticos, mais tarde,
através de um reteste.
O objetivo de entendimento dinâmico, em sentido lato, pode ser considerado
como uma forma de avaliação compreensiva, já que enfoca a personalidade de
maneira global, mas pressupõe um nível mais elevado de inferência clínica. Através
do exame, procura-se entender a problemática de um sujeito, com uma dimensão
mais profunda, na perspectiva histórica do desenvolvimento, investigando fatores
psicodinâmicos, identificando conflitos e chegando a uma compreensão do caso com
base num referencial teórico.
Um exame desse tipo requer entrevistas muito bem conduzidas, cujos dados
nem sempre são consubstanciados pelos passos específicos de um psicodiagnóstico,
não sendo, portanto, um recurso privativo do psicólogo clínico. Frequentemente,
combina-se com os objetivos de classificação nosológica e de diagnóstico diferencial.
Porém, quando é um objetivo do psicodiagnóstico, leva não só a uma abordagem
diferenciada das entrevistas e do material de testagem, como a uma integração dos
dados com base em pressupostos psicodinâmicos.
Um psicodiagnóstico também pode ter um objetivo de prevenção. Tal exame
visa a identificar problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa de
forças e fraquezas do ego, bem como da capacidade para enfrentar situações novas,
difíceis, conflitivas ou ansiogências. Em sentido lato, pode ser realizado por outros
profissionais de uma equipe de saúde pública. Muitas vezes, é levado a efeito
utilizando recursos de triagem, procurando atingir o maior número de casos no menor
espaço de tempo, portanto, não pressupondo maior profundidade no levantamento de
certos indícios de possível patologia, apenas para dar fundamentação ao
desenvolvimento de programas preventivos, com grupos maiores. Não obstante, num
exame individual, que pode requerer uma dimensão mais profunda, especialmente

41
envolvendo uma estimativa de condições do ego frente a certos riscos ou no
enfrentamento de situações difíceis, seria indicado um psicodiagnóstico.
Outro objetivo é o de prognóstico, que depende fundamentalmente da
classificação nosológica, e, neste sentido, não é privativo do psicólogo. Em muitos
casos, todavia, este pode dar uma contribuição importante, na medida em que, por
meio do psicodiagnóstico, pode avaliar condições que, de alguma forma, possam ter
influência no curso do transtorno. Entretanto, trata-se de uma área que ainda exige
muitas pesquisas tanto para a coleta de dados estatísticos sobre o curso possível de
certos transtornos quanto sobre a utilização mais adequada da testagem com esse
objetivo.
Por último, existe um objetivo de perícia forense. O exame procura resolver
questões relacionadas com “insanidade”, competência para o exercício de funções de
cidadão, avaliação de incapacidade ou de comprometimentos psicopatológicos que
etiologicamente possam se associar com infrações da lei, etc.
Geralmente, é colocada uma série de quesitos que o psicólogo deve responder
para instruir um determinado processo. Suas respostas devem ser claras, precisas e
objetivas. Portanto, deve haver um grau satisfatório de certeza quanto aos dados dos
testes, o que é bastante complexo, porque “os dados descrevem o que uma pessoa
pode ou não fazer no contexto da testagem, mas o psicólogo deve ainda inferir o que
ele acredita que ela poderia ou não fazer na vida cotidiana” (Groth-Marnat, 1984,
p.25). As respostas fornecem subsídios para instruir decisões de caráter vital para o
indivíduo. Consequentemente, a necessidade de chegar a inferências que tenham tais
implicações pode se tornar até certo ponto ansiogênica para o psicólogo.
Na realidade, comumente o psiquiatra é nomeado como perito e solicita o
exame psicológico para fundamentar o seu parecer. Não obstante, muitas vezes, o
psicólogo é chamado para colaborar com a justiça, de forma independente.

4.1.1.3 Responsabilidade

O diagnóstico psicológico pode ser realizado:


a) pelo psicólogo, pelo psiquiatra (e, eventualmente, pelo neurologista ou
psicanalista), com vários objetivos (exceto o de classificação simples), desde que seja
utilizado o modelo médico apenas, no exame de funções, identificação de patologias,
sem uso de testes e técnicas privativas do psicólogo clínico;
42
b) pelo psicólogo clínico exclusivamente, para a consecução de qualquer ou
vários dos objetivos, quando é utilizado o modelo psicológico (psicodiagnóstico),
incluindo técnicas e testes privativos desse profissional;
c) por equipe multiprofissional (psicólogo, psiquiatra, neurologista, orientador
educacional, assistente social ou outro), para a consecução dos objetivos citados e,
eventualmente, de outros, desde que cada profissional utilize o seu modelo próprio,
em avaliação mais complexa e inclusiva, em que é necessário integrar dados muito
interdependentes (de natureza psicológica, médica, social, etc.).
Na prática, o encaminhamento de casos, com vistas a um diagnóstico, para o
psicólogo clínico ou para o psiquiatra, tende a obedecer a critérios não completamente
explícitos que provavelmente têm uma raiz histórica.
O psicodiagnóstico surgiu como consequência do advento da psicanálise, que
ofereceu novo enfoque para o entendimento e a classificação dos transtornos mentais.
Anteriormente, o modelo para o estudo das doenças mentais remontava ao trabalho
de Kraepelin e outros e às suas tentativas para estabelecer critérios de diagnóstico
diferencial para a esquizofrenia.
No período anterior a Freud, o enfoque do transtorno mental era nitidamente
médico. Os pacientes de interesse para a ciência médica apresentavam quadros
graves, estavam hospitalizados, e eram identificados sinais e sintomas que
compunham as síndromes.
No período freudiano, a abordagem mudou. Os pacientes atendidos não
apresentavam quadros tão severos, não estavam internados, e, embora fossem
levados em conta os seus sintomas, estes eram percebidos de maneira compreensiva
e dinâmica.
Esta tendência de considerar os pacientes em termos de duas grandes
categorias de transtornos de certa forma persiste. Os pacientes que apresentam
transtornos mais graves e que podem precisar de hospitalização tendem a ser
encaminhados para psiquiatras, enquanto os casos menos graves costumam ser
encaminhados para psicólogos ou psiquiatras, de acordo com o conceito de transtorno
mental e da avaliação da gravidade dos sintomas pela pessoa que identifica o
problema e faz o encaminhamento. Na realidade, a atribuição da responsabilidade
pelo diagnóstico tradicionalmente vem se baseando numa avaliação sumária do caso
e numa expectativa do tipo de tratamento necessário. Mas essa posição vem
tendendo a mudar pela consideração do tipo de exame que o caso individual requer.

43
Atualmente, com possível exceção das urgências psiquiátricas, os encaminhamentos
começam a ser feitos tendo em vista a complexidade do caso e não a sua gravidade,
e, consequentemente, a necessidade de que o diagnóstico seja feito por meio de um
exame mais ou menos sofisticado.
A definição mais explícita dos casos, cujo diagnóstico deve ser da
responsabilidade do psicólogo, pelos membros da sociedade em geral, vai depender
essencialmente da atuação profissional do psicólogo e da adequabilidade das
respostas que puder dar às necessidades reais do mercado. Sua identidade se
associa, portanto, à qualidade do seu desempenho.

4.2 Operacionalização

Em termos de operacionalização, devem ser considerados os comportamentos


específicos do psicólogo e os passos para a realização do diagnóstico com um modelo
psicológico de natureza clínica.
Os comportamentos específicos do psicólogo podem ser assim relacionados,
embora possam variar na sua especificidade e na sua seriação, conforme os objetivos
do psicodiagnóstico:
a) determinar motivos do encaminhamento, queixas e outros problemas iniciais;
b) levantar dados de natureza psicológica, social, médica, profissional e/ou
escolar, etc. sobre o sujeito e pessoas significativas, solicitando eventualmente
informações de fontes complementares;
c) colher dados sobre a história clínica e história pessoal, procurando
reconhecer denominadores comuns com a situação atual, do ponto de vista
psicopatológico e dinâmico;
d) realizar o exame do estado mental do paciente (exame subjetivo),
eventualmente complementado por outras fontes (exame objetivo);
e) levantar hipóteses iniciais e definir os objetivos do exame;
f) estabelecer um plano de avaliação;
g) estabelecer um contrato de trabalho com o sujeito ou responsável;
h) administrar testes e outros instrumentos psicológicos;
i) levantar dados quantitativos e qualitativos;

44
j) selecionar, organizar e integrar todos os dados significativos para os objetivos
do exame, conforme o nível de inferência previsto, com os dados da história e
características das circunstâncias atuais de vida do examinando;
l) comunicar resultados (entrevista devolutiva, relatório, laudo, parecer e outros
informes), propondo soluções, se for o caso, em benefício do examinando;
m) encerrar o processo.

4.2.1.1 Passos do diagnóstico (modelo psicológico de natureza clínica)

De forma bastante resumida, os passos do diagnóstico, utilizando um modelo


psicológico de natureza clínica, são os seguintes:
a) levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da consulta e
definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame;
b) planejamento, seleção e utilização de instrumentos de exame psicológico;
c) levantamento quantitativo e qualitativo dos dados;
d) integração de dados e informações e formulação de inferências pela
integração dos dados, tendo como pontos de referência as hipóteses iniciais e os
objetivos do exame;
e) comunicação de resultados, orientação sobre o caso e encerramento do
processo.

45
5 A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA SAÚDE

Fonte:psicocare.net

A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como


uma adequada ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico
diferencial, tipo de tratamento necessário e prognóstico. A detecção precoce de
problemas comportamentais e/ou distúrbios psicológicos/psiquiátricos em pacientes
inseridos em ambientes médicos pode significar um grande diferencial com relação
ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao paciente, bem como diminuição do
sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo que a avaliação psicológica
não necessariamente deve estar ligada somente a pacientes hospitalizados, mas
também a diversos espaços e especialidades em saúde, tais como clínicas
particulares de especialidades ou centros de saúde (Stout & Cook, 1999).
Levando-se em consideração a complexidade dos ambientes médicos, a
avaliação psicológica deve ser alicerçada em um corpo de conhecimento acumulado
por intermédio do binômio prática/pesquisa, por isso a importância do contínuo
desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos específicos de avaliação
psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde (Baptista & Dias,
2003; Belar, 1997). Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental,
principalmente as internacionais, vem crescendo exponencialmente nas últimas três
décadas (Montgomery, 2004).

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A avaliação psicológica está baseada no método científico e a aplicação de
instrumentos psicológicos é uma parte apenas, porém importante, de todo um
processo. Noronha (1999) relata a avaliação psicológica como um processo que pode
(ou não), incluir testes padronizados como um dos recursos para atingir seus
objetivos. Nela estão envolvidos a coleta das informações, os instrumentos e as
diversas formas de medidas para que se possa chegar a uma conclusão. Ou seja, o
processo de avaliação psicológica pode incluir diferentes procedimentos de medidas,
identificar dimensões específicas do sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles.
Portanto, cada procedimento de medida, como explica Pasquali (2001), ou de
investigação, requer um resultado síntese, que não pode ser confundido com o
resultado final, pois este está relacionado com a análise de todos os dados colhidos
durante o processo. Os testes psicológicos, como lembram Anastasi e Urbina (2000),
podem ser considerados essencialmente como uma medida objetiva e padronizada
de uma amostra de comportamento. Eles não medem diretamente as capacidades e
funções, mas amostras que devem representar adequadamente o fenômeno
estudado. São, na realidade, semelhantes a qualquer outro teste científico, uma vez
que por meio de uma pequena amostra, mas cuidadosamente escolhida, são
realizadas as observações do comportamento da pessoa. Assim, como instrumentos
de medida, devem apresentar certas características que possam justificar como
confiáveis os dados que por eles foram produzidos.
Apesar da confusão entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos,
existente na população leiga e mesmo entre alguns profissionais, a avaliação deve
sempre manter um compromisso ético e humanitário, que leva obrigatoriamente a
compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e limitações. O seu
objetivo não é o de dar um simples rótulo, mas, sim, descrever, por meio de técnicas
reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns
aspectos da vida de uma pessoa, ou de um grupo (Tavares, 2004).
No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da formulação
atual do conceito de saúde e das causas das doenças. A saúde não é considerada
apenas como uma ausência de sintomas, pois, uma pessoa pode estar gravemente
enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Por outro lado, as doenças,
atualmente, não são consideradas como possuindo uma única determinação, mas
sim, são multideterminadas. Não existem duas psicologias, uma psicologia da saúde
e uma psicologia da doença. Na realidade, quando se refere à psicologia na saúde, a

47
expressão engloba a vivência de uma pessoa também no seu processo de
adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que envolve múltiplos
fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos, cultura, mitos familiares
(Straub, 2005).
A psicologia na saúde está baseada em evidências e vem ganhando
importância nos meios científico, confirmando resultados práticos da atuação deste
profissional, principalmente em países desenvolvidos. Gildron (2002) aponta para o
desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com o intuito de demonstrar a
eficácia das avaliações e, consequentemente, das intervenções de psicólogos em
ambientes médicos, enfatizando a utilização de ferramentas de avaliação baseadas
em estudos de validade e precisão mais elaborados, o que evitaria a avaliação
baseada somente na intuição clínica.
O desenvolvimento de protocolos de avaliação de pacientes é fundamental
para o desenvolvimento de guias de tratamento mais eficientes. Como bem assinalam
Belar e Deardorff (1995), o tipo de serviço prestado, o objetivo do profissional, bem
como o setor em que se situa o profissional são algumas das variáveis que
influenciarão diretamente a forma como o psicólogo desenvolverá seu protocolo de
avaliação psicológica. De maneira geral, as informações necessárias para uma
avaliação minimamente adequada estão relacionadas ao estado geral do paciente, as
mudanças que ocorreram desde o início da doença e o histórico passado,
principalmente aquele relacionado ao enfrentamento de situações de doença
anteriores.
A avaliação proposta também deve levar em consideração as peculiaridades
do sistema de saúde, bem como os suportes sociais/familiares que o paciente vem
recebendo, a fim de contextualizar o tipo de avaliação psicológica e,
consequentemente o tipo de intervenção mais específica. Apesar das diferentes
visões que vários autores possuem sobre os objetivos e passos de uma avaliação
psicológica em ambientes de saúde, Belar e Deardorff (1995) relatam um modelo das
principais metas de avaliação de um psicólogo da saúde em ambientes hospitalares,
divididos em domínios (biológico/físico, afetivo, cognitivo e comportamental) em
unidades (paciente, família, sistema de saúde e contexto sociocultural) e relatados de
forma simplificada a seguir:
• Metas biológicas - avaliação de aspectos tais como natureza, localização,
frequência dos sintomas, tipos de tratamento recebido e suas características (ex.

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altamente invasivos), informações de sinais vitais e exames (ex. presença de álcool
no sangue), além de informações genéticas e procedimentos médicos anteriores à
internação;
• Metas Afetivas - avaliação sobre os sentimentos do paciente sobre a doença,
tratamento, futuro, limitações e histórico de variações de humor;
• Metas Cognitivas - conhecimento do paciente sobre o quadro e a situação de
saúde, manutenção de funções como percepção, memória, inteligência, tipo de
padrões de avaliação da situação (crenças), percepção de controle da situação (lócus
de controle), capacidade de avaliação de custo/benefício de opções de tratamentos,
expectativas sobre intervenções.
• Metas comportamentais - reações do paciente, tais como expressões faciais,
sinais de ansiedade (postura, contato), estilos de comportamento frente à internação
(hostil, ansioso) e hábitos de risco ou protetores.
Para o registro das informações citadas anteriormente, Karel (2000), Belar e
Deardorff (1995) agrupam as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de
estratégias que podem ser utilizadas na obtenção dos dados, por intermédio de
questionários, diários, observações, medidas psicofisiológicas, dados de prontuários
e instrumentos com qualidades psicométricas. Nesse sentido os questionários podem
ser de grande valia na economia de tempo e/ou como direcionadores em entrevistas
mais específicas; os diários são importantes na recuperação de informação sobre
comportamentos e pensamentos relacionados à saúde e podem ser utilizados com
linhas de base, apesar de serem questionados sobre as qualidades psicométricas. As
observações podem ser realizadas de forma estruturada durante as visitas ou
superestruturada, com situações de role-playing filmadas; já as medidas
psicofisiológicas são adequadas quando do uso de técnicas de biofeedback. Os dados
de prontuários, apesar de serem muito úteis devem ser vistos com muita cautela, já
que dependem da cultura do hospital/país e profissionais em operacionalizarem
detalhadamente as informações sobre o paciente. Para Matarazzo (1990), a avaliação
psicológica é mais adequada quando envolve não somente o uso de testes
psicológicos. Ela deve ser complementada por entrevistas clínicas direcionadas ao
problema, observações sistemáticas do comportamento, troca de informações com
equipe de saúde (enfermeiras, médicos, terapeutas ocupacionais, etc.), dentre outras
estratégias.

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Por último, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) relatam sobre a importância
da utilização de instrumentos com qualidades psicométricas comprovadas. Pode-se
ainda dividir alguns instrumentos em amplo e estreito espectro, sempre levando em
consideração algumas variáveis tais como o objetivo da avaliação psicológica,
contexto em que se insere, tempo disponível do profissional e paciente, treinamento
do profissional, características do quadro do paciente, dentre outras.
As medidas de amplo espectro se referem a instrumentos que possuem por
objetivo avaliarem características da personalidade do paciente, tais como o Sixteen
Personality Factor Inventory (16 PF), Minnesotta Multiphasic Personality Inventory
(MMPI), Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI), Symptom Check List-90 Revised
(SCL-90-R), sendo que alguns destes possuem qualidades psicométricas adequadas
para a população brasileira e outros ainda não possuem ou estão em estudo. Já os
instrumentos de estreito espectro seriam aqueles mais específico para uma
determinada condição ou situação, tais como o Beck Depression Inventory (BDI),
Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD), Mini-Mental-State Exam (MMS), Family
Environment Scale (FES), Multidimensional Health Locus of Control (MHLC), Câncer
Inventory of Problem Situations (CIPS), dentre outros, sendo que, da mesma forma,
alguns já estão adaptados para a cultura brasileira e outros não estão ou estão sendo
estudados por pesquisadores/equipes especialistas em avaliação psicológica.
Protocolos de avaliação psicológica em ambientes da saúde podem ser
considerados como guias de avaliação específicos para especialidades e serviços
com características próprias. Nos casos de atendimentos pré e pós-operatórios de
serviços como o gastrologia, mais direcionado à obesidade mórbida ou mesmo
acompanhamento de obesos em SPAS, avaliação e acompanhamento de pacientes
com transtornos de humor, em nível ambulatorial ou enfermaria, condições
psicológicas secundárias à presença de doenças, desordens psicofisiológicas
associadas a problemas de saúde, avaliações relacionadas à questão da adesão ao
tratamento; doenças consideradas de cunho psicossomático, programas de avaliação
para auxiliar pacientes e familiares a desenvolverem estratégias de enfrentamento de
doenças crônicas, modificação de comportamentos de risco em detrimento de
diagnóstico de doenças específicas, avaliação e acompanhamento de mães com
bebês de alto-risco internados em UTI Neonatal, dentre outras possibilidades (Baptista
& Dias, 2003; Stout & Cook, 1999).

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A avaliação psicológica no contexto da saúde possui alguns objetivos. Entre
eles pode-se destacar a sistematização das informações dos vários aspectos do
funcionamento do paciente, como dados perceptuais, motores e funcionamento.
Formas objetivas de se obter informações sem a necessidade de avaliação
essencialmente subjetiva, a fim de elucidar hipóteses que são necessárias para a
intervenção. Os testes mais utilizados em ambientes médicos são aqueles que
avaliam funções intelectuais, escalas auto administradas (quando possível),
inventários de personalidade, testes projetivos (quando cabível), além dos testes
neuropsicológicos que muitas vezes são utilizados para realizar um diagnóstico
diferencial. No entanto, a utilização de testes nem sempre é necessária,
principalmente em casos em que o diagnóstico se mostra claramente aos profissionais
ou casos em que os níveis de funcionamento do paciente estão evidentemente
relacionados a estressores específicos do ambiente de saúde ou estado do paciente
(Spikoff & Oss 1995).
Os protocolos de avaliação psicológica em ambientes médicos também devem
ser pensados não somente em termos de quais medidas serão avaliadas ou testadas
em determinadas situações, mas é importante levar em consideração que há uma
inter-relação entre condições crônicas de saúde, intervenções farmacológicas, fatores
psicológicos, sociais e econômicos associados a uma investigação compreensiva
para a identificação das causas do problema do paciente. Sendo assim, a qualidade
da avaliação depende, em grande parte, da habilidade do avaliador em recolher e
contingenciar as diversas variáveis relativas ao estado de saúde (Schneider &
Amerman, 1997). Neste sentido deve-se tomar um cuidado extra para não transformar
protocolos de avaliação em formas "enfaixadas" de avaliação, as quais, de forma
contrária, ao invés de propiciarem linhas guias para o tratamento, acabam por limitar
a compreensão do problema.

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