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11 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 52
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1 EMOÇÕES E SISTEMA IMUNOLÓGICO
Fonte:4.bp.blogspot.com
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Um segundo momento na conceitualização dos desafios colocados pelos
acontecimentos de vida sobre a saúde física e emocional começou a ter em conta as
características psicológicas e as estratégias de confronto utilizadas pelos sujeitos para
lidar com essas situações. Este desenvolvimento assume que o impacto de uma
situação no sujeito depende da avaliação que o sujeito faz dela, bem como das
estratégias que mobiliza de modo a fazer-lhe face.
Assim, enquanto alguns investigadores procuram averiguar o impacto de
acontecimentos de vida na saúde e/ou no sistema imunológico; outros tentam
diferenciar o efeito dos acontecimentos de vida em função das emoções envolvidas,
do estilo cognitivo, ou das características de personalidade da pessoa.
Uma terceira abordagem sugere que o processamento dos acontecimentos de
vida, especialmente das situações traumáticas, os significados que os sujeitos
constroem, ou as estratégias de coping que vão sendo utilizadas, passam por uma
série de fases sobre as quais poderá haver uma intervenção de modo a diminuir os
efeitos nefastos sobre o sistema imunológico. A psicoterapia ou outras estratégias
poderão ser concebidas como formas de intervir nesta sequência, contribuindo para
acelerar o processo de lidar com o trauma e prevenindo os potenciais efeitos nefastos
sobre a saúde de uma determinada experiência.
Neste caso, é assumido que existe um processo fluído ao longo do qual os
sujeitos vão elaborando os acontecimentos de vida mais difíceis, havendo tarefas que
facilitam esse trabalho. Nos pontos que a seguir se apresentam serão descritos os
estudos realizados no âmbito destas três perspectivas.
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meses depois que, quando comparados com um grupo de controle, estes idosos
tinham menos problemas de saúde e menor número de mortes. Assim, esta atividade
simples pareceu ser suficiente para dar sentido à vida destes idosos
institucionalizados cuja possibilidade de estabelecer relações significativas é, em
geral, bastante diminuta, e este acontecimento teve um impacto positivo sobre a
saúde.
Outros estudos realizados ao longo dos anos sessenta, setenta e início de
oitenta estabeleceram uma ligação entre alguns tipos de acontecimentos e saúde. Em
alguns estudos clássicos foi verificado que o ajustamento a acontecimentos de vida
associado a stress prolongado, como casamento, divórcio, problemas no emprego,
morte, catástrofes naturais ou provocadas por erros humanos conduz a uma
diminuição da saúde dos protagonistas ou vítimas destes problemas (e.g. Holmes &
Rahe, 1967; Kanner, Coyne, Schaefer & Lazarus, 1981; Dohrenwend, 1982). Apesar
da importância destes estudos correlacionais, eles são omissos sobre os mecanismos
que poderão estar envolvidos nestes resultados.
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2 ESTUDO DO EFEITO DO STRESS
Fonte: jornalosemeador.com.br
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número de linfócitos totais e células T, menor reação dos linfócitos NK e maior número
de anticorpos aos vírus herpes.
Para além do efeito do stress relacionado com as épocas de exames e com o
cuidado de doentes, foram igualmente avaliados os efeitos de uma variedade de
acontecimentos que incluem situações tão diversas como desastres naturais,
desemprego, guerra, acidente nuclear ou conflitos conjugais. Por exemplo McKinnon,
Weiss, Reynolds, Bowles e Baum (1989) verificaram que os residentes à volta de uma
Central Nuclear em que houve uma ameaça de acidente tiveram mais doenças nos
meses seguintes. As análises sobre a função imunológica permitiram verificar uma
diminuição das células B, Células T CD3, CD4 e NK e menor produção de anticorpos
em reação à vacina de hepatite B. Por seu lado Kiecolt-Glaser, Malarkey, Chee,
Newton, Cacioppo (1993) verificaram que em casais com comportamentos mais
negativos e hostis, e que estão passando por momentos de mal-estar na relação, têm
maiores diminuições nas NK e menor resposta de proliferação dos linfócitos.
Uma outra forma de avaliar o efeito do stress sobre o sistema imunológico é
pedir para os sujeitos registarem o nível de stress percebido, relacionando esse relato
com medidas do sistema imunológico ou medidas de infecção. Por exemplo, Jabaaij,
Grosheid, Heijink, Duivenvoorden, Ballieux, Vingerhoets (1993) utilizaram a medida
da produção de anticorpo em reação à vacina de hepatite B para analisar a relação
entre stress percebido e resposta imunológica. Os seus resultados indicam que
quanto mais stress percebido, menor produção de anticorpo, um indicador de
capacidade imunológica diminuída.
De modo a avaliar a relação entre experiências de stress e vulnerabilidade à
doença, especificamente ao vírus da gripe, Cohen, Tyrrell e Smith (1991, 1993)
realizaram um estudo extremamente rigoroso em termos metodológicos com mais de
400 sujeitos em que foi avaliada a relação entre o relato de stress e a resposta à
inoculação de vários tipos de vírus de gripe. Neste estudo verificou-se uma relação
significativa entre o nível de stress sentido e a contração da doença, mostrando bem
que a resistência à doença estava diminuída nos sujeitos que sentiram mais stress.
Em suma, os resultados dos diferentes estudos sobre o efeito do stress em
contexto naturalista sugerem que, face a situações de stress, o sistema imunológico
exibe sinais de diminuição de competência. Para além disso, os estudos em que foi
realizado um desafio ao sistema imunológico (com inoculação de vírus) revelaram de
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forma consistente que os processos infecciosos eram mais prováveis nos sujeitos com
maior experiência de stress (para uma revisão dos estudos sobre o risco de infecção
respiratória superior e stress cf. Marsland, Bachen, Cohen, & Manuck, 2001).
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3 ESTUDO DO EFEITO DO HUMOR SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA
IMUNOLÓGICO
Fonte:segredosdomundo.r7.com
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Quando, em vez do efeito da depressão, foi avaliado o efeito do humor
deprimido sobre o sistema imunológico em amostras não clínicas, os resultados são
muito semelhantes ao que acontece na depressão: as meta-análises revelaram os
mesmos efeitos que a depressão clínica, nomeadamente menor atividade dos
linfócitos NK e menor proliferação de linfócitos; mas o efeito é menos significativo (cf.
Herbert & Cohen, 1993).
A relação entre funcionamento imunológico e estados associados ao processo
de luto foi igualmente estudado, no contexto do estudo do efeito de estados
emocionais negativos sobre o sistema imunológico. Os estudos realizados com
pessoas em processo de luto permitiram concluir que o seu sistema imunológico está
afetado: foi verificado que as mulheres que tinham ficado viúvas recentemente tinham
uma diminuição na função das células T; ou uma atividade proliferativa inferior de NK
do que as esposas de homens saudáveis.
Estudos realizados por Kemeny, Weiner, Duran, Taylor, Visscher e Fahey
(1995); Irwin, Daniels, Smith, Bloom e Weiner (1987b) e Linn, Linn e Jensen, (1984)
encontraram resultados semelhantes, sendo a imunossupressão maior quanto maior
for o grau de humor negativo. As perdas por separação ou divórcio resultam
igualmente em imunossupressão.
Quando, em vez de olhar para efeito do humor negativo, se procura saber o
efeito do humor positivo sobre o sistema imunológico, verifica-se que existem poucos
estudos sobre o efeito do humor positivo no sistema imunológico. Num estudo
realizado sobre a relação entre acontecimentos do dia a dia e a quantidade de
imunoglobulina A (IgA) em resposta a um antígeno, foi verificado que esta era maior
quando o humor do sujeito era positivo e menor quando o humor do sujeito era
negativo. Curiosamente Futterman, Kemeny, Shapiro e Fahey (1994) verificaram que
a indução de humor positivo e negativo tinha efeito diferenciado na resposta
imunológica: após indução de humor positivo aumentava a proliferação de linfócitos e
o contrário acontecia face à indução de humor negativo.
Em suma, da revisão dos diferentes estudos que procuraram avaliar o efeito da
depressão ou humor triste sobre o sistema imunológico, pode-se concluir que o afeto
negativo está relacionado com uma diminuição da sua competência.
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4 ESTUDO DO EFEITO DAS CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE
SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
Fonte:bancodasaude.com
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Os sujeitos introvertidos são mais suscetíveis de contrair infecções respiratórias
superiores após uma exposição viral (Broadbent, Broadbent, Phillpots, Wallace &
1984; Totman, Kiff, Reedy & Craig, 1980) e têm mais infecções periodontais (Manhold,
1953; cit. por Cohen, 1994)
Medidas diretas sobre o sistema imunológico revelaram que um nível elevado
de repressão estava relacionado com a supressão da resposta imunológica
nomeadamente observável num nível mais elevado do anticorpo do vírus do herpes
(Esterling, Antoni, Kumar, & Schneiderman, 1990; Esterling, Antoni, Fletcher,
Margulies, & Schneiderman, 1994).
Cole e Kemeny (1997) verificaram que os homens soropositivos para HIV que
utilizavam os estilos de coping mais repressivos, evitantes ou de negação, eram
aqueles que tinham uma progressão mais rápida da doença.
Em suma, algumas características da personalidade, especialmente
relacionados com a utilização de estratégias repressivas para lidar com os problemas
e emoções parecem estar relacionadas com mais problemas imunológicos. Este
resultado é consistente com o efeito do suporte social sobre o sistema imunológico,
bem como a importância de elaborar as experiências negativas de modo a proteger
este sistema.
Fonte:asemcantabria.org
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O estudo da relação entre suporte social e saúde tem uma longa história, e
alguns estudos prospectivos mostraram mesmo que a longevidade está relacionada
com a pertença a grupos sociais fortes, sendo a percepção de suporte social um fator
protetor face a estressores (cf. Cohen & Herbert, 1996).
Os sujeitos com mais suporte são mais saudáveis, têm menos probabilidade
de ficar emocionalmente perturbados e de ficar fisicamente doentes (Cohen & Willis,
1985).
Este dado permite afirmar que o efeito do isolamento social em termos de saúde
é comparável ao efeito de outros fatores de risco como fumar, pressão sanguínea,
lipídios no sangue, obesidade e atividade física (House, Landis & Umberson, 1988).
Um dos estudos prospectivos que foi realizado no final dos anos setenta avaliou
a relação entre algumas características dos sujeitos, e o efeito de vírus da gripe sobre
a sua saúde, especificamente o desenvolvimento de alguns tipos de infecções
(Totman, Kiff, Reedy, Craig, 1980).
Para isso os autores inocularam sujeitos com um vírus de gripe e avaliaram os
sintomas de infecção respiratória nos 6 meses seguintes, tendo verificado que as
perdas a nível da atividade social nos três meses anteriores constituíam o melhor
preditor do risco de infecção.
Um outro estudo que avaliou a gravidade e a frequência de episódios de gripe
em função da rede social encontrou um resultado que parece contradizer os modelos
biológicos: são os sujeitos com mais e melhores contatos sociais (situações que
normalmente são associadas a risco aumentado) que têm os episódios de gripe mais
leves e menos frequentes (Cohen, Doyle, Skoner, Bruce, & Gwaltney, 1997).
Resultados que vão no mesmo sentido foram obtidos com outras populações.
KiecoltGlaser, Glaser, Williger, Stout, Messick, Sheppard, Ricker, Romisher, Briner,
Bonnel, e Donnerberg, (1985) e Kiecolt-Glaser, Garner, Speicher, Penn e Glaser,
(1984) verificaram que os estudantes com mais auto relato de solidão têm uma menor
atividade de NK e um nível mais elevado de anticorpo antivírus herpes; efeito
semelhante ao encontrado em doentes psiquiátricos internados, em que foi verificado
que aqueles que relatavam mais solidão demonstravam uma menor atividade dos
linfócitos NK (Kiecolt-Glaser, et al. 1984).
Katcher, Brightman, Luborsky e Ship (1973); Friedman, Katcher e Brightman,
(1977); Manne e Sandler, (1984) e McLarnon e Kaloupek, (1988) verificaram
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igualmente que as pessoas com menos competências sociais e/ou pouco suporte
social têm mais episódios de herpes genital e oral; enquanto Kiecolt et al. (1987)
verificaram que as mulheres separadas e divorciadas têm nível mais elevado de
anticorpo antivírus herpes, menor percentagem de linfócitos NK e menor proliferação
dos linfócitos. Em outro estudo Kiecolt-Glaser, Kennedy, Malkoff, Fisher, Speicher, &
Glaser (1988) encontraram que os homens separados e divorciados têm um nível
mais elevado de anticorpo antivírus herpes, e mais infecções.
Outros estudos que deram resultados que vão no mesmo sentido foram
realizados por Baron, Cutrona, Hicklin, Russel, & Lubaroff (1990) que observaram que
os cônjuges de doentes com cancro com mais apoio social têm uma melhor atividade
dos linfócitos NK e melhor resposta de proliferação dos linfócitos; Genest (1989) que
pôde constatar uma relação entre suporte social e a diminuição da probabilidade de
artrite em situações de stress; Thomas, Goodwin, e Goodwin (1985) ao constatar que
idosos que relatam ter relações íntimas têm melhor resposta de proliferação dos
linfócitos ou ainda Glaser, Kiecolt-Glaser, Bonneau, Malarkey e Hughes, (1992) que
verificaram que os estudantes universitários com maior suporte social produziam mais
anticorpo em resposta à vacina da hepatite B.
Em suma, como concluem McGuire e Kiecolt-Glaser (2000), as relações
interpessoais positivas estão relacionadas com menores níveis de hormônios de
stress (e.g. cortisol, catecolaminas), melhor resposta do sistema imunológico, e
diminuição do risco de contrair vários tipos de infecção.
O que vamos analisar a seguir pode contribuir para explicar a efeito robusto do
suporte social sobre a saúde e o sistema imunológico, bem como explicar porque é
que alguns estilos de personalidade em que predomina a negação ou repressão
emocional estão associados a mais problemas de saúde.
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6 IMPACTO DOS ACONTECIMENTOS DE VIDA EM FUNÇÃO DOS
SIGNIFICADOS E DO TIPO DE PROCESSAMENTO
Fonte:amenteemaravilhosa.com.br
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Em suma, alguns estudos sugerem que face a experiências que desafiam as
concepções com que o sujeito antes organizava o mundo, a capacidade de dar um
significado positivo à experiência parece estar relacionada com efeitos positivos a
nível da saúde e do sistema imunológico.
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Pode ainda acontecer que devido ao sofrimento associado à experiência, ela é inibida
uma vez que o sujeito não se sente capaz de lidar com as suas próprias emoções.
Outras vezes é o contexto interpessoal que não facilita porque a pessoa antecipa
crítica ou punição por parte dos outros, ou há dificuldade em encontrar pessoas
disponíveis para ouvir. Esta situação pode ocorrer pelo sofrimento que a situação
produz no ouvinte, mas também pode verificar-se em situações de desastres naturais
em que toda a comunidade é afetada e cada um está a tentar lidar com o seu próprio
sofrimento, estando, por isso, pouco disponível para os outros. Nestes casos existe
uma inibição que pode ser prolongada, durando meses ou mesmo anos.
Como refere Pennebaker (1992), embora a inibição seja adaptativa e saudável
uma vez que para viver socialmente aprende-se a inibir impulsos, emoções e
comportamentos, este processo é desadaptativo quando a pessoa precisa falar sobre
um acontecimento e não tem condições para o fazer. Neste caso a inibição exige
esforço, provoca ansiedade e ameaça à saúde, tornando-se um processo altivo, que
pode ser mais ou menos consciente e esforçado de modo a pôr de parte pensamentos,
comportamentos ou emoções. Sabe-se que não falar aumenta a interferência
cognitiva, sendo os processos intrusivos mais frequentes nos acontecimentos não
adequadamente assimilados em que se mantém ativadas as respostas fisiológicas e
emoções a ela associadas. Por exemplo, as pessoas que não podem falar pensam
mais vezes, sonham mais e mantém o trauma mais tempo altivo. A investigação
demostrou mesmo que se se pedir a alguém para inibir um pensamento ele torna-se
mais frequente e a concentração diminui (Gilbert, Krull & Pelham, 1987).
A relação entre inibição e perturbação física foi já estabelecida. A inibição exige
trabalho fisiológico e está associada ao aumento da atividade do sistema nervoso
autónomo como o aumento da condutividade da pele, ativação do sistema nervoso
central nas regiões do septo e hipocampo, e ativação nas áreas corticais (cf. revisão
realizada por Pennebaker,1988). Quando a inibição ocorre por períodos de tempo
muito longos, conduz a mais episódios de doença e dificuldades imunológicas. Por
exemplo, Pennebaker (1989) e Pennebaker e Susman, (1988) verificaram que os
sujeitos que tiveram um trauma na infância sobre o qual não puderam falar têm mais
probabilidade de ficar doentes do que aqueles que passaram pelas mesmas
experiências mas puderam partilhá-las. Este resultado está de acordo com o que
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antes vimos acerca dos sujeitos com estilo de personalidade mais inibidos e/ou com
menor rede de relações interpessoais, que têm mais problemas de saúde.
Para testar o efeito da expressão sobre a saúde e mais exatamente sobre o
sistema imunológico, Pennebaker, Kiecolt-Glaser & Glaser (1988) pediram a sujeitos
para escrever quatro dias seguidos sobre situações traumáticas da sua vida, enquanto
outros escreviam sobre situações triviais. Os sujeitos que escreveram sobre situações
traumáticas não só diminuíram os valores de ativação do sistema nervoso autónomo
e o número de consultas médicas, como a avaliação da sua função imunológica
revelou uma melhoria da eficácia dos linfócitos T.
Num estudo realizado por Petrie, Booth, Pennebaker, Davidson e Thomas
(1995) em que existiram igualmente dois grupos com a tarefa de escreveram ou sobre
situações traumáticas ou sobre assuntos triviais, verificou-se que escrever sobre
situações emocionalmente dolorosas estava associado a uma resposta mais eficaz
do sistema imunológico, medido por um maior número de anticorpos face à vacina da
hepatite B. Mais recentemente Petrie e Pennebaker (1998) verificaram que os sujeitos
que escreveram durante 3 dias seguidos acerca das suas emoções revelaram um
aumento significativo de linfócitos CD4, enquanto os que só puderam relatar os fatos
sem revelar pensamentos ou emoções diminuíram os níveis de linfócitos CD3.
Em suma, este conjunto de estudos parece indicar que o processamento das
situações traumáticas passa por uma série de fases, havendo tarefas, como escrever
ou falar sobre os acontecimentos e as emoções a eles associados, que parecem
contribuir para amortecer o efeito potencialmente nefasto associado a essas
experiências.
Mas não podemos deixar de lembrar que sendo a relação entre partilha e saúde
extremamente importante, ela em alguns casos é independente do suporte social.
Como Pennebaker (Pennebaker & Susman, 1988; Pennebaker, 1992) afirma, ter uma
experiência traumática e não poder partilhá-la quando se tem amigos ainda é mais
exigente do ponto de vista da inibição e, por isso, potencialmente mais perturbador.
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7 SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA
Fonte:inspiresaude.pt
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ÁREAS DA PSICONEUROIMUNOLOGIA
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Para compreender como se dá essa interação basta que você se recorde da
última vez que ficou doente. Procure lembrar-se dos fatos que antecederam a sua
doença. Frequentemente, as doenças são precedidas de situações que geraram
desgaste emocional, preocupações ou conflitos.
Então, como aponta Quilici (2001) quando achamos que tudo irá se acomodar
vem à doença. Pode ser uma gripe, uma alergia, uma gastrite, uma herpes, uma
pneumonia, entre tantas outras. Isso ocorre porque, frente uma tensão, o indivíduo
fica abalado emocionalmente em menor ou em maior grau, então o organismo sofre
um desgaste que interfere na imunidade a ponto de fazer cessar parcialmente ou
totalmente uma de suas principais funções que é a proteção de nosso corpo.
Mesmo tendo consciência disso, dificilmente vemos um médico perguntando
ao seu paciente sobre as circunstâncias que antecederam o surgimento de uma
enfermidade. Por que a maioria dos médicos agem assim? Descuido? Falta de
interesse? Não, com certeza não se trata disso. O problema é que, a nossa cultura,
bem como o Ocidente como um todo permaneceu estacionada entre os paradigmas
cartesianos e biomédicos, cindindo corpo e mente.
Vale lembrar que nem mesmo os gregos antigos consideravam esta visão
dualista de que o corpo e a mente fossem coisas separadas. Todavia, foi esta a ideia
que se conservou para nós e o que dominou toda cultura ocidental e, ainda hoje,
permanece para o prejuízo de milhares de pessoas e dos campos que envolvem a
área da Saúde. Por outro lado, muitas pessoas se “beneficiam" desse caráter dualista,
pois assim não precisam pensar muito. Porém correm o perigo de esgotarem o corpo,
até não conseguirem rever mais um quadro.
Unir corpo e mente é, infelizmente, uma condição que não interessa a muitas
pessoas, ainda que atinja a todos, sem exceção. Primeiramente, essa integração não
interessa aos laboratórios farmacêuticos, em segundo lugar para os empresários e,
por último, a população de um modo geral. Não precisamos discutir as razões dos
laboratórios farmacêuticos por serem óbvias pelos lucros que estas podem obter. Já
o empresário partilha do ponto de vista do fabricante de remédios na medida em que
um medicamento diminui demasiadamente, o tempo de recuperação do seu
funcionário doente e permite que este volte ao trabalho mais rápido.
A maioria das pessoas, por sua vez, não suporta desconfortos de qualquer
espécie por muito tempo e assim, diante de um sofrimento ou um mal-estar, dirigem-
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se até a farmácia mais próxima, compram um remédio e pronto, lá estão novamente
retomando suas atividades e sua rotina, sem se conscientizarem que da sua
participação na doença que foi manifestada em seu organismo.
Entretanto, esta falta de conscientização tem seu preço, visto que inúmeras
pesquisas veem demonstrando que os medicamentos atualmente são os grandes
responsáveis por ocasionarem danos no organismo, alguns até com efeitos colaterais
bem pesados e permanentes. Os empresários, ao se depararem com o desgaste, o
estresse e, em alguns momentos, com as faltas dos funcionários, não conseguindo
contar muito com a eficiência do empregado, começam a perceber que, dependendo
do grau do estresse e das características de personalidade do indivíduo, não há um
medicamento específico que dê jeito. Por meio dessas constatações, as pessoas
começam a fazer um movimento em direção a tratamentos considerados alternativos.
Contudo, logo surgem artigos na mídia, falando sobre o perigo desses tipos de
tratamento. É claro que devemos tomar cuidado com pessoas que usam de má fé na
área da cura e da saúde, contudo também devemos lembrar que a grande maioria
desses tratamentos alternativos, principalmente os que fazem o uso das ervas, estas
também são fonte primária de muitos remédios e a humanidade conseguiu sobreviver
até agora, sem a presença dos laboratórios. Basta relembramos sobre o paradigma
primitivo. Além disso, nos ditos tratamentos alternativos também se encontram
terapias que partem do pressuposto biopsicossocial e até, mesmo o espiritual
(levando em conta crenças e valores de cada indivíduo), olhando-o de maneira
holística, como um todo, que se adoeceu é porque os demais aspectos (psicológico,
social e espiritual) também adoeceram.
A grande questão hoje, é que a medicina preventiva, deu lugar à medicina
curativa e nesta, as enfermidades são vistas de forma bélica, ou seja, precisam ser
combatidas a todo custo, perdendo-se assim, a visão de que se há uma desarmonia,
isto se deu porque o corpo e a mente foram influenciados por eventos, principalmente
aqueles que envolvem aspectos emocionais. Os profissionais das áreas da saúde
ainda brigam muito por espaço e com isto o cenário permanece quase que estagnado.
Contudo, pouco a pouco termos como: qualidade de vida, realização pessoal,
responsabilidade social, entre outros vão se inserindo no cotidiano das pessoas
(infelizmente após muita negligência com o impacto dos aspectos psicológicos e
sociais).
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Como propõe Quilici (2001), é natural que o ser humano, através dos tempos,
fossem observando fatos e desenvolvendo remédios que lhe ajudassem a manter a
saúde e a saúde da humanidade. E, ainda hoje, estes medicamentos funcionam. Muita
gente se trata com eles e passa bem. No entanto, os modos de vida mudaram
radicalmente e com essa mudança, surgiram diferentes níveis de desgaste emocional.
E isso veio com tal velocidade que, as pessoas não tiveram capacidade suficiente
para se adaptarem, muito menos os medicamentos.
Muitas mudanças no cérebro humano levaram milhares de anos para ocorrer,
porém somos obrigados a nos adaptar em menos de uma década. Desse modo,
muitas vezes não são os remédios naturais que deixaram de fazer efeito, é a
constância quase que diária de nossos desgastes que nos deixam em eterno estado
de alerta, levando antes do surgimento das doenças, a manifestação da síndrome de
adaptação. Então, talvez valha à pena conhecer uma ciência que vem procurando se
colocar e que pode nos ensinar muitas coisas sobre as emoções e as doenças: a
Psiconeuroimunologia, conhecida também por PNI.
A PNI significa a interação entre esses três sistemas, que podem causa danos
ao nosso organismo. É importante ressaltar que não se trata de uma ciência nova.
Afinal, através dos tempos e das culturas, médicos e sábios, procuraram unificar o
bem-estar físico buscando suas origens no psiquismo. Foi um médico da Transilvânia,
Papai Pariz, que praticamente reiterou Aristóteles e antecipou o surgimento da
Psiconeuroimunologia (PNI), quando declarou no ano de 1680 que “Quando as partes
do corpo e seus humores não estão em harmonia, então a mente se desequilibra e a
melancolia aparece, mas por outro lado, uma mente calma e feliz faz com que todo
corpo fique saudável”. Os mecanismos subjacentes a essa ligação serão
compreendidos a seguir.
Caso assumamos uma racionalidade adaptativa para o processo evolucionário,
faz sentido crer que o sistema nervoso e o sistema imune podem ser compreendidos
como um sistema único e integrado de adaptação defensiva. Ambos têm um comum:
a) senso de identidade, ou seja, sabem o que é o ser e o não ser;
b) interferem no relacionamento do indivíduo com o ambiente e ignoram os
elementos externos, independente de serem eles, amigáveis ou perigosos;
c) permitem ao organismo sobreviver em um ambiente hostil pelos mecanismos
físicos de adaptação e também das defesas psíquicas, sendo que para fazer isso,
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esses dois sistemas, possuem memória e aprendem por meio da experiência;
d) monitoram o mundo interno e avaliam o que é ego-sintônico ou distônico, ou
seja, identificam aquilo que não é do self (si mesmo) e é maligno e instituem defesas
contra os componentes malignos do mundo interno;
e) cérebro/psiquismo e sistema imune cometem “enganos” que podem favorecer
o surgimento de doenças e até mesmo levar à morte. Neste sentido, fatos ou
organismos inócuos podem ser percebidos como perigosos e provocar desde fobias
a alergias. O verdadeiro self pode não ser aceito e então, a depressão se instala,
conduzindo em muitos casos para tristes desfechos, como o suicídio. O mesmo
acontece com as reações autoimunes que, algumas vezes podem sobrevir de forma
fatal.
Sabe-se que as pessoas, de um modo geral, tornam-se mais propensas a
apresentarem quadros depressivos e autoimunes com o avanço da idade. Memórias
recentes (não as de longo prazo) tendem a falhar mais frequentemente com a idade
e a senilidade imune é caracterizada pela pobreza das respostas primárias ao nível
dos novos antígenos e uma resposta secundária relativamente forte para antígenos
antigos.
Quilici (2001) descreve casos de doenças de pele em pacientes onde a
deficiência com a autoestima era a regra. Relata que um paciente em especial, tinha
sérios e variados problemas de pele e muitos, eram autoimunes. O autor notou que,
esse paciente tinha um nível de autoestima tão baixo que toda vez em que se
pronunciava, reproduzia somente coisas que ele tinha ouvido. Em alguns momentos
ele parecia ter dupla personalidade porque surgia com formas completamente
diferentes de ser. Com um nível tão alto de rejeição a si mesmo, o paciente em
questão desenvolvia alergias extremamente agressivas. Outros pacientes com
alergias de pele, principalmente, aqueles com dermatites resgataram sua autoestima
e começaram a apresentar remissão definitiva dos sintomas.
Outros dois cientistas da Psiconeuroimunologia, Roger Booth e Kevin
Ashbridge, afirmam: “Há necessidade de reavaliar e talvez redefinir os conceitos,
símbolos e a linguagem da imunologia e da psicologia, de forma que permitam
estabelecer uma relação entre os processos imunológicos e psicológicos. Esses
processos devem ser expressos em termos de uma perspectiva teleológica coerente.
Para que as relações entre o psiquismo e a imunidade, façam sentido, seria
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necessário que nos livrássemos de alguns de nossos preconceitos no que diz respeito
à natureza de sistema imune e de nosso psiquismo”.
Segundo Quilici (2001), a Psicossomática, que data do final da década de 1930
e começo da década de 1940, foi antecipada por clínicos antigos que, já previam,
através de suas ideias a Psiconeuroimunologia; enquanto que, a área da Imunologia
pré-contemporânea, não o fez. O campo da imunologia estabeleceu na época que o
sistema imune era autônomo e autorregulável, respondendo somente aos desafios
antigênicos, ou seja, só reage se um invasor entra no organismo e provoca uma ação.
O autor cita que em um encontro de um grupo de estudos de
Psiconeuroimunologia, David Felten, lembrou-se de uma famosa crítica, que foi
batizada como: “Folha Rosa”. Nesse documento, afirmava-se com humor: “A
inervação dos órgãos imunes obviamente, não devem ter nada a ver com as respostas
imunes, uma vez que essas reações podem ocorrer em tubos de ensaio, que, por usa
vez, não tem nervos”. Todavia, no início da década de 1940, Franz Alexander
observou que a patologia psicossomática era o resultante fisiológico de emoções
conscientes ou mesmo, daquelas que estariam reprimidas. Os alemães, Thorwald
Dethlefsen e Rudiger Dahlke, que escreveram “A Doença Como Caminho” (1983) e
“A Doença Como Símbolo” (1996) têm vários trabalhos na área de psicossomática,
nos quais se referem as doenças como um fenômeno que possui sentido e que o
entendimento deste proporciona uma conscientização sobre os conflitos ainda não
solucionados pelo indivíduo. Abaixo vamos discutir a questão da ligação entre
doenças e emoções.
Na década de 1940, Selye começa a conceitualizar o stress como uma
influência perturbadora e não especifica, fazendo um paralelo com o conceito de
homeostase (equilíbrio interno) de Cannon. Dessa maneira, um evento estressante,
mobiliza um comportamento adaptativo do organismo, implicando em inúmeras e
rápidas alterações fisiológicas. Sua resolução depende de moderadores externos tal
como suporte social e amoroso ou, de moderadores internos tais como habilidade de
vigilância, e nos mostram, que podem auxiliar para o crescimento psicossocial, ou
para uma mudança extremamente prejudicial da saúde, que muitas vezes pode
conduzir à morte em caso de exaustão extrema.
Selye apontou o eixo hipotálamo-hipofisário, adrenal cortical como os
determinantes dos efeitos do stress sobre a saúde do organismo. Na década de 1960,
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o psiquiatra George Angel estabeleceu seu modelo biopsíquico social para todas as
doenças. Dependendo da eficácia dos mecanismos psíquicos, que compreendem
uma variedade de reações, reflexões e atitudes, a homeostase psíquica (ou equilíbrio)
pode se restabelecer, mas, caso isso não se suceda, o stress, pode funcionar como
um alarme para uma fase mais perigosa.
Os mecanismos psíquicos de vigilância tendem a ser relativamente estáveis e
característicos de cada indivíduo, mas podem variar de muitas maneiras. Desde
modos mais maduros e eficientes de resolver os problemas até mecanismos mais
primitivos de negação, repressão e fuga psíquica, ou ainda de desprendimento e
retraimento.
A Psicossomática tem se preocupado com estes tipos especiais de padrões de
vigilância e a indicação de que determinadas características, podem estar associadas
com algumas doenças em particular. Como apontam algumas pesquisas que vimos
anteriormente, indivíduos que apresentam um padrão mais competitivo e hostil têm
sido associados, por causa de muitas evidências, com as doenças coronarianas e é
rotulado como padrão tipo A. As pesquisas mostraram que tais indivíduos estão mais
propensos a terem doenças cardíacas. Flavio Rotman em “A prevenção do Infarto
para nervosos” (1985) faz importantes referência a estudos com esses tipos de
pessoas.
Em uma série de estudos controlados, de pessoas com doenças autoimunes
como artrite reumatoide, Rudolf Moos e seus parceiros, concluíram que os artríticos,
em comparação com seus irmãos não artríticos, mostravam características como
submissão, dificuldade de expressão da raiva, sensibilidade para a raiva alheia,
conservadorismo e auto sacrifício, além de serem pessoas mais ansiosas e
deprimidas. Na ótica de Quilici (2001), pacientes com outras doenças autoimunes tal
como Lupus Erimatoso Sistêmico e Tireoidites parecem ter padrões similares.
Porém há alguma causa e, qual o efeito da personalidade e stress x doença?
Quilici (2001) aponta que em um dos melhores trabalhos sobre psicossomática, feitos
na atualidade, cientistas compararam dois grupos de pacientes e seu status de saúde.
Um dos grupos eram de pessoas com artrite reumatoide (grupo 1), e o outro grupo de
pessoas sem artrite reumatoide (grupo 2). Do grupo 1, todos tinham “disponibilidade
genética”. Cerca de 20% eram portadores da doença e os outros 80% apresentam
29
ausência de anticorpos característicos de Artrite Reumatoide, um anti IgG ou
anticorpos contra os anticorpos envolvidos no surgimento da doença.
Observou-se que, no primeiro grupo, as pessoas com auto anticorpos, estavam
em condições emocionais perfeitas, sem ansiedade, depressão ou alienação,
relatando estarem satisfeitos com o trabalho e com as relações pessoais. Para o autor,
isso pode ser um indício de que o bem-estar psicológico provavelmente funciona como
uma proteção diante da determinação genética, a qual os predispunha a uma doença
imune. Sabe-se que pessoas com artrite reumatoide, e que são assintomáticas, têm
grandes chances de desenvolverem a artrite na medida em que, um padrão fixo de
doenças autoimunes, relativamente frequentes se seguem a um evento de vida
extremamente estressante, tal como a morte de alguém que significava muito do ponto
de vista emocional.
Quilici (2001) menciona outro estudo realizado com crianças que eram filhos
de pais psicóticos, nele as crianças que foram adotadas por casais equilibrados e que
lhes propiciaram um ambiente saudável, não demonstraram indícios da doença até a
idade adulta, mas nos casos em que as crianças foram adotadas por famílias com
situações complicadas do ponto de vista emocional, todos acabaram por apresentar,
um quadro psicótico. Para o autor, os ambientes podem favorecer ou não a
manifestação de uma doença. Dessa forma, a seguinte questão é levantada:
ambientes saudáveis e amorosos podem funcionar como uma proteção contra a
determinação genética?
Quidici (2001) cita que David Felten e a seu colega Jeffrey Fessel, ambos
pesquisadores de PNI, ficaram impressionados com um trabalho realizado em numa
clínica de doenças reumatoides. Lá foi observado o fato de que, a condição, A. A. A.
(anticorpos antinucleares associados), podem produzir sérias doenças psiquiátricas,
com frequência, semelhantes à esquizofrenia, algumas vezes como um sintoma
inicial. Em função dessa associação imunopsiquiátrica, alguns cientistas, começaram
a procurar por níveis anormais de imunoglubulinas e a presença de vários anticorpos
naqueles pacientes que sofriam de esquizofrenia e os encontraram em alguns deles.
Rudy Moos e David Felten publicaram em 1964 um trabalho que foi
denominado: “Teoria Especulativa de Integração: Emoções, Imunidade e Doenças”,
que tratava da regulação neuroendócrina da Imunidade e os efeitos experienciais
sobre o sistema imunológico.
30
Nota-se que muitos dos experimentos foram iniciados em animais com a
finalidade de conhecer as reações da imunidade. Os cientistas tinham por objetivo
observar a interação entre Sistema Nervoso Central e Imunidade, bem como os
efeitos do estresse sobre a resistência imunológica e sua mediação nas doenças.
Muitos experimentos antigos foram retomados e iniciados no Laboratório de
Psiconeuroimunologia, em Stanford, que era filiado ao Hospital VA de Palo Alto. A
primeira grande pesquisa foi efetuada com fundos privados da fundação, porque
houve uma impossibilidade inicial de obter verba com o NIH (Departamento de Saúde
dos Estados Unidos) e com o próprio VA, porque, segundo eles, tal pesquisa estava
muito distante do que seria considerado, uma disciplina médica e comportamental. Na
verdade, a Psiconeuroimunologia é sentida como uma quebra dessas disciplinas.
Entretanto, o que colocou a Psiconeuroimunologia no campo científico, mesmo
com tanto ceticismo à sua volta, foi realmente, um relatório de 1975, de Bob Ader e
Nick Cohen. Neste são relatados experimentos sobre paladar e aversão que
condicionavam a imunossupressão. Se a sacarina sozinha produz imunossupressão,
o cérebro, obviamente, está envolvido.
Estudos realizados em seres humanos demonstram que estresse e imunidade
baixa têm estreita ligação. Trabalhos mostram continuadamente a comprovação
dessas hipóteses, observadas em situações naturais tais como, luto, brigas conjugais,
exames, e naqueles que cuidam de pacientes com doença de Alzheimer e até mesmo
com estressores experimentais como é o caso da aritmética mental. Há inúmeras
referências desse tipo de experiências no livro já citado de Fábio Rotman.
31
8 PSICONEUROIMUNOLOGIA E O CÂNCER
Fonte:s.olj.me/storage/attachments
33
8.1 Correlação entre o sistema nervoso central e o sistema imunológico
37
9 A ESCRITA EXPRESSIVA
Fonte:ichef.bbci.co.uk
39
acredita que o simples ato de rotular seus sentimentos e colocá-los em uma história
pode afetar o sistema imune de alguma forma.
Mas há uma descoberta curiosa sugerindo que pode haver outra coisa
acontecendo. Imaginar um acontecimento traumático e escrever uma história a
respeito dele pode fazer a ferida curar mais rápido, então talvez a diferença esteja
menos relacionada com a resolução de questões passadas e mais com encontrar uma
maneira de regular suas próprias emoções.
Após o primeiro dia de escrita, a maioria das pessoas disse que remoer o
passado as fez se sentir pior. Será que o stress fez as pessoas liberarem hormônios
de stress como o cortisol, que também é benéfico a curto prazo e pode fortalecer o
sistema imune? Ou será que é a melhora do humor depois de vários dias escrevendo
que traz os benefícios para a imunidade? Até agora, ninguém sabe.
Seja qual for o mecanismo, apesar de várias décadas de pesquisa mostrando
que funciona, a técnica raramente é usada clinicamente. Dá até para imaginar uma
situação em que pessoas com cirurgia marcada sejam instruídas a praticar a escrita
expressiva nas semanas anteriores ao procedimento, mas poucos estudos usaram
populações clínicas com ferimentos reais e cirúrgicos em vez de aplicar ferimentos
artificialmente em estudantes saudáveis.
Também funciona melhor para algumas pessoas em relação a outras e tudo
depende do quanto elas se engajam no processo. Além disso, o efeito é a curto prazo,
então você teria que calcular bem o tempo. Escrever sobre seus sentimentos não
aumenta sua imunidade para sempre. Se as mesmas pessoas se machucarem de
novo alguns meses após o estudo inicial, elas não vão se curar mais rápido que outra
pessoa qualquer.
Agora, uma pesquisa recente da Nova Zelândia sugeriu que não é necessário
realizar a escrita antes de você se machucar. Pode funcionar do mesmo jeito se você
fizer a escrita expressiva depois. Isso abre um leque de possibilidades para a prática
não apenas quando a cirurgia é planejada, mas para ferimentos que não podemos
prever.
Kavita Vedhara, da Universidade de Nottingham, e sua equipe na Nova
Zelândia fizeram um experimento com 120 voluntários saudáveis e pediram a eles
para escrever ou sobre um evento estressante ou sobre o que fizeram no dia anterior.
Isso foi feito antes ou depois de uma biópsia no braço. As pessoas que estavam no
40
grupo da escrita expressiva (que escreveram sobre o evento estressante) tinham uma
tendência seis vezes maior de ter o ferimento curado em 10 dias na comparação com
as outras.
Ainda é preciso realizar mais estudos com pacientes reais, mas talvez um dia,
quando passarmos por uma operação, poderemos ir para casa com instruções sobre
escrita expressiva. Como diz Kavita Vedhara, o efeito "é de curto prazo, mas
poderoso".
10 TEXTO COMPLEMENTAR
Sara Ulla
Universidad de Castilla La Mancha, Espanha
Eduardo Augusto Remor
Universidad Autónoma de Madrid, Espanha
41
descritos, em diversos estudos, uma forte relação existente entre o sistema nervoso,
o sistema endócrino e o sistema imunológico (Ader, Cohen & Felten, 1987; Miller &
Cohen, 2001).
Neste artigo apresentar-se-á uma breve revisão sobre as pesquisas em PNI
envolvendo as pessoas que convivem com o HIV. A seguir, descreveremos como
alguns fatores psicossociais, como o controle do estresse, as estratégias de
enfrentamento (coping), o apoio social, e os hábitos e estilos de vida, podem estar
associados com o processo de evolução da infecção por HIV. Finalmente,
enfocaremos a discussão sobre a implicação destes dados na progressão da infecção
por HIV e AIDS e seu tratamento psicológico complementar.
A PNI constitui um novo campo interdisciplinar que vem sanar a lacuna
existente entre as neurociências e a imunologia, devido à falta de interdisciplinaridade
que predominou até poucas décadas atrás. Ambas foram áreas com um importante
desenvolvimento nos últimos cinquenta anos, mas foram ampliando seu campo de
conhecimento quase sem ter em conta as relações entre o sistema estudado e o
restante dos sistemas do organismo, desenvolvendo suas pesquisas
fundamentalmente sobre a estrutura, a fisiologia ou as alterações do sistema e órgãos
diretamente implicados. Ainda que o conhecimento sobre estes sistemas tenha sido,
sem dúvida, fundamental para o desenvolvimento das ciências da saúde, o achado
de vias anatômicas, fisiológicas e bioquímicas que conectam os sistemas nervoso,
imunológico e endócrino permitiu concluir que os diferentes componentes do
organismo não são estruturas isoladas. Ao contrário, estabeleceu-se uma complexa
trama de relações, tanto anatômicas como funcionais, que conectam os diferentes
sistemas e órgãos entre si, em particular, os sistemas neuroendócrino e imunológico.
Tais inter-relações adquirem uma importância singular devido às funções de proteção,
homeostase e controle que desenvolvem dentro do organismo e das quais dependem
o bom funcionamento e a adaptação dos indivíduos ao ambiente.
A PNI possui um caráter interdisciplinar e ocupa-se essencialmente do estudo
das relações que existem entre o sistema nervoso, o imunitário e o endócrino.
Igualmente, o comportamento, as emoções ou outras variáveis de caráter psicológico
são elementos fundamentais no estudo desta disciplina, devido basicamente a dois
fatores diferenciados. Por um lado, encontra-se o interesse que suscitam os efeitos
que puderam exercer os sistemas mencionados sobre variáveis psicológicas. Por
42
outro, o empenho pelo estudo das influências que podem exercer o comportamento
ou as emoções sobre variáveis imunitárias, neuroendócrinas ou sobre o estado de
saúde. Neste sentido, uma questão frequentemente abordada se refere às possíveis
relações entre fatores psicossociais e parâmetros imunológicos. Sobre tal relação,
escreveram Ader, Cohen e Felten (1987), no editorial do primeiro número da revista
Brain, Behavior and Immunity:
Nosso conhecimento imunológico não é suficiente para explicar-nos porquê
estímulos imunologicamente neutros, mas emocionalmente intensos, são capazes de
produzir reações alérgicas; porquê se pode fazer desaparecer as berrugas sob
hipnose; porquê o ambiente social pode determinar a resposta individual a doenças
infecciosas; por quê vírus latentes dão lugar a doenças manifestadas sob
circunstancias estressoras para o organismo infectado; ou por quê ao ser expostos
aos mesmos agentes infecciosos, somente ficam doentes alguns indivíduos (p. 8).
Este tipo de vínculo entre determinados fatores de natureza psicológica e as
possíveis variações na competência imunitária, que deixariam o indivíduo mais
suscetível à ação de agentes patogênicos, é de especial relevância quando falamos
da infecção pelo HIV. Podemos dizer, de acordo com os estudos realizados nesta
direção, que um pior estado de ânimo, um maior nível de estresse ou estratégias de
enfrentamento não destinadas à solução ativa dos problemas se relaciona com uma
progressão viral mais veloz e, portanto, com um pior prognóstico. Por esta razão,
intervenções psicológicas destinadas a estabelecer um bom ajuste psicológico do
indivíduo, hábitos de vida apropriados ou um adequado controle do estresse estariam
colaborando com a terapia farmacológica na manutenção de níveis imunológicos
adequados, evitando na medida do possível, as consequências advindas da
progressão viral.
Será neste aspecto que nos centraremos a partir de agora, isto é, no
conhecimento que temos até o momento a respeito da influência de diferentes
intervenções psicológicas sobre a evolução de marcadores imunológicos e da
progressão do HIV. Neste sentido, distinguiremos entre diferentes aspectos
emocionais ou comportamentais que foram sendo abordados nas pesquisas e que se
vincularam com certas variações na função imunológica. Tal distinção tem unicamente
um objetivo didático, já que entre as variáveis abordadas, existem fortes interações e,
43
portanto, a intervenção em algum dos campos tem alta probabilidade de repercussões
nos outros.
Controle do Estresse
Em numerosas ocasiões e sob diversos enfoques, realizaram-se trabalhos nos
quais se tratava de esclarecer as relações existentes entre a saúde dos indivíduos e
algumas de suas características psicológicas. Também na sabedoria popular,
encontramos a ideia de que a situação emocional de uma pessoa pode influir em seu
estado de saúde. Atualmente, esta crença, que prima facie pudesse considerar-se
ingênua, foi sustentada por um grande corpo de conhecimento sobre a interação entre
os sistemas que compõem os organismos vivos.
Provavelmente o estresse é um dos fatores psicológicos mais amplamente
abordados dentro deste âmbito de estudo, e sobre o qual se possui mais dados a favor
da interação da que falamos. Em relação ao estresse, um nível de ativação mantido
no tempo com forte intensidade, ou ainda, com alta frequência, pode levar ao
desequilíbrio de diversos sistemas ou órgãos. Este nível obriga o organismo a manter
uma ativação acima de suas possibilidades e dá lugar a um desgaste excessivo com
possíveis alterações ou deterioração no funcionamento dos órgãos ou sistemas alvo.
No caso do sistema imunológico, observou-se, em numerosas pesquisas, que um alto
nível de estresse pode derivar em uma menor competência imunitária, seja por uma
diminuição na quantia de diferentes subtipos celulares ou por uma maior ou menor
atividade dos mesmos (Dorian, Garfinkel, Brown, Shore, Gladman & Keystone, 1982;
Fawzy e cols., 1990; Glaser, Kiecolt-Glaser, Speicher & Holliday, 1985; Locke &
Heisel, 1977; McKinnon, Weisse, Reynolds, Bowles & Baum, 1989).
Um tipo de intervenção dirigida ao controle do estresse foi o treinamento em
relaxamento. Um dos primeiros trabalhos que abordou a influência de uma
intervenção psicológica sobre certos parâmetros imunológicos foi desenvolvido por
Kiecolt-Glaser e colaboradores (1985). Selecionou-se uma amostra de idosos, e
comparou-se três grupos: um treinado em relaxamento, um em que se introduziu o
contato social, e um grupo controle. A intervenção teve duração de um mês, no qual
ocorreram três contatos por semana, com 45 minutos cada.
Os resultados revelaram que no grupo de relaxamento produziu-se um
aumento na atividade das células natural killer (NK), assim como uma diminuição dos
44
anticorpos ao vírus de Herpes simples. Não se encontraram diferenças quanto à
resposta aos mitógenos (Kiecolt-Glaser e cols., 1985). O relaxamento foi usado em
diversos estudos e sob diferentes formas, como por exemplo, no estudo de Green e
Green (1987), no qual se mediu a quantidade de Imunoglobulina A salivar (s-IgA).
Dentre outras intervenções, usou-se também visualização, massagem e permanecer
deitado com os olhos fechados. Em todas estas situações, observou-se um aumento
da concentração da s-IgA, à exceção da situação de permanecer deitado com os olhos
fechados, na qual apesar de existir um aumento de s-IgA, este não foi estatisticamente
significativo. Green, Green e Santoro (1988) realizaram um estudo no qual observou-
se um aumento significativo da concentração de s-IgA em intervenções com
treinamento em relaxamento.
Em uma pesquisa posterior, realizada por Antoni e colaboradores (1991),
implementou-se uma intervenção de tipo cognitivo-comportamental de manejo do
estresse. Seus resultados mostraram dados positivos em favor da possibilidade de
modulação dos parâmetros imunológicos mediante intervenções comportamentais.
Em outro trabalho (Goodkin, Fuchs, Feaster, Leeka & Dickson-Rishel, 1992),
contrastou-se a hipótese da relação entre o nível de estresse e a progressão do HIV.
Observando-se que, nos participantes com maiores níveis de estresse, existia uma
diminuição dos linfócitos T CD4+3, indicativos da progressão viral. Nesta mesma
direção, apontam os resultados de outro trabalho, realizado neste caso sobre uma
amostra de soropositivos sintomáticos (Lutgendorf e cols., 1997). Depois da
implementação de uma intervenção cognitivocomportamental de manejo de estresse,
não se observaram mudanças significativas em relação à contagem de linfócitos T
CD4+ e CD8+. Porém, pode-se constatar que no grupo experimental produziu-se um
decréscimo significativo no número de anticorpos do vírus do herpes simples tipo 2
(VHS-2), assim como uma diminuição no nível de disforia, comparado ao nível do
grupo controle.
Posteriormente, voltou-se a identificar a relação entre um elevado nível de
estresse e uma mais rápida progressão do HIV (Leserman e cols., 1999). Calculou-se
que, depois de 5,5 anos, a probabilidade de desenvolver AIDS seria entre duas e três
vezes maior nos participantes cujo nível de estresse estava acima da média,
comparada àquele cujo nível de estresse estava abaixo da média.
45
Ainda que, em diversos estudos iniciais (para uma revisão ver Miller & Cohen,
2001), não se observaram relações significativas entre um nível de estresse elevado
e uma menor competência imunológica, atualmente, na maior parte dos estudos
realizados, observa-se tal vínculo. No entanto, falta caracterizar, de maneira
pormenorizada, a natureza de tal relação.
Se consideramos os postulados de Solomon (1999) sobre as interações entre
o sistema imunológico e o nervoso, podemos realizar uma série de afirmações
relativas à influência dos fatores psicológicos sobre a competência imunológica.
Podemos afirmar que o estresse tanto experimental (Solomon, 1969) como natural
(Kiecolt-Glaser e cols., 1987) estão associados à imunossupressão. Seguindo essa
linha, se especificamos o tipo de resposta de estresse, podemos observar que
acontecimentos que produzem uma ativação específica, vulgarmente conhecida como
estresse agudo, induzem uma elevação da função imunológica. Já o estresse crônico,
induziria uma diminuição da competência imunológica (Dhabhar & McEwen, 1996;
Naliboff e cols.,1991).
Este dado vem a apoiar a necessidade de especificar o tipo de resposta de
estresse quanto à duração, frequência ou intensidade da resposta de ativação.
Quando falamos do estresse crônico, poderíamos encontrar alterações de órgãos ou
sistemas devido a intensa e prolongada ativação. Esta resposta não seria adaptativa,
já que pode levar a danos orgânicos funcionais e estruturais. Por outro lado, o mesmo
não ocorre, geralmente, com o denominado estresse agudo, considerado como uma
resposta adaptativa perante uma situação de ameaça. Nestes casos após a ativação,
se produziria uma recuperação espontânea dos níveis normais de funcionamento
orgânico. Quando a resposta à situação de ameaça é desproporcional, pode afetar
órgãos específicos. De modo similar, quando tal resposta é de menor intensidade que
o nível tido como adaptativo, também podemos encontrar alterações orgânicas.
Portanto, não é somente a intensidade da resposta que determina a possível alteração
orgânica, senão que seriam as respostas não adaptativas (por hipo ou hiper-ativação)
as que estariam relacionadas com maiores sequelas imunológicas. (Solomon,
Segerstrom, Grohr, Kemeny & Fahey, 1997). Sabemos também que o estresse pode
influir na produção de citosinas (Bonneau, 1996), que é um grande grupo de moléculas
que intervêm nos sinais produzidos entre as células durante as respostas
imunológicas e que asseguram o correto funcionamento do sistema. Observou-se que
46
o estresse pode afetar processos inflamatórios locais (Solomon, 1981), reativar vírus
latentes (Glaser, KiecoltGlaser, Speicher & Holliday, 1985), afetar a imunidade local
da pele e incrementar a susceptibilidade a infecções cutâneas (Husoi, Murphy & Egan,
1993). Todos estes dados, indicam que altos níveis de estresse também poderiam
atuar como aceleradores da progressão viral e desenvolvimento da sintomatologia da
AIDS. Se uma adequada competência imunológica protege aos indivíduos de agentes
patogênicos, tanto internos como externos, no caso de portadores do HIV, seria
especialmente relevante, podendo-se chegar a incrementar de maneira significativa o
período de latência assintomática prévia ao desenvolvimento da AIDS.
Estratégias de enfrentamento
Sob um paradigma de trabalho similar ao utilizado nos estudos sobre a
influência do estresse na competência imunológica, realizou-se diversas pesquisas
com objetivo de identificar, se houvesse, os estilos de enfrentamento que pudessem
estar relacionados com alterações na imunocompetência, assim como aqueles mais
adaptativos, que não derivaram em diminuição da competência imune. Nesta linha,
verificou-se que mudanças adaptativas no estilo cognitivo de enfrentamento predizem
mudanças positivas na resposta de anticorpos EBV (Epstein Barr Virus) após um
evento estressante em uma amostra de estudantes (Lutgendorf, Antoni, Ironson &
Klimas, 1994). Temoshok (1993) encontrou, em pacientes soropositivos sintomáticos,
uma relação positiva e estatisticamente significativa entre um alto número de células
NK e baixa preocupação com a infecção por HIV, baixo nível de fadiga e a prática
correta de autocuidados. Portanto, um estilo de enfrentamento ativo e uma
confrontação adequada das próprias emoções estaria relacionada com um melhor
nível da função imunológica (Esterling, Antoni, Fletcher, Margulies & Schneiderman,
1994; Sephton, Dhabhar, Classen & Spiegel, 1997).
Uma perspectiva diferente, apresentada por Reed, Kemeny, Taylor, Wang e
Vissher (1994), observa que a aceitação realista conceito até então entendido como
uma atitude adaptativa (Kubler-Ross, 1969, 1987) como estilo de enfrentamento,
prediz um decréscimo no tempo de sobrevivência em homossexuais com AIDS,
lançando a hipótese de que ilusões positivas (positive illusions) podem ser mais
adaptativas que crenças realistas (realistic beliefs). Portanto, a implementação de
intervenções para fornecer estas estratégias de enfrentamento adaptativas a pessoas
47
soropositivas ao HIV poderia estar, da mesma forma que no caso do estresse, atuando
como protetor contra uma aceleração da progressão viral mediada por fatores
psicológicos.
Apoio Social
O apoio social parece ter um importante papel na mediação do impacto que os
acontecimentos negativos produzem nas pessoas, e na posterior aparição do
estresse. Se hipotetiza que os indivíduos que dispõem de uma rede social, da qual
podem obter ajuda material e emocional, são menos vulneráveis a sofrer alterações
mediadas por um alto nível de estresse (Newfeld, 1989). As diferentes tentativas de
definir esta variável foram, em ocasiões, causas de uma nova discórdia, em lugar de
lançar luz sobre o termo. Apesar da existência de uma ampla variedade de definições
e descrições, um aspecto tem permanecido claro: a estrutura multifatorial do apoio
social. Thoits (1982) identifica várias dimensões que vão definir as características da
variável, tais como a quantidade de apoio, tipos de apoio (emocional x instrumental),
fontes de apoio (amigos, familiares, etc.) e estrutura da rede. O apoio social atuaria
em relação com o nível de estresse, através da modulação da percepção do indivíduo
sobre o caráter ameaçador das situações e a possibilidade de controle das mesmas.
Porém, continua a controvérsia sobre os resultados obtidos, a conceituação e a
operacionalização, destacando a enorme complexidade desta variável.
Os dados procedentes da experimentação animal contrastam a hipótese da
influência social na competência imunológica. Mencionaremos, por exemplo, o estudo
realizado por Capitaonio e Mendoza (1999), no qual depois da inoculação do SIV
(Simian Imunodeficiency Virus), numa amostra de macacos Rhesus, encontraram
uma importante diminuição da progressão viral naqueles primatas, que mostraram um
maior nível de interação na medida de sociabilidade. Por outro lado, a perspectiva
adaptacionista propõe que os efeitos imunossupressores da derrota, depois de uma
luta em animais, pudessem estar relacionados com os efeitos imunossupressores da
depressão humana, sob uma explicação baseada na competência social (Pierce,
Sloman, Gardner, Gilbert & Rhode, 1994). Os dados procedentes de estudos
realizados com sujeitos humanos também nos indicam a importância dos fatores
sociais, e de sua possível influência sobre parâmetros imunológicos. Com base em
diversos estudos realizados com pessoas afetadas de câncer (Chacko, Harper, Gotto
48
& Young, 1996; Molassiotis, Van Der Akker, Milligan & Goldman, 1997), podemos
dizer que os fatores psicossociais possuem certo valor preditivo do êxito de
transplantes de medula óssea ou outros órgãos, assim como do restabelecimento da
competência imunológica depois de um tratamento de quimioterapia. O apoio social
estaria atuando como modulador da resposta de estresse diante de eventos
ameaçadores para a pessoa, de modo que os possíveis efeitos imunossupressores
do estresse também ficariam amortecidos. Assim, comportamentos de afiliação e
fortes redes sociais estariam favorecendo uma competência imunitária eficaz e um
adequado estado de saúde (Berkman & Sime, 1979; Cohen, Doyle, Skoner, Rabin &
Gwaltney, 1997).
49
atenuação do mal-estar afetivo, assim como uma diminuição da diferença entre as
análises anteriores e posteriores à notificação dos resultados.
Outro aspecto relativo aos hábitos de vida, abordado pela PNI, foi o sono, já
que certas substancias próprias do sistema imunológico podem induzir determinadas
fases do sono. Neste sentido pode-se comprovar, em condições experimentais, que
uma ausência de sono parcial relacionava-se com uma diminuição da atividade das
células NK (Irwin e cols., 1994; Irwin, 1999).
Síntese
A influência dos fatores psicossociais sobre a função imunológica é,
atualmente, uma evidência. Como vimos, elevações no nível de estresse podem
modular a função imunológica. Em caso de estresse agudo, observa-se uma elevação
na competência imunológica, por ser esta uma resposta adaptativa. Porém, quando
se trata de estresse crônico, a competência imunológica pode ser comprometida,
havendo um decréscimo tanto na atividade como na proliferação de determinadas
subpopulações de linfócitos.
Estreitamente relacionado com o estresse estaria o apoio social. Este mostra-
se como um forte fator modulador da percepção de ameaça, que têm os sujeitos das
situações nas quais se encontram, e, portanto, modulador também da resposta de
estresse do sujeito. Por outro lado, com relação as estratégias de enfrentamento,
observaram-se diferenças significativas em função do tipo de estratégia utilizada.
Estabeleceu-se uma certa generalização nos estudos, na qual um estilo ativo de
enfrentamento seria mais adaptativo e favoreceria uma elevação na competência
imunológica. Por último, fazendo uma alusão aos hábitos de vida, ressaltam-se os
estudos desenvolvidos sobre a prática de exercício aeróbio, que se apresentam como
um fator de modulação de parâmetros imunológicos.
Considerações Finais
A noção de que fatores psicossociais influem no sistema imunológico está
baseada em uma crescente evidência. Os estudos com animais, in vitro e in vivo
revelam que a influência do estresse em enfermidades infecciosas está mediada pela
interação entre os sistemas neuroendócrino e imunológico (Sheridan, Dobbs, Brown
& Zwilling, 1994). Com estes avanços, a imagem de um sistema imunológico
50
funcionalmente autônomo foi severamente questionada pelos pesquisadores nos
últimos 15 anos. Portanto, a ideia do sistema imunológico de defesa integrado, no qual
também tomam parte os sistemas nervoso e neuroendócrino, parece ser mais
ajustada às evidências disponíveis (Ader, Cohen & Felten, 1995). Se aceitamos que
as variáveis ambientais, atuando através de vias e mecanismos puramente
psicológicos, são capazes de alterar a bioquímica de nosso organismo (Bayés, 1995),
é tentador pensar que, nos pacientes de evolução lenta (long-term survival),
possamos encontrar variáveis psicológicas como cofatores na evolução natural da
infecção por HIV que expliquem parte da variação na sobrevivência. Neste sentido, o
problema consiste em identificar de que fatores depende a vulnerabilidade de um
organismo infectado, no qual o vírus começa a multiplicar-se. Seria razoável postular
que determinadas variáveis psicológicas estariam atuando como cofatores na
progressão viral, através da modulação da competência do sistema imunológico que
determinaria as possibilidades de êxito da proliferação viral.
Uma das atuais linhas de pesquisa dirige-se à identificação de possíveis
variáveis diferenciais em pacientes HIV+ que não evoluíram a AIDS (pacientes long-
term survival). Postula-se que o determinante para que estas pessoas se mantenham
assintomáticas seja provavelmente um conjunto complexo de interações entre
variáveis do organismo e características do vírus (Rutherford, 1994). Entre estes
fatores, cremos que se encontram as variáveis psicológicas influindo como cofator na
progressão. Portanto, em resposta à pergunta que dá título a este artigo, podemos
dizer que as interações psiconeuroimunológicas em relação a infecção por HIV são,
hoje, uma realidade, apoiadas em diversos dados empíricos advindos da literatura
internacional.
No entanto, é importante destacar que seria falso estabelecer relações de
causalidade, sem especificar os diversos fatores que poderiam estar implicados.
Ainda falta muito por se pesquisar e comprovar na interação dos sistemas nervoso,
endócrino e imunológico. Devemos dirigir nossos esforços, utilizando uma
combinação de metodologia experimental com análises imunológicas, com o objetivo
de saber como se produzem essas mudanças. A partir de uma perspectiva otimista,
acreditamos que o longo caminho por percorrer só vem a enriquecer a reflexão e
crítica deste campo interdisciplinar, ainda que relegue à ficção a ideia de uma
51
unanimidade científica quanto à influência dos fatores psicossociais como
coadjuvantes na progressão da infecção por HIV.
11 BIBLIOGRAFIA
52