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1
P436h Pereira, P. Salézio
Hipocondria: Minha Vida doentia
Santa Maria – ITPH – 1988 128 Pág.
159.974 CDU
Produção gráfica:
Jeferson Luis Zaremski
Impressão:
Inov9 – Gráfica e Editora – Santa Maria – RS
SUMÁRIO
2
INTRODUÇÃO..............................................................05
3
4 – COMO FAZER DA VIDA UM PRAZER, EDUCAR-SE
PARA VIVER EM SAÚDE SEM DOENÇA........................114
4.1 A natureza aculturada dos complexos, obstruindo a
integridade pessoal......................................................116
4.2 A origem dos complexos se dá no ato educativo, que
se estrutura em forma de doenças no organismo.........119
4.3 Os sinais psíquicos informam a vivência das emoções
e sentimentos na internalização do medo das
doenças........................................................................121
4.4 A educação pela repressão do medo fixa a pessoa na
infantilidade regressiva................................................123
4.5 A psicologia da educação no processo de identificação
inconsciente fixado nos pais........................................126
4.6 O autoconhecimento como proposta educativa pelas
fantasias oníricas..........................................................129
4.7 A pedagogia repressiva internaliza a culpa
inconsciente da punição...............................................131
4.8 A reeducação da personalidade dos pais na
família...........................................................................134
5 – REFLEXÕES FINAIS................................................137
BILIOGRAFIA..............................................................141
4
INTRODUÇÃO
1
Hipocondria: “Hipocondríaco: adjetivo referente ou a uma pessoa que
imagina estar sofrendo de uma doença física ou aos DELÍRIOS ou
FANTASIAS dessa pessoa. Daí hipocondria, PSICOSE e da qual o principal
sintoma é a crença no paciente em ter uma doença física incurável.”
(Rycrofty, Vol. 5, pág. 114)
5
Escolhi entre os vários pacientes a quem atendo
uma pessoa que representava um quadro hipocondríaco,
relacionado a diversos tipos de doenças internalizadas e
vivenciadas inconscientemente por ela e, também,
dirigida por uma intencionalidade autodestrutiva que
criava a doença, a dor, o sofrimento e a própria estrutura
neurótica.
Nessa história clínica, dois aspectos favorecem
muito o sucesso do tratamento: no primeiro, o paciente
não faltou nenhuma das sessões, demonstrando, assim, o
seu interesse e plasticidade para a resolução do seu
problema; no segundo, as interpretações e
esclarecimentos de caso se deram em torno de vários
sonhos, proporcionando condições seguras para a
solução do seu quadro hipocondríaco.
Passarei, agora a mostrar o que será examinado
neste relato clínico, aquilo que me foi possível verificar
através da complexidade de situações apresentadas pelo
estado psicológico do paciente, um dos fortes motivos
pelos quais este livro tem como título “HIPOCONDRIA:
minha vida doentia – A implicação da Educação, na
Estruturação Inconsciente das Doenças Imaginárias”.
Para mim é muito gratificante este estudo clínico,
pois o objetivo principal está em revelar e trazer à tona
todas as ramificações inconscientes, desconhecidas pelo
consciente, contribuindo para a utilização científica junto
a tantas pessoas impedidas de se realizarem na sua
existência concreta, devido ao desconhecimento de seu
estado de inconsciência.
6
Outro objetivo importante está em compreender
entender o funcionamento da estrutura mental do
aparelho psíquico, no sentido de interpretar os
mecanismos inconscientes, geradores dos sintomas, e a
formação de sua patologia. Por isso, esta pesquisa vem
dar uma compreensão valiosa aos educadores, pais e
psicanalistas, mostrando, através da psicopatologia das
doenças psicossomáticas, a possibilidade de
conscientizarem-se sobre o tipo de educação, escolar e
familiar, passada a nível inconsciente, proporcionando
assim a patologia.
Nessa história clínica, tentarei elucidar sem
limitações a história de vida do paciente, assim como
todos os aspectos que envolvem a análise do seu
problema, os quais serão discutidos com seriedade e com
a maior franqueza possível. Os educadores, psicanalistas
e psicoterapeutas e outros profissionais afins, poderão
convencer-se de que a descrição foi feita sem nenhuma
hesitação e se apresenta tal qual foi comunicada pelo
paciente.
Passarei a relutar duas circunstâncias que vieram
em meu auxílio: a duração do tratamento, que se
estendeu por nove meses com duas sessões semanais e
os esclarecimentos do caso que se agruparam em torno
de vários sonhos, proporcionando, dessa forma, fontes
seguras para a teia de interpretações e lembranças deles
decorrentes.
Quanto à própria história clínica, redigi as frases,
ideias, conceitos, emoções somatizações, fantasias,
doenças, a cada sessão; o paciente tinha pela consciência
7
de que sua problemática seria utilizada para fins de
estudo científicos. Os registros são da mais alta
fidedignidade. Nada de essencial foi colocado ou alterado
da sua exposição, embora a sua sistematização exigisse,
para a maior compreensão e coerência, a mudança na
sequência das explicações.
O título deste livro é “HIPOCONDRIA: minha vida
doentia - A implicação da educação, na estruturação
inconsciente das doenças imaginárias”, porque procuro
mostrar que o sintoma e o sonho se entrelaçam na
história de um tratamento analítico, recuperando as
anamnésias e desvelando as origens dos sintomas.
Isso se tornará clara, no decorrer de minha
descrição, a manifestação dos mecanismos inconscientes,
mediante a explicação da teoria psicanalítica que sofreu
uma revolução fundamental na forma da condução do
tratamento. Há muito tempo, o trabalho de análise partia
dos sintomas e visava a esclarecê-los um após o outro.
Preocupei-me primeiramente em manter um vínculo,
alicerçado na segurança e sinceridade, proporcionando
confiança durante o processo de tratamento, em que se
pudesse sentir, de ambas as partes, uma ligação na qual
prosperasse confiança e tranquilidade, sem preconceitos
ou direcionamentos.
Todo tecnicismo teórico tende a adequar o
paciente dentro de um sistema ou de uma abordagem
psicanalítica, na qual o mesmo tem de obedecer aos
ditames preconizados pelo psicanalista, seguindo-os
fielmente. No entanto, sabendo que cada caso é uma
realidade à parte e conhecendo a complexidade da
8
mente inconsciente do ser humano, preocupei-me
somente em ouvir as suas queixas e aprofundar-me na
compreensão da estrutura fina de seu complexo.
O paciente teve total liberdade, sem
constrangimentos, de abordar qualquer temática ou
preocupação que lhe estivesse impedindo a realização de
seus desejos e objetivos na vida. Não estive sempre
atento à superfície de suas verbalizações e, sim, à
profundidade de suas palavras, procurando descobrir os
recalques e frustrações que tenham conexão direta com
seu inconsciente.
Sabemos, no entanto, que tudo que se relaciona
com a solução de um sintoma, remete-nos a uma
compreensão fragmentada do inconsciente, distribuída
através de deslocamentos, condensações, mecanismos
de defesa, projeções inconscientes, resistências,
transferências positivas e negativas diretas ao
psicanalista.
Apesar de considerar o trabalho analítico
eminentemente educativo, a proposta era modificar
conceitos, ideias, vivências, valores, com a ajuda do
consciente no entendimento de seu inconsciente, para
que houvesse uma modificação adequada de sua atitude
frente à vida, dotando-a de sentido e realização pessoal.
Baseado na minha experiência clínica e nas leituras que
realizei, percebi que tudo nos remete à origem que
desencadeia o sintoma, formador desta patologia, e
sempre constatei que essa estrutura encontrava-se
enraizada no inconsciente, sob a forma de ideias
introjetadas na mais tenra infância do paciente.
9
A análise desse problema é universal, porque ela
diz respeito a todo ser humano, sem exceções, pois se
torna indispensável entender a etiologia psicossomática
causadora de que este livro possa alertar os psicanalistas,
psicólogos educadores, pais, especialistas, autoridades,
ou pessoas que trabalhem direta ou indiretamente com o
ato de educar, para que se conscientizem do valor da
educação na formação do estado doentio ou de saúde. É
preciso tornar as pessoas criativas, seguras, dinâmicas,
inteligentes e, principalmente, sadias.
Estou absolutamente certo de que é somente pela
educação correta, embasada em uma família
harmoniosa, que se formarão personalidades seguras e
congruentes, em que possam ressurgir novos homens
que construirão uma sociedade mais justa e igualitária.
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Depois de termos descrito os traços
preponderantes da personalidade desse paciente,
remeter-nos-emos a uma averiguação de sua história de
vida. Daremos uma atenção privilegiada às suas
circunstâncias vivenciais e sociais, enfocando também os
sinais psíquicos, a origem de suas doenças
psicossomáticas, bem como a descrição de seu quadro
hipocondríaco em relação aos seus sintomas patológicos.
Ainda nos aprofundaremos no tipo de relação familiar e
seus vínculos inconscientes estabelecidos com seus pais.
O paciente em estudo tomou consciência dos
problemas que teve na sua infância, principalmente sobre
o fato de sua MÃE TÊ-LO EDUCADO PELO MEDO, usando
a chantagem como recurso e assustando-o com as suas
doenças. Sua maior revolta concentrava-se na figura do
pai, que lhe negava um irmão e, por isso, sentia-se muito
sozinho. Viviam lhe prometendo coisas que não eram
satisfeitas, tendo vários desejos frustrados na sua
infância.
No seu ambiente escolar, era RIDICULARIZADO e
HUMILHADO, sentia-se perseguido por seus colegas e
alcunhado com apelidos, “EU ERA TUDO O QUE NÃO
PRESTAVA”, dizia ele no primeiro grau, durante a sua vida
estudantil, enquanto buscava a atenção de seus colegas,
já, no segundo grau, superou o seu COMPLEXO DE
INFERIORIDADE através da política estudantil, tendo até
uma obsessão pelos trabalhos que realizava, pois
cultivava uma necessidade compulsiva de se realizar
perante os outros. Sofreu muito para terminar o segundo
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grau, por ser considerado a ovelha negra da turma, o que
fazia com que se sentisse rejeitado.
A sua família foi sempre pobre, sem cultura,
oriunda do interior; comiam e se vestiam mal, tinha
TUDO PARA NÃO SER NINGUÉM, mas, por algum motivo,
sem muita pretensão, as coisas foram dando certo. No
ambiente escolar, ele conseguiu ser considerado ESTRELA
da gurizada, porque se saía muito bem nas atividades
políticas e nas discussões, superando, assim, a sua
inadequação escolar anterior. Passou a sentir que seu
“PASSADO TINHA TOM DE TRISTEZA E QUE, ESSA
TRISTEZA, TINHA REFLEXOS NEGATIVOS EM SUA VIDA”.
Parece saudosista, mas o único prazer que o confortava
agora era o de se alimentar bem.
A única forma de receber elogios foi fazendo
política estudantil, como meio de compensar a sua
inferioridade, chegando, muitas vezes, a um completo
ESGOTAMENTO MENTAL. Cobrava muito de si mesmo,
considerava-se perfeccionista, descobrindo uma
dificuldade enorme em aprofundar-se no
autoconhecimento.
Quando criança, a sua relação com o pai, como
vimos anteriormente, não era das melhores, pois sentia
um forte ressentimento em relação a ele, por isso O
SENTIMENTO DE CULPA, porque se considerava injusto
para com pai, tendo em vista os seus problemas
cardíacos e a existência de uma hérnia. Com a mágoa
paterna, o paciente relatou as surras de relho que
tomava, a sua passagem pelo serviço militar, visto que
seu pai não fez nenhum esforço para tirá-lo de lá. Para
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seu genitor, se ele não servisse ao exército, seria
considerado um vagabundo. Quando terminou o seu
tempo de engajamento, ele se encontrava
completamente estressado.
Os seus pais sempre o incentivaram para o estudo,
confiavam em sua pessoa, e ele preparou, passou no
vestibular e foi estudar fora de casa. Na universidade,
seus pais começaram a admirá-lo e valorizá-lo pela sua
força de vontade.
A sua origem foi muito sofrida, uma criança muito
tímida, feia, sem atrativos. Na adolescência, teve
dificuldade para expressar a sua afetividade em relação
ao sexo oposto. Sempre viveu no meio do sofrimento,
com sérios problemas econômicos, recorda-se que
somente uma vez recebeu um presente e gestos de
carinho. O afeto também era raro.
O círculo familiar de nosso paciente de 24 anos
incluía, além dele, a presença de seus pais. O pai era
pedreiro, seus estudos não passaram de séries iniciais,
solidário com os problemas da família, era admirado por
ambos, por isso não podia ir contra ele.
Na época em que esse jovem se tornou meu
paciente, seu pai tinha setenta anos e sua mãe sessenta e
cinco anos. Meu paciente era uma pessoa do interior,
sofrida, apresentava sinais de nervosismo, com grandes
dificuldades financeiras, era muito apegado ao pai e à
mãe. Pelas exposições que fazia, pude entender que,
quando o pai o surrava na infância, o sentimento de
escândalo era evidente, embora o pai demonstrasse, às
vezes. Compreensão quanto à sua doença.
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As atitudes repressoras do pai momentaneamente
não eram importantes para ele, mas, quando era
questionado sobre qualquer assunto, seu temperamento
forte e agressivo vinha à tona.
Quando seus pais adoeciam, sentia-se culpado,
pois criava a ideia de que não conseguiria VÊ-LOS VIVOS
NA IDADE ADULTA. Enquanto falava neles, a tristeza se
internalizava em sua alma, principalmente ao lembrar-se
das doenças que também os acometiam.
Numa determinada ocasião, acompanhou sua
prima e o namorado ao cinema e tinha consciência de
que sua presença era a de vigiar e controlar os atos dos
dois. Como o filme demorou, o seu pai veio ao encontro
deles e meu paciente notou, no seu rosto, um semblante
de raiva e cobrança.
As palavras de seu pai foram diretas, quando os
convidou para irem embora, fazendo-o entender que, se
sua mãe estivesse presente, provavelmente seu pau não
teria tomado à atitude que o envergonhou perante a
prima e o namorado. Sentiu uma vontade enorme de
contestar, mas não teve coragem, pois lembrava que ele
era “SOLITÁRIO E ADMIRÁVEL”, portanto não poderia
contrariar sua atitude ainda mais que era seu pai devia-
lhe respeito.
Apesar da severidade de seu pai, ele ainda se
considerava grato pela preocupação que ambos tiveram
com ele, por isso tinha angústia e ansiedade em relação à
saúde dos pais, porque o seu grande medo era não
corresponder a tudo aquilo que eles esperavam dele e,
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MUITAS VEZES, CHORAVA DE TRISTEZA, POIS PERCEBIA
QUE ERA IGUAL A ELES.
Há tempos atrás, seu pai esteve muito doente, e
ele teve uma reação estranha, não sabia como explicar,
só lembrava que se abraçou ao pai e chorou. Depois
disso, entrou em grande sofrimento e parecia estar ligado
a um carma.
A sua mãe apresentava problemas de
ENXAQUECA, TROMBOSE, DEPRESSÃO e NERVOSISMO,
motivos pelos quais vivia chorando pelos cantos da casa,
e isso lhe causava uma INSEGURANÇA TERRÍVEL, pois
sempre pensava na possibilidade de que ela poderia
morrer ANTES DE CRIÁ-LO. Se isso acontecesse, seria
terrível. Outro adjetivo dado à sua mãe era o de ser
SUPERPROTETORA, quando seu pai o surrava, ela sempre
o protegia, POIS O CONSIDERAVA DOENTE, acreditando
que seu estado pudesse vir a piorar no futuro.
Em algumas oportunidades, sentia um desprezo
muito grande pela família, sempre a considerando
conservadora e repressora, por isso desejava se afastar
dos pais, mesmo que os amasse.
Sempre teve “MEDO DA MORTE”, devido aos
“SUSTOS” e às suas pretensões. Percebia que sua mãe
usava muita chantagem emocional, dizendo que “SABIA
QUE ELE ERA MUITO FRACO E QUE TINHA QUE TOMAR
REMÉDIO”. Ainda mais, afirmou existir a possibilidade de
que, no futuro, ele pudesse vir a ficar DOENTE, MAS QUE
ELA SEMPRE CUIDARIA DELE.
Às vezes, chorava escondido, sentindo-se
CULPADO DA DESGRAÇA DA MÃE POR VIVER SEMPRE
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DOENTE, devido a sua impossibilidade de ajudá-la. Em
muitas oportunidades, questionava as doenças dela, pois
notava muita FANTASIA e as respostas que recebia se
adequavam à situação. Ao mesmo tempo, relevava
quando o filho ficava nervoso, quando chorava,
reclamando algo, ela o acolhia, dando-lhe carinho e
afeto.
Nunca teve sequer alguém parecido com a mãe,
pois ela era meiga e carinhosa e, por isso, ele acreditava
que nenhuma mulher iria substituí-la. Nas crises de choro
que a mãe tinha, reinava a impressão de que existia
algum “encosto”, pois não havia motivos claros para que
as lágrimas brotassem. Ele ficava se questionando sobre
o que se passava com ela. Sentia-se culpado por estar
longe deles, mas, quando se aproximava, TORNARVA-SE
VÍTIMA DO NERVOSISMO E DAS DOENÇAS DELES. Estava
compelido a ajudá-la, mas não tinha condições
psicológicas para enfrentar o lado doentio da mãe, o que
lhe dava larga impressão de que se autoflagelava. “Pedia
a DEUS QUE INTERCEDESSE EM FAVOR DELA”. Ela
encontrava-se sempre triste, parecendo que sentia prazer
na dor, ao mesmo tempo quer se martirizava, sentia pena
de si mesma, como se ninguém a visse. Perguntava se a
mãe NÃO HAVIA PROJETADO A SUA DOENÇA NEÇE. Via-
se IGUAL A ELA JÁ QUE ELE TAMBÉM SE TORNARA
NERVOSO, sentindo que a “RELAÇÃO AFETIVA COM A
MÃE ERA O NÓDULO DE TUDO”. À medida que o tempo
passava cada vez mais se convencia de que tudo era uma
grande patologia, pois “PARECIA QUE EU PRECISAVA DA
DOENÇA”. Recordava-se de que aos dezesseis anos, o seu
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ambiente familiar era extremamente doentio e as
chantagens que faziam com ele centralizavam o medo e a
insegurança.
Ouviu sempre, enquanto crescia, frases como
estas: “NO FUTURO EU VOU FICAR DOENTE E AÍ TU VAIS
VER”, “POBREZINHO, COMO É FRACO E DOENTE”. As
conversas sempre giravam em torno da compra de
remédios, a sua relação para com a mãe era de
“PARTILHA E AMOR”, mas a sua maior preocupação era
de que um dia um deles viesse a morrer, e do receio de
uma possível perda. Havia um sentimento de pena deles
e, sendo filho único e dependendo demais da mãe, sentia
não ter mais “CONFIANÇA EM SI MESMO”. Tornou-se
inseguro, quando se apercebia disso, ficava com raiva,
aumentando seu ressentimento em relação a eles.
Sempre teve uma conduta ética impecável em
relação à mãe, mas quando tomava as próprias decisões,
pai e mãe lhe eram indiferentes. Parecia “NÃO PODER
VIVER SEM PENSAR NELES” E gostaria de ter condições de
dar-lhes ajuda e conforto. Temia, inclusive, uma recaída,
caso um deles viesse a faltar, e tinha, no íntimo, a ideia
de que “O AMOR DA MÃE PELO FILHO É MAIS QUE
QUALQUER AMOR DE MULHER” e, por isso, pensava que,
se a morte acontecesse, não saberia o que fazer, sem a
mãe, e o pai. Teria que ESCONDER A DOENÇA para que
seus pais não sofressem por sua causa. “NINGUÉM QUER
A MÃE E O PAI MORTOS”, dizia ele.
A mãe sempre o EDUCOU ATRAVÉS DO SUSTO e,
em consequência disso, na sua vida diária, sempre
pensava na possibilidade de que algo viesse a acontecer,
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embora já tivesse “CONSCIÊNCIA E MATURIDADE PARA
ENCARAR A PRÓPRIA VIDA, LIVRE DA MÃE, MAS NÃO O
CONSEGUIA”.
Com sua companheira, tinha dificuldade de
expressar carinho e afeto, por existirem muitas defesas.
Segundo ele, sua esposa era uma mulher séria, difícil e
exigente e compara o relacionamento deles com um
CASTELO DE AREIA DESMONTADO NA BEIRA DA PRAIA.
Disse ter adotado uma postura radical em relação a sua
companheira, porque ela demonstrava desconfiança,
vivia se queixando, criava problemas onde não existiam,
incomodava-o com atitudes policialescas e, com isso,
sentia-se magoado e desconfiado.
As brigas com ela aconteciam, ele tinha medo do
seu futuro com ela. Pensava em morar sozinho, mas não
conseguia, pois precisava dela, já que nas horas difíceis
sempre a tinha ao seu lado, porém sentia atração por
outras meninas. Não sabia se era somente atração física
ou se gostava realmente da mulher. Dizia que, se
rompesse seu relacionamento com ela, iria morar com
outra, mas, ao mesmo tempo reconhecia ter um “LADO
MEIO PERVERSO, DE UMA CERTA FORMA ELE SE
AFASTAVA DELA”. Aí não lhe dava a atenção devida e ela
se descontrolava. Isso tudo o tornava frio, ríspido e
distante.
Ao sentir apatia, desânimo, tristeza, buscava o
afeto dela, pois isto o reanimava, achava-a inocente,
idealizadora, sexualmente agressiva, via nela o ESPELHO
DA IMPERFEIÇÃO, MULHER INDECISA, tinha-a mais como
amiga do que como esposa.
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Os ciúmes, as desconfianças e as cobranças, a
passividade, causavam uma grande confusão no
relacionamento de ambos e chegou a pensar que ela
desejava que ele morresse. Considerava o ciúme um
equívoco pela parte dela e, às vezes, pensava em fazer as
coisas para contentá-la, sentia que ela GOSTAVA DELE DE
VERDADE, UMA PAIXÃO IRRACIONAL, mas, mesmo assim,
ele desejava ficar com a sua liberdade, não pretendia
separar-se dela, pois, se ela DESCONFIASSE DA
EXISTÊNCIA DESTA POSSIBILIDADE, TERIA UMA CRISE E
SERIA SUA MAIOR DECEPÇÃO, porque ela já havia
buscado o suicídio várias vezes.
O pai dela tem um temperamento autoritário, ele
já a insultou várias vezes. A insegurança dela e o medo de
perdê-lo o fazia aguentar a situação, com a esperança de
que as coisas se ajeitassem. O comportamento dela era
fechado e, quando falava, ALTERAVA-SE, mas não por
discussão. Às vezes, recordava-se dela sem saudade, mas
não tinha coragem de procurar outros relacionamentos.
Tendo MEDO DE SER RECUSADO, contentava-se com a
pessoa com quem convivia. Pretendia superar a crise e
todas essas dificuldades, para não afetá-la, POIS ELA
TINHA PROBLEMA DE EPILEPSIA, levantava a voz, ficava
nervosa e culpava-o PELA SUA DOENÇA.
A atração que sente por ela é mais sexual do que
afetiva, percebia uma falta de sintonia, mas conseguia ter
orgasmo com ela, perdendo, assim, o pavor em relação
aos seus relacionamentos anteriores. Sabia que a pulsão
sexual era uma ilusão, pois não iria ser feliz.
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No passado, teve problemas pessoais e conflitos
com o sexo oposto, quase não havendo romantismo e
conquistas na sua adolescência, visto que era muito
tímido, quieto e se reprimia demais. Sentia paixão por
algumas mulheres, mas sempre foi incapaz de conquistá-
las, ficava só na fantasia.
Houve uma experiência ruim na infância que
dificultou a convivência com seus tios. Quando ele se
aproximava deles, era humilhado e questionado em sua
masculinidade, “AGORA ELE VAI ARRUMAR UMA
NAMORADA”, diziam de sua amiga de quatro anos, com
quem brincava. Quanto mais eles falavam, mais ele se
afastava. Olhava seu pai, dizendo a ele que iria matar seu
tio por sentir-se ENVERGONHADO. Ele pensava que, se
eles descobrissem o que ele pensava a respeito dela e
caso seu pai viesse a saber, seria uma vergonha.
Quando brincava com sua prima, tinha pudor,
sempre se preocupava qual seria a reação dos seus pais
se o pegassem se masturbando, pensando nela. Sempre
sentiu uma forte atração por ela, mas nunca se declarou
com medo de seus pais. Nas relações com suas amigas,
notava que elas queriam ajudá-lo, e ele somente as ouvia
e as desejava sexualmente. “O PROBLEMA É QUE SEMPRE
EU ME REPRIMIA” - afirmou.
Não concretizou deus desejos sexuais e afetivos na
sua adolescência; quando estava com sua garota,
pensava em outra. Teve paixões muito fortes, mas
sempre foram frustrantes, nunca foi muito bom nas
relações sexuais, somente na idade adulta é que
conseguiu melhorar um pouco. Várias foram as
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decepções com namoradas, sempre se REPRIMIU
QUANTO À SUA AFETIVIDADE, teve alguém a quem amou
de verdade, mas ela optou por outra pessoa, suas
relações com o sexo oposto foram sempre conflituosas.
Quando se encontrava sozinho com ela, sempre a
desejava, mas na hora do ato sexual tinha medo de
falhar. Sempre desconfiou que elas avaliassem o seu
desempenho sexual, pó isso buscava outras experiências
para poder superar essa dificuldade, pois “SENTIA-E
SEMPRE INFERIOR AOS OUTROS”.
Ele tinha raiva dela por tê-lo trocado por outro,
mas, ao mesmo tempo, a queria. As garotas sempre o
traíam e, por isso, achava-se muito reprimido e
preconceituoso em relação à sexualidade. Considerava,
hoje, “A SUA AFETIVIDADE UMA DESGRAÇA”, sempre se
coibiu em relação às pessoas de que gostava, nunca deu
certo, por isso não acreditava no romantismo, tornando-
se frio e distante, não aceitando, de forma alguma, ser
dominado por mulheres.
Em uma oportunidade, teve uma relação sexual
com uma menina, sem camisinha, e se achava TRAÍDO
PELO SEU INCONSCIENTE. Sempre pensou que a relação
sexual era arriscada e frustrante.
O que gostava mesmo era de conversar com as
amigas e, quando tinha vinte e quatro anos, teve um caso
com uma garota, mas ela também o abandonou. Tinha
dificuldade de assumir algo mais profundo, mas, apesar
disto, criou certas expectativas em relação a ela, mesmo
sentindo que ela não gostava dele. Ele considerava-se
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uma pessoa FEIA e nunca desenvolveu bem este lado da
afetividade.
Havia RECEIO DE NÃO SE DAR BEM COM AS
MULHERES, ficando entre o PRAZER E A DOR.
Considerava-se muito reservado, inibido, muito exigente
consigo mesmo e com os outros e isso sempre gerou
angústia e ansiedade. Quando uma menina se
“APROXIMAVA DELE, SENTIA-SE REVIGORADO”, NÃO SE
“SUBMETIA AOS SEUS DESEJOS E CONSIDERAVA DIFÍCIL
REALIZÁ-LOS”, sonhava com uma mulher romântica,
apaixonada, mas optou por viver sozinho. A repressão
dos seus desejos era uma forma de controlar-se, mas
notava que seu desejo instintivo aumentava na mesma
proporção em que se reprimia.
As mulheres bonitas são pretensiosas, cheias de
manias, burguesas, conservadoras, e estava decidido a
não ser dominado por nenhuma mulher, percebendo que
não valia a apenas abrir mão de nada.
Sentia um grande desgaste com sintomas de
irritação na garganta, manchas de pele, herpes nos lábios
e sua maior preocupação foi porque, há uns quatro anos
atrás, teve uma relação sexual sem CAMISINHA.
Esses sintomas o acompanhavam desde este dia,
fazendo-o crer que dava para viver mais uns quatro anos,
por isso chegou a marcar um exame para ver se contraíra
AIDS. Estava tenso e preocupado com essa doença e
pensava como é que daria a notícia à sua companheira,
pois em seis anos tivera três relações sem camisinha,
correndo o risco de TER CONTRAÍDO AIDS.
24
Sempre que aparecia algum SINTOMA DA
DOENÇA, sentia-se tendo, nervoso, como algo
incontrolável, tendo PAVOR E MEDO DA DOENÇA. Essa
coisa (neurose)2 preocupava-o muito, principalmente
quando apareciam as dores de cabeça e outros sintomas.
Sua companheira andava meio desconfiada, perguntava
se ele não tinha alguma doença, inclusive queria saber do
seu passado, e ele sentia que não poderia falar, caso
tivesse AIDS.
Crendo piamente na possibilidade de ser aidético,
via a necessidade urgente de um exame e, se desse
positivo, não saberia como conviver com a doença. Com
fortes DORES DE CABEÇA, já não contava mais com o seu
corpo e, quanto à sua recuperação, era bastante cético,
indeciso em relação ao teste do HIV, com “MEDO DA
DOENÇA”. As manchas na pele o deixavam em pânico e
partir para a análise da sua estrutura psicológica e qual
seria sua relação, se tivesse a doença. Passava todo o dia
preocupado com essa possibilidade, sentindo-se
inseguro, com vontade de fugir de tudo e de todos,
devido aos seus problemas psicológicos.
2
Neurose: “Afecção psicogência em que os sintomas são a expressão
simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do
sujeito e constitui compromissos entre o sujeito e a defesa. A extensão do
termo neurose tem variado bastante: atualmente tende-se a reservá-lo,
quando isolado, para as formas clínicas que podem ser ligadas à neurose
obsessiva, à histeria e à neurose fóbica. A nosografia distingue assim
neuroses, psicoses, perversões e afecções psicossomáticas, enquanto o
estatuto nosográfico daquilo a que se chama “neuroses atuais”, “neuroses
traumáticas” ou ”neuroses de caráter” continua a ser discutido”.
(Laplanche e Pontalis, 1995, pág.296)
25
A sua situação pessoal frente à doença era de
impossibilidade, incomodado, perturbado, vulnerável,
revoltado por estar prejudicado na sua autorrealização,
pois sempre teve de se preocupar com a sua
autopreservação. Sentindo-se AÉREO, DEPRESSIVO,
tentava esquecer essa problemática, MAS ELA LHE
TOMAVA OS PENSAMENTOS DE FORMA COMPULSIVA.
Poderia ser que, a qualquer momento, tivesse uma
crise nervosa, embora se achasse bem. Tomara que eu
tenha coragem e estrutura psicológica para enfrentar
essa nova jornada frente à doença, dizia ele.
Os seus projetos pessoais estavam impedidos, não
poderia assumi-los, estava numa crise fatal, por isso
queria aproveitar a vida e realizar seus sonhos o mais
rápido possível, ainda não se encontrava condenado
totalmente, mas era um INFELIZ e, às vezes, pensava que
tudo era “IRRACIONAL E INCONSCIENTE”. Via-se
procurando doenças no organismo, apesar de se
alimentar bem, tinha PAVOR E MEDO DA DEONÇA, pois
se sentia fraco para enfrentá-la; reconhecia os seus
sintomas3, mas não conseguirá dominá-los, não
aguentava mais conviver com essas fantasias. Não raro
pensava que tudo não passava de um grande engano. O
3
Sintoma: “Todo sintoma é um compromisso entre o reprimir e ação
repressora do EU que, depois de um primeiro fracasso, tenta controlar o
que retorna, e refazer a barreira que o protegia contra esta irrupção. O
afeto que acompanha o sintoma, e que se exprimirá pelo conjunto de
sentimentos que chamamos angústias, depressão, perseguição,
despersonalização, remete-nos à causa do compromisso: o conflito
identificatório existente no espaço do EU.” (Piera Aulagnier, 1979, pág.17)
26
seu relacionamento social e sexual decaiu, pois se
impressionava facilmente com acontecimentos externos,
introjetando sintomas com incrível facilidade. Creio que
estou EM PLENO ESGOTAMENTO MENTAL, argumentava.
Procurou entender e JUSTIFICAR A ORIGEM DAS
DOENÇAS, pensando serem FORÇAS INCONSCIENTES
criadoras dessa necessidade, a fim de que pudesse ser
percebido e atendido, enfim, chamar atenção e suprir
outras necessidades.
Tinha consciência de que precisava melhorar, mas
para isso necessitava ter TRANQUILIDADE E SEGURANÇA
PESSOAL. Os medos o perseguiam e isso podia levá-lo a
ter uma recaída. Certa vez começou a não se alimentar,
perdendo dois quilos. Pensava na origem de seus
sintomas criadores de suas doenças e percebeu que elas
estavam relacionadas às suas vivências: a primeira, pela
morte homicida de um amigo, a segunda, pela morte por
trombose de outro amigo e, a última, ao assistir a um
filme sobre AIDS.
Como se impressionava facilmente, temia ficar
doente e achava que os sintomas de tontura poderiam
levá-lo a ter uma convulsão, um surto psicótico ou ainda
um derrame cerebral.
O paciente em tratamento achava-se obcecado
por medidas, tanto dos quadros da parede como dos
livros da estante, sentia medo de acordar, às vezes perdia
a consciência e não reconhecia as pessoas que entravam
no quarto e, por outro lado, tinha uma TENDÊNCIA A
FANTASIAR COISAS QUE NÃO EXISTIAM. Usava muito a
RACIONALIZAÇÃO em coisas desnecessárias, o que
27
notava ser uma verdadeira guerra entre razão e
organismo. Depois disso, surgia a ansiedade e o
nervosismo, tendo origem NAS SUAS FORÇAS
INCONCIENTES.
Sentia tristeza, andava desanimado e JÁ HAVIA
PENSADO EM SUICÍDIO, pois vivia tenso, ansioso e
deprimido devido às suas preocupações constantes.
Acreditava ter uma SÍNDROME NEURÓTICA, se
examinado, racionalizando demais seus sintomas e
condicionando o seu modo de vida. A inferioridade o
perseguia, mesmo quando conseguia proporcionar
momentos de felicidade aos outros.
O maior medo era de suas DOENÇAS,
CORRLACIONADAS À SUA ELEVADA CARÊNCIA AFETIVA.
Ao passar por uma grande ESTAFA MENTAL, notou existir
confusão, estranheza em relação a si mesmo, como se
estivesse sem identidade.
Com dores de cabeça, cansaço, insônia, falta de
motivação, tensão, dispersão, tristeza, inferioridade, é
assim que se sentia, “NASCI E FUI CRIADO PARA NÃO SER
NINGUÉM” – afirmava. Suas EMOÇÕES ERAM FRIAS E
RACIONAIS, mas queria subir na vida, a qualquer custo.
Tinha manias de inventar rituais para provar, a si
mesmo, que nada de mau lhe aconteceria em
determinados locais, por diversas vezes repetia, como
PISAR A PEDRA E DEPOIS VOLTAR PARA BATER COM O
OUTRO PÉ4. Seu grande receio era de que descobrissem
4
Compulsão à repetição: “(A) Ao nível da psicologia concreta, processo
incoercível e de origem inconsciente, pelo qual o sujeito se coloca
28
que era DOENTE, E DE QUE NÃO CONFIASSEM NELE,
principalmente o pessoal de sua cidade. Se eles
descobrissem através de suas atitudes e
comportamentos, os seus problemas, isso seria o caos
para ele.
A análise que fazia da sua doença era muito
superficial, pois quando assistia ao filme Filadélfia, criava
um verdadeiro PÂNICO EM RELAÇÃO À DOENÇA DA AIDS,
sentia-se confuso, não sabia quem era, onde estava e
parecia perder sua identidade.
31
1 – O CAMINHO PERCORRIDO NA PSICANÁLISE
6
Complexo: “O complexo, por ser dotado de tensão ou energia própria,
tem a tendência a formar, também por conta própria, uma pequena
personalidade. Apresenta uma espécie de corpo de fisiologia própria,
podendo perturbar o coração, o estômago e a pele. Comporta-se enfim
como uma personalidade parcial. Quando se quer dizer ou fazer alguma
coisa, e, desgraçadamente, um complexo intervém na intenção inicial,
32
psíquica inconsciente, ressurgindo no sonho com
imagens, com personagens e com o cenário para dar-se a
entender nas simbologias desse mundo fantasioso, com a
intenção de mostrar a consciência e as condições
interpretativas de sua interioridade. Os bloqueios,
medos, fixações, fantasias, sentimentos de culpa,
inferioridade, repressão, identificações, punições, ideias
fixas, restringem a percepção consciente de sua realidade
pessoal e vivenciam, na inconsciência da vida, toda uma
problemática que impede o funcionamento harmonioso
do organismo.
É nessa subjetividade escondida que encontramos
a inteligência fina, a qual conduz o homem a uma
evolução em saúde emocional ou em autodestruição
pessoal. É essa intenção que invade a subjetividade do
outro de vários modos; mesmo que as pessoas estejam
mortas, persistem por várias gerações na pessoa em
forma de incubação7 entrelaçada. Através dessa
interioridade, tentaremos desvelar a etiologia que causa
a doença.
Essa história clínica mostra de que maneira
educação estrutura no inconsciente a doença
psicossomática. Os sinais psíquicos e as emoções
8
Intencionalidade: “O psíquico é o real dinâmico que coordena todo e
qualquer organismo humano no seu aspecto voluntarístico, biodinâmico,
químico e matérico. Não se vive sem o psíquico, ele é primário sobre o
biológico e é sempre intencionalidade de qualquer evolução orgânica; é a
energia mais pura, intercambiável e reversível, e por ela se constitui a
interferência entre a vetoridade psicodinâmica e a estrutura somática”.
(Ibdem, pág. 1)
34
ignoradas e não refletidas, como parte integrante da
consciência, essas intenções obstruem a compreensão do
complexo.
A análise segue um método que mostra a saída do
senso comum para uma reflexão descritiva e profunda da
consciência que se dá a conhecer nas vivências e
experiências do mundo da vida. Esse fenômeno
manifesto é colocado em “análise”, para buscar os
engendramentos inconscientes, mediante a linguagem da
conduta do corpo, afetiva, emotiva, somática e onírica,
tendo acesso à estrutura do complexo.
A análise segue um método que mostra a saída do
senso comum para reflexão descritiva e profunda da
consciência que se dá a conhecer nas vivências e
experiências do escondido e contida na experiência não
vista. Conhecer-se-á, assim, a estrutura organizada do EU
fictício e irreal que cria as doenças imaginárias.
Servimo-nos de um procedimento, para ser um
instrumento de análise da interioridade, em que o leitor
descobre nos fenômenos manifestos, uma estrutura
latente. A teoria da psicologia analítica9 subjetiva
proporciona o conhecimento das causas que originaram o
problema da doença. Num primeiro momento,
interpretaremos, a nível inconsciente, as estruturas
internas do complexo, para que se possam detectar os
9
Psicologia analítica: “As mais belas verdades do mundo servem aos que
as possuem apenas quando se tornaram uma experiência original (...) Eis
porque esta psicologia diz respeito ao homem na sua totalidade
existencial, carne e espírito ao mesmo tempo, consciente e inconsciente, e
realidade histórico-cultural.” (Jung, 1985, pág. XIV)
35
parasitas da psique. Num segundo momento,
efetuaremos a interpretação da causa, para se chegar à
raiz que nos dará a compreensão da estrutura doentia
que desarmoniza o organismo em doença.
Com a finalidade de conhecermos os significados
inconscientes desses fenômenos, reunimos os mesmos,
concentrando-os e articulando os diversos sentidos nas
suas manifestações, para que se pudessem apurar nos
dados apresentados e colhidos na entrevista, os
significados de maior importância em unidade, os quais,
interpretados um a um nas suas intencionalidades
inconscientes, permitem se chegar ao verdadeiro
significado unitário das causas das doenças imaginárias.
Busca-se a interpretação desses sintomas, para
que se possa ter acesso à origem desencadeadora do
fenômeno doentio, interligando as experiências e
vivências verbalizadas na entrevista durante o
tratamento, como dados que, depois de sistematizados e
interpretados, irão refletir o significado do complexo
doentio que origina a somatização. Como existem vários
sintomas a serem analisados, deu-se prioridade aos de
maior significado, para buscar a descrição da origem
desencadeadora do fenômeno hipocondríaco.
A proposta é apresentar uma pedagogia analítica
que proporcione, através da educação, o resgate do
autoconhecimento, retornando ao mundo da vida para,
através da educação, rever as causas que estruturam, no
inconsciente, as doenças psicossomáticas. Conhecer
essas determinações significa compreender as falhas
educativas que geram sofrimento e dor no ser humano, a
36
partir do conhecimento dessas estruturas consteladoras
chamadas “complexo”. São esses fenômenos que
precisam de uma solução teórica, porque o inconsciente
determina a doença, impede a objetividade, altera a
subjetividade, alienando a pessoa de sua verdade,
impedindo-a de ser verdadeiramente autêntica.
Essa proposta educativa propõe investigar as
causas subjacentes e inconscientes que sedimentam uma
estrutura doentia equivocada, prejudicando a qualidade
de via e obstruindo o livre acesso à inteligência da vida.
Queremos uma educação que proporcione condições
para que o ser humano possa se conhecer, ser autêntico,
verdadeiro, livrando-se das necessidades inconscientes
que contradizem a vida, funcionando como um recuso de
prevenção da criação de doenças, possibilitando à pessoa
condições para viver em saúde emocional e orgânica.
Este livro tem a finalidade de ser um instrumento
para mostrar, através da psicanálise , o conhecimento da
causa psíquica que determina, na pessoa humana, a
causa imaginária: HIPOCONDRIA. Essa história clínica do
paciente projeta um inconsciente que se determina em
doença fantasiosa; dores, emoções, sentimentos, sonhos,
verbalizações, etc., informando-nos onde está o mal,
elucidando o significado constelador de cada complexo e
como estão correlacionados esses complexos com a
ordem pré-estabelecida pela constelação.
Não nos utilizamos de critérios morais, sociais,
políticos, ideológicos, religiosos, porque nos detivemos
somente no aprofundamento da exposição da sua
linguagem falada e corporal consciente e inconsciente. O
37
aprofundamento se deu pela análise desses fenômenos
subjetivos, projetados inconscientemente; depois de
interpretados, deram-nos a compreensão dessa estrutura
interna, que se apresenta em forma de doenças
imaginárias.
Os significados são retirados dos dados de maior
importância, visto que, depois de sistematizados, tornam-
se conhecidos por uma descrição dessas dinâmicas
inconscientes, desconhecidas pelo próprio paciente.
Sempre no âmbito dessa perspectiva, encaminhamo-nos
para a pesquisa das imagens, somatizações e sonhos,
para que pudéssemos chegar à origem que causa a
hipocondria. É nessa história do muno da vida que se
projeta, no externo, toda uma fenomenologia interna, a
qual necessita ser compreendida a partir dos diversos
significados que agem em forma de programação,
alterando o estado homeostático do organismo. Para se
chegar à matriz consteladora do complexo que cria as
emoções, colocando e evidência o conflito interno sofrido
pelo paciente, precisamos compreender a sucessão das
simbologias imagógicas.
O procedimento não segue esquemas rígidos de
interpretação do seu racionalismo consciente; ao
contrário, concentrei minha atenção nas emoções
afetivas que projetam todo o quadro sintomatológico de
suas doenças imaginárias, preocupando-me em entender
os mecanismos que permitiram essa incubação
inconsciente. A análise obedeceu ao critério da lógica das
emoções, as quais nos levarão à raiz consteladora da
38
cadeia de associações, da sua necessidade inconsciente
de conviver com a doença.
Entendo, por exemplo, um conjunto dinâmico não
suficientemente identificado e especificado os seus
impulsos operativos, no interior de um sistema unitário.
Quero identificar a formação da estrutura psíquica na
assimilação do quadro doentio da mãe, o qual repete em
sua vida, experiências de uma passado que não é seu,
doenças que desarmonizam o seu organismo, impedindo-
o de viver em paz consigo mesmo e com os outros.
Somente com a interpretação desses diversos fenômenos
é que se poderão desvelar as verdadeiras constelações
que conduzem a pessoa a viver em doença.
Compreendendo que as doenças imaginárias,
exteriorizadas pelo paciente no organismo, demonstram
em forma de linguagem, repressões e recalques sofridos
por uma educação equivocada. Essas estruturas
organizadas, chamadas complexos, fazem parte do ser
humano, estão presentes em qualquer nação, visto que a
problemática do quadro hipocondríaco diz respeito a
toda a humanidade.
O neurótico relaciona o seu estado de doença ao
conflito interior, desorientando psicologicamente a
própria pessoa. Para compreender a etiologia, e ter bons
resultados, é necessário o confronto a nível inconsciente,
atingindo a estrutura do complexo. Esse inconsciente que
permeia toda gama de doenças imaginárias, não pode ser
captável e nem entendido pela razão lógica da mente do
EU consciente, necessita da ajuda de um analista. Essa
energia vital e ativa, não percebia pelo conhecimento
39
racional, é responsável pelo desenvolvimento da pessoa
em saúde ou em doença.
Pelos motivos expostos anteriormente, propomo-
nos investigar a fenomenologia psicológica da mente
humana, para elucidar as causas que originam os
sintomas. Enquanto a área psiquiátrica e psicológica se
preocupa com o efeito, eu quero encontrar a causa que
origina o problema da doença no organismo. A intenção é
buscar, no inconsciente, a atividade psíquica motivadora
do problema que cria a doença imaginária.
40
Acentua-se que, na reestruturação das ideias e
conceitos assimilados no inconsciente, faz-se necessária a
atividade do pensar, mas o pensar com reflexão, na
elaboração de novas ideias e conceitos. Sem essa
capacidade, fica difícil resolver os conflitos psíquicos.
As mudanças de concepções de vida e de mundo
passam necessariamente pela autoeducação. É
importante que se tenha consciência de que o erro e a
neurose estão presentes em quase todas as pessoas, mas
o que conta é o ponto de resolução, “a decisão de querer
mudar”, essa é a chave para a pessoa se dar conta de sua
inconsciência, pois se corre o risco de transferir e projetar
ideias, emoções e pensamentos equivocados na relação
com o outro, num estado de inconsciência.
Esse estudo clínico evidencia a necessidade de se
entender o curso pedagógico que constitui os complexos
em associações com vários elementos psíquicos,
finalizando-se como caso de hipocondria. Acredita-se
que, mesmo antes de qualquer fixação, existiu, no seu
passado, uma educação informal assimilada em erro;
essa ação educativa incubou as doenças de seus
genitores. A cada caso clínico, deve-se recomeçar tudo,
visto que é uma outra realidade e, por isso, não se podem
apresentar fórmulas ou regras complicadas a serem
seguidas.
A interpretação do inconsciente e a assimilação da
base que origina a doença está mais na arte
interpretativa do que nos compêndios de psicologia. Não
basta a teoria, é necessário o desempenho prático, esse
último é que dará o sim ou o não da evidência. Constata-
41
se, no atendimento clínico, a necessidade de se educar,
pela terapia, a conscientização de sua formação doentia,
sendo oportuno, antes de tudo, entender as
intencionalidades inconscientes do paciente, para que se
possa conduzi-lo com critérios seguros, não se deixando
influenciar pelas chantagens emocionais, levando em
conta que a autoimagem fortalece o ego e estrutura a
personalidade, para que, dessa forma, possa o paciente
desfazer-se do nódulo doentio que origina as doenças
imaginárias do seu quadro hipocondríaco.
Na prática clínica, experiencia-se que os
complexos possuem incrível autonomia, são eles que têm
poder de inserir, no psíquico, as dores sem fundamento
orgânico. Essa imaginação é tão forte que é capaz de
causar sofrimento tanto quanto uma doença orgânica.
Mesmo que o analista lhe diga que essas doenças
são fruto de sua imaginação, ainda assim persistem as
dores e as queixas dos sintomas. Por outro lado, o
inconsciente se serve de artifícios para que o paciente
tome conhecimento do seu corpo, valorizando-o para
que de alguma forma, não continue a ignorá-lo. Quando
ele passa a entender o sentido da depressão e da ilusão
hipocondríaca, os sintomas desaparecem, iniciando o
processo de cura.
47
1.4 – A Repressão Sedimenta o Complexo de
Inibição
52
1.6 – O Complexo da Mãe Fixou o Filho, de Modo
Inconsciente, a Viver em Doença
53
Os problemas de personalidade têm sua origem no
inconsciente e estruturam-se a partir do tipo de educação
recebida. A mãe é alguém que tem forte influência na
formação da personalidade do filho, mas, quando ela não
alcança uma afetividade satisfatória, por alguma razão
que desconhece, utiliza-se de mecanismos para absorver
e satisfazer suas necessidades inconscientes. A simbiose
em si serve para suprir uma afetividade bloqueada no
relacionamento com o sexo oposto; utiliza-se do filho no
incesto inconsciente, fixando-o num estágio embrionário
infantil. O filho não consegue, na sua vida adulta, realizar-
se em prazer; mesmo que a mãe esteja morta, ela
continua viva em seu inconsciente, determinando-lhe o
estado doentio.
A incubação inconsciente, sofrida pelo filho em
relação à mãe, continua a sua trajetória em busca das
determinações do complexo doentio. A sua relação
primitiva com a mãe é que orientou a sintomatologia. O
que aconteceu foi um mecanismo muito bem elaborado
para obter sintomas no organismo, criando dores de
cabeça, asfixia, convulsões, depressão, dores de
estômago, doenças imaginárias de toda espécie, com a
intenção de despertar interesse e atenção da mãe. Esse
não foi o único contrato inconsciente entre ambos:
deveriam usar suas lamentações e queixas para despertar
piedade e reconhecimento pelos seus sofrimentos.
Logicamente, o desenvolvimento da personalidade te de
estar de acordo com a sua natureza. Há uma rejeição
contra a ansiedade, a angústia, criada pelo conflito do
54
complexo simbiótico doentio11, causando a desarmonia
interna do seu EU psicológico. Caso continue a viver em
obediência ao complexo, é possível que, aos poucos, a
neurose e a hipocondria destruam o doente por
completo.
11
Simbiose:: “...ela inunda constantemente o filho de afeto porque não
suporta sua repressão e nem consegue canalizá-la numa sublimação.
Praticamente, a mãe revitaliza todo o seu drama interior no inconsciente
do filho, introjeta nele sua própria tonalidade de sentimentos e o plasma
de tal modo que ele externamente age e internamente revive de acordo
com a pulsão reprimida da mãe.” (Vidor, 1977, pág.35)
55
O sentimento de culpa, enquanto tratado na
terapia, cala-se não lhe diz que é culpado, e nem o
paciente sente-se culpado, mas doente. Os sentimentos
de inferioridade tão conhecidos nas pessoas têm a
mesma força que o sentimento de culpa; é necessário
aprofundar e descobrir quais aspectos de sua
personalidade foram reprimidos e que estão por trás
desse sentimento de culpa.
Quando seus desejos não podem ser satisfeitos
por uma forte inibição, ele recorre a uma fixação infantil,
na qual encontra uma maneira de satisfazer o
inconsciente pelos fatos reprimidos. A sua consciência
doente vive obcecada em encontrar uma doença em seu
corpo. A partir desse instante, instalam-se os sintomas
doentios no seu organismo.
Essas forças represadas agem no inconsciente do
paciente, firmando a ideia de que é fraco, apático, frágil
e, por isso, é doente. Na verdade, preserva-se o
complexo infantil12 adquirido no seu vinculo simbiótico.
Influencia o organismo e prejudica o seu perfeito
12
Regressão Infantil: “Freud insistiu muitas vezes no fato de que o passado
infantil – do indivíduo, e mesmo da humanidade – permanece sempre em
nós: “Os estados primitivos podem ser reinstaurados. O psíquico primitivo
é, no seu pleno sentido, imperecível.” Encontra esta ideia de uma volta
para trás nos domínios mais diversos: psicopatologia, sonhos, história da
civilizações, biologia, etc. a ressurgência do passado no presente é ainda
marcada pela noção de compulsão à repetição”. (Laplanche e Pontalis,
1995, pág.442)
56
funcionamento, até terminar num esgotamento mental e
físico, ou na própria doença.
À medida que a educação produz a ação
pedagógica como ato intencional que sedimenta forças
destrutivas no inconsciente, possibilitar-se-á a
compreensão de que não adianta criar a culpa na pessoa,
porque a probabilidade é de que ela irá punir-se de
alguma maneira.
Depois que o doente já tiver fixado a culpa13 torna-
se difícil à volta a seu estado natural. A psicanálise se
utiliza desses sintomas com a intenção de entendê-los na
manifestação dos pensamentos inconscientes, para
conscientizá-lo de qual sua origem. Sem dúvida a mãe é
alguém que sempre estará presente em sua lembrança.
Esta imagem o persegue e persiste desde a mais tenra
infância. Nessa fixação inconsciente, procura cumprir
esse pacto incestuoso inconsciente. A recordação de seu
carinho e ternura, até mesmo de outras pessoas ligadas a
ele, por quem era educado quando criança., contribuem
fortemente para nortear a sua futura parceira sexual. O
que se sabe é que a cultura e a educação causaram danos
enormes na personalidade do homem moderno. Isso foi
13
Sentimento de culpa: “O superego retém o caráter do pai, enquanto que
mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir à
repressão (sob a influência da autoridade, do ensino religioso, da educação
escolar e da leitura), mais severa será posteriormente a dominação do
superego sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez,
de um sentimento inconsciente de culpa.” (Freud, 1976, Vol.XIX, pág.49)
57
confirmado pela pesquisa etiológica das doenças
psicossomáticas.
61
do ambiente onde vive, principalmente de sua mãe. Aqui,
demonstra-se que o inconsciente da mãe é a origem que
determina a ligação incestuosa. E, neste caso, o paciente
aprendeu na infância, a receber afeto, carinho e atenção
sempre que ficava doente. Esse modo de vida foi
transferido para a sua vida adulta. Em todas as ocasiões
em que encontrar desafios, ele agirá, da mesma maneira
que aprendeu, ou seja, criará a doença. Na verdade, foi a
mãe que, sem perceber, educou o filho a reagir em ganho
secundário com a doença.
64
Diante da pós-modernidade e dos novos
paradigmas preconizados por essa sociedade chamada
“progressista e tecnológica”, alguns cientistas, que se
dizem conhecedores da verdade, preconizam a forma de
ser e de agir do homem no futuro e, além disso, têm a
ousadia de conceituar o que é científico e o que é senso
comum, tudo dentro de uma forma de pensar
racionalista, calculista, com alta dose de frieza. O
conceito de que as interpretações e as análises que se
podem fazer da realidade só são válidas quando se puder
tocar, medir, calcular, experimentar, etc., são modos
relativos, pois uma análise do mundo, a partir destes
pressupostos, leva-nos a um grande medo de encarar o
desconhecido, arraigando-se inconscientemente a formas
já prontas e determinadas, formando seus guetos como
forma de proteção para conhecimentos pré-
estabelecidos. O homem não é uma máquina e muito
menos um robô programado; quem pensa assim e age
dessa forma vive em desarmonia consigo mesmo e com
os outros.
A Psicanálise necessita acordar desse sono
profundo e anestésico, ditado pelas ciências positivistas.
É preciso entender, em primeiro lugar, as leis da
natureza15, para que se possa aumentar e proporcionar
15
Natureza: “Ressaltamos que é impossível responsabilizar alguém, sem
mais ou menos, pelo inconsciente que tem; mas neste particular a
natureza não tem paciência nem piedade, e se vinga direta ou
indiretamente por meio da doença e ocorrências infelizes de toda sorte.”
(Jung, 1991, pág.130)
65
às pessoas melhores formas de prazer e, ao mesmo
tempo, uma melhor liberdade para consigo mesmas.
O homem não pode ser diagnosticado como se
fosse uma máquina fisiológica. Deve-se entendê-lo na sua
dimensão inconsciente, procurando não enclausurá-lo
com determinações específicas de doenças,
enquadrando-o dessa forma, na ideia de um ser
deteriorado e inútil. Esses critérios pré-estabelecidos do
normal e do anormal passam necessariamente pelos
pressupostos do que cada um entende por homem e, de
como determinado paciente não se enquadra dentro dos
comportamentos ditados pelos cientistas de renome ou
de um manual que dá o critério daquele que deve ser
internado ou tratado. Por isso, o analista deve conhecer-
se profundamente, para depois poder estabelecer um
diagnóstico verdadeiro. Só a partir daí, ele terá uma
grande probabilidade de entender e compreender o
funcionamento inconsciente do fenômeno engendrador
do problema da doença no outro. Isso é tarefa da
Psicanálise, como ciência interessada em dar ao homem
os meios adequados de entender a si mesmo, para depois
compreender o outro na sua dinâmica. Ninguém dá
aquilo que não tem.
Como nossa pesquisa se direciona para o
entendimento do fenômeno inconsciente e para o
funcionamento dessa estrutura interna, elucidaremos
aqui a importância de entendê-lo em sua dinamicidade.
66
Sabemos das implicações e da profundidade que é
estudar e pesquisar o fenômeno psíquico, mas, como o
próprio Jung afirmou, isso é possível, desde que não se
recaia nos ditames preconizados pelas ciências naturais,
moldando o fenômeno psíquico, segundo o
entendimento do positivismo. O estudo do psiquismo
humano pode ter validade e estabilidade, quando
compreendermos a consciência como um fenômeno a ser
entendido, na sua validade objetiva cientifica, buscando a
origem da sua essência verdadeira. O fenômeno se dá a
partir de si mesmo, sem uma vinculação prévia a
acontecimentos exteriores. Esse desvelamento se dá de
forma natural, quando o fenômeno em si vai se dando na
sua pureza verdadeira, absoluta, que é a consciência. O
que podemos então deduzir a respeito do “fenômeno” é
que ele é tudo aquilo de que podemos ter consciência,
não interessando, inclusive, a forma como ele se dá,
incluindo não só os objetos da consciência, enquanto tal,
mas todos os atos enquanto conscientes da própria
consciência sejam eles projetivos, racionais, fisiológicos
ou afetivos.
É preciso ater-se à pesquisa profunda dos
fenômenos, porque é neles e, através deles, que se
poderá chegar ao conhecimento verdadeiro. Somente a
sua existência como tal não explica a realidade, mas,
quando entendido e compreendido em sua essência,
torna-se conhecimento do entendimento da existência
do real. Toda essa pesquisa está voltada eminentemente
para entender e descrever os significados subjacentes,
fornecidos pela história clínica do paciente, selecionando
67
os fenômenos doentios de maior importância, com base
num referencial teórico-psicanalítico, com a finalidade de
conhecer o inconsciente em profundidade na constelação
psíquica.
As ideias, conceitos, padrões de comportamentos
e recalques, depois de elucidados em seus significados,
percebidos e identificados no inconsciente e trazidos ao
estado consciente, através de uma análise descritiva,
retiram o bloqueio dessa energia de vida que estava
impedida de ser vivenciada e, a partir desse instante, a
pessoa começa a vislumbrar um novo modo de vida,
sempre através da compreensão desses “insights
pessoais”, dados na relação paciente-analista.
O entendimento do verdadeiro significado do
fenômeno será tanto mais verdadeiro, quanto maior for
sua intuição na apreensão de seu significado. A intuição é
o meio pelo qual se poderá chegar ao aprofundamento
esclarecedor do fenômeno “da doença”, pois ele tem vida
própria no inconsciente e, por isso, pode determinar a
realização pessoal ou a frustração da pessoa.
É na experiência com a manifestação do quadro
hipocondríaco do paciente, na relação analítica, que se
poderá entrar em contato direto com o fenômeno
projetivo inconsciente. Ele se dá independente da
vontade, a sua manifestação é uma necessidade
psicológica. Por isso, a nossa pesquisa se concretiza no
relato de uma história clínica, baseada nas entrevistas
com o paciente em tratamento, tentando descobrir nas
frases e nos sentidos atribuídos à sua doença, outros
sentidos indiretos, figurados e secundários, que só
68
podem ser percebidos, na sua forma original de ser,
perfazendo um estudo, não só da formação de conceitos
de sua essência, mas da significação dessa essência
existencial e cultural que, como tal, deve ser descrita,
interpretada, analisada em seus pormenores, devido a
sua complexidade, para que se possa entender a
estrutura do próprio fenômeno, cuja experiência não se
reduz a nenhuma das formas da intencionalidade, mas a
integra totalmente.
A pesquisa se dará na apreciação dos “sintomas”
concretos e reais apresentados pelo paciente, dentro de
sua estrutura simbólica e humana, entendendo-a em seu
complexo, reunindo-a, concentrando-a, articulando os
diversos sentidos ou as diversas manifestações do
sentido na trama de sua problemática existencial.
A Psicanálise se interessa pelo “visível e o
invisível”, “o olho e o espírito”, a “existência e a
significação”. Não basta dizer que procura entender os
fenômenos em sua essência. É preciso perceber em que
sentido a Psicanálise entende o problema em si, e qual o
significado que dá a esse fenômeno.
A busca da verdade sempre estará relacionada
com a vida e com a existência, tanto no seu ocultamento,
quanto na manifestação desse ser oculto. A dimensão
pedagógica na Psicanálise está em entender esses
mecanismos, e isso se chama aprendizagem, dando-se no
relacionamento social, cultural, político, econômico e na
forma como esse fenômeno aparece ao pesquisador no
seu propósito existencial.
69
Nesse sentido, a Psicanálise é um método que
desafia, criando novas possibilidades no seu modo
próprio de conhecer, pois acredita sempre na
possibilidade da revolução dentro da interação entre o
fenômeno e sua existência no mundo. As ideologias
revolucionárias que se baseiam na violência externa ou
em ideologias deterministas têm, como princípio, uma
ideia equivocada de conhecer e de mudar essa falsa
consciência, deformada em sua estrutura original e oculta
à manifestação do seu desejo natural ideológico. A
atitude natural da teoria psicanalítica não busca falsas
racionalizações nem a criação de dogmas e, tampouco,
pessoas desajustadas. Entende-se que o modo de
educação numa determinada cultura é que poderá criar
as bases da revolução no estado de consciência das
pessoas, e a conscientização faz parte desse processo de
desaculturação, proporcionando, assim, modificações
concretas e significativas na sua estrutura da
personalidade. Isso possibilita que o ser tenha condições
de evolução e aperfeiçoamento no seu desenvolvimento
pessoal. Para a Psicanálise, a revolução pessoal só
acontecerá, se ela for permanente ou, certamente, não
acontecerá.
O enfoque do tratamento analítico é a
“confrontação” pura e verdadeira da realidade, na qual se
vislumbra o fenômeno como simplesmente ele é e se
oferece ao analista.
Nessa interação, descrevem-se as experiências e
vivências do modo de pensar e da interpretação oriunda
dessa observação.
70
As interrogações feitas pelo analista, livres de
preconceitos alheios ao próprio fenômeno, são as
exigências fundamentais para que se possa entrar em
contato direto com a subjetividade, tal como ela se
apresenta em sua essência, na sua realidade fenomenal.
Essas exigências são enriquecedoras, pois exigem
logicidade no significado, imprimindo uma forma
profunda de conhecer e de sair do estado de pensamento
comum, para o estágio de ciência, comprometida com a
verdade, pois é da reta de interpretação do sintoma que
depende toda a cientificidade da ciência psicanalítica.
A psicanálise se tornou universalmente aceita,
quando conseguiu abranger a universalidade de todos os
seres, realizando plenamente a ideia de um método
Universal, inspirado numa autorreflexão. É nesse sentido
que Freud se esforça, cada vez mais, para fundamentá-la
como ciência verdadeira, que tem como objetivo o
esclarecimento do sintoma, bem como todo seu princípio
no seu método. A Psicanálise não faz uma leitura como se
estivesse numa viagem de recreio, mas se importa em
observar o fenômeno investigado a nível inconsciente.
A tese psicanalítica procura colocar em análise,
para indagar, num primeiro momento, o funcionamento
e a estrutura do complexo, para, no final da apuração da
“etiologia”, estabelecer uma “solução” sobre esse
fenômeno doentio. Tal procedimento é necessário, pois
possibilita aprofundar as atitudes irrefletidas e irracionais
que raciocinam de uma maneira leviana no seu modo de
ser e de viver.
71
A Psicanálise busca esse acolhimento da realidade
tal qual ela é apresentada, torna-a existente, mas
também como possibilidade de sempre colocar em
dúvida esses sintomas do mundo racional, entre aquilo
que é real e aquilo que é uma fixação vivenciada
inconscientemente pela pessoa. Não mudando, em nada,
a posição da atitude analítica, acrescenta-se a isso a
viabilidade de alcançar esse mundo subjetivo, como mais
adequado e verdadeiro no sentido rigoroso, e
aprofundar, indo além da percepção enganosa,
superando-a através do processo de análise das
necessidades inconscientes.
Portanto, a atitude analítica é aquela que
habitualmente vivemos a que nos dirige para a realidade
exterior, para o mundo que habitamos rodeados pelas
pessoas e pelas coisas, acreditando em tudo
espontaneamente. Encontro uma continuidade como
oposta a mim, a única realidade espaço-temporal à qual
eu mesmo pertenço, como todos os outros homens que
nela se encontram e que a ela se referem, assim como
eu.
75
Entendendo a reação subjetiva desse sintoma, seria
possível se entender o fenômeno doentio.
O mundo se torna “real”, a partir do instante em
que ele começa a ter existência em minha consciência.
Essa dialética de internalização irá sedimentar a formação
do “Eu Psicológico”.
Portanto, tudo o que existe na consciência, para
que se torne experiência de fato e nela se concretize,
sempre terá que percorrer o caminho da reflexão, para
depois se estruturar como um fenômeno na consciência,
apesar de ela ser um fenômeno em si. Onde, como e de
que maneira esses acontecimentos se fazem presentes,
depende muito do meio cultural, político, histórico e
econômico. No contexto das relações de uma vida de
existência é que se dá a criação da arte, da imaginação,
da fantasia, da criatividade, assim como a violência, a
morte e a autodestruição.
Esse ambiente é que nos interessa não como algo
exterior a ser visto para depois ser lembrado. Interessa-
nos como suas estruturas e complexos internos
acontecem, para compreendermos o seu sentido
existencial dentro de um processo chamado intuitivo e
perceptivo. Quanto mais apurado e aguçado for, na
mesma medida se terá a compreensão inconsciente
desses sintomas na consciência.
O mundo está constituído para a consciência, e
pesquisá-la é uma tarefa primordial e necessária. Ela dará
a base de entendimento desse mundo vivido, já que é na
experiência que se constrói a reflexão e conscientemente
o pensamento, porque ela é em si o fundamento de todo
76
pensamento abstrato. Os fenômenos dos significados e
dos valores não são algo privativo do sujeito,
representam a amplitude de relações subjetivas,
intersubjetivas e transubjetivas, e isso fará com que a
consciência entre num processo analítico, partindo do
estudo aprofundado das intencionalidades subjacentes e
inconscientes.
Esse conhecimento verdadeiro que se dá através
da natureza, passa a ser chamado mundo da vida, onde
as intencionalidades nos informam a mensagem a ser
decodificada, agindo em forma de proteção, verificando,
percebendo, sentindo e descrevendo, através de diversos
meios, para dizer que o organismo reage a esse modo de
vida que não é coerente com a intencionalidade dessa
natureza. Para entender esse processo dentro dos
diferentes tipos de significados, necessita-se ir além da
reflexão.
É preciso ter uma sensibilidade atuante para que
seu aparelho psíquico possa entrar em sintonia com esse
fenômeno, partindo, então, para a decodificação da
mensagem preconizada através dos sonhos, fantasias,
racionalizações, desejos, aspirações, dores, somatizações,
etc. Compreendendo a constituição desses complexos,
inicia-se a complementação de um conhecimento
verdadeiro, que não está em distonia com a natureza,
mas que entende e compreende o sintoma desse modo
de viver em doença. A pessoa humana não pode estar
distante de si mesma, pois pode cair na armadilha do
racionalismo como fonte explicativa de todos os
fenômenos. O pensar reflexivo deve estar voltado
77
primeiro para o nosso entendimento interior, na
condução do autoconhecimento, em que a dúvida existe
como fonte de aprofundamento, numa inter-relação com
seres e pessoas. O homem se distancia, quando pensa
que, raciocinando, poderá resolver-se por si mesmo. Só a
experiência em análise com o outro e, no outro, é que
nos pode dar as bases da verificação das mudanças e dos
aperfeiçoamentos que precisamos ter.
A realidade na qual a pessoa está inserida tem
duas conotações, a pessoal e a social, as quais acontecem
simultaneamente como um mundo fenomenal, porque é
aí que a pessoa inicia o seu processo de experiência. É
nesse mundo que o organismo expressa sua unidade,
vivendo com harmonia, ou apresenta-se de modo
dicotômico e confuso, justamente porque foi um
processo de aculturação que o jogou no caminho da
ansiedade. É no seu modo de pensar que se reflete a
agonia de suas representações ideológicas, como uma
busca frenética de construir uma história redentora da
humanidade, para que possa mudar o social e a história.
O homem que pensa assim e vive através de
fantasias enganosas, enreda-se numa teia de enganos, na
qual não necessitará de ninguém para apontá-lo, mas o
seu ser irá informá-lo de que este não é o caminho viável
para tal realização e, se persistir na sua ideia obsessiva,
inevitavelmente ele se tornará doente, porque a natureza
oportuniza mudanças, mas não admite a ignorância e
rigidez. Não é modificando o externo que alguém se
modifica a si mesmo.
78
A consciência verdadeira exige uma separação
entre aquela consciência do mundo dos objetos, e aquela
consciência que se constrói com um novo horizonte. O
mundo da doença pode ser interpretado através desses
tipos de consciência que pertencem ao seu modo de
pensar, o qual não se esgota no pensamento em si, mas
que o fundamenta como um sentido de existir para a
realidade. É esse mundo da vida em doença que nos
interessa, enquanto pesquisa, pois serão essas
experiências que servirão de experimento para a
constituição de mundo científico.
Retornar ao mundo da experiência é voltar ao
mundo da vida, ou seja, remete-nos à experiência do
passado o qual constitui a base de todo conhecimento e
de toda determinação científica.
79
vida da pessoa e a forma de pensar. Essa relação é
eminentemente dialética, pois seria difícil compreender o
mundo, e tampouco a consciência, se ambos fossem
separados. É através da própria pessoa, no seu estado
consciente, que se inicia um conhecimento profundo de
seu mundo interior inconsciente.
A consciência intransitiva de uma realidade mágica
ou fantasiosa nos remete à influência do inconsciente
cultural. Freud e principalmente Jung nos mostram a
existência de uma arqueologia inconsciente primitiva, na
qual se enraíza muito “profundamente” a vida da
consciência. O acesso a uma consciência crítica não se
fará sem uma conscientização dessas dimensões mais
profundas de suas raízes culturais inconscientes. Essa
forma de conscientização, na verdade, torna-se um teste
de realidade e, quanto maior o estado de consciência,
mais se desvela a realidade, mais se penetra na essência
fenomênica do objeto, o qual é motivo de análise.
Como um método de pesquisa, a Psicanálise é uma
arte e um método de pensar, justamente porque ela se
direciona na busca de caminhos próprios, desafiando os
pressupostos da ciência positiva, propondo novos
paradigmas para entender e descrever os fenômenos
obscuros e inconscientes. O método, em si, é analítico,
porque busca sempre o novo, fazendo, a partir do
desvelamento, novas descobertas, numa tentativa
constante de colocar às claras as estruturas e o modo de
funcionamento das reações e comportamentos da mente
humana em relação às programações inconscientes,
portadoras da mensagem que faz com que a
80
personalidade se desajuste. É necessário, então,
aprofundar, através da psicanálise, a busca incessante de
um novo modo de fazer ciência. Sabemos, no entanto, do
desafio que é deixar os conceitos, as regras e os
pressupostos já estabelecidos para, numa atitude
analítica, direcionar-se em meio à obscuridade e à
incerteza do fenômeno doentio inconsciente.
Para se chegar ao sintoma do fenômeno doentio, é
necessário entender os significados. As ideias, conceitos e
maneiras de pensar que irão dar a base do entendimento
do fenômeno sintomatológico no seu modo de
manifestação, têm que entender esses significados
obscuros. Para isto, faz-se necessário focalizar o estudo
dos “sintomas” que num primeiro momento, é empírico,
mas que deve ser tomado tal qual o fenômeno se
apresenta, no seu modo de experiência. Por isso, não há
necessidade de conceitos ou de teorias pré-
estabelecidas. A Psicanálise não está interessada neste
tipo de método, ela se atém simplesmente à observação
do “SINTOMA”, dos possíveis de serem experienciados
pelo ser humano. Assim, a análise se encaminha de uma
maneira flexível, procurando sempre entender e
compreender o modo como o fenômeno inconsciente se
manifesta na vivência da pessoa.
O objetivo é chegar às definições através das
descrições analíticas, mas isso depois de o analista ter
pesquisado profundamente os mecanismos inconscientes
do fenômeno, mudando de acordo com as interpretações
e análises dos significados. Isso significa que a pesquisa é
flexível quanto a questionamentos e indagações na
81
compreensão da estrutura do fenômeno doentio, sem se
utilizar de estruturas externas que poderiam prejudicar o
entendimento da etiologia do sintoma. Essa forma de
encarar a pesquisa pode dar à Psicanálise uma ideia de
que ela inicia sua investigação sem hipóteses ou
pressupostos delimitados. Na verdade, ela sempre parte
da ideia geral frente ao fenômeno: o que olhar e como
olhar. Isso consiste numa interpretação dialética sobre a
distância do “sintoma”, o que se percebe, num primeiro
momento, na atitude analítica conforme Freud fez na sua
observação
83
determinar o que é salutar e o que é doentio, a partir do
próprio juízo.
O pesquisador que se utilizar da Psicanálise,
sempre se dirigirá ao fenômeno da experiência, através
da apresentação dos “sintomas”, procurando olhar esse
fenômeno na forma como ele se mostra na sua própria
experiência, apesar de que no seu existir há um mundo
fenomenal, que é perpassado através da linguagem
corporal, ou mesmo verbalizada. Para o analista, “o
fenômeno doentio” não é o objeto concreto fenomenal,
enquanto realidade percebida pelos seus sentidos, mas a
forma e a maneira como esse fenômeno se dá na
experiência e no “ver” do analista. Por isso, ele sempre se
direcionará para descrever o fenômeno tal qual é.
Aprofundando-se, na sua manifestação, a Psicanálise
busca chegar à sua etiologia e a questão que se coloca é
como chegar a essa causa. Nós abordamos aqui o método
que orienta para a observação do “sintoma”, o qual, num
primeiro momento, é empírico e desconhecido, devendo
ser experienciado e aprimorado, para os poucos, desvelar
a origem que desencadeia a doença imaginária.
Esse início do desvelamento do fenômeno
empírico não depende de pré-requisitos ou de
pressupostos e tampouco de uma teoria. Nesta análise, a
Psicanálise se mostra diferente das ciências naturais e
exatas, pois ela não exige conceitos prévios. A
experiência frente ao fenômeno é que determinará o
modo do fazer psicanalítico, através do ato analítico, para
que se possa ir além dos pressupostos já estabelecidos,
trazendo à tona aquelas verdades que estavam
84
escondidas. O primeiro ato em si é evitar as pré-
definições ou a criação de pré-condições sobre a
“doença”, procurando sempre ver o fenômeno na sua
amplitude e de modo flexível e aberto. Assim, o início dos
questionamentos sobre o fenômeno, em que tem um
pensar meditativo, mediante a coisa que se coloca diante
do analista para ser experienciada e compreendida,
chama-se “etiologia”, que significa a suspensão de
qualquer julgamento, ou seja, “ir às causas mesmas”,
retirando todo e qualquer impedimento de ver as coisas
tais quais elas são na sua essência. O ato de se colocar
entre parênteses o aspecto “doença”, na origem,
colocando-o numa atitude analítica de pesquisa, poderia
chamar-se teoria psicanalítica, pois, a partir desse
momento, ele passará por uma causalidade, ou seja, será
descrita a forma como ele se apresenta ao analista.
Ambos têm o mesmo objetivo, que é o de interpretar o
fenômeno da doença imaginária.
Nessa investigação, o foco da intencionalidade não
está no analista, e sim na própria sintomatologia que se
dará a conhecer. Independente das nossas convicções, o
interesse está em descobrir a essência do problema, na
pureza irrefutável que te de se impor para dar
testemunho de verdade. A Psicanálise sempre levará em
conta o modo existencial de ser, mas o fundo de
conhecimento é chegar à origem, para onde todas as
atenções se dirigem.
Chega-se ao pleno conhecimento do mundo
subjetivo através das “estruturas intencionais da
consciência”, nas quais ela aparece frente ao real. Isso é o
85
que o pesquisador quer alcançar, na medida em que for
fiel à análise dos atos intencionais da consciência e das
relações que estabelece entre as estruturas noético-
noemáticas, (a subjetividade), enquanto atos e estruturas
objetivas, intencionando aos objetos. Para
compreendermos o sintoma em si, devemos nos
direcionar para a coisa mesma, tal qual ela é, para essa
experiência sobre o modo pelo qual se apresenta como
sintoma, observando se ela em si demonstra algum
significado real.
A teoria psicanalítica se dá através de uma análise
natural do modo pelo qual percebemos o mundo, um
universo de incógnitas, independente de o pesquisador
aceitá-la ou percebê-la. O fato é que o sintoma se dá e
tem existência própria. Esse mundo tem uma realidade a
ser desvendada. Nas suas inúmeras formas de existência,
ele se dá de uma forma complexa, mostrando a sua
obscuridade e incertezas, enquanto conhecimento
verdadeiro da doença. Esse mundo do qual falamos não é
um mundo só de doença e sintomas, mas também de
valores, vivências e experiências práticas da pessoa
humana.
Esse mundo natural se faz presente; é um ser que
já existe, para que se evidencie um processo de
desvelamento, fazendo-se necessária uma atitude de
pesquisa para que o analista conheça o fenômeno
doentio. Por isso sempre, que se quer conhecer,
estabelecer-se-á uma relação de intersubjetividade.
Essa relação do sujeito com o mundo continua a
existir, só que de um modo ingênuo, é em si um
86
coparticipante da posição natural do mundo. Ela continua
sendo experienciada, vivenciada, independente da
vontade do pesquisador. O sujeito se nutre e se
encaminha através de seu modo de vida, no
acontecimento de suas vivências, as quais se projetam
inconscientemente em forma de comportamento e
atitudes. Se a intencionalidade obedece às leis da
natureza, ela se apresentará em forma de realização; se,
ao contrário, existir a dicotomia e a presença de
complexos estranhos à sua natureza, reproduzirá no seu
organismo a doença e o desajuste.
Esse mundo subjetivo do seu “eu psicológico” será
colocado a descoberto, a partir do levantamento dos
sintomas apresentados pela hipocondria em si. A partir
desse momento, inicia-se o processo de solução,
colocam-se em suspenso esses “sintomas” para depois
colocá-los em questionamento. Inicia-se, desta forma, um
processo analítico, pois ele deixa de ser somente um
mundo de existência e passa a ser fenômeno da
existência.
O processo de análise se dará através dessa
suspensão, procurando, nesses estados doentios, a
depuração, sempre com um aprofundamento cada vez
mais acentuado, buscando sempre as evidências
inconscientes. Por essa compreensão, chegamos à
origem. Essa realização analítica se faz absolutamente
necessária diante da atitude analítica, para que se possa
chegar à verdade inconsciente.
Essa apreensão reflexiva se dirige para as
constelações, visto que estas têm existência e, por isso,
87
não podem ser negadas. Dessa forma, podemos afirmar
que se inicia o processo de busca da origem imaginária,
pois tem em si uma independência fundamental. É assim
que, em lugar da atitude analítica natural frente ao
mundo, surge um mundo consciente, reduzindo os
significados em análise para chegar à raiz de seu mundo
psicológico.
A etiologia neurótica é possível através do método
psicanalítico que busca chegar à origem pura, no
conhecimento profundo da subjetividade transcendental;
pôr entre parênteses a própria existência do “eu” e dos
seus próprios “atos” é ampliar o raio de ação da própria
consciência, ter consciência dos erros que sedimentam a
doença é um compromisso com a verdade interior. É por
ela e nela que se chegará ao conhecimento profundo do
ser.
Esse eu psicológico, que tem uma estrutura
inconsciente programada, mantém um código de
intencionalidade que afeta o organismo como um todo,
desarmonizando, gerando perda de energia,
evidenciando uma forma equivocada de viver. A pessoa
não tem conhecimento desse complexo interno, somente
sabe que sofre, por isso cria em si mesma a confusão do
obscurantismo, recorrendo no desespero a formas
mágicas de cura. Esse complexo interno tem vida própria
e sua evidência clara são as doenças imaginárias que
agem de forma destrutiva no organismo da pessoa.
O que queremos é entender esses mecanismos
inconscientes do “Eu psicológico” que determinam a
forma de vida da pessoa humana. A Psicanálise através
88
de seu processo analítico abstém-se de uma realidade
complexa do mundo e se atem a esse “Eu” pessoal e
verdadeiro, diferenciando-o daquele “Eu” estranho e
irreal, parasita que tem vida intrusa na vida psíquica da
pessoa, impondo vivências e experiências que não são
condizentes com o seu “Eu” real e verdadeiro.
Essa forma de existência do seu mundo
transcendental precisa ser colocada em estudo,
baseando-se na ideia de que os fenômenos chegam a
significados e, com eles, à sua unicidade e, para se chegar
a essa constelação, necessita-se de um processo de
análise desse inconsciente, para que se possa
compreender o fenômeno engendrador das doenças
imaginárias que geram o quadro hipocondríaco.
O método psicanalítico verifica a globalidade das
ações dos sintomas, fazendo entender esses fenômenos
psíquicos a partir do seu estado subjacente, ou seja, a
fantasia, a emoção, os sentimentos, as constelações
psíquicas e a própria somatização no organismo.
O ser psicológico da pessoa humana manifesta, em
seu estado consciente, toda uma sintomatologia a ser
entendida e compreendida. Necessita-se, da psicologia
profunda, de um método que torne possível a elucidação
clara e objetiva, não só das manifestações das doenças
psicossomáticas, mas também da pesquisa das projeções,
mecanismos, inibições, identificações, fantasias que se
produzem a um nível inconsciente. Essa causalidade
necessita de um entendimento.
As teorias humanistas e existencialistas
apresentam uma direção que consegue dar uma resposta
89
clara e objetiva aos sintomas externalizados na pessoa;
faltam-lhes alguns critérios para descrever o
inconsciente, pois o externo indica o que está
acontecendo, mas não dá uma resposta.
Necessita-se de uma sensibilidade intuitiva muito
desenvolvida, aprimorada pela inteligência,
proporcionando as condições básicas para que se tenha
acesso aos fenômenos subjetivos que são quase
impenetráveis. As ciências humanas, principalmente a
teoria psicanalítica, abrem o acesso através da “análise”
para descrever, mediante a linguagem da conduta do
corpo, afetiva, emotiva, somática, a compreensão dessa
estrutura escondida e contida na experiência não vista.
É esse mundo interior que, somatizado no
organismo, apresenta doenças que formam uma
fenomenologia subjetiva, a partir dessa ação psíquica
inconsciente que pode ser descrita e entendida através
das fantasias, imagens, verbalizações e do próprio sonho.
É nesse sentido que as emoções se transformam em
imagens; assim como o sintoma está para a doença, a
imagem está para o sonho. Para entender o núcleo que
engendra essas mensagens codificadas, faz-se necessário
reconhecer a imagem, pois é ela que indica para onde se
encaminha ou qual a estrutura específica a que ela
pertence, ou a forma como se organizou em experiência
e vivência do seu passado.
Se entendermos o sentido da imagem, ela
proporciona as condições do entendimento do que está
acontecendo no momento e indica a que altura se
encontra o nível do problema de personalidade da pessoa
90
humana. Os sintomas são fenômenos que se traduzem
em uma psicopatologia que expressa uma intenção ou
um desejo inconsciente. Essa é a forma como se
estrutura o funcionamento psíquico da doença.
Reconhecendo a linguagem do corpo e da somatização,
podemos nos organizar direcionando não o fato externo
em si, mas, a busca de informações seguras e precisas
que não seja só a associação livre preconizada por Freud
na análise, mas a leitura de seu organismo, utilizando as
imagens dos sonhos, tendo critérios fidedignos para
saber se esse modo de vida é conveniente ou contrário à
sua natureza de homem.
Orientaremos a pesquisa na busca do
entendimento do inconsciente dessa psicopatologia
subjetiva, percebida e sentida como sofrimento e dor no
organismo, a partir das vivências e experiências que
estruturam a emoção.
É nos significados que poderemos analisar uma
unidade organizada. Esses sintomas de maior atuação
podem ser chamados de constelação ou estrutura
sedimentada em forma de programa inteligente que cria
as reações, as emoções, a desarmonia e as imagens que,
somatizadas, trazem sofrimento e confusão, bloqueando
o equilíbrio homeostático do organismo. Eles também
produzem imagens, símbolos que, depois de
decodificados e entendidos, informam-nos a matriz
consteladora do complexo.
É essa estrutura que, em códigos, afeta o modo de
funcionamento do organismo. Inicialmente, é uma
estrutura psíquica desconhecida. Para resolver o sintoma,
91
devemos conhecer essa organização inconsciente que
determina o consciente a agir em doença. Esse ego,
depois de manipulado, coloca- se à disposição dessa
estrutura chamada complexo. Na verdade, é ela que
provoca o erro na pessoa, cria o sofrimento e faz
prevalecer a ineficiência, o medo, a covardia.
O consciente não se reconhece como tal, porque
desconhece essa estrutura inteligente que o manipula,
engana, somatiza ou sonha; não tem condições de
interpretar o significado dessa fenomenologia imagógica,
em que a inteligência da vida se faz ajuda, a razão rejeita
por desconfiança e ignorância. Essa constelação16,
também chamada complexo, influi e determina os
sintomas psicossomáticos no organismo, sem que o
consciente se aperceba, e esse simplesmente coloca essa
energia em ação, produzindo a doença, impedindo a
realização em saúde física, psíquica e emocional da
pessoa.
É na história clínica do paciente que colocaremos
os “sintomas” de maior significado em “análise”, para
descrever a fenomenologia psicológica interna, com
intenção de desvelar a estrutura organizada no
16
Constelação: “A constelação é um processo automático que ninguém
pode deter por vontade. Esses conteúdos constelados determinados
complexos que possuem energia específica própria. Quando a experiência
em questão são as associações, os COMPLEXOS em geral influenciam seu
curso em alto grau, provocando reações perturbadas, ou provocam, para
dissimular, um DETERMINADO MODO DE REAÇÃO que se pode notar,
todavia pelo fato de não mais corresponderem ao sentido da palavra
estímulo.” (Jung, 1991, Vol.VIII pág.97)
92
inconsciente que se manifesta através do seu quadro
psicopatológico hipocondríaco. É essa estrutura
compreendida que nos dará o entendimento do próprio
EU REAL. Esses fenômenos que engendram os problemas
de personalidade também manipulam e criam o EU
IRREAL e FICTÍCIO, imaginário e fantasioso das doenças
imaginárias.
Com a “ANÁLISE”, colocam-se em reflexão esses
significados de maior importância que fazem parte da
sintomatologia externa do organismo, (ou seja, aquilo
que o paciente diz e sente no seu senso comum) e das
projeções inconscientes. Logo se processa a busca ao
mundo da origem da doença, para se chegar à raiz de
onde tudo se desencadeia. O objetivo é descrever, de
maneira científica, o que se passa no mundo da vida do
paciente. É na etiologia das neuroses que se poderá
conhecer essa estrutura que manipula as emoções, as
imagens e as somatizações, os sentimentos, os sonhos
ocultando nela a consciência, para que a razão
desconheça os parasitas da psique.
Essas doenças imaginárias nos informam, através
do organismo, que o modo de vida da pessoa está
equivocado. Essa simbologia da dor e do sofrimento
produz imagens interiorizadas inconscientes que
estruturam o seu modo de existência. Essas intenções
fantasiosas se dão a partir de imagens que invadem um
espaço alheio que somatiza, metabolizando intenções
que são contrárias ao ser e à vida.
O processo de solução pela “ANÁLISE” nos
possibilita, num primeiro momento, elucidar os
93
engendramentos dessa constelação; dá-nos a certeza
natural do senso comum para buscar as causas internas
da estrutura do complexo que age em determinação
psíquica, organizando-se em forma de doença,
somatizando e impedindo o livre percurso da saúde
emocional e psicológica. Num segundo momento, busca-
se a etiologia neurótica, para se encontrar a essência da
estrutura original que cria a doença.
95
forma, mostra-se a busca incessante da compreensão das
sedimentações doentias da personalidade humana.
Esta pesquisa é eminentemente social, pois visa a
apresentar um caminho. É uma metodologia capaz de ser
utilizada por outros analistas, inclusive na possibilidade
de chegar ao conhecimento da etiologia neurótica de
qualquer paciente. Por isso, o estudo viabiliza a
compreensão das origens das doenças imaginárias em
pacientes hipocondríacos.
Esses significados mais importantes foram
retirados das sessões de atendimento clínico com o
paciente, depois foram sistematizados em forma de um
estudo de caso. Retiramos os sintomas de maior
importância e que tinham uma implicação direta na
sedimentação da hipocondria do seu quadro doentio.
Primeiramente, direcionamos nossa atenção à sua
“História de Vida”, observando as experiências e
vivências sociais que criavam os sinais psíquicos, nos
quais se apresentava todo o quadro psicossomático do
paciente. Em seguida, preocupamo-nos em entender a
origem desses “Sintomas patológicos” a partir de dois
pressupostos: o vínculo familiar e a introjeção
inconsciente de um processo de incubação doentia, a
partir das doenças da mãe e do ato educativo dos pais.
Iniciamos nossa interpretação baseados nas
palavras de C.G.Jung.
100
A mãe usava mecanismos muito bem disfarçados
com a intenção de buscar atenção e afeto no filho, já que,
com o marido, a relação erótica era vazia. Então utilizava
o filho para preencher as suas necessidades afetivas.
Essas projeções foram assumidas e sentidas pelo mesmo,
em forma de incubação que gerava o sintoma, por isso a
sua personalidade se desenvolveu baseada na imitação
dos sintomas doentios da mãe.
O respeito e a devoção que tinha pela mãe eram
exagerados, fixando-se numa idolatria e na dependência,
optando por recalcar o seu erotismo em relação ao sexo
oposto, para dar continuidade aos ganhos secundários.
Estabeleceu-se um vínculo inconsciente deformador na
sua personalidade, não conseguindo realizar-se
sexualmente com a esposa.
As suas racionalizações concentravam o medo de
que seus pais viessem a morrer. Demonstrou, dessa
forma, a dependência e a culpabilidade que lhe tolhiam a
autonomia e a confiança em si mesmo. Essa simbiose o
anulava em suas potencialidades, pois vivia os desejos da
mãe, com ela e através dela. A regressão fixava-o na
necessidade de recalcar os desejos sexuais para dar
continuidade ao infantilismo dependente do afeto da
mãe sedutora.
Demonstrava passividade e medo, sentindo prazer
no engano e na traição, gerando em si, frustração,
insegurança, raiva, e a diminuição de sua autoimagem.
Logo, foi percebendo que esse modo de relacionar-se
com o sexo oposto estava deixando-o frio, distante,
apático, ansioso; ao mesmo tempo, dava-se conta de que
101
recalcava suas emoções e sentimentos para com as
mulheres.
Num desejo inconsciente de obedecer ao medo de
trair a mãe, persistia nessa obediência ao enlace
simbiótico. Notava isso, quando alguém do sexo feminino
se aproximava dele. Surgia compulsivamente uma
emoção de raiva que o afastava do relacionamento, não
permitindo de forma nenhuma ter prazer. No seu
entender, compreender alguém, ceder e tomar
iniciativas, ou mesmo, procurar sexo com as mulheres,
era ser fraco, era a mesma coisa que ser dominado
inconscientemente; reproduzia, assim, as atitudes do pai
para com a mãe.
Sentia-se tenso e revoltado. Começava a perceber
que o modo de vida que vinha tendo era inadequado e
equivocado, mas essa incubação era rejeitada pela sua
natureza psicológica e os recalques se manifestavam em
forma de sintomas. Jung faz a seguinte reflexão sobre
isso:
Que opinião, por exemplo, formaria o
leitor atento acerca do fato obscuro,
mas inegável, da identificação do
estado psíquico da criança com o
inconsciente dos pais?...A conclusão
importante que daí surge para todo
aquele que se interessa pelo
conhecimento teórico é que, por via de
regra, as reações mais fortes sobre as
crianças não provêm do estado
102
consciente dos pais, mas de seu fundo
inconsciente. (Vol.XVII.1991:45)
109
recordações penosas e por isso
reprimidas. (1993.Vol.X:12)
111
presente em seu organismo em forma de doença. Jung
faz esta constatação, porque:
17
“não é correto pretender um domínio sobre a vida sem antes uma prévia
compreensão de suas leis naturais ou de sua ordem específica. O controle
do universo só se obtém na proporção em que se conhece e respeita suas
leis ou sua ordem natural.” (Caderno de Pesquisa. Nº13. A epistemologia
Interdisciplinar: O homem e o conhecimento)
114
intensidade, o próprio cérebro luta para manter um nível
de ordem e de equilíbrio emocional. Os sonhos são
produzidos quando as fibras gigantes do tronco
encefálico são excitadas através do cérebro durante o
sono, estimulando a atividade do córtex cerebral. Na
ausência de informações do mundo exterior, o córtex
reage evocando imagens dos bancos de memória e
fabricando histórias permeadas de símbolos ligados à
natureza18. De maneira semelhante, o inconsciente
sempre criará moralidade, religião e mitologia e lhes dará
a tonalidade emocional.
A intencionalidade da natureza19 impele o homem
à realização pessoal, mas as ideias, os critérios externos,
construídos a partir da cultura estruturam a
personalidade, desrespeitando o curso natural de suas
necessidades básicas.
O ser humano não sabe respeitar a sua própria
natureza, cria organizações, instituições que reprimem o
curso natural de sua energia de vida, reforçando os
conflitos internos e, por isso, ele irá padecer em doença.
A vida em si se dá a conhecer nos sonhos,
emoções, somatizações, imagens e doenças. Tem a
intenção de informar à pessoa que a sua maneira de
pensar e agir está equivocada, o que resta é equilibrar a
18
“enquanto continuarmos identificados com a natureza, seremos
inconscientes e viveremos na segurança dos instintos que desconhecem
problemas.” (Jung 1991 Vol.VII:406)
19
“o instinto é natureza e deseja perpetuar-se com a natureza, ao passo
que a consciência só pode querer a civilização ou a negação.” (Ibidem: 405)
115
consciência à sua própria natureza20, isso tudo porque a
razão desconhece e desrespeita a ordem perfeita do
funcionamento de seu organismo.
20
“mas nos afastamos do guia seguro dos instintos e ficamos entregues ao
medo, quando nos deparamos com a possibilidade de caminhar diferente,
porque a consciência agora é chamada a fazer tudo aquilo que a natureza
sempre fez em favor de seus filhos, a saber: tomar decisões seguras,
inquestionáveis e inequívocas.”(Ibidem)
116
A aculturação é uma longa assimilação de
ensinamentos que diz respeito aos anos, às décadas, aos
séculos, através dos quais se formaliza um complexo com
uma situação-problema de programação definida. Essa
aculturação se dá em forma de organização, com vida
própria e, portanto, realiza a intencionalidade do
inconsciente, ou a distorce do curso individual da
natureza. Isso confirma a ideia de que todos são iguais
perante a lei, mas não perante a vida. As leis impõem,
normalizam, regulam, mas a natureza não aceita regras
externas do homem, cada um é responsável pela sua
história, assim como cada pessoa é dona da sua própria
educação.
As diretrizes do adulto na formação da
personalidade de crianças originam-se de ordens pré-
estabelecidas, como, por exemplo, imitar determinadas
características de pessoas, falar daquela maneira, portar-
se desta forma, vestir-se com aquela roupa.
Indiretamente, a criança acultura uma verdade estranha,
diferente da natureza da pessoa. Essas insatisfações e
inquietudes plasmam-se no organismo, apontando o erro
no modo de viver. O que acontece é que, durante a vida,
simplesmente se assimila aquilo que já estava inculcado
no inconsciente.
Os pais que educam em erro transferem o seu
problema para a criança. Essa criança parece que está
bem, mas começa a apresentar sinais de agressividade,
de rebeldia, de não inteligência e, finalmente, afunda-se
em neurose. Um mau educador cria o problema na
criança, incuba um inconsciente doente; independente
117
da boa vontade ou de sua má fé, ela não aprende, é
reprovada e afunda-se na repetência.
As pessoas que desenvolveram a vida em forma de
criatividade, nunca seguiram as leis, normas ou
regulamentos impostos por uma instituição ou sistema.
Sabe-se que nenhuma instituição pode dar a vida, a
criatividade, a arte, a realização pessoal, pois ela não dá a
energia e, sim a condição material de existir. O que fazer
então para não se deixar tragar por esse sistema
castrador? Esse sistema pode direcionar a vida da pessoa,
aprisioná-la, mas a ele não se pode perguntar se isso é
falso ou verdadeiro. Nesse aspecto, o sistema é frágil,
fraco, erra na resposta, não pode por si mesmo apontá-
la, depende de outro ser pensante, que não ele em si.
Hoje a educação forma seres apático, pobres em
criatividade, verdadeiros escravos da mídia, falta-lhes a
liberdade do pensar crítico, da autonomia. Os jovens são
pessoas condicionadas a terem mais, a fazerem mais,
assim são considerados os melhores entre todos, de
acordo com a proposta ideológica cultural. Qualquer
pessoa que segue essa ideologia educativa e, sobretudo,
quando há jogo de interesses, deve sempre orientar-se
sobre o que está acontecendo, podendo acentuar alguns
questionamentos pessoais: quais as deficiências que
impedem a realização pessoal? O que leva a pessoa a
sentir-se culpada pelo sofrimento do outro, ou a
compensar sentimentos de culpa, com paternalismos
doentios rotineiros, como uma descarga de consciência?
118
Se a pessoa não tem consciência do que está
acontecendo consigo, é evidente que existe outro “EU”
que cria a patologia, chamado complexo.
119
Toda pessoa tem o EU lógico consciente que faz a
mediação do interno e externo e que representa somente
uma parte da psique. Existe, além do consciente, toda
uma gama de complexos, repressões sofridas e
esquecidas, estruturas de constelações que agem na
determinação da doença ou da realização da saúde
orgânica e emocional da pessoa.
Não é, pois, de admirar que certas teorias, hoje em
utilização nas escolas e famílias, ajudem a formar e a
desenvolver a patologia que, na idade adulta, torna-se
um potencial negativo que determina os sintomas
doentios. A educação projeta no aluno algo que adquiriu
há muitos anos atrás, mas que, de qualquer maneira, é
passado de forma equivocada, utilizando-se de
mecanismos ocultos e compensações que agem na
consciência como uma segunda natureza.
A pedagogia deve dar uma atenção especial ao
estado psíquico de seus educadores, a fim de que possam
perceber em si o erro. Um exemplo concreto é quando
existe um fracasso na aprendizagem de uma determinada
turma. Pode ser, nesse caso, que o educador seja a causa
inconsciente da falha educativa. O fato é que o educador
é o agente direto no processo de ensino e aprendizagem,
mas isso não lhe dá o direito, mesmo que ocupe um
posto de autoridade, de agir da forma que lhe convém. O
erro está quando se impõe à criança obediência sem
questionamentos, seja por bem ou por mal. Isso educa as
pessoas para a acomodação, para a submissão e o
desprazer de estudar e, infelizmente, é o que se constata
hoje em nossa realidade educativa.
120
Embora essas ações educativas, num primeiro
instante, pareçam não ter muita importância, elas estão
armazenadas e, com o tempo, vão se formando numa
espécie de conteúdo incompatível. Quer consista nas
humilhações sofridas ou mesmo nas dificuldades no
aprender, age e influencia o rendimento escolar. Os
distúrbios, a apatia, a dificuldade em aprender são
sintomas claros da distonia emocional e nervosa. É
importante que o educador se conscientize da força
dessas ações educativas, pois elas podem se estender
inclusive aos processos fisiológicos, como, por exemplo:
as dores de estômago, de cabeça ou musculares e
alterações orgânicas.
Os companheiros substituem os
irmãos, o professor o pai, e a
professora a mãe. É muito importante
que o professor esteja consciente
desse seu papel. Sua tarefa não
consiste apenas em meter na cabeça
das crianças certa quantidade de
ensinamentos, mas também em influir
sobre as crianças, em favor de sua
personalidade, no mínimo, é tão
importante como atividade docente, se
não até mais importante, pelo menos
em certos casos. (1991:59)
124
O educador tem de ter uma personalidade ética,
correta, verdadeira e equilibrada, pois as suas atitudes
estão sendo observadas, internalizadas no processo de
ensino. Por isso, a criatividade e sua intenção superam o
método de ensino; por melhor que ele seja, de nada
adianta se a pessoa que o executa transfere, na relação
com os alunos, raiva, ressentimento, repressões, medo,
etc. Nada substitui a integridade, o amor e a eficiência
profissional. É necessário que o educador tenha
consciência do desenvolvimento da criança e que
respeite o processo da autenticidade de seu ser, não
impondo fórmulas, regras, ordens e tarefas absurdas no
processo de aprendizagem. É importante que se cumpra
e respeite o desenvolvimento natural da criança, sem
apegar-se obsessivamente a métodos rígidos, repressivos
e metodologias antiquadas para aperfeiçoamento da
inteligência.
No entanto, quando uma criança, ou mesmo um
jovem, apresenta problemas de aprendizagem, ele já traz
em sua personalidade toda uma gama de
condicionamentos e conflitos oriundos da influência
sofrida em seu ambiente familiar e social.
Logicamente, o modo de vida dos pais e sua
relação com os filhos são extremamente importantes.
Caso os pais, por displicência, medo, timidez ou por
conveniência, não tomem atitudes claras quanto aos
limites estabelecidos para o filho, esses caem em grave
erro e responsabilidade, como afirma Jung: “e em faltas
125
contra a natureza não adiante alegar a desculpa da
ignorância. A ignorância atua como culpa.”(1991:48)
O que afirmamos é que o Pedagogo e mesmo o
Educador deveriam ter uma boa compreensão sobre a
teoria psicanalítica, principalmente sobre a etiologia,
desde que tivessem interesse em conhecer a natureza
psíquica de seus educandos, quanto aos distúrbios, às
condutas, aos comportamentos. Isso ajuda a advertir o
educador de que não deve impor o medo, para não
prejudicar o desenvolvimento da personalidade e, em
consequência, a aprendizagem.
127
Os educadores deverão estar atentos às crianças
que apresentam problemas de aprendizagem e
comportamentos ou distúrbios emocionais, porque, na
maioria das vezes, quando não existe um
comprometimento neurológico, a causa é sempre ligada
aos pais que projetam sua problemática via inconsciente,
nos filhos.
Outro aspecto diz respeito à educação sexual que
deveria existir desde as séries iniciais até o segundo grau.
Muitas crianças têm sérias dificuldades no processo de
identificação sexual, visto que o sexo ainda é tratado
como um tabu em nossa sociedade machista e puritana,
dificultando a organização inconsciente da assimilação da
identidade a ser assumida, “ser homem”, “ser mulher”.
Organizam-se dúvidas, questionamentos que deveriam
ser solucionados pelo educador, pois, caso contrário, a
função do processo de identificação fica falha, na
internalização do entendimento do funcionamento de
sua sexualidade, podendo, mais tarde, na vida adulta,
traduzir-se em frigidez sexual, impotência, ejaculação
precoce, homossexualismo, fetichismo e toda espécie de
desvio de personalidade. Isso acontece a partir do
estabelecimento desses vínculos e das descobertas
autoeróticas de sua infância, caso não sejam educadas
corretamente. Correm o risco de ficar fixadas no âmbito
da fantasia, onde se eleva a escolha do parceiro como
uma espécie de príncipe ou princesa, ficando difícil
identificar a realidade. Na vida adulta, aparece em forma
de regressão à vida sexual infantil e, com o tempo, pode
tornar-se patogênica.
128
4.6 – O Autoconhecimento como Proposta Educativa
pelas Fantasias Oníricas.
131
As inverdades, os desapontamentos, as
humilhações, as repressões que ainda continuam agindo
no inconsciente, como uma verdade imposta pelo
passado devem ser analisados. Se o educador usa uma
pedagogia repressora e autoritária para com seus alunos,
ele estará projetando uma educação equivocada. Para
modificar essa atitude frente ao aluno, será necessário
colocar-se descoberto, procurando conhecer-se, a fim de
alterar o procedimento didático. Não há como conceber
um ato educativo em que os aprendizes sintam medo,
insegurança de seu educador. Segundo Freud:
132
Comprazem-se na derrota do aluno, alegram-se
com o grande número de repetência, educam pelo medo
e pela ameaça. Acredita-se na verdadeira educação como
uma formação da personalidade segura, equilibrada; caso
contrário, dará vazão à sedimentação da esquizofrenia.
Métodos arcaicos que impõem a “decoreba”, como se os
alunos fossem papagaios, levam o educando a abandonar
a escola, a não gostarem de ler, a verem a pesquisa como
algo imposto, fazendo de tudo para se livrarem dos
trabalhos. Conclui-se que a educação está equivocada e
que está ocorrendo a morte do gérmen do prazer de
aprender.
O que se houve são discursos que deveriam educar
a criança para aquisição da aprendizagem. Por um lado é
louvável esta preocupação, mas o questionamento que
se faz é o seguinte: quem educa para a formação da
personalidade? Acredita-se que sejam pais e educadores,
muitas vezes, incompetentes, que passaram a vida
cobrando, exigindo tudo aquilo que eles não conseguiram
realizar, agindo com infantilidade, provando que
perderam o acesso ao avanço intelectual, porque se
deixaram manipular por objetivos pobres, vivendo toda
uma vida em busca de uma aposentadoria medíocre.
Como não confiam em si e no seu potencial, esperam que
a grande mãe (Estado) os supra de todos os cuidados.
Com certeza, são crianças dependentes.
O sentimento de culpa torna-se um sofrimento
que se compraz na ineficiência, o da “necessidade de
punição inconsciente”, que corresponde a um sentimento
de “culpa inconsciente”, comprazendo-se na
133
acomodação, na desmotivação, nas falsas justificativas
que lhes permitem continuar na estrutura doentia da
grande mãe.
Os fracassos na educação e a resistência em mudar
para melhor estão relacionados à falta de prazer na vida.
Formam-se educadores sádicos, que exercem
autoritarismo, como uma descarga emotiva, transferindo
toda uma insatisfação pessoal para o aluno. Educam sem
entusiasmo, concretizando os objetivos ideológicos da
cultura dominante no seu estado de inconsciência.
136
5. Reflexões finais
140
BIBLIOGRAFIA.
142
GILES, T.R. História do Existencialismo e da
Fenomenologia. EPU, 302p. São Paulo, 1975.
143
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber.
Ed.Imago. Rio de Janeiro, 1976.
144
MARTINS, J. A Pesquisa Qualitativa em Psicologia. Ed.
Moraes. São Paulo.
145
ROGERS, C.R. Tornar-se Pessoa. Ed.Martins Fontes. São
Paulo, 1985.
146