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A psicanálise humanista

e a incorporação do
paradigma da
complexidade na
formação psicanalítica.

1ª. Edição
Dr. Salézio Plácido Pereira
Pereira, Salézio Plácido
A psicanálise humanista e a incorporação do
paradigma da complexidade na formação
psicanalítica. / Salézio Plácido Pereira. – 1.
ed. - Santa Maria: Ed. ITPOH, 2008.
363 p.; 23 cm.

1. Psicologia 2. Psicanálise 3. Consciência


4. Natureza 5. Emoções 6. Medo I. Título

Ficha Catalográfica Elaborada por Maristela Eckhardt


CBO-10/737
CDU: 159.964.2

Diagramação:
Jeferson Luis Zaremski

Revisão:
Daniela Foletto Limberger

Impressão:
Imprensa Universitária, UFSM
2008

Editora:
ITPOH - Instituto de Psicanálise Humanista
www.itpoh.com.br

Dr. Salézio Plácido Pereira


Fone: (55) 3222.3238
E-mail: saleziop@gmail.com
psicanalisehumanista@ibest.com.br

2
AGRADECIMENTOS

Esta tese doutoral em Psicologia Social, defendida


na Universidade John F. Kennedy da Argentina, só foi
possível devido às provocações existenciais, oriundas
das exigências social e cultural, impulsionado por vias
indiretas a me confrontar, a me esclarecer, mas também
a dar uma resposta à altura a todas aquelas pessoas
que, descuidadas de um maior conhecimento da história
da psicanálise, não tiveram a clareza para si do
conhecimento da teoria da psicanálise humanista.
Este momento é único e insubstituível, é uma
emoção de alegria e satisfação que quero compartilhar
com todos os meus colegas da Sociedade Brasileira de
Psicanálise Humanista, do Sindicato dos Psicanalistas do
Estado do Rio Grande do Sul e do Instituto de
Psicanálise Humanista, instituições estas que fazem
parte desta grande conquista.
À minha amiga, colega e esposa Carla Froner, por
ter se dedicado, com especial atenção, à correção e
digitação, bem como aos debates teóricos, durante a
elaboração desta tese, naquela cidade maravilhosa
chamada Buenos Aires.

3
Ao meu orientador da tese, Dr. Jorge Garzarelli,
que sempre, com disposição, corrigiu e orientou os
aspectos teóricos e metodológicos, com muita bondade e
dedicação. O melhor desta relação é que ficou, além da
produção científica, uma grande amizade, por todo seu
trabalho intelectual e humanitário, prestado à ciência e à
sua pátria.
À Graziela Maccagno, quero deixar meus sinceros
agradecimentos, pelo seu empenho em traduzir do
português para o espanhol todo o escrito desta tese.
Ao decano e ao coordenador deste programa de
pós-graduação, da distinta Universidade John Kennedy,
quero agradecer a oportunidade de realizar este tão
almejado sonho, que se tornou realidade. A todas as
pessoas, amigos, colegas e familiares, deixo aqui o meu
apreço, por vocês existirem e fazerem parte de mais esta
conquista existencial. A todos, o meu muito obrigado.

4
SUMÁRIO

Agradecimentos 04
Introdução

Capítulo I
A origem e o significado do humanismo na
psicanálise humanista
1.1- As dimensões do humanismo na vida de Sigmund
Freud
1.2- Os princípios e objetivos do humanismo, no respeito
à vida e à dignidade do homem

Capítulo II
A origem da psicanálise humanista em Erich Fromm
2.1- As diferenças teóricas entre psicanálise clássica e
psicanálise humanista
2.2- A contribuição de Erich Fromm na elaboração
teórica da “Psicanálise Humanista” 111

Capítulo III
Uma explicitação do paradigma da complexidade e a
Humanidade, na vida de Edgar Morim

5
3.1- O método de pesquisa do paradigma da
complexidade e sua incorporação no processo de
formação e investigação da psicanálise humanista
3.2- A complexidade da natureza e sua visão de homem
no paradigma da complexidade
3.3- A complexidade nas ciências e sua evolução no
processo de humanização

Capítulo IV
O objetivo da formação e do tratamento na
psicanálise humanista, em uma abordagem holístico
transdisciplinar
4.1- Uma nova compreensão da formação na psicanálise
humanista e sua pesquisa transdisciplinar
4.2- A concepção de homem e sua natureza humana na
psicanálise humanista

Glossário
Reflexões Finais
Bibliografia

6
INTRODUÇÃO

A tese partiu da necessidade de se apresentar,


perante as novas exigências de nossa sociedade
materialista e globalizada, com sua própria
especificidade tecnológica e cibernética, uma nova
proposta na teoria psicanalítica humanista da
incorporação do paradigma da complexidade.
As duas teorias têm em comum uma visão
humanista e transdisciplinar sobre o homem e a sua
natureza humana. Esta necessidade surgiu a partir da
complexidade de teorias dentro da própria psicanálise.
Nosso objetivo não foi verificar o valor e reavaliar os
diversos conceitos destas teorias e nem de compará-las
com as da psicanálise humanista.
Ao contrário, especificamos com clareza
conceitual, teórica, e metodológica os caminhos da
bifurcação onde se encontram a psicanálise humanista e
a complexidade, acrescentando a sua importância para
dar aos futuros psicanalistas, uma formação
transdisciplinar, aberta, flexível, autônoma, mas também
humana, entrelaçando, desta forma, o valor do ser
humano, enquanto ética solidária, para acentuar, durante
o processo de formação psicanalítica, a vivência de um

7
modo de vida mais flexível, livre das ideologias
dogmáticas, onde a liberdade de pensar e pesquisar
possam dar um novo aporte ao nascimento de um novo
movimento cultural na psicanálise.
Que esta humanização compreenda a totalidade
do ser, respeitando sempre as complexidades
transdisciplinares da práxis humana. Com isto e a partir
disto, possam vislumbrar um horizonte de maior
aproximação, ética e cooperação dialógica dentro das
próprias teorias psicanalíticas. O humano resplandecerá
na sua humanidade quando a sabedoria for a
companheira insubstituível do autoconhecimento.
Nesta maturidade científica, a simplicidade de
sabermos pouco, mais que pode tornar-se muito quando
as crenças, os dogmas, os conceitos fechados forem
substituídos pela grandeza do diálogo e da aproximação.
Oxalá esta tese possa contribuir para uma melhor
formação psicanalítica, ampliando assim as chances de
termos excelentes profissionais, sensíveis à causa do
sofrimento humano.
Esta tese vem elucidar no capítulo I, o valor do
humanismo, no processo de humanização da
humanidade. Por muito tempo, a psicanálise tinha-se
esquecido do valor das qualidades éticas, morais e

8
existenciais. Foi preciso resgatar na história da vida de
Sigmund Freud (1856-1939), o lado humano, onde a
ajuda, a cooperação e a solidariedade, foram suas
práticas humanitárias, no decorrer dos seus
atendimentos clínicos, na formulação da teoria
psicanalítica e na prática de suas pesquisas
transdisciplinares.
O homem vem procurando uma humanização
onde a sua prática de vida seja um testemunho vivo da
sua mais plena realização humana. Este contato
profundo com as dimensões ocultas do seu inconsciente
pode lhe facilitar uma melhor qualidade de vida. Por isto,
entendemos que a ciência psicanalítica tem de se tornar
“ciência do homem”, pois é a única que traz, no seu
próprio método, a humanização, por oferecer o
tratamento do inconsciente humano. E, analisando sob
este enfoque, este conhecimento deve se tornar
patrimônio da humanidade.
No capítulo II, foi preciso especificar a origem da
psicanálise humanista, a partir do conhecimento da
história de vida de Erich Fromm (1900-1980). Ele iniciou
a demarcação teórica do humanismo, na psicanálise
humanista, a partir da análise histórica dos diversos
humanismos para somente depois falar do processo de

9
humanização desta humanidade enraizada na psiquê
inconsciente. Este processo se deu muito mais por uma
experiência vivenciada dos valores do amor, do ser
produtivo, das potencialidades, da generosidade, da
influência social, econômica e política, da imersão de um
estado de consciência, que vai aos poucos se
desvelando, pelo processo de autoconhecimento das
buscas de cada um e de sua própria humanização.
Quando se fala das psicanálises, é necessário
delimitar que as explicitações dos conceitos teóricos da
psicanálise clássica serviram para aprofundar as
influências e diferenças, com a teoria da psicanálise
humanista.
No capítulo III, explicitou-se de forma simultânea
a relação existente entre a teoria da complexidade e a
humanista. Foi necessário resgatar, na historia de vida
de Edgar Morim, o caminho percorrido nos momentos de
sua vida, o modo de como se deu o seu autodidatismo
transdisciplinar científico na elaboração pessoal do seu
humanismo.
Os conceitos teóricos, bem como a compreensão
da pesquisa na proposta do paradigma da complexidade,
demonstram os elos de ligação entre o fenômeno
complexo e as demandas inconscientes dos produtos

10
simbólicos, arcaicos, sociais, históricos e antropológicos,
viabilizando a metodologia de pesquisa deste paradigma,
com a proposta teórica da psicanálise humanista.
Procuramos descrever, desde o paradigma da
complexidade, a conceitualização do que entendemos
por natureza humana e cósmica, porque, para se
entender o homem e sua complexidade de ações e
reações inconscientes, é necessário ter-se uma visão
multidimensional e transdisciplinar.
Aliada à pesquisa e à sua própria metodologia,
surgem na ciência, com suas próprias leis e normas,
propiciando ao homem caminhos diversos para
interpretar e esclarecer o fenômeno da subjetividade
inconsciente, tratando-se especificamente de uma
transdisciplinariedade, onde se faz possível conhecer, na
sua essência, a totalidade dos desejos e do potencial
criativo do ser humano.
No capítulo IV, procuramos demonstrar
cientificamente o homem sobre o prisma holístico
transdisciplinar, dentro de sua complexidade existencial.
Com certeza, surgirá um novo caminho muito fértil para
se esclarecer um método complexo, mais seguro, onde
se ampliará o conceito de homem e de sua natureza.

11
Além disso, discutimos uma nova abordagem, na
psicanálise humanista, de uma formação com o aporte
metodológico do paradigma da complexidade, para dar
conta também do fenômeno inconsciente no tratamento
psicanalítico, onde esta escuta inclui a totalidade da
existência humana.
Assim, humanismo e complexidade compilam o
valor da totalidade transdisciplinar, como um novo
horizonte de pesquisa e na formação dos futuros
psicanalistas, aprimorando, aperfeiçoando,
acrescentando, para dar uma nova resposta aos
sintomas psicopatológicos de nossa sociedade
contemporânea.

12
CAPÍTULO I

1.0. A origem e o significado do humanismo, na


psicanálise humanista

O homem sempre esteve num processo de


humanização. Saía de um estado primitivo, arcaico,
ligado a barbárie, para o desenvolvimento de uma
consciência do vir a ser, através do conhecimento
tecnológico e psíquico. Desde os tempos remotos, nas
diversas civilizações, sempre ficaram algumas perguntas
sobre o sentido da existência, sua origem e qual seria o
destino final da sua vida. A ciência sempre esteve ligada
a fazer perguntas sobre a natureza do cosmos, a
descendência do homem e a finalidade da sua
existência.
Assim, surgiram os grandes cientistas da história
da humanidade. Galileu Galilei (1564 – 1642), Darwin1
(1809 – 1882) e Freud (1856 – 1939). Quando o homem
se situava na existência como um ser que teve sua
origem com o advento do gênese da Bíblia, onde se
expressava a descendência, de forma mitológica em um
universo paradisíaco e inocente, representado pela

1
Charles Darwin: A vida de um evolucionista atormentado; 3ed, São Paulo, Ed.
Geração Editorial, 2000.
13
nudez do homem e da mulher vivendo felizes, com
harmonia e satisfação plena, existia uma interação
profunda entre o homem e a natureza. Mas toda esta
“ordem” estava sob o controle de “Deus”, que vigiava e
estava atento aos comportamentos e atitudes do homem
neste “paraíso” terrestre.
Por uma visão dominante e estreita da Igreja,
detinha o poder através da trilogia dogmática. Com esta
crença, o homem ficou dependente de um Deus que
cuida e protege, mas também vigia e pune. Em outras
palavras, determina a condição moral e ética. Cria-se
uma espécie de patriarcado religioso, um Deus que é Pai
(a ordem, a lei) e Mãe (virgem, pura, o amor). Assim, o
homem olha o céu e tem a certeza, dentro de sua
concepção de Adão e Eva. O homem era filho de Deus.
Por isto, ele tinha uma origem segura, porque era
escolhido para participar da comunidade dos cristãos.
Darwin foi um pastor da Igreja Anglicana da
Inglaterra. Primeiro fez medicina, depois filosofia e
teologia e se ordenou pastor, indo trabalhar numa
paróquia, perto de onde viviam seus pais. Mas desde a
sua infância, foi estimulado por seu pai a ser médico.
Assim, ele se permitia assistir aos atendimentos dos
pacientes na sua própria casa.

14
Mas, nas horas livres, convidava sua prima a sair
e observar os insetos, os animais, a flora, a fauna e os
bosques perto de sua casa. Desenvolveu uma espécie
de laboratório para dissecar e classificar alguns insetos e
animais. Parece-me que sua vocação estava
predestinada a desvendar a origem do ser no universo,
através do conhecimento da natureza.
Logo depois, recebeu um financiamento por parte
da Igreja Anglicana para fazer um navio de pesquisa
(beagle). Assim, Darwin organizou sua equipe de
exploração para sair em busca do conhecimento de
povos e outras culturas, para estudar e classificar outros
espécimes desconhecidos.
Darwin era um apaixonado pelo ser humano, mas
decidiu pesquisar a subjetividade humana e os
processos de desenvolvimento que compõe as diversas
espécies da natureza, principalmente em relação às
mutações e à evolução do homem na terra. Quando
esteve diante das tribos africanas e de algumas da
América Latina, ficou a pensar sobre a origem das etnias,
das raças, das culturas, dos mitos, das religiões, do seu
habitat natural, iniciando a teoria sobre a evolução das
espécies.

15
Sua necessidade estava em deixar claro que o
homem não surgiu pronto e acabado, em seu processo
de humanização. Ao contrário, foram vários obstáculos,
guerras, cataclismas e um conhecimento das leis da
natureza, que proporcionaram ao homem a sua
humanidade.
Esta nova concepção da origem do homem, num
processo evolutivo, demonstrou que o ser humano
passou pelo aprimoramento de aprendizagem, com as
civilizações que nos antecederam e dos antepassados,
perspassados por um desenvolvimento gradativo de uma
ética social e comunitária. Este homem não está
acabado, e sim, num processo de evolução pessoal e
social. Quanto mais ele se conhece, mais perto está da
plenitude transcendental de uma condição primitiva, para
o humano. Darwin contribuiu de forma decisiva para um
novo modo de olhar o homem e de seu processo de
humanização, diante das diversas etapas evolutivas.
Galileu Galilei (1564 – 1642) deu sua contribuição
quando disse que a terra não era o centro do universo,
demonstrando, com isso, que os sentidos nos enganam
e, por outro lado, a dificuldade que o ser humano tem de
mudar crenças, dogmas, ideologias. A descoberta
proporcionou um novo modo de fazer ciência. Saímos de

16
uma situação cômoda, de ser o planeta do centro do
universo, para fazer parte da galáxia, chamada Via
Láctea, com seus duzentos bilhões de sóis. “A terra gira
ao redor do sol” - estas palavras retiraram a sua
liberdade de ir e vir. O poder teocrático da Igreja
sentenciou este cientista a uma prisão domiciliar,
exigindo um pedido de perdão por escrito ao papa, por
levantar falsas heresias.
No entanto, isto foi uma atitude revolucionária,
pois mostrou à humanidade o medo de novas
descobertas. Por isto, o homem quando está diante do
desconhecido se apega com extrema rigidez a antigos
dogmas e crenças. Mas a humanização do homem
necessita de uma ciência com um processo de evolução
de consciência pessoal e universal. Todo e qualquer
aprisionamento teórico impede de se formular novas
hipóteses e olhar mais longe sobre sua própria situação
de inumanidade, a irracionalidade. O dogmatismo é o
primeiro impedimento da solidariedade, que ajuda o ser
humano. Sem esta flexibilidade, surgirão a violência, o
egoísmo, a inveja, a barbárie. Esta condição mostra a
falta de humanidade no íntimo do ser humano.
A Psicanálise de Sigmund Freud (1856 – 1939) se
aprofundou em entender o homem, desde o significado

17
da irracionalidade. Interessou-se em refletir as
motivações inconscientes, escondidas por trás dos
racionalismos.
A imagem que aparecia nas dicotomias, nos
comportamentos e atitudes, se percebia a violência, a
incongruência, o egoísmo, a inveja, a ambição, os
ciúmes, etc. Estes temas mostravam o profundo dilema
da dimensão subjetiva do homem. A psicanálise, como
ciência, se ocupa do “humano”, demonstrando toda
esta irracionalidade. Desenvolveu uma teoria que foi
capaz de integrar, equilibrar e devolver a humanização
da humanidade do homem.
O objetivo central da psicanálise é descrever as
flutuações emocionais e incongruências próprias dos
escrúpulos moralísticos da época de Sigmund Freud. O
movimento psicanalítico aderiu às palavras de Sócrates:
“conhece-te a ti mesmo” e de Pascal: “o coração do
homem tem razões que a própria razão desconhece”.
Assim, se encaminhou para aproximar-se deste mundo
de sentimentos e emoções, para melhor entender suas
próprias insatisfações e sua desumanização.
“Este livro tem como finalidade apresentar um
estudo profundo da flexibilidade e do valor do
“humanismo na psicanálise”, sem dogmatismos,

18
dentro de uma visão do paradigma da
complexidade.” Devido à ortodoxia e ao modo de
teorizar a compreensão do homem, em nosso século
XXI, surge a necessidade de avançar, dentro de uma
proposta inovadora e original, onde a pessoa possa fazer
uma formação livre de preconceitos, dogmas teóricos e
conceitos fixos. Enfim, dar a máxima expressão de
liberdade para ser e pesquisar a subjetividade humana.
Assim, surgiu um objetivo comum: proporcionar
um conhecimento das diversas áreas da saúde mental,
para poder compreender a subjetividade do homem e
seus conflitos pessoais e sociais. Existem, até agora,
duas instituições bastante importantes para a proteção e
o exercício da profissão de psicanalista, no Estado do
Rio Grande do Sul. O Sindicato os Psicanalistas –
SINPERS – e A Sociedade Brasileira de Psicanálise
Humanista, congregada por diversos psicanalistas dos
mais diversos estados do Brasil, oferecendo uma
formação aberta e flexível, onde a teoria e a prática
clínica oferecem as condições de segurança e eficiência,
durante o processo da formação psicanalítica.
A questão central é como solucionar, no
homem moderno, o egoísmo, o individualismo, a
competição, o materialismo, a insenbilidade e o

19
racionalismo. Surgiu então, a necessidade de se
contemplar, dentro da psicanálise, o resgate de um “ser”
comprometido com sua transformação pessoal, imbuída
de uma cientificidade humanizada, prevalecendo a ética
de fazer o bem, a ajuda aos doentes, através do
tratamento psicanalítico, para conseguir alcançar este
tão nobre objetivo, principalmente na análise pessoal,
resgatando as potencialidades, a autoestima e o
interesse pela pesquisa da subjetividade humana,
integrada dentro de um contexto de responsabilidade
social e econômica, de si mesmo e de seus pacientes.
A origem do humanismo surge com grande ênfase
junto aos gregos, depois com os romanos e, na idade
média, com o cristianismo, no renascentismo, com a
abertura da pesquisa científica e, por fim, na idade
moderna. Dentro desta perspectiva histórica, os homens
da ciência sempre colocaram uma atenção muito
particular sobre a dimensão do estudo do homem em um
processo de evolução, tanto material, cognitivo, como
tecnológico e de uma consciência espiritual e
psicológica.
O humanismo sempre se expressou fortemente,
durante os séculos XVII e XVIII. Justamente porque
iniciaram uma leitura mais aprofundada dos escritos

20
gregos e romanos, contextualizando com os dilemas do
início da modernidade.
A filosofia aparece como uma ciência, procurando
descrever e questionar o tipo de homem de que se
estava falando, no sentido de dar lugar ao homem na
sociedade, dignificar e valorizar a inteligência e a
criatividade do ser humano. Surgiu, durante as mais
diversas civilizações, o entendimento do que se poderia
chamar de humanismo.
Na filosofia, Sartre2 denomina e atribui uma
compreensão do homem, quando consegue apreciar e
identificar valores e atitudes pertencentes aos seres
deste universo. Já Marx3 acentua o perigo de se ficar na
contemplação teórica racional que, no seu modo de
interpretar, poderá ser uma espécie de ópio, para fugir
das verdadeiras questões sociais, acentuando uma
preocupação com aquelas pessoas esquecidas e
marginalizadas do processo de ascensão social e
humana. Com isto, a tese central de Marx está baseada
que a consciência do homem não está determinada pelo
seu ser, mas ao contrário, são as forças sociais, culturais

2
Satre apud NOGARE, P. D; Humanismos e antihumanismos. 13ª. ed., Rio de
janeiro, Vozes, 1994, pág 16
3
Marx apud NOGARE ibdem
21
e históricas implicadas neste ser, que dão forma e
conteúdo à consciência.
No humanismo Grego4, se realçava e cultivava um
mundo de valores sobre a concepção do homem, como a
beleza, força, harmonia, virtude, heroísmo, genialidade.
Assim, os gregos estudavam o homem não como
um fim em si mesmo, mas como um ser que tem uma
dignidade em existir, principalmente quando aparece a
lealdade, a justiça, a verdade, é a expressão do mais alto
status de humanidade, a presença ética em sua vida
cotidiana e a participação política em sua cidade ou
sociedade são as condições que demonstram o valor do
caráter e seu envolvimento no sentido produtivo de
melhorar a vida em sua comunidade.
Existem dois conceitos que os gregos estudaram,
aprofundaram e deram um sentido e valor: o amor e a
liberdade. O amor autêntico perspassa a condição de
onipotência e onisciência, o homem não é um semideus,
ao contrário, não busca o isolamento, é um ser social,
amável, solidário, cooperativo. E, nestas relações,
desenvolve-se um aprendizado de que o afeto, a
admiração, o reconhecimento, necessita do outro.

4
NOGARE op cit pág. 15
22
Por isto, a necessidade de querer bem ao outro
está acima da vulgaridade da inveja, injustiças, ciúmes,
se propondo a fazer o bem mais importante de sua vida
ao ser humano e criar as condicões propícias para que a
felicidade aconteça na vida de qualquer pessoa. O amor
se torna uma mentira quando não se tem a liberdade
para ser e fazer acontecer o melhor em sua própria vida.
O homem pode decidir, ter suas experiências,
discutir idéias, formular teorias, fazer descobertas
científicas, mas não pode fugir de fazer sua própria
história pessoal, durante sua existência. A capacidade de
refletir, de posicionar-se, pode mudar a vida de uma
pessoa, de um momento ao outro. Basta somente decidir
e, para isto, tem que fazer um percurso de
aprendizagens.
Agindo em sintonia com os instintos vitais e de
modo criativo, viver em harmonia, para poder estar
constantemente embriagado por amor a si mesmo e a
seus semelhantes.
A cultura grega conseguiu desenvolver a vida no
seu sentido belo e artístico. A história de vida de
qualquer homem tem sua conotação de uma estética
própria, capaz de mostrar a beleza no seu ato de viver.
Este modo de esculpir a vida através da arte demonstra

23
o apreço e o valor que se dá ao humano. Sua máxima
expressão da arte foi procurar reproduzir a essência do
homem e sua humanidade nas esculturas e pinturas. O
homem grego vivia sintonizado com o cosmos, a
natureza e em relacionar a si mesmo. Esta visão
interpretativa e holística da existência criou uma
interação significativa de equilíbrio e harmonia. Ele se
sentia parte do todo e o todo estava presente em cada
atitude de sua vida.
Os gregos entenderam o significado da existência
quando se deram conta do valor da inteligência, como
ato racional para desvendar as leis escondidas no íntimo
da natureza, justamente porque, neste ato de pensar a
realidade, se tornavam compreensíveis determinados
fenômenos, apresentados e elucidados com sua real
beleza.
Diante desta limitação, a incompletude de ter o
poder e vislumbrar outros horizontes fez o homem grego
pensar um modo de ser mais para viver melhor. Um dos
caminhos propostos foi a “Paidéia”, a teorização de como
tornar o homem humano em sua desumanidade. A
verdade consistia em ampliar os horizontes da
cooperação, saindo de um narcisismo destruidor para a
solidariedade.

24
Foi através da filosofia, que é “a mãe das
ciências”, que os homens se dedicaram a pensar sobre a
humanidade e o “Ser Homem”. O valor de um Sócrates
(469 – 399 AC) quando, admitindo para si mesmo a
importância de ser coerente com uma teoria, decidiu
morrer, tomando “cicuta”, do que mudar seu discurso
diante dos governos de Atenas.
Esta atitude de coerência entre o discurso e sua
própria vida demonstrava o valor do humano, não porque
cometeu o suicídio, mas sua preocupação com a
verdade ensinada aos jovens. É um gesto percussor do
amor que tinha aos homens e de sua célebre frase
“conhece-te a ti mesmo. Este ensinamento propõe uma
reflexão do ato de “conhecer-se” como condição para
ampliar, melhorar sua humanidade e, em conseqüência
disto, sua condição humana.
Outro grande filósofo foi Platão (429 – 349 AC) ao
interpretar a realidade e sua própria visão de homem e
de mundo. Quando ele falava do mito da caverna,
especificamente sobre a união da alma com o corpo,
dizia que esta fusão não acontece por acaso. Existe
neste mundo uma percepção clara dos fenômenos da
realidade que são infinitas, eternas e imutáveis.

25
Mas quando surge a sombra é a expressão de
uma outra realidade virtual que se torna onipresente.
Qual é o significado da sombra? Um outro “eu” que fala
por nós, como diz Freud: dimensiona e mostra uma outra
realidade existente, desconhecida, com vida própria, se
denominando inconsciente. Esta preocupação entre
espírito e matéria propõe a idéia da separação, a
dualidade. Aqui se inicia a negação do corpo e a
valorização do espírito.
Com a expansão do Império Romano e seu
domínio imperialista sobre diversos povos e nações,
houve uma apropriação de tradições, culturas, arte,
legislações, fazendo com que os princípios democráticos
estivessem presentes, bem como a liberdade de
expressão religiosa. Tudo isto pode ser encontrado na
literatura de Virgílio, Horácio, Ovídio, Cícero, Tito, Lívio,
Tácito, etc. que, de alguma forma, reproduzem o
pensamento dos gregos e outras atitudes humanitárias,
que são originárias de sua própria cultura romana.
Em sua obra, Jacques Maritan5 fala do princípio
de igualdade, presente no livro de Cícero, na República
onde ele escreve a Crísipo, que gregos, bárbaros,
nobres, hebreus, ricos e pobres, escravos e homens

5
MARITAN, J. A filosofia da moral. Rio de Janeiro, Agir, 1964, Pág. 82-83 –
MARITAN apud NOGARI
26
livres, são todos iguais. Esta tentativa de valorizar o
homem como cidadão diante do Estado seria já uma
tentativa de humanizar os direitos e deveres
independentes de sua classe social. Mas havia, dizia ele,
uma diferença fundamental entre os cidadãos, isto dizia
respeito à cultura e à inteligência e às suas destituições,
como a barbárie e a ignorância. Falava de que a lei é
igual para todos, independente dos políticos que estejam
no poder. Este já é um princípio democrático.
Este princípio aparece, com um enfoque religioso
no humanismo Cristão, diante da miséria e da exploração
da maioria da população pertencente ao império romano.
Surge uma voz contestadora, assumida a partir da seita
dos essênios, saduceus e fariseus, principalmente no
que se refere à influência destas na formulação doutrinal
do cristianismo. Estas seitas já existem há 135 ac e
dividem-se em alguns dogmas básicos como o celibato
dos essênios e o valor do matrimônio dos fariseus e a
liberdade de escolha dos saduceus, cada um com seus
regulamentos, regras, admoestações, cultos, votos e
ascensão hierárquica.
Fala-se que Jesus era da seita dos essênios6 e
um de seus objetivos era seguir as leis do antigo

6
GINSBRUG, D. C. Os essênios, sua história e doutrinas. São Paulo, Pensamento,
2004, págs. 16-17
27
testamento. Mas Jesus Cristo, em seu discurso aos
apóstolos, já com a idade de trinta anos, fala da justiça,
do amor e da verdade, que caminham entre os homens.
Se utiliza de metáforas e analogias dos lírios dos
campos, das aves de rapina, enfim, consegue atrair
muitos discípulos para sua luta contra toda forma de
exploração e dominação do homem.
“Eu vim para que os homens tenham a vida”,
dizia ele. E esclareceu com firmeza aos amigos e
inimigos que ele tinha vindo, antes para os pobres,
doentse e pecadores, do que para os ricos e justos”
(Nogari:1994, 43). Com isto, o cristianismo se proliferou
também como uma seita, durante o império romano. Mas
a doutrina de Jesus resgata o gesto humanitário em
defesa das pessoas escravizadas e marginalizadas do
processo da dignidade humana.
O termo humanismo na renascença foi um
movimento que procurou dar relevância ao estudo dos
clássicos antigos, isto situado no período do séc. XIV e
na primeira metade do séc. XV, com o nome
“Renascença”, o renascer de gêneros e escritores de
obras clássicas que imortalizavam a Itália do séc. XV e
XVI. Portanto, já nesta época, o humanismo aparece
como um movimento de pesquisa literária, resgatando os

28
escritos antigos, para expandir a erudição e a cultura
moderna.
A Idade Moderna nasce com a ajuda do
humanismo, pois esta corrente de pensadores priorizava
o estudo do homem no seu meio social. A palavra
humanismo, na sua etimologia ciceroromana
“humanistas”, significava “erudição” e “cultura”,
“comportamento correto e civil” e “dignidade”.
Assim, se entendia por humanistas7 aquelas
pessoas que eram “studia humanistas” de “humanae
litteroe”, significava exatamente estudiosos das obras
dos antigos com a finalidade de aprender a formar-se
dentro de um estilo “humanista”, tanto na sua vida prática
cotidiana, como no seu estilo de pensar e agir. Ou seja,
este modo de fazer pesquisa para compreender e
descrever o homem na sua modernidade exige uma
leitura dos gregos, esta civilização que realçava a beleza,
graça, harmonia, força, inteligência e dos romanos, pela
sua virtus, coragem, lealdade, disciplina, ordem,
procurando entender as diversas manifestações deste
ser no mundo.
O homen diante de sua ânsia de descobrir as
metamorfoses da natureza se impele a buscar métodos

7
NOGARE, D. P. Humanismos e Antihumanismos. 13ª. ed., Rio de Janeiro, Vozes,
1994, pág. 56 cita (Cícero, de oratore, II, 17)
29
científicos, que possam provar a existência de
determinados fenômenos e, com isto, utilizar e melhorar
sua qualidade de vida. Assim, surgem, durante os
séculos XVIII e XIX, as grandes revoluções tecnológicas
e científicas, aumentando a produtividade dos bens de
consumo.
A ciência sempre teve um interesse em especificar
com nitidez as fenomenologias expressas pela matéria
de alguns seres vivos. Por isto, optou pelo controle
experimental em laboratório e se encaminhou para a
pesquisa objetiva, real e concreta, com a finalidade de
usufruir destes achados científicos.
Surgiram alguns cientistas de renome como
Leonardo da Vinci (1452 – 1519), Copérnico (1473 –
1543), fazendo a ponte entre a ciência antiga e a
moderna, logo depois estabelecida por Galileu Galilei
(1564 – 1642) e “Aos poucos o homem se exaltou
tanto que se convenceu ser criador de Deus e não o
contrário, como até então se pensava: criado por
Deus. Foi outra revolução copernicana, iniciada por
Feubach, continuada e revigorada por Marx e
Nietzsche e propagada hoje como a última palavra da
ciência” (NOGARE, 1994:72)

30
Este modelo de ciência, mais comprometida com o
lucro do que propriamente com o homem, ou pensando
no homem como um fim de ganhar dinheiro, direcionou
que todas as pesquisas deveriam estar comprometidas
com o domínio tecnológico, com a produção do
conhecimento, como força ideológica e comercial.
Materializaram-se as relações onde o modelo de
pesquisa se tornou frio, calculista, distante e
descontextualizado, apesar de fazer uma enormidade de
avanços e descobertas. O homem desconhece a si
mesmo e mais de três bilhões de pessoas não têm as
condições mínimas de sobrevivência.
Mas a preocupação maior não é a qualidade de
vida do homem e seu acesso a estas tecnologias do
saber. Ao contrário, é exercida uma dominação
justamente pela falta de acesso ao conhecimento; ele é
uma presa fácil dos meios de comunicação de massa.
Os resultados são a violência social e a insegurança, o
individualismo, a propagação da mentira, a exploração
do homem pelo homem, a competitividade desleal. Este
quadro social desumaniza e não humaniza, o que se
percebe é a barbárie, se acentuando em nossa
sociedade, tão combatida pelas civilizações antigas.

31
Nestas condições, o homem se sente só e escravo
do próprio trabalho, não tendo tempo para sua família e
sua própria pessoa. Este quadro de stress, angústia e
ansiedade interfere na perturbação de suas funções
emocionais e orgânicas. Distante de seu habitat natural,
exigindo muito além do que sua natureza orgânica pode
oferecer, o organismo utiliza suas defesas na produção
de sintomas e doenças, com o objetivo de chamar a
atenção do homem sobre seu próprio estilo de vida. Mas
o homem não tem tempo para pensar sobre isto, está
interessado nas soluções rápidas e nada melhor que os
medicamentos, pílulas mágicas capazes de diminuir a
ansiedade e aumentar o prazer com a dopamina. Assim,
o homem desumanizado exerce a violência química das
drogas lícitas e ilícitas contra si mesmo.
Mas toda esta complexidade de nossa sociedade
contemporânea necessita fazer uma observação dos
males que adoecem o homem. Desse modo, surgem as
diversas ciências nas áreas humanas, sociais e da
saúde.
A psicanálise necessariamente pode se chamar de
“humanista” devido à sua função de cuidar do homem, no
sentido de sua recuperação, como a prevenção, através
das análises pessoais. Não existe ciência mais humana

32
que a psicanálise, justamente porque tem em seu corpo
teórico a descrição e o funcionamento a nível
8
inconsciente do inconsciente do corpo humano . O
humano se expressa na necessidade do cuidado com
este ser principalmente na condição de felicidade e de
bem-estar.
Quando se pensa no homem, procura sempre se
preocupar em oferecer-lhe uma melhor condição de vida,
justamente porque seu modo de viver é alienante e
sofrido. De nada serve uma ciência voltada para o
homem sem contemplar dentro de si mesma um alto
grau de “humanidade”. A psicanálise já vem fazendo esta
humanização, promovendo e oportunizando uma
evolução de consciência humanizada ou em vias de
tornar-se humano.
Quando se fala da psicanálise humanista, quero
mostrar a importância do tratamento psicanalítico como
um dos métodos capazes de tirar o homem de sua
barbárie emocional, fonte de infelicidade e desarmonia.
Mas quando existe a desumanização, se cria verdadeiros
monstros produzidos pela própria sociedade.
Seria interessante olhar a trajetória de Erich
Fromm em seu percurso teórico e clínico. Primeiro sua

8
No meu entender o “Corpo Humano” e toda a sua complexidade de sistemas,
realçam uma inteligência oculta, por isso chamo de inconsciente.
33
formação psicanalítica e sociológica com doutorado em
filosofia, proporcionando uma visão diferente da teoria
freudiana clássica, como ele comenta em seu livro: “Na
psicanálise da sociedade contemporânea me propus
a desenvolver, de um modo mais sistemático, os
conceitos de que eu chamo aqui psicanálise
humanista” (Fromm, 1956: 7)
Foi o primeiro psicanalista a admitir que na relação
terapêutica existe uma relação afetiva e de que as
necessidades mais urgentes de qualquer pessoa seriam
desenvolver suas potencialidades criativas,
experienciando, de uma forma gradativa, a
aprendizagem de dar e receber amor.
Fala de uma psicanálise comprometida com a
dignidade humana, em todas suas necessidades. Por
isto, poderíamos falar de uma teoria integrativa,
interessada e comprometida com toda a complexidade
do inconsciente humano. Funk9, ao referir-se sobre vida
e obra de Fromm, afirma que este homem nunca perdeu
sua paixão e amor à psicanálise humanista, mesmo
depois de ser expulso da I.P.A (Associação Internacional
de Psicanálise), do Instituto de Berlin, de Frankfurt e, por
último, da Sociedade de Nova York. Foi combativo em

9
FUNK, R. Vida e Obra de Erich Fromm. Barcelona, Paidós, 1987.
34
defender sua postura teórica, dentro de uma nova
compreensão da natureza do homem e de suas
necessidades inconscientes. Olhava o inconsciente como
um centro de forças positivas e com grandes potenciais a
serem utilizados pelo homem.
Sigmund Freud sofreu a influência no início do
séc. XVIII e do séc. XIX, durante o período do iluminismo
e o processo do racionalismo empírico positivista. Na
Biografia de Freud, escrita por Peter Gay10, o mesmo
acentua toda a trajetória intelectual e os escritos de suas
obras. Na vida particular de médico, cientista e
psicanalista, mostra um Freud dividido entre a decisão da
descoberta do inconsciente (relacionadas às emoções de
ódio, amor, compaixão, solidariedade) e da perseguição,
da rejeição, da violência física e psicológica, estava
como extasiado, diante da complexidade das reações do
Ser Humano.
Mesmo na sua infância, trouxe consigo as marcas
da pobreza e do estigma de ser judeu11, mas demonstrou
uma vontade muito grande para estudar medicina e seu
paradigma teórico do fisiologismo organicista e
experimental, aliado ao método de pesquisa empírico,

10
GAY, Peter. Freud: Uma vida para nosso tempo. 8ª. ed., São Paulo, Companhia
das Letras, 1989
11
GAY, P. Op cit
35
estudando o sistema nervoso das enguias junto à
universidade de Viena, com seu maestro Brucke12, seu
mentor racionalista mecanicista. Como tinha problemas
econômicos e logo queria se casar, optou pela medicina
clínica, conhecendo Breuer; onde começaram a fazer
pesquisas com os pacientes histéricos. Assim, a
teorização dos estados alterados das emoções no
organismo se procedeu sob o signo da libido.
Freud, dentro de sua aspiração clínica analítica, se
ocupou do paradigma teórico empirista das ciências
naturais13, principalmente da física (empirismo), da
biologia (materialismo) e da medicina (fisiologismo),
juntando alguns conceitos centrais e outros mais para
dar uma formação teórica científica, que depois teria forte
implicação na descrição e na formulação do diagnóstico
das doenças psíquicas.
Ele era um homem “humano”, preocupado com o
bem-estar de seus pacientes. Era desafiante e sempre
buscou os mais diversos métodos para aliviar a dor.
Entre eles estão a hipnose clínica, as massagens, os
choques elétricos, etc. Era impaciente e vivia angustiado,

12
Cfe. GAY, P. Op cit, pág. 47
13
RIEFF, Fhilip. Freud: Pensamento e Humanismo. Minas Gerais, Interlivros, 1979,
pág. 32
36
procurando uma saída para os problemas existenciais e
orgânicos de seus pacientes.
Freud14 não era um homem obcecado pelo
dinheiro, talvez por isto morreu pobre. Mas o fato mais
importante é tratar de sua humanidade, quando atendia
pacientes sem cobrar honorários e juntava esforços para
que um dia existisse clínica psicanalítica que oferecesse
o tratamento analítico gratuitamente15. Desse modo, seu
desejo de uma psicanálise humanista e social foi aos
poucos sendo elitizada e controlada pelos agentes de
fiscalização das Sociedades Internacionais de
Psicanálise Ortodoxa.
A Psicanálise inicia com uma força teórica e
dogmática em torno da tese defendida por Freud. Assim,
sobre o estudo da origem da neurose, se defendia a idéia
de algum trauma ou bloqueio sexual. Entre o “grupo das
quartas-feiras” era uma questão fechada. O erro foi a
insegurança em discutir as novas formulações de
hipóteses em relação a sua teoria do inconsciente,
porque estavam demasiado comprometidos diante de
seus colegas em defender os dogmas principais da
teoria, que era a “repressão da sexualidade”. Esta rigidez

14
GAY, P. Op cit, pág. 251
15
GAY, P. Op cit, pág. 345
37
conceitual não abriu novas possibilidades de integração
e da contribuição de idéias por parte de Jung e Adler.
Diante de alguns questionamentos e não obtendo
resposta, Jung, o presidente da sociedade psicanalítica
internacional, em um congresso psicanalítico abdicou de
seu cargo e expôs sua nova teoria dos arquétipos, o
inconsciente coletivo, anima, animus, tipos
psicológicos, os complexos, a mitologia, as religiões
e a espiritualidade. Foi o episódio decisivo para seu
afastamento do círculo psicanalítico de Freud. Logo
depois, surgiu Adler, com sua teoria sobre a “vontade
de poder” e os complexos de inferioridade, dando uma
nova dimensão e questionando o aspecto mecanicista e
racionalista da psicanálise clássica.
Somando-se a tantos outros como Harry Stack
Sullivan e a teoria das relações interpessoais, Karen
Horney defendendo o resgate da cultura e educação
e, por fim, Erich Fromm, psicanalista, formado em
Sociologia, com tese doutoral em Filosofia,
começando a observar o caráter frio, distante,
clássico e insensível dos psicanalistas clássicos, das
correntes dogmáticas na psicanálise. Ele soube, com
sutileza, talvez por não ser da área médica e estar mais
ligado às ciências humanas e sociais, a indiferença da

38
psicanálise com os problemas existenciais, afetivos e
sociais.
Inconformado com o positivismo científico das
ciências naturais incorporado à teoria psicanalítica, optou
por dar à Psicanálise uma diretriz humanista e social. Por
isto, apresentou seus conceitos centrais da teoria
humanista, com relação ao caráter social, o
inconsciente social, necrofilia, biofilia e a
desumanização do homem pela sociedade burguesa
industrializada.
Quando se trata de uma concepção da psicanálise
humanista, nos damos conta dos conceitos centrais,
como as dimensões social, antropológica e cultural,
implícitas na descrição do entendimento da interpretação
do inconsciente, bem como a compreensão da natureza
do homem16.
Como já havíamos visto, a psicanálise começou a
perder espaço no ano de 1970, na cidade de Nova York,
para outras formas de terapia que eram mais rápidas e
tinham o custo diminuído. Isto causou uma preocupação
dos psicanalistas sobre o abandono por parte dos
pacientes em relação à prática da psicanálise clássica e
das intervenções psicofarmacológicas, na área de

16
FROMM, Erich. Psicoanálisi de la sociedad contemporânea. 11ª. ed., México,
Fundo de Cultura Econômica, 1956.
39
neuropsiquiatria, para solucionar determinadas
enfermidades.
A crise se acentuou a tal ponto que Erich Fromm
escreveu um livro com este tema, “A crise na
psicanálise contemporânea (1956)”, levantando várias
hipóteses sobre o processo da ineficiência da teoria
psicanalítica clássica e da necessidade de uma revisão
teórica, sob algumas concepções centrais da natureza do
homem, o método científico empirista das ciências
naturais, a filosofia materialista, o mecanicismo de Isaac
Newton da física, a biologia de Darwin e outros conceitos
que tornaram a técnica psicanalítica um fracasso, em
muitos casos clínicos.
Por isto, se fez necessário realizar uma revisão
teórica, desde este ponto de vista materialista positivista
para o humanismo social e holístico. Esta teoria de Erich
Fromm terá uma importância fundamental, porque torna
a ciência psicanalítica humana, sensível, flexível e
comprometida com as mudanças sociais, incluindo os
menos favorecidos, como no caso dos pequenos
agricultores do México.
A dimensão social e humanista tomou uma força
muito grande na psicanálise devido às necessidades do
homem na modernidade, surgindo, a partir daí, a

40
utilização das capacidades positivas da inteligência
emocional e da criatividade, como um ser produtivo
socialmente.
Assim, os escritos teóricos da psicanálise
humanista falavam de um homem com capacidade,
talento e criatividade para superar as adversidades da
existência. No entanto, outras teorias, principalmente da
psicologia comportamental, apontavam uma outra
17
compreensão do homem. Skinner fala que o homem
não é livre e está condicionado por estímulos para obter
respostas, mediante um reflexo condicionado chamado
reforço. Cada vez mais, um homem mecânico, cheio de
impulsos hostis, é dominado por estímulos, condicionado
a viver de uma forma conformista e fazer suas
obrigações, não por prazer e sim pelos reforços, prêmios
dados pelas instituições a quem obedece às suas regras.
O humanismo surge justamente para se contrapor
a este modelo, que mata a criatividade e torna o homem
um objeto, de falso manuseio, apático, triste, distante de
si mesmo, uma máquina que cumpre tarefas repetidas da
era industrial. Esta competitividade desleal e injusta faz
com que as pessoas tomem consciência desta alienação
social. Por isto, a análise poderá ser um espaço de

17
Cfs. FROMM, E. El amor a la vida. Barcelona, Paidós, 1983, pág. 28
41
autoconhecimento e da libertação destas correntes de
manipulação, devolvendo à pessoa a capacidade de
pensar por si mesmo e de tomar decisões.
O objetivo da psicanálise humanista não é só de
tratar dos enfermos, mas de tornar-se uma terapia de
evolução da consciência de si mesmo e social,
ressocializando o conteúdo da psicanálise, como método
de tratamento e prevenção das futuras doenças
psicossomáticas.
Surge a necessidade de um psicanalista ético,
com valores humanistas inseridos em sua prática clínica.
A solidariedade, a compaixão tornam-se a marca
registrada de um novo modo de ser psicanalista. O que
propomos são dois modos de ver a realidade do homem:
tanto nas doenças, como na saúde. Toda forma de
onipotência, nas teorias da personalidade, tende a
afastar qualquer aproximação da verdade.
Esta realidade do homem doente, como fracasso,
frustração e angustia por suas perdas e desencantos, se
contrapõem ao homem criativo, seguro, dinâmico, com
saúde, tendo a inteligência necessária e experiência para
realizar seus objetivos. Por isto, sente prazer em viver e
tem amor à vida.

42
Surge, então, a necessidade de realizar o
tratamento psicanalítico, para avançar na pesquisa dos
mais diversos dilemas e conquistas da existência do ser
humano. Hoje, mais que nunca, o paradigma da
complexidade surge de uma base metodológica para
ir avançando, a cada pesquisa, nas mais diversas
disciplinas e autores, os achados necessários para
propor o aprimoramento da teoria psicanalítica. Há a
necessidade de ampliar os conceitos teóricos, devido à
enorme complexidade do mundo consciente e
inconsciente. Por este motivo, uma só ciência nas áreas
humanas e sociais não pode dar conta dos diversos
fatores que interferem em qualquer estado das doenças
psíquicas.
Surge a oportunidade de preparar o futuro
psicanalista, como um pesquisador com saúde vital,
ajudando a tantos outros seres humanos, no processo de
descoberta individual de suas capacidades pessoais.
Existe hoje um modelo de ciência, proposto pelo
meio acadêmico, com respeito à validade das teorias
para poder ter o status de ciência. Uma das exigências
centrais consiste nas comprovações, com clareza e
objetividade, das teorias. A objetividade em relação aos
fenômenos pesquisados, da ciência positivista

43
experimental, é demonstrada através de uma pesquisa
quantitativa e empírica, para conseguir, da sociedade
científica, o aval para dar pareceres sobre fenômenos
verdadeiros ou falsos.
Deste modo, surge uma ciência distante e
descontextualizada da realidade social, valorizando a
neutralidade e a objetividade, estudando um homem em
seus laboratórios, baseado em experimentos que utilizam
ratos e macacos, para comprovar suas leis, mediante um
ato repetitivo e condicionado.
Esta ciência se torna estéril, fria, calculista,
descomprometida e enraizada nos resultados lucrativos
de seus laboratórios, tornando-se cada vez mais uma
teoria obsoleta, sem sentimentos e emoções, priorizando
as especialidades, desconectada do todo holístico do
ecossistema.
Ciência rude, absolutamente tecnológica e virtual,
distanciando-se cada vez mais do humano, tornando-se
um “objeto” ou “coisa”, manipulada por alguns
intelectuais de primeira linha dos paises do primeiro
mundo, transformando o homem num sujeito alienado.
Este modo de fazer pesquisa é elitista e privilegia uma
casta, que controla o saber e a tecnologia. Isto torna a

44
pesquisa desumanizadora e não contribui para uma
sociedade mais justa e igualitária.
A pesquisa na psicanálise não pode mais ficar
restrita a uma linha de pesquisa para obter discípulos
encarregados de defender a teoria, através de suas
práticas e metodologias, incorporadas por estes como
uma verdade suprema. Por muito tempo não houve a
liberdade na formação psicanalítica, principalmente no
Brasil, de fazer pesquisa dentro de um paradigma
multidisciplinar, somando-se os diversos saberes das
teorias, para propor uma melhor qualidade de vida e de
saúde orgânica e emocional à nossa sociedade.
Fazer pesquisa exige um aprendizado, para ter a
liberdade de escolher um tema que diga respeito à sua
vida profissional ou às suas inquietudes. Fazer pesquisa
exige prazer, paixão, determinação e coragem em
formular o problema de pesquisa. Assim, o pesquisador
pode trilhar o caminho com suas próprias descobertas,
aumentando sua capacidade metodológica e teórica,
diante da ciência psicanalítica.
Iremos propor uma formação, dentro do
paradigma da complexidade de Edgar Morin,
humanizando os sectarismos e propondo a ajuda e a
cooperação, dentro de uma sociedade altamente

45
competitiva. Em contraponto, a sociedade terá um
psicanalista inteligente, gentil, ético, amoroso, humano,
comprometido em socializar um saber psicanalítico.
As classes menos favorecidas ou marginalizadas
da sociedade receberão o tratamento psicanalítico
humanista gratuíto em instituições filantrópicas como
asilos, escolas, orfanatos, clínicas de recuperação,
associações comunitárias, etc. Iniciaremos uma nova
proposta de formação, na psicanálise humanista,
alicerçada nos valores éticos da solidariedade e da
cooperação a todas aquelas pessoas que tenham o real
interesse em modificar sua situação existencial. Estamos
propondo a humanização do futuro na psicanálise dentro
desta visão multidisciplinar, tanto a nível teórico, nas
pesquisas, como na técnica psicanalítica.
Diante da crise da psicanálise18, na atualidade,
pretende-se avançar no sentido de se propor uma nova
formação em psicanálise, questionando a teoria
freudiana, quanto ao paradigma positivista, mecanicista,
organicista e fisiológico do homem.
O paradigma transdisciplinar estuda o homem na
sua totalidade, respeitando os valores do amor e do
afeto, proposto por Erich Fromm (1900 – 1980), que foi o

18
Cfe. FROMM, E. La crisis del psicoanálisis. Barcelona, Paidós, 1971
46
primeiro a escrever utilizando o termo “Psicanálise
Humanista” como uma nova maneira de comprometer-
se, através da solidariedade, com uma formação
humanista, onde se pode propor a liberdade de pensar e
criar teorias, com pesquisas nas diversas temáticas e
ciências afins.
Quando se fala em “Humanismo”, deve-se
entender o homem em sua máxima plenitude, aquele ser
possuído de inteligência e vontade, que consegue
abstrair de si mesmo e da própria realidade o “quantum”
necessário para a sua sobrevivência. Desde os tempos
mais remotos, o homem tenta sair da sua “barbárie”, ir
além daquelas conquistas, para provar socialmente e
para si mesmo o seu grau de competência. Dentro de um
olhar mais profundo, este “desejo” de “completude” já
está implícito no mais profundo do seu ser. Aquela
vontade própria de transformação, mudança e felicidade,
o impulsiona para um processo de busca, tentando
apaziguar necessidades básicas de “reconhecimento e
afeto”. Porém, a sua forma de desenvolver-se está além
daquela plenitude, vivências proporcionadas por buscas
contínuas e inacabáveis.
Desde a pré-história, o homem vem procurando
meios, formas, alternativas para responder a certas

47
demandas, tanto em relação às necessidades materiais
como emocionais, E, neste processo de “descobertas”,
encontra dentro de si mesmo a inteligência, operando em
favor da sua “sobrevivência”. Foi sempre necessário
pensar a realidade e abstrair dela aqueles pontos de
prazer e realização. Num processo contínuo, buscou-se
sempre uma forma de viver melhor, apesar das suas
próprias contradições, assumidas por seu egoísmo e
vaidades.
A própria natureza, quando ofendida e agredida na
sua essência, devolve ao homem na mesma medida em
que foi violentada. Hoje, a humanidade já se deu conta
de que ela é a “própria natureza”. Para isto, foram
necessários milhões de anos para acontecer este elo
profundo e natural, para viver em comunhão com a “gaia”
que nos dizeres de Nietzsche, significa a “mãe terra”.
Esta relação de equilíbrio e admiração passa
necessariamente pelas relações do homem pelo cosmos,
quando se percebe parte integrante deste “todo holístico”
e começa a partilhar e entrar em “sintonia” com as forças
da natureza.
Talvez, num primeiro momento, podemos
questionar: mas o que isso tem a ver com o “Humano”?
Eu diria: tudo. Pois, se continuarmos nesse desrespeito

48
avassalador e destrutivo, receberemos o efeito do
degelamento das camadas glaciais da Antártida,
aumentando o volume de água nos oceanos,
provocando, com isto, maremotos e furacões. O homem,
para se tornar mais próximo de si mesmo, da
natureza e do cosmos, primeiro tem de estar em paz
consigo mesmo.
Esta ânsia pela busca de “satisfações pessoais”,
diante deste consumismo obsessivo, o torna “insensível”
aos clamores mais altos do seu “íntimo”. Portanto, é
preciso respeitar na subjetividade, o elo perdido dos
valores e atitudes imprescindíveis para a harmonia do
seu “Ser”. Diante do espetáculo social, percebemos
algumas iniciativas bastante louváveis contra este
processo de destruição e autodestruição. O homem
ainda é uma incógnita para si mesmo. “Quando dizemos
que o homem é sempre fim, nunca meio, queremos
dizer, antes de tudo, que o homem, a pessoa, representa
um valor, isto é, um ser agradável, amável em si mesmo
e por si mesm.”19
Questões cruciais sobre a finalidade da sua vida
neste planeta, a origem de sua espécie e se existe ou
não vida após a morte, são explicadas de várias

19
NOGARE, P. D. Humanismos e Anti-Humanismos. pág. 17. 13 ed. Petrópolis, Rio
de janeiro: Vozes. 1994.
49
maneiras, pelas mais diversas ciências. O “Humano”
tornou-se imprescindível, fundamental, diria até
decisivo; quanto mais “humano”, mais chance de
“realização pessoal e social”. Por isso, a
“humanidade” vem buscando formas próprias de
atuação, na solução de seus problemas.
Quando se inicia uma pesquisa, muitas surpresas
vão se acrescentando, no decorrer das leituras a respeito
da confirmação ou não das hipóteses formuladas pelo
pesquisador. Um dos benefícios da busca é saber ter
flexibilidade e, ao mesmo tempo, um olhar clínico sobre
aqueles detalhes, que contumam passar despercebidos.
Esta tese tem como finalidade demonstrar a
importância do Humanismo20. Trata-se de proporcionar
ao homem o mais elevado grau de humanidade,
oportunizando as condições necessárias para o
desenvolvimento integral de suas potencialidades.
Houve, no decorrer da história da humanidade, diversos
humanismos21, assumidos de uma busca para entender
e descrever este comportamento social, de alienação
pessoal, de violência.

20
Para o autor, há o humanismo antigo, grego e romano, que exaltava do homem,
sobretudo, os valores de beleza, força, harmonia, virtude, heroísmo, gênio, etc.
Nogare, P. D. Humanismos e Anti-Humanismos. pág. 15. 13 ed. Petrópolis, Rio de
janeiro: Vozes. 1994.
21
Heidegger, M. Sobre o Humanismo. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro ltda.
1968.
50
Os filósofos gregos, como Sócrates, Platão,
Aristóteles e alguns pré-socráticos, sempre tiveram uma
preocupação em conhecer em profundidade a natureza
do homem, passando por diversas civilizações, desde a
Grécia Antiga, Romana, Egípcia e depois as grandes
religiões, como o budismo, hinduísmo e cristianismo.
Todas estas filosofias de doutrinas religiosas tentaram
realçar o valor da humanidade, resgatando sempre o
amor, a fraternidade, a cooperação, como pressupostos
básicos para uma boa convivência em sociedade. Agora,
em nossa sociedade contemporânea, surgem alguns
filósofos como Heidegger, que escreveu uma “carta
sobre o humanismo”, onde afirma que: “Sobre o
humanismo, vem remediar essa compreensão,
esclarecendo em que direção procura pensar a
essência do homem. Todo humanismo romano,
passando pelo humanismo cristão e renascentista,
até o humanismo socialista e existencialista, se
funda sempre na interpretação metafísica do
22
homem.”

22
O que significa senão tornar o homem (homo) humano (humanus)? Descarte é a
humanitas, a preocupação de um tal pensamento. Pois humanus é curar e cuidar que
o homem seja humano e não inumano, isto é, estranho à sua essência. Todavia, em
que consiste a humanidade do homem? Ela repousa em sua essência. Heidegger, M.,
Op. cit. pág. 34.
51
Este humanismo vem ao encontro, sempre, de
apresentar uma demarcação teórica sobre a sua
concepção de homem e de sua natureza. Esta essência
subjetiva sofre influências culturais, sociais,
educacionais, políticas e econômicas, no processo da
formação da sua personalidade. Várias ideologias
tentaram implementar sua teoria nas sociedades e
culturas onde prevalecia certa dificuldade do homem em
resolver seus problemas sociais. Uma das tentativas foi o
comunismo na Alemanha oriental, Rússia e vários países
do leste europeu. Porém, sobrevive ainda o comunismo
da China e de Cuba.
São tentativas, no decorrer das civilizações, para
combater o processo de destruição e aniquilamento
social. Por isto, o homem se deparou com duas
situações bastante claras: primeira, como se dá o seu
processo de humanização; segunda, quais as influências
recebidas pelo seu meio social, cultural e histórico.
Quando Einstein desfez os princípios da
mecânica clássica e criou a teoria da relatividade, a
Física ficou sem fundamento para sustentar o seu
positivismo experimental. E, por fim, Freud, afirmando
que o homem não é dono de sua própria razão, existindo
um outro “Eu”, chamado inconsciente, porta voz dos

52
instintos e emoções, esquecidos e reprimidos pela
cultura vigente. O século XIX foi extremamente
promissor, avançando ainda mais no conhecimento da
sua própria natureza e do cosmos.
A psicanálise enfrentou duas guerras mundiais e
um período de atrocidades e mortes, mas, ao mesmo
tempo, de grandes descobertas científicas. Esta tese
vem resgatar os princípios mais importantes, esquecidos
pela psicanálise clássica e ortodoxa Freudiana23. Todas
as teorias, em algum momento, devem sofrer algumas
revisões, para avançar no sentido de acompanhar as
necessidades vigentes.
Hoje, em nosso país, percebemos um contingente
cada vez maior de pessoas doentes, confusas,
desempregadas, violentas, em desespero, sem ajuda ou
apoio da classe dominante intelectual, dos teóricos da
psicanálise no Brasil. Como temos que contribuir para
viver melhor, em nossa sociedade, a Ciência
Psicanalítica não pode se eximir de sua responsabilidade
social, lutando pela dignidade da vida do homem
brasileiro.

23
A tradução do Espanhol para a Língua Portuguesa se deu para tornar o texto mais
compreensivelaos leitores. O original se encontra no livro de Erich Fromm;
Psicoanálises de la sociedad comtemporânea. Ed.F.C.E. México. 1ed. 1956.
53
Por isto, não se entende o motivo da psicologia ou
da psiquiatria não aceitar esta proposta teórica da
Psicanálise Humanista, onde o próprio Erich Fromm24
afirma: “Não podemos mais olhar o homem moderno
como se fosse um feixo de nervos, estimulados pelos
impulsos do cérebro, provocando uma reação.”
Realmente, esta herança da ciência fisiológica e
organicista, defendida pelo mecanicismo de que o
homem é uma máquina em perfeito funcionamento,
oriundo do pressuposto teórico de Newton e Descartes,
motivou a dicotomia mente e corpo.
Esta dificuldade, não se sabe ao certo se é uma
ingenuidade quanto ao não acompanhamento da
evolução das teorias mais recentes ou o medo de perder
espaço e pacientes. Assim, muitos teóricos se fecham
dentro dos seus guetos, atrelados aos seus dogmas.
Mesmo diante destes conflitos, não podemos nos
amedrontar, pois a pesquisa sempre exigiu dos homens
sérios da ciência, ousadia, coragem e determinação em
lutar pelo que acreditam. Assim, a Psicanálise
Humanista, na sua transdisciplinariedade, não pode
se eximir em contribuir com o tratamento
psicanalítico, a instituições carentes ou àquelas

24
Fromm. E., Op. cit., pág. 7.
54
pessoas marginalizadas do seu processo de
ascensão social, para torná-lo mais humano.
Porém, este homem não é somente “razão”,
intelectualidade, racionalidade, mas um ser tomado de
existência sensorial e emotiva. Foi a ciência psicanalítica
que criou uma teoria e um método para estabelecer um
vínculo de comunicação com esta subjetividade,
chamada inconsciente. Foi aos poucos percebendo as
outras necessidades dos homens, além daquela descrita
por Freud, do instinto sexual, depois chamada libido.
Esta natureza psíquica não era só sexualidade, mas de
ter poder, de se relacionar, de criar novas realidades, de
receber afeto e amor, de realização pessoal e
profissional, de ter uma família, etc. Percebeu-se, na
natureza do homem diante do seu meio social e cultural,
uma necessidade de satisfazer a estes desejos pessoais.
Justamente por isso, houveram as dissidências
teóricas, dentro da psicanálise. Não iremos aprofundar
os fatores históricos, mas sim relatar as dificuldades de
Freud em aceitar outras dimensões necessárias à
realização e satisfação do homem moderno.
Erich Fromm vai aprofundar o meio social,
econômico e político, recebendo uma ajuda de Willian
Reich. Assim, muitos teóricos da Psicanálise

55
abandonaram a teoria freudiana, devido à
impossibilidade de pensar o ser diferente. A psicanálise,
já na sociedade contemporânea, começa a conviver com
outros autores, como Victor Frankl e a logoterapia;
Maslow e a autorrealização; Lacan, com estudos sobre a
linguagem; Adler e a psicologia individual, Jung e a
psicologia analítica e Fromm, com sua teoria da
psicanálise humanista.
Todos, indubitavelmente, contribuíram muito em
descrever esta interioridade da Natureza Humana, como
o próprio Erich Fromm25 afirma: “Esta atitude de
humanismo normativo se baseia em algumas premissas
fundamentais. É uma incumbência da “ciência do
homem” chegar, finalmente, a uma definição do que se
merece chamar de “a natureza humana”.” (1956:18)
Esta resposta já vem sendo elaborada, dentro da
teoria humanista, principalmente em algumas áreas vitais
esquecidas pela psicanálise clássica, oriunda de uma
cultura científica que primava pela neutralidade, a frieza,
o distanciamento, o não envolvimento com as pessoas.
Esta prática fez da psicanálise uma ciência fria, distante
e descompromissada com os problemas sociais e
comunitários. Ao contrário, principalmente quando se

25
Fromm, E., Psicoanalisis de la sociedad contemporanea. 11ª. ed., México, Fundo
de Cultura econômica 1956
56
trata do ser humano, necessita-se de uma psicanálise
que inclua o amor, o afeto, a compreensão, a
solidariedade para com os seres humanos, independente
de cultura, religião e status social.
A natureza humana tem de ser entendida sobre
esta ótica, preenchendo o vazio existencial da falta de
afeto e as enormes carências, provocadas no decorrer
do processo de formação de sua personalidade. A
Psicanálise Humanista evidenciou esta necessidade de
acolhimento, calor humano, proximidade,
comprometimento, verdade, respeito e ética, em relação
ao paciente.
Hoje se percebe claramente as dificuldades de
encontrar soluções para os problemas econômicos,
afetivos, familiares e sociais, frutos de uma consciência
embotada pelo processo de alienação cultural e social.
Esta natureza humana não foi compreendida em toda
sua complexidade. Há uma tendência ao humanismo.
Precisamos abrir espaços, dentro da psicanálise,
para uma transformação, onde se contemple o
estudo dos mais diversos teóricos e cientistas que
tratam dos problemas emocionais do homem.
Portanto, esta tese vem defender uma proposta de
liberdade para pesquisar sem o controle de

57
organismos ideológicos que, porventura, podem
direcionar os resultados, ou o exercício da profissão.
O próprio Erich Fromm observou, com inteligência, onde
estava comprometida a teoria Freudiana.
“Assim, pois, nossa primeira tarefa é averiguar
qual é a natureza do homem e quais são as
necessidades que nascem dessa natureza e depois
temos de examinar o papel na sociedade e na evolução
do homem, estudando seu papel anterior no
desenvolvimento do indivíduo humano. Os conflitos
recorrentes entre a natureza humana e a sociedade e as
conseqüências desses conflitos.”26
O homem, no seu processo de evolução pessoal,
passou por diversas fases de transformações, em nível
de compreensão da realidade, bem como de
aprendizado. Através de milhões de anos que o homem
aprimora-se no seu sentido de especificar sobre suas
demandas subjetivas. Ademais, nessa dialética entre o
sujeito (pessoa) e o objeto (realidade), faz suas próprias
reflexões e percebe o quanto é útil à razão. A forma de
pensar a realidade pode em muito contribuir para
solucionar seus problemas, na existência.

26
Fromm, E., Psicoanalisis de la sociedad contemporanea. Pág. 25, 1956
58
Com um objetivo bastante claro, no dizer de
Abraham H. Maslow (1999), em seu livro Personalidade
Criadora, afirma: “A pessoa boa se pode chamar também
pessoa que evoluciona, pessoa responsável de si
mesma e de sua própria evolução, pessoa plenamente
esclarecida, disposta e lúcida, pessoa plenamente
humana, autorealizadora”27. A questão principal é como
desenvolver as potencialidades do homem moderno,
criando as condições próprias para o paciente encontrar
um caminho próprio para a realização de suas
necessidades primordiais. Esta humanização, na
psicanálise, proporciona a qualquer pessoa uma
liberdade de ser em toda sua originalidade; sendo ele
mesmo, com suas qualidades ou dificuldades pessoais, é
uma espécie de valorização afetiva pela sua presença de
Ser ou Existir.
A busca deste equilíbrio exige muita criatividade,
para lançar-se em novos projetos, aumentando a sua
capacidade de inteligência racional e emocional. Para tal,
a análise humanista tem de ser plenamente objetiva em
seu tratamento, viabilizando as condições de confiança
em si mesmo, além de mostrar as implicações de seus
medos e bloqueios pessoais. É preciso um Ser, seguro

27
Maslow, A. Personalidade Criadora., pág. 39., 1999.
59
de si, dono de suas próprias decisões, para propor uma
saída utilizando todo seu potencial criativo para
conseguir alcançar suas metas e objetivos pessoais.
Esta é uma diferença primordial da metodologia Analítica
Humanista; primeiro ela proporciona o resgate da
confiança, aceitação e afeto, demonstrando um
verdadeiro Amor Incondicional pelo paciente, sentindo-se
comprometido nas suas buscas existenciais.
Logo depois, valoriza a experiência no “setting”
analítico, onde ambos possam se perceber numa
igualdade de condições em que exista a liberdade de Ser
e de falar sem medos, constrangimentos ou sentimentos
de inferioridade. O psicanalista, no processo de formação
humanista, se conhece em profundidade, estabelecendo
para si uma experiência na análise pessoal, as condições
de aceitar-se, de ser amado e ampliar as possibilidades
de amar o ser humano.
Aqui muda, substancialmente, o modo da prática
clínica psicanalítica, onde o ambiente é permeado por
uma liberdade de expressão, valorizando cada iniciativa
do paciente, num processo contínuo de trazer à tona
outras dimensões inconscientes desconhecidas pela
própria pessoa. Esta responsabilidade de Ser mais é
criada durante o tratamento. O Ter sentido de Existir

60
necessita claramente de conquistas ou resultados. Sem
isto, o tratamento não passa de um espaço para testar a
teoria da técnica psicanalítica, ela é muito mais utilizada
com o fim de encaixar o paciente em sua teoria do que
de resolver os seus problemas existenciais.
É muito importante citar o conceito de
“inconsciente”, na ótica de Rollo May: “o inconsciente,
portanto, não deve ser considerado como reservatório de
impulsos, pensamentos e desejos culturalmente
inaceitáveis. Eu o defino, por assim dizer, como aquelas
potencialidades para conhecer e experimentar que o
indivíduo pode ou não vivenciar.”28 Aqui voltamos a frisar
sobre esta oposição das correntes teóricas, em aceitar
esta dimensão, onde o “próprio ser mora”29, “Heimisch”, a
essência da subjetividade inconsciente deste homem.
Ou ainda, nas palavras de Erich Fromm30 que, no
decorrer da própria história, o homem é capaz de criar e
recriar, utilizando a sua capacidade criadora. É muito
importante definir com clareza sobre esta concepção de
forças, pulsões do inconsciente humano.
Se aceitarmos esta visão mais ampla e positiva
destas energias simbólicas, podemos vislumbrar não um

28
May, R. A descoberta do Ser. Rio de Janeiro, Rocco1988, pág. 19
29
Heidegger, M., Sobre o Humanismo, ed Tempo Brasileiro, 1968. Pg.74
30
Fromm, E. Psicoanálisis de La Sociedad criadora.
61
niilismo derrotista da fragmentação do ser, mas sim uma
confiança cada vez maior no ser humano, que qualquer
pessoa pode tomar consciência, conforme diz Rollo
May31, sobre as resistências no mundo das teorias e que
nem todas as grandes inovações já foram feitas. A
segunda é de que a análise existencial do humanismo
estava invadindo outras áreas do saber. E a terceira é de
confundir a psicanálise com a Psicologia Behaviorista de
Skinner.
As contrariedades ou críticas serão sempre bem
vindas a qualquer sistema teórico em elaboração ou já
estão consolidados. Hoje, o consenso é cada vez mais
forte em aceitar pesquisas flexíveis e abertas, sem
dogmatismos à priori. Portanto, pode-se perceber que
não existe uma verdade, mas sim diversas verdades,
saindo de um paradigma da objetividade absoluta para o
mundo das possibilidades e incertezas.
A teoria humanista vai direcionar seu foco de
análise sobre o sentido existencial, principalmente no
que se refere ao significado produzido no meio social.
Como forma de aumentar a autoestima, elevando a
confiança em si mesmo, para superar os seus dilemas
existenciais. O ser humano vem acumulando muitas

31
May, R. Op cit, pág. 49
62
experiências negativas em relação ao egoísmo,
falsidade, competição desleal, perseguições, tornando-o
um ser desconfiado e frio para tratar com as pessoas.
Se não há afeto e calor nas relações humanas, a
tendência é se fechar dentro de um mundo de solidão e
desesperança. Esta insensibilidade torna-se uma defesa
plausível para não vir a sofrer mais. Quanto menos
relações profundas, maior será a dificuldade de lidar com
esses sentimentos no futuro; existirá uma certa
infantilidade no sentido de reivindicar afeto pela via da
contestação e da agressividade. O prejuízo é enorme,
pois este ser fica paralisado para dar e receber afeto. A
falta deste calor humano faz com que a pessoa se sinta
em completa solidão, cheia de medo e insegura diante
dos outros.
As conseqüências são enormes em relação à não
expressão desta afetividade, pois, com o tempo, poderá
recair num ser esquizóide, muito inteligente, com dinheiro
e posição social, mas frio e distante das pessoas. Desta
forma, a psicanálise humanista não está interessada em
ter o status de uma teoria, ou o reconhecimento do
mundo científico, mas em utilizar todo este conhecimento
psicanalítico das mais diversas teorias para propor um
novo método de trabalho analítico, procurando encontrar

63
soluções e respostas para os conflitos neuróticos e as
crises históricas, políticas e econômicas, em nossa
sociedade contemporânea.
O homem tende a se superar nos dilemas
pessoais e sociais. Este contato mais íntimo com as suas
emoções poderá lhe proporcionar as condições para
poder ser feliz e amar alguém de verdade. Neste
universo de inveja, falsidade e egoísmo, sentimo-nos
confrontados com esta realidade doentia de algumas
pessoas que, na impossibilidade de fazer para si e
experimentar o gozo existencial, projeta sua insatisfação
e revolta, prejudicando, perseguindo, difamando tudo
aquilo que ela gostaria de ser, no outro.
Por isto, a Psicanálise Humanista é uma terapia
do amor, porque amar alguém é proporcionar a quem se
ama tudo aquilo de bom e saudável que a existência
possa oferecer. A análise humanista tenta tornar o
homem mais humano, saindo da condição de
inumano, da irracionalidade, da barbárie, para
proporcionar várias escolhas, de castigar o próprio
ser ou de elevar este ser a mais alta plenitude.
Sabendo das condições para encontrar a
felicidade, me parece que esta não está somente na
satisfação dos instintos e nem em viver por viver. Temos

64
de levar em consideração outras necessidades, como de
estar em paz consigo mesmo e com o outro, tendo
sentido e significado em sua vida.
O amor é a premissa básica. Dá segurança, eleva
o ser a uma satisfação em existir, como diz o próprio
Erich Fromm: “A necessidade de vinculação com outros
seres vivos, de se relacionar com eles, é necessária e a
sua satisfação depende da saúde mental do homem.
Esta necessidade está atrás de todos os fenômenos que
constituem a gama das relações humanas íntimas, de
todas as paixões que se chamam amor, no sentido mais
amplo da palavra.”32.
O amor é sempre status de alegria e
satisfação, na convivência. Está na relação com o outro a
fórmula de estar contente ou descontente. O princípio
norteador do amor é sempre a cooperação e não a
dominação, justamente porque toda a forma de
dependência neurótica impede a evolução em autonomia
pessoal.
Há diversas formas de amar: e nesta distinção
pode uma pessoa ter consciência do tipo de amor em
que ela está envolvida. Existe um amor pela
humanidade, onde alguns abdicam de seus interesses

32
FROMM, E. Op cit, 1956 pág. 33
65
próprios e colocam sua vida ao dispor, para ajudar aos
seus semelhantes. O amor entre um casal. O amor de
uma mãe pelo seu filho, com o seu cuidado, a atenção
em alimentar com afeto, pois é uma criança indefesa. O
amor por si mesmo é aquele onde a pessoa sempre faz
seus investimentos para aumentar a sua qualidade de
vida, querendo sempre o melhor. Assim, se concretiza
eternamente a necessidade de amar e ser amado, e
nisto consiste toda a busca da humanidade, o
reconhecimento e a valorização por aquilo que ele é e
realiza.
Ao nos confrontarmos com esta tese,
necessitamos delimitar, com clareza, as iniciativas
metodológicas e os paradigmas teóricos vigentes em
nossa atualidade. Diante da complexidade do homem e
dos problemas sociais, culturais e históricos, nos
encaminha para nos situar dentro de uma teoria da
complexidade. O motivo está no desafio de compreender
e estudar a subjetividade do homem, no seu todo. Todos
sabemos que o modo de fazer pesquisa ou de validar
uma teoria passa, necessariamente, por um processo de
confrontação, explicação, descrição e comprovação, se
esta teoria deve ter uma abrangência universal. Trata-se,
em última instância, da comprovação dos dados e

66
aplicabilidade mensuráveis, onde esteja presente a
repetição do mesmo evento, quantas vezes forem
necessárias, para a validação destas leis. Assim, se
produz ciência e conhecimento, avançando rumo à
compreensão da natureza e do cosmos.
Este modelo positivista experimental ainda é
válido, principalmente nas ciências exatas. Assim, quanto
mais especificado e descrito com estatísticas for o objeto
de pesquisa, mais notoriedade e objetividade, diante do
mundo da ciência positivista experimental. Desta forma,
a humanidade vem se aprimorando cada vez mais em
dar valor às descobertas concretas e que possam ser
validadas. Este predomínio do racionalismo científico e
mecanicista conseguiu fragmentar, dividir e especializar
as mais diversas áreas, para que o cientista tenha o
controle efetivo sobre as variáveis de seu experimento.
Neste caso, os cálculos estatísticos são insubstituíveis
para eles, são os meios de demonstrar o resultado
concreto da realidade, com objetividade.
O conhecimento se fragmentou com o objetivo de
ser mais específico e de delimitar áreas de atuação,
justamente para ter pleno domínio teórico sobre seu
objeto de pesquisa. Assim, foi caracterizando diversos
modos de fazer ciência. A razão, a sensação, a intuição

67
e os sentimentos deram asas às ciências e se
expandiram pela Filosofia, Religião e Arte.
Como afirma o próprio Pierre Weis (1993), hoje já
se postula um modo de ver a realidade de forma
diferente. “De um lado, holismo implica uma visão
resultante de uma experiência, que por sua vez, é
geralmente o resultado de uma combinação de
holopráxis ou prática experiencial, com o estudo
intelectual ou holológico, de um enfoque analítico
sintético de uma mobilização das funções ligadas ao
cérebro direito e esquerdo e de sua sinergia, com o
equilíbrio das quatro funções psíquicas, ou seja, a
sensação, o pensamento, a razão e a intuição. E a esta
compreensão chamamos de abordagem holística.”33
Assim, este modo de fazer pesquisa tem valor. É
supervalorizado nas áreas estratégicas do conhecimento
como a Física, Biologia, Medicina, Matemática,
Astronomia, etc..., colocando as Ciências Sociais e
Humanas sem ter o status de ciência, a não ser que se
comprove, com medidas concretas, os postulados do
mundo do positivismo experimental. A psicologia teve
seu reconhecimento, recebendo o status de ciência, com

33
Weis, Pierre. Rumo à nova transdisciplinariedade. São Paulo, Sumus,
1993.
68
a ajuda de Pavlov. Mostrou-se em laboratório o processo
de condicionamento e os mecanismos fisiológicos de
estímulo e resposta; com esta comprovação teve seu
reconhecimento, diante da ciência normativa.
Freud tentou fazer o impossível para dar uma
caracterização de uma teoria científica, para isto se
utilizou dos conceitos da física clássica, com o seu
famoso determinismo; depois, a biologia usou da
hereditariedade das doenças dos nervos e suas lesões
cerebrais; além da medicina, especialmente para quem
era neurologista, tentou explicar a mente humana sob a
ótica do fisiologismo e organicismo. Infelizmente, todo o
seu esforço foi em vão, pois os “PH Deus” consideraram
a psicanálise mais uma teoria em experimento, estes
dados não podiam ser comprovados e muito menos
repetidos. Mas esta trágica decisão de Freud prejudicou
enormemente a visão do homem e suas explicações do
movimento da energia inconsciente.
Num primeiro momento, a medicina e a psicologia
criaram suas sociedades psicanalíticas, onde só
admitiam médicos ou psicólogos para a referida
formação psicanalítica. Até os dias de hoje, se percebe
este forte monopólio destas ciências, dizendo que
somente eles poderiam ser psicanalistas.

69
É claro que desconheciam ou usavam da
insensatez, pois vários psicanalistas, que não eram
médicos e, tão pouco, psicólogos, fizeram sua formação
com Freud. Podemos citar aqui Anna Freud (pedagoga),
teorizou na psicanálise a clínica infantil; Pfeizer (teólogo),
pastor da igreja luterana, amigo pessoal de Freud; Otto
Rank (advogado), Erich Fromm (sociólogo) e muitos
outros, no decorrer desses cem anos de psicanálise.
Outro fato interessante é o questionamento,
por parte dos psicólogos, sobre o processo de
Formação Psicanalítica, onde se preceitua o direito
de fiscalização pelo Ministério de Educação e
Cultura. Novamente, pode haver o fato de ignorância,
por desconhecer a origem desta ciência, ou maldade,
para confundir a opinião pública. A teoria psicanalítica
sempre foi elaborada em sociedades psicanalíticas,
através de seus analistas, onde cada escola,
dependendo de sua orientação teórica, preceituam o
tempo de duração, exigências e produção científica, não
dependendo de nenhum órgão fiscalizador externo,
justamente por manter a liberdade e autonomia no
processo de formação do futuro psicanalista. Entretanto,
damos por concluído que a psicanálise não é nem
medicina e tão pouco psicologia, mas sim uma

70
ciência produtora de um saber próprio, ligada às
mais diversas áreas de pesquisa.
Ela é uma ciência autônoma e livre, que já tem
seu objeto de pesquisa, tratando-se logicamente do
“inconsciente”, possuindo toda uma teorização sobre o
processo de diagnóstico e avaliação, uma compreensão
das mais diversas psicopatologias, uma descrição sobre
o desenvolvimento do ser humano: um método próprio
de investigação, com várias técnicas e recursos de
outras áreas, aplicados à clínica psicanalítica.
E agora queremos delinear esta nova e, ao
mesmo tempo, antiga proposta da Psicanálise
Humanista, com o fim de propor uma Formação em
Psicanálise, aberta a todos os profissionais das
áreas afins, livre dos paradigmas ortodoxos e
dogmáticos da cultura psicanalítica vigente.
A metodologia aplicada nesta tese terá como
finalidade fazer um estudo teórico, bibliográfico, com um
enfoque qualitativo, para fundamentar a hipótese de
pesquisa, “propor um estudo teórico da psicanálise
humanista, com a incorporação do paradigma da
complexidade, para ampliar as condições de
pesquisa e formação, em uma visão holístico-
transdisciplinar, na psicanálise”. O suporte teórico

71
terá como autores principais Erich Fromm (l900 – 1980),
com seus principais conceitos da psicanálise humanista,
e Edgar Morin, com o conceito do paradigma da
complexidade. Estas são duas teorias norteadoras da
pesquisa, proporcionando as condições para propor uma
nova compreensão da “psicanálise humanista
transdisciplinar”.
A metodologia irá articular uma análise das
diversas categorias de ambas as teorias, para propor um
novo modo de compreender a psicanálise, sob uma nova
concepção de natureza humana, inter-relacionada com a
antropologia, história, sociedade e cultura. A partir desta
nova visão de homem, a sociedade exigirá uma revisão
teórica de alguns conceitos da psicanálise clássica. Será
de fundamental importância apresentar os conceitos dos
“diversos humanismos”, descrevendo, a partir da história
de vida de Sigmund Freud (l856 – l939), o humanismo na
própria história da psicanálise.
A explicitação do significado e da importância do
humanismo na psicanálise segue o legado histórico e
cultural, deixado pelas mais diversas civilizações, com a
finalidade de proporcionar o processo de “humanização”
do homem, no decorrer do seu processo evolutivo.

72
É importante realçar o início histórico do termo
“Psicanálise Humanista”. Para isto, iremos demonstrar,
num relato da história de vida de Erich Fromm, os
contextos sociais, culturais e espirituais, que tiveram forte
impacto na formulação da sua teoria humanista. Serão
descritos os conceitos básicos de sua fundamentação
teórica, a partir de uma revisão teórica da psicanálise
clássica de Freud.
A metodologia aplicada nesta tese terá a
finalidade de fazer um estudo profundo sobre a ciência
psicanalítica, mais especificamente a Psicanálise
Humanista de Erich Fromm e o paradigma da
complexidade de Edgar Morin. São dois os pontos
cruciais do método: articular uma análise das categorias
de ambas as teorias, para propor uma nova maneira de
compreender a psicanálise, na sua subjetividade
inconsciente. O método irá proporcionar as ligações das
duas teorias, articulando uma nova compreensão da
natureza de homem e seu processo de humanização.
Para conseguirmos este objetivo, teremos que fazer um
estudo sobre o humanismo, sua concepção histórica e
sua importância para o aprimoramento da humanidade
do homem.

73
O pai da psicanálise, Sigmund Freud, desde seus
princípios teóricos, apresentou o valor social da
psicanálise e seu caráter humanista. Isto vem comprovar
a visão humanista da prática clínica, pois atendia
pacientes carentes e sonhava com o tratamento analítico
como patrimônio da humanidade. Na sua obra
“grandeza e limitações do pensamento de Freud”
Erich Fromm assinala que “É digno de nota e comovedor
que Freud era humanista e, como ele mesmo se
denominava, ‘pacifista’. Trata aqui quase freneticamente
de escapar das conseqüências lógicas de suas próprias
premissas”.34
Todos entendemos a grandeza e a magnificência
deste gênio, não só como cientista, mas como pessoa,
mostrando o valor da humanização durante toda a sua
vida, sendo capaz de esboçar uma teoria sobre a
dimensão inconsciente do homem.
A metodologia “é uma progressão em espiral;
ela parte de uma interrogação e de um
questionamento; ela vai adiante, através de uma
reorganização conceitual e teórica em cadeia, que
atingindo, enfim, o nível epistemológico e

34
FROMM, Erich. Grandezas y limitaciones del pensamiento de Freud. 10ª.
Edición, Siglo Veinteuno, 1979, pág. 156
74
paradigmático, chega à idéia de um método, que
deve permitir um avanço do pensamento e da ação,
que pode reunir o que estava separado, pensar o que
estava oculto”.35
O método é como fazer um caminho,36 uma
caminhada livre de preconceitos, para encontrar um
caminho enquanto caminha. No decorrer do processo de
pesquisa, este caminho ficará aos poucos bastante
nítido.
Depois de relacionar, comparar e interligar os
conceitos das teorias, sua repercussão na compreensão
do homem, como na descrição de sua natureza. O
complexo é antogênico ao estabelecido, pois pressupõe
avanços, questionamentos, retroações, mudanças e
aperfeiçoamentos e, neste caminhar, o encontro com as
dúvidas e incertezas faz parte das bifurcações. Neste
momento é preciso juntar, articular, verificando a melhor
decisão, na compreensão das realidades. A
complexidade está no homem; ter consciência disto é
compreender a extensão desta complexidade na
natureza, no cosmos e no universo.
Os fenômenos humanos também são complexos,
e neste logos de interação, necessita-se ampliar dentro

35
MORIN, Edgar. A natureza da natureza. Porto Alegre, Sulina, 2000, pág. 37
36
Ibidem, pág. 36
75
de uma visão holística e sistêmica, a condição humana e
sua humanidade. O ser complexo se compreende a partir
de toda uma fenomenologia organísmica e social. Esta
diversidade contém a particularidade, estas
comunicações cinegéticas complementares mantêm um
sistema de operações, onde o pensamento, sentimento,
sensação, e intuição interagem em conjunto, na busca da
compreensão da realidade. “Apesar de a defesa da
complexidade antropossocial coincidir com o
inconsciente do simplismo isolacionista de um
humanismo que não concebe a complexidade antro-bio-
física”.37
A psicanálise, como ciência social, está inserida
no estudo específico da subjetividade inconsciente do
homem, a partir deste objeto de pesquisa, ou nesta
fenomenologia expressa pelo fenômeno humano, poderá
verificar as diversas implicações de variáveis observadas
pelo pesquisador ou psicanalista; nesta visão ampla é
necessário entender este fenômeno, na sua
complexidade, principalmente tratando-se de um ser
humano, são várias as categorias de análise que
influenciaram o resultado de qualquer pesquisa.

37
MORIN, Edgar. Op cit, 2000, pág. 308
76
Por isto, o método do paradigma da complexidade
inclui estes diversos fenômenos para compreender o
fenômeno maior do homem, que é a sua existência. A
psicanálise, como ciência, tem um campo de atuação na
pesquisa desta subjetividade, no tratamento e na
formação dos futuros profissionais. Pois bem, o
paradigma teórico e a metodologia desta ciência ainda
hoje são utilizados e servem, com reservas, à sua
aplicabilidade na análise do inconsciente do homem.
A tese, explicitamente, tem como objetivo
acrescentar um novo modo de se fazer ciência e
pesquisar na ciência psicanalítica e sua implicação na
formação de futuros psicanalistas. Título da tese: “A
psicanálise humanista e a incorporação do
paradigma da complexidade na formação analítica.”
O método de pesquisa irá contribuir com as
considerações conceituais “do paradigma da
complexidade de Edgar Morin e a psicanálise
humanista de Erich Fromm”. No primeiro capitulo, se
verificará o valor e a importância do humanismo, a partir
de uma visão histórica, nas civilizações, até o iluminismo
de Sigmund Freud, seguido depois, por Erich Fromm; No
segundo capítulo, se descreverá a sistematização teórica
da psicanálise humanista, numa dimensão holística e

77
transdisciplinar; fazendo uma revisão teórica da
psicanálise clássica e mostrando as suas diferenças
conceituais.
No terceiro capítulo, será apresentada a
demarcação teórica do paradigma da complexidade,
como aporte num modo de fazer pesquisa e sua
implicância no processo de formação e tratamento de
novos psicanalistas. No quarto capítulo, se fará uma
teorização da nova proposta de formação psicanalítica
humanista transdisciplinar, acentuando seu caráter ético,
ecológico e humanitário, no compromisso da socialização
do saber psicanalítico às classes menos favorecidas.
Depois de especificar o roteiro do método, se faz
necessário realçar a importância da logicidade destes
dois conceitos principais utilizados nesta tese, que diz
respeito ao processo de humanização da hominização,
como condição à priori para dar sustentação ao pleno
desenvolvimento de suas capacidades volitivas,
intelectuais, afetivas. Este homem se constitui numa
humanidade plenamente aberta ao novo; “Para operar o
questionamento, não se deve, conforme a indicação de
Descartes em epígrafe, escolher uma ciência
particular, pois elas estão todas unidas e dependem

78
umas das outras; deve-se acrescentar a luz natural da
razão”.38
A transdisciplinariedade é o avanço indiscutível,
quando se propõe descrever uma subjetividade
inconsciente. Nesta complexidade de sistemas
comunicativos, existirão intencionalidades cada vez mais
aprimoradas e eficazes, na evolução da consciência do
ser humano.
O Ser está em movimento numa interação
constante com o ambiente. Esta dimensão oculta
aparece disfarçada nos erros, prejuízos e impedimentos
da livre expressão dos sentimentos e emoções. A
psicanálise, como ciênca, sempre esteve atenta a estas
comunicações, verbais e não verbais, produto da
imaginação, fantasias, ficções, onde obscurece a plena
expressão das potencialidades da energia inconsciente.
Toda forma de distanciamento e frieza cria a
indiferença, principalmente quando o ser humano é
tratado como objeto de pesquisa; não podemos mais
continuar numa prática psicanalítica de tratamento,
formação e pesquisa, onde a ciência esteja
desumanizada e fragmentada nas suas ações de um
materialismo abstrato; se faz necessário dignificar, elevar

38
citado no livro a humanidade das humanidades. São Paulo, Sulina, 2000, pág. 17
(R. Descartes, Régles pour la direction de e’spirit. Paris, Vsin, 1988, pág. 4)
79
a condição do ser humano principalmente no que se
refere à utilização plena da sua potencialidade, num
ambiente onde o amor e o afeto sejam os valores mais
fortes e eficazes para a felicidade do ser humano. Uma
ciência desumanizada, sem princípios éticos, produz a
alienação e a catástrofe; a eficácia dos avanços está no
respeito pleno, onde o homem não seja um mero meio,
com a finalidade de exploração e manipulação.
Queremos, com o método do paradigma da
complexidade, articular os diversos conceitos das teorias
psicanalíticas, com a finalidade de esboçar uma
identidade mais sistemática a um humanismo na
psicanálise, respeitando todas as divergências
conceituais, propondo uma transdisciplinariedade,
unificando e incorporando os diversos saberes dando
mais sentido e significado a uma ciência comprometida
na socialização do tratamento e da pesquisa, na
psicanálise.
O método irá ajudar a criar um pensamento
multidimensional, fazendo um caminho próprio, com
erros e acertos, numa busca constante de superação das
próprias dificuldades, que irão aparecer no decorrer da
junção e teorização desta tese. O desafio está posto
como conceituar e organizar teoricamente as bases da

80
psicanálise humanista, proporcionando-lhe uma
transdisciplinariedade na pesquisa e formação,
ampliando esta nova visão de homem e sociedade, para
repercutir, de forma humanizadora, no tratamento
psicanalítico. Esta tese vem reafirmar a proposta teórica
da psicanálise humanista, se contrapondo ao modelo
clássico das teorias psicanalíticas vigentes. A unidade se
dará mediante um enfoque holístico.
“De um lado, holístico implica uma visão
resultante de uma experiência, que por sua vez, é
geralmente o resultado de uma combinação de
holopráxis ou prática experimental, com o estudo
intelectual, de holologia, de um enfoque sintético, de
uma mobilização das funções psíquicas, ou seja, a
sensação, o sentimento, a razão e a intuição.
Chamaremos a essa conjunção de abordagem
39
holística”.
Para solucionar os conflitos, na teoria do
conhecimento ou mesmo nas etimologias, necessitamos
resgatar o todo, observando a reação em cadeia de cada
parte e sua iniciativa de estar interligado ao todo holístico
do sistema conceitual organísmico, entendendo a
descrição destes movimentos sutis, a partir das diversas
categorias de análise, produtoras dos comportamentos,
atitudes, idéias e teorias.
O sentido está em organizar os princípios
norteadores da descrição do homem e sua humanização,

39
WEIS, Pierre. Rumo à Nova Transdisciplinariedade. São Paulo, Summus, 1983,
pág. 38
81
mesmo diante das diferenças, antagonismos e
discordâncias. A sistematização teórica se dará numa
organização a uma desordem provocada por falsas
interpretações, antiquadas, que já não correspondem à
atualidade; necessita-se olhar o homem na sua
multidimensionalidade, aproximando-se, cada vez mais,
da sua transitoriedade imortal, proporcionada pela
descrição dos genomas, interpostos de matizes
portadores de informações emocionais e físicas, onde o
todo está presente entre o espermatozóide e a célula,
expressando-se numa continuidade inseparável da
evolução de um ser, que se dá em benefício da
humanidade.
Este ser, na sua complexidade, é capaz de recriar
a própria imortalidade, no seu existir, ir para o mais longe
possível e sintonizar-se num plano bem mais ousado,
saindo, procurando, refletindo, interagindo, juntando
áreas obscuras e permissivas da natureza. A
metodologia da existência se dá num jogo contínuo das
trocas entre os seres, ligando o seu saber aos demais
saberes, aperfeiçoando, interpretando as realidades
sempre com novos significados. Propõe uma observação
mais aproximada possível das descontinuidades de

82
conceitos fechados, fossilizados por um tempo
demasiado perverso.
Abrir estes conceitos, retirá-los de uma situação
de inércia, obstruídos por uma interpretação antiga de
realidades de um passado longínquo. É próprio do
método da complexidade conviver com as inseguranças
e desacertos, sendo que estas experiências
proporcionam ao pesquisador uma busca constante de
reflexão e convivência com os fenômenos das incertezas
e possibilidades. Como juntar, no caso da psicanálise,
estas demarcações teóricas, produzidas com a intenção
de expressar uma ordem inconsciente, relacionadas
emocionalmente pelas desordens existenciais.
Uma ciência sempre está interessada em
descrever, comprovar, provar, observar, experimentar e
teorizar eventos de diferentes naturezas. As teorias
produzem sempre o que está ao alcance do pesquisador,
no entanto, é sempre uma causuística voltar ao início
para revisar e, quando possível, dar novos significados
conceituais.
Para falar em teoria complexa, exige-se uma
maturidade para dialogar e não discutir idéias, ou
defender dogmas e conceitos pré-fabricados, em defesa
da honra de um determinado autor. As ciências das

83
áreas humanas e sociais estão sobre a ponte de uma
incomensurável correnteza de incertezas, pontuadas
pela complexidade da mente humana. Para se fazer o
método, é preciso caminhar sobre a ponte, não olhar
para baixo e pensar na impossibilidade de alcançar tal
profundidade. É dever do pesquisador saber da altura,
mas nunca perder de vista o seu horizonte, precisa-se de
uma coragem, avançar, mesmo sabendo dos obstáculos
abstraídos de realidades perversas e antagônicas, ao
objetivo proposto.
Quando se fala em humanizar a própria ciência
psicanalítica, pressupõe-se alimentar, em dignidade
ética, a utilização deste procedimento teórico. Vejamos a
conexão entre Psicanálise, Humanismo e Complexidade.
Não existe nenhuma ciência que esteja tão próxima ao
ser humano do que a psicanálise, visto que ela tem o seu
valor. Mas interessa-nos saber o tratamento dado a estas
pessoas tratadas pelo seu saber. Esta complexidade nos
interessa, desde o ponto de vista das interações
conceituais, aprimorando, dando logicidade a esta
integração; esta atitude metodológica irá propor uma
ciência psicanalítica humanizada, interessada na sua
complexidade interativa e inconsciente do homem, no
seu viver existencial e social.

84
1.1. As dimensões do humanismo, na vida de
Sigmund Freud

Esta descrição da vida de Freud (1856 – 1939)


vem demonstrar os sofrimentos e as dificuldades
emocionais que deram vazão a sua humanidade,
justamente porque vivia na pobreza. Esta experiência
proporcionou o convívio com este desafio, era inseguro
diante da existência. Infelizmente, seu convívio na
sociedade de Viena não foi dos melhores, pois conseguia
ver claramente o que o esperava, talvez por isto tenha se
decidido pela medicina, como uma das formas de buscar
as condições necessárias para lutar contra as
adversidades de sua existência.
Esta decisão de encaminhar-se para a área da
medicina demonstrava sua preocupação em superar
suas dificuldades financeiras. Sua mãe, Amália,
prestava-lhe uma grande colaboração, incentivando-o e
mostrando como uma alternativa de solução, para a sua
própria sobrevivência. Seu pai, Jacob Freud, foi um
comerciante que não obteve sucesso na área financeira;
sempre teve enormes dificuldades para administrar suas
economias, fato este que levava a família Freud a se
mudar constantemente de moradia: esta falta de solidez

85
econômica, a dificuldade que se apresentava para o
sustento da família, levou a cabo a intervenção de seu
avô, oferecendo o cargo de Rabi, numa comunidade
judia, como forma de resolver este problema, com
salário fixo.
Esta dimensão da pobreza econômica, as
dificuldades de gerenciar a vida matrimonial de seu pai,
estando já no terceiro casamento, conviver com vários
irmãos adotivos, fez com que Freud percebesse a vida
diferente e desse um grande salto para a solução dos
problemas existenciais. Quanto à convivência com seus
pais, ainda na sua infância, podia observar o contexto de
sua vida inserida nesta comunidade, tentando
transcender este estado de carência econômica.
Freud direcionou, desde sua infância, o seu foco
de atenção para alguma profissão que lhe oferecesse as
garantias de sobrevivência, no caso, o curso de
medicina, que, em qualquer sociedade, proporciona
status, reconhecimento, valorização e até a solução
econômica. Conseguiu investir seu tempo e energia em
busca de prestígio e poder, através dos seus estudos na
medicina. Portanto, não tinha vocação e sim uma opção
para resolver sua sobrevivência. Não era por acaso que

86
conseguia as melhores notas durante a sua passagem
pelo ensino médio.
O ser humano torna-se humano, primeiro numa
aprendizagem constante de erros e acertos, para
conseguir um espaço à sua sobrevivência. Nos escritos
autobiográficos e nas biografias, não se comenta nada
em relação a algum distúrbio na área da sexualidade, ao
contrário, apesar de todas as dificuldades financeiras,
tinha as condições necessárias para estudar e realizar a
sua carreira, graças ao apoio e à dedicação de sua mãe.
Todos nós sabemos que esse processo de formação da
personalidade passa por uma série de aprendizagens,
incluindo aqui vivências e experiências que serão
apreciadas, interpretadas e julgadas de acordo com a
realidade específica de cada um.
Esta humanização de Freud não se dá no seu
curso superior ou no seu estudo subsequente. Ao
contrário, é neste meio social e cultural, dentro de uma
dimensão histórica, que faz ressurgir esta humanidade. A
questão principal seria de identificar quais os meios que
este homem utiliza para humanizar-se e que decisões
seriam prioritárias para certas experiências na vida, optar
ou não por uma profissão. Parece-nos que esta realidade
não foi diferente para o próprio Freud. Outro fato

87
importante está relacionado à repercussão de
determinadas decisões na própria vida, a sua
preocupação com o destino intelectual e econômico
também esconde uma carência afetiva, que buscava
elogio, reconhecimento e valorização, através do
prestígio social, sendo este, talvez, o fato mais
“inconsciente” e significativo de seu sofrimento, mas
também de sua dignidade e humanidade.
Como ser humano, teve acesso ao amor, ajuda
e cooperação. Isto vem evidenciar as dificuldades na
área da afetividade, que irá aparecer durante toda a sua
vida. “Na verdade, raramente ocorria que ele beijasse
alguém, alguns deles; quase por dizer que realmente
nunca aconteceu. E mesmo sua mãe, a quem muito
amava, ele apenas beijava por obrigação de se
despedir”.40 Estas marcas iriam acompanhá-lo por toda
sua vida, talvez esta necessidade de afeto, de ser
amado, levou-o a fazer certas experiências precipitadas,
quando começou a usar da cocaína para ir a reuniões
festivas ou a algum lugar que tivesse que falar em
público.

40
GAY, Peter. Vida e Obra de Freud: Uma vida para o nosso tempo. São Paulo,
Companhia das Letras, 1989, pág. 161
88
Esta humanidade sofrida no próprio ser fez com
que percebesse poder contar somente consigo mesmo e
ter que fazer sua própria história. A sua inteligência
estava nesta observação da realidade, mas sentia, na
própria vida, os medos que impediam a livre expressão
de sua afetividade. A grande revolução de Freud foi ter
criado a psicanálise, a partir das suas próprias
experiências.
Este legado de experiências proporcionou a este
gênio fazer da sua própria vida um laboratório de várias
hipóteses, com o intuito de descobrir suas próprias
verdades. Todos sabemos os prejuízos na vida de uma
pessoa, quando se trata do bloqueio afetivo, porque já no
final de sua vida, admitia para si mesmo a dificuldade
enorme de expressar o carinho e o amor a sua esposa,
talvez, antes da própria sexualidade, estava o medo de
expressar o seu afeto.
Agora, quais foram as experiências que estruturam
o psiquismo de Freud, com esta intensidade e
necessidade de afeto, ainda é uma incógnita. Sabe-se,
porém, que em um diálogo com a esposa de Jung41, no
ano de 1911, já com cinqüenta e cinco anos de
existência, admitia as dificuldades de expressar este

41
GAY, P. Op cit pág. 162
89
amor, o que levaria, indiretamente, à falência do seu
casamento, além de uma abstinência sexual.
Ele mesmo disse que agora não restava outra
coisa na vida do que esperar a morte. Foi corajoso em
admitir seu desânimo, mas, ao mesmo tempo,
demonstrou ser um guerreiro inabalável, lutou até o fim
de sua vida tentando humanizar suas emoções,
principalmente o medo de amar.
Suas palavras são duras e entendemos os seus
motivos: chegar ao final da vida e ter que admitir para si
mesmo que não conseguiu viver uma experiência afetiva
e sexual com sua mulher. É claro, ficamos atônicos
frente à grandeza deste homem em falar abertamente
com Fleis sobre o seu relacionamento, pois este era seu
confidente e analista.
Toda esta sorte de vivências proporciona sempre
algumas descobertas, mas também uma enormidade de
faltas, que podem passar uma existência sem solução.
Na verdade, a sexualidade é o legado primitivo e
ancestral do sistema límbico, perspassado por inúmeras
civilizações, encontrando tabus, mitos e religiões. Para
dar conta desta pulsão da libido, diante das mais
diversas adversidades aqui colocadas como repressão,
buscou, de forma criativa e espontânea, a gratificação

90
deste prazer. Mas ao mesmo tempo, aparece uma
virulência agressiva, quando o instinto encontra-se
ofendido ou impedido, na sua livre expressão. Freud foi
um sábio em tentar compreender a manifestação deste
desejo, no ser humano.
Ele mesmo descobriu a complexidade do
fenômeno sexual e, como um simples mortal, vivenciava
este drama. Mas esqueceu-se que não existe uma
receita ou mesmo um processo de avaliação quando se
trata de sexualidade. Isto ele pode presenciar na sua
vida e, como analista, na escuta do sofrimento sexual de
suas pacientes.
Poderíamos conjecturar algumas hipóteses sobre
a falência do seu casamento; na realidade trata-se de se
colocar no lugar de Martha Bernays. Como seria a
reação de uma mulher quando não recebe o carinho e o
afeto necessários? Além disso, na época vitoriana, onde
o papel da mulher era gerar, criar filhos e cuidar dos
afazeres da casa, pergunta-se como ela se sentia não
como mãe e esposa, mas sim como uma mulher, diante
da existência?
Que tipo de mágoa ou ressentimento, ou mesmo
inveja e ciúmes, sentia em observar o reconhecimento
profissional e intelectual do esposo, em detrimento da

91
sua necessidade em sentir-se útil? Talvez o próprio
machismo de Freud, sustentado pela formação cultural e
judaica, lhe tenha proporcionado um afastamento
gradativo da intimidade e do companheirismo de sua
esposa. Num primeiro momento, poderia se dizer que
estas opções de investimento de energia escondem a
real dificuldade do Pai da psicanálise. Não se consegue
entender o motivo da sua revolta contra a religião,
primeiro, porque casou na religião judaica e, depois,
porque seu pai foi rabino e sustentava a família com o
salário que recebia da sinagoga.
Este homem nas suas mais diversas
manifestações de buscas, sempre mostrou um desejo
inconsciente de realização pessoal e felicidade; e parece
que não foi diferente para todos os seres humanos. A
humanização é a primeira experiência que um ser
humano tem, desde a mais tenra idade. Parece-me um
jogo intrincado por várias incógnitas, que terão de ser
desvendadas, no decorrer da sua existência.
Não existe possibilidade de saúde psíquica e
orgânica quando o próprio Ser é inimigo do seu
organismo; é condição básica o autoconhecimento do
mundo emocional. De nada adianta a onipotência e o

92
autoritarismo, estas formas disfarçadas de investir-se de
uma máscara, ofende a vida e foge da realidade.
A humanização é uma psicanálise aplicada no
processo contínuo de autodescoberta. Quanto mais
humano, mais conhecimento do seu mundo emocional.
Ela não pode ser aplicada de forma teórica,
racionalizando estes sentimentos, mas buscando formas
claras e objetivas de integrar e harmonizar as diversas
manifestações do seu mundo inconsciente.
Fluidez vibracional, caminho das interações,
percepções indo além das apreciações cognitivas e dos
conceitos da cultura vigente, propondo-se à integração,
num processo de interação relacional, estando aberto ao
diálogo e aprendendo a dar afeto e amar. Toda forma de
moral ou religião, autoridade, terapia que esteja investida
de dogmatismo, impede a vivência dos afetos, pois
afasta a oportunidade de aproximação e diálogo e
impede a pessoa de receber este amor, obstruído pela
sua neurose de caráter.
Na vida de Freud se acentuou sempre uma
angústia quanto à sua sobrevivência econômica.
Tentamos entender estas manifestações de
preocupações, quase obsessivas em relação ao
reconhecimento profissional, ligadas mais ao status

93
social, que também, indiretamente, é uma das formas de
receber o afeto que tanto desejava. “Exasperado, Jacob
Freud havia dito ao filho que ele nunca chegaria a nada.
A lembrança desse episódio perseguiu o jovem Freud
durante anos. Fora um ‘golpe terrível em minha
ambição’”.42 Demonstrou o lado frágil e obscuro de seu
pai, quanto ao não reconhecimento e valorização de sua
pessoa, não levando em conta a confirmação do apreço
e consideração que a pessoa sente quando recebe um
abraço ou gesto de carinho.
Esta situação vivencial e relacional com seu pai
iria formar uma imagem, em nível de intensidade, do
quanto não era amado e desejado. Como ele mesmo
afirma, sua auto estima iria sofrer um forte impacto sobre
o conceito que seu pai tinha a seu próprio respeito. A
formação de sua imagem iria influenciar, decididamente,
a sua vida, esta lacuna de necessidade de aceitação
criou uma insegurança muito forte nas relações onde
estivessem presentes figuras de autoridade.
Mais do que nunca, estas dimensões
inconscientes produzem, em qualquer pessoa, formas de
atitudes e comportamentos relacionados sempre com
carências, mágoas ou ressentimentos. Talvez o conceito

42
GAY, P. Op cit, pág. 38
94
de projeção afetiva fosse mais uma das vivências de
Freud. Quando recebia algum tipo de crítica de sua teoria
sentia-se rejeitado e muito incomodado. A reação
emocional de Freud era autoritária, sentia-se ofendido e
enganado no seu grande legado científico, agindo de
forma irracional, expulsando seus colegas que não
concordavam com os conceitos da teoria psicanalítica.
Ele descobriu um caminho científico que pode, ao
menos, abrandar e diminuir a sua carência de
reconhecimento e valorização; esta rejeição
movimentava emoções de um passado que se fazia
presente, prejudicando a elaboração da sua teoria. O
próprio Jung era a pérola preciosa da continuidade da
psicanálise. Infelizmente, devido à falta de abertura,
diálogo e aceitação, preferiu se retirar da Sociedade
Psicanalítica de Freud, para criar uma outra escola
psicanalítica.
Foram perdas dolorosas para aquele que
precisava de alguém que o admirasse e seguisse suas
idéias principais. Esta dificuldade de dialogar, negociar,
escutar, valorizar a iniciativa e participação de seus
colegas na elaboração de sua teoria, tem muito com a
postura autoritária, distante e impositiva de seu pai. Até
que Ernest Jones, seu amigo e confidente, ficou

95
preocupado com o abandono sucessivo do grupo de
colegas e, numa forma de manter o controle sob os
dogmas freudianos, criaram a Sociedade Internacional
de Psicanálise, que mais tarde trouxe um sério
arrependimento, pois a psicanálise ficou atrelada à
classe dos médicos.
“Em 1913, fazendo algumas observações
preliminares a um livro de Pfister, ele passou para a
ofensiva, negando explicitamente que os terapeutas
psicanalíticos precisassem de formação médica (...) A
maioria dos médicos, acrescentou ele com breve
malícia, não está preparada para o trabalho da
psicanálise e, quando tentaram, em geral fracassaram
de modo desalentador.”43
Este fato demonstrou o quanto Freud estava
interessado que a ciência psicanalítica não estivesse
atrelada a uma determinada classe de profissionais, e
sim aberta a todas aquelas pessoas que tivessem real
interesse e vocação para ser psicanalista. Não existe
pessoa mais humanista do que aquela interessada em
melhorar a qualidade de vida, emocional e orgânica, do
outro. O humanista, antes de tudo, deve ter um real
interesse em socializar o seu conhecimento, para

43
GAY, P. Op cit. Pág. 447
96
viabilizar, nos outros seres humanos, a oportunidade de
se encontrarem e serem felizes.
Esta atitude de Freud mostra, com clareza, sua
preocupação em propagar a ciência psicanalítica na
ajuda a toda e qualquer pessoa que estivesse
necessitando dela. Acreditamos no olhar de um gênio,
investido de coragem e ousadia, expondo sua intimidade
e trazendo à tona o lado menos agradável da
humanidade.
Freud “começou sua carreira universitária cedo,
aos 17 anos, mas terminou-a tarde, em 1885, quando
estava com 29 anos. Sua imensa curiosidade e suas
preocupações com a pesquisa impediram-no de se
formar no prazo de cinco anos. A universidade de Freud
era programática. Quanto ao primeiro ano na

universidade, anunciou a seu amigo Silbentein, vou
dedicá-lo inteiramente ao estudo de temas
humanísticos, que não tem absolutamente nada a ver
com minha profissão, mas que não serão inúteis para
mim”44.
Creio que, com esta idade de 29 anos, já tinha a
maturidade suficiente para saber seu desígnio


Destaque do autor.
44
GAY, P. Op cit. Pág. 43
97
vocacional. Freud já tinha este caráter humanitário, seu
interesse estava muito mais presente em relação às
questões do sofrimento psíquico do homem do que,
propriamente, em ser médico45.
Talvez fosse o motivo de levar tantos anos para
terminar seu curso superior, mas já tinha bastante claro,
para si mesmo, qual seria a função da medicina na sua
vida. Em 1927, depois de fazer uma incursão pelo mundo
da fisiologia e dos meandros da neurologia, estava já
com 71 anos de idade, voltando com alegria e satisfação
à sua área de pesquisa, liberto das pressões sociais e
científicas, conseguindo exercer sua verdadeira vocação.
No final de sua vida, já com 80 anos de idade, ele
voltou a ser um homem inclinado às ciências humanas e
sociais, depois de ficar toda uma vida em torno das
ciências naturais, biológicas e da medicina. Colocou sua
atenção nos problemas sociais e culturais, que lhe
tinham despertado real interesse, desde quando era
muito jovem46.
Ele mesmo comprovou que o mundo das ciências
exatas e naturais, mesmo diante do seu discurso
científico, positivista experimental, não conseguia dar
respostas a angústias, comportamentos autodestrutivos,

45
GAY, P. Op cit, pág. 40
46
GAY, P. Op cit, pág. 41
98
guerras, violência social. Por isto, voltou a centrar sua
atenção no estudo de outras civilizações e culturas, para
entender estes comportamentos da barbárie humana.
Freud conseguiu abrir as portas do mundo oculto
de uma humanidade que vivia sobre as trevas da própria
ignorância emocional, foi capaz de pensar uma outra
realidade da mente humana, sendo este um achado
importantíssimo, pois consegue colocar o próprio homem
diante de si mesmo, retirando-lhe as máscaras de sua
onipotência racional.
Sua atitude foi heróica e merece consideração e
reconhecimento pelo seu legado histórico e científico
deixado para a humanidade47. Ele tinha prometido a si
mesmo sua dedicação exclusiva a ajudar, inteiramente
no que podia, as pessoas a elevar sua consciência de
hominização. Porém, ainda tinha questões particulares a
resolver. Vamos acompanhar Freud no exercício de sua
humanidade, aquele amor e dedicação que prestava a
todo ser humano, enfermo ou com necessidades
econômicas.
Estas observações têm o sentido de mostrar ao
mundo da psicanálise o quanto a própria psicanálise e
seus mentores se afastaram do desejo de seu fundador.

47
GAY, P. Op cit, pág. 163
99
Aos 35 anos, foi chamado ao serviço militar obrigatório.
Notoriamente, foi um dos médicos de destaque na
atenção e cuidados dos feridos durante a guerra. Seus
superiores observavam sua atenção e gestos
humanitários48. Assim, mesmo na sua profissão de
médico, soube exercer o amor que tinha por todo o ser
humano.
Em várias etapas e momentos de sua vida, sua
atenção estava voltada para ir além das fronteiras da
razão, justamente pela sua dedicação ao ser humano,
não ficando inerte e acomodado ao atendimento e
tratamento dos pacientes histéricos. Soube ocupar-se de
uma curiosidade em investigar os recônditos mais
profundos da mente humana, a nível inconsciente.
Freud já tinha seus 50 anos quando lhe foi
enviado, por outro colega, um paciente chamado Bruno
Goetz49, que se queixava de fortes dores de cabeça,
devido aos seus estudos em Viena, tomando vários
remédios, mas nada resolvia sua dor.
Freud sabia que este paciente era um poeta
talentoso, via nos olhos deste jovem uma comunicação,
sob seu estado doentio. Perguntou ao paciente sobre
suas condições econômicas e quando havia comido seu

48
GAY, P. Op cit, pág. 50
49
GAY, P. Op cit, pág. 159
100
último bife. Goetz falou que já fazia umas quatro
semanas que não se alimentava adequadamente, devido
ao seu estado de pobreza. Freud já desconfiava e
acertou em cheio seu diagnóstico. Antes de se despedir
de seu paciente, Freud tirou da gaveta um envelope com
duzentas coroas, dizendo, num tom amigável, que lhe
permitisse exercer o papel de pai, pelo menos uma vez.
Quando o jovem paciente voltou ao hotel e abriu o
envelope, gritava de alegria, num estado de euforia e
choro.
Esta não foi a única atitude afetiva e humanitária
deste grande homem. Numa ocasião, convidou seu
paciente para almoçarem juntos, quebrou o protocolo das
normas e regras da psicanálise50. Parece que se sentia
muito confortável em fazer com que seus pacientes não
se sentissem como meros objetos de investigação, mas
verdadeiros amigos, oferecendo o gesto de amizade,
proporcionando ao paciente uma liberdade de conviver
com ele, nestes momentos tão agradáveis. Freud era
uma pessoa devidamente humana. Sentia-se nele um
amor verdadeiro pelos seus pacientes oferecendo, com
isto, o que um ser humano tem de melhor, a experiência
de uma verdadeira amizade.

50
GAY, P. Op cit, pág. 251
101
Freud tinha alguns pacientes em análise que, com
o tempo, tornaram-se seus admiradores, talvez não pela
eficiência da técnica psicanalítica, e sim pelo seu gesto
altruísta de proporcionar uma vivência no seu “setting”
analítico do verdadeiro amor e carinho que um
psicanalista possa ter por um paciente. Em mais um fato
pitoresco dentro de tantos outros, também sempre foi
muito humano com seus futuros colegas. Numa
51
oportunidade, Theodor Reik veio consultar Freud se ele
deveria fazer a faculdade de medicina que, sem pensar
muito, lhe explicou a importância de outras áreas do
conhecimento, fazendo com que Reik abandonasse a
idéia de ser médico. Como Freud sabia de suas
dificuldades financeiras, propôs enviar-lhe dinheiro e
ajudar-lhe também a encontrar emprego.
Logo depois de ter terminado a sua formação
psicanalítica, indicou seu nome à Sociedade
Psicanalítica de Viena. Reik fez jus à sua oportunidade,
além de fazer suas preleções formais com comentários
profundos sob a teoria psicanalítica, tornou-se um grande
escritor. Atitudes como estas são exemplos a serem
seguido por todos os formadores na psicanálise,
este gesto gratuito e humanitário prova o seu amor

51
GAY, P. Op cit, pág. 446
102
ao ser humano. É preciso ter grandeza na alma para
ilustrar este gesto de extrema solidariedade, ajudando o
analisando não só economicamente, mas investindo e
acreditando no potencial do ser humano. Não existe
nenhuma dúvida do caráter humanitário, dentro da
própria psicanálise, indo além das convenções pré-
estabelecidas e conseguindo devolver a estes pacientes
alguma oportunidade para poderem resignificar a sua
própria vida.
Não se sabe quais os reais motivos que levaram a
técnica psicanalítica a se tornar tão fria e distante,
principalmente em relação ao medo do envolvimento
sexual, por parte do analista com seus pacientes.
Parece-me que, enquanto o tratamento psicanalítico
tinha esta atitude de cooperar e ser solidário, ele se
tornava um lugar propício para qualquer pessoa se
refazer de seus prejuízos afetivos. Através destes gestos
solidários, conseguia mostrar ao paciente a grandeza de
sua humanidade, local eminentemente propício para
qualquer paciente valorizar este gesto de apreço,
consideração e valorização de seus pacientes. De onde
vinha tal preocupação, quais os reais motivos desta
prática humanitária na vida do fundador da psicanálise?

103
A situação histórica do seu mundo vivido, aquelas
próprias experiências, apropriando-se dos obstáculos e
dificuldades, utilizando-as como um desafio a ser
superado, para garantir a própria sobrevivência. Foi,
justamente, nestes desencontros do processo de
idealização em garantir a própria subsistência, a sua
maior dificuldade de pensar de modo estratégico, com
organização e planejamento, a sua realidade econômica.
Existia um dilema econômico na sua vida pessoal,
pois sempre se encontrava em falta; este descontrole
econômico tinha a ver com uma espécie de repetição do
modo de gerenciar do seu pai, o fato de presenciar,
acompanhar as dificuldades, o estado de apreensão e
angústia provocado por esta situação de um comerciante
de lã que produz falência econômica. Como vamos
conjecturar o discurso de Freud com sua falta de
dinheiro Qual o real significado, a nível inconsciente, de
não conseguir acumular ou administrar um capital para
gerenciar a sua própria sobrevivência A finalidade
estava em utilizar-se da “falta” como um meio de
“receber”, através dos préstimos, a atenção e o afeto que
tanto lhe faltava Existiria uma identificação inconsciente,
algo parecido como um “compromisso”, o “não ter

104
dinheiro”, seria como ser igual ao pai, um modo
disfarçado de amor
Ter dinheiro e sucesso econômico seria trair o pai,
mostrando para si mesmo o quanto ele era ineficiente,
conjeturar e dar continuidade a esta situação era uma
forma mascarada de não ver a verdade
Formulamos estas questões para levantar
hipóteses sobre a dificuldade em administrar seus
recursos econômicos, justamente porque era um homem
culto, inteligente, perspicaz e prudente. Um cientista que
não consegue prover a própria subsistência é algo
deveras estranho.
Atribuir isto à crise econômica do país ou ao
governo não justifica e nem resolve o problema, porque
muitas pessoas ganham muito dinheiro exatamente em
épocas de crise. Vejamos bem este fato na vida de Freud
em relação ao “dinheiro”, quando não se tem o
necessário para viver, provavelmente crie uma situação
de angústia e ansiedade em torno de toda a família. A
“falta” pode ser um motivo para as pessoas se unirem em
torno deste objetivo. Além de valorizar e dar importância
ao tutor, chefe, administrador financeiro.
O fato é bastante significante, pois mobilizou uma
forte energia em torno desta área econômica, que não

105
ficou solucionada até os últimos dias da sua vida. O
próprio Freud diz “meu trabalho científico foi pouco e não
publiquei quase nada. Estava ocupado em encontrar
meu caminho na nova profissão e em garantir a
subsistência material, para mim e minha família, em
rápido crescimento52”.
Num país igual ao nosso, em desenvolvimento,
onde as dificuldades financeiras são enormes, o
desemprego, os baixos salários assolam a qualidade de
vida das pessoas. Esta realidade é mais do que verídica,
presenciamos todos os dias, em nossos
consultórios, pacientes que não podem pagar. É
claro, podemos argumentar os fatores de baixa
distribuição de renda, o descompromisso do Estado em
relação aos cidadãos, a inflação que diminui os salários,
a dívida interna e externa do país, a falta de
produtividade para exportar e, com isto, ter saldo positivo
na balança comercial.
Não negamos esta realidade, pois estas são
questões cruciais, para qualquer país em
desenvolvimento, e concordamos plenamente na
articulação dos movimentos sociais e dos excluídos,
reivindicando a participação para comer um pedaço de

52
GAY, P. Op cit, pág. 73
106
bolo. Também elogiamos os programas sociais e toda
iniciativa de diminuir o estado de pobreza e
miserabilidade em que vivem milhões de pessoas,
marginalizadas do processo de ascensão social. Que no
futuro próximo se faça uma redistribuição de renda, mais
igualitária e justa, sou plenamente de acordo.
Coloco estas questões, para afirmar do quanto
estou consciente, tanto dos problemas sociais como da
necessidade de mudança. No entanto, a psicanálise,
como ciência, pode contribuir, pois é próprio da sua
especificidade tentar entender e compreender a relação
da “queixa” da falta de dinheiro, com as dinâmicas
inconscientes, que a própria pessoa desconhece em si
mesma.
A psicanálise tem o dever ético de trazer este
tema, tão instigante e necessário, sobre as histórias de
vida de algumas pessoas que têm dinheiro e outras que
passam toda uma vida na pobreza ou com sérias
dificuldades; o interessante é sabermos que estamos,
hoje, numa economia globalizada e este tema da “falta
de dinheiro” tem a ver com a qualidade de vida.
Trazemos esta discussão do fator econômico para a
reflexão porque tem muito a ver com a própria história de
vida do paciente e, em muitos casos, como um boicote

107
pessoal ao seu próprio sucesso familiar e pessoal. Na
verdade, “utilizamos” do fenômeno econômico para dar
vazão às neuroses persecutórias, fruto de algumas
crenças, ou mesmo de sentimentos dolorosos,
internalizados na relação com o “dinheiro”. Faço estas
colocações como um alerta para esta problemática, em
nossa sociedade.
Uma área de pesquisa que precisará, no futuro,
ser ampliada e estudada, tanto no sentido de como
viabilizar a recuperação econômica, durante o
tratamento, como trazendo à tona os reais motivos
inconscientes, ligados ao seu processo de falência
econômica.
Quem está tomado de conflito, numa determina da
área da vida, não consegue enxergar e propor algo
diferente, nem para si e tampouco para os outros.
Acredito na ciência psicanalítica, como metodologia que
produz soluções, enfrenta desafios e mostra o seu real
valor, quando consegue devolver a qualquer pessoa a
saúde econômica tão necessária, tanto para sua
sobrevivência como para sua própria felicidade. Não
importa onde será aplicada a teoria psicanalítica ou
mesmo a técnica, se vai ser em forma de consultoria nas

108
empresas, no consultório, etc... O importante é ter o
compromisso de avançar.
Não vamos responsabilizar Freud por todas as
lacunas e falhas que possam ter ocorrido, durante o seu
processo de elaboração do método analítico. Mas
também não podemos ficar inertes, parados, diante de
tanto sofrimento que a falta de dinheiro pode trazer aos
pacientes e, em conseqüência disto, abandonar o próprio
tratamento.
No ano de 1882, Freud resolveu contrair o
noivado53, com apenas 26 anos de idade, tendo-a
conhecido somente há dois meses. A própria mãe de
Martha Bernays, que era viúva, enérgica e dogmática,
não concordava com o casamento de Freud, embora ela
tivesse prestígio social, não tinham dinheiro, e seu futuro
parceiro estava iniciando a carreira de médico, portanto,
não tinha nem prestígio social e tampouco dinheiro.
Isto mostra, com clareza, a dificuldade de ser
aceito pela sua sogra, porque não tinha as condições
econômicas necessárias para sustentar a sua família.
Esta atitude precipitada e obsessiva em casar-se, o mais
rápido possível, mesmo com sérias objeções por parte
de sua futura esposa, é outra incógnita. Qual seria a

53
GAY, P. Op cit, pág. 51
109
finalidade deste casamento num momento tão difícil de
sua vida A decisão de Freud foi totalmente contrária a
de seu colega Breuer, que se casou com uma jovem rica
e abastada economicamente e, por causa desta
condição, em muitas ocasiões, pode lhe oferecer o
dinheiro necessário para a sua própria sobrevivência,
além de conseguir emprego num hospital, como clínico
geral, passando vários pacientes a Freud, para ajudá-lo a
enfrentar a falta de dinheiro.
Este dilema não termina aqui, Freud continuará o
seu calvário em busca de ajuda financeira. Já com seus
35 anos, comenta o seguinte “Recentemente, informou a
Abraham no começo de 1919, recebi uma visita de um
americano da equipe de Wilson. Freud se tornava
claramente sábio com reputação internacional. Ele veio
acompanhado de dois cestos de provisões e trocou-
os por exemplares das conferências Introdutórias e
Psicopatologia da vida cotidiana” 54.
Percebe-se o grau de felicidade e alegria,
chegando ao ponto de escrever a seu amigo e colega em
Berlim sobre este acontecimento. Tal estado de euforia
demonstra, claramente, a situação de pobreza em que se

54
GAY, P. Op cit, pág. 348
110
encontra, tratando-se de comida tão necessária e
importante para a sua família.
O fato de ter passado fome, privado dos bens
materiais, essenciais à vida, vai desenvolver uma
percepção profunda do valor da solidariedade, pois
vivenciou a importância da ajuda quando estava
extremamente necessitado. Esta sensibilidade aparece
com bastante freqüência, ao ouvir de um paciente as
queixas, referentes à falta dos bens materiais ou
econômicos.
Esta experiência é valorizada no ato de
humanidade de muitas pessoas, que sempre lhe
prestaram apoio e companheirismo, dedicação,
confiança, segurança, em muitos momentos de sua vida.
Esta vivência do outro vai solidificar e marcar,
profundamente, seu ser do valor e importância do
humanismo; sem esta ajuda por parte de seus amigos
talvez ele não tivesse sobrevivido e tampouco
desenvolvido seus talentos de cientista e psicanalista.
“Ele escrevia num quarto constantemente frio ,e
em vão, procurava uma caneta e tinteiro prestável. Ainda
em 1920, ele era atormentado pela escassez de papel

111
(...) todos nós aqui viramos mendigos famintos,
escreveu a Ernest Jones, em abril de 1919”55.
Somente uma pessoa que passa pela experiência
da pobreza e miséria sabe o valor da solidariedade, nada
mais triste que não se ter as condições mínimas para
viver. Estas foram passagens inesquecíveis para Freud,
chegar a este extremo de não ter tinta para escrever,
passar frio, fome, sentir-se abandonado, à mercê da
sorte e, depois, descobrir o valor da acolhida, da atenção
é um gesto repleto de humanismo. Esta passagem na
vida de Freud, de pobreza, fez com que repensasse sua
prática psicanalítica, sentindo-se comprometido com
aquelas pessoas que, como ele, estão privadas do
necessário para viver.
A humanização de Freud se deu com vivências
extremas de sofrimento e perdas, aqueles momentos de
não ter a quem recorrer e ter que sair do seu pedestal de
orgulho e vaidade, admitindo para si mesmo que somos
limitados e nem sempre temos tudo aquilo que
idealizamos ou projetamos. Não nos parece diferente o
ensinamento da natureza quanto às inundações,
catástrofes, maremotos, terremotos, epidemias, guerras
e doenças.

55
GAY, P. op cit, pág. 350
112
São acasos que podem ocorrer a qualquer ser
humano; não há um prognóstico certo de quando estes
fenômenos se farão presentes na vida de uma pessoa.
Toda a arrogância e conhecimento caem por terra, a
vaidade, o dinheiro nem sempre conseguem comprar a
solidariedade, o afeto, o calor humano, o amor, a
amizade; estes são sempre atos que não têm preço, o
amor é uma condição da mais alta humanidade.
“A certa altura, Freud escreveu um artigo para um
periódico húngaro e pediu que lhe pagassem não em
dinheiro, mas em batatas, o editor, que morava em
Viena, levou-as a Berggasse, dezenove nos ombros···”.
O humano, em Freud, aparece não por discurso
teórico ou por descobertas de novos conceitos, não se
trata de exercer a humanidade pela via racional, mas sim
através da compaixão. Esta extensão da alteridade para
com o sofrimento não está radicada nos títulos e muito
menos no intelectual, é uma apropriação de uma dor,
ressignificada no ato aprendido de emocionar-se em
voltar a acreditar na vida, uma espécie de êxtase em
agradecer os benefícios da vida, erradicando o mal do
egoísmo e colocando em seu lugar atitudes nobres de
propiciar as condições para a felicidade do outro.

113
Quem sentiu, na própria existência, o valor do
gesto humanitário sabe entender que eles são infinitos.
Talvez um dos atos mais solidários e dotados da mais
alta humanidade é propiciar, através do tratamento
psicanalítico, a descoberta de novas decisões e
possibilidades para sair de qualquer situação que esteja
dificultando a realização plena do sentido de existir. Isto
é muito mais do que qualquer soma ou empréstimo de
dinheiro, é um caminho de aprendizagem em saber
prover para si mesmo as condições da própria
sobrevivência.
Estes momentos de “insights” são inusitados,
específicos, únicos, intransferíveis; são decisões
perpassadas por uma compreensão do sentido e o
significado da existência; é transcender, ir além do
passado prescrito, assumindo, integralmente, num gesto
gratuito de amor à vida, ser grato por existir e fazer da
existência um oásis para si, mesmo com a presença dos
espinhos e dos obstáculos que a vida impõe.
Freud pensou muito em como a psicanálise
poderia ajudar as pessoas doentes da sociedade. Por
isto, tinha uma real intenção de torná-la uma ciência
comprometida com a qualidade de vida da humanidade.

114
Ele, numa atitude decidida, disse: “Não peço”,
escreveu a Paul Fildeman, em março de 1926, quando o
debate sobre a análise leiga se alastrava na sociedade
psicanalítica de Viena, “que os membros venham a aderir
às minhas opiniões, mas vou sustentá-las em particular,
em público e perante os tribunais (...). Enquanto eu
estiver vivo, vou impedir que a psicanálise seja
tragada pela medicina”56.
Assim, iniciava-se mais um capítulo da vida de
Freud, em relação aos psicanalistas que não eram
médicos. Toda esta questão de exercer a psicanálise
pela via da medicina não tem o menor sentido histórico,
ou mesmo teórico, para exercer a clínica psicanalítica.
Na verdade, trata-se de manter um monopólio, por
parte dos médicos, do exercício desta preciosa profissão;
esta reivindicação não tem lógica, pois o próprio Freud
fez análise de diversos candidatos à formação
psicanalítica, nunca exigindo qualquer titulação, e muita
menos graduação, em uma área específica.
Ao contrário, para os olhos de Freud, seu processo
de avaliação pontuava as qualidades éticas, intelectuais
e uma verdadeira vocação para exercer a clínica
psicanalítica. Por isso, essa atitude excludente e

56
GAY, P. Op cit, pág. 446
115
monopolizadora, tinha como objetivo controlar a
psicanálise, principalmente pelos médicos psicanalistas.
Esta sempre foi uma disputa, dentro das próprias
sociedades psicanalíticas que normatizam, nos seus
próprios estatutos, a não aceitação de qualquer pessoa
que não seja médico ou psicólogo. A psicanálise se
encaminhava, assim, para um fechamento em torno de
alguns postulados, como o tempo de duração da
formação analítica, supervisão clínica, análise didática,
quantidade e número de sessões, durante a formação,
imposta por regras e dogmatismos das sociedades, ditas
sérias e ortodoxas.
Toda proposta teórica, do início ao fim, era dentro
de um determinado autor. Quanto a propor uma
formação clássica, fechada para uma determinada
categoria, não vemos qualquer tipo de problema ou
contestação. O que deixou Freud atônito foi a
prepotência dos detentores do conhecimento
psicanalítico, querendo impor e impedir que os outros
profissionais se tornassem psicanalistas.
Assim, Freud sempre esteve na defesa dos
psicanalistas que não eram médicos ou psicólogos, “Otto
Rank a Hans Sachs, de Lou Andréas-Salomé a Melanie
Klein, para não mencionar a psicanalista em sua própria

116
casa, Anna, não fossem médicos. Além disso, vinham
chegando talentosos adeptos mais jovens, professores
de literatura, como Elle Freemans Searpe, pedagogos,
como Augusti Acerhorm, historiadores da arte como
Ernest Kris (...). Freud já tinha um grande interesse na
análise leiga, anos antes que Theodor Reik entrasse em
conflito com a legislação austríaca”57.
Esta realidade é plenamente comum e não
assusta qualquer pessoa que tenha conhecimento do
processo de formação analítica, na preparação de
futuros profissionais.
A pessoa menos esclarecida mantém a crença de
que quem pode ser psicanalista tenha que ser médico ou
psicólogo. Isto advém dos mitos e disputas em torno do
exercício da profissão, nesses mais de cem anos. Todos
sabem que, para deter o conhecimento da teoria
psicanalítica, bem como sua técnica, não basta ter um
curso superior, até porque não diz nada sobre a pessoa,
simplesmente acentua que ela tem um conhecimento. Na
cultura da psicanálise, dos candidatos que pretendem ser
psicanalistas exige-se, primeiro, a análise pessoal, para
tratar as suas próprias neuroses.

57
GAY, P. Op cit, pág. 447
117
Aqui, independente da raça, credo, cor, status ou
profissão, estamos falando de constituição psíquica e
tratamento analítico, depois, podemos falar de domínio
teórico, das psicopatologias, do desenvolvimento da
personalidade, dos conceitos psicanalíticos e etc., que
cada instituto ou sociedade psicanalítica, de acordo com
a sua corrente teórica, propõe aos seus futuros
candidatos. O fato de a pessoa ter um curso superior não
garante sanidade emocional. O psicanalista primeiro se
detém sobre o conhecimento do seu próprio mundo
inconsciente, passa por um processo de cura das suas
neuroses, para depois poder propor um tratamento aos
seus pacientes.
Agora, como no caso da sociedade psicanalítica
de Viena, querer advogar o direito de mandar e impor
regras generalizadas a todas as pessoas, ou mesmo
numa cidade ou país, é um erro, acompanhado da
onipotência, como tendo a última palavra sobre quem
pode ser psicanalista ou não.
O jogo de interesse é bem claro, se apropriar
dessa ciência para um grupo de pessoas. Não era este o
desejo de Freud, que a sua teoria e técnica ficasse sob o
domínio de um grupo de profissionais, mas sim de
ampliar e oportunizar, a todas aquelas pessoas que

118
tivessem real interesse e vocação, a possibilidade de
serem psicanalistas.
Freud teve seus maiores amigos e colaboradores,
entre eles Tausk58, que era juiz e jornalista, Oskar Pfister
(pastor da igreja luterana), Lou Andréas Salomé, filósofa
e que adorava poetas, foi a primeira presidente de
Associação Internacional de Psicanálise59, indicada pelo
próprio pai da psicanálise.
Era comum o destaque destes psicanalistas, que
não eram médicos e que, além disso, faziam parte da
intimidade particular de Freud, suscitando talvez, ciúme e
inveja e, numa forma de retaliação, fecharam as portas
aos outros psicanalistas que não eram da sua classe.
Anna Freud, já em 1920, escrevia a seu pai sobre
o sucesso da Srta. Schott60 que estava atendendo
crianças, principalmente àquelas órfãs de mãe e pai,
fazendo um trabalho humanitário em Berlim. Assim, em
1925, Freud escreve a Samuel, elogiando o trabalho
psicanalítico de sua filha, dizendo que ela se tornou uma
“analista pedagógica”, tendo bastante sucesso
econômico, mas não deixou de frisar que ela “o emprega,
de forma generosa, ajudando várias pessoas pobres” 61.

58
GAY, P. Op cit, pág. 185
59
GAY, P. Op cit, pág. 531
60
GAY, P. Op cit, pág. 398
61
GAY, P. Op cit, pág. 400
119
Fica claro seu entusiasmo, alegria e satisfação
quando entende que seu esforço está sendo
recompensado no atendimento e tratamento de todas
estas pessoas, realmente necessitadas.
Se não bastasse a perseguição da medicina, “Em
1925, o psicólogo J. Mackeen Cahell, então presidente
da Associação Americana para o Progresso da Ciência,
depreciou a psicanálise como, não tanto um problema
de ciência, mas uma questão de gosto, sendo o Dr.
Freud um artista, que vive no reino encantado dos
sonhos, entre os desejos do sexo pervertido (...)
Maior peso acrescentavam ao argumento de Cahell,
devido à proliferação de charlatões, que se pretendiam
analistas (...) Homer Tyrell Lane foi levado a um tribunal
londrino e acusado de ser um charlatão perigoso”62
Agora aparecia a psicologia, através de seu
representante, criticando Freud, depreciando seu nome e
sua teoria, de uma maneira deselegante e ofensiva.
O que a psicologia tem em comum em relação ao
objeto de pesquisa, na psicanálise Sabemos que
historicamente a psicologia obteve seu status de ciência,
diante da comunidade acadêmica, quando conseguiu
provar, em laboratórios experimentais, os processos de

62
GAY, P. Op cit, pág. 448
120
condicionamento, descobertos por Pavlov e, depois,
aprimorados por Skinner. São várias as correntes
psicológicas, desde a cognitiva, a sistêmica, a
behaviorista, a Gestalt e tantas outras teorias e métodos.
No entanto, não entenderam ou não aceitaram o
status de ciência da psicanálise, visto que o objeto de
pesquisa é totalmente diferente da psicologia, inclusive
não tem nada em comum com o método analítico e a
própria teoria do inconsciente humano. Torna-se
incompreensível do quanto prejuízo pode trazer a uma
pessoa, como no caso de Homer Tyrell, que foi chamado
de charlatão e pagou um preço, pois foi denunciado pela
promotoria pública, em Londres, sendo condenado e
expulso do país. Logo depois, com a interferência de
Freud, a sentença foi anulada, mas o autor conseguiu
ficar com o nome de psicanalista. Estas injustiças se
fazem presentes devido, principalmente, ao mercado de
trabalho. Esta disputa desleal e competitiva 63 leva
pessoas precipitadas a cometerem sérias injustiças, por
desconhecerem a história da psicanálise e,
principalmente, o modo de dar formação a um
psicanalista.

63
GAY, P. Op cit, pág. 211
121
Assim, Freud fazia sua própria interpretação de
que primeiro vem o ciúme e a inveja, depois discussão
científica. Na verdade, a Psicanálise Humanista foi
promulgada pelo próprio Freud, em 191864, quando tinha
62 anos de idade. Inicialmente, o congresso seria
realizado na cidade de Breslau, mas acabou sendo
realizado na cidade de Budapeste, nos dias 28 e 29 de
setembro de 1918, onde participaram vários psicanalistas
de países onde a psicanálise já se fazia presente,
holandeses, alemães, austríacos, húngaros, num total de
42 membros.
Ao “falar no Congresso de Budapeste, em 1918,
Freud havia vislumbrado um futuro que, admitiu ele,
poderia parecer fantástico, à maioria dos ouvintes. Havia
apenas um pequeno número de analistas no mundo e
um grande volume de sofrimento neurótico, em boa
parte concentrado entre os pobres, até então fora do
alcance dos analistas, esses tratamentos que
deveriam ser gratuitos (...) é provável que a
filantropia pessoal que dê início a tais instituições,
mas algum dia haverá de se chegar a isso. ·”.
Esta sua posição demarcou, com clareza, ser
“humanista”, não ficando qualquer duvida com respeito a

64
GAY, P. Op cit, pág. 345
122
este seu desejo de que a psicanálise fosse um
tratamento ou mesmo fonte de pesquisa, nas mais
diversas ciências, onde todas as pessoas pudessem
aprender sobre ela, sendo uma valiosa contribuição para
suas vidas.
Este sonho de Freud começou a se realizar com a
postura social e humanitária de Erich Fromm (1900 –
1980), colocando em prática, durante toda a sua vida, os
desejos do criador da psicanálise. A humanização da
psicanálise passa por um compromisso comunitário e
social, na defesa da saúde e na socialização do saber
psicanalítico. “Freud não apresentou sua costumeira
preleção informal, mas uma conferência formal onde
esboçou modificações técnicas e defendeu a formação
de clínicas psicanalíticas que permitiriam aos pobres
se beneficiarem do tratamento. Foi uma ocasião
festiva, com recepções, magníficas acomodações, os
analistas ficaram instalados no elegante Hotel Yrelert”65
O humanismo resplandece em toda sua grandeza,
quando se torna possível o acesso ao tratamento
psicanalítico a todas as pessoas, pois saímos de uma
situação egocêntrica e narcisista para a práxis da

65
GAY, P. Op cit, pág. 345

123
fraternidade e solidariedade. As sociedades
psicanalíticas deveriam ter um dever ético, independente
da sua corrente teórica, de viabilizar ás pessoas mais
pobres e necessitadas o acesso ao tratamento
psicanalítico.
Esta decisão seria importante, pois mostraria que
a ciência psicanalítica já estaria humanizada,
comprometida não apenas com uma determinada classe
de pessoas da sociedade. Mas oportunizar a análise
principalmente a estas pessoas, que vivem num total
estado de “inconsciência”, sofrendo perdas irreparáveis,
trazendo inúmeros prejuízos ao seu processo de
humanização. Esta ciência da vida poderá devolver ao
ser humano um novo caminho de paz, alegria e
felicidade e, com isto, melhorar a qualidade de vida em,
nossa sociedade.

1.2. Os princípios e objetivos do humanismo, no


respeito à vida e à dignidade do homem

Falar sobre humanismo é descrever o homem na


integridade, porque o espírito humano não está isolado,
fragmentado, distante da sociedade e da sua própria
realidade, mas significativamente integrado em todos os

124
laços que contemplam e preenchem as necessidades
inconscientes. A natureza, o cosmos, a vida aparecem
em alguns aspectos no ser e agir do cotidiano de
qualquer pessoa. A evolução pessoal está comprometida
e determinada a levar o homem a fazer, dentro de si
mesmo e na relação com a natureza, descobertas ainda
maiores, levando a uma verdadeira evolução, em termos
de pensar, agir e ser.
Em uma holoscosmovisão, o homem está
integrado, pertence ao grande projeto da natureza e esta
teia da vida propicia uma observação do que ocorre no
seu mundo emocional e, também, no social. Os
processos de contemplação propiciam um maior
conhecimento de uma realidade visível, palpável e física,
e a outra realidade microfísica e metafísica, de ondas e
partículas desconexas e descontínuas, comunicando
uma outra informação subliminar de códigos secretos,
ainda por serem desvelados. Em níveis subatômicos, a
vida é pura energia, condensada, aprimorada, para dar
sentido à existência. Esta inteligência integrada pertence
a um todo mais amplo, onde nós somos somente uma
parte deste contexto. Tudo parece claro e objetivo aos
olhos das pessoas bem esclarecidas.

125
Esta cosmovisão pode dar um significado do
sentido da existência ao homem. Pensar holisticamente é
considerar um todo maior, inclusive outras pessoas.
Desde as origens primitivas do homem das cavernas, a
busca é constante em aprimorar o seu sentido e
significado em existir, um elemento que sempre esteve
presente nesta dialética entre a consciência e a
expressão das emoções, no processo de normatização
da sociedade. Caminhar em busca desta “humanização”
inclui uma decisão bastante particular, para cada ser
humano. Este aprendizado inclui conhecimento teórico
científico, mas também uma constante revisão dos
ganhos e perdas, frustrações, alegrias, próprios de
alguém que está colhendo os frutos de suas ações e
decisões.
Ninguém traça um objetivo na vida, ou toma
determinadas decisões, a seu bel prazer, como se fosse
um ato involuntário. Há sempre um desejo de realização
e plenitude em qualquer tipo de vida, desde um
campesino a um intelectual. O importante é observar os
conceitos, valores e percepções de alguém que está
plenamente certo de seu estilo de vida. Por isto, impõe
uma carga demasiado pesada em si mesmo, como
crença da sua realização pessoal.

126
A rotina desgasta, anula, entristece e condiciona
este ser a ter uma visão fechada, dogmática da vida,
perdendo o senso de referência e o entusiasmo pela
novidade. Este ato repetitivo mata a expressão do sorriso
e da novidade, desumaniza a plena expressão das
emoções, fazendo determinadas atividades por medo de
não ser aceito, tornando-se uma presa fácil à velha
maquinaria social.
O humano, na existência, é um ser em gestação,
vem ao mundo dependente, sente, percebe sua limitação
em prover a sua própria subsistência. Neste contato com
os outros “irmãos humanos” entende a importância do
afeto, daqueles toques, do olhar de aprovação, do colo,
da alimentação, do significado e importância do outro na
sua vida.
As apreciações de informações colhidas naquele
colorido próprio, quando lhe chamou a atenção,
conseguiram emocionarem-se, dando um sentido e valor
para determinados acontecimentos. O humano é uma
espécie de aprimoramento constante de valores éticos,
na escala evolutiva de tomada de consciência. São
muitas as interrogações e curiosidades; ao apreciar as
realidades, formula vários problemas, tem curiosidade
em saber como isto aconteceu.

127
Em algumas oportunidades, cria coragem neste
processo de observação e chega a formular algumas
hipóteses, sobre seus próprios problemas. A criança fica
inquieta diante daquele “fenômeno”, quer descobrir a
expressão daquela reação em cadeia, fica pasma e, ao
mesmo tempo, intrigada. Sente que sozinha não
conseguirá resolver tudo, decide e parte para fazer
perguntas aos adultos e percebe, neste mesmo instante,
respostas diferentes para o mesmo problema. Surge,
então, a confusão, o desânimo, a incerteza, necessitando
de um tempo para analisar estes dados, compará-los,
averiguar qual deles está mais perto da verdade da
descrição daquele fenômeno.
Depois de um tempo pensando, calculando,
escrevendo, imaginando, decide então formular, a partir
de si mesma, uma teoria sobre este fenômeno. Num
primeiro momento, parece tudo resolvido, mas se alguém
perguntar como acontece o fenômeno e de que forma
resolveu o problema, não sabe responder. Sente, então,
a necessidade de descrever um caminho, passo por
passo para entendê-lo. Assim, inicia o processo de fazer
ciência na vida, livre das pressões e cobranças da escola
e sociedade.

128
Para que um ser humano de verdade tenha de
ficar perplexo diante da natureza e pessoas, é preciso
uma espécie de paixão, amor, para descobri-la,
descrevê-la e, com isto, se enamorar da intimidade
destes fenômenos. Este diálogo permite o uso da
admiração, êxtase, um ser vibrante, lúcido, livre, inquieto,
sorridente, curioso, detalhista e observador; neste
caminho mantém-se o brilho da criança e se desenvolve
a humanidade do ser em comunhão com a natureza.
“Somos portadores, como microcosmo, do
universo e da vida (...). É nesse além que se dá o
desenvolvimento da humanidade e da desumanidade da
humanidade”.66 A psicanálise, como ciência, não está
descontextualizada, desligada dos acontecimentos
sociais e dos problemas ecológicos, que assolam a mãe
terra. Qual seria a finalidade de uma metodologia tão
bem formulada, inclusive com conceitos profundos sobre
o inconsciente humano, se este paciente continua
insensível, individualista, excludente, egocêntrico e
racionalista? De que serviria, então, tão belo tratamento,
para adaptá-lo a este modelo de sociedade que temos,
interpretar, descrever, justificar atrocidades pessoais e
sociais, sob alguma explicação psicanalítica?

66
Morin, Edgar. O método 5 - A humanidade da humanidade: a identidade
humana. Porto Alegre, Sulina, 2002, pág. 51
129
Neste sentido a psicanálise vem somando
esforços em se comprometer, de verdade, no processo
de humanização, porque disto depende a vida neste
planeta. As atrocidades vêm acontecendo, o homem fica
cada vez mais doente e alienado pelo poder econômico e
político da sociedade vigente. Qual o projeto da inserção
dos intelectuais da psicanálise em visualizar um
comprometimento diferente, no sentido de prevenir,
conscientizar, colaborar com as instituições e
autoridades, num novo projeto social, comunitário, junto
aos líderes, para despertar uma inserção de um novo
paradigma de vida pessoal e social? Não seria o
momento de abrirmos para o debate, somar esforços,
nas mais diversas teorias, para lançar uma grande
ofensiva, no sentido de alertar sobre a desumanidade e a
barbárie, da qual todos estamos sendo vítimas? “É a
mundialização do humanismo, dos direitos humanos, do
princípio da liberdade, igualdade e fraternidade, da idéia
da democracia e da solidariedade humana”. 67
Esta nova dimensão da grande revolução interior
acrescentará em valor, com iniciativas onde as emoções
positivas se façam presentes, atuantes, marcantes na
vida e nas relações interpessoais, intrapessoais e

67
Morin, Edgar. Op cit. Pág. 232
130
transpessoais. Esta sensibilidade poderá valorizar as
diversas atividades e modos de existência nas mais
diferentes culturas, respeitando, e não destruindo, o seu
habitat natural.
Inclui uma cooperação, participação, inserção em
atividades onde se faça necessário defender a vida. A
globalização da humanização já existe, mas, devido aos
falsos humanismos filantrópicos, arraigados a algum tipo
de ideologia, acaba por tirar o valor que lhe é
correspondente.
O humanismo a que tratamos se refere às
mudanças éticas, valorizativas, de caráter, enraizadas
pela cultura, tradições e educação. Trata-se de um modo
de pensar, interpretar a realidade, diferente de um
humanismo religioso. A diferença está no dato de que,
enquanto um coloca a esperança num Deus externo,
para propiciar as soluções dos seus problemas pessoais
e sociais, o outro confia na sua potencialidade criativa.
O humanismo socialista acentua o valor da divisão
e da participação dos cidadãos nos bens materiais e
culturais, proporcionando as condições necessárias à
preservação da vida. Este humanismo necessita de um
poder político para implementá-lo e a mudança se dará
pela tomada de poder, sendo que, nas exigências

131
socialistas, se observa que o proletário de hoje será o
patrão de amanhã. Acompanhamos esta contradição,
apontamos os erros, dizemos o que não se podia fazer,
falamos sobre os direitos humanos.
Este discurso muda quando se chega ao poder.
Esta atuação e as imposições de forças de interesses
fazem com que o líder inicie um processo de negociação
de idéias e valores e acabe cedendo, repetindo aquelas
velhas iniciativas ou ainda piores. O humanismo cristão
também fala do amor, da fraternidade, da ajuda e
cooperação. Inclusive, é difícil ver qual humanismo que
não tem esse discurso.
Sem dúvida, existem obras sociais e
universidades. Mas no fundo o objetivo perdeu-se na
acumulação de capital, tornando-se, em nome do
humanismo, uma espécie de multinacional que negocia,
modifica os valores, com um determinado fim.
Novamente, a ambição, a vaidade, a glória, status, poder
político, poder econômico, incluindo uma espécie de
socialismo cristão, a favor de uma determinada doutrina
ideológica. Novamente, este humanismo é mascarado,
falso e hipócrita.
Talvez, seja por isso o descrédito do humanismo
nos meios sociais e das lideranças, por perceberem a

132
ideologia atrás deste marketing. Com certeza, esta
prática distancia, ofende e agride o que existe de mais
sagrado no humanismo, valores indispensáveis à
felicidade e à própria liberdade, sendo que este
descrédito, acentuado pela falta de ética e congruência,
faz ressurgir um debate destes diversos humanismos,
sua finalidade concreta no meio social.
“Tenho visto situações parecidas. Quantos dos
que, ao princípio, queriam colocar-se a serviço da
humanidade, combater a exploração do homem pelo
homem, e se converteram em regidez fanática, cretinos
políticos e monstros insensíveis, assassinos de fato e em
potência”.68
Podemos observar uma infinidade de líderes que,
em nome da humanidade se tornaram déspotas, porque
parece envolvente e sedutor o poder de decidir sobre a
vida das pessoas. Na grande maioria das vezes, as suas
promessas se tornam vagas e esquecidas, primeiro a
esperança e, depois, a experiência da frustração. Líderes
como Hitler, Stalin, Nero, Pinochet, Gautieri, Castelo
Branco, entre outros, rasgaram a constituição e os
princípios democráticos, fazendo valer a arrogância, a
violência, o primitivismo, com todas as formas de tortura,

68
Morin, Edgar. Mis demônios. Espana, Barcelona, Kairós, 1995, pág. 95
133
em vez de emancipar a humanidade destes cidadãos,
contribuindo para sua submissão e escravidão. Em nome
do amor e da humanidade já se cometeram enormes
tragédias, fazendo com que acontecesse justamente o
contrário, a inumanidade.
A psicanálise, como ciência, esteve sempre
pesquisando esse lado oculto da barbárie, dessas
atrocidades, próprias de uma sombra desconhecida pelo
próprio homem. Notam-se forças primitivas, atuando de
forma deliberada, diante das atrocidades. Freud pensava
sobre este fenômeno das guerras, até porque viveu e
acompanhou, sendo médico, a primeira guerra mundial.
Notou o fato imprescindível da psicanálise atuar na
formação de novas lideranças e encaminhar pesquisas,
neste sentido.
Estes dois lados da bondade, fraternidade,
solidariedade, cooperação, existem num Gandy, Martin
Luter King, Madre Tereza de Calcutá, Jesus Cristo,
Sócrates, Maomé, Confúcio e tantos outros homens que
souberam se contrapor à esta dualidade de amor e ódio,
presente nos recônditos das cavernas antropossociais do
oculto e do manifesto da mente humana. Estamos
caminhando para uma tomada de consciência, cada vez
mais necessária para a sobrevivência da humanidade.

134
“A razão e a consciência se converteram nos
princípios, que deveriam ter seu objetivo para uma
sociedade unida pelos vínculos do amor, da fraternidade,
da justiça e da verdade, um lugar novo e
verdadeiramente humano, que substitua o lugar
irrecuperável, perdido com a natureza”.69
A sociedade necessita investir-se de uma
expressão, para a valorização da vida humana, em
oposição ao materialismo que caracteriza o poder dos
bens materiais e o dinheiro, como uma espécie de valor
maior que o próprio ser. Esta filosofia faz com que as
pessoas se tornem escravas do poder econômico e,
subseqüentemente, do seu trabalho.
Esta escravidão, com condicionamentos, propicia a
ideologia do poder do dinheiro, como um meio de
realização pessoal. Esta competitividade cria os medos,
gera a deslealdade, afastando as pessoas e impedindo a
expressão da confiança e um maior vínculo de amor e
fraternidade. Esta busca econômica desenfreada, sem
limites, cria sérios prejuízos emocionais e orgânicos, pois
coloca uma sobrecarga sobre o ser humano, que ele não
tem condições de suportar.

69
Fromm, Erich. Psicoanálisis de la Sociedad Contemporânea. Pág. 292
135
Teremos que resgatar uma auto-ética70, no
sentido de acreditar nos valores, como compaixão,
perdão e fraternidade. Tais condições são extremamente
benéficas, pois viabilizam a incorporação de atitudes
essenciais à humanidade. Sem esta ética valorizativa do
outro, a sociedade ficaria sem limites e começaria a
expressar uma forma de primitivismo selvagem, onde
tudo se pode experimentar, fazer, não tendo limites, nem
respeito pela vida do homem e da natureza.
A crise na humanidade se acentua quando perde
de vista o caráter e os procedimentos de respeito e
valorização, implicados nas relações humanas. Sempre
houve um valor maior para o racionalismo, o
intelectualismo, como fonte de inspiração para a solução
dos problemas sociais, não dando conta do poder de
atuação do individualismo. A inveja, os ciúmes, o
orgulho, os interesses pessoais faziam parte de uma
outra inteligência emocional, sendo que estes dois
modos de ser se fazem presentes na vida de qualquer
pessoa, fazendo parte de sua consciência de existir e
ser.
O ser humano necessita para sua “humanização”71
uma auto crítica, tendo consciência clara das suas zonas

70
Morin Edgar. Mis Demônios. España, Barcelona, Kairós, 1995, pág. 164
71
Morin, Edgar, op cit, 1995, pág. 85
136
cegas, necessidades inconscientes próprias de alguém
que precisa reavaliar seu narcisismo, conhecendo-se por
um processo de vigilância pessoal. Por isto, a
psicanálise, como técnica terapêutica, tem um valor
imprescindível para o autoconhecimento, permeando
estas teias intrincadas pela mente, onde se fazem
presentes as emoções negativas, produtoras de ódio e
de egoísmo.
Deverá existir um cuidado muito profundo sobre
esta cultura humanística, desde os filósofos e nossos
ancestrais até as civilizações que desapareceram, na
história da humanidade. A parte intelectual, racional, da
inteligência do homem, deveria ser utilizada com o fim de
aprofundar em pesquisa a subjetividade, mediante
reflexão e meditação, como um recurso para tomar
consciência do seu papel na existência e na sua
comunidade.
O ser humano vive em busca sempre de algo que
acredite ser um meio para sua sobrevivência e realização
pessoal; nestas buscas, surgem contatos profundos com
emoções, vivências e sentimentos e, neste mundo de
subjetividade e crenças, em muitas vezes a vida sorri e
em outras experimenta a angústia, incertezas e
ansiedades. Ao mesmo tempo, da representação do

137
poder sem limites, do sucesso e da prepotência, surge a
limitação, a vulnerabilidade, a tristeza, o desânimo, o
vazio existencial, a raiva, o ódio.
Mas ele não perde totalmente a consciência. Ao
contrário, tem diante de si mesmo, uma experiência
emocional, produtora de sintomas diversificados, como
dores no peito, de cabeça, nas costas, vômitos, insônia,
perda de apetite, falta de ar, dor no estômago (gastrite e
úlceras), impotência sexual, frigidez, inibições, pânico
(medos), enfim, toda uma sintomatologia que denuncia a
agressão à inteligência da vida.
Este ato de desumanidade pessoal, em persistir
no mesmo estilo de vida, é fruto de uma ignorância
pessoal e um autodesconhecimento do seu próprio ser.
Quando o homem pensa ser dono de si mesmo e da
existência, recai sobre uma doença. A natureza tem seu
próprio caminho, sua sabedoria, conversa com a pessoa
através do organismo, que é seu único canal de
comunicação. Estas linguagens, quando mal
interpretadas, tornam-se esquecidas, tentando buscar
um diagnóstico racional ou biológico para atacar aquele
sintoma.
Como o organismo está numa sincronicidade,
ligado por todos os seus sistemas, também elabora e

138
interpreta os atos de violência cometidos contra si
mesmo. Por isto, existem em algumas pessoas as
chamadas “Síndromes hipocondríacas”, um elo
cumulativo de sintomas, alertando sobre a possível
falência existencial. Este desconhecimento é próprio do
orgulho e da prepotência racional, todas as justificativas
e desculpas são utilizadas, com a finalidade de não
mudar o seu estilo de vida. Vejamos o quanto isto se
torna interessante, o medo das pessoas se aproximarem
das suas emoções e sentimentos, este distanciamento
provoca uma incompreensão por parte de todos os
“instintos vitais”, base e fundamento da inteligência da
vida.
Será preciso um outro tipo de conhecimento onde
estejam integrados aspectos valorizativos da vida, onde
a harmonia e a sincronicidade se fazem presentes,
mediante a comunicação inconsciente do seu mundo
emocional, quando entendermos que o processamento
da inteligência não se dá na mente, e sim em todo o
organismo. Esta forma de pensar e agir, holisticamente,
é própria do habitat natural e dos ecossistemas.
“Alguns seres humanos serão sensíveis às
relações de amizade, outros, às paixões amorosas,
outros serão, sobretudo, devorados pelo ódio e pela

139
inveja (...), mas é esquecer que cada ser humano
carrega, em potencial, o pior e o melhor do humano, que
a desumanidade faz parte da humanidade”.72
Esta dialética interior sobre algumas verdades,
colhidas durante sua própria existência, o faz recair
sobre uma condição da ambiguidade, expressões de
amor e ódio, mas também de esperanças e
desesperanças. E assim, como no interior de si mesmo,
percebe-se a natureza impondo sua condição, sendo
muito mais forte do que a destruição. Percebe-se, em
muitas culturas, a solidariedade, com estas interrelações
no organismo humano, nos ecossistemas, na natureza e
no universo, a vida não existiria.
É perceptível averiguar a honestidade dos diversos
fenômenos, interagindo entre si, organizando a vida,
manifestando uma solidez, estabilidade, segurança, em
demonstrar o fluxo e refluxo destas demandas em
mútuas cooperações, as partes interagem no todo e o
todo está presente em todas as partes. Este trabalho se
dá no individual, porque cada opção tem sua função e
objetivo, mas está interligado com a solidariedade de
todos os outros órgãos e sistemas, está ligado pela
necessidade de cooperação, para poderem sobreviver.

72
Morin, Edgar. A humanidade da humanidade: a identidade humana. Porto
Alegre, Sulina, 2002, pág. 63
140
Esta necessidade demonstra uma sabedoria onde a
unidade e a diversidade estão presentes. Existem ordem
e desordem se fazendo interagir; esta convivência
pacífica e atenta sabe medir as consequências, pois
cada ação deste órgão pode ter influência decisiva sobre
o funcionamento do organismo.
Todas estas ações estão interessadas em
manter a vida do organismo. Estes intercâmbios, trocas,
comunicações, têm relevância para manter um alto nível
de relações recíprocas, o princípio maior não é o
egoísmo, mas sim a organização cooperativa dos
diversos órgãos e sistemas, a favor da vida.
A natureza fala em harmonia,
complementaridade, organização, e mesmo diante da
falta de algum ingrediente necessário para abastecer ou
preencher um desejo instintivo, todos contribuem em
unidade para restabelecer a função daquele “instinto”,
que está em falta. Esta cooperação é no sentido de
combater os acidentes do processo de adaptação
daquela espécie.
Nunca haverá um egoísmo, mas sim um
intercâmbio de vivências e experiências, no sentido de
usar da flexibilidade e do processo de seleção natural, de

141
estratégias de evolução e permanência da vida no
planeta.
O primeiro princípio do amor à vida está no pleno
amor e, neste conceito, impõe um aprendizado de
valorizar a vida em todas as suas dimensões. A dialética
persiste, porque não é só a influência do ambiente sobre
o organismo, mas o organismo também seleciona e
modela o ambiente.73
Assim, esta lei maior da sobrevivência da espécie
utiliza-se de toda uma sabedoria milenar, com a
finalidade de dar condições de sobrevivência a todos os
sistemas da flora e da fauna, mantendo-se sempre num
interesse de observação e comunicando-se, entre si,
pelo princípio da preocupação de manter a
sobrevivência, utiliza-se de outros recursos, busca
inovações criadoras, para combater, vigiar e se fazer
presente numa atitude ética e verdadeira, em favor da
permanência da vida.
É possível acreditar na natureza quando ela se
expressa em toda sua magnitude, apresentando as
complexidades originadas no íntimo de cada ser. O ato
mais generoso e sábio é desvendar esta rede de
solidariedade e cooperação, entre os diversos

73
Morin, Edgar. A natureza da natureza. Porto Alegre, Sulina, pág. 68
142
organismos vivos. A expressão destas articulações é
uma sabedoria milenar em solidarizar-se para dar
continuidade à vida.
O homem precisa voltar a amar, pois deste ato
nasceu a vida, sempre num sentido de ajuda, diálogo,
atenção, troca, comunicação, solidariedade e de
preocupação com o todo. Se cada ser humano pudesse
tirar esta lição, não fisiológica e determinista do
organismo vivo, mas sim destas complexidades que
ensinam o ato maior da vida.
Talvez o homem possa se redescobrir,
observando, com humildade a funcionalidade, o amor
que nutre os sistemas, para propor vida aos organismos.
Este será o desafio do terceiro milênio, aprender esta
engenhosa prática humanitária da natureza, resgatando
o interesse, em primeiro lugar, pela manutenção da vida.
Os desafios, obstáculos, serão enormes. Porém, somos
portadores de uma consciência capaz de evoluir nesta
direção, onde a ciência não seja tão arrogante, tornando-
se uma espécie de mito, querendo ter o lugar e o status
de Deus.
O homem necessita de pensamentos, reflexões e
idéias, mas não necessariamente tem de ter mais valor
que os fatos, mesmo diante da iminente destruição do

143
nosso planeta, pois temos o poder nuclear de destruir
três vezes a terra. Mundialmente, os países em geral
investem mais de duzentos bilhões de dólares em
armamento bélico. Com esta cifra daria para acabar com
a fome, miséria e desnutrição em nosso planeta. Por que
o homem valoriza mais o ter, o poder, a ambição, no
sentido de acumular poder militar, domínio tecnológico
para a dominação e submissão de outros povos? Este
processo é contrário à lei primeira da natureza, porque o
egoísmo acentua a destruição do planeta. Quando
falamos de humanização, expressamos este estado
inconsciente de atitudes contrárias à vida.
“Realmente, que o homem possa destruir a vida é
coisa tão milagrosa como que pode criá-la, porque a vida
é um milagre, o inexplicável. No ato da destruição, o
homem se coloca por cima, se transcende a si mesmo
como criatura.”74
Sem esta consciência maior de tomar uma
posição e optar pela vida, impulsionado pelo desejo de
autotranscender-se dentro dos próprios caminhos e
paradoxos, o homem não evolui. Esta atitude de criar,
produzir, intervir, com um objetivo maior, comprometido
com a sobrevivência da sociedade e do processo de

74
Fromm, Erich. Psicoanálisis de la Sociedade Contemporânea. Pág. 38
144
evolução da humanidade, este direito de viver a vida em
sua plenitude, pode propor uma série de decisões. Por
isto, grandes obstáculos sempre serão as “idéias fixas”,
os “preconceitos”, as “crenças”, os “dogmas”, que
poderão obstruir um olhar mais profundo sobre a sua
própria realidade.
Parece-me que este processo de
“humanização” não é algo estanque e pronto, mas sim
algo a ser criado, modificado, transformado. Já houve
muitos exemplos de atrocidades e barbáries, em nome
de algumas teorias fechadas em suas próprias
ideologias. Já houve bastante erro na humanidade, para
o homem se dar conta de que este caminho pode levá-lo
ao precipício. É preciso parar, refletir e tomar uma
decisão diferente. Sendo assim, o ato de consciência
poderá ter a participação da psicanálise, sem dúvida ela
é imprescindível em fazer ver ao homem que ele é: o
produto de suas ações inconscientes e inconsequentes.

145
CAPÍTULO II

2.0. A Origem da psicanálise humanista,


em Erich Fromm

Falar do humanismo remete-nos a pensar sobre o


homem e sua complexidade intelectual, emocional,
social, religiosa, histórica e cultural. A humanidade,
dentro da psicanálise, surge como um princípio ético
para dar sustentação ao valor da pessoa,
proporcionando-lhe dignidade, amor e reciprocidade.
Qualquer fato exige, da parte da pessoa uma
atitude, consciente ou inconsciente, que irá reproduzir
uma história. Necessariamente, uma trajetória de vida
está sendo delineada, pensada e realizada. São estas
decisões, impensadas e inconsequentes, que produzem
o sofrimento.
Cada pessoa, dependendo do seu momento
histórico, no seu tipo de cultura, na situação histórica,
política, religiosa, econômica e familiar, ou de pessoas
mais próximas, afetiva e intelectualmente, poderá
influenciar a formação de valores éticos e decidir, de
acordo com suas verdades, a sua vocação profissional.

146
A Psicanálise Humanista leva este nome, não
para caracterizar uma demarcação filosófica ou mesmo
uma teoria a ser defendida dentro da psicanálise, mas
justamente porque, com o próprio fato de atender a um
paciente, já se está praticando atos carregados de
humanismo, implicando sempre um amor (cuidado,
orientação, comprometimento), com este paciente. Estas
características vão demarcar aquilo que é próprio do
homem, o seu dever ético de cooperação e
solidariedade, para com qualquer ser humano.
A psicanálise, para ser entendida em toda sua
complexidade, precisa se voltar primeiro para conhecer a
história da vida do autor e, depois, seu testemunho vivo,
verdadeiro, como pessoa e psicanalista, para poder
entender uma prática clínica onde se inclui o fator
humano.
Dois fatos marcaram a vida de Erich Fromm: ser
descendente de pais judeus e filho único. Por não ter
irmãos, sublimou esta carência, ampliando o
relacionamento com seus parentes. Seus pais, “Naphali
Fromm y Rosa Krause, se casarão em 16 de junho de
1899, em Frankfurt. Passou mais de nove meses e,

147
depois, nasceu Erich Fromm, às 19:30 do dia 23 de
março de 1900, nesta mesma cidade.” 75
Erich Fromm nasceu em uma família com um
padrão social e cultural razoável, pois seu pai era um
pequeno comerciante de vinhos e sua mãe, dona de
casa. No entanto, seu pai era extremamente religioso e
professor de iniciação no judaísmo.
A sua relação com seu pai foi extremamente
distante, pois ele demonstrava uma certa rigidez e
distanciamento afetivo, tanto para com ele, como
refletindo em sua mãe. Esta relação de um pai com
dificuldade de expressar o afeto e demonstrar o seu
amor, bem como a sua mãe, com suas queixas
sucessivas nos períodos depressivos, o levaram a
experienciar o primeiro contato com o mundo neurótico
de seus pais. 76
Esta falta de atenção afetiva, de carinho e
aproximação, lhe proporcionaram as bases para a
consolidação da “Psicanálise Humanista”. No olhar de
Fromm, é fundamental a demonstração concreta dos
sentimentos, com atitudes de amor, tão necessário para
o seu desenvolvimento emocional. Sua família conseguiu

75
FUNK, Rainer. Erich Fromm, el amor a la vida. Buenos Aires, Paidós, 1999, pág.
13.
76
FUNK, Rainer. Vida e Obra de Erich Fromm. Barcelona, Paidós, 1987, pág. 25.
148
lhe proporcionar uma base muito sólida de valores éticos,
dentro dos princípios judaicos, como honestidade,
solidariedade, compaixão, perseverança e amizade.
Percebeu um forte complexo de inferioridade em
seu pai. Quando foi estudar em Heideberg, recebeu a
visita de seu pai, bastante angustiado e com um medo
horrível de que, se ele não passasse no exame de
77
seleção, pudesse vir a se suicidar. A paternidade, para
Erich Fromm, foi marcada pela obediência, exigência e
recriminação do seu pai, o que criou um distanciamento
gradativo, acrescentado de medo e respeito, em lugar de
amor.
Esta falta de afetividade afetou, principalmente, a
sua mãe; “Sempre me sentia como o defensor de minha
mãe, que chorava muito, de modo que eu acreditava que
deveria defendê-la, contra o meu pai (...). Ele ficou
pensando que eu conseguia, sendo uma criança de três
anos.” 78
Sabemos da necessidade do esposo em dar afeto
ao filho. Por sentir-se impedido de dar à sua mãe,
deslocava como uma espécie de superproteção ao seu
filho.

77
Ibidem, pág. 17
78
Ibidem, pág. 19.
149
Esta ambivalência79 de amor e ódio ao seu pai
provocou uma aliança com os mais fracos, optando por
defender qualquer tipo de injustiça, diante das
autoridades. Também as brigas contínuas em casa, o
distanciamento afetivo, a submissão de sua mãe, a falta
da liberdade de expressão e, principalmente, no que se
refere ao diálogo, levaram este futuro garoto a assumir,
diante de sua existência, alguns valores fundamentais
por toda sua vida.
Na fundamentação de sua teoria, tenta elucidar o
valor da formação social do caráter, tratando-se aqui da
forte influência cultural, econômica, política e religiosa,
sobre a personalidade de seus pais. A formação deste
Inconsciente Social tem sempre as matizes de uma forte
conotação histórica e, neste contexto da rede social, o
meio exerce forte influência na determinação da
formação do caráter, tanto no aspecto positivo como no
negativo.
A sua formação sócio política se deu a partir da
forte influência de um empregado de seu pai, chamado
“Oswald Susmann”.80 Este homem tinha princípios
socialistas, de uma atitude muito correta diante da

79
Ibidem, pág. 20.
80
FUNK, Rainer. Erich Fromm, el amor a la vida. Buenos Aires, Paidós, 1999, pág.
20.
150
existência. Fromm conviveu por um longo tempo,
recebendo além da atenção, o carinho e o amor, uma
forte conscientização social e política, numa visão
socialista. Esta visão política proporcionou-lhe um senso
crítico, para poder posicionar-se, com mais clareza,
sobre as relações de poder. Erich Fromm tinha doze
anos nesta época, o seu tempo era dividido entre a
escola e sua família, com muito pouca interação com
outros garotos de sua idade.
Portanto, este amigo íntimo e pessoal, seu
primeiro mestre, conseguiu dar a este jovem, na pré
adolescência, a valorização necessária, conscientizando-
o sobre a importância dos temas humanitários e políticos.
Houve um fato marcante nesta idade, talvez a
experiência mais significativa e intrigante, em relação às
reações e atitudes humanas. Este acontecimento o
deixou perplexo, com várias dúvidas e questionamentos
sobre o ser humano. “Comecei a interrogar-me pelas
estranhas e secretas causas das reações humanas”. 81
Trata-se de uma senhorita de vinte e seis anos de
idade, amiga de sua família, pintora. Era uma moça
prendada, bonita e atrativa. Sabia-se que ela era muito
ligada ao seu pai e, quando este faleceu, falou que

81
FUNK, R. Ibidem, pág. 31.
151
desejava ser enterrada com ele. Pouco depois de sua
morte, ela se suicidou.
Esta experiência iria marcar, decisivamente, o
interesse pelos dilemas humanos, chamou-lhe atenção o
fato, pois este suicídio o impressionou, sem entender os
motivos dela para tomar uma atitude tão drástica,
optando pela prática do suicídio.
Sua adolescência foi marcada por estas duas
fortes influências: o amigo socialista e a vizinha suicida.
Esta forte inclinação em se preocupar com relação às
questões humanas teve origem na vivência religiosa
judaica, sendo que seu pai incorporou a religião judaica,
sendo professor e, logo depois, rabino. Esta convivência
com os valores humanísticos religiosos despertou no seu
íntimo este desejo ardente de entender e compreender
atitudes inconsequentes e arbitrárias do ser humano. 82
Poderemos entender a formação judaica cristã a
partir da convivência de homens advindos de um
compromisso de resgatar a dignidade da vida, o respeito,
o amor e a liberdade de ser e agir. O rabino, doutor
Nehemia Anton Nobel (l871-1922), da sinagoga de
Borneplatz de Frankfurt, era o diretor da comunidade
ortodoxa da cidade, sendo seu primeiro “colaborador

82
FUNK, R. Ibidem, pág. 36.
152
importante em sua fuga”. O segundo foi, desde 1920, o
doutor Salman Baruch Rabinkow, professor talmúdico
procedente do hasidismo-habad, o qual colaborou com a
ruptura de Fromm com a práxis vital judia ortodoxa e
conviveu ao seu lado.”83 A leitura destes profetas lhe
proporcionou uma idéia clara da existência do homem,
em uma determinada civilização, seus dilemas, injustiças
e violências davam o tom da dificuldade do homem viver
em sociedade.
No entanto, percebeu, no homem, este desejo
ardente de superação dos seus medos e espantos, para
poder alcançar, com humildade e simplicidade, a justiça
social e humanitária, tão necessária para o processo de
evolução da consciência humana, em processo
civilizatório.
Percebeu, também, a importância destes valores
humanísticos perspassados pela religião judaica, como o
amor e a justiça. Observava, com muita atenção, os
valores arraigados no caráter dos profetas, em defesa da
vida e da justiça.
O fato do discurso estar incorporado à sua vida
prática, convencia pelo exemplo e atitude, àquelas
pessoas incrédulas e indiferentes aos problemas sociais.

83
FUNK, R. Ibidem Pág. 37.
153
Foi a partir desta constatação que ele soube ligar, com
extrema sabedoria, uma psicanálise humanista e
existencial, onde o modo de vida, os conflitos pessoais,
as incongruências, os medos, as perseguições, eram
uma espécie de passaporte para proporcionar a
capacidade de superar estes dilemas, com o intuito de se
tornar mais humano.
Para Erich Fromm, o tratamento psicanalítico
era um método vivencial, extremamente criativo, para
possibilitar às pessoas alcançarem estágios mais
elevados de humanidade. Inclui-se, aqui, uma maior
capacidade de se entender e aceitar para, na sua
humanidade, poder propor, via psicanálise, uma
experiência de amor e afeto ao seu paciente.
Com o seu desenvolvimento intelectual e sua
maturidade psicológica, percebeu, dentro do próprio
humanismo judaico, uma série de questionamentos e
observações, principalmente no que se refere à ortodoxia
do fundamentalismo judaico.
Não conseguiu mais viver com os “dogmatismos”,
porque o princípio básico da sua liberdade de expressão
ficava aprisionado a um silêncio, na submissão. Esta
prática autoritária e doutrinária do judaísmo levou-o a

154
defender, publicamente, os direitos dos palestinos a ter
seu próprio país. 84
Na sua juventude, com apenas dezenove anos,
tomou a decisão de abandonar os preceitos da religião
judaica, indo estudar em Heideberg, como uma busca
pessoal para superar antigas dúvidas e questionamentos
sobre a sociedade dos homens e seus conflitos
existenciais.
Nesta cidade, Erich Fromm teve algumas pessoas
que o marcaram profundamente, no estilo de vida, na
apropriação do saber, na incorporação dos valores éticos
e na sua própria descoberta profissional. Teve a
felicidade de encontrar seu orientador da tese de
doutorado em Filosofia, o Senhor Weber, o
aprofundamento do Talmid Robaskow, sua amiga
analista, e depois sua esposa, Frieda Reichmann e seu
analista didata, George Groddek, o grande psicanalista
entendido em psicossomática.85 Seu pai faleceu em 29
de dezembro de 1933. Nesta época, ele já morava em
Nova York, onde recebeu a visita de sua mãe e, logo em
seguida, regressou a Frankfurt.
Já fazia um ano da ascensão de Hitler na
Alemanha, com a política de perseguição aos judeus,

84
FUNK, R. Ibidem, pág. 41.
85
FUNK, R. Ibidem, pág. 44.
155
quando se iniciou o processo de imigração de vários
alemães para o EUA. Sua mãe faleceu aos 73 anos, no
dia 23 de fevereiro de 1959, na cidade de New York, de
câncer. 86
Erich Fromm já demonstrava uma capacidade
intelectual muito grande, pois conseguiu se doutorar em
filosofia, em 04 de setembro de 1925, com apenas 25
anos de idade e, aos 26 anos, casou-se com Frieda, sua
analista pessoal. Com apenas 05 anos de casamento ele
resolveu se separar de sua esposa, porque vivia sempre
ausente da convivência matrimonial. Groddeck, analista
de Erich Fromm, mostrou que a tuberculose era um
sintoma criado para estar distante e, ao mesmo tempo,
viabilizando a não convivência com a sua esposa.
A partir desta constatação, resolveu alugar um
apartamento com duas habitações, por 160 francos
suíços; a parte de cima de seu amigo Gustav Krantz.
Nesta época, começou a sofrer a duras penas os
desafios apresentados pela existência, em várias áreas
de sua vida. No dia 04 de novembro de 1938, escreve a
Horkheimer, sobre seu estado emocional, econômico,
afetivo e político. Sem dúvida, esta consciência social lhe
impôs uma série de sofrimentos e decepções, pois os

86
FUNK, R. Ibidem, pág. 49.
156
acontecimentos, na sua interpretação, eram
extremamente maus e injustos para a humanidade.
Muitas experiências negativas. A séria política
nazista de perseguição aos judeus, a perda de seu pai, a
separação de sua esposa, lhe acrescentaram uma dose
de tristeza e depressão, quase perdendo o sentido de
sua existência. Mesmo sendo doutor em filosofia,
ganhava muito pouco do Instituto de Frankfurt, que mal
dava para pagar a sua alimentação e aluguel. Nesta
época, foi tomado de um desespero, mesmo porque não
conseguia escrever e nem atender como psicanalista,
devido ao seu estado doentio.
Muitos de seus desejos não puderam ser
realizados, porque seu corpo estava debilitado e,
existencialmente, ele se encontrava na tentativa de
resolver seus sintomas doentios, através da análise que
realizava com George Groddeck (1866-1934), na cidade
de Baden-Baden, onde se encontrava também com
Karen Horney e Sandor Ferenczi, que vinham
assiduamente ao balneário de Budapeste.
“Em julho de 1931, contraiu a tuberculose e ficou
separado de sua esposa, Frieda, durante muito tempo,
na Suíça. Groddeck entendeu que a doença de Fromm
era a expressão de seu desejo de separar-se de sua

157
mulher e, ao próprio tempo, das dificuldades que sofria
com isto. E ele o disse a Fromm, sem aumentar ou
contornar, mas com solidariedade e compreensão.”87
Mas esta fase na sua vida pode provocar em seu
íntimo uma valorização das atitudes de enfrentamento,
diante das situações inusitadas e inesperadas, levando
qualquer pessoa a um estado de extremo desespero,
precisando buscar força, fé e esperança, para sair deste
estado, atingindo novos objetos próprios, de quem tem
amor à vida.
Nesta experiência significativa das limitações da
própria humanidade, na falta de entusiasmo, numa
situação onde só prosperava a dor e a doença, soube
com maestria compreender a vida. O seu bem mais
precioso foi saber vencer os obstáculos, utilizando-se
destes sofrimentos para recompor-se, dentro de uma
nova visão existencial.
O humanismo de Erich Fromm não radica no
sofrimento e, muito menos, em doutrinas sectárias.
Ao contrário, amplia-se o grau de sensibilidade onde
a tomada de decisão da utilização de sua capacidade,
de talentos, dons, impregnados de criatividade, onde
o bem maior é fazer da própria existência um lugar

87
FUNK, R. Ibidem .Pág.63.
158
de crescimento e expansão emocional, cognitiva e
humanitária.
Sua existência ajudou na consolidação da sua
Teoria Psicanalítica Humanista. Recorreu a uma série
de obstáculos, não somente por esta proposta, mas
também pelo fato de ser filósofo, com uma orientação
analítica social. Um dos fatores que irá desencadear uma
forte crise, entre os postulados da psicanálise clássica,
normatizada, vigiada e fiscalizada pela IPA, seria sua
expressão da dita sociedade, por não seguir a doutrina
Freudiana.
Um dos questionamentos mais sérios se tratava
da clínica psicanalítica, onde a relação analista-paciente
era mais um “procedimento médico-terapêutico”88. Dessa
forma, não concordava com a incorporação do modelo
médico, de frieza, distanciamento e indiferença.
Ao perceber esta atitude de neutralidade com a
vida do paciente, decidiu agir diferente criando, a partir
da relação terapêutica, a recuperação da confiança
mútua, da reciprocidade, da amizade, do elo afetivo, do
comprometimento em restabelecer a saúde do paciente,
num ambiente onde ambos se nutriam de uma atmosfera
de credibilidade e responsabilidade.

88
Ibidem, pág, 111.
159
A relação terapêutica precisa proporcionar ao
paciente uma oportunidade de experienciar o sentido da
aceitação de si mesmo e buscar, no seu próprio íntimo,
as capacidades produtivas necessárias para fazer frente
ao seu mundo neurótico. Assim, ele mesmo traduzia a
experiência analítica como “Mais bem um amor
maternal ou parental; ou para expressá-lo de forma
talvez mais generalizada, com um cuidado
89
carinhoso.”.
Esta humanidade fez ressurgir, do íntimo da
psicanálise, aquilo que é mais precioso e importante na
vida de uma pessoa, o olhar de alguém que perspassa
simplesmente o ato cuidadoso, para não se envolver
eroticamente, mas sim a plenitude de vivenciar uma
atitude de amor, respaldado na confiança, na ajuda, na
solidariedade, onde o próprio paciente se sente
valorizado e entusiasmado em assumir-se pelo lado
positivo da existência. Esta credibilidade devolve a este
ser a decisão única e pessoal de resgatar o valor da
dignidade de existir.
O seu contato com Harry Stack Sullivan foi
extremamente importante, não porque foi uma inovação
terapêutica para o “Humanismo” na psicanálise, mas pelo

89
Ibidem, pág. 112.
160
simples fato de que esta teoria valorizar a profundidade
nas “Relações interpessoais”, não se iria admitir, a partir
dos próprios postulados teóricos da PSICANÁLISE
HUMANISTA, que esta seria a solução definitiva para a
cura do sofrimento humano.
Na visão de Fromm, simplesmente acrescenta um
novo modo de ver a relação terapêutica, indo ao
encontro de suas próprias expectativas. Num sentido
mais eficiente e de qualidade, a humanidade desenvolve
uma capacidade valorizativa em lutar pelo direito de viver
a sua plena humanidade.
Karen Horney convidou-o para ir a Chicago, no
ano de 1933, pois ambos autores tinham algo em
comum, o desejo de ampliar a sua concepção de
homem, seus modos de relações sociais e a influência
cultural. Num ponto todos estavam de acordo, não
podiam mais concordar com a absolutização da “libido”,
necessitava ampliar teoricamente o modo de ver o
homem, diante de toda sua complexidade e,
principalmente, a influência doutrinária e dogmática da
teoria freudiana, no processo de formação psicanalítica.
Em 1936, Harry Stack Sullivan90 convida Erich
Fromm para dar cursos na recém fundada escola de

90
Ibidem, pág. 105.
161
psiquiatria de Washington, onde a proposta de formação
psicanalítica era transdisciplinar, ampliando o conceito de
homem, dentro de uma visão holística. O objetivo era
congregar vários profissionais, das mais diversas
ciências, para dar uma visão ampla e integral do homem,
em toda sua complexidade. Esta atitude abriu as portas
para integrar as várias dimensões do homem, quanto ao
biológico, antropológico, social, cultural e político.
Depois de terminar sua relação matrimonial por
mais de 15 anos com Karen Horney, Fromm, se
relacionou com várias mulheres, Katherin Dunhan,
Martha Graban, mas acabou se casando com a filha de
Henry Gurland, imigrante da França, devido à
perseguição nazista em 1940 e, no ano de 1944,
realizou-se o casamento. Logo depois, Fromm ajudou a
fundar, em Nova York, a “Associação para o avanço da
psicanálise”, mas devido ao seu casamento, houve o
rompimento com Horney, em 1943.
“Erich Fromm, desde o princípio, participou da
formação deste novo grupo e de como deveria ser. Como
não era médico, ficou “somente” como membro
honorífico (...). O conselho da faculdade negou este
pedido, porque, com esta atitude, sancionaria, de forma
oficial, a psicanálise para ser praticada por pessoas que

162
91
não eram médicos”. O desagrado e a decepção foram
muito grandes, em relação aos médicos, do medo que
outros profissionais pudessem ser psicanalistas.
Sentindo-se perseguido e pressionado, resolveu
abandonar esta sociedade.
No ano de 1946, ele e outros profissionais da área
da psicanálise, fundaram o Instituto de Psiquiatria,
Psicanálise e Psicologia William Alinson White, com o
objetivo de estudar as ciências humanistas e sociais.
Proporcionando uma formação, na teoria e prática, a
“psiquiatras, psicólogos, professores, párocos,
pastores, trabalhadores sociais, enfermeiras,
médicos, para ampliar seus conhecimentos, na área da
psicanálise, utilizando-os nas suas profissões.”92
Com este objetivo, cria-se uma ruptura com a
formação tradicional em psicanálise. Agora qualquer
profissional poderia ter acesso ao conhecimento
psicanalítico, não só pelo fato de ter que ser psicanalista,
mas enriquecer-se deste conhecimento teórico e prático
para se qualificar, na área de sua atuação profissional.
Inicia-se, neste ano, um processo de abertura e
socialização do saber psicanalítico, dentro de uma visão
humanista e transdisciplinar, juntando todas as áreas do

91
Ibidem, pág. 117.
92
Ibidem, pág. 258.
163
conhecimento, para entender e descrever as
“complexidades inconscientes do homem.”
Em 1962, o rompimento com a Associação
Psicanalítica Internacional (IPA), foi decisivo, no
Congresso de Amsterdã, onde se criou a Federação
Internacional de Sociedades Psicanalíticas (I.F.P.S)93,
onde vários grupos contrários ao modelo ortodoxo se
pronunciaram, a favor de um novo modo de trabalhar na
94
formação dos futuros psicanalistas. No ano de 1956,
Fromm conseguiu formar sua primeira turma, no México,
dentro de uma abordagem humanista, fundando o
Instituto Mexicano de Psicanálise, na Cidade do
México.
Dentro desta concepção teórica “humanista”,95
aqui entendendo o compromisso de ampliar o grau de
consciência do homem, sobre sua própria irracionalidade
inconsciente, possibilitando uma nova visão
transdisciplinar e holística, diante dos dilemas complexos
do homem na modernidade. Pairava, no psicanalista, a
devolução tão merecida, proporcionada pelo tratamento
psicanalítico da capacidade produtiva de colocar sua

93
Ibidem, pág. 135.
94
Ibidem, pág. 132.
95
FUNK, R. Vida e Obra de Erich Fromm. Barcelona, Paidós, 1987, pág.
54
164
inteligência e criatividade para ampliar sua capacidade
de amar, sendo útil e contribuindo à sociedade onde ele
estava vivendo.
96
O sentido e o significado, na existência,
estavam muito mais adiante do simples fato de ter um
“Sentido existencial”. Era necessário resgatar um amor
especial pela vida ecológica, cósmica e organísmica.
Entendia-se a importância de estar integrado em toda
sua dimensão mental, emocional, cognitiva, social,
transcendental, espiritual, política, histórica, cultural e
econômica. Estas diversas faces fazem parte deste Ser,
esta amplitude pode olhar o homem não mais dentro de
uma visão mecanicista e determinista. A psicanálise
deveria, então, somar novos esforços, no sentido de dar
as condições de equilíbrio emocional, através do estudo
intelectual, pesquisa de campo e na própria subjetividade
neurótica.
Estar inserido dentro de uma sociedade e não
contribuir para a melhoria da qualidade de vida das
pessoas é passar pela existência sem entender o
significado maior de pertencer à raça dos seres
humanos. Sem esta humanidade, despojada de

96
FUNK, R. Vida e Obra de Erich Fromm. Barcelona, Paidós, 1987, pág.
52.
165
interesses narcisistas e megalomaníacos, na apropriação
desesperada do material ou do status como um fim para
alcançar notoriedade, reconhecimento, valorização e
afeto, seria o próprio suicídio, alargado pelo ativismo
descompensado, como uma forma de esconder-se dos
fatos mais significativos da existência organísmica, onde
o amor, o afeto, a amizade, a solidariedade e a
cooperação são condições, à priori, para o pleno
estabelecimento da saúde emocional.
A Psicanálise Humanista trata, especificamente,
do ser humano, em toda sua complexidade de ações e
reações, não num sentido condutista somente, mas para
entender a plena realização deste ser humano,
necessitando recriar, dentro de si, o potencial em
inteligência e sabedoria, com o fim último de dar asas à
plena imaginação criativa, onde o prazer, a alegria, a
satisfação, a realização são os gostos cruciais da
vontade de viver e de expandir-se em todos os sentidos.
Um amor gratuito para cuidar de si, amando e
defendendo a vida, em toda plenitude. O ser, em estado
de incongruência, produz a discórdia, a confusão; o
íntimo propagado pela própria infelicidade de um vazio
existencial, desconectado de uma ligação mais profunda
com sua própria natureza.

166
A existência, em si mesma, acentua a
necessidade de estar em condições de interagir com
várias áreas vitais, isto inclui o pensar criativo para abrir
caminho, diante das “exigências” que a vida impõe.
Nestas descobertas ampliam-se as generalizações de
conceitos, formas próprias de interpretar a realidade
além de conhecê-la. Esta aproximação com um mundo
desconhecido de fenômenos emocionais, reativados a
partir dos estímulos visuais e desejos inconscientes,
impele a pessoa a lançar-se nesta aventura, a se
descobrir para poder desobstruir a livre expressão de
suas potencialidades. Nesta apreciação surgirão
aprendizagens, interpretações e reformulações de novos
conceitos, possibilitando, a cada um, uma lapidação mais
profunda de sua própria humanidade. O Humanismo, em
Erich Fromm, se dá a partir da própria existência, com
sentido claro na opção de valores fundamentais para a
promoção da dignidade do ser.
Esta experiência dos sucessos e fracassos, dos
encontros e desencontros, fazem da pessoa um centro
de reflexão, onde o valor maior são atitudes e decisões
complementares do equilíbrio antro-bio-psico-social. Esta
humanização se dá a partir do mundo emocional, onde
as imagens arquetípicas estão aprisionadas pelas

167
experiências de seus antepassados. As civilizações do
passado proporcionaram um poder, à própria genética,
para atuar sobre os cromossomos. São vários os
sentimentos que interferem no corpo físico. Com estes
conteúdos simbólicos, ele se torna um campo etéreo e
vibracional, também chamado alô energético, sintonizado
em frequências diferentes.
Acentuando sua cor, quando há alegria, prazer e
bem estar, a felicidade se faz presente na sua máxima
expressão. Na manifestação de sua aura, identifica-se,
nas diversas cores, o seu estado emocional; a linguagem
dos seus códigos mensageiros explicita a essência de
sua energia inconsciente. Um ser não se abstrai somente
do mundo fisiológico e de reações neuroquímicas. Estas
são apenas manifestações de uma parte inteligente,
ligada ao todo organísmico e cósmico, onde a natureza
manifesta sua máxima sabedoria, priorizando um legado
ancestral de aprendizagem insubstituível para a
humanidade.
Onde estão a incongruência, o egoísmo, a
falsidade, a inveja e o ciúme, imperam a discórdia, a
divisão, a competição, a raiva, o ódio e, por último, a
doença. Nesta situação, o ser está muito mais atrelado a

168
um sistema de vida, onde apenas experimenta a
infelicidade.

2.1. As diferenças entre psicanálise clássica e


psicanálise humanista

Para dar consistência e resultado, uma teoria


precisa se confrontar com alguns conceitos e leituras
feitas, num dado momento histórico e social, onde a
ciência alcançava, para descrever e entender o quadro
das psicopatologias.
Hoje a realidade se expressa com outros
conceitos, tentando também dar conta dos sofrimentos
psíquicos ou orgânicos da pessoa humana. Entendemos
a importância da ciência, pois estimula, inova,
acrescenta, avança sempre mais, rumo ao mundo do
desconhecido. Mas aos poucos os cientistas começam a
se dar conta da enormidade de questões abertas que
ficam sem respostas.
E não poderia ser diferente com a própria
psicanálise, depois de ser criada, em 1854, com o
nascimento de Freud, surgindo um novo modo de
encarar e descrever o homem, no seu mundo
inconsciente. Cem anos se passaram e muitos avanços

169
foram feitos. A sociedade mudou, os homens também
vivem de forma diferente. Porém, a teoria psicanalítica
não pode ficar imobilizada pelo antídoto do medo em
revisar alguns conceitos, que descrevem a formação
etiológica das síndromes psicopatológicas.
Uma teoria que não acompanha os novos
tempos pode correr o risco de ficar no esquecimento,
ou na admoestação daqueles conceitos assumidos
ortodoxamente, como uma incorporação fanática de
defender, a qualquer preço e sem senso crítico, os seus
dogmas. Este legado cultural precisa ser interpretado,
modificado, alterado e incorporado para poder dar uma
nova resposta aos novos problemas existenciais
enfrentados pelo homem, na sua contemporaneidade.
São muitas as publicações e pesquisas feitas na
área da saúde mental e coletiva, onde os avanços e
questionamentos são notórios e saudáveis, pois exigem
da parte de qualquer teoria uma resposta inovadora,
atendendo, assim, às necessidades da sociedade atual.
Por exemplo, no Brasil existem 26 milhões de
crianças e adolescentes na miséria, mais de 80 milhões
de pessoas que vivem na extrema pobreza, onde
somente 3,6 milhões de jovens têm acesso às
universidades, mais de 40 mil pessoas morrem

170
assassinadas todo ano, fruto da barbárie e da má
distribuição de renda.
Nos últimos 10 anos foram assassinadas 400 mil
pessoas. É uma espécie de guerra civil declarada.
Observa-se um clamor, por parte dos movimentos civis
organizados, sindicatos, O.N.Gs, professores, cidadãos,
pedindo paz e não a barbárie e a tirania. As próprias
sociedades psicanalíticas não podem ficar atreladas a
uma visão distorcida e equivocada, se eximindo e
fugindo de dar uma resposta aos problemas sociais, em
nosso país.
É muito pouca pretensão ficar sustentando que a
origem dos conflitos pessoais e sociais advém de uma
libido reprimida, talvez, isto tenha valor em uma outra
realidade cultural, mas, em nosso país, será muito mais
proveitoso utilizar o conhecimento psicanalítico, na área
da sexualidade, para dar curso de prevenção nas
escolas para educadores e alunos, no sentido de
prevenir enfermidades.
Enfim, a teoria freudiana clássica se solidificou sob
um paradigma racionalista, mecanicista e fisiológico,
interferindo, diariamente e de forma equivocada, nos
diagnósticos dos conflitos psíquicos e sociais. “Freud,
estava tomado pelos princípios patriarcais, onde a

171
filosofia materialista burguesa não admitia a possibilidade
de uma energia psíquica, com consciência e inteligência
próprias, podendo existir no corpo físico humano. Ao
contrário, afirmava e identificava como energia
fisiológica. E, a maior expressão dos diversos instintos
do organismo apresentava-se com maior valor: o da
energia sexual”. 97
Um fato interessante está por definir a postura de
Freud em relação aos seus escritos, ele mesmo afirma:
“Ao final da sua apresentação autobiográfica, publicada
em 1925, disse: Fazendo uma olhada introspectiva da
obra de minha vida, posso dizer que fui o iniciador de
muitas coisas e contribuí com numerosos estímulos, dos
quais, algo surgirá no futuro. Eu mesmo não posso saber
se será muito ou pouco. Mas tenho o direito de formular
a esperança de haver aberto caminho a um importante
progresso, em nosso conhecimento.” 98
Freud reconhecia o valor de sua teoria, mas
não descartava algumas mudanças, fruto dos
avanços teóricos das outras ciências e da própria
sociedade. Theodor Reik99, em sua autobiografia, de
1965, mostrou um Freud aberto e flexível em relação às

97
FROMM, Erich. Del tener al ser. Barcelona, España, Paidós, 1991
98
FREUD apud FROMM, Erich. Espiritu y sociedade. Espana, Paidós, 1996.Pág.
155. (Cit. Por Freud. 1925. Vol. 14. pág.96).
99
REIK, Theodor. Trinta años con Freud. Buenos Aires, Paidós. 1965, pág. 28 e 29.
172
mudanças de conceitos ou de uma revisão teórica, no
futuro da própria psicanálise. Lutou com todas as suas
forças para dar as bases epistemológicas, definindo sua
visão de homem e de sociedade.
Houve várias modificações de sua teoria, sendo
ele mesmo quem acertou, no decorrer de sua vida,
partindo da sua própria reflexão algumas mudanças de
conceitos, avançando para uma melhor definição do
fundamento do aparelho psíquico. Talvez, a forte
convivência de Theodor Reik, por mais de 30 anos com
Freud, pudesse, através de sua amizade, ampliar as
vantagens em receber suas críticas.
Freud tinha uma predisposição e um amor muito
especial em explicar o homem, a partir do movimento de
sua energia, interpretando os símbolos mais
significativos dos conteúdos inconscientes, expressados
pelos sonhos e fantasias. Foi através dos estudos de
casos clínicos, no seu próprio consultório, que conseguiu
formular uma descrição teórica do funcionamento mental,
a nível inconsciente. Sua obra é extensa, demonstrando
leitura, profundidade e sabedoria, para poder dar uma
explicação sobre diversos fenômenos relacionados ao
conhecimento íntimo do ser humano, bem como a
descrição das teorias das neuroses, histerias, manias e

173
síndromes correlatas, expressadas nas neuroses de
conversão.
Lutou até o final de sua vida para dar o status de
ciência à teoria psicanalítica. Porém, sofreu diversas
adversidades e dificuldades em comprovar, diante da
comunidade científica, o caráter da objetividade e da
comprovação dos dados empíricos, como a elaboração
das leis psíquicas, o valor da objetividade e o princípio da
neutralidade.
O desejo de Freud, de tornar a psicanálise uma
“ciência”, teve um custo muito alto para poder manter
conceitos e uma metodologia própria. No momento
histórico e social, ele foi tomado, não só pela vontade da
pesquisa e da formulação de sua própria teoria, mas pela
forte influência que recebeu das suas neuroses. Talvez,
este desejo quase destinado de ter o reconhecimento
como um homem de valor e cientista, tenha lhe custado
alguns erros, na formulação de sua teoria.
Ele mesmo foi vítima do seu próprio estado de
“inconsciência”, em relação aos vários dilemas
existenciais, enfrentados por ele, naquele momento
histórico. Não foi por acaso que Freud optou por estudar
o comportamento humano, analisando a fonte dos
desejos conscientes, racionais e um mundo de

174
expressão instintiva pulsional, que era indiferente ao
poder do racionalismo e dos mecanismos de defesa.
Sentia-se angustiado, ansioso, tenso com a qualidade de
sua própria vida, relacionando os fatos acontecidos na
sua infância com as suas atitudes atuais. No entanto, se
dava conta de que a mera tomada de consciência não
solucionava o reprimido.
Sua missão foi nobre e enaltece a humanidade.
Porém, ficou sendo considerado uma revisão conceitual
sob as etiologias das neuroses, tendo como bloqueio a
livre expressão da energia libidinal reprimida. Freud se
esqueceu de colocar em evidência primeiro, o aspecto da
comunicação, depois, a extroversão, como condição, à
priori, para satisfazer o desejo libidinal. Esta sua atitude
não levou em consideração o status profissional,
econômico e cultural, na relação entre homem e mulher,
no processo de conquista da pessoa amada, para poder
viver as vicissitudes da sua pulsão libidinal instintiva.
Como podemos afirmar, o próprio desejo sexual
impulsiona o encontro com o outro. Num primeiro
momento, parece que é o desejo sexual. Entretanto, no
interno, é seguir a pulsão para encontrar afeto e
proteção. Erich Fromm100 iniciou um processo de

100
FUNK, Rainer. Vida e obra de Freud. Buenos Aires, Paidós, 1999, pág. 101.
175
reflexão para “REVISAR” alguns conceitos da teoria
psicanalítica ortodoxa, com a intenção de socializar este
saber a outras classes de profissionais, das mais
distintas áreas.
O fundamento filosófico da interpretação do
homem, o método científico, da natureza humana e da
sociedade, buscou sua sistematização em alguns
conceitos da era do iluminismo.101 Abstrair-se do poder
da razão, como condição para explicar e dar conta da
realidade.
Existem alguns conceitos centrais, da teoria
freudiana clássica, onde poderíamos verificar a diferença
entre a anatomia e a funcionalidade, falar de dinâmica
em vez de topografia, adaptação ativa em vez de
passiva, produtividade em vez de estágio genital da
libido, amor em vez de sexualidade genital fálica,
criatividade em vez da razão, caráter produtivo em vez
de sublimação, alegria em vez de acalmar a tensão
instintiva”. 102
Existem algumas extensões das bases
epistemológicas e filosóficas desta teoria, tendo uma

101
Iluminismo “Linha filosófica caracterizada pelo empenho em entender a razão
como crítica e guia a todos os campos da experiência Humana”. Abbagnamo, Nicola.
Dicionário de filosofia. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2000, pág. 534.
102
Salvador Millan; Sonia G. Millan(Comp). Erich From y el psicoanálisis Humanista;
2ed, México, Ed. Siglo Vienteuno, 1982. pág. 25.
176
implicação decisiva na elucidação de um modelo de
homem e sociedade. A psicanálise humanista tem outra
compreensão do que pode se entender por toda a
problemática humana. Este olhar sobre o fenômeno
incompreendido inclui a totalidade do ser: isto
significa incluir todas as dimensões existenciais,
como hipótese possível da futura neurose.
Para explicitar, com coerência, uma descrição dos
sofrimentos humanos, primeiro é preciso entendê-lo em
toda sua complexidade das várias situações comuns
estarem interligadas ao todo; não basta descrever a
etiologia da neurose pela demarcação conceitual de uma
teoria: ela pode, inclusive, ajudar a expressar uma
melhor compreensão, mas, provavelmente, não poderá
ser a solução final daquela doença ou enfermidade
mental.
Outros horizontes possíveis se fazem necessários
à sua apreciação, nesta exposição aberta e flexível,
podendo criar novos aportes elucidadores da
problemática. E, nesta busca constante, o ser se
encontra sob diferentes desafios, estados emocionais
mais evoluídos, refletindo e pensando sob sua própria
humanidade.

177
As dificuldades, as perseguições, as rupturas, as
perdas, as desilusões, são experiências dotadas de um
aprendizado capaz de enaltecer a necessidade de uma
maior compreensão de atitudes e comportamentos, não
condizentes com a ética da vida.
Muitos líderes políticos e religiosos acreditam no
princípio da reciprocidade agressiva para impor suas
próprias ideologias e o resultado disto sempre foi morte e
destruição. Este ímpeto de irracionalidade está presente
no mais íntimo da barbárie humana, onde se tem
presente a violência e a destruição.
Não vejo a Psicanálise Humanista se contrapondo,
criticando ou menosprezando a teoria psicanalítica
clássica. Ao contrário, podemos observar uma
continuidade desta teoria complementada com outros
conceitos, mais aprimorada e aproximada de uma
determinada realidade pessoal e social. Sem dúvida,
Erich Fromm teve “Um espírito penetrante e radical, que
liberou o pensamento de Freud de suas limitações
mecanicistas e positivistas, derivadas da ideologia
patriarcal, de pequena burguesia, do pai da psicanálise”.
103

103
Ibidem. Pág.46
178
Esta visão do homem atribui um valor considerável
à matéria, ou seja, à existência somente dos corpos, na
sua constituição objetiva do que é visto e palpável. Este
princípio deu um status de cientificidade a muitas
ciências das áreas médicas, principalmente naquilo que
constitui a sua máxima preocupação: “ter o controle
sobre o fenômeno”; para isto, se faz necessário trabalhar
com corpos frios, inertes e, explicitamente, materiais, a
partir desta objetivação.
Ficou desconsiderado qualquer tipo de afeto ou
sentimento, realçando o valor do “psíquico” como causa
dos fenômenos fisiológicos. Assim, o materialismo tem
uma forte ligação com a corrente positivista e
mecanicista, pois ambas estão interessadas em
determinar as leis do funcionamento do fenômeno, a
partir de uma visão mecanizada da vida.
Esta teoria teve forte implicação na idéia de
homem, a partir das doutrinas de Parmênides, Demócrito
e Epicuro. (Na configuração teórica dos iluministas e
positivistas do séc. XIX, Parmênides de Eléia viveu na
primeira metade do séc. V AC, sendo um dos primeiros
deterministas, pois criou a visão de um universo
imutável, em que tudo é um, pois como coisa alguma

179
pode ter vindo do nada, o mundo sempre existiu. O ser
existe e o não ser não existe.)104
Já com Demócrito de Abdera (470-400AC), ele foi
o primeiro a dar um conceito para o átomo (divisão,
partes, substâncias concretas invisíveis, homogêneas e
eternas, que estavam juntas num espaço vazio), esta era
a primeira realidade independente de estar vivo ou não.
Desta forma, Demócrito entendia e descrevia a realidade
material a partir do átomo, dando início ao materialismo.
Foi o princípio da investigação, a posterior, dos grandes
físicos quânticos de nossa atualidade. 105
Na forma de entender de Epicuro (341-270 AC), a
ciência tinha como objetivo libertar as pessoas da
ignorância e da superstição. Seu lema era “o prazer é o
maior bem”, entendendo isso como ausência de dor.
Ele afirmava que os deuses estavam muito distantes e
não se importavam com os homens, portanto, “nada
temos a esperar e nada a temer”, a razão humana é o
único árbitro da verdade. Logo depois, os Romanos
desviaram a simplicidade da vida sexual a uma prática
do hedonismo.106

104
MASCIA, Antonio, G. Do mito ao pensamento cientifico. Ed. Atheneu. São
Paulo. 2003. Pág.37.
105
Ibidem Pág. 43.
106
Ibidem Pág. 54.
180
O materialismo psicofísico107, onde todas as
reações emocionais apresentadas pelo ser humano
tendem a se manifestar, dentro de alguns
comportamentos observáveis e mensurados, como forma
de manter o fator objetivação no controle e na pré-
determinação de certos comportamentos, aduzindo-se ao
fato de se entender toda esta engenharia, interligada
entre si. Estas engrenagens especificadas e contidas
conseguem explicar o corpo humano, seus movimentos e
reações, como uma máquina pensante, desprovida de
incertezas e outras possibilidades. Assim, se constitui a
cibernética sistêmica, aduzidas pelo grande motor vital
da energia dinâmica, que se interrelaciona.
No Iluminismo dos séc. XVII e XVIII, ligado ao
empirismo racionalista, o homem foi explicado,
mensurado, decodificado, especificado, dentro de uma
ordem preconcebida de diretrizes normalizadas das
ciências exatas e naturais. O efeito deste tipo de
cientificismo racionalista era de demonstrar o poder
ilimitado da ciência, sobre os fenômenos da natureza.
Como estes entes não tinham vida nem espírito eram,
simplesmente, providos de matéria, a ser utilizada e
manipulada, não recaía nenhum compromisso ético

107
“consiste em afirmar que a atividade espiritual humana é efeito estrito da matéria,
ou seja do organismo, do sistema nervoso ou do cérebro”. (Dicionário de filosofia)
181
social; ao contrário, aliado do positivismo de Augusto
Comte, no interesse de implementar a organização do
processo tecnológico para o avanço de uma sociedade
altamente industrializada, surge, então, a busca do
progresso social, aliada a uma ciência pragmática e útil,
qualquer outro tipo de conhecimento, sem este objetivo,
não tem nenhum valor.
A partir desta interpretação, a realidade do homem
fica dividida entre mente e corpo, espírito e matéria,
orientada em manter-se em grupos específicos, com
determinadas especializações, tendo em vista a
necessidade de procurar abstrair do fenômeno de
pesquisa o máximo de interesses lucrativos e
corporativistas.
Alguns cientistas doam seu tempo e conhecimento
a decifrar determinados fenômenos, sem o mínimo
interesse ético de pensar sobre as possíveis
interferências ou prejuízos à sociedade, à natureza do
homem e de seus efeitos sobre o sistema ecológico.
É uma ciência desumana, porque tem por
finalidade alcançar objetivos espúrios e contrários à vida,
principalmente no que se refere à manipulação
ideológica e o compromisso ético de defender a vida na
terra, em toda a sua plenitude. Se as ciências de ponta e

182
as grandes comunidades científicas utilizam estes
conhecimentos, com o fim último de estabelecer sua
hegemonia a qualquer custo, estaremos, sem dúvida,
num caminho de autodestruição (pulsão tanática), onde a
necrofilia se faz mais presente que a biofilia.
A psicanálise humanista, propiciada pelo desejo
de demarcar teoricamente uma nova concepção de como
entender o inconsciente humano e social, a partir do
legado holístico e transdisciplinar, proporcionou uma
nova orientação na formulação da técnica psicanalítica,
priorizando o afeto e desbloqueando o potencial humano
vital para amar e ser amado.
Esta nova abordagem inclui o equilíbrio das forças
psíquicas, oriundas de um ser em evolução. O postulado
das teorias instintivas, comportamentalistas e
ambientalistas, verifica e estuda o homem, a partir de
conceitos fechados, sem integrar e incorporar as visões
de outras teorias, como a neurofisiologia, a etologia, a
paleontologia, a pré-história, a antropologia e a
sociologia, no entendimento dos comportamentos
inconscientes.
Toda teoria tende a ter um avanço, mesmo diante
das adversidades de sua própria cultura, e aos poucos
vai demonstrando seus próprios conceitos, contrários às

183
ideologias pré-estabelecidas. “La Idea original tiene que
expresarse primero en formas erróneas, hasta que la
evolución del pensamiento, debida la evolución de la
sociedad, permite a las antiguas formulaciones liberarse
de sus errores temporales, para adquirir una importância
mayor aún de la que hubiera sospechado su autor.” 108
Desta forma, consegue, com tempo e paciência,
as condições para a compreensão de uma nova
interpretação do homem, em toda sua totalidade,
envolvendo as mais diversas áreas de sua existência,
deixando de lado o absolutismo de uma compreensão
estática da libido sexual, como condutora dos
sofrimentos psíquicos. Existem outras dimensões de
energia, como as sutis, sinergicamente interligadas com
níveis de frequência, perspassando o conceito de
“energia libidinal” e propondo uma ligação com os mais
diversos níveis de intensidade, dadas dentro do campo
eletromagnético, onde as informações são transmitidas
de inconsciente para inconsciente, sem a necessidade
da percepção ou a conscientização destas trocas
energéticas.
Compreender um “halo energético” ou uma
“áurea” é apreender as diferentes formas de

108
FROMM, Erich. Del tener al ser. Buenos Aires, Paidós, 2002, pág. 76
184
manifestação de energia, com seus próprios tons e
coloridos pessoais. Esta identidade comunica um estado
emocional, influindo diretamente sobre o sistema
imunológico e, consequentemente, na saúde física e
psíquica da pessoa.
No seu livro “Trinta anos com Freud”, Theodor
Reick faz um relato autobiográfico de sua vivência com
Freud, dizendo que ele “Sabia, também, que esta ciência
poderá sofrer modificações e alterações, assim como,
ser complementada e conduzida desde outros ângulos.”
109
Não existe nenhuma dificuldade, na psicanálise, em
acentuar, discutir, ou mesmo, acrescentar modificações
necessárias, porque isto só tem a acrescentar, no
sentido de torná-la mais eficaz e acompanhar os sinais
dos tempos.
Hoje, a ciência já não aceita dogmatismos
pessoais de estrelas, onipotentes e oniscientes,
detentoras de uma área do saber humano. Toda forma
de rigidez relembra as “neuroses de caráter” que se
valem de uma teoria para poderem se aprimorar e terem
a chance de serem chamados de teóricos da psicanálise.
A ciência psicanalítica, ao contrário, propõe modificar

109
REIK, Theodor. Trinta años con Freud. Buenos Aires, Paidós, 1965, pág. 29.
185
estas atitudes, pois já fica demonstrado o grau de
doença escondido na prepotência.
Uma revisão teórica pode ser feita, com cautela e
respeito, entendendo o seu momento histórico, cultural,
social, político e econômico. O autor de uma determinada
ciência coloca tudo de si, dentro de suas próprias
capacidades intelectuais. No entanto, não fica excluindo
qualquer tipo de contribuição ao avanço da teoria.
A crítica, sem uma defesa coerente e lógica, fica
somente na leitura falsificada da teoria, sem contribuir
em nada na melhoria dos conteúdos. Em nenhum
momento se deve difamar ou diminuir o esboço teórico
de uma teoria, até porque é leviano, mesquinho e
antiético. Ao contrário, mostra outras intenções ocultas,
de criar polêmicas desnecessárias, com o fim último de
prejudicar e diminuir, diante da opinião pública, a imagem
do autor.
Estas atitudes não engrandecem a psicanálise, até
por se tratar de uma ciência da vida, em todas suas
dimensões. Dessa forma, torna-se necessário um debate
teórico, onde o respeito e a ética são os fundamentos de
qualquer estudo científico. Sem estes valores, o
ambiente ficará intoxicado pela raiva, ressentimentos,
ódio e agressões pessoais.

186
Acreditamos que a psicanálise começou a se
constituir em um erro quando se propôs a formação de
um comitê científico, com a finalidade de cuidar, vigiar e
controlar os conceitos básicos da psicanálise clássica.
Com esta iniciativa, a teoria psicanalítica ficou presa à
I.P.A., Associação Internacional de Psicanálise,
direcionando e impedindo qualquer avanço, ou mesmo
modificações, nos conceitos centrais da teoria
110
freudiana.
É de se estranhar tal atitude, pois não existe
nenhuma ciência com este controle rígido, na formação e
pesquisa, que impeça a sua modificação. Todas as
outras áreas e comissões científicas se reúnem para
estudar, pesquisar e celebrar as mudanças no seu
esboço teórico. Isto significa, para esta comunidade, um
avanço. Já na psicanálise, qualquer atitude de
questionamentos, revisões ou modificações, é tratada
como subversiva, traidora ou de charlatanismo, pois
quem não segue a doutrina teórica é expulso e excluído
de tal dita sociedade.
Com uma justificativa racional, o grupo se reúne
em nome da defesa da psicanálise, pois eles se acham
os detentores do conhecimento do homem e falam, em

110
FROMM. Erich. La misíon de Sigmund Freud. Ed. F.C.E. méxico. 1981. Pág.90
187
alto e bom tom, que possuem a verdade, tendo a nobre
missão de se tornar discípulos e, depois, defender, como
um soldado abnegado, a concepção teórica freudiana.
Erich Fromm foi um dos “revisionistas.”111 Sofreu,
sem dúvida, as intempéries do desentendimento de
alguns conceitos teóricos e mesmo da teoria da técnica
psicanalítica. Na sua trajetória de vida, soube usar de
sua paciência, inteligência e prudência, para poder
pensar em liberdade, fora da vigilância e do controle, tão
necessária para a evolução de qualquer ciência.
Foi um homem destemido, onde prevalecia muito
mais sua atitude de vida, incorporada pelos seus valores
humanitários, do que por uma teoria desprovida de
emoção e sentimento, descomprometida com a
existência, fugindo do seu principal papel, de lutar pelos
direitos individuais e da liberdade de pensar e pesquisar.
Freud compreende e entende a necessidade de
ampliar e reformular alguns conceitos de sua própria
teoria, ficando, assim, inexplicável o fato de alguns de
seus discípulos ainda estarem aferrados aos seus
dogmatismos pessoais, confundindo teoria científica com
crença e devoção.

111
R. Funk. El amor a la vida. Paidós ,Argentina, 2002, pág. 101.
188
Freud, quando esboçou o conceito de “energia
psíquica”, o fez diferenciando seu movimento no
organismo através da fisiologia mecanicista, sem fazer
idéia da influência desta corrente teórica do materialismo
mecanicista, organizado na Alemanha por Oscar Vogt,
Jakob Mabschoget e Ludwig Büchner e de seu principal
mestre, Ernest Von Brücke, e seus colaboradores. 112
Esta intenção de Freud, de explicar as neuroses
através da fisiologia, ainda era resquício de uma
formação médica, onde os impulsos nervosos tinham
uma característica palpável, referente ao sistema
nervoso central e à própria neurologia.
As rupturas teóricas de Freud com Jung, Adler,
Breuer, Fleiss, Stekel, Rank e Ferenzi já pronunciavam a
dificuldade de aceitar as mudanças no seu modelo
teórico do homem e seu inconsciente. “Um cuidado de
amor e uma assistência que tivera permitido desenvolver
plenamente a confiança em si mesmo, o prazer em si
mesmo. Cada doente necessita de uma classe diferente
de cuidado terno e alentador (...) e deve ser continuado
pelo analista, com toda habilidade e tato, com um

112
FROMM, Erich. Espíritu y sociedad. Barcelona, Paidós, 1992, pág. 158.
189
bondoso afeto, sem medo de ser absolutamente honrado
e autêntico.” 113
Freud tinha sérias dificuldades de expressar, não
só sua afetividade, mas também todo o seu amor,
quando expressa seu grande desejo pela sua futura
esposa. Mas não foi por acaso que usou a cocaína,
como recurso químico, para diminuir sua inibição
pessoal. Esta adição demonstra a forte compensação em
torno da leitura, pois com 08 anos já lia Shakespeare,
sendo uma das alternativas que ele encontrou para dar
conta de sua timidez e, ao mesmo tempo, ter o
reconhecimento e o amor, tão necessário, de sua mãe.
A leitura foi um modo disfarçado de se encontrar
com seu ponto fraco. Tinha dificuldade de expressar
afeto a sua esposa e filhos, por isto, acreditava no valor
da “libido sexual”, como solução definitiva para a
satisfação das necessidades sexuais. Não conseguia
entender a expressão do valor da intimidade, do
companheirismo, dos projetos comuns entre o homem e
a mulher, justamente porque estava bloqueado para a
vivência de tão nobre experiência, de dar e receber
amor, de forma gratuita e em igualdade de condições.

113
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F.C.E., pág. 69 apud comunicación
personal en 13 ete de Forest, discípula y amiga de Ferenzi y autora de The Leaven of
love (Harger and Brother’s, Nueva York, 1954) que contém una excelente exposición
de las nuevas ideias de Forenzi.
190
Freud dizia: “Todos vocês estão equivocados O amor
faz de vocês pessoas débeis; O que dá a felicidade é o
ser amado? O que significa ser amado? Possuir o objeto
amado.” 114
O amor é a forma mais sublime de interação e
participação. Um espaço onde os dois seres escolhem
para vivenciar fatos, acontecimentos e, ao mesmo
tempo, se ajudar na liberdade de ser, onde o processo
de individuação e a autonomia pessoal são condições
básicas para explorar todas as suas potencialidades,
ninguém “possui” um objeto, o respeito pelo outro inclui
igualdade de condições e oportunidade.
Ser dono de alguém é se apropriar de um “objeto”
e as pessoas não querem ser tratadas desta forma,
como algo que se usa e joga fora. A posse impõe
domínio, medo, autoritarismo e machismo, fruto do
desrespeito masculino, em não saber acolher e dar amor,
tão necessário à presença feminina. O amor não torna as
pessoas “débeis” e, tão pouco, “egoístas”, e não tem a
finalidade, simplesmente, do gozo sexual. Pensar desta
forma é não se abrir para outras possibilidades de
experiências, de sentimentos e emoções.

114
FROMM, Erich. Grandezas y Limitaciones de Freud. México, F.C.E., ---, pág. 22.
191
Quando se deprecia algo, se faz isto por pura
inconsciência ou ignorância emocional. Para ser homem
não há necessidade de se negar o amor de uma mulher,
os erros das convivências, os prejuízos de alguns
vínculos são experiências pessoais, projetadas na
relação a dois. Mas isto não muda o valor do amor, pois
nele estão contidos a aceitação, o carinho, o cuidado, o
investimento de tempo e dinheiro, no crescimento e na
valorização do outro.
Uma pessoa só poderá “ser amada” quando for
valorizada na sua máxima expressão, utilizando todo seu
potencial de inteligência cognitiva e emocional. Ser
amado inclui uma abertura pessoal para superar as
próprias adições, saindo do mundo das racionalizações e
justificativas, para aceitar o amor e não encobrir, com o
véu de uma máscara, seus medos pessoais.
Freud não poderia experimentar um grau de
felicidade no seu casamento justamente porque, na
seguinte citação, de uma carta à Martha (02/06/1984), é
uma expressão característica de seu ardente amor: “Ai
de ti, princesa minha, quando eu chegue! Te beijarei até
que fiques completamente roxa e te alimentarei até ficar
satisfeita. E se estás disposta, verá quem é o mais forte,

192
uma linda garotinha, que não come o suficiente ou um
homem grande e rude, que tem cocaína no corpo.” 115
Nesta carta, Freud fala de suas duas dificuldades
pessoais: o vício (adição) e uma imagem destorcida do
que significa uma mulher, na relação a dois. Toda forma
de dependência química serve para narcotizar a própria
consciência de dificuldades pessoais, é uma espécie de
fuga da realidade, no que se refere, principalmente, à
expressão afetiva e da cumplicidade amorosa,
experenciada na relação a dois.
Se um autor de uma teoria tem como objetivo
descrever a situação humana e existencial, a partir da
verificação de algumas psicopatologias decorrentes de
seu convívio pessoal e diário e, ao mesmo tempo, toma
algumas decisões, como forma de atenuar seus próprios
“bloqueios” no sentido de atirar para longe o contato com
este mundo emocional doloroso, recairá sempre na
projeção inconsciente de falar de si mesmo, na
elaboração de sua própria teoria.
“Não menciona nunca suas relações com sua
mulher, como fonte de felicidade (...). Como já temos
dito, viajava ao estrangeiro com seus amigos
psicanalistas, ou com a irmã de sua mulher, mas nunca

115
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 31 apud (citado
por Jones, The Life and work of Sigmund Freud – vol. I. Pág. 84)
193
116
com sua esposa.” O que aconteceu, de fato, nesta
relação matrimonial, onde estava o êxtase, o valor da
companhia do outro? Enfim, parece que Freud teve seus
momentos de euforia, no início da relação e, logo depois,
fez a experiência amarga da depressão; interessante
esta sua experiência, pois trata de reviver, na relação de
casal, dois estados emocionais vivenciados no uso da
droga, primeiro o pico: êxtase, alegria e coragem, depois:
tristeza, pessimismo, isolamento.
Se observarmos o núcleo da falência desta
relação, diz respeito ao autoritarismo e ao machismo
patriarcal burguês de Freud, tudo para esconder seus
medos e inseguranças. Nenhuma mulher se sentiria
confortável e à vontade nesta relação, justamente porque
este modo de pensar afasta, distancia, isola e não
propicia uma relação de proximidade. Freud consegue
dissuadir o leitor em sua obra, envolvendo-o, com suas
palavras sutis, convencendo-o de que toda problemática
neurótica advém de uma “libido reprimida”, não
conseguindo enxergar o contrário, a repressão advém
dos “medos inconscientes”, inibições, inseguranças,
pactos, incestos, fatores decisivos da timidez, geradores

116
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 36
194
da insatisfação pessoal e do isolamento, culpando, por
projeção, à pessoa do outro.
Freud se esqueceu do valor da atitude,
principalmente no que se refere ao “calor humano”, mas
parece explicável sua compensação afetiva, com amigos
e amiga, sendo uma maneira de garantir o afeto e amor
dos colegas, tão indispensáveis para sua própria
sobrevivência emocional. Mas não conseguiu vivenciar
este amor com sua esposa.
Entende-se perfeitamente a posição de Martha
Bernays, mãe de quatro filhos, doméstica, dedicada à
educação e aos cuidados de seus filhos, que passou
pela vida realizando-se como mãe. Este é um dos papéis
exercidos por ela, mas como fica a sua realização
profissional, intelectual, econômica e social?
Não existiria uma mulher feliz diante deste quadro,
pois as mágoas e ressentimentos advêm do sentimento
de rejeição e da “repressão das potencialidades
pessoais”, uma pessoa nesta situação perde o “tesão”,
não consegue se “excitar” pela vida, fica inerte, perde o
sentido de “dar prazer”, porque a vida não é feita de um
“orgasmo existencial”. Estas apreciações têm a finalidade
de demonstrar o “Humano em Freud” e, desta
humanidade, descrever também suas limitações,

195
mostrando a vulnerabilidade e as carências, próprias de
um ser chamado “humano”.
O humanismo advém desta experiência, mais
profunda e concreta, sair de situações aprisionadas para
alcançar o status da felicidade. Não existiria a psicanálise
sem o “humano”, esta ciência surgiu no interesse de
ajudar o “ser humano” a se encontrar consigo mesmo e
com a própria existência.
Falamos de “AFETO” e de “AMOR” porque são
as condições essenciais para restabelecer qualquer
equilíbrio emocional. Com esta falta, o ser fica
adormecido em suas próprias insatisfações, ruminando
suas mágoas e frustrações, pela via da dependência e
do consumismo, como forma de aliviar a sua dor e, ao
mesmo tempo, presentear-se com os bens materiais.
“Entendo que a revisão dialética da teoria
freudiana clássica deve realizar-se, ou seguir fazendo,
em seis terrenos: a teoria dos impulsos; o
inconsciente; a sociedade; a sexualidade e o corpo e;
a terapia psicanalítica.” 117
A psicanálise humanista se atém ao estudo de
ciências afins, no sentido de ampliar as possibilidades de
compreensão, numa visão integral e holística, juntamente

117
FROMM, Erich. La crisis del psicoanálisis. Buenos Aires, Paidós, 1960, pág. 36.
196
com outras metodologias, para abrir novos caminhos no
estudo da dimensão inconsciente, incluindo-se aí todas
as doenças e somatizações expressamente ligadas ao
social, familiar, cultural, histórico, econômico, sexual e
afetivo.
Para podermos estudar o homem na sua
complexidade, temos, primeiramente, de tomar uma
atitude de sair de um paradigma do “materialismo
mecanicista”, da visão do “homem máquina”;
condicionados pelos estímulos, respostas e reforços,
para realizar uma tarefa. Nossa visão de homem
extrapola esta compreensão restrita. Propomos a
reflexão, a tomada de decisão, a criatividade, a liberdade
de pensar, de ser livre, lutando sem trégua para sair dos
estados de alienação social, cultural e histórica.
Este homem é livre para decidir utilizar todo seu
potencial de inteligência, para propor a si mesmo um
“ambiente social”, onde todos possam se recriar,
abastecendo-se da energia mais saudável, envolto por
um calor humano, próprio da “ENERGIA DO AMOR”,
onde se fazem presentes a solidariedade, a cooperação,
o respeito e a ajuda, envolvendo a todos nesta semântica
do “prazer existencial”, sendo este amor compartilhado
por todos os seres, onde a máxima expressão será a

197
gratidão e não a reclamação. Imbuído desta experiência
amorosa, se “energizam” de força, coragem e a decisão
de seguir adiante.
Este potencial existe, no ser humano, de seguir
cada um o seu caminho na procura do “Santo Graal”,
uma busca incessante e verdadeira. Em uma sociedade
onde tudo ainda está por ser feito, recai sobre os homens
de bem utilizar sua inteligência para propor a defesa da
vida, em todas as suas dimensões. A saúde do corpo
passa, necessariamente, por saber ultrapassar
obstáculos, chegando, com vigor e vitória, no final da
jornada existencial.
“O homem “sexualis” ou “economicus” concentrou-
se “principalmente no indivíduo e, especialmente, nos
acontecimentos da primeira infância, tendo desviado a
atenção dos fatores socioeconômicos (...) Freud
considerava que a sociedade capitalista contemporânea
era a forma mais alta e evoluída de estrutura social.” 118
O valor de uma ciência como a psicanálise está
em exercer o seu papel social, indispensável para a
melhoria da qualidade de vida das pessoas. Uma ciência
humanizada, com os valores éticos da dignidade do

118
FROMM, Erich. Grandezas e limitaciones de Freud. México, F.C.E., 1960, pág.
115.
198
homem, não pode compactuar com a exploração, a
manipulação e a exclusão social.
Por muito tempo, a psicanálise ficou atrelada a um
grupo de intelectuais, detentores do tratamento psíquico
e do seu conhecimento. Quando se fala em
“humanismo”, inclui-se, também, uma avaliação política
do poder do estado sobre os cidadãos. A proposta
deverá conter a inclusão e não a exclusão. Esta mesma
teoria propõe uma visão integral do homem, elucidando,
elaborando, refletindo e modificando os vários modos de
pensar a práxis, no sentido de proporcionar, mesmo
durante o tratamento psicanalítico, uma solução para
seus problemas econômicos e sociais.
Este comprometimento em socializar o “saber
psicanalítico” em escolas, hospitais, asilos, orfanatos,
associações de classe, sindicatos, O.N.G.s e
universidades, tem o interesse de viabilizar uma melhor
compreensão da vida, prevenindo-se de futuras doenças.
“Assim se formulou a crítica de Fromm à
fundamentação mecanicista e patriarcal da pulsão de
Freud, da sua teoria da cultura e da história, da
universalidade do complexo de Édipo, da teoria da inveja

199
do pênis pela mulher, etc. E outros psicanalistas se
aprofundaram nestes tópicos.”119
Na concepção de Erich Fromm, estes conceitos
deveriam ser mais bem explicitados e questionados, pois
o aporte teórico será apropriado pelos futuros
psicanalistas, com esta visão distorcida do
funcionamento psíquico inconsciente, influenciando,
certamente, no sucesso ou no fracasso do tratamento
psicanalítico. Não existe uma neutralidade. É com este
aporte propiciado pela sua formação ideológica, que irão
formular seus futuros diagnósticos.
O homem é um ser social, de relações. E são
estes contatos, com as mais diversas pessoas e culturas,
que irão proporcionar um aprendizado emocional e
psíquico a ele.
As relações intrapessoais, interpessoais e
transpessoais, mostram o valor dessa condição para
alcançar seus objetivos pessoais e sociais. Seu conceito
de inconsciente consistia em uma reserva de energia
simbólica, inteligente, atuante e à disposição da pessoa,
para utilizar todo este potencial criativo, a favor da sua
própria saúde.

119
FUNK, R. Biografia de Erich Fromm, el amor a la vida. Buenos Aires, Paidós,
1999, pág. 62
200
Sem o autoconhecimento da análise pessoal, esta
riqueza poderá ficar adormecida. Sem esta consciência,
poderá, inclusive, reprimir, esconder e fugir, e todo este
potencial de energia, não será utilizado pela fatalidade de
uma ignorância pessoal.
“Fromm, pelo contrário, crítico da psicologia da
pulsão de Freud e, precisamente, a tese implícita nela de
‘“ olhar a pessoa como um animal condicionado por suas
pulsões, mas domesticado pela sociedade. (...) Em Freud
os fenômenos da espontaneidade, como o amor, a
ternura, a alegria e, inclusive, o prazer sexual, não são
mais que reduções da tensão; e fora disto não há mais
nada.”120
Estas implicações nortearam uma compreensão
da mente humana, dentro de um paradigma fisiológico,
como se o pensamento e o fluxo das terminações
nervosas fossem produtos de meros impulsos elétricos,
um aparato psíquico consignado a dar conta das suas
próprias reações, sistematizando imagens, memorizando
experiências, com uma grande combustão química onde
os neurônios têm o papel principal de reproduzir
informações, sendo um grande complexo de energia
libidinal.

120
FUNK, R. Biografia de Erich Fromm, el amor a la vida. Buenos Aires, Paidós,
1999, pág. 92
201
Encarregado de circular pelo Sistema Nervoso
Central, para depois encaminhar as tarefas por meio das
glândulas hipófise e amídala, portadoras de uma função
especializada, sendo capaz de produzir a endorfina
necessária para dar alegria, prazer, satisfação e bem
estar, nesta concepção do cérebro, existe uma
autonomia, independência própria para circular
livremente todos os impulsos, carregados de
mensageiros químicos, como os neurotransmissores,
para dar conta das necessidades orgânicas e pulsionais.
Um organismo independente, dono de si mesmo,
autônomo para garantir seu funcionamento eficaz. Este
modelo biomédico retrata uma fisiologia determinista,
onde todos os sistemas do organismo estão interligados,
tendo como objetivo alcançar o máximo de prazer e fugir
da dor.
Nesta demarcação “el hombre de Freud es el
hombre machine(máquina) fisiologicamente impulsionado
y motivado (...) sentimientos como la ternura y el amor
son considerados fenômenos que acompañam a los
interesses libidinais y que resultan de ellos (...) El homo
sexualis es una variante del homo economicus
clássico.”121

121
Ibidem, pág. 54.
202
Situado numa visão orgânica, dos complexos
hereditários, qualquer defeito da máquina orgânica pode
ser relacionado com a falta do componente químico
necessário. Os defeitos do cérebro são facilmente
solucionáveis, ingerindo-se pílulas milagrosas, capazes
de devolver a força, a alegria, a satisfação, tão
necessárias ao perfeito funcionamento da máquina
cerebral.
Este determinismo fisiológico bioquímico não
condiz com o entendimento da psicanálise humanista.
Este modelo terapêutico vem persistindo por décadas,
pois o homem “economicus” precisa de soluções rápidas,
não pode perder tempo; as soluções da vida se dão em
um passe de mágica. As pessoas incorporadas a este
modelo terapêutico ficam sedadas e narcotizadas para
qualquer mudança de atitude na vida.
Esta visão de homem implica num ser distante de
qualquer envolvimento emocional ou existencial. Pensar
sobre a vida é perda de tempo, principalmente numa
sociedade capitalista excludente e selvagem, onde o
interesse máximo não é a saúde da pessoa e sim o lucro
rápido e fácil. Os grandes laboratórios das multinacionais
reforçam o valor da medicação, inflamam as mentes com

203
demonstrações de eficácia do “elixir químico”, capaz de
acabar com qualquer sofrimento psíquico.
Distante de si mesmas, dopadas, narcotizadas e
alienadas, as pessoas vivem como zumbis, dependentes,
correndo atrás da pílula mágica. As autoridades, na sua
hipocrisia, falam em saúde pública e investem bilhões de
dólares para sanar as enfermidades emocionais e
orgânicas.
Todos sabemos que a própria doença é reflexo de
um estilo de vida estressante e equivocado. A idéia é
baratear o custo da doença, por isso, atacam o mal
quando já está presente. A psicanálise humanista tem
um compromisso com a verdade, não vende falsas
ilusões.
“Há uma dificuldade especial, que muitos
psiquiatras e psicólogos tem que vencer, para aceitar as
idéias da psicanálise humanista. Ainda seguem
pensando dentro das premissas filosóficas do
materialismo do século XIX, que diziam que todo o
fenômeno psíquico importante tem que ter suas raízes
em (e ser produzidos por) processos somáticos ou
fisiológicos correspondentes.” 122

122
FROMM, Erich. Psicoanálisis de la sociedad contemporânea. México, F.C.E.,
1976, pág. 64.
204
Estas observações têm a finalidade de alertar
sobre as fortes implicações clínicas e sociais desta teoria
clássica, na psicanálise. Já não podemos aceitar que
todas as neuroses e toda conduta humana são
determinadas pelos conflitos sexuais e de
autoconservação. Seu mecanismo ”hidráulico”123, tensão
crescente, desprazer, distensão, prazer, nova tensão,
etc..., com este modelo mecanicista, defendia a idéia de
que o homem não é livre e está condicionado e
determinado pelas forças inconscientes, principalmente
do “Eu” e do “Superego”. Como poderia ser de outro
modo?
“A psicologia acadêmica é em grande medida uma
ciência que trata do homem alienado, estudando por
pesquisadores alienados, com métodos alienados e
alienantes.”124 Tentar ver o homem sobre um outro
enfoque cria necessariamente a motivação para voltar a
acreditar no potencial utilizando sua inteligência para
fazer o bem.
Como o homem está em crise e,
consequentemente, a sociedade, surge a necessidade
da psicanálise apresentar-se como um dos caminhos
para reencontrar-se consigo mesmo. A humanidade está

123
Ibidem ,pág. 57.
124
Ibidem, Pg.76
205
sedenta de amor, alegria, saúde, paz, realização
pessoal, profissional e familiar. A energia psíquica é uma
fonte inesgotável de sabedoria, posta a serviço da
felicidade do homem. Esta destruição, entre teoria do
homem e o tratamento psíquico, possibilita a qualquer
pessoa a se tornar mais humana, exercendo toda a sua
inteligência emocional, para lidar com os conflitos e as
frustrações.
O biológico é uma herança dada pela natureza. O
fisiológico é a inteligência organísmica, em sua máxima
expressão; porém, sem afeto e amor, todo este potencial
definha e morre. Não há remédio e nem química mágica
que possam ensinar poesia, criatividade, arte, esperteza,
e, tão pouco, a tomar decisões corretas, em seus
dilemas existenciais.
Vem antes à prudência, alicerçada na educação
de famílias onde os valores da honestidade, da afeição,
do calor humano, da cooperação, como alimentos
psíquicos indispensáveis para a saúde emocional. Toda
esta assimilação resume-se na humanidade do homem.
É nessa relação de amor que a psicanálise
humanista se identifica.

206
2.2. A contribuição de Erich Fromm na
sistematização da “psicanálise humanista”

A psicanálise surgiu a partir do sofrimento do


homem, implicando nesta observação uma descrição
conceitual e teórica sobre como os fenômenos
patológicos modificavam ou alteravam o funcionamento
do organismo humano, especificamente, em relação às
doenças psicossomáticas e de fundo emocional.
Porém, estas formulações teóricas sempre se
pautaram em estudos de casos clínicos: a aplicação de
uma técnica, como um modo de realizar o tratamento
psicanalítico, chamada também de arte, de ciência da
“psicoanálisis humanista”. Seria da ordem da
impossibilidade relatar, com minúcias, o ambiente
analítico, os insights, as mudanças de comportamento.
Este não seria nosso objetivo, nesta tese. Ao
contrário, queremos realçar o marco concetual da teoria
humanista, na psicanálise. Esta sistematização dos
principais conceitos, bem como a explanação correta
do que se entende por “psicanálise humanista”,
estão, explicitamente, redigidas nas obras de Erich
Fromm.125 A psicanálise humanista está inserida dentro

125
Fernando Novaez; El psiconalisis Humanista; 2ª, México; ed. Siglo veinteuno
editores as-l982.
207
de um contexto histórico, político, econômico, cultural e
social; por isso, é uma ciência que se interessa por todas
as áreas relacionadas ao convívio do homem,
repercutindo, direta ou indiretamente, sobre a qualidade
de vida; necessariamente, para se formular qualquer
diagnóstico, é imprescindível ter esta visão da totalidade
do homem, justamente para poder agir, com mais
prudência e profundidade, sobre as origens dos sintomas
psicopatológicos.
Uma visão distorcida é quando se entende e
percebe o homem como um recipiente químico, com falta
de alguma substância química, necessitando ampliar as
reações dos neurotransmissores e, consequentemente, o
estado de euforia ou humor da pessoa. Pois bem,
quando se trata do humano e sua relação direta com
suas patologias, na área da saúde, os serviços públicos
não encontram outra saída a não ser usar as famosas
“camisas de força”, para conter, principalmente,
comportamentos agressivos e autodestrutivos.
Uma ciência, seja ela qual for, que interprete os
“desejos” do homem, a partir de alguma falha em seu
mecanismo cerebral, é no mínimo antiquada, por se
apressar em garantir uma promessa de recuperação
rápida e mágica dos surtos psicóticos e esquizofrênicos.

208
Quando o homem está prestes a se destruir, não existe
alternativa a não ser utilizar dessas práticas químicas,
com seus efeitos colaterais e suas implicações no
organismo. Ainda mais que nos encontramos numa
sociedade consumista e estressada, onde rapidez é
sinônimo de eficiência, na terapêutica dos
medicamentos.
O homem está inserido dentro deste contexto
histórico e, portanto, seu estado de angústia ou
ansiedade tem a ver, diretamente, com o seu modo de
existir. O humanismo encontra-se ligado, principalmente,
pelo ser no “mundo vivido”; essas experiências
emocionais, incorporadas pelas interpretações de
eventos e relacionamentos, têm o tom da satisfação ou
insatisfação pessoal. O homen busca, incessantemente,
a gratificação de se sentir útil e alcançar algum sentido
de vida mais amplo, ajudando-o a transcender áreas
obscuras da sua própria psiquê humana.
“A dialética, então, é um conhecimento para a
ação e um estabelecimento de diretrizes plausíveis
para os processos sociais e existenciais; sua
verificação é a única possível e verdadeira, dentro da

209
realidade social e psicanalítica, dada a uma
intervenção efetiva, prática, em ditos processos.”126
Esta relação em ambientes distintos, com forma
de pensar e de agir influenciadas por todo um contexto
social, constituído a partir de tradições, cultura, religião,
economia e política, compõe o núcleo de um
inconsciente social, abastecido de informações
aprendidas dos conflitos de interesses, muitas vezes
antagonizados e, nesta perspectiva de uma crença
ideológica absolutizada por uma forte adição, se torna
compulsiva e obsessiva, por falta de uma abertura
dialética, onde o próprio modo de existir é colocado em
questão. Nesta ressignificação, ampliam-se novas
abstrações, formulando, assim, conceitos mais
apropriados e significativos, na interpretação de
determinadas realidades. Estar pronto para a mudança
exige a criação de novas teses, interpretadas,
esclarecidas e confrontadas com outras antíteses, para
dar as condições da reflexão criadora da síntese. E,
nesta dialética continuada, o ser se faz acontecer num
crescimento intelectual e emocional, condições, à priori,
da saúde psíquica.

126
Ibidem. Apud. Victor saoveda; Pág.113.
210
A neurose obsessiva está intrinsecamente ligada a
uma tese fechada, a um paradigma dogmático,
popularmente conhecido como teimosia e orgulho,
sendo, na psicanálise, chamado de neurose obsessiva.
Esta condição dialética ventila outros ares e mantém a
mente psíquica livre de poluições ideológicas,
prevenindo-a das futuras intoxicações.
Quando se olha o homem em toda sua plenitude,
adquire-se a certeza de um ser em processo de
assimilação, acomodação e interpretação da sua própria
existência. E neste fazer-se na incompletude de um ser,
em contradição com suas próprias experiências afetivas,
sexuais, familiares e sociais, a solução passa pela
reflexão dialógica entre analisando e analista, ambos
imbuídos do desejo da “superação” daquele estado
emocional, referente a um momento histórico,
direcionando-se para novos caminhos incertos, porém
conscientes, para lidar com as frustrações e decepções.
“Domino um conceito de totalidade, onde o todo é o
resultado concreto de múltiplas determinações dialéticas,
que se influenciam entre si e onde as partes somente
podem compreender-se dentro desta totalidade
completa”.127

127
MILLÁN, Salvador; MILLÀN, Sonia Gojman de. Erich Fromm y el psicoanálisis
humanista. 2ª. edición, México, Siglo veintiuno,1982, pág. 119.
211
Persuadido pelo interesse de implicação social,
nas determinações de decisões políticas, econômicas e
culturais, estas conseguem influenciar as oportunidades
de uma determinada classe, em detrimento das injustiças
causadas pelas corrupções e manipulações culturais e
da mídia escrita, falada ou imagística.
Enfim, o homem é fruto do meio social, cultural,
histórico, político e econômico de uma determinada
historicidade civilizatória, constituída por valores e
práticas democráticas de um estado de consciência ou
de inconsciência social apolítica, marginalizado em um
processo de ascensão, evadido, esquecido,
permanecendo oculto, na sua própria ignorância
emocional e cognitiva.
As obras, em Erich Fromm, são caracterizadas por
descrever a hostilidade competitiva de um capitalismo
selvagem destrutivo e antiecológico.
Sua postura teórica norteia-se em defender a vida,
em todas as suas dimensões, tanto no plano mental,
quanto espiritual, biológico, cognitivo e antropológico; e,
nesta multidimensionalidade, se observa este “ser”
impregnado de angústia e ansiedade, geradas e fontes
das inseguranças e incertezas, diante da existência.

212
O homem, na sua solidão, permanece imóvel e
inseguro, tentando ultrapassar os limites da própria
natureza, se consumindo em devaneios e alucinações,
fruto do seu isolamento comunitário e social. “Em toda
sua obra e sua prática de vida, Erich Fromm assumiu
uma atitude comprometida com a classe explorada e
com o marginalizado. O compromisso de Fromm vai mais
além de um compromisso de classe ao defender o
parâmetro dialético do poderoso e dos
128
desempregados.”
Em se tratando de uma psicanálise humanista,
não poderia ser diferente. Incluindo-se, também, esta
dimensão social, principalmente no que se refere às
massas alienadas, presas por ideologias e crenças
incutidas por toda uma elite intelectual, onde vale mais o
“Ter” do que, propriamente, o “Ser”, onde o homem é
mero produto de exploração.
A finalidade deste humanismo é estar presente,
durante o tratamento psicanalítico, proporcionando,
também, uma inclusão social, participativa e
emancipatória, utilizando-se de todo seu potencial
criativo, ressurgindo, a partir da própria análise, objetivos
concretos, onde analista e analisando procuram outros

128
MILLÁN, Salvador; MILLÀN, Sonia Gojman de. Op cit, 1982, pág. 114.
213
caminhos, diversos daqueles percursos experimentados
anteriormente, que só colhem fracasso e doença.
Esta decisão está somente com o paciente, de sair
desta “opressão neurótica”, estigmatizada por todo um
regime institucional vincular, onde o autoritarismo e a
depreciação foram as marcas presentes das suas
tentativas de erros e acertos. O homem está em busca
constante deste encontro consigo mesmo, direcionando-
se, com empenho e dedicação, para viver melhor,
encontrando todas as condições para alcançar o bem
estar social e comunitário.
As intenções de qualquer pessoa sempre são as
melhores, de acordo com o seu modo de alcançar seus
objetivos e interpretar os eventos que acontecem, na
realidade. Cada um coloca um determinado tempo e
dinheiro para salvaguardar uma proposta de vida,
acreditada por ele e perpassada, culturalmente, pelos
seus antepassados. Nem sempre uma boa intenção, ou
um “pensamento positivo”, dá conta dos problemas
existenciais. A cada ação, existe uma escolha,
indiretamente consciente ou inconsciente, que estará
escrevendo uma história de vida, onde se incluem as
decepções, desilusões, frustrações, mas também as
conquistas, vitórias e sucessos profissionais.

214
Agora, o quanto deste “estilo de vida
existencial” esta pessoa tem consciência do seu estado
de “inconsciência”. Falamos aqui daquelas pessoas que
utilizam todo o seu potencial criativo e intelectual e
também dos doentes, falidos e fracassados. Interessa à
psicanálise humanista a “qualidade de vida”, se ele está
usufruindo dos benefícios oferecidos pela “existência” ou
se, simplesmente, está acometido de um processo de
autodestruição.
“Sempre representa o homem total, com todas
suas possibilidades de escuridão e de luz; sempre
contém a base das distintas respostas que o homem é
capaz de dar à pergunta que questiona a existência. No
caso externo das culturas mais regressivas, inclinadas a
voltar à cultura animal, este desejo mesmo é
predominante e consciente, enquanto todo impulso que
procura sair deste nível é reprimido.”129
Na concepção de Erich Fromm, esta energia
chamada inconsciente surgiu para nomear as produções
imagísticas, criadas, recriadas e ressignificadas em cada
fantasia, sonho, delírio ou estados alterados de
consciência. No entanto, aparecem estas imagens com
um conteúdo simbólico existencial e humano. Cada

129
FROMM, Erich; SUZUKI, D. Budismo Zen y Psicoanálisis. México,
F.C.E., 1964, pág. 115.
215
sonho tem a finalidade de ajudar, cooperar e prevenir
futuros acontecimentos.
Essa energia se faz presente e se torna uma
realidade, no estilo de vida assumido pela pessoa, dentro
de um contexto “holístico”130. Quando paramos para
analisar um sintoma, emocional ou psicossomático, diz
respeito a uma enormidade de variáveis, capazes de
atingir o organismo, desde as reações de bactérias e
vírus, até situações estressantes, de preocupações,
medos, inseguranças, sentimentos e emoções capazes,
também, de atingir ou modificar o funcionamento
harmonioso do organismo.
Sem ocultar o ambiente familiar, a vida
matrimonial, o profissional, o projeto de vida, a
alimentação, o lazer, os afetos, a solidariedade, não será
possível vislumbrar os efeitos destas variáveis, na
configuração dos sintomas.
Para as pessoas humanas, independente de
qualquer cultura, sempre existirão as possibilidades de
inserir-se no mundo arcaico, primitivo, onde a barbárie e
a violência podem regredir a um estado de canibalismo
ou de exercer a capacidade da inteligência, do amor e da
justiça. Portanto, na concepção da psicanálise

130
PASCAL apud MORIN, Edgar. Método 1 – a natureza da natureza. Porto Alegre,
Sulina, 2000, pág. 72
216
humanista, o inconsciente não é bom nem mau; em um
mundo de irracionalidade e racionalidade, ele é tudo isto.
Concretizado na expressão do “todo organísmico”, este
inconsciente se faz presente em todas as culturas e
sociedades, ele é uma expressão viva deste homem
integral, pertencente a este contexto histórico, político,
econômico e social.
“O inconsciente representa o homem universal, o
homem total, integrado no cosmos, representa a planta
que há nele, o animal que existe nele, representa seu
futuro, até o dia em que o homem chegue a ser
plenamente humano e a natureza se humanize, o mesmo
que o homem se naturalize ”.131
Nesta dimensão encontramos um entendimento
sobre o inconsciente muito mais abrangente, pois
consegue incluir todos os matizes geradores de vida e
destruição. Porém, no fato de existir a consciência,
recriam-se enormes possibilidades de dialogar com esta
energia semovente, arraigada nas profundezas da
natureza do cosmos.
Este entendimento amplia a compreensão das
redes sutis de energia, perpassadas de geração a
geração, destes acúmulos de experiências memorizadas

131
FROMM, Erich; SUZUKI, D. Budismo Zen y Psicoanálisis. México, F.C.E., 1964,
pág. 116.
217
e transmitidas pelos arquétipos, esta informação dos
antepassados da sustentação da existência deste
inconsciente. Dessa forma, Jung afirma que as
experiências humanas se tornam possíveis devido aos
próprios efeitos dos arquétipos, assim, à priori, as formas
de conhecimento e, à posteriori, se dá o conteúdo do
próprio conhecimento. Os arquétipos são considerados
fatores organizadores destas experiências imagísticas,
nas categorias da expressão linguística, quanto às
metáforas, a demonstração destas fantasias e sonhos do
mundo afetivo e sentimental.132
Então, falar de inconsciente é afirmar a existência
de memórias emocionais e cognitivas, capazes de fazer
desabrochar todas as capacidades instintivas e criativas,
no ser humano.
Não existe algo mais concreto que o próprio
inconsciente, pois ele é a manifestação evidente do ser
humano, no processo de exploração e lapidação de sua
própria humanidade. A neutralidade não é possível.
Dentro da complexidade do ser, é impossível eliminar o
ser de seu habitat natural.
“Ter consciência de meu inconsciente significa, diz
Fromm, que eu me conheço como ser humano, que eu

132
PIERO, Paulo, Francesco. Dicionário Iunguiano. São Paulo. Ed.Paulus. 2002.
Pág. 11
218
sei que levo dentro de mim mesmo tudo que é humano;
que conheço e amo ao estranho porque era deixado de
ser estranho a mim mesmo. A vivência de meu
inconsciente é a vivência de minha humanidade, o que
me coloca na possibilidade de dizer a todo ser humano:
Eu sou tu”.133
Para Erich Fromm, o inconsciente sempre
representará o homem na sua totalidade, incluindo todo
seu potencial criativo e dinâmico, para procurar as
respostas, tão exigentes da natureza existencial. E,
quando se fala em existência, está implícito nesta
configuração o meio social, desde as limitações
históricas, culturais, educacionais e religiosas, nas quais
a pessoa está inserida. Nestas interações sociais, a nível
intrapessoal, interpessoal e transpessoal, vai
acrescentando a sua própria capacidade de se entender,
dentro de um processo globalizado e excludente.
Neste microcosmo, a pessoa é uma extensão do
macrocosmo, representando, na sua totalidade, todas as
partes contidas na expressão do universo, desta
inteligência interativa. As energias sutis são capazes de
se comunicar, em níveis de frequência totalmente

133
FROMM, Erich. El psicoanálisis humanista. México, F.C.E., 2ª. edición, 1982,
pág. 136, apud en Revista de Psicoanálisis, Psiquiatria y Psicologia, num. 2, enero,
abril de 1958, pág. 10.
219
diferentes e antagônicos, pois dependerão dos níveis do
estado alterado de consciência para acessar
comunicações com outros níveis vibracionais.
Esta energia semovente aparece, comunicando-se
com a própria pessoa, através dos sonhos, fantasias,
delírios, alucinações ou estados alterados de
consciência, incluindo os fenômenos paranormais, como
a clarividência, a telecinésia, a premonição, a intuição, o
psicotranse e tantas outras formas de manifestação
desta energia.
Quando a pessoa se deixa assumir por seu
mantra alucinógeno, ela passa a referenciar, acreditar e
assumir uma outra “persona”, imbuída de realizar
algumas certezas. Em muitos casos, esta energia presa,
reprimida, transforma-se em símbolo imagístico, com a
finalidade de dialogar com o mundo externo, procurando,
desta forma, reverenciar os mitos, os fantasmas, os
espíritos, os demônios e os santos.
Assim, esta energia toma um vulto de
personalidade própria, assumindo a realização de
alguma “necessidade existencial reprimida ou
esquecida pela pessoa”. No momento do êxtase,
existirá a transformação, onde este símbolo
personificado de uma outra pessoa aparece dialogando,

220
aconselhando, apaziguando, demonstrando toda uma
fúria e violência, chegando a quadros de psicopatologias
relacionadas a psicoses e esquizofrenia.
Toda esta fenomenologia simbólica imagística se
dá num plano inconsciente, utilizando destes recursos
para dar conta de talentos e capacidades esquecidos e
reprimidos por uma sociedade mecanizada, tecnológica,
virtual, racional e intelectualizada. Como a psicanálise
humanista trata do homem na sua totalidade, irá incluir,
também, toda esta fenomenologia paranormal ou
espiritual.
A psicanálise não é uma ciência experimental ou
empírica, justamente porque não faz parte da física,
química ou medicina, não interessando a exatidão
percentual numérica, e sim a compreensão e descrição
dos fenômenos emocionais e comportamentos que
impedem e bloqueiam a utilização do potencial criativo,
desmistificando uma prática científica excludente e
personalista de alguns cientistas, fabricada para manter
o status tecnológico e mercantil.
À psicanálise interessa saber como o homem está,
no seu nível de satisfação ou insatisfação em viver.
Porém, se distancia da teoria freudiana quando defende
a necessidade mais urgente da pessoa, que não é

221
propriamente a satisfação do desejo sexual, mas sim o
erótico, como meio e condição de aproximação, na busca
de alguém para viver uma intimidade afetiva. Na ajuda
mútua, podem fazer uma experiência de orgasmo com a
presença do outro, o sorriso, o abraço, o beijo, a
cooperação, o respeito, a ética, a valorização e o
incentivo para a expressão máxima do gozo amoroso.
Antes mesmo de alcançar o prazer máximo da
libido sexual, é preciso também alcançar outras
dimensões do ser; o afeto, o trabalho, a felicidade, a
inteligência, a auto estima, a valorização pessoal e tantas
outras áreas, talvez mais importantes do que uma transa,
para obter um momento de prazer, desvinculada do afeto
e do amor.
O objetivo desta ciência é utilizar-se de toda sua
metodologia para trazer à consciência outras dimensões
inconscientes, desconhecidas pela própria pessoa.
Quando esta age com erro, provocando a própria
infelicidade, não percebe as ações desastrosas que, em
alguns casos, encontram a própria destruição.
Este estilo de vida, na existência, sempre aparece
em forma de um mito pessoal, onde acredita ser o
caminho capaz de realizar os seus desejos e, persistindo
nesta atitude, sempre afastará aquelas pessoas

222
pertencentes ao seu ciclo de relacionamentos. Necessita
afastar para prover, para si mesmo, um caminho de
dificuldade, tentando, assim, testar a sua força,
inteligência e masculinidade.
Não há como se humanizar fora dos sofrimentos e
da autodisciplina pessoal. A primeira barreira a ser
vencida são os próprios medos, de assumir-se diante da
existência, com compromisso e responsabilidade, como
os níveis de exigência dos filtros sociais134, de agentes
institucionais do aparelho ideológico do estado,
encarregado de supervisionar, vigiar, controlar,
investigar, punir todo aquele que, porventura, queira
desobedecer às ordens e os regulamentos pré-
estabelecidos pelo superego social. Todas as
experiências, interpretadas pelas perseguições,
incoerências, injustiças, repressões e rejeições, estão
sendo incorporadas, interpretadas pelo filtro social.
“Creio que o arquétipo é um conceito muito
fecundo ou, ao menos, àquilo a que se refere, que
poderia afirmar-se, também, desde um ponto de vista
humanista: o homem é sempre o mesmo, pela simples
condição fundamental de sua existência, a de estar

134
FROMM, Erich. Espiritu y Sociedad. Barcelona, España, Paidós, 1996, pág. 139.
223
dividido entre sua consciência e sua determinação, como
animal”.135
E, nesta profundeza da mente humana, nos
recônditos infinitos de sua sabedoria milenar, o todo tem
uma finalidade em comum com todos os sistemas e
instintos do organismo: proteger e conservar a vida e
desenvolvê-la, na sua máxima plenitude.
O estado de consciência primitivo aparece nos
mitos, nas artes e na própria expressão de vida de cada
pessoa. Não há como olhá-la, mas ela é o próprio olhar,
iluminando-se, a partir das suas próprias considerações,
neste ambiente cultural, educacional, político,
econômico, histórico e social. Este ser está imerso nas
profundezas de um inconsciente coletivo, onde o
aprendizado e a dúvida serão a dialética do seu devir.
Confrontado com as exigências das necessidades do
organismo, onde a subsistência é uma preocupação
constante para manter a própria sobrevivência.
Tal é a importância do afeto, pois ele dá a certeza
de que não se está seguro só; o amor é um caminho a
dois, para facilitar a solução dos conflitos pessoais e
existenciais, respeitando o alcance do sentido de viver a
liberdade e a autonomia pessoal.

135
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 128
224
O instinto social136 significa que o homem não
pode viver sozinho, a vida se tornaria insuportável e
incompatível com a sua saúde mental. Por isso, se
tornou necessário ampliar laços de ternura, com um
ambiente adequado, onde os adultos, por prevenção,
pudessem antes utilizar sua inteligência e potencial para
poder prover, a si mesmos, as condições econômicas e
materiais para constituir uma família137, uma agência
social, onde as pessoas pudessem fazer uma
experiência vivenciada de comunhão pessoal, de
cooperação, de solidariedade, de ajuda, no seio destas
pessoas chamadas pais, mães e irmãos. Esta primeira
experiência demarcará a assimilação do que a pessoa
entenderá, no futuro, por humanismo. O ser aprendeu a
importância e o valor da amizade, da cooperação, da
aprendizagem; sem estes valores a vida se tornaria sem
sentido e insuportável.
Um sonho realizado sozinho, apenas acrescenta a
patologia do narcisismo. Mas quando várias pessoas
participam deste sonho existencial, permanecerá a
esperança de avançar em outras conquistas, sempre
com a finalidade de melhorar a qualidade de vida de
todos.

136
FROMM, Erich. Ética y psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª. edición, 1991, pág. 72.
137
Ibidem, pág. 74.
225
Quando o ser humano perde a esperança138, a
perspectiva, o sentido de viver, o próprio organismo se
encarregará de produzir toda gama de sintomas
destrutivos. Freud conceituou os fatos dolorosos da
experiência humana como insuportáveis, na convivência.
Um recurso para não se recordar, e negar esta realidade,
seria reprimir a emoção ou o sentimento. Fromm entende
a repressão como uma “dissociação”139; esta
expressão somente consegue mostrar seu intento,
referente àqueles conteúdos que não chegaram à
consciência, retirando qualquer noção de “negatividade”
sobre os conteúdos inconscientes, ou seja, as emoções
e os sentimentos esquecidos, num outro plano.
Somente tem esta conotação porque, naquele
momento, com aqueles recursos, a mente inconsciente
interpretou tais fatos como negativos; por isso, essas
imagens simbólicas ficam dissociadas da consciência e
esquecidas nos recônditos da mente humana, por não
haver chance e oportunidade de reelaborar tal
experiência, produtora do medo e da negação da
realidade.

138
FROMM, Erich. La patologia de la Normalidad. Barcelona, España, Paidós,
1994, pág. 120.
139
FROMM, Erich. Espiritu y Sociedad.Barcelona, España, Paidós, 1996, pág. 103.
226
Os traumas só existem enquanto a experiência
não foi ressignificada. Enquanto isto, a própria pessoa
140
fica “alienada” ou “anajenada” . Esta falta de
consciência, do conhecimento dos fatos ou experiências
pessoais, é o núcleo do medo, da insegurança,
141
chamada, também, de neurose narcísica . Freud
disse que Darwin e Copérnico feriram profundamente o
narcisismo humano por ter mostrado que a terra não é o
centro do universo, que a origem do homem tem sua
descendência genética com os macacos e que ter uma
razão não dá as condições totais, no domínio das
emoções.
Na essência de qualquer neurose existe uma
142
falta de amor à vida . São casos clínicos bastante
difíceis, pois estes pacientes já estão carregados de um
desânimo em relação a si mesmos, são partícipes da
culpa pessoal em representar um papel que não lhes diz
respeito. Esta artificialidade é o preço que o neurótico
pagou para viver na clandestinidade, violentando-se com
os psicotrópicos ou bebidas alcoólicas, com a finalidade
de adormecer e fugir da realidade. Geralmente, são
sensíveis e inteligentes, mas cheios de mitos pessoais.

140
Ibidem, pág. 122
141
FROMM, Erich. La Patologia de la Normalidad. Barcelona, España, Paidós,
1994, pág. 110.
142
FROMM, Erich. El Arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 31.
227
Preferem viver na mentira a, propriamente, assumir-se
por inteiro, diante da existência.
Esta dicotomia separa, divide e cria a confusão
mental. Na falta de uma identidade própria, o ser é
consumido pelos ganhos secundários. Este mito pessoal
não tem uma sustentação na alegria, no amor e na
felicidade. Ao contrário, são pessoas consumidoras de
bens materiais e de pessoas. Novamente, tenta
preencher o seu vazio existencial, a sua solidão, com
prestígio social, status e dinheiro. Este mito acaba se
tornando um monstro, dominando, convencendo e
decidindo o próprio rumo, na vida da pessoa. Devido aos
seus medos e inseguranças pessoais, recae no
isolamento, optando por neutralizar a infelicidade e a
tristeza através de medicamentos.
A pressão social e as obsessões compulsivas
elevam o teor do stress a níveis insuportáveis,
apresentando-se, de forma intensa, através das dores de
cabeça, também chamadas de encefaléia. Como se não
bastasse este golpe de irritação e a passividade contra si
mesmo, os outros o colocam em um lugar de desamor e
rejeição. Inconscientemente, já não tem mais nenhum
sentido em existir, perde o significado e o amor à vida.

228
Este estilo de vida é pernicioso. Só o fato de ter
dinheiro, prestígio e posição social não garante uma
existência feliz. É uma espécie de mito determinista,
onde é privilegiada uma atenção específica a algumas
crenças, onde a própria pessoa acredita ser a solução
para seus problemas existenciais, mas, no entanto, a
própria experiência de vida demonstra outras instâncias,
tão necessárias ou até mais importantes que o próprio
dinheiro e a sua posição social. Estas conquistas não
conseguem preencher sua solidão e, muito menos, lhe
dar o amor e o afeto, tão imprescindíveis para sua saúde
emocional. Se a pessoa fica presa a esta espécie de mito
determinista, corre o risco de tentar preencher, de modo
compulsivo narcisista, o seu vazio existencial.
“O problema do narcisismo é dizer não ao
desenvolvimento pessoal, no ser humano. Vejam, por
exemplo, que podíamos compreender todos os
ensinamentos do budismo, do judaísmo profético e do
cristianismo, junto com qualquer afirmação humanista,
em um só propósito essencial: em definitivo, todo o que
dizeis é que devemos vencer nosso narcisismo. Este é o
princípio de todo amor, de toda fraternidad, porque, com

229
o narcisismo, nos isolamos mutuamente; nos tornamos
agressivos e incapazes de compreender-nos”.143
Geralmente, as pessoas, embuídas de seus
desejos pessoais, querem alcançar a glória a qualquer
preço; por isso, além de se desrespeitarem, cometem,
por projeção, as exigências descabidas às pessoas mais
próximas, que convivem com elas. Este desejo narcísico
tem um endereço certo em levar a pessoa a fechar-se
em si mesma, perdendo, assim, os valores essenciais do
humano.
A capacidade de dar afeto e atenção é de um
tempo para si, absorta em seu desejo frenético narcísico,
pensa somente nela e age com desconfiança. Por opção
própria, afasta-se de qualquer convivência mais íntima,
escondendo-se atrás de uma máscara social e narcísica,
para vender uma falsa imagem, enganando-se junto com
a própria sociedade, mas não conseguindo,
verdadeiramente, enganar a si mesma.
Esta desumanização é o núcleo criador dos
estados neuróticos, onde o sofrimento é sempre
acompanhado de falsas crenças e de ideologias
perniciosas e prejudiciais à vida, viver na clandestinidade
emocional e colocar em segundo plano o próprio ser.

143
Ibidem, pág. 194
230
Quando o valor maior está nos bens materiais e na
aprovação social, o ser corre o risco de ficar preso,
permanentemente, a este estado de esquizofrenia
paranoide, entendido aqui a este desejo narcísico e
obsessivo pelo reconhecimento e apreciação social.
“Este método lo llevó a descubrir durante los años
treinta el carácter social autoritário, a finales de los años
cuarenta el caracter de mercado y, a principios de los
años sessenta, el caracter social necrófilo.”144
Uma pessoa pode, também, estar num estado de
necrofilia, dependendo do tipo de caráter145; um
miserável não se pergunta se tem que economizar, ele
sente quase obrigado a fazê-lo. O caráter explorador é
impulsionado por paixão a explorar, o sádico se realiza
em exercer o papel de autoridade e domínio, o de caráter
amoroso, se sente impelido a ser bom, caridoso, exerce
a compaixão e sente prazer em ajudar, não tem
nenhuma dificuldade em socializar e compartir seus dons
e talentos pessoais; o caráter social, se sente consciente
das renúncias que terá que fazer para manter boas
relações sociais.

144
FROMM, Erich.La Patologia de la Normalidad. Barcelona, España, Paidós, 1994,
pág. 10.
145
FROMM, Erich. El Psicoanálisis Humanista. México, 7ª. edición, siglo veinteuno,
1982, pág. 133 apud Mario A. Reys.
231
Dependendo do seu caráter social, muitas classes
sociais tornam-se bastante próximas, devido a
características comuns, em relação à posição social.
“Un examen del sistema hombre puede hacer
potente que las normas biófilas llevan siempre al
conocimiento y la bujanza del sistema, mientras que las
normas necrófilas conducen a la disfunción y la
patología”.146
147
O termo necrofilia surgiu com a perversão do
homem ter desejo sexual com um cadáver de uma
mulher. São exceções, mas existem alguns casos
patológicos; é como se fosse uma metáfora para explicar
esta patologia, onde o desejo de morte está
interrelacionado e presente, na vida desta pessoa. Existe
um amor ao cadáver, sente-se atraído pela morte. O
prazer se acentua quando o sadismo se expressa com
toda sua patologia de destruição e morte.
O caráter necrófilo tem uma atração compulsiva
para criar desarmonia, conflitos, competição desleal; é
um agente da proliferação da discórdia, onde ele mesmo
está dominado por um processo dissociativo, alienado
dos seus próprios valores e desejos. Este narcisismo

146
FROMM, Erich. La Revolución de la Esperanza. Buenos Aires, F.C.E., 1992, pág.
97
147
FROMM, Erich. La Patologia de la Normalidad.Barcelona, España, Paidós, 1994,
pág. 116.
232
maligno desperta, no íntimo de uma pessoa, um desejo
obstinado pela plena violência, advindo de se comprazer
com a morte e a destruição do outro.
A necrofilia148 é própria do ser humano que não
exerce a função do amor, despossuído, revoltado,
indignado com as suas próprias situações
desesperadoras, perdidas em uma sociedade
individualista e egocêntrica, recai num processo
destrutivo. O significado disto é não saber conviver com
gestos de carinho e amor; este ser esquizóide, frio,
distante, racional, recria, em sua própria vida, um elo
sádico, onde sua principal função é se destruir e, com
esta psicopatia, perseguir, difamar e invejar àquelas
pessoas dotadas de um prazer imenso pela vida. Este
amor todo especial pela destruição é tétrico, aterrador e
satânico. Persiste, em escala ainda maior, quando um
grupo é induzido por um líder a direcionar toda sua
frustração pessoal na destruição das massas.
A doença necrófila é tão grave, ameaçando,
inclusive, o sistema ecológico do planeta. Aos meios de
comunicação social não interessa a repercussão dessas
imagens violentas, na mente das pessoas; simplesmente
conta o número de pontos de uma emissora a outra.

148
MILLÁN, Salvador; MILLÀN, Sonia Gojman de. Erich Fromm y el Psicoanálisis
Humanista. 2ª. edición, México, Siglo veintiuno,1982, pág. 139.
233
A insensibilidade deste narcisismo maligno, aliada
à incapacidade de amar, prolifera-se como um vírus em
números alarmantes, em nosso planeta. Esta prática
destrutiva não promove o crescimento do ser humano, ao
contrário, acentua o individualismo e o narcisismo social.
“El problema fundamental, creo es la oposición
entre el amor a la vida (biofilia) y el amor, a la muerte
(necrofilia); no como tendencias biológicas paralelas,
sino, como alternativas: la biofilia, como el amor a la vida
biologicamente normal, y la necrofilia como su perversión
149
patologica, el amor a la muerte y la afinidad con ella.”
O caráter biófilo tem uma alegria interna, espécie
de predisposição para fazer o bem, contribuir com amor,
estando impelido a realizar grandes obras, a favor da
humanidade. A pessoa imbuída deste desejo de amar a
vida, em toda sua extensão, sabe dar valor à natureza,
aos animais e, principalmente, às pessoas de seu
convívio. Tem uma expressão de vida onde reina a
tranquilidade e a calma. Consegue, com sua postura,
imunizar-se contra as decepções e os golpes da
adversidade. Quando se diz “ele é um amor em pessoa”,
o seu corpo é o atestado da saúde e do bem estar,

149
FROMM, Erich. La Crisis del Psicoanálisis. Barcelona, España, Paidós, 1971,
pág. 236.
234
conseguindo amar, com isto, de forma estável e segura,
os seus semelhantes.
Tem consciência de seus próprios sofrimentos,
mas transcende e não se deixa abalar pelas
perseguições ou difamações de um mundo necrosado
pela indiferença narcísica. Consegue ser afetuoso e
amoroso para com as pessoas, conquista, com
confiança, amizades profundas e sempre tem, dentro de
si, a compaixão, o perdão e a bondade.
Nesta orientação produtiva150, ocupa-se de
investimentos prazerosos e realizadores, sua prática
diária está preenchida por um testemunho pessoal de
experiências de gratificação em existir, sentindo-se
motivado em ser mais, uma satisfação em proporcionar
caminhos para aqueles desviados do seu próprio
potencial. Sua alegria em existir não está somente em
acumular “coisas”, mas em aprofundar relações e ser
bem sucedido economicamente, sabendo utilizar o
financeiro para proporcionar ainda mais o belo prazer de
desfrutar, com os seus as benesses, da existência. De
nenhuma forma é escravo do econômico ou do poder
social.

150
FROMM, Erich. La Patologia de la Normalidad. Barcelona, España, Paidós,
1994, pág. 174
235
Suas ações e seu tempo estão preenchidos com
“investimentos” onde o crescimento afetivo, intelectual e
econômico se dá numa totalidade. Pois, o centro de
importância e valor na existência não é o capital, e sim a
sua pessoa, ou seja, o econômico está a serviço da
ampliação da sua consciência e de sua qualidade de
vida. Este “ser produtivo” consegue viabilizar projetos
próprios e sociais, contribuindo, de forma
empreendedora, na solução dos problemas
psicossociais.
Todo ser humano, por natureza, ama o belo, a
ordem, a beleza, a sincronia, o equilíbrio, a ética,
princípios vitais complementares do êxtase existencial.
Estes seres especiais trazem dentro de si algo de divino,
a máxima expressão da sabedoria em permutar atitudes
de amor. O humanismo se propõe, através da
psicanálise, tanto em nível de teoria como em seu
tratamento, proporcionar ao paciente as condições de
conscientização das suas capacidades, talentos, dons,
para poder chegar em níveis mais profundos de
autoconhecimento.
Quanto mais próximo de seu próprio íntimo, maior
será a liberdade para expressar toda a humanidade, no
seu devir histórico e social, descobrindo-se, nas

236
intempéries da existência, uma maturidade emocional,
perdoando, ressignificando e humanizando os resquícios
das decepções, perseguições, rejeições, sofrimentos,
experiências que endurecem o coração e enrijecem o ser
humano.
E, neste processo da hominização este homem,
irá aprendendo a ser tolerante e paciente, buscando
sempre a paz e a fraternidade, unindo e não desunindo.
Esta energia inconsciente alicerçada nestes valores,
propõe a aproximação, a cooperação, a solidariedade
“fuerzas que permiten al hombre realizarse a si mesmo y
convertirse em lo que puede ser”.151
A formação deste ser está intrinsecamente
relacionada com seu mundo emocional, seus valores
éticos e conhecimento teórico cultural. A existência exige
a subsistência do ser, nos ganhos econômicos,
profissionais, familiar e das relações sociais.
“Se, no entanto, por humanismo, no sentido geral,
se entende o esforço tendente a tornar o homem livre
para sua humanidade e a levá-lo a encontrar nessa
liberdade sua dignidade, então, o humanismo se
diferenciará seguindo a concepção de “liberdade” e da

151
MILLÁN, Salvador; MILLÀN, Sonia Gojman de. Op cit, 1982, pág. 122.
237
“natureza” do homem. Do mesmo modo, serão diferentes
as vias de sua realização.”152
De mesmo modo, a psicanálise, como ciência, tem
como fonte de pesquisa o “homem” e, nesta condição
humana, está inserido um aprisionamento cultural,
também chamado de alienação ideológica, recalques,
repressões, medos e insatisfações de origem emocional
inconsciente.
Esta servidão às “crenças ideológicas” e às
“repressões inconscientes” retiram a liberdade de exercer
toda sua potencialidade, ofendendo e impedindo a livre
expressão da sua “natureza humana”. Esta liberdade
implica numa conquista diária, onde os valores éticos,
bem como sua motivação pessoal, são indispensáveis
para alcançar este grau de consciência.
Esta humanidade transcorre, dentro de uma
historicidade, para afirmar justamente o desenvolvimento
de suas habilidades emocionais e cognitivas. Este ser
está exposto a toda uma gama de referência cultural, no
seu meio político, histórico e social.
Nesta interação transdisciplinar, os diversos
modos de ser e agir estão implicados nos valores das
tradições religiosas, culturais e educacionais. Este ser

152
HEIDEGGER, Martin. Uma carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Edições
Tempo Brasileiro, 1968, pág. 36.
238
não está só, ele precisa aprender a ser nas relações,
aprimorando sua inteligência cognitiva e emocional,
neste processo de aprendizagem contínua, onde os
medos, ansiedades, angústias, stress, incertezas,
frustrações, serão parte contingente deste ser, no
mundo.
A liberdade do homem não está implícita somente
na sua conquista profissional e econômica, porque o
homem não é um acúmulo de bens de capital; tal
valorização do social explicita somente um interesse na
pessoa pelo dinheiro, este vício traiçoeiro recria a
atenção pelas dependências ideológicas e nos mais
diversos fanatismos.
“Então, humanismo se diferenciará, segundo a
concepção de liberdade e de natureza do homem. Do
mesmo modo, serão diferentes suas vias de
realização.”153 É neste esforço, da busca de suas
realizações, que o homem reaparece, com toda sua
magnificência sabedoria, indo além, onde ele mesmo
jamais sonhou estar. Compreende-se aqui um desejo
imenso de ultrapassar os próprios limites, ditados pela
natureza e, neste diálogo entre o determinado, surge

153
HEIDEGGER, Martin. Uma carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro,
Edições Tempo Brasileiro, 1968, pág. 36.
239
como constatação o esforço de que, conhecendo a
natureza, possa gozar de algum segredo capaz de
ampliar sua ânsia por uma liberdade mais plena e feliz.
Todas as suas tentativas de existir impelem este
ser a afirmar-se nos seus delírios da certeza, entre as
perdas e ganhos, surgindo o acúmulo de uma ou de
outra. A vida, antes de tudo, postula a idéia de querer
aprender e, neste desejo de aprender e dominar a fonte
inesgotável da irressurreição, encontrar um sentido e
significado para si mesmo e sua civilização.
A idéia do aprisionamento físico, o medo da
debilidade, realça o valor do belo, como segurança em
poder transcender seu status de imortal. A liberdade não
é mais sinônimo de poder, mas necessidade intrínseca
para exercer seu potencial criativo e intelectual, preso às
amarras do poder, ficando inoperante no uso da sua
inteligência, obrigando-se a vigilância e ao controle
estatal. “De este modo los riesgos de la vida pública, en
los que la humanitas és adquirida, se converteu en un
don a la humanidad.”154
O obstáculo é, justamente, a medida de exigir, da
inteligência emocional e cognitiva, uma solução para
salvar a sua própria humanidade. Mesmo diante do

154
SAVATER. Humanismo Impenitente. Barcelona, España, 2000, pág. 22 apud
Vidas Políticas, Karl Jasper.
240
poder ilimitado de qualquer aparato policial ou judicial,
nenhuma prisão poderá retirar o poder da imaginação,
nenhuma prática desumana, das atrocidades ou
personalidades, tomadas pelo surto megalomaníaco do
poder, poderá retirar a solidariedade e a humanidade do
homem.
A imposição coage e tira a liberdade de pensar e
criar. Através do silêncio do olhar e na postura submissa
espera, simplesmente, ganhar tempo para ir ao encontro
da liberdade. “ Humanizamos lo que pasa en el mundo y
en nosotros al hablar y, con ese hablar, aprendemos a
155
ser humanos”. A psicanálise surgiu com a intenção
de propor um tratamento psíquico, a nível inconsciente,
como também de se estabelecer, na pesquisa do mundo
da irracionalidade.
Diferentes concepções falam sobre o homem e
sua humanidade, mas nenhuma ciência está tão próxima
da intimidade do homem como a psicanálise. Neste
encontro terapêutico, mesmo diante das mais diversas
teorias, na psicanálise, sempre existirá um encontro de
duas subjetividades, atuando em um nível intersubjetivo,
em que ambas estarão se descobrindo, desde um ponto

155
SAVATER. Humanismo Impenitente. Barcelona, España, 2000, pág. 22, apud
Hanna Akualt (Vidas Políticas)
241
de vista de alguém, que precisa de ajuda e outro,
oferecendo este tratamento.
Somente o encontro já propicia um ambiente onde
a busca da humanização está lançada. Um olhar, a
escuta, a compreensão, faz do ambiente analítico uma
revivência de algumas horas preciosas, onde a busca da
plena harmonia das emoções, em conjunto com o
descobrimento de si próprio, lança qualquer paciente em
um encontro consigo mesmo, na plena experiência do
afeto, marcado por momentos em que este reencontro é
condição necessária para a plena humanização do
mundo emocional.
“Pero el factor más importante es el despertar de
la compasión, del amor, del sentido de la justicia y de la
verdad, en respuesta a la situación política, social y
cultural de la sociedad industrial de nuestros dias, y las
156
acciones que dicho despertar provoca”.
Quando se fala em psicanálise humanista, se
acentua o valor da pessoa, em toda sua plenitude,
independente de classe social, raça, etnia, religião ou
situação política. Esta atitude está inscrita nas
profundezas do inconsciente humano, onde o ser
necessita ser humanizado e, sem autoconhecimento,

156
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, España, Paidós, 1991, pág. 15
242
alicerçado em valores éticos, recria-se no ser o vazio
existencial, a perda do sentido em existir. Falar e atuar
em defesa da humanidade inclui um compromisso
com a vida, acima de toda e qualquer ambição.
Existem atitudes nefastas, que proliferam a
necrofilia, o desejo de destruição. A psicanálise é contra
este espírito, tomado de desumanização157. Ela se
assume contra toda a forma de proliferação de armas
nucleares, a má distribuição de renda e desiquilíbrio
ecológico, a desigualdade social, cada vez mais
acentuada entre ricos e pobres, a toda forma de
opressão e tortura, independente do regime político, ao
capitalismo selvagem, que valoriza a tecnologia e a
máquina, transformando o homem numa coisa.
Desde sua concepção filosófica e antropológica,
Erich Fromm acentuou uma humanização, no próprio
seio da psicanálise, resgatando a postura ética, a
recriação da possibilidade do afeto, a descoberta de um
caminho para viver melhor a dimensão do amor, a
liberdade de ser e pensar, utilizando-se de toda sua
potencialidade para poder fazer o melhor para si mesmo,
no seu meio social.

157
FROMM, Erich. La Revolución de la Esperança. Buenos Aires, F.C.E., 1992,
pág. 138.
243
Sua orientação humanista incluía um estudo
interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar dos
motivos que impedem ou favorecem a plena
humanização do homem, inserido no aqui e agora, sendo
lançado à transcendência, onde sua contribuição e seu
legado histórico podem enobrecer a raça humana ou
mesmo envergonhá-la158. “La consciência humanista es
la disposición a escuchar la voz de la humanidad
personificada en cada uno de nosotros, y no depende de
las órdenes dada por nadie mas.”159
O homem está cercado de valores incorporados
pela sua assimilação social, histórica e cultural. Estas
crenças também são impulsionadas pelos desejos
instintivos, onde um ato equivocado pode ser decisivo
para comprometer toda uma vida. A liberdade de
acreditar e lutar por aquilo que vivencia é uma das
premissas básicas da condição existencial e humana,
mas também pode tornar-se fonte de tormento e
desespero.
Um homem só pode dar valor à liberdade, à
amizade, à lealdade, à solidariedade, à fraternidade,
depois de ter tido toda uma experiência de

158
FROMM, Erich. El Psicoanálisis Humanista. México, Siglo Veinteuno, 1982, apud
Fernando Narvaez, pág. 115.
159
FROMM, Erich. La Revolución de la Esperanza. Buenos Aires, F.C.E., 1992, pág.
58.
244
individualismo, inveja, vaidade, competição, expurgos de
uma sociedade que acentua o valor da ambição, poder e
dinheiro.
Revestido deste mito pessoal, incorporado do
social, sua luta pela sobrevivência esbarra no estado de
inconsciência, onde os valores já não lhe pertencem
mais. Esta correnteza narcisista impulsiona a pessoa a ir
cada vez mais fundo na própria idealização neurótica,
expressado-a em imagens de agonia, angústia, temor e
desconfiança.
Imerso neste labirinto existencial, o legado mais
humano fracassa, pois onde deveria estar a
solidariedade esconde-se a falsidade, para poder prover
interesses próprios e egoístas. Este desatino é
demasiado inconcebível para quem está imerso nesta
ânsia de poder e status. Necessitado desta obsessão,
fica pressionado, e parte desta agonia é não saber sair
de uma situação altamente estressante e imobilizadora.
A mente consciente ainda está imersa em todo
este contexto de valores destrutivos, correndo o risco de
condicionar e acreditar como uma única função de
existência. A doença surge como um antídoto para frear
esta corrida compulsiva autodestrutiva. Acontecimentos

245
estranhos ocorrem fugindo do controle da lógica da
racionalidade.
“Esta es la razón por la que todos los grandes
maestros de la humanidad han llegado a enseñar,
esencialmentee, las mismas normas que se resumen en
la necessidad de vencer la codícia, el engaño y el ódio y
de conseguir amor y participación, como condición para
alcanzar un grado óptimo de ser.” 160
Todas as grandes religiões, como o Budismo,
Judaísmo, Hinduísmo, Cristianismo, tentam valorizar a
verdade. Infelizmente, estas mesmas doutrinas foram
escritas por grandes homens, porém, nem sempre a
justiça é feita e muitos se calam e fingem não ver a
exploração e a manipulação. Neste sentido, vai se
tornando um pacto da boa convivência, onde ambos os
interesses corporativos e ideológicos são mantidos sob o
custo da alienação e massificação.
A verdade sempre foi traída, na sua máxima
essência. Levar este ser à plena consciência do seu
estado de alienação ideológica, não se apropriando de
dogmas ou as falsas profecias, ao contrário, tornando
cada vez mais realista sua condição humana. O
compromisso com a verdade aparece sob as várias

160
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, España, 1991, pág. 19.
246
facetas da existência, para descobrir nas aparências
aquilo que confunde e engana. Na psicanálise, sempre
se esteve em busca deste “santo graal”, advogado por
várias teorias, todas elas também prometem a sua
verdade.
O importante é saber que a psicanálise está acima
de qualquer compromisso neurótico ou totalitário, seu
convencimento se dá muito mais nas atitudes coerentes
e feitos de justiça do que, propriamente, do domínio
intelectual, racional e teórico. Esta harmonia tem de ser
experenciada na reorganização de valores, crenças,
atitudes, durante o processo do tratamento psicanalítico;
é nesta reflexão que cada um irá encontrando sua
própria verdade.
O homem tem, dentro de si, o monstro da
“ambição”, pois o único modo de prover sua própria
subsistência está ligado à exploração e à dominação; é
um ser insaciável do acúmulo, como condição para
sentir-se superior e, assim, obter a idolatria. “La
humanidad finalmente puede confiar, no em la dictadura
del proletariado, corrientes que han traicionado el
derecho de propriedad espiritual de la história, sino en

247
una nueva humanidad sacramental y en una unidad del
conocimiento”.161
A psicanálise, desde seus primórdios, sempre
esteve comprometida com a saúde da pessoa humana,
interessada em saber as etiologias destes estados
doentios, inicialmente, propôs estudar as condições
emocionais e logo associou as doenças crônicas, como
um longo período de conflitos e insatisfações, onde o
acúmulo de frustrações e medos a faz desistir de viver.
Freud era médico, no entanto, compreendeu a
necessidade de se ter um olhar diferente, sob estas
forças atuantes, em um nível de inconsciência. Muito da
infelicidade advém de experiências autoritárias e
repressoras dos talentos e capacidades enterrados sob o
signo do medo.
O ideal de Freud perspassava, simplesmente, uma
preocupação obsessiva para com a “libido”; tinha sua
atenção voltada, principalmente, para a solução dos seus
problemas econômicos e, ligados a isto, o seu sucesso
científico e profissional. A reflexão de Freud foi pensar a
humanidade a partir dos próprios questionamentos
experenciados e gerados por seus bloqueios pessoais,

161
FROMM, Erich. La Misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981,
pág. 11
248
tentava, então, elucidar a existência humana baseado
nos seus próprios sofrimentos neuróticos.
Por que Freud foi um grande Humanista?
Retratando seu passado, podemos vislumbrar um
homem preocupado com a saúde humana. Sua
originalidade esteve alicerçada na coragem de investir
neste grande projeto para a humanidade, imbuído deste
objetivo de se lançar, com coragem, mesmo diante das
adversidades.
Um investimento teórico, para tornar a vida do ser
humano menos dolorosa. Conseguiu, desta forma, entrar
nas entranhas da mente inconsciente, perscrutando,
escutando, verificando com os olhos da sensibilidade
aquela dor. E, para isto, foi preciso tratar-se, conhecer-
se, identificar-se na sua condição de humano, com
objetivos bem mais profundos, porque o homem realiza e
utiliza o próprio mal contra si mesmo.
“El digno de nota y comovedor el que Freud,
humanista y, como él mismo se denomina, pacifista,
trata aqui casi freneticamente de escapar a las
consecuencias logicas de sus proprias premissas.” 162
O humanismo aparece em toda sua plenitude
quando no humano está presente. A compaixão, ao

162
FROMM, Erich. Grandeza y Limitaciones del Pensamiento de Freud. Siglo
Veinteuno, 1979, pág. 156
249
contrário do individualismo, quando em nome da
destruição apregoa-se a um falso amor, para aqueles
seres desprovidos de um senso crítico.
Freud foi convocado, no ano de 1912, a servir na
Primeira Guerra Mundial. Foi uma experiência
aterradora, pois esteve presente no local das
atrocidades. Além disso, acompanhou e presenciou a
ascensão do nazismo, a invasão da Áustria, a
perseguição dos nazistas e sua expulsão de Viena,
mediada pela colega e analisanda Maria Bonaparte.
Esta sua experiência de vida, principalmente a
partir da morte de seu pai, do início de seu câncer e do
início da primeira guerra mundial, colaborou no estudo do
instinto de vida (Eros) e de morte (Thanatos),
apresentado na irrigação de uma irracionalidade
presente e atuante no flagelo da barbárie. Este frenético
amor à destruição foi, mais tarde, tratado num estudo
aprofundado por Erich Fromm, em “anatomia da
destrutividade humana”, com o intuito de entender o
homem, na sua natureza da criação e de quadros
acentuados de destruição e morte.
“El pensamiento más importante del humanismo
es la Idea que toda la humanidad está contida en cada
ser humano y que el ser humano desarrolla su humanitas

250
163
en el proceso histórico.” Com o auspício da
racionalidade, durante a era humanista, juntamente com
o advento da Revolução Industrial aliada às descobertas
científicas, inicia-se um período de grandes
transformações, em diversas áreas tecnológicas e do
saber humano.
Tragicamente, a humanidade vem sofrendo, às
custas de um capitalismo selvagem e excludente, onde a
dignidade do ser humano fica exposta às intempéries do
sistema, narcotizada pelo símbolo da imagem, recriando
em si mesma uma exigência catastrófica, onde a
exploração é convalidada sobre os auspícios do luxo,
como um fim.
Numa sociedade expressamente idealizada, na
corrida desenfreada pela busca da fortuna, o acúmulo de
bens de capital se justifica no aprisionamento econômico
e tecnológico.
Grandes massas de seres humanos vivem a
mercê da sorte, simplesmente porque, excluídos do
processo de ascensão social, lutam com suas últimas
forças contra o aparelho ideológico dos Estados Nação.
Aprisionados nas ideologias alienantes, são seres
marginalizados e utilizados como massa, seduzidos por

163
FUNK, R. Biografia de Erich Fromm: El amor a la vida. Buenos Aires, paidós,
1999, pág. 134.
251
discursos de grandes corporações financeiras e
empresariais.
O humano fica substituído pela rotina, onde o
salário é uma simples recompensa por um longo período
de trabalho. Sua subsistência está intrinsecamente
relacionada a obedecer às regras do jogo. Imerso neste
contexto social, o homem adoece e morre,
experimentando a própria desumanidade de uma elite
egocêntrica e narcísica.
Espalhados, expatriados em sua própria terra, são
deixados a mercê da sorte, onde a exceção é a regra. O
humano recai na displicência e da falta de compromisso
em colocar, no lugar devido, a sua dignidade de pessoa.
Este ser, tolhido de suas potencialidades, vive imerso
num trabalho onde a sobrevivência fisiológica é seu
objetivo principal. Neste contexto social histórico, a
psicanálise não pode, simplesmente, atender a uma
determinada classe social, esquecendo-se de seu dever
ético, para com toda humanidade.
Todo pensamento humanista164 existe para o além
humano, uma vontade persistente em transcender suas
próprias limitações, dividido entre suas incongruências,
reorganiza-se em criar as condições de colocar em cena

164
FROMM, Erich. El Psicoanálisis Humanista. México, Siglo Veinteuno, 1982, pág.
11.
252
toda sua capacidade intelectual e científica, como
grandes homens, Freud165, Nutscherlicer, Hortheimer,
Fromm, Erickson, Roman Rolland, Thomas Mann e
tantos outros, na luta constante para dar uma dimensão
humana ao homem.
“Al darse en lo inconsciente todas las
posibilidades, desde la del animal pesa tendencia
represiva hasta la del hombre anhelante de su
trancendencia, la recuperación de lo inconsciente es la
realización misma de la experiencia del humanismo.”166
O humanismo ergue-se sobre a bandeira da
defesa da vida do homem e de seu habitat natural. Esta
narcotização ideológica intoxica mentes, prolifera a
desigualdade, cria falsos sectarismos, promove o
acirramento de doutrinas filosóficas, amplia o desejo de
domínio político e financeiro mundial.
Contra estes valores perniciosos e dogmáticos,
onde o pensamento em voga é dominação e ampliação
dos mercados, o protesto do humanismo se volta contra
toda e qualquer violência e, a dignidade da pessoa, na
liberdade de se expressar e pensar, se coloca,

165
Ibidem, pág. 23
166
AMARA, Giuseppe; MILLÁN, Salvador; MILLÁN, Sonia Gojman de, et al. Fromm, lo
insconsciente y el problema de la existencia In Erich Fromm y el psicoanálisis
Humanista. México, 2ª. edición, Siglo Veinteuno, 1982, pág. 165. VERIFICAR:
Fromm, apud Más allá de las cadenas de la ilusión pág. 103 – 104.
253
necessariamente, contra todas as formas de dominação
cultural e econômica. Aponta para rever a hecatombe
nuclear ampliada pela corrida armamentista, onde o
principal objetivo é a dominação, não levando em conta a
destruição de vidas e da natureza.
Toda ideologia que atenta contra a liberdade, os
preconceitos raciais, sexuais, a exploração dos mais
pobres e ignorantes, o espírito demagógico tecnológico,
quer transformar o homem em uma coisa167.
“Su orientación humanista es un punto de
referencia básico para entrar lo que favorece o impede el
processo de humanización del hombre, Fromm entiende
por humanismo radical, una filosofia global que insiste en
la unicidad de la raza humana, en la capacidad del
hombre para desarrollar sus próprios poderes y para
llegar a la armonía interior y estabelecer un mundo
pacífico.”168
Com esta tendência, consegue mesmo, dentro do
escopo teórico da psicanálise, durante o processo de
formação psicanalítica, criar as condições propícias para
esta experiência verdadeiramente humana, onde a

167
ARAMONI, Aniceto, MILLÁN, Salvador; MILLÁN, Sonia Gojman de, et al. La crisis
contemporánea In Erich Fromm y el psicoanálisis Humanista. México, 2ª. edición,
Siglo Veinteuno, 1982, pág. 202.
168
NARVÁEZ, Fernando, MILLÁN, Salvador; MILLÁN, Sonia Gojman de, et al. La
Terapéutica Humanista en la obra de Erich Fromm In Erich Fromm y el
psicoanálisis Humanista. México, 2ª. edición, Siglo Veinteuno, 1982, pág. 60.
254
vivência destes valores é uma condição necessária. O
humanismo busca o resgate de qualidades potenciais e
de valores substanciais, para manter a própria
sobrevivência do homem na terra.
Mesmo no tratamento, o humanismo parte do
princípio de aceitar a possibilidade do perdão e de que o
amor seja mais forte que o ódio. Porque toda teoria
desvinculada de um compromisso com a totalidade
do ser poderá recair no absolutismo dogmático,
como sendo a única forma de garantir a permanência
de um saber.
A teoria está intrinsecamente relacionada com a
vida, e nela está contida toda a complexidade de
mudanças, transformações, regressões, enfim, meios,
tentativas para entender e descrever, pela ótica de uma
determinada ciência, a realidade do homem. Aqui, o
sujeito e o objeto são a mesma coisa.
São as diferenças teóricas que incomodam. Os
cientistas ainda não entenderam o princípio holográfico e
holístico da realidade do homem. Neste campo de
saberes são muitas as interpretações, deduções, leis,
argumentos, tentando experienciar as psicodinâmicas
inconscientes do homem, na sua contemporaneidade. O
paradoxo está na experiência do especialista que detém

255
um saber profundo de uma área específica da realidade,
ficando à descoberta outras instâncias, de igual valor ou
até de mais importância. Portanto, é um risco bastante
presente na vida dos teóricos olhar a realidade com os
óculos verdes, porque pode dar a impressão de que “no
campo não existe a seca”, só enxergando gramas
verdes.
Adentrar nesta tarefa tão árdua exige da parte do
psicanalista não só humanidade, mas, aliados a isto,
flexibilidade, abertura, diálogo, escuta, para propor uma
condição de autonomia e liberdade, experiências, à
priori, para dominar o medo. Somente um ser livre
consegue criar, inovar, acrescentar. Onde ele está, a
condição da ampliação é uma experiência necessária, a
novidade está na coragem, aliada à ousadia, de saber
equivocar-se com destreza retroagindo em alguns
momentos, mas nunca esquecendo de avançar, na
realização plena de si mesmo.
A psicanálise é uma das ciências mais objetivas e
verdadeiras, porque sua evidência é o homem; enquanto
ele vive, recria-se a necessidade de entendê-lo, em toda
sua complexidade. “Su obra e su vida son expresión
contínua de su esfuerzo por entender al hombre, a su
naturaleza humana, y encontrar nuevos caminos para

256
salvaguardar a felicidad, la criatividad, la integridad, la
libertad y asegurar el desarrollo de las potencialidades
humanas. Su amor por la vida es su próprio marco de
orientación y devoción”. 169
Não podemos igualar a singeleza da liberdade,
quando o homem é co-responsável pela existência da
vida no planeta. Esta consciência humanista advém da
valorização em ter objetivo. Porque, nesta linha
demarcadora, podem-se colocar suas potencialidades
para oportunizar, aos outros seres humanos, condições
de vida e existência, que estejam acima dos interesses
pessoais, abarcando, a partir daí, uma aproximação
maior de confiança e reciprocidade, onde prevalecem
atitudes de liderança capazes da promoção humana,
nesde o âmbito educacional e cultural, até a persistência
na busca de um saber aprisionado pelas garras do poder
absoluto.
Esta humanização se dá em diferentes modos,
com enfoques e situações complexas, onde a dor, a
perda, o sofrimento são coadjuvantes, aprimorando,
lapidando, ensinando e aprendendo caminhos
necessários para salvaguardar a liberdade de Ser e

169
NARVÁEZ, Fernando, MILLÁN, Salvador; MILLÁN, Sonia Gojman de, et al. La
Terapéutica Humanista en la obra de Erich Fromm In Erich Fromm y el
psicoanálisis Humanista. México, 2ª. edición, Siglo Veinteuno, 1982, pág. 59.
257
Pensar. Toda e qualquer neurose aprisiona e induz ao
erro, coloca o ser humano numa condição de
desumanidade.
As atividades produtivas proporcionam, ao
protagonista da existência, avanços e conquistas, frutos
de sua decisão essencial de procurar ao máximo fugir da
automutilação, para experienciar a alegria e a satisfação
em ter sentido na sua própria existência. O homem é um
incansável ser, na busca da sua promoção pessoal. Cria
estratégias, acentuadas por um pensar demasiadamente
complexo e surpreendente, onde, mesmo diante das
maiores atrocidades, permanece a “esperança” de
alcançar um estado de vida, com a saúde, a alegria e a
felicidade entre os primeiros objetivos.
Como explicar esta ânsia pela liberdade,
arrancando a própria vida para longe daquele ambiente,
conseguindo conquistar o dom mais precioso do ser: a
liberdade de Ser. “A cultura foi produzida por uma
espécie de mamíferos, mas foi ela, por sua vez, que
tornou humana esta espécie. Sem a presença da cultura
para conservar as vitórias passadas e moldar cada
geração sucessiva a seu padrão, o homo sapiens nada
mais seria que um semidal terrestre, ligeiramente

258
diferente em estatura e ligeiramente superior em
170
inteligência, mas irmão do chimpanzé e do gorila.”
O homem vem se aprimorando, cada vez mais, no
acúmulo de informações imprescindíveis para a
continuidade da espécie humana. Foram necessários 3
bilhões de anos, no processo evolutivo, para centrar
todas as descobertas nesta aventura desbravadora em
torno do nosso universo e especialmente da via-láctea.
O homem criou seus próprios códigos de
linguagem, religiões, mitos, rituais, academias,
economia, para poder olhar para si mesmo e ter a
certeza de que ele é humano. Entretanto, a triste notícia
de que carrega consigo diz respeito a sua árvore
genealógica, sua descendência, seus aprendizados e
sua evolução, no globo terrestre, tendo iniciado na era
pré-histórica.
As mudanças climáticas, em torno da terra,
levaram milhões de anos para poderem estabelecer um
“habitat” natural, onde o homem pudesse se desenvolver
e manter a vida neste planeta. Porém, a mudança do
“efeito estufa”, o desmatamento, a poluição dos rios, a
fome e a miséria, colocam em risco a sobrevivência, no
nosso planeta.

170
LINTON, Ralper. (1893 – 1953). Uma Introdução a Antropologia. São Paulo,
Martins Fontes, 12ª. edição, 2000, pág. 86.
259
Muito mais que isto, existe o risco concreto de
detonarem bombas nucleares, acopladas a guerras
químicas e bacteriológicas; todo este estupendo
investimento em material bélico para colocar medo e
domínio sob os outros países inimigos.
Enfim, o homem tem garantido seu processo
evolutivo tecnológico, mas continua acentuadamente
primitivo e arcaico, como um primata preocupado com a
invasão das suas terras. Ainda não foi encontrado um
meio de fazer o homem lidar com seu lado primitivo do
sistema límbico, arcaico, onde a predominância do
egoísmo e da ganância acentua-se em níveis
patológicos. Todas as civilizações, desde os gregos, os
romanos, os egípcios, que se tornaram inimigos sob o
domínio de vários povos e culturas, acabaram por
desaparecerem da face da terra. A história nos tem
mostrado um caminho de autodestruição, onde,
inconscientemente, imperadores romanos e egípcios
diziam-se representantes de Deus na terra.
Este desejo de se tornar um semideus inclui uma
ignorância de buscar a glória, o domínio, o medo, o
reconhecimento, a valorização e o respeito de povos e
nações, com o fim último de ser lembrado. O desejo da
imortalidade, vontade impregnada de não ser esquecido,

260
de que toda sua luta não foi em vão. Esta lentidão em
reconhecer um mundo de atitudes inconscientes poderá
levar, no futuro próximo, uma consciência maior sob
estas demandas de estados inconscientes, onde a
ciência psicanalítica deverá ser de enorme ajuda, nas
tomadas de decisões do homem moderno.
O homem humanizado é alguém consciente dos
movimentos sutis das exigências afetivas, sexuais e
econômicas da relação estabelecida com a sua
sobrevivência. A cultura é todo este acúmulo de
experiências, descobertas científicas, erros e acertos,
passados de geração a geração, proporcionando
melhores condições de vida e garantindo menos
sofrimento.
Resta saber se o homem, diante do seu processo
evolutivo, ainda é uma criança, em termos de
consciência superior. Tudo leva a crer que, nas próximas
centenas e milhares de anos, haverá um processo de
ampliação de consciência, oportunizando a outras
gerações futuras uma chance de viver cada vez melhor.
A humanidade terá que se defrontar, cada vez mais, com
o seu próprio egoísmo narcisista.
“Tampoco entre aquellos bárbaros cuyas
instituiciones publicas no permiten el desarrollo de una

261
paidéia ni de un autentico consenso ético como el de la
poles. La propia humanidad es ya una posición “es to
mesón”, en el medio, equidistante de fieras y divinidades
asín como vigilada por la misma equidistancia política de
sus miembros (isonomia). La humanidad es el ámbito en
donde el juicio de razón práctica tiene cabida. Supone un
cierto nivel de integridad tanto fisiológica como
171
psicológica y política”.
A humanidade diz respeito ao homem e,
principalmente, sobre seu sentido de existir neste
planeta, sendo cuidada pelos braços da mãe terra. O
interesse máximo, na face da terra, diz respeito ao
homem e à sua dignidade, integridade, ética e justiça,
valores indispensáveis da humanidade que humaniza.
O diálogo tem a sua própria dose de respeito sem
radicalismos, com autonomia e liberdade, onde a
fraternidade e a solidariedade sejam o objetivo
responsável de cada pessoa, na sociedade. Assim, já se
começa a vislumbrar um grau de humanidade; estes
valores são sentimentos e virtudes indispensáveis, pois
nesta convivência poderá se usufruir a tão almejada
justiça, onde todos tenham as condições de transcender
o inumano.

171
SAVATER, Fernando. Humanismo Impenitente. Barcelona, España, Anagrama,
2ª. edición, 2000, pág. 21.
262
Na República de Platão, no Mundo Feliz de Aldox
Hurley, na Utopia Social de Thomaz Moore, estão
estabelecidos os sonhos de que, algum dia, o homem
consiga realizar, com sua imaginação, tamanha virtude.
Quando se fala em psicanálise, remete-se a um
mundo psicológico e espiritual, onde cada ser humano
apresenta já um certo grau de humanismo, justamente
porque este homem tem atitudes, pensamentos, valores
éticos, normas, leis, diferentes do mundo animal.
Este ser emotivo-cognitivo tende a aprender o
meio social e cultural a tão importantes “humanistas” e,
quanto mais “virtus”, resplandece a beleza da sabedoria
e a eloquência da ordem. Onde todos se embebedam
deste saber valorizativo e ético. Cada pessoa
desenvolve, durante toda sua vida, uma “humanização”
em desenvolver aptidões intelectuais, potencialidades,
oriundas desta aprendizagem, em ser mais humano e
menos irracional.
A psicanálise tenta pensar o todo, porque na parte
fica absolutizada uma teoria, livre de qualquer obstáculo
para propor o fanatismo dogmático e ideológico. Uma
ciência séria jamais poderia agir de tal maneira, pois
diminui a continuidade da descoberta, impedindo o

263
avanço e a discussão, tão necessários ao aprimoramento
de qualquer método científico.
A máxima humanidade172 no homem se dá
quando ele tem uma disposição de compreender a dor,
ter compaixão pelo seu estado, não medindo esforços
para ajudá-lo até restabelecer sua saúde. A continuidade
da vida está implicada na solidariedade, quando um ser
humano sabe estender sua mão, nos momentos difíceis.
A dor e o sofrimento psíquico são fenômenos
universais e, portanto, estendem-se a todos os seres
humanos; esta alteridade está implícita no objetivo
principal do tratamento psicanalítico: oferecer um espaço
onde esta dor possa ser compartilhada e elaborada, com
o fim último de resgatar um caminho de volta ao mundo
do afeto pelo amor.
Para Rousseau(1712-1778), “En su planteamento,
amor próprio y piedad se hallan em la relación antes
estabelecida entre virtud y compasión, es decir que la
segunda es un principio correctivo y en tal sentido
humanizador del primero”.173
Schopenhauer174 também defende a natureza
imediata deste caráter, mas alerta para as explicações

172
SAVATER, Fernando. Humanismo Impenitente. Barcelona, España, Aragrama,
2ª. edición, 2000, pág. 24
173
Ibidem, pág. 27
174
Ibidem, pág. 29
264
supersticiosas, quando não acompanhadas de uma
lucidez, sobre a aparência do fenômeno. Também alerta
para o boicote pessoal, esta tomada de consciência diz
respeito ao aspecto manipulador e egoísta em se ter a
doença para estabelecer culpa e controle sobre o
ambiente onde vive.
Tanto a fraternidade como a amizade são valores
de cumplicidade, onde o envolvimento com a dor do
outro abre possibilidades, nesta relação de confiança,
para se readquirir forças e desejos necessários para
voltar a ter amor à sua própria vida, “o amor do outro me
impulsiona a ser aceito” e, com isto, facilita uma abertura
da intimidade, entrelaçada num vínculo forte, onde a
ética, a escuta e a atenção são os remédios mais
eficazes quando as verdades são ditas, com ternura e
revestidas de compaixão.
Levados pela tempestade emocional, agem sob o
fluxo da irracionalidade, não tendo tempo e tão pouco
análise destas reações, tidas como normais. Agindo
desta forma produz mágoa, ressentimentos, raiva,
tristeza. Esta agressão verbal vem tomada de um grito
de insatisfação, onde se acredita que, pela via do
autoritarismo, aliado ao medo, pode colocar o outro no

265
equilíbrio correto, para se enquadrar no estilo de pessoa
considerado como melhor para si.
Esta forma de relação não humaniza as pessoas,
ao contrário, é um ato desumano, quando ofende e
agride o íntimo do outro. Cada pessoa irá descobrir em
que momento agir com firmeza e, com os outros, ter
compaixão e ternura; e do tempo necessário para pensar
a decisão mais correta.
“Estar preparado para amar não é uma questão de
ser amado o de estar apaixonado, mas sim da realização
de um potencial integrado do ser humano, de poder-se
relacionar de forma amorosa com a realidade, em si
mesmo e fora de si mesmo. O amor é uma força própria
que se converte em capacidade, na medida em que é
exercitado (...) não é lugar de descanso, mas com o
significado de mover-se, crescer e trabalhar,
conjuntamente.” 175
O amor é a máxima expressão da essência da
vida. Introduz, em seu seio, a vontade de sentir-se
protegido, cuidado, revivendo, por via indireta, as
primeiras experiências de humanização de relações
aprendidas no passado, voltando-se no tempo para
envolver-se nesta trama amorosa. Quem é partícipe

175
FUNK, Rainer. Biografia de Erich Fromm: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 138
266
desta relação consegue não só receber estes afagos,
mas presenciar para si mesmo uma ativação do sentido
máximo da vida, em sua plenitude. Nestes encontros, ser
aceito, conquistado, desejado é um dos quesitos
necessários para saber valorizar a dimensão de ser
compreendido e entendido, mesmo diante das diferenças
pessoais.
Nesta interação entre pessoas, o amor é o
remédio mais eficaz para acalmar qualquer crise
destrutiva e autodepreciativa, afirmar-se, nesta
dialogicidade, é estar a todo o momento humanizando-se
e aprimorando-se, com plenitude, num estado desejado
de plena humanidade. “A experiência permanece sendo
a mesma, mesmo quando Fromm permanentemente usa
conceitos psicológicos para a descrição e fala da
experiência das forças próprias da razão e do amor, a
bem da produtividade e da orientação produtiva de
biofilia, no seu modo de existência do Ser.” 176
De todos os psicanalistas do ocidente, foi o
primeiro a resgatar os valores humanitários e pacifistas.
Amigo da paz, foi um defensor do amor à vida, jamais
retroagiu, em nenhum momento de sua vida, nesta
postura humanista. Um homem erudito, sem

176
FUNK, Rainer. Fromm Vida e Obra. Barcelona, España, Paidós, 1987, pág. 13.
267
dogmatismos de conceitos fechados, soube circular, com
extremo cuidado, pelas mais diversas ciências, desde a
psicologia, filosofia, psicanálise, antropologia, história,
sociologia e medicina, estando em diversas culturas,
inicialmente na Alemanha, depois na Suíça; em Nova
York, depois no México.
Todas estas vivências, em diferentes países com
diferentes formas de pensar a psicanálise, trouxeram
oportunidade para fazer amigos, dialogar, ampliar
conceitos, dar formação e fazer análise dos futuros
psicanalistas. Porém, foi irredutível e nunca abriu mão de
uma visão multidimensional, holística e transdisciplinar,
na teoria psicanalítica. Jamais aceitou dogmatismos ou
fanatismo teórico conceitual, retirando-se, nos momentos
certos, tendo a coragem de assumir-se por inteiro,
fazendo uma nova leitura da psicanálise para resgatar o
valor da dignidade da sua humanidade, voltando-se
contra qualquer forma de manipulação e alienação do ser
humano.
Sempre foi um autor aberto a aprender novos
conceitos, ampliando suas concepções, mas nunca
exigindo ou ameaçando, com expulsão, qualquer colega
que pensasse diferente de sua teoria. Foi um pensador
independente, livre para questionar, para criar seu

268
próprio destino. Aceitava com naturalidade as diversas
escolas psicanalíticas, no entanto, não aceitava qualquer
tipo de coerção ou atrelamento teórico. Sua missão era
combater qualquer tipo de fanatismo, seja ele na
psicanálise ortodoxa, na política, ou mesmo na religião;
era um defensor apaixonado pela livre expressão de
idéias, pela liberdade de questionar, de ser e pensar, de
seu próprio modo de agir, com relação à humanidade.
Foi um cientista que não mediu tempo e esforço
para entender o espírito da natureza humana. Procurou,
sem hipocrisia, fazer uma síntese do contraditório em
relação à humanidade. Desde as mais diversas visões,
soube olhar, com a ajuda das mais diversas ciências,
teve o cuidado para não fechar questões sobre qualquer
conceito que interpretasse a realidade.
Sempre esteve presente, reconhecia as
incongruências, as limitações, os individualismos, os
egocentrismos narcisistas, mas acreditava que o amor é
mais forte que o ódio, apesar de saber as atuações de
forças inconscientes irracionais, como as paixões e os
instintos vitais, mas contava com a psicanálise para tratar
justamente destas condições primitivas, nas profundezas
dos impulsos humanos.

269
Erich Fromm era um homem ativo e, em nenhum
momento, ficou a contemplar, estando sempre presente
no âmbito político ou social, como um ardoroso defensor
da paz mundial.
Trabalhou nas várias escolas psicanalíticas “Eles
fundaram, em maio de 1941, a Associação para o
Progresso da Psicanálise(...) e, em junho de 1941, se
fundava o Instituto Norte-Americano de Psicanálise,
como entidade formativa da nova instituição (...) Fromm
que, desde o princípio ,havia estado presente na
formação do novo grupo, poderia (como não era médico),
ser só membro honorário (...) O conselho da faculdade
negou com esta atitude, dizendo que isto implicaria na
oficialização final da prática da psicanálise, por parte de
profissionais que não eram médicos.” 177
Ao princípio, estas sociedades psicanalíticas não
entenderam seu pensamento, pois ele não tinha
pretensão alguma em assumir uma determinada corrente
teórica, dentro da psicanálise. Não compreenderam seu
espírito livre, não queria acatar nenhuma idéia estranha e
muito menos ajudar a ninguém a proteger seus dogmas.
Por isso, sofreu diversas perseguições da Sociedade

177
Ibidem, pág. 144
270
Psicanalítica de Nova York e da Sociedade Psicanalítica
Internacional, da qual foi expulso, por pensar diferente.
Mesmo diante destas pressões, ele manteve-se
fiel aos princípios da socialização do conhecimento
psicanalítico a toda humanidade, do que aos interesses
de um grupo determinado. Erich Fromm morreu aos 80
anos, em 18 de março 1900, de uma parada cardíaca,
em plena atividade psicanalítica, além de lutar, com toda
sua influência, a favor da paz mundial. Foi um homem
livre e independente, na prática de seus gestos
humanitários.
A história sempre foi injusta para com os homens
que praticaram a mediação e a conciliação. Muitos o
criticavam por viver os valores da religião judaica ou por
defender os princípios cristãos. Muitos deles não
entenderam a sua prática humanista, sendo que, em
nenhum momento da sua história, ficou atrelado a um
partido político ou mesmo a uma religião. Conseguiu
impor sua liberdade de pensamento a seu próprio estilo
de vida, arraigado aos valores da ética psicanalítica, em
toda sua expressão humanística. Fromm foi prudente
quando escolheu a psicanálise como profissão, pois
oportunizou, a si próprio, um autoconhecimento, além de

271
entender todas as manifestações inconscientes do meio
social, cultural, antropológico e histórico.
Era um eterno enamorado da ciência. Tinha em si
um elevado espírito para não se deixar levar pelo frívolo
do tempo mundano, ao contrário, foi um emérito escritor
com mais de 40 obras, tinha uma sede insaciável pelo
saber cientifico. Tentava, nos seus escritos, aprofundar
alguns temas, como os resquícios da irracionalidade do
inumano. Desde sua mais tenra juventude, tentou
entender os fanatismos dogmáticos e ideológicos ou de
toda ação unilateral, as práticas de violência social e
ditatorial, dos regimes autoritários.
Era um cosmopolita, um homem do mundo, com
um pensamento livre sem ortodoxias, pensava em uma
humanidade redimida dos poderes totalitários, tinha um
amor especial pelas mulheres com as quais conviveu,
eram suas amigas, valorizando, ao máximo, a
participação delas na ajuda e revisão de seus escritos.
Era um humanista na sua clareza, pois não fazia
distinção entre médico, psicólogo, filósofo, sociólogo,
antropólogo, pedagogo, teólogo, tão pouco lhe importava
raça, religião ou classe social, lutava com todas suas
forças por uma sociedade mais justa e igualitária. Sua
distinção estava na soberania de um espírito livre,

272
despreocupado. Esta independência dava-lhe as
condições de pensar diferente e, ao mesmo tempo, de
um modo melhor e mais útil para todos.

273
CAPÍTULO III

3.0. Uma explicitação do paradigma da complexidade


e o humanismo, na vida de Edgar Morin

A vida de Edgar Morin foi uma sucessão de


acontecimentos, todos ligados ao mesmo fio condutor.
Por muitos caminhos, sempre tentou encontrar-se,
esbarrando com o inesperado, a contradição, a
diversidade. Num pensamento sempre ousado, nas suas
buscas pessoais e intelectuais, sempre tinha dentro de si
um ímpeto, algo que o impulsionava para buscar,
conhecer e inovar.
A perda da mãe, quando tinha 09 anos de idade,
nunca foi empecilho para entender a “complexidade” das
ações humanas e dos acontecimentos sociais e culturais.
Deliciava-se em seus romances, usava destas viagens
para se deslocar para um mundo da imaginação, onde
estava presente o contato bastante forte do “conteúdo
vivencial” destes personagens. Isto o estimulava a
imaginar culturas, contextos, emoções, medos próprios,
da trama da existência.
Assim, descreve em seu livro Meus Demônios:
“No meu vazio cultural originário, aspirei ao cine da

274
curiosidade, o saber, a imaginação, a busca do bem, a
elaboração de minhas próprias normas. Fiquei
identificado por aquilo do que sentia sede. Minha
abertura unívoca manteve meu autodidatismo, que, por
sua vez, manteve minha abertura unívoca. Através de
meu autodidatismo, eu descobri minhas verdades
contrárias”.178
Para conhecer o valor de uma teoria se faz
necessário conhecer muito sobre a vida do autor, até
porque muitos dos seus escritos estão intrinsecamente
relacionados com suas próprias experiências. É uma vida
explicitada, em forma de uma teoria, que tem muito a ver
com sua curiosidade em descobrir, inovar, mudar,
ampliar, enfim, acrescentar, dar um novo significado na
interpretação de si mesmo, dos outros e da própria
sociedade, a que Freud chama: “Wissentrich”, pulsão de
conhecimento. O primeiro ato de suprema inteligência é
a observação dos fenômenos da natureza e da
existência. Nisto consiste o primeiro ato científico, para
depois formular suas “próprias elaborações”, este desejo
de conhecer, em profundidade, não só a “interioridade do
ser humano”, mas a natureza biológica, cultural,

178
MORIN, Edgar. Mis demônios. Barcelona, España, Kairós, 1995, pág. 42
275
antropológica deste homem, inserido dentro deste
contexto social, político e econômico.
Para qualquer pessoa desenvolver suas
potencialidades é preciso, primeiro, transgredir e
acreditar em si mesmo, fazer suas próprias experiências,
lançando-se na busca de respostas para preencher as
lacunas, que por ora estão vazias por não terem
significado e valores próprios. Esta autonomia de “criar
seu próprio modo de existir” lhe oportunizou entrar em
contato com as mais diversas realidades; um ser se
constitui, principalmente, por suas ações concretas e
realizações: cientifíca, cultural, social, psíquica, afetiva e
do seu próprio inconsciente.
São as contradições das próprias dialéticas da
existência, onde se oportuniza um posicionamento entre
o fechamento e a abertura, diante destes conflitos. Um
teórico começa a ter ousadia quando descobre o maior
tesouro de uma vida: saber o quanto precisa acreditar
em si mesmo; pois, neste mundo da literatura, da
política, do acadêmico, ele percebeu o quanto de
“complexo” é avaliar, julgar, condenar ou absolver
qualquer tipo de acontecimento social ou pessoal.
Seriam nestas intrincadas percepções, estimuladas
pelo seu meio social, onde se nutriria do manancial

276
da busca, altamente estimuladora, das verdades mais
profundas da natureza humana.
Qual é a relação existente entre a “Psicanálise
Humanista” e a “Complexidade” As categorias de
análise do “Ser” e da “Sociedade” estão intrinsecamente
correlacionadas, no modo de interpretar e conhecer o ser
humano, dentro de uma perspectiva humanística,
multidimensional e transdisciplinar. Justamente este
modo de “olhar” proporciona as condições da análise da
subjetividade, incluindo todas as emoções e realidades
partícipes da condição humana, este “ser holístico”,
composto do biológico, físico, social, cultural,
educacional, psicológico, político, econômico, traduz-se
numa amplitude de diversas áreas das ciências, que
deveriam estar ligadas entre si, para poder formar um
pensamento mais aproximado sobre a essência e a
existência deste “ser” chamado homem.
O ser humano está no meio das coisas - ”Umwelt”.
O Ser Humano está com as outras pessoas-“Mitwelt”.
O Ser Humano está consigo mesmo - “Innenwelt”.
“No banquete de Platão, Eros é um Daimon, ser
intermediário entre o mundo do ser e o mundo do
devenir. Para Jung, existe uma dialética permanente do
eu com a sombra, essa móvel capa da alma em que se

277
agitam os demônios, que nos possuem enquanto não
compreendamos que são nossas fontes vivas. Ao final
deste livro, tentei reconhecer a que tipo de erros me
levou meus demônios e a que virtudes seguem sendo
fiel. Sendo, por fim, capaz de dialogar com eles, os
assumo agora de um modo consciente”.179
Todos os cientistas, nas mais diversas áreas, em
algum momento, devem ter se perguntado: de onde vem
este desejo específico de estudar, cientificamente, estes
temas, nesta área específica da ciência Qual é a
relação da sua existência com suas áreas de pesquisa
metodológica Por que escolhi este autor específico,
sendo que existem vários que tratam da mesma ciência
Enfim, seriam tantos os questionamentos de verificar a
relação entre a existência e o seu modo de vida em
geral. Edgar Morin escreveu sua autobiografia, se
colocou a descoberto, deu-se a conhecer, talvez não na
amplitude da intimidade que gostaria de ter feito, mas
enfim, concentrou todo o seu esforço em apresentar os
acontecimentos familiares, sociais e acadêmicos,
intrinsecamente relacionados com as buscas pessoais do
seu “Daimon”.

179
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág. 8
278
Soube, com sua grandeza interior, esboçar um
desejo de buscar as intra, inter e transpessoais cadeias
destes acontecimentos, inseridos numa cultura com suas
próprias armadilhas, de alguém sedento por justiça,
amor, humanidade e realização. Como era o grau de
consciência de suas crenças, ideologias políticas, dos
seus amores, nesta busca obsessiva de realização
pessoal Como foi sair de um estado de pureza
relacional, onde o cuidado e amor estavam presentes até
seus 09 anos, quando aconteceu a morte de sua mãe?
Nascido na Espanha, nas cidades de Toscana e
Solônica, soube, através de seu pai, que já fazia dois
dias que sua mãe teria sido atropelada por um trem, em
28 de junho de 1931. Foi o fato mais marcante para uma
criança, a perda de uma mãe que a cuidava, cantava e
lhe proporcionava o alimento psicológico e espiritual.
Esta dor marcou durante toda sua vida, a única maneira
de recordar a presença viva de sua mãe era um pequeno
disco relicário, que tocava insistentemente em seu
fonógrafo, até o ponto de se quebrar, mas, mesmo
assim, ele tocava o disco com o dedo para escutar a
música do relicário, que servia de estímulo para se
recordar, em sua mente, a presença viva de imagens de

279
amor e, ao mesmo tempo, a perda, tendo de admitir para
si mesmo a existência da morte.
Estas recordações de sua infância eram segredos
que só eram compartilhados consigo mesmo. Nunca
conseguia esquecer uma imagem de sua mãe, cantando,
alegre, feliz e mostrando toda a doçura, a beleza e o
cuidado de ser feminino. Seu pai, por sua vez, entrou no
mesmo tom e também começou a cantar, principalmente
após as refeições, mostrando sua felicidade e alegria
pessoal, em viver nesta família.
Seu pai nunca impôs qualquer condição de
normas, regulamentos, crenças, religião, somente o
respeito, o princípio ético e a solidariedade familiar. Esta
perda foi uma tragédia, o marcou profundamente, mas
carregava esta “dor em segredo”, escondia este
sentimento de seu pai, de sua tia e de toda sua família.
Depois, com 10 anos, foi morar na cidade de
Paris. Nunca se esqueceu dos seus robbis prediletos: os
aviões e a leitura das novelas. Sempre comentou que o
encantavam estas literaturas, pois conseguiram envolvê-
lo, seduzi-lo a aprender a gostar de ler, por isto, sempre
trazia consigo, em qualquer lugar onde estava, um


Robbi: Momento onde a própria pessoa faz, com muito prazer, alguma atividade,
com espontaneidade e liberdade.
280
romance. Assim foi sua aprendizagem intelectual e
literária. Fala de uma livraria que existia na rua
“Ménilmontant”, onde comprava e trocava por outros
romances, principalmente de aventuras, quando
terminava as aulas do colégio. E durante as aulas,
enquanto a professora explicava os conteúdos, ele
estendia sobre suas pernas, escondido, os romances de
seu interesse.
Através deste mundo literário, começou a
vislumbrar e a descobrir uma nova realidade,
despertando-lhe, então, uma nova compreensão dos
fatos e acontecimentos, que lhe faziam refletir sobre a
existência de possíveis realidades de que ele não tinha
consciência; isto o fazia vibrar de alegria, pois,
diferentemente das disciplinas da escola, ele podia
escolher o tema, o autor, a novela que lhe interessasse.
Assim ele comenta: “Tenho sido um autodidata, porque
estes não conhecem hierarquia e compartimentalização,
à priori, e efetuam sua seleção em função das
necessidades tão profundas como inconscientes. Por
esta vivência sem caminho consegui, pelos meus
próprios meios, alcançar a cultura dos cultos.180

180
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág. 17
281
Sua adolescência foi rica em poder lhe propor a
liberdade de escolha, desejava ler algo prazeroso, com
sentido, envolvente, nos seus mais diversos temas e
personagens; e esta experiência transdisciplinar, de estar
em contato com as mais diversas áreas do conhecimento
abordado no conteúdo de suas novelas, influenciariam-
no a ter uma leitura distinta, ampla e complexa, da sua
própria realidade, do outro e da sociedade. Sua busca
era conhecer a literatura, os papéis que estes seres
representavam, descrevendo o contexto, situações,
sofrimentos, alegrias, acordos, desencontros, vida,
diálogo, conflito, todas estas categorias de análise já
estavam presentes nestes romances.
Percebia já de antemão, a interdisciplinaridade
das ligações profundas, dentro de um cenário de
encontros e desencontros, de uma maneira leve e
sedutora, a realidade se apresentava de uma forma
“complexa”, mas percebia que todos os personagens
estavam em comunicação entre si, buscando, em
conjunto, a exploração, em profundidade, daquele
problema; os coloridos, as músicas, o local, as
vestimentas, o rosto destes personagens deveriam ser
descritos, para si mesmo, de acordo com a sua própria
imaginação.

282
Não sabia, todavia se esta imagem que
representava para si mesmo era fiel na sua descrição do
estereótipo ou mesmo da fisiologia de seu rosto. Assim,
descobriu a força da cultura do meio social, mas também
o poder da atuação de um mundo inconsciente da
“emoção da dor”, esta perda, mesclada com culpa, que o
acompanharia por toda sua vida.
Esta experiência, feita na sua família, com
liberdade, afeto e cuidados pessoais, foi a confirmação
plena da existência do amor, algo sagrado e profundo,
logo para uma criança, mesmo com seus 09 anos de
idade, vivenciava o respeito e a ética que seus pais
tinham em relação a si mesmos e na sua condição de
filho.
Estar lançado na vida é saber que “caminheiro
não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, as
deduções, os amores, as desilusões, a confiança, a
traição, a gratidão, a inveja, são temas recorrentes muito
próximos e pertencentes à condição humana. Nestas
viagens se emocionava, pois era seduzido por universos
diferentes, sabendo diferenciar as tonalidades dos
diversos coloridos, impostos pela existência, num quadro
onde tudo era importante e nenhuma cor era
insignificante, pois todas elas participavam deste

283
contexto maior, mesmo com tons diferentes,
entrelaçadas entre si, faziam-se presentes, importando-
se somente com a mensagem expressa e não
compreendida, mas manifesta.
Esta presença denota um conteúdo de buscas
incessantes para perguntas sem respostas, a angústia, a
ansiedade, a incerteza, a insegurança, promovem, no
ser, uma desestabilização tão necessária quanto a
experiência do êxtase de alguém que consegue
encontrar o seu próprio caminho. Tanto uma como a
outra fazem parte desta alteração emocional, turbulência
de encontros e desencontros, oriundos de muitos erros e
poucos acertos ou vice-versa; descobrir-se neste
caminho histórico e existencial é estar obserando as
configurações destas “perplexidades” da manifestação
da vida.
Um adolescente, num relâmpago de inteligência,
descobre o quanto é caro a falta de “Amor”, a
humanidade se faz presente e marca, para sempre, o
quanto uma criança sente a segurança emocional, tão
necessária à existência.
Foi nesta descontinuidade, diante do inesperado, da
solidão, da perda de um ente querido, imagem da beleza
sublime de humanização, que soube contemplar os

284
primeiros ensinamentos da autodescoberta, da
curiosidade, do autoconhecimento, da análise pessoal;
Precisava saber da existência deste passado tão íntimo e
atuante, como se não existisse espaço e tempo,
presença viva de uma realidade bastante presente,
guardada como um segredo, de viver na nostalgia. Só
assim, conseguia reviver momentos tão raros e, ao
mesmo tempo, tão próximos, como se passado, presente
e futuro fossem apenas uma invenção humana.
A única certeza própria é sobre a vivência
angustiante do que irá acontecer no futuro. Quanto mais
livre e flexível for o modo de pensar, menos
compromisso terá com as ideologias e dogmas, até
porque são teorias, idéias, forjadas muitas vezes num
estado de completa embriaguez, de mágoas e
ressentimentos. São situações inusitadas, como o poder
do pólem, que atrai instintivamente a abelha.
Na continuidade da existência, se faz necessária a
observação de qualquer tipo de extremismo. Foi exitoso
compreender a grande sinfonia do universo,
representada por seus diversos tons, com as suas
próprias palavras, no início de sua carreira científica:

285
“Preparando aquele livro me apropriei de minha cultura
transdisciplinar, atravessando e bebendo em todas as
disciplinas das ciências humanas: geografia humana,
etnografia, pré-história, psicologia das crianças,
psicanálise, história das religiões, ciências das
mitologias, história das idéias, filosofia (para estudar
nelas as concepções da morte, desde os filósofos
gregos, até Heidegger e Sartre.”
Talvez, a maior complexidade seja, realmente,
integrar, relacionar, juntar, interligar, estes diversos
saberes, respeitando a especificidade de cada conceito,
nas mais diversas disciplinas, com o intuito de saber
esclarecer, entender os diversos prismas, com a
finalidade de ter uma maior profundidade, alargando as
conceitualizações para propor um paradigma da
complexidade, justamente para não ficar aprisionado no
conformismo de uma ciência, postulada em um discurso
racionalista e da generalização, com uma interpretação
fragmentada, especializada, dividida. Perdendo a
referência ao todo, se fica alienado a uma verdade
aprendida apenas sob o viés daquela área específica do
conhecimento. Isto não ajuda a entender melhor a


“Dessarrollé casi en seguida aquel texto em um libro,” El paradigma Perdido”; el
paraiso olvidado, donde prosegui, dessarrollé y transformé la empresa iniciada con el
hombre y la muerte.(Op. Ct. 1995. Pág.41. Mis demonios. Ed Kairóz. España, 1995.)
286
natureza e o homem, ao contrário, afasta do processo da
interdependência.
Daquelas ligações sutis, da relação dos
ecossistemas, da vida na sua máxima plenitude, contribui
para a harmonia da natureza. A comportamentalização
empobrece as áreas do conhecimento, mesmo sabendo
do valor de cada uma, pois sem haver uma
contextualização e seu valor para a promoção da
existência, perde seu significado que também é
necessário.
É preciso uma ciência comprometida, inserida
dentro de um contexto maior, integrada ao todo, o
sentido do individualismo, egocêntrico, narcisista, de
endeusamento infantil, amadurecida para o diálogo e a
cooperação. Fazendo isto, contribui com o seu saber
para alargar os horizontes, fornecendo uma apropriação
desta visão em completa harmonia e totalmente
integrada ao todo, sem medo de perder a sua identidade
no campo de atuação, saindo de uma condição fechada,
isolada, da solidão esquizofrênica do pensar, para
“dialogar soluções; a transdisciplinariedade não depende
muito dos protagonistas e donos dos organismos
controladores do saber científico; talvez, um dia,
consigam sair de seu mundo particularizado,

287
individualizado, de verdades absolutizadas, através de
alguns conceitos aprovados por esta comunidade
científica. Parece-me, antes, uma necessidade muito
importante, de se ter sabedoria, humildade, simplicidade,
para poder escutar pontos de vista diferentes do seu
gueto intelectual.
Todos sabemos os riscos de propor uma tese ou
mesmo algum paradigma, pois a denúncia está implícita
muito no modo de descrever a subjetividade do mundo e
das interpretações dos fenômenos, de bater de frente
com as ditas teorias já consolidadas. Parece-me, ao
contrário, que nada está pronto, tudo está por fazer.
Portanto, o movimento das interações, os
questionamentos, as novas pesquisas, destronam o
poder estrutural hierarquizado. Sempre esteve longe do
academicismo, não frequentava o ambiente universitário,
preferia fazer seu caminho, longe deste ambiente
dicotomizante e escolarizado.
Seu caminho não foi diferente, sendo judeu, criado
e educado muito mais pela avó e suas tias, teve que se
adaptar a um novo estilo de vida, sem perder a
flexibilidade de aceitação de novas realidades,
reservando-se o direito de se manter fora do processo de
normatização. Preferiu dialogar consigo mesmo diante

288
destas propostas, optando quase sempre pelo silêncio,
não dando coro para as admoestações dos adultos. Ao
contrário, sabia respeitar-lhes o mundo de crenças, mas
nunca se deixou assaltar por medo ou covardia. No seu
íntimo, guardava toda uma força de garra, determinação
e coragem, como se a beleza da vida estivesse mais
presente do que ausente.
Sabia conviver com as adversidades e os
contratempos, mantendo sempre a serenidade, a
tranquilidade em movimentar-se por entre as diversas
ideologias, percebia nas decisões dos amigos e pessoas
mais próximas, o prejuízo da rigidez, que não tinha
nenhum ganho existencial, em longo prazo, a não ser
alguns simpatizantes destas ideologias. Por isso, notou a
importância de construir um saber aberto e flexível, sem
denunciar nenhum escrúpulo, por não ter uma ideologia
para defender.
“Considerava-se uma abelha voando num bosque,
comovido, impressionado, maravilhado diante da
enormidade da espécie de flores, com seus diversos
pólens, com a finalidade comum de criar o mesmo
mel”.181 Este foi seu estilo de vida, caminhando pelas
diversas culturas, estando presente de corpo, mas no

181
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág.
289
espírito já se via costurando, ampliando, somando estes
saberes. Estas culturas proporcionaram diversas
aprendizagens, alimentando sempre novas curiosidades.
Era um estudante em plena atualização, pesquisar para
ele não era uma obrigação, mas sempre um meio de
prazer e realização, nunca procurou fechar-se dentro de
uma concepção teórica, ao contrário, sempre via uma
grande perda assumir compromissos com ideologias, ou
mesmo, vender a alma para defender discursos
acadêmicos.
Poderíamos vê-lo mais como um “rebelde com
causa”. E, pela causalidade da morte de sua mãe, fez o
esforço para conviver com as diversidades de
pensamentos e ambientes, manteve-se sempre ético no
sentido de acumular um saber diversificado, indo ao
encontro das várias áreas do conhecimento, para poder,
daí, retirar o pólen, tão necessário para tornar as ciências
menos amargas, frias e distantes; este mel foi prestigioso
para a pesquisa, porque pode torná-la mais doce e
prazerosa. Sentia-se um ignorante diante dos diversos
fenômenos que pesquisava, se dava conta de sua
cegueira e, por isto, não conseguia compreender
determinadas mensagens ocultas, expressas numa
fenomenologia difícil de entender e explicar.

290
Foi preciso criar um novo “Método”, que estivesse
livre de qualquer imposição teórica ou de conceitos
dogmáticos e, no devir dos acontecimentos, nas
reflexões, nos encontros, nas descobertas, o próprio
pesquisador pudesse perder o medo, arriscando-se ao
novo, encarando desafios, saindo de um paradigma
pronto e acabado para a descoberta do seu próprio
método. Mesmo diante destas incertezas, das
obscuridades e das crises, as próprias leituras,
integrando a sua experiência de vida, iriam proporcionar
os passos adequados para o agrupamento de conceitos,
na formulação, interpretação e comprovação de sua
teoria.
É um método partícipe da liberdade de pensar,
de criar, apostando, recriando a possibilidade de fazer
por si, aumentando, com isto, a própria auto estima,
aliada a uma confiança própria, de lutar por aquilo em
que acredita. Criar as condições de articular diversos
conceitos, nas mais variadas ciências, ligando o que está
separado, fazendo a união; por isso, a própria
metodologia cria, no pesquisador, o pensamento
complexo.
Convida, a própria pessoa, a sair do conformismo
dos métodos prontos e acabados, acoplados a uma

291
teoria. Este kit completo é enganoso, facilita num
primeiro momento, dá a idéia da solução, imprime uma
interpretação da realidade, a partir daqueles achados,
até o dia em que se dá conta do prejuízo, na vida de
qualquer cientista, de estar preso, condicionado e
aprisionado.
O pensamento linear só consegue enxergar
naquela direção vertical, não tem informação nem
leituras para ampliar uma outra compreensão da
realidade. Fica preso, como um peixe fisgado por uma
rede em alto mar, nesta trama intrincada de conceitos,
que impõe medo, aumenta a culpa, utiliza-se de
verdades prontas, unívoca à perda de solidariedade,
falando-se em traição; comentam que este caminho não
tem volta, ameaçam com represálias, enfim, utilizam
todos os artifícios próprios da rede, com a simples
finalidade de mantê-lo vivo em baixo da água, mas tiram-
lhe a liberdade e o poder de nadar. Já, no pensamento
complexo, é totalmente ao contrário, nada mais salutar
do que o princípio da liberdade e da autonomia.
Qual o compromisso que o pesquisador tem
assinado com determinados autores, de onde vem esta
exigência? Todas as formas de dogmatismos, de
verdades prontas, tornam as pessoas dependentes,

292
inseguras, pois, na verdade, não descobriram nada, não
acrescentaram nada, somente confirmaram e
encaixaram seus conceitos de acordo com os
fundamentos teóricos de uma determinada corrente. Este
obscurantismo empobrece, enrijece, torna pobre a visão
de mundo. Ficar instalado na sua própria ilha, perder a
oportunidade de conhecer outras terras, outros mares?
Toda forma de pesquisa deveria conter um grau
de sensibilidade, para a causa da humanidade. Na
verdade, estas pesquisas estão a serviço de quem? Qual
é a sua finalidade? Em que sentido isto irá melhorar a
qualidade de vida? O que se ganha com isto? Estes e
tantos outros questionamentos deveriam fazer parte da
pesquisa, antes mesmo de qualquer início de
investigação.
Toda esta questão está centrada dentro de duas
culturas: a científica e a humanista. Esta separação
fragmenta desintegra. Aqui entendemos que o antigo
deve dar lugar ao novo, os cientistas deveriam, não só
na literatura, mas nas ciências, organizar um
pensamento crítico, antecipar, globalizar, contextualizar
os problemas centrais de nossa sociedade e do homem.
A cultura que entendia seria ampliar o nível de
inteligência e consciência sobre as diversas áreas do

293
conhecimento, dando valor às diferentes formas de
opinião. A arte maior está em integrar estes conceitos,
aprofundar-se no estudo das diversas teorias, articular
este saber numa visão holística, produzindo uma
pesquisa com a finalidade de melhorar a qualidade de
vida, daquelas carências específicas, ampliando o leque
de informações para propor um modo diferente de
interpretar a realidade e a sua complexidade.
A dialética da contradição está em perceber as
diversas reações emocionais, diante de uma realidade
específica, um mesmo estímulo cria imagens e emoções
diferentes, estas contradições estão articuladas com o
mundo fenomênico (vivido) de cada um e, assim, a
existência cria verdadeiras surpresas. Por exemplo, no
verão de 1932, Edgar Morin foi tomado por uma febre de
41 graus, com a garganta tampada por aftas. O
diagnóstico dos médicos foi “febre aftosa”, a doença dos
animais.
Assim, ele se viu entre a vida e a morte. Foi
somente o apelo entendido sobre o corpo e a extirpação
de aftas da boca, que criou as condições de voltar a se
alimentar, voltando a pensar sobre o fato da contradição
de sentimentos, entre uma inocência e uma
culpabilidade, com respeito à morte de sua mãe. Esta

294
culpa estava enraizada, desde quando soube que a gripe
espanhola invadiu o organismo de sua mãe, bem na
época de sua gravidez e, assim, seu pai lhe contou que
ela estava entre a vida e a morte, pois era um parto
arriscado; a situação era a seguinte: se ele nascesse, ela
poderia morrer e se ele morresse, ela poderia ficar viva,
mas o fato é que ambos sobreviveram a uma experiência
emocional entre a vida e a morte.
E assim, sempre guardou consigo uma frase de
Pascal, “morrer de vida e viver de morte”. A
hospitalização também criou possibilidade de reflexão e
análise destes dois momentos, muito presentes em sua
vida, de euforia, garra, determinação, coragem e, em
outro momento, pessimismo, tristeza, estados
depressivos, desânimo, isolamento. “Assim, se inicia e
prosegue sua dialógica interior, entre esperança e
desesperança, dúvida e fé e, desde outro ângulo, entre
as verdades do coração e as verdades da razão”.182
Começa, então, um período bastante profundo de
análise pessoal. Percebe, claramente, estas contradições
desestabilizadoras do seu humor e equilíbrio emocional.
Vivia neste conflito entre egoísmo e altruísmo, sentia a
sua introversão prejudicando nos relacionamentos, se

182
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág.
295
dava conta da amplificação do ego, por ser filho único, da
superproteção e dos mimos, percebendo uma
necessidade muito grande de amar alguém e, ao mesmo
tempo, sentia vergonha de si mesmo. Foi uma luta
desesperadora para sair da culpa e do processo de
autopunição e destruição pessoal, do medo eminente do
fracasso. Era quase obsessiva a busca desse amor
perdido, este laço simbiótico repressivo, que estava difícil
de cortar.
Tinha plena consciência do movimento complexo
de suas emoções, por isso, mais que nunca, buscava o
equilíbrio, a harmonia e a paz interior. Assim, se deu
conta de que estas situações emocionais e conflitos não
seriam resolvidos naquele momento, mas seria um
projeto a ser realizado, durante a sua existência.
Aprendeu que, em vez de fugir e reprimir, enfrentar estas
instâncias emocionais, acompanhadas por imagens de
um passado que era presente, proporcionou um diálogo,
uma escuta interior, valorizando, reconhecendo, entrando
em contato, para entender as suas verdades; e cada
imagem tinha uma verdade, o raciocínio, a linguagem, as
justificativas, as desculpas, os convencimentos eram
diferentes, mas o objetivo de cada uma era ocupar este
lugar.

296
3.1. O método de pesquisa do paradigma da
complexidade e sua incorporação no processo de
investigação, na psicanálise humanista

Este método tem como finalidade repensar


conceitos, deixando sempre em aberto a oportunidade de
modificar, excluir ou mesmo aperfeiçoar a leitura implícita
ou explícita da realidade; tende a ser uma abertura para
compreender, juntar, esclarecer a multidimensionalidade
dos fenômenos ou teorias, que agem, entre si,
oportunizando sempre a aproximação e integração
desses diversos conceitos, no sentido de ser mais
fidedigna à descrição do fenômeno estudado.
O método da complexidade é a inserção das
teorias que lutam entre si, mas que, no fundo, tem o
mesmo objeto de pesquisa. Por complexidade
entende-se a diversidade de fenômenos que se
apresentam de forma organizada e desorganizada; a
ordem específica comunica e traduz as mensagens,
permeadas de signos, sinais e símbolos, trazendo à
tona os mais diversos significados, para iluminar e
trazer o entendimento, tão necessário, para
interpretar a realidade.

297
Cada teoria se apresenta com uma nomenclatura
de conceitualizações para descrever o objeto de
pesquisa, na sua área de atuação, interpretando o modo
e a descrição dos fenômenos pensados e descritos, a
partir da sua compreensão de homem e de mundo.
Em seu livro Ciência com Consciência, Edgar
Morin fala de uma crise na formulação de teorias. “Estou
pensando que um dos aspectos da crise do nosso século
é o estado de barbárie das nossas idéias, o estado de
pré-história da mente humana, que ainda é dominada por
conceitos, por teorias, por doutrinas que ela produziu, do
mesmo modo que achamos que os homens primitivos
eram dominados por mitos e por magias. Nossos
predecessores tinham mitos mais concretos. Nós somos
controlados por poderes abstratos”.183
Já no século XIX, muitas áreas das ciências se
anteciparam, como a literatura, a antropologia, a filosofia
e a psicanálise, no estudo mais explícito do mito, com
suas próprias simbologias, interpretando os fenômenos
atuais, através dos mitos gregos e, ao mesmo tempo,
criaram outras imagens, mascarando, formatando uma
nova configuração, para o ressurgimento de um novo
mito ou de um antigo.

183
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 5ª.
edição, 2001, pág, 193
298
Assim, o feiticeiro, os xamãs, os sacerdotes e as
sacerdotisas foram os antecessores e os ancestrais mais
próximos do cientista. A descoberta do fogo proporcionou
as condições de aquecimento, de iluminação, de poder.
Este fenômeno passou a ter, para a tribo, um valor
divino. Assim, os feiticeiros desenvolveram um ritual
litúrgico, na comunidade, para obter ajuda e favores dos
deuses.
Todas as religiões do passado tiveram esta
função, fazer o ponto de ligação entre o homem e as
divindades. Algumas religiões utilizaram-se desta
representação comunicacional para passar as ordens,
regras, normas e doutrinas aos escolhidos, pertencentes
àquela cultura, grupo ou mesmo comunidade. Este
poder, de falar em nome de Deus, de ter o privilégio de
ser seu representante, também foi expandido para o
controle dos escritos e descobertas científicas, assim
como todas aquelas evidências que atentassem contra
os desejos de Deus ou dos escritos da Igreja. Estas
classes sacerdotais, religiosas e políticas de várias
civilizações sempre representaram o maior obstáculo ao
desenvolvimento científico.
Quando se fala em crença, é difícil estabelecer um
diálogo sob esta forma de interpretar a realidade. São

299
verdades milenares, passadas de geração em geração.
Muitas vezes, é toda uma vida sustentada sobre estes
pilares, estas situações propiciam um controle das
consciências, justamente porque existe todo um código
moral, perpassado pela cultura religiosa, ou mesmo,
política. Estas crenças trazem no íntimo muito culpa,
medo, dependência, submissão, conformismo,
sofrimento, uma prática de vida vigiada e controlada pelo
poder jurídico do estado e das normas do código
canônico da Igreja.
Estas formas de dominação da consciência
também se fazem presentes no mundo científico, pois
determinadas teorias se tornam verdadeiras crenças ou
mesmo doutrinas, uma espécie de gueto intelectual,
idêntica aos critérios das defesas de dogmas, onde se
exige muito mais fé do que, propriamente, razão e
pesquisa.
No mundo das ciências, fica difícil romper estes
paradigmas antigos e criar novos conceitos de
interpretação do homem, da sua natureza e do meio
onde ele vive. Em todas as civilizações, desde a
Mesopotâmia, os gregos, egípcios, romanos, chineses,
árabes, sempre esteve presente uma classe social,
representada pelos sacerdotes e governantes, que

300
recebia e transmitia, por intermédio da graça ou dos
espíritos, a vontade de Deus.
Este tipo de influência foi altamente prejudicial no
desenvolvimento do conhecimento científico e das
pessoas, desrespeitando a liberdade delas. Pois, para
divulgar um experimento ou aplicar uma pesquisa,
deveria ter a autorização e o financiamento do poder
estatal ou da classe religiosa dominante.
Desta forma, a ciência ficou nas mãos de um
poder instituído, porque sabiam do poder das teorias e
do quanto estas descobertas poderiam desestabilizar, ou
mesmo questionar, uma visão antiquada, obsoleta e
anárquica, sobre o homem e a sociedade. Nunca houve
uma neutralidade, por parte dos cientistas. Ao contrário,
até o presente momento, ela serve ao poder estatal e
dos grandes conglomerados universitários, que detém as
pesquisas de ponta, na área tecnológica.
Então, quando falamos de teorias e métodos,
estamos nos direcionando para formular novas
compreensões sobre determinados fenômenos sociais,
políticos ou religiosos. A questão é como viabilizar
condições propícias para a socialização do saber
científico, nas mais diversas metodologias de pesquisa.

301
Por isto, é tão importante uma democracia, onde
todos os cidadãos possam ter vez e voz, nestes conflitos
de interesses particulares e classistas. Algumas
descobertas científicas revolucionaram o modo de viver e
ser do homem, como por exemplo, a afirmação de que a
terra gira em torno do sol, a circulação do sangue, a
evolução das espécies, os desejos inconscientes, a pílula
anticoncepcional, a Internet, a bomba atômica, a
gravidade. Todo pesquisador desenvolve sua pesquisa
para acrescentar, inovar e modificar!
Desse modo, deve estar preparado, pessoal,
política e emocionalmente para o embate e a solidão,
porque existirão os questionamentos, pressões,
ameaças, enfim, todo um jogo de poder, com a finalidade
de obstruir a continuidade e aprovação daquela
pesquisa, ou mesmo de sua divulgação. Assim, uma
teoria, na atual cultura e sociedade, com seus conceitos
e crenças, poderá ser considerada uma blasfêmia, sem
fundamento, tendo um parecer desfavorável da
comunidade científica instituída.
No dia de amanhã poderá ser vista como uma
nova compreensão e uma verdadeira descoberta
científica. Temos como exemplo, Galileu Galilei,
Descartes, Freud, Einstein; os paradigmas antigos

302
tendem a ser substituídos por novas teorias científicas.
As verdades podem ser eternas, mas as verdades são
relativas aos tempos da história.
O que dizer daqueles pesquisadores que foram
condenados, perseguidos e mortos pelo poder instituído
do saber científico. Damos-nos conta de que as
academias e o dito “controle do saber” interferem e
julgam, de forma equivocada. Por isso, não é infalível de
erro.
Olhando a história da ciência, entendemos o
quanto ela esteve a serviço da manutenção de uma
determinada classe política, religiosa e econômica.
Enfim, o conhecimento foi sempre uma forma de poder e
controle, sobre as pessoas e a sociedade. Infelizmente,
temos de conviver com esta dura realidade, de que os
homens da ciência colocam como prioridade os
interesses pessoais e do grupo, do que, propriamente, da
ética. E isto só acentua o valor da hipocrisia, parece um
jogo de aprender a saber representar determinados
papéis, diante destes rituais, impostos pelos detentores
do poder científico.
Se hoje estivéssemos na Idade Média, será que
teríamos a quantidade de cientistas para julgar e
condenar algumas teses que não estivessem de acordo

303
com os interesses do estado e do poder religioso? O
quanto o homem é sincero e ético, nas suas decisões
pessoais? Qual o valor da hombridade e do caráter
inabalável de um Sócrates, Jesus Cristo, Martin Luther
King, Gandhi, ou tantos homens que morreram na luta
pela livre expressão, de questionar, de fazer pesquisa,
de ter liberdade de pensar, agir e criar, politicamente,
suas ações?
Esta metodologia também se apresenta de forma
questionadora, propondo a necessidade de repensar e
encontrar um novo método transdisciplinar, para
defender os interesses ecológicos da vida da
humanidade e da natureza. Um método capaz de
articular, organizar, planejar e entender os fenômenos,
nas suas interdependências e solidariedades, com a
finalidade de explicitar as essências, propondo uma
melhor qualidade de vida do ser humano, socializando
este saber, dando praticidade e inovando, a favor
daquelas ignorâncias instituídas.
“Caminhante, não há caminho; o caminho se faz
ao andar”184. Conceber a importância do
desenvolvimento da pesquisa, enquanto processo

184
Versos de Antonio Machado, citados por Edgar Morin para salientar que o “método
só pode ser formado durante a pesquisa” tornaram-se o lema do Programa Europeu
de “Modelização da Complexidade”. MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis.
A inteligência da Complexidade. São Paulo, Peirópolis, 2000, pág. 21.
304
circular e holístico, onde nos caminhos percorridos vai se
solidificando o próprio método, pela interação e ligações
estabelecidas entre si, pelas modificações e alterações
necessárias, pela incorporação das novas aprendizagens
dos erros e acertos, durante o processo de pesquisa. O
enriquecimento do poder produtivo é um saber
desenvolvido pela própria autonomia e criatividade do
pesquisador, utilizando-se da sua experiência pessoal,
cultural e da capacidade de reflexão e interpretação
destes diversos conceitos, interligados entre si.
Estar imbuído de uma paixão, mesclada com
prazer em descobrir, aventurar-se neste caminho de
complexidades, para saber lidar com as surpresas e os
próprios mistérios desvendados. Não existe uma
proteção ou uma metodologia capaz de imunizar o
pesquisador do erro; no momento de se lançar nesta
busca, os erros são inevitáveis, mas depois de muito
pensar e refletir, surgirão, com certeza, os acertos.
A exigência primeira é uma abertura a ser flexível
em questionar-se sobre antigos conceitos, para a
incorporação de novas compreensões; esta nova
adaptação exigirá o aprimoramento de uma aptidão mais
refinada, para responder às dúvidas, limitações,
dificuldades e pressão externa. Para se chegar ao

305
objetivo e término da proposta inicial, é necessária uma
flexibilização e articulação da sua própria existência e
criatividade em lidar com estas demandas pessoais e
sociais.
A origem da palavra método significa fazer um
caminho; e fazer uma pesquisa é partir do nada, de um
pequeno projeto para se chegar ao todo, à realização
teórica de uma tese. No decorrer deste caminho, existirá,
naturalmente, um processo de aprimoramento e domínio
conceitual, partindo sempre de algumas dúvidas,
incertezas, para dar sentido e coesão ao
desenvolvimento teórico.
Existirá a necessidade de organizar e planejar
ações concretas de métodos, que sejam viáveis, no
sentido da integralidade dos conceitos, para estar dentro
de uma lógica científica e epistemológica, permitindo
sempre o avanço da pesquisa em dar novos significados,
na interpretação de determinadas realidades. Na
verdade, trata-se de articular, montar, esquematizar os
diversos saberes, separados num conjunto sistêmico
circular do conhecimento.
As aprendizagens da logicidade teórica advêm da
aplicabilidade de um método, que tenha como princípio
uma organização nos sistemas de crenças, aprendendo

306
a reaprender e desaprender e organizar-se, novamente,
para aprender a aprender.
“Não por acumulação, senão por diversidade e
multifocalidade, não aditivamente, senão buscando os
modos estratégicos de conhecimento que controlam
certos setores, as articulações que permitem conectar o
separado; e isso para permitir a todos e a cada um e, em
primeiro lugar, a si mesmo, a tentativa de fugir da
cegueira fragmentada e da ignorância respeitosa”.185
A complexidade não é uma noção de quantidade
de forças, que interagem nos fenômenos da natureza,
mas independente dos números e índices que
representam, há uma qualidade lógica em inteligência
para propor a vida. Esta outra noção, da fenomenologia
expressa pelo microcosmo e o macrocosmo, define, por
antecipação, o poder efetivo da natureza, mostrando a
limitação, a irracionalidade, a confusão, as incertezas, as
desordens e a irracionalidade das quais fazem parte as
partículas subatômicas, de átomos, prótons e nêutrons,
além das descontinuidades e ondas, que se movimentam
e se organizam num tempo e espaço desconhecidos
para o homem atual.

185
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág. 45
307
Existe uma outra percepção de movimento
energético, dos quarks e fótons, que não agem por um
princípio individual, mas absolutamente interligado com o
todo, movimentando-se à velocidade da luz. Se existe
consciência nestas informações transdisciplinares no
organismo cosmos é uma questão a se pensar. Por outro
lado, mesmo diante do caos, sempre existirá uma ordem,
harmonia, sincronicidade, sinergia entre os diversos
elementos da natureza.
Este movimento de energia não exclui e tão pouco
valoriza mais um em detrimento do outro. O que se
constata é um objetivo comum, de funções à parte,
interligadas por afinidades recíprocas, de ter em conta a
reprodução e a manutenção da vida. As categorias de
análise da ciência tradicional estão localizadas na
apropriação, na conceitualização, na diferenciação, na
escolha do melhor modo de utilizar a matéria prima, no
espírito de exploração e espoliação. Esta forma de
relação é antagônica e narcisista, oriunda de um
egocentrismo acumulativo, para dar um poder de
referência simbólico, no endeusamento do quantitativo e
de sua força dominadora, sobre os recursos naturais.
Este paradigma ainda é sustentado sobre a
espoliação ao controle, às vantagens, às descobertas

308
retidas do núcleo da natureza, ao desejo inconsciente de
ser adorado como um deus; este espírito de onipotência
e onisciência propõe o totalitarismo, a selvageria, o lucro
a qualquer custo, o Ter acima do Ser, a aculturação para
a submissão.
O homem recai na solidão e fica com raiva e ódio.
Então, sob as formas de reciprocidade da natureza,
quando surgem os terremotos, maremotos, ciclones,
furacões, o homem, com todos seus recursos científicos
e sua prepotência, fica indefeso, diante de sua própria
esquizofrenia existencial. São estas complexidades
partícipes de um mundo emergente e incompreendido,
acirrado por um processo de competitividade,
individualismo, exploração, manipulação e exclusão,
onde os sistemas de crenças obedecem, por submissão,
a um modo necrófilo de matar a vida.
Organismos, entidades, corporações, políticos e
cientistas já se apropriaram de uma metodologia de
dominação e exploração, combinada com pão e circo,
voltamos à estupidez do Liceu Romano, um mundo
onde o espetáculo da barbárie, violência, guerras,
terrorismo se fazem cada vez mais presentes.
A vida transcorre dentro de um percurso onde
existem diversas vias para caminhar, além de propostas

309
de vida. Esta abertura do ser se constitui sempre de fatos
inesperados e, também, de realizações e gratificações;
são várias as “idéias” permeadas pela cultura, realçadas,
e aparentemente camufladas, nos discursos enganosos;
são as decepções, frustrações, desencantos, traições e
também as gratidões, os sucessos, os reconhecimentos,
os amores da existência, o êxtase da realização pessoal
e profissional.
Todas estas ondas de emoções permeiam a vida
de prudência, esperteza, sensibilidade, fraternidade,
solidariedade, de humanismo, centrado no dever
inacabado, lançando-a para o aprimoramento evolutivo,
acompanhado de uma sabedoria instintiva e orgânica,
encaminhando o ser para a total autonomia.
Que beleza maior existe na natureza, neste
processo de responsabilidade, para lapidar-se em um
diamante precioso? Alguém predisposto a lançar-se no
desconhecido, para aprender a reaprender. Este
autodidatismo inclui uma confiança em si, a valorização
do ser que prefere realizar, fazer o melhor para si e aos
seus semelhantes.
Estar mergulhado nesta aleatoriedade da infinitude
imprevisível do amanhã torna a vida uma mágica, onde o
princípio da continuidade e aprimoramento é infinito. Esta

310
fonte inesgotável do saber transforma o ser em uma
luminosidade própria dos seres evoluídos em
consciência cósmica, espiritual e física.
São as diversas apropriações destas realidades,
construídas a partir das articulações, na solidificação de
uma identidade constituída pelo respeito às diferenças,
reunindo-as num grande diálogo comunicacional de
união e participação, onde todas as teorias são
importantes, tendo vez e voz, dentro deste complexo de
ações instituídas e inteligentes, para a maior efetivação
do todo.
A autonomia está num feixe de ligação, onde o ser
precisa das realizações dialógicas para sobreviver e,
nestas disputas competitivas prevalece sempre a visão
do futuro, saber o momento da retirada e do pleno
avanço, para a realização dos seus objetivos.
O método, no paradigma da complexidade, situa-
se na observação primeira da sua complexidade interior,
depois na realidade exterior, de todos estes eventos
interligados entre si, com finalidades explícitas,
trabalham sem cessar dentro do seu próprio íntimo, para
manter o equilíbrio da cadeia alimentar e da rede de
sobrevivência de todo o ecossistema. Como dar sentido
ao caos e à desordem sem interferir, agredir ou destruir

311
os instintos vitais, feixes de informação que propõem a
continuidade, o aprimoramento a sobrevivência da vida,
incluindo todas as raças, credos e status sociais?
O princípio da intencionalidade não exclui a
barbárie e a violência, mas mostra estágios evolutivos de
consciência sobre a própria existência. O amanhã está
muito mais próximo de hoje. Sabendo-se das infinitas
possibilidades de que tudo pode acontecer e não há um
tempo previsto para cada decisão, quanto mais
amplitude em interpretar, mais chance de entender os
laços intrínsecos da natureza e suas sutilezas.
Para estar dentro de um paradigma como este, é
preciso saber vincular-se com ele, mas não se
comprometer em defender esta ou aquela teoria; o
conhecimento absolutizado é como uma cela, aprisiona a
mente com medo, retira-lhe a possibilidade de viajar por
outros recantos e conhecer outras culturas; assumir uma
teoria é se alimentar somente de um tipo de cardápio,
preparado e cozinhado pelo cozinheiro que, em muitas
situações, você nem o conhece.
Quando se perde a autonomia da reflexão e do
pensamento, se fica condicionado aos códigos e
conceitos repetidos pela resistência do medo e da
insegurança. O condicionamento estimula a

312
dependência, produz a insegurança e retira o bem maior
de qualquer humano, a sua liberdade de aprender a
lançar-se, a criar, a ter a sua própria teoria, em
desobediência aos condicionamentos impostos pelo Pai.
Chamo “Pai” de uma forma simbólica a toda
autoridade, composta da ambição e da maldade da
manipulação, onde atua o princípio da produtividade
pessoal e social, colocando-o numa situação de
domistificação e submissão a uma verdade pré-
estabelecida, uma espécie de fé cega, onde todos os
conceitos não são questionáveis e todo aquele que
incorrer nesta transgressão, será punido com a expulsão
e a indiferença.
Quando não existe respeito à integridade e à
dignidade do Ser Humano, utilizam os mesmos como se
fossem marionetes, manipuladas por toda uma
organização, que cuida, vigia e controla cada palavra,
com a finalidade de matar o senso crítico e a criatividade
de renascer do novo, ficando preso ao antigo, por
insegurança e medo.
Esta estagnação da vida cria um ambiente tétrico,
de alienação e massificação, onde vale mais a teoria do
que sua própria vida; não existe a troca, o diálogo, a

313
complementação, existe, sim, a participação para
aumentar o poder da instalação daquelas verdades.
Isto sim é violência. Por isso, se entende que
muitos gênios, sentindo-se pressionados, perseguidos e
cheios de medo, por se darem conta da inovação teórica,
ficaram tão envergonhados, preferindo o suicídio ou uma
vida hipocondríaca, recheada pelas culpas acumuladas
dos seus acertos sucessivos.
Esta ‘complexidade’ de teorias sempre existirá; é
como uma rede colocada em alto mar no final da tarde
para ser retirada no outro dia; de manhã, se verificarão
que tipo de peixes foram pescados: grandes, pequenos.
É sempre assim, alguns empregados realizam o trabalho,
tem o dever e a obrigação de colocar e retirar a rede,
mas eles mesmos sabem que todo aquele esforço será
entregue ao dono. Dependente da bondade do patrão, os
peixes menores, que não tiverem importância ao
mercado ou para o seu uso, poderão ser doados como
um ato de misericórdia; então, sofrerão o estigma da
indiferença e do abandono, nesta seleção cruel da
existência.
“Bom, é que essa organização provoca a coerção
que inibe as potencialidades existentes em cada parte.
Isso acontece em todas as organizações, inclusive no

314
social, na que as coerções jurídicas, políticas, militares e
outras, fazem com que muitas de nossas potencialidades
sejam inibidas e reprimidas”186
Todo holograma contém, dentro de sua
especificidade, a imagem do todo. Estas memórias têm,
dentro de si, os aspectos específicos de cor, tamanho,
qualidades, defesas, utilidades, incluem uma
comunicação entre todas as partes, propondo uma
configuração da imagem que representa o todo.
Esta organização comunicacional recebe e
transmite estímulos informacionais, numa rede
interligada, onde estas mensagens são decifradas,
copiadas, guardadas e comunicadas a outros órgãos,
detentores do poder de realizar aquela informação.
Dentro desta imagem específica dos potenciais da
vida, toda e qualquer repressão ou alienação
desestabiliza e ofende a intenção primeira da natureza;
esta energia informacional agrega valor de destruição e
aniquilamento pessoal e social, quando uma energia não
consegue realizar seu propósito informacional imagístico.
Naquele ambiente ou organismo, com certeza
procura outras formas de realizar esta intenção; esta
energia comunicacional, serve-se dos instintos vitais

186
MORIN, Edgar. Op cit, 2001, pág. 180
315
agregados entre si, por meio da leitura da consciência
organísmica, diante da existência. Estamos falando da
infelicidade e da insatisfação pessoal, verdadeiras minas
de detonação, para os movimentos complexos de
interação e reciprocidade, dos sistemas auto-eco-
organizadores da vida.
“Devemos unir o princípio hologramático a um
outro princípio da complexidade, que é o princípio de
organização recursiva, cujos efeitos e produtos são
necessários à sua própria causação e à sua própria
produção”.187
Existe a confirmação, em pesquisas feitas na área
da física, conforme o livro do Pierre Weis, Rumo à nova
Transdisciplinariedade188; onde foi constatada, em uma
chapa por meio de um sistema de lazer, a reprodução de
uma pessoa ou objeto em três dimensões, no espaço. O
fantástico foi descobrir que, depois de cortada em três ou
mais partes, todas as partes reproduziam a imagem do
objeto e da pessoa. Isto significa a confirmação
definitiva de que as partes estão no todo e o todo se
encontra em todas as partes, tal como afirma o

187
MORIN, Edgar. Op cit, 2001, pág. 182
188
WEIS, Pierre. Rumo a nova Transdisciplinariedade. São Paulo, Summus, 1983,
pág. 59
316
conceito de Gestalt. O todo é mais que a soma das
partes.
Esta idéia da “totalidade” vem afirmar o princípio
básico do paradigma da complexidade, que a verdade
do todo ainda permanece sobre os aspectos da
natureza e do cosmos. Os humanos se apropriaram de
uma ínfima parte desta imagem holográfica, que é o
universo; sabe-se lá quando o homem vai se apropriar de
todas estas leis de funcionamento desta inteligência
organísmica.
A integração, a solidariedade, a cooperação, as
trocas são matizes, em qualquer organismo vivo, quando
o homem sapiens sairá de sua situação de demens, para
entender o recurso inesgotável da troca, onde todos
possam subsistir.
Se olharmos a natureza macrocósmica,
perceberemos as linguagens comunicacionais de
vibrações e sons, próprias desta orquestra sinfônica,
onde as várias espécies cumprem sua função, dentro de
uma harmonia, propondo sempre novas composições,
para dar sentido e significado à complexidade dos sons.
O holismo inclui uma consciência dos prejuízos de
antagonismos, discrepâncias, violências, do cuidado, da
unidade, da fraternidade, formas complexas de interação,

317
apresentadas pela natureza, simbolicamente, mostradas
em diversos ângulos, principalmente, na demonstração
intuitiva de cada espécie da flora e da fauna,
especificidades globalizadas numa integração com o
ambiente e suas exigências, aprimoramentos evolutivos
por processos sucessivos de bilhões de anos,
aprendendo, com as inconstâncias, a serem melhor
capacitadas, aprimorando, cada vez mais, a sua
criatividade em subsistir, dentro de um ecossistema.
Todos os aprimoramentos estão subsidiados pela
versatilidade e flexibilidade dos instintos em mudar, se
adaptar e transformar, para a realização dos seus fins.
“Considero impossível conhecer as partes sem conhecer
o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer as
partes”.189 Quando se descobre que cada parte contém a
informação do todo, devido à fácil constatação, na
organização biológica, através dos seres multicelulares,
que cada célula contém a informação do todo; é uma
forma hologramática de memorização da imagem.
Por isso, estudando a parte do homem no
universo, dentro de uma visão holística, poderá, num
futuro próximo, se conhecer as interações sinergéticas,
numa outra visão de espaço e tempo, transmitidas por

189
MORIN, Edgar. A inteligência da complexidade. São Paulo, Fundação
Peirópolis, 2000, pág. 55-56
318
outras formas de energias, bem mais sutis do que
conhecemos, atualmente. O futuro pertence aos
desbravadores da compreensão do seu próprio ser e do
meio social, onde estão inseridos. O princípio do holismo
é importante, ao nível de pesquisa, porque se contrapõe
ao modelo reducionista dos elementos de base,
ampliando e procurando as explicações, na totalidade.
No todo holístico, as zonas de sombras,
necessitam o descobrimento destas essências, através
de um método criado pelo diferente e original. Por isso,
precisa-se ter uma visão do que é o Paradigma
Holístico190 e sua proposta, de uma holopráxis: a
aplicação de toda uma experiência de vida ecológica,
com a utilização de conceitos e teorias, dentro de um
princípio analítico, utilizando-se da sensação,
sentimento, razão, intuição. Todas estas categorias,
interligadas, podem ser chamadas de holologia.
O conhecimento científico tende a evoluir na
direção de ciência humanizadora e holística,
multidisciplinar, justamente porque a proposta da ciência
clássica não inclui o respeito e a consideração pelo
homem e, muito menos, pela natureza. Temos que
enfrentar este desafio de propor um conhecimento que

190
CREMA, Roberto; WEIS, Pierre. Rumo á nova transdisciplinariedade: sistemas
abertos de conhecimento. São Paulo, Summus, 1983
319
possa servir à reflexão, meditação, discussão,
ampliação, interligação de todos os saberes para incluir,
o social, político, econômico.
O livro sobre a vida e obra de Erich Fromm,
escrito por Rainer Funk, demonstra, com clareza, a
seguinte observação: “A especulação, no campo
científico, tem sua ligação com o âmbito da produção. A
divisão do trabalho tem adquirido dimensões tais, que se
há convertido em um fim de si mesmo, e a nada
interessa ter uma visão do todo”.191
Sem dúvida, chegou o momento de se refletir o
paradigma cartesiano da divisão e do mecanismo de
Isaac Newton. Portanto, esta compartimentalização,
entre natureza e cultura, objeto e sujeito, não consegue
integrar e aprofundar os laços contidos nos vários fatores
complexos da existência.
A ciência necessita ser transdisciplinar porque,
mesmo nas observações mais objetivas, há sempre um
componente subjetivo. Este tipo de dicotomia existente
entre ciências exatas e ciências da mente, entre ciências
da natureza e ciências da cultura, aparece como
comportamentos estanques. Cada teoria guarda, na sua
estante, os seus projetos de pesquisa naquela área, toda

191
FUNK, R. Erich Fromm: vida e obra. Barcelona, Espana, Kairós, 1987, pág. 124
320
divisão atrapalha, obstrui, distancia da proximidade tão
necessária, porque se não consegue aceitar a
articulação dessas ciências, por ser algo impossível,
também se torna impossível melhorar a qualidade do
conhecimento e da pesquisa, de forma dicotômica.
O holismo em si, propõe a visão do todo. É a
transdisciplinariedade em função de todos estes saberes,
propondo uma visão ampla e profunda da realidade.
Estes grupos de estudos terão de aprender a vivenciar a
holopráxis, onde a experiência intelectual inclui uma
vivência holológica, dentro de um enfoque analítico
sintético, agregando todos os conceitos, para integrar os
hemisférios esquerdo e direito.192 É preciso compreender
e estudar o homem, em toda a sua totalidade complexa,
desde o plano físico, químico, biológico, psicológico,
social, ético, moral, espiritual, econômico e político.
Estas dimensões do homem poderão aproximar os
conceitos dessas ciências para, neste espaço
epistemológico, complementar uma alquimia, onde
193
surgirá uma nova visão de homem. Esta seria,
verdadeiramente, a aplicação, na ciência psicanalítica,
da transdisciplinariedade.194

192
Weiss, Pierre; Rumo a nova Transdisciplinariedade; Ed. Summus; São Paulo;
1983, Pág. 38.
193
Ibidem. Pág. 141
194
Ibidem Pág. 154.
321
É preciso transcender os preconceitos para propor
uma ação conjugada, onde o analista e as pessoas
possam, conjuntamente, originar um metamétodo para
conseguir uma outra visão da natureza, em que
pensamento, sentimento, intuição e sensação estejam,
harmoniosamente, dentro do próprio discurso. A visão
transdisciplinar exige um trabalho de equipe, das
diversas áreas do conhecimento, abrindo caminho para
um metamétodo, fundamental quando se quer alcançar
uma visão integral da natureza.
É preciso romper o medo do novo, do
desconhecido e do sentimento de impotência, sabendo
que o usufruto desta caminhada será de um pesquisador
que vê além do específico, consegue articular e ter uma
visão mais ampla dos efeitos e causas das suas
pesquisas.
Num primeiro estágio, existe a fase interdisciplinar,
tentando reunir os aspectos teóricos da fragmentação do
conhecimento, da especialização e da divisão mente e
corpo. Pode-se notar já um processo acelerado de fusão,
como no caso entre a física e a biologia, chamada
biofísica, entre a biologia e a química, chamada
bioquímica, entre a psicologia e a neurologia, surgiu a
psiconeurologia, entre a psicologia e a medicina, surgiu a

322
psiconeuroimunologia e assim sucessivamente. É o início
da junção destas disciplinas, na interdisciplinaridade.
Já a resposta transdisciplinar transcende o
aspecto interdisciplinar, transpondo a objetividade da
ciência clássica, para uma visão complexa e profunda
onde não se coloca limite e cada ciência está
colocada a serviço da humanidade; não se deve
disputar espaços de qual é a melhor, ao contrário,
estabelece-se uma ligação profunda de todos os
saberes, sem impor barreiras ou delimitações das
áreas de atuação. O modo de pensar transcende a
localização e o domínio, vai ao encontro da socialização
ética deste saber, disponibilizando uma soma,
acrescentando a arte do seu conhecimento na
compreensão ampla e complexa da realidade humana e
social.
Para viver esta transdisciplinariedade, necessita-
se ser um autodidata, pois circular na filosofia, medicina,
psicanálise, sociologia, biologia, exigirá muitas leituras
complementares, para domínio destas ciências, além da
simplicidade e escuta, para aprender com outras áreas
do conhecimento. Na verdade, terá que “transpor” muitos
antagonismos, crises e rigidez. E esta transposição vai

323
de uma postura rígida, anacrônica e absolutista, para
uma flexível, inovadora e dialógica.
Sabe-se do grande desafio que é dar vida a este
processo de transdisciplinariedade, na área da pesquisa.
No entanto, o ganho existencial e cultural é imenso; além
de somar, inclui a defesa da vida.
Um dos requisitos básicos e indispensáveis para a
organização desta competência será a obra de muitos
intelectuais, com interesses afins, dentro desta
proposta de centros de pesquisa transdisciplinares,
reunindo vários profissionais e cientistas, para iniciar um
diálogo sobre os problemas sociais, culturais,
econômicos, políticos ou daqueles temas mais urgentes
e necessários, dentro de cada área de atuação.
Não se trata de criar uma proposta utópica ou
dogmática de combate às ciências exatas, ao
positivismo, ao estruturalismo e ao mecanicismo; ao
contrário, mas de viabilizar a aproximação, para o
aprimoramento da qualidade de vida do homem e da
nossa sociedade.
O objetivo da transdisciplinariedade é ampliar a
consciência dos cientistas, diante da ciência, com um
diálogo que inclua os mais diversos pensamentos,

324
propondo uma descrição de temas pertinentes ao
contexto social e comunitário, ou mesmo, universitário.
Para finalizar a defesa da aplicabilidade desta
proposta metodológica, na ciência psicanalítica e,
especialmente, na psicanálise humanista, na qual o
homem não é unidimensional, mesmo diante de qualquer
diagnóstico, a formulação e a discussão de casos
clínicos receberiam um olhar multidimensional, das
diversas áreas do conhecimento, incluindo as teorias
psicanalíticas.
Esta apreciação do homem inclui a complexidade
da doença e os vários fatores desencadeadores desta
disfunção orgânica. Como olhar o homem, dentro de uma
teoria estruturalista ligada à linguística, afirmando que,
na análise do discurso ou da palavra, eu tenho os
recursos necessários para formular meu parecer. É onde
fica a tese de Freud sobre a etiologia das neuroses,
baseada nos conflitos sexuais.
E assim, poderíamos enumerar várias teorias
dentro da psicanálise, com sua explicação sobre as
etiologias das neuroses do homem. Não podemos dizer
que uma é mais correta ou verdadeira que a outra, pois
quais os critérios adotados para fazer tal avaliação,
criticando e apontando os defeitos dos outros,

325
engrandecendo e mostrando a coerência da sua teoria?
Parece-me um recurso pouco convincente, apesar de ser
bastante utilizado pelos defensores das teorias atuais.
Toda a forma de aprendizagem inclui a
assimilação de conceitos; esta visão estreita cria análises
fechadas e dogmáticas. Precisa-se de outro caminho
para exercitar-se na criatividade em propor e
incorporar novas metodologias, para aplicá-las à sua
clínica. Toda a psicanálise precisa de uma revisão e
atualização, por causa dos novos tempos.
Esta apropriação de um conhecimento introduz o
descompromisso com as reais consequências do
resultado deste tipo de ciência. As ciências exatas e da
área biomédica fragmentaram o conhecimento, criando
especializações descomprometidas, distantes de todos
os outros acontecimentos sociais, políticos e
econômicos. Este tipo de ciência clássica favorece a
manipulação, o controle e a experimentação de uma
técnica científica, que consegue alcançar a viabilidade
dos aceleradores de partículas, os radiotelescópios, para
explorar o mundo infinito de nosso universo, mas que fica
cega, se for inclusa a dimensão real do ser humano.

326
3.2. A complexidade da natureza e sua visão de
homem, no paradigma da complexidade

A natureza tem se constituído, desde os tempos


mais remotos, em um conjunto de atributos nomeados
pela ciência biológica, cultural, cerebral e psíquica.
Todos os seres da flora e da fauna, e outros tantos
organismos da natureza, têm um potencial para a
organização, num processo contínuo de comunicações,
entre as bactérias e as células, as células e os
microorganismos, estes com os órgãos, os órgãos com
os sistemas, enfim, entrelaçando, religando-se e
comunicando uma tarefa a ser realizada, continuamente,
sob a ordem da desordem, na continuidade da vida.
Este homem se reergue de um processo
evolutivo, desde a explosão de uma estrela, permitindo a
poeira cósmica tornar possível o impossível, a
constituição de um organismo vivo, projeto de bilhões de
anos, num processo ascendente, aprimorando-se, numa
escala de tomada de consciência do seu existir e no
domínio da natureza, penetrando nas suas entranhas,
para conhecer e desvendar os mistérios e incógnitas,
ainda por serem decifrados.

327
O homem ainda é um ser recém nascido, diante
do manancial de complexidade, apresentado pelos
fenômenos das galáxias, dos buracos negros, da
expansão do universo, do nascimento e morte de mais
de 200 bilhões de estrelas, só na via Láctea. É
assombrosa a imensidão do vácuo, entre a razão e a
obscuridade, do quanto ainda se encontra longe a
ciência astronômica e microfísica, no estudo de outros
processos evolutivos, diferentes do nosso.
A natureza se expressa em dois momentos
bastante lúcidos. O caos, da destruição e da desordem e;
a harmonia, da ordem, uma espécie de sinfonia onde
toda a nota tem uma sincronia entre si, onde existe a
nota musical, mas é indispensável o maestro, para dar
sentido e significado a todos os instrumentos musicais,
desta orquestra sinfônica.
Em seu livro, Edgar Morin desenvolve todo um
estudo sobre o método, dentro da complexidade, e assim
ele defina a natureza:
“Há desordem na ordem. Há ordens nas desordens (...) A
desordem só existe na relação e na relatividade (...) A
ordem que emerge, sob forma de determinações,
imposições iniciais, vai se desenvolver, através de
materializações, depois, interações e organizações.

328
Assim, vemos nas leis: o singular, o evento, o condicional
e o aleatório”.195
Existe sempre uma finalidade em descrever as
nuances das imperfeições e dos desencontros
incompreendidos, desde a cadeia alimentar até as mais
diversas estratégias de sobrevivência. É preciso
aprofundar, dialogar, observar o movimento destes seres
complexos da natureza.
A própria condição do ser humano é tomada de
alguns acontecimentos, na imprevisibilidade, tornando a
vida um caos; nesta experiência da desordem, se recria
uma vontade própria de seguir adiante, quando tudo
parecia ordenado, apareceu a desordem e na desordem
houve a possibilidade de pensar na mudança e, com isto,
mostrando outros caminhos de interações necessárias
para recriar a ordem. Assim, no decorrer de uma
existência, a natureza aparece e exige tomada de
consciência, para saber de si e dos significados daqueles
acontecimentos, aleatórios à sua vontade.
Estas são interações do organismo humano, com
os seus diversos sistemas de autorregulação,
comunicação e sobrevivência. O sistema nervoso está se
comunicando com o sistema neurovegetativo; este ao

195
MORIN, Edgar. A Natureza da Natureza: método 2. Porto Alegre, Sulina, 2002,
pág. 101.
329
sistema fisiológico, ao imunológico, ao cerebral, ao
simpático, parassimpático, perceptivo, circulatório,
endócrino, enfim, uma rede de interações e ligações
permeadas por comunicações químicas, de estímulos
provocados por estados emocionais ou de instintos vitais,
exigindo atenção e manutenção de uma carência,
reclamada pelo organismo.
O organismo humano é a primeira experiência
holística e transdisciplinar na cooperação, na ajuda,
na solidariedade dos diversos sistemas, a favor da
manutenção da vida. Logo depois, o ser humano sai
deste mundo autocriado e organizado e começa a
estabelecer relações com o mundo externo, desde o
processo de convivência com o econômico, cultural,
educacional, político, científico, social e ecológico da
natureza. Estas aproximações se apresentam como
meio, e não como fim, para o aprimoramento da
inteligência na existência, apropriações estas que
servirão ao ser humano, para desenvolver todas as suas
potencialidades, no processo auto evolutivo de sua
própria humanização.
Quando ergue os olhos para o céu, percebe a
perplexidade do sistema solar, dos planetas, das
galáxias, de nosso universo e, no horizonte distante, ele

330
sabe da existência de microorganismos celulares,
pertinentes a si e também à sua galáxia; um ser ligado e
interligado num todo, holoplasmático e energético,
perspassado por inúmeras linguagens desconhecidas de
sons e ruídos, de um outro mundo, que não é particular
ao seu mundo vivido.
De onde surge esta complexa inteligência, dotada
de consciência e imortalidade, num processo contínuo do
devir humano? Na sua semovência, movimenta-se, na
animação, produz vida, aprimora instintos, refaz
aprendizagens, se adapta, retroage e avança, sempre
em busca de um equilíbrio maior, para dar plena
satisfação, sentido e significado ao projeto de vida de
cada espécie.
Observando as aprendizagens adquiridas por
mutações anteriores e heranças genéticas e culturais,
percebe-se que cada elemento tem uma função e
produz, na sua particularidade e complexidade das
trocas da funcionalidade de um todo maior chamado
ecossistema.
A vida pulsa em cada canto do universo e
produz uma comunicação entre a mãe terra e o Ser
Holístico chamado Homem, o animal mais evoluído,

331
dotado de consciência, razão e decisão, sendo partícipe
deste grande processo de reciprocidade.
Na evolução, cada ser cumpre sua trajetória na
realização, por repetição ou identificação, regredindo a
uma situação primordial, arcaica, primitiva ou de
nascimento; recria, aperfeiçoa, dinamiza, inventa,
reconstrói novos mitos, estabelece meios de
sobrevivência, enfim, o desafio está sempre em ousar e
desbravar determinados mistérios da natureza. E, neste
jogo, o homem é um eterno aventureiro, em busca de
conhecer as suas limitações ou da matéria prima que
gera e cria. A vida se faz presente, em todo e qualquer
lugar, apresentando-se mais forte e inteligente que a
destruição. Mesmo diante das disputas, o organismo
vivo, e na sua totalidade, mantém forte um alto grau
de solidariedade e cooperação.
Mesmo diante de todas as lutas, sempre
permanecerá a inteligência da vida. Quando olhamos ao
nosso redor e percebemos as ameaças nucleares, o
descongelamento das camadas glaciais, o excesso de
desmatamento, as enchentes e maremotos, furacões,
etc, compreendemos os nossos insuficientes limites, da
falta de recurso, para combater a destruição.

332
Estas atrocidades demonstram as imprudências
do homem, com suas guerras, ganâncias, orgulho,
vaidade, egoísmo, dentro de um modelo de força e
dominação, priorizando o acúmulo de riquezas de alguns
em detrimento da escassez e da morte de muitos. O
homem se distancia da solidariedade e prefere optar pelo
egoísmo e individualismo, enfrentando a tudo e a todos,
como uma maneira certa de viver, apregoando com suas
ideologias, demonstrando o poder de persuasão de
discursos egocêntricos e narcisistas, próprios de um
processo esquizofrênico de vida.
O homem, no seu processo evolutivo, precisa
entender a lógica da natureza e os seus segredos para
manter a vida. Este processo de adaptação, devido às
exigências ambientais, cria a necessidade da
flexibilidade e maleabilidade, ampliando suas
capacidades de segurança emocional, maturidade e
experiência, com o fim de estar preparado para enfrentar
os desafios, limitações, doenças, escassez, competição,
e a própria sobrevivência.
Esta adaptação do homem à natureza tem a ver
com a articulação e auto-organização de suas
potencialidades e não com uma rigidez, submissão ou
alienação. O processo evolutivo do homem, na natureza,

333
demonstrou a sua condição de adaptação, para poder
sobreviver às mudanças climáticas, crises econômicas,
convulsões sociais, doenças infecciosas, permanecendo
num processo auto-imunológico, renovável a cada
desafio imposto pela existência.
A natureza soube complementar os diferentes
opostos, contidos na sua própria essência, os
antagonismos, as oposições, reequalizando suas forças
num dar e receber, proporcionando o equilíbrio da
interação dos diversos nichos ecológicos.
“Como conhecimento científico, o conhecimento
da natureza situa-se num contexto e enraizamento
cultural, social e histórico. A natureza não é, unicamente,
o substrato “objetivo” da realidade antropossocial. (...) A
natureza existe antes de nós, mas não sem nós”.196 A
humanidade vai se desenvolvendo e, nestas descobertas
da realidade natural, vai desvelando, aos poucos, as
incógnitas do modo de ação e intenção da natureza.
É toda uma dinâmica de forças ocultas e
poderosas, propulsoras das diferenças contidas no
âmago destas interações, nas mais diferentes reações e
situações. Existe uma energia que trabalha no silêncio e,
nesta aproximação da humanidade, a natureza vai se

196
MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág. 112.
334
tornando a consciência de que o homem é a própria
natureza, ele é uma parte do todo e o todo está contido
nela. Este grau de consciência harmoniza o ser, dando-
se a conhecer e conhecendo-se, mutuamente. Este
processo de transformação pessoal, passa pela tomada
de consciência do seu papel, nesta existência, e de sua
interação com o cosmos.
A ciência também vem em um processo de
descobertas, nas diversas áreas do conhecimento do
homem e da natureza. Esta interação necessita de uma
humanização, onde a compulsão dê lugar ao equilíbrio; a
ambição, à fraternidade; a dominação, à solidariedade.
Esta tomada de consciência tornará possível, ao homem,
usufruir da natureza toda sua riqueza, com respeito e
admiração, sem violência, degradação e destruição, pois
qualquer ser vivo, diante de uma ação violenta, tende a
sair em sua defesa.
A sabedoria da natureza consegue dar proteção e
prover de tudo o que os seres necessitam, para viver. É
uma espécie de maternagem, que sempre está atenta a
manter o equilíbrio entre as suas próprias forças
antagônicas, do bem e do mal, do amor e do ódio, do
ganho e da perda, do sagrado e do profano, da
destruição e da renovação.

335
Esta inteligência organísmica está nas partes e no
holístico onisciente de todos os acontecimentos,
interagindo, modificando e tornando suas próprias ações
em uma renovação infinita, apontando sempre para os
processos em cadeia das interferências ambientais e
cósmicas, para poder se antecipar a um processo de
adaptação.
A natureza comporta as duas faces de uma
mesma realidade, pois ela é capaz de conviver com
suas diferenças, juntando as ambivalências e
contradições numa dialógica contínua. A realidade da
natureza é composta de diversos acontecimentos em
cadeia, direcionando, comunicando a intenção daqueles
desejos ocultos, mais manifestos nas atitudes
consequentes e inconsequentes.
Mas, dentro do ser humano, a pulsão está
mostrando o valor do cuidado afetivo e social, o ambiente
propício para evocar a necessidade primordial da
segurança emocional, experimentada no calor humano,
aumentando a confiança, a auto estima, a motivação,
principalmente, na infância e, depois, durante toda sua
existência. E todas estas amizades, fraternidade,
solidariedade, proteção, carícia, atenção e ternura,
deverão ser aprendidas, de geração após geração.

336
As ambivalências são de fácil solução. A
humanidade tem demonstrado isto quando os líderes
políticos dominam, não somente pelo fato de não terem o
suficiente para sobreviver, ao contrário, usam da força
para escravizar, existindo aí um componente sádico e
destruidor, em querer tornarem-se Deus. Por isso, esta
competição com a natureza é mesquinha e prejudicial,
pois onde está a ambição compulsiva, estará a
acumulação e a manipulação. Quanto mais um líder
estiver recebendo reconhecimento e valorização por
suas decisões políticas, mais amor terá pelo poder.
O inverso também é verdadeiro, quanto mais
questionamentos, reinvidicações, greves, revoltas,
descontentamentos, maior será a raiva, o ódio, chegando
ao extremo da violência institucionalizada, com a
finalidade de manter o status, na insegurança e diante do
medo iminente da perda do poder, surge a barbárie e a
perseguição.
A natureza apresenta-se autônoma diante
destes antagonismos, sempre disposta a se auto-
organizar, saindo de um processo de fluidez para a
dependência recíproca, onde a interdependência age por
conta de si mesma. Esta troca consegue dar autonomia a
ambos, sendo matizes compostos de decisões,

337
priorizando a complementaridade. A genética se atém a
desenvolver a filogenética e a ontogenética do ser,
explicitando as características deste, tanto no aspecto
hereditário, como no desenvolvimento de novos
processos adaptativos, evolutivos, de acordo com cada
necessidade do habitat natural.
“Mas trata-se de uma rememoração inteiramente
diferente das nossas rememorações cerebrais, que são
representações imaginárias. As rememorações genéticas
não são imagens, mas ações práticas que se efetuam à
imagem de ações passadas. Assim, a rememoração
ontogenética produz, não a irreal imagem, recordação de
um passado morto, mas sim, um ser vivo real, onde o
passado ressuscita”.197
Podemos estabelecer uma relação entre as
reações neuronais das sinapses, em contato com as
emoções e imagens, apropriadas ou inapropriadas, da
realidade, virtual ou real, e o efeito sobre as reações das
glândulas e dos sistemas do organismo.
O quanto conhecemos dos 10 trilhões de
neurônios de um ser humano, uma complexidade de
informações interatuando entre si, tentando interpretar os
dados da realidade, aquelas imagens criadoras do medo,

197
MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág. 140.
338
como de prazer e êxtase; esta apropriação do real traz
contida, dentro de si mesma, toda uma emoção, uma
experiência, avaliada, confrontada, esclarecida e
interpretada para si como uma verdade; assim, estas
imagens mantêm os códigos de desejo, nos mais
profundos recônditos da mente.
No cérebro do homem existe toda uma gama de
memórias de ordem emocional e genética, vivências e
aprendizagens de nossos antepassados. Assim, a teoria
Junguiana198 dos arquétipos, diz que a própria
experiência humana é efeito destas imagens, primordiais
e arcaicas. Então, à priori, a forma do conhecimento e, à
posteriori, o conteúdo do próprio conhecimento, atuam e
vivem em forma de impulsos e imagens, desconhecidos
para nós mesmos.
Neste jogo químico, de impulsos elétricos,
podemos vislumbrar o seu colorido, a intensidade das
suas reações, mas não podemos colocar em
transparência o mundo das imagens comunicadas,
dentro da vastidão das memórias. Edgar Morin cita
Platão (livro “O Banquete”) “A natureza mortal procura,
segundo os seus meios, perpetuar-se e imortalizar-se; o
único meio de que dispõe para seu fim é a geração que,

198
Pieri, Paolo Francesco: Dicionário Iunguiano, São Paulo, Brasil. Paulus. 2002.
Pág.11
339
perpetuamente, substitui o ser antigo por um novo (...) tal
é o estratagema (mecano), através do qual o mortal
participa da imortalidade”.199
É bastante apreciável a compreensão dos meios
produtores de comunicação entre o homem e a natureza.
O próprio instinto sexual exige a complementação de um
gozo de êxtase, no prazer sexual, para depois se
entrelaçar na gestação. O modo de se tornar imortal é
favorecendo a continuidade da espécie. Através dos
nascimentos e das mortes, a imortalidade se faz
presente, num rito de passagem, onde cada ser humano
deixa as suas marcas; e muitos contribuem com a
humanidade, neste gesto de amor, para um
aprimoramento de muitas gerações e histórias, neste
ínterim evolutivo da raça humana.
Favorece, desta forma, a busca contínua e
constante, neste universo de sentido e significado, para a
sua existência. Desde o nascimento até a morte, há uma
série de aprendizagens, perdas e ganhos, até a plena
velhice, num intuito constante de contribuir para uma
melhor qualidade de vida, de sua espécie humana.
Foram necessários vários estágios e momentos de
solução, num aprimoramento contínuo de observação,

199
Platão (207 d, 208 b ) apud MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág.
340
discussão e reflexão, como modo de aprender e viver
melhor. Foram sempre os obstáculos, as dificuldades, os
desafios, que provocaram a reflexão e, daí, para o
caminho da experimentação, das tentativas de erros e
acertos, das conquistas, das derrotas e fracassos, da
perda de um membro do grupo, das necessidades mais
urgentes, uma exigência para decidir qual é a melhor
solução. Conseguiu sobreviver não em sua caverna, com
suas idéias mirabólicas, mas na intenção, na
comunicação, na solidariedade, na criatividade, sempre
em busca do melhor meio de sobreviver.
Existia sempre uma curiosidade em buscar
informações sobre os fenômenos naturais, havendo uma
reverência mesclada com medo, diante das constantes
catástrofes promovidas pela natureza. O homem
primitivo desenvolveu sua própria cultura, seus códigos
de comunicação, seus ritos e tabus, sua religião, seus
métodos de proteção do grupo. Assim, o homem de
Neanderthal, com suas experiências e descobertas,
consegue elevar estratégias de soberania ao poder
bélico, da demarcação do seu habitat natural, das regras
da escolha do líder, se humanizando, crescendo em
cultura, educando-se e convivendo melhor com os
instintos ligados a sua sobrevivência, desenvolvendo

341
métodos de caça e armazenagem, se apropriando do
poder do fogo, a desenhar nas paredes da caverna, a
praticar seus cantos e estabelecer suas leis jurídicas,
associando sempre o desenvolvimento de sua
inteligência cognitiva à sua capacidade reflexiva e à sua
humanidade, a compaixão, a solidariedade, a ternura, o
cuidado do outro, tendo consciência das suas limitações.
Por isso, a necessidade de comunicar-se com os deuses,
para tentar saber qual a melhor maneira de existir.
O homem tenta sair do seu isolamento cruel e
primitivo, das disputas e violências, para mostrar força e
valor. Sempre se sentia confortável na dominação e
exploração do outro, ampliando seu egocentrismo
destrutivo, numa ambição desenfreada, como se
estivesse num surto psicótico, achava-se poderoso,
ostentando ter um poder divino, porque podia dar e
retirar a liberdade de qualquer ser.
O homem já não pode mais ser considerado
animal “rationale”200, pois sua sobrevivência não
depende somente da razão, mas também como sapiens,
faber, economicus, demens, lumens, consumaus 201, esta
elevação do ser deve-se aos valores éticos,

200
HEIDEDGER, Martin.Uma carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Ed. Tempo
Brasileiro, 1968, pág.38
201
MORIN, Edgar. A humanidade da humanidade: Método 5. Porto Alegre, Sulina,
2002, pág. 18
342
comprometidos com o direito de liberdade, dignidade
e respeito, características imprescindíveis em
qualquer ser humano, quanto mais comprometido em
defender a vida, menos morte e destruição haverá.
“Todo aquele que critica ou fala contra o
humanismo”,202 se contradiz, porque sua resposta é o
inumano, a barbárie, a violência, a exploração, a
dominação. Isto desencadeia o retorno ao primitivo, ao
arcaico, à disposição de matar e morrer, numa busca
desenfreada para manter o seu alto grau de sadismo e
selvageria. No ser, mora uma natureza humanizada,
produto da assimilação cultural, de tradições, mitos,
crenças, tabus, ritos, etc...
“Porque se fala contra o humanismo, teme-se
que defenda o inumano e se glorifique a brutalidade, a
barbárie. Pois o que é mais lógico que isto! Quem nega o
humanismo, não lhe resta senão afirmar a
desumanidade”203 Queremos dizer, com isto, que a
evolução já mostrou os dons, talentos e capacidades
inerentes ao ser, civilizações milenares, como os casos
do Egito, Grécia, China, Índia, América (Astecas, Maias e
Incas), puderam nos demonstrar a grandeza da nossa

202
HEIDDGER, Martin. Op cit, 1968, pág. 74
203
Heidegger. Ibidem. Pág.74.
343
continuidade, apesar de todas as guerras e desastres
naturais.
Todo ser traz, no seu íntimo, um significado
expresso no seu existir, desde um sorriso a um aperto de
mão, permanece inscrita a disponibilidade em manter-se
próximo do calor humano, pois a experiência da solidão,
do individualismo, do isolamento, entristece o ser,
tornando-o desconfiado e infeliz.
No entanto, permanece conosco este dom maior,
uma necessidade de ser escutado, observado e
valorizado, tanto na sua maneira de ser como nas suas
atitudes. O humanismo aparece nos momentos de
contato profundo com suas emoções e desaparece
quando se sente rejeitado, explorado, intimidado,
excluído do processo social e cultural de sua
comunidade.
Este ser está imbuído de um desânimo; sente-se
perdido, confuso, absorto por suas idéias de depressão e
revolta, sua contestação à experiência de infelicidade
passa pela demonstração da violência. Um ser excluído
de sua própria condição humana carrega insensatez,
busca nos infortúnios da fantasia uma solução fácil para
seus problemas pessoais.

344
Existe uma tendência, no homem, de queimar
etapas, de achar uma ação milagrosa para sua
engenhosidade maquiavélica. Sem a apropriação de
valores éticos e humanitários, o ser estaria condenado
ao retrocesso, independente do grau de avanço
tecnológico, pois a ciência não tem condições de colocar
à venda a força de vontade, a criatividade, a
honestidade, o respeito, valores essenciais, próprios do
ser, adquiridos no seu meio cultural e social. O conceito
de homem de Voltaire204 é de alguém disposto a
combater, a lutar sem medo pela felicidade. Não por uma
felicidade ilusória ou mítica, mas explicitamente terrena,
para que todos possam alcançá-la.
O objetivo maior é tirar o homem da tirania e da
miséria. Ele tem de assumir-se, com todas as suas
potencialidades, diante da liberdade e de seu bem estar.
As ideologias fomentam o fanatismo, a imbecilidade, a
pobreza, a ignorância, a escravidão e a guerra. Para
alcançar a felicidade é necessária uma inteligência com
coragem, diante do seu processo civilizatório, esta
grandeza de um homem livre para decidir, não fugindo
de sua responsabilidade e compromisso com falsas

204
Voltaire apud SAVATER, Fernando. Humanismo Impenitente. Barcelona,
Espana, Anagrama, 2ª. Edición, 2000, pág. 16
345
fugas, mas assumindo-se por inteiro, no seu projeto de
vida pessoal e comunitário.
O homem, no dizer de Roberto Crema,205
representa um grito de alerta, é preciso decisão no
sentido de fortalecer-se, em defesa dos direitos humanos
e da natureza, colaborando para a emergência de uma
nova consciência, sendo os exploradores de um novo
modo de ser e existir, numa decisão de prover um
ambiente sustentável para as novas gerações.
Podemos, então, vislumbrar um horizonte
altamente positivo, tratando-se de utilizar as
potencialidades206 de dois modos: da generosidade ou
da demência, da crueldade ou da bondade, da santidade
ou da monstruosidade. Estes conteúdos existem, não é
virtual, basta somente saber a decisão deste ser. Para
isto, precisamos de líderes capazes de demonstrar a sua
humanidade, considerando-se a atitude equilibrada, de
utilizar os recursos sociais, e de inteligência, para a
promoção da condição humana.
“Este nascimento do homem pode ter durado
centenas de milhares de anos, mas o que importa é que
surgiu uma espécie nova que transcende a natureza, que

205
CREMA, Roberto. Introdução à visão holística. São Paulo, Summus, 5ª. edição,
1989, pág. 144
206
MORIN, Edgar. Op cit, 1995, pág. 91
346
a vida adiquiriu consciência de si mesma”207. Mesmo
diante das perplexidades das suas próprias
complexidades, o homem sai de sua condição de animal
inferior, tomando consciência das três questões
fundamentais sobre a vida: de onde vim, para onde vou,
e qual é o sentido de existir.
No momento em que toma consciência do seu
papel na existência, parte em busca das respostas,
apresentadas pela cultura, com diversas entonações e
tons, perdido no encontro, desencontrando-se no
encontro e encontrando-se nas bifurcações da
existência, tende a elaborar uma estratégia para
enfrentar as pressões sociais e as competições desleais,
como alternativa de não perder sua humanidade.
Assume a responsabilidade de criar um espaço
para si mesmo, adquirindo solidez, perspicácia,
prudência, valores indispensáveis para a realização de
sua maturidade emocional e psicológica. Nas buscas
indesejáveis, permite-se fazer o que não gosta, por medo
de não conseguir outro meio de subsistência, se atém a
um trabalho burocrático e mecanicista, se aborrece e se
entristece, não consegue ver significado e importância
neste trabalho repetitivo e burocrático.

207
FROMM, Erich. Psicoanálisis de la sociedad contemporânea. México, Fundo de
Cultura Economica, 1976, pág. 27
347
“Cumpre, por isto, uma função de guia em sua
evolução posterior, pois criou o potencial para as
experiências de práxis negadoras, que permitem que o
208
autêntico e o criativo apareçam”.
Erich Fromm sempre postulou uma proposta
terapêutica como a viabilização de colocar em prática as
potencialidades, bloqueadas pelos medos e inutilizadas
pela existência. Quando nos deparamos com qualquer
ser humano em prejuízo, perda e fracasso, percebemos
a não utilização de recursos básicos e indispensáveis
para obter o ganho, ter o êxito e estar sempre na
evolução para o mais.
Muitas famílias e instituições não ajudam e não
promovem o desabrochar da iniciativa; muitos adultos
não têm tempo e os educadores estão preocupados com
o conteúdo. Desta forma, o ser humano fica aprisionado
no seu desânimo solitário, fica confuso e distante de si
mesmo.
Existe um distanciamento gradativo entre os seres
humanos, o homem não se dá conta da necessidade de
estabelecer as relações sociais e afetivas com aquelas
pessoas com quem ele vive, diariamente. Existe uma
normatização do ser 209, instalada em forma de patologia,

208
FUNK, R. Op cit. 1987, pág. 15
209
Ibidem , Pág.20
348
onde falta um senso crítico de poder se auto-avaliar, no
processo de alienação pessoal e social.
Estas visões estanques, cheias de crenças e
limitações, aprisionam o ser em suas justificativas e
desculpas, inviabilizando o seu projeto de vida. Esta
normose advém de uma insensibilidade sobre os
acontecimentos pessoais e existenciais, a vida passa por
ele despercebida, falta-lhe a aventura e a coragem em
desbravar-se e lançar-se diante do novo.
Dentro da sua cosmovisão microcósmica, não
consegue realizar-se ou lançar-se, por medo de não
acertar ou de ser excluído, achando melhor ficar no
anonimato do que se expor. Nestas dissonâncias
aparece uma subjetividade necessitada de afeto: o
sujeito está, potencialmente, destinado a amar e ser
amado. Nestes encontros descobre a amizade, a inveja,
o ciúme, a ambição, o ódio.
Nestes jogos de sedução, aproximação e
distanciamento, promove-se uma abertura ou
fechamento, para dar e receber. Imbuído destas
solicitações, concorre para dar sentido ao verdadeiro
valor dos seres à sua volta, percebendo, incluindo e
excluindo os bons e maus, os verdadeiros e falsos, a
sinceridade e a hipocrisia. Nestas oportunidades, esta

349
pessoa cresce em amor e, com isto, amplia sua
humanidade.
“Assim é com amor, que pode mostrar-se
onisciente ou totalmente cego. Há, então, não apenas
antagonismos, mas complementaridade entre paixão e
razão (...) O contato afetivo com os pais desaparece
rapidamente entre os mamíferos, mas dura toda a vida
entre os humanos, assim como a necessidade de
amizade e amor”.210
O ser humano irá adoecer quando lhe faltar o
combustível do amor para a sua existência. São estes
gestos de apreciação, de aproximação, o culto milagroso
da aceitação e complementação, que exercem este
papel. Existem inúmeros tipos de amor, desde as
idealizações e expectativas, até os sonhos e ficções, a
respeito do amor ao ser amado.
Nestes deslizes, também aprendemos a ter um
gesto de aprovação, de cuidado, de estar próximo,
porque o outro é ambiente, consegue me nutrir com a
energia mais essencial da vida, a plena aceitação
incondicional do que eu sou. Todo ser clama por
liberdade de crescer, de evoluir, de criar, de aprender, de

210
MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág. 121
350
sair de uma condição de perda, para ganhar, diante da
existência.
O amor inclui busca, discernimento, humildade,
entender as vias que impedem a livre expressão do
afeto, as discussões, as raivas, os desacordos, a baixa
auto estima, a exclusão, a rejeição, o sentir-se
abandonado, tudo isso faz com que a pessoa sinta-se
em processo de desumanização. Porque em lugar da
alegria, irá aparecer alguma doença, resultando em
sofrimento. Em lugar do cuidado de si irá aparecer o
sintoma orgânico de um processo de autodestruição. O
inconsciente se manifesta em toda parte e de vários
modos, sempre sinalizando o mal das perdas afetivas e
das separações.
O autoconhecimento é um caminho de retorno a si
mesmo, onde alguém pretende olhar-se como é,
descobrindo, pensando, analisando, novos modos de
interação e ação, para a demonstração do afeto e do
amor. O organismo reclama, com a dor, a falta
necessária de afeto. A existência mostra as perdas
humanas e econômicas, por um estilo de vida
equivocado. Sem esta percepção, o luto fica
enclausurado, perdido nas entranhas dos antepassados.
Quem poderá amar senão aquele capaz de primeiro

351
amar a vida, a natureza e as pessoas? Os conflitos, as
dúvidas, as incertezas criam a cegueira, impedindo a
pessoa de enxergar o caminho tortuoso e perigoso,
impelida por suas fortes emoções de abandono e de
agressividade.
As reclamações de amor podem se dar de
diversas formas e modos. Um dos meios mais comuns é
recair num processo de resistência e isolamento. “O
desenvolvimento da espécie humana e o grau em que
ele tem consciência de si mesmo, como ser
independente, depende da medida em que tenha saído
do clã e que haja desenvolvido o próprio processo de
individuação. O indivíduo de um clã primitivo pode
expressar seu sentimento de identidade, com a família:
“sou nós mesmos”; talvez, não possa conceber-se a si
mesmo como um “indivíduo existente à parte de seu
grupo”.211
Este sentimento de pertencer a um grupo, a uma
comunidade diz respeito ao reconhecimento, à
valorização e à aceitação, tão caros a qualquer pessoa.
A timidez é a expressão da inferioridade, expressada em
medo, angústia e autodepreciação. Nos movimentos do
ser, aparecem aquelas indagações sobre os

211
FROMM, Erich. Op cit, 1976, pág. 57
352
compromissos assumidos, diante de Deus e da
sociedade e das dúvidas e culpas por descumprir
promessas e, ao mesmo tempo, mover-se e lançar-se
em novos relacionamentos, capazes de proporcionar
segurança, solidariedade e compreensão.
Primeiro o homem está intrinsecamente
relacionado com sua neurose, despende energia, tempo
e dinheiro, com o propósito de buscar alguns prazeres,
tomado de ansiedade e curtido pela angústia, não resta
alternativa a não ser buscar válvulas de escape, para
preencher aquela falta.
Todo modo de vida está em fugir daquela situação
fantasiosa e se refugiar num mundo onde o vício e a
fixação são sua esperança. Neste condicionamento,
aprimora as suas chantagens, desenvolve o poder de
manipulação, perfazendo uma longa caminhada, pois,
justamente a sua sobriedade é seu problema, porque
amar e ser amado são a simbologia, a nível inconsciente,
do abandono, como se esconder de si mesmo.
Qual a melhor maneira de vender uma imagem
social? Fugir de si mesmo exige o consumismo, a
superficialidade. Este homem carente de sentido positivo,
prefere a dor e o sofrimento à possibilidade de enfrentar
o abandono e, nestas idas e vindas, sente-se derrotado

353
pela inferioridade, pela repressão, pelas desculpas e
justificativas. Este lado negro e sombrio só pode ser
enfrentado com respostas para si mesmo, e isto exige
decisões à favor das realizações, a utilização de suas
potencialidades, para enobrecer e exaltar a sua
qualidade de vida. É um processo de hominização
contínuo de perdas e ganhos.
Os resgates dos valores éticos são
indispensáveis para a sobrevivência emocional e
psíquica, pois sempre se exigirá a lealdade, a
fraternidade, a honestidade, a fidelidade, a
cooperação, a sinceridade, num conjunto contínuo,
onde prevalecerá o amor. Quem pensa o contrário
poderá subestimar a capacidade de percepção do outro,
quando pensa que está sendo muito esperto, nas suas
atitudes contraditórias, começa a perder o referencial de
análise do que é certo e errado, ficando vulnerável às
compulsões desordenadas.
Estando dentro desta sociedade consumista,
prefere ficar no egocentrismo a dividir, cooperar e ajudar.
Vive só para si num isolamento cada vez maior, que só
as pílulas podem lhe prestar o socorro, tão necessário,
para abafar, iludir, esconder o seu grau de infelicidade.

354
Esta é a grande verdade, na psicanálise: como
encaminhar, dentro destas complexidades de ações,
para tornar o homem mais humanista.212 É sobre este
processo de humanização, tão necessário e importante,
como se dele dependesse o futuro da humanidade.
Considerações, à posteriori, podem sobressaltar as
saídas necessárias para soluções urgentes. O humano
precisa do homem; e o homem sem a humanização é
uma besta desenfreada, rumo à destruição. Toda
participação e preocupação, da ciência psicanalítica, pelo
ser humano, torna-a digna de sua existência e realça o
valor de sua prática, pois muito mais que pesquisas, tem
interesse em devolver a capacidade de ser feliz ao
homem.
“Um destes pontos é o centro da cultura, a massa
de valores, associações e reações emocionais,
condicionada, em grande parte inconsciente, que dá, à
cultura, sua vitalidade e fornece, aos indivíduos, os
motivos para aderir aos padrões culturais”.213 Sabemos
que esta mesma cultura européia, cheia de
conhecimento, de esperanças, também fez recair sobre
si mesma, duas guerras mundiais, utilizando-se da

212
HEIDDGER, Martin. Op cit, 1968, pág. 83
213
LINTON, Ralper. O homem- uma introdução à antropologia. São Paulo, 12ª.
edição, Martins Fontes, 2000, pág. 341
355
intimidação, perseguição, destruição em massa, duas
bombas atômicas, uma em Hiroxima e outra em
Nagasaki, com toda sua força humana, o iluminismo e o
humanismo, conseguiram propagar a morte e a
destruição.
Seria possível compreender o fanatismo pelas vias
da raiva, do ressentimento e da ignorância. Porque
alguns fanáticos resolveram matar a um Gandhi, John
Lenon, Martin Luther King e tantos outros homens,
propagadores da paz e da justiça. Sabemos que o
fanatismo é uma espécie de rigidez, contém a verdade,
acredita na destruição do inimigo, a morte é um ato
heróico, entende que esta atitude contribuirá, de maneira
decisiva, para o estabelecimento da paz e da liberdade.
“Há cisão entre o psiquismo profundo,
inconsciente e a consciência, oriunda, entretanto, dele; a
consciência ignora, com frequência, o fato de ser co-
pilotada por forças inconscientes, as quais ignoram a
natureza e a existência da consciência”.214 As proibições
da cultura revelam um conteúdo reprimido pelas falsas
nomeações e interpretações, com forte conteúdo
emocional dos fatos e acontecimentos, onde o sujeito
esteve envolvido pela rejeição, humilhação, exclusão e

214
MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág. 87
356
abandono. Estes sentimentos formam uma espécie de
proteção racional contra qualquer tipo de experiência, de
relacionamentos.
Vêm à tona, tomando conta de sua consciência,
produzindo medo, aversão, desconfiança, vergonha,
nojo, raiva, ódio, mágoa, ressentimentos a determinadas
pessoas ou instituições. Estas projeções são altamente
contagiosas, persuadindo a outros a entrarem nesta
dinâmica, como forma de aliviar e expressar estes
sentimentos, dos quais não tem consciência, se fazendo
presentes, principalmente, nas relações interpessoais e
transpessoais.
Para Platão, o psiquismo humano é um campo de
batalha entre o espírito racional (nos), a afetividade
(thimos) e a impulsividade (epithumia). (...) Freud
indicava... ‘onde estava o id, o eu devia surgir’..., mas
também, a herança do cérebro mamífero (afetividade) e
do cérebro dos répteis (cio, agressão, fuga). Será
irracional, louco e delirante ocultar o componente
irracional, louco e delirante do ser humano”.215
Estamos falando dos instintos agregados do
sistema límbico, reptiliano, onde está presente esta força
primata, com forte conteúdo de irracionalidade. São

215
MORIN, Edgar. Op cit, 2002, pág. 117
357
emoções como os medos e a agressividade, contidas em
estado latente, que ainda se manifestam, com diversas
intensidades. Esta dualidade entre o amor e o ódio,
agressão e solidariedade, sadismo e masoquismo, são
partes do inconsciente, presentes em qualquer ser
humano.
Estas forças psíquicas necessitam estar
integradas consigo mesmas, com o outro e com a
natureza. O homem está em busca de sua felicidade,
por isto, tende a preencher com prazeres as suas
necessidades biológicas e psíquicas; este equilíbrio pode
resultar em saúde e bem estar, ou vice versa, doença e
destruição. Na satisfação destes instintos e nestas
buscas para preencher esta falta ou vazio existencial,
outros desejos mais amplificados impelem o homem à
sua realização pessoal, com sentido na vida e valor na
existência.
O homem pleno tem consciência de si, do seu
status de limitação, da morte; pode perceber-se diante
das incertezas da existência, mas conta com o prodígio
de sua inteligência, da práxis ética, dos valores e das
buscas constantes do aprimoramento pessoal. “Também
para Fromm, uma orientação humanista determina, em
sua totalidade, a possibilidade para o desenvolvimento

358
das faculdades humanas criadoras e autênticas e para a
plausibilidade das opções humanísticas, no âmbito da
antropologia filosófica”.216
O homem, para Erich Fromm217, tem as condições
físicas, psíquicas e materiais para desenvolver todas as
suas aptidões intelectuais, culturais, políticas e
econômicas. No entanto, é preciso observar o tipo de
sociedade, os sistemas de distribuição de renda, o
modelo político, a interferência religiosa, o domínio
tecnológico, a socialização dos bens do capital
educacional e científico. Estes são alguns fatores que
podem impedir, bloquear, reprimir e não oportunizar a
livre expressão das suas capacidades criadoras. Dentro
desta perspectiva são as oportunidades oferecidas pelo
meio social, cultural, familiar, que podem ajudar ou
atrapalhar o pleno desenvolvimento das capacidades
intelectuais e culturais do ser humano. Sabemos da
importância do meio como estímulo ao aprimoramento,
modelos saudáveis oferecidos ao processo de
identificação.
O humanismo contempla todas as áreas
importantes para o pleno estabelecimento das condições
psicológicas, emocionais e criativas, e para o pleno

216
FUNK, R. Op cit, 1987, pág. 55
217
FROMM, Erich. Op cit, 1976, pág. 66
359
desabrochar das potencialidades do homem. É de muito
valor o “ambiente”, seja ele qual for, para a ampliação de
um autoconceito valorizativo, de pessoas preparadas
com uma certa humanização integral, que seja capaz de
propor as motivações e os incentivos para a superação
dos desafios e dificuldades que a vida possa apresentar.
“A cultura foi produzida por uma espécie de
mamíferos, mas foi ela, por sua vez, que tornou humana
esta espécie. Sem a presença da cultura, para conservar
as vitórias passadas e moldar cada geração sucessiva e
seu padrão, o homo sapiens nada mais seria que um
‘semidal terrestre’, ligeiramente diferente em estrutura e
ligeiramente superior em inteligência, mas irmão do
chipanzé e do gorila”.218
A apropriação dos códigos linguísticos dos signos,
sinais e símbolos criou as condições para o
aprimoramento da comunicação humana. Em cada
conceito, está implícita uma compreensão da realidade,
interpretada através de sua experiência e transmitida em
códigos linguísticos, como forma de passar estas
informações a outras gerações.
Todo este acervo de aprendizagens, passado de
geração em geração, só se torna possível a sua

218
LINTON, ralper. Op cit, 2000, pág. 86
360
apropriação, através do processo de comunicação. O
domínio destes conceitos, aceitos, convencionalmente,
na sociedade e cultura, viabiliza uma certa estabilidade
para a boa convivência, onde os membros do grupo
concordam ou discordam das interpretações realizadas
sobre um determinado fenômeno da realidade.
Buscando sempre uma autossuficiência para
conquistar prestígio, diante da sociedade. A sabedoria e
os títulos se tornaram um grau elevado de status social,
atribuindo valor e significado ao poder de sedução de
sua argumentação. O humanismo está inscrito num
movimento ao autoconhecimento, de si e da
realidade onde ele está relacionado.
“O que significa senão tornar o homem (homo)
humano (humanus)? Destarte, é da “humanistas” a
preocupação de um tal pensamento. Pois humanismo é
curar, é cuidar que o homem seja humano e não
inumano, isto é, estranho a sua Essência. Todavia em
que consiste a humanidade do homem? Ela repousa em
sua essência”.219
O cuidado do homem está imbuído, antes, de um
desejo de busca, com a finalidade do amor próprio, amor
à vida, sentido de existência, prazer e alegria, nas

219
HEIDDGER, Martim. Op cit, 1968, pág. 34
361
conquistas, sucessos, êxitos, nas realizações. Situar-se
numa experiência sempre de maior satisfação do prazer
em viver todas as suas dimensões, curar o homem é
tomar consciência de suas fragilidades, dos boicotes
confirmados e explicitados, contra si mesmo. Este estado
emocional de satisfação, gozo, orgasmo existencial, está
relacionado à plena utilização de todo seu potencial
produtivo, para si mesmo e para a sociedade.
Muitos colocam objeção a tal exigência,
argumentando que o desemprego, a exclusão social, a
pobreza, etc... Justamente, por isso, o sentido de
“curar” não pode mais estar atrelado a uma visão
mecanicista, fisiológica, reducionista e organicista
de um modelo explicativo e redundante. Hoje, a práxis
analítica engloba um procedimento multidimensional,
holístico e transdisciplinar, nas questões das queixas e
sofrimentos do ser humano; não se trata de exigir do
Estado ou das instituições uma atitude paternalista. O
enfoque humanista deve ser diferente, não porque
alguém quer que seja assim, mas devido às
necessidades urgentes dos pacientes.
Toda forma de paternalismo propõe,
indiretamente, o assassinato do íntimo do ser humano;
toda vez que alguém recebe algo sem esforço próprio, irá

362
confirmando, inconscientemente, a sua incapacidade
produtiva, além de fomentar um grau de dependência,
uma espécie de condicionamento ou hábito criado, na lei
do menor esforço, não se dispondo a criar e resolver os
desafios, pois sempre terá a esperança de que alguém o
fará por ele.
O enfoque transdisciplinar e holístico não está
preocupado somente com a demonstração da etiologia
da neurose, ou da elaboração de um diagnóstico.
Sabemos da importância deste procedimento, mas o fato
mais importante, hoje, para o paciente angustiado e
falido, existencialmente, é a solução e os resultados
positivos, das suas dificuldades pessoais e econômicas.
“Um dispositivo cuja ferida depende dos demais e
cuja cura pertence só a si mesmo, algo mais forte e mais
débil que qualquer aparência geral e que, em equilíbrio
enigmático, de força e debilidade, alcança a dignidade
própria”.220
A consciência maior da necessidade do outro é
um tipo de dependência saudável, pois ela propicia
crescimento, aprendizagem, oportunidade, cooperação,
motivação; e estes encontros com seres humanizados

220
SAVATER, Fernando. Op cit, 2000, pág. 42
363
em plena atividade valorizativa, proporciona as
condições favoráveis para curar as feridas.
É preciso curar a ferida. Para isto, se faz
necessário tratá-la, com as mais diversas intervenções
que forem necessárias; ficar com a ferida escondida,
fazendo de conta que não existe, é um ato de destruição
pessoal; pois a tendência será, com o tempo, infeccionar
e necrosar aquela parte do organismo. Como aprender,
com a existência, a dar plena validade a sua
humanização?
“À plena humanidade pertence, ao que sabe, usar
oportunamente de todos os remédios: bater, falar,
guardar, silêncio. A sabedoria (sapesse), em cada
ocasião, consiste em reter o impulso irracional, em não
deixar saber a palavra, o gesto, que produziria o
desastre, dando vantagem ao inimigo exterior,esta
civilização que se edifica com este artifício”.221
Todas estas mágoas, ressentimentos e outras
dimensões dos sentimentos e emoções, são básicas
para o diálogo, a compaixão e o perdão. Estas atitudes
estão acima da provocação e da perseguição; não
buscam a retaliação, a cobrança; sabem usar de sua

221
SAVATER, Fernando. Op cit, 2000, pág. 33
364
humanidade para lidar com estes momentos de
contradições emocionais.
Por isso, a inteligência racional e acadêmica não
consegue dar conta do movimento na existência do
indivíduo emocional. Muitos sofrem e ampliam a dor de
sua ferida, porque ficam presos ao sofrimento,
embebidos pelo ódio e pela raiva. Isto obscurece, infecta
e amplia a generalidade da infecção a todos os órgãos
da existência. Será sempre nesta visão complexa da
expressão da natureza e do processo da humanização,
deste “humanitas”, que se dão as condições para
favorecer a paz e a solidariedade humana.

3.3. A complexidade nas ciências e sua evolução,


no processo de humanização

As ciências, com seus conhecimentos específicos,


conseguiram avançar em alta tecnologia, chegando ao
ponto de desenvolver mísseis intercontinentais, com
ogivas nucleares, armazenadas pelas superpotências
para uma possível hecatombe nuclear222. Evidentemente,
esta tecnologia precisou desenvolver um conhecimento
científico, para consolidar-se como modelo de dominação

222
RONAN, Colin A. História da ciência da Universidade de Cambridge. Trad.
Jorge Enéas, vol. I, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, pág. 7
365
e exploração, impondo este modelo capitalista,
excludente e imperialista.
A ciência iniciou-se através de uma curiosidade a
respeito dos fenômenos da realidade, ligados
diretamente com o seu modo de vida. Este é modelo de
ciência clássica, onde as tecnologias desenvolvidas são
apropriadas somente por uma pequena parte da
humanidade. Humanizar a ciência não é uma tarefa fácil,
pois se tornou uma empresa de descobertas científicas,
implicando em investimentos e lucro. Os recursos
naturais e os bens da natureza são patrimônio da
humanidade. Portanto, todas as descobertas científicas
que implicarem em uma mudança no ecossistema,
deveriam ser colocadas num forum de debate
internacional.
Nos povos primitivos, o homem era tomado pelo
assombro da magia. Existia uma relação muito próxima
da natureza. Geralmente, o encarregado desta
comunicação era o feiticeiro, que evocava orações,
poções mágicas, ritos, feitiços, com a finalidade de
refazer o pacto com a natureza, ou negociar alguma
mudança, ou expiar alguma culpa, cometida pelo grupo;
as oferendas tinham este significado, de estabelecer um
elo de comunicação com estes deuses, representantes

366
da natureza. Esta primeira forma de “religião” foi
chamada “animismo”.
Aos poucos, o homem foi fazendo descobertas
importantes e se aprimorando, através da sua
experiência pessoal e comunitária. Desta forma, o
feiticeiro, mago, sacerdote, xamã, foram os primeiros
investigadores experimentais e o ancestral mais remoto
da ciência moderna223.
Nestas descobertas sempre se juntavam vários
métodos, uma compreensão de que a realidade não é
feita somente de seres humanos, animais ou plantas,
mas também por um mundo invisível, de espíritos e
forças espirituais224. “A doença e a peste eram
encaradas como manifestação dos espíritos do mal (...).
Não havia conflito entre ciência e religião, ambas com
aspectos interligados do mundo real”225.
Este conhecimento das enfermidades teve um
processo gradativo de reconhecimento do valor da
saúde. Ficavam paralisados, diante de uma nova peste,
ou de qualquer doença que fosse estranha à sua
compreensão. Como ainda não tinham os recursos
necessários para evitar a morte, utilizavam-se de poções

223
Ibidem, pág. 13
224
Ibidem, pág. 14
225
Ibidem, pág. 14
367
mágicas e encantamentos, com indagações sobre a
origem daquela patologia. Aos poucos, o homem saiu do
estado de magia e da feitiçaria e iria ao encontro das
verdadeiras causas dos agentes nocivos, no organismo.
A questão principal era como compreender,
descrever, predizer e controlar aqueles fenômenos
mágicos, apresentados pela natureza. Mas, aos poucos,
o homem foi aprimorando os “Meios para se levantar
grandes pesos; descoberta de rolos, roldanas e roda,
desenvolvimento de técnicas agrícolas, curtume de
peles, invenção da tecelagem, criação da cerâmica,
fundição de alguns metais. (...) O veneno, uma forma de
cianureto, é removido pelas ações combinadas de rolar,
exprimir e aquecer os tubérculos”.226
Conseguiu sair do seu estado de ignorância. Estas
descobertas e avanços científicos proporcionam a
segurança necessária para sobreviver mais tempo, com
isto, alargando os anos de existência. A inércia mental
dava, então, os seus primeiros sinais de atividade
científica, com intervalos bastante largos. O exemplo das
ciências naturais, como no caso da física, biologia,
astronomia, botânica, zoologia, química, não
conseguiram o seu método científico sozinhas, pois seria

226
Ibidem, pág. 16
368
impossível desenvolver a ciência, sem a apropriação de
outras áreas para juntá-las, encadeá-las num
aprimoramento, cada vez mais eficiente.
“A cultura grega deveu algo aos egípcios, aos
fenícios e, mais tarde, aos mesopotâmios, mas, acima de
tudo, foi o produto de duas culturas antigas, as dos
minoanos e dos micênios. Estas duas últimas
centralizaram-se no Egeu, limitado a oeste pela Grécia e
a leste pela Turquia. Lá entre 3000 e 2200 A.C.”227
A ciência, aos poucos, foi se desligando da
religião, principalmente da magia e da superstição. Esta
necessidade deveu-se a algumas descobertas, que eram
feitas às escondidas, experimentos com cadáveres,
dissecação, cirurgias, análise dos nervos, através da
fisiologia. Estes procedimentos eram proibidos pela
igreja, pela crença de que o corpo também ressuscitava
com a alma, então, qualquer contato com o corpo, era
considerado um ato de violação.
Sempre coube à transgressão, o método de
inovação, caracterizada pelo risco, a ousadia de pensar
diferente, assumindo, deste modo, uma nova postura
sobre as bases dogmáticas de diversos conhecimentos,
em diferentes épocas. O avanço sempre exigiu dos

227
Ibidem, pág. 64
369
pesquisadores um preço do incômodo, da perseguição,
das críticas, das pressões religiosas e institucionais.
Vamos analisar o caso de Freud (1856 – 1939):
diante de uma classe médica absolutizada pela fisiologia
e o materialismo organicista, se viu obrigado a pensar
diferente, seu ato heróico e corajoso aconteceu no
momento em que se deu conta de que as doenças, ditas
de causa orgânica, tinham, na sua visão, uma etiologia
emocional.
Foi honrado e ético. Pertinente a este homem foi
falar de um “outro eu que se expressa por nós”, o
conceito desenvolvido, depois, sobre o “inconsciente”,
podendo mostrar, ao distinto mundo da medicina
racionalista, que haviam emoções, sentimentos, pulsões
e instintos, desconhecidos pela razão humana, os quais,
reprimidos, poderiam bloquear e dar origem a uma
enormidade de sintomas. Ainda hoje, a Psicanálise exige
o status de ciência, diante da sua contribuição e valor. O
que é fato mais do que meritório.
Na civilização da China, “fundaram-se academias
de estudiosos, na capital do Estado CHI (QI), o príncipe
(Xuan) estabeleceu uma academia que fornecia
acomodações e manutenção para estudiosos de todo o
país, isso em 318 A.C., cerca de 70 anos antes da

370
fundação da academia de Platão, em Atenas. Várias
outras modificações técnicas e econômicas ocorreram
nesta época, inclusive, o uso extensivo de irrigação.
Assim, esse período dos ‘estados guerreiros’ é
considerado a idade clássica da China”.228
Esta civilização conseguia ver a importância da
relação do homem com a natureza, a tradição filosófica,
de Confúcio, defendia a idéia de que a natureza era,
essencialmente, boa e a felicidade estava em manter
uma relação de proximidade, respeito e integração com o
cosmos, consigo mesmo e com os outros.
Os chineses viam a terra como um grande
organismo vivo e, qualquer parte sua afetada, poderia
provocar alterações no todo. Tinham uma visão dos
princípios de complementaridade e interdependência. No
desenvolvimento econômico, industrial e cultural,
mantinham um cuidado todo especial com o microcosmo
e o macrocosmo. O hinduísmo teve sua propagação, que
fechava a visão chinesa: o princípio holístico da unidade
do todo, a doutrina do carma, as forças geradas pelas
ações de uma pessoa e o processo de reencarnação229.
Esta cultura permitiu à China viver
harmoniosamente, mesmo com um sistema comunista

228
Ibidem, pág. 18. Vol. II
229
ibidem, pág. 71, vol. II
371
nos seus mais de um bilhão de habitantes, favorecendo a
solidariedade, cooperação e respeito, na convivência
pacífica entre a sua comunidade. O Ocidente teve forte
influência dos gregos, pelas dominações culturais dos
romanos, que se mantiveram nas instituições, através da
Igreja Católica; indiretamente, a cultura romana, se
apropriou da igreja e foi bastante difundida na
Renascença.
A revolução científica, de 1500 a 1600, exigiu dos
cientistas novos critérios para a prática da investigação
científica. A ciência teve uma forte implicação, em várias
áreas do conhecimento, principalmente, em relação à
natureza do homem e da cosmologia. Todas estas
mudanças foram chamadas de Renascentismo.
Foi o humanismo, estimulado pela leitura dos
clássicos, que fez renascer este desejo de ir além do
sagrado, contrariando os poderes da Igreja Medieval.
Esta atitude distanciou o sagrado, o poder da intervenção
divina, o papel teocrático da graça, a venda de
indulgências, a santa inquisição, aproximando-se mais
do mundo profano, secularizado, estudando,
pesquisando, fazendo experiências, publicando escritos,
como uma forma de mostrar uma outra interpretação da
natureza.

372
O papel e a imprensa foram decisivos, pois,
enquanto os clássicos gregos eram traduzidos nos
conventos por monges, na língua do latim, este
conhecimento ficava apropriado somente a alguns, que
dominavam esta língua. Com o advento da imprensa, os
livros puderam ser publicados na própria língua materna
de cada nação. Isto possibilitou a expansão de novas
idéias e teorias, a todas as pessoas. A própria Bíblia,
que era publicada só em latim, como controle da “palavra
de Deus”, dos sacerdotes da Igreja, tiveram que autorizar
sua publicação, em várias nações, na língua materna.
Inicia-se um processo de mudança paradigmática,
pelo acesso à leitura e à pesquisa.
“Não é necessário salientar que o papado foi
obrigado a reagir, desencadeando a contra-reforma.
Algumas reformas internas foram feitas, em meados do
século XVI, e a Igreja reviveu a inquisição, estabelecida
na época medieval, para investigar a heresia, a feitiçaria,
a magia e a alquimia”.230
Os avanços da ciência sempre tiveram o controle
do Estado ou da religião. Porque o conhecimento tem o
poder de revolucionar, criando novos paradigmas,
impulsionando o desenvolvimento de novas tecnologias e

230
Ibidem, pág. 11, vol. II
373
descobertas, trazendo à tona novas verdades, em
detrimento das antigas. Para o controle destes avanços,
se fez necessário o desenvolvimento de comunidades
científicas, para guardar os segredos das descobertas e
impedir o acesso a estas novas tecnologias, na área da
saúde, de armamentos bélicos, indústria, conhecimento,
etc.
O primeiro laboratório de psicologia experimental
foi criado na Universidade de Leipzig, em 1879, por
Galton, para pesquisar os sentidos e testes
psicométricos. Assim, a psicologia ia se encaminhando
para a formulação dos seus princípios básicos, na área
da experimentação, logo depois também por Wundt.
No ano de 1859, Jaques Lorbv231, nascido na
Prúscia e radicado nos EUA, desenvolveu a teoria do
mecanicismo (mecânica do desenvolvimento), uma
visão mecânica da vida, pois entendia que todos os
fenômenos da vida podiam ser reduzidos às leis básicas
da química e da física.
Logo depois, esta mesma teoria foi apropriada
pela psicologia, dentro de uma concepção reducionista e
mecanicista. Pavlov desenvolveu o princípio do estímulo
– resposta e todos os condicionamentos por processos

231
Ibidem, pág. 83
374
de aprendizagem e que, estes mesmos estímulos,
poderiam desencadear novos comportamentos, mediante
o prêmio, como forma de recompensa.
Infelizmente, estas teorias foram incorporadas à
psicanálise, na sua sistematização teórica, influenciando
Freud, drasticamente, na sua concepção de homem e
sociedade. “Uma das lições óbvias a ser aprendida, com
a história das realizações científicas, é que nenhuma
teoria sobrevive para sempre e que, muitas vezes, as
coisas parecem solidificadas. Novas observações e
novas idéias se substituem por conceitos atualizados.
Mas isto é parte da aventura que é a ciência, parte da
lenta conquista do enigma que é o mundo natural, parte
do que Alfred Noyes, tão elegantemente, chamou de
longa batalha pela luz, em que o homem está
empenhado, desde os primeiros dias da mais antiga
civilização”232.
Sempre foi uma dificuldade romper antigos
paradigmas para criar novas idéias, isto pode se
observar, sem nenhuma dúvida, nas mais diversas
civilizações. O conhecimento científico afeta e é afetado
pelas suas próprias invenções ou descobertas, pois, de

232
Ibidem, pág. 124, vol. IV
375
alguma maneira, servem aos interesses da sociedade,
como podem, também, questioná-la.
Os interesses pela manipulação e controle dos
métodos e técnicas científicas sempre foram notáveis e
estratégicos. Por isto, a corrida tecnológica para chegar
na frente, como foi o caso da bomba atômica. Novos
paradigmas teóricos criam verdadeiras revoluções no
modo de vida e de interpretar a realidade. Observe esta
afirmação: de que a terra gira em torno do sol; “a
descoberta da circulação do sangue e do oxigênio; o
darwinismo; a psicanálise; a teoria da relatividade na
física quântica; a pílula anticoncepcional; a Internet”233.
Os cientistas sempre sofreram com a divulgação
de suas teorias porque, em muitas oportunidades,
questionam dogmas e doutrinas, instalando a
controvérsia, no jogo explícito dos interesses. Muitos
desenvolvem articulações diabólicas, utilizam-se do
poder religioso, político, jurídico e dos meios de
comunicação, com o fim de impedir o avanço de algumas
teorias, que contrariam interesses obscuros de um grupo
que se acham detentores da verdade, sentindo-se
ofendidos e agredidos por questionarem o seu modo de
pensar e de se apropriar de tal área do conhecimento.

233
GOHSCHALL, Carlos Antonio Mascia. Do mito ao pensamento científico: a
busca da realidade de Tales a Einstein. São Paulo, Atheneu, 2003, pág. 5
376
Existem alguns sistemas teóricos fechados,
doutrinas dogmáticas, que alienam completamente o
modo de pensar das pessoas, porque eles não aceitam
qualquer tipo de questionamento, contrário às suas
verdades estabelecidas.
Falta, nos cientistas, a grandeza da honestidade
consigo mesmos, assumindo, dentro de uma visão
aberta e flexível, do que a hipocrisia da representação,
realizando os jogos de poderes institucionais. Se alguns
cientistas ou teóricos tivessem o poder de julgamento e
condenação, sem dúvida, ocupariam, com muito prazer,
este lugar para, em nome da morte, acabar com qualquer
tipo de ameaça à sua verdade estabelecida. Seriam os
inquisidores do séc. XXI. Por isto, jamais uma sociedade
pode abandonar, a preceito da livre expressão de idéias,
o direito de ir e vir do cidadão.
“A Revolução científica começou a esboçar-se no
séc. XV, efetivou-se no séc. XVI, formulou-se
definitivamente no séc. XVIII. O modelo do método
científico iniciado nessa época e continuamente
aperfeiçoado (observação, hipótese, experimentação,
mensuração, análise e conclusão) deu origem a toda
ciência moderna, com suas fantásticas realizações (...),
sintetizada na astronomia de Copérnico, na anatomia de

377
Versálio, na física de Galileu, na fisiologia de Harvey, na
filosofia de Descartes, no empirismo de Boyle, na
matemática de Newton, na química de Lavoisier”234.
“Depois de milhares de anos, do processo de
evolução das metodologias e o conhecimento dos
fenômenos da natureza, passando de um estágio de
pensamento mágico, idealista, determinista, absolutista,
escolasticista, hermético”235, deu forças e impulsionou o
Renascimento e a Reforma para ,depois, se solidificar no
racionalismo e empirismo, que vem dominando a ciência,
há mais de 400 anos.
A ciência teve seu início e demarcou seu território
de ação quando conseguiu tornar-se um mito; a
promessa de levar o homem à plenitude máxima do
conhecimento da natureza e do ser humano. O homem
foi sempre um observador, curioso em experimentar para
comprovar suas certezas ou dúvidas. Qual o efeito de
uma determinada reação, possibilitando uma análise
descritiva e argumentativa, sobre os resultados
encontrados e, finalmente, tirando suas próprias
conclusões?
Nestes 4 milhões de anos, os hominídeos deram
sua contribuição na evolução da ciência; e o homo

234
GOHSCHALL, Carlos Antonio Mascia. Op cit, 2003, pág. 6
235
GOHSCHALL, Carlos Antonio Mascia. Op cit, 2003, pág. 7
378
sapiens apareceu, somente, há mais de 40 mil anos.
Neste período, desenvolveu uma relação entre o mágico
e os fenômenos naturais, criou arte, agricultura, cidades,
linguagens há uns 10 mil anos; há 5 mil anos, iniciou a
escrita, e há 2,7 mil anos, a filosofia.
A ciência é a descoberta mais recente e
importante, em todos estes tempos, produto do
pensamento humano, nos dá a esperança de que ele
poderá transcender suas limitações, crenças, dogmas e
mitos pessoais e coletivos, para avançar numa
aproximação gradativa, a que todos tenham acesso e
desfrutem das suas descobertas. Só assim, ela estaria
devidamente humanizada, solidária, socializadora dos
seus conhecimentos, para o engrandecimento da raça
humana.
Deste modo, a ciência poderá ser, sem dúvida, de
grande valor, ajudando nas soluções dos problemas
humanos. Para isto, necessitam sair da apropriação
indébita de alguns grupos detentores destes
236
conhecimentos. Para se fazer ciência , exige-se um
caminho que vai, desde a observação (natural ou
instrumental); idéia a ser testada (hipótese); amostragem
(aleatória ou eletiva); experimentação (modificadora ou

236
Ibidem, pág. 14-15
379
não); tabulação (registros categóricos ou contínuos);
análise dos dados (intuitiva, matemática, estatística); até
a prova (tese) ou conclusão (consolidada, coerência
entre os achados e generalização dos conceitos).
Isto pode se tornar um domínio conceitual, teórico,
universo. Todos nós sabemos da existência de diversos
métodos, técnicas, de apreciar o fenômeno. Se deduz, a
partir daí, que sempre houveram descobertas e avanços,
como no caso da arquitetura egípcia, a metalurgia dos
povos da Mesopotâmia e da Ásia Menor, a agricultura,
com as irrigações, na China, técnicas médicas dos
egípcios e gregos, a astronomia dos suméricos e, mais
recentemente, a arte ciência dos portugueses.
Durante mais de 2 mil anos, a ciência, com seus
erros e acertos, manteve-se rígida, sem nenhum tipo de
constatação. Foi somente no século XVI237, com
Copérnico (1473 – 1543), astrônomo e matemático;
Versálio (1514 – 1564), anatomista e médico; Galileu
(1564 - 1642), matemático, físico e astrônomo; Harvey
(1578 – 1657), médico e fisiologista, desde os babilônios,
egípcios, gregos, cristalizados nos ensinamentos de
Aristóteles (384 -322 – a.c.), filósofo, biólogo e
astrônomo; Ptolomeu (90 – 168), astrônomo, matemático

237
Ibidem, pág. 16
380
e geógrafo, e Galeno (130 – 200), médico. Todos estes
cientistas colocaram em evidência a importância da
sistematização teórica do conhecimento e sua
238
aplicabilidade. Sócrates (470 – 395 a.c.) , Platão de
Atenas (428 – 348 a.c.), trouxeram para o mundo
científico o valor da racionalidade; dando um valor sobre
a lógica do pensamento, demonstrando, através da
argumentação, como acontecia um determinado
fenômeno, utilizando-se muito da imaginação.
As explicações sobre a matéria e energia, o
movimento dos corpos celestes, o funcionamento do
corpo humano... Assim, as explicações sobre os mais
diversos eventos da natureza, na argumentação pela
doutrina dos quatro elementos (fogo, ar, terra, água), as
relações de causa e efeito eram bastante plausíveis, nas
suas explicações, analogias, mitos, metáforas e não no
procedimento do método científico, não utilizaram ainda
o processo de experimentação.
Este movimento, do processo articulador da
argumentação, propicia uma leitura da realidade, através
dos símbolos, metáforas, mitos, tragédias, categorias,
contos, com a finalidade de traduzir e mostrar a
realidade. O poder, assim constituído em cada

238
Ibidem, pág. 20
381
civilização, utilizava para dominar e subjugar os povos,
através de suas verdades argumentativas e escritas.
Todas as civilizações precisam de um mito para
explicar a realidade, que contenha arquétipos, metáforas,
analogias, capazes de traduzir em palavras os
acontecimentos da existência. Foi somente com os
filósofos gregos, que se começou a tentar entender e
descrever os mitos, pelo poder do raciocínio. Esta
descrição racional, ausente, sem arte e emoção, tornou a
observação das verdades dos conhecimentos frios,
distantes e desligados do envolvimento da imaginação,
do êxtase; refere-se aqui ao envolvimento do sujeito na
história coparticipando dos diálogos e conflitos destes
personagens que davam vida e sentido à realidade.
O Racionalismo e o Idealismo tiveram sua
ascensão no séc. XIX, como na literatura, antropologia,
história, filosofia e na própria psicanálise. Foram estas
essências que trouxeram o mito e sua expressão, nos
seus simbolismos, para elucidar temas e articular
saberes, tornando o conhecimento menos frio e distante,
descontextualizado da vida, do sujeito e da sociedade.
Os mitos antigos sempre traziam uma mensagem
a ser decifrada, entendida, exigindo o poder de reflexão
em descrever as incógnitas implícitas e explícitas pelo

382
conto. As enunciações simbólicas eram cheias de um
conteúdo histórico, literário e da máxima expressão da
vida. Assim, estes dilemas recorrentes apareciam, de
forma simbólica, nos seus mais diversos signos e sinais,
evidenciando uma realidade imagística, com forte
conteúdo emocional, produzidas pelos seus agentes
estereotipados, em forma de personagens atuantes,
escritos a partir de uma literatura cotidiana e existencial.
Nada mais absorvente e envolvente do que a
solução de um enigma, decifrar uma mensagem,
compreender uma frase dentro de um contexto,
identificar um conteúdo arquetípico numa frase repetitiva
e eloquente; destas diversas formas, o mito se expressa
com um tema, no intuito de resolver os ouvintes e leitores
com as questões humanas e sociais. A ciência, hoje em
dia, tenta também explicar a realidade com alguns mitos,
criados pelos seus eminentes cientistas.
Em seu livro, John Horgan, comenta sobre a
possibilidade do fim da ciência. Ele mesmo tinha
algumas dúvidas a serem respondidas, porque
acreditava que o científico não dava conta destas
perguntas. Assim, ele enuncia uma série de
questionamentos. “Como, exatamente, o universo foi
criado? O universo seria apenas um dentre um número

383
infinito deles? Os quarks e os elétrons seriam compostos
de partículas ainda menos ad infinitum? Qual é, na
verdade, o significado da mecânica quântica (...)? Como,
exatamente, começou a vida na terra? Até que ponto era
inevitável a origem da vida e sua, subsequente,
história?239
Qual o grau de poder entre a ciência e a natureza
Quando a ciência diz que tem o domínio dos códigos
secretos da natureza está mentindo, pois a cada
descoberta, amplia-se o número de dúvidas e hipóteses.
Mas constrói-se um mito acerca do poder da ciência
sobre a natureza, que, na verdade, é o contrário; a
ciência é a própria natureza, porque a sua constituição é
feita de saberes e matéria; somente denominamos de
ciência para estarmos cientes do nosso mito pessoal.
Existe outra realidade sutil e complexa, bastante
distante do método positivista experimental. A ciência
transcorre e a elucidação dos fenômenos a serem
desvelados, independente se isto será traduzido e
interpretado, em conceitos e estatísticas.
A relação entre o conhecimento e a descrição
destes fenômenos, incompreensíveis aos olhos do

239
John Horgan; O fim da Ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento
cientifico; São Paulo; Ed.Compania da Letras; 1999; Pág.19
384
cientista positivista experimental, é da não aceitação dos
fatos ou soluções enquanto não houver uma maneira de
provar aquela cura pela descoberta. O modo de olhar as
realidades transubstanciais, materiais do mundo
fenomênico, produziu uma aproximação da utilização de
outros saberes, técnicas e métodos diferentes, sendo
que muitos deles estão baseados em culturas milenares.
A aplicabilidade destes recursos, sobre um
fenômeno específico, traz o resultado esperado: a cura.
Muitos destes rituais de alquimia produzem a
complementação de diversas teorias e métodos, para
atuar sobre aquele sintoma, com outras formas de
energia mais sutis, desconhecidas e não aceitas pela
ciência atual, agindo com uma precisão e rapidez, com
plena recuperação daquela sintomatologia de doença
específica.
Houve uma supervalorização, quase um
endeusamento, dos poderes mágicos dos fármacos e
procedimentos de intervenção cirúrgica. Com todos seus
recursos científicos, a medicina atual é aceita como
ciência, porque detém um método e consegue fazer
transplantes, desenvolver vacinas, formular diagnósticos,
através da ultra-sonografia, tomografia computadorizada;
a utilização do lazer para determinadas cirurgias e

385
laboratórios de pesquisas avançados em todo o mundo,
realizando pesquisas com o objetivo de erradicar a
doença orgânica. E devemos apoiá-la para a
continuidade de seus avanços, em áreas de pesquisa
como neurociência, psiconeuroimunologia, nefrologia,
cardiologia e demais disciplinas, tão pertinentes e
necessárias, dentro da medicina. A visualização desta
ciência, que cumpre seu papel, com certa eficiência,
pode ter outra abordagem.
O que devemos expor aqui é um outro tipo de
medicina: trata-se de procedimentos para curar a alma, o
espírito, muito diferente, e bastante distante, dos
procedimentos de diagnóstico e avaliação da moderna
medicina atual.
O florescimento de outras intervenções,
procedimentos pouco conhecidos, que fazem do controle
e vigilância da ciência atual, como no caso dos florais de
Bach, acupuntura, homeopatia, fitoterapia, hipnose,
Reiki, psicanálise e tantas outras teorias e métodos que
também articulam uma compreensão e interpretação
diferente dos métodos mais tradicionais e ortodoxos. A
medicina ayurvédica, holística, é diferente desses
critérios, tanto ao nível de diagnóstico, quanto em termos
curativos.

386
De tudo, fica a seguinte indagação: quando um
terapeuta utiliza uma metodologia eficaz, diante de um
determinado sintoma e se realiza a cura, poderíamos
chamar este procedimento de científico? Claro que sim,
porque houve a aplicação de um método e se alcançou
um resultado.
Por isto, é bastante discutível a denominação do
que podemos chamar de ciência; porque tudo que não é
comprovado, medido, calculado, com controle
experimental em laboratório, é considerado magia,
bruxaria, esoterismo, misticismo e aquelas pessoas
envolvidas nestas práticas, são chamadas de charlatões.
No entanto, as pessoas procuram, com bastante
freqüência, a medicina alternativa, com seus métodos,
técnicas e intervenções, diferentes da medicina atual,
alcançando excelentes resultados.
Ao que pese o valor de julgamento e condenação,
pelos ditos conselhos representativos, não significam que
determinam a verdade sobre a análise fidedigna dos
movimentos sutis da energia, bem como seus níveis de
frequência e de vibração. Os modelos de análise, do que
é ciência, ficaram estendidas às ditas comunidades
científicas, que dizem ter o poder de avaliação e controle
do que pode ser chamado de ciência. Estes processos,

387
denominados de comissões de análise, não servem para
dar um parecer legítimo e verdadeiro, porque,
justamente, baseiam-se nas suas teorias, tentando
encaixar determinados “fenômenos naturais,
sobrenaturais e paranormais” dentro de seu paradigma
conceitual.
Com esta denominação do que é ciência, da sua
interpretação da realidade psicológica, irracional e
espiritual, o relatório sempre será desfavorável, devido à
particularidade desta outra realidade desconhecida e não
aceita, dentro do paradigma da ciência clássica; por isto
mesmo são negadas.
As magias, feitiçarias, e tantas outras
denominações pejorativas, têm o caráter de acentuar o
valor do cientista formal e academicista, diferente do
“charlatão”, que realiza suas leituras e práticas clínicas,
distante da análise do mundo cientifico e acadêmico.
Independente da vontade de uma classe determinada,
sempre existirão outras formas de olhar as realidades
psicológicas, emocionais e orgânicas do homem.
Estas práticas independentes da comunidade
científica terão seus êxitos, na praticidade e na
relevância dos serviços terapêuticos que prestam a
comunidade onde vivem. A sociedade sabe averiguar o

388
valor e a importância de determinados profissionais da
área da saúde. Por isto, a ciência também existe, e é
realizada, fora do controle das instituições científicas.
Haverá um dia em que a aproximação destas
ciências será inevitável, e quem ganhará com isto
será a população mais pobre, marginalizada do
processo de ascensão social.
“Com uma ligação entre o divino e o natural,
surgiu a classe dos sacerdotes (...) por um lado tinham o
conhecimento das necessidades naturais, por outro, o
acesso aos deuses, o que conseguem com invocações,
feitiços, poções e oferendas (...) Através de desenhos,
pinturas e estatuetas extraía-lhes poder. ‘Ciência’ e
religião eram aspectos interligados e o método de acerto
e erro avaliava o conhecimento empírico de várias
manifestações naturais. Assim, o mago foi o primeiro
investigador e o ancestral primitivo do cientista
moderno (...) A magia, rebaixada e humilhada, deu lugar
à feitiçaria”.240
A sociedade sempre teve os grupos mais
favorecidos, no sentido de guardar determinados tipos de
conhecimento, não aceitando qualquer invasão de

240
Ibidem, pág. 23
389
grupos ou pessoas, interessadas em se apropriarem de
uma determinada descoberta científica.
Isto sempre existiu em qualquer civilização, já
dizia Francis Bacon (1561-1626)241, ‘conhecimento é
poder’. Assim, nunca houve interesse em socializar
determinados tipos de saberes. Geralmente, o acesso a
algumas teorias ficava restrito a alguns grupos
hegemônicos. Tinham a necessidade de proteger ditos
patrimônios culturais e científicos, utilizando-se da
criação de instituições para protegerem-se das ameaças
de mudanças nos paradigmas teóricos, além de vigiar,
controlar, punir, todos aqueles subversivos ou hereges,
que ousassem questionar os conceitos dogmáticos da
sua doutrina teórica.
Uma das maneiras de manipular era distribuir
quotas de conhecimento aos neófitos, de acordo com
sua submissão, aceitação e assimilação de determinada
teoria, criado por um autor ou guru. Esta visão tem o
interesse de salvaguardar interesses teóricos e
científicos, para manter grande parte da população
distante, marginalizada do processo de ascensão cultural
e científica.

241
Francis Bacon foi um filosofo e político inglês, criador do método empírico de
investigação e o primeiro reformulador do raciocínio indutivo, cuja metodologia parte
da experimentação para chegar às conclusões científicas. Roberto Crema: Introdução
a uma visão holística. Ed.Summus. São Paulo. 1988. pág. 30.
390
Desde as civilizações mais remotas, sempre
houve o controle, por parte dos sacerdotes, magos,
videntes, feiticeiros, com o objetivo de guardar, manipular
e passar este conhecimento a um ser especial,
designado por Deus ou por forças sobrenaturais. Esta
sugestionabilidade mantém o povo sempre nas
crendices, como forma de obter respeito, consideração,
admiração e poder, sobre esta classe subalterna.
Por milhares de anos, a ciência não avançou,
porque ficou atrelada e aprisionada por representantes
do poder político e militar, com o fim último de impedir a
livre expressão; sobre determinados tabus, dogmas, leis,
regulamentos, como algo absolutizado. Este “poder
intelectual e policial” esteve sempre a favor de uma
classe dominante, imprimindo sanções e perseguições,
ferindo o princípio básico da liberdade de pesquisar e
questionar, em qualquer sociedade dita evoluída,
moderna e democrática.
A ciência não pode ficar atrelada a um grupo de
empresas, governos, ditaduras, universidades, religiões
ou qualquer outra instituição, que se aproprie dos
conhecimentos, com a finalidade de, simplesmente,
enriquecer, ter lucro, poder e domínio sobre toda uma
classe marginalizada.

391
A ciência não pode se excluir do processo de
socialização e de inclusão. O saber é tão importante,
como o alimento de cada dia, proporcionar condições de
inteligência e reflexão é assegurar o valor da
democracia, garantindo a cidadania a milhões de
pessoas, que são mantidas na ignorância total,
aproximando-se cada vez mais da barbárie, da violência
social, pelo simples fato de não poder participar e
usufruir das condições mínimas de subsistência.
Esta forma desumana é, à priori, partícipe de um
individualismo, permissivo e egocêntrico, onde a ciência
está a serviço de um grupo dominante e excludente,
contribuindo com a desumanização, na manutenção da
ignorância existencial, aumentando, em níveis
degradantes, a aceitação da dor e do sofrimento
humano.
Uma ciência séria não contribui com o
analfabetismo cultural, educacional e econômico. Manter
estas pessoas num estado de alienação é acentuar a
inumanidade da ignorância, pertencente a seres sem
consciência, dominados por uma visão pobre da vida,
que convivem com o conformismo e a passividade,
passando toda uma existência em obediência a certas
crendices, propagadas por poderes religiosos e políticos,

392
com o claro interesse de manter esta grande massa
humana, desprovida do poder mais apropriado à vida
humana, que é o conhecimento.
“Sempre que uma conduta de um conhecimento
do tipo dogmático for interiorizado, surgirá o absolutismo.
Como ocorreu na Igreja Medieval, no comunismo, no
nazismo, no fascismo, ocorre no fundamentalismo
islâmico e também no imperialismo, que a mídia exerce
sobre a sociedade. Mais importante que a própria crença
e antecedendo a ela, está o direito de acreditar acima do
direito de impor. Toda modificação social tem que vir pela
aceitação de um argumento, não por meio do
242
patíbulo”.
Assim, as civilizações do passado entenderam a
mensagem das guerras, dos totalitarismos, invasões
terroristas e regimes militares e partiram para um outro
estilo de vida em sociedade. Aos poucos, foi ressurgindo
a liberdade de expressão, de desenvolver a pesquisa e,
com isto, foi se acentuando o uso da reflexão.
Hoje, nos países da América Latina, inicia-se um
projeto político democrático, com liberdade de imprensa,
de ter sua própria profissão, universidades públicas de
boa qualidade, hospitais, escolas, que são direitos

242
Ibidem, pág. 24
393
legítimos dos cidadãos, sai de um regime dogmático e
totalitário, centralizador das decisões para um outro
modo de vida, um pouco mais civilizado.
Ainda falta muito para avançar rumo à cidadania.
Porém, a sorte está lançada, de agora em diante vai
depender da organização dos movimentos sociais,
sindicais e associações de bairro, lutar para a
implementação de seus direitos, além de observar, vigiar
e controlar os poderes executivo, legislativo e judiciário,
para cumprir com todo rigor e sem engano, a constituição
de cada país. Cada cidadão vai, aos poucos,
incorporando este papel político e social, indispensável
para qualquer democracia.
O esboço teórico da psicanálise contém toda uma
descrição dos principais conceitos freudianos, como o
determinismo psíquico, consciente, inconsciente, pulsões
ou instintos, libido, energia agressiva, catexia, estrutura e
funcionamento do aparelho psíquico, o id, ego e
superego, fases psicosexuais do desenvolvimento oral,
anal, fálica e genital. Metodologia do trabalho clínico:
interpretação dos sonhos, etiologia das neuroses,
transferência, contratransferência, resistências,
confrontação, esclarecimento, interpretação.
Mecanismos de defesa: repressão, negação,

394
racionalização, formação reativa, isolamento,
sublimação, condensação. Freud desenvolveu todos
estes conceitos em base à escuta analítica, refletindo
sobre a origem das enfermidades mentais e psicológicas.
Sua sapiência foi extraordinária em teorizar e
conceitualizar o ser humano, a partir de uma dimensão
inconsciente, realçando a pulsão sexual como força
libidinal. Esta teoria psicanalítica freudiana descreve a
interioridade psíquica, através da subjetividade,
acentuando o modo operacional das forcas psíquicas, o
funcionamento do aparelho psíquico, as diversas
psicopatologias, os mecanismos de defesa, fazendo uso
de um método para analisar os sonhos, fantasias,
repressões, além de proporcionar uma teoria sobre o
tratamento destes sintomas. Pela sua relevância, é
considerada uma ciência.
Esta teorização da mente humana, a nível
inconsciente, possui vários conceitos interligados, para
dar sentido e lógica a sua metodologia de investigação
desta energia simbólica, investida de imagens e
significados, proporcionando, desta forma, um saber
capaz de viabilizar uma pesquisa profunda e objetiva
sobre qualquer problema ou hipótese que diga respeito
ao homem.

395
A psicanálise deveria ser chamada de ‘ciência do
homem’, ou ainda, ‘ciência da vida. Seu objeto de
pesquisa é propriamente a subjetividade e suas
representações simbólicas, para descrever o movimento
e as reações emocionais, sintomas, doenças,
capacidades, potencialidades, criatividades, inteligência,
imaginação, sonhos, fantasias, instintos, necessidades,
desejos e tantas outras nomenclaturas, pertinentes a
esta área de pesquisa.
Como definir a ciência psicanalítica, diante desta
missão nobre e difícil, compreendendo, descrevendo,
descobrindo, teorizando e, ao mesmo tempo, tratando
das neuroses e psicopatologias? Existe, porém, um fato
de extrema relevância, para uma revisão teórica
profunda nas bases teóricas da teoria psicanalítica: trata-
se desta ‘neutralidade’, incorporando aaso conceito das
ciências físicas e exatas.
Esta atitude de Freud foi muito infeliz, pois deixou
impregnado, na relação terapêutica, o distanciamento e a
frieza. Porque é tão importante analisar esta forma de
pensar? Justamente porque impede aquilo que é mais
essencial, no tratamento psicanalítico: oportunizar ao
paciente uma experiência de afeto, amor, compreensão e
aceitação. No entanto, este procedimento torna os

396
psicanalistas distantes e desconfiados de seus
pacientes, como se corressem o risco de ter um
envolvimento sexual, fossem seduzidos, envolvidos
numa trama patológica, onde o analista seria usado e
manipulado pelos pacientes.
Veja só como esta forma de pensar, esta
aproximação de amizade, confiança e interação fica,
enormemente, prejudicada. Seria interessante perguntar
quais os motivos inconscientes, de Freud, em optar pelo
distanciamento afetivo e amoroso, na psicanálise. Talvez
possamos responder a esta questão, observando as
suas próprias dificuldades afetivas e de relação amorosa,
que teve com sua esposa, seus filhos e colegas.
Este bloqueio, de se fechar no seu próprio mundo
racional e intelectual, também esconde uma dificuldade
imensa em se relacionar, afetivamente, com as pessoas.
Isto sempre esteve presente, em sua vida, este estado
de baixa auto estima, de pobreza e de expressar suas
emoções e sentimentos.
Seria demasiado longo nos prolongarmos
sobre este episódio do Pai da Psicanálise. No
entanto, é imprescindível analisar a consequência
deste fato e sua repercussão, dentro do movimento
psicanalítico. Esta tese resgata, através da Psicanálise

397
Humanista, uma maior aproximação e valorização do
paciente, pois acredita no poder curativo do amor. Esta
máxima experiência, que é desejada por todos,
consciente e inconscientemente, este respeito em criar
um clima de acolhimento e compreensão, já num
primeiro momento, uma vivência afetiva.
O tratamento psicanalítico, na psicanálise
humanista, pretende devolver a saúde e o bem estar;
por isto, ela é uma ‘ciência da vida’. Porque trata das
questões profundas da psiquê humana, solidarizando-se
com este ser, em processo de humanização, saindo de
um estilo de vida inconsciente, para tomar consciência
dos fatos, em relação ao passado, presente e futuro,
ampliando o seu autoconhecimento, harmonizando e
equilibrando sua energia, utilizando-a a favor da
felicidade e realização humana. ‘Como havia podido ser
de outro modo. A psicologia acadêmica e experimental
moderna é, em grande medida, uma ciência que trata do
homem alienado, estudada por investigadores alienados,
com métodos alienados e alienantes.’243
Nunca houve qualquer similitude entre psicologia
sistêmica, cognitivista, behaviorista e experimental,
justamente porque seu objeto de pesquisa é a mente, a

243
Fromm, Erich; La crisis del psicoanálisis. Ed. Paidós, Barcelona, l97l. Pág. 76.
398
nível inconsciente. São as estruturas cognitivas, a
racionalidade, os comportamentos condicionados, que
estão sendo estudados, pesquisados por uma
metodologia experimental cognitiva e comportamental.
São ciências que têm, como objeto de pesquisa, o
homem, mas com objetivos e métodos de pesquisa
totalmente distintos, porque a psicanálise tem seu
enfoque no mundo inconsciente da mente humana.
É claro que as diversas ciências humanas e
sociais, como a psicanálise, a psicologia, a
psiquiatria, a neurologia, a antropologia, a biologia, a
pedagogia, a sociologia e tantas outras, poderão, no
futuro, transpor as barreiras dos métodos
dogmáticos e utilizar a transdisciplinariedade, como
condição para alcançar a verdade cientifica.
A psicanálise tende à evolução, saindo de alguns
conceitos dogmáticos e alienantes, para propor
modificações profundas, em dois aspectos: primeiro,
precisa restituir seu caráter multidimensional humanitário,
no compromisso do resgate da dignidade humana.
Segundo, sair do mundo da objetividade neutra e
descompromissada com o homem e a sociedade,
rompendo estas barreiras do dogmatismo e da ortodoxia,
assumindo por completo a transdisciplinariedade, como

399
caminho evolutivo, numa visão solidária e de mútua
cooperação. “Não esqueçamos que a ciência é evolutiva,
não só no seu saber e nas teorias, mas também no seu
modo de interpretação (...) A física, animada pela
obsessão mitológica da unidade primeira, descobriu a
molécula, depois o átomo, depois a partícula.”244
Qualquer cientista de bom senso, no
acompanhamento e na observação de um método
científico, em relação a um problema de pesquisa. Se
não conseguir alcançar o resultado pretendido, deverá
fazer uma verificação na sua hipótese de trabalho, bem
como nos seus procedimentos técnicos, analisando a
praticidade ou não da sua teoria, com o fim de descobrir
onde estava o erro que impediu de não ter encontrado o
resultado.
É sempre este processo de reflexão, atenção,
incorporação, flexibilidade, paciência, determinação,
perseverança e seriedade que torna o cientista eficiente,
ajudando, desta forma, a evolução das ciências.
“Devemos sair desta condição petrificada de
pensamento”245

244
Morin, Edgar: A vida da Vida, o método 2, Ed. Paulina, Porto Alegre-RS, 2000; Pg.
124.
245
Morin, Edgar; A natureza da Natureza, o método 1, Ed. Sulina. 2000, Porto Alegre-
RS, Pg.35.
400
O processo de estancamento da criatividade está
ligado a aprisionamentos conceituais, manipulando a
pessoa a enxergar sempre a realidade, com uma lente
verde, isto é, um processo alienante e distorcido, pois só
consegue ver a realidade daquele modo. Esta forma de
pensar está impregnada de crenças e conceitos,
adquiridos ao longo de sua experiência e existência.
Atrelado a este modo de pensar a realidade do
homem, com uma visão absolutista e autoritária,
desrespeita outros conceitos e visões, sobre a natureza
do homem. Esta forma de interpretar a realidade não
aproxima as ciências, viabiliza a rigidez conceitual, as
discussões autoritárias, o individualismo, fechando-se,
cada vez mais, nas doutrinas teóricas, reforçando o
encontro com as suas próprias verdades dogmáticas.
“Por sua idéia de pulsão, ele compreendia que era
preciso conceber o ser humano, a sua totalidade
multidimensional, em vez de recortar um pequeno
pedaço que vai cair na aptidão para as letras, que é a
parte da mente e que deriva da biologia. Ele é um
pensador extremamente poderoso, cujas intenções
devem ser examinadas sem cessar. Todavia, existem

401
escolas-seitas de psicanálise, fechadas e rituais que,
pessoalmente, me assustam e aborrecem.”246
Ao olhar a realidade do homem e da sociedade,
ela é extremamente complexa, está sempre interagindo,
pensando, mudando. Hoje, a psicanálise ou qualquer
outra teoria que trata da dimensão humana, não pode
ficar mais presa a uma doutrina teórica.
O homem, na sua mundaneidade, perdeu seu
referencial da plenitude de seu ser, distanciando-se de si
mesmo, ficou apegado ao “ego”, manifestação clara da
carência de significado e do afastamento, cada vez
maior, da sua própria essência. Esta consciência
superior advém não da aprovação compulsiva de uma
materialidade desenfreada. Esta intenção da satisfação
compulsiva das necessidades de apreço, consideração e
reconhecimento, são situações inconscientes, que levam
o ser humano a um processo de desagregação.
Quando dividido, na incompletude de sua própria
insatisfação, fica cada vez mais distante do seu real
significado na existência, apegado ao poder intelectual,
esquece-se de outros valores fundamentais, assumindo
um processo de autodestruição compulsivo inconsciente,

246
Morin, Edgar; Ciência com Consciência; Ed. Bertrand do Brasil; 5 ed. RJ. 200l.
Pg.74.
402
não se dando conta destes disfarces para não encarar
áreas de difícil compreensão.
Os psicanalistas deveriam, primeiro, olhar para si
mesmos, nos níveis de realização pessoal, familiar,
econômica, profissional, afetiva e social. Pois, quem não
consegue prover para si o melhor que a existência pode
oferecer, como poderá ajudar a alguém nestas
dificuldades? Devemos honrar os princípios de uma ética
transcendente, por um testemunho pessoal, mostrando
na sua atitude de vida, a experiência verdadeira de paz e
felicidade, vivendo com saúde e alegria.
“A ciência clássica dissolvia a complexidade
aparente dos fenômenos, para revelar a simplicidade
oculta das imutáveis leis da Natureza (...) A
complexidade permanece ainda, com certeza, uma
noção ampla, leve, que guarda a incapacidade de definir
e de determinar (...) trata-se, enfim e sobretudo, de
transformar o conhecimento da complexidade em
247
pensamento da complexidade.”
Nas diversidades, sempre aparecerá o particular,
o diferente e, nestes descaminhos, irão se engendrando
motivações, descobertas, frustrações, decepções,
invejas, medos, competições, dores, compaixões, ajuda,

247
Ibidem Pág.8
403
cooperação, fraternidade e todos os sentimentos
complexos oriundos da subjetividade humana. Atingido
por diversas intervenções, este ser é tomado pela
incerteza e acentua sua esperança de encontrar-se
consigo mesmo. A ciência psicanalítica tem sua origem
nos movimentos sutis de energias vibracionais, dos
arquétipos, dos mitos, dos sonhos, dos pensamentos de
plenitude, de desejos, de realizações e de êxtase
existencial, nada é mais complexo do que o jogo destas
interações que, inevitavelmente, todo ser irá se
confrontar. Este percurso científico será tomado de
história e reflexão, inserida dentro de um contexto social,
educacional, cultural e antropológico.
“De alguma forma, a ciência é um lugar onde se
desfraldam os antagonismos de idéias, as competições
pessoais e, até mesmo, os conflitos e as invejas mais
mesquinhas.”248 O homem ainda é pobre em essência, o
grau de infantilidade e egoísmo é assombroso, o
caminho para o pleno processo de troca e cooperação
passa pela dominação dos medos, inseguranças,
obstáculos, portadores da divisão e da desconfiança,
irradiando o individualismo, numa atitude de não
cooperação, progredindo em níveis acentuados nos

248
Ibidem pág. 52.
404
roubos de idéias e projetos. Um ambiente intoxicado pela
falsidade, humilhações e invejas. Está infectado com o
que existe de mais pernicioso e prejudicial à vida
emocional e psicológica.
O primeiro passo, para que haja a pesquisa
transdisciplinar, é exigir de seus membros uma atitude
descompromissada, com os conceitos ortodoxos e
particulares de cada ciência, demonstrando, por parte
dos participantes, uma maturidade emocional e pessoal,
onde se faça presente a simplicidade e a solidariedade,
em lugar da inveja e do orgulho. A ciência se torna,
quando os próprios cientistas estão fragmentados, na
essência de seu ser; do seu estado de insatisfação
recaem num isolamento gradativo, para dialogar com
suas próprias idéias, que são absolutas e verdadeiras.
Propor uma ciência humanizada inclui a qualidade
de vida emocional do próprio pesquisador. Esta
condição, de pessoas eruditas, pode emancipá-los
economicamente, aproximando-se, num encontro onde
não haja vencedores e perdedores. Mas somente
cooperação, trocas e aprendizagens, para dar sentido ao
um conhecimento humanizado, numa ciência
humanizada e transdisciplinar.

405
“A ciência deve reatar com a consciência política e
ética (...) uma ciência empírica, privada de reflexão e
uma filosofia puramente especulativa são insuficientes,
consciência sem ciência e ciência sem consciência são
radicalmente mutiladas e mutiladoras.”249 Não são as
verdades das discussões científicas que afastam e criam
verdadeiras inimizades, mas o fato de existir a inveja; o
invejoso quer sempre, a qualquer custo, o lugar do outro,
como não tem aptidões morais e éticas, parte para o
enfrentamento, com críticas desrespeitosas, para
diminuir e tirar o brilho da estrela do outro.
Deste modo, será difícil, mas não impossível,
humanizar a ciência, a partir da evolução da consciência
do cientista, para viabilizar, no futuro próximo, uma
“Ciência com Consciência”. Romper com modelos
antigos e antiquados exige um investimento de tempo e
energia consideráveis, esta aproximação, na solução das
crises epistemológicas, poderá dar ao grupo a
tranquilidade necessária para saber ouvir, aprendendo a
dialogar e não discutir idéias. A discussão implica dizer
que a minha teoria é mais apropriada que a outra, esta
prática cria conflitos e distancia os membros da sua
tarefa de cooperação.

249
Ibidem Pág. 11
406
A ciência com consciência humanizada250 poderá
alcançar uma criticidade autêntica, desvinculada dos
institutos financiadores e manipuladores, para poder
pensar de uma forma livre os novos caminhos da ciência,
neste terceiro milênio. As contribuições científicas para a
liberação de verbas dos organismos estatais e privados,
são exigências e controles que impedem a livre
expressão da criatividade do pesquisador.
O poder intelectual, aliado à sensibilidade, poderá
humanizar a ação ética da ciência, promovendo soluções
e ajudando o homem a realizar-se e alcançar a
felicidade. Todos os cientistas que participam da ciência,
nas suas diversas áreas de atuação, estão contribuindo,
indiretamente, na busca de soluções para os problemas
da humanidade, prestando um grande serviço à raça
humana, mostrando a sutileza e o poder da inteligência,
desbravadora de universos desconhecidos, verdadeiro
aventureiro promotor da paz e da justiça, enfeitiça a
todos com sua bondade e felicidade, sendo humilde e
reconhecendo as forças propulsoras da natureza e da
manutenção do ecossistema. A ciência deverá partir de
uma decisão institucional e coletiva, para tentar incluir e

250
Fourez, Gerard; Introdução a filosofia e a ética das ciências. Ed.USP. São Paulo-
SP, l995. Pág. 12.
407
não excluir, a comunidade do aprimoramento tecnológico
e científico.
Participes deste grande projeto, parecemos-nos
como uma criança ,diante da complexidade da natureza
e do homem. A contribuição socializadora do saber
científico é o meio mais eficaz para erradicar a ignorância
existencial da face da terra. Uma das ousadias, a utopia,
é imaginar o possível se concretizar ou se aproximar de
sua realização. Não teria sentido, em nome do poder do
capital econômico e domínio bélico, desenvolver
pesquisas para desenvolver vírus bacteriológicos, a
serem usados como armas químicas.
Pensando assim e agindo desta forma, ficará
difícil erradicar a desconfiança de que a humanidade
poderá viver em paz, sem guerra. Em nossa atualidade,
o dever ético da ciência, com consciência, é de estar
a serviço dos interesses da coletividade e da
melhoria da qualidade de vida do homem.
Ainda podemos retroceder, por um processo de
conscientização de que a exploração, a dominação, a
destruição, são sementes propagadoras do ódio e da
violência. Necessitamos aprimorar e utilizar as
potencialidades do homem, oportunizando as condições
para viver sua humanidade. Os políticos, autoridades

408
constituídas, os líderes religiosos, sindicatos,
associações de classe, educadores, pesquisadores,
serão, sem dúvida, os propagadores desta nova utopia.
Uma tese, um saber, uma descoberta científica, por
melhor que seja, se ela não estiver comprometida
socialmente com o dever ético de promover a defesa da
vida e lutar com todas as suas forças, a favor da paz.
Se a ciência continuar nesta atual proposta,
servirá, tão somente, para confirmar as ideologias dos
Estados Nação vigentes. É preciso sair desta condição,
temos que olhar a realidade humana e social de modo
diferente. Existem centenas, milhares, milhões de
pessoas sintonizadas nestes princípios.
Sem autoconhecimento viverá dominada pela
própria ignorância emocional, a ciência psicanalítica
pode ser um dos caminhos para abrir a porta do afeto e
calor humano, tão necessários para promover a paz, tão
desejada, pois quem ama não destrói e tão pouco mata.
A ciência é tão necessária quanto o sono, só que não
podemos estar alienados nesta confusão de
interesses que distanciam o Ser Humano da
fraternidade e da solidariedade. Humanizar-se é
identificar-se com as potencialidades da existência,

409
acreditando numa ciência com consciência, a favor
da humanidade.
Os desafios e problemas são enormes, mas
geralmente, eles aparecem para desafiar a inteligência
humana, provocando-a para seguir na busca de soluções
pertinentes e éticas, mesmo diante da complexidade do
homem e da natureza.

410
CAPÍTULO IV

4.0. O objetivo da formação e do tratamento, na


psicanálise humanista, em uma abordagem
transdisciplinar

O ser humano tem, dentro de si, todas as


potencialidades inimagináveis, desde sua inteligência,
espiritualidade, fé, dúvidas, criatividade, generosidade e
perversidade. Estas forças, quando não estão
equilibradas ou integradas, entram em conflitos éticos e
morais, desvirtuando o real canal de comunicação das
energias inconscientes.
Diante da sua própria complexidade emotiva e
racional, o homem carrega, dentro de si, culpas,
vergonha, afetividade, seriedade, amor, inveja, ciúme,
contradições, vinganças, falsidades, ganância, um
turbilhão de sentimentos e emoções, próprios e
característicos da sua essência de ser humano.
Nas suas contradições, vivencia momentos de
extrema alegria, felicidade, cooperação, solidariedade,
mas também se revolta, indigna-se consigo e com os
outros, sentindo, em alguns momentos de sua existência,
extrema insatisfação e infelicidade. Mas também tem a

411
capacidade de conhecer-se, orientar-se e tomar
consciência de sua própria realidade inconsciente.
“Salvação: “Heélen”: palavra, “heílen”, significa sanar,
curar, salvar, mas também preservar a integridade e
garantir a totalidade.”251
Ao mesmo tempo, carrega consigo esta
necessidade de salvar-se dos contratempos da
existência e, nestas interrelações, garantir para si e seus
entes queridos, o afeto necessário para a sobrevivência
da alma. Para garantir a própria saúde é necessário
entrar em contato com esta desorganização interna, para
poder dar aos pensamentos uma real compreensão de
seu mundo de fantasia. Esta cura interna dependerá, em
muito, de uma integração de todo ser organísmica, onde
a expressão de qualquer emoção ou de sintomas possa
ser interpretada, para se ter uma decisão mais
consciente, sempre em favor do desenvolvimento integral
do ser humano. A saúde tem a ver com a harmonia, o
equilíbrio de todo seu ser vicerotônico deste organismo.
Qualquer tentativa de se priorizar uma área, em
detrimento de outras, sempre causará um desequilíbrio e
desordem na organização vital das comunicações
inconscientes destas energias sutis.

251
HEIDEGGER, Martin. Uma carta sobre Humanismo. Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro Ltda., 1968, pág. 63
412
Portanto, saúde tem a ver com harmonia e
equilíbrio. É preciso dar atenção ao todo organísmico,
para manter sua vitalidade, caso contrário, sempre
haverão sintomas, doenças, sinalizando, apontando
áreas obscuras, incompreendidas, rejeitadas, ou mesmo
reprimidas, esquecidas pelo medo de entrar em contato
com dimensões subjetivas e emotivas, oriundas dos
medos inconscientes, atraindo sempre obsessões,
compulsões, psicopatias, com a finalidade de buscar a
integralidade harmônica de todos os sintomas do
organismo humano.
O tratamento, na psicanálise, tem como objetivo
“tornar o homem (homo) humano (humanus). Destarte, é
a humanitas a preocupação de um tal pensamento. Pois,
humanismus é curar e cuidar que o homem seja humano
e não inumano, isto é, estranho à sua essência. Todavia,
em que consiste a humanidade do homem? Ela repousa
em sua essência.”252
Nenhum ser humano pode ser insensível às
relações de confiança, às emoções, ao amor, à
sinceridade, à honestidade, à solidariedade, porém,
muitos se tornam insensíveis a esta realidade humana,
optando por viver na dimensão do ódio, da inveja, da

252
Ibidem, pág. 34
413
falsidade, da ignorância emocional. Assim, estas duas
realidades estão sempre presentes em qualquer ser
humano, podendo aparecer o melhor ou o pior da
humanidade do homem, desumanizando e obstruindo a
livre expressão do potencial evolutivo da humanidade do
homem.
A psicanálise humanista tem, bem clara, a
necessidade de viabilizar no tratamento, as
potencialidades não do pior e sim do melhor da essência
humana. Não existe um niilismo descrente, mas acredita
na conscientização deste potencial, absolutamente
criador, para criar as condições de autoconhecimento
para a sua superação.
O mais pleno e belo da criatura humana persiste
no grau de evolução de consciência existencial e na
importância da ética, do amor, da amizade e da
inteligência criativa. A psicanálise humanista não tem
como objetivo fundar uma nova escola, em oposição
às outras, ou apresentar uma nova técnica de terapia,
contrária às outras técnicas. Mas levar em
consideração a existência da humanidade, em toda sua
totalidade, entendendo e compreendendo todas as crises

414
e suas dimensões inconscientes, sejam elas individuais
ou coletivas.253
Todos os fragmentos da humanidade, desde a
mais remota experiência, estão armazenados em
memórias inconscientes. Elas, além de existirem há
milhões de anos, estão intrinsecamente ligadas e
comunicadas, entre si. Esta cultura evolutiva aparece no
inconsciente, não de forma conceitual, organizada, rígida
dentro dos princípios da compreensão racional.
Estes núcleos de memórias estão evoluindo, num
processo lento e gradativo, cada um com seus próprios
obstáculos, desafios, desafetos, decepções ou nas suas
conquistas, sucessos, descobertas, realizações,
dirigindo-se, cada vez mais, nesta busca da sua própria
humanização, respeitando e integrando sua relação com
a natureza psíquica e do universo.
A sustentação do tratamento humanista consiste
em entender as decisões e o modo de ser, daquilo que
faz de um homem em um ser humano; sua característica
básica é descobrir que tipos de neuroses corrompem e
destroem a capacidade do homem de se tornar mais
plenamente humano.254

253
MAY, Rollo. A descoberta do ser. Rio de Janeiro, Vozes, 1988, pág. 47.
254
Ibidem, pág. 96.
415
O problema do narcisismo se torna uma das
neuroses centrais do impedimento do desenvolvimento
dos talentos e das capacidades humanas. Ele é fruto do
amor próprio, onde o individualismo resplandece em toda
sua magnitude, aliado a uma rigidez de pensamento,
onde a única interpretação verdadeira para determinados
eventos é a sua. Esta falta de flexibilidade, de humildade,
acentua, em níveis doentios, a onipotência e a
onisciência.
Todas as grandes religiões, independente de seus
dogmas, doutrinas, liturgias, combatem com todas suas
forças esta afirmação narcisista porque “Nele está o
princípio de todo amor, de toda fraternidade, porque, com
o narcisismo, nos afastamos mutuamente, nós somos
agressivos e incapazes de compreendermos”. 255
Porque este tema do humanismo é tão relevante
para a própria psicanálise? Porque ela trata “dos
desenvolvimentos das potencialidades universais do
humanismo europeu, que se atualizou na afirmação dos
direitos do homem, do direito dos povos à soberania, nas
idéias de liberdade, igualdade, fraternidade, no valor
universal da democracia.”256 A relevância da

255
FROMM, Erich. El Arte de Escuchar. Barcelona, España, paidós, 1993, pág. 194.
256
MORIN, Edgar. O método 5 – A humnaidade da humanidade. Porto Alegre,
Sulina, 202, pág. 231
416
transformação das emoções e na formação deste caráter
tem fundamento numa auto-ética, onde os valores da
solidariedade, da cooperação, da ajuda humanitária, são
o alicerce da credibilidade do homem, no título que
recebe de humano.
Para desenvolver um humanismo pacífico, ético,
verdadeiro, é preciso acreditar, sobretudo na “fé” do
amor, na compaixão, na fraternidade, no perdão,
condições para impulsionar o homem no seu desejo de
liberdade e de superação. O humanismo está ligado a
um legado de valores, que incluem a responsabilidade, a
honestidade, a fraternidade, percebidas e internalizadas
por um compromisso auto-ético de crescimento pessoal,
na bondade, com justiça, propiciando a esta pessoa um
aprendizado, que inclua a fortaleza do espírito como
força, garra, determinação em aprender a superar-se,
numa série de tentativas e erros.
Esta existência não passa despercebida aos seus
próprios olhos, exercendo plena consciência das
dinâmicas e dos fluxos de energias psíquicas,
apropriadas ou inapropriadas, a partir do afeto e amor
distribuídos neste ambiente, onde há raiva e o ódio, fruto
das rejeições e carências afetivas. De todas as
atividades, projetos, buscas, a mais difícil de se alcançar

417
é a plena experiência do amor, pois quanto maior a
desumanidade, mais raiva, ódio, inveja, ciúme, violência,
insatisfação, frustração, descontentamento, sentimentos,
próprios adquiridos por uma ansiedade exagerada, em
procurar, no ativismo a nas obsessões, a fuga da
experiência íntima do amor.
Enquanto esta pessoa desenvolve habilidades
para prejudicar o outro, como ofensas, mentiras,
falsidades, estará presente uma energia que acentua os
princípios da frieza, do isolamento, da solidão, da
insensibilidade, modos e opções oriundas de decisões
conscientes ou inconscientes provocadoras da
infelicidade e do distanciamento amoroso e afetivo.
Sem esta experiência do amor, não específico
aqui somente o amor de um homem por uma mulher,
mas o amor pelo ser humano, mesmo diante de todas
suas fraquezas, limitações e fragilidades. O amor, então,
pode dar ao outro o tempo e a experiência necessários
para poder voltar a acreditar no amor.
Ao mesmo tempo em que o amor é fonte de
alegria, rejuvenescimento, satisfação, complementação,
pode se tornar efêmero, fugaz, frágil, egocêntrico,
thanático. Como, então, estabelecer, na relação analítica,
um vínculo onde a experiência do amor seja possível?

418
“Fromm analisava, sobretudo, as reduzidas
expressões de Freud (...) e se queixava de que Freud
havia organizado a relação com o paciente, segundo o
modelo de um procedimento médico-terapêutico (...).
O analista deve manter uma atenção flutuante, deve
conseguir, com ‘indiferença’ e ‘frieza de sentimentos’,
de frente ao paciente, deve ‘manter-se longe da
ambição terapêutica’ e deve evitar, a todo custo, ceder
às ‘necessidades de amor do paciente’.
Deve ser ‘invisível’ para o paciente, igual ou mais
liso que um espelho”.257 Se numa relação entre o
paciente e o analista não se pode fazer uma experiência
de amor e afeição, aceitação, de que serve,
propriamente, a análise?
Não se trata aqui do amor erótico, libidinal,
freudiano, mas buscar as condições de equilíbrio
emocional e existencial, para refazer-se aprendendo,
pela aceitação incondicional, na acolhida, na experiência
de ajuda à primeira ressignificação do amor. O
sentimento, as emoções, as paixões, são próprias da
condição humana.
Saudável é aquele paciente que consegue fazer
uma transferência projetiva positiva de amar. Cabe

257
FUNK, Rainer. Biografia de Erich Fromm: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 111.
419
somente ao analista elaborar, confrontar, esclarecer este
sentimento tão humano, próprio de quem tem saúde.
Uma prática analítica que inclua o distanciamento,
a neutralidade, a frieza, simplesmente reforça os
sentimentos de inferioridade. A necessidade, por parte
do paciente, da confirmação deste amor bloqueado,
impedido de se manifestar, na sua infância e
adolescência, surgindo agora com toda sua intensidade,
como se resolve esta demanda?
O amor é uma das experiências de aceitação das
características inumanas no homem. Para se refazer é
preciso se situar numa relação terapêutica, onde a
confirmação deste amor se dá pela aceitação
incondicional do seu modo de ser.
“Com um cuidado de amor e uma assistência,
para permitir o desenvolvimento pleno e uma confiança
em si, o gozo de si mesmo. Cada doente necessita de
um tipo diferente de cuidado, terno e alentador (...) e
deve ser continuado, pelo analista, com toda sua
habilidade, tato e bondoso afeto e, sem medo, deve ser
absolutamente honrado e autêntico.”258

258
FROMM, Erich. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 69
apud comunicação personal de Izette de forest, discípula e amiga de Ferenczi y
autora de The Leavein of Love (Harger and Brother’s Nueva york, 1954, que contiene
una excelente exposición de las ideias nuevas de Ferenczi).
420
A inexistência da prática da aceitação, nos modos
de expressão do amor, advém de uma crença de Freud,
de que toda forma de dependência, apego, carinho,
significa uma necessidade de ter uma mulher para
alimentá-lo, afetivamente. “Para Freud, ser amado (o
homem, pela mulher conquistada) dá vigor, enquanto
que o amor, ativamente, debilita.” 259
O conceito de amor de Freud está diretamente
ligado à pulsão libidinal, quando ele mesmo tem
dificuldade de assumir a pessoa humana e toda sua
complexidade, no tratamento psicanalítico, para dominar,
simplesmente, a pessoa, como simples objeto de
investigação, o amor não é mais que um mero objeto.
Nas suas obras completas, de 1916 e 1917, na pág. 420,
Freud diz que “A libido, tanto se dirige a objetos como ao
próprio ego. Então, o amor é energia sexual vinculada a
um objeto, não é mais que um instinto com raízes
fisiológicas, dirigidas a um objeto.”260
Esta conceitualização do amor o torna impotente
para poder dirigir-se a si mesmo, enfrentando a sua
própria onipotência, de que não precisa de ninguém ou
do medo de fazer a experiência da intimidade do afeto

259
FROMM, Erich. Grandezas y limitaciones del pensamiento de Freud. México,
Siglo Veinteuno, 1979, pág. 63.
260
Ibidem, pág. 21
421
com o seu parceiro. Esta cautela, em relação à entrega,
tem a ver com a história de vida da pessoa, ligada a duas
situações, aquele amor que aprisiona e, portanto, retira-
lhe a liberdade de ser; e aquele confirmado pela
decepção, sofrimento, rejeição e frustração, próprio
daquelas experiências onde o medo é a cautela.
Talvez, por isso, se associe muito o amor com a
dependência, não porque o afeto e o calor humano criem
este tipo de insegurança. Ao meu ver, realça totalmente
o contrário, quando o narcisismo e egocentrismo são
maiores que a partilha e a solidariedade, o amor começa
a deixar de existir. Esta expressão de que o amor torna
alguém vulnerável e dependente, fez com que a grande
maioria das pessoas não visse com bons olhos relações
de afeto e amor.
Quando o amor é associado à dominação,
dependência, submissão e todas as formas de
autoritarismo, significa a inexistência do amor, aparece,
então, o contrário das suas buscas e, talvez, por isso,
denomina-se desta forma. Mas o amor não está atrelado
a nenhuma pulsão libidinal, genital, sua expressão
caracteriza-se por sentir alegria, satisfação, prazer, na
realização de todas as potencialidades do outro,
incluindo aí, os momentos de crises, desacertos,

422
contrariedades, este desejo íntimo e pessoal de lutar
com todas as suas forças para o bem estar do outro,
depende, em última instância, do nível de consciência e
alegria em existir.
“Neste contexto, é necessário destacar que
Ferenczi, precisamente, não convertia a relação amorosa
erótica em modelo da relação terapêutica, o analista
devia experimentar frente a seu paciente mais bem um
amor fraternal e, para expressá-lo, todavia de forma
mais generalizada, um cuidado carinhoso”.261
O amor tem sua principal característica, quando
engajado num processo de cooperação, ajuda e cuidado,
um interesse próprio em proporcionar as condições
adequadas, na intenção de oferecer ao outro todas as
possibilidades reais e utópicas, para alcançar o máximo
do encontro de mútua ajuda. Então, o amor não pode ser
simplesmente uma conquista, utilizando todos seus dotes
sedutores para, simplesmente, ter uma relação sexual;
se este procedimento estiver relacionado a consumir
mais uma pessoa, numa tentativa obsessiva,

261
FUNK, Rainer. La Biografia de Erich From: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 112

423
ninfomaníaca, de mostrar para si mesmo e aos outros a
sua capacidade de manipular, seduzir e usar as pessoas.
O desejo sexual foi um meio inteligente da
natureza de agendar, por meio do instinto, um encontro
de dois seres humanos, pois este prazer está muito mais
relacionado a uma necessidade do calor humano, do
encontro, do sexo, para, somente depois e enquanto
perdurar a relação, ir se criando e recriando as
descobertas de cada um na admiração, cooperação, no
crescimento pessoal ou ambos, no autoconhecimento,
em tudo, para viabilizar este encontro, onde a união e o
desejo de estar juntos é a prova de que existe algum
grau de amor.
“La exclusividad del amor erótico suele
interpretarse eroniamente como una relación passiva. Es
frecuente encontrar dos personas enamoradas la una de
la outra, que no sienten amor por nadie más. Su amor es,
en realidad, un egoísmo “à deux”, son dos seres que se
identifican el uno con el otro y que resuelven el problema
de la separatividad convertiendo al individuo aislado en
dos.”262
Ter a capacidade para amar não está em questão
de se estar amando, apaixonado ou enamorado, “sino de

262
FROMM, Erich. El arte de amar. Buenos Aires, Paidós, 2ª. edición, 2002, pág. 60
424
la realización de un potencial entregado al ser humano.”
263
Esta força poderosa, se converte em motivação,
determinação, onde se exigir de si mesmo, contempla
em fazer o melhor, com a intenção de alocar os recursos
necessários para receber os benefícios do afeto e do
amor.
Este desejo está repleto de um poder avassalador,
onde a receptividade, o companheirismo, os projetos em
comum, favorecem um espaço em que todas as
qualidades cognitivas e emotivas entram em ação, dando
sentido e significado à existência. A maestria da vivência
da paz interior inicia-se no autodescobrimento, onde o
sentimento experenciado coloca experiências cada vez
maiores, para resolver e pensar numa convivência
harmoniosa, em que esta experiência significante não
corra risco de perder-se na indiferença.
Esta continuidade de preservar a essência da
aceitação pessoal passa, primeiro, pela solução das
próprias neuroses, quanto mais consciente das suas
próprias limitações, mais chance de não se abrir à
prepotência, distanciando do diálogo e partindo para
formas psicopatológicas de ameaças, culpas, medos e

263
FUNK, Rainer. Biografia de Erich Fromm: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 138
425
manipulações, sempre com o objetivo de colocar a
“pessoa amada” a serviço de seu autoritarismo.
Esta prática desvirtua o sentido nobre da
comunicação entre duas pessoas, reaparece o medo de
perder a pessoa amada e, na irracionalidade do medo,
parte de forma desenfreada para manter o parceiro fora
do contato de outras pessoas, age com cuidado e
sutileza, mas prolifera-se o controle, confundindo amor
com insegurança e dominação. É fácil perceber quem
ama a vida. São aquelas pessoas impulsionadas para a
realização e a felicidade, produtividades intelectuais,
econômicas e afetivas.
“Os homens que amam a vida são fáceis de se
reconhecer dos demais, e não há nada mais atrativo que
um homem que ama, e que vemos que ama não só algo
ou alguém, mas sim a vida. Mas há homens que não
amam a vida, mas sim a odeiam. O que os atrai não é a
vida, mas em última instância, a morte.”264
São estas inusitadas experiências, capazes de
vislumbrar um ser capaz de lutar com todas suas forças
a favor da saúde, da paz e da fraternidade. Esta exibição
acontece naquelas expressões, de obras realizadas para
si mesmo, com reflexos nas pessoas amadas e, por via

264
FUNK, Rainer. Biografia de Erich Fromm: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 153
426
indireta, na sua comunidade. Estar de bem com a vida
inclui alguns elementos prioritários, que ajudam neste
bem estar, qualquer atividade profissional, necessita de
um recurso chamado “entusiasmo”.* Para estar imbuído
deste pensamento, será necessário avaliar o nível de
auto-estima e auto-imagem pessoal.
Quando esta pessoa consegue, com toda sua
potencialidade, abrir caminhos não só para si, mas para
a evolução de outros seres humanos, resplandece, como
raios iluminados, a grandeza e a plenitude da
humanidade, práxis detentora de um caminho evolutivo,
onde o pensar e o existir estão enraizados em fazer o
bem.
O fazer o bem tem a ver com os níveis de
satisfação pessoal daquelas pessoas que souberam,
através de sua determinação, criar o caminho de
prosperidade e de saúde, onde a alegria de existir exala
pela íris do seu olhar. No seu modo de viver, nas suas
atitudes, este ser é tomado pelo assombro da gratidão,
sempre acompanhado de uma sabedoria existencial,
aprendida pelos acontecimentos, mas sem jamais
desistir de ser solidário, humilde, preenchendo seu
tempo com um modo de trabalho que dignifique sua
própria existência.

427
É capaz de se deslocar com extrema flexibilidade,
lidando, através dos anos, com os medos, raivas,
decepções, substituindo-os pela grandeza de um ser que
é capaz de entender e compreender o tempo e a
imaturidade de cada um, colocando em seu lugar a
ternura e a compaixão.
“Se amas sem despertar amor, isto é, se teu amor,
em quanto amor, não produz amor recíproco e, mediante
uma exteriorização vital, como homem amante não te
converte em homem amado, teu amor é impotente, uma
desgraça.”265 Quando fatos despercebidos atiram
qualquer pessoa num caos, onde a insignificância parece
ser o resultado da insensatez existencial, surgem, então,
os encontros, daquele nada, dos detalhes
eminentemente despercebidos por fatos e
acontecimentos, a imprevisibilidade do encontro. Em
uma vida onde persiste somente um trabalho
eminentemente realizador, no seu contato íntimo
pessoal, sempre será necessária a participação de um

265
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, España, Paidós, 1991, pág. 136.
A etimologia da palavra entusiasmo (in, enthusiasm, fr. enthousiame, al,
Enthusiasmus, ), Em sentido próprio a inspiração divina, donde o estado de exaltação
que ela produz, com certeza de possuir a versdade e o bem.(...)Para Plotino, é o
meio de alcançar o estado final da visão perfeita.(enn. VI, 9,11,13), contudo, Jaspers
distinguiu o entusiasmo do fanatismo, no sentido de que, enquanto o entusiasta “ se
obstina em manter firmes suas idéias, mas tem vivacidade e vitalidade para
aperceber-se do novo”, o fanático “ fica fechado em determinada fórmula ou numa
idéia fixa. (Nicola Abbagnamo. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. São Paulo.
2000. Pág. 335 e336).
428
outro, ninguém vive para si; seria um egoísmo
demasiado triste.
Em um caminho se percorre diversos tempos,
independente do grau ou de status pessoais, algo
extremamente importante é sua real intenção de ir ao
encontro daquelas necessidades mais proeminentes de
qualquer ser humano, analisar o belo, focalizar a
estética, dar sentido e significado à natureza é, antes de
tudo, uma projeção inconsciente de fazer parte desta
coexistência mútua, participar deste jogo interativo,
observar, detalhar, focar, imaginar, retratar, guardando
como recordações aqueles momentos insubstituíveis dos
êxtases onde a experiência do encontro foi muito mais e
com mais significado do que, simplesmente, o
individualismo e a não continuidade nesta vida, de uma
outra dimensão da própria imortalidade do ser.
Subtraídos no próprio desejo de ser, seria preciso
lançar-se na aventura da incerteza, assegurados pela
magnitude das surpresas. Nada mais significativo do ato
mais nobre da raça humana, de poder estar à procura,
sem ter consciência desta plena necessidade. As
carências reforçam, exigem a participação daquelas
trocas, olhares em desencanto, sorrisos petrificados pela
falta de alegria, corpos rígidos, impedidos de sentir-se a

429
si mesmos, vozes baixas, fraquejadas pela timidez da
rigidez moral.
Seres opostos, atividades contrárias, crenças
diferentes, modos de ver as vidas tão distintas, atraídas,
simplesmente, pelo prazer da presença, êxtase
continuado da novidade, desejo de aperfeiçoar, cada vez
mais, a capacidade de amar. Relações analíticas, seres
em desencontro se reencontrando, se embebedam pela
vida afora, em narcotizar e esquecer repressões, medos,
frustrações de um passado que é demais presente.
Qual a novidade de um olhar, de um trabalho, de
estar junto, da espontaneidade, da alegria, do bem estar,
é preciso primeiro amar a vida em toda sua plenitude,
para, depois, amar as pessoas, com toda sua máxima
extensão de aceitação.
O amor exige atitudes, mudanças, desafios,
compromissos, decisões. São estes paradoxos, onde
não se tem bem a certeza do valor maior, para salvar o
verdadeiro sentimento de amor. Assumindo os
compromissos inconscientes é a máxima traição de seus
valores pessoais, não contando com as culpas e as
vigilâncias do superego individual e social. Onde não
está o amor, não se encontra a felicidade.

430
“Não obstante, numa profunda ligação de amor,
quase todos os demais tem importância que é amar:
êxito, prestígio, dinheiro, poder, dedicamos quase toda
nossa energia a descobrir a forma de alcançar esses
objetivos e muito pouca para aprender a arte de amar.”266
O amor contém uma preocupação pela qualidade de vida
e, também, em oportunizar todas as condições para o
desenvolvimento das potencialidades do outro.
Todos acreditam que o egoísta, ou narcisista, se
ama muito. Ao contrário, se ama pouco, na realidade,
boicota a condição de dar e receber amor. Esta falta de
carinho e cuidado por si mesmo, justificada pela inércia
diante da própria infelicidade, recai sempre no vazio
existencial; e sua companhia é sempre a solidão e
frustração. Tem consciência de que é infeliz, gostaria de
ser diferente, mas os medos e bloqueios o impedem de
tal experiência.267A questão é como a pessoa poderia
fazer para ser amada; por isto, recai sempre no acúmulo
de coisas materiais e superficiais e, através disto,
esconde sua própria incapacidade de amar e ser amado.
Não se sente digno de ser uma pessoa amada.
O tratamento, na psicanálise, procura reencontrar
um sentido para estas emoções, de um segredo íntimo,

266
FROMM. Erich. El arte de Amar. 2 ed. Buenos Aires. Paidós. 2002. Pág.17.
267
FROMM. Erich. El arte de amar. Ed. Paidós. 2ed. Buenos Aires. 2002. Pág. 65.
431
cuidado, imaginado, guardado, durante toda uma vida,
pelo simples fato de o amor não ser correspondido, na
expressão do erotismo, da afetividade. Será que
conseguiríamos julgar alguém, condená-lo, por ter feito
justamente o contrário? Neste caso, o dilema não seria
tomar uma decisão, pois ela já está tomada. Seria, ao
contrário, como conviver com experiências positivas,
alegres importantes, de valor, para poder ser realizado
novamente? Conviver com a dúvida torna a vida
simplesmente insuportável. Como falar de amor, se não
consegue criar os meios propícios para se sentir amado?
“Se estas são as metas da psicanálise humanista,
tanto para o paciente como para o psicanalista, vejamos
como surgiu, em Fromm, a necessidade de conceber, de
implementar uma técnica diferente, na terapia,
congruente com seu marco teórico e filosófico, em
relação com o homem e no desenvolvimento de suas
potencialidades.”268
A orientação humanista, durante o tratamento
psicanalítico, consiste na análise de tudo aquilo que
impede ou favorece o processo de humanização do
homem. O objetivo principal é dar sustentação ao

268
NARVAEZ, Fernando; MILLÁN, Salvador; MILLÁN, Sonia Gojman, et al. La
terapéutica humanista en la obra de Erich Fromm In Erich Fromm y el psicoanálisis
humanista. México, Siglo Veinteuno, 2ª. edición, 1982, pág. 60
432
paciente para ele desenvolver um humanismo radical,
onde os valores humanitários sejam a máxima
expressão, para conduzi-lo por um caminho onde o
amor, a cooperação e a amizade possam ajudá-lo a
desenvolver todas suas potencialidades.
O humanismo tem como proposta elevar o homem
na sua máxima potência de humanização; pensar na
qualidade de vida do homem, no seu bem estar, dar
expressão e valor às suas essências históricas, culturais
e sociais. A meta da terapia analítica, nesta
abordagem humanista, é alcançar, durante o
tratamento, uma maturidade cada vez maior,
juntamente com uma maior independência, para lidar
com suas decisões pessoais.
A sua saúde irá melhorar na medida em que ele
mesmo conseguir a libertação de seus medos, de sua
ansiedade, da inveja, dos ciúmes, da ganância
obsessiva. A sua realização pessoal estará implicada na
capacidade de estabelecer relações profundas e
harmoniosas com outras pessoas do seu convívio e,
além disso, ser capaz de dar e receber amor maduro.
“A maturidade, para viver uma relação de amor,
inclui uma atitude de se preocupar com o crescimento, a
maturidade, o bem estar e a felicidade da pessoa amada,

433
da mesma forma que quisesse fazer para si mesmo.”269
O sentido mais profundo de qualquer terapia é seu
resultado. A dor e o sofrimento do paciente não estão
preocupados com o tipo de abordagem teórica que o
psicanalista está utilizando, mas sim no efeito provocado
pela alteração psicossomática de seus sentimentos
bloqueados e reprimidos.
Toda forma de potencialidade reprimida aprisiona
a pessoa numa série contínua de intimidações, onde seu
ser energético consegue utilizar o mínimo para poder
pelo menos sobreviver. A maturidade emocional não é
algo que se dê, mas algo a ser conquistado, dependendo
do quanto a pessoa estaria interessada em mudar seu
estilo de vida. Para muitos, a força da alienação
ideológica é tão forte, no seu modo de pensar e
interpretar a realidade, que não tem nenhum desejo de
se modificar, porque sempre é difícil lidar com a
novidade, para sair de uma situação de acomodação.
Neste processo de socialização, isto se dá
concomitantemente com uma interação, onde todos os
recursos emocionais e o potencial intelectivo são
utilizados para apreender o real significado dos desafios
e obstáculos que aparecem, sobre diversos modos,

269
FUNK, Rainer. La biografia de Erich Fromm: el amor a la vida.Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 86
434
durante o seu existir. Este amadurecimento (vivências e
experiências) são conteúdos extraídos das suas relações
com o meio em que vive. Por isto, poderemos considerar
uma segunda natureza esta apropriação de
aprendizados, incorporados através da humanidade de
modo inconsciente, onde o próprio processo de
humanização abre as portas para olhar outras dimensões
e lugares desconhecidos em si mesmo.
O embate sempre é forte, pois inclui a rejeição, a
convivência com as injustiças, a falta de amor, de
realização pessoal, de dinheiro, de cultura, etc. No
entanto, este ser precisa, primeiro, estar disposto a
enfrentar a sociedade, com todas as suas contradições e
oportunidades. O bem maior acontece quando alguém
consegue aprender a utilizar-se de todo seu potencial
para prover para si e aos outros todas as necessidades
materiais e emocionais. É um longo processo de
individuação, maturação e criatividade, para saber
aproveitar tudo aquilo de bom que a humanidade tem
para lhe dar.
É mais comum, em determinadas situações,
desenvolver representações, atitudes e comportamentos
para agradar os desejos dos outros, ofendendo,
agredindo a sua própria originalidade e individualidade. E

435
neste recurso teatral, dependendo do número de vezes
que assume este papel, sem se dar conta, acaba
assumindo uma outra personalidade, violando, assim, o
princípio da liberdade, originalidade e autonomia pessoal.
“Outro obstáculo para aprender a arte de viver é
crer que pode conseguir algo sem esforço e sem dor.
As pessoas têm se convencido de que tudo, mesmo nas
tarefas mais difíceis, devem poder realizar com muito
pouco esforço.”270
A existência inexiste para alguém distante, dividido
das reais intenções da natureza, todo dispêndio de
energia deveria ser aplicado, com tempo e dinheiro, em
investimentos promotores da evolução do ser.
Infelizmente, a racionalidade consumista de um
capitalismo excludente, individualista e egocêntrico, torna
as pessoas escravas do marketing, de uma
superficialidade, onde o externo e a aparência são
fatores decisivos para ser aceito e valorizado, numa
sociedade onde o valor é o ter e não o ser.
O esforço está implicado numa decisão pessoal,
onde sua atitude terá repercussões, contrariando os
interesses e desejos de outros. Na análise, o fator
desencadeante desta humanidade está no desejo de

270
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, España, 1991, pág. 41
436
buscar saídas diferentes, criativas, abrir espaços mais
concretos para a realização de seus objetivos.
Cada um terá o compromisso de realizar uma
história de vida, boa ou má, feliz ou infeliz, de sucesso ou
fracasso. Esta missão atinge a todos os seres humanos,
propondo, desta forma, uma ampliação de sua
consciência, de seu esforço, de seus erros e acertos,
para concretizar, na medida do possível, uma história.
Na sua essência, fica o legado de seu testemunho
pessoal, diante de sua comunidade. Eis, então, a
qualidade deste ser, sejam quais forem as suas
contribuições para dar continuidade ao processo de
humanização do homem.
A saúde mental, no entendimento da psicanálise
humanista, tem o objetivo de devolver ao paciente a sua
capacidade de amar, utilizando-se de todo seu potencial
para ser criativo, inteligente, perspicaz, maduro,
assumindo um grau de consciência existencial, onde seu
primeiro critério será, sempre, a sua qualidade de vida.
A luta será constante contra todas as formas
‘incestuosas’ de abordagem, sejam elas com a família,
irmão, irmã, pai, mãe, esposo, esposa, priorizando e
salvaguardando sua própria identidade pessoal, onde a
confiança, a coragem e a determinação sejam as

437
atitudes condutoras de seus projetos pessoais. Para
utilizar, a favor de si, todo o potencial da natureza,
necessita compreender, com profundidade, a sua
realidade interior, para desenvolver todas suas
habilidades intelectuais, favorecendo uma maior
objetividade.
“A outra, é que tipo de consciência tem de si
mesmo o homem, percebendo seus dons e talentos, sua
capacidade para amar, para pensar, para sorrir, para
chorar, para admirar-se e criar; sente que a vida é a
única oportunidade que lhe foi dada, e que, se a perde,
perde tudo.”271
Não sei se isto é uma ilusão, delírio, fantasia,
imaginação ou uma utopia. Mas a psicanálise humanista
sonha com a possibilidade do homem utilizar sua razão e
consciência para serem o seu guia, no objetivo, tão
nobre, a ser alcançado pela raça humana. O homem
tende a criar uma consciência gradativa sobre a
necessidade de vivenciar seus valores, como a justiça, a
solidariedade, a fraternidade, o amor. Onde tudo isto
possa ser a base justa da cooperação, em que o diálogo,
a sensibilidade, a sabedoria, consigam auxiliá-lo, nas
decisões corretas, para poder atuar nesta sociedade. É

271
FROMM, Erich. Psicoanálisis de la Sociedad Contemporânea. México, F.C.E.,
1976, pág. _173
438
um caminho de reflexão individual e comunitária, que
inclui dar a todos a oportunidade de utilizar o seu
potencial criativo.
Neste sentido, todas as crises: existenciais,
afetivas, financeiras, de relacionamentos, saúde e
sentido de vida, apresentam-se, por antecipação, em
forma de sintomas ou eventos, como um alerta,
chamando a atenção da pessoa para alguma área de
sua vida afetada pelo seu meio social, cultural,
intelectual, ou mesmo, o estresse da vida profissional.
O inconsciente agenda alguns acontecimentos, no
sentido de prevenir a pessoa de um desastre maior.
Antes da própria pessoa vir ao mundo, a evolução na
terra, já existia há mais de 4 bilhões de anos. Então, é
natural saber respeitar esta sabedoria, inclusa no
organismo humano. A relação com a natureza que
tratamos tem a ver com as grandes revoluções pessoais,
para poder exercer toda uma habilidade criativa,
superando, assim, sucessivas crises e, ao mesmo
tempo, capitalizando este aprendizado para poder lidar
melhor com situações de extrema tensão, perda e
estresse.
Esta condição psíquica é a “verdadeira resposta à
crise, atuando, assim, como uma oportunidade de

439
crescimento e evolução, que surge como um novo
paradigma, reorientando a cosmovisão.” A finalidade da
análise humanista é de exercer o papel de um
exercício diário de autoconhecimento, tomando
consciência, assim, de realidades ocultas, em estado
latente. O aqui e agora se tornam manifestos, por
meio das interpretações dos símbolos, fantasias,
imagens, sonhos e mecanismos de defesa, produtos
deste inconsciente.
A questão central é como tirar a pessoa destas
ilusões, fantasias, indutoras do distanciamento da
realidade e, como conseqüência, os erros surgem, de
forma sucessiva, na existência. Seu estado de
esgotamento mental, da fraqueza do seu psiquismo, de
sua irritabilidade, do seu descontentamento geral, da sua
expressão de raiva, angústia e ansiedade, repercute nas
relações estabelecidas com as pessoas do seu convívio
pessoal e social.
O psicanalista deve ter habilidade, entendimento e
condições de levar a própria pessoa a tomar consciência
de sua autodestruição. Através do seu próprio discurso,
mostrar as incongruências e atos repetitivos de
infelicidade, colhidos durante longos anos de sua vida.
As interpretações devem levar o paciente a resolver-se

440
de forma criativa, tomando consciência do poder de suas
palavras e sentimentos. Decidindo de modo diferente
conseguirá experienciar novos comportamentos e
sentimentos.
“Na verdade, para se trazer a tragédia à cena, em
qualquer sentido, é exigido que o indivíduo seja
interpretado nos três mundos, o mundo do impulso
biológico, destino e determinismo (...); o mundo de
responsabilidade para com o semelhante (mitwelt); e o
mundo no qual o indivíduo pode ser consciente
(Eiguiwelt) do destino que somente ele, naquele
momento, está lutando contra.”272
O método de Freud era sistemático e incluía três
etapas. O primeiro cuidado é com os sistemas de
pensamento, que aprisionam completamente o indivíduo
e a sociedade, que pode negar, ou não aceitar, qualquer
idéia contrária. No segundo tópico, as teorias são bem
mais complexas, duvidosas, retiradas do conhecimento
antigo; estão, na verdade, bem interrelacionadas e
integradas daquela idéia que nos é apresentada. No
terceiro tópico, se observa as características de pessoas
que se dizem defensoras da livre expressão, da
pesquisa, da democracia. Se estivessem no contexto

272
MAY, Rollo. A descoberta do Ser. Rio de Janeiro, Vozes, 1988, pág. 145.
441
cultural e histórico de Freud, se comportariam da mesma
maneira: julgariam, condenariam; se não o fazem hoje é,
simplesmente, porque não estão no poder.
Freud estava tomado por toda uma cultura
científica onde as etapas estavam, intrinsecamente,
ligadas entre si, validadas pela observação dos sentidos,
incluindo o seu modo de percepção, bem como sua
coerência no modo de raciocinar.
O método científico de Freud segue, então, as
diretrizes do pensamento positivista experimental:
1) Observação (natural ou instrumental): no caso da
psicanálise, o fenômeno se dá de forma natural, atenta
ao discurso e à subjetividade humana;
2) Idéia a ser testada (hipótese): aqui está o esforço
enorme de Freud em provar sua hipótese sobre a
existência do inconsciente;
3) Amostragem (aleatória ou eletiva): na psicanálise, se
opta por amostras, de forma eletiva, no estudo de casos
clínicos;
4) Experimentação (modificadora ou não): se propiciar,
durante a análise do paciente, com a aplicação do
método, levá-lo a se modificar;

442
5) Tabulação (registros categóricos ou costumeiros):
substituídos pelas anotações de dados, referentes aos
diversos casos clínicos, para comprovar a hipótese;
6) Análise dos dados (intuitiva, matemática, estatística):
a descrição minuciosa de cada fenômeno, no estudo dos
casos clínicos, pode confirmar a hipótese, através do
resultado destes dados, encontrados na pesquisa;
análise de forma sistemática e lógica;
7) Prova (tese) de conclusão: a teoria psicanalítica
fornece todos os conceitos para provar a universalidade
da existência do inconsciente.
Estas exigências de pesquisa são de grande valor
para a psicologia experimental, desenvolvida em
laboratórios, para comprovar “in loco” e testar a validação
das hipóteses, formuladas no estudo dos fenômenos
pesquisados.
Quando Freud esboçou a psicanálise, tinha uma
preocupação excessiva em ser aceito, no mundo
científico, através dos seus códigos e convenções.
Tentou incorporar à sua teoria, fundamentos filosóficos,
como o materialismo, o fisiologismo, o determinismo, o
paradigma cartesiano mecanicista de Descartes e Isaac
Newton. O encaixe destas teorias mostra o objetivo, no
controle e domínio do fenômeno, de tornar a psicanálise

443
mais próxima de ser aceita pela comunidade de pesquisa
de sua época.
No caso da histeria, o método recaia sobre sua
estrutura patológica, explicado sobre o conceito central
da teoria psicanalítica clássica, que era a manifestação
da repressão sexual.273 Vem confirmar a força do
superego social e cultural na estruturação da repressão
sexual, naquele momento histórico; não podia maquiar
uma metodologia que universalize a tese de que todo
este quadro doentio tem origem na repressão da pulsão
da libido.
Talvez este tenha sido o maior prejuízo da
psicanálise em querer afirmar, como uma espécie de
dogma, aquela verdade descoberta cientificamente, que
se torna insubstituível. A psicanálise humanista revoga-
se no direito de peregrinar nesta busca contínua da
flexibilidade, do diálogo, do aprimoramento teórico e
metodológico, no senso crítico, na busca do consenso
para tomar consciência do modo de descrever o homem.
“Assim, pois, o conhecer-se a si mesmo não só é
uma condição espiritual ou, se quer, religiosa, ou moral,
ou humana. Mas sim, que é também uma experiência
biológica, porque o grau de eficácia vital depende de que

273
FROMM, Erich. Grandezas e Limitações do Pensamento de Freud.pág.21, Siglo
Veinteuno, 1979, pág. 39.
444
nos conhessamos a nós mesmos, como um meio, que
deve orientar-se no mundo e tomar suas decisões.”274
Toda análise humanista está comprometida com a
verdade, pois a mentira é prima irmã da perversão. Este
amor pela verdade, do analista e de seu paciente, pode
levá-los ao encontro da cura, pois a mentira é o mundo
da fantasia, ilusão; a verdade é assumir-se por inteiro,
diante da realidade. O método mais eficiente, na
psicanálise humanista, é sempre o quanto ele próprio
analisou o seu inconsciente. Além de sua atitude
humanizada, a técnica tem de ser bem assimilada e
estudada para, depois, esquecê-la, diante do paciente.
O emprego da psicanálise humanista está
implicado em uma orientação na qual certas atitudes
conduzem ao mal e outras a fazer o bem. Estes valores
não são simplesmente juízos de normas e regras, são
apropriações de um inconsciente coletivo, de diversas
civilizações, para, hoje, poder dar esta condição de
existência ao homem275.
Este procedimento é aberto e flexível, incluindo a
totalidade do ser. Não há uma receita pronta, uma teoria
verdadeira sobre o inconsciente; por isto mesmo, ela se
torna mais profunda, justamente porque assume o

274
FROMM, Erich. El Arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 48.
275
FROMM, Erich. Espiritu y Sociedad. Barcelona, España, Paidós, 1996, pág. 186
445
compromisso com o humano do homem, devolvendo-lhe
a liberdade e a espontaneidade, para, então, realizar
todos seus projetos existenciais, sejam eles nos
negócios, no amor, no plano cultural, intelectual, ou
mesmo, na plena realização pessoal.
A análise irá se defrontar com alguns
inconvenientes ideológicos, como conseguir sair de uma
idolatria, da irracionalidade, do consumismo, da adição
por trabalho e dinheiro, obsessões e compulsões. Sair
deste mundo de crenças é fazer, consigo mesmo, uma
grande revolução pessoal, diferente da revolução social,
pois essa age dentro da própria pessoa276.
“O inconsciente, portanto, não deve ser
considerado como reservatório de impulsos,
pensamentos e desejos, culturalmente inaceitáveis. Eu o
defino, por assim dizer, como aquelas potencialidades
para conhecer e experimentar o que o indivíduo pode ou
não vivenciar.”277 No inconsciente se dá toda a
possibilidade infinita de realização: desde o início do lobo
temporal encefálico, raízes do mundo animal, até a
humanização transcendente evolutiva, do córtex
cerebral. Erich Fromm define a cura como “la

276
FROMM, Erich. El Psicoanálisis humanista. México, Siglo Veinteuno, 2ª. edición,
1982, pág. 21
277
MAY, Rollo. A descoberta do Ser.Rio de Janeiro, Vozes, 1988, pág. 19
446
recuperación de lo inconsciente es la realización misma
de la experiência del humanismo”.278
A humanidade está inconscientemente ligada,
constituindo-se por uma grande sinergia, através de uma
união invisível. Todo aquele que está ligado nesta
frequência de energia, consegue usufruir desta união,
sentindo prazer em colocar todo seu potencial em
benefício da própria humanidade. Este sincronismo faz o
elo de ligação com todas as forças propulsoras do bem
da fraternidade, da ajuda e da cooperação, assim,
qualquer pessoa pode experenciar os benefícios
confabulados pelo universo.
Para acontecer esta ligação, é preciso estar
conectado com o fluxo energético da natureza. “Para
Fromm, o inconsciente se converteu, cada vez mais, em
uma fonte inesgotável do ser humano. O inconsciente
não é só um lugar das emoções reprimidas por não
serem aceitáveis socialmente; o inconsciente é a pessoa
em sua totalidade, com todos seus abismos e
279
desconhecidas possibilidades.
O método funcional é diferente do método
genético ou causal, da psicanálise clássica, onde se

278
Salvador Millan; Sonia Jogam del Millan(com). Erich Fromm y el psicoanálisis
humanista; 2ed. Ed. Siglovienteuno. México. 1982. Pág.21
279
FUNK. Rainer. Ertch Fromm; el amor a la vida. Ed. Paidós. Buenos Aires. 1999.
Pág. 132.
447
tenta explicar o presente por algo que ocorreu no
passado. No método funcional, vai se descobrindo, aos
poucos, aqueles sentimentos e emoções que atuam, a
nível inconsciente, e de que forma estão atuando hoje,
no presente. Quando ocorre a conscientização,
vivenciando estas emoções, a catarse rompe com o ciclo
repetitivo. O valor desta terapia está muito além da
recordação de um passado; trata-se de lançá-lo para
além da fixação, reorientando o paciente a efetivar novas
buscas, aqui e agora, com o avanço do tratamento. “Não
há que sentir falsa vergonha por empregar métodos
diretos, quando possam ser utilizados.”280
Um psicanalista humanista, dentro desta
abordagem holística transdisciplinar, deve estudar e
aplicar quantas técnicas forem necessárias, para
alcançar o resultado de combate à doença de seu
paciente. Na verdade, não se tem um compromisso de
encaixar a patologia do paciente dentro de uma teoria,
simplesmente, para dizer que está certo e, comprovar,
assim, a sua fixação teórica.
O sucesso de qualquer tratamento depende muito
da qualidade de vida do analista, sua organização
econômica, seu sucesso profissional, seus temores e

280
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 45.
448
esperanças, seu amor e afetividade. Enfim, tudo aquilo
que pode elevar sua energia vital. Seu entusiasmo, suas
realizações, sucessos, empreendimentos científicos,
publicações, toda esta vitalidade contagia, como um
vírus, o próprio paciente; sendo que o inverso também é
verdadeiro. Muitas vezes, o problema não está no
método analítico, mas sim, no concluo neurótico do
próprio psicanalista, que em muitos casos, não faz sua
análise pessoal, não tem supervisão clínica, não se
atualiza, está sem esperança, não tem fé em um futuro
melhor.
São estas contratransferências, personificadas por
todo um boicote pessoal, imerso na sua própria sombra,
que acabam, também, por narcotizar-se, colocando-o em
uma situação extremamente difícil, pois, para o paciente,
o analista é a pessoa que corresponde a todas as suas
expectativas. “Aplicando o mesmo princípio da situação
analítica, o que eu sugiro é que quanto mais real seja o
analista, para o analisando, e em quanto maior grau
perda seu caráter fantasmagórico, tanto mais fácil será,
para o analisado, abandonar sua postura de desamparo
e enfrentar-se na realidade.”281

281
FROMM, Erich. Grandezas e Limitaciones del pensamiento de Freud.México,
Siglo Veinteuno, 1979, pág. 60
449
Quanto mais verdadeiro e sincero for o analista,
mais ajudará o paciente a adquirir estas qualidades, pois
ao mesmo tempo em que o analista realiza e interpreta
as dimensões inconscientes de seus pacientes, ele
próprio, também, analisa sua postura, reações, atitudes e
modos de vida. “A contratransferência se refere às
emoções, sentimentos, desejos, paixões, que obedecem
a aspectos irracionais do analista.”282
A análise de um futuro psicanalista em formação
não depende, simplesmente, da qualidade dos
seminários teóricos ou dos professores, de sua carga
horária, da abordagem teórica, da seriedade de suas
pesquisas. Quando um candidato chega a um instituto de
formação, já vem acompanhado de suas próprias
situações debilitadas, resistências, transferências,
queixas, sintomas e crenças. É com este conteúdo que,
durante algum tempo, terá que se lançar nas
profundezas da sua própria subjetividade.
A neurose é, em muitos casos, a expressão
específica de conflitos morais. Para alcançar o êxito de
superação destas crenças, vai depender do tempo,
esforço e investimento econômico destinados para
solucionar sua problemática pessoal283. Na aliança de

282
FROMM,Erich. Ibidem pág. 77
283
FROMM,Erich. Ética y psicoanálisis. México, F.C.E, 1991, pág. 10
450
trabalho entre o analista e seu paciente, haverá um
acordo, onde se fixarão o honorário e as sessões de
atendimento, dependendo das condições relacionadas
ao seu diagnóstico e prognóstico, em relação ao
paciente.
“Em geral, bastaria duas horas semanais, durante
seis meses. Fará falta, um procedimento especial: o
analista não deve ser passivo. Depois de escutar de
cinco a dez horas o paciente, tem que haver formado
uma idéia de sua estrutura inconsciente e da intensidade
de sua neurose.”284 A empatia tem, como essência, uma
grande capacidade para amar. Compreender o outro
significa amá-lo, não no sentido erótico, mas no sentido
de entregar-se, sem medo de perder-se. A compreensão
e o amor são inseparáveis. Quem trata de compreender
sem amar se limitará a uma operação cerebral, fechando
a porta ao essencial da compreensão285.
A psicanálise tornou-se a “ciência do homem”,
tratando-se de humanizar o humano, contido no sistema
límbico de seu mundo instintivo irracional. Quando se
pensa no tratamento, logo se associa a um longo tempo
de reflexão e sofrimento. Existe ainda uma idéia que o
ambiente analítico é repleto de mistério, tensão, medo de

284
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, España, Paidós, 1991, pág. 89.
285
FROMM, Erich. El Arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 201.
451
como o analista poderá dar o encaminhamento à sua
situação existencial. Este é o mundo de fantasias do
paciente.
O próprio Erich Fromm, em seu livro ‘Mais além
das cadeias da ilusão, meu encontro com Marx e
Freud’286, falava dos procedimentos técnicos de sua
postura, diante do paciente. Uma das suas atitudes foi
deixar de ser apenas um ouvinte desinteressado e
participar, ativamente, com intervenções onde pudesse,
com mais eficácia, entender a real situação do seu
sintoma.
Mostrava-se interessado e comprometido, neste
diálogo, onde a relação era de igualdade e sinceridade,
em um ambiente de extrema confiança em que, primeiro,
tentava entendê-lo, na sua trama neurótica para,
somente depois, fazer alguma interpretação, levando-o a
tomar consciência dos seus pactos inconscientes.
Sentia que, desta forma, a relação terapêutica era
bastante produtiva, onde o próprio paciente também
tinha a liberdade de expressar sua avaliação pessoal
sobre o tratamento e dos avanços conseguidos, durante
este tratamento. Esta relação era marcada pela
sinceridade e honestidade, onde ambos estavam

286
FROMM, Erich. Ibidem. Pág. 61
452
empenhados nesta busca das verdades, para poder
libertar as potencialidades do mundo psicopatológico.
A finalidade de um tratamento é levar o paciente a
um processo de ressocialização do seu mundo
emocional, ajudando-o a compreender onde estão
situados todos os dilemas existenciais, portadores do
fracasso. Para se chegar, com mais eficiência, ao
resultado, é preciso ter um planejamento em conjunto
com o paciente, para organizar ações concretas, no
sentido de mudar sua dinâmica inconsciente; esta
estratégia procura dar ordem à desordem, luz à
escuridão, num comprometimento bem mais íntimo, se
responsabilizando, em conjunto, pela sua plena
realização.
“O problema fundamental, creio, é a oposição
entre o amor à vida (biofilia) e o amor à morte (necrofilia),
não como tendências biológicas paralelas, mas sim como
alternativas: a biofilia, como amor à vida, biologicamente
normal, e a necrofilia, como perversão patológica, o amor
à morte e uma afinidade com ela.”287
Erich Fromm, em seu livro “A arte de escutar”288,
lembra que poucos psiquiatras são capazes de

287
FROMM, Erich. La crisis del psicoanálisis. Barcelona, España, Paidós, 1971,
pág. 236
288
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 69
453
diagnosticar, com segurança, um quadro de
esquizofrenia. Ele acentua que todos nós temos algo de
esquizofrênico, como alguns traços maníaco-
depressivos. Quem já não sofreu de alguma paranóia,
ou surto, de que algo ruim que iria acontecer, ou de
desconfiar da perseguição de alguma pessoa? Estes
surtos paranóicos, todos, em algum grau, fazem esta
experiência; a tal ponto, que os diagnósticos afirmam a
sua normalidade, quando se pode suportar, e indicam
como pessoas enfermas, quando fogem totalmente da
realidade.
Continua sua afirmação, também, em relação à
esquizofrenia, pois, a única diferença está naquele
paciente que não têm a capacidade de ver a realidade
subjetiva e, também, aquele que não pode exteriorizá-la.
E, com todas as dúvidas, se chama psicótico a todo
aquele que não tem a capacidade de fazer uma
descrição fidedigna da realidade exterior. Na verdade, o
diagnóstico contém uma receita de ideologia política e
cultural. “Chamamos de doenças somente o que estava
em funcionamento social. O conceito de doença é,
essencialmente, um conceito social.”289

289
Ibidem, pág. 83
454
A compreensão de um estado doentio tem um
significado, quando somos capazes de perceber a
violação, repressão, rejeição de alguns instintos vitais,
primordiais para o pleno desenvolvimento das
capacidades humanas. Quando acontece esta
repressão, surge, em contraposição, a desintegração
mental e emocional, assim, a estrutura do caráter290,
integrado, maduro e produtivo constitui a fonte da
“virtude” e do “vício”. Isso tem a ver com a indiferença, a
autodestruição e o próprio boicote às suas
potencialidades.
Acusa um desequilíbrio no momento em que a
pessoa não pode ter uma liberdade de pensamento e
ação, justamente porque não tem uma liberdade
emocional, presa no seu modo de viver equivocado, é
sempre um dependente em procura de ajuda, não
consegue exercer sua própria decisão e autonomia,
diante das questões econômicas, familiares e sociais.
“Em sua estrutura, o quadro de referência da
psicanálise humanista, são as causas do estado
patológico, que residem em não haver desenvolvido uma
orientação produtiva, falta que tem por resultado o

290
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E., 1991, pág. 19
455
desenvolvimento das paixões irracionais, em especial, as
tendências incestuosas, destruidoras e exploradoras.”291
As fantasias descrevem todo um contexto
dramático ou prazeroso, onde as personagens fazem
suas proezas, demonstram sua força, aludindo, também,
todo seu poder argumentativo em defesa dos objetivos a
serem conquistados. Os detalhes retratam, além do
paisagismo, toda uma situação de sentimentos
implicados nestes diálogos, estereotipados por
personagens donos de algum aspecto psicopatológico
adquirido, em que os desejos elucidam as tramas
neuróticas, onde a projeção, a negação, o racionalismo,
são componentes indispensáveis.
O conceito freudiano da compulsão à repetição é
uma idéia bastante mecanicista e determinista: “Eu creio
que nada se repete na vida, que só o mecânico pode
repetir-se.”292 Contudo, não se pode tirar o valor deste
conceito, pois a própria identificação encaminha esta
pessoa a copiar, internalizar atitudes, crenças, modelos
de vida, que tão logo cresçam, também começam a
aparecer os mesmos problemas nos filhos, adquiridos,
por herança cultural e educacional, de seus pais.

291
FROMM, Erich. Psicoanálisis de la sociedad contemporânea.México, F.C.E.,
1976, pág. 27
292
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 59
456
A repetição é um fato. Tem diversos matizes e
nem sempre é igual. Mas, sem dúvida, quando uma
criança observa o evento, não tem um senso crítico para
fazer uma avaliação. Ela, inconscientemente acaba se
identificando e, por uma atitude de prestar uma
homenagem a seu progenitor, repete, muitas vezes de
forma compulsiva, os mesmos problemas dos pais.
Também sabemos das diversas psicopatologias
dominadas pelas paixões, como a ânsia pela fama, pelo
poder de dominar que, em níveis acentuados, podem
desencadear sérios distúrbios, como os delírios de
grandeza. “Mas, em minha opinião, não merece a pena
aprender nada que não tenha um efeito verdadeiro, para
a vida de uma pessoa. É melhor dedicar-se a pesca, aos
esportes náuticos, ao baile, ou a qualquer outra coisa, do
que aprender coisas sem efeito direto ou indireto, sobre a
vida de uma pessoa.”293
O objetivo da formação em psicanálise humanista
deve respeitar uma vocação a estar a serviço do outro,
no intento de dar o melhor de si para diminuir, ou mesmo
curar, os sofrimentos psíquicos ou as dimensões
inconscientes, desconhecidos pelo próprio paciente.

293
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 80
457
Muitas são as qualidades exigidas para exercer
tão nobre profissão. Diria que é muito mais que um
trabalho, é um exercício contínuo de autoconhecimento
envolver-se com sentimentos, emoções, decepções,
perdas, conquistas, fracassos e sucessos, faz parte do
cotidiano de uma análise pessoal, onde a prioridade é a
qualidade de vida do futuro psicanalista.
O seu trabalho envolve algo, além do simples
domínio intelectual. Acentuam-se os valores éticos, com
seu comprometimento em elevar o status da humanidade
no homem, através desta escuta analítica. Para alcançar
tão nobre tarefa, o primeiro a se analisar e assumir-se
como paciente, no tratamento de suas próprias neuroses,
é o futuro psicanalista. Muitos serão os desafios,
dificuldades, barreiras, crises e dúvidas, relacionados a
este novo modo de encarar a vida.
É a primeira profissão onde o próprio profissional
desce de seu racionalismo para ir ao encontro do seu
mundo emocional, com o objetivo de superar, durante o
processo de formação, seja na terapia de grupo analítica,
na supervisão clínica, no estágio clínico, nos seminários
teóricos ou nas próprias análises pessoais, as limitações
egocêntricas e narcisistas, para alcançar a capacidade
de amar.

458
Os seus objetivos, sua sinceridade, dentro do seu
tempo existencial, fazendo o melhor que pode para
melhorar a qualidade do conteúdo do seu próprio
inconsciente. É um longo percurso, sem fim, onde o
espírito deve ser alcançado, na sua compreensão, com a
ajuda da intuição, percepção, sensibilidade, inteligência e
humildade.
“O apoio mais importante, para a nova teoria de
Fromm, foi de Harry Stack Sullivan (...). Em 21 de
outubro de 1935, Fromm recebeu de Sullivan (...) um
convite para realizar cursos como professor de psicologia
social, na recém fundada Escola de Psiquiatria de
Washington (...), estudantes de medicina e antropologia,
psicologia e disciplinas relacionadas, deviam ser
formados nas matérias vinculadas a ela, apresentando-
lhes o ser humano como um organismo psicológico,
como um ser humano que é social, em sua
orientação básica”.294
Começava a abrir as portas para esta nova
compreensão humanista na psicanálise. Este convite
conseguiu motivar Fromm a dar continuidade em uma
proposta onde se incluísse, na formação humanista
transdisciplinar, o estudo em pesquisar o homem dentro

294
FUNCK, Rainer. La Biografia de Erich Fromm: el amor a la vida. Buenos Aires,
Paidós, 1999, pág. 105
459
de um espírito científico e humanístico. O objetivo deste
instituto tinha como demarcação teórica seguir a
orientação humanista, dentro de uma visão holística
transdisciplinar, onde os temas de pesquisa fossem de
interesse social e comunitário, para melhorar a qualidade
de vida do homem.
Sempre levando em consideração a dignidade do
homem, das suas potencialidades de amor e de
inteligência, atualizando-se dia a dia com as mudanças
conceituais das outras teorias. A Formação Humanista
se apresenta por estarmos em uma sociedade
extremamente técnica, materialista, individualista, fria,
mecânica, egoísta. Foi preciso romper com este modelo
antigo de atividades meramente intelectuais e
racionalistas, para incorporar os valores da afetividade,
da fraternidade, da solidariedade, da cooperação e da
socialização do saber a todos aqueles que tenham real
interesse em conhecer e usufruir, tanto da teoria como
do tratamento psicanalítico.
Procuramos encontrar, nos dizeres de Erich
Fromm, que somente está consciente de sua realidade,
quem tem grandeza de incluir em seu projeto a situação,
em todo o seu conjunto. Porque um homem não vive
sozinho. “Nenhum homem é uma ilha, esta influência

460
social certamente influenciará na sua pessoa. Creio que
a psicanálise é, essencialmente, um método de
295
pensamento crítico.”
Este senso crítico não se trata de se fazer crítica e
cretinismo com o intuito de se estar realizando alguma
mudança social ou individual. A crítica se refere a uma
razão, dotada de um potencial de análise reflexiva e
social, livre dos dogmas, doutrinas, teorias fechadas
como se tivessem a verdade. A liberdade de ser está na
livre expressão de poder pensar, falar, agir, sem se sentir
culpado ou coagido por forças institucionais, que impõem
um modo de racionalizar, memorizando e assimilando os
seus conceitos teóricos.
O homem não é um robô condicionado, com uma
memória para repetir, sem erros, as idéias de um autor
ou um marco teórico de uma escola. Seu potencial vai
além da certeza, sabe conviver com a dúvida, dando-se
o direito de procurar as suas próprias verdades.
“Muitos permanecerão no campo da psiquiatria,
fazendo psicoterapia analiticamente orientada; outros
aplicarão a higiene mental, a educação, a criminologia.
Era isto que se esperava: ao admitir os novos alunos,
sempre se tem em conta que estas alternativas são

295
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 106
461
objetivos válidos, a fim de expandir a diversificação de
suas aplicações da psicanálise.”296
Como explicar, então, este domínio da psicanálise
por parte de sociedades psicanalíticas, que só aceitam
médicos e psicólogos, durante o seu processo de
formação? Sendo a psicanálise uma ciência do homem,
comprometida em elevar a sua dignidade, realçando
seus princípios humanitários, de onde surgiu a idéia de
tomar conta da metodologia teórica desta ciência? Foi a
intenção de formar um monopólio, onde somente uma
classe seleta pudesse ter acesso a este conhecimento?
Esta postura é uma traição ao objetivo tão nobre
de Freud que, querendo ou não, através de sua atitude,
demonstrou seu alto grau de humanismo, quando no
congresso de Budapeste em 1918, proferiu seu
costumeiro discurso, dizendo que existem tão poucos
analistas e um grande contingente de sofrimentos
neuróticos, presentes, na sua maioria, em pessoas
pobres, marginalizadas do processo de ascensão
social e, também, do tratamento psicanalítico. Ele
mesmo disse que esses “tratamentos deveriam ser
gratuitos” e ainda mais que “existirá um dia em que a

296
DERBEZ, Jorge Millán, Salvador; Millán, Sonia Gojman; et al. Fromm en méxico:
una reseña histótica in el psicoanálisis humanista. México, Ed, Siglo Veintiuno;
2ed. 1982. pág. 39.
462
filantropia pessoal dê início a tais instituições, algum
dia haverá de se chegar a isso”.297
No mesmo sentido, com intenção de socializar o
conhecimento e o tratamento psicanalítico, Erich Fromm
reconhecia a existência de profissionais que realizam
a análise gratuita ou por reduzidos honorários, a
alguns pacientes, pois eles tinham problemas
econômicos e não podiam pagar o tratamento; ele
afirma que, no futuro, “me parece que a única
solução estaria em que o serviço de saúde pública
tornasse acessível a todos, este tratamento
terapêutico”298. Tanto Freud como Erich Fromm já
demonstravam sua humanidade, procurando uma saída
para viabilizar o tratamento às pessoas mais pobres e
marginalizadas de nossa sociedade.
O próprio Erich Fromm admitia o caráter
humanitário de Freud, pelo fato de criar uma ciência para
livrar o ser humano do sofrimento neurótico “Além de
contribuir historicamente e de haver mostrado este
princípio, dentro de um marco teórico muito concreto.”299
Já existia, então, há mais de cem anos, no início
da psicanálise, por parte de Freud, este princípio

297
GAY, Peter. Freud Uma vida para o nosso tempo. São Paulo, Companhia das
Letras, 1989, pág. 423.
298
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 109
299
FROMM, Erich. Espíritu y Sociedad. Barcelona, España, Paidós, 1996, pág. 179
463
humanitário, gestos, atitudes e decisões características
de um grande humanista. Somente mais tarde, com o
surgimento da teoria humanista de Erich Fromm, iniciou-
se este avanço teórico, transdisciplinar e humanitário, no
processo de formação analítica.
Peter Gay, em seu livro: Freud, uma vida para o
nosso tempo,300 descreve, com extremo conhecimento
de causa, as exigências do programa de formação
psicanalítica, onde algumas disciplinas eram essenciais
como, por exemplo, a teoria geral psicanalítica, a
interpretação dos sonhos, ensaio do conhecimento
analítico, para a clínica geral e outras áreas das ciências,
aplicadas à psicanálise, como o direito, sociologia,
filosofia, religião e arte. Esta transdisciplinariedade era a
base de complementação da formação, além dos
estudos dos textos teóricos e casos clínicos das obras de
Freud.
Caberia um estudo histórico de quais foram os
motivos das formações, em institutos clássicos, se
fecharem e enrijecerem, absolutizando, de forma
autoritária, os conceitos freudianos.
A formação psicanalítica, dentro desta abordagem
humanista transdisciplinar, requer, da parte do

300
Op. Cit. Peter Gay. 1989. Pág. 421.
464
psicanalista, uma prática de vida envolvida nos valores
éticos, pertinentes a um caráter honesto em todas as
áreas da sua vida: sejam elas em relação aos “valores, o
material, a economia, as formas de relacionamento, o
psíquico e o espiritual, combinados por uma unidade em
si mesma.”301
Um instituto de formação em psicanálise
humanista tem de oferecer uma compreensão
multidisciplinar e integral de tudo aquilo que compõe a
complexidade do inconsciente, principalmente
desenvolvendo, no ambiente analítico, a experiência de
ajuda, cooperação, fraternidade e igualdade, para tornar-
se um analista sensível, humilde, amistoso e fraterno,
aliado à pesquisa da ciência do homem. Não basta
somente ter um psicanalista que domine conceitos
teóricos302 bastante complicados, ou tenha completo
domínio de várias teorias, mas que é frio, distante,
intelectualizado, prepotente e onisciente.
É preciso viabilizar uma experiência concreta no
ambiente analítico, além de realizar seu estágio clínico
em uma instituição carente, para que ele conheça, então,
esta realidade e desperte, dentro dele, seu potencial

301
FROMM, Erich; FUNK, Rainer. Fromm: vida e Obra. Barcelona, España, Paidós,
1987, pág. 54.
302
FROMM, Erich. El amor a la vida. Barcelona, España, 1983, pág. 141.
465
humano. Necessitamos de um psicanalista voltado para
investir, cada vez mais, no seu autoconhecimento, se
aprimorando e se qualificando, teorica e cientificamente.
Precisamos, com urgência, em nossa sociedade, de um
profissional voltado para cooperar na solução dos
problemas psicossociais da população.
Na ótica de Erich Fromm, para se ter uma
formação adequada, o psicanalista precisa estudar várias
ciências interligadas com as ciências do homem, como
por exemplo: história, história da religião, mitologia,
simbolismo, filosofia. Como a mente humana contém
toda uma complexidade de reações, ele deve ter uma
visão transdisciplinar, na psicanálise humanista, para
estudá-la e compreendê-la, em toda sua extensão
inconsciente.
“Pois bem, esta profissão não existe, não há um
plano de estudos que combine tudo isto (como a
antropologia, que havia esquecido)”.303
Fromm sonhava com uma formação integral e
multidimensional do homem, incluindo sua condição
social, histórica, política, econômica, emocional,
antropológica, cultural, biológica, microfísica, bioquímica,
para entender o homem em toda sua complexidade304.

303
FROMM, Erich. El arte de Escuchar. Barcelona, España, Paidós, 1993, pág. 105.
304
Ibidem, pág. 109
466
Na história da psicanálise, desde o princípio de
sua fundação, sempre existiram psicanalistas que não
eram médicos ou psicólogos. É preciso um estudo
bastante abrangente e profundo, para delinear,
culturalmente e politicamente, as situações reais de onde
surgiu este estigmatismo cego, em que somente estas
duas categorias de profissionais pudessem ser
psicanalistas.
O próprio Freud tornou a psicanálise uma
ciência com a finalidade de colocar seu método de
tratamento a toda humanidade, e não somente a
alguns privilegiados e escolhidos. A postura do Pai da
Psicanálise, como foi relatada em sua biografia, teve um
forte investimento, ajuda e esforço teórico de intelectuais
psicanalistas que não eram médicos, nem psicólogos.
Freud deu uma atenção especial para Otto
Rank305 porque percebeu, neste jovem, uma grande
capacidade para escrever, visto que era formado em
Letras. Em seguida, foi convidado para fazer formação,
conjuntamente com sua análise pessoal. Logo depois de
ter se tornado psicanalista, ele mesmo criou a Imago, em
1912, para editar os livros de Freud.

305
GAY, Peter. Op cit, 1989, pág. 428
467
Outro grande analista Theodor Reich306 que, por
mais de 30 anos foi amigo de Freud, ainda jovem,
procurou-o para realizar a faculdade de medicina. Mas
Freud disse para ele fazer filosofia. Como ele era muito
pobre, durante todo seu processo de formação e estudos
filosóficos, Freud o ajudou com o dinheiro necessário
para fazer frente aos seus gastos pessoais.
Vários são os psicanalistas de outras profissões
afins, “Oto Rank a Hans Sachs, de Lou Andréas Salomé
a Melanie Klein, para não mencionar a psicanalista em
sua própria casa, Anna, não eram médicos. Além disso,
vinham chegando talentosos adeptos mais jovens,
professores de literatura, como Ella Freemans Sharge,
pedagogos, como Aucenhorn, historiadores da arte,
como Ernest Rais (...) Freud já tinha um grande interesse
na análise leiga, anos antes que Theodor Reik entrasse
em conflito com a legislação Austríaca.”307
Com a morte de Sandor Ferenczi, ficou uma vaga
para ser vice-presidente da Associação Internacional de
Psicanálise, para a qual Freud indicou o nome de Marie
Bonaparte308, não só para apresentá-la no exterior, mas
numa atitude política, nomeando uma filósofa para

306
Ibidem, pág. 446.
307
Ibidem, pág. 447
308
Ibidem, pág. 531
468
combater a arrogância e o domínio dos médicos, para
não tornar a psicanálise uma parte da psiquiatria.
Já em 1925, Freud voltou a esta discussão
escrevendo uma carta a Samuel Freud, comentando
sobre o resultado da prática analítica de Anna Freud309.
Com extremo orgulho de sua filha, dizia que ela estava
atendendo as crianças americanas que podiam pagar,
mas também não se esqueceu de “Empregar todo seu
conhecimento clínico para, de forma generosa,
ajudar várias pessoas mais pobres.”
Theodor Reich, fala dos pensamentos de Freud
em seu livro “Trinta anos com Freud” sobre os critérios
de seleção para ser um psicanalista. Freud dizia que,
para ser um psicanalista, teria que ter alguns talentos
pessoais, a inclinação para ajudar as pessoas, o
desenvolvimento de toda uma habilidade intelectual,
intuitiva, independente de ter ou não curso superior, pois
isto poderia ser solucionado no futuro. Porém, o que não
poderia faltar ao candidato era seu autoconhecimento e
seu caráter honesto, sua postura ética para fazer
desabrochar todo seu potencial criativo e intuitivo.
“Falamos que teríamos que buscar tais
psicólogos natos, não só nos círculos dos psiquiatras e

309
Ibidem, pág. 400
469
neurólogos.”310 Tinha claro que estes candidatos
deveriam surgir de outras profissões, mas,
principalmente, da vocação de estar a serviço de outro
ser humano. Concordava com a dificuldade de selecionar
estes candidatos, pois eram pessoas raras e especiais,
que poderiam estar presentes nestes círculos ou em
qualquer outro.
Concordava plenamente de que o sucesso de um
excelente psicanalista depende de duas condições: ter
um ótimo psicanalista para realizar a análise pessoal do
candidato, como também o seu esforço e dedicação
pessoal, para dominar as técnicas e métodos da ciência
psicanalítica.
Theodor Reick afirmava que, no processo de
formação analítica, se pode passar todo o conhecimento
teórico e os conceitos da psicanálise, mas nunca
esquecer do compromisso e testemunho pessoais do
próprio professor ou analista. Nesta profissão, a
maturidade e responsabilidade se dão durante os anos
de sua prática, cada um ao seu tempo, pois depende de
uma vivência pessoal. “E isto é certo, tanto para a
técnica e a teoria como para a pesquisa (...): a criação se
distingue da reprodução.”311

310
REIK, Theodor. Trinta años con Freud. Buenos Aires, Paidós, 1965, pág.65
311
Ibidem, pág. 55
470
Erich Fromm questionava o modo vigilante e
inquisidor da Associação Internacional de Psicanálise,
porque ele mesmo se perguntava se existiria alguma
teoria ou terapia que tivesse um comitê secreto de
investigação se os conceitos aplicados nos escritos e
pesquisas estavam dentro da teoria freudiana clássica312.
Tinha um modo muito particular de agendar uma
conversa com o psicanalista que pensasse diferente ou
questionasse alguns conceitos de sua teoria. Aqueles
que persistiam na sua postura, como foi o caso de Adler,
Jung, Erich Fromm, Karen Horney e tantos outros, eram
excomungados desta superorganização internacional.
Por muitas décadas, até os dias de hoje, as
dissidências começaram a engrossar as filas dos
descontentes. A grande maioria dos cientistas da
psicanálise saiu, por estar em desacordo com os
conceitos teóricos da pulsão libidinal.
Iniciou-se um processo muito forte de
burocratização na psicanálise, para delimitar quais são
as teorias que podem ser chamadas de psicanalíticas313.
Foi imposta a lei do silêncio. Isto, certamente, não
contribui para o aprimoramento científico. Esta

312
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F.C.E., 1981, pág. ------
313
FROMM, Erich. La crisis del psicoanálisis. Barcelona, España, Paidós, 1971,
pág. 18
471
associação estava bem mais interessada em se proteger
dos futuros concorrentes, por isto, criou um monopólio
teórico, com a finalidade de proteger seus próprios
interesses de poder, prestígio e com este domínio, impor-
se sobre os demais psicanalistas.
Karen Horney convidou Erich Fromm a vir a
Chicago, no ano de 1933, para ambos pesquisarem
desde a abordagem cultural e social do psiquismo do ser
humano e do valor conceitual, que Freud colocava na
pulsão sexual, porque se entendia uma multiplicidade de
outros valores pulsionais314, por isso, era necessário
fazer uma revisão sobre esta postura teórica.
Sandor Ferenczi315 defendia a efetivação, na
terapia analítica, de uma relação amorosa, sem o medo
do conteúdo erótico de Freud, dizendo que o psicanalista
deveria ter um amor maternal ou paternal, com um
cuidadoso carinho para com o paciente. Logo depois
Sullivan316 reivindicava que a análise não poderia ser
mais uma atitude de mero observador, com atenção
flutuante, mas sim um “observador participante”, pois,
para se aprofundar com uma pessoa, além da confiança
e empatia, é preciso conhecê-la e, para isto, necessita-se

314
FROMM, Erich. El amor a la vida. Barcelona, España, Paidós, 1983, pág. 104
315
Ibidem, pág. 112
316
Ibidem, pág. 113
472
de intervenções inteligentes e apropriadas, nos
momentos certos.
Logo depois, Theodor Reick conversava com
Freud sobre os requisitos para ser um bom analista.
“Estávamos de acordo com que uma educação médica
era inadequada para a profissão de analista. No curso de
uma conversa com Freud, disse que poetas como
Shakespeare, Goethe, Dostoievski e outros filósofos
como Platão, Shopenhauer e Nietzsche, haviam se
aproximado mais das verdades fundamentais da
psicanálise que os médicos.”317
Hoje, existem culturas e milhares de sociedades
psicanalíticas por todo o mundo, com diferentes
propostas, na formação dos psicanalistas. Sabemos, no
entanto, das dificuldades, quando se trata de romper
barreiras culturais, onde as crenças estão petrificadas
por todo um processo ideológico conceitual. Aos
desbravadores só resta a coragem, a ousadia para
romper com este dogmatismo, cheio de prepotência e
onisciência.
Caminhamos, entretanto, dentro de uma nova
perspectiva. O homem, neste terceiro milênio, tenta
resgatar o mais sagrado do humano, no homem: a

317
THEODOR, Reich. Op cit, 1999, pág. 64
473
intimidade do seu inconsciente. Resta-nos somente uma
decisão: persistência, ética, coragem, ousadia e
pesquisa, para socializar a todos os cidadãos esta tão
importante teoria.

4.1. Uma nova compreensão da formação da


psicanálise humanista e da pesquisa transdisciplinar

O homem percorreu séculos, milênios com o


objetivo de desenvolver um conhecimento científico, para
desvendar, conhecer, o mais íntimo da natureza,
fazendo-se, assim, mestre e senhor das forças
sobrenaturais. Conhecendo o método, esclarecendo para
si mesmo, reinventava um processo de acertos e erros
para levá-lo ao encontro da novidade científica. Sendo
que todas as imensas pesquisas realizadas, nas mais
diversas ciências, se acentuaram, principalmente,
naquelas ditas exatas, a química, física, biologia,
medicina, astronomia e informática.
Esta busca é decorrente dos enormes interesses
do homem em descobrir as relações entre os fenômenos
naturais e sua implicação na qualidade de vida do
homem. Houve, sem dúvida, um sem números de
avanços nestas ciências lucrativas, integradas aos

474
centros de avanços tecnológicos. Assim, a
comercialização, as vulgarizações destas descobertas
tornaram a ciência microcomputacional e, nas áreas
militar e biomédica, extremamente comprometidas com
interesses políticos e econômicos.
Com este alto investimento nestas ciências, o
poder ilimitado da evolução das comunicações via
satélite, das guerras químicas e bacteriológicas, da
alienação e massificação social, estão nas mãos de uma
elite pensante, onde o lucro incessante, a qualquer custo,
é sua meta final. Adormecido por uma corrida
armamentista, alicerçada no financiamento dos países
pobres, na dominação financeira, onde toda a produção
industrial e de gêneros alimentícios é exportada aos
outros países, financiadores da dívida, mostram-se
generosos e dóceis, estipulando metas mais brandas,
aumentando o número de anos, com o objetivo único e
simples de mandar remessas, em dólares, aos grandes
investidores internacionais.
Toda a produção e as ditas pesquisas das
universidades estão atreladas a esta nova ordem
intelectual. Assim, os doutos acreditam estarem fazendo
um grande serviço à nação, não questionam a gestão

475
pública para, também, serem favorecidos pelos
financiamentos estatais.
A referência à ética e ao caráter fica num plano
secundário. Sua preocupação é uma produção científica,
mais comprometida com a ideologia da lucratividade do
que, propriamente, com a melhoria das condições de
vida da população em geral. As grandes mentes,
alienadas do poder financeiro, investem todo seu esforço
do suor de milhões de brasileiros, para tornar um país
que tenha credibilidade externa, que seja bastante sério
para ser explorado, devastado, manipulado e
assassinado, através da flora e da fauna.
Ciência que ciência, ciência de quem? Confunde
ainda mais, quando a própria ambição inescrupulosa é
partícipe das mais engendradas manifestações a favor
da fome, da segregação racial, ampliando o espaço
daqueles homens da ciência e daqueles sem
consciência. “Ou seja, o poderio das nações, das
corporações multinacionais, como uma das bases da sua
sustentação à ciência e à tecnologia. (...) Outros são
pólos dinamizadores de efervescência intelectual,
condição necessária para a progressão científica.”318

318
COLIN A. Ronan. História da ciência da Universidade de Cambridge. Vol. I, Rio
de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
476
Assim, fica resumida a seguinte tese: somente
aqueles países desprovidos de uma dívida interna e
externa, onde a liberdade de investimento não seja
monitorada pelo fundo monetário internacional, poderão
destinar investimentos na área social, cultural,
educacional e, principalmente, nas áreas estratégicas de
desenvolvimento tecnológico, abrangendo áreas
específicas, para ditos avanços em pesquisa, com a
finalidade de garantir, num futuro próximo, a sua
autonomia científica.
Além deste atrelamento ideológico de
dependência econômica, fica sem destino uma nação,
onde a prioridade é produzir divisas para pagar uma
dívida impagável. Fizemos este alerta, porque estas
políticas acabam por afetar, direta ou indiretamente, o
corpo científico, de qualquer comunidade científica,
ficando num plano insignificante as áreas vitais para o
desenvolvimento sustentável, nas mais diversas ciências.
É possível, no entanto, vislumbrar uma
continuidade das pseudodependências, pelo simples
motivo deste atrelamento dos organismos financeiros
internacionais.
Porém, existe um outro campo de análise que
merece a devida atenção aos novos paradigmas da

477
ciência, impregnados por um modelo fragmentado de
pesquisa, alicerçada num positivismo experimental,
mecanicista, materialista e fisiológico. Este tipo de
ciência impõe diretrizes incapazes de serem alcançadas
pelas ciências sociais e humanas. Um modelo aficionado
pela objetividade, mensuração, estatísticas, padrões
repetitivos são inviáveis, quando se trabalha com
fenômenos onde o sentimento e a emoção se fazem
presentes, a cada instante da investigação do fenômeno.
Chega o momento em que “Nenhuma das ciências
que tratam dos seres humanos poderá jamais atingir o
grau de objetividade que é possível às ciências físicas e
biológicas. Ninguém pode estudar pessoas vivas tão
impessoalmente como estuda ratos ou fósseis: o
observador tem demasiado em comum com seu objeto.”
319

Esta é a principal reivindicação das ciências


humanas e sociais, terem a consciência de que, para
fazer ciência e ser aceita numa comunidade científica,
não necessita de uma imposição empírica positivista.
Nenhuma ciência necessita estar atrelada a um aparato
coercivo de conceitos prontos e acabados. Os modelos
prontos servem para a repetição, dentro daqueles

319
RALPER Linton. O homem, uma introdução à antropologia.12ª. ed, São Paulo,
Martins Fontes, 2000, pág. 12.
478
padrões pré-estabelecidos. Esta obediência dogmática
torna a ciência uma espécie de culto, onde os discípulos
são seus fiéis seguidores.
“Temos nos convertido em adoradores da ciência
e temos criado enunciados científicos, sucedendo aos
antigos dogmas religiosos.”320 Este modelo de ciência
aproxima-se mais de uma filosofia pragmática, não
levando em consideração os efeitos e consequências de
uma pesquisa quase totalmente financiada por grandes
grupos corporativistas, onde seu objetivo principal é obter
algum lucro financeiro, com aquelas descobertas e, se
não for esta, propriamente, a sua finalidade, procura-se
averiguar se este tipo de invenção ou descoberta poderá
dar mais domínio e poder.
A ênfase está em mostrar o poder da ciência, do
que ela é capaz. O valor da pesquisa tecnológica toma
um vulto, no sistema, divulgando, com extrema rapidez,
seus achados científicos, encobertos por uma proposta,
onde os grandes beneficiados serão sempre uma minoria
da dita comunidade científica.
Sabemos da importância das descobertas
científicas, do seu valor para o desenvolvimento de

320
FROMM, Erich. La patologia de la normalidad. Barcelona, Espana, Paidós, 1994,
pág. 28.
479
máquinas, cada vez mais aperfeiçoadas, para oferecer
ao homem uma melhor condição de vida.
O maquiavélico está na rapidez destas
descobertas e da pequena apropriação por parte de
algumas centenas e milhares de pessoas. Esta corrida
beneficia e qualifica, com instrumentos de precisão,
aquelas nações, detentoras deste conhecimento
científico.
Precisa-se ampliar a grande consciência, por parte
das autoridades científicas, num grau onde o ser humano
seja o centro de proteção e cuidado e não, como vem
acontecendo, espoliado pela falta de uma consciência
crítica, manipulado por falsos desejos, aprisionado pelo
consumismo, recaindo na falsa retórica de que, na vida,
há os perdedores e os ganhadores.
“Esta idéia sua de uma ciência humanista do
homem não fica, em nenhum lugar, tão clara e, ao
mesmo tempo, tão concreta, como em um leve escrito
programático intitulado ‘INSTITUTE FOR THE SCIENCE
321
OF MAN’, que escreveu, em 1957”. Este princípio de
ciência se baseia, justamente, na essência humana da
humanidade no homem, baseada no aporte, derivado

321
FROMM, Erich. La patologia de la normalidad. Barcelona, Espana, Paidós, 1994,
pág. 15.
480
das mais diversas civilizações, principiado nas suas
descobertas e de seu fundamento social humanitário.
Esta é uma busca, das mais importantes, para
esta civilização aproximar-se ou oferecer melhores
condições de humanidade, aos seus descendentes. Para
que este objetivo seja alcançado, a contribuição da
ciência é absolutamente necessária. A humanização já
está implícita e explícita em todos os espécimes da
natureza.
Ela mesma mostra atenuantes do equilíbrio
ecossistêmico do organismo, da existência e de tudo
aquilo que habita a humanitas do homo humanus322.
Numa análise mais profunda, a ciência começa a
tecer traços humanos, quando sua técnica e suas
descobertas estão a serviço da formação humana,
atingindo de maneira humanitária a dignidade do homem,
oferecendo-lhe a essência mais preciosa de qualquer
ciência, promover o homem em toda sua amplitude,
oferecendo, desta forma, todas as condições para
proporcionar todo o conhecimento científico para tornar a
vida mais saudável.
A ciência pode, sim, estar a serviço de uma
humanidade contida na sua essência de ser agente de

322
HEIDEGGER, Martin. Uma carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro, 1968, pág. 37.
481
transformação, retirando do homem a natureza irracional
da barbárie, onde o ato civilizatório seja promotor da paz
e da fraternidade.
As ciências exatas e experimentais estão, sim,
desconectadas de seu habitat natural, padecem sobre o
refluxo da neutralidade, endeusando uma prática do
controle sobre o fenômeno, espécie de semideus
operando sobre a magia intelectual metodológica. Esta
alienação laboratorial se concentra sob a especificidade
de um fenômeno, esquecendo as suas interrelações e
efeitos naturais e sociais de uma pesquisa, onde esta
descontextualidade de um compromisso ético, em que a
vida no planeta e a saúde das pessoas, deveriam estar,
sob ordem de importância, acima das metodologias
existentes. A ciência das áreas biomédicas não pode,
através de suas pesquisas experimentais, afirmar
que a solução do sofrimento humano advém da
administração de psicotrópicos e medicamentos a
um organismo doente; entende-se, nesta atitude,
uma tentativa de atenuar os sofrimentos da dor
psíquica.
A essência do ser está interrelacionada com sua
existência e, no destino do seu ser, se articula uma
humanidade organizada de ética e valores, mas também

482
de decepções, frustrações, perdas, aumentando um
desgosto pela vida, fruto destas experiências, onde o
bem e o mal são coadjuvantes de qualquer história
humana. Neste espetáculo, o “organismo é esta
essência”, corporificada por um atormentado mundo de
atores, onde o final do enredo nem sempre é feliz.
O homem necessita da ciência para sair desta
obscuridade. É importante fazer suas experiências em
base a achados científicos, para poder dar uma resposta
e encontrar soluções para os dilemas da humanidade. E,
nestas interpretações conceituais de alguns escritos,
onde se promulgava o achado para a infelicidade
humana, se pôs à prova, sob a força de regimes
totalitários ou teocráticos, para imprimir, de uma vez, a
solução final para a infelicidade humana.
A ciência, então, fazia seu papel de guardiã das
soluções humanas, investindo tempo, dinheiro e o melhor
da genialidade humana, para fabricar a bomba atômica,
as bactérias químicas, os aparatos de dominação
psicológica e de tortura, tudo com a finalidade de garantir
a paz, pela via da violência. Esta humanização flagelada,
sob os auspícios dogmáticos de algumas idéias
delirantes, criou um frenesi social, onde a lei do mais
forte tem o domínio e o poder sobre os mais fracos.

483
Desumanizada em sua barbárie, a ciência não acaba
por, simplesmente, fundar um processo de destruição em
massa. Ela deixa suas feridas à indiscriminação do
tempo, nas chagas cancerígenas das radiações das
bombas de hidrogênio. Para a ciência, foi mais um
experimento, daquelas últimas soluções, para
estabelecer a hegemonia de um poder militar e ditatorial.
Como não está comprometida com a vida e já
nasceu sem encéfalo, cumpre seu papel determinista,
com uma finalidade de ser fiel e fidedigna às ordens de
um líder ou imperador, que busca ocupar o lugar de
Deus na terra, a qualquer preço.
Jogados ao léu, perambulam de um lado para
outro, mesmo sem saber a sua real utilidade,
enfeitiçados pelo medo, refugiam-se no meio da selva,
com suas guarnições tomadas de ogivas nucleares. A
aberração da história é tentar substituir a lança do
primitivo por uma metralhadora, nas mãos de um robô,
sem alma e consciência.
Esta nova compreensão de uma “ciência do
homem” seria a fronteira final, onde a consciência, a
simplicidade, a humildade estariam, intrinsecamente,
ligadas às ciências humanas e sociais e, depois, se
expandindo para as ciências físicas, biológicas e exatas.

484
A ciência, por si mesma, só terá consciência num projeto
articulado, numa transdisciplinariedade, onde os valores
humanos estejam acima da vaidade e do orgulho
pessoal.
Os fanatismos existem porque, antes, houve
algum condicionamento, propondo a este, um refúgio
garantido, onde a paz e a justiça serão o estigma
daquela existência; para garantir este estado de vivência
sobrenatural, investidas de falsas promessas, algumas
pessoas, em nome de Deus, matam, ameaçam e fazem
terrorismo.
Quanto maior certeza, na promulgação de suas
verdades pessoais, mais se corre o risco de recair num
fanatismo ideológico, onde sempre sua verdade terá
maior relevância e significado. É de praxe mitificar uma
área do saber e nomear um pai identificado, para dar
garantia de afeto e proteção; a aceitação de um grupo,
ou mesmo de um líder, passa por um ritual de sacrifício e
disciplina, para provar a sua lealdade, portanto, quanto
maior fanatismo, mais aceitação e cumplicidade, naquela
ideologia. Uma teoria não se faz com exagerações de
imposições conceituais, de uma verdade suprema.
Quando é dado a ela um poder que ela não tem, atribui-

485
se um mito, onde a irracionalidade não tem limites para
testar sua própria insensatez.
O princípio humanitário deve ser a preocupação
central dos elevados níveis de interferências na
qualidade de vida da população. Por ciência humanizada
entende-se o respeito à vida, à dignidade, à liberdade de
expressão e acesso ao conhecimento.
Nem todos os instintos afetivos ou de preservação
da espécie são uma inversão do raciocínio humano. Não
foi o acaso, mas sim, a necessidade da raça humana de
estabelecer limites e acatar regras e valores,
absolutamente necessários a toda humanidade,
principalmente, a solidariedade, a cooperação e a
socialização do conhecimento. “Superar as limitações de
um eu egoísta, alcançar o amor, a objetividade e a
humildade e respeitar a vida, de tal modo que, ao fim,
esta seja ela mesma e o homem se converta no que é,
potencialmente”.323
A ciência do homem pode chamá-la,
essencialmente, de uma psicanálise inserida no mais
profundo do humano, no homem. Os modos de vida, os
pensamentos, as decisões, os afetos, as prioridades, as
obsessões dão forma e consistência à humanidade,

323
FROMM Erich; SUZUKI, D. T. Budismo Zen y psicoanálisis. México, F. C. E.,
1964, pág. 88
486
recaída sob paixões e insurreições emocionais, de
valores subtraídos do orgulho pessoal esquecido, mas
transformado em ferida narcotizante, principal adversário
de sua própria humanização pessoal.
O princípio de uma ciência não está no fato de sua
demonstração empírica, mas inclui-se, também, um
achado precioso de um fenômeno mutante, sabedor de
um método, que o próprio pesquisador desconhece. Este
homem tomado como amostra, nos proporciona a
indecifrável porcentagem da incerteza, sendo parte das
evidências objetivas, aqueles “insights” que aproximam o
fenômeno humano de suas próprias verdades.
Abstraídos num estilo de vida, narcotizados pela
adição conceitual de suas próprias verdades dogmáticas,
defendem, com raciocínio e intelectualidade, os ditames
de sua própria efervescência de resultados. A cada
momento, um instante torna-se o obscurantismo da
confusão e da incerteza, princípios supersticiosos dos
movimentos sutis e inteligentes de sua energia
inconsciente.
A “ciência do homem”, também chamada de
“Psicanálise Humanista”, detém o compromisso de
combater a doença e promover a saúde. Não podemos
concordar com a comercialização da doença. A saúde

487
não pode estar atrelada a um comércio, voraz e
estúpido, onde o capital está acima da dignidade do
homem.
“Mas o psicanalista inclui estas idéias gerais aos
conceitos humanistas filosóficos ou religiosos. Devemos
proceder agora a descrever um método específico,
através do qual, trata de alcançar sua meta: a
psicanálise324 Relembrando os diversos humanismos,
desde as primeiras experiências dos primatas e sua
necessidade de viver em grupo, de produzir, de
ajudarem-se, as condições de um clima, muitas vezes
desfavorável à sobrevivência, o medo de sua própria
vulnerabilidade, tratando-se aqui da defesa da sua vida.
A compreensão de fazer descobertas de habitat,
onde oferecesse a alimentação ao grupo, criou a
necessidade de se aventurar, em busca destas terras
longínquas. Para isto, foi preciso formar os bandos e,
somente mais tarde, pelo favorecimento da liderança,
seja ela pela força ou violência, houve a imposição da
formação de um grupo com hierarquia, regras e limites,
nos relacionamentos entre si.
Foram necessários milhões de anos para que a
humanização da defesa da vida se realizasse, em cada

324
FROMM Erich; SUZUKI, D. T. Budismo Zen y psicoanálisis. México, F. C. E.,
1964, pág. 88
488
sociedade, grupo ou tribo. Cada comunidade tinha os
seus próprios mitos e tabus sobre a existência.
Descobertas importantes, para propiciar o convívio
humano. Porém, nem o próprio xamã conseguia, de todo,
afastar todos os “demônios” e “encostos”, perturbadores
da feliz convivência tribal.
Um momento de extrema importância se dava nos
encontros, no diálogo e na troca de experiências,
principalmente, tratando-se da solução dos problemas. A
forte ambição por se tornar o mais “inteligente” e mais
“astuto” despertava, nos membros do grupo, admiração,
medo e inveja. A vida pagou caro pela insurreição destes
surtos emocionais, onde a vaidade, a ganância, o desejo
de poder, eram mais fortes do que a vida em comunhão
e a solidariedade. Esta transgressão ultrapassava os
limites do humano, tomados de uma paixão desenfreada,
se tornavam verdadeiros anômalos, que tinham prazer e
glória na destruirão da vida humana.
Corrompido neste êxtase de violência, somente o
medo e as sequelas da punição com a morte,
conseguiram manter, em estado latente, estes instintos
destrutivos. Foi preciso um longo tempo de crueldade,
terrorismo, perseguição, a todo aquele ente invasor ou
questionador de um determinado “status quo”.

489
Primitivos em sua essência, mas aprendizes da
existência, o humano se deu em meio às atrocidades da
dor, da inquisição, das guerras, formas antagônicas da
diplomacia, onde a negociação é mais pertinente e eficaz
que a morte de vidas humanas. Contidos neste
inconsciente coletivo, o homem resplandece, em todo
seu acúmulo cultural e científico, mas não deixa de ter
escondido, em suas entranhas, os atos nefastos de sua
irracionalidade inconsciente.
“Assim, pois, nossa primeira tarefa é averiguar
qual é a natureza do homem e quais são suas
necessidades, que nascem desta natureza. Depois,
deveríamos examinar o porque da socialização e da
evolução, e entender seu papel anterior no seu
desenvolvimento da pessoa humana, descobrir os
conflitos referentes à natureza humana latente e a
consciência destes conflitos”.325
Uma ciência que trata dos assuntos humanos,
principalmente a psicanálise, deve se ater a
compreender, profundamente, a natureza humana,
mesmo diante das complexidades. As culturas, tradições,
religiões, sistemas filosóficos também ajudam a dar
consistência à compreensão de um tipo de natureza

325
FROMM, Erich. Psicoanálisis de la Sociedad Contemporânea. México, F.C.E.,
1976, pág. 28.
490
humana. Freud já alertava sobre este mundo instintivo,
arcaico e primitivo, pulsão esta tomada de uma força
capaz de criar, inovar, realizar e impressionar, e de, ao
contrário, destruir, dogmatizar, violentar toda esta
complexidade do fenômeno humano.
Existem diversas necessidades; porém, a
psicanálise clássica ficou presa à teoria da libido, por
considerar o motor pulsional da humanidade. Outros
instintos também reclamam atenção; afeto, poder,
dominação, realização pessoal, familiar, transcendência
espiritual, e por fim, da humanização de sua própria
irracionalidade inconsciente.
Todas estas pulsões vitais precisam, necessitam
ser compreendidas, satisfeitas e realizadas, caso
contrário, poderão recair sobre a vida da própria pessoa,
perdas, sintomas, doenças, sofrimentos, sem nenhuma
compreensão consciente ou racional. São estes
acontecimentos simbólicos, permeados de exigências,
experenciados pelo organismo, onde uma inteligência
inconsciente reclama os alimentos psicológicos,
espirituais, eróticos, de poder, ou fisiológicos, para poder
prover a sobrevivência e evolução do próprio organismo.
A cura do ser doente não pode se dar sobre o
vértice de uma verdade dogmática; estudar o homem e

491
entendê-lo, em todas as suas dimensões, é necessário
para poder ajudá-lo a desenvolver todas as suas
potencialidades.
Quando não conseguir alcançar determinados
objetivos, será necessária uma análise desta dimensão
inconsciente, com a finalidade de dar consciência ao
inconsciente, liberando forças obstruídas por conceitos e
crenças, aprendidas de uma aculturação ideológica e
equivocada. Estes temas recorrentes da vida em si,
estão no âmago de uma ciência comprometida com a
evolução da consciência do homem. Esta infinitude de
potencial precisa de um código, para acessar a livre
expressão de sua energia criadora.
“A ética humanista é uma ciência aplicada à arte
de viver, baseada na “ciência do Homem” teórica. Aqui
como em outras, a excelência da execução “virtude” de
um é proporcional ao conhecimento que um tem da
ciência do homem e a destreza e a prática de cada um.”
326
Diminuídas pelo exercício rápido das ciências exatas,
as ciências sociais e humanas ficaram atreladas por um
modelo teórico, onde a camisa de força de ditas
metodologias, realçavam a observação, o controle, a

326
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, 10ª. edición, F.C.E., 1991, pág. 30.
492
mensuração, a objetividade, amostras retiradas do
campo empírico.
Forçou, inadequadamente, a seguir um caminho
muito rígido, impondo conceitos que amarravam,
silenciavam e impediam a livre expressão dos seus
achados científicos, impulsionados por esta onda da
comprovação, traziam, no seu íntimo, um complexo de
inferioridade, que necessitava da aprovação das ditas
ciências corporativistas. Esta ordem de um modelo de
pesquisa, demasiado empírico e ideológico, tentava
explicar, pela via da delimitação dos temas, uma maior
seriedade, em torno de um núcleo comum e no domínio
de um determinado autor. Ciência séria se faz com
objetividade conceitual de uma determinada área de
pesquisa.
Com isto, os centros de pesquisa perderam-se nas
fragmentações, direcionando seu foco principal para as
ditas correntes teóricas, com seus devidos expoentes ou
autores. Desta forma, impõe-se um modo de pensar a
pesquisa, pela via conceitual teórica de um autor,
retirando do pesquisador uma visão mais crítica e
multidimensional da realidade do seu tema de pesquisa.
“Hoje a questão essencial é, me parece, se
podemos assegurar ao conceito clássico da liberdade

493
interna e externa e o conceito da razão em seus dois
aspectos, aplicando a natureza (ciência) e aplicado ao
homem (conhecimento de si mesmo)”.327
É demasiado explicita a demarcação teórica
conceitual de uma determinada linha de pesquisa. No
entanto, se salva o poder vigilante do sistema de
pesquisa e perde-se, na riqueza de abrir a possibilidade
na própria investigação, a ligação com outros conceitos
teóricos de outras ciências afins, realçando, desta forma,
o valor da TRANSDISCIPLINARIEDADE.
Ao pesquisador, só restam duas alternativas: ou
segue à risca, o método de pesquisa, rigidamente, e sua
conceitualização teórica; ou rompe com esta visão
fragmentada e unilateral da realidade, incorporando ao
seu modo de pensar outros conceitos, que poderão
colocar em dúvida a sua verdade. A segunda alternativa
possibilita ao pesquisador não se tornar um fanático,
acreditando no poder imaginativo de uma instituição que
lhe confere o poder para interpretar a realidade.
Sobre esta perspectiva, principalmente para quem
tem estas “verdades”, tenta desesperadamente impor
seu modo de ver a realidade, sobre determinado tema, a
todos os outros ouvintes, e todo aquele que discordar,

327
FROMM, Erich. Del Tener al Ser. Barcelona, Espana, Paidós, 1991, pág. 23.
494
questionar, ou mesmo não aceitar sua teoria é um
charlatão, um ignorante, alguém que não merece ouvi-lo
ou ter sua atenção. Imbuído desta prática, identificado
com seus mestres, incorpora-se na nobre missão de
defender a sua ideologia. Nunca existirá o diálogo, e sim,
discussão, com verbetes de agressividade. Quando não
são aceitos no seu meio social, argumentam que estão
sendo perseguidos pela sua novidade científica.
“Uma ciência humanista do homem tem que
continuar como nas almas dos grandes estudiosos,
Aristóteles e Spinoza, enriquecida pelos novos dados
que nos oferece a biologia, a filosofia e a sociologia e,
por mostrar experiências de contemporâneos, nesta era
de transição, interessados por o futuro do homem”.328 A
riqueza de trabalhar em pesquisa, dentro desta
abordagem, está em possibilitar, ao psicanalista, esta
visão da totalidade, compreender que o todo pode nos
dar uma visão mais completa do sofrimento, perpetuado
pelos equívocos sucessivos, no modo de pensar o
discurso e colocá-lo em prática.
A rigidez de pensamento é um risco muito grande.
Seria extremamente perigoso olhar o sofrimento psíquico
do paciente sob uma teoria específica, e quando não

328
FROMM, Erich. La patologia de la normalidad. Barcelona, Espana, Paidós, 1994,
pág. 124.
495
aceita a interpretação, pelo paciente, poderemos chamar
de resistência, de transferência, belo artifício para se
manter protegido, na sua própria ostentação teórica
onipotente. Hoje, já podemos atender clinicamente,
dentro desta visão holística transdisciplinar. Deverá
juntar os diversos saberes das várias ciências, como da
neurociência, da psicossomática, da neurofisiologia, da
farmacologia, da antropologia, da sociologia, da
psicanálise, da psiquiatria, da neurociência e da
psiconeuroimunologia.
É preciso oferecer a formação de um profissional
da área da saúde, nesta visão da totalidade do homem.
Uma formação psicanalítica deve estar alicerçada nestes
dois pilares, precisa-se em primeiro lugar, não ter medo
do novo e estar aberto a encarar novos desafios e
aprendizagens, decorrentes do contato com várias
ciências, numa visão transdisciplinar. Depois, exige-se
um esforço bastante grande, para poder se situar, dentro
de um método onde o lema central é “Caminheiro, não
há caminho, o caminho se faz ao caminhar”.329 Portanto,
esta formação terá uma forte implicação teórica
transdisciplinar, juntamente com o domínio prático da
clínica psicanalítica. Quando se entra em contato com

329
MORIN, Edgar. A natureza da natureza. Método I. Porto Alegre, Sulina, 2000,
pág. 36.
496
uma determinada ciência, abre-se a possibilidade de
incorporar novos conceitos, importantes para o
entendimento da expressão das reações inconscientes
do homem e seu contexto. Esta proposta de pesquisa
entende como importantes os métodos de outras
ciências afins, para estudar a dimensão humana, sua
natureza humana, seus valores, a violência, a
criatividade, o autoritarismo, a consciência, a história de
vida, o narcisismo, bem como toda a evolução do
homem.330
Todos estes temas são válidos, enriquecem o
domínio teórico e cultural, além de inserir o futuro
psicanalista numa dimensão de pesquisa. O domínio das
metodologias de técnicas aplicadas à pesquisa amplia os
recursos do futuro escritor e pesquisador. A formação de
um psicanalista passa, necessariamente, por todos estes
aperfeiçoamentos, sempre respeitando a livre expressão
de metodologia, na pesquisa.
“Neste sentido a ciência do homem, ao construir
um modelo de natureza humana, não se diferencia de
outras ciências, que utilizam conceitos de entidades,
baseados em deduções inferidas de dados observados,
ou controlados por estas, e não diretamente observáveis

330
Ibidem, págs. 125, 126, 127.
497
331
em si mesmas”. Esta ética está implicada na maneira
de pensar e viver do homem, a pretensão é dar
consciência crítica da análise da sua própria
subjetividade, onde a liberdade de decidir requer, como
condição autônoma, para poder investir tempo e dinheiro
na sua própria qualidade de vida. Esta integração com
sua própria natureza elevará a um estado de consciência
cósmica e ecológica, onde o respeito e a ética sejam
critérios básicos de seu estilo de vida.
Este homem livre pode pensar sob sua própria
racionalidade, integrando os opostos para tornar a vida
mais produtiva, nas relações profundas, onde o amor
aparece, gratuitamente, como remédio para a cura da
psiquê. Estes são homens humanizados, livres dos
preconceitos, integrados, pelo processo do
autoconhecimento, conseguem alcançar seus objetivos,
para dar melhor condição e qualidade de vida à sua
própria pessoa.
Quando toma consciência do seu papel atuante,
consegue livrar-se do fardo da perfeição, da pressão do
consumismo, de uma representação superficial e, por
demais, hipócrita. Reergue-se, com todas suas forças,

331
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F. C. E., 10ª. edición, 1991, pág.
37
498
para propor uma exigência pessoal que não esteja acima
daquilo que o organismo pode dar.
Quanto mais o homem consegue desvestir-se de
suas próprias máscaras, mais fácil ficará carregar o fardo
de sua existência. A vida torna-se difícil quando os erros
são contínuos e decisivos, o medo de enxergar diferente
desvirtua a real intenção da natureza. Os conflitos são
oriundos de desejos espúrios e mesquinhos,
degradando, com isto, a imagem do Ser Humano. A
lapidação desta preciosa pérola passa pelo exercício de
suas potencialidades, qualidades, dons e talentos. O ser
inútil sente-se inadequado, distante, triste, rejeitado, por
sentir-se inoperante diante da existência.
O processo de autodestruição confirma,
simplesmente, o não à vida. Impelido pelo desgaste
sucessivo de derrotas, sente-se sem condições de
enfrentar o próximo desafio; por isto, decide pelo
bloqueio da vida.
“O que se postula é a abertura do especialista ao
todo que o envolve e a dialogicidade, com outras formas
de conhecimento e de visões do real, visando a
complementariedade. Postula-se, também, motivação e
disponibilidade para o imprescindível, atuar em equipe, o

499
desafio da convivência com a diversidade”.332 Esta crise
da fragmentação do saber elevou o índice do
individualismo, uma competitividade agressiva e desleal,
colocando cada um em seu próprio esquema de
pensamento.
São muito fortes os desníveis de
desentendimento, onde não existe o mínimo respeito e
consideração pela forma de pensar o diferente, em ser
diferente. Esta fragmentação dualista da natureza,
resquícios do paradigma newtoniano e de Descartes,
levou o cientista a pensar a realidade a partir desta
dualidade e da dicotomia, nas ciências das diversas
especialidades.
O desconhecimento da essência da natureza e de
sua rede de teias interligadas, produz um pensamento
sectário e fechado, dentro das ciências. São estas idéias
fixas, teorias dogmáticas, que impossibilitam a
aproximação das mais diversas correntes de
pensamento, para repensar, com a ajuda da imaginação,
utilizando o aporte científico das diversas ciências, para
romper com este antigo modelo, estagnado pelo medo,
abrindo as portas de sua igreja particular, para procurar

332
CREMA, Roberto. Introdução à visão holística. São Paulo, 5ª. edição, Summus,
1983, pág. 140
500
descobrir juntas, estas novas surpresas e as novidades
propiciadas por esta nova proposta de pesquisa.
O mágico está em acreditar na possibilidade da
solução das enfermidades, pela via da racionalidade,
pois, somente a descrição minuciosa destes sintomas
não consegue dar uma resposta à altura da
complexidade da enfermidade psíquica e orgânica. “Mas
a crescente complexidade da vida tem perdido toda sua
projeção humana, com o sentimento individual. O homem
deixa de ser racional e independente. Perdeu o valor de
pensar por si mesmo e de tomar decisões, baseadas em
seu pleno compromisso intelectual e emocional para com
a vida”.333 Quais são as crenças mágicas de um modelo
teórico, onde a solução encontra-se numa lei dogmática,
em que todos os argumentos e pesquisas estão
direcionados para provar aquela idéia fixa.
O psicanalista não pode ficar preso a um modo de
ver a natureza, sob os auspícios da auto-sugestão, da
aplicação de um encanto “interpretativo” ou ainda
recorrer a uma “inovação” da citação de um autor. São
muitos os modos de impressionar o paciente, criando um
ambiente relativamente esotérico com incensos,
músicas, estatuetas, com a fantasia de sugestionar, por

333
FROMM, Erich. La revolución de la esperanza. Buenos Aires, F. C. E., 1992,
pág. 56
501
meio da clarividência, a solução para as suas tomadas
de decisões. Todo este aparato terapêutico pode ter a
fantasia de enfraquecer o poder de atuação dos
demônios internos, também denominados neuroses. Este
modelo de terapia holística não tem nada a ver com a
proposta de uma ciência transdisciplinar.
Queremos reafirmar a seriedade, a honestidade, a
ética, num plano integrado, onde as ciências, sejam elas
quais forem, possam dar seu aporte científico para
encontrar uma solução mais rápida à complexidade do
sofrimento, na vida psíquica do homem. Hoje, a
psicanálise humanista avançou na compreensão dos
princípios de que o ser humano não é somente fisiologia,
matéria ou reação nervosa. Conseguiu entender outras
dimensões não visíveis a olho nu, partícipes da
existência do cotidiano do homem.
É este inconsciente, descrito de forma simbólica,
que interage sob o fluxo de energias, onde a imagem se
personifica como um ente real, se mostrando,
diretamente, na corrente sanguínea e no cérebro. Este
poder de atuação participa, em tempo integral, dos
movimentos sutis do funcionamento do organismo, estas
entidades têm vida própria, podendo, de acordo com a
situação, ser chamadas de arquétipos. Uma pessoa

502
imagística retrai-se e expande-se de acordo com as
ocasiões de vivência emocional, alertadas e
condicionadas a permanecem atuantes, como formas
vivas de reminiscências de um passado que se faz
presente, influenciando na determinação do futuro.
Esta energia personificada de forma animal,
mineral, vegetal, resplandece, com todo seu significado
simbólico, traduzido e explicitado pelas demandas de
necessidades ou de repressões esquecidas, por terem
experenciado dor e sofrimento. Não há como pensar sem
o recurso da imaginação e sem o símbolo imagístico, não
existiriam palavras para a decodificação da realidade
íntima do homem.
“A estrutura cerebral do homem, por ser mais
ampla e mais complexa que do animal, transcende
esta simples consciência e as bases da consciência
de si mesmo, como sujeito de sua experiência. Mas,
talvez, por sua enorme complexidade”.334
Esta sede pela verdade levou o homem a uma
incessante busca, quase que obsessiva, quando
percebeu a natureza complexa do organismo humano.
Foram toda esta complexidade e multiplicidade335 de

334
FROMM, Erich; SUZUK, D. T. Budismo Zen y Psicoanálisis.México, F.C.E.,
1964, pág. 108
335
FROMM, Erich. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 18
503
fenômenos observáveis, mesmo nas mais diversas
ciências empíricas, exatas e humanas, acompanhando a
importância e o valor de suas metodologias e de suas
possíveis hipóteses e conceitualizações, na busca
incessante da verdade.
Os fundamentos de nossa ciência hebreu-cristã,
helênica, greco-romana, sustentam um pensamento que
devemos pensar em categorias exclusivas.336 Mesmo
assim, nossa leitura de mundo aponta um acúmulo
de vivências, no sentido de reconhecer uma
totalidade mais complexa. Na observação destes
fenômenos, existem as implicações contidas entre
sujeito-objeto. Observa-se toda uma fenomenologia
expressa no desvelamento do Ser.
O movimento desta energia também afeta o
sujeito, atingindo, de alguma forma, conteúdos
desconhecidos pelo próprio pesquisador, reatando,
assim, uma ação em cadeia, retirando a harmonia e a
tranqüilidade, tão necessárias para o prosseguimento da
pesquisa. No início, tudo parecia bem, a relação
diacrônica fez com que houvesse alterações nos dois
planos de continuidade ou na modificação do objetivo

336
FROMM, Erich. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 14
504
proposto inicialmente, afetando por completo a hipótese
central.
O Homem tem a liberdade de dizer sim ou não à
evolução pessoal, na existência, mesmo diante da
337
plenitude desta “complexidade” , a grandeza e as
virtudes dependem sempre de ações valorizativas, onde
o caráter, a cultura e as tradições influenciam, e muito, o
comportamento de ações produtivas. Ele tem capacidade
para criar o belo, a novidade, a solidariedade, a
cooperação ou de destruir a vida, com vícios, drogas,
trabalho excessivo, consumismo, com a enormidade de
opções oferecidas pela sociedade, ajudando a pessoa a
fazer o bem ou o mal.
“Cada volume presente nos pensamentos, nas
personagens do autor, é demonstrada como uma aflição,
o vazio, o ator, a loucura, a economia, a política e a
história, onde se constitui esta finalidade da artificialidade
humana, que leva em conta, com a maior plenitude e
precisão, a variedade, a possibilidade, a complexidade e
a dificuldade.” 338
Esta complexidade, na existência, tende a levar o
pesquisador a situar-se numa posição alerta, flexível,
pensando pelas diversas incertezas, para estar em

337
Ibidem pág. 15
338
Ibidem, pág. 9
505
sintonia com os fenômenos da natureza. A ciência
conseguiu inventar ou descobrir uma maneira de levantar
grandes pesos, a roda, as técnicas agrícolas, curtume de
peles, invenção da tecelagem, criação da cerâmica,
fundição de alguns metais.339
O homem teve que observar a natureza, e neste
olhar pensante, pode examinar o vôo dos pássaros, o
nascer e o pôr do sol, as tempestades, os ciclos das
marés, o movimento das estrelas, tudo era pensado e
examinado, com extremo cuidado.340 Desde as mais
antigas civilizações, o homem parou para entender o
significado dos sonhos, estas simbologias dotadas de um
significado complexo, estavam estritamente relacionados
com o momento histórico, social e cultural daquela
pessoa, eles eram levados tão a sério, devido aos seus
ensinamentos, que somente os sacerdotes e médicos
podiam realizar a sua interpretação.
Somente em 1900, Freud publicou o primeiro livro
com uma metodologia específica para interpretar os
sonhos. No decorrer da história, houveram momentos de
extremos avanços científicos, oportunizando àquela
civilização, as descobertas, tão necessárias, para a

339
COLIN, A. Ronan. História da ciência da Univerdidade de Cambridge. Vol. I,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, pág. 16.
340
Ibidem, pág. 37
506
evolução tecnológica e o aprimoramento técnico
científico. Desde as mais remotas civilizações, o homem
sempre esteve em contato com várias dimensões da
natureza animal, vegetal, mineral e cósmica,
influenciando, de maneira decisiva, a sua qualidade e
sobrevivência, neste planeta. “A totalidade imediata de
seus sentimentos e do pensamento”.341
Este homem, lançado pela existência, tem um
compromisso de recriar condições de sobrevivência,
resistindo, constantemente, ao domínio total da natureza;
entre o medo e a admiração, paira um ar de incerteza
acerca dos rumos do homem, sobre a terra. Para Erich
Fromm, a complexidade é entendida “não só no sentido
de que todos somos homens e nada, no humano, nos é
distante, porque não existe nada, no humano, que não
esteja dentro de nós, que não tenhamos dentro de nós a
criança, o criminoso, o louco, o santo e o homem
comum; mas, também, no sentido de que sabemos de
tudo isto, mas, não o sabemos e sim, o sentimos”.342
Todas as emoções são causa e causantes, estão
intimamente ligadas por uma consideração natural
unindo os diferentes sentimentos, entrelaçados em uma
corrente de expressões, invadindo todos os espaços do

341
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F. C. E., 1981, pág. 12
342
FROMM, Erich. Espiritu y Sociedad. Barcelona, España, 1996, pág. 104
507
corpo humano. Como conhecer as partes sem conhecer
o todo e como conhecer o todo sem conhecer as partes?
Diante da complexidade da natureza humana e de
suas diversas diferenças de cor, raça, etnia, religião,
cultura e tradição, amplia-se a necessidade de encontrar
um método transdisciplinar, para valorizar, juntar, pensar
o fenômeno, na sua totalidade, tendo como finalidade
articular estratégias para dar forma, lógica e consistência
a estas complexidades.
Se a ciência estivesse correta e fosse realmente
onipotente e onisciente, não teríamos a enormidade de
problemas sociais, ecológicos, econômicos, culturais,
que colocam em jogo a continuidade da vida, no planeta
Terra. Temos de assumir este estado de ignorância de
um saber científico que não consegue, por seu
individualismo, apresentar uma proposta global à
humanidade.
Se continuarmos neste modelo de exclusão social
e do acúmulo de capital, provavelmente, algum dia, os
recursos naturais se esgotarão, comprometendo,
gravemente, a vida neste planeta. É preciso sair deste
estado de ignorância onisciente, achando-se um
semideus, detentor do saber e do domínio sobre a terra.

508
A ciência precisa estar alerta para a necessidade
urgente de uma metodologia contemplativa desta
realidade obscura, mas que, também, esteja
comprometida em buscar soluções em conjunto,
deixando as diferenças ideológicas de lado, para
conseguir estabelecer um diálogo, que inclua a
circulação de idéias, o debate, a reflexão, as trocas, no
sentido de avançar, em conjunto, para a solução dos
problemas mais urgentes do nosso planeta.
“O viver é, em si mesmo, uma arte: a mais
importante e, a sua vez, a arte mais difícil e complexa
praticada pelo homem. Seu objetivo não é ter algum
desempenho realizado e especializado. Seria a
confirmação da vida, o processo de desenvolver o que
cada um é, potencialmente. Na arte de viver, o homem é,
ao mesmo tempo, o artista e o objeto de sua arte, é o
escultor e o mármore, o médico e o paciente”.343
Na própria psicanálise, está subscrita a
necessidade da criatividade, na operacionalização de
algumas demandas, surgidas de uma ação aleatória, que
foge dos padrões do controle da objetividade. A arte
necessita da criação; sem ela, a tela fica vazia, inerte,
sem sentido, para dar o colorido necessário à existência,

343
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, 10ª. edición, F.C.E., 1991, pág. 30
509
é preciso lançar-se na busca. Com esta atitude,
consegue a superação dos próprios medos, aparecendo,
em seu lugar, coragem e determinação. Estes coloridos
tendem a dar uma lógica à existência, seu conteúdo
simbólico, denota a confinação de desejos a serem
satisfeitos ou daqueles que foram esquecidos.
No ato de viver, o próprio homem teria,
necessariamente, que demarcar, no seu tempo histórico,
uma história de vida. Seus erros e acertos, seus
fracassos e sucessos, suas decepções e alegrias, o
fazem partícipe de uma aprendizagem continua, onde o
único professor é a própria escuta humilde das suas
realizações. O resultado dependerá, e muito, de suas
habilidades estratégicas em reconhecer que ele mesmo
é o artífice mentor, inventor e articulador da sua
felicidade ou infelicidade.
Nesta complexidade de situações, observações,
vivências, aprendizados, decepções, frustrações,
alegrias, consegue dar uma tonalidade, na existência,
que pode ser escrita com diversos tons numa tentativa
infinita. Mesmo diante das dificuldades, atrocidades e
injustiças, não perde a esperança de dar continuidade à
pintura da existência, em quadros sucessivos, onde
resplandece a própria projeção, na tela, daquelas

510
potencialidades experimentadas e articuladas, na sua
própria interioridade.
Quais seriam as decisões mais corretas e precisas
para dar-lhe à segurança e felicidade, tão caras à
existência? Existiria um modelo padronizado de
recomendações para enfrentar os desafios e as
surpresas, preparados pela própria incerteza da vida?
“Eu estava constantemente surpreendido pela amplitude
dos estudos de Freud e da diversidade de seus
conhecimentos. Era entendido em quase todos os ramos
das ciências. Seguia, com grande interesse, os
progressos da pesquisa na medicina e na biologia, e
conhecia profundamente arqueologia e história,
articulando ao seu conhecimento, conhecimentos
adiantados, que se efetuavam em todos estes
campos”.344
Freud teve sua audácia, quando necessitou
incorporar outros saberes aos seus próprios conceitos.
Nesta inserção transdisciplinar, conseguiu articular
diversos conceitos de várias ciências, tornando-se
interrogativo, com um senso crítico bastante apurado.
Isto deu a Freud a certeza de rejuvenescimento de sua
teoria. Ele soube, como é próprio de qualquer gênio,

344
REICK, Theodor. Trinta años con Freud. Buenos Aires, Paidós, 1965, pág. 25
511
organizar os diversos conceitos de outras ciências, para
dar à psicanálise esta vitalidade, de sempre estar
aprendendo, reaprendendo e, em algumas situações,
desaprender, entrar em crise e modificar. Com esta
lógica, situar-se num paradigma aberto e flexível, onde a
própria mente possa reaprender a aprender.
Este método de pesquisa transdisciplinar de Freud
fez com que entrasse em contato com as camadas mais
profundas do inconsciente humano. Sempre esteve
interessado em entender e descrever as particularidades
próprias do fenômeno mental, era extremamente difícil
comprovar sua “hipótese de que algo significava seu
oposto, necessitava de provas e Freud estava ansioso
por achar tal evidência”.345
Esta tese é uma teorização conceitual em cadeia,
partindo de uma hipótese, da possibilidade da
psicanálise humanista juntar os conceitos do paradigma
da complexidade para dar uma consistência de pesquisa
transdisciplinar, na formação psicanalítica. Por isto, foi
preciso demarcar os diversos humanismos, durante as
diversas civilizações, e acentuar o humanismo em Freud.
Para podermos dar uma coerência lógica,
devidamente articulada, em nível epistemológico, dentro

345
FROMM, Erich. Grandezas y limitaciones de Freud. México, Siglo Veinteuno,
1979, pág. 34.
512
de um paradigma que propõe um método flexível e
aberto, para inovar, acrescentar, modificar, alterar
conceitos petrificados pela esclerose do tempo, reunindo,
refletindo, juntando o que estava separado para pensar
na totalidade do homem, diante da sua própria
existência, auxiliado pelo tratamento psicanalítico, para
dar sentido e união às descontinuidades de sua
complexidade pessoal.
“Se se quer chegar a entender o homem, terá que
fazê-lo em sua plena subjetividade (...). De fato, esta
subjetividade dá uma real e considerável objetividade do
método de Freud”.346
Freud mergulhou neste problema fundamental.
Refiro-me aqui à complexidade das reações humanas.
Perplexo pela crise existencial do homem, também
presenciou, na sua própria carne, os malefícios da
repressão sexual. Há 100 anos, em plena era do
iluminismo, não poderíamos esperar outro método de
pesquisa e, tão pouco, um conceito diferente da natureza
do homem e da sociedade, investido de sua cultura
histórica e científica, para tornar a psicanálise uma
verdadeira ciência.

346
FROMM, Erich. Op cit. 1979, pág. 28
513
Impregnado, quase que hipnotizado, pelos
conceitos das ciências naturais, principalmente da física,
química e medicina, incorporou ao escopo teórico, a
descrição da natureza inconsciente do homem,
mecânico, fisiológico e materialista, defendendo as várias
descobertas científicas, propulsoras da solidez do
capitalismo burguês e selvagem. Mesmo tomado por um
estado de inconsciência, fez o melhor, deu o que tinha de
mais nobre, compilou e escreveu uma teoria e um
método de tratamento, para curar as mazelas do
sofrimento humano.
As guerras mundiais, a violência social, a
produção de armas bélicas, os conflitos de idéias, os
regimes totalitários atingiram em cheio, sem dúvida, a
humanidade de Freud que, no entanto, não se eximiu de
sua responsabilidade social. Teve, por própria opção, de
disciplinar-se e, com isto, fazer algumas renúncias, que
lhe foram muito caras. O maior ganho existencial de
Freud foi, sem dúvida, deixar este legado científico, para
o homem procurar, nas suas profundezas inconscientes,
um caminho de equilíbrio e aceitação de sua própria
humanidade.
“Que preocupações se deve tomar ao descrever
os resultados de uma pesquisa individual, ao reino da

514
psicologia coletiva? Que limitações se deve impor a esta
descrição e que justificativas heurísticas há de ter, sem
duvida? Não desejamos, por certo, deixar de considerar
as metodologias(...) A metodologia é o asilo mais
conveniente para a esterilidade intelectual.347
Qualquer metodologia parte do estudo de um
fenômeno, admitindo a interferência, no processo de
sugestionabilidade e preconceitos, em relação a
determinados conhecimentos incorporados, a nível
consciente e inconsciente, por parte do pesquisador.
Esta sua função de avançar, em áreas inexploradas,
conduz a sérios questionamentos, acompanhados de
várias mudanças conceituais, no decorrer da pesquisa.
“A função de uma hipótese deve ser a de pôr alguma
ordem nos fenômenos pesquisados e disponibilizá-los,
num primeiro momento, de maneira tal, que pareçam ter
algum sentido”.348
Neste compromisso da ciência, em desvendar os
segredos da intimidade dos fenômenos, foi preciso
reconhecer a complexidade dos jogos interativos de
forças antagônicas, onde se preceitua a idéia de que há
ordem na desordem. Mesmo quando a ordem aparece
em forma organizada, no seu núcleo existe uma

347
REICK, Theodor. Trinta años con Freud. Buenos Aires, Paidós, 1965, pág. 121
348
Ibidem, pág. 101. (além de incluir outras definições de hipóteses)
515
explosão de imposições, determinações, interações
próprias deste núcleo desordenado para, somente
depois, se firmar como um símbolo materializado.
Para se reconhecer, diante da natureza, o homem
necessita nomear e dar um lugar para poder se situar e
se organizar, na linha do tempo cósmico. As leis da
natureza somente vêm confirmar a necessidade de
verdades implícitas em sua essência, descobertas por
insistência metodológica, algumas verdades para se
aproximar e se dar a conhecer.
O humano é um ser de relações sociais,
dependentes de seu habitat natural e de seu
ecossistema, que necessita da luz solar, para realizar a
fotossíntese e da rotação da terra em torno do sol, para
experimentar as quatro estações. A terra, no espaço,
pertence à via Láctea, com suas mais de 200 bilhões de
estrelas, além do astro chamado de sol, que se
orignaram de uma sucessão de explosões, há cerca de
sete bilhões de anos, apresentando-se a nós, por via
indireta, ao nosso planeta, através da sua poeira
cósmica. Os achados científicos generalizam conceitos e
se perdem na insignificância da complexidade do nosso
universo cósmico e intergaláctico.

516
“O termo ‘holístico’ nasceu primeiro, em 1926, e foi
forjado, como já mostramos anteriormente, por Jean
Christian Smuts, juntamente com o termo ‘holístico’
indicando uma força responsável por todos os conjuntos
do universo”.349 As ciências afins têm a intenção de
integrar o estudo no conhecimento da holoprogramação,
contida nos raios de propagação da holorradiação,
permitindo a troca de informações para manter a vida, a
qual nós chamamos existência.350
Ciências como a heurística, a parapsicologia, a
onirologia, a microfísica, a biologia celular, a psicanálise
humanista, a hipnologia, a mitologia, a simbologia e a
cosmologia, podem, num futuro bem próximo, se unir,
criando situações hipotéticas, capazes de levantar novas
hipóteses sobre as condições complexas da vida em
nosso planeta e no universo.
Quando chegar o momento de um estado de
consciência, já não existirá a separação entre sujeito,
objeto e conhecimento. Nirvana (Yoga, budismo indiano),
Satori (Japão), Samadhi (Ioga Budista), Develauth
(judaísmo hassidico), na modernidade, consciência
cósmica, experiência transpessoal, são estas expressões

349
WEIS, Pierre. Rumo à nova transdisciplinariedade. São Paulo, Summus, 1983,
pág. 79.
350
Ibidem, pág. 50
517
utilizadas para tentar explicar estados alterados de
consciência do ser.
Se começarmos a entender a dimensão da
totalidade como um sistema inteligente e organizado,
tendo consciência e vida própria, perspassado por
informações milenares, espalhadas por todo o canto do
universo e, ao mesmo tempo, presentes aqui e agora.
Este quantum de ondas eletromagnéticas se comunica a
uma velocidade extremamente poderosa.
“O método psicanalítico conseguiu, deste modo,
ter acesso a fenômenos que, de outra maneira, não
seriam possíveis de serem observados. Ao mesmo
tempo, descobriu numerosas experiências emocionais
que não puderam ser reconhecidas, nem seguer pela
introspecção, por estarem reprimidas, divorciadas da
351
consciência” Ao mesmo tempo, criam-se espaços, na
própria ciência psicanalítica transdisciplinar, ampliando
as condições de pesquisa, com a finalidade de se
encontrar uma metodologia que seja capaz de entrar em
contato com fenômenos inconscientes de difícil
compreensão. Esta complexização de comunicações
simbólicas precisa ser entendida, dentro de uma nova

351
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, 10ª. edición, F.C.E., 1991, pág. 45.
518
dimensão, onde o ator mais importante são as sombras
de seu próprio inconsciente.
Fazendo uma ligação com o contexto existencial,
os principais personagens, as ligações afetivas, o tema
principal do sonho, as constelações de complexos ou
núcleos neuróticos, os processos de deslocamento, de
condensação, na efetiva descoberta do discurso deste
sonho, também chamado de elaboração secundária,
pode descrever a etiologia neurótica da produção
neurótica latente da produção imagística do sonho.
Quando compreendida sobre uma ótica mais
abrangente de teorias psicanalíticas, principalmente,
para entender os atos nefastos de desumanidade
praticados pelo boicote à sua própria existência, nesta
interpretação do método analítico da psicanálise
humanista, a descrição dos símbolos e imagens recai
sobre todos os aspectos que envolvem sua
personalidade, levando-se, sempre, em consideração a
relação, muito particular, do símbolo com a existência do
paciente em análise. Isto significa valorizar, incorporar
outros conceitos das abordagens teóricas da ciência
psicanalítica, propondo, desta forma, não uma visão
unilateral, mas multidimensional do inconsciente
individual e coletivo.

519
Esta junção de leituras, propiciadas pela própria
formação holística transdisciplinar, favorece uma
compreensão bem mais ampla de todos os aspectos que
interferem ou envolvem o sofrimento do paciente. Este
aparece, num primeiro momento, com algumas queixas
em relação à sua situação econômica, mas no decorrer
da própria análise, surgem outros componentes, como
dos afetos, da falta de comunicação, das emoções de
raiva e agressividade, dos desejos eróticos reprimidos,
do narcisismo egocêntrico, de insensibilidade e da
própria desumanidade, praticada pela falta de amor
próprio.
A maior parte dos processos de investigação
metodológica recaem, com frequência, em transformar
os dados fornecidos pelo paciente em quantidades de
números estatísticos. Existem, na comunidade científica,
alguns pactos, conscientes ou inconscientes, sobre como
deve ser aceito o desenvolvimento de uma pesquisa,
descrito a partir dos dados extraídos da realidade
psíquica, transformando-os em números, para poderem
se aproximar das ciências exatas.
Como nas ciências naturais e exatas se tem o
método quantitativo como um procedimento capaz de
traduzir em número e porcentagem a realidade, desta

520
forma, ela, então, se torna aceita, como científica. Esta
convenção do mundo científico visa, simplesmente, obter
“resultados práticos dos aspetos quantitativos
“superficiais” dos fenômenos sem perguntar, com
referência, sobre a validade dos fins e das premissas
implicadas, sem tentar compreender a natureza e a
qualidade dos fenômenos.”352
Nesta preocupação pelos achados científicos,
principalmente tratando-se dos fenômenos sociais, ou de
sua análise histórica, utiliza-se, na “Psicologia Social
Analítica”, métodos de pesquisa que podem, realmente,
trazer a realidade do fenômeno.
Achados importantes, para poder contribuir, de
forma autêntica, na leitura e interpretação de dados mais
fidedignos, capazes de elucidar o “tema de pesquisa”,
dentro de uma contextualização social mais abrangente.
Fazendo-se suas interrelações práticas, no sentido de
apresentar propostas concretas ou mesmo uma
teorização, que fosse relevante na ajuda da solução dos
problemas psicossociais, não se pode absolutizar e
apresentar somente dados estatísticos, para demonstrar
a realidade de um fenômeno de pesquisa.

352
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, 10ª. edición, F.C.E., 1991, pág.
116
521
Os centros de pesquisa terão de entender que, um
dia, apresentando os resultados das pesquisas em
números quantitativos, verão que em nada soluciona os
problemas sociais, somente vêm a confirmar a
problemática existente. A questão principal, a ser inferida
na pesquisa, seria de identificar quais as medidas a
serem tomadas, como forma de prevenção de uma
equipe transdisciplinar, para a preservação da totalidade
do fenônemo estudado.
A pesquisa quantitativa tem sua importância, mas
não consegue resolver ou dar um aporte importante, nos
fenômenos sociais, porque ainda está presa a um
paradigma austero, com uma preocupação excessiva de
se mostrar fidedigna e científica. Ela é extramente válida,
dentro desta sua prática metodológica, nas ciências
exatas, como por exemplo, na engenharia elétrica, na
informática, na biotecnologia. Pois, tem como objetivo
inferir um controle sobre o fenômeno e traduzi-lo em
dados estatísticos. O que não podemos fazer é querer
juntar as duas metodologias, pois são antagônicas e têm
objetivos totalmente diferentes, nas ciências humanas e
sociais.
“E neste caso, Freud tratou do ser humano como
um todo, e não meramente de “complexos” e

522
“mecanismos unitários”, tais como o “complexo de
Édipo”, o “medo da castração” e a “inveja do
pênis”.”353
Esta tendência, na teoria psicanalítica, de
fragmentar o conhecimento do homem, levou a
psicanálise a não conseguir ter um entendimento sobre
alguns temas importantes da existência.
Devido à interpretação fechada de conceitos que
não favoreceram a discusão teórica, retirou a liberdade
de pensar a psiquê de forma diferente e mais
abrangente. Por isto, a existência de tantas escolas e
teorias psicanalíticas. Faz-se necessário, na atualidade,
recuperar a aproximação destas diversas teorias, na
psicanálise, para propor uma análise mais ampla da
realidade da mente inconsciente, numa proposta
transdisciplinar. Estas rupturas teóricas, metodológicas
e conceptuais deram à psicanálise um olhar sobre o
“inconsciente” de diferentes formas de interpretação,
precisando ligar, juntar e dar uma compreensão a ela.
Algumas escolas, como a Lacaniana, fizeram uma
releitura de Freud, sobre a tese das estruturas do
discurso da linguagem, a linguística de Saussure e o
estruturalismo de Levi Strauss, a teoria Junguiana

353
Fromm, Erich. Limitaciones y grandezas de Sigmund Freud. Siegloveinteuno,
1973, pág. 74.
523
direcionou-se para a compreensão da história do mundo
antigo, com temas extremamente relevantes, como a
mitologia, os arquétipos e o inconsciente coletivo.
A teoria de Harry Sullivan defende a importância
das relações interpessoais e do convívio social. Já a
teoria dos culturalistas defendida, aqui, por Karen
Horney, acentua a importância das tradições da cultura
na vida das pessoas, os existencialistas como Medard
Boss e Bissanwer deram à psicanálise um toque de
extrema realidade, a teoria de Erich Fromm optou pela
realidade psicossociológica e humanista, no resgate do
compromisso social e na humanização dos valores do
homem.
Enfim, nos alongaríamos muito para citar todas as
escolas psicanalíticas, principalmente tratando-se da
psicanálise clássica, teorizada por Freud, apontando a
relevância nas etiologias das neuroses, a “libido sexual”.
Mas estes grandes homens da história conseguiram dar
a sua contribuição na descrição psicopatológica e no seu
tratamento, sobre o fenômeno do homem.
Desde Freud, Lacan, Jung, Harry S. Sullivam,
Karen Horney, Medard Boss, Bissanwer a Erich Fromm e
tantos outros autores, que contribuíram, de forma
positiva, para alargar a discusão teórica transdisciplinar.

524
E seria demasiado extenso e quase impossível citar
todos os autores que teorizam sobre a realidade
simbólica do inconsciente.
Mas a contribuição foi de extrema importância,
pois trouxe a possibilidade de, hoje, propormos um
“MÉTODO TRANSDISCIPLINAR”, incluindo as mais
importantes teorias, para dar esta visão da totalidade do
inconsciente, na formação psicanalítica.
As sociedades psicanalíticas não podem mais
fechar as portas para outras teorias, porque podem
tornar-se “clubes”, “igrejas”, extremamente fechadas e
dogmáticas, para seguir alguns critérios, sejam eles de
análise do inconsciente ou da formação do futuro
psicanalista.
Numa formação psicanalítica, pode-se,
tranquilamente, fechar as portas a outras tantas teorias,
falando em alto e bom tom que o único conhecimento
verdadeiro é de tal autor, ou seja, aquele de sua própria
escola psicanalítica. Esta decisão de “admitir a
abordagem apenas de certos aspectos da realidade,
pode, com este procedimento disciplinar, provocar a
perda da visão global da realidade”.354

354
WEIS, Pierre. Rumo à nova transdisciplinariedade. São Paulo, Summus, 1983,
pág. 83.
525
A formação psicanalítica não pode ficar atrelada a
um modelo de ensino, onde se valoriza a nota, trabalhos
entregues e os famosos diplomas, para dar uma
habilitação profissional e identificar quem está preparado
ideologicamente, para seguir à ótica do sistema.355 É
apenas um esboço do que já estamos realizando, há
mais de 10 anos, dentro de uma proposta onde, no final
da formação, o analisando poderá optar por qualquer
teoria que venha a ser útil no seu fazer psicanalítico.
Não existe nenhum inconveniente, o único
prejuízo seria de não ter discípulos para seguir um
determinismo teórico. Acreditamos que, no
complemento das diversas ciências, a partir de seu foco
de entendimento, possa contribuir para evolução
gradativa para uma nova “Formação em Psicanálise”.
Esta epistemologia transdisciplinar poderá colaborar, de
forma integral, no processo de humanização do homem.
Quando se fala em transdisciplinariedade, é
necessário um trabalho em equipe de diversos
profissionais, na formulação de um diagnóstico.
“A boa pessoa ama a ordem global das coisas (...).
Ela atrapalha o encontro, com nosso próprio amor pelo
todo (...). A tese de que nós, por natureza, amamos o

355
Ibidem, pág. 89
526
todo é expressa pela afirmação de que nossas afeições
naturais ultrapassam nosso círculo de familiares e
amigos, indo até um amor desinteressado por toda a
humanidade, se entendermos corretamente nossa
condição”.356
A realidade da natureza do homem é muito mais
complexa e, para entendê-la com todas as suas
interações, necessita-se de uma visão transdisciplinar,
aproximando os diversos níveis do físico, sócio-cultural e
biológico.
Esta nova ciência do homem vem surgindo, com
forte ênfase numa visão holística e não mecanicista,
humanizada e não materializada: amorosa e afetiva,
diferente da frieza racional e intelectual, aberta e
solidária, contrária ao dogmatismo individualista; uma
visão da totalidade do homem, distinta da proposta do
especialista, da fragmentação do conhecimento.
Neste novo paradigma, a determinação é uma
renovação, organização, articulação de conceitos
teóricos, interdependentes e sistêmicos. Com essa
liberdade, o entusiasmo faz parte da pesquisa, porque
não há um compromisso fechado numa teoria, propõe
um pensamento recursivo, onde o contato com certa

356
TAYLOR, Charles. As fontes do Self. Pág. 329.
527
ciência o atira para um outro mundo, em que o desafio e
a novidade são os pontos de convergência da alegria
produzida quando se encontra, nas suas próprias
descobertas.
“Esta dedicação transcende ao que se conhece
por psicanálise. Esta deveria chamar-se, com mais
propriedade, de “ciência do homem”, uma disciplina
que trabalharia com os dados da história, a
sociologia, a psicologia, a teologia, a metodologia, a
fisiologia, a economia e a arte, enquanto for relevante
para compreender o homem”. 357
Desta forma, qualquer psicanalista se sentirá mais
seguro em perscrutar a intimidade do homem,
procurando comprovar as suas hipóteses, encontrando
respostas para seu problema de pesquisa, dentro de um
paradigma transdisciplinar, onde as possibilidades são
infinitas, para encontrar soluções em relação à
complexidade da totalidade deste inconsciente individual
e coletivo. As alternativas se ampliam, quando não ficam
presas a um modelo de pesquisa, mas “do exame dos
dados da antropologia, da história, da psicologia da
criança e da psicopatologia individual e social”.358

357
FROMM, Erich. La Revolución de la Esperanza. Buenos Aires, F.C.E., 1992,
pág. 64
358
Ibidem, pág. 67.
528
Por fim, seria necessário incorporar, em nossa
cultura científica, esta proposta de uma ciência voltada
para o homem, saindo desta metodologia das ciências
naturais, das áreas biomédicas e da psicologia
experimental. Seria extremamente válido o estudo em
conjunto da antropologia, da psicologia, “mas, também,
com um ato de amor, de empatia e com uma atitude de
enxergar o homem na sua condição de homem”.359
Esta seria então, uma proposta plenamente viável,
de uma metodologia de pesquisa holística
transdisciplinar, com características de uma humanidade
própria do diálogo da solidariedade, da cooperação,
prestadora de uma aceitação incondicional, nos
diferentes estágios do desenvolvimento emocional e
intelectual.
Produtora de um saber transanalítico, amplia os
meios de trocas culturais e epistemológicas, com o fim
último de ampliar novos horizontes, abrindo
possibilidades interativas capazes de aproximar,
afetivamente e amorosamente, no respeito ético,
transcendendo a mera troca de conceitos intelectuais. A
psicanálise humanista propõe um retorno à essência
mais difícil na arte de viver, o resgate pleno das

359
FROMM, Erich. La condición humana actual. Barcelona, Espana, Paidós, 1981,
pág. 97
529
potencialidades do homem, para gerir condições
próprias, em sua totalidade, para explorar, conviver,
resgatar tudo aquilo que o universo e a pessoa têm a lhe
oferecer.
Nesta caminhada rumo à unidade, sempre seria
respeitada a pluralidade de idéias e teorias,
absolutamente necessárias para o enriquecimento das
ciências. Não podendo, apenas, acontecer a pesquisa
unilateral, individualista, excludente e narcisista. A
psicanálise, quando pronunciada, já traz no seu fazer
analítico o compromisso com a humanização dos
egocentrismos, vazios de sentido, daqueles seres
narcotizados pela solidão e da sua indiferença social e
humanitária.
Todo gesto de ajuda, desde um simples olhar, um
aperto de mão, no sentido de acolhida, uma palavra de
motivação expressa toda uma comunhão, intrínseca e
inconsciente, da humanidade, arraigada nas profundezas
do inconsciente humano. O humano, por si mesmo, pode
ser visto como um corpo biológico, numa espécie de
máquina perfeita; quando necessitada de reparos,
recorre aos tão famosos psicotrópicos. Uma alimentação
bioquímica realça, produz um estado de euforia e

530
motivação, próprias de que valia a pena viver, onde a
existência era plena de entusiasmo, alegria e satisfação.
Quando o psiquismo se desequilibra, entra numa
espécie de desmotivação para ser e fazer algo; a única
fórmula mágica, para voltar a um estado de euforia e
alegria, é tentar dar, com doses químicas, um novo
alento e sentido à própria existência.
A normose é própria da acomodação, da
superficialidade de procurar a solução mais rápida e
eficaz, acreditando em um mito de que se pode extirpar
da natureza do homem todo e qualquer sofrimento. Esta
prática quimioterápica apenas remedia a situação, atira
para o futuro o reencontro com seus próprios dilemas
pessoais, quando não é pego de surpresa pelos próprios
sintomas camuflados, percorrendo todos os órgãos do
corpo, num apelo gritante da sua forma ridícula e
ignorante de vida.
A rigidez, a falta de sensibilidade, a onisciência, a
prepotência, ajudam, em muito, na consolidação das
doenças psicossomáticas, uma neurose desperta produz
tudo aquilo que contraria a vida, o sucesso e a felicidade.
Presos nestes antagonismos, inflexíveis à sua maneira
de pensar, optam por produzir reações químicas

531
artificiais, provocadas com o objetivo de exterminar
qualquer tipo de frustração ou infelicidade.
A humanidade do homem também passa pela
ampliação de sua cultura intelectual. Sem esta visão,
torna-se uma presa fácil à solicitude dos fármacos,
produzidos pelos laboratórios das multinacionais. O
organismo reclama e, junto com isso, inicia-se o
processo de dor e do sofrimento, exigindo uma reação de
evolução pessoal. Como não tem ninguém para fazer
esta escuta analítica, corre, desesperadamente, para a
solução mais rápida e prática, a utilização dos
psicofármacos.
A tentativa é valida em dar um jeito naquele
sintoma, mas o pior está por acontecer, percebendo o
surgimento de outras dores e sofrimentos. E assim,
inicia-se o calvário à procura da cura milagrosa,
desassistido em sua dor, busca afetos alternativos,
através da doença. A grande prática humanitária está,
justamente, em humanizar a psicanálise para, com o
tratamento analítico, propor uma prevenção social e
comunitária.
A psicanálise conseguiu o seu espaço. Vem se
aprimorando, nas mais diversas sociedades
psicanalíticas, dentro de uma pluralidade de métodos,

532
teorias e procedimentos terapêuticos. Por isto, no
próximo capítulo, trataremos de esboçar os principais
conceitos teóricos da metodologia do tratamento, na
psicanálise humanista, bem como seus objetivos, diante
do paciente.

4.2. A concepção de homem e sua natureza humana,


na psicanálise humanista

Quando tentamos compreender o homem em


relação aos seus conflitos pessoais, à imaginação, à
paixão, às pulsões, às obsessões, às ambições, às
contradições, às doenças orgânicas ou emocionais
dependem de uma ciência ou de várias ciências que
tenham como finalidade comum o estudo do homem.
O quanto o homem conhece de si mesmo, com
todas as suas influências culturais, biológicas, físicas,
educacionais, emocionais, sociais? Se ele tem
dificuldade de entrar em contato com o mais íntimo do
seu ser, é porque é condicionado a pensar de modo
fragmentado, separado. Portanto, constata-se, na
expressão do corpo humano, toda uma
multidimensionalidade complexa, indo além da
compreensão que se tem do homo sapiens, faber,

533
economicus, logus, demens, consumens, é preciso
agregar valor a estas diversas facetas do homem,
facilitando, desta forma, a unidade holística, numa visão
da totalidade.
A psicanálise humanista está atenta para entrar
neste mundo desconhecido do inconsciente social, para
poder pautar os vários momentos da evolução da
consciência, saindo de um anonimato para penetrar rumo
a este complexo energético, onde a inteligência da vida
age com extremo cuidado, para prover tudo aquilo que o
ser humano precisa, no desenvolvimento de sua
hominização, libertando-se, conhecendo as suas áreas
obscuras, de sombras ocultas de sua própria
desumanidade.
Numa sociedade como a nossa, onde a tipicidade
do valor econômico se concentra no poder do acúmulo
de capital, realça a importância da quantidade como
meio de expressar sua eficiência, na geração do lucro.
Nesta concepção do ter, o critério mais importante da
existência, vai sempre vender a alma, o tempo, a
liberdade para se tornar escravo do capitalismo.360 Esta
obsessão compulsiva torna o homem preocupado
demais em ter mais para aparentar, mostrar. Todos os

360
Erich Fromm; Del tener al Ser; España, Barcelona, Paidós, l99l. Pág.12
534
componentes que dão forma e vida ao seu corpo
demonstram a estética e evidenciam o nível de vaidade
da exteriorização de um ‘eu’ superficial.
Como modificar este consumo desenfreado da
população, onde a meta do capitalismo selvagem sempre
será iludir, enganar, convencer para garantir a venda de
seus produtos? O homem está tomado por este processo
de acúmulo de bens materiais. Por isto, sempre terá de
produzir e trabalhar mais, trazendo sérias
conseqüências, na qualidade de vida e no tempo de
convívio, junto aos seus amigos e familiares. “Sua
felicidade depende da solidariedade que sente por seus
semelhantes, com as gerações passadas e futuras. (...)
Pode tentar escapar de suas inquietudes interiores por
meio de uma atividade incessante, nos prazeres ou nos
negócios. (...) Mas permanecerá insatisfeito, inquieto”.361
Nunca podemos esquecer da complexidade
362
bioantropológica e biossociocultural. Para descrever
esta interioridade de desejos e pulsões, é necessário nos
voltarmos para um diálogo sincero e honesto, sobre o
movimento emocional da subjetividade humana. O erro
acontece no desequilíbrio. Atrelada às emoções

361
Erich Fromm: Ética y Psicoanálisis; 10 ed. F.C.E, méxico, 1991: Pg. 57
362
Edgar Morin: Ciência com Consciência; Ed. Bertrand do Brasil; 5 ed. Rio de
Janeiro; Pg.131.
535
enrijecidas pelo tempo, permanece ainda a velha crença
daquelas fugas, onde o maior medo é de ser rejeitado,
abandonado, ridicularizado, humilhado. O investimento
de energia e tempo, prioriza, somente, uma área
específica da existência, que tem a ver com a
corporificação da máscara; revestido pelas sutilezas do
discurso, aparece petrificado, numa rotina de trabalho,
escondendo todas as dificuldades de relacionamento das
zonas cegas, para se dedicar, exclusivamente, ao seu
trabalho profissional.
A existência traz em si, muitas supresas,
inesperadas, esperadas. Tudo depende apenas da
gestação gratuita da genorisidade que cada um tem por
si mesmo. Existirá, sempre, uma razão maior para
compreendermos que todos os grandes homens da
história sempre ensinaram os mesmos valores éticos,
que se resumem na “necessidade de vencer a inveja, a
falsidade e o ódio e, de conseguir amor e participação,
como condição para alcançar um excelente estado de
ser”.363
Todos os homens sérios, comprometidos com a
melhoria da humanidade, como Jesus Cristo, Eckart,
Spinoza, Marx, Freud, Schiwertzer, não eram pessoas

363
FROMM, Erich. Del tener al ser. Barcelona, España, Paidós, 1991, pág. 19
536
passivas, alienadas, inertes. Demonstravam uma
sabedoria incomum, pois reagiam, com extrema firmeza,
contra toda forma de opressão e injustiça. Por isto, foram
perseguidos, injuriados, caluniados, mortos, não somente
por terem praticado a virtude, mas “sim por terem dito a
verdade”.364 Sabiam, com clareza, que naqueles homens
do poder, do mundo da glória, da riqueza, também existia
a contradição, os interesses pessoais, em detrimento do
valor da vida.
Os déspotas são amigos da crueldade, da
barbárie, acreditam somente na violência pela violência,
pois, no seu íntimo, acreditam que o homem ainda é
primata. A dicotomia presente na separação do homem e
da natureza, do tempo e do espaço, da liberdade e da
segurança, nos convida a pensarmos num modo
diferente de vida, com alcance para todos os cidadãos.
Esta nova visão, dentro de um novo paradigma
humanista holístico transdisciplinar, poderá ajudar na
compreensão do homem, nas suas diversas
movimentações históricas e sociais, enriquecendo, com
sua diversidade, a humanidade contida no inconsciente
humano365.

364
Ibidem, pág. 25
365
FROMM, Erich. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., Paidós, 1981, pág.
-----
537
Todo este acúmulo de descobertas científicas, nas
mais diversas áreas, está contribuindo para pensar
diferente, diante das dificuldades e desafios deste
terceiro milênio. A liberdade de pensamento, de
pesquisa, de opiniões diferentes, numa democracia onde
a vida se proporciona a favor da manutenção da
existência das várias espécies do planeta, incluindo o
homem.
Renasce a esperança de termos um novo homem,
desde os princípios do humanismo da solidariedade.
Esta consciência fraterna terá a superação, tão
esperada, dos outros humanismos, dos gregos, do
cristianismo, do romano, do renascimento, do socialismo,
do comunismo, de acreditar que somente os humanistas
poderão dar à sociedade os meios necessários para se
libertar completamente de seu mundo emocional. O
homem conseguiu perceber a limitação do racionalismo
intelectual de uma elite pensante, como resposta para
acabar com a inumanidade, no meio social.
O homem366 é o único animal que pode sentir-se
angustiado, stressado, depressivo, ansioso, amargurado,
magoado e ter consciência destes sentimentos. Esta
conscientização pode proporcionar a oportunidade de

366
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E, Paidós, 10 edición, 1991
pág. 53
538
pensar sobre sua condição existencial, mesmo sentindo-
se expulso do paraíso. Ele sabe das dificuldades e
desafios, inerentes a sua própria condição de vida, mas
não pode fugir do seu compromisso histórico; ele,
necessariamente, tem de evoluir em consciência
humanizante e humanizada, em conjunto com o
aprimoramento tecnológico e cibernético.
Retornar ou regredir ao estágio pré-humano, da
barbárie, da irracionalidade, é assumir-se como um
primata, bem próximo da expressão dos mamíferos. A
humanidade luta por avançar, tanto nas descobertas
científicas como no seu autoconhecimento, para poder
integrar a razão e a natureza, onde o convívio, do seu
domínio e exploração, possa ser harmônico.
Seu processo evolutivo, nas descobertas de novas
tecnologias, nas ciências da física, química, biologia,
astrofísica, astronomia, ciências da computação,
cibernética, coloca-o num plano desconcertante. Quanto
mais ele pensa sobre a possibilidade de se ter o domínio
da natureza, mais ele fica perplexo e se distancia, em
gênero, número e grau, de compreender a essência da
natureza.

539
Esta perplexidade367 o coloca num dilema
existencial, pois muitos de seus próprios inventos, que
acreditava ser em uma solução, se tornam um problema,
de poder chegar-se à completa destruição de nosso
planeta. Vamos comentar sobre o invento da bomba
atômica (energia nuclear); pólos industriais (poluição da
natureza). O homem deve buscar, incessantemente,
mesmo diante destas adversidades, outras soluções,
aonde chegue à plena consciência da responsabilidade
ética, para contribuir, de maneira decisiva, a favor da
existência da vida, em nosso planeta.
Sua experiência fará ver que a felicidade não está
no individualismo, que seu próprio interesse não pode
estar acima dos demais, pois, destruindo a natureza,
inconscientemente, estará matando a si mesmo. Para
compreender as dificuldades do homem, temos de olhar
o seu modo de existir, o que ele está fazendo com sua
própria vida. Estas complexidades racionais, irracionais,
primitivas, evolutivas, inumanas, humanas, estão na
essência da intimidade de cada homem, pois ele é um
animal, mas, ao mesmo tempo, tem belas vestimentas,
carros esportivos, belas casas, erudição, amorosidade,
solidariedade, afeto, distanciando-se, cada vez mais,

367
Ibidem, pág. 31 y 54
540
desta irracionalidade, provando a si mesmo, que se
encontra plenamente humanizado368.
O homem está na natureza. Ele é a natureza.
Simplesmente, um capricho para nos fazermos
inteligíveis, provando o quanto estamos longe desta
integração harmônica. Esta consciência do seu papel
neste planeta, de fazer parte dele e, além disso, ter a
nobre missão de transcendê-lo, ampliando, cada vez
mais, seu grau de consciência planetária e cósmica,
desenvolvendo, evoluindo seus próprios instintos para
sobreviver, na face da terra. Sendo livre, pode optar pela
liberdade de oprimir, decide a favor da vida ou da morte.
Nestas encruzilhadas, encontra-se o humano no homem.
O mais belo sentimento do homem pode ser
apreciado de distintos modos. Gestos de amorosidade e
ternura conseguem nos dar a esperança de que
poderemos ter a certeza desta transcendência, onde a
beleza íntima da humanidade pode ser expressa na
solidariedade, na cooperação, na ajuda, nas atitudes
sublimes, próprias da existência deste amor, criador da
canção, do romance, da poesia, da família, da
convivência, do carinho, do afeto e de tantas outras
múltiplas facetas, onde a comunhão, a alegria, a

368
FROMM, Erich. Espiritu y Sociedad. Barcelona, España, 1996, pág. 91
541
satisfação de viver fazem, deste homem, um eterno
louco em busca de novas aventuras, tentando, sempre,
se aproximar, com mais ênfase, deste universo oculto de
sua própria mente. Sabe do seu poder, em dimensionar
projetos impulsionados pelos instintos vitais, garantindo-
lhe a imortalidade.
“Começamos analisando o que é o homem, qual é
a sua natureza, quais são as condições específicas de
sua existência. E depois, tratamos de averiguar quais
são as necessidades básicas e as paixões que se
originam desta condição, de sua existência, e de que
modo pode responder a estas necessidades. Quero dizer
que pode dar diferentes respostas, e estas são o que
constitui a diferença entre saúde mental e a doença”.369
O homem está inserido dentro de um contexto
social, histórico, político e econômico. Esta realidade
atinge, de modo direto e indireto, as chances e
oportunidades de sobrevivência, no meio social. Estes
recursos nem sempre estão disponíveis a todos. Muitos
têm o privilégio de receberem as condições necessárias,
como educação, moradia, status, profissão, família,
valores, orientação adequada e aprendizagem, para
desenvolver todas as suas capacidades.

369
Ibidem, pág. 97
542
Toda regra tem exceção, mas convenhamos que,
para a vida se tornar menos cruel e dura, deve estar
acompanhada das condições básicas, para desenvolver
todas as suas aptidões cognitivas, emocionais e sociais.
Mas, independente da postura desta pessoa, no meio
social, a cultura, tradição, regras, normas e leis poderão
ter forte influência na formação de seu inconsciente
social.
Cabe a muitos milhões de latino americanos
colocarem em prática todo o potencial que o universo
oferece, utilizando-se de toda sua criatividade, mesmo
em meio às contrariedades, para conseguir suprir
aquelas necessidades, inerentes à sua condição de ser
humano. A avaliação da condição existencial, nos níveis
elevados de consciência, poderá ser apreciada pelo seu
estilo de vida.
Desde os tempos mais arcaicos, “o problema é o
mesmo, para o homem primitivo que vivia nas cavernas,
o nômade que cuida de seus rebanhos, o pastor egípcio,
o mercador fenício, o soldado romano, o monge
medieval, o samurai japonês, o empregado e
trabalhadores modernos. O problema são os mesmos,

543
eles surgem da mesma situação: a situação humana, as
condições da existência humana”.370
O inconsciente são registros copiados de uma
forma de interpretar a realidade, assumindo aquela
experiência como verdadeira, correta e significativa.
Nesta virtualidade, assume, compreende e vivencia esta
interpretação, como única possível, de inúmeras vezes
assumir-se como tal, acaba desenvolvendo toda uma
crença ideológica a favor de um modo de pensar, onde a
verdade mais eficaz é estar condicionado a um modo de
apreciar e viver realidades alheias, disformes,
incongruentes, até se dar conta de que, no seu
conformismo, encontra-se a passividade.
Dependendo do modo de encarar sua realidade,
dos outros e da sua própria sociedade, quanto mais
exigente for a sua condição de vida, mais acentuará, em
intensidade, a sua mudança. A condição humana
transcende ao “status quo”, dando enorme valor à forma
como lida com suas emoções. Muitos seres humanos
utilizam todo o seu potencial criativo doado,
indiretamente, pela humanidade, devolvendo, através de
suas ações positivas, a gratidão por tudo aquilo que

370
FROMM, Erich. El arte de amar. Buenos Aires, Paidós, 2002, pág. 20
544
recebeu, contribuindo com sua parte na melhoria das
condições de vida de outros seres humanos.
Pois bem, muitos serão sensíveis a este apelo,
promovendo relações de amizade e de amor. Mas
outros, infelizmente, serão tragados pelas emoções
negativas, do ódio, raiva, inveja, ciúme, cavando a sua
própria sepultura de infelicidade e tristeza371. Trata-se do
morto vivo: um corpo físico, sem consciência clara da
sua enfermidade mental. Seu distanciamento das
questões valorizativas da existência é tão grande, que se
torna um ser esquizóide, distante, amargo, insensível,
onde implica somente rigidez de pensamento. Se sente
um objeto. Por projeção, sempre tratará o outro com a
mesma medida de indiferença e agressividade.
O homem é fruto de suas decisões, não somente
da sua racionalidade, mas das realidades ocultas
inconscientes, segredos perspassados por séculos de
geração em geração. Seu significado em existir pode ter
várias opções, incluindo a sua permanência na
ignorância, ou lançar-se em busca do autoconhecimento.
Temos que ver quais são, realmente, as
motivações, desejos e intenções deste homem; qual seu
projeto de vida, aquilo que ele quer ou deseja que

371
MORIN, Edgar. A humanidade da humanidade. Porto Alegre, Sulina, 2002, pág.
63
545
aconteça. Como conviver com esta dura realidade,
destas neuroses obsessivas, fruto do orgulho e vaidade
pessoal? Desobstruir esta rigidez de caráter é uma tarefa
pertinente à psicanálise humanista.
Somente ela, com toda sua prudência, pode
analisar, efetivamente, as resistências e os
compromissos inconscientes, portadores da mensagem
da derrota e do fracasso existencial. O homem necessita
deste autoconhecimento, senão, corre o risco de viver
mergulhado em iniciativas que só provocam a perda. De
nada adianta a beleza de um rio, se a própria pessoa não
souber nadar, para usufruir das belezas de suas águas...
Para um mau nadador, despreparado, o
afogamento é condição quase certa. Ninguém pode
chegar a algum lugar, sem antes ter se preparado para
tal fim.
“O homem, em realidade, pode fazer quase tudo
e, talvez melhor, a sociedade organizada pode fazer
quase tudo. O quase tudo é importante.”372 A qualidade
do ser humano está contida nesta essência quase divina,
pois consegue dar a todos os objetos e pessoas um
toque mágico, isto advém de tudo aquilo que persiste no
âmago do ser. Depois do próprio homem delinear um

372
FROMM, Erich. La revolución de la esperanza. Buenos Aires, F.C.E., 1992, pág.
68
546
projeto de objetivos, a diferença está no quanto de
inteligência, criatividade, disposição e perseverança terá,
durante a realização do seu sonho.
Terá sentido a necessidade, durante este
percurso, de estar aberta a novas aprendizagens,
mudanças, acumulando experiências. O seu conteúdo
psíquico poderá se manifestar, com disposição, onde
simplicidade e humildade são os pilares para alcançar
seus objetivos. “Ser” significa estar plenamente
realizado, tendo a consciência do quanto produtivo está
sendo este existir com sentido, propondo, para si
mesmo, o melhor que a existência pode oferecer.
O homem carrega dentro de si o seu melhor e
pior; o ser alienado é aquele que vive mais por obrigação
que por satisfação e prazer pessoal. Durante muitos
milênios e séculos, o homem foi definido como Homo
Faber, aquele fazedor de ferramentas; Homo Sapiens,
aquele que deseja conhecer o sentido do seu próprio
pensamento; Homo Ludens, aquele que usufrui o
entendimento que a vida oferece; Homo Negans, aquele
que consegue dizer não, mesmo quando toda sociedade
diz sim, Homo Demens, aquele que está doente, Homo
Esperans, aquele que sabe esperar e lutar sempre pelo

547
melhor, porque no dia em que a esperança desaparecer
estaremos atravessando as portas do inferno373.
Sempre ficarão, nas nossas mentes, homens que
marcaram a história de forma positiva, souberam, com
maestria, socializar suas descobertas, pois foram
capazes de ver mais longe do que muitos homens,
mesmo sendo tachados, no seu tempo histórico, de
loucos, nécios, criminosos, charlatães constituindo, ao
longo da história, o que a sociedade humana pode em
algum momento decretar como certo, errado, normal e
anormal. Dentro das suas próprias limitações, não
impediram a força da imaginação em lutar por aquilo em
que acreditavam, foram capazes de ir além do pré-
estabelecido, trazendo uma novidade à humanidade,
mesmo que tivessem que pagar com a própria vida.
Sua audácia imaginativa não foi detida pela força
do poder judiciário, pelas armas de tortura, pela violência
física, por ameaças à própria vida. Por amor a tudo
aquilo que é mais sagrado, resolveram abdicar do seu
próprio narcisismo para, em nome de seu próprio
martírio, deixar um legado histórico e científico à
humanidade.

373
Ibidem, pág. 65
548
Ainda que o logos seja comum a todos, a memória
dos homens vive como se cada um tivesse uma
sabedoria particular374. Esta originalidade, em cada ser,
floresce de um jeito todo especial, de buscas totalmente
diferentes, mas com a mesma finalidade. Nestas
diferenças, as expressões da face, da linguagem
corporal, sua maneira de sorrir, o modo de enfrentar os
medos, contribuem para dar forma e conteúdo estético a
um estereótipo, com uma predominância de
temperamento e caráter ao homem.
Muitas personalidades, chamadas por Jung de
tipos psicológicos, puderam acentuar uma inibição ou
extroversão, manifestada pela alegria, divertimento,
prazer, felicidade, timidez, tristeza, isolamento, dor,
infelicidade, sentimentos tão comuns à condição
humana, adquiridos com as emoções básicas, presentes
em todos os gêneros humanos, desde o homem mais
primitivo até o mais contemporâneo.
A organização do homem, diante do cosmos e do
seu próprio planeta, parece-nos frágil, limitada, mesmo
com todas as tecnologias desenvolvidas, ainda não
conseguiu acabar com a fome no mundo e muito menos
com a devastação criminosa das queimadas. Com a

374
MORIN, Edgar. A humanidade da humanidade. Porto Alegre, Sulina, 2002, pág.
56
549
emissão do gás carbônico, trazendo consequências,
como o aquecimento global, fragilizando a camada de
ozônio, protetora dos raios ultravioletas do sol, as
guerras nefastas de mais de 100 bilhões de dólares, com
gastos na produção de armas de destruição em massa,
por ano mundo.
Ainda é muito forte, na humanidade, e,
especialmente, na classe dirigente, o transtorno
obsessivo para se ter o domínio e o poder, a qualquer
preço. A desumanização é tão cara à raça humana,
colocando em jogo a sobrevivência de nossa espécie. O
homem precisa evoluir em prol de uma sociedade mais
humanizada, em que as regras do jogo sejam outras,
caso contrário, colocará em risco a vida do homem em
nosso planeta.
Então, começamos a entender a essência do
nome “Psicanálise Humanista”. É uma ciência do homem
para o homem, ajudando-o a encarar-se de frente,
principalmente, os líderes, políticos, empresários,
industriais, para reacenderem, dentro de si, uma nova
proposta de trabalho, intervindo, com seus poderes
econômicos, não em favor de teses, onde o egoísmo se
acentua, a ganância está em primeiro lugar, situando-se
numa perspectiva em que a cooperação, a solidariedade,

550
possa intervir, com mais veemência, na defesa da
evolução realizadora, que inclua o todo e não somente
uma pequena parte da população.
Para atacar, de frente, a violência social, a
massificação, a exploração econômica, a manipulação
consumista, com uma justa distribuição de chances e
oportunidades para aqueles que, realmente, necessitam,
investindo na qualidade de vida do homem, em nossa
sociedade, pressionando os governos para a
aplicabilidade correta dos recursos públicos. Esta ação
política é um dever de todos.
O homem pode, sim, usufruir de toda sua
inteligência para utilizar, com sabedoria, os recursos e
tomar decisões sensatas, para, aos poucos, criar uma
nova consciência, sem correr o risco de recair em um
desânimo pessimista375. O que jamais pode acontecer é
perder a fé na capacidade de superação e na
transcendência do homem; seu coração não pode estar
embrutecido pelas decepções da existência. Os
organismos educacionais e lideranças devem cuidar para
não dar o poder aos doentes, psicopatas e
esquizofrênicos, como a própria história já nos mostrou:
um Hitler, Gautieri, Mussolini, Stalin, Pinochet, Ernest

375
FROMM, Erich. La misión de Freud. México, F.C.E., 1981, pág. 7
551
Geisel, e tantos líderes, sem coração, que usaram a
força, o medo e a morte, como condição para se
manterem no poder.
A psicanálise, como consciência preventiva, não
pode se omitir, fechando-se em seus consultórios
particulares, virando as costas para os problemas
sociais, como se a única realidade fosse a pulsão sexual,
a libido, o prazer que movimenta o homem. Não pode
mais ficar acreditando só neste homem libidinal, será
preciso olhá-lo com as múltiplas facetas.
O compromisso de fidelidade da psicanálise é sair
desta situação de “tartaruga” ou de uma “ostra”,
fechando os olhos, por ter medo destes desafios,
escondendo-se, protegendo-se na carapuça, inerte, em
silêncio, sem um mínimo de ação. Enrijecido sob o signo
das estruturas antigas, escondem-se, organizando-se em
conjunto para fugir deste enfrentamento, tão necessário.
Precisamos sonhar, lutar por uma sociedade diferente e
justa. Sem dúvida, a participação dos psicanalistas terá
extrema importância.
As sociedades são dinâmicas, rápidas, espertas.
Por isto, teremos de fazer esta mudança com
versatilidade, para não ficarmos somente em cima das
probabilidades, mas para usarmos, de fato, toda a

552
possibilidade, convivendo com as diferentes ideologias,
onde a regra principal seja o diálogo, a intenção positiva,
para alcançarmos, juntos, tão almejado objetivo: a
segurança, harmonia e produtividade, além de um novo
escopo de formação psicanalítica.
A psicanálise precisa garantir as necessidades
emocionais, psicológicas e valorizativas ao homem. À
religião, cabe desenvolver a espiritualidade, às ciências
da saúde, a socialização dos recursos científicos e
tecnológicos, a toda a população. Ao observarmos o
conceito de homem de Freud, nos deparamos com uma
máquina, que impulsiona e é regulada pelo princípio de
manter o mínimo de excitação da libido. Diz que o
homem é extremamente egoísta e somente se relaciona
com os outros para satisfazer seus desejos instintivos.
O prazer, para Freud, tinha a função de aliviar a
tensão, nunca a experiência do orgasmo. O amor
fraterno era uma demanda da irracionalidade, justamente
porque não confiava na sinceridade do afeto e do
carinho, aquelas pessoas dependentes do amor eram
consideradas como uma repressão ao narcisismo
infantil376.

376
FROMM, Erich; SUZUKI, D.T. Budismo Zen y psicoanálisis. México, F.C.E.,
1964, pág. 93
553
Com a proposta de Skinner, a natureza humana
pode ser condicionada, adestrada, manipulada, como se
os homens fossem, simplesmente, um receptáculo de
estímulo, resposta e reforço. Com isto, se poderia
domesticá-lo, colocando-o a serviço da ordem social.
Para os que fazem o bem, o primeiro (reforço) é o elogio
ou prêmio, mas aqueles que praticam o mal (punição),
dependendo do número de vezes e da intensidade do
estímulo, poderá se criar um novo comportamento,
alienado, sem senso crítico, irresponsável diante de si,
precisa de uma ordem externa para cumprir uma tarefa.
“Se o homem é perigoso por natureza, insensível
e passivo, unicamente o que poderá movê-lo à ação são
alguns estímulos, que não sejam intrínsecos, mas sim
extrínsecos a sua atividade: essencialmente, os
estímulos da recompensa (prazer) e castigo (dor) (...)
Teria que obrigar o aluno com todos os tipos de
recompensa e castigos”.377
O “homem perfeito” de Skinner requer plena
obediência. Para isto, se faz necessário criar estímulos
visuais, prêmios, com a finalidade de reproduzir
comportamentos, típicos de um autômato; não tem
referência e, muito menos, iniciativa, é como o rato de

377
FROMM, Erich. La patologia de la normalidad. Barcelona, España, Paidós, 1994,
pág. 132
554
laboratório, fica no aguardo do próximo exercício para
realizar uma tarefa, com o fim de obter um alimento378.
A teoria comportamental age como se o homem
fosse uma tábula rasa, como disse John Locke (1632-
1704), necessita somente impor regras, normas, leis,
regulamentos, pois o homem não sabe decidir por si
mesmo e, muito menos, pelo próprio esforço, alcançar o
seu prêmio existencial.
Alienado, massificado, fica condicionado a
acreditar em promessas ideológicas. Como não tem
liberdade para agir, criatividade para pensar por si
mesmo, capacidade e talento para decidir, valores
morais e éticos, fica sucumbido na espera do prêmio, tão
merecido, da vida eterna no paraíso; mas, para ser
aceito no céu, precisa ser obediente, nunca questionar,
seguir as ordens dos superiores e jamais pensar em
subverter a ordem, pois o castigo será inevitável.
O resultado que encontramos, da teoria de
Skinner, na educação, são seres apáticos, sem iniciativa,
obedientes, para decorar as fórmulas, sem jamais
transgredir uma norma. Com este modo de ser, agindo
neste estado de inconsciência, aguarda a avaliação
externa do professor. Para ganhar boas notas. É um

378
FROMM, Erich. Ética y psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª, edición, 1991, pág. 34
555
reforço para continuar fazendo as mesmas coisas, nos
mesmos horários, obediente e submisso às ordens da
hierarquia da escola. Aqueles que ousam agir diferente
são repelidos, com ameaça de expulsão ou reprovação.
É este tipo de homem que queremos para a nossa
sociedade? É gritante a falta de líderes, de iniciativas.
Convivendo com tal modelo alienante, não seria para
menos o resultado que alcançamos. A teoria de Skinner
se encaixa bem no exército, onde os condicionamentos
são ainda mais fortes, partindo do princípio de que a
pessoa não pode decidir e aprender a matar. Não existe
a escolha de servir ou não as forças armadas. Em nome
da defesa do país e no amor à pátria, estão obrigados a
pegar nas armas. Existe até a justiça militar, para julgar
casos de dissidentes, aqueles que desobedecem às
ordens. Recebem punições severas, para condicionar
sempre o outro a ter medo de tal iniciativa e continuar
obediente às regras estabelecidas.
Toda a organização da natureza sofre a
fragilidade, para realçar a sua força, como uma
totalidade. Esta complexidade tem no seu núcleo a
unidade, na diversidade, e a ordem, na desordem, a
solidariedade e o egoísmo extremo. Estas realidades
existem dentro de um mesmo sistema, estão ligadas,

556
entre si, por mútuas necessidades. São estes vínculos e
associações, interdependência e complementariedade,
que não constituem meios, dentro de um sistema, mas
arquipélagos de organização.379
Estas interações organizativas se movimentam,
em meio ao caos da existência, apresentando, em alguns
momentos, ordem e em outros, completa desordem.
Quando tudo parece destruição, surge, do nada, um
novo amanhecer, esclarecendo, iluminando, mostrando
em um exercício de reflexão, aquelas imposições,
determinações iniciais, que impediam a transformação
simbólica dos pensamentos, numa ordem organizativa
material.
As interações, de relacionamento, comunicativas,
se organizam a partir das intenções (desejos) ou
necessidades (biológicas, emocionais), para dar vazão à
satisfação, preenchendo aquelas lacunas, eventos de
vazios existenciais, surgidos a partir de fenômenos
aleatórios à sua própria vontade.
Para compreendermos as manifestações dos
desejos inconscientes na natureza, precisamos
interpretar os riscos, desafios, somente como a ponta de
um iceberg, as incertezas são o estímulo necessário para

379
MORIN, Edgar. A vida da vida. Porto Alegre, Sulina, 2000, pág. 39
557
criar a curiosidade, atenção, inquietação, criatividade,
remédios tão necessários para manter a atividade do
conhecimento, nos recursos cognitivos, para enfrentar os
riscos, dificuldades, eventos imprevisíveis.
Estas interações surgem como mera aleatoriedade
de eventos desencontrados, unidos por semânticas,
campos eletromagnéticos, assimetrias, sinergias,
favorecendo o encontro dos recursos necessários para o
desenvolvimento da inteligência, na solução de seus
problemas existenciais.
Os nossos ancestrais mais próximos, os
hominídeos, os “australopitecos”, os “homo hobilus”,
“homo erectus”, “homo neanderthal”, todas estas etapas
evolutivas do homem duraram milhões de anos, outros
milhares de anos, outras centenas de anos, foram, de
uma certa forma, se adaptando ao seu novo habitat
natural, selecionando organismos mais aptos, ao passo
que a intervenção deste organismo mais apto
380
influenciava, modificando o meio ambiente .
Muitos autores defendem a tese de que a natureza
do homem é hostil, violenta e agressiva, com uma
tendência a ser invejoso e ciumento, que busca a
proteção do amor por temor e insegurança.

380
Ibidem, pág. 66
558
A psicanálise humanista se contrapõe a esta
interpretação, insistindo que o homem é bom, desde seu
nascimento, e que a fonte destrutiva não é parte
destrutiva de sua natureza381.
Se o homem tem uma natureza assim, como
poderíamos conceituá-la objetivamente? Temos que,
necessariamente, acreditar em reações destrutivas, onde
todos os seres humanos são partícipes, ou podemos
pensar diferente?
Podemos pensar que seus comportamentos e
decisões serão influenciados pela cultura, educação,
religião, política e sociedade, podendo modificar, de
maneira positiva ou negativa, os critérios de valor e
importância, nas atitudes conscientes e inconscientes
deste homem. Num mesmo homem, podemos vislumbrar
várias realidades ao mesmo tempo, a biológica e cultural,
o desenvolvimento cerebral e psíquico, dentro de uma
mesma unidade psíquica.
Esta energia vital, também chamada de
inconsciente organísmico, produz toda a neuroquímica e
reações necessárias para ativar o sistema imunológico
para combater e identificar o vírus intromissor. O ‘id’ é
um esperto em assuntos de comunicação

381
FROMM, Erich. La patologia de la normalidad. Barecelona, España, Paidós,
1994, pág. 132
559
neuroendócrina, vascular, circulatória, homeostática,
vegetativa, glandular, fisiológica, neuronal. Está sempre
atualizando suas informações para poder agir, de forma
eficaz, com o legado ancestral da filogenia e ontogenia,
agindo com extrema rapidez e eficiência.
O homem não tem consciência para saber desta
inteligência inconsciente, atuando sem cessar, num
aprendizado constante. Pois, precisa atualizar suas
memórias, captando, de modo eficiente, através dos
receptores e da percepção visual, o nível de intensidade
de prazer na vida ou de desgosto e infelicidade. Diante
desta constatação, a natureza organísmica inicia um
processo de autodestruição pessoal ou da promoção da
vida.
O organismo, em sua inteligência, consegue
captar o ambiente onde vive. Por isto, dependendo do
nível de estresse, angústia ou ansiedade, poderá
desencadear uma enormidade de sintomas, que
dependendo do tempo de incubação, só poderãao ser
extirpados com uma intervenção médica.
A natureza é preventiva, utiliza toda sua aptidão e
simbolização para se comunicar com sua consciência e,
neste diálogo interativo, são feitas interpretações, com
tomadas de decisões. A sabedoria da natureza não

560
consiste, apenas, em coexistir com o bem e o mal, mas
consegue ultrapassar, em níveis bastante complexos,
uma compreensão do grau de prazer ou desprazer, na
existência. Como juntar estes instintos vitais numa
unidade equilibrada, estando atento aos desequilíbrios e,
novamente, procurar o equilíbrio? O contraditório e as
diferentes opções. Quando alguns decidem por optar em
viver um grande amor, outros escolherão a política, para
chegar ao poder, outros irão viver, para buscar o prazer
sensual, outros, ainda, para se tornarem uma estrela e
terem fama; de diferentes modos e caminhos, todos, no
seu íntimo, querem alcançar a felicidade382.
Quando tentamos estudar a natureza, através do
nosso conhecimento científico, sofremos o processo de
aculturação social, educacional, religiosa, econômica e
política. Acredita-se na possibilidade da neutralidade
diante do fenômeno, não percebendo que, primeiro, a
natureza sempre existiu antes de nós, segundo, a
natureza sobrevive fora de nós, mas, atenção, nunca
sem nós383.
“O objetivo é de obter a união do homem com a
natureza, o naturalismo realizado da natureza. A
necessidade de autorrealização no homem é a raiz do

382
FROMM, Erich. Del tener al ser. Barcelona, España, Paidós, 1991, pág. 16
383
MORIN, Edgar. A vida da vida. Porto Alegre, Sulina, 2000, pág. 112.
561
dinamismo, especificamente, humano.384 “Este
acontecimento se dá por transformações sucessivas, se
desenvolvem de maneira simbiótica, com trocas
recíprocas, em uma biosfera ascêntrica, inconsciente,
espontânea e uma humanidade que se torna mais
consciente do dever, no mundo.”385
A relação entre a natureza e a humanidade
necessitará passar por um novo modelo de educação
científica, onde a complementariedade, o respeito, a
integração do homem com sua própria natureza,
estende-se a outras naturezas externas, também
importantes.
Nossa origem estava em uma estrela entre,
aproximadamente, 200 bilhões delas, de uma galáxia, de
tantas outras, num número aproximado de 30 bilhões
delas. Há mais de 4 bilhões de anos, iniciava a vida na
terra. Nós éramos os primeiros seres vivos numa
escalada, onde viemos a ter consciência de que, talvez,
fôssemos a única forma de vida no universo, porque, até
agora, não temos provas da existência de
extraterrestres386.

384
FROMM, Erich. La crisis del psicoanálisis. Barcelona, España, Paidós, 1971,
pág. 81.
385
MORIN, Edgar. Ibidem, pág. 116
386
MORIN, Edgar. Inteligência da Complexidade. São Paulo, Fundação Periópolis,
2000, pág. 277
562
Que finalidade teria no universo em desenvolver a
vida em nosso planeta a partir das potencialidades
organizadoras, evoluindo, selecionando, modificando, a
partir das interações nucleares, eletromagnéticas e
gravitacionais, se atualizando, a cada instante, em
núcleos, átomos, galáxias, estrelas?
E, nesta imensidão de seres, astros, energias
como, do nada, inicia-se o processo de vida na terra, a
partir de minúsculas bactérias, se dá início à idealização
do aprimoramento genético e cultural do homem?
Quanto mais a ciência avança, na análise da matéria,
descobre, na essência de sua gênese, que existe uma
história. O átomo é visto desde o interior do sol ou de um
astro.
Percebemos, em todas as cosmogêneses, uma
amostra de que o universo não é só um monte de astros,
estrelas, galáxias ou poeiras cósmicas, vagando em
desordem, mas tudo parece um engano, tendo esta
percepção, se conseguirmos ver, através da microfísica,
as partículas, ondas eletromagnéticas, estão numa
comunicação ordenada em pura gestação.387 Para
concluir, existe uma consciência inteligente se

387
MORIN, Edgar. A natureza da natureza. Porto Alegre, Sulina, 2000, pág. 99
563
expandindo, para além das fronteiras de nossa
compreensão.
“Sem dúvida, esta idéia da natureza é a
essência do homem, quero dizer, daquilo pelo qual o
homem é homem (...) como bom ou mal, amoroso ou
odioso, livre e não livre, etc. (...) A oposição entre a
natureza surge quando ela está sujeita a todas suas leis
e, ao mesmo tempo, transcende a natureza, porque o
homem, e só ele, é consciente de si mesmo e de sua
existência, é de fato, na natureza, o único caso em que a
vida se tornou consciente de si.”388
A natureza humana não pode ser conceituada a
partir de um único fator, como o amor, a agressividade. A
essência deve ser analisada a partir das suas próprias
contradições, que caracterizam a existência humana,
pertencendo à dualidade, à sua dicotomia cultural e
biológica.
Entre aqueles instintos ofendidos, agredidos,
reprimidos, esquecidos por uma atitude inconsciente e,
do nível de consciência destas incongruências, a
essência da própria pessoa.
A formação do “caráter, como substituto humano
dos instintos animais ausentes, constitui, diz Fromm, a

388
FROMM, Erich. El inconsciente social. México, Paidós, 2ª edición, 1983, pág. 41
564
segunda natureza do homem.”389 Existe uma essência,
no modo de ser físico, orgânico, fisiológico, emocional,
pulsional, que diz respeito a toda raça humana. A
diferença de uma pessoa a outra se percebe no tipo de
caráter.
A natureza tem uma nobre missão: estar atenta
para preservar a vida, cuidá-la para dar continuidade ao
processo de expansão e evolução; ela necessita,
também, aprimorar seus instintos, de acordo com as
exigências ambientais, para conservar sua própria vida.
Por isto, os biólogos, antropólogos, afirmam, na
existência de um instinto de autoconservação, o primeiro
critério de um organismo é estar vivo 390.
A natureza, em parte, tem suas leis físicas, e
somos incapazes de modificá-las, ao mesmo tempo,
sente a necessidade de transcender as suas espécies
mais primitivas.
Existe uma ordem e desordem aleatória, na
vontade do ser humano, proveniente destas pulsões
inconscientes, advindas dos desejos de instintos, que
determinam a fome, a sede, o sexo, que são
necessidades fisiológicas. O afeto, o amor, a realização

389
FROMM, Erich. Anatomial de la destructividad humana. México, Siglo
Veinteuno, 18ª edición, 2002, pág. 231
390
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág. ----
565
pessoal, a felicidade, são imposições do organismo,
agindo em sua inteligência. Por outro lado, há um
indeterminismo sobre as incertezas, probabilidades, a
liberdade de decidir, na aleatoriedade dos eventos
existenciais, sempre terá a ver com a outra. Ambas
interagem para fazer frente a estes acasos.
Não existe uma previsibilidade da certeza
absoluta, aquela objetividade, tão sonhada, para retirar
qualquer sensação de incerteza, diante do futuro. O
amanhã pertence à flexibilidade, à abertura, à novidade,
às surpresas boas e más. Podemos até imaginar, mas
nunca poderemos ter a verdade sobre a nossa posição,
nesta espiral evolutiva; convivemos com o que de melhor
existe na natureza. Esta energia inconsciente, tomada
pelo desejo da vida, pode colaborar, e muito, nos dando
a garantia que temos todos os recursos necessários para
olhar o futuro sobre diversos ângulos. Mas a escolha, a
decisão pode ser conscientizada ou inconsciente.
Tendo consciência de sua dependência à natureza
externa, do próprio oxigênio, do afeto das pessoas, fica
clara a limitação existente em si. Estamos entregues a
um labirinto de teorias, conceitos, filosofias, religiões, que
tentam diminuir o impacto existencial das demandas que
cada um tem a realizar.

566
Para diminuir o efeito angustiante do legado
histórico desta insegurança, utiliza vários artifícios com a
finalidade de narcotizar a consciência desta
responsabilidade. Como tem medo do futuro, opta por
conservar e consumir-se num estoque de coisas
materiais, tenta provar a si mesmo, o quanto é poderoso,
tudo tem de ser grande, imenso, como ele mesmo
gostaria de ser. Obcecado por esta idéia de superar suas
próprias limitações, tenta vestir-se num figurino,
incorporando-se num papel de rei, imperador, astro, faz o
melhor que pode para ser visto, lembrado, admirado e
idolatrado.
Este homem é engolido pela sua própria vaidade,
o orgulho coloca exigências descabidas, que vão além
das possibilidades e recursos da sua natureza.
Impregnado, por todos os poros, por esta doença
degenerativa, acaba, mesmo diante do sucesso e da
riqueza, idolatrado pelo seu próprio ego esquizofrênico.
Às vezes, paga um preço muito alto por sua
desobediência, em relação a sua própria vida.
A vida se compreende como se fosse um artista
pintando um quadro; tem, em sua mão, um pincel, as
cores, a tela; mas a paisagem, as tonalidades das cores,
os traços mais acentuados, podem expressar um tema,

567
comunicar um sentimento, muitas vezes não
compreendido por todos, mas que tem sua própria
originalidade.
Para qualquer pessoa, o espaço próprio da
individualidade, da autonomia, de prover o máximo de
seu potencial para usar na arte de sua própria
criatividade, gerenciando os conflitos, dificuldades,
perseguições, injustiças. Olhando assim, de modo
holístico, dialogando com todas suas próprias realidades,
ser transdisciplinar é juntar a humildade, a prudência, a
limitação, a sinceridade, para poder unir conteúdos
essenciais à oxigenação dos conceitos teóricos, na
própria existência. “A natureza funciona por necessidade,
não tem alternativa, nem vontade, nem liberdade, nem a
decisão em relação ao homem.”391
Se conseguirmos atender todas as demandas do
organismo físico, orgânico, fisiológico, juntamente com a
realização pessoal, sentido na vida, amor, afeto, a saúde
se manifestará em todo seu esplendor, mas se acontecer
algum descuido por má gerência, de irresponsabilidade,
de equivocar-se, de má aplicação de sua potencialidade,
com certeza, haverá, inicialmente, alguma reclamação
(sintomas), se persistir no erro e não for dada a devida

391
FROMM, Erich. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981, pág. -----
568
atenção (somatização), haverá o acúmulo de sofrimento,
manifesto em dor e falência existencial e orgânica.
Aquelas pessoas menos avisadas pertencem a um
mundo da onipotência e prepotência, acreditando sempre
que não precisam de ninguém, esquecendo por completo
de que existem em um corpo limitado. São, justamente,
estes sintomas, dores, perdas, enunciados de uma
situação conflituosa, que alertam a própria pessoa dos
enganos, ou de falsos caminhos, contrários às
necessidades mais elementares da inteligência da vida.
É preciso sutileza, refinamento, sensibilidade,
prudência, estilo, arte, consciência, intuição, meditação
para poder estabelecer um canal de comunicação, na
leitura simbólica deste signo ou sinal. Estar atento a
estes detalhes, através de nossos próprios sentimentos,
emoções, pela fina linha de existência, sabendo decidir,
naqueles investimentos duradouros e permanentes,
prevendo-se, com cuidado e amor próprio, ao
inconsciente organísmico na sua totalidade.
“Na atualidade, somos partidários tanto de
Augustus como de Pelagro, de Lutero como de Pico da
Mirandola, de Hobbes como de Jefferson. Acreditamos,
conscientemente, no poder e na dignidade do homem,
mas, ao mesmo tempo, inconscientemente, acreditamos,

569
também, na impotência e na maldade do homem,
particularmente em nós mesmos e explicamos seus
comportamentos, recorrendo à natureza humana.”392
Como compreender as manifestações da
natureza, depois de milhões de anos de evolução
fisiológica e psíquica, o homem se vê diante de
inexplicáveis exigências da sua própria complexidade
existencial, sabe do seu papel, tem consciência da
importância da sua contribuição na sua própria
humanização.
Ele sabe que é único, não há repetições. Toda sua
atitude tem uma consequência, terá que responder
diante de si mesmo ou dos outros, ou passar toda uma
existência camuflada nas dinâmicas neuróticas, vivendo
da artificialidade, vendendo sempre uma imagem.
Fazendo de sua vida uma representação daquilo
que os outros decidiram por ele. Vagando sem rumo e
sem sentido, perdido na confusão emocional, perambula
de um lado ao outro, reproduz o mesmo discurso de uma
fantasia que já se tornou realidade.
Este homem alienado, isolado, descomprometido,
recaiu sobre suas próprias ilusões, se vê enganando por

392
FROMM, Erich. Ética y psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág. 229
570
si mesmo e pelos outros, precisa urgentemente rever sua
vida.
Como uma saída eficaz, indica-se a análise, para
poder proteger a sua existência salvando-se e a todos os
outros de suas relações mais próximas, quando houver
um mínimo de humildade e aceitação para isso.
O conceito de homem, para Marx, depende de
certas idéias que podem estar relacionadas com a
patologia e sua saúde humana. Ele diz que a pior doença
é estar só, alienado, sentindo-se inútil para colaborar no
seu meio social. A saída para retornar à saúde mental é
voltar a um trabalho que o realize plenamente, de forma
produtiva e independente393. Este homem precisa
desenvolver todas as suas potencialidades, dirigindo,
assimilando e selecionando todas as informações
sociais, culturais e intelectuais.
Sua natureza também oferece esta possibilidade:
desenvolver todo seu potencial cognitivo e emocional. A
práxis existencial vai colaborar no aprimoramento da
sobrevivência psíquica e orgânica, além de estar atento
para realizar um trabalho onde não seja, simplesmente,

393
REYES, Mario Augusto; MILLÁN, Salvador, MILLÁN, Sonia Gojman de, et al. La
naturaleza humana. Motivaciones, pasiones y desarrollo individual In Erich Fromm y
el psicoanálisis humanista. México, Siglo Veinteuno, 2ª edición, 1982, pág. 125
571
uma obrigação, imposição, mas aprendizagem,
realização, prazer em estar ali, com todo seu ser.
No homem está a capacidade de amar. Se, por
exemplo, estiver bloqueado por alguma neurose,
sentindo-se incapaz de amar, desenvolverá uma baixa
auto estima e, insatisfeito e frustrado, tentará procurar
um meio de narcotizar esta necessidade, seja por meio
de racionalizações, negações, compensações, ou de
qualquer válvula de escape, para evitar o confronto com
esta dor causada por seu fracasso de não conseguir
amar e não se deixar amar394.
A neurose advém de conflitos interiores do
homem; são medos, fobias, rejeições, crenças, que
impedem a aproximação e liberação do potencial, para
desabrochar as forças produtivas. Os sintomas físicos
são conglomerados de emoções, orientadas num
objetivo: pousam sobre um órgão específico, para,
depois daí, impedir a plena felicidade e realização
humana. “Todos os homens necessitam de ajuda e
dependem uns dos outros. A solidariedade humana é
uma condição necessária para o desenvolvimento de
cada uma das pessoas.”395

394
FROMM, Erich. Ética y psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág.
237-238
395
FROMM, Ibidem, pág. 115
572
Existe uma necessidade de afeto que o homem
busca, inconscientemente. Estar presente e perto das
pessoas, se unir com outros para viver uma dimensão de
ajuda e cooperação, mantendo sua individualidade e
originalidade, em busca do seu processo de
individuação. A sorte está lançada, o universo conspira a
nosso favor, a natureza prestigiosa nos presenteou com
inteligência e consciência. Agora, só merece tudo isto
quem diariamente se esforça, investe e sabe conquistá-
la396.
O verdadeiro afeto amoroso está presente na
produtividade, podendo ser chamado de amor produtivo,
onde estejam presentes os cuidados, a liberdade, a
individuação, a responsabilidade, o conhecimento, a
ética, a solidariedade, fazer o melhor possível para a
pessoa amada, como se estivesse fazendo a si mesmo.
O homem tem de tomar consciência que a sua
própria felicidade depende da solidariedade para com
seus semelhantes, dos amigos, pais, vizinhos, de todos
os seres humanos, que estiverem próximos a si. Deve
ser capaz de cultivar, cuidar daquilo que conquistou.
Para isto que existe a cooperação, amizade, altruísmo,
compaixão, alteridade, perdão, compreensão, elementos

396
FROMM, Ibidem, pág. 111 y 112
573
indispensáveis para dar fôlego à verdadeira comunhão
fraterna entre os seres humanos.
São as idealizações, projeções, frutos de uma
imaginação por demais fantasiosa, que tenta por
imposição, obrigar, ameaçar, exigir aquele afeto tão
necessário à sobrevivência psíquica. Porém, ainda não
entendeu os gestos gratuitos da natureza, um sorriso, um
abraço, um apoio, são atitudes próprias do amor humano
e devem, necessariamente, ser conquistadas e
praticadas.
Quando se tenta impressionar com a beleza física,
bens materiais, dinheiro, posição social, charme,
sedução, são estratégias do convencimento do quanto o
outro se sente interessante, portanto, isso tem um preço.
Mas parece uma negociação baseada em critérios
externos, este primeiro ingresso é também válido. Cada
um oferece aquilo que tem. Mas não pode se comparar o
frívolo e o externo com a sinceridade, a ética, a bondade,
a ternura, esta sim é a expressão pura do amor.
A natureza tende, através do homem, a tornar-se
imortal, utilizando suas próprias estratégias, guardadas
nas memórias do D.N.A. Todas as informações são
necessárias para dar origem a um novo ser, por isto, o
sexo tem a ver com o projeto maior da continuidade da

574
vida, além do prazer desfrutado pelo orgasmo, mantém
a imortalidade, na sua descendência genealógica. Todos
os animais já nascem com uma predisposição hereditária
de se acasalar, de se alimentar, de cuidar dos seus
filhotes, aptidões para caçar e recursos próprios,
utilizáveis para a sua sobrevivência.
Sabemos que a existência é muito mais que uma
disposição química ou um código genético decodificado,
de um instinto que tende a se perpetuar, na imortalidade.
Por trás deste determinismo hereditário, transmitido de
geração a geração, conservado, reproduzido, surgiu
também a consciência que, ao olhar ao seu redor, se dá
conta da magnitude da beleza da natureza, do cosmos e
da sua própria existência. Ao pensar, soube refletir,
primeiro, sobre o valor da vida e dos inconvenientes
causados pelas disputas, ambições, políticas, sentiu
necessidade de criar normas, leis, regras, para poder
viver em sociedade.
Para Erich Fromm, o inconsciente representa a
totalidade do homem, com todas suas
potencialidades; ele carrega, dentro de si, todas as
respostas, por acúmulo de experiências de seus
antepassados. Todas estas experiências de vidas
passadas são revividas em nós, estão presentes em

575
todas as partes do nosso corpo, principalmente, na
essência de vida de cada célula.
O inconsciente surge, desde um mundo arcaico, o
animal de rapina, o canibal, o idólatra é, também, um ser,
com capacidade para refletir, para amar e ser justo.
O consciente representa o homem social, sua
existência na luta para superar suas próprias limitações e
transcendê-las, dentro de uma situação histórica, política
e econômica.
O inconsciente são todas as faces de uma mesma
realidade e, ao mesmo tempo, nenhuma delas. Somente
a unidade, a globalização, a universalização podem dar
uma compreensão do que significa esta totalidade do
ser. Este homem está interligado por uma rede de
comunicação, onde diversas energias se cruzam. A
harmonia e ordem conseguem ser mais fortes, para dar
sentido e coerência ao próprio significado da existência.
Desde os tempos mais remotos, na escuridão da
barbárie, na irracionalidade, onde tudo se encaminhava
para um novo amanhecer, a evolução pode mostrar, já,
alguns traços de sua humanidade, aproximando, em
graus humanitários, uma maior unidade com a sua
própria natureza.

576
O homem, nos próximos milhões de anos, poderá
existir mais naturalizado. Poderá estar em plena
comunhão com todas as forças que regem a natureza.
No inconsciente humanizado, sempre colaborou para dar
prosseguimento a liberar uma maior compreensão desta
pulsão vital, colocando, em todos os momentos de sua
vida, uma contribuição para humanizá-la, dando sentido,
significado, inteligência e aprimoramento ao seu existir.
Em todas as sociedades sempre existiram estas
hierarquias de poder, estilo de vida, valores, estrutura
política, teocrática, republicana, democrática, totalitária.
De tudo isto, ficam incorporados alguns traços, em nossa
própria pessoa, como alguns líderes que estiveram
presentes, há milhares de anos, em algum passado
distante, ainda sobram marcas destas práticas em nossa
própria vida.
Existe uma quantidade de personalidades no eu.
Este tecido social e individual traz o registro ecumênico
de diversas civilizações, aprendizagens por acúmulo,
vidas ausentes se fazendo presentes.
Estar em contato com o inconsciente significa a
superação das contaminações afetivas e sociais,
significa desreprimir, trazer uma unidade, integralidade,
diante da dicotomia da separação, somar todos os

577
conteúdos simbólicos para propor uma saída, com
superação das condições sociais. Encontrar o equilíbrio,
a união, para poder sentir, perceber, com mais
profundidade, a própria realidade pessoal397. Encontrar a
integração entre o emocional e o intelectual, para fazer
frente às racionalizações egocêntricas. Sair de um
mundo paranóico e esquizofrênico, para tentar encontrar
respostas às exigências de sua própria natureza.
Impressionado pelos acontecimentos da própria
existência, não tem consciência das atitudes e relações
encontradas dentro de si mesmo. Imerso nesta condição,
a experiência, o medo, a insegurança, ficando
aprisionado a algumas migalhas de afeto, desconfiando
de suas próprias potencialidades, tenta, de qualquer
modo, convencer-se de sua inutilidade, não consegue
mais carregar, dentro de si, a cisão dicotômica entre
desistir ou existir.
Preso nas suas próprias tramas, funde-se num
labirinto de explicações, justificativas, tudo para não
decidir, pois, se ocorresse a decisão, implicaria numa
responsabilidade, diante de si mesmo. Desconectado de
seu próprio “eu”, assumir-se como um fantoche
facilmente manipulável, quanto mais falsa for a sua

397
FROMM, Erich. Budismo Zen y psicoanálisis. México, F.C.E., 1964, pág. 147
578
imagem para si mesmo, reforçará crenças de que aquela
representação está a contento do freguês.
Tomado pelo câncer do modelo imposto pelos
pais, ou sociedade, vive adormecido, na plenitude de sua
neurose. Os anos passam, as dificuldades vão se
juntando, as forças vão diminuindo, o pânico se abate,
porque não sabe mais o que fazer com a própria
existência. Imerso nesta confusão tenta, aos poucos, ser
realista. Observa quais são as reações das pessoas, se
acolhem bem ou rejeitam suas queixas. Mas o processo
de autolibertação continua, se for criticado, sofrerá a
queda no abismo da incerteza de suas próprias
inseguranças.
Seu sorriso procura dissuadir uma facilidade
atrelada às condições impostas pela sua neurose,
comprimido pelas experiências do superego, recai em
culpa e punição. O seu medo mais frequente é expor a
sua pessoa, apresentar seu potencial, pois pode
fomentar a aparição de alguma fobia. Perde-se nas suas
próprias racionalizações imensas em todo um jogo de
probabilidades, seus projetos não passam de mera
ilusão, seu discurso sempre tem o objetivo de falar para
contentar e nunca realizar.

579
Enquanto não se assumir, em toda sua expressão
de honestidade emocional, poderá recair num estado
doentio, onde toda sua energia será expurgada no
organismo, pela sua virulência psicossomática. “O
enfraquecimento imunológico pode vir de uma perda ou
de uma mágoa. Uma vontade selvagem ou de uma
intervenção, aparentemente mágica, pode levar à cura
de um câncer.”398
Como entender os caminhos percorridos pela
energia para somatizar-se num órgão do corpo? A
doença aparece sobre três situações: a primeira trata das
doenças crônicas, tratadas pela medicina e suas
especializações; a segunda trata das doenças psíquicas,
depressão, tentativa de suicídio, tratadas, antigamente,
por xamãs, feiticeiros, padres, gurus, hoje, por
psicoterapeutas ou psicanalistas; e a terceira trata dos
quadros de psicopatias, sociopatias, que trazem
perturbação do meio social, como delinqüentes, que são
tratados, na prisão, pelos delegados e policiais, para a
reinserção na sociedade.
“Para Fromm, o inconsciente se converteu, cada
vez mais, em uma fonte inesgotável do ser humano. O
Inconsciente não é só o que foi reprimido, porque não foi

398
MORIN< Edgar. A humanidade da humanidade. Porto Alegre, Sulina, 2002, pág.
54
580
aceito, socialmente, o inconsciente é mais bem a
pessoa em sua totalidade, com todas suas abismais
e desconhecidas possibilidades.”399 O homem só tem
um interesse verdadeiro: desenvolver, plenamente, todas
as suas capacidades e potencialidades, como ser
humano em evolução. Do mesmo modo que queremos
conhecer as qualidades de uma outra pessoa e suas
verdadeiras intenções e necessidades para podermos
amá-la, torna-se indispensável à própria pessoa
conhecer-se a si mesma, para entender quais são seus
reais interesses e como atendê-los400.
Para colocar em evidência toda sua
potencialidade, será absolutamente necessário
desenvolver sua individuação, autonomia, liberdade.
Empreender significa sair de uma condição de
submissão, de medo, para lançar-se em meio de uma
verdadeira vocação, fazer algo que dê prazer e se
realize. Quanto mais livre e original, mais condição terá
para exercer todo seu potencial criativo. A submissão, o
masoquismo, o medo, a insegurança são as grades da
prisão que impedem de dar liberdade a este ser.
“Aristóteles empregava a palavra virtude para
significar excelência da atividade, por meio da qual, se

399
FROMM, Erich. El amor a la vida. Buenos Aires, Paidós, 1997, pág. 132
400
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág. 147
581
realizam as potencialidades do homem.”401 Podemos
dizer que na semente encontra-se, potencialmente, uma
árvore. Esta afirmativa está correta, mas para que ela
possa realmente crescer, primeiro, temos de plantá-la.
Exige-se uma ação concreta, depois, alguém terá um
cuidado especial para colocar os nutrientes necessários
na terra, além da água. Para que uma semente
desenvolva seu potencial, teremos que oferecer as
condições necessárias para seu pleno desenvolvimento;
só assim se tornará uma árvore.
No mesmo caso, o homem, não é que ele seja
ignorante, simplesmente, não recebeu as condições
necessárias para o pleno desenvolvimento de sua
inteligência, atropelando, assim, todo seu potencial
criativo; é como a semente que não consegue crescer,
pois faltou água, terra e a luz do sol.
Produtividade significa conduzir este ser humano a
uma existência onde tenha sentido e significado o seu
ato de existir. A subjetividade tem, dentro de si, a
afetividade. Por isso, o ser humano está, também,
potencialmente destinado ao amor, à entrega, à amizade,
à inveja, ao ciúme, às ambições e ao ódio. O homem

401
Ibidem, pág. 27
582
pode estar aberto ou fechado a se tornar um bom ou
mau sujeito.
Assim, torna-se responsável, dependente, livre
para sentir-se agente e co-autor de sua própria
existência humanizada. Como explicar o princípio teórico
do holismo, relacionado com a complexidade Ao
observarmos a natureza, notamos uma infinidade de
fenômenos, que nos causam maior impacto ou
curiosidade. Optamos em escolher alguns para nos
aproximarmos e conhecê-lo, dentro dos recursos
metodológicos, proporcionados pela ciência.
A tomada de consciência está nos efeitos das
interrelações ecossistêmicas dos organismos vivos, onde
tece o fio condutor invisível, para congregar em
equilíbrio, na sua essência, as reações bioquímicas e
neurofisiológicas dos mais diferentes sistemas. Como
conhecer as partes sem ter uma visão holística do todo,
ou o contrário, como conhecer o todo sem ter uma visão
também das suas partes?
Ao tentar compreender estes matizes
inexplorados, numa lógica hologramática, onde o todo se
encontra nas partes e as partes encontram-se no todo,
vêm confirmar que a totalidade de nossa informação
genética está em cada uma de nossas células, e a

583
sociedade,como todo, está presente em nossa mente,
via cultura, que nos formou e informou.
Existe um cuidado generoso, com muita atenção,
de todos os fenômenos, atendendo ao princípio da
solidariedade, de manter a vida; todos mantém uma
intenção de sobreviver, adaptar-se, modificar para
continuar desenvolvendo, integrando, conservando,
nesta seleção atemporal da energia imagística, uma
compreensão celular e neurológica.
O homem vem confirmar este princípio
paradigmático da totalidade; toda escuta analítica inclui
um diagnóstico holográfico, de sua vida, fazendo um
passeio por todas as áreas importantes, conhecendo as
comunicações inconscientes da parte com o todo e do
todo com as partes, definindo, assim, pontos sensíveis,
importantes para a saúde orgânica e psíquica. Esta
compreensão leva o todo organísmico a agir de forma
menos agressiva.
A inteligência da vida do “todo organísmico” sente,
detecta, sofre, quando algum instinto é ofendido,
reprimido ou recalcado. E, nesta desobediência, acaba
se instalando no organismo uma ordem de destruição. É
preciso que se estabeleça uma escuta do sintoma, para
promover a cura. A teimosia em contrariar as leis da

584
natureza, poderá levá-lo a morte. “A consciência
humanista é a relação de nossa personalidade total ao
seu funcionamento correto e incorreto, não uma relação
do funcionamento de tal ou qual capacidade, mas sim da
totalidade de suas capacidades, que constituem nossa
existência humana e individual.”402
O homem quando pensa, reflete, o faz com todo o
seu ser, e nesta apreciação da realidade externa,
contém, desenvolve, incorpora, interpreta uma imagem,
em seu organismo, deste significado. O mesmo acontece
em relação a si mesmo, o autoconhecimento é o
combustível para dialogar, modificar, na sua origem, a
intencionalidade, mantendo sempre este vínculo com o
ambiente, relacionando o efeito desta auto-imagem e seu
esforço para alterá-la, modificá-la, de acordo com suas
possibilidades cognitivas em sair deste intrincado modo
organizacional de sua própria neurose.
O ser humano pode, sim, desencadear uma ação
de investimento pessoal a favor da vida, estabelecendo
um ótimo motivo para sua evolução pessoal, uma
imagem se nutrirá de acordo com aquele conceito. Todo
seu ser estará assumindo esta nobre função: manter o

402
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág. 173
585
espírito desta auto-imagem, podendo convalidar o seu
próprio modo de existir.
O homem necessita ampliar esta consciência. Por
isto, precisa de uma ciência transdisciplinar, onde o todo
seja levado em consideração. Quando puder
compreender o significado das interdependências, o
nosso pensamento poderá ampliar a inteligência, para
tomar consciência, no sentido de sua existência, se
autoiluminando, refletindo, apreciando, interrogando,
avaliando e tomando consciência de sua decisão
pessoal.
Esta consciência depende não só de sua fisiologia
ou organicidade, mas do fluxo de informações e
experiências emocionais. Saberá lutar, com o tempo,
com iniciativas próprias ou mesmo de seus próprios
desequilíbrios químicos. Entender esta mensagem
requer um autoconhecimento profundo de sua própria
organização inconsciente.
“O homem independente só consegue afirmar sua
individualidade como homem total em cada uma das
suas relações com o mundo, vivendo, escutando,
provando, tocando, querendo, amando. Em resumo, se

586
afirma e se expressa através de todos os órgãos de sua
individualidade”.403
Não há como conhecer uma cultura científica e
outra humanista; são duas realidades do homem, lutando
contra si mesmo, tornando-se subculturas, porque a
cultura tem a nobre missão de unir o que está separado,
criar as condições para ampliar uma comunicação
dialógica do que está fragmentado, dicotomizado,
disperso, cada parte do conhecimento trabalhando de
forma separada em guetos, sem articular, somar,
reintegrar tudo aquilo que está desintegrado.
A individualidade do homem, dentro deste
contexto, seria a própria autonomia para, em liberdade,
utilizar todas suas potencialidades organizadoras, para
encontrar um caminho, onde a própria legalização da
competência passa por inúmeras vitórias, cada um
reforçando, complementando, ampliando a inteligência,
operacionalizando, em diversos segmentos sociais.
A totalidade sempre levará em conta, em algum
momento da vida, critérios de valor e investimentos
naquelas áreas ainda infantis e punitivas. Depois desta
atenção, há um fator criador do desequilíbrio, voltando-se
ao equilíbrio, até a próxima situação, para, novamente,

403
FROMM, Erich. La condición humana actual. Barcelona, España, 1981, pág. 68
587
de outro modo, em outras circunstâncias, dar respostas
novas, ampliando a inteligência conscienciosa.
Esta visão do homem é contrária ao modo
classista e reducionista, mecanicista, de uma cultura
massificadora da criatividade. Existem, por demais, leis,
decretos, regulamentações, normas, regras, crenças.
Muitas delas limitando, sufocando, coagindo, amarrando,
bitolando a livre expressão do potencial humano. “Sem
dúvida, na formação da consciência, autoridades tais
como os padres, a Igreja, o Estado, os políticos e a
opinião pública, são aceitas, conscientemente e
inconscientemente, como legisladores éticos e morais,
cujas leis e sansões são adotadas, por um processo de
interiorização.”404
Toda esta complexidade social e humana aparece
se impondo, simplesmente, por impossibilidade de
dominar o todo, na doença, no sofrimento, nas perdas,
na decepção, no fracasso, são unidades separadas de
parte da existência, que fazem o perplexo se tornar
inexplicável, aceitável e incompreensível, sob os modos
de como se dão estes acontecimentos, na vida de uma
pessoa. Muitos destes eventos são trágicos. Como a
morte de uma pessoa que se ama. Mesmo na absoluta

404
FROMM, Erich. Ética y Psicoanálisis. México, F.C.E., 10ª edición, 1991, pág. 158
588
saúde, um pequeno deslize, por alguns segundos, basta
para causar um acidente, acompanhado de morte.
Como elaborar estas perdas perplexas de dor, de
revolta, de não haver uma explicação plausível, sobre um
ser que se ama. Qual o impacto desta perda, a nível
emocional, nesta pessoa? Qual o sentido e significado,
para ela, deste fenômeno surpreendente e complexo?
A dor e o sofrimento são também emergenciais,
agonizantes, de um espírito sofredor. Como dar clareza,
distinção e identidade à causa deste acidente? Esta
perturbação emocional cria uma incerteza do seu
destino, simplesmente por ter acompanhado tal
fenômeno, com um ser humano muito próximo. Ele
mesmo se surpreende com as experiências advindas do
seu próprio ser, em existência; este contato com estas
realidades, das descontinuidades, da incompletude, do
domínio sobre a vida, torna-o sensível a estas
demandas, alertando-se para uma busca, em seu ser, da
espiritualidade psíquica.
Existem pessoas revoltadas por sentirem-se
abandonadas e rejeitadas, encontrando explicações,
racionalizações, para toda esta realidade, impregnada de
perseguição e pessimismo. É a complexidade de vários
conceitos, fornecendo interpretações diferentes sobre

589
uma mesma realidade, mudam-se as maquiagens e o
figurino, mas, na sua essência, é sempre a mesma
pessoa. Todo o imperativo que falam sobre o homem
tem seu significado, porém, de distintas formas, tenta-se
aproximar e descrever a essência deste homem.
A complexidade, na psicanálise, tem a ver com
uma análise do todo, para poder pensar uma
organicidade, onde inclua a harmonia e a realização
completa de todas suas potencialidades. A vida exige um
pensamento complexo. São várias situações onde o
homem tem de atuar, estar consciente destes atos é
permanecer atento ao seu papel, naquela situação de
experiência, mas nunca assumindo um estereótipo que
não lhe diz respeito ou ofenda sua dignidade e liberdade
pessoal.
No início da psicanálise clássica, acreditava-se no
poder da pulsão da libido, a crença de que o atendimanto
desta energia poderia dar conta de toda complexidade do
homem. O próprio Erich Fromm dizia que não se poderia
mais aceitar a teoria da libido como símbolo da etiologia
da neurose. O homem, em Freud, não poderia mais ser
visto, na teoria psicanalítica, como um ser egoísta e
individualista, como “hombre machine”, mas sim, em ser
complexo em interações, destas dimensões ocultas

590
emergem toda uma fenomenologia, expressa,
simbolicamente, na expressão de sua energia vital405.
O modelo de um homem máquina dos antigos
mestres de Freud: no caso de Von Brücke e vários outros
na mesma linha de pensamento, como Helmholtz,
Büchner, se enxergava o homem como uma máquina
movida por processos químicos, amplamente
demonstrados por uma fisiologia materialista, sem alma e
espírito, onde as emoções e os sentimentos eram,
simplesmente, resultados de impulsos dos
neurotransmissores e de suas reações químicas406.
Um homem matéria, que funcionava em completa
sintonia, onde todas as engrenagens e mecanismos dão
sustentação à máquina física, espécie de robô, que pode
ser programado, manipulado, colocado a serviço do
capitalismo selvagem. Estamos apresentando um novo
paradigma, onde o homem é espírito, energia inteligente,
para cada célula existente, há uma imagem
hologramática de todo seu ser.
No modelo de explicação do homem, em Freud,
se dava real importância ao princípio de causa e efeito,
reduzindo o fenômeno a um princípio determinista. Para

405
FROMM, Erich. Grandezas y limitaciones do pensamiento de Freud. México,
Siglo Veinteuno, 1979, pág. 132.
406
Ibidem, pág. 134
591
saber onde estava a falha de todo o mecanismo cerebral,
ou para colocá-lo em completo funcionamento, era
preciso readaptá-lo a novos comportamentos, sempre se
pensou no poder das substâncias químicas como
intervenção na fisiologia do mecanicismo neurológico.
Sabemos do avanço da farmacologia, em intervir, com
ações eficazes, para conter, administrar, remediar
algumas doenças. Somos conscientes da necessidade
deste recurso, como uma última saída, para o sofrimento
humano.
A psicanálise humanista traz, desde sua essência,
um direcionamento para agir na prevenção. Entendemos
como absolutamente necessária uma responsabilidade
sobre seu próprio estilo de vida existencial, reflexão que
inclua uma humanidade analítica, capaz de resignificar o
sintoma, infelicidade, tragédia, perdas, sofrimentos de
sua existência.
Toda intervenção química tem como finalidade
corrigir um defeito da neurofisiologia cerebral. Não há
outro modo para combater a ansiedade, angústia,
depressão, fobias, insônia, stress, compulsões,
obsessões, senão através dos psicotrópicos; diríamos
que são altamente eficazes, de imediato, dão uma

592
resposta neuroquímica, fazendo com que desapareça,
por completo, tal sintoma.
Fromm diz que quando isto acontece, por um
processo psicopatológico, geralmente a experiência é de
muita dor. Isto atinge diretamente a natureza humana
deste homem, apesar de toda a administração dos
medicamentos, corre o risco de ter os efeitos colaterais e
a dependência. Esta interferência modifica e altera o
equilíbrio psico-emocional. Muitos se encontram numa
condição de não-vida. Alienados, neste sonho
alucinógeno, acostumando-se a conviver com uma
consciência nocauteada pela narcotização, deste modo,
alienados, passivos, distantes, conseguem dormir, sem
culpa, com a ajuda das pílulas. Esta é a forma como
nossa cultura encontrou para adormecer a consciência.
Precisamos rever este modo de tratar o homem,
como se fosse uma coisa ou objeto, quase igual a uma
máquina. O homem é vida plena tomada de ternura, seu
movimento interior é de buscar, por iniciativa própria,
dimensões de amor de vários estilos, próprios da
criatividade, arraigada nas diferenças pessoais. Uma
complexidade exige uma reflexão sobre a unidade, tecida
por diferentes fios, cada um com seu objetivo, mas, no

593
final da tarefa, realizam ou se transformam no que foi
previamente agendado.
Na existência do homem, tudo se entrecruza, se
interrelaciona, se auto-organiza, se modifica, em distintas
mutações; mais forte que toda esta complexidade, está
relacionada, engajada em manter a diversidade, a
variedade, nas suas próprias individualidades operativas,
deste tecido amplo, mais interligado por diversas faces
de um desenho, corporificado pela malha do todo.
O que dizer de todas estas complexidades se não
sabem caminhar em meio a estas desordens aparentes?
Pois, sem menos esperar, acreditam em situações
geradoras de uma ordem inesperada. O modelo
reducionista de homem, do controle da pulsão como um
instinto de um animal coagido, precisará da
domesticação da repressão, para conter este impulso
irracional.
O homem libido está plenamente satisfeito e
realizado na descarga de sua pulsão sexual, a vida
consiste em apaziguar este instinto enfraquecido. Para
isto, conta com as forças repressivas da sociedade.
Fromm consegue ver isto; porém, acrescenta o amor, a
ternura, a alegria, e não, simplesmente, um desejo de
reduzir, a qualquer custo, esta tensão sexual e, fora

594
desta visão, não há novidades, originalidade e
407
subjetividade .
A idéia de homem, analiticamente libidinizado, cria
uma pan-sexualidade, onde a recorrência está no modelo
reducionista e mecanicista; dá asas à imaginação,
entrecortada por uma única idéia. Fixado, na etiologia da
neurose, perde-se o contexto do todo, recaindo e
valorizando somente uma parte, unidimensional, do ser
humano. Um homem empírico experimental está com
suas asas cortadas, preso no seu próprio labirinto de
conceitos. Acredita, cada vez mais, na sua inutilidade,
massificado, condicionado, desprezado, enganado e
cúmplice de uma sociedade por demasiado doente.
De onde este homem vai retirar forças para sair
destas camisas de força, que sufocam, maltratam,
insensíveis, deterioram a graça da leveza de um ser, por
demais sacrificado por ideologias derrotistas? A
psicanálise humanista não é uma religião, uma crença,
uma doutrina dogmática, mas um estilo de vida de
compreender todas as manifestações daqueles afagos,
afetos, deixados de lado ou esquecidos, por falsas
crenças e ideologias. Na busca constante deste

407
FROMM, Erich; FUNCK, Rainer. El amor a la vida. Buenos Aires, 1999, pág. 93
595
encontro, procura otimizar o potencial dos valores, que
enobrecem a raça humana.
Esta ciência do homem tem seu compromisso em
alcançar outras dimensões, desconhecidas no próprio
homem. Por isso, ela é transdisciplinar, inclui umas
visões ecossistêmicas, integrativas e organizacionais, da
própria existência. A cada análise feita, o homem sobe
um degrau e enobrece a grandeza do seu existir.
Consegue cooperar, ser solidário, avançando sempre e
nunca deixando de acreditar naqueles que procuram
uma saúde existencial, por livre e espontânea vontade.
Este humanismo trata das emoções mais
elementares da vida de um ser humano. Neste resgate,
se incluem varias exigências para a criação de um elo
mais forte consigo mesmo e com os demais. Na
humanização aparece toda beleza de um ser enigmático,
complexo e, ao mesmo tempo, virtuoso, verdadeiro,
generoso e capaz.
Transpor-se a um modelo teórico, já incutido por
uma mentalidade grego-judaica, sedentarizada pelo
poder das ciências exatas e tecnológicas. Resta-nos
combater o bom combate para não passar a vida,
justificando e criticando. É preciso avançar, lutar por
aquilo que se acredita, ainda mais quando a própria

596
pessoa possa se beneficiar, através de uma práxis
analítica, de tudo aquilo que almejava e sonhava.
Novos horizontes exigem novos pensamentos e
ações. De tudo que acontece numa existência, o que
sempre conta não é a paz da acomodação, mas sim a
tranquilidade em saber que se está fazendo o melhor por
si mesmo. Esta responsabilidade acentua mudanças
emocionais e conceituais, libertando o próprio ser da
agonia e da prisão de sua neurose.
O homem pode sair de qualquer problema ou
dificuldade. Existe, dentro de si, todo um potencial de
inteligência para colocar a favor da sua própria saúde
emocional e orgânica. Quando se chega em um nível de
compreensão da existência, seu alto grau de
humanização o torna digno de se elevar sobre os
sentimentos e atitudes mais nobres, valores
indispensáveis para saber lidar com as emoções
destrutivas da inveja, ciúme, falsidade, compreendendo o
outro no seu modo de viver. A ameaça, a maldade, a
perseguição, as calúnias, são práticas para afastar
qualquer pessoa de sua intimidade, por medo de que
possa denunciá-lo de sua própria hipocrisia.
O homem é pura esperança. Já provou o quanto
de humanidade tem dentro de si, a hominização precisa

597
do contraditório, para num exercício infinito de chegar a
sua plena ação sobre o conhecimento de suas
dimensões inconscientes. Isto significa estar a caminho
de humanizar-se.

598
GLOSSÁRIO

AMOR: ”se amar sem despertar amor, isto é, se teu


amor, enquanto amor, não produz amor recíproco, se
mediante uma exteriorização vital, como homem amante,
não conseguir converter-se em um homem amado, teu
amor é impotente, uma desgraça”408
O conceito de amor para Freud é que “O amor,
que implica dependência e privação, diminui a auto
estima da pessoa.” Há aqueles que proclamam a
exaltação e o vigor do amor que lhe dá a amante. Freud
dizia: O amor faz de vocês pessoas débeis; o
entendimento de felicidade é de que são amados. E o
que significa o objeto amado? Possuir o objeto amado.409
Para Fromm, esta empatia, como condição, tem uma
grande capacidade de amar. Compreender o outro
significa amá-lo. Não no sentido erótico, mas sim, no
sentido de entregares sem medo a perder-se. A
compreensão e o amor são inseparáveis. Quem tratar de
compreender o amor, sem amar, se limitará a uma
operação cerebral e fechará a porta ao essencial de sua
compreensão.410

408
Erich Fromm; Del tener al Ser; Ed. Paidós; Barcelona; España;1989; Pág.136.
409
Erich Fromm. Grandezas y Limitaciones del pensamiento de Freud; Ed.
Siglovienteuno. México. 1997. Pág.22.
410
Erich Fromm. El arte de , Ed.Paidós. Barcelona, España. 1993. Pág.201.
599
Estar capacitado para amar não é uma questão de
ser amado ou de estar enamorado, mas da realização de
um potencial entregue ao ser humano, de poder
relacionar-se de forma amorosa com a realidade, em si
mesmo e fora de si mesmo. O amor é uma força própria
que se converte em capacidade, na medida em que é
exercitada, (...) não é um lugar de descanso, mas sim,
de movimento, crescimento, trabalhar conjuntamente.411
AMOR À VIDA: assim, o amor à vida, a
solidariedade com os semelhantes e com a natureza, a
justiça, a razão, são paixões interrelacionadas; todas são
manifestações de uma orientação produtiva, a que
Fromm chama de “síndrome favorecedora da vida”.412
Os homens que amam a vida são fáceis de
reconhecer dos demais; e não há nada mais atrativo que
um homem que ama e que vemos que ama não só algo
ou alguém, mas sim a vida. Mas há homens que não
amam a vida, ao contrário, a odeiam. O que atrai não é a
vida, mas, em última instância, a morte.413
ANÁLISE HUMANISTA: uma análise eficaz e
profunda deve durar tanto quanto haja necessidade.

411
Rainer Funk. Biografia de Erich Fromm; El amor a la vida. Ed. Paidós. Barcelona.
1999. Pág.138.
412
Salvador Millan; Sonia G. Millan(Comp.); Erich Fromm y el psicoanálisis Humanista.
Ed. Siglovinteuno. México. 2.ed. 1982. Apud. Mario T. Reyeis. Pág. 134.
413
Erich Fromm. Biografia; El amor a la vida. Paidós. España. 1999. Pág.193.
600
Naturalmente, se tem que provar métodos para não
prolongá-la mais do que o necessário, mas a idéia de
que merece a pena prestar atenção a uma pessoa,
dedicar-me centos e centos de horas, me parece, por si
só, que manifesta o profundo humanismo de Freud.414
Um cuidado de amor e uma assistência que
houvesse permitido desenvolver plenamente a confiança,
o prazer de si mesmo. Cada doente necessita de um tipo
diferente de cuidado, de ternura e carinho. Não é fácil
discernir isto, porque, habitualmente, não é o que se
acredita, conscientemente, que seja e, muitas vezes, é
completamente diferente.415 O analista deveria
experimentar, frente ao seu paciente, “mais bem um
amor maternal ou paternal, ou, para expressá-lo de
forma mais generalizada, um cuidado carinhoso”416
ARQUÉTIPOS: a partir dai, se é verdade que os
ingredientes da vida anterior revivem em nós, não é
menos verdade que é ressuscitando esses ingredientes
anteriores, que cada um de nós vive a sua vida.
Fragmentos de vida passada falam pela nossa boca,

414
Erich Fromm. El arte de Escuchar. Ed. Paidós. Barcelona. España. 1991. Pág.109
415
Erich Fromm. La misíon de Freud. F.C.E, México. 1981. Pág.69.
416
Rainer Funk. Erich Fromm; el amor a la vida. Ed. Paidós. Barcelona. España.
1999. Pág.112.
601
mas só falamos pela boca que nos deram. Assim,
efetivamente, possuímos genes que nos possuem.417
Na realidade, de certa maneira, nossos pais e
nossos ascendentes estão em nós; suas marcas,
estreitamente associadas em nossos genomas,
ressuscitam, sem parar, a presença deles em nós.
Carregamos, de maneira confusa, indistinta, essa
multiplicidade de seres, que sobrevivam assim, além da
morte.(...) Nossos ascendentes estão incluídos em nossa
identidade.418
Acredito que o arquétipo é um conceito muito
importante, ou, ao menos, àquilo a que se refere, que
poderia afirmar-se também, desde um ponto de vista
humanista no homem, é sempre o mesmo, pela simples
condição fundamental de sua existência, ou de estar
constituído de sua consciência de ser e de sua
determinação como animal. 419
AUTOCONHECIMENTO: se o homem há de confiar nos
valores, terá que se conhecer e conhecer a capacidade
de sua natureza, para a bondade e a produtividade.420

417
Edgar Morin. A vida da Vida. Ed. Sulina. Porto Alegre-RS. 2000. Pág. 163.
418
Edgar Morin. A humanidade da Humanidade. Ed. Sulina. Porto Alegre. 2002.
Pág.87.
419
Erich Fromm. El arte de Escuchar. Ed. Paidós. España. 1993. Pág.128.
420
Erich Fromm. Ética y Psicoanálisis. Ed. F.C.E. México. 1991. Pág. 19.
602
BIOFILIA: o problema fundamental é a oposição entre o
amor à vida (biofilia) e o amor à morte (Necrofilia); não
como tendências biológicas paralelas, mas sim, como
alternativas: A biofilia, como o amor à vida,
biologicamente normal, e a necrofilia com a sua
perversão patológica, o amor à morte e uma
afinidade com ela.421
Há outros problemas, mas já se constata que a
terapia é muito difícil nestes casos. Este homem padece,
efetivamente, de um conflito essencial, quero dizer, uma
grave perturbação do núcleo de sua personalidade, digo,
uma forma extrema de narcisismo e uma falta de amor à
vida.422
CARÁTER: este método me levou a descobrir, nos anos
30, o caráter social autoritário, aos finais dos anos 40, o
caráter de mercado e, a princípios dos anos 60, o caráter
necrófilo.423
O caráter receptivo, se sente que “ é a fonte de
todo o bem”, se encontra no exterior e à maneira de
seus desejos materiais, afetivos, intelectuais, etc, é
recebendo o esperado, de dita fonte exterior. 424

421
Erich Fromm. La crisis del psicoanálisis. Ed Paidós. Barcelona. 1971. Pág. 236.
422
Erich Fromm. El arte de Escuchar , Ed. Paidós. España. 1993. Pág. 31.
423
Erich Fromm. La patologia de la normalidad. Ed. Paidós. España. 1994. Pág.10.
424
Erich Fromm. Ética y psicoanálisis. Ed. F.C.E; Buenos Aires. 1991. Pág. 70.
603
O caráter explorador, utiliza e explora qualquer
coisa ou pessoa, das quais pode tirar algum proveito. O
amor rouba e domina. Sente atração somente por
pessoas a quem pode retirar o afeto. Existe a
necessidade de explorar a outras pessoas, “amar” a
quem são suscetíveis de exploração e se “enjoa” dos
seres à que já exprimiu.425
O caráter econômico, a pessoa que ostenta e
tem pouca fé em que pode obter do exterior, sua
segurança se baseia na acumulação e na economia,
tanto é verdade que, qualquer gesto de perda é
interpretado como uma ameaça.
O caráter mercantil, é produto de nossa
sociedade mercantilizada, onde tudo se compra e se
vende, inclusive a personalidade (...) muitíssimas
pessoas chegam a pensar que suas personalidades são
uma mercadoria e assim a utilizam.
O caráter produtivo, este tipo de caráter é próprio
do ser humano que é capaz de desenvolver e utilizar as
suas potencialidades congênitas, em sua relação com o
mundo e consigo mesmo. (…) O caráter produtivo
implica uma atitude do ser, um modo de relacionar-se em
todos os campos da experiência humana.

425
Mandolini G. Ricardo. História general del Psicoanálisis: de Freud a Fromm; 6ed.
Ed. Ciordia. SRL. Buenos Aires. 1997. Pág. 434 e 435.
604
O caráter social, é representativo do núcleo da
estrutura caracterológica, comum a maioria dos
indivíduos de uma cultura, demonstra até que grau os
padrões sociais e culturais formam o caráter.426
CIÊNCIA: pois a ciência manifestou-se em todas as
culturas da terra; desenvolveu-se naturalmente, a partir
da curiosidade inata no homem a respeito do mundo que
o cerca. A ignorância e a incompreensão a respeito de
sua natureza e origem são os principais fatores que
despertam o temor à ciência.427
Foi só no séc. XVI que a ciência ocidental se
desenvolveu do método socrático e dedutivo e passou a
utilizar o alternativo de observação, análise e conclusão
(...) a mensuração procede à experimentação, a
experimentação procede à análise, a análise procede à
prova, a prova procede à generalização; a generalização
procede à universalização, decorrendo de um longo
caminho evolutivo, não sendo uma inspiração
428
instantânea ou pré-formada. Porém, mesmo que não
gostemos da afirmação, magia é uma forma primitiva
de aplicar ciência (...) O princípio da causalidade ensina

426
Ibidem. Erich Fromm. Pág. 74.
427
Colin A. Ronan. História da Ciência da Universidade de Cambridge; vol. I. Ed.
Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2001. Pág.10.
428
Carlos A., Mascia G. Hschall, do Mito ao Pensamento Cientifico. Ed. Atheneu. São
Paulo. 2003. Pág.7.
605
que, repetidas as mesmas condições antes, surgem os
mesmos resultados depois. Por isso, magia intencional é
propor ciência, enquanto que o milagre religioso não é
desdenhado da causalidade. Ciência aplicada baseia-se
nas leis da natureza. Enquanto não forem desvendadas
todas estas etapas, também será magia.429
A ciência nunca teria sido ciência se não tivesse
sido transdisciplinar.(...) Em nossas observações mais
objetivas, entra sempre um componente subjetivo.430
Não esqueçamos que a ciência é evolutiva não só no seu
saber, nas teorias, mas, também, no seu modo de
interpretação (...) A física, animada pela obsessão
mitológica da unidade primeira, descobriu a molécula,
depois o átomo, depois a partícula.431
Estamos possuídos pelos mitos, os deuses, as
idéias, somos sonâmbulos quase totais.(...) Talvez seja o
mistério do mistério.(...) A ciência, que acredita ter
iluminado tudo, está cega. Muito bem, agora a verdadeira
ciência é a que chega ao conhecimento pela experiência.
(...) No lugar dos fundamentos perdidos há um “lodo”
(Popper), sobre o que se levantam as colunas do saber

429
Ibidem Pág.22.
430
Edgar Morin. Ciência com Cosnciência. Ed. Bertrand do Brasil; 5ed. Rio de
Janeiro; 2001. Pág.137
431
Edgar Morin. A Natureza da Natureza. Ed. Sulina. Porto Alegre-RS. 2002.
606
científico, existe um “mar de barro semântico”. (Mujur
Schachter).432
Assim, a ciência é intrínseca, histórica, sociológica
e eticamente complexa. Essa complexidade específica
que é preciso reconhecer. (...) É dessa complexidade
que se afastam os científicos não apenas burocratizados,
mas formados segundo os modelos clássicos do
pensamento.433
A ciência do homem: para Erich Fromm, “A sua
idéia de uma ciência humanista do homem não foi em
nenhum lugar tão clara e, ao mesmo tempo, tão
concreta, como em breve escrito intitulado “INSTITUTE
FOR THE SCIENCE OF MAN”, que redigiu, em 1957.434
Os que têm consciência de que mais além das
diferenças entre os homens existe uma força de união
primordial, mais fundamental que toda unidade
dogmática. (...) Os que têm consciência de que a ciência,
quando não está inibida pelas limitações de sua
metodologia, quando é pura e humilde, leva o homem a
um campo indeterminado, de consequências ainda não
sonhadas, que podem surgir dela..435.

432
Edgar Morin. Mis demônios. Ed. Paidós. España. Pág. 279.
433
Morin, E. Op. Cit. 2001, Pág.9.
434
Erich Fromm. La Patologia de la Normalidad. Ed. Paidós. España. 1991.Pág.15
435
Erich Fromm. La misión de Sigmund Freud. F.C.E. México. 1981. Pág.8.
607
Os que se sobressaem, em alguma ciência, os
que se distinguem, na alquimia, na anatomia ou na arte,
despertam suspeita, se não espanto, e alguns terminam
queimados, como bruxas ou hereges.436
COMPLEXIDADE: na teoria da psicanálise humanista de
Erich Fromm: “a estrutura cerebral do homem por ser
mais ampla e mais complexa que a do animal,
transcende esta simples consciência e conhecimento de
si mesmo, como sujeito de sua experiência. Mas, talvez,
por sua enorme complexidade e grandeza.437.
Esta fé na razão foi a base de sua incessante busca da
verdade. Uma vez que não havia visto uma unidade
teórica na complexidade e na complexidade dos
fenômenos observáveis.438
Mas a crescente complexidade da vida fez com
que o homem perdesse em proporção humana, com o
seu sentimento individualista, ficou atrelado pelas suas
dúvidas, deixando de ser racional, indiferente.439
Cada volume presente de pensamentos e os
personagens do autor, assinalam como a preocupação, o
ator, a loucura, a economia, a política e a história, onde

436
Erich Fromm. Psicoanálisis de la Sociedad Comtemporânea. F.C.E. Buenos Aires.
1992. Pág. 18.
437
FROMM, E. La misión de Sigmund Freud. México, F.C.E., 1981, Pág. 15
438
Ibidem, pág. 18
439
FROMM, E. Revolución de la Esperanza. Pág. 56
608
constitui esta forma de artificialidade humana, que leva
em conta uma maior plenitude e precisão de variedades,
a possibilidade, a complexidade e a dificuldade.440.
Uma análise cuidadosa das hipótises, com o
objetivo de julgar suas implicações e o acúmulo de dados
que o apóiam conduzem a uma hipótese mais adequada
e, talvez, posteriormente a sua incorporação, a uma
teoria mais ampla e complexa.441
PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: na teoria de
Edgar Morin, se “concebe a circularidade como abrir, o
quanto antes, a possibilidade de um método que, pela
situação dos termos que se revestem entre si, se tornaria
produtivo, através destes processos e trocas, de uma
consciência complexa, comportando a sua própria
flexibilidade442. Há uma visão de mundo
classificacionista, analítica, redutora, unidimensional,
manipuladora, que a abertura pede uma visão de mundo
complexa443.
O pensamento complexo não é uma substituição
da simplicidade pela complexidade, é o exercício de uma
dialógica incessante, entre o simples e o complexo444.

440
FROMM, E. Op cit. 1981, Pág. 9
441
FROMM, E. Ética y Psicoanálisis. Buenos Aires, F.C.E., 1991, pág. 221.
442
MORIN, E. A natureza da natureza- o método 1. Porto Alegre, Sulinas, 2002,
pág. 32
443
Ibidem, pág. 27
444
MORIN, E. Mis demônios. España, Kairós, ---, pág. 213
609
Tudo isto me predispôs e me educou para alimentar
minha própria complexidade de pensamento e para
reconhecer e afrontar a complexidade da vida e do
mundo445. Meu sentido, são as verdades contrárias e
minha negação, são as verdades distantes, que me
conduziram aos princípios de um pensamento complexo,
quer dizer, de um pensamento que se relaciona com as
diversas origens e, de múltiplas formas, com um tipo
único e inseparável de complexo.446.
Complexus é o que está junto, é o tecido formado
por diferentes fios que se transformaram numa coisa só,
isto é, tudo isto se entrelaça, tudo se entrecruza, para
formar a unidade da complexidade; porém, a unidade do
complexus não destrói a variedade e a diversidade das
complexidades que o teciam447.
A complexidade é isso: a junção de conceitos que
lutam entre si (...). O interativo da complexidade é,
também, o de pensar de forma organizacional, é o de
compreender que a organização não se resume a alguns
princípios de ordem, a algumas leis; a organização

445
Ibidem, pág. 283
446
MORIN, E. A inteligência da complexidade. São Paulo, Periópolis, 2000, pág.
273
447
MORIN, E. Ciência com consciência. Bertrand do Brasil, Rio de Janeiro, 2001,
pág. 188
610
precisa de um pensamento complexo, extremamente
elaborado448.
CONSCIÊNCIA HUMANISTA: esta diferença entre o
dever e a responsabilidade corresponde a uma diferença
entre consciência autoritária e consciência (...). A
consciência humanista é a disposição a escutar a voz da
humanidade, personificada em nós mesmos, e não
depende das ordens dadas por ninguém mais.449
DOGMATISMO: sempre que uma conduta ou
conhecimento do tipo dogmático for entronizada, surgirá
o absolutismo, como ocorreu na igreja medieval, no
comunismo, no nazismo, no fascismo, ocorre no
fundamentalismo islâmico e, também, no
imperialismo que a mídia exerce sobre a sociedade.
Mas importante que a própria crença e antecedendo a
ela, está o direito de acreditar, não o direito de impor.
Toda modificação social tem que vir pela aceitação de
um argumento, não por medo do patíbulo.450
É obvio que toda religião monoteísta se vê como
verdadeira.(...) Impôs-se a opção: crê e está salvo ou
não crê e está condenado (...) A aceitação de um
DOGMA é a negação da capacidade de alguém

448
Ibidem, pág. 193
449
FROMM, E. Op cit. 1992, pág. 88
450
Mascia, Antonio C.do Mito ao pensamento Cientifico.Ed. Atheneu. São Paulo.
2003. Pág. 24.
611
firmar um juízo racional (...) O dom da infalibilidade do
Papa (...) O concílio de Nicéia votou que Jesus era divino
por uma maioria de 217 contra 3 bispos.451 Não é
próprio da cientificidade refletir o real, mas traduzi-lo em
teorias mutáveis e refutáveis (...) Uma teoria é científica
quando aceita que sua falsidade possa ser,
eventualmente, demonstrada.(...) Quanto a doutrina auto-
suficiente é o caso do marxismo e do freudismo. 452
O entusiasmo, a alegria e espontaneidade
originárias não tardarão em debilitar-se, se apoderando
de uma hierarquia que tira proveito e prestígio da
“correta” interpretação do dogma e da faculdade de
julgar quem não é um fiel crente. Finalmente, o dogma, o
ritual e a idolatria do chefe são trocados pela
espontaneidade e uma atitude criadora.453
EMPIRISMO: em relação ao empirismo, Einstein
publicou sua teoria da relatividade geral 3 anos antes
que se fizesse um experimento.454
A evolução de milhares de anos, do mito ao
pensamento científico, passou pelo pensamento mágico,
idealista, determinista, absolutista, escolástico,

451
Ibidem Pág. 84.
452
Edgar Morin. Ciência com Cosnciência. Ed. Bertrand do Brasil. Rio de Janeiro.
Brasil.5 ed. 2001.Pág.23
453
FROMM, E. La misíon de Sigmund Freud. Ed. Paidós. F.C.E. México. 1991.
Pág. 103.
454
FROMM. E. Espiritu y Sociedad. Ed. Paidós. Buenos Aires. 1992. Pág. 162.
612
hermetista. Com o Renascimento tornou-se
consequente, desembarcando no racionalismo e no
empirismo, que dominavam a ciência há 400 anos.455
Guilherme de Occam (1285-1350), pensador
franciscano mais importante (...) “Defendam-me com a
espada que os defenderei com a minha pena” (...)
Occam, mais que ninguém, foi o precussor do empirismo
britânico, depois corporificado em Locke, Berkeley e
Humme (...) É inútil usar o mais no que se pode fazer
com menos (...) Corte da teoria o que não puder
observar.456 Erich Fromm falava que “hoje se coloca de
moda desfazer como não cientifica a teoria de Freud,
precisamente, entre os psicólogos empiristas (...) Se
observam fatos, destas observações se deduzem
hipóteses com os fatos que se observam e se adquirem,
finalmente, uma idéia que tem uma probabilidade relativa
de suas certezas, até que anteriores observações as
confirmem ou corrijam. Este é o Método Científico.457
ISOLAMENTO: tenho falado do isolamento como uma
forma particular de inconsciência, a saber, o
desconhecimento, da experiência interior e o
pseudoconhecimento, da experiência de um homem

455
MASCIA, A.C. do mito ao Pensamento Cientifico.Ed. Atheneu. São Paulo. 2003.
pág.7
456
Ibidem. Op. Cit. Pág.119.
457
FROMM. E. Espiritu y Sociedad. Ed.Paidós. Buenos Aires.1992. Pág. 161.
613
isolado, que se engana acreditando experimentar algo,
quando, na realidade, só estabelece uma relação com
um ídolo. 458
ESQUIZÓIDE: o homem ocidental está em um estado de
incapacidade esquizóide para experimentar o afeto e,
portanto, se sente angustiado, deprimido e desesperado.
Faz elogio de boca para fora, dizendo que é uma pessoa
feliz. O individualismo é sua iniciativa, mas em realidade
não tem felicidade.459.
ÉTICA: o bom da ética humanista é sua afirmação em
defesa da vida, o desenvolvimento dos poderes do
homem. A virtude e a responsabilidade, em relação à
própria existência. O “mal” constitui a mutilação das
potências do homem. O vício é uma irresponsabilidade
em relação a si mesmo.460 Ética humanista é uma das
características da natureza humana. em que o homem se
encontra feliz e realizado, pois têm a plenitude de suas
faculdades, unicamente em relação e solidariedade com
seus semelhantes. Não obstante, amar o próximo não é
um fenômeno que transcende ao homem, mas sim, que
é algo inerente e que irradia dele mesmo.461 O amor não
é um poder superior, que desce sobre o homem, nem tão

458
FROMM. E. Espiritu y Sociedad. Ed. Paidós. Buenos Aires. 1992. Pág. 122.
459
FROMM, E. Budismo Zen y Psicoanálisis. Ed. F.C.E. México. 1964. Pág. 87
460
FROMM, E. Ética y psicoanálisis. Ed. F.C.E. l964. Pág.26.
461
Ibidem. Pág. 32.
614
pouco, um dever que tenha sido imposto; é seu próprio
poder, por meio do qual se vincula com o mundo e lhe
converte em algo realmente seu.462
EVOLUÇÃO DA POTENCIALIDADE: superar as
limitações de um eu egoísta, alcançar o amor, a
objetividade e a humildade e respeitar a vida, de tal
modo que, o fluir desta, seja ela mesma e o homem se
converta naquilo que ele é, potencialmente.463
EXISTÊNCIA: para Erich Fromm, não se pode “ignorar o
fato de que a personalidade humana não pode ser
considerada, a menos que consideremos o homem em
sua totalidade, o qual inclui sua necessidade de
encontrar uma resposta ao problema do significado da
existência e descobrir normas, de acordo com as quais,
deve existir.464 Na arte de viver, o homem é, ao mesmo
tempo, o escultor o mármore, o médico e o paciente.465
O termo “existência” provém da raiz ex-sistere, significa
literalmente “impor-se, emergir” (....) Por isso, o
enfoque dos existencialistas é sempre dinâmico, a
existência refere-se ao vir a ser, a evoluir,
transformando-se. Seu empenho é para compreender

462
FROMM, E. Op. Cit. 1992. Pág.26.
463
FROMM, E. Op. Cit. 1964. Pág. 88
464
FROMM, E. Ética y Psicoanálisis. Buenos Aires. F.C.E. Buenos Aires. 1991.
Pág. 19.
465
Ibidem. Pág. 30.
615
esta transformação, não como artefato sentimental, mas
como a estrutura fundamental da existência humana.466
Conducentes a la tesis principal del psicoanálisis
humanistica: que las pasiones fundamentales del hombre
no están enraizadas nas necessidades instintivas, sino
en las condiciones especificas de la existencia humana,
en la necessidad de hallar una nueva relación entre el
hombre y la naturaleza, una vez perdida la relación
primária de la fase pré-humana.467
FANATISMO: essa “classe sacerdotal” pode ser vista
como formada por magos, feiticeiros, rabinos, padres,
jornalistas, militares, ditadores, enfim, qualquer “grupo
policial” da sociedade. A livre discussão de idéias torna-
se sempre uma ameaça às oligarquias imperantes, pela
força e os “sacerdotes” dominantes, pelo
obscurantismo. Qualquer fundamentalismo
fanatizado é tão pernicioso quanto o extremo irredutível
que representa. Aristóteles já ensinou que a virtude está
no meio e o vício, nas pontas. Como disse Rousseau,
“o homem nasce livre, mas está acorrentado em
todos os lugares”.468

466
MAY. R. A descoberta do Ser. Ed. Vozes. Rio de Janeiro. Brasil. 1988. Pág. 53.
467
FROMM, E. Psicoanálisis de la Sociedad Comtemporânea. Ed. F.C.E. Buenos
Aires. 1992. Pág. 8
468
MASCIA, Antonio. G. Do mito ao pensamento Cientifico. Ed. Atheneu. São
Paulo. 2003. pág.24
616
Compreender é entender o porquê e o como se
odeia e se deprecia. Assim, compreende Salman
Rushde, porque o fanático é incapaz de compreender-
nos, em compreender as raízes, as formas e as
manifestações do fanatismo humano469.
FRAGMENTAÇÃO: pode-se estabelecer uma correlação
entre fragmentação do ser e a do conhecimento, do
seguinte modo: entre a razão e a sensação, nasceu a
ciência, fundamentada, principalmente, nessas duas
funções; entre a razão e a intuição, nasceu a filosofia,
que lança mão de uma das duas funções, conforme a
orientação de cada escola; entre intuição e o sentimento
desenvolveu-se a religião; e entre o sentimento e a
sensação nasceu a arte.470
HOLOGRAMA: Uma descoberta recente tende a
confirmar, no plano da física, essas afirmações e
vivências: o holograma. É uma chapa fotográfica que, por
meio de um sistema de laser, reproduz um objeto ou uma
pessoa em três dimensões, no espaço. Cortam-se essa
chapa em duas ou em quatro reproduções do conjunto. A
informação do conjunto encontra-se em todas as
partes.471

469
MORIN, Edgar. Mis demônios. Ed. Kairós. España. Barcelona. 1995. Pág.98.
470
CREMA. Roberto. Introdução a visão holística. Ed. Summus ; São Paulo. 5ed.
1989. Pág. 18
471
Ibidem. Pág.59.
617
O físico Jabor (1948) só pode confirmar, no início
da década de 1960, com o surgimento do laser, o que lhe
valeu o prêmio Nobel, em 1971. A holografia consiste na
reconstrução de ondas, o que possibilita uma espécie de
fotografia denominada holograma, cuja fantasmagórica
imagem construída é interna e tridimensional. O
verdadeiro assombro, para a mente cartesiana, é que, ao
se cortar o holograma ao meio, a unidade da imagem é
reconstruída em cada espaço; e se o processo da divisão
é repetido, cada parte do holograma conterá,
praticamente, a imagem interna, e assim,
indefinidamente.472
Da mesma forma que cada ponto de um
holograma contém a informação do todo de que faz
parte, o mundo, doravante, como todo, está, cada vez
473
mais, presente em cada indivíduo . É o princípio do
que poderíamos chamar de hologramático. Holograma é
a imagem física, cujas qualidades de relevo, de cor e de
presença, são devidas ao fato de cada um dos seus
pontos inclue quase toda a informação do conjunto que
474
ele representa. Ao princípio dialógico, precisamos

472
Ibidem. Pág. 45
473
MORIN. Edgar. A humanidade da humanidade. Ed. Sulina. Porto Alegre. Brasil.
2002. Pág. 229
474
MORIN. Edgar. Ciência com Consciência. Ed. Bertrando do Brasil. Rio de
Janeiro. Brasil. 2001.Pág.181.
618
juntar o princípio hologramático, no qual, de uma certa
maneira, o todo está na parte que está no todo, como um
holograma. De certo modo, a totalidade da nossa
informação genética está em cada uma de nossas
células e a sociedade, como “todo”, está presente na
nossa mente, via cultura, que nos formou e informou.475
HOMEM: o homem e a sociedade ressuscitam, a cada
momento, em cada ato de esperança e de fé, aqui e
agora. Cada ato de amor, de consciência e de
compaixão, é ressurreição; cada ato de pureza, de
ganância e egoísmo, é a morte. (...) A resposta não
consiste naquilo que afirmamos ou pensamos, mas sim,
naquilo que somos, no nosso modo de olhar a realidade
e em que ambiente nos desenvolvemos.476 O homem
tem sido definido como homo faber, o fazedor de
ferramentas. (...) Se pretendo mudar sapiens, só quero
dizer que conheço o sentido do pensamento (...) que se
propõe a não manipular, mas sim, captar, homo sapiens
seria, na sua verdade, uma definição correta de homem.
(...) Se defino o homem também como homo ludens, o
que joga, significa aqui uma atividade sem propósito que
transcende as necessidades imediatas da sobrevivência.

475
Ibidem. Pág.190.
476
FROMM. E. La revolución de la esperanza. Ed. F.C.E. Buenos Aires. 1990. Pág.
28.
619
(...) O homo negans é aquele que diz “não”, mesmo
quando a maioria dos homens diz “sim”, quando sua
conveniência assim requer.(...) Homo esperans é aquele
que espera, quando temos renunciado a toda esperança,
e temos atravessado as portas do inferno. E não temos
deixado atrás a nossa própria esperança.477 E como não
há mesmo tempo a perder, já ficam aqui três sugestões:
homo sapiens-agapé, homem gaia e homem hólon.478
O homem não pode viver sem fé. O problema
decisivo, para nossa própria geração e a do futuro,
consiste se esta fé será uma fé irracional nos líderes, nas
máquinas ou no êxito da fé no homem, baseada na
experiência de nossa própria produtividade.479 Ao
relacionar a soberania acumulada do espírito do homem
com a nova realidade de nossa época mundial, ao
expressar seus pensamentos e suas crenças, há uma
série de perspectivas mundiais, tentando alertar o
renascimento da esperança em uma sociedade e o
orgulho do homem em decidir seu destino.480
O homem entrou em uma nova época da história
da evolução. Está lutando para conseguir uma mudança

477
Ibidem. Pág. 65.
478
CREMA. Roberto. Introdução a uma visão holística, Ed. Summus editorial. São
Paulo. 5ed. Pág.170
479
FROMM. E. Ética y Psicoanálisis. Ed. F.C.E. México. 1964. Pág.227.
480
FROMM. E. La misíon de Sigmund Freud. Ed. F.C.E. México. 1981. Pág.13.
620
fundamental, já fez sua intervenção, neste processo
evolutivo, mas, acima de tudo, que analise os fatos e que
cultive sua sabedoria, para encaminhar o processo até
sua realização e não até sua destruição.481
Sem dúvida, esta idéia da “natureza” ou da
“essência” do homem, quer dizer se ele é (...) bom, ou
mau, amoroso ou odioso, livre ou não, etc. (...) A
oposição entre ser da natureza, estando sujeito a todas
as suas leis e, ao mesmo tempo, transcender a
natureza; porque o homem, e somente ele, é consciente
de si mesmo e de sua existência e, de fato, na
natureza é o único caso em que a vida aconteceu e
tornou-se consciente de si.482
HUMANO: no entender de Erich Fromm, é necessário
especificar os diversos conceitos da psicanálise
humanista, para situar-se, dentro do seu marco teórico e,
quando se fala do humano, “Coloco, então, uma
condição para que possamos chamar de humanista: a de
não ter nada humano que nos seja estranho ou distante.
Tudo está em mim. Eu sou uma criança, eu sou um
adulto, eu sou um assassino e sou um santo. E sou um

481
Ibidem. Pág. 7.
482
FROMM. E. La crisis del l psicoanálisis. Ed. Paidós. España. Barcelona. 1971.
Pág.41
621
narcisista e sou um destruidor. Não há nada no paciente
que eu não tenha em mim.”
Freud deu provas da prática do seu humanismo
quando o próprio Theodor Reick afirmava que “Ainda
vejo Freud sentado no meio de nosso pequeno círculo de
analistas vienenses, escutando atentamente, enquanto
eu discutia o seu livro. O futuro de uma ilusão, ainda
posso ouvir a nitidez e a tranquilidade de sua voz,
elogiando e criticando meus comentários. Nos ajudamos
não só em nossos problemas científicos, mas também
em nossas inquietudes pessoais e humanas.”
Erich Fromm também acentuava que “Freud
demonstrou clinicamente o grau de humanismo do efeito
libertador da verdade, em seu procedimento terapêutico.
Outro feito foi a contribuição histórica de Freud, em haver
mostrado, de uma maneira consistente, uma demarcação
teórica muito concreta.”
Os ideais humanitários de Freud e sua própria
ambição de chegar a ser um grande líder político.(...)
Freud estava interessado, não pela medicina, mas sim,
pela filosofia, a política e a ética (...) Estava de acordo
com este interesse político humanitário; desde a data de
1910, Freud se interessava por filiar-se em uma

622
“Irmandade Internacional para a Ética e a Cultura”.483 É
digno de nota e comovedor o Freud humanista e, como
ele mesmo se denominava, “pacifista”; trata-se, aqui,
quase freneticamente, de escapar das consequências
lógicas de sus próprias premissas.484
O humanismo se caracteriza pela fé no homem,
em suas possibilidades de desenvolvimento, para
conseguir chegar a etapas mais elevadas da unidade da
espécie, na tolerância e a paz, na razão e no amor, como
forças que permitem, ao homem, realizar-se e converter-
se naquilo em que ele pode ser.485
Este despertar do humanismo se exprime, hoje, no
protesto contra a guerra do Vietnam, contra a tortura
atual, em muitas partes do mundo, contra a proliferação
de armas nucleares, contra a cegueira, na direção do
perigo de destruir a vida, a causa do desequilíbrio
ecológico.486
Contra as desigualdades raciais, contra o
aniquilamento do pensamento livre e uniforme, contra o
crescente aumento da miséria material dos pobres e da

483
FROMM. E. La misíon de Sigmund Freud. F.C.E. México. 1981. Pág.74.
484
FROMM. E. Grandezas y limitaciones del pensamiento de Sigmund Freu. Ed.
Siglovinteuno, méxico.10ed. 1997. Pág.156.
485
MILLAN. Salvador. MILLAN Sonia. S. Erich Fromm y el Psicoanálisis
Humanista. Ed. Siglovinteuno. México. 2ed. 1982. Pág. 122.
486
FROMM. E. La revolucíon de la esperanza. Ed. F.C.E. Buenos Aires. 1990.
Pág.136.
623
exploração dos ricos, contra o espírito de
desumanização, que o aparato da produção impõe ao
homem, transformando-o em uma coisa.487
Esta é a razão pela qual todo o grande mestre da
humanidade tem ensinado, essencialmente, as mesmas
normas, que se resumem na necessidade de vencer a
inveja, o engano, o ódio e o de conseguir amor e
participação, como condição para alcançar um ótimo
estado de vida.488 O caráter revolucionário é humanista,
no sentido de que sente, em si mesmo, a toda a
humanidade e que nada humano é estranho à sua
pessoa. Ama e respeita a vida. Não um incrédulo, é um
homem de fé.489
Para entender o desenvolvimento cultural e
científico dos humanismos de diferentes civilizações e
momentos históricos, seria importante descrever O
humanismo Grego. Os gregos são os gregos do
helenismo, cuja formação se fizera nas escolas
filosóficas. Ela se refere ao eruditio et institutio in
bonas artes. A Paidéia, assim entendida, se produz por
humanitas.490

487
Ibidem. Pág. 138.
488
FROMM. E. Del tener ao Ser. España. Paidós. 1981. pág. 19.
489
FROMM. E. La condicíon humana actual. Ed. Paidós. Barcelona. España. 1981.
Pág. 76.
490
HEIDEGGER. Martin. Uma carta sobre o Humanismo. Ed. Tempo Brasileiro
Ltda. Rio de janeiro. Brasil. 1968. Pág.35.
624
O humanismo “cristão” vê a humanidade do
homem, a humanitas do homo, a partir de sua distinção
do deitas. Na história da salvação, o homem é como
“filho de Deus”, que em Cristo, percebe e assume o
apelo do Pai. O homem não é deste mundo, na medida
em que o “mundo”, pensado segundo a teoria de
Platão, é apenas uma passagem transitória para o
além.491
O humanismo Romano, “é o tempo da República
Romana que, pela primeira vez e expressamente com
seu nome próprio, se pensa e aspira a humanitas. O
homo humanus opõe ao homem barbarus. O homo
humanus é, aqui, o romano, que exala e enobrece a
virtus romana, pela incorporação da “Paidéia”, tomada
dos gregos.
O humanismo da chamada renascença dos
séculos XIV e XV, na Itália, é uma renascentia
romanitatis. Porque o que interessa é a romanitas,
trata-se da humanitas e, por conseguinte, da Paidéia
grega. (...) Toda vida, o inumano é agora o futuro
barbarismo da escolástica gótica, da Idade Média.492
Já no humanismo socialista marxista; “o
pensamento de Marx é mesianico-religioso, em

491
Ibidem Pág. 35
492
Ibidem Pág. 36.
625
linguagem secular, talvez, mais claramente que o de
muitos filósofos do iluminismo e de todo o passado
histórico, não é mais que “pré-história”, esta história da
alienação; com o socialismo se introduzirá, no reino da
história humana. A sociedade sem classes, governada
pela justiça, pela fraternidade e pela razão, será o
começo de um mundo novo, até que a formação da
consciência se encaminhe, na análise e em direção a
história anterior.493
No humanismo existencialista, “da mesma
forma como a psicanálise, o existencialismo não está
interessado em buscar respostas de outras culturas, mas
sim, utilizar esses mesmos conflitos da personalidade
contemporânea, como caminhos para um
autoconhecimento, mais profundo, do homem ocidental e
encontrar soluções para nossos problemas, em relação
direta com as crises históricas e culturais, que deram
origem aos problemas.494
No humanismo substitui o deus caído pelo homem
deus, mas reconhecido em cada homem uma
subjetividade a respeitar; “a dignidade da pessoa
humana”, não podendo, contudo, respeitar essa

493
FROMM. E. Psicoanálisis de la sociedad comtemporânea. Ed. F.C.E. Buenos
Aires. 1992. Pág.197.
494
MAY. R. A descoberta do ser. Ed. Vozes. Rio de janeiro. Brasil. 1998. Pág. 65.
626
“dignidade” se ela não for julgada digna, ou seja, se
não se tratar de um sujeito racional.495 El pensamiento
más importanten del humanismo es la idéia de que toda
humanidad está contenida en cada ser humano y que el
ser humano desarrolla su humanitas en el proceso
histórico.496
Sua orientação humanista é um ponto de
referência básico, para fortalecer o que favorece ou
impede o processo de humanização do homem. Fromm
entende por humanismo radical, uma filosofia global, que
insiste na unidade da raça humana; na capacidade do
homem para desenvolver seus próprios poderes e para
chegar a uma harmonia interior e estabelecer um mundo
pacífico.497
É no inconsciente que se dá todas as
possibilidades, desde o ressurgimento dos instintos do
mundo animal e da prisão às suas tendências
agressivas, até o homem possuidor de sua
transcendência, a recuperação do inconsciente é a
realização, mesma, da experiência do humanismo.498
Tem que desenvolver sua razão para alcançar a plena

495
MORIN. E. Ciência com Consciência. Ed. Bertrand do Brasil. 5ed. Rio de Janeiro.
2001. Pág. 340.
496
FUNK. R. Erich Fromm y el amor a la vida. Ed. Paidós. España. 1999. Pág.
134.
497
MILLAN. S. (Comp). Op. Cit. 1982. pág. 115.
498
MILLAN. S. MILLAN S. (COMP). Op. Cit. 1982. Pág. 104.
627
humanidade, para conseguir uma nova harmonia com a
natureza, consigo mesmo e com seus semelhantes. O
fim da historia é o pleno nascimento do homem, sua total
humanização.499 Humanizamos o que se passa no
mundo e em nós ao comunicarmos e, com esta
comunicação, aprendemos a ser humanos.500
O humanismo é a condição cultural da ética
autônoma e está ligada aos direitos fundamentais da
moderna democracia e da pessoa humana. Defender é
mostrar este conjunto articulado de valores. É uma tarefa
filosófica urgente, para poder querer dedicar nossa
reflexão à questão de razão política.501 A humanidade,
“como todas as crises, também, esta contém uma
alternativa; uma lenta decadência ou uma renovação
criadora. (...) Torna-se mais evidente que a crise atual da
humanidade é um problema que exige, para sua
compreensão e solução, um profundo conhecimento das
relações humanas e a psicanálise pode efetuar
502
importantes contribuições neste terreno. É preciso não
se “pensar muito pobremente a humanidade do
homem” (...) A palavra humanidade contém

499
FROMM, E. Op. Cit. 1992. Pág. 372.
500
SAVATER. F. Humanismo Impenitente. Ed. Anagrama. 2ed. Barcelona. España.
2000; Pág.22.
501
Ibidem Pág. 95.
502
FUNK. R. Fromm. Vida e Obra. Ed.Paidós. Buenos Aires. 1987. Pág.50.
628
desumanidade, é uma característica fundamental
503
humana.
Há várias barbáries: uma barbárie procede da
noite dos tempos e se manifesta com o ódio, as
matanças, o desprezo, a humilhação; uma barbárie
propriamente anônima, destruidora da humanidade, da
responsabilidade e da convivência, que se desenvolve
com a extensão do mundo tecno-burocrático, uma
barbárie igualmente destruidora da extensão dos
benefícios, nas áreas da mercantilização e de tantas
outras coisas, uma barbárie propriamente política, que
chega a um contemporâneo totalitário.504
Os problemas da humanidade tem seus pontos
“fundamentais na vida e na morte, que são comuns a
todos os humanos: o universal é algo concreto. Tanto
mais concretas quanto a humanidade, nascida de um
tronco comum, tem suas raízes no planeta Terra. ”
IDEOLOGIA: igual que para um Deus, somos servidores
da idéia que nos serve. Ao igual nos serve como uma
idéia. As idéias nos servem para a manipulação. A
serviço da idéia, as palavras adquirem poder de vida e
morte. Queremos, ao mesmo tempo, estar possuídos por

503
MORIN. E. A humanidade da humanidade. Ed. Sulina. Porto Alegre. 2002.
Pág.17.
504
MORIN. E. Mis demônios. Ed. Kairóz. España. 1995. Pág.233.
629
uma idéia ou por um poder, querem a oportunidade de
ter a liberdade, para poder expressar o lado mais
monstruoso que há neles, o prazer de torturar entre
outras coisas.505
INCONSCIENTE: o inconsciente freudiano da
psicanálise clássica tem uma “filosofia materialista, junto
com uma repressão generalizada da tomada de
consciência dos desejos sexuais, pela qual Freud
estruturou o conteúdo do inconsciente.506 Na evolução da
psicanálise ortodoxa, a sexualidade infantil segue sendo
a pedra angular do sistema. Assim, a análise muitas
vezes é tomada de resistências, que impedem que se
falem dos conflitos reais e mais decisivos que existem
dentro do homem e entre os homens.507
Para Freud, o homem é uma máquina,
impulsionada pela libido e regulada pelo princípio de
manter um mínimo de excitação da libido. Percebe o
homem como um ser, fundamentalmente, egoísta e se
relaciona, mediante o interesse com os demais. O
inconsciente freudiano da psicanálise clássica, em uma

505
Ididem. Pág. 94.
506
FROMM. E. Grandezas y limitaciones de Sigmund Freud. Ed. Siglo. Vinteuno
editores. México. 10ed. 1997. pág.40
507
Ibidem. Pág. 41

630
filosofia materialista, junto com a repressão generalizada
da tomada de consciência dos desejos sexuais, com o
qual Freud estruturou o conteúdo do inconsciente.508
Para Fromm, o inconsciente se converteu, cada
vez mais, em uma fonte inesgotável do ser humano.
Inconsciente não é só aquilo que foi reprimido, porque
não é aceitado, socialmente; o inconsciente é a pessoa
em sua totalidade, contando com todos os seus abismos
desconhecidos.509 Que ao descobrir a verdade, o homem
se transforma, porque se volta mais desperto e pode
transmitir esta maior consciência à posteridade. (...) O
conteúdo do inconsciente, então, não é nem bom ou
mau, racional ou irracional, é tudo isto, é todo o ser
humano. O inconsciente É o homem total, menos essa
parte do homem, que corresponde à sua sociedade.510
Para Edgar Morin, o inconsciente “não é, de
forma alguma, uma instância fixa e estável; está sujeito a
todos os erros possíveis do conhecimento humano.
Frágil e incerto como uma chama de uma vela, pisca,
oscila, pode desaparecer ou iluminar-se. O menor sopro
pulsional pode apagá-lo, corre o risco de ser alterado,

508
FROMM. E. Grandezas y limitaciones de Sigmund Freud. Ed. Siglo. Vinteuno
editores. México. 10ed. 1997. pág.40
509
RAINER. F. Erich Fromm: El amor a la vida. Ed. Paidós. España. 1999.
Pág.132.
510
MILLAN. S. MILLA, SONIA. S.(Comp). Erich Fromm y el psicoanálisis
humanista. Ed. Siglovinteuno. México. 2ed. 1982. Pág. 62.
631
por um mínimo desarranjo químico, da maquinaria
cerebral.
Trata-se de um vigilante acima das formidáveis e
múltiplas atividades inconscientes do organismo, do
cérebro, da sociedade, da história.511
Eu digo que o inconsciente é o fenômeno maior.
Primeiro a mente: quando falo, não estou nem um pouco
consciente de todos os mecanismos neurocerebrais que
entram em ação, dos milhões de conexões sinápticas,
nem mesmo estou consciente do uso que faço da lógica,
da sintaxe, etc...512
Há uma cisão entre o psiquismo profundo,
inconsciente e a consciência, oriunda do seu próprio ser.
Entretanto, a consciência o ignora, com frequência. O
fato de ser co-pilotada por forças inconscientes, as quais
ignoram a natureza e a existência da consciência.513
Para Erich Fromm, “o inconsciente representa o homem
total, com todas suas potencialidades, contém as bases
para as diversas respostas que o homem é capaz de dar
às questões que são apresentadas pela existência. (...)
Este é o homem arcaico, o animal de rapina, o canibal, o

511
MORIN. E. A humanidade da humanidade. Ed. Sulina. Porto Alegre. R.S. 2002.
Pág. 87.
512
MORIN. E. Ciência com Cosnciência. Ed. Bertrand do Brasil. Rio de janeiro.
2001. Pág.73.
513
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 87.
632
idólatra e também o ser com capacidades para
raciocinar, para amar e para ser justo. Logo, o conteúdo
do inconsciente não é bom e tão pouco mau, racional ou
irracional, é as duas coisas: é tudo o que é humano.514
Sempre representa o homem total, com todas
suas possibilidades de escuridão e de luz; contém a base
das distintas respostas que o homem é capaz de dar à
pergunta que é colocada pela existência.515 A vivência de
meu inconsciente é a vivência de minha humanidade, o
que me coloca na possibilidade de dizer a todo ser
humano “ Eu sou tu”.516
O inconsciente social, para “Erich Fromm,
começou no princípio dos anos 30 a entender como
interpretar o inconsciente da sociedade. E encontrou
forças que eram reveladas, através das estruturas
inconscientes do indivíduo, que procedem da situação na
sociedade e que, por isto, pela primeira vez, indicar os
conceitos sociopsicológicos sobre o inconsciente da
sociedade.517
O homem se entende, ante tudo, como ser social;
o inconsciente interessa, em primeiro lugar, como
inconsciente social; os impulsos do homem obedecem ao

514
MILLA. S.(Comp). Op. Cit. 1982. Pág. 137.
515
FROMM. E. Budismo Zen y Psicoanálisis. Ed. F.C.E. México. 1964. Pág.115.
516
MILLAN. S. (Comp). Op. Cit. 1982. Pág. 136.
517
FROMM. E. Espiritu y Sociedad. Ed. Paidós. Buenos Aires. 1992. Pág.12.
633
contraditório, especificamente, humano de sua situação,
que se manifesta em suas necessidades, cuja satisfação
obtém de modo social.518 Somente pela necessidade
mútua de satisfazer seus desejos. O prazer, para Freud,
era aliviar a tensão, não era uma experiência de
orgasmo. (...) O amor fraternal era uma demanda
irracional, contrária à realidade; a experiência mística,
uma regressão ao nascimento infantil.519
O inconsciente freudiano era, fundamentalmente,
a sede da sexualidade reprimida, a “sinceridade” se
referia, principalmente, as da libido na infância e sua
crítica da sociedade se limitou a repressão sexual.520 Em
certo sentido, são ainda mais cegos, porque acreditam
terem encontrado a solução da vida, através da formula
da repressão da libido. Mas não se pode ser vidente, em
certos setores da realidade humana e permanecer
cegos, para outros. Isto é particularmente exato,
enquanto que todo fenômeno da repressão é um
fenômeno social.521
O inconsciente, portanto, não deve ser
considerado como reservatório de impulsos,
pensamentos e desejos, culturalmente inaceitáveis. Eu o

518
FROMM. E. La crisis del psicoanálisis. España. Paidós. 1971. Pág. 15.
519
FROMM. E. Op. Cit. 1964. Pág. 93
520
FUNK, R. Op. Cit. 1987. Pág.19
521
FROMM. E. La misíon de Freud. F.C.E. méxico. 1981. Pág. 106.
634
defino, por assim dizer, como aquela potencialidade para
conhecer e experimentar, que o indivíduo pode ou não
vivenciar.522
LIBIDO: ao mesmo tempo, a base de sua teoria da libido
está constituída por outra idéia, com características do
pensamento filosófico e dos antecedentes sociais de
Freud, a saber: a idéia do materialismo burguês, que
explica os fenômenos psíquicos e espirituais como
consequência direta dos fenômenos físicos.523
MÉTODO DE PESQUISA: adapto o método científico,
devido à necessidade de entender a irracionalidade e,
não como fazem a maioria dos cientistas sociais, estudar
aquilo que pode ser estudado, mediante um conceito
positivista de ciência. Outro aspecto importante de
Freud é que ele vê seu objeto em termos de um sistema
e estrutura e, assim, oferece um dos exemplos mais
recentes da teoria dos sistemas. Seu ponto de vista é
que não há um só elemento de uma personalidade que
se pode compreender sem entender o todo, e que não há
um só elemento que se poda mudar sem que ocorram
mudanças, por mais mínimas que sejam, nos demais
elementos do sistema.524

522
MAY. R. Op. Cit. 1998. Pág. 19.
523
FROMM. E. Op.Cit. 1992. Pág. 33
524
FROMM. E. Op. Cit. 1981. Pág. 29
635
A psicanálise não pode experimentar in vitro, em
animais, precisa ser aplicada nos seres humanos, com
certas características, in vivo. (...) Criou uma técnica e
um instrumento que contém viveza, dinamismo,
versatilidade, profundidade, a um procedimento que
vai do caminho do aniquilamento e do convencionalismo,
juntamente com a rigidez e o autoritarismo.525
A realidade antropossocial é multidimensional; ela
contém uma dimensão individual, uma dimensão social e
uma dimensão biológica. O econômico, o psicológico e o
demográfico, correspondem às categorias de disciplinas
especializadas; são as diferentes faces de uma mesma
realidade. São aspectos que, evidentemente, é preciso
distinguir e tratar como tais, mas se deve isolá-los e
torná-los não comunicantes. Esse é o apelo para o
pensamento multidimensional. Finalmente e, sobretudo,
é preciso encontrar o caminho de um pensamento
dialógico. 526
O método da complexidade pede para
pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por
concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para
restabelecemos as articulações entre o que foi separado,
para tentarmos compreender a multidimensionalidade,

525
MILLAN. S.(Comp). Op. Cit. 1982, Pág. 20.
526
MORIN.E. Op. Cit. 2001. Pág. 189.
636
para pensarmos na singularidade com a localidade, com
a temporalidade, para nunca esquecermos das
527
totalidades integradoras. Precisamos de um método
que saiba distinguir, mas não separar e dissociar, e que
saiba promover a comunicação do que é distinto.
Precisamos de um método que respeite o caráter
multidimensional da realidade antropossocial, isto é,
que possa enfrentar as questões do sujeito e da
autonomia.528
MOVIMENTO PSICANALÍTICO: existe algum outro caso
de uma terapia ou de uma teoria científica que tenha se
convertido em um movimento de vigilância conceitual,
dirigido, centralmente, por uma comissão secreta, com
expulsão e perseguição dos seus membros dissidentes,
com organizações locais, estritamente unidas em uma
superorganização internacional.529
A morte de Ferenczi deixou vaga à vice-
presidência da Associação Psicanalítica Internacional e
Freud propôs “Maria Bonaparte”, não só porque pode
apresentá-la ao mundo exterior, (...) mas numa
demonstração clara, contra a arrogância indesejável dos

527
MORIN. E. Op. Cit. 200l. Pág. 192.
528
MORIN. E. Op. Cit. 2001. Pág. 279.
529
FROMM. E. Op. Cit. La condicion humana actual. 1981. Pág. 83
637
médicos, que gostam de esquecer que a psicanálise,
afinal, não é uma parte da psiquiatria.530
Todos sabem que a psicanálise é uma terapia
para a cura das neuroses e uma teoria científica que
trata da natureza do homem. O que menos as pessoas
sabem é que, também, se constitui num “movimento”,
com uma organização internacional, baseada em linhas
estruturalmente hierárquicas, com estritas normas de
associação e que, durante muito anos, foi guiada por um
comitê secreto, integrado por Freud e outras seis
pessoas.531
NATUREZA: tal natureza parece-nos, então, maternal
(alimenta a vida de cada ser vivo, enquanto se alimenta
das vidas que alimenta), sábia (comportando regulação e
harmonia) e onisciente (sabendo ver tudo e o todo).532
Vimos que, na natureza, a atividade é um fenômeno
organizacional total. Tudo é ativo, ainda mais porque ela
deve manter e entreter estados embrionários. O ativismo
é generalizado: fluxo, desequilíbrios, instabilidade,
maremotos, reorganização, regeneração, desordens,
antagonismos, desorganização, fechamento, variações,

530
FROMM. E. La condicion Humana actual. Op. Cit. 1981. pág.41
531
GAY. P. Freud: Uma vida para o nosso tempo. Ed. Compania das Letras. São
Paulo. 1983.Pág.531.
532
MORIN. E. Op. Cit. 2000. Pág. 76.
638
flutuações. Tudo é interação, transação, retroação e
organização.533
Os opositores da ética humanista dizem que a
natureza é tal que está inclinada a transferir a
agressividade nos seus semelhantes, a ser invejoso,
ciumento e perigoso, a menos que seja impedido pela
coerção do medo. (...) A ética humanista se opõe a este
juízo, insiste que o homem é bom, hereditariamente, e
que o impulso destruidor não é parte integrante da
natureza.534
Esta atitude do humanismo normativo se baseia
em algumas premissas fundamentais. (...) Esta é uma
tarefa da “ciência do homem” levar, finalmente, a uma
definição correta do que merece chamar-se natureza
humana.535
NEUROSE: um sintoma neurótico, em muitos casos, é a
expressão específica de um conflito moral; e o êxito do
esforço terapêutico depende da compreensão e da
solução do problema moral da pessoa.536 A psicanálise
não é, simplesmente, o conhecimento da técnica, mas o
modo como o ser humano a coloca em prática. (...)
distinguir entre o que é uma trama, o núcleo, o centro

533
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 285.
534
FROMM.E. Op. Cit. 1964. Pág.227.
535
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 18.
536
FROMM. E. Op. Cit. 1964. Pág. 10
639
desta religião secreta, que é a neurose, e as que são só
consequências secundarias, poderíamos dizer em
537
relação a este quadro.
O ponto forte de todo o ser computante é extrair
informação do universo e o seu ponto fraco: a
possibilidade do erro. (...) Assim, todo indivíduo pode
torna-se instrumento da sua própria perda, enquanto
julga trabalhar para a salvação.538 A vida não tem
significado. A pessoa vive, mas parece que não está
viva; a vida escorre como a areia e a pessoa que está
viva mas não esta, sente repercussões que, aos poucos,
vai perdendo o resto de sua sensibilidade e vitalidade,
539
para terminar numa neurose. Toda neurose é o
resultado de um conflito entre os poderes congênitos do
homem e aquelas forças que bloqueiam seu
desenvolvimento. Os sintomas de algum mal físico são a
expressão da luta pela parte, são de sua personalidade,
contra as influências invalidantes, dirigidas contra sua
evolução.540
ORGANISMO: no entanto, essas duas antologias, essas
duas lógicas comunicam-se e, pela tradução ininterrupta
entre duas línguas, a língua do “código” dos 4

537
MILAN. S.(COMP). Op. Cit. 1982. Pág. 72.
538
MORIN. E. Op. Cit. 2000. Pág.197.
539
FROMM. E. Op. Cit. La condicion humana actual. 1981. Pág.85.
540
FROMM. E. Op. Cit. 1964. Pág. 228.
640
nucleotídeos puridos e perimédicos do DNA e a língua
dos 20 radicais aminoácidos. É nessa comunicação
permanente, entre genosfera e fenosfera, que tece a
unidualidade geno-fenômenica, isto é, a própria auto
organização.541
ORTODOXIA: assim, o conhecimento fechado destrói ou
oculta as solidariedades, as articulações, a ecologia dos
seres e dos atos, da existência! Nos tornamos cegos às
aberturas, tanto é assim que, o mais difícil de perceber é
a evidência que esconde um paradigma dominante.542
Aquele que ergue uma tocha na noite não deve imaginar
que conseguiu transformar a noite em dia, unicamente os
homens que mantém ou recuperaram seu respeito em
relação aos sombrios aspectos onipotentes da psique,
estarão em condições de ser analista.543
PARADIGMA: Nessa concepção, um primeiro sentido
sociológico do conceito de paradigma indica toda a
constelação de crenças, valores, procedimentos e
técnicas partilhadas no consenso de uma comunidade
determinada.544
PERSEGUIÇÃO: a humanidade que crucificou Cristo,
aposentou Versálio, silenciou Galileu, queimou Serveto e

541
MORIN. E. Op. Cit. 2000. Pág.147.
542
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 257.
543
REIK. T. Op. Cit. 1987. Pág. 59.
544
CREMA. R. Op. Cit. 1989. Pág. 18.
641
arrancou a cabeça de Lavoisier, continuava e continua,
com alguns disfarces, a mesma. Perigosamente, idéias
seguem sacrificando pessoas.545 Mas aqui intervém o
que, a meu entender, deve ser a maior tristeza, mas
também, o maior privilégio de ser perseguido: ser mais
inteligente e melhor que seu perseguidor, não imitar, não
identificar-se com esta noção de perseguidor, que é
somente um aspecto de seu ser, não depreciar-lhe nem
odiar-lhe. Ao contrário, o perseguido se vê condenado a
depreciar e odiar, sem exceção, a quase todo ser
humano.546
POTENCIALIDADE: a subjetividade comporta, dessa
forma, a afetividade. O sujeito humano está, também,
potencializado, destinado ao amor, à entrega, à amizade,
à inveja, ao ciúme, à ambição, ao ódio. Fechado sobre si
mesmo ou aberto pelas forças de inclusão. Existem bons
e maus sujeitos, conforme toda a gama de afetividade
humana, um mesmo sujeito pode ser ora bom ora mal.547
Potência, por conseguinte, é o mesmo que virtude,
impotência, é o mesmo que vício. A felicidade não é um
fim, em si mesma, mas sim, aquilo que acompanha a

545
MASCIA. A. Op. Cit. 2003. Pág. 237.
546
MORIN. E. Op. Cit. 1995. Pág. 154.
547
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 77
642
impotência para a mudança, que é acompanhada pela
depressão.548
PRODUTIVO: no conceito de “orientação produtiva”
esta necessidade tem ocupado um posto central, como
uma das orientações fundamentais do homem e de suas
relações e assimilações. Esta orientação de “relação
ativa” é condição de saúde mental, enquanto que sua
ausência manifesta a tristeza, constitui um fator
patógeno, se bem que, nos casos leves, uma conduta
compensatória era evitar a manifestação da tristeza
consciente.549 Produtividade é a capacidade do homem
empregar suas forças e realizar suas potencialidades
congênitas. Se falarmos que “ele” deve empregar
“suas” forças, isto implica que deve ser livre e não
dependente de alguns, que controlam seus poderes.550
Produzir significa, fundamentalmente, como acabamos
de lembrar, conduzir o ser a existência, que pode
significar, alternativamente ou simultaneamente, causar,
determinar, ser a fonte para engendrar e criar.551
PSICANÁLISE: quanto à psicanálise, sim, ela é muito
interessante, contudo, vocês sabem que as psicanálises
têm uma tendência a se fechar, a se ritualizar. Enfim, o

548
MORIN. E. Op. Cit. 1964. Pág. 40.
549
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 178.
550
FROMM. E. Op. Cit. 1964. Pág. 99
551
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 200.
643
que diferencia uma teoria científica de uma outra
doutrina, é que a teoria é “biodegradável”, ela aceita a
regra do jogo e sua morte eventual.552
Quanto à possibilidade de pessoas que não
fossem da área médica não poderem fazer a formação
psicanalítica, Erich Fromm diz que “não necessitamos
mal gastar demasiado tempo argumentando contra as
pretensões totalitárias. Em primeiro lugar, precisam de
sinceridade, porque somente encobrem o egoísmo
extremo de uma “elite”, que deseja conquistar e
controlar o poder sobre a maioria da população.553 A
formação na psicanálise humanista, tem “entre seus
objetivos gerais, uma formação onde participassem os
psiquiatras e psicólogos, no domínio da teoria e prática
da psicanálise. (...) Incluindo, também, professores,
padres, assistentes sociais, enfermeiros e médicos, para
enriquecer, em suas respectivas profissões. (...) De 1946
a 1950, Fromm esteve no cargo da direção da formação
e coordenou o conselho docente.554
Freud se colocou, claramente, em defesa dos
psicanalistas leigos; “não peco”, escreveu a Paul
Feden, em março de 1926, quando o debate sobre a

552
MORIN. E. Op. Cit. 2001. Pág. 74.
553
FROMM. E. Op. Cit. 1964. Pág.19.
554
FUNK. R. Op. Cit. 1987. pág. 148.
644
análise leiga se alastrava, na Sociedade Psicanalítica de
Viena, que os membros adiram às minhas opiniões, mas
vou sustentá-las em particular, em público e perante os
tribunais.(...) Enquanto eu estiver vivo, vou impedir que a
psicanálise seja tragada pela medicina.555
A psicanálise humanista, tenta “esboçar as
idéias do homem e da existência humana, que fundam
as metas da psicanálise humanista. Mas o psicanalista
comparte idéias com outros conceitos humanistas,
filosóficos ou religiosos. Devemos proceder agora a
descrever o método, através do qual, se trata de alcançar
sua meta final, na psicanálise.556
Sua obra e sua vida são expressão continua de
seu esforço para entender o homem e a sua natureza
humana. Encontrar novos caminhos para proteger a sua
felicidade, a criatividade, a integridade, a liberdade e
assegurar o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades humanas. Seu amor pela vida é seu
próprio “marco de orientação e devoção”.557 A
psicanálise é um método para a realização concreta da
idéia humanista. A conversão do inconsciente em
consciente transforma a idéia teórica humanista da

555
GAY. P. Op. Cit. 1989. Pág. 446.
556
FROMM. E. Op. Cit. Budismo zen y psicoanálisis . 1964. Pág. 104.
557
MILAN. S. (Comp). Op. Cit. 1982. Pág. 59.
645
universalidade. É a vivência da humanidade, dentro do
indivíduo mesmo.558
Estar bem significa, em última instância, o
desprendimento do próprio ego, renunciar à ambição,
deixar de investir na acumulação e no engrandecimento
do ego, ser é experimentar-se no ato de ser, não do ter
e, tão pouco, proteger sua própia ambição.559 Erich
Fromm sempre defendeu sua proposta humanista da
transdisciplinariedade. “Quando alguém procura
entender psicologicamente uma pessoa, se preocupa,
com a sua totalidade, sua plenitude e individualidade.
A menos que obtenha um quadro de sua individualidade
em todos os seus detalhes, não pode começar a
entender a esta pessoa. Seu interesse por aquela
pessoa estará fora dos planos mais significativos e mais
profundos, passará, necessariamente, do particular ao
Universal.560
Eu estava, constantemente, surpreendido pela
amplitude dos estudos de Freud e da diversidade de
seus conhecimentos. Era entendido em quase todos os
ramos das ciências. Seguia com grande interesse os
progressos das pesquisas em medicina, biologia e

558
MILLAN. S.(Comp). Op. Cit. 1982. Pág. 38.
559
MILAN. S. (Comp.). Op. Cit. 1982. Pág. 60.
560
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 108.
646
conhecia extremamente arqueologia e história,
articulando os seus conhecimentos mais adiantados, em
todos estes campos.561
Uma ciência humanista do homem tem que
continuar a obra dos grandes estudiosos do passado,
como, Aristóteles e Spinoza, enriquecida pelas novas
descobertas que nos oferecem a biologia, a filosofia e a
sociologia e, por nossas experiências contemporâneas,
nesta era de transição, interessados pelo futuro do
homem.562
O programa exigia cursos sobre a teoria geral
psicanalítica, sonhos, técnica, ensino do
conhecimento analítico, para o clínico geral, e
tópicos especiais, como a aplicação da psicanálise
ao direito, sociologia, filosofia, religião e arte. Como
seria de se esperar, embora o programa do Instituto
fosse diversificado, exigia-se que as obras de Freud
fossem lidas, durante todos os cursos.563
A abordagem transdisciplinar exige a atuação
congregada, no indivíduo e na equipe, do analista que
sintetiza, que abre caminho para um metamétodo564 É

561
REIK. T. Op. Cit. 1965. Pág. 25.
562
FROMM. E. Op. Cit. Pág. 1991 Pág, 124..
563
GAY. P. Op. Cit. 1989. Pág.421.
564
CREMA, Roberto. Introdução a visão holística. Ed. Summus. São Paulo. 5ed.
1989. Pág. 154.
647
imprescindível esta atitude quando se quer conseguir
uma visão da natureza, em sua totalidade. Como toda
ciência, a nova transdisciplinariedade não veiculará
certezas absolutas, mas, através de um questionamento
permanente do “real”, ela levará à elaboração de uma
abordagem aberta, em permanente evolução, que se
nutrirá de todos os conhecimentos humanos e que
recolocará o homem no centro das preocupações do
homem.565
Para compreender o sentido do autodidata
transdisciplinar Edgar Morin, diante de “aquele livro que
incorporei a minha cultura transdisciplinar,
atravessando e bebendo em todas as disciplinas das
ciências humanas: geografia humana, etnografia, pré-
história, psicologia das religiões, ciência das
metodologias, história das idéias, filosofia, para estudar,
através delas, as concepções da morte, desde os
filósofos gregos, até Heidegger e Sartre.566
PSICANÁLISE SOCIAL ANALÍTICA: Freud y que serve
de base para un psicoanálisis de orintacion social.(...) La
domesticacion del psicoanálisis y su transformacion de
teoria radical em teoria de ajuste para la sociedad liberal,

565
WEISS. P. Rumo a nova transdisciplinariedade. Ed. Summus editoriual. São
Paulo. 1983. Pág. 99.
566
MORIN. E. Op. Cit. 1995. Pág. 34.
648
mal pudo evitarlo, no solo porque sus praticantes
procediam de las classes médios burguesas sino porque
tambíem perteneciam a los mismos pacientes.567 Es el
lugar donde uma psicologia social analítica tiene cabida
dentro de la teoria del materialismo histórico, pudiendo
mostrar ou detalles que el modo de producion y de vida
del hombre cria una estructura un carater muy
determinada y que la consciência del hombre entretanto
no sea directo relexo racional de la vida social, esta
condicionado por la especial forma de sus instintos,
temores y expectativas.568 Asi, desde el principio, la
psicologia individual és simultaneamente psicologia
social, en este sentido ampliado, pero legitimo.(S. Freud.
1916, Pág.69)569
PSICOPATOLOGIA: Pero hoy sabemos tambiem mucho
de lo patológico y dañinas que san pasiones como el
ansia del fama, de poder, de posesión, de venganza y de
dominio, asi que, con el mismo fundamento teorico y
clinico, podemos calificar de nocivas estas
570
necessidades. Cuando en nuestro cuerpo ocorre un
processo patológico, por lo general sentimos dolor: y sé
ocurre un processo patológico en nuestra alma se

567
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág. 163.
568
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág, 80.
569
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág. 80.
570
FROMM. E. Op. Cit. 1989. Pág. 19.
649
produce algo que viola lo que está profundamente
arraigado en la natureza humana, entonce pasa algo
mais: Tenemos una consciência culpable. Ahora bien, se
la gente no puede dormir, toma pildoras. Si siente dolor,
puede tomar otras pildoras. La consciência culpable se
tranquiliza de las multiplas maneras que para tal ofrece
nuestra cultura.571
SUPEREGO SOCIAL: Sin embargo, em la formación de
la consciência, autoridades tales como los padres de la
Iglesia, El estado o la opiníon publica, son aceptadas
consciente o inconscientemente como legisladores éticos
y morales cuyas leyes y sanciones adopta una
interiorizandolas.572
TEORIA: Em relação à demarcação teórica da
psicanálise, Freud ao “final da apresentação
autobiográfica, em 1925, disse: “ Echando uma ojeada
retrospectiva a la obra de mi vida, puedo decir que he
sido el iniciador de muchas cosas y he prodijado
numerosas incitaciones de las que algo saldrá en el
futuro. Yo mismo no puedo saber si será mucho o
poco. Pero tengo derecho a formular la esperanza de

571
FROMM. E. Op. Cit. 1981, Pág. 82
572
FROMM. E. Op. Cit. 1999. Pág. 158.
650
haber abierto el camino a um importante progresso
en nuestro conocimiento.”573
A abstração, a perda do contexto, o fechamento
de uma teoria em doutrina blindada, a transformação da
idéia em bandeira, tudo isso que conduz à racionalização
é a forma de delírio, oposta ao delírio da incoerência,
mas a mais difícil a identificar. Assim, homo demasiado
574
sapiens torna-se, ipso facto, homo demens. A
verdade não é negada, mas o caminho da verdade é
uma busca sem fim, cabe a cada um a escolha; os
caminhos da verdade passam por tentativas de erros, a
busca da verdade só se faz através dos erros e da
tolerância, a intolerância implica em erro, a procura da
verdade sem procurar o erro.575
Freud, “ansiaba conquistar el mundo con su
dogma racionalista puritano y my limitada salvacíon de
que era capaz: la conquista de la pasión por el intelecto.
Para Freud, esto y no cualquer religion o cualquier
solucíon politica como el socialismo era la unica
respuesta válida para el problema del hombre.576 Freud
sofreu a “ influência do paradigma newtoniano
cartesiano, que levou a uma visão mecanicista do mundo

573
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 156.
574
MORIN. E. Op. Cit. 2000 Pág. 119.
575
MORIN.E. Op. Cit. 2001 Pág. 154.
576
FROMM. E. Op. Cit. 1981. Pág. 54.
651
e do predomínio do racionalismo científico, o
conhecimento se fragmentou em disciplinas, cada vez
mais numerosas.577
Esa fé em el poder de la razón , Freud era lujo de
la época de la ilustracíon. Su lema: Sapere ande
”atrevete a saber”, esta estampado em toda la
personalidad de Freud y sobre y sobre toda su obra(....)
compartem todos la fé opacionada en la razón, todos
sientem el vinculo común de la lucha por um mundo
nuevo, verdaderamente ilustrado, libre y humano.578
Para él la razón se limitaba al piensamiento. Los
sentimientos e las emociones eram irracionales per si, en
consecuencia inferiores al pensamiento.
Eses pensadores racionalistas creiam que se el
hombre compreenda intelectualmente las cusas de su
miséria, ese conocimiento le daria poder para cambiar
las circusntancias que produciam su sufrimento. Freud
estuvo muy influido por esta actividad, y le costó años
superar la esperanza de que el mero conocimiento
intelectual de las causas de los sintomas neuróticos
produciria su curacion.579

577
CREMA. R. Op. Cit. 1989 Pág.16.
578
FROMM. E. Op. Cit. 1981 pág. 18
579
FROMM. E. Op. Cit. 1981 Pág. 22.
652
René Descartes (1596-1650), filósofo francês,
considerado o fundador do racionalismo moderno,
repensou a filosofia da sua época, desenvolvendo um
corpo doutrinário, segundo a célebre imagem da “árvore
do conhecimento” cujas raízes são a metafísica, o
tronco, a Física, e os ramos, as ciências derivadas, de
modo especial a medicina, a mecânica e a moral.580 O
positivismo tinha, como principal postulado dessa
concepção, o filosofo francês Augusto Comte (1798-
1878), considerado o pai e fundador da sociologia,
criador da escola do positivismo, denominado mais tarde
de “filosofia científica”.581
A filosofia da ciência de Brucke foi tão formativa
para Freud, quanto ao seu “profissionalismo”. Era um
positivista por temperamento e convicção. O
positivismo não era tanto uma escola organizada de
pensamento e sem uma atitude difusa, em relação ao
homem, à natureza e aos métodos de investigação. Seus
partidários tinham a esperança de trazer o programa das
“ciências naturais”, suas descobertas e métodos, para
a investigação de todo o pensamento e ação humanos,
públicos e privados.582 Quando Hermann Helmholtz, o

580
CREMA. R. Op. Cit. 1989. Pág, 21.
581
CREMA. R. Op. Cit. 1989. Pág. 24.
582
GAY. P. Op. Cit. 1989. Pág. 47.
653
homem da renascença do século XIX, a caminho de
adquirir fama mundial por suas contribuições a uma
extraordinária diversidade de campos, ótica, acústica,
termodinâmica, física, biologia, reuniu-se a Brucke e Du
Bom-Reymond, a “ escola ficou completa”. (...)
Quando Freud estudou em Viena, os positivistas tinham
o comando.583
A teoria do materialismo burguês, tal como foi
desenvolvida. especialmente na Alemanha, por pessoas
tais como Vogt, moleschott e Brucher. Na sua obra
Kraftund Stoff, (força e matéria (1855), Buchiner defende
que havia descoberto que não existia força na matéria,
nem matéria sem força, isto. na época de Freud, este
dogma recebia grande aceitação. (...) Freud,
permaneceu baixo à influência vigorosa do pensamento
de Von Brucke e do materialismo burguês, em geral e
sob esta influência, não podia conceber que pudessem
existir fortes poderes psíquicos para os quais não se
poderia demonstrar que houvesse raízes fisiológicas
específicas.584
Sua teoria reducionista era “físico-químico
comuns”, sustentavam eles, são “ativas no
organismo”. Os fenômenos inexplicáveis devem ser

583
GAY. P. Op. Cit. 1989. Pág. 48.
584
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág. 17
654
abordados apenas pelo “método físico-químico
matemático” ou pelos postulados de que, se existem
“novas forças”, “inerente à matéria”, hão de ser
redutíveis a componentes de atração e repulsão.585 Mas,
a maioria dos biólogos,como a grande revolução e o
triunfo do reducionismo, porque mostrava que a matéria
viva era matéria físico-química e que não existia,
portanto, substância viva. Eu percebia diferente, graças
aos meus estudos sobre a vida, no meu entender, a
matéria era de uma organização viva e não,
respectivamente, como organizações meramente físico-
químicos.586
Erich Fromm (1900-1980), criticou a “psicologia
da pulsão de Freud” e, precisamente, a tese implícita
nela “perceber a pessoa como um animal
pressionado”(...) Em Freud, os fenômenos da
espontaneidade, como o amor, a ternura, a alegria,
inclusive o prazer sexual, não são mais que reduções
da tensão, e fora disto não há mais nada.587 A ruptura
veio com Parmênides de Eléia, na primeira metade do
séc. V AC.

585
GAY. P. Op. Cit. 1989. Pág.48.
586
MORIN. E. Op. Cit. 1995. Pág. 39
587
FUNK. R. Op. Cit. 1999. Pág. 93.
655
Parmênides era determinista criou a visão de um
universo imutável, em que tudo é um, pois como coisa
alguma pode ter vindo do nada, o mundo sempre
existiu.588 Locke considerava não existir nenhuma
verdade autônoma e concebia a mente como uma
tabula rasa, sua famosa metáfora, onde todo
conhecimento seria gravado a partir da experiência
sensível e da reflexão. No seu determinismo, as “idéias
de sensação” serão provenientes do exterior, enquanto
as “idéias de inflexão” se originariam no interior.589
Se tivermos definido a situação do homem como uma
decisão livre, sem desculpas e nem ajuda, todo homem
que se refugia atrás da justificativa e das paixões, todo
homem que inventa um determinismo, é um homem de
má fé.590
Se acreditava que uma teoria era científica porque
a crença era o determinismo mecânico e a avaliação
de tudo que não é quantificável, ignorando a revolução
epistemológica que introduz o aleatório, a desordem e o
observador pesquisador, nas ciências físicas. Em vez de
ser uma conjectura multidimensional complexa que
permite articular, uns com outros, os distintos

588
MASCIA. A. Op. Cit. 2003. Pág. 36.
589
CREMA. R. Op. Cit. 1989. Pág.37.
590
SAVATER. F. Op. Cit. 2000 Pág. 93.
656
caracteres da realidade social, a sociologia se havia
tornado, e segue sendo, uma disciplina compartimentada
em subdisciplinas, não comunicantes.591
O mecanicismo iniciou-se no princípio do séc.
XX, quando surgiu a forte crença de que todos os
fenômenos da vida podiam ser reduzidos às leis
básicas da física e da química. Jaques Loeb, que
nasceu na Prússia, em 1859, mas se mudou para os
Estados Unidos, em 1891, depois de se casar com uma
americana, foi um líder desta escola mecanicista, que
se originou de um movimento alemão conhecido como
entwicklungsmechanik (mecânica do
desenvolvimento), criado por Rolex, na década de
1880. (...) Surgiu a concepção mecânica da vida. 592
Para Descartes, (1596-1650), o mecanicismo
ainda está ligado a uma certa teologia. Ela leva a
soberania de Deus a ponto de afirmar que até o que
entendemos como “verdades eternas”, como os
axiomas da matemática, foram criados por decretos
divinos. Mas, ao mesmo tempo, vê a nova ciência como
algo que nos tornará “senhor e donos” da terra. E esse
controle instrumental não é apenas valorizado por si

591
MORIN. E. Op. Cit. 1995. Pág. 186.
592
RONAN. C. História da Ciência da Universidade de Cambridge. Ed. Jorge
Zahar. Rio de Janeiro. 2001. Pág. 76.
657
mesmo, mas identificado como critério de verdade
científica, como deve ser, o mundo é realmente parecido
como uma máquina. 593
Freud teve sempre uma idéia um pouco
mecanicista da cura. Como é de conhecimento de
todos, a princípio, a idéia era que, revelando-se ou
descobrindo-se o efeito reprimido, este se tornava
consciente, conseguia sair, deste modo, do sistema. Era
o que ele chamava “abreação”, com uma idéia
mecanicista, como se fosse tirar pus de uma inflamação,
e acreditava-se que isto ocorria de modo inteiramente
natural e automático.594
Tratarei de tornar um pouco mais compreensível,
tomando como exemplo a Freud. No caso de Freud, era
impensável pensar ou refletir sobre todos estes
conceitos. Por um lado, para ele era impensável que
houvesse uma energia psíquica não explicável
diretamente pela fisiologia do homem.
Freud estava muito influenciado pelas teorias de
sua época que, na Alemanha, se havia tornado
especialmente radical: desde as experiências mais
primitivas de um Oscar Vogt, Jakob Maleschott e

593
......................Op. Cit. As fontes do self. Pa´g.212.
594
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág. 22.
658
Ludwig Buchiner, até as expressões muitos sutis de
seu mestre Brucke e seus colaboradores.595
O pensamento materialista fisiologista burquês
e da lógica formal positivista, manifestado
principalmente em sua metapsicologia e em seu conceito
mecânico hidráulico do aparato psíquico.596 A fome e o
sexo, enquanto fenômenos puramente fisiológicos,
pertencem à esfera da sobrevivência. (O sistema
psicológico de Freud padece deste erro definitivo, que
era parte do materialismo mecanicista de seu tempo e
que defende uma psicologia sobre as pulsões, que
estão a serviço da sobrevivência). Mas o homem total
tem paixões que são especificamente humanas e que
transcendem a função da sobrevivência.597
Freud construiu um modelo de natureza humana,
instintivo, fisiológico, em que concebe ao homem como
uma máquina impulsionada por uma quantidade
relativamente constante de energia sexual chamada
“LIBIDO”. A libido causa tensões dolorosas que só
diminuem mediante a descarga física, a esta liberação da
tensão dolorosa de Freud, deu o nome de “PRAZER”.598
Freud passou da fisiologia à neurologia e à psiquiatria.

595
FROMM. E. Op. Cit. 1992. pág. 158.
596
MILLAN. S. (Comp).Op. Cit. 1982. Pág.110
597
FROMM. E. Op.Cit. 1990. Pág.75
598
FUNK. R. Op. Cit. 1965. Pág.53.
659
(...) Buscava o substrato fisiológico da energia psíquica
(libido). Conservou, também, a neurolização e
599
descarga de energia. Minha crítica às teorias de
Freud dos instintos e da libido (...) é biológica (...) Sim,
porque sempre segui uma orientação biológica muito
particular, a saber, a do fisiologismo mecanicista em
que baseia esta teoria de Freud.600
Freud teve que se dedicar a encontrar um
substrato fisiológico dos instintos, encontrá-lo na
sexualidade constituía a solução ideal, posto que isto
corresponde às exigências do pensamento
mecanicista-materialista e a certas comprovações
clínicas nos pacientes de sua época e de sua classe
social.601 Fromm pensou diferente sobre esta hipótese
biológica, porque “a preservação da vida é um
princípio supremo”, se apegou a uma experiência
humanista e ao conhecimento de que todo ser vivo tem
uma tendência primária a crescer e a desenvolver-se, e
que a destruição do homem tem suas raízes em um
impedimento e no fracasso destas leis, próprias do
ser vivo.602

599
FROMM. E. Op. Cit. El inconsciente Social. 1990. Pág.32.
600
FROMM. E. Op. Cit. 1971. Pág.17.
601
FROMM. E. Op. Cit. 1971. Pág.55.
602
FUNK. R. Op. Cit. 1965. Pág.150.
660
Existem, aqui, muitos conceitos e teorias que
valem a pena ser discutidos e muitos deles são
questionáveis. Não podemos aceitar, sem reservas,
todos os pontos de Freud. Mas, onde percebemos que
temos razão para duvidar ou criticar, honramos a lógica
interna e a sinceridade de suas idéias.603
TEORIA PSICANALÍTICA HUMANISTA: em relação à
teoria psicanalítica humanista, Erich Fromm teve “um
avanço importante ao falar da função em vez de
autonomia, falar de dinâmica em vez de topografia,
referir-se a adaptações passivas da produtividade em
vez de estado genital da libido, amor, em vez de
sexualidade genital fálica, criatividade, em vez de
sublimação, razão de caráter produtivo, alegria no
lugar de acalmar a tensão instintiva.604 Esta meta não
constitui uma “REVISÃO” de Freud, nem um
“NEOFREUDIANISMO”. Mas o desenvolvimento da
essência do pensamento de Freud, através da
interpretação crítica de seus fundamentos
filosóficos, substituindo o materialismo burguês pelo
materialismo histórico.605 Em seu livro “Trinta anos

603
REIK. T. Op. Cit. 1965. Pág. 113.
604
MILLAN. S.(Comp.)Op. Cit. 1982. Pág, 25.
605
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág.36.
661
com Freud”, nunca presenciou nenhum traço de
intolerância ou dogmatismo.
Neste livro, inclui uma carta sua (a resposta que
deu a minha crítica sobre Dostoievski), no qual comprovo
que fui um crítico de seu próprio trabalho e admitia
livremente seus pontos fracos, quando existiam.
Somente era intolerante diante de uma falsa tolerância.
Insistia que a psicanálise poderia, como ciência,
atrever-se a ter seu próprio método e tratou de mantê-
lo, livre dos métodos de outras ciências.606
Independente das qualidades de Freud, Erich
Fromm “formulou uma crítica, questionando o
mecanicismo, o sistema patriarcal, o conceito da
pulsão de Freud, a sua teoria da cultura e da história,
a universalidade do complexo de Édipo, a teoria da
inveja do pênis, pela mulher, onde alguns discípulos se
aprofundaram neles.607 Fromm entendia que, “A pessoa
não é outra coisa que um ser em relação”, segundo
Fromm, a psicanálise entende a pessoa, como um ser
“socializado e o psiquismo espiritual, como
essencialmente desenvolvido e determinado,
mediante a relação do indivíduo com a sociedade.”608

606
REIK, T. Op. Cit. 1965. Pág. 28.
607
FROMM. E. Op. Cit. 1995. Pág.62.
608
FROMM. E. Op. Cit. 1995. Pág. 68.
662
Onde Freud errou e onde teria que errar a causa
de suas premissas, foi no seu apego teórico, onde
entendia a mãe como um caráter essencialmente
sexual. (...) E neste ponto está o grande erro de Freud,
porque não é o desejo sexual que torna a relação tão
intensa e vital com a mãe. Freud percebeu o conflito
entre o pai e o filho mais não interpretou acertadamente,
a saber, como uma característica da sociedade
patriarcal, mas sim, como, essencialmente, uma
609
rivalidade sexual entre Pai e filho.
TOTALIDADE: o termo “holístico” nasceu primeiro, em
1926, e foi forjado, como já mostramos anteriormente,
por Jan Christian Smuts, juntamente com o termo
“holismo”, indicando uma força responsável por todos
os conjuntos do universo.
Erich Fromm tem uma concepção da história e da
pessoa como um vir a ser, a sociedade e a pessoa estão
num processo de ser, e este vir a ser se desenvolve em
base as contradições e soluções dialéticas das mesmas,
através da negação da práxis (...) domina um conceito
de totalidade, onde todo o resultado concreto advém
de múltiplas determinações dialéticas, que se

609
FROMM. E. Op. Cit. 1995. Pág. 46.
663
influenciam entre si e onde as partes somente podem
compreender, dentro desta totalidade concreta.610
Vê os detalhes, não o conjunto; as árvores,
mas não o bosque. A realidade é para ele tão somente
a soma total de um eu já materializado. Esta pessoa não
carece de imaginação, é calculadora, se permite
combinar fatores, todos os quais são conhecidos e
existentes e inferem no seu comportamento futuro.611
Existe a dificuldade de ver a totalidade do fenômeno. Se
o observador se distancia de um aspecto do objeto sem
ver o conjunto, não conseguirá a compreensão
apropriada nem sequer deste aspecto, que está
612
estudando. As diferentes disciplinas, sua
exclusividade epistemológica, a variedade das
experiências históricas, as diferentes tradições,
culturas, idiomas, artes, devem proteger e conservar-
se; mas, ao mesmo tempo, deve aceitar a
interrelação e a unidade da totalidade.
Mas o homem, em qualquer cultura, tem duas
possibilidades: é um homem arcaico, a besta presa, o
canibal, o idólatra; e é um ser com a capacidade para o
raciocínio, o amor, a justiça. O conteúdo do

610
MILLAN. S. (Comp). Op. Cit. Pág. 119.
611
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 104.
612
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 118.
664
inconsciente, então, não é nem bom e nem mau, o
racional, o irracional, é ambos; é todo o ser humano.
613
E neste caso Freud tratou do ser humano como
um todo e não meramente de “complexos” e
mecanismos unitários, tais como o “complexo de Édipo”,
o medo da castração, a inveja do pênis.614
Assim, o ser humano faz parte de um
ecossistema natural, que está no seio de um sistema
solar, que está no seio de um sistema galáctico: ele é
constituído de sistema celulares, que são constituídos de
sistemas moleculares, que são constituídos de sistemas
atômicos.615 A retroação incessante do todo enquanto
todo sobre as partes, para permanecer todo protege
as partes, que protegem o todo e tudo que favorece a
sobrevivência do todo será conservado, integrado,
desenvolvido, neste processo, ao mesmo tempo
seletivo e morfoestabilizador.616
A totalidade holística significa “ser capaz de situar
as informações e os saberes em um contexto que ilustra
seu sentido, é ser capaz de exercer um pensamento que,
como dizia Pascal, “alimenta os conhecimentos das
partes com os conhecimentos do todo e do todo com

613
FROMM. E. SUZUKI. D. Op. Cit. 1964. Pág. 116.
614
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág. 74.
615
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág.128.
616
MORIN. E. Op. Cit. 2002. Pág. 386.
665
os conhecimentos das partes.617 A contribuição mais
importante talvez seja o fato de que a teoria psicanalítica
é o sistema psicológico moderno, cujo objeto principal
não se constitue de aspectos distantes ou separados do
homem, mas sim, o estudo de sua personalidade total.618
TRANSCENDÊNCIA: assim, a decisão definitiva para o
homem, enquanto se sente motivado a transcender-se
para criar ou destruir, amar ou odiar. Mas a satisfação da
necessidade de criar conduz à felicidade, e a destruição
ao sofrimento, podendo decidir pela sua
autodestruição.619 A base do amor, a ternura, a
compaixão, o interesse, a responsabilidade, a identidade
é precisamente a do ser versus ter, e isto significa
transcender o “EU”. Significa deixar o próprio eu,
abandonar a ambição obsessiva, poder esvaziar-se para
encher-se ou empobrecer-se para poder ser rico.620
TRATAMENTO: na psicanálise humanista se tem o
entendimento de que “ninguém reprime algo somente
pelo prazer. Isto ocorre porque algo é doloroso e
inadmissível à consciência. (...) Sem resistência não
haveria repressão e sem repressão não há teoria
psicanalítica. (...) Penetrar nas resistências é uma arte

617
MORIN. E. Op. Cit. 1995. Pág. 47.O
618
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 45.
619
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 39.
620
FROMM. E. Op. Cit. 1990. Pág. 92.
666
que me permite ter um contato com a minha interioridade
621
e intimidade. A confiança, a liberdade, a
espontaneidade é algo que se vai desenvolvendo. Se a
sensibilidade, a atitude geral e o interesse do analista
assim o propiciarem.622
O importante, disse Fromm é ter sempre, até o
último dia de nossa vida, um desejo ardente,
apaixonado, de aprender mais. É uma atividade
humana que implica o interesse ativo de observar, de
aprender e de entender melhor.623 O analista, e
nenhum homem, pode “salvar” outro ser humano. Pode
atuar como guia ou como parteira, pode mostrar o
caminho, retirar obstáculos e, algumas vezes, prestar
ajuda direta, mas nunca pode fazer pelo paciente o
que o paciente, e somente ele, pode fazer por si
mesmo.624 Que ao descobrir a verdade, o homem se
transforma, porque se torna mais disposto e pode
transmitir esta maior conscientização a seus
descendentes. (...) O conteúdo não é bom e nem mau,
racional ou irracional, é ambos, é todo o humano. O
inconsciente é o homem total.625

621
MILLAN. S. (COMP). Op. Cit. 1982. Pág. 78.
622
MILLAN. S. (Comp.) Op. Cit. 1982. Pág. 69.
623
MILLAN. S. (Comp.). Op. Cit. 1982. Pág. 68.
624
FROMM. E. SUZUKI. D. Op. Cit. 1991. Pág. 123.
625
FROMM. E. SUZUKI. D. Op. Cit. 1991. Pág. 104.
667
Ao longo de minha experiência, descobri que isto
era bastante simples: em vez de ser um observador, tive
que me converter em participante, estar unido ao
paciente e comprometido com ele, frente a frente, em
vez de ir da periferia a periferia. Descobri que podia
começar a ver, no paciente, coisas que não tinha
observado antes, em vez de interpretar o que dizia e que
já não me sentia cansado, durante a hora analítica.626
Freud reduziu seu método goetheano, como o tenho
chamado, para poder encarar a totalidade do homem,
com o método de laboratório que havia estudado na
universidade. (...) Quando falava de que tu te vês em
qualquer outro e qualquer outro se vê em ti.627
Estes conceitos da psicanálise se encontram
dentro da tradição humanista, porque existe uma vida
boa e uma vida ruim, para que os fins e valores que
conduzem a viver bem, quero dizer corretamente, e
outras normas que levam à decadência e à desgraça,
e estes juízos valorativos não são simplesmente
juízos subjetivos, mas sim que se depreendem das
condições da existência humana. 628

626
MILLAN.S.(comp.) Op. Cit. 1982. Pág. 61.
627
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 183.
628
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 186.
668
Existe somente um critério para saber se uma
consulta foi satisfatória ou não, um critério mínimo. Se a
consulta foi interessante ou cansativa para o paciente ou
para mim. Se a consulta está sendo cansativa para mim,
certamente, algo se encontra muito mal.629 Em seu
entendimento, a análise não “significa outra coisa
senão estar aberto a totalidade da experiência
humana, que é boa e má, que é o seu todo. 630
Sua compreensão do diagnóstico não significa
“que existe um defeito aqui e outro ali, chamados
sintomas, e o psiquiatra considera que sua tarefa é de
reconhecimento ou de correção destes vários defeitos.”
Não enxerga o paciente como uma totalidade
singular e global, que pode ser compreendido em
sua totalidade, nos atos de relação e empatia
plena.631 Enfim, a cura é restaurar a saúde, e os
remédios, são a verdade e a razão.632 Na concepção
de Fromm, “analisava sobretudo as exposições
reduzidas de Freud. (...) E que se queixava de que Freud
havia organizado a relação com o paciente, segundo o
modelo de um “procedimento médico-terapêutico”.

629
FROMM. E. Op. Cit. 1992. Pág. 153.
630
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág. 104
631
FROMM. E Op. Cit. 1981. Pág. 110.
632
FROMM. E. Op. Cit. 1964 Pág. 49.
669
“O Analista deve manter uma atenção
flutuante”, deve conseguir “indiferença” e “frieza de
sentimentos” frente ao paciente, deve manter-se
distante da ambição terapêutica e deve evitar, a todo
custo, ceder às “necessidades de amor do paciente”.
Deve ser “invisível” para o paciente, igual ou mais liso
que um espelho.633
O objetivo da análise ou a “meta terapêutica de
Freud, era o controle das pulsões instintivas, através
do fortalecimento do ego; estas tem que ser submetidas
pelo ego e pelo superego. (...) Igual a sociedade
maioritária, que controla uma minoria governante, se
supõe que a psiquê é controlada pela autoridade do ego
e do superego.634 Freud se viu obrigado a falar de
“objetos” de amor, porque “a libido sendo libido,
tanto é dirigida a objetos como ao próprio ego.” (S.
Freud. 1916. 1917. Pág. 420). O amor é uma energia
sexual vinculada a um objeto; não é mais que seus
instintos com raízes fisiológicas, dirigidas a um
objeto.635
A que se deve o efeito terapêutico da psicanálise?
A meu parecer, falo livremente, são três os fatores que

633
FROMM. E, Op. Cit. 1999. Pág. 111.
634
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág.19.
635
FROMM. E. Op. Cit. 1997. Pág. 21.
670
determinam este efeito terapêutico. 1) O aumento de
liberdade, ao compreender os conflitos verdadeiros.
2) O aumento de energia psíquica, ao liberar-se da
energia ligada à repressão e a resistência. 3) A
liberação do desejo inato da cura.636
De suas idéias sobre o paciente e de seu trato com o
tratamento se desprende, como um fio, a sua postura
humanista. Não vê o paciente como um objeto, nem
como pessoa fundamentalmente distinta. Entre o
analista e o analisando, se sente uma solidariedade
profunda, fundamentada no analista, porque
aprendeu tratar-se bem consigo mesmo e segue
disposto a aprender, em vez de esconder-se por detrás
de uma “técnica psicanalítica”.637
Não se esqueça que o vínculo analítico se
fundamenta no amor e no reconhecimento da
realidade objetiva e que exclui a toda ilusão e
engano. 638 Não devemos utilizar nossa capacidade para
nos tornamos juízes, e tão pouco, moralistas, nem para
nos indignarmos com o paciente, uma vez que sentimos
como próprio o que ele experimenta. E se não

636
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág. 93.
637
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág. 15.
638
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág.22.
671
experimentamos como algo próprio, não creio que vamos
entendê-lo.639
Esta empatia tem como condição uma grande
capacidade para amar. Compreender ao outro
significa amá-lo, não no sentido erótico, mas sim, no
sentido de entregar-se, sem medo de perder-se. A
compreensão e o amor são inseparáveis. Quem trate
de compreender sem amar se limitará a uma operação
cerebral e fechará a porta a algo essencial para
640
compreendê-lo. Em relação ao tempo de análise, “de
maneira geral, bastarão duas horas semanais, durante
seis meses. Fará falta um procedimento especial. O
analista não deve ser passivo. Depois de escutar de
cinco a dez horas ao paciente, tem que ter formado uma
idéia de sua estrutura inconsciente e da intensidade de
sua resistência. 641
Por fim, “A psicanálise não serve só para a
cura das doenças, mas também para a liberação
íntima do homem. Não é só uma terapêutica para
eliminar sintomas, mas, também, um meio para
promover o desenvolvimento e a fortaleza do
homem.642 Como humanista, reconhecia que “ sempre

639
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág. 43.
640
FROMM. E. Op. Cit. 1993. Pág.201.
641
FROMM. E Op. Cit. 1991. Pág. 89.
642
FROMM. E. Op. Cit. 1991. Pág. 12.
672
existem profissionais que analisam alguns pacientes
grátis ou por reduzidos honorários, sem que deste modo
possa resolver-se o problema da remuneração. Parece-
me que a única solução estaria em que a saúde pública
tornasse acessível a todos este tratamento
terapêutico.643

643
FROMM. E. Op. Cit. 1991 Pág. 109.
673
REFLEXÕES FINAIS

É um momento muito particular demonstrar o valor


desta tese para a grandeza e o aprimoramento da
psicanálise humanista. A ilusão, a dor, o sofrimento,
distanciam o ser humano da tão almejada felicidade,
inclui-se aqui, a saúde emocional e orgânica.
Esta humanização tem suas raízes com aquilo
que é próprio da natureza humana, tanto a expressão da
barbárie, entendida sob os auspícios da competição, da
inveja, da solidão, da exploração, das injustiças, da
ganância, da falsidade e de tantas outras emoções
destrutivas, onde se prolifera, como vírus mutante, a
discórdia, o individualismo, a desconfiança, o isolamento,
atitudes perniciosas que dão valor e consistência a
formação do núcleo neurótico.
Esta proposta de vida desumanizante é própria de
pessoas necrófilas. Porém, o homem, na sua natureza, é
dado por necessidade biológica, ter um cuidado
amoroso, solidário, afetivo e de segurança material,
emocional. São condições absolutamente necessárias
para dar início a este processo de humanização, tão
caro, onde muitos pagam com a própria vida. Neste
processo de aculturação social, política e econômica, o

674
homem, na sua totalidade transdisciplinar, consegue
expressar todas suas competências produtivas, elevando
assim, em dignidade e amor, o valor, tão nobre, da raça
humana.
A psicanálise humanista vem, assim, expressar a
condição desta natureza boa e má, e da tão necessária
hominização dos valores éticos, para dar competência e
saúde ao seu próprio existir. As duas teorias conseguem
dar uma resposta bastante competente ao problema de
uma teoria psicanalítica ultrapassada, na sua concepção
de homem e da natureza humana, porém, exigirá, por
parte dos futuros psicanalistas, uma maior
complexização dos conceitos teóricos de sua corrente de
pensamento, tidos como uma verdade suprema; por isto,
a necessidade atual de uma formação humanitária e
transdisciplinar.
A tese vem explicitar o resgate dos valores
humanitários e da humanidade, contido em todo seu
potencial inconsciente. O humanismo, na psicanálise,
propicia um maior encontro com seus próprios medos e
bloqueios, despertando, a partir desta maior
aproximação, uma vivência e expressão afetiva, da
cooperação, da solidariedade, condição sine qua nom
para preencher as lacunas da solidão e de suas

675
carências pessoais. Neste ambiente permeado de
bondade, ajuda, cooperação, se dá início a uma
revivência das condições psíquicas e emocionais, de
experiências muito significativas, de uma paz interior,
que só e possível através destas ações do potencial do
inconsciente humano.
A condição deste humanismo não se dá a partir de
algo externo, mas na evolução de todo ser organísmico,
propiciando, desta forma, uma harmonização dos
conteúdos inconscientes. Este potencial pode e deve ser
utilizado numa afirmação, cada vez maior, de sua
segurança emocional, dedicando, a cada ato de sua
existência, o melhor que pode fazer, utilizando-se de
suas qualidades pessoais para a realização de seus
objetivos.
O humano está repleto de um estado de
inconsciência, onde as perturbações e sofrimentos se
acentuam, cada vez mais, quando a pessoa não se dá
conta da própria desumanidade, que está cometendo
contra si mesmo. Estes atos involuntários, onde a
projeção de sentimentos de raiva, ódio, violência, são
manifestados por atitudes e comportamentos
inconscientes, aumentando, desta forma, o
distanciamento das pessoas mais queridas e amadas.

676
Uma psicanálise verdadeira exercita a pessoa a
tomar consciência deste estado desumanizante, que não
propicia um verdadeiro caminho para a sua humanização
pessoal, a tomada de consciência, em conjunto com uma
reflexão muito profunda sobre suas próprias
incongruências, poderá aumentar a sua capacidade de
tolerar, compreender e entender também as limitações
das pessoas mais próximas do seu convívio.
O humanismo, na psicanálise, reaparece sobre a
forma do amor, da sinceridade, da compaixão, do
perdão, da aceitação, da solidariedade, sendo bastante
produtivo consigo mesmo, pois ama a vida e, por isto,
luta, incessantemente, por uma maior justiça social.
Esta tese vem dar uma resposta aos desejos do
fundador da psicanálise humanista, quando ele mesmo
sentia a necessidade de “uma análise cuidadosa da
hipótese, com o objetivo de julgar suas implicações
ao acúmulo de dados que as apóiam, conduzem a
uma hipótese mais adequada e talvez,
posteriormente, a sua incorporação a uma teoria
mais ampla e complexa.”644 Quando falava da
necessidade de perceber a subjetividade do homem,
numa atitude mais ampla e total, percebia a necessidade

644
FROMM. E. Ética y Psicoanálisis. Buenos Aires. F.C.E. 12ª ed. 1991. Pág. 221.
677
de incorporar uma nova teoria, que desse a sustentação
ao estudo científico da complexidade do inconsciente
humano, dentro de uma perspectiva transdisciplinar e
humanista.
Esta tese consegue apresentar, de forma concisa
e coerente, uma epistemologia da psicanálise humanista,
agregando a ela um aporte teórico e metodológico do
paradigma da complexidade, para ser aplicado na
formação dos futuros psicanalistas, além de fomentar
uma maior abertura, quanto à liberdade de pesquisa. A
produção científica, dentro desta perspectiva, amplia ao
pesquisador, uma maior opção, em realizar o seu projeto
de pesquisa dentro de suas inquietudes pessoais, em
relação ao seu tema, metodologia, autores, e mesmo, de
outras correntes teóricas.
Esta liberdade de pesquisa retira da instituição a
condição de impor de forma totalitária, teórica ou
metodológica, que tem como único objetivo, a utilização
desta pesquisa para afirmar e valorizar uma determinada
teoria ou autor específico.
Edgar Morim entende o enfoque transdisciplinar,
quando acentua que o conceito de “complexus é o que
está junto, é o tecido formado por diferentes fios que
se transformaram numa coisa só, isto é, tudo isto se

678
entrelaça, tudo se entrecruza, para formar a unidade
da complexidade, porém, a unidade do complexus
não destrói a variedade e a diversidade das
complexidades que o teciam”.645 Fica, no entanto, a
disposição de, no futuro, rever conceitos ou incorporar
novas teorias, que possibilitem uma melhor qualidade,
tanto no aspecto científico, como no metodológico.
O aprendizado só será constante quando for
possível a abertura de um diálogo, onde inclua e não
exclua outras teorias, muito mais importantes que as
ideologias teóricas, incorporadas como um modelo de
vida, são as pessoas. A tese veio resgatar, na
psicanálise, o humanismo, tão necessário para dar um
novo alento, tornando-a mais humana e solidária,
dignificando a magnitude do tratamento psicanalítico e
dos psicanalistas. Sabemos que não é uma tarefa muito
fácil, porém, não podemos nos acovardar diante das
ameaças, conflitos, pois sabemos que a grandeza de um
pesquisador está justamente na ousadia, e não no medo,
esta inibição pertence aos desprovidos de coragem, e
sem ela recairá sempre numa normose existencial e,
dentro desta forma de pensar, nunca existirá a
originalidade e criatividade.

645
MORIN. Edgar. Ciência com Consciência. Ed. Bertrand do Brasil. Rio de Janeiro.
2001. Pág.188.
679
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