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PSICOPATOLOGIA

DAS DOENÇAS
PSÍQUICAS

7
P436p Pereira, SalézioPlácido
Psicopatologia das doenças psíquicas /
SalézioPlácido Pereira. – Santa Maria: Ed.
ITPOH, 2013.
294p. ; 15cm.
ISBN 978-85-86991-39-4
1. Psicologia 2. Psicanálise 3. Psicopatologia
4. Psicanálise humanista I. Título.
CDU 159.964.2

Ficha catalográfica elaborada por:


Maristela Eckhardt CRB-10/737

Produção gráfica:
Jeferson Luis Zaremski

Revisão ortográfica:
Andréa Alves Borgert

Impressão:
Inov9 | Gráfica e Editora | Santa Maria – RS

Editora: Instituto de Psicanálise Humanista


Rua dos Miosótis, 225 | Bairro Patronato
CEP: 90.8000-020 | Santa Maria – RS

Fone: (55) 3222.3238


www.itpoh.com.br
saleziop@gmail.com
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ORGANIZADORES

Dr. Salézio Plácido Pereira - Psicanalista, Mestre em


Educação pela UFSM, Doutor em Psicologia Social. Diretor do
Instituto de Psicanálise Humanista. Presidente da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Humanista, Membro Efetivo da
Sociedade Internacional de Erich Fromm.

Dra. Carla Cristine Melo Froner - Psicanalista, Doutoranda


em Psicologia Social, Doutora Honoris Causa em Psicologia,
Coordenadora e Ssupervisora Clínica do Instituto de Formação
em Psicanálise, Docente do Instituto, Membro Efetivo da
Sociedade Internacional de Erich Fromm.

AUTORES

Ana Maria de Lima Camargo - Graduada em Ciências


Biológicas / Matemática pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Pós - graduada em Ciências Naturais
pela Universidade Federal de Santa Maria, em Educação
Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos.
Professora da rede Municipal em Santa Maria. Estudante da
Especialização em Psicanálise Clínica. Psicanalista em
Formação e Membro aspirante da Sociedade Brasileira de
Psicanálise Humanista.

Andréa Alves Borgert - Graduada em Letras pela


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduada
em Práticas Pedagógicas Multidisciplinares na Educação
Básica e Gestão Escolar pela (FEJ) Faculdade de Educação de
Joinville-S/C. Professora do Estado de Santa Catarina.
Estudante da Especialização em Psicanálise Clínica Humanista.
Psicanalista em Formação e Membro Aspirante da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Humanista.

9
Eden Jorge Pereira Perez - Natural de Santiago (RS),
graduado em Direito, advogado com militância nas áreas civil e
comercial, integrante também da Assessoria Jurídica Regional
do Banco do Brasil em Porto Alegre (RS), psicanalista em
formação pelo Instituto de Psicanálise Humanista de Santa
Maria (RS). Membro aspirante ao Colégio Brasile.

Flávio Rodrigues - Formado em Capoeira pelo Grupo


Capoeira Mandinga - Federação Paulista de Capoeira - São
Paulo. Graduado em Educação Especial pela Universidade
Federal de Santa Maria, Professor de Atendimento Educacional
Especializado da rede Municipal de Uruguaiana. Estudante da
Especialização em Psicanálise Clínica. Psicanalista em
Formação e Membro Aspirante da Sociedade Brasileira de
Psicanálise Humanista.

Greice Rachel Lemes Michel - Graduada em Teologia na


Faculdade de Teologia e Filosofia-Seminário Maior da
UNITHEO. Estudante da Especialização em Psicanálise
Clínica. Psicanalista em Formação e Membro aspirante da
Sociedade Brasileira de Psicanálise Humanista.

Joana Iara Ferrando Tavares - Graduada em Pedagogia


(FAFISB/São Borja), Especialização em Psicopedagogia
Institucional (Universo/Recife - PE), Especialização em
Educação Especial Inclusiva (Unopar/Santiago - RS),
professora municipal, aluna do Curso de Especialização em
Psicanálise Clínica e Psicanalista em Formação.

Maria Izabel BurinCocco - Graduada em Ciências-UFSM/RS


e Biologia - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Santa
Cruz do Sul - RS. Formação em Psicanálise Humanista pelo
Instituto de Psicanálise Humanista de Santa Maria/RS.Pós
Graduação em Psicopedagoria Institucional - FACISA.Pós
Graduação em Teoria psicanalítica Faculdade Redentor/RJ.
10
Cursando Especialização em Psicanálise Clínica- ITPH/IMED.
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise e do
SINPERS.

Odete Terezinha Bittencourt - Graduada em pedagogia pelo


Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria.
Funcionária Pública Municipal do Município de Agudo-R/S.
Estudante de especialização em Psicanálise Clínica.
Psicanalista em formação e Membro Aspirante da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Humanista.

Suzana Pienis - Graduada em Pedagogia pelo Centro


Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria. Aluna do
Curso de Especialização em Psicanálise Clínica (IMED) e
Psicanalista em Formação pelo Instituto de Psicanálise
Humanista de Santa Maria-R/S (ITPOH) e Membro Aspirante
da Sociedade Brasileira de Psicanálise Humanista.

11
Sumário

Prefácio....................................................................................07
Dr. Salézio Plácido Pereira

1. O paciente psicossomático...................................................10
Ana Maria de Lima Camargo.

2. Depressão e psicanálise:
do início da enfermidade à superação......................................45
Andréa Alves Borgert

3. Uma análise dialética da perversão de Sigmund


Freud a Erich Fromm...............................................................71
Flávio Rodrigues

4. Conhecer e compreender a esquizofrenia..........................100


Greice Rachel Lemes Michel

5. A paranoia sob a ótica da psicanálise................................142


Maria Izabel Burin Cocco

6. A psicanálise humanista e o paciente sociopata................166


Joana Iara Ferrando Tavares

7. O paciente obsessivo-compulsivo
na psicanálise humanista........................................................191
Eden Jorge Pereira Perez

8. A estrutura de uma mente na psicose.................................218


Odete Terezinha Bittencourt

9. Considerações psicanalíticas acerca do paciente fóbico....249


Suzana Pienis

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PREFÁCIO

O leitor que realizou outras leituras sobre


psicopatologia que foram escritos por psicanalistas, certamente
aprovará os artigos que foram escritos, porque conseguem
esclarecer as diversas doenças psíquicas que fazem parte do
cotidiano de qualquer pessoa. Conhecer a estrutura
psicopatológica de uma doença psíquica é um recurso
fundamental para entender a complexidade da dinâmica
inconsciente desta humanidade do homem, que está enraizada
no seu convívio cultural, histórico, econômico, social e
político.
Os analistas em formação se propuseram este objetivo,
estavam interessados em compreender as graves perturbações
do caráter humano, com o sincero desejo de assumir esta
prática psicanalítica com esforço, dedicação, comprometidos
com a causa do bem estar e a saúde dos seus pacientes. Este
grupo de analistas em formação é oriundo das áreas das
ciências humanas e sociais, que se dedicaram ao máximo para
entender as motivações inconscientes, defesas, neuroses,
resistências, transferências, contratransferências, que
determinam este diagnóstico destas doenças psíquicas.
Todos os analistas em formação possuem experiência
clínica que adquiriram durante o seu processo de atendimento
analítico. Nestes três anos proporcionou-lhes a oportunidade
única e imprescindível de fazer um estudo sério e cuidadoso
através da teoria psicanalítica para descrever a origem destes
sintomas que determinam aquela estrutura de caráter necrófilo.
O valor destes artigos ultrapassa o campo da psicanálise e se
estende para outras áreas do conhecimento humano, nos quais
este estudo da mente inconsciente colabora com outros
profissionais da área da saúde mental para efetuar um
diagnóstico mais seguro e preciso.
Atualmente a psicanálise como ciência é utilizada por
todas as áreas afins, porque muitas profissões como psicologia,
13
psiquiatria, medicina, fonoaudiologia, fisioterapia,
psicopedagogia, educadores, orientadores educacionais,
enfermeiros, teólogos, são profissionais interessados em
conhecer e compreender as psicopatologias e sua relação com a
saúde psíquica. Em outros casos, profissões como advogados,
juízes, promotores, padres, pastores, podem se utilizar desta
importante área do conhecimento para entender mediante uma
entrevista quando estão diante de uma pessoa com uma série de
atitudes que podem ajudá-lo a entender aquele tipo de doença
psíquica.
Todas os profissionais uma vez por outra confrontam-se
com diversos tipos de doenças psíquicas, e através desta leitura
podem compreender os traços de caráter, os sintomas que
fazem parte daquela patologia específica. É muito agradável e
realizador acompanhar a quarta publicação destes analistas em
formação, porque estes autores souberem descrever com
inteligência e criatividade os símbolos e imagens que na matriz
do trauma especifica aquele tipo de disfunção com da sua
realidade emocional. Este livro descreve os principais tipos de
transtorno do caráter que estão relacionados às neuroses e
psicoses, este é o campo de conhecimento onde atua o
profissional da psicanálise.
Os artigos conseguem informar e esclarecer a etiologia
do seu quadro psicopatológico, compreendendo que no
decorrer do tratamento psicanalítico se torna fundamental saber
fazer o manejo da transferência com determinados tipos de
pacientes. Como psicanalista e docente desta importante
ciência estou satisfeito porque conseguimos com este grupo de
analistas em formação, trazer a público as diversas síndromes
clínicas que surgiram depois dos seminários teóricos que foram
realizados durante a formação analítica.
Sempre foi uma preocupação estudar e compreender os
métodos de tratamento dos pacientes obsessivos, compulsivos,
histéricos, fóbicos, psicóticos, esquizofrênicos, perversos ou
hipocondríacos, este enfoque foi conduzido dentro de uma
14
proposta transdisciplinar em situações clínicas das supervisões
e dos grupos de estudo de casos, que foram realizados durante
a formação destes futuros analistas. Deixo aqui meu
agradecimento pela coragem e determinação destes analistas
que não mediram tempo, esforço e dedicação para oferecer esta
obra magnífica, com o objetivo de enriquecer ainda mais o
conhecimento das motivações inconscientes desta importante
disciplina na psicanálise humanista.
Indiretamente todos os psicanalistas humanistas são
gratos ao empenho e dedicação deste grupo de analistas que se
propuseram a descrever este processo psicopatológico e suas
motivações inconscientes em relação a estas doenças psíquicas.
O instituto de formação em psicanálise humanista e todo o
corpo docente parabenizam por mais esta importante livro, que
com certeza contribuirá e muito para que os pacientes em
tratamento tenham bons e excelentes analistas.

Dr. Salézio Plácido Pereira – Psicanalista.

15
O PACIENTE PSICOSSOMÁTICO

Ana Maria de Lima Camargo

RESUMO: O presente artigo tem o intuito de instigar


reflexões à luz do conhecimento, elucidando tópicos referentes
ao tema O paciente psicossomático, na visão da Psicanálise
humanista. A contextualização psicanalítica enfatiza distintos
aspectos referentes ao paciente lesado pelas doenças
psicossomáticas, disponibiliza acesso norteador, com
veemência à compreensão, da etiologia das doenças no
paciente psicossomático. Menciona a fundamental regência
atuante das emoções que são pedestais determinantes das
pulsões de vida ou de morte. Caracteriza-se noções de Biofilia
e Necrofilia, os efeitos das pulsões antagônicas acionadas em
conformidade com as emoções. Explana o sinônimo da
somatização. Enfatiza a importância de conhecer-se, através de
sessões psicanalíticas, descobrir e aprender a técnica de lidar,
de saber manejar as emoções, elaborando novos significados,
referentes aos motivos inconscientes do sintoma somático.
Salienta que há possibilidade sim, de livrar-se da escravidão de
doenças psicossomáticas, com a contribuição da clínica que
trata das emoções e pulsões, para quem pretende conhecer a
Psicanálise humanista.

Palavras-chave: Paciente psicossomático. Psicanálise


humanista. Emoções. Pulsões. Biofilia. Necrofilia.

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A referida abordagem psicanalítica, cujo tema é o


paciente psicossomático, tem intento esclarecer com
transparência, fundamentada na visão da Psicanálise
humanista, tópicos com aspectos essenciais, referentes ao
paciente lesado pelas doenças psicossomáticas. Objetiva
suscitar, especialmente para quem acessar e sorver desta
explanação, despertar reflexões que iluminem para alcançar a
compreensão, o entendimento concernente do fundamento
psicanalítico, de como são efetuadas as investigações analíticas
para descobrir no paciente qual o processo etiológico das
doenças psicossomáticas, que o afetaram.
A contextualização psicanalítica disponibiliza acesso
com veemência à fácil compreensão na forma, como transcorre
a descoberta através de investigações analíticas, quais são as
forças de energias psíquicas paralelas e antagônicas,
protagonistas, que processam a somatização, desenvolvendo
qualquer tipo de doença no paciente psicossomático.
Elucidando, Sigmund Freud, o “Pai da Psicanálise”,
postulou a existência no início da vida, foi grande colaborador,
que propiciou o nascimento da Psicossomática, com a
descoberta do inconsciente, representou um marco propulsor às
relações humanas, inclusive à compreensão dos mecanismos
que geram os sintomas no paciente. O ser humano é governado
pelas emoções. O nosso inconsciente é constituído de emoções
e de pulsões, genuínas energias psíquicas latentes.
Importante enunciar que foi pesquisando sintomas
psicossomáticos como a histeria em suas pacientes, que Freud
postulou uma teoria e partindo daí, a técnica psicanalítica
passou a ser aplicada.
Merecido reconhecimento há para muitos profissionais
do universo da medicina e da Psicanálise, que brilharam com
17
êxito, aprimoraram estudos que oportunizaram este
entendimento. Porém Groddeck é mais um ícone, destaque
importante da Psicanálise, também reconhecido
primordialmente como o pai, o fundador da Psicossomática, a
contar de seus profundos estudos sobre o “isso”. (PEREIRA et.
al. 2009, p. 150).
No mundo hodierno estampa-se notoriamente um
imenso e acentuado fluxo de estresse que assola as pessoas das
diversas camadas sociais nas mais diversas faixas etárias. Com
total propriedade, pode-se notificar que a saúde psíquica das
pessoas e também o descaso no sistema de saúde está um caos.
Um sistema de saúde totalmente desumanizado que contribui
com imensa incompetência ao socorro, viabilizando a morte e
não para curar, aliviar ou até livrar do sofrimento o cidadão
enfermo.
Os consultórios das clínicas e hospitais em geral,
abarrotados de pacientes, saturadas filas de prolongadas datas à
espera de agendamento para o atendimento clínico - psíquico.
Portanto, o mal do século é o estresse que desenvolve severas
doenças crônicas ou até destrutivas e fatais.
Esta compreensão é de suma importância, que todos
identifiquem, a pessoa estressada mergulha diretamente no
estado depressivo. Sendo a depressão um dos estágios da
pulsão de morte, é a pulsão destrutiva que norteia e arremessa
imediatamente o sujeito ao caminho da morte. O estresse
translada a pessoa para o vale da depressão, pois desorganiza
as funções cerebrais, debilitando e comprometendo os sistemas
do organismo todo. A mente conturbada, o corpo espinhado
por doenças, um preço muito alto a pagar.
O estresse é o malefício consequente do impulsivo
gatilho denominado ganância que mobiliza a busca
desesperada, na correria desenfreada de ganhos secundários,
onde o homem ignora a si próprio, deixa de cuidar com afeto
sua própria alma, sua saúde psíquica, deixa de conhecer-se,

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desconhece suas potencialidades bloqueadas pelo estresse que
os leva a mergulhar em doenças psicossomáticas.
As pessoas afetadas pelo estresse, na maioria, carecem
de recursos econômicos para conveniar-se a um plano de saúde
competente, para tratar clinicamente de sua saúde psíquica e
também culturalmente desconhecem a importância de habituar-
se a tratar cuidadosamente, com zelo da saúde psíquica.
Toda pessoa está sujeita a passar por momentos
crivados de tristeza, ansiedade, raiva, ódio, mágoa, frustrações,
dilemas conflitantes de natureza afetiva, sendo tragado pelo
“stress”, nestas críticas situações o organismo reage e responde
com uma queda brusca e agressiva de baixa resistência, que
abala abruptamente o sistema imunológico da pessoa, então
ocorre o sintoma, resultado, somatiza as emoções negativas,
desencadeia a doença.
A princípio é conveniente que as pessoas contemplem e
reflitam sobre este importante detalhe psicanalítico, abordado
no tema deste estudo: “O Paciente Psicossomático”,
compreendam que no estado de estresse existe uma vasta gama
de emoções reprimidas ou recalcadas, que desengatilham
pulsões negativas no organismo, as quais silenciosamente
eclodem em destrutivos sintomas patológicos, pulsões
destrutivas. Por conta dessas trágicas consequências destrutivas
é necessário, fazer análise para tomar consciência. Importante é
conhecer-se, saber lidar com os referentes motivos
inconscientes do sintoma somático.
Somente é possível entender como se livrar de doenças
psicossomáticas, quando a pessoa permitir-se buscar a
Psicanálise, realizar sessões de análise pessoal com um
psicanalista humanista.

19
2. EMOÇÕES: PEDESTAL DAS PULSÕES

As emoções têm poder de auxiliar na plena realização e


progresso dos potenciais dos seres humanos, assim como
podem desenvolver um leque de doenças de natureza
psicossomáticas. As emoções são legítimos pedestais das
pulsões. Existem dois tipos de pulsões: a Pulsão de Vida (Eros)
e a Pulsão de Morte (Tanathos).
Quando as emoções estão equilibradas, o ser humano
torna-se produtivo e consegue facilmente atender com
satisfação todas as suas necessidades, viver com muita
intensidade, com plena saúde e muito realizado. Para gozar
deste prestígio é necessário conhecer e aprender a lidar com
suas emoções. Deve usar com eficiência as emoções em seu
único favor, deve aprender a dialogar com suas emoções. Deve
permanecer atento aos sintomas que se manifestam no seu
organismo corpóreo. A pessoa deve ter como prioridade o
conhecimento de suas próprias emoções.
Cada emoção exerce com poder majestoso de projetar
com muita velocidade o disparo instantâneo de energia que
produz uma reação química, direto na corrente sanguínea, que
altera o funcionamento normal do organismo, sendo emoção
negativa produz sintomas de insuficiências, sequela o
organismo da pessoa. Caso contrário se a emoção for positiva,
a reação química produz uma sensação de total bem estar, de
realização, de conforto, de plena satisfação na pessoa, os
órgãos mantêm-se fisiologicamente normais.
Primeiramente, convém denotar o termo pulsão: é uma
energia que manifesta pressões variáveis que direcionam o
organismo para determinados fins. Pulsão é uma Inteligência
emocional. As emoções surgem de modo inconsciente nas
pessoas. Durante a existência da pessoa, as emoções agem
intrínsecas com as pulsões. Quando as emoções são reprimidas,
tornam-se recalcadas no inconsciente.
20
Constantemente as pulsões estão presentes na existência
do sujeito humano. Essa energia revela-se simbolicamente pela
interpretação de informação que provém da memória, cabendo
esta fornecer a codificação mediante épocas remotas. O
conceito de pulsão, para Freud representa a conexão do
somático com o psíquico.
Internamente somos portadores de dois tipos de pulsões
antagônicas, a Pulsão de Vida (Eros) e Pulsão de Morte
(Tanathos). Ambas são inseparáveis. As pulsões latentes são
guarnecidas pelo inconsciente da pessoa. Cada pulsão tem
consciência sobre o papel no organismo, busca a liberdade,
encontra barreiras que tem que superar. A pulsão de vida ajuda
na realização do ser humano, é o sustentáculo da vida saudável.
Portanto, as pulsões dependem das emoções, são
mobilizadas, atuam e são liberadas em conformidade com o
tipo de situação e ambiente. Certas pulsões destrutivas que são
lubrificadas e nutridas por cenários e práxis de exacerbadas
violências, a serenidade, o silêncio, inclusive a inteligência na
sua divagação à restauração da perda, projetará a destruição
fulminante em algum alvo, que será o organismo da vítima.
As pulsões são inteligentes, pois elaboram armadilhas
atrativas às suas vítimas. A pulsão destrutiva do ódio, da raiva
aciona a emoção. Sendo que por ventura, o mapeamento dessa
energia psíquica pode ser interpretado através das revelações
de fantasias, nos relatos de sonhos e também no estilo de vida
que a pessoa optou para viver.
O perfeito funcionamento dos diferentes sistemas no
organismo humano é regulado pela regência das pulsões,
conforme a emoção da pessoa. Simultaneamente, a energia
psíquica emite informações sobre o que está ocorrendo em
algum outro órgão. Caso a energia pulsional não concretizar
seu desejo, ocorre informação através dos sintomas. Se estes
sintomas forem ignorados, a sintomatologia enraizará uma
cavernosa patologia, doença degenerativa e fatal.

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As pulsões destrutivas são agressivas, silenciosas,
violentas, bloqueiam a existência da pessoa, isto é, imobilizam
o ânimo, tornam sem sentido a vida da pessoa. A pulsão de
morte instaura-se com intensa rigidez, que desenvolve a doença
crônica, doença degenerativa de algum órgão no corpo da
pessoa, destruição vital, (doença fatal). Produz na existência
doentia, a reação de infelicidade, insatisfação, desistência,
insegurança, de atrofiamento, sofrendo consecutivas adições
severas no organismo.
Importante é entender que entre o cérebro, o corpo e as
emoções há uma extrema e perfeita sincronia, pois esta
comunicação mútua funciona tão reciprocamente, que são
inseparáveis, ou seja, impossíveis de desconectar-se a mente do
corpo. Assim sendo, o físico e o psíquico sempre andam juntos.
Convém enfatizar que o ideal triunfo da humanidade é
libertar-se das amarras de tantas psicopatologias, e isso
depende somente do avanço de nível cultural de cada pessoa,
da conscientização da importância de cuidar da saúde psíquica
e determinação de que cada pessoa deve tratar analiticamente
seu psiquismo desde cedo.
A saúde psíquica das pessoas estressadas que
negligenciam a busca da terapia analítica, apresenta aparelho
psíquico rígido, comparável a uma gigantesca bolha, espécie de
reservatório psíquico, que inflama, estufando de frustrações,
bloqueios, conflitos, limitações, rótulos, traumas que se nunca
tratados em análise, tornam-se recalcados pelo inconsciente.
A vítima acorrentada pelos elos neuróticos, causadores
do sufocante sofrimento psíquico, desvia-se de seu próprio
caráter, transforma-se, em um corpo inflamável devorado pelas
somatizações patológicas. Muitas pessoas interpretam que
fazer análise, buscar um profissional da Psicanálise é ser um
doente mental, um louco. Muito pelo contrário, quem nega-se
tratar analiticamente da higiene da saúde mental, cuidar da
mente e corpo é que está cometendo uma demência, está
sujeito a adentrar no mundo dos diversos e graves transtornos
22
psíquicos, destruindo-se por suas próprias emoções. Não se
conhece, muitos não tem a coragem de se autoconhecer. Isso já
é um traço indicativo de transtorno psíquico.
Quando a pessoa não faz análise, torna-se vítima de
suas neuroses, está optando pela morte, pois falta força de
ânimo, seus desejos estão morrendo. Desconhece o manejo de
suas emoções. Suas potencialidades estão morrendo também,
não usa suas criatividades, reclama e põem a culpa nos outros,
quer ser o centro da atenção das outras pessoas pelo fato de
estar doente, não se ama, nem ama ao outro e
consequentemente não se permite ser amado durante a sua
existência. Vive destrutivamente a morte gradativa de sua
existência.
Uma existência sem sentido, desmotivada na vida,
sucumbe na infelicidade, convive com a total insatisfação e
abraça a total desistência de viver, existência necrófila, realiza
somente adições de pulsões de morte.
A pessoa passa a ser atormentada, problemática,
impotente para enfrentar e resolver situações complexas que
possam surgir na sua existência. Um legítimo incapaz, eterno
abraçado na pulsão de morte (Tanathos). Em decorrência,
torna-se portadora fatal de doenças psicossomáticas.
Para melhor compreensão absoluta do referido tema, a
princípio é essencial tomar conhecimento do vocábulo
denominado somatização, o qual significa: conjunto de
alteração de variados sintomas descompensados, que afetam
agressivamente a fisiologia dos diversos sistemas do
organismo, sendo causadas pelas pulsões negativas, que são
potenciais de energia, capazes de levar uma pessoa à doença
crônica.
Esse conjunto de alterações é o processo destrutivo
denominado somatização expressa também o significado com a
seguinte explicação sob o aspecto científico para este fato, é
que o “stress” e a ansiedade provocam graves alterações no
organismo humano, acentuando ou reduzindo a produção de
23
hormônios como o cortisol e a adrenalina (típicos do stress) e
da serotonina. Estas variações alteradas continuamente
provocam os distúrbios corporais descritos e são responsáveis
pelos sintomas que aparecem em várias áreas do corpo,
corroendo, aniquilando, matando certos órgãos, isto é, como
consequência, paralisando-os, impedindo-os de funcionar na
sua devida normalidade e que são determinantes para
encaminhar a pessoa ao processo de autodestruição pessoal.
Eventualmente a somatização também é um indicativo
de sintomas negativos que alerta, emitindo assim um
comunicando à pessoa para prestar atenção em si mesmo e ver
o que está errado na sua vida, a forma equivocada, desregrada
de tratar a sua saúde. As emoções negativas somatizam
pulsões necrófilas, energias destrutivas, que invadem
abruptamente através de choques eletrizantes órgãos cansados,
são atrofiados, adoecem e falam através dos sintomas.
Portanto, somatizar as emoções negativas levam a pessoa às
mais diversas patologias. As pessoas adoecem, porque geram
inconscientemente as doenças, tudo por conta da mente
desorganizada emocionalmente.
Quando passa por momentos importantes de tristeza,
ansiedade, raiva, problemas afetivos, pelo “stress”, nestas
situações o organismo reage em conjunto com uma sensação de
baixa da resistência.
Então, é necessário refletir e compreender, através desta
abordagem, os significativos aspectos fundamentais, referentes
à psicossomática. Tema este que evidencia o olhar clínico da
Psicanálise humanista ao paciente psicossomático.

24
3. A PSICANÁLISE HUMANISTA
E O PACIENTE PSICOSSOMÁTICO

Também é importante entender o significado da origem


do termo Psicossomático.

O termo psicossomático apareceu na


literatura médica em 1818, em um texto de
Heinroth, clínico e psiquiatra alemão.
Desde o final da década de 1940, o termo
Psicossomático adquiriu essa grafia
unificadora e passou a ser empregado como
substantivo para designar, no campo
analítico, a decisiva influência dos fatores
psicológicos na determinação das doenças
orgânicas, embora já admitindo uma
inseparabilidade entre elas. Segundo
afirma, (ZIMERMAN, 2001, p. 341).

É essencial focalizar que uma parcela da humanidade,


ainda desconhece a importância dos resultados terapêuticos
eficazes, obtidos pelos pacientes que buscam a libertação, a
cura de sua alma, através da análise na psicanálise humanista.
Nesta abordagem é possível sim, livrar-se, evitar a tornar-se
portador de doenças psicossomáticas.
Os portadores de doenças psicossomáticas tornam-se
vítimas de abruptas tragédias fisiológicas, sofrimentos dos mais
diversos tipos. Portanto, quem não faz análise, está sujeito a ser
prisioneiro do sofrimento da sua alma, se desconhece,
mantendo-se inconsciente, desabilitado ao manejo de suas
emoções.
A psicanálise Humanista, através das sessões de análise,
juntamente com o analista, norteia o paciente a tomar
consciência de suas capacidades de elaborar uma nova
25
modalidade de manejar suas emoções. Enquanto que o analista,
na escuta, do que está latente no discurso do conteúdo
manifesto pelo paciente, faz a leitura e interpretação das
emoções inconscientes e sua relação com os sintomas
psicossomáticos do paciente psicossomático.
Portanto, é importante compreender que na psicanálise
humanista, o instrumento primordial e determinante é o
processo de interpretação. A interpretação analítica ativa no
paciente, o nível de percepção à consciência do inconsciente,
cabendo ao analista, efetuar suas intervenções analíticas,
esclarecendo significados sombrios de seus dilemas
emocionais.
Na existência da vida das pessoas, o poder de ação
das emoções é muito forte, pois sempre se manifestam de
algum modo. A análise leva o analisando a colocar em prática
de modo consciente, a obter um novo olhar sobre o estudo de
suas emoções existenciais.
Para tal, a Psicanálise emerge universalmente, como um
conhecimento voltado para estudar com exclusividade os
diversos motivos inconscientes que compõem certo tipo de
emoção ou de pulsão da pessoa que faz análise.
Sendo assim, é fundamental tomar conhecimento de que
a Psicanálise humanista desempenha o importante papel de
prevenção, de auxílio na terapia das manifestações orgânicas
dos pacientes. A Psicanálise humanista compreende a leitura e
interpretação analítica da origem latente do sintoma
psicossomático que escraviza o paciente.
A cada sessão analítica efetuada, o paciente traz à tona
conteúdos que estão crivados, registrados inconscientemente e
os torna consciente gradativamente. Importante é saber que
toda humanidade desconhece que apresenta em sua existência
de vida emocional, aspectos psicossomáticos. É inviável a
possibilidade de desconectar a mente do corpo.

26
Os problemas orgânicos são manifestações
simbólicas, ou seja, cada doença em no
corpo simboliza algum processo que ocorre
no psiquismo, portanto a cura destes
sintomas será possível após a compreensão
destes símbolos. Por isso se faz tão
necessário investigar quais foram os
motivos que levaram um ser humano a
enfermidade e não tratar apenas a doença,
mas o ser que está doente. (GRODDECK,
2006, p. 349).

Conforme estudos elaborados por exímios psicanalistas


de diversas correntes, constatou-se que existem reações
emocionais, por exemplo: a raiva, o ódio, o medo, a culpa e o
próprio amor, que manifestam componentes psicológicos, que
intervêm diretamente através do sistema neuroendócrino,
capazes de causar no paciente, alterações anatômicas ou de
natureza psicopatológicas.
Convém evidenciar que o paciente psicossomático
caracteriza-se por manifestar sintomas que geram disfunções
na área física, isto é, incluindo-se àqueles que apresentam
perturbações orgânicas, denominadas de transtornos
fisiológicos, tais como: artrite reumatoide, hipertensão arterial,
asma, úlcera péptica, colite ulcerativa, o hipertireoidismo e
também as dermatites neurais, alterações severas epiteliais,
doenças crônicas.
Existem também pacientes psicossomáticos que
manifestam deficiências físicas como: acidente vascular
cerebral, câncer, infarto do miocárdio com severas
complicações emocionais de ordem secundárias.
Ainda considera-se inclusos, os pacientes que não
manifestam transtorno psíquico fisiológico de forma específica,
porém para os mesmos nenhuma moléstia orgânica positiva é
possível de ser diagnosticada.

27
Portanto, a doença ou sintoma psicossomático,
instalada no paciente é uma reivindicação, ou seja, uma
exigência oriunda de alguma emoção ou pulsão, uma espécie
de dor que alerta, que favorece a existência do sofrimento e até
mesmo em alguns fatos, facilita a própria morte.
Dejours define a somatização como o “processo pelo
qual um conflito que não consegue encontrar uma resolução
mental desencadeia, no corpo, desordens endócrino-
metabólicas, ponto de partida de uma doença somática” (1992,
p. 127).
Confirma-se assim, que a somatização é um processo
psíquico destrutivo, resultante da motivação inconsciente de
emoções e pulsões negativas que afetam a existência da pessoa.
No decorrer da existência o ser humano se depara com uma
diversidade de situações vivenciadas que produzem as
emoções, muitas delas, por sua vez são reprimidas, são tão
negativas, geram recalques, mobilizam as pulsões de morte,
que se manifestam com muita violência e agressividade,
comprometendo a normalidade fisiológica, causando disfunção
hormonal de certos órgãos. Os mais variados tipos de conflitos
que não encontram espaço para serem resolvidos, isto é, não
são sanados na mente, são transferidos para alguma parte do
corpo, revelando-se através de sintomas.
Essa pulsão de morte gera doenças sistêmicas crônicas
(fatais). São pulsões destrutivas. Torna a existência da pessoa
sem sentido, apático, a vida da pessoa sem sentido. A pessoa
existe na infelicidade, na insatisfação e na completa desistência
a tudo e a todos.
A pessoa mobiliza-se somente para sentir o prazer na
dor e recepcionar adições de sintomas orgânicos e existencial.
Todas estas etapas ora mencionadas neste contexto, são
características deste processo, constituintes da psicossomática.
A somatização para instalar-se e manifestar-se num
corpo depende somente de um processo de atuação de energia
de natureza emocional e das pulsões instintivas. Tais pulsões
28
podem através de influências culturais, sociais, financeiras,
atuar sob a forma indireta no histórico do sintoma.
A somatização manifesta-se em forma de sintoma com
diferentes aspectos de alterações, um exemplo: se for uma
neurose de natureza orgânica, pode caracterizar-se através de
uma gastrite, uma síndrome cardiovascular. Segundo a terapia
da psicanálise humanista, o método analítico interpreta o
sintoma como sendo a agressão da pessoa, a causa que altera a
função da fisiologia e o bem - estar psíquico do paciente.
Geralmente, muitos dos sintomas, manifestados nas
alterações do humor e do sistema nervoso do paciente,
dependem somente de dois fatores, ou seja, do nível de
intensidade e do período, no qual o estado de tensão ou até o
nível de stress encontra-se instalado na existência da pessoa,
totalmente dominado pela inconsciência.
Na sequência somatiza vários órgãos que são afetados e
alteram destrutivamente sua morfologia, alterando a função
bioquímica, deixando graves sequelas de patologias
irreversíveis. Convêm citar algumas, como exemplo, a função
lenta do pâncreas, das suprarrenais, da dilatação da rede
bronquial, a asma, úlcera gástrica, diverticulite, tumores, otites,
enxaquecas crônicas e etc.
As somatizações geralmente entram no enquadre
daquilo que se denomina de distúrbios funcionais, que
recobrem um conjunto muito extenso de queixas,
principalmente com predominância física, cuja organicidade é
inviável ser estabelecida, inserida num contexto geral de
insatisfações, frustrações, de dificuldades da vida existencial
ou até do estresse agudo e contínuo.
É importante elucidar que as diversas patologias
psicossomáticas podem deflagrar manifestações com ardentes
sintomas, em pessoas, nas quais, a estrutura mental caracteriza-
se pela insuficiência de defesas, manifesta uma impotência
muito densa, onde sua estrutura psíquica é incapaz de superar

29
conflitos, sendo mais frágeis frente aos traumatismos que a
vida inevitavelmente provoca.
Eis que, através da sessão de análise, o analista pode
transportar o paciente pela conexão da preciosa escuta,
levando-o à compreensão das constantes insistências da energia
emocional, as quais são oriundas do inconsciente.

4. ANAMNESE: ETIOLOGIA DOS SINTOMAS


NO PACIENTE PSICOSSOMÁTICO

Muitas doenças psicossomáticas manifestam-se em


indivíduos portadores de certos tipos de personalidade e/ou que
têm dificuldade para se adequarem aos fenômenos vitais e
dominados pelo estresse, e/ou desprovidos de reduzido suporte
social, sendo que as reações biológicas às diversas
agressividades causam consequências patogênicas e são
marcadas especificamente nos referidos indivíduos.
Por isso, se faz necessário que o analista comece a
conhecer o paciente, na primeira sessão analítica, através da
anamnese, a qual é a primeira entrevista psicanalítica.
Anamnese, cujo termo psicanalítico significa: conjunto das
informações sobre o passado do paciente, necessárias ao
analista para estabelecer sua avaliação.
É na anamnese que o analista inicia o conhecimento do
paciente, obtêm referências da infância, a rede genealógica, a
teia de laços afetivos, paradigma cultural familiar, a realidade
econômica, os traumas, as angústias, inquietações, ansiedades,
alegrias, tristezas, conflitos desagradáveis que afetaram no
passado ou que ainda afetam o emocional do paciente.
Essencial é que o leitor tome conhecimento de que é no
“setting analítico” é o adequado recinto, local especial, no qual
ocorre a sessão analítica, em que se processa o método de

30
investigação, através de um interrogatório anamnésico ou de
anamnese associativa.
No “setting” é o local em que o psicanalista recepciona
o paciente, com afeto humanista, para realizar na primeira
sessão, a anamnese e depois nas consecutivas sessões
analíticas, os recebe, a fim de que o mesmo se deleite com total
confiança, desvendando através de seus relatos de dilemas
conflitantes vivenciados em sua existência e possa descobrir a
si mesmo, quem ele é verdadeiramente.
Nessa exploração da coleta de dados biográficos do
paciente, é possível garimpar, filtrar, destilar os possíveis
conflitos, a personalidade, enfim, todo conteúdo que se revela
referente ao estilo de vida do paciente, acontecimentos
possíveis desencadeadores dos transtornos emocionais.
Na anamnese é fundamental conhecer os principais
dados básicos de identificação pessoal do paciente, para que se
estabeleça o vínculo analítico entre o analista e paciente,
acorda informações esclarecedoras, relativas de como funciona
a aliança de trabalho na clínica psicanalítica humanista.
Nas próximas sessões consecutivas, a investigação
analítica deve perpetuar. A psicanálise humanista estabelece o
cuidado de respeitar as resistências do paciente, permite que as
mesmas se desvendem progressivamente.
Especialmente, uma parcela dos psicanalistas utiliza um
método de anamnese mais flexível, que contenha minimizadas
quantidades de questões.
Na psicanálise humanista, o analista faz a leitura e
interpretação dos sintomas psicossomáticos do paciente, neste
sentido é possível perceber a diferença no que tange às demais
categorias de terapias analíticas que tratam a mente – alma -
corpo. A anamnese pode perdurar por mais de uma sessão,
depende somente dos diversos níveis de discursos de cada
paciente.
A anamnese é um procedimento analítico, através da
qual o psicanalista inicia o processo do diagnóstico da etiologia
31
das patologias psicossomáticas do paciente e demais alterações
de ordem emocional.
Na anamnese da psicanálise humanista é possível
observar e constatar as diferenças, de que existem vários tipos
de neuroses, entre elas a neurose de caráter, neurose de
conversão, neurose reativa e a neurose crônica.

Neurose de conversão. Esta neurose leva


estes pacientes a pagarem um preço muito
alto, um sacrifício, pago com a morte do
corpo, tudo isto, para receber uma mínima
quantidade de afeto. É claro que existe uma
interpretação equivocada sobre esta decisão
pessoal, esta fantasia irreal sobre o ganho
secundário em torno de sua destruição é
uma espécie de psicose. (PEREIRA, 2010,
p.191).

A conversão é denominada de um processo


inconsciente, através no qual certo conflito interno, que produz
intensa ansiedade, atinge uma representação simbólica.
Neurose de conversão resulta da angústia, quando os
medos que provocam essa neurose são transformados em
sintomas somáticos. Representa uma descarga de energia
similar a descarga de energia que acontece com a histeria de
conversão, como no caso de certas insônias, neuralgias,
convulsões, espasmos, tremores, vertigens, etc.
Na histeria de conversão, a atenção é chamada mediante
distúrbios orgânicos ou funcionais mais ou menos graves e
permanentes, como os tiques, paralisia, mutismo, gagueira,
eczemas, espasmos, meiar a cama, etc.
Portanto, esta neurose, difere da hipocondríaca, por se
manifestar por um sintoma ou sintomas físicos, que apesar de
não serem reais, num certo sentido da palavra, são certamente
reais para a própria pessoa, podem também serem imaginários.
Trata-se de uma afecção de uma simulação das afecções
32
orgânicas mais variadas. Citando como exemplo, a paralisia
histérica constitui um caso típico.
Uma pessoa, perante um grave conflito entre o desejo
de ser corajosa e o receio de ser morta, sente subitamente as
pernas paralisadas. Outro exemplo: na realidade uma pessoa
não está a fingir quando afirma não sentir as picadas de um
alfinete que o médico lhe aplica nas pernas ao examiná-lo.
Pode acontecer também que seja atingida a memória. Na
verdade, por vezes a memória e a personalidade dissociam-se
parcialmente. Quando readquire, isto é, recobra a consciência
da sua própria personalidade, o indivíduo não se recorda dos
fatos ocorridos durante o período de alteração de
personalidade.

A Necrofilia no sentido caracterológico,


pode ser descrita como a apaixonante
atração por tudo o que é morto, pútrido,
doentio: é a paixão de transformar o que é
vivo em algo sem vida: de destruir pelo
prazer de destruir: o interesse exclusivo em
tudo o que seja puramente mecânico. É a
paixão de despedaçar estruturas vivas.
(FROMM, 1965, p. 48).

Portanto, os transtornos de conversão manifestam


características, uma perda que pode ser parcial ou completa
relacionada às funções normais de integração e das lembranças,
da consciência, da identidade e das sensações imediatas e
também do controle dos movimentos do corpo em si. É um
sacrifício pago com a morte do corpo. A pessoa com neurose
de conversão atrela-se à Necrofilia. Convém observar como
funciona o processo de Necrofilia.

33
6. CARACTERÍSTICAS DA CRONICIDADE
DA NECROFILIA.

Enquanto Sigmund Freud defendia a existência da


autodestruição de um instinto de morte, Erich Fromm
denominou o desejo de autodestruição de desejo necrófilo. A
pessoa necrófila abraça psiquicamente a pulsão de morte,
morrem vivas e vivem a morte em sua vida.
Eis algumas características dos indivíduos necrófilos,
são pessoas mortas vivas. Desistem de serem criativas,
produtivas, favorecem realizar o desejo inconsciente de
suicidar-se. Os necrófilos são pessoas que gostam de comentar
sobre doenças, dores, morte, velórios, crimes brutais, são
tristes, amargurados, apreciam observar detalhes de veículos
informativos que envolvem manchetes de violência e morte,
acidentes, tragédias, filmes com cenas brutais e sangrentas,
estão sempre em estado de mal - estar fúnebre, tem déficit de
humor contínuo sentem um prazer na dor, saciam - se em ver o
outro sofrer na dor.

O desejo necrófilo de autodestruição


crônica é uma espécie de morte em vida,
aos poucos o organismo vai perdendo suas
funções, mas assim mesmo ainda vive. Esta
cronicidade necrófila é acompanhada por
ampliação do seu sofrimento, esta dor
orgânica é o pagamento que realiza na sua
vida para expiar as suas culpas.
(PEREIRA, 2010, p. 187).

Na verdade, o necrófilo é um doente que alimenta a


morte de sua vida gradativamente, inconscientemente está
atrelado às emoções totalmente negativas, necrófilas, vive sua
existência com prazer na dor, prazer de fazer e ver a dor do
outro, ver o outro sofrendo. Ama a morte, vive diariamente a
34
pulsão de morte. Sente o prazer de estar envolto por todos,
assistindo seu sofrimento. Estão sempre conectados na pulsão
de morte. Idolatram a necrofilia, a morte. Imensa é a parcela de
pessoas que são necrófilas, alimentam o desejo necrófilo.
Existe a necrofilia individual e a coletiva. Todo seu ser
mergulha na pulsão de morte (Tanathos). Somatiza e consegue
a autodestruição.
O paciente psicossomático que não faz análise sente e
vive o prazer na dor, fortalece o sofrimento, permite alimentar
a doença, pois somente deste modo consegue envolver a
atenção de outras pessoas, para compensar as carências de
afeto, de abandono, de rejeição. Vive o tempo todo de sua
existência a se queixar de sua doença. É um necrófilo em
potencial. A existência do necrófilo é mergulhada na pulsão de
morte, surfa rumo à morte, sem a mínima dúvida. Na neurose
de conversão a inconsciência é predominante, por conta de que
o inconsciente é uma energia psíquica constituída de emoções e
pulsões biófilas e ou necrófilas existentes simultaneamente.
A Neurose de caráter, segundo o conceito psicanalítico
descreve traços de caráter ora como derivações de fases do
desenvolvimento, ora como análogos de sistemas particulares.
Àquelas poderiam incluir o caráter oral ou anal; estes poderiam
incluir o caráter histérico ou obsessivo.
As manifestações da neurose de caráter são
consideradas como intermediárias entre traços normais de
caráter e sintomas neuróticos. O termo é inconveniente, já que
pode incluir qualquer transtorno da personalidade e também do
comportamento.
Na neurose de caráter a atenção é chamada mediante
distúrbios orgânicos ou funcionais mais ou menos graves e
permanentes, como os tiques, paralisia, mutismo, gagueira,
eczemas, alergias severas, espasmos, etc..
A neurose de caráter caracteriza-se inconsciente,
quando a dor da alma é tão insuportável e impossível de

35
encontrar uma solução, torna o sujeito escravo, prisioneiro do
sofrimento, recorrendo ao refúgio das adições como uma fuga.
A pessoa com neurose de caráter possui seu potencial
bloqueado, não se dá conta de que está provocando um grave
prejuízo em si próprio, não percebe o prejuízo na sua saúde,
sua vida sofre a destruição, o refúgio predileto está nas adições
ao excesso de trabalho, alcoolismo, drogas, sexo e outros
flagelos autodestrutivos. A psicanálise humanista procura
descobrir a origem das doenças.

6. CARACTERÍSTICAS DA BIOFILIA
– PULSÃO DE VIDA.

Assim analiticamente, é constatado que as doenças


psicossomáticas originam-se e desenvolvem-se em
conformidade com a influência da Necrofilia, força de energia
negativa que invade o psiquismo por conta da inconsciência, do
desconhecimento, das resistências inconscientes, negligentes
da pessoa buscar a terapia na Psicanálise humanista de Erich
Fromm a fim de evitá-las.
Mas a saúde na existência da vida do ser humano
permanece em constância e conformidade com a influência da
força de energia positiva, denominada Biofilia, que já existia
ou que flui da conscientização inteligente daquele humano que
aceitou ser humanizado, sente e vive um intenso amor à vida.
Deseja viver a vida, amando-a intensamente de bem com ela
em todas as instâncias da existência.

A vida é para ser felizmente bem vivida,


temos escolhas, livre arbítrio, podemos
optar por relacionamentos saudáveis e que
acrescentam bem estar em nossa sáúde. Em
grande parte a saúde da vida depende do

36
tipo de relação estabelecida com os
familiares, amigos e pessoads amadas,
“este processo de interdependência, mostra
o quanto necessitamos da presença do
outro”. (PEREIRA, 2011, p. 19).

Na Biofilia o ser humano sente o desejo incomensurável


de amor à vida. A pessoa tem o prazer na alegria de viver a
vida, a natureza, a todos com quem convive. Ama praticar o
bem aos outros. Está sempre disposta, tem consciência que
deve estar sempre em harmonia consigo e com todos. Se ama
sem ser narcisista é altruista, honesta, é fraterna, afetuosa,
sensata com sabedoria. Os biófilos tem um sentimento integral
de amor à vida e a todos os seres vivos, respeita a tudo que é
vivo, possui tolerância adequada.
Enfim são pessoas emocionalmente saudáveis,
alimentam a pulsão de vida (Eros), não somatizam, conseguem
realizar seus desejos com mais viabilidade, suas
potencialidades são externalizadas, são construtivistas
humanizadas e felizes.
A pulsão de vida é mobilizada, fortalecida, internalizada
na alma da pessoa, pois ama a vida. Na biofilia a pessoa vive a
emoção do amor, a bondade, a honestidade, a alegria de
proteger a vida, executa o bem a si e ao seu semelhante.
Biofilia é abraçar com amor a vida. A Biofilia é uma
força que caracteriza-se por ser uma manifestação energética
de equilíbrio emocional que pulsiona o ser para revelar-se com
excelentes e positivos pensamentos, converter, alterar
contrutivamente as profundezas da mente com intenso amor.
Os biófilos são pessoas apaixonadas pela vida, aderem a Eros
(pulsão de Vida). Sendo Eros biófilo, é portanto, força
antagônica a Tanathos (pulsão de morte) que é necrófilo,
ambas têm forças equivalentes para gerar vida ou destruí-la.
Para integrar-se à biofilia é preciso admitir e tomar
consciência do amor a si mesmo, é preciso entender e aceitar
37
que a nossa natureza é capaz de ser transformada e que a
existência da vida está em constante mudança. Obtem-se a
conscientização com o auxílio da Psicanálise humanista que
estabelece através da terapia clínica, um norte para o paciente,
fortalecendo o mesmo para conscientemente nas suas
elaborações viver e amar a vida, despertar e optar pela pulsão
de vida.

Transforma-se num ser humanizado e todo o organismo


participa interagindo com diversas emoções que são
experimentadas pela pulsão de vida. É uma questão de escolha
livre, manifestada unicamente pelo próprio paciente. Esta
escolha é determinante para o futuro da saúde, da felicidade e
vitalidade da pessoa analisada.

Portanto, na Biofilia ocorre a conscientização do


inconsciente, enquanto que na Necrofilia a inconsciência é
permanente, a libertação do sofrimento da alma vem da
conscientização, opção determinada unicamente pelo paciente.
Bem ou mal, saúde ou doença, biofilia ou necrofilia, pulsão de
vida ou de morte. Eis a questão, ser ou não ser apto para
felicidade.

A Psicanálise é capaz de interpretar cada sintoma


psicossomático, mas o paciente por conta dele, é quem deve
descobrir o tratamento e o diagnóstico dos sintomas da doença,
porém suas resistências rígidas devem ser trabalhadas nas
sessoões das análises pessoais, para que sejam desvendados os
focos centrais das doenças, sendo acolhido pelo afeto analítico,
consegue superar-se e avança saudavelmente no seu novo
projeto de vida.

38
7. EMOÇÕES REPRIMIDAS GERAM PATOLOGIAS

Todas essas neuroses foram aprendidas na tenra


infância. Sendo que algumas delas, geradas da educação, outras
do ganho afetivo ou até mesmo, pelo ferrenho desejo
inconsciente de pulsão de morte, de autodestruição.
Principalmente, os traumas infantis, produzem
profundas chagas e dores emocionais que afetam o psiquismo
do paciente, originando transtornos psicossomáticos. Existe um
universo de inúmeras doenças psicossomáticas.
Todas as doenças são oriundas de situações emocionais
reprimidas, frustrantes, traumas que produziram emoções
negativas, causando a ferida e dor da alma, a alma então
responde, doenças resultantes das emoções negativas que
ativam, afetando diretamente à disfunção dos órgãos
desgastados. É necessário estar atento para todo e qualquer tipo
de sintoma que possa manifestar-se no corpo.
As imagens de situações vivenciadas na existência são
internalizadas, registradas, formatadas pelo paciente e originam
as mais diversas emoções. Portanto, as emoções são energias
que exercem influências nos sintomas psicossomáticos.
Toda vez que uma emoção não for descarregada, ou
seja, liberada com livre espontaneidade pela pessoa, será fixada
como uma agressão, diretamente a algum órgão, afetando sua
função, fragilizando-o, danificando-o, sendo que a pessoa grita,
chora, geme e esquece, mas o órgão afetado, no silêncio de sua
natural mudez, é remoído e fulminado.
Para somatizar as doenças, basta a pessoa conectar-se,
permitir-se, internalizar imagens reais ou imaginárias, gerando
somas de emoções negativas, ativando a pulsão de morte, que
fazem os órgãos adoecer.
As doenças somatizadas no paciente são manifestações
de tudo que ocorre internamente, de algum fator emocional
negativo. Dependendo da forma como o paciente relaciona-se
39
com seu universo de pulsões e existência, possibilita a
somatização. Toda emoção é um sentimento consciente que
nasce de modo inconsciente.
A doença psicossomática ocorre onde a emoção não
consegue se revelar, reprimida, então a emoção se manifesta na
forma de doença, é registrada e recalcada no sintoma de dor. A
emoção altera o funcionamento do organismo. Toda emoção é
tão somente um rótulo, uma maneira conveniente de falar sobre
os aspectos do cérebro e sua mente. É preciso entender que é a
pessoa que faz a escolha para ela própria.
Quando a pessoa permite para condição de ser
convencida pelas suas próprias emoções, mantém-se com saúde
ou adoece. Toda pessoa tem condições com mais facilidade de
reprimir suas emoções. Toda emoção reprimida torna-se
recalcada e prisioneira no inconsciente. Necessitamos buscar
formas eficientes de explorar aquilo que está sob a superfície,
de que modo se relacionar com o que é consciente e como
influencia o funcionamento da emoção como um todo.
Anatomicamente é possível decifrar esta compreensão
de que a glândula hipófise é a mãe das demais glândulas do
nosso corpo, que trilhões de células decodificam todas as
emoções, que as células têm memória, e, emitem o fluxo dessa
energia emocional, que circula com uma fantástica velocidade
atingem o interior dos neurocondutores do sistema
neurossensorial, ativando a pulsão de vida (Eros) ou a pulsão
de morte (Tanathos), depende do tipo de emoção.
Conforme o tipo de pulsão que foi ativada, o fluxo
dessa energia pulsional, invade a corrente sanguínea, ocorre o
disparo do gatilho emocional que ativa a aceleração das
glândulas vitais, para uma desenfreada produção de hormônios,
desregulando o funcionamento normal de determinados órgãos,
tornando-os doentes.
Emoções negativas ativam as pulsões destrutivas,
desenvolvem doenças psicossomáticas, como resultado o
paciente psicossomático que não busca a psicanálise é
40
consagrado dependente ao consumo de posologia psicotrópica
permanente, consequentemente, incurável, encaminhado ao
corredor da morte.
Toda emoção está comprometida com uma determinada
ação, são os desejos inconscientes que influenciam, e muitas
vezes determinam a pessoa a realizar um determinado
comportamento. Cada emoção se movimenta pelo organismo,
com a intenção que provoca, em algum momento, uma reação
neurofisiológica.
Tudo o que somos, pensamos ou sentimos, sobre nós
mesmos depende somente do nosso estado emocional. São
todas estas emoções de alegria, felicidade, solidariedade,
compaixão, amor, ódio, inveja, ciúme, tristeza, raiva, que
constituem o tecido psíquico do nosso caráter. “E cada emoção
possui um estado muito específico em determinada situação,
mas ao mesmo tempo estão interligadas numa rede de
comunicação.” (PEREIRA, 2010, p. 12).
Essencial é tomar conhecimento da responsabilidade da
Psicanálise humanista de Erich Fromm para com os pacientes
saudavelmente transformados em seres humanizados. Embora
existam inúmeras e diversas correntes de terapias analíticas,
que tratam do psiquismo, colaborem com a saúde da
humanidade.
Mas que a psicanálise descobriu que as emoções
certamente foram reprimidas ou recalcadas por conta de
marcantes experiências ardentemente dolorosas, vivenciadas
durante a existência da pessoa. Em razão disso, é importante
conscientizar-se a compreender e interpretar qual o sentido
significativo da repressão, relacionado ao processo de
somatização.
Através da terapia analítica a pessoa aprende a optar
de modo consciente e a discernir conscientemente as emoções
produtivas das destrutivas. Para tal, é preciso conhecer sua
capacidade de colocar em prática esta atitude, atingindo esse

41
estágio, o paciente é competente para mudar, transformar sua
própria energia emocional, com um novo olhar.
Importante é que cada pessoa tenha consciência de que
possui o livre arbítrio de optar à realização de si próprio, cada
um com seu nível de capacidade e de intelecto emocional.
Tudo depende somente do tipo, nível e intensidade de energia
emocional liberada pela pessoa. Cada emoção possui uma
intencionalidade, ou seja, manifesta o desejo de concretizar
certo tipo de manifestação comportamental. Cada emoção é
capaz de alertar-nos, sinalizando fatores maléficos ou
benéficos. Essa energia emocional, conforme o grau de
mudança na pessoa pode contagiar o outro.
Fundamental para o paciente é tomar consciência da
emoção, no exato momento que a mesma nasce, deve
simultaneamente ter habilidade de ser capaz de escolher outra
emoção, a fim de obter resultados propriamente desejáveis. O
mais importante, é descobrir com a ajuda das análises, a
etiologia dos sintomas psicossomáticos que afetam
nocivamente sua saúde e aprender a manejar, estabelecer o
diálogo com as emoções.

8. OS SINTOMAS PSICOSSOMÁTICOS NO PACIENTE

Quando a pessoa manifestar um estado emocional


caracterizado de apatia, desânimo, tristeza, total pessimismo,
está manifestando desistir do prazer de viver, encontra-se com
minimizada baixa autoestima. Está estagnando sua vida. Nesse
estágio, o paciente psicossomático apresenta um quadro clínico
psicológico com elevado nível de ressonância no seu universo
emocional, cujas emoções necessitam estar liberadas para
manifestar escoamento ou não de sua energia vital, da plena
vida.

42
O sintoma psicossomático tem uma lógica
interpretativa, o sujeito que vive o drama
da doença consegue entender seu
significado, são estas interpretações que
precisam de reinterpretação. Esta mesma
artificialidade retira a sua originalidade, a
autenticidade, sem estas emoções presentes
na sua vida, torna se um ser amorfo,
indiferente, frio, distante, sobre o qual
aparecem as emoções destrutivas que
permitem a expressão do estado necrófilo.
(PEREIRA, 2010, p. 12).

Os sintomas psicossomáticos são gerados em


consequência da possível desorganização cerebral, que coloca a
pessoa num estado emocional de tristeza, possuído pela
tristeza, desenvolve uma depressão. Conforme o nível gradual
de ansiedade dessa depressão pode propiciar, encaminhar o
paciente a um estado de regressão para fixações de natureza
infantis, sendo as defesas protetoras que apresentam-se
intencionalmente como auxílio para aliviar, e até solucionar,
eliminar a ansiedade do paciente psicossomático.
Sendo que essas emoções, individualmente, são
portadoras da criatividade, da motivação, da disponibilidade,
da determinação do paciente. O sistema nervoso central é
responsável pela total administração da diversidade de
emoções. Por conta dessa criatividade é que todo tipo de
emoção gera algum determinado e diferente tipo de reação
comportamental na pessoa.
Quando determinadas emoções são inaceitáveis pela
pessoa, certamente sua existência torna-se reprimida ou
recalcada, fator resultante da incapacidade de saber manejar
suas emoções negativas, fazendo com que seu superego entre
em ação, causando sentimento muito intenso de vergonha e
culpa.
43
Em seguida, o paciente necessita fazer a restauração, ou
seja, efetuar reparos, portanto é nesse período que começa o
processamento da somatização, afetando organicamente o
paciente.
Convém elucidar que todas as emoções são muito
unidas, integradas, através deste cordão condutor que se
conecta ao cérebro, tendo como exclusivo e especial objetivo,
oferecer o arco-íris na nossa existência de vida.
No paciente psicossomático, os sintomas somáticos
muitas vezes associam-se à negação imensa de dilemas,
severos conflitos emocionais, atrelados de fortes resistências
inconscientes, enquanto evita buscar a terapia analítica, através
da psicanálise.
Em certos pacientes, os quais os sintomas somáticos
compreendem manifestações somáticas de ansiedade
permanente, síndrome de ventilação ou depressão, há mais
possibilidade de reconhecer a existência de problemas
emocionais.

A ansiedade é um medo que não foi


resolvido, para solucionar este problema
existe o fenômeno da fuga de ambientes,
onde possam estar se confrontando com
esta experiência. Quanto mais a pessoa
reprime esta emoção do medo, na mesma
proporção aparece a ansiedade. Na grande
maioria das vezes estas reações emocionais
do medo são frutos da imaginação, por isto
mesmo, sua linguagem aparece no
organismo como um sintoma. (PEREIRA,
2010, p. 33).

Uma pessoa pode manifestar no seu corpo, um expressivo


sintoma psicossomático de determinada patologia e por detrás
dessa patologia, encontra-se latente a ansiedade, a angústia. A
reação da emoção do medo, da raiva e ódio pode gerar um
44
estado de angústia, pelo fato da pessoa apenas relembrar um
episódio crucialmente desagradável vivenciado em certa fase
de sua existência, então, manifesta um estado de ansiedade.
Segundo afirma, Mello Filho (1979, p. 26).

A ansiedade é a vaga sensação de que algo


desagradável que está para acontecer. A
ansiedade tem seus concomitantes
somáticos e pode se manifestar apenas
através destes, sendo então, em termos
mentais, inconsciente. Esta ansiedade
inconsciente é uma das energias geradoras
básicas dos sintomas psicossomáticos, e,
exatamente por este caráter inconsciente,
busca a via da expressão corporal. A
ansiedade é sempre decorrência de uma
situação conflitiva que pode ser parcial ou
totalmente inconsciente. Tais conflitos
podem ocorrer entre o indivíduo e o meio
ambiente – conflitos externos, mais
conscientes e menos profundos – ou entre
partes da própria personalidade – conflitos
internos, mais inconscientes e mais
inacessíveis.

Estes são os nossos verdadeiros conflitos e pode-se


afirmar que os conflitos externos são tão mais patogênicos,
quanto mais intensificados os conflitos do nosso mundo
interno, gerados ao longo do nosso desenvolvimento. Este
mundo interno é formado pela assimilação (introjeção) de
nossas cruciais experiências vitais, e aí estão representadas
aquelas figuras que tiveram mais significação em nosso
passado, como os pais, irmãos e demais seres amados e odiados
por nós.

45
Evidentemente que os conflitos emocionais não
resolvidos no passado podem ser na atualidade, réplicas de
remotas vivências isto é, conflitos repetindo-se no presente
com outras pessoas, dominado por emoções negativas,
somatizando, acendendo pulsões necrófilas, gerando ódio e
ressentimentos que alteram a reação química, afetando órgãos,
que adoecem fatalmente.
Geralmente, o paciente teme, desconhece e interpreta
que buscar a solução para seu sério sintoma físico, através da
terapia na Psicanálise, é tratamento para pessoas com estas
sintomatologias, ignora descobrir a etiologia desses sintomas
fisiológicos.
Então, permite-se, entregar-se ao adormecimento dos
sintomas, prefere optar e mergulhar na terapia do
entorpecimento, anestesiante de posologias psicotrópicas, que o
torna dependente químico controlado, com probabilidades de
graves efeitos colaterais, que breve ou futuramente
desorganizará a normalidade da função de outros órgãos no
paciente.
A contento da opção terapêutica psicotrópica, o
paciente percebe logo, os efeitos rápidos dos bloqueadores
paralisantes temporariamente do sintoma físico, que lhes
atormentava, ignorando totalmente o agente das origens que
causaram os sintomas psicossomáticos, permanecendo assim,
sem resolução alguma seus conflitantes dilemas inconscientes
de sua alma.
No paciente os sintomas somáticos são meros recursos,
cujo inconsciente apodera-se para realizar algum tipo de
denúncia, ou até mesmo de incapacidade para lidar e resolver
alguma situação de sua existencial vida. Por esta razão é
preciso entender que os sintomas são oriundos de determinadas
emoções, são manifestados dolorosamente no corpo da pessoa.
Convictamente o paciente psicossomático é um
enfermo, cuja pulsão predominante é a pulsão necrófila, que
atua impregnada no seu inconsciente, fazendo com que
46
inconscientemente a pessoa deseje, opte em satisfazer essa
pulsão, resultando a somatização.
Então, o paciente psicossomático que não trata da saúde
emocional, é um forte convidado ao portal da morte, pois
negligencia buscar o luminoso portal do amor à vida com plena
saúde e felicidade, ignora-se, pois não permite optar pela vida
saudável. A somatização mascara o sofrimento mental.
“[...] nesse jogo entre pré-consciente e inconsciente é
que se negociam as relações de prazer, de sofrimento, de desejo
e de saúde mental e até de saúde física, se nos referirmos
também à psicossomática” (DEJOURS, 1992, p.157).
A inconsciência é tão dominante, que a pessoa opta em
recorrer à terapia regada de posologia psicotrópica, que apenas
seda, bloqueia temporariamente as crises, os sintomas dos
surtos são mascarados e com este procedimento se torna
inviável o paciente descobrir a etiologia do núcleo neurótico
que afeta seu psíquico. Por falta de conhecimento, nega-se
buscar a saúde psíquica através da terapia analítica, de realizar
sessões de análises no portal da Psicanálise humanista de Erich
Fromm.
A psicanálise humanista tem como objetivo interpretar
e conhecer a origem dos sintomas. É desconhecimento do
público que uma grande quantidade de doenças
psicossomáticas tem sua origem nas repressões das emoções
inconscientes.
“O paciente psicossomático utiliza deste expediente
para aliviar e conviver com suas dores emocionais, mas muitas
destas ações são destrutivas e ilusórias, pois não combatem a
estrutura da neurose”. (PEREIRA, 2010, p. 110).

47
9. A PROMOÇÃO E PREVENÇÃO
DA SAÚDE EMOCIONAL

A promoção e prevenção da saúde emocional é o


primeiro passo da superação, decorre quando o paciente realiza
análise humanista, é transportado a tomar consciência dos seus
princípios culturais, virtudes e valores que impregnou no
inconsciente. É instigado a elaborar por si próprio,
questionamentos referentes às suas atuais motivações que
levam a permitir-se ou não, permanecer com o paradigma
arcaico existencial.
O caminho de conscientização do inconsciente está
aberto e disponível parta atender a sociedade. A Psicanálise
humanista é uma ciência analítica, debruçada com uma ótica
prismática voltada à investigação, na busca pela descoberta da
etiologia dos processos das emoções e pulsões inconscientes
que intervêm, sistematizam, estabelecendo os diversos e
drásticos sintomas psicossomáticos no organismo do paciente.
Conforme o modo como cada pessoa relaciona-se com
suas emoções e pulsões na sua existência, é que a saúde ou as
doenças são manifestadas no organismo da mesma. Tudo
depende da consciência do inconsciente. Cada emoção tem
suas razões para agir e fazer valer a sua intenção, para
entender, por isso, é importante conhecer a sua história pessoal.
Devemos formular algumas hipóteses sobre o desejo presente
naquela emoção.
Esta realidade nos mostra que a emoção possui uma
consciência humanizada ou desumanizada, as reações, o seu
desejo, a sua agressividade, a sua beleza, podem contribuir para
a elevação do espírito humano ou sua completa estagnação.
Evidentemente que o psicanalista convicto com
domínio na ciência psicanalítica, juntamente com suas análises
pessoais e supervisões permanentes, tem condições
profissionais garantidas de realizar com ética, com salutar
48
segurança obter resultados positivos à saúde de seus pacientes
e também para si mesmo.

A transformação, a cura definitiva provém somente se


germinar na alma da pessoa o desejo de viver, de amar a vida.
Necessário é entender que cada emoção, possui
registros com uma memória virtual, não existe a morte da
energia psíquica, pois esta mesma energia renasce com as
imagens das outras mentes, estas lembranças, emoções,
sentimentos, fazem parte da totalidade dos seres de sua
convivência.

Na atualidade, imensa parcela da sociedade desconhece


a ciência teórica da Psicanálise humanista, cujo método
terapêutico que é disponibilizado em relação às doenças
psicossomáticas e também as psicopatológicas que afetam as
pessoas. A Psicanálise humanista trata e cura neuroses,
emoções e pulsões necrófilas, conduz o paciente a encaminhar-
se consciente, rumo à superação criativa e produtiva na vida. A
Psicanálise auxilia a evolução ética do caráter da pessoa,
humaniza para viver feliz a vida. A Psicanálise oferece à
sociedade um programa de prevenção da saúde emocional
como um prestígio com eficácia notória à solução dos conflitos
emocionais e atuais.

A saúde vem pelo cuidado. É um mérito, um direito


desenvolver sua potencialidade psíquica. É importante que as
políticas públicas, as empresas, as prefeituras de cada cidade,
escolas e sindicatos conheçam e ofereçam à sociedade essa
forma de auxilio humano. A tomada de consciência é
indispensável, é saudável à qualidade de vida a todos.

49
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo, através desta contextualização


psicanalítica, proporciona a acessibilidade de elucidar aspectos
de tópicos referentes ao sujeito lesado pelas doenças
psicossomáticas, sob o lume da Psicanálise humanista, com o
intuito de instigar reflexões acerca das notificações
relacionadas ao processo etiológico da somatização, que nasce
da motivação inconsciente na existência do sujeito dominado
pelas pulsões destrutivas.
Menciona características das pulsões antagônicas, que
atuam e assumem a regência de vida ou de morte do
organismo, em conformidade com a emoção da pessoa. A
pulsão destrutiva do ódio, da raiva, está acionada unicamente
pela emoção negativa.
Conforme o comando inconsciente como cada pessoa
relaciona-se com as emoções e pulsões na sua existência,
considera-se que a saúde permanece ou então são
desencadeadas doenças no organismo da mesma. A cura das
doenças psicossomáticas obtém-se somente quando se toma
consciência do inconsciente. Quanto maior a consciência do
inconsciente maior os efeitos positivos de mudanças curáveis.
Necessário é entender que cada emoção, possui
registros com uma memória virtual, não existe a morte da
energia psíquica, pois esta mesma energia renasce com as
imagens das outras mentes, estas lembranças, emoções,
sentimentos, fazem parte da totalidade dos seres de sua
convivência.
Salienta-se que somente é possível entender como
livrar-se da escravidão de doenças psicossomáticas, quando a
pessoa permitir-se determinadamente com espontaneidade
adentrar na terapia curativa da Psicanálise humanista, com
único propósito de realizar suas sessões de análise pessoal com
um psicanalista humanista, no desejo próprio, de tornar
50
consciente sua inconsciência e na busca de descobrir com amor
a si mesmo, emanar, transformar a totalidade de seu ser e
externar suas potencialidades e realizações com felicidade e
humanizado.
A clínica que trata das emoções e pulsões, onde todo
sintoma psicossomático pode ser interpretado é na Psicanálise
humanista. Quanto mais consciência a pessoa tem a respeito da
importância de sua existência, mais humanizada se torna e
maior é a sua transformação vital, livre de doenças
psicossomáticas. A Psicanálise focaliza a trajetória de
conflitos, irradiando ao paciente os degraus de descobertas às
superações de toda ordem.
A Psicanálise humanista considera a doença como um
sintoma das dores do inconsciente, empilhadas em feixes de
vivências impregnadas no mesmo, constituem feridas
psíquicas, que somente as análises são capazes de efetuar a
assepsia para cicatriza-las, em prol da cura emocional do
paciente, direcionando-o para superar qualquer que seja as
adversidades existenciais.

51
BIBLIOGRAFIA

DEJOURS, Christophe. Por um novo conceito de saúde.


Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Brasil, n. 54, p. 7-11,
abr./jun. 1986.

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psicopatologia do trabalho. Tradução Ana Isabel Paraguay e
Lúcia Leal Ferreira. 5. ed. ampliada. São Paulo: Cortez Oboré,
1992.

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Psicossomática. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1992.

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Psicanálise Humanista. Santa Maria: Ed. ITPOH, 2010.

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Santa Maria: Ed. ITPOH, 2010.

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Maria: Ed. ITPOH, 2009, p. 150.

. Pulsão de Morte. Santa Maria: Ed. ITPOH,


2011.

FROMM, Erich. O Coração do Homem. Rio de Janeiro: Ed.


Zahar, 1965.
52
FRONER, Carla e Salézio. As Interfaces da Clinica
Psicanalítica. Santa Maria, 2010.

MELLO FILHO, Julio de. Concepção psicossomática – Visão


Atual. Rio de Janeiro. Ed. Tempo Brasileiro, em convênio com
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ZIMERMANN, DAVID E. Vocabulário Contemporâneo de


Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, reimpressão, 2001.

53
DEPRESSÃO E PSICANÁLISE: DO INÍCIO DA
ENFERMIDADE À SUPERAÇÃO

Andréa Alves Borgert

RESUMO: Este estudo aborda alguns aspectos gerais de uma


enfermidade que tem acometido grande parte da população
mundial, a depressão. Comenta-se os sintomas desta patologia,
as suas causas e efeitos. Aponta-se ainda a depressão como
representante de uma enfermidade psíquica, considerando-se o
corpo como revelador dos conflitos, para tanto, faz-se uma
análise sob a ótica da psicanálise, e discorre-se sobre o
tratamento do paciente que está depressivo na clínica
psicanalítica. Finalizando com uma pequena reflexão acerca
das pessoas que conseguiram reverter esta situação e tornaram-
se mais fortes que a patologia, para estes a depressão não foi o
fim, mas o recomeço.

Palavras-chave: Depressão. Paciente. Sintomas. Causas.


Efeitos. Enfermidade psíquica. Superação.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Socorro, alguém me dê um coração,


Que esse já não bate nem apanha,
Por favor, uma emoção pequena
Qualquer coisa,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos deve ter algum que sirva.
(ARNALDO ANTUNES, 1998)

54
A depressão é uma enfermidade antiga tanto quanto a
humanidade. Historicamente em várias épocas encontra-se o
homem apresentando comportamentos tipicamente depressivos
desde eras mais remotas. Hipócrates teria sido o pioneiro a
atribuir doenças psíquicas aos distúrbios no cérebro, e também
o primeiro a descrever alguns fenômenos conhecidos na
atualidade sobre a mania e a depressão.
Com início nas teorias de Hipócrates, a teoria dos
quatro humores que seriam: o sentimento de um abismo
profundo, o ânimo entristecido, extinção do desejo e da fala, e
também períodos de hebetude seguidos de exaltação com
tendências fortes para a nostalgia, o luto e a morte.
Já na Idade Média a melancolia era palavra considerada
como sinônimo de uma tristeza sem causa, passando a ter
caráter existencial, virou drama, tédio, espelho da falência dos
que caiam na escala social.
E no fim do século XX a melancolia em forma
atenuada, tornou-se a depressão, considerada uma verdadeira
doença de época.
Na sociedade pós-moderna onde ocorrem
transformações constantes, este mesmo homem precisa
acompanhar o mundo do conhecimento e da produtividade
compulsiva. Pois as pessoas, assim como os países, as cidades
procuram a ascensão, um lugar ao sol, emergir, constantemente
estão acontecendo transformações socioeconômicas, culturais,
conflitos internos e externos, criados pelo próprio homem.
Na contemporaneidade o homem acabou sendo
absorvido pelos inventos criados por ele mesmo, seu foco
passou a ser o domínio e conquista de conforto e bens de
consumo. Para Fromm, o homem “deixou de usar a produção
como um meio para uma vida melhor, transformando-a em um
fim em si, um fim ao qual a vida está subordinada”. (1965, p.
340). Tornou-se assim, inseguro, ansioso e dependente de
aprovação, suscetível às variadas enfermidades, e estados
depressivos.
55
Quando este mesmo homem se depara com a realidade,
que nada tem de paradisíaca, fatalmente entra em choque por
ser afetado por seu narcisismo, seus sentimentos infantis de
onipotência, por não sentir-se mais parte da sociedade tendo
seus relacionamentos interpessoais seriamente abalados,
trazendo um profundo sofrimento pessoal e prejuízos indiretos
à família e ao trabalho, a patologia é a resposta ou a defesa
distorcida para a fuga desta realidade.
Os sintomas da depressão variam muito de pessoa para
pessoa, podendo ser vivenciada como um sentimento de torpor
ou de vazio. Além das alterações de humor e dos sintomas
psicossomáticos que representam a enfermidade psíquica,
deve-se levar em consideração que o indivíduo que encontra-se
deprimido, em seu corpo também está havendo uma mudança
na química cerebral, e em uma área específica do cérebro, o
sistema límbico, responsável pelas emoções.
Sendo que o sistema nervoso cerebral funciona em
estímulo – resposta, e através de um neurotransmissor as
mensagens passam de um neurônio a outro, nesta comunicação
o receptor é ativado ou inibido, dependendo de sua função,
ficando assim, o humor afetado e comprometido por estas
mudanças neuronais. A questão é: Antes da alteração da
química cerebral algo aconteceu? Este desequilíbrio neuronal
seria a causa ou a consequência da depressão?
Conjectura-se neste estudo que são os estímulos, por
exemplo, o que sentimos, o que sofremos, o que dói a alma, o
que nos emociona, as dificuldades da existência, a luta contra
nossos sentimentos de onipotência e o próprio narcisismo, as
dificuldades conscientes e inconscientes, isto tudo seria causa,
e a alteração química cerebral seria então a consequência;
sendo que se mudarmos a qualidade das emoções,
consequentemente mudaríamos a química cerebral.
Para melhor compreensão abordaremos aspectos gerais
desta enfermidade segundo a psiquiatria e a psicanálise, alguns
tipos de depressão, o adoecimento psíquico, como se dá o
56
tratamento do paciente depressivo na clínica psicanalítica, bem
como a superação desta enfermidade.

2. FATORES QUE DESENCADEIAM


A DEPRESSÃO, CAUSAS E SINTOMAS.

O homem na modernidade está suscetível ao avanço


tecnológico e científico, as comodidades da vida moderna são
um atrativo, e paralelamente ocorrem as comorbidades, então o
ser humano vê-se acometido por males como o estresse e a
depressão dentre outras enfermidades. Sendo que para uma
melhor compreensão, as comorbidades, aqui citadas, são outras
doenças psíquicas que podem vir conjuntamente com o quadro
de depressão ou Transtorno Bipolar. Dentre elas o TAG –
Transtorno de Ansiedade Generalizado, a síndrome do pânico,
fobias simples ou social, o TOC – Transtorno obsessivo
compulsivo, o alcoolismo, abuso de drogas, anorexia e/ou
bulimia, compulsão a compras, jogos, dentre outros.
A depressão é denominada pela Organização Mundial
de Saúde como transtorno, e tem vários níveis e sub-
denominações. O Manual de Psiquiatria Clínica (1998) traz a
depressão fazendo parte do grupo de transtorno de humor
(anteriormente denominado transtornos afetivos). Este
transtorno é caracterizado por sentimentos de depressão e/ ou
de euforia.
Sendo que o transtorno depressivo “maior” é
caracterizado por humor severamente deprimido, lentidão
mental e motora, apreensão, inquietação emocional, baixo nível
de energia, perplexidade, agitação, sentimentos de culpa,
sentimento de menos valia, retraimento, ideação suicida.
Em uma forma mais branda, menos severa, geralmente
causada por algum evento desagradável identificável seria a
depressão reativa, pode-se destacar ainda a depressão pós-parto
e a sazonal que ocorre durante os meses de inverno.
57
Segundo o DSM - IV (Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders) alguns critérios são utilizados
para o diagnóstico da depressão, como:
 Estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do
tempo;
 Anedonia: interesse diminuído ou perda de prazer para
realizar as atividades de rotina;
 Sensação de inutilidade ou culpa excessiva;
 Dificuldade de concentração: habilidade
frequentemente diminuída para pensar e concentrar-se;
 Fadiga ou perda de energia;
 Distúrbios do sono: insônia ou hipersonia, praticamente,
diárias;
 Problemas psicomotores: agitação ou retardo
psicomotor;
 Perda ou ganho significativo de peso, na ausência de
regime alimentar;
 Ideias recorrentes de morte ou suicídio.
Observando estes itens o estado depressivo pode ser
classificado então em três grupos:
 Depressão menor: 2 a 4 sintomas por duas ou mais
semanas, incluindo estado deprimido ou anedonia;
 Distimia: 3 ou 4 sintomas, incluindo estado deprimido,
durante dois anos, no mínimo;
 Depressão maior: 5 ou mais sintomas por duas semanas
ou mais, incluindo estado deprimido ou anedonia.
E a Classificação Internacional de Doenças – CID 10
descreve a depressão sob os seguintes critérios:
 Humor depressivo;
 Perda do interesse (pelas atividades habitualmente
agradáveis);
 Diminuição da energia (ou aumento da fadiga);
 Perda da confiança ou da autoestima;
 Sentimentos inapropriados de culpa ou de recriminação;
58
 Ideação ou comportamento suicida;
 Problemas de concentração;
 Atraso ou agitação psicomotora;
 Perturbações do sono de qualquer tipo;
 Aumento ou diminuição do apetite.
Para Zimerman (2005) as causas e os tipos de depressão
são múltiplos e diferentes, sendo que em caso de depressões
psicógenas, ou seja, resultantes de problemas existenciais, o
autor destaca algumas causas, dentre elas:
 Perdas: seja de pessoas, de emprego, de capacidades
motoras ou intelectuais, da estabilidade econômica.
 Culpas: em resultado de um superego rígido e punitivo,
por não permitir-se ser merecedor de ganhos e de
sucesso, culpas atribuídas à pessoa pelos seus
cuidadores de forma injusta em sua infância por
exemplo.
 Fracasso narcisista: por ser uma pessoa com caráter
narcisista ansiosa por reconhecimento e por cobrar-se
como tendo que ser especial e vencedor sempre, um
fracasso em sua vida, por menor que seja, este mínimo
insucesso lhe deixa deprimido.
 Rupturas: mesmo que doentias, como pactos infantis
inconscientes, cuja pessoa quando adulta acaba
repetindo de maneira estereotipada.
 Identificação patológica: a pessoa segue um modelo
familiar, identificando-se com o sofrimento, a vida infeliz e
depressiva deste outro, e inconsciente segue este modelo
doentio como se fosse seu destino.
Zimerman ainda coloca que as depressões endógenas
têm causas nos distúrbios neuronais e metabólicos, bem como
podem ser de natureza sazonal, por exemplo, há pessoas que
ficam deprimidas no inverno devido à perda de luminosidade.
Porém o autor advoga que as causas psicógenas e endógenas
estão sempre ligadas uma a outra.

59
E os sintomas são de ordem diversa e de muitas formas,
as comorbidades da vida moderna têm a marca incessante da
busca de completude, o ser humano coloca a si mesmo uma
condição para a sua existência enquanto sujeito, Roudinesco
diz que “o homem doente da sociedade depressiva é
literalmente “possuído” por um sistema biopolítico que rege
seu pensamento à maneira de um grande feiticeiro”, (2000, p.
42), sendo que o mesmo “não é responsável por coisa alguma
em sua vida, como também já não tem o direito de imaginar
que sua morte possa ser um ato decorrente de sua consciência
ou de seu inconsciente”.
Em sua obra psicanálise em perguntas e respostas,
Zimerman (2005) esclarece de modo geral quais os sintomas da
depressão, sendo que a pessoa deve apresentar cinco ou seis
dos sintomas descritos abaixo para ser considerado um paciente
depressivo:
 Tristeza permanente;
 Desânimo e apatia;
 Insônia ou hipersonia;
 Falta de estímulo e de tomada de iniciativas;
 Perda da libido e do prazer em geral;
 Baixo desempenho no trabalho;
 Irritabilidade;
 Falta ou excesso de apetite;
 Sensível prejuízo em manter a atenção e concentração;
 Redução da autoestima;
 Queixas constantes, inclusive de natureza
hipocondríaca;
 Visão pessimista do futuro;
 Ideação ou tentativa suicida.
Sendo que o quadro depressivo já instalado pode
possuir características diferentes, por se tratar de tipos diversos
e ter iniciado por causas singulares, por exemplo, a depressão
anaclítica é aquela que surge no primeiro ano de vida da
60
criança devido a um afastamento súbito e prolongado da mãe,
mesmo depois de estabelecido um bom vínculo com ela; sendo
recorrente a apatia generalizada. Um adulto pode sentir uma
depressão do tipo anaclítica quando reedita a mesma sensação
de abandono e desamparo.
A depressão distímica se instala de forma súbita e dura
no mínimo dois anos com tendência a se tornar crônica;
aparece com sintomas de aflição, aborrecimento, negativismo,
redução ou anulação de impulsividade, sensação opressiva de
tensão, alteração no humor, ideias de fracasso ou de
inferioridade e de que nada vale a pena fazer.
Quanto à Depressão Narcisista ela seria decorrente de
um fracasso da ambição, muitas vezes ilusória, que a pessoa
tem de atingir determinados objetivos por ele, ou por seus pais
quando era criança, idealizados; que funcionaria da seguinte
maneira, o narcisista após algum insucesso compreende como
um grande fracasso, que gera vergonha, e humilhação, seu
pensamento recorrente ‘é que consequentemente perderá o
reconhecimento, a admiração e o amor dos demais. Este
sofrimento psíquico lhe acarretaria a depressão.

3. A DEPRESSÃO COMO REPRESENTANTE DA


ENFERMIDADE PSÍQUICA, QUADRO
PSICOPATOLÓGICO.

Inúmeros teóricos, nas mais diversas áreas da saúde


física, mental, emocional ou espiritual defendem a ideia de que
o homem é a somatória do corpo e da mente, e que este mesmo
homem sofre marcas, inscrições (traumas emocionais) que
ficam registrados no corpo e influenciam e comprometem a sua
saúde e bem estar, bem como o modo de se relacionar na
existência. Nesta interação do corpo e da mente, observa-se
que o corpo, espelho psíquico, traz as respostas mais
verdadeiras do self.
61
Birman (2006), neste sentido contribui dizendo que o
corpo é o lugar e a sede de inscrição, por excelência, das
enfermidades, reafirmado tanto cientificamente, como
socialmente. E Pereira afirma que “o corpo reclama e exige
uma elaboração das emoções e perdas latentes, fonte de tristeza
e depressão”, (2012, p. 109).
Pessoas que desencadeiam a depressão geralmente
reprimem suas emoções, e os sentimentos de raiva e tristeza
jamais podem aparecer. São boazinhas para serem aceitas,
precisam fazer tudo certo para conseguir a aprovação de
“mamãe” e “papai”, porque existe um preço para serem
amadas; precisam ser amáveis, educadas, respeitar sempre,
serem submissas, e principalmente sempre dizer sim. E então a
pergunta surge: Onde vão parar suas verdadeiras emoções?
Ficam represadas, estas pessoas seguram a energia limitando a
vida, convertendo-se em doenças, em sintomas, em dores,
levando-as ao desespero.
Provavelmente todos nós alguma vez na vida já
sentimos uma dor física, no estômago, na cabeça, no braço, nos
pés, o que seria normal, pois somos humanos, somos de carne e
osso, temos fragilidades. A questão é qual a origem destas
dores? O que elas querem comunicar? E o que dizer das dores
que sentimos e não conseguimos nomear? Da dor que
incomoda, agita, sensibiliza, fragiliza, faz chorar e não há
analgésico que a faça calar?
Dores que com o tempo sufocam, aprisionam, oprimem,
esmagam, uma dor vazia, aparentemente sem sentido e
significado, não se sabe de onde ela vem, mas se sente; ela
pode comprimir o peito, causar falta de ar, agitação ou letargia.
Certamente a pessoa sabe como é uma dor de cabeça, por
exemplo, porque já sentiu uma, sabe como é dor de parto se
passou pela experiência, e somente quem adoece
psiquicamente sabe o que isto significa, pois é desta dor que
aqui faz-se referência. Depressão, desânimo, medo, raiva, ódio,

62
culpa, costumam acompanhar estas dores. São gritos de
desespero vindos de dentro do humano.
Quando profundamente fragilizado, o homem
comumente procura um médico para com algum tratamento
medicamentoso fazer cessar a dor. Mas o que dizer daquele
vazio e da dor inomeável que leva o ser ao desespero, quando
passa anos em tratamento e ela não desaparece? Esqueceram-se
os seres humanos que amor, carinho, afeto, compreensão não
estão à venda em cápsulas nas farmácias. E que os
medicamentos não ensinam habilidades novas aos pacientes.

Todos os estudos sociológicos mostram


igualmente que a sociedade depressiva
tende a romper a essência da vida humana.
Entre o medo da desordem e a valorização
de uma competitividade baseada
unicamente no sucesso material, muitos são
os sujeitos que preferem entregar-se
voluntariamente a substâncias químicas a
falar de seus sofrimentos íntimos. [...] O
silêncio passa então a ser preferível à
linguagem, fonte de angústia e vergonha.
(ROUDNESCO, 2000, p. 30).

Os que sofrem e padecem destas dores patológicas


sentem solidão, porque muitas vezes eles mesmos já se
abandonaram. Quando se está psiquicamente doente o corpo
físico apresenta os sintomas, este adoecimento simbolizado no
corpo traz um enorme complexo de emoções que precisam ser
elaboradas e ressignificadas.
Para a psicanálise, que trabalha as emoções, os conflitos
emocionais se comunicam através da doença, sendo que estes
não seguem uma lógica, pois possuem uma comunicação
subjetiva; ao refletir sobre a doença, mais diretamente a doença
psíquica, deve-se levar em consideração os fatores de origens
internas e externas às pessoas, porque os sintomas podem usar
63
uma grande variedade de formas de expressão e se valem do
corpo para tornar visíveis os conteúdos subjacentes à
consciência.
Esta manifestação da doença no corpo através dos
sintomas é a expressão visível de um espaço invisível,
indicando que algo está em desordem, é a manifestação de uma
energia invisível poderosíssima agindo do psíquico para o
somático que é o corpo. A psicanálise investiga a ligação das
emoções e as pulsões com o processo de somatização que
levaram o ser humano à doença, à depressão, porque “para esta
ciência não existe a doença e sim a pessoa doente, levando em
consideração o seu tipo de existência e a maneira que se
relaciona com o seu mundo emocional e pulsional”.
(PEREIRA, 2010, p. 07).
Os sintomas então seriam os recursos que o
inconsciente utiliza para fazer algum a denúncia de alguma
negligência, ou mesmo da impotência em lidar com situações
existenciais. Porque “quando a vida entende que está sendo
destruída, procura nos sintomas uma alternativa para alertar a
pessoa sobre seus modos de pensar e agir sobre a existência”.
(PEREIRA, 2011, p. 63).

4. A DEPRESSÃO NUMA VISÃO PSICANALÍTICA.

Quanto à origem da depressão existem teorias que a


causa estaria ligada à infância, às perdas precoces – reais ou até
imaginárias – como, por exemplo, a criança que fica
aterrorizada pensando que vai perder os pais. Mas mexer na
infância para muitos é um processo muito doloroso, e não há
remédio para isso, é necessário terapia, análise, mas as pessoas
precisam de coragem para permitir-se tocar nas feridas, sendo
assim muitas preferem colocar simbolicamente um curativo
para amenizar a dor, seria a solução mais fácil.

64
Segundo Mackinnon & Michels (1981) de certa forma,
as reações depressivas do adulto são respostas adiadas, com o
desencadeante imediato na vida adulta, revelando sentimentos
que podem ter sido seguidos desde a infância. Como por
exemplo, quando a pessoa às vezes nega uma perda ou o
impacto causado pela mesma, a fim de evitar uma reação
emocional; porém quando diante de um novo acontecimento
que remete ao trauma inicial, esta negação torna-se ineficaz, e a
depressão então se instala.
Para tanto as pessoas recorrem aos consultórios e saem
com uma receita espetacular, com diversos nomes de pílulas
milagrosas contendo doses de alegria e felicidade. Para estes
pacientes é mais fácil remediar do que aceitar suas limitações,
sofrimento, incompetências, fracassos, tristeza; do que aceitar
que também podem sentir raiva, ódio, medo, e que
principalmente necessitam perdoar a si e as outras pessoas,
sendo que para isso é necessário vencer o orgulho.
Bauman (1998, p. 156) vê estes problemas como “mal-
estares, aflições e ansiedades típicos do mundo pós-moderno”.
Freud em o mal-estar na civilização coloca que essa “frustração
cultural” domina o grande campo dos relacionamentos sociais
entre os seres humanos. Como já sabemos, é a causa da
hostilidade contra a qual todas as civilizações têm de lutar.
(FREUD, 1930[1929]/1992, p. 52).
Na psicanálise a depressão é abordada por Freud
(1917), em seu artigo Luto e Melancolia. O pai da psicanálise
faz uma distinção da depressão causada pelo luto e pela
melancolia. Sendo que no luto a depressão estaria relacionada
com a perda de um objeto amado, a pessoa sabe o que perdeu e
sofre por esta falta. Na melancolia ela não sabe o que perdeu, é
como se tivesse perdido algo, uma parte de si mesmo que traz
um sofrimento muito grande, seria a perda do “eu” do sujeito.
Freud (1917[1915], p. 251) afirma que: “no luto, é o mundo
que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.

65
O termo melancolia deriva do grego, onde melas é
negro e khole é bile, a bile negra, e foi utilizado na história da
humanidade para designar uma forma de loucura, que tinha por
característica o humor sombrio e uma grande e profunda
tristeza, medo e desânimo, capaz de levar ao suicídio.
Freud observou que tanto o luto quanto a depressão
ocorrem após a perda de um objeto amado, e reconheceu que as
pessoas podem experimentar sentimentos ambivalentes em
relação a objetos de amor perdidos, ao mesmo tempo é possível
sentir amor e sentir raiva ou ódio por causa da rejeição e do
abandono sentidos. Pretendeu mostrar também que os
deprimidos são frequentemente autocríticos, sentindo raiva de
si mesmos, e culpando-se por coisas que não são suas. Sendo
que para Freud, o fator principal na depressão é a raiva
internalizada, e o que dispara este processo é a perda.
Além do pai da psicanálise, outros psicanalistas também
se preocuparam em estudar e compreender os estados
depressivos. Dentre muitos estudiosos da depressão estão
Abraham (1911, 1924), Rado (1928), Géro (1936), Klein
(1935, 1940, 1946), Fenichel (1946), Jacobson (1953, 1971),
Bowby (1969), Winnicott (1963, 1954) e Bleichmar (1983).
Conforme Mackinnon & Michels (1981) as depressões
exógenas ou reativas são resultado de experiências traumáticas
que aconteceram na vida do paciente; e as depressões
endógenas seriam a expressão padronizada de uma reação
condicionada, pouco afetada pelos fatores externos. Segundo
os autores outro fator que desencadearia a depressão seria a
redução da autoconfiança e da autoestima. Pois existe nestas
pessoas perturbações que as levam a autoacusações, expressões
de sentimentos de desvalia, a presença demasiada de
sentimentos de culpa e vergonha, e um discurso que revela a
ambivalência dos sentimentos envolvidos neste processo. “A
pessoa depressiva é atormentada pela sensação de culpa e vive
se autorrepreendendo, está sempre ocupada em voltar às boas
(fazer as pazes) com tudo”. (DTHLEFSEN, 2007, p. 221).
66
Mackinnon e Michels classificam as depressões em:
 Depressão dissimulada ou equivalente: Os pacientes
apresentam sinais de depressão, mas apresentam negação de
seus afetos muitas vezes expressados nos sintomas somáticos.
 Depressão reativa ou secundária: surge em resposta a
um estresse identificável, como perdas (reações a luto),
doenças físicas graves ou uso/abstinência de drogas. Uma
reação de esgotamento às pressões da vida, aparecendo depois
de períodos de dificuldades como um sinalizador.
 Depressão menor ou distimia: o paciente acometido por
este tipo de depressão possui uma falta de humor crônico, nesta
síndrome depressiva o paciente consegue conviver
socialmente, porém sem experimentar prazer.
 Depressão maior ou unipolar: desordem primária e
endógena, caracterizada por episódios depressivos em períodos
variáveis da vida do paciente, o paciente é geneticamente
predisposto à doença.
 Transtorno de humor bipolar: Desordem primária e
endógena, caracterizada por episódios depressivos alternados
com fases de mania ou de humor normal. O paciente apresenta
comportamento extremamente alegre logo após está em plena
tristeza e apatia.
Para Zimerman (2001) as depressões são resultantes de
perdas que podem ser dos objetos amados e ou odiados, ou
perdas da capacidade do ego. Também por culpas, devido à
rigidez do superego que pune e castiga. Outro fator é o fracasso
narcisista que se dá em decorrência da ruptura de papéis
impostos à criança e que o adulto repete. Para Mackinnon &
Michels (1981) a perda seria um dos principais fatores
desencadeantes da depressão, traduzindo-se seja pela morte ou
separação do objeto de amor. Sendo que essa perda pode ser
real ou iminente. Algumas vezes pode ser uma perda
psicológica interna real ou fantasiosa, como consequência da
interpretação de ser rejeitado pela família ou amigos, ou perda
também a perda de status social.
67
Psicanalistas renomados como Melaine Klein e
Winnicot sempre enfatizaram a primeira infância e as relações
de objeto como aspectos importantes na organização
emocional. Sendo que para eles a depressão se baseia na falta
de uma boa relação de objeto. Porque toda patologia está
relacionado ao afeto estabelecido nas relações de objeto, estes
são fatores importantes no desencadeamento de uma psicose
depressiva ou numa reação depressiva.
Sendo que a pessoa se fere em suas relações de objeto
nas primeiras relações, pelo mecanismo do recalcamento acaba
repetindo o mesmo desfecho em novas relações de objeto pela
vida, vivendo em um ciclo de repetições, este fato leva à
exaustão, mas inconsciente desta realidade, acaba encontrando
uma saída pouco eficaz que é criar uma doença como defesa,
aumentando as marcas e repetindo as feridas. Muitos chegam
ao estremo de pensar em tirar a própria vida, isto porque uma
sequência de frustrações consequentemente gera o
esgotamento, a desesperança, o vazio, é como se a pessoa
tivesse a necessidade de matar a vida que está lhe matando.
Segundo o psicanalista humanista Salézio Plácido
Pereira “as doenças psíquicas estão intrinsecamente
relacionadas com as experiências, vivências e, de modo muito
particular, a visão de mundo de cada indivíduo. Cada
interpretação da realidade traz na essência da representação
uma aprendizagem”. (2007, p. 93).
Pereira ainda destacando a patologia, contribui
afirmando que, quando não há amor o ser humano perde o
sentido de existir, quando não há mais sentido ou motivos para
continuar vivo o “pathos” acaba instalando-se, neste caso, a
depressão pode levar inclusive ao suicídio, isto porque a
patologia surge no momento da falta, e ela aparece “sobre
diversas formas e conteúdos, em alguns casos o desespero é
maior que a fortuna econômica, em outros a inferioridade
assola a autoestima, alguns se sentem tão culpados que
preferem terminar com a própria vida”. (2009, p. 92).
68
5. O TRATAMENTO DO PACIENTE DEPRESSIVO
NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Socorro, não estou sentindo nada


Nem medo, nem calor, nem fogo,
Nem vontade de chorar, nem de rir
Socorro alguma alma mesmo que penada
Me entregue suas penas,
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada!
(ARNALDO ANTUNES, 1998)

Infelizmente muitos pacientes que chegam à clínica,


sentem exatamente o que Arnaldo Antunes canta no fragmento
supracitado, o nada, o vazio. Para Elisabeth Roudinesco (2000)
a partir de 1950, as substâncias químicas ou os psicotrópicos
revolucionaram as representações do psiquismo, um novo
homem foi fabricado, polido e sem humor, esgotado pela
evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme
ao ideal que lhe é proposto. Bleurer (1985) contribui colocando
que estes pacientes “às vezes sofrem apenas, sem ter ideia dos
motivos de sua miséria. Podem também ter ‘medo de nada’, um
‘medo vazio’”. (p. 326). Porque os que estão deprimidos,

São presas de tormentos e sofrimentos


como que por uma catástrofe da natureza.
O que vivenciam, o que pensam e o que
recordam, é tingido de dor. Eles próprios se
veem como pequenos, feios, pecaminosos,
inferiores, desamparados e maculados,
vivenciam as outras pessoas, e todo o
mundo, como grandes ameaças, poderosas
e sinistras. Muitos deles são presas do
medo, também, que sentem como uma
pressão ou dor no coração. Outros
suportam seu tormento numa resignação
69
rígida. Muitas vezes supervalorizam
preocupações e ameaças verdadeiras, ou se
entregam a convicções delirantes, afastadas
da realidade, do próprio pecado e da
própria derrota. (BLEURER, 1985, p. 326).

Segundo Dethlefsen “a depressão provoca o confronto


dos pacientes com o pólo mortal da vida. As pessoas que
sofrem de depressão são privadas de tudo o que de fato está
vivo, como o movimento, a mudança, o companheirismo e a
comunicação”. (2007, p. 222)
Para Roudnesco outro fator desencadeante do torpor, da
ausência de sentimentos, “do nada” é a utilização apenas de
medicamentos como forma de tratamento deste tipo de
enfermidade, sendo que “o medicamento sempre atende, seja
qual for a duração da receita, a uma situação de crise, a um
estado sintomático”. Enquanto que o paciente fica em uma
situação descrita por ela como a seguinte: “em lugar das
paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo,
em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da
história”. (ROUDNESCO, 2000, p. 41).
Certamente é algo passível de reconhecimento que os
medicamentos utilizados no tratamento da depressão foram um
grande avanço, e podem ter sido a salvação de muitas pessoas
do suicídio, porém o que presencia-se no momento é algo
aterrorizante, psicotrópicos sendo “receitados tanto por clínicos
gerais quanto pelos especialistas em psicopatologia, os
psicotrópicos têm o efeito de normalizar comportamentos e
eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico,
sem lhes buscar a significação”. (2000, p. 21).
Birman é muito enfático em suas colocações quanto à
utilização desenfreada dos medicamentos:

As drogas são ofertadas em larga escala


pela medicina e pela psiquiatria para
apaziguar a desesperança e os gritos de
70
terror que solapam as subjetividades. [...]
Além disso, as drogas pesadas circulam
pela rede internacional de narcotráfico,
oferecendo formas de excitabilidade e de
gozo para as subjetividades paralisadas
pela violência do desamparo. De qualquer
forma, são as duas faces da mesma moeda,
as ditas drogas medicinais ofertadas pela
psiquiatria e as drogas pesadas
comercializadas a preço de ouro pelo
narcotráfico; pela mediação de ambas
alimenta-se a ilusão de que a dor do
desamparo pode ser recusada pela
transformação da alquimia dos humores.
(BIRMAN, 2006, p. 53-54).

Se a psiquiatria responde, na maioria das vezes, com o


medicamento que visa silenciar os afetos, a psicanálise
pretende abrir a possibilidade para que o paciente possa
remediar o próprio sofrimento com a palavra, através da escuta
terapêutica e da técnica psicanalítica.
Porque após sofrer perdas e fracassos, o paciente em
sofrimento não acredita mais no seu sucesso, na saúde, no seu
potencial. O analista acolhe este paciente para que o mesmo
acredite em si e volte a pensar na possibilidade de dar certo na
vida, que os ganhos podem surgir e tornarem-se maiores que as
perdas. Porque o tratamento psicanalítico “ensina o paciente a
tolerar momentos de prazer e dor, de alegria e tristeza, de
sucesso e fracasso. É um aprendizado do paciente para saber
ser flexível o bastante para enfrentar os desafios da existência.”
(PEREIRA, 2009, p. 42).
E “quanto maior for o conhecimento sobre si mesmo,
maior a condição de superar os momentos de fragilidade, de
equívocos, de perdas, de fracassos”. (PEREIRA, 2010, p. 162).
Consequentemente conseguindo um equilíbrio na existência,
sem precisar recorrer à doença e todas as enfermidades

71
causadas pelo próprio homem, que por seguir vida a fora
inconsciente de suas atitudes acaba sofrendo. O processo de
conscientização é inevitável, a fim de transformar energias,
hábitos, crenças, valores.
A psicanálise está interessada em entender o indivíduo
em sua totalidade, para isto faz-se necessário investigar a
história de vida do paciente e o contexto social e cultural do
mesmo, a depressão pode estar associada às perdas,
ambivalências, instabilidade financeira; ou também ligada às
culpas seguidas de autopunição, a fracasso, insucessos, uma
vida infeliz de inconsciência. E o paciente “ao reviver o drama
neurótico, aparece durante a análise, a repressão, ou seja, o
núcleo neurótico emocional que impede a livre expressão de
suas potencialidades”. (PEREIRA, 2009, p. 15).
Portanto, o tratamento analítico não visa à doença, mas
o sujeito que está em sofrimento, visa o descortinamento e a
desconstrução de padrões, crenças, valores, que nos foram
impostos como verdades absolutas que são geradores de
conflitos. A pessoa em tratamento “ao tomar consciência
visceral do bloqueio emocional, consegue identificar onde se
encontra o trauma que impede a solução de um determinado
tipo de problema pessoal”. (PEREIRA, 2009, p. 15).
O tratamento é feito mediante uma escuta especializada
fundamentada na teoria do inconsciente que permite que o
sujeito possa se conhecer, olhar para si, descobrir e modificar
as “verdades” no qual acreditou até agora. A psicanálise
permite que o sujeito entre em contato com o seu próprio
desejo para criar suas próprias escolhas. Sendo que o analista,
durante o tratamento, “é uma tela onde o paciente projeta suas
emoções de medo, raiva, rancor, inveja, ciúme, alegria, desejos
eróticos, amor fraternal e outras tantas emoções que no seu
devido tempo será confrontado, esclarecido e interpretado”.
(PEREIRA, 2009, p. 15).
O tratamento pela psicanálise se dá pela subjetividade,
sendo que em alguns casos o uso de medicação é fundamental,
72
mas deve ser de forma integrada, pois somente a medicação
não vai resolver a causa, portanto muitos pacientes fazem
análise e são pacientes na psiquiatria, sendo medicados até que
não mais necessitem desta “muleta”. Ou até conseguirem
novamente utilizar todo seu potencial na existência, para poder
despertar sua alegria e encanto pela vida, e o cérebro voltar a
fabricar os mesmos componentes químicos contidos nos
remédios, seja a dopamina, a serotonina. O segredo seria mudar
as emoções, a fim de mudar a bioquímica cerebral,
equilibrando nossa “farmácia interna”.

A análise é um processo dinâmico de


superação, um suporte para posicionar-se a
favor da saúde, e ser capaz de elaborar,
confrontar, esclarecer e interpretar as
influências sociais e culturais para resgatar
em si mesmo a confiança básica e a
capacidade de sair daquela situação de
doença e fracasso. (PEREIRA, 2012, p.
123).

Sendo assim, o trabalho terapêutico, dentre outros tem a


função de fazer a maternagem, dar amor, ensinar o amor,
cuidar. Bem como auxiliar a pessoa no entendimento que para
ser amada não precisa ser a primeira em tudo, ser perfeita, pois
isto não existe, é uma fantasia, e não necessita ser o que ela
imagina que o outro deseja para ser aceita, seria um aprender a
ser. E o paciente “a cada conquista amplia a sua confiança,
cada problema superado evidencia que é capaz de enfrentar
qualquer tipo de adversidade”, (PEREIRA, 2012, p. 32), saindo
aos poucos da letargia da depressão, aprendendo a fazer um
novo caminho.
Afinal ter que ser o primeiro, ser bom em tudo que faz,
gera um intenso desgaste, pode-se afirmar que é impossível ser
o melhor em tudo, mas as emoções estão por trás destes
comportamentos. A pessoa sente tristeza, raiva, frustração e
73
impotência, e não consegue lidar com tudo isto, quando se
exige demais. Emoções como estas intensas e não tratadas
aparecem de alguma maneira através do corpo físico, os
sintomas são o abre alas, são tentativas de encontrar um
caminho para solucionar, digerir o sofrimento emocional, ou
seja, quando interpretados são uma pausa para a conexão da
pessoa consigo mesma, com o que ela verdadeiramente deseja.
E quando este processo ocorre é que falamos em superação da
patologia, pois ela não foi o fim, mas o recomeço.

6. QUANDO A DEPRESSÃO NÃO É O FIM


E SIM O RECOMEÇO.

Não importa onde você parou [...] em que


momento da vida você cansou [...]
O que importa é que sempre é possível e
necessário recomeçar.
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo
[...]
E renovar as esperanças na vida e o mais
importante, acreditar em você de novo.
Fragmento do Poema Faxina na alma (Carlos
Drummond Andrade).

Propositalmente procurou-se trazer após o capítulo


sobre o tratamento do paciente na psicanálise, um capítulo com
reflexões acerca dos aspectos positivos que podem surgir após
o adoecimento, isto porque, pretende-se demonstrar que
também a dor pode trazer um caminho novo. Porque a
evolução pede crescimento, e isto acontece queira-se ou não,
porque a inteligência da vida está interessada em promover a
vida, o homem pode optar através do amor ou da dor. Sendo

74
que a patologia é uma alternativa equivocada para resolver os
problemas da existência.
Para Bleurer (1985, p. 360) o paciente que está
depressivo “pode reencontrar-se e voltar para a vida e a
evolução futura pode-se desenrolar favoravelmente”, sendo que
ele pode “fazer novos amigos, lutar com nova coragem pela
sua existência, adquirir novos interesses. Pode ocorrer uma
vida interior mais rica e a pessoa pode-se dirigir para atividades
altruístas, artísticas ou cientificas.” Esta seria uma forma
positiva de aplicar sua energia física e psíquica com o intuito
de utilizar todas as suas potencialidades, que na verdade é o
que defende a psicanálise humanista.
Comumente acompanha-se na mídia e presencia-se o
acontecimento de tragédias, pessoas doentes, dor e sofrimento
que assolam a vida do ser humano, inúmeras perdas que
solapam, abalam e levam ao desespero as pessoas. Muitos
choram, se desesperam, outros se vitimizam, adoecem,
perecem, morrem, tiram a própria vida. Porém vemos aqueles
que lutam, buscam alternativas, procuram ajuda, querem
melhorar. O que acontece? O que diferencia estas pessoas umas
das outras?
Pereira (2012) acredita que quando o ser humano
consegue acumular força e criatividade através de suas
experiências traumáticas é porque conseguiu fazer uma leitura
destes sofrimentos, podendo assim utilizar estes momentos
difíceis para conseguir superar os problemas da existência, são
pessoas que popularmente se fala que “souberam fazer do
limão uma limonada”, desenvolveram a capacidade de utilizar
a pobreza para tornarem-se ricos, fazer da doença um caminho
para lutar e viver com saúde, transformaram suas neuroses para
conseguir equilíbrio e ter satisfação em viver, e fazer das
adições e compulsões um aprendizado para ajudar as pessoas
que precisam.
Este é o lado bonito da existência e a satisfação do
psicanalista, ver que aos poucos o paciente consegue evoluir,
75
trilhar o seu caminho pela via da saúde, do prazer, da
satisfação, procurando a cada dia desenvolver seu potencial
intrínseco de alegria, felicidade, amor, sendo produtivo,
despertando potenciais, relacionando-se bem consigo, com os
outros, com o mundo. Isso tem nome e chama-se superação.
Isto porque a psicanálise “evidencia no tratamento o
acompanhamento prático das capacidades, da criatividade, do
poder de decisão, da capacidade de enfrentar determinados
obstáculos e conseguir com esta experiência ser mais maduro e
corajoso”, (PEREIRA, 2012, p. 06).
A superação é um conjunto de potencialidades que
fazem parte da natureza humana, está aliada à sabedoria e boa
autoestima, na coragem de enfrentar os medos, as culpas. É a
capacidade de saber lidar com situações negativas e
estressantes, com as pressões e tensões, e saber tirar um
aprendizado, sair mais criativo, com mais força de vontade,
com sentimento de triunfo, porque todos na vida passam por
adversidades. Seria “encontrar os recursos na existência para
sobreviver a todo tipo de tempestades emocionais”.
(PEREIRA, 2012, p. 125).
As pessoas depressivas e que passam pelo tratamento
psicanalítico terão que gradativamente trilhar este caminho,
buscando este aprendizado, buscando o afeto no amor, na
alegria, nas conquistas e não por intermédio da dor, da
vitimização e da patologia. Porque para poder superar os
problemas e superar-se, a pessoa precisa ter segurança
emocional, sua pulsão de vida precisa estar bem mais forte que
a pulsão de morte, ela precisa de convicção e disciplina. Isso se
torna possível quando o paciente encontra o amor em sua vida,
porque “o amor é esta disposição para fazer o bem, isto inclui
atenção, cuidado, estudo, inteligência, simplicidade, qualidades
que podem representar a estética do amor.” (PEREIRA, 2012,
p. 113).

76
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O paciente deprimido tem feridas abertas, dores que


precisam ser acolhidas, aceitas, curadas, são emoções negativas
guardadas por muito tempo. Estas emoções de raiva, tristeza,
ódio, precisam ser ressignificadas, é necessário dar um novo
sentido a elas. Precisa-se cuidar do pequeno eu deprimido,
ensiná-lo a perdoar os outros e a si mesmo. Porque acredita-se
que o autoconhecimento é cura.
Após este estudo percebe-se que o psiquismo reage
formando defesas para poder dar conta das demandas de
insatisfação e frustração dos desejos. Sendo que uma das
formas de defesa são os sintomas que assolam o corpo e a
mente.
A patologia é uma defesa equivocada da forma de se
viver, porque a pessoa acaba se autodestruindo, mas assim
como a água estas energias armazenadas na mente humana
pedem para passar, precisa-se dar vazão a elas; precisam fluir,
seguir o curso da vida, caso contrário elas rompem os
obstáculos à sua frente e explodem e arrasam, ou encontram
um desvio, um outro caminho para seguir em frente.

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81
UMA ANÁLISE DIALÉTICA DA PERVERSÃO DE
SIGMUND FREUD A ERICH FROMM

Flávio Rodrigues

Resumo: Ao identificarmos as variações da sexualidade em


qualquer tempo não podemos incorrer em erros semânticos
construídos por nossa posição como observador ou pelas
representações construídas pelo social, cultural, tradicional e
histórico, sobre a tipologia da sexualidade. Sendo assim, a
análise do caráter Perverso de uma personalidade se diferencia
da análise da vivencia efetiva da sexualidade. Esse fator é
importante, pois no contemporâneo, tais análises tanto do
caráter como da vida sexual, supera os parâmetros meramente
pulsionais das estruturas psíquicas.
Freud concluiu que a perversão é o negativo da
Neurose, que em situação de desenvolvimento pleno, em que
os acidentes não formaram um núcleo patológico, as
perversões são reprimidas promovendo um estado de
sublimação ou formação reativa. Neste artigo ao discutir a
sexualidade no contemporâneo, será problematizado a
perversão do caráter e da personalidade, na formação das
orientações patológicas discutidas por Erich Fromm.
Contribuindo para uma leitura dessexualizada das
condutas perversas, compreendendo que a patologização das
condutas sexuais são apoiadas em outras questões, que fogem a
simples nomeação. Este artigo, usará o método bibliográfico de
pesquisa, usando a técnica de revisão dialética da Psicanálise
Humanista de Erich Fromm, tendo como objeto de estudo a
estruturação das orientações do caráter. Este método trata-se de
um estudo revisional de pontos importantes da teoria da
estruturação do caráter com foco central nas Perversões e na
sexualidade compreendida nos discursos contemporâneos.

82
Palavras-chave: Perversões, orientações de caráter,
personalidade, Psicanálise Humanista.

1. UMA ANÁLISE DIALÉTICA DA PERVERSÃO


DE SIGMUND FREUD A ERICH FROMM

“O homem sempre morre antes de ter


nascido completamente”
(Erich Fromm)

Ao identificarmos as variações da sexualidade em


qualquer tempo não podemos incorrer em erros semânticos
construídos por nossa posição como observador, ou pelas
representações construídas pelo social, cultural, tradicional e
histórico, sobre a tipologia da sexualidade. Mas sim,
compreender que as variantes desta, e suas ligações ou opções
libidinais, podem se definir por objetos, sujeitos, relações que
não se encaixam em padrões da norma instituída.
Definir tal modo de viver a sexualidade, como
psicopatologia ou perversão é encontrar, refúgio na língua para
explicar uma alteridade, entre tantas outras. Mais que isso,
construir uma identidade a partir de sintomas clínicos, que são
somatórios neurofisiológicos, biográficos, ambientais,
culturais, sociais e históricos, que podem também ser um
estado transitório.
Sendo assim, a análise do caráter Perverso de uma
personalidade se diferencia da análise da vivência efetiva da
sexualidade. Esse fator é importante, pois no contemporâneo,
tais análises tanto do caráter como da vida sexual, supera os
parâmetros meramente pulsionais das estruturas psíquicas. Já
que as relações entre pessoas sofreram transformações
importantes, desde tempos freudianos (Período Vitoriano),
porém ainda, é um tema conflitante e caro ao humano. Pois,
83
embora tenha-se avançado em vários tópicos da sexualidade, se
percebe ainda que a teoria freudiana é atual e permite encontrar
vestígios nas fixações e nos desvios.
Para Erich Fromm (1992) as estruturas de caráter são
constituídas no social e no cultural, fazendo uma leitura
diferenciada da repressão das pulsões sexuais. Esta leitura
entende que as pulsões e emoções são conduzidas e orientadas
dentro de redes intricadas do desenvolvimento humano sob a
influência da cultura e sociedade complexa.
Freud (1989) esclarece ainda, que a escolha do objeto,
não é de forma alguma, uma escolha simples por um objeto,
mas de contingencias. São relações e eventos libidinais que
promovem a inclinação, que não tem por finalidade ser
definida, nítida ou definitiva, por um objeto específico, mas
pelas relações entre pulsão sexual e os pontos de fixações no
transcorrer da constituição e do desenvolvimento individual.
Os estudos anteriores aos de Freud, apontavam para
narrativas biofisiológica da “Natureza Humana”, partindo de
um princípio naturalista da complexidade humana. Tais
edificações tomaram como base as premissas anatômicas, para
compreensão da totalidade da sexualidade, contribuindo para a
patologização dos apelos pulsionais que fugiam da regra
Heterossexual, sexista e elitista, deste período. Esse
pensamento compreendia as demais formas de erotismo e
sexualidade como aberrações patológicas que deveriam ser
coibidas. Como nos casos da homossexualidade, masturbação
feminina e a sexualidade das classes economicamente
inferiores entendidas como promiscuas.
Ao ligar a teoria de Sigmund Freud da sexualidade á
teoria humanista de Erich Fromm sobre os fatores constituintes
do caráter e da personalidade humana, é possível perceber que
a formação das estruturas de caráter tem a perversão como
parte da constituição e do desenvolvimento humano. Ambos
concordam que os aspectos destrutivos da agressividade
humana são estruturas compostas, com variantes que também
84
possuem componentes das pulsões sexuais. Além das pulsões
de morte, pulsões parciais, entre outras que contribuem para a
formação de determinado caráter e personalidade.
As diferenças entre estes autores estão estabelecidas
sobre a interpretação das pulsões e a contribuição do social e
cultural. Na teoria de Freud, a sexualidade tem uma
importância maior que os fatores sociais para formação do
caráter. Está ligada a constituição da estrutura inconsciente,
que pode ser neurótica, psicótica ou perversa, ligada aos pontos
de fixação e as escolhas objetais, sob a influência da pulsão
sexual. Erich Fromm entende que as estruturas de caráter são
influenciadas pelos pontos de fixações na elaboração do social,
em que a resposta às demandas da existência é rígida,
produzindo os caracteres: receptiva, explorador, acumulador e
mercantil das personalidades Narcísica Maligna ou Necrofilica.
Neste artigo ao discutir a sexualidade no
contemporâneo, será problematizado a perversão do caráter e
da personalidade, na formação das orientações patológicas
discutidas por Erich Fromm. Contribuindo para uma leitura
desexualizada das condutas perversas, compreendendo que a
patologização das condutas sexuais são apoiadas em outras
questões, que fogem a simples nomeação.
Já o caráter perverso, das estruturas de orientação de
caráter, são estruturas patológicas da “patologia da
normalidade” (FROMM, 1992, p.38), que causam sofrimento
psíquico em casos graves. Tanto para o sujeito infringido pela
dita patologia, como naquele que convive com as tentativas de
equilíbrio (Ibidem, 1992), desta personalidade em conflito,
destrutiva e auto libidinizada, ou auto-erotica (FREUD, 1989).
A discussão usará para isso o discurso da “não discriminação e
não preconceito” da orientação da sexualidade. Demonstrando
que a busca pela nomeação da sexualidade, está pautada na
norma da sexualidade normal (heterossexual). Sendo que este
fator causa problemas semânticos na compreensão e no
entendimento da totalidade da constituição humana.
85
Pretendendo, compreender a constituição da
estruturação perversa em Sigmund Freud e Erich Fromm;
Descrever as estruturas de caráter em Erich Fromm;
Problematizar os tipos de instituições e o caráter perverso da
norma; Refletir sobre os discursos da identidade em detrimento
a pessoalidade da sexualidade.
Este artigo usará o método bibliográfico de pesquisa,
usando a técnica de revisão dialética da Psicanálise Humanista
de Erich Fromm, tendo como objeto de estudo a estruturação
das orientações do caráter. Este método trata-se de um estudo
revisional de pontos importantes da teoria da estruturação do
caráter com foco central nas perversões e na sexualidade
compreendida nos discursos contemporâneos, em que, “o
exame da situação humana deve preceder o da personalidade”
(FROMM, 1983, p. 47).

2. FREUD E AS FASES DO DESENVOLVIMENTO


PSICOSSEXUAL.

Freud concluiu que a perversão é o negativo da


Neurose, que em situação de desenvolvimento pleno, em que
os acidentes não formaram um núcleo patológico as perversões
são reprimidas promovendo um estado de sublimação ou
formação reativa.

[...] a disposição para as perversões é a


disposição originária universal da pulsão
sexual humana, e de que a partir dela, em
consequência de modificações orgânicas e
inibições psíquicas no decorrer da
maturação, desenvolve-se o
comportamento sexual normal. (FREUD,
1989, p. 217).

86
O desenvolvimento da sexualidade tem relação com
uma complexa cadeia de acontecimentos, que estão ligadas
diretamente a pulsão sexual, em que as pulsões parciais têm
menor importância, assim como o social e cultural. Os
acidentes seriam os agentes desencadeadores, que em alguns
casos, contribuiriam para que ocorressem tais desvios ou
fixações. Assim, o ponto principal do desenvolvimento da
sexualidade seria a repressão das pulsões sexuais, esta
repressão acarretaria a condição neurótica do indivíduo. A
formação do reprimido seria uma reação orgânica as demandas
da pulsão sexual.

Nas crianças civilizadas, tem-se a


impressão de que a construção desses
diques é obra da educação, e certamente a
educação tem muito a ver com isso. Na
realidade, porém, esse desenvolvimento é
organicamente condicionado e fixado pela
hereditariedade, podendo produzir-se, no
momento oportuno, sem nenhuma ajuda da
educação. Esta fica inteiramente dentro do
âmbito quer lhe compete ao limitar-se a
seguir o que foi organicamente prefixado e
imprimi-lo de maneira um pouco mais
polida e profunda. (FREUD, 1989, p.166).

Em sua leitura apontou para muitas questões


relacionadas ao desenvolvimento infantil. Tratando do tema da
sexualidade como naturalmente contido em todas as etapas do
desenvolvimento humano. Essa compreensão da sexualidade
humana resultou na repulsa por sua teoria da sexualidade
infantil, mesmo com todos os enfrentamentos sua hipótese foi
confirmada e devidamente comprovada.
Ao desenvolver o tema da sexualidade pontuou que as
fases do desenvolvimento pré-genitais são importantes para
87
compreendermos a constituição das estruturas do caráter
sexual. Seus estudos apontam para perversão como “[...] algo
que é universalmente humano e originário.” (Ibidem, p. 179), e
estão ligados ao desenvolvimento pleno.
Estas características podem derivar em estruturações
perversas dependendo dos pontos de fixações ou de desvios
que possam acontecer durante o desenvolvimento. Freud
afirma, que “A crueldade é perfeitamente natural no caráter
infantil, já que a trava que faz a pulsão de dominação deter-se
ante a dor do outro – a capacidade de compadecer-se – tem um
desenvolvimento relativamente tardio.” (Ibidem, 180). Nesse
período do desenvolvimento o ser humano é somente pulsão,
sua hereditariedade é fator preponderante. Não há problema
moral ou ético para o bebê e ao mesmo tempo em que é
também possui o outro. Esse processo narcísico encontra
prazer na resolução direta das pulsões, pela satisfação de suas
necessidades fisiológicas básicas (fome, sono, excreção, etc.).
Assim, “Essas fases da organização sexual são normalmente
atravessada sem dificuldade, revelando-se apenas por alguns
indícios.” (Ibidem, p.185).

A primeira fase dessa organização pré-genital, é


compreendida por Freud como período Canibalistico (1989,
p.186), fase oral, em que existe uma fusão entre as
necessidades fisiológicas do bebê e a libidinização oral.

Nela, a atividade sexual ainda não se


separou da nutrição, nem tampouco se
diferenciaram correntes opostas em seu
interior. O objeto de uma atividade é
também o da outra, e o alvo sexual consiste
na incorporação do objeto – modelo do que
mais tarde irá desempenhar, sob a forma de
identificação, um papel psíquico tão
importante. (FREUD, 1989, p. 186).

88
Os rudimentos dessa fase podem desencadear a fixação
do desenvolvimento acarretando a estruturação psíquica pré-
genital. Freud, aponta o chutar como sendo uma opção libidinal
(pulsão parcial), que perdeu o vínculo com a nutrição,
passando a desempenhar um papel autoerótico. Esse desvio de
função libidinal, fixação oral, poderá incorrer em perversão,
em que a libidinização encontrará satisfação apenas nesse alvo
(zona erotizada), com seu objeto de escolha apropriado.

A segunda fase dessa organização pré-genital trata-se


do controle esfincteriano, em que os intestinos têm participação
importante. Promovendo excitação nervosa, em que, produz
desconforto e ansiedade na infância. Nessa cadeia orgânica está
o reto anal e sua capacidade masturbatória, pelo acumulo de
fezes que proporcionaria estímulo e prazer. Por fim o ânus e
sua cadeia nervosa, que propicia o acionamento das contrações
proporcionando em casos de libidinização fixações ou desvio
da função. Neste caso, “hão de produzir sensações de volúpia
ao lado das sensações dolorosa. Um dos melhores presságios
de excentricidade e nervosismo posteriores é a recusa obstinada
do bebê a esvaziar o intestino ao ser posto no troninho [...]”
(Ibidem, p.174).

Essa fase ficou compreendida como sádico-anal, nesse


sentido a satisfação do prazer está em controlar as fezes.
Controlando as fezes, passa a perceber o controle sobre, não
somente a função do corpo, como o controle externo, do outro,
“A atividade é produzida pela pulsão de dominação através da
musculatura do corpo, e como órgão do alvo sexual passivo o
que se faz valer é, antes de mais nada, a mucosa erógena do
intestino[...]” (Ibidem, p.186). Embora isso, afirma ainda, que
não há nessa fase a escolha pelo objeto, isso se dará
posteriormente, mesmo que neste alvo esteja contido uma

89
função psíquica (Ibidem, p.181), que não tem vínculo com a
função excretora.

Após essa fase pré-genital Freud coloca uma terceira


fase, que é chamada por ele de genital, que é a fase fálica. Em
que o complexo de Édipo é acionado e apenas um tipo genital é
almejado, o falo. Sendo nessa fase que o objeto de desejo é
identificado e após a solução do complexo de Édipo é que a
sexualidade adulta poderá se constituir, na escolha do objeto. A
culminância desse complexo se dá com o medo da castração,
que é o interdito.

A interdição do incesto é uma evidência que permite


com que a criança possa fazer a substituição, quando adulto, do
amor que sente pela mãe, pelo objeto de amor adulto.

Tudo que pude acrescentar à nossa


compreensão dele foi dar ênfase ao fato de
que se trata fundamentalmente de uma
característica infantil, e que revela uma
notável concordância com a vida mental
dos pacientes neuróticos. A psicanálise nos
ensinou que a primeira escolha de objetos
para amar feita por um menino é incestuosa
e que esses são objetos proibidos: a mãe e a
irmã [...] à medida que cresce, ele se liberta
dessa atração incestuosa. (FREUD, 1974,
p.36).

Após este três estágios acontece um período de latência


em que se os fechamentos se deram de forma satisfatórias, a
posição neurótica se estabelecerá, passando a fase do primado
genital da vida adulta.

90
3. A ESTRUTURAÇÃO DAS PERVERSÕES SEXUAIS.

A importância do desenvolvimento normal é


demonstrar que o desenvolvimento pleno só é possível, quando
os incidentes ou acidentes (assim chamado por Freud), não
produzirem um trauma. O estudo da sexualidade contribui para
que possamos desvincular o normal da norma instituída, do que
poderia ser uma patologia clínica e individual, causadora de
sofrimento psíquico.
Ao definir objeto sexual e alvo sexual pode
desmistificar as escolhas da vida sexual. Atribuindo as escolhas
a contribuição da hereditariedade biológica e as contingências,
para a formação dos desvios e fixações. Contudo, levantou
caráter da identificação, como tendo um papel importante na
leitura do objeto sexual e a escolha propriamente dita.

Deve-se admitir também que, na medida


em que o exemplo de um homem que
transgride uma proibição tenta a outro a
fazer o mesmo, a desobediência a
proibições se propaga como um contágio,
da mesma maneira que um tabu se transfere
de uma pessoa para um objeto material e de
um objeto material para outro. (FREUD,
1974, p. 54).

Seus estudos demonstram que a complexidade das fases


ou estágios do desenvolvimento psicossexual é importante para
esta identificação final de objeto e alvo sexual. Comenta que,
“A identificação, na verdade, é ambivalente desde o início;
pode tornar-se expressão de ternura com tanta facilidade
quanto um desejo do afastamento de alguém.” (FREUD, 1976,
p.133). Este fator esclarece que os aspectos meramente
biológicos da leitura do normal da sexualidade, não tem relação
91
definitiva na definição do objeto ou do alvo sexual. Exemplo
desta direção, ou movimento pulsional, está na Efebofilia, que
“[...] o objeto sexual não é do mesmo sexo, mas uma
conjugação dos caracteres femininos e masculinos, como que
um compromisso entre uma moção que anseia pela mulher,
como a condição imprescindível da masculinidade do corpo
[...]” (Ibidem, p. 136).
Ao inferir sobre estes aspectos do comportamento
sexual, permitiu entender os chamados desvios como sendo na
realidade a condução da pulsão sexual e o conjunto das pulsões
parciais. Estando estas sob as influências das contingências, em
que todos os seres humanos estão submetidos. Suas afirmações
a respeito de tais contingências, é que não podem ser
consideradas como definitivas para a compreensão de todas as
organizações da libido sexual. Ainda alerta, “[...] a aparente
certeza assim adquirida chega ao fim através da observação
contrária de que muitas pessoas ficam sujeitas às mesmas
influências sexuais (inclusive na meninice: sedução,
masturbação mutua), sem por isso se tornarem invertidas [...]”
(FREUD, 1989, p. 132).
Sendo assim, Freud conceitua objeto sexual como: “[...]
a pessoa de quem provém a atração sexual [...]” (Ibidem,
p.127). Portanto de uma composição entre as forças psíquicas e
a dinâmica dos eventos hereditários que se corporificam na
formação do objeto de desejo. Esta constituição está sob a
influência da elaboração da pulsão sexual e das pulsões
parciais, modeladas na resolução do conflito do complexo de
Édipo. Esclarecendo, ainda que tais fatores podem ser
catalizadores da inversão, ou seja,

[...] cabe perguntar se as múltiplas


influências acidentais bastariam para
explicar a aquisição da inversão, sem
necessidade de que algo no individuo fosse
ao encontro delas. A negação deste último

92
fator, segundo nossas colocações
anteriores, é inadmissível. (FREUD, 1989,
132).

Concluindo que o caráter inato e adquirido é


correlacionais, retirando a importância meramente biológica da
direção da pulsão sexual. Compreende que existem variações
de invertidos que são definidos em categorias primárias pela
escolha do objeto e pela consequente escolha do alvo de sua
sexualidade.
Definindo alvo sexual, como sendo “a ação para a qual
a pulsão impele” (Ibidem, p. 127), ou seja, a direção do
movimento pulsional em que vai encontrar a satisfação do
desejo. Sendo que o alvo sexual seria o estimulo de
determinada zona erógena em que a estimulação traria o prazer
imediato. Tendo como “normal a união dos genitais no ato
designado como coito, leva à descarga da tensão sexual e à
extinção temporária da pulsão sexual (uma satisfação análoga à
saciação da fome)” (Ibidem, p.140).
A perversão segundo Freud se daria quando o objeto
sexual e o alvo sexual estão em acordo com os desvios e
fixações causado pelas inversões que em casos extremos
podem gerar satisfações somente através das tais aberrações da
sexualidade. Desta forma, seriam, “[...] (a) transgressões,
anatômicas quanto às regiões do corpo destinadas à união
sexual, (b) demoras nas relações intermediárias com o objeto
sexual, que normalmente seriam atravessadas com rapidez a
caminho do alvo sexual final.” (Ibidem, p.140).
As inversões então seriam parte da constituição das
perversões, em cada inversão constituiria em uma determinada
perversão sexual. Existindo três tipos de inversões: os
invertidos absolutos (discussão sobre a homossexualidade e o
homo erotismo), os anfígenos (hermafroditas sexuais, nessa
categoria Freud discute a bissexualidade) e os ocasionais (que
seriam os soldados na guerra, presidiários, entre outros,
93
determinadas pela situação da falta do objeto sexual
apropriado).
As perversões estariam determinadas, perante as
variáveis de constituição do objeto, definição de alvo,
estimulação e dependência acidentais e das demais
contingências biológicas e pulsionais. Sendo que, a pulsão
sexual e escolha do objeto, não estão ligadas, estas ligações
entre objeto, alvo e pulsão se darão somente no primado
genital.

A experiência obtida nos casos


considerados anormais nos ensina que,
neles, há entre a pulsão sexual e o objeto
sexual apenas uma solda, que corríamos o
risco de não ver em consequência da
uniformidade do quadro normal, em que
pulsão parece trazer consigo o objeto[...] É
provável que, de início, a pulsão sexual
seja independente de seu objeto, e
tampouco deve ela sua origem aos encantos
deste. (Ibidem, p. 139)

Entre as inversões apresentadas na teoria da


sexualidade, estão aquelas em que os objetos de escolha são
ocasionais. Neste caso temos fixações pré-genitais, ocorrendo
um desvio, que encontra satisfação em objetos externos que
figuram como aberrações. Neste caso teríamos a constituição
das perversões: Zoofilia, Pedofilia e Efebofilia.
Outras perversões por desvio seria a supervalorização,
que o alvo seria motivado pelas pulsões parciais e o prazer
estaria: no toque, no beijo e em todas as partes do corpo, menos
na genitália. A respeito disso comenta que, “[...] é essa
supervalorização sexual que não suporta bem a restrição do
alvo sexual à união dos órgãos genitais propriamente ditos e
que contribui para elevar as atividades ligadas a outras partes
do corpo à condição de alvos sexuais.” (Ibidem, p.141).
94
Além desta, seria o uso da boca e dos lábios, no ato de
felação (sexo oral na genitália masculina) e cunilíngua (sexo
oral na genitália feminina). Seu estudo aponta para uma
perversão, porém, faz uma ressalva, que tais aversões seriam
meramente convenções das normatizações. Já que amantes
teriam asco em usar um à escova do outro, porém não teriam
problema em beijar-se.
Dentre as perversões estão aquelas que são
compreendidas como impróprias, como o fetichismo.
Entendida como sendo um desvio pela apresentação
inadequada pela antecipação da vida sexual. Havendo uma
renúncia do alvo sexual, substituindo o objeto sexual, por outro
que não o apropriado a fim de suplantar o desejo sexual. Está
transgressão teria, “Como condição acidental a psicanálise
apontou o amedrontamento sexual precoce, que desvia do alvo
sexual normal e incita a sua substituição” (Ibidem, p.144).
O sadismo e o masoquismo são perversões que possuem
um aspecto central na ambivalência verificado pelo autor. A
respeito disso afirma que não seriam pares de opostos. Tendo
em vista, que “é frequente se reconhecer que o masoquismo
não é outra coisa senão uma continuação do sadismo que se
volta contra a própria pessoa, que com isso assume, para
começar, lugar do objeto sexual” (Ibidem, p.149). Sua origem
seria discreta como sendo uma fixação, na fase anal, em que, “a
análise clínica dos casos extremos de perversão masoquista
mostra a colaboração de uma ampla série de fatores (como o
complexo de castração e a consciência de culpa) no exagero e
fixação da atitude sexual passiva originária.” (Ibidem, p.149).
Entre as perversões presentes no período que
compreende ao complexo de Édipo está a escopofilia, tratando-
se do prazer de ver, ligado ao querer saber. Está ligada a
castração e a curiosidade infantil de observar as genitálias dos
adultos ou de outras crianças da mesma idade. A escopofilia
diferencia-se do voyeurismo, pelo fato de que o observado
(exibicionismo) sabe que está sendo visto. O que no
95
voyeurismo, não ocorre, sua particularidade está em ver sem
ser visto. Esta perversão pode ser percebida desde o período
pré-genital, “[...] tais crianças tornam-se voyeurs, zelosos
espectadores da micção e da defecação de outrem [...]”
(Ibidem, p. 180).
O exibicionismo consiste em ser visto, neste caso existe
uma necessidade premente, que substitui o ato sexual genital.
Esta fixação é entendida como sendo uma das resoluções da
fase fálica, “A criança pequena é, antes de qualquer coisa,
desprovida de vergonha, e em certos períodos de seus
primeiros anos mostra uma satisfação inequívoca no
desnudamento do corpo, com ênfase especial nas partes
sexuais” (Ibidem, p.179). É importante salientar que estas
perversões, embora tenham sua culminância na fase fálica, seus
vestígios estão presentes, desde as fases pré-genitais. Indicando
que a pulsão sexual é desvinculada das pulsões parciais e estas
da escolha pelo objeto e o alvo sexual, embora se relacionem
entre si, como dito anteriormente.

4. AS PERVERSÕES E AS ESTRUTURAS
DE CARÁTER EM ERICH FROMM.

Diferente de Freud, Fromm desloca o problema do


reprimido da sexualidade para outro foco, o do social e da
cultura. Sua crítica à teoria freudiana é uma releitura sobre
pontos chaves da psicanálise que é a estruturação do
inconsciente e a organização da libido na resolução do
complexo e Édipo.
Sua leitura traz para sua época, a leitura sobre o
humano imerso na cultura social do consumo e do
mercantilismo. Problematizando o inatismo da constituição da
personalidade e das orientações de caráter. A personalidade

96
para Fromm se dá dentro da estrutura familiar, e corresponde
ao reservatório das relações estabelecidas neste núcleo social.
Ao reler Freud não deixa de reconhecer as facetas
sócias e culturais de sua teoria. Como também não se deixa
seduzir pelo Behaviorismo, que tinha como premissa a
modificação pelo ambiente do inato. Este fator se torna
importante para formar a base de sua teoria humanista. Pois
desloca da natureza animal biológica, para uma natureza
animal humana que está em permanente reflexão com a
existência, resolvendo as questões complexas de sua
experiência com a vida.
Seus pressupostos diferenciam o animal humano do
restante, pelas metas de transcendência das próprias
capacidades do humano. Estas capacidades estão também a de
ter a condição de expandir a autorreflexão a ponto de estar
consciente de sua natureza humana social, que é correlacional a
natureza em que está incluído. Afirma ele que, “A meta da vida
humana, portanto, deve ser entendida como expansão de seus
poderes segundo as leis de sua natureza” (FROMM, n/d, p. 30).
Compreendeu, portanto, o humano como dialético:
cultura/cultura e meio social natureza/meio social
humano/natureza humana1.

Recordemos que a agressão maligna e


especificamente humana e não se origina
nos instintos animais. Não serve para
sobrevivência fisiológica do homem e sem
duvida e uma parte importante de seu
funcionamento mental. Esta é uma das
paixões dominantes poderosas em algumas

1
Não será problematizada aqui a hipótese de Natureza Humana, como
criação humana ou essência, tendo em vista neste artigo a construção social
desta natureza, já que como espécie o humano é e sempre será um animal
natural incluído na natureza, mesmo que não se pense desta forma, que se
diversifica pela condição simbólica altamente desenvolvida e a capacidade
de formar associações complexas, como a própria cultura e sociedade.
97
pessoas e culturas, mas não em outros.
(FROMM, 1986, p. 223).

Para isso propõe uma ética baseada em pressupostos


humanistas, que conduzam o humano a estabelecer princípios
da afirmação da vida, desenvolvimento dos potencias humanos
(capacidades), sua responsabilidade na existência, com isso o
poder de viver a liberdade.
Mesmo sabendo da importância das experiências
infantis, preferiu imprimir sua análise do humano adulto. Essa
questão teórica é defendida por Fromm por ter como meta
desvendar a personalidade formada, já que para ele, Freud se
deteve em fazer a análise das questões infantis e recalcadas.
Sendo que personalidade é “[...] a totalidade de
qualidades psíquicas herdadas e adquiridas que caracterizaram
um indivíduo e o tornam original.” (FROMM, S/D, p. 56),
dividindo a personalidade entre as formações inatas do
temperamento e a orientação do caráter social, diferenciando-
os. O primeiro se tratava de uma condição inata e ou outro
constituído ao longo da vida através das experiências. Em que,
temperamento era a maneira pelo qual o sujeito respondia a
determinado evento. Para exemplificar isso trouxe a teorização
de Hipócrates sobre o temperamento que seriam quatro: o
colérico, o sanguíneo, o melancólico e o fleumático.
O caráter para Fromm seria uma estrutura que poderia
variar de acordo com a pessoalidade de cada um. O
temperamento neste caso seria o propulsor da ação, mas a
resposta seria de acordo com a orientação do caráter. A
conjunção entre temperamento e caráter seria a resposta, que
determinaria a personalidade no momento da reação, ou seja,

O comportamento corajoso pode ser


motivado pela ambição, de modo que a
pessoa arriscará sua vida em certas
98
situações com o objetivo de satisfazer sua
ânsia de ser admirada; pode ser motivado
por impulsos suicidas que impelem a
pessoa a procurar o perigo porque,
consciente ou inconscientemente, ela não
dá valor à própria vida e quer destruir-se;
pode ser motivado por falta de imaginação,
de maneira que age corajosamente por não
ter consciência do perigo que a espera [...]
(Ibidem, p.60).

Este conflito explica a estruturação do caráter, em que o


caráter perverso não consta como uma estruturação, mas sim
faz parte da formação. A perversão se inter-relaciona dentro
das estruturas de caráter, compreendida como separado da
sexualidade perversa.
Neste sentido Fromm adianta que a dificuldade
encontrada para a vivência da sexualidade está ligada a
superficialidade das relações humanas e o medo de viver o
amor de forma plena. Este fator é considerado por ele como
uma conduta impulsionada pela revolução sexual, em que a
sociedade de consumo transformou o sexo em objeto de
consumo. Esta promoção da sexualidade como fonte de prazer,
ou gozo, a ser considerada fonte consumo de objetos de prazer,
fez da relação sexual mais um fetiche entre tantos outros.
Sendo que o sexo em si, perdeu a validade em si mesmo,
passando a ser um produto a ser consumido.
A relação entre objeto sexual e o alvo sexual, perdeu o
sentido na relação objetiva entre as pessoas envolvidas
diretamente, na sociedade de consumo. Havendo o
esvaziamento das relações entre pessoas, no envolvimento com
a sexualidade total e o prazer derivado deste movimento. As
relações entre as pessoas e a própria sexualidade, sofreram um
desvio, implicando na estruturação do caráter, como explica
Fromm,

99
O consumo sexual partilha a qualidade de
todo consumo: é superficial, impessoal,
sem paixão, ousado-passivo-dotado de
crescimento fisiológico. A diferença é que
tem vantagem de ser praticamente grátis e
de não se desinteressar da capacidade de
trabalho. Dá prazer e ajuda as pessoas a
esquecerem das preocupações e as dores de
suas vidas diárias. (1992, p.112)

Transformado em adição, passou a ser conduzidas por


uma imagem de consumo. Em uma das versões seria a relação
escopofílica e exibicionista com o desaparecimento do objeto
real e a relação com um objeto fantasia. Havendo a necessidade
de outro da relação, ou o escopofílico, que queira ver e saber,
sentido prazer e por fim o gozo pela experiência do outro.
Existindo nessa complexa rede perversa o caráter exibicionista
da pessoa esvaziada, fantasia estabelecida na relação.
Afirma ainda,

Não importa o que se consome; pode ser


alimento, bebida, TV, livros, cigarros,
pintura, musica, ou sexo. O mundo, na sua
opulência, é transformado em um objeto de
consumo. Suga-se passiva e vorazmente o
objeto de seu consumo, embora, ao mesmo
tempo, esteja sendo sugado por ele. Os
objetos de consumo perdem suas
qualidades concretas porque, não são
procurados pelas faculdades humanas
especificas e reais, mas, por um esforço
poderoso: a voracidade de ter e usar.
(Ibidem, p. 111).

O caráter se constitui sob os valores de ter mais,


consumir mais, que experiência emoções torna-se pessoa

100
humana. Os valores intrínsecos do caráter são ascensão em si-
mesma, a conquista em si-mesma, mais que a objetivação
produtiva derivada da ascensão e da conquista. O produzir liga-
se ao consumo e as metas de venda do produto, que são
fomentados, pela competição. Êxito produtivo é a voracidade e
a impetuosidade, que são ligadas ao favorecimento do
consumo, mais que a própria produção de algo real, objetivo e
fecundo.
Essa concepção do caráter Fromm chama de concepção
dinâmica do caráter, que são as orientações improdutivas, tais
como: receptiva, exploradora, acumulativa, mercantil. Que
embora, tenham aspectos negativos, ainda assim, podem ser
benéficas em alguns casos. As orientações de caráter variam de
acordo com as necessidades de resolução das questões
apresentadas pela vida e o limiar de interpretação de cada
questão.
Caráter de Orientação receptiva: tem como base
fundamental buscar fora de si à resolução para as demandas de
sua vida. Acreditam que a resolução de suas questões está em
um agente exterior que provem todas as suas necessidades.
Esta orientação de caráter permanentemente credita todas as
suas forças em receber: amor, bens materiais, informações,
afeição, conhecimento, prazer, etc. Não produz, apenas usa o
que vem da produção de outrem, dependendo do apoio em
coisas básicas. Fromm afirma, que “[...] estão sempre em busca
de um “auxiliar mágico”. Revelam uma espécie particular de
lealdade, no fundo da qual há a gratidão pela mão que as
sustenta e o medo de algum dia perdê-la.” (N/D, 66). Este fator
apresenta o nível de desamparo e insegurança constituída pela
pessoa ao longo da vida “[...] tornam-se ansiosas e muito
perturbadas quando sua “fonte de sofrimento” é ameaçada.”
(Ibidem, p.66).
Caráter de Orientação Exploradora: Assim, como a
orientação anterior, esta orientação tem foco centrado no
externo, não produz e tem como objetivo garantir que a fonte
101
esteja sempre à disposição, porém, não espera receber, mas
“tomá-las por meio da força ou da astúcia. Essa orientação
estende-se a todos os campos de atividade” (Ibidem, p.67).
Dominadora, é uma orientação, que pretende conservar-se pela
reprodução de ideias, pensamentos, bens materiais, objetos, ou
tudo que outro tenha ou produza. A inveja é o sentimento, que
mais se aproxima dessa inclinação de caráter, mesmo
possuindo inteligência, oportunidade, bens materiais, ainda
sim, tende a querer aquilo que é de outrem.
Possui conduta tendenciosa, “parece ser simbolizada
pela boca sarcástica, que comumente é um aspecto
predominante [...] Não é mero jogo de palavra dizer que elas
amiúde fazem comentários “sarcásticos” sobre outros. Sua
atitude é matizada por uma mescla de hostilidade e
manipulação.” (Ibidem, p. 67). Esta orientação, também
apresenta um traço forte, como a anterior, que é a baixa
autoestima, em que a confiança em si é débil, necessitando
possuir o que é do outro para se autoafirmar, já que o que
possui não tem valor.
Caráter de Orientação Acumulativa: o objetivo
central é acumular indiscriminadamente, sentindo a
necessidade de proteger suas aquisições. Suas tendências
voltam-se para o passado, tendo nas lembranças uma posse
pela acumulação. Desprender-se de algo é sempre penoso e que
tem um custo alto, já que também seria deixar uma parte
importante ir embora. Não se comunicam com o externo com a
mesma facilidade com que as anteriores, pois, sentem a
necessidade de resguardarem-se poupando o máximo possível
de gestos, energia, expressões, etc.
É uma pessoa obsessiva na organização dos objetos
externos, embora a dificuldade em comunicar-se, necessita de
organização e permanência, “[...] o mundo exterior ameaça
irromper em sua posição fortificada; ser organizado implica em
dominar o mundo de fora, pondo-o e mantendo-o no lugar
adequado, a fim de impedir o perigo da intromissão.” (Ibidem,
102
p.68). Sua conduta é sempre a permanência dos estados das
coisas, organização a fim de conseguir perceber a
imutabilidade, e assim, a continuidade. Este saudosismo, não se
trata de valorização do conquistado, mas o não desprender-se,
ou a possessão por si-mesma dos objetos de desejo.
Caráter de Orientação Mercantil: de todas as
orientações esta é aquela que transfigura a pessoa em objeto de
valor monetário, expressando não somente o valor em si, pela
representação de outrem. Mas da própria representação de si-
mesmo, a partir dos valores da norma mercantil, ou de
mercado. A reificação do sujeito, neste caso, “[...] tem raízes na
impressão de que se é também “mercadoria” e do valor pessoal
de cada um como um valor de troca [...] Empregados de
escritório e vendedores, diretores de empresas e médicos,
advogados e artistas todos aparecem nesse mercado [...]”
(Ibidem, p.70). No raciocínio da orientação mercantil, a mais
valia não trata-se do potencial criativo, mas do potencial
gerador de lucro e eficiência, em que as ligações e relações são
fomentadas pela lucratividade. O sucesso para esse caráter
depende efetivamente dos atrativos principais de um produto,
que seriam,

[...] quão bem a pessoa sabe vender-se no


mercado, de quão bem sabe fazer sua
personalidade impressionar o público, e
quão bem “acondicionada” sabe
apresentar-se; do fato de ela ser “jovial”,
“correta”, “agressiva”, “digna de
confiança”, “ambiciosa”; além disso, de
quais são seus antecedentes familiares, a
que clube pertence e se conhece as pessoas
“convenientes”. (Ibidem, p. 71).

A ética é entendida como corporativismo, a


personalidade é substituída pela personalização e o mercado é

103
que garante os tipos de personas em que se vão apostar. Esta
personalização é feita de maneira clara e formal, pela educação
escolar e incentivada pela família, em que ter é sempre mais
importante que ser.

Quadro das orientações improdutivas:

Assimilação Socialização
a) Receber.....................................Masoquista
Simbiose
(aceitar) (lealdade)
b) Explorar.......................................... Sádica
(tomar)
(autoridade)
c) Acumular.................................. Destrutiva
(conservar) (autoafirmação) Afastamento
d) Mercadoria................................Indiferente
(permutar)
(imparcialidade)

(FROMM, N/D, p. 103)

Estas estruturas não são rígidas podendo ser compostas,


porém, sempre haverá uma que irá sobressai-se sobre as
demais.

Assim como designou as estruturações negativas do


caráter também caracterizou as estruturações positivas do
caráter, chamando-as de orientações produtivas, “[...] que é o
objetivo do desenvolvimento humano e, desenvolvido que é o
objetivo do desenvolvimento humano e, simultaneamente, o
ideal da ética humanista.” (Ibidem, p.81).

Caráter de Orientação Produtiva: Fromm afirma, que


produtividade, “[...] significa que ele se experimenta a si
104
mesmo como a corporificação de suas e como “ator”, que se
sente unido a suas forças e, ao mesmo tempo, que estas não
estão escondidas e alienadas dele.” (Ibidem, p.82). A
orientação produtiva culmina pelo saber, pelo amor e pela
criatividade, que além da atividade sente e faz de si mesmo
instrumento de criação, recriação e transformação. Produzir no
sentido, que Erich Fromm aponta está vinculado à superação
das fases pré-genitais, fazendo analogia com a sexualidade
seria o próprio fato de criar algo original através do encontro
genital.

Por outro lado, aponta para a responsabilização, como


resposta de amor, não somente erótico, mas como amor a vida
e ao potencial criativo (fertilidade). Em que o saber é aliado do
amor, e que o não saber se alia a paixão, esta que promove a
alienação, embora salutar em alguns casos. Produtividade não
está somente relacionada ao que é novo, mas ao que é original,
sendo a criação da vida uma analogia perfeita da criatividade.
Observa que,

A mutilação da atividade produtiva dá


lugar seja à inatividade, seja à atividade
excessiva. No individuo neurótico,
encontramos amiúde a incapacidade de
trabalhar como seu sintoma principal; na
chamada pessoa ajustada, a incapacidade
de desfrutar o ócio e o repouso. (Ibidem,
p.100).

Sendo que a atividade produtiva é aquela que promove


a vida e o amor em estar vivo. De maneira que este fator só
pode se apresentar pelo equilíbrio que deriva do trabalho como
meio e não como fim em si mesmo.

105
5. PERSONALIDADE NARCÍSICA MALIGNA
E PERSONALIDADE NECROFILIA.

Personalidade Narcísica Maligna: A estruturação da


personalidade dependerá dos fatores ditos anteriormente, que
as variações entre as estruturas de caráter e o equilíbrio em que
cada uma se constituirá. Em combinações que reúnam os
caracteres principais das orientações receptivas mais
exploradoras, em conjunto com as orientações acumuladoras,
em que formará uma personalidade altamente destrutiva. Está
composição personificará uma estrutura Narcísica Maligna,
que tem como princípio a egocentrismo narcísico, não produz
apenas explora.
Não busca criar nada novo, apenas espera pela
oportunidade de receber, caso não receba toma pra si através da
exploração dos mais variados meios. Seu objetivo não é o
objeto, mas ligar-se ao mundo através da acumulação. Seu
medo da vida proporciona angustia e sofrimento, fazendo com
que volte-se para si mesmo, sua percepção não é de destruição
em si, já que o medo é algo persistente, mas da
autopreservação a todo custo, contudo matará ou destruirá para
que isso ocorra.
Personalidade Necrofílica: A necessidade Necrofílica
tem na acumulação sua principal característica, unida
perfeitamente com a orientação exploradora. A orientação
receptiva se encontra em simbiose, com as demais, já que a
acumulação e exploração demandam das coisas sem utilidades
práticas e da posse pela força. Em que, a primeira se trata do
acumulo de coisas mortas, como as fezes, a podridão e a morte,
sendo este seu prazer. A segunda em tomar a qualquer preço,
seja pela conquista narcísica da sedução, seja pela força, que
em caso extremo pela aproximação com a morte, será pela
106
destrutividade. Esta personalidade tem a orientação receptiva
que reforça o caráter de orientação explorador, mas o que mais
se sobressai é o aspecto da acumulação, que neste caso
pretende dominar a todo custo. O narcisismo presente nessa
personalidade está a serviço da acumulação e a acumulação,
necessita irreversivelmente de explorar não pela conquista
sedutora, mas pela dominação autoritária. A Necrofilia trata-se,
portanto de.

[...] A atração apaixonada por tudo que é


morto, corrompido, podre e doente; é uma
paixão que transforma a pessoa em algo
que não é vivo, de destruir por destruir, e
seu interesse exclusivo por tudo o que é
puramente mecânico. Esta é a paixão de
destruir as estruturas vivas. (Fromm, 1986
p. 330).

Ponto importante na leitura da constituição das


instituições e das normatizações na atualidade, já que as
relações primárias sofreram um abalo derivado da
autonomização.

6. AS INSTITUIÇÕES E O CARÁTER
PERVERSO DA NORMA.

Esta, pois, suficientemente esclarecido que


virtude moral é um meio termo, e, em que
sentido devemos entender esta expressão; e
que é um meio termo entre dois vícios, um
dos quais envolve excesso e outro
deficiência, e isso porque a sua natureza é
visar à mediania nas paixões e nos atos.
(ARISTÓTELES, p.77)
107
A instituição é a criação de normas que enquadram
critérios específicos, que resultam em leis, sejam elas:
científicas, sociais, religiosas, morais, ou éticas. Estabelece o
que é necessário para que algo seja aceito como bom, usual,
válido, aceitável. Ao instituir a norma, a premissa proposta não
é mais regida por valores externos, mas valores internos
criados dentro de um sistema de julgamento moral e ético.
Temos assim, a criação de normas, que é a representação de
determinada organização cabendo somente a ela a escolha do
que é sano e insano, bom e mau, o reto e o curvo, o certo e o
errado.
Entre as organizações que mais produziram leis, temos
as religiosas, instituições estas, que interferem diretamente nas
demais instituições. Assim, a ética está em cumprir as regras
pré-determinadas, que geralmente são estabelecidas, por um
ente superior, invisível, onipotente, controlador e vingativo.

Isto é mais que “crença” neste


relacionamento. Existe também um laço
afetivo intenso com este “auxiliar mágico”.
Muitas vezes ele é descrito como
“reverencia” ou “amor” ou não lhe é dado
qualquer nome específico. Assemelha-se à
vinculação da criança com a mãe e o pai,
ao ser essencialmente passiva esperançosa
e confiante. (FROMM, 1992, p. 64).

As influências diretas a estas instituições e normas, pela


organização religiosa, interfere decisivamente na maneira de
ser das pessoas. Além disso, interfere nas pesquisas científicas,
na educação escolar e na normatização de leis. Constituindo a
desvinculação entre o real necessário, para o desenvolvimento
pleno da natureza humana e da normatização efetiva. Esse fator
promove a docilização, tornando as pessoas obedientes as

108
normas sem serem capazes de questiona-las. Criando um
inconsciente social, de ajustamento à norma,

Pode-se ajustar-se quase que a quaisquer


padrões culturais, mas, na medida em que
estes se opuserem à sua natureza, nele se
produzirão distúrbios mentais e emocionais
que acabarão obrigando-o a modificar
aquelas condições, já que não pode
modificar sua natureza. (FROMM, N/D,
p.32).

Essas impossibilidades do humano se mostrar em toda


sua potencialidade fez com que fossem criados padrões e
normas a serem seguidos rigidamente. O importante neste caso
não foi estabelecer o bem comum das alteridades possíveis,
mas resolver a equação, sem ferir as normas instituídas por este
inconsciente social. O resultado alcançado foi a constituição de
uma nova cadeia de significação, cientificamente correta, que
pudesse explicar estas alteridades. Agora percebidas pela
naturalização das condutas através de uma nova normatização
das escolhas sexuais, fora das estruturas perversas.
A aparente rebeldia científica em romper com os
padrões normativos das organizações religiosas produziu um
discurso científico, em que toda a sexualidade é regida por
individualidade idiossincrática. Embora, tenha como regra os
fatores anatômicos dos sexos masculino e feminino como base.
Esse discurso toma corpo nos casos das escolhas de recém-
nascidos intersexuais, que é escolhido uma das formas
anatômicas. Escolha esta que é feita levando em consideração
os aspectos morfológicos, de escolha dos pais e de indicação
médica2.
2
Exemplo disto pode ser encontrado no documentário da National
Geografic Channel, “Mistérios da Sexualidade”. Como também em Michael
Foucault História da Sexualidade I e II (1998).
109
O que é levado em consideração nestes casos são
fatores éticos e sérios, além de várias especialidades diferentes,
que variam da saúde mental as diversas áreas médicas. Porém,
o aspecto geral da constituição normativa do sexo masculino e
do sexo feminino, parece ter maior valor. Já que o que se
objetiva é a adequação normativa em um dos sexos e não pela
busca de um gênero, que pode variar de acordo com as relações
constitucionais desta alteridade.

[...] o “inconsciente social” é tão


rigidamente prevenido contra o
enriquecimento da consciência que o
recalcamento de certos impulsos e ideias
tem uma função muito real e importante
para o funcionamento da sociedade e, em
consequência, todo o aparato cultural serve
ao propósito de conservar intacto o
inconsciente social. (FROMM, 1992, p.80).

Outro exemplo em que a instituição de normas rígidas,


está na legislação de problemas reais em detrimento a
normatização das organizações religiosas. São nos casos de
recém-nascidos anencefálicos, e a possibilidade ou não de
interromper a gestação pela escolha do casal. Neste caso a
impossibilidade de sobrevida é uma observação levada em
consideração pelos médicos, para a escolha pela interrupção da
gestação. O problema ético estaria resolvido, senão fosse o
problema da norma religiosa de somente Deus poder legislar
sobre a vida e a morte. A ética neste caso passa a ser aquela
que rege a vida, mas não de forma concreta. Já que os prejuízos
psíquicos serão consideráveis por vários fatores e um deles
pelo fato de não ser possível projetar nada além da morte.
As instituições e normas científicas ou religiosas
acabam por promover discursos que vão de encontro com a
natureza humana, esboçada por Fromm. Embora, o máximo
110
que consiga é adequar os valores, já instituídos a respostas pré-
estabelecidas. Este caráter ético da norma padroniza todos os
sistemas por uma norma de iguais, que é a classe detentora de
poder instituído, que pode ser a classe burguesa, a classe
média, o proletariado, a classe trabalhadora, ou outra
denominação de classe. O importante que ao nomear um
padrão como norma, institui outros como anormais, ou fora da
norma, criando categorias de perverso.
Nessa busca por resposta a consequência foi a criação
do discurso da não discriminação e do não preconceito. Este
discurso inclinou-se a compreender as novas formas de
designação de gênero como categorias ampliadas da
sexualidade e da vida sexual normal. Com isso as nomeações:
homossexual, bissexual, transexual, intersexual, pansexual,
hermafroditismo, entre outras, deixa transparecer a dificuldade
da aceitação de condutas e comportamentos diferenciados.
Se por um lado, estas novas categorias, ampliam o
limiar de compreensão do humano em sua sexualidade.
Também, propõem a discussão da importância e da relevância
da categorização do indivíduo. Instituindo o normal da norma,
e as relações heterossexuais como premissa de nomeação
destas outras categorias normas. Esse pensamento
especializado de compreensão do humano traduzem as
condutas e os comportamentos como perversão da totalidade
humana. Pois, “Se o observador isolar um aspecto do objeto
sem ver o conjunto, não entenderá convenientemente nem
sequer o único aspecto que estiver estudando.” (FROMM, N/D,
p. 98). O que para a psicanálise não pode ser conclusivo ou ser
definida enquanto não se tenha material suficiente do conjunto
idiossincrático da vivência e da experiência da pessoa.
Temos assim, um panorama da perversão não somente
da orientação do caráter das instituições. Como a instituição
normativa das personalidades narcísica maligna e Necrofílica.
Já que o esvaziamento das relações humanas proporciona a
estruturação do caráter de orientação: exploradoras,
111
acumuladoras e mercantis que estão em ascendência em
detrimento ao caráter de orientações produtivas, em que
somente os aspectos negativos do caráter de orientação
receptivo têm a preferência.
Assim, aos aceitarmos a norma estamos aceitando a
ética de uma normalidade já definida. Estabelecendo a ética da
instituição perversa, que segundo Freud, seria a estruturação de
uma personalidade pré-genital, anal-sádica, controladora, já
para Fromm seria uma personalidade Necrofílica e altamente
destrutiva. As capacidades humanas não seriam a de produção
e criatividade, mas de destruição e docilização, ou o
esvaziamento das capacidades humanas do amor e criação da
vida.

112
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Os Pensadores. São


Paulo: Nova Cultural, 1996.

FREUD, Sigmund. FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. In:


FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v. 13. Rio de Janeiro: Imago,
1974.

________. (1920-1922). Além do princípio do prazer. In:


FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v. 18. Rio de Janeiro: Imago,
1976.

________. (1901-1905). Três ensaios sobre a sexualidade. In:


FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v. 7. Rio de Janeiro: Imago,
1989.

FROMM, Erich. A descoberta do inconsciente social:


contribuição ao redirecionamento da psicanálise. São Paulo:
Manole, 1992.

___________. Anatomia de la destrutividad humana.


Madrid: Siglo veinteuno, 1986.

___________. Medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

___________. Análise do Homem. São Paulo: Círculo do


Livro, S/D.

113
CONHECER E COMPREENDER A ESQUIZOFRENIA

Greice Rachel Lemes Michel

“Eu fiz a descoberta mais importante da minha carreira, a mais


importante da minha vida: É somente nas misteriosas equações do
amor que qualquer lógica ou razão pode ser encontrada”.
John Nash-matemático, portador de esquizofrenia que inspirou o
filme Mente Brilhante.

Resumo: O tema esquizofrenia não é uma tarefa fácil de ser


apresentada, não só por sua complexidade, mas porque na
medida em que se adentra ao seu conteúdo é possível perceber
a falta de informação, o medo e o preconceito que envolve os
portadores deste transtorno. O que busco é não só abordar a
visão estereotipada do esquizofrênico, mas mostrar que a
psicanálise tem elementos e técnicas que podem auxiliar estas
pessoas na recuperação e a voltar ao convívio digno junto as
suas famílias e sociedade, tornando-se produtivos e
desenvolvendo suas potencialidades. Este trabalho será
desenvolvido dentro de uma abordagem psiquiátrica pela
necessidade de informações clínicas básicas que contribuam
para o reconhecimento da doença e com base na clínica
psicanalítica utilizada no tratamento de pacientes
esquizofrênicos; não deixando de observar que a psicanálise de
hoje já não é e não poderia ser a mesma dos primórdios de sua
fundação.

Palavras-Chave: Esquizofrenia; Psicanálise; Clínica


psicanalítica; Psicose.

114
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Digamos que ao acordar amanhã, você


encontre a lado da cama um homem de
pele púrpura e escamada lhe dizendo que
acabou de chegar de Marte, está estudando
a espécie humana e selecionou sua mente
para o tipo de exame que quer fazer
naquele planeta. Enquanto você retém a
respiração, ele calmamente se dirige à sua
poltrona predileta, onde dispõe a cauda, e
lhe informa que só poderá ser visto e
ouvido por você. Fixando os três olhos em
você com severidade, ele o adverte de que
não revele sua presença; se tentar fazê-lo –
ele ameaça – irá matá-lo instantaneamente.
(O’BRIAN, 1958, p.5).

Alucinações, delírios, conversas e visões com seres


imaginários. Acreditar que o imaginário é o real. Este é o
mundo de uma pessoa que sofre de esquizofrenia. Ainda hoje,
apesar dos avanços significativos no tratamento desta doença, o
estigma e o preconceito da sociedade ainda se fazem presentes.

Em se tratando de patologias existe a necessidade


urgente de desmistificar a ideia pré-concebida de doença
degenerativa que rotula o portador de esquizofrenia, pois
culturalmente representa o estereótipo de “louco”, incapaz
intelectualmente e de viver integrado à família e à sociedade. A
pessoa acometida por esta doença não tem que enfrentar apenas
os transtornos ocasionados pela doença, mas também a
marginalização pela falta de conhecimentos e informações que
este rótulo traz.

115
2. BREVE HISTÓRICO

A base para a compreensão da esquizofrenia como


doença deve-se inicialmente aos estudos do psiquiatra alemão
Emil Kraepelin que em 1896, no seu Tratado das Doenças
Mentais denominou-a Demência Precoce. Esta terminologia foi
fundamentada pelos sinais de demência relativamente precoce
verificada nos portadores da doença, jovens em sua maior parte
apresentando um comportamento regredido e desordenado que
lembrava a demência.
Alguns anos depois, no início do século XX, o
psiquiatra suíço Eugen Bleuler nomeou o termo esquizofrenia
(Skizo=cisão e Phrenos=mente) por considerar o termo anterior
inadequado e confuso se associado com a demência do idoso.
Para Breuler esta doença era um processo de desintegração da
capacidade associativa, a dissociação entre o pensamento, a
emoção e o comportamento. Seu respeitável aporte foi a
introdução de uma hierarquia de sintomas denominadas
sintomas primários (perturbações do afeto, da associação e da
volição) e sintomas secundários (delírios, alucinações,
negativismo e estupor).
Kurt Schneider também foi responsável na metade do
século passado por contribuições teóricas para a descrição da
esquizofrenia utilizadas até os dias atuais com o que
conhecemos como sintomas positivos.
Para uma orientação de diagnóstico, Palmeira (2009,
p.4) traz que os dois sistemas mais utilizados atualmente são o
“CID-X (Código Internacional das Doenças - 10ª versão),
desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, e o DSM-
IV (Manual Diagnóstico da Associação Americana de
Psiquiatria - 4ª versão)”. No Brasil o CID-X é o mais utilizado
e serve também para a codificação das doenças para efeito
previdenciário ou legal.
E, em meados do século passado com o advindo de
novos medicamentos ocorreu um avanço para o tratamento dos
116
pacientes esquizofrênicos que puderam abandonar internações
e retornar a convivência de seus familiares, bem como outros
puderam fazer seus tratamentos em casa pelo controle que estes
remédios trouxeram aos sintomas mais agudos da
esquizofrenia. A medicina tem realizado avanços consideráveis
neste campo a ponto de prevermos que num futuro próximo o
paciente poderá evitar o primeiro surto e levar uma vida mais
produtiva e independente, e a psicanálise também tem trazido
contribuições significativas no tratamento destes pacientes.

3. VISUALIZANDO A ESQUIZOFRENIA

3.1 Concepção Psiquiátrica

Não sei como me sinto hoje [...] Acho que


as alucinações estão desaparecendo...
Agora, a vizinha parou de me chamar de
‘frustrada’ quando encontro com ela no
corredor... As pessoas com quem cruzo na
rua pararam de fazer sinais com a mão
direita para eu me masturbar... Não sei por
onde começar a falar, se conto as coisas
que me perturbam ou se conto em ordem
cronológica. [...] (STERIAN, 2011, p.17)

Pelo exposto podemos ter uma noção do sofrimento e


das angústias que acometem a um portador de esquizofrenia.
Esta ilustração clínica retrata na abordagem psiquiátrica um
diagnóstico desta doença confirmada pela presença de sintomas
psicóticos: delírios e alucinações proeminentes. A
esquizofrenia é conceituada dentro da psiquiatria como um
“conjunto das doenças mentais graves que provocam uma
modificação profunda e duradoura da personalidade”. Este
117
grupo “compreende a maioria dos casos de alienação mental
caracterizada por um processo de desagregação mental que
pode ser chamado de ‘demência precoce’, de ‘discordância
psíquica’ ou melhor, de ‘dissociação autista da
personalidade’”. (STERIAN, 2011 apud Ey et al., 1981,
p.534).
A desagregação mental ou síndrome de dissociação
segundo Sterian (2011) designa uma perda da coesão interna
dos fenômenos psíquicos, sendo mais caracteristicamente
evidenciada na avaliação do curso do pensamento, da
linguagem falada e escrita das percepções; da psicomotricidade
e da vida afetiva. De acordo com a Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP), o diagnóstico é estritamente clínico, mesmo
não havendo exames que a confirmem.
Trata-se de uma doença mental crônica presente nas
mais variadas culturas e independe de condições
socioeconômicas ou etnias. Geralmente se manifesta na
adolescência e início da fase adulto jovem. É extremamente
raro surgir antes dos 10 anos ou após os 50 anos e parece não
haver prevalência entre homens e mulheres. Nos homens
acomete mais precocemente que nas mulheres, entre os 15 e 25
anos enquanto nas mulheres entre 25 a 35 anos.
A esquizofrenia atinge 1% da população mundial e
estima-se que no Brasil o percentual de portadores da doença
abranja em torno de dois milhões de pessoas. Há de se
considerar que as cicatrizes deixadas pela alcunha degenerativa
que a acompanha através dos tempos, embora a ciência já tenha
mostrado que não ocorre degeneração, ainda é determinante
motivo de incompreensão, exclusão e preconceito por parte da
sociedade.
Estudos mostram que os fatores ambientais e genéticos
são importantes no contexto da doença, porém isoladamente
não parecem ser determinantes para o seu desenvolvimento,
mesmo que na família de portadores possam existir outras
pessoas com os mesmos sintomas ou quadro semelhante, é
118
comum filhos de pais esquizofrênicos não desenvolverem a
doença.
Outra evidência são as pesquisas desenvolvidas com
gêmeos idênticos (DNA iguais) que demonstraram uma
concordância de apenas 50% no diagnóstico de esquizofrenia,
significando que quando um dos gêmeos desenvolve a doença,
o outro tem chance de adoecer também em 50%, contemplando
então que o fator ambiental é responsável pela outra metade do
risco de adoecimento.
Alguns genes já foram relacionados à esquizofrenia,
mas um dos entraves da pesquisa genética é devido à
inespecificidade dos genes relacionados, que por vezes são
comuns a outros transtornos mentais, sugerindo que as doenças
psiquiátricas possam ter origem genética comum.
É consenso entre os estudiosos do assunto que não
existe cura para a esquizofrenia, mas ela pode ser controlada e
o portador ser preparado para levar uma vida plena e bem-
sucedida.

4. SINTOMAS DA ESQUIZOFRENIA

Acompanhando Palmeira (2009) os sintomas da


esquizofrenia podem ser entendidos em duas categorias:
sintomas positivos e do comportamento e sintomas negativos e
cognitivos. Sintomas positivos representam “aqueles que o
paciente tem a mais do que a população, ou seja, tem qualidade
de adição, como os delírios e alucinações, considerados
incomuns na população” e os sintomas negativos referem-se
“aqueles que o paciente tem a menos que a população, como se
dele fossem retiradas algumas características vitais, como o
ânimo, o interesse, a capacidade de socialização e a expressão
das emoções e afetos”. (p.49)

119
Assim, o esquizofrênico paranoide tem sintomas
positivos (delírios e alucinações) que são mais facilmente
reconhecidos contribuindo para o diagnóstico, e os
hebefrênicos e catatônicos apresentam mais sintomas negativos
como o isolamento social, o desinteresse, a dificuldade em
expressar afetos, facilmente confundidos com preguiça, falta de
vontade, acomodação e dependência.

4.1 Sintomas Positivos

“Sua frustrada” ouvia Clara, cada vez que


ia jogar o lixo pelo alçapão do hall do
elevador, no prédio em que mora. Não
havia ninguém lá, mas, ela estava certa de
que era a vizinha que lhe falava, por trás da
porta do apartamento ao lado do seu.
Quando saiu desta crise, Clara descobriu
que aquele apartamento estava desocupado
há vários meses, desde antes de ela ouvir
esta voz. (STERIAN, 2011, p.27)

Os sintomas positivos relacionam-se diretamente com o


surto psicótico, ou seja, uma desorganização psíquica, o
rompimento com a realidade. A dificuldade de distinguir o que
é real do imaginário. Incluem os delírios ou falsas crenças;
alucinações ou falsas percepções; processos mentais, fala e
comportamento gravemente desorganizados.

4.2 Delírios

Os delírios ou falsas crenças são as ideias totalmente


fora da realidade, mas que a pessoa tem a certeza absoluta de
serem reais; capazes de interferir no comportamento, nas
relações e na maneira da pessoa avaliar e julgar a realidade. Os
conteúdos de delírio são bem diversificados, mas normalmente
120
centrados na pessoa que os experimenta. De acordo com Don e
Hockenbury (2003) certos temas frequentemente tendem a
ocorrer, como os delírios de referência, delírios de
grandiosidade e delírios persecutórios ou de perseguição.
O delírio persecutório ou de perseguição é o mais
comum na esquizofrenia, mais especificamente na
esquizofrenia paranoide. A pessoa acredita ser alvo de
conspirações ou tentativas de prejudicar ou ferir a pessoa ou
alguém íntimo a ela assumindo atitudes de medo e defesa. É
muito comum crerem que agentes secretos envenenam sua
comida, que são observados por câmeras escondidas, que
instalaram microchips em seu cérebro para lerem seus
pensamentos.
Fatos corriqueiros que passariam despercebidos no dia a
dia adquirem uma conotação exagerada e fantasiosa pelo fato
do delírio mobilizar quase todas as funções do psiquismo. O
paciente percebe e interpreta os fatos de acordo com as suas
crenças atribuindo um significado peculiar divergente da
realidade. Nos delírios de referência, a pessoa em delírio
acredita ser o centro das atenções, que as pessoas estão
constantemente falando dela, ou que tudo que acontece está, de
certa forma, relacionado a ela; pode sentir-se de tal forma
ameaçada a ponto de sair de casa disfarçada para que ninguém
a identifique; pode achar que a TV, o rádio, as revistas tragam
notícias sobre ela.
É um tipo de delírio que geralmente segue outro delírio
como o persecutório. Nos delírios de grandiosidade o tema
básico é a pessoa ser extremamente importante poderosa e rica;
com dons especiais capazes de modificar os fatos e o mundo.
Desenvolvem delírios megalomaníacos, muitos acreditam ser
alguém famoso ou personagem histórico reconhecido podendo
adotar um comportamento prepotente com difícil aceitação de
tratamento clínico por se julgarem superiores e mais
inteligentes que qualquer pessoa.

121
Também comuns são os delírios místicos ou religiosos
com teor ligado frequentemente à Bíblia em função da nossa
cultura. Em muitos casos o paciente acredita ser Deus ou um
enviado dele para pregar a palavra divina, dotados de vidência
e sabedoria, estarem possuídos por espíritos. Este
comportamento delirante por vezes é tão compulsivo que os
leva a mutilações para seguir na integra a sua interpretação da
Bíblia e para livrá-los dos pecados que acreditam macularem
sua existência.
Aprofundando-se no tema dos delírios, Palmeira (2009,
p. 56-57) discorre sobre a existência de outros temas como
delírio de possessão em que o paciente acredita estar possuído
por um espírito ou encarnado em outro personagem; delírio de
influência quando o paciente acredita em sua capacidade de
influenciar outras pessoas por telepatia; delírio de ciúme
quando acredita ser traído por quem ama; delírio erotomaníaco
quando tem a convicção de que alguém está apaixonado por ele
e assim se apaixona por outra pessoa que desconhece esse
sentimento por ele; delírio hipocondríaco acreditando estar
com uma doença grave, sem cura; delírio de culpa assumindo a
culpa pela miséria do mundo, por catástrofes trazendo intenso
sofrimento depressivo; delírios de negação e de ruína que são
bem comuns nos estados depressivos. Nos delírios de negação
ele pode acreditar estar “morto” por dentro, com seus órgãos
podres ou em mau funcionamento e no delírio de ruína pode
acreditar estar endividado, falido financeiramente, abandonado
mesmo quando as evidências demonstrem o contrário.

4.3 Alucinações

Alucinações “são falsas percepções de objetos


inexistentes e que possuem as mesmas características das
percepções reais. Ou seja, o paciente tem a clara percepção de
um objeto (p.ex.: uma voz ou uma imagem), sem que ele de
fato exista”. (PALMEIRA, 2009, p.59). Neste contexto,
122
Palmeira esclarece que existe uma diferença marcante entre
delírio e alucinação. O delírio é produto do pensamento, das
ideias e a alucinação é referente às percepções sensoriais, que
ocorrem nos órgãos dos sentidos.

Um paciente com esquizofrenia, por


exemplo, pode reforçar sua suspeita de
estar sendo vítima de uma perseguição
(delírio) por escutar vozes de pessoas
estranhas ameaçando-o (alucinações
auditivas). Por isso, é difícil responder a
pergunta “o paciente se sente perseguido
porque escuta vozes ou escuta vozes
porque se sente perseguido?”
(PALMEIRA, 2009, p.60)

Ambos (delírios e alucinações) dividem características


comuns, mas cada um tem seus mecanismos e funcionamento
independentes, embora possam em algum momento se
sobreporem. Existem pacientes que deliram mais que alucinam
e vice versa, outros que deliram e não apresentam alucinações,
outros têm alucinações e não possuem delírios estruturados. No
esquizofrênico paranoide, as alucinações e os delírios se
entrelaçam dentro de uma lógica, de um enredo compreensível
que tornam suas experiências mais convincentes.

4.4 Tipos de Alucinações

As alucinações por serem percepções sensoriais falsas


podem incidir em qualquer um dos cinco sentidos: audição,
visão, olfato, paladar e tato e Palmeira (2009) acrescenta um
sexto sentido que refere-se à percepção do funcionamento
interno do corpo que não é explícito como os demais
(batimentos cardíacos, respiração, funcionamento intestinal).
As alucinações mais comuns são as auditivas, em que são
experimentadas vozes conhecidas ou estranhas; o paciente
123
ouve vozes que falam sobre ele, que dialogam entre si, por
vezes lhe dão ordens para que faça algo. Nas alucinações
visuais é capaz de ver cores ou pontos luminosos, bichos,
objetos, pessoas estranhas, imagens e vultos inclusive
interagem com estas visões.
A esquizofrenia pode apresentar também quadros de
alucinações olfativas (sentir cheiros estranhos, de podre, de
carniça, de urina, de fezes), gustativas (sentir gosto de
estragado, de venenos, urina, fezes, produtos químicos), táteis
(sentir choques queimação, agulhadas ou como se bichos
andassem em seu corpo) e alucinações cenestésicas
(funcionamento corporal dos órgãos internos como, por
exemplo, sentir o coração derretendo, órgãos apodrecendo,
intestino se contorcendo, bichos andando dentro do corpo).
Frequentemente o conteúdo das alucinações relaciona-
se com a crença nos delírios da pessoa:

Se ela tem delírios de grandiosidade, vozes


alucinatórias reforçarão as suas ideias de
grandiosidade comunicando instruções de
Deus, do demônio ou de anjos. Se ela tem
delírios de perseguição, as vozes ou
imagens alucinatórias podem ser
extremamente aterradoras, ameaçadoras ou
acusadoras. (HOCKENBURY, 2003,
p.500)

Transtornos na Sensação, Percepção e na Fala: São


relatados episódios em que as imagens, os sons e outros
sentidos ficam distorcidos. A queixa é de estarem
transformados, metamorfoseados. Exemplificando um
episódio de ocorrência de distorções sensoriais:

Olhando ao redor do cômodo, descobri que


as coisas haviam perdido o significado
emocional. Pareciam maiores do que
124
realmente são, tensas e incertas. Elas eram
planas e coloridas, como sob luz artificial.
Sentia o meu corpo, primeiro gigante, e
depois minúsculo. Meus braços pareciam
bem mais longos do que antes, como se
não fizessem parte do meu corpo.
(Anônimo, 1990) (HOCKENBURY, 2003,
p.500)

O portador de esquizofrenia também pode vivenciar


alterações de pensamento caracterizadas por ideias confusas,
desorganizadas, incoerentes, refletidas na fala sem uma
conexão lógica para quem está ouvindo. Em muitos casos o
paciente acredita que seus pensamentos podem ser lidos ou
controlados por outros, roubados ou inseridos em sua mente.
Meu vizinho roubou meu pensamento e ameaça não devolvê-lo.
Diz que agora será dono de tudo que penso. O que faço?

4.5 Sintomas Negativos

São conhecidos também como sintomas deficitários em


referência ao declínio no funcionamento de algumas funções
emocionais e comportamentais: pode ser perda da
demonstração afetiva, da expressão verbal, da motivação
pessoal e profissional, da interação social. Estão relacionados à
fase crônica da esquizofrenia, podendo ocorrer na fase aguda e
se estender por longo prazo.
As alterações da afetividade figuram no rol dos
sintomas negativos. Trata-se da perda da capacidade para
reagir emocionalmente às situações, tanto de modo verbal,
como de modo não verbal. Isto não significa que o portador da
esquizofrenia não tenha sentimentos ou emoções. O que está
afetado é o modo de demonstrar seus afetos, de responder
adequadamente sob o ponto de vista afetivo às situações de sua
vida, mas não a capacidade de sentir emoções.

125
A redução da motivação caracteriza-se pela falta de
vontade, de iniciativa, pelo desânimo, apatia e a dificuldade de
enfrentar as ocupações diárias. Frequentemente tal atitude é
confundida como preguiça, má vontade pelos familiares, pois
ocasiona isolamento e retraimento social.

4.6 Sintomas de Cognição

Os sintomas de cognição podem ocorrer antes do


primeiro surto e ficarem acentuados nos primeiros anos do
transtorno. Caracterizam-se pela diminuição da atenção, da
linguagem e concentração – dificuldades em manter o foco em
ambientes turbulentos, com consequente déficit na leitura e
escrita e prejuízos da memória – problemas para trazer
recordações passadas e dificuldades na assimilação de novas
informações. Também presente neste tipo de sintoma a
impulsividade nas decisões, dificuldades de compreensão das
figuras de linguagem e de planejamentos como a priorização de
tarefas.

4.7 Sintomas Neurológicos

Não existem exames neurológicos como tomografia


computadorizada, por exemplo, capazes de diagnosticar a
esquizofrenia por apresentarem informações inespecíficas
facilmente confundidas com outros distúrbios psiquiátricos e
neurológicos. Como indicativo deste sintoma temos os tiques
motores e faciais, trejeitos, desorientação direita-esquerda,
movimentos descoordenados, mas como estes indicativos
também podem estar presentes em outros transtornos
psiquiátricos, a presença isolada destes sintomas não é
confirmação para o diagnóstico da esquizofrenia, restando
desta forma que a ocorrência de sintomas neurológicos não é
bem conhecida.

126
5. TIPOS DE ESQUIZOFRENIA

Seguindo Sterian (2011) este transtorno pode ser


classificado com base nas diferentes formas de apresentação
clínica de modo a identificar um melhor prognóstico para
determinados tipos de esquizofrenia, sendo nomeados pelo
DSM IV como tipos: paranoide, desorganizado, catatônico,
indiferenciado e residual.
A esquizofrenia tipo paranoide caracteriza-se pelo
predomínio dos delírios, alucinações ou ambos sem alteração
no pensamento lógico, na afetividade ou comportamento,
embora suas ideias possam parecer estranhas ou bizarras. Os
delírios podem ser múltiplos ou organizados em torno de um
tema coerente e as alucinações também estão relacionadas ao
conteúdo do tema delirante, normalmente de cunho
persecutório ou de grandiosidade. Este tipo de esquizofrenia é
o que oferece melhor prognóstico, pois os pacientes conseguem
manter o emprego e o relacionamento familiar.
Outros pontos de identificação são as alucinações
auditivas na forma de vozes; desconfiança extrema relacionada
aos outros e ideias de que conspiram contra elas ou
alternativamente que possuem capacidades especiais, que são
criaturas superiores. O tipo desorganizado ou hebefrênico
como a designação sugere, apresenta mais sintomas de
desorganização psíquica que a paranoia.
Os delírios e alucinações podem ocorrer, mas não são
bem constituídos e integrados como ocorre na esquizofrenia
paranoide, ao contrário, apresentam características
fragmentadas e em mudança. Tendem a apresentar um
comportamento regredido, por vezes bizarro e inadequado,
como começar a rir e gargalhar sem que tenha uma relação
adequada com o conteúdo do discurso, dependência de outros
para realização de tarefas básicas, perda da autonomia,
isolamento, afetividade mais superficial. Quando em
127
tratamento podem reagir positivamente aos sintomas mais
agudos como a desorganização do pensamento e
comportamento, mas alterações cognitivas como a atenção,
memória e raciocínio podem ser prejudicados no convívio
social e laborativo.
Palmeira (2009) elucida que essa diferenciação em
hebefrênico e paranoide é teórica, pois “o diagnóstico vai
depender da preponderância de sintomas delirante-
alucinatórios ou desorganizados em cada caso”, (p.38), ou seja,
quando os sintomas paranoides ou desorganizados se
apresentam em graus semelhantes, não permitindo um
diagnóstico em nenhum dos grupos isoladamente diz-se que o
paciente tem uma forma indiferenciada de esquizofrenia, e na
prática clínica são muitos os casos que se enquadram nesta
situação.
Já o tipo catatônico apresenta características bem
típicas como perda de interação com o ambiente, quando
assume posturas estranhas, pouco interage embora esteja
desperto, pode falar pouco ou simplesmente se calar, recusar-se
a se alimentar. Frequentemente é caracterizado por um sintoma
incomum chamado de flexibilidade de cera: como uma figura
de cera, a pessoa pode ser ‘moldada’ em qualquer posição,
permanecendo nela por tempo indefinido ou adotar agitação no
comportamento com movimentos repetitivos, porém sempre
mantendo sua incapacidade de interação pessoal, como subir e
descer escadas repetidamente e mecanicamente do 10° andar ao
térreo sem interagir com ninguém.
Trazendo Reichmann (1994, p.65), nas fases pré-
analíticas de evolução da psiquiatria, os psicanalistas
consideravam que não era possível tratar os esquizofrênicos
pelo fato de seus sentimentos e comunicações parecerem
insensatos e dotados de falta de significado quanto a sua
origem e conteúdos reais e aparentemente não haver nenhum
meio de comunicação entre o esquizofrênico. Muitos autores
têm trabalhado e desenvolvido novas teorias acerca da
128
esquizofrenia, mas são especialmente as orientações de Frieda
Fromm Reichmann a respeito da clinica psicanalítica que
apresentarei no decorrer deste trabalho.

6. VISUALIZANDO A ESQUIZOFRENIA

6.1 Concepção Psicanalítica

Freud disse que pode chamar-se psicanálise


toda a ciência e terapia que aceite suas
doutrinas sobre o inconsciente, sobre a
transferência e a resistência, e sobre a
sexualidade infantil. Por esta definição,
acreditamos estar praticando a psicanálise
com nossos pacientes esquizofrênicos.
(REICHMANN, 1994, p.19, tradução
nossa).

A psicanálise, no final do século XIX trouxe um novo


enfoque à clínica das doenças mentais que teve início com
Freud na hipnose, passando pelo método catártico e evoluindo
para a ‘livre associação’, onde o lugar da fala e da escuta era
privilegiado, possibilitando a produção de novos sentidos,
conhecimentos e intervenções (Santa Cruz, 1992 apud
STERIAN, 2011, p.55).
E, é neste contexto, quando Freud se dispõe a ouvir seus
pacientes e torna mais tênue a linha que separava o normal do
patológico, que é restaurada à loucura seu poder de fala. Pelas
postulações de Freud, não há normas, mas singularidades.
(SOUZA, 1992). E, esta é a compreensão da Psicanálise no
sentido de desvendar a doença mental, incluindo a psicose,
fundamentada na singularidade de cada paciente.

129
O ser humano, no início do seu desenvolvimento não
possui um referencial que lhe proporcione a indicação de sua
integridade física, pois não se percebe como um todo. É como
que seu corpo funcionasse em partes, com sensações
desintegradas. E, essas partes do corpo quando libidinizadas
passam a constituir as zonas erógenas que Freud chamou de
pulsões parciais.
Compete à mãe ou ao seu substituto no papel materno
exercer a erogenização do corpo do filho auxiliando-o a ter
uma imagem única de si mesmo, uma percepção de seu corpo
como um todo e a constituir-se enquanto um “eu” (ego) que
integrado é o resultado da passagem do autoerotismo ao amor
objetal. E, esta “nova ação psíquica” que provoca o advento do
narcisismo é o mecanismo de identificação. (FREUD, 1914,
apud STERIAN, 2011, p.107).
Os pais são os responsáveis pela idealização de uma
imagem com o qual o filho poderá vir a identificar-se,
categoricamente indispensável para a constituição do
psiquismo humano e resultado dos atributos e predicados que
eles (os pais) gostariam de ter e que possibilitará ao bebê, sua
primeira identificação. É essa imagem que propicia à criança a
visualização antecipada de um corpo unificado. “Ela passa a ter
a ilusão de ser aquilo que os pais gostariam que ela fosse: uma
pessoa “inteira”, com qualidades que eles lhe atribuem. A
criança forma, assim, seu ego ideal”. (STERIAN, 2011, p.108)
Porém, as frustrações, as castrações com que esse ego
se deparará no decorrer de sua vida o abalarão em seu
narcisismo que, impedido de manter-se nesta posição
idealizada, projeta para o futuro a realização desses ideais,
encontrando desta forma um objetivo para viver e passa a
mobilizar-se para a concretização dos seus desejos. Surge então
o ideal do ego. O ideal de ego herda o narcisismo perdido na
infância e a marca da castração, tornando-se assim o protótipo
do superego cuja função é comparar o ego atual com o ideal do

130
ego, apontando suas falhas e o caminho a ser percorrido para
atingir a perfeição desejada.
Em suma entende-se que a base desta patologia é a
cisão, a ruptura da pessoa com o mundo externo, mas não
como na neurose em que os sintomas podem atuar como uma
fuga da realidade. Nos sintomas esquizofrênicos, a realidade
não é a realidade compartilhada, e sim uma realidade singular
criada pela pessoa de modo a influenciar todo o seu
funcionamento mental.
Em Neurose e Psicose (1924) Freud postula que as
causas do conflito psicótico estão situadas nas relações entre o
ego e o mundo externo, onde o ego a serviço dos desejos do id
recusa as realidades externas e internas passando a criar uma
nova e própria realidade. Segundo Freud isto decorre de uma
frustração muito forte do seu desejo. Desse modo, o conflito da
psicose está na falha da organização egóica.
Para uma melhor compreensão trago a seguir de forma
mais abrangente como a psicanálise investiga e elucida os
distúrbios decorrentes da esquizofrenia e, de como estes
distúrbios adquirem uma nova significação a partir do
entendimento psicanalítico.

6.2 Distúrbios do Conteúdo do Pensamento


na visão psicanalítica

(...) Clara sentia-se vigiada e perseguida.


Ela “se perseguia” por ficar sempre aquém
do ideal que seus pais tinham preconizado
para ela: nunca conseguia ser o homem ou
o filho que seus pais tinham perdido. Além
disto, Clara foi, na realidade intensamente
vigiada por seus pais, principalmente por
sua mãe, em seus primeiros anos de vida.
Traumatizada pela perda do primeiro filho,
devido ao aborto que sofrera, Claudia
131
“perseguia” Clara com cuidados extremos,
(...), por exemplo, ela foi obrigada a dormir
no quarto dos pais até a idade de 7 anos.
Sua mãe temia que ela pudesse chorar no
meio da noite sem ser ouvida. (STERIAN,
2011, p.111-112)

Com referência aos distúrbios do conteúdo do


pensamento, muitos psicanalistas teorizam que o superego
esclareceria a origem de delírios e alucinações persecutórias,
por ser o responsável pela noção dos limites no ser humano
atuando como a “nossa consciência”, sempre vigilante. O
paciente esquizofrênico que traz a queixa que seus
pensamentos e seus atos estão constantemente sendo vigiados,
de ouvir vozes que lhe falam na terceira pessoa, seria
responsável pelo seu próprio delírio, sendo as vozes advindas
dele mesmo.

Os delírios de estar sendo vigiado


apresentam esse poder numa forma
regressiva, revelando assim sua gênese e a
razão porque o paciente fica revoltado
contra ele, pois o que induziu o indivíduo a
formar um ideal do ego, em nome do qual
sua consciência atua como vigia, surgiu da
influencia crítica de seus pais (transmitida
a ele por intermédio da voz), aos quais
vieram juntar-se, à medida que o tempo
passou, àqueles que o educaram e lhe
ensinaram, a inumerável e indefinível corte
de todas as outras pessoas do seu ambiente
-seus semelhantes -e a opinião pública.
(FREUD, 1914 apud STERIAN, 2009,
p.111).

Assim por esta compreensão e continuando a seguir


Sterian (2011) podemos perceber o aporte da psicanálise à
132
observação fenomenológica psiquiátrica, pois esta não só
observa os sintomas como busca o entendimento de sua
procedência a partir dos estudos sobre a constituição psíquica
humana em geral e das vivências pessoais daquela pessoa.

6.3 Distúrbios do curso do pensamento


na visão psicanalítica

O pesadelo da esquizofrenia é não saber o


que é verdadeiro. Imagine de repente
descobrir que as pessoas, os lugares e os
momentos mais importantes para você, não
se foram, nem morreram, mas pior, nunca
existiram. Que espécie de inferno seria?
Dr. John Rosen.

Para a psicanálise, os distúrbios do curso do


pensamento refletiriam o modo como se desenvolve o aparelho
psíquico. Seguindo Sterian (2011, p.115), “o psiquismo
humano não nasce pronto” e refletiria a maneira de nos
comunicarmos com o outro: “aprende primeiro em seu
ambiente familiar e, depois, na escola e na vida social, a
receber e a transmitir determinadas informações a partir de
certos códigos de linguagem”. A formação do psiquismo é
constituída na relação da criança com sua mãe ou com seu
cuidador e transmitirão à criança as informações eficazes para
que ele consiga sua adaptação no mundo externo.
A capacidade de distinguir a realidade externa da
interna não existe para o bebê, pois ele não sabe que existe
alguém atento ao suprimento de suas necessidades, e, somente
quando ocorrer uma descontinuidade no atendimento dessas
necessidades é que ele será obrigado a descobrir que existe
outra pessoa além dele. É através da constituição de um meio
ambiente agradável, adaptado às necessidades individuais do
bebê que a mãe terá condições de nomear as sensações que
133
percebe em seu filho oferecendo a ele, à medida que se
desenvolve, a simbolização e a capacidade de ligar as suas
sensações e necessidades às palavras, e desta forma ele aprende
a “se comunicar para lidar com sua realidade interna e
externa”.
A partir desta etapa, a satisfação do bebê não se atém
apenas as suas necessidades físicas, mas também ele passa a
desejar os cuidados, o amparo e o amor da mãe. Este processo
é o que chamamos de erotização: é o que a mãe produz no
corpo e no psiquismo do filho e tão essencial à transformação
do seu bebê.
O bebê ao escutar a voz da mãe pronunciando suas
precisões se permite aguardar certo tempo pelo atendimento de
sua demanda, pois mesmo que ainda não tenha sido alimentado
ou aquecido, ao escutá-la ele se acalma. Esta capacidade que o
bebê aprende para adiar as cobranças do corpo deve-se à
capacidade do seu psiquismo que já conseguiu estabelecer a
ligação pulsão-objeto (que pode ser uma pessoa, um objeto
parcial, um objeto real ou um objeto fantasmático) e esta
percepção do objeto (mãe) o faz lembrar a promessa de uma
satisfação próxima. E, é este “imaginar” a satisfação futura que
inicia a constituição da memória, a formação de uma rede de
representações. O processo de maturação da criança de forma
saudável passa por etapas assim elucidadas:

Percepções provindas do interior e do


exterior de seu organismo vão deixando
marcas (traços mnêmicos). Ao se
conectarem a outros traços, investidos pela
excitação correspondente, vão formando
uma rede de “lembranças”
(representações) que o auxiliam a suportar
o adiamento da descarga de suas sensações
de desprazer. De início, estes
representantes psíquicos da pulsão são
constituídos por imagens (representação
134
da coisa). À medida que a mãe vai
nomeando essas percepções para a criança,
ela pode passar a ligá-las, em seu
psiquismo, a palavras (representação de
palavra). (STERIAN, 2011, p.117)

Desta forma a capacidade de simbolização permitirá à


criança a expressão de seus desejos, inicialmente
representações da coisa, e posteriormente ela poderá ligar essas
representações da coisa a representações da palavra nomeando
suas necessidades como “mãe estou com sede, mãe estou com
fome” sem esperar que suas demandas sejam “adivinhadas”.
Mas, isto só ocorrerá se a criança aprender a identificar suas
percepções.
Porém, se no período em que a mãe tem de ajudar o
filho a formar seu psiquismo, ela encontrar-se “mobilizada por
questões mal elaboradas de sua própria vida (atuais ou antigas),
sua capacidade de percepção e reconhecimento das
necessidades do filho fica distorcida”. (STERIAN, 2011,
p.118), o resultado será que esta criança se comunicará “com
este mesmo discurso desconexo ou anacrônico. Discurso
refere-se, aqui, não apenas ao verbal, mas a todo um conjunto
de significações que o designam e o situam”.
O que se evidencia nos distúrbios do curso do
pensamento, de certa maneira “herdados” pelo comportamento
da mãe ou do cuidador, é uma forma psicótica de lidar com a
realidade interna e externa e um desenvolvimento diferente da
comunicação muito presente na esquizofrenia.

6.4 Distúrbios da linguagem na visão analítica

Legitimando as concepções psicanalíticas sobre as


modificações que podem ocorrer na fala dos esquizofrênicos,
Freud coloca que frequentemente “a construção de suas frases

135
passa por uma desorganização peculiar, que as torna
incompreensíveis para nós, a ponto de suas observações
parecerem disparatadas” (FREUD, 1915, capítulo VII, p. 225)
e postula como hipótese a origem dos distúrbios de linguagem
que,

Na esquizofrenia as palavras estão sujeitas


a um processo igual ao que interpreta as
imagens oníricas dos pensamentos oníricos
latentes – que chamamos de processo
psíquico primário. Passam por uma
condensação e, por meio de deslocamento
transferem integralmente suas catexias de
uma para as outras. (Ibid., p.227).

Desta forma, uma única palavra pode ter inúmeras


conexões e assumir a reprodução de todo um conjunto de
pensamentos. Freud também acrescenta dois tipos diferentes de
registros psíquicos das percepções. A primeira apresentação da
coisa consiste no investimento “se não das imagens diretas da
memória da coisa, pelo menos de traços de memória mais
remotos derivados delas”. (FREUD, 1915, p.229) e,

Esta representação fica registrada no


sistema inconsciente e só pode tornar-se
consciente se é ligada a sua representação
da palavra. Não temos como pensar ou
falar a respeito de algo que vimos ou
sentimos se essas coisas não puderem ser
representadas (simbolizadas) por palavras.
A palavra passa a ser o símbolo da coisa.
(STERIAN, 2011, p.123-124).

Freud postula ainda que “a apresentação consciente


abrange a apresentação da coisa mais a apresentação da palavra
que pertence a ela, ao passo que a apresentação inconsciente é

136
a apresentação da coisa apenas”. A esquizofrenia, em sua
rejeição de fragmentos da realidade, concretizaria, para tanto, o
corte dessa ligação, pois é essa a ligação entre a representação
da coisa com a representação da palavra que desenvolve “uma
organização psíquica mais elevada, permitindo que o processo
primário seja sucedido pelo secundário”. (FREUD, 1915, p.
230).
No esquizofrênico a atividade psíquica encontra-se
conduzida pelo processo primário. A simbolização que
efetivaria a ligação das representações de coisa de
determinados objetos da realidade a palavras encontra-se
incapacitada. O pensamento e a linguagem do esquizofrênico
neste contexto perde a noção da continuidade, das associações
e da totalidade da figura que aquelas ideias ou palavras
deveriam representar, pois não se ligam a nada. As palavras
passam a ocupar o lugar das representações de coisa. “O
desligamento de certos pedaços da realidade da cadeia
associativa provoca efrações no tecido psíquico”. (STERIAN,
2011, p.125).
Freud nos remete em seu Suplemento metapsicológico à
teoria dos sonhos a uma diferença essencial entre a elaboração
dos sonhos e a esquizofrenia. Nos sonhos o que muda “não são
as palavras, mas a apresentação da coisa à qual as palavras
foram levadas de volta. Nos sonhos há uma regressão
topográfica; na esquizofrenia, não”. (FREUD, 1917 [1915],
p.260-261)
Nos sonhos, entretanto, sobrevém uma livre
comunicação entre as catexias da coisa (inconsciente) e as
catexias da palavra (pré-consciente), enquanto que na
esquizofrenia esta comunicação encontra-se interrompida, vez
que as palavras “são as coisas em si” regidas pelo processo
primário. Também, da mesma maneira que nos sonhos os
restos diurnos geram material a ser ligado a representantes
pulsionais recalcados, as palavras, na esquizofrenia recebem
um alto investimento libidinal, pois o psiquismo procura,
137
através de seus movimentos, a passagem para a recuperação do
fragmento da realidade rejeitada.
Na esquizofrenia, a rejeição da realidade é tão radical
que gera um desinvestimento da representação inconsciente da
coisa, que não foi elaborada, e que angustia o psiquismo. Desta
feita, quando Freud teoriza sobre a esquizofrenia,

Supõe a possibilidade de investimento


libidinal em um objeto no mundo externo,
passível de representação no inconsciente.
Esse objeto é desinvestido por causa do
afastamento (‘fuga do ego’) que esse
indivíduo faz da realidade. Para afastar-se
dessa realidade incomoda, ele desinveste o
objeto que poderia representá-la.
(STERIAN, 2011, p.133).

Concluindo, as palavras em seu experimento de


conectar o fragmento de realidade rejeitado às representações
inconscientes da coisa, ou ainda tentando restaurar o fragmento
de realidade desligado da rede simbólica, estariam, sob a
defesa do processo primário, legitimando, pois, os distúrbios da
forma do pensamento comuns na esquizofrenia.
Distúrbios da vida afetiva na visão psicanalítica
(STERIAN, 2011, p. 134-144). Para a psiquiatria as
manifestações emocionais da esquizofrenia são ambivalentes,
expressadas de forma imotivada e ininteligíveis. Freud em suas
investigações sobre a origem da ambivalência (sentimentos
contrários) direcionada à mesma pessoa, observados na
melancolia e em outros distúrbios narcísicos (referindo-se a
paranoia e a esquizofrenia) postulou “que as autocensuras com
que esses pacientes melancólicos se atormentam a si mesmos
da maneira mais impiedosa, aplicam-se, de fato, a outra pessoa.
O objeto pessoal que perderam ou que se tornou sem valor para
eles por sua própria falha”, e concluindo:

138
Que o melancólico, na realidade, retirou do
objeto sua libido, mas que, por um
processo que devemos chamar de
‘identificação narcísica’, o objeto que se
estabeleceu no ego, digamos, projetou-se
sobre o ego. (...) O ego da pessoa então é
tratado à semelhança do objeto que foi
abandonado e é submetido a todos os atos
de agressão e expressões de ódio vingativo,
anteriormente dirigido ao objeto. (FREUD,
1916-1917, apud STERIAN, 2011, p.137).

Mas, é somente em 1924 em seu artigo Neurose e


Psicose que Freud retoma e desenvolve o tema das diferenças
existentes entre as estruturas de funcionamento psíquico das
diversas patologias propondo que as neuroses de transferência
correspondem a um conflito entre o ego e o id; as neuroses
narcísicas (a melancolia), a um conflito entre o ego e o
superego, e as psicoses (inclui a esquizofrenia), a um conflito
entre o ego e o mundo externo.
Neste mesmo ano, Freud propõe uma nova formação da
ambivalência elaborando uma nova dualidade funcional:
pulsão de vida e pulsão de morte. A pulsão de vida englobaria
as pulsões de autoconservaçao e as pulsões sexuais e a pulsão
de morte responderia pela redução das tensões geradas pelo
organismo ao menor grau possível. Desta maneira, para que o
“funcionamento mental seja, portanto, ‘normal’, precisaria
haver uma ‘dosagem adequada’ de determinada quantidade de
cada uma dessas duas forças: pulsão de vida e pulsão de
morte”, e concluindo “a de vida manteria a coesão e a unidade
e a de morte evitaria o aumento excessivo de excitação dentro
do aparelho psíquico”. (STERIAN, 2011, p.142).

139
7. A CLÍNICA PSICANALÍTICA
NO TRATAMENTO DA ESQUIZOFRENIA

O primeiro aprendizado em psicanálise,


para a prática clínica, é a arte da escuta. Ela
nos permite descobrir a verdade do sujeito
que nos fala. (...) Escutar não é uma tarefa
fácil quanto pode parecer, à primeira vista.
Ouvir palavras repletas de dor, angústia ou
sem nexo aparente, pode vir a ser um
trabalho muito árduo, principalmente, se
nos propomos a não fazer juízos críticos e a
tentar desvendar o material inconsciente
que se encontra por trás do discurso
explícito daquele que nos demanda ajuda.
(STERIAN, 2011, p.114)

Freud, ao apresentar a concepção de inconsciente


coloca a fala em um lugar diferenciado, onde em muitas
situações a coerência, a lógica consciente se rompe, revelando
outra lógica no duplo sentido de uma frase por exemplo. A
proposta psicanalítica no tratamento com pacientes
esquizofrênicos sempre levantou muitas polêmicas acerca das
possibilidades de resultados promissores. Muitos autores
defendem a ideia de que os pacientes esquizofrênicos, por
serem extremamente narcisistas, não conseguem desenvolver
uma relação confiável com um analista. Acompanhando Frida
Fromm Reichmann, psiquiatra e psicanalista que durante três
décadas desenvolveu com êxito, tratamento em pacientes
psicóticos, não se contestaria a intervenção da psicanálise no
tratamento e recuperação de pacientes com este tipo de
transtorno.

140
7.1 Modificações na Clínica Psicanalítica
no Tratamento de Pacientes Esquizofrênicos

A dor de cada paciente é sempre única e


somente ele sabe o que viveu, pode-se falar
da dor, interpretar a dor, mas medi-la
jamais, somente quem viveu, passou pela
experiência sabe o que sentiu, porque cada
um apreende a realidade de uma maneira.
(BORGERT, 2009, p.109)
.
A psicoterapia psicanalítica com pacientes psicóticos
tem introduzido modificações técnicas na psicanálise clássica.
Reichmann (1994, p.29) descreve e expõe suas possíveis
implicações para o enfoque analítico modificado.

7.2 O divã

O divã no tratamento de pacientes psicóticos pode ser


usado, mas não é o indicado, não apenas por não fazer sentido
ao paciente, como também por tornar o atendimento de certa
forma mais impessoal. Para a construção desta relação, o
analista terá que sair de sua posição por vezes rígida, atuando
com mais humanismo, com mais flexibilidade, adotando
posturas que por vezes podem sair do tradicional, como se
sentando no chão ao lado do paciente, escutando-o, acolhendo-
o e o divã em nada contribui para este estreitamento de
relações. Em consequência o que se recomenda é a posição que
permita ao paciente e analista estarem frente a frente para que o
analista possa acompanhar as ações, reações, emoções do
paciente. (REICHMANN, 1994).

7.3 Associação livre

Na sequência, Reichmann (1994) também orienta que


não se pede que o paciente produza associações livres, pois tal
141
técnica não tem sentido para ele. Também acrescenta que a sua
utilização constitui um claro erro na terapia psicanalítica, pois
“o pensamento e a expressão do esquizofrênico perturbado são
com frequência desorganizados ou correm risco de
desorganização. Certamente o psicanalista não deseja aumentar
a desconexão e a desorganização do pensamento e expressão
esquizofrênica através da associação livre usada com supostos
fins terapêuticos”. E continua: “a única oportunidade em que o
psicanalista pode pedir ao psicótico que se expresse em termos
de pensamento associativo, será a respeito de um problema
específico, sua origem e sua incidência, etc., se a interrogação
direta não conduzir aos resultados desejados”. (p.80, tradução
nossa)
O que se deve atentar é proporcionar oportunidades
para que ele se sinta confortável e suficientemente seguro para
abandonar seu isolamento narcisista defensivo e através de seu
analista restabelecer seu contato com o mundo. Se, em algum
momento o paciente permanecer em silêncio, o analista deve
ter a habilidade, e isto vai depender também do conhecimento
que já tenha das reações do seu paciente, para compactuar com
este silêncio se ele se apresentar amigável, ou interrompê-lo se
intuir que ele está acumulando tensão entre ambos, por isto a
colocação da sensibilidade do analista.

Como tem afirmado Sullivan, deve-se


observar e avaliar todas as palavras, gestos,
mudanças de atitude e semblante do
paciente, como se faz com as associações
dos psiconeuróticos. Cada produção
individual – seja ou não compreendida pelo
analista – é importante e tem sentido para o
paciente. Portanto, o analista deve tratar de
entender e apontar ao paciente que está
tentando. De modo geral, não deve tentar
demonstrar sua compreensão dando
interpretações, porque ele mesmo
142
esquizofrênico entende melhor que
ninguém o significado inconsciente de suas
produções. Nem deve o analista fazer
perguntas quando não compreende, pois ele
não pode saber que sequencia de
pensamentos, sonhos distantes ou
alucinação está interrompendo.
(REICHMANN, 1994, p.16, tradução
nossa).

O analista deve dar evidências de entender a


comunicação do paciente, de forma cautelosa, com gestos ou
ações apropriados, principalmente quando o paciente
demonstrar que deseja aproximação e amizade.

7.4 Interpretação

A mesma regra que se trabalha sobre a não intrusão no


mundo interior do esquizofrênico através de interpretações
desnecessárias, também se aplica as sugestões inoportunas, até
porque o significado delas não é o mesmo para o
esquizofrênico que para o analista, e este, quando se sente a
vontade e confia no analista, pedirá sugestões e estará disposto
a escutá-las. Assim, ainda a escuta é o melhor tratamento
quando não se tem algo relevante a se acrescentar.
Reichmann (1994) corrobora que as produções
psicóticas confirmam o conhecimento adquirido na psicanálise
acerca dos meios de expressão utilizados quando as pessoas
encontram-se com a consciência muito reduzida, como nos
períodos de cansaço, antes de dormir, na linguagem dos sonhos
e dos mitos, contos de fadas e lendas, e são em princípio
similares a eles.
Comumente, os pacientes psicóticos compreendem suas
produções com uma clareza maior que o analista, não
necessitando desta forma que o analista explane o que ele já é
sabedor. O imprescindível é que o analista consiga indicar ao
143
seu paciente que o está entendendo por meio de respostas
conexas ou reações adequadas, sem ser onisciente. “Muitas
comunicações isoladas não requerem nenhuma explicação,
enquanto é necessário interpretar os processos dinâmicos da
etiologia psicótica”. (p.31, tradução nossa).
Mesmo a literatura não tendo destacado suficientemente
que as interpretações excessivas e inoportunas podem tornar-se
não terapêuticas em qualquer tratamento, as experiências com
pacientes psicóticos só tem validado esta tendência atualizada
de que cautela e exiguidade de interpretações só trarão
benefícios ao paciente.

7.5 O Conteúdo reprimido

“Os problemas patogênicos e os conteúdos da repressão


não são todos de natureza sexual e nem todos estão ligados à
hostilidade, como tem mantido durante algum tempo certos
psicanalistas”. (REICHMANN, 1994, p.32, tradução nossa).
Toda a emoção, todos os sentimentos, pensamentos, impulsos e
fantasias que tem a pessoa psicótica durante sua vida passada e
presente a respeito das pessoas importantes para elas, ou que
persistem em suas formações ideais, podem converter-se em
problemas patogênicos e conteúdos da repressão se forem
incompatíveis com suas normas privadas, e as normas sociais
de pessoas importantes do seu passado e presente.
A experiência com pacientes psicóticos tem
proporcionado ao psicanalista a descoberta das causas e
conteúdos não sexuais da repressão no paciente neurótico; mas
deve lembrar-se que os ensinamentos de Freud, que eliminou a
proscrição do material sexual, possibilitou a descoberta.
Fortuitamente, devemos destacar o fato de que, enquanto a
interpretação de dados psicológicos da situação de vida atual
do paciente, em termos das experiências biológicas de sua
infância, pode aumentar sua aceitação, pode também,
frequentemente, diminuir sua eficácia terapêutica.
144
7.6 Acting out

O “acting out” é frequentemente uma preliminar


necessária nas entrevistas iniciais do analista com uma pessoa
psicótica. Se o médico tentar forçar a expressão verbal, pode
destruir o contato inicial com paciente pouco falante, e toda a
possibilidade de tratamento subsequente. Se o que é dado na
entrevista é o “acting out”, ele deve ser usado para fins
terapêuticos.
A experiência assim obtida exige uma cuidadosa
consideração da questão de saber se os psicanalistas tentam
suprimir em todos os casos “acting out” de pacientes
neuróticos, durante as entrevistas, em tributo aos fins
terapêuticos estabelecidos, ou se a proibição é muitas vezes
impulsionada pelo medo de que o paciente possa se permitir o
“acting out”. (REICHMANN, 1994, p.33). Reichmann
destacou a transferência e a contratransferência como
essenciais no tratamento de pacientes psicóticos, reforçando a
posição do analista na busca de novas técnicas de aproximação
com seu paciente como suporte da tarefa analítica.

8. TRANSFERÊNCIA COM
PACIENTES ESQUIZOFRÊNICOS

“O analista humanista primeiro sente e


depois pensa, esta intuição é o fio condutor
da transferência” (...) e, “a partir desta
união surge uma nova força, cuja energia
não está ligada ao passado de sua infância,
mas à sua potencia de vida”. (PEREIRA,
2009, p. 216).

145
No estabelecimento da situação analítica, o lugar do
psicanalista no tratamento do psicótico é bastante diferente da
abordagem utilizada no tratamento do paciente neurótico. Na
psicose, o psicanalista atua muito mais sobre o paciente do que
faz ao tratar a neurose, em consequência da transferência
tipicamente maciça que ele recebe e por seus atos serem
investidos de uma significação particular a este paciente. Pode
tornar-se uma tarefa um tanto complexa, desafiadora e por
vezes até incômoda, mas por mais inusitada que a situação se
apresente ao psicanalista, ele não deve afastar-se do
compromisso ético da Psicanálise – o amor à verdade.
Reichmann (1994) postula que a dificuldade do
esquizofrênico não está em estabelecer um vínculo consistente
com o analista, mas por suas reações de transferência serem
extremamente intensas e sensíveis, reforçando a necessidade de
entendermos a essência das reações de transferência e como o
analista pode trabalhar com elas.
Considerando a infância como base psicológica da
influência patogênica das frustrações, onde a criança, nos seus
primeiros anos vive em um mundo narcisista que lhe é próprio,
onde não diferencia, mas tem suas necessidades e desejos
atendidos como fruto de seu pensamento mágico e ainda não
adquiriu linguagem; considerando como uma pessoa
esquizofrênica a pessoa que tenha tido vivências traumáticas
neste período em que o “eu” e sua capacidade de avaliar a
realidade ainda não se encontravam desenvolvidos, e que não
recebeu o investimento adequado de seu cuidador.
Pode-se dizer que tais vivências ocasionaram mais
lesões a sua personalidade que as produzidas em etapas
posteriores à infância, porque esse período inicial da vida é o
que prepara e dá suporte a criança a sentir-se mais segura e
confiante para enfrentar com maior destreza as etapas que
estarão por vir. Portanto o que pouco significaria para um
psiconeurótico ao lidar com as frustrações, muito significaria
para o esquizofrênico em termos de dor e sofrimento, porque
146
sua capacidade de lidar com a frustração fica restrita e
insuportável ocasionando sua fuga para um mundo irreal.
Desta forma explica-se a reação do paciente
esquizofrênico, desconfiado, reticente, sentindo-se ameaçado
pelo mundo e principalmente pelo analista. A aproximação do
analista é vista como uma invasão de território particular,
inviolável e um forte prenúncio de voltar às frustrações de sua
vida real e sua incapacidade de enfrentá-las.

Apesar de seu retraimento narcisista, todo o


esquizofrênico passa uma noção da
irrealidade e solidão de seu mundo
delirante substitutivo. Anseia um contato e
compreensão humanos, mas temem admitir
tal coisa para si mesmo e para o analista,
por medo de uma nova frustração. É por
isso que o paciente pode levar semanas e
meses testando o analista, antes que se
mostre disposto a aceitá-lo. Porém, uma
vez que o haja aceitado, sua dependência
do analista é maior que a do neurótico e é
mais sensível em relação a ele, resultado de
sua insegurança profunda; a atitude
narcisista de aparente vaidade, não é mais
que uma defesa. (REICHMANN, 1994,
p.9, tradução nossa).

Na construção da relação analista e paciente


esquizofrênico, o paciente não permite decepções provocadas
por parte do analista, mesmo que sejam inevitáveis, pois isto
representará a reprodução da cadeia de frustrações que ele
tenha lidado anteriormente. “Para a parte primitiva da psique
do esquizofrênico, que não discrimina entre si mesmo e o meio
ambiente, ele pode significar a retirada das forças impessoais
de sua infância. A esta privação vital sucederá uma intensa
ansiedade”. (REICHMANN, 1994, p.10, tradução nossa)
147
Assim, a resposta do esquizofrênico, ao “desconfiar” do
analista, deflagrará reações emocionais intensas, turbulentas,
inesperadas até, desencadeando então o que se concebe como
“incertas” as reações de transferência do esquizofrênico,
porque “elas seguem as mesmas regras dinâmicas que as
oscilações dos psiconeuróticos entre a transferência positiva e
negativa e resistência”: (p.10, tradução nossa), são motivadas
muitas vezes por erros ocasionados pelo analista, sem que este
se dê conta.
Como entender esta realidade a parte, como funcionam
os mecanismos psíquicos do esquizofrênico e como trabalhar
estes sentimentos e atitudes controversos na construção da
relação analista-paciente esquizofrênico no sentido de
fortalecer a aliança terapêutica? O esquizofrênico se refugia da
realidade dolorosa “removendo algo” do período inicial de seu
desenvolvimento quando a linguagem ainda não está
disponível e a consciência ainda não foi cristalizada. Como a
expressão de seus sentimentos não se vê restrita pelas
convenções que ele tenha eliminado, seus pensamentos, seus
afetos, seu comportamento e sua linguagem – quando usa –
satisfazem as normas operacionais do inconsciente arcaico.
“Seu pensamento é mágico e não se atém as normas lógicas.
Não admite um não, e tampouco um sim; não há
reconhecimento do espaço e do tempo. A expressão se efetua
mediante símbolos;” (REICHMANN, 1994, p.11, tradução
nossa).
O esquizofrênico interpreta as atitudes e manifestações
involuntárias do seu analista dentro de sua concepção
particular, delirante, confirmando que ambos vivem em
mundos diferentes de expressão e orientação. Pouco sabemos
sobre sua linguagem inconsciente, e nosso acesso a ele está
obstruído pelo mesmo processo de adaptação que nós
cumprimos e que ele abandonou.
Vários são os fatores de decepção em relação ao
analista e que precisam ser observadas para uma relação
148
transferencial construtiva: O fato de o analista aceitar e não
interferir em sua conduta pode induzir o paciente a esperar que
o analista colabore na realização de todos os seus desejos e
quando isto não acontece este o retalia. As formas de
comunicação sempre serão válidas na formação desta aliança
terapêutica, porém por vezes se fará necessário o analista
discordar do paciente e fazê-lo entender as razões de sua
posição estabelecendo limites.
Este processo tão peculiar pode ser exemplificado com
a ilustração clínica:

Certo dia levei um paciente catatônico que


pedia para sair a almoçar em um
restaurante de campo; outra vez o levei a
um concerto, e uma terceira vez a uma
galeria de arte. Depois ele me pediu que lhe
permitisse visitar seus pais que se
encontravam em outra cidade. Eu lhe disse
que teria que consultar o diretor e lhe
sugeri notificar seus familiares. De
imediato ele ficou furioso, pois isto
significava que eu o estava traindo ao
consultar com outros, o que ele considerava
um assunto puramente pessoal. Dentro de
seu próprio ponto de vista, infantil, tinha
razão. Tinha saído do seu isolamento em
troca de meu interesse pessoal por ele, pois
não estava preparado, todavia para admitir
outras pessoas nesta relação íntima.
(REICHMANN, 1994, p.12, tradução
nossa)

É importante observar com discernimento que as


relações estabelecidas entre o paciente esquizofrênico e seu
analista são realmente diferenciadas. Quando o paciente
esquizofrênico permite a aproximação do analista e deseja
confiar nele, percebe sua própria insegurança. Quando por
149
qualquer evento, o analista for mal interpretado ou não for
capaz de perceber as reações de seu paciente esquizofrênico, a
segurança desta relação pode ser abalada e, estas decepções
podem provocar explosões de ódio e fúria comparáveis às
relações de transferência negativa dos psiconeuróticos, porém
de maneira mais intensa, porque não ficam restritas ao mundo
real.
Esta hostilidade que surge vem acompanhada por
ansiedade, sentimento de culpa e temor, pois estabelece um
círculo vicioso: o analista decepciona o paciente e ele o odeia e
pelo temor de ser odiado pelo analista continua o odiando. Isto
leva a comprovação que o esquizofrênico tem a capacidade de
estabelecer fortes relações emocionais com seu analista, seja de
amor, seja de ódio. “Também, acredito que o esquizofrênico
estabelece relações de transferência no sentido mais rigoroso
que ele pode distinguir da verdadeira relação interpessoal”.
(REICHMANN, 1994, p.13, tradução nossa).
Frieda Fromm Reichmann nos complementa sobre a
necessidade de adequar o enfoque analítico através de
modificações nas técnicas habituais utilizadas para satisfazer as
necessidades particulares destes pacientes. Fortalece a premissa
de que o contato do analista com o paciente através de um
longo período de sessões de análise diárias (como a psicanálise
de crianças) oportunizará ao paciente familiarizar-se com o
analista, descobrir se este poderá ser-lhe útil, superar suas
desconfianças e suspeitas a respeito da amizade que lhe oferece
o analista, para finalmente aceitá-lo.
Este processo de amadurecimento nestas relações pode
ser enriquecido com seguinte ilustração clínica:

Um paciente gritava todas as manhãs


durante seis semanas: não estou doente,
não necessito de médico nenhum isto não é
assunto seu. No início da sétima semana
me ofereceu um cigarro sujo e esfarrapado

150
e eu o fumei. No dia seguinte, ele havia
preparado um assento para mim cobrindo
com uma folha limpa de papel o banco do
pátio onde fui até ele. ‘Não quero que suje
o vestido’ comentou. Este foi o início de
sua aceitação comigo como amiga e
analista. (REICHMANN, 1994, p.14,
tradução nossa)

Dado os conteúdos apresentados, resta claro que o


analista no desenvolvimento de seu trabalho com pacientes
esquizofrênicos será constantemente testado, avaliado e
retaliado; porém fica a ressalva de que todas estas situações
fazem parte de um processo natural, formador do vínculo,
cabendo ao analista ter a destreza de compreender e aceitar o
seu paciente.
Em suas experiências com pacientes com este tipo de
transtorno, Reichmann nos traz uma contribuição que não há
como aferir pelo fato de não existirem regras que possam
amparar tal teoria, mas referem-se e concluo importante, ao
que constitui o tempo para o paciente esquizofrênico: certa
ocasião em que a analista cientificou o paciente que se
ausentaria por alguns dias obteve a resposta: “sabe o que estás
dizendo? Isto pode significar um minuto e pode significar um
mês. Pode não significar nada, mas pode significar uma
eternidade para mim”.
Ao tratar as relações de transferência com pacientes
esquizofrênicos se consegue a nítida constatação que nem
sempre o analista conseguirá acompanhá-lo em seu caminho
particular e introspectivo. Porém, não é motivo para que o
analista sinta-se desmotivado ou incapacitado: “Não é
certamente a compreensão intelectual do esquizofrênico o fator
terapêutico decisivo, mas a compreensão solidária e o manejo
habilidoso da relação mútua entre paciente e médico”.
(REICHMANN, 1994, p.18, tradução nossa). Com efeito, se o
analista tratar desajeitadamente as reações de transferência de
151
um psiconeurótico não é irreparável, porém se ele comete o
mesmo erro com um esquizofrênico, corre o risco de destruir
toda e qualquer possibilidade terapêutica pela fragilidade que
se constroem tais relações.
Outro fator a ser avaliado nesta relação é quando o
analista consente que os sentimentos do paciente se
desenvolvam com muita força sem lhe dar a oportunidade de
falar sobre isto. Surge ao esquizofrênico uma situação nova o
qual ele não está habituado a lidar, podendo não suportar e
tornar-se hostil ao analista que, neste caso, deve ter a
habilidade de enfrentar esta resistência, sem medo e sem
retaliações, porque quanto menos medo o paciente perceber no
analista, menos ameaçadores serão. Por vezes, a simples
declaração do analista de que quer ser amigo do paciente pode
protegê-lo de ataques e amenizar sua agressividade, pois este
também sente medo de sua própria agressividade.
Reichmann (1994) assinala que na visão de alguns
analistas a completa aceitação e rigorosa evasão de qualquer
recusa arbitrária como regra básica para o tratamento de
pacientes esquizofrênicos pode contradizer a ideia de uma nova
aceitação da realidade. Mas, quando “certos grupos
psiconeuróticos tem que aprender, com a experiência imediata
do tratamento analítico, a aceitar as negativas que a todos a
vida reserva, o esquizofrênico acima de tudo, tem que ser
curado das feridas e frustrações de sua vida antes que possamos
esperar sua recuperação”. (1994, p.19, tradução nossa).

O tratamento exitoso não depende de


regras técnicas de nenhuma escola
psicanalítica particular, mas sim da atitude
básica do analista individual em relação às
pessoas psicóticas. Se as consideram
criaturas estranhas de outro mundo, cujas
produções não são compreensíveis para os
seres normais, não as pode tratar.

152
(REICHMANN, 1994, p.19, tradução
nossa).

Com embasamento de tais referenciais, desenvolvidos


por Frieda Fromm Reichmann, podemos constatar que os
esquizofrênicos são capazes de estabelecer relações e reações
de transferência adequadas, pois o sucesso da análise depende
que o analista compreenda o significado dos fenômenos de
transferência e os trate apropriadamente.

9. CONTRATRANSFERÊNCIA
COM PACIENTES ESQUIZOFRENICOS

O psicanalista sabe que a clínica é um


processo da convivência com a incerteza, e
das infinitas possibilidades que podem ser
recriadas a partir do desejo. Não existe o
delírio de ter o controle da realidade
absoluta, esta alucinação distorce a
compreensão verdadeira da subjetividade.
(PEREIRA, 2009, p.33)

A contratransferência do analista no tratamento com


pacientes esquizofrênicos merece especial atenção não só por
diferir do trabalho com neuróticos, mas também pelo papel que
este analista representa de uma melhor realidade ao paciente
cuja experiência foi lhe anteriormente. As reações de
contratransferência negativa podem transmitir a alguns
analistas estados de ansiedade graves, sendo que muitos destes
fatores podem desencadear a contratransferência.
Reichmann (1994) ao abordar o tema traz a solidão, as
demandas esquizofrênicas de dependência, o ódio e a violência
real; as ameaças de violência do esquizofrênico, o paciente não
153
mostrar sinais ostensivos de melhora após o terapeuta ter
empregado grande esforço e interesse no sentido de sua
recuperação, como constituintes potentes de ansiedade ao
analista e consequentemente de contratransferência negativa.
Outra dificuldade que pode surpreender o analista é
quando o paciente indica características a sua personalidade
que ele não tenha percebido, podendo provocar respostas
terapeuticamente indesejáveis de narcisismo ferido ou falta de
naturalidade de profissionais sensíveis ou carentes de senso de
humor.
O paciente esquizofrênico desconfia das palavras; e,
consequentemente, não estão isentas de sua desconfiança, as
comunicações ao seu analista que deve estar preparado para
que sua verdade seja repetidamente verificada. Estas manobras
de verificação podem ocasionar irritação, impaciência e partida
indignada de alguns analistas.

A psicoterapia com o paciente


esquizofrênico é também um terreno fértil
para as dificuldades de contratransferência
positiva. O grande dispêndio de tempo e os
esforços intensos empreendidos pelo
psiquiatra o fazem mais propenso a uma
participação afetiva que quando trabalha
com um paciente neurótico.
(REICHMANN, 1994, p.139, tradução
nossa).

Reichmann (1994) não descarta hipótese forte de


contratransferência no tratamento de pacientes psicóticos.
Postula ao analista superá-la mediante autoanálise ou conversas
com colegas experientes. Se, ao contrário, sentir-se incapaz de
superar sua ansiedade, então é melhor que fale francamente do
assunto com o paciente. Supostamente, não se deve fazer tal
coisa com a intenção de descarregar sobre o paciente seus os
problemas, mas com o único objetivo de esclarecer o ambiente
154
analítico. Caso então, este for o procedimento adotado, então
deve admitir francamente ao paciente que tem tal coisa com o
fim de combater sua própria ansiedade, e poder assim liberar-se
de sua interferência quando escuta o paciente.
De tudo isto segue que o analista que quer aprender a
praticar psicoterapia com pacientes esquizofrênicos deve ser
uma pessoa que sabe que “todos somos simplesmente seres
humanos mais que qualquer coisa”. (Harry Stack Sullivan apud
Reichmann, 1994, p.140, tradução nossa). Deve estar dotado de
uma sensibilidade aguçada para os significados manifestos
latentes da comunicação humana, e ao mesmo tempo dar-se
conta com humildade de suas limitações.
Ao apontar de que modo o psicanalista pode diminuir
suas ansiedades no tratamento de pacientes esquizofrênicos,
não devemos negligenciar o fato importante de que graus
moderados de ansiedade pode ser uma vantagem para ajudá-lo
a discernir os problemas do paciente que levantam essa
ansiedade. Quando o analista está relativamente livre de
ansiedade significa para o paciente um estímulo, e lhes dá
confiança em suas possibilidades.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas das patologias psíquicas encontram-


se na rigidez da forma de pensar o seu
mundo vivido, estes idealismos
perfeccionistas que pretendem modificar a
realidade de acordo com as suas pretensões
fantasiosas que não condizem com a
realidade. A doença esconde-se atrás dos
dogmatismos e das doutrinas que enrijecem
e petrificam o seu pensamento e
principalmente na formação do seu caráter.
(PEREIRA, 2009, p. 185).
155
A esquizofrenia não é uma patologia muito discutida e,
não bastasse, um tema bastante complexo. A medicina evoluiu,
a psicanálise hoje tem caminhos para lidar com esta patologia
com resultados de recuperação promissores, mas ainda há o
preconceito, os estigmas que os portadores de doenças mentais
carregam, e os segredos familiares que cercam a doença, por
falta de informações seriam merecedores de estudos mais
aprofundados.
Teorizar é diferente de experienciar. Resta a convicção
que há muito que ser investigado e realizado em prol da saúde
mental. O paciente necessita ser mais escutado do que calado, e
o desafio é estar em constante questionamento para que possa
desenvolver condições adequadas para sua reiteração social e
familiar.

156
BIBLIOGRAFIA

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Teoria e técnica da psicanálise humanista/ [Eden Jorge


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158
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Entendendo a esquizofrenia. Disponível em:


http://entendendoaesquizofrenia.com.br/website/?page
pesquisa realizada em 19.12.2012

159
A PARANOIA SOB A ÓTICA DA PSICANÁLISE.

Maria Izabel Burin Cocco.

Resumo: Em aspectos gerais, este breve artigo, trata-se de um


estudo sobre o tema da paranoia. Primeiramente faz-se um
debate entre autores sobre o tema da paranoia sob a ótica da
psicanálise, abordando a questão do sofrimento psíquico e do
mecanismo de projeção. Após discorre-se sobre a etiologia e a
dinâmica desta patologia, e quais as desastrosas consequências
que o “pathos” traz para a vida da pessoa, e quais as emoções
que estão envolvidas neste processo. Finalizando com uma
análise do Pai da psicanálise sobre o tema da paranoia.

Palavras-chave: Psicanálise. Patologia. Paranoia.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Essa obsessão de chegar...


O terror de não vir a ser o que se pensa...
Esse eterno pensar nas coisas eternas
Que não duram mais que um dia
Que não duram mais que um dia
A tortura à procura da essência
O barulho aterroriza, tranca, lacra o peito
Sinal da paranoia, Sinal da paranoia, Sinal da paranoia.
(Canção: Sinal da paranoia, Som Nosso de Cada Dia).

160
Historicamente tem-se registrado que o termo paranoia
foi empregado pela primeira vez na Alemanha por Heinroth,
sendo que em seguida foi utilizado em mais três escolas da
Europa, que seriam a escola psiquiátrica alemã, a francesa e
italiana.
Literalmente o termo paranoia vem do grego, onde -
para – é ao lado de, fora; e – noia - de si, sendo assim. – “fora
de si”. No vocabulário de psicanálise Laplanche e Pontalis,
encontra-se o termo paranoia como sendo uma palavra de
origem grega que significa “loucura”, “desregramento do
espírito”. O pai da medicina Hipócrates já havia utilizado este
termo para se referir ao delírio com febre alta, e outros autores
já utilizaram a palavra paranoia como sinônimo de demências e
loucura. E no século XIX, este termo foi recuperado e
empregado pela psiquiatria.
Neste contexto, buscou-se, subsídios teóricos para
discutir a questão do sofrimento psíquico na paranoia sob a
ótica do mecanismo da projeção. Importante ressaltar que esses
três termos não constituem novidade, sendo que a paranoia
sempre foi, desde o início na história da psicanálise, ligada à
projeção, e como todo mecanismo de defesa, ligada a um
sofrimento psíquico.
No vocabulário de psicanálise Laplanche e Pontalis
encontra-se a definição de projeção para a psicanálise:

No sentido propriamente psicanalítico,


operação pela qual o sujeito expulsa de si e
localiza no outro – pessoa ou coisa –
qualidades, sentimentos, desejos e mesmo
“objetos” que ele desconhece ou recusa
nele. Trata-se aqui de uma defesa de
origem muito arcaica, que vamos encontrar
em ação particularmente na paranoia, mas
também em modos de pensar “normais”,
como a superstição. (p. 374).

161
Para compreender esta patologia precisa-se perceber a
estreita e forte ligação com o medo, o que a princípio é apenas
uma experiência negativa, muito frustrante e aterrorizante,
torna-se o inferno pessoal deste paciente, como se ele temeroso
aguarde todo tipo de má sorte, de morte, doença, loucura,
sofrendo todo momento com o medo de ser excluído, que a
perturbação retorne, perturbações que não conseguiu elaborar.
Antes de ser atacado, então, porque em seu delírio todos o
odeiam e podem prejudicá-lo, desenvolve a vingança e ataca
qualquer um que ouse uma aproximação social ou afetiva.
Neste sentido, este artigo contempla o estudo da
paranoia sob a ótica da psicanálise, e para melhor compreensão
do tema, faz-se reflexões acerca da etiologia e a dinâmica desta
patologia, bem como, apresenta-se em caráter introdutório, a
análise do Pai da psicanálise sobre a paranoia, abordando ainda
brevemente o caso Schereber.

2. ENTREVISTA E DIAGNÓSTICO

Na fase inicial da entrevista o Psicanalista deve estar


atento à cólera e ao silêncio do paciente paranoico que é um
traço acentuado no primeiro momento. O Analista poderá
numa tentativa de estabelecer uma harmonia inicial com o
paciente comentar: “Parece que foi trazido aqui contra sua
vontade” ou “Suponho que sente ter sido obrigado a vir até
aqui”. O paciente paranoico observa cada detalhe da conduta
do analista e do ambiente e se sentirá tranquilo se o analista
olhá-lo com firmeza, durante toda a entrevista. Esta emoção
pode manifestar-se como um retraimento negativista, zanga
obstrutiva, impulsos de assaltos ou demandas irracionais.
A profunda desconfiança do paciente, sua
hipersensibilidade e o temor a rejeição tornam a interpretação e
a confrontação extremamente difíceis, por isso não devem ser
162
feitas durante os estágios iniciais do tratamento. O
relacionamento que se estabelecerá deverá ser real e autêntico,
porém profissional e nunca pessoal (amigo).
Quando a análise progride com êxito, desenvolve-se
confiante relação terapêutica e o analista passa ser a pessoa
mais importante da vida do paciente.
Na fase final de cada sessão, prestar atenção especial
aos comentários casuais ou repentinos feitos à porta, tanto pelo
paciente quanto pelo analista, porque para o paciente paranoico
está poderá ser a parte mais importante da sessão.

3. FATORES QUE DESENCADEIAM A PARANOIA

Destroços sanguinários de mim,


do monstro que consome minh’alma.
Carência de uma parte que não nasceu ainda,
uma parte pouca,
louca de mim. [...]
Os cacos me cortam,
os vultos me empurram...
Esta paranoia ainda me mata
e sonhar tem sido meu fim.
(Poema: Paranoia, Sulla Mino)

Na história da psicanalise muitos foram aqueles que se


debruçaram sobre o tema das patologias.
Karl Jaspers dedicou atenção especial ao estudo das
experiências paranoicas, e destacou que os maiores sentimentos
nesta patologia são grande expectativa na qual o sujeito não
consegue definir, sofre de inquietude, desconfia de tudo e de
todos, tem forte tensão, a pessoa fica temerosa tudo lhe é
ameaçador, tem muitos pressentimento. Coloca ainda estudos
do processo psíquico, da mudança na vida psíquica do ser
doente, no qual as ilusões desempenham um papel
163
preponderante. Estuda os delírios de ciúme, as ideias de
perseguição e a interferência de todos estes conteúdos na
personalidade.
Na coleção Analytica, em seu volume 5, encontramos a
definição de paranoia:

Psicose funcional caracterizada por delírios


de grandeza e perseguição, mas sem
deterioração intelectual. Nos casos
clássicos de paranoia, os delírios estão
organizados num sistema delirante coerente
e internamente harmônico, segundo o qual
o paciente está preparado para agir. (1975,
p. 172).

Ainda neste mesmo trabalho, encontramos que o


indivíduo que sofre de paranoia, é inclinado a utilizar
mecanismos projetivos, sendo muito desconfiado, utiliza a
projeção como defesa, e segundo a psicanálise clássica, esta é
originária, segundo a teoria de Freud do delírio de perseguição
como sendo projeções de desejos homossexuais inconscientes,
e para a teoria formulada por Melanie Klein sobre a posição
esquizo-paranoide, que segundo a opinião da autora, seria
quando o bebê lida com sua destrutividade inata atribuindo-a,
ou projetando-a no seio pelo qual se sente perseguido.
(ANALYTICA, p. 172).
Melanie Klein sobre esta temática aborda a posição
paranoide que será centrada em "torno do fantasma de
perseguição pelos 'maus objetos' parciais, e M. Klein
reencontra este fantasma, quer nos delírios paranoides, quer
nos paranoicos". (LAPLANCHE E PONTALIS, 2001, p. 336).
Segundo o vocabulário de psicanálise o termo posição
paranoide, segundo Klein:

164
Caracteriza-se pelos aspectos seguintes: as
pulsões agressivas coexistem desde o início
com as pulsões libidinais e são
particularmente fortes, o objeto é parcial
(principalmente o seio materno) e clivado
em dois o “bom” e o “mal”; os processos
psíquicos predominantes são a introjeção e
a projeção; a angústia intensa é de
natureza persecutória (destruição pelo
“mau” objeto). (LAPLANCHE E
PONTELIS, 2001, pp. 346, 347).

Encontra-se ainda no Vocabulário da Psicanálise de


Laplanche e Pontalis a definição de paranoia como sendo
“psicose crônica, caracterizada por um delírio mais ou menos
bem sistematizado, pelo predomínio da interpretação e pela
ausência de enfraquecimento intelectual, e que geralmente não
evolui para a deterioração”. (2001, p. 334).
E na visão de Canetti (1995, p. 462) por de trás da
paranoia, bem como de todo poder, encontra-se o desejo
profundo de afastar os outros do caminho, com o intuito de ser
o único. Para Canetti (1995), o paranoico sente-se sempre
cercado por uma “malta de inimigos”. Como se houvesse um
complô contra ele, para o autor, estas conspirações estariam no
cerne da doença colocando estas pessoas que sofrem desta
patologia em alerta, pois estariam sempre cercados.
Para Alfred Adler (1936) a paranoia está estreitamente
ligada ao complexo de inferioridade que assola o paciente,
porque com o fato de ser perseguido seria uma alternativa para
julgar-se importante, afinal se todos lhe perseguem, então todas
as pessoas estão atentos a sua pessoa. Sendo assim para o autor
a paranoia teria a função de preencher algo. E se a pessoa
almeja tanto o poder e um lugar de destaque certamente não
conseguiria sobreviver, como observa Adler, em um mundo
repleto de hostilidade e de pessoas inimigas, como supõe que o
seja o paciente paranoico. Ele é uma vítima que precisa sugar
165
toda a atenção circundante para si, a fim de suprir
imaginariamente o seu desamparo e sentimento de abandono.
Pereira em seu livro Psicopatologia humanista e
existencial coloca que,

Para analisar os fenômenos psíquicos


patológicos, é necessário levar em
consideração as forças pulsionais da
vontade de poder, do desejo sexual, do
complexo de inferioridade, da superação
dos traumas. Ao mesmo tempo, precisa se
confrontar com os dados de memória,
hábitos, costumes, crenças e tradições.
Estas realidades podem trazer ao estado
consciente algumas vivencias de emoções
que estavam alterando o seu
comportamento ou a sua maneira de
pensar. (2009, p. 21).

Para Cromberg (2000), a paranoia é “uma doença da


interpretação que se cristaliza como certeza e verdade únicas
que ganha expressão no delírio”.
Segundo Mazzuca (2004, p. 56) a paranoia na nosologia
alemã foi vista como um delírio sistematizado primitivo, uma
perturbação intelectual, e também estudada na psiquiatria
clássica como “um delírio sem evolução para a desagregação e
a demência”.
Nesta época Kraepelin define a paranoia como:

Grupo de casos segundo os quais se


desenvolve, precoce e progressivamente,
um sistema delirante inicialmente
característico, permanente e
inquebrantável, mas com total conservação
das faculdades mentais, e da ordem dos
pensamentos da vontade e da ação.
(MAZZUCCA, 2004, p.60).
166
Este tema é retomado posteriormente por Freud numa
visão psicanalítica, surgem então, as representações
inconscientes.
Mackinnon & Michels (1992) observam que no
transtorno de personalidade paranoide, o paciente paranoico
enxerga a si mesmo como o centro de tudo o que acontece,
sendo que percebe e reage a todas as ações, atitudes e
sentimentos alheios, isto porque falta a este paciente a
consciência de seus próprios impulsos agressivos. Tem
extremo temor em ser atacado ou tratado de modo injusto,
costuma considerar as outras pessoas irresponsáveis e indignas
de confiança, tem uma conduta isolada. O paranoico consome-
se em cólera e hostilidade, projetando em outras pessoas estes
sentimentos agressivos.

O sentimento ‘eu o amo’ é negado e,


através da formação reativa, se converte em
‘eu não o amo, eu o odeio’, e depois, pela
projeção é transformado em ‘não sou eu
quem o odeia e sim ele quem me odeia’.
Mais uma vez o paciente experimenta o
sentimento de ódio, mas agora racionaliza:
‘eu o odeio porque ele me odeia’. Esta série
de manobras defensivas está implicada nos
delírios de perseguição. (MACKINNON,
R. & MICHELS, 1992, p. 219).

Ainda em Mackinnon & Michels (1992) o paciente


paranoico passa a ideia de ser alguém capaz e independente
que sempre tem razão, não é tampouco humilde e mostra-se
geralmente arrogante, solitário, inconsciente de seus impulsos
agressivos, encontra-se sempre muito tenso e inseguro, sendo
assim desenvolve uma enorme e patológica desconfiança das
pessoas. Este paciente pensa que todos os fatos ocorridos têm
relação com sua pessoa, frequentemente teme ser atacado ou
167
injustiçado. Mostra extremo desequilíbrio emocional
envolvendo-se em discussões e brigas, as pessoas ao seu redor
são arques inimigos, porque no seu delírio todos desejam seu
mal.
Winnicott também foi um psicanalista preocupado com
o desenvolvimento da personalidade humana, para isso,
desenvolveu sua teoria do amadurecimento pessoal, com o
intuito de que usemos e tenhamos um entendimento dos
fenômenos da saúde e também dos distúrbios psíquicos.
Segundo Winnicott, as psicoses seriam distúrbios com
estreita ligação ao fracasso ambiental, no que diz respeito ao
processo de facilitar as conquistas do bebê em seus estágios
iniciais, que segundo ele tem início na vida intrauterina e vão
até o desenvolvimento do “EU SOU”, idade esta por volta de
um ano ou um ano e meio.
Quando há falhas no ambiente durante a etapa de
dependência absoluta, e mesmo relativa, para Winnicott
ocorrem traumas, que num processo contínuo prejudicariam o
processo de amadurecimento pessoal, justamente em fases em
que os alicerces da personalidade estão em construção, dando
origem aos distúrbios ligados as paranoias e psicoses. Nas
palavras do autor “a palavra doença torna-se apropriada
quando o sentido de segurança não chegou à vida da criança a
tempo de ser incorporado às suas crenças” (1986, p. 122).
Para Fenichel (1981) muito comentado em casos de
paranoia são os ciúmes usados para repelir a projeção dos
impulsos para a infidelidade e para a homossexualidade,
coincidindo com a intolerância da perda do amor. Nesta
mistura de depressão, agressividade e inveja relacionadas à
perda do amor o paciente paranoico acaba revelando uma
grande intolerância à perda, sendo este medo mais intenso nas
pessoas para as quais esta perda significa uma diminuição da
autoestima.
E quanto ao tratamento Winnicott coloca que é preciso
“pensar sempre em termos do indivíduo que se desenvolve, e
168
isto significa retornar a épocas muito remotas e tentar
determinar o ponto de origem” (1984c, p. 64).

4. O QUADRO PSICOPATOLÓGICO

No CID-10 e no DSM-IV-TR, a paranoia corresponde a


F 22.0 denominada Transtorno Delirante, tem como
característica fundamental o desenvolvimento de delírios não-
bizarros, que podem ser isolados ou formarem um conjunto de
delírios relacionados entre si.

A paranoia é o transtorno da personalidade


caracterizado por uma sensibilidade
excessiva face às contrariedades, recusa de
perdoar os insultos, caráter desconfiado,
tendência a distorcer os fatos interpretando
as ações imparciais ou amigáveis dos
outros como hostis ou de desprezo;
suspeitas recidivantes, injustificadas, a
respeito da fidelidade sexual do esposo ou
do parceiro sexual; e um sentimento
combativo e obstinado de seus próprios
direitos. Pode existir uma superavaliação
de sua autoimportância, havendo
frequentemente autorreferência excessiva.
(Disponível em:
http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-
f/f600/personalidade-paranoica, acesso em
18 de maio de2013.)

Grande fonte de sofrimento psicológico na paranoia é a


desconfiança das situações ou pessoa, imaginemos então uma
desconfiança em tal proporção que transforme-se em uma
patologia, está se falando aqui da paranoia, onde a mente da
pessoa está invadida de ideias e pensamentos torturantes,
169
delírios e alucinações, sentindo-se constantemente perseguido e
ameaçado.
Para Pereira,

Estas mesmas ideias delirantes e


fantasiosas surgem de modo espontâneo, e
nem sempre este fenômeno tem uma causa
orgânica produto de alguma lesão cerebral.
Estas mesmas alucinações são produtos
destas alterações psíquicas nas doenças
mórbidas, no entanto, reação emocional
acontece no córtex cerebral, e mais
precisamente no sistema límbico. Estas
alterações psíquicas encontram-se
vinculadas a algum tipo de trauma
emocional. (2009, p. 17).

O cantor e poeta Raul Seixas tentou retratar um pouco


desta patologia na sua canção intitulada “Paranoia”:

Quando esqueço a hora de dormir


E de repente chega o amanhecer
Sinto a culpa que eu não sei de que
Pergunto o que que eu fiz?
Meu coração não diz e eu...
Eu sinto medo!
Eu sinto medo!

Se eu vejo um papel qualquer no chão


Tremo, corro e apanho pra esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
E eu gosto de escrever, mas...
Mas eu sinto medo!
Eu sinto medo!

170
Tinha tanto medo de sair da cama à noite pro banheiro
Medo de saber que não estava ali sozinho porque sempre...
Sempre... sempre...
Eu estava com Deus!
Eu estava com Deus!
Eu estava com Deus!
Eu tava sempre com Deus!

Minha mãe me disse há tempo atrás


Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que cê faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração, mas...
Mas eu tinha medo!
Eu tinha medo!

Vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro, com vergonha


Com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo
Vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro
Vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro

Para...noia

Dedico esta canção:


Paranoia!
Com amor e com medo (com amor e com medo)
Com amor e com medo (com amor e com medo)
Com amor e com medo (com amor e com medo)
Com amor e com medo (com amor e com medo)

(Paranoia Raul Seixas, disponível em http://letras.mus.br/raul-


seixas/103212/mor e com medo, acesso em 15de maio de 2012).

É perceptível que o paranoico é alguém que sente muito


medo, que vivencia crenças profundas e arraigadas, passadas
de geração para geração. Pode-se dizer que na paranoia existe
171
um retorno de um grande potencial de vingança e ódio que
acaba voltando-se contra a própria pessoa. Vivências pretéritas
de desprazer e de medo que adquiriram importância na mente e
tomaram conta de seu ser, não conseguindo lidar com este
material o paranoico projeta nas pessoas de sua convivência
seus sentimento e emoções, tornando o ambiente e estas
pessoas seus inimigos algozes, elas tornam-se as preocupações
do indivíduo.
Para Pereira um dos fatores que podem predispor a
pessoa a uma doença mental “é um ambiente ríspido e
agressivo pode criar transtornos muito sérios, por exemplo, a
violência familiar praticada pelos pais pode interferir no
processo de desenvolvimento psíquico, estes adultos ficariam
prejudicados pelo excesso de agressão psicológica e física”.
(2009, p. 65).
O paranoico desenvolve o orgulho e a rigidez perante as
perdas,
cultiva o pessimismo e antecipa eventos negativos,
impregnando a mente pelo medo real ou não precisamente. Na
paranoia sentimentos de insegurança e de perda são ampliados,
e não ter certeza o intranquiliza tornando o paciente paranoico
agitado e consequentemente acometido por insônia e pesadelos.
O paranoico escolhe revirar constantemente o que há de
pior do sentimento humano, provocando um destaque de sua
pessoa às avessas, alguém que necessita chamar tanto a atenção
de terceiros realmente cabe uma avaliação se não possui um
enorme complexo de inferioridade. Porque segundo Pereira “a
dor e o sofrimento provocam um sentimento de inferioridade,
uma espécie de desmotivação”. (2009, p. 67).
A paranoia reflete o sentimento inconsciente da
desconfiança e do ódio, a perseguição é a sua manifestação,
sendo assim a pessoa vive uma eterna vigilância porque poderá
sofrer um provável dano. Se a catástrofe é premente o tempo
todo para este indivíduo ele sempre irá deturpar qualquer tipo
de relacionamento. A patologia é o resultado da subjetividade
172
que o sujeito formou ao longo de suas experiências, estando o
distúrbio associado à somatória de experiências vividas por
esta pessoa.
O medo na paranoia faz a pessoa crer que com a perda
ela será também humilhada, e seus aspectos negativos virão a
tona juntamente com a retaliação que sofrerá de outros, é
invadido por ansiedade, raiva, culpa, insegurança, indecisão,
angústia, resta-lhe apenas apelar para o comportamento
patológico. Segundo Pereira estes conflitos tem a tendência de
piorar quando os pacientes,

Desenvolvem as psicopatologias da inveja,


do ciúme, mentira, falsidade, este estado
psicótico altera sua percepção da realidade.
Estas mesmas emoções negativas são
percebidas pelas pessoas de sua interação
que, gradualmente tendem a afastar-se e
com isto amplia a frustração e a tristeza
condição do isolamento e solidão. (2009, p.
74).

Em uma relação, a paranoia é o depósito do passado na


atualidade, ela é a antítese do respeito, uma patologia de caráter
essencialmente destrutivo, causa o afastamento das pessoas e
tem como objetivo chamar atenção dos outros sobre sua
pessoa.
O que levaria uma pessoa a afastar os seus contatos
pessoas? O paranoico vibra com isto, porque assim ele
consegue o aval de que estava certo, porque ele certamente
comprovará que novamente foi alvo de uma suposta injustiça
em mais um de seus complicados e conturbados
relacionamentos, não é de se estranhar então que o paranoico
viva só, pois está sempre alerta para uma possibilidade de
sofrer uma frustração nas suas relações interpessoais.
Segundo Pereira (2009) o paciente desenvolve uma
confusão emocional, fruto da raiva, de seu sentimento de
173
ineficiência em resolver os desafios, problemas e dificuldades.
E nesta frustração desenvolvem um ódio voraz contra toda
pessoa de sua convivência, além de não conseguirem lidar com
o vazio e a frustração, diante deste fato, recorrem à patologia,
buscam uma maneira de compensar sua infelicidade e sedar a
consciência.
Um ambiente segundo Winnicott, já é invasivo por não
ser facilitador, pois antes de a psique alojar-se no corpo, as
tensões instintuais são completamente intrusivas, sendo assim o
bebê precisa da facilitação ativa por parte da mãe na boa
resolução da excitação apresentada.
Aqui Winnicott salienta a incrível e fundamental
importância da mãe, pois a mesma, por sua vez ao atender à
urgência instintual deve fornecer apoio de ego propiciando
experiências globais, incluindo mutualidade e comunicação,
assim a tensão instintual acaba sendo uma experiência que
fortalece o ego e favorece a coesão psicossomática do bebê em
desenvolvimento. Importante atentar-se que se não houver
este apoio, as tensões instintuais, ao invés de serem
gradualmente integradas e pessoalizadas, permanecem externas
e tornam-se perseguidoras, chegando a estabelecer uma
disposição paranoide, devido a permanente ameaça de
despersonalização.
Conforme Winnicott quanto à origem primitiva da
paranoia, ela ocorre quando o impulso criativo do bebê é
inibido, onde a espontaneidade fica soterrada, nos casos onde
não há mais impulsividade pessoal. Segundo o autor o bebê
vive “porque foi atraído pela experiência erótica, mas, além da
vida erótica, que nunca é sentida como real há uma vida
puramente reativa e agressiva, dependente da experiência de
oposição”. (1958, p. 303).
E segundo Winnicott esta situação desfavorável está na
origem de uma das formas de paranoia, onde a pessoa está
sempre procurando a perseguição que deflagrará o movimento,
porque as suas experiências são feitas ao reagir a ela (a
174
perseguição). Para sentir-se vivo o paranoico passa a necessitar
de uma perseguição contínua.
Outra provável origem apontada por Winnicott sobre a
ansiedade paranoica, ainda dentro dos estágios iniciais, seria
que a partir da adaptação absoluta, onde inicia o processo de
desadaptação da mãe. Existem alguns casos em que a
confiabilidade ambiental estabelecida no período de
dependência absoluta, falha no momento em que se dá o início
da separação da unidade fusional mãe bebê, este espaço que se
abre entre ambos o autor chama de espaço potencial, que será
preenchido pelos objetos transicionais. É ai que segundo
Winnicott, ocorre “um perigo alternativo, o de que esse espaço
potencial possa ser preenchido com o que nele é injetado a
partir de outrem que não o bebê. Parece que tudo o que
provenha de outrem, nesse espaço, constitui material
persecutório, sem que o bebê disponha de meios para rejeitá-
lo”. (1967, p. 141).
Existe ainda um tipo de disposição paranoide diferente,
aquela que provém do temporário sentimento de perseguição,
esta faz parte do amadurecimento normal, relativo à aquisição
do estatuto da identidade unitária, pois esta etapa é sentida pela
criança, como uma ousadia. A separação do eu, como
identidade unitária, implica no repúdio de tudo o que é não-eu,
e o indivíduo recém-integrado passa a aguardar a perseguição
retaliadora da realidade externa repudiada. Aqui destaca
Winnicott, que esta é uma passagem difícil e a criança sente-se
“infinitamente vulnerável”; no caso de ela não ser protegida
pelo ambiente, ficará suscetível à perseguição, onde pode neste
momento instalar uma característica paranoide da
personalidade.
Muitos foram os psicanalistas e pesquisadores, teóricos
que tentaram a seu modo, e com seus conhecimentos contribuir
para que o ser humano possa conhecer-se, descobrir-se e curar-
se; todos querem viver uma vida feliz, ter, receber e dar amor,
a psicopatologia é o oposto disto tudo, sendo assim, descobre-
175
se cada vez mais quão sublime é o trabalho do psicanalista na
busca incessante de colaborar no processo de
autoconhecimento e no despertar do potencial de cura do seu
paciente.

5. UMA ANÁLISE FREUDIANA SOBRE A PARANOIA

Em meados de 1911, Freud tomou conhecimento do


livro escrito por Daniel Paul Schreber, “Memórias de um
Doente dos Nervos”, em que o autor apresentava relatos sobre
o desenvolvimento de sua própria patologia. Foi onde resolveu
levar o caso a estudo na psicanálise, sendo o primeiro caso
clássico sobre a paranoia, o caso do “Presidente Schreber”,
cujas memórias foram publicadas no começo do século
passado, Freud (1911) fez uma longa reflexão psicanalítica
sobre esta patologia. A “loucura” de Schreber teria levado este
homem a ser destituído de seu cargo de presidente da Corte de
Apelação de Dresden, bem como a internações em sanatórios.
Freud analisa o caso Daniel Paul Schreber, onde o
mesmo não foi paciente de Freud, mas o autor fez seus
comentários utilizando o livro de memórias publicado por
Schreber.
Encontra-se no dicionário de Psicanálise a apreciação
de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, sobre o manuscrito
enviado por Freud a Wilhelm Fliess em 24 de janeiro de 1895.
“A paranoia crônica, em sua forma clássica, é um modo
patológico de defesa, como a histeria, a neurose obsessiva e os
estados de confusão alucinatória. As pessoas tornam-se
paranoicas por não conseguirem tolerar algumas coisas – desde
que, naturalmente, seu psiquismo esteja predisposto a tanto”.
(p. 573).
Freud ainda irá acrescentar a esse quadro o mecanismo
da projeção: “representação inconciliável com o eu, projetando
176
seu conteúdo no mundo externo”, onde segundo ele os
paranoicos "amam seu delírio como amam a si mesmos, esse é
o segredo". (p. 573).
Ainda na opinião do Pai da psicanálise, analisando os
casos de paranoia nos pacientes do sexo masculino:

[...] o que jaz no cerne do conflito, nos


casos de paranoia entre indivíduos do sexo
masculino, é uma fantasia de desejo
homossexual de amar um homem,
certamente não esqueceremos que a
confirmação de hipóteses tão importante só
pode decorrer da investigação de um
grande número de exemplos de toda
espécie de distúrbios paranoides [...]
(FREUD, 1911, p. 85).

Para termos uma ideia do discurso de Schreber,


apresenta-se aqui um breve trecho do seu relato, no qual
também levou Freud a interpretar a fantasia e os desejos
homossexuais:

[...] uma vez, de manhã, ainda deitado na


cama (não sei mais se meio adormecido ou
já desperto), tive uma sensação que me
perturbou de maneira mais estranha,
quando pensei nela depois, em completo
estado de vigília. Era a ideia de que deveria
ser realmente bom ser uma mulher e se
submeter ao ato do coito – essa ideia era
tão alheia a todo meu modo de sentir que,
permito-me afirmar, em plena consciência
eu a teria rejeitado com tal indignação que
do fato, depois de tudo que vive nesse
ínterim, não posso afastar a possibilidade
que ela me tenha sido inspirada por

177
influências exteriores que estavam em
jogo. (SCHREBER, 1995, p. 54).

Mackinnon & Michaels colocam que “Freud


considerava os impulsos básicos, projetados pelo paciente
paranoico, relacionados com a homossexualidade
inconsciente”. Para eles, “no caso Schreber, Freud demonstrou
como as tendências homossexuais inconscientes eram afastadas
pela negação, formação reativa e projeção”. (1981, p. 219).
Segundo Freud (1969, p.183), “na etiologia da paranoia
encontram-se as mesmas vivências sexuais da primeira infância
da histeria e neurose obsessiva”. O primeiro registro sobre o
tema em Freud (1977) surge no Rascunho H (1895) em que a
paranoia é descrita por ele como um modo patológico de defesa
do aparelho psíquico, o que não é aceito pelo eu é projetado no
mundo exterior. Sendo que para Freud dentre as principais
características da paranoia estariam as projeções delirantes, a
mania de perseguição, erotomania e ciúme.
Sobre este tema Freud ainda escreveu a “Análise de um
caso de paranoia crônica” e “Novas pontuações sobre as
neuropsicoses de defesa”. Freud coloca seus pensamentos
sobre a paranoia em alguns escritos, dentre eles no "Rascunho
H", aqui o autor afirma que "o propósito da paranoia é rechaçar
uma ideia que é incompatível com o ego, projetando seu
conteúdo no mundo externo" (Freud, 1895/1969a, p. 256),
junto a uma carta a Fliess (1895), ''As psiconeuroses de defesa''
(1894), em ''Novas considerações sobre as psiconeuroses de
defesa'' (1896), ''Psicopatologia da vida cotidiana'' (1901) e
''Observações Psicanalíticas Sobre um Caso de Paranoia''
(1910, caso Schreber), aqui não é mais a autocensura que se
torna intolerável, mas sim o desejo homossexual.
Segundo Freud "na paranoia a autoacusação é reprimida
por um processo descrito como projeção. É reprimida pelo
estabelecimento do sintoma defensivo de desconfiar das outras
pessoas". (Freud, 1969, p. 182).
178
Freud ainda coloca que pensando à nível inconsciente,
dentro desta sua outra realidade o paranoico "em certo sentido,
tem razão, pois reconhece algo que escapa à pessoa normal, vê
com clareza maior do que alguém de capacidade intelectual
normal" (Freud, 1901/1969, p.251), sendo que o delírio é uma
crença que deforma a percepção, não deixa de ser verdadeiro,
mas pertencente a outro tipo de realidade.
Em 1914 em seu texto sobre o narcisismo, Freud ainda
faz referência aos delírios:

O reconhecimento desse agente nos


permite compreender os denominados
'delírios de sermos notados' ou, mais
corretamente, de sermos vigiados, que
constituem sintomas tão marcantes nas
doenças paranoides. (...) Um poder dessa
espécie, que vigia, que descobre e que
critica todas as nossas intenções, existe
realmente. (...) Os delírios de estar sendo
vigiado apresentam esse poder numa forma
regressiva, revelando assim sua gênese e a
razão por que o paciente fica revoltado
contra ele, pois o que induziu o indivíduo a
formar um ideal do ego, em nome do qual
sua consciência atua como vigia, surgiu da
influência crítica de seus pais (transmitida
por intermédio da voz)... (Freud,
1914/1969, p. 102).

Quanto ao delírio recorrente nos casos de paranoia


Freud coloca:
a) Delírio persecutório é a negação do sentimento de amor por
outro “‘eu não o amo, eu o odeio’, que ainda sofre a
transformação em ‘ele me odeia, pois me persegue, então tenho
direito de odiá-lo’’’. Projeta-se no objeto de desejo o ódio pela
própria existência deste desejo, tornando-o persecutório, e
assim, justifica-se o ódio que ele nos causa.
179
b) Erotomania, onde o objeto é trocado “não amo ele, amo
ela’’, com o intuito de negar o desejo homoerótico. E a
projeção transforma o “eu a amo” em “percebo que ela me
ama’’.
c) Ciúme delirante é quando se desconfia do parceiro (a)
imaginando que ele (a) ama outros (as) pessoas, as quais o
próprio sujeito é que está tentado a amar.
d) Delírio de grandeza ou megalomania é uma rejeição do
desejo como um todo “eu não amo ninguém’’, centrando o
desejo em si mesmo. (Informações
obtidasemhttp://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php/C
onceito_de_paran%C3%B3ia, acesso em 20 de maio de 2013).
Para Roudinesco e Plon (1998) no modelo clássico
Freudiano, a paranoia acabou tornando-se o modelo
paradigmático da organização das psicoses de modo geral.
Considerando-se então o delírio de grandeza, a perseguição, a
interpretação e autoerotismo, “a paranoia passou desde então a
ser definida como uma defesa contra a homossexualidade, e o
paranoico não mais foi encarado como um doente mental no
sentido da nosografia psiquiátrica”. (p. 573).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".


(Caetano Veloso).

O ser humano raramente é educado para a troca de


sentimentos, a inveja é uma companheira inseparável da
paranoia acarretando dor e sofrimento. A amargura e a
ansiedade destroem o homem em sua gênese por falta de uma
base sólida e real. Corre-se contra o tempo sem ao menos saber
para onde se vai, deseja-se mesmo sem saber o que, sente-se
ciúmes muitas vezes de algo já ultrapassado e falido por pura
180
posse, o homem está psiquicamente doente, existe uma
cegueira social que precisa ser curada para que ele não venha a
perecer. Este é um momento propício para o surgimento das
patologias.
As patologias sempre aparecem devido ao estado de
inconsciência, pois o medo, a falta, o abandono, a
inferioridade, a tristeza, muitas vezes são tão fortes e
avassaladores que acabam matando e reprimindo as
potencialidades humanas, neste momento surge a patologia
para cumprir seu papel, distorcendo a realidade, anestesiando
as consciências.
Desamor, raiva, desânimo, desejos frustrados, esta
realidade demasiadamente cruel diminui a autoestima, traz
sentimentos de culpa e desespero e se o ser humano acomodar-
se e aceitar estas condições de ignorância, pobreza, destruição,
acaba entrando no processo patológico. Quando estas dores
tornam-se insuportáveis e a pessoa não aceita como seu ela
projeta no exterior, é mais fácil dizer que lá fora o ambiente é
perturbador do que aceitar que o aqui dentro está insuportável.

181
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________. Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na


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185
A PSICANÁLISE HUMANISTA
E O PACIENTE SOCIOPATA

JOANA IARA FERRANDO TAVARES

“É por ser mais poeta que gente que sou louco?”


“Ou é por ter completa a noção de ser pouco?”
Fernando Pessoa

RESUMO: O presente estudo está integrado a um projeto


didático de estudo das psicopatologias, em especial no que diz
respeito às neuroses (campo da psicanálise), e dentre estas com
particular interesse na sociopatia, gênero de psicopatia ligado a
repressões, inseguranças e ansiedades, cuja gênese na grande
maioria dos casos está nas relações familiares mais arcaicas,
ainda nas fases da estruturação do psiquismo, na primeira
infância. Amparada em pesquisa bibliográfica sobre esses
temas, apresento conclusões que me pareceram apropriadas,
em função de fatos concretos da atualidade, e daqueles que
entendo os verdadeiros fins da psicanálise como ciência não só
da saúde, mas também ligada às áreas culturais.

Palavras-chave: Psicanálise. Neurose. Psicopatologia.


Sociopatia.

186
1. CONCEITUAÇÕES

O sociopata é gênero da espécie psicopata; caracteriza-


se como um indivíduo marcado por graves transtornos de
conduta, mas que não raro tem inteligência normal, até acima
da média, ostentando boa capacidade de raciocínio.
Pode-se afirmar que num tal quadro fica configurado,

Transtorno geral e persistente das funções


psíquicas, cujo caráter patológico é
ignorado ou mal compreendido pelo
enfermo, e que impede a adaptação lógica e
ativa às normas do meio ambiente, sem
proveito para si mesmo nem para a
sociedade (SARAIVA, 1977, vol. 6, p. 91).

Em sua sintomatologia, apresenta como característica


uma história de importantes transtornos de conduta, de
natureza eminentemente caracterológica, fazendo com que,
nesse aspecto diferente do comum das pessoas, o sociopata seja
um ser que é consciente do traço anormal de sua personalidade
e sofre por isso, enquanto contraditoriamente se compraz em
fazer sofrer a sociedade, em especial a representada pelo
círculo de suas relações mais próximas, sejam relações
familiares, sejam profissionais.
Apresenta desproporção entre os estímulos e as reações,
é capaz de irritar-se por pequenos motivos, sendo de alta
intolerância a estímulos menos agradáveis, vive no momento
presente sem refletir sobre as consequências de seus atos, que
simplesmente racionaliza, filtrando deles qualquer emoção.
A propósito, a racionalização:

187
Está ligada ao uso da razão, por parte do
sujeito, para apresentar uma explicação
coerente, do ponto de vista da lógica, ou
para encontrar uma justificativa do ponto
de vista da moral para uma atitude, uma
conduta, uma ideia, um sentimento etc.,
cujos motivos verdadeiros, de alguma
forma, ele nega (ZIMERMAN, 2009, p.
351).

Característica também marcante do sociopata é sua


instabilidade emocional, sua falta de constância, o que o leva
com frequência a enfrentar dificuldades na vida profissional,
pela insegurança, baixa autoestima e compulsão por mudanças
de planos, de emprego, de carreira, de tudo resultando maior
falta de adaptação e conduta antissocial, agravando seu
sofrimento psíquico.
Embora esses traços já sejam manifestos desde a
infância, geralmente é na fase da adolescência que a família
acaba lhes dando importância, quando os sintomas ficam
estampados pela evidência de dificuldades no rendimento
escolar e no relacionamento com colegas e professores, não
sendo incomuns os casos de sucessivas expulsões de vários
colégios.
Por esse distúrbio de conduta, são poucos os que
conseguem atingir o fim de uma carreira universitária, sendo
comum mesmo que esses pacientes, apesar dos níveis de
inteligência normalmente elevados, não cheguem a concluir o
curso secundário; no serviço militar costumam ser
indisciplinados, provocam conflitos disciplinares desacatando
superiores e com frequência sofrem punições.
Na vida profissional, em geral são inconstantes no
cumprimento de obrigações, abandonam o emprego, cometem
apropriação de objetos, são particularmente frágeis a adições
como tabagismo, alcoolismo e toxicomania.

188
O sociopata é paciente que tendo baixa autoestima,
mostra-se inseguro de si mesmo, tem ausência mórbida de
vontade (abúlico), ansioso por valores apresenta particular e
excessivo apego a questões de honra (filotímico); tem
dificuldade para adaptação a regras e rotinas.
Pelo transtorno afetivo de personalidade, apresenta
traços ciclotímicos, perturbações crônicas e flutuantes de
humor, alternando sensações de bem estar com períodos de
depressão (bipolaridade), ora mostrando humor
preponderantemente alegre, tentando mostrar-se extrovertido e
simpático, para isso chegando a ter atitudes teatrais, ora
mergulhando em tristeza e depressão.
Os sociopatas podem também ser caracterizados como
pessoas insinceras, marcadas por egocentrismo e incapacidade
de amar, ostentando pobreza de reações afetivas, conduta
fantasiosa, impessoalidade na vida sexual, vivência para si
também muito pobre de emoções.

São seres com arestas mentais, que


dificultam enormemente sua livre
circulação no meio social. São indivíduos
cuja estrutura psíquica é falha e se
caracteriza por maneiras de ser, pensar e
agir que os tornam antissociais. Sofrem a
influência de fatores genéticos
(predisposições) e fenótipos (caráter),
ambientais e exógenos. (SARAIVA, 1977,
vol. 62, p. 440).

Dotados de personalidade perversa e amoral, os


sociopatas não compreendem o que seja moralidade, ignoram
normas éticas e têm muito intensas suas tendências
antissociais.
Pelo superego insuficiente ou mesmo nulo, costumam
ter carência de inibição consciente e ausência de sentimentos
morais, predispostos as ideias delirantes, sendo mentirosos
189
contumazes e convincentes, podendo mesmo apresentar
periculosidade na razão direta de seu maior grau de
inteligência, não sendo incomum que alguns pacientes desse
perfil consigam galgar postos de mando quando, servis e
bajuladores, obsequiosos a superiores, não hesitam em serem
prestativos, ainda que sacrificando quaisquer razões éticas,
relativamente a colegas ou colaboradores mais humildes.

A conduta antissocial psicopática inclui


ampla variedade de perturbações, tais como
mentira, trapaça, furto e abuso de drogas. O
contexto de motivações dessa conduta
abrange desde as aparentemente racionais
manipulações financeiras do empresário
suspeito até o fantástico e altamente
sexualizado ato incendiário do
piromaníaco. (MACKINNON, 1981, p.
252).

Manipulador, o sociopata sabe ser polido e cultivar boas


maneiras, conseguindo iludir os demais; pode ter conduta
ousada devido a sua ausência de ansiedade neurótica, tornando-
se um indivíduo apto a tarefas como esportes perigosos ou
quaisquer atividades que exijam coragem pessoal e bravura, o
que pode fazer com que granjeie gratificação social.
Não sabendo ponderar as consequências de suas ações,
pela falta de sentimento de culpa e intolerância à ansiedade, é
insensível a restrições sociais comuns, às quais costuma
atribuir pouca importância, mantendo superficialidade em suas
relações objetais e indiferença à perda de laços na sociedade.

O paciente tem, frequentemente, a sensação


de estar autorizado a fazer o que faz,
embora possa reconhecer que os demais
não concordarão. Pensa ter sido tratado
injustamente no passado e que sua conduta

190
atual contribuirá para nivelar o equilíbrio.
[...] A escolha específica de conduta
perversa ou antissocial tem significado
simbólico. Por exemplo, o exibicionista
está, geralmente, preocupado com a
adequação de seu equipamento sexual e
procura tranquilizar-se pela reação dos
outros. Alguns padrões de furto repetitivo
refletem o sentimento de que o indivíduo
foi injustamente privado de algo que lhe
pertencia por direito. (MACKINNON,
1981, p. 252).

2. PSICOPATIA E NEUROSE

Já se viu acima que a índole psicótica da sociopatia tem


natureza caracterológica, o que, no entanto, “não é sinônimo de
neurose de caráter” (MACKINNON, 1981, p. 245).

Nos limites do presente estudo, a matéria interessa sob


o ângulo da psicanálise – e, a esta, importa o que diz respeito
às neuroses, visto que o neurótico “possui mecanismos mentais
para controlar a ansiedade ao mesmo tempo, que, proporciona
gratificação parcial de impulsos temidos” (ibidem), em
contraste com o caráter psicopático, no qual o indivíduo não
consegue desenvolver defesas adequadas e para ele se torna
necessário fugir à frustração e à ansiedade como meio de ter
assegurada a gratificação de impulsos e a segurança mediante o
alívio das tensões resultantes, iludindo a responsabilidade para
evitar situações onde fique exposto seu déficit afetivo, que o
angustia porque tem consciência dele.
Notável acentuar:

191
O caráter neurótico desenvolveu, mais que
sintomas neuróticos, modos de adaptação
egossintônicos como meio de lidar com o
conflito endopsíquico e a ansiedade. Isto
significa que adquiriu padrões de conduta
para gratificar parcialmente seus impulsos,
refrear sua ansiedade e acalmar, ou
satisfazer, as demandas do superego sem
prejudicar indevidamente o funcionamento
autônomo de seu ego ou suas relações com
os demais. (MACKINNON, 1981, p. 245).

Ampliando seus estudos sobre os casos


psicopatológicos aos quais se dedicou, Freud demonstrou “que
os problemas da mente não acontecem apenas com os
chamados doentes mentais, mas com todas as pessoas e de
forma cotidiana” (KEPPE, 2006, p. 93).
Desse modo, os distúrbios menos severos foram
catalogados como psiconeuroses, ou simplesmente neuroses,
enquanto os distúrbios mentais graves mereceram registro
como psicoses.
Já foi anotado, o que interessa a este estudo é a visão do
tema pelo ângulo da psicanálise e, nesse âmbito, é interessante
apontar que historicamente as neuroses eram as chamadas
“doenças dos nervos”, situações “em que um determinado
órgão era afetado, mas, não havendo lesão, acreditava-se que
haveria um mau funcionamento do sistema nervoso” (KEPPE,
2006, p. 98).
Na mesma perspectiva histórica e apenas como
curiosidade, anotamos ter havido quadros descritos segundo
sua origem como “neurose cardíaca”, como “neurose
digestiva” e outros casos com sinais neurológicos, mas sem
lesão detectada ou detectável, como na epilepsia ou
manifestações neurológicas da histeria.
Eugen Bleuler (1857-1939), psiquiatra suíço que
estudou a esquizofrenia e deixou importantes contribuições
192
científicas no campo da saúde mental, chegou a estabelecer –
sobre as neuroses – a seguinte divisão:

Neurose de ansiedade (tensão, apreensão e


preocupação); neurose histérica (sintomas
físicos – conversão, sintomas psíquicos –
dissociação); neurose fóbica; neurose
obsessivo-compulsiva (ideias obsessivas e
atos compulsivos); neurose depressiva;
neurose hipocondríaca (medo de doenças
ou ideia fixa de estar doente) e neurose de
despersonalização (sentimentos de
estranheza ou irrealidade com relação a si
mesmo) (KEPPE, 2006, p. 102).

3. OS ENFOQUES DA PSICANÁLISE

Em se tratando de psicanálise, “avaliaremos a


interpretação simbólica sobre os devaneios da sugestão pela
emoção” (PEREIRA, 2011, p. 7), com especial cuidado para
conceitos fundamentais ao humanismo, sempre tendo presente que:

O espírito humano possui nas pulsões o seu


motor, sua direção procura sempre a
criatividade, a produção de novas criações,
sua manifestação se torna perceptível e
mensurável, quando a energia possui a
determinação de comunicar-se com a
consciência. Através de suas
representações simbólicas, a produção
inconsciente se torna necessária para o
organismo se dar a conhecer (PEREIRA,
2011, p. 27).

193
Como introdução a este tópico, parece que nada poderia
ser mais apropriado que essa observação, na qual se contém
praticamente uma síntese sobre as neuroses, sua etiologia e
correta abordagem psicanalítica à luz de nossa
contemporaneidade:

Hoje em nossa sociedade é fundamental


que o ser humano preste atenção aos
valores e virtudes, oferecidos por nossa
cultura. É necessária uma análise crítica da
finalidade do ser na existência e das
possibilidades de desenvolvimento de sua
potencialidade. Existe, no entanto, um
estado de inconsciência, uma espécie de
alienação social e cultural. Diante deste
tipo de existência é fundamental refletir
sobre a condição do ser e dos possíveis
dilemas que encontrará no decorrer de sua
vida. São várias as exigências que a
existência apresenta ao ser humano. A
psicanálise humanista surge como um
caminho para ajudá-lo nesta complexa
tarefa de superar e transcender os dilemas
apresentados pela existência (PEREIRA,
2007, contracapa).

Ora, sabemos, o trabalho analítico tem por objetivo


despertar no paciente o sentido de realidade para seus próprios
potenciais na existência, desenvolvendo os dotes de
amorosidade que são inerentes ao ser humano, cuja natureza,
ou essência, deve ser estudada pelo analista a partir da
anamnese, para que possa ser definida “em termos
morfológicos, anatômicos, fisiológicos e neurológicos”
(FROMM, 1975, p. 297), levando o ser à plena consciência,
visto que “ter consciência de si mesmo é um dom supremo, um
tesouro tão precioso quanto a vida” (YALOM, 2008, p. 13).
É conveniente que se tenha bem claro:
194
As neuroses são vistas como padrões de
controle e regulamentação mal adaptados,
nos quais os motivos básicos do indivíduo
são frustrados em virtude de atitudes e
sentimentos enraizados no passado,
inadequados para a realidade externa atual.
A satisfação dos impulsos é sacrificada
com o objetivo de proteger o indivíduo da
ansiedade relacionada com temores
inconscientes de perigos imaginários
(YALOM, 2008, p. 244).

Esses seriam, em linhas gerais, conceitos psicanalíticos


que se poderiam dizer básicos, em princípio comuns a todas as
correntes teóricas.
Na vertente à qual nos filiamos e na qual devem evoluir
nossas atividades, a da psicanálise humanista, “certamente,
devemos presumir, a menos que regressemos a um ponto de
vista que considera o corpo e a mente como domínios
separados, que a espécie homem tem de ser definível tanto
mental quanto fisicamente” (FROMM, 1975, p. 297).
Fazendo uma rápida abordagem histórica a partir de
quando surge a psicanálise, dos estudos de Freud e toda a
evolução que daí segue, observa-se que na verdade as
concepções originais freudianas estiveram centradas no
homem.
Para Freud, “em sua concepção, o psíquico é biológico
por natureza e não apresenta qualquer dependência face ao
mundo exterior, à realidade social” (DOBRENKOV, 1978, p.
13).

Os conflitos entre o social e o biológico


que Freud descreve e que ocorrem a nível
do inconsciente não refletem, em realidade,
as inter-relações complexas e
principalmente reais entre os fatores
195
externos e internos que determinam a
atividade psíquica do homem, bem como
não revelam as verdadeiras forças motrizes
do seu comportamento. [...] O conflito
entre a natureza humana e a sociedade é,
segundo Freud, não uma unidade dialética
e a mútua penetração dos contrários, mas
tão somente um confronto de partes
independentes umas das outras. Para ele, as
condições sociais externas da existência
humana não determinam a atividade
psíquica, mas simplesmente dificultam a
sua manifestação, coíbem a realização das
inclinações instintivas (DOBRENKOV,
1978, p. 15).

Evoluindo da base freudiana, a teoria humanista de


Erich Fromm entende o homem como um ser social, em
amplitude na qual:

A revisão da Psicanálise dirige especial


atenção aos fenômenos psíquicos que
fundamentam a atual sociedade:
alheamento, medo, solidão, receio de
sentimentos profundos, carência de
ocupação ativa e falta de alegria. Estes
sintomas assumiram o papel central que, no
tempo de Freud, era desempenhado pelo
recalcamento da sexualidade (FROMM,
1992, p. 9).

Desta síntese, extrai-se que a teoria da psicanálise


humanista passou a dar ênfase à importância dos fatores sociais
na formação do caráter, acreditando que “tudo, no paciente,
está condicionado às experiências originárias no interior da
constelação familiar” (FROMM, 1992, p. 18).

196
Nesse terreno (o das experiências familiares), é
fundamental compreender, para que se entenda as neuroses, a
importância das vivências infantis na estruturação e no
desenvolvimento do caráter da pessoa humana, até porque é na
infância que surge a grande maioria dos problemas dessa
natureza, pela imaturidade do indivíduo nessa fase de formação
da personalidade, onde são essenciais as condições favoráveis
para o crescimento e onde eventos traumáticos acabam
deixando marcas profundas no psiquismo infantil.
Nessas “condições favoráveis”, está compreendida a
capacidade e a boa vontade que devem ter os pais para muitas
vezes superarem suas próprias necessidades neuróticas,
evitando negligenciar ou rejeitar os filhos (ou no oposto,
superprotegendo e sendo indulgentes), a fim de proporcionar às
crianças a satisfação de suas necessidades de afeto,
amorosidade e segurança.
Carentes disso, as crianças podem desenvolver angústia
e ansiedade, sementes de neuroses pelo sentimento de solidão
em um mundo que se mostre hostil.
Dominado pela neurose, o indivíduo pode buscar
defender-se da hostilidade desenvolvendo o ânimo, por
exemplo, de lutar por ter poder, prestígio e posses, como meio
de dominar, humilhar e até mesmo de privar as outras pessoas
de alguma coisa; e, quando mais profunda a ferida neurótica,
pode a pessoa até atingir níveis de rejeição ao meio social,
quando então o doente, impactado pelo ego ferido, é impelido a
afastar de si a ansiedade, o sentimento de solidão e a
hostilidade, lutando com todas as suas forças para tornar-se
independente ou emocionalmente desapegado de seus
semelhantes, mecanismo que lhe pode servir de proteção para
que não mais se sinta machucado pela rejeição, que pode ser
real ou imaginária, pode apenas existir no mundo de suas
próprias fantasias e desamor.
As pessoas normais, em maior ou menor grau, buscam
no dia a dia também defender-se da rejeição, da
197
competitividade e da hostilidade, em um mundo sempre mais
dominado pelas vaidades e ausência de humanismo, onde “a
felicidade do homem moderno consiste na sensação de olhar as
vitrinas das lojas e em comprar tudo quanto esteja em
condições de comprar, quer a dinheiro, quer a prazo”
(FROMM, 1995, p. 11).
Mas, pessoas pautadas por padrões de normalidade têm
discernimento e têm capacidade, mesmo perante uma
modernidade hostil, para utilizar manobras defensivas de
forma a extrair delas alguma utilidade, enquanto o neurótico
age de maneira essencialmente ineficaz, aprisionado em um
círculo vicioso onde necessidades compulsivas conduzem a
atitudes e comportamentos que lhe realimentam a baixa
autoestima, a sensação de inferioridade e seus medos derivados
da ansiedade básica.
Aí já se destaca a função do psicanalista, em seu
trabalho de conduzir seu paciente a entender que “quanto mais
conhecimento houver inerente numa coisa, tanto maior o amor”
(FROMM, 1995, p. 8, citando Paracelso), havendo desta
tomada de consciência o convencimento de que,

Todas as tentativas de amar estão fadadas a


falhar se ele não procurar, com o máximo
de atividade, desenvolver sua
personalidade total, de modo a conseguir
uma orientação produtiva; de que a
satisfação no amor individual não pode ser
atingida sem a capacidade de amar ao
próximo, sem verdadeira humildade,
coragem, fé e disciplina. Numa cultura em
que tais qualidades são raras, o alcance da
capacidade de amar deve permanecer uma
conquista rara (FROMM, 1995, p. 7).

Na linha da psicanálise humanista, a ansiedade básica,


da qual já se falou linhas acima, provém de uma compreensão
198
segundo a qual a teoria da personalidade sofre a influência de
fatores sociobiológicos, da história, da economia e até mesmo
da estrutura de classe.
É uma linha teórica também chamada culturalista, que
foi desenvolvida por Erich Fromm de acordo inicialmente com
a psicanálise freudiana, mas também influenciada por Karl
Marx, Karen Horney e outros teóricos, não ficando aprisionada
às motivações de Freud ligadas a questões da libido, mas
evoluindo para sustentar que para além dessa ordem de
motivações, a estruturação da personalidade também é
influenciada por questões culturais, ambientais, históricas e
socioeconômicas, baseando-se em conceitos antropológicos e
filosóficos sobre a existência humana.
Nesse entendimento, a psicanálise humanista assenta
seus fundamentos nas chamadas necessidades existenciais, que
seriam as formas pelas quais os indivíduos saudáveis procuram
reconciliar-se com o mundo (desenraizados da mãe natureza),
necessidades essas que seriam as de relacionamento,
transcendência, enraizamento, senso de identidade e estrutura
de orientação.
A necessidade de relacionamento é aquela que tem a
ver com o desejo de união com outro indivíduo e outras
pessoas, sendo que de acordo com Fromm isso pode ocorrer de
três formas: pela submissão, pelo poder e pelo amor, este o
único caminho para que se alcance individualidade e
integridade.
A transcendência, valor também essencial, seria o
desejo de avançar para além de uma existência passiva,
buscando exercer a produtividade e a engenhosidade humana
para criar, para produzir.
O enraizamento representaria o anseio e a necessidade
de estabelecer raízes, como forma de sentir-se o indivíduo à
vontade num mundo onde o ser perdeu seu lar no mundo
natural.

199
O senso de identidade estaria mais intimamente ligado à
formação do ‘self’ da pessoa humana, a capacidade de estar
ciente de si própria como uma entidade autônoma e separada.
A estrutura de orientação poderia ser comparada a um
roteiro, capacitando o indivíduo a organizar e dar sentido aos
estímulos provenientes de sua energia interior, podendo aí
haver desvirtuamento na direção de filosofias irracionais ou
bizarras, como as preconizadas por falsos profetas, líderes
religiosos ou políticos fanáticos e sectários.
Enfim,

A mais fácil e frequente forma de ligação


do homem são seus laços básicos com sua
origem – com o sangue, o solo, o clã, com
a mãe e o pai ou, numa sociedade mais
complexa, com sua nação, religião ou
classe. Esses laços não são basicamente de
natureza sexual, mas satisfazem o anseio de
um homem que não cresceu a ponto de ser
ele próprio, de superar a sensação de
isolamento insuportável (FROMM, 1984,
p. 80).

Esses valores todos de ordem psíquica têm fundamental


importância na satisfação das necessidades humanas, e o
indivíduo passaria a sentir-se vulnerável e indefeso, “se não
encontrasse laços emocionais que satisfizessem sua
necessidade de ser relacionado e unificado com o mundo
situado além da sua pessoa” (FROMM, 1984, p. 80).
É num tal panorama que a psicanálise humanista
conduz suas diretrizes no trato das neuroses como pode ser em
certo grau a sociopatia, desde que não fuja a esses paradigmas,
vindo a se tornar, por sua natureza, caso a ser tratado pela
medicina e pela psiquiatria.
Em se tratando de dar interpretação humanista a essa
ordem de fenômenos,
200
Não existe algo que seja mais importante
do que a nossa existência, porque através
dela estamos imersos numa espuma de
energia onde todos estão mergulhados,
alguns seres dotados de uma consciência
mais aprimorada conseguem fazer da vida
um dom especial para aprender com ela,
apropriar-se do legado cultural e ancestral
para ser mais humano. Onde existe o
humano também deve estar a preservação
da vida em toda sua extensão (PEREIRA,
2007, p. 9).

Estudando a natureza do homem, encontramos o


precioso ensinamento segundo o qual “o homem é o único
animal que não se sente à vontade na natureza, o único animal
para quem sua própria existência constitui um problema que
tem de ser resolvido e do qual não pode evadir-se” (FROMM,
1975, p. 296).
Nessa busca, na procura de resolver esse problema em
que se constitui a existência humana, é que muitas vezes o
indivíduo sucumbe à energia que lhe cabe primeiro
compreender para depois equacionar e dela tirar proveito
econômico, exercendo seus dons e potencialidades rumo à
felicidade, encontrando-se a si próprio, talvez a mais
verdadeira tarefa do ser humano na existência.
O insucesso nessa batalha pode levar o ser a sentir-se
condenado à ineficácia e à impotência frente à vida,
mergulhando em desamor, entediamento e depressões, podendo
descambar para a crueldade, para o crime ou adições e
compulsões, onde “a repetição obedece à lei do princípio do
prazer primário” porque “todo compulsivo obedece ao desejo
de negar a si mesmo as dimensões do prazer na existência”
(PEREIRA, 2010, pp. 46-47).

201
Sofrendo essa consciência de desamparo, o homem
pode buscar readquirir equilíbrio na busca por estados de transe
ou de êxtase, seja através das drogas ou do alcoolismo, seja
também por meio da transitoriedade do ato sexual, protótipo da
satisfação momentânea, que não raro se reduz a uma
experiência meramente narcisista, despida da orientação do
amor e, portanto, capaz de tão só aprofundar o vácuo
existencial.
Estímulos são necessários para levar uma pessoa a
tornar-se ativa, aberta a entabular os laços de afetividade e
amorosidade necessários a uma vida em sociedade, em padrões
normais de saúde e produtividade.
São esses estímulos que se vão constituindo em
aprendizagem e que se formam desde quando se compõem os
primeiros rudimentos da personalidade, lá na infância mais
remota, quando a estruturação do próprio ‘self’ ainda é um
processo inacabado, entendendo-se que “as paixões destrutivas
e sádicas em uma pessoa são usualmente organizadas em seu
sistema de caráter” (FROMM, 1975, p. 341).
Fundado na razão e formado, a nível social, também por
tradições arraigadas, o caráter é na verdade um fenômeno
essencialmente humano, necessário no processo da
sobrevivência humana, por isso então não encontrado em igual
patamar em outros mamíferos que, não tendo o dom da fala,
não têm condições para expressar símbolos, valores e ideias.

O conceito de caráter social é crucial para a


compreensão da agressão maligna. As
paixões destrutivas e sádicas em uma
pessoa são usualmente organizadas em seu
sistema de caráter. Numa pessoa de caráter
sádico, um impulso sádico é
constantemente ativo, aguardando somente
o surgimento de uma ocasião adequada e

202
de uma racionalização convincente para ser
posto em ação (FROMM, 1975, p. 341).

Na teoria humanista e como matrizes das mais sérias e


graves neuroses (capazes de resultarem em profundos desvios
de personalidade como a neurose sociopata), são identificadas
a necrofilia, o narcisismo secundário e a simbiose incestuosa.
Na necrofilia, o indivíduo desenvolve interesse pelo que
é escuro, pelas doenças, pela morte; no narcisismo secundário,
“a libido é desligada dos objetos e dirigida novamente de volta
ao ego” (FROMM, 1975, p. 271), fazendo com que a pessoa
seja fria, indiferente e desamorosa.
Na simbiose incestuosa, “uma das raízes mais remotas,
senão a própria raiz da necrofilia” (FROMM, 1975, p. 484),
ocorre um fenômeno patológico em que o indivíduo não
consegue estabelecer com a mãe ou com seus cuidadores um
relacionamento sadio baseado no amor verdadeiro, derivando
para uma situação doentia.
Essas matrizes, pode-se afirmar, são geradoras de
recalques, traumas e neuroses, imprimindo na pessoa graves
desvios de caráter, um deles podendo ser a sociopatia como
neurose, numa hipótese menos severa de psicopatia, mas de
qualquer modo uma verdadeira mutilação caracterológica, um
estado de impotência vital e inércia, tornando o indivíduo
incapaz de responder à verdadeira tarefa humana de encontrar a
felicidade através de uma vida produtiva e marcada por
amorosidade nos relacionamentos com o outro, tornando-o
inadaptado ao convívio em sociedade.
Além da simbiose incestuosa, o estudo do narcisismo é
outro tema que adquire grande importância na estruturação da
personalidade, entendido que a pessoa, “na medida em que seja
narcisista, tem um modelo duplo de percepção. Só ela e o que
lhe pertence têm significação, enquanto que o resto do mundo
mostra-se mais ou menos sem peso e sem qualquer colorido”

203
(FROMM, 1975, p. 272), distúrbio também capaz de dar
contorno a uma personalidade sociopata.
Integrado por Freud aos estudos sobre a libido, o
narcisismo remonta aos relacionamentos originários da
infância, quando ainda não havia relacionamentos com o
mundo externo, mas fundamentalmente do bebê com sua mãe
(narcisismo primário), um estágio normal do desenvolvimento
humano.
Em circunstâncias especiais, contudo, “a libido é
desligada dos objetos e dirigida novamente de volta ao ego”
(FROMM, 1975, p. 271), quando então se dá o narcisismo
secundário, anomalia da qual “a pessoa narcisista exibe graves
defeitos de julgamento e mostra-se carente frente à
objetividade.” (FROMM, 1975, p. 272). Características
também marcantes da personalidade sociopata.

4. ADIÇÕES, COMPULSÕES E PERVERSÕES.

O sociopata, tendo como característica bem marcante,


vimos inicialmente, apresentar desproporção entre os estímulos
e as reações, com capacidade para irritar-se por pequenos
motivos, sendo de alta intolerância a estímulos menos
gradáveis, vivendo no momento presente sem refletir sobre as
consequências de seus atos, que simplesmente racionaliza,
filtrando deles qualquer emoção, a ele não é incomum que
venha a buscar gratificação na entrega a adições, compulsões e
perversões.
No trato com esse tipo de paciente, a atenção do
psicanalista deverá desde logo estar voltada para a importância
dos primeiros vínculos, porque as personalidades neuróticas
costumam desenvolver-se a partir das experiências infantis,
nelas podendo estar sendo instaladas a hostilidade básica e a
ansiedade básica, capazes de levar os indivíduos à inabilidade
204
para o convívio social segundo padrões normais de utilidade e
eficácia, aguçando sensações de ansiedade e de hostilidade, e,
pela baixa capacidade em resistir às frustrações, à busca do
prazer mais imediato nas adições, compulsões e perversões
como necessidades neuróticas a serem satisfeitas.
O sujeito adicto foca seu caráter “nas suas necessidades
pessoais” e “seu desejo é de ser atendido em todas as suas
reivindicações, o que demonstra um narcisismo que é um
componente devorador das energias do outro” (PEREIRA,
2010, p. 121).
Com dificuldades para lidar com situações de conflito,
não conseguindo suportar frustrações, o sujeito “coloca toda
sua atenção no prazer que a adição proporciona” (p. 117),
tendo a partir daí “um único objetivo em sua vida, utilizar todo
seu potencial de inteligência para satisfazer o desejo
monstruoso das experiências que as drogas proporcionam”
(PEREIRA, 2010, p. 117).
Pagando o preço do isolamento social, a dependência às
drogas, especialmente as ilícitas, faz com que o paciente
organize sua vida “ao redor da obtenção da droga com o fito de
elevar seu estado de ânimo e sua autoestima. Já que esses
efeitos são temporários, experimenta ciclos periódicos de
necessidade, realização, satisfação e necessidade renovada”, e
nesse círculo vicioso “tenta recriar uma etapa primitiva do ego
associada à segurança, à libertação da ansiedade, e, por vezes, à
felicidade” (MACKINNON, 1981, p. 255).
Afora adições às drogas ditas ilícitas e as mais pesadas,
podem ser encontrados pacientes tornados “os adictos ao
trabalho, os alcoólatras, os jogadores de baralho, os praticantes
de sexo com prostitutas vivem, nessas adições, uma tentativa
de diminuir seu estado de angústia e ansiedade” (PEREIRA,
2010, p. 83).
No caso da compulsão, os pacientes neuróticos
sociopatas sofrem os impactos severos da culpa, agravando

205
sentimento de “impotência, de vulnerabilidade, que os torna
fracos diante de sua compulsão” (PEREIRA, 2010, p. 95).
Pelo psiquismo afetado por experiências regressivas
traumáticas e dolorosas, se recusam ao amor, porque “amar
alguém é tornar possível a repetição do abandono e da traição”
(PEREIRA, 2010, p. 97).
Também nas perversões sexuais pode haver raízes
neuróticas.
Conceitualmente, “perversões são padrões de conduta
sexual que a sociedade considera desviados, geralmente porque
o ato específico ou o companheiro escolhido não correspondem
aos critérios tradicionais” (MACKINNON, 1981, p. 256).
Segundo esse conceito padrão,

A perversão mais comum, encontrada na


prática clínica é a homossexualidade
masculina. As relações de objeto deste
paciente são caracterizadas pela
superficialidade e transitoriedade, o que
provoca depressão quando o paciente é
incapaz de satisfazer sua intensa
necessidade de íntima afeição humana. Os
relacionamentos homossexuais são menos
estáveis que os heterossexuais e a síndrome
depressivo consequente ao término dessas
relações é a queixa mais comum. [...]
Caracteristicamente esses indivíduos
referem-se a ser homossexual, não de
praticar atos homossexuais, isto é, veem
’homossexual’ como um tipo de pessoa,
não como um padrão de conduta. Isto
protege o paciente da necessidade de
considerar sua ansiedade primária com
objetos homossexuais ou sua própria
responsabilidade pelas ações.
(MACKINNON, 1981, pp. 256-257).

206
5. MECANISMOS DE DEFESA

Quando se trate do estudo das neuroses de adultos, uma


particularidade importante é lembrar que as defesas do ego são
sempre ativadas contra os perigos pulsionais, ou seja, sempre
que os desejos impelidos por pulsões tendem a obter
gratificação, penetrando na consciência.
Quando é identificada a situação de perigo e quando o
ego, submisso, ativa uma defesa, isso se dá por razões do
superego, não do ego, uma vez que quanto a este “o motivo que
o instiga à defesa não é originalmente seu [ ...] o ego do
neurótico adulto teme as pulsões porque teme o seu superego.
Sua defesa é motivada pela angústia do superego” (FREUD,
2006, p. 45).
Conceituando, pode-se dizer que mecanismos de defesa
são as “operações mentais que têm por finalidade reduzir as
tensões psíquicas internas, ou seja, das angústias. Processam-se
pelo ego e praticamente sempre são inconscientes”
(ZIMERMAN, 2009, p. 97).
Na medida em que evoluíram os estudiosos em suas
pesquisas sobre as neuroses, aprofundando conhecimentos, os
pesquisadores, a partir de Freud, pavimentaram caminhos até
Melanie Klein que,

Coerente com suas concepções da


existência de um, inato, ego rudimentar –
com a finalidade de fazer face às
incipientes angústias decorrentes da pulsão
de morte – propôs a noção de defesas
primitivas e de natureza mágica, como a
negação onipotente, dissociação,
identificação projetiva e introjetiva,
idealização e denegrimento (ZIMERMAN,
2009, pp. 97/98).

207
Os sociopatas, indivíduos assolados por angústias
internas muito intensas, estruturam inconscientemente suas
defesas, além dessas apontadas, empregando a generalização, o
isolamento e a racionalização.
Generalizando, para enfrentar o desconforto de sua
conduta antissocial, o sociopata procura excluir-se da
anormalidade nutrindo o sentimento de que “todos fazem isso”,
ou seja, sente-se autorizado na medida em que considera que as
demais pessoas não agem diferentemente, que seu padrão está
associado à média da conduta dominante no meio social onde
vive, sentindo-se enquadrado, portanto, na normalidade.
No isolamento emocional, busca refúgio em recurso de
certa forma com natureza mágica, criando uma espécie de hiato
ou pausa que lhe permita entender cindido seu pensamento,
formando como que uma barreira capaz de evitar o contato
associativo, como se fosse um processo também de clivagem
pelo qual busca inconscientemente fugir do sofrimento e da
depressão.
O sociopata igualmente racionaliza, buscando aplacar
seu ego através de uma explicação coerente ou uma
justificativa moralmente aceitável para sentimentos, ideias ou
condutas cujos motivos verdadeiros ele nega, pela viva noção
que nutre sobre a sua diversidade na relação com o meio.
Negando, o indivíduo “recusa percepção a um fato que
se impõe no mundo exterior, negando que lhe pertença”
(LAPLANCHE, 2012, p. 293), porque inconscientemente não
quer tomar conhecimento desse fato, o que também pode
ocorrer com relação a algum desejo, fantasia, pensamento ou
sentimento ao qual renegue e ao qual se recuse à apropriação.
Derivando para a negação fantasiosa, o indivíduo
“escolhe a gratificação delirante e renuncia à função de
comprovação da realidade. Desliga-se do mundo exterior e
cessa inteiramente de registrar os estímulos externos”
(FREUD, 2006, p. 62).

208
6. CONCLUSÕES

No atual estágio da civilização, a sociedade vem sendo


cada vez mais dominada pelos avanços da tecnologia e, ao
mesmo tempo em que a vida humana do século XXI está
cercada por comodidades, facilidades e conforto impensáveis
no final do século XIX, lá nos primórdios científicos da
psicanálise, esse conjunto de avanços sem nenhuma sombra de
dúvida afasta definitivamente o homem de suas raízes no seio
da mãe natureza, onde repousam suas origens mais arcaicas.
Esse dilaceramento dos laços fundamentais é
potencialmente gerador de ansiedades e angústias, formador de
neuroses e importante fator para que seja distante o encontro
com a verdadeira felicidade, para que seja a cada dia menos
prazerosa a formação de vínculos humanos de amorosidade,
uma vez que são fortes e intensos os apelos a estilos de vida
onde esses valores ficam em plano inferior e nossas pulsões são
deslocadas para a gratificação através do consumo supérfluo,
cuja alimentação depende de hábitos predatórios de
concorrência entre os seres, num círculo vicioso que se
retroalimenta infinitamente e de modo autofágico.
Nessa nova cultura, hábitos, usos e costumes
tradicionais foram abandonados, principalmente nos centros
urbanos, onde as relações sociais já não se dão mais através da
interação, por meio do convívio amistoso, hoje substituído por
vínculos na grande maioria das vezes apenas formais e sem
calor humano, por exemplo, através de meios informatizados.
Numa rápida demonstração ilustrativa, baseada em
fatos que são bem conhecidos, parece interessante observar que
na segunda metade do século XX, entre os anos de 1950 e
2000, população brasileira triplicou.
Nesse mesmo espaço de tempo, as populações da área
rural, que representavam mais da metade do total de habitantes,

209
foram reduzidas a pouco mais de um terço do contingente
populacional, hoje predominantemente urbano.
Num tal quadro, são evidentes as transformações
culturais que ocorreram no que diz respeito aos usos e
costumes, conceitos sociais e de ordem moral ou ética nas
relações, na economia e nas comunicações, enfim, na própria
estruturação dos hábitos pessoais e familiares, em constante
adaptação aos modelos que evoluíram desde a vida camponesa
até aqueles dos conglomerados urbanos.
A família patriarcal, de numerosos filhos e mão de obra
farta direcionada muitas vezes à própria subsistência do grupo,
cedeu lugar aos núcleos familiares modernos bastante
reduzidos, onde pai e mãe disputam lugar num mercado de
trabalho sempre mais competitivo, os filhos desde tenra idade
ficam comumente sob a guarda de cuidadores profissionais,
sejam babás nas residências, sejam educadores em instituições.
Na sociedade urbana e industrial, regida por novos
hábitos e condicionada por apelos midiáticos e pela
instantaneidade das comunicações, pais e mães sempre mais
vem tendo intensificadas suas necessidades neuróticas, acabam
massificados pela inevitável adesão aos novos usos e costumes,
muitas vezes negligenciando as necessidades de afeto e de
segurança dos filhos, intelectualizando, sublimando ou
racionalizando culpas através de processos compensatórios de
satisfação, seja superprotegendo, seja tratando seus filhos com
excessivas indulgências, tudo isso podendo reverter em
hostilidade básica, ansiedades e medos, gerando sentimentos de
desconfiança e rebeldia e alimentando neuroses que podem
resultar em sociopatia.
Nesse mundo novo, evoluíram as ciências humanas e
sociais, atualizou-se a economia, progrediu a medicina, que
encontrou na modernidade recursos tecnológicos suficientes
para avanços até bem pouco tempo atrás impensáveis,
erradicando moléstias e empregando técnicas elaboradas de
saúde pública, tudo isso fazendo parte da constante evolução
210
buscada pela sociedade contemporânea, na direção de
encontrar melhores condições e qualidade de vida.
Iguais desafios deve enfrentar a psicanálise, como
ciência também voltada às questões de saúde pública e
educação, que procura através da tomada de consciência e do
autoconhecimento o caminho para uma vida saudável, feliz e
de amorosidade nos relacionamentos, sendo que dos
profissionais a ela dedicados se espera a cada dia maior
comprometimento com o estudo, base e um dos tripés da
análise.

211
BIBLIOGRAFIA

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Verdade. Tradução de Paulo Bezerra, Editora Civilização
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213
O PACIENTE OBSESSIVO-COMPULSIVO NA
PSICANÁLISE HUMANISTA

EDEN JORGE PEREIRA PEREZ

RESUMO: O presente artigo está sendo direcionado, sob a


ótica da psicanálise humanista, a uma intentada compreensão
da Neurose Obsessiva, ou Transtorno Obsessivo Compulsivo –
TOC, abrangendo obsessões e compulsões que afetam o
paciente, com a busca de entender neuroses e causas
internalizadas capazes de provocar sintomas e adições, levando
a uma hipoacomodação e consequente dificuldade em
estabelecer novas representações, fixado o pensamento em
ideias recorrentes, dificultado o raciocínio. Num esforço para
conhecer e esclarecer globalmente os temas e questões
abrangidos pela matéria, as pesquisas são de início alargadas
para aspectos multidisciplinares entendidos pertinentes, como
as transformações cerebrais, hoje já admitidas. Com igual
finalidade indagativa – apanhado global da matéria – são
abordados, desde a anamnese, alguns ângulos clínicos
relacionados à terapia analítica humanista, tudo em busca de
obter funcionalidade e economia na matéria enfocada, para ao
final concluir pela importância da Psicanálise como ciência a
serviço da saúde mental e da educação.

Palavras-chave: Obsessão. Compulsão. Psicanálise.


Humanismo.

214
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No ramo do conhecimento humano, notavelmente


desenvolvido a partir do Século XX, houve profunda
modificação de conceitos tradicionais e de há muito arraigados
nos meios científicos, com destaque – para efeito deste estudo
– para as áreas relacionadas a nosso cérebro, suas capacidades,
limitações e mecanicidade do seu funcionamento.
E foi nesse âmbito que acabaram ruindo antigas
concepções segundo as quais vigorava a teoria do cérebro
imutável, isto é, a compreensão de que pessoas nascidas com
limitações cerebrais ou mentais, ou que viessem a sofrer danos
cerebrais, estariam irremediavelmente prejudicadas, o que era
assim por se entender que o cérebro era incapaz de se
transformar.
A ideia do cérebro em transformação despertou o
interesse de neurologistas, psiquiatras, psicanalistas e
pesquisadores que, com fundamento em experiências de casos
clínicos, desenvolveram – através da assim chamada
neurociência – uma verdadeira revolução neuroplástica, “com
implicações para nossa compreensão de como o amor, o sexo,
as frustrações, os relacionamentos, o aprendizado, os vícios, a
cultura, as tecnologias e as psicoterapias, entre outros, mudam
nosso cérebro” (DOIDGE, 2012, p. 13).
São estudos de caráter multidisciplinar, portanto, que
hoje admitem o uso da plasticidade cerebral para mitigar o
sofrimento das pessoas afligidas por preocupações, obsessões,
compulsões e maus hábitos em geral.
No que se refere à Neurose Obsessiva ou Transtorno
Obsessivo Compulsivo – TOC, o sofrimento é intenso, o
tratamento é muito difícil.
As terapias de natureza comportamental são apenas
parcialmente úteis, pois o pensamento obsessivo e o impulso
compulsivo tendem sempre a piorar depois que o paciente, com
215
muito esforço, consegue um alívio temporário tentando resistir,
obtendo uma espécie de “efeito catarse”, de duração
passageira.

No terreno da psicanálise, a investigação dos sintomas


pode conduzir a conteúdos reprimidos ou recalcados, de
natureza depressiva ou sexual, desencadeando ideias
perturbadoras capazes de conduzir aos pensamentos
obsessivos, por exemplo, originados em raivas reprimidas.

Um insight, em casos brandos, pode ser suficiente para


fazer desaparecer uma obsessão, mas quase nunca dá certo nos
casos mais graves, em que as origens emocionais podem estar
associadas ao funcionamento de circuitos cerebrais.

Torna-se essencial então o apoio farmacológico,


funcionando a medicação como “rodinhas numa bicicleta”
(DOIDGE, 2012, p. 189), ou como “a tala ou o gesso no
membro fraturado” (Rodrigues, 2012, anotações em aula),
atenuando ou baixando os níveis de ansiedade enquanto a
pessoa progride na busca do autoconhecimento e obtém
benefícios com a sua analise, sendo possível esperar que com o
passar do tempo venha a se tornar dispensável o uso de
remédios.

O que se quer dizer com isso é que nem mesmo a mais


qualificada psicoterapia, amparada nas melhores técnicas da
psicanálise, poderia atuar isoladamente, sem que ocorra bem
respaldada pelos necessários e proficientes cuidados médicos
que cada caso requeira, cabendo que se faça pleno o
investimento humanista, mediante uma boa interpretação da
intensidade dos sofrimentos impostos à pessoa portadora da
Neurose Obsessiva, ou Transtorno Obsessivo Compulsivo.

216
2. PRIMEIRA ENTREVISTA - ANAMNESE

Jamais se perca de vista que uma boa terapia “não deve


ser impulsionada pela teoria, mas sim pelo relacionamento”.
(YALOM, 2006, p. 17).
Esse relacionamento, é evidente, deverá amadurecer
com a confiança do par analítico, mas sem nenhuma dúvida
suas bases deverão ser alicerçadas já a partir da primeira
entrevista, quando será feita a anamnese do caso, desde quando
convém que o analista, lembrando Karen Horney, tenha
presente que sua tarefa é a de “remover os obstáculos que
bloqueiam o caminho do paciente”. (YALOM, 2006, p. 21).
Para que se evolua gradualmente no delicado processo
em que o analista tenta conhecer seu paciente da maneira mais
completa a seu alcance, é cauteloso e recomendável evitar a
definição prévia de um diagnóstico, pois isso poderia
“congelar” uma espécie de predeterminação que se
retroalimentaria a si própria, não só estimulando como até
perpetuando uma eventual característica bitoladora, destacada
nas primeiras impressões, e capaz de prejudicar uma ampliação
dos horizontes quando evolua o relacionamento, e seja mais
profundo o real conhecimento do paciente e seus
relacionamentos familiares, sociais e profissionais.
Isso poderia contaminar a percepção do analista e
causar danos a sua tarefa da remoção de obstáculos, havendo
potencialmente o risco de trazer sérios prejuízos ao processo,
ao tratamento e, pois – em razão direta – ao próprio paciente;
ademais, convém ter em mente que “diagnóstico estereotipado
não contribui para a convivência humana e a dignidade do
paciente” (PEREIRA, 2009-b, p. 83), lembrando que a pessoa
pode até sentir-se obrigada a assumir uma nova identidade, por
isso que determinar um diagnóstico pode vir mesmo a
significar impulso no “processo de discriminação social,

217
rejeição, abandono, preconceito e julgamento” (PEREIRA,
2009-b, p. 84).
Todos esses cuidados requerem uma redobrada atenção
flutuante do analista já na primeira entrevista, quando deverão
ser tracejadas as premissas clínicas, havendo consenso de que
as enfermidades em geral podem ter origem em fatores ao
mesmo tempo de ordem psíquica, somática e social, fatores
cujo peso relativo pode ser bastante díspar.
Sabe-se que antes de ser admitido ao tratamento na
psicanálise humanista, o futuro analisando deverá ser
submetido à entrevista preliminar, onde possa ser previamente
avaliada seu potencial de analisabilidade, elaborando-se então a
anamnese do caso.
Em se tratando então de paciente com queixa de
Neurose Obsessiva, ou Transtorno Obsessivo Compulsivo –
TOC, ao ser admitida essa pessoa à análise, será esclarecida de
que deve continuar nos tratamentos médicos pertinentes, pois
mesmo havendo doenças onde a psicogênese pode ser
relevante, não é menos importante saber que o processo
patológico, uma vez desencadeado, já não pode ser detido por
meios exclusivamente psíquicos, além do que, como se viu
acima, pode ser necessária uma intervenção multidisciplinar –
trata-se de verdadeira questão ética.
Etchegoyen (2008, p. 30) é bem enfático: “eu me
atreveria a dizer que há uma vocação para a análise, assim
como para outras tarefas da vida”.
Convém lembrar: a oferta que se pode dar ao potencial
paciente é a de um tratamento possivelmente longo e penoso,
com a premissa do autoconhecimento e o decorrente confronto
com energias pulsionais e sua valoração, pela leitura da história
individual criptografada no inconsciente através das narrativas
e investigações sobre fatos arcaicos da vida.
Isso pode se mostrar nem sempre atrativo, e pode ser
quase sempre desagradável.
Bem a propósito, o alerta de Erich Fromm:
218
O objetivo da psicanálise é de dar
segurança e não ser uma muleta, preparar a
pessoa para a autonomia e não torná-la
débil e fraca, reencontrar-se com suas
verdades e não tornar-se cúmplice da
escravidão conceitual e teórica, levá-la a
desenvolver suas potencialidades e
criatividade e não manipulá-la com mitos e
falsas esperanças. (PEREIRA, 2011, p. 02).

Nesses parâmetros, a Dra. Elizabeth R. Zetzel,


conceituando a analisabilidade a define como:

1. a capacidade de manter a confiança


básica em ausência de uma gratificação
imediata;
2. a capacidade de manter a discriminação
entre o objeto e o self em ausência do
objeto necessitado;
3. a capacidade potencial de admitir as
limitações da realidade. (ETCHEGOYEN,
2008, p. 32).

O elemento fundamental a ser desde logo avaliado, na


verdade, é o desejo, como impulso anímico condutor da
vontade do analisando em submeter-se ao processo, no qual,
através do autoconhecimento e de sua ressignificação como ser
humano, terá de enfrentar o renascimento para uma nova vida,
olhando frente a frente a crueza de suas próprias verdades, o
que nem sempre é agradável.
Há nesse contexto o que – sem heresia – até se poderia
chamar um verdadeiro ritual de passagem, no rumo da
reinserção do ser em suas novas realidades, adquirindo o
processo psicanalítico seus momentos característicos, definidos
por uma dinâmica especial própria a cada etapa.

219
Freud delimitou esse espaço em três etapas, a primeira a
“abertura da análise, iniciada com a primeira sessão e com a
extensão em geral limitada a dois ou três meses, caracterizada
pelos ajustes entre os participantes enquanto se situam e tentam
compreender um ao outro”. (ETCHEGOYEN, 2008, p. 339).
Na sequência, a segunda etapa ou etapa intermediária, a
menos típica e mais longa, demarcada a partir de “quando o
analisando compreendeu e aceitou as regras do jogo:
associação livre, interpretação, ambiente permissivo, mas não
diretivo, etc.”. Não tem duração que possa ser estimada,
perdura por tempo variável e “distingue-se pelas contínuas
flutuações do processo, com marés de regressão e progressão,
sempre regidas pelo nível da resistência” (ETCHEGOYEN,
2008, p. 339).
Desde esse tracejamento geral sobre pontos comuns, a
psicanálise humanista envereda por caminhos peculiares e que
lhe são próprios.
Nessa linha de terapia, o analisando é levado a pensar e
a meditar sobre suas vivências e suas ações, iniciativas e
investimento sobre o potencial de suas neuroses, sobre suas
crenças e seu espaço para acolher o autoconhecimento e a
aceitação de mudanças que poderão colocar em choque antigas
crenças e valores introjetados em seu psiquismo – daí a ideia
do renascimento, com o sentido de ressignificação para
aceitação do amor e da presença do outro em sua vida.
Relevante e expressiva a ausência do diagnóstico, aqui
já se espera do analista o interesse real em conhecer com
profundidade o analisando para bem avaliar sua dor,
estabelecendo-se entre ambos (analista e analisando) a união
através de um laço baseado “na fraternidade, na solidariedade,
na humanidade, no comprometimento, na responsabilidade,
sendo o analista presente e atuante” (PEREIRA, 2009-a, p.
151), avultando como imperativo entender que “a análise
humanista tem como finalidade, na busca pela verdade, levar o
paciente ao confronto com sua realidade objetiva e subjetiva,
220
levando o paciente a livrar-se de toda ilusão e engano”.
(PEREIRA, 2009-a, p. 153).
Sem que, na psicanálise humanista, haja rigidez no
estabelecimento prévio de diagnóstico, o paciente cujo sintoma
venha a ser a Neurose Obsessiva ou Transtorno Obsessivo
Compulsivo – TOC deve ser encarado como um ser carente de
afeto e de acolhimento, focando-se o analista na ideia de que
“qualquer teoria do amor deve começar com uma teoria do
homem, da existência humana”. (FROMM, 1995, p. 16).
Nenhuma dessas considerações, entretanto afasta a
necessidade de cautela, haja vista que em psicanálise, como
bem pode ser resumido, “apenas o núcleo nosograficamente
reduzido, mas epidemiologicamente extenso da neurose, é
acessível à análise: Freud, nesse sentido, foi categórico”
(ETCHEGOYEN, 2008, p. 26).
Com efeito, basicamente – durante o processo de
análise – a conquista buscada pelo par analítico é a de levar o
analisando a ampliar sua capacidade de diferenciar a realidade
externa da realidade psíquica (o que varia de pessoa para
pessoa, momento da vida, grau de ansiedade).
Essa é uma evolução que somente ocorrerá com a
instalação, no campo analítico, do movimento concêntrico
implementado pela energia da transferência, sendo notável que
“apesar de todos os neuróticos serem potencialmente capazes
de estabelecer uma neurose de transferência, nem todos podem,
de fato, conseguir isso” (ETCHEGOYEN, 2008, p. 34).
No que se refere ao obsessivo, podem ser encontradas
“dificuldades para desenvolver uma neurose de transferência
franca e analisável durante o primeiro período da análise”
(idem, p. 33), o que se dá durante o período de ajuste, nos
primeiros dois ou três meses, como antes visto.
Cauteloso, na anamnese dos pacientes com sintoma de
Neurose Obsessiva, ou Transtorno Obsessivo Compulsivo –
TOC, levar na devida conta:

221
O que é decisivo para determinar a
analisabilidade dos pacientes obsessivos é
que sejam capazes de tolerar a regressão
instintiva, para que se constitua a neurose
de transferência, sem que por isso a aliança
terapêutica sofra. Ou seja, o obsessivo tem
de poder tolerar o conflito pulsional entre
amor e ódio da neurose de transferência,
distinguindo-o da relação analítica.
(ETCHEGOYEN, 2008, pp. 33/34).

É uma dificuldade que desafia mesmo os analistas mais


experimentados, merecendo cautela redobrada quando se trate
de um principiante na difícil arte de analisar.
Desse (analista iniciante), é exigido extremo esforço em
assenhorear-se dos elementos que constituem o tripé da
psicanálise, quais sejam, a boa fundamentação teórica, a
supervisão e a análise pessoal, uma vez conveniente não perder
de vista que, tão crucial quanto as tristezas do analisando é o
que o analista sente, tão essencial quanto o psiquismo do
paciente é o que se passa no psiquismo do analista, cujas
próprias questões é imperativo estejam bem equilibradas, para
um bom e adequado manejo das energias transferenciais e
contratransferenciais.

3. OBSESSÕES E COMPULSÕES

A inteligência poderia ser classificada como a


capacidade mental de raciocinar e foi adquirida pelo homem,
segundo a teoria humanista, desde o momento em que esse
emergiu de sua condição natural, perdendo os dotes instintivos
próprios do mundo animal e adquirindo consciência de si
mesmo, de sua vida e de sua finitude e falibilidade.

222
Seres inteligentes, porque dotados de habilidades
mentais cuja essência nos permite planejar, nutrir esperanças e
teorizar – mas também alimentar anseios e temer insucessos –
nós humanos sustentamos preocupações e níveis de sofrimento,
inerentes à existência e inevitáveis, próprios de nossa condição;
isto é genérico e se dá com todos, consistindo parte inerente de
nossas contingências vitais.
Algum nível, portanto, de preocupação e de ansiedade,
é inevitável à vida humana. Sendo que há alguns sinais de
alarme que devem ser observados.
É preciso saber detectar situações de anormalidade
quando preocupações e ansiedades venham a adquirir
contornos de fobias, sendo que para o tema em questão, assume
especial interesse dar destaque aos casos de pessoas com os
sintomas obsessivos, pessoas que estão entre as que mais
sofrem, permanentemente afligidas pela ideia do mal, do
prejuízo iminente.
Angustiados, permanentemente apavorados, tais
pacientes sofrem um processo que se retroalimenta, onde medo
gera medo, preocupação gera preocupação; quanto mais
pensam em seus temores, mais esses fantasmas se robustecem,
mais o problema se avulta, agravado pela vergonha ante a
perda do controle, o que agudiza o sofrimento, intensifica a
sensação de infortúnio, carreando prejuízos na interação com o
outro, nos relacionamentos sociais, uma vez que o neurótico
desse grupo não elimina da consciência o sentido de
inadequação das condutas obsessivo-compulsivas.
Elucidando o núcleo dessas condutas:

Vale lembrar que o termo obsessão refere-


se aos pensamentos que, como corpos
estranhos, infiltram-se na mente e
atormentam o sujeito. Por sua vez, o termo
compulsão designa os atos motores que
esse tipo de neurótico executa como forma
de contra-arrestar a pressão dos referidos
223
pensamentos. (ZIMERMAN, 2009, p.
302).

Sofrendo em silêncio, o neurótico vê que “suas dúvidas


e traumas emocionais aumentam cada vez mais a sua
infelicidade”, sendo notável anotar que “o motivo de essas
pessoas se tornarem insensíveis, frias e distantes, é uma
maneira de se protegerem contra algum tipo de experiência
traumática” (PEREIRA, 2010, p. 45).
Assim é, no nível inconsciente, em fantasias e criações
derivadas do conflito.

4. A ETIOLOGIA E A DINÂMICA DA NEUROSE

A expressão Transtorno Obsessivo Compulsivo parece


mais adequada à terminologia médica ou à psiquiatria, uma vez
assim estando catalogada no Código Internacional de Doenças
– CID.
Em se tratando de psicanálise, poder-se-ia adotar como
referencial a designação "Neurose Obsessiva Compulsiva”.
Os conflitos do indivíduo obsessivo podem ser
sintetizados basicamente no confronto entre obediência e
desafio, gerando alternadamente o medo de ser punido pela
desobediência, a raiva de renunciar a seus desejos e submeter-
se à autoridade, formando-se um círculo vicioso: “o medo,
originado do desafio, leva à obediência, enquanto a cólera,
derivada da obediência, conduz de volta ao desafio”.
(MACKINNON & MICHELS, 1981, p. 83).
A Neurose Obsessiva Compulsiva, como de resto
ocorre pelo menos com a imensa maioria dos conflitos
neuróticos, pode surgir em qualquer estágio de
desenvolvimento, mas a infância é o período em que aflora a
maioria dos problemas.

224
Originada na experiência infantil, essa neurose tem
sintomas que vão se manifestar em termos regressivos, de
expressão infantil, as defesas obsessivas são extremas, são
rígidas, afligem com intensidade pela hipoacomodação e
prejudicam fortemente, causando dificuldade em estabelecer
novas representações, mantendo fixo o pensamento em ideias
recorrentes, dificultado o raciocínio.
Em se tratando de sede humanista, “a questão do
sofrimento e dos traumas tem suas raízes nas crenças e
costumes, bem como nas regras morais que cada cultura impõe
a sua comunidade”. (PEREIRA, 2010, p. 07).
São conjunturas de natureza moral, moldadas pelas
condicionantes culturais de cada povo em um determinado
momento histórico, portanto, os vetores que internalizam
crenças e costumes capazes de fazer com que haja privações de
afeto e de carinho verdadeiros, banalizando a violência sexual,
os castigos físicos como os espancamentos, negligências ou
rejeição, o que tudo deixa marcas no psiquismo infantil,
gerando necessidades neuróticas como defesas poderosas,
porque são as únicas formas de fazer com que a criança tenha
sentimento de segurança.
De tal soma de experiências iniciais pode ser
estruturado o caráter que leve o paciente a pautar-se ou moldar-
se pela hipoacomodação, dificultando novas representações,
instalando-se a psicopatologia da neurose obsessiva
compulsiva.
Desse conflito central entre a orientação à obediência e
o desafio à autoridade, nasce a exacerbação do problema entre
aniquilar e ser aniquilado, muito rígida que é a defesa
obsessiva, necessária no psiquismo infantilizado para trazer a
pessoa ao nível da segurança, porquanto o de que o homem
“mais precisa para conservar seu juízo é de algum laço ao qual
se sinta firmemente ligado”. (FROMM, 1984, p. 80).

225
Oportuno, aqui, grafar ponto central da teoria humanista
e que tem estrita pertinência com o tema objeto da abordagem
enfocada pelo presente estudo:

O homem necessita de um sistema de


orientação que lhe permita compreender e
estruturar o mundo que o rodeia; [...] esses
laços não são basicamente de natureza
sexual, mas satisfazem o anseio de um
homem que não cresceu a ponto de ser ele
próprio, de superar a sensação de
isolamento insuportável. (FROMM, 1984,
p. 80).

Na teoria humanista, destarte, outros anseios que não


apenas os decorrentes de questões sexuais podem ser
detectados na etiologia da neurose obsessivo compulsiva. Na
teoria de Erich Fromm (1900-1980), a Psicanálise passa a ser
entendida, segundo Rainer Funk, como:

Psicologia Social Analítica (...) que


substitui radicalmente o modelo freudiano
de homem e a teoria dos instintos
dependente dele por uma outra
metapsicologia: o homem é
originariamente entendido como um ser
social; o inconsciente interessa, em
primeiro lugar, como inconsciente social e
recalcado; a impulsividade do homem
surge pela sua condição humana
contraditória, específica, que se manifesta
nas estruturas de necessidade
características do ser humano, e, cujas
formas de satisfação são sempre
socialmente mediadas. (FROMM, 1990,
Prefácio, p.15).

226
A teoria humanista “coloca o desenvolvimento do
inconsciente social em primeiro plano na aplicação terapêutica
da Psicanálise” (FROMM, 1990, Prefácio, p.15), atribuindo-se
importância menor à biologia, enquanto se confere valor maior
ao impacto da história, da cultura e da sociedade, do meio em
que se vive, o que significa dizer – sem ignorar os fatores
biológicos – a personalidade humana é histórica e
culturalmente determinada.
Posicionado o estudo quanto ao referencial teórico cuja
corrente vem filiado, já é tempo de tornar às apreciações
relacionadas à neurose obsessiva compulsiva, cuja
caracterologia tem a base já vista, assentada no conflito entre a
obediência e o desafio à autoridade.
A etiologia, já foi mencionado, via de regra está
radicada em conflitos da infância, sabe-se que as experiências
infantis são fundamentais à estruturação da personalidade e,
quando debilitantes, gerando ansiedade e hostilidade, podem
desencadear fantasias onde a busca pelo objeto do desejo leva à
reações agressivas capazes de desencadear culpa, medo e
diminuição da autoestima.
Assim, o aparelho psíquico acaba envolvido pela
hipoacomodação, isto é, há enormes dificuldades para construir
novos esquemas, restringindo-se o linguajar à repetição
continuada e persistente de uma mesma ideia, caracterizando-
se então a neurose obsessiva compulsiva, mediante a
ruminação de pensamentos recorrentes, faltando capacidade
para a formação de novas representações, limitando o paciente
a esquemas empobrecidos, e à repetição automática e frequente
dos mesmos pensamentos, com dificuldades em desenvolver
um raciocínio, por escassez de estímulos verbais, carência de
recursos de linguagem ou até mesmo dificuldade de
coordenação mental.
Haveria aí um déficit no desenvolvimento de função
psicológica superior, prejudicada no plano interno (o da
evolução cognitiva) pela recepção de impulsos inadequados
227
recebidos do plano externo (o das condições socioambientais
circundantes).
Essa hipoacomodação, em tais circunstâncias,
implicaria em prejuízos à função de controle exercida pela
linguagem, como elemento essencial ao diálogo interior da
pessoa.
Na dinâmica da neurose obsessivo compulsiva, o
indivíduo que tenha a personalidade obsessiva, limitado em
suas representações, pauta seus atos por rigorosos princípios de
pontualidade, é meticuloso, demonstra ter escrúpulos doentios,
procede com ordem e busca transmitir confiança, o que tudo
deriva de seu temor à autoridade, não sendo esses traços
adaptativos motivados por forças amadurecidas, sadias ou
construtivas, porque derivam de temores imaginários
arraigados no inconsciente.
Na clínica, não é por acaso nem por entusiasmo que o
paciente chega bem cedo para a sessão; sua busca é a de um
apaziguamento simbólico, para evitar o castigo – temido por
transgressões – haja vista seu ânimo voltado ao permanente
conflito com a autoridade, que transfere para a pessoa do
analista; tudo, é óbvio, no terreno do inconsciente.
Portanto, há que ter cuidado perante uma conduta que
se demonstre obsessivamente marcada por comportamento
assíduo, pontual, com demonstração que chega a ser ansiosa
por ostentar boa receptividade à associação analítica; “existe a
possibilidade de que o analisando mais esteja cumprindo a
tarefa de ser um bom paciente do que propriamente alguém
disposto a fazer mudanças verdadeiras” (ZIMERMAN, 2009,
p. 303).
O obsessivo compulsivo projeta em seu trato social os
mais precoces conflitos que traga irresolvidos da fase infantil,
podendo ocorrer que conceitos paternos (ou de cuidadores)
rígidos com relação a hábitos alimentares e de higiene,
desenvolvam fantasias hábeis para associar, por exemplo, a
sujeira como agressão e desafio, conduzindo a temor culposo e
228
expectativa de punição, tudo baseado em regras paternas e
culturais relacionadas com os perigos da sujeira, mas que
também levam à sensação de desafio à autoridade;
exemplificativamente, seria o caso da pessoa capaz de
demonstrar preocupação em sujar um bonito cinzeiro, mas que
não mostra escrúpulos em deixar cair cinzas num tapete, muitas
vezes valioso.
Outro tema diz respeito à rigidez paterna (aí
representada pelo excessivo zelo de cuidadores) com relação à
obediência rigorosa aos horários das refeições, das
brincadeiras, do sono e de fazer trabalhos escolares.
Na mente obsessiva, um sistema de tal quilate remete à
disputa com o princípio da autoridade, numa luta pelo controle
e pelo domínio; na clínica, o paciente demonstra ansiedade,
preocupa-se com a duração da entrevista, consulta seu relógio,
externando cuidado que demonstra preocupação com a
capacidade do analista em manter o controle do tempo, mas
ainda – e muitas vezes – para adiar certas abordagens.
Regressivo e infantilizado, com a mera concessão
eventual de alguns minutos adicionais sente-se gratificado,
engrandecido e importante, como se houvesse recebido um
prêmio.
Outra característica do obsessivo é a tendência em
utilizar, como base para sua segurança emocional, dinheiro e
status em lugar do amor, erigindo bases materiais como suas
fontes mais íntimas de autoestima, tratando questões ligadas a
esse campo com sigilo e aprofundadas (até desconfiada)
reserva.

De muitas maneiras, o obsessivo é uma


caricatura do tato social. A etiqueta social
tem por objeto evitar ferir ou ofender os
demais. A etiqueta exagerada do obsessivo
tem por objetivo controlar seus impulsos
desordenadamente hostis. [...] Em sua
preocupação com o tempo, dinheiro e
229
status e lutas pelo poder, o obsessivo é
indivíduo extremamente competitivo.
Ainda que tema as consequências da
competição franca com alguém de status
igual ou maior que o seu, imagina-se em
competição com qualquer pessoa. Toda
conduta é vista em termos de suas
implicações competitivas. Isto relaciona-se
com uma última fase de seus conflitos com
a autoridade paterna. (MACKINNON,
1981, p. 85).

O perfil obsessivo-compulsivo pode ocorrer em


diversos graus de intensidade, cabendo distinguir entre meros
traços obsessivos em uma pessoa normal, com simples
tendência em agudizar graus de preocupação e ansiedade
corriqueiros e sem maiores consequências, daquelas situações
onde a presença já mais intensa de sintomas reais de psicose ou
perversão seja capaz de configurar níveis de sofrimento que
submetam o indivíduo a prejuízos, não só pessoais, mas
também em seu funcionamento na vida familiar, profissional e
social.

Na verdade, o conjunto de sintomas pode atingir um


patamar de energia, que chega a infligir até mesmo a
incapacitação do sujeito para uma vida livre, tamanhos são os
rituais e cerimoniais a que se submete e que são feitos e
desfeitos numa infindável iteração, configurando-se aí
gravíssima a neurose, beirando à psicose e podendo ser
deslocada para a psicopatologia, como tal enquadrada no
DSM-IV.

230
5. MECANISMOS DE DEFESA

Marcado por ambiguidade e ambivalência, o sujeito


obsessivo “por um lado, sente seu ego submetido a um
superego tirânico (é obrigado a fazer, a pensar, ou omitir, sob
pena de...), ao mesmo tempo em que quer tomar uma posição
contra esse superego e dar vazão ao id”. (ZIMERMAN, 2009,
p. 302).
O isolamento emocional é característico desse tipo de
paciente, compelido pela neurose a manter suas emoções –
conflitantes sempre – ocultas inclusive dele próprio.
Lutando por manter-se no plano mental, junto a esse
isolamento e além da negação e das formações reativas, estão
sempre presentes, como defesas, a racionalização e a
intelectualização.
No que se refere à negação, como processo inconsciente
no qual o sujeito não quer tomar conhecimento de algo, é
interessante lembrar, com Zimerman, a forclusão, terminologia
introduzida por Lacan para designar “uma negação extensiva à
realidade exterior, e o sujeito a substitui pela criação de outra
realidade ficcional, tipo de negação mais extremada e mais
típica de pacientes psicóticos”. (ZIMERMAN, 2009, p. 282).
A formação reativa, por sua vez, é mecanismo de defesa
característico das neuroses obsessivas, aparece desde as
primeiras descrições de Freud e ocorre quando o ego, “premido
pelas ameaças de um superego rígido, desenvolve defesas,
mantendo-se permanentemente em estado de alerta contra um
suposto perigo, como se esse estivesse sempre presente”.
(ZIMERMAN, 2009, p.153).
A racionalização – o próprio nome indica,

Está ligada ao uso da razão, por parte do


sujeito, para apresentar uma explicação
coerente, do ponto de vista da lógica, ou

231
para encontrar uma justificativa do ponto
de vista da moral para uma atitude, uma
conduta, uma ideia, um sentimento etc.,
cujos motivos verdadeiros, de alguma
forma, ele nega. (ZIMERMAN, 2009, p.
351).

Alerta Zimerman: “embora a intelectualização possa


estar a serviço da racionalização e sejam aproximados, são, no
entanto, conceitos diferentes e devem ser bem distinguidos”
(2009, p. 352); por isso, leciona que a intelectualização “visa a
manter os afetos à distância e neutralizá-los, enquanto a
racionalização não implica a evitação sistemática dos afetos,
mas atribui a esses razões mais plausíveis, com convincentes
construções racionais” (p. 219).
No caso dos pacientes obsessivos, a intelectualização é
utilizada como defesa do ego para controlar, isolar e anular os
sentimentos e, nessa dinâmica da neurose, o indivíduo,
intelectualizando, idealiza uma autoimagem afastada e distante
de seu self real, a qual se solidifica em seu controle interno de
auto-avaliação, fazendo com que esse paciente se mova no
sentido da realização de seu self idealizado.
Por isso que para o obsessivo o pensamento serve para
afastar imagens e emoções, e que a linguagem, instrumento do
pensamento, é empregada pelo indivíduo de maneira a não
comunicar, confundindo através de um dilúvio verborrágico,
utilizando grande quantidade de dados e detalhes sem nenhuma
informação real.

As palavras tornam-se mais que símbolos e


revestem-se de importância especial. Não
estava ‘zangado’ e sim ‘contrariado’, ou
nem ‘zangado’ nem ‘contrariado’ mas
‘perturbado’ e assim por diante. [...] O
obsessivo servir-se-á, muitas vezes, de
eufemismos para descrever situação

232
basicamente desagradável ou embaraçosa.
(MACKINNON, 1981, p. 93).

Fazendo uso da chantagem emocional, o neurótico


obsessivo compulsivo – que nega a si mesmo a experimentação
do prazer – utiliza a própria patologia como instrumento para o
controle e manipulação do outro, usando esses artifícios
dispersivos e enganadores.
São defesas, em verdade, a serviço da evitação de
afetos, de cordialidade e de amor, que podem se tornar tão
dolorosos quanto o medo e a cólera:

No aspecto patológico, a força do desejo é


de se realizar no plano neurótico e
fantasioso da compulsão. Todos, em
diferentes etapas da vida, passaram por
alguma experiência negativa onde não
foram bem sucedidos. São experiências
amargas, arraigadas nas profundezas do
inconsciente, que escondem uma emoção
que foi reprimida ou recalcada. (PEREIRA,
2010, p. 5).

Vivendo na contramão da regra vital a uma existência


sadia e prazerosa, segundo a qual “as emoções são os
movimentos sutis por onde escoa a energia da vida”
(PEREIRA, 2010, p. 67), o neurótico obsessivo compulsivo
reage às emoções de afeto com sentimentos de dependência e
impotência, eficazes para estimular o temor de ridículo e
rejeição, e por isso evita o prazer, para si baseado em culpa
inconsciente.
Purgando suas fantásticas e imaginadas transgressões,
tranquiliza seu superego, boicotando-se e controlando
rigidamente impulsos para si proibidos.

233
Na esfera sexual, “o obsessivo tem fixação e conflito
particulares na área da masturbação” (MACKINNON, 1981, p.
87).
Impermeável ao prazer, evita a interação sexual, em seu
psiquismo doentio o encontro carnal com o parceiro constitui
verdadeiramente um campo de provas, onde está em luta pelo
poder, na desesperada compreensão de que não pode externar
seus sentimentos de inadequação, preocupado como está em
demonstrar capacidade para ser superior, “a sexualidade torna-
se patológica, não consegue ver a outra pessoa como um ser
humano dotado de sentimento, mas sim como um objeto que
deve ser usado e depois desprezado e até humilhado”
(PEREIRA, 2010, p. 85).
O sofrimento experimentado é intenso:

Com suas forças físicas e psíquicas


esgotadas, percebe que suas obsessões e
compulsões não conseguem apagar de sua
mente o fantasma da destruição.
Perseguido e sentindo-se oprimido na sua
solidão, exige cada vez mais de si mesmo
uma atenção redobrada, para não ser pego
de surpresa, por isso mesmo, não pode se
dar ao luxo de descansar e sentir-se em paz.
Este delírio persecutório é um fantasma
que consome as suas energias, é um
monstro que suga sua vitalidade.
(PEREIRA, 2010, p. 69).

Aterrorizado pela perspectiva de julgamento e punição


por erros que imagina terem sido cometidos na vida pessoal, o
neurótico obsessivo compulsivo não só demonstra orgulho e
teimosia como usa defesa intelectualizada para afastar qualquer
possibilidade de intimidade e de amor – que teme – como
também, no convívio social e na vida profissional prima por

234
demonstrar eficiência e responsabilidade, retroalimentando
seus medos derivados do conflito com a autoridade.
Racionalizando, idealizando, dando vazão de forma
masoquista e/ou sádica a seu irrefreável desejo de exercer o
controle sobre as outras pessoas, o obsessivo compulsivo
manipula os demais, mascara-se como vítima e ao conquistar
tal realização, consegue gratificação que se pode chamar ganho
secundário, “defesa muito comum naquelas pessoas que
possuem muito medo e fogem do contato mais íntimo e
particular com as suas emoções”. (PEREIRA, 2010, p. 93).

Substitui amor e afeição por respeito e segurança, a


partir do que acaba por ligar-se de maneira dependente às
pessoas circundantes, reforçando seus sentimentos de
inadequação e submissão, o que busca manejar através do
mecanismo de defesa do isolamento, nem sempre suficiente
para poupar o paciente obsessivo compulsivo da tristeza e da
depressão.
A esses exagerados sentimentos de dependência e
impotência, um tal paciente reagirá ostentando sabedoria e
onipotência:

Com frequência, o obsessivo tentará


restabelecer sua grandiosidade aparentando
ser especialista em matérias a respeito das
quais conhece realmente muito pouco. Em
cada situação nova, apressar-se-á a
compilar fatos sobre os quais processará
sua especialização. É típico do obsessivo,
em sua grandiosidade compensadora,
recusar a delegação de poderes. Seu
sentimento é de fazer qualquer coisa
melhor que qualquer outro e detesta admitir
que necessita de outrem. A possessividade
e a necessidade de tudo armazenar
relacionam-se com seu temor de separar-se

235
de qualquer objeto amado, como também
com os aspectos de desafio da luta pelo
poder. (MACKINNON, 1981, p. 88).

Resistente em confrontar suas defesas e seu isolamento


emocional, o paciente teme trazer à tona sua cólera, que é
latente e que deve a todo custo ocultar, pelo receio mórbido de
afrontar a autoridade.
Assolado por preocupações bizarras até para si mesmo,
mas nem por isso menos torturantes, o paciente da neurose
obsessivo compulsiva é renitente à terapia, de regra é pessoa
difícil de tratar, pelas resistências que fazem dele pessoa muitas
vezes impermeável à instalação das energias transferenciais
que são a essência do campo analítico.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Crescendo a partir de sua desagregação com o meio


natural, mas também de certa forma enclausurado pelas
condições de vida por ele mesmo criadas, o homem moderno
vive contradições e perplexidades capazes de gerar desamor e
medos, fobias e neuroses suficientes para desencadear reações
adversas e prejudiciais a uma melhor qualidade de vida não só
no nível individual, mas também no que diz respeito ao
convívio coletivo em sociedade, exigência inarredável pela
condição gregária do ser humano.
A sociedade tecnológica, com a velocidade vertiginosa
como progride, acaba por massificar, desumanizar, escravizar a
padrões comportamentais desarraigados de nossas origens
enquanto criaturas integrantes do mundo animal, resultando em
crescentes sensações de desamparo e insegurança, fazendo-nos
afastados a cada dia mais intensamente das condições ideais
relativas à satisfação de nossas necessidades humanas básicas.

236
As pessoas modernamente vivem e convivem segundo
usos e costumes próprios dos centros urbanos (onde está
concentrada a imensa maioria de nossas populações), usos e
costumes que pela instantaneidade da comunicação logo se
espalham pelos mais distantes rincões, acelerando a cada dia
mais uma espantosa evolução dos fatos sociais e das condições
ditas “modernas” de vida, levando o homem do século XXI à
perplexidade, no seio da competitividade e da emulação, o que
gera frieza e desamor, em ambiente adverso à condição
humana.
Nesses conglomerados, é predominante a massificação,
industriada por apelos midiáticos que incentivam o
consumismo imoderado, a competição desmedida, a disputa
por posições de aparente maior destaque e suposta maior
evidência, tudo descambando em um modo de vida onde
acabam por imperar o hedonismo e a vaidade, o narcisismo, a
megalomania e de conseguinte toda uma gama de emoções
nocivas e prejudiciais, como a raiva, o ciúme, a inveja, os
sentimentos de impotência e de insegurança perante exigências
que são socialmente auto-internalizadas, e que nem sempre
estão ao alcance da capacidade de realização de cada um,
sujeitando assim os indivíduos a sucumbir a obsessões,
adições e compulsões.
Atualidade das mais palpitantes, nos tempos atuais, é a
utilização do ciberespaço como substitutivo das relações
interpessoais (em casos extremos, há relatos de casais cujos
consortes, habitando uma mesma residência, “conversam”
através de veículo informatizado, enclausurado cada um em um
cômodo diferente da morada comum!), configurando-se o
recurso tecnológico das redes sociais como um meio onde as
pessoas se valem dos mais variados recursos de comunicação
interpessoal, com disponibilidade tão só para os apelos digitais,
sob o domínio dos sentidos e não da cognição. Não há tempo
para o abraço, a caminhada, o encontro com amigos.

237
Conveniente apontar que o fato de as pessoas se
tornarem superficiais, ou desatentas, ou desmemoriadas, ou
desinteressadas, não pode nem deve ser imputado
exclusivamente como responsabilidade ou equívoco dos meios
eletrônicos de comunicação – conquista científica ímpar e da
maior importância para a humanidade – consistindo essa
realidade fática, isto sim, um evidente desvirtuamento
decorrente do mau uso ou emprego mal orientado de tão
importante recurso tecnológico.
A criança, ainda estruturando a personalidade, vai
formando sua identidade a partir das associações que formula
desde informações que a privam de sensações reais,
substituídas pela simulação digital das experiências vitais,
simulação potencialmente indutora de equívocos; assim pode
ocorrer com games capazes de introjetar conceitos de
banalização da violência, instigando à agressividade e
apresentando modelos que se poderia até dizer “pasteurizados“
da morte, vulgarizando a vida humana pela esterilidade dos
jogos letais voltados a combate e destruição.
Resulta mais fértil o campo para proliferação de todas
as neuroses, no seio de uma sociedade tecnológica em franco
progresso, que com a velocidade vertiginosa como progride,
acaba por massificar, desumanizar, escravizar a padrões
comportamentais desarraigados de nossas origens enquanto
criaturas integrantes do mundo animal, resultando em
crescentes sensações de desamparo e insegurança, fazendo-nos
afastados a cada dia mais intensamente das condições ideais
relativas à satisfação de nossas necessidades humanas básicas.
O ser humano passa a correr o risco de ser tornado um
objeto, alienado, servo e vassalo de pretensas utilidades por ele
mesmo criadas, invertidos, subvertidos os valores que
deveriam presidir as relações econômicas entre criador e
criatura, em circunstâncias onde o homem que, na antiguidade,
prestava culto aos ídolos, hoje paga tributos à alienação
massificante; o consumo, um verdadeiro deus totêmico
238
supremo da alienação, é cultuado em templos suntuosos e
grandiosos, como os centros de compras ou shopping centers.
Sem embargo, o homem moderno, autor e fautor das
grandes transformações sociais, guarda e conserva em suas
estruturas ontofilogenéticas a memória e a recordação dos fatos
de seu passado, dos usos e costumes de épocas imemoriais, os
arcanos, o inconsciente coletivo de Jung.
Nessa que pode ser chamada literalmente uma
“síndrome de coisificação”, chega a instalar-se no seio das
coletividades um verdadeiro “efeito manada”, um estado
coletivo de hipnose onde se implanta em toda extensão uma
espécie de vontade inconsciente que conduz a fazer alguma
coisa, ou a acreditar em algo porque a maioria das pessoas ou
grande parte delas fazem ou acreditam nessas mesmas coisas e
ordens de valores, independentemente mesmo da convicção
pessoal de cada um em particular, numa atitude em relação à
vida que, sem embargo, acaba por aprisionar o indivíduo no
estreito cárcere de seu ego, da sua cobiça, ilhando as pessoas
ao separá-las do próximo, e aprofundando a solidão básica de
cada um.
Considerando que o ser humano necessita de condições
favoráveis para se desenvolver, pode-se concluir que em um
ambiente como o do ciberespaço, que é anódino por insensível,
árido, pobre de amor e afetividade, essa solidão básica resulta
em hostilidade básica, em ansiedade básica, em falta de
segurança e de satisfação.
Forma-se um caldo de cultura onde pais ou cuidadores,
premidos por suas próprias necessidades neuróticas, acabam
dominadores, ou negligentes, ou superprotetores, que tendem
ora a rejeitar ora a tratar as crianças com excesso de
indulgência.
Como se viu no contexto bibliográfico desta pesquisa, a
neurose obsessiva compulsiva se estrutura exatamente numa tal
ambiência, onde o indivíduo tem minada a autoestima,
acabando por ser levado a temer a autoridade e à sensação
239
difusa de culpa por infrações que julga cometer, perdido e
confuso em inadequada e conflitiva luta pelo poder.
Por isso aqui o enfoque à vertiginosa mudança nos usos
e costumes e à perspectiva da causação de sintomas, haja vista
que nessas realidades se pode identificar condições de vida
com qualidade questionável aos padrões da natureza humana.
Importantes são os campos que se abrem para
interpretação psicanalítica, atenta às causas e efeitos do “status
quo” vigente na sociedade do século XXI, para harmonizá-la
(natureza humana) ao ambiente frio e anódino da evolução
tecnológica, presidido por meio de cultura onde, se for mal
utilizado, pode imperar a impessoalidade, a ausência de
humanidade e de sentimentos – haja vista o predomínio da
tecnologia, dos computadores e das telecomunicações (=
ausência do contato pessoal, da comunicação face a face, do
abraço, do aperto de mãos).
Caberia enfatizar que pais, cuidadores e educadores
poderiam ser orientados a evitar a proliferação de neuroses,
para que não se eternize a aparente submissão do homem às
coisas por ele criadas e às circunstâncias de seus atos, alertas
todos perante a possibilidade de que nesse mundo impessoal o
desvio, por comportamentos equivocados, uma vez visto pelo
ângulo analítico, é capaz de trazer em si os germes da angústia
e da neurose, da aflição e do desamor, da perplexidade do ser
ante um meio social desumanizado, da expressão de fantasias
reprimidas e de carências objetais inatendidas, carga de males
que desagregam a estrutura anímica da criatura humana, assim
desamparada do atendimento a sua necessidade básica de um
sistema de orientação e de devoção, pagando, pela consciência,
o alto preço da insegurança.

240
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A7%C3%A3o_introjetiva, consulta em 17.01.2013, às 17,18
horas;

242
A ESTRUTURA DE UMA MENTE NA PSICOSE

Odete Terezinha Bittencourt

Dissestes que se tua voz


Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira...
(Renato Russo)

RESUMO: Uma das especificidades da clínica psicanalítica é


antes de tudo conhecer qual a estruturação psíquica do
paciente, uma vez que esta pode ser neurótica, psicótica ou
perversa. Não tendo a intencionalidade de colocar num
enquadre, muito menos para rotular, ou seja, colocar um rótulo
de que é um ser diferente, ou menos capaz, ou pior ainda
incapaz. Mas sim, porque para a psicanálise, cada uma delas
tem suas nuances, sua singularidade bem como uma forma
especial de ser analisada. O presente artigo se detém no
paciente com estruturação na psicose, propondo uma reflexão
sobre a implicação que pode sofrer do ponto de vista social
quem apresenta esta estrutura psíquica, com um histórico
social, enfatizamos também a forma como se estrutura uma
mente com psicose, vista sob olhar psiquiátrico e psicanalítico,
bem como a praxis do profissional da psicanálise que atua
nesta clínica.

Palavras-chave: psicose, estruturação, psicanálise, fantasia.

243
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao abordar o tema das psicoses, não podemos nos furtar de


contemplar questões que são de cunho clínico e social, isto é,
considerar que temos uma base teórica psiquiátrica e uma
psicanalítica para interpretar os pacientes com estruturação na
psicose, visto que, este fator pode causar grande impacto na
clínica das psicoses, com repercussão na vida social destas
pessoas. “A sociedade procura adequar as pessoas, às funções e
papéis a desempenhar, procurando adequá-las dentro de um
esquema externo.” (LUCATELLI, 2011, p. 78).
Da mesma forma ocorreu ao longo dos anos com a questão do
comportamento, onde que, a sociedade achou por bem
classificar as pessoas de acordo com as regras de
comportamento aceitas por uma determinada cultura, de modo
excludente, intolerante e preconceituoso.

[...] O fato de que a linguagem, ideias e


associações em torno da doença mental não
têm significados científicos fixos em todas
as épocas; é melhor vê-las como “recursos”
que podem ser usados de maneiras diversas
com propósitos diversos. O que é mental e
o que é físico, o que é louco e o que é mau
não são pontos fixos, mas relativos à
cultura. (PORTER, 1990, p. 17).

Desse modo, compreende-se que, determinado comportamento


pode ter sido considerado loucura para uma determinada
cultura, numa determinada época, é aceito como normal em
outros momentos para outras culturas.
Silencia-se, no entanto, quais são aos fatores que implicam
nessas diferenças tão expressivas de comportamentos, que em
muitos casos leva a pessoa a ser submetida ao isolamento
social. Por essa razão é oportuno fazer uma releitura do
244
histórico da evolução desta perturbação, para compreender
como a sociedade lidou com esta questão ao longo dos anos e
das influências que ela tem na atualidade.

2. HISTÓRICO DAS PSICOSES

De acordo com Porter (1990) os heróis na mitologia grega


enlouqueciam naturalmente, ou por paixão ou por fúria,
vingança ou dor. Por esta razão, os filósofos com o objetivo de
estabelecer a ordem e impor a autodisciplina, elegeram a
racionalidade como a mais nobre faculdade do homem. Desse
modo as escolas de filósofos gregos, determinaram o irracional
como sendo uma ameaça, um escândalo que devia ser corrigido
pela razão.
Com o intuito de prevenir ou curar a loucura se
utilizaram da arte, mais especificamente do teatro, assim
manifestavam no discurso, no drama, os conflitos insuportáveis
da sua vida. Desse modo, a loucura passou a ser entendida
como doença da alma que podia se expressar através da arte.
Posteriormente, com a chegada do renascimento, houve
um período de intensa exclusão àqueles considerados
delinquentes e perigosos. “Ao longo da idade média e até bem
depois, raramente houve qualquer providência especial dos
governos para pessoas loucas.” (PORTER, 1990, p. 22).
Praticamente não havia abrigos, alguns asilos surgiram
na Espanha, no século XV, neste mesmo século, o hospital de
Bethelem em Londres começou a se especializar no tratamento
de pessoas loucas. Alguns mosteiros aceitavam alguns
lunáticos, mas de um modo geral eram as famílias que
assumiam estas pessoas, ou as abandonavam, deixando-as
perambulando.
Nesta época também, a loucura passou a ser
considerada castigo divino, e ao mesmo tempo considerada
245
sagrada. Os ensinamentos cristãos se encarregavam de manter
um sentimento entre as pessoas, de que o “diferente” é um ser
igual a nós, uma criatura filha de Deus.
Desse modo, para a cristandade medieval e renascentista, a voz
da loucura poderia ser a voz de Deus. Já para os leigos, eram
considerados os bobos da corte, todavia recebiam privilégios
de loucos, isso porque eram usados para dizer verdades
proibidas para cortesãos políticos.
Posteriormente, no iluminismo, houve um reforço da
crença dos gregos na razão, e a partir do século XVII tornou-se
normal criticar, condenar e até mesmo massacrar qualquer
coisa que fosse considerada tola ou irracional. “Os iluministas,
sem dúvida, sentiam simpatia benevolente pelos loucos, assim
como pelos selvagens e escravos, mas somente porque os
encaravam com bastante diferença de si mesmos.” (PORTER,
1990, p. 24).
A partir da segunda metade do século XVII, com a
reforma e contra reforma a cristianização coloca a loucura sob
duas vertentes sendo que, a “boa” advinda de Deus, e manifesta
profecias, e a “má”, originada do demônio manifestada nas
feiticeiras, endemoniados e hereges. Com isso, se estabelece o
caos, devido os conflitos causados pelos “bons e maus
espíritos”. Esta realidade fez com que aumentasse em grande
escala o número de instituições como escolas, prisões, casas de
correções, casas de loucos, para manter presos os mais
perturbadores, com o objetivo de proteger a sociedade, também
com o objetivo de reformar delinquentes. Essa foi a forma
encontrada para lidar com a irracionalidade. “Foucault chamou
esse movimento de trancafiar as pessoas difíceis, perigosas ou
apenas diferentes de o grande confinamento”. (PORTER, 1990,
p. 25).
O manicômio surge no final do século XVIII como
local para ser "tratada" a loucura, com ocultamento e exclusão,
com vistas a uma "cura", de acordo com a ordem fundada pelo
médico francês Philippe Pinel, a qual representa o marco
246
inaugural da fundação da chamada Medicina Mental ou
Psiquiatria. Ele criou o primeiro método terapêutico para a
loucura na modernidade.
A partir da segunda metade do século XVII e no século
XIX, com a criação dos asilos, o número de pessoas confinadas
como loucas diminui. Nos primeiros manicômios públicos os
lunáticos eram tratados com muita dureza, muitas vezes
tratados como animais selvagens, isso porque a crença que se
tinha é que os loucos eram vítimas da própria vaidade, orgulho,
preguiça e pecado.
No entanto quem ficava aos cuidados da família, às
vezes tinha um cuidado mais brutal, muitas vezes ficavam
acorrentados nos celeiros, ou presos em sótão.
Com o intuito de obter a cura, por meados do século
XVIII, aumenta a segregação destes pacientes, isto porque,
com o surgimento da psiquiatria, os lunáticos deveriam ser
confinados para receber as novas técnicas de tratamento, assim
sendo, suas faculdades intelectuais seriam restauradas e seu
comportamento normalizado. Dessa forma, curada a pessoa
poderia voltar a conviver em sociedade.

Inicialmente, a reclusão dos lunáticos era


basicamente atribuição da política civil,
mas uma iniciativa de magistrados,
filantropos e famílias do que mérito – para
o bem ou para o mal – dos médicos. De
fato, o aparecimento da medicina
psicológica foi mais consequência do que
causa do surgimento dos asilos dos loucos.
A psiquiatria foi capaz de florescer depois -
mas não antes – de grande número de
internos encher os manicômios. (PORTER,
1990, p. 27).

Assim, a partir destas investigações de uma especialidade da


medicina, a psiquiatria no século XVIII, num modelo orgânico
247
que teve o respaldo dos hospícios, objetivava encontrar a cura
para doença de forma orgânica, com o uso de medicação,
banhos quentes e eletrochoque.
Já o termo psicose de acordo com Doron, & Parot
(1998) surge em meados do século XIX, criado pelo psiquiatra
alemão, E. Feushterleben, para definir um conjunto dos
distúrbios mentais graves que afetam o sentido da realidade, o
qual devia substituir o termo loucura, visto que este havia se
tornado pejorativo.
Posteriormente no início século XX, Kraepelin, dá-lhe
um sentido mais preciso, ou seja, um estado crônico que
depende de um processo de origem endógena, isto é, que se
originam no interior do organismo, por fatores internos, e
nestes incluem a demência precoce (tornada psicose
esquizofrênica e psicoses delirantes sistematizadas crônicas) e
a psicose maníaco-depressiva.
Uma realidade que se apresenta até os dias atuais. “A
linha de pesquisa desta abordagem na psiquiatria se baseia em
três princípios básicos: a) Verificação da hipótese genética, b)
As modificações psicofisiológicas e os transtornos
neuropsicológicos c) a relação entre histeria e doença cerebral
orgânica”. (PEREIRA, 2009, p. 44).
Observa-se que, na atualidade ainda se tem muitos resquícios
desta forma desumana com que foram tratadas estas pessoas. E
são pessoas, que além de ter que lidar com suas limitações,
ainda sofrem muito com o preconceito.

3. COMO OCORRE A ESTRUTURAÇÃO NA PSICOSE

Primeiramente, é importante saber como ocorrem, quais


os fatores que influenciam na formação da mente na psicose,
ninguém nasce psicótico, ela se desenvolve após o nascimento,
sendo que, pode se originar de dois modos, ela pode ser de
248
influência genética. De acordo com Tallaferro (1965) em
termos gerais de um ponto de vista integral se considera que, a
causa de uma enfermidade mental depende de alguns fatores,
sendo que, um destes fatores é o fator constitucional
hereditário, o qual pouco se conhece.
Os demais fatores estão relacionados com os cuidados
que a pessoa recebeu durante seu desenvolvimento, neste caso,
o ambiente que se vive, são os facilitadores para o
desenvolvimento da mesma.
A estruturação do psiquismo ocorre já na primeira
infância, na fase mais remota de nossa existência. “Nos
primeiros anos da infância, manifestam-se ansiedades,
características das psicoses que obrigam o ego a desenvolver
mecanismos de defesa. Nesse período encontram-se os pontos
de fixação para todos os distúrbios psicóticos.” (KLEIN, 1969,
p. 314).
É ai nesta primeira relação mãe bebê que ocorre a base do
desenvolvimento, se esta primeira relação for saudável, ou seja,
se a mãe atende as necessidades do bebê, acolhe suas
ansiedades, a mãe que sabe interpretar a comunicação que o
bebê faz com ela, que significa os cuidados com afeto, carinho,
atenção, o olhar, o tom de voz, dará a este bebê uma base
sólida, ou seja, formará neste ser uma estrutura psíquica firme
equilibrada. “A mãe é calor, a mãe é alimento, a mãe é o estado
eufórico de satisfação e segurança.” (FROMM, 1985, p. 63).
Desse modo, passa a ser um ser social, que estabelece
relações com o outro, que levará como modelo, estas primeiras
relações de contato. “O acolhimento, o cuidado, o afeto são os
princípios norteadores de uma criança autoconfiante, de
alegria, de curiosidade etc. Qualidade indispensável para
desenvolver todo seu potencial criativo de aprendizado na
existência.” (PEREIRA, 2009, p. 177).
Entretanto, quando isso não ocorre de modo
satisfatório, quando essa relação não for uma relação saudável,
o ser sente-se ameaçado, inseguro e deixa o caminho livre para
249
a instalação das patologias. “parece-me que de acordo com a
falta de coesão que, sob a pressão dessa ameaça, o ego tende a
fragmentar-se. Essa fragmentação parece estar subentendida
nos estados de desintegração dos esquizofrênicos.” (KLEIN,
1969, p. 318).

Assim é que vai se formando os “buracos, as lacunas”


no psiquismo que propiciam a formação de uma estrutura
fragilizada ou fragmentada com muita facilidade para se
romper diante das intempéries da vida. “Entender a mãe como
o primeiro canal de comunicação da criança com seu meio e
que, a partir desses processos iniciais lança a base para futuras
comunicações que o “eu” da criança estabelecerá com os
outros e consigo mesmo.” (RUBERT, 2009, p. 161).

No entanto, esta relação não sendo saudável, se os


cuidados forem negligenciados, se não estiver internalizado a
plena consciência do amor dos pais, ou quem ocupe este lugar,
ocorre ai uma cisão, isto é uma ruptura no psiquismo, ou seja,
uma mente dilacerada, e o mundo passa a ser uma ameaça.

Nessa situação, a pessoa não tem condições de


simbolizar. O símbolo que representa a presença na ausência é
um elemento unificador. A etimologia da palavra símbolo de
origem grega nos remete a “reunir”, “juntar”, ao contrário de
seu oposto diabolon, que significa “separar”. Barros (2009) Por
este motivo, a mente psicótica não tem condições de
simbolizar, e o valor da realidade assusta. Não existe no
psiquismo a representação simbólica, por esta razão, se falar
para uma pessoa psicótica, por exemplo, que está acontecendo
um assalto, mesmo que seja bem longe, ela vai achar que é com
ela, que ela está em perigo, lhe falta capacidade de
simbolização.

250
4. A COMPREENSÃO PSIQUIÁTRICA DA PSICOSE

A psiquiatria é uma especialização da medicina que


trabalha com perturbações biopsíquicas, o qual para
(KAPLAN, M.D., 1993, p. 01) “Enfatiza o substrato
anatômico, estrutural e molecular da doença e seu impacto
sobre o funcionamento biológico do paciente”.
Desse modo, de acordo com o CID 10 (Classificação
internacional de doenças), as psicoses são classificadas para
psiquiatria como sendo a perda da realidade e prejuízos do
funcionamento mental, que se manifesta por delírios e
alucinações Kaplan M.D. (1993). A psiquiatria trata os
transtornos psicóticos com medicação, sendo que estes têm um
efeito direto sobre o funcionamento mental.
Para melhor compreender o efeito deste tratamento,
vamos ver de modo resumido como ocorre o funcionamento do
sistema nervoso.
De acordo com Masur (1987) bilhões de neurônios
estão constantemente se interligando de diversas formas, e
estas ligações é o que possibilita a passagem de informações
entre as diferentes regiões do sistema, estes sinais são enviados
de um neurônio para outro através de moléculas químicas, que
devido essa função, são chamadas de neurotransmissores.
Para que elas funcionem, é necessário que estejam
sintetizadas no cérebro, na medida certa, nem mais, nem
menos. E também é preciso que após realizar sua função, cesse
o seu efeito, se isso não ocorrer, seu efeito permanece como
um sinal de alerta, que dispara, o qual prejudica as demais
funções neuronais. Para que isso ocorra normalmente, existe
um processo natural em que estes neurotransmissores, após
realizarem sua função, sejam metabolizados.
Entre os neurônios, existe uma sinapse, a qual é
atravessada pelo neurotransmissor em que o sinal tem de ser
251
enviado. A informação ou sinal se completa quando o
neurotransmissor sai do neurônio atravessa a sinapse e vai se
encaixar em uma molécula que está logo após o espaço,
chamada molécula receptora, entretanto, apenas o encaixe não
é suficiente para que ocorra o sinal é necessário, que este, seja
de tal ordem que permita uma reação entre duas moléculas, ou
seja, o neurotransmissor e o receptor.
Este neurotransmissor quando fabricado fica
armazenado em depósitos fechados para que estejam
disponíveis no momento certo, estes depósitos são chamados
vesículas e se localizam, imediatamente antes da sinapse. Com
um código específico fará com que estas vesículas se abram no
momento certo para que os neurotransmissores atravessarem a
sinapse.
Exercida esta função, parte dessas moléculas
neurotransmissoras, em vez de serem destruídas, são
recaptadas para dentro das vesículas, à espera que o código se
libere novamente. Estes fenômenos devem ocorrer de forma
coordenada, num espaço de tempo infinitesimal entre bilhões
de células interligadas entre si de diversas formas.
Quando este sistema sofre a menor alteração na
sincronicidade do seu funcionamento, temos ai uma alteração
de humor, de comportamento, e no caso da esquizofrenia, este
sistema é alterado o funcionamento do cérebro, pois ocorre
uma produção demasiada de dopamina, e é devido ao excesso
de dopamina na região temporal que ocorrem os delírios e as
alucinações.
Como forma de corrigir este funcionamento, a
psiquiatria ministra medicação, estas drogas psicotrópicas
como alguns antidepressivos, neurolépticos,
benzodiazepínicos, dentre outros vão atuar neste sistema como
falsos encaixes. Devido sua configuração química eles se
encaixam na molécula receptora de determinado
neurotransmissor, mas não reagem com este. Em consequência,

252
o receptor fica bloqueado, não conseguindo fazer seu encaixe,
impedindo de exercer sua função.
Outra função dos psicotrópicos é diminuir a produção
de neurotransmissores, dificultando seu armazenamento nas
vesículas, desse modo, altera o código das vesículas e muda a
velocidade de destruição dos neurônios, o que dificulta a
recaptação para dentro das vesículas. Ou seja, impedir ou
facilitar que os neurotransmissores se encaixem nos receptores
são as funções dos psicotrópicos.
Considerando que, na clínica de psicoses, em muitos
dos casos se faz necessário utilizar os tratamentos da
psiquiatria e da psicanálise de forma conjugada. Como ressalta
Keppe (2006), o psicanalista não pode prescrever
medicamentos ou fazer qualquer outro tratamento que seja
exclusivo da psiquiatria. Em alguns casos que necessitam de
medicação ou outro procedimento que seja da prática
psiquiátrica, o psicanalista deve atender em parceria com o
psiquiatra. Por esta razão, o psicanalista deve conhecer a
psicopatologia, para encaminhar, se necessário para
profissional competente.
É relevante ter conhecimento de como é tratada e
enquadrada na clínica psiquiátrica, isso porque, a psiquiatria e
a psicanálise têm práxis diferentes, e cada uma delas as suas
formas de tratamento.
Uma vez que o diagnóstico é baseado principalmente
sobre suas ideias delirantes, e apresenta perturbação da
identidade, não tem uma consciência clara de si mesmo e do
mundo. Por esta razão, em muitos casos, a pessoa cria
realidades diferentes, visto que, sua realidade é regida por
regras diferentes da aceita pela sociedade.

[...] Cujo modo de ser-no-mundo está


assim dividido, vive naquilo que o ameaça
de todos os lados e no qual não há saída, de
fato é o que acontece com tais pessoas.

253
Para elas o mundo é uma prisão sem
grades, um campo de concentração sem
arame farpado. (LAING, 1982, p. 86).

No entanto, estas alterações são consequências da


desintegração do aparelho psíquico, sendo esta a causa
profunda de angústia e ansiedade, e posteriormente delírios e
alucinações. Porque tem um medo constante do mundo, de
viver qualquer experiência por isso prefere o isolamento.
Entretanto Pereira (2009) alerta para outra questão
prejudicial que agrava e muito esta situação. Onde ele coloca
que alguns pacientes estão entorpecidos pela medicação, e que,
estando sob efeito de substâncias químicas, estão
completamente impossibilitados de refletir com consciência e
criticidade sobre quais os fatores responsáveis por esta
condição.
Por esta razão, há uma necessidade de uma nova revisão
teórica e metodológica, sobre a forma de tratamento, isto é, as
consequências de rotular uma pessoa de esquizofrênica,
paranóicos ou borderline são muito prejudiciais posto que, uma
pessoa exerce poder sobre a outra, de modo que uma coloca o
rótulo e a outra aceita, e ao aceitar determinado rótulo,
incorpora em sua vida este diagnóstico, além do mais, as
pessoas de suas relações passam a criar uma imagem
preconceituosa que essa pessoa levará para o resto de sua vida.

5. A PSICOSE NA VISÃO PSICANALÍTICA

Numa terra de fugitivos,


aquele que anda na direção contrária
parece estar fugindo. (T.S. Eliot)

A psicose para a psicanálise perde sua característica


nosológica, utilizada na psiquiatria, e é percebida com uma
254
característica estrutural a qual, segundo (DORON & PAROT
1998, p. 635) “Designa um modo de organização da atividade
mental caracterizada pela recusa da realidade, pelo recuo
narcísico da libido e/ou dos modos arcaicos de relação de
objeto”.
Nessa circunstância, os conflitos têm sua origem na
estruturação da personalidade, pois para (FREUD apud
ABUCHAEM, 1989, p. 188) “A neurose é o resultado de um
conflito entre o ego e o id, ao passo que a psicose é o desfecho
análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e
o mundo externo”. Isso pode tornar esta pessoa mais limitada a
viver no meio social, e a se relacionar com as outras pessoas,
mas isso não a torna menos humana, talvez até mais
compassiva que muitas outras pessoas.

Nem sempre, no entanto, as psicoses


determinam caos mental, flagrante ou
desarrazoados tão óbvios. Certas funções
podem permanecer íntegras, ao lado do
juízo perturbado. A inteligência, a
memória, o cabedal de conhecimentos
adquiridos, por exemplo, conservam-se
inalterado em alguns tipos de psicoses.
(BARSA, 2002, p. 99).

Compreende-se assim que, o conflito está relacionado


nas relações, consigo próprio e com o seu ser-no-mundo,
entretanto, permanece sua inteligência e capacidades
cognitivas. Por isso, é importante rever certos preconceitos que
se tem em torno da psicose, especialmente quando se trata com
descrédito o ponto de vista de pessoa psicótica.
O problema mais comum identificável na pessoa
psicótica está relacionado com sua identidade pessoal, como
destaca Mackinnon & Michels (1981). Apresentando a
diferença de construção de sentido de identidade entre
neurótico e psicótico, o neurótico constrói sua identidade
255
pessoal integrando a percepção e a concepção de seu corpo
tendo uma compreensão de pensamentos e valores que
absorveu de sua relação familiar e da sociedade, já o indivíduo
psicótico apresenta uma imperfeição em cada um desses
fatores, além do mais, tem deficiência na capacidade
integrativa necessária para a tarefa de sintetizar as informações.
As consequências disso é que não apresenta uma identidade
pessoal.

A desorganização do pensamento e da
comunicação não são raras. Ainda que a
capacidade para desenvolver essas
dificuldades possam ser, enfim, explicadas
biologicamente, o processo de
desorganização pode ser entendido melhor
sob um ponto de vista dinâmico.
(MACKINNON & MICHELS, 1981, p.
196).

Atualmente se denomina psicose, a estrutura mental


que está suscetível a romper com a realidade. A psicose de
acordo com (KEPPE, 2006) compreende os casos de paranoia,
esquizofrenia e maníaco-depressiva, hoje chamada bipolar.
Em um estágio mais grave, a pessoa passa a ouvir vozes, ou ver
coisas que não existem, estes são os chamados fenômenos
alucinatórios, e, mesmo não sendo realidade, estão de alguma
forma, interligados à vida mental da pessoa, visto que, eles são
parte dos processos psíquicos e estão imbuídos na
personalidade desta pessoa, que para (NOYES apud PAIN,
1993, p. 64) “As imagens alucinatórias que o doente aceita
como realidade, representam a projeção para o mundo exterior
de necessidades psicológicas.”
Inclui-se também nas projeções alucinatórias os anseios
de realizações dos desejos, a exteriorização da personalidade,
os sentimentos negativos gerados das críticas, das censuras, das
culpas, os desejos inconscientes de punição, satisfações de
256
impulsos reprimidos, principalmente o desejo de ter uma
realidade mais mansa, mais amena.
Na definição de (PAIM, 1993, p. 42) alucinação é “a
perda do juízo de realidade que, no paciente existe como
manifestação de sua atividade psíquica”. Sendo que, as
alucinações auditivas podem se apresentar como ruídos,
zumbidos, murmúrios, estalidos, bem como vozes que
repreendem, censuram e ameaçam. Já as visuais, podem ser
vistas como imagens praticamente reais, podendo apresentar
forma, cor e movimento.
Outras vezes são percebidas de modo totalmente
fantasioso, como partes isoladas de uma pessoa, cabeças
disformes, caveiras, olhos assustadores que o perseguem. Em
alguns casos, as alucinações apresentam movimentos, neste
caso, é como se estas imagens fossem projetadas em uma tela
da qual está diante da pessoa, neste caso, temos duas situações,
ou a pessoa se mantém como expectador, acuado, com medo,
ou se torna parte integrante das cenas, dialogando com estas
imagens, brigando, interagindo com elas.
E o delírio para (PAIM, 1993, p. 88) se define “Por um
conjunto de juízos falsos, que se desenvolvem em
consequência de condições patológicas preexistentes e que não
se corrigem por meios racionais”.
Desse modo, é onde se apresentam estas rupturas da
realidade, ai é que entra o delírio e a alucinação, como se
tivesse incorporado outra persona, e esta é que assume o
comando das atitudes mentais, e é por isso que muitas vezes
fica desconexo o que a pessoa está falando. Não tem lógica de
raciocínio, o pensamento fica interceptado. “Esta alteração é
expressa de modo imediato na linguagem: o doente começa a
expor um assunto qualquer e, subitamente, se detém. Às vezes
depois de alguns instantes volta e termina o pensamento”,
(PAIM, 1993, p. 122). São os delírios e as alucinações que são
responsáveis pelo surgimento da outra persona, da qual nem o
próprio paciente tem controle.
257
É durante esta cisão no pensamento que em muitos
casos, a pessoa pode se tornar agressiva. Pelo motivo que, ela
estará obedecendo ao que dizem estas vozes, ou suas visões
alucinatórias, e é ai, onde ocorre as violências, as agressões e
muitas vezes os crimes, por isso, ela realmente não tem
lembrança do que fez, ou do que disse, e não tem mesmo, é
como se fosse o outro lado, o “lado negro” que estivesse
agindo. “Os pacientes psicóticos também sofrem de
perturbação no controle do impulso”. (MACKINNON &
MICHELS, 1981, p. 248). Por este motivo, é mister ocorrer nos
casos de esquizofrenia, a automutilação, como a prática de
queimar a si mesmo, e também as condutas antissociais, a
razão disso, é para dar conta do sentimento de estar sendo
aniquilado, a sensação de entorpecimento de estar morto.
É devido as consequências dessa ruptura que se origina
um transtorno mental grave, no qual a pessoa não consegue
diferenciar o real do imaginário. “[...] É a falta radical do uso
de uma dessas funções, imaginário ou simbólico, que faz dar
conta do caráter muito particular da realidade para o psicótico,
do que chamamos de bom grado, sua perda de realidade”.
(LECALIRE, [etal] 1979, p. 40).
Desse modo, não tendo a capacidade de simbolizar,
tudo representa ameaça, porque o seu pensamento tem peso de
verdade, não consegue separar a fantasia da realidade, assim
sendo, fantasia é igual realização, o que gera mais insegurança.
“A desconfiança, o medo da intimidade, a ambivalência e a
dependência apegada do paciente influenciam todos os seus
contatos humanos [...]”. (MACKINNON & MICHELS, 1981,
p. 199).
Nesta situação, quando ocorre de alguém invadir sua
intimidade, situações que lhe provoque medo, é outra persona
que assume suas atitudes, a quem a pessoa alucinada obedece,
exemplificando, uma pessoa está desenvolvendo uma atividade
normalmente, ao fato que uma situação qualquer ocorre,
alguém diz qualquer coisa que provoca uma emoção
258
desagradável, ela entende como provocação, e estas vozes
ficam perturbando, desencadeando um sentimento de vingança,
e esta outra persona entra em ação, vai lá e agride, podendo em
alguns casos levar ao homicídio. Passando isso, volta a
situação normal e a pessoa realmente não lembra do episódio,
ela apaga, como se realmente não fosse ela. Ela não reconhece
sua ação.
Primeiramente é oportuno esclarecer que uma pessoa
poderá ter uma estrutura e não desenvolver uma psicose, o que
vai fazer com que desenvolva um surto psicótico é o stress, o
meio onde a pessoa vive, as relações que possui, bem como
suas ações, como trabalho. Outro fator que pode levar a um
surto psicótico é o consumo de drogas. São estes os fatores que
terão forte influência para que se manifeste a psicose.
Diante disso, observa-se que o modo como este ser
humano encontra para sobreviver, ou seja, para suportar a
angústia é se defendendo. No caso do paciente com psicose os
mecanismos utilizados segundo Bergeret (1991), são as
observações defensivas, principalmente as de clivagem e as de
baixo nível, idealização primitiva, identificação projetiva, de
negação, onipotência, desvalorização. Usando como defesa a
introjeção, projeção, a identificação e a idealização, o paciente
protege seu ego da desintegração e da fusão self-objeto. “Em
qualquer processo de formação do caráter está presente o
processo de identificação, este olhar de aceitação [...]”.
(PEREIRA, 2009, p. 191). Contudo, tal comportamento é
muito comum em muitas pessoas, não uma exclusividade das
psicoses, porém nestas os sintomas estão mais evidentes.
Desse modo, surgem os sentimento de perda dos limites
do ego, isto é, a pessoa não se reconhece por si, mas sim
através da sua projeção no outro, sendo que, este processo se
desencadeia de modo especial em determinadas fazes da vida,
como escreve (TEIXEIRA, 2010, p. 210) “Comumente é uma
forte emoção com uma frustração, o medo, a insegurança ou a
solidão, em um momento crucial da vida como entrada na
259
adolescência, o casamento, o nascimento de um filho ou a
velhice .”
Estas fases são de modo especial significativas no
processo evolutivo, sentidas com muita intensidade um desvio
da normalidade, do que era conhecido, e ocorre que, diante de
um perigo externo o mecanismo utilizado é de negar esta
realidade ameaçadora, e posteriormente, ou se reconhece e
elabora, e se aprende a conviver com este novo, ou se identifica
com ela.
E, nessa situação, através da projeção, a pessoa busca
por si mesma nas outras pessoas, os limites do seu “eu”. Nesse
contexto, torna-se um ser despersonalizado, com sentimentos
de vazio. Cuja percepção da realidade pode ser destruída. “Na
fantasia o self pode ser qualquer pessoa, em qualquer lugar,
tudo possuir – é assim onipotente e completamente livre”.
(LAING, 1982, p. 90).
Para o autor supracitado, mesmo uma pessoa “normal”
se estiver numa situação de ameaça e que esta não apresente
saída, pode cair num estado esquizoide.

6. A PSICOSE NUMA LEITURA


DA PSICANÁLISE HUMANISTA.

Para a psicanálise humanista que tem como precursor


Erich Fromm e seu perseguidor contemporâneo Salézio
Pereira, a que se observar as circunstâncias sociais, isto porque,
um sujeito vivendo numa realidade de um mundo globalizado,
competitivo, independente de estruturação psíquica, qualquer
pessoa está suscetível a desencadear um surto.
De modo que, as pessoas são cada vez mais
coisificadas, o “ter” está acima do “ser”, e isso faz com que as
pessoas tenham um desgaste enorme para manter sua
sobrevivência, para ter acesso à educação e saúde, é por esse
260
motivo que nos coloca FROMM, “contudo, quando qualquer
parte de sua compensação é ameaçada, a insanidade potencial
pode tornar-se manifesta”. (1992, p. 104). Assim sendo, a única
saída é um completo conhecimento de si, o que significa entrar
em contato com as forças sarcásticas e irracionais que estão no
interior.
O que agrava esta situação, é que existe uma indústria
de medicamentos muito violenta, com interesses em altos
lucros, que não está preocupada com as consequências que
podem trazer o consumo de medicamentos. “[...] E assim os
nichos são explorados pela indústria farmacológica, para lucrar
bilhões e bilhões de dólares. Claro que grandes lucros podem
ser gerados ao introduzir este tipo de droga no mercado [...]”
(PEREIRA, 2009, p. 110).
E dentro deste contexto, se criou um slogan de
felicidade absurda e constante, e as consequências disso, é que
está havendo uma má compreensão do que é estado patológico,
ou seja, quando a pessoa está realmente doente, visto que com
tantos investimentos em marketing, propagandas enganosas,
hoje ninguém mais quer sentir tristeza, diante de qualquer
situação frustrante se recorre a antidepressivos. É necessário
observar que estado depressivo ou psicótico têm quadros bem
definidos, tristeza é outra coisa, e faz parte da vida humana, um
luto é doido, e precisa de um tempo para passar.
Neste contexto, se faz mister entender que a psicanálise,
dentro de sua revisão proposta pelos psicanalistas humanistas
já mencionados, permanece descendo ao mundo do
inconsciente para trazer à consciência o que está reprimido.
Mas, além disso, é preciso levar a pessoa a se compreender
como um ser social, e para isso é preciso ter boa adaptação, e
esta é uma atribuição da psicanálise contemporânea. “Ela
examinará especificamente, os fenômenos psicológicos que
constituem a patologia da sociedade contemporânea: alienação,
ansiedade, solidão, medo de sentimentos profundos, falta de
ação e falta de alegria.” (FROMM, 1992, p. 38).
261
Portanto, é necessário rever o modo como está vivendo,
como estabelece suas relações. É isso que assusta, o olhar para
dentro de si, como está conduzindo sua vida na existência. O
resultante disso no que podemos observar, é que, não apenas a
família, mas também o meio ambiente, a sociedade, a
economia e a política são fatores facilitadores para que
qualquer pessoa entre em surto. Por este motivo, uma pessoa
poderá ter uma estrutura na psicose e não entrar em surto
psicótico, ou não apresentar delírios persecutórios.
Como também observamos muita gente explorando
outras pessoas de diversos modos, seja abuso financeiro, abuso
emocional, e não apresentar um estado psicótico. Que para
Fromm (1992, p. 38) “a psicanálise estudará, especificamente,
a “patologia da normalidade”, o crônico, a esquizofrenia leve
gerada na sociedade cibernética e tecnológica de hoje e de
amanhã”. Isto porque, tem muita gente independente de sua
estruturação psíquica que se deleita com o sofrimento de outras
pessoas, não tendo o menor respeito pelo ser humano se
colocam no direito de excluir as demais pessoas.
Por esta razão, para a psicanálise, a diferença entre
neurose e psicose deve estar muito além dos determinismos
psíquicos. Esta dialeticidade pode existir, a psicose tem direito
a sua linguagem definida. Sendo que, a psicose se resulta da
incapacidade de simbolizar, não existe simbolismo, não existe
linguagem, é a partir desta linguagem no vazio que surge a
fantasia. E a fantasia criada é mais forte e menos dolorosa que
a realidade.

[...] enquanto que na psicose a perda da


realidade ocorre num primeiro tempo, um
tempo antes da própria psicose, a qual
consistiria no esforço que visa preencher o
vazio assim criado com todo aparelho do
fantasístico, o afrouxamento com as
relações com a realidade é, na neurose, o
efeito de um retorno do recalcado para a
262
realidade, sempre conservada mas, por
assim dizer secundariamente revestida de
“um sentido secreto que chamamos de
simbólico”. (AULAGNIER, 1979, p. 148).

Para a psicanálise, estas particularidades são levadas


em consideração o ser humano na sua totalidade, como um ser
bio-psíquico-social. Por este motivo, entende-se que uma
pessoa pode apresentar alguma possível perturbação, mas isso
não a impede de continuar se desenvolvendo, de contribuir com
seu conhecimento. “Outra característica do atual jargão
psiquiátrico é falar da psicose como falha no ajuste social ou
biológico, inadaptação de determinada espécie particularmente
radical, perda de contato com a realidade [...] esse jargão é um
verdadeiro vocabulário de difamação”. (LAING, 1982, p. 27).
Por este motivo, a psicanálise humanista defende que,
ainda que o paciente com psicose tenha um pensamento
desorganizado, isso não o torna menos humano, ao contrário,
foi devido sua grande sensibilidade e humanidade, que não
suportou a realidade, encontrando a solução no delírio e na
alucinação. Foi esse o modo que encontrou para satisfazer os
seus desejos que a realidade lhe negou. “A psicanálise como
ciência esteve sempre pesquisando esse lado oculto da
barbárie, destas atrocidades, próprias de uma sombra
desconhecida pelo próprio homem.” (PEREIRA, 2008, p. 53).
Desse modo, o grande desafio que se apresenta é levar
esta pessoa compreender quais foram os motivos que o levaram
a construir outra realidade, que fatores ocorreram com esta
pessoa que a fizeram negar a realidade. O que pode ter
acontecido com este ser humano que o levou a sentir-se
amedrontado no mundo. Como escreve (LAING, 1982, p. 90),
“a substituição de uma interação pela outra resulta no indivíduo
passar a viver num mundo assustador, no qual o temor não é
mitigado pelo amor”.

263
Na construção de relacionamentos, a pessoa não
consegue investir em relações amorosas, ainda que tenha
desejo de se envolver emocionalmente, construir uma relação
sólida, que é natural no ser humano, não consegue fazer o
investimento o que gera sofrimento tanto para a pessoa, tanto
quanto para com quem ela se envolve.
Mas uma característica forte apresentada é seu poder de
sedução muito alto, o que facilita nas suas conquistas.

Seu olhar é maquiavélico, seu corpo retrata


a erotização, suas palavras são dóceis, pois
sabem elogiar e tornar-se amigas. Possuem
um poder sobre suas vítimas, fazem aquilo
que bem convier, sempre com o máximo de
cuidado para não ser identificado ou
reconhecido nas suas artimanhas de
manipulação. (PEREIRA, 2010, p. 115).

Neste caso, estamos nos referindo a um


desordenamento de uma estruturação psíquica, na qual a pessoa
tem um embotamento emocional e afetivo, ou seja, não cria
laços afetivos, desse modo, se torna uma pessoa que busca o
isolamento afetivo, sendo que tem como um de seus
mecanismos de defesa a idealização, está constantemente na
busca do ideal, idealiza a pessoa perfeita a qual não encontra.
Como coloca Laing (1982) assim, que não se estabelece
uma relação na autonomia individual, visto que, o ser se
absorve completamente na outra pessoa, ou vive na completa
solidão e isolamento, não se estabelece uma relação dialética
entre estas duas pessoas. Posto que, se a pessoa não se ama, ela
pode querer perder-se no outro, e devido à ansiedade que esta
situação provoca, tende ao isolamento, pois somente assim
sentirá segurança.
Entretanto, é preciso levar em consideração os
sentimentos da pessoa, sejam elas quais forem, posto que, estas
emoções têm seu valor, alguma coisa elas estão denunciando.
264
Pensamento este, confirmado por (FROMM, 1992, p. 44)
“todas as paixões e os anseios do homem normal, seja normal
ou psicótico são tentativas de tentar solucionar sua contradição
imanente.” Nesse caso, ele está se referindo as emoções, nas
quais, a finalidade destas, seriam tentativas de encontrar uma
solução para resolver seus conflitos internos, sendo que essa, é
uma condição que está presente em todos os seres humanos.
Como afirma (ALVES, 2003, p. 53). “Os que andam
em direção contrária, entretanto são aqueles que dizem o que
não pode adivinhar e o que não era previsto. Seus pensamentos
e palavras são sempre um susto”. Nessa circunstância podem se
tornar uma ameaça à ordem e aos bons costumes,
principalmente para quem quer ter o domínio sobre as outras
pessoas, entre estas pessoas ameaçadoras se incluem os loucos.
Por conta disso, é preciso ter muita cautela no diagnóstico
precipitado, isso porque, é como se colocasse um rótulo, uma
etiqueta na pessoa. Como coloca (LAING, 1982) “O bom
médico clínico levará em conta o fato de que, estando seu
paciente ansioso, a pressão estará um pouco mais alta que o
costume, o pulso mais rápido que o normal e assim por diante”.
Mas destaca ele também que ao examinar “um
coração”, ou mesmo todo o paciente, esteja interessado não
apenas no órgão a ser tratado, não tratar a pessoa como um
organismo, mas sim, na natureza das emoções.
Outro fator que se faz importante destacar, é que
quando se tem um paciente identificado na família (PI), isto é,
aquele diagnosticado como psicótico, as atenções se voltam
para esta pessoa, desse modo, as patologias existentes na
família ficam acobertadas, e assim sendo, a neurose familiar
fica protegida, em que o (PI) é o responsabilizado pelos
dilemas familiar. Que nesta situação Laing (1982) coloca que
existem outras pessoas que são consideradas sadias, no entanto
a mente é radicalmente doentia, e que podem representar
perigo para si e para as outras pessoas.

265
Por esta razão, temos que observar que existem muitas
pessoas de estrutura neurótica, que se aproveitam de modo
inconsciente desta situação a qual desenvolveu um caráter
sádico, que também poderá se envolver em relações
destrutivas.

Acho que é preciso contar com o fato de


que em todos os homens há tendências
destrutivas, ou seja, antissociais e
anticulturais, e que num grande número de
pessoas elas são forte o bastante para
determinar o seu comportamento na
sociedade humana (FREUD, (91856-1939)
2011, p. 39).

Neste contexto, se apresenta a conquista do prazer, seja


este, qualquer forma não apenas sexual, em contraposição com
os meios utilizados, se isso ocorre, temos ai um conflito, posto
que, os meios e os fins não estão dentro de padrões socialmente
aceitos. O que desencadeia mais fatores de angústia, agravando
a situação.
Por tudo isso, se faz necessário a análise pessoal,
especialmente se a pessoa estiver numa situação de stress e
ansiedade, visto que ela não sabe o que pode desencadear, no
entanto, existe uma crença muito forte que “análise é para
louco”, é justamente para evitar a loucura que se faz análise,
porque a existência está nos cobrando excelência, precisamos
dar conta de nosso existir no mundo de modo saudável, sem
dependência, desenvolver nosso potencial, estabelecer relações
saudáveis. E esta dialética loucura versus sanidade está muito
mais próxima que imaginamos. E ninguém de nós está imune a
ela.
É necessário que na atuação clínica, o analista esteja
comprometido com o tratamento, visto que a práxis clínica
possui nuances diferenciada do neurótico, isto porque a pessoa
na psicose não possui a linguagem imaginária e a simbólica. A
266
qual é enfatizada por Laing (1982), que mesmo sendo difusa a
queixa apresentada pelo paciente, é necessário saber que o
paciente traz para o tratamento a sua existência, o seu ser- no-
mundo, e que um determinado aspecto está relacionado com
todos os demais aspectos de conduzir sua vida, mesmo que este
não consiga expressar com clareza, mas está contida no seu
delírio, no seu imaginário.
Sendo que o imaginário é definido por (LACLAIRE
[etal], 1979 p. 38) como “tudo que tem sombra, não tem
nenhuma existência própria”.
E o simbólico como “todo que só tem em si o valor de
indicar a ligação, o vínculo (conforme o valor etimológico da
palavra) e o “lugar”; é o signo [...] (LACLAIRE [et al], 1979,
p. 38). Segundo Albino (2012) para a pessoa na psicose o que
ela comunica é o seu delírio e a alucinação, não existe o
simbólico, tudo é um vazio.
Compreendendo que, o maior propósito nesta clínica é a
ressocialização, isto é, tornar menos conflituoso seu viver no
mundo. É preciso fortalecer suas potencialidades, como já
visto, normalmente pessoas na psicose apresentam um talento
especial para a arte, a música, o teatro, enfim os diversos
modos de talentos artísticos.
E o modo como o analista vai trabalhar, é em primeiro
lugar fazer a “maternagem” que foi deficiente, o analista
precisa emprestar seu “colo”, seu olhar, introduzir a linguagem.
Outro fator também oportuno destacar é colocado por Laing
(1982), que não se pode ver a pessoa como objeto do nosso
mundo, formatá-la dentro das escalas de referências, pois
auxiliar na ressocialização não significa fazer esta pessoa um
objeto pensado por seu analista, é preciso ter muito cuidado
para não fazer pré-julgamentos, evitando as díades de certo e
errado.
Também enfatizamos a questão do vínculo, como a
pessoa na psicose prioriza o isolamento, o que pode complicar
o vínculo, e este é necessário para a entrega, o analista deve
267
estar ciente que poderá ficar horas diante de um ser que não
tem o menor reconhecimento de sua existência. Alheio a tudo e
a todos, se torna um ser catatônico fechado em seu mundo.

[...] deve-se entender que é necessário


deixa o psicótico fazer a experiência de sua
própria psicose O psicanalista não pode, de
modo nenhum, ser o orientador das pulsões
de seu analisando, pois ele não é um cura
(no duplo sentido da palavra) e sim um
acompanhante, um decodificador. (KATZ,
[et al], 1979, p. 10).

Neste caso, o analista vai ocupar o lugar de


acompanhante da angústia do outro, acompanhar o sofrimento,
o qual não encontra explicação, mas acompanha também a sua
criatividade decodificando os novos discursos que o sofrimento
cria. Diante disso, entendemos que o discurso do psicótico
deve ser tanto respeitado quanto entendido. “A análise do
inconsciente procura desenvolver a inteligência emocional do
paciente, retirá-lo desta cegueira existencial e cultural”.
(PEREIRA, 2009, p. 183). Assim sendo, a psicanálise se
propõe a levar o paciente a se inserir no mundo, estabelecer
seus limites de ser no mundo, se reconhecer como ser humano
dotado de sentimento, vivendo com menos angústia.
Para obter êxito no mistério da psicanálise humanista, a
que se observar o modo de olhar a psicose e as orientações de
caráter, sendo que, o paciente pode apresentar uma orientação
necrófila, narcisista ou uma relação simbiótica incestuosa, e
todas estas impedem o crescimento e o desenvolvimento de
uma pessoa.

Todos os quadros de psicopatias impedem


ou prejudicam a vivência do amor na sua
plenitude, e para entendermos este
“phatos” do sofrimento, devemos conhecer

268
nos símbolos as três instâncias dos
transtornos de caráter: necrofilia,
narcisismo maligno e simbiose incestuosa.
(PEREIRA, 2012, p. 117).

Compreendendo por necrofilia como uma forma de


prazer em matar, destruir tudo que possui vida, ou seja, um
prazer sádico por destruição. Em que a vida paralisa ou regride.
Já as orientações das relações sociais, o necrófilo tende a se
relacionar de modo simbiótico. “A pessoa se relaciona com as
outras, mas perde ou nunca alcança sua independência; ela
evita o perigo da solidão tornando-se parte da outra pessoa,
quer sendo ‘absorvida’ por esta, quer ‘absorvendo-a’”.
(FROMM, 1983, p. 98). Isso significa que, ela sufoca as
pessoas de suas relações, pois necessita estar fusionada nas
pessoas com quem se relaciona, para dar conta do seu
sentimento de dependência, esperam ganhar tudo de graça,
tendo uma necessidade de estar sempre sendo ajudada por
outrem.
Por tudo isso é importante prestar atenção nessas
orientações, visto que, para poder sinalizar possíveis
alternativas, é preciso saber quais orientações esta pessoa
segue, como são suas relações e suas crenças.
Outro fator que é importante destacar é que o paciente
que apresenta estruturação psicótica, embora o phatos seja o
mesmo, não significa que sejam todas as pessoas exatamente
iguais. E para a psicanálise humanista, segundo é suma
importância conhecer em primeira ordem a estruturação da
personalidade, para fazer a análise do paciente, visto que, a
personalidade interfere no comportamento porque, busca a
satisfação das suas necessidades doentias, independente de
estruturação psíquica. Como escreve Myra y Lópes (1974),
Erich Fromm classificou em cinco tipologias a personalidade,
usando como critério seu aspecto psicodinâmico.

269
Desse modo, como destaca Myra y Lópes (1974) um
paciente com personalidade exploradora, busca obter vantagens
em tudo, exigindo muito em troca de pouco ou nada, se
aproveita das pessoas de todas as formas, seja emocional,
intelectual ou financeiramente, são pessoas desconfiadas,
cínicas, invejosas e ciumentas. Assim sendo, são estes os
conteúdos psíquicos que irão ser projetados por esta pessoa,
que o psicanalista deve estar atento. Posto que, estes fazem
parte da subjetividade da pessoa. “A análise humanista tem
como finalidade, a busca da verdade, levar o paciente ao
confronto com sua realidade objetiva e subjetiva [...]”.
(PEREIRA, 2009, p. 153).
Outro paciente pode apresentar uma personalidade
receptiva, este paciente é aquele que está sempre esperando
pelas outras pessoas, se vitimiza esperando a ajuda e a
compaixão, está sempre submisso a todos, “não sabe dizer
“não” e adora a fórmula serei como desejam que eu seja.”
(MYRA Y LÓPES, 1974, p. 260). São pessoas que estão
aparentemente demonstrando alegria para as outras pessoas,
podendo ficar tristes diante a mais simples dificuldade.
Apresentam baixa autoestima, não se sentem capaz de realizar
nada, tudo para ela é difícil, não reconhece suas capacidades.
Outra personalidade apontada por Erich Fromm é a avarenta,
uma pessoa avarenta, tem uma preocupação constante em
economizar e conservar com extrema possessividade.
Já a pessoa de personalidade mercantil, tudo tem um
preço, ela usa de todos os seus talentos para comercializar, tudo
é mensurável, e quer levar vantagem em tudo sempre, só
apresenta diferença do caráter explorador porque é covarde.
E finalmente a personalidade criadora, sendo esta a
considerada saudável, visto que, ela é produtiva, uma pessoa
com esta personalidade tem ideias firmes, desejo de lutar e
vencer, superar as adversidades, pessoas assim, tem uma
autoestima saudável, e são confiantes. Porém, estas segundo
Fromm são as mais escassas na sociedade.
270
Essas características da personalidade tendem a se
manifestar, ainda que em forma de delírio, posto que, estas são
características que fazem parte da estruturação da
personalidade da pessoa e devem ser observadas na clínica. E
para o psicótico, na sua própria forma de se expressar, ainda
que seja no delírio, está contido uma representação simbólica
do seu modo de ser humano, e sua forma de ser-no-mundo,
como pessoa que sente e interage.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as leituras realizadas na bibliografia apresentada,


concluímos que, a psicose, mesmo usando outras
nomenclaturas se faz presente na humanidade ao longo dos
séculos, especialmente quando passou a estabelecer relações
sociais. Destacamos, em primeiro lugar a forma desumana com
que foi tratada a questão da psicose ao longo dos séculos, de
modo especial quando foi priorizado o raciocínio, visto que, na
atualidade ainda é muito forte o pensamento que permeou
aquela época, na qual se exacerbava o racionalismo em
detrimento ao emocional, e que, alguém que se achou com
poder e supremacia para diagnosticar esta pessoa como louco.
Enfatizamos posteriormente, as causas determinantes
para a formação de uma ruptura psíquica, a importância dos
cuidados, o papel da mãe, principalmente na estruturação
psíquica de uma pessoa, visto que, é ela quem vai apresentar o
mundo para este novo ser desenvolver nele a linguagem, o
simbolismo através de seus cuidados, na interpretação das
ansiedades do seu bebê.
Abordamos também a atuação da psiquiatria no papel
das psicoses, visto que em muitos casos ela atua em conjunto
no tratamento, porém num enfoque mais fisiológico, para tanto,
apresentamos resumidamente o funcionamento neurológico,
271
pois é neste sistema que a medicação vai atuar, no sentido de
conter, de controlar um surto, posto que não encontramos
registros comprovados de cura.
Foi contemplado também o enfoque psicanalítico, em
que foi destacado especialmente seu modo de ser-no-mundo,
apontando seus mecanismos de defesa usados especialmente
quando se tem o mundo como ameaça, a falta que fica na
ausência da linguagem, no vazio existencial.
Observando que a qualidade de vida das pessoas tem
influência direta para a manifestação de uma psicose, visto que
ninguém nasce psicótico, esta vai desenvolver-se posterior ao
nascimento. Entretanto, o cuidado emocional se faz em igual
comparação ou talvez até mais que os demais cuidados, é
preciso prestar atenção nas emoções, isto porque, elas são
determinantes para um investimento em qualquer outra esfera
da vida humana.
Foram contempladas também as orientações necrófilas, bem
como as relações sociais patológicas como relação simbiótica
incestuosa.
Finalmente apresentamos a estruturação da
personalidade, a qual Erich Fromm destaca cinco tipos, sendo a
exploradora, a receptiva, a avarenta, a mercantil e a criadora,
destacando a importância destas serem observadas,
especialmente na clínica, sendo que, independente se a
estruturação psíquica for neurótica ou psicótica, o analista deve
sempre estar atento a estruturação da personalidade, pois esta
interfere diretamente na forma de como a pessoa se relaciona
com o mundo.

272
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275
CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS
ACERCA DO PACIENTE FÓBICO

SUZANA PIENIS.

As pessoas felizes lembram o passado com


gratidão alegram-se com o presente e
encaram o futuro sem medo. (Epicuro)

RESUMO: Este artigo refere-se a um estudo bibliográfico para


o curso em Psicanálise do Instituto de Psicanálise Humanista
de Santa Maria, RS. Pretende-se com este artigo esclarecer um
pouco mais sobre a Psicopatologia Fóbica, ou seja, o medo, a
ansiedade, o processo consciente e inconsciente presente nestes
seres humanos. Além da Fobia, pretendo pesquisar o papel do
psicanalista diante desta patologia, bem como esclarecer os
conflitos neuróticos, a angústia, o transtorno obsessivo, o
phatos.

Palavras-chave: Fobia. Psicopatologia. Medo. Ansiedade.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com este artigo pretende-se esclarecer algumas


questões como a emoção do medo e as fobias, o processo
consciente e inconsciente presente nos seres humanos, podem
interferir na saúde emocional, gerando patologias. A seguir o
papel do estudo da psicopatologia, logo mais aborda-se o caso
do menino Hans. Na sequência pretende-se esclarecer sobre os
conflitos neuróticos, a angústia o transtorno obsessivo
276
compulsivo e o phatos. Para finalizar abordo a questão do
processo da mente inconsciente, os potenciais e a superação
dos traumas.

Nos dias de hoje é comum ouvirmos falar muito do


medo, mas estes medos nada mais são que uma fobia, pois
ambos querem dizer a mesma coisa. A fobia é um medo
exagerado de certos animais, objetos, mas gostaria de lembrar
que a patologia sempre está acompanhada de um medo muito
exagerado e que se torna indispensável procurar ajuda de
pessoas especializadas no assunto, assim como o Psicanalista,
pois o convívio com o mesmo pode acarretar sérios problemas
de convivência social com outras pessoas.

A fobia é um medo exagerado de certos animais,


objetos, esta patologia pode tornar-se uma obsessão ou uma
compulsão, e com isto, sem dúvida pode tornar-se uma fantasia
distorcida da realidade, por isso precisa-se de um tratamento
capaz de ajudar o paciente a conviver com seus medos.

O medo é uma emoção inconsciente e irracional não


sabemos o porquê, muitas pessoas que fazem análise só
percebem que sofrem do mesmo quando certas ocasiões lhe
causam desconforto.

Na teoria psicanalítica humanista entende-se este


processo como uma experiência que sustentou uma vivência
emocional de pânico, uma interpretação das imagens carregas
de conteúdo emocional que estariam associadas ao trauma. O
medo do amor, de ter sucesso, de viver a maternidade, de amar
uma pessoa, de ganhar dinheiro, retrata simplesmente uma
compreensão distorcida ficcional de uma alguma vivência que
se tornou patológica.

277
2. O PAPEL DO PSICANALISTA:
ENTREVISTA E DIAGNÓSTICO.
Ao atender na clínica um paciente que chega com a
queixa de fobia o psicanalista deve investigar quando iniciou
este medo, se caso o paciente recorda. Na maioria das vezes as
causas da fobia são inconscientes, cabe ao analista fazer as
intervenções com seu paciente e descobrir quando surgiu e qual
a suas causas.
Por exemplo, um paciente tem muito medo ao subir
uma escada, evita ir a lugares que tenha escada, este medo
pode trazer serias consequências para o indivíduo que sofre da
mesma, pois nos dias de hoje é frequente encontrarmos uma
escada, seja na casa de um amigo, na rodoviária, na escola,
faculdade entre outras, o que fazer? Primeiro passo se você não
faz análise, precisa procurar ajuda psicanalítica para trabalhar
com esta fobia.
As fobias são o representante simbólico de um trauma,
alguma vivência que se reverteu em uma dor, mágoa, abuso,
violência, abandono, rejeição, estas e outras emoções
pertencem a algum tipo específico de fobia, aquela emoção de
medo, alerta todos os sistemas do organismo para iniciar uma
mudança fisiológica nos sistemas, seu investimento tem como
objetivo a proteção de alguma experiência do passado.
A emoção do medo é revestida desta fobia como se
fosse uma máscara para fugir do contato com aquele tipo de
experiência, na sua fantasia acredita que está se protegendo do
pior, afastando-se do amor, do afeto, das pessoas, consegue
sentir-se tranquilo, calmo e seguro. O analista então entrevista
seu paciente buscando os sintomas.
É possível observarmos que existe uma fantasia
presente nesta fobia, seja a fantasia de cair rolando da escada,
de se machucar entre outras. Quando a fobia está bem
desenvolvida o indivíduo que sofre desta patologia evitar subir

278
em uma escada, muitos até enfrentam este medo com a ajuda
de um amigo.
Exemplificando: certa vez em uma reunião presenciei
uma moça que tinha fobia de escada, ela parou no início da
escada e pediu ajuda a uma amiga de confiança, pois só assim
iria conseguir subir, me parei a pensar e se está amiga não
estivesse presente? Será que ela iria subir? E quando não tem
ninguém de sua confiança por perto?
Se esta fobia for intensa com certeza está moça não iria
subir a escada, e se provavelmente essa ou outra amiga de
confiança não estivesse, como subiria a escada? Geralmente
estas emoções do medo estão reprimidas ou recalcadas, a
repressão geralmente aparece nos sonhos, resistências,
fantasias, que podem ser interpretadas e conscientizadas,
porém no recalque precisa utilizar a hipnose, somente desta
forma pode trazer a consciência aquela experiência emocional
que está impedindo uma melhor qualidade de vida.
O analista faz sua escuta em relação ao símbolo; esta
imagem da escada está relacionada ao seu medo de subir na
vida, de ter sucesso, de sobressair-se sobre os demais, o não
querer subir precisa ser conhecido e melhor elaborado pelo
paciente.
Poderíamos levantar algumas questões em relação a
esta imagem ou cena específica deste paciente; fazendo-lhe
algumas intervenções, como por exemplo: Qual é o significado
de escada para você? Existe alguma recordação que se lembre
deste seu medo de subir escadas? Quando vem a mente a
imagem de escada, o que você sente? Existe alguma relação
desta fobia de escadas com o fato de você estar desobedecendo
alguma figura de autoridade? Qual é o ganho secundário de
manter-se atrelado a este medo? Receber afeto, cuidado,
carinho, atenção, daqueles que ajudam a subir a escada.
O analista precisa fazer a intervenção correta no sentido
de conscientizar estas emoções inconscientes, este fluxo de
energia segue um caminho de autoproteção, cada defesa
279
procura justificar sua ação para não viver aquela experiência
fóbica.
Penso que só é possível tratar uma patologia fóbica se o
paciente tiver consciência da importância da análise e do seu
autoconhecimento. A cura torna-se possível se o paciente
conseguir enfrentar estes desafios, por isso é necessário um
apoio psicanalítico para que isso aconteça.
A emoção do medo, da fobia, na maioria das vezes pode
ser muito angustiante, trazendo sintomas somáticos como uma
dor de cabeça, forte dor no estômago, dor de barriga, falta de
ar, sudorese entre outros sintomas. Os sintomas são diferentes
para cada pessoa, pois tudo depende da intensidade destes
sintomas, desta emoção e da experiência traumática de cada
experiência em relação ao medo.
Também é possível observarmos que a maioria das
pessoas demora em perceber que sofre de fobia, e muitos
acabam percebendo depois de muitos anos de sofrimento. De
acordo com Pereira (2007, p.130) “o medo é o pior dos
sintomas, porque coloca constantemente o paciente em
confusão, em conflito, desequilíbrio, tornando-se violentos e
agressivos com as pessoas que convivem no seu dia a dia”.

3. A LIGAÇÃO DA EMOÇÃO DO MEDO À FOBIA.

O medo é um estado de alerta, deixando as pessoas


ansiosas, com isso podem desenvolver a fobia, a emoção do
medo pode na maioria das vezes gerar somatizações devido a
sua frequência. A ansiedade é uma produção de que traz
consigo a emoção do medo, esta realidade pode ser traduzida
numa fobia, esta verdade ideológica sobre aquela emoção.
As emoções do medo interagem no cérebro de forma
inconsciente e estão presentes no cérebro através do sistema
límbico onde se formam as emoções de medo, ódio, raiva e
280
amor. Segundo Pereira “[...] O sistema límbico, sede do mundo
das emoções regula e controla toda a fisiologia do corpo, como
por exemplo; as batidas cardíacas, a pressão arterial, a fome, o
sono, o desejo sexual, o sistema imunológico”. (2009, p. 169).
O sistema imunológico tem como objetivo impedir,
proteger o organismo de vírus e bactérias, invasores que
adoecem o corpo humano, seja o da gripe ou de infecções ou
alergias, sabe-se quando as emoções aparecem, junto com elas
aparecem sintomas como dores de cabeça, falta de ar, disritmia
cardíaca, isso tudo porque o organismo percebe a presença de
algum corpo estranho nos sistemas que altera o funcionamento
fisiológico e hormonal.
Através da expressão de uma emoção do medo, Pereira
diz que:

O hipotálamo desencadeia uma reação de


luta ou fuga, esta reação emocional está
interligada com a totalidade dos sistemas
do organismo, e nesta troca de
informações, o corpo e o cérebro estão
constantemente atentos ao que se passa no
interior e no exterior do organismo humano
[...] (2009, p.171).

A emoção do medo pode sim desencadear reações de


fuga, como por exemplo, de apresentar um trabalho ou falar em
público, racionaliza com explicações para justificar estas fobias
que não deixam que realize determinadas atividades.
Considera-se de muita importância que as pessoas
conheçam as suas emoções, sejam boas ou ruins, pois uma ou
outra, sempre acompanha a rotina do dia a dia destas pessoas.
Conhecendo os impulsos que desencadeiam estes medos
fóbicos e assim pode dialogar e acalmar estas emoções que
prejudicam a sua qualidade de vida. Torna-se necessário
elaborar esta sua insegurança, em relação a alguns temas, que

281
ainda não foram resolvidos em sua existência, pode com
certeza aprender a lidar com a expressão destas fobias.
A emoção do medo responde a uma defesa de fuga de
alguma experiência sofrida, de abusos, abandonos e
negligências esta, sensação de mal estar é produto das
modificações fisiológicas que ocorrem no organismo devido a
este estado irracional de alucinação que a mente inconsciente
vive como se fosse verdade. A pessoa vive este drama e não
consegue entender as motivações que levam a sofrer por causa
deste estado de alucinação.

4. O TRATAMENTO PSICANALÍTICO APLICADO À


PATOLOGIA FÓBICA, ONDE ENTRAM AS EMOÇÕES.

A terapia analítica possibilita este encontro entre a


experiência emocional do medo, ao encontrar-se com o trauma
pode verbalizar e dizer o que se sente sobre aquela experiência
específica, ao tomar consciência sobre as motivações
inconscientes desta sua defesa, descobre que existe um sentido
de proteção e ganho secundário em relação a alguma temática
existencial que não conseguiu tomar consciência.
Cada emoção tenta trazer a tona um significado muitas
vezes inconsciente, estas emoções presentes nas memórias, na
maioria das vezes, têm a intenção de trazer a tona algum desejo
que muitas vezes pode ter sido reprimido.
Segundo Pereira:

A psicanálise procura entender a atrofia


desta energia psíquica, porque é visível o
estado de alienação e improdutividade de
uma pessoa, as transformações não
acontecem não pela imobilidade de uma
emoção, mas pelo desconhecimento da
pessoa. Cada emoção tem suas razoes para
282
agir e fazer valer a sua intenção, para
entendê-la é importante conhecer sua
historia pessoal. (2010 pag. 25).

A pessoa que não consegue perceber as emoções fica


em um estado de cegueira, muitas vezes impedindo de
enfrentar a realidade e tomar decisões porque por detrás deste
medo existe uma história que precisa ser elaborada, esta catarse
pode além de aliviar o sintoma, consegue acalmar, tranquilizar,
equilibrando as atitudes dentro de escolhas que possam
resolver aquele tipo de problema existencial. Em alguns casos
estas fobias estão preparadas para desencadear uma proteção
para não experimentar determinadas emoções, como por
exemplo, alegria, felicidade, satisfação e realização pessoal e
profissional.
É possível observarmos que a fobia não é frequente
somente em adultos, mas também em crianças, pois algumas
crianças sentem fobia ao dormir de luz apagada, medo de
dormir com o quarto todo fechado, onde não tem entrada de
claridade, medo de tomar uma vacina, medo de médico, de
hospital, medo de papai Noel, de bruxa entre tantos outros.
Estes medos podem aparecer através de catarses de choro,
angústia e só pode ser controlado quando um adulto oferece
sua confiança e segurança emocional para tranquilizá-lo.
Por estes motivos acredito que todas as fobias tem sua
origem na infância e se estende até a sua idade adulta, quando
o adulto se percebe que este medo está trazendo sérios
problemas a sua vida pessoal e profissional.
O medo é uma emoção que pode ser útil, pois consegue
proteger e impedir uma decisão inconsequente, portanto quero
esclarecer que, os medos podem ser úteis em algumas
situações, pois esta emoção do medo pode reprimir ou recalcar
algum desejo que possa prejudicá-lo socialmente ou no âmbito
familiar. Explico que as atitudes inconsequentes geralmente
produzem transtornos de ansiedade e infelicidade,
283
determinados medos, podem neste caso, ser a salvação para
impedir uma catástrofe maior na vida desta pessoa.
Existem medos que auxiliam e protegem a vida, como
por exemplo, o medo de cobras, dentro da normalidade é uma
emoção que pode salvar-lhe a vida, o “phatos” instala-se na
psique quando existe esta distorção da realidade, ou que através
de um delírio persecutório acredita que sempre existe alguma
cobra querendo matá-lo. Este estado de ansiedade persecutório
é uma fantasia alucinatória que em alguns casos conseguem
enxergar este animal mesmo que não esteja naquele local.
Nestes casos existe de fato uma distorção da realidade, mas
aquela imagem produzida pela sua mente inconsciente retrata
um tema que pode esboçar uma etiologia de angústia
traumática.
Seria interessante que a pessoa que sofre de fobia
procure ajuda de um psicanalista para que assim possa
trabalhar a sua fobia e descobrir a sua origem, pois conhecendo
a sua etiologia saberá como trata-la.
Segundo Pereira, “o objeto da psicopatologia se estende
a todo fenômeno psíquico que tenha um significado e uma
comunicação a ser realizada”. (2009, p.15).
A psicanálise principalmente a psicopatologia estuda as
capacidades que o paciente possui em criar estas fantasias em
seu psiquismo. A psicanálise tem como objetivo compreender
as complexas formas de pensar e refletir sobre como cada
pessoa vive a sua fobia, geralmente estes medos podem ser
aprendidos na infância, ou retratados depois de uma
experiência traumática, mas esta emoção existe com a
finalidade de protegê-lo de um novo sofrimento. A estrutura
neurótica desta fobia apoia-se em alguma experiência
emocional inconsciente, existe uma defesa de negação,
isolamento, projeção com o intuito de não fazer esta
experiência novamente.
Os medos de altura são diferentes para cada pessoa,
pois cada um possui uma experiência específica e com certa
284
intensidade em relação aquela vivência. Esta individualidade
torna o ser humano original nas suas psicopatologias, são
motivações inconscientes, imagens, cenas, fantasias, ficções
que produzem na mente humana este tipo específico de fobia.
A análise pode propiciar ao paciente uma
ressignificação destas vivências traumáticas, este encontro
consigo mesmo, passa pela elaboração de suas emoções e
pulsões. Através deste vínculo entre analista e paciente torna-se
possível conscientizar-se de que nem tudo é impossível de
mudar. Uma das efetivas ações da análise é desenvolver no
paciente uma capacidade de enfrentar seus medos através de
ações concretas, e uma delas é fazer novas experiências, esta
práxis de enfrentamento com a emoção do medo pode ser o
caminho de solução para todos os tipos de medos.
Além da análise e seu processo de tomada de
consciência, esta pessoa precisa de um grupo onde possa
vivenciar com aceitação e cooperação destas pessoas um lugar
para ressignificar os seus medos, este laço afetivo do paciente
com as outras pessoas desenvolve a coragem necessária para
lançar-se neste novo desafio, portanto a porta de saída para
resgatar sua autoestima e confiança passa pela proteção,
cuidado, amorosidade e compreensão deste grupo. E neste
ambiente de amizade e sinceridade que se torna possível sair
desta condição de medo e fobia.

5. UMA ANÁLISE FREUDIANA ACERCA DA FOBIA,


O CASO DO PEQUENO HANS.

Ao escrever sobre fobia não posso deixar de mencionar


o nome do Sigmund Freud, um psicanalista que contribuiu com
a pesquisa da fobia do caso Hans um menino de cinco anos
onde aos três anos começou a despertar interesse por seu órgão
genital e aos três anos e meio sua mãe o ameaçou de cortá-lo.
285
Neste período Freud diz que o menino adquiriu o complexo de
castração. De acordo com Freud (2008, p. 42):

Para o menino, a ameaça de castração


torna-se agora uma temível possibilidade.
Uma vez que essa ansiedade de castração
não pode mais ser tolerada, o menino
reprime seus impulsos relacionados à
atividade sexual, incluindo suas fantasias
de conseguir seduzir sua mãe.

A ameaça de sua mãe em cortar seus órgãos agora


acabou gerando medo, angústia na criança, fazendo com que o
menino reprima seus impulsos sexuais. Sendo que a criança ao
expressar sua sexualidade não tem malícias, mas sim
curiosidade em descobrir seu corpo.
Após a comparação de seu órgão com o de um cavalo,
Hans foi encaminhado para uma consulta com Freud, pois o
mesmo fantasiava que tinha medo que um cavalo mordesse sua
mãe, com o tempo o menino superou sua fobia.
O caso do menino Hans foi muito marcante na história
da psicanálise, pois contribuiu para a descoberta do psiquismo
infantil.

Para Freud, os primeiros quatro ou cinco


anos de vida, ou estágio infantil, são os
mais cruciais para a formação da
personalidade. O estágio é seguido por um
período de seis ou sete anos de latência,
durante o qual há pouco ou nenhum
crescimento sexual. Então na puberdade,
ocorre um renascimento da vida sexual e o
inicio de um estagio genital. O
desenvolvimento psicossocial algumas
vezes culmina na maturidade. (2008, p.38)

286
Então pude entender que para Freud a fase oral, anal,
fálica é as fases que formam a personalidade da criança. Já o
período de latência ocorre pouco desenvolvimento sexual e no
período genital ocorre o interesse pela vida sexual.

6. FOBIA: QUADRO PSICOPATOLÓGICO.

A fobia simples é um medo que pode localizar-se em


uma determinada área, ou seja, diante de alguns objetos como
descer uma escada, entrar em um elevador, ficar em ambiente
totalmente fechado, atravessar a rua, tomar uma injeção,
dormir com luz apagada, ou até mesmo em frente a
determinados animais, como medo de sapo, galinha barata,
cavalo como é o caso do menino Hans, aranha, cobras entre
tantas outras.

[...] Muitas pessoas têm medo de certos


animais, como cães e cobras, ou se sentem
levemente desconfortáveis em
determinadas situações, como viajar de
avião ou andar de elevador. A pessoa com
fobia, em comparação, experimenta terror e
ansiedade que a incapacita.
(HOCKENBURY, 2003, p. 482).

Como havia mencionado anteriormente e agora com a


contribuição do autor é possível observarmos como a fobia
impede de fazer atividades simples, como subir uma escada,
um elevador, chegar perto de um cão.
A fobia social é aquele medo exagerado em que certo
individuo possui ao apresentar um trabalho, falar em público,
isto é quando está exposto a um grande grupo, no qual fantasia

287
que pode passar por humilhações ou comentários maldosos ao
seu respeito. Segundo Hockenbury,

[...]. A pessoa com fobia social fica


paralisada pelo medo de situações sociais,
especialmente se a situação envolve o
desempenho de, até mesmo,
comportamentos rotineiros perante outras
pessoas. Fazer uma refeição em público,
conversar em uma festa ou até mesmo usar
um banheiro público pode ser agonizante
para uma pessoa com fobia social. (2003,
p. 483).

Como havia mencionado anteriormente e com a


contribuição do autor, é possível observarmos que a fobia
social paralisa quem sofre do mesmo, prejudicando assim a sua
vida social e principalmente o seu lado profissional.
Este tipo de fobia geralmente vem acompanhado de
uma ansiedade muito grande, no qual o individuo que tem este
tipo de medos acaba por se boicotar em seus trabalhos e assim
não apresentando as suas ideias, ou até mesmo suas sugestões e
com isso, acaba por perder uma chance de apresentar seus
belíssimos trabalhos, mas infelizmente a fobia social acaba por
prejudicar quem sofre dessa psicopatologia que muitas vezes
passa despercebida por que sofre da mesma.
Segundo Ward Ivan (2005, p.73),

Freud defendia a ideia de que , quando se


analisa uma fobia, chega um momento em
que o psicanalista simplesmente precisa
dizer ao paciente que a enfrente. Depois do
“desdobramento” da fobia pelo processo
analítico, descobrindo as camadas de
fantasia e de angústia, o objeto do medo

288
precisa ser enfrentado e dominado, assim
como no processo de amadurecimento.

Quando a fobia é tão complexa e intensa o psicanalista


precisa intervir dizendo que é necessário muitas vezes enfrentá-
la, pois creio que o paciente em certos casos precisa tomar uma
atitude diante de seus medos para depois conseguir nomear as
suas emoções que surgem quando passa pelo medo.

Keppe (2006, p. 105) coloca que “a fantasia, encenação


imaginária, deformada pelos processos defensivos, em que
acontece a realização de um desejo. Este desejo pode ser
inconsciente”. Não posso deixar de falar sobre a fantasia, o
medo na maioria das vezes vem acompanhado de muita
fantasia, impedindo que cada pessoa se desenvolva de maneira
tranquila.

O conflito neurótico é capaz de desenvolver a neurose e


ambas podem gerar o phatos. Para entendermos um pouco mais
sobre o significado da palavra Phatos, Pereira contribui:

A palavra patologia, etimologicamente


significa “Pathos”, paixão, sofrimento,
passividade. Esta pessoa encontra-se em
contato com alguma “dor”, dor de tristeza,
dor das mágoas, dos ressentimentos, dor
por falta de afeto, dor por amar demais, dor
por trabalhar em excesso [...] (2009,128).

O indivíduo que sofre de patologia ou phatos pode-se


dizer que está em um estado sentimental e emocional que não
pode ser alterado devido as suas patologias, seus medos e seu
estado de inconsciência.

289
O inconsciente está presente em todas as pessoas,
porém somente quem faz análise é capaz de perceber a
presença, e com a terapia começar a tomar consciência do
inconsciente. Para Pereira, “a psicopatologia estuda as
motivações inconscientes que desencadeiam uma série de
reações destrutivas em relação a si mesmo e aos outros” (2009,
p. 142).

Se o inconsciente não trouxesse prejuízos aos pacientes


seria mais cômodo deixá-los no mundo da fantasia, da
inconsciência, porém o psicanalista precisa fazer com que seu
paciente volte ao estado de consciência, pois caso contrário,
pode prejudicar-se profissionalmente, fisicamente e
emocionalmente. O paciente que sofre da psicopatologia do
medo está em um caso de inconsciência, prejudica-se através
do medo de realizar certas atividades que fazia parte do seu
cotidiano, ao apresentar um trabalho sente-se que está sendo
analisado por todos, então aparece a questão da inferioridade,
autoestima baixa, não confia no seu potencial, o outro é melhor
que ele entre tantas outras.

A angústia se faz presente na pessoa que sofrem de


fobia, a angústia gera na pessoa uma ansiedade muito grande,
juntos ansiedade e angústia podem gerar somatização. Sendo
também que a angústia pode gerar uma neurose, e Fenichel
vem a contribuir dizendo que: “na fobia, a angústia liga-se
especificamente, a uma situação especial, está representando o
conflito neurótico”. (2000, p. 182).

A neurose pode impedir o desenvolvimento pessoal,


profissional e emocional de seus pacientes. O papel do analista
segundo Pereira “o analista está interessado em resgatar a
verdadeira identidade, mas a neurose do paciente persiste em
manter-se naquela imagem de fantasia que proporciona seus
tipos de prazeres compulsivos”. (2010, p. 107).
290
7. TRANSTORNO OBSESSIVO
E A PSICOPATOLOGIA FÓBICA.

A fantasia e o prazer compulsivo deixa o paciente cego


impedindo que o mesmo tenha sucesso profissional e
emocional.
O transtorno obsessivo compulsivo também conhecido
como o TOC, faz com que a pessoas realize hábitos rotineiros e
com frequência como lavar as mãos, tomar banho, verificar a
porta várias vezes, lavar carro, limpar a casa, outras guardam
lixos como jornais, revistas de anos, ou até mesmo outros
objetos, pois seus pensamentos são de que pode ser utilizados
no futuro.
Fenichel diz que:

Casos há que se pode observar diretamente


a transcrição de uma fobia para uma
obsessão. De início, evitam-se certas
situações, depois, exerce-se atenção
constante de modo a garantir o necessário
impedimento; mais tarde ainda, esta
atenção assume caráter obsessivo, ou
desenvolve-se outra atitude obsessiva
positiva, de tal maneira incompatível com a
situação originalmente temida que se
assegura o impedimento: rituais de contato
substituem os tabus; compulsões a lavar-se,
medo de sujar-se; rituais sociais, temores
sociais; cerimoniais ligados ao sono, medo
de adormecer, rituais concernentes a
maneira de andar, inibições de marchas;
modos compulsivos de tratar os animais ou
os aleijados: fobias correspondentes.( 2000,
p. 251).

291
O autor contribuiu afirmando exemplos de compulsões
e atitudes de obsessões. Também se pode perceber que uma
fobia pode torna-se uma obsessão por isso precisamos estar
sempre atentos ao que acontece a nossa volta, pois quanto antes
procurar ajuda psicanalítica mais eficaz será o tratamento.
A pessoa que sofre do Transtorno Obsessivo
compulsivo geralmente sofre de ansiedade, por isso compensa
as suas ansiedades e medos através das compulsões, muitas
vezes o indivíduo que sofre do transtorno não percebe, pois já é
rotina a sua obsessão. Cabe aos familiares orientar para a
procura de um analista, visto que com os passar dos dias esse
transtorno pode ser tornar maior.
Zimerman, diz que:

Da mesma forma que acontece as outras


estruturações da personalidade, também a
de natureza obsessiva diz respeito à forma
e ao grau como organizam-se os
mecanismos defensivos do ego diante de
fortes ansiedades subjacentes. (1999,
p.202).

Como mencionei anteriormente a ansiedade se faz


presente na estruturação da personalidade obsessiva, o ego é
um mecanismo que também se faz presente, pois ele quem faz
o contato com a realidade desses indivíduos.
O papel do psicanalista é fazer com que o paciente
perceba a sua dificuldade e a origem do transtorno. Cabe
também orientar que a terapia não se faz em um dia, primeiro
tem que haver confiança entre paciente e analista, só depois do
vínculo se começa a fazer a cura.
A emoção do medo quando for de forma exagerada
prejudica o seu desenvolvimento, ao percebermos que uma
pessoa sofre desta psicopatologia, devemos estar bem atentos

292
em todos os gestos e atitude para ajudá-lo nesta difícil tarefa de
superação e não simplesmente encaminhar a outro especialista.
A mente inconsciente leva a pessoa totalmente a um
estado de inconsciência fazendo muitas que não perceba o seu
estado, é normal a pessoa que sofre desta psicopatologia
deslocar os seus sentimentos ou emoções para um animal ou
objeto, geralmente esta emoção é algo desagradável e que pode
ter acorrido na infância, por isso, na idade adulta desloca para
outras áreas de sua vida, cabe ao psicanalista juntamente com o
paciente descobrir onde e quando começou está psicopatologia
do medo.

8. TRATAMENTO DO PACIENTE FÓBICO.

O Prof. Dr. Salézio Plácido Pereira orienta sobre


algumas alterações fisiológicas que acontecem na pessoa que
sofre com o medo. Segundo o autor “quando alguém está
tremendo, os lábios encontram-se rígidos, o corpo está tenso,
então podemos descrever que esta pessoa está sentindo uma
emoção mais conhecida como medo” (2010, p. 24).
Este tipo de somatização pode acontecer em qualquer
paciente, mas cabe salientar que a emoção do medo é diferente
para cada paciente, pois cada um tem uma forma de representar
este tipo de psicopatologia de acordo como interpreta a origem
do medo.
O psicanalista não pode fazer um diagnóstico de seu
paciente fóbico sem a ajuda do paciente, pois muitas vezes são
necessários, empenho, dedicação, motivação, renúncia,
investimento, o psicanalista não receita medicamentos para
seus pacientes, mas sim trabalha com os sintomas, as emoções,
sentimentos lapsos, resistência entre outros.
O remédio em doses homeopáticas de tomada de
consciência não possui contraindicação, a percepção e a
293
compreensão do medo passam por este processo de elaboração,
confrontação, esclarecimento e interpretação, as drogas e
ansiolíticos possuem o poder de recalcar os medos, sedá-los
ensinado uma mentira, porque remediou a situação e não
resolveu de fato aquele medo. Para Pereira,

O tratamento e o diagnóstico dos sintomas


devem ser descobertos pelo próprio
paciente, as resistências são o grande
desafio a ser superado para a elucidação
destas doenças e sintomas, apresentado nas
queixas pelos adultos, foram vivenciados
na sua infância, esta tendência a
compulsão, a repetição, também está
presente no sintoma. [...] Deixamos bem
claro que são absolutamente necessários os
exames físicos exigidos pelo médico,
porque alguns destes sintomas podem ter
algum dano ou lesão naquele órgão do
corpo, e que naturalmente precisa de
medicação. (2010, p. 67).

O papel do psicanalista não é dar as respostas à solução


dos problemas a seu paciente, e sim fazer intervenções com
que ele perceba como pode fazer para solucionar seus dilemas,
seus medos. Em alguns casos estes medos podem ser oriundos
de traumatismos, neste caso, seria interessante verificar se não
existe nenhum tipo de comprometimento cerebral.
O paciente deve ter consciência sobre os seus medos,
deve saber identificar se são medos reais e ou irreais. O
psicanalista tem um importante papel frente a seus pacientes,
por isto suas intervenções devem sugerir uma reflexão baseado
numa “práxis”, para poder vivenciar com outra forma de pensar
e se emocionar com aquela emoção específica. Aprender a
superar os seus medos, sair daquela situação de ganho
secundário, deixar de sedar a consciência com drogas lícitas ou

294
ilícitas, e engajar-se de corpo e alma neste novo desafio de
recriar na sua mente uma nova experiência em relação aquele
medo específico.
Muitas emoções assim como o medo são inconscientes,
portanto cabe ao analista fazer seu paciente tomar consciência
sobre as suas emoções. Pereira contribui afirmando que “o
conteúdo de um símbolo deve ser interpretado, porque neste
significado está presente a intenção e os desejos de uma
emoção” (2010, p. 11). O analista contribui fazendo com que o
paciente consiga perceber os símbolos presentes nas suas
emoções, e com isso possa interpretar o seu desejo, seja ele
consciente ou inconsciente.
O analista faz com que o paciente descubra quando
iniciou a emoção do medo, o que levou a desenvolver esta
emoção, para assim então, trabalhar seu potencial e a sua
superação. O medo do amor, de portas fechadas, do elevador,
de afeto, de falar em público, de ser feliz, de ganhar dinheiro,
realça o prejuízo deste tipo de fobia que esconde desta pessoa
algum trauma muito forte, o significado desta defesa é uma
proteção, a fuga da vivência deste amor, de uma gravidez, do
casamento, da relação sexual, está ancorada naquela
experiência traumática que retrata sempre o mesmo tema.
Uma paralisia, uma fuga, suas defesas estão prontas
para justificar os seus medos; negação, projeção, repressão,
inserem esta realidade emocional num imenso conflito
inconsciente de proporções incomensuráveis, pois o sofrimento
vem sempre acompanhado da falta de amor, de afeto, de sexo,
de caricias, de intimidade.
Cabe ao analista fazer com que seu paciente comece a
perceber os seus potenciais, os prejuízos são enormes,
geralmente os medos impedem algum tipo de satisfação ou
gratificação, ao impedir a vivência do prazer, acaba retraindo
seu potencial de alegria, optando pela tristeza, porque o
silêncio, a falta de palavras, a inibição, denuncia a presença
desta fobia de relacionar-se de mostrar o seu potencial.
295
Penso que a potencialidade do paciente anda em
conjunto com a superação, pois uma precisa da outra. Em
primeiro lugar é preciso descobrir as sua potencialidade, logo a
seguir superar seus medo, angústias, timidez inferioridade entre
tanta outras. Para Pereira “temos que acreditar que o ser
humano é capaz de escolher um tipo de vida diferente do senso
comum, um dos valores básicos é o direito a vida, a proteção, a
liberdade de expressão” (2007, p. 187).
O psicanalista precisa acreditar no potencial humano de
cada paciente, sendo que as potencialidades são diferentes para
cada um, cabe a cada paciente decidir o que lhe faz bem e
acreditar na sua existência. Depois que o paciente tomar
consciência do inconsciente e se conhecer melhor, pode então
começar o trabalho da superação. Cabe ao psicanalista fazer o
seu paciente perceber quais são as suas potencialidades e a
partir de então começar a desenvolvê-la a seu favor.

9. PROCESSO DE SUPERAÇÃO DA PATOLOGIA.

A superação dos traumas não se dá do dia para a noite é


necessário muita calma e cautela, pois a superação é lenta.
Pereira acredita que “toda a superação é lenta e gradativa,
qualquer ruptura súbita pode ser traumática. Exige calma tanto
por parte de analista e principalmente pelo paciente, caso
contrário pode acabar gerando outros traumas além do medo”
(2012, p. 20).

Cada superação é um novo nascimento do


seu “eu” uma tarefa que não tem como
fugir, pois enquanto formos humanos,
temos que enfrentar a potencia de
destruição ancoradas no ódio, na cobiça,
ambição, inveja, este tipo de emoção traz

296
insegurança, e é capaz de influenciar os
seus valores éticos e morais. (2012, p. 44)

Para que haja superação torna-se necessário superar as


emoções que são prejudiciais à vida humana, e então
desenvolver suas potencialidades e isso é possível quando se
tem o apoio de um analista de sua confiança, pois sem
confiança e principalmente vínculo não é possível que haja
cura nem mesmo a superação.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Com este artigo foi possível aprofundar sobre o tema da


fobia, pois um bom psicanalista não para de pesquisar, está
sempre procurando algo novo. Creio que este artigo sobre a
psicopatologia fóbica irá contribuir para pesquisas futuras, e
principalmente para orientar quem sofre da mesma, e assim
procurar ajuda de uma pessoa especializada assim como o
psicanalista.
Para a realização deste artigo foi necessário fazer a
leitura de vários autores, entre eles tive a oportunidade de ler e
citar no artigo os seguintes autores: Pereira, Feist, Keppe,
Ward, Zimerman, Fenichel, Freud e Hockerbury, autores estes
que contribuíram para a presente pesquisa.
Com este artigo pude compreender melhor a fobia e a
influência da emoção do medo, também sobre o processo da
mente inconsciente e consciente e como este medo interage no
cérebro e sua influência no sistema límbico e imunológico.
Possibilitou-me descobrir dentro da psicanálise a
origem das fobias e a questão do phatos, outro ponto é de o
paciente procurar a ajuda de um psicanalista para trabalhar as
origens da fobia e assim saber como tratar a mesma.

297
Ao escrever sobre fobia não pude, é claro, deixar de
mencionar o nome do Sigmund Freud, um psicanalista que
contribuiu com a pesquisa da fobia no caso Hans.
Na sequencia abordo a questão da ansiedade angustia
conflitos neuróticos, fantasia e o prazer pela compulsão e
também sobre o transtorno obsessivo compulsivo.
Percebeu-se o importante papel exercido pelo
psicanalista no processo ao trabalhar com esta psicopatologia, a
questão das alterações fisiológicas no corpo do paciente, quem
faz o diagnóstico da pessoa fobia, a questão do uso de
medicamentos e o trabalho do psicanalista frente às fobias.
Finalizando, não poderia deixar de mencionar o resgate
das potencialidades do paciente e o processo de superação dos
traumas.

298
BIBLIOGRAFIA

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Tradução: Ivan Pedro Ferreira Santos, Cecília Mattos, Wilson
Grestani. São Paulo: Mc Graw Hill, 2008.

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Tradução Samuel Penna Reis. São Paulo: editora Atheneu,
2000.

HOCKENBURY, Don H.; HOCKENBURY, Sandra E.


Descobrindo a psicologia. 2. ed. São Paulo: Manole, 2003.

KEPPE, Marc André R. Curso de psicanálise: livro básico:


Histórico, teorias e técnicas da psicanálise. São Paulo: El –
Edições Inteligentes, 2006.

PEREIRA, Salézio Plácido. A clínica na psicanálise


humanista das emoções e pulsões. Santa Maria: Ed. ITPOH,
2010.

________________________. A Interpretação dos Sintomas


Psicossomáticos. Santa Maria: ED. ITPOH, 2010.

________________________. A natureza inconsciente das


Emoções. Santa Maria: Ed. ITPOH, 2007.

________________________. A Superação dos Traumas na


Psicanálise. Santa Maria: Ed. ITPOH. 2012.

________________________. O dilema do ser humano na


existência. 1 ed. Santa Maria: Rs. Ed. ITPOH, 2007.

________________________. Psicopatologia Humanista e


Existencial. Santa Maria - RS, 2009.
299
WARD, Ivan. Fobia. Tradução Tuca Magalhães. Rio de
Janeiro: Relume: Editora Segmento Duetto, 2005.

ZIMERMAN, David. E. Fundamentos Psicanalíticos.


Artmed, Porto Alegre, 1999.

300

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