Você está na página 1de 210

A Teoria e a Prática clínica:

De Freud a Fromm

1ª. Edição.
2009

1
Pereira, Salézio Plácido. Teoria e Prática clínica: De
Freud a Fromm. Salézio Plácido Pereira. -1ª ed.- Santa
Maria: Ed. ITPOH. 2009.
209p.; 23 cm.
1. Psicologia 2.Psicanálise 3. Teoria Psicanalítica 4.
Clinica Analítica I. Sigmund Freud II. Erich Fromm III.
Titulo

Ficha Catalográfica Elaborada por Maristela Eckhardt


CRB: 10/737
CDU: 159.962.7

Arte da Capa
Jéferson Luiz Zaremski

Revisão ortográfica.
Vera Lúcia Machado Muller

Impressão:
Gráfica Pão dos Pobres- Santa Maria

Editora: Instituto de Psicanálise Humanista


Site: www.itpoh.com.br
Dr. Salézio Plácido Pereira
Fone: (55) 3222-3238
E-Mail: saleziop@gmail.com

2
Sumário
Introdução......................................................... 4
Primeira Parte
O processo histórico na psicanálise sobre a........
Clínica................................................................7
Os conceitos básicos da resistência,
transferência, associação livre de Freud..........17
A técnica psicanalítica de Freud: Constratransfe
rência...............................................................26
As mudanças realizadas por Freud no método da
psicanálise........................................................35

Segunda Parte
Os métodos Freudianos e dos Neofreudianos.
Sandor Ferenczi, Melaine klein.................... ..43

Terceira Parte
O método de terapia Junguiana.......................65

Quarta Parte
O método da prática clínica dos analistas
culturalistas, Otto Rank, Alfred Adler, Harry
Stack Sullivan, Karem
Horney............................................................76

Quinta Parte
A teoria e a clínica da psicanálise humanista
de Erich Fromm.............................................155

Bibliografia.................................................. 206

3
Introdução.

Na psicanálise existem diferentes métodos e


técnicas. Porém a estrutura básica ainda permanece em
todas as teorias. Freud desenvolveu alguns conceitos em
relação ao tratamento, como por exemplo: aliança de
trabalho, transferência, contratransferência, resistências,
atos falhos, lapsos, etc. A história da psicanálise nos
mostra a mudança de alguns conceitos de sua teoria e a
formação de novas escolas. Podemos citar alguns desses
dissidentes, Alfred Adler, Otto Rank, Otto Fenichel, Carl
G. Jung, Karem Horney e Erich Fromm. A psicanálise
humanista também está procurando sistematizar um
método para tratar o inconsciente a partir do pensamento
da teoria de Fromm.
Atualmente temos diversos métodos e técnicas
de tratamento dentro das correntes teóricas da psicanálise.
O objetivo é demonstrar a teoria e a prática do método de
análise na psicanálise humanista. Um dos pilares desta
técnica é o conceito de transdisciplinariedade, ou seja, o
inconsciente é tratado dentro de uma dimensão integral.
Freud foi o grande mentor da descoberta desta realidade
simbólica e imagística. Foi através da análise dos sonhos
e dos instintos básicos do homem que conseguiu esboçar
uma teoria da pulsão libidinal. A sua tese central é
defendida a partir de uma compreensão da repressão
sexual. Acredito no valor desta teoria quando esta
problemática realmente existia na sociedade vitoriana. As
histéricas foram escolhidas por Freud para elaborar uma
teoria sobre a etiologia da neurose, e sua descoberta sobre

4
a origem dos atos sintomáticos estavam relacionados com
alguma experiência da repressão da sexualidade.
A grande genialidade de Freud foi entender,
como médico neurologista, que as doenças
psicossomáticas e mentais estavam diretamente ligadas
ao mundo das emoções e instintos. Este conceito sobre o
inconsciente abriu um novo caminho para tratar aquelas
pessoas que estavam sendo perturbadas por algum tipo de
neurose. E, depois de Freud, muitos outros psicanalistas
assumiram o compromisso de dar continuidade a esta
nobre tarefa de curar as feridas psíquicas. Muitos
seguiram a teoria e o método da psicanálise clássica e
outros fundaram suas próprias escolas de psicanálise. Ao
defender uma nova tese sobre a etiologia da neurose, os
psicanalistas também desenvolveram um novo método de
tratamento de acordo com a sua abordagem teórica do
inconsciente.
O método de análise do inconsciente de Freud
foi modificado, criticado, e mesmo assim surgiram
aqueles que fizeram uma revisão teórica da psicanálise
ortodoxa. Este legado histórico das ideologias teóricas,
referentes ao método de tratamento do inconsciente das
diversas escolas psicanalíticas, desenvolveu uma série de
conflitos, desentendimentos, aproximações e muitas
discusões sobre os seus principais conceitos teóricos.
Mas nós entendemos o lado positivo desta diversidade de
métodos e técnicas dentro desta ciência, primeiro que
possibilitou a psicanálise humanista fazer uma opção pela
proposta transdisciplinar e com isto se previne da prisão
ideológica da verdade absoluta em relação ao método. A

5
psicanálise é uma ciência e como tal não pode ficar
atrelada à vigilância e controle de uma determinada
sociedade ou corrente teórica. Sem dúvida, o avanço com
novas pesquisas e a alteração dos conceitos antigos e
petrificados pelo tempo precisam de certa oxigenação.
A psicanálise como ciência está a serviço da
humanidade. Seu objetivo principal é propiciar às pessoas
que sofrem de algum mal psíquico a oportunidade para
entender as repressões e os sintomas psicossomáticos.
Além disso, este método deve estar a serviço da
população em geral, porque é extremamente necessário
oferecer aos pacientes um tratamento que ajude de fato na
sua saúde emocional. Esta tarefa é urgente e necessária.
Este livro pretende esboçar alguma idéia dos
diferentes métodos e técnicas na psicanálise. O objetivo
principal é auxiliar o futuro psicanalista a compreender os
principais representantes das escolas na psicanálise.
Muito do escrito desta obra está alicerçado na minha
prática clínica, há mais de vinte e cinco anos atendendo
pessoas com sofrimento psíquico.
Não pretendo fazer um estudo exaustivo e
metodológico das diversas correntes teóricas e seu
método de tratamento. Minha intenção é realizar uma
reflexão e procurar, através do pensamento destes
autores, mostrar os equívocos e valores presentes no
método de abordagem do inconsciente.

6
Primeira Parte.

I-O processo histórico na psicanálise sobre a


teoria e a prática clínica.

Todos nós sabemos que no decorrer da história


da psicanálise houve avanços e retrocessos em relação à
prática e ao método de trabalho clínico. Vamos partir do
pressuposto de não determos a verdade absoluta sobre a
praticidade da cura na utilização deste tratamento. Esta
observação tem haver com a enormidade de doenças,
neuroses, psicoses, esquizofrenias e psicopatologias que
ainda precisam ser mais estudadas e pesquisadas no
âmbito da ciência psicanalítica.
Mas, sem dúvida, somos otimistas e abertos a
mudanças porque é saudável entender que os resultados
da cura psíquica estão relacionados à compreensão das
estruturas emocionais presente no inconsciente humano.
A psicanálise tem a nobre missão de nunca desistir e
encaminhar todos os seus esforços para aprimorar e
desenvolver cada vez mais o seu método de tratamento
das neuroses e psicoses.
Antes de Freud existia certa descrença na cura
de algumas doenças mentais, mas na atualidade, existem
teorias e métodos bastante avançados que retiram o modo
pessimista de pensar de Freud sobre o futuro da
psicanálise. A psicanálise tornou-se uma ciência séria e
comprometida com a saúde da população em geral. Hoje
não temos mais aquela visão religiosa e mítica. Os
estudos científicos ajudaram a entender as doenças e

7
tratá-las sem crueldade, medo, ou com atos de extremo
preconceito e estigmatização da imagem do sujeito. As
doenças mentais são tão antigas quanto à existência da
humanidade, mas estas mesmas pessoas não merecem
nenhum tipo de castigo, ao contrário, merecem toda a
atenção e cuidado em relação ao seu sofrimento.
Philipe Pinel, psiquiatra francês, defendia o
pensamento de que as doenças mentais tinham sua
etiologia, ligação com alguma lesão no cérebro ou do
sistema nervoso central, eis o modelo fisiológico
organicista do positivismo materialista. No século XVIII
todas estas doenças estavam relacionadas ao sistema
nervoso, por isto mesmo houve uma super valorização
dos estudos neuro-anatômicos e neurofisiológicos, esta
era a tese defendida pela classe médica da psiquiatria.
Apesar das pesquisas feitas em laboratório por Ernest
Brucke, professor de Freud na residência de neurologia,
não houve uma solução definitiva ou convincente no
tratamento das neuroses e psicoses. Este paradigma
teórico da medicina acadêmica investiu fortemente em
pesquisa do cérebro, mas ao final, o resultado era de que
não havia uma solução para tratar estas doenças
psíquicas.
Naquela época se fez a opção de que todas as
perturbações psíquicas deveriam ser tratadas com
métodos físico-químicos mesmo que não houvesse uma
certeza sobre aquela doença específica. O atendimento
consistia em receitar a medicação e algum tipo de
orientação e uma despedida com um forte aperto de mão.
Existia nos diagnósticos destas doenças mentais uma

8
enormidade de sintomas mal definidos, uma quantidade
enorme de dados neurológicos duvidosos. Esta
complexidade das reações em relação à mesma doença
em diferentes pessoas levou estes profissionais a uma
grande confusão. O sentimento era de impotência e
inutilidade, mas existia de fato muita força de vontade em
resolver este grande mistério das reações emocionais
apresentado pelo cérebro e vivenciado pelas pessoas
através das doenças psíquicas. O próprio Freud admitiu
que não existia nenhum tipo de tratamento eficaz e se
alguém o aplicasse era simplesmente inútil na solução
dos sintomas histéricos.
Freud era um médico pesquisador na área da
neurologia. Seu interesse pelo estudo das reações dos
neurônios no cérebro, muitas vezes o deixava esgotado e
desanimado, porque não encontrava as respostas das
doenças psíquicas. Mesmo assim, foi persistente e
perseverante, pensando que encontraria um método capaz
de entender a manifestação sintomática no organismo
humano. Este seu forte desejo de aliviar o sofrimento,
motivou-o a encontrar forças para não desistir ou
abandonar a pesquisa nesta área da psicopatologia.
Sua atitude era a favor de investir na pesquisa
científica e a única alternativa que restava seria formular
novas hipóteses e abandonar aquelas que estavam
obsoletas. Freud conviveu com seu grande mestre na
pesquisa do sistema nervoso central de um peixe
chamado “enguia” no laboratório da universidade de
Viena. Naquela época, Freud tinha incorporado os
conceitos de pesquisa do empirismo, do determinismo, do

9
monismo e do evolucionismo. Sempre que os dados
empíricos comprovassem um resultado diferente,
automaticamente modificava sua teoria. Freud escreveu
em esboço da psicanálise “são em si mesmos tão
incompreensíveis como àqueles tratados por outras
ciências, pela química ou física, por exemplo; mas é
possível determinar as leis que aqueles processos
obedecem, e seguir, por longos e ininterruptos períodos,
sua relação mútua e interdependências”. 1 A
determinação de Freud como pesquisador e cientista o
levou a abandonar o método de pesquisa da medicina.
Quando descobriu que a motivação inconsciente pode ser
compreendida através dos sonhos, fantasias e processos
primários, o reconhecimento dos seus colegas foi cheio
de resistência e perseguição. Mas esta conquista foi fruto
de sua dedicação e do compromisso que tinha para ajudar
a curar as doenças psíquicas.
Outro método bastante valioso foi sua
descoberta dos símbolos, das imagens, das temáticas, do
processo latente e secundário, da associação livre, para
poder interpretar os sonhos. Esta sua procura inabalável
pela verdade o conduziu a procurar os significados
ocultos que se encontram por detrás do aparente conteúdo
dos símbolos, apresentados nos sonhos. Do mesmo modo,
durante o atendimento clinico descobriu dois conceitos
importantes para elucidar esta energia inconsciente que
aparece no discurso, são os atos falhos e os lapsos de
linguagem. Quando Freud começou a estudar e
1
Sigmund, Freud. Obras completas de Sigmund Freud. Ed.
Standard Brasileira. Vol. XXIII, Ed. Imago. 1975. Pág. 209.

10
aprofundar as causas dos sintomas psicopatológicos
descobriu uma estrutura chamada “formação do sintoma”.
Nada passava despercebido a este grande cientista da
mente humana, seus olhos perscrutavam o corpo humano
como um bisturi penetrando profundamente na retirada
do órgão necrosado.
Observava com cuidado a queixa e tentava
entender a lógica de um discurso irracional.
Compreendeu que o paciente dizia e defendia uma
interpretação da realidade, mas na realidade sua atitude
dava um testemunho totalmente ao contrário, então se
perguntava: Que forças são estas que têm o poder de
fazer com que as pessoas realizem um comportamento
sem sua consciência? Freud estava inquieto e não
aceitava as explicações fisiológicas e orgânicas em
relação a determinadas doenças. Tinha como norma a
verificação do resultado final com a cura do paciente e
não se contentava em remediar a situação.
Freud teve que buscar novas hipóteses para
desenvolver uma teoria na psicanálise. Estava diante de
um grande dilema: como poderia defender um
diagnóstico preciso de um sintoma? Não concordava com
os postulados da patogênese em termos psicogenéticos.
Nenhuma delas conseguia explicar em definitivo a
etiologia das perturbações psíquicas.
Freud acreditava em alguns postulados, por
exemplo: compreendia que a mente humana tinha o poder
de instalar no corpo algum tipo de sintoma. Mesmo que a
ciência pudesse localizar com precisão os processos
conscientes, mesmo assim teria muita dificuldade para

11
descrevê-los e entendê-los. Sabia que esta energia
psíquica tinha um poder ilimitado sobre o organismo
humano, mas faltavam dados e evidências que
comprovassem tal observação. Ficava difícil delimitar a
área de atuação da energia psíquica de outras formas de
energia.
Mas a experiência mostrou que nem todas as
neuroses tinham uma implicação com as raízes da
medicina e biologia. Com certeza, a teoria de Freud
sofreu a influência da teoria da evolução e da seleção
natural de Charles Darwin. Estava também envolvido
pela religião judaica cristã. Entendia que o homem era o
centro do universo, rei do mundo, criatura divina. A
implicação da teoria de Kant sobre os filósofos ocidentais
perpetuou a idéia de que o homem deve encontrar as leis
íntimas dos fenômenos da natureza. De posse destas
informações poderia dominá-las e explorá-las. Este
postulado leva o homem a um afastamento gradativo da
natureza.
Sem dúvida, dois grandes homens mudaram
para sempre a concepção de universo. Um deles foi
Galileu Galilei. Este astrônomo demonstrou que a terra
não é o centro do universo, ao contrário, a “terra gira em
torno do sol”. Charles Darwin demonstrou no seu livro
“as origens das espécies” que o homem não era uma
criatura divina, sua descendência tinha ligação
filogenética e ontogenética com os macacos. Com isto
colocou por terra o mito da criação do gênese do antigo
testamento e provou que o homem está num processo de
evolução pela luta de sua sobrevivência. A seleção

12
natural vai priorizar sempre os mais aptos e capazes na
sua conquista pelo seu espaço. Freud pegou uma carona
na teoria de Darwin quando afirmou que os instintos do
ego e do id estavam ligados ao impulso da vida. A sua
teoria de Eros e Thanathos dos gregos vem referenciar o
desejo de autodestruição e de lutar para sobreviver na
existência.
Freud estava impregnado pela cultura cientifica
de sua época. Os postulados filosóficos do materialismo,
do patriarcado, do positivismo, do evolucionismo, do
determinismo e do positivismo, foram as matrizes
conceituais para a elaboração da teoria psicanalítica.
Estes mesmos postulados influenciaram na elaboração do
método de tratamento. Para sustentar sua tese afirmava
que as “doenças psíquicas eram provocadas pelas
mesmas leis básicas que controlavam os fenômenos
naturais”. Esta sua afirmação tinha o desejo de
incorporar as matizes das ciências positivistas e empíricas
para o mundo da subjetividade humana. Ou seja, existia
um desejo consciente ou inconsciente de Freud de que
sua teoria fosse aceita diante do mundo acadêmico, por
isto mesmo fez sua opção pelo método de causa e efeito.
A sistematização teórica era regida por esta
interpretação do sintoma. Afirmava que toda
sintomatologia das doenças psíquicas estava escondida no
inconsciente e a única maneira de curar era trazer este
recalque para a consciência do paciente. Esta era a única
maneira de lutar contra esta força chamada pulsão.
Quando o analista faz o processo de confrontação,
esclarecimento, e de interpretação, o conflito será

13
inevitavelmente solucionado. Esta sua tese tornou-se a
pedra angular de sua teoria para dar sustentação ao
método psicanalítico, no tratamento das neuroses e
psicoses.
A trajetória na história teórica de Freud foi a
seguinte em relação ao conceito de inconsciente: No
início de sua teoria, defendia a necessidade de tornar
consciente o trauma inconsciente. Mais tarde, utilizou a
hipnose para trazer à consciência estes recalques e
repressões do mundo das emoções, logo depois usou da
sugestão para fazer frente às resistências do paciente
quando não havia nenhum tipo de mudança do sintoma.
Depois, decidiu seguir o caminho do estudo de casos
clínicos. Seu desejo era juntar o maior número de dados
possíveis, na realidade empírica da historia de vida do
paciente, para provar a eficácia lógica do inconsciente. O
conceito da repressão das emoções e das pulsões
comprovava a eficácia da compulsão. A repetição, era
uma espécie de lei, tudo o que havia sido reprimido tinha
a tendência de ser repetido novamente.
Freud descobriu que as imagens mostravam, de
forma metafórica, um conteúdo simbólico que precisava
ser interpretado com a ajuda do método analítico. Os
sonhos eram a via régia para compreender e descrever o
processo de atuação da energia psíquica presente em
forma de emoções no inconsciente. Para entender as
imagens e alegorias metafóricas presentes no sonho, foi
preciso elaborar alguns conceitos, como por exemplo:
deslocamento, condensação, elaboração primária e
secundária, era importante descobrir nos símbolos o

14
conteúdo latente da manifestação secundária da repressão
sexual.
Estas foram as descobertas de Freud quando
escreveu os conceitos da teoria psicanalítica. Utilizou, no
principio, estes conceitos no tratamento analítico com as
histéricas, como no caso de Ana. O. A explicitação do
conteúdo reprimido das emoções através da catarse, e
mais tarde introduziu a associação livre. A psicanálise
procurava entender as motivações inconscientes
assumidos pela pessoa em relação a um sintoma
especifico. O conceito da “catarse”, inicialmente seguia a
lei da preservação da energia. A energia mental baseada
na compreensão monista tem sua origem na energia
física.
A energia sempre vai existir em forma de certa
quantidade, portanto os processos mentais acumulam uma
quantidade de energia e em decorrer disto precisam de
uma descarga. O problema aumentou quando Freud
percebeu que a descarga desta energia acumulada não
resolvia a neurose. Logo depois, acrescentou mais dois
novos conceitos na sua teoria, a atuação. Por exemplo, o
paciente buscava alguma pessoa para relatar os seus
conflitos, fora da relação analítica. Este conceito era
entendido como uma forte resistência à continuidade do
tratamento psicanalítico. Outro conceito interessante é do
“insight” que significa “compreensão interna” que
continua até os dias de hoje como um dos alicerces da
psicanálise.
Na técnica de Freud a associação livre tornou-se
a regra fundamental para descobrir as causas ocultas do

15
processo de formação do sintoma. Quanto ao conceito do
“id” explicou sua existência a partir dos fatores
hereditários chamados filogenéticos e ontogenéticos,
presentes no organismo humano, que indiretamente
reagem sobre as exigências e desafios provocados pelas
forças ambientais. A psicanálise rompeu as barreiras da
ignorância emocional, retirando as explicações míticas,
religiosas e supersticiosas em relação às doenças e à
falência existencial.
O mesmo Freud realizou durante sua existência,
inúmeras modificações e alterações nos conceitos
teóricos. Outros psicanalistas dissidentes também
realizaram criticas e apresentaram novos conceitos sobre
o inconsciente, mas mesmo assim ainda existe espaço
para acrescentar outras teorias e alterar os conceitos
estabelecidos por Freud. A concepção de natureza
humana, o patriarcado, a inveja do pênis da mulher, a
castração, o complexo de Édipo, ainda precisam de uma
revisão com a ajuda das ciências humanas e sociais para
serem melhores compreendidos.
O conceito de homem, na teoria Freudiana,
parte do princípio de que este sujeito é regulado pelas leis
biológicas, fisiológicas, físico-químicos e organicistas.
Este sujeito de Freud está determinado pelas leis da
filogenética e ontogenética. A tese central de Freud em
relação aos conflitos neuróticos se baseia em três
premissas; a primeira é de que estas neuroses são
determinadas por motivações inconscientes. A segunda
premissa é de que existem forças instintivas

16
determinantes e a terceira, são os traumas e repressões da
sexualidade sofridas na infância.

Os conceitos básicos do método de Freud.

Antes mesmo de aprofundar a teoria e a técnica


psicanalítica, no tratamento das neuroses e psicoses, é
preciso compreender a estratégia transdisciplinar utilizada
no tratamento. Parece-me que a questão fundamental em
relação às perturbações mentais, aqui entendidas como
neuroses, é a compreensão da transferência. O ambiente
analítico é o lugar do milagre. O milagre é o elo de união
e de compreensão entre o analista e o paciente. Esta
vivência de confiança, de empatia, de amizade, de afeto,
de ternura, de amor fraternal, reacende, no íntimo do
paciente, uma oportunidade para voltar a acreditar na vida
e indiretamente nas pessoas do seu convívio pessoal.
A transferência é a vivência das emoções
humanas, neste momento único e mágico o paciente
experimenta o poder da emoção. Ao tomar consciência
visceral do bloqueio emocional, consegue identificar
onde se encontra o trauma que impede a solução de um
determinado tipo de problema pessoal. Num primeiro
momento, o paciente se assusta porque não tinha a
mínima consciência das motivações inconscientes que
agiam e dominavam o seu comportamento. Ao reviver o
drama neurótico, aparece durante a análise, a repressão,
ou seja, o núcleo neurótico emocional que impede a livre
expressão de suas potencialidades.

17
O analista, durante o tratamento, é uma tela
onde o paciente projeta suas emoções de medo, raiva,
rancor, inveja, ciúme, alegria, desejos eróticos, amor
fraternal e outras tantas emoções que no seu devido
tempo será confrontado, esclarecido e interpretado. Existe
de fato, o fenômeno da transferência, porém, nem toda
relação analítica está presente na transferência, seja
negativa ou positiva. Nas suas obras completas do seu
artigo “Analise terminavel e interminável”, Freud diz o
seguinte; “Todo relacionamento feliz entre um analista e
o objeto de sua análise, durante e depois da análise, não
deveria ser considerado transferência; podem existir
relacionamentos amistosos tendo uma base real, capazes
de persistir.” 2
A transferência é a base da técnica psicanalítica
seja freudiana, neo-freudiana, ou culturalistas. Esta
disposição do paciente, em compreender os motivos do
seu sofrimento, conduz indiretamente a reviver durante o
tratamento analítico as experiências de sua infância em
relação a seus progenitores. A transferência pode se
tornar uma forma de resistência. Estas forças
inconscientes que reprimem as emoções e as pulsões
vitais podem impedir a sua interpretação. A essência do
método analítico é compreender os núcleos neuróticos
com seus ganhos primários e secundários, para fugir da
responsabilidade da solução de sua doença.
Freud descreveu uma série de mecanismos de
defesa que podem ser utilizados para esclarecer
2
Freud, Sigmund. Obras completas de Freud. Vol. XXIII, Ed.
Imago. 1975. Pág. 144

18
determinadas resistências. Como o analista pode ajudar o
paciente a fortalecer o seu “ego”? A estrutura do ego
pode ser descrita como explicou Freud, de modo
metafórico diante de três instâncias de poder: o id, o
superego e a realidade. Quando o “ego” tem uma
autonomia, consegue controlar as forças do id e do
superego. Este é o modelo estrutural do psiquismo
inconsciente de Freud. O objetivo do tratamento
psicanalítico é fortalecer a estrutura egoica do sujeito.
Com isto consegue tirar o paciente do mundo do prazer
primário e fantasioso para a realidade. Esta aprendizagem
de saber lidar com as pulsões instintivas e o mundo das
emoções é o motor condutor da recuperação do paciente.
À medida que o paciente resolve seus dilemas
pessoais e aprende a lidar com as situações de
enfrentamento com a realidade desenvolve um auto-
conceito realista sobre si mesmo, sua auto estima se eleva
porque a existência começa a dar seus primeiros frutos. A
cada conquista, a cada vitória, aumenta sua segurança,
efetivamente aprende a lidar melhor com os desafios
impostos pela sociedade. Ao superar-se diante dos
problemas econômicos, familiares, sociais, afetivos,
sexuais e amorosos, acaba saindo fortalecido para
continuar o seu caminho de evolução pessoal. A cura se
explica quando o paciente consegue utilizar todo o seu
potencial de inteligência emocional a favor da sua saúde e
superação de suas neuroses particulares.
Existe, nos diversos métodos na psicanálise,
uma diversidade de teorias, técnicas, com variações em
relação a sua abordagem. Mas, mesmo com todos estes

19
empecilhos em relação a estas diferenças conceituais, o
objetivo central do tratamento é viabilizar a lucidez do
paciente, isto significa torná-lo consciente de suas
capacidades, elevando sua auto estima para que possa
estar além das crenças e limitações de experiências
frustrantes de sua infância.
A solução de qualquer conflito neurótico precisa
da liberdade, como fio condutor da busca constante de
seu autoconhecimento, quanto mais capacidade para
utilizar sua inteligência organísmica e intelectual a favor
de si, mais a cura estará presente na sua vida. O conceito
de cura na psicanálise depende única e exclusivamente do
resultado da análise. Para Freud a cura precisa de um
equilíbrio das catexias presente nos relacionamentos
interpessoal, intrapessoal, e transpessoal, esta é a
verdadeira expressão da libido.
Uma pessoa que teve a cura conseguiu
confrontar-se com seu narcisismo, com as verdades
absolutas, e de alguma maneira conseguiu sublimar a sua
libido. Vamos explicitar este conceito central, na teoria
psicanalítica, porque é através desta compreensão que se
procura entender a movimentação das forças psíquicas
inconscientes. “A libido é uma forma hipotética de
energia mental, a representação e as estruturas do objeto
são investidas. Concebe-se que a libido possui uma fonte,
o corpo ou o id; que existe sobre várias formas,
relacionada às zonas erógenas especificas, isto é, libido
oral, anal, e genital que se encontram distribuídas entre
as diversas estruturas e processos que são libidinizados.
Esta catexias libidinal está ligada aos instintos sexuais.”

20
Freud foi muito criticado por dogmatizar sua
teoria sobre o vértice da pulsão sexual. Muitos o
criticaram e chegaram a chamá-lo de pansexualista. Sem
dúvida, é um equívoco seguir este conceito da libido
como sendo o centro propulsor da fonte inesgotável do
orgasmo. Ao mesmo tempo estas zonas erógenas,
propiciam a excitação necessária para realizar o prazer
erógeno. O organismo humano é percebido como uma
fonte inesgotável do desejo sexual, ou seja, todo a
qualquer atitude está relacionado ao esquema da
realização do prazer sexual.
Todos os psicanalistas concordam sobre o valor
e a importância da sexualidade na vida humana. Mas
existem outros instintos, talvez muito mais importantes
que o sexual. A dogmatização da pulsão sexual como
sendo o centro da infelicidade humana é um erro, até
porque a sociedade e a cultura começam a mostrar outras
pulsões, que talvez em ordem de prioridade na existência,
estejam acima do sexo. Esta absolutização teórica
obedece aos princípios de uma doutrina e não de uma
teoria científica.
Podemos citar a pulsão da fome, da sede, do
sono, do afeto, do amor, da realização, e de outros tantos
desejos que estão de certa forma muito acima do sexo.
Por exemplo; a questão crucial em nossa sociedade
globalizada e cibernética não é o poder de gozar, mas de
sobreviver economicamente. Talvez a pulsão mais
importante para a sanidade psíquica do sujeito seja
realmente o amor. Na ordem de valor das pulsões vitais, é

21
sem dúvida, a energia indispensável e mobilizadora da
sobrevivência da humanidade.
A psicanálise humanista de Fromm busca
através de o seu método analítico transdisciplinar, elevar
o homem à sua máxima condição humana. Trata-se de
combater a falta de sentido na vida, do isolamento, da
solidão, da amargura do individualismo, dos medos de
expressar o amor, enfim, esta condição propicia uma
experiência imediata de confiança e respeito entre dois
seres humanos. Nem todo olhar, nem toda aproximação,
nem toda transferência é um desejo erótico. Esta
erotização da análise freudiana ainda é resquício da era
vitoriana.
A cura pela recuperação da capacidade de amar,
ou do medo de deixar-se amar. O amor é a expressão
máxima da existência, porque existe de fato esta carência
afetiva e, portanto este aspecto da complementação entre
dois seres que estão dispostos a reunir suas forças para
poderem usufruir do seu esforço na conquista do amor
verdadeiro. O amor é uma atração pela verdade, pela
sinceridade, pela lealdade, valores estes indispensáveis
para a existência desta pulsão da atração. O cuidado do
outro, a valorização, a fusão das almas, a admiração, está
muito acima de uma realização sexual. Talvez seja mais
fácil viver o sexo genital sem o compromisso do amor.
Porque o amor traz consigo a renúncia, a fidelidade, o
sexo, o afeto e o cuidado terno e caloroso do calor
humano.
A cura passa pela capacidade de amar e ser
amado. O amor consegue devolver a qualquer pessoa a

22
elevação da auto estima, da motivação necessária para
vivenciar a segurança, de saber que não está só. Este
estado emocional de pertencer a uma família, de poder
contar em qualquer momento com a ajuda do outro,
mesmo nos momentos mais difíceis, é sem dúvida a
tarefa mais difícil e também mais gratificante da
existência.
O ser humano, quando está apaixonado,
experimenta no seu organismo a transformação
fisiológica desta pulsão de vida, de sentido na existência.
A tarefa desta corrente teórica é mesmo desbloquear
todas as emoções de medo, de crenças limitantes, das
decepções, para oportunizar ao paciente esta vivência de
saber viver com o outro, mesmo diante das diferenças, da
individualidade, dos prazeres, da força e energia que é
transmutada de um para o outro.
A cura precisa confirmar na vivência afetiva o
quanto é importante o ser humano sentir-se amado. Este
amor reacende no íntimo do sujeito um desejo enorme de
viver. Não acredito que a estrutura egoica, por si mesmo,
seja capaz de resolver o dilema do amor. O sexo é uma
pulsão que busca a satisfação da libido. Este desejo
sexual pode se tornar fonte de problema quando existir
uma forte crença que a quantidade de relação sexual ou
de orgasmo aumenta o poder de virilidade e de
masculinidade, resolvendo de vez o problema de sua
identidade de homem. Acredito que toda compulsão
sexual esconde atrás deste comportamento um desejo
inconsciente enorme de encontrar um grande amor.

23
O orgasmo sexual é uma descarga fisiológica
que proporciona um prazer muito gratificante. Porém o
sexo pode desenvolver-se numa patologia como no caso
de um ninfomaníaco. Muitos utilizam o prazer sexual
como uma fuga, ou mais precisamente para utilizar seus
traços sádicos de dominação e sofrimento. A falta de
humanidade faz com que as pessoas utilizem o outro
como se fosse um “objeto” para seu consumo próprio.
Este forma de prazer hedonista vive em busca
sucessiva de conquista após conquista, de relações
sexuais sem afeto e amor. Esta experiência proporciona
sem dúvida o orgasmo, mas o medo do amor lhe empurra
para a solidão e o isolamento. O amor consegue
expressar-se quando existe algum nível de humanidade,
de respeito, de consideração, de valorização e de
admiração pelo ser humano.
Existe uma disposição inata no ser humano de
viver o amor de forma madura e honesta. Aqueles que
tiveram a oportunidade de viver numa família onde o
amor realmente existia foram agraciados com este
presente da existência. Mas o amor é um aprendizado de
difícil solução.
Quando uma pessoa pretende viver o amor,
surge de forma espontânea as exigências do outro e de si
mesmo, como condição para poder entender-se diante das
suas próprias neuroses. Querer procurar o amor sem
antes resolver seu ciúme e inveja é o mesmo que sonhar
que está andando sobre as nuvens. O amor precisa do
diálogo, da confiança, da perseverança, da paciência, do

24
perdão, da compaixão, da bondade, da prudência,
condições básicas para a existência do amor recíproco.
Freud afirmava que a saúde mental depende da
autonomia do “ego”, na luta contra os ataques violentos
das pulsões instintivas ou do superego. A neurose é o
representante simbólico do sintoma. Quando o sintoma
aparece no organismo, em forma de compulsão, ou de
alguma doença psicossomática, podemos então chamá-la
de neurose de caráter. Quando o “ego” não consegue
mais sair do seu mundo de fantasia paranóica, está muito
próximo de desenvolver uma psicose.
Mas acredito que somente o analista diante do
paciente não pode dar conta de toda esta demanda. É
preciso incluir uma terceira pessoa nesta relação. Por isto
mesmo a terapia de casal ou mesmo de família deve ser
usada para reativar e devolver a capacidade de amor
destes pacientes. O analista não tem todo este poder, o
poder da transformação, da mudança está na vivência
deste amor fraternal entre o paciente e o analista.
Sabemos como é difícil analisar com
objetividade o resultado do tratamento. A subjetividade
humana é cercada por inúmeros sentimentos e emoções,
esta realidade psíquica inconsciente aparece na
linguagem em forma de símbolo, de signo e de sinal. Por
isto mesmo, é difícil a objetividade do método e dos
diagnósticos sobre as doenças mentais. Ao nos remeter
para o processo de avaliação, do estado mental do
paciente, vamos recair sobre o estigma social. Este tipo
de padronização não ajuda em nada a cura do paciente.

25
A técnica psicanalítica de Freud: Contratransferência.

Freud, desde o início do seu pensamento, esteve


sempre atento sobre a movimentação pessoal das suas
emoções. E chegou à conclusão de que nenhum analista
pode fazer pelo seu paciente aquilo que não realizou em
si mesmo. O principio básico do método de tratamento na
psicanálise é o próprio analista. Freud escreveu várias
vezes que sentia uma sensação estranha diante de
determinados pacientes porque tinha a clara percepção de
que o processo não se alterava. Então, descobriu que a
única maneira de solucionar a emoção do paciente, é
antes de qualquer coisa, entender a sua emoção.
Para compreender o processo do método
psicanalítico e seu fracasso, tinha que se voltar para as
suas próprias limitações emocionais. Como no capítulo
anterior mostramos o valor da transferência na relação
entre analista e paciente, agora nos voltamos para
entender o processo da contratransferência. A clínica
psicanalítica vem acompanhada de um desenvolvimento
teórico e conceitual.
Freud ao discordar de Breuer sobre a etiologia da
histeria, afirmou que a origem da neurose não estava no
seu estado hipnoide e sim na repressão sexual. Ao
defender o postulado da causa e efeito teve que assumir o
principio da causalidade psíquica. Para analisar as defesas
do paciente, em relação aos seus atos sintomáticos, teve
também que descrever todo o processo de resistência.
No ano de mil novecentos e vinte, Freud
começou a esboçar a teoria estrutural do seu aparelho

26
psíquico, que mais tarde se tornou o conceito central do
ego. Quando Freud iniciou a prática da clínica
psicanalítica, existia em Viena apenas duzentos médicos.
O seu primeiro trabalho publicado foi “Estudos sobre a
histeria” em conjunto com Breuer no ano de mil
oitocentos e noventa e cinco. Depois começa a escrever
com o seu segundo analista Wilhelm Fliess, que além de
fazer a escuta de seus dilemas pessoais, prestava uma
supervisão clínica no caso de Dora. Digo segundo
analista porque o primeiro analista de Freud foi Breuer.
Breuer esteve ao lado de Freud por mais de quinze anos,
além de ajudá-lo na sua análise pessoal sempre
emprestava o dinheiro necessário para poder dar
continuidade a suas pesquisas.
Freud publicou em mil e novecentos o seu
primeiro livro, a “interpretação dos sonhos”, com a
edição de seiscentos exemplares. Levou nada menos que
dois anos para vender duzentos exemplares e o restante,
mais quatro anos. Freud recebeu do seu editor pelos
lucros de seus livros apenas duzentos dólares. Depois,
desenvolveu três novos conceitos; o inconsciente
dinâmico, a teoria da libido, a transferência e resistência.
Freud escreveu a Wilhelm Fliess, num artigo no ano de
mil oitocentos e noventa e cinco sobre “Uma psicologia
para os neurologistas”. Podemos perceber com absoluta
certeza a presença do paradigma fisiológico organicista
para explicar as reações dos neurônios no cérebro e sua
relação com o sistema nervoso.
A teoria psicanalítica começa a dizer que atrás
de um sintoma existia um conflito neurótico. Este

27
conceito de neurose era definido como a existência de
defesas contra as idéias de medo e pânico. São três
conceitos básicos para explicar o conflito neurótico: O
conflito interno, a repressão e o retorno do reprimido.
Breuer e Freud abandonaram a utilização da
hipnose e começaram a deixar que a paciente Ana. O
dissesse o que vinha à sua mente. Perguntavam-se: esta
escuta sem a vivência da catarse poderia aliviar ou
mesmo curar os sintomas histéricos? Ao abandonar a
utilização da hipnose profunda, na solução dos traumas
emocionais, se deu inicio ao método catártico. Esta
paciente foi tratada por Breuer e Freud durante dezesseis
meses. Ana. O. sofria de séria paralisia, alucinações e
outros sintomas nervosos.
O método catártico deu inicio ao método
psicanalítico para elaborar as neuroses e traumas
emocionais. Para grande supressa, todos estes sintomas
desapareciam ao deixar que a paciente falasse livremente
sobre as suas dores e dificuldades pessoais. Na época de
Freud estes sintomas eram tratados com hidroterapia,
eletroterapia, massagem e repouso.
Logo depois, Freud escreve novamente para
Fleis, no dia vinte e oito de dezembro de mil oitocentos e
oitenta e nove. Nesta carta afirma que não consegue olhar
o cérebro como um sistema fechado de reações neuro-
químico, ao contrário, acredita que a mente humana está
repleta de emoções, imagens e idéias sobre a realidade.
São estes conteúdos psíquicos que precisam ser
analisados. Freud abandona este paradigma materialista e
reducionista e asume uma concepção de mente aberta

28
com uma energia psíquica. A partir deste momento foi
possível entender os quadros psicopatológicos das
doenças da mente humana.
Freud fez uma outra constatação, quando esteve
em Paris, estudando em conjunto com Charcot no
hospital Salpetriere, sobre o processo da dinâmica
inconsciente dos sintomas histéricos. Descobriu que
existem na mente, processos ignorados pela consciência
do homem. Então, começou a atender a Frau Emmy Von
N. no ano de mil oitocentos e noventa e cinco. Este foi o
primeiro caso onde Freud não utiliza mais a sugestão e
coloca em prática a cura pela palavra.
Historicamente foi com esta paciente que pela
primeira vez se utiliza o termo “análise do psiquismo”
conjuntamente com a palavra “psicanálise”, no ano de mil
oitocentos e noventa e seis. Aqui se deu início o primeiro
tratamento psicanalítico, ou seja, a prática da clínica
analítica de uma histérica. Através de sua experiência
clínica na análise, decidiu deixar de lado a pressão com as
mãos sobre a testa do paciente, como uma das maneiras
para fazer lembrar algum tipo de conteúdo do passado
que tivesse relação direta com a sua neurose.
Ao levar em consideração o pedido de seu
paciente, que gostaria de falar sem estar sobre o domínio
da hipnose, deu início ao conceito de “associação livre”,
onde o paciente podia falar livremente sobre tudo o que
viesse à sua mente. A regra básica era de que o analista
tinha que ter uma postura neutra e não participativa em
relação à queixa do paciente. O objetivo era escutar
através do seu discurso uma seqüência de fatos

29
desconexos entre si, dos seus devaneios e descobrir atrás
deste discurso a função da mentira e da fantasia.
Depois, surgem como complemento à análise do
inconsciente, o uso do divã e a radical proibição de
qualquer tipo de intervenção à realidade do paciente. Era
preciso propiciar um clima de regressão e, para que isto
acontecesse, era necessário um aumento gradativo de
concentração para entrar em contato com os seus
conteúdos reprimidos. Outra exigência é o silêncio do
analista, este silêncio significa uma atenção cuidadosa
sobre cada frase ou palavra que o paciente disser. Durante
este silêncio da escuta analítica, o analista pode entender
a lógica de sua neurose.
O silêncio pode levar o paciente a atitudes
regressivas de sentir-se privado da palavra, da presença, e
um retraimento narcíseo. Existem dois cuidados que
devem ser levado em consideração: a duração do silêncio
do analista e o tempo de sua interpretação. A
interpretação deve despertar no paciente um interesse na
elucidação do conteúdo psíquico e de sua síntese. A
consciência pode entender a expressão da repressão, a
duração, a síntese, a imagem e a capacidade de
compreensão. Quanto mais simples for uma
interpretação, mais eficaz o seu efeito sobre a neurose do
paciente.
Este desejo de Freud, do aumento de
consciência do paciente, despertou seu interesse pela
interpretação. Havia, sem dúvida, um desejo do analista
para que o paciente realizasse uma reflexão e com isto
ampliasse o raio de compreensão de sua realidade

30
pessoal. O objetivo da interpretação é explicar ao
paciente os desejos inconscientes reprimidos, estes
recalques precisavam ser integrados na consciência.
A função da análise é propiciar um ambiente
onde se torne viável o processo de elaboração de sua
existência, ou mais precisamente, o conteúdo dos seus
sofrimentos. Existe na verdade, o conteúdo simbólico,
escrito de forma metafórica nas imagens e no discurso da
linguagem. A linguagem é a maneira que o paciente tem
de comunicar a sua realidade psíquica e de entender os
seus conflitos pessoais. Por isto mesmo, a função da
interpretação complementa esta falta na estrutura de sua
linguagem.
Em seu artigo de mil novecentos e vinte e dois,
intitulado “psicanálise”, Freud escreve que além de
interpretar a dinâmica do inconsciente com o objetivo de
alterar a forma de pensar do paciente, descreve a história
pregressa do passado infantil, demonstrando como foi
estruturado psiquicamente o bloqueio emocional. A
interpretação deve atender a duas condições: ser capaz de
elaborar uma hipótese, que faça sentido junto ao
problema do paciente, ou seja, por exemplo, o trauma que
sofreu na infância permanece no inconsciente de maneira
latente e ao reviver uma situação semelhante à emoção da
repressão tende a aparecer novamente. A segunda é
verificar se este esclarecimento produziu alguma
alteração na personalidade do paciente.
Freud (1916) escreveu em seu esboço sobre as
conferencias introdutórias sobre psicanálise, que a
interpretação não era a exatidão e muito menos a certeza

31
absoluta das ditas ciências exatas. A interpretação de um
evento psíquico, este mais próximo do pensamento do
físico quântico Heisenberg, que dizia não existir nenhum
sistema fechado e sim probabilidades. Então deu a
entender que a interpretação não pode ser julgada no
contexto da certeza absoluta, mas deveria ser analisada de
acordo com os vários graus de probabilidade. O resultado
depende muito da habilidade, experiência e arte do
analista.
A confrontação é uma intervenção direta que
leva o paciente ao encontro de sua neurose. Nesta
situação pode se averiguar o teste de realidade e das
desculpas e justificativas para manter intacta a sua
neurose de caráter. Portanto, a clínica psicanalítica
abandonou definitivamente o processo de descarga do
afeto bloqueado. Esta técnica tinha por objetivo trazer à
tona os traumas e bloqueios emocionais da consciência.
Freud pretendia resolver os problemas emocionais,
liberando os afetos reprimidos, através de um processo
chamado ab-reação, queria que aquela força presente no
sintoma acabasse desaparecendo com a catarse afetiva.
Outros dissidentes, como Sandor Ferenczi,
utilizavam este processo de catarse emocional, ou Reich
que acreditava na liberação do fluxo do orgasmo
bloqueado. Na concepção destes psicanalistas, é preciso
liberar esta energia sexual presa às musculaturas do
corpo. A base teórica do método psicanalítico precisa
compreender os diversos significados e o nível de
consciência da pessoa em relação a sua neurose. Estas

32
catexias3 têm como finalidade a quantidade de energia
que é investida em objetos externos, em oposição ao seu
“ego”. A catexias poderia ser sinônima de interesse,
significado ou de realidade. Este potencia de energia
pulsional encontra-se presente nas proteínas e no
reconhecimento das informações comunicacionais que
acontecem no intimo de uma célula. Existe uma cognição
ainda desconhecida pela ciência biológica mais
compreendida pela psicanálise.
Os conceitos de “repressão” e “conversão”
derivam da “resistência”. O desenvolvimento e
incorporação desta compreensão clínica tiveram sua
origem em mil oitocentos e noventa e quatro, quando
Freud afirmava que o objetivo central do tratamento era
trazer à tona a repressão das experiências sexuais da
infância. Mais tarde, Freud percebeu que estava
equivocado e abandonou a “teoria da sedução infantil”,
voltando-se para o conceito de “retorno do reprimido”.
Freud orientava-se pelo registro no seu
prontuário, sobre os principais temas elaborados durante
a sessão de análise, no final do dia do atendimento de
seus pacientes. Sempre enfatizava a necessidade da

3
Neologismo inventado pelos tradutores ingleses de Freud para
vencer a quantidade de investimento. Freud utilizou para descrever a
quantidade de energia que se liga a qualquer representação de objeto
ou qualquer estrutura mental. Uma caquexia é concebida como
análoga a uma carga elétrica que pode deslocar-se de determinada
estrutura, exceto no caso de estar presa. Daí os verbos catexizar,
descatexizar e hipercatexizar, este ultimo referindo-se a manobra
defensiva. (Salomão, Jaime. Dicionário Crítico de psicanálise. Ed.
Imago. R.J. 1967. Pág. 53).

33
análise pessoal do analista, sem análise e supervisão dos
seus casos clínicos não conseguirá reconhecer suas
contratransferências e emoções. O analista também
precisa de um colega para elaborar a sua vida pessoal.
Acrescentou de forma decisiva que o analista deveria ser
o espelho para seu paciente. Alertou aos analistas terem o
cuidado de não pedir ao paciente mais do que sua
capacidade poderia dar. Este era um dos cuidados
preventivos do analista.
Como por exemplo: Não confundir neurose com
psicose; jamais discutir qualquer tema com o paciente,
isto podia prejudicar a neurose de transferência, não
podia tratar pessoas amigas e parentes, caso infringisse
esta norma deveria estar disposto a perder a sua amizade.
Em alguns casos, atendia pacientes de forma gratuita,
mas sabia da dificuldade de dar continuidade ao
tratamento. O analista deve estar preparado para ter
paciência sobre a lentidão do processo de mudança, o
analista deve ter consciência sobre a dificuldade de contar
com a colaboração do (a) esposo (a) e de parentes do
paciente.
Mas Freud concordava que a transferência podia
desencadear um amor fraternal pelo analista, dizia que
este é um fenômeno natural, de uma origem humanista.

34
As mudanças realizadas por Freud no
método da psicanálise.

Muitas são as discusões sobre a eficácia do


método psicanalítico, mas temos consciência da
necessidade das mudanças a serem realizadas de acordo
com a necessidade de cada paciente. Existem
contingências e dificuldades especiais que se apresentam
ao analista. São atitudes que a técnica não consegue dar
conta. Freud insistia que a análise é um diálogo analítico,
a escuta combinado com a associação livre e a atenção
flutuante por parte do analista.
Em seu escrito sobre “além do princípio do
prazer”, Freud (1920) descreve uma metapsicologia sobre
o instinto de morte e a compulsão à repetição. Os motivos
das resistências, em si mesmas, estão presentes desde o
inicio do tratamento. As emoções reprimidas e o seu
esclarecimento entre o ego consciente e o trauma
reprimido. O manejo da resistência está ligado ao
conhecimento das ações inconscientes. Esta percepção do
núcleo neurótico do paciente possibilita trazer ao
consciente do paciente a realidade desconhecida. A
análise tem como finalidade descobrir a natureza
inconsciente dos conteúdos reprimidos e depois, no
momento oportuno, comunicá-lo ao paciente.
É absolutamente necessário identificar as
resistências do paciente, é importante que exista certa
plasticidade para poder aceitar e alterar a sua conduta.
Sempre vão existir dificuldades para a recordação de
todos os eventos do reprimido. As reproduções das

35
experiências da vida infantil podem ser transferidas ao
analista por um processo de transferência. Pode existir,
sem dúvida, uma transferência de cunho irracional ao
analista, sobre conteúdos arcaicos e primitivos. O analista
deve estar atento para este tipo de transferência, porque
nela está uma resistência à continuidade da análise. Pois
bem, é indispensável neste momento, a confrontação, o
esclarecimento e a interpretação do fenômeno ocorrido.
O conteúdo do reprimido são experiências
patogênicas do passado que permanecem atuantes sobre o
disfarce da neurose. Muitos pacientes encontram muitas
maneiras para sentirem-se rejeitados, existe um desejo de
serem tratados friamente, ou mesmo sentir inveja e ciúme
na transferência analítica. Ou, ao contrário, muitos se
oferecem como se fosse um presente em substituição ao
bebê uma vez que foi desejado. Freud diz que os sonhos
podem trazer conteúdos de alguma neurose traumática,
estas lembranças e vivências afetivas da infância estão a
serviço do princípio do prazer, por isso mesmo, a
tendência a tornar compulsivo e repeti-lo durante a sua
vida.
Freud reconhecia que uma parte do inconsciente
não é reprimida, trata-se da herança arcaica. Quando
disse que esta área está fora do alcance da técnica
psicanalítica, era porque a psicanálise ainda não tinha os
meios para trabalhar estes conteúdos dos antepassados.
Talvez neste momento, a técnica psicanalítica precise ir
de encontro a estes novos desafios, e encontrar um espaço
para trabalhar esta herança genealógica dos nossos
ancestrais. Ao desenvolver um método para ter acesso a

36
estas memórias podemos, sem dúvida, levar em
consideração ou formular uma hipótese da presença de
emoções recalcadas nas imagens destes antepassados.
Freud (1923) comete um equívoco de ordem
machista ao afirmar, que quando o paciente encontra-se
apaixonado pelo seu objeto de amor, torna-se infantil e
submisso a ele. É como encontrar-se num cativeiro e
totalmente submisso a outra pessoa. Freud diz que esta
substituição é feita de modo excessivo, perde a
capacidade de fazer julgamentos e a capacidade de ter
novas iniciativas, regride intelectualmente.
Este seu comentário encontra-se escrito no
“teste da realidade do ego”. De certa maneira, a sua
dificuldade de viver a paixão e ao mesmo tempo a
necessidade de reprimi-la, fez com que se revestisse desta
aversão totalmente negativa sobre o apaixonamento. Na
era do iluminismo racionalista, o poder da razão deveria
estar sobre as paixões e emoções. Era na verdade, a luta
do racionalismo intelectual, com todas suas estratégias de
convencimento, para afastar qualquer manifestação de
sentimento ou emoção.
Freud (1926) escreveu sobre o caso clínico da
“psicogênese de um caso de homossexualismo em uma
mulher”. Comenta que quando o paciente procura um
analista é porque se sente impotente e incapaz de resolvê-
lo sozinho, chegando muitas vezes a implorar a sua ajuda.
O seu entendimento, em relação à homossexualidade, é
de um conflito em que a mente encontra-se dividida. Ele
mesmo afirma que a paciente procurou o tratamento por
insistência dos seus pais, mas a sua vivência homossexual

37
não lhe trazia problema algum. Na verdade, não existia
nenhum tipo de doença, porque não existia nenhuma
queixa. Então, Freud decidiu que neste caso não existia
um conflito neurótico, mas que havia a necessidade de
converter o conflito genital em uma outra opção sexual.
Afirma que muitos dos homossexuais acabavam
decidindo por não confrontar-se com a sociedade, e em
alguns casos, voltavam a ter relações sexuais com o sexo
oposto. Sua finalidade era converter um homossexual,
plenamente desenvolvido, em um heterossexual. Esta
afirmação do pai da psicanálise está repleta de
preconceito de uma pessoa moralista e cheia de tradições.
Entendia que o único modo de viver a sexualidade era
como heterossexual, porém sempre existiam os travestis,
as prostitutas, os transexuais, os homossexuais.
Infelizmente a teoria sofre também o impacto da moral
vigente na época vitoriana.
Freud era humano e como tal sofreu as
influências sociais, culturais, religiosas e, consciente ou
inconscientemente, projetava nos seus escritos este tipo
de preconceito. Freud devia saber que a felicidade no
amor, na intimidade, do companheirismo, do respeito,
não está posto sobre o poder de uma vagina ou de um
pênis. Inclusive, podemos levantar a hipótese de que um
casal homossexual possa ser mais feliz e realizado do que
um heterossexual, que esconde de maneira latente uma
homossexualidade enrustida.
Este estigma preconceituoso retira a
humanidade e o respeito pela liberdade de ser. Não existe
somente uma forma ideal de alcançar o orgasmo, mas a

38
tradição e as crenças religiosas, de origem judaico-cristã,
parecem ser mais fortes que a lucidez da inteligência.
Este julgamento precipitado e machista não ajuda em
nada, o sofrimento psíquico daqueles que se encontram
divididos e cheios de dúvida em relação à sexualidade.
Hoje, não se admite esta forma de pensar,
insistir que a técnica psicanalítica tem o poder de alterar o
objeto sexual de alguém através da compreensão interna,
é na verdade, uma falácia. Freud comenta que a solução
da homossexualidade feminina se torna difícil porque
existe a tendência desta paciente a usar a transferência
negativa para sua pessoa. A vingança desta paciente
homossexual era agredir e ofender, através de seu
comportamento, a masculinidade do seu pai. Esta
interpretação carece de sentido porque a
homossexualidade não é uma doença e muito menos gera
sofrimento, no caso desta moça, deveria ajudá-la a
assumir-se na sua opção sexual. Na verdade, não existia
raiva ou qualquer tipo de vinganças de seus pais, e sim
uma disposição hereditária contrária aos desejos da
sociedade.
Para Freud, os pacientes que podem ser
analisados, são os neuróticos, as histéricas, os neuróticos
obsessivos, incluindo também as fobias, inibições,
deformações de caráter, perversões sexuais e dificuldades
na vida erótica. Ainda recomenda um cuidado para não
se desperdiçar tempo e esforço com pessoas que no fundo
não querem mudar. O simples fato de estar doente ou ser
neurótico, não convence do desejo de sua disposição de
agir diferente ou de fazer análise. O objetivo da análise é

39
superar as resistências e ajudá-lo a entrar em contato com
as repressões de suas emoções. Através desta atitude,
mostraria ao paciente um caminho diferente daquelas
decisões improdutivas e alienantes.
As primeiras identificações com os pais são a
base do superego. Ao mesmo tempo em que incorpora
atitudes muitos parecidas, desenvolve características de
valores, pode desenvolver algumas formações reativas. 4
O superego é o portador das exigências da consciência e
das normas, regras, e leis, costumes e tradições culturais.
Ao mesmo tempo Freud afirma que o ego é influenciado
pelos instintos. Eros e Thanathos representam em alguns
casos a pulsão destrutiva é em outros é colocada a serviço
da saúde. A relação sado-masoquista é a expressão do
prazer alcançada através da dor do outro.
Em seu escrito sobre novas conferencia
introdutórias sobre psicanálise, acrescenta que muito
mais difícil do que analisar um narcisista, é tentar alterar
o sentimento de culpa do paciente. A neurose não tem
nenhum objetivo útil, ao contrário, leva o paciente a um
completo esgotamento de suas forças psíquicas. Ao
conscientizar-se de tal atitude, pode tornar esta energia
psíquica mais produtiva para lidar com situações difíceis

4
É um processo defensivo através do qual um impulso inaceitável é
dominado pela exageração da tendência contrária. A solicitude pode
constituir uma formação reativa contra a crueldade; a limpeza, contra
a cropofilia. A formação reativa é considerada, na teoria clássica,
como uma defesa obsessiva, e geralmente se supõe que o impulso
rejeitado e inconsciente sobrevive sobre sua forma original e infantil.
(Ibidem. Jaime S. 1967. Pág. 106)

40
e complicadas. O tratamento inicia com dificuldade
quando existe a repressão de alguma pulsão. Quando a
pulsão, ou emoção, não consegue satisfazer-se na
realidade, busca o auxilio da fixação e regride a antigas
formas infantis de gratificação.
Logo depois da publicação de o Ego e o Id,
Freud escreveu “Neurose e psicose” no ano de mil
novecentos e vinte e quatro5. Sua idéia é que a etiologia
da neurose e da psicose é sempre a mesma, a frustração
de um desejo infantil. Diz que as neuroses de
transferência estão enraizadas no conflito entre o ego e o
id; já as neuroses narcisicas do conflito entre o ego e o
superego; e a psicose, um conflito entre o ego e o mundo
externo. A doença crônica pode aparecer desde que o
investimento de energia libidinal não consiga realizar o
seu desejo. O ego pode criar uma ruptura com a
realidade e envolver-se por completo no mundo de sua
fantasia.
Quando escreveu sobre a “divisão do ego no
processo de defesa” 6, Freud alertava para o fato das
incongruências e as loucuras estarem relacionadas ao
problema da perversão. Esta ruptura com a realidade
eleva a pessoa à condição de possuir algum traço
psicótico em sua personalidade. O recalque tem a função
de arrastar o ego para longe da realidade justamente
porque deseja afastar-se do seu sofrimento. Diante desta
dificuldade, o ego busca, nas instâncias do id, alguma

5
Freud, Sigmund. Obras completas. Imago. Vol. XIX. 1976.
Pág.183 a 187.
6
Ibidem. Vol.XXIII. 1975. Pág.275 a 278.

41
forma de gratificação para não ir de encontro com as
exigências da realidade. Existe de fato a fantasia de estar
em uma nova realidade, onde as pessoas e o ambiente não
produzem mais ansiedade, medo, culpa ou angústia.
Diferente da neurose, porque simplesmente existe uma
rejeição da realidade, o contrário acontece na psicose,
onde o paciente, além de ignorá-la, cria uma nova
realidade.
Freud tinha muitas dúvidas sobre a viabilidade
de analisar um psicótico. Acreditava que paciente com
esta patologia deveria ser tratado pela psiquiatria. Esta
subjetividade está alicerçada naquelas idéias fixas de um
passado infantil, mas podemos acrescentar que pode ter
se originado no útero materno, ou ainda nas emoções
arcaicas e, portanto, são tão antigas quanto à humanidade.
É preciso esclarecer de onde surge o recalque da
emoção específica. Talvez os instintos estejam
diretamente ligados ao ato sintomático. Todo o processo
analítico busca trazer o paciente a uma maior consciência
sobre o caminho que ele escolheu. A angústia, ansiedade,
desespero, insatisfação, transtorno de humor, podem ter
uma relação com dificuldades muitos sérias de usar o seu
potencial psíquico, me refiro à criatividade, inteligência,
investimento econômico, convívio familiar, a favor da
sua felicidade.

42
Segunda Parte

2.0 Os métodos dos Freudianos e Neofreudianos.

É bastante difícil de escrever um capítulo sobre


o método clínico de análise do inconsciente a partir das
experiências de Sandor Ferenczi. Existem algumas
diferenças entre Adler, Jung, Klein, Sullivan, Fromm e
outros psicanalistas. Muitos dos psicanalistas começaram
a elaborar novos conceitos e alterar o método clínico
durante suas vivências no atendimento de seus pacientes.
Por exemplo, Sandor Ferenczi desenvolveu o conceito de
“experiência emocional corretiva”, não tinha como um
objetivo desenvolver um sistema de conceitos bem
elaborado sobre sua técnica.
Este método não desenvolve mudanças
significativas em relação ao de Freud, sua maneira de
clinicar está muito próxima dos procedimentos da
psicanálise clássica. Porém, Ferenczi desenvolveu o seu
método que denominou “técnica ativa”, que tinha como
finalidade, inovar e acrescentar alguma originalidade sua.
Por isto mesmo, existia uma enormidade de
correspondência entre ambos, na verdade era um
discípulo admirado e apoiado por Freud neste processo de
realizar o seu próprio método.
Ferenczi foi um psicanalista que devotou quase
toda sua vida nos estudos teóricos da psicanálise. Quando
descobria algum fenômeno clínico, imediatamente
buscava trocar idéias com o criador da psicanálise. Era
alguém obstinado por realizar suas pesquisas na área da

43
técnica psicanalítica. Outros conceitos surgiram no
decorrer de sua prática clínica. Por exemplo, podemos
citar o imenso valor terapêutico da “regressão na
análise”. Acreditava totalmente na importância da
interpretação das transferências.
Questionava seriamente o distanciamento do
analista com o paciente, chegando a chamar esta relação
de “hipocrisia profissional” do analista em relação ao
paciente. Defendia a absoluta “sinceridade” entre ambos,
principalmente no que se refere à contransferência. Era
totalmente contra a “passividade do método clássico” e
entendia que a analise deveria ser um diálogo com ampla
liberdade. Não concordava de levar o paciente a uma
situação regressiva para reviver o trauma original.
Este modelo terapêutico, dentro da psicanálise,
merece, além de uma atenção especial, um lugar de
estudo da praticabilidade de seus principais conceitos
aqui descritos. Quando falava do seu “método ativo”,
defendia que o analista deveria ser ativo no processo,
sensível e sempre pronto para reagir e agir em relação ao
paciente. Seu ponto inovador era sua postura de estar
sempre pronto para tornar cada sessão de análise um novo
desafio para si mesmo e ao paciente, ou seja, a hora
analítica deveria proporcionar alguma descoberta em
relação a sua neurose.
Esta questão da “nova descoberta” era sempre
baseada no discurso da sessão anterior, todo o seu
envolvimento com o dilema neurótico do paciente tinha
que ser esclarecido. Recebia muitas críticas de seus
colegas por esta sua postura na clínica, muitos não

44
aceitavam esta maneira inovadora de clinicar. Foram
muitas as contribuições de Ferenczi ao método clínico de
análise do inconsciente. Escreveu vários artigos sobre a
transferência, compulsão e masturbação, os sonhos, todos
durante o período de 1909 a1926. Seus artigos constavam
sempre de algum artigo clínico e defendida a idéia de que
os conteúdos não estavam na sua totalidade elaborados.
Era um psicanalista inovador e não se encaixava dentro
dos conceitos petrificados da convenção do método
clássico.
Faz uma série de sugestões para que o
psicanalista tome cuidado na prática do método de
trabalho. O primeiro cuidado era para não tornar a análise
muito formal e distante. Sua compreensão do ambiente
deveria ser de espontaneidade e liberdade de expressão, a
esta situação chamava de “permeabilidade” de análise
destas associações inconscientes. Em mil novecentos e
doze escreveu um artigo chamado de “Sonho Dirigido”.
Era uma técnica baseada no relaxamento semi-induzido,
sua função era trazer recordações relacionadas a algum
tipo de dificuldade que estava enfrentando na atualidade.
Esta escuta analítica era compreendida na relação deste
evento psíquico e seu compromisso inconsciente com a
imagem simbólica.
Ferenczi fazia uma leitura de todos os atos e
comunicações presentes no corpo. A linguagem
sintomática, comunicada no organismo em forma de
sintoma, era seu grande desafio, ou seja, utilizava todo
sua intuição e inteligência para realizar uma interpretação
correta sobre o sintoma. Escreveu vários artigos sobre

45
esta sua técnica. A transitoriedade do sintoma, e seu
desenvolvimento durante a análise, conversão histérica,
substituição, ilusão e alucinação do caráter regressivo,
foram alguns dos estudos que estiveram muito além da
compreensão do seu tempo.
Defendia com extrema lucidez, que era possível
interpretar os sintomas presentes nos músculos ou em
outras partes do organismo, dizia que a neurose aparecia
escondida atrás de uma doença do organismo. Podemos
inclusive apresentar uma relação de sintomas que este
analista levava em consideração na sua prática analítica.
Por exemplo, o ritmo da respiração, a tonalidade da voz
do paciente, vontade excessiva para ir ao banheiro,
tontura, dor de dente e salivação, gosto amargo na boca,
sensação de frio no corpo, sonolência, e outros tantos
sintomas.
A interpretação destes sintomas se refere aos
sintomas transitórios, que num sentido, representam à
nova edição de algum conflito antigo. A transferência é a
presença do analista, sua intervenção ajuda o paciente a
buscar nestas emoções os conflitos neuróticos do
passado. Todos estes atos sintomáticos são resistências
disfarçadas, escondidas atrás de um sintoma.
Dizia que todo analista deveria estar atento à
comunicação inconsciente presente no sintoma e não
como algo sem sentido. Todo sintoma que for
corretamente interpretado pode levar o paciente a
solucionar a sua neurose. Freud observava no sintoma,
uma dinâmica em busca de gratificação de um desejo, ou
seja, a satisfação de uma pulsão que se encontra

46
reprimida, este gozo não pode acontecer pela via natural.
Ferenczi acreditava que o analista deveria trabalhar a
criança interior do seu paciente, em alguns momentos
deveria ser um pai severo e em outros momentos, uma
mãe carinhosa.
O analista deve saber dosar, na transferência
com a criança emocional, graduações de exigência,
compaixão, simpatia, responsabilidade, liberdade, etc. O
analista deve ter um pleno controle de sua
contratransferência para poder ajudar o paciente a
elaborar a sua transferência. Em nenhum momento,
permitia que o paciente tomasse conhecimento das suas
dificuldades pessoais e identificações com os seus
problemas. A análise consiste no manejo da reação
emocional do paciente e o controle de suas próprias
emoções.
Vamos conhecer um pouco sobre os
fundamentos de sua “técnica ativa”. Sua explicação para
este nome está relacionada à “atenção flutuante” e à
“passividade” do analista ortodoxo. Acreditava que a
análise em si mesma é um processo de “diálogo”,
“interatividade”, alteridade entre o analista e seu
paciente. A este fenômeno dava o nome de “atividade”,
ou seja, envolver-se, estar atento e participar ativamente
do problema do paciente. Veja bem, não com o desejo de
direcionar ou manipular, mas com a intenção de tornar
mais clara a verdade sobre o seu dilema pessoal. Ambos
encontram-se engajados no mesmo objetivo, encontrar a
solução para o seu problema.

47
Vamos resumir os principais conceitos de sua
técnica. Primeiro, analisar o comportamento formal e a
expressão no corpo dos atos sintomáticos. Segundo,
identificar, através do discurso, onde se encontra a
ansiedade, angústia, medos, etc. Esta percepção do
conflito neurótico permite identificar a repressão da
emoção ou da pulsão. Terceiro, viabilizar, com a ajuda
da transferência, a superação das resistências em
relação ao bloqueio emocional. Quarto, fazer sua análise
pessoal, sua supervisão clínica e jamais realizar a
contratransferência.
Ferenczi se preocupava muito com a interrupção
do paciente através de suas resistências e seu estado de
improdutividade. Quando observava o desânimo, a apatia,
o desencanto e a falta de motivação do paciente em
participar ativamente de sua recuperação, interpretava
que o paciente utilizava suas fantasias para outras formas
de gratificação e atuando para desqualificar e castigar o
analista por sua incompetência. Este deslocamento
afetivo de raiva, ressentimento, mágoa, deveria ser
confrontada, esclarecida e interpretada. Caso contrário,
poderia instalar uma crise no tratamento. Era preciso
levar o paciente a entender o seu processo transferêncial
com alguma figura de autoridade ou dos seus
relacionamentos.
Quando o paciente compreendia a transferência,
existia a possibilidade de a energia psíquica ser utilizada
de forma vantajosa na vida do mesmo. A repressão tem
como objetivo levar a pessoa a um estado de
acomodação, de alienação da sua realidade pessoal, é

48
uma espécie de hábito latente. Esta fixação tem o poder
de levar a um conflito na análise, de buscar a gratificação
no analista de forma primitiva e infantil, de mostrar o
poder da ação da emoção reprimida frente às
interpretações do analista.
Sua técnica partia do princípio de que esta
situação deveria ser explicada ao paciente. Entendia que o
paciente tinha a liberdade de vivenciar aberta e
livremente a neurose, ou então tomar a providência para
abandonar totalmente esta sua fixação. Sua estratégia
consistia em trabalhar na análise esta crise pessoal do
paciente. Se produzisse algum resultado, era a evidência
concreta de que esta emoção estava de volta à
consciência. Na medida em que o paciente permitia
vivenciar o sintoma desagradável em agradável, era
porque estava conseguindo enfrentar as suas resistências.
O desaparecimento de uma neurose de
conversão sintomática acontecia pelo simples fato da
integração de alguma pulsão ou emoção, que se
encontrava recalcado. Ao aceitar esta condição, o
organismo não necessita mais do sintoma. Uma outra
situação criada pelo analista, é aumentar o estado de
tensão na análise para observar a reação emocional da sua
criança interior, ou seja, o analista representa a imagem
do pai ou da mãe para que a repressão se identifique e
apareça na sessão de análise. Esta situação pode ser
esclarecida para o paciente e deixar que o mesmo decida
se quer ou não realizar esta experiência.
Por último, afirmava que as reações emocionais
do analista deveriam ser sinceras e honestas,

49
comunicadas de uma maneira simples, mas direta, e
depois perguntar se o paciente entendeu a sua
interpretação sobre o seu comportamento. Depois disto,
dar uma abertura para que o paciente possa expressar a
sua emoção. Por fim, se perguntava como que
determinados pacientes sentem um desejo de estar
próximos de pessoas que as deprimem, desvalorizam, ou
seja, situações estas que geram desprazer e fracasso. Este
estado de inconsciência é tão forte que o paciente não
aceita esta interpretação, ao contrário, utiliza toda sua
racionalização para justificar o seu comportamento para
continuar na dor e sofrimento. Somente a compreensão
intelectual do sintoma não transforma a repressão, é
preciso oportunizar o aparecimento da emoção ou da
pulsão reprimida, encontrar meios adequados para a sua
manifestação.
É preciso levar o paciente a uma organização
psicológica no sentido de elaborar suas regressões e
fixações traumáticas para poder transcender o escopo do
tópico primário, esta nova consciência possibilita
reagrupar sua força psíquica para poder encontrar no seu
objeto libidinal o encanto erótico e afetivo. Esta
transferência erótica ou amorosa do paciente em relação
ao analista demonstra a sua capacidade de apaixonar-se e
em conseqüência disto à disposição de sair da simbiose
narcísica, esta maturidade é a vivencia da tópica
secundaria. O tratamento ensina o paciente a tolerar
momentos de prazer e dor, de alegria e tristeza, de
sucesso e fracasso. É um aprendizado do paciente para

50
saber ser flexível o bastante para enfrentar estes desafios
da existência.

O método analítico de Melanie Klein não é


muito diferente do de Freud. As regras são seguidas à
risca pelos psicanalistas kleinianos, ou seja, os pacientes
realizam de cinco a seis sessões de análise por semana, o
tempo de duração é de cinqüenta minutos, é utilizado o
divã, sendo que o analista fica sentado atrás dele. O papel
do paciente consiste em associar livremente e ao analista,
interpretar os seus conteúdos inconscientes. Não se
admite, de nenhuma maneira, qualquer tipo de
intervenção, orientação, aproximação, toda e qualquer
tipo de conversa é totalmente proibido.
O analista coloca sua atenção nos tipos de
transferência e as interpreta ao paciente. A transferência7,
aqui defendida, é a vivência do passado da criança
emocional do paciente, que são novamente revividas na
relação de transferência com o analista. Alguns analistas
kleinianos são mais rígidos e dogmáticos que os próprios
analistas freudianos. A origem do método de Melaine
Klein se deu por volta de mil novecentos e vinte. Seu

7
Processo através do qual o paciente desloca para seu analista
sentimentos, idéias, etc. Que derivam de figuras anteriores de sua
vida. Através do qual ele se relaciona com o analista como se este
fosse algum objeto anterior a sua vida, através do qual projeta sobre o
analista representações objetais adquiridas por introjeções anteriores;
através do qual dota o analista da significação de outro objeto,
geralmente anterior. O estado mental que é produzido por primeiro
no paciente. Imprecisamente, a atitude emocional do paciente para
com o analista. (Dicionário Crítico de Psicanálise. Pág.241)

51
objetivo era utilizar o método analítico para analisar a
criança dentro do postulado da psicanálise clássica.
Utilizava uma caixa com brinquedos, e depois fazia suas
interpretações dos jogos e brincadeiras realizadas durante
a sessão de análise.
Estes conflitos inconscientes, projetados na
transferência, era a confirmação das neuroses
experimentadas pelos adultos que faziam análise com
Freud. O complexo de Édipo e o superego deveriam ser
identificados numa fase muito primitiva da criança,
distanciando da compreensão de Freud, ou seja, estes
conceitos não se encontravam nas fases genital e pré-
genital da criança. Dizia que estas fases eram tão
primitivas quanto à fase oral, anal, fálica e da latência. O
superego da criança pequena encontrava-se sobre as
vivências do útero, anais e orais. Acentuava que durante a
análise da criança, estavam dois conceitos importantes:
“projeção e introjeção”.
Klein explorou o mundo da fantasia da criança
nas produções de seus conteúdos simbólicos primitivos e
arcaicos, Estas emoções8 e pulsões eram à base da origem

8
Estado do corpo e da mente que consiste num sentimento subjetivo,
agradável ou desagradável, mas nunca neutro que se faz acompanhar
por comportamento ou postura expressivo e por mudanças
fisiológicas. A teoria psicanalítica tende a supor que as emoções são
afetos, isto é, que são quantidades de energia ligada a idéias, que sua
presença indica um distúrbio no equilíbrio psíquico, que elas
interferem na adaptação. (....) A psicanálise pouco se valeu da
distinção de Mc-Dougall (1908) entre emoções primarias (o medo, a
ira, a ternura por exemplo), emoções complexas ( a admiração, a
inveja, por exemplo) e emoções positivas ( o amor, a alegria e o

52
da fantasia. Os conflitos neuróticos surgiam quando
existia a vivência de alguma frustração em relação aos
seus desejos que não eram satisfeitos e realizados. Por
exemplo: no desejo de alimentar-se e sentir-se amado, o
bebê recorria à fantasia de um seio provedor de amor,
vida e alimento. Quando interagia com o seio mau, tinha
o desejo de destruir, despedaçar e atacar. A origem da
fantasia tem sua origem na vida primitiva do recém
nascido. Depois, se amplia ativamente de acordo com a
realidade externa e seu processo de troca de vivências
emocionais, com seus objetos de admiração ou rejeição.
A fantasia9 se nutre das lembranças e
reminiscências de suas vivências infantis. Entende que o
processo dos desejos inconscientes das pulsões e

respeito) e, como resultado disto, tende a interpretar emoções como


manifestações de outras vivencias mais complexas, a ira como
manifestação do ódio, ou supor que as emoções complexas possam
estar presente no começo da vida, tal como, atribuir a inveja ao bebe
recém-nascido. (Coleção Analítica. Pág. 85)
9
O conceito psicanalítico de fantasia compartilha das ambigüidades
inerentes ao uso cotidiano da palavra. Num de seus sentidos, fantasia
refere-se a imaginar, devanear, ver na fantasia, em contraste com o
pensamento e comportamento adaptativo. Nesse sentido, é sinônimo
do devanear neurótico. Em outro sentido, refere-se à atividade
imaginativa subjacente a todo pensamento e sentimento. Nos
trabalhos teóricos, visa-se geralmente a este último sentido, daí a
grafia “Phantasy” adotada pelos autores ingleses, mas não pelos
americanos. Todas as escolas concordam que a atividade mental
consciente é acompanhada, apoiada, mantida, animada e influenciada
pela fantasia inconsciente, a qual começa na infância, se interessa
primariamente em processos e relações biológicas, e experimenta
elaboração simbólica. (Ibidem. Coleção Analítica. Pág. 100 e 101)

53
emoções, se entrelaça para realizar os desejos do
inconsciente. Como existe uma realidade recalcada ou
reprimida, o processo da catexias tende a alterar e
modificar a comunicação da energia psíquica. Estas
fantasias podem estar presentes nos deslocamentos, nas
transferências, nas resistências e indiretamente podem
reacender no íntimo do analista uma contratransferência.
Esta comunicação inconsciente traz uma mensagem para
ser decifrada nos seus símbolos primitivos e arcaicos do
mundo da criança. Então, a fantasia está ligada aos
desejos inconsciente, presentes nas pulsões e escondem-
se nas resistências e mecanismos de defesa.
Freud diz que a fantasia é representante do
instinto, mas precisa da imaginação como mensageiro
para mostrar os processos da internalização e introjeção
destes objetos. A fantasia constitui a essência psíquica da
neurose ou mesmo da psicose. A vida psíquica se nutre
de fantasia, esta imagem tem um vínculo com a
imaginação e ficção, esta defesa atende a um pedido de
realização de um desejo reprimido. Na verdade, a solução
da neurose passa pelo modo de como o analista descobre
os pactos e compromissos inconscientes, para atender os
desejos de uma pulsão ou emoção. A fantasia, na
realidade, representa o recalque ou a inibição, é através
destas imagens alicerçadas numa cena onde a neurose
está presente. A fantasia proporciona a realização de um
desejo distante da realidade, indiretamente utiliza-se de
sua criatividade imagística para fugir da frustração.
No conceito de Klein a “fantasia” é o
representante psíquico da frustração. A fantasia realiza o

54
conflito neurótico de alguma emoção ou pulsão, impede a
realização e a gratificação na realidade. A fantasia ocupa
o lugar de uma defesa, participa de um núcleo de
imagens, capazes de gratificar e satisfazer um desejo
numa ótica virtual, sua intenção é afastar-se de alguma
emoção ou pulsão que tem algum vínculo com os objetos.
As fantasias podem ocupar diversos lugares quando a
pessoa encontra-se numa situação de ansiedade,
depressão, angústia ou mesmo de desespero. A imagem10
ocupa um lugar de saída desta energia psíquica, sua
expressão e gratificação realizam-se na imaginação. A
fantasia do funcionamento inconsciente é estruturada
através dos mecanismos de defesa.
É através da fantasia que a pessoa expressa a
emoção ou a pulsão que encontra-se reprimida. Quando
esta energia não consegue alcançar a realização do seu
desejo, aparece no seu lugar o sintoma. O sintoma é o
mensageiro da energia recalcada. É a única maneira de o
organismo comunicar-se com a pessoa em relação às suas
emoções e instintos, outras vezes chamado de pulsão. 11

10
Para um melhor entendimento sobre o movimento das imagens no
inconsciente recomenda-se o livro do Prof. Dr. Pereira, Salézio
Plácido. O significado inconsciente das imagens. Ed. ITPOH. Santa
Maria. 2007
11
Instinto; ou pulsão. ((Impulso à ação, inato e biologicamente
determinado, a) segundo a teoria clássica, o instinto possui uma fonte
biológica; b) um suprimento de energia derivada de sua fonte; c) um
objetivo, a saber, a realização do comportamento peculiar ao instinto,
que conduz a satisfação instintual; d) um objeto, em relação ao qual o
objetivo pode ser atingido. O fracasso de encontrar um objeto e

55
Para compreender o conceito de fantasia de Klein, é
necessário o entendimento da resistência no método de
tratamento. Toda resistência12 compromete-se em não
deixar o paciente descobrir-se interiormente. Muitas
vezes o analista klenianano valoriza muito a fantasia e
esquece de interpretar as defesas.
A análise das defesas contra a ansiedade expõe
o material reprimido na consciência. Estes conteúdos são
interpretados à luz das suas defesas e isto diminuiu sua
ansiedade inconsciente. Quando aparecem as camadas
psicóticas mais profundas, existe o risco do ego ser
tomado por estas fantasias. Por exemplo, um ego frágil
poderia expor o paciente a um colapso psicótico. Porém,

atingir o objetivo instintual conduz à frustração instintual. (Ibidem.


Pág. 128).
Pulsão; processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga
energética, fator de motricidade) que faz um organismo tender para
um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem sua fonte numa
excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é
suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto
ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta. (Jean, Lapache;
Vocabulário de psicanálise. Ed. Martins Fontes. 4 ed. São Paulo.
2000. Pág.394)
12
A resistência é, quando o analista utiliza o termo técnico, a
oposição que se verifica existir durante o tratamento psicanalítico,
contra o processo de tornar conscientes os processos inconscientes.
Diz-se que os pacientes se encontram em estado de resistência caso
se oponham às interpretações do analista, e que têm resistências
fracas ou fortes conforme achem fácil ou difícil permitir que seus
analistas os compreendam. A resistência é uma manifestação de
defesa; uma possível exceção é a “resistência inconsciente”, a
compulsão a repetição. (Coleção analítica. Ibidem. Pág. 211)

56
hoje em dia, quando se analisa um psicótico, não se deve
analisar as resistências ou as defesas, porque isto deixa o
ego sem defesa. Mas é possível compreendermos a
origem de sua fantasia, ou da necessidade desta ansiedade
e angústia através da expressão da palavra, esta energia
emocional aparece na catarse de alguma raiva, ódio, esta
mesma emoção pode ser elaborada pelas imagens da cena
imagística.
Quando o analista interpreta o conteúdo do
processo mental da sua fantasia, consegue diminuir as
resistências e defesas egoica. A integração da realidade
através da confrontação, esclarecimento, e interpretação
podem ajudar o paciente a sair do surto psicótico e lidar
com a realidade sem ansiedade e angústia. O analista
deve levar em consideração não só as defesas, mas as
fantasias e a estrutura egoica do seu superego. Ao
interpretar a fantasia do processo regressivo infantil,
pode-se entender a incorporação ou a expulsão na
transferência do analista. A fantasia das pessoas que estão
sendo introjetadas no ego e seus prejuízos na vivencia
destes fantasmas, assumem o papel de uma identificação
projetiva.
A primeira sessão de análise parte do
pressuposto de que em toda comunicação do paciente
estão presentes conteúdos de fantasias inconscientes. O
analista está atento aos comentários e queixas do
paciente, a interpretação somente será realizada quando
os conteúdos verbalizados fornecerem a confirmação de
sua evidência. Na técnica kleniana a interpretação da
transferência é muito mais valorizada que no modelo

57
clássico de Freud. O papel da fantasia inconsciente e da
projeção de transferência ao analista, são os fatores mais
importantes desta técnica.
A primeira sessão de análise pode, com certeza,
desencadear muitas fantasias cheias de medo, de
confiança, de aproximação ou rejeição. Esta transferência
realizada na primeira sessão nos dá um indicativo sobre
as suas resistências contra estas emoções13. Ao interpretar
esta sensação ou emoção ao paciente, existe a
possibilidade de diminuir a ansiedade. Toda interpretação
deve ter fundamento na realidade e ser de fácil
compreensão ao paciente. Por exemplo; quando um
paciente se apresenta na análise com o rosto tenso, a mão
trêmula e corpo rígido podem-se perceber uma linguagem
de extremo nervosismo e ansiedade. Esta sensação de
estar diante do analista, remete a uma regressão
inconsciente de suas vivências fixadas na infância. Esta
transferência deve ser analisada com o paciente sobre este
seu estado emocional de nervosismo e medo.
Esta sua defesa, consiste em não falar e muito
menos confiar no analista. Inconscientemente, busca uma
proteção para não reviver aquela experiência
traumatizadora de alguns anos atrás. A posição esquizo14
13
Para uma melhor compreensão do mundo das emoções recomenda-
se a leitura do livro do Prof. Dr. Salézio Plácido Pereira. “A natureza
inconsciente das emoções”. Editado pelo ITPOH no ano de 2007.
14
Originalmente “esquizo”, referente a pessoas nas quais existe
separação entre as funções emocionais e as intelectuais. Esse
emprego deve-se a Bleuler, que sustentava que essa separação
constituía o distúrbio essencial na esquizofrenia e nos tipos
esquizóides de personalidade. Por extensão refere-se qualquer pessoa

58
- paranóide refere-se que o bebê que por não ter o
conceito da pessoa inteira, prefere relacionar-se com o
seio, também não sente ambivalência. Seu objeto ideal
está dividido; é de natureza persecutória, medo que os
perseguidores possam invadir o eu (self) e o objeto ideal.
A intenção da criança é ter a capacidade de dominar os
objetos bons e maus, tanto a introjeção como a projeção
são as duas defesas mais utilizadas contra a sua ansiedade
persecutória. Neste processo de identificação projetiva, o
paciente busca o controle e domínio sobre o objeto de sua
relação.

cujo caráter sugira a comparação com a esquizofrenia ou que caso se


tornasse psicótica, teria mais probabilidade de desenvolver
esquizofrenia do psicose-maníaca depressiva. (...) Caráter esquizóide,
pessoa desligada, arredia ou cujas funções intelectuais e emocionais
parecem estar separadas. (...) defesas esquizóides, este termo refere-
se ao uso combinado da introjeção dos objetos bons e maus e da
negação, divisão e projeção dos aspectos maus do “self” como defesa
contra a culpa, a ansiedade e a depressão. Posição esquizóide, termo
utilizado por Fairbain para descrever a situação que ocorre na
infância primitiva e na qual o bebê interpreta a rejeição e a frustração
como provas de que seu amor é destrutivo, e reage pela divisão do
ego em três partes; o ego central, o ego libidinal, ligado a uma
imagem boa e aceitadora do seio e o ego antilibidinal como sabotador
interno. (Ibidem. Pág.90 e 91)
“Paranóide”, inclinado a utilizar mecanismos projetivos
imprecisamente: suscetível, desconfiado. (...) Pessoas que utilizam a
projeção como defesa, origina-se de duas fontes: a interpretação
freudiana dos delírios de perseguição, como sendo os desejos
homossexuais inconscientes e do conceito de Melaine klein do
esquizo-paranóico, durante o qual, na opinião dela, o bebê lida com a
sua destrutividade inata atribuindo-a ao seio pelo qual se sente
perseguido. (Ibidem. Pág. 172)

59
A única saída para alcançar a satisfação do seu
desejo é buscar esta realização nas suas fantasias, este
canal de interlocução entre o princípio do prazer e da
realidade é o núcleo da sua estrutura paranóide. A
transferência deve ser interpretada na relação desta díade.
O aspecto da introjeção da mãe autoritária, a identificação
projetiva desta emoção sádica, pode elucidar e ajudar o
paciente a entrar em sintonia com este aspecto de sua
personalidade.
A neurose depressiva tem o seu início através
do processo de maturação e desenvolvimento do seu
caráter. O bebê começa a identificar o seio, as mãos, o
olhar, o beijo e os cuidados como partes de uma
totalidade, ou seja, a pessoa de sua mãe. O prejuízo na
formação do caráter do bebê é quando não consegue fazer
este processo de internalização. Muitas vezes, a imagem
da mãe é identificada como algo parcial, ou totalmente
dividido em bom e mau. De acordo com as experiências
com a sua mãe, começa a estabelecer um vínculo de
confiança, ternura, saudade, prazer e amor. Estas
emoções estruturam a saúde psíquica, condição básica
para a integração da sua personalidade.
Depois de um tempo de convivência, com mais
idade, consegue perceber que é possível, em algum
momento amar e depois odiar e ser a mesma pessoa. A
insegurança no vínculo atemoriza e leva a criança a
envolver-se com a ansiedade, este estado emocional
desenvolve uma sensação de estar sendo destruído por
alguém, ao mesmo tempo vivencia uma raiva, um ódio,

60
em relação aos progenitores, a sua fantasia recai no medo
de que sua agressividade destrua os objetos amados.
Este tipo de fantasia recria a sensação de culpa,
de perda do objeto amado e da necessidade de expiar e
livrar-se pela obsessão deste estado de luto. A depressão,
dentro desta abordagem teórica, é uma vivência da
ambivalência em relação aos seus objetos internos. Esta
ansiedade depressiva é a condição para constituir-se em
um novo estado de desenvolvimento. As defesas
15
maníacas surgem diante de um quadro de extremo
sofrimento psíquico de perda, de rejeição, de trauma, de
abusos. O desejo inconsciente tem a intenção de fugir e
não encontrar-se diante de sua ferida narcisista.
Esta projeção agressiva sobre as pessoas que
ama é uma forma disfarçada de não envolver-se
afetivamente e amorosamente com estas pessoas. A
negação de tal emoção é uma defesa para não sentir a
depressão. Esta mania de refugiar-se na fantasia não
permite o contato com o reprimido, sua estratégia

15
É uma forma de comportamento defensivo, apresentada por
pessoas que se defendem contra a ansiedade, culpa e depressão, por
negação da ansiedade culposa e da depressão. Existe uma operação
de uma fantasia inconsciente onipotente, por meio da qual a
imaginação que se acha no controle de todas as situações que
poderiam provocar ansiedade sou sentimentos de desamparo. A
identificação com estes objetos dos quais pode ser tomado de
empréstimo um sentimento de poder. A projeção dos aspectos
“maus” do seu “self” em outras pessoas. As defesas maníacas trazem
a sensação de estar livre de culpa e da ansiedade à custa da
profundidade de caráter e da consideração dos motivos e sentimentos
dos outros. (Ibidem. Pág. 70)

61
maníaca consiste em enfrentar, depreciar e atacar de todas
as formas seu objeto de amor. Tais defesas escondem a
sua tristeza, esta fuga do enfrentamento com a dor
emocional tem suas raízes em alguma emoção recalcada.
Como se realiza a elaboração ao reviver
emoções das suas reminiscências infantis, este desejo de
reparação ou de agressão precisam ser novamente
elaborados. A introjeção deste objeto do ego é fator
decisivo para a estabilidade da pessoa. Ao confrontar-se
com estes objetos, necessariamente estará realizando o
luto, este processo de reparação e ressignificação das
perdas em relação ao objeto amado ou odiado. Existem
três conceitos que interagem no processo de formação do
sintoma da tristeza, a regressão, a fixação e o trauma
existencial.
Ao enfrentar-se com situações das dores
recalcadas, acaba trazendo a tona e apresentando diante
de si mesmo e do analista as suas defesas, porém, a cada
fase vencida, mais fortalecida estará o ego. O abandono
dos mecanismos de defesa se desfaz quando as emoções
reprimidas forem elaboradas e compreendidas, isto
proporciona uma segurança, um bem estar, e desta
maneira já não existe necessidade daquelas defesas
infantis e primitivas em relação aos objetos de sua
relação.
Desde a publicação do livro de Melaine klein
sobre a inveja16 e gratidão, em mil novecentos e

16
De acordo com Freud a inveja do pênis ocupa posição central na
psicologia das mulheres. Ao passo que para Melaine Klein, a inveja
inata ao seio da mãe e de sua criatividade é uma causa primária de

62
cinqüenta e sete, o conceito de inveja tomou o seu devido
lugar na análise kleniana. A explicação de Klein é que a
inveja tem uma relação direta com a fase oral primitiva
com o seio da mãe. Coloca esta relação de duas maneiras,
a inveja de um lado e o ciúme e voracidade de outro. O
conceito de ciúme se resume em ter o amor do objeto
amado e na tentativa de afastar o rival.
O conceito de inveja é uma relação de duas
partes, a pessoa inveja outra pessoa por possuir alguma
posse ou qualidade. A inveja pretende possuir a pessoa na
sua totalidade e o ciúme, é experimentado de forma
parcial. A inveja busca possuir toda a bondade. Esta
qualidade da bondade é procurada como algo que faz
parte de si mesmo, a pessoa não mede as sérias
conseqüências desta atitude perversa, se for necessário
vai utilizar de estratégias de destruição e na aniquilação
de sua bondade, esta mesma destruição tem uma valor
secundário diante desta aquisição cruel. Pacientes com o
superego excessivamente severo são invejosos. A inveja
traz consigo o sentimento de desespero.
A idéia central da psicanálise é o inconsciente.
A explicação é que as pessoas não têm consciência das
determinações de seus comportamentos. A forma de

todas as doenças mentais. Ambas as preposições criam, mais do que


resolvem os problemas. A primeira levanta a questão de saber como
os sentimentos de inacabamento corporal podem surgir num corpo
intacto, isto é, formula problemas a respeito da imagem corporal das
meninas, ao passo que a segunda, suscita questões de saber como
uma emoção complexa pode ser inata e estar presente desde o
nascimento. (Ibidem. Pág. 135)

63
pensar e agir sobre a existência, é cheia de incoerência e
equívocos sobre a sua realidade pulsional e emocional.
Todas as abordagens que clinicam dentro da psicanálise e
defendem a tese de um inconsciente dinâmico17, com
energia e motivação, mas cada teoria descreve este
funcionamento de forma diferente. Por exemplo; para
Freud, o inconsciente consiste em desejos sexuais e
agressivos que são inaceitáveis para a personalidade
consciente. Para Jung, o conteúdo psíquico possui uma
realidade espiritual e sua gênese dos arquétipos, baseia-se
nas imagens primordiais. São estas arqueologias
presentes nos recônditos arcaicos das civilizações e dos
nossos antepassados chamados de inconsciente coletivo.
Para Melanie Klein o inconsciente é constituído de
conceitos primitivos sobre o self e sua relação objetal
com outras pessoas, especificamente a mãe.

17
Adjetivo referente a processos mentais de que o sujeito não está
consciente. (...) A psicanálise supõe que os processos que preenchem
as lacunas podem ser designados como mentais, em contraste com as
teorias que sustentam que as idéias e os processos mentais
inconscientes são auto contraditórias e que os processos
completadores em que intervém são apenas físicos. A psicanálise
supõe que os processos podem diferir em qualidade, alguns sendo
conscientes e outros inconscientes. Os processos inconscientes são de
dois tipos: os que se tornam facilmente consciente e os que estão
sujeitos à repressão. Os primeiros são pré-conscientes os últimos
dinamicamente inconscientes. (Coleção analítica. Ibidem. Pág.125)

64
Terceira Parte

O método de terapia Junguiana.

Um dos psicanalistas mais respeitáveis dentro


do movimento psicanalítico é Carl Gustav Jung (1985-
1961). Jung nasceu na Suíça e foi filho de um pastor
protestante. Jung foi psicanalista e discípulo preferido de
Freud. Quando ainda era psiquiatra, encontrou no livro da
interpretação dos sonhos de Freud a motivação para
poder pensar a clínica psiquiátrica de modo totalmente
diferente, Encantado pela interpretação dos fenômenos
psíquicos, resolveu marcar uma entrevista para conhecer
com mais profundidade o pensamento e a teoria deste
grande autor. Este mesmo encontro durou treze horas,
sem nenhuma interrupção, ambos tinham muitas coisas
em comum, o desejo sincero de encontrar um método que
fosse capaz de devolver a saúde a todas aquelas pessoas
que se encontravam em sofrimento.
Ambos tinham suas razões pessoais para
poderem discordar dos conceitos da teoria psicanalítica.
Jung enfatizava o dogmatismo de Freud em persistir na
defesa intransigente do postulado da libido sexual. Freud
por outro lado, tinha receio da teoria de Jung, justamente
porque na sua tese de doutorado seu caso clínico de
estudo era um “médium”, além disso, achava seus
conceitos e pensamentos um tanto esotéricos e místicos.
Estas discordâncias levaram ambos a seguirem caminhos
opostos em relação à clínica psicanalítica.

65
No método analítico de abordagem ao
inconsciente de Jung, a libido não pode ser analisada
como uma fonte inesgotável de energia sexual, ao
contrário, constitui-se de uma energia espiritual que
transcende esta forma de pensar de Freud. Para Jung, as
principais transformações do caráter acontecem na vida
adulta e não na infância. Procurava acentuar o valor da
utilização das forças psíquicas em direção ao futuro e não
ao passado. Jung, do mesmo jeito que Freud, acabou se
submetendo à análise de suas fantasias e sonhos.
Procurava descrever o inconsciente como uma linguagem
mitológica, acreditava que as emoções e instintos,
presentes nas imagens arquétipas, conseguiam explicar
com muito mais profundidade o inconsciente. Rejeitava a
idéia racionalista da ciência como método de pesquisa
sobre os símbolos e metáforas.
Esta maneira de pensar de Jung, de rejeitar a
ciência oficial e suas exigências em relação a uma
determinada teoria cientifica, o levou a um afastamento
cada vez maior do mundo acadêmico. 18 Rejeitou o
modelo topográfico do id, ego e superego de Freud e
entendia a energia psíquica como consciente e
inconsciente. Estava mais interessado em trabalhar com a
hipótese do equilíbrio destas forças no inconsciente. Jung

18
Para entender com mais clareza a questão do método de pesquisa
do inconsciente recomenda-se a leitura do livro. A complexidade do
inconsciente na psicanálise humanista. Ed. Itpoh. 2008: Tese doutoral
em psicologia social defendida na universidade John Kenedy da
Argentina de autoria do Prof. Dr. Salézio Plácido Pereira.

66
entendia a palavra “psique19 como espírito e alma,
buscava de todas as maneiras a integração da
personalidade.
Na teoria Junguiano um dos conceitos centrais é
o “si-mesmo” 20. Este significado constitui-se na
integração dos potenciais e qualidades de uma pessoa,
independente se foram conscientizados ou não em alguma

19
Termo grego que etimologicamente indica o “sopro” que torna
vivo um corpo, animando-o. Já Aristóteles falou de “psyque” como
bios. Isto é, o mesmo que vida. Depois, os latinos, mantendo o
dualismo que por meio de Platão tinha veiculado um princípio de
algum modo distinto do corpo, traduziram o termo por “alma”, que
levara ao dualismo entre psíquico e físico de algum modo teorizado
por Descartes, com a distinção entre “res-cogitans” e res-extensa’.
Com a psicologia cientifica do século XIX o termo “alma” pelas suas
implicações metafísicas foi por sua vez abandonado a favor da
“psique”, considerado mais neutro e técnico (....) A psique é
atividade funcional cuja dinâmica é constituída pelos, e, ao mesmo
tempo, constitui os pares de opostos bipolares identificado nos tipos
psicológicos. Eu, Sombra; Persona-Anima, Eu-si-mesmo, etc. Como
órgãos funcionais da psique são entendidas as transformações da
libido, que na porção, representava processo de individuação e dão
lugar a diferentes imagens, as quais podem ser entendidas como
signos, sinais. Símbolos, complexos e arquétipos. (Piarl, Paoro
Francisco. Dicionário Junguiano. São Paulo. Paulus. 2002. Pág. 414
e 415)
20
O termo denota o conjunto complexo dos fenômenos psíquicos de
um indivíduo. Em particular, o si - mesmo, de um lado reúne os
objetos das experiências e, portanto, os fenômenos da consciência e
os conteúdos e os fatores conscientes, do outro pressupõe aquilo que
ainda não se encontra no âmbito da consciência e, portanto, os
conteúdos e fatores inconscientes, ou seja, os fenômenos daquela
outra parte da psique que permanece ainda incognoscível e não
delimitável. (Ibidem. Pág. 462.)

67
fase da sua vida. O em si - mesmo, em sua essência, traz
consigo toda a humanidade. Estas abordagens
arquétipicas e mitológicas, já investigadas pelas diversas
civilizações que nos precederam, ainda encontram-se
presentes nas reminiscências do primitivismo arcaico de
nossa ancestralidade. Vivências estas, guardadas a mais
de quatro bilhões de anos. Este legado histórico do
processo evolucionário encontra-se presente nesta
totalidade da vida chamado inconsciente.
A humanidade está presente nas memórias
emocionais de nossos antepassados, todas as imagens e
símbolos têm origem na necessidade de cada civilização
de comunicar os desejos de seu inconsciente particular,
mas também do coletivo. Jung consegue ampliar o
conceito de inconsciente porque aceita outras dimensões
do mundo das religiões, da arte, da música, da história e
filosofia. Ao adentrar nas metáforas desta energia
psíquica, percebeu a elasticidade e flexibilidade que este
conceito exigia. Mostrou a grandeza de sua personalidade
quando soube aceitar os desafios colocados pela natureza
dos cosmos e do homem, ao mesmo tempo tinha
consciência da complexidade de reações e expressões do
inconsciente simbólico e metafísico.
A questão mais controversa é levar estes
conteúdos imagísticos e metafóricos para a análise do
inconsciente. Por exemplo, quando um paciente prioriza a
profissão em detrimento do afetivo. Esta negligencia
pode ser trazida à consciência, a partir desta
conscientização integra-se esta outra parte da
personalidade. O inconsciente tem muito a oferecer neste

68
processo de compensação. Para Jung o inconsciente não
é fonte permanente de emoções reprimidas e recalcadas,
ao contrário, são forças produtoras da criatividade e da
potencialidade humana, sua intenção obedece aos
princípios da natureza cósmica e humana, ou seja, existe
uma pulsão interessada na evolução e no
desenvolvimento da inteligência organismica.
A revisão da teoria da libido21 foi realizada em
1912. De acordo com Freud, o instinto sexual é apenas
uma reação fisiológica de uma pulsão biológica. Porém,
existem outros instintos tão importantes quanto o da
sexualidade. A humanidade não pode ser resumida dentro
de um princípio de reprodução genética, na natureza
existe uma diferença entre o instinto de procriação e de
autoconservação. A libido no entender de Jung é uma
força vital ligada a todos os instintos do organismo, esta
integração obedece às leis da natureza a favor da
evolução da vida, transcende a pulsão sexual e recria no
ser organismico a pulsão vital.
Jung chegou a chamar a libido de energia
indiferenciada, ou seja, esta energia pode ser
transformada de várias formas, por isto mesmo, aos

21
Termo latino que significa “desejo” utilizado na literatura
Junguiano para indicar a energia psíquica, ou seja, tudo aquilo que
assume forma de appetitus ou tendência para, e, portanto, também a
forma genérica de intencionalidade. (...) É mais prudente entender
com este termo um valor energético que se pode transmitir a qualquer
área ou atividade; ao poder, a fome, ao ódio, a sexualidade, a
religião, etc. sem ser necessariamente um instinto específico. (Pieri,
Paulo Francesco. Dicionário Junguiano. São Paulo; Paulus, 2002.
Pág.293)

69
poucos se dessexualiza. Esta concepção energética das
relações dinâmicas e sistêmicas, ao mesmo tempo
entende que esta energia psíquica são processos de vida.
Jung não aceita as fases oral, anal e sádica de Freud,
afirma que esta sucção não é de natureza sexual, ao
contrário, naquele momento existe somente a nutrição
que acaba proporcionando prazer e satisfação. Continua
afirmando que a experiência de qualquer prazer não é
sinônima de prazer sexual. No íntimo da natureza está
presente o desejo de vida e de morte.
O processo de internalização das primeiras
experiências da infância é claramente decisivo para o
resto da existência, porém, são as crenças, os medos, e as
limitações de uma educação castradora que pode reprimir
a autonomia e a liberdade da pessoa de realizar os seus
sonhos. Todas as pessoas são chamadas pelas exigências
da natureza a realizar uma história de vida. Uma
existência sem sentido, é sinônimo de um vazio, somente
aqueles que souberem utilizar todo o seu potencial
criativo na existência, poderão tornar-se altamente
produtivos, deixando um legado histórico para a
humanidade. Aqueles que não conseguirem realizar os
seus sonhos, infelizmente estarão presos à malha das
neuroses. Toda falta de realismo, de lucidez, de vivência,
reforça o estado de fantasia e ilusão, esta condição
psicotiza a vida.
No entender de Jung, o primeiro amor da
criança é a mãe, é uma relação de dualidade entre o amor
e afetividade. Os cuidados, a ternura e a atenção,
estabelecem um laço profundo de mútua confiança. Esta

70
experiência da criança confirma o valor do amor e da
afetividade. O maior prazer da criança é ser protegida e
amada pela sua mãe. É somente na puberdade que o
menino tem ciúme da relação da mãe com o pai, neste
momento vivencia-se o complexo de Édipo. A fantasia do
complexo de Electra é aquela afeição de amor em relação
ao pai, morrendo de ciúmes em relação à mãe.
A maturidade tem relação com a autonomia e
liberdade para poder pensar e agir. Esta independência é
muito saudável porque a existência e seus desafios
impõem um compromisso com a responsabilidade. A
experiência de sentir-se útil e capaz aumenta a sua auto
estima, neste instante inicia-se um processo de abandono
da dependência e das queixas e surge a descoberta da
iniciativa de buscar soluções próprias para seus
problemas. Esta emancipação é sinal de saúde psíquica,
viver de maneira infantil e estar ligados sobre os
complexos na relação com os pais.
Esta simbiose de mútua dependência instala a
falta de coragem, de iniciativa, e aprende a ganhar tudo
de graça, de preferência sem nenhum esforço, às vezes
tenta reproduzir esta vivência infantil diretamente na
sociedade. Esta maneira de agir propicia os primeiros
conflitos. Sente-se abandonado, rejeitado, injustiçado, e
explorado, esta sensação de inutilidade é característica de
um conflito neurótico.
A terapia Junguiana se diferencia de Freud em
relação ao “modelo funcional”, e não da busca de uma
causa da neurose. Por exemplo; na análise da busca de
uma causa, este método é reducionista, todos os dados

71
encontrados encaminham para a formulação de uma
etiologia especifica. No método funcional de Jung o
fenômeno em si é analisado em relação à sua função. Um
exemplo para diferenciar estes dois métodos parte do
seguinte exemplo; alguém pode descrever todos os
materiais utilizados na fabricação do avião, o tamanho de
suas asas, a potência do motor, o tipo de aço utilizado,
etc. Todas estas informações são úteis e importantes, mas
acabam não dizendo nada sobre a função do avião, ou
seja, o seu significado.
Quando se realiza um diagnóstico ou mesmo a
análise do inconsciente de um determinado fenômeno
especifico, nos damos conta de que estamos indo na
direção da causa. Já o método funcional nos dá a
compreensão de uma outra perspectiva, um tipo de
análise que se volta para o passado, e a outra para o
presente e ao futuro. É uma análise em prospecção, que
procura descobrir neste fenômeno qual é a função desta
energia, para ser utilizada de maneira útil e prazerosa em
relação ao seu futuro.
Para Jung a imagem possui na sua natureza
intrínseca o poder de juntar o passado e o futuro; sem
dúvida, todo ser humano carrega consigo os vestígios dos
seus antepassados, mas, ao mesmo tempo mostra na
mesma imagem as linhas mestras do futuro. Por
exemplo; no estudo dos símbolos é possível entender o
que poderá acontecer no futuro. O símbolo é um
conteúdo energético capaz de transformar a realidade. O
organismo tem a função de transformar a energia
biológica presente nos alimentos, mas também consegue

72
interagir com a realidade através da criação de símbolos.
A energia presente nos instintos vitais pode ser traduzida
através de símbolos criados por culturas diferentes.
Por isto mesmo a terapia analítica Junguiana
utiliza muito os símbolos e os sonhos. Jung dispensou a
utilização do divã, gostava de olhar nos olhos do seu
paciente, sentia-se mal porque acreditava que era
impossível esconder-se atrás do paciente. O conceito de
inconsciente na terapia consistia de uma energia
poderosa que poderia ser uma fonte inesgotável de
criatividade e solução para os problemas, mas ao mesmo
tempo admitia que pudesse ser utilizado de forma
destrutiva.
O objetivo da análise nesta abordagem
psicanalítica é proporcionar ao paciente o
desenvolvimento de sua inteligência emocional e uma
maior integração dos seus opostos. A constituição dos
núcleos de complexos22 está interligada por uma
constelação de emoções e pensamentos conflitivos
tratando do mesmo tema. É uma intercomunicação
inconsciente entre várias estruturas de complexo, em
torno de um complexo central que pode ser chamado de
complexo de mãe ou de herói.
22
O termo aparece em Jung na expressão complexo de tonalidade
afetiva, o qual indica uma estrutura psíquica mínima dotada
justamente de forte carga afetiva, que liga entre si representações,
pensamentos e lembranças. (...) Neste sentido, a presença da
afetividade é indicada tanto nas formações psíquicas simples como
nas complexas, razão pela qual se fala de tonalidade afetiva das
imagens e de complexo de tonalidade afetiva. (Dic. Junguiano.(2002)
Pág.101).

73
Os complexos podem ser descobertos nos
sonhos e nos sintomas. Quando um complexo é ativado a
partir de uma palavra, começa a projetarem-se na
consciência as imagens e fantasias escondidas na sombra
do inconsciente. Os sonhos são produtos do inconsciente.
Mas as simbologias presentes em cada significado das
imagens podem descrever o complexo emocional que
atua de forma indireta no sintoma. Na clínica Junguiana
aparecem vários tipos de sonhos, muitos deles mostram
quais as áreas que precisa de evolução e transformação na
existência do paciente.
Muitos sonhos têm relação com os conteúdos
eróticos, mas a maneira de interpretar os símbolos com
conteúdo sexual é totalmente diferente da psicanálise
clássica. Quando aparecem os arquétipos de pai e mãe
nos sonhos estamos falando do inconsciente coletivo. O
sonho é um mensageiro que escreve em forma de signos,
sinais e simbologias, este código necessita ser decifrado e
interpretado à pessoa. Nesta desta abordagem teórica, a
interpretação dos sonhos tem três fases: A primeira é a
exposição em detalhes do sonho; a segunda, o sonhador
amplifica as imagens e símbolos presentes no sonho e
realiza sua elaboração; e na terceira, o sonhador continua
com as imagens simbólicas num trabalho de imaginação
ativa, este aprofundamento das imagens tem como
objetivo levar o paciente a uma evolução pessoal.
Todas as pessoas e símbolos presentes no sonho
pertencem ao sonhador, é muito importante observar a
luta e os conflitos para solucionar os problemas, a
individuação é a utilização da inteligência intuitiva e

74
emocional para resolver problemas pessoais. Jung
defendia o inconsciente coletivo como uma herança
ontogenética, filogenética e cósmica. Esta genética possui
os genes da humanidade, então a realidade da psique
humana transcende ao conceito de energia libidinal de
Freud. Compartilhava e defendia a existência dos
fenômenos paranormais, como a percepção extra-
sensorial, telecinesia, clarividência e premonição.
Também aceitava a telepatia da religião espírita, gostava
muito de fazer estudos das sessões de espiritismo.
Jung acreditava que através destes fenômenos,
os pacientes podiam ter a liberdade para elaborar e
compreender a manifestação dos complexos atuantes do
inconsciente coletivo. Descreveu o conceito de
sincronicidade que logicamente podem ser
coincidências, mas do ponto de vista da análise tem pleno
sentido, estas manifestações são energias do inconsciente
coletivo. O lado místico de Jung, sua paranormalidade
não são aceitos pela ciência positivista. Muitos defendem
a idéia de que a teoria psicanalítica Junguiana está muito
perto da física quântica de Einstein e bastante distante de
Isaac Newton. Talvez a teoria da relatividade e os
princípios da ante matéria possam explicar num futuro
muito próximo estes conceitos da teoria Junguiana.

75
Quarta Parte

4.0 O método na prática clínica dos analistas


culturalistas.

A teoria clínica de Alfred Adair nasceu em


Viena no ano de 1870. Adler era filho de uma família
judia, gozava de uma boa segurança econômica, pois seu
pai tinha um negócio de compra e venda de alimentos. Na
sua infância sofreu de raquitismo, aos dois anos de idade.
Recordava-se que estava todo enfaixado, não podendo se
locomover. Seu irmão mais velho, ao contrário, gozava
de uma excelente saúde e movimenta-se com leveza e
liberdade. Sentia-se muito infeliz porque não conseguia
competir com seu irmão mais velho. Aos cinco anos de
idade, se recorda que um médico falou ao seu pai que a
sua pneumonia era muito séria e que ele iria morrer, dizia
que qualquer tratamento era inútil devido à gravidade do
seu caso. Depois, consultou um segundo médico e acabou
se recuperando totalmente. Desta maneira decidiu superar
a morte e o medo da morte.
Alfred foi um dos primeiros discípulos de
Freud. A idéia do “Eu ideal” é a origem da meta
imaginária, “eu quero ser um homem completo”. Este
perfeccionismo é o principio condutor das neuroses. As
compulsões e obsessões sexuais estão subordinadas a sua
fantasia. Este desejo de perfeição da sexualidade pode
estabelecer-se como uma perversão quando a sua meta é
demasiada exigente. Esta repressão da energia emocional,
quando absorvida pelos profundos sentimentos de

76
inferioridade, de sentir-se menos que os outros, de
comparar-se e acreditar que não é digno de viver esta
sexualidade pode constituir a origem dos casos de
psicopatias e psicoses. O recalque é uma energia
emocional a serviço da realização de um desejo, quanto
mais repressão, aumentam o prazer, na mesma proporção,
a veracidade e agressividade em relação à pulsão23.
Adler desenvolveu o conceito de “inferioridade
constitucional”, relacionada à deformação ou falta de
algum órgão do corpo humano. Esta falta de algum órgão
pode desenvolver uma neurose. A inferioridade da falta
de algum órgão manifesta-se sobre a energia psíquica, nas
decisões e escolhas que realizar na sua vida. Também é
possível perceber esta influência e o poder de atuação
neurótica nos sonhos e nas suas fantasias. A inferioridade
funcional diz respeito à falta de algum órgão no corpo
humano que pode diminuir sua eficiência no trabalho ou
nas competições que a vida exige. Mas, no entender de
Adler, ao mesmo tempo em que existe a falta ou a

23
Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga
energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um
objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem sua fonte numa excitação
corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o
estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objetivo ou graças
a ele que a pulsão pode atingir a sua meta. (...) Do ponto de vista
terminológico, o termo “pulsion” foi introduzido nas traduções
francesas de Freud como equivalente do alemão. “Trieb” e para
evitar as implicações do termo do uso mais antigo como “instinct”
instinto ou “tendence” tendência. Esta convenção, que nem sempre se
respeitou, é, todavia respeitada. (Pontalis, Laplance. (Vocabulário
de psicanálise. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2001. Pág. 394.)

77
desvantagem no corpo humano em relação a um órgão,
automaticamente o mesmo organismo trata de realizar
uma compensação.
A estratégia do organismo é utilizar algum outro
órgão para diminuir a desvantagem da sua inferioridade.
Outra maneira é ampliar e exigir-se ainda mais em
relação ao órgão inferior. Muitas pessoas têm o corpo
humano sem nenhuma desvantagem orgânica, no entanto
permanecem numa inferioridade diante da existência.
Não basta ter o corpo perfeito, isto não é sinal de saúde
emocional, ao contrário, muitas vezes a inferioridade é a
motivação necessária para exigir-se mais e superar-se
diante daquela inferioridade psíquica ou orgânica. Há
deficiência, muito além da simples falta de algum órgão.
Uma pessoa pode não ter as pernas e ser um excelente
nadador, enquanto aquele que tem pernas não sabe nadar.
Um órgão pode ser inferior e, independente
disto, funcionar de um modo totalmente normal, por
exemplo, a timidez e dificuldade de comunicar-se com os
outros levou Einstein a desenvolver a sua inteligência
cognitiva e tornar-se o mais importante físico quântico da
história da humanidade. Demóstenes era gago e tornou-se
o maior orador da Grécia. A capacidade de
funcionalidade de um órgão depende muito do seu
exercício, sem dúvida, o ambiente e seu processo de
adaptação exercem forte influência sobre a natureza
orgânica do corpo humano.
Quando este desafio não é confrontado para
uma solução confortável na vida, existe a possibilidade de
desenvolver algum tipo de neurose ou psicose. Uma

78
anomalia em algum órgão do corpo pode resultar numa
auto estima muito baixa e um auto conceito pobre de si
mesmo. Mas este não é o único fator que predispõe a
criança para a doença mental, um ambiente ríspido e
agressivo pode criar transtornos muito sérios, por
exemplo, a violência familiar praticada pelos pais pode
interferir no processo do desenvolvimento psíquico, estes
adultos ficaram prejudicados pelo excesso de agressão
psicológica e física.
Criança que não recebeu amor e afeto pode
tornar-se adulto com sérias dificuldades para vivenciar
relações de ternura e afeto. Estes adultos não conseguem
olhar o amor como algo bom e saudável, ao contrário,
ridicularizam e não sentem nenhuma necessidade de
realizar algum tipo de aproximação, de intimidade e
companheirismo.
Desta maneira, aprendem a enxergar o amor
como algo ridículo e sem valor, sua atitude pode sofrer
uma inversão de valor, em vez de gestos de carinho e
ternura utilizam atitudes agressivas, como socos,
pontapés e empurrões. Toda inferioridade provoca na
consciência da pessoa um desejo de auto superação; estas
novas conquistas fazem parte de seu processo de
evolução. A luta pela sobrevivência impele o homem a
desenvolver ao máximo todas as suas capacidades e
talentos, isto nos dá a entender que a lei mais poderosa da
natureza é este processo de superar-se diante de todas as
suas deficiências e inadequações. Por um lado, a
existência apresenta os desafios e dificuldades como uma
provocação que exige uma resposta. Estas vitórias e

79
derrotas fazem parte do processo de adaptação à
realidade, é através deste aprendizado que a pessoa
consegue utilizar, a favor de si mesmo, toda a
potencialidade de força e inteligência, na solução dos
seus conflitos e na sua sobrevivência psíquica e física.
Por isto mesmo, é difícil descrever quem está
realmente doente, porque a pessoa que se encontra no
confronto direto com um tipo de doença, necessariamente
precisa voltar-se com toda a energia mental e
investimento de tempo e dinheiro na solução deste
dilema. Se a pessoa consegue utilizar a sua inteligência
cognitiva e emocional para descrever e entender a lógica
desta doença, pode e muito, aprender com o desejo
inconsciente da própria natureza e, através deste
aprendizado, mudar o seu estilo de vida em obediência à
intenção primeira da natureza.
Então, algo que no início provocava dor e medo,
exigiu da parte da pessoa um novo direcionamento das
suas ações na existência, estas novas escolhas e decisões
a favor de si mesmo se tornaram possíveis graças à
doença. A doença exigiu mudanças maiores, inclusive no
tipo de alimentação, no abandono do excesso de bebida
alcoólica, na diminuição de sua obsessão pelo trabalho,
na falta de tempo para si mesmo, na compulsão por ter
mais dinheiro, etc. Todas estas resiginificações se
tornaram possíveis graças à exigência das deficiências de
imobilidade do organismo.
No começo, era a dor mais insuportável, esta
mesma psicossomática que atrofiou o físico, que
possibilitou, através de uma nova consciência, a saída da

80
ignorância emocional presente no seu estilo de vida.
Quando a pulsão vital é liberada da repressão, surge a
alegria, a satisfação e ampliação da consciência sobre
uma nova orientação de valores e atitudes frente à vida. A
dor e o sofrimento provocam um sentimento de
inferioridade, uma espécie de desmotivação. A doença
física pode estimular todo tipo de sintoma neurótico,
depressivo e psicótico.
Na clínica de Adler, o pressuposto básico é o
seguinte: Mesmo aquelas pessoas, que por interferência
do destino, vieram ao mundo com algum tipo de doença
física ou emocional, podem assumir na sua vida algum
tipo de “sentimento de inferioridade”, dependendo do
grau de intensidade e dificuldade da doença. Ao mesmo
tempo, a natureza oferece todos os recursos colocando-os
à sua disposição para recuperar a segurança e saúde que
lhe é tão cara e importante. Esta decisão, de sair de uma
condição de inferioridade para experimentar o sentimento
de superioridade, depende única e exclusivamente, de
uma decisão madura, séria e cheia de fé para alcançar este
novo objetivo.
A clínica analítica de Alfred Adler mostra que o
psicanalista deve ter o esforço constante, para alcançar os
potenciais e as qualidades presentes no inconsciente de
cada sujeito. Ao mesmo tempo, defende a importância do
interesse social no processo da formação do caráter,
respeitando as diferenças de cada um, a tal ponto que
Karem Horney, Harry Stack Sullivan e Erich Fromm
deveriam ser chamados de Neo-Adelirianos e não de
Neo-Freudianos. O psicanalista deve elaborar com o

81
paciente este sentimento de desvalorização e vitimização,
propondo ações concretas para chegar à conquista de um
sentimento de valorização. Este tipo de afirmação
emocional é condição básica para sentir-se alguém com
valor e com um sentimento de superioridade. Para um
paciente conquistar a saúde, deve ter uma prática de saber
compartilhar seus talentos e dons pessoais com os
demais. Esta prática de trabalho comunitário e de
interesse pela melhoria na qualidade de vida de outras
pessoas, desenvolve no íntimo do seu ser, um senso de
valorização e afetividade para com os outros seres
humanos.
Esta experiência, de saber conviver em grupo e
praticar a mútua ajuda, oferece as condições para
desenvolver uma auto estima elevada. Somente na prática
social e comunitária, é possível estabelecer novos
vínculos de afetividade, liderança, amizade e afetividade,
esta vivência aumenta a confiança em si mesmo. A outra
condição é estar envolvido em algum projeto social onde
esteja presente a educação. Ampliar o conhecimento
ajuda a inteligência a ser mais ágil, e entender com mais
rapidez as exigências da existência. Esta influência social
precisa de um grau de inteligência, por isto mesmo este
exercício de pensar e refletir sobre sua condição humana
é indispensável para a sua saúde orgânica e psíquica.
Toda e qualquer inferioridade comunicada no
discurso de vitimização, da falta de dinheiro, de amor, de
afeto, de conhecimento, de capacidade de relacionar-se, é
um sintoma que mostra que este paciente negligencia ou
recalcou algum tipo de potencialidade, por isto mesmo

82
realiza esta experiência de sentir-se inferior aos outros.
Esta condição de “inferioridade” afetiva, econômica,
amorosa, é uma defesa muito bem arquitetada para dar
sustentação ao seu complexo de menos valia, esta neurose
afirma-se quando este ser é improdutivo para si mesmo.
Então, qualquer iniciativa por parte do analista, de
oferecer algo gratuito, somente reforça a sua
inferioridade. Ao mesmo tempo em que exige gratuidade
e ajuda, sente-se inferiorizado e projeta sua raiva
naqueles que não oportunizaram a utilização de sua
inteligência e criatividade.
Muitos pacientes sofrem por estarem presos
neuroticamente a esta condição de falta, falta de dinheiro,
falta de amor, falta de iniciativa, falta de motivação, falta
de amigos, falta de afeto, estas mesmas faltas podem ser a
sua salvação. O analista deve ser o agente desta
transformação. Através da sua interpretação, pode
entender estas demandas inconscientes, que muitas vezes
tem a ver com algum pacto inconsciente com os pais ou
figuras de autoridade. A primeira tarefa consiste em
descobrir esta prisão ideológica, sustentada pela neurose
ou psicose. Esta mesma falta é compensada depois, pelo
papel ridículo de vitimização e inferioridade.
O oposto também é verdadeiro, muitos
pacientes não têm nenhum problema e nenhum tipo de
necessidade, sua onipotência e onisciência são tão
narcisista que não conseguem admitir a sua inferioridade.
Utilizam do expediente da fantasia e da ilusão para
vender a imagem de superioridade em tudo. Este mesmo
“complexo de superioridade” é o agente propulsor do

83
distanciamento da realidade, e motivação principal para
esconder-se atrás de um estereótipo. Envolvidos por esta
máscara, utilizam toda sua energia para serem aceitos e
compreendidos dentro desta dinâmica inconsciente.
O analista, desta corrente teórica, tem que
interpretar este fenômeno da inferioridade como uma
espécie de medo de tomar novas decisões. O ambiente
analítico pode trabalhar esta projeção e mostrar que
somente a imagem não dá conta desta demanda da falta, é
preciso, antes, a incorporação dos valores éticos, tais
como, honestidade, humildade, simplicidade, vontade de
aprender, sinceridade, bondade, alteridade, condição estas
indispensáveis na recuperação de seu caráter. Os valores
preenchem o vazio existencial de um ser infectado pelo
vírus da superficialidade. Antes de tudo, é preciso esta
decisão pessoal e investimento no desenvolvimento de
suas potencialidades.
A apatia, ou estado de alienação mental, é fruto
de iniciativa, estes fantasmas perseguem, e sempre
alcançam seus objetivos. Ao tratar o paciente, é preciso
resgatar, em primeiro lugar, uma transferência afetiva,
onde a confiança, a honestidade, a sinceridade e o
esforço, sejam uma constante em sua vida. Esta atitude de
fé do paciente no analista, reacende no seu íntimo, o
deslocamento de um afeto importante, esta revivência dá
lugar a um experimento de receber o elogio, o
reconhecimento e a valorização por parte do analista,
desde que estes sejam merecedores de tal apreciação.
A analise é um ambiente indispensável de
recuperar, nesta relação, a motivação única e

84
indispensável deste sujeito para lutar pelas suas
conquistas. Este ambiente é cheio de esperança, e mesmo
entre as tentativas de erros e acertos, o paciente encontra-
se cada vez mais seguro nas suas investidas rumo à sua
realização pessoal e profissional. Esta luta não é um
conflito da análise. Mas, cabe ao analista, identificar os
boicotes, desculpas e justificativas muito bem elaboradas,
com a ajuda das defesas do racionalismo, para não
desenvolver e nem crescer emocionalmente, sua intenção
é permanecer na inferioridade.
Esta resistência é compreensível para o analista.
Toda pessoa tem medo do novo, até porque está
acostumado com os velhos condicionamentos e hábito,
então, sair desta condição muito bem conhecida, que bem
ou mal mantém a sua sobrevivência psíquica, com seus
ganhos secundários, impede o paciente de lançar-se rumo
ao desconhecido. Sem dúvida, a coragem da mudança é
um dos valores mais preciosos e uma característica das
pessoas muito decididas. Por isto, é muito comum que
haja desistência. Principalmente quando o paciente se der
conta de que o processo de mudança encontra-se dentro
de si e não no auxiliar mágico do analista ou da
sociedade.
Ao conscientizar-se desta realidade, precisa
confrontar-se com todo o tipo de ansiedade e angústia que
em alguns casos chega ao desespero, mas esta mesma
emoção arcaica, infundadas nesta criança, pode tornar-se
o início de uma nova mudança no estilo de vida. É
absolutamente compreensível esta atitude por parte dos
pacientes, até porque, muitos deles estão sobre a

85
influência dos instintos do sistema límbico. Ao alcançar a
satisfação das necessidades mais básicas, existe uma
tendência à acomodação.
Estas outras necessidades superiores, como a
realização pessoal, o investimento em inteligência e
cultura, encontram-se presentes em poucas pessoas.
Quando estas mesmas necessidades não são satisfeitas ou
alcançadas, o paciente pode desenvolver uma tendência
de proteger-se ou refugiar-se através de algum tipo de
compensação. Uma delas é a preguiça mental, a outra é
esconder-se detrás de um sintoma ou de uma doença para
não realizar qualquer esforço físico ou mental. Se
tivermos um olhar racional sobre a doença, vamos buscar
explicações fisiológicas e causas orgânicas para a sua
origem, porém, a psicanálise tende a ir além do princípio
da causa e efeito. É preciso, sem dúvida alguma, tratar a
etiologia orgânica. E, a medicina é a ciência por
excelência, no entanto não podemos esquecer também
desta energia semovente inconsciente do mundo das
emoções e pulsões que pode indiretamente estar por
detrás da doença.
Esta acomodação é uma espécie de alienação e
derrota para consigo mesmo, é aceitação plena de sua
condição de inferioridade, não existe qualquer tipo de
interesse em sair desta condição de vida. Na clínica
aparecem muitos pacientes pobres e doentes em todos os
sentidos. Muitas vezes esta busca de ajuda não é sincera e
honesta. Infelizmente, na primeira entrevista percebe-se
um desejo de ocupar na transferência, o lugar de uma
criança ineficiente, carente e desprovida de qualquer

86
talento ou capacidade. Ao projetar tal situação,
inconscientemente, desloca para a pessoa do analista o
desejo de ser cuidado e protegido por este pai ou mãe.
Esta transferência apresenta, ao mesmo tempo,
uma resistência. O pacto inconsciente persiste sobre as
ordens do superego, a primeira condição é conseguir os
objetivos na vida através da ajuda e do papel de
vitimização, de preferência pedindo algum tipo de ajuda.
Esta mesma ajuda pode reforçar a sua condição de
inferioridade, não soluciona o seu problema econômico
ou afetivo. O projeto analítico se desenha sobre a
configuração da aprendizagem e na utilização plena de
suas potencialidades.
Ao projetar no analista esta condição de
pobreza, de miserabilidade, seus olhos pedem cuidado,
amor, compreensão e ajuda financeira, resiste com todas
as suas forças à utilização de uma maneira útil do seu
potencial. Por exemplo, não tem tempo e muito menos
dinheiro, seu corpo está enfraquecido, está endividado,
esta condição de menos valia traz sofrimento e dor. Sua
fantasia, é que através da incorporação deste papel, possa
alcançar e atender as suas carências de satisfação e
realização pessoal. Ou seja, acredita que através da
inferioridade, possa suprir suas necessidades afetivas e de
amor. Esta distorção tem haver com a lei do menor
esforço.
A superproteção é o maior dos males, primeiro
porque ensina a pessoa que não é necessário aprimorar
suas qualidades pessoais. Sua compreensão fantasiosa é
de que a sociedade e a existência têm o dever e a

87
obrigação de prestar-lhe todo o tipo de ajuda e
assistência. Este hábito dos pais em relação aos filhos
desenvolve uma infantilidade para se adaptar aos desafios
da existência. Enquanto existe alguém utilizando o
esforço de sua energia psíquica para sobreviver e
desenvolver o seu potencial criativo, outros utilizam a
seguinte estratégia: desenvolver chantagens emocionais
para permanecer nesta condição de inferioridade. Esta
superproteção assassina, no íntimo, a força de vontade, o
desejo de vencer na vida e a disposição para realizar
novas conquistas.
A superproteção pode favorecer a permanência
da inferioridade, e estas mesmas faltas são oportunidades
colocadas pela existência como um novo desafio para o
crescimento e desenvolvimento das potencialidades. Esta
é uma das estratégias da vida para fazer com que a pessoa
experimente a coragem, a ousadia, estas iniciativas é que
ajudam de verdade a sua maturidade emocional. Caso
alguém resolva assumir e trabalhar para preencher estas
faltas, em troca da submissão e obediência irrestrita,
como condição para permanecer no ganho secundário,
existe um preço a ser pago por este tipo de acomodação,
esta pessoa pode encontrar-se em séria desvantagem para
depois gerir a sua sobrevivência. Toda pessoa que não
conseguiu resolver sua inferioridade, desenvolve uma
projeção agressiva culpando os pais ou aquelas pessoas
que resolveram os problemas da existência em seu lugar,
muitas vezes em nome da caridade e do amor. Confusa e
completamente perdida na existência se torna um ser
improdutivo e cheio de insatisfação.

88
Esta confusão emocional é fruto da raiva,
experimentada pela sua ineficiência em resolver os
desafios, problemas e dificuldades pessoais. Frustrados
nesta tarefa desenvolvem um ódio voraz contra toda
pessoa mais próxima de sua convivência, principalmente
aquelas ligadas à sua neurose, no entanto, não conseguem
lidar com esta sensação de vazio e frustração existencial.
Diante disso, recorrem às adições e compulsões como
uma maneira de compensar esta sua infelicidade e sedar a
sua consciência.
Existe uma cultura dos pais e educadores, de
retirar da vida da pessoa, qualquer tipo de contato em
relação ao sofrimento psíquico, se colocando na
defensiva. O discurso é colocar-se na proteção dos seus
filhos, dizendo que não querem que os mesmos sofram
injustiças, falta de dinheiro, solidão, ou da falta de um
grande amor. Enfim, ao tentar proporcionar esta proteção
fantasiosa, acabam por torná-los superficiais com um
forte sentimento de inferioridade. Esta sensação desperta
um desejo necrófilo pelo seu processo de autodestruição
pessoal. Adler defende a necessidade do paciente sempre
ter metas para alcançar, estes objetivos funcionam como
uma espécie de metas pessoais, uma motivação para
exigir-se em competência e criatividade.
Esta sensação de sentir-se inferior é oriunda do
conflito de menos valia ao mesmo tempo em que assume
o projeto de vida de sua inferioridade, baseado na lei do
menor esforço, sofre porque convive com outras pessoas
que vivem na abundância. Este conflito tende a piorar
quando desenvolve as psicopatologias da inveja, do

89
ciúme, da mentira, da perseguição, da falsidade, este
estado psicótico altera sua percepção da realidade. Estas
mesmas emoções negativas são percebidas pelas pessoas
de sua interação que, gradualmente tendem a afastar-se e
com isto amplia-se a frustração e a triste condição do
isolamento e solidão.
Para finalizar o conceito do tratamento na
clínica psicanalítica de Adler, é absolutamente necessário
analisar, já na primeira entrevista, o estilo de vida do
paciente, isto significa entender o “modus operandi” de
sua maneira de pensar e agir na existência. No discurso
aparece o postulado da intransigência, o tipo de caráter, o
lado fantasioso de agir, as pretensões megalomaníacas, o
senso de realidade, as crenças limitantes, a falta de
interesse em si mesmo, as prioridades de seu
investimento, a capacidade de sua inteligência, a visão de
mundo e dos valores, etc. Com estas informações é
possível entender porque o paciente tenta evitar e fugir,
através de suas adições e compulsões, do prazer de
alcançar os objetivos mais nobres da existência e
esconder-se atrás de um sentimento de inferioridade.
No entender de Adler, só é possível resolver o
sintoma, seja físico ou psíquico, depois de conseguir
mudar o seu estilo de vida, porque muitas das doenças
têm relação direta com um modo de viver inadequado e
equivocado, ou seja, exigências, ficções, prioridades,
totalmente equivocadas que acabam ofendendo e
agredindo as pulsões vitais do organismo. Os sonhos são
interpretados de acordo com o estilo de vida, este é o
núcleo do complexo neurótico no entender deste autor.

90
Atrás dos símbolos e imagens que aparecem nos
sonhos, sempre existe uma emoção dominante. A emoção
consegue dar a tonalidade de vida na existência. A análise
deveria contemplar o esclarecimento, esta orientação é
importante num momento crítico onde o paciente está
vulnerável e não sabe como fazer para decidir o melhor
caminho. Independente da orientação diretiva, Adler
tinha consciência de que somente o esforço e a coragem
poderão resultar num resultado de cura do paciente.
O empenho criativo da teoria de Adler pode
ajudar, e muito, a saúde do paciente. Quando o paciente
começa a cuidar da sua condição humana, é o primeiro
indício de transformação, é preciso resgatar a auto estima
para cuidar de si mesmo na existência. Sem dúvida, toda
pessoa que consegue enxergar, além do materialismo
consumista de nossa sociedade contemporânea, e começa
a valorizar o seu ser, é a condição do inicio de excelência
na existência. A saúde orgânica está ligada ao “quantum”
de energia psíquica que é empregada no processo de auto
desenvolvimento pessoal, esta alegria e bem estar é uma
fragrância poderosa, envolvente e hipnotizadora que
acaba despertando o potencial, adormecido destas pessoas
queixosas e doentes.
Como um dos primeiros discípulos de Freud,
Otto Rank, também criou sua própria escola psicanalítica.
A teoria do trauma do nascimento levou-o ao
afastamento definitivo das idéias clássicas da psicanálise
ortodoxa. Freud refere-se ao trauma do nascimento mais
como uma conseqüência fisiológica e por isto mesmo
causa ansiedade. Mas Rank defende a idéia que esta

91
separação do útero materno e a chegada em um novo
ambiente geram muita ansiedade. Esta experiência na
vida intra-uterina é tão importante porque proporciona
segurança e paz, inconscientemente todos os seres
humanos desejam retornar ao útero materno.
Inclusive a morte, é vista como um desejo de
voltar à quietude do silêncio do útero, este retorno à
origem da vida e do seu nascimento é a experiência mais
significativa e importante do bebê. O útero materno é o
local onde todos os alimentos e cuidados estão à sua
disposição, não existe qualquer sinal de falta, ou seja,
tudo se encontra como deveria estar. A tranqüilidade, o
alimento, a segurança, o cuidado, na verdade é a
experiência de viver no paraíso. O nascimento tem o
significado de abandonar este jardim do éden.
Inconscientemente todos os seres humanos estão atrás
desta experiência de paz e tranqüilidade, uns oásis de
plena satisfação, sem nenhum tipo de ansiedade ou
conflito.
O nascimento implica um novo processo de
adaptação do recém nascido, é preciso desenvolver
estratégias de sobrevivência, de adaptar-se a este novo
ambiente. Esta separação do útero da mãe é um dos
traumas. O outro é o processo de encontrar-se na
dependência de um outro que vai cuidar da sua
sobrevivência. Estar no mundo onde tudo é novo, e ainda
por cima não estar preparado para dar uma resposta à sua
própria sobrevivência, é a causa da “ansiedade
primordial”. O bebê tem de sair de uma condição de

92
absoluta segurança física, alimentar e emocional para um
mundo de exigências e aprendizagens.
O bebê tem que tentar esquecer este antigo
estado de prazer absoluto, e desenvolver novas formas de
prazer na vida. Rank afirma que este esquecimento, da
recordação destes nove meses no útero materno, é o
primeiro recalque que o bebê realiza. Este “recalque
primário” está sempre presente no inconsciente, por isto
mesmo que algumas pessoas, diante de situações de
extrema dificuldade, tendem a neutralizar o efeito do
trauma na existência, adquirindo uma posição fetal. Esta
regressão ao estado do “prazer primordial”, é uma
forma de compensação quando a existência torna-se
extremamente difícil. Esta posição corporal é identificada
nos estados de esquizofrenia catatônica ou herbofrênica.
A ansiedade tem sua origem no trauma do
nascimento. Esta mudança de um estado de absoluta
segurança para um ambiente de insegurança e incerteza
dá origem à ansiedade. A energia psíquica busca todas
estas ações de mudanças e descobertas, este processo de
hominização está intrinsecamente presente nas
transformações físicas e emocionais que o bebê sofrerá
no decorrer do seu processo de humanização. Tornar-se
homem exige este novo nascimento, sair de uma condição
de absoluta segurança para lançar-se rumo ao
desconhecido, esta experiência é impregnada de
ansiedade.
Toda criança que conseguiu, com a ajuda dos
pais, fazer esta passagem com segurança e cuidado, irá
desenvolver uma personalidade saudável, ao contrário,

93
crianças que foram ofendidas, negligenciadas,
maltratadas, violentadas, agredidas, abandonadas e não
receberam os cuidados afetivos e amorosos necessários,
terão uma forte tendência a se tornarem neuróticos. O
conceito de neurose de Rank, “aquelas pessoas que não
conseguiram fazer a passagem da “ansiedade
primordial”, ao fracassar nesta tentativa desenvolvem o
conflito emocional”, esta emoção do trauma age de
maneira inconsciente, porque é projetada sobre todas as
ações das pessoas.
Os medos das crianças, em relação à iniciativa,
a lançar-se em novas descobertas, estão presentes nesta
ansiedade traumática do nascimento. Desde seus
primeiros dias de vida, fora do útero materno, o bebê
descobre que tem a nobre tarefa de resolver este trauma.
No decorrer de sua infância, adolescência e juventude
descobrem como utilizar o seu potencial e sua
inteligência para dar conta da ansiedade. Outro trauma
bastante importante é o “período do desmame”, esta
outra separação realiza o “segundo recalque” e um
“segundo trauma”. Esta castração24 tem um outro

24
Segundo a teoria clássica, todos os homens e as crianças do sexo
masculino estão sujeitos à ansiedade de castração, embora a natureza
exata desse pavor tenha sido submetida a tanta controvérsia quanto à
elaboração. O conceito só raramente se refere à castração em seu
sentido cirúrgico, anatômico (remoção dos testículos), mais
frequentemente a perda do pênis, tal como nas ameaças de castração
utilizadas para intimidar meninos que foram apanhados se
masturbando. Perda da capacidade erótica ou na desmoralização no
que se refere ao papel masculino. (Coleção Analítica. Pág. 52)

94
significado, muito diferente da teoria clássica, refere-se a
uma espécie de perda de algo misturado com um medo.
Da mesma maneira, ao desenvolverem-se
psiquicamente suas experiências e maturidade, ajudam-
lhe a entender melhor a fantasia desta castração e o
processo da internalização da culpa. O proibido é aquela
ação ou atitude em relação à existência que não são
aceitos socialmente, ao desobedecer e procurar a
gratificação experimenta a culpa. O superego, como é o
representante dos pais, educadores e autoridades, está
sempre vigilante e presente para castrar estas iniciativas
proibitivas. O único modo de fazer as pazes com esta
imagem de severidade é realizar alguma forma de
punição, é bastante comum atitudes como obsessões e
compulsões para sentir-se aliviado desta culpa, esta é a
única maneira que encontrou para estar em paz consigo
mesmo e ao mesmo tempo expurgar a culpa desta
castração.
Na pulsão básica está presente a emoção do
medo, mais conhecida como “trauma do nascimento”.
Esta ansiedade primordial é a origem de todos os outros
medos. A gratificação experimentada pelo bebê no útero
materno é indescritível, porque é um prazer muito intenso
de segurança e amor, por isto mesmo existe uma
tendência a buscar este prazer como adulto, desta fase
intra-uterina. A regressão e a fixação nesta forma de
prazer é sempre o desejo inconsciente de voltar a esta
experiência do “prazer primordial”, este deslocamento
acontece quando existem frustrações e problemas quase

95
sem solução, num último intento de salvar-se regride e
fixa-se nesta fase simbiótica com a mãe.
Depois, numa idade mais avançada, a criança
tem dificuldade de entender de onde vêm os bebês.
Quando nasce um irmão, ressurge a curiosidade em
relação ao nascimento, e começam as indagações e
questionamentos para poder entender o processo do parto.
Algumas crianças não entendem, ou não querem saber
sobre o seu nascimento e, tampouco, interessa sobre o
período pré-natal, esta resistência tem origem nos
recalques e nos traumas que deve ter sofrido durante a
sua gestação.
Freud afirmava que os meninos se agarram ao
pênis porque têm medo de perdê-lo. Rank complementa,
dizendo que não é somente esta idéia narcisista e
libidinal, mas que inconscientemente desejam negar a
existência dos órgãos femininos. O trauma do nascimento
e a ansiedade primordial quardam as memórias deste
processo traumático, algo que não gostaria de viver
novamente. A inveja da menina, do pênis, é uma reação
contra a existência dos órgãos femininos, dos quais tal
como o menino foi expelido. Freud dizia que as
“perversões” e as “neuroses” têm sua origem na
sexualidade infantil, este tipo de regressão acaba se
fixando num modo ainda muito primitivo de pensar a
sexualidade. Esta ansiedade primordial do medo da perda
é a causa de inúmeros problemas em relação ao prazer
sexual.
Rank diz que a “homossexualidade” masculina é
a aversão aos órgãos sexuais femininos. Para o homem, a

96
mulher é apenas um útero materno, um lugar sagrado do
seu nascimento, por isto mesmo é impossível reconhecer
na mulher o desejo erótico presente nos órgãos sexuais.
Muitos homens ou mulheres acabam dando continuidade
a este processo simbiótico pelo resto de sua vida, ou seja,
a mulher sempre vai ser a mãe e ele o filho, é claro sem
nenhum tipo de prazer erótico ou sexual.
Esta ligação assexual, que estava presente no
útero materno, continua num processo sem interrupção
pela vida afora. Como não conseguem desatar o nó deste
vínculo, permanecem presos neste tipo de amor maternal.
Quando uma pessoa faz questão de sofrer na existência,
ou mesmo fisicamente, é chamado por Rank de
masoquista, “o masoquista é aquele que precisa reviver
inconscientemente as dores e sofrimento do parto,
principalmente quando existem fantasias de
espancamento”. Existe o “sadismo”, os psicopatas que
matam as mulheres e crianças e depois expõe as
entranhas do corpo feminino, esta atitude demonstra o
desejo de uma curiosidade infantil para conhecer como é
o útero materno.
O masoquista busca, através do sofrimento na
existência, resgatar pela regressão, a vivência deste ato
traumático, para obter o prazer através da dor. O sádico
incorpora a raiva e o ódio, sofrido durante a sua gestação,
e às vezes, na maneira como foi realizado o seu parto. O
feto tem sentimentos e emoções, é capaz de guardar este
recalque no íntimo de seu inconsciente, depois de adulto
esta emoção surge a partir de alguma frustração, então o
estado de psicose entra em ação, buscando de alguma

97
maneira o local de onde veio, mas não percebe, pelo seu
estado de desvirtuamento da realidade, que está matando
a própria mãe, ou mulheres que são a imagem em
deslocamento.
O exibicionista tem o desejo inconsciente de
regredir ao estado original paradisíaco da completa
nudez, anterior ao seu nascimento. O estado de nudez
remonta às origens dos primatas, por isto mesmo é
chamado de primário, é a plena liberdade de mostrar o
corpo e o pênis, é a afirmação da sua heterossexualidade.
Ao mostrar suas partes genitais, indiretamente mostra o
seu corpo. O ato sexual é o substituto mais sublime de
união com a mãe.
Em relação à clínica psicanalítica, no entender
de Rank, as mulheres são inconscientemente o substituto
materno e ao mesmo tempo amante e esposa. Aqueles
pacientes que não conseguiram a satisfação sexual com
outra mulher regridem ao estágio anterior da relação mãe-
bebê. Todos os homens e mulheres devem fazer esta
passagem do trauma primário, e conseguir viver sua
sexualidade, caso contrário, acaba tornando-se
neuróticos. Homens que se casam e depois querem viver
uma relação maternal, regridem ao papel de criança, é
preciso transcender este estado de identificação primária
e realizar o amadurecimento para poder viver sua
heterossexualidade. Muito das ansiedades trazem consigo
o problema do “trauma do nascimento”, esta ansiedade
primária pode alterar sua relação com a realidade da
imagem feminina podendo inclusive deslocar-se para
objetos e coisas.

98
Na clínica psicanalítica de Rank é preciso a
superação do Complexo de Édipo, e a passagem da
simbiótica para a autonomia deste investimento libidinal
do trauma do nascimento, esta ansiedade primordial pode
prejudicar o amadurecimento da fase auto erótica para a
fase genital. Esta afirmação masculina através da libido
genital pode muitas vezes, resultar num fracasso total,
isto depende muito do nível de exigência e cobrança do
seu “Eu ideal”. Quanto maior o medo de viver a
sexualidade, maior a ansiedade e angústia experimentada
durante o ato sexual. Este mesmo trauma sexual é uma
revivência do trauma do nascimento, ao não conseguir o
orgasmo, revive a experiência do abandono e da rejeição.
Este processo de superação, da relação sexual e
da imaturidade infantil, para o interesse, a sedução, a
conquista do objeto amado. Este aprendizado também é
traumático, porque muitas vezes experimenta a
frustração, a rejeição, a crítica, a decepção, a traição, etc.
Este trauma, de não conseguir o objeto amado, pode
deslocar-se através de uma regressão ao período intra -
uterino. Ao reviver esta fixação simbiotica, fica
impossibilitada de viver sua sexualidade. Se observarmos
bem, a mensagem do mito de Édipo tenta explicar a
origem e o destino do homem, o desejo inconsciente de
Édipo é tentar a solução de seus dilemas pessoais
regredindo ao ventre materno.
A cegueira de Édipo é simbólica, pois ao
retornar ao útero estará imerso nesta escuridão. No
sonho, é possível identificar a presença do trauma do
nascimento revivido na vida intra-uterina. No entender

99
de Rank, o sonho deve ser interpretado como a revivência
do trauma do nascimento. Todos os símbolos e imagens
têm relação direta com esta reminiscência do recalque
primário. Esta constatação do trauma latente leva o
paciente a compreender a origem do seu processo de
evolução e de superação das experiências traumáticas na
existência. O símbolo de cavernas é uma reminiscência
dos instintos primitivos, este estado primordial é
demonstrado no sonho como um lugar de proteção e
acolhimento.
O processo de condensação e deslocamento dos
símbolos nos sonhos, obedece ao princípio do recalque de
mostrar esta realidade perdida nos primórdios da
humanidade e depois revivida no útero materno. A
evolução do homem e sua cultura não conseguem evitar o
confronto com o recalque original, este trauma aparece
através de símbolos e imagens como um substituto do
trauma primário. Na terapia de Otto Rank esta presente
os conceitos do livro de Freud “totem e tabu” as origens
da “horda primeva” juntamente com o assassinato do pai.
A função biológica do patriarcado era impedir o
retorno do filho ao vínculo simbiótico com a mãe. Os
filhos, revoltados com esta atitude do pai, deram início ao
parricídio, ou seja, mataram o pai. A mãe foi cobiçada e
esta relação sexual promíscua condenada pelo pai não
garantiu o regresso ao útero da mãe. Somente o filho
menor pode estabelecer este vínculo de amor fraterno
com a mãe, pois não cometeu o incesto. O caçula é
sempre cuidado e superprotegido pela mãe, justamente
porque precisam desta proteção, os outros irmãos

100
disputam este lugar, a sorte esteve ao seu lado, por ser o
último, conseguiu o afeto e o amor da mãe.
O matriarcado tem a função de garantir a
distribuição de afeto de modo igualitário. Como a mãe
aprendeu a amar seus filhos desde a gestação, sua função
consiste em cuidar e proteger, diferente do postulado do
patriarcado que está sobre o predomínio da dominação e
exploração dos mais fracos. O lugar do pai é simbolismo
do poder e da competição. Mas o filho ocupa este lugar
por ter matado o pai, desta maneira se torna o líder deste
patriarcado. Este é o pecado original, o assassinato, a
competição, o egoísmo, o poder político, a dominação do
outro, a exploração dos mais fracos, esta violência
primaria é fruto da barbárie e do primitivismo humano.
O funcionamento inconsciente destas disputas,
no âmbito familiar, remonta a estas origens da família,
esta ambivalência de amor e ódio é entendida da seguinte
maneira, por exemplo, quando uma pessoa ama, cuida,
protege, o outro, isto significa um tabu, porque representa
a mãe. Quando tortura, massacra, menospreza, mata,
representa o inimigo primitivo que está ao lado da mãe. A
passagem do matriarcado para o patriarcado seguiu o
ritual de substituição dos seios e da genitália feminina
que era cultuado nas imagens das deusas. Mas a horda
primitiva tinha que realizar esta passagem colocando em
seu lugar o pai, austero, exigente, competitivo, estava
para impedir o incesto.
A função de o interdito separar o filho da mãe.
A mãe respeita a função de autoridade do líder. Este
mesmo patriarcado é representado pela figura masculina

101
nas imagens de autoridade, governo, e do estado. Os
súditos, filhos e demais cidadãos revivem o conflito da
disputa e competição bilateral do complexo de Édipo. A
reação da depreciação da mulher resulta deste complexo
mal resolvido, porque o filho foi convertido em pai e por
isto mesmo precisa se afastar da mãe.
Esta evolução do domínio do patriarcado se
converteu num sistema político para dominar e impor
suas leis. Toda esta administração é feita por homens,
pelo simples fato de não ser dominado pelas mulheres,
esta compulsão à repetição de não querer reviver o
trauma do nascimento. Mas, ao mesmo tempo, todo tipo
de investimento de agressão ao masculino revela o desejo
inconsciente de voltar ao útero da mãe.
A religião mostra a imagem de uma figura
masculina com poderes divinos, mas este ser do
patriarcado é bondoso, perdoa, ama, tem sensibilidade, é
justo, e pratica o bem, todas estas virtudes são do
matriarcado incorporado na figura masculina. Esta
imagem masculina, protetora e milagrosa, que cuida e
cura, é o processo regressivo ao útero da mãe, esta
ligação com o sobrenatural privilegia aos filhos bons a
vida eterna, uma espécie de paraíso, muito parecido com
a vida intra-uterina.
Esta relação entre o matriarcado e patriarcado
está muito presente na “mitologia cristã”. O filho de
carne e osso torna-se divino, ou uma espécie de Deus, as
outras características do patriarcado estão relacionadas ao
inferno. O deus nasceu da mãe primordial, ou seja do
matriarcado e não do patriarcado. A crucificação de Jesus

102
Cristo é o castigo por voltar-se contra o patriarcado
primordial, com a morte, retorna ao útero materno e
depois, ao seu novo nascimento e não ressurreição. É uma
reprodução do processo da morte e nascimento da vida.
O dogma da virgindade de Maria representa o
conceito do trauma do nascimento, os apóstolos afirmam
que não houve a relação sexual e tampouco foi gestado
pelo esperma de um homem, ou seja, a divindade
simbólica significa que Jesus nasceu de um parto sem
sacrifício. Desta maneira podemos dizer que Jesus Cristo
conseguiu dominar o trauma do nascimento. A religião
católica colocou o poder na mão do Deus-filho e a mãe
como alguém que intermedia e consegue os favores e
milagres junto ao patriarcado. As religiões gregas,
judaicas e cristãs seguem a mesma diretriz patriarcal
primitiva.
Agora poderemos descrever a síntese do que
significa o tratamento psicanalítico para este autor. A
concepção de homem criador, nos termos biológicos
mecanicista, da ideologia cientificista naturalista de
Freud, se afasta do conceito de criação do próprio
paciente em relação a sua “experiência do nascimento”.
Na análise, se faz necessário renascer a cada instante para
formular novos conceitos e entendimentos, este
nascimento é uma renovação completa do espírito
humano. O ser humano, ao mesmo tempo, é criador e
criatura, ou melhor, é criador de sua própria condição
humana. Ao mesmo tempo, o trauma impulsiona a pessoa
a sair do útero e buscar a sua individualidade, neste

103
momento de decisão se percebe o poder da vontade
humana.
A análise, no entender de Rank, atende a um
principio básico, libertar a pessoa de maneira gradual
em relação às suas fixações de dependência. Este
processo de evolução autocriadora vem substituir os laços
simbióticos com as figuras de autoridade. O processo de
cura do paciente envolve uma série de novos nascimentos
e da superação de diversos traumas. Esta vontade
consciente, de conhecer-se profundamente, corresponde à
única condição séria e verdadeira sobre o espaço
necessário para recriar dentro de si, a segurança e
confiança necessária para perder os medos e tornar-se
extremamente criativo. Esta criatividade é uma espécie de
arte da inovação, da solução, da originalidade, da
utilização do seu potencial de inteligência emocional,
enfim, ao descobrir dentro de si a solução criativa para
seus problemas, em outras palavras, a análise proporciona
a superação da dor e sofrimento e transforma esta
condição em prazer, satisfação e alegria de viver.
O conceito de vontade não é nenhuma espécie
de milagre ou a intervenção divina de algum Deus, para
Rank a “força de vontade” é a coragem aliada à ousadia
para superar as dificuldades. O organismo humano é uma
energia vital que sofre as interferências e influências do
meio social, educacional, político, econômico, sexual,
afetivo, familiar, ou seja, estes fatores externos
estruturam as novas emoções e recriam as pulsões. Mas o
paciente, através de sua consciência, e não no seu estado
de inconsciência, deve utilizar a sua inteligência

104
emocional para transformar e realizar a metamorfose
interior, com a finalidade de poder colocar em interação
com as forças do ambiente, todo o seu potencial
organismico.
A força de vontade consegue alterar a direção
das transferências e os processos de identificação, ou
seja, ao adquirir esta autonomia encontra-se livre das
compulsões e obsessões. A vontade é o combustível que
faz com que o motor da emoção entre em ação. O
paciente com saúde emocional, apresenta um caráter
flexível, capaz de relacionar-se com o mundo externo
desde diferentes perspectivas, sabendo conviver com as
diversas ideologias e formas de interpretação da
realidade, além disso, é capaz de dar e receber amor, se
for necessário mudar suas atitudes, de realizar seu projeto
de vida, enquanto sofre as transformações do impacto das
relações.
A saúde psíquica do paciente é perceptível
quando consegue lançar-se em busca de novos desafios e,
mesmo enfrentando obstáculos, dificuldades, problemas
de toda ordem, tem a capacidade de pensar criativamente
e buscar soluções. Diferente do doente que se esconde
através das justificativas e desculpas. No seu discurso,
tenta convencer ao analista, aos familiares, e a si mesmo,
de que é um pobre coitado, entende que é uma vítima do
sistema, e por isto mesmo sua vida está destinada ao
fracasso.
O objetivo central na análise, desta obordagem
teórica, é levar o paciente a um processo de evolução de
sua consciência e, para isto, é preciso tornar consciente os

105
traumas inconscientes. Então, neste sentido, é preciso
aprender a resolver os conflitos oriundos da convivência
com a sociedade, por exemplo; injustiça social, racismo,
descriminação, perseguição, etc. O paciente, durante a
análise, tem de recriar dentro de si a capacidade de dar
uma resposta a estes conflitos.
Esta criatividade é o processo de cura, porque
está sempre buscando o novo e saindo ou colocando em
cheque antigas maneira de pensar. Este paciente, com o
tempo, não pode pensar como as massas, não é uma
pessoa a mais na multidão, ao contrário, está pronto para,
em cada desafio, recriar dentro de si mesmo um novo
nascimento. Seu desejo não é ficar estabelecido no
antigo, mas buscar novos desafios para ir de encontro à
novidade.
Esta é a verdadeira cura no entender de Rank,
quando se torna possível tornar a natureza consciente de
si mesma. É no homem que se abre esta possibilidade
dele mesmo se dar a conhecer, ao mesmo tempo em que o
paciente se descobre e se conhece no processo de franca
ascensão de sua humanização. Um outro aspecto da
clínica de Rank está relacionado ao processo de
autonomia pessoal, toda pessoa dependente de um outro é
um eterno devedor de favores e obrigações.
A energia psíquica, para ser bem utilizada, deve
ocupar seu próprio espaço, todas as formas de
dependência é uma forma de atraso para a pessoa. A
técnica analítica obedece ao principio da “totalidade”,
isto significa dar uma atenção a todas as áreas da
existência humana. Esta visão interdisciplinar e

106
transdisciplinar ampliam o paciente dentro de uma visão
global, e não reducionista e determinista da vida. Esta
relação com a sociedade e as aprendizagens adquiridas
através das suas experiências ensina a perceber a
existência de uma maneira realista e não fantasiosa e
infantil.
A clínica analítica de Rank segue o
desenvolvimento gradual das aprendizagens da criança.
Esta emancipação do paciente tem ligação com a
superação do trauma do desmame, de aprender a
caminhar com as próprias pernas, de saber falar e
defender-se e, em especial, o aprimoramento sucessivo
da vontade de superar-se ampliando a sua consciência.
Toda a interpretação do passado deve estar atrelada ou a
serviço do futuro, o sonho, ou mesmo à fantasia, porque
também através delas, o paciente pode ampliar a sua auto
estima e seu conceito pessoal.
Mas este processo de autonomia pessoal
também impõe muita cobrança e culpa. Estas exigências e
cobranças de auto punição são a origem das neuroses.
Muitos gostariam de ter autonomia e emancipação em
diversas áreas da sua vida, mas acabam desanimando e
desistindo pela forte culpa que sentem. A análise procura
levar ao paciente a diferença que existe entre a decisão de
separar-se do que ser separado.
A decisão da autonomia pessoal é um processo
de elaboração de um afastamento de espaço e não de
intimidade. A pessoa pode encontrar-se longe
geograficamente, mas pode estar muito perto
afetivamente. O trauma da separação acontece quando o

107
paciente é abandonado, no entanto, quando o processo de
tomada de consciência é do paciente, esta decisão é um
luto do afastamento gradativo de uma perda em favor de
outros ganhos maiores e importantes na vida da pessoa,
por exemplo, a constituição da sua própria família, do
nascimento de seus filhos, da autonomia financeira, etc.
Este processo de “desmame” deve ser um
processo gradativo para não caracterizar uma espécie de
abandono. Quando o paciente toma consciência e, de
posse da coragem, exige de sua vontade uma opção a
favor da sua autonomia e libertação pessoal. Quando os
pais ou educadores pretendem, por opção deles, realizar a
separação, sempre provoca no paciente revolta,
insatisfação, agressividade, retaliação e muitas vezes,
utilizam-se da chantagem emocional para continuar no
processo de dependência emocional. Quando o paciente
faz desta experiência de independência, por vontade
própria, a busca de sua realização pessoal, inicia-se um
processo de autogoverno de suas ações e
comportamentos. Isto é sinal de maturidade emocional.
Um outro aspecto da clínica analítica de Rank é
trabalhar no processo da transferência, a questão do
medo. Não se trata de elaborar o medo da morte, mas
sim, o medo de enfrentar a vida, o medo de conquistar a
sua independência e autonomia pessoal. Este mesmo
medo que sentiu ao nascer, é o medo ansiedade
primordial, isto é, o medo de enfrentar a existência e
superar os traumas. O medo da castração de Freud não
traz nenhum tipo de problema à consciência humana. A
questão principal é a superação deste medo da separação

108
emocional simbiótica, para a autonomia e libertação
pessoal. Este é o grande desafio do ser humano, sair do
casulo e realizar a sua história, além disso, saber assumir
os prós e contra de suas decisões.
Num primeiro momento, a dependência
biológica é necessária e fundamental para a sua
sobrevivência psíquica e biológica. Estes laços sociais,
afetivos e de amor permanecem por toda a vida, porém,
precisa recriar a continuidade da existência através de
novos nascimentos, sejam biológicos ou psíquicos. O
conflito neurótico acontece quando o paciente percebe a
necessidade de buscar a sua autonomia, mas não
consegue porque se sente culpado e comprometido, em
dívida com seus pais, amigos e parentes.
Esta paralisação por causa da culpa, é fruto de
sua fantasia porque muitas vezes estas pessoas não
desejam a sua dependência. Se acontecer o contrário, este
paciente encontra sérias dificuldades porque está
envolvido numa dinâmica familiar de pactos
inconscientes e nesta situação afetiva, é muito difícil
romper com este compromisso inconsciente.
Muitos pacientes não lutam pela sua autonomia
e individualidade porque têm medo da solidão, do
isolamento, da perda do amor e do afeto das pessoas do
seu convívio pessoal. A principal neurose é “o medo da
vida”, de buscar o novo, só em pensar em tornar a vida
criativa sentem a ansiedade e o terror diante de tal
pensamento. Na verdade não querem perder o amor das
pessoas das quais depende o seu afeto. A morte ou a
perda de pessoas do seu convívio ameaça a sua condição

109
psíquica, em muitos casos, surge a insônia, eleva o nível
de stress, aumenta a angústia, sentem uma enorme
tristeza, mas todos estes sentimentos e emoções estão
presentes porque existe o medo da autonomia. Só em
pensar em um novo estilo de vida, sentem a paralisia no
físico e no psíquico.
O medo da vida e o medo da morte são os
maiores medos, têm relação com os vínculos da perda de
conexão com a realidade de uma totalidade maior. Esse
medo primordial tem sua origem no conflito entre o
processo de individuação e a separação. Depois de fazer a
experiência de pertencer à totalidade do útero, é obrigado
a separar-se, nascendo para uma nova realidade. Este
nascimento é o início da superação de outras
necessidades e aos poucos seu organismo encaminha-se
para a morte física.
Durante o tratamento analítico, o sujeito passa
por três momentos diferentes no seu processo de
recuperação psíquica. A primeira fase é tomar
consciência das repressões ou imposições feitas pelos
outros, esta vivência de realizar tarefas contra a sua
vontade para obedecer aos desejos dos outros. Isto inclui,
além da família, o estado, que tem obrigações, normas,
leis, moral. Sem consciência, fica atrelada a este tipo de
cultura, alienado e massificado, a grande maioria das
pessoas ficam presas neste estado de dependência. A
aceitação incondicional desta proposta da sociedade
consiste num tipo de vida para reproduzir de forma
sempre repetitiva os padrões antigos da maneira de
pensar, ser e agir.

110
Na segunda fase do tratamento, é o momento da
tomada de consciência desta “alienação social”, ou seja, o
conflito entre a vontade da autonomia e liberdade de
pensar, e as forças contrárias que reprimem tal iniciativa.
A solução deste conflito consiste na decisão do sujeito de
tomar as suas próprias decisões, fazer suas escolhas, ter
suas próprias idéias, seguir uma ética pessoal e social,
desenvolver uma moralidade, talvez muito diferentes dos
da sociedade e dos fanatismos de algumas religiões.
A terceira fase do tratamento, é a busca da união
e integração de todas as áreas importantes da existência.
Depois de aprender a superar e resolver seus conflitos,
encontra-se com a auto estima elevada, desenvolve uma
auto confiança. Neste momento o sujeito é desejo de
vontade e necessidade de ação. Aprende a ser criativo é
capaz de solucionar os dilemas apresentados pela
existência. Descobre dentro de si mesmo uma vontade
imensa de viver porque encontra sentido e significado em
sua vida. A formação de sua personalidade é flexível e
madura, entende que deve colocar todas as suas forças
psíquicas no investimento de evoluir como pessoa
humana.
A saúde emocional está muito acima de seguir
uma religião ou uma moral, ao contrário, é preciso que o
sujeito experimente uma satisfação, uma realização,
concreta e palpável nas diversas atribuições que a
existência exige. A saúde psíquica ou orgânica necessita
deste ato de criação, de um paciente que tem
compromisso consigo mesmo e com o analista. Esta sua
nova postura de autonomia é a recriação do espírito velho

111
pelo novo, ele coloca esta energia psíquica a favor de sua
felicidade pessoal.
Assim, o tratamento inicia com o lado infantil
de suas experiências equivocadas, justamente porque não
tem caráter próprio, suas decisões passam sempre pelo
crivo da autoridade. Aqui inicia o processo de
desobediência aos pais e à sociedade, num esforço
constante de formar a sua identidade com originalidade.
Na segunda fase, percebe a solução de seus
conflitos, inicia-se o processo de solução da vida, as
forças psíquicas estão operando a seu favor, experimenta
o valor da autonomia e do exercício da liberdade pessoal.
Desenvolve seus próprios projetos de vida, e busca, com
toda sua vontade, a independência e autonomia pessoal.
Na terceira fase, é capaz de recriar, com base em
experiências dolorosas, um caminho de reflexão e de
entendimento, não está mais preso à revolta e indignação,
não reage a base da violência, sabe relevar e conviver
com os atos mesquinhos e primitivos da sociedade.
Aprende a realizar seu próprio projeto, não é mais
dependente dos outros, gosta de si mesmo, se aprecia e
valoriza suas idéias e pessoas do seu convívio.
A saúde emocional na visão de Otto Rank, é a
busca desta autenticidade, própria dos gênios e dos
artistas. Esta última fase diz respeito à criatividade, ou
seja, a energia psíquica está disponível para ser utilizada
a favor da realização pessoal e familiar. Este estado de
paz e tranqüilidade é produto de sua capacidade de saber
conviver com as diferenças individuais, crenças religiosas

112
e ideologias políticas e formas de interpretar a realidade e
a si mesmo.
Na terapia analítica desta corrente teórica, é
indispensável o direcionamento da “força de vontade”.
Esta energia, ou força psíquica, deve ser utilizada sempre
a favor da excelência da qualidade de vida e não ao
contrário. O fenômeno da cura tem haver com este
processo de metanóia, de metamorfose, do antigo para o
novo e assim sucessivamente, até o final de sua vida.
Quando o sujeito utiliza a sua vontade, aparece como
uma força contrária, a neurose compulsiva, esta forma de
prazer primitiva e infantil é a causa de sua alienação.
A adolescência é o período desta transição, da
afirmação do seu caráter, o resgate de sua identidade, a
liberdade de poder defender suas idéias. Porém, a
repressão dos adultos pode desencadear na puberdade,
um retrocesso com atitudes destrutivas, como uma
maneira de confrontar e fazer sofrer as pessoas que
justamente a amam. Nestes casos patológicos está
instalado um conflito de poder, a disputa encontra-se em
provar para o outro que ele está certo, é um momento de
medir as suas forças mesmo que tenha que pagar um alto
preço pela suas idéias.
A “força de vontade” é o impulso da natureza a
serviço da promoção humana, sua intenção é mostrar que
nada na vida acontece sem um esforço, sem dedicação e
sem superação dos obstáculos. O esforço e a luta pela
sobrevivência são os primeiros instintos da natureza,
prontos para serem utilizados para garantir a
sobrevivência. Num meio social, onde não exista luta e

113
conflito a serem superados, não existe crescimento
pessoal. Não existe o paraíso onde a vida é fácil e sem
esforço, onde alguém assume a responsabilidade e os
compromissos da existência em seu lugar. Esta fantasia é
o princípio da menos valia, quanto menos esforço tiver,
mais vantagem tem sobre a vida. Esta forma de pensar e
viver é o paradoxo da não utilização da “força de
vontade”, é por assim dizer, a anulação do potencial da
vida e da criatividade.
A existência sempre coloca no caminho do
sujeito os empecilhos, dificuldades, obstáculos, barreiras,
restrições, para testar a capacidade de reação frente a
estes acontecimentos. A compulsão à repetição é uma
espécie de resistência, de maneira inconsciente decide
pelo caminho mais fácil, esconde-se detrás de alguma
doença ou fracasso, justamente por medo de conviver e
aceitar as frustrações. Não existe nenhum tipo de
vontade de sair daquela condição, este ganho secundário,
do papel de coitado e miserável é sua estratégia para não
se exigir em nada e tampouco ser exigido pelos outros. É
resistente a qualquer tipo de ação contrária à sua condição
de miserabilidade, está arraigada nas profundezas de seu
caráter uma postura de ficar esperando pelo milagre.
Muitas crianças enfrentam os “nãos” dos pais e
educadores. Desde o início de sua vida, aprendem a não
confiar em si mesmo, é preciso desconfiar do pessimismo
dos adultos. Como os pais não conseguiram desenvolver
seu potencial de criatividade, acham um absurdo e quase
impossível um filho realizar tal façanha. Mas o fato é que
muitos não aceitam os “nãos” e as dificuldades colocadas

114
pela sociedade, o sujeito criativo sempre vai encontrar um
outro caminho, capaz de realizar seus objetivos. A
criança aprende, desde pequena, que é possível sonhar,
que os projetos acabam sendo realizados quando existe
esforço, determinação e muita força de vontade. Se as
crianças e os jovens acreditassem em tudo o que os
adultos afirmam, sinceramente, não sei o que seria de sua
vida na sociedade.
O desejo de vencer na vida, de ter uma ótima
profissão, de viver um grande amor, de conseguir
inteligência e cultura precisa do seu esforço e
competência. Esta é uma inveja positiva, olhar para
aqueles que já conseguiram e seguir a sua orientação. A
vontade é medida de acordo com as comparações com o
que os outros conseguiram na vida. Muitas pessoas são
um exemplo para muitos seguirem, mas é indispensável
uma identidade própria, ou seja, é necessário sair desta
condição de copiar idéias e modelos de vida. Esta
autenticidade é a descoberta, no seu íntimo, de assumir-se
com responsabilidade e saber dizer “sim” e “não” nos
momentos de decisão. A vontade tem um conteúdo, quase
sempre está presente uma emoção ou pulsão inconsciente.
As atitudes proibitivas dos adultos têm um
efeito contrário, às vezes desencadeiam um esforço
inverso, buscam sua independência, independente da
vontade dos adultos. Esta curiosidade de transgredir as
normas e regras pré-estabelecidas funciona como uma
motivação para chegar às informações dos adultos. Eis o
problema da mentira dos adultos, a criança inicia sua

115
existência sobre os auspícios da insegurança e da
inverdade.
Infelizmente, as neuroses e psicopatias de toda
ordem, começam a fazer-se presente na vida das crianças,
quando sofrem injustamente. Por exemplo; a criança
descobre o valor da masturbação; os adultos moralistas
reprimem e dizem que tal comportamento é pecado.
Mesmo a criança sentindo o desejo do orgasmo como
algo saudável e prazeroso, deverá, de agora em diante,
fazer escondido ou sobre forte tensão. Sente-se culpado
ou com vergonha de estar cometendo alguma
transgressão aos desejos dos pais. Quando os adultos
descobrem que as suas proibições não fazem efeito então
se utilizam do poder do castigo físico e moral, a
repreensão em público, agressão psicológica, etc.
Estas proibições violentas reprimem a emoção
do prazer, depois não tem nenhuma vontade de viver a
dimensão do valor da sexualidade enquanto complemento
do afeto e do amor, ao contrário, desenvolvem uma
agressividade contra si mesma, uma espécie de
autopunição, e afastam-se de qualquer envolvimento de
intimidade e companheirismo. Esta reação inconsciente
tem relação com a educação sexual recebida na infância.
Quando acontece a separação da sensualidade e ternura,
do desejo sexual, está presente a neurose. O sexo é um
canal atrativo para a vivência do amor erótico, fraternal,
da comunhão, etc. Quando existe esta separação, da
vontade de viver, o amor encontra-se separado do valor
da afetividade, do carinho e da compaixão.

116
A estruturação da neurose depende do tipo de
educação que a criança recebeu dos pais, principalmente
das atitudes tidas como boas e as nomeadas como más.
Todo ato de maldade da criança tem haver com algum
tipo de revolta, caso esta hipótese não se confirme, então
é um comportamento aprendido com alguém, que pode
ser de um amigo, de um parente ou mesmo dos próprios
pais. A criança necessita da aprovação e do cuidado dos
adultos, por isto mesmo os ensinamentos e os conselhos
têm uma forte influência na formação do caráter. Quando
existem pais que desaprovam algum comportamento bom
da criança, este valor ou virtude tem de se manter
escondida até encontrar o ambiente ideal para o seu
desenvolvimento.
Estes são os segredos guardados em forma de
silêncio pelas crianças e adolescentes, quando se
encontram em desvantagem diante do poder autoritário e
moral dos adultos. É difícil compreender esta atitude, mas
muito das iniciativas das crianças são podadas pelos
adultos com justificativas falsas e sem sentido, a
educação dos adultos consegue assassinar, no íntimo do
espírito, a vontade de aprender e descobrir coisas novas.
Muitos adultos, sem perceber, trazem dentro de
si uma criança emocional reprimida e egoísta, e depois,
inconscientemente, começam a competir e agredir com
palavras de baixo calão as iniciativas nobres e de
destaque de seus próprios filhos. Quando percebem
através do comportamento dos filhos a felicidade e
alegria dos mesmos, muitos desencadeiam uma ab-
reação, não conseguem viver com a criatividade, com a

117
originalidade e acabam reprimindo toda e qualquer
manifestação de liberdade e criatividade. Muitos
começam a se enxergar através do comportamento dos
filhos. Os filhos indiretamente são uma extensão dos
conflitos inconscientes e dos valores éticos dos pais.
No entendimento de Otto Rank, a “fantasia”, na
clínica psicanalítica, pode ser interpretada de duas
formas: a primeira é que existem fantasias produtivas
psiquicamente e há outras totalmente destrutivas. As
fantasias produtivas estão carregadas de imagens de
sanidade vital, na imagem encontra-se energia da vontade
de superação, da criatividade, da solução, nas imagens
patológicas encontra-se a violência, a inveja, o ciúme, a
ganância, a perversão, o autoritarismo, etc. Portanto, ao
analisar uma fantasia descrita pelo discurso racional, é
importante verificar se este paciente está sob o domínio
destas imagens maléficas. Estas imagens destrutivas estão
carregadas de maus presságios, de culpa, da negação, dos
medos, da raiva, do ódio, da ganância, expressam a
tonalidade da energia psíquica deste sujeito.
O conceito de neurose, nesta abordagem
teórica, é o seguinte: Toda repressão e culpa bloqueia a
expressão do potencial, esta emoção impede a autonomia
e a liberdade para desenvolver a autenticidade e a vontade
de superação. A neurose social, entendida por este autor,
é o completo estado de inconsciência e alienação. A
pessoa, quando se encontra alienada e massificada pelos
condicionamentos sociais e culturais, vive uma espécie de
ilusão, busca na religião a solução milagrosa de seus
problemas.

118
São pessoas que não têm entendimento sobre
sua própria condição humana, estas pessoas fazem de
conta que existem, a superficialidade e a ignorância
emocional é fruto deste estado de alienação pessoal. A
análise vai procurar identificar e levar esta pessoa a
desenvolver o senso crítico em relação à realidade
cultural, o desenvolvimento de sua mudança de
comportamento passa pela ampliação de sua consciência
e inteligência.
A criatividade e a originalidade não podem ser
encontradas na teoria freudiana. Para Freud, todas as
manifestações do processo de autonomia pessoal são
oriundas da influência social, representados pelos pais e
educadores, ou ainda, frutos dos instintos biológicos, ou
seja, a pessoa está determinada a esta dependência. Otto
Rank discorda desta visão pessimista do homem, ao
contrário, no íntimo do ser humano existe o desejo de
vontade de superação, de autonomia, de iniciativas e de
seu processo de autodesenvolvimento. De forma
nenhuma o homem é um ser passivo das forças pulsionais
e emocionais, sua consciência consegue escapar deste
conflito do campo de batalha do superego.
A noção de “ego” de Freud é de uma debilidade
total e uma dependência da sociedade e dos instintos.
Talvez este conceito sirva para a massa não pensante da
sociedade, principalmente daqueles que vivem alienados
e massificados pelas ideologias dominantes. Mas, sem
dúvida, existe o homem criador, esta mesma força
pulsional da “força de vontade” pode transcender a
culpa, a dominação e o controle do superego. O homem

119
tem a capacidade de recriar, dentro de si mesmo, forças
capazes de superar imensas adversidades e alcançar os
objetivos mais nobres da existência.
A consciência é a condição de excelência para o
desenvolvimento da autonomia e a liberdade de
expressar-se, conjuntamente com a sua vontade de ser.
Quando o paciente começa, durante o processo de
análise, a pensar, sentir e a praticar ações em proveito
próprio, é a prova concreta da existência do poder da
autonomia. Freud descreveu o “ego” como uma entidade
genética. Esta essência hereditária oferece as condições à
percepção sensorial para ampliar as qualidades psíquicas
internas e externas. Depois, a consciência se transformou
num instrumento de observação e conhecimento do “eu”
e depois disso, surgiu o conceito de “autoconsciência”.
Assim, começou a entender a consciência como uma
entidade capaz de compreender, entender, descrever os
processos emocionais e pulsionais do mundo interno e
externo.
A consciência está acima da vontade de criar, de
dominar, de solucionar, é uma espécie de “poder
independente” que pode fortalecer e ajudar a “vontade”,
tanto no sentido de recalcá-la pela negação da emoção
como elevá-la à condição mais sublime de sua
experiência. O conhecimento de si mesmo coloca o
homem com uma consciência capaz de perceber as
diferenças das ações boas e más da natureza. A culpa
sempre vai impedir o desenvolvimento da vontade e da
consciência. Mas somente a autoconsciência pode atuar

120
no sentido de liberar as emoções e pulsões destas forças
antagônicas e repressivas da culpa e dos medos.
O mito do herói descreve através do símbolo, o
poder de realizar e solucionar problemas com a ajuda de
sua “força de vontade”, inerente a este desejo de
superação está a disposição da renúncia, do sofrimento,
da paciência, da tolerância, da aprendizagem, da
esperança, virtudes e qualidades éticas presentes na
imagem do herói. Mas o herói verdadeiro precisa, além
destas qualidades, a capacidade de saber refletir sobre
suas próprias ações e usar sua inteligência para não
cometer erros infantis e imaturos. A neurose, no herói
destrutivo, representa a experiência irrefletida e alienada
da realidade, pois se tomam consciência dos seus atos
podem deixar de ter este tipo de comportamento. Todo
neurótico é passivo e aprende a gostar de sofrer,
justamente porque não tem consciência e tampouco poder
de decisão.
O neurótico é uma pessoa impotente, cheia de
culpa porque é dependente, ao mesmo tempo em que
recebe ajuda pela sua inoperância, desenvolve a
ingratidão, em vez de ser grato pela ajuda, a frustração de
sentir-se inútil, reforça no seu íntimo uma agressão contra
aquele que utiliza sua inferioridade para auto promoção.
Já o homem de criatividade, está sempre pensando de
maneira afirmativa e confiante diante de novos projetos.
Sente-se útil e consegue expressar a gratidão a todos
aqueles que fazem parte desta dinâmica de conquistas.
Este é um assunto muito delicado, quando
tratamos das religiões, em especial aquelas que alienam e

121
dominam a mente das pessoas, utilizando o recurso da
culpa e do medo do inferno. O símbolo do satanás e do
diabo reforça a ameaça da perseguição. Este é um tema
muito antigo, pois a finalidade da religião deveria ser
libertar a pessoa da exploração e manipulação,
infelizmente acompanhamos este processo de alienação
destas pessoas ingênuas e sem cultura. Toda sua vida se
resume no bem, Deus e no mal, o Diabo. A mitologia e a
religião buscaram uma solução para controlar a
agressividade e a violência através da culpa e do pecado.
O homem é fruto do pecado.
Agora, vamos descrever o entendimento de Otto
Rank em relação ao conceito de emoção. A criança vem
ao mundo com as pulsões, emoção e vontade. Esta
energia vital busca, através das várias emoções, a
realização e satisfação, em outras palavras o prazer na sua
totalidade. A excitação dos sentidos passa pela
decodificação da imagem25, esta mesma imagem, tem
dentro de seu âmago, tensão e excitação, ao mesmo
tempo o organismo sente dor e prazer. A energia
emocional se desenvolve através da dor-tensão e prazer-
descarga, a essência da emoção é preservar a tensão a fim
de prolongar a satisfação do prazer. Existe também a
tensão ao limite extremo da dor, com a finalidade de
alcançar o prazer masoquista.
A vida emocional depende muito destas pulsões
que foram reprimidas ou recalcadas, esta energia
emocional que encontra-se em contensão pode bloquear a

25
Ibidem. 2007 (O significado Inconsciente das imagens)

122
expressão do potencial criativo, este aprendizado de inibir
as emoções quando tem que enfrentar um desafio, pode
tornar-se uma neurose compulsiva. A emoção aparece em
forma de sintomas quando o impulso vital encontra-se
bloqueado. A vida emocional autêntica, como experiência
interior, pode ocorrer no processo de formação da força
de vontade. Esta vontade é um desejo positivo colocado a
serviço da consciência, e não é de nenhuma maneira, um
impulso bloqueado, como no caso uma emoção.
O processo da “formação emocional” existe de
duas formas: As “emoções unificantes” como o amor, a
gratidão, a alegria, a felicidade, o cuidado de si, a ternura,
o perdão, a simplicidade, a humildade, coletivamente são
aceitas e reverenciadas como emoções que propiciam a
existência do amor. As “emoções separadoras” como a
ganância, o egoísmo, a raiva, o orgulho, o medo, o
desprezo, a onipotência, a arrogância, o narcisismo,
coletivamente são percebidas como emoções do ódio. As
relações de amor e ódio estão presentes em todas as
pessoas, o único inconveniente é que as emoções
separadoras não permitem a estas pessoas a experiência
do amor. Ao não conseguir dar e tampouco receber amor,
a pessoa está presa nesta fixação regressiva e infantil de
viver.
A emoção do amor conduz a pessoa a apreciar e
desejar viver intensamente, esta condição psíquica ajuda
a libertar a força de vontade, enquanto aqueles que vivem
sobre o ódio, endurecem seus corações, a frieza aumenta,
são rudes, calculistas e rancorosos, nesta condição
psíquica não existe ambiente para o aparecimento da

123
força de vontade. Neste último caso, a vontade é
utilizada de forma negativa como uma defesa para
impedir a expressão do amor. Porque o amor propicia a
liberdade da pessoa em exercer com vontade própria o
seu projeto de vida.
Quando uma pessoa está submissa à vontade de
outra pessoa, e não consegue ter vontade própria, esta
vivência propicia as condições para o desenvolvimento
do ódio e, onde existem as emoções separadoras, também
está presente a destruição de si mesmo e dos outros. A
criança, desde pequena, aprende a desenvolver a sua
força de vontade, este entusiasmo por conhecer e
experimentar a realidade das coisas e da natureza. Este
desejo não pode ser frustrado, a educação utiliza meios de
punição e culpa para poder impedir esta primeira
exploração de si mesmo, dos outros e da realidade.
Os adultos deveriam incentivar a descoberta e
propiciar momentos de satisfação e alegria quando seus
intentos conseguirem alcançar seus objetivos. A força de
vontade é uma pulsão pessoal, porque consegue lutar
pelo controle e desenvolvimento do seu “eu” natural. Mas
quando a força de vontade está dominada e sujeitada a
um outro “eu”, se transforma numa contra vontade
negativa, as atitudes à resistência, teimosia,
desobediência, confronto, orgulho, etc. Pelo simples
desejo de fazer justamente o contrário daquilo que lhe
pedem.
A vida emocional é a mais poderosa força
interior, na verdade esta pulsão é muito mais forte que o
desejo sexual. O desejo sexual pode ser controlado pela

124
satisfação fisiológica de uma relação ou de outros modos,
ao passo que o amor, está acima da condição fisiológica,
não é um ato mecânico e genital, a experiência do amor
transcende o orgânico, por isto mesmo, exige a vivência
de valores e virtudes incorporados ao seu caráter.
O sexo é algo natural, a satisfação fisiológica do
orgasmo resolve momentaneamente o desejo da imagem
do objeto de prazer. Como o homem é um animal que
traz na sua ancestralidade primitiva o legado da
poligamia, surgiu a necessidade, das instituições
religiosas e do estado, de controlar este instinto. As
neuroses do sexo aparecem quando não existe mais
vontade de amar nem a si mesmo e muito menos os
outros.
A pessoa neurótica, de ambos os sexos, é
incapaz de se entregar ao outro, a função neurótica do
medo de amar reacende uma vontade negativa, todas as
defesas e reações destrutivas buscam atitudes para afastar
o outro do encontro consigo mesmo. Muitas pessoas
conseguem odiar a si próprias como aos outros. Somente
é possível superar esta emoção, na análise, quando for
possível voltar a acreditar no poder do amor, a primeira
experiência de amor é em relação a si mesmo, tendo
como condição a aceitação incondicional de suas
qualidades e defeitos. Quando o paciente começa a
aceitar a si mesmo, da mesma forma consegue aceitar os
outros tais como são e não como ele deseja. Esta
convivência com as limitações do outro é a primeira
atitude de amor. A não aceitação do outro através da

125
hostilidade e ódio, provoca a rejeição, assim, o ódio
acaba transferido a si mesmo de forma indireta.
Agora pretendo descrever o processo de atuação
da clínica psicanalítica na visão de Karem Horney
(1885- 1952).
Karen Horney nasceu na cidade Hamburgo,
Alemanha. Seu pai era capitão de um navio norueguês.
Sempre questionava a disciplina autoritária do pai e não
gostava da sua atitude religiosa, pois seu comportamento
não condizia com o discurso de sua fé, por isto mesmo
achava uma verdadeira hipocrisia. Em 1906 cursou
medicina na universidade de Freiburg e depois se casou
com seu colega de classe Oscar Horney em 1909. Em
Berlim, fez análise com Karl Abraham porque se
encontrava com sérios problemas de depressão, cansaço e
insatisfação no seu casamento, por isto mesmo teve um
caso com o amigo de seu marido.
Embora a psicanálise não fosse muito bem vista
no meio médico e psiquiátrico, decidiu fazer a sua
formação psicanalítica. Logo depois de separar-se,
fundou o instituto psicanalítico de Berlim no ano de
1920. Esboçou uma teoria da psicanálise feminina, uma
espécie de crítica a teoria de Freud. A comunidade
psicanalítica desprezou seus escritos e críticas. Em 1932
foi convidada para participar de uma nova sociedade de
Chicago sobre a direção de Franz Alexander. Em 1934
mudou-se para Nova York e continuou a escrever suas
críticas aos conceitos de psicanálise clássica, por isto
mesmo foi considerada uma dissidente, neste mesmo ano
tiraram sua posição de professora e supervisora clínica.

126
Em 1941 fundou o seu instituto chamado
“Associação para o avanço da psicanálise”. Sua
proposta era possibilitar o estudo da teoria psicanalítica
numa visão crítica e democrática. No ano de 1952, depois
de sua visita ao Japão, morre de câncer abdominal.
Horney teve um relacionamento, durante muitos
anos, com o psicanalista Erich Fromm. É considerada
uma psicanalista neo-freudiana e uma estudiosa da
psicanálise social, com ênfase nos pressupostos do
humanismo. Na teoria de Horney, a sociedade apresenta
muitos tipos de personalidades, presentes em homens e
mulheres. Estas diferenças, em relação aos papeis sociais,
não são heranças biológicas determinadas
ontogeneticamente e filogeneticamente. Muitos desses
estereotipos sofrem a influência da cultura, a pressão
social indica o papel social a ser desempenhado pelos
homens e mulheres.
Karem Horney foi uma psicanalista ortodoxa,
pelo menos uns quinze anos, mas durante este período
começaram a existir muitos questionamentos em relação
aos conceitos da teoria freudiana. Nos EEUA sentiu-se
muito a vontade para assumir e elaborar uma nova teoria
sobre a psicanálise, mais conhecida como interpessoal e
culturalista. Esta nova cultura ofereceu uma nova
compreensão sobre a etiologia da neurose, teve uma forte
influência do pensamento social e cultural de Erich
Fromm. No seu primeiro livro, a “personalidade
neurótica de nosso tempo”, mostrou a formação neurótica
como sendo fruto de uma “ansiedade básica”, muito
diferente do complexo de Édipo de Freud.

127
O conceito de neurose de Horney, em relação à
normalidade, é muito evasivo. Muitas vezes o que é tido
como neurose numa determinada sociedade, é
considerada um valor em uma outra. Por exemplo, em
nossa sociedade se alguém conversar com uma imagem
durante algum tempo, é considerada psicótica, mas em
uma tribo indígena, é considerado um dom especial de
comunicação com os mortos. Então a formulação do
conceito de neurose muda de acordo com o tipo de
sociedade e cultura.
Para formular um diagnóstico de um paciente,
apresenta uma série de dificuldades teóricas e clínicas.
Freud procurava sistematizar a sua teoria dentro da
convenção e exigências da ciência positivista e
experimental, por isto mesmo tinha como interesse provar
que estes fenômenos inconscientes estavam presentes na
realidade orgânica e biológica do homem, desta maneira
conseguiria provar que a teoria psicanalítica era
universal. O que podemos comprovar, é que o ser
humano normal não existe. Horney afirma no seu
conceito de neurose que: existe certa rigidez de reação e
uma discrepância entre potencialidades e realizações.
Quando um neurótico está vivendo um
determinado problema, sua reação é anormal e bastante
diferente de uma outra pessoa que reage totalmente ao
contrário daquele comportamento. A anormalidade de
uma pessoa se percebe na maneira de relacionar-se com a
sua subjetividade e na relação com os outros. O sintoma
de uma pessoa neurótica nesta abordagem teórica se
caracteriza pela falta de sinceridade, de honestidade, das

128
mentiras, falsidades, etc. O neurótico sempre suspeita dos
outros, está atento e desconfiado e, possivelmente,
transfere este sentimento às pessoas do seu convívio
pessoal. O psicótico está sempre atento a alguma atitude
de perseguição, de contrariedade, em relação a alguma
pessoa. Na sua fantasia, sempre existe alguém disposto a
prejudicá-lo, este delírio persecutório é evidência
concreta de uma neurose, pois todos sabem que esta
situação não existe, mas na fantasia do neurótico, é uma
realidade.
O neurótico é rígido, não existe flexibilidade. A
pessoa com saúde psíquica sabe ceder e negociar e, se for
preciso, muda sua maneira de pensar. Os padrões
culturais de cada sociedade indicam, na verdade, o grau e
intensidade do que pode se considerar neurose. Quando
uma pessoa se desvia das normas, regras, leis, costumes e
tradições de uma cultura, provavelmente será taxada de
neurótica. E, aquela que seguir esta orientação prescrita
pela cultura, é considerada normal. Muito da
potencialidade de uma pessoa pode ser impedido de
colocar em ação por causa da repressão de uma
qualidade, um valor ou de uma crença.
Estas forças culturais podem impedir a pessoa
de tornar-se produtiva, ou seja, apesar da natureza estar
presente no seu organismo com toda a sua potencialidade
de inteligência e criatividade a pessoa não consegue
retirar a força, a energia psíquica necessária para utilizar
a favor do seu desenvolvimento pessoal, da sua realização
profissional, da convivência harmoniosa com a família. O
neurótico não sabe usufruir das capacidades inatas

129
oferecidas pela sua natureza humana. O conceito de
“produtivo” está relacionado à saúde mental, ou seja,
aquela pessoa que consegue utilizar todo o seu potencial
de inteligência, de organização, de planejamento, com a
finalidade de viver e usufruir dos benefícios que a
existência colocou à sua disposição.
Ao analisar o processo de formação neurótica,
Horney constatou que existe uma ansiedade básica
presente em toda sua manifestação, além disso, estão
presentes os mecanismos de defesa. A ansiedade é o
motor da neurose, esta emoção do medo mantém o
paciente inquieto e improdutivo nas suas ações. A pessoa
portadora de uma neurose não tem consciência do
conflito básico. A neurose, no entender de Karem
Horney, é uma perturbação psíquica provocada pelos
medos e a fantasia em relação a esta emoção. Ao se
encontrar nesta situação de conflito, procura estabelecer
relações de compromissos com os ganhos secundários.
Horney afirma que a condição de qualquer
paciente para solucionar sua neurose é a segurança
emocional. Na clínica psicanalítica, as “neuroses de
caráter” podem ser identificadas quando o paciente
vivencia uma série de projeções e fantasias que não tem
relação com a realidade. Esta perturbação psíquica tem
sua origem na infância, esta falta de integração entre o
seu “eu” fictício e a realidade. Suas dificuldades nos
relacionamentos e na vida podem estar ligadas à estrutura
rígida e teimosa de apreciar o seu mundo vivido, em
decorrência disto, projeta nas suas relações sociais estes
seus sentimentos e emoções.

130
Para Horney é muito mais fácil curar os
sintomas do que transformar o caráter de um paciente. A
cura verdadeira exige mudança na maneira de ser, agir e
pensar. Inclusive pode não existir nenhum tipo de
sintoma psicossomático, mas o sintoma principal é o
desvio de seu caráter. Na sua compreensão, o que
determina a saúde e a doença não é o tipo de doença ou
sintoma, mas sim a sua neurose de caráter. Horney
defende a utilização, na clínica psicanalítica, de um
método funcional e não o genético e causal de Freud.
Conhecer a causalidade ou etiologia do sintoma
não é suficiente para realizar a cura do paciente. A
condição da segurança emocional passa pela superação
dos medos inconscientes, a emoção do medo é a energia
propulsora da ansiedade básica, o analista deve entender a
função da neurose num contexto mais amplo, é preciso
entender a estrutura do sintoma como uma defesa
protetora de uma carência especifica. Muito dos desvios
de caráter estão presos ao medo da intimidade e da
vivência do amor.
Freud defendia que a causa da neurose pode
ser explicada através dos traumas sexuais, dos quais
muito dos sofrimentos é uma repetição desta fixação
infantil. Na clínica de Horney, cada sintoma ou doença,
deve ser analisado como um conflito funcional, pois a
interpretação de um conflito de alguém foi a solução
encontrada para desempenhar e alcançar os seus objetivos
na vida de outra pessoa. Isto significa que a pessoa
vivenciou este mesmo conflito, mas a sua percepção e
interpretação foram diferentes. Conseguiu enxergar no

131
problema uma oportunidade de crescer e evoluir,
enquanto o neurótico assume uma condição de vítima, de
coitado, são dois modos diferentes de enxergar o mesmo
problema. A imaginação tem um poder sobre a
interpretação da realidade. Cada pessoa tende, de acordo
com a sua cultura e grau de inteligência, a perceber a
realidade de diferentes formas.
Freud entendeu que a frustração do desejo
libidinal era a origem da ansiedade. Existe uma diferença
entre o medo real e ansiedade fantasiosa. O medo real é
compreendido quando a realidade apresenta uma
experiência concreta que permite a existência deste medo.
A ansiedade irreal é fictícia, ou seja, este perigo é
fantasioso, é uma vivência subjetiva distorcida da
realidade. A pessoa utiliza sua imaginação para esconder
o seu temor atrás das suas fantasias. A ansiedade pode
apresentar-se em forma de raiva, ódio, vergonha, etc. O
prejuízo para a pessoa é enorme porque gasta tempo e
dinheiro tentando escapar da ansiedade.
Muitos não querem experimentar esta sensação
horrível do pânico, existem muitos tipos de fugas para
neutralizar a ansiedade, uma delas são os narcóticos, as
adições ao trabalho, ao sexo, etc. Aqueles pacientes que
passaram por uma crise de ansiedade preferem a morte do
que passar novamente pela experiência. A sensação de
estar desamparado, de sentir-se impotente, do desânimo,
da apatia. Alguns pacientes não querem o contato com
estas emoções e sentimentos, por isto mesmo sentem-se
vulneráveis e fragilizados por este estado de impotência.

132
As adições ocupam este lugar para neutralizar e fugir
desta sensação de inadequadação.
A defesa do racionalismo e do intelectualismo,
no combate às forças irracionais do mundo das emoções,
leva o paciente a um esgotamento de toda sua força física
e psíquica. A questão principal nos remete a perguntar, na
clínica psicanalítica, quais os motivos que levam este
paciente a encontrar-se nesta situação de falta de sentido
na vida. A resistência sempre aparece de forma evasiva e
sem maior interesse pelo tema. Na fantasia de quem vive
algum tipo de problema, mudar é o mesmo que buscar
mais problemas para resolver, por isto mesmo são
resistentes a qualquer tipo de mudança.
Na clínica analítica é preciso perceber as quatro
maneiras da nossa cultura para evitar a ansiedade; a
racionalização, a negação, a narcotização, o medo das
emoções e sentimentos. A ansiedade excessiva em
relação a alguma pessoa pode torná-la insegura. A
negação da ansiedade é colocá-la bastante longe de sua
consciência. Os principais sintomas da ansiedade são:
calafrio, suores, pulsação do coração acelerada, vontade
seguida de urinar, diarréia, vômitos, sensação de
intranqüilidade, sentir-se paralisado. De todas as formas
de negação consciente da ansiedade, a mais utilizada é
tomar muito álcool, psicotrópicos e entorpecentes.
Existem outros meios de neutralizar ou fugir do
encontro com a ansiedade, uma delas é preencher toda
sua agenda com encontro social, esconder-se no trabalho,
e na promiscuidade sexual. A ansiedade é o medo de ser
rejeitada, humilhada, perseguida, ou mesmo agredida.

133
Quando se encontra nesta situação, a ansiedade chega a
níveis insuportáveis, muitas vezes impedindo a pessoa de
pensar, trabalhar ou mesmo relacionar-se. Um paciente
com fortes inibições sexuais pode esconder-se sobre uma
religião para afirmar-se como alguém que respeita e
adimira as mulheres, desta forma propõe uma
perseguição aos homens maldosos e perversos que se
aproximam das mulheres com o desejo de levá-las para a
cama.
Toda luta neurótica contra a ansiedade leva a
pessoa a um completo esgotamento de suas forças
psíquicas, toda sua energia é gasta com os pensamentos
e atitudes para fugir dos medos inconscientes. Com
certeza, a hostilidade na clínica, deve ser diagnosticada
com uma das variáveis presentes na ansiedade. Estes
desejos de hostilidade estão escondidos em forma de
racionalismos, na maioria das vezes encontram-se
recalcados. Quando um paciente encontra-se numa
situação de conflito com alguém, mesmo sentindo-se
injustiçado, finge que está tudo bem, não tem coragem e
ousadia para enfrentar seu oponente, deixando-se
prejudicar por esta situação, é uma situação clara de
medo inconsciente.
O neurótico sente-se impotente, não consegue
defender seus interesses, pois assumir-se com
agressividade e hostilidade diante de uma outra pessoa é
um ato impensável e insuportável. Estas mesmas
emoções de hostilidade e agressividade reprimidas se
apresentarão em formas de símbolos nos sonhos e
fantasias. Quanto mais esta agressividade torna-se

134
recalcada, na mesma proporção a energia psíquica,
como num passe de mágica, desaparece da vida da
pessoa.
Estes pacientes têm medo de pronunciar-se
diante de pessoas autoritárias e dominadoras, porque
podem, na sua fantasia, ocupar o lugar dos seus fantasmas
opressores, como no caso, os pais, professores e
autoridades. Aceitam qualquer condição de humilhação e
injustiça para não sofrerem as mazelas do abuso sexual,
da agressão psicológica e das violências físicas. Esta
mesma agressividade recalcada não consegue impedir a
emoção da raiva, do ódio, da aversão, porque sabe
conscientemente que a sua integridade foi violada.
Para tratar a neurose básica é necessário
conhecer as diversas formas da manifestação da
ansiedade. Temos de fazer uma observação, existem fatos
e situações na vida da pessoa que é inevitável a
experiência da ansiedade, e muitas vezes pessoas vivem
sobre forte ansiedade durante a solução de um problema.
O prolongamento desta situação sem solução pode
desencadear uma ansiedade média, aguda ou mesmo
crônica.
A neurose de caráter pode mostrar através do
histórico de vida deste paciente onde se encontra a
origem do seu estado de pânico. Muitos dos medos que
assolam a humanidade é a solidão e o isolamento. Este
fenômeno social da modernidade demonstra a carência de
afeto, de amor, de carinho, de ternura, destas pessoas,
esta situação emocional pode desencadear também um

135
estado de ansiedade mórbido, com tendência auto-
suicida.
O ambiente da família, da escola e da sociedade,
é condição básica para a segurança emocional.
Infelizmente, os pais, professores e autoridades, com
raras exceções, não conseguem oferecer a estas crianças a
serenidade e a bondade necessária para prestar-lhe o
cuidado deste pequeno ser. Muitos educadores impõem
tarefas como punição, e suas avaliações são cheias de
tensão e medo, esta experiência de nervosismo e
intranqüilidade eleva os níveis de ansiedade dos jovens.
Existem duas maneiras de escapar desta sensação
horrível de impotência e julgamento; uma delas é
narcotizar a consciência com algum tipo de narcótico a
outra é expressar esta hostilidade de forma agressiva e
violenta contra os professores e a comunidade em geral.
Todas as formas de injustiça, de incompreensão,
de condenação e julgamento, aumentam os níveis de raiva
e ódio, estas emoções tendem a ser reprimidas porque os
alunos encontram-se sobre o impacto e controle da nota,
para muitos deles, não resta senão uma atitude: reprimir
toda esta hostilidade. Porém, estas mesmas emoções são
projetadas na escola, como por exemplo, quebrar os
vidros, riscar os carros dos professores, quebrar as
carteiras, tirar notas baixas, não fazer as tarefas,
desobedecer e criticar os seus mestres, enfim cada aluno
poderá usar sua inteligência e criatividade para expressar
esta ansiedade reprimida.
Existem vários fatores no discurso dos adultos, e
principalmente dos pais e educadores, que podem ajudar

136
a elevar os níveis insuportáveis de ansiedade, por
exemplo; dar preferência por um aluno e desmerecer o
outro, cometer avaliações injustas, exigir muito além
daquilo que eles podem dar, depreciar e humilhar os
alunos com dificuldade em aprender, fazer promessas e
depois não cumprir, inibir a criatividade, utilizar do poder
e da avaliação para ter controle e domínio de classe,
ridicularizar e menosprezar os alunos que tiram notas
baixas, punir os mais burros com a repetição de ano,
todas estas experiências estão presentes no íntimo do
aluno em forma de alguma emoção.
Mesmo aqueles pais e professores que não têm
consciência destes atos, ou porque acreditam que esta é a
melhor forma de ensinar, não resolve o problema da
ansiedade e do processo de autodestruição. Por isto
mesmo, não é de estranhar a enormidade de alunos e
jovens envolvidos no consumo de drogas, a única
maneira de impedir o aparecimento da ansiedade é
utilizar os sedativos, mas infelizmente não resolve o
problema.
Toda esta vivência emocional em sala de aula
perpetua e solidifica uma baixa auto-estima, um conceito
muito pobre de si mesmo. Este desprazer no estudo tem
sua origem no processo de massificação, da repressão, da
falta de sentido na vida. A escola não consegue
acompanhar este jovem aprendiz diante de suas dúvidas e
interrogações. Quando o conteúdo não está
contextualizado na vida do aluno, sua única saída é
tornar-se ausente e indiferente às exigências e cobranças

137
dos adultos, seu objetivo final é conseguir reprovar para
sair da escola.
Quando uma criança não recebe em casa, amor
e respeito pelo seu processo de aprendizagem, poderá
desenvolver uma reação de ódio em relação aos pais e
educadores. Esta sua desconfiança e mágoa são frutos da
indiferença e da sensibilidade do mundo dos adultos.
Devido a esta experiência, incorpora uma expectativa de
que todos os seus colegas e amigos tendem a fazer o
mesmo que os adultos, sua única defesa contra esta
ansiedade é procurar algum meio de neutralizar este
medo da existência. Se uma escola conseguisse oferecer
um ambiente acolhedor e compreensivo, realizar suas
exigências e cobranças com ternura e amor poderia, e
muito, atenuar e diminuir esta sua ansiedade.
As crianças são indefesas e dependentes das
avaliações dos adultos, pois precisam aprender com estes
educadores a amarem, a respeitarem, a serem
verdadeiros, a buscarem a justiça, a praticarem a
solidariedade, etc. Estes valores éticos são apreendidos
nas relações com os adultos, como pode acontecer o
contrário, crianças mentirosas, perversas, agressivas,
violentas, também dependem daquilo que aprenderam
com os seus heróis. O início da formação do caráter tem
seus primeiros ensinamentos em casa e depois continua
na escola. Muitas destas crianças aprendem a manifestar
as suas emoções, outras a recalcar e esconder suas reais
intenções.
Toda criança tem medo de ser abandonada, uma
das formas de combater este medo é agradar os pais

138
através de seus comportamentos, para preencher as
expectativas dos pais procura seguir a orientação dos
valores éticos e virtudes pessoais da família incorporadas
pelo processo de identificação. Estes valores serão
projetados nas relações com os colegas e professores.
Muitas crianças escondem a verdade porque têm medo
das represálias e das punições dos adultos, aprende a ser
insinceras, a serem falsas, eis o início da hipocrisia social.
A confusão no processo de internalização dos
valores acontece quando o adulto inconscientemente tem
um comportamento destrutivo e exige da criança
totalmente ao contrário, esta incoerência é fruto das
neuroses dos pais e educadores. Esta perturbação psíquica
dos adultos e de suas chantagens emocionais desenvolve
nestas crianças muita culpa, medo e auto punição. Na
área da sexualidade a única maneira de coibir um
comportamento tido como desprezível é a proibição. O
controle é feito através da vigilância e controle da sua
masturbação, caso continue neste comportamento
hedonista e pecaminoso sofrerá as conseqüências do
castigo imposto pelos pais. Muito do sofrimento das
crianças e adultos tem sua origem na ignorância sobre o
funcionamento do mundo da sexualidade e das emoções.
Esta possibilidade, do recalque da hostilidade,
possui a tendência de voltar-se como um contra-
investimento em relação aos pais. Uma criança que viveu
neste ambiente, provavelmente será um adulto cheio de
raiva e hostilidade contra si mesmo e a sociedade. Tem o
pleno convencimento de que o mundo é perigoso, sendo
muito difícil alcançar a felicidade. Esta criança se torna

139
muito sensível a qualquer tipo de crítica e de rejeição e
não saberá se defender quando for necessário. O conceito
de ansiedade básica para Horney é uma sensação de
sentir-se pequeno, insignificante, impotente, ameaçado,
em total perigo, por isto deve estar sempre atento para
não sofrer as seqüelas dos abusos, dos ataques, das
humilhações, das traições e das invejas.
É muito raro encontrar uma pessoa que tenha
consciência da ansiedade básica e da hostilidade, em
alguns casos, pode existir um deslocamento para coisas e
objetos, como por exemplo; medo de trovoadas, medo de
germes, medo de altura, esta sensação é acompanhado de
um sentimento de estar condenado a viver na dor e
sofrimento. A ansiedade básica torna a pessoa distante,
isolada e fraca interiormente, não consegue confiar em
ninguém e tampouco confia em si mesmo. Devido a este
estado de insegurança emocional, tem a tendência de
delegar e colocar a sua vida nas mãos dos outros, seu
desejo inconsciente é procurar um lugar de proteção, de
carinho, de alguém que possa dar a segurança e a
tranqüilidade de que tanto precisa.
Durante a análise é importante descobrir as
estratégias que o paciente utiliza em sua vida para fugir
da ansiedade. Estas defesas procuram uma espécie de
proteção, de segurança, entre elas está a afeição,
submissão, poder e renúncia. Estas defesas estão
interligadas entre si com o objetivo de suportar o conflito
neurótico. Uma criança tem uma necessidade de afeto
harmoniosa e espontânea ao passo que o adulto busca este
afeto de forma compulsiva.

140
Na análise aparece a necessidade inconsciente
da busca de afeição, o neurótico nunca está satisfeito
com o carinho que recebe, sempre está disposto a
negociar esta atenção, muitas vezes realiza favores e
assume compromissos dos outros com o intuito de
agradar e jamais desagradar a pessoa que lhe dá afeto.
Não consegue estar sozinho, tem medo da solidão, por
isto mesmo sempre está rodeado de pessoas e sua agenda
está completamente cheia de afazeres. O sofrimento ainda
é maior quando alguém se dispõe a oferecer este afeto tão
desejado, do ponto de vista emocional não consegue
aceitar e tampouco retribuir porque acredita que se
tornará um dependente emocional.
Existe uma defesa prática para a proteção da
ansiedade básica chamada “desejo de poder”, de
dominar, de impor suas idéias, de ter prestigio e de
adquirir riquezas, esta compulsão é doentia, este paciente
é escravo do poder do dinheiro. Outros reivindicam o
poder pela imposição da força física, das magias, e outros
utilizam artifícios para impressionar o oponente. A luta
pelo poder pode estar relacionada a ocupar um cargo na
empresa da família, a ter uma liderança de destaque na
Igreja, mas esta busca de poder desenfreada desencadeia
uma série de atitudes equivocadas e antiéticas. Esta
ansiedade está escondida por detrás desta ânsia de poder,
sua fantasia é de que, de posse do poder, pode amenizar o
seu sentimento de inferioridade, com o poder em suas
mãos está seguro e ninguém poderá prejudicá-lo.
A hostilidade do neurótico é diagnosticada
quando existe uma tendência por parte do paciente para

141
dominar, humilhar, roubar, enganar, usurpar, explorar, é
uma pessoa mesquinha e invejosa. Esta prática de
energia emocional pode voltar-se contra a pessoa, muitas
vezes encontra-se transtornada e com muita ansiedade
porque acredita que alguém pretende enganá-la ou
explorá-la. Quando a hostilidade chega aos níveis de
descriminar, menosprezar, frustrar, derrotar os outros,
este paciente encontra-se num quadro patológico bastante
sério.
O gasto de sua energia psíquica é consumido
pela sua fantasia de estar sempre justificando seus
métodos de exploração e dominação, às vezes tentando
controlar esta compulsão, quando não consegue seu
objetivo tem que lidar com a frustração e, além disso, está
sempre preocupado se os outros estão com inveja dele.
Este paciente está preso às garras desta neurose básica.
Quando inicia o rosário de queixas sobre as suas faltas e
as tentativas infrutíferas de suas iniciativas, na clínica, é
importante observar se não existe o papel de submisso.
Este paciente pode manifestar a tendência, no seu
trabalho ou nas relações interpessoais, a reprimir os seus
“desejos potenciais”, como uma estratégia para esconder
esta sua qualidade com medo de causar ressentimento ou
mágoa.
Este recalque dos seus potenciais, que adveio
do medo da crítica dos outros, permite que abusem e
humilhem, fica em silêncio e não tem coragem de
defender-se, encontra-se paralisado diante do opressor.
Na sua fantasia, o fato de ser humilhado diminui a sua
culpa e com isto diminui e muito a possibilidade de ser

142
rejeitado, ao ter esta reação dócil, acredita e tem
esperança de receber afeto e carinho desta pessoa algum
dia. Enfim, este paciente confuso, utiliza seu potencial de
inteligência emocional e cognitiva para acumular bens
materiais, sua estratégia consiste em buscar a segurança
emocional no dinheiro, mas para isto deixa as pessoas em
segundo plano, às vezes chega ao cúmulo de divorciar-se
de pessoas do seu convívio mais íntimo, pois tem medo
de ser roubada.
O ganho secundário é quando a pessoa
renuncia a uma qualidade ou potencial para optar por
outro tipo de ganho afetivo. Uma mulher casada pode
encontrar este ganho, assumindo uma condição de
submissão de obediência irrestrita ao marido para receber
seu afeto e amor. Todo ganho secundário é um
compromisso inconsciente com algum desejo recalcado
ou reprimido, sua única defesa é negá-lo, depois disso
incorpora-se nesta condição de inoperância e insensatez.
Todo ganho secundário é um desvirtuamento equivocado
da energia psíquica, acontece que esta opção não atende
às emoções básicas e nem às pulsões do organismo, esta
situação tende a manifestar-se numa série de
sintomatologia fisiológica e existencial.
Karem Horney questiona o conceito do
Complexo de Édipo de Freud, estas fixações dos filhos
pelos pais não têm raízes biológicas ou sexuais. Estas
aproximações dependem muito das condições afetivas.
Uma das condições é forçar o estereotipo sexual em
relação a um dos filhos, outra forma é valorizar a
expressão de comportamentos aprovados pelo ambiente

143
cultural e da família. Muitas crianças desenvolvem uma
hostilidade contra si mesmo porque se sentem culpadas
de dirigir esta violência contra os pais. Esta ansiedade do
medo de perder o amor dos pais justifica seu
comportamento hostil e grosseiro do garoto e meigo e
sensível na menina. Este tipo de identificação acontece
muito mais pelo ambiente do calor emocional e as
motivações inconscientes projetadas sobre seus filhos.
A identificação sexual depende muito da
estimulação dos pais em relação aos seus filhos. Todas as
crianças estão interessadas é no afeto e proteção, em
sentirem-se amadas e cuidadas, portanto esta idéia de
afirmar-se sexualmente diante dos pais é uma neurose dos
adultos, que exigem uma identificação de gênero muito
precoce e fora de contexto.
O objetivo maior das crianças, quando se
aproximam em relação a um dos pais, não é a questão
gênero, e muito menos algum tipo de desejo sexual,
existe sim, a busca de segurança e amor. Estas
identificações podem acontecer num processo de
inversão, ou seja, a criança pode identificar-se com os
comportamentos neuróticos de seus pais. No entender de
Horney, não existe um desejo sexual ou alguma
conotação erótica entre os irmãos e pais em relação à
sexualidade, por isto não cabe esta denominação de
complexo de Édipo.
A formação do caráter, em relação à
sexualidade, depende muito do tipo de educação e do
preparo dos pais para ajudar a criança a fazer esta
passagem no processo de identificação de sua

144
sexualidade. O ato de educar, dos adultos, em relação ao
tema do sexo, pode causar tanto a saúde como a doença,
portanto esta estimulação precoce, às vezes equivocada,
pode desenvolver uma inferioridade, medo e aversão ao
sexo. A educação é o modo de comunicar e responder as
indagações da curiosidade da criança em relação a sua
sexualidade, por exemplo, a questão do castigo e da
proibição da masturbação ou do conhecimento do seu
corpo. Ao educar, os pais e educadores devem estar
preparados para perceber que o castigo corporal ou a
humilhação, aumentam o estado de ansiedade e pode
causar sérios danos à sua prática sexual no futuro.
Na terapia analítica os conceitos patriarcais e
machistas de Freud aparecem na exposição
preconceituosa em relação à sexualidade feminina, por
exemplo; que na relação sexual a mulher deseja ser
violentada, humilhada, que a menstruação alimenta
fantasias masoquistas, que o nascimento do filho é o
clímax da satisfação masoquista. A teoria da inveja do
pênis. Muitas das pacientes procuram explicações
racionais muito simples para seus problemas, em vez de
enfrentar a verdadeira causa da dor. Uma das maiores
dores, é o fato de ter que mudar, de sair de uma condição
de ganho secundário.
Este tipo de interpretação da psicanálise,
clássica não condiz com a verdade, por exemplo; quando
uma mulher tem raiva do marido é porque infelizmente
ela nasceu sem pênis, esta emoção da raiva é porque não
tem um pênis, ou seja, o clitóris é um pênis atrofiado.
Outro tipo de interpretação poderia ser a competição

145
inconsciente, o narcisismo do marido, impediu a
existência do diálogo e da aproximação, em seu lugar
tomou conta as brigas e as discusões.
O desejo de ter um pênis simboliza a
possibilidade de possuir as qualidades masculinas, força,
coragem, independência, liberdade sexual. Poderíamos
então afirmar que os homens têm o desejo de possuir uma
vagina que simboliza as qualidades femininas,
sensibilidade, diálogo, emotividade, ternura,
companheirismo. Mesmo as mulheres e homens que
sofrem de algum tipo de neurose, podem estar
relacionados a inibições, ignorância emocional,
insinceridade, desentendimentos, mágoas e
ressentimentos.
O conceito de neurose básica, pode ser
diagnosticado na clínica psicanalítica em relação a três
fatores, o primeiro é a relação que o paciente tem em
relação a si mesmo, o segundo, em relação aos outros e
um terceiro, a um estilo de vida bom para a sua saúde
emocional ou em prejuízo, adquirindo doenças e
patologias. Este movimento pode estar implicado no
desejo de aproximação, de afastamento, ou de competir
com as pessoas. Estas atitudes são facilmente
encontradas na vida destes pacientes. Esta ansiedade
básica toma a característica de impotência exagerada,
hostilidade e isolamento.

A teoria e a clínica de Harry Stack Sullivan é


uma das mais difícieis de entender, sua linguagem é
muito técnica, seu pensamento é muito complexo, sua

146
reflexão segue a lógica da síntese. A teoria das relações
interpessoais é uma das mais difícieis de trabalhar na
clínica psicanalítica. A sua tese é muito verdadeira,
Sullivan diz que é impossível ao homem alcançar seus
objetivos e satisfazer suas necessidades básicas e
superiores sem a capacidade de relacionar-se com o
outro.
Todo o processo de aprendizagem acontece
através dos relacionamentos, quando as pessoas se
reúnem para comer e beber, para se divertir, trabalhar,
realizar um projeto, viver o amor, ter uma relação sexual,
etc. As pessoas aprendem de uma maneira ou outra, algo
de positivo ou negativo. Quando acontece o fenômeno
das perdas, a morte de um amigo, uma mudança brusca
de cidade, uma doença grave, a solidão e o isolamento
num país distante, mostram o quanto o ser humano é
dependente de suas relações.
O ser humano está sempre atuando com o
mundo físico, mental, psicológico, social, que seria
impossível uma pessoa viver de maneira isolada. O
isolamento completo é sinônimo de morte psicológica e
de doença mental. A clínica analítica de Sullivam
concentra sua atenção sobre a questão do desempenho
humano, relacionados aos sonhos e fantasias sobre
determinada realidade.
O conceito de saúde mental é atribuído ao nível
de satisfação das suas necessidades básicas e superiores e
da sua segurança emocional. Mas é importante, no
diagnóstico e avaliação das primeiras entrevistas,
verificar se estas satisfações básicas estão sendo

147
atendidas e satisfeitas, por exemplo; se tem um sono
tranqüilo, se existe em sua vida o repouso e o lazer, qual
é o tipo de alimentação, se existe algum tipo de
compulsão com bebidas alcoólicas, como está sua vida
sexual e afetiva.
Esta satisfação das pulsões depende do respeito
e de sua relação pessoal com o seu corpo. A solidão é
saudável quando o paciente prioriza um tempo para
pensar, refletir, estudar, ou contemplar o resultado de
suas ações. A solidão doentia é quando o paciente foge de
si mesmo e esconde-se dos outros e da sociedade, esta
fuga é um sinal claro de insegurança e de muita
dificuldade de relacionar-se com os outros.
A segurança emocional refere-se ao seu bem
estar, a estar em paz consigo mesmo e com os outros, este
estado de alegria e felicidade altera a organização e os
sistemas dos seus tecidos, glândulas e órgãos do
organismo. O ser humano precisa da cultura e da
convivência em sociedade para desenvolver a sua
humanidade, estes valores éticos e morais são frutos do
processo de aculturação. Desde o nascimento, estamos
nos relacionando com pessoas e somos totalmente
dependentes delas, por exemplo, a mãe, o pai, o
professor, enfim, todas aquelas pessoas que fazem parte
da vida da criança. Existem pessoas das quais as crianças
gostam mais, e de outras que se afastam.
O sentimento de aprovação e desaprovação é
produto do ato educativo em relação à repressão ou
liberação do potencial criativo das crianças. A cultura
também favorece, neste processo de formação do caráter,

148
quando impõe regras, normas, leis, crenças, costumes,
tradições, a maneira de ser e agir da criança. Muito do
comportamento da criança é determinado pelas suas
necessidades biológicas, mas nem toda a solução ou
padrões educativos da cultura podem satisfazer os desejos
destas crianças.
A vivência em comunidade leva a criança a
interagir com outras maneiras de pensar e agir. Esta
experiência das trocas de aprendizagem consegue ampliar
o leque de descobertas feitas em conjunto. Além disso,
propícia um ambiente de confiança entre seu grupo, estas
ações benéficas de um grupo de pessoas pode ajudar
muito a sua comunidade, ao conviver com as diferentes
formas de pensar e ideologias, consegue desenvolver, em
conjunto com o grupo, o papel da negociação. Estas
atitudes dos amigos, que juntam todo o potencial para
alcançar um objetivo comum, chegar ao sucesso, ou
realizar um projeto. Este aprendizado em grupo aumenta
a auto-estima e recebe por parte dos seus amigos e
colegas a confiança e o respeito pelas suas capacidades
pessoais.
Ao analisar o inconsciente do paciente, é preciso
estar atento ao grau de tensão e nervosismo durante as
primeiras sessões da terapia. Quando o paciente vai falar
sobre um trauma ou uma experiência dolorosa,
automaticamente altera nos seus músculos lisos e
involuntários, este estado de ansiedade e medo de
comunicar este conteúdo emocional aumenta ainda mais a
intensidade da tensão podendo modificar o
funcionamento visceral, dos músculos motores. Esta

149
alteração dos músculos internos do estômago está
relacionada às sensações de insegurança, medo, e
frustrações. O analista deve estar atento a esta linguagem
corporal para poder atuar neste tipo de transferência de
ansiedade, é preciso tranqüilizar e interpretar este estado
inconsciente de intranqüilidade e tensão.
O paciente pode, durante a terapia, sentir dores
no estômago em decorrência das contrações musculares e
do funcionamento neuro químico de suas células. A única
maneira de a pessoa diminuir estas dores estomacais é
ingerindo alimento, esta ingestão leva à liberação de
substâncias nutritivas armazenadas no fígado, através
desta reação diminui ou termina estas contrações no seu
conteúdo gástrico.
A emoção dolorosa interfere sobre o sistema
fisiológico do organismo, consegue aumentar ou diminuir
o estado de tensão dos músculos, alterando o
funcionamento do aparelho respiratório, do sistema oral-
digestivo, e da capacidade de comunicação. O ambiente
pode ajudar a melhorar ou a piorar este desconforto da
dor. A presença de uma pessoa pode inibir as suas
funções neuropsicológicas e neurofisiológicas, então este
grito de dor é um alerta destes ambientes tensos e cheios
de cobrança. A inibição de um padrão complexo de
comportamento pode esconder alguma emoção que foi
reprimida ou recalcada. Quando existe ambiente cheio de
stress, há o aumento da ansiedade que é uma
conseqüência da falta de liberdade de ser e de agir. Toda
experiência, nestes ambientes de hostilidade ou de

150
proibições, pode deslocar-se para o tono elevado em
alguns músculos estriados.
O estado de tensão nervosa é tão grande que
esta alteração do sistema nervoso pode modificar hábitos,
o funcionamento do intestino grosso e no reto, mais
conhecida como constipação. Quando existe
compreensão e um ambiente de tranqüilidade, estes
mesmos órgãos voltam a funcionar normalmente. Esta
ação de conseguir voltar ao estado de tensão normal ajuda
a elevação da auto estima e do auto-respeito. Muitas
pessoas, quando se encontram muito tensas, desenvolvem
uma defesa de começar a sorrir sobre nenhum motivo
aparente, estas risadas compulsivas conseguem diminuir
o estado de tensão e com isto alivia a ansiedade e tensão
muscular.
As exigências das pulsões de fome, sexo, sede,
sono, desenvolve na pessoa uma busca pelo poder. O
poder está relacionado com o desejo de conseguir a
segurança emocional tão importante nas relações
interpessoais. Aqueles que não conseguem atender as
suas necessidades básicas tendem a sentir-se impotentes
e desanimados. Todas as buscas do ser humano estão
relacionadas à superação deste estado de insegurança na
existência. Quanto maior forem as repressões, abandono,
rejeição, vivenciado na infância, na mesma medida existe
a necessidade de compensar esta insegurança na
acumulação de poder para neutralizar e esconder o seu
complexo de inferioridade. Quando uma pessoa consegue
desenvolver suas capacidades de interação social para
atender as suas necessidades básicas, automaticamente

151
sente-se respeitado, valorizado, inteligente, capaz e desta
maneira, consegue respeitar, valorizar e ajudar os outros.
A relação das emoções entre a criança e o adulto
pode desenvolver-se num clima de forte empatia. A
criança não sabe o que está acontecendo, mas este
contágio emocional consegue ampliar os laços de ternura
e carinho. Esta comunicação emocional não acontece
pela utilização da razão e sim pela sinergia inconsciente.
Durante a sessão de análise, ocorre também este contágio
emocional, porém é preciso que o analista entenda a
comunicação emocional desta relação significativa e
importante da relação analítica.
São três tipos de experiência emocional: a
primeira é a prototático*, significa a primeira experiência
da infância que aconteceu com os seus pais, é importante
saber o lugar desta emoção na sua vida. Aos poucos
aprende a fazer as distinções do processo de individuação
entre ele mesmo e o mundo. Existem objetos e coisas de
todas as espécies que a criança consegue sentir o gosto na
sua boca, mas existem outras tão distantes e impossíveis
de alcançar que sua vontade ficará na sua mais pura
dedução. O termo paratático de experiência organizada
ocorre com a ajuda dos canais visuais e auditivos.
A criança, no seu processo de aprendizagem,
inicia este processo de assimilação e dedução através do
símbolo, às vezes percebe a diferença entre um símbolo

*
Como o risco de confusão é muito grande, recordemos que o termo
paratático como sintático é igualmente um termo gramatical, que se
refere à disposição seriada de orações ou proposições, sem empregos
de conetivos, tais como “e”, “ou”, “desde que” etc.

152
numa imagem e a realidade que o mesmo símbolo se
refere; esta diferença entre o símbolo e o simbolizado,
ocorre muito antes da articulação das palavras. A palavra
escrita começa a ter um significado simbólico muito
importante no processo de evolução do conhecimento
desta criança.
O processo de assimilação inconsciente obedece
ao seguinte processo: Primeiro o adulto utiliza sua
tonalidade de voz para dizer “gato”; depois mostra o
“desenho” do gato, e logo mais uma estatueta do gato. Ou
seja, talvez o educador não perceba que não existe
consciência da criança para um entendimento lúcido para
estes diversos tipos de realidade sobre o “gato”. Muitas
vezes pode acontecer a confusão na identificação destes
animais. Depois a criança aprende o nome “mama”,
quando chora e grita pelo seu nome percebe com a maior
nitidez que é prontamente atendida, ou seja, para ser
atendido a criança percebe que precisa utilizar gestos e
palavras.
A reação dos adultos impõe à criança um tipo de
sílabas e palavras, a criança ainda não consegue fazer o
uso sistemático do significado cotidiano da linguagem.
Começa a sua aprendizagem por tentativa de erro e acerto
e aos poucos aprende a formular corretamente as
palavras. As palavras ajudam a criança a economizar
energia em relação ao tempo e espaço. Estas
aprendizagens são apreendidas no seu pleno significado
nas atividades de grupo, nas relações interpessoais, e
nas experiências pessoais, o significado do símbolo foi
internalizado como uma verdade pela criança. Existem

153
sempre outros significantes na experiência em relação
aos diversos símbolos conhecidos, nem sempre a criança
sabe a diferença e seus significados.
A linguagem sempre tem um duplo significado,
aquilo que incorporou da aprendizagem de um outro, e as
transformações feitas pela própria criança, em relação ao
símbolo. A palavra tem, no seu conteúdo, uma expressão
simbólica, este conteúdo tem o desejo de notificar uma
realidade, muitas vezes, o processo de realização deste
significante é feito de maneira errada e ilusória, esta
imagem do símbolo da realidade pode ter sérias
implicações sobre seu estado psíquico, pode interferir na
relação consigo mesmo, com os outros, e com a sua
comunidade.
Esta dinâmica do self é uma configuração onde
a energia se organiza e é canalizada no organismo
humano. Esta dinâmica é capaz de alterar e modificar a
intenção primeira da energia psíquica. Na análise, a cura
acontece quando o paciente entende que as restrições e
dificuldades foram necessárias para o seu processo de
aprendizagem e evolução pessoal. O significado do
conceito de “interpessoal” está presente nas relações com
as pessoas do seu convívio, mas também existem nas
“personificações fantásticas” que no passado serviram de
“representações potenciais” de outras pessoas muito
significantes em sua vida. Independente de serem pessoas
reais, imaginárias ou inexistentes pode ser usado para
uma elaboração interpessoal.

154
Quinta Parte

5.0 A teoria e a prática clínica da psicanálise


humanista de Erich Fromm.

A teoria e clínica de Erich Fromm (1900-


1980). Vamos iniciar com um comentário sobre a questão
clínica da psicanálise humanista. Sou um defensor da
clínica psicanalítica, não tenho nenhum desejo de
combatê-la, muito ao contrário, se faço alguma crítica ao
método da teoria clássica é porque por muito tempo ficou
sem vida sua prática, como também de outros métodos de
terapia que retiraram da psicanálise o que era mais
conveniente. A psicanálise não serve só para a cura de
doenças, mas também para a libertação íntima do
homem. Não é só uma terapia para eliminar os sintomas,
mas também um meio para promover o desenvolvimento
e as potencialidades do homem. 26 Erich Fromm não é
conhecido somente como um psicanalista, apesar de ter
praticado a clínica psicanalítica por mais de cinqüenta
anos. É bom lembrar que durante quarenta anos foi
docente de vários institutos de psicanálise, supervisor,
analista didata. Ajudou a fundar os institutos de Nova
York e no México.
Muitos psicanalistas fizeram sua análise com
ele, eles são testemunhas da sua exigência para encontrar
a verdade, sabia escutar as críticas com atenção e
valorização. Fromm tinha um desejo enorme de
26
Fromm, Erich. El arte de escuchar. Ed. Paidos. Barcelona. 1993.
Pág.13

155
especificar o seu método da clínica humanista, mas
infelizmente não conseguiu realizar este objetivo. A
relação com o paciente, com os analistas em formação e
com os colegas está descrita, em muitos artigos de vários
psicanalistas em relação à clínica psicanalítica de Fromm.
Fromm nunca quis na verdade, fundar uma
escola de psicanálise, e tampouco publicar um manual de
técnica psicanalítica. Acreditava que o psicanalista tinha
de ter a liberdade e ao mesmo tempo maturidade para não
ficar preso a um diagnóstico de uma patologia, mas
erguer seu olhar sobre um horizonte mais amplo, tentar
enxergar além das especificações e conceitos da cultura
atual. A performance de um psicanalista humanista é de
uma prática voltada para entender toda a dimensão
humana, isto significa compreender as manifestações do
sofrimento e da dor sobre a ótica da compensação da
natureza.
O psicanalista, nesta corrente teórica, é um
homem estudioso da antropologia cultural e social, esta é
a primeira condição para entender as reminiscências deste
homem alienado pelo processo de aculturação. Em
relação ao paciente, estava sempre presente sua postura
humanista. Não olhava o paciente como um objeto, nem
como uma pessoa diferente ou distante. Entre o analista e
o analisando sentia uma solidariedade profunda e ao
mesmo tempo uma relação de um cuidado consigo
mesmo, se sentindo disposto a aprender, em vez de
esconder-se atrás de uma técnica psicanalítica. 27 O

27
Ibidem. 1993. Pág. 15

156
analista é seu próprio paciente mais próximo, e seu
paciente se transforma em seu analista. Fromm, de fato
realiza um trabalho muito profundo consigo mesmo,
levava a sério a sua vida e com isto pode analisar os seus
pacientes porque tinha bastante claro o problema da
contratransferência.
No entender de Freud a sua teoria psicanalítica
clássica não mudou muito desde o inicio de suas
publicações. O conceito de neurose de Freud é que existe
um conflito entre os instintos e o “ego”“, sua reflexão
consiste em afirmar que este “ego” não é bastante forte e
seguro para resistir às investidas do “id”, quando estas
forças invadem o “ego” então surge a neurose. Esta é a
idéia principal da teoria de Freud, a solução deste conflito
consiste em fortalecer o “ego”, resgatando na infância as
reminiscências do trauma psíquico ou da repressão de
uma emoção. Ao liberar o paciente da energia reprimida,
o ego se recompõe para poder enfrentar os impulsos do
id.
Como Freud mesmo afirmou, seu desejo era de
que o paciente não sofresse mais dos seus sintomas e que
conseguisse superar suas angústias e inibições. Mesmo
que isto aconteça, no caso, o desaparecimento dos
sintomas do, isto não significa que o paciente esteja
curado. No texto da entrevista de Richard Evans com
Fromm28 afirma que Freud fez importante contribuição à

28
Entrevista com o Dr. Erich Fromm realizada pelo Dr. Richard
Evans, texto retirado do arquivo pessoal do Instituto Mexicano de
Psicanálise. Tradução textual do diálogo registrado no vídeo da
biblioteca do Instituto Mexicano de Psicanálise em 1966.

157
psicanálise, mas infelizmente todos os conceitos estão
atrelados a sua tese central da libido sexual.
A crítica de Fromm se refere, por exemplo, ao
conceito de narcisismo, dizer que este narcisismo
primário da libido está posto no interior do ego e do Id, e
do narcisismo secundário que projeta sobre os objetos
externos e acaba se retraindo ao id, corresponde a uma
visão muito mecanicista. 29 Esta tipografia do aparelho
psíquico de Freud não corresponde à realidade do
movimento da energia psíquica, de forma alguma
podemos afirmar que a pulsão mais importante do
organismo humano se chama instinto sexual, ou seja, esta
forma de atuação inconsciente passava-se a denominar
libido.
O modelo explicativo de Freud em relação ao
movimento da pulsão libidinal é de uma pulsão que entra
e sai da mente através dos impulsos. Neste caso o
narcisista encontra-se numa situação muito além da
simples realização da sua libido, este homem está à
procura de sua realização humana, o humano transcende a
questão libidinal, esta humanidade encontra-se em
choque de coalizão com as crenças, ideologias,
moralidade, religiosidade, dificuldades econômicas, etc.
São estas as respostas que a existência pretende buscar no
íntimo de cada homem, neste mesmo homem encontra-se
uma subjetividade invadida pelos seus sucessos e
fracassos.

29
Ibidem. 1966. Pág. 3

158
Estas mesmas emoções descrevem também uma
história de vida. No íntimo do pensamento, institui-se
uma humanidade, às vezes a realidade é perversa no
sentido de trair os valores e qualidades do ser humano. As
injustiças sociais, a miséria, a fome, a ignorância
emocional e outras formas de agressão à subjetividade
realçam, na realidade, um narcisismo secundário ou, uma
defesa contra uma sociedade injusta e hipócrita. Este
mesmo homem realiza sua subjetividade, não a partir da
sua relação com a mãe, ou no seio de uma família, as suas
experiências de vida estão muito além da simples
convivência desta díade. Esta experiência negativa, de
exclusão social, de não ter as condições mínimas de
sobreviver às intempéries de uma sociedade excludente e
injusta.
Este narcisismo, em muitos casos, é uma defesa
contra as formas de agressão e violência social. Ao calar-
se para o mundo, fecha-se também para si mesmo e ao
outro. É um narcisismo de sobrevivência psíquica e de
muito medo das injustiças da sociedade. Narcisismo este,
permeado de frustrações, de revolta, de indignação, de
incredulidade, de desconfiança, de desânimo, de apatia.
Como vamos falar de energia psíquica a um ser que se
encontra perdido e desamparado, sem rumo e que perde o
sentido de existir? Este mesmo psiquismo precisa de
novas forças para poder subsistir à descrença que existe
em relação a si mesmo. Não podemos regular e modificar
as reações de atitudes no cérebro com uma visão
neurológica e fisiológica do cérebro. As atitudes, sejam

159
elas quais forem, estão acima de uma explicação
topográfica.
Quando um homem encontra-se perdido,
confuso, e indeciso, deve existir algum fundamento para
este estado de tristeza. Este desânimo está presente no
íntimo deste homem porque carrega nas suas costas uma
bagagem de raiva, mágoa, ressentimento, e talvez ódio.
São estas emoções, vivenciadas em algum momento de
sua vida, emoções estas que precisam da palavra, do
diálogo, da discussão, da provocação, para ressurgir do
âmago do inconsciente e expressar-se em indignação e
revolta. No processo de formação desta emoção, está
presente uma história, pessoas, deduções, interpretações,
e a convivência com algum tipo de injustiça.
Uma emoção é a interpretação baseada na
realidade de algum tipo de injustiça, esta experiência de
sofrimento e dor psíquica recria no seu íntimo um ódio
mortal contra pessoas e a sociedade. A sociedade é feita
de pessoas, estas mesmas pessoas são frágeis e limitadas,
indiretamente representam o lado mesquinho e hipócrita
de uma visão primitiva e gananciosa. Figuras de
autoridade, ou mesmo simples cidadãos, projetam nas
pessoas do seu convívio as suas crenças, valores,
costumes, ensinamentos, ideologias, e também seus
preconceitos pessoais e coletivos. Esta relação de poder
daquele que se acha no direito de culpar, vigiar, punir e
condenar o outro, imbuído de sua ideologia autoritária,
está revestido de um narcisismo brutal e primitivo. Sem,
ou com consciência, pensa somente em si mesmo.

160
Esta sensação de desconfiança e descrédito, em
relação ao mundo e às pessoas, é uma projeção da sua
experiência interior, mas este sentimento é verdadeiro,
sua opção por fechar-se num mundo próprio tem suas
razões de ser. O narcisista primário representa, nos dias
de hoje, o narcisista sem valor ético. Este narcisista pós-
moderno atende às exigências da exploração, da
manipulação e de tirar vantagem das pessoas e das coisas
a qualquer custo. Imbuído de suas certezas, obedece
cegamente as suas ideologias, e uma delas é a
representação de sociedade e das pessoas internalizada a
partir da imagem do discurso imagógico das figuras de
autoridade.
Estamos começando a perceber que atrás deste
narcisismo agonizante e mortífero, existe uma sensação
de mal estar consigo mesmo, esta sensação de poder
realça a compensação pela sua inferioridade. Em todas as
instituições estão presentes os agentes sociais, os
protagonistas da ação obediente em fazer valer a ordem,
as regras, às leis, independente de serem justas ou
injustas. Seu condicionamento é atrelado ao estímulo,
resposta e reforço, muito bem elaborados e treinados
como cães de guarda. Este homem, depois de idiotizado,
não consegue pensar por si mesmo, depende sempre de
uma ordem superior. Eis o ser autômato, este narcisista
atende ao idiota interior, talvez Freud não tenha se dado
conta, ou não teve a coragem suficiente para ir de
encontro aos outros narcisismos.
A clínica psicanalítica humanista busca retirar o
homem do seu estado de alienação e massificação social

161
ou mesmo religiosa. Existe, é claro, religiões e religiões,
me refiro mais especificamente àquelas que utilizam o ser
humano para seus fins comerciais, tudo em nome de
Deus. O narcisista ignorante é aquele que foi idiotizado
pelas forças das ideologias dominantes. É um ser
desprovido de cultura, de inteligência, de amor, de
segurança. Existem ideologias que oferecem tudo isto a
um preço bastante cômodo, basta somente se entregar à
ideologia vigente. Este processo de alienação social,
política, econômica, ou religiosa, trabalha em cima das
necessidades básicas do homem, esta não é nenhuma
novidade, porque desde que o homem existe sempre
esteve presente a proposta de dominação do homem pelo
homem.
Porque existem crenças, idéias fixas,
condicionamentos, hábitos, totalmente destrutivos e
alienantes e outros que auxiliam na produtividade da vida
e da alegria. A estrutura psicopatológica obedece à outra
forma de compreensão do estado de alienação individual
e social. Muitas destas propostas ideológicas, da
libertação e do amor universal, são apenas chamariscos
para atrair as abelhas ao pólen.
Freud valorizou o conceito do complexo de
Édipo, do processo de identificação com um dos seus
progenitores, quando o menino se aproxima da mãe e não
permite a aproximação do pai. Pode-se perceber a
prevalência do instinto erótico. Mas existem outros
apegos e identificação tão importante ou mais importante
que o instinto sexual. A força presente na paixão dos
laços sanguíneos, do amor aos pais, à natureza, ao

162
passado, tem o mesmo valor ou ainda maior do que a
força do desejo sexual. 30 Talvez seja muito mais forte a
paixão pela retribuição do amor, afeto e cuidado que a
criança recebe do que propriamente desejo erótico, em
todo caso este apreço, esta atração, esta aproximação, tem
muito haver como ambiente que esta mãe propicia ao
filho.
Como temos que apresentar o objetivo e a
clínica da psicanálise humanista, é oportuno esclarecer o
entendimento de Fromm sobre a saúde mental. A saúde
psíquica e emocional de um sujeito tem vinculações com
toda uma sintomatologia fisiológica e existencial. A
questão principal é conhecer e desvendar os significados
ocultos das atitudes e de formas de pensar, sentir e agir
destes pacientes. Mesmo diante da mais santa inocência,
existe um processo inconsciente, desconhecido pelo
sujeito mais experenciado nos seus sintomas físicos ou
psíquicos. Este processo de sintomas tem sua origem em
alguma emoção ou aprendizagem do passado, mas é
deslocada para suas ações na existência.
É muito significativa a interferência das
emoções e dos vínculos primários e secundários,
internalizados na infância, estas figuras paternas e
maternas e dos relacionamentos entre os irmãos,
propiciam um clima favorável ao acolhimento ou
distanciamento. Entre outras vinculações afetivas, os
registros das imagens escondem no seu âmago, o medo, a
raiva, o ódio, e talvez o mais importante de tudo,

30
Ibidem. 1966. Pág.4

163
aprender a desenvolver contra si mesmo ações e atitudes
que possam comprovar a sua ignorância, o seu fracasso
econômico, afetivo, amoroso, sexual, esta emoção tem a
esperança de reaver o amor perdido das pessoas das quais
ama muito. Este vínculo, do desejo de ser amado da
criança, de ser admirado, de ser correspondido, de ser
elogiado, são desejos afetivos prioritários, pois se houver
dúvida em relação a este acolhimento fraterno, inicia-se
um processo de insegurança e medo do abandono.
Afeto significa uma relação de respeito, de
receptividade, de correspondência, de empatia, de
aceitação, condições estas indispensáveis para o início do
amor, porque o amor tem haver com a certeza de ser
aceito na sua condição humana. Quando o conflito
relacional baseia-se na crítica e na oposição, a emoção da
desconfiança, da falta de sentido em viver, do desejo
inconsciente de morrer, da sensação de sentir-se
insignificante. Da primeira experiência de conviver com a
angústia e ansiedade, de sentir-se perdida e sozinha, esta
mesma sensação de distanciamento e isolamento,
determina, em grande parte, viver sem paixão, ou
desligado da sua fonte de motivação, é capaz de deixar-se
corromper pela indiferença e aversão das quais mais ama.
O sintoma é a fantasia de receber esta
confirmação do amor dos adultos, em muitos casos esta
falta de amor é caracterizada pela crítica, pelos castigos,
pela humilhação, pelo abandono, pela violência
psicológica e física. Estas atitudes dos adultos reforçam a
tendência de acreditar que não existe o amor, ou
compreender que se existe o amor, ele é fonte de

164
infelicidade. Nos recônditos mais íntimos do seu ser
esconde-se esta mágoa, este ressentimento, de sentir-se
injustiçado, este marca é o sinal visível da sua
infelicidade. Na análise humanista, o analista precisa
ocupar este lugar na transferência, para o paciente poder
ressignificar esta relação ambivalente. Quando existem
emoções destrutivas corroendo o espírito e consumindo
sua energia psíquica, ocorre ao mesmo tempo um
sentimento de enorme tristeza. Esta falta de segurança
emocional, aliada a ignorância sobre si mesmo, propicia o
surgimento da depressão e do vazio existencial.
Depois, este paciente repete na sua vivência
íntima, este desamor para consigo mesmo, toda sua
atitude tem um compromisso de negar e destruir toda e
qualquer presença do amor na sua vida. O amor da
dualidade, da incongruência, da divisão, motiva a
existência da solidão, do abandono, da insignificância, da
falta de amor e respeito pela sua condição de ser humano.
A identificação invertida pode ser a escolha inconsciente
da dor e do sofrimento em lugar da alegria e da
felicidade.
Para uma criança, são os fatos vivenciados que
possuem extremo valor, esta realidade cotidiana torna
este homem ou esta mulher ansiosa e com muito medo.
As escolhas dos cônjuges podem estar ligadas a este
desejo de realizar a catarse através das dificuldades e
limitações do parceiro. A escolha do outro parece ser
racional, mas podemos entender que não existe muita
lógica desta relação, uma relação a dois para provocar
sofrimento e reforçar a não existência do amor.

165
É muito simples comprovar a eficácia das
emoções inconscientes e dos desejos obscuros e
desconhecidos pelo próprio autor da infelicidade. O
processo de racionalização e de intelectualização, são
muito comuns como defesas a serviço da manutenção da
neurose. O discurso racional sustenta sua defesa na
compreensão dos seus atos e comportamentos, procura
com a ajuda do seu cabedal cultural, uma lógica
verdadeira para dar sustentação à formação reativa do
sintoma. Esta é uma realidade compreendida através da
expressão do seu discurso, estas palavras contemplam a
tentativa de buscar uma justificativa para o resultado das
suas ações na vida.
O auxiliar mágico é um dos conceitos muito
importantes que o mecanismo de defesa racional utiliza,
para sustentar a neurose destrutiva em base sólida. Muita
das explicações para a permanência do fracasso, da
infelicidade e da falta de amor, é projetada na economia,
no parceiro de sua convivência, em Deus, etc. Na
economia porque os juros são altos e existem os mal
pagadores, no parceiro ou funcionário porque são
ineficientes e realizam uma péssima administração, em
Deus porque seu destino é pagar através deste sofrimento
os pecados que cometeu aqui na terra, etc.
Esta falta de consciência reflete o seu estado de
alienação cultural e social, sobre sua condição na
existência, este tipo de vida se exaure no consumo de
toda sua energia psíquica quando se inicia o processo de
esgotamento de todas as suas forças. Não existe dúvida
de que o conhecimento sobre si mesmo é uma das chagas

166
da humanidade, ao desconhecer-se age por impulsos e
compulsões, este mesmo estado de inconsciência é o
mesmo que viver sem ter claro qual é mesmo a razão de
existir. O paciente registra na sua queixa a dor e o
sofrimento, mas não sabe quais os motivos e a origem
deste processo de formação da falência econômica,
afetiva, e amorosa.
O corpo começa a dar seus primeiros sinais de
esgotamento, quando os sintomas existenciais não
conseguem fazer o paciente enxergar além da sua
limitação intelectual e emocional. Os frutos da falência,
das perdas, das faltas, não são suficientes para a pessoa
entender todo o seu processo de auto destruição. Neste
caso começa a interferência das pulsões, esta inteligência
organismica, quando não é atendida ou agredida no seu
desejo natural, reivindica e exige da pessoa uma mudança
de comportamento. Estes sintomas psicossomáticos e
falência existencial mostram o equivoco das ações
inconscientes que provocam dor, sofrimento e perda.
Entre todos os sintomas, o pior é a falta de
esperança, quando o paciente é tomado de desânimo e
apatia, quando não encontra mais sentido em viver,
surgem então as patologias destrutivas, como por
exemplo, alcoolismo, homicídio, suicídio. 31 O
fundamento da clínica humanista de Fromm se resume no
seguinte; entender o sentido de sua existência, além disso,
como tornou-se naquilo que ele é, e depois, como afirma-

31
Fromm, Erich. La patologia de la normalidad. Ed.Paidos.
Espana. 1991. Pág. 120

167
se diante de si mesmo e dos outros. Na verdade é
descobrir como se tornou naquilo que é.
Na análise humanista, o paciente começa a
descobrir novos sentidos e significados na existência, esta
atitude reafirma o compromisso de continuar evoluindo e
se transformando. Para tudo existe um tempo, este
princípio obedece a lei da natureza, não é diferente
durante a análise, não existe uma solução instantânea ou
mágica para todos os problemas. O paciente precisa de
um tempo para contemplar, através das suas ações, a
veracidade de suas projeções, este tempo de análise sobre
suas iniciativas e investimentos em relação ao poder de
atuação de sua neurose, ou seja, aquelas crenças
petrificadas e esclerosadas e qualidades e valores
presentes na sua flexibilidade e aceitação da mudança,
esta subjetividade está inscrita no seu caráter.
Durante a análise, o paciente aproxima-se de
suas verdades e também das mentiras, esta evolução de
consciência influencia naquilo que pretende ser, este
conhecimento das causas e motivações inconscientes de
sua historia, das repressões, dos triunfos e fracassos
constitui naquilo que chamamos de autoconhecimento.
Conhecer-se em profundidade no tempo e espaço da
cultura eleva o ser a uma condição de experimentar com
elevado grau de consciência a sua humanidade. O
homem é o resultado das pretensões afetivas e amorosas,
esta confirmação afetiva reacende o desejo de lutar pela
vida, defende-la e amá-la com toda intensidade.
Esta recuperação da identidade pessoal começa
a manifestar-se na vida de algumas pessoas, muitos

168
chamam de “crise de identidade”, em algum momento
não se sabe quem se é. Esta alteridade sobre os desígnios
de saber sobre si mesmo, constitui o conhecimento da
essência do seu ser. O paciente desconfiado de sua
origem, da sua identidade, experimenta a crise e a
confusão na existência. Quando consegue entender o
sentido e significado do ato de existir, procura colocar em
ação todo seu potencial produtivo, esta nova reação é a
base estrutural de seu caráter.
A descoberta do paciente na análise é
redescobrir os valores éticos, e acima de tudo, confiar na
existência destes vínculos, ao descobrir-se consegue
conhecer as suas qualidades como a bondade e a
produtividade. 32 Fromm discordava da relação entre o
analista e o paciente, o modelo de Freud tinha resquícios
da clínica médica, então este procedimento médico-
terapêutico tem serventia para a prática da medicina e
nenhuma utilidade para a clínica psicanalítica.
Freud defendia que na relação com o paciente
deveria existir, uma atenção flutuante, ser indiferente, ter
frieza de sentimentos, deve manter-se afastado dos
desejos do paciente e deve evitar a todo custo as
necessidades de amor e afeto do paciente, em outras
palavras, o psicanalista deve tornar-se invisível para o
paciente como se fosse um espelho. 33 O ambiente da
terapia analítica humanista coloca toda sua atenção na dor
e sofrimento do paciente, procurando ocupar um lugar,

32
Fromm, Erich. Ética y psicoanalisis. Ed. Fondo de Cultura
Econômica. Espana. 1990. Pág.19
33
Fromm. Erich. 1993. Pág.111

169
através deste novo vínculo, para ressignificar e
oportunizar ao paciente uma nova experiência de amor e
afeto. O laço que une o analista e o paciente não se baseia
no desejo erótico, mas na fraternidade, na solidariedade,
na humanidade, no comprometimento, na
responsabilidade. De nenhuma forma o psicanalista deve
tornar-se invisível ao paciente, ao contrário, quanto mais
presente e atuante, mais chances o paciente tem de
recuperar sua auto-estima e seu auto-conceito pessoal.
Esta prática analítica está respaldada na vivência
de Sandor Ferenczi34, um dos analistas mais próximos de
Freud, sua relação analítica se pautava numa dimensão
afetiva e amorosa. O analista deve experimentar frente ao
seu paciente, um amor maternal e paternal ou pra
expressar de forma mais generalizada um cuidado
carinhoso. 35 Logo depois surge Harry Stack Sullivan,
que defendia a seguinte tese; “O analista não pode
assumir uma atitude de um observador distraído, mas sim
de um observador participante”. (...) Para conhecer a
outra pessoa o analista deve se interessar em conhecê-la
em profundidade, se possível colocando-se no seu lugar
para perceber a intensidade de sua dor. 36 Fromm
acrescenta que o analista deve converter-se no seu
paciente, mas depois deve ser ele mesmo.

34
Para conhecer com mais profundidade a teoria e a técnica de
Ferenczi recomendo este livro em particular. (Talarn, Antoni.
Sandor Ferenczi. Ed. Biblioteca Nueva. Madrid. Espana. 2003. )
35
Funk, Rainer. Vida e Obra de Fromm. El amor a la vida. Ed.
Paidos. Buenos Aires. 1999. Pág.112
36
Ibidem. Pág. 113

170
O conhecimento de si mesmo é uma condição
espiritual, moral, humana, mas também uma exigência
biológica, porque o grau de eficácia vital depende de uma
pessoa conhecer-se o bastante como um meio para poder
orientar-se no mundo e conseguir tomar decisões mais
acertadas. Evidentemente, quanto mais uma pessoa se
conhece, mais adequadas serão as suas decisões. 37 Não
existe uma mágica eficiente para fugir das exigências da
existência, em primeiro lugar o ser humano é lançado no
mundo para aprender a sobreviver, não só fisicamente,
mas psiquicamente. Em cada olhar do ser humano está
presente uma interpretação da realidade, este evento
demarca ou reforça no seu inconsciente, emoção
especifica. O desejo de proteção impulsiona esta criança a
caminhar na direção da busca do afeto. Este afeto nutre e
alimenta a alma, consegue acalmar e proteger dos
enfrentamentos e frustrações que o mundo da vida
apresenta.
A clínica humanista precisa que o paciente
retome a força de vontade de buscar na existência todos
os seus objetivos, para atender as suas necessidades
afetivas, existenciais e econômicas. Fromm acrescenta
que o paciente deve ter um desejo ardente e apaixonado
para sempre aprender mais. Esta atividade humana
necessita de um interesse ativo para observar e aprender
e, com isto entender melhor. 38 Este processo de auto

37
Ibidem. 1993. Pág.48
38
Salvador Millan. S.Gojman de Millan. Erich Fromm y el
psicoanalisis humanista. Ed. Siglo vinteuno. Fondo de Cultura
Econômica. México. 1982. Pág.68

171
análise, sem a ajuda de um analista, pode recorrer num
erro racional de um círculo vicioso de fechar-se sobre
suas próprias resistências de desculpas e justificativas.
39
Na verdade, o processo de auto análise é um processo
muito difícil de cura, porque não existe um espaço para a
transferência, talvez possa ajudar a pessoa em algum
outro sentido, mas na verdade não é o principio básico da
psicanálise.
A análise humanista tem como finalidade, na
busca pela verdade, levar o paciente ao confronto com
sua realidade objetiva e subjetiva, levando o paciente a
livrar-se de toda ilusão e engano. 40 Esta elucidação da
compreensão das suas atitudes e decisões sobre sua
própria vida, pode estar vinculada a toda sorte de
projeções e motivações inconscientes. Esta energia
emocional pode provocar toda a sorte de acontecimentos
malévolos e destrutivos. A cura transformadora de uma
vivencia emocional, baseada nos princípios
interpretativos de uma vivência, necessita reavaliar e
reinterpretar, com a ajuda de sua experiência, a
oportunidade de ir ao encontro das suas faltas.
Então, como propiciar as condições emocionais
ao paciente para reacender no íntimo de sua alma este
desejo ardente de buscar, a qualquer preço, este amor que
lhe é tão caro? Para despertar esta capacidade de amar, é
imprescindível entender, longe da culpa e da moral, uma
nova chance para ir de encontro a uma nova realidade,

39
Fromm, Erich. Del tener al Ser. Ed. Paidos. Madrid. Espana.
1991. Pág. 106
40
Ibidem. 1993. Pág. 22

172
feita de amor e perdão. Para poder compreender o outro,
nas suas atitudes vingativas, persecutórias, prerrogativas
da transferência negativa, como castigar alguém que o
ama de fato. É preciso afastar qualquer contato com o
amor, porque a experiência do amor tem relação direta
com a rejeição e o abandono.
É infrutífera qualquer iniciativa, por parte do
analista, para fazer o paciente enxergar, além da sua
cegueira emocional da raiva e ódio. Escondido nas suas
divagações narcisistas, pretende disputar, na
transferência, que o amor do analista não lhe faz falta,
esta imagem de auto suficiência, de onipotência e
onisciência é própria dos narcisistas indiferentes. Como
não conseguem cuidar-se de si e amar-se com o devido
cuidado das ações destrutivas, acabam também
contaminando as pessoas próximas de si com a
experiência do abandono e contestação. Este paciente não
pode permitir que a sua pessoa seja alguém apreciado e
amado nos ambientes aos quais freqüenta, escondido
atrás de uma máscara de prepotência e insatisfação,
projeta sua raiva e seu desamor na instituição e nas
pessoas de sua relação. De fato, o amor não pode
acontecer na sua vida, inconscientemente foge do amor
como o diabo da cruz.
Quando o analista consegue, no ambiente
analítico, fazer com que o paciente retome a sua
capacidade de amar, amar sua esposa, seus amigos, sua
família, seu país, seu passado, suas instituições, seus
desejos, seus fracassos, então possui a grande qualidade
de pertencer aos homens que estão acima da condição

173
primária e arcaica da irracionalidade. A saúde emocional
e orgânica precisa desta evolução de consciência, ao
experienciar o amor, modifica sua interpretação e
afirmação em relação às relações benéficas do calor
humano, sem esta confirmação este paciente fica
marginalizado e distante daquilo que é capaz de nutrir a
alma. Quem não se compreende e se entende, jamais será
capaz de compreender e entender o outro.
Este alargamento da consciência e da
inteligência permite ao paciente a encontrar-se consigo
mesmo na relação com o outro, e nesta apropriação do
aprendizado do amor, consegue transpor seus medos de
entregar-se ao amor. Não existe possibilidade de viver o
amor sem antes a pessoa se conhecer. Existem aqueles
que querem imensamente o amor, mas insistem em querer
que o amor seja uma magia, um encanto, um feitiço, algo
místico, capaz de realizar e preencher todas as suas
carências sem nenhum esforço de sua parte. Querem o
melhor da existência, mas não querem contribuir com
nenhum esforço pessoal, como ainda não aprenderam a
respeitar-se a si mesmo, acabam desrespeitando aquelas
pessoas mais próximas que os amam.
Na clínica da psicanálise humanista, o
instrumento mais importante a ser utilizado na
interpretação das transferências e contratransferências, é a
própria humanidade. Todo analista sabe sobre o perigo
da rejeição da interpretação, não é de estranhar uma
reação transferêncial negativa ou de alguma atitude sua
que contrarie os desejos do paciente, esta projeção
obedece ao princípio da não aceitação de alguma

174
qualidade ou defeito do seu carater. O paciente neurótico
não sabe lidar com o afeto e o amor do analista, além de
não dar a devida importância, faz algum processo de
atuação fora do tratamento para revidar o amor recebido.
Inconscientemente pede ao analista para ser
expulso da análise, é quase insuportável aproximar-se de
alguma atitude de compreensão, de aceitação, de
consideração, de amizade. Como se acha um ser
desprezível e sem maior significado, faz questão de
agredir e ofender, através das faltas nas análises, não
efetuando o pagamento, usando e manipulando o analista.
Estas e outras tantas estratégias neuróticas, esconde a
ansiedade por não saber lidar com expressões de afeto e
amor. Por muito tempo viveu a raiva, o isolamento, a
desconfiança, a defesa agressiva, o individualismo, a
competição, quando se defronta diante de uma nova
realidade, entra num estado de pânico, não sabe lidar com
estas emoções negativas.
Na análise humanista, o analista precisa estar
preparado para exercer a sua humanidade, esta
maturidade inclui um amor especial pelo ser humano,
pois na clínica, os pacientes apresentam muitas
psicopatologias, ao mesmo tempo é preciso estudar e
conhecer em profundidade o diagnóstico e prognóstico
deste paciente. O analista está imbuído de um desejo de
ajudar este paciente a sair desta condição de sofrimento,
um dos atributos é a tolerância, a paciência, a ternura, a
compaixão, para saber lidar com os contra-investimentos
de suas emoções negativas, projetadas na relação
terapêutica.

175
Porque esta qualidade é indispensável nas
pretensões realistas e utópicas em relação à condição
humana, este perfil do profissional da psicanálise
humanista tem relação com a proposta de acreditar na
recuperação do paciente, mesmo diante de situações
complexas e difícieis. Depois de o paciente vivenciar este
amor fraternal de aceitação incondicional das suas
atitudes doentias, consegue reaprender e a voltar a
acreditar na sua capacidade de amar a si mesmo e aos
outros. O amor da relação analítica é a confiança
depositada na sua pessoa, isto significa reacender o
potencial do amor à vida.
A recuperação das forças de sua energia
psíquica, começa a dar os primeiros sinais de vida,
quando começa a pensar de modo produtivo, suas ações
permite a confirmação de um novo homem, esta
disposição de mudar de direção seus empreendimentos, e
ser capaz de lançar das cinzas para a concretização de
projetos e iniciativas, que permitem a demonstração de
sua capacidade de negociação, de realização de seus
sonhos. Quando o paciente permite renascer do seu
íntimo esta nova oportunidade de realizar a vida, com
propósitos prazerosos e cheios de satisfação. Quando a
inteligência é aplicada no aprimoramento e solução dos
seus problemas, podemos afirmar que esta é uma das
maneiras de se curar das mazelas da existência.
O emprego da psicanálise humanista acompanha
os pressupostos da tradição humanista, isto significa lutar
de todas as formas para ter uma vida de qualidade e não
passar pela vida sem ter realizado seus projetos pessoais.

176
Esta mesma ética de atitudes produtivas, em proveito de
si mesmo e de sua comunidade, levam a pessoa a uma
realização com sentido na existência. Estes mesmos
juízos de valores são subjetivos, deslocados e vivenciados
na existência humana. Fromm faz a seguinte reflexão;
“Se amas sem despertar o amor, isto é, se teu amor
enquanto amor não produz amor recípocro, se mediante
uma exteriorização vital como homem amante não te
converter em um homem amado, teu amor é impotente,
uma desgraça.” ···.
A essência da análise é levar o homem a amar a
vida, e isto é muito fácil de perceber em relação aos
demais. Não existe algo mais atrativo que um homem que
ama e não somente ama a esposa e filhos ou amigos, mas
consegue amar a vida em toda sua totalidade. Existem
pessoas que não se amam e tampouco amam a vida, ao
contrário, muitos destes sujeitos odeiam e praticam a
destruição. Quem ama a vida é atraído por tudo que tem
vida, este é o verdadeiro humanista. 41
Esta condição do ser humano, para usufruir do
amor, não é simplesmente uma questão de ser amado ou
de encontrar-se apaixonado, mas sim de um potencial de
realização entregue ao ser humano. O tratamento
psicanalítico vem reacender a chama da capacidade de
entender-se e com isto vislumbrar a possibilidade de
relacionar-se com as pessoas, consigo mesmo e com a
sociedade. O amor é uma pulsão de vida que acaba se
convertendo em satisfação e eficiência, na mesma

41
Ibidem. 1999. Pág.193

177
proporção que este amor for exercitado. O amor, de
nenhuma maneira é um lugar de descanso, ao contrário,
significa mudança, evolução e um trabalho contínuo
sobre si mesmo. 42
A clínica analítica humanista está envolvida
com todos os interesses do homem, o mundo do seu
trabalho, a convivência em família, suas realizações
sociais. Todo este investimento de necessidades
satisfeitas contribui para a formação de um caráter
histórico e humano. Estas realizações pessoais, ou em
conjunto, demonstram na verdade o íntimo do ser
humano. Qualquer tipo de transformação deve partir da
ação de grupos e não de uma atitude individualista. Este
paciente está inserido em uma sociedade com divisões de
classes, num momento histórico, com uma realidade
política e econômica, dentro de uma dimensão cultural e
educacional, todos estes fatores exercem forte influência
no processo de formação do caráter.
A dialética é um conhecimento para ser
utilizado na ação, para estabelecer diretrizes pensáveis
para os processos sociais e existenciais; a única maneira
de verificar seu valor é dentro da realidade social
psicanalítica, onde se encontra na intervenção efetiva e
prática a realização do processo dialético. 43 Neste
contexto dialético, o sujeito de pesquisa é o psicanalista,
por isto mesmo não pode assumir uma postura distante e
isolada do paciente.

42
Ibidem. 1999. Pág.138
43
Ibidem. 1982. Pág. 113

178
O sujeito desta práxis é este paciente que vive
numa sociedade e influenciado por uma cultura. Esta
dialética leva o paciente a pensar de maneira crítica,
elevar o paciente a esta condição de consciência significa
retirá-lo desta ingenuidade alienada sobre a realidade
social, cultural, histórica e religiosa. O psicanalista
percebe a situação histórica e o nível de consciência
política do seu paciente, esta reflexão torna possível
levantar outras hipóteses sobre sua tese inicial, abre as
portas para poder pensar o diferente, o antagônico e
paradoxal. Ao mesmo tempo em que suas idéias e
reflexões situam-se dentro de um novo enfoque, estamos
colocando em prática a observância de um novo
paradigma teórico, indiretamente este resultado empírico
de suas ações é produto desta reflexão consciente e
inconsciente.
Este aspecto do caráter social tem sua
procedência nas aprendizagens culturais e educacionais, o
valor desta pessoa é sua contribuição na melhoria da
condição de vida de seus semelhantes, esta participação
demonstra um vínculo social importante para sair do seu
narcisismo individualista e egocêntrico. Muitas das
renúncias e do tempo empregado em prol de sua
comunidade, atende aos desejos de reconhecimento e
valorização. Por isto mesmo, fica muito difícil pensar
uma clínica baseada nos pressupostos filosóficos e
materialistas de Sigmund Freud. É muito difícil aceitar
que os fenômenos mentais e intelectuais têm suas raízes
nas causas fisiológicas, atendendo aos princípios de uma

179
filosofia mecanicista. 44 O processo de formação do
caráter humano tem suas raízes sustentadas na dialética
do ser.
O método do trabalho clínico, na psicanálise
humanista defendido por Fromm, é conhecido como
funcional totalmente diferente do método causal e
genético da psicanálise clássica. Em relação à
interpretação dos símbolos e metáforas dos conteúdos do
discurso, desenvolve uma lógica de explorar o presente
por algum tipo de trauma que aconteceu no passado. 45 O
método funcional de Fromm tem como objetivo,
descobrir a vivência emocional inconsciente e sua relação
com a situação experimentada pelo paciente. Ao
conscientizar estas vivências, acaba realizando a catarse
emocional do seu conteúdo inconsciente, em relação as
suas atitudes no presente.
A diferença do procedimento clínico, na
interpretação de uma neurose, na psicanálise clássica e
humanista é a seguinte: Enquanto o método causal e
genético de Freud busca a etiologia no trauma e, por isto
mesmo, precisa recorrer às reminiscências do seu
passado. Na teoria de Fromm, o valor da terapia
humanista não consiste em fazer o paciente se recordar do
seu passado infantil ou tentar acreditar no que enxergou
ou ouviu dos seus pais através de uma interpretação. O
método funcional entende esta neurose dentro de um
escopo da totalidade, é preciso compreender esta

44
Ibidem. 1992. Pág.89
45
Ibidem. 1982. Pág.30

180
dinâmica dentro dos princípios da funcionalidade, o ser
humano não está dividido em compartimentos.
O paciente é “Uma totalidade e também uma
estrutura. Somente podemos compreender este homem,
compreendendo esta estrutura total, da solução que dá à
sua existência, se decide viver como uma ovelha, ou
procura resolver o problema de sua relação com o
mundo.” 46 Somente o fato de viver já é uma arte. De
fato, o fato mais importante e ao mesmo tempo, a arte
mais difícil e complexa já praticada pelo homem. De
nada adianta se tornar um trabalhador especializado numa
determinada profissão, somente isto não confirma a sua
capacidade de viver com sabedoria. Para poder
desenvolver o potencial criativo, presente no inconsciente
é preciso permitir-se o uso inteligente das suas
qualidades. A arte de viver é o homem ser ao mesmo
tempo, o artista e o objeto de sua arte; o escultor e o
mármore, o médico da alma e o paciente.47
As neuroses dos pacientes estão representadas
por diversos tipos de patologias e de emoções, portanto, é
difícil a previsibilidade da atitude de um paciente em
relação a alguma descoberta pessoal, a estrutura do seu
caráter, os seus ganhos secundários, o estado necrófilo de
viver, todas estas e muitas outras variáveis estão
presentes na diversidade de dificuldades para atender as
exigências da existência. Estas e outras verdades de
interpretações do paciente confrontam-se com a visão de

46
Ibidem. 1992. Pág. 137
47
Fromm, Erich. Ética y psicoanalisis. Ed. F.C.E. Buenos Aires.
1991. Pág. 30

181
mundo do analista. Talvez seja por isto que muitas
pessoas conseguem mudar durante o tratamento
psicanalítico e outros que decidem abandonar. E, outras
pessoas que conseguiram a transformação da maneira de
interpretar o mundo a partir de suas próprias descobertas,
porém, esta não é a regra e sim a exceção.
Na relação entre analista e paciente, o analista
deve ter uma postura correta e verdadeira, levando em
consideração as fantasias e desejos simbióticos do
paciente. Ao levantar tais hipóteses, é importante tornar
esta realidade subjetiva ao nível consciente, somente
depois da compreensão o paciente consegue liberar esta
energia emocional, ao tomar consciência consegue
abandonar a sua postura de covardia e medo e passar a
enfrentar os seus fantasmas e ilusões.
Fromm tratava a alienação como uma forma
muito particular de inconsciência. O sofrimento psíquico
e a dor é a demonstração óbvia da falta de consciência em
relação a si mesmo, todas as suas ações e investimentos
de sua energia aumentam ainda mais o seu esgotamento
físico, mental e psicológico. Existem muitas idéias fixas,
formas de interpretar e conviver com a realidade
totalmente equivocadas, a intenção psíquica atende aos
desejos do complexo de inferioridade, da falta de auto
estima, do medo do futuro, e outras tantas maneiras de
enganar a si mesmo. Outros sofrimentos psíquicos
atrasam e impedem o paciente de aproximar-se das
experiências verdadeiras de amor, existem renúncias e
decisões sem lógica aparente, mas no seu íntimo, obedece
a um desejo simbiótico.

182
Todo este estado de inconsciência sedimenta a
desordem, a desesperança, o desespero, a somatização, a
insônia, a infelicidade, é o destino cruel da culpa e do
exagero na sua maneira de pensar os seus vínculos.
Aprisionado nesta angústia, sofre o martírio da solidão,
encarcerada num beco sem saída procura a solução no
suicídio. O incesto simbiótico é o desejo inconsciente de
prover o outro de todas as suas faltas, este estado de
preocupação, leva o paciente a um cansaço e um
esgotamento de suas forças. A ansiedade e seu estado de
irritação confirmam o mal estar, a falta de disposição,
quando já não existe mais a condição de proporcionar
atenção e cuidado. Esta inibição de condicionar e reprimir
todo o seu potencial de afetividade e amor desloca-se nos
sintomas psicossomáticos.
Fromm faz a seguinte observação, em relação ao
paciente neurótico, “Não pode ter liberdade de
pensamento se não tem liberdade emocional, e não pode
ter liberdade emocional se no seu estilo de vida é um ser
dependente e sem liberdade em suas relações econômicas
e sociais.” 48 O neurótico consome sua energia psíquica
tentando esconder ou atender as compulsões e obsessões
das suas repressões e recalques. Fromm acredita que o
termo repressão deva ser chamado de dissociação,
explica que através deste conceito é possível designar
tudo aquilo que o paciente tem consciência e de todas as
outras sem consciência, não existe neste termo uma

48
Fromm, Erich. Psicoanalisis de la sociedad comtemporanea. Ed.
F.C.E. Buenos Aires. 1992. Pág.226

183
conotação negativa, simplesmente explica estas duas
condições da consciência. 49
Fromm descreve dois tipos de neurose a serem
averiguadas durante a análise, uma é chamada de
neurose benigna e a outra maligna. Na neurose benigna,
a emoção bloqueada encontra-se no núcleo da sua
estrutura, principalmente em pessoas com tendências de
extrema necrofilia, narcisismo, fixação e laço simbiótico
com a mãe. 50 Sobre nossos juízos de valor é que
elaboramos e determinamos nossas atitudes e sobre estes
valores que descansa nossa saúde mental e nossa
felicidade.51 A neurose pertence ao mundo da fantasia e
aos desejos inconscientes.
A situação do ambiente humano na análise,
entre o analista e paciente, é a realidade mais palpável e
próxima de saber lidar com as limitações e as suas
qualidades. Conhecer a teoria e a técnica é importante,
mas este domínio teórico deixa de ter um valor quando as
projeções e medos inconscientes do analista são
deslocados para a problemática em questão. A
contratransferência é quando aparece um tipo de
dificuldade emocional que o analista ainda não resolveu
consigo mesmo. A revivência da mesma dificuldade do
paciente exige que o analista faça uma supervisão sobre
este caso clinico, além de esclarecer este seu conflito de
raiva e aversão com o paciente.

49
Ibidem. 1992. Pág. 103
50
Ibidem. 1993. Pág. 31
51
Ibidem. 1991. Pág. 10

184
O psicanalista deve buscar a lógica da estrutura
que constela o complexo, este núcleo ideológico
manipula e condiciona as ações do paciente, ciente disso
consegue identificar que tipo de ideologia encontra-se
presente neste tipo de neurose, este segredo, estas
crenças, estes dogmas, estas fantasias, pertencem ao reino
da ficção. O analista começa então o esclarecimento, a
confrontação e a interpretação desta fenomenologia
sintomática para a solução da neurose.
Fromm descreve, com base na sua experiência
analítica, que muitos pacientes encontram-se confusos e
inseguros, buscam preencher este vazio existencial com
eventos que proporcionem alegria, descontração,
tranqüilidade, somente depois de mudarem de ambiente e
local de trabalho percebem que continuam com os
mesmos problemas de adaptação. 52 A única maneira de
curar tais neuroses é o autoconhecimento, mesmo assim
todos desejam um conhecimento fácil e sem nenhum tipo
de renúncia ou exigência, buscam uma terapia que não
coloque nenhum esforço e que os resultados sejam
rápidos.
O ambiente analítico deve ser um tempo
produtivo, a cada sessão de tratamento deveria ficar
especificado o tema a ser aprofundado, é dever do
analista se dar conta das resistências do paciente quando
este mesmo se utiliza de assuntos frívolos e sem sentido.
Esta racionalização estrutura suas defesas para não ir de
encontro com os seus processos dissociativos. Se a sessão

52
Ibidem. 1991. Pág.28

185
encontra-se repetitiva e sem avanços, com certeza existe
um erro na condução do tratamento, primeiro porque a
análise é um momento de descoberta e reflexões e
segundo, a mudança deve ser sentida pelo paciente. Caso
não exista nenhuma dessas situações, o ambiente
analítico se presta para dormir ou sentir um cansaço, e
neste caso o analista deve interromper este processo
repetitivo e monopolizador do paciente.
O amor materno é como um estado de graça; se
existe é uma bendição, se não existe, não pode ser criado.
Aqui reside a razão pela qual os pacientes que não
conseguiram vencer esta fixação em relação à mãe,
buscam com freqüência um amor materno de uma
maneira neurótica e mágica. A dissimulação dos atos
sintomáticos das doenças, ou da falta de vontade é seu
ganho secundário, outra maneira é regredir
emocionalmente agindo como se fosse uma criança. 53
A terapia analítica humanista é uma revolução
pessoal, talvez mais importante do que a social, quando
uma pessoa investe tempo e dinheiro para entender o seu
mundo de irracionalidade, de buscar com todas as suas
forças a liberação do seu potencial dissociado, de sair de
qualquer condição de idolatria, então estamos realmente
diante de uma revolução absolutamente válida, como
dizia Tolstoi, “aquela que uma pessoa realiza dentro de
si mesmo.” ·.
Na clínica analítica humanista, o psicanalista
deve, depois de quatro sessões de duas horas, formar um

53
Ibidem. 1992. Pág.46

186
diagnóstico bastante preciso sobre a condição do seu
paciente. Além desta condição, precisa estar atento sobre
a sua força de vontade e as justificativas de suas
resistências. A tarefa mais nobre e significativa da análise
consiste em ajudar o paciente a superar todos os tipos de
suas limitações, saindo de uma condição egoísta e
narcisista para alcançar o amor. É preciso ser humilde e
com um respeito supremo pela vida, de tal modo que o
fim da existência, seja de fato, converter este homem
naquilo que a natureza espera dele.
Fromm comentava que sua análise tinha valor
quando o paciente entendia o que lhe falava e, depois
disto, era capaz de sentir e emocionar-se. Ah! É isto! A
partir daquele momento nunca mais se cansava de atender
o paciente, na verdade a análise alcançou um altíssimo
grau de solução. 54 O conceito de análise, nesta corrente
teórica, é a condição do paciente estar aberto a conhecer-
se em profundidade, ou seja, estar aberto a novas
experiências humanas, independente de ser boa ou má.
Sair de uma condição de espera para ir de encontro à
realização dos seus projetos pessoais. Pois existe aquele
paciente que fica divagando na fantasia mágica
aguardando algum tipo de milagre, corre o risco de ficar
estagnado a um discurso falso e redundante.
O analista é um pesquisador das categorias
presentes no discurso do paciente, na temática encontra-
se explicito o seu problema, depois da formulação a sua
hipótese principal pode se quiser, relacionar uma hipótese

54
Ibidem. 1999. Pág.173

187
secundária, depois deste estágio é preciso avançar na
análise dos dados colhidos da história de vida. Esta
metodologia inclui uma escuta participante, uma atenção
voltada para a linguagem corporal e, se possível,
identificar a emoção bloqueada. Este processo de avanços
e retrocessos demonstra as forças contrárias que
sustentam o conflito. Ao desvelar o significado oculto do
problema, se torna possível a compreensão por parte do
paciente de toda esta gama de fenômenos e sua
complexidade.
A ciência da vida comporta a observação direta
dos seus resultados colhidos na existência. Se o equilíbrio
e a integração destas energias colaboram para a solução
do problema em questão, então é porque o analista
encontra-se diante de um método que traz resultado, isto
é o que interessa ao pesquisador. A trajetória da análise
destes dados colhidos na experiência de vida, e mesmo de
sua infância, relaciona-se à repetição na sua vida adulta.
Este modelo de identificação não é funcional à felicidade
e muito menos à saúde psíquica e orgânica. Ao
redescobrir dentro de si este processo de atuação da
neurose, consegue ele mesmo mudar a sua atitude.
O método da psicanálise humanista conseguiu,
além de explorar as ramificações destas constelações de
fatores emocionais que atuam entre si, observar e
compreender a origem da etiologia da neurose. Enquanto
o analista teoriza e interpreta os significados destes
sintomas, o método funcional permite a ligação de todos
estes significantes, para descrever o núcleo da neurose
maligna ou benigna. Esta mesma transdisciplinariedade

188
inclui a análise total da expressão do seu modo de existir
e pensar. Este contexto social, cultural, econômico,
político e religioso, explicam a confusão e a perda da
energia psíquica. São estas idéias fantasiosas, muito
distante da realidade, que constroem estes castelos no ar,
todo seu pensamento, incluindo aqui seu tempo e trabalho
está voltado para uma ação que o distancia cada vez mais
da realidade, chegando ao extremo de um estado de
psicose ou esquizofrenia.
O analista pode emprestar seu conhecimento,
intuição, afetividade para levar este paciente à mudança
de atitude em relação à existência. Esta primeira condição
acontece de fato, quando o paciente presencia e
experimenta uma nova maneira de pensar a vida. Depois
disto, o processo é de sua responsabilidade. Deve
procurar fazer os investimentos e renúncias básicas para a
cura de sua neurose. O paciente deve estar preparado para
vivenciar os momentos de alegria, felicidade, satisfação,
e em outros, onde está presente a frustração, a decepção,
o desencanto, a perda, mas todo este investimento busca
sua confirmação na superação das suas limitações
pessoais.
A clínica humanista consegue criar um
ambiente, onde a paz a tranqüilidade estejam marcadas
por uma forte presença da sensibilidade e amorosidade,
fazendo com que o paciente possa desenvolver
plenamente a confiança em si mesmo. 55 Cada paciente
precisa de um tratamento diferenciado, de acordo com as
55
Fromm, Erich. La Mision de Sigmund Freud. Ed. F.C.E. México.
1981. Pág. 69

189
suas demandas e crenças pessoais, o analista deve sempre
utilizar toda sua inteligência emocional para estabelecer
uma relação ética e verdadeira. Porque ninguém reprime
as emoções por livre e espontânea vontade. A repressão
sempre acontece quando ocorreu algum trauma doloroso
e inadmissível à consciência. A resistência é o paradoxo
da repressão, sem estes dois conceitos não existe teoria
psicanalítica. Para compreender as resistências é preciso
muita inteligência, intuição, sensibilidade, arte. Para
entender os caminhos obscuros destes esconderijos e
encontrar uma saída das profundezas do seu inconsciente,
o analista conta com uma única luz, a sua intuição, para
iluminar as profundezas destas emoções obscurecidas
pela repressão.
Quando o analista consegue alcançar o núcleo
de uma repressão da neurose, e levá-la à consciência do
paciente, consegue deixar de alimentar a resistência. Este
processo de tomada de consciência libera a energia
psíquica, colocando disponível para empregá-la em algo
muito mais significativo, para aumentar a sua liberdade
de virtude e satisfação pessoal. 56 A inconsciente precisa
da organização das suas forças, reforçando os desejos das
pulsões e emoções, estes mesmos desejos fantasiosos
podem tornar-se uma compulsão, esta emoção primária
tem seu funcionamento no investimento do prazer
primitivo, ao investir-se desta pulsão pode sentir-se preso
a estas limitações.

56
Ibidem. 1993. Pág. 96

190
Freud falou de objetos de amor, porque a libido,
sendo o instinto sexual, procura investir-se deste objeto
de prazer ou, na satisfação desta libido, através do
narcisismo. Podemos confirmar, com toda certeza, que o
amor não é uma energia sexual vinculada a um objeto;
não pode ser simplesmente um simples instinto com
raízes fisiológicas, dirigidas a um objeto de prazer. 57
Rollo May faz a seguinte observação: o paciente
necessita de uma experiência e não de uma explicação. 58
Para Fromm, existe uma aliança de trabalho, um
acordo ético reconhecendo que a psicanálise é um método
capaz de ajudar o paciente a alcançar a felicidade, a
maturidade e ao mesmo tempo ser capaz de evitar o
fracasso, a dor e o sofrimento da separação. 59 O paciente
reconhece a sua fragilidade racional e intelectual, quando
começa a pensar sobre as origens das vergonhas, dos
medos, das culpas, percebe que sua atitude não é outra
coisa que um desejo de proteger mesmo aquele que
praticou o mal. Para a criança indefesa diante do adulto é
muito mais importante proteger o amor dos pais, mesmo
que o preço seja segredo e pactos inconscientes.
O analista é o confidente capaz de humanizar
esta raiva, a mágoa, o ressentimento, e interpretar atitudes
desprazerozas e auto destrutivas, imposto pelo seu

57
Fromm, Erich. Grandezas y limitaciones del pensamiento de
Freud. Ed. Siglo vinteuno editores. Ciudad del méxico. 10 ed. 1997.
Pág.21
58
May. Rollo. A descoberta do ser. Ed. Vozes. Rio de Janeiro.
1988. Pág.175
59
Ibidem. 1982. Pág.66

191
superego voraz e castrador. No rosto deste paciente, está
a tensão revivida na transferência, este funcionamento
regressivo das imagens contidas numa cena primitiva. O
trauma investido nesta repressão afetiva experimenta a
ambivalência, o erótico se manifesta mesmo diante do
incesto ou da proibição, o amor confundido com medo e
submissão. A culpa e o medo da perda do amor fazem
com que o paciente continue no desgaste da proteção à
pessoa amada. O superego encarrega-se de fazê-la sentir
vergonha, e culpá-la de que fez algo errado.
Esta cena mostra o valor simbólico do recalque
do afeto, esta aprendizagem possui o poder de enxergar a
realidade sobre os olhos da neurose funcional. Esta
pessoa consegue relacionar-se, estudar, trabalhar, mas a
satisfação do prazer erótico, o necessidade de afeto, e o
compromisso de amor ficam prejudicados pela
desorganização da sua estrutura psíquica primária. A
fixação de sua libido sexual e afetiva está presa ao
trauma. Mesmo no trauma, existe a emoção do desejo de
fuga, de participar do ato, ou de enfrentar a situação.
Mas, quando se trata de uma criança, existe uma
desvantagem de poder. O medo de que algo pior possa
acontecer, leva a pessoa a situar-se entre a excitação
proibida e o respeito e admiração pela pessoa amada.
O trauma é sempre uma decepção, um
desrespeito, uma invasão, quando se trata de tocar no
corpo da pessoa. O paciente encontra-se numa fase de
curiosidade e descoberta sexual e afetiva, mas
infelizmente muitos acabam fazendo suas experiências
prematuramente. Esta mesma precocidade é o idealizador

192
do que poderia ter sido, mas não é das fantasias
elaboradas sobre o recalque, este mesmo trauma constitui
um investimento que marca a vida do paciente em suas
fixações. O funcionamento psíquico, sempre revive e
regride as suas fixações de contra investimento, quando é
acometido de alguma situação que provoca estas
recordações.
De alguma maneira, o paciente tem de limpar
esta sujeira do corpo, a sua razão quer a beleza e defende
o erotismo, mas seu sentimento diante de um elogio é de
confusão e insegurança, em outros casos de medo e
ansiedade. Para explicar o surgimento da ansiedade como
proteção e medo do abandono, compromete-se sobre
todos os ângulos colocando-se a serviço da recuperação
de um outro que joga com o seu segredo. Esta disposição
psíquica empreende uma busca do afeto e do amor sem
nenhuma conotação erótica, trauma este vivenciado todas
as vezes que tratar das demandas do corpo. A ansiedade é
verificada nesta busca constante de preencher este vazio
afetivo e da confirmação do amor.
O fato de compreender a dor do paciente e de
ajudá-lo nesta difícil tarefa de superação constitui por si
mesmo uma postura humanista. O analista não enxerga o
paciente como um objeto e tampouco como uma pessoa
estranha. Entre o analista e o paciente existe uma
solidariedade profunda, fundada na vivência que o
analista aprendeu consigo mesmo, sentindo-se disposto a
aprender em vez de esconder-se atrás de uma “técnica

193
psicanalítica”. 60 Por isto mesmo, existe uma grande
resistência em relação a qualquer tipo de mudança da
técnica psicanalítica clássica, nos é passado a idéia de que
todas as modificações já foram realizadas, portanto cabe
ao analista seguir as regras, normas e diretrizes da técnica
clássica. 61
Muitos criticam, dizendo que a análise se
apropriou do pensamento reflexivo da filosofia, esta
resistência surgiu no campo da psiquiatria dizendo que
esta prática de tratamento não tem nenhuma relação com
a ciência. Uma terceira análise dos focos de resistência à
psicanálise diz respeito à Goldon Alport, afirma que a
psicologia americana e inglesa baseia sua prática na
filosofia de Locke, ou seja, o paradigma pragmático. Esta
mesma tradição encontra-se na epistemologia do
behaviorismo do estímulo, resposta e reforço aplicados
nos laboratórios com os animais e depois aplicados a
psicologia humana. 62
Fromm defendia que o ser humano deveria se
esforçar com todas as suas forças físicas para superar
todas as adversidades da sua existência. Aquele que foge
das frustrações nunca irá praticar a vontade. Existem
momentos na vida que será inevitável o enfrentamento
com suas limitações e problemas pessoais. A análise por
si mesmo pode fazer muito pouco, mas com o empenho e
a dedicação do paciente pode se tornar muito. A análise
do inconsciente é um trabalho meticuloso e exigente que

60
Ibidem. 1993. Pág.15
61
Ibidem. 1988. Pág.47
62
Ibidem. 1988. pág. 49

194
reúne ambas as forças em prol da saúde emocional e
orgânica do paciente.
É preciso adquirir na vida uma atitude em que o
único fim não seja o acúmulo de coisas materiais,
baseado no consumismo, existe a atitude valorizativa da
expressão, do desenvolvimento do caráter em todos os
aspectos da vida humana. É um posicionamento bastante
claro contra uma opção pela aquisição de coisas
materiais, e mais prioridade com fortes investimentos em
cultura e valores éticos e morais. 63 O ser humano
necessita descobrir-se como um ser que agrega valor e
significado à existência e à vida das pessoas.
Rollo May64, em seu livro a descoberta do ser,
afirma com toda sua segurança que a análise tem como
objetivo ajudar uma pessoa a remover as dificuldades
que a impedem de amar. A análise não será capaz de
amar no lugar do paciente, e mesmo se fosse possível,
estaria prejudicando o paciente, seria uma
irresponsabilidade por parte do analista não oportunizar a
este paciente um novo processo de aprender a ser capaz
de amar-se e amar ao outro.
E continua dizendo que a análise é o suporte
imprescindível, para compreender tudo aquilo que tornou
o homem um ser humano; o seu conceito de neurose é o
seguinte: É toda atitude que destrói a capacidade do
homem de preencher o próprio ser. 65 Porque a
impotência dos pacientes, representada através da

63
Ibidem. 1983. Pág.148
64
Ibidem. 1988. Pág. 156
65
Ibidem. 1988. Pág. 96

195
depressão, desespero, sensação de incapacidade e
resultante da sua impotência de retirar da existência os
frutos para alimentar o seu espírito. Saber colher os bons
frutos em proveito próprio e desenvolver ações benéficas
de sua inteligência e criatividade.66
Erich Fromm defendia que a psicanálise não
serve somente para curar as doenças, mas também para
o desenvolvimento das potencialidades pessoais do
homem. 67 A teoria e o método psicanalítico não é um
sistema fechado para ser utilizado na análise, com a
finalidade de eliminar os sintomas, mas uns métodos de
ajuda para as pessoas compreenderem-se mutuamente e,
além disso, conhecer-se com mais autenticidade. Fromm
pergunta; qual é a finalidade mesmo da psicanálise?
Compreender os conflitos e dissociações internas do
paciente, ajudando-o a se compreender. Deveria existir
um planejamento durante a análise? Acredita que sim, o
analista, num sentido mais amplo e geral, pode
desenvolver conjuntamente com o paciente um projeto
mais audacioso e realizador de seu potencial criativo. 68

A interpretação dos sonhos.

A interpretação dos significados latentes do seu


funcionamento inconsciente deve ser autêntico e sincero,
ao paciente cabe o direito de revidar ou questionar se a
interpretação não faz nenhum sentido, toda interpretação

66
Ibidem. Pág.271
67
Ibidem. 1993. Pág. 12
68
Ibidem. 1992. Pág. 140

196
deve ter relação direta com a solução pretendida do
paciente. Depois da interpretação sobre alguma atitude
incoerente e incongruente, é importante verificar se
houve a interpretação fidedigna da sua neurose. Para
Freud, todos os símbolos produzidos nas fantasias e
sonhos estão diretamente ligados à realização de um
desejo sexual. Toda a interpretação nos remete a um
desvelamento do símbolo, no seu conteúdo encontra a
mensagem a ser decifrada.
Fromm69 acreditava nas reminiscências dos
arquétipos dos antepassados, porque esta experiência do
passado ontogenéticos confirma o processo humanista.
Passam civilizações e a condição da natureza humana é
sempre a mesma, esta divisão entre mente e espírito,
condição biológica e cultural, estas duas realidades
precisam de um equilíbrio entre seus desejos e aspirações.
No sonho, não se deve dar importância a quem está no
sonho, porque no fundo é ela mesma a dama de honra,
cada sonho é um drama em particular e breve, o sonhante
é o seu diretor, ator e autor deste drama. 70
O sonho é uma alucinação traduzida em
símbolo, os símbolos dos quais trabalha o analista sempre
tem haver com a sua missão de recuperar o paciente.
Nada mais precioso quando ambos, paciente e analista,
entendem o processo do desperdício de energia e ao
mesmo tempo, a satisfação de descobrirem o núcleo por
onde escoa e se perde esta mesma energia. O símbolo traz
a realidade psíquica do paciente e nunca a confirmação de
69
Ibidem. 1993 Pág. 128
70
Ibidem. 1993. Pág. 140

197
uma ideologia teórica da psicanálise. Por isto é muito
importante, antes de qualquer interpretação, trabalhar
conjuntamente com o paciente para entender as
associações destes símbolos com a sua vida. Nos diversos
símbolos, existe nas entre linhas, uma mensagem a ser
decifrada, este fio condutor dos conteúdos significativos
deste estado de latência pode mostrar o recalque ou o
processo de dissociação.
O símbolo traz, no desejo inconsciente, imagens
com conteúdos disfarçados pelo processo de
deslocamento e condensação, o experto em simbologia
deve estar preparado para descobrir o núcleo da neurose
encoberta pelos disfarces destas imagens. Todo ser
humano produz estes conteúdos imagísticos e simbólicos
com a finalidade de ajudar o paciente a solucionar seus
problema. O sonho, nem sempre é a realização de um
desejo sexual, pode inclusive ser a realização
profissional, amorosa, afetiva, econômica, sem dúvida, a
cada sonho aparecem os núcleos dos complexos dos
medos inconseqüentes do seu processo de inibição.
Sonhar é antes de tudo um recurso saudável, o
inconsciente traz ao manifesto estas recordações latentes
para descobrir, neste processo da elaboração secundária,
as emoções e pulsões reprimidas e esquecidas pela falta
de interesse da pessoa em relação a si mesma. Um sonho
é capaz de produzir mensagens com diversos significados
latentes, independente dos símbolos, todos os sonhos têm
uma mensagem ao produtor do sonho. O sonho é como a
elaboração de uma obra teatral, primeiro a energia
psíquica produz os personagens, desenvolve um texto,

198
escolhe uma temática, esconde seu segredo atrás das
máscaras destas “personas”, e depois assume atitudes
contraditórias e incoerentes misturadas nas suas
condensações.
Sonhar é antes de tudo uma volta para
encontrar-se consigo mesmo, um recurso que a natureza
do cérebro colocou a disposição daqueles que sabem
apreciar a beleza da arte substanciada pela estética das
imagens, um mundo de irrealidade, de fantasia, de
incoerência e distanciamento da lógica racional. Ao
mesmo tempo, começa a descobrir este outro mundo
mágico e do poder de suas informações, este mesmo ser
sente-se em comunhão profunda com a natureza mineral,
animal e cósmica, todos estes símbolos reaproximam o
sonhador com a beleza da inteligência da vida. Sonhar é
preciso, isto demonstra o quanto o paciente está
preocupado com os desígnios da sua história pessoal.
A beleza, o altruísmo, a sensatez, a descoberta,
escondida atrás desta fenomenologia de imagens
desconexas entre si, ao voltar-se para a esta comunicação
surge uma comunhão fraterna com a alma e o espírito.
Reacende no seu íntimo uma compreensão com a
natureza humana, o humano reaparece e transfigura-se
nas metamorfoses e descontinuidades do tempo e do
espaço. Este encontro com o simbólico eleva a condição
de um simples ser racional para um mundo mais elevado
de consciência superior, este novo caminho aparece como
uma porta de saída para encontrar os enigmas dos
problemas da vida.

199
Todo ser humano merece a distinção elevada e
sublime da sua condição de humanidade, nestas mesmas
simbologias aparece o drama, a tragédia, o trauma, o
apego, simbologias estas carregadas de sentidos e
significados diferentes para cada realidade do paciente. O
símbolo é capaz de aparecer à consciência no sentido
metafórico, imagístico, representando alguma força
pulsional. Para entender e descrever a intenção primeira
do símbolo, é preciso descobrir na essência do texto, da
fábula, do conto, do mito, o esconderijo das forças
arcaicas e primitivas que escondem a barbárie, a dor e o
sofrimento. Um sonho busca nas suas reminiscências, um
caminho de encontro com a sua natureza. Esta mesma
inteligência da vida percorre os temas geradores de
angústia, de ansiedade, de desespero, das atrocidades e
dos segredos escondidos a sete chaves.
Um sonho é a elucidação dos confrontos
possíveis entre a fantasia e a realidade. Quando a vida
torna-se um tormento, surgem então as imagens como
catalisadoras desta energia emocional impossibilitada de
agir, escondida nas suas compensações e nos disfarces
dos mecanismos de defesa, procura alguma forma de
compensação para substituir aquelas emoções que estão
reprimidas. A alucinação do personagem apresenta na
imagem um espírito, esta mesma imagem possui seu
valor e significado na vida deste paciente, a inteligência
cognitiva avalia e descreve a realidade escondendo de si
mesmo a infelicidade e a dor de saber que se encontra
sozinho. Nesta escuridão do silêncio interior, a fantasia é
seu único recurso para usufruir um pouco daquilo que é

200
mais sagrado e caro a todos os seres humanos, a
experiência do afeto, de sentir-se amado, valorizado.
A sutileza de cada símbolo reaparece sobre
diversos disfarces, cores, mutações, e transformações,
esta natureza gerada sobre a energia psíquica, expõe a
lógica da emoção para a proteção da vida. Os símbolos
estão permeados de realidades desconhecidas e sem
sentido para a racionalidade do paciente. Um sonho não
pretende somente realizar desejos, mas mostrar onde se
encontra o erro, por onde escorre a energia da vida.
Estes signos e sinais, atrelados ao conteúdo do
símbolo, manifesta a intenção de desvelar a mensagem
oculta na sua totalidade, entre todos os símbolos, existe
diversas comunicações para atender a um objetivo mais
preciso e urgente. Mostrar ao sonhador onde se encontra
o desvio, o equívoco, da utilização da energia presente
em cada idéia, em cada pensamento, em cada ação, sua
preocupação é mostrar a radiografia da alma e do espírito.
Esta mesma energia sofre transformações e metamorfoses
de um mesmo símbolo ocupando o espaço de outro.
Todos os símbolos buscam cumprir, com um
objetivo primordial, salvar o homem de sua destruição,
para o sábio, as imagens representam os conteúdos
latentes desconhecidos que precisam ser esclarecidos,
deste o símbolo, por exemplo, de uma casa, suas
características denotam o conteúdo significativo, este
mesmo conteúdo representa a totalidade de uma
representação de ícones presentes em forma de imagens.
Todos os personagens apresentam-se com sua
especificidade cultural e ideológica. Neste tema existe um

201
símbolo que representa o sentido de todo o sonho. O
diálogo em questão favorece a interpretação dialética dos
temas, esta mesma representação da realidade em
imagens, nos sonhos, traduz o desejo de solução sobre
alguma dificuldade afetiva, amorosa ou existencial.
No sonho, todo o teatro é montado em função
do sonhador, indiretamente, o escritor da temática e as
escolhas dos personagens têm algo a ver com o
idealizador deste sonho. O escritor do sonho pode estar
escondido ou escolher para si um personagem, cada
símbolo representa uma pequena parte de seu caráter, o
símbolo da casa, do hospital, do acidente, da cirurgia, dos
amigos, da sexualidade, da carência, da mulher, todos
estes protagonistas investem sua criatividade para
representar da forma mais fidedigna o íntimo da alma do
sonhador. O sonho reacende nos símbolos, questões a
serem pensadas e refletidas dentro de um processo
dialético e analítico. A questão hermenêutica e discursiva
de cada sonho remetem sempre aos problemas
existenciais e humanos.
Em todo sonho está presente as principais
questões de sua desumanidade, das práticas permissivas e
antiéticas, das monstruosidades, das violências, dos
medos inconseqüentes. Na totalidade dos símbolos e no
discurso da imagem, está presente um grito de socorro,
um gemido de dor, uma superficialidade do vazio, da
escuridão. Entre todos estes símbolos existe uma
comunicação em rede, esta informação comucacional
demonstra onde se encontra o núcleo da emoção
primitiva encarregada da projeção da violência e da

202
barbárie. Fica evidente em cada sonho, que seu objetivo é
levar o homem a uma humanização, esta comunicação
obedece à salvação do homem e da sua integralidade. O
legado histórico e evolutivo está presente em cada célula,
órgão ou sistemas no organismo.
Freud acreditava que a satisfação e realização
pessoal aconteciam através do orgasmo sexual. Esta seria
a salvação da humanidade, esta pulsão é apenas a ponta
do iceberg, o homem, na verdade, tem de enfrentar-se
com o seu desejo desagregador e destrutivo, esta agressão
sádica coloca em risco a sobrevivência da humanidade. O
homem precisa muito mais do que a satisfação de um
instinto sexual, precisa de consciência, de humanidade,
de comprometimento, de solidariedade, condições
colocadas à disposição no potencial de inteligência
emocional de cada ser humano. Este desejo imenso de
transcendência, de sentir-se integrado à natureza e à
humanidade está acima de uma satisfação fisiológica.
O homem sonhador é aquele que consegue
colocar em prática, todo seu potencial criativo em
proveito próprio, cooperando com as forças da natureza
para produzir mais vida e, neste estado de felicidade e
realização, sinta-se comprometido de ser um sinal, um
signo, um símbolo da grandeza e da beleza dos valores
éticos do humano. Esta mesma força contrária à vida, está
em conflito constante, amor e ódio, vida e morte, pobreza
e riqueza, saúde e doença, alegria e tristeza, são estas
dualidades, estes paradoxos, que permanecem latentes e
esquecidos pela racionalidade atual. Mas, não podemos
ser descrentes do potencial das forças emocionais e

203
pulsionais responsáveis pela manutenção da nossa
civilização.
O sonho eleva o homem a uma aproximação
com a sua condição de animal racional, encaminha-o a
assumir-se como homem “ludens”, comprometido na sua
evolução pessoal. Se pensarmos bem, foi a ignorância
emocional da inveja, da ambição, do egoísmo, do
sadismo, do narcisismo, do amor sem medidas pelo
poder, que levou várias civilizações ao seu
desaparecimento da humanidade.
Esta simbologia existe, com a finalidade de
comunicar a este homem tecnológico e cibernético, que
estas emoções primitivas e arcaicas estão presentes na
irracionalidade e na barbárie das guerras, da miséria, da
fome, da mutilação das mentes, do homem máquina, da
ignorância emocional, da ganância inescrupulosa, este é o
demônio que temos que afastar do íntimo de cada ser. O
inconsciente é esta energia transformada em símbolos,
representados em cada imagem distorcida e manipulada,
a serviço do aprisionamento das forças produtivas do
potencial do amor e da cooperação entre os homens.
O sonho parece sem sentido e sem lógica,
enquanto a pessoa não der importância aos valores que se
encontram latentes dentro de si mesmo. Ao voltar a sua
consciência para os problemas de sua vida e do seu
organismo, decide buscar nas profundezas do seu
inconsciente um diálogo com esta força psíquica, esta
comunicação proporciona um estado de valorização desta
inteligência da vida. Quanto mais os músculos do rosto,
das pernas, as alterações da respiração, a rigidez da

204
couraça de seu caráter, estiver agindo em sua vida, sem
sua consciência, este mesmo estado de inconsciência
impede a pessoa de entrar em contato consigo mesmo.
Os símbolos da luz e da escuridão, têm uma
intenção de mostrar os descaminhos da energia
emocional, apontar os desconfortos, as tensões nervosas,
os sintomas. Somente esta comunicação, com os
significados ocultos dos símbolos, pode explicar as
motivações inconscientes deste processo de desagregação
e dissociação da energia psíquica. A cura psíquica é um
reencontro com o espírito animado e nesta compreensão
de entender-se e compreender-se, se torna possível a
liberação desta força emocional encarregada de
harmonizar e proteger o seu organismo.
A energia psíquica tem sua inteligência
aprimorada por todas suas experiências acumuladas de
bilhões de anos, é através de sua ontogenia, que todas
estas imagens ou cenas do seu passado podem explicar a
agonia do seu presente ou mesmo antecipar e prevenir de
futuros sofrimentos. Muitas vezes, o canal por onde
escorre a energia da vida, encontra-se bloqueada e
impedida de realizar o seu desejo. Pela consciência e nas
mudanças de atitudes é possível realizar a metamorfose
pessoal, este mesmo diálogo com as imagens e símbolos
desenvolve uma nova compreensão sobre o caminho
obstruído pela sua neurose maligna.

205
Bibliografia

Adler, Alfred. Conocimiento del Hombre. Ed.Espasa-


Calpe. Madrid. Espana. 1962.
Boss, Medard. Na noite passada eu sonhei. Ed. Summus
editorial. São Paulo. 1979.
Bleichmar, Noberto M. A psicanálise depois de Freud.
Ed. Artes Medicas. Porto Alegre. 1992.
Feist, Jess. Teorias da personalidade. Ed. McGraw-Hill.
São Paulo. 2008.
Freud, Sigmund. Obras completas de Freud. Vol.
XXIII, Ed. Imago. 1975.
_______________ Obras completas. Ed. Imago. Vol.
XVIII. 1976.
_______________ Obras completas. Imago. Vol. XIX.
1976.
Fromm, Erich. El arte de escuchar. Ed. Paidos.
Barcelona. 1993.
______________La patologia de la normalidad.
Ed.Paidos. Espana. 1991.
______________Ética y psicoanalisis. Ed. Fondo de
Cultura Econômica. Espana. 1990.
______________Del tener al Ser. Ed. Paidos. Madrid.
Espana. 1991.
______________Espiritu y sociedad. Ed. Paidos.
Buenos Aires. 1992.
______________Psicoanalisis de la sociedad
comtemporanea. Ed. F.C.E. Buenos Aires. 1992.
________________La mision de sigmund freud. Ed.
F.C.E. México. 1981.

206
________________Grandezas y limitaciones del
pensamiento de Freud. Ed. Siglo vinteuno editores.
Ciudad del méxico. 10 ed. 1997.
Funk, Rainer. Vida e Obra de Fromm. El amor a la
vida. Ed. Paidos. Buenos Aires. 1999
Greenson, Ralph. R. A técnica e a pratica da
psicanálise. Vol. 5. Ed. Imago. Rio de janeiro. 1981.
Graig J. Robert. Entrevista Clinica e Diagnostica. Ed.
Artes Medicas. Porto Alegre. 1991.
Guardo Mandolini G. Ricardo. Historia general del
psicoanalis de Freud a Fromm. Ed. Ediciones Braga.
Buenos Aires. 1994.
Horney, Karen. El autoanalisis. Ed. Psique. Buenos
Aires. 1952.
______________ Piensa usted psicoanalizarse? Ed.
Psique. Buenos Aires. 1973
May. Rollo. A descoberta do ser. Ed. Vozes. Rio de
Janeiro. 1988.
___________A arte do aconselhamento psicológico.
Ed. Vozes. Rio de janeiro. 1982.
Pieri, Paulo Francesco. Dicionário Junguiano. São
Paulo; Paulus, 2002
Pontalis, Laplance. Vocabulário de psicanálise. Ed.
Martins Fontes. São Paulo. 2001
Pereira, Salézio Plácido. A complexidade do
inconsciente na psicanálise humanista. Ed. ITPOH.
Santa Maria. 2008.
___________________O significado Inconsciente das
imagens. Ed. ITPOH. Santa Maria. 2007

207
____________________A natureza Inconsciente das
Emoções. Ed. ITPOH. Santa Maria. 2007
____________________Considerações sobre a
psicanálise humanista de Erich Fromm. Ed. ITPOH.
Santa Maria. 2006
Reik, Theodor. Treinta años con Freud. Ed. Paidos.
Buenos Aires. 1965
Salomão, Jaime. Dicionário Critico de psicanálise. Ed.
Imago. R.J. 1967.
Salvador Millan. S.Gojman de Millan. Erich Fromm y el
psicoanalisis humanista. Ed. Siglo vinteuno. Fondo de
Cultura Econômica. México. 1982.
Solana Rafael. Metodologia de la investigacion em
psicoanalisis. Ed. Demac. México-DF. 2006.
Sullivan, H. Stack. La entrevista Psiquiátrica. Ed.
Psique. Buenos Aires. 1969
Talarn, Antoni. Sandor Ferenczi. Ed. Biblioteca Nueva.
Madrid. Espana. 2003.
Thoma, Helmut e outros. Teoria e pratica da
psicanálise. Artes Medicas. Porto Alegre. 1992. Vol. I
Krassoievitch, Miguel. La técnica em el método
psicoanalitico de Erich Fromm. Ed. Demac. México.
DF. 2006.
Krippner, Stanley. Decifrando a linguagem dos sonhos.
Ed. Cultrix. São Paulo. 1990

208
209
210

Você também pode gostar