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FUNDAÇÃO
GG
Selene_final.indd 1 30/01/2020 16:32
GEOGRAFIA GERAL
SELENE 017
1 AULA
Aula Caderno 1
1 e 2 Existe ou não a verdade?
3 Os utópicos
Aula Caderno 2
4 e 5 Uma história de interesses / Cartografia, para quê?
6 e 7 As empresas transnacionais e o Estado-Nação / O espaço da fábrica e do trabalho
Aula Caderno 3
8 e 9 O fenômeno da urbanização e o desafio das grandes metrópoles / Geografia rural e
agrária / A produção de alimentos e a geografia da fome
10 e 11 Políticas públicas e sociais / Exclusão social e pobreza / Movimentos sociais
Aula Caderno 4
12 População mundial e explosão demográfica / Fluxos migratórios globais
13 Biosfera terrestre / Estrutura geológica e relevo
WALLINGTON HALL, NORTHUMBERLAND
Capitalismo, Socialismo
e Comunismo
GEOGRAFIA GERAL 1
22,9% têm
menos de U$ 10 mil
U$ 7,3 trilhões
Fonte: James Davies, Rodrigo Luberas e Anthony Shorrocks, da Credit Suisse 2013 Global Wealth.
Existe ou não a verdade? frequência ainda nas ciências sociais. Como em nosso
caso, a geografia.
Além disso, a ciência também não é neutra. Ela é pro-
Antes de tudo, nunca é demais deixar claro: não há
duzida por homens e mulheres inseridos na sociedade e
ideias absolutas para a ciência. Ela evolui e muda constan-
pertencentes a grupos ou classes sociais cujos interes-
temente. Por conseguinte, não há “o dono da verdade”. O
ses são diferentes e não poucas vezes antagônicos. Por
que existe são afirmações científicas verdadeiras até que
sejam produzidos novos conhecimentos que as superem, exemplo, os cientistas de uma indústria farmacêutica
substituindo-as ou complementando-as. Nesse sentido, podem ser impedidos de produzir determinados remédios
a verdade é relativa. Poderíamos dizer: a única verdade que colocariam fim a algumas doenças. Ou ainda podem
absoluta é que a verdade absoluta não existe. Esse en- ser obrigados a direcionar suas pesquisas em projetos
tendimento vale não só para as ditas ciências humanas e com maior prioridade financeira. Economistas ou cientis-
sociais, mas também para as chamadas ciências exatas. tas sociais que trabalham para associações empresariais
A solução de um teorema matemático considerada ver- não seriam muito incentivados a produzir estudos que
dadeira por séculos pode receber uma nova interpreta- demonstrem a defasagem dos salários ou más condições
ção. Em física chegamos a ter como “verdade científica” no ambiente de trabalho. É possível citarmos vários
que nosso belo planeta Terra era o centro do Universo. casos, mas nos basta alguns para evidenciarmos a não
Hoje sabemos que simplesmente não há um centro no neutralidade científica.
Universo e nem mesmo somos a principal referência de Outro detalhe importante: geografia e história são
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0016
nossa galáxia. Essa evolução científica ocorre com mais ciências que caminham bastante juntas. Grosso modo,
2 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
podemos afirmar que a primeira cuida do espaço e a atribuímos valores à sociedade em que vivemos e isso
segunda, do tempo. E estes, espaço e tempo, não podem significa entendê-la. O problema não é assumir uma
ser vistos de modo separado. Consequentemente, seria posição, mas sim não sustentá-la por pressupostos
melhor assim grafá-los: espaço-tempo (o que nos apro- racionais. É isso o que os exames vestibulares exigem,
xima da física de Einstein!). Referimo-nos isoladamente a a carreira profissional e a própria vida!
conhecimento geográfico ou geografia simplesmente
com a intenção de concentrar esforços em um aspecto
da realidade e não de fragmentá-la.
Mais um pouco sobre o capitalismo
POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
Ao deixarmos o sistema feudal da servidão, o mundo suas possessões americanas, entre 1521 e 1660, tenha
inicia sua caminhada em direção ao capitalismo. Entre o “recolhido” 18 mil toneladas de prata e duzentas de
começo da segunda metade do século XV e a segunda ouro. Há estimativas que afirmam que esses números
metade do século XVIII, ou seja, um período de apro- podem ser o dobro.5
ximadamente 300 anos, ocorreram várias mudanças e
eventos que significaram o nascimento e a consolidação
desse novo sistema.
s Revoluções Burguesas e a
A
Revolução Industrial
4 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
invisível. Quer dizer, não havendo qualquer tipo de inter- defendia a primazia pura do mercado sem qualquer tipo
ferência estatal nas forças do mercado, na lei da oferta de regulação ou intervenção estranha à lei da oferta e da
e da procura, a sociedade funcionaria de maneira equili- procura. Para ele, a simples existência de sindicatos ou as-
brada. Caberia tão só ao Estado a segurança pública para sociações de trabalhadores, da fixação de pisos salariais
exatamente garantir a liberdade entre os que desejam e até mesmo do salário-mínimo interferia negativamente
comprar e vender. nos preços, inclusive da mão de obra, comprometendo o
É possível afirmar que tal ideia subsiste, na prática, ao livre e perfeito funcionamento do mercado. Somando-se
menos nos dias de hoje? Se sim, por que na maior nação a esse cenário, os gastos públicos crescentes criariam
capitalista, os Estados Unidos, quase 15% dos mais de um ambiente artificial e inflacionário, afastando investi-
322 milhões de estadunidenses, ou seja, 48 milhões de mentos privados e a partir daí gerando a crise. Entre suas
pessoas, não possuíam acesso a um sistema de saúde principais obras estão Capitalismo e liberdade, publicado
em 2014?8 Ao mesmo tempo, por que na Dinamarca, um em 1962 pela Universidade de Chicago.
país capitalista central, a saúde é uma das melhores do
mundo e oferecida gratuitamente a todos os habitantes
e pelo Estado? São realidades que nos devem levar a
pensar em relação à plena liberdade de mercado prescrita
Imperialismo
por Adam Smith.
Após o colonialismo clássico do século XV ao início do
XIX, cujo auge ocorreu entre os anos 1500, 1600 e 1700,
o mundo vive a partir da segunda metade do século XIX
até os primeiros anos do século XX o que se classifica
como neocolonialismo ou imperialismo. Ou, ainda, im-
périos coloniais.12
O desacordo entre as potências imperiais sobre quais
territórios coloniais caberiam a quem levou à Primeira
Guerra Mundial. Condensando ainda mais o raciocínio: a
insistência da irresolução acabou produzindo mais uma
REPRODUÇÃO
8
Fonte: United States Census Bureau. É um órgão governamental dos Estados Unidos
equivalente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE no Brasil. Disponível
em: goo.gl/yNh9qp. Acesso em: 11 nov 2015.
9
T eoria que apregoa o equilíbrio econômico por meio do controle do volume de moeda
em circulação.
10
Linha do pensamento econômico também defensora do liberalismo “puro”.
11
rupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que fizeram cursos de
G
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6 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
Observemos que os territórios coloniais dominados por algumas das potências são muito mais extensos do que as
suas próprias áreas. Por exemplo, a Inglaterra atualmente não chega a 131 mil km² e em 1914, conforme a tabela acima,
controlava 33,5 milhões de km². Mesmo as Ilhas Britânicas atingem somente pouco mais de 315 mil km². A França possui
um território de quase 544 mil km², ainda muito menor do que suas possessões, segundo os dados apresentados. Foram,
portanto, nações que se tornaram grandes impérios coloniais para dar sequência ao acúmulo de capital por parte de
suas grandes burguesias empresariais.
A tabela acima também nos mostra que os Estados Unidos e o Japão, apesar de terem se tornado potências, principal-
mente os norte-americanos, não conquistaram e exerceram poder por meio do controle direto e formal de territórios. A
Alemanha, desejosa de agregar novos espaços geográficos para si, chegou “atrasada” na partilha.14 Não é de se estranhar
que tenha sido pivô das duas Grandes Guerras Mundiais.
Surgem e também se consolidam nesse período as grandes empresas transnacionais, inclusive os grandes bancos.
13
Esta tabela pertence ao livro Imperialismo, fase superior do capitalismo indicado para leitura na seção Navegar da aula 3 deste caderno. A obra tornou-se um clássico dos estudos
sobre Geografia e Geopolítica.
14
Alemanha somente se formou enquanto Estado-Nação em 1871, enquanto a França o fez no ano de 843 e a Inglaterra em 927. Constituir-se enquanto país unificado foi uma condição
A
política necessária para a exploração econômica de outros territórios.
15
Dissolvida em 1996.
16
s Estados Unidos não disputaram territórios diretamente de maneira tão intensa, conforme o modelo europeu, mas a partir do início do século XX tornaram-se líderes no controle
O
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POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
Os conglomerados listados estão, hoje, entre as 50 como a indústria manteria o constante acúmulo de capital?
maiores corporações do planeta.18 Possuem um poder Em grande parte, os impactos negativos sobre o espaço
inimaginável, cujas receitas estão muito além dos PIBs geográfico e a falência ambiental não estariam resolvidos?
de grande parte dos países. Por isso, exercem profundo
controle político, econômico e ideológico acima de vastos
territórios e populações. Os atuais monopólios empresa-
riais (das corporações multinacionais) são construídos
Estado de bem-estar social:
nessa fase, quando, em tal processo, criaram filiais por keynesianismo e social-
todo o mundo, exportando enormes quantias de capitais. -democracia
Após esse ciclo, incluindo-se as duas Grandes Guerras
Mundiais, há o aprofundamento da inserção e hegemonia No século XX foram edificadas algumas formas de ca-
do capital financeiro no sistema capitalista global, fase pitalismo consideradas “menos selvagens”. Porém, não
que vivenciamos presentemente. Essa reflexão já foi rea- foram aplicadas em todos os espaços, mas normalmente
lizada nas aulas 1 e 2 do Caderno 1 de Geopolítica. Sendo nos territórios dos países de capitalismo central. As nações
assim, recomendamos sua atenta leitura ou releitura. semiperiféricas e periféricas20 quase sempre ficaram ex-
cluídas das manifestações mais humanizadas do capital.
Essa é mais uma evidência de que a aplicação prática de
Produção destrutiva e Estado modelos econômicos e políticos produz diferentes conse-
Capitalista quências em ambientes com histórias diferentes.
19
Para um aprofundamento da tese de Mészáros, ler Produção destrutiva e Estado como as que constituem os BRICS, México e demais emergentes.
capitalista, de 1989, e Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, de 1995. 21
Fontes: Universidade de Cambridge e FED (Banco Central dos Estados Unidos).
8 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
Em algumas cidades, como Toledo no estado de Ohio, claramente a política econômica do período. O New Deal
o desemprego chegou a 80% em 1933 e na cidade de de Roosevelt e o pensamento econômico de Keynes22
Lowell, no estado de Massachusetts, atingiu 90% dos mantiveram uma influência mútua, assim é possível afir-
trabalhadores. mar que ambos também foram traçados por meio dessa
A solução encontrada para a saída da crise pelo presi- relação recíproca. O keynesianismo prega, sobretudo,
dente Roosevelt foi a adoção do New Deal. O programa, o forte uso da ação estatal no sistema capitalista não
colocado em prática entre 1933 e 1937, visava, basica- só para que este continue, mas para que permaneça
mente, a forte intervenção do Estado na economia para de maneira equilibrada, fazendo aquilo que a iniciativa
recuperá-la. Notemos bem: intervenção do Estado na privada não faz. Trata-se de uma clara oposição ao libe-
economia em um país em que se defendia firmemente ralismo puro. Em outras palavras, o Estado deve investir,
o liberalismo de Adam Smith, quer dizer, a ausência da regular e intervir, em termos econômicos, naquilo que
presença estatal. Intervenção esta traduzida pela regu- não desperta o interesse dos capitalistas privados e que
lação, investimentos e aumento da máquina pública. seja necessário para o desenvolvimento da nação. Daí
Exatamente o inverso de tudo aquilo que recomendava a identificação dos keynesianos também pelo nome de
a ideologia da mão invisível do liberalismo smithiano. desenvolvimentistas. No Brasil, o ex-presidente Getúlio
Entre as principais medidas do New Deal ressaltamos Vargas foi seu precursor.
algumas:
—— Regulação do sistema financeiro e do mercado de
ações.
—— O governo federal criou em 1933 o maior programa
Estado de bem-estar social,
de geração de emprego, baseado no desenvol- social-democracia e Europa
vimento de trabalhos em prédios públicos, aero- Ocidental
portos, hospitais, escolas, construção de pontes,
estradas, reflorestamento etc. Para se ter uma ideia, Na Europa, o estado de bem-estar social, muito mais
8,5 milhões de trabalhadores ergueram 125 mil intenso do que em outras regiões, foi estabelecido pela
prédios públicos, pontes, milhares de quilômetros social-democracia. Apesar de também possuir várias
de estradas, reservatórios, sistemas de irrigação, definições, a social-democracia, em seu sentido principal,
praças etc. significa a criação de uma sociedade capitalista em
—— Foram realizados enormes programas federais para que o Estado tenha presença e poder para garantir a
a recuperação do campo e da agricultura com in- justiça social. Com esse intuito, deverá criar leis, realizar
vestimentos gigantes na eletrificação rural, projetos investimentos públicos e políticas sociais, viabilizando
sociais, criação de escolas, aberturas de estradas; igualdade de oportunidades a todos em um ambiente
elaboração de uma nova legislação etc. Estas e permeado pela democracia representativa. Os empresá-
outras medidas viabilizaram uma diminuição dos rios capitalistas não só podem como devem empreender,
preços dos alimentos e um aumento substancial mas em um contexto com regras para que o interesse
na renda dos agricultores. público da maioria não seja prejudicado pela conveniência
—— Estabelecimento de um conjunto de leis de assis- de alguns, gerando grandes desigualdades. Assim, todos
tência social, como um programa de aposentadoria, se manteriam, mesmo os grupos sociais mais humildes,
seguro-desemprego, programas de assistência para vivendo decentemente. É o que se convencionou chamar
crianças de famílias em situação de vulnerabilidade, de “terceira via”. Isto é, um caminho intermediário entre o
entre outros projetos que acabaram criando nos capitalismo extremo e o socialismo estatal e autoritário.
Estados Unidos um sistema de Estado de Bem- O estado de bem-estar social tem funcionado muito
-Estar Social (destruído a partir do governo Reagan, bem, sobretudo em países da Europa Ocidental, de ma-
no início da década de 1980). neira especial, logo a partir do final da Segunda Guerra.
—— O direito de os trabalhadores se organizarem em Entretanto, desde a crise econômica mundial de 2008,
torno de seu sindicato e de negociarem acordos vários sistemas europeus foram e continuam sendo
coletivos com seus patrões. seriamente abalados, mas outros ainda se mantêm
Dizia-se, na época, que o Estado contratava homens consistentemente. Por exemplo, a população inglesa
desempregados para abrir buracos na rua e depois fechá-
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POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
tem perdido muitos benefícios, mas nações como a com mais de 500 anos de conturbada história, com quase
Dinamarca se mantêm funcionando, primorosamente, 400 anos de escravidão e que por mais de meio milênio
dentro da lógica social-democrata do bem-estar. Esse tem servido como exportador de riquezas a territórios
país possui um dos melhores sistemas de educação e de todo o mundo (estamos nos referindo ao Brasil), não
saúde oferecidos gratuitamente (conforme já comenta- é o mesmo que fazê-lo em um país como a Dinamarca
mos), o que garante uma excelente qualidade de vida à ou a Suécia.
toda a população que não se recusa a aceitar uma carga Em vista disso, percebemos que o mundo já tem ex-
tributária de aproximadamente 50%. perimentado, na prática e na teoria, formas díspares e
Todavia, em regiões periféricas ou semiperiféricas, mesmo antagônicas de governo e gestão da sociedade.
não se pode dizer exatamente que têm havido governos Refletimos a respeito da opção capitalista em seu formato
social-democratas de sucesso. Há que se considerar que mais puro (ou extremo) e maneiras mais amenas, como a
as ideologias, como a social-democracia (ou qualquer social-democracia. Estudaremos, na próxima aula deste
outra), ao serem colocadas em prática por meio de polí- caderno, outra experiência: o socialismo e o comunismo.
ticas de governo, não estão desvinculadas das relações Assim, fecharemos um ciclo de análise. Este conjunto de
internacionais e interdependentes em que estão inseri- conhecimentos nos fornecerá materiais essenciais (repe-
das, tampouco dos legados de suas respectivas histórias. timos para enfatizar) indispensáveis à aprendizagem de
Em outras palavras, implementar a social-democracia vários outros aspectos, temas e disciplinas relacionados
em um país continental, com 205 milhões de habitantes, à vida em sociedade.
EXERCÍCIOS
Há um modo de pensar a superação da crise a partir da teoria keynesiana, mediante o aumento dos gastos sociais, socializando
os custos da reprodução social, em uma linha oposta à neoliberal, de privatização de tais custos em termos de previdência, de
educação. A socialização de tais custos me parece um bom caminho inicial. A outra peça da teoria keynesiana é o investimento
em infraestrutura. Os chineses perderam 30 milhões de empregos entre 2008 e 2009, por conta do colapso das indústrias de
exportação. Em 2009, eles tiveram uma perda líquida de só três milhões de empregos, o que significa dizer que eles criaram
27 milhões de empregos em cerca de nove meses. Isso foi resultado de uma opção pela construção de novos edifícios, novas
cidades, novas estradas, represas, todo o desenvolvimento de infraestrutura, liberando uma vasta quantidade de dinheiro para
os municípios, para que suportassem o desenvolvimento. Essa é uma clássica solução “sinokeynesiana” e me parece que uma
coisa semelhante aconteceu no Brasil, por meio do Bolsa-Família e de programas de investimento estatal em infraestrutura.
Harvey, David.
Revista do IPEA. 2012. Adaptado.
O autor cita a teoria keynesiana e sua linha oposta, o neoliberalismo. Sobre as diferenças entre essas duas posições
teóricas, é correto afirmar que o
a) keynesianismo é um conjunto de ideias que propõe a intervenção estatal na vida econômica, enquanto o neolibe-
ralismo é um sistema econômico que prega uma participação mínima do Estado na economia.
b) o ideário do neoliberalismo tem como ponto forte o aumento da participação estatal nas políticas públicas, enquanto
a ideologia keynesiana fomenta a liberdade e a competitividade de mercados.
c) o neoliberalismo estimula os valores da solidariedade social conduzida pelo Estado máximo, enquanto o keynesia-
nismo faz a defesa de um mercado forte em que a iniciativa privada deve intervir como promotora de privatizações.
d) o ideário do keynesianismo defende um mercado autorregulador no qual o indivíduo tem mais importância que o
Estado, enquanto o neoliberalismo argumenta que quanto maior for a participação do Estado na economia mais a
sociedade pode se desenvolver, buscando o bem-estar social.
e) o poder da publicidade na sociedade de consumo para satisfazer a população é um grande aliado da política keynesiana,
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enquanto as ideias neoliberais não são favoráveis a soluções de mercado, opondo-se ao corporativismo empresarial.
10 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
2. (Ufal)
No campo político, “o capitalismo transformado em sentido neoliberal minou as bases da democracia liberal repre-
sentativa” e ocorre “ampla submissão da sociedade civil e do Estado à economia” [...]. O processo de globalização é na
essência um ataque às conquistas democráticas do século 19 e, sobretudo, do século 20. O objetivo exitoso da “grande
contraofensiva neoliberal” era criar um sistema político-econômico livre de “interferências democráticas”.
O texto defende um argumento bastante presente nas críticas ao neoliberalismo. Ele se baseia no fato de o neoli-
beralismo:
a) aumentar o número de empresas que fornecem produtos e serviços aos governos.
b) focar suas forças na ampliação da rede de relações comerciais entre países.
c) se concentrar na oferta do bem-estar social sem o auxílio das instituições oficiais.
d) buscar a não intervenção do Estado na economia e a privatização de estatais.
e) deixar a escolha das regras econômicas por conta dos consumidores.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Para o estudo da Geografia e demais ciências sociais e humanas, segundo já assinalamos, o exame do conceito e das
implicações do sistema capitalista é obrigatório. Desse modo, recomendamos empenho ainda maior nos conteúdos
destas duas aulas. Ainda, por conta da especificidade do presente tema, há uma grande proximidade com as disciplinas
de história e geopolítica. Logo, é igualmente aconselhável a complementação com esses dois outros tipos de conheci-
mento. Não se esqueça disso.
O texto das aulas que você acabou de ler, além de conceituar capitalismo, traça seu caminho histórico relacionando-o
diretamente, sempre que possível, aos aspectos geográficos propriamente ditos. Essa ligação é essencial, mesmo porque
a divisão entre as ciências é meramente didática e artificial, não existindo na realidade em si.
Os exercícios e atividades agora dispostos visam não só intensificar o aprendizado, mas ilustrar pensamentos e apontar
novas ideias. Aproveite todas as sugestões para impulsionar sua formação e também seu nível de conhecimentos gerais.
Consulte permanentemente os sites sugeridos e assista aos vídeos (documentários e filmes), pois tenha certeza de
que, ao mesmo tempo que estiver aprendendo, poderá usufruir de alguns momentos de entretenimento. Por exemplo,
o filme de Michael Moore, além de impactante, é uma sátira ao desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos.
Não deixe, da mesma forma, de apreciar o poema “Se os tubarões fossem homens” na voz do provocador Antônio
Abujamra. De maneira poética, Bertold Brecht explica os sistemas baseados na desigualdade social; o mesmo podemos
dizer da brevíssima e divertida animação de Steve Cutts.
Enfim, adicione ao seu aprendizado a prática da leitura e da reflexão com as atividades propostas na Roda de leitura,
Ágora e Senha.
POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
EXERCÍCIOS
12 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
4. (UERJ)
O que mudou na lista dos maiores bancos no Brasil com a fusão do Unibanco e do Itaú
Pela leitura do gráfico, podem-se inferir as seguintes características do momento atual do capitalismo:
a) livre-concorrência e fragmentação do setor bancário.
b) concentração econômica e formação de oligopólios financeiros.
c) nacionalização da economia e associação dos capitais industrial e bancário.
d) desregulamentação do mercado financeiro e predomínio dos bancos globais.
5. (Enem) Capitalismo é o sistema socioeconômico em que os meios de produção (terras, fábricas, máquinas, edifí-
cios) e o capital (dinheiro) são propriedade privada, ou seja, t����������������������������������������������������
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m um dono. Antes do capitalismo, o sistema predomi-
nante era o feudalismo, cuja riqueza vinha da exploração de terras e também do trabalho dos servos. O progresso e
as importantes mudanças na sociedade (novas técnicas agrícolas, urbanização etc.) fizeram com que este sistema
se rompesse. Estas mesmas mudanças que contribuíram para a decadência do feudalismo cooperaram para o
surgimento do capitalismo.
Características:
—— Toda mercadoria é destinada para a venda e não para o uso pessoal
—— O trabalhador recebe um salário em troca do seu trabalho
—— Toda negociação é feita com dinheiro
—— O capitalista pode admitir ou demitir trabalhadores, já que é dono de tudo (o capital e a propriedade)
Com base nas informações acima e em seus conhecimentos, indique três características de cada fase do capitalismo:
Domínio do capital comercial que viabilizará a fase seguinte do capitalismo: industrial; comércio possibilitado pelas descobertas marítimas; Portugal e Espanha se tornam
Comercial: as principais potências; produção baseada no trabalho escravo; colonização da América Latina.
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POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
Início da produção em grande escala; estabelecimento das corporações transnacionais; hegemonia do capital industrial; Estados Unidos se transformam na principal
Industrial: potência; predomínio do trabalho assalariado.
Domínio da acumulação financeira; banqueiros se tornam os maiores capitalistas; especulação financeira (riqueza sem base material) supera a produção industrial;
Financeiro: desemprego em massa; grande concentração de riqueza.
Organização global em rede das corporações transnacionais; maior horizontalidade, conexão global das empresas viabilizada pela internet e demais avanços nas
Informacional: telecomunicações e logística global; menos burocracia e menos formalidade na organização das empresas; desemprego em massa; grande concentração de riqueza.
RODA DE LEITURA
No texto a seguir (adaptado), Valquíria Padilha, professora da Universidade de São Paulo e autora do livro Shopping
center: a catedral das mercadorias, analisa o papel dos “centros de compra” na sociedade.
Após atenta leitura individual, realize atividade, à escolha de seu professor, em que seja possível relacionar as noções
de cidade, espaço geográfico, consumo, espaço público, segregação, função social do shopping center e capitalismo.
Quem nunca ouviu falar em shopping center? Ou nunca passeou pelos corredores deste centro de consumo? Quantas
vezes não viajamos para outra cidade ou país e desejamos visitar o shopping center local? Atualmente o shopping center
concorre com a televisão e o computador entre as atrações mais citadas pelas parcelas privilegiadas da população como
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preferências de ocupação do tempo livre. Por que isso acontece? Quais são os sentidos desse sucesso?
14 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
Por sua vez, a cidade real, ao mesmo tempo em que fracasso da plenitude do ser social, distanciando-o de
desencadeia uma série de problemas para muitos, qualquer projeto de emancipação e de humanização
possibilita alternativas para poucos, como a criação do do ser humano.
shopping center, a “catedral” em que uma parcela da [...]
população idolatra as mercadorias e vivencia lazeres Disponível em: faccamp.br/letramento/
que se distanciam da autonomia e da criatividade. O 2013/1sem2oficina/a_sociologia_vai_
shopping center é hoje um dos empreendimentos mais shopping-valquiria_padilha.pdf.
rentáveis e com uma das maiores taxas de crescimento Acesso em: 26 jan. 2016.
em todo o mundo.
Nas sociedades capitalistas, o homem não produz
mais apenas para satisfazer suas necessidades origi-
nais. Existem outras necessidades em jogo, que são as NAVEGAR
de valorização do capital. A produção de mercadorias
converteu-se em uma fonte de lucro, dado que cada
trabalhador produz, para os donos das empresas, Orientação sempre importante a ser repetida: a internet
muito mais do que precisaria para a satisfação de suas possibilita um acesso a informações e formações muito
próprias necessidades. A produção capitalista gera mais amplas e diversificadas do que se podia imaginar
excedentes que não são calculados com base nas ne- há pouco tempo. Hoje não estamos mais limitados a um
cessidades naturais do homem e sim nas do capital, o diminuto número de mídias, geralmente desacostuma-
qual, por sua vez, precisa criar novas necessidades para das à democracia na produção e distribuição das ideias,
estimular a demanda e o consumo. Assim, a produção bem como ao contraditório. Aproveite esta oportunidade
deve visar a um consumo descartável, uma cultura do para elevar seus conhecimentos e constituir-se, cada
desperdício, o que reflete o princípio da “obsolescência vez mais, enquanto um cidadão ou cidadã consciente
planejada” (os objetos são feitos para serem obsoletos). e preparado(a) para a vida profissional e em sociedade.
Esse sistema precisa sempre aumentar a produção de Use a internet com sabedoria!
mercadorias em quantidade e variedade, mas não em
qualidade e durabilidade.
O que essa catedral das mercadorias pretende é ites
S
criar um espaço urbano ideal, concentrando várias
opções de consumo e consagrando-se como “ponto
Há vários sites muito interessantes ligados direta e
de encontro” para uma população seleta.
indiretamente ao tema, destacamos os nacionais:
O imaginário que se impõe é o da plenitude da vida
pelo consumo. Nesses espaços, podemos ocupar-nos
Marxists Internet Archive
apenas dos nossos desejos – aguçados com as inúme-
Disponível em: marxists.org. Acesso em: 16 jan. 2016.
ras possibilidades disponíveis de aquisição. Prevalece
O site é
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uma
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oportunidade para acessar clássicos de aná-
a ideia do “compro, logo existo”.
lise crítica ao capitalismo. Podem ser encontrados textos
Concluímos que esse mundo de sonhos, que é o
tanto de Karl Marx quanto de seus principais intérpretes.
shopping center, acaba reforçando nas pessoas uma
Para quem deseja se aventurar em outros idiomas, há
visão individualista da vida, em que os valores propa-
uma infinidade de textos disponíveis em várias outras
gados são todos relacionados às necessidades e aos
línguas, entre elas o espanhol e o inglês. A pesquisa pode
desejos individuais – “eu quero, eu posso, eu compro”.
ser feita por tema ou por autor.
Assim, colabora para uma deterioração do ser social e o
retardamento do projeto de emancipação de seres mais
Le Monde Diplomatique – Brasil
conscientes, autônomos, prontos para a sociabilidade
Disponível em: diplomatique.org.br. Acesso em: 16 jan. 2016.
coletiva – que exige a capacidade da troca desinteressa-
Excelente publicação de origem francesa e com versões
da, da tolerância, da relação verdadeiramente humana
para vários países, inclusive o Brasil. É divulgado na mo-
entre o eu e o outro, entre iguais e entre diferentes.
dalidade impressa e digital. Propicia profundas análises
O que se pode concluir é que o sucesso da fórmula
sociais, econômicas, políticas e culturais por meio de
atual do shopping center como lugar privilegiado
uma linguagem jornalística. Documento essencial para
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POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
REPRODUÇÃO
dicado atenção especial à análise da atuação do capital
financeiro. Contribuição imprescindível.
Filmes
Livros
Capitalism: a love story (Capi-
talismo: uma estória de amor) Manifesto do Partido Comu-
Direção: Michael Moore.23 Esta- nista ou simplesmente Mani-
dos Unidos, 2009. festo Comunista. Trata-se de
Reconhecido internacionalmen- um clássico da ciência política
te, o cineasta Michael Moore é e da sociologia. Publicado pela
famoso pelas polêmicas e críticas
primeira vez na Alemanha em
ao sistema político e econômico
1848, seus autores são Karl
REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO
tuguês, além de uma divertida
de 2008. Destacam-se os altos custos sociais impostos
versão em quadrinhos e até
ao povo e aos trabalhadores dos Estados Unidos nessa
fase, em que milhões de famílias perderam suas poupan- mesmo em formato de dese-
Capa da primeira
ças, empregos e moradias. Entre outras comparações e nho animado. Foi escrito com versão publicada em
ponderações, compara-se o contexto social do país com linguagem simples para poder 1848, em Londres.
os “anos dourados” do capitalismo pós-Segunda Guerra ser lido pelos trabalhadores e
Mundial. Está disponível no Youtube. pelo povo em geral. No entanto, oferece análises com
rigor e fundamentos científicos de crítica ao sistema
Se os tubarões fossem homens capitalista.
Autor: Bertold Brecht (1898-1956). Interpretação: Antônio
Abujamra. Disponível em: goo.gl/54kjnI. Acesso em: 16 Os dois livros a seguir não são de fácil leitura, mas
jan. 2016. é preciso saber que constituem os fundamentos do
Vale muito a pena assistir na internet aos programas de pensamento capitalista em sua origem e bases estrutu-
entrevistas de Antônio Abujamra, infelizmente falecido rais, vistas a partir de seus idealizadores e defensores
em 2015. Seu programa “Provocações” ainda é semanal- nos séculos XVIII e XIX. Os seus professores poderão
mente exibido desde 2000 pela TV Cultura. complementar outras questões vitais tratadas nos dois
mencionados textos.
23
ecomenda-se a leitura de seus livros e documentários. Em dezembro de 2015,
R Fazemos ainda uma sugestão de leitura prévia e inicial
lançou nos Estados Unidos e no Canadá (para as demais regiões será no início
de 2016) sua produção mais recente: Where to Invade next. Nesse filme, Michael para este Caderno 1 de Geografia Geral, e que certamen-
Moore compara as precárias políticas sociais básicas de seu país com as de outras
nações. Ou seja, como os Estados Unidos, na visão de Moore, possuem uma longa
te contribuirá para a compreensão de todas as outras
821-1
16 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL
Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense. Sob o melhor será seu funcionamento e, portanto, a vida das
formato “O que é...”, nela poderemos encontrar: O que pessoas. Não deveria haver, de acordo com o economista
é Capitalismo, O que é Socialismo, O que é Comunismo, escocês, interferência na relação entre indivíduos ou em-
O que é Anarquismo, entre inúmeros outros temas de presas que compram e vendem, sejam eles bens, serviços
várias áreas do conhecimento. Não deixe de ler! ou mão de obra. Quer dizer, relacionam-se no mercado.
Por isso, como já debatemos, o capital(ismo) é relação
A ética protestante e o espírito do capitalismo social. Se, por exemplo, um indivíduo (ou empresa) pensar
Escrito entre 1864-1920. somente em seu próprio benefício, acabará oferecendo
Conectando religião e economia, a obra é essencial para o melhor, no mercado, para que justamente continue a
entender o sistema capitalista. O autor Max Weber, um vender e a lucrar. Beneficiam-se, portanto, todos: indiví-
dos pais da sociologia moderna, junto com Karl Marx duos e empresas, compradores e vendedores. Logo, se
e Émile Durkheim, estuda a relação entre as religiões o Estado “intrometer-se” nas livres relações propiciadas
protestantes e o desenvolvi- no mercado, elas ocorrerão de maneira imperfeita, o que
mento do sistema capitalista. acarretará problemas na sociedade.
Ao contrário do catolicismo
romano, em que o lucro era (ou
é?!) considerado um “pecado”,
no protestantismo tratava-se
ÁGORA
de uma virtude. Essa é uma
das explicações de sentido
“cultural” para as diferentes O capital não é uma coisa. É um processo que só
REPRODUÇÃO
amadurecimento do sistema
capitalista ao transitar de sua
fase comercial para a industrial.
Página da primeira
edição de Wealth of Segundo Adam Smith, quanto
Nations (A riqueza menos intervenção do Estado
das nações). houver na sociedade, tanto
821-1
24
s aulas de História e Sociologia poderão ajudar muito no tratamento dessas
A
questões.
POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2
S E N H A
o capital financeiro é hegemônico na
atual fase do capitalismo globalizado
A maioria dos principais analistas, estudiosos e autores das ciências sociais e economistas entende que
o capital financeiro é hegemônico na atual fase do capitalismo globalizado, tanto os que o criticam quanto
seus defensores. O fato, como vimos nestas duas aulas,25 é a extrema concentração de riqueza nas mãos
de poucos. Realidade atestada pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das
Nações Unidas (ONU), Fórum Econômico Mundial e inúmeras outras entidades globais e pesquisadores
internacionalmente reconhecidos.
Como isso afeta o espaço geográfico? Quais os impactos nas políticas públicas e na gestão das cidades?
Isso tem a ver com a sua vida? De que maneira? Há alternativas? Como poderiam ocorrer na prática? Mu-
danças são possíveis ou somos apenas espectadores?
821-1
25
Ler também as aulas 1 e 2 do Caderno 1 de Geopolítica: “Globalizações”.
18 POLISABER
GEOGRAFIA GERAL – AULA 3
Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, quando, principalmente, diferencia os de produtos socialmente produzidos. Até mesmo objetos
dois modelos.
POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aula 3
2
Leia a seguir “Anarquismo é desordem?”. ploração do trabalho, gerando a mais-valia. Vemos
20 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL
isso de maneira clara quando a polícia reprime as Substancialmente, os propósitos finais do anarquismo
manifestações de movimentos sociais ou trabalhado- são os mesmos do socialismo e do comunismo: alcançar
res em greve. A outra superestrutura cuida das ideias, uma sociedade sem classes sociais, não capitalista e sem
isto é, refere-se a todos os ambientes sociais (escola, a propriedade privada dos meios de produção. A diferença
televisão etc.) construídos para a aceitação e desco- entre as duas formas de pensamento está em como atingir
nhecimento, por parte do povo e do trabalho, de sua tais objetivos. Para o socialismo científico, o partido político
condição de explorado. Quer dizer, tentar evitar que e o Estado seriam o caminho para a conquista da sociedade
os cidadãos protestem, reivindiquem e critiquem socialista e depois comunista. Para os anarquistas não.
qualquer circunstância injusta provocada pelo siste- Segundo defendem, partidos e governos são organizações
ma. Assim, desconhecendo sua verdadeira verticais e autoritárias, o que impediria, enquanto meio, a
situação, não a combaterá. ascensão a uma sociedade igualitária, solidária e horizontal.
—— Mais-valia: termo O princípio fundamental do anarquismo é a autogestão e
pertencente a um a ação direta. De acordo com os anarquistas, homens e
complexo conjunto mulheres têm a capacidade de administrar a própria vida,
de teorias econômi- tanto a organização política da sociedade em geral como
cas de Marx, presen- dos empreendimentos econômicos. Não há a necessidade
te em uma de suas REPRODUÇÃO de um Estado e de governantes ou de líderes partidários que,
obras mais relevan- “representando” a maioria, governem em nome da maioria:
tes (O capital), tam- a maioria pode se autogovernar. Para a gestão das empresas
bém por isso mesmo Karl Marx, primeiro e vale o mesmo raciocínio: os próprios trabalhadores podem
fruto de muita polê- principal teórico do gerenciar e conduzir os negócios, sem um intermediário, o
mica. A mais-valia, socialismo científico. patrão. Afinal de contas, a sociedade, as empresas e tudo
concisamente, é o o que existe é produzido e construído pelo povo e pelos
valor produzido pelo trabalhador e não pago a ele trabalhadores. Para os anarquistas não é possível romper
em seu salário. Por exemplo, um operário que tra- com o autoritarismo, seja ele de cunho econômico ou polí-
balhe 8 horas por dia, 22 dias por mês, produzindo tico, agindo autoritariamente. Em razão de tais posições é
o equivalente a R$ 100,00 por hora terá gerado ao previsível que os anarquistas fossem, e o foram, repelidos
capitalista R$ 17.600,00. Recebendo um salário tanto pelos socialistas e comunistas (ao menos uma parte
de R$ 1.000,00; o valor extra ou mais valor não deles) quanto, especialmente, pelos capitalistas.
retornado a quem de fato produziu, o trabalhador, No Brasil, entre seus anarquistas mais famosos e con-
será de R$ 16.600,00. O lucro propriamente dito, temporâneos está Roberto Freire. Psiquiatra, escritor e
do capitalista, é a diferença entre o montante da pesquisador científico, faleceu em 2008, tendo deixado
mais-valia e todos os outros valores que devem ser um importante conjunto literário, além de também ter
pagos e envolvem a produção. criado a somaterapia. Ela constitui uma forma alterna-
tiva de terapia fundamentada na linguagem corporal e
verbal, cujos pressupostos estão respaldados no psica-
nalista Wilhelm Reich, nos princípios anarquistas, na
Anarquismo é desordem?
antipsiquiatria e outras fontes. O grupo herdeiro das ideias
de Roberto Freire publica no Brasil, por meio da Editora
Por vários motivos, alguns não planejados e outros nem
Casa Amarela, a revista mensal Caros Amigos.
tanto, muitas vezes a palavra “anarquia” ou “anarquismo”
A lista de outros anarquistas proeminentes seria
é associada a bagunça, desordem ou confusão. Todavia,
longa, por isso ilustramos
REPRODUÇÃO
a literatura, as ciências econômicas, entre outros setores. (poeta brasileiro). Mikhail Bakunin.
POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aula 3
EXERCÍCIOS
22 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL
2. (FGV) O movimento de owenismo (Robert Owen), no chamado socialismo utópico do século XIX, caracterizou-se
por:
a) pretender a conquista do poder imediatamente e por meio da luta armada.
b) pretender destruir o sistema capitalista, por sua paralisação por uma greve universal e de duração indeterminada.
c) pretender a criação de comunidades-modelo, a base da cooperação, nas quais não haveria a instituição do lucro.
d) pretender chegar ao socialismo, por meio de barganhas entre a cúpula sindical e os representantes dos patrões,
unicamente.
e) sustentar que havia o capitalismo em virtude de os homens terem sido condenados à miséria terrena, sendo o
mundo celestial socialista, daí a abdicação de qualquer movimento de rebelião ou greve.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Seguindo a mesma lógica das duas aulas anteriores, agora na aula 3, nossos objetos são as definições de “socialis-
mo” e “comunismo”. Convivendo e contrapondo-se ao capitalismo, em alguns momentos históricos chegou a parecer
que desapareceriam por completo enquanto possibilidade teórica e prática. Depois, ressurgiram. Em outros períodos
assemelharam-se muito ao que de pior oferece o capitalismo: a criação de pequenas castas isoladas, verdadeiras elites
depositárias de todos os benefícios e vantagens.
Nesta aula, buscamos mostrar não só uma abordagem teórica para termos clareza do que se está falando, mas também
instigar a reflexão a respeito das eventuais possibilidades alternativas de organização da sociedade. É justamente essa
capacidade de crítica, impossível sem a constante prática e elevado nível de informações, que pretendemos oferecer,
acompanhando o que é cobrado não só pelos processos seletivos das universidades, mas também durante a realização
do curso superior em qualquer área do conhecimento.
Bons estudos e continue se divertindo!
EXERCÍCIOS
1. (UERJ)
Os anarquistas, senhores, são cidadãos que, em um século em que se prega por toda a parte a liberdade das opiniões,
acreditam ser seu dever recomendar a liberdade ilimitada. [...] Os anarquistas propõem-se, pois, a ensinar ao povo a viver
sem governo, da mesma forma como ele começa a aprender a viver sem Deus.
d) superioridade da ação profissional sobre a da política, buscando a independência dos partidos políticos.
POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aula 3
24 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL
5. (FGV) Com base no materialismo histórico de Karl dos estados-maiores das grandes firmas e dos grandes
Marx, o estudo da sociedade deve ter como ponto bancos que decidem sobre a localização de seus
de partida investimentos em plano regional, nacional e internacional.
a) uma ideia ou conceito previamente fixado pelo Essas diferentes análises geográficas, estreitamen-
pesquisador. te ligadas a práticas militares, políticas, financeiras,
b) o entendimento das intenções subjetivas dos atores formam aquilo que se pode chamar “a geografia dos
sociais. estados-maiores”, desde os das forças armadas até os
c) as ideias da classe dominante e sua relação de do- dos grandes aparelhos capitalistas.
minação com a sociedade. Mas essa geografia dos estados-maiores é quase
d) a análise das relações do homem com a natureza e completamente ignorada por todos aqueles que não a
das relações entre homens na atividade produtiva. executam, pois suas informações permanecem confi-
e) o comportamento humano diante dos problemas denciais ou secretas.
nascidos nas relações familiares. A guerra do Vietnã forneceu numerosas provas de
que a geografia serve para fazer a guerra de maneira a
mais global, a mais total. Um dos exemplos mais céle-
bres e mais dramáticos foi a execução, em 1965, 1966,
1967 e sobretudo em 1972 de um plano de destruição
RODA DE LEITURA
sistemática da rede de diques que protegem as planí-
cies densamente povoadas do Vietnã do Norte: elas
O pensador francês Yves Lacoste é um dos mais talento- são atravessadas por rios caudalosos, com terríveis
sos geógrafos da atualidade. Em sua longa carreira como cheias que escoam não por vales, mas, ao contrário,
professor e pesquisador, produziu obras fundamentais sobre elevações, terraços, que são formados por seus
para a compreensão da ciência geográfica, concentrando- aluviões. Esses diques, cuja importância é, de fato,
-se em seus significados políticos velados. Os trechos a absolutamente vital, não poderiam ter sido objeto de
seguir pertencem a um de seus livros mais importantes: bombardeamentos maciços, diretos e evidentes, pois
A Geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. a opinião pública internacional ali teria visto a prova da
perpetração de um genocídio. Seria preciso, portanto,
Na verdade, a função ideológica essencial do discurso atacar essa rede de diques, de forma precisa e discreta,
da geografia escolar e universitária foi sobretudo a de em certos locais essenciais para a proteção de alguns
mascarar por procedimentos que não são evidentes a quinze milhões de homens que vivem nessas peque-
utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a nas planícies, cercadas por montanhas. Era necessário
condução da guerra, como ainda para a organização do que esses diques se rompessem nos lugares em que a
Estado e prática do poder. E sobretudo quando o discurso inundação teria as mais desastrosas consequências. A
geográfico parece “inútil”, exerce a função mistificadora escolha dos locais que era preciso bombardear resulta
mais eficaz [...]. A sutileza foi a de ter utilizado um saber de um raciocínio geográfico, comportando vários níveis
estratégico militar e político como se fosse um discurso de análise espacial. Em agosto de 1972, foi pela elabora-
pedagógico ou científico perfeitamente inofensivo. [...] Ela ção de um conjunto de raciocínios e de análises que são
(a geografia) continua a ser como há séculos, um temível especificamente geográficas que eu pude demonstrar,
instrumento de poder. Esse conjunto de representações sem ter sido contraditado, a estratégia e a tática que o
cartográficas e de conhecimentos bem variados, visto Estado-maior americano executava contra os diques. Se
em sua relação com o espaço terrestre e nas diferentes foi um procedimento geográfico que permitiu desmas-
formas de práticas do poder, forma um saber claramente carar o Pentágono, isso se deu exatamente porque sua
percebido como estratégico por uma minoria dirigente, estratégia e sua tática se alicerçavam essencialmente
que a utiliza como instrumento de poder. sobre uma análise geográfica. Coube a mim reconstituir,
À geografia dos oficiais decidindo com o auxílio das a partir de dados eminentemente geográficos, o racio-
cartas a sua tática e a sua estratégia, à geografia dos cínio elaborado para o Pentágono por outros geógrafos
dirigentes do aparelho de Estado, estruturando o seu (“civis” ou de uniforme, pouco importa).
espaço em províncias, departamentos, distritos, à
geografia dos exploradores (oficiais, frequentemente) Você acredita que o ensino da Geografia no Brasil está
821-1
que prepararam a conquista colonial e a [...] geografia ou esteve submetido à função ideológica anunciada no
POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aula 3
NAVEGAR
REPRODUÇÃO
um motivo para quem não domina dois dos principais
idiomas na atualidade aprendê-los. No caso do inglês,
gostemos ou não, é uma língua hegemônica e que ain-
da, por muito tempo, continuará dominando todos os
principais campos: tecnologia, ciências em geral, polí- Um Rei em Nova York
tica, economia, negócios etc. Destacamos alguns sites Produção e direção: Charles Chaplin. Inglaterra, 1957.
para quem deseja se aventurar no idioma anglo-saxão Apesar de não ser uma de suas obras mais divulgadas, é tão
e concomitantemente acessar conhecimentos práticos boa ou melhor do que as mais
sobre a realidade baseados em teorias de fundo liberal conhecidas. Trata-se de uma
ou socialista: foreignaffairs.com, democracynow.org, crítica ao macarthismo (Esta-
wsws.org, adamsmith.org, foreignpolicy.com, aljazeera. dos Unidos, 1950-1957) quan-
com, newleftreview.org, levyinstitute.org etc. do se perseguiu lideranças e
personalidades consideradas
comunistas, bem como ao con-
sumismo e ao american way
ites
S
of life.3 Nos Estados Unidos, o
REPRODUÇÃO
filme foi exibido pela primeira
Outras palavras – Comunicação compartilhada pós-
vez somente em 1973.
-capitalismo
Disponível em: outraspalavras.net. Acesso em: 16 jan. 2016.
Outro vídeo muito interessante para a compreensão dos
Além de informações, oferece análises de primeira
temas deste caderno é o debate ocorrido em 1985 entre
qualidade tanto do contexto nacional quanto de vários
dois ícones do pensamento social e político no Brasil: Luís
outros países. Carlos Prestes e Roberto Campos. O primeiro (chamado
de o Cavaleiro da Esperança pelo escritor Jorge Amado)
El País – O jornal global liderou um famoso movimento que levou seu nome, Colu-
Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em: 16 jan. 2016. na Prestes,4 tendo sido ainda senador entre 1946 e 1948,
Jornal diário espanhol, mas com versão digital para o secretário-geral do Partido Comunista do Brasil e marido da
português brasileiro. De tendência social-democrata, também militante comunista Olga Benário.5 Durante déca-
disponibiliza opiniões e informações relacionadas a várias
áreas e regiões. 3
Estilo de vida e comportamento social característico dos Estados Unidos.
4
ovimento político-militar de resistência na primeira década dos anos 1920. Contestava
M
a “República Velha” e exigia políticas sociais básicas à população, entre elas a educação.
Em sua marcha, percorreu aproximadamente 25 mil quilômetros no interior do território
brasileiro com um grupo fixo de cerca de 200 homens.
821-1
5
obre essa personagem da política brasileira vale a pena ler a biografia de Fernando
S
Morais, publicada em 1994 pela editora Companhia das Letras.
26 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
Como o próprio título diz, os
tante tanto pelo que representam os participantes, mas
dois textos visam facilitar a lei-
igualmente pela importância histórica do encontro, além,
tura e a compreensão da obra
é claro, das definições básicas a respeito dos conceitos em
máxima de Karl Marx, O Capital.
questão. Entre as ideias superadas estão a “inexorabilidade
do socialismo”, argumentada por Prestes. Ou seja, para ele
necessariamente o socialismo seria o próximo sistema a
Imperialismo, fase superior
substituir o capitalismo. Nesse sentido, existiria um certo
do capitalismo. Escrito pelo
fatalismo histórico, um “trem da história”. Entretanto,
principal líder da Revolução
nada está predeterminado, o futuro da sociedade, como
Russa de 1917, Vladimir Ilitch
de nossa vida individual, não está escrito. O socialismo ou
Lenin, o texto se tornou um
outro sistema, aquilo que vai ou não ocorrer dependerá de
clássico. Nas décadas seguin-
nossas ações pessoais e coletivas. Já para Campos, não
tes motivou vários autores da
existia capitalismo no Brasil. Quer dizer, não existia um
sociologia, da ciência política,
capitalismo “puro”, mas sim um “pré-capitalismo” ou
da ciência econômica, da geo-
REPRODUÇÃO
6
Ler Caderno 1 de Geopolítica: “Globalizações”.
ilustrações de Miguel Repiso, é
7
Idem nota de rodapé 6.
POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aula 3
28 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
No espaço sideral há norte ou sul?
Há “em cima” ou “embaixo”?
Há algo de errado com este mapa? Por quê? Ou depende do ponto de vista? No espaço sideral há
norte ou sul? Há “em cima” ou “embaixo”? Se não há, por que o mapa estaria errado? Se não há nada de
errado com ele, por que não é representado dessa maneira? Seria, portanto, errado subverter a imagem
“invertendo-a”? Enfim, qual o motivo, ou motivos, de a imagem do mapa-múndi ter sido convencionada
da maneira que conhecemos?
REPRODUÇÃO
821-1
POLISABER 29
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL
Aulas 1 e 2 Aula 3
1. c 1. a
2. e 2. e
3. c 3. a
4. b 4. b
30 POLISABER
ORIENTAÇÃO DIDÁTICA
Caderno 1 R
espostas dos exercícios
1.
Aulas 1 e 2 a
Caro(a) professor(a),
2. d
POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL orientação didática
R
espostas dos exercícios
1. b
2. c
Bibliografia básica
32 POLISABER
REPRODUÇÃO
Representação
do espaço geográfico
GEOGRAFIA GERAL 2
GEOGRAFIA GERAL – AULAS 4 E 5
Uma história de interesses com versões diferentes. Em outras palavras, opções cien-
tíficas divergentes da estabelecida.
Entre os séculos XIV, XV e XVI, o desenvolvimento da
Como qualquer outra produção humana, a ciência
cartografia foi essencial para que a expansão ultramarina
cartográfica também não é neutra. Os mapas refletem
fosse possível. Não é coincidência a Projeção de Mercator
visões de mundo e interesses pertencentes a grupos
do mapa-múndi datar de 1569: como se apropriar de novos
específicos. O mundo tem um “centro”? Por que a linha
territórios e novas riquezas se a elas não podemos chegar?
imaginária (Greenwich) que indica a divisão entre Oci-
dente e Oriente passa justamente nas proximidades da
cidade de Londres? Por que a Europa e os Estados Unidos
ficam no Norte ou “em cima” e África, América Latina e Cartografia, a ciência dos mapas
Ásia “embaixo”, quer dizer, no Sul?
Estabelecido em 1851 e acordado internacionalmente Definir tecnicamente uma ciência é relativamente fácil,
em 1884, haveria neutralidade em tal convenção (Meri- mas nem sempre isso permite entendermos de fato suas
diano de Greenwich) quando se sabe que, no período re- funções e seus objetivos diretos e indiretos, explícitos e
ferido, a Inglaterra era nada menos que a principal nação implícitos. Se não compreendermos o contexto em que
capitalista industrial, ou seja, a mais poderosa do planeta? está inserida (cultural, social, político e econômico), a
Nada disso é coincidência ou acaso. E essa é a viagem explicação se torna vazia e, consequentemente, sem
que faremos a partir de agora. Uma viagem na qual vere- sentido. É o que igualmente ocorre com a cartografia.
mos os interesses, as causas e os porquês de fenômenos Para saber que ela envolve, grosso modo, a concepção
aparentemente neutros, mas que, na verdade, não são e o estudo de mapas, não há dificuldades. O segredo na
nada ingênuos. compreensão do significado de qualquer ciência está no
entendimento de suas implicações sociais. Essa é a lógica
que permeia todo este Caderno 2, dedicado aos sentidos
Conhecer para dominar da ciência cartográfica.
Porém, perceber as circunstâncias históricas de uma ciên-
Demarcação de fronteiras, identificação de recursos cia não nos autoriza a esquecermos de seus pressupostos
naturais; suporte para a estruturação de estratégias mi- técnicos. Por isso, façamos uma breve incursão nesse cam-
litares, sistemas burocráticos e políticas públicas; apoio po. Começando, primeiramente, com sua definição básica.
para a cobrança de impostos e estabelecimento de rotas A Associação Cartográfica Internacional1 (em inglês, In-
(comerciais, marítimas etc.); elaboração de cadastros. ternational Cartographic Association – ICA) assim definiu
Essas são algumas das principais funções da cartografia cartografia em encontro internacional realizado em 1964:
desde seu surgimento, as quais continuam basicamente
as mesmas. Provavelmente a diferença mais importante Conjunto de estudos e operações científicas, artísti-
com relação à cartografia na atualidade está na existência cas e técnicas baseado no resultado de observações
de visões alternativas. Isto é, além da visão dominante ou
824-2
0016
1
oi fundada na Suíça em 1959 (www.icaci.org). A entidade decidiu que em 2015 e
F
hegemônica, há também as visões contra-hegemônicas, 2016 será comemorado o Ano Internacional do Mapa (www.mapyear.org).
2 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
diretas ou de análise de documentação, com vistas à escala utilizada para a representação de uma peque-
elaboração e preparação de cartas, planos e outras na área e, consequentemente, com um nível maior de
formas de expressão, bem como sua utilização.2 detalhamento. Por isso, nos servimos dela para repre-
sentarmos os vários tipos de construções humanas.
É uma definição interessante que consegue limitar Para as definições de mapa e carta a seguir, utilizamos
satisfatoriamente o campo de atuação da cartografia. os termos da Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Entretanto, mais uma vez, destacamos: pouco servirá uma Mapa: representação gráfica, em geral uma superfície
definição sem seu devido contexto histórico. Até mesmo os plana e em uma determinada escala, com a representa-
conceitos científicos mudam com o caminhar da história ção de acidentes físicos e culturais da superfície da Terra,
e dos interesses de grupos e classes que a produzem. ou de um planeta ou satélite.
Carta: representação dos aspectos naturais e artificiais
da Terra, destinada a fins práticos da atividade humana,
Concepções básicas permitindo a avaliação precisa de distâncias, direções
A ciência cartográfica, tão antiga quanto nossa civiliza- e a localização plana, geralmente em média ou grande
ção, evoluiu e, assim, produziu e acumulou uma grande escala, de uma superfície da Terra.
quantidade de conhecimentos bastante sofisticados, Projeções cartográficas: visam reproduzir em uma
específicos e técnicos; seria impossível, portanto, abordá- superfície plana (um mapa) a superfície esférica da Terra.
-los neste momento, o que igualmente está fora dos Entre as várias projeções existentes, abordaremos (nas
propósitos de nossas aulas. Assim sendo, exporemos duas aulas seguintes) a de Mercator (conforme) e a de
as definições essenciais aos estudos cartográficos sem Gall-Peters (equivalente).
nos estendermos.3 Cartografia temática: refere-se à produção de ma-
Escala: é a proporção entre uma determinada pas temáticos, os quais vão além da representação
superfície real e sua representação gráfica. Uma das geométrica tradicional (ou do formato do espaço
mais utilizadas é a numérica: 1 : 20 000. Isto é, cada geográfico), exibindo temas específicos. Os temas são
unidade do mapa corresponde a outras 20 mil na rea- tão vastos quanto a própria realidade, podendo abordar
lidade. Nesse caso, cada centímetro no mapa equivale conteúdos sociais, econômicos, políticos, culturais etc.
a 20 mil centímetros na realidade (200 metros). Ou 1 : Anamorfose cartográfica: são mapas sem escala
100 000 – cada centímetro equivale a 1 km. A escala é utilizados para a representação proporcional (tendo, por
uma das formas de representar cartograficamente um isso, suas áreas deformadas) de incontáveis temas. Veja
espaço geográfico específico. Entre elas, há a planta: a seguir alguns exemplos:
REPRODUÇÃO
População mundial.
2
Definição reproduzida e traduzida no livro Fundamentos de cartografia, indicado na seção Navegar.
824-2
3
s conceitos aqui apresentados foram definidos pelo Departamento de Cartografia da Diretoria de Geociências do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Fundação pública
O
criada em 1934 durante a presidência de Getúlio Vargas e, por isso mesmo, vinculada ao governo federal, especificamente o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
REPRODUÇÃO
Reciclagem de lixo.
REPRODUÇÃO
Coordenadas geográficas: por meio da relação entre determinados indicadores, é possível localizar qualquer ponto
na superfície terrestre. Esses indicadores são:
—— Meridianos: linhas verticais imaginárias sobre o planeta. Cada um dos meridianos tem um valor de longitude,
de 0º – valor do principal deles, o Meridiano de Greenwich – a 180º – para leste ou oeste.
—— Longitude: é a distância, em graus, entre qualquer ponto da superfície terrestre e o Meridiano de Greenwich.
—— Paralelos: linhas horizontais imaginárias sobre o planeta, sendo as principais: Equador, Trópico de Câncer, Trópico
de Capricórnio, Círculo Polar Ártico e Círculo Polar Antártico. Cada paralelo tem um valor de latitude, de 0º – valor
da Linha do Equador – a 90º para norte ou sul.
—— Latitude: distância, em graus, entre qualquer ponto da superfície terrestre e a Linha do Equador.
824-2
4 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
Como seria de se esperar, geralmente a história das so- O geógrafo e pensador Hecateu viveu na Grécia Antiga
ciedades são contadas pelos grupos que, em determinado entre os séculos VI e V a.C. No mapa-múndi que ajudou
momento, conseguem se sobressair, também chamados a produzir, 6 podemos perceber a representação da re-
de grupos dominantes. A história da humanidade consti- gião entre as cidades de Atenas e Mileto, ambas muito
tui, desde as primeiras civilizações, um cenário de dispu- importantes na época.
tas, não poucas vezes acirradas e que, na verdade, levam,
literalmente, a perdedores e vencedores. Estes últimos,
além de seu triunfo propriamente dito, acabam tornando
sua versão dos conflitos a verdadeira. Logo, na história, a
verdade comumente é aquilo que é comunicado, aquilo
que é dito e os mapas estão inseridos exatamente dentro
desse contexto, pois servem aos interesses dos mais for-
tes e poderosos. Estudar, portanto, a história dos mapas é
REPRODUÇÃO
não só fundamental para a compreensão da cartografia,
mas também para a história dos povos. A representação
dos espaços geográficos, em vista disso, não depende
somente do desenvolvimento tecnológico. Interesses
sociais específicos existem desde os primeiros esboços
de mapas confeccionados rusticamente até os atuais
sistemas de GPS – sigla de Global Positioning System, isto
é, Sistema de Posicionamento Global. Para você ter uma
ideia, esse último é fruto da rivalidade geopolítica entre
os Estados Unidos e a ex-União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) durante a Guerra Fria. Reconstrução do mapa do pensador grego Hecateu: o
mundo era um disco circulado pelo oceano. No centro
ficava “coincidentemente” o país que hoje se consolidou
como a Grécia.
O primeiro mapa
Aristóteles (384-322 a.C.), considerado por muitos o
O mapa mais antigo encontrado teria sido confeccio- mais genial dos pensadores para a civilização ocidental,
nado pelos babilônicos em aproximadamente 2.500 a.C.4 não só sintetizou o pensamento grego clássico, como
Existe, entretanto, a possibilidade de que sua origem seja criou e sistematizou as principais ciências conhecidas até
anterior: 4.500 a.C. 5 Apesar de não se poder fazer uma hoje, abordando temas desde a biologia, passando pela
afirmação conclusiva, os mapas podem ter sido criados política, pela arte e chegando aos níveis mais sofisticados
antes mesmo da escrita. De qualquer maneira, até o
da filosofia pura.
presente momento, a placa de barro cozido descoberta
na Mesopotâmia é, até hoje, o trabalho cartográfico mais
distante no tempo de que se tem notícia.
REPRODUÇÃO
4
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 6
representação confeccionada por Hecateu foi fruto do aperfeiçoamento de um mapa
A
824-2
5
egundo referência encontrada em Fundamentos de cartografia, de Paulo Araújo Duarte.
S elaborado pelo pré-socrático Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.), tido como um dos
Editora UFSC, 2008. primeiros filósofos gregos da tradição ocidental.
POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
Entre os assuntos brilhantemente desenvolvidos, O mais proeminente dos cartógrafos da Grécia Anti-
defendeu a esfericidade da Terra por meio de seis ar- ga foi Cláudio Ptolomeu (90-168 d.C.), cujos trabalhos
gumentos utilizados posteriormente por Eratóstenes chegaram a influenciar as descobertas marítimas dos
(276-194 a.C.) para medir o diâmetro do planeta, o que séculos XV e XVI, tendo sido utilizados até mesmo por
fez com muita exatidão. O geógrafo grego chegou a uma Cristóvão Colombo.
circunferência de 40 mil km, sendo o valor calculado
hoje, com base na Linha do Equador, correspondente
a 40 072 km.
REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO
Representação de Ptolomeu.
REPRODUÇÃO
824-2
Mapa-múndi produzido no século XV a partir das orientações deixadas por Ptolomeu entre 150-170 d.C.
6 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi produzido por Pomponius Mela para o
Império Romano.
7
1,59 m de altura por 1,40 m de largura.
no livro Topografia cristã, publicado em 535 pelo mercador 8
Aproximadamente 1 100 legendas.
POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi no T-O.
REPRODUÇÃO
9
Fonte dos mapas: Biblioteca Nacional da Suécia.
8 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
Mapa do norte da Europa produzido em 1539.
A ciência geográfica e cartográfica na Europa Ocidental, principalmente desde os séculos XIV e XV, dedicava-se os-
tensivamente a descobrir os contornos e as rotas marítimas em razão da “necessidade” e da urgência dos governantes
e das elites econômicas do continente acessarem não só novos caminhos aos pontos comerciais já conhecidos, mas
igualmente tentar “descobrir” novos povos e territórios. Como dominavam economicamente, suas visões e ideias também
se tornaram hegemônicas (especialmente Espanha, Portugal, França e Inglaterra). Por isso, analisando criticamente a
história e os conceitos relevantes da cartografia, percebemos seu acentuado aspecto eurocêntrico. Todavia, como em
praticamente qualquer realidade social, sempre há posturas alternativas à dominante.
Além da produção cartográfica realizada pelos árabes, destaca-se o papel essencial deles na preservação da produ-
ção greco-romana clássica durante a Idade Média, sempre ávida a eliminar as ideias divergentes e seus respectivos
donos. É, por exemplo, possível afirmar que devemos a conservação dos textos e das obras de Ptolomeu aos cientistas
e estudiosos muçulmanos, os quais também aperfeiçoaram e até indicaram alguns equívocos nas descobertas dos
824-2
gregos, como a discordância de al-Battani ao atestar que o Oceano Índico era um mar aberto. Outros estudiosos árabes
POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
notórios na área foram Mohammed Ibn Musa al-Khwarizmi (com sua obra Livro da configuração da Terra) e Abul Hassan
Ali al-Masudi no século X.
Um dos maiores representantes da cartografia árabe foi al-Idrisi. Sobressai em suas contribuições o trabalho encomen-
dado pelo rei Roger II, da Sicília, no século XII. A despeito de o mapa-múndi ter sido perdido, foi possível reconstruí-lo
graças aos textos deixados que o citam:
REPRODUÇÃO
Reprodução de mapa-múndi originalmente elaborado por al-Idrisi entre os séculos XI e XII d.C.
Outro exemplo de “excentricidade” (ou seja, fora do eurocentrismo) pode ser visto com o mapa a seguir, segundo a
visão do Império Otomano,10 produzido em 1803.
REPRODUÇÃO
10
Civilização existente entre os séculos XIII e XX. Sua extensão máxima cobria partes do norte da África, Oriente Médio e Europa Oriental.
10 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi produzido na China do século XVII.
REPRODUÇÃO
Enfim, há tantas representações gráficas possíveis do mundo, seus territórios e países quanto a imaginação (e os
interesses) permitirem. Não há, portanto, limites para o que se quer mostrar. Aliás, o que está por trás daquilo que se
824-2
POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
EXERCÍCIO
1. (Fuvest)
Sempre deixamos marcas no meio ambiente. Para medir essas marcas, William Rees propôs um(a) indicador/estimativa
chamado(a) de “Pegada Ecológica”. Segundo a Organização WWF, esse índice calcula a superfície exigida para sustentar
um gênero de vida específico. Mostra até que ponto a nossa forma de viver está de acordo com a capacidade do plane-
ta de oferecer e renovar seus recursos naturais e também de absorver os resíduos que geramos. Assim, por exemplo,
países de alto consumo e grande produção de lixo, bem como países mais industrializados e com alta emissão de CO2,
apresentam maior Pegada Ecológica.
Assinale a anamorfose que melhor representa a atual Pegada Ecológica dos diferentes países.
Nota: considere apenas os tamanhos e deformações dos países que são proporcionais à informação representada.
Fontes: worldmapper.org. Acessos em ago. 2009. Le Monde Diplomatique, 2009.
a) d)
b) e)
c)
824-2
12 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Além de reforçar alguns dos conceitos básicos da cartografia e aprimorar ainda mais a interpretação dos aspectos
elementares de um mapa, bem como de suas possibilidades explicativas, esta seção chama atenção para as novas
visões dessa ciência em seu desenvolvimento histórico.
Nestas aulas, você leu e analisou por meio das imagens o caminhar da ciência dos mapas, percebendo os progressos
técnicos, sempre acompanhados da cultura social e da própria história das civilizações. Aproveite agora para aprofundar
os conhecimentos adquiridos iniciando suas próprias pesquisas a partir das reflexões que vocês fez.
Com mais acesso à informática e à internet, pode-se também, no caso dos mapas, usufruir de um enorme conjunto
de produções de alto nível, de acordo, por exemplo, com o que indicamos na seção Navegar.
Além disso, é claro, não deixe de intensificar o debate refletindo a partir da brilhante frase do professor Milton Santos
na Ágora.
Bons estudos!
EXERCÍCIOS
1. (Unesp) Espaço, território e rede geográfica são pa- c) a África Subsaariana tem o número total de internau-
lavras-chaves na Geografia. A rede geográfica tem o tas superior ao da América Latina.
poder de ultrapassar as fronteiras nacionais através d) a China, a Coreia do Sul e o Japão têm o mesmo
da internet. Analise o mapa com os usuários da in- número de internautas.
ternet no mundo. e) o número de usuários da internet da Austrália supera
o do Mercosul.
2. (Fuvest)
POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
3. (Unesp) Compare o mapa que representa os maiores países do mundo em área com o mapa anamórfico da popu-
lação absoluta de cada país.
Área
População absoluta
A partir da comparação, pode-se afirmar que os principais países que possuem as menores densidades demográ-
ficas são:
a) Rússia, Canadá e Austrália.
b) China, Índia e Canadá.
c) Estados Unidos, China e Austrália.
d) Argentina, Brasil e Índia.
e) Estados Unidos, Índia e Brasil.
4. (Mackenzie) Considerando que a distância real entre duas cidades é de 120 km e que a sua distância gráfica, num
mapa, é de 6 cm, podemos afirmar que esse mapa foi projetado na escala:
a) 1 : 1 200 000
b) 1 : 2 000 000
c) 1 : 12 000 000
d) 1 : 20 000 000
e) 1 : 48 000 000
824-2
14 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
Estas representações são anamorfoses geográficas. Uma anamorfose geográfica representa a superfície dos países
em áreas proporcionais a uma determinada quantidade. As anamorfoses acima representam, respectivamente:
a) Número de turistas recebidos e Produto Nacional Bruto.
b) Produto Nacional Bruto e População.
c) População e Número de turistas recebidos.
d) População ativa na agricultura e Produto Nacional Bruto.
e) População e População ativa na agricultura.
824-2
POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
11
Publicado na Revista Geográfica de América Central, número especial, EGAL, Costa
Rica, 2011.
16 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
geral ao pôr à disposição os resultados obtidos com os tudioso e o leitor em geral com
estudos. Há também um programa semanal chamado uma reflexão crítica a respeito
“Panorama Ipea”, que igualmente pode ser acessado das projeções cartográficas.
pelo site www.ipea.gov.br/panorama (acesso em: 19 fev.
2016). Nele, são debatidas as investigações científicas
desenvolvidas em uma linguagem mais acessível. FITZ, Paulo Roberto.
Oferece em seu site inúmeras publicações de altíssimo Cartografia básica. São
nível para divulgação em várias áreas, como políticas Paulo: Oficina de Textos,
sociais; planejamento urbano, regional e ambiental; 2008.
democracia; macroeconomia etc. Nessa obra, o autor, pro-
Entre os links mais interessantes para a Geografia, estão: fessor da Universidade
http://mapas.ipea.gov.br (acesso em: 19 fev. 2016) – os Federal do Rio Grande do
REPRODUÇÃO
POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
ÁGORA
Milton Santos
Reflita coletivamente o significado dessa frase e sua relação com a representação do espaço geográfico.
S E N H A
Uma visão, um mapa.
824-2
18 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
Dê-me um mapa;
depois mostre-me tudo o que me
resta para conquistar o mundo.
REPRODUÇÃO
Cartografia, para quê? isso, estude, assim você poderá fazer seus questionamen-
tos com propriedade, baseando-se em dados científicos.
O convencionado é sempre o
melhor e o mais correto?
Qual mundo é o verdadeiro?
Uma das frases-símbolo do pensamento cartesiano 1
(filosofia de René Descartes, 1596-1650) – “penso, logo Acostumamo-nos a ver o mundo interiorizando profun-
existo” – 2 pode nos levar a outra, igualmente muito in- damente a imagem dos contornos dos territórios e países
teressante: duvido, logo existo. Esse era, podemos dizer, da maneira reproduzida na página a seguir.
também um pressuposto da filosofia de Sócrates3: duvidar Crescemos e incorporamos em nosso pensamento
do que se sabe, ou do que se julga saber, para, paulati- esse mapa-múndi como modelo em relação ao formato
namente, construir (ou reconstruir) o conhecimento: o dos continentes. Se for pedido a você que imagine um
método da maiêutica. Duvidar não deve ser associado à mapa-múndi com certeza o formato imaginado será este.
confusão ou ausência de opinião; trata-se de um elemento
Alguém duvida disso? Essa é, porém, apenas uma das
fundamental ao desenvolvimento científico: hoje o que é
projeções possíveis.
“verdade” amanhã pode deixar de ser. Portanto, não há
Como o planeta é uma esfera (e não é um plano), sua
conhecimentos ou verdades absolutas. Deixando o apro-
reprodução em duas dimensões (altura e comprimento)
fundamento dessas ideias para as aulas de Filosofia, utili-
necessariamente levará a algum tipo de deformação. Qual
zemos esse pensamento em nosso campo: a cartografia.
será, à vista disso, a deformação “escolhida”? Caberá
As projeções cartográficas, enquanto produtos de pesqui-
sas científicas, igualmente podem mudar. Foi o que vimos simplesmente a quem faz o mapa escolhê-la!
nas duas aulas anteriores quando estudamos, mesmo que Como visto nas duas aulas anteriores, a Projeção de
brevemente, a história da cartografia. Percebemos que os Mercator, criada em 1569 é, até o momento, a mais
mapas mudam em razão não apenas das tecnologias dispo- popular, sendo utilizada até mesmo pelo Google Maps.
níveis, mas também de acordo com os interesses de quem Essa projeção está amplamente difundida na civilização
os produzem ou manda produzir. As regiões, os países, os há séculos e em todos os meios possíveis: televisão; in-
governos ou os empreendedores tendiam quase sempre a ternet; cartazes; planejamento de empresas e governos;
pôr como centro nos mapas o território em que habitavam. entre os cientistas e, como não podia deixar de ser, nos
Portanto, caro(a) estudante, o “convencionado” não é livros didáticos! Nesse método, as áreas dos continentes
uma verdade absoluta. Duvide sempre, questione, para não sofrem uma deformação, tornando-se visualmente maio-
se deixar levar pelo “achismo” ou pelo senso comum! Para
res do que realmente são para aqueles territórios que se
1
Para mais informações, não deixe de consultar os livros e professores de Filosofia. aproximam dos polos. Por exemplo, a área da Groenlândia
2
Em latim: Cogito, ergo sum. é de 2 166 milhões de km²; o continente africano, por
3
ilósofo ateniense da Grécia Antiga (469 a.C.-399 a.C.). Junto a Platão, de quem foi
F
professor, e Aristóteles, constituíram o que muitos afirmam ser a base da civilização sua vez, tem 30,3 milhões de km². Veja que a diferença
824-2
ocidental. Por defender pontos de vista considerados ousados na época, foi condenado
à morte por ingestão de uma infusão de cicuta. é enorme: aproximadamente 14 vezes!
POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
Mas... olhe novamente o mapa a seguir: não lhe parece que a Groenlândia é até maior que toda a África? Como pode ser?
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi, Projeção de Mercator.
Observe que, no mapa a seguir, elaborado também na Projeção de Mercator, o Alasca é quase do tamanho do
Brasil. Contudo, esse país tem 1,7 milhões de km² – é quase 5 vezes menor que a nação brasileira com seus mais de
8,5 milhões de km²!
REPRODUÇÃO
20 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi, de acordo com a Projeção de Mercator, com a divisão de continentes.
A América do Sul tem uma área de 17,8 milhões de km² e a Europa, 10,1 milhões de km². Você consegue visualizar que
o primeiro continente parece quase duas vezes maior que o segundo? Pelo mapa acima, parecem, no mínimo, iguais.
Outra discrepância: a América do Norte, com seus 24,7 milhões de km², se mostra maior que a África (30,3 milhões de
km²) e praticamente do mesmo tamanho que a Ásia, que tem 43,8 milhões de km². Há algo realmente estranho quando
confrontamos as imagens com os números.
Isto posto, fica fácil concluir que os territórios próximos à Linha do Equador tendem a aparentar uma área menor;
por outro lado, os que vão se aproximando dos polos tendem a aparentar uma área maior. Sendo do tipo conforme, a
Projeção de Mercator mantém o formato dos territórios, mas, como visto, altera a dimensão das áreas. A metodologia
de Mercator (Sistema Universal Transversal de Mercator – UTM) causa grandes deformações em altas latitudes. Qual foi
então (e ainda continua sendo) sua utilidade? Por que começou a ser empregada extensamente? Como sabemos, em
1569 os comerciantes e governos europeus viviam em plena fase de expansão ultramarina. Assim sendo, mapas que
orientassem da melhor maneira possível a navegação eram essenciais. Mercator conseguiu reproduzir cartograficamente
em um plano as distâncias curvas de uma esfera: a Terra. Grande avanço para o deslocamento em vastas distâncias.
Todavia, e isso é muito importante, esse não deveria ser o modelo utilizado, por exemplo, para uma representação
política dos continentes, pois, nesse tipo de mapa, o objetivo não é a orientação para a navegação, mas o estudo das
relações geopolíticas e, nesse sentido, a Projeção de Mercator pode induzir, e induz, ao menos indiretamente, ao erro.
Por exemplo, em princípio, uma nação com um território maior ou muito maior que o de outra aumenta suas possibilida-
des em qualquer tipo de relação ou eventuais disputas. Logo, por que, nesse caso, se insiste na Projeção de Mercator?
Ora, sem entrarmos no campo das “teorias da conspiração”, e segundo já refletimos, a história é contada por pessoas
e grupos, os quais têm interesses. Não há neutralidade. Não é Mercator que está errado, mas o indevido uso que se faz
de sua projeção.
Para as análises políticas, há um valor maior em se manter a equivalência entre as dimensões dos territórios. Nas
análises das relações internacionais, a consideração da simetria (igualdade) e assimetria (desigualdade) é algo básico.
E é exatamente nisso que reside o uso equivocado da projeção em questão.
824-2
POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
Alternativa
Uma escolha diferente que tem se tornado, aos poucos, mais conhecida é a Projeção de Gall-Peters. Veja o mapa
abaixo e o compare com as projeções de Mercator vistas anteriomente.
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi baseado na Projeção de Gall-Peters.
Criada pelo historiador alemão Arno Peters no início dos anos 1970, a partir de elaboração do escocês James Gall
(século XIX), a projeção do mapa-múndi por eles realizada, do tipo equivalente,4 proporciona maior verossimilhança
em relação à superfície dos países e continentes. Logo, não há, como se pode perceber, um estado do Alasca quase
do tamanho do Brasil ou uma Groenlândia maior ou quase igual à África. Apoiada pela Unesco e Unicef, 5 a Projeção de
Gall-Peters seria socialmente mais justa, na medida em que a interpretação de Mercator teria um sentido colonialista e
racista, sendo, por consequência, primordial fortalecer as nações periféricas ao mostrar as áreas reais de seus territórios
em relação aos países centrais.
A perspectiva de Gall-Peters não deixou de receber críticas, algumas talvez de caráter mais técnico e, assim, perti-
nentes, mas outras puramente resultado de ataques compreensíveis por parte dos que viram suas visões particulares
questionadas. Como em outros debates científicos, este não só não está concluído como continua em plena discussão
entre os especialistas. O indispensável, a partir de agora, é saber que o que geralmente nos é apresentado como único,
a Projeção de Mercator, é apenas mais uma forma de visão. E, como as outras, pode e dever ser questionada.
Outra ideia que nos é reforçada diariamente: olhe novamente para os mapas projetados segundo Mercator e, depois,
para os dois mapas a seguir, principalmente o segundo.
4
e acordo com a classificação das projeções, no que se refere às deformações apresentadas, as projeções equivalentes mantêm as dimensões das áreas representadas, mas não
D
824-2
22 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
REPRODUÇÃO
Mapa-múndi na Projeção de Mercator “invertido”.
REPRODUÇÃO
Fica até um pouco difícil encontrar a Europa e a Groenlândia. Não é espantoso o fato de as inovações cartográficas a
que nos referimos não serem adotadas. O impacto seria imenso com os questionamentos e as novas ideias suscitados:
diminuir áreas “espichando” os territórios e ainda “invertê-los” seria excessivo, mas, talvez, necessário.
824-2
POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
Rio Grande
do Sul S
Santa Catarina SE SO
Paraná L O
Rio de Janeiro NE NO
São Paulo
N
Espírito Santo Mato Grosso
Minas do Sul
Gerais
DF
Goiás
Mato Grosso
Bahia
Rondônia
Sergipe
Alagoas Tocantins
Pernambuco Acre
Piauí
Paraíba
Rio Grande
Pará
do Norte Ceará Maranhão
Amazonas
REPRODUÇÃO
Amapá
Roraima
Como não há “parte de cima” e “parte de baixo” no espaço, o mapa do Brasil pode assim ser representado.
O que lhe sugere? Como ficaria agora, com esse mapa, o preconceito com relação aos “nortistas” ou “nordestinos”?
Deveríamos mudar as palavras para “sulistas” ou “sudestinos”? E vice-versa?
Todos os mapas “invertidos” estão corretos! No espaço sideral, não há “para cima” nem “para baixo”. Logo, novamente,
a forma de mostrar um mapa depende simplesmente da vontade e da conveniência de quem o expõe.
24 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
EXERCÍCIO
1. (PUC-PR) Observe com atenção o mapa a seguir. Assinale a alternativa cuja característica correspon-
de ao mapa de Gall-Peters:
a) Corresponde a uma projeção do tipo cônica, que
distorce as áreas situadas nas baixas latitudes e
torna mais fiel a representação das regiões de média
e elevada latitudes.
b) Peters, que retomou a elaboração dessa projeção
durante o período da Guerra Fria, procurou ressaltar
no mapa, a partir da representação das dimensões
das áreas, a superioridade dos Estados Unidos sobre
as demais porções do globo.
c) Trata-se de uma projeção equivalente que objetiva
Mapa da Projeção de Gall-Peters. representar um retrato mais ou menos fiel do tama-
Livro Geografia do Brasil, de José William Vesentini. nho das áreas, o que faz a África e a América do Sul
ganharem mais destaque do que quando represen-
O planisfério foi elaborado cartograficamente por tadas na Projeção de Mercator.
meio da Projeção de Gall-Peters, concebida inicial- d) É uma projeção cuja principal qualidade está no
mente por James Gall no final do século XIX e reto- respeito às formas dos continentes, procurando
mada por Arno Peters a partir da metade do século representá-las com fidelidade, ao contrário das áre-
seguinte, cujo contexto político-econômico, forte- as que são mostradas de maneira desigual, sendo
mente o influenciou para o desenvolvimento desse maiores próximas aos polos e reduzidas na faixa
mapa. intertropical.
e) A disposição perpendicular da rede de paralelos e
meridianos nesse mapa revela que a Projeção de
Gall-Peters é do tipo azimutal ou polar.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Estas duas aulas foram dedicadas às potencialidades de formação crítica a partir da cartografia. Praticamente como
uma sequência e conclusão necessária das duas aulas anteriores, evidencia-se agora a capacidade de análise social
fundamentada naquilo que, muitas vezes, nos parece algo quase ingênuo: o mapa.
Você percebeu que há uma forte carga ideológica e de interesses implícitos nos mapas. Por isso, devemos nos per-
guntar: Para que serve a cartografia? Serve para libertar ou para esconder? Serve para ensinar ou desaprender? Serve
para consentir ou questionar? Não seria esse o papel da ciência? As construções sociais devem ser vistas como “coisas”
naturais? Não podem ser mudadas? Os estudos que seguem foram pensados para estimular ao máximo a ousadia do
saber e a não conformidade. Somente assim se adquire conhecimento. Realize, portanto, com atenção e dedicação, as
atividades propostas.
Bons estudos!
824-2
POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
EXERCÍCIOS
1. (UFGO) Para atingir o objetivo de ler e interpretar 3. (Enem) O desenho do artista uruguaio Joaquín Tor-
mapas, o leitor necessita identificar e analisar os res-García trabalha com uma representação dife-
elementos de representação cartográfica. Dentre rente da usual da América Latina.
esses, a escala cumpre um papel importante, visto
que é a partir dela que se tem:
a) a localização de um fenômeno na superfície terrestre.
b) a apresentação da superfície esférica no plano.
c) os diferentes fusos horários no globo.
d) a identificação dos diferentes hemisférios terrestres.
e) o nível de detalhe das informações representadas.
I.
26 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
Mercator
d)
e)
Peters
a)
continentes.
POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
6
om um propósito, com um fim. No presente caso, a cartografia serve a fins econômicos
C
e políticos.
28 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL
NAVEGAR ÁGORA
ites
S Entre os tipos de projeções cartográficas estudadas,
temos a de Mercator, sabidamente a hegemônica, e a de
Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais Gall-Peters, que, mesmo ainda com incipiente aplicação,
Disponível em: inde.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2016. está aos poucos se tornando um pouco mais conhecida,
O site tem como função, segundo informa o próprio ainda que não sejam utilizadas por instituições oficiais.
portal, catalogar, integrar e harmonizar o conjunto de Como vimos, a primeira delas acaba mostrando con-
dados geoespaciais, além de “facilitar e ordenar a gera- tinentes, entre eles a Europa, proporcionalmente muito
ção, o armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a maiores do que são, em comparação, por exemplo, com
disseminação e o uso dos dados geoespaciais”. a África e a América do Sul. A Projeção de Gall-Peters
oferece uma representação sem essas distorções.
Concar Outra grande surpresa aos nossos olhos é a “inversão”
Disponível em: concar.ibge.gov.br. Acesso em: 19 fev. do mapa-múndi. Não há nenhum impedimento real para
2016. ser assim reproduzido: África e América Latina no norte
Criada em 1967 e ligada ao Ministério do Planejamento, ou na parte “de cima” e os Estados Unidos e Europa
a Comissão Nacional de Cartografia (Concar) tem como Ocidental no sul, isto é, na parte “de baixo”.
objetivo fornecer as bases da cartografia brasileira. Além Debata com seus colegas e com seu professor a possi-
de dar suporte ao Sistema Cartográfico Nacional (SCN), bilidade de os referidos formatos diferentes passarem a
coordena a Política Cartográfica Nacional. Em seu site, po- ser adotados e sua eventual utilidade. Há obstáculos téc-
dem ser encontradas a legislação cartográfica brasileira; nicos? Haveria impactos geopolíticos ou sociais? Como
normas e especificações técnicas da cartografia nacional, a maior parte da população veria uma proposta como
entre vários outros tipos de informações. essa? Seria uma mudança nula ou poderia contribuir para
a construção de novas ideias e práticas?
The West Wing
Disponível em: goo.gl/lNeJG9. Acesso em: 18 fev. 2016.
Em uma cena com menos de 4 minutos, atores da série
estadunidense demonstram as definições e a importân-
cia das projeções de Mercator e Gall-Peters. Vale a pena
assistir!
Livros
POLISABER 29
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5
S E N H A
Lógica em rede: a nova lógica global.
824-2
30 POLISABER
GEOGRAFIA GERAL – AULAS 6 E 7
O infográfico acima foi produzido pela Convergence Alimentaire em 2012. Representa as dez empresas multinacionais
que sozinhas controlam a indústria mundial de alimentos, incluindo higiene pessoal e limpeza.
824-2
POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
32 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
2
isponível em: cartacapital.com.br/economia/o-mundo-como-ele-e-e-como-o-brasil-
D
pode-se-dar-bem-6015.html. Acesso em: 18 fev. 2016.
POLISABER 33
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
Dowbor,3 as empresas transnacionais são responsáveis Estima-se que a indústria bélica no mundo consumiu 1
por pelo menos 20% a 25% da produção mundial de trilhão e 750 bilhões de dólares no ano de 2013,5 o equi-
serviços; 80% a 90% das novas tecnologias e mais da valente a mais de 56 mil dólares por segundo. Somente
metade mundial do comércio de bens e serviços. Ainda, os Estados Unidos gastaram 682 bilhões de dólares, va-
conforme informações debatidas no texto da seção Roda lores maiores do que o orçamento militar de oito países
de Leitura desta aula, comprovou-se que a economia juntos: China, Rússia, Arábia Saudita, França, Reino Unido,
global é subjugada por um pequeno número de corpo- Alemanha, Japão e Índia. Nos Estados Unidos, líderes da
rações que constituem uma rede mundial com poucos tecnologia de ponta no setor, há mais de 100 mil empre-
“nós”, a maior parte do setor financeiro.4 sas de produtos bélicos que fornecem mais de 40% da
Há, em vista disso, uma colossal concentração pla- produção mundial.
netária em muitos dos principais setores da economia, São sete as empresas que controlam o mercado bélico
constituindo verdadeiros oligopólios ou até monopólios. global: Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman,
Observemos alguns casos. General Dynamics e Raytheon (as cinco dos Estado
Unidos); British Aerospace, da Inglaterra e a EADS (Eu-
ropean Aeronautic Defence and Space Company) de um
consórcio europeu.
O controle no setor petrolífero
Um excelente exemplo de enorme concentração é o
setor de petróleo. Ele torna nulo, em escala global, a lei O controle no setor de
da oferta e procura; a livre iniciativa e a concorrência. A alimentação, higiene pessoal e
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) limpeza
é uma organização internacional, fundada em 1960, que
determina tanto os preços quanto o abastecimento para O infográfico do início dessa aula demonstra, de ma-
o mercado mundial ao decidir se sua produção será neira bastante clara, os oligopólios mundiais no setor
reduzida ou aumentada, conforme as conveniências de alimentação, higiene pessoal e limpeza. Uma rápida
de seus membros, principalmente da Arábia Saudita, o observação nos mostra que a maior parte dos produtos
sócio de maior poder. Ou seja, aqui a oferta também não que diariamente consumimos provém de um diminuto
é regulada pela procura. número de empresas.
Dela (Opep) fazem parte cinco países fundadores (Ará- No Brasil, a situação não é diferente. Conforme artigo
bia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela), mais sete do site Carta Maior,6 somente cinco empresas contro-
agregados: Argélia, Angola, Equador, Nigéria, Emirados lam de 60% a 70% de tudo o que as famílias brasileiras
Árabes, Líbia e Qatar. Participam também das reuniões, compram nos mercados. Três empresas (Kraft, Nestlé e
mas não como integrantes, Sudão, México, Noruega, Garoto) dominam 85% do setor de chocolates e também
Rússia, Cazaquistão, Omã e Egito. três (Ambev, 70%; Grupo Petrópolis e Brasil Kirin cada
De acordo com dados de 2014, a Opep controla 43% uma 10%) o mercado de bebidas. Há também empresas
da produção mundial, possui 75% das reservas e é res- brasileiras, como a BRF, que detêm 20% do comércio de
ponsável por 51% de seu comércio global. aves do mundo, bem como 52,5% do mercado de pizzas
e 60% do de massas congeladas no Brasil.
34 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
7
Na seção Roda de Leitura desta aula.
8
um grupo representado pelos ministros das finanças e presidentes dos bancos
É
centrais de 19 países (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha,
Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Coreia do Sul, Rússia, Arábia Saudita, 9
Banco Central do Brasil, 2013.
África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos), mais a União Europeia.
Criado em 1999, seus objetivos principais são: discutir políticas financeiras e
10
IBGE (1997).
824-2
POLISABER 35
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
transnacionais? Como conseguiriam fazer leis ou políti- grandes corporações transnacionais é a necessidade de
cas públicas que eventualmente desagradasse este ou enormes capitais para que essas empresas possam ser
aquele interesse empresarial sem sofrerem represálias ou criadas e operar. Isso é verdade. Não se pode criar uma
“a fuga” para outras localidades “menos” afrontosas ao empresa do ramo de petróleo ou automobilístico, por
setor corporativo? Conforme já referido, se compararmos exemplo, sem enormes quantias de recursos financeiros.
os PIBs dos países com as receitas brutas das principais Para isso, há uma solução defendida por especialistas:
corporações, veremos a larga vantagens destas. a regulação pública com controle social da atuação de
ficando subordinados às vontades de uma pequena deveriam respeitar legislações preocupadas com a função
elite econômica, com uma pequena capacidade de social de seus fins e meios. Uma empresa desse porte
desenvolverem políticas públicas com a quantidade e não poderia agir livremente, somente de acordo com os
a qualidade minimamente razoáveis à população. Qual interesses particulares de seus acionistas: o interesse
seria a capacidade do Estado em realizar investimentos público de toda a sociedade deveria estar em primeiro lu-
O que não dizer da relação entre financiamento privado, Remunera decentemente seus trabalhadores? Oferece
notadamente das grandes empresas, aos candidatos a ambiente de trabalho decente e de livre atuação sindical?
cargos públicos? Um pequeno exemplo pode nos ajudar: Paga corretamente seus impostos? Aquilo que produz é
qual o poder da maior parte dos países da América do vital para a sociedade? Os bens e serviços oferecidos são
Sul, como a Bolívia, com um PIB de 70 bilhões de dólares de qualidade e preço acessível? Em sua cadeia produtiva,
diante de um gigante como a Exxon, com vendas de mais todas as empresas agem corretamente?
de 376 bilhões de dólares? Essas são somente algumas das questões que deve-
A dificuldade dos Estados-Nacionais também ocorre riam compor os princípios indispensáveis, sobretudo das
36 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
EXERCÍCIOS
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Nesta aula, mesmo que brevemente e de maneira inicial, podemos aplicar alguns dos conceitos relacionados à rede
vistos na aula anterior. Ao estudarmos as corporações transnacionais, podemos perceber que, mesmo sendo o “nó”
principal, elas estão conectadas a uma enorme rede global de empresas fornecedoras. A produção de determinado bem
ou serviço é o valor que as unem; além de possuírem enorme flexibilidade: em períodos de crise podem simplesmente
dispensar fornecedores e o inverso quando assim o desejarem.
Outro ponto fundamental é analisar comparativamente o poder dessas entidades globais com as organizações públi-
cas/estatais. Até que ponto não estamos em uma transição dramática?
Bons estudos!
824-2
POLISABER 37
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
EXERCÍCIOS
38 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
Em entrevista à Carta Maior, Vitali fala de seu estudo e tenham muito mais conectividade. As empresas do
de seu impacto econômico e político. setor da manufatura costumam conectar-se mais
com suas subsidiárias em uma estrutura piramidal,
CM: Como avalia que evoluiu esta rede de 147 enquanto o setor financeiro tem uma estrutura muito
companhias? mais complexa.
Stefania Vitali: Estas redes costumam ser estáveis,
ou seja, não apresentam mudanças drásticas de um CM: Que consequências têm na economia mun-
ano para o outro. Mas como desta vez temos a crise dial este nível de concentração e conectividade?
de 2008, calculamos que haverá mudanças. Sabemos Stefania Vitali: Não investigamos isso diretamente,
já que vários bancos foram nacionalizados ou desa- é algo que estamos fazendo agora, mas temos algumas
pareceram ou enfrentam sérios problemas. Também hipóteses. Primeiro, que isso gera um grande risco
calculamos que haverá uma maior presença da Ásia. adicional de instabilidade no conjunto do sistema,
Minha hipótese é que a concentração se aprofundará, porque quando as empresas se diversificam muito,
mas até que não tenhamos os dados concretos não aumentando enormemente sua interconectividade, é
podemos corroborar tal ideia. Há uma coisa que está benéfico para elas, mas ao mesmo tempo as expõe a
clara, porém. Os dois principais resultados de nosso um impacto negativo sistêmico. Neste sentido, a crise
trabalho anterior serão mantidos. O primeiro se refere de 2008 pode ser o resultado deste alto nível de co-
ao nível de conectividade que há entre as grandes nectividade. A segunda consequência é uma redução
empresas e o segundo é o nível de concentração. Ou da competição no mercado.
seja, as empresas estão muito mais conectadas do
que se pode imaginar. Em particular, encontramos um CM: Com empresas tão fortes, qual o impacto
centro, muito pequeno, composto por 1.400 empresas disso sobre os governos e a democracia?
que estão conectadas direta ou indiretamente. Stefania Vitali: Quando há empresas tão grandes,
A outra face disso é a concentração. Descobrimos elas podem criar blocos de ação. Se não há uma regu-
que 80% das ações dessa rede interconectada estavam lação forte, é muito difícil proteger a democracia. No
em mãos de 0,6% dos acionistas. Assim, chegamos mínimo, temos um problema de regulação. O Estado é
ao núcleo duro desta concentração e interatividade o único fator que pode exercer um contraponto. Muitas
quando vimos que 147 empresas controlavam 40% do vezes, um Estado não pode fazer isso sozinho. É neces-
valor das multinacionais, de modo que, quanto mais nos sária uma ação combinada como a que podem exercer
aproximamos do centro da estrutura, mais aumenta a os estados da União Europeia. Isso é importante porque
concentração. as multinacionais têm o poder para colonizar estados,
em particular nos países mais pobres. Estão buscando
CM: Uma das críticas feitas ao seu estudo foi seu próprio benefício, não o benefício social, coletivo.
que as empresas financeiras estavam excessi-
vamente representadas. Isso se deve ao que se Entrevista concedida ao jornalista Marcelo Justo do
passou a chamar de financeirização da economia, site Carta Maior (CM) em 2013.
ou seja, que o setor financeiro tem uma impor- A rede de controle corporativo global. Adaptado.
tância cada vez maior na economia mundial, o Trad. de Marco Aurélio Weissheimer.
que relegou a produção a um segundo plano na
geração de lucros? Vivemos, desde 2008, uma crise econômico-financeira
Stefania Vitali: Os resultados sempre dependem não resolvida e que ainda pode se agravar. Ao mesmo
dos dados. Nós dependemos do que nos forneceu o tempo, a concentração de riqueza continua aumentando,
Orbis (arquivo com dados globais), que tem uma base de acordo com dados divulgados no início de 2016 pela
de dados de cerca de 37 milhões de empresas e investi- organização não governamental Oxfam, 62 indivíduos
dores de todo o mundo. Com base nesta fonte, fizemos possuem a mesma riqueza que metade da humanidade,
uma primeira depuração e ficamos com umas 43 mil isto é, aproximadamente 3,6 bilhões de seres humanos
transnacionais vinculadas por participações acionárias. (texto indicado na seção Livros). Tendo como referência
É possível que seja mais fácil recolher dados sobre as a entrevista, estabeleça uma relação com a situação ora
instituições financeiras e que isso tenha aumentado relatada, justificando-a e explicando-a.
824-2
Professor(a), note se o(a) aluno(a) consegue estabelecer uma relação entre os três
o seu peso. Também é possível que estas instituições elementos pedidos, tendo como vértice a lógica em rede.
POLISABER 39
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
Filmes
NAVEGAR
A Corporação. Direção: Mark Ach-
Sites bar e Jennifer Abbot. Canadá, 2003.
Disponível em: youtube.com/
Oxfam watch?v=g2Gg54ImJy0. Acesso
oxfam.org.br. Acesso em: 17 mar. 2016. em: 17 mar. 2016.
A organização não governamental inglesa Oxfam (com O documentário discute o sur-
escritório no Brasil e em outros 92 países) produz estudos gimento das grandes empresas
REPRODUÇÃO
e relatórios a respeito dos direitos humanos, democracia multinacionais (corporações) e o
e justiça social, tendo sido reconhecida, nos últimos anos, seu papel na sociedade.
por suas pesquisas pertinentes à concentração da riqueza
(uma delas indicada nesta seção “Livros”). Em seu site é
possível acessar as produções e registrar-se para receber
ÁGORA
o seu boletim de informações.
40 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
As empresas transnacionais estão organizadas em rede, mas o espaço dos trabalhadores e seus sindi-
824-2
catos, na maior parte das vezes, ainda segue a lógica fordista: hierárquico, vertical, formal e burocrático.
POLISABER 41
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
1
s conceitos de ato e potência são um dos mais importantes na filosofia de
O
Aristóteles. determinou e organizou o seu próprio trabalho e, menos
42 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
ainda, apropriou-se plenamente do fruto de seu esforço, A partir de 1945 há a criação de duas centrais sindicais
pois a posse do que produzia nunca lhe coube decidir o mundiais fortemente marcadas pela disputa ideológica
destino. Desse modo, voltamos ao sentido de trabalho entre os Estados Unidos e a ex-URSS. A primeira é a Con-
enquanto tortura e infelicidade. E, como produto de tal federação Internacional de Organizações Sindicais Livres
conjectura, o trabalhador sempre ofereceu oposição dian- (CIOSL), vinculada à então superpotência capitalista; e a Fe-
te dessa condição. Quando escravo ou servo, organizava deração Sindical Mundial (FSM), associada aos soviéticos.
resistências, fugas e rebeliões. Ao se tornar assalariado, Com o fim da Guerra Fria (anos 1990), caracterizado
continua sua luta e para isso cria os sindicatos. pela extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas, a Federação Sindical Mundial (e os sindicatos globais
a ela ligados) sofreram grande impacto negativo, pois
Movimento sindical perderam um importantíssimo aliado político e financeiro.
Atualmente, o movimento sindical internacional é
composto essencialmente por três diferentes estruturas:
Especialmente a partir da Revolução Industrial inglesa
as centrais sindicais mundiais, as federações sindicais
do século XVIII, os trabalhadores urbanos assalariados
internacionais (ou sindicatos globais por setor) e os co-
começaram a se organizar coletivamente diante da acen-
tuada exploração exercida pelo capitalista no exercício mitês mundiais de trabalhadores.
das atividades laborais. O ambiente de trabalho, no início Outro instrumento que tem sido utilizado pelo movi-
do capitalismo industrial, era quase insuportável, fossem mento sindical global para defesa e garantia de direitos
os trabalhadores homens, mulheres, crianças ou idosos. dos trabalhadores são as cláusulas sociais inseridas em
Salários que mal permitiam a alimentação mais básica, acordos comerciais internacionais. Empresas que de-
jornadas diárias de 16 horas, pouquíssimos intervalos, sejam usufruir de vantagens em seus negócios devem
ausência de dias para descanso, entre outros abusos. respeitar direitos trabalhistas básicos previstos em con-
Condições tão adversas levaram, como já indicado, ao venções da Organização Internacional dos Trabalhadores
surgimento dos sindicatos. (OIT) e de entidades como a Organização Mundial do
Comércio (OMC) e o Mercosul.
Sindicalismo internacional
Estrutura mundial
Em 1864, na cidade de Londres, e tendo como figura
dominante Karl Marx, foi fundada a Associação Internacio- As centrais sindicais mundiais tratam de todos os traba-
nal do Trabalhador (AIT). A AIT até pode ser considerada lhadores do globo, seja qual for o setor econômico. Hoje
a primeira entidade sindical internacional, entretanto, há há duas: as já citadas Federação Sindical Mundial (FSM)
que se ponderar que nela coexistiam não só sindicatos, e a Confederação Sindical Internacional (CSI).
mas também partidos e outros grupos políticos. Sendo Entre as duas centrais sindicais mundiais, a CSI é, de
assim, a rigor, a entidade sindical internacional inaugural longe, a mais poderosa. Tanto em termos políticos como
foi a então Federação Internacional dos Trabalhadores econômicos. No primeiro caso, consegue estabelecer
Metalúrgicos (FITIM), criada em 1893 com forte influência uma capilaridade significativa ao articular e realizar
do Partido Social Democrata alemão. projetos e parcerias com um número maior de atores
Na sequência, e como impacto da Revolução Russa de sindicais e não sindicais. Consequentemente, o manejo
1917, é criada em 1919 a Internacional Sindical Vermelha, da questão econômica se torna igualmente mais fácil na
de tendência socialista. Também no mesmo ano é fundada medida em que os principais financiadores das atividades
a Internacional de Amsterdã, por sindicatos da Alemanha, sindicais (fundações, ONGs, partidos, doadores individuais
Bélgica, Holanda, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, tendo etc.) possuem com a CSI maior afinidade ideológica
como perfil ideológico a social-democracia.2 No ano seguin- devido à opção social-democrata adotada. Ao mesmo
te é a vez da Confederação Internacional dos Sindicatos tempo, essa central tem um número maior de entidades
Cristãos (CISC) por iniciativa da juventude operária belga. sindicais filiadas e assim também maiores contribuintes
financeiros. Afirma representar 175 milhões de traba-
lhadores em 153 países e territórios com 308 entidades
824-2
2
ara os conceitos de capitalismo, socialismo, comunismo e social-democracia, leia o
P
Caderno 1 de Geografia Geral. sindicais nacionais filiadas.
POLISABER 43
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
a organização local (nacional) e global. editores são essenciais para a atividade da escrita, seja a
44 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 45
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
EXERCÍCIOS
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Após termos refletido sobre a nova lógica em rede e o impacto econômico da atuação das corporações em nível
global, o momento, nesta aula, serve para fazermos a necessária relação com os trabalhadores. Sendo os responsáveis
pela produção da riqueza em todos os territórios e espaços geográficos, como têm reagido diante da exploração que
sofrem? Vimos que não a aceitaram resignadamente e, por isso, sempre tentaram se organizar e lutar pelos seus direitos.
Com o surgimento da sociedade capitalista, construíram sindicatos e fizerem propostas, impulsionados principalmente
pela Revolução Industrial.
Isso posto, o importante nesta aula é entender tanto as formas de resistência quanto ponderar sobre cenários futuros.
Para isso, leia com atenção o texto da aula e realize todas as atividades sugeridas.
Bons estudos!
824-2
46 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
EXERCÍCIOS
2. (Unemat-MT) A Revolução Industrial ocorrida na In- 4. (UPE) A Revolução Industrial foi um grande triunfo
glaterra, na segunda metade do século XVIII, provo- econômico da burguesia inglesa. Ela não significou,
cou inúmeras mudanças, não somente na forma de contudo, melhores condições de vida para todos.
produzir mercadorias, como também nas relações Com relação ao cotidiano dos operários ingleses, no
de trabalho. Milhares de trabalhadores foram sub- início da Revolução Industrial, pode-se afirmar que:
metidos a até 16 horas de trabalho por dia, baixos a) houve um crescimento planejado das cidades indus-
salários e péssimas condições de vida. Para con- triais, favorecendo a melhoria das condições de mo-
trapor a esta situação, eles resistiram de todas as radia, sem alterar as exaustivas jornadas de trabalho.
formas e um destes “movimentos” ficou conhecido b) alguns escritores ingleses denunciaram a situação
como ludismo. Assinale a alternativa correta, que de pobreza da maior parte da população, criticando
define este movimento. os efeitos da Revolução.
a) Era uma organização clandestina que tinha como c) não houve mudanças marcantes na tecnologia utili-
objetivo assassinar patrões e altos funcionários do zada, destacando-se apenas o aumento da jornada
governo. de trabalho.
b) Era um sindicato que tinha como proposta cons- d) foram construídas vilas operárias com boas condi-
cientizar a burguesia e o governo sobre a miséria ções de higiene, embora os operários optassem por
da classe operária. morar longe das fábricas e das cidades.
c) Era um grupo formado, em sua maioria, por artesãos e) aconteceu uma expansão imediata da industrializa-
que quebravam as máquinas porque acreditavam que ção, favorecendo as populações francesa e alemã
elas os estavam substituindo. com a chegada de novas fontes de produção.
824-2
POLISABER 47
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
48 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 49
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7
SALGADO, Sebastião. Os
NAVEGAR Trabalhadores. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
Em mais de 350 fotografias
Sites
em preto e branco, o artista
capta, com todo o drama real,
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
imagens de trabalhadores
ilo.org / oitbrasil.org. Acesso em: 17 mar. 2016.
e trabalhadoras de várias
REPRODUÇÃO
Para quem pode ler em inglês, espanhol ou francês, é
partes do mundo. O livro,
interessante consultar o portal principal: ilo.org, mas
sozinho, nos diz mais do que
há também o site do escritório brasileiro da entidade:
muitos tratados de sociologia
oitbrasil.org. No caso nacional, é possível acessar um
do trabalho. Trata-se de uma obra-prima.
grande conjunto de documentos, como convenções ra-
tificadas e não ratificadas pelo Brasil, campanhas e um
amplo conjunto de textos sobre os mais diversos temas
relacionados ao mundo do trabalho. Filmes
REPRODUÇÃO
Presidida por um sindicalista brasileiro eleito em 2014. opinião em relação à fábrica
João Antônio Felício pertence à categoria dos professores. quando sofre um acidente de
A organização internacional, ideologicamente, segue uma trabalho e é demitido.
política de sentido social democrata. Seu site também
pode ser lido em espanhol.
O outro sindicato mundial, de origem comunista (alguns Tempos modernos. Direção:
dizem socialistas), é a Federação Sindical Mundial (FSM), Charles Chaplin. Estados Unidos,
em inglês, World Federation of Trade Unions – WFTU. 1936.
Mesmo para quem já assistiu,
vale a pena rever e, para quem
ainda não o fez, é essencial. O fil-
Livros
me retrata a intensa exploração
REPRODUÇÃO
50 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL
ÁGORA
O trecho a seguir sintetiza o que inicialmente refletimos nesta aula a respeito do conceito de trabalho. Após sua leitura,
debata com os colegas seus significados, inclusive questionando sua exatidão ou não.
Resumindo: só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela.
O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença
essencial entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.
ENGELS, Friederich.
O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 1876.
Professor(a), esta é uma oportunidade ímpar para se refletir e definir com os alunos o conceito de trabalho. Como sabemos, elemento fundante dos espaços geográficos.
S E N H A
Os trabalhadores produzem a riqueza da cidade e do campo, mas se apropriam dela nos territórios
824-2
que habitam?
POLISABER 51
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL
Aulas 4 e 5 Aulas 6 e 7
Estudo orientado
Cartografia, para quê?
1. c
Estudo orientado
2. c
1. e
3. b
2. a
4. b
3. b
4. c
5. d
6. b
821-3
52 POLISABER
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 2
POLISABER 53
FRANK BIENEWALD/
IMAGEBROKER/GLOW IMAGES
Geografia urbana
e rural
GEOGRAFIA GERAL 3
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
aulas 8 –e AULAS
9 8E9
FRANK BIENEWALD/IMAGEBROKER/GLOW IMAGES
0016
2 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
ADAM EASTLAND/ALAMY/FOTOARENA
O primeiro conjunto de cidades antigas que merece
destaque são as polis gregas. Organizadas em pequenas
cidades-estados, produziram nada mais do que toda a
base da civilização ocidental. Delas saíram pensadores
como Sócrates, Platão e Aristóteles, os maiores filósofos
da história da humanidade, que desenvolveram os princí-
pios fundamentais das mais importantes ciências atuais. Ruínas de uma das mais famosas estradas romanas,
a Via Apia.
Entre as cidades de destaque na cultura grega clás-
sica, está Atenas, que na antiguidade chegou a abrigar
275 mil habitantes. Apesar de toda a glória e do que dela Já na Idade Média, as cidades entraram em decadência
se originou, as mais remotas cidades, como Atenas, pos- após o fim do Império Romano e voltaram a florescer por
sibilitavam não mais do que uma vida precária, sobretudo volta do ano 1 000, muitas surgidas a partir dos feudos
em termos de conforto e limpeza. Um de seus principais medievais. Por toda a Europa irromperam inúmeras cida-
símbolos, como o Parthenon, dividia espaço com casas des com populações que chegavam a 10 mil habitantes,
minúsculas e vielas imundas. Se já na atualidade a maior além do que parte das grandes cidades existentes até
parte das cidades do planeta estão longe de oferecer hoje foram criadas nessa época. Entre elas, Paris, que
saneamento básico e água potável a todos, quais não no século XIII contava com mais de 200 mil moradores.
seriam as deficiências há mais de 2 500 anos?
STOCKPHOTOS
deusa Atena.
desde o século II a.C. Apresentava praticamente todas Cidade medieval de Carcassonne, no sul da França.
POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
teriam mais sentido e utilidade: os valores são atribuídos por meio da participação
5
Situação em que há falta de objetivos, regras e identidade.
humana direta. Ou seja, o mundo sem ninguém não é mundo. 6
A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
4 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
0,0
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030
cidade está destinada a ser um
A
Fonte: ONU (2006). grande shopping center?
POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
Nível do IDH
Quantidade de países
49 21 56 24 39 16 93 39
e percentuais
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, 2015, PNUD. Elaboração do próprio autor.
Apenas 21% dos países vivem muito bem. Um grande número de países, 93, têm um baixo IDH. Estamos, assim, ainda
distantes de uma condição desejável.
A solução talvez esteja em utilizarmos os recursos, as tecnologias e as propostas disponíveis, conforme já comenta-
mos, para melhorarmos o planejamento e a gestão dos territórios.
Para a ONU, desde os anos 1990, a saída está no desenvolvimento sustentável. Oficialmente, as Nações Unidas
passaram a recomendar tal alternativa desde 2002 com a Declaração de Joanesburgo, elaborada durante a Cúpula
Mundial realizada na África do Sul. Nela, define-se desenvolvimento não somente por seu aspecto econômico, o
economicamente viável, mas também com a inclusão do socialmente justo e do ambientalmente correto. Caso
contrário, o desenvolvimento permaneceria insustentável.
9
IDH é utilizado como indicador de referência pelo Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). É, de certa maneira, empregado como uma alternativa ao
O
Produto Interno Bruto (PIB) per capita na avaliação do desenvolvimento, pois este se concentra somente no quesito econômico. O IDH inclui também aspectos sociais pertinentes à
824-3
qualidade de vida: basicamente saúde, renda e educação. O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo do 0 (zero) maior a pobreza e quanto mais próximo do 1, melhor a qualidade de vida.
10
Leia a aula 13 desta Apostila.
6 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
824-3
POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
A grande questão permanece: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as indicações sobre como governar
em nome da sustentabilidade e as práticas necessárias para a criação de cidades inclusivas poderão ser alcançados
sem que a enorme concentração de renda no planeta seja diminuída?12 De onde tirar os recursos para a construção de
cidades humanizadas e decentes?
Ruralidade
A partir da Revolução Industrial, a urbanização expandiu-se incrivelmente, encolhendo de maneira radical a presença
do meio rural e, ainda, alterando seu formato em razão da mecanização do campo. Apesar de o índice de urbanização
ter fortemente reduzido sua intensidade, depois de séculos de robusta elevação, a urbanização continua crescendo, mas
agora com maior vigor em países periféricos e semiperiféricos que nos países centrais. Observemos o quadro a seguir:
Reino Unido 88,7 89,5 90,8 Coreia do Sul 48,0 82,4 88,2
Estados Unidos 73,7 77,4 81,0 África do Sul 48,0 57,6 67,2
Veja que nos países chamados industrializados (normalmente os de capitalismo central), salvo Portugal, em geral a
variação percentual da urbanização não é muito significativa. Esses números confirmam o arrefecimento da velocida-
de no processo de urbanização. Contudo, conforme indicado, nos países semiperiféricos (na presente tabela eles são
denominados recentemente industrializados) a taxa de urbanização é sensivelmente maior e em alguns deles, como
Coreia do Sul e China, o percentual é elevadíssimo.
Vamos refletir:
Segundo o quadro acima, mesmo com percentuais baixos, a urbanização é constante em todos os países pesquisados,
em nenhum houve taxa negativa. Tendo como exemplo Cingapura, ela já é total. Podemos então questionar: o rural
tende a desaparecer, fazendo assim extinguir-se a relação rural-urbano? De acordo com a maior parte dos estudiosos,
o mundo não caminharia para uma “urbanização completa” como se chegou a acreditar.
824-3
12
onforme vimos na Apostila 3, O espaço da produção, 62 pessoas possuem a mesma riqueza que metade da humanidade: 3,6 bilhões de seres humanos. Dados divulgados pela Oxfam
C
em 2016.
8 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
A alternativa mais provável e que tem sido a mais a conquista de novos patamares em diversas áreas.
defendida é a de que o meio rural tem consolidado um Paralelamente, houve e há o crescimento de mazelas
processo de modernização. Suas características essen- e patologias sociais; de todos os tipos de violência;
ciais permanecem, mas passa por transformações que o doenças; imensas desigualdades; elevadas taxas de
diferencia das antigas sociedades camponesas. Torna-se crescimento demográfico; popularização de bens
diminuto em relação ao urbano e incorpora acentuada manufaturados e serviços; e notável progresso do co-
mecanização por meio de avançadas tecnologias e ino- nhecimento, da ciência e da cultura. A economia rural,
vação. Entretanto, não desaparece e provavelmente não alterada pelo advento do capitalismo industrial, deu
desaparecerá, mesmo no longo prazo. gigantesco salto na produção de alimentos e, mais re-
centemente, passa a produzir energia (biocombustíveis)
por meio da biomassa.15
Características da ruralidade
13
O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003. 15
eração de energia a partir da decomposição de materiais orgânicos (resíduos agrícolas,
G
14
Paradigmas do desenvolvimento rural em questão. São Paulo: Iglu, 2007. restos de alimentos etc.).
POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
Vejamos:
Agricultura familiar e agronegócio
100
agricultura camponesa
90 86% agronegócio
80 76%
74%
70%
70
60%
60
50
40%
40
30%
30 26%
24%
20
14%
10
0
crédito terras produção produção mão de obra
global de comida ocupada
Fonte: Professor Doutor em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, Marco Antonio Mitidiero Júnior, baseado nos dados do Censo Agropecuário do IBGE,
2006.
Aproximadamente 70% dos alimentos que consumimos (incluindo o leite) são oriundos da agricultura camponesa,
quer dizer, de agriculturas de pequeno porte, entre elas, a agricultura familiar. No entanto, esses proprietários ficam
apenas com 14% do crédito disponível para a produção e, notemos bem, possuem não mais do que 24% das terras.
Concomitantemente, o agronegócio fica com 86% do crédito, 76% das terras e responde apenas por 30% do que come-
mos. Seria razoável concluir que, caso o crédito e os solos para a agricultura de pequeno porte aumentassem, a oferta
de alimentos igualmente se expandiria e talvez os preços diminuíssem.
Outro dado marcante: os grandes proprietários e latifúndios empregam apenas 26% da mão de obra do campo,
enquanto as médias e pequenas propriedades empregam 74%. E, como se sabe, quanto mais emprego, mais salários
e quanto mais salários, mais renda, mais o comércio vende, mais as empresas produzem, mais as empresas empre-
gam. Há assim mais renda, formando-se um círculo virtuoso não só para o campo, mas que também é transbordado
para a cidade, isto é, para toda a sociedade.
Por que então a reforma agrária não é realizada? Por que a agricultura familiar16 não recebe mais incentivos? Essas
são algumas das reflexões que propomos a você a partir dos textos e atividades desta aula.
O conceito de agronegócio é oriundo da definição de agribusiness, criado pelos professores John Davis e Ray Gold-
berg da Universidade de Harvard nos anos 1950. Nessa lógica, o agronegócio expressa as relações econômicas do setor
agropecuário com as dimensões industrial, comercial e de serviços. Envolve, dessa maneira, a produção agropecuária
e florestal, bem como a aquicultura, seguidas de seu beneficiamento, transformação e distribuição.
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2015 o peso do agronegócio no PIB
brasileiro foi de 23%, alcançando, portanto, R$ 1,2 trilhão (R$ 825,08 bilhões para o ramo agrícola e R$ 396,27 ao setor
pecuário). Estima-se que em nível mundial o percentual seja muito parecido ao brasileiro. Sendo assim, o “PIB global
da agropecuária” está em torno de US$ 17,05 trilhões – praticamente igual ao PIB total dos Estados Unidos para o ano
de 2015: US$ 17,97 trilhões.17
Por certo, é inquestionável a geração de riquezas pelo agronegócio, o que não impede a seguinte pergunta, especial-
mente quando comparamos os resultados e benefícios sociais da agricultura familiar com o agronegócio: até que ponto
as operações de porte mais desenvolvido contribuem para o bem-estar público?
Em nosso caso nacional, os latifúndios têm sua produção baseada na monocultura para exportação, seguindo uma
tradição de cinco séculos no Brasil. Essa é a característica de um país cuja economia é agroexportadora. Logo, se os
824-3
16
Organizado pela FAO, 2014 foi o Ano Internacional da Agricultura Familiar.
17
Fonte: The World Factbokk, CIA.
10 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
lucros provenientes do agronegócio são apropriados por poucos, se a produção de alimentos não tem peso significativo
para a alimentação do povo e se a quantidade de trabalhadores empregados no setor está muito aquém em relação ao
tamanho da atividade, qual sua real importância social?
Documento assinado por Lincoln sancionando a reforma agrária nos Estados Unidos.
Infelizmente, vários países de economia periférica e semiperiférica, como o Brasil, em pleno século XXI, ainda não a
fizeram. A tabela abaixo ilustra a gravidade da situação brasileira.
Fonte: Cadastro do Incra – Classificação segundo dados pelo proprietário – e de acordo com a Lei Agrária/93.
POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
Observemos que, entre 2003 e 2010, os latifúndios aumentaram 48,4%. Pior ainda, as terras improdutivas tiveram
acréscimo de 71%; as produtivas, apenas 11,5%. Os minifúndios e as pequenas propriedades, juntos (39,4%), tiveram
uma elevação menor que as grandes propriedades: 48,4%. Em termos de área, os latifundiários no período em questão
(2003-2010) agregaram para si quase 100 milhões de hectares a mais. A tabela anterior também mostra que 40% das
grandes propriedades rurais brasileiras são improdutivas. Isso significa 228 milhões de hectares. O latifúndio não só
continua existindo no Brasil, mas predomina consolidado e mais forte do que nunca. Não é demais lembrar o que diz o
artigo 5o da Constituição Federal quanto ao tema: “A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel rural que
não cumpra sua função social, importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”. Letra morta...
Por consequência, o crescimento dos latifúndios provoca, além dos problemas sociais já comentados (aumento no
preço de alimentos, êxodo rural, empobrecimento nacional elevação da concentração da riqueza no país etc.) e o apro-
fundamento da violência no campo.
19
Fonte: Unicef, Relatório 2015, Níveis e Tendências em Mortalidade Infantil.
12 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
é ainda bastante grave, pois são 5,9 milhões por ano. commodities.22 A fome endêmica,23 logo, começa entre
Para termos uma ideia desse número: é a metade da os próprios pequenos agricultores ao não terem a menor
população da cidade de São Paulo.20 chance de sobreviver à concorrência global. Perdem tudo
O que produz essa situação contraditória? (o pouco que possuem) e são obrigados a se transferir
para as cidades onde se tornarão os pobres urbanos
com grandes chances de aumentarem as favelas e as
periferias das metrópoles. Os que continuam no meio
Se não é a falta de alimento, rural acabam se tornando trabalhadores sem-terra. O
então por que milhões morrem próprio Banco Mundial revelou em 2015: 75% dos pobres
de fome? no mundo vivem no campo.
Nesse sentido, a liberalização do comércio agrícola
Na Apostila 3, “O espaço da produção”, debatemos, mundial, bem como das patentes e fluxos de capitais
entre outros temas correlatos, o papel das empresas no setor, sem qualquer regulamentação e proteção da
transnacionais e os impactos de suas atuações nos agricultura familiar e dos pequenos agricultores, eleva
territórios nacionais. Entre os setores brevemente ainda mais o poder econômico e político dos poucos que
discutidos no texto indicado, está o da alimentação. E já são muito grandes e provoca a ruína de milhões de
é essa a análise que agora aprofundaremos: algumas camponeses e suas famílias. Economistas renomados, e
das principais causas da fome crônica de um enorme defensores do capitalismo, defendem a ideia de que as
contingente no meio de um mundo pleno de alimentos. relações existentes no sistema entre seus atores, nota-
Ao final deste texto, discutem-se algumas possibilidades, damente as empresas transnacionais e as organizações
experiências e ideias para encaminhar a solução de tal internacionais multilaterais, devem operar dentro de um
tragédia humanitária. cenário com regras para que o individualismo privado não
se sobreponha à coisa pública. Entre esses economistas
destacam-se Robert Solow, Joseph Stiglitz, Paul Krugman,
Thomas Piketty e Branko Milanovic,24 que pregam a
Os cavaleiros do apocalipse participação do Estado no controle da economia global
para evitar crises e diminuir a desigualdade. Em outras
O título acima é utilizado pelo sociólogo suíço Jean
palavras, tais economistas, após décadas de estudos de
Ziegler em um dos capítulos de seu livro “Destruição
primeiríssimo nível, afirmam que a racionalidade dos
em massa: geopolítica da fome”,21 no qual investiga as
mercados não leva à estabilidade da economia. O mer-
causas globais da insegurança alimentar. O estudioso
cado é um cavalo selvagem que precisa ser moderado
afirma que o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário
com rédeas curtas.
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comér-
cio (OMC), notadamente os dois primeiros, possuem um
papel preponderante nessa questão.
omo dominar as nações: a lição
C
do FMI
OMC: liberal para alguns
Ao realizar empréstimos para governos nacionais, o FMI
obriga os países a adotarem a mesma política econômica
Para Ziegler, a OMC suspendeu os interesses público
liberalizante da OMC: Estado mínimo; diminuição dos
e coletivo quando liberalizou o comércio agrícola entre
gastos públicos, incluindo-se gastos sociais; retirada de
produtores extremamente desiguais. Quer dizer, retirou
direitos trabalhistas; privatização; e desregulamentação.
as proteções dos pequenos agricultores igualando-os aos
grandes proprietários rurais com enormes subsídios go- 22
Bens de origem mineral, vegetal ou agropecuário (café, petróleo, soja, trigo, minérios,
vernamentais, crédito e alta tecnologia. Prestou, a OMC, milho etc.), produzidos mundialmente e em grandes quantidades – cujos preços são
determinados internacionalmente pela negociação em bolsas de valores.
como resultado, vasta contribuição à concentração da 23
er livro indicado na seção Navegar: Geografia da Fome, de Josué de Castro. Fome
V
produção, da riqueza e da alta dos preços das chamadas epidêmica ocorre em situações extraordinárias: guerras, catástrofes naturais e outras
eventualidades. A fome endêmica é aquela em que o indivíduo não consome o mínimo
necessário de calorias, tornando-se desnutrido ou subnutrido.
24
T odos em plena atividade, os três primeiros ganharam o Nobel da Economia (1987, 2001
20
egundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2015 a população da cidade
S e 2008, respectivamente). Piketty é autor de um dos maiores best-sellers da ciência
824-3
de São Paulo era de 11,9 milhões. econômica: O capital no século XXI, e Milanovic foi economista-chefe do Departamento
21
Indicado na seção Roda de leitura desta aula. de Pesquisas do Banco Mundial.
POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
Alimentos e biocombustíveis
ou o ouro verde Os alimentos enquanto
commodities: especulação no
O petróleo, motor da economia capitalista global há mercado financeiro
mais de 100 anos, é um combustível fóssil não renovável
e por isso acabará mais cedo ou mais tarde. A pergunta é: A partir da crise financeira mundial de 2008, com a fa-
quando isso de fato ocorrerá? E quando ocorrer, o mundo lência de empresas gigantes29 e a quase falência de várias
já deverá estar preparado para a sua efetiva substituição. outras que tiveram de ser socorridas com dinheiro público
Uma das possibilidades são os biocombustíveis: biodiesel para não sucumbirem à crise, muitos agentes, gestores,
e bioetanol. São renováveis e biodegradáveis. Isto é, sua consultorias e fundos de investimentos que operavam
oferta é infinita e sua emissão causa um impacto muito no mercado financeiro migraram para os mercados de
menor que os combustíveis derivados do petróleo. matérias-primas, ou seja, de negociação das commo-
No entanto, há alguns desafios. Muitos desses com- dities. Fatores externos, entre eles os climáticos, que
bustíveis utilizam, para serem produzidos, vegetais influenciam a oferta de alimentos de base (principalmente
consumidos também como alimentos ou empregados no arroz, milho e trigo) são potencializados pela especulação
preparo deles. Por exemplo, pode-se fazer biodiesel por financeira. O mercado futuro de commodities foi criado,
meio da mamona, soja, girassol, amendoim, dendê, entre inicialmente, como uma forma de seguro aos produtores
outros. Para a produção do álcool combustível utiliza- diante das flutuações de preços causadas, segundo já
-se, no Brasil, a cana-de-açúcar e nos Estados Unidos, indicado, principalmente pelas variações climáticas. No
o milho – base alimentar tradicional para centenas de entanto, a desregulamentação do setor financeiro tam-
milhões de pessoas. bém atingiu esse mercado desde os anos 1990,30 abrindo
Existe ainda outro inconveniente: o tanque de combus- espaço para a mais pura especulação.
tível de um carro médio tem a capacidade de 50 litros.
26
Provenientes do altíssimo calor existente nas camadas abaixo da crosta terrestre.
Para enchê-lo de álcool etanol são necessários 358 quilos 27
Oriundas do movimento das marés nas águas oceânicas.
de milho, o suficiente para alimentar uma pessoa durante 28
tualmente cientistas da Comissão Internacional de Estratigrafia discutem o
A
um ano.25 Além disso, há a degradação do ambiente: estabelecimento de uma nova fase geológica do planeta Terra. Estaríamos migrando
para um novo período em que a presença humana seria determinante, chamado de
florestas podem acabar sendo derrubadas para dar lugar Antropoceno.
29
ara citar somente duas: o banco de investimentos Lehman Brothers, o quarto maior dos
P
às plantações destinadas aos biocombustíveis. Estados Unidos, com 158 anos de existência e aproximadamente 10 mil trabalhadores e
a maior seguradora também desse país, a AIG (American International Group).
824-3
30
e acordo com a obra mencionada de Jean Ziegler, o processo de financeirização dos
D
25
Dados fornecidos por Jean Ziegler na obra já referida nesta aula. alimentos de base se acentuou entre 2005 e 2008.
14 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
O boom brasileiro
Uma relação interessante entre o Brasil e a alta nos preços das commodities está na afirmação do cientista político
da Universidade de São Paulo (USP), André Singer. Para ele, entre os anos 2004 e 2010, no país, a elevação dos valores
das commodities nos mercados globais permitiu que o Brasil, apesar de aplicar uma política econômica neoliberal re-
cessiva (juros altos, câmbio livre e altos superávits) conseguiu uma proeza. Cresceu entre 3% e 4% ao ano, em média, e
com isso aplicou políticas públicas para o intenso combate à pobreza e principalmente à extrema pobreza. Entre elas,
destacam-se o programa de transferência de renda para os mais pobres (Bolsa Família), a oferta abundante de crédito
para estimular o consumo dos imensos extratos sociais menos abastados e o incrível aumento real de 70% do salário
mínimo entre 2003 e 2014.
Ou seja, a estratégia global de poderosas corporações transnacionais para a obtenção de lucro máximo por meio das
altas nos valores das commodities (debatido na sequência) e que elevou a fome mundial contribuiu para a diminuição
desta no Brasil.
Isso, entretanto, não nos desautoriza a propor a seguinte questão: a produção de alimentos tem respeitado as normas
legais internacionais que defendem a alimentação enquanto direito humano ou acabou servindo aos ávidos interesses
monetários de pequenos grupos?
Receita Trabalhadores
Empresa Algumas marcas
(bilhões de dólares) (mil)
Nestlé 103,5 333 Leite Moça, Nescau, Nescafé
Unilever 68,5 174 381 Ades, Kibon, Knorr
PepsiCo 66,4 274 Pepsi, ElmaChips, Toddynho
Coca-Cola Company 46,9 130 600 Coca-Cola, Mate Leão, Del Valle
Mondelez International 35,3 107 Tang, Toblerone, Bubbaloo
Mars, Inc 33 60 M&M’s, Twix, Uncle Ben’s
Danone S. A. 29,3 104 642 Danone, Activia, Danette
ABF – Associated British Foods 21,1 112 652 Fleischmann
General Mills 17,9 43 Yoki
Kellogg Company 14,8 30 227 Sucrilhos, Corn Flakes, All Brain
Fonte: Oxfam, 2014.
31
Segundo relatório da FAO de 2009.
824-3
32
Segundo relatório do Banco Mundial de 2011.
33
Behind the Brands (Por trás das Marcas).
POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
EXERCÍCIO
O Brasil, como país subdesenvolvido, em fase de acelerado processo de industrialização, não conseguiu ainda se libertar da
fome. Os baixos índices de produtividade agrícola se constituíram como fatores de base no condicionamento de um abaste-
cimento alimentar insuficiente e inadequado às necessidades alimentares do nosso povo.
CASTRO, J.
Adaptado de: Geografia da fome.
Leia o Texto II sobre a fome no Brasil,
824-3
publicado em 2001.
16 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
Uma das evidências contidas no mapa da fome con- a) crescimento da população urbana e aumento da
siste na constatação de que o problema alimentar no especulação imobiliária.
Brasil não reside na disponibilidade e produção interna b) direcionamento maior do fluxo de pessoas, devido à
de grãos e dos produtos tradicionalmente consumidos existência de um grande número de serviços.
no país, mas antes no descompasso entre o poder c) delimitação de áreas para uma ocupação organizada
aquisitivo de ampla parcela da população e o custo de do espaço físico, melhorando a qualidade de vida.
aquisição de uma quantidade de alimentos compatível d) implantação de políticas públicas que promovem a
com as necessidades do trabalhador e de sua família. moradia e o direito à cidade aos seus moradores.
Adaptado de: mct.gov.br. e) reurbanização de moradias nas áreas centrais,
mantendo o trabalhador próximo ao seu emprego,
Comparando os textos I e II, podemos concluir que a diminuindo os deslocamentos para a periferia.
persistência da fome no Brasil resulta principalmente:
a) da renda insuficiente dos trabalhadores.
b) de uma rede de transporte insuficiente. 3. (UFPB) Os sistemas agrícolas e a produção pecuária
c) da carência de terras produtivas. podem ser classificados como intensivos ou exten-
d) do processo de industrialização. sivos. Essa noção está ligada ao grau de capitaliza-
e) da pequena produção de grãos. ção e ao índice de produtividade, independente-
mente do tamanho da área de cultivo ou de criação.
Nesse sentido, considerando as relações de trabalho,
2. (Enem)
é correto afirmar que a agricultura intensiva utiliza
a) técnicas tradicionais de cultivo e colheita, além de
Trata-se de um gigantesco movimento de construção
apresentar elevados índices de produtividade.
de cidades, necessário para o assentamento residencial
b) técnicas modernas de preparo do solo e, por isso,
dessa população, bem como de suas necessidades de
não consegue explorar a terra por um longo período
trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia,
de tempo.
água etc. Ainda que o rumo tomado pelo crescimento
urbano não tenha respondido satisfatoriamente a todas c) técnicas modernas de produção e, por isso, neces-
essas necessidades, o território foi ocupado e foram sita de trabalhadores com distintas qualificações
construídas as condições para viver nesse espaço. resultando em relações de trabalho mais complexas.
d) grandes áreas de cultivo e/ou de pastagem, pois visa
MARICATO. E. ao lucro, e emprega grande quantidade de mão de
Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana.
obra qualificada que reside na propriedade.
Petrópolis: Vozes, 2001.
e) pequenas áreas de cultivo e/ou de pastagem, pois
A dinâmica de transformação das cidades tende há o emprego de técnicas tradicionais de produção
a apresentar como consequência a expansão das gerenciadas pelo proprietário e sua família, que não
áreas periféricas pelo(a) residem na propriedade.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Como ocorre também no estudo de outros temas, a relação entre o campo e a cidade apresenta uma ligação intensa
com nossa vida diária. Esperamos que tanto o texto desta aula como das outras duas seguintes permitam que você
compreenda muito claramente essa conexão.
Você também vai entender as mudanças ocorridas atualmente no meio rural. Além disso, saber relacionar a questão
fundiária não só com os problemas essenciais do campo, mas igualmente da cidade e da estrutura do sistema capitalista.
Especificamente, vemos como sendo vital compreender os limites e as necessidades da reforma agrária para que na
aula seguinte possa se relacionar todas essas questões com as mazelas provocadas pela fome.
Quais as ligações entre os comentários anteriores e, por exemplo, o agronegócio e a agricultura familiar? Por que
você, que mora na cidade, tem de se preocupar com isso?
É esse o convite que lhe fazemos agora.
824-3
Bons estudos!
POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
EXERCÍCIOS
18 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
d) o aumento substancial da produtividade, do trabalho Tendo em vista as questões levantadas pelo texto, é
e emprego pelo agronegócio vem garantindo a cida- correto afirmar que
dania ao homem do campo. a) a principal causa da fome e da subnutrição é a falta
e) os povos e as comunidades tradicionais têm a pro- de terra agricultável para a produção de alimentos
priedade da terra garantida em lei pelo direito his- necessários para toda a população mundial.
tórico ao território para a reprodução social da vida. b) a proporção de subnutridos e famintos, de acordo
com os dados do texto, é inferior a 10% da popula-
ção mundial.
4. (UFRN) Leia a charge a seguir.
c) as principais causas da fome e da subnutrição são
disparidades econômicas, pobreza externa, guerras
e conflitos.
d) as consequências da subnutrição severa em crianças
são revertidas com alimentação adequada na vida
adulta.
e) o uso de organismos geneticamente modificados na
agricultura tem reduzido a subnutrição nas regiões
mais pobres do planeta.
6. (Enem)
Adaptado de: fernandaprofessorageografia.blogspot.
Acesso em: 20 jul. 2013.
No dia 1o de julho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro
tornou-se a primeira do mundo a receber o título da
A charge coloca em evidência um conflito que está
presente no espaço rural brasileiro. Esse conflito Unesco de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural.
envolve duas lógicas: a preservação da floresta e a A candidatura, apresentada pelo Instituto do Patrimônio
expansão do agronegócio. No Brasil, o desenvolvi- Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi aprovada durante a
mento do agronegócio 36a Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. O presidente
a) requer grandes extensões de terra para o cultivo de do Iphan explicou que “a paisagem carioca é a imagem
monoculturas, degradando áreas de floresta nativa. mais explícita do que podemos chamar de civilização
b) baseia-se no uso intensivo do solo para a prática da brasileira, com sua originalidade, desafios, contradições
policultura, provocando desmatamento em reservas
e possibilidades”. A partir de agora, os locais da cidade
florestais.
valorizados com o título da Unesco serão alvo de ações
c) favorece a desconcentração de terras para a pro-
dução agrícola, provocando a erosão de solos em integradas visando à preservação da sua paisagem cultural.
áreas de floresta.
d) fundamenta-se na diversificação do uso do solo para Adaptado de: cultura.gov.br.
fins agrícolas, degradando o ecossistema florestal. Acesso em: 7 mar. 2013.
O reconhecimento da paisagem em questão como
patrimônio mundial deriva da
5. (Fuvest) a) presença do corpo artístico local.
b) imagem internacional da metrópole.
Pela primeira vez na história da humanidade, mais c) herança de prédios da ex-capital do país.
de um bilhão de pessoas, concretamente 1,02 bilhão, d) diversidade de culturas presente na cidade.
sofrerão de subnutrição em todo o mundo. O aumen- e) relação sociedade-natureza de caráter singular.
to da insegurança alimentar que aconteceu em 2009
mostra a urgência de encarar as causas profundas da
fome com rapidez e eficácia.
Relatório da Organização das Nações Unidas para a 7. (IBMEC-RJ) Esta é uma clássica definição sobre as
Agricultura e Alimentação (FAO), chamadas cidades globais: “As cidades globais são
824-3
POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
planeta. Concentram o controle administrativo de Por que a concepção tradicional de hierarquia urba-
grandes empresas ou de organizações internacio- na está sendo substituída pela atual?
nais, além de serviços modernos e especializados”. a) Porque muitos distritos, vilas e até mesmo bairros
se emanciparam e foram elevados à categoria de
As mais importantes cidades globais são:
município.
a) Berlim, Nova York e Paris. b) Porque o êxodo rural leva ao desaparecimento de
b) Los Angeles, Paris e Londres. muitas vilas e cidades pequenas, localizadas distantes
c) Washington, Moscou e Pequim. das metrópoles.
d) Nova York, Londres e Tóquio. c) Porque o avanço tecnológico dos transportes e co-
e) Detroit, Estocolmo e Amsterdã. municações e a disponibilidade de renda encurtam
as distâncias.
d) Porque a queda de regimes totalitários não permitiu
maior mobilidade da população e favoreceu a migra-
8. (UFMG-MG) Após a década de 1950, verifica-se, no ção interurbana.
e) Porque as atuais diretrizes do planejamento urbano
processo de urbanização de algumas regiões do
promovem a concentração das indústrias de base
mundo, a formação de megalópoles. Sobre esse
nas metrópoles.
tipo de região urbana, é incorreto afirmar que:
a) está associado às características do processo de ur-
banização típicas dos países desenvolvidos, sem con- 10. (Unifesp-SP) Megacidades são aglomerações urba-
dições de ocorrência nos países subdesenvolvidos. nas que:
b) apresenta uma grande área de conurbação, cuja a) alojam centros do poder mundial e sedes de empre-
sas transnacionais.
constituição é orientada pelos eixos de crescimento
b) concentram mais de 50% da população total, em
das principais cidades da região.
países pobres.
c) ocorre em espaços onde se verificam fluxos intensos, c) têm mais de 10 milhões de habitantes, em países
decorrentes do dinamismo das atividades produtivas ricos ou pobres.
e de distribuição, dentre outras. d) pertencem a países de grande importância no co-
d) foi identificado primeiro nos EUA, mas atualmente é mércio mundial.
encontrado em outras áreas do mundo, notadamente e) não têm infraestrutura de comunicação suficiente,
apesar de serem grandes.
em países da Europa e no Japão.
ELIAS, D.
Fim do século e urbanização no Brasil.
Revista Ciência Geográfica,
ano IV, n. 11, set/dez. 1988.
20 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
e) do milho, sustentáculo dos países do sudeste asiático. submetidos a um ajustamento estrutural do FMI.
22 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
[...] A agricultura de víveres morre. O FMI exige a Após a leitura indicada, desenvolva texto dissertativo
ampliação das culturas coloniais, cujos produtos – al- utilizando as opiniões dos autores em relação ao bairro
godão, amendoim, café, chá, cacau etc. – poderão ser e à cidade em que você mora. Finalize sua análise com
exportados ao mercado mundial e trazer divisas, que possíveis perspectivas para o futuro.
serão destinadas ao serviço da dívida.
Texto III
A segunda tarefa do FMI é abrir os mercados do Sul às
sociedades transcontinentais privadas da alimentação.
Após a atenta leitura da entrevista a seguir, construa
Por isso, no hemisfério sul, o livre-comércio carrega o um texto dissertativo relacionando boa alimentação,
rosto repugnante da fome e da morte. agrotóxicos e reforma agrária.
O trecho anterior faz parte do livro, já mencionado Reforma agrária e incentivo a pequenos
neste Caderno, Destruição em massa: a geopolítica da produtores são caminho para alimentação
fome, do sociólogo suíço Jean Ziegler. Construa um texto saudável, diz Bela Gil
explicando a relação entre política econômica, fome e
corporações transnacionais. Famosa nas redes sociais pelos memes (piadas po-
pulares na rede), há uma semana a apresentadora Bela
Texto II Gil, filha do cantor Gilberto Gil, arrebatou a internet pelo
seu poder de mobilização. Em apenas meia hora, ela
Nos textos a seguir, os respectivos autores analisam conseguiu mudar o resultado de uma consulta pública
a cidade enquanto conquista humana, bem como as feita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sani-
disparidades de seu modelo atual.
tária) sobre o banimento de um dos agrotóxicos mais
frequentes na mesa do brasileiro, o carbofurano. Ela
[...] a mais consciente e, no geral, a mais bem-sucedi-
conseguiu isso a partir de uma convocação em suas
da tentativa do homem de refazer o mundo onde vive páginas do Facebook e Instagram.
de acordo com o desejo de seu coração. Porém, se a Como de costume, Bela acompanha e vota nas
cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse consultas públicas sobre agrotóxicos promovidas pela
mundo que de agora em diante ele está condenado a agência. Mas naquele dia, foi alertada por uma amiga
viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia clara que a consulta seria encerrada em poucas horas com
da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem um resultado negativo. Então, decidiu se manifestar
refez a si mesmo. publicamente e tentar mobilizar alguns seguidores.
POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
programas e projetos para combater a fome e a pobreza biliza, em sua trajetória, a conquista de terra para mais
24 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
de 350 mil famílias. É hoje o movimento social mais Produzida pela Fundação Joaquim Nabuco e pela TV Es-
estruturado do país, mesmo sob a avalanche de críticas cola, a versão animada do clássico Morte e Vida Severina
que recebe da maior parte da elite e grande mídia no (1956) de João Cabral de Melo Neto, poeta brasileiro, é
Brasil. Em seu site, é possível acessar livremente uma adaptada pelo cartunista Miguel Falcão. O desenho ani-
vasta biblioteca digital. mado preserva o original e narra o percurso de Severino
do sertão para o litoral pernambucano. Ótima oportuni-
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá- dade para se conhecer melhor a cultura brasileira e a
ria – Incra dura vida do povo nordestino sem terra.
Disponível em: incra.gov.br. Acesso em: 15 abr. 2016.
É uma organização do Governo Federal, ligada ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, cuja missão é
Livros
“executar a reforma agrária e realizar o ordenamen-
to fundiário nacional”. Em seu site há uma grande
CASTRO, Josué de. Geografia da
quantidade de conteúdos interessantes pertinentes a
fome. Porto: Brasília Editora, 1946.
essa questão. São vídeos e os mais diversos tipos de
Josué de Castro (autor de vastís-
textos e dados estatísticos que abordam legislação,
sima produção com mais de 200
situação da terra no Brasil, políticas públicas, solução
títulos) não pode deixar de ser
de demandas etc.
lido por todo cidadão que deseja
entender a questão e muito me-
REPRODUÇÃO
POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9
EDITORA BOITEMPO
de rua de 2013 no Brasil, país mais populoso do mundo com a maior redução de
essencialmente vinculadas subalimentados: 82,1%.
às condições precárias das Entretanto, muitos consideram que tais projetos sociais
cidades para a maioria. são bastante negativos afirmando, por exemplo, que “dão
o peixe, mas não ensinam a pescar”.
Converse com seus colegas e professores e, se possí-
HARVEY, David. Cidades re- vel, faça um debate em sala de aula com a formação de
beldes: do direito à cidade à dois grupos: um a favor e outro contra o Bolsa Família.
revolução urbana. São Paulo: Quais seriam as soluções para as metrópoles? O que
Martins Fontes, 2014. você colocaria em prática se fosse o(a) prefeito(a) de uma
O geógrafo britânico desenvol- grande cidade como São Paulo? Ou seja, como resolver
ve profundas análises entre o os seus problemas essenciais relacionados, por exemplo,
EDITORA MARTINS FONTES
ÁGORA
extrema pobreza.
26 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
A solução dos grandes desafios das metrópoles e do campo e o fim da fome passam fundamentalmente
pela construção e aplicação de políticas públicas.
824-3
POLISABER 27
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
aulas 10– eAULAS
11 10 E 11
VINCENT VAN GOGH FOUNDATION
Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à política tende a ser pública, ainda que seja realizada
proteção contra o frio, a chuva, as intempéries; direito por empresas, indivíduos ou instituições. Em outras
ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência palavras, toda política é alcançada na esfera pública e
digna […] o respeito ao indivíduo é a consagração da não em uma esfera privada. Já o termo política social vai
cidadania, pela qual uma lista de princípios gerais e abs- além do pleonasmo, uma vez que toda política engloba
tratos se impõe como um corpo de direitos concretos o território, ainda que venha a ser focada em setores
individualizados. A cidadania é uma lei da sociedade (na economia é muito comum o debate sobre setores,
que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual o que inviabiliza uma real discussão de incorporação
com a força de se ver respeitado contra a força, em de práticas que estimulem o veio pela cidadania), um
qualquer circunstância. enorme anaforismo. Oras, de que modo a sociedade e
a política estão separadas?
Milton Santos. A anulação de uma ou de outra na equação inviabiliza a
Por uma outra globalização: do pensamento realização de ambas. Não existe sociedade sem política e,
único à consciência universal. 5. ed.
ainda menos, política sem a reunião de indivíduos e grupos
Rio de Janeiro: Record, 2000.
organizados socialmente. Nesse sentido, toda política é
social, ainda que não seja realizada pelo Estado ou que
atenda aos interesses de grupos, empresas ou indivíduos.
Políticas públicas e sociais Isso porque o território é usado por todos. De sorte
que não existe uma ação que não repercuta sobre todos
Pressupostos de ideias: os demais no corpo de uma sociedade. Passando essa
introdução, vamos tratar de alguns fatos empíricos e
algumas noções
constitucionais de nosso país.
cas. Esse termo é, por definição, um pleonasmo: toda gabinetes, convoca seus ministros e secretários.
28 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
O poder legislativo também possui o voto direto, mas E o voto branco e o voto nulo?
entra em jogo o coeficiente do mesmo partido que res-
ponde pelas cadeiras que os eleitos delegam aos seus O voto branco e o voto nulo são considerados a mesma
colegas de chapa. Nessa lógica, estão os deputados coisa: não servem para cálculo eleitoral. A única diferença
federais. Estão também os senadores de cada Estado é a forma que você invalida seu voto: na primeira você
na escala da União. Na escala dos governos estaduais, aperta um botão da urna e na segunda você vota em
estão os deputados estaduais. Na escala dos governos um número que não está registrado na justiça eleitoral.
municipais, estão os vereadores. Diferentemente do É por isso que muitas pessoas dizem que votar em
executivo (prefeito, governador e presidente), a eleição branco ajuda quem está “na frente”: como o voto não é
do legislativo (vereadores, deputados estaduais e federais considerado válido, se muitas pessoas anularem o voto,
e senadores) deve preencher mais de um cargo, e por o quociente eleitoral será menor e isso torna mais fácil
isso usa um sistema eleitoral distinto, enquanto para as eleger um prefeito ou um vereador (eles vão precisar de
vagas do executivo é eleito aquele que conseguir mais menos votos para se eleger do que se você tivesse votado
da metade dos votos válidos. em outro candidato).
Já para a Câmara Municipal, o cálculo é o seguinte: o Um fenômeno comum apontado por estudiosos de elei-
número total de votos válidos é dividido pelo número ções é que geralmente os partidos que têm candidatos a
de vagas. O resultado é chamado de quociente eleitoral. prefeito com grande visibilidade acabam recebendo muitos
Este representa o número de votos que cada partido/ votos para vereador também. Uma das explicações para
coligação precisa receber para garantir pelo menos uma isso é que muitos eleitores se deparam com a urna sem
cadeira na Câmara. Se um partido/coligação receber X saber que primeiro devem votar para vereador e depois
votos, significa que ele conseguiria eleger dois de seus para prefeito, e acabam digitando o número do candidato
candidatos. Essas cadeiras, então, serão preenchidas a prefeito em vez do número do vereador. Esse é um dos
pelos candidatos mais votados dentro da lista daquele fatores que fazem que o partido do prefeito eleito tenha
partido ou coligação. geralmente uma grande bancada na Câmara. Outro fator
que influencia muito na votação de certos vereadores
são as atividades assistencialistas realizadas por alguns
as como os partidos conseguem
M candidatos por meio dos chamados centros sociais.
votos se a gente só vota no Depois de verificarmos a formação desses arranjos
vereador? constitucionais da sociedade, vale destacar essa pas-
sagem de uma geógrafa, Ana Fani Allesandri Carlos,
publicada em 2015, na Revista Mercator:
Quando votamos em um vereador, na realidade, vo-
tamos tanto nele quanto em seu partido ou coligação.
As análises sobre nossa “condição pós-moderna”
Além disso, em vez de votar em um candidato, você pode
centram-se, hoje, sobretudo nas transformações
digitar apenas os dois dígitos do partido de sua preferên-
do tempo e da cultura, construindo, no limite, uma
cia. Isso vai ajudar aquele partido a ter mais chances de
compreensão a-espacial da realidade, o que vai na
conseguir mais cadeiras na Câmara, sem que você tenha
contramão do fato − por exemplo – de que a ocupação
de escolher um candidato específico.
dos espaços públicos, mundo afora, como lugar da
contestação e do exercício de cidadania negada, tem
insistentemente apontado para uma luta pelo espaço,
qual é a diferença entre partido e
E tanto da realização da vida cotidiana, como aquele que
coligação? concretiza a esfera pública em suas possibilidades. Por
esse raciocínio, [...] os planos do político e da cultura,
Coligações são alianças que os partidos fazem nas elei- apesar de nada desprezíveis à compreensão dessa
ções. No entanto, as coligações para prefeito não precisam totalidade, são insuficientes, exigindo a consideração
ser as mesmas coligações para a Câmara. Na prática, para da dinâmica espaço-temporal.
as eleições proporcionais, a coligação funciona como se Os movimentos sociais que vêm marcando a cena
fosse um partido único (mas somente para aquelas elei- política sinalizam a consciência da “privação” e, por-
ções); o número máximo de candidatos é aumentado e o tanto, sua leitura não pode fechar-se à esfera dos bens
824-3
tempo de televisão e rádio também fica maior. necessários à realização da vida, posto que iluminam
POLISABER 29
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
a escala da realização dos desejos de criação de um O que, de fato, vem a ser objeto de preocupação entre
projeto capaz de abrir-se para a construção de uma muitos cidadãos é que as chamadas políticas públicas
outra sociedade. têm sido elaboradas segundo um viés privatista, e não
As lutas surgem nos interstícios do cotidiano como totalizador. Ou seja, a confusão entre interesses públicos
consciência das desigualdades vividas em vários pla- e privados ganha corpo nesse cenário. As políticas pú-
nos. Portanto, as resistências não apontam um único blicas possuem diversas faces, algumas mais fáceis de
significado, mas reúnem várias perspectivas (bandeiras) visualizar, por exemplo:
nas quais se realizam a desigualdade e a privação cons- —— As políticas públicas ligadas à saúde: as campanhas
tituidoras da vida urbana. Ao se unirem, os movimentos de vacinação são formas de políticas públicas liga-
reivindicatórios questionam aquilo que funda nossa das à saúde que tendem a proteger a população.
sociedade: a apropriação diferenciada da riqueza, a Outro exemplo: a entrega de medicações para
desigualdade, os desmandos do poder, o estreitamento hipertensos e diabéticos é também uma forma de
da esfera pública. Movem-se no sentido de questiona- política pública.
mento da lógica do crescimento e das alianças políticas —— A segurança: compra de equipamentos militares
que se realizam contra o social. Aparecem como luta ou formas de coerção militar em manifestações. O
pelo espaço, por um espaço democrático onde pos- mesmo vale para a prática do uso de forças militares
sam exprimir-se e decidir sobre seu destino. As lutas em cenários de emergência, busca e salvamento.
introduzem e exigem práticas democráticas, colocando —— As políticas públicas ligadas ao turismo: campanhas
na mesa de negociações os interesses da sociedade feitas por estados, municípios e União para atração
como um todo, contra os interesses dos empresários, de pessoas que utilizem serviços ligados ao turismo
representantes dos grupos que objetivam lucros, seja (hospedagem, passeios, comércios etc.).
nos setores diretamente produtivos, seja no plano dos —— As políticas públicas ligadas ao esporte: as Olim-
investimentos e da especulação. píadas do Rio 2016, por exemplo, mostraram a
Portanto, as manifestações nos espaços públicos − ineficiência de políticas ligadas ao fomento de
citadas no início deste artigo − eclodem na vida cotidia- espaços e instituições que propiciem a formação
na, apontando a existência de resíduos latentes nesta de atletas no país. O mesmo valeu para os jogos
sociedade. Ao se definirem pela recusa da condição da Copa em 2014. Grandes infraestruturas, sem
urbana vivida, as lutas colocam o “direito à cidade” no apoios na escala dos indivíduos.
centro do debate. —— As políticas públicas ligadas à cultura: o dinheiro
Embora mal definido, o “direito à cidade” como con- para o fomento de espetáculos em cinema, tea-
ceito exige uma reflexão profunda. Nos termos apon- tro, música, dança, literatura, escultura e pintura
tados por Henri Lefebvre (1968,1970), a realização do depende em grande medida do apoio direto ou
direito à cidade traz, como exigência, o questionamento indireto do Estado, seja por locais de exposições e
de toda a sociedade submetida à economia e à política, apresentações, seja pelo financiamento de editais
manifestando-se como forma superior dos direitos, na de produção.
condição de direito à liberdade, à individualização na —— As políticas públicas ligadas à educação: paga-
socialização; o direito à obra (atividade participante) e mento de professores e construção de escolas nos
o direito à apropriação, revelando plenamente o uso. diversos níveis.
Por essa orientação, é possível entender o “direto à —— As políticas públicas ligadas a Ciência e Tecnologia:
cidade” como uma necessidade prática de superação normalmente feitas pelo Estado, são bolsas de
da contradição espacial, valor de uso/valor de troca, pesquisa de mestrado, doutorado e pós-doutorado,
que imperam em nossa sociedade produtora de merca- além de organismos como o Conselho Nacional de
dorias. Portanto, o direito só se resolveria na superação Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
daquilo que funda o capitalismo. Projeto utópico e não agências de estados.
política pública, o direito à cidade aponta para uma —— As políticas públicas ligadas às cidades: planos e
necessidade teórica e prática. normas ligados à habitação, planos de melhorias
em mobilidade nas cidades etc.
Mercator. —— As políticas públicas ligadas à energia: normas e
Fortaleza, v. 14, n. 4, número especial. planos ligados à produção de petróleo, gás, mine-
824-3
30 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
—— As políticas públicas ligadas à agricultura e à pesca, como desenvolver estratégias e normas nesses campos de
produção, são necessárias ao desenvolvimento dessas forças produtivas.
As diversas políticas são realizadas nas três esferas da federação: municípios, estados e União. Na esfera municipal,
especialmente, está também a participação mais ativa da população no desenho orçamentário. Isto é, partes do orça-
mento (pequenas, infelizmente) podem ser determinadas pela participação direta da população. Esse instrumento é
muito interessante para aumentar o sentido de cidadania e de efetivação de certos projetos.
Indicadores de pobreza
Uma recente publicação do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) se debruçou sobre a questão da medição
dos indicadores da pobreza. Um dos índices mais conhecidos é a linha estabelecida pelo Banco Mundial, segundo a qual
são pobres os que vivem com menos de 1 dólar por dia. Alguns pesquisadores, no entanto, acham tal perspectiva limitada.
A crítica principal é que esse conceito não dá conta de um problema complexo. Assim, desde a década de 1970, novas
acepções vêm surgindo com o objetivo de construir uma caracterização mais precisa do cenário de privação vivenciado
824-3
POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
32 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
de acesso à renda, à educação e à saúde. Com ele, as —— 72% delas são extremamente pobres e 64% dos
famílias com crianças e adolescentes até 15 anos foram responsáveis pelas famílias não chegaram a
beneficiadas com um complemento de renda do Bolsa completar o ensino fundamental, segundo análise
Família, que garante que 8,1 milhões de crianças se publicada na obra.
mantenham fora da extrema pobreza. —— A maioria dos benefícios é recebida por habitantes
Além disso, as prefeituras foram estimuladas a ampliar do Nordeste do país (50%), especialmente dos es-
as vagas em creches públicas e conveniadas para as tados do Maranhão e Piauí.
crianças de baixa renda. Entre 2011 e 2015, houve cres- —— Apenas 38% têm, ao mesmo tempo, acesso a água
cimento de mais de 56% de beneficiários do Bolsa Família tratada e coleta de esgoto.
com até 3 anos de idade matriculados em creches, che- Apesar de os índices socioeconômicos ainda serem
gando a 755,8 mil crianças no ano passado. Além delas, há ruins, outro artigo revela avanços nos últimos dez anos. A
mais 79,9 mil que estão na pré-escola, totalizando 833,7 Pesquisa de Avaliação de Impactos do Bolsa Família mostra
mil crianças do Bolsa Família recebendo alimentação, que as crianças beneficiárias do PBF têm progressão escolar
824-3
cuidados e estímulos para uma vida mais plena. seis pontos percentuais maior na comparação com não
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GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
beneficiárias de mesmo perfil socioeconômico. Os impactos rompem fronteiras geográficas em razão da natureza de
também foram positivos na atenção básica à saúde. suas causas, ganhando adeptos por todo o mundo,
Constatou-se que as mães beneficiadas realizam, em a exemplo dos movimentos ambientalistas de forte
média, maior número de exames pré-natal (1,6 visita a atuação internacional.
mais) e amamentam seus bebês durante um período Os movimentos sociais são sempre políticos. Quer dizer,
maior, reduzindo a subnutrição infantil. atuam no sentido de mudar certos moldes regulatórios
ou de práticas do Estado, de instituições e de empresas.
Mas a palavra-chave é organização. Movimentos sociais
só existem organizados.
Pequenas considerações
Gianfranco Pasquino, em sua contribuição ao Dicioná-
rio de política (2004), organizado por ele e por Norberto
Em um mundo globalizado em que finanças e informa-
Bobbio e Nicolau Mateucci, afirma que os movimentos
ção são protagonistas da organização dos territórios, não
sociais constituem tentativas – pautadas em valores co-
é abusivo pensar que o aumento do dinheiro circulante
muns àqueles que compõem o grupo – de definir formas
no planeta foi paralelo à concentração do dinheiro e do
de ação social para se alcançar determinados resultados.
aumento da pobreza, absoluta e relativa. Daí a contradição:
Em seu livro Em defesa da sociologia (1976), Alain
o planeta está mais rico, porém mais pobre. Como resistir?
Touraine afirma que para compreender os movimentos
sociais, mais do que pensar em valores e crenças comuns
para a ação social coletiva, seria necessário considerar as
Movimentos sociais estruturas sociais nas quais os movimentos se manifestam.
Cada sociedade ou estrutura social teria como cená-
rio um contexto histórico (ou historicidades) no qual,
O espaço geográfico é movimento. Ele é um movimento
assim como também apontava Karl Marx, estaria posto
que resulta da vida da sociedade e da força que os objetos
um conflito entre classes, terreno das relações sociais,
materiais que estão no espaço possuem ao condicionar
a depender dos modelos culturais, políticos e sociais.
as ações da sociedade.
Desse modo, os movimentos sociais fariam explodir os
Se a sociedade se movimenta, bem como o espaço
conflitos já postos pela estrutura social geradora por si só
geográfico também é movimento, o que chamamos de
da contradição entre as classes, sendo uma ferramenta
movimentos sociais? No sentido mais estrito do termo,
fundamental para a ação com fins de intervenção e mu-
é a organização de grupos em prol das conquistas na
dança daquela mesma estrutura.
esfera pública. Em outros termos, é a busca a partir da
Além das instituições democráticas, como os partidos,
organização coletiva de certos objetivos específicos. Te-
as eleições e o parlamento, a existência dos movimentos
mos muitos exemplos: movimentos de moradia, pela terra,
sociais é de fundamental importância para a sociedade
pela água, pelo ambiente, da causa operária, o movimento
civil como meio de manifestação e reivindicação.
negro (contra racismo e segregação racial), o movimento
A existência de um movimento social requer uma
estudantil, o movimento de trabalhadores do campo,
organização muito bem desenvolvida, o que demanda a
movimento feminista, movimentos ambientalistas, da luta
mobilização de recursos e pessoas engajadas. Os movi-
contra a homofobia, separatistas, movimentos marxista,
mentos sociais não se limitam a manifestações públicas
socialista, comunista, entre outros.
esporádicas, mas se tratam de organizações que sistema-
Alguns desses movimentos possuem atuação cen- ticamente atuam para alcançar seus objetivos políticos, o
tralizada em algumas regiões (como no caso de movi- que significa haver uma luta constante e de longo prazo,
mentos separatistas na Europa). Outros, contudo, com a dependendo da natureza da causa.
expansão do processo de globalização (tanto do ponto Em outros termos, os movimentos sociais possuem
de vista econômico como cultural) e a disseminação de ação organizada de caráter permanente por determinada
824-3
34 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
Os movimentos sociais são militantes de suas causas. 2008, com a quebra do [banco] Lehman Brothers e o que
Vejamos uma passagem da entrevista do geógrafo David veio em seguida. Esse é o panorama geral. O resultado
Harvey (Boletim campineiro de Geografia. v. 2, n. 1, 2012): é que a informação e suas estruturas se tornaram inte-
[...] gradas a isso, de modo que é muito mais difícil exercer
Vemos, por exemplo, o movimento estudantil chileno, qualquer controle democrático.
no qual há grande diversidade, mas ainda assim há, penso Como se exerce controle democrático sobre as trocas
eu, uma aliança muito sólida, um conjunto muito claro de computadorizadas em Wall Street?
demandas. E essas demandas parecem-me ligadas ao caso Ninguém consegue. Quer dizer, soa até mesmo
chileno que poderíamos chamar de “pinochetismo”: dizem como uma questão estúpida de se fazer! Então, na
os estudantes que nos livramos de Pinochet, mas seu siste- verdade, há muitas coisas sobre as quais não se pode
ma continua, e temos que nos livrar dele. O mesmo ocorre ter um debate e uma discussão democráticos, como
também na Inglaterra, onde Thatcher já saiu há muito tempo, se pode em uma universidade. Foi demonstrado
mas o “thatcherismo” ainda está conosco. O mesmo nos nesses últimos anos que não há espaço para discussão
EUA, onde Reagan começa a parecer um trapalhão amigável democrática.
(risos) para superar o atual partido republicano. O que vimos como resultado disso, recentemente, foi
Então, a questão é acabar com o “reaganismo”, o a ruína dos processos democráticos na Grécia e na Itá-
“thatcherismo” e o “pinochetismo” e fazer algo que seja lia. Foram nomeados tecnocratas para fazer o governo,
radicalmente diferente. Penso que há um começo de porque a democracia não podia fazê-lo. Os sistemas
crescentes coalizões por aí. fortemente acoplados são muito hierárquicos, e assim,
Agora estamos ao menos voltando às políticas sociais na verdade, é extremamente difícil atingir o que uma
democráticas, como as que Lula estava desenvolvendo democracia realmente teria de ser. Isso coloca um pro-
aqui, ou até certo ponto a política redistributiva dos blema muito grande para a esquerda, para aqueles que
Kirchner na Argentina. Se estamos voltando a esse tipo querem maximizar sua democracia. Tentam desmantelar
de modelo ou indo além, como os estudantes chilenos todos esses sistemas de comércio dos quais o mundo
gostariam, ou ainda se isso se parece mais com o caso agora depende, para voltar a ter tudo organizado como
da Bolívia, e o que irá acontecer, eu realmente não sei. uma universidade – assembleias intermináveis e discus-
Penso que estamos diante de uma espécie de pausa ou sões, e talvez alguma coisa aconteça, mas talvez não.
momento reflexivo: “E agora?”. [...] Queremos voltar a esse mundo ou queremos pensar em
É surpreendente quando ligamos a TV e vemos todas um novo meio de encontrar uma democracia? Eu não sei,
aquelas chamadas (tickers), “Qual é o preço disso?”, teria que ser uma forma de organização que permitisse
“O que está acontecendo por aqui?”, “O que está gerenciar esses sistemas fortemente acoplados como
acontecendo no mercado de ações em Tóquio?”... Uma usinas nucleares, sistemas de trocas financeiras e afins.
organização como a Bloomberg News, que produziu um A partir dessa passagem do texto de David Harvey,
homem muito rico, que agora é prefeito de Nova York e resta-nos a pergunta: poderiam os movimentos sociais
governa a cidade... criar novas estruturas em um capitalismo financeiro?
Isso é algo que sempre foi uma tendência sob o capi- Acreditamos que a força dos movimentos sociais é
talismo, mas que se tornou muito mais rápido. E, nova- ampla. E pode, realmente, fazer frente junto aos Estados,
mente, o resultado disso é que é muito fácil as coisas instituições e empresas.
darem errado em um sistema fortemente acoplado, e A população é quem produz coisas e apenas pela via
os mercados financeiros agora são assim. Trocas estão da organização de seus membros é que podemos mudar
acontecendo nestes milissegundos ou nanossegundos, e situações e estruturas.
são todas computadorizadas... E está tudo funcionando Sim, as finanças são determinantes no trabalho dos
de acordo com modelos, tudo funcionando bem de acor- lugares e de seus arranjos. Todavia, são as pessoas que
do com o modelo de trabalho... Mas se algo dá errado e usam o território; elas podem garantir novos rumos ao
o modelo não funciona, então a coisa começa a crescer encaminhamento de políticas de Estado, de empresas e
824-3
como uma usina nucelar, e vimos o que houve em 2007 e da ação de instituições.
POLISABER 35
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
EXERCÍCIOS
1. (UPE) De acordo com os resultados dos mapas III. Em 20 anos, 85% dos municípios do Brasil saíram
apresentados abaixo, sobre o Índice de Desenvolvi- da faixa de “alto para o desenvolvimento humano”
mento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, analise para “muito alto”, segundo a classificação criada
os itens a seguir: pelo Pnud. A categoria que mais encolheu entre as
décadas de 1990 e 2010 foi a de “médio desenvol-
1991 vimento”.
IV. Os municípios das regiões brasileiras Sul e Sudes-
te estão concentrados, em sua maioria, na faixa de
“alto desenvolvimento humano”. No Centro-Oeste,
os resultados ainda apresentam a maioria dos mu-
nicípios na categoria “médio desenvolvimento”.
I. O IDHM é um índice divulgado pelo Programa das sas capitalistas modernas como devastadoras do
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), planeta Terra.
composto pelo conjunto de três indicadores de de- IV. São movimentos sociais que querem destruir o po-
senvolvimento humano: a longevidade, a educação der do Estado-Nação.
e a renda dos municípios. É correto o que se afirma em:
II. Apesar da evolução do IDHM no Brasil, o Nordeste a) II e IV, apenas.
ainda tem 95% dos municípios na faixa de desenvol- b) II e III, apenas.
vimento humano “muito baixo”, e a região Norte já c) I e III, apenas.
apresenta 80% das cidades na classificação “alto” e d) I e IV, apenas.
824-3
36 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
4. Nomeie e elabore, com base em jornais, algumas políticas públicas de seu município.
Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera do município, como educação e atendimento médico.
5. Nomeie e elabore, com base em jornais, algumas políticas públicas de seu estado.
Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera do estado, em especial transporte, estradas de rodagem e saneamento ambiental.
Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera da União, ligadas aos serviços de saúde, defesa, infraestrutura, mercado financeiro e políticas industriais.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Essas respostas vão pelo caminho de entender que todo processo político precisa estar amparado em substratos da
população que o amparem, seja para o bem coletivo ou o bem particular de grupos de empresas: a sociedade autoriza
de um modo ou de outro.
Considerando este material de leitura mais a aula do professor de geografia sobre pobreza, pense no Brasil e em
países ainda mais pobres: seria possível medir a pobreza de maneira uniforme? Considerando isso, faça os exercícios
do estudo orientado.
Bons estudos!
EXERCÍCIOS
1. A partir de sua leitura sobre o Brasil contemporâneo, poderíamos dizer que os movimentos sociais têm uma prer-
rogativa importante na aplicação de políticas públicas?
Os movimentos são importantes em fazer visíveis as demandas coletivas. São organizados e, por isso, são visíveis. De certo modo, nem sempre conquistam suas demandas, mas certamente
dão força aos debates que giram sobre as pautas de propostas.
2. De que modo podemos entender os valores democráticos ligados aos movimentos sociais?
Se o vigor da democracia está na participação de cidadãos ativos no destino coletivo, os movimentos sociais são protagonistas de mudanças ligadas às demandas de grupos. Fortes
democracias são feitas de fortes cidadãos. Geralmente, movimentos sociais têm em seu âmbito pessoas dispostas a realizar uma conduta civil ativa, dando força e forma à democracia.
824-3
POLISABER 37
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
A pobreza é carência de bens materiais e simbólicos em relação à sociedade na qual se está inserido. Existem diferentes formas de reconhecer a pobreza. A mais usual é a utilizada pela
Organização das Nações Unidas de uma renda inferior abaixo de um dólar por dia per capita. Outras formas consideram a pobreza relativa, em relação ao acesso aos serviços básicos
e formação.
5. O termo “em situação de pobreza” substituiu a antiga denominação “ser pobre”. Elabore a razão de tal mudança
na forma de exprimir.
O termo "ser pobre" designa condição inexorável de pobreza. "Em situação de pobreza" assume-se a transição de uma condição, e não um estado existencial.
RODA DE LEITURA
gente se acostuma a ver o mundo acadêmico a partir legitimar as políticas de mobilidade urbana. Mas
38 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
é claro que seu contraponto, os mecanismos que, instrumento analítico relevante. E não apenas enquanto
inspirado em Telles [...] propus denominar de “contor- tecnologia de poder, como propõe Stuart Elden (2013),
namento territorial” [...], trazem à tona uma infinidade refletindo uma visão anglo-saxônica de território, defi-
de micropolíticas, mais ou menos espontâneas, que nido quase exclusivamente por sua funcionalidade. Ter-
representam formas muito diversificadas de reação ritório, no nosso entendimento, deve ser visto sempre
e/ou de resistência a esses processos hegemônicos em um sentido relacional, isto é, através dos processos
de contenção. de des-re-territorialização, em toda a complexidade das
Nesse sentido, a própria condição de “estar em relações de poder e imobilidades aí envolvidas.
trânsito”, de transitar por múltiplos territórios, de expe- Para nossas Geografias “latinas”, e em especial as
rimentar uma multiterritorialidade, pode ser subversora latino-americanas, o território incorpora sempre, além
em relação à ordem que se quer, ainda, disciplinada e/ da funcionalidade de relações de poder econômico-
ou “segura” – ou, nos termos de Agamben, em relação -estatais, um forte componente simbólico do poder.
à desordem que se quer regulada. Segundo este autor, Nossas mobilidades, assim como nossas fronteiras,
“enquanto o poder disciplinar isola e fecha territórios, nunca poderão ser lidas estritamente pelo viés da sua
as medidas de segurança conduzem a uma abertura e funcionalidade, especialmente no que se refere às
à globalização; enquanto a lei deseja prever e regular, táticas e estratégias de resistência – ou, como propus
a segurança intervém [concretamente] nos processos aqui, de contornamento – pois a luta por território, no
em curso a fim de dirigi-los. Em suma, a disciplina nosso caso, é sempre uma luta, ao mesmo tempo,
quer produzir a ordem, a segurança quer regular a pela sobrevivência material e pela efetiva expressão
desordem” [...]. Obviamente que transitar por múltiplos de nossos espaços vividos.
territórios pode ter um caráter amplamente integrado à
ordem hegemônica, como na multiterritorialidade sob
HAESBAERT, Rogério.
controle dos “globe-trotters” do sistema. A questão é
Disponível em: mercator.ufc.br/index.php/
quando esse trânsito está relacionado à precarização
mercator/article/view/1782/618.
de grupos subalternos, representativo muito mais de Acesso em: 2 maio 2016.
uma desterritorialização no sentido de perda de con-
trole territorial e, portanto, dotada de um elevado grau
de insegurança e imprevisibilidade. É o caso de muitos
migrantes e refugiados ou, no caso das grandes cidades
brasileiras, de moradores de comunidades faveladas Texto III
em momentos de conflito aberto de territorialidades.
Não é à toa, também, que frequentemente as reações Livro avalia conquistas e desafios do Bolsa
de protesto envolvem o uso de vias ou de meios de Família
circulação urbana, como a obstrução das vias e o
Implantado há mais de dez anos, o Programa Bolsa
incêndio de ônibus.
Família foi responsável por 15% a 20% da redução da
Todas essas tentativas de controle territorial via
desigualdade de renda no Brasil. Colaborou também
controle de fluxos nas sociedades ditas de seguran- para a queda na desigualdade entre estados e regiões
ça em que vivemos tornam-se assim extremamente do país (15%). A política de transferência de renda
complexas, na medida em que estratégias (ou táticas) ainda impulsionou a diminuição na taxa de extrema
semelhantes podem ser adotadas por sujeitos dife- pobreza (entre 2001 e 2011, passou de 8% para 4,7%
rentes e com objetivos distintos. Isso sem falar nas da população brasileira).
diversas técnicas utilizadas, que envolvem não apenas Esses e outros dados estão compilados no livro
dispositivos físicos mais evidentes, como os muros de Programa Bolsa Família – uma década de inclusão e
contenção, mas também mais sutis, como as câmeras cidadania, lançado nesta quarta-feira, 30, durante a
de vigilância. Mas este é um tema para outros desdo- cerimônia de celebração dos dez anos do programa,
no Museu da República, em Brasília. Os artigos reunidos
bramentos.
na publicação – uma parceria do Instituto de Pesquisa
Por fim, é importante ressaltar que em sociedades
Econômica Aplicada com o Ministério do Desenvolvi-
como a nossa, moldadas pelo biopoder e pela questão
mento Social e Combate à Fome – traçam um pano-
da insegurança, envolvendo as mais diversas formas de rama histórico da evolução do programa, resgatam as
824-3
POLISABER 39
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11
principais contribuições do Bolsa Família (PBF) para as Efeitos do Bolsa Família após 10 anos
políticas de assistência social e apresentam análises Disponível em: youtube.com/watch?v=Heo8ElWb6oU.
sobre seu impacto nos indicadores de saúde, educação Acesso em: 2 maio 2016.
e proteção social e na redução da pobreza. [...] O documentário trata dos efeitos do programa Bolsa
Família no cotidiano dos que recebem esse apoio. São
Ipea. relatos desses cidadãos.
Disponível em: ipea.gov.br/portal/index.
php?option=com_acymailing&ctrl=archive&task=vie
Beneficiários – Histórias de vida do Bolsa Família
w&listid=10-avisos-de-pauta&mailid=664-livro-avalia-
Disponível em: youtube.com/watch?v=UWpG6k5gXgc.
conquistas-e-desafios-do-bolsa-familia&Itemid=390.
Acesso em: 2 maio 2016.
Acesso em: 2 maio 2016.
Um documentário que também recolhe histórias de cida-
Obs.: O livro do Ipea sobre o programa Bolsa Família dãos que utilizam as benesses do programa Bolsa Família.
está disponível no site do instituto: ipea.gov.br/portal/ima-
ges/stories/PDFs/livros/livros/livro_bolsafamilia_10anos.
pdf. Acesso em: 2 maio 2016.
ÁGORA
40 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
No mundo no qual podemos agir, temos efetivamente outro olhar diante das pessoas que não se en-
caixam em um modelo rigoroso de machismo, homofobia e racismo?
824-3
POLISABER 41
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
gabarito– GABARITO
Aulas 8 e 9 Aulas 10 e 11
11. a
4. Os movimentos são importantes em fazer visíveis
demandas coletivas. São organizados e, por isso,
12. e
são visíveis. De certo modo, nem sempre conquis-
tam suas demandas, mas certamente dão força aos
13. d debates que giram sobre as pautas de propostas.
42 POLISABER
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 3
2. a
O crescimento das áreas periféricas é provocado 3. O Brasil é uma república porque adota o regime de
pelo incremento populacional e pela intensificação governo republicano, no caso o presidencialista, no
da especulação imobiliária. qual o presidente é chefe de governo e chefe de
Estado. É também uma Federação, pois o Estado bra-
3. c
sileiro é composto por regiões denominadas esta-
Os sistemas de produção classificados como inten-
dos, como São Paulo e Paraná, entre outros, que es-
sivos são caracterizados por técnicas modernas e
tão unidos por um governo central (governo federal).
mão de obra especializada.
POLISABER 43
STOCKPHOTOS
Geografia da população
e os indivíduos em circulação
GEOGRAFIA GERAL 4
GEOGRAFIA GERAL – AULA 12
O crescimento populacional é, antes de tudo, função de fatores demográficos que fazem parte do campo da geografia
da população: casamentos, natalidade, doenças, mortalidade, composição da idade e do sexo não são apenas acidentais.
BEAUJEU-GARNIER, Jacqueline.
Geografia da população. São Paulo: Edusp, 1971. p. 384.
0016
2 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Para levar em consideração: a taxa de crescimento Após uma rápida leitura dos indicadores, percebe-se
vegetativo ou natural corresponde à diferença entre que a população mundial levou mais de 1 600 anos para
nascimentos e óbitos em uma população, em um dado duplicar o seu tamanho e, depois, mais 200 anos para
período. Se o saldo for positivo, há mais nascimentos que dobrar novamente.
mortes. Se o saldo for negativo, ocorre o inverso. A civilização humana continuou a apresentar cresci-
O termo explosão demográfica refere-se ao crescimen- mento elevado, em especial, quando saltou de 2,5 bilhões
to elevado da população do mundo ou de determinado para 5 bilhões em 37 anos.
território ou região. O termo “explosão demográfica” nasce desse boom
do crescimento vegetativo da população mundial. Em
alguns países esse movimento foi mais acentuado que
em outros.
Um retorno à progressão de Com isso, observou-se certo alarmismo de alguns go-
habitantes no planeta vernos, dos analistas e da população. A principal preocu-
pação se referia à disponibilidade de espaços e recursos
para abrigar toda essa massa de pessoas, bem como os
Estimou-se, há aproximadamente 2 mil anos, que o nú- impactos ambientais causados pelo “excesso de gente”
mero de indivíduos no planeta não superaria 250 milhões. no mundo. Entretanto, esse alarmismo demonstrou-se
—— em 1650, esse número saltou para 500 milhões; deslocado.
—— em 1850, o planeta abrigou 1 bilhão de pessoas; Há um inspirador discurso feito pelo escritor colombia-
—— em 1950, 2,5 bilhões; no Gabriel García Márquez quando ele recebeu o prêmio
—— em 1987, 5 bilhões e; Nobel de Literatura, que trata, em especial, da vida e de
—— em 2010, quase 7 bilhões de pessoas. sua reprodução em países pobres. Veja o texto a seguir:
4 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
Em sua procura pela fonte da eterna juventude, o Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um
mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca explorou o norte prometeico presidente, entrincheirado em seu palácio
do México por oito anos, numa iludida expedição cujos em chamas, morreu lutando contra um exército inteiro,
membros devoraram uns aos outros e, dos seiscentos sozinho; e dois suspeitos acidentes de avião, ainda por
que foram, apenas cinco voltaram. explicar, abreviaram a vida de um grande presidente
Um dos muitos mistérios inimagináveis daquela e a de um militar democrata que tinha ressuscitado a
época é o das onze mil mulas, cada uma carregando dignidade de seu povo.
cinquenta quilos de ouro, que um dia deixaram Cuzco Já ocorreram cinco guerras e dezessete golpes mili-
para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram tares; surgiu um diabólico ditador que está realizando
ao seu destino. Depois disso, no tempo das colônias, em nome de Deus o primeiro etnocídio da América
galinhas vendidas em Cartagena de Índias eram cria- Latina de nosso tempo. Nesse ínterim, 20 milhões de
das em terrenos de aluviões e em suas moelas eram crianças latino-americanas morreram antes de com-
encontradas pequenas pepitas de ouro. pletar um ano de vida – mais do que as que nasceram
A cobiça de ouro de nossos fundadores nos perse- na Europa desde 1970.
guiu até recentemente. No fim do último século [XIX], Os desaparecidos pela repressão chegam a quase
uma missão alemã, indicada para estudar a construção 220 mil. É como se ninguém soubesse onde foi parar a
de uma ferrovia interoceânica, através do istmo do população inteira de Uppsala. Várias mulheres presas
Panamá, concluiu que o projeto era viável com uma
grávidas deram à luz nas prisões argentinas, e ainda
condição: que os trilhos não fossem feitos com aço,
ninguém sabe do paradeiro e da identidade de seus
que era raro na região, mas com ouro.
filhos, que foram furtivamente adotados ou enviados
Nossa independência da dominação dos espanhóis
para orfanatos por ordem das autoridades militares.
não nos pôs fora do alcance da loucura. O general An-
Porque tentaram mudar esta situação, quase 200 mil
tonio López de Santana, três vezes ditador do México,
homens e mulheres morreram em todo o continente, e
providenciou um magnífico funeral para a perna direita
mais de cem mil perderam suas vidas em três pequenos
que ele perdera na chamada Guerra dos Pastéis. O ge-
e malfadados países da América Central: Nicarágua, El
neral Gabriel García Moreno governou o Equador por
Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos,
16 anos como um monarca absoluto; em seu velório,
seria o equivalente a um milhão e seiscentos mil mortes
o corpo ficou sentado na cadeira presidencial, vestido
violentas em quatro anos.
com o uniforme completo e decorado com uma camada
Um milhão de pessoas abandonaram o Chile, um
protetora de medalhas.
país com tradição de hospitalidade – ou seja, doze por
O general Maximiliano Hernández Martínez, o dés-
cento da população. O Uruguai, pequenina nação de
pota teosófico de El Salvador, que teve na sua cota
30 mil camponeses aniquilados num massacre selva- dois milhões e meio de habitantes, que se considerava
gem, inventou um pêndulo para detectar veneno em o país mais civilizado do continente, perdeu para o exílio
sua comida, e mantinha as lâmpadas das ruas envolvi- um em cada cinco de seus cidadãos.
das em papel vermelho para vencer uma epidemia de Desde 1979, a guerra civil de El Salvador vem produ-
escarlatina. A estátua do general Francisco Morazán, zindo quase um refugiado a cada vinte minutos. O país
na praça principal de Tegucigalpa, é na verdade do que se poderia criar com todos os exilados e emigrantes
marechal Ney, comprada num depósito de esculturas forçados da América Latina teria uma população maior
de segunda mão em Paris. que a da Noruega.
Onze anos atrás [1971], o chileno Pablo Neruda, um Ouso dizer que é essa desproporcional realidade,
dos brilhantes poetas de nosso tempo, iluminou este e não apenas sua expressão literária, que mereceu a
público com suas palavras. Desde então, os europeus atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade
de boa vontade – e às vezes aqueles de má vontade não de papel, mas que vive dentro de nós e determi-
também – têm sido arrebatados, com cada vez mais na cada instante de nossas incontáveis mortes de
força, pelas novidades fantásticas da América Latina, todos os dias, e que nutre uma fonte de criatividade
esse reino sem fronteiras de homens alucinados e mu- insaciável, cheia de tristeza e beleza, da qual este
lheres históricas, cuja infinita obstinação se confunde errante e nostálgico colombiano não passa de mais
com a lenda.
824-4
POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e que sua busca por independência e originalidade deva
canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade, se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a
temos pedido muito pouco da imaginação, porque nos- expansão marítima que estreitou essa distância entre
so problema crucial tem sido a falta de meios concretos nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter
para tornar nossas vidas mais reais. Este, meus amigos, acentuado nosso distanciamento cultural.
é o cerne da nossa solidão. Por que a originalidade nos foi agraciada tão pron-
E se estas dificuldades, cuja essência compartilha- tamente na literatura e tão desconfiadamente nos foi
mos, nos atrasam, é compreensível que os talentos negada em nossas difíceis tentativas de mudanças
racionais desta parte do mundo, exaltados na contem- sociais? Por que pensar que a justiça social perseguida
plação de sua própria cultura, se encontrem sem meios pelos europeus progressistas aos seus próprios países
apropriados de nos interpretar. não pode ser um objetivo da América Latina, com mé-
É simplesmente natural que eles insistam em nos todos diferentes em condições desiguais?
medir com o mesmo bastão que medem a si mesmos, Não: as incomensuráveis violência e dor de nossa
se esquecendo de que as intempéries da vida não história são o resultado de antigas iniquidades e amar-
são as mesmas para todos, e que a busca pela nossa guras caladas, e não uma conspiração tramada a três
própria identidade é tão árdua e sangrenta para nós mil léguas de nossa casa.
quanto foi para eles. Mas muitos líderes e intelectuais europeus têm pen-
A interpretação de nossa realidade em cima de pa- sado assim, com a infantilidade de seus antepassados
drões que não são os nossos serve apenas para nos que se esqueceram do proveitoso excesso de sua
tornar ainda mais desconhecidos, ainda menos livres, juventude, como se fosse impossível chegar a outro
ainda mais solitários. destino que não o de viver entre a cruz e a espada.
A venerável Europa talvez pudesse ser mais per- Esse, meus amigos, é o tamanho exato de nossa solidão.
ceptiva se tentasse nos ver em seu próprio passado. Apesar disso, à opressão, ao saque e abandono, res-
Se ela recordasse simplesmente que Londres levou pondemos com vida. Nem enchentes nem pragas, nem
300 anos para construir seu primeiro muro, e mais 300 fome nem cataclismos, nem mesmo as eternas guerras,
para ter um bispo; que Roma labutou numa penumbra séculos após séculos, foram capazes de subjugar a
de incertezas por 20 séculos, até que um rei etrusco persistente vantagem que a vida tem sobre a morte.
a fizesse entrar para a história; e que a pacífica Suíça Uma vantagem que cresce e acelera: todo ano, há 74
de hoje, que nos deleita com seus queijos e impávidos milhões de nascimentos a mais do que mortes, número
relógios, derramou o sangue da Europa como soldados suficiente de novas vidas para multiplicar, a cada ano,
mercenários, no final do século XVI. Mesmo no alto da a população de Nova York sete vezes.
Renascença, 12 mil lansquenetes pagos pelo exército A maioria desses nascimentos ocorre em países
imperial saquearam e devastaram Roma e trespassa- de menos recursos – incluindo, claro, os da América
ram oito mil de seus habitantes na espada. Latina. Contraditoriamente, os países mais prósperos
Não quero incorporar as ilusões de Tonio Kröger, cujos se realizaram acumulando poderes de destruição, com
sonhos de unir um casto norte a um sul apaixonado força o bastante para aniquilar, num total de cem vezes,
foram exaltados aqui, há 53 anos, por Thomas Mann. não apenas todos os seres humanos que já existiram
Mas realmente acredito que aqueles europeus escla- até hoje, mas também todos os seres vivos que um dia
recidos que lutaram, inclusive aqui, por um lar mais respiraram neste planeta infeliz.
justo e humano pudessem nos ajudar muito melhor se Em um dia como hoje, meu mestre William Faulkner
reconsiderassem sua maneira de nos ver. disse: “Eu me recuso a aceitar o fim da humanidade”. Não
A solidariedade com nossos sonhos não vai nos fazer seria digno de mim estar num lugar em que ele esteve
menos solitários, enquanto isso não for traduzido em se eu não tivesse plena consciência de que a tragédia
atos concretos de apoio legítimo às pessoas que aceitam colossal que ele se recusou a reconhecer, 32 anos atrás,
a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo. é agora, pela primeira vez desde o começo da humani-
A América Latina não quer, nem tem qualquer razão dade, nada além de uma simples possibilidade científica.
para querer, ser massa de manobra sem vontade Cara a cara com esta realidade horrenda que pode
própria; nem é meramente um pensamento desejoso ter parecido uma mera utopia em toda a existência
824-4
6 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
humana, nós, os inventores das fábulas, que acreditamos em qualquer coisa, nos sentimos inclinados a acreditar que
ainda não é tarde demais para nos engajarmos na criação da utopia oposta.
Uma nova e avassaladora utopia da vida, onde ninguém será capaz de decidir como os outros morrerão, onde o amor
provará que a verdade e a felicidade serão possíveis, e onde as raças condenadas a cem anos de solidão terão, finalmente
e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a Terra.
Passados quase trinta anos desse formidável retrato histórico da nossa gênese social, houve uma mudança na
estrutura da composição demográfica da população, mas será que houve uma alteração na forma como vivemos em
nossas sociedades latino-americanas?
O que se percebe, atualmente, é uma tendência à redução do crescimento vegetativo da população no planeta. Por
essa razão, alguns autores não utilizam mais o termo “explosão demográfica” para definir o alto crescimento da popu-
lação ao longo do século XX, mas sim “transição demográfica”, pois esse foi um período em que a queda nas taxas de
mortalidade não foi acompanhada pela queda nas taxas de natalidade, o que só está ocorrendo agora.
Todavia, não deixamos de crescer. Há, em certos casos, um crescimento vegetativo negativo, em especial, em alguns
países do continente europeu, mas o número de pessoas no mundo continua a aumentar. A estimativa de organismos
internacionais é de que seguirá em crescimento.
POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Esse alto índice de crescimento da população nos últimos dois séculos deveu-se principalmente aos processos de
revoluções industriais, quando a maior parte da população passou a morar nas cidades.
Contudo, em um primeiro momento, a maior parte das populações das cidades em países desenvolvidos vivia em
condições precárias, o que contribuía para os elevados índices de taxas de mortalidade. Como a redução dessa mor-
talidade só veio a ocorrer no século XX, observou-se, então, um aumento sem precedentes da população, o que pode
ser considerado algo momentâneo. Vale lembrar que esse mesmo processo está em ocorrência nos países subdesen-
volvidos, de maneira tardia.
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que, em 2050, a população mundial atingirá 9,2 bilhões
de pessoas, um crescimento pouco maior que 30% em relação a 2010. Ou seja, considerando que a população dobrou
(cresceu 100%) em 37 anos durante o século XX, percebe-se que a tendência agora não é mais a mesma.
Mesmo com o crescimento menor da população nos próximos anos, ainda existe certo alarmismo no que diz respeito
à disponibilidade de recursos e condições para a manutenção desse contingente de pessoas.
É preciso lembrar que os avanços tecnológicos continuam acontecendo e, principalmente, que o grande problema dos
casos de fome e de falta de recursos no mundo não está na quantidade de riquezas disponíveis, mas na distribuição e,
sobretudo, nas escolhas políticas dos Estados e das empresas.
8 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
O Brasil apresenta uma situação geográfica bastante À medida que os países vão se “desenvolvendo”, o
expressiva, propícia para falarmos sobre dinâmicas formato de pirâmide tende a se desfazer, indicando uma
vegetativas. queda nas taxas de natalidade e de mortalidade. Em ou-
tras palavras, conforme um país se “desenvolve” ou deixa
Entre 1940 e 1996 a população brasileira cresceu de permitir que sua população padeça sem hospitais ou
cerca de quatro vezes, passando de 41 236 315 para saneamento ambiental, ela vai ficando mais idosa.
151 079 573. As regiões Norte e Centro-Oeste aumen-
taram progressivamente sua participação no total Esperança de vida no Brasil
nacional, do qual a primeira representava 3,9% em (de 2000 a 2015)
1940, 4,4% em 1970 e 7,2% em 1996, e a segunda Ano Idade
significava 2,7%, 4,9%, e 6,7% nesses mesmos anos.
2000 69,83
Essa participação relativa diminuiu no Nordeste, que
passava de 35% em 1940 para 28,5% em 1996, e no 2001 70,28
Sudeste, ao qual corresponde 44,5% em 1940 e 42,7%
2002 70,73
em 1996. Já o Sul passa de 13,9% para cerca de 15%
em 1996. Trata-se, de modo geral, de um processo de 2003 71,16
interiorização do povoamento. 2004 71,58
Em números brutos, a evolução demográfica é posi-
2005 71,99
tiva em todas as regiões do país. Entre 1940 e 1991, a
população brasileira mostra uma taxa de crescimento 2006 72,39
de superior a 25% em cada decênio.
2007 72,77
POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aula 12
80- 80-
75-79 75-79
70-74 70-74
65-69 65-69
60-64 60-64
55-59 55-59
50-54 50-54
45-49 45-49
40-44 40-44
35-39 35-39
30-34 30-34
25-29 25-29
20-24 20-24
15-19 15-19
10-14 10-14
5-9 5-9
0-4 0-4
homens mulheres homens mulheres
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo
Demográfico de 1980, 1991, 2000 e 2010 e Contagem da População 1996.
Pirâmide etária brasileira (1990)
80-
Houve, do mesmo modo, um considerável incremento
75-79 da população idosa de 70 anos ou mais de idade. Em
70-74 1999, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
65-69
(Pnad) apontava um total de 6,4 milhões de pessoas
60-64
55-59 nessa faixa etária (3,9% da população total), enquanto
50-54 em 2009 a população atingiu um efetivo de 9,7 milhões
45-49 de idosos, correspondendo a 5,1%.1
40-44
A comparação do número de anos que uma pessoa
35-39
30-34 esperaria viver – indicador muito utilizado para verificar
25-29 o nível de desenvolvimento dos países – mostra que
20-24
as pessoas que nascem na América do Norte têm a
15-19
10-14 possibilidade de viver pelo menos até os 79,7 anos de
5-9 idade, enquanto aquelas que nascem na África têm uma
0-4 expectativa de vida de apenas 55,0 anos, o que acarreta
homens mulheres
uma diferença de quase 25 anos.
Segundo estimativas das Nações Unidas, o brasileiro
Pirâmide etária brasileira (2000) apresenta em torno de 72,9 anos de esperança de vida.2
80-
75-79
70-74
Qual a relação entre a idade média
65-69
60-64 das populações e o cofre dos
55-59 Estados?
50-54
45-49
40-44 Não é benéfico para qualquer país ser muito jovem ou,
35-39 muito menos, ser muito idoso. Se a população é muito
30-34 nova, isso significa um dispêndio do Estado quanto ao
25-29
custo de escolarização e saúde preventiva (vacinação).
20-24
15-19 Já se a população é idosa, isso significa um maior custo
10-14
5-9 1
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais:
0-4 uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
824-4
p. 28.
homens mulheres 2
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, op. cit., p. 33.
10 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
de previdência social e de gastos ligados ao tratamento Mas o que significa viver melhor? Em linhas gerais, viver
de doenças crônicas. melhor é ter acesso garantido aos bens universais: saú-
A maior parte da população economicamente ativa de, educação, cidadania, liberdade, alimentação, cultura,
(PEA) brasileira está situada em faixas intermediárias de
moradia, emprego e transporte.
idade. No Brasil, as taxas médias de fecundidade (número
de filhos por mulher) vêm declinando, como vimos. O termo bens universais foi criado por estudiosos
Nos dias correntes, o declínio das taxas de crescimento das áreas biológicas que afirmavam que, para a hu-
vegetativo e o aumento da expectativa de vida promovem manidade seguir existindo, era necessário o mínimo
uma acelerada transformação na composição etária da de bens, como a água, florestas, diversidade na fauna
população. e na flora, entre outros.
É correto afirmar que vem ocorrendo um aumento
da participação de pessoas em idade produtiva (15 a Cientistas sociais tomaram esse termo e o amplia-
59 anos) e dos idosos (60 anos ou mais), ao mesmo ram, ao considerar que a sociedade, para continuar a
tempo que vem diminuindo o número relativo de jovens existir, necessitaria também de um mínimo de bens uni-
entre 0 e 14 anos. versais, como cultura, liberdade, educação, saúde etc.
Tal mudança no comportamento demográfico permite
que as três esferas do Estado – municípios, estados e
União – estabeleçam planos de investimento público Quando tratamos sobre migração, vale ressaltar que nem
nas áreas de saúde e educação que tendem a ser mais sempre ela tem um viés negativo. Migrantes internacionais
favoráveis do que na década de 1970, por exemplo. que vão para outros países para estudar, ocupar vagas em
Assim, taxas de natalidade muito altas, por exemplo,
empresas etc. também são uma realidade no mundo atual.
diminuem a média de idade, sobrecarregando econo-
micamente a população adulta, fato que se intensifica
quando os investimentos em educação e saúde públicas Mas um migrante, afinal, pode
são baixos.
ser um cidadão de outro país?
Quando a população envelhece, com o aumento da
expectativa de vida, e ocorre a diminuição brusca das
taxas de natalidade, há novamente um sobrepeso sobre a Nesse caso, o debate será mais longo. Cada país tende
PEA, uma vez que são os impostos pagos por essa popu- a assumir certa postura diante dos fluxos internacionais
lação que manterão a previdência. Essa discussão, porém, de migrantes, a partir dos valores que tem e também
precisa ser permeada por um debate ético e, muitas das por meio de certas condições materiais de que dispõe.
vezes, torna-se um debate exclusivamente contábil.
Os fluxos populacionais, internos e internacionais, foram
Os aposentados já contribuíram para a previdência.
incrementados a partir do desenvolvimento dos sistemas de
Não lhes é nenhum favor concedido o pagamento digno
da aposentadoria. Isso significa dizer que seus direitos transporte (rodoviário, hidroviário, ferroviário e aéreo) e da
previdenciários não lhes pode ser negado. produção de sistemas de telecomunicações e de localiza-
É preciso encontrar sempre um ponto de equilíbrio ções. Todos esses conjuntos de objetos tendem a oferecer
entre o nível da população, que deve preferencialmente uma maior mobilidade potencial e relativa às pessoas.
se manter como adulta, ou seja, nem muito velha nem
muito jovem, como é o caso da população brasileira na Em primeiro lugar, a mobilidade depende da capa-
atualidade. cidade dos indivíduos para arcar com os custos dela.
Em segundo lugar, a mobilidade está atrelada à
maneira pela qual um indivíduo será recebido em
Fluxos migratórios globais outro Estado: será para vender sua força de trabalho
por meio de atividades que exigem força física ou
Por que as pessoas migram? Tranquilamente podería- seu trabalho intelectual?
mos dizer que migram porque desejam viver melhor ou, A forma como um indivíduo se insere na divisão
interna do trabalho dentro do país de origem tende a
em outros termos, ter mais oportunidades de consumos
ser reproduzida na divisão do trabalho agora externa.
amplos, formação e infraestrutura.
824-4
POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aula 12
A partir de dados da Organização das Nações Unidas (ONU),1 aproximadamente 244 milhões de pessoas viviam fora
do seu país de origem no ano de 2015, seguindo a tendência de um crescimento no número de migrantes.
Em 2010, esse número era de 222 milhões em todo o mundo. E, em 2000, esse número era de um pouco mais
de 173 milhões.
Cerca de dois terços dos migrantes internacionais vivem, hoje, na Europa ou na Ásia. Segundo dados de 2015 da ONU,
dois terços dos migrantes internacionais vivem em cerca de vinte países diferentes.
O maior número de migrantes, 47 milhões, reside nos EUA. Alemanha e Rússia, respectivamente, são o se-
gundo e o terceiro países com maior absorção de população migrante.
Os migrantes são provenientes, segundo os dados da ONU de 2015, da Ásia (43%), seguida da Europa (25%) – lembrando
que a Europa tem uma significativa taxa de migração entre os países do bloco da União Europeia –, da América Latina
e do Caribe (15%), além dos países do continente africano (14%).
FINLÂNDIA
SUÉCIA
NORUEGA
OCEANO ATLÂNTICO
ESTÔNIA RÚSSIA
Mar do
Mar
LETÔNIA
Norte DINAMARCA Báltico
IRLANDA LITUÂNIA
KALININGRADO
(RÚS.)
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MAGREB
As flechas indicam os fluxos de população que migram de seus países de origem para aqueles onde acreditam haver
melhores condições de trabalho e materiais.
824-4
1
Disponível em: un.org/en/development/desa/population/migration/publications/migrationreport/docs/MigrationReport2015_Highlights.pdf. Dados de 2015. Acesso em: maio 2016.
12 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
No que se refere à migração, alguns dados são indica- Organização para a Cooperação e Desenvolvi-
dores de situações geográficas. Veja estes dados para mento Econômico (OCDE), em comparação com
incrementar suas análises, obtidos da ONU: 12 milhões em 1990.
— Os indivíduos com habilitações no nível do ensino
— Os migrantes internacionais somavam 191 mi-
superior eram responsáveis por cerca de metade
lhões em 2005; em 2017, esse número já era de
do aumento do número de migrantes com idade
244 milhões.
superior a 25 anos, nos países da OCDE, nos
— Aproximadamente um terço vive em um país em
anos 1990.
desenvolvimento e é oriundo de outro país em
— Cerca de seis a cada dez migrantes com um
desenvolvimento, enquanto outro terço vive em
nível de instrução elevado que viviam na OCDE,
um país desenvolvido e procede de um país em
em 2000, eram oriundos de países em desen-
desenvolvimento. Ou seja, os migrantes “Sul-Sul”
volvimento.
são quase tão numerosos como os migrantes
— Entre 33% e 55% da população com elevado nível
“Sul-Norte”.
de instrução de Angola, Burundi, Gana, Quênia,
Em 2005, a Europa acolheu 34% do total de migrantes;
Ilhas Maurício, Moçambique, Serra Leoa, Uganda
a América do Norte, 23%, e a Ásia, 28%. Apenas 9% e República Unida da Tanzânia vive em países da
viviam na África, 3%, na América Latina e no Caribe, e OCDE. Essa porcentagem é ainda maior, rondando os
3%, na Oceania. 60%, no caso de Guiana, Haiti, Fiji, Jamaica e Trinidad
— Cerca de seis em cada dez migrantes internacio- e Tobago.
nais (um total de 112 milhões) residem em países
Sobre a economia de remessas de dinheiro:
considerados de “elevado rendimento”. Mas entre
— As remessas enviadas pelos migrantes aos paí-
esses países de “elevado rendimento” figuram 22
ses de origem aumentaram de 102 bilhões de
países em desenvolvimento, como Bahrein, Bru-
dólares em 1995 para um valor estimado em
nei, Kuwait, Catar, Coreia do Sul, Arábia Saudita,
232 bilhões de dólares em 2005.
Cingapura e os Emirados Árabes Unidos.
— As remessas enviadas para os países em desen-
— Cerca de metade dos emigrantes do mundo são
volvimento também aumentaram, de 57% em
mulheres. Nos países desenvolvidos as mulhe-
1995 (58 bilhões de dólares) para 72% em 2005
res migrantes excedem em número os homens
(167 bilhões de dólares).
migrantes.
— Os principais países beneficiários representavam
— Em 72 países, o número de migrantes diminuiu
66% das remessas mundiais em 2004. Apenas oito
entre 1990 e 2005. Dezessete países conheceram
entre eles eram países desenvolvidos. Um terço
um aumento de 75% do número de migrantes du-
das remessas mundiais destinou-se a apenas
rante esse período – os Estados Unidos receberam
quatro países: por ordem decrescente, em função
15 milhões de migrantes, e a Alemanha e a Espa-
do montante total recebido, foram a Índia, a China,
nha, mais de 4 milhões cada uma.
o México e a França.
— Entre 1990 e 2005, foram levados a cabo, tanto em
— As remessas constituem uma parte importante do
países desenvolvidos como naqueles em desen-
produto interno bruto em apenas dois dos principais
volvimento, pelo menos 35 programas para que o
países beneficiários: Filipinas e Sérvia e Montenegro.
estatuto de migrantes que se encontravam numa
A maioria dos vinte países em que as remessas repre-
situação irregular fosse alterado, de forma a estar sentam pelo menos um décimo do PIB são pequenos
em conformidade com as leis nacionais. Graças a em desenvolvimento.
isso, pelo menos 5,3 milhões de migrantes viram
a sua situação ser regularizada. CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS.
Sobre a migração de trabalhadores qualificados:
Departamento de Assuntos
— Em 2000, 20 milhões de trabalhadores migrantes Econômicos e Sociais.
com habilitações no nível do ensino superior e Adaptado de: unric.org/pt/actualidade/2932.
idade de 25 anos ou mais viviam em países da Acesso em: jun. 2016.
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POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Algumas parcelas da população de países de renda No entanto, há diferenças nas regiões do mundo: na
média ou baixa tendem a migrar para países de renda Europa, na América do Norte e na Oceania, os migrantes
alta. Esse fluxo de pessoas acaba por gerar um fluxo de são pelo menos 10% da população; na África, na Ásia, na
dinheiro intercontinental ou transnacional.
América Latina e no Caribe, menos de 2% são estrangeiros.
Os mecanismos de envio de dinheiro são diversos: des-
Segundo a ONU, em 2015, dois em cada três migrantes
de empresas globais financeiras, passando por grupos de
internacionais viviam na Europa ou na Ásia. Cerca de
pessoas associadas para envios e até mesmo formas
metade dos migrantes nasceu na Ásia.
de trocas pessoais, como amigos, conhecidos e familiares.
Índia e México são os países que têm as maiores
O destino desses recursos são as famílias que ficaram
diásporas do mundo. Vale afirmar que 16 milhões de
nesses países de origem.
pessoas nascidas na Índia moram atualmente em ou-
Segundo o Programa das Nações Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD),2 estima-se que os somalis, por tros países, enquanto no México esse número cai para
exemplo, recebem 1,6 bilhão de dólares anuais enviados 12 milhões. Rússia, China, Bangladesh, Paquistão e
por parentes na Europa e nos Estados Unidos. Ucrânia seguem em ordem na lista quanto ao número
de cidadãos vivendo no estrangeiro.
(9,6 bilhões).
Quanto à recepção, em 2014, cerca de um terço, ou
36,5 bilhões de dólares, das remessas da Europa foram
para dezenove países dos Bálcãs e da Europa Oriental,
incluindo dez Estados-membros da União Europeia. Os
dois terços restantes, ou seja, 72,9 bilhões de dólares,
foram para cerca de cinquenta países “em desenvolvi-
mento” fora do continente.
O número de migrantes internacionais aumentou mais
rápido do que o crescimento da população, de acordo
com as Nações Unidas.
Barco de refugiados de conflitos civis em países como
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14 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Atualmente, há 35 milhões de migrantes globais com A migração é abordada mais do ponto de vista jurí-
idade inferior a 20 anos e 40 milhões entre as idades de dico e econômico que de uma perspectiva ética
20 e 29. Em conjunto, representam mais de 30% de todos e humanitária, sobretudo no que diz respeito aos
os migrantes do mundo, e as mulheres são responsáveis refugiados, que são o extremo desse quadro.
por cerca de metade deles. Embora as migrações estejam presentes no mun-
As mulheres, algumas vezes, são colocadas em situa- do desde os primórdios das Grandes Navegações,
ções de venda de sexo e drogas. Jovens homens podem passando pelos colonialismos, o comércio das Índias,
vir a ser usados por grupos também para atividades as grandes guerras e outros momentos históricos,
criminosas. atribui-se a elas um ar de novidade do presente, talvez
Os dados relativos a essas realidades não estão nos es- ampliado pelo volume de pessoas em deslocamento
tudos, afinal, como, sendo um pesquisador, entrar nesse em busca de asilo.
universo? Mas a realidade existe e devemos comunicá-la De certo modo, as migrações são o resultado de uma
se quisermos transformá-la. tentativa de equalização de desarmonias ou convulsões
Essas situações extremas nem sempre são regras. São sociais em partes diferentes do planeta. Nesse sentido,
possibilidades dentro de um amplo universo que, embora
falamos da chamada migração forçosa, e não da espon-
não sejam maioria, devem ser consideradas.
tânea – termo discutível de todo modo –, como a “fuga
Se a juventude migrante pode enfrentar situações
de cérebros”.
de mais exposição aos riscos de diferentes naturezas,
Do lado de quem recebe, o primeiro impacto reside
também é certa a capacidade de adaptação dos jovens
no medo diante da possibilidade de o outro ser um
migrantes, concomitante ao fato de se instalarem muito
competidor e representar um novo modo de agir, uma
cedo em outras nações, tendendo a renovar a cultura
nova imbricação no universo dos signos e da cultura já
em médio e longo prazo nos lugares que os receberam.
estabilizados. O homem resiste às mudanças.
Em especial, os países do Norte rico, convencidos como
estão de sua condição material e hegemonia cultural,
Uma pequena reflexão de esquecendo-se de seus passados recentes de horrores
fechamento e cataclismos sociais (EUA, com o genocídio das popu-
lações nativas e guerras civis; a Europa, com as guerras
O tema da migração é um problema bastante complexo civis e os regimes fascistas do começo do século XX),
porque é também extremamente amplo. A migração em resistem, hoje, às ondas migratórias, como a dos mexi-
geral é tratada em nossa sociedade contemporânea como canos nos EUA ou a dos norte-africanos e a dos cidadãos
um fato policial, e não como uma crise aguda civilizatória. do Leste Europeu na Europa ocidental.
EXERCÍCIO
As pessoas tendem a fugir quando sentem que suas vidas e comunidades estão sob risco. Assim, uma grande movi-
mentação de populações pode ser um sinal de alerta para a ameaça ou a concretização de um genocídio.
A partir da análise do texto e da compreensão de como a globalização tem gerado transformações econômicas,
políticas, sociais e culturais que alteram a dinâmica espacial das diferentes regiões do mundo contemporâneo,
afirma-se que:
a) o sucesso moral quanto à ajuda aos judeus e a outros grupos étnicos e religiosos que já fugiam da perseguição
nazista antes da Segunda Guerra e a necessidade de lidar com as muitas pessoas deslocadas, sem ter para onde
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retornar, após a Guerra, explicam a expansão dos campos de refugiados no atual contexto de globalização mundial.
16 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
b) a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados classifica a situação desse grupo como respon-
sabilidade dos governos locais, daí as organizações dos direitos humanos serem desfavoráveis à determinação de
políticas internacionais para resolver os problemas gerados pelos refugiados.
c) no contexto da globalização, refugiados são todas as pessoas que vivem em áreas periféricas de seus países e temem
serem perseguidas por motivos étnicos, religiosos, de nacionalidade, de grupos sociais ou opiniões políticas e, por
isso, temem valer-se da proteção de seu país de origem, necessitando da ajuda das organizações internacionais.
d) a quantidade e a magnitude das crises de refugiados em todo o mundo – assim como a expectativa por ajuda –
geralmente são menores do que a capacidade da comunidade internacional em auxiliar, o que explica o crescente
número de refugiados concentrados em diversos locais do espaço geográfico mundial.
e) sempre que as populações correm risco, existem aqueles que tentam fugir para países mais seguros, porém os
problemas relativos às respostas adequadas quanto à proteção dos direitos dos refugiados, tais como lugares se-
guros para viver e o fornecimento de ajuda em momentos de grande desordem mundial, são sempre garantidos.
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
Para aprofundar a análise a partir de indicadores demográficos, use a percepção sobre a composição da população
hoje no Brasil: quantos casais que você conhece têm mais de dois filhos? Quais as razões que esses casais apresentam
para decidir manter apenas dois filhos, e não sete, como há quatro gerações?
Não deixe de pensar no impacto disso na sociedade global. O que significa para um país ter uma sociedade com
menos filhos por casal?
Bons estudos!
EXERCÍCIOS
1. (UFRN) Para a explicação do crescimento da população e de sua relação com o desenvolvimento, algumas teorias
foram formuladas: malthusiana, reformista e neomalthusiana. Os adeptos da teoria reformista
a) consideram que o rápido crescimento demográfico exerce pressão sobre os recursos naturais, sendo um sério risco
para o futuro da humanidade.
b) defendem a necessidade de reformas socioeconômicas que permitam a elevação do padrão de vida da população.
c) defendem que o alto crescimento demográfico é causa da pobreza generalizada, sendo imprescindíveis reformas
políticas rígidas de controle da natalidade.
d) consideram o descompasso entre a população e os recursos necessários para sua sobrevivência como causa para
a existência da miséria do mundo.
2. (UFPE) Um estudo sobre a dinâmica e a distribuição da população de uma determinada área é realizado a partir
do conhecimento e da compreensão dos seus indicadores demográficos. Em relação a alguns desses indicadores,
analise as proposições abaixo.
( F ) A densidade demográfica é obtida a partir da divisão da superfície territorial de um lugar pela sua população
absoluta.
( F ) O crescimento vegetativo é calculado com base nas taxas de natalidade, mortalidade e migração.
( V ) O superpovoamento de uma área não é identificado apenas pela densidade demográfica, mas também pelas
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POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aula 12
4. (Fatec) A análise da atual pirâmide etária brasilei- 6. (Ufscar) Leia o texto seguinte, sobre a questão das
ra permite afirmar que houve um estreitamento da migrações internacionais e dos refugiados.
base e um alargamento do topo, demonstrando
I. a diminuição das taxas de natalidade. Em relação ao passado, há pelo menos três fatores
II. o aumento das taxas de mortalidade infantil. que modificaram a abordagem sobre a temática dos
III. o aumento da expectativa de vida. refugiados: o fim da Guerra Fria, os atentados de 11
IV. o aumento das taxas de fecundidade. de setembro e o acirramento dos fluxos migratórios
internacionais [...]. A queda do Muro de Berlim reduziu
Estão corretos os itens:
as razões ideológicas que estavam na origem do com-
a) I e II.
promisso de alguns países em abrigar refugiados e refu-
b) I e III.
giadas. Por sua vez, os atentados das Torres Gêmeas de
c) I e IV.
Nova York provocaram um endurecimento das políticas
d) II e III.
e) II e IV. imigratórias, inclusive aos solicitantes de proteção
internacional. Finalmente, a intensificação dos fluxos
migratórios, além de exacerbar medos e preconceitos
5. (FGV-SP) xenófobos, contribui para dificultar os procedimentos
de determinação da condição de refugiados.
As discussões sobre a migração começam tipica-
mente com uma descrição dos fluxos entre países em Marinucci, R.; Milesi, R.
desenvolvimento e países desenvolvidos, ou aquilo Migrações internacionais contemporâneas.
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18 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
O texto faz referência à questão dos refugiados e e mortalidade, de imigração e emigração, os níveis
das migrações internacionais. Sua leitura permite- de ocupação, entre outros, são fundamentais para
-nos afirmar que: a análise dos fatos e para projetar futuros possíveis.
a) a queda do muro de Berlim e o atentado das Torres Os números sobre as composições etária e sexual
Gêmeas de Nova York, por terem a mesma motivação são importantes para se verificar tendências, que
ideológica, provocaram o endurecimento na conces- podem – ou não – ocorrer. Dados sobre a mortalidade
são de asilo a refugiados. necessitam da idade e da causa da morte; esses fatos
b) o compromisso de alguns países em abrigar refu- são importantes para se analisar a situação existente
giados durante a Guerra Fria decorria da orientação no país. De pouco ou nada valem somente os dados
político-ideológica, por isso as concessões de abri- de morte em tal ano, se não acompanhados de outros
go ocorriam entre os países de um mesmo bloco aspectos, pois se está assim fornecendo o número de
político-ideológico. mortes naquele ano e mais nada.
c) os preconceitos xenófobos contra refugiados decor-
rem do fato de que estes têm sido responsabilizados CAMPOS, Rui Ribeiro de.
por ataques terroristas recentes, ocorridos em países Aspectos demográficos na obra de Josué de Castro.
receptores de migrantes. In: Mercator, v. 8, n. 17, set./dez. 2009.
d) o aumento do fluxo migratório, baseado sobretudo Disponível em: mercator.ufc.br/index.php/
mercator/article/viewFile/274/248.
em razões de ordem econômica, fez endurecer as
Acesso em: 8 jun. 2016.
políticas de recepção, o que acaba se refletindo na
redução de concessões de asilo a refugiados.
e) com o fim da Guerra Fria e a redução dos conflitos
NAVEGAR
armados, quase não há populações na condição
de refugiados, e sim migrantes econômicos que se
“disfarçam” de refugiados para entrarem legalmente Vídeos
em outros países.
Acnur: um mundo em crise
Disponível em: youtube.com/watch?v=Ge6PclH_lXg.
7. (Mackenzie) Neste país, aproximadamente 30% dos
Acesso em: maio 2016.
filhos de estrangeiros são descendentes de um de-
Um recorde desde a Segunda Guerra Mundial: há atual-
terminado grupo de imigrantes, somando mais de
mente mais de 60 milhões de refugiados, requerentes de
sete milhões de pessoas. Eles já são a metade
asilo e pessoas deslocadas internamente no mundo. “O
de todos os imigrantes constantes deste país e tam-
número de pessoas deslocadas por conflitos em todo o
bém a maior parcela dos imigrantes ilegais. Talvez
mundo todos os dias quadruplicou: de quase 11 por dia
por isso, a violência, o abandono e a perseguição
em 2010 para 42 500 por dia no ano passado”, alertou o
aguardam os que ainda tentam entrar pelos quase
alto comissariado da ONU para Refugiados.
4 mil quilômetros de fronteiras.
O texto aborda a situação atual dos imigrantes Migrantes: promovendo a tolerância e desmentindo
a) turcos na Alemanha. mitos
b) mexicanos nos Estados Unidos. Disponível em: youtube.com/watch?v=ZhrVobgja70.
c) brasileiros em Portugal. Acesso em: maio 2016.
d) argelinos na França. Para marcar o Dia Internacional dos Migrantes e o Dia
e) paquistaneses na Inglaterra. dos Direitos Humanos, o Escritório de Direitos Humanos
da ONU realizou no final de 2015 um painel para ouvir
migrantes de todo o mundo – suas vozes, desafios e pe-
didos por tratamento justo. “Pesquisas mostram muito
RODA DE LEITURA
claramente que migrantes acrescentam mais para os
cofres públicos por meio de impostos e contribuições
O número de pessoas, por si só, não é um dado sociais do que recebem em benefícios”, lembra o alto
significativo. É necessário saber se estão bem ou comissário da ONU para os direitos humanos, Zeid
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POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aula 12
Filme [...]
Ser de si mesmo é, sempre, chegar a ser esse outro
Fogo no mar que somos e que levamos escondido no nosso interior,
Direção: Gianfranco Rosi. Itália, mais que nada como promessa ou possibilidade de ser.
França, 2016.
PAZ, Octávio.
Uma ilha ao sul da Itália passa
El laberinto de la soledad. 3. ed. p. 15, 29 e 188.
a ser o lugar de um novo emba-
México: FCE, 1999.
te civilizatório, envolvendo os
Tradução livre: Villy Creuz.
refugiados de países do norte
IMOVISION
da África que buscam entrar na
Europa.
ÁGORA
20 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
Em um mundo em movimento de populações como vimos, quais as mudanças que ocorrem no planeta?
Quer dizer, qual a dinâmica do biosfera do globo?
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POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL – AULA 13
THE SUN, 1911-16 (OIL ON CANVAS), MUNCH, EDVARD
(1863-1944)/UNIVERSITY OF OSLO, NORWAY
Biosfera terrestre
O conhecimento do mundo e a expansão do mundo conhecido, chamado de ecúmeno, combinados com a explosão
de novas técnicas de produção de bens e serviços, formas de consumo, produção de formas de energias nucleares, bem
como com a vida política (relação interna dos Estados e externas entre eles) e a vida social nos territórios (aumento da
extensão e da densidade das cidades), entre outros, mudaram a maneira como o homem utilizava e segue utilizando
os espaços geográficos, além de sua relação com o movimento da vida biológica (fauna e flora), geológica e pedológica,
climática e hídrica.
Como afirma Max Sorre em seu clássico livro, Fundamentos biológicos da geografia humana (1955, p. 11), “Há de
ressaltar que a espécie humana é uma espécie social no sentido que os naturalistas dão a essa denominação. Este
caráter se manifesta em seu mais alto grau nas aglomerações urbanas. É impossível que não influa sobre os dados do
problema ecológico”.
NASA-JSC
0016
22 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL
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POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aula 13
O avanço da ocupação humana sobre os mais diversos ecossistemas causa um desequilíbrio ecológico.
Os seres vivos e o ambiente estabelecem uma interação dinâmica, porém frágil. O grande dilema das sociedades
modernas é conciliar o desenvolvimento tecnológico e a carência cada vez maior de recursos naturais com o equilíbrio
da biosfera.
A camada da biosfera é mantida por elementos encontrados na atmosfera, na litosfera e na hidrosfera. Essas quatro
camadas são formadas por elementos sólidos, líquidos, gasosos e biológicos.
A biosfera traz à tona a necessidade de se pensar sobre a existência de um princípio relacional dos fenômenos, isto
é, parte dos ambientes da terra que se relacionam entre si são relativamente interdependentes quando fazemos uma
análise, mas a modificação de um deles provoca alteração nos demais e no conjunto.
Orogênese e epirogênese – ou, simplesmente, orogenia e epirogenia – são tipos de classificação dos movimentos
tectônicos. Tal classificação foi realizada para que fosse possível entender os processos gerados pelo tectonismo,
haja vista que este fenômeno pode apresentar diferentes comportamentos, tempos de duração variados e resul-
tados distintos.
Quando os movimentos internos da Terra são de curta duração (sob o ponto de vista geológico) e caracterizam-se
pelo choque entre duas placas tectônicas distintas, dá-se o nome de orogênese, ou movimentos orogênicos. Este
processo costuma ocorrer em formações geológicas recentes e instáveis.
Estruturas geológicas
24 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL
Dobramentos modernos
Os dobramentos modernos se encontram em áreas que apresentam conhecidas cadeias montanhosas, como a Cor-
dilheira dos Andes, a oeste da América do Sul; as Montanhas Rochosas, na América do Norte; os Alpes, na Europa; e a
Cordilheira do Himalaia, na Ásia.
—— Terrenos mais recentes;
—— Origem no entrechoque de placas em recentes acomodações tectônicas;
—— Instáveis, com intensa atividade sísmica e vulcânica;
—— Andes, montanhas rochosas e serra nevada; himalaia, atlas e alpes.
Bacias sedimentares
AVITS
O L
Crátons
S
Dobramentos
14 000 km
Os dobramentos modernos são áreas de formação recente, originados pela elevação do terreno, em decorrência do
choque de placas tectônicas em permanente acomodação.
O Brasil, em especial, possui uma formação geológica antiga e, por isso, não apresenta esse tipo de estrutura geológica
nem sofre de abalos sísmicos intensos.
Bacias sedimentares
As bacias sedimentares, por outro lado, distribuem-se em diferentes partes do mundo, existindo também no território
brasileiro. Elas recobrem cerca de 75% da superfície terrestre e são caracterizadas pela sua formação na Era Paleozoica
(500 milhões de anos atrás), com a acumulação dos sedimentos gerados pelo desgaste das rochas em decorrência da
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POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aula 13
É nas bacias sedimentares que ocorre a possibilidade de haver acúmulo de petróleo, bem como a existência de fós-
seis, apesar de isso não ser algo determinante. Elas comumente se formam em áreas oceânicas e transformam-se em
continentes por causa da movimentação das placas tectônicas.
Processos de erosão
Processos de acumulação
Escudo
cristalino
Escudo
cristalino
Bacia
Bacia sedimentar
sedimentar
AVITS
Fonte: TEIXEIRA, Wilson; FAIRCHILD, Thomas Rich; TOLEDO, M. Cristina Mota de.; TAIOLI, Fabio. Decifrando a Terra. 2. ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009.
O termo sedimento vem do latim (sedis), que significa assento, deposição. Em uma tradução mais literal, seria o ma-
terial sólido que se deposita ou que se depositou. Os grãos de minerais ou fragmentos de rochas, geralmente causadas
pelo intemperismo, se depositam após terem recebido transporte da água, do vento ou de qualquer outro agente de
transportação natural.
As grandes cidades brasileiras estão situadas sobre bacias sedimentares, por serem regiões mais planas e com
mais rios caudalosos utilizados no abastecimento de água e hidroelétricas.
Não existem bacias sedimentares mais antigas que 700 milhões de anos, pois por todo esse tempo as placas
tectônicas se movimentaram, formando e reformando novos continentes; com isso, as bacias sedimentares trans-
formaram-se em regiões com rochas metamorfizadas.
Crátons
Os crátons, também conhecidos como escudos cristalinos e maciços antigos, são nomes dados aos seus dois subtipos.
A formação é a mesma dos dobramentos modernos; no entanto, são mais antigos e sofreram maior desgaste de agentes
externos (exógenos) que transformam os relevos. São os mesmos vetores que deram origem às bacias sedimentares.
Esse tipo de formação rochosa é tão antigo que contém as mais antigas rochas do planeta.
Crátons, em geral, costumam abranger áreas de planalto. No Brasil, eles recobrem, por exemplo, áreas como o Planalto
Central, o das Guianas e uma área de escudos da Amazônia (rica em minerais e que, por isso, vem sendo alvo de ofen-
sivas de empresas mineradoras, o que, a propósito, potencialmente coloca em risco a Floresta Amazônica Equatorial).
26 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL
O Brasil e a geomorfologia
Constantemente, diversas ações da natureza nos provam que a crosta terrestre, ou litosfera, possui um dinamismo
próprio e que, em muitos casos, ainda que o homem tenha toda a técnica, não consegue impedir certos eventos: vulcões
em atividade, abalos sísmicos, maremotos, entre outros. Esse dinamismo, próprio da litosfera, é alimentado por duas
forças que resultam em diferentes formas de relevo e de tipos de paisagem, ou seja, em diferenciações estruturais e
esculturais do meio.
As duas forças são denominadas de forças endógenas, ou internas, e forças exógenas, ou externas.
A força endógena ou interna é responsável pela formação estrutural do relevo. Segundo Jurandyr Ross, no livro Geo-
grafia do Brasil (1998), existem três grandes macroformas estruturais:
1. plataformas ou crátons;
2. cadeias orogênicas ou cinturão orogênico; e
3. bacias sedimentares.
As plataformas, ou crátons, são relevos rebaixados em que o processo erosivo atua de modo significativo. Tal macro-
forma estrutural data da Era Pré-Cambriana e suas idades estão entre 900 milhões e 4,5 bilhões de anos.
As cadeias orogênicas são os terrenos mais elevados da superfície terrestre e também são os mais recentes: datam de
entre o fim do Mesozoico e o início do Cenozoico. São gerados pelas atividades tectônicas, como dobramentos, falhas e
vulcanismos. Em geral, apresentam formação litológica variada e são as áreas mais instáveis da litosfera. Nessas áreas
ocorrem os principais sismos, já que são áreas de encontro de placas tectônicas, como já mencionado anteriormente.
Veja o mapa na página a seguir.
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POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aula 13
SLOVAKIA
BANGLADESH
COLOMBIA
LESOTHO
O L
S
AVITS
14 000 km
O Círculo de Fogo do Pacífico é formado por uma série de fossas geológicas encontradas no fundo do oceano,
onde são registrados alguns dos pontos mais profundos da crosta terrestre, como a Fossa das Marianas.
A formação dessa área está relacionada ao encontro de placas tectônicas, tornando a região repleta de terre-
motos e tsunamis.
O Círculo de Fogo é responsável por cerca de 90% dos abalos sísmicos e 50% dos vulcões existentes no planeta.
Os tremores de terra e vulcanismos resultam do encontro e da interação entre placas tectônicas. Essas atividades
geológicas atingem boa parte da área mais densamente povoada da Terra: a Ásia. Por esse motivo, muitas tragédias
nessa região são registradas, como o tsunami de 2004, que atingiu Tailândia, Indonésia e outros países, e o de 2011,
que atingiu a costa do Japão e provocou o acidente na Usina Nuclear de Fukushima.
As bacias sedimentares possuem como composição litológica predominante rochas sedimentares. Essa macroforma
estrutural representa 75% da superfície emersa da Terra. São denominadas de fanerozoicas, já que datam do Paleozoico,
Mesozoico e Cenozoico, providas de sedimentos marinhos, continentais e glaciais.
Orogênese e epirogênese
A força endógena é dividida em ativa e passiva. A ativa é responsável pelo soerguimento ou rebaixamento dos conti-
nentes (epirogênese) e pelos dobramentos das bordas dos continentes (orogênese), originando, por exemplo, o cinturão
orogênico andino.
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28 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL
EXERCÍCIO
As altitudes do relevo brasileiro são, em geral, modestas. O ponto mais alto do país não ultrapassa os 3 mil metros: o
pico da Neblina (2 993 m), perto da fronteira do Amazonas com a Venezuela. Cerca de 41% do território nacional tem,
no máximo, 200 m de altitude; 78% tem até 500 m; e 92,7% até 900 m de altitude.
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GEOGRAFIA GERAL aula 13
ESTUDO ORIENTADO
Caro(a) aluno(a),
O importante ao responder às questões ligadas à bioesfera é pensar na relação de dependência causal entre as coisas
e os seres. De certo modo, isso se conecta à ideia de que somos parte de uma totalidade, na qual elementos de uma
natureza apropriada pela sociedade é resultado e condição da vida tal qual a concebemos.
A partir dos apontamentos desta aula, considere os longos processos geomorfológicos na constituição do relevo e
entenda que este tem um processo demorado de desgaste. Dessa maneira, foque sua atenção no fato de que o desgaste
é a chave para a compreensão das formas e das estruturas do relevo.
Bons estudos!
EXERCÍCIOS
2. Os impactos ambientais geram problemas em todos os ecossistemas da Terra; portanto, parece-lhe correto afirmar
que o princípio de toda e qualquer ação é, antes, o princípio relacional entre todos os homens? Explique.
Os homens não vivem isolados. Nesse sentido, toda a ação é uma ação com impacto invariável a todos os demais. É o princípio de relação entre os homens o que conduz ao entendimento
contemporâneo de que a vida e o mundo são um só. Uma ação impacta todo seu entorno e a transformação desse entorno leva à mudança de um entorno ainda maior e, assim, em
sucessão de ocorrências, como ondas de transformações.
3. A estrutura geológica do Brasil é basicamente constituída por crátons (ou escudos cristalinos e maciços antigos) e
bacias sedimentares. Essas últimas são predominantes, ocupando cerca de 60% do território, o que pode indicar:
a) uma boa disponibilidade de combustíveis fósseis.
b) a predominância de áreas de planície.
c) a ausência de depressões relativas.
d) uma acentuada amplitude altimétrica.
e) a não existência de terras verdadeiramente férteis.
4.
Na verdade, a crosta terrestre está para a Terra na mesma proporção que a casca de um ovo está para o ovo.
ROSS, Jurandyr.
São Paulo: Edusp, 1996. p. 20.
variável.
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aula 13 GEOGRAFIA GERAL
III. A espessura da crosta é maior do que a estrutura do em discursos da sustentabilidade urbana, repletos de
núcleo, dados os movimentos internos e a intensa ideologias socialmente hegemônicas, em promoção da
pressão oriunda do interior do manto. cidade sustentável.
Quando o olhar se volta às reais situações em que
Assinale a alternativa correta. se encontra o mundo, o adjetivo sustentável perde a
a) Somente I. credibilidade, já que suas propostas não são compatí-
b) Somente II. veis e, muito menos, viáveis para a contínua vigência
c) I e II. do sistema capitalista. Por isso, parte-se da hipótese
d) I e III. de que as realidades socioespaciais contemporâneas,
e) Somente III. tanto globais quanto locais, fornecem argumentos
verdadeiros e suficientes sobre o caráter falacioso das
ofertas da sustentabilidade, termo tão disseminado e
aclamado na sociedade, pelos mais distintos agentes.
RODA DE LEITURA
TEODORO, Pacelli Henrique Martins.
O sofisma da sustentabilidade urbana.
O tema “sustentabilidade” ganhou força nos últimos In: Mercator. Fortaleza, v. 11, n. 24, p. 101-113,
anos. A partir da utilização dos recursos naturais, pró- jan./abr. 2012. Universidade Federal do Ceará.
Disponível em: www.mercator.ufc.br/index.php/
ximo ao colapso dos sistemas naturais, em razão da
mercator/article/viewFile/564/402.
produção de bens de consumo, é que vemos emergir
Acesso em: 26 jul. 2016.
um novo debate sobre a natureza que prega o termo
sustentabilidade. O termo refere-se àquilo que permite
ser possível sustentar a vida na sociedade em parâmetros
razoavelmente próximos ao que vivemos hoje. Mas, afinal, NAVEGAR
isso é exequível? Atente-se ao trecho do texto a seguir.
pitais. Para tanto, eles buscam sua legitimação objetiva explicam os processos que nela ocorrem?
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GEOGRAFIA GERAL aula 13
32 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL
S E N H A
O relevo é a base de tudo, mas a composição das coisas não existe sem outros elementos. Nesse
sentido, qual é a participação e os usos de água?
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GABARITO – GEOGRAFIA GERAL
Aula 12 Aula 13
1. b 1. 4-2-1-3
3. a
7. b
4. c
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GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 4
Aula 12 Aula 13
EXERCÍCIOS EXERCÍCIOS
1. c 1. c
Refugiados são aqueles que são perseguidos por moti- O texto aponta o fato de o relevo brasileiro apresentar
vos políticos, étnicos, religiosos, em conflitos armados, altitudes modestas, sendo, por isso, bastante antigo
e por outras causas que violem direitos humanos. e desgastado.
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