Você está na página 1de 170

Selene

A p o s t i l a do
Professor

Imagem Ilustrativa
FUNDAÇÃO

GG
Selene_final.indd 1 30/01/2020 16:32
GEOGRAFIA GERAL
SELENE 017

1 AULA

Aula Caderno 1
1 e 2 Existe ou não a verdade?
3 Os utópicos

Aula Caderno 2
4 e 5 Uma história de interesses / Cartografia, para quê?
6 e 7 As empresas transnacionais e o Estado-Nação / O espaço da fábrica e do trabalho

Aula Caderno 3
8 e 9 O fenômeno da urbanização e o desafio das grandes metrópoles / Geografia rural e
agrária / A produção de alimentos e a geografia da fome
10 e 11 Políticas públicas e sociais / Exclusão social e pobreza / Movimentos sociais

Aula Caderno 4
12 População mundial e explosão demográfica / Fluxos migratórios globais
13 Biosfera terrestre / Estrutura geológica e relevo
WALLINGTON HALL, NORTHUMBERLAND

Capitalismo, Socialismo
e Comunismo

GEOGRAFIA GERAL 1

16AT01GG_P5.indd 1 1/29/16 11:55 PM


GEOGRAFIA GERAL – AULAS 1 E 2

O que outrora se fazia “por amor


WALLINGTON HALL, NORTHUMBERLAND

a Deus”, hoje se faz por amor


ao dinheiro, isto é, daquilo que
hoje confere o sentimento de
poder mais elevado e a boa
consciência.
Friedrich Nietzsche, filósofo alemão.

Pirâmide da riqueza mundial soma da riqueza/patrimônio


do grupo social em dólares
0,7% têm acima de U$ 1 milhão
U$ 98,7 bilhões
7,7% têm entre
U$ 100 mil e U$ 1 milhão
U$ 101,8 trilhões

22,9% têm entre


U$ 10 mil e U$ 100 mil
U$ 33 trilhões

22,9% têm
menos de U$ 10 mil
U$ 7,3 trilhões

Divisão em % da população mundial por patrimônio/riqueza

Fonte: James Davies, Rodrigo Luberas e Anthony Shorrocks, da Credit Suisse 2013 Global Wealth.

Existe ou não a verdade? frequência ainda nas ciências sociais. Como em nosso
caso, a geografia.
Além disso, a ciência também não é neutra. Ela é pro-
Antes de tudo, nunca é demais deixar claro: não há
duzida por homens e mulheres inseridos na sociedade e
ideias absolutas para a ciência. Ela evolui e muda constan-
pertencentes a grupos ou classes sociais cujos interes-
temente. Por conseguinte, não há “o dono da verdade”. O
ses são diferentes e não poucas vezes antagônicos. Por
que existe são afirmações científicas verdadeiras até que
sejam produzidos novos conhecimentos que as superem, exemplo, os cientistas de uma indústria farmacêutica
substituindo-as ou complementando-as. Nesse sentido, podem ser impedidos de produzir determinados remédios
a verdade é relativa. Poderíamos dizer: a única verdade que colocariam fim a algumas doenças. Ou ainda podem
absoluta é que a verdade absoluta não existe. Esse en- ser obrigados a direcionar suas pesquisas em projetos
tendimento vale não só para as ditas ciências humanas e com maior prioridade financeira. Economistas ou cientis-
sociais, mas também para as chamadas ciências exatas. tas sociais que trabalham para associações empresariais
A solução de um teorema matemático considerada ver- não seriam muito incentivados a produzir estudos que
dadeira por séculos pode receber uma nova interpreta- demonstrem a defasagem dos salários ou más condições
ção. Em física chegamos a ter como “verdade científica” no ambiente de trabalho. É possível citarmos vários
que nosso belo planeta Terra era o centro do Universo. casos, mas nos basta alguns para evidenciarmos a não
Hoje sabemos que simplesmente não há um centro no neutralidade científica.
Universo e nem mesmo somos a principal referência de Outro detalhe importante: geografia e história são
821-1

0016

nossa galáxia. Essa evolução científica ocorre com mais ciências que caminham bastante juntas. Grosso modo,

2 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

podemos afirmar que a primeira cuida do espaço e a atribuímos valores à sociedade em que vivemos e isso
segunda, do tempo. E estes, espaço e tempo, não podem significa entendê-la. O problema não é assumir uma
ser vistos de modo separado. Consequentemente, seria posição, mas sim não sustentá-la por pressupostos
melhor assim grafá-los: espaço-tempo (o que nos apro- racionais. É isso o que os exames vestibulares exigem,
xima da física de Einstein!). Referimo-nos isoladamente a a carreira profissional e a própria vida!
conhecimento geográfico ou geografia simplesmente
com a intenção de concentrar esforços em um aspecto
da realidade e não de fragmentá-la.
Mais um pouco sobre o capitalismo

Outra noção vital para a compreensão do funciona-


Primeiros passos mento do capitalismo está na relação entre os mencio-
nados proprietários privados dos meios de produção
Todavia, nada disso nos impede de buscarmos a com- e os não proprietários privados dos meios de pro-
preensão do que precisa ser compreendido, até que dução. Quer dizer, os trabalhadores. Eles possuem
novas produções científicas revelem novas visões... somente a sua força de trabalho ou mão de obra, que,
Vamos começar definindo, de maneira ampla e geral, o em troca de um salário, vendem justamente aos pro-
conceito básico de capitalismo. Ele servirá não só para prietários das máquinas, equipamentos, ferramentas e
que possamos continuar as demais reflexões de nossa demais expedientes necessários à produção: os donos
aula, mas igualmente é essencial à análise de inúmeros dos meios de produção.
temas pertinentes às ciências sociais e humanas. Logo, Ressaltamos que não devemos identificar o conceito de
trata-se de uma definição central. capital ou capitalismo com apenas acúmulo de dinheiro.
Este, o dinheiro, é uma representação para expressar
o estabelecimento da equivalência entre mercadorias,
produção e trabalho: um meio que facilita a compra e a
Sistema econômico, social, político venda. O sistema capitalista, como os demais ao longo
e cultural baseado na propriedade da história, é composto por relações sociais. Quando um
privada dos meios de produção trabalhador vende sua mão de obra em troca de um pa-
gamento, quando um capitalista vende uma mercadoria
Em uma sociedade assim organizada, indivíduos ou
ou quando a compramos, estamos falando de relações
grupos de indivíduos (empresas, associações ou qual-
sociais na área econômica propriamente dita. No entan-
quer outro tipo de organização) podem ser proprietários
to, podemos ainda definir capitalismo como um conjunto
de bens e serviços utilizados para a produção de outros
de relações sociais em todos os setores da vida humana.
bens e serviços. Por exemplo, legalmente você pode ser
dono de uma fazenda onde se planta feijão, uma fábrica
onde se produz cadeiras, um hospital, um parque de
diversões, um mercado ou o que mais se possa imaginar. O território do capital1
Não há nenhuma lei que impeça isso. Pelo contrário, a
legislação garante e estimula a propriedade privada dos O sistema capitalista existe há aproximadamente 500
meios de produção no capitalismo. Esse tipo de relação anos. Desde então tem passado por algumas fases e am-
social irá impactar decisivamente a formatação do espa- pliado sua inserção por praticamente todas as regiões do
ço geográfico em que vivemos: a ordenação da cidade; planeta.2 É assim, na história da humanidade, o primeiro
dos bairros; da rua em que você mora; da oferta de servi- sistema a se tornar efetivamente global. Antes dele, a
ços sociais essenciais (saúde, educação, transporte etc.); escravidão da Antiguidade e o Feudalismo, mesmo envol-
a relação entre cidade e campo; o acesso aos alimentos, vendo grandes territórios, não tiveram alcance planetário.
bem como a qualidade deles e tudo o que nos cerca e
1
 as aulas 1 e 2 deste caderno sugerimos que você use as aulas e textos de História,
N
nos faz bem ou mal. Saber o que seria eventualmente especialmente do período chamado de Idade Moderna, que, de acordo com o
bom ou ruim é uma tarefa, entre outras, que propomos convencionado, vai de 1453 a 1789. A Idade Moderna é justamente o que agora estamos
estudando: a transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista.
a você. Isto é, encorajá-lo a construir uma consciência 2
 este ponto, caso ainda não tenha sido feita, sugerimos a leitura das aulas 1 e 2:
N
“Globalizações” do Caderno 1 de Geopolítica. Lá são explicados os conceitos de
crítica sustentada por conhecimentos científicos e não globalização em múltiplos aspectos, bem como a relação entre as escalas global e
821-1

local, além da história mais recente do fenômeno da globalização. Isto é, da etapa


pelo senso comum (o famoso “achismo”). Todos nós financeira do capitalismo.

POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

Ao deixarmos o sistema feudal da servidão, o mundo suas possessões americanas, entre 1521 e 1660, tenha
inicia sua caminhada em direção ao capitalismo. Entre o “recolhido” 18 mil toneladas de prata e duzentas de
começo da segunda metade do século XV e a segunda ouro. Há estimativas que afirmam que esses números
metade do século XVIII, ou seja, um período de apro- podem ser o dobro.5
ximadamente 300 anos, ocorreram várias mudanças e
eventos que significaram o nascimento e a consolidação
desse novo sistema.
 s Revoluções Burguesas e a
A
Revolução Industrial

 ascimento: acumulação de capital


N Como vimos, o capitalismo é um sistema baseado na
comercial propriedade privada dos meios de produção em que seus
proprietários compram a mão de obra dos trabalhadores
As descobertas ultramarinas dos séculos XV e XVI em troca de um salário (suficiente ao menos para que o
deram um enorme impulso ao desenvolvimento comer- trabalhador e sua família possam continuar se reproduzindo)
cial europeu. Fenômeno atribuído primeiramente aos e ao final do processo (produção e venda) consigam ampliar
espanhóis e portugueses, com a conquista de novos o capital inicialmente investido. Igualmente, como já visto,
territórios, a expansão econômico-comercial encontra essa primeira forma de acumulação de capital, na história do
áreas inexploradas para o fornecimento de matérias- capitalismo, ocorreu dominantemente por meio do comércio.
-primas essenciais3 à produção, produtos prontos para
serem comercializados, novas fontes de mão de obra
(o que originou a escravidão moderna – africana) e,
Quanto mais se tem, mais se quer
na sequência, novos mercados consumidores. Foi a
chamada Revolução Comercial, caracterizada também
Outra característica basilar do capitalismo é o constante
pela sofisticação da atividade bancária e da economia
aumento de acúmulo de capital. Não há sentido, para o
monetária; aumento do crédito; regulamentação de no-
capitalismo, em ao se investir determinado valor em um
vos tipos de comércio e sociedade por ações. Em outras
negócio, ao final de todo o transcurso (trabalho-produção-
palavras, surge o capitalismo e sua primeira versão é a
-venda), obter-se o mesmo valor inicialmente aportado sem
comercial. Até o século XVII, o capital acumulado por
agregar valor extra algum. Seria um contrassenso. Esse
meio dessa atividade viabilizaria, a partir da segunda
processo pode ser representado pela seguinte expressão:
metade dos anos 1700, a primeira fase da Revolução
Industrial. Assim, desde o século XVIII, o capitalismo
D – M – D´
inicia seu período industrial. É ainda importante notar
que tanto as descobertas marítimas quanto a Revolução
Onde “D” é dinheiro, ou melhor, capital inicial; “M” é
Comercial que lhe seguiu��������������������������
, bem como a Revolução In-
mercadoria e “D´” é “mais dinheiro”, quer dizer, “capital
dustrial, somente foram possíveis também por conta
acumulado”. O que gera o “mais-valor” não é essencial-
do desenvolvimento técnico e científico em várias
mente a troca de mercadoria ou a sua venda, mas sim o
áreas, especialmente na navegação, química, biologia,
trabalho que criou tal mercadoria. A venda ou troca da
medicina, agricultura e física. A expansão marítima e de
mercadoria tem meramente a função de intermediar o
territórios igualmente significou a expansão colonial: as
processo, possibilitando a concretização do acúmulo.
nações-metrópoles tornaram-se proprietárias de vastos
Ainda outra fórmula:
territórios, as colônias. A quantidade de recursos natu-
rais retirados dessas regiões, sem vantagem alguma
para elas, e comercializados no mundo é incalculável. D – D´
Por exemplo, estima-se que a Espanha,4 somente de
Na lógica do capital financeiro, dinheiro é gerador de
dinheiro ou capital financeiro é gerador de capital finan-
3
 ntre elas, basicamente: madeira, metais preciosos, gêneros alimentícios (chocolate,
E
café, açúcar, arroz), produtos agrícolas (algodão, fumo, cacau, quina, cochonilha) etc. ceiro. Não há a intermediação da mercadoria “M”.
4
 ão é demais recordar que os responsáveis tanto pela exploração injusta da riqueza
N
das Américas quanto, por exemplo, pelo lucrativo tráfico de escravos africanos não
foram, no caso, o povo e os trabalhadores espanhóis, mas sim a então elite desse
821-1

país: financistas e banqueiros, família real e as mais altas camadas da nobreza, do 5


 ara maiores detalhes, ler o livro: História do Capitalismo: de 1500 aos nossos dias, de
P
comércio e dos negociantes. Michel Beaud. Editora Brasiliense, 2004.

4 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

Revoluções na economia mas somente sabermos que a controvérsia continua.


O fato é que a Inglaterra logrou um capital excedente,
A acumulação de capital comercial pelas burguesias derivado das razões já explicadas, e desse modo pôde
europeias, segundo já indicado, possibilitou que se pas- investir em novos projetos econômicos, bem como nos
sasse a um outro estágio do desenvolvimento capitalista, necessários aprimoramentos científicos e tecnológicos.
o industrial. Além disso, a nova fase foi uma necessidade Juntos, os fatores indicados (capital comercial acumula-
exigida pela lógica do sistema em si. Ou seja, conforme do e tecnologia) levaram a uma produção industrial em
observamos no modelo D-M-D´, todo empresário aplica massa, provocando a inundação dos mercados ingleses
em seu negócio uma quantidade específica de recursos e mundial. Detalhando: a Revolução Industrial não teria
para, ao cabo dele, alcançar um valor extra. Esse nível ocorrido sem a máquina a vapor; o transporte ferroviá-
de acumulação, empregado dominantemente, atingiu rio; a abundância de alimentos com a mecanização da
seu limite social e, por isso, exigiu um novo patamar de agricultura; os teares mecânicos e as novas máquinas da
acumulação: o industrial, sem, é claro, fazer com que o indústria têxtil; a disponibilidade de aço em larga escala;
anterior deixasse de existir, o comercial. Este continua, o telégrafo e o motor a explosão criado em 1885 por
mas passa para um segundo nível. O espaço é assim Wilhelm Daimler, fundador da transnacional que leva seu
alterado, pois alteram-se as relações sociais. Portanto, sobrenome e da marca Mercedes-Benz.
não foi por acaso que a Revolução Industrial ocorreu
primeiro na Europa.
Surgem, então, as indústrias. Os camponeses são ex- Revoluções na política
pulsos para as cidades; eleva-se profundamente o índice
de urbanização; emergem os operários e a classe média, O novo mundo da urbanização e da indústria não teria
as fábricas, as precárias vilas e moradias dos trabalha- sido possível, mesmo com o uso do capital comercial
dores, os sindicatos e com toda essa transformação uma acumulado e das inovações tecnológicas, sem as revo-
série de outros elementos e desafios: uma nova dimensão luções políticas da burguesia.
de pobreza e miséria convivendo com enormes volumes As revoluções burguesas clássicas foram as que ocor-
de riquezas jamais vistos na história da humanidade. reram na Inglaterra (Revolução Gloriosa, 1688-1689) e
Despontam novas doenças e epidemias; a agricultura é depois a mais conhecida, a Revolução Francesa de 1789-
mecanizada; há grandes saltos populacionais para a 1799. Ambas foram pioneiras, causaram impacto em
procriação das próximas gerações de trabalhadores e a todos os continentes e significaram a tomada do poder
variedade e quantidade de serviços oferecidos são alar- político pela nova classe social em ascendência: a bur-
gadas, da mesma maneira que os bens de consumo guesia. Nos séculos XVII e XVIII, as burguesias da Europa
duráveis e não duráveis. Todas essas mudanças causaram Ocidental já controlavam economicamente amplos terri-
uma intensa transfiguração no espaço geográfico. O tórios e espaços espalhados em todo o planeta. Apesar
mundo mudou e para sempre. disso, necessitavam regular direta ou indiretamente o
Historicamente, essa longa e complexa cadeia de Estado para que os negócios fluíssem ainda mais, o que,
acontecimentos corresponde à Revolução Industrial com efeito, foi realizado.6
na Inglaterra. Costuma-se
datar o início de sua primeira
fase entre 1760 e 1780, e a
segunda “explodiu” aproxi-
 mith e Friedman: dois lados de
S
madamente nas décadas de
uma mesma moeda
1840 e 1860. Somando-se
à controvérsia referente às Na sugestão de livros da seção Navegar destas duas
aulas, recomendados a obra-prima de Adam Smith, o
REPRODUÇÃO

datas, há a polêmica sobre a


existência de somente uma principal teórico econômico do capitalismo em sua etapa
Revolução Industrial (com liberal. Trata-se de A riqueza das nações. Sucintamente,
James Watt aperfeiçoou duas fases) ou de duas Re- preconizava, em seu laissez-faire,7 a eficiência da mão
o motor a vapor,
voluções Industriais. Não é
primordial para a
primeira fase da nosso presente objetivo en- 6
 ovamente realçamos: consulte os cadernos de História Geral para saber mais sobre
N
821-1

esse importantíssimo acontecimento.


Revolução Industrial. volvermo-nos em tal debate, 7
Expressão originalmente em francês que significa “deixai fazer”.

POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

invisível. Quer dizer, não havendo qualquer tipo de inter- defendia a primazia pura do mercado sem qualquer tipo
ferência estatal nas forças do mercado, na lei da oferta de regulação ou intervenção estranha à lei da oferta e da
e da procura, a sociedade funcionaria de maneira equili- procura. Para ele, a simples existência de sindicatos ou as-
brada. Caberia tão só ao Estado a segurança pública para sociações de trabalhadores, da fixação de pisos salariais
exatamente garantir a liberdade entre os que desejam e até mesmo do salário-mínimo interferia negativamente
comprar e vender. nos preços, inclusive da mão de obra, comprometendo o
É possível afirmar que tal ideia subsiste, na prática, ao livre e perfeito funcionamento do mercado. Somando-se
menos nos dias de hoje? Se sim, por que na maior nação a esse cenário, os gastos públicos crescentes criariam
capitalista, os Estados Unidos, quase 15% dos mais de um ambiente artificial e inflacionário, afastando investi-
322 milhões de estadunidenses, ou seja, 48 milhões de mentos privados e a partir daí gerando a crise. Entre suas
pessoas, não possuíam acesso a um sistema de saúde principais obras estão Capitalismo e liberdade, publicado
em 2014?8 Ao mesmo tempo, por que na Dinamarca, um em 1962 pela Universidade de Chicago.
país capitalista central, a saúde é uma das melhores do
mundo e oferecida gratuitamente a todos os habitantes
e pelo Estado? São realidades que nos devem levar a
pensar em relação à plena liberdade de mercado prescrita
Imperialismo
por Adam Smith.
Após o colonialismo clássico do século XV ao início do
XIX, cujo auge ocorreu entre os anos 1500, 1600 e 1700,
o mundo vive a partir da segunda metade do século XIX
até os primeiros anos do século XX o que se classifica
como neocolonialismo ou imperialismo. Ou, ainda, im-
périos coloniais.12
O desacordo entre as potências imperiais sobre quais
territórios coloniais caberiam a quem levou à Primeira
Guerra Mundial. Condensando ainda mais o raciocínio: a
insistência da irresolução acabou produzindo mais uma
REPRODUÇÃO

guerra mundial em 1939. Não nos cabe aqui realizar uma


análise histórica complexa, muito menos de tão longo
período. Basta entendermos que o avanço das forças
Adam Smith. capitalistas, desde a época da expansão ultramarina, o
enorme acúmulo de riquezas das metrópoles pelo espólio
Falecido em 2006 aos 94 anos, o estadunidense Milton das colônias e o advento do capitalismo industrial, das
Friedman, um dos principais teóricos do monetarismo,9 empresas transnacionais e dos bancos em um último
foi reconhecido com o Prêmio Nobel em Ciências Eco- momento culminaram na evolução para uma nova fase do
nômicas do ano de 1976. Ele e Friedrich Hayek (Escola capitalismo, já indicada: neocolonialismo ou imperialismo.
Austríaca)10 estão entre os principais pensadores do Nações capitalistas desenvolvidas (franceses, britâ-
neoliberalismo. Além disso, liderou com George Stigler nicos, italianos, espanhóis, portugueses, belgas e ale-
a chamada Escola de Chicago. Dela saíram os Chicago mães – particularmente os dois primeiros) partilharam
Boys11 e a política econômica dos governos de Margareth imensos territórios africanos e asiáticos entre si com
Thatcher na Inglaterra e de Ronald Reagan nos Estados vistas a continuarem expandindo os seus negócios:
Unidos, ambos durante os anos 1980. garantia de mercados consumidores de seus produtos
No mesmo caminho que Adam Smith, mas em outro manufaturados e fornecimento de matéria-prima para
período histórico e de maneira mais radical, Friedman suas indústrias.

8
Fonte: United States Census Bureau. É um órgão governamental dos Estados Unidos
equivalente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE no Brasil. Disponível
em: goo.gl/yNh9qp. Acesso em: 11 nov 2015.
9
T eoria que apregoa o equilíbrio econômico por meio do controle do volume de moeda
em circulação.
10
Linha do pensamento econômico também defensora do liberalismo “puro”.
11
 rupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que fizeram cursos de
G
821-1

pós-graduação na Universidade de Chicago e, logo depois, assessoraram o governo do 12


 ara maiores informações a respeito do tema, leia os livros do célebre historiador Eric
P
ditador Augusto Pinochet na implantação de políticas neoliberais. Hobsbawm, neste caso, A Era dos Impérios: 1875-1914.

6 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

Possessões coloniais das grandes potências13 (milhões de km² e milhões de habitantes)


colônias
país
1876 1914
(potência/metrópole)
milhões de km² habitantes milhões de km² habitantes
Inglaterra 22,5 251,9 33,5 393,5
Rússia 17 15,9 17,4 33,2
França 0,9 6 10,6 55,5
Alemanha – – 2,9 12,3
Estados Unidos – – 0,3 9,7
Japão – – 0,3 19,2
Total 40,4 273,8 65 523,4
13

Observemos que os territórios coloniais dominados por algumas das potências são muito mais extensos do que as
suas próprias áreas. Por exemplo, a Inglaterra atualmente não chega a 131 mil km² e em 1914, conforme a tabela acima,
controlava 33,5 milhões de km². Mesmo as Ilhas Britânicas atingem somente pouco mais de 315 mil km². A França possui
um território de quase 544 mil km², ainda muito menor do que suas possessões, segundo os dados apresentados. Foram,
portanto, nações que se tornaram grandes impérios coloniais para dar sequência ao acúmulo de capital por parte de
suas grandes burguesias empresariais.
A tabela acima também nos mostra que os Estados Unidos e o Japão, apesar de terem se tornado potências, principal-
mente os norte-americanos, não conquistaram e exerceram poder por meio do controle direto e formal de territórios. A
Alemanha, desejosa de agregar novos espaços geográficos para si, chegou “atrasada” na partilha.14 Não é de se estranhar
que tenha sido pivô das duas Grandes Guerras Mundiais.
Surgem e também se consolidam nesse período as grandes empresas transnacionais, inclusive os grandes bancos.

Instituição Ano de fundação País-sede Setor


AEG 15
1887 Alemanha elétrico
Allianz 1890 Alemanha seguros
Axa 1817 França seguros
Barclays 1690 Inglaterra financeiro
Deutsche Bank 1870 Alemanha financeiro
General Electric 1892 Estados Unidos 16
elétrico
Legal & General Group 1836 Inglaterra seguros
Lloyds Bank 1765 Inglaterra financeiro
Schroders 1804 Inglaterra financeiro
Siemens 1847 Alemanha tecnologia
Société Générale 1864 França financeiro
Standard Oil Company 1870 Estados Unidos 17
energia
Fonte: Elaborada pelo autor. 15 16 17

13
Esta tabela pertence ao livro Imperialismo, fase superior do capitalismo indicado para leitura na seção Navegar da aula 3 deste caderno. A obra tornou-se um clássico dos estudos
sobre Geografia e Geopolítica.
14
 Alemanha somente se formou enquanto Estado-Nação em 1871, enquanto a França o fez no ano de 843 e a Inglaterra em 927. Constituir-se enquanto país unificado foi uma condição
A
política necessária para a exploração econômica de outros territórios.
15
Dissolvida em 1996.
16
 s Estados Unidos não disputaram territórios diretamente de maneira tão intensa, conforme o modelo europeu, mas a partir do início do século XX tornaram-se líderes no controle
O
821-1

econômico e político do planeta. Isto é, um novo superimpério.


17
Em 1911 foi dividida em várias outras empresas, entre elas: Exxon, Chevron, Atlantic, Mobil etc. Uma das empresas resultantes mais conhecidas no Brasil é a Esso.

POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

Os conglomerados listados estão, hoje, entre as 50 como a indústria manteria o constante acúmulo de capital?
maiores corporações do planeta.18 Possuem um poder Em grande parte, os impactos negativos sobre o espaço
inimaginável, cujas receitas estão muito além dos PIBs geográfico e a falência ambiental não estariam resolvidos?
de grande parte dos países. Por isso, exercem profundo
controle político, econômico e ideológico acima de vastos
territórios e populações. Os atuais monopólios empresa-
riais (das corporações multinacionais) são construídos
Estado de bem-estar social:
nessa fase, quando, em tal processo, criaram filiais por keynesianismo e social-
todo o mundo, exportando enormes quantias de capitais. -democracia
Após esse ciclo, incluindo-se as duas Grandes Guerras
Mundiais, há o aprofundamento da inserção e hegemonia No século XX foram edificadas algumas formas de ca-
do capital financeiro no sistema capitalista global, fase pitalismo consideradas “menos selvagens”. Porém, não
que vivenciamos presentemente. Essa reflexão já foi rea- foram aplicadas em todos os espaços, mas normalmente
lizada nas aulas 1 e 2 do Caderno 1 de Geopolítica. Sendo nos territórios dos países de capitalismo central. As nações
assim, recomendamos sua atenta leitura ou releitura. semiperiféricas e periféricas20 quase sempre ficaram ex-
cluídas das manifestações mais humanizadas do capital.
Essa é mais uma evidência de que a aplicação prática de
Produção destrutiva e Estado modelos econômicos e políticos produz diferentes conse-
Capitalista quências em ambientes com histórias diferentes.

O filósofo húngaro István Mészáros, em atividade aos 85


anos, desenvolveu uma teoria sobre a crise estrutural do
 stado de bem-estar social, keynes
E
capital atribuindo-a à relação entre produção e consumo.19
e os Estados Unidos
Na atual fase do capitalismo, além do domínio do capital
financeiro, o sistema é caracterizado igualmente pela su-
A chamada Grande Depressão ou crise financeira de
perprodução ou produção crônica dos bens materiais. Com
1929 nos Estados Unidos, simbolizada pela brutal queda
o objetivo de resolver esse problema, as empresas manipu-
da New York Stock Exchange (Bolsa de Valores de Nova
lam o que Mészáros chama de taxa de uso decrescente.
York), iniciou um longo período de graves dificuldades
Quer dizer, há um uso dissipador ou destrutivo não só
socioeconômicas, não só para os norte-americanos, mas
dos bens de consumo rápido, mas também dos bens
com consequências se alastrando para vários países,
duráveis: para que se possa resolver a superprodução
entre eles o Brasil. Aqui as exportações de café sofreram
é necessária a subutilização das mercadorias. Segundo
grande queda, o principal produto brasileiro na época, o
o pensador, não é possível garantir a continuidade do au-
que afetou consideravelmente toda a economia.
mento permanente da lucratividade (como vimos, princípio
Nos Estados Unidos, grandes fortunas desapareceram
vital do sistema capitalista) sem diminuir a taxa de uso
da noite para o dia; o desemprego aumentou enorme-
ou durabilidade das mercadorias. Logo, a produção e o
mente; o PIB declinou substancialmente, o que gerou
consumo estão orientados para a destruição. Vale pergun-
dramáticas consequências sociais. Alguns números
tar: como resolver o problema da ecologia (aniquilamento
revelam o tamanho da crise:21
ambiental, incluindo-se o desperdício) no capitalismo sob
—— desemprego em 1929 (antes da crise): 3,2%;
esse marco, somado ainda ao estímulo cada vez maior
—— desemprego em 1932: 24,2%;
do consumo (consumismo), igualmente imprescindível ao
—— PIB per capita em 1929 (antes da crise): US$ 847;
referido aumento permanente da lucratividade?
—— PIB per capita em 1932: US$ 442;
Em termos ainda mais práticos: qual a longevidade de
—— entre 1929 e 1933, 40% dos bancos no território
um eletrodoméstico ou de um automóvel produzidos
dos Estados Unidos faliram.
hoje em comparação com outros fabricados há 30 ou 40
anos? Se durassem 40 ou 50 anos, o que é perfeitamente
possível no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, 20
Immanuel Wallerstein, sociólogo estadunidense, elaborou a teoria do Sistema-Mundo,
que analisa a sociedade articulando entre si os conceitos de centro, periferia e
semiperiferia. Por exemplo, os países de centro são Estados Unidos e boa parte da
18
 ara maiores detalhes, ler artigo do professor Ladislau Dowbor: “A rede do poder
P Europa Ocidental, Japão e Oceania; os periféricos estão na maior parte da América
corporativo mundial”, disponível em: goo.gl/w1ArxG. Acesso em: 16 jan. 2016. Latina, continente africano e grande parte da Ásia; e os semiperiféricos são nações
821-1

19
Para um aprofundamento da tese de Mészáros, ler Produção destrutiva e Estado como as que constituem os BRICS, México e demais emergentes.
capitalista, de 1989, e Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, de 1995. 21
Fontes: Universidade de Cambridge e FED (Banco Central dos Estados Unidos).

8 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

Em algumas cidades, como Toledo no estado de Ohio, claramente a política econômica do período. O New Deal
o desemprego chegou a 80% em 1933 e na cidade de de Roosevelt e o pensamento econômico de Keynes22
Lowell, no estado de Massachusetts, atingiu 90% dos mantiveram uma influência mútua, assim é possível afir-
trabalhadores. mar que ambos também foram traçados por meio dessa
A solução encontrada para a saída da crise pelo presi- relação recíproca. O keynesianismo prega, sobretudo,
dente Roosevelt foi a adoção do New Deal. O programa, o forte uso da ação estatal no sistema capitalista não
colocado em prática entre 1933 e 1937, visava, basica- só para que este continue, mas para que permaneça
mente, a forte intervenção do Estado na economia para de maneira equilibrada, fazendo aquilo que a iniciativa
recuperá-la. Notemos bem: intervenção do Estado na privada não faz. Trata-se de uma clara oposição ao libe-
economia em um país em que se defendia firmemente ralismo puro. Em outras palavras, o Estado deve investir,
o liberalismo de Adam Smith, quer dizer, a ausência da regular e intervir, em termos econômicos, naquilo que
presença estatal. Intervenção esta traduzida pela regu- não desperta o interesse dos capitalistas privados e que
lação, investimentos e aumento da máquina pública. seja necessário para o desenvolvimento da nação. Daí
Exatamente o inverso de tudo aquilo que recomendava a identificação dos keynesianos também pelo nome de
a ideologia da mão invisível do liberalismo smithiano. desenvolvimentistas. No Brasil, o ex-presidente Getúlio
Entre as principais medidas do New Deal ressaltamos Vargas foi seu precursor.
algumas:
—— Regulação do sistema financeiro e do mercado de
ações.
—— O governo federal criou em 1933 o maior programa
Estado de bem-estar social,
de geração de emprego, baseado no desenvol- social-democracia e Europa
vimento de trabalhos em prédios públicos, aero- Ocidental
portos, hospitais, escolas, construção de pontes,
estradas, reflorestamento etc. Para se ter uma ideia, Na Europa, o estado de bem-estar social, muito mais
8,5 milhões de trabalhadores ergueram 125 mil intenso do que em outras regiões, foi estabelecido pela
prédios públicos, pontes, milhares de quilômetros social-democracia. Apesar de também possuir várias
de estradas, reservatórios, sistemas de irrigação, definições, a social-democracia, em seu sentido principal,
praças etc. significa a criação de uma sociedade capitalista em
—— Foram realizados enormes programas federais para que o Estado tenha presença e poder para garantir a
a recuperação do campo e da agricultura com in- justiça social. Com esse intuito, deverá criar leis, realizar
vestimentos gigantes na eletrificação rural, projetos investimentos públicos e políticas sociais, viabilizando
sociais, criação de escolas, aberturas de estradas; igualdade de oportunidades a todos em um ambiente
elaboração de uma nova legislação etc. Estas e permeado pela democracia representativa. Os empresá-
outras medidas viabilizaram uma diminuição dos rios capitalistas não só podem como devem empreender,
preços dos alimentos e um aumento substancial mas em um contexto com regras para que o interesse
na renda dos agricultores. público da maioria não seja prejudicado pela conveniência
—— Estabelecimento de um conjunto de leis de assis- de alguns, gerando grandes desigualdades. Assim, todos
tência social, como um programa de aposentadoria, se manteriam, mesmo os grupos sociais mais humildes,
seguro-desemprego, programas de assistência para vivendo decentemente. É o que se convencionou chamar
crianças de famílias em situação de vulnerabilidade, de “terceira via”. Isto é, um caminho intermediário entre o
entre outros projetos que acabaram criando nos capitalismo extremo e o socialismo estatal e autoritário.
Estados Unidos um sistema de Estado de Bem- O estado de bem-estar social tem funcionado muito
-Estar Social (destruído a partir do governo Reagan, bem, sobretudo em países da Europa Ocidental, de ma-
no início da década de 1980). neira especial, logo a partir do final da Segunda Guerra.
—— O direito de os trabalhadores se organizarem em Entretanto, desde a crise econômica mundial de 2008,
torno de seu sindicato e de negociarem acordos vários sistemas europeus foram e continuam sendo
coletivos com seus patrões. seriamente abalados, mas outros ainda se mantêm
Dizia-se, na época, que o Estado contratava homens consistentemente. Por exemplo, a população inglesa
desempregados para abrir buracos na rua e depois fechá-
821-1

-los. É claro que se trata de um exagero, mas anuncia 22


J ohn Maynard Keynes, britânico, é considerado um dos mais importantes economistas
do século XX.

POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

tem perdido muitos benefícios, mas nações como a com mais de 500 anos de conturbada história, com quase
Dinamarca se mantêm funcionando, primorosamente, 400 anos de escravidão e que por mais de meio milênio
dentro da lógica social-democrata do bem-estar. Esse tem servido como exportador de riquezas a territórios
país possui um dos melhores sistemas de educação e de todo o mundo (estamos nos referindo ao Brasil), não
saúde oferecidos gratuitamente (conforme já comenta- é o mesmo que fazê-lo em um país como a Dinamarca
mos), o que garante uma excelente qualidade de vida à ou a Suécia.
toda a população que não se recusa a aceitar uma carga Em vista disso, percebemos que o mundo já tem ex-
tributária de aproximadamente 50%. perimentado, na prática e na teoria, formas díspares e
Todavia, em regiões periféricas ou semiperiféricas, mesmo antagônicas de governo e gestão da sociedade.
não se pode dizer exatamente que têm havido governos Refletimos a respeito da opção capitalista em seu formato
social-democratas de sucesso. Há que se considerar que mais puro (ou extremo) e maneiras mais amenas, como a
as ideologias, como a social-democracia (ou qualquer social-democracia. Estudaremos, na próxima aula deste
outra), ao serem colocadas em prática por meio de polí- caderno, outra experiência: o socialismo e o comunismo.
ticas de governo, não estão desvinculadas das relações Assim, fecharemos um ciclo de análise. Este conjunto de
internacionais e interdependentes em que estão inseri- conhecimentos nos fornecerá materiais essenciais (repe-
das, tampouco dos legados de suas respectivas histórias. timos para enfatizar) indispensáveis à aprendizagem de
Em outras palavras, implementar a social-democracia vários outros aspectos, temas e disciplinas relacionados
em um país continental, com 205 milhões de habitantes, à vida em sociedade.

EXERCÍCIOS

1. (UPE) Analise o texto.

Há um modo de pensar a superação da crise a partir da teoria keynesiana, mediante o aumento dos gastos sociais, socializando
os custos da reprodução social, em uma linha oposta à neoliberal, de privatização de tais custos em termos de previdência, de
educação. A socialização de tais custos me parece um bom caminho inicial. A outra peça da teoria keynesiana é o investimento
em infraestrutura. Os chineses perderam 30 milhões de empregos entre 2008 e 2009, por conta do colapso das indústrias de
exportação. Em 2009, eles tiveram uma perda líquida de só três milhões de empregos, o que significa dizer que eles criaram
27 milhões de empregos em cerca de nove meses. Isso foi resultado de uma opção pela construção de novos edifícios, novas
cidades, novas estradas, represas, todo o desenvolvimento de infraestrutura, liberando uma vasta quantidade de dinheiro para
os municípios, para que suportassem o desenvolvimento. Essa é uma clássica solução “sinokeynesiana” e me parece que uma
coisa semelhante aconteceu no Brasil, por meio do Bolsa-Família e de programas de investimento estatal em infraestrutura.

Harvey, David.
Revista do IPEA. 2012. Adaptado.

O autor cita a teoria keynesiana e sua linha oposta, o neoliberalismo. Sobre as diferenças entre essas duas posições
teóricas, é correto afirmar que o
a) keynesianismo é um conjunto de ideias que propõe a intervenção estatal na vida econômica, enquanto o neolibe-
ralismo é um sistema econômico que prega uma participação mínima do Estado na economia.
b) o ideário do neoliberalismo tem como ponto forte o aumento da participação estatal nas políticas públicas, enquanto
a ideologia keynesiana fomenta a liberdade e a competitividade de mercados.
c) o neoliberalismo estimula os valores da solidariedade social conduzida pelo Estado máximo, enquanto o keynesia-
nismo faz a defesa de um mercado forte em que a iniciativa privada deve intervir como promotora de privatizações.
d) o ideário do keynesianismo defende um mercado autorregulador no qual o indivíduo tem mais importância que o
Estado, enquanto o neoliberalismo argumenta que quanto maior for a participação do Estado na economia mais a
sociedade pode se desenvolver, buscando o bem-estar social.
e) o poder da publicidade na sociedade de consumo para satisfazer a população é um grande aliado da política keynesiana,
821-1

enquanto as ideias neoliberais não são favoráveis a soluções de mercado, opondo-se ao corporativismo empresarial.

10 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

2. (Ufal)

No campo político, “o capitalismo transformado em sentido neoliberal minou as bases da democracia liberal repre-
sentativa” e ocorre “ampla submissão da sociedade civil e do Estado à economia” [...]. O processo de globalização é na
essência um ataque às conquistas democráticas do século 19 e, sobretudo, do século 20. O objetivo exitoso da “grande
contraofensiva neoliberal” era criar um sistema político-econômico livre de “interferências democráticas”.

Adaptado de: cartacapital.com.br.


Acesso em: 16 jan. 2016.

O texto defende um argumento bastante presente nas críticas ao neoliberalismo. Ele se baseia no fato de o neoli-
beralismo:
a) aumentar o número de empresas que fornecem produtos e serviços aos governos.
b) focar suas forças na ampliação da rede de relações comerciais entre países.
c) se concentrar na oferta do bem-estar social sem o auxílio das instituições oficiais.
d) buscar a não intervenção do Estado na economia e a privatização de estatais.
e) deixar a escolha das regras econômicas por conta dos consumidores.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Para o estudo da Geografia e demais ciências sociais e humanas, segundo já assinalamos, o exame do conceito e das
implicações do sistema capitalista é obrigatório. Desse modo, recomendamos empenho ainda maior nos conteúdos
destas duas aulas. Ainda, por conta da especificidade do presente tema, há uma grande proximidade com as disciplinas
de história e geopolítica. Logo, é igualmente aconselhável a complementação com esses dois outros tipos de conheci-
mento. Não se esqueça disso.
O texto das aulas que você acabou de ler, além de conceituar capitalismo, traça seu caminho histórico relacionando-o
diretamente, sempre que possível, aos aspectos geográficos propriamente ditos. Essa ligação é essencial, mesmo porque
a divisão entre as ciências é meramente didática e artificial, não existindo na realidade em si.
Os exercícios e atividades agora dispostos visam não só intensificar o aprendizado, mas ilustrar pensamentos e apontar
novas ideias. Aproveite todas as sugestões para impulsionar sua formação e também seu nível de conhecimentos gerais.
Consulte permanentemente os sites sugeridos e assista aos vídeos (documentários e filmes), pois tenha certeza de
que, ao mesmo tempo que estiver aprendendo, poderá usufruir de alguns momentos de entretenimento. Por exemplo,
o filme de Michael Moore, além de impactante, é uma sátira ao desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos.
Não deixe, da mesma forma, de apreciar o poema “Se os tubarões fossem homens” na voz do provocador Antônio
Abujamra. De maneira poética, Bertold Brecht explica os sistemas baseados na desigualdade social; o mesmo podemos
dizer da brevíssima e divertida animação de Steve Cutts.
Enfim, adicione ao seu aprendizado a prática da leitura e da reflexão com as atividades propostas na Roda de leitura,
Ágora e Senha.

Bons estudos e divirta-se!


821-1

POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

EXERCÍCIOS

O desenvolvimento tecnológico vem sendo um


1. (Unicentro) Sobre a ação do Estado na política eco-
nômica e social de um país e suas repercussões nas elemento definidor do espaço na globalização, em
sociedades contemporâneas, assinale a alternativa suas múltiplas escalas e dimensões geográficas.
correta. Nesse sentido, pode-se afirmar que
a) Nos regimes socialistas derivados do antigo bloco a) as empresas multinacionais impulsionam a uniformi-
soviético, o Estado apresenta-se pouco atuante, sen- zação dos padrões de estética e consumo nas perife-
do que as comunas populares controlam o sistema rias capitalistas, induzindo assim o desenvolvimento
produtivo e o poder. econômico local.
b) A social-democracia caracteriza-se pela valorização b) a revolução tecnológica possibilitou a articulação da
da iniciativa privada e pela ausência de seguridade sociedade global em rede, definindo novos significa-
social do Estado. Os serviços de saúde, educação e
dos para as fronteiras espaciais que convergem para
seguridade social são privados.
a integração política do espaço geográfico mundial.
c) No capitalismo neoliberal, o Estado não é controlador
c) o espaço globalizado é marcado pela descentrali-
do mercado, favorecendo a livre-iniciativa e a livre
zação espacial da indústria e por profundas trans-
competição entre as empresas. Não prioriza o pro-
tecionismo da produção industrial nacional. formações técnicas na produção industrial, sendo,
d) O Estado laico caracteriza-se pela ingerência religio- contudo, preservados os direitos sociais da classe
sa nos assuntos de Estado. O Irã é um exemplo de trabalhadora.
Estado laico. d) a utilização intensiva da tecnologia na produção
e) O parlamentarismo é a forma de representação pró- industrial também vem impactando o mercado
pria das monarquias e dos regimes totalitários; o pre- de trabalho, sendo reduzida de forma significativa
sidencialismo é próprio das democracias socialistas. a participação do setor de serviços na economia
capitalista.
e) a tecnosfera é a expressão geográfica da esfera técni-
2. (IFBA) ca que repercute diretamente na prática econômica,
política e social, constituindo-se em uma nova base
para o entendimento da regionalização mundial.

3. (Ufal) O capitalismo moderno é um sistema político


e econômico que ainda predomina no mundo atual.
Ele apresenta uma série de características, como as
que são mencionadas a seguir, exceto:
a) a globalização do capital financeiro.
b) a intensificação dos monopólios.
c) a redução considerável do direito à propriedade
privada dos meios de produção.
Disponível em: mcmcapital.com/2011/04/ d) o aumento da produtividade do trabalho.
globalization-shapes-u-s-manufacturing-and-mcm- e) a competição de oligopólios no mercado interna-
investment-strategy. Acesso em: 29 dez. 2015.
cional.
821-1

12 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

4. (UERJ)

O que mudou na lista dos maiores bancos no Brasil com a fusão do Unibanco e do Itaú

Adaptado de: Época, 10 nov. 2008.

Pela leitura do gráfico, podem-se inferir as seguintes características do momento atual do capitalismo:
a) livre-concorrência e fragmentação do setor bancário.
b) concentração econômica e formação de oligopólios financeiros.
c) nacionalização da economia e associação dos capitais industrial e bancário.
d) desregulamentação do mercado financeiro e predomínio dos bancos globais.

5. (Enem) Capitalismo é o sistema socioeconômico em que os meios de produção (terras, fábricas, máquinas, edifí-
cios) e o capital (dinheiro) são propriedade privada, ou seja, t����������������������������������������������������
��������������������������������������������������
m um dono. Antes do capitalismo, o sistema predomi-
nante era o feudalismo, cuja riqueza vinha da exploração de terras e também do trabalho dos servos. O progresso e
as importantes mudanças na sociedade (novas técnicas agrícolas, urbanização etc.) fizeram com que este sistema
se rompesse. Estas mesmas mudanças que contribuíram para a decadência do feudalismo cooperaram para o
surgimento do capitalismo.

Características:
—— Toda mercadoria é destinada para a venda e não para o uso pessoal
—— O trabalhador recebe um salário em troca do seu trabalho
—— Toda negociação é feita com dinheiro
—— O capitalista pode admitir ou demitir trabalhadores, já que é dono de tudo (o capital e a propriedade)

Com base nas informações acima e em seus conhecimentos, indique três características de cada fase do capitalismo:

Domínio do capital comercial que viabilizará a fase seguinte do capitalismo: industrial; comércio possibilitado pelas descobertas marítimas; Portugal e Espanha se tornam
Comercial: as principais potências; produção baseada no trabalho escravo; colonização da América Latina.
821-1

POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

Início da produção em grande escala; estabelecimento das corporações transnacionais; hegemonia do capital industrial; Estados Unidos se transformam na principal
Industrial: potência; predomínio do trabalho assalariado.

Domínio da acumulação financeira; banqueiros se tornam os maiores capitalistas; especulação financeira (riqueza sem base material) supera a produção industrial;
Financeiro: desemprego em massa; grande concentração de riqueza.

Organização global em rede das corporações transnacionais; maior horizontalidade, conexão global das empresas viabilizada pela internet e demais avanços nas
Informacional: telecomunicações e logística global; menos burocracia e menos formalidade na organização das empresas; desemprego em massa; grande concentração de riqueza.

RODA DE LEITURA

No texto a seguir (adaptado), Valquíria Padilha, professora da Universidade de São Paulo e autora do livro Shopping
center: a catedral das mercadorias, analisa o papel dos “centros de compra” na sociedade.
Após atenta leitura individual, realize atividade, à escolha de seu professor, em que seja possível relacionar as noções
de cidade, espaço geográfico, consumo, espaço público, segregação, função social do shopping center e capitalismo.

Quem nunca ouviu falar em shopping center? Ou nunca passeou pelos corredores deste centro de consumo? Quantas
vezes não viajamos para outra cidade ou país e desejamos visitar o shopping center local? Atualmente o shopping center
concorre com a televisão e o computador entre as atrações mais citadas pelas parcelas privilegiadas da população como
821-1

preferências de ocupação do tempo livre. Por que isso acontece? Quais são os sentidos desse sucesso?

14 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

Por sua vez, a cidade real, ao mesmo tempo em que fracasso da plenitude do ser social, distanciando-o de
desencadeia uma série de problemas para muitos, qualquer projeto de emancipação e de humanização
possibilita alternativas para poucos, como a criação do do ser humano.
shopping center, a “catedral” em que uma parcela da [...]
população idolatra as mercadorias e vivencia lazeres Disponível em: faccamp.br/letramento/
que se distanciam da autonomia e da criatividade. O 2013/1sem2oficina/a_sociologia_vai_
shopping center é hoje um dos empreendimentos mais shopping-valquiria_padilha.pdf.
rentáveis e com uma das maiores taxas de crescimento Acesso em: 26 jan. 2016.
em todo o mundo.
Nas sociedades capitalistas, o homem não produz
mais apenas para satisfazer suas necessidades origi-
nais. Existem outras necessidades em jogo, que são as NAVEGAR
de valorização do capital. A produção de mercadorias
converteu-se em uma fonte de lucro, dado que cada
trabalhador produz, para os donos das empresas, Orientação sempre importante a ser repetida: a internet
muito mais do que precisaria para a satisfação de suas possibilita um acesso a informações e formações muito
próprias necessidades. A produção capitalista gera mais amplas e diversificadas do que se podia imaginar
excedentes que não são calculados com base nas ne- há pouco tempo. Hoje não estamos mais limitados a um
cessidades naturais do homem e sim nas do capital, o diminuto número de mídias, geralmente desacostuma-
qual, por sua vez, precisa criar novas necessidades para das à democracia na produção e distribuição das ideias,
estimular a demanda e o consumo. Assim, a produção bem como ao contraditório. Aproveite esta oportunidade
deve visar a um consumo descartável, uma cultura do para elevar seus conhecimentos e constituir-se, cada
desperdício, o que reflete o princípio da “obsolescência vez mais, enquanto um cidadão ou cidadã consciente
planejada” (os objetos são feitos para serem obsoletos). e preparado(a) para a vida profissional e em sociedade.
Esse sistema precisa sempre aumentar a produção de Use a internet com sabedoria!
mercadorias em quantidade e variedade, mas não em
qualidade e durabilidade.
O que essa catedral das mercadorias pretende é  ites
S
criar um espaço urbano ideal, concentrando várias
opções de consumo e consagrando-se como “ponto
Há vários sites muito interessantes ligados direta e
de encontro” para uma população seleta.
indiretamente ao tema, destacamos os nacionais:
O imaginário que se impõe é o da plenitude da vida
pelo consumo. Nesses espaços, podemos ocupar-nos
Marxists Internet Archive
apenas dos nossos desejos – aguçados com as inúme-
Disponível em: marxists.org. Acesso em: 16 jan. 2016.
ras possibilidades disponíveis de aquisição. Prevalece
O site é
�������������������������������������������������
uma
�����������������������������������������������
oportunidade para acessar clássicos de aná-
a ideia do “compro, logo existo”.
lise crítica ao capitalismo. Podem ser encontrados textos
Concluímos que esse mundo de sonhos, que é o
tanto de Karl Marx quanto de seus principais intérpretes.
shopping center, acaba reforçando nas pessoas uma
Para quem deseja se aventurar em outros idiomas, há
visão individualista da vida, em que os valores propa-
uma infinidade de textos disponíveis em várias outras
gados são todos relacionados às necessidades e aos
línguas, entre elas o espanhol e o inglês. A pesquisa pode
desejos individuais – “eu quero, eu posso, eu compro”.
ser feita por tema ou por autor.
Assim, colabora para uma deterioração do ser social e o
retardamento do projeto de emancipação de seres mais
Le Monde Diplomatique – Brasil
conscientes, autônomos, prontos para a sociabilidade
Disponível em: diplomatique.org.br. Acesso em: 16 jan. 2016.
coletiva – que exige a capacidade da troca desinteressa-
Excelente publicação de origem francesa e com versões
da, da tolerância, da relação verdadeiramente humana
para vários países, inclusive o Brasil. É divulgado na mo-
entre o eu e o outro, entre iguais e entre diferentes.
dalidade impressa e digital. Propicia profundas análises
O que se pode concluir é que o sucesso da fórmula
sociais, econômicas, políticas e culturais por meio de
atual do shopping center como lugar privilegiado
uma linguagem jornalística. Documento essencial para
821-1

para a realização da lógica consumista traz consigo o


quem deseja saber o que acontece no Brasil e no mundo.

POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

Ladislau Dowbor Man


Disponível em: dowbor.org. Acesso em: 16 jan. 2016. Roteiro e direção: Steve Cutts. Inglaterra, 2012.
Ladislau Dowbor é um dos mais importantes pensadores A breve animação sintetiza em poucos minutos a trajetó-
sociais em plena atividade. Professor titular no depar- ria do homem no planeta. Disponível em: goo.gl/o3WtC8.
tamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Acesso em: 16 jan. 2016.
Católica de São Paulo e doutor em Ciências Econômicas,
prestou consultoria a várias agências da Organização das
Nações Unidas e governos de vários países, normalmente
para a área de planejamento. É autor e coautor de cerca
de 40 livros e inúmeros artigos. Toda a sua produção é
oferecida gratuitamente em seu blog, bem como suas
pesquisas e dicas culturais. Nos últimos tempos tem de-

REPRODUÇÃO
dicado atenção especial à análise da atuação do capital
financeiro. Contribuição imprescindível.

Filmes
Livros
Capitalism: a love story (Capi-
talismo: uma estória de amor) Manifesto do Partido Comu-
Direção: Michael Moore.23 Esta- nista ou simplesmente Mani-
dos Unidos, 2009. festo Comunista. Trata-se de
Reconhecido internacionalmen- um clássico da ciência política
te, o cineasta Michael Moore é e da sociologia. Publicado pela
famoso pelas polêmicas e críticas
primeira vez na Alemanha em
ao sistema político e econômico
1848, seus autores são Karl
REPRODUÇÃO

vigentes, sempre permeados por


Marx e Friedrich Engels. Há
uma fina (e às vezes nem tanto)
traduções em vários idiomas
ironia. Neste trabalho, o autor
na Internet, inclusive em por-
realiza uma reflexão a respeito do capitalismo pós-crise

REPRODUÇÃO
tuguês, além de uma divertida
de 2008. Destacam-se os altos custos sociais impostos
versão em quadrinhos e até
ao povo e aos trabalhadores dos Estados Unidos nessa
fase, em que milhões de famílias perderam suas poupan- mesmo em formato de dese-
Capa da primeira
ças, empregos e moradias. Entre outras comparações e nho animado. Foi escrito com versão publicada em
ponderações, compara-se o contexto social do país com linguagem simples para poder 1848, em Londres.
os “anos dourados” do capitalismo pós-Segunda Guerra ser lido pelos trabalhadores e
Mundial. Está disponível no Youtube. pelo povo em geral. No entanto, oferece análises com
rigor e fundamentos científicos de crítica ao sistema
Se os tubarões fossem homens capitalista.
Autor: Bertold Brecht (1898-1956). Interpretação: Antônio
Abujamra. Disponível em: goo.gl/54kjnI. Acesso em: 16 Os dois livros a seguir não são de fácil leitura, mas
jan. 2016. é preciso saber que constituem os fundamentos do
Vale muito a pena assistir na internet aos programas de pensamento capitalista em sua origem e bases estrutu-
entrevistas de Antônio Abujamra, infelizmente falecido rais, vistas a partir de seus idealizadores e defensores
em 2015. Seu programa “Provocações” ainda é semanal- nos séculos XVIII e XIX. Os seus professores poderão
mente exibido desde 2000 pela TV Cultura. complementar outras questões vitais tratadas nos dois
mencionados textos.
23
 ecomenda-se a leitura de seus livros e documentários. Em dezembro de 2015,
R Fazemos ainda uma sugestão de leitura prévia e inicial
lançou nos Estados Unidos e no Canadá (para as demais regiões será no início
de 2016) sua produção mais recente: Where to Invade next. Nesse filme, Michael para este Caderno 1 de Geografia Geral, e que certamen-
Moore compara as precárias políticas sociais básicas de seu país com as de outras
nações. Ou seja, como os Estados Unidos, na visão de Moore, possuem uma longa
te contribuirá para a compreensão de todas as outras
821-1

tradição de invadir militarmente outros territórios (como os mais recentes casos do


Afeganistão e Iraque), deveriam também ao invadir roubar as boas ideias.
ciências humanas e sociais: são os livros da renomada

16 POLISABER
aulas 1 e 2 GEOGRAFIA GERAL

Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense. Sob o melhor será seu funcionamento e, portanto, a vida das
formato “O que é...”, nela poderemos encontrar: O que pessoas. Não deveria haver, de acordo com o economista
é Capitalismo, O que é Socialismo, O que é Comunismo, escocês, interferência na relação entre indivíduos ou em-
O que é Anarquismo, entre inúmeros outros temas de presas que compram e vendem, sejam eles bens, serviços
várias áreas do conhecimento. Não deixe de ler! ou mão de obra. Quer dizer, relacionam-se no mercado.
Por isso, como já debatemos, o capital(ismo) é relação
A ética protestante e o espírito do capitalismo social. Se, por exemplo, um indivíduo (ou empresa) pensar
Escrito entre 1864-1920. somente em seu próprio benefício, acabará oferecendo
Conectando religião e economia, a obra é essencial para o melhor, no mercado, para que justamente continue a
entender o sistema capitalista. O autor Max Weber, um vender e a lucrar. Beneficiam-se, portanto, todos: indiví-
dos pais da sociologia moderna, junto com Karl Marx duos e empresas, compradores e vendedores. Logo, se
e Émile Durkheim, estuda a relação entre as religiões o Estado “intrometer-se” nas livres relações propiciadas
protestantes e o desenvolvi- no mercado, elas ocorrerão de maneira imperfeita, o que
mento do sistema capitalista. acarretará problemas na sociedade.
Ao contrário do catolicismo
romano, em que o lucro era (ou
é?!) considerado um “pecado”,
no protestantismo tratava-se
ÁGORA
de uma virtude. Essa é uma
das explicações de sentido
“cultural” para as diferentes O capital não é uma coisa. É um processo que só
REPRODUÇÃO

origens de capitalismo entre a existe em movimento.


protestante América do Norte,
especialmente os Estados David Harvey,
Capa da edição alemã
Unidos, e a católica América geógrafo britânico.
de 1934.
Latina.
Considerando o texto desta aula, o que Harvey quis
dizer na frase acima? Qual a relação dela com o concei-
A riqueza das nações to de espaço geográfico, paisagem, ideologia e poder?
Publicado pela primeira vez em 1776, na Inglaterra, e Enfim, como podemos definir capital? Discuta esse tema
escrito por Adam Smith, o livro é considerado a base essencial para o debate geográfico com seus colegas e
teórica inicial do capitalismo ou liberalismo econômico e com seu professor.
até mesmo do próprio pensamento econômico contem-
porâneo. Devemos notar que no mesmo ano foi igual-
mente publicada a “Declaração
da Independência dos Estados
Unidos”; em 1789 iniciava-se
a Revolução Francesa, bem
como ocorria a primeira fase da
Revolução Industrial Inglesa por
volta de 1760.24 Todos esses
são eventos que indicavam o
REPRODUÇÃO

amadurecimento do sistema
capitalista ao transitar de sua
fase comercial para a industrial.
Página da primeira
edição de Wealth of Segundo Adam Smith, quanto
Nations (A riqueza menos intervenção do Estado
das nações). houver na sociedade, tanto
821-1

24
 s aulas de História e Sociologia poderão ajudar muito no tratamento dessas
A
questões.

POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 1 e 2

S E N H A
o capital financeiro é hegemônico na
atual fase do capitalismo globalizado

A maioria dos principais analistas, estudiosos e autores das ciências sociais e economistas entende que
o capital financeiro é hegemônico na atual fase do capitalismo globalizado, tanto os que o criticam quanto
seus defensores. O fato, como vimos nestas duas aulas,25 é a extrema concentração de riqueza nas mãos
de poucos. Realidade atestada pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das
Nações Unidas (ONU), Fórum Econômico Mundial e inúmeras outras entidades globais e pesquisadores
internacionalmente reconhecidos.
Como isso afeta o espaço geográfico? Quais os impactos nas políticas públicas e na gestão das cidades?
Isso tem a ver com a sua vida? De que maneira? Há alternativas? Como poderiam ocorrer na prática? Mu-
danças são possíveis ou somos apenas espectadores?
821-1

25
Ler também as aulas 1 e 2 do Caderno 1 de Geopolítica: “Globalizações”.

18 POLISABER
GEOGRAFIA GERAL – AULA 3

A natureza fez o homem


feliz e bom, mas a sociedade
deprava-o e torna-o miserável.
REPRODUÇÃO

Jean-Jacques Rousseau, filósofo francês.

Os utópicos profissionais de trabalhadores; e distribuição justa da


riqueza. Como poderá ser lido logo a seguir, até certo
Os conceitos, ideias, pensamentos e definições atual- ponto o socialismo utópico possui também algumas
mente debatidos, estudados e utilizados como estratégia semelhanças com o anarquismo, particularmente no
governamental ou políticas públicas por alguns governos que se refere às concepções de autogestão dos traba-
“de esquerda” são legados diretos do chamado socialis- lhadores.
mo científico, o qual exploraremos na sequência. Porém, A despeito das diferenças com o socialismo científico,
antes desse formato contemporâneo existiram, entre a meta final é a mesma: a fundação de uma sociedade não
aproximadamente os séculos XVIII e a primeira metade capitalista em que não houvesse a propriedade privada
do XIX, os socialistas utópicos. dos meios de produção e a divisão entre classes sociais.
A palavra utopia, originária do livro homônimo de Tho- A grande pergunta que fica é: o socialismo, seja o
mas More (1478-1535), remete a um lugar ou algo que não chamado utópico ou não, seria uma utopia ou um “lugar”
existe ou não pode ser alcançado. Adotam, os ditos socia- que pode ser atingido?
listas utópicos, os mesmos fundamentos do socialismo em
geral, mas foram considerados ingênuos em seus meios e
na estruturação teórica. Entretanto, essa versão pode ser
contestada na medida em que o título “utópico” não teria Socialismo científico
sido utilizado pelos próprios pensadores dessa vertente
do socialismo (Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc e Sintetizar as amplas e complexas contribuições de
Robert Owen), mas sim por seus críticos.1 Marx e Engels não é tarefa fácil. A possiblidade de cair
É verdade que em termos de elaboração teórica os na excessiva simplificação ou na supressão de concei-
pais do socialismo científico, Karl Marx e Friedrich Engels, tos essenciais é muito grande. Mas talvez possamos
criaram, no conjunto de suas obras, um suporte muito começar por um raciocínio de oposição: uma sociedade
mais consistente, sofisticado e abrangente; o que não socialista é aquela em que os meios de produção não
invalida a proposta e a essência filosófica dos que os possam ser propriedade privada de uma pessoa ou de
antecederam. Mesmo porque certamente os socialistas uma organização, seja uma empresa ou não. Justamente o
científicos fizeram também uso dos “utópicos” para que contrário do que determina o capitalismo. No socialismo,
pudessem dar novos saltos e atingir o refinado nível a propriedade dos meios de produção é coletiva, pública,
teórico que alcançaram. e deve pertencer a todos e todas.
De maneira geral, os socialistas utópicos pretendiam Em muitas das sociedades primitivas, há milênios, ou ain-
atingir seus objetivos, a sociedade socialista (igualitária), da em boa parte das sociedades indígenas da atualidade,
por meio de pequenas empresas; cooperativas; créditos as ferramentas destinadas à produção, os instrumentos
e assistência aos trabalhadores; comunidades agroindus- utilizados para proteção e a terra onde vivem são proprie-
triais autônomas; propriedades coletivas; associações dades coletivas, de todo o conjunto de habitantes daquele
grupo. Um nativo, por mais capaz e trabalhador que seja,
não poderá apossar-se tanto de meios de produção quanto
1
 riedrich Engels, companheiro intelectual de Karl Marx, publicou em 1880 o livro Do
F
821-1

Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, quando, principalmente, diferencia os de produtos socialmente produzidos. Até mesmo objetos
dois modelos.

POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aula 3

produzidos de modo individual podem ser apropriados co- Conceitos


letivamente, a depender de sua importância de uso social
para o grupo. Por exemplo, um arco, produzido de modo Há vários outros conceitos essenciais para o marxismo
individual, poderia ser apropriado individualmente, mas (e por consequência para o socialismo científico), vejamos
uma plantação não: apesar de exigir o trabalho individual, alguns dos principais:
possui relevância social. Aos índios pareceria absurda a —— Burguesia: classe social detentora dos meios de
ideia de propriedade privada da terra, porquanto não é a produção que, para produzir, compra, em troca de
terra que lhes pertence, mas sim eles é que pertencem um salário, a mão de obra dos trabalhadores.
à terra. Ela é o local onde viveram seus antepassados, —— Proletariado: classe social detentora somente de
onde sua cultura foi criada e será mantida, onde retiram seu próprio corpo, ou seja, de sua força de trabalho
os recursos para viver e onde viverão as próximas gera- que, por nada mais possuir, a vende ao burguês
ções. É como se o território fosse uma extensão de seus (capitalista) em troca de um salário.
corpos, de suas vidas e de seu povo: não pode ser vendido —— Ditadura do proletariado: não se deve confundir
ou trocado por nada, mesmo por outra terra considerada esse conceito utilizando-o para justificar violência
“com maior valor de mercado”. e autoritarismo cometidos pelo Estado declarado
socialista. Marx entendia que entre o capitalismo
e o comunismo haveria uma fase de transição, o
socialismo. Nesse período, a aludida ditadura do
Socialismo e comunismo
proletariado deveria ser sinônimo de “ditadura”
da maioria. Em outras palavras, o poder caberia de
Karl Marx, elaborador das teorias socialistas e comunis-
fato ao trabalhador e ao povo para, no ir fazendo,
tas de maior prestígio, viveu no século XIX e, junto com
aprenderem a se autogovernar. Na verdade, um
Friedrich Engels, produziu obras clássicas para várias
regime próximo à democracia direta e não mais à
ciências, entre elas história, sociologia, política e econo-
democracia representativa em que se elege alguém,
mia e com repercussão em praticamente todos os outros
com um mandato predeterminado, para decidir em
campos das áreas de humanas e sociais. Em seus textos,
nome de um grande grupo. O uso da repressão e da
desenvolveu profundas análises, sempre com um intenso
coerção por parte do Estado igualaria um “governo
fundo filosófico, pretendendo, de igual modo, produzir
socialista” a um “governo capitalista”.
teorias que levassem à ação. Conforme afirmava: levas-
—— Luta de classes: é a disputa entre diferentes
sem à ação revolucionária para a mudança da sociedade
classes sociais, ao longo da história, por possuírem
capitalista em socialista e desta à sociedade comunista.
interesses antagônicos. Quer dizer, é o conflito de
É importante estabelecermos a diferença basilar entre
integrantes de uma determinada classe social por ser
estas duas últimas formas de organização social. Na pri-
economicamente explorada por outra. No capitalismo,
meira, socialista, seria exatamente uma fase de transição
é o embate entre burgueses e proletários.
para o comunismo. Seria praticada em escala nacional, ou
—— Exército industrial de reserva: é a manutenção
seja, por países. Já nesse momento a propriedade privada
permanente de um percentual de trabalhadores
dos meios de produção seria abolida e se tornaria estatal.
desempregados na sociedade capitalista para
O Estado, por sua vez, não deveria se converter em um
forçar o rebaixamento constante dos salários e o
grupo privilegiado por concentrar os meios de produção,
enfraquecimento da luta dos trabalhadores.
mas sim obrigatoriamente organizar a sociedade para
—— Infraestrutura e superestrutura: todas as socieda-
que ela viesse a não precisar do próprio Estado, partindo,
des são compostas por uma base econômica (infra-
assim, ao comunismo. O Estado no socialismo, portanto,
estrutura) e superestruturas que por ela são forte-
teria o papel fundamental de educar o povo e os traba-
mente influenciadas e voltam a influenciar a base. Há
lhadores para que pudessem ordenar e controlar a si
dois tipos de superestrutura: a jurídico-política e a
próprios: autogestionando-se. Nesse sentido, o socialismo
ideológico-cultural. Na primeira está toda a organiza-
e o comunismo igualam-se ao anarquismo.2 No socialis-
ção estatal, legal e judicial. Nela, por exemplo, o Es-
mo ainda haveria classes sociais, mas com a negação
tado tem o poder da força, da repressão. Há todo um
do capitalismo; já no comunismo, elas desapareceriam.
aparato normativo para garantir o funcionamento da
base econômica, em que efetivamente ocorre a ex-
821-1

2
Leia a seguir “Anarquismo é desordem?”. ploração do trabalho, gerando a mais-valia. Vemos

20 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL

isso de maneira clara quando a polícia reprime as Substancialmente, os propósitos finais do anarquismo
manifestações de movimentos sociais ou trabalhado- são os mesmos do socialismo e do comunismo: alcançar
res em greve. A outra superestrutura cuida das ideias, uma sociedade sem classes sociais, não capitalista e sem
isto é, refere-se a todos os ambientes sociais (escola, a propriedade privada dos meios de produção. A diferença
televisão etc.) construídos para a aceitação e desco- entre as duas formas de pensamento está em como atingir
nhecimento, por parte do povo e do trabalho, de sua tais objetivos. Para o socialismo científico, o partido político
condição de explorado. Quer dizer, tentar evitar que e o Estado seriam o caminho para a conquista da sociedade
os cidadãos protestem, reivindiquem e critiquem socialista e depois comunista. Para os anarquistas não.
qualquer circunstância injusta provocada pelo siste- Segundo defendem, partidos e governos são organizações
ma. Assim, desconhecendo sua verdadeira verticais e autoritárias, o que impediria, enquanto meio, a
situação, não a combaterá. ascensão a uma sociedade igualitária, solidária e horizontal.
—— Mais-valia: termo O princípio fundamental do anarquismo é a autogestão e
pertencente a um a ação direta. De acordo com os anarquistas, homens e
complexo conjunto mulheres têm a capacidade de administrar a própria vida,
de teorias econômi- tanto a organização política da sociedade em geral como
cas de Marx, presen- dos empreendimentos econômicos. Não há a necessidade
te em uma de suas REPRODUÇÃO de um Estado e de governantes ou de líderes partidários que,
obras mais relevan- “representando” a maioria, governem em nome da maioria:
tes (O capital), tam- a maioria pode se autogovernar. Para a gestão das empresas
bém por isso mesmo Karl Marx, primeiro e vale o mesmo raciocínio: os próprios trabalhadores podem
fruto de muita polê- principal teórico do gerenciar e conduzir os negócios, sem um intermediário, o
mica. A mais-valia, socialismo científico. patrão. Afinal de contas, a sociedade, as empresas e tudo
concisamente, é o o que existe é produzido e construído pelo povo e pelos
valor produzido pelo trabalhador e não pago a ele trabalhadores. Para os anarquistas não é possível romper
em seu salário. Por exemplo, um operário que tra- com o autoritarismo, seja ele de cunho econômico ou polí-
balhe 8 horas por dia, 22 dias por mês, produzindo tico, agindo autoritariamente. Em razão de tais posições é
o equivalente a R$ 100,00 por hora terá gerado ao previsível que os anarquistas fossem, e o foram, repelidos
capitalista R$ 17.600,00. Recebendo um salário tanto pelos socialistas e comunistas (ao menos uma parte
de R$ 1.000,00; o valor extra ou mais valor não deles) quanto, especialmente, pelos capitalistas.
retornado a quem de fato produziu, o trabalhador, No Brasil, entre seus anarquistas mais famosos e con-
será de R$ 16.600,00. O lucro propriamente dito, temporâneos está Roberto Freire. Psiquiatra, escritor e
do capitalista, é a diferença entre o montante da pesquisador científico, faleceu em 2008, tendo deixado
mais-valia e todos os outros valores que devem ser um importante conjunto literário, além de também ter
pagos e envolvem a produção. criado a somaterapia. Ela constitui uma forma alterna-
tiva de terapia fundamentada na linguagem corporal e
verbal, cujos pressupostos estão respaldados no psica-
nalista Wilhelm Reich, nos princípios anarquistas, na
Anarquismo é desordem?
antipsiquiatria e outras fontes. O grupo herdeiro das ideias
de Roberto Freire publica no Brasil, por meio da Editora
Por vários motivos, alguns não planejados e outros nem
Casa Amarela, a revista mensal Caros Amigos.
tanto, muitas vezes a palavra “anarquia” ou “anarquismo”
A lista de outros anarquistas proeminentes seria
é associada a bagunça, desordem ou confusão. Todavia,
longa, por isso ilustramos
REPRODUÇÃO

ao menos seu significado sociológico e político nada tem


somente alguns: Proudhon,
a ver com os sentidos apontados. Trata-se de uma filosofia
Mikhail Bakunin, Enrico
teórica e prática relacionada à constituição de um tipo
Malatesta, Emma Goldman,
diferente de organização econômica e sociopolítica das
Francisco Ferrer y Guardia,
sociedades e até mesmo de comportamentos e hábitos.
Murray Bookchin, Diego
Como qualquer outro pensamento estrutural, possui várias
vertentes e diferentes formas de interpretação, engloban- Abad de Santillán, William
do igualmente várias áreas da ciência, como a psicanálise, Godwin e José Oiticica
821-1

a literatura, as ciências econômicas, entre outros setores. (poeta brasileiro). Mikhail Bakunin.

POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aula 3

As experiências socialistas —— Cuba: em 1o de janeiro de 1959 um grupo de guer-


rilheiros comunistas, liderado por Fidel Castro, Raúl
São inúmeras as experiências socialistas ou de cunho co- Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cinfuegos,
munista que podemos citar. Sublinhamos alguns dos even- expulsou o ditador Fulgencio Batista do poder. Desde
tos contemporâneos mais significativos e emblemáticos: então, e até o presente momento, instalou no país o
—— Comuna de Paris: ocorrido em 1871, apesar de primeiro governo socialista na América Latina.
ter durado pouco tempo, é considerado o primeiro —— China: começando sua revolução em 1949 com
governo socialista da história. Mao Tse-tung, a China continua declarando-se
—— Revolução Russa de 1917: ao derrubar o governo socialista. No entanto, é difícil aceitar tal deno-
czarista, os revolucionários bolcheviques, liderados minação. É muito mais plausível afirmar que se
por Lenin, criaram o primeiro, e maior, país socia- trata, sim, de um dos principais países capitalistas
lista. Formou-se então a União das Repúblicas So- da atualidade. Por exemplo, desde 2011, possui
cialistas Soviéticas, a URSS. Ao longo de décadas e o maior PIB industrial, superando o dos Estados
de governos extremamente violentos e ditatoriais, Unidos. Espalha rapidamente suas várias empresas
como o de Josef Stalin, sucumbiu à decadência transnacionais por todo o planeta, além de inun-
econômica e ao totalitarismo. Foi extinta em 1991 dar o mundo com seus produtos manufaturados.
durante a gestão de Mikhail Gorbatchev com a Funciona e comporta-se, na prática, como um país
aplicação da glasnost (transparência política) e da eminentemente capitalista.
perestroika (reforma econômica). No entanto, a ex- Existiram muitos outros países que se autoclassificaram
periência soviética alcançou, não se pode deixar de como socialistas ou comunistas, a maior parte deles, senão
mencionar, certo nível de desenvolvimento social, todos, resumiram-se a ditaduras sanguinárias para garantir
conforme resultados obtidos nos setores educa- poder e riqueza a poucas famílias e pequenos grupos.
cional e científico. Principalmente no pós-Segunda Em conclusão, diversos dos casos referidos, ao me-
Guerra Mundial e até 1989, com a simbólica queda nos os que tiveram repercussão considerável, estão
do muro de Berlim, um grande conjunto de países discutidos pormenorizadamente em várias outras aulas
do Leste Europeu adotou o que se chamava de distribuídas não só nos demais cadernos de geografia
socialismo, constituindo o bloco socialista. Juntos geral, mas também nos de geopolítica e história geral. Isso
com a URSS, protagonizaram os embates da Guerra posto, para aqui não sermos repetitivos, recomendamos
Fria contra os Estados Unidos e o bloco capitalista. a leitura de tais materiais.

EXERCÍCIOS

1. (Unesp) As empresas estatais foram quase todas privatizadas e


o controle do Estado sobre as companhias particulares
As duas guerras mundiais cortaram boa parte dos foi reduzido ao mínimo. Outra mudança importante
vínculos econômicos entre os países. Depois de 1945, neste período foi o fim do comunismo soviético, em uma
a economia capitalista recuperou, pouco a pouco, seu sequência de eventos que tem como marco a queda do
alcance mundial, num processo conduzido, principal- Muro de Berlim, em 1989. A Guerra Fria terminou, com
mente, pelas empresas multinacionais. A partir do final a vitória indiscutível do capitalismo.
da década de 1980, o cenário econômico mundial passou
FUSER, Igor.
por profundas transformações. Dentre elas, a ascensão
Geopolítica: o mundo em conflito, 2006. Adaptado.
ao poder, nos dois países mais importantes do mundo ca-
pitalista, do presidente norte-americano Ronald Reagan
e da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Suas O texto enfatiza a ascensão ao poder de líderes po-
ações políticas atacaram os direitos trabalhistas e os be- líticos partidários
nefícios sociais, em prejuízo da maioria da população. O a) do socialismo. d) do fascismo.
objetivo era aumentar a parcela da riqueza nacional em b) do neoliberalismo. e) da social-democracia.
821-1

mãos dos capitalistas. A desigualdade social se acentuou. c) do comunismo.

22 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL

2. (FGV) O movimento de owenismo (Robert Owen), no chamado socialismo utópico do século XIX, caracterizou-se
por:
a) pretender a conquista do poder imediatamente e por meio da luta armada.
b) pretender destruir o sistema capitalista, por sua paralisação por uma greve universal e de duração indeterminada. 
c) pretender a criação de comunidades-modelo, a base da cooperação, nas quais não haveria a instituição do lucro.
d) pretender chegar ao socialismo, por meio de barganhas entre a cúpula sindical e os representantes dos patrões,
unicamente.
e) sustentar que havia o capitalismo em virtude de os homens terem sido condenados à miséria terrena, sendo o
mundo celestial socialista, daí a abdicação de qualquer movimento de rebelião ou greve.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Seguindo a mesma lógica das duas aulas anteriores, agora na aula 3, nossos objetos são as definições de “socialis-
mo” e “comunismo”. Convivendo e contrapondo-se ao capitalismo, em alguns momentos históricos chegou a parecer
que desapareceriam por completo enquanto possibilidade teórica e prática. Depois, ressurgiram. Em outros períodos
assemelharam-se muito ao que de pior oferece o capitalismo: a criação de pequenas castas isoladas, verdadeiras elites
depositárias de todos os benefícios e vantagens.
Nesta aula, buscamos mostrar não só uma abordagem teórica para termos clareza do que se está falando, mas também
instigar a reflexão a respeito das eventuais possibilidades alternativas de organização da sociedade. É justamente essa
capacidade de crítica, impossível sem a constante prática e elevado nível de informações, que pretendemos oferecer,
acompanhando o que é cobrado não só pelos processos seletivos das universidades, mas também durante a realização
do curso superior em qualquer área do conhecimento.
Bons estudos e continue se divertindo!

EXERCÍCIOS

1. (UERJ)

Os anarquistas, senhores, são cidadãos que, em um século em que se prega por toda a parte a liberdade das opiniões,
acreditam ser seu dever recomendar a liberdade ilimitada. [...] Os anarquistas propõem-se, pois, a ensinar ao povo a viver
sem governo, da mesma forma como ele começa a aprender a viver sem Deus.

VOILLIARD, Odette et al.


Declaração dos Anarquistas, 1883.
Documents d’Histoire Contemporaine (1851-1971). Paris: Armand Colin, 1964.

No texto acima, está apresentado o seguinte princípio do anarquismo:


a) rejeição do poder instituído, negando a necessidade do Estado.
b) recusa das eleições, substituindo-as pelo sindicalismo revolucionário.
c) fim do Estado e da Igreja, pregando sua substituição por ações de um cooperativismo associacionista.
821-1

d) superioridade da ação profissional sobre a da política, buscando a independência dos partidos políticos.

POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aula 3

2. (FGV) c) a supressão de toda legislação trabalhista e social,


tida como mecanismo de alienação e cooptação do
O maior drama histórico contemporâneo reside no proletariado.
abismo entre a atualidade da necessidade de supe- d) a realização de sucessivas reformas na estrutura
ração do capitalismo e a regressão nas condições da capitalista, possibilitando a gradativa implantação
implantação dessa superação. A passagem, dentro do do comunismo avançado.
capitalismo, do modelo regulador para o neoliberal e a
passagem do mundo bipolar para o unipolar, com o fim
do chamado campo socialista, geraram esse abismo. 4. (UFFRJ)

SADER, Emir. Em 1921, o problema nacional central era o da recu-


Caros Amigos. peração econômica – o índice de desespero do país
jul. 2006. Ano X, n. 112.
é eloquente: naquele ano, 36 milhões de pessoas não
tinham o que comer. Nas novas e ruinosas condições da
São exemplos do quadro político e econômico des-
paz, o “comunismo de guerra” revelava-se insuficiente:
crito nesse parágrafo:
era preciso estimular mais efetivamente os mecanis-
a) as atuais políticas públicas implantadas por países
mos econômicos da sociedade. Assim, ainda em 1921,
pobres que, em sua maioria, conseguiram resolver
no X Congresso do Partido, Lenin propõe um plano
problemas sociais, como os de educação e saúde,
econômico de emergência: a Nova Política Econômica.
resultados que não foram conquistados por países
socialistas.
NETO, José Paulo.
b) a permanência do modelo centralizador da economia
O que é stalinismo.
por parte do Estado, por meio das novas agências re-
São Paulo: Brasiliense, 1981.
guladoras pós-privatizações, tal como ocorre no Brasil
nos setores de comunicação e energia, por exemplo.
Sobre a chamada Nova Política Econômica, é corre-
c) o fim do mundo bipolar, característico do período da
to afirmar que:
Guerra Fria, considerado como um modelo neoliberal
a) ela reintroduziu práticas de exploração econômica
entre os países capitalistas e, com o fim desse pe-
anteriores à Revolução Russa de 1917, que se tra-
ríodo, as economias mais ricas passaram a adotar
duziram em um abandono temporário de todas as
políticas intervencionistas sobretudo nas grandes
transformações socialistas já feitas e em um retorno
corporações financeiras.
ao capitalismo.
d) a formação do mundo unipolar exemplificado na
b) ela consistiu na manutenção de elementos eco-
atualidade pelo acordo entre os países europeus – a
nômicos socialistas, na organização da economia
União Europeia. Prova disso é o ingresso de nações
(como o planejamento) e na permissão para o esta-
que adotavam o socialismo e que hoje são neoliberais
belecimento de elementos capitalistas por meio da
e utilizam a moeda única do bloco – o Euro.
livre-iniciativa em certos setores.
e) a adoção, por países capitalistas da semiperiferia in-
dustrializada, de políticas neoliberais, principalmente c) ela significou fundamentalmente uma reforma agrá-
na última década do século XX, estratégia que já ha- ria radical que promoveu a coletivização forçada das
via sido adotada pelos países capitalistas mais ricos. propriedades agrárias e a construção de fazendas
coletivas, os Kolkhozes.
d) seu resultado foi catastrófico, mesmo permitindo a
3. (PUC/MG) O chamado socialismo científico, formu- volta controlada de relações capitalistas na econo-
lado por Marx e Engels no século XIX, propunha: mia, já que ela ampliou ainda mais o nível de desem-
a) a superação do capitalismo pela ação revolucionária prego e produziu fome em grande escala.
dos trabalhadores, aglutinados em torno da Interna- e) ela significou, com a abertura para o capitalismo, um
cional Socialista. aumento substancial da produção industrial, mas, ao
b) a redução do papel do Estado na economia para mesmo tempo, por terem retirado todos os incentivos
efetivar o controle direto pelo proletariado sobre os anteriormente concedidos à produção agrícola, foi a
821-1

meios de produção. razão da ruína do campo.

24 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL

5. (FGV) Com base no materialismo histórico de Karl dos estados-maiores das grandes firmas e dos grandes
Marx, o estudo da sociedade deve ter como ponto bancos que decidem sobre a localização de seus
de partida  investimentos em plano regional, nacional e internacional.
a) uma ideia ou conceito previamente fixado pelo Essas diferentes análises geográficas, estreitamen-
pesquisador. te ligadas a práticas militares, políticas, financeiras,
b) o entendimento das intenções subjetivas dos atores formam aquilo que se pode chamar “a geografia dos
sociais. estados-maiores”, desde os das forças armadas até os
c) as ideias da classe dominante e sua relação de do- dos grandes aparelhos capitalistas.
minação com a sociedade. Mas essa geografia dos estados-maiores é quase
d) a análise das relações do homem com a natureza e completamente ignorada por todos aqueles que não a
das relações entre homens na atividade produtiva. executam, pois suas informações permanecem confi-
e) o comportamento humano diante dos problemas denciais ou secretas.
nascidos nas relações familiares. A guerra do Vietnã forneceu numerosas provas de
que a geografia serve para fazer a guerra de maneira a
mais global, a mais total. Um dos exemplos mais céle-
bres e mais dramáticos foi a execução, em 1965, 1966,
1967 e sobretudo em 1972 de um plano de destruição
RODA DE LEITURA
sistemática da rede de diques que protegem as planí-
cies densamente povoadas do Vietnã do Norte: elas
O pensador francês Yves Lacoste é um dos mais talento- são atravessadas por rios caudalosos, com terríveis
sos geógrafos da atualidade. Em sua longa carreira como cheias que escoam não por vales, mas, ao contrário,
professor e pesquisador, produziu obras fundamentais sobre elevações, terraços, que são formados por seus
para a compreensão da ciência geográfica, concentrando- aluviões. Esses diques, cuja importância é, de fato,
-se em seus significados políticos velados. Os trechos a absolutamente vital, não poderiam ter sido objeto de
seguir pertencem a um de seus livros mais importantes: bombardeamentos maciços, diretos e evidentes, pois
A Geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. a opinião pública internacional ali teria visto a prova da
perpetração de um genocídio. Seria preciso, portanto,
Na verdade, a função ideológica essencial do discurso atacar essa rede de diques, de forma precisa e discreta,
da geografia escolar e universitária foi sobretudo a de em certos locais essenciais para a proteção de alguns
mascarar por procedimentos que não são evidentes a quinze milhões de homens que vivem nessas peque-
utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a nas planícies, cercadas por montanhas. Era necessário
condução da guerra, como ainda para a organização do que esses diques se rompessem nos lugares em que a
Estado e prática do poder. E sobretudo quando o discurso inundação teria as mais desastrosas consequências. A
geográfico parece “inútil”, exerce a função mistificadora escolha dos locais que era preciso bombardear resulta
mais eficaz [...]. A sutileza foi a de ter utilizado um saber de um raciocínio geográfico, comportando vários níveis
estratégico militar e político como se fosse um discurso de análise espacial. Em agosto de 1972, foi pela elabora-
pedagógico ou científico perfeitamente inofensivo. [...] Ela ção de um conjunto de raciocínios e de análises que são
(a geografia) continua a ser como há séculos, um temível especificamente geográficas que eu pude demonstrar,
instrumento de poder. Esse conjunto de representações sem ter sido contraditado, a estratégia e a tática que o
cartográficas e de conhecimentos bem variados, visto Estado-maior americano executava contra os diques. Se
em sua relação com o espaço terrestre e nas diferentes foi um procedimento geográfico que permitiu desmas-
formas de práticas do poder, forma um saber claramente carar o Pentágono, isso se deu exatamente porque sua
percebido como estratégico por uma minoria dirigente, estratégia e sua tática se alicerçavam essencialmente
que a utiliza como instrumento de poder. sobre uma análise geográfica. Coube a mim reconstituir,
À geografia dos oficiais decidindo com o auxílio das a partir de dados eminentemente geográficos, o racio-
cartas a sua tática e a sua estratégia, à geografia dos cínio elaborado para o Pentágono por outros geógrafos
dirigentes do aparelho de Estado, estruturando o seu (“civis” ou de uniforme, pouco importa).
espaço em províncias, departamentos, distritos, à
geografia dos exploradores (oficiais, frequentemente) Você acredita que o ensino da Geografia no Brasil está
821-1

que prepararam a conquista colonial e a [...] geografia ou esteve submetido à função ideológica anunciada no

POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aula 3

texto? Em termos gerais, mesmo outras disciplinas, e não Filmes


só as humanas e sociais, podem elas serem utilizadas
com interesses ideológicos de grupos específicos? É Como desestabilizar uma nação
possível haver conhecimento desvinculado de qualquer Estúdios Walt Disney. Estados Unidos, 1943.
proposta ideológica? Há relações entre a escola e o Embora atualíssimo, trata-se de um desenho animado
sistema político seguido em determinada sociedade? É produzido na década de 1940. Oferece uma análise
possível o ensino estar a serviço da maioria? Como, na crítica das relações sociais e políticas contemporâneas,
prática, isso poderia se efetivar? evidenciando estratégias de dominação. Disponível em:
goo.gl/oV48n0. Acesso em: 16 jan. 2016.

NAVEGAR

Não é um excesso sublinhar que há muitas opções na


Internet, e entre elas, uma grande parte está em inglês
e espanhol. Não há o que lamentar, mas sim ter mais

REPRODUÇÃO
um motivo para quem não domina dois dos principais
idiomas na atualidade aprendê-los. No caso do inglês,
gostemos ou não, é uma língua hegemônica e que ain-
da, por muito tempo, continuará dominando todos os
principais campos: tecnologia, ciências em geral, polí- Um Rei em Nova York
tica, economia, negócios etc. Destacamos alguns sites Produção e direção: Charles Chaplin. Inglaterra, 1957.
para quem deseja se aventurar no idioma anglo-saxão Apesar de não ser uma de suas obras mais divulgadas, é tão
e concomitantemente acessar conhecimentos práticos boa ou melhor do que as mais
sobre a realidade baseados em teorias de fundo liberal conhecidas. Trata-se de uma
ou socialista: foreignaffairs.com, democracynow.org, crítica ao macarthismo (Esta-
wsws.org, adamsmith.org, foreignpolicy.com, aljazeera. dos Unidos, 1950-1957) quan-
com, newleftreview.org, levyinstitute.org etc. do se perseguiu lideranças e
personalidades consideradas
comunistas, bem como ao con-
sumismo e ao american way
 ites
S
of life.3 Nos Estados Unidos, o

REPRODUÇÃO
filme foi exibido pela primeira
Outras palavras – Comunicação compartilhada pós-
vez somente em 1973.
-capitalismo
Disponível em: outraspalavras.net. Acesso em: 16 jan. 2016.
Outro vídeo muito interessante para a compreensão dos
Além de informações, oferece análises de primeira
temas deste caderno é o debate ocorrido em 1985 entre
qualidade tanto do contexto nacional quanto de vários
dois ícones do pensamento social e político no Brasil: Luís
outros países. Carlos Prestes e Roberto Campos. O primeiro (chamado
de o Cavaleiro da Esperança pelo escritor Jorge Amado)
El País – O jornal global liderou um famoso movimento que levou seu nome, Colu-
Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em: 16 jan. 2016. na Prestes,4 tendo sido ainda senador entre 1946 e 1948,
Jornal diário espanhol, mas com versão digital para o secretário-geral do Partido Comunista do Brasil e marido da
português brasileiro. De tendência social-democrata, também militante comunista Olga Benário.5 Durante déca-
disponibiliza opiniões e informações relacionadas a várias
áreas e regiões. 3
Estilo de vida e comportamento social característico dos Estados Unidos.
4
 ovimento político-militar de resistência na primeira década dos anos 1920. Contestava
M
a “República Velha” e exigia políticas sociais básicas à população, entre elas a educação.
Em sua marcha, percorreu aproximadamente 25 mil quilômetros no interior do território
brasileiro com um grupo fixo de cerca de 200 homens.
821-1

5
 obre essa personagem da política brasileira vale a pena ler a biografia de Fernando
S
Morais, publicada em 1994 pela editora Companhia das Letras.

26 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL

das no Brasil, Prestes foi a principal liderança de esquerda. Livros


Por outro lado, Roberto Campos notabilizou-se pela defesa
do liberalismo ao longo de sua vida. Além de professor, Geógrafo internacionalmente
exerceu os cargos de diplomata, deputado federal, senador reconhecido, o britânico David
e ministro do Planejamento no governo Castello Branco (o Harvey é autor de vários livros,
primeiro da ditadura militar brasileira). Foi apelidado de Bob
entre eles Para entender O Ca-
Fields pelos adversários por conta de sua proximidade e
pital: Livro I, de 2013, e Para en-
crença nos ideais do capitalismo estadunidense. No referido
tender O Capital: Livros II e III,
debate, cada um deles defendia, respectivamente, o comu-
de 2014, ambos publicados no
nismo e o capitalismo. Apesar de alguns posicionamentos
Brasil pela Editora Boitempo.
teóricos hoje defasados, a mesa-redonda é muito impor-

REPRODUÇÃO
Como o próprio título diz, os
tante tanto pelo que representam os participantes, mas
dois textos visam facilitar a lei-
igualmente pela importância histórica do encontro, além,
tura e a compreensão da obra
é claro, das definições básicas a respeito dos conceitos em
máxima de Karl Marx, O Capital.
questão. Entre as ideias superadas estão a “inexorabilidade
do socialismo”, argumentada por Prestes. Ou seja, para ele
necessariamente o socialismo seria o próximo sistema a
Imperialismo, fase superior
substituir o capitalismo. Nesse sentido, existiria um certo
do capitalismo. Escrito pelo
fatalismo histórico, um “trem da história”. Entretanto,
principal líder da Revolução
nada está predeterminado, o futuro da sociedade, como
Russa de 1917, Vladimir Ilitch
de nossa vida individual, não está escrito. O socialismo ou
Lenin, o texto se tornou um
outro sistema, aquilo que vai ou não ocorrer dependerá de
clássico. Nas décadas seguin-
nossas ações pessoais e coletivas. Já para Campos, não
tes motivou vários autores da
existia capitalismo no Brasil. Quer dizer, não existia um
sociologia, da ciência política,
capitalismo “puro”, mas sim um “pré-capitalismo” ou
da ciência econômica, da geo-
REPRODUÇÃO

um capitalismo incompleto. Esse raciocínio desconsidera o


grafia, entre outras áreas. Entre
capitalismo enquanto um sistema global interdependente.
as teorias influenciadas pela
Isto é, não há países capitalistas isolados, todos estão co-
obra, estão os conceitos de
nectados não só entre si, mas entre outros tipos de agentes,
periferia, centro e semiperiferia. É essencial para a com-
como as empresas transnacionais.6 Portanto, o “sucesso”
preensão das relações globais no âmbito dos territórios e
de um capitalismo existente em um país, considerado mais
países. O livro igualmente inovou ao analisar a formação
“puro”, depende também das relações deste com outras
de monopólios, o domínio planetário por corporações
regiões e nações. O espaço geográfico global é a soma ou
e especialmente a ação determinante dos bancos no
o conjunto da articulação entre várias localidades: o capi-
capitalismo a partir do século XX. As ideias apresentadas
talismo (como qualquer outro sistema existente na história
são primordiais para compreender a organização e o
da humanidade) se instala de maneira desigual, mas que
espaço geográfico na atualidade.
se completa ao formar o todo. Não há a possibilidade da
existência de sistemas isolados nos países.7 Além disso,
há a questão histórica. Em alguns países, o capitalismo se
Gramsci para principiantes,
REPRODUÇÃO

instalou primeiro, como nos Estados Unidos e em boa parte


Editora Era Naciente. O pensa-
da Europa Ocidental. Em outros, como o Brasil e a América
dor italiano Antonio Gramsci
Latina, tardiamente. Quer dizer, estes últimos acabaram se
elaborou e expandiu alguns
colocando, mundialmente, de maneira secundária: expor-
dos conceitos mais importan-
tadores de riquezas naturais e matérias-primas às nações
tes para a análise social atual,
centrais mais industrializadas e produtoras de tecnologia
entre eles hegemonia e domi-
avançada. Logo, não há como serem igualmente “puros”.
nação, Estado e sociedade civil,
Disponível em: goo.gl/C1ilB0. Acesso em: 16. jan. 2016. TV
economicismo etc. Mesmo que
Educativa, Rio de Janeiro, 1985, Tribunal do Povo.
em espanhol, o livro citado,
com texto de Nestor Kohan e
821-1

6
Ler Caderno 1 de Geopolítica: “Globalizações”.
ilustrações de Miguel Repiso, é
7
Idem nota de rodapé 6.

POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aula 3

uma excelente síntese a respeito das ideias de Gramsci.


O intelectual influenciou vários outros estudiosos reno- ÁGORA
mados, como o historiador Eric Hobsbawm, os sociólo-
gos Immanuel Wallerstein e Pierre Bourdieu, o geógrafo
[...] acreditamos que as condições materiais já estão
David Harvey, além de ter contribuído para o diálogo da
dadas para que se imponha a desejada grande mutação
geografia com outras ciências sociais.
[...]. Pouco, no entanto, se fala das condições, também
hoje presentes, que podem assegurar uma mutação
Dez dias que abalaram o mundo. filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido
Apesar de ter falecido com ape- à existência de cada pessoa e do planeta.
nas 32 anos, o livro que o jorna-
lista estadunidense John Reed SANTOS, Milton.
publicou em 1919 tornou-se um Por uma outra globalização: do pensamento único à
best-seller mundialmente famo- consciência universal
so. O texto aborda os primeiros Editora Record, 2009.
dias da Revolução Russa de
1917, em que o autor descreve
REPRODUÇÃO
O que o autor desejou expressar no trecho acima? Por
as mudanças radicais do país de quê? Explique. Quais são os significados e relações de
maneira bastante viva e envol- “grande mutação”, “condições materiais” e “mutação
vente. Em 1981, foi lançado nos filosófica”?
Estados Unidos o filme Reds, com direção de Warren
Beaty, baseado na vida do escritor.
821-1

28 POLISABER
aula 3 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A
No espaço sideral há norte ou sul?
Há “em cima” ou “embaixo”?

Há algo de errado com este mapa? Por quê? Ou depende do ponto de vista? No espaço sideral há
norte ou sul? Há “em cima” ou “embaixo”? Se não há, por que o mapa estaria errado? Se não há nada de
errado com ele, por que não é representado dessa maneira? Seria, portanto, errado subverter a imagem
“invertendo-a”? Enfim, qual o motivo, ou motivos, de a imagem do mapa-múndi ter sido convencionada
da maneira que conhecemos?

REPRODUÇÃO

821-1

Fonte: Wikimedia Commons.

POLISABER 29
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL

Aulas 1 e 2 Aula 3

Estudo orientado Estudo orientado

1. c 1. a

2. e 2. e

3. c 3. a

4. b 4. b

5. Comercial: Domínio do capital comercial que viabi- 5. d


lizará a fase seguinte do capitalismo: industrial; co-
mércio possibilitado pelas descobertas marítimas;
Portugal e Espanha se tornam as principais potên-
cias; produção baseada no trabalho escravo; coloni-
zação da América Latina.
Industrial: Início da produção em grande escala;
estabelecimento das corporações transnacionais;
hegemonia do capital industrial; Estados Unidos se
transformam na principal potência; predomínio do
trabalho assalariado.
Financeiro: Domínio da acumulação financeira; ban-
queiros se tornam os maiores capitalistas; especula-
ção financeira (riqueza sem base material) supera a
produção industrial; desemprego em massa; grande
concentração de riqueza.
Informacional: Organização global em rede das cor-
porações transnacionais; maior horizontalidade, co-
nexão global das empresas viabilizada pela internet
e demais avanços nas telecomunicações e logística
global; menos burocracia e menos formalidade na
organização das empresas; desemprego em massa;
grande concentração de riqueza.
821-1

30 POLISABER
ORIENTAÇÃO DIDÁTICA

Caderno 1 R
 espostas dos exercícios

1.
Aulas 1 e 2 a

Caro(a) professor(a),
2. d

Nessas duas primeiras aulas sobre Capitalismo, alguns


pontos são fundamentais para os alunos. Um deles é
mostrar que a definição de capital não deve ser confun- Bibliografia básica
dida com o dinheiro propriamente dito. Ou seja, o capital
constitui um conjunto de relações sociais baseado em WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do Capi-
acúmulo privado de riqueza. Ao mesmo tempo, capita- talismo (há várias edições no Brasil). Escrito entre 1864
lista não é simplesmente aquele que consideramos ter e 1920, a releitura de clássicos é sempre recomendável.
“muito dinheiro”, mas, sim, aquele que é proprietário Portanto, mesmo para quem já leu, vale a pena reler.
privado de meios de produção. Ainda, apesar de ser Como se sabe, Weber relaciona o tipo de Capitalismo
aparentemente óbvio, é fundamental salientar que há criado nos Estados Unidos com a religião dominante
uma grande faixa de capitalistas. Existe tanto aquele naquele país, o protestantismo. Boa oportunidade para
minúsculo grupo de capitalistas de grande porte, acionis- compararmos com o Capitalismo na católica América
tas e proprietários de empresas transnacionais quanto Latina, inclusive no Brasil.
os donos de pequenos comércios ou fábricas. Ambos
não podem ser, grosso modo, colocados em igualdade STIGLITZ, Joseph. Fazendo a globalização funcionar. São
enquanto capitalistas. Ou seja, muitas vezes o pequeno Paulo: Companhia das Letras, 2007. Nobel da Economia
comerciante, por exemplo, está mais próximo do ope- em 2001, Stiglitz, após criticar os prejuízos e as mazelas
rário ou do trabalhador. proporcionados pelo capitalismo globalizado, propõe
Além de ressaltar as diferentes fases de desenvolvi- algumas medidas nas áreas do comércio mundial, demo-
mento do capitalismo, necessárias para que se possa cracia de organizações internacionais, entre outras áreas,
entender o sistema na atualidade, é importante mostrar para tentar tornar o sistema menos injusto. Os outros
que entre os seus críticos estão proeminentes capita- títulos do autor também são bastante recomendáveis.
listas, como Tomas Piketty e Paul Krugman, defensores
da regulação para viabilizar mais igualdade, democracia
e justiça social dentro do capitalismo. Como sempre,
o uso de informações e dados estatísticos é bastante Aula 3
interessante para não ressaltar em demasia aspectos
ideológicos. Caro(a) professor(a),
Algumas questões próximas da vida dos alunos podem
ajudar a compreender o tema dessas aulas. Uma delas Agora, os objetivos centrais são a diferenciação entre
é o consumismo e as características dos shopping a proposta dita científica e a utópica do socialismo; a
centers. Os vídeos indicados, por sua vez, são de extre- diferenciação, ao menos na proposta marxista, entre
ma valia. No presente caso, as opções são excelentes. socialismo e comunismo e a discussão de conceitos es-
Quanto à leitura, talvez seja interessante frisar a indica- senciais também para o ideário anarquista. Outro ponto
ção da obra Manifesto do Partido Comunista que, além muito importante a ser ressaltado são as experiências
da linguagem simples, ajuda a entender os três temas classificadas como sendo socialistas, desde a Comuna
deste caderno: Capitalismo, Socialismo e Comunismo. de Paris até os casos atuais de Cuba e da China, espe-
cialmente.
Bom trabalho!
Bom trabalho!
821-1

POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL orientação didática

R
 espostas dos exercícios

1. b

2. c

Bibliografia básica

HARVEY, David. Para entender o Capital: Livro I. São


Paulo: Editora Boitempo, 2013. Indicado também no
Caderno do aluno, o texto do geógrafo inglês, ao servir
como roteiro para a leitura da principal obra de Karl Marx,
contribui, em sua crítica científica ao capitalismo, para o
entendimento dos princípios do Socialismo e do Comu-
nismo. A mesma observação estendemos ao volume 2
de Harvey, Para entender o Capital: Livro II e III, de 2014.
821-1

32 POLISABER
REPRODUÇÃO

Representação
do espaço geográfico

GEOGRAFIA GERAL 2
GEOGRAFIA GERAL – AULAS 4 E 5

O mapa entrou na era da suspeita.


Ele perdeu sua inocência.
REPRODUÇÃO

Christian Jacob, historiador francês.

Uma história de interesses com versões diferentes. Em outras palavras, opções cien-
tíficas divergentes da estabelecida.
Entre os séculos XIV, XV e XVI, o desenvolvimento da
Como qualquer outra produção humana, a ciência
cartografia foi essencial para que a expansão ultramarina
cartográfica também não é neutra. Os mapas refletem
fosse possível. Não é coincidência a Projeção de Mercator
visões de mundo e interesses pertencentes a grupos
do mapa-múndi datar de 1569: como se apropriar de novos
específicos. O mundo tem um “centro”? Por que a linha
territórios e novas riquezas se a elas não podemos chegar?
imaginária (Greenwich) que indica a divisão entre Oci-
dente e Oriente passa justamente nas proximidades da
cidade de Londres? Por que a Europa e os Estados Unidos
ficam no Norte ou “em cima” e África, América Latina e Cartografia, a ciência dos mapas
Ásia “embaixo”, quer dizer, no Sul?
Estabelecido em 1851 e acordado internacionalmente Definir tecnicamente uma ciência é relativamente fácil,
em 1884, haveria neutralidade em tal convenção (Meri- mas nem sempre isso permite entendermos de fato suas
diano de Greenwich) quando se sabe que, no período re- funções e seus objetivos diretos e indiretos, explícitos e
ferido, a Inglaterra era nada menos que a principal nação implícitos. Se não compreendermos o contexto em que
capitalista industrial, ou seja, a mais poderosa do planeta? está inserida (cultural, social, político e econômico), a
Nada disso é coincidência ou acaso. E essa é a viagem explicação se torna vazia e, consequentemente, sem
que faremos a partir de agora. Uma viagem na qual vere- sentido. É o que igualmente ocorre com a cartografia.
mos os interesses, as causas e os porquês de fenômenos Para saber que ela envolve, grosso modo, a concepção
aparentemente neutros, mas que, na verdade, não são e o estudo de mapas, não há dificuldades. O segredo na
nada ingênuos. compreensão do significado de qualquer ciência está no
entendimento de suas implicações sociais. Essa é a lógica
que permeia todo este Caderno 2, dedicado aos sentidos
Conhecer para dominar da ciência cartográfica.
Porém, perceber as circunstâncias históricas de uma ciên-
Demarcação de fronteiras, identificação de recursos cia não nos autoriza a esquecermos de seus pressupostos
naturais; suporte para a estruturação de estratégias mi- técnicos. Por isso, façamos uma breve incursão nesse cam-
litares, sistemas burocráticos e políticas públicas; apoio po. Começando, primeiramente, com sua definição básica.
para a cobrança de impostos e estabelecimento de rotas A Associação Cartográfica Internacional1 (em inglês, In-
(comerciais, marítimas etc.); elaboração de cadastros. ternational Cartographic Association – ICA) assim definiu
Essas são algumas das principais funções da cartografia cartografia em encontro internacional realizado em 1964:
desde seu surgimento, as quais continuam basicamente
as mesmas. Provavelmente a diferença mais importante Conjunto de estudos e operações científicas, artísti-
com relação à cartografia na atualidade está na existência cas e técnicas baseado no resultado de observações
de visões alternativas. Isto é, além da visão dominante ou
824-2

0016

1
 oi fundada na Suíça em 1959 (www.icaci.org). A entidade decidiu que em 2015 e
F
hegemônica, há também as visões contra-hegemônicas, 2016 será comemorado o Ano Internacional do Mapa (www.mapyear.org).

2 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

diretas ou de análise de documentação, com vistas à escala utilizada para a representação de uma peque-
elaboração e preparação de cartas, planos e outras na área e, consequentemente, com um nível maior de
formas de expressão, bem como sua utilização.2 detalhamento. Por isso, nos servimos dela para repre-
sentarmos os vários tipos de construções humanas.
É uma definição interessante que consegue limitar Para as definições de mapa e carta a seguir, utilizamos
satisfatoriamente o campo de atuação da cartografia. os termos da Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Entretanto, mais uma vez, destacamos: pouco servirá uma Mapa: representação gráfica, em geral uma superfície
definição sem seu devido contexto histórico. Até mesmo os plana e em uma determinada escala, com a representa-
conceitos científicos mudam com o caminhar da história ção de acidentes físicos e culturais da superfície da Terra,
e dos interesses de grupos e classes que a produzem. ou de um planeta ou satélite.
Carta: representação dos aspectos naturais e artificiais
da Terra, destinada a fins práticos da atividade humana,
Concepções básicas permitindo a avaliação precisa de distâncias, direções
A ciência cartográfica, tão antiga quanto nossa civiliza- e a localização plana, geralmente em média ou grande
ção, evoluiu e, assim, produziu e acumulou uma grande escala, de uma superfície da Terra.
quantidade de conhecimentos bastante sofisticados, Projeções cartográficas: visam reproduzir em uma
específicos e técnicos; seria impossível, portanto, abordá- superfície plana (um mapa) a superfície esférica da Terra.
-los neste momento, o que igualmente está fora dos Entre as várias projeções existentes, abordaremos (nas
propósitos de nossas aulas. Assim sendo, exporemos duas aulas seguintes) a de Mercator (conforme) e a de
as definições essenciais aos estudos cartográficos sem Gall-Peters (equivalente).
nos estendermos.3 Cartografia temática: refere-se à produção de ma-
Escala: é a proporção entre uma determinada pas temáticos, os quais vão além da representação
superfície real e sua representação gráfica. Uma das geométrica tradicional (ou do formato do espaço
mais utilizadas é a numérica: 1 : 20 000. Isto é, cada geográfico), exibindo temas específicos. Os temas são
unidade do mapa corresponde a outras 20 mil na rea- tão vastos quanto a própria realidade, podendo abordar
lidade. Nesse caso, cada centímetro no mapa equivale conteúdos sociais, econômicos, políticos, culturais etc.
a 20 mil centímetros na realidade (200 metros). Ou 1 : Anamorfose cartográfica: são mapas sem escala
100 000 – cada centímetro equivale a 1 km. A escala é utilizados para a representação proporcional (tendo, por
uma das formas de representar cartograficamente um isso, suas áreas deformadas) de incontáveis temas. Veja
espaço geográfico específico. Entre elas, há a planta: a seguir alguns exemplos:

REPRODUÇÃO

População mundial.

2
Definição reproduzida e traduzida no livro Fundamentos de cartografia, indicado na seção Navegar.
824-2

3
 s conceitos aqui apresentados foram definidos pelo Departamento de Cartografia da Diretoria de Geociências do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Fundação pública
O
criada em 1934 durante a presidência de Getúlio Vargas e, por isso mesmo, vinculada ao governo federal, especificamente o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

REPRODUÇÃO
Reciclagem de lixo.

REPRODUÇÃO

Distribuição da população islâmica.

Coordenadas geográficas: por meio da relação entre determinados indicadores, é possível localizar qualquer ponto
na superfície terrestre. Esses indicadores são:
—— Meridianos: linhas verticais imaginárias sobre o planeta. Cada um dos meridianos tem um valor de longitude,
de 0º – valor do principal deles, o Meridiano de Greenwich – a 180º – para leste ou oeste.
—— Longitude: é a distância, em graus, entre qualquer ponto da superfície terrestre e o Meridiano de Greenwich.
—— Paralelos: linhas horizontais imaginárias sobre o planeta, sendo as principais: Equador, Trópico de Câncer, Trópico
de Capricórnio, Círculo Polar Ártico e Círculo Polar Antártico. Cada paralelo tem um valor de latitude, de 0º – valor
da Linha do Equador – a 90º para norte ou sul.
—— Latitude: distância, em graus, entre qualquer ponto da superfície terrestre e a Linha do Equador.
824-2

4 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

Um pouco de história Grécia: o centro do mundo?

Como seria de se esperar, geralmente a história das so- O geógrafo e pensador Hecateu viveu na Grécia Antiga
ciedades são contadas pelos grupos que, em determinado entre os séculos VI e V a.C. No mapa-múndi que ajudou
momento, conseguem se sobressair, também chamados a produzir, 6 podemos perceber a representação da re-
de grupos dominantes. A história da humanidade consti- gião entre as cidades de Atenas e Mileto, ambas muito
tui, desde as primeiras civilizações, um cenário de dispu- importantes na época.
tas, não poucas vezes acirradas e que, na verdade, levam,
literalmente, a perdedores e vencedores. Estes últimos,
além de seu triunfo propriamente dito, acabam tornando
sua versão dos conflitos a verdadeira. Logo, na história, a
verdade comumente é aquilo que é comunicado, aquilo
que é dito e os mapas estão inseridos exatamente dentro
desse contexto, pois servem aos interesses dos mais for-
tes e poderosos. Estudar, portanto, a história dos mapas é

REPRODUÇÃO
não só fundamental para a compreensão da cartografia,
mas também para a história dos povos. A representação
dos espaços geográficos, em vista disso, não depende
somente do desenvolvimento tecnológico. Interesses
sociais específicos existem desde os primeiros esboços
de mapas confeccionados rusticamente até os atuais
sistemas de GPS – sigla de Global Positioning System, isto
é, Sistema de Posicionamento Global. Para você ter uma
ideia, esse último é fruto da rivalidade geopolítica entre
os Estados Unidos e a ex-União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) durante a Guerra Fria. Reconstrução do mapa do pensador grego Hecateu: o
mundo era um disco circulado pelo oceano. No centro
ficava “coincidentemente” o país que hoje se consolidou
como a Grécia.
O primeiro mapa
Aristóteles (384-322 a.C.), considerado por muitos o
O mapa mais antigo encontrado teria sido confeccio- mais genial dos pensadores para a civilização ocidental,
nado pelos babilônicos em aproximadamente 2.500 a.C.4 não só sintetizou o pensamento grego clássico, como
Existe, entretanto, a possibilidade de que sua origem seja criou e sistematizou as principais ciências conhecidas até
anterior: 4.500 a.C. 5 Apesar de não se poder fazer uma hoje, abordando temas desde a biologia, passando pela
afirmação conclusiva, os mapas podem ter sido criados política, pela arte e chegando aos níveis mais sofisticados
antes mesmo da escrita. De qualquer maneira, até o
da filosofia pura.
presente momento, a placa de barro cozido descoberta
na Mesopotâmia é, até hoje, o trabalho cartográfico mais
distante no tempo de que se tem notícia.
REPRODUÇÃO

Encontrado em uma região


que hoje seria parte do
REPRODUÇÃO

Iraque, esse trabalho


cartográfico representa
provavelmente o vale do
Rio Eufrates, na antiga
Mesopotâmia. Busto de Aristóteles.

4
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 6
 representação confeccionada por Hecateu foi fruto do aperfeiçoamento de um mapa
A
824-2

5
 egundo referência encontrada em Fundamentos de cartografia, de Paulo Araújo Duarte.
S elaborado pelo pré-socrático Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.), tido como um dos
Editora UFSC, 2008. primeiros filósofos gregos da tradição ocidental.

POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

Entre os assuntos brilhantemente desenvolvidos, O mais proeminente dos cartógrafos da Grécia Anti-
defendeu a esfericidade da Terra por meio de seis ar- ga foi Cláudio Ptolomeu (90-168 d.C.), cujos trabalhos
gumentos utilizados posteriormente por Eratóstenes chegaram a influenciar as descobertas marítimas dos
(276-194 a.C.) para medir o diâmetro do planeta, o que séculos XV e XVI, tendo sido utilizados até mesmo por
fez com muita exatidão. O geógrafo grego chegou a uma Cristóvão Colombo.
circunferência de 40 mil km, sendo o valor calculado
hoje, com base na Linha do Equador, correspondente
a 40 072 km.

REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO

Representação de Ptolomeu.

Sua obra, dividida em oito volumes, contém importan-


Representação de Eratóstenes. tes conceitos para as projeções cartográficas, além de
um sistema de coordenadas.

REPRODUÇÃO
824-2

Mapa-múndi produzido no século XV a partir das orientações deixadas por Ptolomeu entre 150-170 d.C.

6 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

 odos querem ser o centro das


T e depois frade cristão Cosmas Indicopleustes (c. século VI).
atenções... Para ele, a Terra era plana e discoide, sendo qualquer afir-
mação divergente uma negação das afirmações bíblicas.
Vemos, a seguir, um dos mapas-múndi mais remotos,
elaborado pelo romano Pomponius Mela (c. século I d.C.) no Alguns modelos
início da década de 40 d.C. Mesmo que bastante distorcidos Produzido na Inglaterra no final do século XIII, o mapa-
para os padrões atuais, visualizamos os continentes europeu, -múndi de Hereford é o maior7 que sobreviveu, intacto, à
asiático e africano. As Américas não estavam representadas, Idade Média. Nesse mapa consta grande quantidade de
pois simplesmente não eram conhecidas pela “civilização”. informações, 8 e uma das principais características é a re-
Interessante também notar que na região central do mapa presentação, no centro do mapa, de Jerusalém, cidade essa
há um território nomeado “Itália”, isto é, onde se localizavam que era não só o centro da Terra, mas também do mundo,
as áreas centrais do Império Romano. Vê-se que a pretensão na medida em que se acreditava estar a Terra no centro do
de ser o centro não só é antiga, mas constante. Universo. Jerusalém, como sabemos, é a cidade sagrada
para três religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi produzido por Pomponius Mela para o
Império Romano.

Reprodução moderna do mapa-múndi de Hereford.

Idade Média: mapas e religião? O mapa-múndi de Hereford era também um mapa do


Tudo a ver! tipo “T-O” (Orbis Terrarum, expressão latina que significa
“Globo da Terra“). As representações cartográficas me-
No longo período que chamamos hoje de Idade Média dievais dessa categoria consistiam em mapas circulares,
(séculos V a XV), a cartografia, por imposições político- cujo desenho geral era bastante simples. O “T” significava
-religiosas, sofreu um substancial afastamento da base o Mar Mediterrâneo (sugerindo, igualmente, o Cristo
científica, voltando-se mais ao sabor de imposições ideo- crucificado) e o “O” indicava o oceano que circundava os
lógicas da Igreja Católica Romana. Novamente recordamos continentes asiático (acima), europeu (embaixo do lado
que, em qualquer período histórico, a ciência nunca é esquerdo) e africano (embaixo do lado direito). Vejamos
neutra, o que muda é o tipo de influência e sua intensidade. outros exemplos de mapas “T-O”:
Um dos grandes atrasos ocorreu quando se voltou a re-
cusar a esfericidade da Terra, fato que pode ser constatado
824-2

7
1,59 m de altura por 1,40 m de largura.
no livro Topografia cristã, publicado em 535 pelo mercador 8
Aproximadamente 1 100 legendas.

POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi no T-O.

Outra característica dos mapas na Idade Média refletia


REPRODUÇÃO

o desconhecimento europeu sobre o que existia nos


inexplorados oceanos (ou, quem sabe, até mesmo uma
estratégia para afugentar novos navegantes). Cartógrafos
Mapa-múndi no formato T-O. da época utilizavam com frequência figuras míticas e
monstros marinhos na confecção de suas representações
do espaço geográfico. Já na segunda metade da Idade
Média, os mapas também tinham função ilustrativa e
decorativa para ressaltar e glorificar o heroísmo que
cercava as viagens marítimas. A seguir, alguns exemplos. 9
REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO

Mapa-múndi no formato T-O. Representação de serpente marinha atacando um navio.


824-2

9
Fonte dos mapas: Biblioteca Nacional da Suécia.

8 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

REPRODUÇÃO
Mapa do norte da Europa produzido em 1539.

Fora do eixo eurocêntrico

A ciência geográfica e cartográfica na Europa Ocidental, principalmente desde os séculos XIV e XV, dedicava-se os-
tensivamente a descobrir os contornos e as rotas marítimas em razão da “necessidade” e da urgência dos governantes
e das elites econômicas do continente acessarem não só novos caminhos aos pontos comerciais já conhecidos, mas
igualmente tentar “descobrir” novos povos e territórios. Como dominavam economicamente, suas visões e ideias também
se tornaram hegemônicas (especialmente Espanha, Portugal, França e Inglaterra). Por isso, analisando criticamente a
história e os conceitos relevantes da cartografia, percebemos seu acentuado aspecto eurocêntrico. Todavia, como em
praticamente qualquer realidade social, sempre há posturas alternativas à dominante.
Além da produção cartográfica realizada pelos árabes, destaca-se o papel essencial deles na preservação da produ-
ção greco-romana clássica durante a Idade Média, sempre ávida a eliminar as ideias divergentes e seus respectivos
donos. É, por exemplo, possível afirmar que devemos a conservação dos textos e das obras de Ptolomeu aos cientistas
e estudiosos muçulmanos, os quais também aperfeiçoaram e até indicaram alguns equívocos nas descobertas dos
824-2

gregos, como a discordância de al-Battani ao atestar que o Oceano Índico era um mar aberto. Outros estudiosos árabes

POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

notórios na área foram Mohammed Ibn Musa al-Khwarizmi (com sua obra Livro da configuração da Terra) e Abul Hassan
Ali al-Masudi no século X.
Um dos maiores representantes da cartografia árabe foi al-Idrisi. Sobressai em suas contribuições o trabalho encomen-
dado pelo rei Roger II, da Sicília, no século XII. A despeito de o mapa-múndi ter sido perdido, foi possível reconstruí-lo
graças aos textos deixados que o citam:

REPRODUÇÃO
Reprodução de mapa-múndi originalmente elaborado por al-Idrisi entre os séculos XI e XII d.C.

Outro exemplo de “excentricidade” (ou seja, fora do eurocentrismo) pode ser visto com o mapa a seguir, segundo a
visão do Império Otomano,10 produzido em 1803.

REPRODUÇÃO

Representação do mapa-múndi de acordo com a visão do Império Otomano.


824-2

10
Civilização existente entre os séculos XIII e XX. Sua extensão máxima cobria partes do norte da África, Oriente Médio e Europa Oriental.

10 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

“Exóticos” que também querem ser o centro: China e Japão


O mapa-múndi a seguir, produzido em 1602 por um padre italiano, põe o território chinês no centro do mundo. Trata-se
do primeiro mapa chinês no qual estão representadas a América do Sul e a América do Norte. O outro, confeccionado
em 1853, representa o Japão no centro.

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi produzido na China do século XVII.

REPRODUÇÃO

Mapa-múndi do século XIX cujo centro é o Japão.

Enfim, há tantas representações gráficas possíveis do mundo, seus territórios e países quanto a imaginação (e os
interesses) permitirem. Não há, portanto, limites para o que se quer mostrar. Aliás, o que está por trás daquilo que se
824-2

mostra (os mapas) é justamente o que se quer mostrar...

POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

EXERCÍCIO

1. (Fuvest)

Sempre deixamos marcas no meio ambiente. Para medir essas marcas, William Rees propôs um(a) indicador/estimativa
chamado(a) de “Pegada Ecológica”. Segundo a Organização WWF, esse índice calcula a superfície exigida para sustentar
um gênero de vida específico. Mostra até que ponto a nossa forma de viver está de acordo com a capacidade do plane-
ta de oferecer e renovar seus recursos naturais e também de absorver os resíduos que geramos. Assim, por exemplo,
países de alto consumo e grande produção de lixo, bem como países mais industrializados e com alta emissão de CO2,
apresentam maior Pegada Ecológica.

Disponível em: wwf.org.br.


Acesso em: 17 ago. 2009. Adaptado.

Assinale a anamorfose que melhor representa a atual Pegada Ecológica dos diferentes países.

Nota: considere apenas os tamanhos e deformações dos países que são proporcionais à informação representada.
Fontes: worldmapper.org. Acessos em ago. 2009. Le Monde Diplomatique, 2009.

a)   d)  

b)   e)  

c)  
824-2

12 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Além de reforçar alguns dos conceitos básicos da cartografia e aprimorar ainda mais a interpretação dos aspectos
elementares de um mapa, bem como de suas possibilidades explicativas, esta seção chama atenção para as novas
visões dessa ciência em seu desenvolvimento histórico.
Nestas aulas, você leu e analisou por meio das imagens o caminhar da ciência dos mapas, percebendo os progressos
técnicos, sempre acompanhados da cultura social e da própria história das civilizações. Aproveite agora para aprofundar
os conhecimentos adquiridos iniciando suas próprias pesquisas a partir das reflexões que vocês fez.
Com mais acesso à informática e à internet, pode-se também, no caso dos mapas, usufruir de um enorme conjunto
de produções de alto nível, de acordo, por exemplo, com o que indicamos na seção Navegar.
Além disso, é claro, não deixe de intensificar o debate refletindo a partir da brilhante frase do professor Milton Santos
na Ágora.
Bons estudos!

EXERCÍCIOS

1. (Unesp) Espaço, território e rede geográfica são pa- c) a África Subsaariana tem o número total de internau-
lavras-chaves na Geografia. A rede geográfica tem o tas superior ao da América Latina.
poder de ultrapassar as fronteiras nacionais através d) a China, a Coreia do Sul e o Japão têm o mesmo
da internet. Analise o mapa com os usuários da in- número de internautas.
ternet no mundo. e) o número de usuários da internet da Austrália supera
o do Mercosul.

2. (Fuvest)

No mapa, a distância, em linha reta, entre as cida-


Secretaria da Educação.
des de Araçatuba e Campinas é de 1,5 cm. Na reali-
Geografia, Ensino Médio. São Paulo, 2008.
dade, essa distância é de aproximadamente:
a) 150 km.
A partir dessa análise, pode-se afirmar que
b) 167 km.
a) os EUA, o Reino Unido e a Índia lideram os índices de
c) 188 km.
usuários da internet.
d) 250 km.
b) o Brasil e o Canadá apresentam número semelhante
e) 375 km.
de internautas.
824-2

POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

3. (Unesp) Compare o mapa que representa os maiores países do mundo em área com o mapa anamórfico da popu-
lação absoluta de cada país.

Área

População absoluta

A partir da comparação, pode-se afirmar que os principais países que possuem as menores densidades demográ-
ficas são:
a) Rússia, Canadá e Austrália.
b) China, Índia e Canadá.
c) Estados Unidos, China e Austrália.
d) Argentina, Brasil e Índia.
e) Estados Unidos, Índia e Brasil.

4. (Mackenzie) Considerando que a distância real entre duas cidades é de 120 km e que a sua distância gráfica, num
mapa, é de 6 cm, podemos afirmar que esse mapa foi projetado na escala:
a) 1 : 1 200 000
b) 1 : 2 000 000
c) 1 : 12 000 000
d) 1 : 20 000 000
e) 1 : 48 000 000
824-2

14 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

5. (Fatec) Analise as representações cartográficas.

Estas representações são anamorfoses geográficas. Uma anamorfose geográfica representa a superfície dos países
em áreas proporcionais a uma determinada quantidade. As anamorfoses acima representam, respectivamente:
a) Número de turistas recebidos e Produto Nacional Bruto.
b) Produto Nacional Bruto e População.
c) População e Número de turistas recebidos.
d) População ativa na agricultura e Produto Nacional Bruto.
e) População e População ativa na agricultura.
824-2

POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

RODA DE LEITURA NAVEGAR

O texto a seguir11 faz parte do artigo científico “A cons-  ites


S
trução de uma cartografia geográfica crítica”, no qual o
autor, professor da Universidade Federal de Mato Grosso, Google Maps e Google Earth
defende os princípios do que se chama Cartografia Ge- Disponíveis em: google.com.br/maps e google.com/earth.
ográfica Crítica (CGC). Acessos em: 19 fev. 2016.
A rápida evolução tecnológica dos computadores e da
Como construções sociais, os mapas são parte do internet nos últimos anos tem proporcionado enormes
processo de produção do espaço geográfico pelas avanços em sistemas de localização e mapeamento, o
que ampliou e barateou as possibilidades de acesso a
sociedades. Como geógrafos críticos, devemos atuar
informações cartográficas. Um dos exemplos são os co-
na análise e intervenção dos problemas da sociedade,
nhecidíssimos Google Maps e Google Earth. Essas duas
priorizando os grupos oprimidos, tentando explicar a
ferramentas podem parecer a muitos de nós algo trivial, no
causa das desigualdades e propondo mudanças a partir
entanto, eram impensáveis há poucos anos. Se seus pais
de um posicionamento crítico claro que faça a Geogra-
pudessem imaginar algo semelhante, seria considerado
fia, como ciência social, cumprir seu papel.
ficção científica.
Neste contexto, o mapa deve ser constante na prá-
tica geográfica para que tenhamos nossos objetivos Mapas históricos
atingidos, podendo intervir na realidade, reorgani- Disponível em: mapashistoricos.usp.br. Acesso em: 19
zando a estrutura do espaço e a forma como ele é fev. 2016.
produzido [...]. Para este objetivo, a utilização cons- Neste site, a Universidade de São Paulo (USP) oferece uma
ciente da suposta objetividade do mapa não pode ser excelente coleção de mapas históricos em alta resolução.
descartada como estratégia da atitude política que Contém ainda informações sobre seus autores, local, data
cabe ao cientista, neste caso, o geógrafo. Desta forma, de edição, entre outras.
a Geografia Crítica poderá utilizar as potencialidades
discursivas do mapa como instrumento de libertação, Biblioteca IBGE
ao contrário da dominação que até então predominava Disponível em: biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 19 fev.
no uso dos mapas. 2016.
[...] A biblioteca virtual (e também física) mantida pelo IBGE é
de excelente qualidade. Em seu enorme acervo, disponí-
GIRARDI, Eduardo Paulon. vel ao público, há registros fotográficos desde a década
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. de 1950, que retratam o país em geral e municípios. Há
Disponível em: observatoriogeograficoamericalatina. igualmente uma grande quantidade de livros e periódicos
org.mx/egal13/Nuevastecnologias/ nas áreas de Geografia e estatística e obras raras como,
Cartografiatematica/14.pdf. Acesso em: 19 fev. 2016. por exemplo, recenseamentos do Brasil a partir de 1870.
O destaque é a ampla coleção de mapas composta de
O que o autor quer dizer? Qual a relação entre os mapas folhas topográficas editadas pelo IBGE, pela Superin-
e a Cartografia Crítica e tradicional? Em uma perspectiva tendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e
mapas político-administrativos, físicos e temáticos edi-
social igualitária, para que deve servir a Geografia e a
tados por outras instituições e editoras. Especificamente
cartografia?
no link http://portaldemapas.ibge.gov.br/ (acesso em: 19
fev. 2016) podem ser acessados mais de 22 mil mapas.
O usuário pode também criar uma conta para melhor
organizar seu acesso no portal.
824-2

11
Publicado na Revista Geográfica de América Central, número especial, EGAL, Costa
Rica, 2011.

16 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Livros


Disponível em: ipea.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2016.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é ARAÚJO DUARTE, Paulo. Fun-
também, como o IBGE, uma entidade pública federal damentos de cartografia. 3. ed.
vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento Santa Catarina: UFSC, 2006.
e Gestão. Trata-se de uma das instituições científicas Este livro oferece um interessan-
mais respeitadas do país, oferecendo estudos e serviços te histórico do desenvolvimento
desde 1964. Com suas pesquisas, oferece tanto suporte da cartografia, bem como os
técnico ao governo para a elaboração, execução e ava- principais detalhes técnicos
liação de políticas públicas quanto para a sociedade em dessa ciência. Ainda, brinda o es-

REPRODUÇÃO
geral ao pôr à disposição os resultados obtidos com os tudioso e o leitor em geral com
estudos. Há também um programa semanal chamado uma reflexão crítica a respeito
“Panorama Ipea”, que igualmente pode ser acessado das projeções cartográficas.
pelo site www.ipea.gov.br/panorama (acesso em: 19 fev.
2016). Nele, são debatidas as investigações científicas
desenvolvidas em uma linguagem mais acessível. FITZ, Paulo Roberto.
Oferece em seu site inúmeras publicações de altíssimo Cartografia básica. São
nível para divulgação em várias áreas, como políticas Paulo: Oficina de Textos,
sociais; planejamento urbano, regional e ambiental; 2008.
democracia; macroeconomia etc. Nessa obra, o autor, pro-
Entre os links mais interessantes para a Geografia, estão: fessor da Universidade
http://mapas.ipea.gov.br (acesso em: 19 fev. 2016) – os Federal do Rio Grande do
REPRODUÇÃO

mapas podem ser personalizados, visualizados em 3D Sul, desenvolve conceitos


e gráficos podem ser gerados a partir de temas esco- básicos da ciência dos
lhidos; www.ipeadata.gov.br/ (acesso em: 19 fev. 2016) mapas. Entre eles estão
– disponibiliza vastas quantidades de dados nas áreas as questões fundamentais de representação, plantas,
financeira, econômica, geográfica, demográfica, hidro- cartas, projeções, localização, fusos horários, aerofotogra-
gráfica, segurança pública, previdência social, saúde, metria, sensoriamento remoto e demais temas básicos.
educação entre várias outras; www.atlasbrasil.org.br/ Tudo, dentro do possível, por meio de didática apropriada
(acesso em: 19 fev. 2016) – excelente plataforma com aos interessados pela cartografia em geral.
informações pertinentes ao desenvolvimento humano
brasileiro; nela, por exemplo, pode ser consultado o Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de todas JOLY, Fernando. A Cartografia.
as cidades brasileiras, bem como de todos os 27 estados Campinas: Papirus Editora, 1990.
e mais 20 regiões metropolitanas. São informações sobre Escrita em linguagem didática
renda, educação, trabalho, habitação e vulnerabilidade e acessível – o autor lecionou a
detalhadas desde o início dos anos 1990. ciência dos mapas por muitos
anos –, esta obra é indicada aos
A Grande História dos Mapas alunos que desejam aprofundar
Direção: Eric Wastiaux. França, 52 minutos, 2006. seus conhecimentos no tema.
REPRODUÇÃO

Disponível em: goo.gl/57BYix (parte 1) e goo.gl/6nezms


(parte 2). Acessos em: 19 fev. 2016.
De acordo com o vídeo, uma das primeiras funções dos
mapas era delimitar as propriedades. Desde a Antigui-
dade, passando pelos gregos e chegando à atualidade, o
documentário apresenta as relações históricas e técni-
cas vinculadas à confecção dos mapas, evidenciando as
motivações de sua produção e uso.
824-2

POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

ÁGORA

O centro do mundo está em todo lugar, o mundo é o que se vê de onde se está.

Milton Santos

Reflita coletivamente o significado dessa frase e sua relação com a representação do espaço geográfico.

S E N H A
Uma visão, um mapa.
824-2

18 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

Dê-me um mapa;
depois mostre-me tudo o que me
resta para conquistar o mundo.
REPRODUÇÃO

  Christopher Marlowe, dramaturgo inglês.

Cartografia, para quê? isso, estude, assim você poderá fazer seus questionamen-
tos com propriedade, baseando-se em dados científicos.

O convencionado é sempre o
melhor e o mais correto?
Qual mundo é o verdadeiro?
Uma das frases-símbolo do pensamento cartesiano 1

(filosofia de René Descartes, 1596-1650) – “penso, logo Acostumamo-nos a ver o mundo interiorizando profun-
existo” – 2 pode nos levar a outra, igualmente muito in- damente a imagem dos contornos dos territórios e países
teressante: duvido, logo existo. Esse era, podemos dizer, da maneira reproduzida na página a seguir.
também um pressuposto da filosofia de Sócrates3: duvidar Crescemos e incorporamos em nosso pensamento
do que se sabe, ou do que se julga saber, para, paulati- esse mapa-múndi como modelo em relação ao formato
namente, construir (ou reconstruir) o conhecimento: o dos continentes. Se for pedido a você que imagine um
método da maiêutica. Duvidar não deve ser associado à mapa-múndi com certeza o formato imaginado será este.
confusão ou ausência de opinião; trata-se de um elemento
Alguém duvida disso? Essa é, porém, apenas uma das
fundamental ao desenvolvimento científico: hoje o que é
projeções possíveis.
“verdade” amanhã pode deixar de ser. Portanto, não há
Como o planeta é uma esfera (e não é um plano), sua
conhecimentos ou verdades absolutas. Deixando o apro-
reprodução em duas dimensões (altura e comprimento)
fundamento dessas ideias para as aulas de Filosofia, utili-
necessariamente levará a algum tipo de deformação. Qual
zemos esse pensamento em nosso campo: a cartografia.
será, à vista disso, a deformação “escolhida”? Caberá
As projeções cartográficas, enquanto produtos de pesqui-
sas científicas, igualmente podem mudar. Foi o que vimos simplesmente a quem faz o mapa escolhê-la!
nas duas aulas anteriores quando estudamos, mesmo que Como visto nas duas aulas anteriores, a Projeção de
brevemente, a história da cartografia. Percebemos que os Mercator, criada em 1569 é, até o momento, a mais
mapas mudam em razão não apenas das tecnologias dispo- popular, sendo utilizada até mesmo pelo Google Maps.
níveis, mas também de acordo com os interesses de quem Essa projeção está amplamente difundida na civilização
os produzem ou manda produzir. As regiões, os países, os há séculos e em todos os meios possíveis: televisão; in-
governos ou os empreendedores tendiam quase sempre a ternet; cartazes; planejamento de empresas e governos;
pôr como centro nos mapas o território em que habitavam. entre os cientistas e, como não podia deixar de ser, nos
Portanto, caro(a) estudante, o “convencionado” não é livros didáticos! Nesse método, as áreas dos continentes
uma verdade absoluta. Duvide sempre, questione, para não sofrem uma deformação, tornando-se visualmente maio-
se deixar levar pelo “achismo” ou pelo senso comum! Para
res do que realmente são para aqueles territórios que se
1
Para mais informações, não deixe de consultar os livros e professores de Filosofia. aproximam dos polos. Por exemplo, a área da Groenlândia
2
Em latim: Cogito, ergo sum. é de 2 166 milhões de km²; o continente africano, por
3
 ilósofo ateniense da Grécia Antiga (469 a.C.-399 a.C.). Junto a Platão, de quem foi
F
professor, e Aristóteles, constituíram o que muitos afirmam ser a base da civilização sua vez, tem 30,3 milhões de km². Veja que a diferença
824-2

ocidental. Por defender pontos de vista considerados ousados na época, foi condenado
à morte por ingestão de uma infusão de cicuta. é enorme: aproximadamente 14 vezes!

POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

Mas... olhe novamente o mapa a seguir: não lhe parece que a Groenlândia é até maior que toda a África? Como pode ser?

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi, Projeção de Mercator.

Observe que, no mapa a seguir, elaborado também na Projeção de Mercator, o Alasca é quase do tamanho do
Brasil. Contudo, esse país tem 1,7 milhões de km² – é quase 5 vezes menor que a nação brasileira com seus mais de
8,5 milhões de km²!

REPRODUÇÃO

Mapa-múndi, Projeção de Mercator.


824-2

20 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

Para facilitar o entendimento, perceba no mapa a seguir as comparações entre continentes.

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi, de acordo com a Projeção de Mercator, com a divisão de continentes.

A América do Sul tem uma área de 17,8 milhões de km² e a Europa, 10,1 milhões de km². Você consegue visualizar que
o primeiro continente parece quase duas vezes maior que o segundo? Pelo mapa acima, parecem, no mínimo, iguais.
Outra discrepância: a América do Norte, com seus 24,7 milhões de km², se mostra maior que a África (30,3 milhões de
km²) e praticamente do mesmo tamanho que a Ásia, que tem 43,8 milhões de km². Há algo realmente estranho quando
confrontamos as imagens com os números.
Isto posto, fica fácil concluir que os territórios próximos à Linha do Equador tendem a aparentar uma área menor;
por outro lado, os que vão se aproximando dos polos tendem a aparentar uma área maior. Sendo do tipo conforme, a
Projeção de Mercator mantém o formato dos territórios, mas, como visto, altera a dimensão das áreas. A metodologia
de Mercator (Sistema Universal Transversal de Mercator – UTM) causa grandes deformações em altas latitudes. Qual foi
então (e ainda continua sendo) sua utilidade? Por que começou a ser empregada extensamente? Como sabemos, em
1569 os comerciantes e governos europeus viviam em plena fase de expansão ultramarina. Assim sendo, mapas que
orientassem da melhor maneira possível a navegação eram essenciais. Mercator conseguiu reproduzir cartograficamente
em um plano as distâncias curvas de uma esfera: a Terra. Grande avanço para o deslocamento em vastas distâncias.
Todavia, e isso é muito importante, esse não deveria ser o modelo utilizado, por exemplo, para uma representação
política dos continentes, pois, nesse tipo de mapa, o objetivo não é a orientação para a navegação, mas o estudo das
relações geopolíticas e, nesse sentido, a Projeção de Mercator pode induzir, e induz, ao menos indiretamente, ao erro.
Por exemplo, em princípio, uma nação com um território maior ou muito maior que o de outra aumenta suas possibilida-
des em qualquer tipo de relação ou eventuais disputas. Logo, por que, nesse caso, se insiste na Projeção de Mercator?
Ora, sem entrarmos no campo das “teorias da conspiração”, e segundo já refletimos, a história é contada por pessoas
e grupos, os quais têm interesses. Não há neutralidade. Não é Mercator que está errado, mas o indevido uso que se faz
de sua projeção.
Para as análises políticas, há um valor maior em se manter a equivalência entre as dimensões dos territórios. Nas
análises das relações internacionais, a consideração da simetria (igualdade) e assimetria (desigualdade) é algo básico.
E é exatamente nisso que reside o uso equivocado da projeção em questão.
824-2

POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

Alternativa

Uma escolha diferente que tem se tornado, aos poucos, mais conhecida é a Projeção de Gall-Peters. Veja o mapa
abaixo e o compare com as projeções de Mercator vistas anteriomente.

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi baseado na Projeção de Gall-Peters.

Criada pelo historiador alemão Arno Peters no início dos anos 1970, a partir de elaboração do escocês James Gall
(século XIX), a projeção do mapa-múndi por eles realizada, do tipo equivalente,4 proporciona maior verossimilhança
em relação à superfície dos países e continentes. Logo, não há, como se pode perceber, um estado do Alasca quase
do tamanho do Brasil ou uma Groenlândia maior ou quase igual à África. Apoiada pela Unesco e Unicef, 5 a Projeção de
Gall-Peters seria socialmente mais justa, na medida em que a interpretação de Mercator teria um sentido colonialista e
racista, sendo, por consequência, primordial fortalecer as nações periféricas ao mostrar as áreas reais de seus territórios
em relação aos países centrais.
A perspectiva de Gall-Peters não deixou de receber críticas, algumas talvez de caráter mais técnico e, assim, perti-
nentes, mas outras puramente resultado de ataques compreensíveis por parte dos que viram suas visões particulares
questionadas. Como em outros debates científicos, este não só não está concluído como continua em plena discussão
entre os especialistas. O indispensável, a partir de agora, é saber que o que geralmente nos é apresentado como único,
a Projeção de Mercator, é apenas mais uma forma de visão. E, como as outras, pode e dever ser questionada.
Outra ideia que nos é reforçada diariamente: olhe novamente para os mapas projetados segundo Mercator e, depois,
para os dois mapas a seguir, principalmente o segundo.

4
 e acordo com a classificação das projeções, no que se refere às deformações apresentadas, as projeções equivalentes mantêm as dimensões das áreas representadas, mas não
D
824-2

mantêm os verdadeiros formatos.


5
Unesco: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; Unicef: Fundo das Nações Unidas para a Infância.

22 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

REPRODUÇÃO
Mapa-múndi na Projeção de Mercator “invertido”.

REPRODUÇÃO

Mapa-múndi na Projeção de Gall-Peters “invertido”.

Fica até um pouco difícil encontrar a Europa e a Groenlândia. Não é espantoso o fato de as inovações cartográficas a
que nos referimos não serem adotadas. O impacto seria imenso com os questionamentos e as novas ideias suscitados:
diminuir áreas “espichando” os territórios e ainda “invertê-los” seria excessivo, mas, talvez, necessário.
824-2

POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

Repare neste “Brasil”:

Rio Grande
do Sul S
Santa Catarina SE SO

Paraná L O
Rio de Janeiro NE NO
São Paulo
N
Espírito Santo Mato Grosso
Minas do Sul
Gerais

DF
Goiás

Mato Grosso
Bahia
Rondônia
Sergipe
Alagoas Tocantins

Pernambuco Acre
Piauí
Paraíba
Rio Grande
Pará
do Norte Ceará Maranhão
Amazonas

REPRODUÇÃO
Amapá
Roraima

Como não há “parte de cima” e “parte de baixo” no espaço, o mapa do Brasil pode assim ser representado.

O que lhe sugere? Como ficaria agora, com esse mapa, o preconceito com relação aos “nortistas” ou “nordestinos”?
Deveríamos mudar as palavras para “sulistas” ou “sudestinos”? E vice-versa?
Todos os mapas “invertidos” estão corretos! No espaço sideral, não há “para cima” nem “para baixo”. Logo, novamente,
a forma de mostrar um mapa depende simplesmente da vontade e da conveniência de quem o expõe.

Cartografia Crítica: a geografia para formar cidadãos


Em face de tudo o que temos retratado nestas aulas, não parece haver dúvidas de que os mapas são inseridos em
contextos políticos, quer dizer, permanecem conectados ao poder, seja ele de caráter político-institucional, cultural,
econômico ou de outro tipo. Os que controlam territórios, economias, sistemas políticos, culturas e ideologias obvia-
mente não desejam modificar o status quo, a não ser que seja para aumentar-lhes o próprio poder. O uso da Projeção
de Mercator para mapas não relacionados à navegação certamente está longe de ser fruto de descuido, erro técnico
ou incompetência. É intencional. Ao longo da história, segundo estudamos, e nos dias atuais, constata-se que mapas
não são somente distinguidos pela objetividade. São censurados, falseados, têm elementos acrescidos ou suprimidos
para propositalmente levar à confusão e ao erro e, por fim, atendem a necessidades sociais específicas. Os mapas es-
tão, em síntese, permeados de ideologia. E de uma ideologia, na imensa maioria das vezes, ligada ao poder e não a sua
contestação, salvo raras exceções, como a Projeção de Gall-Peters e os “mapas invertidos”.
Portanto, ao analisar um mapa, desconfie de tudo. Veja os detalhes. Procure saber quem o fez, quando e para quem.
Saiba a história que o cerca e o contexto socioeconômico.
Agindo assim, não só compreenderemos melhor o mundo, acumulando saberes e ciência, mas também nos torna-
remos mais cidadãos.
824-2

24 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

EXERCÍCIO

1. (PUC-PR) Observe com atenção o mapa a seguir. Assinale a alternativa cuja característica correspon-
de ao mapa de Gall-Peters:
a) Corresponde a uma projeção do tipo cônica, que
distorce as áreas situadas nas baixas latitudes e
torna mais fiel a representação das regiões de média
e elevada latitudes.
b) Peters, que retomou a elaboração dessa projeção
durante o período da Guerra Fria, procurou ressaltar
no mapa, a partir da representação das dimensões
das áreas, a superioridade dos Estados Unidos sobre
as demais porções do globo.
c) Trata-se de uma projeção equivalente que objetiva
Mapa da Projeção de Gall-Peters. representar um retrato mais ou menos fiel do tama-
Livro Geografia do Brasil, de José William Vesentini. nho das áreas, o que faz a África e a América do Sul
ganharem mais destaque do que quando represen-
O planisfério foi elaborado cartograficamente por tadas na Projeção de Mercator.
meio da Projeção de Gall-Peters, concebida inicial- d) É uma projeção cuja principal qualidade está no
mente por James Gall no final do século XIX e reto- respeito às formas dos continentes, procurando
mada por Arno Peters a partir da metade do século representá-las com fidelidade, ao contrário das áre-
seguinte, cujo contexto político-econômico, forte- as que são mostradas de maneira desigual, sendo
mente o influenciou para o desenvolvimento desse maiores próximas aos polos e reduzidas na faixa
mapa. intertropical.
e) A disposição perpendicular da rede de paralelos e
meridianos nesse mapa revela que a Projeção de
Gall-Peters é do tipo azimutal ou polar.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Estas duas aulas foram dedicadas às potencialidades de formação crítica a partir da cartografia. Praticamente como
uma sequência e conclusão necessária das duas aulas anteriores, evidencia-se agora a capacidade de análise social
fundamentada naquilo que, muitas vezes, nos parece algo quase ingênuo: o mapa.
Você percebeu que há uma forte carga ideológica e de interesses implícitos nos mapas. Por isso, devemos nos per-
guntar: Para que serve a cartografia? Serve para libertar ou para esconder? Serve para ensinar ou desaprender? Serve
para consentir ou questionar? Não seria esse o papel da ciência? As construções sociais devem ser vistas como “coisas”
naturais? Não podem ser mudadas? Os estudos que seguem foram pensados para estimular ao máximo a ousadia do
saber e a não conformidade. Somente assim se adquire conhecimento. Realize, portanto, com atenção e dedicação, as
atividades propostas.
Bons estudos!
824-2

POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

EXERCÍCIOS

1. (UFGO) Para atingir o objetivo de ler e interpretar 3. (Enem) O desenho do artista uruguaio Joaquín Tor-
mapas, o leitor necessita identificar e analisar os res-García trabalha com uma representação dife-
elementos de representação cartográfica. Dentre rente da usual da América Latina.
esses, a escala cumpre um papel importante, visto
que é a partir dela que se tem:
a) a localização de um fenômeno na superfície terrestre.
b) a apresentação da superfície esférica no plano.
c) os diferentes fusos horários no globo.
d) a identificação dos diferentes hemisférios terrestres.
e) o nível de detalhe das informações representadas.

2. (Fuvest) Analise os mapas a seguir e assinale a al-


ternativa que indique a resolução cartográfica mais
adequada para representar, com precisão, as dis-
tâncias da cidade de São Paulo em relação às várias
localidades do mundo.

I.  

Em artigo publicado em 1941, em que apresenta a


II.   imagem e trata do assunto, Joaquín afirma:

Quem e com que interesse dita o que é o norte e o sul?


Defendo a chamada Escola do Sul por que na realidade,
nosso norte é o Sul. Não deve haver norte, senão em
III.  
oposição ao nosso sul. Por isso colocamos o mapa ao
revés, desde já, e então teremos a justa ideia de nossa
posição, e não como querem no resto do mundo. A ponta
da América assinala insistentemente o sul, nosso norte.
IV.  
TORRES-GARCÍA, J.
Universalismo constructivo. Buenos Aires:
Poseidón, 1941. Adaptado.

V.   O referido autor, no texto e imagem:


a) privilegiou a visão dos colonizadores da América.
b) questionou as noções eurocêntricas sobre o mundo.
c) resgatou a imagem da América como centro do
a) I. Projeção Azimutal Equidistante (Soukup).
mundo.
b) II. Projeção Cilíndrica Conforme (Mercator).
d) defendeu a Doutrina Monroe expressa no lema
c) III. Projeção Equivalente Interrompida (Good).
“América para os americanos”.
d) IV. Projeção Equivalente (com base em Mollweide).
e) propôs que o sul fosse chamado de norte e vice-
824-2

e)   V. Projeção Cilíndrica Equivalente (Peters).


-versa.

26 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

4. (Enem) Existem diferentes formas de representação


plana da superfície da Terra (planisfério). Os planis-
férios de Mercator e de Peters são atualmente os
mais utilizados. Apesar de usarem projeções, res- c)  
pectivamente, conforme e equivalente, ambas utili-
zam como base da projeção o modelo:

Mercator

d)  

e)  
Peters

5. (Fatec) Com relação ao mapa a seguir:

Mapa-múndi: Projeção de Peters

a)  

a) o erro está no fato dele ser apresentado de modo


invertido, pois a Antártida está colocada ao norte, e
a Europa e Ásia, ao sul da Terra, fato que invalida a
b)   Projeção de Peters.
b) nenhum dado está correto, pois, com a Projeção
de Peters, a Europa aparece proporcionalmente
menor do que realmente é em relação aos demais
824-2

continentes.

POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

c) a forma do traçado dos continentes está mantida,


mas o erro está no fato do mapa ser apresentado RODA DE LEITURA
de modo invertido, resultado da Projeção de Peters.
d) a proporção entre as áreas dos continentes corres-
O trecho a seguir faz parte do artigo “Mapas, saber e
ponde à da realidade, apesar de comprometer as
poder”, escrito por Brian Harley, considerado o criador
suas formas, resultado da Projeção de Peters.
da Cartografia Crítica.
e) todos os dados são fiéis à realidade: a proporção
entre as áreas, as formas dos continentes e as dis-
Mapas, saber e poder
tâncias entre todos os pontos da superfície terrestre.
Os mapas são essencialmente uma linguagem de
poder [...]. [...] os meios de produção cartográfica, co-
6. (PUC-PR) Observe as representações do continente
merciais ou públicos, continuam largamente controla-
africano, realizadas por meio das projeções de Mer-
dos pelos grupos dominantes. A tecnologia informática
cator e de Peters.
reforçou esta concentração do poder das mídias. A
cartografia permanece um discurso teleológico,6 confir-
mando o poder, reforçando o status quo, restringindo as
interações sociais no interior de limites bem traçados.
Os processos cartográficos praticados pelo poder
consistem em atos deliberados, em práticas de vigi-
lância e adaptações cognitivas conforme os valores e
crenças dominantes. As ações práticas empreendidas
com ajuda dos mapas, guerras, traçados de fronteiras,
propaganda, preservação da ordem pública, são ilus-
tradas ao longo da história dos mapas. Os processos
tácitos de dominação pelos mapas são ainda mais sutis
e fugidios. Eles fornecem regras ocultas de um discurso
cartográfico que tem sua origem nas geometrias subli-
Adaptado de: Oswald Freyer – Eimbeke. p. 40.
minares, nos silêncios e nas hierarquias representadas
nos mapas. O mapa exerce sua influência tanto pela
Assinale a alternativa correta:
sua força de representação simbólica quanto pelo que
a) Na Projeção de Peters, as distâncias entre os para-
ele representa abertamente. A iconologia do mapa, no
lelos crescem à medida que se afastam do Equador,
tratamento simbólico do poder, é um aspecto negligen-
gerando um aumento exagerado das áreas localiza-
ciado da história cartográfica.
das próximas aos polos.
Toda história cartográfica que ignora esta carga po-
b) A Projeção de Mercator não se presta para a compa-
lítica da representação fica condenada a ser apenas
ração de superfícies ou para medir distâncias, uma
uma história "histórica".
vez que foi criada para atender às necessidades de
navegação do século XVI.
HARLEY, Brian.
c) Tanto a Projeção de Mercator como a de Peters
Disponível em: confins.revues.org/5724?lang=pt.
falseiam a superfície dos continentes, seja pela de- Acesso em: 19 fev. 2016.
formação latitudinal (Mercator) ou pela deformação
longitudinal (Peters). O que o autor quis dizer? Nesse sentido, há técnica sem
d) Por situar a África no centro, a Projeção de Peters comprometimento ideológico ou que não seja produzida
torna a África maior do que de fato ela é, se compa- e controlada por determinada classe ou grupo social?
rada aos demais continentes. Podemos relacionar isso com a Geografia e a cartografia?
e) Os mapas de Peters e de Mercator, por se tratarem
de projeções cilíndricas, não causam nenhuma de-
formação na representação de qualquer região do
globo terrestre em um plano.
824-2

6
 om um propósito, com um fim. No presente caso, a cartografia serve a fins econômicos
C
e políticos.

28 POLISABER
aulas 4 e 5 GEOGRAFIA GERAL

NAVEGAR ÁGORA

 ites
S Entre os tipos de projeções cartográficas estudadas,
temos a de Mercator, sabidamente a hegemônica, e a de
Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais Gall-Peters, que, mesmo ainda com incipiente aplicação,
Disponível em: inde.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2016. está aos poucos se tornando um pouco mais conhecida,
O site tem como função, segundo informa o próprio ainda que não sejam utilizadas por instituições oficiais.
portal, catalogar, integrar e harmonizar o conjunto de Como vimos, a primeira delas acaba mostrando con-
dados geoespaciais, além de “facilitar e ordenar a gera- tinentes, entre eles a Europa, proporcionalmente muito
ção, o armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a maiores do que são, em comparação, por exemplo, com
disseminação e o uso dos dados geoespaciais”. a África e a América do Sul. A Projeção de Gall-Peters
oferece uma representação sem essas distorções.
Concar Outra grande surpresa aos nossos olhos é a “inversão”
Disponível em: concar.ibge.gov.br. Acesso em: 19 fev. do mapa-múndi. Não há nenhum impedimento real para
2016. ser assim reproduzido: África e América Latina no norte
Criada em 1967 e ligada ao Ministério do Planejamento, ou na parte “de cima” e os Estados Unidos e Europa
a Comissão Nacional de Cartografia (Concar) tem como Ocidental no sul, isto é, na parte “de baixo”.
objetivo fornecer as bases da cartografia brasileira. Além Debata com seus colegas e com seu professor a possi-
de dar suporte ao Sistema Cartográfico Nacional (SCN), bilidade de os referidos formatos diferentes passarem a
coordena a Política Cartográfica Nacional. Em seu site, po- ser adotados e sua eventual utilidade. Há obstáculos téc-
dem ser encontradas a legislação cartográfica brasileira; nicos? Haveria impactos geopolíticos ou sociais? Como
normas e especificações técnicas da cartografia nacional, a maior parte da população veria uma proposta como
entre vários outros tipos de informações. essa? Seria uma mudança nula ou poderia contribuir para
a construção de novas ideias e práticas?
The West Wing
Disponível em: goo.gl/lNeJG9. Acesso em: 18 fev. 2016.
Em uma cena com menos de 4 minutos, atores da série
estadunidense demonstram as definições e a importân-
cia das projeções de Mercator e Gall-Peters. Vale a pena
assistir!

Livros

BROTTON, Jerry. Uma história


do mundo em doze mapas. Rio
de Janeiro: Zahar, 2014.
O autor conta a história da hu-
manidade, como diz o título, por
meio de doze mapas essenciais.
Discute os diversos contextos
REPRODUÇÃO

que os envolvem, mostrando


o que pode estar por trás da
cartografia.
824-2

POLISABER 29
GEOGRAFIA GERAL aulas 4 e 5

S E N H A
Lógica em rede: a nova lógica global.
824-2

30 POLISABER
GEOGRAFIA GERAL – AULAS 6 E 7

Geralmente, quando cessam as suas atividades e se


retiram (as multinacionais), deixam grandes danos
humanos e ambientais, como desemprego, aldeias
sem vida, esgotamento de algumas reservas naturais,
desflorestamento, empobrecimento da agricultura e
pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos
e qualquer obra social que já não se pode sustentar.
REPRODUÇÃO

Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco.


REPRODUÇÃO

O infográfico acima foi produzido pela Convergence Alimentaire em 2012. Representa as dez empresas multinacionais
que sozinhas controlam a indústria mundial de alimentos, incluindo higiene pessoal e limpeza.
824-2

POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

As empresas indústria controlava todas as etapas do processo produ-


tivo, o que acabou criando corporações gigantescas com
transnacionais dezenas de milhares de trabalhadores. As empresas de
e o Estado-Nação Henry Ford, por exemplo, controlavam desde a produção
de borracha até a distribuição dos veículos. O modelo,
então vitorioso, foi incorporado amplamente pelas em-
Do taylorismo-fordismo à presas de outros setores, tornando-se dominante.
produção flexível
Como se sabe, o processo de industrialização que se
Toyotismo
tornou determinante em nível global foi o iniciado na
Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII.
No início dos anos 1970, após seu auge desde o final da
Tendo sido continuado no século XIX, nomeamos ambos,
Segunda Guerra, o taylorismo-fordismo entra em declínio
respectivamente, de primeira Revolução Industrial e se-
e passa a ser substituído por novas tecnologias produtivas
gunda Revolução Industrial. Há, no entanto, estudiosos
e de gestão: o chamado toyotismo.
que dizem se tratar de uma única revolução industrial,
Nos países de capitalismo central, o novo sistema
mas com duas fases.
consolida-se nos anos 1970 e 1980 e no Brasil, ao longo da
Independentemente da visão adotada, o fato é que
década de 1990. Abandona-se o padrão da verticalização
tais mudanças possibilitaram a criação de infraestrutura
(controle de todo o processo produtivo por somente uma
industrial vital para um novo salto produtivo a partir do
empresa). A corporação transnacional passa a focar em
início do século XX: a produção de bens industriais em
sua atividade-fim e a contratar várias outras empresas
massa com o advento da linha de montagem fordista so-
de pequeno e médio porte para lhe fornecer todos os
mada à administração científica das inovações tayloristas.
produtos e serviços (atividades-meio) essenciais a ela.
Por exemplo, uma empresa que produz veículos vai se
concentrar na produção propriamente de veículos e to-
Ford das as outras operações (segurança, limpeza, fabricação
de autopeças, alimentação dos trabalhadores etc.) são
O empresário estadunidense Henry Ford, fundador da destinadas a outras empresas externas.
montadora Ford, em 1914 revolucionou o sistema de pro- Assim, temos um conjunto de empresas em rede que
dução de automóveis ao criar a linha de montagem. Nela estão ligadas não verticalmente, mas de uma forma muito
os operários permaneciam em seu posto e, por meio de mais horizontalizada. Formam-se, portanto, redes globais
uma esteira rolante, recebiam o trabalho a ser executado, de empresas e, consequentemente, a terceirização.
isto é, montavam uma pequena parte do veículo. Ao final Ainda, os sistemas produtivos tornam-se mais flexíveis
da linha, o veículo estava montado. e de fácil programação, proporcionados pela tecnologia e
A nova tecnologia de gestão da produção permitiu que pela gestão. A linha de montagem não desaparece, mas
se reduzisse o tempo de fabricação de um veículo de em determinadas etapas as tarefas são executadas em
12h30 para 1h38: oito vezes menos! Hoje a fabricação de células em que um número menor de trabalhadores con-
um automóvel consome aproximadamente algo entre 10 trola uma quantidade maior de máquinas ao contrário da
segundos a um minuto. Além da linha de montagem, com disposição puramente fordista da linha de montagem, em
o parcelamento das tarefas, a produção em massa foi que cada trabalhador relacionava-se somente com uma
possível com a padronização das peças e automatização máquina ou tarefa. Por consequência, com a adoção de
das fábricas. Para a organização do novo sistema, Ford lógicas em rede pelas empresas, elas se tornam neces-
também contou com os resultados das pesquisas de John sariamente menos burocráticas, menos formais e menos
Taylor, que defendia a organização hierárquica e vertical hierárquicas. Leia-se: precisam de menos trabalhadores
da produção, bem como a fragmentação do trabalho com para produzir o mesmo ou até mais!).
o controle absoluto e precisamente cronometrado dos O toyotismo é caracterizado pelo controle da
movimentos do trabalhador na realização de suas tarefas. empresa-mãe (ou do “nó” mais importante, conforme
Outra grande característica da empresa fordista era a estudamos na aula anterior) de uma vasta rede de
integração vertical das empresas, isto é, uma determinada fornecedores externos, sublinhamos: uma rede. Outras
824-2

32 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

duas importantes particularidades do toyotismo são


a existência de baixos estoques e a consideração e a Anos 1970: mudança do padrão-ouro e a substi-
incorporação do conhecimento do trabalhador para tuição da indústria pelas finanças
avaliar e até alterar detalhes relevantes da produção.
No fordismo, o trabalhador-operador somente executava Nesse período ocorre a substituição do domínio
tarefas que lhe eram impostas. Os engenheiros e outros industrial capitalista pelo financeiro. Medida essa
profissionais (por isso administração científica) eram iniciada pelo governo dos Estados Unidos com o
exclusivamente os responsáveis pela organização do fim do padrão-ouro em 1971 e ratificada em reunião
processo produtivo. do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1973.
Sob essa lógica toyotista em rede foram reestrutura- Iniciada ao final da Segunda Guerra, em 1944 as na-
das, a partir da década de 1970, as grandes corporações ções aliadas, vencedoras, reuniram-se na cidade de
transnacionais atuais. Bretton Woods, Estados Unidos, para reorganizar o
capitalismo mundial, ainda sofrendo consequências
da Grande Depressão de 1929. No evento, medidas
Da produção para a vida importantes foram tomadas, entre elas a criação
do Banco Mundial, do FMI e a fundação do padrão
É muito importante sublinhar que desde o taylo- dólar-ouro ou simplesmente padrão-ouro.
rismo-fordismo até os processos atuais de flexibili- Nesse sistema, os países adotaram como referên-
zação não só a produção e o mundo do trabalho são cia o dólar e os Estados Unidos a lastrear, ou basear,
profundamente afetados, mas também praticamente sua moeda no ouro. Tal medida possibilitou que algo
todos os níveis sociais: comportamento, cultura, abstrato, o dinheiro, passasse a ter determinada
produção científica, educação, família, alimentação, equivalência com uma riqueza concreta: o ouro.
moradia etc. Os motivos e causas para isso conti- Inibia-se, consequentemente, a ilimitada especulação
nuam sendo amplamente estudados e debatidos; e viabilizava-se a estabilidade do sistema financeiro,
entretanto, admite-se que sendo a sociedade uma condições essenciais ao desenvolvimento do capita-
rede profundamente interligada, as suas diversas lismo, ainda sob a supremacia do capital industrial.
áreas se comunicam e se influenciam mutuamente; Todavia, o novo procedimento seria controlado pelos
logo, alterações radicais na produção impactam Estados Unidos na medida em que o dólar se torna
intensamente vários outros campos e são por eles referência mundial.
igualmente afetados.
Podemos dar alguns exemplos, mas ficamos por
ora somente com aquele que nos é mais próximo
no momento: seria coincidência as escolas, desde A rede de controle
as primeiras décadas do século XX, possuírem um
formato muito semelhante às fábricas? Vejamos:
corporativo global
os sinais sonoros da fábrica estão nas escolas
As grandes corporações transnacionais de hoje, muitas
(entrada, saída, intervalos etc.); o rígido cumpri-
delas criadas no século XIX,1 e que passaram pelo for-
mento de horários; a disposição das salas de aula
dismo e pelo toyotismo, tornaram-se megaorganizações
com carteiras enfileiradas (linha de montagem?);
superando a maioria dos países. Uma breve comparação
professores, muitas vezes autoritários e donos do
entre as receitas brutas das empresas e os PIBs das
conhecimento (semelhanças com os chefes seriam
nações poderá comprovar essa ideia.
meras coincidências?); cumprimento de regras cujos
De acordo com dados de artigo publicado em 2015 pela
sentidos são incompreensíveis e nunca elaboradas
revista Carta Capital e escrito por Alfredo Assumpção,2 as
participativamente; estudo de conteúdos sem cone-
50 maiores corporações transnacionais (multinacionais)
xão com a realidade: situação muito parecida com a
têm uma receita bruta anual maior do que 70% dos países.
do trabalhador que desconhece o significado do que
Igualmente, segundo o economista e professor Ladislau
produz na linha de montagem...
Enfim, seria então o papel da escola: preparar
intelectual e psicologicamente para o regime do
1
Ler Caderno 1 de Geografia Geral, aulas 1 e 2.
trabalho?
824-2

2
 isponível em: cartacapital.com.br/economia/o-mundo-como-ele-e-e-como-o-brasil-
D
pode-se-dar-bem-6015.html. Acesso em: 18 fev. 2016.

POLISABER 33
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

Dowbor,3 as empresas transnacionais são responsáveis Estima-se que a indústria bélica no mundo consumiu 1
por pelo menos 20% a 25% da produção mundial de trilhão e 750 bilhões de dólares no ano de 2013,5 o equi-
serviços; 80% a 90% das novas tecnologias e mais da valente a mais de 56 mil dólares por segundo. Somente
metade mundial do comércio de bens e serviços. Ainda, os Estados Unidos gastaram 682 bilhões de dólares, va-
conforme informações debatidas no texto da seção Roda lores maiores do que o orçamento militar de oito países
de Leitura desta aula, comprovou-se que a economia juntos: China, Rússia, Arábia Saudita, França, Reino Unido,
global é subjugada por um pequeno número de corpo- Alemanha, Japão e Índia. Nos Estados Unidos, líderes da
rações que constituem uma rede mundial com poucos tecnologia de ponta no setor, há mais de 100 mil empre-
“nós”, a maior parte do setor financeiro.4 sas de produtos bélicos que fornecem mais de 40% da
Há, em vista disso, uma colossal concentração pla- produção mundial.
netária em muitos dos principais setores da economia, São sete as empresas que controlam o mercado bélico
constituindo verdadeiros oligopólios ou até monopólios. global: Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman,
Observemos alguns casos. General Dynamics e Raytheon (as cinco dos Estado
Unidos); British Aerospace, da Inglaterra e a EADS (Eu-
ropean Aeronautic Defence and Space Company) de um
consórcio europeu.
O controle no setor petrolífero
Um excelente exemplo de enorme concentração é o
setor de petróleo. Ele torna nulo, em escala global, a lei O controle no setor de
da oferta e procura; a livre iniciativa e a concorrência. A alimentação, higiene pessoal e
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) limpeza
é uma organização internacional, fundada em 1960, que
determina tanto os preços quanto o abastecimento para O infográfico do início dessa aula demonstra, de ma-
o mercado mundial ao decidir se sua produção será neira bastante clara, os oligopólios mundiais no setor
reduzida ou aumentada, conforme as conveniências de alimentação, higiene pessoal e limpeza. Uma rápida
de seus membros, principalmente da Arábia Saudita, o observação nos mostra que a maior parte dos produtos
sócio de maior poder. Ou seja, aqui a oferta também não que diariamente consumimos provém de um diminuto
é regulada pela procura. número de empresas.
Dela (Opep) fazem parte cinco países fundadores (Ará- No Brasil, a situação não é diferente. Conforme artigo
bia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela), mais sete do site Carta Maior,6 somente cinco empresas contro-
agregados: Argélia, Angola, Equador, Nigéria, Emirados lam de 60% a 70% de tudo o que as famílias brasileiras
Árabes, Líbia e Qatar. Participam também das reuniões, compram nos mercados. Três empresas (Kraft, Nestlé e
mas não como integrantes, Sudão, México, Noruega, Garoto) dominam 85% do setor de chocolates e também
Rússia, Cazaquistão, Omã e Egito. três (Ambev, 70%; Grupo Petrópolis e Brasil Kirin cada
De acordo com dados de 2014, a Opep controla 43% uma 10%) o mercado de bebidas. Há também empresas
da produção mundial, possui 75% das reservas e é res- brasileiras, como a BRF, que detêm 20% do comércio de
ponsável por 51% de seu comércio global. aves do mundo, bem como 52,5% do mercado de pizzas
e 60% do de massas congeladas no Brasil.

O controle no setor bélico


O controle no agronegócio
A indústria da guerra é também um negócio altamente
lucrativo, talvez o maior. Segundo estudiosos da Escola de Com escritórios no Canadá, México e Filipinas, a
Frankfurt, sobretudo Jürgen Habermas, o complexo ciên- organização internacional ETC desenvolve estudos e
cia-técnica-indústria-exército-administração é o mais propõe políticas públicas direcionadas às questões
dinâmico nas sociedades capitalistas contemporâneas.
5
Segundo dados do Instituto de Pesquisa da Paz Internacional de Estocolmo.
3
Ler A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada. Rio de Janeiro: 6
T exto completo: cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-concentracao-das-
824-2

Vozes, 1998. empresas-nas-gondolas-do-supermercado/7/32575. Acesso em: 20 mar. 2015. Dados


4
Ler Caderno 1 de Geopolítica, aulas 1 e 2. referentes aos anos de 2013 e 2014.

34 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

socioeconômicas com referência à ecologia. Em um de de 2007-2008 causada pela especulação de produtos


seus relatórios mais recentes (2014), constatou-se o financeiros e também pela altíssima concentração no
domínio mundial do setor de agronegócios por poucas setor, o que tornou frágil o sistema financeiro mundial,
empresas transnacionais. Destacam-se: propício a uma “contaminação” imediata. A falência de
—— Três empresas controlam 53% do mercado mundial um grande banco acaba provocando um “efeito dominó”
de sementes (Monsanto 26%, DuPont Pionner 18,2% não só em várias outras instituições financeiras, mas até
e Syngenta 9,2%). em setores completamente diferentes. Para evitar a tra-
—— Cinco empresas controlam 76% da produção de gédia, os governos foram obrigados a utilizar centenas de
agrotóxicos (Syngenta 23%, Bayer CropScience bilhões de recursos públicos para salvar as instituições.
17%, Basf 12%, Dow AgroSciences 9,6% e Mon- No Brasil, apenas cinco bancos concentram 83% dos
santo 7,4%). valores depositados:9 Banco do Brasil, Caixa Econômica
—— Dez controlam 41% dos fertilizantes (Yara 6,4%, Federal, Itaú, Bradesco e Santander. A concentração do
Agrium Inc 6,3%, Mosaic 6,2%, PotashCorp 5,4%, capital bancário no Brasil é evidente também quando
CF Industries 3,8%, Sinofert Holdings 3,6%, K+S vemos a participação das instituições financeiras em
Group 2,7%, Israel Chemicals 2,4%, Uralkali 2,2% território nacional comparando-se com o PIB: aqui, 12,6%;
e Bunge 2%). Estados Unidos, 4,5%; Canadá, 2%, Alemanha, 4,3%;
França, 4,5%; Reino Unido, 5,7% e Holanda, 3,9%.10 Não
Não obstante o controle do setor por um pequeno pode haver dúvida de que os altíssimos juros são em boa
número de corporações, aproximadamente 70% dos parte responsáveis por essa relação anormal do Brasil em
alimentos que chegam diariamente à mesa das famílias relação a outros países.
brasileiras são produzidos por pequenos e médios agri-
cultores; a produção dos grandes latifúndios são mono-
culturas direcionadas à exportação, por exemplo, a soja.
O controle no setor da
informação
O controle no setor financeiro A mídia é outro grande campo onde não cabe a concor-
rência, seja no Brasil ou em nível mundial. Um dos grupos
O estudo já indicado7 mostra que 147 organizações mais poderosos é o comandado, há mais de 40 anos,
transnacionais controlam 40% da economia corporativa pelo empresário australo-americano Rupert Murdoch,
global, e ¾ são instituições financeiras. Uma outra pes- acionista majoritário da New Corporation, um dos maio-
quisa, do Fundo Monetário Internacional (FMI), revela res grupos midiáticos do mundo, cuja extensão domina
dados também impressionantes. boa parte da Europa. Nos Estados Unidos há somente
—— No Canadá, França e Espanha, três bancos contro- seis grandes grupos de comunicação: Time Warner, Walt
lam 60% da riqueza no setor. Disney, Viacom, Rupert Murdoch (outra vez), CBS Corpo-
—— Entre 2000 e 2014, três mil bancos encerraram suas ration e NBC Universal; isso sem contar com as grandes
atividades nos Estados Unidos. da internet: Google, Yahoo, Facebook e Microsoft.11
—— No Japão caiu de 850 para 650. Seria possível também destacar a elevadíssima concen-
—— Na Índia, de 300 para 150. tração mundial em outros setores, como o farmacêutico,
o automotivo, entre outros, mas os exemplos discutidos já
Além disso, os 28 principais bancos do planeta, chama- são mais do que suficientes para constatarmos, na prática
dos de bancos “sistêmicos” pelo G208 em 2011, possuem e por meio dos números, o intenso peso do domínio de
um patrimônio de 50,34 trilhões de dólares, e a dívida poucas corporações sobre a economia mundial.
pública global em 2012 era de 48,95 trilhões de dólares.
Foram os responsáveis pela crise econômica mundial

7
Na seção Roda de Leitura desta aula.
8
 um grupo representado pelos ministros das finanças e presidentes dos bancos
É
centrais de 19 países (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha,
Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Coreia do Sul, Rússia, Arábia Saudita, 9
Banco Central do Brasil, 2013.
África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos), mais a União Europeia.
Criado em 1999, seus objetivos principais são: discutir políticas financeiras e
10
IBGE (1997).
824-2

monetárias internacionais, a reforma de instituições financeiras internacionais e o 11


 ara mais informações sobre este tema, leia o item sobre globalização cultural no
P
desenvolvimento econômico mundial. Caderno 1 de Geopolítica.

POLISABER 35
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

A crise do o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização


Mundial do Comércio (OMC), não só por seus respectivos
Estado-Nação tamanhos, mas por terem a possibilidade de atuar global-
mente, enquanto os países estão restritos a seus territórios.
De imediato, os números demonstram que é pouco
Desse modo, um grande debate atual entre políticos e
consistente o conceito de livre concorrência, livre incia-
cientistas é sobre o futuro do papel dos Estados diante
tiva, além da lei de oferta e procura, bases do sistema
do crescente poder de organizações privadas em um
capitalista. Primeiro é necessário considerar essa afir-
mundo cada vez mais globalizado. O espírito público ou
mação válida para os mercados mundiais e nacionais.
republicano (e aqui o Estado se insere) está destinado a
Na escala local, ainda é possível encontrar concorrência
desaparecer?
e a relação entre oferta e procura, mas, são quantidades
irrelevantes diante do peso de pouquíssimas empresas
que dominam a economia global.
A segunda consequência da concentração da produção Responsabilidade social
é a relação com os Estados-Nacionais. Como conseguem
ou conseguiriam resistir diante do poder econômico das Uma justificativa que se tenta fazer à existência das

transnacionais? Como conseguiriam fazer leis ou políti- grandes corporações transnacionais é a necessidade de

cas públicas que eventualmente desagradasse este ou enormes capitais para que essas empresas possam ser

aquele interesse empresarial sem sofrerem represálias ou criadas e operar. Isso é verdade. Não se pode criar uma

“a fuga” para outras localidades “menos” afrontosas ao empresa do ramo de petróleo ou automobilístico, por

setor corporativo? Conforme já referido, se compararmos exemplo, sem enormes quantias de recursos financeiros.

os PIBs dos países com as receitas brutas das principais Para isso, há uma solução defendida por especialistas:

corporações, veremos a larga vantagens destas. a regulação pública com controle social da atuação de

Os Estados-Nacionais, em grande parte, acabam tais corporações. Em outras palavras, as corporações

ficando subordinados às vontades de uma pequena deveriam respeitar legislações preocupadas com a função

elite econômica, com uma pequena capacidade de social de seus fins e meios. Uma empresa desse porte

desenvolverem políticas públicas com a quantidade e não poderia agir livremente, somente de acordo com os

a qualidade minimamente razoáveis à população. Qual interesses particulares de seus acionistas: o interesse

seria a capacidade do Estado em realizar investimentos público de toda a sociedade deveria estar em primeiro lu-

econômicos e sociais? gar. Está poluindo? Preocupa-se com o bem-estar social?

O que não dizer da relação entre financiamento privado, Remunera decentemente seus trabalhadores? Oferece

notadamente das grandes empresas, aos candidatos a ambiente de trabalho decente e de livre atuação sindical?

cargos públicos? Um pequeno exemplo pode nos ajudar: Paga corretamente seus impostos? Aquilo que produz é

qual o poder da maior parte dos países da América do vital para a sociedade? Os bens e serviços oferecidos são

Sul, como a Bolívia, com um PIB de 70 bilhões de dólares de qualidade e preço acessível? Em sua cadeia produtiva,

diante de um gigante como a Exxon, com vendas de mais todas as empresas agem corretamente?

de 376 bilhões de dólares? Essas são somente algumas das questões que deve-

A dificuldade dos Estados-Nacionais também ocorre riam compor os princípios indispensáveis, sobretudo das

diante de grandes organizações, como o Banco Mundial, corporações transnacionais.


824-2

36 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

EXERCÍCIOS

1. (Acafe-SC) algumas dessas empresas sediadas em países fora


desse grupo.
Correspondendo a mais recente fase da expansão d) Embora não seja recente, a tendência de regionaliza-
capitalista, o processo de globalização está para o ção do mundo em blocos econômicos ganhou espaço
atual período técnico-científico ou informacional do com a emergência da economia globalizada, cada
capitalismo como o colonialismo esteve para a fase vez mais competitiva, o que resulta na expansão de
do capitalismo comercial (do século XVI ao XVIII), ou do mercados e dos lucros das empresas.
imperialismo para o capitalismo industrial (do século
XIX até a metade do XX).
2. (Vest-RJ)
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de.
Geografia para o ensino médio: geografia geral e do Cortando fronteiras com capital e tecnologia, as
Brasil. São Paulo: Scipione, 2002. p. 345. multinacionais otimizam mercados, recursos naturais
e políticos em escala mundial. Uma nova forma de
Sobre tema da globalização, é correto afirmar, ex- acumular lucros, uma nova divisão internacional do
ceto: trabalho. 
a) A mundialização do American way of life (modo de
vida nos Estados Unidos) e a homogeneização cul- KUCINSKI, Bernardo.
tural foram dois aspectos da globalização impostos, O que são multinacionais.
mas aceitos incondicionalmente por todos os povos
do planeta. A nova divisão internacional do trabalho apresenta-
b) Os fluxos de capitais, bem como os fluxos de da no texto tem como causa a seguinte atuação das
mercadorias, são importantes nesse momento da multinacionais:
globalização econômica, pois eles se materializam a) importação de matérias-primas do 3º mundo.
de diferentes maneiras no território de países b) aplicação de capitais em atividades agropastoris nos
espalhados pelo mundo. países periféricos.
c) Os grandes agentes da globalização da produção c) participação em mais de um ramo de atividade.
são as corporações multinacionais, cuja maioria d) exploração de novas fontes de energia.
está sediada nos países do G7, embora já existam e) implantação de filiais em países de mão de obra
barata.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Nesta aula, mesmo que brevemente e de maneira inicial, podemos aplicar alguns dos conceitos relacionados à rede
vistos na aula anterior. Ao estudarmos as corporações transnacionais, podemos perceber que, mesmo sendo o “nó”
principal, elas estão conectadas a uma enorme rede global de empresas fornecedoras. A produção de determinado bem
ou serviço é o valor que as unem; além de possuírem enorme flexibilidade: em períodos de crise podem simplesmente
dispensar fornecedores e o inverso quando assim o desejarem.
Outro ponto fundamental é analisar comparativamente o poder dessas entidades globais com as organizações públi-
cas/estatais. Até que ponto não estamos em uma transição dramática?
Bons estudos!
824-2

POLISABER 37
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

EXERCÍCIOS

1. (UERJ) d) Terceirização – a inovação industrial do século.


e) Racionalização dos estoques.
Andy Warhol (1928-1987) é um artista conhecido
por criações que abordaram valores da sociedade de
consumo; em especial, o uso e o abuso da repetição. 3. (UEA) Nas primeiras décadas do século XX, o en-
Esses traços estão presentes, por exemplo, na obra que genheiro Frederick Taylor desenvolveu os princípios
retrata as latas de sopa Campbell’s, de 1962. de administração científica, que consistiam, basica-
mente, no controle dos tempos e dos movimentos
dos trabalhadores para aumentar a eficiência do
processo produtivo. Ao adotar estes princípios em
sua fábrica, Henry Ford criava um novo método de
produção. A inovação mais importante do modelo
fordista de produção foi:
a) a fragmentação da produção.
b) o trabalho qualificado.
c) a linha de montagem.
d) a produção diferenciada.
e) a redução dos estoques.

Museum of modern art – MOMA.


Disponível em: moma.org.
Acesso em: 17 mar. 2016. RODA DE LEITURA

O modelo de desenvolvimento do capitalismo e o


Leia atentamente o texto jornalístico abaixo:
correspondente elemento da organização da pro-
dução industrial representados neste trabalho de
Londres – No final de 2011, um estudo da Escola
Warhol estão apontados em:
Politécnica Federal de Zurique sacudiu o debate sobre
a) taylorismo – produção flexível.
a concentração do poder em nível mundial. A base
b) fordismo – produção em série.
de dados do estudo chegava até 2007, ou seja, até a
c) toyotismo – fragmentação da produção.
fronteira da grande crise que sobreveio com a queda
d) neofordismo – terceirização da produção.
do Lehman Brothers, e quantificava pela primeira vez
a ideia generalizada de que um punhado de empresas
dominava a economia mundial.
2. (Unifra) Qual dos títulos abaixo pode ser considera-
A investigação de Stefania Vitali, James B, Glattfeldes
do adequado para o fragmento:
e Stefano Battiston, “The network of global corporate
control” (A rede do controle corporativo global), não
Com o carro, criou-se a fábrica moderna e trans-
se baseava em teorias econômicas ou políticas, mas
formou-se a indústria automobilística em um dos
sim no desenho de sistemas e demonstrava que 1.318
empreendimentos mais importantes do século XX.
empresas transnacionais possuíam direta ou indireta-
Inventou-se a linha de montagem.
mente ações de sociedades que representavam 60%
das receitas mundiais. Mostrava ainda que o núcleo
Dinheiro.
Editora Três, n. 122. p. 20. duro desse grupo era formado por 147 empresas que
concentravam 40% das receitas corporativas mundiais.
a) Fordismo – a produção em escala. Hoje, Stefania Vitali está pesquisando o que ocorreu
b) Toyotismo – a produção flexível. de 2008 até nossos dias e maneja como hipótese provi-
824-2

c) Trabalhador polifuncional. sória que essa concentração se intensificou ainda mais.

38 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

Em entrevista à Carta Maior, Vitali fala de seu estudo e tenham muito mais conectividade. As empresas do
de seu impacto econômico e político. setor da manufatura costumam conectar-se mais
com suas subsidiárias em uma estrutura piramidal,
CM: Como avalia que evoluiu esta rede de 147 enquanto o setor financeiro tem uma estrutura muito
companhias? mais complexa.
Stefania Vitali: Estas redes costumam ser estáveis,
ou seja, não apresentam mudanças drásticas de um CM: Que consequências têm na economia mun-
ano para o outro. Mas como desta vez temos a crise dial este nível de concentração e conectividade?
de 2008, calculamos que haverá mudanças. Sabemos Stefania Vitali: Não investigamos isso diretamente,
já que vários bancos foram nacionalizados ou desa- é algo que estamos fazendo agora, mas temos algumas
pareceram ou enfrentam sérios problemas. Também hipóteses. Primeiro, que isso gera um grande risco
calculamos que haverá uma maior presença da Ásia. adicional de instabilidade no conjunto do sistema,
Minha hipótese é que a concentração se aprofundará, porque quando as empresas se diversificam muito,
mas até que não tenhamos os dados concretos não aumentando enormemente sua interconectividade, é
podemos corroborar tal ideia. Há uma coisa que está benéfico para elas, mas ao mesmo tempo as expõe a
clara, porém. Os dois principais resultados de nosso um impacto negativo sistêmico. Neste sentido, a crise
trabalho anterior serão mantidos. O primeiro se refere de 2008 pode ser o resultado deste alto nível de co-
ao nível de conectividade que há entre as grandes nectividade. A segunda consequência é uma redução
empresas e o segundo é o nível de concentração. Ou da competição no mercado.
seja, as empresas estão muito mais conectadas do
que se pode imaginar. Em particular, encontramos um CM: Com empresas tão fortes, qual o impacto
centro, muito pequeno, composto por 1.400 empresas disso sobre os governos e a democracia?
que estão conectadas direta ou indiretamente. Stefania Vitali: Quando há empresas tão grandes,
A outra face disso é a concentração. Descobrimos elas podem criar blocos de ação. Se não há uma regu-
que 80% das ações dessa rede interconectada estavam lação forte, é muito difícil proteger a democracia. No
em mãos de 0,6% dos acionistas. Assim, chegamos mínimo, temos um problema de regulação. O Estado é
ao núcleo duro desta concentração e interatividade o único fator que pode exercer um contraponto. Muitas
quando vimos que 147 empresas controlavam 40% do vezes, um Estado não pode fazer isso sozinho. É neces-
valor das multinacionais, de modo que, quanto mais nos sária uma ação combinada como a que podem exercer
aproximamos do centro da estrutura, mais aumenta a os estados da União Europeia. Isso é importante porque
concentração. as multinacionais têm o poder para colonizar estados,
em particular nos países mais pobres. Estão buscando
CM: Uma das críticas feitas ao seu estudo foi seu próprio benefício, não o benefício social, coletivo.
que as empresas financeiras estavam excessi-
vamente representadas. Isso se deve ao que se Entrevista concedida ao jornalista Marcelo Justo do
passou a chamar de financeirização da economia, site Carta Maior (CM) em 2013.
ou seja, que o setor financeiro tem uma impor- A rede de controle corporativo global. Adaptado.
tância cada vez maior na economia mundial, o Trad. de Marco Aurélio Weissheimer.
que relegou a produção a um segundo plano na
geração de lucros? Vivemos, desde 2008, uma crise econômico-financeira
Stefania Vitali: Os resultados sempre dependem não resolvida e que ainda pode se agravar. Ao mesmo
dos dados. Nós dependemos do que nos forneceu o tempo, a concentração de riqueza continua aumentando,
Orbis (arquivo com dados globais), que tem uma base de acordo com dados divulgados no início de 2016 pela
de dados de cerca de 37 milhões de empresas e investi- organização não governamental Oxfam, 62 indivíduos
dores de todo o mundo. Com base nesta fonte, fizemos possuem a mesma riqueza que metade da humanidade,
uma primeira depuração e ficamos com umas 43 mil isto é, aproximadamente 3,6 bilhões de seres humanos
transnacionais vinculadas por participações acionárias. (texto indicado na seção Livros). Tendo como referência
É possível que seja mais fácil recolher dados sobre as a entrevista, estabeleça uma relação com a situação ora
instituições financeiras e que isso tenha aumentado relatada, justificando-a e explicando-a.
824-2

Professor(a), note se o(a) aluno(a) consegue estabelecer uma relação entre os três
o seu peso. Também é possível que estas instituições elementos pedidos, tendo como vértice a lógica em rede.

POLISABER 39
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

Filmes
NAVEGAR
A Corporação. Direção: Mark Ach-
Sites bar e Jennifer Abbot. Canadá, 2003.
Disponível em: youtube.com/
Oxfam watch?v=g2Gg54ImJy0. Acesso
oxfam.org.br. Acesso em: 17 mar. 2016. em: 17 mar. 2016.
A organização não governamental inglesa Oxfam (com O documentário discute o sur-
escritório no Brasil e em outros 92 países) produz estudos gimento das grandes empresas

REPRODUÇÃO
e relatórios a respeito dos direitos humanos, democracia multinacionais (corporações) e o
e justiça social, tendo sido reconhecida, nos últimos anos, seu papel na sociedade.
por suas pesquisas pertinentes à concentração da riqueza
(uma delas indicada nesta seção “Livros”). Em seu site é
possível acessar as produções e registrar-se para receber
ÁGORA
o seu boletim de informações.

Um dos debates mais importantes, tanto na geopolí-


tica mundial quanto na academia, tem sido o papel dos
Livros
Estados-Nacionais. Em uma sociedade cada vez mais
globalizada e marcada pela atuação de grupos transna-
KORTEN, David. Quando as cor-
cionais ou supranacionais (empresas e entidades como
porações regem o mundo. São
Banco Mundial, FMI etc.), o alcance das políticas gover-
Paulo: Futura, 1996.
namentais tem diminuído. Isso significa uma importância
O ex-professor na Universidade
menor das políticas públicas e dos gestores democratica-
de Harvard e ativista político
mente eleitos pela sociedade ao serem paulatinamente
debate a estrutura e a lógica
substituídos por interesses privados. Essa diminuição de
de funcionamento das corpo-
importância do Estado pode ser constatada ao compa-
REPRODUÇÃO

rações transnacionais e seu


rarmos os PIBs dos países com as receitas das maiores
impacto nas localidades de todo
corporações transnacionais.
o mundo.
Debata com seus colegas e professor o dilema da
relação de poder entre Estado e corporações globais.
Professor(a), o ponto mais importante aqui é verificar se o(a) aluno(a) compreende os
KORTEN, David. O mundo pós- crescentes limites e perigos sofridos atualmente pelo Estado-Nação, em última análise, o
esvaziamento no médio ou longo prazo cada vez maior de seu poder político de atuação.
-corporativo: a vida depois do
capitalismo. Rio de Janeiro:
Vozes, 2001.
Aqui, o estudioso se dedica à
reflexão de alternativas diante
do domínio das corporações
REPRODUÇÃO

globais. Para o autor, a organi-


zação nos espaços ou territórios
locais pode levar à construção
de formas mais justas e decentes de se produzir bens
materiais e serviços, incluindo-se a maneira de se fazer
política e cultura.
824-2

40 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A

As empresas transnacionais estão organizadas em rede, mas o espaço dos trabalhadores e seus sindi-
824-2

catos, na maior parte das vezes, ainda segue a lógica fordista: hierárquico, vertical, formal e burocrático.

POLISABER 41
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

Seja qual for o país, capitalista ou socialista,


o homem foi em todo o lado arrasado pela tecnologia,
alienado do seu próprio trabalho,
feito prisioneiro,
REPRODUÇÃO

forçado a um estado de estupidez.


Simone de Beauvoir, filósofa e feminista francesa.

O espaço da fábrica e do abelhas ou as intrincadas teias produzidas pelas ara-


nhas não são trabalho, mas sim fruto do que podemos
trabalho chamar de instinto: ideias pré-programadas e sempre
executadas da mesma maneira, isso é a natureza. As
O trabalhador: produzindo aranhas e as abelhas elaboram as teias e as colmeias,
riquezas e alterando o espaço respectivamente, por milhares de anos, sem alteração
alguma. O trabalho, próprio do ser humano, é o resultado
Uma possível origem etimológica da palavra trabalho de produções racionais mentalmente preestabelecidas
está associada a um instrumento de tortura, o tripalium, e que na sequência tornam-se realidade, tendo como
de onde teria sido derivado o termo tripaliare, quer dizer, peculiaridade a liberdade criativa e de aperfeiçoamento
torturar com o tripálio. Sendo ou não esta a explicação daquilo que se pensa e se produz: uma habitação cons-
linguística correta, o fato é que, para a maioria da huma- truída na atualidade é, como sabemos, muito diferente
nidade, desde os períodos mais remotos, o trabalho tem de uma arquitetada há milhares de anos.
se aproximado muito mais de uma sensação de tortura
e sacrifícios do que de satisfação e prazer.
No entanto, o trabalho pode ser entendido de outra
maneira. Ele pode ser também o meio pelo qual os seres
As várias faces do trabalho
humanos manifestam suas qualidades essenciais e, ao
fazê-lo, humanizam-se: tornam-se o que são potencial- Durante a Antiguidade, desde o Egito até Roma, o tra-
mente. Alguns dos mais importantes pensadores nos balho era baseado na escravidão, sendo o trabalhador
ajudam a compreender que sem o trabalho não podemos obrigado a exercer as funções que lhe eram determinadas
manifestar aquilo que realmente somos (internamente) e sem qualquer tipo de questionamento.
se não o fizermos, deixamos de ser (ou expressar) o que Na sequência, durante aproximadamente mil anos, na
essencialmente nos torna humanos. Idade Média, entrava em cena a figura do servo que, como
Por exemplo, qualquer talento ou aptidão deve ser diz o próprio nome, servia ao seu senhor. Não era mais
desenvolvido para que venha a existir efetivamente. um escravo no sentido pleno, era, em princípio, dono de
Quantos jovens e crianças potencialmente artistas, pro- seu próprio corpo, mas também estava obrigado, ao me-
fessores, engenheiros, cientistas etc. existem, mas nunca nos, a trabalhar, na maior parte do tempo, para as elites.
se tornam realidade simplesmente porque não tiveram a Com o surgimento do capitalismo comercial por volta
oportunidade? Desse modo, o trabalho pode ser a única do século XV, o trabalho vai se transformando em trabalho
maneira que podemos utilizar para demonstrar em ato assalariado, formato adotado até o momento presente.
o que somos potencialmente.1 É, assim, o trabalho que Em troca de um salário, o trabalhador, contratado pelo
nos torna humanos. proprietário da fábrica, oferece sua força ao longo de
Nesse sentido, o marxismo afirma que somente o ser determinado período.
humano trabalha. O complexo sistema de colmeias das Em todos esses formatos, ao longo de aproximadamen-
te mais de sete mil anos de história, o trabalhador nunca
824-2

1
 s conceitos de ato e potência são um dos mais importantes na filosofia de
O
Aristóteles. determinou e organizou o seu próprio trabalho e, menos

42 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

ainda, apropriou-se plenamente do fruto de seu esforço, A partir de 1945 há a criação de duas centrais sindicais
pois a posse do que produzia nunca lhe coube decidir o mundiais fortemente marcadas pela disputa ideológica
destino. Desse modo, voltamos ao sentido de trabalho entre os Estados Unidos e a ex-URSS. A primeira é a Con-
enquanto tortura e infelicidade. E, como produto de tal federação Internacional de Organizações Sindicais Livres
conjectura, o trabalhador sempre ofereceu oposição dian- (CIOSL), vinculada à então superpotência capitalista; e a Fe-
te dessa condição. Quando escravo ou servo, organizava deração Sindical Mundial (FSM), associada aos soviéticos.
resistências, fugas e rebeliões. Ao se tornar assalariado, Com o fim da Guerra Fria (anos 1990), caracterizado
continua sua luta e para isso cria os sindicatos. pela extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas, a Federação Sindical Mundial (e os sindicatos globais
a ela ligados) sofreram grande impacto negativo, pois
Movimento sindical perderam um importantíssimo aliado político e financeiro.
Atualmente, o movimento sindical internacional é
composto essencialmente por três diferentes estruturas:
Especialmente a partir da Revolução Industrial inglesa
as centrais sindicais mundiais, as federações sindicais
do século XVIII, os trabalhadores urbanos assalariados
internacionais (ou sindicatos globais por setor) e os co-
começaram a se organizar coletivamente diante da acen-
tuada exploração exercida pelo capitalista no exercício mitês mundiais de trabalhadores.
das atividades laborais. O ambiente de trabalho, no início Outro instrumento que tem sido utilizado pelo movi-
do capitalismo industrial, era quase insuportável, fossem mento sindical global para defesa e garantia de direitos
os trabalhadores homens, mulheres, crianças ou idosos. dos trabalhadores são as cláusulas sociais inseridas em
Salários que mal permitiam a alimentação mais básica, acordos comerciais internacionais. Empresas que de-
jornadas diárias de 16 horas, pouquíssimos intervalos, sejam usufruir de vantagens em seus negócios devem
ausência de dias para descanso, entre outros abusos. respeitar direitos trabalhistas básicos previstos em con-
Condições tão adversas levaram, como já indicado, ao venções da Organização Internacional dos Trabalhadores
surgimento dos sindicatos. (OIT) e de entidades como a Organização Mundial do
Comércio (OMC) e o Mercosul.

Sindicalismo internacional
Estrutura mundial
Em 1864, na cidade de Londres, e tendo como figura
dominante Karl Marx, foi fundada a Associação Internacio- As centrais sindicais mundiais tratam de todos os traba-
nal do Trabalhador (AIT). A AIT até pode ser considerada lhadores do globo, seja qual for o setor econômico. Hoje
a primeira entidade sindical internacional, entretanto, há há duas: as já citadas Federação Sindical Mundial (FSM)
que se ponderar que nela coexistiam não só sindicatos, e a Confederação Sindical Internacional (CSI).
mas também partidos e outros grupos políticos. Sendo Entre as duas centrais sindicais mundiais, a CSI é, de
assim, a rigor, a entidade sindical internacional inaugural longe, a mais poderosa. Tanto em termos políticos como
foi a então Federação Internacional dos Trabalhadores econômicos. No primeiro caso, consegue estabelecer
Metalúrgicos (FITIM), criada em 1893 com forte influência uma capilaridade significativa ao articular e realizar
do Partido Social Democrata alemão. projetos e parcerias com um número maior de atores
Na sequência, e como impacto da Revolução Russa de sindicais e não sindicais. Consequentemente, o manejo
1917, é criada em 1919 a Internacional Sindical Vermelha, da questão econômica se torna igualmente mais fácil na
de tendência socialista. Também no mesmo ano é fundada medida em que os principais financiadores das atividades
a Internacional de Amsterdã, por sindicatos da Alemanha, sindicais (fundações, ONGs, partidos, doadores individuais
Bélgica, Holanda, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, tendo etc.) possuem com a CSI maior afinidade ideológica
como perfil ideológico a social-democracia.2 No ano seguin- devido à opção social-democrata adotada. Ao mesmo
te é a vez da Confederação Internacional dos Sindicatos tempo, essa central tem um número maior de entidades
Cristãos (CISC) por iniciativa da juventude operária belga. sindicais filiadas e assim também maiores contribuintes
financeiros. Afirma representar 175 milhões de traba-
lhadores em 153 países e territórios com 308 entidades
824-2

2
 ara os conceitos de capitalismo, socialismo, comunismo e social-democracia, leia o
P
Caderno 1 de Geografia Geral. sindicais nacionais filiadas.

POLISABER 43
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

Controlada praticamente desde a sua fundação pelos Os Acordos Marco


governos dos países socialistas, notadamente os sovi-
Internacionais (AMIs) e o
éticos, a FSM perdeu grande parte de seus filiados e
influência com o colapso da antiga URSS e a queda do
Estado-Nação
Muro de Berlim. Em um período relativamente curto, a
FSM viu as suas principais fontes de financiamento desa- Entre as ferramentas dos comitês mundiais de traba-
parecerem. Mesmo assim, afirma representar 78 milhões lhadores, também utilizadas pelos demais tipos de enti-
de trabalhadores em todo o mundo, espalhados em 120 dades sindicais internacionais, estão os Acordos Marco
países e com 210 entidades sindicais filiadas. Internacionais (AMIs).
Atualmente, estes são talvez os instrumentos mais
significativos para os trabalhadores na defesa de seus
direitos concretos, tanto em nível local como global. O
Estrutura setorial crescimento cada vez maior por parte das corporações
transnacionais provoca o correspondente aumento de
Nesse nível estão as federações sindicais internacionais seu poder e consequente ampliação e intensificação de
que reúnem os trabalhadores, em nível mundial, dos dife- suas estratégias globais. Nesse sentido, parece impensável
rentes setores da economia, isto é, há a federação sindical que as organizações sindicais dos trabalhadores possam
internacional específica dos professores, dos bancários, prescindir da aplicação de estratégias de caráter global.
dos servidores públicos e assim por diante. Essas são as Os AMIs são instrumentos construídos pelo próprio
organizações sindicais mundiais mais antigas. A primeira movimento sindical internacional, para uso dos traba-
delas, conforme mencionado, é a FITIM. lhadores e que independem da ação dos governos. Aliás,
Da mesma forma que a CSI, a FSM tem sua influência nesse sentido, pode ser uma ferramenta útil para os
sobre um conjunto de federações sindicais internacionais. trabalhadores na medida em que se enfraquece, como
Como não poderia deixar de ser, declaram-se socialistas vimos, o poder dos Estados-Nação.
ou comunistas. Sublinha-se que atualmente estão muito Quando um AMI é assinado entre a direção mundial de
enfraquecidas e com baixíssima capacidade de criar im- uma empresa transnacional e determinada organização
pactos políticos, ou seja, efetivas intervenções sindicais. sindical internacional, as cláusulas devem ser cumpridas,
Equivalem mais a meros departamentos totalmente bu- mesmo que a legislação nacional não garanta qualquer um
rocratizados e sem vínculo algum com os trabalhadores. dos direitos previstos no AMI. O acordo mundial também
pode beneficiar trabalhadores cujos sindicatos locais não
sejam suficientemente fortes e organizados ou terceiriza-
Estrutura por empresa dos. Há atualmente 85 AMIs assinados em todo o mundo.

No nível por empresa há os comitês mundiais de trabalha-


dores, também identificados como redes sindicais. São or-
ganizações sindicais globais de trabalhadores e que existem
O futuro do trabalho e do
e atuam no nível de uma mesma corporação transnacional. trabalhador
Os primeiros surgiram por volta dos anos 1990, quando
também imensas corporações transnacionais aceleravam O tipo de trabalho realizado muda constantemente na
seus processos de fusão, estabelecendo corporações ainda mesma proporção em que muda a sociedade. Aliás, são
maiores, o que aumentava o desequilíbrio de poder político as próprias mudanças na produção dos bens e serviços
em relação aos sindicatos de trabalhadores. que acabam alterando o perfil do mundo em que vive-
Entre suas vantagens, os comitês mundiais de traba- mos. Nesse sentido, funções e atividades são extintas
lhadores têm um grande potencial de conquistas devido da mesma forma em que novos trabalhos são criados.
a sua natureza enxuta, sua especificidade (foco global Você que agora lê esse texto provavelmente nunca
em somente uma empresa), além do fato de serem um trabalhou na função de datilógrafo ou nem mesmo usou
espaço já reconhecido. Também possibilitam que os tra- uma máquina de datilografar. Talvez nem saiba o
balhadores tenham acesso a um conjunto de informações que é uma máquina de datilografar...
estratégicas da empresa em que trabalham – vitais para Hoje, e já há vários anos, o computador e seus programas
824-2

a organização local (nacional) e global. editores são essenciais para a atividade da escrita, seja a

44 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

do escritor ou qualquer função que necessite do texto. Qual a saída?


Seria possível citar várias outras funções eliminadas com o
progresso das forças produtivas: trabalhadores encarrega- O que toda pessoa minimamente informada poderia
dos de acender lâmpadas de querosene para a iluminação dizer é: investimento direto para a criação de empre-
pública antes da luz elétrica; leiteiro etc. Outras profissões gos, seja da iniciativa privada ou do Estado ou, melhor
que correm o risco de desaparecer: frentistas em postos de ainda, das duas fontes. E isso, é claro, para que possa
combustível, cobradores em caixas de mercados, ascenso- ocorrer dependerá das políticas das empresas e dos
ristas de elevadores, telefonistas, vendedor porta a porta etc. governos federais.
Ao mesmo tempo, novas áreas despontam e seriam Em geral, sofrem mais com o desemprego e baixos
inimagináveis até pouco tempo atrás. Um excelente salários os que possuem menor qualificação, até porque
exemplo está no campo da informática e da internet. Os normalmente tais funções são mais fáceis de serem
microcomputadores começaram a ser usados nos anos substituídas pela máquina. Uma exceção nessa análise,
1980 e sua popularização no Brasil teve início na década em grande parte, são os serviços usualmente mais difíceis
de 1990. Quantas funções novas não temos ligadas a de serem automatizados. Estudos divulgados em 20133
esses dois setores e quantas ainda não virão? em relação ao período de 1980 a 2005 (nos Estados
Unidos) afirmam que houve aumento da desigualdade
salarial em paralelo ao imenso avanço tecnológico. Os
mais qualificados, no exercício de suas atividades, pas-
Tipos de desemprego saram a ganhar mais ainda em relação aos menos ou
pouco qualificados. A qualificação e a escolarização, à
Independentemente da criação e eliminação de novas
vista disso, podem sim contribuir para conquista de um
vagas e funções, o fato é que o surgimento de empregos
emprego e elevação salarial.
não tem acompanhado a busca por uma ocupação, em No entanto, não se pode acreditar em seu poder absolu-
nível mundial. O avanço tecnológico, conforme discutido, to: com as condições atuais dadas do desenvolvimento do
pode acabar criando o chamado desemprego estru- capitalismo, se todos os trabalhadores possuíssem uma
tural, no caso de a quantidade de funções eliminadas ótima formação profissional haveria empregos decentes
(definitivamente) ser maior do que as novas; situação para todos? Ou ainda, não haveria desemprego? Como
diferente do desemprego sazonal, fruto de mudanças também já vimos, os investimentos diretos na geração de
momentâneas da economia ou outros fatores externos, emprego e renda são também fundamentais. Em outras
como a política e até os ciclos da natureza. palavras: o cidadão, tendo oportunidades de estudo e
trabalho deve, por óbvio, agarrar-se a elas. As empresas,
cumprindo com sua função social e os governos, por
meio de políticas públicas, devem oferecer aos cidadãos
Crise do capitalismo e
tais direitos.
desemprego Mas, por exemplo, desde 2008 assistimos uma prática
inversa agravada pelos cortes de investimentos públicos
De acordo com relatório da Organização Internacional na criação de empregos e políticas sociais; sempre com
do Trabalho (OIT), a crise econômica mundial de 2008 a justificativa de se equilibrar o orçamento nacional.
causou o aumento de 30 milhões no número de desem- O problema é que outro estudo,4 voltado ao impacto da
pregados, atingindo a marca global de 201 milhões. Pra- informatização/robotização em 702 profissões no setor
ticamente toda a população do Brasil. Se multiplicarmos de serviços, demonstrou que nos próximos vinte anos há
esse montante por quatro (o valor médio de integrantes uma tendência de quase metade (47%) desses postos de
de uma família), superaremos os 800 milhões. Quer dizer, trabalho desaparecerem.
no mínimo 800 milhões de pessoas sem acesso a uma
renda regular para manterem a sobrevivência.
Por conseguinte, a questão do emprego é um dos desafios
mais relevantes. Sem ele, sabemos, surgem vários outros 3
 rtigo “O crescimento dos serviços pouco qualificados”; em inglês, The Growth of
A
Low Skill Service, escrito por David Autor e David Dorn.
problemas: segurança, saúde, alimentação, educação, mo- 4
 efere-se ao mercado de trabalho nos Estados Unidos: “O futuro do emprego: quais
R
radia etc. Forma-se, na verdade, um círculo vicioso em que a são os riscos do trabalho diante da computadorização?”; em inglês The future of
824-2

employment: how susceptible are Jobs to computerisation?, de Carl Frey e Michael


pobreza alimenta o desemprego e este aumenta a pobreza. Osborne.

POLISABER 45
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

EXERCÍCIOS

1. (UFSC) d) A redução de estoques e a racionalização do fluxo


de insumos nas fábricas minimizam os custos por-
Como resposta à crise do fordismo, as empresas que diminuem o volume de capital imobilizado em
passaram a introduzir equipamentos tecnologicamente estoques.
cada vez mais avançados e novos métodos de organiza- e) A padronização das peças e a fabricação de um único
ção da produção, como o toyotismo. As várias mudan- produto em grande escala são alguns dos princípios
ças implantadas no sistema produtivo e nas relações
fundamentais do fordismo.
de trabalho, particularmente nos países desenvolvidos,
ficaram conhecidas como produção flexível e serviram
para dar continuidade à acumulação capitalista.
2. (Unesp) Entre as formas de organização econômica
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. pré-fabris no continente europeu, estão as oficinas
Geografia para o ensino médio: geografia geral e do artesanais, em que:
Brasil. São Paulo: Scipione, 2002. p. 293. Adaptado. a) um mestre trabalhava juntamente com aprendizes
e vendia seus produtos para compradores locais.
Assinale a(s) proposição(ões) correta(s) quanto ao b) o produtor submetia-se a um comerciante que
assunto abordado no texto acima.
lhe fornecia a matéria-prima e adquiria o produto
a) O desemprego conjuntural é provocado apenas pelo
acabado.
desenvolvimento de novas tecnologias, que extin-
c) um proprietário possuía máquinas sofisticadas e
guem muitos postos de trabalho.
b) O toyotismo propunha uma intensificação da divi- explorava um grande número de trabalhadores.
são do trabalho, fracionando as etapas do processo d) os mestres e os assalariados dividiam as tarefas
produtivo. produtivas e usufruíam com igualdade dos lucros
c) O desenvolvimento da produção flexível tem gerado obtidos.
novos processos produtivos. A palavra de ordem e) a unidade produtora supria as necessidades da fa-
passa a ser competitividade. mília e não comercializava os produtos excedentes.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Após termos refletido sobre a nova lógica em rede e o impacto econômico da atuação das corporações em nível
global, o momento, nesta aula, serve para fazermos a necessária relação com os trabalhadores. Sendo os responsáveis
pela produção da riqueza em todos os territórios e espaços geográficos, como têm reagido diante da exploração que
sofrem? Vimos que não a aceitaram resignadamente e, por isso, sempre tentaram se organizar e lutar pelos seus direitos.
Com o surgimento da sociedade capitalista, construíram sindicatos e fizerem propostas, impulsionados principalmente
pela Revolução Industrial.
Isso posto, o importante nesta aula é entender tanto as formas de resistência quanto ponderar sobre cenários futuros.
Para isso, leia com atenção o texto da aula e realize todas as atividades sugeridas.
Bons estudos!
824-2

46 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

EXERCÍCIOS

1. (Enem) d) Era uma associação que visava formar e educar os


futuros trabalhadores, tornando-os mais competiti-
vos no mercado de trabalho.
e) Era um partido operário que defendia a supressão
do capitalismo, substituindo-o por uma sociedade
igualitária.

3. (UERGS) A Revolução Industrial, iniciada na segunda


metade do século XVIII, na Inglaterra, provocou uma
série de transformações socioeconômicas no conti-
nente europeu, tais como:
Disponível em: primeira-serie.blogspot.com.br. a) retração do mercado – produção em larga escala.
Acesso em: 7 dez. 2011. Adaptado. b) transferência do centro econômico das áreas rurais
para os centros urbanos – consolidação do capita-
Na imagem do início do século XX, identifica-se um lismo como sistema dominante.
modelo produtivo cuja forma de organização fabril c) aumento da intervenção do Estado nas atividades
baseava-se na(o) econômicas – afirmação da propriedade privada dos
a) autonomia do produtor direto. meios de produção.
b) adoção da divisão sexual do trabalho. d) relações de produção assalariada – fortalecimento
c) exploração do trabalho repetitivo. das monarquias absolutistas.
d) utilização de empregados qualificados. e) padronização da produção – liberação de contingen-
e) incentivo à criatividade dos funcionários. tes de mão de obra das zonas.

2. (Unemat-MT) A Revolução Industrial ocorrida na In- 4. (UPE) A Revolução Industrial foi um grande triunfo
glaterra, na segunda metade do século XVIII, provo- econômico da burguesia inglesa. Ela não significou,
cou inúmeras mudanças, não somente na forma de contudo, melhores condições de vida para todos.
produzir mercadorias, como também nas relações Com relação ao cotidiano dos operários ingleses, no
de trabalho. Milhares de trabalhadores foram sub- início da Revolução Industrial, pode-se afirmar que:
metidos a até 16 horas de trabalho por dia, baixos a) houve um crescimento planejado das cidades indus-
salários e péssimas condições de vida. Para con- triais, favorecendo a melhoria das condições de mo-
trapor a esta situação, eles resistiram de todas as radia, sem alterar as exaustivas jornadas de trabalho.
formas e um destes “movimentos” ficou conhecido b) alguns escritores ingleses denunciaram a situação
como ludismo. Assinale a alternativa correta, que de pobreza da maior parte da população, criticando
define este movimento. os efeitos da Revolução.
a) Era uma organização clandestina que tinha como c) não houve mudanças marcantes na tecnologia utili-
objetivo assassinar patrões e altos funcionários do zada, destacando-se apenas o aumento da jornada
governo. de trabalho.
b) Era um sindicato que tinha como proposta cons- d) foram construídas vilas operárias com boas condi-
cientizar a burguesia e o governo sobre a miséria ções de higiene, embora os operários optassem por
da classe operária. morar longe das fábricas e das cidades.
c) Era um grupo formado, em sua maioria, por artesãos e) aconteceu uma expansão imediata da industrializa-
que quebravam as máquinas porque acreditavam que ção, favorecendo as populações francesa e alemã
elas os estavam substituindo. com a chegada de novas fontes de produção.
824-2

POLISABER 47
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

Além uma igreja, à frente 


RODA DE LEITURA Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um dos mais talentosos e conhecidos entre os artis-
Um operário em construção. 
tas do Brasil foi o poeta, músico, escritor e diplomata
Vinicius de Moraes. Em sua extensa contribuição, estão
Mas ele desconhecia 
várias obras-primas, como o poema “O Operário em Esse fato extraordinário: 
Construção”, escrito em 1959. Seu conteúdo, além de Que o operário faz a coisa 
nos oferecer profunda análise social, eleva nosso espírito E a coisa faz o operário. 
diante da beleza e do lirismo. Leia o trecho a seguir com De forma que, certo dia 
muita atenção, identificando seus principais significados À mesa, ao cortar o pão 
e mensagens. O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe Ao constatar assombrado 
num momento de tempo todos os reinos do mundo. E Que tudo naquela mesa 
disse-lhe o Diabo:  – Garrafa, prato, facão –
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a Era ele quem os fazia 
mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, Ele, um humilde operário, 
se tu me adorares, tudo será teu.  Um operário em construção. 
E Jesus, respondendo, disse-lhe:  Olhou em torno: gamela 
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Banco, enxerga, caldeirão 
Senhor teu Deus e só a Ele servirás.  Vidro, parede, janela 
Lucas, cap. V, vs. 5-8.  Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele que erguia casas  Era ele quem o fazia 
Onde antes só havia chão.  Ele, um humilde operário 
Como um pássaro sem asas  Um operário que sabia 
Ele subia com as casas  Exercer a profissão. 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia  [...]
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo  Foi dentro da compreensão 
Que a casa de um homem é um templo  Desse instante solitário 
Um templo sem religião  Que, tal sua construção 
Como tampouco sabia  Cresceu também o operário. 
Que a casa que ele fazia  Cresceu em alto e profundo 
Sendo a sua liberdade  Em largo e no coração 
Era a sua escravidão.  E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
De fato, como podia  Pois além do que sabia 
Um operário em construção  – Exercer a profissão –
Compreender por que um tijolo  O operário adquiriu 
Valia mais do que um pão?  Uma nova dimensão: 
Tijolos ele empilhava  A dimensão da poesia. 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia...  [...]
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia  E foi assim que o operário 
Com suor e com cimento  Do edifício em construção 
Erguendo uma casa aqui  Que sempre dizia sim 
824-2

Adiante um apartamento  Começou a dizer não. 

48 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

E aprendeu a notar coisas  Fez-lhe esta declaração: 


A que não dava atenção:  – Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Notou que sua marmita  Porque a mim me foi entregue 
Era o prato do patrão  E dou-o a quem bem quiser. 
Que sua cerveja preta  Dou-te tempo de lazer 
Era o uísque do patrão 
Dou-te tempo de mulher. 
Que seu macacão de zuarte 
Portanto, tudo o que vês 
Era o terno do patrão 
Será teu se me adorares 
Que o casebre onde morava 
E, ainda mais, se abandonares 
Era a mansão do patrão 
O que te faz dizer não. 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia  Disse, e fitou o operário 
Era a noite do patrão  Que olhava e que refletia 
Que sua imensa fadiga  Mas o que via o operário 
Era amiga do patrão.  O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
[...] E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Como era de se esperar  Produtos, manufaturas. 
As bocas da delação  Via tudo o que fazia 
Começaram a dizer coisas  O lucro do seu patrão 
Aos ouvidos do patrão.  E em cada coisa que via 
Mas o patrão não queria 
Misteriosamente havia 
Nenhuma preocupação 
A marca de sua mão. 
– “Convençam-no”do contrário –
E o operário disse: Não! 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 
[...]
Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção  E um grande silêncio fez-se 
Viu-se súbito cercado  Dentro do seu coração 
Dos homens da delação  [...] 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão.  Um silêncio de torturas 
Teve seu rosto cuspido  E gritos de maldição 
Teve seu braço quebrado  Um silêncio de fraturas 
Mas quando foi perguntado  A se arrastarem no chão. 
O operário disse: Não!  E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
[...]
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão.  Professor(a), todos sabemos que a
Sentindo que a violência  literatura é uma brilhante opção para
Uma esperança sincera  análises sociais profundas. Por isso,
Não dobraria o operário  explore a obra-prima de Vinicius de
Cresceu no seu coração  Moraes para o estudo do trabalho,
Um dia tentou o patrão  do trabalhador, do capitalismo, dos
Dobrá-lo de modo vário.  E dentro da tarde mansa  movimentos sociais e sindicais, além
de outros conceitos que julgar impor-
De sorte que o foi levando  Agigantou-se a razão  tantes referentes a este caderno.

Ao alto da construção  De um homem pobre e esquecido 


E num momento de tempo  Razão porém que fizera 
Mostrou-lhe toda a região  Em operário construído 
824-2

E apontando-a ao operário  O operário em construção.

POLISABER 49
GEOGRAFIA GERAL aulas 6 e 7

SALGADO, Sebastião. Os
NAVEGAR Trabalhadores. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
Em mais de 350 fotografias
Sites
em preto e branco, o artista
capta, com todo o drama real,
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
imagens de trabalhadores
ilo.org / oitbrasil.org. Acesso em: 17 mar. 2016.
e trabalhadoras de várias

REPRODUÇÃO
Para quem pode ler em inglês, espanhol ou francês, é
partes do mundo. O livro,
interessante consultar o portal principal: ilo.org, mas
sozinho, nos diz mais do que
há também o site do escritório brasileiro da entidade:
muitos tratados de sociologia
oitbrasil.org. No caso nacional, é possível acessar um
do trabalho. Trata-se de uma obra-prima.
grande conjunto de documentos, como convenções ra-
tificadas e não ratificadas pelo Brasil, campanhas e um
amplo conjunto de textos sobre os mais diversos temas
relacionados ao mundo do trabalho. Filmes

Confederação Sindical Internacional / Federação A classe operária vai ao pa-


Sindical Mundial raíso. Direção: Elio Petri. Itália,
ituc-csi.org / wftucentral.org. Acesso em: 17 mar. 2016. 1971.
Há dois sindicatos mundiais que englobam, teoricamente, Esse premiado filme conta a
todas as categorias de trabalhadores do planeta. Um história de um operário meta-
deles é a Confederação Sindical Internacional (CSI, em lúrgico, Lulu Massa. Considera-
inglês ITUC: International Trade Union Confederation). do operário-padrão, muda de

REPRODUÇÃO
Presidida por um sindicalista brasileiro eleito em 2014. opinião em relação à fábrica
João Antônio Felício pertence à categoria dos professores. quando sofre um acidente de
A organização internacional, ideologicamente, segue uma trabalho e é demitido.
política de sentido social democrata. Seu site também
pode ser lido em espanhol.
O outro sindicato mundial, de origem comunista (alguns Tempos modernos. Direção:
dizem socialistas), é a Federação Sindical Mundial (FSM), Charles Chaplin. Estados Unidos,
em inglês, World Federation of Trade Unions – WFTU. 1936.
Mesmo para quem já assistiu,
vale a pena rever e, para quem
ainda não o fez, é essencial. O fil-
Livros
me retrata a intensa exploração
REPRODUÇÃO

física e psicológica sofrida pelos


HOBSBAWM, Eric. Mundos do
operários nas fábricas caracteri-
trabalho: novos estudos sobre a
zadas pela linha de montagem,
história operária. São Paulo: Paz
bem como pelo controle rigoroso de todos os gestos e
e Terra, 2015.
movimentos dos trabalhadores.
Escrita por um dos historiadores
de maior relevância no século
XX, a obra trata das condições da
REPRODUÇÃO

classe trabalhadora em diferen-


tes países e períodos e discute
questões de fundo, como os
fatores que unificam e dividem
os trabalhadores.
824-2

50 POLISABER
aulas 6 e 7 GEOGRAFIA GERAL

ÁGORA

O trecho a seguir sintetiza o que inicialmente refletimos nesta aula a respeito do conceito de trabalho. Após sua leitura,
debata com os colegas seus significados, inclusive questionando sua exatidão ou não.

Resumindo: só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela.
O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença
essencial entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.

ENGELS, Friederich.
O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 1876.
Professor(a), esta é uma oportunidade ímpar para se refletir e definir com os alunos o conceito de trabalho. Como sabemos, elemento fundante dos espaços geográficos.

S E N H A

Os trabalhadores produzem a riqueza da cidade e do campo, mas se apropriam dela nos territórios
824-2

que habitam?

POLISABER 51
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL

Aulas 4 e 5 Aulas 6 e 7

Uma história de interesses As empresas transnacionais e o


Estado-Nação
Estudo orientado
Estudo orientado
1. b
1. b
2. e
2. a
3. a
3. c
4. b

5. b O espaço da fábrica e do trabalho

Estudo orientado
Cartografia, para quê?
1. c
Estudo orientado
2. c
1. e
3. b
2. a
4. b
3. b

4. c

5. d

6. b
821-3

52 POLISABER
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 2

Aulas 4 e 5 cultural não foram aceitas incondicionalmente por


todos os povos do planeta.
EXERCÍCIOS
2. e
Empresas multinacionais buscam cada vez mais
1. c vantagens para ampliar seus lucros, a exemplo da
Países europeus, Canadá, Estados Unidos, Japão, exploração da mão de obra barata.
China e Índia são grandes consumidores de recursos
naturais e por isso apresentam maior pegada eco- 3. (F) O desemprego estrutural é aquele provocado
lógica, sendo representados em tamanhos maiores por novas tecnologias.
na anamorfose. (F) No toyotismo foi proposta a minimização da di-
visão do trabalho.
2. c (V) Com a produção flexível, exigiu-se maior qualifi-
Uma projeção equivalente busca preservar as pro- cação dos trabalhadores.
porções das áreas dos países e continentes. Nesse (V) O toyotismo defende o trabalho com estoques
caso buscou-se preservar as áreas de setores de reduzidos, diminuindo o “capital imobilizado”.
baixas latitudes, caso da África e da América do (V) O fordismo caracteriza-se pela produção em
Sul, em relação àquelas localizadas em latitudes massa, com mercadorias armazenadas em grandes
mais elevadas. quantidades.
O toyotismo defende o trabalho com estoques reduzidos e
aumento dos lucros, já que recursos que ficariam imobili-
Aulas 6 e 7 zados em estoques poderiam ser investidos em melhorias
na produção e até mesmo no mercado financeiro.
EXERCÍCIOS
4. a
Os mestres trabalhavam com seus empregados
1. a porque nas oficinas artesanais que surgiram du-
Incorreta. A mundialização do American way of life rante o renascimento comercial e urbano da Idade
(modo de vida nos Estados Unidos) e a homogeneização Média não existia a divisão entre capital e trabalho.

POLISABER 53
FRANK BIENEWALD/
IMAGEBROKER/GLOW IMAGES

Geografia urbana
e rural

GEOGRAFIA GERAL 3
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
aulas 8 –e AULAS
9 8E9
FRANK BIENEWALD/IMAGEBROKER/GLOW IMAGES

Os sentimentos mais genuinamente


humanos logo se desumanizam na cidade.
Eça de Queirós, escritor português.

O fenômeno da do sagrado. O comércio muito certamente não teria


se consolidado se não fossem as instituições, a esta-
urbanização e o desafio bilidade política e o excedente de produção permitido
das grandes metrópoles pela cidade. Em outros termos: antes da cidade, o
homem vagava pelo mundo restrito pelos limites que
a natureza lhe impunha.
A origem das cidades
Estima-se que o ser humano tenha assumido a forma
As primeiras cidades
física e intelectual atual entre 40 mil a.C. e 25 mil a.C.
Durante milhares de anos, a humanidade permaneceu
Afirmar qual teria sido a primeira cidade não é uma
nômade, deslocando-se de uma região a outra quando
tarefa fácil. Depende tanto do que se considera cidade,
o extrativismo se tornava mais difícil. Nessas condições,
e esses critérios mudam, quanto de novas descobertas
não havia os requisitos mínimos para que surgisse algo
parecido com o que hoje chamamos de cidade. Esta arqueológicas. Uma das possibilidades é a cidade de
forma social, a cidade, demanda a criação de estruturas Jericó, surgida entre 9 mil a.C. e 7 mil a.C. E o fato
como moradias mais sólidas, sistemas de transporte de estar localizada no Oriente Próximo não nos pa-
mais eficientes, sistemas de produção, entre outras rece coincidência, conforme vimos anteriormente.
exigências viáveis somente com a fixação de grupos No entanto, há cientistas que recusam a primazia de
sociais em um mesmo espaço. E isso, por sua vez, foi Jericó, alegando que seria uma vila e não uma cidade.
possível apenas com a descoberta da atividade agrícola No máximo, Jericó seria uma protocidade, quer dizer,
por volta de 10 mil a.C., supostamente na região do um tipo de antecedente mais próximo das cidades. O
Oriente Próximo. A nova habilidade levou, portanto, a título de primeira, até o momento, é geralmente atri-
humanidade a um enorme salto, não menos importante buído a Uruk. Edificada entre cerca de 4 mil a. C., está
do que a Revolução Industrial no século XVIII e do que localizada no que hoje é o Iraque. Tinha uma estrutura
estamos vivendo hoje e pode ser chamado de Revolução muito maior, organizada para oferecer ao menos as
Informacional.1 três garantias essenciais à instalação de uma cidade: o
Produzir o próprio alimento e não depender mais desenvolvimento do sagrado, vital ao conforto espiritual
exclusivamente da natureza ocasionou uma mudança (independentemente de seu posterior uso político); a
radical: o nascimento da cidade, talvez a mais impor- oferta de sistemas de segurança (contra a natureza e o
tante criação do gênero humano. Foi a partir dela que próprio homem...) e o crescimento do comércio. Uruk
surgiu praticamente todo o restante das invenções era cercada por uma muralha e contava com prédios,
humanas. É possível que poucas criações essenciais bairros, templos, casas e estabelecimentos comerciais.
tenham sido anteriores a ela, como o fogo e a noção Como se percebe, tem os três preceitos essenciais a
uma cidade.
1
L er a Apostila 3 de Geografia Geral: O espaço da produção, principalmente a aula 8,
“Uma nova revolução: a lógica em rede”.
824-3

0016

2 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

as grandes conquistas e mazelas das metrópoles atuais.


Milhares de cortiços, enormes palácios, templos, edifícios
públicos, lojas, grandes mercados, comércios de todos
os tipos, luxo para poucos, depósitos, teatros, estádios,
muralhas, aquedutos, casas de banho, esgotos e uma
extensa malha viária. Daí a origem da expressão “todos
os caminhos levam a Roma”: o império chegou a ter apro-
ximadamente 80 mil quilômetros de estradas. Era o que
poderíamos chamar de uma cidade cosmopolita ou global.
REPRODUÇÃO

Aspecto da cidade de Uruk, Museu Britânico.

A evolução das cidades

ADAM EASTLAND/ALAMY/FOTOARENA
O primeiro conjunto de cidades antigas que merece
destaque são as polis gregas. Organizadas em pequenas
cidades-estados, produziram nada mais do que toda a
base da civilização ocidental. Delas saíram pensadores
como Sócrates, Platão e Aristóteles, os maiores filósofos
da história da humanidade, que desenvolveram os princí-
pios fundamentais das mais importantes ciências atuais. Ruínas de uma das mais famosas estradas romanas,
a Via Apia.
Entre as cidades de destaque na cultura grega clás-
sica, está Atenas, que na antiguidade chegou a abrigar
275 mil habitantes. Apesar de toda a glória e do que dela Já na Idade Média, as cidades entraram em decadência
se originou, as mais remotas cidades, como Atenas, pos- após o fim do Império Romano e voltaram a florescer por
sibilitavam não mais do que uma vida precária, sobretudo volta do ano 1 000, muitas surgidas a partir dos feudos
em termos de conforto e limpeza. Um de seus principais medievais. Por toda a Europa irromperam inúmeras cida-
símbolos, como o Parthenon, dividia espaço com casas des com populações que chegavam a 10 mil habitantes,
minúsculas e vielas imundas. Se já na atualidade a maior além do que parte das grandes cidades existentes até
parte das cidades do planeta estão longe de oferecer hoje foram criadas nessa época. Entre elas, Paris, que
saneamento básico e água potável a todos, quais não no século XIII contava com mais de 200 mil moradores.
seriam as deficiências há mais de 2 500 anos?
STOCKPHOTOS

Parthenon, construído no século V a.C. e dedicado à


REPRODUÇÃO

deusa Atena.

A primeira megalópole, Roma, foi a sede de um império


824-3

desde o século II a.C. Apresentava praticamente todas Cidade medieval de Carcassonne, no sul da França.

POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

Um novo modo de viver e competem e se repelem. Há cada vez menos o interesse


mútuo por relações sociais pessoais e diretas.
pensar: a realidade urbana É incomum termos os vizinhos durante décadas e nem
ou urbanidade2 ao menos conhecermos os seus nomes? E o que então
não poderíamos dizer, por exemplo, dos casais e famílias
A expressão “urbano” refere-se a um novo tipo de que, estando fisicamente próximos no mesmo território,
sociedade, mas não se restringe somente aos seus no mesmo espaço, na mesma moradia, permanecem a
aspectos materiais. A urbanidade envolve um inédito maior parte do tempo entretendo-se seja com a televisão
conjunto de valores, ideias, comportamentos, normas e ou com os novos aparelhos conectados à rede mundial de
culturas diversos do meio rural. A estrutura material das computadores? São novas realidades psicossociológicas
comunidades camponesas reúne não só uma paisagem que se retroalimentam aprofundando o individualismo e
distinta, mas todo o espaço geográfico.3 E dessa ma- a falta de solidariedade e que não existiam nos espaços
neira o que importa analisar é: em que essencialmente rurais ou em pequenas cidades.
a cidade difere do campo? Enfim, o urbano do rural?
Essa diferença, por óbvio, é evidente na organização
econômica, mas igualmente, como indicado, produz
A cidade seria um território
novas mentalidades. As novidades desse novo tipo de
civilização, a urbana, abrangem todos ou quase todos os
patológico?
setores que podemos imaginar. Pense você que a pro-
dução, o comércio (quesitos mais evidentes), a música, Quanto maior a cidade, menores os elos comunitários
a arte em geral, a escola e o ensino, a personalidade e e maior a competição social. Em quantos lugares, em
até a própria forma de pensar e estruturar as ideias quantos bairros e cidades ainda existem as longas e
e os sentimentos são diferentes na cidade em relação intensas amizades entre famílias que vivem próximas?
ao campo. São, em vista disso, notórias as disparidades Normalmente nas gerações de nossos país e avós havia
dos estilos de vida entre um habitante do campo e da uma maior convivência social.
cidade. E a dissemelhança se acentua quanto maior for O sociólogo alemão Louis Wirth (1897-1952), da Univer-
a cidade e, na sequência, a metrópole. sidade de Chicago, com seus estudos, sintetizou algumas
posições pertinentes ao que entende fazer parte do novo
modo de viver das cidades e do meio urbano, fundamen-
talmente das metrópoles. Para ele, a cidade “suscita o ca-
Urbanidade: velocidade e ráter esquizoide4 da personalidade humana”. Quer dizer,
individualismo segundo Wirth, as cidades favorecem, como afirmamos,
o individualismo e a competição, características normal-
A velocidade do modo de viver estimula uma so- mente intrínsecas à urbanização de natureza capitalista.
ciedade diferente. E a urbanidade, própria do espaço Não nos cansamos de ouvir o elogio e a pregação ao
geográfico capitalista, impele a um modo muito parti- sucesso? E este, o sucesso, não depende essencialmente
cular de se viver, permeado em todos os seus aspectos do individualismo e da competição?
pela competição e pelo individualismo, enfraquecendo, Continua Louis Wirth qualificando a vida na cidade pelo
consequentemente, a solidariedade. Nessa acepção, anonimato, pela superficialidade, pelo caráter transitório
deprime o espírito coletivo. Por isso, vemos, entre outros das relações sociais urbanas, pela anomia5 e pela falta
fatores, as cidades e metrópoles enquanto enormes de participação.
aglomerados de seres humanos, que, mesmo estando E por que é assim? Em seu livro já referido,6 Manuel
muito próximos, não se relacionam solidariamente, mas Castells afirma que as relações urbanas permeadas pelo
individualismo e pela competição são necessárias para a
2
 m geral, as informações debatidas aqui nesta parte remetem às análises científicas
E construção de um espaço geográfico capitalista industrial.
discutidas pelo sociólogo espanhol Manuel Castells em sua obra clássica, A questão
urbana. Quer dizer, sem esse estilo de vida a divisão do trabalho e
3
 e acordo com o geógrafo Milton Santos, a paisagem está relacionada aos objetos e
D
todo o sistema material em si. É a concretização ou o resultado final das ações humanas.
Por outro lado, o espaço geográfico integra o sistema de valores (significados e sentidos) 4
 em nos atermos aos detalhes das ciências psicológicas, caráter esquizoide está
S
agregados pelo homem. Por exemplo, se todos os seres humanos desaparecessem, a relacionado ao desinteresse pelas relações sociais, frieza emocional e tendência ao
paisagem ainda continuaria existindo, ao menos durante determinado tempo, mas o isolamento.
espaço geográfico desapareceria na medida em que nenhuma das produções materiais
824-3

teriam mais sentido e utilidade: os valores são atribuídos por meio da participação
5
Situação em que há falta de objetivos, regras e identidade.
humana direta. Ou seja, o mundo sem ninguém não é mundo. 6
A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983.

4 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

a economia de mercado poderiam ser inviabilizados. Logo, Os negócios


os relacionamentos sociais, na cidade e na metrópole, pas-
sam a se limitar “aos objetivos próprios de cada indivíduo”. Se considerarmos Manchester (Inglaterra) a primeira
Ainda segundo Castells, tudo isso propiciaria a “selvageria cidade industrial capitalista, temos um modelo nada ani-
individual” e a “desorganização da personalidade”. Daí, o mador. A aglomeração, necessária ao estabelecimento da
autor explica a progressão do crime, do suicídio, da cor- indústria (negócios...), e o consumo concentrado levaram
rupção e da loucura nas grandes metrópoles. às dificuldades que enfrentamos no mundo urbano até
Vale a pena lembrar: a partir de relatório7 da ONU, 54% a atualidade.
da população mundial vive em áreas urbanas e a previsão Nos primeiros centros industriais ingleses eram comuns
para 2050 é de 66%. Portanto, a aplicação de políticas graves problemas de saúde coletiva, péssimas condições
públicas para o incentivo da solidariedade, da convivência gerais de vida (transporte, alimentação, educação etc.),
social e do espírito coletivo é urgente. extenuantes jornadas de trabalho, trabalho infantil (crian-
O gráfico a seguir exibe a evolução mundial da urba- ças trabalhando em fábricas mais de 12 horas por dia),
nização. Observemos que “a virada” ocorreu próxima ao ausência total de direitos, enfim, pobreza muito maior
ano de 2008. que nas áreas rurais de seu entorno. O capitalista inglês
da Revolução Industrial via a cidade como simplesmente
Evolução da população urbana e rural no mundo
um território para se acumular lucro e não para viver. Lá,
na cidade, é claro, viviam os operários e suas famílias, mas
5,0
os patrões habitavam amplas e confortáveis residências
4,5 nos arredores rurais das cidades industriais. Dentro desse
4,0 contexto, não é coincidência os sindicatos de trabalhado-
res terem surgido na Inglaterra. E como necessidade para
3,5
bilhões de pessoas

rural dar suporte e vazão à produção industrial e toda sua logís-


3,0
tica de distribuição, a cidade industrial foi se formatando:
2,5 ferrovias, pontes, túneis, fábricas e mais fábricas, áreas
urbana
2,0
residenciais operárias, multidões de operários aglomera-
dos, estradas, ausência de áreas livres etc. Os negócios
1,5
não podiam parar: o território da urbanidade capitalista
1,0
era formatado pela indústria burguesa.
0,5

0,0
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030
 cidade está destinada a ser um
A
Fonte: ONU (2006). grande shopping center?

Por consequência, aquilo que era (é) produzido, deveria


Metrópoles: um local (deve) ser vendido. E para isso, o que continua cada vez mais
apropriado para o consumo e presente, a sociedade do espetáculo e da cultura da imagem
tornaram-se vitais. Sofisticando ainda mais o modelo, já nas
os negócios sociedades globalizadas os arquitetos e demais profissionais
são convocados a planejarem o espaço urbano.
A urbanização capitalista ou a cidade industrial sur-
Nesse ponto de vista, o que são e quais são os papéis
gida com o movimento da Revolução Industrial inglesa
dos centros de compra, mais conhecidos como shopping
no século XVIII altera intensamente o ambiente urbano.
centers?
Recordemos que as cidades surgiram há milhares de
Em conclusão, abre-se o caminho para o surgimento e a
anos, mas a cidade industrial há bem menos tempo: há
multiplicação das grandes cidades, das metrópoles e depois
menos de 300 anos, e as metrópoles modernas são mais
das megalópoles.8 O mundo se modificava para sempre.
recentes ainda (século XX). Como são muito recentes,
não se sabe exatamente como vão evoluir.
8
 om o crescimento das metrópoles, muitas acabavam passando por um fenômeno
C
824-3

de junção normalmente por seus respectivos subúrbios. Dessa união de metrópoles


7
Perspectivas da Urbanização Mundial, edição de 2014. forma-se a metrópole conurbada (conurbação) ou a megalópole.

POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

A seguir, apresentamos um quadro comparativo com as maiores metrópoles do mundo.

Maiores concentrações urbanas, 1970 e 2015 (população em milhões)


1970 2015
1. Tóquio, Japão 16,5 1. Mumbai, Índia 28,2
2. Nova York, Estados Unidos 16,2 2. Tóquio, Japão 26,4
3. Shangai, China 11,2 3. Lagos, Nigéria 23,2
4. Osaka, Japão 9,4 4. Daca, Bangladesh 23,0
5. Cidade do México, México 9,1 5. São Paulo, Brasil 20,4
6. Londres, Inglaterra 8,6 6. Karachi, Paquistão 19,8
7. Paris, França 8,5 7. Cidade do México, México 19,2
8. Buenos Aires, Argentina 8,4 8. Nova Délhi, Índia 17,8
9. Los Angeles, Estados Unidos 8,4 9. Nova York, Estados Unidos 17,4
10. Pequim, China 8,1 10. Jacarta, Indonésia 17,3
Fonte: BROCKERHOFF, Martin B. An urbanizing world. (Population Reference Bureau, Washington, DC, 2000) apud Deool (2006).

E agora, para onde vamos?


Encontramo-nos em uma situação paradoxal. Ao mesmo tempo em que temos recursos e tecnologias mais que su-
ficientes para a construção de cidades decentes, planejadas e muito bem administradas, a maior parte da humanidade
viveu ao longo da história e ainda vive muito precariamente. Os dados de saneamento básico, indicadores como o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH),9 as centenas de milhões de pessoas que ainda passam fome,10 entre outras várias
informações estatísticas, provam a consistência dessa afirmação.
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015 do PNUD, nos 188 países estudados a distribuição
ocorre (em relação ao IDH) da seguinte maneira:

Nível do IDH

Muito alto % Alto % Médio % Baixo %

Quantidade de países
49 21 56 24 39 16 93 39
e percentuais
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, 2015, PNUD. Elaboração do próprio autor.

Apenas 21% dos países vivem muito bem. Um grande número de países, 93, têm um baixo IDH. Estamos, assim, ainda
distantes de uma condição desejável.
A solução talvez esteja em utilizarmos os recursos, as tecnologias e as propostas disponíveis, conforme já comenta-
mos, para melhorarmos o planejamento e a gestão dos territórios.
Para a ONU, desde os anos 1990, a saída está no desenvolvimento sustentável. Oficialmente, as Nações Unidas
passaram a recomendar tal alternativa desde 2002 com a Declaração de Joanesburgo, elaborada durante a Cúpula
Mundial realizada na África do Sul. Nela, define-se desenvolvimento não somente por seu aspecto econômico, o
economicamente viável, mas também com a inclusão do socialmente justo e do ambientalmente correto. Caso
contrário, o desenvolvimento permaneceria insustentável.

9
 IDH é utilizado como indicador de referência pelo Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). É, de certa maneira, empregado como uma alternativa ao
O
Produto Interno Bruto (PIB) per capita na avaliação do desenvolvimento, pois este se concentra somente no quesito econômico. O IDH inclui também aspectos sociais pertinentes à
824-3

qualidade de vida: basicamente saúde, renda e educação. O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo do 0 (zero) maior a pobreza e quanto mais próximo do 1, melhor a qualidade de vida.
10
Leia a aula 13 desta Apostila.

6 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

Vejamos: Rio+20 e as cidades


Se as pessoas estiverem tão imersas na pobreza e na
miséria, como poderão comprar? E se não comprarem, Realizada na cidade do Rio de Janeiro em 2012, 20
o que ocorrerá com as empresas? Elas conseguirão anos após a Eco-92,11 a Conferência das Nações Unidas
se sustentar? Elas manterão os empregos? Manterão sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) resultou
os salários? Elas não acabariam demitindo em massa em um acordo global para o cumprimento de 17 metas,
e rebaixando os salários e direitos trabalhistas? Não chamadas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
entraríamos, assim, em um profundo círculo vicioso de (ODS), entre o período de 2015 a 2030. Entre eles, está o
caos econômico? objetivo 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis.
Na perspectiva social, é sustentável uma situação em Resumidamente, as metas principais nessa área são:
que o PIB mundial cresça em altos percentuais e seja —— Garantir a todos habitação segura com todos os
cada vez mais apropriado por um ínfimo percentual da serviços básicos e a preços acessíveis.
população mundial? Teríamos o cenário da economia indo —— Oferecer sistemas de transporte acessíveis, sus-
muito bem, mas o povo indo muito mal. A consequências tentáveis, de qualidade e seguros para toda a
sociais não seriam drásticas? população.
O meio ambiente igualmente está conectado com —— Aumentar a urbanização inclusiva e sustentável
os dois pontos anteriores. Um planeta com a natureza com a participação da população no planejamento
destruída poderia abrigar seres humanos e atividade e gestão das cidades.
econômica? —— Reduzir substancialmente o número de mortes
É até possível dizer que a definição de desenvolvimento causadas por catástrofes, bem como os impactos
sustentável nos parece óbvia demais. E tal afirmação é socioeconômicos negativos.
perfeitamente plausível. No entanto, infelizmente, não —— Reduzir o impacto ambiental nas cidades com aten-
é o que ocorre na prática. Tanto que se fez necessária ção especial para a poluição do ar, além da correta
a discussão planetária, por décadas, para se chegar à gestão dos resíduos municipais.
conclusão de que ou se faz isso ou continuaremos ca- —— Possibilitar a todos o acesso a áreas públicas
minhando, a passos largos, a uma situação catastrófica verdes.
e sem retorno. —— Integrar as áreas urbanas e rurais nos aspectos
Propostas concretas e factíveis existem. Além disso, econômico, social e ambiental nas escalas local,
já são amplamente conhecidas pelos gestores públicos, nacional e regional.
empresas, organizações da sociedade civil e movimentos
sociais. Basta serem aplicadas. 11
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.

A seguir, verifique a tabela completa com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável:


REPRODUÇÃO

824-3

POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

A grande questão permanece: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as indicações sobre como governar
em nome da sustentabilidade e as práticas necessárias para a criação de cidades inclusivas poderão ser alcançados
sem que a enorme concentração de renda no planeta seja diminuída?12 De onde tirar os recursos para a construção de
cidades humanizadas e decentes?

Geografia rural e agrária

Ruralidade

A partir da Revolução Industrial, a urbanização expandiu-se incrivelmente, encolhendo de maneira radical a presença
do meio rural e, ainda, alterando seu formato em razão da mecanização do campo. Apesar de o índice de urbanização
ter fortemente reduzido sua intensidade, depois de séculos de robusta elevação, a urbanização continua crescendo, mas
agora com maior vigor em países periféricos e semiperiféricos que nos países centrais. Observemos o quadro a seguir:

Taxa de urbanização nos países desenvolvidos e em desenvolvimento (%)


Países industrializados Países recentemente industrializados

País 1975 2001 2015 País 1975 2001 2015

Bélgica 94,9 97,4 98,0 Cingapura 100,0 100,0 100,0

Austrália 85,9 91,1 94,8 Argentina 80,7 88,3 90,2

Reino Unido 88,7 89,5 90,8 Coreia do Sul 48,0 82,4 88,2

Alemanha 81,2 87,7 89,9 Brasil 61,8 81,7 87,7

Japão 75,7 78,9 81,5 México 62,8 74,6 77,9

Estados Unidos 73,7 77,4 81,0 África do Sul 48,0 57,6 67,2

Itália 65,6 67,1 70,6 China 17,4 36,7 49,5

Portugal 27,7 65,6 77,5 Índia 21,3 27,9 32,2


Fonte: Human development report 2003. Nova York: PNUD/Oxford University Press, 2003.

Veja que nos países chamados industrializados (normalmente os de capitalismo central), salvo Portugal, em geral a
variação percentual da urbanização não é muito significativa. Esses números confirmam o arrefecimento da velocida-
de no processo de urbanização. Contudo, conforme indicado, nos países semiperiféricos (na presente tabela eles são
denominados recentemente industrializados) a taxa de urbanização é sensivelmente maior e em alguns deles, como
Coreia do Sul e China, o percentual é elevadíssimo.
Vamos refletir:
Segundo o quadro acima, mesmo com percentuais baixos, a urbanização é constante em todos os países pesquisados,
em nenhum houve taxa negativa. Tendo como exemplo Cingapura, ela já é total. Podemos então questionar: o rural
tende a desaparecer, fazendo assim extinguir-se a relação rural-urbano? De acordo com a maior parte dos estudiosos,
o mundo não caminharia para uma “urbanização completa” como se chegou a acreditar.
824-3

12
 onforme vimos na Apostila 3, O espaço da produção, 62 pessoas possuem a mesma riqueza que metade da humanidade: 3,6 bilhões de seres humanos. Dados divulgados pela Oxfam
C
em 2016.

8 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

A alternativa mais provável e que tem sido a mais a conquista de novos patamares em diversas áreas.
defendida é a de que o meio rural tem consolidado um Paralelamente, houve e há o crescimento de mazelas
processo de modernização. Suas características essen- e patologias sociais; de todos os tipos de violência;
ciais permanecem, mas passa por transformações que o doenças; imensas desigualdades; elevadas taxas de
diferencia das antigas sociedades camponesas. Torna-se crescimento demográfico; popularização de bens
diminuto em relação ao urbano e incorpora acentuada manufaturados e serviços; e notável progresso do co-
mecanização por meio de avançadas tecnologias e ino- nhecimento, da ciência e da cultura. A economia rural,
vação. Entretanto, não desaparece e provavelmente não alterada pelo advento do capitalismo industrial, deu
desaparecerá, mesmo no longo prazo. gigantesco salto na produção de alimentos e, mais re-
centemente, passa a produzir energia (biocombustíveis)
por meio da biomassa.15
Características da ruralidade

A ruralidade, de acordo com o professor Ricardo Terra: função social ou


Abramovay,13 é composta de três relações básicas: com
comercial?
a natureza, com a cidade e entre as pessoas, isto é, os
seus habitantes. Nesse caso, não é difícil entender que em
No setor econômico rural, alguns temas são de conhe-
regiões com baixa densidade demográfica as relações so-
cimento obrigatório: agricultura familiar, agronegócio e
ciais são, normalmente, muito diferentes se compararmos
trabalho assalariado no campo constituem alguns dos
com localidades densamente povoadas. Nas primeiras,
mais importantes. E saber a respeito do campo e da
por exemplo, haverá menos trocas de conhecimentos e
produção rural não interessa somente aos que lá vivem
experiências; menos necessidades de infraestrutura (saú-
e trabalham. Até porque, de onde vêm as refeições que
de, educação, transporte, moradia etc.); menos violência,
nos mantêm vivos? O que seria das cidades se todos os
entre outros fatores. Já nas grandes cidades, e muitos de
trabalhadores e as trabalhadoras do campo migrassem?
nós vivemos isso, as exigências e desafios são enormes.
Os preços dos alimentos que consumimos também não
Para o pesquisador Arilson Favareto,14 o campo, em sua
dependem do trabalho dos camponeses? Segundo afirma
relação com a natureza e com a cidade, deixa de estar
uma das principais leis do capitalismo, se a concorrência
limitado somente às suas tradicionais funções: extrati-
não existir ou for muito pequena no meio rural, isso não
vismo, agricultura, pesca, pecuária e fornecimento de
impactará negativamente no quanto gastamos na cidade
matéria-prima à indústria. Suas atividades econômicas se
para podermos nos alimentar? O domínio da produção
tornaram mais complexas, sobretudo a produção de fon-
agropecuária por poucos latifúndios influencia os preços
tes renováveis de energia (biocombustíveis alternativos
de que maneira? Portanto, aqueles que moram nas cida-
aos derivados do petróleo) e a conservação da diversi-
des têm sim muito a ver com o que acontece no campo.
dade biológica, cada vez mais foco das atenções globais.
Isso sem nos atermos ao elevado uso de agrotóxicos
Esses novos papéis conferem à ruralidade uma nova
nos produtos naturais que diariamente estão em nos-
configuração sem deixar de apresentar as suas caracte-
sas mesas, em alimentos geneticamente alterados, ao
rísticas primordiais.
inchaço das cidades provocado pelo êxodo rural, entre
várias outras questões.
Tendo como exemplo o Brasil, o quadro a seguir
Ruralidade e capitalismo nos possibilita uma visão comparativa bastante inte-
ressante entre a agricultura familiar e o agronegócio.
O capitalismo industrial, como já sabemos, propor-
Situação que não é muito diferente em diversos países
cionou a produção de riquezas em quantidades e va-
periféricos e semiperiféricos com territórios de grandes
riedades jamais vistas pela humanidade, assegurando
dimensões.
824-3

13
O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003. 15
 eração de energia a partir da decomposição de materiais orgânicos (resíduos agrícolas,
G
14
Paradigmas do desenvolvimento rural em questão. São Paulo: Iglu, 2007. restos de alimentos etc.).

POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

Vejamos:
Agricultura familiar e agronegócio

100
agricultura camponesa
90 86% agronegócio

80 76%
74%
70%
70
60%
60

50
40%
40
30%
30 26%
24%
20
14%
10

0
crédito terras produção produção mão de obra
global de comida ocupada
Fonte: Professor Doutor em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, Marco Antonio Mitidiero Júnior, baseado nos dados do Censo Agropecuário do IBGE,
2006.

Aproximadamente 70% dos alimentos que consumimos (incluindo o leite) são oriundos da agricultura camponesa,
quer dizer, de agriculturas de pequeno porte, entre elas, a agricultura familiar. No entanto, esses proprietários ficam
apenas com 14% do crédito disponível para a produção e, notemos bem, possuem não mais do que 24% das terras.
Concomitantemente, o agronegócio fica com 86% do crédito, 76% das terras e responde apenas por 30% do que come-
mos. Seria razoável concluir que, caso o crédito e os solos para a agricultura de pequeno porte aumentassem, a oferta
de alimentos igualmente se expandiria e talvez os preços diminuíssem.
Outro dado marcante: os grandes proprietários e latifúndios empregam apenas 26% da mão de obra do campo,
enquanto as médias e pequenas propriedades empregam 74%. E, como se sabe, quanto mais emprego, mais salários
e quanto mais salários, mais renda, mais o comércio vende, mais as empresas produzem, mais as empresas empre-
gam. Há assim mais renda, formando-se um círculo virtuoso não só para o campo, mas que também é transbordado
para a cidade, isto é, para toda a sociedade.
Por que então a reforma agrária não é realizada? Por que a agricultura familiar16 não recebe mais incentivos? Essas
são algumas das reflexões que propomos a você a partir dos textos e atividades desta aula.
O conceito de agronegócio é oriundo da definição de agribusiness, criado pelos professores John Davis e Ray Gold-
berg da Universidade de Harvard nos anos 1950. Nessa lógica, o agronegócio expressa as relações econômicas do setor
agropecuário com as dimensões industrial, comercial e de serviços. Envolve, dessa maneira, a produção agropecuária
e florestal, bem como a aquicultura, seguidas de seu beneficiamento, transformação e distribuição.
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2015 o peso do agronegócio no PIB
brasileiro foi de 23%, alcançando, portanto, R$ 1,2 trilhão (R$ 825,08 bilhões para o ramo agrícola e R$ 396,27 ao setor
pecuário). Estima-se que em nível mundial o percentual seja muito parecido ao brasileiro. Sendo assim, o “PIB global
da agropecuária” está em torno de US$ 17,05 trilhões – praticamente igual ao PIB total dos Estados Unidos para o ano
de 2015: US$ 17,97 trilhões.17
Por certo, é inquestionável a geração de riquezas pelo agronegócio, o que não impede a seguinte pergunta, especial-
mente quando comparamos os resultados e benefícios sociais da agricultura familiar com o agronegócio: até que ponto
as operações de porte mais desenvolvido contribuem para o bem-estar público?
Em nosso caso nacional, os latifúndios têm sua produção baseada na monocultura para exportação, seguindo uma
tradição de cinco séculos no Brasil. Essa é a característica de um país cuja economia é agroexportadora. Logo, se os
824-3

16
Organizado pela FAO, 2014 foi o Ano Internacional da Agricultura Familiar.
17
Fonte: The World Factbokk, CIA.

10 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

lucros provenientes do agronegócio são apropriados por poucos, se a produção de alimentos não tem peso significativo
para a alimentação do povo e se a quantidade de trabalhadores empregados no setor está muito aquém em relação ao
tamanho da atividade, qual sua real importância social?

Reforma agrária no mundo


Todos os países de capitalismo central ou considerados desenvolvidos já realizaram suas respectivas reformas agrárias
há décadas. Os Estados Unidos a fizeram no século XIX, até o final da Primeira Guerra Mundial (1919) foi a vez dos países
da Europa Ocidental e depois da Segunda Guerra Mundial (1945) a realizaram Japão, Coreia e Filipinas.
Abraham Lincoln, em plena Guerra Civil (1861-1865 – quando o norte do país lutava contra os escravagistas do sul), no
dia 20 de maio de 1862 aprovou o Homestead Act (Lei de Fazenda Rural). Com essa norma, todos os chefes de família,
acima de 21 anos de idade, teriam o direito de receber até 160 acres e neles permanecer ao menos cinco anos pagando
um valor simbólico. Dessa maneira, os Estados Unidos fizeram sua reforma agrária criando um modelo de pequenas pro-
priedades (sem latifúndio), para o desenvolvimento de várias culturas (sem monocultura e, portanto, primeiramente para
o consumo interno – resolvendo igualmente o problema da fome) e onde as próprias famílias proprietárias trabalhariam
(logo, sem a exploração de mão de obra alheia). O projeto deu certo e contribuiu para aquele país se tornar a maior potência
capitalista do século XX. A reforma agrária é uma política pública rural sem nenhuma conotação socialista, como se pode
ver, é essencial para o desenvolvimento do capitalismo.
COLEÇÃO PARTICULAR

Documento assinado por Lincoln sancionando a reforma agrária nos Estados Unidos.

Infelizmente, vários países de economia periférica e semiperiférica, como o Brasil, em pleno século XXI, ainda não a
fizeram. A tabela abaixo ilustra a gravidade da situação brasileira.

Evolução da concentração da propriedade da terra no Brasil pelos imóveis – 2003/2010


2003 2010 Crescimento da
Classificação
peso s/ peso s/ área por setor
imóveis número área (ha.) número área (ha.)
área total área total 2010/2003

1. Minifúndio 2 736 052 38 973 371 9,3% 3 318 077 46 684 657 8,2% 19,7%


2. Pequena
1 142 937 74 195 134 17,7% 1 338 300 88 789 805 15,5% 19,7%
proriedade
3. Média
297 220 88 100 414 21,1% 380 584 113 879 540 19,9% 29,3%
propriedade
4. Grande
112 463 214 843 865 51,3% 130 515 318 904 739 55,8% 48,4%
propriedade
a) improdutiva 58 331 133 774 802 31,9% 69 233 228 508 510 (40,0%) 71,0%

b) produtiva 54 132 81 069 063 19,4% 61 282 90 396 229 (15,8%) 11,5%

5. Total Brasil 4 290 482 418 456 641 100% 5 181 645 571 740 919 100% 36,6%


824-3

Fonte: Cadastro do Incra – Classificação segundo dados pelo proprietário – e de acordo com a Lei Agrária/93.

POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

Observemos que, entre 2003 e 2010, os latifúndios aumentaram 48,4%. Pior ainda, as terras improdutivas tiveram
acréscimo de 71%; as produtivas, apenas 11,5%. Os minifúndios e as pequenas propriedades, juntos (39,4%), tiveram
uma elevação menor que as grandes propriedades: 48,4%. Em termos de área, os latifundiários no período em questão
(2003-2010) agregaram para si quase 100 milhões de hectares a mais. A tabela anterior também mostra que 40% das
grandes propriedades rurais brasileiras são improdutivas. Isso significa 228 milhões de hectares. O latifúndio não só
continua existindo no Brasil, mas predomina consolidado e mais forte do que nunca. Não é demais lembrar o que diz o
artigo 5o da Constituição Federal quanto ao tema: “A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel rural que
não cumpra sua função social, importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”. Letra morta...
Por consequência, o crescimento dos latifúndios provoca, além dos problemas sociais já comentados (aumento no
preço de alimentos, êxodo rural, empobrecimento nacional elevação da concentração da riqueza no país etc.) e o apro-
fundamento da violência no campo.

Massacre de Eldorado dos Carajás A produção de alimentos e


a geografia da fome
Em 17 de abril de 1996, no sudeste do estado do
Pará, 19 trabalhadores rurais foram assassinados Pelos campos há fome em
pela Polícia Militar local, armada com espingardas grandes plantações
e metralhadoras, e mais três, por consequência do A letra da música “Pra não dizer que não falei das
conflito, morreram depois. Outros 69 ficaram feridos, flores”, de Geraldo Vandré, sintetiza uma realidade mun-
muitos permanecem até hoje com balas alojadas dial e nacional. Apesar de a alimentação ser um direito
em seus corpos, mutilados e sem qualquer tipo de humano reconhecido pela Declaração Universal dos Di-
indenização do Estado. Parte dos assassinados foi reitos Humanos de 1948 e pelo Pacto Internacional sobre
os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, 795
morta à queima-roupa ou decepada com foices e
milhões de pessoas (homens, mulheres, crianças, idosos)
facões. Dos comandantes da operação, o coronel
vão dormir com fome todas as noites, isto é, 12,9% da
Mario Colares Pantoja cumpre prisão domiciliar e
população mundial.18 Mas em comparação com os 10
o major José Maria Pereira de Oliveira encontra- anos anteriores, 167 milhões saíram da fome. E em com-
-se custodiado no Centro de Recuperação Especial paração com 2012, caiu 10,9%. Na América Latina são
Anastácio das Neves. Nenhum dos 155 policiais 34,3 milhões de famintos e na Ásia, o maior número:
militares diretamente envolvidos nos crimes foram 511,7 milhões. Nesse continente, em 1990-1992, o total
condenados, apesar de terem sido julgados por três dos que passavam fome era de 742 milhões. Portanto,
não obstante a persistência escandalosa e desumana
vezes. O então governador do estado do Pará, Amir
da fome, 230,3 milhões saíram dessas estatísticas na
Gabriel, do PSDB, morreu em 2013 sem nunca ter
Ásia: mais que a totalidade da população brasileira.
sido julgado. Entretanto, ela continua mesmo que haja alimentos
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra suficientes a todos os mais de 7 bilhões de habitantes
(CPT), ligada à igreja católica, entre 1985 e 2015, no no planeta. De acordo com o Fundo das Nações Unidas
Brasil, foram registrados 1 270 casos de homicídios para a Infância (Unicef),19 16 mil crianças até 5 anos de
por disputas no campo. Apenas 108 foram julgados idade (2015) morrem por causas relacionadas direta ou
indiretamente à fome e doenças a ela associadas. São 11
e somente 28 mandantes e 86 executores condena-
crianças por minuto. A boa notícia é que em 1990 esse
dos. No país onde as capitanias hereditárias ainda
número estava em 35 mil com uma população mundial
parecem estar em vigor, o dia 17 de abril foi escolhido
total de 5,4 bilhões. No entanto, mais uma vez, a situação
como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária e
18
Dados divulgados pela FAO em 2015: O estado da insegurança alimentar no mundo.
Dia Mundial da Luta Camponesa.
824-3

19
Fonte: Unicef, Relatório 2015, Níveis e Tendências em Mortalidade Infantil.

12 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

é ainda bastante grave, pois são 5,9 milhões por ano. commodities.22 A fome endêmica,23 logo, começa entre
Para termos uma ideia desse número: é a metade da os próprios pequenos agricultores ao não terem a menor
população da cidade de São Paulo.20 chance de sobreviver à concorrência global. Perdem tudo
O que produz essa situação contraditória? (o pouco que possuem) e são obrigados a se transferir
para as cidades onde se tornarão os pobres urbanos
com grandes chances de aumentarem as favelas e as
periferias das metrópoles. Os que continuam no meio
Se não é a falta de alimento, rural acabam se tornando trabalhadores sem-terra. O
então por que milhões morrem próprio Banco Mundial revelou em 2015: 75% dos pobres
de fome? no mundo vivem no campo.
Nesse sentido, a liberalização do comércio agrícola
Na Apostila 3, “O espaço da produção”, debatemos, mundial, bem como das patentes e fluxos de capitais
entre outros temas correlatos, o papel das empresas no setor, sem qualquer regulamentação e proteção da
transnacionais e os impactos de suas atuações nos agricultura familiar e dos pequenos agricultores, eleva
territórios nacionais. Entre os setores brevemente ainda mais o poder econômico e político dos poucos que
discutidos no texto indicado, está o da alimentação. E já são muito grandes e provoca a ruína de milhões de
é essa a análise que agora aprofundaremos: algumas camponeses e suas famílias. Economistas renomados, e
das principais causas da fome crônica de um enorme defensores do capitalismo, defendem a ideia de que as
contingente no meio de um mundo pleno de alimentos. relações existentes no sistema entre seus atores, nota-
Ao final deste texto, discutem-se algumas possibilidades, damente as empresas transnacionais e as organizações
experiências e ideias para encaminhar a solução de tal internacionais multilaterais, devem operar dentro de um
tragédia humanitária. cenário com regras para que o individualismo privado não
se sobreponha à coisa pública. Entre esses economistas
destacam-se Robert Solow, Joseph Stiglitz, Paul Krugman,
Thomas Piketty e Branko Milanovic,24 que pregam a
Os cavaleiros do apocalipse participação do Estado no controle da economia global
para evitar crises e diminuir a desigualdade. Em outras
O título acima é utilizado pelo sociólogo suíço Jean
palavras, tais economistas, após décadas de estudos de
Ziegler em um dos capítulos de seu livro “Destruição
primeiríssimo nível, afirmam que a racionalidade dos
em massa: geopolítica da fome”,21 no qual investiga as
mercados não leva à estabilidade da economia. O mer-
causas globais da insegurança alimentar. O estudioso
cado é um cavalo selvagem que precisa ser moderado
afirma que o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário
com rédeas curtas.
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comér-
cio (OMC), notadamente os dois primeiros, possuem um
papel preponderante nessa questão.
 omo dominar as nações: a lição
C
do FMI
OMC: liberal para alguns
Ao realizar empréstimos para governos nacionais, o FMI
obriga os países a adotarem a mesma política econômica
Para Ziegler, a OMC suspendeu os interesses público
liberalizante da OMC: Estado mínimo; diminuição dos
e coletivo quando liberalizou o comércio agrícola entre
gastos públicos, incluindo-se gastos sociais; retirada de
produtores extremamente desiguais. Quer dizer, retirou
direitos trabalhistas; privatização; e desregulamentação.
as proteções dos pequenos agricultores igualando-os aos
grandes proprietários rurais com enormes subsídios go- 22
 Bens de origem mineral, vegetal ou agropecuário (café, petróleo, soja, trigo, minérios,
vernamentais, crédito e alta tecnologia. Prestou, a OMC, milho etc.), produzidos mundialmente e em grandes quantidades – cujos preços são
determinados internacionalmente pela negociação em bolsas de valores.
como resultado, vasta contribuição à concentração da 23
 er livro indicado na seção Navegar: Geografia da Fome, de Josué de Castro. Fome
V
produção, da riqueza e da alta dos preços das chamadas epidêmica ocorre em situações extraordinárias: guerras, catástrofes naturais e outras
eventualidades. A fome endêmica é aquela em que o indivíduo não consome o mínimo
necessário de calorias, tornando-se desnutrido ou subnutrido.
24
T odos em plena atividade, os três primeiros ganharam o Nobel da Economia (1987, 2001
20
 egundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2015 a população da cidade
S e 2008, respectivamente). Piketty é autor de um dos maiores best-sellers da ciência
824-3

de São Paulo era de 11,9 milhões. econômica: O capital no século XXI, e Milanovic foi economista-chefe do Departamento
21
Indicado na seção Roda de leitura desta aula. de Pesquisas do Banco Mundial.

POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

O que se pode esperar enquanto consequências socio-  iversidade de fontes,


D
econômicas? Por certo, aumento da pobreza e da fome. principalmente as renováveis
Além disso, há outro agravante: para que os devedores
(Estados periféricos ou semiperiféricos) paguem as Estamos então condenados a um impasse no que se
dívidas externas que possuem com o FMI ou bancos refere ao fornecimento de energia e alimentos para a
credores, devem gerar divisas em dólar, o que geral- humanidade? Talvez não. Quanto à energia para geração
mente conseguem somente exportando, na maior parte de eletricidade, funcionamento de máquinas e motores,
das vezes, matérias-primas para os próprios países que entre várias outras funções, a solução mais razoável e
lhe são credores (as famosas commodities: minérios, provável pode ser a construção de um sistema complexo
alimentos etc.). O comércio internacional, como vimos, com a presença de várias fontes de geração de energia.
normalmente é injusto ao igualar os muito desiguais: os Ou seja, agregando-se aos recursos fósseis a utilização de
próprios países centrais (e também credores das referidas fontes eólicas, solar, hidráulica, biomassa, geotérmica,26
dívidas externas) estabelecem os preços (determinados gravitacional27 etc., bem como, o que não está fora de
pelas bolsas de valores globais) das matérias-primas que questão, da energia nuclear. Não devemos nos esquecer
vão comprar. O ciclo se completa criando ilhas de imensa de que o uso de toda fonte energética possui efeitos
riqueza isoladas por amplos oceanos de fome, pobreza e ambientais negativos. Aliás, a presença do homem no
miséria. O ciclo deve ser rompido e é isso o que propõem planeta Terra gera consequências na natureza.28 Assim,
os economistas anteriormente mencionados. não se dependeria de somente um tipo de fonte, o que
é extremamente inseguro.

Alimentos e biocombustíveis
ou o ouro verde Os alimentos enquanto
commodities: especulação no
O petróleo, motor da economia capitalista global há mercado financeiro
mais de 100 anos, é um combustível fóssil não renovável
e por isso acabará mais cedo ou mais tarde. A pergunta é: A partir da crise financeira mundial de 2008, com a fa-
quando isso de fato ocorrerá? E quando ocorrer, o mundo lência de empresas gigantes29 e a quase falência de várias
já deverá estar preparado para a sua efetiva substituição. outras que tiveram de ser socorridas com dinheiro público
Uma das possibilidades são os biocombustíveis: biodiesel para não sucumbirem à crise, muitos agentes, gestores,
e bioetanol. São renováveis e biodegradáveis. Isto é, sua consultorias e fundos de investimentos que operavam
oferta é infinita e sua emissão causa um impacto muito no mercado financeiro migraram para os mercados de
menor que os combustíveis derivados do petróleo. matérias-primas, ou seja, de negociação das commo-
No entanto, há alguns desafios. Muitos desses com- dities. Fatores externos, entre eles os climáticos, que
bustíveis utilizam, para serem produzidos, vegetais influenciam a oferta de alimentos de base (principalmente
consumidos também como alimentos ou empregados no arroz, milho e trigo) são potencializados pela especulação
preparo deles. Por exemplo, pode-se fazer biodiesel por financeira. O mercado futuro de commodities foi criado,
meio da mamona, soja, girassol, amendoim, dendê, entre inicialmente, como uma forma de seguro aos produtores
outros. Para a produção do álcool combustível utiliza- diante das flutuações de preços causadas, segundo já
-se, no Brasil, a cana-de-açúcar e nos Estados Unidos, indicado, principalmente pelas variações climáticas. No
o milho – base alimentar tradicional para centenas de entanto, a desregulamentação do setor financeiro tam-
milhões de pessoas. bém atingiu esse mercado desde os anos 1990,30 abrindo
Existe ainda outro inconveniente: o tanque de combus- espaço para a mais pura especulação.
tível de um carro médio tem a capacidade de 50 litros.
26
Provenientes do altíssimo calor existente nas camadas abaixo da crosta terrestre.
Para enchê-lo de álcool etanol são necessários 358 quilos 27
Oriundas do movimento das marés nas águas oceânicas.
de milho, o suficiente para alimentar uma pessoa durante 28
 tualmente cientistas da Comissão Internacional de Estratigrafia discutem o
A
um ano.25 Além disso, há a degradação do ambiente: estabelecimento de uma nova fase geológica do planeta Terra. Estaríamos migrando
para um novo período em que a presença humana seria determinante, chamado de
florestas podem acabar sendo derrubadas para dar lugar Antropoceno.
29
 ara citar somente duas: o banco de investimentos Lehman Brothers, o quarto maior dos
P
às plantações destinadas aos biocombustíveis. Estados Unidos, com 158 anos de existência e aproximadamente 10 mil trabalhadores e
a maior seguradora também desse país, a AIG (American International Group).
824-3

30
 e acordo com a obra mencionada de Jean Ziegler, o processo de financeirização dos
D
25
Dados fornecidos por Jean Ziegler na obra já referida nesta aula. alimentos de base se acentuou entre 2005 e 2008.

14 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

Os preços internacionais dos alimentos subiram porque...


Ao se somar o uso de alimentos de base para a produção de biocombustíveis e a mercantilização (financeirização)
extrema das commodities às já referidas questões climáticas, tais fatores contribuíram fortemente para as duas grandes
altas nos preços internacionais dos alimentos em 2008, quando o preço dos cereais (arroz, milho e trigo) subiu 57% em
relação a 200631 e 29% em janeiro de 2011 em relação ao mesmo período do ano anterior.32

O boom brasileiro
Uma relação interessante entre o Brasil e a alta nos preços das commodities está na afirmação do cientista político
da Universidade de São Paulo (USP), André Singer. Para ele, entre os anos 2004 e 2010, no país, a elevação dos valores
das commodities nos mercados globais permitiu que o Brasil, apesar de aplicar uma política econômica neoliberal re-
cessiva (juros altos, câmbio livre e altos superávits) conseguiu uma proeza. Cresceu entre 3% e 4% ao ano, em média, e
com isso aplicou políticas públicas para o intenso combate à pobreza e principalmente à extrema pobreza. Entre elas,
destacam-se o programa de transferência de renda para os mais pobres (Bolsa Família), a oferta abundante de crédito
para estimular o consumo dos imensos extratos sociais menos abastados e o incrível aumento real de 70% do salário
mínimo entre 2003 e 2014.
Ou seja, a estratégia global de poderosas corporações transnacionais para a obtenção de lucro máximo por meio das
altas nos valores das commodities (debatido na sequência) e que elevou a fome mundial contribuiu para a diminuição
desta no Brasil.
Isso, entretanto, não nos desautoriza a propor a seguinte questão: a produção de alimentos tem respeitado as normas
legais internacionais que defendem a alimentação enquanto direito humano ou acabou servindo aos ávidos interesses
monetários de pequenos grupos?

Controle global da produção


A especulação financeira no mercado de alimentos é agravada por outro fator. Já recordamos no início do texto desta
aula que, no Caderno 3, comentamos alguns aspectos do controle mundial do setor de alimentação por algumas poucas
corporações transnacionais.
A partir de relatório produzido pelo Oxfam em 2013,33 apenas 10 conglomerados empresariais controlam a maior parte
dos alimentos e bebidas consumidos no mundo. Trata-se de verdadeiro oligopólio e, por conseguinte, realidade contrária
às mais básicas leis do capitalismo, isto é, o elemento da concorrência para a melhoria dos preços e qualidade dos pro-
dutos oferecidos, bem como o equilíbrio entre oferta e procura. Veja a seguir uma tabela com dados das corporações:

Receita Trabalhadores
Empresa Algumas marcas
(bilhões de dólares) (mil)
Nestlé 103,5 333 Leite Moça, Nescau, Nescafé
Unilever 68,5 174 381 Ades, Kibon, Knorr
PepsiCo 66,4 274 Pepsi, ElmaChips, Toddynho
Coca-Cola Company 46,9 130 600 Coca-Cola, Mate Leão, Del Valle
Mondelez International 35,3 107 Tang, Toblerone, Bubbaloo
Mars, Inc 33 60 M&M’s, Twix, Uncle Ben’s
Danone S. A. 29,3 104 642 Danone, Activia, Danette
ABF – Associated British Foods 21,1 112 652 Fleischmann
General Mills 17,9 43 Yoki
Kellogg Company 14,8 30 227 Sucrilhos, Corn Flakes, All Brain
Fonte: Oxfam, 2014.

31
Segundo relatório da FAO de 2009.
824-3

32
Segundo relatório do Banco Mundial de 2011.
33
Behind the Brands (Por trás das Marcas).

POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

Desperdício da distribuição da propriedade da terra (Reforma


Agrária), junto com todo o suporte para a produção
Outro fator muito importante no complexo de causas agropecuária, é essencial. Isso também geraria
que levam à fome crônica no mundo é o desperdício maior oferta de alimentos a toda a sociedade.
que ocorre em toda a cadeia logística: desde a produção —— Justiça no comércio internacional: no mesmo
até chegar ao prato do consumidor. Segundo estudo sentido da proposição anterior, aumentar a pro-
divulgado pela FAO em 2013, um terço de todos os ali- dutividade e a competitividade dos agricultores
mentos produzidos no mundo (1,3 bilhões de toneladas) em países periféricos e semiperiféricos, abrindo
são desperdiçados todos os anos. Essa quantidade seria também a eles o acesso ao mercado mundial (o que
suficiente para alimentar 2 bilhões de pessoas. Ou seja, demandaria uma regulação global). Tais medidas
acabaria com a fome crônica dos 795 milhões de seres contribuiriam para um comércio menos assimétrico
humanos nessa condição. e, consequentemente, para a diminuição da pobreza
Ainda de acordo com a pesquisa, o desperdício, em sua no campo e das respectivas consequências urbanas
maior parte (54%), ocorre na produção propriamente dita: notoriamente sabidas.
manipulação, pós-colheita e armazenagem. O restante, —— Políticas sociais: devem ser praticadas sistema-
46%, no processamento, distribuição e consumo. Basica- ticamente e enquanto políticas públicas pelos
mente sua solução está no investimento para a melhoria governos. Entre alguns exemplos, destaca-se o
da gestão e da educação nutricional. saneamento básico e o acesso à renda.
—— Paz social e estabilidade política: evitar ou cessar
situações nacionais de conflitos sociais e guerras
Alternativas prolongadas, pois nesses contextos os mais pobres
são as maiores vítimas ao serem atingidos em seus
Produzida pela FAO em parceria com o Fundo Interna- direitos elementares, entre eles, a alimentação.
cional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Programa —— Condições naturais e climáticas: catástrofes climáti-
Mundial de Alimentos (PMA) no ano de 2015, a pesquisa cas ocorrem, normalmente, sem que se possa impedir
“O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo” divulga e sem que sejam causadas diretamente pelo homem.
a situação em relação às medidas adotadas para o fim No entanto, é essencial que possam ser previstas
da fome no mundo, além de propor ações nesse sentido; para que haja o devido preparo a seu enfrentamento.
entre elas, sintetizamos: Ademais, sabe-se que a ação humana tem provocado
—— Crescimento econômico inclusivo e redução da fortes desequilíbrios na natureza, causando enormes
pobreza: mesmo que o aumento populacional no prejuízos às populações, entre eles a alimentação com
mundo ocorra em menor velocidade e percentu- a destruição de safras e de cidades. Por consequência,
ais, o crescimento econômico com distribuição da enfrentar tais desafios é fundamental.
riqueza é necessário. São medidas plenamente realizáveis em perfeito al-
—— Desenvolvimento da agricultura familiar e de cance de todos os atores envolvidos. Sendo assim, em
pequena escala: sabe-se que a maior parte das princípio, o fim da fome depende de decisões políticas dos
pessoas com fome vive no campo. Logo, estimular governos, das corporações empresariais e da sociedade
o desenvolvimento das populações rurais por meio civil organizada. Não há nenhum segredo para seu fim.

EXERCÍCIO

1. (Enem) Leia o Texto I de Josué de Castro, publicado em 1947.

O Brasil, como país subdesenvolvido, em fase de acelerado processo de industrialização, não conseguiu ainda se libertar da
fome. Os baixos índices de produtividade agrícola se constituíram como fatores de base no condicionamento de um abaste-
cimento alimentar insuficiente e inadequado às necessidades alimentares do nosso povo.

CASTRO, J.
Adaptado de: Geografia da fome.
Leia o Texto II sobre a fome no Brasil,
824-3

publicado em 2001.

16 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

Uma das evidências contidas no mapa da fome con- a) crescimento da população urbana e aumento da
siste na constatação de que o problema alimentar no especulação imobiliária. 
Brasil não reside na disponibilidade e produção interna b) direcionamento maior do fluxo de pessoas, devido à
de grãos e dos produtos tradicionalmente consumidos existência de um grande número de serviços.
no país, mas antes no descompasso entre o poder c) delimitação de áreas para uma ocupação organizada
aquisitivo de ampla parcela da população e o custo de do espaço físico, melhorando a qualidade de vida.
aquisição de uma quantidade de alimentos compatível d) implantação de políticas públicas que promovem a
com as necessidades do trabalhador e de sua família. moradia e o direito à cidade aos seus moradores.
Adaptado de: mct.gov.br. e) reurbanização de moradias nas áreas centrais,
mantendo o trabalhador próximo ao seu emprego,
Comparando os textos I e II, podemos concluir que a diminuindo os deslocamentos para a periferia.
persistência da fome no Brasil resulta principalmente:
a) da renda insuficiente dos trabalhadores.
b) de uma rede de transporte insuficiente. 3. (UFPB) Os sistemas agrícolas e a produção pecuária
c) da carência de terras produtivas. podem ser classificados como intensivos ou exten-
d) do processo de industrialização. sivos. Essa noção está ligada ao grau de capitaliza-
e) da pequena produção de grãos. ção e ao índice de produtividade, independente-
mente do tamanho da área de cultivo ou de criação.
Nesse sentido, considerando as relações de trabalho,
2. (Enem)
é correto afirmar que a agricultura intensiva utiliza
a) técnicas tradicionais de cultivo e colheita, além de
Trata-se de um gigantesco movimento de construção
apresentar elevados índices de produtividade.
de cidades, necessário para o assentamento residencial
b) técnicas modernas de preparo do solo e, por isso,
dessa população, bem como de suas necessidades de
não consegue explorar a terra por um longo período
trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia,
de tempo.
água etc. Ainda que o rumo tomado pelo crescimento
urbano não tenha respondido satisfatoriamente a todas c) técnicas modernas de produção e, por isso, neces-
essas necessidades, o território foi ocupado e foram sita de trabalhadores com distintas qualificações
construídas as condições para viver nesse espaço. resultando em relações de trabalho mais complexas.
d) grandes áreas de cultivo e/ou de pastagem, pois visa
MARICATO. E. ao lucro, e emprega grande quantidade de mão de
Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana.
obra qualificada que reside na propriedade.
Petrópolis: Vozes, 2001.
e) pequenas áreas de cultivo e/ou de pastagem, pois
A dinâmica de transformação das cidades tende há o emprego de técnicas tradicionais de produção
a apresentar como consequência a expansão das gerenciadas pelo proprietário e sua família, que não
áreas periféricas pelo(a) residem na propriedade.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Como ocorre também no estudo de outros temas, a relação entre o campo e a cidade apresenta uma ligação intensa
com nossa vida diária. Esperamos que tanto o texto desta aula como das outras duas seguintes permitam que você
compreenda muito claramente essa conexão.
Você também vai entender as mudanças ocorridas atualmente no meio rural. Além disso, saber relacionar a questão
fundiária não só com os problemas essenciais do campo, mas igualmente da cidade e da estrutura do sistema capitalista.
Especificamente, vemos como sendo vital compreender os limites e as necessidades da reforma agrária para que na
aula seguinte possa se relacionar todas essas questões com as mazelas provocadas pela fome.
Quais as ligações entre os comentários anteriores e, por exemplo, o agronegócio e a agricultura familiar? Por que
você, que mora na cidade, tem de se preocupar com isso?
É esse o convite que lhe fazemos agora.
824-3

Bons estudos!

POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

EXERCÍCIOS

1. Enem 2. (Unimontes) O livro intitulado Ensaio sobre o Princí-


pio da População, de Thomas Robert Malthus, mos-
Texto I tra uma teoria demográfica que
a) defende que o avanço tecnológico provoca a fome
A nossa luta é pela democratização da propriedade e o desemprego estrutural.
da terra, cada vez mais concentrada em nosso país. b) explica que o crescimento populacional será reduzido
Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% com a urbanização.
das terras. Fazemos pressão por meio da ocupação c) afirma que a fome é provocada pela desigualdade
de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, socioeconômica entre as pessoas.
que não cumprem a função social, como determina a d) relaciona crescimento populacional com a fome.
Constituição de 1988. Também ocupamos as fazendas
que têm origem na grilagem de terras públicas.
3. IFBA
Adaptado de: mst.org.br.
Acesso em: 25 ago. 2011. O homem do campo brasileiro, em sua grande maio-
ria, está desarmado diante de uma economia cada vez
mais modernizada, concentrada e desalmada, incapaz
Texto II
de se premunir contra as vacilações da natureza, de se
armar para acompanhar os progressos técnicos e de
O pequeno proprietário rural é igual a um pequeno
se defender contra as oscilações dos preços externos
proprietário de loja: quanto menor o negócio, mais difícil
e internos, e a ganância dos intermediadores. Esse
de manter, pois tem de ser produtivo e os encargos são
homem do campo é menos titular de direitos que a
difíceis de arcar. Sou a favor de propriedades produtivas
maioria dos homens da cidade, já que os serviços
e sustentáveis e que gerem empregos. Apoiar uma em-
públicos essenciais lhe são negados, sob a desculpa
presa produtiva que gere emprego é muito mais barato
da carência de recursos para lhe fazer chegar saúde e
e gera muito mais do que apoiar a reforma agrária.
educação, água e eletricidade, para não falar de tantos

LESSA, C. outros serviços essenciais.


Adaptado de: observadorpolitico.org.br.
Acesso em: 25 ago. 2011. SANTOS, M.
O espaço do cidadão. 7. ed.
São Paulo: Edusp, 2007. p. 41-42.
Nos fragmentos dos textos, os posicionamentos em
relação à reforma agrária se opõem. Isso acontece
Analisar o direito ao campo brasileiro na perspec-
porque os autores associam a reforma agrária, res-
tiva democrática torna-se uma questão de grande
pectivamente, à
complexidade para os cientistas sociais. Nesse sen-
a) redução do inchaço urbano e à crítica ao minifúndio tido, é correto afirmar que:
camponês. a) o processo de redemocratização possibilitou a
b) ampliação da renda nacional e à prioridade ao mer- conquista dos direitos sociais do homem do campo,
cado externo. com a extinção das condições de trabalho escravo.
c) contenção da mecanização agrícola e ao combate b) os movimentos sociais de luta pela e na terra reivin-
ao êxodo rural. dicam a conquista dos direitos sociais da democracia
d) privatização de empresas estatais e ao estímulo ao na sua prática cotidiana.
crescimento econômico. c) a implantação da política agrária pelo Estado Demo-
e) correção de distorções históricas e ao prejuízo ao crático de Direito socializou a estrutura da proprie-
824-3

agronegócio. dade da terra no campo brasileiro.

18 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

d) o aumento substancial da produtividade, do trabalho Tendo em vista as questões levantadas pelo texto, é
e emprego pelo agronegócio vem garantindo a cida- correto afirmar que
dania ao homem do campo. a) a principal causa da fome e da subnutrição é a falta
e) os povos e as comunidades tradicionais têm a pro- de terra agricultável para a produção de alimentos
priedade da terra garantida em lei pelo direito his- necessários para toda a população mundial.
tórico ao território para a reprodução social da vida. b) a proporção de subnutridos e famintos, de acordo
com os dados do texto, é inferior a 10% da popula-
ção mundial.
4. (UFRN) Leia a charge a seguir.
c) as principais causas da fome e da subnutrição são
disparidades econômicas, pobreza externa, guerras
e conflitos.
d) as consequências da subnutrição severa em crianças
são revertidas com alimentação adequada na vida
adulta.
e) o uso de organismos geneticamente modificados na
agricultura tem reduzido a subnutrição nas regiões
mais pobres do planeta.

6. (Enem)
Adaptado de: fernandaprofessorageografia.blogspot.
Acesso em: 20 jul. 2013.
No dia 1o de julho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro
tornou-se a primeira do mundo a receber o título da
A charge coloca em evidência um conflito que está
presente no espaço rural brasileiro. Esse conflito Unesco de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural.
envolve duas lógicas: a preservação da floresta e a A candidatura, apresentada pelo Instituto do Patrimônio
expansão do agronegócio. No Brasil, o desenvolvi- Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi aprovada durante a
mento do agronegócio 36a Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. O presidente
a) requer grandes extensões de terra para o cultivo de do Iphan explicou que “a paisagem carioca é a imagem
monoculturas, degradando áreas de floresta nativa. mais explícita do que podemos chamar de civilização
b) baseia-se no uso intensivo do solo para a prática da brasileira, com sua originalidade, desafios, contradições
policultura, provocando desmatamento em reservas
e possibilidades”. A partir de agora, os locais da cidade
florestais.
valorizados com o título da Unesco serão alvo de ações
c) favorece a desconcentração de terras para a pro-
dução agrícola, provocando a erosão de solos em integradas visando à preservação da sua paisagem cultural.
áreas de floresta.
d) fundamenta-se na diversificação do uso do solo para Adaptado de: cultura.gov.br.
fins agrícolas, degradando o ecossistema florestal. Acesso em: 7 mar. 2013.
O reconhecimento da paisagem em questão como
patrimônio mundial deriva da
5. (Fuvest) a) presença do corpo artístico local.
b) imagem internacional da metrópole.
Pela primeira vez na história da humanidade, mais c) herança de prédios da ex-capital do país.
de um bilhão de pessoas, concretamente 1,02 bilhão, d) diversidade de culturas presente na cidade.
sofrerão de subnutrição em todo o mundo. O aumen- e) relação sociedade-natureza de caráter singular.
to da insegurança alimentar que aconteceu em 2009
mostra a urgência de encarar as causas profundas da
fome com rapidez e eficácia.
Relatório da Organização das Nações Unidas para a 7. (IBMEC-RJ) Esta é uma clássica definição sobre as
Agricultura e Alimentação (FAO), chamadas cidades globais: “As cidades globais são
824-3

primeiro semestre de 2009. os principais centros financeiros e bancários do

POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

planeta. Concentram o controle administrativo de Por que a concepção tradicional de hierarquia urba-
grandes empresas ou de organizações internacio- na está sendo substituída pela atual?
nais, além de serviços modernos e especializados”. a) Porque muitos distritos, vilas e até mesmo bairros
se emanciparam e foram elevados à categoria de
As mais importantes cidades globais são: 
município.
a) Berlim, Nova York e Paris.  b) Porque o êxodo rural leva ao desaparecimento de
b) Los Angeles, Paris e Londres.  muitas vilas e cidades pequenas, localizadas distantes
c) Washington, Moscou e Pequim.  das metrópoles.
d) Nova York, Londres e Tóquio.  c) Porque o avanço tecnológico dos transportes e co-
e) Detroit, Estocolmo e Amsterdã. municações e a disponibilidade de renda encurtam
as distâncias.
d) Porque a queda de regimes totalitários não permitiu
maior mobilidade da população e favoreceu a migra-
8. (UFMG-MG) Após a década de 1950, verifica-se, no ção interurbana.
e) Porque as atuais diretrizes do planejamento urbano
processo de urbanização de algumas regiões do
promovem a concentração das indústrias de base
mundo, a formação de megalópoles. Sobre esse
nas metrópoles.
tipo de região urbana, é incorreto afirmar que:
a) está associado às características do processo de ur-
banização típicas dos países desenvolvidos, sem con- 10. (Unifesp-SP) Megacidades são aglomerações urba-
dições de ocorrência nos países subdesenvolvidos. nas que:
b) apresenta uma grande área de conurbação, cuja a) alojam centros do poder mundial e sedes de empre-
sas transnacionais.
constituição é orientada pelos eixos de crescimento
b) concentram mais de 50% da população total, em
das principais cidades da região.
países pobres.
c) ocorre em espaços onde se verificam fluxos intensos, c) têm mais de 10 milhões de habitantes, em países
decorrentes do dinamismo das atividades produtivas ricos ou pobres.
e de distribuição, dentre outras. d) pertencem a países de grande importância no co-
d) foi identificado primeiro nos EUA, mas atualmente é mércio mundial.
encontrado em outras áreas do mundo, notadamente e) não têm infraestrutura de comunicação suficiente,
apesar de serem grandes.
em países da Europa e no Japão.

9. (UFJF-MG) As figuras a seguir representam dois esque- 11. (Enem)


mas de relações entre as cidades: o clássico e o atual.
Embora haja dados comuns que dão unidade ao fe-
Relações entre as cidades em uma rede urbana nômeno da urbanização na África, na Ásia e na América
Latina, os impactos são distintos em cada continente
e mesmo dentro de cada país, ainda que as moderni-
zações se deem com o mesmo conjunto de inovações.

ELIAS, D.
Fim do século e urbanização no Brasil.
Revista Ciência Geográfica,
ano IV, n. 11, set/dez. 1988.

O texto aponta para a complexidade da urbanização


nos diferentes contextos socioespaciais. Comparando
a organização socioeconômica das regiões citadas, a
unidade desse fenômeno é perceptível no aspecto
a) espacial, em função do sistema integrado que envolve
824-3

Adaptado de: SENE, Eustáquio de: MOREIRA, João Carlos.


Geografia Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 1999. as cidades locais e globais.

20 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

b) cultural, em função da semelhança histórica e da c) O Japão se destaca na produção de cereais, cons-


condição de modernização econômica e política. tituindo-se em um dos principais exportadores de
c) demográfico, em função da localização das maio- trigo.
res aglomerações urbanas e continuidade do fluxo d) Os Estados Unidos assumem posição de liderança
campo-cidade. na produção mundial de soja.
d) territorial, em função da estrutura de organização e
planejamento das cidades que atravessam as fron-
teiras nacionais. 14. (UFMG) Considerando-se o atual estágio da agricul-
e) econômico, em função da revolução agrícola que tura mundial, é incorreto afirmar que
transformou o campo e a cidade e contribuiu para a) a agricultura voltada para o mercado interno, em
fixação do homem ao lugar. países como o Brasil, ao incorporar insumos e tecno-
logias gerados pelo agronegócio, pode promover ele-
vação dos preços dos alimentos para o consumidor.
12. (UPF) Um olhar recente sobre o comportamento do b) a maior disponibilidade de terras agrícolas, em escala
processo de urbanização na América Latina permite planetária, é encontrada nas zonas temperadas, onde
afirmar que: a fragilidade dos solos constitui obstáculo à expansão
a) em torno de 80% da população vive em áreas urbanas de sua exploração.
e apresenta cinco megacidades com mais de cinco c) a produção global de alimentos, na atualidade, é
milhões de habitantes: Cidade do México, Buenos capaz de atender ao consumo em escala planetária,
Aires, Brasília, São Paulo e Montevidéu. embora a ingestão de alimentos por parcela da po-
b) a grande oferta de moradias verificada na última pulação mundial ainda se dê de forma insuficiente
década, resultante de políticas governamentais e em- em quantidade e diversidade.
preendimentos privados da construção civil, pratica- d) as restrições geográficas impostas, em decorrência
mente eliminou o déficit habitacional, estabelecendo de determinadas condições de clima, solo e relevo,
um equilíbrio entre demanda e oferta nesse setor. a um numeroso grupo de cultivos são, em grande
parte, satisfatoriamente contornadas por práticas
c) o acelerado crescimento econômico do Brasil, veri-
de manejo modernas.
ficado na última década, acelerou, também, a taxa
de urbanização, a redução do nível de pobreza e a
desigualdade econômica, colocando-o entre os pri-
15. (UFRR)
meiros países na igualdade de distribuição de renda,
ao lado de Guatemala, Argentina e Uruguai.
Até o final da década de 1980, existiam na África treze
d) nas últimas décadas, o crescimento demográfico
conflitos regionais (Angola, Etiópia, Libéria, Sudão, Cha-
tem se apresentado mais lento. Reduziram, tam-
de, entre outros). Um ano depois, esse número diminuiu
bém, o ritmo de crescimento da aglomeração nas
para seis, diante dos altos custos de sua manutenção.
grandes metrópoles e o deslocamento do campo
Com o relaxamento das tensões EUA-URSS (distensão),
para a cidade. os países africanos também deixaram de ser o desen-
e) o desenvolvimento sustentável das cidades acom- calhe de armas convencionais dos dois países. Entre
panha a sensível melhoria da qualidade de vida da 1984 e 1987, as despesas militares diminuíram de 5,2%
população, a eliminação da pobreza e da desigual- do PNB, acumulado dos países em conflito para cerca
dade e a redução da violência. de 4,3%. O cenário que resulta é desolador. Destruição
econômica e destruição social, com a disseminação da
fome e da epidemia da Aids.
13. (UFRN) A respeito do comércio global de alimentos
no contexto atual, é correto afirmar: OLIVA, J. e GIANSANTI, R.
a) A Argentina apresenta uma baixa produção de Espaço e modernidade: temas da geografia mundial.
cereais, constituindo-se em um dos maiores im- São Paulo: Atual, 1995.
portadores de trigo.
b) O Brasil assume uma posição irrelevante na produção Os conflitos existentes na África, juntamente com a
824-3

mundial de soja. fome e as epidemias, são elementos que constituem

POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

o triste cenário deste continente. Entre as explica-


ções para compreendermos a existência dessas in- RODA DE LEITURA
termináveis guerras regionais, podemos apontar que:
a) a atual disputa pelo potencial mercado de alimen-
Texto I
tos impulsiona as grandes potências africanas a
investirem maciçamente na produção e venda de
Há mais de duas décadas, as privatizações, a liberaliza-
armamentos.
ção dos movimentos das mercadorias, serviços, capitais
b) o continente africano exerce importante papel es-
tratégico nas relações políticas e ideológicas entre e patentes avançaram assombrosamente. Os Estados
os países que compõem os blocos econômicos pobres do Sul, repentinamente, viram-se despojados de
mundiais. suas prerrogativas em termos de soberania. As fronteiras
c) os conflitos ocorrem por conta do interesse de di- desapareceram, os setores públicos – inclusive hospitais
versas tribos, em constituírem um espaço comum e escolas – foram privatizados. E, em todo o mundo, as
africano para agregar as diversas comunidades em vítimas da subalimentação e da fome aumentaram.
um mesmo grupo étnico-linguístico cultural. Um estudo do Oxford Commitee for Fammine Relief
d) as atuais fronteiras foram traçadas pelos colonizado- (Oxfam), que logo se tornou célebre, demonstrou que,
res europeus sem respeitar a antiga organização tribal
ao longo da década de 1990-2000, a aplicação dos
e a distribuição geográfica das etnias no continente.
planos de ajustamento estrutural lançou novos milhões
e) as comunidades étnicas optaram por entrar em
de seres humanos no abismo da fome.
conflitos armados, estimulados pela inserção do
A razão é simples: o FMI está justamente encarregado
capitalismo neoliberal e, principalmente, por conta
dos diversos produtos industrializados disponíveis da administração da dívida externa dos 122 países ditos
nos mercados africanos. do Terceiro Mundo. Esta ascendia, em 31 de dezembro
de 2010, a 2,1 trilhões de dólares.
Para servir aos interesses e aos pagamentos da amor-
16. (UFTM) Um sistema agrícola singular é caracterizado tização da sua dívida para com os bancos credores ou
pela existência de pequenas comunidades de agri- o FMI, o país devedor tem necessidade de divisas. Os
cultores, que, organizados em aldeias, praticam a grandes bancos, evidentemente, negam-se a receber
policultura. Esse sistema, além da geração de produ-
em gurdes haitianos, bolivianos ou tugriks mongóis.
tos básicos para consumo próprio e para o mercado
Como um país pobre da Ásia do Sul, dos Andes ou
interno, concentra-se em um produto voltado exclu-
da África Negra pode obter as divisas necessárias?
sivamente para exportação. Apesar de praticada em
Exportando bens manufaturados ou matérias-primas
moldes tradicionais, com baixa tecnologia e produ-
tividade, a policultura se sustenta pelas rendas ge- que lhe serão pagos em divisas.
radas com o produto de exportação, que tem como Dos 54 países da África, 37 são quase inteiramente
destino mercados com população de alta renda. agrícolas.
Um exemplo desse sistema agrícola é o da produ- Periodicamente, o FMI concede aos países superen-
ção e consumo dividados uma moratória temporária ou um refinan-
a) do cacau, matéria-prima para o chocolate, exportado ciamento de sua dívida – desde que o país aceite se
por alguns países da África para o mercado europeu. submeter aos planos ditos de ajustamento estrutural.
b) da coca, produzida nos países andinos e que tem Todos esses planos implicam a redução, no orçamento
como destino os países vizinhos mais ricos: Brasil
dos países envolvidos, das despesas relativas à saúde e
e Argentina.
à educação, e a eliminação dos subsídios aos alimentos
c) do chá, que desde o século XIX se mantém como
de base e à ajuda às famílias necessitadas.
principal produto de comércio entre a Índia e a
Os serviços públicos são as primeiras vítimas dos
Inglaterra.
d) do algodão, matéria-prima da indústria têxtil, ex- planos de ajustamento estrutural. Milhares de funcio-
portado em grande escala do Brasil para os Estados nários – enfermeiros, professores e outros empregados
Unidos. dos serviços públicos – foram despedidos nos países
824-3

e) do milho, sustentáculo dos países do sudeste asiático. submetidos a um ajustamento estrutural do FMI.

22 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

[...] A agricultura de víveres morre. O FMI exige a Após a leitura indicada, desenvolva texto dissertativo
ampliação das culturas coloniais, cujos produtos – al- utilizando as opiniões dos autores em relação ao bairro
godão, amendoim, café, chá, cacau etc. – poderão ser e à cidade em que você mora. Finalize sua análise com
exportados ao mercado mundial e trazer divisas, que possíveis perspectivas para o futuro.
serão destinadas ao serviço da dívida.
Texto III
A segunda tarefa do FMI é abrir os mercados do Sul às
sociedades transcontinentais privadas da alimentação.
Após a atenta leitura da entrevista a seguir, construa
Por isso, no hemisfério sul, o livre-comércio carrega o um texto dissertativo relacionando boa alimentação,
rosto repugnante da fome e da morte. agrotóxicos e reforma agrária.

O trecho anterior faz parte do livro, já mencionado Reforma agrária e incentivo a pequenos
neste Caderno, Destruição em massa: a geopolítica da produtores são caminho para alimentação
fome, do sociólogo suíço Jean Ziegler. Construa um texto saudável, diz Bela Gil
explicando a relação entre política econômica, fome e
corporações transnacionais. Famosa nas redes sociais pelos memes (piadas po-
pulares na rede), há uma semana a apresentadora Bela
Texto II Gil, filha do cantor Gilberto Gil, arrebatou a internet pelo
seu poder de mobilização. Em apenas meia hora, ela
Nos textos a seguir, os respectivos autores analisam conseguiu mudar o resultado de uma consulta pública
a cidade enquanto conquista humana, bem como as feita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sani-
disparidades de seu modelo atual.
tária) sobre o banimento de um dos agrotóxicos mais
frequentes na mesa do brasileiro, o carbofurano. Ela
[...] a mais consciente e, no geral, a mais bem-sucedi-
conseguiu isso a partir de uma convocação em suas
da tentativa do homem de refazer o mundo onde vive páginas do Facebook e Instagram.
de acordo com o desejo de seu coração. Porém, se a Como de costume, Bela acompanha e vota nas
cidade é o mundo que o homem criou, então é nesse consultas públicas sobre agrotóxicos promovidas pela
mundo que de agora em diante ele está condenado a agência. Mas naquele dia, foi alertada por uma amiga
viver. Assim, indiretamente, e sem nenhuma ideia clara que a consulta seria encerrada em poucas horas com
da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem um resultado negativo. Então, decidiu se manifestar
refez a si mesmo. publicamente e tentar mobilizar alguns seguidores.

Robert Park, Questão de saúde


sociólogo urbano. “Obviamente não tinha pensado que faria uma di-
ferença tão grande, mas resolvi tentar. É importante
Os bairros ricos são atendidos por toda sorte de ter essa reavaliação periódica sobre agrotóxicos,
serviços, tais como escolas caras, campos de golfe, pois agora com mais estudos a gente consegue ver
quadras de tênis e patrulhamento particular 24 horas os prejuízos e repensar. O Brasil precisa abrir o olho
por dia, que se emaranham entre ocupações ilegais, e mudar de lado para tomar conta da saúde da po-
onde a água é disponível somente em fontes públi- pulação”, afirma.
cas, nenhum sistema sanitário existe, a eletricidade é O resultado da consulta pública está em fase de ava-
privilégio de poucos, as ruas se tornam lama quando liação por um colegiado formado por cinco diretores
chove e o compartilhamento dos espaços domésticos da Anvisa. Bela acredita que os 69% dos formulários
é a norma. Cada fragmento parece viver e funcionar preenchidos a favor da exclusão do agrotóxico terão
autonomamente, atendo-se com firmeza àquilo que influência direta na decisão final dos especialistas.
foi possível agarrar na luta diária pela sobrevivência. “Essa transparência é muito importante para que a
sociedade seja incluída, sinta o poder que pode re-
Marcello Balbo, presentar e para que eles entendam a mudança que
824-3

professor de Planejamento Urbano. a gente quer”.

POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

Mudar o mundo em várias partes do mundo. Consultar o site é essencial


A apresentadora, que pensa na alimentação como para entender os temas da presente aula.
uma forma de mudar o mundo, se define como ativista
da alimentação saudável para a população. “Mas não Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa
só. Também para os animais, para a terra, para todo Disponível em: embrapa.br. Acesso em: 16 abr. 2016.
mundo. Eu penso em fazer minha parte, quero mudança É uma organização vinculada ao Governo Federal (Mi-
e se militância for lutar por mudança, me encaixo nessa nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), cuja
definição”, complementa. função é a inovação tecnológica e científica para o de-
Segundo Bela, os alimentos orgânicos são os mais senvolvimento de uma agricultura e pecuária tropical e
benéficos para todas as partes da cadeia produtiva, a produção de energia. Trata-se de uma empresa com
desde o agricultor até chegar ao consumidor. No atuação e amplo reconhecimento internacionais (tem
entanto, eles são também os mais caros e mais difí- laboratórios virtuais nos Estados Unidos, Europa, China e
ceis de encontrar. Para que a alimentação saudável Coreia do Sul) e três escritórios na América Latina e África.
chegue de forma democrática à mesa dos brasileiros, Observatório das Metrópoles
a apresentadora acredita que há muitos caminhos a Disponível em: observatoriodasmetropoles.net. Acesso
serem percorridos. em: 15 abr. 2016.
O Observatório das Metrópoles, criado pelo Instituto
Reforma agrária de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
“Começa pela reforma agrária. O incentivo aos pe- Universidade Federal do Rio de Janeiro, é composto de
quenos produtores é muito importante para que funcio- 159 pesquisadores e 59 programas de pós-graduação.
ne a produção local e o fornecimento para o país. Outro Trata-se de uma instituição de pesquisa em rede, cuja
ponto é a taxação dos produtos altamente processados, missão é o desenvolvimento de pesquisa científica e
que têm um teor de açúcar e gordura muito acima da a proposição de políticas públicas. O site divulga para
quantidade recomendada. Se uma fruta for mais barata acesso livre inúmeras produções e estudos na área.
do que os salgadinhos de soja, hoje subsidiados pelo Entre os destaques está a produção do Índice de Bem-
governo, ela pode ser mais consumida. Mas isso vai -Estar Urbano (IBEU), cujos resultados são apresentados
depender de propostas mais ousadas do governo, por em ibeu.observatoriodasmetropoles.net (acesso em:
isso temos que abrir o olho da população para que essa 15 abr. 2016).
pauta seja reivindicada”, argumenta.
Enquanto isso, Bela acompanha outras duas consul- Centro de Estudos da Metrópole – CEM
tas públicas da Anvisa, também pela proibição de mais Disponível em: fflch.usp.br/centrodametropole/. Acesso
dois agrotóxicos. “Caso a gente esteja perdendo a luta, em: 15 abr. 2016.
pretendo me manifestar novamente”, garante. O Centro de Estudos da Metrópole é uma instituição
de pesquisa científica em ciências sociais voltada às
PITASSE, M. políticas públicas para as metrópoles. É vinculado à
Brasil de Fato, 8 mar. 2016. Universidade de São Paulo (USP) e ao Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap). Criado em 2001,
já produziu centenas de estudos, além de ter realizado
dezenas de encontros científicos. Em seu site é pos-
NAVEGAR sível acessar boa parte de suas produções, inclusive
bases de dados relacionadas à demografia, divisão
Sites territorial, desigualdade social, bases cartográficas,
entre várias outras.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura – FAO Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –
Disponível em: fao.org/brasil/pt/. Acesso em: 15 abr. 2016. MST
A organização destaca-se na produção de estudos, bem Disponível em: mst.org.br. Acesso em: 15 abr. 2016.
como na proposição e divulgação de políticas públicas O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
na área de segurança alimentar. Além disso, executa criado em 1984, está presente em 24 estados e conta-
824-3

programas e projetos para combater a fome e a pobreza biliza, em sua trajetória, a conquista de terra para mais

24 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

de 350 mil famílias. É hoje o movimento social mais Produzida pela Fundação Joaquim Nabuco e pela TV Es-
estruturado do país, mesmo sob a avalanche de críticas cola, a versão animada do clássico Morte e Vida Severina
que recebe da maior parte da elite e grande mídia no (1956) de João Cabral de Melo Neto, poeta brasileiro, é
Brasil. Em seu site, é possível acessar livremente uma adaptada pelo cartunista Miguel Falcão. O desenho ani-
vasta biblioteca digital. mado preserva o original e narra o percurso de Severino
do sertão para o litoral pernambucano. Ótima oportuni-
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá- dade para se conhecer melhor a cultura brasileira e a
ria – Incra dura vida do povo nordestino sem terra.
Disponível em: incra.gov.br. Acesso em: 15 abr. 2016.
É uma organização do Governo Federal, ligada ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, cuja missão é
Livros
“executar a reforma agrária e realizar o ordenamen-
to fundiário nacional”. Em seu site há uma grande
CASTRO, Josué de. Geografia da
quantidade de conteúdos interessantes pertinentes a
fome. Porto: Brasília Editora, 1946.
essa questão. São vídeos e os mais diversos tipos de
Josué de Castro (autor de vastís-
textos e dados estatísticos que abordam legislação,
sima produção com mais de 200
situação da terra no Brasil, políticas públicas, solução
títulos) não pode deixar de ser
de demandas etc.
lido por todo cidadão que deseja
entender a questão e muito me-
REPRODUÇÃO

nos por estudantes de qualquer


Vídeos área, especialmente para os que
se dedicam às humanidades.
A estrada da fome
Escrito em 1946, encontra-se atualíssimo, além de ter
Disponível em: youtube.com/watch?v=M60Rqo1gkQs. lançado conceitos básicos utilizados até hoje, como áreas
Acesso em: 15 abr. 2016. alimentares, áreas de fome endêmica, áreas de fome
Produzido pela Rede Record de Televisão, esse documen- epidêmica, áreas de subnutrição, entre outros.
tário, de 2015 mostra a fome e a miséria em algumas das
cidades mais pobres do Brasil no estado do Maranhão,
condição presente no Brasil e em vários outros países. BOJANIC, Alan Jorge (Co-
Entrevista da urbanista Raquel Rolnik ord.). Superação da fome e
Disponível em: youtube.com/watch?v=-Bm7GC__EZ4.
UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A

da pobreza rural: iniciativas


AGRICULTURA, BRASÍLIA, BRASIL

Acesso em: 15 abr. 2016. brasileiras.


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

A urbanista, arquiteta, relatora especial da ONU para o Referida anteriormente, a Or-


direito à moradia adequada e professora da USP, Rolnik, é ganização das Nações Unidas
uma das maiores especialistas do mundo no tema cidades. para a Alimentação e a Agri-
O vídeo aqui sugerido, de produção alternativa, propor- cultura produz muitos estudos
ciona excelentes ensinamentos transmitidos de maneira relacionados à fome. A maior
bastante didática. Nele se fala sobre moradia, transporte parte deles estão em outros
público, importância das eleições municipais, modelo de idiomas, mas alguns são elaborados na Língua Portuguesa.
cidade, periferias, experiências internacionais de habitação Em março de 2016 foi publicado, também na versão eletrô-
popular e vários outros assuntos afins. Essencial para se nica, o livro S, coordenado também por Alan Jorge Bojanic.
entender as metrópoles atuais. Vale a pena também con- Nessa obra, são divulgadas e discutidas políticas públicas
sultar o blogue da professora, disponível em: raquelrolnik. alternativas contra a fome nas áreas rurais. Como vimos
wordpress.com/ (acesso em: 15 abr. 2016). nesta aula, por mais contraditório que possa parecer, são
as regiões onde mais se concentram os famintos.
Adaptação de Morte e Vida Severina Entre as experiências debatidas, destacam-se a transfe-
Disponível em: youtube.com/watch?v=clKnAG2Ygyw. rência de renda, a agricultura familiar, o cooperativismo,
824-3

Acesso em: 16 abr. 2016. a agroecologia, entre outras.

POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aulas 8 e 9

MARICATO, Ermínia et al. Em relatório publicado pela FAO no ano de 2015, o


Cidades rebeldes: Passe Brasil é visto como protagonista mundial no combate à
Livre e as manifestações que fome ao atingir duas das metas estabelecidas pela ONU:
tomaram as ruas do Brasil. cortar pela metade o número de pessoas passando fome
São Paulo: Boitempo; Carta e reduzir esse número para menos de 5% da população.
Maior, 2013. Entre as causas apontadas, estão as políticas públicas
Reunindo vários artigos, o li- “Fome Zero” e “Bolsa Família”. Ainda de acordo com
vro analisa as manifestações o estudo, o Brasil, no período entre 2002 e 2014, foi o

EDITORA BOITEMPO
de rua de 2013 no Brasil, país mais populoso do mundo com a maior redução de
essencialmente vinculadas subalimentados: 82,1%.
às condições precárias das Entretanto, muitos consideram que tais projetos sociais
cidades para a maioria. são bastante negativos afirmando, por exemplo, que “dão
o peixe, mas não ensinam a pescar”.
Converse com seus colegas e professores e, se possí-
HARVEY, David. Cidades re- vel, faça um debate em sala de aula com a formação de
beldes: do direito à cidade à dois grupos: um a favor e outro contra o Bolsa Família.
revolução urbana. São Paulo: Quais seriam as soluções para as metrópoles? O que
Martins Fontes, 2014. você colocaria em prática se fosse o(a) prefeito(a) de uma
O geógrafo britânico desenvol- grande cidade como São Paulo? Ou seja, como resolver
ve profundas análises entre o os seus problemas essenciais relacionados, por exemplo,
EDITORA MARTINS FONTES

capitalismo atual e suas rela- ao transporte e à moradia?


ções com as cidades.

CHIAVENATO, Júlio José. Vio-


lência no campo: o latifúndio
e a reforma agrária. São Paulo:
Moderna, 1996.
A obra oferece uma análise
crítica do tema em seus vários
aspectos, causas e consequên-
REPRODUÇÃO

cias, entre elas a conexão da


concentração fundiária no Brasil
e a origem colonial do país.

ÁGORA

Criado em 2003, o Programa de transferência direta de


renda e de segurança alimentar, Bolsa Família, busca pro-
porcionar o acesso à alimentação, à saúde e à educação.
Atende, em todo o Brasil, a quase 14 milhões de famílias
que, sem os recursos recebidos, voltariam à situação de
824-3

extrema pobreza.

26 POLISABER
aulas 8 e 9 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A

A solução dos grandes desafios das metrópoles e do campo e o fim da fome passam fundamentalmente
pela construção e aplicação de políticas públicas.
824-3

POLISABER 27
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
aulas 10– eAULAS
11 10 E 11
VINCENT VAN GOGH FOUNDATION

Viver, tornar-se um ser no mundo, é assumir, com os


demais, uma herança moral, que faz de cada qual um
portador de prerrogativas sociais.
Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal,
de Milton Santos.

Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à política tende a ser pública, ainda que seja realizada
proteção contra o frio, a chuva, as intempéries; direito por empresas, indivíduos ou instituições. Em outras
ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência palavras, toda política é alcançada na esfera pública e
digna […] o respeito ao indivíduo é a consagração da não em uma esfera privada. Já o termo política social vai
cidadania, pela qual uma lista de princípios gerais e abs- além do pleonasmo, uma vez que toda política engloba
tratos se impõe como um corpo de direitos concretos o território, ainda que venha a ser focada em setores
individualizados. A cidadania é uma lei da sociedade (na economia é muito comum o debate sobre setores,
que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual o que inviabiliza uma real discussão de incorporação
com a força de se ver respeitado contra a força, em de práticas que estimulem o veio pela cidadania), um
qualquer circunstância. enorme anaforismo. Oras, de que modo a sociedade e
a política estão separadas?
Milton Santos. A anulação de uma ou de outra na equação inviabiliza a
Por uma outra globalização: do pensamento realização de ambas. Não existe sociedade sem política e,
único à consciência universal. 5. ed.
ainda menos, política sem a reunião de indivíduos e grupos
Rio de Janeiro: Record, 2000.
organizados socialmente. Nesse sentido, toda política é
social, ainda que não seja realizada pelo Estado ou que
atenda aos interesses de grupos, empresas ou indivíduos.
Políticas públicas e sociais Isso porque o território é usado por todos. De sorte
que não existe uma ação que não repercuta sobre todos
Pressupostos de ideias: os demais no corpo de uma sociedade. Passando essa
introdução, vamos tratar de alguns fatos empíricos e
algumas noções
constitucionais de nosso país.

Para início de debate vamos voltar a certos preceitos


que guiarão nosso estudo. O primeiro deles é que Esta-
dos e governos não são a mesma coisa. São conceitos O Brasil: leituras normativas
bem definidos e que não se sobrepõem. Quer dizer, o
Estado é o conjunto territorial no qual atores sociais O Estado brasileiro é hoje uma República Federativa.
diversos, instituições e empresas de diferentes capaci- Cada ente confederado possui seu papel e sua atribui-
dades organizacionais, tecnológicas e de capital convi- ção de responsabilidades. Temos três entes federativos:
vem sob o guarda-chuva de uma soberania nacional. Já União, estados e municípios. Cada um deles produz suas
os governos são geralmente eleitos ou impostos (em políticas públicas. Dentro de cada um desses há ainda
uma ditadura, por exemplo), e fazem uso do aparato três poderes: judiciário, executivo e legislativo.
do Estado para colocar em prática ações que julgam O poder executivo é o que “executa”. São eleições
ser acertadas aos interesses do país, de modo que diretas para governadores, prefeitos e presidente. Cada
resultam dessas práticas as chamadas políticas públi- um dos eleitos também tem seus vices e monta seus
824-3

cas. Esse termo é, por definição, um pleonasmo: toda gabinetes, convoca seus ministros e secretários.

28 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

O poder legislativo também possui o voto direto, mas E o voto branco e o voto nulo?
entra em jogo o coeficiente do mesmo partido que res-
ponde pelas cadeiras que os eleitos delegam aos seus O voto branco e o voto nulo são considerados a mesma
colegas de chapa. Nessa lógica, estão os deputados coisa: não servem para cálculo eleitoral. A única diferença
federais. Estão também os senadores de cada Estado é a forma que você invalida seu voto: na primeira você
na escala da União. Na escala dos governos estaduais, aperta um botão da urna e na segunda você vota em
estão os deputados estaduais. Na escala dos governos um número que não está registrado na justiça eleitoral.
municipais, estão os vereadores. Diferentemente do É por isso que muitas pessoas dizem que votar em
executivo (prefeito, governador e presidente), a eleição branco ajuda quem está “na frente”: como o voto não é
do legislativo (vereadores, deputados estaduais e federais considerado válido, se muitas pessoas anularem o voto,
e senadores) deve preencher mais de um cargo, e por o quociente eleitoral será menor e isso torna mais fácil
isso usa um sistema eleitoral distinto, enquanto para as eleger um prefeito ou um vereador (eles vão precisar de
vagas do executivo é eleito aquele que conseguir mais menos votos para se eleger do que se você tivesse votado
da metade dos votos válidos. em outro candidato).
Já para a Câmara Municipal, o cálculo é o seguinte: o Um fenômeno comum apontado por estudiosos de elei-
número total de votos válidos é dividido pelo número ções é que geralmente os partidos que têm candidatos a
de vagas. O resultado é chamado de quociente eleitoral. prefeito com grande visibilidade acabam recebendo muitos
Este representa o número de votos que cada partido/ votos para vereador também. Uma das explicações para
coligação precisa receber para garantir pelo menos uma isso é que muitos eleitores se deparam com a urna sem
cadeira na Câmara. Se um partido/coligação receber X saber que primeiro devem votar para vereador e depois
votos, significa que ele conseguiria eleger dois de seus para prefeito, e acabam digitando o número do candidato
candidatos. Essas cadeiras, então, serão preenchidas a prefeito em vez do número do vereador. Esse é um dos
pelos candidatos mais votados dentro da lista daquele fatores que fazem que o partido do prefeito eleito tenha
partido ou coligação. geralmente uma grande bancada na Câmara. Outro fator
que influencia muito na votação de certos vereadores
são as atividades assistencialistas realizadas por alguns
 as como os partidos conseguem
M candidatos por meio dos chamados centros sociais.
votos se a gente só vota no Depois de verificarmos a formação desses arranjos
vereador? constitucionais da sociedade, vale destacar essa pas-
sagem de uma geógrafa, Ana Fani Allesandri Carlos,
publicada em 2015, na Revista Mercator:
Quando votamos em um vereador, na realidade, vo-
tamos tanto nele quanto em seu partido ou coligação.
As análises sobre nossa “condição pós-moderna”
Além disso, em vez de votar em um candidato, você pode
centram-se, hoje, sobretudo nas transformações
digitar apenas os dois dígitos do partido de sua preferên-
do tempo e da cultura, construindo, no limite, uma
cia. Isso vai ajudar aquele partido a ter mais chances de
compreensão a-espacial da realidade, o que vai na
conseguir mais cadeiras na Câmara, sem que você tenha
contramão do fato − por exemplo – de que a ocupação
de escolher um candidato específico.
dos espaços públicos, mundo afora, como lugar da
contestação e do exercício de cidadania negada, tem
insistentemente apontado para uma luta pelo espaço,
 qual é a diferença entre partido e
E tanto da realização da vida cotidiana, como aquele que
coligação? concretiza a esfera pública em suas possibilidades. Por
esse raciocínio, [...] os planos do político e da cultura,
Coligações são alianças que os partidos fazem nas elei- apesar de nada desprezíveis à compreensão dessa
ções. No entanto, as coligações para prefeito não precisam totalidade, são insuficientes, exigindo a consideração
ser as mesmas coligações para a Câmara. Na prática, para da dinâmica espaço-temporal.
as eleições proporcionais, a coligação funciona como se Os movimentos sociais que vêm marcando a cena
fosse um partido único (mas somente para aquelas elei- política sinalizam a consciência da “privação” e, por-
ções); o número máximo de candidatos é aumentado e o tanto, sua leitura não pode fechar-se à esfera dos bens
824-3

tempo de televisão e rádio também fica maior. necessários à realização da vida, posto que iluminam

POLISABER 29
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

a escala da realização dos desejos de criação de um O que, de fato, vem a ser objeto de preocupação entre
projeto capaz de abrir-se para a construção de uma muitos cidadãos é que as chamadas políticas públicas
outra sociedade. têm sido elaboradas segundo um viés privatista, e não
As lutas surgem nos interstícios do cotidiano como totalizador. Ou seja, a confusão entre interesses públicos
consciência das desigualdades vividas em vários pla- e privados ganha corpo nesse cenário. As políticas pú-
nos. Portanto, as resistências não apontam um único blicas possuem diversas faces, algumas mais fáceis de
significado, mas reúnem várias perspectivas (bandeiras) visualizar, por exemplo:
nas quais se realizam a desigualdade e a privação cons- —— As políticas públicas ligadas à saúde: as campanhas
tituidoras da vida urbana. Ao se unirem, os movimentos de vacinação são formas de políticas públicas liga-
reivindicatórios questionam aquilo que funda nossa das à saúde que tendem a proteger a população.
sociedade: a apropriação diferenciada da riqueza, a Outro exemplo: a entrega de medicações para
desigualdade, os desmandos do poder, o estreitamento hipertensos e diabéticos é também uma forma de
da esfera pública. Movem-se no sentido de questiona- política pública.
mento da lógica do crescimento e das alianças políticas —— A segurança: compra de equipamentos militares
que se realizam contra o social. Aparecem como luta ou formas de coerção militar em manifestações. O
pelo espaço, por um espaço democrático onde pos- mesmo vale para a prática do uso de forças militares
sam exprimir-se e decidir sobre seu destino. As lutas em cenários de emergência, busca e salvamento.
introduzem e exigem práticas democráticas, colocando —— As políticas públicas ligadas ao turismo: campanhas
na mesa de negociações os interesses da sociedade feitas por estados, municípios e União para atração
como um todo, contra os interesses dos empresários, de pessoas que utilizem serviços ligados ao turismo
representantes dos grupos que objetivam lucros, seja (hospedagem, passeios, comércios etc.).
nos setores diretamente produtivos, seja no plano dos —— As políticas públicas ligadas ao esporte: as Olim-
investimentos e da especulação. píadas do Rio 2016, por exemplo, mostraram a
Portanto, as manifestações nos espaços públicos − ineficiência de políticas ligadas ao fomento de
citadas no início deste artigo − eclodem na vida cotidia- espaços e instituições que propiciem a formação
na, apontando a existência de resíduos latentes nesta de atletas no país. O mesmo valeu para os jogos
sociedade. Ao se definirem pela recusa da condição da Copa em 2014. Grandes infraestruturas, sem
urbana vivida, as lutas colocam o “direito à cidade” no apoios na escala dos indivíduos.
centro do debate. —— As políticas públicas ligadas à cultura: o dinheiro
Embora mal definido, o “direito à cidade” como con- para o fomento de espetáculos em cinema, tea-
ceito exige uma reflexão profunda. Nos termos apon- tro, música, dança, literatura, escultura e pintura
tados por Henri Lefebvre (1968,1970), a realização do depende em grande medida do apoio direto ou
direito à cidade traz, como exigência, o questionamento indireto do Estado, seja por locais de exposições e
de toda a sociedade submetida à economia e à política, apresentações, seja pelo financiamento de editais
manifestando-se como forma superior dos direitos, na de produção.
condição de direito à liberdade, à individualização na —— As políticas públicas ligadas à educação: paga-
socialização; o direito à obra (atividade participante) e mento de professores e construção de escolas nos
o direito à apropriação, revelando plenamente o uso. diversos níveis.
Por essa orientação, é possível entender o “direto à —— As políticas públicas ligadas a Ciência e Tecnologia:
cidade” como uma necessidade prática de superação normalmente feitas pelo Estado, são bolsas de
da contradição espacial, valor de uso/valor de troca, pesquisa de mestrado, doutorado e pós-doutorado,
que imperam em nossa sociedade produtora de merca- além de organismos como o Conselho Nacional de
dorias. Portanto, o direito só se resolveria na superação Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
daquilo que funda o capitalismo. Projeto utópico e não agências de estados.
política pública, o direito à cidade aponta para uma —— As políticas públicas ligadas às cidades: planos e
necessidade teórica e prática. normas ligados à habitação, planos de melhorias
em mobilidade nas cidades etc.
Mercator. —— As políticas públicas ligadas à energia: normas e
Fortaleza, v. 14, n. 4, número especial. planos ligados à produção de petróleo, gás, mine-
824-3

p. 7-16, dez. 2015. rais, álcool etc.

30 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

—— As políticas públicas ligadas à agricultura e à pesca, como desenvolver estratégias e normas nesses campos de
produção, são necessárias ao desenvolvimento dessas forças produtivas.
As diversas políticas são realizadas nas três esferas da federação: municípios, estados e União. Na esfera municipal,
especialmente, está também a participação mais ativa da população no desenho orçamentário. Isto é, partes do orça-
mento (pequenas, infelizmente) podem ser determinadas pela participação direta da população. Esse instrumento é
muito interessante para aumentar o sentido de cidadania e de efetivação de certos projetos.

Exclusão social e pobreza


A pobreza é um conceito relacional. Quer dizer, está em relação ao conjunto de sociedade.
O que entendemos por pobreza? Aquilo que está abaixo de uma média geral de rendimentos da sociedade, não?
Quer dizer que a pobreza só pode ser relativa ao conjunto de indivíduos no qual estão inseridos. Quem define a linha
da pobreza e seus indicadores? Já escrevia Pierre Salama que essa linha é arbitrária, ainda que seja necessária. Como
medir a pobreza? Não se trata apenas de indicadores sociais e econômicos. Mas, principalmente, de entender o con-
junto da sociedade.
Esse entendimento possibilita perceber que, para além dos dados materiais, estão também as percepções das pessoas
sobre si mesmas. O que significa sentir-se ou se perceber pobre?
Um ponto importante: pobreza não é miséria. A miséria é privação extrema de todos os recursos. A pobreza é estar
abaixo da média geral.
Mas o mais importante: a pobreza é um estado de condições materiais e psicológicas. É também sentir-se pobre por não
ter acesso a certos bens coletivos, como saúde, educação, habitação de qualidade, acesso à comunicação etc.
Seguindo os trabalhos clássicos da Escola de Chicago, que examinaram os processos de segregação residencial de
grupos social, étnica e culturalmente homogêneos, o livro The Truly Disadvantaged, de Wilson (1987), exerceu uma grande
influência sobre a produção de diversos outros estudos que tratam do impacto da segregação residencial sobre o acesso
a oportunidades sociais. Grosso modo, o autor argumenta que a pobreza urbana teria se tornado mais concentrada a
partir das décadas de 1970 e 1980 e sugere que essa concentração leva ao isolamento social dos pobres em relação
às classes médias e a seus modelos de papel social, recursos e redes sociais de trabalho. Por sua vez, esse isolamento
social aumentaria a probabilidade de desemprego, evasão escolar, participação em crime, gravidez na adolescência e
fora do casamento.
Mesmo que a vizinhança ou a comunidade tenha sido usada como importante unidade para estudos de interações
sociais e para a compreensão de problemas sociais, somente mais recentemente observamos a proliferação de estudos
que visam observar o efeito da vizinhança sobre resultados escolares (GARNER; RAUNDENBUSH, 1991). Emerge uma
corrente de pesquisa sobre o papel do contexto social do bairro na constituição de vários mecanismos de reprodução das
desigualdades sociais, na qual ganhou grande relevância a questão do funcionamento das escolas de educação básica.
Assim, se antes os estudos desenvolvidos no campo da sociologia da educação tratavam somente do efeito da família
e da escola, agora a vizinhança ou o bairro passam a ser vistos como instância também capaz de gerar desigualdades
educacionais. E a tarefa crucial passa a ser identificar os mecanismos pelos quais a vizinhança exerceria impacto sobre
desigualdades sociais e/ou educacionais.

Indicadores de pobreza
Uma recente publicação do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) se debruçou sobre a questão da medição
dos indicadores da pobreza. Um dos índices mais conhecidos é a linha estabelecida pelo Banco Mundial, segundo a qual
são pobres os que vivem com menos de 1 dólar por dia. Alguns pesquisadores, no entanto, acham tal perspectiva limitada.
A crítica principal é que esse conceito não dá conta de um problema complexo. Assim, desde a década de 1970, novas
acepções vêm surgindo com o objetivo de construir uma caracterização mais precisa do cenário de privação vivenciado
824-3

POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

pelas pessoas em situação de pobreza (EM situação de 2. Falta de acesso ao conhecimento


pobreza não é SER pobre – a diferença entre estar e ser Componentes: analfabetismo, nível de escolaridade
é importantíssima também nessa análise). Essa visão formal e qualificação profissional.
mais profunda inclui no cálculo aspectos essenciais do Indicadores: presença de adulto analfabeto na família, au-
bem-estar, como saúde, educação, saneamento básico sência de adulto com secundário completo e ausência de
e moradia. trabalhador com qualificação média ou alta, entre outros.
A ideia de construir um indicador que sintetizasse
todas as dimensões relevantes da pobreza humana to- 3. Acesso ao trabalho (representa a oportunidade que
mou maior impulso somente após a criação do Índice de
uma pessoa tem de usar sua capacidade produtiva)
Pobreza Humana (IPH), pelo Programa das Nações Unidas
Componentes: disponibilidade de trabalho, qualidade e
para o Desenvolvimento (Pnud), em 1997.
produtividade dos postos de trabalho disponíveis, entre
É o índice que mais tem sido utilizado em estudos
outros.
aplicados, em particular nos relatórios de desenvolvimento
humano. Indicadores: verificação se há ausência de uma pessoa
Com o objetivo de contribuir para esse debate, pes- ocupada no setor formal, ausência de trabalhador que
quisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada esteja há mais de seis meses no trabalho atual e ausên-
(Ipea) lançaram recentemente um estudo chamado cia de ocupado com rendimento superior a um salário
“Pobreza multidimensional no Brasil”, no qual propõem mínimo. De acordo com o estudo, dotar as famílias de
um novo cálculo do índice de pobreza, baseado nas in- meios sem garantir que elas possam efetivamente utilizá-
formações coletadas pela Pesquisa Nacional por Amostra -los para a satisfação de suas necessidades não é uma
de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia política eficaz, pois tão importante quanto assegurar que
e Estatística (IBGE). elas tenham acesso aos meios de que necessitam é dar-
A grande novidade é que o índice pode ser calculado -lhes a chance de usá-los.
para cada família com base nas informações da Pnad.
Assim, não apenas avaliar o grau de pobreza de bairros,
4. Escassez de recursos (na composição do índice
municípios, estados e países, mas também de grupos
a renda também tem papel fundamental, já que a
demográficos específicos, como negros, crianças, idosos
grande maioria das necessidades básicas de uma fa-
e analfabetos.
mília pode ser satisfeita por meio de bens e serviços)
Será também possível investigar quais dimensões −
educação, moradia etc. − da pobreza são as principais Componentes e indicadores: a Pnad traz uma série
responsáveis pelas diferenças existentes entre grupos de indicadores que apontam a insuficiência de renda
sociais considerados pobres. de uma família. Por exemplo, verificação se a renda per
Com base nas informações da Pnad, os pesquisado- capita é inferior à linha de extrema pobreza, se a renda
res elegeram as seguintes dimensões, componentes e familiar per capita é inferior à linha de pobreza ou ainda
indicadores: se a maior parte da renda familiar vem de programas de
transferências.
1. Vulnerabilidade
Componentes: fecundidade, atenção e cuidados com 5. Desenvolvimento infantil
crianças, adolescentes e jovens, atenção e cuidados Componentes: trabalho precoce, evasão escolar, atraso
especiais com idosos, dependência demográfica e a
escolar e mortalidade infantil.
presença da mãe.
Indicadores: presença de ao menos uma criança com
Indicadores: a presença de criança ou idosos na família
menos de 14 anos trabalhando, presença de ao menos
e a existência de criança no domicílio cuja mãe já tenha
uma criança entre 0 e 6 anos fora da escola e presença
morrido ou que não viva com a mãe, entre outros. Para
os pesquisadores, investigar a presença da mãe é parti- de pelo menos uma mãe que já teve um filho nascido
cularmente importante, já que, caso as crianças sejam morto, entre outros.
criadas por terceiros, existe uma probabilidade de des- Indicadores mais amplos que contemplem todas as fa-
proteção maior, de exposição a trabalho em atividades cetas de situações de pobreza ajudam a criar políticas
extenuantes, de estarem fora da escola ou doentes sem públicas mais eficientes de combate à desigualdade
824-3

atendimento médico adequado. territorial e social.

32 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

Programas sociais Na área de saúde, ainda foram desenvolvidos cuidados


adicionais, incluindo a suplementação de vitamina A e
sulfato ferroso. E, por meio do NutriSUS, a alimentação de
O Brasil foi um dos que mais cooperaram para o mundo
mais de 330 mil crianças foi suplementada com sachês
alcançar a meta proposta pelo primeiro dos oito objeti-
multivitamínicos, que reduzem em até 38% os casos de
vos da ONU até 2015: “Acabar com a pobreza extrema
anemia e em 20% a deficiência de ferro após o uso.
e com a fome”, tornando-se referência internacional em
O Programa Bolsa Família é um programa brasileiro de
relação ao assunto.
transferência direta de renda com condicionalidades,
Isso porque, enquanto o mundo conseguiu reduzir a
voltado às famílias em situação de extrema pobreza, isto
pobreza extrema pela metade – de 47%, em 1990, para
é, aquelas com renda familiar igual ou inferior a R$ 77,00
22%, em 2012 –, o Brasil, no mesmo período, erradicou a
por pessoa; e em situações de pobreza cujo rendimento
fome e fez com que a população “extremamente pobre”
esteja entre R$ 77,01 e R$ 154,00 por pessoa.
do país caísse para menos de um sétimo do registrado
O Programa Bolsa Família (PBF) atua em três frentes
em 1990 (de 25,5% para 3,5% em 2012).
que, de forma articulada, contribuem para o alcance de
O sucesso do Brasil nessa nova tecnologia social levou
o ex-ministro José Graziano, responsável pela implanta- seu principal objetivo: a superação do ciclo intergeracio-
ção do Programa Fome Zero, a ser eleito diretor-geral nal de pobreza nas famílias. Essas frentes são:
da Organização das Nações Unidas para Agricultura e 1a) Promoção do alívio imediato da pobreza, por meio
Alimentação (FAO). da transferência direta de renda à família;
De acordo com o estudo, o “cumprimento pelo Brasil 2a) Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas
do primeiro dos ODM, muito antes de 2015, não foi obra áreas de saúde, educação e assistência social, por meio
do acaso”, principalmente quando se leva em conta o do cumprimento das condicionalidades;
histórico, as dimensões e a população brasileira. Foi re- 3a) Promoção de oportunidades para o desenvolvi-
sultado de políticas públicas inovadoras, como o Cadastro mento das famílias, por meio de ações que promovam
Único para Programas Sociais, que permitiu que o Bolsa a superação da situação de vulnerabilidade e pobreza
Família chegasse aos 5 570 municípios do país. O Projeto pelos beneficiários do Programa.
de Lei n. 6.998/2013 criou a Política Nacional Integrada
para a Primeira Infância.
O novo marco legal reforça o caráter intersetorial da
Perfil dos beneficiários
ação Brasil Carinhoso, iniciativa do Plano Brasil sem Misé-
ria, lançada em maio de 2012, para combater a extrema
Qual é o perfil das famílias inscritas no Cadastro Único
pobreza nessa parcela da população.
do Bolsa Família (condições de vida, nível educacional e
O Brasil Carinhoso reforçou a perspectiva de atenção
integral para a primeira infância, ao desenvolver políticas local de moradia)?

de acesso à renda, à educação e à saúde. Com ele, as —— 72% delas são extremamente pobres e 64% dos
famílias com crianças e adolescentes até 15 anos foram responsáveis pelas famílias não chegaram a
beneficiadas com um complemento de renda do Bolsa completar o ensino fundamental, segundo análise
Família, que garante que 8,1 milhões de crianças se publicada na obra.
mantenham fora da extrema pobreza. —— A maioria dos benefícios é recebida por habitantes
Além disso, as prefeituras foram estimuladas a ampliar do Nordeste do país (50%), especialmente dos es-
as vagas em creches públicas e conveniadas para as tados do Maranhão e Piauí.
crianças de baixa renda. Entre 2011 e 2015, houve cres- —— Apenas 38% têm, ao mesmo tempo, acesso a água
cimento de mais de 56% de beneficiários do Bolsa Família tratada e coleta de esgoto.
com até 3 anos de idade matriculados em creches, che- Apesar de os índices socioeconômicos ainda serem
gando a 755,8 mil crianças no ano passado. Além delas, há ruins, outro artigo revela avanços nos últimos dez anos. A
mais 79,9 mil que estão na pré-escola, totalizando 833,7 Pesquisa de Avaliação de Impactos do Bolsa Família mostra
mil crianças do Bolsa Família recebendo alimentação, que as crianças beneficiárias do PBF têm progressão escolar
824-3

cuidados e estímulos para uma vida mais plena. seis pontos percentuais maior na comparação com não

POLISABER 33
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

beneficiárias de mesmo perfil socioeconômico. Os impactos rompem fronteiras geográficas em razão da natureza de
também foram positivos na atenção básica à saúde. suas causas, ganhando adeptos por todo o mundo,
Constatou-se que as mães beneficiadas realizam, em a exemplo dos movimentos ambientalistas de forte
média, maior número de exames pré-natal (1,6 visita a atuação internacional.
mais) e amamentam seus bebês durante um período Os movimentos sociais são sempre políticos. Quer dizer,
maior, reduzindo a subnutrição infantil. atuam no sentido de mudar certos moldes regulatórios
ou de práticas do Estado, de instituições e de empresas.
Mas a palavra-chave é organização. Movimentos sociais
só existem organizados.
Pequenas considerações
Gianfranco Pasquino, em sua contribuição ao Dicioná-
rio de política (2004), organizado por ele e por Norberto
Em um mundo globalizado em que finanças e informa-
Bobbio e Nicolau Mateucci, afirma que os movimentos
ção são protagonistas da organização dos territórios, não
sociais constituem tentativas – pautadas em valores co-
é abusivo pensar que o aumento do dinheiro circulante
muns àqueles que compõem o grupo – de definir formas
no planeta foi paralelo à concentração do dinheiro e do
de ação social para se alcançar determinados resultados.
aumento da pobreza, absoluta e relativa. Daí a contradição:
Em seu livro Em defesa da sociologia (1976), Alain
o planeta está mais rico, porém mais pobre. Como resistir?
Touraine afirma que para compreender os movimentos
sociais, mais do que pensar em valores e crenças comuns
para a ação social coletiva, seria necessário considerar as
Movimentos sociais estruturas sociais nas quais os movimentos se manifestam.
Cada sociedade ou estrutura social teria como cená-
rio um contexto histórico (ou historicidades) no qual,
O espaço geográfico é movimento. Ele é um movimento
assim como também apontava Karl Marx, estaria posto
que resulta da vida da sociedade e da força que os objetos
um conflito entre classes, terreno das relações sociais,
materiais que estão no espaço possuem ao condicionar
a depender dos modelos culturais, políticos e sociais.
as ações da sociedade.
Desse modo, os movimentos sociais fariam explodir os
Se a sociedade se movimenta, bem como o espaço
conflitos já postos pela estrutura social geradora por si só
geográfico também é movimento, o que chamamos de
da contradição entre as classes, sendo uma ferramenta
movimentos sociais? No sentido mais estrito do termo,
fundamental para a ação com fins de intervenção e mu-
é a organização de grupos em prol das conquistas na
dança daquela mesma estrutura.
esfera pública. Em outros termos, é a busca a partir da
Além das instituições democráticas, como os partidos,
organização coletiva de certos objetivos específicos. Te-
as eleições e o parlamento, a existência dos movimentos
mos muitos exemplos: movimentos de moradia, pela terra,
sociais é de fundamental importância para a sociedade
pela água, pelo ambiente, da causa operária, o movimento
civil como meio de manifestação e reivindicação.
negro (contra racismo e segregação racial), o movimento
A existência de um movimento social requer uma
estudantil, o movimento de trabalhadores do campo,
organização muito bem desenvolvida, o que demanda a
movimento feminista, movimentos ambientalistas, da luta
mobilização de recursos e pessoas engajadas. Os movi-
contra a homofobia, separatistas, movimentos marxista,
mentos sociais não se limitam a manifestações públicas
socialista, comunista, entre outros.
esporádicas, mas se tratam de organizações que sistema-
Alguns desses movimentos possuem atuação cen- ticamente atuam para alcançar seus objetivos políticos, o
tralizada em algumas regiões (como no caso de movi- que significa haver uma luta constante e de longo prazo,
mentos separatistas na Europa). Outros, contudo, com a dependendo da natureza da causa.
expansão do processo de globalização (tanto do ponto Em outros termos, os movimentos sociais possuem
de vista econômico como cultural) e a disseminação de ação organizada de caráter permanente por determinada
824-3

meios de comunicação e veiculação da informação, bandeira.

34 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

Os movimentos sociais são militantes de suas causas. 2008, com a quebra do [banco] Lehman Brothers e o que
Vejamos uma passagem da entrevista do geógrafo David veio em seguida. Esse é o panorama geral. O resultado
Harvey (Boletim campineiro de Geografia. v. 2, n. 1, 2012): é que a informação e suas estruturas se tornaram inte-
[...] gradas a isso, de modo que é muito mais difícil exercer
Vemos, por exemplo, o movimento estudantil chileno, qualquer controle democrático.
no qual há grande diversidade, mas ainda assim há, penso Como se exerce controle democrático sobre as trocas
eu, uma aliança muito sólida, um conjunto muito claro de computadorizadas em Wall Street?
demandas. E essas demandas parecem-me ligadas ao caso Ninguém consegue. Quer dizer, soa até mesmo
chileno que poderíamos chamar de “pinochetismo”: dizem como uma questão estúpida de se fazer! Então, na
os estudantes que nos livramos de Pinochet, mas seu siste- verdade, há muitas coisas sobre as quais não se pode
ma continua, e temos que nos livrar dele. O mesmo ocorre ter um debate e uma discussão democráticos, como
também na Inglaterra, onde Thatcher já saiu há muito tempo, se pode em uma universidade. Foi demonstrado
mas o “thatcherismo” ainda está conosco. O mesmo nos nesses últimos anos que não há espaço para discussão
EUA, onde Reagan começa a parecer um trapalhão amigável democrática.
(risos) para superar o atual partido republicano. O que vimos como resultado disso, recentemente, foi
Então, a questão é acabar com o “reaganismo”, o a ruína dos processos democráticos na Grécia e na Itá-
“thatcherismo” e o “pinochetismo” e fazer algo que seja lia. Foram nomeados tecnocratas para fazer o governo,
radicalmente diferente. Penso que há um começo de porque a democracia não podia fazê-lo. Os sistemas
crescentes coalizões por aí. fortemente acoplados são muito hierárquicos, e assim,
Agora estamos ao menos voltando às políticas sociais na verdade, é extremamente difícil atingir o que uma
democráticas, como as que Lula estava desenvolvendo democracia realmente teria de ser. Isso coloca um pro-
aqui, ou até certo ponto a política redistributiva dos blema muito grande para a esquerda, para aqueles que
Kirchner na Argentina. Se estamos voltando a esse tipo querem maximizar sua democracia. Tentam desmantelar
de modelo ou indo além, como os estudantes chilenos todos esses sistemas de comércio dos quais o mundo
gostariam, ou ainda se isso se parece mais com o caso agora depende, para voltar a ter tudo organizado como
da Bolívia, e o que irá acontecer, eu realmente não sei. uma universidade – assembleias intermináveis e discus-
Penso que estamos diante de uma espécie de pausa ou sões, e talvez alguma coisa aconteça, mas talvez não.
momento reflexivo: “E agora?”. [...] Queremos voltar a esse mundo ou queremos pensar em
É surpreendente quando ligamos a TV e vemos todas um novo meio de encontrar uma democracia? Eu não sei,
aquelas chamadas (tickers), “Qual é o preço disso?”, teria que ser uma forma de organização que permitisse
“O que está acontecendo por aqui?”, “O que está gerenciar esses sistemas fortemente acoplados como
acontecendo no mercado de ações em Tóquio?”... Uma usinas nucleares, sistemas de trocas financeiras e afins.
organização como a Bloomberg News, que produziu um A partir dessa passagem do texto de David Harvey,
homem muito rico, que agora é prefeito de Nova York e resta-nos a pergunta: poderiam os movimentos sociais
governa a cidade... criar novas estruturas em um capitalismo financeiro?
Isso é algo que sempre foi uma tendência sob o capi- Acreditamos que a força dos movimentos sociais é
talismo, mas que se tornou muito mais rápido. E, nova- ampla. E pode, realmente, fazer frente junto aos Estados,
mente, o resultado disso é que é muito fácil as coisas instituições e empresas.
darem errado em um sistema fortemente acoplado, e A população é quem produz coisas e apenas pela via
os mercados financeiros agora são assim. Trocas estão da organização de seus membros é que podemos mudar
acontecendo nestes milissegundos ou nanossegundos, e situações e estruturas.
são todas computadorizadas... E está tudo funcionando Sim, as finanças são determinantes no trabalho dos
de acordo com modelos, tudo funcionando bem de acor- lugares e de seus arranjos. Todavia, são as pessoas que
do com o modelo de trabalho... Mas se algo dá errado e usam o território; elas podem garantir novos rumos ao
o modelo não funciona, então a coisa começa a crescer encaminhamento de políticas de Estado, de empresas e
824-3

como uma usina nucelar, e vimos o que houve em 2007 e da ação de instituições.

POLISABER 35
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

EXERCÍCIOS

1. (UPE) De acordo com os resultados dos mapas III. Em 20 anos, 85% dos municípios do Brasil saíram
apresentados abaixo, sobre o Índice de Desenvolvi- da faixa de “alto para o desenvolvimento humano”
mento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, analise para “muito alto”, segundo a classificação criada
os itens a seguir: pelo Pnud. A categoria que mais encolheu entre as
décadas de 1990 e 2010 foi a de “médio desenvol-
1991 vimento”.
IV. Os municípios das regiões brasileiras Sul e Sudes-
te estão concentrados, em sua maioria, na faixa de
“alto desenvolvimento humano”. No Centro-Oeste,
os resultados ainda apresentam a maioria dos mu-
nicípios na categoria “médio desenvolvimento”.

Está correto o que se afirma em


a) I, apenas. d) I e IV, apenas.
b) II, apenas.
c) III e IV, apenas. e) I, II, III e IV.

2. (Uema) Os novos movimentos sociais, principal-


2010
mente os ambientalistas, no Brasil e no mundo, têm
se destacado no combate às indústrias poluidoras e
usinas nucleares, ao desmatamento indiscriminado
da Floresta Amazônica, entre outros. Sobre esses
movimentos, leia as proposições abaixo.

I. São movimentos sociais preservacionistas que têm


como objetivo salvar o planeta Terra das agressões
do homem.
II. São movimentos sociais que têm como ideologia
revolucionar o modo de produção capitalista ins-
taurando o socialismo.
III. São movimentos sociais que incriminam as empre-

I. O IDHM é um índice divulgado pelo Programa das sas capitalistas modernas como devastadoras do
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), planeta Terra.
composto pelo conjunto de três indicadores de de- IV. São movimentos sociais que querem destruir o po-
senvolvimento humano: a longevidade, a educação der do Estado-Nação.
e a renda dos municípios. É correto o que se afirma em:
II. Apesar da evolução do IDHM no Brasil, o Nordeste a) II e IV, apenas.
ainda tem 95% dos municípios na faixa de desenvol- b) II e III, apenas.
vimento humano “muito baixo”, e a região Norte já c) I e III, apenas.
apresenta 80% das cidades na classificação “alto” e d) I e IV, apenas.
824-3

“muito alto”. e) I e II, apenas.

36 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

3. De que modo o Brasil é uma República e uma Federação ao mesmo tempo?


A República é uma forma de governo com diferentes entes. A Federação é uma forma de Estado, isto é, a forma como se organiza internamente um Estado. Juntas, formam um Estado
Federativo e, portanto, uma República.

4. Nomeie e elabore, com base em jornais, algumas políticas públicas de seu município.

Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera do município, como educação e atendimento médico.

5. Nomeie e elabore, com base em jornais, algumas políticas públicas de seu estado.

Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera do estado, em especial transporte, estradas de rodagem e saneamento ambiental.

6. Nomeie e elabore, com base em jornais, algumas políticas públicas da União.

Professor, use elementos empíricos de cada aluno, pensando em ações da esfera da União, ligadas aos serviços de saúde, defesa, infraestrutura, mercado financeiro e políticas industriais.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
Essas respostas vão pelo caminho de entender que todo processo político precisa estar amparado em substratos da
população que o amparem, seja para o bem coletivo ou o bem particular de grupos de empresas: a sociedade autoriza
de um modo ou de outro.
Considerando este material de leitura mais a aula do professor de geografia sobre pobreza, pense no Brasil e em
países ainda mais pobres: seria possível medir a pobreza de maneira uniforme? Considerando isso, faça os exercícios
do estudo orientado.
Bons estudos!

EXERCÍCIOS

1. A partir de sua leitura sobre o Brasil contemporâneo, poderíamos dizer que os movimentos sociais têm uma prer-
rogativa importante na aplicação de políticas públicas?
Os movimentos são importantes em fazer visíveis as demandas coletivas. São organizados e, por isso, são visíveis. De certo modo, nem sempre conquistam suas demandas, mas certamente
dão força aos debates que giram sobre as pautas de propostas.

2. De que modo podemos entender os valores democráticos ligados aos movimentos sociais?

Se o vigor da democracia está na participação de cidadãos ativos no destino coletivo, os movimentos sociais são protagonistas de mudanças ligadas às demandas de grupos. Fortes
democracias são feitas de fortes cidadãos. Geralmente, movimentos sociais têm em seu âmbito pessoas dispostas a realizar uma conduta civil ativa, dando força e forma à democracia.
824-3

POLISABER 37
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

3. Existe em uma Federação o anseio em descentralizar o poder?


Sim, efetivamente há. A autonomia do Legislativo, Executivo e Judiciário de cada ente tem esse atributo. É uma autonomia relativa, quando municípios dependem excessivamente da União.
O mesmo vale para o Estado. Mas é certo que existe essa prerrogativa descentralizadora com suas respectivas funções.

4. O que é pobreza e quais as formas de medi-la?

A pobreza é carência de bens materiais e simbólicos em relação à sociedade na qual se está inserido. Existem diferentes formas de reconhecer a pobreza. A mais usual é a utilizada pela
Organização das Nações Unidas de uma renda inferior abaixo de um dólar por dia per capita. Outras formas consideram a pobreza relativa, em relação ao acesso aos serviços básicos
e formação.

5. O termo “em situação de pobreza” substituiu a antiga denominação “ser pobre”. Elabore a razão de tal mudança
na forma de exprimir.
O termo "ser pobre" designa condição inexorável de pobreza. "Em situação de pobreza" assume-se a transição de uma condição, e não um estado existencial.

RODA DE LEITURA

Texto I da Europa. E os americanos se consideram como o


lugar próprio para ser cadinho. O professor visitante
A seguir, leia um trecho da entrevista que Milton Santos, pode ficar por 6 meses ou por um ano. Enquanto isso
importante geógrafo brasileiro falecido em 2001, conce- se satisfazem alguns estudantes, alguns grupos.
deu à revista Democracia viva.
Revista Democracia viva.
Temos tudo para construir uma nova sociedade Entrevista com Milton Santos. Disponível em: issuu.com/
ibase/docs/milton_santos. Acesso em: 25 maio 2016.
DV: Mas a Geografia, se eu bem entendo seu pensa-
mento, é um produto, não é bem um ponto de partida. Texto II
É um produto humano.
Milton Santos: Sempre que vê uma política, ela [a O artigo a seguir, de Rogerio Haesbaert, de 2015, abor-
Geografia] propõe ideias que são difundidas, que per- da a questão da imobilidade contemporânea em nossas
mitem ação. A política também é isso. E aí a geopolítica grandes áreas metropolitanas, sobretudo a da cidade do
antes cita o trabalho dos estatísticos e dos mercadores, Rio de Janeiro, a partir dos projetos voltados para suas
hoje financistas, não é? E só que não havia as condições áreas faveladas. Discute-se a concepção de contenção
para uma conquista global do mundo. Inclusive, a base territorial a partir da análise de dispositivos territoriais de
do imperialismo é a não homogeneização. controle desigual da mobilidade, em especial os muros.
Você pode ter um império muito na frente dos outros
do ponto de vista tecnológico, financeiro e comercial, e Sobre as imobilidades do nosso tempo (e das
que convive com os outros impérios. O Império Ameri- nossas cidades)
cano é o primeiro que decide sozinho se vai comandar
o mundo. Isso resulta de condições históricas novas. [...] a segurança e as técnicas territoriais de con-
tenção daqueles cuja mobilidade é considerada
DV: É aristocracia? problemática e deve ser contida e/ou redirecionada
Milton Santos: Mas também plutocracia, porque a é hoje um elemento fundamental dos discursos para
824-3

gente se acostuma a ver o mundo acadêmico a partir legitimar as políticas de mobilidade urbana. Mas

38 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

é claro que seu contraponto, os mecanismos que, instrumento analítico relevante. E não apenas enquanto
inspirado em Telles [...] propus denominar de “contor- tecnologia de poder, como propõe Stuart Elden (2013),
namento territorial” [...], trazem à tona uma infinidade refletindo uma visão anglo-saxônica de território, defi-
de micropolíticas, mais ou menos espontâneas, que nido quase exclusivamente por sua funcionalidade. Ter-
representam formas muito diversificadas de reação ritório, no nosso entendimento, deve ser visto sempre
e/ou de resistência a esses processos hegemônicos em um sentido relacional, isto é, através dos processos
de contenção. de des-re-territorialização, em toda a complexidade das
Nesse sentido, a própria condição de “estar em relações de poder e imobilidades aí envolvidas.
trânsito”, de transitar por múltiplos territórios, de expe- Para nossas Geografias “latinas”, e em especial as
rimentar uma multiterritorialidade, pode ser subversora latino-americanas, o território incorpora sempre, além
em relação à ordem que se quer, ainda, disciplinada e/ da funcionalidade de relações de poder econômico-
ou “segura” – ou, nos termos de Agamben, em relação -estatais, um forte componente simbólico do poder.
à desordem que se quer regulada. Segundo este autor, Nossas mobilidades, assim como nossas fronteiras,
“enquanto o poder disciplinar isola e fecha territórios, nunca poderão ser lidas estritamente pelo viés da sua
as medidas de segurança conduzem a uma abertura e funcionalidade, especialmente no que se refere às
à globalização; enquanto a lei deseja prever e regular, táticas e estratégias de resistência – ou, como propus
a segurança intervém [concretamente] nos processos aqui, de contornamento – pois a luta por território, no
em curso a fim de dirigi-los. Em suma, a disciplina nosso caso, é sempre uma luta, ao mesmo tempo,
quer produzir a ordem, a segurança quer regular a pela sobrevivência material e pela efetiva expressão
desordem” [...]. Obviamente que transitar por múltiplos de nossos espaços vividos.
territórios pode ter um caráter amplamente integrado à
ordem hegemônica, como na multiterritorialidade sob
HAESBAERT, Rogério.
controle dos “globe-trotters” do sistema. A questão é
Disponível em: mercator.ufc.br/index.php/
quando esse trânsito está relacionado à precarização
mercator/article/view/1782/618.
de grupos subalternos, representativo muito mais de Acesso em: 2 maio 2016.
uma desterritorialização no sentido de perda de con-
trole territorial e, portanto, dotada de um elevado grau
de insegurança e imprevisibilidade. É o caso de muitos
migrantes e refugiados ou, no caso das grandes cidades
brasileiras, de moradores de comunidades faveladas Texto III
em momentos de conflito aberto de territorialidades.
Não é à toa, também, que frequentemente as reações Livro avalia conquistas e desafios do Bolsa
de protesto envolvem o uso de vias ou de meios de Família
circulação urbana, como a obstrução das vias e o
Implantado há mais de dez anos, o Programa Bolsa
incêndio de ônibus.
Família foi responsável por 15% a 20% da redução da
Todas essas tentativas de controle territorial via
desigualdade de renda no Brasil. Colaborou também
controle de fluxos nas sociedades ditas de seguran- para a queda na desigualdade entre estados e regiões
ça em que vivemos tornam-se assim extremamente do país (15%). A política de transferência de renda
complexas, na medida em que estratégias (ou táticas) ainda impulsionou a diminuição na taxa de extrema
semelhantes podem ser adotadas por sujeitos dife- pobreza (entre 2001 e 2011, passou de 8% para 4,7%
rentes e com objetivos distintos. Isso sem falar nas da população brasileira).
diversas técnicas utilizadas, que envolvem não apenas Esses e outros dados estão compilados no livro
dispositivos físicos mais evidentes, como os muros de Programa Bolsa Família – uma década de inclusão e
contenção, mas também mais sutis, como as câmeras cidadania, lançado nesta quarta-feira, 30, durante a
de vigilância. Mas este é um tema para outros desdo- cerimônia de celebração dos dez anos do programa,
no Museu da República, em Brasília. Os artigos reunidos
bramentos.
na publicação – uma parceria do Instituto de Pesquisa
Por fim, é importante ressaltar que em sociedades
Econômica Aplicada com o Ministério do Desenvolvi-
como a nossa, moldadas pelo biopoder e pela questão
mento Social e Combate à Fome – traçam um pano-
da insegurança, envolvendo as mais diversas formas de rama histórico da evolução do programa, resgatam as
824-3

mobilidade, o conceito de território continua sendo um

POLISABER 39
GEOGRAFIA GERAL aulas 10 e 11

principais contribuições do Bolsa Família (PBF) para as Efeitos do Bolsa Família após 10 anos
políticas de assistência social e apresentam análises Disponível em: youtube.com/watch?v=Heo8ElWb6oU.
sobre seu impacto nos indicadores de saúde, educação Acesso em: 2 maio 2016.
e proteção social e na redução da pobreza. [...] O documentário trata dos efeitos do programa Bolsa
Família no cotidiano dos que recebem esse apoio. São
Ipea. relatos desses cidadãos.
Disponível em: ipea.gov.br/portal/index.
php?option=com_acymailing&ctrl=archive&task=vie
Beneficiários – Histórias de vida do Bolsa Família
w&listid=10-avisos-de-pauta&mailid=664-livro-avalia-
Disponível em: youtube.com/watch?v=UWpG6k5gXgc.
conquistas-e-desafios-do-bolsa-familia&Itemid=390.
Acesso em: 2 maio 2016.
Acesso em: 2 maio 2016.
Um documentário que também recolhe histórias de cida-
Obs.: O livro do Ipea sobre o programa Bolsa Família dãos que utilizam as benesses do programa Bolsa Família.
está disponível no site do instituto: ipea.gov.br/portal/ima-
ges/stories/PDFs/livros/livros/livro_bolsafamilia_10anos.
pdf. Acesso em: 2 maio 2016.
ÁGORA

Max Horkheimer, em seu livro Eclipse da razão (1976,


NAVEGAR p. 36), apresenta a seguinte afirmação:

Destituído do seu fundamento racional, o princípio


Vídeos democrático torna-se exclusivamente dependente dos
chamados interesses do povo, e estes são funções das
Entrevista com o geógrafo David Harvey – Espaço
forças econômicas cegas ou mais do que conscientes.
Público – TV Brasil
Não oferecem quaisquer garantias contra a tirania [...]
Disponível em: youtube.com/watch?v=ck2Yzq0B60g.
no período do sistema de livre mercado, por exemplo, as
Acesso em: 3 maio 2016.
instituições baseadas na ideia dos direitos humanos fo-
O geógrafo David Harvey, nessa entrevista, trata sobre
ram aceitas por muita gente como um bom instrumento
a crise mundial e a crise financeira de capitais e os de controle de governo e da manutenção da paz. Mas
impactos das finanças no Brasil, a partir de uma leitura se a situação muda, se poderosos grupos econômicos
marxista. acham útil estabelecer uma ditadura e abolir a regra
da maioria, nenhuma objeção fundada na razão pode
Palestra de Christian Dunker se opor à sua ação.
Disponível em: youtube.com/watch?v=u4rKtuCAHJM.
Acesso em: 3 maio 2016. Nesse contexto, qual o lugar da democracia em um
O psicanalista Christian Dunker trata do isolamento dos sistema de livre mercado?
condomínios, a diferenciação social e a necessidade de
consumo em uma sociedade capitalista, que resultaram
no sofrimento das pessoas pela ausência de reconhe-
cimento coletivo. Essa perspectiva é levada a diversas
escalas, especialmente pensando no Brasil.

Aula de Direito Constitucional – Organização do Es-


tado e a federação brasileira
Disponível em: youtube.com/watch?v=iEFaPvwPkBY.
Acesso em: 12 maio 2016.
Aqui se entende a atribuição dos entes federativos e sua
constituição como República Federativa. Nesse vídeo,
a professora que ministra a aula diferencia a forma de
824-3

Estado e a forma de governo.

40 POLISABER
aulas 10 e 11 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A

No mundo no qual podemos agir, temos efetivamente outro olhar diante das pessoas que não se en-
caixam em um modelo rigoroso de machismo, homofobia e racismo?
824-3

POLISABER 41
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA GERAL GERAL
gabarito– GABARITO

Aulas 8 e 9 Aulas 10 e 11

Estudo orientado Estudo orientado

1. e 1. Sim, efetivamente há. A autonomia do Legislativo,


Executivo e Judiciário de cada ente tem esse atri-
2. d buto. É uma autonomia relativa, quando municípios
dependem excessivamente da União. O mesmo
vale para o Estado. Mas é certo que existe essa
3. a
prerrogativa descentralizadora com suas respecti-
vas funções.
4. c

2. A pobreza é carência de bens materiais e simbóli-


5. c
cos em relação à sociedade na qual se está inseri-
do. Existem diferentes formas de reconhecer a po-
6. c breza. A mais usual é a utilizada pela Organização
das Nações Unidas de uma renda inferior abaixo de
7. d um dólar por dia per capita. Outras formas conside-
ram a pobreza relativa, em relação ao acesso aos
8. d serviços básicos e formação.

9. b 3. O termo "ser pobre" designa condição inexorável


de pobreza. "Em situação de pobreza" assume-se a
transição de uma condição, e não um estado exis-
10. d
tencial.

11. a
4. Os movimentos são importantes em fazer visíveis
demandas coletivas. São organizados e, por isso,
12. e
são visíveis. De certo modo, nem sempre conquis-
tam suas demandas, mas certamente dão força aos
13. d debates que giram sobre as pautas de propostas.

14. b 5. Se o vigor da democracia está na participação de


cidadãos ativos no destino coletivo, os movimentos
15. a sociais são protagonistas de mudanças ligadas às
demandas de grupos. Fortes democracias são fei-
16. c tas de fortes cidadãos. Geralmente, movimentos
sociais têm em seu âmbito pessoas dispostas a
realizar uma conduta civil ativa, dando força e for-
ma à democracia.
824-3

42 POLISABER
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 3

Aulas 8 e 9 III. Incorreta. A transferência foi de “muito baixo” para


“médio” e “alto”.
EXERCÍCIOS
2. c
I e III. Corretas.
1. a
II. Incorreta. Não buscam instaurar o socialismo.
Os textos levam ao entendimento de que a fome é
IV. Incorreta. Destruir o poder do Estado-nação não
resultado do baixo poder aquisitivo da população.
faz parte do objetivo desses movimentos sociais.

2. a
O crescimento das áreas periféricas é provocado 3. O Brasil é uma república porque adota o regime de
pelo incremento populacional e pela intensificação governo republicano, no caso o presidencialista, no
da especulação imobiliária. qual o presidente é chefe de governo e chefe de
Estado. É também uma Federação, pois o Estado bra-
3. c
sileiro é composto por regiões denominadas esta-
Os sistemas de produção classificados como inten-
dos, como São Paulo e Paraná, entre outros, que es-
sivos são caracterizados por técnicas modernas e
tão unidos por um governo central (governo federal).
mão de obra especializada.

4. As políticas públicas mais comuns adotadas pelos


Aulas 10 e 11 municípios envolvem saúde, educação, habitação e
transporte.
EXERCÍCIOS
5. Nos estados, são mais comuns políticas públicas de
1. d habitação, transporte e segurança.
I e IV. Corretas.
II. Incorreta. Municípios das regiões Norte e Nordeste 6. O governo federal desenvolve, entre outras, políti-
foram classificados na categoria “Baixo”. cas de educação, trabalho, habitação e saúde.

POLISABER 43
STOCKPHOTOS

Geografia da população
e os indivíduos em circulação

GEOGRAFIA GERAL 4
GEOGRAFIA GERAL – AULA 12

A presença do homem em qualquer lugar é, portanto,


essencialmente transitória e inconstante. É o resultado
de uma dupla evolução: um desenvolvimento in situ e
inúmeros deslocamentos.
STOCKPHOTOS

Geografia da população, de Jacqueline Beaujeu-Garnier.

O crescimento populacional é, antes de tudo, função de fatores demográficos que fazem parte do campo da geografia
da população: casamentos, natalidade, doenças, mortalidade, composição da idade e do sexo não são apenas acidentais.

BEAUJEU-GARNIER, Jacqueline.
Geografia da população. São Paulo: Edusp, 1971. p. 384.

VILLY CREUZ; SÃO PAULO, JANEIRO DE 2015.


824-4

0016

Movimentos e deslocamentos: pessoas coexistindo na cidade.

2 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

População mundial e A taxa de mortalidade é expressa pelo número


explosão demográfica de óbitos multiplicado por mil e dividido pelo nú-
mero da população total:
A imagem da página anterior é de uma das mais
densamente povoadas cidades do globo: São Paulo. N−° de óbitos × 1 000
Trata-se de uma cidade que tem cerca de 12 milhões População total
de habitantes, e sua Região Metropolitana, aproxima-
damente 20 milhões. Essa taxa ilustra a expectativa de vida ao nascer e,
Os números isolados, por mais impactantes que assim, identifica o perfil socioeconômico de cada país.
sejam, não tratam dos fenômenos: o que fazem seus Portanto, se a taxa de mortalidade é alta, resulta na
habitantes, como se organizam, como trabalham, como redução da expectativa de vida, sendo essa uma ca-
se deslocam, quem divide o trabalho, como atuam poli- racterística de um país subdesenvolvido, mas, se o país
ticamente? Essas perguntas são próprias da Geografia apresenta uma taxa baixa, pressupõe-se que ele oferece
e de suas áreas afins. maior qualidade de vida para seus habitantes, sendo
Em geral, números são indicadores, resultados de essa, assim, uma característica de um país desenvolvido.
estatísticas sistematizadas. A demografia produz alguns A taxa de natalidade é expressa pelo número de nas-
desses indicadores. cimentos multiplicado por mil e dividido pelo número
da população total:

Qual o significado de N−° de nascimentos × 1 000


População total
demografia?
Sua variação também identifica o perfil socioeconô-
Demo (população) e grafia (estudo). No sentido formal,
mico dos países estudados, ou seja, se o país apresenta
portanto, a demografia é a ciência que investiga as popu-
uma taxa de natalidade alta, sabemos que estamos
lações humanas (em aspectos como natalidade, produção
falando de um país subdesenvolvido, mas, se for baixa,
econômica, migração, distribuição étnica etc.) sob uma
ilustra as características de um país desenvolvido.
perspectiva quantitativa.
O desenvolvimento do capitalismo desencadeou
Desse modo, a Geografia se interessa pela demografia
um grande fluxo migratório, tornando a migração
por se tratar de uma área que produz indicadores ou por
apresentar indicadores das dinâmicas dos territórios. Os mais um componente das dinâmicas populacionais.
estudos de população são incorporados por uma área da A migração tem um caráter estratégico no desven-
Geografia denominada Geografia da população. damento da relação entre a dinâmica populacional e
Mas atenção: a Geografia bebe das fontes da demo- o processo de acumulação de capital, para além da
grafia, porém não se confunde com ela. A demografia concepção de crescimento natural.
oferece indicadores importantes e necessários à análise Em análise do fluxo migratório presente nos países da
do território. Os resultados de seus trabalhos não siste- Europa e América Latina, autores como Pierre George
matizam a análise da Geografia. definem migração muito além de apenas deslocação
humana, mas como irradiação geográfica de um sistema
econômico e estrutura social.
Indicadores – Geografia da população
DAMIANI, Amélia Luisa.
A dinâmica populacional é composta de elemen- População e geografia.
tos como natalidade, mortalidade e migração da 9. ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 30-60.
população. Adaptado pelo autor.
A partir do estudo e comparação desses dados, é
possível traçar um perfil qualitativo comportamental
A demografia está relacionada à estatística e à mate-
da população, como a relação entre o aumento do
mática. A Geografia contribui com os fenômenos sociais
824-4

nível de escolaridade e a redução do número de filhos.


que serão analisados.

POLISABER 3
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Para levar em consideração: a taxa de crescimento Após uma rápida leitura dos indicadores, percebe-se
vegetativo ou natural corresponde à diferença entre que a população mundial levou mais de 1 600 anos para
nascimentos e óbitos em uma população, em um dado duplicar o seu tamanho e, depois, mais 200 anos para
período. Se o saldo for positivo, há mais nascimentos que dobrar novamente.
mortes. Se o saldo for negativo, ocorre o inverso. A civilização humana continuou a apresentar cresci-
O termo explosão demográfica refere-se ao crescimen- mento elevado, em especial, quando saltou de 2,5 bilhões
to elevado da população do mundo ou de determinado para 5 bilhões em 37 anos.
território ou região. O termo “explosão demográfica” nasce desse boom
do crescimento vegetativo da população mundial. Em
alguns países esse movimento foi mais acentuado que
em outros.
Um retorno à progressão de Com isso, observou-se certo alarmismo de alguns go-
habitantes no planeta vernos, dos analistas e da população. A principal preocu-
pação se referia à disponibilidade de espaços e recursos
para abrigar toda essa massa de pessoas, bem como os
Estimou-se, há aproximadamente 2 mil anos, que o nú- impactos ambientais causados pelo “excesso de gente”
mero de indivíduos no planeta não superaria 250 milhões. no mundo. Entretanto, esse alarmismo demonstrou-se
—— em 1650, esse número saltou para 500 milhões; deslocado.
—— em 1850, o planeta abrigou 1 bilhão de pessoas; Há um inspirador discurso feito pelo escritor colombia-
—— em 1950, 2,5 bilhões; no Gabriel García Márquez quando ele recebeu o prêmio
—— em 1987, 5 bilhões e; Nobel de Literatura, que trata, em especial, da vida e de
—— em 2010, quase 7 bilhões de pessoas. sua reprodução em países pobres. Veja o texto a seguir:

Veja o gráfico e a tabela a seguir:


Antonio Pigafetta, navegador florentino que acom-
Progressão estimada de habitantes no planeta no panhou Magalhães na primeira viagem em volta do
decorrer da história civilizatória ocidental (do ano
mundo, escreveu, na ocasião de sua passagem pelas
1 d.C. ao ano 2010 d.C.)
terras do Sul de nossa América, um relato minuciosa-
Em 2010: mente apurado, mas que na verdade parece mais um
7000000000 delírio fantasioso.
Em 1987:
Nessa viagem, ele diz que viu porcos com umbigos nas
5000000000 ancas, pássaros sem garras cujas fêmeas botavam os
Em 1650: ovos nas costas de seus parceiros, e ainda outros, lem-
500000000
Em 1950: brando pelicanos deslinguados, com bicos feito colheres.
2500000000
Em 1: Ele disse ter visto uma criatura desengonçada, com
250000000
Em 1850: cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo e pernas
1000000000
de veado, que relinchava como cavalo. Descreveu como
Fonte: Elaborado pelo autor. o primeiro nativo encontrado na Patagônia se olhou no
espelho, e, em seguida, o impassível gigante perdeu a
Habitantes no planeta razão, aterrorizado com sua própria imagem.
Anos / época (d.C.)
(estimativa) Esse curto e fascinante livro, que já naquela época
1 d.C. 250 000 000 continha as sementes de nossos atuais romances, é
sem dúvida o mais pungente relato da realidade nossa
1650 500 000 000
daquele tempo.
1850 1 000 000 000 Os cronistas das Índias nos deixaram outros incon-
1950 2 500 000 000 táveis relatos. Eldorado, nossa terra ilusória e tão avi-
damente procurada, apareceu em numerosos mapas
1987 5 000 000 000
durante anos, deslocando-se de lugar e de forma de
2010 7 000 000 000 acordo com a fantasia dos cartógrafos.
824-4

Fonte: Elaborada pelo autor.

4 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

Em sua procura pela fonte da eterna juventude, o Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um
mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca explorou o norte prometeico presidente, entrincheirado em seu palácio
do México por oito anos, numa iludida expedição cujos em chamas, morreu lutando contra um exército inteiro,
membros devoraram uns aos outros e, dos seiscentos sozinho; e dois suspeitos acidentes de avião, ainda por
que foram, apenas cinco voltaram. explicar, abreviaram a vida de um grande presidente
Um dos muitos mistérios inimagináveis daquela e a de um militar democrata que tinha ressuscitado a
época é o das onze mil mulas, cada uma carregando dignidade de seu povo.
cinquenta quilos de ouro, que um dia deixaram Cuzco Já ocorreram cinco guerras e dezessete golpes mili-
para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram tares; surgiu um diabólico ditador que está realizando
ao seu destino. Depois disso, no tempo das colônias, em nome de Deus o primeiro etnocídio da América
galinhas vendidas em Cartagena de Índias eram cria- Latina de nosso tempo. Nesse ínterim, 20 milhões de
das em terrenos de aluviões e em suas moelas eram crianças latino-americanas morreram antes de com-
encontradas pequenas pepitas de ouro. pletar um ano de vida – mais do que as que nasceram
A cobiça de ouro de nossos fundadores nos perse- na Europa desde 1970.
guiu até recentemente. No fim do último século [XIX], Os desaparecidos pela repressão chegam a quase
uma missão alemã, indicada para estudar a construção 220 mil. É como se ninguém soubesse onde foi parar a
de uma ferrovia interoceânica, através do istmo do população inteira de Uppsala. Várias mulheres presas
Panamá, concluiu que o projeto era viável com uma
grávidas deram à luz nas prisões argentinas, e ainda
condição: que os trilhos não fossem feitos com aço,
ninguém sabe do paradeiro e da identidade de seus
que era raro na região, mas com ouro.
filhos, que foram furtivamente adotados ou enviados
Nossa independência da dominação dos espanhóis
para orfanatos por ordem das autoridades militares.
não nos pôs fora do alcance da loucura. O general An-
Porque tentaram mudar esta situação, quase 200 mil
tonio López de Santana, três vezes ditador do México,
homens e mulheres morreram em todo o continente, e
providenciou um magnífico funeral para a perna direita
mais de cem mil perderam suas vidas em três pequenos
que ele perdera na chamada Guerra dos Pastéis. O ge-
e malfadados países da América Central: Nicarágua, El
neral Gabriel García Moreno governou o Equador por
Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos,
16 anos como um monarca absoluto; em seu velório,
seria o equivalente a um milhão e seiscentos mil mortes
o corpo ficou sentado na cadeira presidencial, vestido
violentas em quatro anos.
com o uniforme completo e decorado com uma camada
Um milhão de pessoas abandonaram o Chile, um
protetora de medalhas.
país com tradição de hospitalidade – ou seja, doze por
O general Maximiliano Hernández Martínez, o dés-
cento da população. O Uruguai, pequenina nação de
pota teosófico de El Salvador, que teve na sua cota
30 mil camponeses aniquilados num massacre selva- dois milhões e meio de habitantes, que se considerava
gem, inventou um pêndulo para detectar veneno em o país mais civilizado do continente, perdeu para o exílio
sua comida, e mantinha as lâmpadas das ruas envolvi- um em cada cinco de seus cidadãos.
das em papel vermelho para vencer uma epidemia de Desde 1979, a guerra civil de El Salvador vem produ-
escarlatina. A estátua do general Francisco Morazán, zindo quase um refugiado a cada vinte minutos. O país
na praça principal de Tegucigalpa, é na verdade do que se poderia criar com todos os exilados e emigrantes
marechal Ney, comprada num depósito de esculturas forçados da América Latina teria uma população maior
de segunda mão em Paris. que a da Noruega.
Onze anos atrás [1971], o chileno Pablo Neruda, um Ouso dizer que é essa desproporcional realidade,
dos brilhantes poetas de nosso tempo, iluminou este e não apenas sua expressão literária, que mereceu a
público com suas palavras. Desde então, os europeus atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade
de boa vontade – e às vezes aqueles de má vontade não de papel, mas que vive dentro de nós e determi-
também – têm sido arrebatados, com cada vez mais na cada instante de nossas incontáveis mortes de
força, pelas novidades fantásticas da América Latina, todos os dias, e que nutre uma fonte de criatividade
esse reino sem fronteiras de homens alucinados e mu- insaciável, cheia de tristeza e beleza, da qual este
lheres históricas, cuja infinita obstinação se confunde errante e nostálgico colombiano não passa de mais
com a lenda.
824-4

um, escolhido pelo acaso.

POLISABER 5
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e que sua busca por independência e originalidade deva
canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade, se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a
temos pedido muito pouco da imaginação, porque nos- expansão marítima que estreitou essa distância entre
so problema crucial tem sido a falta de meios concretos nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter
para tornar nossas vidas mais reais. Este, meus amigos, acentuado nosso distanciamento cultural.
é o cerne da nossa solidão. Por que a originalidade nos foi agraciada tão pron-
E se estas dificuldades, cuja essência compartilha- tamente na literatura e tão desconfiadamente nos foi
mos, nos atrasam, é compreensível que os talentos negada em nossas difíceis tentativas de mudanças
racionais desta parte do mundo, exaltados na contem- sociais? Por que pensar que a justiça social perseguida
plação de sua própria cultura, se encontrem sem meios pelos europeus progressistas aos seus próprios países
apropriados de nos interpretar. não pode ser um objetivo da América Latina, com mé-
É simplesmente natural que eles insistam em nos todos diferentes em condições desiguais?
medir com o mesmo bastão que medem a si mesmos, Não: as incomensuráveis violência e dor de nossa
se esquecendo de que as intempéries da vida não história são o resultado de antigas iniquidades e amar-
são as mesmas para todos, e que a busca pela nossa guras caladas, e não uma conspiração tramada a três
própria identidade é tão árdua e sangrenta para nós mil léguas de nossa casa.
quanto foi para eles. Mas muitos líderes e intelectuais europeus têm pen-
A interpretação de nossa realidade em cima de pa- sado assim, com a infantilidade de seus antepassados
drões que não são os nossos serve apenas para nos que se esqueceram do proveitoso excesso de sua
tornar ainda mais desconhecidos, ainda menos livres, juventude, como se fosse impossível chegar a outro
ainda mais solitários. destino que não o de viver entre a cruz e a espada.
A venerável Europa talvez pudesse ser mais per- Esse, meus amigos, é o tamanho exato de nossa solidão.
ceptiva se tentasse nos ver em seu próprio passado. Apesar disso, à opressão, ao saque e abandono, res-
Se ela recordasse simplesmente que Londres levou pondemos com vida. Nem enchentes nem pragas, nem
300 anos para construir seu primeiro muro, e mais 300 fome nem cataclismos, nem mesmo as eternas guerras,
para ter um bispo; que Roma labutou numa penumbra séculos após séculos, foram capazes de subjugar a
de incertezas por 20 séculos, até que um rei etrusco persistente vantagem que a vida tem sobre a morte.
a fizesse entrar para a história; e que a pacífica Suíça Uma vantagem que cresce e acelera: todo ano, há 74
de hoje, que nos deleita com seus queijos e impávidos milhões de nascimentos a mais do que mortes, número
relógios, derramou o sangue da Europa como soldados suficiente de novas vidas para multiplicar, a cada ano,
mercenários, no final do século XVI. Mesmo no alto da a população de Nova York sete vezes.
Renascença, 12 mil lansquenetes pagos pelo exército A maioria desses nascimentos ocorre em países
imperial saquearam e devastaram Roma e trespassa- de menos recursos – incluindo, claro, os da América
ram oito mil de seus habitantes na espada. Latina. Contraditoriamente, os países mais prósperos
Não quero incorporar as ilusões de Tonio Kröger, cujos se realizaram acumulando poderes de destruição, com
sonhos de unir um casto norte a um sul apaixonado força o bastante para aniquilar, num total de cem vezes,
foram exaltados aqui, há 53 anos, por Thomas Mann. não apenas todos os seres humanos que já existiram
Mas realmente acredito que aqueles europeus escla- até hoje, mas também todos os seres vivos que um dia
recidos que lutaram, inclusive aqui, por um lar mais respiraram neste planeta infeliz.
justo e humano pudessem nos ajudar muito melhor se Em um dia como hoje, meu mestre William Faulkner
reconsiderassem sua maneira de nos ver. disse: “Eu me recuso a aceitar o fim da humanidade”. Não
A solidariedade com nossos sonhos não vai nos fazer seria digno de mim estar num lugar em que ele esteve
menos solitários, enquanto isso não for traduzido em se eu não tivesse plena consciência de que a tragédia
atos concretos de apoio legítimo às pessoas que aceitam colossal que ele se recusou a reconhecer, 32 anos atrás,
a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo. é agora, pela primeira vez desde o começo da humani-
A América Latina não quer, nem tem qualquer razão dade, nada além de uma simples possibilidade científica.
para querer, ser massa de manobra sem vontade Cara a cara com esta realidade horrenda que pode
própria; nem é meramente um pensamento desejoso ter parecido uma mera utopia em toda a existência
824-4

6 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

humana, nós, os inventores das fábulas, que acreditamos em qualquer coisa, nos sentimos inclinados a acreditar que
ainda não é tarde demais para nos engajarmos na criação da utopia oposta.
Uma nova e avassaladora utopia da vida, onde ninguém será capaz de decidir como os outros morrerão, onde o amor
provará que a verdade e a felicidade serão possíveis, e onde as raças condenadas a cem anos de solidão terão, finalmente
e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a Terra.

MÁRQUEZ, Gabriel García.


Discurso de aceitação do Prêmio Nobel, em 1982.

Passados quase trinta anos desse formidável retrato histórico da nossa gênese social, houve uma mudança na
estrutura da composição demográfica da população, mas será que houve uma alteração na forma como vivemos em
nossas sociedades latino-americanas?
O que se percebe, atualmente, é uma tendência à redução do crescimento vegetativo da população no planeta. Por
essa razão, alguns autores não utilizam mais o termo “explosão demográfica” para definir o alto crescimento da popu-
lação ao longo do século XX, mas sim “transição demográfica”, pois esse foi um período em que a queda nas taxas de
mortalidade não foi acompanhada pela queda nas taxas de natalidade, o que só está ocorrendo agora.
Todavia, não deixamos de crescer. Há, em certos casos, um crescimento vegetativo negativo, em especial, em alguns
países do continente europeu, mas o número de pessoas no mundo continua a aumentar. A estimativa de organismos
internacionais é de que seguirá em crescimento.

Resultado e projeção da população total em milhares (mundo e continentes)


Partes
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030
do globo
Mundo 2  525  149 3  018  344 3  682  488 4  439  632 5  309  668 6  126  622 6  929  725 7  758  157 8  500  766
África 228  902 284  887 365  626 477  695 631  614 814  063 1  044  107 1  340  103 1  679  301
Ásia 1  394  018 1  686  698 2  120  430 2  625  584 3  202  475 3  714  470 4  169  860 4  598  426 4  922  830
Europa 549  089 605  619 657  221 693  859 721  086 726  407 735  395 739  725 733  929
América
Latina e 168  844 221  190 288  494 365  035 446  889 526  890 599  823 666  502 721  067
Caribe
América
171  615 204  167 231  029 254  217 280  633 313  724 344  129 371  269 396  278
do Norte
Oceania 12  682 15  784 19  688 22  972 26  971 31  068 36  411 42  131 47  361
Partes
2030 2040 2045 2050 2060 2070 2080 2090 2100
do globo
Mundo 8  500  766 9  157  234 9  453  892 9  725  148 10  184  290 10  547  989 10  836  635 11  055  270 11  213  317
África 1  679  301 2  063  030 2  267  856 2  477  536 2  902  500 3  321  968 3  719  492 4  078  374 4  386  591
Ásia 4  922  830 5  143  850 5  218  033 5  266  848 5  290  030 5  237  953 5  140  834 5  017  487 4  888  653
Europa 733  929 721  355 714  355 706  793 689  029 671  372 659  399 652  175 645  577
América
Latina e 721  067 760  484 774  305 784  247 792  959 787  631 771  201 747  781 721  224
Caribe
América
396  278 416  364 424  930 433  114 449  146 464  959 478  681 490  113 500  143
do Norte
Oceania 47  361 52  150 54  413 56  609 60  626 64  106 67  028 69  340 71  129
824-4

Fonte: esa.un.org/unpd/wpp/DataQuery/. Acesso em: maio 2016. Adaptada pelo autor.

POLISABER 7
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Esse alto índice de crescimento da população nos últimos dois séculos deveu-se principalmente aos processos de
revoluções industriais, quando a maior parte da população passou a morar nas cidades.
Contudo, em um primeiro momento, a maior parte das populações das cidades em países desenvolvidos vivia em
condições precárias, o que contribuía para os elevados índices de taxas de mortalidade. Como a redução dessa mor-
talidade só veio a ocorrer no século XX, observou-se, então, um aumento sem precedentes da população, o que pode
ser considerado algo momentâneo. Vale lembrar que esse mesmo processo está em ocorrência nos países subdesen-
volvidos, de maneira tardia.
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que, em 2050, a população mundial atingirá 9,2 bilhões
de pessoas, um crescimento pouco maior que 30% em relação a 2010. Ou seja, considerando que a população dobrou
(cresceu 100%) em 37 anos durante o século XX, percebe-se que a tendência agora não é mais a mesma.
Mesmo com o crescimento menor da população nos próximos anos, ainda existe certo alarmismo no que diz respeito
à disponibilidade de recursos e condições para a manutenção desse contingente de pessoas.
É preciso lembrar que os avanços tecnológicos continuam acontecendo e, principalmente, que o grande problema dos
casos de fome e de falta de recursos no mundo não está na quantidade de riquezas disponíveis, mas na distribuição e,
sobretudo, nas escolhas políticas dos Estados e das empresas.

O Brasil: um lugar do mundo

VILLY CREUZ. SÃO PAULO, SETEMBRO DE 2014.

Paisagem da cidade de São Paulo.


824-4

8 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

O Brasil apresenta uma situação geográfica bastante À medida que os países vão se “desenvolvendo”, o
expressiva, propícia para falarmos sobre dinâmicas formato de pirâmide tende a se desfazer, indicando uma
vegetativas. queda nas taxas de natalidade e de mortalidade. Em ou-
tras palavras, conforme um país se “desenvolve” ou deixa
Entre 1940 e 1996 a população brasileira cresceu de permitir que sua população padeça sem hospitais ou
cerca de quatro vezes, passando de 41 236 315 para saneamento ambiental, ela vai ficando mais idosa.
151 079 573. As regiões Norte e Centro-Oeste aumen-
taram progressivamente sua participação no total Esperança de vida no Brasil
nacional, do qual a primeira representava 3,9% em (de 2000 a 2015)
1940, 4,4% em 1970 e 7,2% em 1996, e a segunda Ano Idade
significava 2,7%, 4,9%, e 6,7% nesses mesmos anos.
2000 69,83
Essa participação relativa diminuiu no Nordeste, que
passava de 35% em 1940 para 28,5% em 1996, e no 2001 70,28
Sudeste, ao qual corresponde 44,5% em 1940 e 42,7%
2002 70,73
em 1996. Já o Sul passa de 13,9% para cerca de 15%
em 1996. Trata-se, de modo geral, de um processo de 2003 71,16
interiorização do povoamento. 2004 71,58
Em números brutos, a evolução demográfica é posi-
2005 71,99
tiva em todas as regiões do país. Entre 1940 e 1991, a
população brasileira mostra uma taxa de crescimento 2006 72,39
de superior a 25% em cada decênio.
2007 72,77

SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. 2008 73,15


O Brasil: território e sociedade no início do século XXI.
2009 73,51
Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 200.
2010 73,86
As dinâmicas das populações são causa e consequên- 2011 74,2
cia da organização do espaço. Se mais serviços de saúde
2012 74,52
forem implementados, se mais assistência a doenças
crônicas for prestada à população, se maiores atenções 2013 74,84
básicas forem dadas ao meio construído, como sanea-
2014 75,14
mento ambiental, e se o acesso à instrução e à formação
da população for oferecido, certamente haverá uma nova 2015 75,44
dinâmica quanto ao crescimento vegetativo. Fonte: brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/esperancas-de-
De acordo com dados publicados pelo Instituto Bra- vida-ao-nascer.html. Acesso em: maio 2016.

sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve redução


do contingente das crianças e dos adolescentes no país No Brasil, seguindo o que ocorreu outrora com os paí-
nos últimos anos. ses centrais ou desenvolvidos e acompanhando nações
O estreitamento significativo ocorrido na base da pirâ- emergentes (como México, Rússia e África do Sul), a base
mide aponta para a redução do contingente das crianças da pirâmide populacional vem diminuindo, enquanto a
e dos adolescentes de até 19 anos de idade. Enquanto, em porção superior vem se alargando, indicando a queda na
1999, a proporção desse grupo na população total era de taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida
40,1%, em 2009, essa participação diminuiu para 32,8%. da população do país.
De fato, a esperança média de vida no Brasil era,
em 2009, de 73,1 anos de idade. A vida média, de 1999
A pirâmide etária é um gráfico utilizado para
para 2009, obteve um incremento de 3,1 anos, com as
identificar a população de um dado país ou região,
mulheres em situação bem mais favorável que a dos
agrupando os habitantes em faixas de idade e
homens (73,9 para 77,0 anos, no caso das mulheres, e
dividindo-os por gênero.
66,3 para 69,4 anos, para os homens).
824-4

POLISABER 9
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Pirâmide etária brasileira (1980) Pirâmide etária brasileira (2010)

80- 80-
75-79 75-79
70-74 70-74
65-69 65-69
60-64 60-64
55-59 55-59
50-54 50-54
45-49 45-49
40-44 40-44
35-39 35-39
30-34 30-34
25-29 25-29
20-24 20-24
15-19 15-19
10-14 10-14
5-9 5-9
0-4 0-4
homens mulheres homens mulheres
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo
Demográfico de 1980, 1991, 2000 e 2010 e Contagem da População 1996.
Pirâmide etária brasileira (1990)

80-
Houve, do mesmo modo, um considerável incremento
75-79 da população idosa de 70 anos ou mais de idade. Em
70-74 1999, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
65-69
(Pnad) apontava um total de 6,4 milhões de pessoas
60-64
55-59 nessa faixa etária (3,9% da população total), enquanto
50-54 em 2009 a população atingiu um efetivo de 9,7 milhões
45-49 de idosos, correspondendo a 5,1%.1
40-44
A comparação do número de anos que uma pessoa
35-39
30-34 esperaria viver – indicador muito utilizado para verificar
25-29 o nível de desenvolvimento dos países – mostra que
20-24
as pessoas que nascem na América do Norte têm a
15-19
10-14 possibilidade de viver pelo menos até os 79,7 anos de
5-9 idade, enquanto aquelas que nascem na África têm uma
0-4 expectativa de vida de apenas 55,0 anos, o que acarreta
homens mulheres
uma diferença de quase 25 anos.
Segundo estimativas das Nações Unidas, o brasileiro
Pirâmide etária brasileira (2000) apresenta em torno de 72,9 anos de esperança de vida.2

80-
75-79
70-74
Qual a relação entre a idade média
65-69
60-64 das populações e o cofre dos
55-59 Estados?
50-54
45-49
40-44 Não é benéfico para qualquer país ser muito jovem ou,
35-39 muito menos, ser muito idoso. Se a população é muito
30-34 nova, isso significa um dispêndio do Estado quanto ao
25-29
custo de escolarização e saúde preventiva (vacinação).
20-24
15-19 Já se a população é idosa, isso significa um maior custo
10-14
5-9 1
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais:
0-4 uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
824-4

p. 28.
homens mulheres 2
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, op. cit., p. 33.

10 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

de previdência social e de gastos ligados ao tratamento Mas o que significa viver melhor? Em linhas gerais, viver
de doenças crônicas. melhor é ter acesso garantido aos bens universais: saú-
A maior parte da população economicamente ativa de, educação, cidadania, liberdade, alimentação, cultura,
(PEA) brasileira está situada em faixas intermediárias de
moradia, emprego e transporte.
idade. No Brasil, as taxas médias de fecundidade (número
de filhos por mulher) vêm declinando, como vimos. O termo bens universais foi criado por estudiosos
Nos dias correntes, o declínio das taxas de crescimento das áreas biológicas que afirmavam que, para a hu-
vegetativo e o aumento da expectativa de vida promovem manidade seguir existindo, era necessário o mínimo
uma acelerada transformação na composição etária da de bens, como a água, florestas, diversidade na fauna
população. e na flora, entre outros.
É correto afirmar que vem ocorrendo um aumento
da participação de pessoas em idade produtiva (15 a Cientistas sociais tomaram esse termo e o amplia-
59 anos) e dos idosos (60 anos ou mais), ao mesmo ram, ao considerar que a sociedade, para continuar a
tempo que vem diminuindo o número relativo de jovens existir, necessitaria também de um mínimo de bens uni-
entre 0 e 14 anos. versais, como cultura, liberdade, educação, saúde etc.
Tal mudança no comportamento demográfico permite
que as três esferas do Estado – municípios, estados e
União – estabeleçam planos de investimento público Quando tratamos sobre migração, vale ressaltar que nem
nas áreas de saúde e educação que tendem a ser mais sempre ela tem um viés negativo. Migrantes internacionais
favoráveis do que na década de 1970, por exemplo. que vão para outros países para estudar, ocupar vagas em
Assim, taxas de natalidade muito altas, por exemplo,
empresas etc. também são uma realidade no mundo atual.
diminuem a média de idade, sobrecarregando econo-
micamente a população adulta, fato que se intensifica
quando os investimentos em educação e saúde públicas Mas um migrante, afinal, pode
são baixos.
ser um cidadão de outro país?
Quando a população envelhece, com o aumento da
expectativa de vida, e ocorre a diminuição brusca das
taxas de natalidade, há novamente um sobrepeso sobre a Nesse caso, o debate será mais longo. Cada país tende
PEA, uma vez que são os impostos pagos por essa popu- a assumir certa postura diante dos fluxos internacionais
lação que manterão a previdência. Essa discussão, porém, de migrantes, a partir dos valores que tem e também
precisa ser permeada por um debate ético e, muitas das por meio de certas condições materiais de que dispõe.
vezes, torna-se um debate exclusivamente contábil.
Os fluxos populacionais, internos e internacionais, foram
Os aposentados já contribuíram para a previdência.
incrementados a partir do desenvolvimento dos sistemas de
Não lhes é nenhum favor concedido o pagamento digno
da aposentadoria. Isso significa dizer que seus direitos transporte (rodoviário, hidroviário, ferroviário e aéreo) e da
previdenciários não lhes pode ser negado. produção de sistemas de telecomunicações e de localiza-
É preciso encontrar sempre um ponto de equilíbrio ções. Todos esses conjuntos de objetos tendem a oferecer
entre o nível da população, que deve preferencialmente uma maior mobilidade potencial e relativa às pessoas.
se manter como adulta, ou seja, nem muito velha nem
muito jovem, como é o caso da população brasileira na Em primeiro lugar, a mobilidade depende da capa-
atualidade. cidade dos indivíduos para arcar com os custos dela.
Em segundo lugar, a mobilidade está atrelada à
maneira pela qual um indivíduo será recebido em
Fluxos migratórios globais outro Estado: será para vender sua força de trabalho
por meio de atividades que exigem força física ou
Por que as pessoas migram? Tranquilamente podería- seu trabalho intelectual?
mos dizer que migram porque desejam viver melhor ou, A forma como um indivíduo se insere na divisão
interna do trabalho dentro do país de origem tende a
em outros termos, ter mais oportunidades de consumos
ser reproduzida na divisão do trabalho agora externa.
amplos, formação e infraestrutura.
824-4

POLISABER 11
GEOGRAFIA GERAL aula 12

A partir de dados da Organização das Nações Unidas (ONU),1 aproximadamente 244 milhões de pessoas viviam fora
do seu país de origem no ano de 2015, seguindo a tendência de um crescimento no número de migrantes.
Em 2010, esse número era de 222 milhões em todo o mundo. E, em 2000, esse número era de um pouco mais
de 173 milhões.
Cerca de dois terços dos migrantes internacionais vivem, hoje, na Europa ou na Ásia. Segundo dados de 2015 da ONU,
dois terços dos migrantes internacionais vivem em cerca de vinte países diferentes.
O maior número de migrantes, 47 milhões, reside nos EUA. Alemanha e Rússia, respectivamente, são o se-
gundo e o terceiro países com maior absorção de população migrante.
Os migrantes são provenientes, segundo os dados da ONU de 2015, da Ásia (43%), seguida da Europa (25%) – lembrando
que a Europa tem uma significativa taxa de migração entre os países do bloco da União Europeia –, da América Latina
e do Caribe (15%), além dos países do continente africano (14%).

Fluxo migratório europeu no último decênio

FINLÂNDIA
SUÉCIA

NORUEGA
OCEANO ATLÂNTICO

ESTÔNIA RÚSSIA

Mar do
Mar
LETÔNIA
Norte DINAMARCA Báltico
IRLANDA LITUÂNIA
KALININGRADO
(RÚS.)
os REINO
benh BELARUS
Cari UNIDO HOLANDA
POLÔNIA
es
es ALEMANHA
ist
an Canal da Mancha BÉLGICA
qu
-pa
In
do UCRÂNIA
LUXEMBURGO REPÚBLICA
os TCHECA
tic ESLOVÁQUIA
siá
sa
tro MOLDÁVIA
Ou FRANÇA ÁUSTRIA
SUIÇA LIECHTENSTEIN HUNGRIA
ESLOVÊNIA ROMÊNIA
CROÁCIA
l
ria

Mar Negro
to

BÓSNIA
ua
eq

HERZEGOVINA SÉRVIA
a
ric
Áf

ITÁLIA BULGÁRIA
da

ESPANHA ANDORRA MONTENEGRO


PORTUGAL TURQUIA
MACEDÔNIA
a

ALBÂNIA
tin

TURQUIA
La

uin
ica

eG

GRÉCIA
ér

Mar Mediterrâneo
d
Am

os
da

n
ica

do O
ri ente
Afr

Médio
e asiát
icos

MAGREB

As flechas indicam os fluxos de população que migram de seus países de origem para aqueles onde acreditam haver
melhores condições de trabalho e materiais.
824-4

1
Disponível em: un.org/en/development/desa/population/migration/publications/migrationreport/docs/MigrationReport2015_Highlights.pdf. Dados de 2015. Acesso em: maio 2016.

12 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

No que se refere à migração, alguns dados são indica- Organização para a Cooperação e Desenvolvi-
dores de situações geográficas. Veja estes dados para mento Econômico (OCDE), em comparação com
incrementar suas análises, obtidos da ONU: 12 milhões em 1990.
— Os indivíduos com habilitações no nível do ensino
— Os migrantes internacionais somavam 191 mi-
superior eram responsáveis por cerca de metade
lhões em 2005; em 2017, esse número já era de
do aumento do número de migrantes com idade
244 milhões.
superior a 25 anos, nos países da OCDE, nos
— Aproximadamente um terço vive em um país em
anos 1990.
desenvolvimento e é oriundo de outro país em
— Cerca de seis a cada dez migrantes com um
desenvolvimento, enquanto outro terço vive em
nível de instrução elevado que viviam na OCDE,
um país desenvolvido e procede de um país em
em 2000, eram oriundos de países em desen-
desenvolvimento. Ou seja, os migrantes “Sul-Sul”
volvimento.
são quase tão numerosos como os migrantes
— Entre 33% e 55% da população com elevado nível
“Sul-Norte”.
de instrução de Angola, Burundi, Gana, Quênia,
Em 2005, a Europa acolheu 34% do total de migrantes;
Ilhas Maurício, Moçambique, Serra Leoa, Uganda
a América do Norte, 23%, e a Ásia, 28%. Apenas 9% e República Unida da Tanzânia vive em países da
viviam na África, 3%, na América Latina e no Caribe, e OCDE. Essa porcentagem é ainda maior, rondando os
3%, na Oceania. 60%, no caso de Guiana, Haiti, Fiji, Jamaica e Trinidad
— Cerca de seis em cada dez migrantes internacio- e Tobago.
nais (um total de 112 milhões) residem em países
Sobre a economia de remessas de dinheiro:
considerados de “elevado rendimento”. Mas entre
— As remessas enviadas pelos migrantes aos paí-
esses países de “elevado rendimento” figuram 22
ses de origem aumentaram de 102 bilhões de
países em desenvolvimento, como Bahrein, Bru-
dólares em 1995 para um valor estimado em
nei, Kuwait, Catar, Coreia do Sul, Arábia Saudita,
232 bilhões de dólares em 2005.
Cingapura e os Emirados Árabes Unidos.
— As remessas enviadas para os países em desen-
— Cerca de metade dos emigrantes do mundo são
volvimento também aumentaram, de 57% em
mulheres. Nos países desenvolvidos as mulhe-
1995 (58 bilhões de dólares) para 72% em 2005
res migrantes excedem em número os homens
(167 bilhões de dólares).
migrantes.
— Os principais países beneficiários representavam
— Em 72 países, o número de migrantes diminuiu
66% das remessas mundiais em 2004. Apenas oito
entre 1990 e 2005. Dezessete países conheceram
entre eles eram países desenvolvidos. Um terço
um aumento de 75% do número de migrantes du-
das remessas mundiais destinou-se a apenas
rante esse período – os Estados Unidos receberam
quatro países: por ordem decrescente, em função
15 milhões de migrantes, e a Alemanha e a Espa-
do montante total recebido, foram a Índia, a China,
nha, mais de 4 milhões cada uma.
o México e a França.
— Entre 1990 e 2005, foram levados a cabo, tanto em
— As remessas constituem uma parte importante do
países desenvolvidos como naqueles em desen-
produto interno bruto em apenas dois dos principais
volvimento, pelo menos 35 programas para que o
países beneficiários: Filipinas e Sérvia e Montenegro.
estatuto de migrantes que se encontravam numa
A maioria dos vinte países em que as remessas repre-
situação irregular fosse alterado, de forma a estar sentam pelo menos um décimo do PIB são pequenos
em conformidade com as leis nacionais. Graças a em desenvolvimento.
isso, pelo menos 5,3 milhões de migrantes viram
a sua situação ser regularizada. CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS.
Sobre a migração de trabalhadores qualificados:
Departamento de Assuntos
— Em 2000, 20 milhões de trabalhadores migrantes Econômicos e Sociais.
com habilitações no nível do ensino superior e Adaptado de: unric.org/pt/actualidade/2932.
idade de 25 anos ou mais viviam em países da Acesso em: jun. 2016.
824-4

POLISABER 13
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Remessas de migrantes para A quantidade de migrantes totalizou 3,3% da popula-


seus países de origem ção global em 2015, enquanto em 2000 somava 2,8%.

Algumas parcelas da população de países de renda No entanto, há diferenças nas regiões do mundo: na
média ou baixa tendem a migrar para países de renda Europa, na América do Norte e na Oceania, os migrantes
alta. Esse fluxo de pessoas acaba por gerar um fluxo de são pelo menos 10% da população; na África, na Ásia, na
dinheiro intercontinental ou transnacional.
América Latina e no Caribe, menos de 2% são estrangeiros.
Os mecanismos de envio de dinheiro são diversos: des-
Segundo a ONU, em 2015, dois em cada três migrantes
de empresas globais financeiras, passando por grupos de
internacionais viviam na Europa ou na Ásia. Cerca de
pessoas associadas para envios e até mesmo formas
metade dos migrantes nasceu na Ásia.
de trocas pessoais, como amigos, conhecidos e familiares.
Índia e México são os países que têm as maiores
O destino desses recursos são as famílias que ficaram
diásporas do mundo. Vale afirmar que 16 milhões de
nesses países de origem.
pessoas nascidas na Índia moram atualmente em ou-
Segundo o Programa das Nações Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD),2 estima-se que os somalis, por tros países, enquanto no México esse número cai para
exemplo, recebem 1,6 bilhão de dólares anuais enviados 12 milhões. Rússia, China, Bangladesh, Paquistão e
por parentes na Europa e nos Estados Unidos. Ucrânia seguem em ordem na lista quanto ao número
de cidadãos vivendo no estrangeiro.

De acordo com um relatório divulgado nesta segun-


da-feira (15/5/2016) pelo Fundo Internacional para o
Desenvolvimento Agrícola Nações das Unidas (FIDA), Migrantes ou refugiados?
os trabalhadores migrantes que vivem na Europa pro-
porcionaram ano passado uma tábua de salvação para O debate sobre a migração no período da globalização
mais de 150 milhões de pessoas em todo o mundo, en- impõe que seja estabelecida a diferença entre refugia-
viando para casa 109,4 bilhões de dólares em remessas. dos e migrantes. Os termos “refugiado” e “migrante”
são substituíveis entre si?
Disponível em: nacoesunidas.org/remessas-da- Na verdade, não. Apesar de os termos “refugiado” e
europa-fornecem-tabua-de-salvacao-para-milhoes-
“migrante” serem utilizados como sinônimos na mídia e
de-pessoas-diz-onu/. Acesso em: maio 2016.
em discussões públicas, há uma diferença legal crucial
entre ambos.
Dados a respeito da Europa Ocidental e da Rússia reve- Confundi-los pode gerar dificuldades na percepção
lam que esse conjunto de países foi, então, responsável, sobre os refugiados pelo conjunto da sociedade e das
no transcorrer de 2015, por 75% dos fluxos de envio de autoridades solicitantes de refúgio, assim como levar a
dinheiro. entendimentos parciais em discussões sobre refúgio e
Em 2014, os seis países que mais enviaram remessas, a migração.
partir da Europa, foram a Rússia (20,6 bilhões de dólares);
o Reino Unido (17,1 bilhões); a Alemanha (14 bilhões); a
França (10,5 bilhões); a Itália (10,4 bilhões); e a Espanha
LOUISE GEORGE/ROYAL NAVY/AFP/GLOW IMAGES

(9,6 bilhões).
Quanto à recepção, em 2014, cerca de um terço, ou
36,5 bilhões de dólares, das remessas da Europa foram
para dezenove países dos Bálcãs e da Europa Oriental,
incluindo dez Estados-membros da União Europeia. Os
dois terços restantes, ou seja, 72,9 bilhões de dólares,
foram para cerca de cinquenta países “em desenvolvi-
mento” fora do continente.
O número de migrantes internacionais aumentou mais
rápido do que o crescimento da população, de acordo
com as Nações Unidas.
Barco de refugiados de conflitos civis em países como
824-4

Síria ou Líbia tentando atravessar o Mar Mediterrâneo.


2
Disponível em: pnud.org.br/Default.aspx. Acesso em: maio 2016.

14 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

 efugiados são definidos e


R e aberto demais, além de cobrir diversos tipos de des-
protegidos no direito internacional locamentos ou movimentos involuntários – tanto os
que cruzam fronteiras internacionais quanto os que se
Refugiados são pessoas que estão fora de seus países deslocam dentro do mesmo país.
de origem por fundados temores de perseguição, conflito, Por exemplo, o termo tem sido utilizado para se referir
violência ou outras circunstâncias que perturbam seria- às pessoas que têm sido deslocadas em decorrência
mente a ordem pública e que necessitam de “proteção de desastres ambientais, conflitos, fome ou projetos de
internacional”. desenvolvimento em larga escala.
As situações enfrentadas são com frequência tão pe- “Migração forçada” não é um conceito legal, e, assim
rigosas e intoleráveis que essas pessoas decidem cruzar como no caso do termo “migração”, não existe uma
as fronteiras nacionais para buscar segurança em outros definição universalmente aceita.
países, sendo internacionalmente reconhecidas como
“refugiados” e passando a ter acesso à assistência dos As mais novas crises internacionais de refugiados,
países, da Agência da ONU para refugiados (Acnur) e de que alguns cientistas sociais chamaram de migração
outras organizações relevantes. forçosa, foram resultado de conflitos na região do
Eles são assim reconhecidos pelo fato de ser extre- Oriente Médio e do Norte da África.
mamente perigoso retornar a seus países de origem e, Até o presente momento, no ano de 2016, quase
portanto, precisam de refúgio em outro lugar. Essas são 188 mil refugiados e migrantes chegaram à Europa
pessoas às quais a recusa de refúgio pode ter conse- por mar, incluindo 155 mil na Grécia e 31 mil na Itália.
quências potencialmente fatais.
Uma definição legal uniforme para o termo “migrante” Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância
não existe em nível internacional. Alguns formuladores (Unicef), novos dados mostraram que um recorde de
de políticas, organizações internacionais e meios de 96,5 mil crianças migrantes e refugiadas desacompanha-
comunicação compreendem e utilizam o termo “migran- das pediram asilo na Europa em 2015.
te” como algo generalista, que abarca tanto migrantes Na Eslovênia, por exemplo, mais de 80% das crian-
como refugiados. ças desacompanhadas desapareceram de centros de
Por exemplo, estatísticas globais em migrações inter- recepção, enquanto na Suécia mais de dez crianças so-
nacionais em geral utilizam uma definição de “migração mem a cada semana. Também de acordo com o Unicef,
internacional” que inclui os movimentos de solicitantes em 2016, cerca de 4,7 mil crianças desacompanhadas
de refúgio e de refugiados. foram registradas como desaparecidas na Alemanha.
“Migração” é comumente compreendida implicando As 96,5 mil crianças desacompanhadas que pediram
um processo voluntário; por exemplo, alguém que cruza asilo na Europa em 2015 respondem por cerca de 20%
uma fronteira em busca de melhores oportunidades do total daquelas que pediram asilo. A maioria era
econômicas. Esse não é o caso de refugiados, que não formada por meninos adolescentes do Afeganistão,
podem retornar às suas casas em segurança e, conse- enquanto os sírios compunham o segundo maior grupo.
quentemente, têm direito a proteções específicas no Um número significativo de crianças tinha menos de
escopo do direito internacional. 14 anos e viajava sozinho, sem a proteção de familiares
adultos ou guardiões.
Desfocar os termos “refugiado” e “migrante” re-
tira a atenção da proteção legal específica de que
os refugiados carecem, como proteção contra o Migrantes jovens e mulheres:
refoulement e contra ser penalizado por cruzar populações vulneráveis
fronteiras para buscar segurança sem autorização.
É necessário ainda ressaltar que, muitas vezes, as
Não há nada ilegal em procurar refúgio – pelo contrário, populações migrantes de países em situação de pobreza
é um direito humano universal. extrema e conflitos civis tendem a mais facilmente se
tornarem vítimas de certas situações de exploração,
O termo “migração forçada” é por vezes utilizado por ora sexuais, ora de trabalhos de risco ou insalubres em
824-4

sociólogos e outros indivíduos. É um termo generalista países onde são recebidas.

POLISABER 15
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Atualmente, há 35 milhões de migrantes globais com A migração é abordada mais do ponto de vista jurí-
idade inferior a 20 anos e 40 milhões entre as idades de dico e econômico que de uma perspectiva ética
20 e 29. Em conjunto, representam mais de 30% de todos e humanitária, sobretudo no que diz respeito aos
os migrantes do mundo, e as mulheres são responsáveis refugiados, que são o extremo desse quadro.
por cerca de metade deles. Embora as migrações estejam presentes no mun-
As mulheres, algumas vezes, são colocadas em situa- do desde os primórdios das Grandes Navegações,
ções de venda de sexo e drogas. Jovens homens podem passando pelos colonialismos, o comércio das Índias,
vir a ser usados por grupos também para atividades as grandes guerras e outros momentos históricos,
criminosas. atribui-se a elas um ar de novidade do presente, talvez
Os dados relativos a essas realidades não estão nos es- ampliado pelo volume de pessoas em deslocamento
tudos, afinal, como, sendo um pesquisador, entrar nesse em busca de asilo.
universo? Mas a realidade existe e devemos comunicá-la De certo modo, as migrações são o resultado de uma
se quisermos transformá-la. tentativa de equalização de desarmonias ou convulsões
Essas situações extremas nem sempre são regras. São sociais em partes diferentes do planeta. Nesse sentido,
possibilidades dentro de um amplo universo que, embora
falamos da chamada migração forçosa, e não da espon-
não sejam maioria, devem ser consideradas.
tânea – termo discutível de todo modo –, como a “fuga
Se a juventude migrante pode enfrentar situações
de cérebros”.
de mais exposição aos riscos de diferentes naturezas,
Do lado de quem recebe, o primeiro impacto reside
também é certa a capacidade de adaptação dos jovens
no medo diante da possibilidade de o outro ser um
migrantes, concomitante ao fato de se instalarem muito
competidor e representar um novo modo de agir, uma
cedo em outras nações, tendendo a renovar a cultura
nova imbricação no universo dos signos e da cultura já
em médio e longo prazo nos lugares que os receberam.
estabilizados. O homem resiste às mudanças.
Em especial, os países do Norte rico, convencidos como
estão de sua condição material e hegemonia cultural,
Uma pequena reflexão de esquecendo-se de seus passados recentes de horrores
fechamento e cataclismos sociais (EUA, com o genocídio das popu-
lações nativas e guerras civis; a Europa, com as guerras
O tema da migração é um problema bastante complexo civis e os regimes fascistas do começo do século XX),
porque é também extremamente amplo. A migração em resistem, hoje, às ondas migratórias, como a dos mexi-
geral é tratada em nossa sociedade contemporânea como canos nos EUA ou a dos norte-africanos e a dos cidadãos
um fato policial, e não como uma crise aguda civilizatória. do Leste Europeu na Europa ocidental.

EXERCÍCIO

1. (Uepa) Leia o texto para responder à questão.

As pessoas tendem a fugir quando sentem que suas vidas e comunidades estão sob risco. Assim, uma grande movi-
mentação de populações pode ser um sinal de alerta para a ameaça ou a concretização de um genocídio.

United States Holocaust Memorial Museum, Washington, D.C. Os refugiados hoje.


Disponível em: ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007263. Acesso em: 29 jun. 2016.

A partir da análise do texto e da compreensão de como a globalização tem gerado transformações econômicas,
políticas, sociais e culturais que alteram a dinâmica espacial das diferentes regiões do mundo contemporâneo,
afirma-se que:
a) o sucesso moral quanto à ajuda aos judeus e a outros grupos étnicos e religiosos que já fugiam da perseguição
nazista antes da Segunda Guerra e a necessidade de lidar com as muitas pessoas deslocadas, sem ter para onde
824-4

retornar, após a Guerra, explicam a expansão dos campos de refugiados no atual contexto de globalização mundial.

16 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

b) a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados classifica a situação desse grupo como respon-
sabilidade dos governos locais, daí as organizações dos direitos humanos serem desfavoráveis à determinação de
políticas internacionais para resolver os problemas gerados pelos refugiados.
c) no contexto da globalização, refugiados são todas as pessoas que vivem em áreas periféricas de seus países e temem
serem perseguidas por motivos étnicos, religiosos, de nacionalidade, de grupos sociais ou opiniões políticas e, por
isso, temem valer-se da proteção de seu país de origem, necessitando da ajuda das organizações internacionais.
d) a quantidade e a magnitude das crises de refugiados em todo o mundo – assim como a expectativa por ajuda –
geralmente são menores do que a capacidade da comunidade internacional em auxiliar, o que explica o crescente
número de refugiados concentrados em diversos locais do espaço geográfico mundial.
e) sempre que as populações correm risco, existem aqueles que tentam fugir para países mais seguros, porém os
problemas relativos às respostas adequadas quanto à proteção dos direitos dos refugiados, tais como lugares se-
guros para viver e o fornecimento de ajuda em momentos de grande desordem mundial, são sempre garantidos.

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),

Para aprofundar a análise a partir de indicadores demográficos, use a percepção sobre a composição da população
hoje no Brasil: quantos casais que você conhece têm mais de dois filhos? Quais as razões que esses casais apresentam
para decidir manter apenas dois filhos, e não sete, como há quatro gerações?
Não deixe de pensar no impacto disso na sociedade global. O que significa para um país ter uma sociedade com
menos filhos por casal?
Bons estudos!

EXERCÍCIOS

1. (UFRN) Para a explicação do crescimento da população e de sua relação com o desenvolvimento, algumas teorias
foram formuladas: malthusiana, reformista e neomalthusiana. Os adeptos da teoria reformista
a) consideram que o rápido crescimento demográfico exerce pressão sobre os recursos naturais, sendo um sério risco
para o futuro da humanidade.
b) defendem a necessidade de reformas socioeconômicas que permitam a elevação do padrão de vida da população.
c) defendem que o alto crescimento demográfico é causa da pobreza generalizada, sendo imprescindíveis reformas
políticas rígidas de controle da natalidade.
d) consideram o descompasso entre a população e os recursos necessários para sua sobrevivência como causa para
a existência da miséria do mundo.

2. (UFPE) Um estudo sobre a dinâmica e a distribuição da população de uma determinada área é realizado a partir
do conhecimento e da compreensão dos seus indicadores demográficos. Em relação a alguns desses indicadores,
analise as proposições abaixo.
( F ) A densidade demográfica é obtida a partir da divisão da superfície territorial de um lugar pela sua população
absoluta.
( F ) O crescimento vegetativo é calculado com base nas taxas de natalidade, mortalidade e migração.
( V ) O superpovoamento de uma área não é identificado apenas pela densidade demográfica, mas também pelas
824-4

condições socioeconômicas existentes.

POLISABER 17
GEOGRAFIA GERAL aula 12

( V ) A taxa de mortalidade infantil identifica o – designado por fluxos de “Sul – Norte”.


número de óbitos de crianças menores de
um ano. PNUD. Relatório de Desenvolvimento
( V ) A taxa de fecundidade é um indicador popula- Humano 2009: ultrapassar fronteiras:
cional que influencia diretamente o compor- mobilidade e desenvolvimento humano.
tamento de outro indicador, o da natalidade.
Sobre as migrações no mundo contemporâneo, as-
sinale a alternativa correta.
3. (Fatec) Enquanto países europeus como a Bélgica e
a Suíça apresentam taxas de mortalidade infantil in-
I. Como resultado da globalização, as migrações in-
feriores a 5 por mil, países como Serra Leoa, Angola
ternacionais se tornaram mais numerosas do que
e Somália, na África, apresentam taxas de mortali-
as migrações internas.
dade infantil acima de 100 por mil. A comparação
II. A maior parte das migrações internacionais ocor-
entre essas taxas nos revela que
re entre países que possuem níveis semelhantes
a) as condições climáticas temperadas são mais favo-
de desenvolvimento econômico, considerando-se
ráveis à vida humana que as tropicais.
os critérios da Organização das Nações Unidas
b) países de povoamento muito antigo tiveram mais
(ONU).
condições de superar os problemas demográficos
III. As taxas de emigração entre países de IDH muito
que os países novos.
elevado são, em média, superiores àquelas vigentes
c) os efeitos dos avanços alimentares e médico-sani-
entre países de IDH baixo.
tários não atingem de forma semelhante os vários
países do mundo.
Estão corretas:
d) apesar das diferenças na mortalidade infantil, a
a) apenas as afirmativas I e II.
expectativa de vida aumenta na mesma proporção
b) apenas as afirmativas I e III.
nos dois grupos de países.
c) apenas as afirmativas II e III.
e) as taxas de mortalidade mais elevadas tornam a
d) apenas a afirmativa II.
estrutura da população dos países africanos seme-
e) todas as afirmativas.
lhante à dos países europeus.

4. (Fatec) A análise da atual pirâmide etária brasilei- 6. (Ufscar) Leia o texto seguinte, sobre a questão das
ra permite afirmar que houve um estreitamento da migrações internacionais e dos refugiados.
base e um alargamento do topo, demonstrando
I. a diminuição das taxas de natalidade. Em relação ao passado, há pelo menos três fatores
II. o aumento das taxas de mortalidade infantil. que modificaram a abordagem sobre a temática dos
III. o aumento da expectativa de vida. refugiados: o fim da Guerra Fria, os atentados de 11
IV. o aumento das taxas de fecundidade. de setembro e o acirramento dos fluxos migratórios
internacionais [...]. A queda do Muro de Berlim reduziu
Estão corretos os itens:
as razões ideológicas que estavam na origem do com-
a) I e II.
promisso de alguns países em abrigar refugiados e refu-
b) I e III.
giadas. Por sua vez, os atentados das Torres Gêmeas de
c) I e IV.
Nova York provocaram um endurecimento das políticas
d) II e III.
e) II e IV. imigratórias, inclusive aos solicitantes de proteção
internacional. Finalmente, a intensificação dos fluxos
migratórios, além de exacerbar medos e preconceitos
5. (FGV-SP) xenófobos, contribui para dificultar os procedimentos
de determinação da condição de refugiados.
As discussões sobre a migração começam tipica-
mente com uma descrição dos fluxos entre países em Marinucci, R.; Milesi, R.
desenvolvimento e países desenvolvidos, ou aquilo Migrações internacionais contemporâneas.
824-4

que por vezes é livremente – e inadequadamente Instituto Migrações e Direitos Humanos.

18 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

O texto faz referência à questão dos refugiados e e mortalidade, de imigração e emigração, os níveis
das migrações internacionais. Sua leitura permite- de ocupação, entre outros, são fundamentais para
-nos afirmar que: a análise dos fatos e para projetar futuros possíveis.
a) a queda do muro de Berlim e o atentado das Torres Os números sobre as composições etária e sexual
Gêmeas de Nova York, por terem a mesma motivação são importantes para se verificar tendências, que
ideológica, provocaram o endurecimento na conces- podem – ou não – ocorrer. Dados sobre a mortalidade
são de asilo a refugiados. necessitam da idade e da causa da morte; esses fatos
b) o compromisso de alguns países em abrigar refu- são importantes para se analisar a situação existente
giados durante a Guerra Fria decorria da orientação no país. De pouco ou nada valem somente os dados
político-ideológica, por isso as concessões de abri- de morte em tal ano, se não acompanhados de outros
go ocorriam entre os países de um mesmo bloco aspectos, pois se está assim fornecendo o número de
político-ideológico. mortes naquele ano e mais nada.
c) os preconceitos xenófobos contra refugiados decor-
rem do fato de que estes têm sido responsabilizados CAMPOS, Rui Ribeiro de.
por ataques terroristas recentes, ocorridos em países Aspectos demográficos na obra de Josué de Castro.
receptores de migrantes. In: Mercator, v. 8, n. 17, set./dez. 2009.
d) o aumento do fluxo migratório, baseado sobretudo Disponível em: mercator.ufc.br/index.php/
mercator/article/viewFile/274/248.
em razões de ordem econômica, fez endurecer as
Acesso em: 8 jun. 2016.
políticas de recepção, o que acaba se refletindo na
redução de concessões de asilo a refugiados.
e) com o fim da Guerra Fria e a redução dos conflitos
NAVEGAR
armados, quase não há populações na condição
de refugiados, e sim migrantes econômicos que se
“disfarçam” de refugiados para entrarem legalmente Vídeos
em outros países.
Acnur: um mundo em crise
Disponível em: youtube.com/watch?v=Ge6PclH_lXg.
7. (Mackenzie) Neste país, aproximadamente 30% dos
Acesso em: maio 2016.
filhos de estrangeiros são descendentes de um de-
Um recorde desde a Segunda Guerra Mundial: há atual-
terminado grupo de imigrantes, somando mais de
mente mais de 60 milhões de refugiados, requerentes de
sete milhões de pessoas. Eles já são a metade
asilo e pessoas deslocadas internamente no mundo. “O
de todos os imigrantes constantes deste país e tam-
número de pessoas deslocadas por conflitos em todo o
bém a maior parcela dos imigrantes ilegais. Talvez
mundo todos os dias quadruplicou: de quase 11 por dia
por isso, a violência, o abandono e a perseguição
em 2010 para 42 500 por dia no ano passado”, alertou o
aguardam os que ainda tentam entrar pelos quase
alto comissariado da ONU para Refugiados.
4 mil quilômetros de fronteiras.
O texto aborda a situação atual dos imigrantes Migrantes: promovendo a tolerância e desmentindo
a) turcos na Alemanha. mitos
b) mexicanos nos Estados Unidos. Disponível em: youtube.com/watch?v=ZhrVobgja70.
c) brasileiros em Portugal. Acesso em: maio 2016.
d) argelinos na França. Para marcar o Dia Internacional dos Migrantes e o Dia
e) paquistaneses na Inglaterra. dos Direitos Humanos, o Escritório de Direitos Humanos
da ONU realizou no final de 2015 um painel para ouvir
migrantes de todo o mundo – suas vozes, desafios e pe-
didos por tratamento justo. “Pesquisas mostram muito
RODA DE LEITURA
claramente que migrantes acrescentam mais para os
cofres públicos por meio de impostos e contribuições
O número de pessoas, por si só, não é um dado sociais do que recebem em benefícios”, lembra o alto
significativo. É necessário saber se estão bem ou comissário da ONU para os direitos humanos, Zeid
824-4

não de vida e as razões disto. As taxas de natalidade Ra’ad Zeid Al-Hussein.

POLISABER 19
GEOGRAFIA GERAL aula 12

Filme [...]
Ser de si mesmo é, sempre, chegar a ser esse outro
Fogo no mar que somos e que levamos escondido no nosso interior,
Direção: Gianfranco Rosi. Itália, mais que nada como promessa ou possibilidade de ser.
França, 2016.
PAZ, Octávio.
Uma ilha ao sul da Itália passa
El laberinto de la soledad. 3. ed. p. 15, 29 e 188.
a ser o lugar de um novo emba-
México: FCE, 1999.
te civilizatório, envolvendo os
Tradução livre: Villy Creuz.
refugiados de países do norte

IMOVISION
da África que buscam entrar na
Europa.

ÁGORA

Ao iniciar minha vida nos Estados Unidos morei um


tempo em Los Angeles, cidade habitada por mais de
um milhão de pessoas de origem mexicana. À primeira
vista surpreende o viajante – além da pureza do céu
e da feiura das dispersas e ostensivas das constru-
ções – a atmosfera vagamente mexicana da cidade,
impossível de apressar com palavras ou conceitos.
Esta mexicanidade – gosto pelos adornos, descuido
e fausto, negligência, paixão e reserva – flutua no
ar. E digo que flutua porque não se mistura, nem se
funde com o outro mundo, o mundo norte-americano,
feito de precisão e eficácia. Flutua, mas não se opõe;
balanceia-se impulsionada pelo vento, às vezes, des-
garrada como uma nuvem, outras como um foguete
que ascende. Arrasta-se, se dobra, se contrai, dorme e
sonha, beleza farrapeira. Flutua: não acaba de ser, não
acaba de desaparecer.
Algo semelhante ocorre com os mexicanos que se
encontram na rua. Ainda que tenham já muitos anos
vivido ali, usem a mesma roupa, falem o mesmo idioma
e sintam vergonha de sua origem, ninguém os con-
fundiria com os norte-americanos autênticos. E não
creia que os traços físicos são tão determinantes como
vulgarmente se pensa. O que me parece distingui-los
do resto da população é seu ar furtivo e inquieto, de
seres que se disfarçam, de seres que temem um olhar
alheio, capaz de despir e deixá-los nus.
[...]
O que distingue um fato histórico dos outros fatos
históricos não é a soma dos chamados fatores da his-
tória, mas uma realidade indissolúvel. As circunstâncias
históricas explicam nosso caráter na medida que nosso
caráter também as explica. Ambos são o mesmo.
824-4

20 POLISABER
aula 12 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A

Em um mundo em movimento de populações como vimos, quais as mudanças que ocorrem no planeta?
Quer dizer, qual a dinâmica do biosfera do globo?
824-4

POLISABER 21
GEOGRAFIA GERAL – AULA 13
THE SUN, 1911-16 (OIL ON CANVAS), MUNCH, EDVARD
(1863-1944)/UNIVERSITY OF OSLO, NORWAY

Esta noção de ambiente, que se resumia de antemão


em uma fórmula demasiado simples, não cessa de se
complicar pelo progresso de nosso conhecimento do
mundo vivente; mas essa mesma complicação permite
deslindar o melhor.
Principes de géographie humaine, de Paul Vidal de La Blache, 2015.

Biosfera terrestre
O conhecimento do mundo e a expansão do mundo conhecido, chamado de ecúmeno, combinados com a explosão
de novas técnicas de produção de bens e serviços, formas de consumo, produção de formas de energias nucleares, bem
como com a vida política (relação interna dos Estados e externas entre eles) e a vida social nos territórios (aumento da
extensão e da densidade das cidades), entre outros, mudaram a maneira como o homem utilizava e segue utilizando
os espaços geográficos, além de sua relação com o movimento da vida biológica (fauna e flora), geológica e pedológica,
climática e hídrica.
Como afirma Max Sorre em seu clássico livro, Fundamentos biológicos da geografia humana (1955, p. 11), “Há de
ressaltar que a espécie humana é uma espécie social no sentido que os naturalistas dão a essa denominação. Este
caráter se manifesta em seu mais alto grau nas aglomerações urbanas. É impossível que não influa sobre os dados do
problema ecológico”.

Imagem de satélite: aglomerações e as combinações de elementos

NASA-JSC

Imagem da cidade de San Antonio, Texas, Estados Unidos.


824-4

0016

22 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

Ecologia humana ou O termo biosfera significa esfera da vida: em todas as suas


manifestações. São as condições ambientais em que se
totalidade-mundo? processa a vida animal e vegetal da terra.
É também a camada do globo terrestre habitada pelos
Para Max Sorre, o conceito de ecologia humana era
seres vivos. Contém o solo, o ar, a água, a luz, o calor e
o de: “seguir entre o homem e o ambiente natural o
os alimentos, que fornecem condições necessárias para
conjunto apaixonante de ações e reações, de lutas e
o desenvolvimento da vida.
alianças regido pelas leis da biologia, regulado pelas leis O termo biosfera, criado pelo geólogo Eduard Suess
da probabilidade – talvez forma um todo” (1955, p. 11). em 1875, consiste no espaço povoado pelos seres vivos.
Mas o termo ecologia humana tentava buscar uma A bioesfera está incluída no âmbito da geosfera e
totalidade, em que o homem era elemento central da é composta pela camada superior do solo (litosfera),
análise nas palavras de Sorre: “as condições de conquista por águas continentais e oceânicas (hidrosfera) e pela
e conservação da terra pelo homem”. atmosfera.
Considerar os princípios biológicos não anula a necessi- O homem, como ser vivo, faz parte da biosfera, inte-
dade de enxergar a produção da vida humana, sobretudo ragindo com os outros seres vivos, algumas vezes de
da vida social. forma harmônica e outras vezes de forma desarmônica,
Tratando da vida biológica e do conjunto de indivíduos causando constantes prejuízos para a vida da biosfera
sociais poderíamos falar sobre a produção de uma em geral. A devastação de até biomas inteiros, a pesca
totalidade-mundo? abusiva, a substituição dos ecossistemas naturais por
O planeta Terra é formado por uma pluralidade de áreas destinadas a monoculturas e pecuária, bem como
vidas materializadas em múltiplas formas de existência. o agronegócio, em geral, transformam a biosfera.

Imagem de satélite: o Rio de Janeiro, aglomeração urbana e elementos físicos da natureza


NASA IMAGES

824-4

Imagem de satélite do Rio de Janeiro em 1984.

POLISABER 23
GEOGRAFIA GERAL aula 13

O avanço da ocupação humana sobre os mais diversos ecossistemas causa um desequilíbrio ecológico.
Os seres vivos e o ambiente estabelecem uma interação dinâmica, porém frágil. O grande dilema das sociedades
modernas é conciliar o desenvolvimento tecnológico e a carência cada vez maior de recursos naturais com o equilíbrio
da biosfera.
A camada da biosfera é mantida por elementos encontrados na atmosfera, na litosfera e na hidrosfera. Essas quatro
camadas são formadas por elementos sólidos, líquidos, gasosos e biológicos.
A biosfera traz à tona a necessidade de se pensar sobre a existência de um princípio relacional dos fenômenos, isto
é, parte dos ambientes da terra que se relacionam entre si são relativamente interdependentes quando fazemos uma
análise, mas a modificação de um deles provoca alteração nos demais e no conjunto.

Estrutura geológica e relevo


O relevo é resultado da combinação de elementos do solo em sua longa formação (orogênese e epirogênese), desde
o início da formação do próprio planeta, somado à influência de elementos climatológicos (vento, chuva, acidez da água
da chuva) e biológicos (vegetação, animais, homens).

Orogênese e epirogênese – ou, simplesmente, orogenia e epirogenia – são tipos de classificação dos movimentos
tectônicos. Tal classificação foi realizada para que fosse possível entender os processos gerados pelo tectonismo,
haja vista que este fenômeno pode apresentar diferentes comportamentos, tempos de duração variados e resul-
tados distintos.
Quando os movimentos internos da Terra são de curta duração (sob o ponto de vista geológico) e caracterizam-se
pelo choque entre duas placas tectônicas distintas, dá-se o nome de orogênese, ou movimentos orogênicos. Este
processo costuma ocorrer em formações geológicas recentes e instáveis.

Movimento de sedimentos e desgaste do relevo: formação e gênese

Estruturas geológicas

Corresponde à base rochosa sobre a qual


se assentam as formas de relevo.

Escudos Dobramentos Bacias


cristalinos modernos sedimentares

Essas estruturas são caracterizadas pelos tipos


de rochas predominantes, pelo seu processo de
formação e pelo tempo geológico em que surgiram.

A litosfera – camada rochosa do planeta Terra – apresenta inúmeras dinâmicas e variações.


A sua composição estrutural, contudo, é classificada em três diferentes tipos de estruturas geológicas que se dividem em
todo o mundo: os crátons (ou escudos antigos), as bacias sedimentares e os dobramentos modernos (ou cadeias orogênicas).
824-4

24 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

Dobramentos modernos
Os dobramentos modernos se encontram em áreas que apresentam conhecidas cadeias montanhosas, como a Cor-
dilheira dos Andes, a oeste da América do Sul; as Montanhas Rochosas, na América do Norte; os Alpes, na Europa; e a
Cordilheira do Himalaia, na Ásia.
—— Terrenos mais recentes;
—— Origem no entrechoque de placas em recentes acomodações tectônicas;
—— Instáveis, com intensa atividade sísmica e vulcânica;
—— Andes, montanhas rochosas e serra nevada; himalaia, atlas e alpes.

Bacias sedimentares
AVITS

O L
Crátons
S
Dobramentos
14 000 km

Os dobramentos modernos são áreas de formação recente, originados pela elevação do terreno, em decorrência do
choque de placas tectônicas em permanente acomodação.
O Brasil, em especial, possui uma formação geológica antiga e, por isso, não apresenta esse tipo de estrutura geológica
nem sofre de abalos sísmicos intensos.

Bacias sedimentares
As bacias sedimentares, por outro lado, distribuem-se em diferentes partes do mundo, existindo também no território
brasileiro. Elas recobrem cerca de 75% da superfície terrestre e são caracterizadas pela sua formação na Era Paleozoica
(500 milhões de anos atrás), com a acumulação dos sedimentos gerados pelo desgaste das rochas em decorrência da
824-4

ação dos agentes externos de formação do relevo.

POLISABER 25
GEOGRAFIA GERAL aula 13

É nas bacias sedimentares que ocorre a possibilidade de haver acúmulo de petróleo, bem como a existência de fós-
seis, apesar de isso não ser algo determinante. Elas comumente se formam em áreas oceânicas e transformam-se em
continentes por causa da movimentação das placas tectônicas.

Dinâmicas dos materiais do solo e a formação dos relevos

Processos de erosão

Processos de acumulação
Escudo
cristalino
Escudo
cristalino
Bacia
Bacia sedimentar
sedimentar
AVITS

Fonte: TEIXEIRA, Wilson; FAIRCHILD, Thomas Rich; TOLEDO, M. Cristina Mota de.; TAIOLI, Fabio. Decifrando a Terra. 2. ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009.

O termo sedimento vem do latim (sedis), que significa assento, deposição. Em uma tradução mais literal, seria o ma-
terial sólido que se deposita ou que se depositou. Os grãos de minerais ou fragmentos de rochas, geralmente causadas
pelo intemperismo, se depositam após terem recebido transporte da água, do vento ou de qualquer outro agente de
transportação natural.

As grandes cidades brasileiras estão situadas sobre bacias sedimentares, por serem regiões mais planas e com
mais rios caudalosos utilizados no abastecimento de água e hidroelétricas.
Não existem bacias sedimentares mais antigas que 700 milhões de anos, pois por todo esse tempo as placas
tectônicas se movimentaram, formando e reformando novos continentes; com isso, as bacias sedimentares trans-
formaram-se em regiões com rochas metamorfizadas.

Crátons

Os crátons, também conhecidos como escudos cristalinos e maciços antigos, são nomes dados aos seus dois subtipos.
A formação é a mesma dos dobramentos modernos; no entanto, são mais antigos e sofreram maior desgaste de agentes
externos (exógenos) que transformam os relevos. São os mesmos vetores que deram origem às bacias sedimentares.
Esse tipo de formação rochosa é tão antigo que contém as mais antigas rochas do planeta.
Crátons, em geral, costumam abranger áreas de planalto. No Brasil, eles recobrem, por exemplo, áreas como o Planalto
Central, o das Guianas e uma área de escudos da Amazônia (rica em minerais e que, por isso, vem sendo alvo de ofen-
sivas de empresas mineradoras, o que, a propósito, potencialmente coloca em risco a Floresta Amazônica Equatorial).

Escudos cristalinos (crátons)


—— Rochas magmáticas e metamórficas;
—— São os mais atingidos pelos processos erosivos;
—— Abrigam reservas de minerais metálicos, minério de ferro, ouro, manganês, bauxita, cassiterita.
824-4

26 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

JOÃO PRUDENTE/PULSAR IMAGENS


Paisagem de escudos cristalinos em processo de desgaste.

O Brasil e a geomorfologia

Constantemente, diversas ações da natureza nos provam que a crosta terrestre, ou litosfera, possui um dinamismo
próprio e que, em muitos casos, ainda que o homem tenha toda a técnica, não consegue impedir certos eventos: vulcões
em atividade, abalos sísmicos, maremotos, entre outros. Esse dinamismo, próprio da litosfera, é alimentado por duas
forças que resultam em diferentes formas de relevo e de tipos de paisagem, ou seja, em diferenciações estruturais e
esculturais do meio.
As duas forças são denominadas de forças endógenas, ou internas, e forças exógenas, ou externas.
A força endógena ou interna é responsável pela formação estrutural do relevo. Segundo Jurandyr Ross, no livro Geo-
grafia do Brasil (1998), existem três grandes macroformas estruturais:

1. plataformas ou crátons;
2. cadeias orogênicas ou cinturão orogênico; e
3. bacias sedimentares.

As plataformas, ou crátons, são relevos rebaixados em que o processo erosivo atua de modo significativo. Tal macro-
forma estrutural data da Era Pré-Cambriana e suas idades estão entre 900 milhões e 4,5 bilhões de anos.
As cadeias orogênicas são os terrenos mais elevados da superfície terrestre e também são os mais recentes: datam de
entre o fim do Mesozoico e o início do Cenozoico. São gerados pelas atividades tectônicas, como dobramentos, falhas e
vulcanismos. Em geral, apresentam formação litológica variada e são as áreas mais instáveis da litosfera. Nessas áreas
ocorrem os principais sismos, já que são áreas de encontro de placas tectônicas, como já mencionado anteriormente.
Veja o mapa na página a seguir.
824-4

POLISABER 27
GEOGRAFIA GERAL aula 13

Distribuição dos terremotos no mundo (1963-1998)

SLOVAKIA

BANGLADESH

COLOMBIA

LESOTHO

O L

S
AVITS

14 000 km

Áreas em cinza: zonas de choque de placas tectônicas e eventuais movimentos sísmicos.


Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/circulo-fogo-pacifico.htm. Acesso em: 27 jul. 2016.

Círculo de Fogo do Pacífico

O Círculo de Fogo do Pacífico é formado por uma série de fossas geológicas encontradas no fundo do oceano,
onde são registrados alguns dos pontos mais profundos da crosta terrestre, como a Fossa das Marianas.
A formação dessa área está relacionada ao encontro de placas tectônicas, tornando a região repleta de terre-
motos e tsunamis.
O Círculo de Fogo é responsável por cerca de 90% dos abalos sísmicos e 50% dos vulcões existentes no planeta.
Os tremores de terra e vulcanismos resultam do encontro e da interação entre placas tectônicas. Essas atividades
geológicas atingem boa parte da área mais densamente povoada da Terra: a Ásia. Por esse motivo, muitas tragédias
nessa região são registradas, como o tsunami de 2004, que atingiu Tailândia, Indonésia e outros países, e o de 2011,
que atingiu a costa do Japão e provocou o acidente na Usina Nuclear de Fukushima.

As bacias sedimentares possuem como composição litológica predominante rochas sedimentares. Essa macroforma
estrutural representa 75% da superfície emersa da Terra. São denominadas de fanerozoicas, já que datam do Paleozoico,
Mesozoico e Cenozoico, providas de sedimentos marinhos, continentais e glaciais.

Orogênese e epirogênese

A força endógena é dividida em ativa e passiva. A ativa é responsável pelo soerguimento ou rebaixamento dos conti-
nentes (epirogênese) e pelos dobramentos das bordas dos continentes (orogênese), originando, por exemplo, o cinturão
orogênico andino.
824-4

28 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

passiva, isto é, a resistência que a rocha possui contra


A orogênese e a epirogênese são movimentos o desgaste, sendo o quartzito um representante com
provenientes dos choques de placas e da deriva grande resistência e os micaxistos com baixa resistência.
continental, e junto a esses dois movimentos ocor- As rochas sedimentares são formadas a partir de outras
rem falhamentos, fraturas e vulcanismo, por isso são rochas. São classificadas em rochas dentríticas ou clásticas,
áreas muito instáveis. originárias pela sedimentação de partículas (sedimentos) de
outras rochas ou do solo, como o granito, e rochas sedimen-
O processo endógeno passivo é representado pela di- tares químicas orgânicas, como o calcário, e inorgânicas, tal
versificação litológica de determinada estrutura. Ou seja, qual o sílex. As mais comuns de serem encontradas são as
cada composição rochosa apresenta certa resistência aos rochas dentríticas ou clásticas e essas rochas são as prin-
processos exógenos e erosivos, daí determinada como cipais na composição litológica das bacias sedimentares.
força endógena. As rochas são classificadas em três gru- A força exógena é a responsável pela esculturação das
pos: rochas magmáticas ou ígneas, rochas sedimentares formas de relevo. Esses processos diferenciados ocorrem
e rochas metamórficas. em razão de diferentes condições climáticas, sendo repre-
As rochas magmáticas ou ígneas são originárias da sentados pela temperatura e, principalmente, pela ação
solidificação do magma, podendo ser intrusivas ou plutô- físico-química da água. Resumindo, o processo exógeno
nicas (quando solidificadas no interior da crosta terrestre, é representado pelos intemperismos químicos e físicos.
como exemplos citamos os granitos e diabásio. Esses De acordo com o geógrafo Jurandyr Ross, o Brasil
grupos rochosos afloram na superfície terrestre quando apresenta as três macroformas estruturais do relevo:
ocorre intenso processo de exumação do material que bacia sedimentar Amazônica, do Maranhão e do Paraná;
o encobrem ou que o sustentam) ou podem ser efusivos cinturão orogênico ou faixas de dobramentos de Brasí-
ou vulcânicos (quando a solidificação do magma ocorre lia, Paraguai-Araguaia e Atlântico; e, por fim, os crátons
na parte externa da litosfera. amazônicos, do São Francisco e do sul-rio-grandense.
Como são derrames na superfície terrestre, essas ro- O cinturão orogênico do Atlântico se estende desde a
chas aparecem geralmente em camadas estratificadas. parte oriental do Nordeste até o Sudeste do Rio Grande
Seu principal representante é o basalto, no Brasil encon- do Sul: apresenta grande diversidade litológica, prevale-
trado na Bacia Sedimentar do Paraná. cendo o quartzito (pontos que apresentam altitudes mais
As rochas metamórficas são formadas a partir da al- elevadas), gnaisses, micaxistos e granito.
teração de pressão e temperatura de rochas ígneas ou Esse cinturão orogênico é resultado de dobramentos
sedimentares. Apresentam diversidade quanto à força e falhas ocorridos na borda do continente.

EXERCÍCIO

1. Leia o texto e responda à questão.

As altitudes do relevo brasileiro são, em geral, modestas. O ponto mais alto do país não ultrapassa os 3 mil metros: o
pico da Neblina (2 993 m), perto da fronteira do Amazonas com a Venezuela. Cerca de 41% do território nacional tem,
no máximo, 200 m de altitude; 78% tem até 500 m; e 92,7% até 900 m de altitude.

VESENTINI, José William.


Brasil: sociedade e espaço: Geografia do Brasil. 32. ed.
São Paulo: Ática, 2006. p. 252. Adaptado.

As características descritas neste texto citado indicam que o relevo brasileiro é:


a) bastante acidentado, com elevada incidência de dobramentos modernos.
b) diretamente influenciado pelas ações recentes de tectonismos.
c) geologicamente antigo, portanto mais desgastado.
d) pouco transformado pelos agentes erosivos e intempéricos.
824-4

e) totalmente aplainado, com poucas áreas de depressão.

POLISABER 29
GEOGRAFIA GERAL aula 13

ESTUDO ORIENTADO

Caro(a) aluno(a),
O importante ao responder às questões ligadas à bioesfera é pensar na relação de dependência causal entre as coisas
e os seres. De certo modo, isso se conecta à ideia de que somos parte de uma totalidade, na qual elementos de uma
natureza apropriada pela sociedade é resultado e condição da vida tal qual a concebemos.
A partir dos apontamentos desta aula, considere os longos processos geomorfológicos na constituição do relevo e
entenda que este tem um processo demorado de desgaste. Dessa maneira, foque sua atenção no fato de que o desgaste
é a chave para a compreensão das formas e das estruturas do relevo.
Bons estudos!

EXERCÍCIOS

1. Associe a segunda coluna de acordo com a primeira.


1 – Litosfera ( 4 ) Ambiente da Terra que compreende a vida.
2 – Hidrosfera ( 2 ) Sistema formado pelas águas da Terra.
3 – Atmosfera ( 1 ) Parte da Terra que compreende as rochas e o solo.
4 – Biosfera ( 3 ) É a camada de gases que envolve a Terra.

2. Os impactos ambientais geram problemas em todos os ecossistemas da Terra; portanto, parece-lhe correto afirmar
que o princípio de toda e qualquer ação é, antes, o princípio relacional entre todos os homens? Explique.
Os homens não vivem isolados. Nesse sentido, toda a ação é uma ação com impacto invariável a todos os demais. É o princípio de relação entre os homens o que conduz ao entendimento
contemporâneo de que a vida e o mundo são um só. Uma ação impacta todo seu entorno e a transformação desse entorno leva à mudança de um entorno ainda maior e, assim, em
sucessão de ocorrências, como ondas de transformações.

3. A estrutura geológica do Brasil é basicamente constituída por crátons (ou escudos cristalinos e maciços antigos) e
bacias sedimentares. Essas últimas são predominantes, ocupando cerca de 60% do território, o que pode indicar:
a) uma boa disponibilidade de combustíveis fósseis.
b) a predominância de áreas de planície.
c) a ausência de depressões relativas.
d) uma acentuada amplitude altimétrica.
e) a não existência de terras verdadeiramente férteis.

4.
Na verdade, a crosta terrestre está para a Terra na mesma proporção que a casca de um ovo está para o ovo.

ROSS, Jurandyr.
São Paulo: Edusp, 1996. p. 20.

Leia as seguintes afirmações:


I. A clara e a gema do ovo podem ser comparadas às camadas internas da Terra, representando o manto e o núcleo,
respectivamente.
II. Ao contrário da casca do ovo, a crosta terrestre é extremamente rugosa e sua espessura é muito
824-4

variável.

30 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

III. A espessura da crosta é maior do que a estrutura do em discursos da sustentabilidade urbana, repletos de
núcleo, dados os movimentos internos e a intensa ideologias socialmente hegemônicas, em promoção da
pressão oriunda do interior do manto. cidade sustentável.
Quando o olhar se volta às reais situações em que
Assinale a alternativa correta. se encontra o mundo, o adjetivo sustentável perde a
a) Somente I. credibilidade, já que suas propostas não são compatí-
b) Somente II. veis e, muito menos, viáveis para a contínua vigência
c) I e II. do sistema capitalista. Por isso, parte-se da hipótese
d) I e III. de que as realidades socioespaciais contemporâneas,
e) Somente III. tanto globais quanto locais, fornecem argumentos
verdadeiros e suficientes sobre o caráter falacioso das
ofertas da sustentabilidade, termo tão disseminado e
aclamado na sociedade, pelos mais distintos agentes.
RODA DE LEITURA
TEODORO, Pacelli Henrique Martins.
O sofisma da sustentabilidade urbana.
O tema “sustentabilidade” ganhou força nos últimos In: Mercator. Fortaleza, v. 11, n. 24, p. 101-113,
anos. A partir da utilização dos recursos naturais, pró- jan./abr. 2012. Universidade Federal do Ceará.
Disponível em: www.mercator.ufc.br/index.php/
ximo ao colapso dos sistemas naturais, em razão da
mercator/article/viewFile/564/402.
produção de bens de consumo, é que vemos emergir
Acesso em: 26 jul. 2016.
um novo debate sobre a natureza que prega o termo
sustentabilidade. O termo refere-se àquilo que permite
ser possível sustentar a vida na sociedade em parâmetros
razoavelmente próximos ao que vivemos hoje. Mas, afinal, NAVEGAR
isso é exequível? Atente-se ao trecho do texto a seguir.

A partir de 1970, o mundo passou a confrontar-se Vídeo


com mudanças e contradições multidimensionais,
Ilha das flores
nas mais variadas escalas. A procura por conciliar
Disponível em: youtube.com/watch?v=Yy5l4Y5bVDY.
desenvolvimento-ambiente desembocou no ecodesen-
Acesso em: 26 jul. 2016.
volvimento, a primeira proposta voltada ao crescimento
O documentário retrata como a sociedade contemporâ-
econômico, e nos usos de recursos naturais. Poste-
nea produz seus insumos e seu descarte. Os lastros de
riormente, o debate internacional cunhou o desenvol-
mazelas sociais provenientes desse arranjo são evidentes
vimento sustentável, uma tentativa de harmonizar os
na paisagem e na conformação das cidades.
sistemas econômico, social e ambiental, sob a égide
da esfera política.
Ainda com incertezas e sem consensos, o desen-
Site
volvimento sustentável irrigou suas propostas para
várias áreas de interesse social, fato que não poderia Programa Roda Viva entrevista Aziz Ab’Saber
ser diferente para as questões que envolviam a cidade. Disponível em: youtube.com/watch?v=QEYqoH4sZ5I.
A produção do espaço urbano tenta ganhar uma nova Acesso em: 26 jul. 2016.
aliada: a sustentabilidade urbana, a qual surge no ín- Entrevista com o geógrafo Aziz Ab’Saber no mesmo ano
timo das funções sociais da cidade, com a promessa da Conferência do Meio Ambiente Rio 92.
de torná-la mais durável. Entretanto, determinados
agentes sociais, preponderantes na produção da cida-
de, têm se apropriado da sustentabilidade como mero
artifício discursivo, para produzir e promover o espaço
ÁGORA
por meio do pensamento único, instaurado conforme
seus interesses emblemáticos, normalmente com A Geografia, em sua gênese, se ocupa da explicação de
pretensões de inserção multiescalar na disputa por ca- formas e processos: em que medida as formas da terra
824-4

pitais. Para tanto, eles buscam sua legitimação objetiva explicam os processos que nela ocorrem?

POLISABER 31
GEOGRAFIA GERAL aula 13

O primeiro objectivo da Geografia é explorar e expli-


car o espaço geográfico. No entanto, afirmamos muitas
vezes, mesmo entre geógrafos, que os tempos de ex-
ploração e de inventário são os tempos pré-científicos.
A ciência moderna necessita de um corpo teórico e
não de uma obsessão de classificação, ou seja, existe
a necessidade de um modelo epistemológico em que
ela defina teoricamente o seu objecto, trabalhe com
conceitos, estabeleça leis e, a partir do momento em
que a lei esteja cientificamente provada pela teoria,
passa-se à fase da verificação. É assim que se pode
“verificar teoricamente as experiências”, afirma Koyré
(1982), não o inverso.
A Geografia entendida como ciência da Terra e dos
Homens tem como objecto teórico o espaço, tem por
conceito a escala, os polos, a distância... e, tem por
lei, por exemplo, a distribuição dos centros urbanos
segundo uma hierarquia de serviços terciários. Estas leis
explicam as configurações espaciais tipo e descrevem
o funcionamento dos sistemas espaciais. A Geografia
é, assim, indubitavelmente a ciência do espaço [...].
A geomorfologia entendida como o estudo científico
das formas de relevo da superfície da Terra é, sem dúvi-
da, como dizia J. Tricart (1965), uma das peças mestras
da ciência geográfica. Assim, sempre que se pretenda
uma completa explicação de qualquer forma da Terra,
há que se fazer uma descrição da sua figura geométrica
e compreender os processos envolvidos na sua génese,
bem como no seu desenvolvimento através do tempo.
Não basta a simples descrição das formas de relevo,
torna-se fundamental o conhecimento das caracte-
rísticas climáticas da região em causa, bem como o
conhecimento das características tectónicas, litológi-
cas e biogeográficas, para compreender os processos
morfogenéticos.

PEDROSA, António de Sousa.


A geomorfologia perante a ciência geográfica:
algumas reflexões. In: Soc. & Nat., Uberlândia,
26(3):409-417, set./dez./2014.
Disponível em: scielo.br/pdf/sn/v26n3/0103-1570-
sn-26-3-0409.pdf. Acesso em: 26 jul. 2016.
Texto escrito em português de Portugal.
824-4

32 POLISABER
aula 13 GEOGRAFIA GERAL

S E N H A

O relevo é a base de tudo, mas a composição das coisas não existe sem outros elementos. Nesse
sentido, qual é a participação e os usos de água?
824-4

POLISABER 33
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL

Aula 12 Aula 13

Estudo orientado Estudo orientado

1. b 1. 4-2-1-3

2. F–F–V–V–V 2. Os homens não vivem isolados. Nesse sentido, toda


a ação é uma ação com impacto invariável em to-
3. c dos os demais. É o princípio de relação entre os
homens que conduz ao entendimento contemporâ-
neo de que a vida e o mundo são um só. Uma ação
4. b
impacta todo seu entorno e a transformação desse
entorno leva à mudança de um entorno ainda maior
5. c
e, assim, em sucessão de ocorrências, como ondas
de transformações.
6. c

3. a
7. b

4. c
824-4

34 POLISABER
GABARITO – GEOGRAFIA GERAL – CADERNO 4

Aula 12 Aula 13

EXERCÍCIOS EXERCÍCIOS

1. c 1. c
Refugiados são aqueles que são perseguidos por moti- O texto aponta o fato de o relevo brasileiro apresentar
vos políticos, étnicos, religiosos, em conflitos armados, altitudes modestas, sendo, por isso, bastante antigo
e por outras causas que violem direitos humanos. e desgastado.

POLISABER 35

Você também pode gostar