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Selene

A p o s t i l a do
Professor

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FUNDAÇÃO

HG
Selene_final.indd 1 30/01/2020 16:32
HISTÓRIA GERAL
SELENE 017

1 AULA

Aula Caderno 1
1 Antiguidade Ocidental: Grécia e Roma
2 Idade Média: da crise romana ao feudalismo
3 Renascimento e Reforma

Aula Caderno 2
4 O Absolutismo
5 Expansão marítima: ibérica e anglo-saxônica
6 Revoluções Inglesas no século XVII
7 O Iluminismo

Aula Caderno 3
8 Revolução Francesa e a Era Napoleônica
9 Américas inglesa e espanhola
10 Século XIX: Revolução Industrial e ideologias políticas
11 Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa

Aula Caderno 4
12 Fascismo e nazismo
13 Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
história geral
0012

aula 1 Antiguidade Ocidental: Grécia e Roma

Assim, junto das naus recurvas os aqueus cia que se instituiu no mundo antigo pelas conquistas de
em teu redor se armavam, peleide1 insaciável Alexandre, pelos domínios romanos, e depois por todos os
de guerra; na eminência do plaino, os troianos impérios que reivindicaram direito natural a essa herança, a
também. A Têmis, Zeus, do alto Olimpo de múltiplos qual, apesar da passagem dos séculos e das transformações
vales, ordena que à ágora convoque os deuses. que sofreu, ainda preserva sua condição de exemplo.
Homero. Ilíada. Edição bilíngue greco-portuguesa. Roma, por sua vez, se transformou num superlativo,
Trad. Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2002, p. 293, sinônimo de poder extremo, grandeza e monumenta-
canto XX, versos 1-26, v. II. lidade, imagem que se estendeu a seus governantes.
“Cidade Eterna” foi o título que lhe atribuíram ao longo
Eu, que entoava na delgada avena2 dos séculos, e essa imortalidade se deve à intensa ma-
Rudes canções, e egresso das florestas, nifestação de um passado sempre presente nos monu-
Fiz que as vizinhas lavras contentassem mentos, templos e palácios que ainda existem, em ruínas
A avidez do colono, empresa grata ou parcialmente preservados.
Aos aldeãos; de Marte ora as horríveis No imaginário coletivo, Roma é sempre lembrada
Armas canto, e o varão que, lá de Troia pelo vasto Império que se tornou, mas sua origem é uma
Prófugo3, à Itália e de Lavino às praias pequena cidade-Estado fundada no vale do rio Tibre en-
Trouxe-o primeiro fado. Em mar e em terra tre sete colinas, tornando-se depois uma República que
Muito o agitou violenta mão suprema, não só dominou os territórios e povos vizinhos, como se
E o lembrado rancor da seva Juno; expandiu pela Europa, Ásia e África.
Muito em guerras sofreu, na Ausónia quando A imagem de Roma na cultura ocidental – seja por
Funda a cidade e lhe introduz os deuses: seu legado, seja pela autoimagem dos romanos – sugere
Donde a nação latina e albanos padres,
um universo muito complexo e diversificado, composto
E os muros vêm da sublimada Roma.
por diferentes povos e culturas conquistadas, como um
Virgílio. Eneida. Trad. Antonio Feliciano de Castilho e mosaico – técnica pictórica muito cara aos romanos –
Manuel Odorico Mendes. São Paulo: W. M. Jackson Inc.,
p. 103, livro I, versos 1-14.
que perdurou, na Antiguidade, ao longo de mais de 1 200
anos de história.
Os versos acima, atribuídos, no primeiro fragmento, O chamado “legado romano” inclui desde a língua
ao poeta grego Homero, e no segundo, ao poeta romano latina e suas variantes (português, galego, castelhano,
Virgílio, representam um dos referenciais da cultura da catalão, francês, provençal, italiano, sardo e romeno), a
Antiguidade que não só nos permitiu recuperar esse valorização da cultura escrita, o sistema político repu-
período da História, mas também se constituiu num blicano, a legislação e sua sistemática, que formam a
modelo de estilo para a composição de outros poemas, base do sistema jurídico em grande parte dos países
ao longo de vários séculos, como no Renascimento e no ocidentais, até o gosto pelos espetáculos públicos (jogos
neoclassicismo. e lutas) e, mais tardiamente, em virtude da conversão
De certa forma, o olhar dos gregos sobre as coisas ao cristianismo, toda a referência da então perseguida
forjou nossa relação com o mundo em diferentes esferas: seita à época de Augusto e que, já no fim do Império, se
a valorização da razão (lógos e, daí, lógica), o apreço pelo erige em religião oficial do Estado, dando a Roma mais
saber (filo = amigo; sophia = saber) e a reverência ao belo um motivo para se entender como Axis Mundi (“centro
(aesthesis = estética). do mundo”, em latim).
Foi justamente a forma de refletir sobre o homem e
sobre o mundo que fez dos helenos (gregos) uma referên- A cidade-Estado
1. Aquiles, filho de Peleu.
2. Flauta pastoril.
A pólis era constituída por um núcleo de povoamento
(casas, ruas, praças, mercados e templos), geralmente
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3. Fugitivo.

CURSINHO DA POLI 1
história geral • aula 1

amuralhado (inicialmente com paliçadas de madeira na península Balcânica, na Ásia Menor e na bacia do
e, depois, com muros de pedra), que detinha o controle Mediterrâneo.
sobre uma área rural em seu entorno, responsável pelo Situada na planície da Ática, Atenas foi fundada por
abastecimento (plantio, pastagens, caça, água etc.). jônios, tendo se desenvolvido inicialmente como uma
Assim, podemos entender que a Hélade era um gran- cidade-Estado agrícola. Gradativamente, o comércio
de mosaico composto por diferentes cidades-Estado, passou a ser o elemento central da sua economia: favo-
cada qual com seu governo e suas peculiaridades, mas recida pelo litoral recortado e uma frota mercante bem
que, de certa forma, tinham uma identidade cultural que estruturada que partia do porto de Pireus para vender
se desdobrou das migrações e invasões. produtos agrícolas e artesanato para diversas regiões, viu
Entre as várias poleis, analisaremos duas em es- crescer sua influência sobre a península e o mar Egeu.
pecial: Atenas e Esparta. A escolha se deve ao fato de Com a desarticulação dos genos e o processo de
haver sobre elas mais informações históricas (textos dispersão da população, ocorreu um movimento de
e artefatos arqueológicos) e também ao papel que colonização em direção ao Mediterrâneo ocidental,
tiveram dentro da Hélade, constituindo-se uma fundando-se colônias gregas no norte da África e no
espécie de referência que, entretanto, não reduz a sul da Itália e da península Ibérica – uma vasta região
importância das demais cidades-Estado que existiram denominada Magna Grécia.

Mediterrâneo e as colônias gregas


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Fenícia e colônias cartaginesas O L CIRENAICA Mênfis
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km
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fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002, p. 7.

A sociedade ateniense também sofreu um processo Com o aumento das pressões sobre a oligarquia
de divisão das terras como o que ocorreu em Esparta: em virtude do surgimento de novos grupos sociais
as melhores terras ficaram com os pater familias e seus exigindo reformas, reestruturaram-se as leis, que pas-
parentes próximos, os eupátridas; as menos férteis, com saram a ser escritas. O primeiro legislador foi Drácon,
pequenos proprietários, os georgoi; e muitos ficaram notório por sua rigidez. As reformas tiveram relativo
sem terras, os thetas, que se dedicavam ao comércio progresso por intermédio de Sólon, que acabou com
e ao artesanato. Havia ainda um número considerável a escravidão por dívidas em 594 a.C. e implantou o
de escravos, comprados para o trabalho agrícola, ou de regime censitário de participação política.
georgoi endividados, que se tornavam escravos porque No entanto, a crise não se resolveu plenamente,
não conseguiam pagar suas dívidas. pois os aristocratas negaram-se a implantar as refor-
Politicamente, os eupátridas detinham o controle mas de Sólon, motivando a instauração de uma tirania
e apoiavam o rei (basileus), caracterizando uma mo- com a tomada do poder por Psístrato, um aristocrata
narquia. O regime monárquico entrou em decadência habilidoso que conseguiu equilibrar as forças entre os
quando os reis tentaram uma ampliação de seus po- aristocratas e o povo. As tiranias tiveram fim quando
deres, fazendo com que os eupátridas estabelecessem Clístenes depôs o tirano Iságoras em 508 a.C., abrindo
uma oligarquia. caminho para a democracia.
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2 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 1

O sistema democrático ateniense consistia na militar, e os homens eram criados por suas mães até
participação política de todos os cidadãos. Como a os 7 anos e depois entregues ao Estado para receber
cidadania era restrita aos homens maiores de idade, treinamento; aos 17 anos, passavam por uma iniciação,
nascidos em Atenas e filhos de mãe e pai atenienses, a cripteia, que consistia na captura e morte de certo
tratava-se de uma pequena parcela da população da número de hilotas; entre os 17 e os 30 anos viviam em
cidade. Mulheres, estrangeiros e escravos não eram casernas, a serviço do Estado, e só depois podiam se casar
considerados cidadãos. e participar da Assembleia.
Assim, para exercer sua cidadania, os atenienses Segundo o costume, dos 30 aos 60 anos, o espartíata
precisavam de um instrumento que lhes garantisse estaria a serviço de Esparta e depois se aposentaria, mas,
tempo livre para participar das decisões políticas. Esse pelos dados de que dispomos, a expectativa média de
instrumento foi a escravidão: os escravos faziam os vida não atingia os 50 anos, e, assim, eles viviam e mor-
mais diferentes trabalhos, favorecendo, assim, o cida- riam servindo o Estado.
dão – fosse ele um pequeno comerciante, fosse um rico Outro ponto importante da educação em Esparta
proprietário de terras –, porque lhe permitia dedicar seu era o estímulo ao laconismo (valorização das atividades
tempo à discussão dos negócios da pólis. Assim surgiu físicas em detrimento das intelectuais) e a xenofobia
a carreira política. (aversão a estrangeiros).
As discussões políticas aconteciam na Acrópole,
dentro da Eclésia (Assembleia). Para a sustentação do Roma
regime democrático, Clístenes implantou uma espécie
de “mecanismo de segurança”, que suspendia por 10 O regime republicano se sustentava nas magistra-
anos os direitos políticos de um cidadão considerado turas, cargos públicos exercidos pelos patrícios e que
nocivo ao Estado. Era uma votação em que cada cidadão representavam a administração pública, sendo o Senado
escrevia o nome do indivíduo num pedaço de cerâmica a principal instância de poder, acompanhado da ação dos
em formato de concha, o ostrakon, e o processo era cônsules. Em vários monumentos, esculturas, pinturas
chamado ostracismo. e textos encontram-se a inscrição SPQR, acrônimo4 de
Se o exercício da cidadania em Atenas ocorria pela Senatus Populusque Romanus, que significa “O Senado e
participação nos debates na ágora, discutindo-se os o povo romano”, mas, apesar disso, havia uma distância
negócios da pólis, entre os espartanos, o fundamento considerável entre os interesses do Senado e as neces-
da cidadania era a prática militar. sidades do povo de Roma.
A pólis de Esparta foi fundada pelos dórios por volta O Senado era o conselho formado pelos membros
do século IX a.C., na península do Peloponeso, uma mais velhos das famílias patrícias mais importantes,
região de planícies, sendo a principal a Lacônia. Ali de- que detinham cargos vitalícios. O termo é originário do
senvolveram um sistema aristocrático de poder, sob o latim senex, que significa velho (e daí raiz para “senil” e
comando do rei (basileus), de um conselho de anciãos, “sênior”, ou alguém mais velho, por oposição a “júnior”,
a gerúsia (geros = velho), e da assembleia dos cidadãos ou mais novo)5.
(ápela). A estrutura política espartana é atribuída ao Juntamente com o Senado, havia o papel dos côn-
lendário legislador Licurgo. sules, que governavam aos pares e desempenhavam
Do ponto de vista econômico, Esparta vivia, sobretu- as funções dos antigos reis: comandar os exércitos e os
do, da agricultura, além do pastoreio e de um pequeno cultos públicos e convocar o Senado. Em caso de uma
artesanato, atividades voltadas para o comércio interno, crise grave, podiam acionar uma espécie de “mecanismo
o qual buscava suprir as necessidades da pólis, e também de segurança”: a ditadura.
se relacionava com outras cidades mais próximas, fato Para salvar a República e recuperar a ordem, cabia aos
que favorecia o intercâmbio de excedentes, à medida cônsules indicar um político com poderes extraordiná-
que as colheitas permitiam. rios que assumiria o papel de ditador (em latim, dictator
Com uma economia ligada à subsistência e uma in- é quem dita, ou ordena) pelo período – prorrogável – de
tensa herança belicosa, os espartanos tinham uma socie- seis meses, e, uma vez solucionada a crise, o poder retor-
dade rígida, destacando-se os espartíatas (proprietários nava ao Senado e às magistraturas.
das melhores terras e detentores dos direitos políticos), As demais magistraturas se compunham pelos car-
os periecos (proprietários das terras menos férteis) e os gos de censor (responsável pelos recenseamentos da
hilotas (escravos).
Essa forte tradição militar e o rígido sistema político 4. Um acrônimo é uma palavra formada pelas primeiras letras ou sílabas de uma expressão como
determinavam que os cidadãos espartanos fossem “e-mail”, do inglês electronic mail = correio eletrônico, e “Petrobras”, de petróleo brasileiro
(Dicionário eletrônico Aulete Digital. Disponível em: <http://www.auletedigital.com.br/>).
exímios guerreiros. Para preservar o poder da minoria 5. Ainda hoje, em vários países – inclusive o Brasil –, dá-se ao filho o mesmo nome do pai, e,
espartíata, impunha-se aos espartanos um controle se- para distingui-los, acrescenta-se “júnior” ao do filho. Outro uso é a classificação de categorias
esportivas separadas por idade ou de cargos em corporações empresariais: os mais novos ou
vero: crianças de ambos os sexos recebiam treinamento iniciantes (juniores) e os mais experientes (seniores).
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CURSINHO DA POLI 3
história geral • aula 1

população com base na riqueza e pela elaboração da a desigualdade era intransponível, pois se tratava de
lista dos que seriam indicados para o Senado, o chama- homens livres e escravos.
do Album Senatorial), questor (que controlava o tesouro
público e dava assistência financeira aos cônsules du- Roma na expansão republicana
rante as campanhas militares) e pretor (responsável pela
execução da justiça).
Vanni Archive/CORBIS/ LatinStock

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A estrutura urbana de Roma era marcada pelos espaços de diver-
são (Coliseu e Circus Maximus), o Fórum (sede do poder político), os Mar Jônio

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espaços sagrados, e pelas diferentes formas de moradia.

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Durante a República, eram constantes os atritos Messina

entre plebeus e patrícios – estes impedindo a partici- Mar Mediterrâneo N


Sicília
pação política daqueles. Em virtude disso, a plebe se Agrigento
Siracusa O L

revoltou várias vezes, reivindicando maiores direitos Cartago


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políticos. Entre 494 e 300 a.C., os plebeus fizeram vá- 0 115

rias manifestações, deixando de fazer seu trabalho e Malta 15˚L km

saindo em direção ao Monte Sagrado, que ficava nos Domínio de Roma - 298 a.C. Extensão do poder romano em 20 a.C.
arredores da cidade, e obtiveram as seguintes conquis- Regiões submissas a Roma em 264 a.C. Colônias romanas no II milênio a.C.
tas: o Tribunato da Plebe, uma magistratura criada para fonte: Atlas historique. Paris: Larousse, 1996.
que os plebeus tivessem representação (os tribunos
da plebe) perante as decisões políticas do Senado; o
estabelecimento de um sistema de leis escritas que
A expansão sobre o Mediterrâneo
deveriam substituir a então tradição oral, e daí nasceu
A expansão romana sobre a península Itálica ocorreu
A Lei das Doze Tábuas, em 445 a.C.; a Lei Canuleia, que
liberou o casamento entre patrícios e plebeus; e, por a partir de guerras defensivas entre os romanos e os
fim, em 366 a.C., a Lei Licínia, que estabeleceu o fim povos vizinhos à região do Lácio – os celtas e os etruscos
da escravidão por dívida. ao norte, os sabinos e os volscos a leste, e os gregos ao
Umas das últimas revoltas da plebe, entre 287 e sul, na região da chamada Magna Grécia.
286 a.C., fez com que lhes fosse concedida a permis- Com a intensificação das campanhas militares, os
são da formação de uma assembleia de plebeus, que patrícios aumentaram os impostos e a exigência de
deveria ser consultada para a aprovação das questões participação dos camponeses na constituição da massa
propostas pelo governo – e, assim, nascia o plebiscito de soldados do exército, cabendo ao patriciado os cargos
(plebiscitum = consulta ao povo). Apesar da organi- de comando. O alistamento obrigatório criava inúmeros
zação dessa assembleia, a plebe não conseguiu uma problemas para as famílias plebeias: tendo de abandonar
efetiva participação política, sobretudo quando se as terras, muitos camponeses as acabavam perdendo,
analisa o processo de expansão que marcou o período pois, quando voltavam, não conseguiam recuperar a
republicano, como veremos. produção ou pagar suas dívidas, tornando-se escravos.
De acordo com as características apresentadas até Com o fim da escravidão por dívidas, pela Lei Licínia, os
aqui, não se pode dizer da República romana que fosse camponeses empobrecidos rumavam para as cidades
um sistema democrático e representativo como o que em busca de melhores condições.
conhecemos hoje, pois havia não só a grande influência A guerra gerou um grande número de prisionei-
dos patrícios, como também uma sociedade em que ros que se tornavam escravos, e esse contingente foi
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história geral • aula 1

usado para a implementação de uma nova unidade de propriedade com trabalho livre e motivando o êxodo
produção agrícola: o latifúndio (latifundium), grande rural – a população saía dos campos buscando uma
propriedade com trabalho escravo, responsável por nova oportunidade na cidade, o que redundou na su-
uma produção mantida e diretamente controlada pela perpopulação de Roma.
aristocracia. A situação era de tensão permanente, pois o inchaço
Sabemos que já existiam escravos em Roma antes da populacional, o estado de guerra e as dificuldades para
expansão militar, mas o trabalho de homens livres era se manterem condições mínimas para os romanos fa-
predominante. A expansão inverteu essa situação, pois ziam de Roma o centro de desordens dentro da cidade,
as conquistas promoviam a reorganização da cadeia situação resolvida de forma paliativa e temporária com
produtiva em novos termos: concentração de terras e a distribuição de trigo aos pobres.
renda nas mãos do patriciado e um gradativo empo- Uma das saídas possíveis era a reforma agrária,
brecimento da massa plebeia, que viu no êxodo rural que os irmãos Tibério e Caio Graco, tribunos da plebe,
a possibilidade de sobreviver – mas, como veremos, a tentaram implementar no século II a.C., tendo sido
incerteza era grande, e o resultado foi a manutenção da frontalmente combatidos pela aristocracia. Tibério
desigualdade e da opressão dos mais abastados sobre os pensava em tornar camponeses os pobres urbanos,
miseráveis, desprovidos de terras e de liberdade. mas não logrou a aprovação de suas propostas e foi
Por volta de 274 a.C., quando Roma conquistou toda assassinado pelos senadores em 131 a.C., dentro do
a península Itálica, o processo de expansão entrou em Senado. Anos depois, seu irmão mais novo, Caio Graco,
choque com os interesses de outra potência do Mediter- também eleito tribuno da plebe, retomou as teses do
râneo: Cartago, a antiga colônia fenícia que controlava a irmão e encontrou o mesmo destino: perseguido pela
Sicília, o norte da África e a península Ibérica. aristocracia, foi acuado e se matou em 121 a.C., junto
Entre 264 e 146 a.C., Roma promoveu as Guerras Pú- com um grupo de seus partidários.
nicas6: três guerras contra Cartago cujo motivo inicial era Se a ideia de reforma agrária era completamente
a disputa pela Sicília. Os romanos destruíram o poderio inaceitável para o patriciado romano, uma outra medi-
de Cartago dominando as ilhas da Sicília, da Córsega e da – também paliativa – procurou resolver a questão: o
da Sardenha (264-241); depois, apesar da resistência do patrocínio de espetáculos gratuitos para entretenimento
general Aníbal e de seu exército formado por soldados e da plebe, havendo, entre as atrações ou no final, a distri-
elefantes (218-202 a.C.), derrotaram Cartago na penínsu- buição gratuita de pão para toda a plateia. Desse modo,
la Ibérica; e, finalmente, a arrasaram em 146 a.C., fazendo a plebe se ocupava em bater palmas no circo, enquanto
com que fosse saqueada e queimada, escravizando a o patriciado se instalava no poder e passava a disputá-lo
população sobrevivente e anexando a região como uma internamente. Essa política foi chamada panis et circensis,
simples província romana. isto é, “pão e circo”.
Uma vez conquistado o Mediterrâneo ocidental, os
romanos o transformaram no Mare Nostrum, prosseguin-
do para a conquista da porção oriental, que em 146 a.C.
Imperium
viu a anexação da Hélade, bem como a da península
A República já dava sinais de que não conseguiria se
Balcânica. Roma passou a expandir na direção do que
sustentar por muito tempo mais, porque passara por um
fora o Império de Alexandre Magno, e, assim, deu-se uma
período de guerras civis (100-60 a.C.), fazendo do exér-
fusão cada vez maior entre a cultura romana e elementos
cito sua instituição maior, posto que fora o responsável
helênicos – eis por que a expressão greco-romana é a
pela expansão e ampliação do poder romano. Assim, os
melhor definição para esse contexto.
generais abandonaram a lealdade para com o Senado
A expansão militar ocasionou uma transformação
na sociedade romana, pois dois grupos começaram a e passaram a buscar espaço político. De fato, com seu
ascender nos planos militar e territorial. De um lado, os nome e o prestígio militar decorrente do apoio que
generais, responsáveis pela grandeza e pelo enriqueci- recebiam das legiões do exército, lograram estabelecer
mento da República, e, de outro, os chamados homens um governo tríplice, o Triunvirato.
novos ou equestres, comerciantes que enriqueceram O Primeiro Triunvirato (60-44 a.C.) foi formado pelos
com as campanhas militares, tornando-se tão ou mais generais Crasso, Pompeu e Caio Júlio César, tendo como
poderosos que a velha aristocracia patrícia. base a divisão e o equilíbrio de poder. General de renome
Outra mudança importante na sociedade romana e grande prestígio político, César desafiou o Senado,
foi a implementação do escravismo como base da mão partindo para a conquista da Gália. Com a morte de
de obra na economia, fazendo da guerra sua fonte de Crasso, Pompeu se aproximou do Senado e, procurando
abastecimento e, assim, desarticulando a pequena enfraquecer César, retirou-lhe o poder sobre a Gália.
César continuou a campanha e retornou com seus
6. Os romanos chamavam os cartagineses de punos, e sua cidade, de Punis. exércitos a Roma, tomando a cidade e sendo aclamado
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CURSINHO DA POLI 5
história geral • aula 1

Império Romano – século II d.C.

fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. São Paulo: Scipione, p. 13.

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Itália à morte de César Conquistas entre 14 e 98 A Azeite O Ouro


Províncias à morte de César Conquistas entre 98 e 117 C Cereais S Seda
E Escravos V Vinho
Conquistas de Augusto (44 a.C.-14 d.C.) Rotas de comércio G Gado

pelo povo. Pompeu foge, mas é morto no Egito. o Segundo Triunvirato (40-31 a.C.).
Júlio César foi proclamado ditador pelo povo e re- A morte de César não salvou a República da crise,
cebeu vários títulos do Senado: Princeps Senatus (cargo obrigando seus partidários a se organizar num novo
de honra do Senado, com o qual poderia discursar em triunvirato: Lépido, Marco Antônio e Otávio, sobrinho
primeiro lugar), Pontífice Máximo (sumo sacerdote de César.
da religião romana), Cônsul Vitalício (governador de Mais uma vez, a aliança teve curta duração, porque
Roma), Ditador Vitalício (poderes plenos em todos os Lépido foi afastado das funções políticas (permanecendo
níveis, inclusive o legislativo) e Imperator (comandante apenas como Pontífice Máximo) e, assim, a cena política
supremo do exército). Tentando preservar as instituições se tornou palco de uma acirrada disputa pelo poder: de
republicanas, César recusou o título de rei, mas seu um lado, o jovem Otávio, de família ilustre, mas inexpe-
imenso poder e suas medidas populares provocaram a riente; de outro, o experiente general Marco Antônio,
ira dos senadores. vencedor de muitas batalhas e que controlava uma das
Caio Júlio César foi assassinado em 44 a.C. por uma regiões mais ricas dos domínios romanos, uma vez que
conspiração de senadores liderados por Brutus e Cássio, o Oriente (península Balcânica e Ásia Menor) fornecia a
que esperavam contar com o apoio do povo e do exérci- maior parte do trigo para Roma.
to, visto que, em sua concepção, estariam livrando Roma A disputa teve um componente particular: Otávio supu-
de um ditador que abusara do poder. No entanto, o efeito nha que Marco Antônio manteria sua lealdade a Roma, mas
foi exatamente oposto: povo e exército se sentiram “ór- a ambição deste de controlar toda a“herança de César”e de
fãos” com a morte daquele que tinham como seu “pai”,e a se aproximar e se envolver com Cleópatra (antiga amante
comoção pela morte de César obrigou os conspiradores de César, com quem ele tivera três filhos7), culminou com a
a fugir de Roma para escapar da fúria popular.
De 44 a 40 a.C., houve uma forte tensão em razão do 7. Cleópatra VII (69-30 a.C.) foi a última governante da dinastia ptolomaica, que começou com
Ptolomeu, general macedônico que passou a governar o Egito depois da repartição do Império
enfrentamento entre os partidários de César e os cons- Helenístico em virtude da morte de Alexandre Magno, em 323 a.C. Seu governo foi marcado
piradores, provocando uma instabilidade política que pela instabilidade política, consequência da fraca posição do Egito perante o crescente
expansionismo romano no fim da República. Depois de sua morte, o Egito se tornou uma
só foi debelada com a articulação de uma nova aliança: simples província romana.
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6 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 1

derrota de Marco Antônio em 31 a.C., na batalha do Actium, A administração de Otávio Augusto foi marcada
no Egito. Preferindo uma morte honrosa, Marco Antonio se por sua concentração de poder, enfraquecendo o
matou, e, em seguida, Cleópatra fez o mesmo. Senado e dando às magistraturas funções civis. O
Otávio voltou a Roma em triunfo, distribuindo para sistema de cobrança de impostos também mudou:
a plebe trigo saqueado do Egito; assim, era aclamado antes feita por particulares, passou a ser controlada
como um ser divino, e o Senado o via como o salvador pelo Estado, fato que diminuiu a exploração das
da República. populações dominadas e aumentou a arrecadação.
Tendo sobressaído no Triunvirato que articulara com Um dos eventos mais significativos do reinado de
Marco Antônio e Lépido, Otávio recebeu, além dos que Augusto foi a Pax Romana, quando se interromperam
se concederam a seu tio Júlio, um poder maior: ele foi as conquistas e as fronteiras do Império foram estabi-
considerado Augustus, isto é, venerável, divino. lizadas e bem guardadas. A suspensão das conquistas
A fusão entre o pleno poder político e a ideia de implicava a pacificação da sociedade – os soldados
divindade forjou a figura do Imperador, que passou a teriam descanso e os impostos seriam mais leves. No
ser cultuado junto com os deuses, fundamentando-se entanto, sem ter a dimensão dos desdobramentos de
aí as referências para a teocracia ocidental. suas medidas, Otávio detonava uma bomba-relógio,
Otávio manteve o Senado, mas esvaziou-o de poder, porque o Império se sustentava na mão de obra es-
e, para preservar e honrar a memória de seu tio, acres- crava oriunda das guerras, e a perda gradativa dessa
centou César a seu nome e passou a ser conhecido como fonte de abastecimento constante engendrou a crise
Octavius Augustus Caesar (Otávio Augusto César). que sobreveio cerca de dois séculos depois.
Logo, além de um nome,“César” tornou-se uma desig- Ao morrer, em 14 d.C., Otávio Augusto teve direito à
nação para um político ilustre romano, uma dignidade – o apoteose, isto é, foi c olocado entre os deuses do panteão
equivalente a imperador. A palavra “Caesar”, ou “Caesar”, romano e passou a ser adorado como um deles.
é a raiz etimológica de “Czar”, em russo, e de “Kaiser”, em A trajetória do Império que se originou com
alemão, ambos sinônimos de imperador. Outras línguas Otávio pode ser dividida em duas fases: o Alto
latinas têm palavras originárias de imperator: o italiano Império (século I a.C. — século II d.C.) e o Baixo Im-
(Imperatore), o francês (Empereur), o inglês (Emperor), e pério (século III a V d.C.). A primeira é marcada pela
também o português (imperador) e o espanhol (Empe- estabilidade política e econômica, pelo surgimento
rador). do cristianismo e sua consequente perseguição. Na
segunda, observam-se a retomada das atividades mi-
Asier Villafranca/Dreamstime.com

litares e o início de uma longa crise socioeconômica,


seguida de uma crise política e desordem militar, que
culminou com as invasões bárbaras e a destruição
do Império do Ocidente.
Ao ordenar a interrupção das conquistas e es-
tabelecer a fixação das fronteiras, Otávio Augusto
desencadeou um processo de crise na ordem socioe-
conômica do Império, pois, como vimos, a diminuição
do fluxo de escravos instalou uma forte crise por volta
do século III.

Resumo da ópera8

Nesta aula, apresentamos dois conceitos fundamen-


tais para a compreensão da história ocidental: democra-
cia e república. Cada um deles foi colocado dentro de
seu contexto de formação, isto é, a Grécia do século V
a.C. e o período republicano e imperial de Roma entre
os séculos VI a.C. e I d.C.

8. Hoje é muito comum essa expressão – “resumo da ópera” –, pois remete à ideia de um
apanhado geral sobre determinado assunto, mas sua origem é antiga. Ela vem do italiano
sommàrio dell’Opera, com que no século XVII se fazia uma breve apresentação de uma obra
Nessa estátua, Otávio se apresenta com a couraça militar de arte (escultura, pintura, construção etc.), e é esse o sentido inicial da palavra italiana opera:
de general e a toga de cônsul, mas está descalço e acom- “obra” ou “ação”. Foi também no século XVII que o canto lírico que conhecemos hoje passou
a ser chamado de “ópera”; no teatro, os espectadores recebiam um pequeno livro (libretto)
panhado de um putto (ser mitológico de aparência infan- com as letras das árias (cada parte da peça) para acompanhar o que se cantava, e ainda uma
til), fato que lhe confere ar divino. Atualmente encontra-se sinopse do enredo da peça. Daí a relação entre a função primeira da expressão e o uso que
exposta nos museus do Vaticano, Itália. lhe damos hoje.
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CURSINHO DA POLI 7
história geral • aula 1

Vimos alguns aspectos da Grécia Antiga, como sua reconhecendo, dessa forma, a igualdade jurídica e
organização política e social, que merecem atenção social da população da Grécia.
especial pela ausência de um Estado grego unificado III. os escravos romanos, por terem pequenas proprie-
e pela fragmentação em inúmeras cidades-Estado com dades e direitos políticos, conviveram pacificamente
diferentes sistemas políticos, entre os quais enfocamos com os cidadãos romanos, como forma de evitar
os dois principais modelos: Atenas e Esparta. conflitos e a perda de direitos.
Em relação a Roma, destacamos o processo de orga- IV. os escravos romanos, que se multiplicavam com o
nização da sociedade romana, sua característica inicial de expansionismo de Roma, estavam submetidos à
cidade-Estado e a subsequente expansão que preservou autoridade de seu senhor, e sua condição obedecia
a organização social interna (patrícios favorecidos em mais ao direito privado do que ao direito público.
detrimento da plebe), mas mudou a ordem econômica,
fazendo substituir a pequena propriedade com trabalho É correto apenas o que se apresenta em:
livre e o latifúndio com trabalho escravo. a) I e II. d) II e IV.
No campo político, a mudança foi mais lenta: a b) I e IV. e) III e IV.
monarquia que foi substituída pela república, e esta, c) II e III.
não resistindo às disputas de poder entre o Senado e
o exército, esmoreceu com a formação do Império, que Estudo orientado
se tornou uma espécie de poder e prestígio nunca an-
tes alcançada, a ponto de, mesmo com sua crise e fim, exercícios
muitos outros governantes terem tentado recuperar a
ideia de seu período glorioso: o destino de Roma era 1. (UFES) A força humana é uma das mais antigas
dominar o mundo. fontes de energia empregadas para agir sobre a na-
tureza. Nesse sentido, muito embora, na Antiguidade,
Exercícios as sociedades ateniense e romana não investissem no
desenvolvimento de um aparato tecnológico muito
1. (UNIFESP) sofisticado, foram capazes de construir uma sólida
[...] não era a falta de mecanização [na Grécia organização urbana. Para tanto, fundamentaram-se
e em Roma] que tornava indispensável o recurso à na exploração do trabalho humano por meio das
escravidão; ocorrera exatamente o contrário: a pre- relações escravistas de produção. Das alternativas
sença maciça da escravidão determinou a “estagnação a seguir, a única que não caracteriza o escravismo
tecnológica” greco-romana. greco-romano é:
a) o predomínio da utilização da mão de obra escrava
Aldo Schiavone. Uma história rompida: Roma antiga e na produção agrícola, com a geração de excedentes
Ocidente moderno. São Paulo: Edusp, 2005.
comercializados nos núcleos urbanos.
b) a conversão jurídica de seres humanos em meios de
A escravidão na Grécia e na Roma antigas:
produção desprovidos de direitos sociais e assimila-
a) Baseava-se em características raciais dos trabalha-
dos a bestas de carga.
dores.
c) a conexão estreita entre a expansão do sistema escra-
b) Expandia-se nos períodos de conquistas e domínio
vista e o fortalecimento do ideal de cidadania, já que
de outros povos.
o escravo era considerado o oposto do cidadão.
c) Dependia da tolerância e da passividade dos escravos.
d) o emprego da mão de obra escrava na execução das
d Foi abolida nas cidades democráticas.
atividades existentes no âmbito da cidade-Estado,
e) Restringia-se às atividades domésticas e urbanas.
incluindo aquelas de natureza política.
e) a importância da guerra como principal fonte de traba-
2. (FATEC) As civilizações da antiguidade clássica
lho escravo, dada a relação intrínseca, na Antiguidade,
– Grécia e Roma – desenvolveram uma estrutura so-
entre crescimento econômico e poderio militar.
cioeconômica alicerçada no escravismo. Sobre essa
temática, pode-se afirmar que:
2. (UEL) Leia o texto a seguir:
I. a escravidão foi indispensável para a manutenção do A crise desencadeada na sociedade romana pela
ideal democrático em Atenas, uma vez que os cida- transformação acelerada das estruturas sociais ocor-
dãos ficavam desincumbidos dos trabalhos manuais rida após a segunda guerra púnica atingiu em meados
e das tarefas ligadas à sobrevivência. do século II a.C. uma fase em que se tornava inevitável
II. a escravidão foi abolida em Atenas quando Péricles a eclosão de conflitos declarados. A agudização das
estabeleceu o direito político a todos os cidadãos, contradições no seio da organização social romana,
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8 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 1

por um lado e, por outro, as fraquezas cada vez mais a) Segundo o texto, qual a organização política mais
evidentes do sistema de governo republicano tiveram relevante da Grécia antiga? Indique suas principais
como resultado uma súbita eclosão das lutas sociais características.
e políticas. b) Relacione a economia da Grécia antiga com as con-
G. Alfoldy. A história social de Roma. Trad. Maria do Carmo Cary. dições geográficas indicadas no texto.
Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 81.
4. (UNIFESP) Em Roma antiga, e no Brasil colonial e mo-
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, nárquico, os escravos eram numerosos e empregados
considere as afirmativas a seguir. nas mais diversas atividades. Compare a escravidão
I. Na revolta dos escravos, as frentes estavam bem nessas duas sociedades, mostrando suas
definidas, pois se tratava principalmente de uma luta a) semelhanças. b) diferenças.
dos escravos rurais contra os seus senhores e contra
o Estado romano, que protegia os senhores. Esse roda de leitura
período iniciou-se com a primeira revolta de escravos
na Sicília e terminou com a revolta de Espártaco. texto 1
II. As revoltas dos habitantes das províncias e dos Os instrumentos propriamente ditos são instru-
itálicos podem ser consideradas movimentos de mentos de produção. A propriedade, ao contrário, é
camadas sociais homogêneas. Os seus objetivos eram simplesmente de uso. Assim, a lançadeira pode produzir
a luta pela libertação dos membros de uma camada mais do que dela se exige; mas um vestuário ou um leito
social oprimida e não a libertação de comunidades, nada produzem além do seu uso. Diferindo a produção
Estados ou povos outrora independentes da opres- e o seu uso segundo a espécie, e tendo essas duas coisas
são do Estado romano. instrumentos que lhes são próprios, é claro que os instru-
III. Um dos conflitos mais significativos tinha lugar entre mentos que lhe servem devem ter a mesma diferença.
os cidadãos romanos, divididos em grupos, com A vida é uso, e não produção; eis por que o escravo só
objetivos opostos. O objetivo primeiro de uma das serve para facilitar o uso. Propriedade é uma palavra
facções, a dos políticos reformistas, era resolver os que deve ser compreendida como parte: a parte não se
problemas sociais do proletariado de Roma; a ela inclui apenas no todo, mas pertence ainda, de um modo
se opunha a resistência da oligarquia, igualmente absoluto, a qualquer coisa além de si própria. Assim é a
numerosa. propriedade. Também o senhor é simplesmente dono
do escravo, mas dele não é parte essencial; o escravo,
IV. Nas últimas décadas da República, o objetivo primor-
ao contrário, não só é servo do senhor, como ainda lhe
dial dos conflitos passou a ser a conquista do poder
pertence de um modo absoluto.
de Estado. A questão era saber se esse poder seria
Fica demonstrado claramente o que o escravo é em
exercido por uma oligarquia ou por um único gover-
si, e o que pode ser. Aquele que não se pertence, mas
nante. A consequência última desses conflitos não foi
pertence a outro, e, no entanto, é um homem, esse é o
a mudança da estrutura da sociedade romana, mas
escravo por natureza. Ora, se um homem pertence a
a alteração da forma de Estado por ela apoiada.
outro, é uma coisa possuída, é um instrumento de uso,
separado do corpo ao qual pertence.
A alternativa que contém todas as afirmativas cor-
retas é: Aristóteles. A política. 5. ed. Trad. Nestor Silveira Chaves.
São Paulo: Atena Editora, 1957, p. 17, livro I.
a) I e II. d) I, II e III.
b) II e III. e) I, III e IV.
c) III e IV. texto 2
Muitas vezes, ouvi dizer que Quinto Máximo e Pú-
3. (UNICAMP) blio Cipião, além de outros homens ilustres de nossa
A característica mais notável da Grécia antiga,a razão pátria, costumavam afirmar que, ao contemplarem as
profunda de todas as suas grandezas e de todas as suas imagens de cera de seus antepassados, sentiam um
fraquezas,é ter sido repartida numa infinidade de cidades enorme estímulo em direção à virtude. É de supor que
que formavam um número correspondente de Estados. nem a cera nem os retratos tivessem, em si mesmos,
As condições geográficas da Grécia contribuíram forte- tanta força, mas que, ao contrário, o relato dos feitos
mente para dar-lhe sua feição histórica. Recortada pelo passados fizesse crescer, no peito dos grandes homens,
embate entre a montanha e o mar,há uma fragmentação esta chama que não se extinguiria senão ao igualarem
física e política das diferentes sociedades. sua bravura à fama e à glória daqueles.
Adaptado de Gustave Glotz. A cidade grega. Salústio, século I a.C. apud Pedro Paulo Funari. Grécia e Roma.
São Paulo: Difel, 1980, p. 1. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 88.
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CURSINHO DA POLI 9
história geral • aula 1

texto 3 Ben-Hur (direção: William Wyler, 1959). Preciosa pro-


Os romanos, quando decidiram aspirar ao domínio dução épica que conta a história de um comerciante
do mundo, conquistaram o império com o valor de suas judeu, Ben-Hur, que, uma vez caindo em desgraça, foi
armas, mas, para o seu próprio benefício, trataram com parar nas arenas romanas como um corredor de bigas
benignidade os povos vencidos. Afastaram-se tanto da (carro puxado por dois cavalos) no Circo Máximo.
crueldade e do espírito de vingança contra os vencidos que
pareciam comportar-se, não como inimigos, mas como A música que os gregos e os romanos fizeram chegou
benfeitores e amigos: a uns cederam a cidadania,a outros aos nossos dias de maneira bastante fragmentada,
o direito de matrimônio, a alguns deixaram a autonomia. não permitindo uma recuperação muito ampla, mas,
Diodoro da Sicília, século I a.C. apud Pedro Paulo Funari. ao mesmo tempo, o mundo antigo foi tema de vários
Grécia e Roma. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 89. compositores ao longo da História, como Claudio
Monteverdi (1567-1643), com o Lamento de Ariadne; Henry
pesquisar e ler Purcell (1659-11695), com a ópera Dido e Eneias; e Georg
Friedrich Haendel (1685-1759), uma figura central do
Luciano Canfora. Júlio César. São Paulo: Estação Liber- Barroco europeu, autor da ópera Giulio Cesare (Júlio César).
dade, 2002. Biografia que analisa a figura de Júlio César
desde sua origem até se transformar no homem mais navegar
poderoso de Roma e, depois, o mito que influenciou a
História posteriormente. Em virtude da distância que nos separa do continente
europeu, além das dificuldades materiais para um con-
Maria Beatriz Borba Florenzano. Nascer, viver e morrer tato direto com os lugares que fizeram parte do mundo
na Grécia Antiga. São Paulo: Atual, 1996. (Coleção Discu- antigo, uma boa opção é buscarmos informações de boa
tindo a História.) O texto apresenta alguns dos principais qualidade em sites de instituições que são responsáveis
aspectos da cultura greco-romana, analisando inúmeros pela preservação desse patrimônio. Eis algumas sugestões,
elementos da história do cotidiano, valendo-se de dife- que podem ser lidas no idioma original, mas também em
rentes tipos de documentos, numa análise ao mesmo traduções para o inglês e o espanhol. Aproveite!
tempo sintética e apurada.
Museu de Atenas: www.athensinfoguide.com/
Pedro Paulo Funari. Grécia e Roma. 4 ed. São Paulo: wtfmuseums/natarchmuseum.htm
Contexto, 2006. Trata-se de uma síntese dos principais Museu do Capitólio: www.museicapitolini.org
elementos do mundo grego e romano, passando pela Museu do Louvre: www.louvre.fr
organização socioeconômica e cultural, dando ao leitor Museu Britânico: www.britishmuseum.org/the_mu-
uma visão panorâmica dessas civilizações. seum.aspx

G. Sissa e M. Detienne. Os deuses gregos. São Paulo: ágora


Companhia das Letras, 1990. (Coleção Vida e Cotidiano.)
Uma genealogia dos deuses gregos com suas atribuições A Antiguidade clássica serviu de modelo durante vários
e atribulações, envolvendo-se com os problemas dos hu- séculos para a construção de uma identidade cultural no
manos e também se envolvendo em guerras particulares mundo ocidental. No entanto, cabe a pergunta: os valores
pelos motivos mais simples. defendidos no passado ainda têm a mesma importância?

ver e ouvir senha

O cinema tem oferecido preciosas produções que


nos permitem, a partir da visão de um diretor, tentar Ad furore normanorum liberanos Domini!
recuperar alguns elementos do que foi o passado, sendo,
além de um exemplo de lazer e divertimento, uma forma Da fúria dos normandos, livra-nos Senhor!
de estudo que pode ser complementada com leituras e
outras pesquisas.

Fúria de Titãs (direção: Desmond Davis, 1981). Filme que


apresenta a vida conturbada do herói Perseu lutando para
sobreviver ao combater monstros terríveis, como o Kraken
ou a Medusa, além de ter de enfrentar os deuses, entre eles
seu pai, Zeus. A refilmagem foi lançada em 2010.
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10 CURSINHO DA POLI
Idade Média: da crise romana ao feudalismo aula 2
Chega-nos do Ocidente um rumor terrível: Roma Império Romano) e externos (as invasões dos povos
atacada... Minha voz estrangula-se e os soluços interrom- germânicos).
pem-me, enquanto dito estas palavras. Foi conquistada A crise do Império Romano tem suas raízes no proces-
esta cidade que conquistara o Universo. so de estabilização das fronteiras iniciado por Augusto
Quem poderia adivinhar que Roma se desmoronaria com a Pax Romana, pois a interrupção das conquistas fez
[...] e que as costas do Oriente, do Egito e da África se cessar o fluxo de escravos oriundos das guerras, as quais
encheriam de fugitivos; que Belém, a Santa, todos os dias só terminaram efetivamente com a morte do imperador
haveria de receber, reduzidos à mendicância, hóspedes Adriano, em 117.
de um e outro sexos, outrora nobres e repletos de bens? Usando o exército para guarnecer as vastas frontei-
Epístolas. São Jerônimo apud Gustavo de Freitas. 900 textos e ras do Império através de postos de vigia, muralhas e
documentos de História. Lisboa: Plátano, 1977, p. 113. estradas militares1, os romanos procuraram conter as
pressões externas, ou seja, a entrada em seus domínios
É muito importante compreender que a formação da de povos tidos como bárbaros (populações que não
Europa medieval e das estruturas feudais não se fez de falavam latim, viviam além do Império e tinham uma
um momento para outro, mas num processo gradativo, organização diferente da romana) e que representavam
a partir da decadência do Império Romano e da con- uma ameaça constante para Roma.
fluência de elementos externos que favoreceram sua A decadência da economia romana fez encarecer a
queda e consequente mudança. vida nas cidades, de modo que o campo parecia uma al-
Esse período de quase mil anos pode ser entendido ternativa melhor que o simples panis et circensis, gerando
como um processo de três fases distintas: a germina- o êxodo urbano. Ao sair das cidades, os plebeus busca-
ção das estruturas feudais ocorreu entre os séculos vam trabalho nas grandes propriedades patrícias (villae),
V e VIII; o apogeu do feudalismo, entre os séculos IX recebendo proteção e parte da colheita para sobreviver,
e XI; e, por fim, sua decadência, entre os séculos XII fato que estabelecia uma relação de interdependência.
e XV. Além disso, devemos considerar que a forma- Esse sistema era conhecido como colonato, que pode ser
ção do feudalismo teve fatores internos (a crise do entendido como o embrião da servidão feudal.
Invasões bárbaras
Pictos Jutos

Escotos Anglo-
saxões
Lombardos
400
Ri o s
Bretões Huno
os vos
Ren

c Sue
an ios
OCEANO Fr únd
o

Bu g
r
G
od
os

ATLÂNTICO
Rio Dan
45°N Vândalos úbio

s
Huno
Hunos
os
Hun odos
Ostrog 45°L
Braga Toulouse Mar Negro
Ravena
S uevos
Constantinopla
Roma odos
Visig 381
Toledo 455
Niceia
IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE 325
los
Vânda

Vândalos Cartago
IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE

Partilha do Império Romano


Mar Mediterrâneo
N
30°N
em 395 (século IV)
Concílios ecumênicos O L
Focos das principais heresias
Donatismo Arianismo S
0 290

km
0° 15°L 30°L
fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002, p. 13.

1. Estradas que deveriam servir estritamente para o deslocamento rápido das legiões romanas, diferentemente das estradas convencionais, que eram usadas para a circulação de pessoas e mercadorias.
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CURSINHO DA POLI 11
história geral • aula 2

O processo de invasão do Império Romano pelas divisão de províncias e a coleta de impostos, e também
tribos bárbaras geralmente é visto de maneira errônea, começaram a ter contato com a única instituição roma-
mantendo-se ainda hoje a mesma visão que tinham na que permaneceu intacta, a Igreja Cristã. A fusão dos
os romanos: os bárbaros invadiram violentamente o elementos germânicos e romanos para a composição
Império, destruindo-o. No entanto, devemos considerar da sociedade europeia favoreceu a transição do siste-
que, a certa altura, as invasões foram de fato violentas, ma tribal para a organização de unidades maiores, os
mas, antes disso, os ditos bárbaros começaram a pene- reinos; assim, formou-se gradativamente um grupo de
trar no Império de maneira lenta e pacífica, tendo sido guerreiros que, junto com o rei, compunham a elite e
fixados pelos próprios romanos nas regiões de fronteira dominavam um grupo de camponeses e escravos. Aliás,
para defendê-las, fosse ingressando no exército, fosse já usavam a escravidão entre si muito antes do contato
atuando como camponeses no regime de colonato. com os romanos, com quem passaram a negociar os
Ademais, o Império já se encontrava em decadência prisioneiros de suas guerras tribais.
política e econômica, sendo a penetração dos bárbaros A fusão cultural colaborou para que as transforma-
uma consequência desse enfraquecimento. ções se processassem lentamente, pois, conforme se
A partir do século V, a penetração de bárbaros deixou convertiam as diferentes tribos ou reinos, a influência
de ser pacífica, passando a ataques violentos e predatórios do clero se fazia presente. Os germânicos e outros povos
em diferentes regiões do Império, tanto nas fronteiras ágrafos (sem escrita), ao travar contato com o mundo
como em centros importantes, inclusive Roma, que foi cristão, absorveram a importância da “palavra escrita”,
várias vezes saqueada antes de sua queda definitiva, em mas isso não representou uma alfabetização em larga
476, ficando sob o domínio de Odoacro, rei dos hérulos. escala – pelo contrário, só uma minoria detinha o conhe-
Esse processo é marcado por ataques constantes cimento da leitura e da escrita: os membros da Igreja,
de diferentes povos: visigodos, ostrogodos, francos, ala- que lidavam cotidianamente com a “palavra de Deus”
manos, jutos, daneses, pictos, escotos, avaros, vândalos, e a levavam para os fiéis, sendo, por isso, intermediários
lombardos, burgúndios, alamanos, suevos, saxões, anglos, entre Deus e os homens.
hunos e eslavos. As invasões eram também resultado de A assimilação dos povos germânicos ocorreu “de
movimentos migratórios das tribos germânicas e eslavas cima para baixo”, ou seja, os reis e suas famílias se conver-
que estavam sendo pressionadas por violentos ataques tiam, fazendo com que automaticamente todo o povo
de outras tribos, de origem asiática, como os hunos. se convertesse. No entanto, não podemos dizer que foi
de imediato, pois lentamente as culturas pagãs convi-
Os reinos germânicos veram e se misturaram com a cristã, fosse pelo esforço
de conversão dos religiosos, fosse pela visão que tinha
O sistema de organização dos povos germânicos a população em geral.
era muito diferente do dos romanos, pois estes tinham Dentro da corte recém-convertida, o bispo cristão
uma estrutura social fortemente hierarquizada, na qual atuava como conselheiro, confessor e muitas vezes cro-
as decisões e os direitos políticos estavam sob contro- nista de fatos aos quais acompanhava no governo de
le dos indivíduos mais importantes, ou seja, grandes determinado rei, e essas são as principais fontes para o
proprietários de terras, ricos comerciantes e generais. estudo do período.
No entanto, entre os germânicos, prevalecia o sistema Ainda hoje, encontramos entre nós heranças da
comunitário das tribos, em que o trabalho, as terras e a cultura pagã, como a comemoração do nascimento de
produção eram comuns a todos. Jesus em 25 de dezembro, data escolhida pela Igreja com
No sistema tribal, as decisões eram coletivas, toma- o intuito de converter o antigo culto ao Solis Invictus (Sol
das no Conselho dos chefes de família; em momentos Invencível, muito praticado por vários povos, dentro e
de guerra, elegia-se um chefe para liderar as batalhas. fora dos domínios romanos), em louvor ao nascimento
Dessa relação entre o chefe e seus guerreiros, baseada do Enviado de Deus, que teria trazido uma nova luz ao
na lealdade e na fidelidade, surgiu o comitatus, relação mundo, segundo a doutrina cristã.
de submissão e hierarquia entre os guerreiros que Percebemos essa ligação entre as figuras do Sol e
constituiu a unidade central das relações de suserania de Jesus na aura, ou auréola, que aparece nas represen-
e vassalagem da Europa feudal. tações de Cristo, e mais tarde nas representações dos
Ao dominar o Império Romano do Ocidente, os ger- apóstolos e dos santos – trata-se do disco solar, como
manos fragmentaram os territórios em pequenos reinos, nas imagens dos cultos politeístas, embora, no caso,
mas mantiveram uma pequena parcela das terras ainda a significação enfatizada tenha sido o poder de Deus
sob controle da aristocracia romana. anunciado pelos Evangelhos. Essa e outras referências
Nesse processo de transição, os germanos adotaram do antigo politeísmo foram sendo absorvidas pelo mo-
uma série de estruturas romanas já existentes, como a noteísmo cristão ao longo dos séculos.
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12 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 2

O nome dos dias da semana preserva, tanto nas feriae, que significa “festa”, e daí temos “feriado”, o dia
línguas anglo-saxônicas (alemão e inglês) como nas santo de festa e de descanso. Já a palavra “sábado”
neolatinas (italiano, francês e espanhol), a relação com tem origem no hebraico Shabat, o dia de descanso na
o culto dos deuses. Só na língua portuguesa, também tradição judaica que começa no pôr do sol da sexta--
neolatina, lograram completo êxito da conversão ao -feira e termina no pôr do sol do sábado, seguindo
cristianismo: a denominação segunda, terça, quarta, a orientação da Torá quanto ao sétimo dia, em que
quinta e sexta-feira é herança dos primórdios do cris- Deus descansou após a criação. Finalmente,“domingo”
tianismo, quando se comemorava a Páscoa durante deriva da expressão latina Dies Domini, Dia do Senhor.
uma semana inteira; o termo “feira” deriva do latim Veja a tabela completa do calendário a seguir:

português espanhol italiano francês inglês alemão

sonntag
domingo domingo domenica dimanche sunday dia do Sol 3

(Balder ) 2

segunda-feira lunes lunedi lundi monday montag dia da Lua 4

tuesday
terça-feira martes martedi mardi dienstag dia de Marte 6

(Tiwas ) 5

wednesday mittwoch
quarta-feira miércoles mercoledi mercredi dia de Mercúrio 9

(Odin )
7
(Wothan ) 8

thursday
quinta-feira jueves giovedi jeudi donnerstag dia de Júpiter 11

(Thor )
10

friday
sexta-feira viernes venerdi vendredi freitag dia de Vênus 13

(Freya )
12

samstag
sábado sábado sabato samedi saturday dia de Saturno 15

(Nornes ) 14

O sistema feudal de terras (trabalho em troca de proteção e parte da


colheita). Como vimos, esse processo de colonato pode
A estrutura do sistema feudal tem por base elementos ser considerado o embrião da servidão e das obrigações
romanos e germânicos, que, entre os séculos V e IX, sofreram servis do feudalismo. No mesmo período, ocorreu a pe-
transformações sociais, políticas e econômicas que consti- netração pacífica de bárbaros, os quais se estabeleceram
tuíram o feudalismo. Devemos ter em mente que a Europa nos limites do Império por meio do colonato ou através
não foi dormir “romana” e acordou “medieval”, porque não do ingresso no exército romano.
houve uma simples substituição de dominações, mas uma E quanto aos escravos? Estes continuaram a existir du-
intrincada articulação de valores (germânicos e romanos) rante o início da Alta Idade Média, trabalhando juntamente
que engendraram um novo período. com servos ou deixando de ser escravos para se tornar
Um elemento que ilustra bem essa situação é o es- servos. Os povos germânicos, por sua vez, também tinham
cravismo: a crise socioeconômica do século III promoveu escravos e os mantiveram nos territórios que conquistaram,
o êxodo urbano, deslocando significativos contingentes mas, com o passar do tempo, e principalmente com a con-
das cidades para o campo, os quais procuraram estabe- versão dos chefes germanos graças à influência da Igreja,
lecer uma relação de dependência com os proprietários o escravismo deixou de existir, dando lugar à servidão, que
se manifestou nas mais diferentes formas.
2. Deus da Beleza masculina.
A Europa medieval foi marcada por um intenso proces-
3. Relacionado ao deus Apolo, que conduzia o carro do Sol; Hélios, para os gregos. so de ruralização, motivado pelas invasões dos séculos IV e
4. Ligado à deusa Diana, caçadora, que influía, por exemplo, nas marés e no ciclo menstrual.
5. Deus da justiça e das assembleias de guerreiros. V pelos povos germânicos e eslavos, e nos séculos VIII e IX
6. Deus romano da guerra; correspondente ao deus grego Ares.
7. Senhor dos deuses na religião nórdica (viking).
pelos árabes ao sul, vikings ao norte e magiares a leste, fe-
8. Senhor dos deuses entre os povos germânicos. chando o continente em si mesmo. A permanente insegu-
9. Mensageiro dos deuses e relacionado com a magia; correspondente a Hermes, entre os gregos.
10. Deus do trovão e implacável guerreiro. rança gerada pelas invasões e pelas guerras consequentes
11. Senhor dos deuses na religião romana; correspondente a Zeus, entre os gregos.
12. Deusa do amor e da fertilidade na religião nórdica (viking). fez desaparecer o comércio em larga escala, substituindo-o
13. Deusa do amor na religião romana; correspondente a Afrodite, entre os gregos. por uma economia de subsistência local e praticamente
14. Trindade divina formada por uma jovem, uma mulher madura e uma velha que regem o Tempo.
15. Deus do tempo, pai de Júpiter; equivalente a Cronos, na religião grega. sem circulação de moedas em muitos lugares.
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CURSINHO DA POLI 13
história geral • aula 2

Essa estrutura social era embasada por princípios nos mesmos princípios e entre homens de guerra. O rei
religiosos e tinha o aval da Igreja, como mostra um do- era tido como o suserano de todos os suseranos, mas na
cumento do século X de Adalberon, bispo de Laon: prática tinha autoridade efetiva apenas sobre as terras
que eram suas por herança direta. O poder, portanto, era
A ordem eclesiástica forma um só corpo, mas a
descentralizado, cabendo a cada senhor feudal o direito
divisão da sociedade compreende três ordens. A lei
humana distingue duas condições. O nobre e o não de fazer as leis, julgar e criar impostos. De certa forma, ele
livre não são governados por uma lei idêntica. Os tinha poder de vida e morte sobre seus subordinados.
nobres são os guerreiros, os protetores das igrejas. Os senhores feudais formavam entre si uma rede
Defendem a todos os homens do povo, grandes ou de relações pelas quais um suserano podia ser vassalo
modestos, e também a si mesmos. A outra condição de outro e se aproximarem por laços de casamento.
é a dos não livres. Esta desgraçada raça nada possui Durante a guerra, o suserano convocava seus vassalos,
sem sofrimento. Provisões, vestimentas são fornecidas que tinham o dever de ajudá-lo, e assim se formava
a todos pelos não livres, pois nenhum homem livre é um exército (cavaleiros). Em muitos casos, quando iam
capaz de viver sem eles. Portanto, a Cidade de Deus, para a guerra, também levavam seus servos, igualmente
que se crê única, está dividida em três ordens: alguns comprometidos com seu senhor.
rezam, outros combatem e outros trabalham. A cavalaria constituía o centro da vida da nobreza,
cuja função era a guerra em defesa da fé e dos homens. O
Pela mentalidade daquele contexto presente no ingresso ocorria logo aos 7 ou 8 anos, quando o menino
fragmento acima, para que a sociedade medieval funcio- tornava-se pajem de um cavaleiro, tomando contato com
nasse, cada grupo tinha seu lugar, segundo uma ordem as práticas de luta e as armas. Por volta dos 14 anos, já se
rígida que pode ser classificada como estamental ou de tornava escudeiro, carregando as armas de seu senhor
ordens, pois não havia possibilidade de ascensão para na guerra ou em qualquer combate de torneio.
os indivíduos das camadas inferiores. A sagração ou investidura na cavalaria acontecia
Os três estamentos eram os oratores (os que rezam), por volta dos 21 anos. Na véspera da cerimônia, o rapaz
formados pelo clero; os bellatores (os que lutam), forma- passava uma noite em vigília, rezando. Ao amanhecer,
dos pela nobreza; e os laboratores (os que trabalham), tomava um banho de purificação e, vestido com roupas
formados por camponeses, artesãos e escravos rema- de linho branco, rumava para o salão principal do castelo.
nescentes. Seu senhor, e agora seu padrinho, lhe passava a espada
Quanto às relações sociais, podemos ver duas for-
e as esporas. O rapaz se ajoelhava diante do padrinho
mas: a primeira era vertical, de dependência entre os
e este, com a espada, tocava-lhe os ombros três vezes,
senhores feudais e os servos, porque aqueles detinham
dizendo: “Em nome de Deus, de São Miguel e de São
o poder e as terras, enquanto estes trabalhavam em
Jorge, eu vos armo cavaleiro! Sede bravo, honrado e fiel!
troca de proteção e parte da colheita. Assim, os servos
Defendei a Igreja, os pobres e os fracos!”. Em seguida,
se viam presos à terra em virtude de várias obrigações,
dava-lhe um leve tapa no rosto (adoubement, em fran-
destacando-se:
cês), como última ofensa a ser tolerada. O jovem recebia
• talha: entrega de 50% da produção ao senhor; sua espada e as esporas e, a partir daí, era um cavaleiro.
• corveia: dois ou três dias de trabalho nas terras do Entre os compromissos da nobreza estavam a pres-
senhor; tação de serviços militares ao suserano, a hospedagem
• banalidades: pagamento pelo uso de ferramentas e deste quando em viagem, a contribuição para o dote de
benfeitorias (prensa, moinho, forno) que pertencessem sua filha e o pagamento de resgate, se necessário.
ao senhor; A hierarquia da nobreza vinculava-se à guerra e à ca-
• mão morta: renovação das obrigações feita pelo valaria, cujos títulos provinham de postos de luta: duque
descendente de um servo morto para manter-se nas (do latim dux) é quem conduz as tropas, o grande general;
terras; marquês (do germânico mark) é o senhor responsável
• formariage: pagamento ao senhor pela permissão de pelas fronteiras (marcas); conde (do latim comes) é o
se casar e que, em alguns lugares, incluía a obrigação lugar-tenente do soberano, administrando uma região do
de que a noiva passasse a noite nupcial com o senhor, reino, o condado; visconde (do latim vicecomes) assumia as
e não com o marido. responsabilidades do conde na ausência deste; barão (do
A outra relação social era horizontal, entre homens da latim vir, varão) é homem ilustre e, por fim, cavaleiro, que
aristocracia, com base na lealdade e na fidelidade estabe- era o degrau inicial da nobreza.
lecidas na “cerimônia de homenagem” entre o suserano Além das relações entre senhores e destes com seus
(senhor poderoso que doava um feudo e a autoridade servos, estavam os membros da Igreja, cujo alto clero era
sobre ele) e um vassalo (senhor que recebia o feudo). Essa formado por membros da aristocracia que ocupavam
relação tem sua origem no comitatus germânico, assentada cargos de bispo, arcebispo, cardeal e pelo próprio papa,
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14 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 2

A lei da espada
justiça quando necessário, fosse como represen-
tação da honra e, de certa forma, do poder viril, no
Biblioteca Nacional da França, Paris

contexto que o historiador francês Georges Duby


chamou de “Idade Média, Idade dos Homens”.
Na lógica da composição do poder militar, a
figura do cavaleiro (a elite dos soldados) era acom-
panhada de dois elementos: o cavalo (o termo
“cavaleiro” deriva justamente daí, como em francês,
chevalier) e a espada.
Nas cantigas e trovas, lendas ou relatos verídicos, o
grande herói, ou o cavaleiro, tinha uma poderosa espa-
da que era quase uma personagem com vida própria:
a Excalibur do Rei Arthur, a Durendal de Rolando16, a
Tisona de El Cid17 ou a Joyeuse de Carlos Magno.
Apesar do já secular uso das armas de fogo,
A espada se constituiu um instrumento e, ao ainda hoje as corporações militares usam espadas
mesmo tempo, símbolo do poder e da autoridade em seus uniformes de gala e em cerimônias de
exercidos pela nobreza, fosse pela violência, domi- formatura de oficiais. A forma de guerrear mudou,
nando vastas extensões de terra ou aplicando a mas o símbolo permanece.

escolhido entre os membros do Colégio de Cardeais. Já mediava questões entre os mais pobres e os mais ricos,
o baixo clero era formado por pessoas de origem pobre procurando censurar e combater as injustiças, embora
que ingressavam na vida religiosa espontaneamente nem todos os seus membros agissem de acordo com
ou em virtude de uma situação especial (promessa de sua função sacerdotal.
algum familiar em troca da solução milagrosa de um
problema ou, quando uma família pobre não tinha con- A economia feudal
dições de criar mais um filho que nascia, destinava-o ao
convento ou à igreja mais próxima, para assim talvez ter O feudo era uma propriedade de extensão bem va-
um futuro melhor) e que assumiam a posição de padres. riável, originada nas antigas villae (latifúndios romanos)
O clero ainda se dividia em secular (do latim saecu- ou em novas áreas exploradas que tentavam organizar
lum, ou mundo), formado pelos membros da Igreja do uma economia de subsistência, produzindo o necessá-
alto e baixo clero, e regular, pelos sacerdotes de uma rio na medida do possível. Quando havia excedente na
ordem religiosa que seguia uma regra própria, como os produção, este era trocado com outro feudo ou vendido
monges da Ordem Beneditina e de outras que se espe- em mercados locais, pois, apesar da desarticulação do
lharam nela. As comunidades regulares viviam afastadas comércio em larga escala, alguns feudos conseguiram
das grandes concentrações populacionais, preferindo manter uma economia monetária, cunhando moedas a
o retiro dos mosteiros, que gradativamente foram se mando do senhor local.
espalhando pela Europa cristã. O período entre os séculos V e XI foi marcado pela
A Igreja conservou durante muito tempo o monopó- redução populacional das cidades, tendo muitas delas
lio cultural, pois seus membros constituíam a maioria dos desaparecido ou se tornado pequenos povoamentos
homens letrados. Em virtude de seus interesses particu- cercados por muros e com funções ligadas ao poder
lares, muitos de seus altos funcionários fizeram dela uma militar, político ou religioso de uma região, mas rodeadas
aliada direta e legitimadora do poder feudal, uma vez por grandes vastidões de terra, onde se espalhava uma
que a própria Igreja era detentora de grandes extensões população dispersa de camponeses.
de terra e, por conseguinte, de muitos vassalos. Em geral, as terras dos feudos eram divididas em três
Não obstante, devemos destacar o papel da Igreja partes: o manso senhorial (as terras do senhor para o
como o principal agente social dentro do universo plantio, onde ficavam o castelo e a área de caça), o manso
cristão, pois o clero mantinha hospitais e orfanatos e
procurava distribuir os recursos que angariava com o 16. Rolando era sobrinho de Carlos Magno e teve seus feitos cantados na “Canção de Rolando”,
dízimo entre quem não tinha meios para viver. Além da no século XII.
17. Rodrigo Dias de Bivar, ou El Cid (“o senhor”, derivado do árabe), herói da reconquista cristã no
relação direta com os necessitados, muitas vezes inter- século XI.
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CURSINHO DA POLI 15
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servil (fragmentado em glebas para cada família) e as da, destacando-se a questão da ignorância das massas e,
terras comuns (bosques e prados que os camponeses portanto, de uma visão de mundo atrasada e inferior. Em
exploravam em conjunto). outros momentos, como o Romantismo do século XIX,
A agricultura era rudimentar, com técnicas simples, construiu-se uma idealização daquele período, que teria
principalmente o pousio, ou rotação (divisão da gleba sido o nascimento da Europa e a formação das grandes
em quatro campos, plantando-se três e deixando uma nações dos anos 1800.
descansar, alternadamente), com o uso do arado de ma- Ambas as leituras são extremas e, portanto, não com-
deira movido a tração humana ou animal e, a partir do pletamente corretas – mostram diferentes maneiras de
século XI, com a charrua (arado maior e de ferro). Outra se apropriar do passado para a legitimação de interesses
agravante era a baixa fertilidade de muitos solos. Havia das mais variadas naturezas, seja a postura anticlerical
lugares em que se plantava trigo esperando, no melhor durante o Iluminismo, preocupada em desprestigiar
dos casos, colher três grãos para cada grão plantado, e a Igreja e o clero, seja a construção dos conceitos de
a mera ocorrência de chuva excessiva, seca ou geada já identidade nacional e o fortalecimento do nacionalismo
era suficiente para gerar fome e morte. durante o Romantismo.
Em condições não melhores que a agricultura, a A partir das fontes de que dispomos, podemos
pecuária e o pastoreio também dependiam de boas inferir que o século XI foi um momento de viragem, de
pastagens, levando em conta que nem todos os campo- transformação, que abriu caminho para uma série de
neses tinham animais para corte e leite. Durante muitos transformações socioeconômicas e culturais na Europa
séculos, a vida foi uma incerteza para o homem medie- ocidental.
val, que, por sua visão de mundo, entendia a fome pela O período das turbulentas invasões foi gradativa-
perspectiva cristã: o fato de Adão e Eva terem cometido mente substituído pela estabilidade, favorecendo o
o Pecado Original condenara a humanidade a trabalhar aumento da população, tanto de servos como de nobres,
para sobreviver, tirando seu sustento com trabalho duro em virtude da redução das invasões e das epidemias –
e pesado, sinônimo de inferioridade e de uma infinita que geravam muitos conflitos e mortes. No entanto, as
penitência, cumprida geração a geração entre os que técnicas de produção não permitiam ampliar os rendi-
nasceram servos. mentos em larga escala, gerando um estado de tensão,
Nos feudos havia também artesãos que produziam pois o excedente populacional era um fator de quebra
os gêneros necessários (ferreiros, carpinteiros, pedreiros, da subsistência em muitas regiões. O fragmento de uma
tecelões) e que, multiplicando-se, a partir dos séculos crônica de Raoul Glaber, datada de 1033, retrata essa
XII-XIII começaram a se organizar em agremiações ou dificuldade: “Não há refúgio para a cólera vingadora de
corporações de ofício, responsáveis pelo controle da Deus fora de si próprio. Contar agora a que corrupção
produção, da qualidade e do preço. chegou então o gênero humano causa horror. Ai de
nós! Ah, dor! Coisa outrora inaudita: enfurecidos pelas
A viragem do novo milênio privações, os homens foram nessa ocasião forçados a
recorrer à carne humana”.
Uma das características mais importantes da socieda- A fome causada por colheitas muito ruins ou por
de medieval na Europa ocidental foi a grande influência mudanças climáticas foi vista como um castigo divino,
da religiosidade cristã na vida das pessoas e em seu mas não foi suficiente para evitar que alguns indivíduos,
modo de entender o mundo em que viviam. pela falta do que comer, recorressem à antropofagia.
Assim, o século XI foi marcado pela passagem do mi- Não temos a dimensão da real escala desses aconteci-
lênio, um momento em que se acreditou na proximidade mentos ou dos termos em que ocorreram, mas parece
do prometido Juízo Final, fato derivado da interpretação que a mentalidade da época os via como sinais do “fim
do texto bíblico que relata o retorno de Jesus Cristo. Mas dos tempos”.
existia uma dúvida significativa: mil anos da Encarnação Também a nobreza sentia a pressão demográfica:
de Cristo ou mil anos da Paixão de Cristo? nem todos os filhos dos senhores feudais herdavam
Outro problema era a contagem do tempo, elemento feudos, pois as terras cultiváveis eram poucas. Passou-se
muito mais controlado e compreendido pelo clero que a adotar o princípio de primogenitura, que garantia as
pela população rural, a qual vivia o ritmo ditado pela terras ao filho mais velho, evitando-se a fragmentação
natureza e o ciclo das estações do ano: aragem, semea- ainda maior dos domínios senhoriais.
dura, colheita, armazenamento dos víveres e abate dos Assim, muitos filhos de senhores feudais deixavam
animais, preparando-se a carne para passar o inverno. a casa paterna em busca de serviço militar em castelos
Durante o Renascimento e posteriormente no século de senhores mais poderosos, esperando obter com isso
das Luzes, difundiu-se a visão de que o ano 1000 fora uma recompensa em terras ou talvez um matrimônio
marcado pelo medo coletivo em sua escala mais amplia- com dote que lhes garantisse a sobrevivência.
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história geral • aula 2

Essa nobreza armada e desocupada buscava algum dias por ano – pelo que podemos perceber a que ponto
sentido em torneios e caçadas, mas, como diz o velho chegara a violência naquele momento.
adágio popular, “Cabeça vazia, oficina do Diabo!”, e O papa Urbano II também estava interessado em reu-
formaram-se bandos de cavaleiros que atacavam via- nificar a Cristandade, dividida desde o Cisma do Oriente,
jantes e pilhavam aldeias. Conhecidos como “barões- em 1054, mas sustentando a condição da liderança
-ladrões”, foram possivelmente uma das inspirações de Roma. Todavia, o domínio muçulmano continuava
da lenda de Robin Hood, de que nos chega a visão se expandindo sobre o Mediterrâneo e a Ásia Menor,
idealizada do romantismo, pois os “barões-ladrões” ameaçando o Império Bizantino, e também impedia a
roubavam para si e não pensavam nas necessidades navegação e a peregrinação segura até Jerusalém.
do coletivo. A conjunção de fatores políticos, econômicos e
Para controlar a beligerância, a Igreja propôs a Trégua religiosos fez com que, em 1095, o papa Urbano II con-
de Deus, ou seja, uma interdição dos torneios e combates vocasse toda a cristandade a se unir e pegar em armas
em determinados dias, autorizando-os em apenas 90 para “libertar a Terra Santa das mãos dos infiéis”.

As Cruzadas
A Cristandade e as quatro primeiras cruzadas
Mar
do
INGLATERRA Norte
Londres

OCEANO 45°L
ATLÂNTICO 1096
Paris
1147
45°
N
o

1189
L eã
de
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Santiago de Gênova Mar Negro


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Compostela Marselha Zara 1204


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RECONQUISTA
Lisboa ESPANHA Roma Constantinopla
1147
Toledo
1080
Edessa
Antioquia
1190
11 Sicília
90
Damasco
Greenw de
ich
no
Meridia

Creta

Acre
Mar Mediterrâneo N 1192
Cristianismo romano Primeira Cruzada Jerusalém
30°N
Expansão do cristianismo
0° romano O L
Segunda Cruzada
Cristianismo ortodoxo
Expansão do cristianismo ortodoxo Terceira Cruzada S
0 310
Muçulmanos Quarta Cruzada km
15°L 30°L

fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002, p. 23.

Oficialmente, contam-se oito Cruzadas contra os islâ- outros pediam a um companheiro que recolhesse com
micos, mas houve expedições espontâneas a Jerusalém. as mãos a urina para abrandar a sede; outros ainda
Por exemplo, de Gautier Sem-Bens ou Pedro, o Eremita, escavavam o solo úmido, deitavam-se e espalhavam
líderes populares que arrastaram milhares de pessoas terra no peito, tamanho era o ardor de sua sede.” Eles
em direção à Terra Santa, embora a grande maioria buscavam seguir os desígnios do “reino dos céus”, e foi
tenha morrido durante a viagem ou foi aprisionada ao só o que conseguiram nessa empreitada.
se aproximar de Jerusalém. Um sobrevivente anônimo A Primeira Cruzada (1096-1099) conseguiu conquis-
descreveu as condições dessa aventura: “De tal modo tar Jerusalém, contando com o apoio bizantino e um
os nossos sofreram de sede, que alguns abriam as veias exército formado por franceses, alemães e normandos
de seus cavalos e jumentos a fim de beber seu sangue; do sul da Itália. Os cruzados fundaram Estados feudais
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CURSINHO DA POLI 17
história geral • aula 2

nos territórios conquistados que serviam de entreposto


comercial e base de apoio para os cristãos. Envolvidos As ordens militares
nesse processo, os comerciantes de Gênova e Veneza

Reprodução
proviam os exércitos com mantimentos, dinheiro e
navios para o transporte.
O êxito da Primeira Cruzada durou pouco, em vir-
tude dos desentendimentos entre os Estados feudais
latinos e o Império Bizantino. Em 1144, os muçulmanos
reconquistaram o condado de Edessa, motivando a Se-
gunda Cruzada, organizada pelos reis Luís VII, da França,
e Conrado III, da Alemanha, e pelo monge Bernardo de
Clairvaux (canonizado depois de sua morte), que não
logrou êxito.
Os desentendimentos entre os cristãos favoreceram
Dentro da movimentação militar que caracterizou
a reconquista de Jerusalém pelo sultão Saladino (1171-
as Cruzadas, formaram-se grupos militares que se as-
1193) em 1187. Assim, organizou-se a Terceira Cruzada
sociavam sob um santo patrono, tinham um uniforme
(1189-1192), sob a liderança de Ricardo Coração de Leão,
(símbolo de distinção) e uma regra a seguir para alcan-
da Inglaterra, Felipe Augusto, da França, e Frederico Bar-
çar o objetivo maior: a proteção dos lugares santos e
ba Ruiva, do Sacro Império. Essa Cruzada conquistou São
dos peregrinos que se destinavam à Terra Santa.
João D’Acre, mas não recuperou Jerusalém, conseguindo
Nesse espírito, encontramos a Ordem dos Hospita-
apenas uma trégua com Saladino e a permissão para que
lários de São João e a Ordem dos Cavaleiros do Templo
os cristãos peregrinassem a Jerusalém. Frederico Barba
(templários), que mais tarde foram ganhando um ca-
Ruiva morreu logo no início da empreitada.
ráter mais militar, pois seus membros seriam soldados
A Quarta Cruzada (1202-04) foi convocada pelo papa
de Deus, empunhando armas pela Igreja e na defesa
Inocêncio III com o objetivo de atacar o Egito. Transpor- dos cristãos. As ordens militares se mantinham por
tados por navios venezianos, os cruzados desviaram seu doações de bens (terras, castelos, dinheiro) pelo clero
curso, saqueando as cidades cristãs de Zara e Dubrovnic e pela realeza, de modo que criaram uma estrutura que
como forma de pagamento. O papa excomungou os não só se estabelecia no reino de Jerusalém, como se
venezianos em virtude desse ataque contra os próprios espalhava por diferentes países da Europa.
cristãos. A rota foi novamente desviada para Constan- Na península Ibérica, encontramos o contexto da
tinopla, a fim de auxiliar o príncipe bizantino deposto reconquista cristã, para a qual a militância religiosa
em troca de farta recompensa. Os cruzados venceram, também se proliferou em ordens militares: Ordem de
mas o príncipe bizantino não cumpriu sua palavra, e eles Avis, Ordem de Calatrava, Ordem de Alcântara e Or-
saquearam Constantinopla. dem de Santiago da Espada. (Veja imagem acima)
Num gesto de fé e devoção popular, ocorreu em 1212 Na Europa oriental, especificamente a leste do
a chamada Cruzada das Crianças, com uma multidão de Sacro Império, havia uma extensa região banhada
aproximadamente 30 mil pueris (termo latino que pode pelo mar Báltico, povoada por diferentes grupos
ser traduzido por “jovem” ou “criança”, mas, ao mesmo eslavos e germânicos que não tinham se cristiani-
tempo, também por “pobre” ou “simples”) que acredita- zado, sendo alvo de uma ação militar da Ordem dos
va que a pureza e a juventude trariam a vitória para os Cavaleiros Teutônicos, cujo objetivo era a conquista
cristãos. Embarcados em Marselha, eles rumaram para desses territórios e a imposição da fé cristã a seus
Alexandria; muitos morreram durante a viagem, e os que habitantes, movimento conhecido como Drang nach
lá chegaram foram presos e vendidos como escravos. Osten (“Marcha para o Leste”, em alemão).
As últimas três Cruzadas foram marcadas por vitórias
iniciais, mas fracassaram em virtude da inadequação dos
exércitos ao combate no deserto e em regiões de várzea As Cruzadas não conseguiram reconquistar Jeru-
do Nilo durante as cheias. Por exemplo, o exército fran- salém, e os cristãos foram definitivamente expulsos da
cês foi dizimado por uma epidemia de tifo, e o rei Luís Palestina em 1291, com a queda de São João D’Acre. No
IX foi feito prisioneiro na Sétima Cruzada (1248-1250). entanto, a luta entre o Islã e a cristandade ainda não ti-
Apesar do fiasco, Luís IX organizou uma nova cruzada nha se esgotado na fronteira oeste, região que os árabes
em 1270, mas o apoio foi muito menor que as críticas à chamavam de Magreb (“poente”, em árabe), pois as forças
expedição, que culminou com o fracasso por causa de ibéricas tinham interesse em destruir o Al-Andalus árabe
uma nova epidemia de tifo que vitimou o próprio Luís e reconsolidar o domínio cristão no que outrora fora a
IX, canonizado em 1297 pelo papa Bonifácio VIII. sede do reino dos visigodos, derrotados pelos árabes.
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18 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 2

Durante a expansão árabe pela península Ibérica, os e nos Alpes franceses), os albigenses e os cátaros (o
cristãos ficaram com um pequeno território na região Languedoc, no sul da França).
das montanhas das Astúrias e ali estabeleceram peque- Os cátaros eram contrários à autoridade da Igreja,
nos reinos que mantiveram guerra constante contra os ao direito de propriedade e aos sacramentos católicos,
árabes. Interessada na libertação do domínio mouro, e representavam uma ameaça à Igreja e também ao
a Igreja Católica incentivou os combates prometendo poder real da França. Assim, o papa Inocêncio III e os
indulgências aos participantes, e proibiu os cristãos reis da França, Luís VIII e Luís IX, organizaram contra eles
ibéricos de lutar no Oriente, porque essa era uma forma uma Cruzada (1209-29), que culminou com seu massacre
de favorecer a luta e também de garantir a peregrinação em várias cidades do sul. Com a vitória dos católicos, o
a Santiago de Compostela, na Galiza, região noroeste da Languedoc foi anexado à coroa da França.
Espanha, ao norte de Portugal.
O antigo reino visigodo remanescente nas Astúrias deu Resumo da ópera
origem aos reinos de Castela, Leão, Aragão e Navarra. Essas
pequenas monarquias começaram a obter vários sucessos Vimos nesta aula o processo de formação do sistema
contra os mouros (como eram chamados os árabes na feudal, cuja referência foi o somatório de elementos
península Ibérica) e contaram com o apoio de cavaleiros romanos (o colonato dando origem à servidão) e germâ-
de outros países: por exemplo, os príncipes de Borgonha, nicos (o comitatus se transformando em vassalagem).
Henrique e Raimundo, depois casados com as filhas de Como herança exclusivamente romana, vimos o pa-
Afonso VI,de Leão e Castela.A Henrique de Borgonha coube pel da Igreja cristã na organização da sociedade feudal
o condado Portucalense, mais tarde transformado em reino em diferentes aspectos: conversão dos povos pagãos,
de Portugal por Afonso Henriques, filho de Henrique, em presença ativa na estrutura do poder real, auxílio social
1139. De Raimundo descendem os reis de Leão e Castela, aos necessitados e um dos principais focos da produção
que se unificaram a partir de 1217. cultural do medievo.
As guerras de reconquista tomaram um fôlego maior Quanto ao mundo feudal, destacamos a organização
a partir do século XII, com a unificação dos ataques em das relações de vassalagem como uma teia de poder
três frentes (portuguesa, castelhana e aragonesa) vindas entre os senhores feudais em função dos vínculos mi-
de norte para sul, tendo em 1212 uma vitória decisiva litares entre o suserano e o vassalo, e a exploração do
em Las Navas de Tolosa, na planície do rio Guadalquivir, trabalho servil, resultante da ação de milhares de servos
um ponto estratégico para tomar o resto do Al-Andalus, que eram obrigados a se submeter àquelas condições,
com capital em Granada. bem como à autoridade senhorial, que tinha o exercício
Portugal foi o primeiro país a se libertar do domínio pleno do poder.
mouro em 1215, com a conquista dos Algarves, mas os Destacamos a viragem do milênio e suas caracterís-
castelhanos só o conseguiram efetivamente em 2 de ticas, as Cruzadas e suas consequências, e a gradativa
janeiro de 1492, quando os reis católicos Fernando de transformação do mundo rural e agrícola em urbano
Aragão e Isabel de Castela derrotaram as forças muçul- e comercial, cujo centro era a cidade, bem como seus
manas em Granada, recuperando a península para o atores principais, os chamados burgueses.
controle cristão. Assim, lançaram-se as bases da formação
da Espanha Estado-nação, que teve condições de investir Exercícios
no processo de expansão marítima cujo início é marcado
pela expedição de Cristóvão Colombo. 1. (PUC-SP)
A Cristandade não enfrentava só inimigos externos, Que Deus te dê coragem e ousadia,
mas também internos – seus fiéis ditos hereges. A pala- Força, vigor e grande bravura
vra heresia vem do grego hairesis e significa escolha: ser E grande vitória sobre os Infiéis.
herege era escolher um caminho diferente do apontado Citado por Georges Duby. A Europa na Idade Média.
pela ortodoxia da Igreja Católica. Em contrapartida, a São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 13.
Igreja defendia a tese de que a salvação era coletiva,
portanto, todos devem obedecer às leis de Deus para Os três versos são do século XII e reproduzem a fala de
obter a salvação. Quando alguém entre o “rebanho de um rei na sagração de um cavaleiro. Eles sugerem:
Deus” negava algum dogma da Igreja, ela dissipava a a) O caráter religioso predominante nas relações de
ameaça reconduzindo a “ovelha desgarrada” usando a servidão, que uniam os nobres medievais e assegu-
força, se necessário. ravam a mão de obra nos feudos.
Para combater as heresias, a Igreja criou a Santa In- b) A ausência de centralização política na Alta Idade
quisição em 1162, organizando a luta contra os hereges: Média, quando todos podiam, por decisão real, ser
por exemplo, os valdenses (na Espanha, na Lombardia sagrados nobres e cavaleiros.
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CURSINHO DA POLI 19
história geral • aula 2

c) O reconhecimento do poder de Deus como supremo Estudo orientado


e a crença de que a coragem dependia apenas da
ação e da capacidade humanas. exercícios
d) A hierarquia nas relações de vassalagem e o signifi-
cado político e religioso, para os nobres, das ações 1. (UFAL) Analise o texto.
militares contra os muçulmanos. A Guerra Santa assumiria um estilo semelhante
e) O juramento que todos os nobres deviam fazer diante aos conflitos que se desenrolavam no Ocidente.
do rei e do Papa e a exigência de valentia e força para Uma guerra de cerco e assédio posto sobre cidades
participação nos torneios. amuralhadas e castelos, acompanhados de saques e
pilhagens. [...] Ocorrido o rompimento das muralhas
2. (UEL) Observe a figura e leia o texto a seguir: e da porta, restava aos sitiados, famintos e sedentos,
resistir numa luta de espadas [...] que envolveria ho-
mem a homem. [...] A guerra intitulada santa, pelos
dois lados em luta, resultava em grande número
de mortos e numa grande destruição que exigia
constantes esforços de reconstrução.
Fátima Regina Fernandes. In: Demétrio Magnoli (Org.).
História das guerras. São Paulo: Contexto, 2006, p. 115-117.

O confronto armado descrito no texto foi um


(Disponível em: http://www.culturabrasil.pro.br/imagens/feudalismo1.jpg.
dos fatores fundamentais na desestruturação do
Acesso em: 22 jun. 2007) mundo medieval. Esse confronto colocou frente a
Tem-se como absolutamente certo que, a partir frente povos
do fim do século VIII, a Europa Ocidental regrediu ao a) europeus e muçulmanos.
estado de região exclusivamente agrícola. É a terra b) carolíngios e germânicos.
a única fonte de subsistência e a única condição c) romanos e bárbaros.
de riqueza. Todas as classes da população, desde o d) bizantinos e francos.
imperador, que não possuía outras rendas além das e) árabes e islâmicos.
de suas terras, até o mais humilde dos servos, todos
viviam, direta ou indiretamente, dos produtos do 2. (ENEM)
solo, fossem eles fruto de seu trabalho, ou consistis- Os cruzados avançavam em silêncio, encontran-
sem, apenas, no ato de colhê-los e consumi-los. [...] do por todas as partes ossadas humanas, trapos
Toda a existência social funda-se na propriedade e bandeiras. No meio desse quadro sinistro, não
ou na posse da terra. puderam ver, sem estremecer de dor, o acampa-
mento onde Gauthier havia deixado as mulheres e
H. Pirenne. História econômica e social da Idade Média.
crianças. Lá os cristãos tinham sido surpreendidos
São Paulo: Mestre Jou, 1968, p.13.
pelos muçulmanos, mesmo no momento em que
os sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa.
De acordo com os conhecimentos sobre o tema e a
As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a
sociedade feudal europeia, é correto afirmar:
fraqueza ou a doença conservava sob as tendas,
I. As terras comunais, pastagens naturais, pântanos e
perseguidos até os altares, tinham sido levados para
florestas eram consideradas propriedade legítima
a escravidão ou imolados por um inimigo cruel. A
dos camponeses.
multidão dos cristãos, massacrada naquele lugar,
II. O rei, considerado soberano absoluto, tinha o poder tinha ficado sem sepultura.
de administrar os feudos de seus súditos.
J. F. Michaud. História das cruzadas. São Paulo:
III. Os laços de vassalagem também se realizavam entre Editora das Américas, 1956 (com adaptações).
os senhores feudais.
IV. Os servos eram obrigados a prestar serviços nas terras Foi, de fato, na sexta-feira 22 do tempo de Chaaban,
do manso senhorial para o sustento do senhor feudal. do ano de 492 da Hégira, que os franj* se apossaram
Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas da Cidade Santa, após um sítio de 40 dias. Os exilados
corretas. ainda tremem cada vez que falam nisso; seu olhar se
a) I e II. d) I, II e IV. esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos
b) I e III. e) II, III e IV.
c) III e IV. * franj = cruzados.
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20 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 2

aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, O primeiro serviço do ano eles devem no dia de
que espelham pelas ruas o sabre cortante, desem- São João: eles devem ceifar o campo, depois ajuntar,
bainhado, degolando homens, mulheres e crianças, emparelhar e empilhar o feno. Quando ele estiver
pilhando as casas, saqueando as mesquitas. amontoado, devem carregá-lo ao castelo, onde os
Amin Maalouf. As Cruzadas vistas pelos árabes. feitores armazenarão o celeiro.
2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989 (com adaptações). E assim vem o mês de agosto: serviço não lhes falta,
pois devem pagar a corveia, ceifando o trigo, ajuntar
Avalie as seguintes afirmações a respeito dos textos e amontoar no meio do campo e carregá-lo para
que tratam das Cruzadas. o celeiro. Este serviço é executado desde a infância,
I. Os textos referem-se ao mesmo assunto – as Cruza- devendo pagar a talha, por isso, nunca tirarão para
das, ocorridas no período medieval –, mas apresen- si todos os feixes. Eles pagam a talha com dor. Se os
tam visões distintas sobre a realidade dos conflitos camponeses faltam com suas obrigações, o cobrador
religiosos desse período histórico. os faz passar vergonha [...]. Eles amaldiçoam em sua
II. Ambos os textos narram partes de conflitos ocorridos linguagem aquele que lhes legou este destino, que os
entre cristãos e muçulmanos durante a Idade Média e faz sofrer tanto.
revelam como a violência contra mulheres e crianças Depois vem o dia de Nossa Senhora, em setembro,
era prática comum entre adversários. quando é necessário fixar a obrigação sobre os porcos.
III. Ambos narram conflitos ocorridos durante as Cru- Se o camponês possui 8 porcos, ele que pegue os dois
zadas medievais e revelam como as disputas dessa mais bonitos e depois um outro, que será dado ao
época, apesar de ter havido alguns confrontos mili- senhor, que não aceitará o pior.
tares, foram resolvidas com base na ideia do respeito Anônimo. In: L. Gothier e A. Troux. Recueils de Textes d’Histoire
e da tolerância cultural e religiosa. Mediévale. Paris: H. Dessain, 1961, p.100.

É correto apenas o que se afirma em


texto 2
a) I. d) I e II.
b) II. e) II e III. Deixai os que outrora estavam acostumados a se
c) III. baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras
particulares, lutarem contra os infiéis... Deixai os que
3. (PUC-SP) A frase “A Europa, então terra juvenil, até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai
em plena expansão, estendeu-se aos quatro pon- aqueles que outrora se bateram contra seus irmãos e
tos cardeais, alimentando-se, com voracidade, das parentes lutarem agora contra os bárbaros, como de-
culturas exteriores” pode ser entendida como uma vem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos
referência salários, receberem agora a recompensa eterna.
a) às atividades missionárias de jesuítas na América, Uma vez que a terra que vós habitais, fechada
como ocorreu no Brasil. de todos os lados pelo mar e circundada por picos
b) aos esforços de diálogo com grupos do leste e norte de montanhas, é demasiadamente pequena para a
europeu, como os ciganos. vossa grande população; a sua riqueza também não
c) às novas invenções voltadas à navegação, como a abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus
invenção da bússola. cultivadores... tomai o caminho do Santo Sepulcro;
d) aos planos expansionistas de países do Ocidente arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a
europeu, como Portugal. vós mesmos. Essa terra em que, como diz a escritura,
e) às ações militares, como as Cruzadas ou a Reconquis- jorra leite e mel, foi dada por Deus aos filhos de Israel.
ta da Espanha. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais do que
todas frutífera, como um novo paraíso de deleites.
roda de leitura Discurso do papa Urbano II em Clermont-Ferrand (1095).
In: Foucher de Chartres. A Primeira Cruzada: um relato de quem
texto 1 lá esteve. Lisboa: Editorial Inquérito, 2003, p. 38.
Eu me queixo, pois, para São Miguel, que é o men-
sageiro do senhor do céu, de todos os camponeses de pesquisar e ler
Verson, que devem carregar pedra todos os dias que
for necessário. Eles devem serviço todos os dias em Hilário Franco Jr. Feudalismo. São Paulo: Editora
que se fizer construção no forno e no moinho; devem Moderna, 1999. Texto muito conciso e didático que
servir de pedreiro, quer para trabalhar a pedra, quer apresenta as principais características do sistema feudal
para fazer argamassa.Tudo isso, os camponeses fazem e sua organização na Europa ocidental entre os sécu-
com frequência. los V e XV.
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CURSINHO DA POLI 21
história geral • aula 2

Georges Duby. Do ano 1000 ao ano 2000. São Paulo: quando crimes misteriosos começaram a ocorrer e
Editora Unesp, 2000. Organizado na forma de uma en- levantavam suspeita sobre o renomado mosteiro e sua
trevista, Georges Duby faz um brilhante paralelo entre produção intelectual. A solução dos crimes estaria nas
a sociedade do fim do milênio com seus ancestrais do mãos do “detetive”, isto é, o frade franciscano William
início do segundo milênio. de Baskerville.

Daniel Valle Ribeiro. A cristandade medieval. São Paulo: navegar


Editora Atual, 1996. Apresenta a história da formação da
cristandade, marcando o papel da Igreja na sociedade Uma sugestão significativa, em língua portuguesa,
europeia e o fortalecimento do poder político e econô- é o site da Associação Brasileira de Estudos Medievais –
mico do clero no Ocidente. Abrem, formada por especialistas no período medieval
do Brasil e do exterior, disponibilizando um rico banco
ver e ouvir de dados com textos, imagens e informações sobre as
diferentes atividades que envolvem o estudo do medie-
O sétimo selo (direção: Ingmar Bergman, 1957). vo na atualidade: www.abrem.org.br.
Clássico do diretor sueco, que, com maestria, con-
ágora
duz o espectador ao universo sombrio do século XI,
retomando um tema muito forte naquele momento:
Somos anões carregados nos ombros de gigantes.
o embate com a morte, em que um cavaleiro tenta
Assim, vemos mais e vemos mais longe do que eles, não
ludibriá-la numa partida de xadrez. Uma obra-prima
porque nossa visão seja mais aguda ou nossa estatura
do cinema preto e branco. mais elevada, mas porque eles nos carregam no alto e
nos levantam acima de sua altura gigantesca.
O incrível exército de Brancaleone (direção: Mário Mo-
Jacques Le Goff. Os intelectuais na Idade Média.
nicelli, 1966). Filme satírico que apresenta o medievo e Rio de Janeiro: José Olímpio, 2003, p. 36.
seus personagens de maneira muito sutil e ao mesmo
tempo crítica, revelando a mentalidade do contexto e A história da cultura no Ocidente tem muitos pontos
seus principais elementos de organização, prometendo controversos. A relação entre a cultura medieval e a cul-
boas risadas e uma boa história. tura antiga foi muito diversa: dependendo do segmento
social que analisarmos, poderia existir maior ou menor
O nome da Rosa (direção: Jean-Jacques Annaud, intimidade com esses conhecimentos. A imagem dos
1987). Filme inspirado no romance de mesmo nome “anões” seria um gesto de modéstia em reconhecer a
do erudito italiano Umberto Eco. A história se desen- importância da Antiguidade? Será que houve um con-
rola num mosteiro no norte da Itália, no século XIV, tato do saber medieval com a cultura antiga?

senha
Santa Maria della Grazie, Milão, Itália

A Última Ceia. Leonardo da Vinci, c. 1495-1497.


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22 CURSINHO DA POLI
Renascimento e Reforma aula 3

Capela Sistina 1508-1512, Michelângelo Buonarroti. Kennet Havgaard/Aurora/Getty Images


Visão completa do teto da Capela Sistina: uma narrativa do texto sagrado em imagens que enaltecem o humano.

A Capela Sistina foi pensada pelo papa Sisto IV para XIII, observamos também a introdução de novas técnicas
servir de espaço para as cerimônias de caráter mais privado que permitiriam o aumento da produção: os animais
da corte papal e também como espaço para a realização do passaram a ter os arreios presos no dorso em vez de no
conclave (eleição do papa pelo Colégio dos Cardeais). A de- pescoço, facilitando a distribuição de peso e melhorando
coração interna das paredes laterais foi realizada por vários a aragem; a charrua de metal puxada por animais arava
pintores: Botticelli, Rafael, Cosimo Rosseli, Luca Segnorelli, o solo mais profundamente, revolvendo melhor a terra;
Perugino, Ghirlandaio e Pinturicchio. Já as pinturas do teto a rotação trienal de culturas garantia maior produção e
em abóbada (1508-1512) e a parede do altar principal recuperação do solo e, por fim, a introdução do estribo,
(1535-1541) foram feitas por Michelangelo, retratando os uma simples placa de metal para apoiar o pé do cavaleiro,
temas bíblicos desde a Criação e terminando no Juízo Final. dava-lhe mais estabilidade na montaria, fosse para o
A riqueza de detalhes, acompanhada de uma mani- trabalho agrícola, fosse nas ações militares.
festação muito clara dos movimentos das personagens, Esse processo implicou a expansão territorial e, con-
impõe ao observador um desafio gigantesco: a dificuldade sequentemente, a derrubada de florestas, o aterro de
de contemplá-la por completo num único olhar, fazendo pântanos e charcos, a construção de diques e barragens
de sua observação um processo semelhante à leitura, pois para suprir novas áreas urbanas e a ocupação agrícola
o observador avança de uma parte para outra tal qual um com as mais diversas atividades.
leitor que percorre o texto através de seus parágrafos. O aumento da produção gerou excedentes de mer-
Michelangelo dotou suas imagens de cores e ges- cadorias e capitais, e a dinamização das redes comerciais
tos de vigorosa intensidade, cuja manifestação confere extrapolou o âmbito local e ganhou dimensões muito
uma aparência realista aos temas retratados, diferente maiores, com a reformulação das antigas rotas de comér-
de uma representação estática e sobrenatural, pois cio favorecendo não só o melhor abastecimento interno,
justamente a ideia de naturalidade, ou, ainda, de uma mas também o comércio de longa distância, que teve nas
idealização da Natureza, se colocam presentes na feiras um dos seus principais meios de sustentação.
composição, nos traços, cores e volumes. Inicialmente, os nobres se beneficiaram do comércio
de luxo como consumidores e, em alguns casos, como
Burgo: o universo da cidade medieval investidores ou sócios dos mercadores. Paralelamente,
os mercadores em ascensão, que foram enriquecendo
A virada do milênio pode ter sido inquietante para com as atividades comerciais de longa distância, abrindo
muitos, guardadas as dificuldades materiais e a falta filiais de suas representações em vários países e ligando--
de alimentos para um grande número de pessoas em -se às rotas de comércio de luxo (ouro, seda, marfim
diferentes partes da Europa, mas, entre os séculos XI e e especiarias), também passaram a se interessar pelo
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CURSINHO DA POLI 23
história geral • aula 3

esplendor das riquezas exóticas e pela ideia de ostentar sua Oriente; no norte, destacavam-se as cidades de Flandres,
nova condição:eram ricos e prósperos,não precisavam mais Antuérpia, Roterdã, Amsterdã e Bruges; a leste e mais
suar no trabalho duro da época de seus avós. ao norte, havia a Liga Hanseática, formada por cidades
Mas o sucesso material não veio acompanhado do alemãs, escandinavas e russas, destacando-se Lübeck,
imediato reconhecimento social, pois, pela mentalidade Hamburg, Bremen, Copenhague, Estocolmo e Novgorod,
medieval, os nobres, que não trabalhavam, exploravam entre outras, que tinham um intenso intercâmbio comer-
o trabalho dos camponeses e viviam da renda que estes cial nos mares do Norte e Báltico. Periodicamente, mer-
lhes proviam, e, além disso, faziam absoluta questão de se cadores do norte e do sul encontravam-se na estratégica
distinguir dos burgueses, cuja fortuna podia ser grande, região de Champagne, na França, principalmente nas
mas carecia de tradição e honra. Assim, embora habitasse cidades de Reims, Troyes, Provins e Lagni, para adquirir
os mesmos espaços nas cidades, a nobreza de modo diferentes produtos.
algum se permitia confundir com os “novos-ricos”. Esse comércio em larga escala era assegurado
O sucesso do chamado “renascimento comercial e ur- por associações comerciais, as hansas ou guildas, que
bano” teve uma intensa ligação com as Cruzadas, porque, congregavam membros de várias cidades, negociando
apesar de ter malogrado a reconquista da Terra Santa, esse tarifas alfandegárias, proteção de frotas mercantes e
movimento engendrou a transformação do mundo feudal, caravanas.
pois conseguiu reabilitar a navegação de navios cristãos
com a reabertura do Mediterrâneo, imprimindo um ritmo Gênova
mais dinâmico ao renascimento comercial. No processo de fortalecimento das relações
As Cruzadas promoveram um intercâmbio maior comerciais, veremos que alguns centros saíram em
entre Oriente e Ocidente pela atuação dos comerciantes vantagem se comparados a outros, seja pela quan-
das cidades italianas de Gênova, Veneza, Florença e Pisa, tidade de recursos de que dispunham, seja pela
que revendiam na Europa vários produtos do Oriente. A sua interação com diferentes regiões. A cidade de
maior segurança também no interior do continente pos- Gênova pode ser um bom exemplo, pois, estando
sibilitou a circulação de mercadorias e o renascimento localizada no litoral da Ligúria (litoral noroeste da
das cidades, transformando-as em centros comerciais. Itália), seu porto foi porta de entrada e saída de
Durante a Alta Idade Média, a ruralização direcionou inúmeros navios que disputavam espaço na concor-
as atividades e a vida das pessoas para o campo, redu- rência comercial com outra potência do mar: Veneza,
zindo muitas cidades a um lugarejo que concentrava a chamada “Sereníssima República”, localizada no
funções políticas e administrativas, com um castelo, mar Adriático (litoral nordeste da Itália).
uma igreja, alguns poucos casebres e uma muralha em A ação dos mercadores genoveses se dava em
volta. Com o renascimento comercial, muitas cidades diferentes frentes, pois eles participavam da compra,
cresceram e surgiram outras. O aumento populacional venda e revenda de inúmeras mercadorias entre o sul
complicou ainda mais a relação entre o trabalho e a da Europa e o norte da África, valendo-se de inúmeras
sobrevivência no campo, e, para manter a hierarquia, os feitorias. Além disso, mantinham casas de câmbio, as
senhores feudais aumentaram as exigências e as obri- quais permitiam, mediante um depósito, a circulação
gações servis, dando aos servos três opções: aceitar suas de grandes somas em dinheiro, que seriam trocadas
imposições, fugir para uma cidade ou revoltar-se. Os três por uma letra de câmbio (um documento muito se-
casos ocorreram em diferentes lugares. melhante ao atual cheque) que poderia ser trocada
O comércio deu às cidades um atrativo muito forte novamente em qualquer representação daquela casa,
e também favoreceu o surgimento de um novo grupo uma vez comprovada a autenticidade do documento;
dentro da sociedade medieval: os burgueses. Burgo era ou, ainda, intermediavam o processo de fornecimento
como se chamavam as cidades muradas, que nesse pe- de crédito para atividades comerciais, cobrando para
ríodo cresciam rapidamente, extrapolando os próprios tanto uma taxa de 10% a 15% ao ano, atitude plena-
limites, já que muitos começavam a habitar as áreas ex- mente reprovável aos olhos da Igreja, pois entendiam
ternas às muralhas, criando o fauburg (burgo de fora). Daí a usura como um pecado grave. Porém, essa riqueza
se construía outra muralha, e assim sucessivamente. estava circulando e provendo mudanças não só no
Do campo provinham os gêneros necessários para capitalismo que ali se formava, mas na própria men-
a alimentação e as matérias-primas para os artesãos. Os talidade da sociedade.
burgueses não só faziam o comércio interno como orga-
nizavam feiras para vender seus produtos e comprar de
mercadores estrangeiros. Nesse contexto, destacavam-se O comércio local, sobretudo do artesanato, estava
as cidades italianas de Gênova, Veneza, Florença e Pisa, sob controle das corporações de ofício de cada cidade,
responsáveis pelo comércio do Mediterrâneo com o as quais zelavam por preço, quantidade e qualidade da
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24 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

Comércio no final do século XV

Centros econômicos italianos


Centros econômicos hanseáticos
Bergen Estocolmo Principais feitorias italianas
Novgorod Principais feitorias hanseáticas
Rotas comerciais genovesas
Rotas comerciais venezianas
Malmo Mar Riga
Mar do Rotas comerciais hanseáticas
Báltico
Norte Feiras 60°L
Lübeck Itinerários das feiras
Dantzig
Winchester Caravanas
Londres Bremen Hamburgo

Bruges Leipzig
OCEANO Gand Colônia
Amiens Cracóvia
ATLÂNTICO Frankfurt
Paris
45°
N Mar
Estrasburgo Montecastro
Cáspio
La Rochelle Dijon
Lyon Turim Milão
Veneza
Montpellier Gênova Mar Negro
Guimarães Marselha Florença
Siena Trebizonda
Barcelona
Roma
Barletta Constantinopla
Valência Nápoles
Bari
Greenw de
ich

Antioquia
no
Meridia

Palermo
Argel Famagusta
Túnis

Cândia
Mar Mediterrâneo Acre N
30°N
Trípoli O L
Alexandria

S
0 330

0° 15°L 30°L km 45°L

fonte: Georges Duby. Atlas Histórico Mundial. Editorial Debate, 1987.

produção. A corporação tinha uma rígida hierarquia em Uma questão importante que envolvia as corporações
três níveis: o aprendiz, que entrava na corporação com 8 eram os preços e o lucro.Pela mentalidade medieval forjada
ou 10 anos, seguindo a profissão do pai; o oficial, jovem pela Igreja Católica, o lucro exorbitante e a usura (emprésti-
que já conhecia a produção mas não tinha a própria mo a juros) eram proibidos aos cristãos, portanto, as corpo-
oficina; e, por fim, o mestre, grau de quem dominava rações deviam cobrar por seus produtos o “justo preço”.
toda a técnica de produção, podendo ensiná-la, além O fortalecimento da condição dos comerciantes,
de possuir a própria oficina. como os que produziam e controlavam novas formas de
Geralmente, os integrantes de uma mesma corpo- riqueza, implicou também uma nova tensão: a disputa
ração ocupavam o mesmo espaço na cidade, rua dos pelo poder político nas cidades.
peixeiros, rua dos tecelões, rua dos carpinteiros etc., e Até determinado momento, a relação entre as cida-
essas denominações ainda se mantêm em algumas des e os feudos era de subordinação, pois as cidades
cidades europeias, mesmo sendo outra a ocupação surgiam dentro de feudos ou estes eram criados a partir
desses espaços. dos povoados e cidades, que, portanto, estavam sob o
Outro dado relevante é a relação de fraternida- domínio do senhor feudal.
de e ajuda mútua que existia entre os membros da Gradativamente, iniciou-se um processo de
corporação: quando um deles falecia, a corporação emancipação das cidades. Os burgueses faziam um
arcava com os custos do enterro e procurava dar al- acordo com o senhor feudal: pagavam-lhe por sua
guma ajuda aos familiares do morto. Geralmente, as “liberdade”, e este lhes concedia uma carta de franquia,
corporações tinham um santo patrono, associavam-se documento que dava aos burgueses o governo da
à igreja desse santo, que poderia ter sido construída cidade através de uma assembleia. Surgiam, assim, as
pela própria corporação, e buscavam angariar recursos comunas ou cidades francas, um movimento que não
para a construção de um hospital que atendesse seus foi de todo pacífico, pois, em muitos casos, a expulsão
membros e também pobres fora da corporação – daí do antigo mandatário foi violenta, como nos conta o
a origem das “santas casas de misericórdia”. historiador francês Jacques Le Goff:
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CURSINHO DA POLI 25
história geral • aula 3

Temos uma narrativa célebre da emancipação A reafirmação de tal conceito era fruto da mentali-
da cidade de Laon, no norte da França, no início dade daquele momento, a qual, em diferentes campos
do século XII. É uma enorme rebelião, uma revolta do saber e por diferentes autores, seus contornos e
dirigida contra o bispo que é o senhor da cidade. pressupostos foram consolidados e difundidos. O pin-
A narrativa mostra o bispo fugindo dos rebela- tor Rafael Sanzio (1483-1520) se referia à arte medieval
dos, entrando no pátio de um prédio da cidade, como “gótica”, isto é, dos godos, bárbaros invasores que
escondendo-se dentro de um barril; ele é descoberto, não tinham cultura, segundo a visão romana. Já François
arrastado para a rua, assassinado, cortam-lhe o Rabelais (1483-1553) tratava o período medieval como
dedo que levava o anel, tomado como símbolo não a “espessa noite gótica”, de onde podemos, então, tirar
de sua função religiosa, mas de seu poder temporal, outra informação importante: o termo gótico, usado para
e seu corpo é transportado pela cidade exibindo-se a produção artística entre o fim do século XII e o século
o dedo com o anel. XV, foi uma construção posterior e pejorativa, portanto,
seus realizadores não tinham a dimensão de que “eram
Esse texto mostra uma conjunção de forças muito góticos ou produziam arte em estilo gótico”.
particular, porque esse movimento de emancipação das Se a leitura negativa da chamada Idade Média como
cidades deve ser entendido como um desdobramento “Trevas” nasceu entre os séculos XIV e XVI, a ampliação
do progresso financeiro, oriundo do comércio e de seu dessa visão e sua difusão foram desdobramentos de
controle por seus agentes: os burgueses. outros períodos históricos: o Iluminismo do século XVIII
Veremos, porém, que o desejo não se concentrava (época de intensa valorização da razão e de um ques-
apenas no exercício do poder, mas também na sua tionamento quanto aos poderes absolutos do rei e do
nobilitação, ou seja, essas famílias de ricos mercadores clero) e o Cientificismo do século XIX (contexto de maior
e banqueiros se reivindicavam um “ar aristocrático”, fato ampliação do racionalismo e de valorização da Ciência
que lentamente se consolidou através de políticas de em detrimento da fé), que por sua vez foi contemporâ-
casamento ou de ascensão pelo poder militar. neo do Romantismo (movimento artístico responsável
A construção dessa visão é fruto de uma leitura que por tentar resgatar e redefinir o período medieval).
valoriza a Antiguidade clássica como a “Idade de Ouro”,rica Cabe pensarmos em uma outra questão: existiria
em saberes e arte, detentora de um ambiente de relativa um grande abismo separando “os mil anos medievo”
liberdade, a qual primava pela valorização da Razão como a e o Renascimento? Muitos defenderam a tese de que
melhor e mais importante característica da humanidade. isso seria verdadeiro, tentando reafirmar os elementos
Esse pensamento estava muito presente entre os negativos do medievo e uma “ruptura, quebra ou dis-
letrados que buscavam com ansiedade localizar os tância” com o período de grande transformação que
antigos textos que se encontravam em bibliotecas de seria o Renascimento. Nesse caso, podemos destacar o
mosteiros e abadias ou nas universidades que haviam trabalho de Jacob Burckhardt (1818-1897), um renoma-
se tornado polo da produção do conhecimento no do erudito suíço, nascido na Basileia, que se tornou uma
universo da cidade. das principais referências no estudo do Renascimento,
O conceito de “Idade Média” foi uma construção a tendo, entre outras obras, A cultura do Renascimento
posteriori, isto é, estabelecido depois, e, dessa forma, da Itália, publicada em 1860 e que sustenta a tese da
aqueles que a viveram não se entendiam ou se cha- ruptura com o período medieval.
mavam entre si de medievais, termo que deriva de Atualmente, a visão é distinta, procurando observar
medium aevum, medium aetas, portanto, um período que que as transformações sofridas durante o Renascimento
separaria a chamada Idade Moderna da era dourada da foram resultado de um processo de continuidade que
Antiguidade clássica. perpassou o medievo e atingiu seu esplendor no mo-
Os letrados dos séculos XV e XVI chamavam a sua mento seguinte, guardadas as devidas proporções, pois
época de “Moderna” e reconheciam nela semelhanças precisamos analisar a complexidade das transformações
com o mundo antigo, criando por oposição ao passado e das permanências dentro de seu contexto, facilitando
recente a ideia de tenebrae, como o fez o poeta Fran- a identificação do que de fato foi inovação e do que já
cesco Petrarca (1304-1374). Nascia, assim, a visão de um era pensado pelas gerações anteriores.
período de estagnação e de vazio, que foi reafirmada
por outros pensadores: Giorgio Vasari (1511-1574) foi A transição da Idade Média
responsável por popularizar o conceito de renascitá,
renascimento em italiano. Mas, se renasceu, deveria Durante a Baixa Idade Média (séculos XI a XV), prin-
estar morta, esquecida nos séculos, para novamente cipalmente em seu período final, a Europa sofreu várias
estar presente entre os homens. E quem seria o ilustre transformações, pois aquela estrutura rural e de subsis-
defunto? A cultura greco-romana. tência foi gradativamente transformada em comercial
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26 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

e urbana, e as relações sociais se modificaram com a depor ou restabelecer bispos sem a necessidade de
ascensão e o fortalecimento da burguesia, favorecendo, convocar um sínodo (encontro de bispos para debates
portanto, uma transformação na visão de mundo do de assuntos religiosos)”, além de dizer que “a Sé roma-
homem europeu e, por sua vez, a modificação de várias na nunca errou e nunca errará por toda a Eternidade”,
instituições, como a Igreja e a Monarquia. decretando também que “o papa pode absolver súditos
A Igreja Católica deteve o monopólio cultural na de seu juramento de fidelidade aos homens injustos”.
Idade Média, tornando-se guardiã do conhecimento Ao observarmos as ações acima, podemos notar que
no intuito de preservar seus interesses e garantir sua a importância da religião dentro do mundo medieval
posição como incontestável. Dessa forma, incentivou a percorria todos os setores (cultura, sociedade, política),
produção cultural que favorecesse seus objetivos, princi- portanto, era um mundo regido pelo teocentrismo, cujas
palmente a reafirmação de seus dogmas e a supremacia bases se sustentavam na interpretação das Sagradas
do papado. Escrituras e nos estudos realizados pelos doutores da
Os principais centros de cultura durante a Alta Idade Igreja, destacando-se Santo Agostinho de Hipona, autor
Média (séculos V a XI) foram os mosteiros e abadias, locais de várias obras cujo conteúdo refletia sobre o cristia-
onde se realizavam estudos sobre a Bíblia, cópia de tex- nismo e também a vida dos homens, tornando-se um
tos em pergaminhos (pele de animal tratada) e de livros, dos mais importantes teóricos na transição do período
como também sua decoração com iluminuras (imagens romano para o medievo (era influenciado pela obra de
que acompanhavam os textos), e o importante trabalho Platão). Santo Agostinho acreditava que o homem tinha
produzido pelos monges: as traduções de textos dos seu destino traçado por Deus, tendo a fé como sinal de
pensadores da Antiguidade, como Aristóteles, Platão, predestinação e de sua salvação: tendo fé o homem teria
Sócrates, entre outros. sua alma salva após a morte.
As comunidades monásticas se espalharam por Outro pensador católico de grande relevância foi São
várias partes da Europa, mas essa expansão também Tomás de Aquino (1225-74), frade dominicano, filósofo
foi acompanhada de problemas, pois nem sempre os e professor em várias universidades (Paris, Roma, Nápo-
que ingressavam na vida religiosa tinham de fato uma les), cujo trabalho influenciou o pensamento medieval
vocação sincera e, dessa forma, muitos mosteiros pas- durante a Baixa Idade Média e os séculos seguintes. Sua
saram a se distanciar dos votos de pobreza, castidade e doutrina, chamada posteriormente de tomismo, tinha
obediência que caracterizavam a vida no clero. como fonte os textos de Aristóteles, que àquela altura já
Relatos de abusos de poder, enriquecimento ilícito e tinham sido traduzidos tanto pelas escolas cristãs quanto
desregramento moral de toda espécie prejudicavam a pelos pensadores muçulmanos, como Averróis, nome
imagem do clero perante a sociedade, sendo um exem- pelo qual ficou conhecido o sábio Ibn Rushd, que viveu
plo de reação a Ordem de Cluny, fundada em 909, que em Córdova, no século XII, no contexto da dominação
adotou a regra beneditina, mas adaptada à sua particular árabe na península ibérica.
interpretação: uma imensa valorização das atividades Quanto à salvação, Tomás defendia a tese do livre-
religiosas, o afastamento dos trabalhos manuais, que -arbítrio, ou seja, ao homem cabia a escolha entre o
foram passados aos servos, e a posição secundária do caminho do bem e do mal, pois a salvação da alma
trabalho intelectual. A vida monástica deveria ser pau- ocorreria através das boas ações e da fé. Um outro
tada por uma rígida disciplina, pois buscavam a elevação dado sobre o pensamento de Tomás de Aquino é a
espiritual, a meditação e o silêncio do isolamento, e tal severa crítica à usura, condenando os que empres-
fato fez com que a Ordem de Cluny crescesse, chegando tavam dinheiro a juros e também os que queriam
ao fim do século XI com mais de 1 200 mosteiros, tendo lucrar excessivamente, afastando-se da modéstia do
um papel significativo na elaboração do pensamento que deve ser o “justo preço” pelo trabalho realizado
que organizaria a “Paz de Deus” e, por sua vez, o movi- ou mercadoria vendida.
mento das Cruzadas. A produção cultural durante a Idade Média estava
Uma força de transformação também se instaurou ligada ao teocentrismo (toda a atividade humana é resul-
a partir do conjunto de reformas implementadas pelo tante do poder de Deus), mas não é possível acreditar na
papa Gregório VII (1073-1085): a garantia da indepen- exclusiva existência de uma única cultura letrada e eru-
dência da Igreja perante as autoridades temporais dita, pois fora a cultura religiosa, patrocinada pelo clero
(poder laico) instituiu formalmente a lei do celibato e pela nobreza, existia a cultura laica (não religiosa).
(os religiosos não deveriam se casar nem ter nenhum A cultura laica pode ser entendida como “profana”:
tipo de relacionamento amoroso, pois “morriam para o termo derivado do latim Pro fanum (em frente ao Tem-
mundo e se entregavam ao serviço divino”), reafirmou plo), ou seja, a produção cultural que se expressava fora
a autoridade papal com o Dictatus Papae em 1075, do severo controle da Igreja (poetas, artistas, teatro
determinando que era o único com “autoridade para de rua, música, circo etc.), manifestando as principais
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CURSINHO DA POLI 27
história geral • aula 3

Elias Feitosa
características da cultura popular e oral e nas suas mais
amplas variantes.
Contudo, não podemos pensar que tanto a cultura
erudita quanto a popular não tinham um ponto de
contato, estando claramente separadas – e, nesse caso,
precisamos observar também uma “região de contato”
entre ambas: o espaço da cultura intermediária1, isto é,
a possibilidade de elementos da cultura erudita e da
popular serem conhecidos e utilizados pela população
em geral, do mais rico ao mais pobre.
Na literatura, uma das principais manifestações foram
as novelas de cavalaria, as canções de gesta e as poesias
trovadorescas, que contavam histórias de cavaleiros, seus
combates e seus amores, como o ciclo arturiano (O rei
Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, A demanda do
Santo Graal) e o ciclo carolíngio (Carlos Magno e Rolando,
personagens principais de Canção de Rolando). Esses
textos eram escritos em latim vulgar e geralmente can-
tados pelos jograis e trovadores, enquanto no universo
da literatura clássica é de grande importância a obra de
Dante Alighieri (1265-1321).
O poeta florentino Dante Alighieri escreveu A divina
comédia, poema épico composto por três partes (Inferno,
Purgatório e Paraíso), escrito em tercetos com versos decas-
sílabos, totalizando 100 cantos, e inteiramente em dialeto
toscano, o qual futuramente daria origem à língua italiana.
Apesar de inovadora, A divina comédia ainda trazia vários
elementos da cultura e visão de mundo medieval, repre-
sentados pela hierarquia, linearidade e imobilidade, tendo,
porém, uma perspectiva que ressalta o valor humano, pois
a passagem de Dante pelo Inferno e pelo Purgatório não
deturpa seu caráter, ao contrário, reafirma-o.
Um outro autor de grande importância nesse
contexto foi Giovanni Boccaccio (1313-1375) e seu
livro Decameron, um conjunto de histórias contadas
por um grupo de amigos que se refugiou da Peste
Negra, saindo da cidade de Florença e se escondendo
nos campos, longe do horror e da morte que ali se
manifestava pela epidemia.
Ao pensarmos no conceito de cultura intermediária
e observarmos a produção intelectual dos séculos XIV e
XV, fica muito mais complexo estabelecer o traçado de
uma “fronteira” entre o que seria medieval e o que seria
renascentista, mas, ao mesmo tempo, vemos que a Euro-
pa vivia um processo de transformação, e é justamente aí
que encontraremos os elementos que nos apontarão as
novidades: o nascente mundo burguês no seio da cidade
e os interesses desse novo grupo, o qual rompia com
a divisão tripla da sociedade (clero, nobreza e servos),
buscando se afirmar perante a crise feudal.
A doutrina cristã em imagens: construída entre 1140-1150 na
fachada ocidental da catedral de Notre-Dame de Chartres,
localizada na região de Eure-Loire (França), a Árvore de Jessé ali
representada evoca a genealogia de Jesus e sua relação com a
1. O conceito de cultura intermediária é um desdobramento das pesquisas do Prof. Dr. Hilário
casa real de Davi, apresentando a sucessão de reis que formam
Franco Junior, professor de História Medieval no Departamento de História da USP. o tronco da linhagem.
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história geral • aula 3

O Renascimento sua releitura, sujeita aos valores e modismos do período


entre os séculos XIV e XVI.
Conforme apresentamos no início desta aula, o con- A partir da reabertura do Mediterrâneo ao longo
ceito de Renascimento vem da palavra italiana renascitá, das Cruzadas (séculos XI a XIII), a Europa assistiu a uma
pois se acreditava que o período anterior, a Idade Média, intensa transformação das relações sociais e do modo de
fora uma “espessa e longa noite gótica” imersa nas trevas vida, pois as cidades voltaram a crescer e se tornaram o
e desprovida de cultura. Para os homens desse período, centro das atividades comerciais através da atuação dos
a “verdadeira” cultura estava na Antiguidade, a qual foi burgueses. A burguesia era um grupo oriundo da ordem
banida e em seu lugar a Igreja estabeleceu o teocen- dos trabalhadores e, portanto, não possuía legitimidade
trismo. O saber, portanto, encontrava-se nas artes e nos como a nobreza ou o clero.
escritos clássicos. No que diz respeito à prosperidade italiana, esta
Dessa forma, os artistas e intelectuais buscavam era relacionada ao monopólio do comércio de espe-
uma concepção de cultura diferente da medieval e que ciarias com o Oriente, tendo se destacado as cidades
tinha suas raízes no mundo greco-romano. A proposta de Gênova, Veneza, Florença e Pisa. Essas cidades
central era afastar-se do teocentrismo, buscando o controlavam a venda de especiarias dentro da Europa
antropocentrismo, ou seja, o homem como medida de e também a sua compra com os árabes e turcos no
todas as coisas. Mediterrâneo.
Apesar dessa repulsa à Idade Média, é importante O Renascimento tem como “berço” a península
perceber que as transformações sofridas durante o Renas- Itálica em razão de um conjunto de fatores que favo-
cimento foram resultado de um processo de continuidade receram sua formação. Em primeiro lugar, o fato de ter
que perpassou o medievo e atingiu seu esplendor no sido o centro do Império Romano e guardar milhares
momento seguinte, portanto, não se pode considerar a de ruínas e resquícios da cultura greco-romana, como
Renascença uma ruptura total, mas a mudança de largo templos, estátuas e prédios públicos. Dessa forma, os
processo de experimentação e aprimoramento. italianos tinham uma convivência muito próxima com
Cabe também a ressalva de que o Renascimento seu “glorioso passado”.
não foi a “recuperação integral” da Antiguidade, mas Em segundo lugar, o enriquecimento proveniente do
comércio mediterrâneo, que permitiu aos burgueses o
investimento nas artes, sendo denominados mecenas,
Itália no início do Renascimento com o objetivo de legitimar sua posição na sociedade
e buscar uma visão de mundo que se relacionasse com
fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002.

MONFERRATO
seu modo de vida, rompendo, portanto, com a visão de
mundo medieval, na qual eram simples trabalhadores
SABÓIA inferiorizados pela nobreza e pelo clero. O mecenato, no
VENEZA entanto, não ficou restrito aos burgueses, pois nobres,
MILÃO
ASTI FERRARA papas e príncipes também o fizeram.
MÓDENA Um fator muito importante foi a sobrevivência de
SALUZZO
GÊNOVA MÂNTUA
LUCA
muitos textos clássicos através da sua conservação em
MALASAPINA
FLORENÇA bibliotecas de mosteiros e abadias, textos estes que
MÔNACO ESTADOS
M foram copiados e traduzidos por monges copistas,
PONTIFÍCIOS ar
SIENA Ad
Córsega riá
tic
do intercâmbio entre sábios bizantinos (vindos do
(Gênova) PIOMBINO Roma o Império Bizantino atacado pelos turcos) e também
PIOMBINO
pela ação dos árabes na tradução e divulgação de
NÁPOLES
(Aragão)
vários textos.
Sardenha
40°N A sobrevivência dos elementos da cultura clássica
(Aragão)
Mar Tirreno pode ser relacionada à sua redescoberta a partir do
interesse dos intelectuais pelos studia humanitatis (es-
N tudos humanos, que incluíam Filosofia, Poesia, História,
Mar Mediterrâneo Sicília
O L
Matemática, eloquência, e o perfeito domínio do latim
(Aragão) e do grego), pois não se buscou a mera repetição dos
0
S
130 modelos antigos, mas sua reinterpretação à luz de sua
ÁFRICA km época e, dessa forma, constituiu-se o humanismo.
15°L
Fonte:
724-1

CURSINHO DA POLI 29
história geral • aula 3

A estética renascentista As inovações técnicas


Durante o Renascimento surgem inúmeras inova-
Museu Estatal Russo, São Petersburgo - Photo Scala,Florença/Imageplus

ções nas artes plásticas: a perspectiva, a representação


dos objetos, o lidar com os conceitos de espaço e
volume, enfocados a partir de um ponto de vista
(ponto de fuga), o que permitiu ampliar o espaço e
trabalhar a profundidade, apesar de isso delimitar o
olhar do observador para o ponto estabelecido pelo
pintor, também chamado de “técnica do ponto fixo”.
Possivelmente, um dos primeiros a utilizar essa técnica
foi Giotto; mais tarde, Brunelleschi estabelece uma
relação matemática proporcional na representação
das imagens, também chamada de perspectiva geo-
métrica. A pintura a óleo, talvez importada da região
de Flandres e difundida ao longo do Quattrocento, per-
mitiu um trabalho mais detalhista por parte do artista,
possibilitando-lhe o aprimoramento da técnica.

Tomas Marek/Dreamstime.com
A Virgem Odighítria de Grottaferrata – Itália, séc. IX-XI.

A estética renascentista propôs o retorno aos valores Catedral de Florença, Itália, 2010.
clássicos: arte mimética (a imitação da realidade com
Se usarmos o senso comum, podemos cair num gra-
o objetivo de buscar a perfeição, segundo Aristóteles,
ve erro: a visão do Renascimento como um movimento
forjando a ideia de respeitar o modelo adotado e, dentro
homogêneo, marcado pelas mesmas características, inde-
dele, a busca da superação, fruto da ação do artista); a
pendentemente do período e da região analisada. Seja na
harmonia, a sobriedade (contenção dos sentimentos); e,
península Itálica, seja fora dela, o número de artistas produ-
além dessa recuperação da Antiguidade, o tema central
zindo obras com as mais variadas técnicas é muito grande,
foi o antropocentrismo (o homem como medida de
e naquele contexto a formação do artista passava pelo
todas as coisas) em detrimento do teocentrismo, favore-
processo de aprendizagem na oficina de um mestre.
cendo o surgimento de uma forma de cultura laica (não
Uma vez “formado”, o jovem artista buscaria seu es-
religiosa), a qual valorizava o individualismo.
paço, realizando trabalhos na sua cidade ou em outros
Quanto à temática, não foram abandonados os
lugares, ou mesmo abrindo uma oficina que também
temas religiosos, como a vida de santos e as passagens
receberia aprendizes, ou ainda, caso conseguisse sucesso,
da Bíblia, o que houve foi uma mudança de foco: em
poderia obter a proteção de algum potentado, dedican-
vez de imagens que representavam a divindade como
do-se exclusivamente às encomendas de seu senhor.
algo intocável e misterioso, os artistas buscaram trazer
Caso este fosse muito influente, além de reconhecimento
uma concepção de representação mais humanizada dos
e riqueza, viriam também as honrarias, como as que re-
personagens sagrados, e isso é perceptível em vários
ceberam Rafael Sanzio (conselheiro e superintendente
trabalhos, como no Juízo Final pintado por Michelange-
de antiguidades da corte papal) e Tintoretto (agraciado
lo na Capela Sistina. Outro tema muito recorrente foi a
com o título de conde), entre outros.
mitologia greco-romana, pois os mitos foram resgatados
O mecenato2, isto é, o patrocínio de artistas, foi
e ganharam uma roupagem adequada ao gosto burguês,
responsável pela criação de um vasto patrimônio cul-
quando muitos queriam demonstrar sua erudição no
conhecimento dessas narrativas ou ainda associar as 2. O termo deriva do nome de um rico romano amigo e conselheiro do imperador romano Otávio
Augusto, Gaius Maecenas ou Caio Mecenas (74?-8 a.C.), que foi responsável pelo patrocínio de
virtudes de um herói ou deus à sua pessoa. vários artistas de sua época, como Virgílio e Horácio, os quais lhe dedicaram vários versos em
seus poemas.
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30 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

tural que se espalha atualmente por diferentes museus Reforma


(dentro e fora da Europa), bem como espaços públicos
de diferentes naturezas (igrejas, praças, sedes do poder O questionamento da Igreja foi fruto de um processo
político), além de coleções particulares dos que hoje de transformação pelo qual a Europa ocidental passava,
investem em arte, mas como forma de terem para si especialmente pelo fortalecimento da burguesia e de
uma obra de excelente produção ou de transformá-la sua importância dentro da nova dinâmica econômica
numa espécie de poupança que poderá ser utilizada europeia, pois o mundo agrícola foi dando espaço ao
num momento de necessidade, ou, ainda, como alguns mundo urbano: o crescimento do comércio implicava
infelizmente já fizeram ou fazem, valendo-se da arte a transformação de vários setores da sociedade com a
para esconder recursos de natureza questionável, ação expansão das cidades, das trocas comerciais em larga
conhecida como “lavagem de dinheiro”. escala e, assim, necessitava-se de uma mentalidade mais
No contexto do Renascimento, os mecenas tiveram o adequada àquele momento, pois o catolicismo proibia
papel de propulsores da arte e em alguns casos faziam o lucro e a usura e defendia o “justo preço” das corpo-
questão de indicar sua vontade de aparecer no quadro rações de ofício, dificultando, portanto, a consolidação
ou afresco, fator que mais uma vez deixa bem claro seu da burguesia.
interesse na afirmação social, e tal objetivo mostrava que Um outro movimento que teve contribuição sig-
a sua ambição era ser visto como uma personalidade nificativa foi a mudança de paradigma que ocorreu
importante perante a sociedade, livrando-se do peso que durante os séculos XV e XVI através do Renascimento,
a origem humilde e a riqueza amealhada pelo trabalho especialmente pela invenção da imprensa e a conse-
ainda tinham naquele ambiente social. quente circulação mais rápida do conhecimento entre
Porém, quando observamos o processo como um os meios intelectuais, bem como o acesso ao livro, além
todo, percebemos que houve uma forte relação entre o do desenvolvimento do que entendemos por metodo-
fluxo de capitais e a intensificação da produção artística: o logia científica, processo calcado no levantamento de
ponto de partida é a Itália (séculos XIV a XV), seguida por hipóteses e análise de dados, seguido pela elaboração
Flandres (século XV), e por fim os novos centros comerciais de teorias que não eram apresentadas como verdades
que se consolidam no século XVI, com o deslocamento absolutas (dogmas), mas como possibilidades para o
do eixo econômico para a Europa ocidental: Portugal, esclarecimento do tema estudado.
Espanha, França e Inglaterra. Alguns dos setores da cristandade começaram a
Obviamente, não podemos colocar a divisão cronoló- perceber que a Igreja Católica apresentava uma con-
gica acima como uma sequência estática e sucessiva, mas duta muito diferente dos princípios que defendia, o
como um processo de lenta transformação, cada região que implicava o desgaste de sua imagem e também seu
a seu modo e tempo, de acordo com suas características, enfraquecimento, como a severa crítica à Igreja feita pelo
reafirmando, portanto, a impossibilidade de observar o erudito Erasmo de Roterdã em sua obra de 1508, O elogio
Renascimento como um “processo homogêneo”, situa- da loucura (leia o texto 2 da roda de leitura).
ção muito bem explicada pelo historiador da arte Erwin As críticas recaíam sobre a Igreja em virtude do
Panofsky (1892-1968) no texto Renascimento e renasci- distanciamento entre o alto clero e seus fiéis, pois o
mentos na arte ocidental. luxo e a ostentação da corte papal e de seus dignitários
contrastavam com a pobreza e as privações em que a
grande maioria de seus fiéis vivia. Além da vida luxuosa,
Óleo sobre madeira, 220 x 262 cm. Museu do Prado, Madri

práticas como a simonia (venda de relíquias e de cargos


religiosos) e a venda de indulgências (absolvição de pe-
cados em troca de dinheiro, terras etc.) faziam parte do
cotidiano do alto clero. Erasmo de Roterdã costumava
dizer que “se todos os pedaços da cruz de Cristo existen-
tes na Europa fossem reunidos hoje, nós construiríamos
um navio!”.
Dessa forma, a crise moral que a Igreja Católica
Romana atravessava foi o combustível necessário para
inflamar as discussões que reprovavam a conduta de
grande parte do alto clero e, ao mesmo tempo, o cami-
nho para tentar construir ou reconstruir a vida espiritual
defendida na essência da doutrina cristã, fato que não
excluiu a ruptura (os que reclamaram foram rotulados
Rogier van der Weyden. A descida da Cruz, c. 1435. de “protestantes”, e daí temos a origem dessa denomi-
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CURSINHO DA POLI 31
história geral • aula 3

nação para as novas igrejas surgidas no século XVI), era revendida, fator responsável pelo encarecimento
muitas vezes ocasionada pelo próprio clero católico, do valor dos produtos.
que se recusava a admitir seus erros, como bem retrata Além disso, o clero alemão e a corte imperial também
a máxima papal:“Roma locuta, causa finita”, isto é,“Roma estavam envolvidos em negócios escusos, que envol-
disse, questão encerrada”. viam venda de cargos e indulgências, como o evento
de 1519, durante a eleição de Carlos V de Habsburgo
Lutero e a Reforma no Império Alemão para imperador, em que este hipotecara suas minas
de ouro na Boêmia aos banqueiros Fugger, a fim de
Galeria degli Uffizi, Florença

obter um vultoso empréstimo para subornar os nobres


da Dieta, alcançando assim o tão prestigioso título de
imperador.
Foi nesse tumultuado contexto político que en-
contramos a ação de Martinho Lutero (1483-1546), um
monge da ordem de Santo Agostinho e doutor em
teologia pela Universidade de Württemberg, onde se
tornou professor de teologia bíblica, cargo que exerceu
até o fim da vida. Através de seus estudos foi possível
constatar a incoerência praticada pela Igreja Católica ao
colocar as “boas obras” em posição de maior importância
que a fé.
Em 1517, Lutero fixou na porta da catedral de
Württemberg seu polêmico texto: As 95 teses contra a
Igreja, no intuito de chamar a atenção para os inúmeros
erros que a Igreja e seus dirigentes estavam cometendo.
Mas, em vez de abrir espaço para o diálogo, as autori-
dades clericais tentaram impor a retratação imediata
Martinho Lutero. Lucas Cranach, o Velho, 1529. de Lutero, que negou terminantemente. Afinal, não se
considerava errado, mas preocupado com os erros de
O Sacro Império Romano-Germânico era uma he- outros membros do clero.
rança do Império Carolíngio, formado por um conjunto A recusa da retratação acabou por se transformar
muito fragmentado: cerca de trezentos Estados (cidades numa atitude perigosa, implicando o enfrentamento
livres, arcebispados, ducados, principados etc.) inde- direto da Igreja Católica e da autoridade do imperador.
pendentes entre si, mas sem uma unidade de poder Em 1520, Lutero foi excomungado pelo papa Leão X
centralizada. (oriundo da poderosa família Médici, cujo pai, Lourenço
Apesar da existência da figura de um imperador, seu Magnífico, havia lhe comprado o título de cardeal aos 13
poder era meramente simbólico para o conjunto geral anos de idade) e queimou publicamente a Bula Papal que
dos territórios, e a autoridade efetiva do poder imperial continha sua excomunhão. Perseguido pelo imperador
só ocorria nas terras pessoais do imperador. Além dis- e pelo papa, ficou escondido sob a proteção do príncipe
so, o imperador era escolhido por uma assembleia de da Saxônia e nesse período realizou a tradução do Novo
grandes nobres (Dieta), que votavam nos candidatos Testamento para o alemão.
escolhidos entre si. Tomando por base Santo Agostinho, Lutero cons-
No entanto, a burguesia germânica estava mais bem truiu uma doutrina própria, mantendo apenas dois
organizada no litoral (vinculada ao comércio entre o mar sacramentos (o batismo e a eucaristia), defendeu o uso
do Norte e o mar Báltico) e no sudoeste do Império (no do alemão nos cultos, a livre interpretação da Bíblia, e
vale do Reno), sendo o restante dos territórios áreas de contestava a transubstanciação (a transformação do
economia agrícola, especialmente ao sul, nas montanhas pão e vinho em corpo e sangue de Cristo durante a
da Bavária, pois viviam sob o pesado controle de senho- eucaristia), defendendo a consubstanciação (o pão e
res feudais do clero e da nobreza. o vinho seriam aceitos simbolicamente, sem mudança
De modo geral, a população camponesa era de matéria), e nesse momento Cristo se faria presente,
composta por servos e por poucos homens livres recebendo aquelas oferendas.
que detinham terras, enquanto os trabalhadores da O interesse da nobreza em apoiar Lutero era quebrar
cidade eram obrigados a pagar pesados impostos, na o domínio da Igreja no seio do Império, já que esta deti-
forma de pedágios, ou ainda como comissões devidas nha cerca de 30% das terras, e, assim, a ruptura com Roma
a senhores locais, por onde a mercadoria circulava e poderia representar o desrespeito à autoridade papal
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32 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

e imperial, favorecendo o confisco de bens e terras da A Reforma na Inglaterra foi resultado de um contexto
Igreja Católica pela nobreza, fato que esclarece a adesão muito particular e um tanto distinto do que ocorreu no
rápida de parte dos nobres ao pensamento de Lutero. Império Alemão, pois ocorreu em meio ao choque de in-
As ideias luteranas também se espalharam entre a teresses políticos entre a Coroa inglesa e os Habsburgo.
população mais pobre, especialmente entre os agricul- Com a morte de Henrique VII em 1509, o trono foi
tores (servos e homens livres), favorecendo a eclosão de ocupado por seu filho, Henrique VIII, que se casou no
várias revoltas camponesas, as quais se espalharam pelos mesmo ano com Catarina de Aragão, princesa espanhola
campos e cidades de diferentes regiões do Sacro Império, que lhe dera apenas uma filha (Maria Tudor) e que estava
impondo um estado de tensão que foi acompanhado de prometida em casamento ao príncipe espanhol Felipe
saques e pilhagens, bem como do massacre dos revolto- de Habsburgo, herdeiro da Coroa espanhola.
sos. Lutero, no entanto, estava sob a proteção da nobreza, e Temendo que, após sua morte, os espanhóis se apo-
talvez essa condição tenha induzido seu posicionamento derassem da Inglaterra, Henrique VIII desejava o divórcio
a favor da nobreza e da repressão dos camponeses. para casar-se novamente, ideia que se manifestou já
Por volta de 1530, um outro agostiniano, Felipe de em 1527, mas não se concretizou efetivamente num
Melanchton, expôs integralmente as ideias de Lutero na primeiro momento, sobretudo por causa da pressão
cidade de Augsburgo, o que foi denominado Confissão de exercida pelo papa.
Augsburgo, doutrina renegada pela nobreza católica. Entre os que defendiam a manutenção das boas
Lutero não chegou a ver o término da crise religiosa, relações com Roma estava Thomas Morus, humanista
porque a solução para a questão só ocorreu em 1555, que escreveu A utopia e que exercia a função de conse-
com um acordo entre luteranos e católicos, a Concordata lheiro do rei, posicionando-se contra a possibilidade de
de Augsburgo, na qual se estabeleceu o princípio “cujus uma cisão religiosa e temendo uma onda de guerras na
regio, ejus religio”, ou seja,“tal príncipe, tal religião”. Dessa Inglaterra que poderia destruir o reino.
maneira, os príncipes escolhiam a religião a ser adotada O papa Clemente VII negou o pedido de divórcio
em suas terras e a população deveria acatar. de Henrique VIII, evitando a represália dos Habsburgo,
Enquanto o sul permaneceu católico em sua maioria, o já que Carlos V era sobrinho de Catarina e ambicionava
luteranismo teve maior aceitação no norte da Alemanha, não só preservar o poder que exercia na Europa, mas
mas também chegou a outros países, como Suécia, Di- também queria que a Inglaterra se colocasse sob sua
namarca e Noruega. Com a emigração para o continente esfera de poder.
americano,o luteranismo chegou ao Novo Mundo,especial- Henrique VIII decretou o Ato de Supremacia em
mente na América do Norte. Posteriormente, já no século 1534, a partir do qual se tornava líder e protetor da
XIX, atingiu outras regiões do planeta, seja pela imigração, Igreja na Inglaterra, liberando-se da autoridade papal
seja pelo missionarismo religioso. e confiscando-lhe as terras que possuía no país. Essas
terras passaram ao controle da Igreja Anglicana, a nova
Henrique VIII e a Reforma na Inglaterra instituição fundada por Henrique VIII.
A situação não foi bem aceita por muitos, entre eles,
Thomas Morus, que abandonou o cargo de conselheiro
Palazzo Barberini, Roma

real e se recusou a jurar lealdade ao novo líder espiritual


do reino, fato que lhe valeu a acusação de traição, prisão
e execução em 1535.
Catarina e a pequena princesa Maria foram enviadas
para a Espanha, já que Henrique VIII providenciara a anu-
lação do casamento. Com a separação, o próximo passo
foi buscar uma nova esposa, a qual pudesse gerar um
varão e, assim, assegurar a sucessão do trono. A escolhida
foi uma jovem que fazia parte do círculo da corte inglesa:
Ana Bolena, mas, ironicamente, Henrique teve com ela
uma outra filha, a futura Elisabeth I.
O casamento malogrou em virtude da acusação sofrida
por Ana de ser adúltera e atentar contra a vida do rei. Ela foi
presa, julgada e condenada à morte. A princesa Elisabeth
foi educada longe da corte e sem sofrer nenhum tipo de
pressão, pelo menos enquanto o pai esteve vivo.
Foi em seu terceiro casamento que Henrique conse-
Rei Henrique VIII. Hans Holbein, o Jovem, 1540. guiu ter o sonhado filho: a nova esposa, Jane de Seymour,
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CURSINHO DA POLI 33
história geral • aula 3

deu à luz, em 1536, o futuro rei Eduardo VI, mas Jane não tou do domínio Habsburgo no século XV e não possuía
conseguiu sobreviver às complicações do parto, morren- uma unidade política centralizada, tendo porém grande
do alguns dias depois. Henrique ainda se casou mais três desenvolvimento econômico em algumas regiões, como
vezes, mas não teve outros filhos, e acreditava que com Zurique, Genebra e Basileia.
o nascimento do varão o reino estava salvo. As ideias reformistas chegaram a partir de Ulrich
O anglicanismo preservou muitas semelhanças com Zwingli (1484-1531), homem que travou contato com os
a religião católica, como a hierarquia eclesiástica, cujo escritos de Lutero e de Erasmo de Roterdã, radicalizando--
topo era ocupado pelo rei, seguido pelos bispos e pa- -os ainda mais e promovendo um choque com os grupos
dres, os quais não eram obrigados a cumprir o celibato, católicos, numa guerra civil que perdurou de 1529 a
podendo, portanto, se casar. 1531 e foi finalizada com a Paz de Kappel, garantindo a
O culto substituiu gradativamente o latim pelo inglês, autonomia da escolha religiosa de cada cantão.
e a eucaristia era vista como a presença espiritual de Cris- Em 1536 chegou a Genebra um francês protestante,
to, sem a mudança de matéria pregada pelo catolicismo. João Calvino (1509-64), que publicou o livro Christia-
A salvação estava na fé, e a Igreja Anglicana seria útil para nae religionis institutio (A instituição da religião cristã),
alcançar esse caminho, tendo ainda a figura dos santos texto que se tornou uma referência para o movimento
e mártires como exemplos de conduta cristã, mas sem protestante. Em 1541, Genebra estava ameaçada pelas
destinar-lhes um culto especial. forças católicas do duque de Savoia, Emanuel Philibert.
Superadas as dificuldades de natureza política e Foi nesse momento que Calvino tomou o poder e, com
religiosa, o anglicanismo se consolidou como religião seus aliados, estabeleceu uma teocracia sob sua lideran-
predominante na Inglaterra, contudo, a Irlanda ainda ça em Genebra, a qual se impôs através de uma série de
conseguiu se manter ligada ao catolicismo, e a Escócia leis morais rígidas: proibição do jogo, da prostituição, do
teve maior presença do calvinismo. A dinâmica social teatro e das diversões em dias de culto, considerando-as
entre essas diferentes religiões não foi completamente “crimes contra a fé”.
pacífica, e tensões e conflitos tiveram como consequên- Tanto em Genebra como nas cidades por onde a
cia a imigração para as colônias do Novo Mundo, expan- doutrina calvinista se espalhou, o controle dos costumes
dindo o protestantismo em maior escala. e ações da população ficava sob a atenção do Consis-
tório, formado por três sacerdotes e doze burgueses de
Calvino e a Reforma na Suíça condição respeitável, eleitos pelo conselho municipal e
com atuação muito semelhante à da Santa Inquisição.
O culto calvinista foi marcado pela valorização das
Coleção particular

Santas Escrituras em detrimento de ambientes luxuosos


ou decorados, por isso os espaços de culto eram muito
simples, despojados de qualquer adorno ou decoração,
prevalecendo somente um púlpito para o pastor e ban-
cos para os fiéis. A defesa do ambiente austero para os
cultos foi motivo para a destruição de inúmeras obras
de arte sacras que se encontravam em igrejas católicas.
Com a conversão ao calvinismo, esses ambientes foram
“limpos” dessas imagens, já que na concepção calvinista
não passavam de idolatria.
O modelo de instituição pensado por Calvino e que
se desdobrou entre seus seguidores não comportava a
existência de uma hierarquia eclesiástica, pois a ideia
seria a formação de uma igreja de pastores, tal qual
o cristianismo primitivo, calcado no missionarismo
apostólico. O papel da instituição seria aproximar o fiel
da salvação, destacando o batismo e a pregação como
elementos organizadores daquele grupo.
Tomando por base as ideias de Santo Agostinho,
Calvino reafirmou a predestinação e dizia que esta se
João Calvino: a absolvição do trabalho. manifestava através de sinais. O trabalho árduo, a pros-
peridade e o enriquecimento seriam sinais da aprovação
O terceiro foco da Reforma foi a Suíça, uma federação divina. A proposta calvinista teve um ajuste perfeito com
de cantões (pequenas unidades territoriais) que se liber- o modo de vida burguês, pois o trabalho representava
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34 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

uma forma de ascese (elevação espiritual), e o conse- As ações de Felipe II de Habsburgo ao longo do seu
quente enriquecimento, uma bênção de Deus. reinado (1555-1598), no sentido de forçar a submissão
Os desdobramentos da expansão da atividade co- dos holandeses tanto do ponto de vista político quan-
mercial no século XVI foram intensamente favorecidos to religioso, abriram caminho para que a guerra entre
pela articulação das redes comerciais que interligavam calvinistas e católicos se polarizasse num movimento
inúmeras cidades através das feiras e rotas de comércio em de independência a partir de 1581 (nesse contexto
todo o continente. Por isso, em muitas regiões de intensa surgiram as Províncias Unidas) e o consequente for-
atividade mercantil e financeira, o calvinismo foi encarado talecimento holandês, que, através de seus centros
como uma forma de afirmação das identidades locais e comerciais (Amsterdã, Roterdã e Antuérpia), rivalizava
como um mecanismo que conseguia articular a espiri- com os interesses econômicos dos Habsburgo na
tualidade com a dinâmica das práticas capitalistas. Nesse Europa e nas colônias.
ambiente favorável o calvinismo A difusão das Reformas: a Europa no século XVI
se expandiu por várias regiões da
NORUEGA
Suíça,parte da França (onde foram SUÉCIA
ESCÓCIA
chamados de huguenotes), Ingla- Mar do O
RÚSSIA
Norte Mar O
terra (chamados de puritanos) IRLANDA
C DINAMARCA Báltico C
C
60°L
C O
e na Escócia (conhecidos como INGLATERRA PAÍSES SACRO C O
O

C C BAIXOSC L O
presbiterianos). C C IMPÉRIO L
ROMANO-
C POLÔNIA O
O
OCEANO L
No caso dos Países Baixos, ATLÂNTICO
C
C
-GERMÂNICO
L L L
O

região submetida ao controle 45°N C


C L
L C
C M M
M Mar
C C
FRANÇA
dos Habsburgo desde o final do C C M M Cáspio
C
século XV, o calvinismo foi fator de C C GÊNOVA
M Mar Negro
C M
propulsão para o movimento se- M
AL

M
Católicos
TUG

M
ESPANHA ESTADOS
paratista, que estava interessado PONTIFÍCIOS
M M
M IMPÉRIO TURCO-OTOMANO L Luteranos
POR

não só em romper a dominação NÁPOLES M Anglicanos


M M
católica (situação que deu origem N
Calvinistas
Greenw de

C
ich

à Igreja Reformada Holandesa),


no

O L O Ortodoxos
Meridia

mas também em sair do controle 0 460


ÁFRICA Mar Mediterrâneo M Muçulmanos
km S
exercido pela Coroa espanhola. 0° 30°L
fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002.

Os peregrinos do Novo Mundo

As convulsões religiosas e políticas que tomaram grande nação: a futura república dos Estados Unidos
conta da Inglaterra nos séculos XVI e XVII foram conco- da América.
mitantes com o processo de formação da América in- O grupo de colonos era bastante heterogêneo,
glesa, e grande parte dos que ali primeiro se instalaram formado por puritanos e presbiterianos, que busca-
eram famílias que tinham sido perseguidas em razão de vam construir uma Nova Inglaterra, estabelecendo-se
terem adotado o calvinismo ou mesmo por se coloca- na região norte da América inglesa. Paralelamente,
rem politicamente contrárias ao grupo dominante, que também ocorreu a organização de outros núcleos de
oscilou entre anglicanos, católicos e calvinistas. povoamento, com a presença de anglicanos ou mesmo
Na condição de “indesejados”, esses refugiados de luteranos (suecos e alemães) e de calvinistas holan-
também representavam a possibilidade de reduzir a deses, que fundaram a cidade de Nova Amsterdã em
pressão demográfica no reino inglês, pois poderiam se 1623. Em virtude das dificuldades de se estabelecer,
estabelecer nas novas terras, ocupando efetivamente estes últimos venderam suas terras aos ingleses, que
as colônias, e nelas reconstruir a vida de acordo com os rebatizaram a cidade de Nova York em 1624.
princípios religiosos que lhes pareciam mais corretos. Entre as várias vertentes calvinistas estavam os
Aliás, a concepção que os primeiros colonos susten- quakers, um grupo liderado por George Fox, que recusa-
taram ao longo do árduo processo de ocupação da va qualquer espécie de hierarquia, incluindo o modelo
América inglesa foi de se colocarem como “os hebreus, do Consistório que Calvino elaborara. Eles propunham a
liderados por Moisés, em busca da Terra Prometida”. formação de um grupo fechado, que deveria preservar a
Assim, gradativamente, se formulou a tese do “Destino doutrina cristã e viver de acordo com seus ensinamen-
Manifesto”, a qual compreenderia os colonos ingleses tos, sem se aproximar de outros grupos de orientação
como o povo escolhido por Deus para ali construir uma cristã diversa.
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CURSINHO DA POLI 35
história geral • aula 3

A Contrarreforma O Tribunal do Santo Ofício foi uma das principais for-


mas de repressão que a Igreja Católica Romana utilizou
A Reforma protestante representou uma grande em seu favor. Valendo-se do denuncismo, da opressão e
perda de terras, fiéis e impostos para a Igreja Católica, de práticas violentas, construiu um ambiente de terror e
a qual precisou tomar uma série de medidas para a perseguição dentro do rebanho católico, no intuito de
contenção desse processo e promover sua recuperação, proteger a fé e a doutrina que Roma, orientada pelo papa,
fenômeno que ficou conhecido como Contrarreforma dizia ser a “única e exclusiva forma de alcançar a salvação
ou Reforma Católica. da alma”. No entanto, também representou um mecanis-
Em meio ao ambiente de tensão que antecedeu a mo eficiente para que o Estado pudesse se livrar de seus
convocação do Concílio de Trento, ocorreu o surgimento inimigos, usando o argumento da heresia e da ameaça à
da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa fundada pelo fé. Como esse tribunal tinha suas ações mantidas sob si-
ex-soldado basco Inácio de Loyola, em 1534, sendo uma or- gilo absoluto e estas eram inquestionáveis, a Coroa podia
ganização influenciada pelo caráter militar de seu fundador, usar a Inquisição como mais um braço repressor.
que obteve o reconhecimento papal em 1540 e recebeu Para a Inquisição, o denunciado era “culpado até que
uma importante atribuição: o controle de inúmeras insti- provasse o contrário”, pois, uma vez acolhida a denúncia,
tuições de ensino na Europa (chegando inclusive a fundar o acusado devia, segundo o tribunal, reconhecer suas
faculdades, como em Évora, Portugal), desempenhando o faltas e arrepender-se. No entanto, se insistisse em negar
papel de braço armado da Igreja Católica Romana tanto no seus pecados e responsabilidades apesar das advertên-
Velho Mundo quanto no Novo Mundo. Na América ainda cias dos interrogadores, o denunciado seria submetido a
teve papel determinante na colonização, promovendo tormentos (torturas das mais variadas e cruéis possíveis),
desde a fundação de cidades até a conversão dos nativos ao e todos os atos ali confessados, bem como os nomes
catolicismo nos diferentes domínios dos reinos católicos. citados, seriam objeto de investigação, ou seja, novas
Trata-se de mais uma ruptura, tal qual fora o Cisma prisões, interrogatórios e torturas.
do Oriente em 1054 (rompimento dos cristãos orientais Quanto às penas, existia a possibilidade de perdão e
com o poder de Roma, criando a Igreja Católica Apostó- reconciliação, isto é, o indivíduo que se arrependeu, reco-
lica Ortodoxa), e dessa forma a posição do poder papal nhecendo as suas faltas, seria perdoado, receberia uma
foi mais uma vez colocada em xeque, pois envolvia o penitência e voltaria a ser um membro da Igreja Católica.
engajamento de diferentes setores da sociedade no Mas, caso incorresse novamente na mesma falta ou em
movimento protestante, impondo não só uma nova outro delito, como se tratava de um réu reincidente, o
forma de se relacionar com o sagrado, mas também um processo seria ainda mais duro.
outro caminho, que poderia atender aos anseios pessoais Já nos casos de condenação, as penas variavam entre
dos que não se contentavam mais em se resignar aos excomunhão, prisão, confisco de bens, prisão perpétua e
dogmas e ordens do clero romano. condenação à morte, geralmente realizada na fogueira,
A reação por parte de Roma deveria ser intensa num ritual conhecido como auto de fé: evento marcado
para estancar as “perdas”, e a primeira medida foi a por missas, procissões e cânticos em direção ao local
convocação do Concílio de Trento entre 1545 e 1563, público onde seriam punidos os condenados ou recon-
tendo suas sessões estendidas por quatro pontificados: ciliados os que fossem considerados inocentes.
Paulo III (1534-1549), Júlio III (1549-1555), Paulo IV (1555- Mesmo ao condenado à morte era oferecida a chance
1559) e Pio IV (1559-1565). do arrependimento final, que, caso ocorresse, faria com
O Concílio foi caracterizado por três momentos que o condenado tivesse um “benefício” insólito: em
(1545-49; 1551-52; e 1562-63), com o objetivo de reor- vez de ser queimado vivo, seria enforcado com uma
ganizar a Igreja e estabelecer medidas a ser adotadas
corda curta (técnica chamada de garrote) e, depois de
naquela situação de guerra pelos “rebanhos de Deus”.
morto, teria seu corpo queimado. Uma ironia cruel e
Suas principais decisões foram:
desprovida de generosidade, mas que no ritual montado
das execuções ganhava impacto ao tentar apresentar a
• Reafirmação dos dogmas da fé católica romana;
“benevolência” ali aplicada ao condenado.
• Reorganização do catecismo para o ensinamento da Em alguns casos, quando o denunciado estava fora-
doutrina católica; gido e na impossibilidade da sua prisão, este era quei-
• Proibição da venda de indulgências; mado “em efígie”, isto é, fazia-se uma imagem em cera,
• Fundação de seminários para a educação e formação colocava-se o nome do condenado e esta era queimada,
de padres; como se fosse o próprio indivíduo.
• Criação do Index Librorum prohibitorum (Lista dos Quais crimes estavam sob a jurisdição da Inquisição?
livros proibidos); Encontramos, segundo a visão inquisitorial, os seguin-
• Fortalecimento do Tribunal da Santa Inquisição. tes crimes: heresia, feitiçaria, blasfêmias (ofensas de todo
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36 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

tipo contra a fé católica), judaizar (ser cristão-novo e ainda tro dos questionamentos oferecidos pelo Renascimento,
manter costumes da religião judaica), bigamia (ser casado a mudança de paradigma, a qual fez com que a fé fosse
simultaneamente com duas pessoas), desacato aos reli- posta em xeque pelo olhar da racionalidade, mas ao
giosos, ler ou divulgar obras e autores que faziam parte do mesmo tempo ofereceu um percurso que não seria ainda
Index, deixar de participar de atividades devidas aos cristãos uma ruptura total, possibilitando uma ação mais direta
(missa, confissão, abstenção de carne na Quaresma), condu- entre o fiel e a sua crença, especialmente ao pensar a livre
ta imoral (homossexualidade, adultério), questionamento interpretação da Bíblia defendida por Lutero.
de qualquer atitude do Tribunal do Santo Ofício e de seus Cada movimento reformista deve ser entendido à luz
membros, e outros mais que representassem uma ameaça de seu tempo e contexto social para que seja possível
à “Verdadeira Fé” estabelecida. ponderar o impacto das ações de Lutero, Henrique VIII,
A Inquisição continuou condenando e punindo seus Calvino e seus respectivos seguidores na transição para
hereges e blasfemos por muito tempo. Na França, suas o mundo moderno.
atividades perduraram até 1789. Em Portugal, até 1820, Do outro lado, teremos a Igreja Católica Romana,
com a Revolução Liberal do Porto, e na Espanha, até que, na necessidade implacável de recuperar o espaço
1834. Nos diferentes Estados que compunham a penín- perdido para os “protestantes”, não abriu mão de todas
sula Itálica, inclusive os Estados sob controle da Igreja as armas, seja a ação catequizadora dos jesuítas, seja a
Católica, o fim das atividades inquisitoriais esteve ligado ação repressora da Inquisição.
à expansão do pensamento iluminista e às pressões da
ordem liberal burguesa, que gradativamente tomavam
força entre o fim do século XVIII e o início do século XIX Exercícios
(período que coincide com a dominação napoleônica
entre 1799 e 1814). 1. (UEL)
Segundo os processos arquivados em diferentes A imprensa torna-se o mecanismo de divulgação
centros de pesquisa e documentação, especialmente das ideias e, por meio da publicação de livros, constrói
os que estão sob controle de instituições laicas, estima- um clima de liberdade para o debate. As publicações
-se que o número de vítimas da Inquisição durante seu envolvem tanto as obras novas como as antigas e
período de atuação (séculos XV a XIX) tenha chegado a abrem espaço para o aumento das traduções que vão
450 mil pessoas. requerer um conhecimento não só do latim, mas tam-
bém do grego e do hebraico. As publicações nas línguas
Resumo da ópera locais se ampliam, facilitando o acesso à informação.
A ciência se seculariza.
Apresentamos nesta aula como ponto central a A. E. Rodrigues e F. Falcon. A formação do mundo moderno.
mudança de paradigma (modelo) que a Europa oci- Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
dental passou: a Igreja e o clero perderam não só o mo-
nopólio sobre o conhecimento, mas também deixaram Com base no texto, é correto afirmar:
de ser a única fonte de explicação para todas as coisas, a) Uma vez registrada e pública, a cultura escrita domi-
já que o questionamento, a observação, a investiga- nou toda a Europa medieval.
ção e a análise dos dados ali coletados formaram um b) O latim era a linguagem da cultura cristã; o grego, da
caminho (método) para levantar hipóteses e teorias clássica; e o hebraico, da bíblica.
sobre a explicação dos fenômenos que envolvem o c) A imprensa foi fundamental para o domínio cristão
homem e o Universo. empreendido além-mar.
Ao tirar o foco da exclusiva orientação divina (teocen- d) A informação excessiva cindiu a cultura moderna em
trismo) e apontá-lo em direção ao homem (antropocen- vários sistemas de pensamento.
trismo), o Renascimento abriu caminho para a construção e) A divulgação dos saberes foi incrementada e acele-
do mundo que chamamos de moderno e criou um es- rada mediante a publicação de livros.
paço de tensão em relação aos segmentos dominantes,
obrigando-os a reagir com força para não perderem mais 2. (UFPI) Em relação ao contexto das reformas religio-
espaço do que já tinha ocorrido, porém, foi um caminho sas do século XVI, é correto afirmar que:
sem volta, apesar de toda repressão aplicada. a) a Reforma Puritana possibilitou à Coroa Portuguesa
Destacamos o processo de transformação da socieda- efetivar seu rompimento definitivo com o Catolicis-
de europeia no que diz respeito à sua relação com o sa- mo Romano.
grado: o movimento da Reforma protestante e como este b) a Contrarreforma procurou conciliar a visão religiosa
se desdobrou dentro e fora do continente europeu. Sa- dos seguidores de Lutero com o pensamento dos
lientamos a importância de compreender a Reforma den- seguidores de Calvino.
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CURSINHO DA POLI 37
história geral • aula 3

c) os Tribunais da Inquisição ficaram responsáveis pela para cooperar com a graça, com o fim de obter a jus-
punição dos infiéis e pela censura aos livros conside- tificação, e que não é necessário que se prepare e se
rados ofensivos à fé católica. disponha por um movimento da sua própria vontade
d) a Contrarreforma opôs-se à Companhia de Jesus e – que seja excomungado.
delegou à Igreja Anglicana a tarefa de combater a Citado de acordo com A. Marques; F. Berrutti; R. Faria. História
expansão protestante na Europa. Moderna através de textos. São Paulo: Contexto, 2001, p. 120.
e) a Reforma Protestante fortaleceu a venda de relíquias
sagradas e aplicou o dinheiro das indulgências na Estes textos expressam, respectivamente, princípios
edificação de templos católicos. a) Calvinistas e Luteranos.
b) Luteranos e Contrarreformistas.
Estudo orientado c) Contrarreformistas e Luteranos.
d) Luteranos e Calvinistas.
exercícios e) Contrarreformistas e Calvinistas.

1. (UFSC) No início do período moderno, a Europa passou 3. (UFPR)


por profundas mudanças em várias áreas. Nesse con-
texto se insere o movimento cultural conhecido como A vida era tão violenta e tão variada que consen-
Renascimento. tia a mistura do cheiro de sangue com o de rosas. Os
Em relação a este tema, examine as proposições a homens dessa época oscilavam sempre entre o medo
seguir e assinale a(s) correta(s). do Inferno e do Céu e a mais ingênua satisfação, entre
(01) O Renascimento teve início na península Itálica, a crueldade e a ternura, entre o ascetismo áspero e o
centro de um ativo comércio no Mediterrâneo. insensato apego às delícias do mundo, entre o ódio e a
(02) A burguesia em ascensão nesse período, ávida bondade, indo sempre de um extremo ao outro.
por lucros, dedicou-se ao comércio, desprezando Johan Huizinga. O declínio da Idade Média.
completamente a área cultural. Lisboa: Editora Ulisseia, s.d., p. 26.
(04) Uma das marcas mais significativas do Renascimento
foi o racionalismo, o qual se expressava na convicção O texto remete ao período de transição do feudalis-
de que tudo poderia ser explicado pela observação mo para a Modernidade, tanto no que se refere às
objetiva da natureza e pelo exercício da razão. mentalidades quanto às visões de mundo. Discorra
(08) Estão diretamente relacionados ao Renascimento sobre as características da Modernidade decorrente
expoentes como: Leonardo da Vinci, Michelangelo dessa transição.
Buonarotti, Albert Einstein e Nicolau Copérnico.
(16) O Renascimento foi profundamente antropocêntri- 4. (UFAL) Analise as características das duas arqui-
co, por entender que o ser humano era a obra mais teturas.
perfeita do Criador. Dessa forma, a arte renascentis-
ta passou a valorizar a realidade da vida humana. Igreja de Notre-Dame-la-Grande Catedral de Reims
(32) O Renascimento foi um movimento cultural que se
limitou às artes plásticas, não atingindo a literatura.

2. (UFRRJ) Leia os textos seguintes:

texto 1
Dizendo “Fazei penitência...”, nosso Senhor e Mestre
Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis seja uma
penitência. [...] Qualquer cristão, verdadeiramente ar-
rependido, tem plena remissão da pena e da falta; ela
é-lhe devida mesmo sem cartas de indulgências.
Citado de acordo com A. Marques; F. Berrutti; R. Faria.
História Moderna através de textos. São Paulo: H. W. Janson. História geral da arte. Trad. São Paulo:
Contexto, 2001, p. 119-120. Martins Fontes, 2001, p. 397 e 440.

texto 2 a) Ao considerar a tradicional divisão da História, iden-


Se alguém diz que o ímpio se justifica unicamente pela tifique o período histórico em que foram construídas
fé, de tal modo que entenda que nada mais é preciso as duas arquiteturas.
724-1

38 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 3

b) Identifique o estilo arquitetônico das arquiteturas I pesquisar e ler


e II, respectivamente.
c) A arquitetura II foi considerada o resultado das Para se aprofundar nos temas discutidos nesta aula,
tensões de uma época; era ao mesmo tempo a che- recomendamos:
gada e a partida; ela simboliza o passado e o futuro.
A arquitetura II refletia quais tensões no contexto Anita Novinsky. A Inquisição. 15. ed. São Paulo: Brasi-
histórico em que foi construída? liense, 1988. (Coleção Tudo é História.) Síntese precisa
e rica em dados sobre a organização do Tribunal da
roda de leitura Inquisição na Europa e seus desdobramentos na Amé-
rica colonial, favorecendo uma visão que apresenta
texto 1 um quadro sobre a organização e atuação da temível
instituição que defendia os interesses e a doutrina da
Já fiz planos de pontes muito leves... Sou capaz de Igreja Católica Romana.
desviar a água dos fossos de um castelo cercado... Co-
nheço meios de destruir seja que castelo for... Sei cons- Nicolau Sevcenko. O Renascimento. São Paulo: Atual,
truir bombardas [canhões] fáceis de deslocar... galerias 1994. (Coleção Discutindo a História.) Um texto muito
e passagens sinuosas que se podem escavar sem ruído claro e preciso que fornece uma abordagem ampla sobre
nenhum...carros cobertos,inatacáveis e seguros,armados o Renascimento, vendo-o não só como um conjunto
com canhões... Estou, sem dúvida, em condições de com- de transformações culturais, mas também como um
petir com qualquer outro arquiteto, tanto para construir processo de mudança que atingiu as questões socioeco-
edifícios públicos ou privados como para conduzir água nômicas e políticas, relacionando-as com a mentalidade
de um sítio para outro... E em trabalhos de pintura ou na do período entre os séculos XIV e XVI.
lavra do mármore, do metal ou da argila, farei obras que
seguramente suportarão o confronto com as de qualquer ver e ouvir
outro, seja ele quem for.
Leonardo da Vinci. Carta a Ludovico, o Mouro. In: Jean Como sugestões cinematográficas temos:
Delumeau. A civilização do renascimento. Lisboa:
Editorial Estampa, 1984, v. I, p. 154.
Decameron (direção: Pier Paolo Pasolini, 1976). Filme
inspirado no texto de Giovanni Bocaccio (1313-75), que
texto 2
é narrado por dez pessoas (sete mulheres e três homens)
[...] as armas dos papas não consistem todas na- refugiadas da Peste Negra numa propriedade rural nos
quelas doces bênçãos de que fala São Paulo e das quais arredores de Florença, na Itália.
são eles tão zelosos. Consistem elas em interdições,
suspensões, excomunhões e naquele terribilíssimo Giordano Bruno (direção: Gianni Montaldo, 1973).Produ-
castigo pelo qual um beatíssimo padre pode mandar ção do cinema italiano que recupera a dramática história
à vontade qualquer alma para o inferno. Os nossos do médico italiano que ousou desafiar a Igreja e foi conde-
Santíssimos Pais de Cristo e os seus vigários gerais nado à morte, pela Inquisição, em 1600.
nunca empregam com maior zelo esse espantoso
castigo do que no caso daqueles que, à instigação do A produção musical do período é vasta e registra
demônio, tentam diminuir ou danificar o Patrimônio uma mudança significativa dentro da métrica e da
de São Pedro. Dizia este bom apóstolo a seu Mestre: musicalidade, pois vemos no contexto dos séculos XV e
“Deixamos tudo para seguir-te”. Compreendeis que XVI a manifestação da música polifônica, ou seja, várias
grande sacrifício fez o pobre pescador! Foi a fortuna o vozes se destacam e se envolvem no acompanhamento
que ele conseguiu em virtude desta renúncia; é por isso da melodia, uma organização bem diferente do que
que Sua Santidade glorificada possui terras, cidades, vimos como cantochão ou canto gregoriano. Uma
domínios e recebe impostos e taxas. E é sobretudo sugestão são as gravações do grupo suíço da Basileia:
para defender e conservar essa rica aquisição que os Schola Cantorum Basiliensis Sequentia 1400-1500, vol. 2,
pontífices romanos costumam condenar as almas. BMG Music, 1997.
É verdade que nem ao menos poupam os corpos, e A música barroca tem um grande número de com-
inflamados pelo zelo de Jesus Cristo, desfraldam a positores que se dedicaram à produção de inúmeras
bandeira de Marte e, sem piedade, empregam o ferro obras que variam entre concertos, oratórios e um novo
e o fogo para sustentar suas razões. gênero, o canto lírico, o qual conhecemos como “ópera”,
Erasmo de Roterdã. O elogio da loucura. tendo como seu precursor o compositor italiano Claudio
São Paulo: Editora Atena, 1959, pág. 149. Monteverdi (1567-1643), responsável por trabalhar a
724-1

CURSINHO DA POLI 39
história geral • aula 3

polifonia já presente na música renascentista, incorpo-


rando outros elementos, especialmente no destaque
para a atuação de um ou mais cantores: o tenor (a voz
masculina menos grave), o barítono (a voz masculina
mais grave) e o soprano (a voz mais aguda, que hoje é
interpretada por mulheres, mas no passado era interpre-
tada pelos castrati, meninos que foram castrados antes
da adolescência, preservando forçosamente a sua voz
de timbre suave). São também compositores de grande
destaque Jean-Baptiste Lully (1632-1687), Henry Purcell
(1659-1695), Alessandro Scarlatti (1659-1725), Antonio
Vivaldi (1678-1741), Georg Friedrich Haendel (1685-
1759), Johann Sebastian Bach (1685-1750), entre outros.

ágora

As verdades da razão natural não contradizem as


verdades da fé cristã.
Tomás de Aquino (1225-74), frade dominicano.

[...] de modo particular, quero encorajar os crentes


empenhados no campo da filosofia para que iluminem
os diversos âmbitos da atividade humana, graças ao
exercício de uma razão que se torna cada vez mais
segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.
Papa João Paulo II, Encíclica Fides et Ratio [Fé e Razão], 1998.

Ao lermos as palavras de Tomás de Aquino e as com-


pararmos com os dizeres de João Paulo II (1979-2005),
percebemos uma significativa sintonia entre os dois
pensamentos, apesar da distância de mais de 600 anos
entre eles. No entanto, a relação entre a Fé e a Razão ain-
da provoca acaloradas discussões: é possível uma relação
harmoniosa entre os princípios da fé com as práticas que
se constroem sobre a reflexão racional? Será que uma
pode subverter a outra e vice-versa?

senha

L’Etat c’est moi! [O Estado sou eu!]

Frase atribuída ao rei Luís XIV de Bourbon por volta


de 1661.
724-1

40 CURSINHO DA POLI
gabarito
aula 1 3. O contexto retratado situa-se entre o final da Baixa
Idade Média e o início da Idade Moderna, marcado
1. d 2. e pela ascensão social e econômica da burguesia, a for-
mação dos Estados Modernos, a Expansão Marítima
3. a) A pólis ou cidade-Estado, cujas principais ca- e Comercial Europeia, o Renascimento Cultural e as
racterísticas eram a soberania, a autonomia e a Reformas Religiosas do século XVI.
participação direta dos cidadãos nas questões A produção cultural da Renascença sintetiza as
políticas. mudanças nas concepções de mundo, represen-
b) O relevo montanhoso e o clima árido no conti- tando a afirmação dos valores burgueses sobre os
nente inibiram a prática da agricultura em larga da nobreza feudal e os da Igreja, que influenciaram
escala, restrita aos poucos vales férteis. Porém, o pensamento medieval.
nas áreas litorâneas, a facilidade de comunicação O Humanismo, pensamento que norteou a Renas-
com as inúmeras ilhas e com outras regiões do cença, fundamentado nos valores da tradição greco--
Mediterrâneo favoreceu o comércio marítimo. -romana, postava-se como oposição ao teocentrismo
medieval, apesar da representação de temas bíblicos
4. a) Semelhanças: Nessas duas sociedades, a escravi- em boa parte da produção cultural.
dão constituiu a base das relações de produção
e das relações sociais. 4. a) As duas arquiteturas foram desenvolvidas durante
Os escravos eram concebidos por seus proprietá- a Idade Média (476-1453).
rios como instrumentos e mercadoria, sendo-lhes b) A Igreja de Notre-Dame-la-Grande (arquitetura
provido o mínimo necessário à sobrevivência. I) pertence ao estilo românico, característico da
Eram submetidos a extenuantes jornadas de arquitetura na Alta Idade Média, e a Catedral de
trabalho, a castigos físicos e a humilhações de Reims (arquitetura II) ao estilo gótico, estilo da
todo tipo, que, associados às diferentes formas Baixa Idade Média.
de resistência, reduziam a expectativa de vida. c) O contexto histórico da construção da Catedral
Com raríssimas exceções, alguns escravos, ge- de Reims é a Baixa Idade Média, período em que
ralmente por astúcia e fidelidade, recebiam tra- o sistema feudal chegou ao apogeu no século
tamento que os aproximava de seus senhores e XI, mas gradativamente sofreu inúmeras trans-
diminuíam a precariedade de sua vida. formações relacionadas com a intensificação das
b) Diferenças: Na Roma antiga, os povos submetidos atividades comerciais, cujo centro foi a cidade.
nas guerras de conquistas eram escravizados inde- Quanto às catedrais góticas, estas simbolizam,
pendentemente de sua origem étnica, e o escravis- ao mesmo tempo, a pujança das cidades que
mo constituía-se como modo de produção. emergiam na Europa e a permanência do poderio
No Brasil, em sua maioria, os escravos eram negros da Igreja que marcou o mundo feudal.
africanos, em razão da pretensa inferioridade a
eles atribuída pelos europeus e, sobretudo, pela
adequação da escravidão ao modo de produção
capitalista, uma vez que o tráfico negreiro era
um negócio altamente lucrativo para governos
e mercadores na metrópole e na colônia.

aula 2

1. a 2. d 3. d

aula 3

1. (01) + (04) + (16) = 21

2. b
724-1

CURSINHO DA POLI 41
orientação didática
caderno 1 história geral
Caro professor, • Organização social, política e econômica de Atenas
(democracia);
Nesse caderno 1 tratamos em três aulas de um signi-
• Organização social, política e econômica de Esparta
ficativo período de tempo: a Idade Antiga, passando pela
(oligarquia);
Idade Média e pelo início da passagem do medievo para
a modernidade, abarcando cerca de 20 séculos aproxima-
O percurso em relação a Roma é análogo às aulas sobre
damente, se pensarmos no intervalo entre os anos 500
o mundo grego; também aqui evitamos a periodização
a.C. e 1600 d.C.
Dentro das inúmeras possibilidades e assuntos ofere- tradicional e procuramos favorecer uma visão de processo,
cidos nesse contexto, fizemos um recorte que mantém a acrescentando, quando necessário, os recortes temporais
proposta inicial do material: apresentar aos alunos como se mais importantes.
constituíram determinados processos históricos, quais fo- O roteiro começa pelo conceito de cidade-Estado: a
ram seus agentes e a noção de permanência e mudança. estrutura social e a identidade social dos romanos.
Na seleção dos textos da roda de leitura, procuramos Recomendamos os seguintes tópicos:
manter a ideia de apresentarmos fragmentos de docu- • Estrutura socioeconômica de Roma na República;
mentos do período estudado, visando favorecer o aluno • Expansão militar e crise da República;
no seu processo de formação, bem como proporcionar • Formação do Império;
ao professor um material que seja base de apoio para a • Pax Romana e a enunciação da crise escravista.
verticalização em determinado tópico.
Um outro cuidado foi manter o trabalho de seleção de gabarito
imagens relevantes, as quais pudessem ser um recurso a 1. b 2. b
mais no aprendizado, deixando, no entanto, a mera con-
dição de “ilustração”, postura, aliás, oriunda da estrutura
do livro medieval. Afinal, a ideia é apresentar uma grande aula 2
variedade de documentos visuais que possam ser anali- Idade Média: da crise romana ao feudalismo
sados pelo professor e por seus alunos.
Apontamos abaixo algumas indicações pedagógicas Apresentamos nessa aula o processo de formação do
que podem servir para a montagem da aula, salientando sistema feudal, que teve como referência um conjunto de
que temos procurado suprir algumas lacunas temáticas elementos romanos (o colonato dando origem à servidão)
com indicações de textos ou mesmo procurando fazer e de elementos germânicos (o comitatus se transformando
uso de mapas, imagens e esquemas que apresentamos no em vassalagem).
material, perseguindo a ideia de apontarmos um processo Como herança de origem exclusivamente romana,
histórico e seus agentes dentro do contexto. apontamos o papel da Igreja cristã na organização da
No caso da temática ligada à cultura e à História da sociedade feudal em diferentes aspectos: conversão dos
Arte, temos procurado oferecer algumas indicações bi- povos pagãos, presença ativa na estrutura do poder real,
bliográficas para auxiliá-lo na preparação da aula, seja na auxílio social aos necessitados e um dos principais focos
bibliografia de apoio, seja nos sites indicados. da produção cultural do medievo.
Quanto ao mundo feudal, destacamos a organização
aula 1 das diferentes relações sociais: por um lado, a vassalagem
Antiguidade Ocidental: Grécia e Roma como uma teia de poder entre os senhores feudais em
virtude dos vínculos militares existentes entre o suserano e
O objetivo dessa aula é apresentar o mundo grego e o vassalo; por outro, a exploração do trabalho servil, resul-
o mundo romano, entendidos como berço da civilização tante da ação de milhares de servos que eram obrigados
ocidental, sua herdeira natural, mas ao mesmo tempo mo- a se submeter àquelas condições, bem como a autoridade
dular essa relação entre presente e passado, e também os senhorial que tinha o exercício pleno do poder.
modos como ela foi construída, reconstruída e manipulada O tema dessa aula abarca um grande processo de
por pretensos descendentes. transformação sofrido pela Europa ocidental entre os sé-
A apresentação do mundo grego começa com a pólis, culos V e XV, que provocou a ascensão e a decadência da
descrevendo-se suas principais características (políticas e nobreza, e o consequente fortalecimento do poder régio
econômicas) e depois mostrando a relação entre o homem graças ao apoio dos mercadores, os quais se tornaram a
e sua pólis, quando se estudarão os aspectos centrais da mais importante força nas transformações socioeconô-
sociedade grega e a contraposição entre os modelos micas ali desenvolvidas: a ascensão da burguesia, cujo
sociais ateniense e espartano. fortalecimento reformulou tanto o espaço rural quanto as
Sugerimos que a primeira aula aborde os seguintes relações servis, forçando-a a buscar um espaço que não
temas: havia na concepção de corpo social teocêntrico até então
imposto como algo imutável.
• Formação das poleis; Para essa aula, sugerimos a seguinte abordagem:
12724-1

CURSINHO DA POLI ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 1


história geral • caderno 1

• Transição do mundo romano para o feudal; na necessidade implacável de recuperar o espaço perdido
• Influência dos povos germânicos no mundo feudal; para as “protestantes”,não abriu mão de todas as armas, seja
• O papel do cristianismo e a atuação do clero; a ação catequizadora dos jesuítas, seja a ação repressora
• A sociedade feudal e suas relações; da Inquisição.
• A viragem do milênio e suas transformações; Sugerimos a abordagem dos seguintes temas:
• A Europa de invadida a invasora: as Cruzadas; • Transição do medievo para a modernidade;
• O processo das Cruzadas: dentro e fora da Europa; • Crise moral da Igreja Católica;
• O mundo urbano e a burguesia; • Movimentos reformadores: Lutero, Henrique VIII e
• A cultura e a vida urbana; Calvino;
• A crise do século XIV. • Expansão da Reforma e reações;
• Contrarreforma.
gabarito
1. d 2. c gabarito
1. e 2. c

aula 3
Renascimento e Reforma Bibliografia de apoio
Nessa aula procuramos apresentar as origens dos A Bíblia de Jerusalém. Nova edição. São Paulo: Paulus Edi-
conceitos de Idade Média e Renascimento, destacando tora, 1996.
como se deu o processo de transformação política e so-
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo.
cioeconômica entre os séculos XIV e XVI. Propusemos o
São Paulo: Brasiliense, 1987.
questionamento da visão ainda presente de fazer uma
separação clara entre o Renascimento e o medievo. ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana. São Paulo:
Entendemos que o uso de imagens é um caminho Cosac&Naify, 2003.
muito rico para ensinar aos alunos como os processos BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no
históricos ocorreram e, nesse caso, achamos importante o Renascimento: o contexto de François Rabelais. 5 ed. São
reforço do trabalho com a análise iconográfica, evitando a Paulo: Hucitec/Annablume, 2002.
mera repetição de uma lista imensa de nomes de artistas BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal,
e suas obras. Espanha e Itália nos séculos XV-XIX. São Paulo: Compa-
Sugerimos a abordagem dos seguintes temas: nhia das Letras, 2000.
• O conceito de Renascimento;
• O Renascimento comercial e urbano; BURCKHARDT, Jacob. Cultura do Renascimento na Itália. São
• O Renascimento e o contexto histórico; Paulo: Companhia das Letras, 1991.
• A Itália e o Renascimento; CALVINO, João. Por que não é lícito atribuir a Deus qual-
• A estética renascentista; quer figura visível, e por que todos os que recorrem a
• As inovações técnicas. imagens se revoltam contra o verdadeiro Deus (1570)?
In: Lichtenstein, Jacqueline. A pintura. (Org.). V. I a X São
Apresentamos nessa aula o processo de transformação Paulo: Editora 34, s.d.
da sociedade europeia no que diz respeito à sua relação CARDOSO, Ciro Flamarion. A cidade-Estado antiga. 4 ed. São
com o sagrado: o movimento da Reforma protestante Paulo: Ática, 1993. (Coleção Princípios.)
e como este se desdobrou dentro e fora do continente
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12 ed. São Paulo: Ática,
europeu e sua relação com o Renascimento.
2002.
Salientamos a importância de compreender a Reforma
dentro dos questionamentos oferecidos pelo Renascimen- CHEVALIER, Jean; GHEEBRANT, Alain. Dicionário de símbolos.
to, e a consequente mudança de paradigma, a qual fez com 9 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
que a fé fosse posta em xeque pelo olhar da racionalidade, DUBY, Georges. História artística da Europa: a Idade Média.
mas ao mesmo tempo ofereceu um percurso que não seria 2 ed. vols. I e II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
ainda uma ruptura total, oferecendo a possibilidade de ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Rio de
uma ação mais direta entre o fiel e a sua crença, especial- Janeiro: Globo, 1987.
mente ao pensar a livre interpretação da Bíblia defendida
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. V. I e II. Rio de Janeiro:
por Lutero.
Jorge Zahar Editor, 1990.
Cada movimento reformista deve ser entendido à luz
de seu tempo e contexto social, para que seja possível FINLEY, Moses. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio
ponderar o impacto das ações de Lutero, Henrique VIII, de Janeiro: Graal, 1991.
Calvino e seus respectivos seguidores na transição para o FLORENZANO, Maria Beatriz Borba. Nascer, viver e morrer
mundo moderno. na Grécia Antiga. São Paulo: Atual, 1996. (Coleção Dis-
12724-1

Do outro lado, teremos a Igreja Católica Romana, que, cutindo a História.)

ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 2 CURSINHO DA POLI


história geral • caderno 1

matéria • extensivo
. O mundo antigo: economia e sociedade. 13 ed. SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. 26 ed. São Paulo:
São Paulo: Brasiliense, 1998. Atual, 1994.
FRANCO JUNIOR, Hilário. Idade Média: o nascimento do VERNANT, Jean Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Trabalho e
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1986. escravidão na Grécia Antiga. Campinas: Papirus, 1989.
FREITAS, Gustavo de. (Org.) 900 textos e documentos de VEYNE, Paul. (Org.) História da vida privada: do Império Ro-
História. Lisboa: Plátano, 1977. mano ao ano mil. V. I. São Paulo: Companhia das Letras,
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 4 ed. São Paulo: Con- 1985.
texto, 2006. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo.
GINZBURG, Carlo. “De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas Trad. Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia
sobre um problema de método”. In: Mito, emblemas e das Letras, 2004.
sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.
GOMBRICH, Ernst H. A História da Arte. 16 ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1999.
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense,
1982.
GRUZINSKI, Serge. 1480-1520: a passagem do século. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999. (Coleção Virando
Séculos.)
GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo greco-romano.
3 ed. São Paulo: Ática, 1994.
HAUSER, H. A história social da arte e da cultura. São Paulo:
Mestre Jou, s.d.
HERMANN, Jacqueline. 1580-1600: o sonho da salvação.
V. III. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4 ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
LASSUS, Jean. Cristandade clássica e bizantina. Rio de Ja-
neiro: Expressão e Cultura, 1966. (Coleção O Mundo
da Arte.)
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário te-
mático do Ocidente medieval. Bauru: Edusc; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 2002.
LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. 2 ed.
Lisboa: Editorial Estampa, 1995. vols. I e II.
MAALOUF, Amin. As cruzadas vistas pelos árabes. 4 ed. São
Paulo: Brasiliense, 2001.
MATAMORO, Fernando Fraga Blas. A ópera: o nascimento
da ópera, a história, os compositores, os intérpretes, as
melhores gravações. São Paulo: Angra, 2001.
MAZZEO, Antonio Carlos. O voo de Minerva. São Paulo:
Boitempo, 2009.
NOVINSKY, Anita. A Inquisição. 15 ed. São Paulo: Brasiliense,
1988. (Coleção Tudo é História.)
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas humanísti-
cos na arte do Renascimento. Lisboa: Editorial Estampa,
1986.
PRIORE, Mary Del. Religião e religiosidade no Brasil colonial.
São Paulo: Ática, 1995. (Coleção História em movimen-
to.)
ROTERDÃ, Erasmo de. O elogio da loucura. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
12724-1

CURSINHO DA POLI ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 3


história geral
0012

aula 4 O Absolutismo
É exclusivamente na minha pessoa que reside o poder toda a Europa, pois cada país que passou por esse pro-
soberano [...] É só de mim que os meus tribunais recebem cesso precisou resolver problemas internos e estabelecer
a sua existência e a sua autoridade; a plenitude dessa as bases para uma nova ordem, na qual o poder estaria
autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, concentrado em uma única pessoa, e não pulverizado
permanece sempre em mim, e o seu uso não pode nunca em pequenas unidades entre os senhores locais.
ser voltado contra mim; é a mim, unicamente, que per- O Absolutismo pode ser entendido como uma mo-
tence o poder legislativo sem dependência ou partilha eda cuja “coroa” e poder pertencem ao rei, e cuja “cara”
[...] A ordem pública inteira emana de mim, e os direitos e estaria com a burguesia capitalista, que lucrava com a
interesses da Nação, de que se ousa fazer um corpo sepa- economia interligada aos diferentes polos do planeta.
rado do Monarca, estão necessariamente unidos com os Nesse sistema de governo, a Europa era o centro das
meus e repousam unicamente em minhas mãos. comercializações e rumava ao chamado Novo Mundo
Fala de Luís XV ao Parlamento francês em 1766. a partir do século XV. Sendo assim, as bases do capita-
lismo. se estabeleciam em escala ampliada, nas quais
seriam entendidas como uma primeira “mundialização”
O discurso do rei Luís XV (1715-1774) ao Parlamento ou “globalização” das atividades econômicas.
francês apresenta-nos, de uma forma muito precisa, como
o poder e seu exercício estavam ligados à pessoa do so- A formação das monarquias nacionais
berano, que naquele contexto era a “cabeça da Nação”,
centro de todas as decisões. Portanto, o reino, assim como A desestruturação do sistema feudal estava rela-
qualquer corpo vivente, dependia das decisões tomadas cionada ao progresso das atividades comerciais, pois a
pela “cabeça coroada”. economia tornou-se mais dinâmica, uma vez que estava
“Temer a Deus e honrar o Rei”, essa concepção tor- interligada aos vários pontos do continente. Ou seja, esse
nava a imagem do monarca como alguém intocável, sistema econômico deixava de ser restrito ao mecanismo
inatingível, cujas decisões e ações eram fruto de sua de subsistência do feudo por meio do pagamento de
exclusiva vontade para o bem da Nação. Dessa forma, inúmeros pedágios e taxas para a circulação de mer-
podemos ver como uma figura simbólica do Ocidente cadorias. O comércio, contudo, precisava de algumas
medieval europeu, e de poderes limitados, transformou- condições para que continuasse a prosperar, mas a
-se em soberano de poder ilimitado,

Óleo sobre tela, 110 x 220 cm. Muzeum Narodowe, Poznan, Polônia
sendo legitimado, inclusive, pela
graça divina.
O processo de formação das mo-
narquias nacionais, gradativamente
gestado na Baixa Idade Média,
representou o fortalecimento da fi-
gura real em detrimento da nobreza,
graças à aproximação entre o rei e os
burgueses. Tais fatos favoreceram
a criação de uma nova dinâmica
econômica, com comércio em larga
escala e sua consequente estabili-
zação no mundo urbano e rompeu,
assim, com a economia rural e de
subsistência do mundo feudal. O banquete dos monarcas. Alonso Sanchez Coello, c.1599. Nesta cena de banquete encontramos três
No entanto, a centralização do gerações da família Habsburgo: Carlos V sentado na cabeceira (falecido em 1556); Felipe II sentado de
poder régio não foi homogênea em frente com chapéu negro (falecido em 1598) e Felipe III (que assumiu a coroa espanhola em1598).
724-2

CURSINHO DA POLI 1
história geral • aula 4

nobreza não concordava com isso, porque de um lado


A vida na monarquia requeria um protocolo
estava em jogo o exercício dos direitos feudais sobre a
muito elaborado e complexo. Nesse ambiente,
terra controlada por um senhor, e, de outro, estavam os
surgiram os códigos de etiqueta, os quais determi-
interesses na ampliação das redes de comércio entre os
navam a postura das pessoas que acompanhavam
campos, as cidades, os portos e os navios que levavam as
o soberano, com o objetivo de disciplinar o homem
mercadorias. Além disso, as caravanas também vendiam
em relação ao corpo (o controle sobre a limpeza, ru-
e revendiam produtos comprados nas grandes praças
ídos e fluidos corpóreos). Porém, a vida do cortesão
comerciais.
era marcada pela constante vigilância e submissão
Em contrapartida, a emancipação das cidades contou
aos padrões estabelecidos, fazendo com que cada
com o apoio do soberano e os burgueses se aproximaram
situação fosse sistematicamente adequada às situ-
dele com o objetivo de obter maior segurança em suas
ações vivenciadas na monarquia, como os trajes, as
atividades. Por sua vez, o rei buscava fortalecimento e
falas e o respeito às precedências, isto é, a constante
apoio, especialmente do ponto de vista financeiro, o que
lembrança da hierarquia da nobreza, em que cada
favoreceu uma aliança entre monarquia e burguesia.
um tinha o seu espaço de atuação, mas reconhecia
Com intuito de proteger o comércio, o rei começou a
imediatamente aqueles que tinham uma posição
recuperar os direitos e os privilégios que compartilhava
superior.
com a nobreza, buscando a centralização do poder: uni-
Dentre as cortes reais, a de Luís XIV foi um
ficou as leis para todo o reino ao criar os tribunais reais e
exemplo do agir, pensar e representar o poder que
os impostos, os quais passou a controlar, podendo, assim,
transcendeu as fronteiras francesas e fez da língua
extingui-los ou aumentá-los; centralizou a cunhagem
francesa o idioma de todas as cortes da Europa. Os
de uma única moeda para todo o reino; formalizou
hábitos e costumes de Versalhes se disseminaram
um sistema integrado de pesos e medidas; e, por fim,
pelo continente e se tornaram padrões daquilo
restringiu a cobrança de pedágios e taxas por parte da
que seria entendido como civilização por muitas
nobreza. Outra medida importante foi a concessão do
décadas. (Veja o texto 1 da roda de leitura)
monopólio do comércio aos burgueses, que deveriam
pagar à Coroa impostos por esse privilégio. Com esses
recursos, o rei pôde fortalecer sua posição utilizando-se
Porém, a formação das monarquias nacionais não foi
de vários elementos: formou um exército profissional
um fenômeno homogêneo, e em cada reino europeu foi
e subordinado diretamente à Coroa, interrompendo a
necessário superar problemas internos:
dependência direta da nobreza, e estabeleceu alguns
• Portugal: conseguiu centralizar o poder monárquico
benefícios para a nobreza, pagando-lhe pensões e
após a Revolução de Avis (1383-1385), pois com a
trazendo-a para viver na Corte.
vitória de D. João, mestre da Ordem de Avis (irmão
bastardo do falecido Fernando III), sobre as forças
A vida na Corte castelhanas articuladas pela rainha D. Leonor (viúva
de Fernando III), que apoiava a tentativa de Castela
Estar na Corte real era gravitar em torno do em recuperar o domínio sobre Portugal, afastou o
rei e exercer funções específicas, como “camareiro interesse castelhano e unificou o reino português sob
real” ou “dama de companhia”, isto é, acompanhar a dinastia de Avis.
o soberano, ou soberana, no complexo cotidiano • Espanha: em 1469 ocorreu o casamento de Isabel
do exercício do poder real. O papel exercido pelo de Castela com Fernando de Aragão, o que uniu os
soberano se confundia com o Estado, portanto, não dois reinos, mas somente com a derrota dos mouros,
se tratava de uma mera companhia ou assessoria, em 1492, concretizou-se a formação da monarquia
mas de acompanhar aqueles que exerciam o poder espanhola.
no máximo de sua plenitude. • França: a formação da monarquia foi uma consequên-
Na Corte, o principal objetivo era “ver e ser visto”, cia da vitória francesa sobre os ingleses na Guerra dos
valendo-se, para tanto, da maior projeção possível Cem Anos (1337-1453), pois a dinastia de Valois expul-
para obter o favorecimento real, fato que implicaria sou os ingleses e ampliou seus domínios na França.
distinções de honra, posses e riqueza material em • Inglaterra: o caso inglês é decorrente do fim da Guer-
larga escala. Caso alguma ação do cortesão (termo ra das Duas Rosas (1455-1485), uma luta sangrenta
dado a quem vivia na Corte) desagradasse ao rei, a da nobreza inglesa pela disputa do trono entre as
reação poderia ser completamente contrária: a ex- famílias York e Lancaster. No entanto, ambas saíram
pulsão da Corte, a perda dos títulos e o confisco dos enfraquecidas, o que favoreceu a família Tudor, lidera-
bens, situação que pode ser resumida na expressão da por Henrique VII, fundador da dinastia que reinou
“cair em desgraça”. até 1603.
724-2

2 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 4

As teorias sobre o poder absoluto Guerra dos Cem Anos (1337-1453), com a expulsão dos
ingleses do território francês. Com a dinastia de Valois
O poder descentralizado da Idade Média tinha por estabelecida, a autoridade real se expandiu e submeteu
base a hierarquia religiosa, ou seja,“a cidade dos homens os nobres, em virtude da incorporação de vários feudos,
é como a Jerusalém celeste, única, mas dividida em aos “domínios reais”.
três: aqueles que rezam, aqueles que lutam e aqueles Devido às tumultuadas relações entre a Coroa e a
que trabalham”. A Igreja Católica dava sustentação ao burguesia, e a propagação da fé protestante, como o
poder feudal e compartilhava dos mesmos ideais que Calvinismo, na França; a transição do controle indireto
este último. exercido pelo rei para o poder total se deu de forma
No pensamento absolutista, o poder continuava sen- lenta. Por isso, o absolutismo francês não foi totalmente
do divino, mas concentrado nas mãos do governante, o implementado nesse período.
rei, que se colocava como um “escolhido ou

François Dubois, 1572. Óleo sobre madeira.


Musée Cantonal des Beaux-Arts, Lausanne
enviado de Deus”, ungido pela Santa Igreja.
Agora, analisaremos as principais teorias
sobre o poder absolutista que regiam a relação
entre o Estado e os indivíduos.
A defesa das razões de Estado: teoria de-
fendida por Nicolau Maquiavel (1469-1527),
político e escritor florentino que serviu o
governo Médici em Florença. Maquiavel
atuou, ainda, como emissário e diplomata
em diferentes governos da península Itálica.
Entre seus escritos temos o livro O príncipe
(escrito em 1513 e publicado em 1532), que
remete à antiga tradição do speculum princeps
(“espelho do príncipe”, em latim), um manual
de governo cujo texto tinha o objetivo de A Noite de São Bartolomeu: a intolerância católica derramando sangue inocente.
mostrar como um governante deveria exercer
o poder. Na concepção de Maquiavel, o governante Durante o período de 1453 a 1589, o governo da
deveria preservá-lo a todo custo, pois acima do bem e dinastia de Valois procurou ampliar seu poder valendo-
do mal estavam as razões de Estado. -se da supremacia dos tribunais reais sobre a autoridade
A renúncia da liberdade em favor da ordem: teoria local, além de combater os movimentos heréticos e a
do pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que expansão do protestantismo, pois a ideia central era
presenciou todo o processo de tensão política na Grã- impor o princípio de “um rei, uma lei, uma fé”.
-Bretanha, assistindo à ascensão, queda e restauração
No intuito de reduzir os choques com os protestantes,
dos Stuart (1603-49/1660-89). Em meio ao turbilhão da
a rainha-mãe, Catarina de Médici (regente entre 1559
Revolução Puritana (1642-1649) e da ascensão do dita-
e 1563, durante a menoridade de Carlos IX), favoreceu
dor republicano Oliver Cromwell (1649-1659), Hobbes
os huguenotes com o Édito de Saint-Germain, no qual
ainda escreveu O leviatã em 1651, obra que defende o
estabelecimento de um contrato social entre os súditos e Elias Feitosa

o Estado, pois os primeiros abrem mão da sua liberdade


em troca da segurança oferecida pelo segundo.
O Absolutismo de direito divino: teoria do cardeal-
-orador da Corte de Luís XIV de Bourbon, Jacques Bos-
suet (1627-1704), que está no livro A política inspirada nas
Sagradas Escrituras. Essa teoria propunha que o rei era o
“escolhido” de Deus na Terra, com poder incontestável
e que só devia justificativas ao próprio Criador.

O Estado absolutista na França


Versalhes: a corte da França, símbolo do poder real e inspiração
Conforme mencionamos, anteriormente, a centra- para outras monarquias: luxo, poder e posteriormente, a ruína
lização do poder monárquico se desdobrou após a dos soberanos absolutos.
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CURSINHO DA POLI 3
história geral • aula 4

concedia liberdade de culto nos subúrbios de Paris e Após 12 anos de reinado, Henrique IV foi assassinado
os dava o controle de duas cidades: Montauban e La por um fanático em 1610 e assim,seu filho Luís XIII as-
Rochelle. sumiu o trono sob a regência da mãe, Maria de Médici,
O apaziguamento deveria também ser um desdo- a qual delegou poderes ao cardeal Richelieu, que se
bramento da união de Margarida de Valois (princesa tornou, então, ministro de Estado.
católica, irmã de Carlos IX) e Henrique de Navarra

Lars Brinck/iStockphoto.com
(príncipe protestante, primo de Carlos IX). Porém, a
desconfiança de setores católicos radicais, somada à
forja de uma “conspiração huguenote contra o rei”, fa-
voreceram o retorno da tensão política, especialmente
pela ação de Catarina de Médici, que influenciou Carlos
IX na decisão de permitir a repressão dos protestantes.
Esses eventos contribuíram para que, em 24 de agosto
de 1572, ocorresse um grande massacre em Paris, que
ficou conhecido como Noite de São Bartolomeu. Nesse
evento, mais de três mil protestantes foram assassinados
pelos partidários católicos do rei, o que agravou o clima
de tensão entre católicos e protestantes na França, já
que tal episódio infeliz encontrou eco em outras regiões
da Europa, uma vez que os interesses das monarquias
católicas e do papado foram atendidas. Henrique IV: o fundador da dinastia Bourbon.
Em virtude da morte de Carlos IX em 1574, o trono
francês passou ao seu irmão, Henrique III (1574-1589),
O reinado de Luís XIII foi marcado pela forte influ-
mas a figura real ficou extremamente abalada, princi-
ência de Richelieu, que continuou à frente do governo
palmente no reinado deste último. Pois as “Guerras de
mesmo com a maioridade do rei. Tal posição nos evi-
Religião” eclodiram, tendo de um lado a Liga Católica, sob
dencia, ainda, o contexto de transição entre a figura do
a liderança do duque Henrique de Guise (que contava
rei enfraquecido e a posterior imagem do rei absoluto
com o apoio da rainha-mãe, Catarina de Médici), e de
a partir de Luís XIV.
outro as facções protestantes.
O rei Henrique III ordenou o assassinato do duque

Museu do Louvre, Paris


Henrique de Guise no intuito de pôr um fim à guerra, mas
acabou deposto pela Liga Católica. Ao fugir de Paris, o rei
buscou o apoio de Henrique de Navarra, seu cunhado.
Ambos se uniram contra a Liga Católica e decidiram
cercar Paris, para derrotar com as tropas do duque de
Guise, em 1589.
Com isso, a Liga Católica foi derrotada, mas devido à
morte de Henrique III durante os combates, Henrique de
Navarra tornou-se herdeiro do trono francês.
O sucessor de Henrique III era protestante, porém
renegou sua fé (abjurou) em cerimônia pública em julho
de 1593, tornando-se conhecida a expressão “Paris vaut
bien une messe”, ou seja,“Paris bem vale uma missa”. Essa
frase sintetiza as “reais intenções” de sua conversão, por
conveniência, ao catolicismo. Afinal, estavam em jogo a
motivação política e o poder na França.
Ao vencer as tropas da Liga Católica, Henrique de
Navarra ascendeu ao trono como Henrique IV e foi co-
roado na catedral de Chartres. Com o início da dinastia Luís XIV. Hyacinthe Rigaud, 1701: o Rei Sol.
de Bourbon, o novo rei decretou a liberdade de culto
e reafirmou, em 1598, por meio do Édito de Nantes, o No intuito de fortalecer o reino da França, Richelieu
controle sobre as cidades de La Rochelle e Montauban foi responsável pela perseguição aos protestantes com
aos huguenotes. a retomada das cidades que estavam sob o controle
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4 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 4

destes últimos; mantendo apenas a liberdade de culto. (1655-1682), centro do poder e morada real que contava
Porém, visando ainda ao fortalecimento francês, o car- com o séquito de mais de 10 mil pessoas, entre cortesãos,
deal participou da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), criados, soldados, e consumia anualmente cerca de 8%
aliando-se justamente aos protestantes (inimigos da Co- da renda do Estado francês.
roa francesa), pois seu objetivo era atacar a hegemonia Apesar de representar o apogeu do Absolutismo
dos Habsburgo, que reinavam na Espanha e na Áustria, na França, o reinado de Luís XIV também foi o início da
contrariando as diretrizes estabelecidas pela rainha decadência, devido aos vultosos gastos com a Corte
regente, a qual tentara destituir Richelieu de seu posto, e com as guerras no exterior, bem como a política de
mas não teve apoio suficiente dentro da corte e dessa tentar enfraquecer as nações rivais (Holanda, Inglaterra,
forma, a tentativa fracassada de derrubar Richelieu lhe Espanha e Áustria).
rendeu o exílio em 1630, mostrando o imenso poder que Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), ministro das
o cardeal havia acumulado até aquele momento. Finanças de Luís XIV, concebeu um modelo de de-
Com a morte de Richelieu em 1642 e de Luís XIII em senvolvimento econômico buscando desenvolver a
1643, Luís XIV ascendeu ao trono aos cinco anos de idade, autossuficiência, coibindo as importações (por meio da
período em que esteve sob a regência de sua mãe, Ana protecionista política de cobrança de pesadas taxas aos
da Áustria e do cardeal francês Jules Mazarin, até 1661. produtos estrangeiros) e estimulando as exportações. A
A atuação do cardeal Mazarin foi semelhante ao seu principal característica desse mecanismo foi o desenvol-
antecessor, na condição de ministro de Estado. vimento das oficinas reais e a produção de artigos de
luxo: as tapeçarias de Gobelins, as porcelanas de Sèvres
La Sorbonne, Paris

Musée Conde, Chantilly, França

e Limoges, entre outros artigos, os quais eram vendidos


para várias cortes da Europa, expandindo o modismo
francês até mesmo para as elites coloniais.

O Absolutismo na Inglaterra

O fortalecimento do poder real na Inglaterra ocorreu


de maneira diferente, pois já no século XIII os reis deti-
nham uma forte autoridade e, para conter os abusos, os
grandes barões ingleses pressionaram o rei João Sem
Terra para que ele assinasse a Magna Carta em 1215.
A partir disso, foi proibido aumentar ou criar novos
impostos e convocar o exército sem a autorização da
Cardeal Richelieu Cardeal Mazarin assembleia de nobres, a qual mais tarde daria origem
ao Parlamento inglês.
No entanto, a tensão política não havia arrefecido,
Com o longo conflito

West Rotunda Gallery at the National Archives


pois nesse período ocorreram as Frondas (1648-1653), ou
da Guerra dos Cem Anos
seja, revoltas da nobreza com apoio burguês em virtude
(1337-1453), os esfor-
de uma política de aumento de impostos, da crise de
ços da monarquia em
abastecimento que assolava o país e da exclusão de no-
manter seus domínios
bres do poder. Apesar da tensão gerada, essas rebeliões
feudais no continente e
não foram vitoriosas em reduzir o poder de Mazarin, e
a consequente derrota
muito menos chegaram a comprometer o jovem rei.
inglesa favoreceram o
Com a morte de Mazarin em 1661, Luís XIV passou
enfraquecimento do po-
a governar sozinho, assumindo a ideia do “L’Etat c’est
der real.
moi”, isto é,“o Estado sou eu”, encarnando a figura central
A crise interna não
do poder e tornando-se um soberano absoluto, com a
cessou com o fim da
submissão da nobreza e da burguesia. Luís XIV contava
guerra porque o reino
ainda com o apoio da Igreja, exercendo diretamente
inglês se dividiu em um
o governo, que a partir de então teria um conselho de
conflito interno: a Guerra
ministros para assessorá-lo em autoridade incontestá-
das Duas Rosas (1455-
vel, sustentada pela teoria do direito divino dos reis de
1485), resultante do en-
Jacques Bossuet.
frentamento entre as A Magna Carta: a limitação do
Um dos exemplos do fortalecimento da imagem
famílias nobres das casas poder real.
real de Luís XIV foi a construção do Palácio de Versalhes
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CURSINHO DA POLI 5
história geral • aula 4

de York (cujo brasão era uma rosa branca) e Lancaster preservando, contudo, a fé católica. Assim, sua ascensão
(simbolizada pelo brasão com uma rosa vermelha). ao trono foi vista como a possibilidade de reparar “os
A fragmentação da nobreza inglesa promoveu seu erros” de Henrique, reconciliando Inglaterra e Roma.
enfraquecimento e facilitou a ascensão de um rei forte Ao longo de seu reinado (1553-1558), Maria I buscou
com a vitória de Henrique Tudor, nobre ligado aos Lan- a recuperação do catolicismo na Inglaterra, valendo-se,
caster, que reuniu um exército, depôs o rei Ricardo III e para tanto, da aproximação com a Espanha, por conta
foi coroado rei com o nome de Henrique VII, fundador da de seu casamento com o rei Felipe II de Habsburgo e
dinastia Tudor. Sua importância foi o fortalecimento do também de um violento processo de perseguição aos
poder real a partir de várias ações, destacando-se entre anglicanos, como prisões, confisco de bens, tortura e
elas, o gesto pacificador simbolizado pelo casamento assassinatos. Com esse derramamento de sangue no rei-
com Elisabeth de York, reunindo em definitivo as duas nado de Maria I, ela ficou conhecida entre seus inimigos
facções em luta e finalmente consolidando a paz depois como “Bloody Mary”, isto é, Maria Sanguinária.
de um conflito de três décadas. Enquanto ocupou o trono e perseguiu os oponentes,
Maria I manteve sua meia-irmã, Elisabeth, sob estrita
Hardwick Hall, Derbyshire, Reino Unido

vigilância, já que acreditava na possibilidade de uma


conspiração. Mas como não conseguiu dar à luz um
herdeiro, sua morte fez com que o trono passasse para
Elisabeth.
Por conseguinte, a então filha rejeitada por Henrique
VIII, por ter nascido mulher, se tornou a rainha Elisabeth I
(1558-1603), convertendo-se ao anglicanismo imediata-
mente após a morte de Maria I e se aproximou de hábeis
políticos para a composição de seu Conselho real, como
William Cecil e Francis Walsingham. Nesse ambiente
favorável, Elisabeth I obteve condições para reafirmar
a fé anglicana e garantir sua posição à frente do reino,
período em que ficou conhecido como “Era Elisabeta-
na”, uma época de grande prosperidade econômica e
desenvolvimento cultural, como a produção teatral de
William Shakespeare.
A mudança da situação religiosa na Inglaterra im-
plicou a imediata reação militar de Felipe II de Espanha
(que fora casado com Maria I entre 1554 e 1558), que
contava com o apoio do papa Sisto V, pois, do ponto de
vista católico, Elisabeth era uma “herege usurpadora”.
Elizabeth I: a consolidação do poderio britânico.
O rei Felipe II organizou, então, em 1588, a “Invencível
Armada” para invadir a Inglaterra, mas não conseguiu ser
Um dos fatos mais importantes acerca da centra-
bem-sucedido devido à defesa montada pelos almiran-
lização do poder real foi a coexistência entre o rei e o
tes piratas Francis Drake e Walter Raleigh. Esses corsários
Parlamento, que sempre foi convocado pelo monarca,
foram agraciados com o título de Sir, isto é, cavaleiros
recebendo as petições e os decretos necessários para o
do Império Britânico, pelos serviços prestados à rainha.
exercício do poder real. Durante o reinado de Henrique
O absolutismo inglês foi consolidado durante o
VIII (1509-1547), no entanto, as transformações do regi-
reinado de Elisabeth I, porque fora responsável pelo
me favoreceram a figura do rei, principalmente com a
fortalecimento da marinha inglesa mediante a ação de
ruptura entre a Coroa inglesa e a Igreja Católica por meio
corsários, que tinham como missão atacar os navios ini-
do Ato de Supremacia de 1534. A partir desse documen-
migos. Posteriormente, ao final do reinado de Elisabeth I,
to, o monarca inglês tornava-se chefe da Igreja Anglicana
iniciou-se a colonização da América, com a fundação da
e seus atos não estavam mais submetidos ao papa.
colônia de Virgínia (uma homenagem a Elisabeth I, que
Com a morte de Henrique VIII em 1547, a sucessão
era chamada de “a rainha virgem” por não ter se casado
privilegiou o príncipe, coroado como Eduardo VI (1547-
e gerado filhos), em 1584, por Walter Raleigh, e que só
1553) aos 10 anos de idade. Este, de saúde muito frágil,
foi efetivamente colonizada a partir de 1607.
não exerceu o poder de fato e, ao falecer, abriu caminho
A colonização e o comércio desenvolvidos pela
para a sucessão pela linhagem feminina.
Inglaterra baseavam-se nos produtos manufaturados,
A herdeira mais velha era Maria Tudor, criada na
principalmente nos tecidos, e na sua venda para vários
Espanha pela mãe em virtude da separação dos pais,
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6 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 4

países que não dispunham dessa estrutura. Esse pro- ao consolidar seus domínios na Sicília, Sardenha e Ná-
cesso favoreceu o acúmulo de capitais, decorrente da poles, enquanto a Coroa de Castela começava a voltar
intensa venda de produtos ingleses. seus interesses para o Mundo Atlântico. Esse processo
culminou com a chegada dos espanhóis ao chamado
“Novo Mundo” na expedição de Cristóvão Colombo em
O Absolutismo na Espanha 1492, que contou com o patrocínio direto de Isabel de
Castela. Esse foi o início do ciclo de formação do futuro
Álvaro Germán Vilela/Dreamstime.com

Alte Pinakothek, Munique, Alemanha

Museu do Prado, Madri


Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial: o refúgio de Felipe II.

A formação da monarquia nacional espanhola Carlos V Felipe II


está diretamente relacionada ao fim da Guerra da Re-
conquista em virtude da consequente conquista do império colonial espanhol, o qual se tornou gigantesco
último território sob controle muçulmano, a cidade posteriormente, mas que na primeira década do século
de Granada no ano de 1492, finalizando sete séculos XVI ainda estava em gestação. O absolutismo espanhol
de guerra constante entre muçulmanos e cristãos. Os tomou uma feição mais centralizadora com a sucessão
cristãos saíram vitoriosos e tal fato representou a união dos Reis Católicos: em virtude do casamento de Joana
definitiva dos reinos cristãos, pois desde 1469 Isabel de de Castela, a Louca (filha dos Reis Católicos), com o
Castela e Fernando de Aragão uniram as coroas por meio arquiduque austríaco Felipe de Habsburgo, houve a
do casamento, e a determinação de ambos era expulsar junção da recém-construída monarquia espanhola com
os muçulmanos da península Ibérica e uma vez obtendo os territórios da Europa central (Áustria) e o ducado de
êxito, o papa Inocêncio VIII lhes concedeu o título de Borgonha (leste da França), do qual Felipe era herdeiro
“Reis Católicos”, confirmado posteriormente pelo papa direto. Em 1500 nasceu o príncipe Carlos, que, em vir-
de origem espanhola, Alexandre VI. tude da morte de Isabel de Castela (sua avó materna)
A derrota dos inimigos muçulmanos e a unificação em 1504 e da incapacidade de sua mãe, acometida
do Estado permitiram à Coroa espanhola investir na pela loucura, tornou-se herdeiro da Coroa de Castela e
empreitada marítima, como Portugal fizera desde o suas possessões. Em 1506 ele foi nomeado herdeiro dos
século XV. Essa foi uma posição delicada para os espa- territórios de Artois, Luxemburgo, Flandres e Borgonha,
nhóis, pois a ascensão da potência marítima portuguesa e em 1516, com a morte de seu avô, Fernando de Ara-
gerou, de certa forma, uma significativa apreensão nos gão, Carlos recebeu a Coroa espanhola e as possessões
rivais castelhanos. Portanto, a posição frágil da expan- aragonesas no sul da Itália, culminando em 1519 com
são espanhola pode ser entendida pela assinatura do sua eleição como imperador Carlos V do Sacro Império
Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-1480), que consistia Romano Germânico, graças a imensos subornos aos
numa linha imaginária horizontal que partilhava as nobres alemães (ação capitalizada pelos irmãos Fugger,
terras a serem exploradas, favorecendo nitidamente os financistas de Augsburgo).
desdobramentos da expansão portuguesa. (Veja aula 1 A ação de Carlos V (1516-1555) projetou a dinastia
de História do Brasil) dos Habsburgo, uma família nobre de origem austríaca,
Apesar da unificação das coroas, a gestão de Castela que por meio de uma hábil política de casamentos, con-
e Aragão, os “Reis Católicos”, ainda corria em paralelo, ou seguia obter o controle de quase toda a Europa central
seja, a Coroa de Aragão tentava defender seus interesses e ocidental. O apogeu dessa expansão ocorreu durante
no Mediterrâneo, especialmente na península Itálica, a regência de seu filho, Felipe II (1555-1598), senhor de
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CURSINHO DA POLI 7
história geral • aula 4

O império
O Impérioeuropeu
europeude de
Carlos V V
Carlos
Mar do
INGLATERRA Norte
SACRO Varsóvia
Londres HOLANDA IMPÉRIO
Bruxelas SAXÔNIA ROMANO- POLÔNIA
GERMÂNICO
OCEANO Worms
LUXEMBURGO Praga
ATLÂNTICO Paris Spira
BOÊMIA
45° FRANCO BAVIERA ÁUSTRIA
N Herança de Isabel I
CONDADO
FRANÇA TIROL ESTÍRIA
SUÍÇA Trento Herança de Fernando II
SABÓIA HUNGRIA
GALÍCIA MILÃO VENEZA Herança de Maximiliano I
ASTÚRIAS Mar Negro
NAVARRA
GÊNOVA Herança de Maria da Borgonha
ESTADOS
PORTUGAL CATALUNHA PONTIFÍCIOS Limites do Sacro
Lisboa Toledo CÓRSEGA
Roma Império Romano-Germânico
Barcelona
ARAGÃO
NÁPOLES
Valência SARDENHA IMPÉRIO TURCO-OTOMANO
Cádiz N
Granada
Greenw de
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SICÍLIA O L
Meridia

Orã 340
Argel Túnis 0
Melilla Mar Mediterrâneo km 30°L S

fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002.

um vasto império no qual se costumava dizer que “o sol A sede de riqueza gerada pela intensa exploração
nunca se punha”, e que terminou ampliado ainda mais dos recursos minerais originou o bulionismo (deriva-
pelo fato de sua mãe ser filha do rei Manuel I (1494-1521). do de bullion, termo espanhol usado para se referir às
Com a morte de seu primo Sebastião I em 1578 no norte barras de prata fundida) ou metalismo, prática adotada
da África, o trono e as possessões portuguesas passaram pela Espanha e que consistia na acumulação de metais
para o controle de Felipe II em 1580, em um processo preciosos oriundos de suas colônias. No entanto, a abun-
conhecido como União Ibérica e ocorrido entre 1580 e dância desses minérios provocou um processo chamado
1640. (Veja as aulas 4 e 5 de História do Brasil) de “Revolução dos Preços”, devido à grande quantidade
Os Habsburgo ambicionavam unir sob sua Coroa de metal que entrou na economia espanhola, dessa
toda a Europa, e para tanto rivalizavam com as outras forma, a gigantesca oferta provocou sua desvalorização
duas dinastias: a casa de Bourbon, na França, e a casa e o encarecimento das mercadorias e culminou com a
Tudor, na Inglaterra. Com relação aos ingleses, Felipe II escassez de vários alimentos, fato que provocou fome
tentou, em um primeiro momento, apoiar uma conspi- em várias regiões.
ração católica que teria o objetivo de depôr Elisabeth
I e coroar Maria Stuart (prima escocesa de Elisabeth),
buscando destruir o anglicanismo e assim reaproximar a Resumo da ópera
Inglaterra do poder papal. Porém, a conspiração acabou
descoberta e Maria Stuart foi executada por traição, fato Nesta aula tratamos do processo de formação das
que motivou Felipe II a tentar uma ação mais incisiva: monarquias nacionais ou dos Estados modernos euro-
invadir a Inglaterra com a “Invencível Armada”, sendo peus, os quais se consolidaram, concluindo o processo de
derrotado em 1588. transição política que se iniciara no final da Idade Média:
Se a hegemonia dos Habsburgo não foi plenamente o gradativo enfraquecimento da nobreza com a recu-
estabelecida na Europa, o processo de colonização arti- peração do poder para a pessoa do rei e a consequente
culado pelos espanhóis favoreceu a construção de um transformação do sistema econômico, que colocou a
vasto império colonial em terras americanas, principal- produção rural como parte da cadeia produtiva e as ati-
mente em função das minas de ouro e prata conquista- vidades mercantis como o centro das forças produtoras.
das pelos espanhóis dos mexicas, maias, incas, e outros Ao mesmo tempo, no campo conceitual, a figura
povos dominados que habitavam o Novo Mundo antes do rei foi respaldada por vários modelos de governo,
da chegada desses colonizadores. os quais justificavam a sua atuação e, por sua vez, eles
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8 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 4

davam margem a construção de um modelo de Estado se destacaram na teoria política do período absolutis-
centralizado, em que todo o poder estava centrado na ta, bem como a obra em que trata do assunto.
pessoa do rei, que se confundia com o próprio Estado. a) Thomas Morus, que escreveu Utopia.
b) John Locke, que escreveu Segundo Tratado do Governo
Civil.
exercícios c) Charles Fourier, que escreveu O Novo Mundo industrial.
d) Jacques Bossuet, autor da obra A política segundo as
1. (UFRGS) No século XVI, a Espanha oscilava entre Sagradas Escrituras.
períodos de extrema riqueza econômica e bancarrotas e) Barão de Montesquieu, autor da obra O espírito das leis.
vertiginosas.
Considere as afirmações a seguir acerca dessa osci- 2. (ENEM)
lação.
O que chamamos de Corte principesca era, essen-
I. A rebelião dos Países Baixos, parte integrante dos do-
cialmente, o palácio do príncipe. Os músicos eram
mínios imperiais dos Habsburgos, durou oitenta anos,
tão indispensáveis nesses grandes palácios quanto
contribuindo para corroer as finanças espanholas.
os pasteleiros, os cozinheiros e os criados. Eles eram
II. A política expansionista dos Habsburgos, que incluía
o que se chamava, um tanto pejorativamente, de
planos de invasão da Inglaterra com a participação
criados de libré. A maior parte dos músicos ficava sa-
decisiva da "Invencível Armada", concorreu para as
tisfeita quando tinha garantida a subsistência, como
bancarrotas espanholas.
acontecia com as outras pessoas de "classe média" na
III. A entrada de capital monetário era destinada quase
Corte; entre os que não se satisfaziam estava o pai de
totalmente à industrialização espanhola, gerando
Mozart. Mas ele também se curvou às circunstâncias
deficiências crônicas na manutenção do Império.
a que não podia escapar.
Quais estão corretas?
a) Apenas I. Norbert Elias. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1995, p. 18 (com adaptações).
b) Apenas II.
c) Apenas I e II.
Considerando-se que a sociedade do Antigo Regime
d) Apenas II e III.
dividia-se tradicionalmente em estamentos: nobreza,
e) I, II e III.
clero e 3o Estado, é correto afirmar que o autor do
texto, ao fazer referência à "classe média", descreve
2. (UEL) A formação do Estado espanhol – constituído
a sociedade utilizando a noção posterior de classe
da aliança entre a monarquia, a nobreza fundiária e
social a fim de
a Igreja Católica – implicou uma estrutura fundiária
a) aproximar da nobreza cortesã a condição de classe
patrimonial com uma sociedade hierárquica e nobi-
dos músicos, que pertenciam ao 3o Estado.
liárquica.
b) destacar a consciência de classe que possuíam os
Sobre o tema é correto afirmar que:
músicos, ao contrário dos demais trabalhadores
a) A fragilidade da burguesia das cidades comerciais es-
manuais.
panholas foi superada com a formação do Estado.
c) indicar que os músicos se encontravam na mesma
b) O Estado nacional espanhol, ao se constituir, deixou
situação que os demais membros do 3o Estado.
de lado os valores aristocráticos.
d) distinguir, dentro do 3o Estado, as condições em que
c) O setor religioso não teve importância na formação
viviam os "criados de libré" e os camponeses.
do Estado nacional espanhol.
e) comprovar a existência, no interior da Corte, de uma
d) A monarquia espanhola católica foi o resultado de
luta de classes entre os trabalhadores manuais.
uma aliança marcada pelo predomínio de valores
aristocráticos.
3. (FUVEST) Felipe II, rei da Espanha entre 1556 e 1598,
e) A nobreza fundiária estava desinteressada da cons-
não conseguiu impedir a revolta dos holandeses (Paí-
tituição da Monarquia Espanhola.
ses Baixos setentrionais). Luís XIV, rei de França entre
1643 e 1715, não conseguiu conquistar a Holanda. Nos
dois enfrentamentos, estiveram em jogo concepções
Estudo orientado
político-religiosas opostas e estruturas socioeconô-
micas distintas.
exercícios
Explique:
a) essas concepções político-religiosas opostas.
1. (ESPM) (Adaptado) Assinale entre as alternativas a
b) essas estruturas socioeconômicas distintas.
seguir aquela que apresenta um dos pensadores que
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CURSINHO DA POLI 9
história geral • aula 4

4. (UFMG) Observe esta imagem: texto 2


Frontispício da 1a edição da obra de Hobbes, Leviatã (1651)

O Rei não exigia apenas que a alta nobreza esti-


vesse na Corte, mas também requeria o mesmo dos
nobres de menor categoria. Nas cerimônias de seu
levantar e deitar, nas refeições, nos jardins em Versa-
lhes, olhava sempre em volta, notando a presença ou
a ausência de todos. Levava a mal se os nobres mais
ilustres não residiam permanentemente na Corte, e
se outros a ela compareciam apenas raramente, e a
desgraça total esperava aqueles que mal apareciam
ou nunca o faziam. Se um destes tinha um pedido, o
rei respondia orgulhosamente: “Não o conheço”. E seu
julgamento era irrevogável. Não se importava se uma
pessoa gostava de morar no campo, mas ela tinha
que demonstrar moderação nisso e tomar precauções
antes de longas ausências.
“Mémoires de Saint-Simon”. In: Norbert Elias. O processo civi-
lizador: uma história de costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Thomas Hobbes (1588-1679) ficou conhecido como um Editor, 1990, p. 168, V. II.
dos teóricos do Absolutismo. Nessa ilustração da sua
obra, sintetiza-se a formação do Estado Absolutista. pesquisar e ler
a) Cite três características do Estado Absolutista.
b) Explique a representação de poder expressa nessa Jacques Wilhelm. Paris no tempo do Rei Sol: 1660-1715.
imagem. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (Coleção A Vida
Cotidiana). O livro recupera com grande riqueza de
detalhes as características culturais, políticas e socioeco-
roda de leitura nômicas da França no auge do reinado de Luís XIV.
Serge Gruzinski. 1480-1520: a passagem do século.
texto 1
São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Especialista
E não sorvas ruidosamente a tua sopa em momen- renomado mundialmente por suas pesquisas ligadas
to algum de toda a tua vida. às Grandes Navegações e à cultura do Novo Mundo, o
Algumas pessoas mordem um pedaço de pão e, professor Gruzinski monta um quadro muito preciso do
em seguida, mergulham-no grosseiramente no prato. que era a Europa nesse período e o que estava ocorrendo
Pessoas refinadas rejeitam essas más maneiras. nas recém-descobertas terras do Novo Mundo.
Algumas pessoas roem o osso e recolocam-no na
Alexandre Dumas. O homem da máscara de ferro. São
travessa. Isto é uma grave falta de educação.
Paulo: Scipione, 2002. Romance de capa e espada, escrito
Os que gostam de mostarda e sal devem ter o
por Alexandre Dumas (pai), que apresenta um caso muito
cuidado de evitar o sujo hábito de neles pôr os dedos.
complexo: o rei Luís XIV teria um irmão gêmeo que fora
O homem que limpa a garganta pigarreando
aprisionado na Bastilha com uma máscara de ferro para
quando come e o que assoa na toalha da mesa são
ocultar sua identidade. Nesse contexto, os mosqueteiros
ambos mal-educados, isto vos garanto.
do rei (Athos, Porthos, Aramis e d’Artagnan) se envol-
O homem que quer falar e comer ao mesmo tempo,
vem em uma grande conspiração que poderia mudar
e fala no sono, nunca descansará tranquilamente.
a história da França.
Não sejas barulhento à mesa, como algumas pes-
soas são. Lembrai-vos, meus amigos, que coisa alguma
é tão grosseira. ver e ouvir
Considero maneiras péssimas alguém com a boca
cheia de comida e que bebe ao mesmo tempo, como Elisabeth (direção: Shekhar Kapur, 1998). O filme
se fosse um animal. retrata o processo de ascensão da rainha Elisabeth I,
“The Book of Nature and School of Good Manners”. In: Norbert pertencente à dinastia Tudor, e todas as dificuldades
Elias. O processo civilizador: uma história de costumes. do período, especialmente as conspirações de fundo
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 96-97, V. I. religioso que tentavam depô-la e restaurar o catolicismo
no país.
724-2

10 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 4

A outra (direção: Justin Chadwick, 2008). A produção senha


mostra os dilemas políticos da Inglaterra por meio da
perspectiva íntima dos relacionamentos amorosos de Ó mar salgado, quanto do teu sal
Henrique VIII: o casamento de Estado com Catarina de São lágrimas de Portugal!
Aragão, o controvertido divórcio e o relacionamento Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
com as irmãs Bolena – primeiro Maria; depois Ana, que Quantos filhos em vão rezaram!
se tornou rainha. Quantas noivas ficaram por casar
Farinelli, il castrato (direção: Gerard Corbiau, 1994). Para que fosses nosso, ó mar!
O filme apresenta a vida de Carlo Broschi (1705-1782),
jovem italiano dotado de excelente voz que, antes de Valeu a pena? Tudo vale a pena
entrar na puberdade, foi castrado pelo irmão mais se a alma não é pequena.
velho, o compositor Ricardo Broschi, pois assim preser- Quem quer passar além do Bojador
varia sua voz angelical e poderia se tornar um grande Tem que passar além da dor.
cantor. Além da vida desse castrato, há uma excelente Deus ao mar o perigo e abismo deu,
reconstituição das cortes europeias no século XVIII e Mas nele é que espelhou o céu.
a relação dos músicos e cantores com o poder real. Fernando Pessoa. Mar português,1922.
Quanto às músicas, a trilha sonora do filme Farinelli e as
indicações dos compositores listados na aula anterior
(Bach, Vivaldi, Haendel e outros) são de grande valia
para entendermos o universo cultural do Absolutismo.

navegar

Uma das melhores formas de conhecer com um


pouco mais de detalhes a concepção do poder real é
conhecer a morada do rei: o palácio real. Indicamos aqui
dois exemplos, entre tantos, das sedes do poder régio:
Schoenbrunn, a morada dos Habsburgo na Áustria, e
Versalhes, a morada dos Bourbon da França. Além dos
idiomas locais, ambos os sites têm versões em inglês e
espanhol.
Palácio de Versalhes: www.chateauversailles.fr
Palácio de Schoenbrunn: www.shoenbrunn.at

ágora

“Um príncipe desejoso de conservar-se no poder tem


de aprender os meios de não ser bom.”
Ao lermos a frase acima, podemos questionar alguns
elementos que, infelizmente, ainda vigoram na política
moderna: há legitimidade no exercício do poder pelo
próprio poder? Aqueles que ocupam cargos públicos
devem deixar que seus interesses se coloquem à frente
do interesse coletivo?
724-2

CURSINHO DA POLI 11
aula 5 Expansão marítima: ibérica e anglo-saxônica
A 16 de setembro, vimos flutuar pequenos maços de segundo o relato descrito de Colombo acima, esse era o
ervas marinhas que pareciam ainda frescas [...], o que fez plano: atingir as Índias (a Ásia) por uma rota alternativa
todos acreditarem que a terra se aproximava. Nos dias e navegar do leste ao oeste.
seguintes, as ervas apareceram em quantidades maiores; Ao conquistar e explorar o Novo Mundo, que depois
o mar parecia estar coagulado. recebeu o nome de América, os europeus incluíram esses
Entretanto, a 10 de outubro, os marinheiros queixa- territórios e seus ocupantes dentro de um complexo
ram-se da duração da viagem e, com ameaças, recusa- sistema de relações econômicas que entendemos por
ram-se a ir adiante. O almirante reanimou a sua coragem capitalismo e que vamos estudar nesta aula, buscando
do melhor modo possível, dando-lhes boa esperança das compreender as diferentes dinâmicas relacionadas à
vantagens que poderiam obter da expedição. formação das monarquias nacionais, ascensão e fortale-
Acrescentou que de resto suas queixas de nada ser- cimento da burguesia, e o conjunto de práticas econômi-
viriam, porque ele tinha partido para dirigir-se às Índias cas desenvolvidas nesse contexto, as quais conhecemos
e pretendia prosseguir viagem até que as encontrasse, como mercantilismo.
com a ajuda do Senhor. No dia seguinte, pescamos um
pedaço de madeira que parecia ter sido talhado a ferro,
um pedaço de cana, uma erva terrestre e uma tabuinha Capitalismo histórico: as práticas
[...]. Por volta das dez horas da noite, o almirante viu uma mercantis dentro da economia-mundo
luz [...] era como uma vela cuja luz subia e abaixava.
Também, quando os marinheiros se reuniram para O comércio, em todas as suas escalas, tinha se trans-
cantar o salve [prece dedicada à Virgem Maria que se formado no alicerce das atividades econômicas euro-
inicia pelas palavras “Salve Rainha”], o almirante avisou- peias desde o século XIII, articulando produtores rurais,
-os e pediu-lhes para fazer boa guarda e observar o lado intermediários e vendedores que atuavam em diferentes
da terra, prometendo dar um gibão de seda àquele que feiras. Esses lugares eram, então, o ponto de encontro de
fosse o primeiro a avistá-la, e isto sem prejuízo das outras mercadores de várias regiões onde realizavam as suas
recompensas prometidas pelo rei e pela rainha. As duas transações de compra e venda.
horas após a meia-noite, avistamos a terra realmente. Foi no interior desse complexo processo que envolvia
(Seguiremos a ortografia do texto original. Mencio- a Liga Hanseática ao norte, as feiras de Champagne na
nar nas referências bibliográficas) França ao centro, e as cidades italianas ao sul da Europa,
“Cristóvão Colombo”. In: J. Isaac; A. Alba. História universal: que surgiu o embrião de práticas e sistemas infinita-
Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 193. mente importantes para a construção do capitalismo:
a organização dos bancos e as diferentes formas de
financiamento aos empreendimentos comerciais.
Ao lermos as palavras de Colombo, podemos tentar A circulação em grandes distâncias era sempre pe-
recuperar a dimensão do contexto das Grandes Navega- rigosa, especialmente quando se carregavam grandes
ções: a ruptura dos limites do mundo então conhecido quantias de dinheiro ou metais preciosos. Uma forma de
por meio da navegação do chamado “Mar Tenebroso”. As favorecer a circulação dos recursos, garantindo a seguran-
incertezas e perigos que cercavam a expansão marítima ça do portador, foi o uso da letra de câmbio: um vendedor
e o contraste entre a experiência desenvolvida durante procurava uma casa de financiamento, fazia um depósito
as viagens transformaram-se em relatos míticos e crôni- do valor que utilizaria e, uma vez realizado e conferido, o
cas de viajantes que descreviam as terras, povos e cria- mercador depositante recebia um documento que lhe
turas que viviam nas longínquas terras onde deveriam possibilitava trocar aquele papel (assinado e carimbado)
ser conquistadas e exploradas. numa outra representação daquela mesma casa em que
Se a chegada dos europeus ao Novo Mundo repre- ele tinha feito o depósito. Uma vez conferida a autenti-
sentou a transposição dos costumes e tradições do Velho cidade do documento, o saque era feito na cidade de
Mundo para as novas terras, os recém-chegados também destino do mercador e na moeda local.
tiveram que conviver com usos e costumes dos povos Algumas cidades se destacaram pelo seu papel de
que habitavam as terras “descobertas”; aprendendo a centro financeiro, como Genebra, no final do século
comer, beber e viver nas diferentes regiões do mundo XV, pois sua localização estava ligada às feiras de Lyon,
tropical que se desvendava. Além disso, o contraste, seguindo o curso do rio Ródano no sudeste da França.
infelizmente, se fez valer de práticas violentas, do cons- Nessas feiras, os mercadores de Florença, Lucca, Gênova
tante uso da força, e ainda, de uma dominação que teve e do Império Alemão reuniam-se cerca de quatro vezes
como instrumento indireto as mortes causadas pelas ao ano, sem precisar pagar taxas ou pedágios e realiza-
epidemias que se espalhavam entre os povos conquis- vam os acertos contábeis com as transações de letras de
tados, denominados pelos europeus de “indígenas”, pois câmbio de diferentes mercadores europeus.
724-2

12 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 5

Nações com agências em Bruges Fuggers: agências e comércio (1495-1525)


60 60
°N °N

o
SUÉCIA SUÉCIA

B á lt ic

B á lt ic
Mar do Mar do
ESCÓCIA Norte Norte

Mar

Mar
DINAMARCA
Dantzig (Gdansk)
HANSA
INGLATERRA
OCEANO ALEMANHA OCEANO Colônia Leipzig
Antuérpia Breslau (Wroclaw)
ATLÂNTICO ATLÂNTICO
Frankfurt Reichenstein
Nurembergue Cracóvia
Augsburgo Schwaz Mogilev
45° 45° Salzburgo Neusohl
N N
Halle Viena Frauenseiffen
Innsbruck Gastein
Rauris Villach Budapeste
VENEZA Fuggerau
MILÃO Milão Veneza
BISCAIA GÊNOVA Mar N Mar
FLORENÇA Negro Negro
CASTELA NAVARRA
ARAGÃO Lisboa Roma O L
PORTUGAL Madri
30°L Almadén 30°L
N
no de

no de
S
ich

ich
ÁSIA Sevilha ÁSIA
Greenw

Greenw
Mar Mediterrâneo
Meridia

Meridia
O L Agências importantes
0 445 0 445 Agências
Mar Mediterrâneo Mineração/processamento
S ÁFRICA 0° km ÁFRICA 0° km

Antuérpia: relações comerciais em 1560 Feiras de Lyon:


Lion: centros
centrosde
de troca
troca
60 60
°N °N

Bergen
o

o
B á lt ic

Estocolmo

B á lt ic
Tallin

Edimburgo Mar do Mar do


Mar

Norte Norte

Mar
Riga

Dantzig (Gdansk)
Londres Londres
OCEANO OCEANO
ATLÂNTICO Antuérpia ATLÂNTICO Antuérpia
Caen Rouen
Paris
45° Reynnes Troyes 45°
N Augsburgo N

Feiras de Medina
Lyon Veneza (Vilalón, Lyon Veneza
Medina del Campo Milão
Gênova Mar
Toulouse Gênova Mar Medina de Rioseco) Florença
Negro Lucca Negro
Ancona Zaragoça Ancona
Lisboa Barcelona Roma
Nápoles
30°L Valência Nápoles 30°L
N N
no de

no de

Sevilha Sevilha
ich

ÁSIA
ich

ÁSIA
Greenw

Greenw
Meridia

Meridia

O L O L
Palermo 0 445 Palermo Messina 0 445
Argel
S ÁFRICA 0° Mar Mediterrâneo km S 0° ÁFRICA Mar Mediterrâneo km

fonte: Atlas da História do Mundo. São Paulo: Publifolha, 1994, pág. 143.

As mudanças decorrentes da expansão marítima tor implicou, por exemplo, na mudança dos percentuais
imprimiram um novo ritmo às práticas mercantis, uma cobrados pelo crédito, que em 1500 era de 25% e nos
vez que a ampliação da escala do comércio ligando a idos de 1550 caíra para 9%.
Europa às terras do Novo Mundo necessitava de novas A natureza do capital dessas casas bancárias era
ações e respostas aos novos problemas. Por isso, as feiras variada. Em parte era ligada às fortunas pessoais de
periódicas, onde se realizavam essas transações, deram determinadas famílias, ou a aplicação provinha de te-
lugar às casas financiadoras e ao uso de linhas de crédito souros públicos, mas um dado muito interessante é a
e pouco a pouco, as transações com dinheiro em espécie observação de uma competição acirrada, que não des-
foram sendo substituídas pelo crédito, pelas letras de cartava as fusões entre bancos. Na cidade de Florença,
câmbio e pelos primeiros “cheques”. por exemplo, em 1460, existiam 33 bancos, enquanto
A cidade de Antuérpia, na região de Flandres, tinha em 1516 havia apenas oito bancos. Nesse processo,
cerca de 47 mil habitantes nos idos de 1496. Depois de algumas famílias despontaram em termos de riqueza e
alguns anos, em 1560, já contava com mais de 100 mil poder financeiro, como os Médici, cujo ativo de capital
pessoas, e era a maior cidade da Europa do norte e uma era estimado, no ano de 1440, em 1750 kg de ouro; em
das primeiras praças mercantis a adotar o uso maior do Augsburgo, os irmãos Jakob e Erasmo Fugger detinham,
crédito nas transações praticadas com dinheiro. Esse fa- em 1546, cerca de 13 mil kg de ouro. Tamanha riqueza
724-2

CURSINHO DA POLI 13
história geral • aula 5

foi estratégica para a consumação dos planos de hege- No processo de gestão dos recursos oriundos da
monia de Carlos V, que contara com o financiamento dos exploração direta ou do financiamento para explora-
Fugger para “comprar” sua eleição como imperador do ção, encontraremos o chamado mercantilismo, que
Sacro-Império Romano-Germânico em 1519. não era uma doutrina sustentada por um teórico, mas
Em contrapartida, Carlos V dera como garantia a ex- que pode ser entendida como um conjunto de práticas
ploração das minas de prata na Boêmia,região da atual econômicas realizadas pelas potências europeias. Essas
República Tcheca, e o controle das alfândegas espanho- práticas visavavam o fortalecimento do Estado e o poder
las, ampliando em larga escala o poder de atuação dos real, pois sua atuação foi dentro do contexto em que o
Fugger, pois foram incluídos na operação os lucros da rei concentrava poderes, a burguesia monopolizava a
exploração do comércio colonial. exploração das práticas comerciais e ainda ampliava sua
Como rivais dos Fugger estavam os financistas ge- influência por toda economia europeia.
noveses, os quais participavam dos empreendimentos O comércio crescente era realizado em larga escala
ultramarinos portugueses e também tinham financiado e repleto de garantias reais, como a unificação de im-
a Corte espanhola, mas apesar do prestígio que essa postos, leis, moeda, pesos e medidas e possibilitava aos
posição poderia oferecer, o risco era imenso, pois os burgueses a obtenção de uma situação favorável ao de-
clientes reais poderiam deixar de reconhecer as dívidas senvolvimento de seus negócios, interligando as praças
contraídas, fato que ocorreu e levou os Fugger à falência comerciais de diferentes regiões da Europa, África, Ásia
em 1575, o que possibilitou a ascensão dos genoveses e América sob a lógica da economia-mundo.
junto aos Habsburgo. A economia mercantil, entre os séculos XV e XVII,
A teia de relações estabelecidas entre os agentes foi marcada pelo pleno controle do Estado, pois este
financiadores, seus devedores e os respectivos investi- conduzia as atividades de acordo com seus interesses
mentos praticados em diferentes áreas de atuação foi a (dirigismo estatal), ou seja, o Estado procurava proteger
responsável pela articulação de um mecanismo em larga o mercado nacional com a taxação sobre os produtos
escala, que na concepção do historiador Giovanni Arrighi estrangeiros (protecionismo) e interferia diretamente
foi a formulação do capitalismo histórico, encabeçado nas atividades (intervencionismo) mediante a instituição
por diferentes potências ao longo dos últimos cinco sé- de novas leis ou taxas.
culos. Nesse início, de articulação global, capitalista pode Segundo uma das principais diretrizes da política
ser visto o desdobramento de ciclos de acumulação de mercantilista, um Estado, para ser forte, deveria ter uma
capital em uma dada região e seu respectivo direcio- balança comercial favorável, ou seja, deveria vender mais
namento para outra região na forma de financiamento. e comprar menos, gerando um superávit. Tal processo se
Desse modo, observa-se uma circulação de valores em daria principalmente pela acumulação de metal precioso
diferentes áreas do planeta, mas cujas ações são parte (ouro e prata) nos cofres estatais, porque, quanto mais
de um conceito maior: a economia-mundo. riqueza acumulada, maior seria o poder desse Estado.
120º 60º 0º 60º 120º
OCEANO GLACIAL ÁRTICO
Círculo Polar Ártico

60ºN

AMÉRICA EUROPA
DO NORTE ÁSIA
Açores PORTUGAL
Lisboa ESPANHA
Palos
Madeira Ceuta
1415
30ºN
Trópico de Câncer Guanaani OCEANO
1492 ÍNDIA
Cabo Verde Goa PACÍFICO
Calicute
AMÉRICA GUINÉ
1434-1462 ÁFRICA
Cochim

CENTRAL
Equador

OCEANO CONGO Melinde
OCEANO PACÍFICO AMÉRICA 1482-1485
OCEANO
DO SUL ATLÂNTICO ÍNDICO
Porto
Seguro Moçambique
Trópico de Capricórnio
1500
OCEANIA
Cabo da
Boa
Esperança 30ºS
1488

N
Meridiano de
Greenwich

Rotas dos navegadores


O L
Cristóvão Colombo
60ºS
Bartolomeu
S Círculo Polar Antártico
0 2450 Vasco da Gama
ANTÁRTIDA Pedro Álvares Cabral
km
Fonte: Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: MEC, 1979
724-2

14 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 5

A economia mercantil também foi marcada pela Em virtude do descontentamento dos portugueses,
intensa exploração de uma vasta região de colônias que outro tratado corrigiu a Bula. Trata-se do Tratado de
estavam ligadas aos seus centros de controle (metrópo- Tordesilhas, de 1494, o qual moveu a linha imaginária
les) pelo exclusivo colonial, ou seja, apenas a metrópole de 100 léguas a oeste de Cabo Verde para 370 léguas a
poderia comprar e vender para suas colônias, sendo o oeste do mesmo arquipélago.
comércio realizado por companhias específicas, como Colombo continuou a realizar outras expedições,
a Companhia das Índias, fato que tornava a supremacia totalizando quatro em 1504. O seu objetivo era a busca
sobre os mares uma questão vital para a sobrevivência de uma passagem pelo Novo Mundo para assim alcançar
de um império colonial. as Índias. Contudo, ele não obteve sucesso nessa rota
Nesse contexto de articulação da economia-mundo, marítima para Ásia, mas pôde mapear as ilhas da região
a expansão marítima encabeçada por Portugal, a partir do Caribe. Paralelamente, temos a viagem de Vasco da
da tomada de Ceuta em 1415, abriu caminho para a Gama em 1498, que contornou o continente africano e
consolidação de sua posição na exploração do litoral atingiu um grande êxito ao chegar a Calicute, um rico
africano com o estabelecimento de feitorias (entrepos- porto no oeste do território indiano, o que possibilitou
tos de comércio) pela costa oeste da África, culminando trazer à Europa gigantescas cargas de especiarias em
em 1487 com a passagem do navegador Bartolomeu seus navios, obtendo com isso um expressivo ganho
Dias pelo então “Cabo das Tormentas” (o extremo sul financeiro. No ano de 1500, Pedro Álvares Cabral chegou
do continente africano), que foi rebatizado como “Cabo às terras que passaram a compor a América Portuguesa.
da Boa Esperança”. Sua expedição foi a tomada oficial de posse daquilo
A partir de 1492, em virtude do sucesso da expedição que já havia sido definido no Tratado de Tordesilhas,
do navegador genovês Cristóvão Colombo, a Espanha seis anos antes.
entrou na disputa pelo controle dos mares e novas terras, A visão de que se tratava de um continente inteiro
tendo o objetivo inicial de atingir as Índias, navegando de gigantescas dimensões só foi consolidada depois da
no sentido leste-oeste. Porém, o resultado foi bem dis- expedição realizada pelo florentino Américo Vespúcio
tinto com a “descoberta” de um novo continente com- a serviço da Coroa espanhola, em 1504, sendo efetiva-
pletamente desconhecido dos europeus, mas que já era mente confirmada por outra expedição em 1513 sob a
ocupado por grupos humanos há mais de 50 mil anos. liderança de Nunes Balboa, que conseguiu atravessar
Esses povos do Novo Mundo viviam em diferentes for- por terra o atual istmo do Panamá e encontrou outro
mas de organização social, sendo dotados de uma ampla oceano, denominando-o “Oceano Pacífico”.O explorador
diversidade étnica
e cultural, e foram Comércio europeu no século XVI
chamados de índios 60
°N 0° 30°L
Gree o de

pelos europeus. Rotas de


nwich

comércio
ian

O desdobra-
Merid

$ Praças de
câmbio
mento imediato da Md
Bergen
Co
Estocolmo Narva
Principais
Fe
viagem de Colombo Pe F portos
e mercados
Mar Md
foi a intermediação OCEANO do
Co
Ca
do papa Alexandre ATLÂNTICO Norte Md Riga
A - Armas
VI (o espanhol Ro- Te Vi S Al - Alumínio
A Amsterdã Dantzig Ca - Carvão
drigo Bórgia) em Ch Te Antuérpia
Hamburgo
Tr
Co - Cobre
Z Ch - Chumbo
elaborar um texto, E Londres Im Co Leipzig Tr
Es - Especiarias
$ Fe
a Bula Inter Coetera, S
Antuérpia
Fe
Mt Pr E - Estanho
Rouen $ Fe - Ferro
$ Nurembergue
cujo teor estabele- 45°N S
Tr $ Paris
Augsburgo $
Fe Co Pr F - Forragens
Se Te Pr Im - Imprensa
cia um limite entre Te Ma - Marfim
Me Fe Pr
as terras que po- S Lyon $ Milão Mt - Metais
Pe Fe $ Ve Veneza Md - Madeira
deriam ser desco- Fe
Te Se $ Florença Mar Negro Me - Metalúrica
Gênova
$ O - Ouro
bertas, dividindo-as Medina del Campo $ Zaragoça
Barcelona Se Al
Ragusa
Pr - Prata
$ $ Pe - Peixe
por uma linha ima- $ Lisboa Te Roma $ Tr
Se Constantinopla
S - Sal
ginária, sob o con- S
$ Ta Salônica
Se - Seda
Valência $ Nápoles
Sevilha Te - Tecidos
trole de Portugal e $ Esmirna Tr - Trigo
Cádiz Se
Z - Zinco
da Espanha, toman- O Pr N $ $
Ve - Veludo
O Ma
do como referência O L Se Ta
Beirute Ta - Tapetes
Es Vi - Vinho
o arquipélago de ÁFRICA 0 365

S km Mar Mediterrâneo
Cabo Verde, junto ao
fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002.
litoral africano.
724-2

CURSINHO DA POLI 15
história geral • aula 5

homenageou Vespúcio ao chamar os novos territórios Montezuma foi aprisionado e os espanhóis cobraram
de América. Entre 1519 e 1522, o navegador português um pesado resgate para a libertação do soberano, que
Fernão de Magalhães realizou a primeira viagem de cir- apesar de pago, não foi o suficiente para a restauração de
cunavegação, partindo do porto de Cádiz em direção ao Montezuma no poder, o qual foi morto pelos espanhóis
Atlântico sul, contornando o continente sul-americano e dali em diante, sem sua “cabeça”, o corpo do Império
pelo extremo sul, região hoje batizada com seu nome mexica desabou, transformando-se no Vice-Reinado de
(Estreito de Magalhães) e navegou até o arquipélago Nova Espanha e depois, Vice-Reirado do México, cuja
das Filipinas em 1521, quando morreu combatendo os conquista e submissão foi marcada por intensas guerras
nativos. A viagem foi continuada por Sebastian del Cano, e repressão das tribos locais por mais de dois séculos.
que assumiu o comando da expedição e comprovou Mais tarde, depois da guerra de independência de 1821,
efetivamente a hipótese da Terra ser esférica. a atual República do México.
Quanto a Colombo, este terminou sua vida em uma Enquanto Cortez submetia os mexica, Francisco Pi-
situação de empobrecimento e exclusão da conquista zarro foi o responsável pela dominação do Império Inca,
em virtude das intrigas geradas no interior da Corte espa- aproveitando-se da disputa pelo trono entre dois irmãos
nhola, a qual via no Novo Mundo uma fonte inesgotável Huascar e Atahualpa, sendo ambos filhos do Inca Huayna
de riqueza sob seu total controle, posição não comparti- Cápac, porém de esposas diferentes. Pizarro se aliou a
lhada por Colombo, que pensava em uma outra forma de Atahualpa e o ajudou a vencer Huascar, mas mesmo
integração entre universos tão distintos separados pelo derrotando o irmão, Atahualpa não conseguiu assumir
oceano. No entanto, a visão humanista foi substituída pela o trono, pois Pizarro o aprisionou e assassinou, fato que
mercantilista e escravista, articulando um processo de levou ao fim o Império Inca em 1531.
conquista e extermínio em larga escala, como descreveria A conquista foi acompanhada de milhares de mas-
muito bem o frade dominicano espanhol Bartolomé de sacres, um gigantesco genocídio repleto de crueldade
Las Casas (1484-1566), depois eleito bispo de Chiapas, que impôs o domínio europeu e foi responsável pela
sul do México, em 1543: “Os espanhóis,
esquecendo sua condição de seres hu-
manos, tratavam essas criaturas inocentes
(os índios) com uma crueldade digna dos
lobos, dos tigres e dos leões. Faz 42 anos
que incansavelmente os perseguem, opri-
mem e os destroem com todos os meios
já inventados pela maldade humana. Os
espanhóis com seus cavalos, suas espadas
e lanças começaram a praticar crueldades
estranhas; entravam nas vilas, burgos e al-
deias, não poupando nem as crianças e os
homens velhos, nem as mulheres grávidas
e parturientes e lhes abriam o ventre e as
faziam em pedaços como se estivessem
golpeando cordeiros [...]”.

A colonização espanhola

A conquista espanhola se deu com a


dominação da ilha de Cuba em 1519, graças
à ação do militar Hernán Cortez. que dali
abriu caminho para comandar uma expedi-
ção em direção do continente, atingindo o
Império Mexica em 1521, quando Cortez foi
levado ao coração dos domínios de Mon-
tezuma, em virtude da profecia que falava
da “vinda dos deuses pelo mar” e esta visão
foi responsável pela aparente facilidade de
acesso dos espanhóis aos mexicas.
724-2

fonte: Atlas Histórico Mundial. Georges Duby (org).

16 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 5

destruição de inúmeras culturas locais, bem como a os índios formavam um grande grupo e eram explora-
aculturação, isto é, a imposição da cultura europeia no dos na agricultura e mineração. Encontramos também
lugar da cultura indígena, ação intensa no processo de a presença de negros, os quais foram utilizados como
evangelização dessas populações. escravos no Caribe (seja na parte insular ou continental),
A colonização espanhola foi fruto de um processo em virtude do extermínio das tribos indígenas da região
lento e gradativo, que se estendeu ao longo de três durante o início da colonização.
séculos. Isso significa que a identificação das áreas con- A exploração das colônias não se deu por meio de um
quistadas, a submissão dos grupos humanos ali viventes único produto, pois a grande extensão e diversidade do
e a consequente exploração dos recursos naturais, bem império espanhol favoreceram a exploração de diferen-
como de outras atividades que foram introduzidas para tes produtos, tendo entre eles os metais preciosos como
o maior enriquecimento da Coroa espanhola. algo de grande interesse, como podemos entender no
Assim como a colonização portuguesa, a colonização quadro abaixo:
espanhola teve como objetivo a exploração das riquezas
por meio do "Pacto Colonial". Portanto, o povoamento Período Objetivo Localização
foi realizado com o intuito de viabilizar esse processo, 1494-1520 Ouro de aluvião Antilhas
contando com a formação de uma sociedade fortemente Pilhagem do ouro na-
1521-1534 Mesoamérica e Andes
hierarquizada e dependente da exploração do trabalho tivo (Mexicas e Incas)
compulsório que oscilou entre formas variadas de servi- 1530-1539 Minas de ouro Nova Granada
dão, ou ainda, o uso efetivo da escravidão. 1540-1549 Minas de prata
Norte do México e sul
O império colonial espanhol era formado por uma do Peru
grande extensão de territórios que englobavam toda 1560-1569 Minas de mercúrio Huancavelica, Peru
a área oeste da linha imaginária do Tratado de Torde-
silhas na América do Sul (desde a Terra do Fogo até as
Antilhas) e também a porção centro-oeste da América América inglesa: a nova “terra prometida”
(que ia do istmo do Panamá até quase o Círculo Polar
Ártico). Toda essa área estava dividida em: Vice-Reinado O processo de colonização das treze colônias ingle-
do México, Vice-Reinado do Peru, Vice-reinado de Nova sas obedeceu aos interesses da expansão capitalista
Granada, Vice-Reinado do Rio da Prata, Capitania Geral desenvolvida pela Coroa inglesa na lógica da formação
da Guatemala, Capitania Geral de Cuba, Capitania Geral da economia-mundo, enfrentando a rivalidade dos
da Venezuela e Capitania Geral do Chile. Habsburgo na construção de um império colonial no
A estrutura administrativa das colônias estava Novo Mundo.
concentrada no Conselho Real e Supremo das Índias, As constantes crises políticas na Inglaterra fizeram
articulado pela Coroa e tendo como mecanismo de com que muitos ingleses, vítimas de perseguição polí-
arrecadação de impostos as Casas de Contratação, as tica ou religiosa, se fixassem na Nova Inglaterra, como
quais se responsabilizariam pelas cobranças em relação vimos na aula 3.
a todas atividades econômicas das colônias. Os territórios ocupados pelos ingleses constituíam
A indicação dos vice-reis era realizada pelo Conselho uma faixa longitudinal entre o rio São Lourenço, ao nor-
Real e Supremo, sendo que o vice-reino era dividido te, e a península da Flórida, ao sul, indo do litoral até os
em intendências governadas pelos alcaides e como montes Apalaches no sentido leste-oeste. Esse processo,
instância do poder municipal existiam os cabildos, isto que se iniciou timidamente, ainda no final do reinado de
é, as câmaras municipais, também conhecidas como Elisabeth I, deu origem à colonização da América, tendo
ayuntamientos. como referência um empreendimento financeiro que
A administração colonial era controlada diretamen- produzia itens que se revertiam em renda aos europeus,
te por espanhóis enviados pela Coroa (os chapetones), como tabaco, anil, arroz e algodão. Como consequência,
nobres que ocupavam os altos cargos administrativos essas imensas fazendas organizadas no sul tiveram êxito
e assim excluíam os espanhóis nascidos na América (os devido ao clima subtropical. Com o desenvolvimento da
criollos), que representavam a elite branca local, sendo economia, a região foi explorada pelo sistema de planta-
em geral grandes proprietários de terra, comerciantes, tion (grande propriedade, voltada exportação, a qual se
profissionais liberais e intelectuais. concentrava na monocultura e na utilização do trabalho
Controlada por uma minoria branca de origem escravo), onde se formou uma forte aristocracia agrária
ou de ascendência europeia, a sociedade colonial era conhecida como Wasp1, que dominava uma gigantesca
constituída por um grande grupo de mestizos (mestiços massa de escravos.
descendentes de índios e espanhóis em maior escala)
que se ocupavam do pequeno comércio e artesanato; 1. Usada ainda hoje, Wasp é a sigla para white, anglo-saxon and protestant, ou “branca, anglo-saxã
e protestante”.
724-2

CURSINHO DA POLI 17
história geral • aula 5

Resumo da ópera
National Gallery, Londres

Ao observarmos hoje o processo


que explicamos segundo a visão do
capitalismo histórico, podemos compre-
ender como a formulação de uma eco-
nomia em escala global, globalização,
mundialização ou economia-mundo
não são fenômenos tão recentes, mas
sim contribuições de um contexto
bem antigo de quase oito séculos, se
pensarmos sua gênese no período
medieval, e que ao longo do tempo
foi se sofisticando, se modificando e
se adaptando, com protagonistas e
Thomas Gainsborough,1750. Robert Andrews e sua esposa: aristocracia rural. coadjuvantes diferentes.

A colonização acabou constituindo dois núcleos exercícios


distintos dentro do mesmo processo. Ao norte, o clima
temperado, semelhante ao inglês, favoreceu o desen- 1. (UEL)
volvimento da policultura de subsistência com base
no trabalho livre e na pequena propriedade familiar, Mais vale estar na charneca com uma velha carro-
desdobramento das pequenas comunidades funda- ça do que no mar num navio novo.
das pelos refugiados religiosos como, por exemplo, a “Provérbio holandês”. In: P. Sebillot. Legendes, croyances et
fundação de Plymouth, em 1620, resultado da ação de supertitions de la mer. Paris, 1886, p. 73.
um grupo de puritanos que desembarcaram do navio
Mayflower. Ó mar salgado, quanto do teu sal
As levas de colonos foram constantes, e seus São lágrimas de Portugal?
interesses, os mais variados, pois na porção norte Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
da América inglesa também havia holandeses, quantos filhos em vão rezaram!
especialmente junto ao vale do rio Hudson, e suecos Quantas noivas ficaram por casar para que fosses
e alemães, no do Delaware. Em 1681, William Penn [nosso, ó mar!
recebeu de Carlos II um vasto território que foi chamado Fernando Pessoa. Obra poética.
Pennsylvania, onde fundou a cidade de Filadélfia (cujo Rio de Janeiro: Aguillar, 1969, p. 82.
nome significa “cidade do amor fraterno”), organizada
Com base nos textos e nos conhecimentos sobre o
segundo os princípios do pensamento quacker, de
tema da Expansão Marítima dos séculos XV e XVI, é
que Penn era seguidor e divulgador. Assim, no norte,
correto afirmar que as navegações:
constituiu-se uma sociedade liberal, composta por
a) Constituíram uma realização sem precedentes na
comerciantes e industriais baseados em grandes
história da humanidade, uma vez que foram muitos
cidades como Boston, Nova York e a própria Filadélfia. os obstáculos a serem superados nesse processo, tais
As relações entre norte e sul se desenvolveram em como a ameaça que representava o desconhecido
um forte comércio triangular: peles, madeiras e grãos e o fracasso de grande parte das expedições, que
vindos do norte e eram trocados com as Antilhas por desapareceram no mar.
melaço, açúcar e tabaco; o melaço era destilado para b) Propiciaram o fim do monopólio que espanhóis e ita-
produzir o rum, e, assim, rum e tabaco eram levados à lianos mantinham sobre o comércio das especiarias
África, onde eram trocados por escravos que iriam às do Oriente através do domínio do mar Mediterrâneo,
Antilhas ou para as fazendas sulistas da América inglesa. uma vez que foram os franceses e os portugueses, a
Essa ação era conhecida e tolerada pela Coroa, que, de despeito das tentativas holandesas, que realizaram
certa forma, a entendia como algo de menor importân- o périplo africano e encontraram o caminho para as
cia, que não lhe causava prejuízos. Índias.
c) Resultaram na hegemonia franco-britânica sobre
os mares, o que, a longo prazo, permitiu a realização
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18 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 5

da acumulação originária de capital e, através desta, c) A França, devido ao uso de expedições militares,
o financiamento do processo de implantação da controlou o comércio de especiarias no litoral da
indústria naval, o que prolongou esta hegemonia América Portuguesa.
até o final da Primeira Guerra Mundial. d) Portugal, ao assinar o Tratado de Tordesilhas com a
d) Propiciaram o domínio da Holanda sobre os mares, Espanha, buscava garantir a exploração das terras
fazendo com que a colonização das novas terras des- localizadas no Atlântico Sul.
cobertas dependesse da marinha mercante daquele e) A Inglaterra, a partir da chegada de Cristóvão Co-
país para a manutenção das ligações comerciais lombo ao "Novo Mundo", firmou-se como a nação
entre os demais países europeus e suas colônias no hegemônica, nas rotas comerciais entre a América
restante do mundo. Central e a Europa.
e) Representaram o triunfo da ciência e da tecnologia
resultantes das concepções cartesianas e, conse- 2. (UFPR) Observe a imagem do mapa de Waldseemuller
quentemente, a destruição de lendas e mitos sobre o e leia o texto a seguir.
Novo Mundo, uma vez que as expedições revelaram

Martin Waldseemuler,1507
os limites do mundo e propiciaram rapidamente
formas seguras de transposição oceânica.

2. (PUC-SP) A expansão marítima dos séculos XV e XVI


proporcionou a conquista europeia da América e a des-
coberta de novas rotas de navegação para o Extremo
Oriente. A expansão marítima também provocou, ao
longo do tempo,
a) o controle europeu sobre os três oceanos, pois as
caravelas portuguesas e espanholas passaram a
dominar o comércio no Atlântico, no Índico e no
Pacífico. Este mapa é de fundamental significação na
b) a integração de alimentos americanos à dieta euro- história da cartografia. Sintetizou a revolução dos
peia, pois o milho, as batatas, o cacau e o tomate, entre vinte anos precedentes na geografia e ampliou a
outros, passaram a ser consumidos na Europa. imagem contemporânea do mundo, proporcionan-
c) o fim das atividades comerciais no Mar Mediterrâneo do uma visão essencialmente nova do mesmo. […]
e no Mar Adriático, pois as especiarias obtidas no Seu histórico é conhecido indubitavelmente a partir
Oriente só podiam ser transportadas pelos oceanos. do tratado geográfico 'Cosmographiae Introductio'
d) a expansão do protestantismo, pois as vítimas das que acompanhou sua publicação em 1507. […] Este
guerras religiosas aproveitaram a tolerância religiosa mapa tem uma importância histórica única. Nele o
nas colônias portuguesas e espanholas e se transfe- Novo Mundo recebe o nome de América pela primeira
riram para elas. vez. Colombo aparentemente nunca abandonou
e) o início da hegemonia marítima inglesa, pois a frota sua convicção de que as ilhas das Índias Ocidentais
britânica oferecia proteção militar aos navegadores que descobriu eram próximas à costa leste da Ásia.
contra a ação de corsários e piratas que atuavam na Vespúcio, entretanto, descobriu a verdade, ou seja,
região do Caribe. que era um novo mundo. Waldseemuller aceitou esta
visão e propôs – para honrar Vespúcio – conceder seu
nome à nova terra.
Estudo orientado
Peter Whitifield. The Image of the World: 20 Centuries of World
Maps. San Francisco: Pomegranate Artbooks &
exercícios British Library, 1994, p. 48-49.

1. (UFPI) Sobre a Expansão Marítima e Comercial Euro- Com base no mapa, no texto e nos conhecimentos so-
peia (séculos XV e XVI), assinale a alternativa correta. bre a epopeia dos descobrimentos na Época Moderna,
a) A Espanha, em parceria com a França, dominou é correto afirmar:
as rotas comerciais entre a América do Norte e a a) O mapa de Waldseemuller foi elaborado para reforçar
Europa. a concepção bastante difundida durante a Idade
b) A Holanda, já no século XVI, impôs seu domínio ma- Média de que a Terra era plana, contribuindo assim
rítimo e comercial, frente à Inglaterra, na América do para afirmar a tese da impossibilidade de atingir o
Sul. Oriente navegando para o Ocidente.
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CURSINHO DA POLI 19
história geral • aula 5

b) O uso da expressão "descoberta da América", para pelo tema do ouro. O grande motivo de Colombo era
designar o ocorrido em 1492, revela uma construção defender a religião cristã em todas as partes do mundo.
"a posteriori" da historiografia, que assim estabelece Graças às suas viagens, ele esperava obter fundos para
uma representação simbólica da presença europeia financiar uma nova cruzada.
no continente pela primeira vez na Era Moderna. Tzvetan Todorov. “Viajantes e indígenas”. In: Eugenio Garin.
c) Afirmar que Vespúcio foi o responsável pela "desco- O homem renascentista. Lisboa: Editorial
berta do Novo Mundo" significa evidenciar um traço Presença, 1991, p. 233. (adaptado)
da mentalidade greco-romana da Antiguidade, que
prescrevia a experimentação científica como método a) Segundo o texto, quais foram os objetivos da viagem
para obter o conhecimento da verdade das coisas. de Colombo?
d) A verificação empírica da verdade dos "descobrimen- b) O que foram as cruzadas na Idade Média?
tos" possibilitou, ao longo do século XVI, uma nova
epistemologia para as ciências humanas, que passou
a fundar-se no testemunho direto dos acontecimen- roda de leitura
tos como critério para o estabelecimento dos fatos.
e) Pelo relato sobre os "descobrimentos", explicitado texto 1
no texto, fica evidente que havia, no período da
publicação do mapa de Waldseemuller, uma nítida Chegando à grande praça [do México], conta um
separação entre a perspectiva de análise geográfico- companheiro de Cortez, ficamos admirados diante
-cartográfica e a abordagem histórica dos eventos da de imensa multidão e das mercadorias que aí se en-
expansão marítima. contravam, não menos pelo aspecto de ordem e boa
regulamentação que se observa em todas as coisas.
3. (UFRRJ) Leia o texto a seguir e responda ao que se Cada espécie de mercadoria estava separada nos
pede: locais que lhe eram designados. Começamos pelos
comerciantes de ouro, prata, pedras preciosas, penas,
No século XVI, o cronista Lopez de Gomara, panos, bordados e outros produtos. Depois os escravos,
em obra dedicada a Carlos V, nos diz que homens e mulheres, dos quais havia uma tal quanti-
dade à venda que se podia compará-los àqueles que
A maior coisa, desde a criação do mundo, à parte os portugueses levavam da Guiné. A maioria estava
a Encarnação e a morte daquele que o criou, foi a des- ligada pelo pescoço a longas perchas formando co-
coberta das Índias [...] Nação alguma jamais difundiu, leiras, para que não pudessem tentar a fuga. Outros
como a espanhola, seus costumes, sua língua e suas comerciantes lá se encontravam vendendo tecidos
armas, nem foi tão longe pelos caminhos do mar e da ordinários de algodão, assim como diversos trabalhos
terra de armas às costas. de fio torcido; viam-se também comerciantes de cacau
Apud Bernard Vincent. 1492: descoberta ou invasão.
[...] Falemos das fruteiras e das mulheres que vendiam
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 151. alimentos cozidos, tripas, elas tinham também seu
lugar designado.
a) A tomada de Constantinopla em 1453 pode ser Contamos entre nós soldados que percorreram
considerada como um dos motores para a expansão diferentes partes do mundo: Constantinopla, Itália,
marítima ibérica. Explique de que forma esses dois Roma. Afirmavam que nunca tinham visto, em nenhu-
fenômenos podem ser relacionados. ma parte, uma praça tão bem alinhada, tão vasta, or-
b) A expansão marítima ibérica e as conquistas no Ul- denada com tanta arte e ocupada com tanta gente.
tramar produziram transformações tanto na Europa Tendo os espanhóis pedido para ver os ídolos me-
quanto nos mundos conquistados, dentre as quais xicanos, o rei do México, Montezuma, convidou-nos a
o extermínio das populações nativas das Américas entrar numa torre e numa praça em forma de grande
pode ser considerada uma das mais importantes. sala onde se encontrava uma espécie de dois altares.
Mencione duas causas do extermínio dos nativos Em cada altar elevavam-se duas massas como se
americanos pelos espanhóis. fossem gigantes de corpos obesos.
O primeiro, à direita, era Huichilobos, seu deus da
4. (UNICAMP) guerra. Seu rosto era muito largo, os olhos enormes e
espantosos; todo o seu corpo, compreendendo a cabe-
Os motivos que levaram Colombo a empreender a ça, era coberto de pedrarias, ouro, grandes e pequenas
sua viagem evidenciam a complexidade da persona- pérolas que aderiram à divindade por meio de uma
gem. A principal força que o moveu nada tinha de mo- cola feita com raízes farináceas. O corpo era cingido
derna: tratava-se de um projeto religioso, dissimulado
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20 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 5

por grandes serpentes feitas com ouro e pedras precio- 1492 (direção: Ridley Scott, 1992). Uma leitura sobre
sas; numa das mãos segurava um arco e na outra as a expedição de Colombo e suas desventuras, tanto na
flechas [...] De seu pescoço pendiam corações de índios, Corte europeia quanto no Novo Mundo, implicando em
sacrificados hoje mesmo, ali queimavam. Os muros e apresentar as dificuldades da colonização e os ideais de
o assoalho deste oratório estavam, neste momento, um navegador que tinha uma concepção idealizada da
banhados pelo sangue que coagulou e exalava um nova terra e sua gente.
odor repugnante [...], os matadouros de Castela não
exalavam tal fedor.
Hernán Cortez in J. Isaac; A. Alba. História universal: Idade pesquisar e ler
Média. São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 183-184.
Fernand Braudel. A dinâmica do capitalismo. Rio de
texto 2 Janeiro: Rocco, 1987. Em uma abordagem muito clara e
pontual, o historiador francês apresenta um painel sobre
Em nome de Deus, amém. Nós, cujos nomes se as diferentes estruturas do sistema capitalista, tendo
seguem, leais súditos de nosso soberano Jaime, pela como centro a concepção da economia-mundo para
graça de Deus, rei da Grã-Bretanha e da Irlanda, de- compreendermos a dinâmica do capital.
fensor da fé, tendo realizado, para a glória de Deus, a Mary Anne Junqueira. Estados Unidos. São Paulo:
difusão da fé cristã e a honra de nosso rei e de nosso Contexto, 2001. O livro aborda a formação da América
país, uma viagem para estabelecer a primeira colônia inglesa, sua sociedade e organização econômica, apre-
na parte norte da Virgínia pelos presentes, realizamos sentando o painel que se desdobraria nos EUA a partir
solene e mutuamente, diante de Deus e de cada um de da independência em 1776.
nós, uma aliança (covenant) e a constituição de um
corpo civil para nos garantir uma ordem e uma prote-
ção maiores, e a busca dos objetivos precedentemente senha
citados; em virtude dos quais, decretar, redigir e con-
ceber, quando se fizer necessário, justas e igualitárias Eu vos digo que cortaremos a cabeça dele [Carlos I
leis, autorizações, atos, constituições e ofícios, segundo Stuart] com coroa e tudo!
o que parecer melhor responder ao interesse geral da
colônia, à qual prometemos toda a submissão e obedi- Oliver Cromwell, líder do exército do Parlamento, 1649.
ência que lhe são devidas. Dando fé a esse documento,
escrevemos abaixo nossos nomes.
Em Cap. Cod, 11 de novembro do ano do reino de
nosso soberano senhor Jaime, décimo oitavo rei da
Inglaterra e da Irlanda, e quinquagésimo quarto rei
da Escócia. Anno Domini 1620.
Mayflower Compact. In: Revista História Viva, ano II, n. 17, p. 64.

ver e ouvir

Aguirre: a cólera dos deuses (direção: Werner Herzog,


1972). O filme explora o momento do contato entre os
europeus e o Novo Mundo, ambientado na Amazônia pe-
ruana, cuja maior relevância é a exploração dos conflitos
internos da mentalidade europeia, sedenta por riquezas
e ao mesmo tempo, marcada pelas visões míticas sobre
as novas terras.
A missão (direção: Rolland Joffe, 1986). O contexto
da colonização apresentado tanto do ponto de vista
do explorador bandeirante captor de índios quanto da
missão jesuítica, tendo como palco a bacia platina, uma
região tensa pelas disputas fronteiriças e pelos interesses
econômicos das coroas de Portugal e Espanha.
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CURSINHO DA POLI 21
aula 6 Revoluções Inglesas no século XVII
É claro que a monarquia absoluta, considerada As Revoluções Inglesas do século XVII
por alguns como o único governo no mundo, é de fato
incompatível com a sociedade civil e que ela não O Absolutismo na Inglaterra durante o reinado dos
pode mesmo, por consequência, constituir uma forma Tudor (1485-1603) conseguiu coexistir com o Parlamento
de poder civil [...] O grande fim para o qual os homens em virtude de uma relação cordial entre a Coroa e os
entram em sociedade é gozar dos seus bens segmentos comerciais. O apoio fornecido pela Coroa
na paz e segurança. [...] Com efeito, ninguém tem o po- (monopólios, taxas alfandegárias, privilégios etc.) aos
der de impor leis à sociedade sem o seu próprio burgueses fortaleceu a posição da Inglaterra tanto do
consentimento e sem ter recebido ponto de vista econômico quanto político.
dela a investidura No cenário político europeu, os Tudor rivalizavam
John Locke. Segundo tratado sobre o governo,1690. com os Bourbon (na França) e os Habsburgo (na Áus-
tria, Sacro-Império e Espanha). Isso representava uma
intensa luta pela hegemonia europeia mercantilista,
Analisamos na aula anterior a organização do pro- que se desenvolveu na Inglaterra a partir da exploração
cesso de centralização do poder real que deu origem ao da produção têxtil. Outra prática do governo inglês
conceito de Absolutismo, sendo este um desdobramento foi o uso de corsários (piratas contratados pela Coroa
da recuperação do poder político que até então tinha mediante a carta de corso, um documento concedido
sido exercido pelos nobres em seus feudos, mas que, a pelo rei que lhes autorizava o ataque de navios inimi-
partir do século XIV, começou a ser modificado e enfra- gos) para enfraquecer o comércio espanhol e de outros
quecido, uma vez que a centralização em curso conduziu rivais europeus.
a nobreza mais para uma aproximação das cortes e todos Buscando favorecer o crescimento da produção de
seus privilégios do que o exercício do poder de fato lã, uma das medidas adotadas pela Coroa britânica foi a
como tinha ocorrido até aquele momento. política dos enclosures (“cercamentos”,em inglês), ou seja,
Na outra ponta da cadeia, encontramos os diferentes por ordem do governo os proprietários deveriam cercar
setores da burguesia, um grupo que incluía indivíduos suas terras, pagar um imposto e quem não o fizesse teria
de diferentes ocupações profissionais e patrimônios di- as terras confiscadas. Tal política afetou principalmente
versos que, ao largo da centralização, foram amparados os camponeses, porque estes não dispunham de con-
pelas políticas protecionistas exercidas pela intervenção dições financeiras para realizar o cercamento, já que as
do Estado no exercício pleno de seu poder, e ganharam rendas eram pequenas e os impostos, muito altos.
espaço com a proteção ao comércio e a exploração dos Nesse período, a lã tinha se tornado uma fonte pre-
monopólios. ciosa de renda para o Reino, situação que favoreceu a
A questão do poder absoluto, que tanto favoreceu os implantação de políticas que abrissem cada vez mais
burgueses na formação do Estado nacional, se transfor- espaço para a concentração de terras nas mãos dos gran-
mou justamente em um espinho desagradável que esta- des criadores de ovinos, que por sua vez, substituíram a
va na garganta do “corpo burguês”,pois o poder exercido agricultura pela criação extensiva de carneiros.
pelo soberano era tão intenso que representava também As terras confiscadas pela Coroa foram vendidas aos
os confiscos de bens, as prisões arbitrárias e o aumento criadores de carneiro, gerando a expulsão dos campo-
de impostos sempre que o cofre real precisasse e uma neses, que perderam suas terras (e consequentemente
ausência de liberdade que não agradava mais àqueles seu trabalho). Na sua grande maioria, migraram para as
que tinham enriquecido tanto a Coroa, bem como a si cidades e passaram a habitar os subúrbios, criando assim
próprios, sendo assim o apreço pela liberdade foi se uma massa de desocupados, que foi muito reprimida
tornando crescente, tanto do ponto de vista econômico, pelas “leis contra a pobreza e mendicância”, as quais
quanto político. aplicavam punições que variavam entre castigos físicos
Ser apenas uma engrenagem da grande máquina ou detenção àqueles que estivessem pedindo esmolas
que compunha o Estado não era mais interessante, por- nas ruas ou não tivessem um emprego. Parte desses
que a ambição de participar ativamente das decisões indivíduos, chamados redemptioners, começou a ser
do governo, exercendo sua influência para os assuntos enviada às colônias da América no intuito de cumprirem
de seu interesse, tornou-se a maior ambição, mas esta um período de servidão que variava entre 5 a 7 anos.
esbarrava nos limites impostos pela monarquia abso- Depois desse tempo de serviço, eles poderiam sair da
luta. Foi nesse momento que os diferentes pensadores propriedade onde trabalhavam e ter outras ocupações
dos séculos XVII e XVIII começaram a conceber um em outros lugares ou poderiam ficar na mesma proprie-
modelo de sociedade que questionava a então “natural dade, tornando-se então assalariados.
desigualdade entre os homens”, bem como o poder A intensificação da economia inglesa não ocorreu
absoluto dos reis. apenas em decorrência do mercantilismo, pois a bur-
724-2

22 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 6

guesia havia crescido bastante e a Coroa não tinha como radical contra o Absolutismo, propondo um regime
atender a todos com monopólios e privilégios. Dessa republicano; e os presbiterianos representavam a alta
forma, a atividade comercial estava limitada, seja pela burguesia, tendo uma postura moderada, pois defen-
Coroa ou pela vigência de leis das corporações de ofício, diam uma monarquia parlamentar.
que ainda controlavam a produção de manufaturados O Parlamento era composto por duas Câmaras:
dentro das cidades. a Câmara dos Lordes temporais (laicos) e espirituais
No seio dessa burguesia que não conseguiu o apoio (alto clero), representada pela nobreza, e a Câmara dos
régio e nem pôde montar seus negócios nas cidades Comuns, cujos representantes eram escolhidos pela
surgiu uma alternativa: a indústria doméstica, isto é, burguesia em geral.
buscou-se utilizar o trabalho de camponeses, entregan- Ao assumir o trono, Jaime I promoveu uma intensa
do-lhes a matéria-prima e posteriormente recolhendo perseguição aos católicos e puritanos visando fortalecer
a produção realizada na própria casa do trabalhador. a Igreja Anglicana e o regime absolutista. Como resulta-
O mercantilismo, apesar de ter favorecido a burgue- do dessas perseguições, muitos puritanos foram para as
sia, apresentava uma face contraditória, pois promoveu colônias inglesas da América. Outra medida tomada foi o
o fortalecimento do Estado, embora não garantisse os aumento de impostos e a criação de novas taxas, ferindo
mesmos benefícios a todos. Assim, identificava-se a diretamente a Magna Carta de 1215. Ao ser contestado
necessidade de buscar uma nova doutrina econômica pelo Parlamento, Jaime I o dissolveu em 1614, e este só
que desse mais mobilidade aos burgueses. foi convocado novamente em 1621.
Ao pensar num novo modelo econômico acabava-se Jaime I não via com bons olhos as restrições que o
por pensar em outro regime que pudesse atender mais Parlamento lhe impunha, já que, enquanto foi somente o
de perto os interesses da burguesia; surgia, portanto, a rei da Escócia, não havia encontrado qualquer limitação
ideia de um regime liberal, o que representava a negação em suas ações de monarca. A postura arrogante, vaidosa
do próprio Absolutismo. e a ausência de uma visão política mais ampla que agra-
dasse seus adversários contrastavam com a formação
erudita que recebeu na juventude, fato que lhe valeu,
Religião e poder sob os Stuart segundo o rei Henrique IV da França, a denominação de
“o imbecil mais sábio de toda a Cristandade!”
A Inglaterra tinha rompido com a Igreja Católica Em 1625, Jaime I morreu e o trono passou para seu
desde 1534 com o Ato de Supremacia de Henrique VIII, filho, Carlos I, que inicialmente procurou não tomar
quando foi criada a Igreja Anglicana (cujo líder era o medidas polêmicas em seu reinado. Contudo, essa de-
monarca inglês, independente do papado). cisão não foi muito duradoura, pois voltou a entrar em
Com a morte de Elisabeth I em 1603, a Coroa passou choque com o Parlamento devido às divergências sobre
para seu primo Jaime I, rei da Escócia, que passou a ser o controle das questões tributárias.
também o rei da Inglaterra e Irlanda. Isso abriu caminho A tensão tornou-se maior em 1628, quando o Parla-
para a formação do Reino Unido da Grã-Bretanha por mento exigiu do rei o juramento da Petição de Direitos
meio da unificação dos sistemas legislativos e jurídicos (a primeira versão do Bill of Rights), a qual reafirmava
da Escócia e da Inglaterra com o Ato de União de 1707. o conteúdo da Magna Carta (o Rei estava obrigado a
O País de Gales já se encontrava unido à Inglaterra convocar o Parlamento para aumentar os impostos e
pelo Ato de União de 1536 assinado por Henrique VIII. mobilizar o exército). Numa ação engenhosa, Carlos I ju-
A Irlanda só faria parte dessa União efetivamente em rou a Petição e a assinou, recebendo como contrapartida
1800, separando-se posteriormente em 1921, com a a aprovação para os impostos que havia criado e assim,
proclamação da República da Irlanda. traiu o Parlamento, aproveitando-se para fechá-lo nova-
O anglicanismo era a religião oficial do Estado im- mente, uma vez que obtivera deste tudo que desejava.
plantada pelos Tudor no século XVI, porém continuavam O Parlamento permaneceu em silêncio por 11 anos
no reino grupos de católicos, puritanos e presbiterianos, e foi reaberto com o intuito de auxiliar na resolução da
que compunham setores distintos da sociedade inglesa crise com os escoceses, pois Carlos I queria ampliar o
e representavam, portanto, interesses diferentes. anglicanismo na Escócia e enfraquecer a igreja Presbite-
O anglicanismo foi adotado pela maior parte da riana. Como consequência desse ato, os escoceses não
nobreza, do clero e dos grandes burgueses; os cató- receberam bem a notícia e decidiram invadir o norte
licos, em geral, eram membros da nobreza que ainda da Inglaterra.
possuíam alguns privilégios feudais, posicionando-se Convocado às pressas em virtude da crise que se alas-
a favor do Absolutismo, assim tinham interesse na ma- trava no norte do reino, Carlos I não conseguiu o apoio
nutenção desse sistema de governo; os puritanos eram desejado do Parlamento, porque a instituição estava
provenientes da nova burguesia e tinham uma postura incomodada com a condição de mero “órgão consul-
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CURSINHO DA POLI 23
história geral • aula 6

tivo” que o rei estava da burguesia puritana e presbiteriana sob a liderança


Coleção de Earl of Pembroke, Wilton House, Wilts

lhe relegando. O ob- do puritano Oliver Cromwell.


jetivo maior não era O exército de Carlos I tinha o controle do noroeste
garantir a supremacia do reino, enquanto o Parlamento dominava o sudeste,
de Carlos I, mas sim incluindo Londres. Cromwell marchou com seu exército
reduzir os poderes do contra as posições monarquistas no noroeste e venceu
rei, que desamparado a batalha de Marston Moor em 1643, fato que obrigou
pela postura dos par- a rendição da cidade de York, ponto estratégico para o
lamentares, resolveu controle militar da região.
dissolver o Parlamen- Em 1644, Carlos I foi derrotado na batalha de Naseby
to novamente. (região central da Inglaterra), perdendo o melhor de
A nova convoca- suas tropas e toda sua documentação particular, a qual
ção do Parlamento revelava uma série de acordos secretos com os católicos
Carlos I Stuart. Anthony Van Dick, ocorreu somente em irlandeses na tentativa de manter-se à frente do reino.
1649. 1640. O rei ainda con- A guerra teve sua primeira etapa encerrada com a
tinuava com os mes- rendição de Carlos I, em maio de 1646, resultando na
mos objetivos (mais impostos, mais exércitos e mais sua prisão. Com isso, Oliver Cromwell passou a ter o
poder), enquanto os parlamentares também não haviam pleno controle do Parlamento. No entanto, questões de
mudado de ideia, pois defendiam a liberdade em aprovar natureza mais prática, como o atraso do pagamento dos
ou não as petições reais, seguindo portanto, as diretri- soldados, favoreceram um clima de insatisfação entre a
zes da Magna Carta. A tensão se acirrou e Carlos I, que tropa vencedora. Esse fato não deixou de ser explorado
não estava satisfeito com a postura dos parlamentares, por Carlos I, o qual conseguiu que lhe facilitassem a fuga
resolveu dissolver o Parlamento mais uma vez, dando para em seguida articular um acordo com os escoceses,
início à Guerra Civil Inglesa, ou Revolução Puritana, já acenando com a proposta do reconhecimento da Igreja
que os parlamentares haviam cansado de ser um simples Presbiteriana como religião oficial.
brinquedo nas mãos do rei. A aliança de Carlos I com os escoceses detonou a
segunda etapa da guerra. Cromwell encabeçou um mo-
vimento de invasão à Escócia e uma nova perseguição ao
A Revolução Puritana rei, que foi derrotado e aprisionado. Cromwell expulsou
todos os presbiterianos do Parlamento e em seguida
As divergências gritantes entre o rei e o Parlamento conseguiu a aprovação da extinção da monarquia e da
fizeram com que a Inglaterra mergulhasse em um pe- Câmara dos Lordes, tornando o governo da Inglaterra
ríodo de guerra civil entre 1642 e 1649, opondo de um uma república sob o controle do Parlamento.
lado o “Exército dos Cavaleiros”, formado pelo rei e as A vitória de Cromwell implicou no julgamento do rei
nobrezas anglicana e católica, e de outro o “Exército dos pelo Parlamento sob a acusação de traição. Carlos I foi
Cabeças Redondas”, formado pelo Parlamento através então condenado e executado pelos puritanos, o que
Guerra entre a Coroa e o Parlamento (1642-1643)
Meridiano de Greenwich

Meridiano de Greenwich

1643 1645-1648

Mar Mar
ESCÓCIA ESCÓCIA
OCEANO do OCEANO do
Edimburgo Norte Edimburgo Norte
ATLÂNTICO ATLÂNTICO

“Covenant Newcastle Newcastle


with God”
1638 York York
Massacre do Maston Moor Hull
Ulster 1641 Preston Hull
1648
Chester Newark IRLANDA Chester Newark
IRLANDA
N Naseby
GALES Lichfield Worcester 1645
Edgehill GALES Oxford
Gloucester Londres Monarquistas Gloucester Londres
O L Pembroke Oxford (”cavaleiros”)
Landsdown Pembroke
Winchester Parlamentaristas Lyme Winchester
(”cabecas redondas”) Poole
S Lyme Poole Plymouth
160 Corte Castle
0 Plymouth Canal da Mancha Insurreições Canal da Mancha 50ºN
0º Batalhas
10ºO km 10ºO 0º
fonte: Hilário Franco Jr. e Ruy de O. Andrade Filho. Atlas de História Geral. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2002.
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24 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 6

gia o transporte de mercadorias inglesas ou destinadas à


Gravura, 29,2 x 26 cm. National Portrait Gallery, Londres

Inglaterra somente aos navios ingleses. Seu objetivo foi


enfraquecer o controle holandês do comércio marítimo,
o que gerou um conflito entre os dois países. A guerra foi
vencida pelos ingleses em 1654, tornando a Inglaterra
conhecida como a “rainha dos mares”.
Cromwell morreu em

National Portrait Gallery, Londres


1658, encerrando um longo
período ditatorial sob sua tu-
tela com o apoio do exército
e de alguns segmentos da
burguesia, especialmente os
puritanos. Richard Cromwell
tentou assumir o lugar dei-
xado pelo pai, mas tensões
internas provocadas pelo seu
autoritarismo e inaptidão po-
lítica favoreceram sua queda Oliver Cromwell: o Lorde Protetor
e a reabertura do Parlamento, da Inglaterra.
A Execução do Rei Carlos I. Artista desconhecido, c. 1649.
culminando com a restauração da monarquia em 1660,
quando assumiu o trono o filho de Carlos I, Carlos II Stuart,
levou à implantação de um regime republicano que iniciando o período da Restauração Stuart (1660-1689).
contou com uma certa abertura até 1653. A partir daí,
transformou-se em um governo ditatorial liderado por
Cromwell na condição de “Lorde Protetor da Inglaterra”

National Portrait Gallery, Londres


e auxiliado pelo Conselho de Estado.
Logo após sua vitória, uma revolta católica defen-
National Portrait Gallery, Londres

dendo o Absolutismo eclodiu na Irlanda, obrigando


Cromwell a esmagá-la com um grande massacre e a
expulsar os revoltosos de suas terras, entregando-as aos
puritanos. Eis as palavras de Cromwell:
“Proibi que poupassem aqueles que estavam arma-
dos na praça. Mais ou menos dois mil homens foram
passados a fio de espada nessa noite. Todos os padres
e monges foram mortos indistintamente [...] Estou per-
suadido de que é um justo castigo de Deus contra esses
bárbaros que molharam a mão em tanto sangue inocen-
Carlos II
te. Isso evitará, acredito, o derramamento de sangue no
futuro. São motivos para tais ações que, de todo modo,
Jaime II
só poderiam inspirar remorso e arrependimento.”
Essa guerra foi responsável pela origem do conflito
na Irlanda do Norte, pois Cromwell pensava que tinha A Revolução Gloriosa
resolvido um “pequeno problema”, mas acabou criando
outro que se agravou posteriormente com os conflitos O processo de restauração da dinastia Stuart ocor-
entre católicos e protestantes no século XX1. reu após o afastamento de Richard Cromwell, em 1660,
A medida mais importante de Cromwell foi o decreto quando o Parlamento foi então reaberto e a monarquia
dos Atos de Navegação de 1650, documento que restrin- novamente restabelecida com a coroação de Carlos II e
o compromisso deste para com o respeito às leis e ao
1. Especialmente no século XX, com a separação da Irlanda em 1921, formando a República da
Parlamento, buscando a recuperação de um ambiente
Irlanda e a articulação de um movimento armado antibritânico encabeçado pelo IRA (Irish harmonioso e de mútuo respeito entre a Coroa e o
Republican Army, o Exército Republicano Irlandês), cujo objetivo durante várias décadas foi a
incorporação da Irlanda do Norte à República da Irlanda. Apesar de toda tensão gerada por Parlamento.
ações militares e atentados às autoridades britânicas, a integração não ocorreu, mas em 1998
começou a ser traçado um plano de paz (Acordo de Belfast), ampliado em 2005, que implicava
Nesse contexto, os laços de Portugal e da Inglaterra se
na deposição das armas por ambos os lados (IRA e milícias inglesas) para que fosse organizado estreitaram com o casamento de Carlos II com a princesa
um Parlamento na Irlanda do Norte, tendo representação de católicos e protestantes e dotado
de ampla autonomia. Hoje o Sinn Féin (Partido Republicano Irlandês) é reconhecido como um Catarina de Bragança (1638-1705) em 1662, que trouxe
grupo político legítimo e seu líder, Garry Adams, um dos principais articuladores do processo
de paz pelo lado dos irlandeses.
como dote a quantia de dois milhões de cruzados (pagos
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CURSINHO DA POLI 25
história geral • aula 6

em moedas de ouro) e o controle de dois portos estraté- narquia parlamentar, cujo poder estaria no Parlamento
gicos: Tanger (norte da África) e Bombaim (litoral oeste (exercido pelo primeiro-ministro como chefe de gover-
da Índia). Em contrapartida, os ingleses dariam apoio no), e o rei seria o chefe de Estado (apenas representante
militar a Portugal, especialmente depois da ruptura da da nação).
União Ibérica em 1640 e a restauração da monarquia lusa Dessa forma, “o Rei reina e o Parlamento governa”, e
sob a liderança de D. João IV de Bragança. Eis o início da nesse contexto, a burguesia inglesa obteve o controle
longa amizade e dependência de Portugal para com a sobre o governo, podendo defender seus interesses fi-
Inglaterra. nanceiros com o estabelecimento de um sistema político
Carlos II inicialmente tomou medidas moderadas, e econômico liberal e rompendo as amarras do binômio
mas como havia iniciado um processo de aproximação absolutismo-mercantilismo, substituindo-o por outro
com a França, levantou a desconfiança da burguesia e lema: liberalismo político e econômico, uma das bases
da nobreza anglicana (esta última temerosa por uma in- para a Revolução Industrial do século XVIII.
fluência católica oriunda da França que poderia motivar
a perda de seus privilégios).
As turbulências do reinado de Carlos II foram muitas Resumo da ópera
e de naturezas distintas, como uma epidemia de peste
negra que matou cerca de 12 mil pessoas em 1665, ou Nesta aula apresentamos o processo de transfor-
ainda um incêndio em 1666, que destruiu grande parte mação da monarquia absoluta inglesa em um sistema
da cidade de Londres, matando mais alguns milhares parlamentar, em que foi preservada a figura do rei, mas
de pessoas e provocando um grande prejuízo, cuja com poderes esvaziados, já que a chefia do governo
recuperação foi encabeçada pelo arquiteto inglês Sir passou a ser exercida pelo primeiro-ministro, enquanto o
Christopher Wren (1632-1723). soberano teria uma função de caráter mais diplomático,
A crise se agravou em 1679 pela criação do Ato representando a nação, como chefe de Estado.
de Exclusão, que proibia a participação de católicos Esse processo foi marcado por duas revoluções
em cargos de governo. No mesmo período também (a Puritana e a Gloriosa) e favoreceu a hegemonia do
foi votado pelo Parlamento o Habeas Corpus, um pensamento liberal e das novas formas de organização
mecanismo legal de proteção contra prisões arbitrárias. da sociedade, fator que no continente foi bem distinto,
A relação entre o Parlamento e a monarquia continuou a se pensarmos que os desdobramentos só se deram no
se deteriorar e isso motivou a dissolução do Parlamento século XVIII, conhecido como século das Luzes, tema que
por Carlos II em 1683. estudaremos na aula seguinte.
Em 1685 morreu Carlos II e seu irmão Jaime II assumiu
a Coroa. Mas a crise não foi superada, pois o novo rei era
católico praticante e defendia o Absolutismo por direito exercícios
divino, fato que implicava no retorno do catolicismo
como religião oficial, bem como o enfraquecimento 1. (UFRGS) Ao longo da Revolução Inglesa, ocorrida
ou extinção do Parlamento, um grave temor para a no século XVII, emergiu um regime republicano, que
burguesia e a nobreza. durou cerca de uma década, sob o comando de Oliver
Em 1688, com o nascimento de um herdeiro homem, Cromwell, o "Lord Protector" da Inglaterra.
filho de sua segunda esposa (também católica), criou-se Sobre esse período republicano, é correto afirmar que
um clima de tensão ainda maior, que motivou os parla- a) a Inglaterra, enfraquecida pela transição de regime,
mentares a articularem um golpe político: propuseram ficou à mercê das demais potências europeias, às
ao príncipe protestante holandês Guilherme de Orange quais foi obrigada a conceder uma série de vantagens
(que era casado com a princesa protestante Maria, filha comerciais.
mais velha de Jaime II) que assumisse a Coroa inglesa, b) Cromwell, no intuito de proteger a economia interna,
mantendo a religião anglicana e dando ao Parlamento elaborou diversas restrições comerciais que o colo-
a liberdade de ação. caram em conflito direto com os holandeses.
Guilherme aceitou a proposta e desembarcou suas c) a morosidade com que Cromwell implantou sua
tropas na Inglaterra, e a reação de Jaime II foi fugir para política econômica contribuiu para a curta duração
a França sem oferecer resistência. Então Guilherme de de seu governo.
Orange, por meio de um golpe incruento (sem derra- d) ele teve como particularidade o retrocesso do purita-
mamento de sangue), promoveu a Revolução Gloriosa nismo religioso, característica marcante nos tempos
e assumiu o trono inglês como Guilherme III, ao lado de do monarca Carlos I.
Maria II. Em 1689 assinou o Bill of Rights, a Declaração e) ele representou uma fase de distensão entre a Ingla-
de Direitos pela qual se implantou na Inglaterra a mo- terra e as oposições irlandesas e escocesas.
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26 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 6

2. (UECE) Sobre as Revoluções Burguesas, são feitas as do monarca e do Parlamento. Sobre a importância
seguintes afirmações: e os significados do "Bill of Rights", assinale a única
I. Consolidam o liberalismo e marcam mudanças nas afirmativa correta.
estruturas econômicas, políticas e sociais de suas a) Houve o fortalecimento das atribuições do Parlamen-
respectivas sociedades. to frente ao poder decisório do monarca, instauran-
II. Têm como base a defesa do Antigo Regime e iniciam do um conjunto de leis que regulavam, inclusive, a
a transição do feudalismo para o capitalismo. atuação do soberano.
III. Seus exemplos mais expressivos são: Revolução b) Houve a deposição de Guilherme III, sob a acusação
Inglesa (1644), Revolução Americana (1776) e Revo- de ter elevado impostos sem o consentimento pré-
lução Francesa (1789). vio do Parlamento, como era previsto pelo "Bill of
Assinale o correto. Rights".
a) Apenas as afirmações I e II são verdadeiras. c) Instituiu-se a tolerância religiosa, estabelecendo se-
b) Apenas as afirmações I e III são falsas. veras punições para qualquer tipo de discriminação
c) Apenas as afirmações II e III são falsas. ou perseguição, em especial com relação aos que
d) Apenas as afirmações I e III são verdadeiras. professassem a religião católica.
d) Houve a ascensão política da burguesia comercial,
destituindo progressivamente dos cargos minis-
Estudo orientado teriais os representantes dos "landlords" e demais
grupos aristocráticos.
exercícios e) Instituiu-se o direito de propriedade e, de forma
complementar, promulgaram-se leis que garantiram
1. (UFES) O texto faz referência a dois fatores que estão a defesa do trabalho livre e dos pequenos proprie-
na base da Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra: tários frente a ameaças tais como a servidão por
"energia" e "trabalho". Sobre a Revolução Industrial, é dívidas.
correto afirmar que
a) o vapor e o carvão foram as fontes de energia que 3. (UFRRJ) Leia o texto a seguir:
impulsionaram a passagem da manufatura para a
"maquinofatura", isto é, a Revolução Industrial do Durante o primeiro século da era colonial, Espanha
século XVII. e Portugal dominaram o novo mundo, pois a França
b) as transformações sociais, políticas e econômicas, tais e a Inglaterra eram demasiado fracas e se achavam
como o fortalecimento da burguesia, os "enclousu- excessivamente divididas por disputas intestinas, e
res" e o desenvolvimento das comunicações, além não poderiam fazer mais do que enviar expedições
da novas máquinas movidas a força hidráulica e a exploratórias que estabeleceram os seus direitos sobre
força eólica, constituíram os elementos básicos da as terras que elas haveriam de colonizar durante o
Revolução Industrial. século XVIII.
c) o vapor e os derivados do petróleo foram as fontes Merrill Jensen. ”A fase colonial”. In: C.Vann Woodward.
de energia que impulsionaram a passagem da ma- Ensaios comparativos sobre a História Americana.
São Paulo: Cultrix, 1972, p. 30.
nufatura para a "maquinofatura", isto é, a Revolução
Industrial ocorrida na Inglaterra do século XVIII.
O texto faz referência a disputas intestinas da Ingla-
d) a Revolução Gloriosa do século XVII, com suas trans-
terra que teriam retardado o seu empreendimento
formações sociais, políticas e econômicas, estabele-
expansionista e sobre o início de seu processo de
ceu as pré-condições para que ocorresse a Revolução
conquistas de colônias. A este respeito, responda as
Industrial no século XVIII.
questões a seguir.
e) a Revolução Industrial e a Revolução Gloriosa
a) Mencione pelo menos um processo político que
são fenômenos tecnológicos, sociais, políticos e
pode ser caracterizado como gerador de situações
econômicos que ocorreram simultaneamente no
de crise interna na Inglaterra.
século XVIII, estabelecendo as bases do capitalismo
b) A colonização por ingleses ao norte do continente
ocidental.
americano gerou um tipo de sociedade colonial
particular que, em vários aspectos, se diferencia
2. (PUC-RJ) Em 1688-1689, a sociedade inglesa viven-
das experiências coloniais estabelecidas ao sul. Cite
ciou o episódio então denominado de Revolução Glo-
duas características das chamadas "colônias de
riosa. Entre suas características, destaca-se a promul-
povoamento" que as diferenciam das "colônias de
gação do "Bill of Rights", uma espécie de declaração
exploração".
de direitos que passava a regulamentar os poderes
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CURSINHO DA POLI 27
história geral • aula 6

4. (UFRJ) A Europa da passagem do século XVII para o dinação ou sujeição; a menos que o senhor de todas
XVIII constituía um mundo fundamentalmente rural, elas, mediante qualquer declaração manifesta de sua
mas que estava longe de poder ser considerado está- vontade, colocasse uma acima de outra, conferindo-
tico. Prova disto é que suas sociedades apresentavam -lhe, por indicação evidente e clara, direito indubitável
importantes diferenças econômicas e sociais. ao domínio e à soberania.
Cite duas diferenças entre as realidades rurais da In- John Locke. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo:
glaterra e da França desta época no tocante ao regime Editora Abril, 1978, p. 35, cap. II.
de propriedade da terra.

pesquisar e ler
roda de leitura
José Jobson de Andrade Arruda. A Revolução Inglesa.
texto 1 São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Tudo é História.)
O texto traz uma boa síntese sobre o contexto das ten-
Deste modo e com tão poucos incômodos, este sões políticas e religiosas da Inglaterra do século XVII,
homem extraordinário [...] sem assistência e contra apresentando os desdobramentos que conduziram à
o desejo de todas as pessoas nobres ou homens de deposição do Absolutismo inglês por meio da Revolu-
qualidade, ou de três que, no início dos conflitos, pos- ção Puritana e depois sua conclusão com a Revolução
suíam terras que lhes rendiam 300 libras por ano, subiu Gloriosa.
ao trono de três reinos sem usar o nome de rei, mas
Modesto Florenzano. As revoluções burguesas.
com poder e autoridade maiores do que aqueles que
São Paulo: Brasilense, 1981. (Coleção Tudo é História.)
qualquer rei jamais exerceu ou reivindicou.
O livro faz uma análise sobre as grandes revoluções da
Primeiro conde de Claredon. História da rebelião, Modernidade (Revolução Puritana e Gloriosa na Ingla-
parte V, p. 287-288.
terra do século XVII e a Revolução Francesa em 1789),
apresentando o contexto político e socioeconômico e
Interroguemos as nações sobre este assunto e suas relações com o processo revolucionário.
elas prestarão testemunho. Com efeito, as benesses
do Senhor recaem sobre nós como se Ele dissesse:
Inglaterra, és minha primogênita, minha alegria en- ver e ouvir
tre as nações, e sob este céu que nos cobre o Senhor
jamais deu esse tratamento a nenhum dos povos O outro lado da nobreza (direção: Michael Hoffman,
que nos rodeiam. 1995). Ambientado na Restauração Stuart, durante o
Declaração de Oliver Cromwell, Lorde Protetor, 23 de maio de reinado de Carlos II, o filme mostra a rápida ascensão de
1654. In: Christopher Hill. O eleito de Deus: Oliver Cromwell um jovem médico dentro do séquito real, que em um
e a Revolução Inglesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001, p. 131.
primeiro momento estava deslumbrado com a Corte,
mas depois tenta ser mais médico do que exclusiva-
texto 2 mente um cortesão.
A rainha (direção: Stephen Frears, 2006). Ambientado
Para bem compreender o poder político e derivá-lo no contexto da morte da princesa Diana em 1997, o filme
de sua origem, devemos considerar em que estado to- apresenta a ascensão política do líder trabalhista Tony
dos os homens se achavam naturalmente, sendo este Blair e sua relação com a rainha Elisabeth II, ao exercer
um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as a função de primeiro-ministro, e na medida do possível,
ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme colaborar para a manutenção da imagem já tão ques-
acharem conveniente, dentro dos limites da lei da na- tionada da monarquia inglesa.
tureza, sem pedir permissão ou depender da vontade
de qualquer outro homem.
Estado também de igualdade, no qual é recíproco navegar
qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais do
que qualquer outro; nada havendo de mais evidente Tratamos nesta aula sobre a queda do Absolutismo
que as criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, inglês e o surgimento da monarquia constitucional, um
nascidas promiscuamente a todas as mesmas vanta- processo que também atingiu outros países europeus,
gens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, cada um num dado momento histórico e preservando a
terão também de ser iguais umas às outras sem subor- figura do rei, mas sem a concentração de poder.
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28 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 6

Indicamos os sites das Casas Reais do Reino Unido da


Grã-Bretanha e do Reino de Espanha, os quais oferecem
várias informações sobre o histórico e as atuais ativida-
des dos monarcas reinantes nesses países.
Casa de Windsor: www.royal.gov.uk
Casa Real da Espanha: www.casareal.es

passear

Na atual organização do sistema político brasileiro,


somos uma república federativa presidencialista, cuja
Constituição, promulgada em 1988, aponta a divisão e
equilíbrio entre os três poderes: Executivo, Legislativo
e Judiciário.
Uma sugestão de passeio é visitar a sede de cada
um dos poderes e se possível acompanhar uma parte
de seus trabalhos, que em grande parte são abertos ao
público, afinal, os políticos ali presentes são represen-
tantes de todos os cidadãos.
Informe-se sobre as visitas monitoradas e sessões de
votação na sua cidade, pois assim você poderá sair da
discussão teórica e vivenciar na prática o exercício da ati-
vidade política: não podemos deixar só na fala de muitos
políticos a expressão“Casa do Povo”,quando estão falando
da Câmara, da Assembleia estadual ou do Congresso.
Temos de fazer desses espaços o nosso espaço!

ágora

O pensamento liberal se desenvolveu no século XVII


e se transformou numa visão de mundo cada vez mais
comum, implicando na defesa ferrenha das liberdades,
da igualdade civil e da propriedade privada. Passados
três séculos, ainda vemos a sua presença na nossa so-
ciedade. No entanto, estes valores não são universais,
cabendo o questionamento: é possível atingir uma
sociedade mais igualitária e justa, mesmo mantendo,
os valores liberais?

senha

Posso não concordar com uma só palavra do que


disseres, mas me baterei a vida toda pelo direito que
tens de dizê-las.
Voltaire (1694-1778).
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CURSINHO DA POLI 29
aula 7 O Iluminismo
Se indagarmos em que consiste precisamente o palmente quanto à concepção mecanicista do universo,
maior bem de todos, que deve ser o fim de todo siste- pois o entendia como uma máquina concebida por Deus,
ma de legislação, achar-se-á que se reduz a estes dois mas regida por leis próprias independentes da vontade
objetivos principais: liberdade e igualdade. A liberdade, divina. Newton foi responsável pelos estudos sobre a
porque toda a dependência particular é outro tanto de gravidade e formulou as leis sobre a interação de forças
força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a entre os corpos.
liberdade não pode existir sem ela. Na política, o liberalismo teve como seu propulsor
Jean-Jacques Rousseau. Do contrato social. o pensamento do teórico e filósofo inglês John Locke
(1632-1704), que defendia os chamados direitos na-
turais: propriedade privada, liberdade e resistência às
As transformações ocorridas na Europa desde o fim tiranias, cuja base era um governo regido pela Cons-
da Idade Média motivaram o aparecimento de novas tituição; um instrumento de controle entre o governo
estruturas sociais e políticas, principalmente com o e seus subordinados. Para Locke, o conhecimento era
fortalecimento do capitalismo comercial e a nova con- construído a partir da percepção sensorial, valorizando,
figuração do pensamento burguês. Os elementos dessa portanto, o empirismo (a experimentação é a prática
nova forma de pensar começaram a surgir no contexto mais importante).
do Renascimento e da Reforma, tornando-se vinculados O pensamento liberal político do século XVII não
ao liberalismo (político e econômico). Os resultados des- ficou isolado, pois preservou um vínculo entre os anseios
se processo seriam catalisados nos séculos XVII e XVIII, e desejos daquele contexto com o próprio intercâmbio
e se transformariam no que se denominou Ilustração ou de ideias entre os pensadores de vários países. Portanto,
Iluminismo, cujas ideias eram antiabsolutistas, antimer- o século das Luzes, como ficou conhecido o século XVIII,
cantilistas e anticlericais. tinha suas raízes no racionalismo debatido no século XVII
Durante o século XVII observou-se o fortalecimento e este, por sua vez, estava conectado ao pensamento
do poder real e da Igreja Católica, que por meio da renascentista.
Contrarreforma em todo o mundo católico (valendo- Entre os autores do século XVIII, destacamos Jean-
-se da Inquisição e da Companhia de Jesus), formou o -Jacques Rousseau (1712-1778): seu pensamento estava
ambiente ideal para o surgimento do Barroco, a síntese mais vinculado às camadas

Musée d'Art et d'Histoire, Geneva, Suíça


cultural de um período marcado pela luta entre a fé e populares. Ao contrário de
a razão. outros iluministas, Rousseau
Nesse período, as bases do criticou não só a valorização
da propriedade privada, mas
Museu do Louvre, Paris

racionalismo foram lançadas


através dos estudos teóricos também a exacerbada im-
de filosofia, ciências matemá- portância da razão. Uma de
ticas e pensamento político, os suas principais obras foi Do
quais contestavam ou conde- contrato social, cujo conte-
navam a ordem absolutista e a údo defendia uma relação
concepção de mundo católica. contratual entre governo e Jean Jacques Rousseau
Destacaram-se como princi- governados (o poder é do
pais teóricos desse período povo e entregue por este ao governo) em prol do bem
René Descartes, Isaac Newton comum, e quando esta fosse rompida pela tirania, era
René Descartes
e John Locke. justo o direito de revolta. Esse pensador tinha uma visão
O pensamento de Descartes (1596-1650) tinha naturalista, pois entendia a Natureza como bem primor-
por tese que o conhecimento era somente oriundo dial, e os homens seriam todos bons em sua essência,
da razão e sua extensão era finita, pois entendia que porém eram corrompidos pela sociedade.
a concepção do universo era algo mecânico e men- De acordo com a concepção do funcionamento
surável. Descartes teve como uma de suas principais dos governos, encontramos o nobre Charles Secon-
obras o livro O discurso sobre o método e entendia que dad, barão de Montesquieu (1689-1755), cuja principal
o conhecimento se formava por meio da dúvida sis- obra foi O espírito das leis, escrita em 1748. Segundo a
temática, pois buscava chegar a um axioma (verdade obra, Montesquieu defendia a divisão do poder, que na
inquestionável que dispensa provação), como a célebre época encontrava-se concentrado na pessoa do rei e a
frase: “Penso, logo existo”. separação do poder em três instâncias: o Executivo, o
O físico inglês Isaac Newton (1642-1727) continuou Legislativo e o Judiciário. A ação dos poderes deveria ser
a desenvolver as teses propostas por Copérnico, Galileu equilibrada e harmônica, cabendo a cada poder vigiar
e Kepler e somou-as ao pensamento cartesiano, princi- os demais.
724-2

30 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 7

Na concepção de uma defesa intensa do raciona-

Akg-Images/LatinStock

Hermitage, São Petersburgo, Rússia


lismo, encontramos François Marie Arouet, conhecido
pelo pseudônimo de Voltaire (1694-1778), cujo estilo
sarcástico e sagaz lhe proporcionou alguns problemas,
como a censura da Coroa e o exílio por dois anos na
Inglaterra, período em que escreveu As cartas inglesas.
Voltaire era favorável à monarquia, mas não ao Absolutis-
mo e estava alinhado ao pensamento da alta burguesia:
defender a liberdade de expressão e fazer violentos
ataques à Igreja.
Voltaire não nutria ne-
nhum apreço pelos homens
Musée Antoine Lecuyer, Saint-Quentin, França

do povo, pois os considerava


inferiores em sua ignorância.
Por outro lado, teve muito Frederico II da Prússia e Catarina II da Rússia: os déspotas escla-
recidos amigos de Voltaire.
contato com monarcas abso-
lutistas, como Frederico II da
Prússia e Catarina II da Rússia e
os influenciou segundo o pen-
O liberalismo econômico
samento iluminista. Com isso,
Da mesma forma que o Absolutismo cerceava a
esses monarcas promoveram
participação burguesa no controle do Estado, o mer-
Voltaire várias reformas em seus rei-
cantilismo e suas práticas de monopólio e protecio-
nos, num processo conhecido
nismo eram um grande obstáculo para a consolidação
como despotismo esclarecido.
do poder burguês. A proposta principal era o fim das
O despotismo esclarecido pode ser visto como uma
estruturas de corporações de ofício existentes, fim dos
tentativa de manutenção do Absolutismo com a reali-
monopólios e das taxas de origem feudal cobradas por
zação de algumas reformas no corpo do regime, que
muitos nobres provincianos, a não intervenção do Estado
permitiriam a manutenção do poder nas mãos do rei, ao
na economia e a liberdade de ação e investimento por
mesmo tempo em que as tensões sociais e os anseios
parte da burguesia.
da burguesia seriam em parte contentados.
Nesse contexto surgiu a doutrina da fisiocracia, em
Para tanto, alguns reis mantiveram contato (em
que a natureza era a fonte central da riqueza e, portanto,
maior ou menor intensidade) com filósofos e pensa-
os esforços para a prosperidade deveriam ser dedicados
dores, buscando conselhos ou reflexões para a mo-
à agricultura. Um dos representantes desse pensamento
dernização de seus reinos. O mecanismo comum de
foi o fisiocrata François Quesnay (1694-1774), autor do
ação estava em atitudes tomadas pelo Estado em prol
Tableau Economique (Quadro Econômico) em 1758.
do Estado sem a participação popular, e dessa forma
O liberalismo teve como um de seus principais pensa-
salientava-se a benevolência do soberano para com
dores o inglês Adam Smith (1723-1790), defensor da não
seus súditos, desfavorecendo revoltas ou reivindica-
intervenção estatal (Estado mínimo, mercado máximo),
ções. A justificativa para o poder absoluto não era a
pois o mercado seria regido por leis próprias: “Laissez
religião, mas a razão.
faire, laissez passer, le monde va de lui même!” (Deixa fazer,
Os principais déspotas esclarecidos foram: Catarina
deixa passar, que o mundo anda por si mesmo!). Sua
II da Rússia (1762-1796); José II da Áustria (1780-1790);
principal obra foi o livro A riqueza das nações, publicado
Frederico II da Prússia (1712-1786); José I de Portugal
em 1776. (Veja o texto 01 da roda de leitura)
(1750-1777) por intermédio de seu ministro de Estado,
Outro nome relevante do liberalismo econômico
o Marquês de Pombal; e Carlos III (1759-1788) de
foi Thomas Malthus (1766-1834), que publicou o Ensaio
Espanha com seu ministro, o Conde de Aranda.
sobre o princípio da população em 1798, cujo texto alerta
A realização dessas reformas não representou a
ao perigo que a humanidade poderia correr pelo fato
amenização do Absolutismo, pois a decadência desse
de a população aumentar em progressão geométrica
regime se acentuou ao longo do século XVIII e teve
enquanto a produção de alimentos cresceria em pro-
seus lampejos iniciais de crise com a Independência dos
gressão aritmética. Ou seja, provocaria fome em larga
Estados Unidos em 1776 (primeira concretização das
escala e uma grave crise. Ainda segundo o malthusia-
práticas iluministas) e a Revolução Francesa em 1789
nismo, os grandes morticínios que costumam provocar
(a derrubada do Absolutismo até então incontestável
reduções da população (guerras e epidemias) seriam
dos Bourbon).
meros paliativos para um problema tão grave. Malthus,
724-2

CURSINHO DA POLI 31
história geral • aula 7

no entanto, não contava com os avanços tecnológicos eram contrárias ao Absolutismo, à Igreja e sua influência
para solucionar esse problema. e ao mercantilismo.
Outro liberal de grande influência foi o economista Um dos principais canais de manifestação do Ilu-
inglês David Ricardo (1772-1823), autor de Princípios minismo foi a concepção da Enciclopédia, um imenso
de economia política e tributação, em 1817, em que conjunto de artigos sobre várias áreas do saber, reunidas
defende ideias que faziam referência a Adam Smith e como uma compilação de todos os conhecimentos cien-
Thomas Malthus. Ao analisar o problema da produção tíficos do período sob a organização de Denis Diderot
alimentar versus crescimento populacional, defendia (1713-1784) e Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783).
o que foi chamado de “lei férrea dos salários”, isto é, o (Veja o texto 02 da roda de leitura)
salário pago aos trabalhadores correspondia ao mínimo O Iluminismo se manifestou, além da Enciclopédia,
necessário para mantê-los vivos, assim como a seus por intermédio dos filósofos e pensadores franceses que
familiares, garantindo as condições de reprodução, propunham formas alternativas de poder e de governo,
sem diminuir ou aumentar. Quanto à produção de cujo conteúdo favorecia os interesses burgueses.
riqueza e sua relação com a renda, Ricardo afirmava A valorização do racionalismo implicou no retorno
que o volume da produção das terras determinava o à estética greco-romana, ou seja, ao equilíbrio (Aurea
preço dos alimentos, além de defender que a dinâmica mediocritas, em latim, “mediocridade dourada”, mas
do comércio internacional deveria ser ditada pela livre aqui mediocridade tem seu valor original, significa
concorrência, diminuindo a importância da especiali- meio-termo, ponto médio), à sobriedade (inutilia truncat,
zação de uma determinada região em um dado tipo em latim, significa “corta o inútil”), à perfeição formal,
de produção. à representação perfeita da natureza e aos temas mito-
A lógica da exploração do trabalho operário foi anali- lógicos. Tal fato permitiu construir um padrão cultural
sada por Nassau William Senior (1790-1864), professor de sofisticado para a burguesia, que cada vez mais se eli-
economia na Universidade de Oxford, defensor ativo da tizava e ansiava pela participação do poder político na
não redução da jornada de trabalho, fato que eliminaria Europa (com exceção da Inglaterra, cuja burguesia fizera
o lucro líquido das empresas e provocaria falências, de- seu levante em 1689 e já se encontrava no poder com o
semprego e perda de riqueza. Sua tese era que o lucro sucesso da Revolução Gloriosa).
vinha justamente da última hora da jornada, e naquela Os valores dessa elite emergente que pretendia der-
época o turno de trabalho era de 12 horas. rubar a velha aristocracia eram ambíguos, pois o desejo
pelo poder político representava a busca pela legitima-
ção de sua condição e, ao mesmo tempo, implicava em
O Neoclassicismo e as Luzes tornarem-se os novos aristocratas.
Nessas circunstâncias, o padrão de cultura aceito
Foi na França do século XVIII que o pensamento pela sociedade passava pelo crivo dos institutos oficiais,
liberal fermentado ao longo do
século XVII encontrou um “cam-

Gunter Hofer/Dreamstime.com
po fértil”, pois encontrava-se em
ação um dos mais rígidos regimes
absolutistas da Europa sob a Casa
de Bourbon, principalmente em
consequência da crise que o go-
verno francês passava (gastos com
guerras, luxo da Corte, censuras,
perseguições religiosas etc.) e da
necessidade e interesse da bur-
guesia francesa em romper com
as limitações do mercantilismo,
além de uma série de elementos
de origem feudal que tinham
sobrevivido no interior do Abso-
lutismo francês.
O pensamento iluminista
congregava uma série de ideias
distintas, as quais geralmente
apresentavam um núcleo comum: Fachada da catedral de St. Paul, Londres: concluída em 1710, tornou-se um exemplo da simetria
das formas e da leveza dos elementos decorativos que caracterizaram o neoclassicismo.
724-2

32 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 7

como as Academias de Belas Artes, o que originou o Resumo da ópera


academicismo.
A pintura teve uma forte influência da ideia de beleza Vimos nesta aula as principais características do
aristotélica, impregnada de racionalismo, com a perfeita conjunto de pensadores que deram origem ao conceito
definição do traço e dos contornos e a harmonia da conhecido como Iluminismo ou Ilustração, cuja força
composição e das cores. Valendo-se dessas técnicas, no século XVIII, serviu de fomento para a crítica e a der-
alguns pintores destacaram-se, como Jacques Louis rubada do Absolutismo, seja nas colônias, nos Estados
David (1748-1825), pintor oficial da Revolução France- Unidos, seja, no caso da Revolução Francesa que depôs
sa e da Corte napoleônica, e Jean Auguste Dominique a dinastia Bourbon em 1792.
Ingres (1780-1867). A defesa do racionalismo, da construção do conhe-
Assim como a pintura, o padrão arquitetônico tam- cimento pelos pressupostos da Razão, abriu caminho
bém recuperou a estética greco-romana, que fora muito para a consolidação do pensamento científico, o qual
evidente no Renascimento e retornou ao centro das se dilatou pelo mundo ocidental e se tornou hegemô-
discussões artísticas com a utilização intensa das colu- nico, derrubando antigas instituições como a Coroa e
nas (dóricas, jônicas, coríntias e compósitas), de átrios a Igreja.
(fachadas triangulares dos templos), arcadas e estatuário
inspirados no ideal de beleza da Antiguidade Clássica.
Museu do Louvre, Paris

O banho turco. Ingres, 1863: a exaltação da beleza e


a construção da imagem do “oriente exótico”.
724-2

CURSINHO DA POLI 33
história geral • aula 7

Exercícios Estudo orientado

1. (UFU) Leia o trecho a seguir. exercícios


Enriquecendo os cidadãos ingleses, o comércio
1. (UFMG) Leia este trecho:
contribuiu para torná-los mais livres, e, por sua vez, a
liberdade ampliou o comércio. A grandeza do Estado
[As] camadas sociais elevadas, que se pretendem
veio como consequência. O comércio estabeleceu
úteis às outras, são de fato úteis a si mesmas, à custa
pouco a pouco as forças navais, tornando os ingleses
das outras [...] Saiba ele [o jovem Emílio] que o ho-
senhores dos mares.
mem é naturalmente bom [...], mas veja ele como a
Voltaire. “Sobre o comércio”. In: As cartas Inglesas (1734). sociedade deprava e perverte os homens, descubra
São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 16.
no preconceito a fonte de todos os vícios dos homens;
Considerando o trecho apresentado e o contexto em seja levado a estimar cada indivíduo, mas despreze a
que foi escrito, assinale a alternativa correta. multidão; veja que todos os homens carregam mais
a) Para Voltaire, o sucesso militar dos ingleses é asso- ou menos a mesma máscara, mas saiba também que
ciado à adoção de um sistema político "livre", no existem rostos mais belos do que a máscara que os
qual os cidadãos (representados pelo Parlamento) cobre.
interessam-se pelo incremento das atividades co- Jean-Jacques Rousseau. Emílio ou Da educação.
merciais da burguesia. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 311.
b) Voltaire vê a Inglaterra como um Estado tipicamente
absolutista, que precisou fortalecer-se militarmente A partir dessa leitura e considerando-se outros co-
de modo a sufocar os anseios da burguesia comercial nhecimentos sobre o assunto, é correto afirmar que
por participação política e pela liberdade. o autor
c) Para Voltaire, o comércio tornou os cidadãos ingleses a) compreende que os preconceitos do homem são
livres por causa da grandeza do Estado, que favore- inatos e responsáveis pelos infortúnios sociais e pelas
ceu o comércio, ainda que à custa da restrição da máscaras de que este se reveste.
liberdade da burguesia. b) considera a sociedade responsável pela corrupção
d) Por conta de suas ideias contrárias ao "Estado de do homem, pois cria uma ordem em que uns vivem
guerra" inglês, Voltaire pode ser considerado um à custa dos outros e gera vícios.
precursor da Revolução Francesa e do Jacobinismo. c) deseja que seu discípulo seja como os homens do seu
tempo e, abraçando as máscaras e os preconceitos,
2. (UEL) contribua para a coesão da sociedade.
[...] Diderot aprendera que não bastava o conheci- d) faz uma defesa do homem e da sociedade do seu
mento da ciência para mudar o mundo, mas que era tempo, em que, graças à Revolução Francesa, se
necessário aprofundar o estudo da sociedade e, prin- promoveu uma igualdade social ímpar.
cipalmente, da história. Tinha consciência, por outro
lado, que estava trabalhando para o futuro e que as 2. (UFSCAR)
ideias que lançava acabariam frutificando.
[...] os deputados do povo não são, nem podem ser,
J. Fontana. Introdução ao estudo da História Geral.
Bauru: EDUSC, 2000, p. 331.
seus representantes; não passam de seus comissários,
nada podendo concluir definitivamente. É nula toda
Com base no texto, é correto afirmar: lei que o povo diretamente não ratificar e, em abso-
a) As contribuições das ciências naturais são suficientes luto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito
para melhorar o convívio humano e social. se engana, pois o é somente durante a eleição dos
b) Ideias não passam de projetos que, enquanto não são membros do parlamento; logo que estes são eleitos,
concretizadas, em nada contribuem para o progresso ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos
humano. de sua liberdade, o uso que dela faz mostra que bem
c) Diderot considerava importante o conhecimento das merece perdê-la.
ciências humanas para o aprimoramento da sociedade.
d) Para o autor, os historiadores recorrem ao passado, Sobre as ideias e o autor do texto, é correto afirmar
enquanto os filósofos questionam a própria existên- que são
cia da sociedade. a) discussões filosóficas renascentistas de Bodin, em
e) A ciência e o progresso material são suficientes para defesa do Absolutismo monárquico e contra a re-
conduzir à felicidade humana. presentatividade do povo no parlamento.
724-2

34 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 7

b) reflexões sobre a legitimidade de representação do roda de leitura


povo inglês no parlamento, feitas por Locke, durante
a fase mais radical da Revolução Francesa. texto 1
c) análise do poder, feita por Maquiavel, defendendo a
constituição de um Estado forte, fundado na relação Cada homem é rico ou pobre, segundo o grau em
de representação direta do povo diante do poder do que pode adquirir as necessidades, conveniências e
príncipe. diversões da vida humana. Mas depois que a divisão
d) críticas filosóficas iluministas feitas por Rousseau ao do trabalho foi bem implantada, é uma bem pequena
sistema político de representação, com a defesa da parte destas que o trabalho do homem proporciona. A
participação direta do povo nas decisões do Estado. maioria delas, ele deve derivar do trabalho de outras
e) estudo crítico socialista de Marx sobre a importância pessoas, e será rico ou pobre, de acordo com a quanti-
da participação direta do proletariado na organiza- dade desse trabalho que pode comandar ou adquirir.
ção do sistema político de representação parlamen- O valor de qualquer mercadoria, portanto, para a
tar inglês. pessoa que a possui e que não pretende usá-la, ou
consumi-la, mas trocá-la por outras mercadorias, é
3. (UERJ) igual à quantidade de trabalho que a capacita com-
prar ou comandar. O trabalho, portanto, é a medida
[...] Minuciosas até o exagero são as descrições das
real do valor de troca de todas as mercadorias.
operações manuais de Robinson: como ele escava a
O preço real de tudo, o que tudo realmente custa
casa na rocha, cerca-a com uma paliçada, constrói um
para o homem que deseja adquirir, é o labor e o incô-
barco [...] aprende a modelar e a cozer vasos e tijolos.
modo de adquiri-lo. O que tudo realmente vale para o
Por esse empenho e prazer em descrever as técnicas
homem que adquiriu e que quer dispor disso ou trocar
de Robinson, Defoe chegou até nós como o poeta da
por algo é incômodo e o labor que pode se poupar a si
paciente luta do homem com a matéria, da humildade
e grandeza do fazer, da alegria de ver nascer as coisas mesmo, e que pode se impor a outrem. O que é com-
de nossas mãos. [...] A conduta de Defoe é, em Crusoé prado com dinheiro ou bens é comprado pelo trabalho
[...], bastante similar à do homem de negócios respei- na mesma medida do que adquirimos com o esforço
tador das normas que na hora do culto vai à igreja e do próprio corpo. Esse dinheiro ou esses bens, de fato,
bate no peito, e logo se apressa em sair para não perder nos poupam esse esforço. Contêm o valor de uma cer-
tempo no trabalho. ta quantidade de trabalho, que trocamos pelo que se
supõe, no momento, que contenha o valor da mesma
Ítalo Calvino. Por que ler os clássicos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
quantidade. O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de
troca original, que pagava todas as coisas. Não era com
Daniel Defoe, no romance Robison Crusoé, deixa ouro ou prata, mas pelo trabalho, que toda a riqueza do
transparecer a influência que as ideias liberais passa- mundo foi originalmente adquirida; e esse valor, para
ram a exercer sobre o comportamento de parcela da aqueles que possuem e que querem trocá-lo por alguma
sociedade europeia ainda no século XVIII. nova produção, é precisamente igual à quantidade de
Com base no fragmento citado, identifique um ideal trabalho que lhes permite comprar ou comandar.
liberal expresso nas ações do personagem Robinson Adam Smith. Riqueza das Nações.
Crusoé. Em seguida, explicite como esse ideal se opu- São Paulo: Publifolha, 2010, p. 33, cap. V.
nha à organização da sociedade do Antigo Regime.
texto 2
4. (UFF) No final do século XVIII, em função da divul-
Aliás, o governo, embora seja hereditário numa
gação das críticas iluministas aos "Antigos Regimes",
família, e colocado nas mãos de um só, não é um
observaram-se processos de modernização de certos
particular, mas um bem público que, consequente-
regimes absolutistas em alguns Estados europeus.
mente, nunca pode ser tirado das mãos do povo, a
Esses processos indicavam, de um lado, a crise dos
quem pertence exclusiva e essencialmente e como
Antigos Regimes e, de outro, a presença nesses Es-
plena propriedade. [...] Não é o Estado que pertence
tados, que se renovavam, de projetos de mudanças
ao Príncipe, é o Príncipe que pertence ao Estado. Mas
que tinham por objetivo manter o poder frente aos
governar o Estado, porque foi escolhido para isto, e
avanços burgueses. A partir dessas considerações:
se comprometeu com os povos a administrar os seus
a) indique dois Estados europeus que realizaram esses
processos de modernização; negócios, e estes por seu lado, comprometeram-se a
b) mencione como os livros didáticos de História obedecê-la de acordo com as leis.
registram esses processos e analise duas de suas D. Diderot (1717-1784). Verbetes políticos da Enciclopédia.
características. São Paulo: Discurso, 2006.
724-2

CURSINHO DA POLI 35
história geral • aula 7

pesquisar e ler óperas), sendo algumas delas, de certa forma, parte de


nosso imaginário coletivo, pois foram usadas inúmeras
Francisco José Calazans Falcon. O Iluminismo. São vezes em filmes, propagandas e desenhos animados.
Paulo: Ática, 1994. (Série Princípios) O objetivo do livro Pense nesses tons: Tã, tã-tã, tã-tã-tã-tã-tã-tã... (marque
é apresentar o contexto histórico, político e cultural do cada um com uma batida). Você lembrará da famosa
século XVIII, apontando o Iluminismo como um desdo- Pequena serenata noturna, de Mozart. Boa música.
bramento daquele momento, e não como uma doutrina
fechada, mas sim um grande “caldeirão” de múltiplos
pensamentos. ágora
Luís Roberto Salinas Fortes. Iluminismo e os reis filóso- O modelo de governo que grande parte do mundo
fos. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Coleção Tudo é História) ocidental ainda é embasado no modelo republicano
O livro apresenta um panorama sobre o processo de que se desdobrou do Iluminismo: os representantes
organização das inúmeras correntes de pensamento que são escolhidos pela coletividade, de modo democrático
se colocam dentro da perspectiva iluminista, apresen- e tem um mandato para exercer o poder em benefício
tando seus principais autores e contribuições. do coletivo. Mas apesar da teoria se aparentar muito
coerente, as práticas da classe política, muitas vezes, se
distancia dos objetivos primordiais: o respeito do bem
ver e ouvir comum. Qual o papel da sociedade civil na vida política
da sociedade: meros espectadores ou agentes políticos
Amadeus (direção: Milos Forman, 1984). O filme pro- eficientes?
cura resgatar a “aura do gênio” e sua curta, mas intensa
carreira, entre as melhores salas de concerto e na realeza
europeia. Longe de uma cinebiografia sisuda, mostra a
senha
criatividade e energia do jovem compositor que, aos 5
anos de idade já seduzia as plateias e depois se tornou
– Ah, então se trata de uma revolta!
uma referência para a produção musical de todas as
– Não, Majestade! É uma Revolução!
épocas.
Ligações perigosas (direção: Stephen Frears, 1988). Diálogo entre o rei Luís XVI de Bourbon e seu secretário, que
Inspirado no romance de Choderlos de Laclos, publicado lhe comunicava a Queda da Bastilha.
em 1782, o filme recupera o ambiente da aristocracia
francesa às vésperas da Revolução de 1789, com toda a
sutileza do ambiente sofisticado dos castelos e mansões
e a vida ociosa de um casal de antigos amantes que se
divertiam com as intrigas e conquistas que conseguia
obter no seio da Corte francesa. Uma lição memorável
sobre a vida cortesã e seus dilemas para a manutenção
da reputação e honra.

A segunda metade do século XVIII foi dotada de


vários compositores que podem exemplificar o con-
texto do famoso Século das Luzes, como Joseph Haydn
(1732-1809) e Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).
Foram contemporâneos, se conheceram pessoalmente
e tornaram-se amigos. Ambos tiveram sua produção
ligada ao chamado classicismo (equilíbrio, leveza e
simplicidade) e daí a origem do termo música clássica (o
termo mais abrangente é música erudita, pois acomoda
os compositores de diferentes épocas).
No caso de Haydn são 107 Sinfonias e 83 concertos
que enfocaram as mais variadas temáticas, tendo ainda
composto oratórios, como A criação, sonatas e operetas.
Já a obra de Mozart chega ao número de 600 peças de
vários gêneros (oratórios, concertos, sinfonias, sonatas e
724-2

36 CURSINHO DA POLI
gabarito
aula 4 aula 5

1. d 1. d

2. c 2. b

3. a) As monarquias da Espanha e da França, gover- 3. a) O controle das rotas comerciais pelos turcos
nadas nos períodos citados pelos Habsburgo otomanos foi o fator que se somou ao monopólio
e Bourbon, respectivamente, representavam o dos italianos no Mediterrâneo e contribuiu para a
Absolutismo monárquico, sendo ambos os ca- elevação do preço das especiarias, oriundas dos
sos países cuja religião oficial era o catolicismo. mercados orientais. Dessa forma, a busca de uma
A Holanda, região submetida ao controle di- rota alternativa por Portugal e a mudança do eixo
nástico dos Habsburgo, se sublevou contra a econômico para o Atlântico podem ser entendi-
dominação espanhola, sendo assim, sua resis- das como parte do processo de fortalecimento
tência representava, no campo político, o ideal do reino português durante o século XV, abrindo
republicano burguês para a organização de um caminho para a consolidação da sua posição na
novo Estado, e o Calvinismo como opção religio- África ocidental por meio das feitorias e territórios
sa mais adequada à mentalidade burguesa da conquistados.
região, atitude que favoreceu a consolidação do b) Podem ser mencionadas duas das seguintes
sentimento separatista e antiespanhol. razões: regime de trabalho forçado; doenças que
b) Espanha e França estruturavam-se como socieda- contaminaram os nativos, pois eles não tinham
des aristocráticas e estratificadas em decorrência anticorpos, (gripe, sarampo, varíola etc.); maus
dos remanescentes feudais, enquanto a Holanda tratos (violências e torturas arbitrárias) e guerras
já se constituía como uma sociedade de classes, para a conquista dos territórios que resultavam
predominantemente burguesa e ligada às ativi- tanto nas guerras entre tribos como nas ações
dades mercantis e financeiras. diretamente praticadas pelos espanhóis.

4. a) A concentração de poderes nas mãos do monar- 4. a) Segundo o texto, o objetivo de Colombo era “de-
ca, a política econômica mercantilista e a busca fender a fé cristã em todas as partes do mundo”.
de uma relação que atendesse aos interesses b) As Cruzadas foram um conjunto de expedições
da burguesia, da nobreza e do clero. Essa carac- militares organizadas entre os séculos XI e XIII,
terística na organização do Estado Absolutista no intuito de combater os muçulmanos na Terra
favorecia o apoio dessas três camadas sociais Santa, procurando retomar Jerusalém e outros
à manutenção de privilégios e distinções que, lugares sagrados para o cristianismo.
na sociedade absolutista, constituíam ordens Os soldados se colocavam como defensores de
sociais submissas aos monarcas. Esse sistema Cristo e de seus ensinamentos, mas as guerras
de governo dava aos soberanos a sustentação foram acompanhadas de massacres de inocentes,
no poder, especialmente, na manutenção de destruição de cidades e inúmeras arbitrariedades
pesadas arrecadações de impostos, bem como que contrariam todos os ensinamentos cristãos.
na aplicação das leis e justiça. Apesar de todos os esforços, os cristãos foram
b) A imagem simboliza a noção de Estado como derrotados e expulsos do Oriente Médio, porém
entidade detentora de todos os poderes e que podemos identificar como consequência das
deve estar acima dos cidadãos e de seus interes- Cruzadas a recuperação de áreas estratégicas
ses particulares. A espada faz alusão ao poder para a navegação no Mediterrâneo, o que permi-
temporal, isto é, à autoridade sobre os homens tiu a circulação de navios e mercadorias, sendo,
(governo civil), enquanto o báculo, cajado usado portanto, um fator decisivo para o renascimento
pelos bispos, representa o poder espiritual, a con- comercial e urbano dos séculos XII e XIII.
dução dos homens para o caminho da salvação,
dando ao soberano uma dimensão central na vida
religiosa – e tal posição se reforça pelo fato de o aula 6
monarca inglês ser o chefe da religião anglicana
desde a ruptura de Henrique VIII, em 1534. 1. d

2. a
724-2

CURSINHO DA POLI 37
gabarito • aulas 4 a 7

3. a) Revolução Puritana (1642-1649), Restauração dos administrativa, aumentando o poder do rei e li-
Stuart (1660-1688) e Revolução Gloriosa (1688- mitando a presença da nobreza no Estado. Dessa
1689) forma, diminuíram os custos da Corte e realiza-
b) O objetivo da produção era o mercado interno, ram um movimento de anulação dos privilégios
o trabalho era fundamentalmente livre, com a das aristocracias desses Estados. II – poderão ser
predominância da pequena e média proprie- explicadas, também, pelo incentivo à educação
dades, e a existência de uma variada produção pública, que ampliava as condições de acesso ao
manufatureira. ensino dos setores burgueses através da criação
de escolas e pelo apoio à criação e desenvolvi-
4. O aluno deverá mencionar que a Inglaterra conheceu, mento das academias literárias e científicas. Tudo
no período considerado, a expropriação do cam- isso com a intenção de expandir a capacidade de
pesinato tradicional e o desenvolvimento de uma domínio do Estado Absoluto, pois significava a
agricultura capitalista, o que significava, no caso, o abertura de um espaço de ação dos interesses
crescimento de um mercado de terras, de grandes burgueses, no intuito de compatibilizar suas
empreendimentos rurais baseados em trabalho economias às novas práticas mercantilistas e
assalariado e voltados para a produção do lucro. manufatureiras. Tais práticas garantiriam a esses
Enquanto isso, a França da mesma época continuava Estados independência frente à política da Ingla-
caracterizada por uma estrutura agrária baseada na terra e da França. Outra característica importante
agricultura de subsistência e nas relações de depen- é o estímulo à cultura, às artes e à filosofia que,
dência entre o campesinato e a aristocracia. paradoxalmente, incentivou o avanço dos valo-
res e ideias iluministas, aumentando a força das
críticas aos regimes absolutistas.
aula 7

1. b

2. d

3. Um dos ideais e sua respectiva explicação:


– Individualismo: com o individualismo, os liberais
criticam a sociedade do Antigo Regime, que colo-
cava a razão do Estado à frente das necessidades
dos indivíduos. Eles privilegiavam determinados
grupos por sua origem ou nascimento em detri-
mento de suas habilidades ou competências.
– Valorização do trabalho independentemente de
sua natureza: a dignificação de todo tipo de tra-
balho se contrapunha ao caráter estamental da
sociedade do Antigo Regime, de acordo com o
qual determinadas ocupações eram indignas dos
membros dos estamentos privilegiados.

4. a) Estados europeus: Áustria, Rússia, Prússia, Portugal


ou Espanha. Além disso, serão consideradas cor-
retas as respostas que citarem dois dos seguintes
reis ou ministros: José II, Catarina II, Frederico II, D.
José II, Marquês de Pombal, Carlos III ou Conde de
Aranda.
b) Os processos são denominados de despotismo
esclarecido, mas também serão consideradas as
denominações: Absolutismo esclarecido, despo-
tismo iluminado e Absolutismo iluminado. Quan-
to às características: I – poderão ser explicadas
pelas reformas realizadas no tocante à eficácia
724-2

38 CURSINHO DA POLI
orientação didática
caderno 2 história geral
Caro professor, cala ampliada pelo globo − tendo a Europa como palco
dessas operações. Após essa explanação, elaborar com os
Neste material, abordaremos algumas indicações pe- discentes o conceito de economia-mundo; fato correlacio-
dagógicas que são úteis à preparação da aula, salientando nado com a formação dos domínios coloniais de várias
que temos procurado suprir algumas lacunas temáticas, potências, como a Espanha e a Inglaterra.
como indicações de textos ou mesmo o uso de mapas,
imagens e esquemas. O objetivo principal é apontar o Temas abordados:
processo histórico e seus agentes nesse contexto. • O processo de formação da economia-mundo;
No caso da temática ligada à cultura e à História da • A expansão marítima dos séculos XV ao XVII;
Arte, temos procurado oferecer algumas indicações bi- • A formação da América espanhola;
bliográficas para auxiliá-lo na preparação, seja com uma • A formação da América inglesa.
bibliografia de apoio, seja com os sites indicados.
gabaritos
1. a
aula 4 2. b
O Absolutismo
aula 6
Nesta aula, trataremos da Formação das Monarquias Revoluções inglesas no século XVII
Nacionais (Estados Modernos Europeus), a qual se con-
solidou ao concluir o processo de transição política que Nesta aula, apresentaremos o processo de transfor-
se realizava desde o final da Idade Média. O gradativo mação da monarquia absoluta inglesa em um sistema
enfraquecimento da nobreza, a centralização do poder parlamentar, cuja característica se deu na preservação
na pessoa do Rei e a consequente transformação do sis- da figura do rei, porém com poderes esvaziados. Então, o
tema econômico colocaram a produção rural como parte comando do governo passou a ser exercido pelo primeiro-
da cadeia produtiva. Com isso, as atividades mercantis -Ministro, enquanto o soberano tinha uma função de
destacaram-se como o centro das forças produtoras. caráter mais diplomático, representando a nação como
Ao mesmo tempo, no campo conceitual, a figura do rei chefe de Estado.
foi respaldada por vários modelos de governo, que justi- Esse processo na Inglaterra foi marcado por duas revo-
ficavam a sua atuação e davam margem a construção de
luções (a Puritana e a Gloriosa) e favoreceu a hegemonia
um modelo de Estado centralizado em que se confundia
do pensamento liberal e das novas formas de organização
com o próprio Estado.
da sociedade. Essas insurreições no continente foram bem
distintas, se pensarmos que seus desdobramentos só se
Temas abordados:
deram no século XVIII.
• Transição política: do poder descentralizado ao cen-
tralizado;
Temas abordados:
• A formação das monarquias nacionais entre os séculos
• Monarquia inglesa durante o reinado dos Tudor;
XIV e XVI;
• A estrutura política do reino inglês: Magna Carta e
• Os teóricos do Absolutismo;
Parlamento;
• As três grandes dinastias: Tudor, Bourbon e Habsburgo.
• A ascensão dos Stuart: Parlamento versus Coroa;
• A Revolução Puritana: 1642-1649;
gabaritos • O Protetorado de Cromwell: 1649-1658;
• A Restauração Stuart: 1660-1689;
1. c • A Revolução Gloriosa: 1688-1689.
2. d

aula 5 gabaritos
Expansão marítima: ibérica e anglo-saxônica
1. b
Conforme apresentado no material de História do 2. d
Brasil, retornaremos ao conceito de capitalismo histórico:
a sua ação e desdobramento nos contextos político e eco-
nômico dos séculos XIV ao XVII, o papel dos genoveses, a aula 7
mudança da rota comercial para o Atlântico e a dinâmica Iluminismo
da expansão marítima.
A ideia central desta aula é explicar aos alunos sobre O século XVIII ficou conhecido como o "século das
o processo de consolidação do sistema mercantil em es- Luzes", pois ele amparou as transformações política,
12724-2

social e econômica gestadas nesse período em diante: o

CURSINHO DA POLI ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 1


história do geral • caderno 2

universo burguês e a busca de uma sociedade igualitária, GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Compa-
distinta da ìnatural desigualdade do Absolutismo" que, nhia das Letras, 1987. p.
posteriormente, serviram de alicerce para atual sociedade.
Dentro desse contexto, é importante apresentar as dife- GRUZINSKI, Serge. 1480-1520: A passagem do século. Cole-
rentes nuances que compõem o Iluminismo e ressaltar a di- ção Virando Séculos. São Paulo: Companhia das Letras,
versidade de autores, ideias e ações. Além disso, apresentar 1999.
uma perspectiva mais precisa desse movimento filosófico
e literário sem passar a impressão de que se tratava de um HERMANN, Jacqueline. 1580-1600: O sonho da salvação. São
grupo homogêneo na sua formação. Paulo: Companhia das Letras, 2000. v. 3.

Temas abordados: HILL, Chisthopher. O eleito de Deus. São Paulo: Companhia


• O Iluminismo e sua época; das Letras, 1996.
• O Liberalismo econômico;
• Os pensadores iluministas; HOBBES, Thomas. O Leviatã. Coleção Os Pensadores. São
• O despotismo esclarecido; Paulo: Abril, 1978.
• O Liberalismo político.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Cap. XVII. Coleção Os Pen-
gabaritos sadores. São Paulo: Abril, 1978.

MATAMORO, Fernando Fraga Blas. A ópera: o nascimento


1. a
2. c da ópera, a história, os compositores, os intérpretes, as
melhores gravações. 1. ed. São Paulo: Angra, 2001.

MIRANDA, Ana. Desmundo. São Paulo: Companhia das


Bibliografia de apoio
Letras, 2003.

A Bíblia de Jerusalém. Nova edição. São Paulo: Paulus Edi- MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Livro XI, capítulo VI.
tora, 1996. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1979. p. 149.
ARGAN, Giulio Carlo. Clássico anticlássico. São Paulo: Com- NOVINSKY, Anita. A Inquisição. Coleção Tudo é História. 15.
panhia das Letras, 1999.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Revolução Inglesa.
Coleção Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1990. PRIORE, Mary Del. Religião e religiosidade no Brasil colo-
nial. Coleção História em movimento, São Paulo: Ática,
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal,
Espanha e Itália nos séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia 1995.
das Letras, 2000. ROTERDÃ, Erasmo de. O Elogio da loucura. São Paulo: Martins
CALVINO, João. Por que não é lícito atribuir a Deus qual- Fontes, 2000.
quer figura visível, e por que todos os que recorrem a
imagens se revoltam contra o verdadeiro Deus (1570). ROUSSEAU, Jean Jean-Jacques. Do contrato social (1757-
In: A Pintura, LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). A pintura. 1762). Livro I, capítulo VI. Coleção Os Pensadores. São
São Paulo: Editora 34, 2004. v. I a X. Paulo: Abril, 1978. p. 32.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Editora
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político
Ática, 2002.
moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DUMAS, Alexandre. O homem da máscara de ferro. 1. ed. São
Paulo: Scipione, 2002. VOLTAIRE. Cartas inglesas. Carta n. 8. Coleção Os Pensadores.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge São Paulo: Abril, 1978, p. 13.
Zahar Editor, 1990. v. I e II. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo.
FALCON, Francisco José Calazans. O Iluminismo. Série Prin- Trad. Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das
cípios. São Paulo: Ática, 1994. Letras, 2004.
FORTES, Luís Roberto Salinas. Iluminismo e os reis filósofos.
WILHELM, Jacques. Paris no tempo do Rei Sol: 1660-1715.
Coleção Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1993.
Coleção A vida cotidiana, São Paulo: Companhia das
FREITAS, Gustavo de. (Org.). 900 textos e documentos de
Letras, 2001.
História. Lisboa: Plátano, 1977.
12724-2

2 • ORIENTAÇÃO DIDÁTICA CURSINHO DA POLI


história geral
aula 8 A Revolução Francesa e a Era Napoleônica
0012

O plano deste escrito é muito simples. à construção de um modelo de sociedade liberal bur-
Temos três questões a tratar: guesa que sobrevive até os nossos dias, guardadas as
1. O que é o Terceiro Estado? Tudo. especificidades dos países que se influenciaram pelos
2. O que foi ele até o presente, na ordem política? “ventos de 1789”.
Nada.
3. O que reivindica? Tornar-se alguma coisa.
Abade Sieyès, 1789 A França pré-revolucionária
O absolutismo francês começou a dar sinais de
O texto da epígrafe faz parte de um panfleto que crise no final do reinado de Luís XIV, pelo desgaste da
circulou pelas ruas de Paris quando da convocação dos economia face aos elevados gastos com guerras na
Estados Gerais e demonstra a exaltação da população Europa, ao luxo da corte de Versalhes e aos entraves do
francesa, dos mais pobres e desvalidos aos privilegiados, mercantilismo, que obstavam a dinamização necessária
como a nobreza (pequena nobreza e endividados) e o para que a França adotasse uma economia liberal (como
baixo clero. É assinado pelo abade Emmanuel Joseph já havia feito a Grã-Bretanha).
Sieyès (1748-1836), um sobrevivente do turbilhão re- Como monarquia absolutista, a sociedade francesa se
volucionário que levou a um imenso derramamento dividia em três ordens: o Primeiro Estado, formado pelo
de sangue e à transformação da Europa e de todo o alto clero (membros de famílias nobres) e pelo baixo
mundo ocidental. clero (pessoas de origem humilde); o Segundo Estado,
Tradicionalmente, a Revolução Francesa de 1789 marca formado pela nobreza de espada (nobreza hereditária
o fim da História Moderna e o início da História Contempo- e tradicional) e pela nobreza de toga (burgueses que
rânea, que se estende até hoje. Sua importância reside no compraram títulos ou foram agraciados pelo rei); e o
fato de ter feito confluírem diferentes segmentos sociais Terceiro Estado, formado pelo restante da população
para um objetivo comum: o fim do Absolutismo, defenden- (camponeses, trabalhadores urbanos, grandes comer-
do a liberdade, a igualdade e a fraternidade. ciantes e industriais).
Na Europa, representou a transformação de um mo- Além da estrutura absolutista, vários elementos de
delo de sociedade até então tido como incontestável. origem feudal sobreviviam na França: a servidão e suas
Embora a mesma transformação tivesse ocorrido um obrigações (talhas e corveias), a cobrança de pedágios
século antes na Inglaterra – em 1689, na chamada Re- e a própria produção, que estava limitada por técnicas
volução Gloriosa –, sua reedição na França concretizou agrícolas rudimentares e, nas cidades, pelo controle das
a ascensão da burguesia ao controle político. corporações de ofício.
Mas a Revolução Francesa foi o resultado de uma Luís XIV morre em 1715, e seu bisneto Luís XV assume
série de fatores devidos à crise do próprio absolutismo o trono. Em seu reinado, agrava-se a situação francesa,
francês e à participação da França no cenário político da com campanhas dispendiosas na guerra pela sucessão
Europa, que se envolveu em guerras para estabelecer austríaca (1740-1748), contra os Habsburgo, e na Guerra
sua hegemonia. dos Sete Anos (1756-1763), contra a Inglaterra e a Prússia.
Apesar disso, a realidade interna da França não Apesar de ter recebido o epíteto de “o Bem-Amado”, Luís
acompanhava seus interesses externos, pois a sociedade XV não conseguiu impor a França como potência e muito
estava sobrecarregada de impostos, obrigações servis menos favoreceu sua modernização. Sabendo de suas
e privilégios à aristocracia, que dificultavam não só o “qualidades” como monarca, antes de morrer, teria dito
crescimento da economia como a concretização de uma a seu neto e herdeiro: “Après moi, le déluge!” (“Depois de
organização burguesa mais liberal. mim, o dilúvio!”).
Além das transformações políticas e sociais, a Re- Luís XVI assumiu o trono em 1774, e esperava-se que
volução é considerada um marco por ter dado início desse início às reformas tão necessárias ao reino, mas,
724-3

CURSINHO DA POLI 1
história geral • aula 8

tendo sido pressionado pela nobreza e pelo alto clero

Elias Feitosa
– com o apoio de sua rainha, Maria Antonieta de Habs-
burgo –, não agiu com empenho. Procurou vingar-se
da Inglaterra, apoiando militarmente a Independência
dos Estados Unidos da América, mas só obteve uma
vitória moral graças ao êxito das colônias, e nenhuma
grande compensação para a França; pelo contrário, o
apoio resultou em mais gastos, aumentando o déficit
dos cofres públicos.
Buscando resolver a crise financeira, nomeou mi-
nistro das Finanças o fisiocrata Turgot, que pretendia
reduzir o déficit financeiro, acabar com as corporações
de ofício e tornar obrigatório o pagamento de impostos
pelo clero e pela nobreza. A ação de Turgot foi limitada
pelas pressões da aristocracia, que se sentia prejudicada Monumento fúnebre dedicado a Luís XVI e Maria Antonieta.
Abadia de St. Denis, Paris, século XIX.
com a perda de seus privilégios.
Turgot se demitiu em 1776, sendo sucedido por
Necker, um banqueiro de Genebra que procurou conti- As Jornadas Revolucionárias
nuar as medidas de seus antecessores, agindo com mais
habilidade com o clero e a nobreza, sem tomar medidas No discurso de abertura da Assembleia, Luís XVI
tão profundas. Com o agravamento do déficit em 1781, declarou que todos estavam ali para resolver questões
Necker divulgou publicamente as informações sobre a financeiras, não para fazer reformas. Isso desagradou
receita e as despesas do governo, acirrando a indignação os representantes do Terceiro Estado, que deixaram a
da sociedade francesa. Assembleia e se reuniram na sala do Jeu de Paume (jogo
Em 1783, assumiu o novo ministro, Calonne, que tam- de pela, um jogo semelhante ao tênis), declarando-se
bém tentou retomar as medidas de seus antecessores, em Assembleia Nacional, que foi denominada I Jornada
mas não alcançou as metas desejadas. O déficit francês Revolucionária. A agitação tomou conta de diferentes
continuou a crescer, principalmente depois de 1786, pontos de Paris e da França; revoltado, o povo começou
quando foi assinado um acordo com a Inglaterra para a a se organizar em tropas, ergueram-se barricadas nas
compra exclusiva de manufaturados ingleses em troca ruas, e o povo se armou. Defendiam-se a liberdade, a
de vinho francês, semelhante ao tratado de Methuen, igualdade e a fraternidade (Liberté, égalité et fraternité).
que Portugal e Inglaterra assinaram em 1703. Em 14 de julho de 1789, a população invadiu e tomou a
O período entre 1787 e 1789 foi marcado por fortes Bastilha, antiga prisão do rei, símbolo do absolutismo usado
alterações climáticas, como chuvas excessivas e secas contra todos os que ameaçassem o poder real, constituindo
graves, prejudicando a produção de gêneros agrícolas assim a II Jornada Revolucionária. A Revolução chegou ao
como trigo e aumentando do preço dos alimentos. campo em agosto de 1789, com a invasão de castelos e o
A crise francesa demandava uma solução rápida e assassinato de nobres, gerando tensão e pânico entre a
eficiente, forçando Luís XVI a convocar a Assembleia dos nobreza, que, mesmo com medo de represálias maiores,
Estados Gerais, um órgão composto por representantes abriu mão de seus privilégios. Assim, em virtude do“Grande
dos três estados, que deveriam se pronunciar para ajudar Medo”, concretizou-se a III Jornada Revolucionária.
Elias Feitosa

o rei na solução da crise.


A Assembleia foi criada durante o século XIV pelo rei
Felipe, o Belo, e tinha sido convocada pela última vez em
1614, no reinado de Luís XIII. Estruturava-se assim: cada
um dos estados enviava seus representantes, e cada
estado tinha direito a um voto (clero e nobreza tinham
a maioria). Interessado em implementar as reformas, o
Terceiro Estado procurou ampliar seu número de repre-
sentantes (de 300 para 600) e conseguiu autorização
real para isso. Seu objetivo era ter 600 representantes e
Cabeças cortadas: os símbolos ligados à monarquia foram
tornar o voto pour la tête (por cabeça), ao invés de por destruídos durante a Revolução. Aqui vemos as cabeças das
Estado, de modo que, contando com os descontentes esculturas da fachada da catedral de Notre-Dame de Paris
do baixo clero e da pequena nobreza, ele tivesse uma que foram “degoladas” e enterradas, sendo encontradas nas
pequena maioria. fundações de um edifício do centro de Paris em 1977. Hoje, se
encontram no Museu Medieval de Paris.
724-3

2 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 8

Em 26 de agosto de 1789, foi aprovada a Declaração

Musée Carnavalet, Paris – The Art Archive/Corbis/Latinstock


Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, fortemen-
te inspirada na Constituição dos EUA, defendendo que
todos os homens são iguais perante e lei, respeitando
o direito de luta contra a opressão e garantindo a pro-
priedade privada.
A IV Jornada Revolucionária foi uma marcha de po-
pulares até Versalhes clamando a presença do rei, que
foi levado a Paris, num gesto de concórdia com o povo.
Musée de la Ville de Paris, Musée Carnavalet, Paris

Marat

Musée Carnavalet, Paris

Danton
Musée de la Ville de Paris, Musée Carnavalet, Paris

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Entre 1789 e 1791, formou-se uma Assembleia Na-


cional Constituinte para elaborar uma Constituição que,
jurada por Luís XVI, era favorável à alta burguesia, por Robespierre
estabelecer o voto censitário (só podiam votar os indi-
víduos que tivessem determinada renda – os chamados
cidadãos ativos). Nesse ínterim, os países absolutistas e os emigrados
A Assembleia era formada por membros da alta (nobres que fugiram, com medo dos revolucionários)
burguesia e se dividia entre os girondinos (burguesia organizaram uma conspiração para restituir o poder
industrial e comercial), os feuillants (burguesia financeira) absoluto a Luís XVI, que, numa ação precipitada, tentou
e os jacobinos (pequena burguesia). Essa configuração fugir para o Sacro Império; identificado e preso na fron-
representava, portanto, as divergências entre a bur- teira, voltou a Paris como traidor.
guesia, que deixou de ser um grupo homogêneo, com Em virtude das circunstâncias, tropas prussianas inva-
interesses comuns, como no início da Revolução. diram a França, motivando a convocação da população
para a defesa do país pelos líderes jacobinos Danton
e Robespierre, que declararam “a Pátria em perigo”. Os
jacobinos armaram a população e formaram a Comuna
Insurrecional de Paris, obtendo participação maciça das
camadas mais pobres, os sans-cullotes.
724-3

CURSINHO DA POLI 3
história geral • aula 8

O choque entre franceses e prussianos foi decisivo ocupavam os bancos mais baixos e por isso recebiam
na batalha de Walmy, em 29 de setembro de 1792, e, o nome de Pântano).
com a vitória francesa, radicaliza-se a Revolução. Essa Entre as medidas adotadas pela Convenção (que ini-
vitória representou a força do nacionalismo francês, cialmente foi controlada pelos girondinos), destacaram-
que fez com que o povo destreinado e mal-armado -se a destituição do rei e a proclamação da República,
derrotasse um dos mais poderosos exércitos da Europa. com a substituição do calendário gregoriano pelo
Esse nacionalismo pode ser sentido nas palavras de La revolucionário, baseado nas estações do ano.
Marseillaise, hino das tropas que guarneciam a região de A Convenção também deu início ao julgamento do
fronteira com o rio Reno, depois transformado em hino à rei Luís XVI, condenado e executado na guilhotina em 21
liberdade e hoje hino nacional da França (veja o texto 1 de janeiro de 1793, causando ainda mais tensão e medo
da roda de leitura). pela Europa e levando à formação da Primeira Coligação
A população pressionou a Assembleia, que foi entre as monarquias da Áustria, da Prússia, da Espanha
obrigada a convocar uma nova Constituinte, a cha- e da Inglaterra contra a França.
mada Convenção, composta pelos girondinos (que As pressões externas e a agitação interna favorece-
se sentavam à direita), pelos jacobinos (sentados à ram os líderes jacobinos Danton, Marat e Robespierre
esquerda), pelos sans-cullotes (que ficavam na parte a dar um golpe na Convenção, com a prisão dos líde-
mais alta, sendo conhecidos por formar a Montanha) res girondinos, marcando o início da fase popular da
e pelos feuillants (que eram indefinidos politicamente, Revolução.

o calendário revolucionário
estação ordem mês significado duração
1
o
vindimário colheita da uva (vindemia)(**) 21 set-20 out
outono 2o brumário névoas (brumas)(*) 21 out-20 nov
3o frimário geada (frimas)(*) 21 nov-20 dez
4o nivoso neve (nivosus)(**) 21 dez-20 jan
inverno 5o pluvioso chuva (pluviosus)(**) 21 jan-20 fev
6o ventoso vento (ventosus)(**) 21 fev-20 mar
7o germinal germinação (germen)(**) 21 mar-20 abr
primavera 8o floreal flores (floren)(**) 21 abr-20 mai
9o prairal pradarias (prairie)(*) 21 mai-20 jun
10o messidor colheita (messe)(**) 21 jun-20 jul
verão 11o termidor calor (thermós)(***) 21 jul-20 ago
12o frutidor frutas (fructus)(**) 21 ago-20 set
(*) palavra francesa; (**) palavra latina; (***) palavra grega

O Terror A fase popular da Revolução Francesa foi marcada


pelo controle radical dos jacobinos, responsáveis pela
Elias Feitosa

transformação do cenário político, com a promulgação,


em 1793, de uma Constituição que regulamentava o
sufrágio universal masculino aos maiores de 21 anos.
Mas essa Constituição foi suspensa logo em seguida, pois
Robespierre retirou as liberdades individuais para poder
julgar os inimigos da Revolução, tentando preservá-la, e
ao mesmo tempo criou leis favoráveis às camadas popu-
lares, estabelecendo o Edito do Máximo (congelamento
de preços), o ensino gratuito e obrigatório, a divisão
de terras e criação da Escola Politécnica, do Museu do
Louvre e do Conservatório Nacional. No entanto, ele foi
radical contra os inimigos da Revolução, atuando com
Nessa placa está escrito: “Esta praça, inaugurada em 1765, foi o grupo mais intransigente, os chamados les enragés
chamada de Praça Luís XV. De novembro de 1792 a maio de 1795,
então denominada Praça da Revolução. Ela foi o lugar principal (os enraivecidos). Sob o comando de Robespierre, dito
das execuções públicas, dentre elas, a de Luís XVI, em 21 de janeiro “o incorruptível”, executaram-se mais de 35 000 pessoas
de 1793, e a de Maria Antonieta, em 16 de outubro de 1793”. tidas como inimigas da Revolução.
724-3

4 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 8

Esse período é dito autofágico, pois atingiu, por a industrialização e assegurasse o fim da crise econô-
exemplo, Georges-Jacques Danton e Jacques Hérbert, mica que se abatera sobre a nação. Por outro lado, aos
considerados traidores. Executando seus próprios líderes, olhos dos países vizinhos, aquele era o momento ideal
a Revolução foi enfraquecendo. para debelar a Revolução, e assim se formou a Segunda
Numa ação conjunta entre os remanescentes giron- Coligação antifrancesa: Grã-Bretanha, Áustria e Rússia.
dinos e os integrantes do Pântano, os jacobinos foram Internamente instável e ameaçada de invasão, a
derrubados no movimento conhecido como “reação França precisava de um governo forte, que garantisse a
termidoriana”, aos 9 de termidor de 1794, marcando o manutenção da ordem no país e a implantação de uma
retorno da alta burguesia ao poder e a revogação das política que lhe permitisse entrar na Revolução Industrial.
conquistas obtidas pelos jacobinos, principalmente com Dentre as possibilidades, a sociedade francesa via-se num
a nova instauração do voto censitário e da suspensão da dilema entre a defesa da liberdade política e a estabilidade
Lei do Máximo.1 Robespierre e seus últimos partidários econômica, porque, desde o início da Revolução, a primeira
foram julgados e sumariamente executados na guilhoti- não conseguiu construir a segunda, e isso favoreceu a
na, exatamente como ele próprio estabelecera na “justiça solução mais drástica: os burgueses optaram por abrir
revolucionária”. Era assim consolidado o Diretório. mão de sua liberdade política em troca da estabilidade
econômica, convocando para a empreitada o jovem
general Napoleão Bonaparte, que aos 18 de brumário de
Medidas revolucionárias
1799 (7 de novembro, no calendário gregoriano) derrubou
Elias Feitosa

o Diretório com um golpe de Estado e, de certa forma,


encerrou mais uma fase da Revolução.
A Revolução Francesa representou não só a tomada
do poder pela burguesia, mas também o estabelecimen-
to de um novo modelo de Estado, fundado no respeito
à propriedade privada, na garantia constitucional das
liberdades individuais e numa maior participação polí-
tica pelo sufrágio universal masculino. Essas instituições
burguesas se estenderam ao resto da Europa, lançando
Num processo revolucionário, esperam-se muitas as bases para a ocorrência de outras revoluções em paí-
mudanças. No período do Diretório, introduziu-se ses absolutistas. Apesar de todas as medidas reacionárias,
o sistema métrico decimal, válido em toda a França a Europa não foi mais a mesma depois de 1789.
a partir de 1796, quando em vários lugares públicos Nessa perspectiva, costuma-se entender Napoleão
se instalaram blocos de mármore com a medida de Bonaparte como o divulgador dos ideais e das instituições
1 metro (1 m = 100 cm = 1 000 mm), favorecendo o da burguesia revolucionária para além da França, favore-
acesso ao novo padrão e procurando evitar eventuais
cendo a decadência do que os revolucionários chamaram
erros ou abusos.
de Ancien Régime (Antigo Regime), ou o Absolutismo.
Mesmo com o turbilhão revolucionário e as várias
mudanças na condução do poder, o sistema métrico
se manteve e foi adotado em outros países – assim A era napoleônica
como as ideias revolucionárias francesas. Embora aceito
em grande parte do mundo, esse padrão não vale no Ao derrubar o governo
National Gallery of Art, Washington

Império Britânico e em suas colônias e ex-colônias, do Diretório, Napoleão ins-


que ainda usam as medidas inglesas libra, polegada, taurou o Consulado, uma
jarda, pé e milha. junta de três cônsules (mui-
É a antiga rivalidade entre os dois lados do canal to semelhante ao triunvira-
da Mancha. to), dos quais ele mesmo
era o primeiro, com mais
poderes, que foram amplia-
O Diretório era composto por uma junta governante dos para um período de 10
de cinco pessoas, concentrando o poder nas mãos da alta anos. Assim, Bonaparte co-
burguesia, representada pelos girondinos sobreviventes meçou a implementar refor-
ao Terror e, portanto, desfavorável às camadas populares. mas para a estabilização da
No entanto, com a França ainda instável, a burguesia economia francesa: pediu
procurava implementar uma política que favorecesse à burguesia financeira um
empréstimo e criou o Banco
1 Lei que congelava os preços para resolver a falta de alimentos e evitar a exploração exacerbada,
que, àquela altura, já não tinha controle algum. Apesar das severas punições aos infratores, a
O cônsul Napoleão Bonaparte da França, cuja função era
724-3

lei não chegou a ser cumprida.

CURSINHO DA POLI 5
história geral • aula 8

controlar a emissão de moeda e também a inflação; a A formação do Império Francês representava, por
reação do mercado financeiro foi favorável, com alta da um lado, uma possibilidade de menos tensão para as
Bolsa de Valores. monarquias da Europa, pois se voltava para um governo
Napoleão confirmou a distribuição de terras realizada tradicional, abandonando os arroubos revolucionários,
durante a Revolução, obtendo o apoio dos camponeses, mas, por outro, uma ameaça aos interesses ingleses
e iniciou o estímulo ao crescimento industrial, criando quanto à concorrência industrial, pois a França ambicio-
condições para reduzir a crise e impulsionar a França na nava conquistar o espaço então ocupado pelos ingleses.
Revolução Industrial. Assim, a Inglaterra liberal se aproximou das potências
Externamente, enfrentou a Segunda Coligação absolutistas e formou a Terceira Coligação antifrancesa.
antifrancesa, obtendo a saída da Rússia da coligação, Nesse contexto, a Espanha se aliou à França contra a
derrotando a Áustria em 1800 e negociando uma trégua Áustria, a Inglaterra e a Rússia, tentando uma invasão à
com a Inglaterra em 1802, com a Paz de Amiens. Estabe- Inglaterra; mas, apesar de Napoleão ter sido indiscutivel-
lecida a paz externa, Bonaparte firmou a Concordata de mente superior em terra, os franceses foram derrotados
1801 com a Igreja Católica, tornando o clero um grupo na famosa batalha de Trafalgar, em 1805.
assalariado do Estado francês, e assim solucionou a crise Napoleão derrotou o Sacro Império Romano Ger-
instalada desde a Revolução. mânico em 1806, extinguindo o I Reich, com a origem
Também elaborou o Código Civil Napoleônico, ins- da Confederação do Reno. Assim se formou a Quarta
pirado no Direito Romano e no Corpus Juris Civilis do Coligação antifrancesa, com a participação da Prússia,
imperador bizantino Justiniano (527-565), procurando nação que foi logo derrotada e assinou um tratado de

Elias Feitosa
adequar as conquistas da Revolução à formação de seu aliança com a França.
governo: igualdade perante a lei e respeito à proprie- Ao vencer os austríacos, Napoleão estabeleceu a he-
dade privada, mas, por outro lado, proibição de greves gemonia sobre a Europa ocidental, dividindo com seus
e sindicatos. Ao ser aprovado, o Código propunha um familiares os territórios invadidos. O passo seguinte foi
plebiscito: a transformação do consulado em império, o estrangulamento da Inglaterra por meio do Bloqueio
tornando Bonaparte o primeiro cônsul, Napoleão I, Continental, medida com que a França proibia a compra
imperador dos franceses com o apoio da burguesia, da e venda de produtos com a Inglaterra – quem não a
aristocracia e dos camponeses. obedecesse teria suas terras invadidas.

O Império
Musée de l’Armee, Paris

A Concordata com a Igreja Católica: usando toga e louros,


Napoleão é representado reaproximando a Gália (França) com
Roma, mostrada como mulher, mas que segura a cruz e tem na
cabeça a tiara papal. Túmulo de Napoleão, Musée des Invalides,
Paris, século XIX.
Como a Inglaterra era a maior fornecedora de manu-
faturados e também grande compradora de matérias-
-primas, muitos países se viram em dificuldades sem
o comércio inglês. Portugal foi o primeiro a romper o
Bloqueio, em 1807, motivando a transferência da Corte
Usando a púrpura imperial, coroado com louros (feitos de ouro)
portuguesa para o Brasil. O segundo foi a Rússia, em vir-
e sentado num trono que tem abaixo de si a águia de asas tude de suas fortes ligações com a Inglaterra pela venda
abertas, Napoleão recriou a imagem da monarquia francesa, se de trigo e compra de manufaturados, e foi invadida por
valendo dos símbolos da glória do Império Romano. Napoleão em 1812, com um exército de mais de 450 000
724-3

6 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 8

Campanhas
Campanhas militares
militares de Napoleão
de Napoleão

Mar
SUÉCIA Moscou
Báltico
Mar do
Norte
DINAMARCA Tilsit
GRÃ-BRETANHA Friedland
PRÚSSIA
IMPÉRIO RUSSO
GRÃO-DUCADO
Waterloo DE VARSÓVIA
Iena
15°O
OCEANO Estrasburgo Ulm Austerlitz
Paris
ATLÂNTICO Wagram
45°
N
CONFEDERAÇÃO
IMPÉRIO
F R A N Ç A DO
AUSTRO-HÚNGARO
RENO
Mar Negro
Leão
Burgos Toulouse
Limites do
Ciudad Império Napoleônico
Rodrigues Frejus
Elba Estados satélites
REINO DE Marchas de Napoleão em
PORTUGAL 1805, 1806, 1809 e 1812
Madri NÁPOLES
Retorno de Napoleão de
ESPANHA Elba para Paris e governo
dos Cem Dias
N
Mar Mediterrâneo Avanços de Wellington
Greenw de

(inglês) na Espanha
ich
no

O L (1812-1814)
Meridia

0 320
Batalhas
S km
0° 15°L 30°L
fonte:da
Atlas Atlas da História
História do Mundo,
do Mundo. The Times/Folha
The Times/Folha de São Paulo.
de S. Paulo.

soldados. Apesar do grande exército, Napoleão não foi Acompanhado de uma guarnição que o conduzira
vitorioso, pois o czar ordenou aos russos que usassem a Elba, Napoleão Bonaparte voltou à França e marchou
a tática de “terra arrasada”: envenenando as águas, des- para Paris, recebendo o apoio de seus soldados, que
truindo pontes, queimando plantações e incendiando desacataram as ordens de prisão que haviam recebido
cidades, ou seja, impedindo o uso dos recursos locais contra “seu general”. Em 1815, com a fuga de Luís XVIII,
para o abastecimento do exército. Além disso, as tropas Napoleão retornou a Paris, e começou a fase final do
francesas foram surpreendidas pelo rigoroso inverno período napoleônico.
russo, o que concorreu para a dizimação do exército
de Napoleão. O general foi vencido pelo frio, pela fome
e por doenças como o tifo, e apenas 30 000 homens O Governo dos Cem Dias e
retornaram à França. o Congresso de Viena
A desastrosa campanha na Rússia e a formação da
Quinta Coligação antifrancesa – formada por Áustria, O período dos Cem Dias foi marcado pela rearti-
Prússia, Rússia e Inglaterra – conseguiram derrotar Napo- culação do exército napoleônico e por sua tentativa
leão em Leipzig, em 1813, e, um ano depois, tomar Paris. de vencer agora a Sexta Coligação antifrancesa, cujo
Napoleão foi derrotado e exilado na ilha de Elba, desenlace foi na Batalha de Waterloo, em 18 de junho
restaurando-se a monarquia com os Bourbon, na pessoa de 1815, em território belga, onde Bonaparte liderou um
de Luís XVIII, que moveu uma perseguição aos aliados de exército de 124 000 homens. Seus inimigos agiram em
Napoleão e fez retornarem os exilados pela Revolução, conjunto e, entre ingleses, prussianos, austríacos e russos,
num período chamado de Terror Branco. compuseram um exército de cerca de 210 000 soldados.
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CURSINHO DA POLI 7
história geral • aula 8

Napoleão foi finalmente derrotado. Assinou sua se- A derrota de Napoleão permitiu o retorno de Luís
gunda abdicação e foi exilado na ilha de Santa Helena, XVIII ao trono francês, como também a reestruturação
um rochedo de controle britânico localizado no Atlântico do equilíbrio europeu, pela restauração do absolutismo,
Sul, até sua morte, em 1821. com a formação do Congresso de Viena.
Seus restos mortais só retornaram à França em Para “recuperar” as perdas sofridas com a Revolução
1830, com a ascensão de Luís Felipe de Orleans, que Francesa, os países absolutistas encaminharam seus
concedeu a Napoleão um enterro com honras de representantes para discutir a situação da Europa pós-
chefe de Estado e sepultou seus despojos na Igreja -napoleônica, com destaque para o príncipe Metternich,
do Hotel dos Inválidos, junto às margens do rio Sena, da Áustria, e de Charles-Maurice de Talleyrand, como
em Paris. representante da França.
A
A Europa
Europado
doCongresso
Congressode
deViena
Viena
FINLÂNDIA
1825
REINO DA
NORUEGA
REINO DA
Mar SUÉCIA Moscou
do
REINO UNIDO Mar
DA GRÃ-BRETANHA
Norte REINO DA
DINAMARCA Báltico
E IRLANDA
1829 HELGOLAND HOLSTEIN
LAUENBURG SIA
PRÚS REINO DA IMPÉRIO RUSSO
HANOVER O DA
15°O REINO DOS REIN
PAÍSES 1830-31
1830
BAIXOS
SAXÔNIA
POLÔNIA
OCEANO Paris LUX. BOÊMIA REPÚBLICA
DA CRACÓVIA
ATLÂNTICO 1830 BESSARÁBIA
BAVIERA Viena
45°N IMPÉRIO GALÍCIA 1821
REINO DA CONFEDERAÇÃO TIROL
AUSTRÍACO MOLDÁVIA
HELVÉTICA REINO DA CRIMEIA
FRANÇA REINO DA TRANSILVÂNIA
HUNGRIA
1824 SAVOIA LOMBARDIA 1817
DA CROÁCIA
VALÁQUIA
REINO DE VÊNETO 1831
LM Mar Negro
1834-39 PIEMONTE ÁCBÓSNIA SÉRVIA
REINO DE TOSCANA ESTADOS IA BULGÁRIA
PORTUGAL REINO DA PONTIFICIAIS MONTENEGRO
Córsega
ESPANHA N
1820 1830 MACEDÔNIA
1820 es
1822 Ba lear
SARDENHA REINO DAS IMPÉRIO OTOMANO O L
DUAS SICÍLIAS Ilhas
de

Mar Mediterrâneo Jônicas


h

S
Greenwic
Meridiano

GRÉCIA
1820
0 340
ÁFRICA km
0° 15°L 30°L

aquisições Tratados de Paris


Confederação (1814 e 1815)
do Reino Unido da Rússia Germânica
Cogresso de Viena
da Áustria da Suécia (junho/1814 a junho/1815)
fronteiras
m
movimentos revolucionários
da Prússia de Piemonte-Sardenha em 1815 n
nacionais ou liberais
fonte: Hilário Franco Jr. e Rui de Oliveira Andrade. Atlas de História Geral. São Paulo: Scipione.
Hilário Franco Jr. e Rui de Oliveira Andrade. Atlas de História Geral. São Paulo: Scipione.

No Congresso de Viena, ficou estabelecida a volta não despertasse o espírito revolucionário que sacudira
ao status quo anterior à Revolução, com base em dois a Europa entre 1789 e 1815.
princípios: o princípio do equilíbrio, que representava Apesar do empenho na restauração das forças
a manutenção da equivalência de forças das potências conservadoras, não se constituiu uma força coesa e
europeias, evitando um novo conflito, e o princípio da sustentável. A Santa Aliança durou até 1830, quando
legitimidade, pelo qual as dinastias derrubadas pela voltaram a eclodir novas revoluções burguesas na
Revolução voltavam a seus respectivos tronos, recupe- Europa.
rando-se a ordem do Ancien Régime. O apoio da Inglaterra, o único Estado liberal entre
Criou-se ainda a Santa Aliança, um pacto militar entre absolutistas, foi por um curto período, em virtude de
Áustria, Prússia, Rússia, França e Inglaterra, que funcionou seus interesses econômicos. Depois, a posição inglesa
como instrumento de repressão a possíveis revoltas mudou, porque era muito mais rentável apoiar as colô-
contrárias ao absolutismo dentro e fora da Europa. O nias da América que lutavam por independência do que
objetivo era agir rapidamente, para que uma nova crise colaborar para sua repressão.
724-3

8 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 8

resumo da ópera a) a concentração do poder nas mãos da burguesia, que


passou a zelar pelo bem-estar das novas ordens sociais.
Nesta aula, apresentamos o processo revolucionário b) a formação de uma sociedade fundada nas concep-
que serviu de referência para a construção do modelo ções de direitos dos homens, segundo as quais todos
social vigente no mundo ocidental: a sociedade iguali- nascem iguais e sem distinção perante a lei.
tária, liberal e laica que procura defender a democracia c) a formação de uma sociedade igualitária regida pelas
e os princípios de liberdade e cidadania. comunas, organizadas a partir do campo e das pe-
Assim, para entender a Revolução Francesa, precisa- riferias urbanas.
mos entender a crise do Antigo Regime, deposto por ela, d) convulsões sociais, que culminaram com as guerras
e também acompanhar a movimentação dos diferentes napoleônicas e com a conquista das Américas.
agentes históricos na formulação do processo revolu- e) o surgimento da soberania popular, com eleição de
cionário: girondinos, jacobinos, bonapartistas e realistas. representantes de todos segmentos sociais.
Nasceu, portanto, o Estado burguês, que seria
controlado pela burguesia e de acordo com seus
princípios, mas isso não necessariamente significou Estudo orientado
uma mudança positiva para todos, pois ainda existiam
segmentos excluídos do poder e de sua representa- exercícios
ção – por exemplo, o nascente operariado e mesmo
os camponeses. 1. (FATEC)
Além de compreender as principais características Artigo 6 - A lei é a expressão da vontade geral; todos
de cada etapa da Revolução, é importantíssimo ob- os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou
servar o movimento de permanência e mudança não por seus representantes, à sua formação; ela deve ser a
só na França, mas em toda a Europa e nas Américas, mesma para todos, seja protegendo, seja punindo.Todos
onde veremos o legado do “pensamento francês” que os cidadãos, sendo iguais a seus olhos, são igualmente
sacudiu o mundo. admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos
públicos,segundo sua capacidade e sem outras distinções
que as de suas virtudes e de seus talentos.
Exercícios Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
26 ago. 1789.
1. (UFLA) A história permite associar fatos históricos O artigo acima estava diretamente relacionado aos
que ocorreram em lugares e tempos diferentes como, ideais:
por exemplo, as Revoluções Francesa, de 1789, e Rus- a) socialistas, que fizeram parte da Revolução Mexicana.
sa, de 1917. Assinale a alternativa em que a correlação b) capitalistas, que fizeram parte da Independência
entre ambas as Revoluções NÃO está correta. dos EUA.
a) Na Revolução Francesa, as massas populares eram c) comunistas, que fizeram parte da Revolução Russa.
representadas pelos sans-culottes, que pertenciam d) iluministas, que fizeram parte da Revolução Francesa.
aos jacobinos e, na Revolução Russa, eram os soviets e) anarquistas, que fizeram parte da Inconfidência Mineira.
de trabalhadores, que pertenciam aos bolcheviques.
b) Na Revolução Francesa e na Revolução Russa, as 2. (UFPR)
massas populares revoltaram-se, tomando o poder O jacobinismo transpôs a linha diante da qual hesi-
da nobreza e da burguesia, a exemplo do Terror tavam os constituintes. [...] Colocou-se no lugar de uma
Branco (1794-1795), na Revolução Francesa, e os liberdade negativa que não atribui ao homem qualquer
acontecimentos de dezembro de 1905 e janeiro de objetivo, uma liberdade dependente da ação virtuosa.
1906, na Revolução Russa. Colocou-se no lugar da livre associação dos indivíduos
c) Na Revolução Francesa e na Revolução Russa, a situação independentes,anteriormente a qualquer sociedade,uma
das massas era de extrema pobreza e miséria, devido cadeia social que em toda parte e sempre manifestava
à carestia dos alimentos e da exploração por parte da sua preeminência sobre as individualidades. Em lugar da
aristocracia rural, parasitária de origem feudal. liberdade dos modernos,colocou-se a liberdade militante
d) Tanto na Revolução Francesa como na Revolução e mobilizada dos antigos. Nesse ponto, naufragou o indi-
Russa, as massas promoveram assassinatos de nobres, vidualismo dos direitos do homem. É preciso reconhecer
após assumirem o poder. a coerência dos jacobinos. Embora tenham continuado
a evocar a liberdade em fórmulas paradoxais e exaltadas
2. (UEL) A Revolução Francesa representou uma ruptu-
(o“despotismo da liberdade”),não camuflaram o reino do
ra da ordem política (o Antigo Regime) e sua proposta
extraordinário. Opuseram a liberdade da Constituição à
social desencadeou:
724-3

CURSINHO DA POLI 9
história geral • aula 8

liberdade da Revolução:“A Constituição, disse Saint-Just, 4. (UERJ)


é o reino da liberdade vitoriosa e pacífica. A Revolução Sendo iguais entre si, os homens são também in-
consiste na guerra da liberdade contra os seus inimigos”. dependentes na ordem da natureza: são livres […]. A
Mona Ozouf. Liberdade. In: M. Ozouf; François Furet. Dicionário sociedade, pois, é obra da vontade dos homens.
Crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, A lei na sociedade é a expressão livre e solene da
1989, p. 784-785. vontade geral.
Correo Semanario, político y mercantil de México, 1811.
Com base no texto e em seus conhecimentos sobre o
tema, é correto afirmar que estiveram em jogo no episó- O texto reflete o ideário liberal da Revolução Francesa,
dio da Revolução Francesa dois conceitos de liberdade: que influenciou as colônias espanholas da América no
a) aquele que se fundava no direito natural e se opunha momento de sua independência.
à ordem aristocrática do Antigo Regime e aquele que Identifique e explique duas ideias apontadas no texto
se fundava na ideia de um contrato social que, por que evidenciem a relação entre a Independência do
meio da vontade geral, regularia o Estado civil. México e os princípios norteadores da Revolução
b) o dos antigos, que definia liberdade como ausência Francesa.
de coerção, e o dos modernos, que a definia como
vontade positiva; o segundo postulava uma repre-
sentação objetiva da felicidade humana, e o primeiro roda de leitura
não contemplava qualquer representação de tal
felicidade.
c) um deles de concepção aristotélica, que subordi- texto 1
nava os objetivos morais à liberdade, e o outro que La Marseillaise
submetia a vida humana à finalidade virtuosa e Allons enfants de la Patrie
justificava, por antecipação, as restrições impostas Le jour de gloire est arrivé!
à liberdade. Contre nous de la tyrannie
d) as liberdades no plural “franquias e privilégios“ dos L’étendard sanglant est levé! [bis]
modernos em oposição à liberdade absoluta, isto é, Éntendez vous dans les campagnes,
a garantia da liberdade individual vigente no Antigo Mugir ces féroces soldats?
Regime em oposição ao aniquilamento dessas liber- Ils viennent jusque dans vos bras
dades em favor do bem-estar coletivo preconizado Égorger vos fils, vos compagnes!
pelos evolucionários.
e) a “liberdade francesa”, que se define pela supressão Aux armes citoyens!
da necessidade de igualdade, e a “liberdade inglesa”, Formez vos bataillons!
fundada na ideia de que os indivíduos apresentam Marchons! Marchons!
uma mesma solução se confrontados com os termos Qu’un sang impur
de um mesmo problema político. Abreuve nos sillons!

3. (UFRRJ) Leia o texto a seguir e responda ao que se pede. A Marselhesa


A luta dos Estados Unidos contra a Inglaterra Avante, filhos da Pátria,
foi apenas uma “guerra de independência” ou foi O dia de glória chegou!
uma revolução? […] Alguns têm procurado ver, na Contra nós a tirania
guerra de independência americana, uma revolução levanta seu estandarte ensanguentado!
[...], outros negam que essa guerra tenha trazido às Ouvis nos campos,
antigas colônias inglesas profundas modificações rugirem esses ferozes soldados?
econômicas e sociais. O meio termo é a opinião que Vêm eles até seus braços
deve prevalecer. Degolar seus filhos, suas mulheres!
Jacques Godechot. As Revoluções: 1770-1799. Às armas, cidadãos!
São Paulo: Pioneira, 1976, p. 19. Formai vossos batalhões!
Marchemos! Marchemos!
a) Por que a guerra de independência dos Estados Com quanto sangue impuro
Unidos não pode ser considerada, do ponto de vista Ensoparemos nossos campos cultivados!
político, simplesmente uma guerra anticolonial? La Marseillaise. Hino Nacional da França (www.elysee.fr/
b) Aponte o impacto para o Estado francês de sua par- elysee/elysee.fr/francais_archives/les_symboles_de_la_repu-
ticipação na guerra de independência. blique/la_marseillaise/la_marseillaise.21106.html).
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10 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 8

texto 2 Maria Antonieta (direção: Sophia Copolla, 2008). Produ-


Essa fortaleza fantástica, que começou a ser constru- ção que buscou a mais precisa reprodução da realeza
ída em 1369, sob Carlos V, e concluída em 1383, esse ter- europeia no fim do século XVIII, tendo como fio condutor
rífico colosso que Luís XVI julgava inexpugnável, acabou a vida da princesa austríaca Maria Antonieta. No entan-
finalmente por ser tomada de assalto em quatro horas to, vale observar que, de certa forma, o filme atenua as
por uma indisciplinada milícia sem chefe, por burgueses responsabilidades da rainha de Luís XVI na grave crise
inexperientes, ajudados, é certo, por alguns soldados da que levou à Revolução Francesa.
Pátria e mais tarde por um punhado de homens livres!
Oh! Santa Liberdade, tal é então o teu poder! O bravo Para melhor compreender a arte que se produziu no
granadeiro Harné, que foi o primeiro a apoderar-se do contexto da Revolução Francesa, sugerimos o compo-
governador,recebeu ontem,das mãos da Assembleia dos sitor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), que
cidadãos de Paris e em nome da Nação, a coroa cívica e assistiu aos desdobramentos do movimento revolucio-
a cruz da Ordem real e militar de São Luís que era usada nário e chegou, por exemplo, a dedicar sua Sinfonia nº 3
pelo governador da Bastilha [...] A notícia de um tão a Napoleão Bonaparte, a quem via como um libertador,
grande e tão glorioso acontecimento espalhou a alegria mas a transição do Consulado para o Império frustrou-o;
e a esperança em todos os bairros da cidade […]. ele se arrependeu e riscou a dedicatória, pois Bonaparte
Diário de Loustalot, 15 jul. 1789. In: Gustavo de Freitas. 900 tex- seria mais tirano. Beethoven foi acometido por uma
tos e documentos de história. v. III. Lisboa: Plátano, 1976, p. 87. surdez crônica, mas sua composição não foi afetada;
ele produziu mesmo quando já estava completamente
surdo. Desse período, destacamos a 9ª Sinfonia, uma
pesquisar e ler grande celebração da união entre os homens.

Jorge Luís da Silva Grespan. Revolução Francesa e


Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003. O texto apresen- ágora
ta os principais pensadores do século XVIII na França,
situando-os no processo de questionamento que levou Os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade
à eclosão da Revolução Francesa. são as bases do movimento revolucionário de 1789, que
Lev Nikolaievitch Tolstoi. Guerra e paz. São Paulo: depôs o absolutismo francês, e desde então constituem
L&PM, 2009. Romance que tem como pano de fundo a os parâmetros do atual modelo de sociedade: uma cole-
Rússia imperial entre 1805 e 1815, procurando mostrar tividade formada por cidadãos que nascem livres e são
os horrores da guerras e exaltar os valores positivos para todos iguais perante a lei.
a superação dos dilemas que envolvem a humanidade: Dessa forma, perguntamos: nossa sociedade é plena-
os vícios e as virtudes do caráter humano. mente igualitária? A cidadania é plenamente garantida
Modesto Florenzano. As revoluções burguesas. São pela Constituição?
Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História.) Síntese
dos principais elementos que envolveram a tomada do
poder pelas burguesias inglesa no século XVII e francesa senha
no século XVIII.

Embaixada da Venezuela, Rio de Janeiro

ver e ouvir
Steven Wynn/iStockphoto.com

Danton: o processo da Revolução (direção: Andrzej Wajda,


1982). Os princípios de liberdade, igualdade e fraterni-
dade foram esquecidos durante a fase mais radical da
Revolução, a qual, segundo alguns historiadores, “devo-
rou seus líderes”. Entre eles, está a figura de Danton, que
confronta Robespierre e sua sede de sangue.

Napoleão (direção: Yves Simoneau, 2002). Essa superpro-


dução procura focalizar o homem Napoleão Bonaparte:
indivíduo dotado de necessidades e desejos, forças e
fraquezas iguais aos de qualquer ser humano.
724-3

CURSINHO DA POLI 11
aula 9 Américas inglesa e espanhola
Quando comparo as repúblicas gregas e romanas colônias, as quais estavam habituadas a uma cômoda
com essas repúblicas da América, as bibliotecas ma- autonomia, principalmente no norte, onde a economia
nuscritas das primeiras e seu populacho grosseiro com era mais dinâmica e voltada para o mercado interno.
os mil jornais que circulam nas segundas e com o povo No entanto, as relações com a Metrópole foram aba-
esclarecido que as habita; quando em seguida penso ladas pela Guerra dos Sete Anos (1756-1763), travada na
em todos os esforços que ainda são feitos para julgar Europa entre Inglaterra e França, mas que se desdobrou
uns com a ajuda dos outros e prever, pelo que aconte- na América envolvendo colonos franceses e ingleses,
ceu há dois mil anos, o que acontecerá em nossos dias, bem como tribos indígenas que habitavam as regiões
sou tentado a queimar meus livros, a fim de aplicar em litígio. Sob a promessa de ocuparem os territórios
apenas ideias novas a um estado social tão novo. tomados aos franceses, muitos ingleses se engajaram,
Alexis de Tocqueville, 1835 especialmente pelo fato de a França dominar extensas
regiões na América do Norte e a Coroa britânica ter
A guerra se iniciou realmente como um protesto sempre proibido a ocupação territorial além dos montes
contra os abusos da metrópole e da alta burocracia Apalaches, uma espécie de fronteira natural entre os
espanhola, mas também, e sobretudo, contra os grandes domínios britânicos e as áreas francesas e indígenas.
latifundiários nativos. Não foi a rebelião da aristocracia O conflito foi vencido pelos ingleses, que receberam
contra a metrópole, mas sim a do povo contra a primeira. da França os territórios do Canadá e os portos franceses
Daí que os revolucionários tenham concedido maior da Índia. Apesar do grande impacto da vitória para o
importância a determinadas reformas sociais que à Império Britânico, os cofres do tesouro inglês não condi-
independência propriamente dita: Hidalgo decreta a abo- ziam com esse “triunfo”, e foi justamente a precariedade
lição da escravatura; Morelos, a divisão dos latifúndios. financeira que levou a Coroa a agir rapidamente em bus-
A guerra de Independência foi uma guerra de classes, e ca de recursos, e do modo mais impopular: criando novos
não se compreenderá bem o seu caráter se ignorarmos impostos, aumentando a repressão ao contrabando com
que, diferente do que ocorreu na América do Sul, foi uma as Antilhas e garantindo a exploração do comércio para
revolução agrária em gestação. as companhias controladas pela Coroa, fator que pouco
Octavio Paz, 1984 a pouco foi reduzindo a “liberdade salutar”,tão apreciada
pelos colonos ingleses.
As duas epígrafes apresentam duas diferentes ideias de Em 1763, a Coroa estabeleceu nas colônias o im-
revolução que estavam em debate entre o fim do século posto do selo (Stamp Act), que passou a taxar todos os
XVIII e o início do século XIX, as quais, apesar dos diferentes documentos oficiais, livros e jornais. A repercussão desse
contextos locais, visavam a quebra da dominação colonial tributo foi tão negativa que, em três anos, ele foi abolido.
e a reorganização da sociedade, que pode de fato mudar, Outro evento que acirrou os ânimos entre os colonos
embora, em certa medida, pareça ter preservado velhos ele- e a Coroa foi a monopolização do comércio de chá pela
mentos do período colonial, mudando apenas os senhores: Companhia das Índias Orientais, em 1773. Irritados com
caíram “os de fora” e ascenderam “os de dentro”. o prejuízo que tiveram, os comerciantes locais se fanta-
Os ideais iluministas nortearam a construção de siaram de índios e jogaram um grande carregamento
modelos políticos que assegurassem a propriedade de chá no mar, episódio que ficou conhecido como The
privada, a igualdade civil, as liberdades civis e a organi- Boston Tea Party, ou a festa do chá de Boston.
zação efetiva de um Estado representativo cujo governo A represália não tardou: a Coroa fechou o porto de
fosse oriundo da sociedade que o elegeu e não mais da Boston, destituiu o governador da colônia de Massachu-
“Divina Providência”, conforme se colocava no Antigo setts, substituindo-o por um inglês indicado pelo rei, e
Regime, isto é, no Absolutismo. enviou tropas para ocuparem a cidade de Boston até que
O êxito da independência dos EUA fez com que o os colonos pagassem todo o prejuízo com o chá e o custo
modelo estadunidense se multiplicasse, e as colônias da presença dessas tropas. Essas medidas constituíram
ibéricas tiveram um novo paradigma a seguir. Cada qual a as ditas “leis intoleráveis”.
seu tempo, buscaram reunir esforços para construir uma Em 1774, foi convocado o I Congresso Continental
nova nação; mas nem tudo o que era antigo ou colonial da Filadélfia, em que representantes de cada colônia
foi esquecido, especialmente na América Latina. discutiram ações contra a intransigência da Coroa.
Firmou-se então a Declaração dos Direitos, que reputava
ilegal a cobrança de novos impostos sem a aprovação
A ruptura com a Metrópole dos representantes americanos e postulava um boicote
aos produtos ingleses.
O sistema monopolista inglês estava interessado A crise agravou-se em 1775, com o choque entre co-
em intensificar os mecanismos de controle sobre suas lonos e as tropas britânicas na batalha de Lexington, fato
724-3

12 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

que motivou a convocação do II Congresso da Filadélfia,


em que se aprovou a Declaração de Independência, em Washington e Benjamin Franklin eram lideranças
4 de julho de 1776, assinada pelos representantes das 13 políticas que integravam a maçonaria e, depois de
colônias que então se rebelavam contra o domínio inglês. vitoriosos, participaram da decisão dos caminhos da
A Inglaterra não recebeu bem o documento, e a nação recém-emancipada.
reação imediata foi a repressão do movimento rebelde, Em 1932, o presidente Franklin Roosevelt,
iniciando uma guerra de independência que se arrastou também maçom, introduziu a nota de 1 dólar, que,
por sete anos. A vitória inicial foi dos ingleses, pois, além como outras, ostenta inúmeros símbolos maçôni-
de não dispor de um exército bem treinado e aparelhado cos: uma pirâmide de 13 degraus (13 colônias ingle-
como o britânico, os colonos enfrentavam também os sas), coroada por um delta que traz no seu interior
colonos “legalistas”, que apoiavam os ingleses, e as tribos um olho, e as frases Annuit coeptis (“Favorecei a
indígenas que haviam sido expulsas pelos americanos e empresa”) e Novus ordo seculorum (“Nova ordem
agora lutavam contra eles. dos séculos”), além da imagem de Washington.
A sorte dos colonos mudou com a vitória americana
na batalha de Saratoga, em 1777, e o apoio da França
(com tropas e auxílio financeiro), sob a liderança de um
“nobre liberal”, o marquês de La Fayette. Os Estados Unidos da América
Em 1781, contando também com apoio espanhol, as
tropas franco-americanas tiveram uma vitória decisiva Uma vez conquistada a independência, os políticos es-
na batalha de Yorktown, abrindo caminho para a ocu- tadunidenses passaram a discutir a forma de governo a ser
pação de Nova York, de Charleston (Carolina do Sul) e adotada, entre duas: o centralismo, com um poder central
de Savannah (Geórgia). Assim, a presença britânica era forte, e o federalismo, com a autonomia do poder local.
insustentável, quando as hostilidades foram interrompi- Influenciada pelas ideias de Montesquieu, a Consti-
das, em 1782, pela assinatura de um tratado de paz em tuição de 1787 criou a estrutura de uma república fede-
Paris. Depois do reconhecimento da derrota pela Coroa rativa presidencialista, sob a liderança do presidente da
inglesa, o processo de reconhecimento da nação ame- República como representante do Poder Executivo, com o
ricana se concluiu com o Tratado de Versalhes, em 1783. Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado
Federal, do Legislativo, e a Suprema Corte de Justiça e os
tribunais estaduais e municipais, do Judiciário.
Iluminismo e Maçonaria A República dos Estados Unidos da América foi a sín-
tese das duas propostas iniciais, favorecendo a autonomia
No século XVIII, entre as forças políticas que se das províncias e a autoridade concentrada na pessoa do
articulavam com o liberalismo, encontrava-se a Maço- presidente da República. O primeiro a ser eleito foi o líder
naria: uma sociedade secreta, filantrópica, composta das tropas americanas durante a guerra de independên-
exclusivamente por homens, que se organizou desde cia, George Washington, que governou entre 1789 e 1792
a Idade Média e se difundiu por várias partes da Eu-
e foi reeleito para mais um mandato, de 1793 a 1796. Seus
ropa e, depois, nas colônias.
partidários tentaram convencê-lo a se candidatar pela
O termo “maçom” deriva do francês maçon (pe-
terceira vez, mas ele se recusou e justificou: “Lutei por uma
dreiro), pois, originalmente, a sociedade teria sido
república e não quero instituir uma monarquia.”
ligada a corporações de pedreiros e dali atingido
outros setores da sociedade. A Maçonaria tinha por
referência a crença num Deus único – o Grande Arqui-
teto do Universo – e, ao longo da Idade Moderna, teria
sido adotada por diferentes segmentos da sociedade.
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Do século XVII em diante, passou a ter um espaço sig-


nificativo, pois o pensamento humanista e a defesa de
valores como igualdade, liberdade e fraternidade con-
sonavam com as concepções maçônicas, bem como
com o pensamento liberal. Assim se compunha um
cenário em que maçons ingressavam na vida pública
e, ao mesmo tempo, defendiam as bandeiras liberais
e promoviam a expansão da própria maçonaria.
As mais antigas lojas maçônicas na América in-
glesa datam de 1730, e, no caso dos rebeldes, George
George Washington
724-3

CURSINHO DA POLI 13
história geral • aula 9

A consolidação dos EUA ligava-se ao desdobramento boa parte da cidade num grande incêndio, atingindo
das gestões John Adams (1797-1801), Thomas Jefferson inclusive a Casa Branca, sede do governo federal.
(1801-1809) e James Madison (1809-1817), especialmente Em 1814,estabeleceu-se um cessar-fogo e se formalizou
deste último, pois as disputas econômicas que envolviam a uma discussão da paz, com a assinatura de um tratado em
navegação na fronteira entre os EUA e os territórios britâ- Gand,na atual Bélgica,no qual ambos os lados reconheciam
nicos no Canadá foram responsáveis por uma nova guerra a circulação de navios e a delimitação das fronteiras.
com o Império Britânico, entre 1812 e 1815, momento em No governo do presidente James Monroe (1817-
que os ingleses combatiam Napoleão na Europa e tenta- 1825), o país se estabilizou, e ele foi um dos principais
vam não perder mais espaço nos domínios americanos. articuladores de uma maior interação entre as nações da
América, fato que se desdobrou na chamada Doutrina
Coleção Particular

Monroe, de 1823 – sob a divisa “a América para os ame-


ricanos” –, cujo intento era minimizar a influência das
potências europeias e abrir espaço para a consolidação
dos EUA como potência continental.

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Thomas Jefferson

As hostilidades foram mais intensas na região fron-


teiriça com o Canadá, mas também houve momentos
de crise como o ataque inglês à capital (Washington,
em homenagem ao primeiro presidente), que destruiu
Benjamin Franklin

50°N 100°O 80°O

CANADÁ
WASHINGTON

MAINE
Benjam
Estados Unidos em 1783 OREGON
MICHIGAN VERMONT NEW
MINNESOTA HAMPSHIRE
IDAHO
Cedido pela Inglaterra em 1783 LUISIANA WISCONSIN MASSACHUSETTS
NOVA YORK RHODE IS.
40°N CONNECTICUT
Comprado da França em 1803
IOWA PENSILVÂNIA NOVA
Comprado da Espanha em 1819 NEBRASKA JERSEY
NEVADA
OHIO
DELAWARE
INDIANA
Cedido pela Inglaterra em 1846 UTAH ILLINOIS VIRGÍNIA MARYLAND
CALIFÓRNIA OCIDENTAL
KANSAS VIRGÍNIA
Cedido pelo México em 1848 MISSOURI
KENTUCKY
CAROLINA
DO NORTE
TENNESSEE
OKLAHOMA
NOVO MÉXICO ARKANSAS CAROLINA
0 ESTADOS
120°O
120
0°O
DO SUL
ESCRAVAGISTAS QUE OCEANO
PERMANECERAM GEÓRGIA ATLÂNTICO
MISSISSÍPI
30
0°°N
N UNIÃO ALABAMA
NA
TEXAS N
OCEANO LUISIANA
40°N
PACÍFICO FLÓRIDA
O L
ESTADOS DA UNIÃO
50°N
MÉXICO Golfo do México S
CANADÁ 0 330

km

120°O
OCEANO
30°N ATLÂNTICO
ESTADOS CONFEDERADOS Hilário Franco
fonte: HilárioJr.Franco
E Rui de
Jr. eOliveira Andrade.
Rui de Oliveira Atlas Atlas
Andrade. de História Geral.
de História SãoSão
Geral. Paulo: Scipione.
Paulo: Scipione.(adaptado)
(Adaptado)

OCEANO
PACÍFICO MÉXICO
Golfo do México
100°O 80°O
724-3

14 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

Inicialmente, os EUA eram constituídos pelas 13 colônias para a exportação, principalmente para a Inglaterra, que
atlânticas, até a região dos Apalaches; em 1783, foi acrescen- enviava em troca seus produtos manufaturados.
tada a área até o Mississipi.A expansão para o oeste deveu-se O norte pretendia expandir o mercado consumidor
à forte imigração europeia e à expulsão dos indígenas e interno, favorecer os produtos nacionais industrializados
seu consequente massacre ou confinamento em reservas. com o protecionismo alfandegário e produzir com trabalho
Neutralizada a presença indígena, a chamada Mar- assalariado, o que resultava num conflito entre os interesses
cha para o Oeste foi acompanhada de uma política de industriais do norte e os interesses agrícolas do sul.
incentivo à ocupação por parte do Estado, que ofereceu Essa divergência acerca do destino econômico do país,
porções de terra (propriedades com 20 a 25 ha) e linhas somada às diferenças políticas,favoreceu a formação de dois
de crédito que permitiam ao pequeno produtor se ins- partidos:o partido Republicano,representante da burguesia
talar e desenvolver sua produção, fator central para a industrial do norte, e o partido Democrata, composto pela
consolidação da ocupação das terras recém-adquiridas. aristocracia sulista.
O território estadunidense foi ampliado também
por ações diplomáticas para a cessão ou a compra de
novas áreas. Foram comprados os territórios da Louisiana O Caminho das Lágrimas
(2 milhões de km² por 15 milhões de dólares, da França,
em negociações do presidente Thomas Jefferson com O presidente Andrew Jackson (1829-1837) obte-
Napoleão, em 1803), da Flórida (por 5 milhões de dólares, ve a aprovação do Congresso para a lei de expulsão
da Espanha, em 1819) e o Alasca (por 7 milhões de dólares, dos índios (Indian Removal Act), segundo a qual
do Império Russo, em 1867). 16 000 cherokees foram banidos das terras que ocu-
A expansão dos EUA não tinha se concluído, pois a pavam havia séculos no sudeste dos EUA (Carolina
fronteira com o México (independente da Espanha des- do Norte e do Sul, Alabama, Geórgia e Tennessee e
de 1821) se tornou um novo foco de tensão, posto que ainda uma parte do Kentucky e da Virgínia) e deslo-
inúmeros cidadãos estadunidenses haviam transposto cados por uma tortuosa marcha de mais de 1500 km
a fronteira e organizaram fazendas no extremo norte do até o território de Oklahoma, na outra margem do
território mexicano. rio Mississipi, recebendo uma indenização de 4,5
Segundo a Constituição, qualquer território pode pe- milhões de dólares e uma área de 400 000 ha de
dir seu ingresso na federação, e isso aconteceu quando terras cultiváveis.
os colonos estadunidenses que estavam no México rom- A aprovação da lei não teve o respaldo das
peram com as autoridades locais e criaram o estado do lideranças cherokees, e não havia no Congresso
Texas, requerendo sua imediata incorporação aos EUA. nenhum representante indígena ou um deputado
Como o governo mexicano não aceitou esse movi- que defendesse sua causa. Mesmo assim, os che-
rokees foram obrigados a cumprir a lei: inicialmente,
mento, considerando-o rebelde, a repressão foi imediata,
foram concentrados em fortes ou acampamentos
e o governo estadunidense entrou em guerra com o
e, depois, sob a vigilância do exército, conduzidos
México, o qual foi derrotado no conflito que se estendeu
durante o inverno ao destino final. No caminho,
de 1845 a 1848. Em consequência, perdeu-se metade do
pereceram idosos, crianças, doentes e outros fra-
território mexicano para os EUA, estabelecendo-se a atual
gilizados – apenas 75% dos índios chegaram ao
fronteira, cuja linha divisória é o curso do rio Grande.
remoto território de Oklahoma.
A expansão para o oeste motivou um novo acordo
O motivo da expulsão era a descoberta de filões
fronteiriço: em 1848, a região do Oregon foi cedida pela
de ouro no território cherokee na Geórgia, além dos
Inglaterra, num tratado de definição de fronteiras entre
interesses de exploração agrícola para o aproveita-
os EUA e o Canadá, na região do extremo oeste.
mento dos imigrantes que não paravam de chegar:
A expansão territorial ensejou uma nova configuração
em 1780, a população dos EUA era de 3 milhões de
social nas áreas adquiridas, com diferentes interesses e
habitantes e, em 1828, atingiu 12 milhões. Entre 1783
dimensões: o sul era conservador, com a aristocracia rural e 1830, chegaram aos EUA cerca de 400 000 imigran-
baseada no sistema de plantation; o centro e o oeste, um tes e, com a compra da Louisiana, aumentaram os
grupo emergente de pioneiros na expansão, com a criação atrativos da “terra das oportunidades”.
de gado e lavoura; o norte e o leste, uma burguesia industrial Infelizmente, as mesmas oportunidades não
e comercial com grande poder aquisitivo e também com foram estendidas aos nativos indígenas. Suas terras
grande número de operários organizados. lhes foram tomadas sob o lema “índio bom é o índio
E as transformações dessa sociedade tinham ainda a morto”. Destruíram-se várias culturas, foram mortas
presença de uma instituição colonial: a escravidão negra. milhares de pessoas e se segregaram os sobrevi-
Assim, a economia sulista calcava-se no trabalho escravo ventes.
(concentrado na produção agrícola) e livre-cambista,voltada
724-3

CURSINHO DA POLI 15
história geral • aula 9

A Guerra de Secessão (1861-1865) territorial graças também ao grande contingente de imi-


grantes. Em pouco tempo, a extensão do parque industrial,
O embate político e econômico entre norte e sul teve fruto da ênfase do governo na ampliação das fábricas e na
um destaque maior com a eleição dos representantes exploração dos diferentes recursos naturais, bem como a
no Congresso para as novas áreas, pois o sul pretendia implantação de ferrovias e portos abriram caminho para
expandir a escravidão para o oeste, enquanto o norte os EUA se consolidarem como potência regional e, depois
pretendia ampliar as regiões com trabalho livre. A solu- de 1914, mundial, ocupando gradativamente o lugar da
ção sobreviria quando um dos grupos políticos obtivesse antiga Metrópole, a Grã-Bretanha.
o controle do governo e a maioria no Congresso com Os negros precisaram esperar mais um século para
seu partido. ter igualdade de direitos com os brancos, e não foi um
As eleições de 1860 foram vencidas pelo republicano processo pacífico. Nos estados sulistas, havia um vio-
Abraham Lincoln, fato que representou uma ameaça lento sistema de segregação racial: negros não podiam
para os interesses do sul. Devido a isso, 11 estados frequentar os mesmos lugares que os brancos (escolas,
escravocratas do sul romperam com o governo de Lin- transporte coletivo, praias, banheiros etc.), e essa situa-
coln e declararam independência, criando a República ção só começou a ser combatida nos governos de John
dos Estados Confederados da América, tendo a cidade Fitzgerald Kennedy (1961-1963) e Lyndon Johnson
de Richmond (Virgínia) como capital e Jefferson Davis (1963-1968), sob uma intensa pressão do movimento
como presidente. negro, que viu assassinados líderes como Malcolm X
O conflito contou inicialmente com vitórias dos (1965) e Martin Luther King (1968).
confederados, que se encontravam sob a liderança do Apesar de tantas lutas e dificuldades, a sociedade
general Lee, mas o norte, cujas forças eram lideradas estadunidense ainda convive com o racismo. Mesmo
pelo general Grant (que depois foi presidente entre estando hoje atenuado, ele subjaz aos ditos “valores
1869 e 1877), controlava a indústria bélica e também nacionais”, que procuram excluir também os imigrantes
a maior parte da Marinha, de modo que a União impôs – ilegais ou legais – de várias origens que vivem no país.
um bloqueio aos portos confederados, dificultando Ao mesmo tempo, os EUA continuam querendo ser reco-
a exportação de seus produtos (algodão e tabaco) e nhecidos pelo mundo como “a terra das oportunidades”.
cortando seu abastecimento de material bélico e outros
gêneros pelo exterior.

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As dificuldades de abastecimento e a superioridade
do exército da União reverteram a guerra. Pensando em
encerrar o conflito o quanto antes, Lincoln aboliu a escra-
vidão em todo o país em 1863, mas a guerra só terminou
em 1865, quando as tropas confederadas capitularam
em Appomattox. O resultado foi a devastação das terras
do sul, 600 000 mortos e a consolidação da hegemonia
do norte sobre todo o país.
No entanto, Lincoln não pôde comemorar a vitória,
pois foi assassinado pelo sulista John Wilkes Booth quan-
do assistia a uma peça no Ford Theater, em Washington,
em 14 de abril de 1865, tornando-se uma espécie de
mártir da defesa da nação e recebendo um memorial
em Washington, inaugurado em 1922.
Apesar da derrota, o ideal racista não desapareceu. A vitória das tropas do Norte sobre os confederados unificou os
Estados Unidos, mas preservou as diferenças existentes.
Organizou-se a Ku Klux Klan2, um movimento formado
A ideologia sulista persistiu mais um século, com a segregação
por ex-oficiais confederados e outros que não aceitavam racial que separava brancos e negros em todos os espaços
a integração dos negros à sociedade estadunidense, que públicos, como, por exemplo, vemos nesse ônibus.
se valeu de todo tipo de crime (espancamentos, estupros,
assassinatos, incêndios e sequestros) para instaurar um
clima de terror entre negros, mestiços e simpatizantes Os movimentos de independência da
da causa negra.
No período de reconstrução do país, intensificou-se a
América espanhola
industrialização, favorecendo a continuidade da expansão
A independência das colônias espanholas pode
2 Derivado do grego kuklos, que significa círculo, e assim temos “o clã do círculo”,cujos integrantes
ser compreendida a partir de revoltas que ocorreram
usavam uma túnica com o desenho da cruz celta, uma cruz dentro de um círculo. no final do século XVIII e se intensificaram no XIX,
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16 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

devido à crise espanhola decorrente das invasões


enorme levante indígena (que não teve apoio de
napoleônicas, quando se acirraram as lutas pelo fim
outros segmentos sociais) de Cuzco para o sul, de-
do domínio espanhol.
pois de novembro de 1780, que propunha o fim dos
Uma revolta muito importante se deu em 1780 no
corregidores e a abolição da mita para Potosí, sob a
Peru, comandada por um influente indígena, Tupac
insígnia de “viva o rei, morra o mau governo”. Tupac
Amaru, que se apresentava como descendente do úl-
cercou e conquistou Cuzco, realizando a execução
timo imperador inca. Contra as Reformas Bourbônicas,
pública de Arriaga na forca.
sublevaram-se mais de 60 000 índios; no entanto, não
A repressão da Coroa não tardou: enviou tropas
tendo conseguido o apoio de outros grupos, a rebelião
de Lima e Buenos Aires, e os confrontos abertos se
foi debelada em 1781.
desdobraram em verdadeiras carnificinas, devido ao
desequilíbrio de forças, culminando com a derrota
Elias Feitosa

e a captura de Tupac Amaru em abril de 1781. Con-


denado à morte, Tupac viu sua família ser torturada
e morta e depois recebeu execução exemplar em
Cuzco: teve sua língua cortada e o corpo esquar-
tejado pela ação de quatro cavalos. O número de
vítimas remontou a milhares, falando alguns de
seus contemporâneos em cerca de 100 000 pessoas.
Em 1963, visando derrubar o regime militar
estabelecido no Uruguai e implantar um governo
socialista, o líder marxista Raul Sendic fundou um
movimento guerrilheiro denominado Tupamaros.
Suas ações foram marcadas por assalto a bancos,
sequestro de membros do governo e enfrentamento
da ditadura uruguaia. O nome do movimento foi
uma homenagem ao líder indígena Tupac Amaru.
Com a redemocratização do Uruguai, os Tupamaros
se transformaram num partido político reconhecido
legalmente e hoje lideram o governo do país.

Desde as Reformas Bourbônicas, a elite criolla estava


Vista de Cuzco, século XVI. em franco desacordo com a administração das colônias,
os pesados impostos e a falta de participação política,
pois os chapetones predominavam nos cargos de poder
De Tupac aos Tupamaros político, militar e eclesiástico, o que excluía aqueles que
eram o poder econômico mas acabavam tratados como
Mestiço, educado pelos jesuítas e dono de “espanhóis de segunda categoria”.
propriedades rurais não legalizadas, José Gabriel O processo de independência das colônias espanho-
Condorcanqui era cacique do vilarejo de Tinta, no las na América decorreu do conjunto de eventos que
distrito de Cuzco. Tinha conflitos constantes com o levaram à crise do Antigo Regime, a partir do final do
corregidor de índios local, Antônio Arriaga, desde a século XVIII, com a Independência dos Estados Unidos,
década de 1770, quando enviou várias petições aos em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789. Esses fatos re-
tribunais da audiência demandando redução da presentaram a contestação ao regime absolutista tanto
alcabala (imposto sobre vendas que variava entre na Europa como na América, pois a manutenção de um
2% e 4%) e revisão do sistema de mita para Potosí. poder centralizado nas mãos do rei, o intervencionismo
Nesse contexto, em virtude da chegada à região estatal e a ausência de participação direta da burguesia
do visitador Areche, com o objetivo imediato de au- no governo eram sólidos elementos para favorecer a
mentar a extração fiscal das comunidades indígenas fermentação das ideias liberais na política e na economia.
por meio da legalização da posse da terra, a tensão Desde o final do século XVII, o pensamento liberal
gerada pela maior exploração da Coroa explodiu, e burguês (com as ideias de John Locke em defesa dos
dali se forjou um levante armado. direitos naturais – liberdade, igualdade perante a lei
A resposta de Condorcanqui foi a luta: adotan- e propriedade privada) teve uma influência impor-
do o nome indígena Tupac Amaru, organizou um tante na Revolução Gloriosa de 1689, que extinguiu o
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CURSINHO DA POLI 17
história geral • aula 9

absolutismo na Inglaterra. Na França, a fermentação Venezuela, pela ação de Bolívar, e, ao sul, San Martin liber-
do pensamento liberal ocorreu durante o século XVIII, tou o Peru, o Chile e a Argentina. Além do apoio inglês,
que ficou conhecido como o Século das Luzes, devido os revolucionários contaram com intensa participação
à importância das obras de Voltaire, Rousseau, Diderot, popular. A guerra foi concluída com a vitória de Sucre
D’Alembert, Montesquieu e muitos outros que integra- sobre o remanescente do exército espanhol na Batalha
ram o ideário iluminista. de Ayacucho, em 1824.
Além da efervescência de ideias, deve-se ter em Veja a seguir os Libertadores da América.3
conta que, a partir da segunda metade do século XVIII,

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a Grã-Bretanha se lançou num processo de industriali-
zação – a chamada Revolução Industrial. Seus interesses
econômicos demandavam mais países consumidores de
seus produtos e fornecedores de matérias-primas para
suas indústrias. Assim, interessava muito aos ingleses
incentivar e defender os movimentos de independência
das colônias ibéricas (portuguesas e espanholas).
A guerra de independência foi deflagrada de fato
em 1808, quando chegaram à América as notícias da
deposição de Fernando VII por José Bonaparte e da
formação da Junta Governativa de Cádiz (movimento
leal a Fernando VII, mas com uma orientação liberal),
dividindo os colonos: de um lado, os realistas, favoráveis
à manutenção da lealdade ao rei, e, de outro, os separa-
tistas, que queriam a independência.
As lutas começaram em 1810; houve, por exemplo, o
movimento do criollo Francisco de Miranda na Venezue-
la, em 1810 e 1811, que foi derrotado e executado pelas
forças legalistas, e os levantes do padre Miguel Hidalgo,
na Nova Espanha (México), que liderou um movimento
formado por populares (camponeses índios e mestiços)
que buscava a implantação de um governo democráti- General José de San Martin
co, mas foi derrotado pela forças espanholas e fuzilado

Coleção particular
em 1811. No âmbito dos interesses criollos, o processo
foi um desdobramento do vácuo no poder deixado
pela abdicação do rei, ocorrendo a formação de Juntas
Governativas em diferentes regiões, as quais contavam
com elementos da elite criolla, se estenderam até 1814 e
representaram um momento de significativa autonomia
para as colônias. No entanto, devido à precariedade das
forças coloniais e à impossibilidade de um apoio direto
da Inglaterra, as forças realistas conseguiram conter os
colonos insurretos.
Com a derrota definitiva de Napoleão em 1815 e o
movimento de restauração articulado pelo Congresso
de Viena, desenhou-se um quadro nada bom para os
interesses dos colonos, pois, tão logo reassumiu o trono
espanhol, Fernando VII tratou de sufocar os movimentos
de caráter liberal, fator que impulsionou a elite criolla a
se aferrar à causa revolucionária. Os líderes revolucioná-
rios Simón Bolívar (1783-1830), Antônio José de Sucre
(1795-1830), Bernardo O’Higgins (1778-1842) e José de Bernardo O’Higgins
San Martin (1778-1850) obtiveram maciço apoio inglês
por meio de tropas e armamentos e puderam enfren- 3 Organizada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a taça Libertadores
da América foi criada em 1960, reunindo os times campeões dos países sul-americanos e do
tar as tropas realistas. A guerra de independência foi México (desde 1998). Seu nome é uma homenagem aos líderes responsáveis pela libertação
da dominação colonizadora: os caudillos Bolívar, Sucre, San Martin, O’Higgins, Artigas e os
marcada pela libertação do Equador, da Colômbia e da
724-3

“brasileiros” José Bonifácio de Andrada e Silva e seu discípulo, D. Pedro I.

18 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

fragmentar o continente em pequenas repúblicas, que


Embaixada da Venezuela, Rio de Janeiro

seriam dotadas de independência política e significativa


dependência econômica.
Os países latino-americanos conquistaram sua
independência política da Metrópole, mas entraram
para a órbita da Inglaterra (e, depois, de outros países
que se industrializavam, como os Estados Unidos),
tornando-se fontes de matérias-primas e mercados
consumidores.
Assim, a decomposição do antigo sistema colonial
estava intimamente ligada à ascensão do pensamento
liberal e dos diferentes nacionalismos que ele compor-
tou dentro da lógica do “fim da tirania e da opressão” e da
“defesa da liberdade”,sem no entanto considerar como o
continente foi colonizado ou como foram tratados seus
sobreviventes – sem a menor possibilidade de defesa,
face ao duro processo de extermínio praticado.
A terra conquistada, a destruição cultural, a impo-
sição de submissão política e social e o consequente
mecanismo de exclusão que se estabeleceu foram
essenciais para construir uma Nueva España para
aqueles que vieram da Europa e comodamente ex-
ploraram o sangue nativo.
Quando, no século XIX, há cerca de 200 anos, a
ideologia liberal parecia trazer novos rumos, vícios an-
tigos como a sede de poder não permitiram a ruptura
da herança de exclusão da sociedade colonial – pelo
contrário, preservaram-na.
Simón Bolívar Fenômenos como o caudilhismo (caudillo era o líder
político que procurava influenciar uma determinada
Na América do Norte, o México tornou-se indepen- região colocando a população sob seu comando e,
dente em 1821, sob a liderança do general Agustín de muitas vezes, usando-a como exército privado para
Itúrbide, que incorporou os territórios da América Central defender seus interesses particulares) e o populismo
(capitania geral da Guatemala) e, ao mesmo tempo, ten- (o uso do carisma do líder político para atrair o maior
tou implantar uma monarquia, coroando-se imperador número possível de eleitores e, com base nesse apoio
Agustín I. Como não tinha apoio político consistente, popular, justificar medidas de manipulação do eleito-
abdicou um mês depois, sendo derrubado pelos milita- rado ou de concentração de poder para o governante,
res Guadalupe Vitória e Antônio Lopez de Santa Anna, caracterizando-se como um fenômeno de massa) foram
respectivamente, o primeiro e o segundo presidentes manifestações do controle do poder exercido pela
da república do México. Julgado e condenado à morte, elite, cuja organização implicou afastar cada vez mais
Itúrbide foi fuzilado em 1823. a participação concreta da população, dando lugar ao
A ideia de Simón Bolívar era manter toda a América mandonismo de senhores de terras e a manipulação da
como uma grande nação, unida sob a forma de uma população, que deveria ser submissa.
confederação, para fortalecer os países recém-indepen- Mas o populismo abriu caminho para situações mais
dentes contra as potências europeias. Com esse intuito, cruéis, como a implantação de ditaduras das mais dife-
realizou-se em 1826, a Conferência do Panamá. rentes naturezas que serviram para desenhar o que seria
No entanto, após a independência, surgiram inte- a história do continente americano: miséria e sofrimento
resses muito distintos da ideia de Bolívar, pois, desde de milhões de pessoas que eram – e, de certa forma,
o período colonial, as elites locais não tinham grande ainda são – exploradas por impérios hegemônicos tal
integração política ou econômica que pudesse sustentar qual fora o poder britânico, substituído pelo choque com
a tese bolivarista. Além disso, o fomento da independên- o poder estadunidense, que ainda hoje se coloca como
cia pela Inglaterra e pelos Estados Unidos através da elemento de tensão maior ou menor entre as nações
doutrina Monroe, de 1824, tinha também o objetivo de latino-americanas.
724-3

CURSINHO DA POLI 19
história geral • aula 9

Linha do Tratado
1848 de 1819 entre
Espanha e
Estados Unidos ESTADOS
São Francisco
Santa Fé
UNIDOS
1845
1819 Bermudas
Estados Unidos brit

FLORIDA
MÉXICO Golfo do Bahamas
1821 México CUBA brit
1898/1909 REPÚBLICA DOMINICANA 1821
1795-1804 unido ao Haiti, Fr.
México Porto Rico esp
Jamaica
brit 1898 EUA
Acapulco HONDURAS
1813 BRITÂNICA HAITI 1804 Guadalupe fr
Martinica fr
GUATEMALA Carabobo Barbados brit
EL SALVADOR Caracas
Cartagena 1810 Trinidad brit
HONDURAS 1821
NICARÁGUA Panamá
COSTA RICA PANAMÁ 1826
AMÉRICA CENTRAL 1903 VENEZUELA GB GUIANAS
1821 Boyaca 1811 Hol
COLÔMBIA 1810 Fr
1813 1819
Pichincha Bogotá
1822 1810
Is. Galápagos EQUADOR nas
1832 Equador 1809 Quito Amazo Pará
1810 (Belém)
Entrevista
de Guayaquil
OCEANO 1822
PERU ACRE IMPÉRIO DO BRASIL
1821 1824 1822
PACÍFICO Junin Pernambuco
(Recife)
Callao Ayacucho 1824 Sublevação
de 1817
Lima Cuzco
Pisco La Paz
Revolta dos Negros
do Haiti, 1791–1794 BOLÍVIA
Tacna
1825
Governo de Insurreição
de Morelos, 1813 CHACO
Antofagasta PARAGUAI
Sublevação de 1810-1814 1811
Assunção Rio de Janeiro
juntas liberais e CHILE 1811
autonomistas
1818 1812
restauração do Chacabuco
regime espanhol, 1815 1817
Santiago
Sublevação de 1816-1824
Valparaíso
1810
URUGUAI 1828 OCEANO
Maipú
vitória dos insurretos
1818 Buenos Aires Rio da Prata
ATLÂNTICO
itinerário de Bolívar 1810
itinerário de San Martim
Ancud ARGENTINA
1818 data da independência 1816
de fato

territórios perdidos pelo


México para os Estados
Unidos
Ilhas Malvinas
colônias europeias da 1829 Argentinas
América, finais do século XIX Estreito de retificações de fronteiras
zona colonizada nos Magalhães Terra do (séculos XIX-XX)
finais do século XIX Cabo Horn Fogo fronteiras atuais
Canal de Beagle

resumo da ópera particulares de cada uma das regiões, fator responsável


pela fragmentação e pela dificuldade de coesão em
Nesta aula, analisamos os momentos da história da torno de uma causa que ultrapassasse as disputas por
América que levaram à formação da primeira nação in- riqueza e poder, enquanto milhões ainda padeciam
dependente, os EUA e, por conseguinte, aos movimentos pobreza e miséria, fruto de um processo de exclusão
emancipacionistas da América espanhola. que se iniciou há cinco séculos.
O processo de colonização da América espanhola
pode servir como parâmetro para o que viveu o Brasil,
na América portuguesa, e também o que se passou na Exercícios
América inglesa – hoje Estados Unidos. Veremos que,
guardadas as devidas proporções, os mecanismos têm 1. (UEL) Baseado nos conhecimentos sobre a for-
semelhanças notáveis em alguns aspectos. mação dos Estados Nacionais americanos, assinale
No tocante dos movimentos de independência, é a alternativa correta:
importante observar a união contra o inimigo comum (a a) O motivo para as independências e a consequente
Coroa espanhola) e a desunião na defesa dos interesses formação dos Estados Nacionais americanos pode
724-3

20 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

ser encontrado na experiência política do Pacto e) No caso da América espanhola, a manutenção do Pacto
Colonial imposto pela Inglaterra, que visava o Colonial pela metrópole deixava à margem do processo
estabelecimento do monopólio comercial com as a classe dominante colonial, que era produtora e tinha
colônias ibéricas. interesse na liberdade de comércio e na condução de
b) Os movimentos de independência que aconteceram seus negócios sem a interferência da Espanha.
nas diversas regiões da América hispânica contaram
com a participação de camponeses, indígenas e
burgueses. O resultado dessas lutas foi sentido por Estudo orientado
todas as classes sociais envolvidas, em especial pelos
trabalhadores rurais nativos, que puderam reaver exercícios
parte da terra que lhes pertencia.
c) Assim que terminaram as lutas pelas independên- 1. (PUC-SP) As independências políticas na América
cias na América hispânica, nos primeiros vinte anos assumiram diversas formas. Sobre elas, é possível
do século XIX, a elite assumiu o poder político das afirmar que a:
regiões recém-independentes e não empreendeu a) do Haiti, em 1804, foi a única que contou com parti-
mudanças que permitissem a todas as classes usu- cipação escrava e levou à abolição da escravidão e
fruir dos resultados da emancipação. à organização de um governo de colaboração entre
d) A conformação dos Estados Nacionais veio em auxílio os negros haitianos e os ex-colonizadores franceses.
dos nativos, denominados“índios de caráter dócil”,escra- b) de Cuba, em 1898, foi a última dentre as posses coloniais
vizados desde o período da conquista e expropriados de da Espanha na América e levou à anexação da ilha cari-
suas terras – ejidos. A Constituição americana, elaborada benha ao território dos Estados Unidos,com quem Cuba
após as independências, formalizou e legalizou o direito já comercializava desde o início de sua colonização.
de todos à liberdade e à igualdade racial. c) dos Estados Unidos, em 1776, foi a primeira emanci-
e) No período das lutas pela emancipação na América pação nas Américas e levou à adoção de um modelo
portuguesa, sobressaiu-se a figura do caudilho, lí- federalista que reconhecia as diferenças políticas e
der militar e proprietário de terras que conduziu as econômicas entre as ex-colônias do sul e do norte
revoluções nas diversas regiões e contribuiu com a do litoral atlântico.
quebra da exclusividade comercial entre a Metrópole d) da Argentina, em 1816, foi a responsável pela fragmenta-
e a ex-colônia. ção política do antigo Vice-Reino do Rio da Prata e levou
à libertação imediata das terras do Chile até o México
2. (UEL) Com base nos conhecimentos sobre a crise do e à expulsão da Espanha do continente americano.
sistema colonial, é correto afirmar: e) do Brasil, em 1822, foi a única que contou com a acei-
a) A forma de organização econômica das colônias das tação imediata do colonizador e levou à adoção de
Américas portuguesa, hispânica e anglo-saxônica uma monarquia que unificava os reinos de Portugal
refletia os interesses dos setores mercantis das res- e do Brasil sob uma mesma base constitucional.
pectivas metrópoles e, por contrastar com as pers-
pectivas da nova ideologia liberal do século XIX, 2. (IBMEC-SP) A expansão napoleônica no século XIX
provocou o descontentamento dos trabalhadores, influenciou decisivamente vários acontecimentos
levando-os às revoluções socialistas. históricos no período. Dentre esses acontecimentos,
b) A invasão francesa na Espanha contou com a simpatia podemos destacar:
da Inglaterra e da Prússia, que buscavam acabar com a) A Independência dos Estados Unidos. Com a atenção
o monopólio espanhol no comércio com as colônias da Inglaterra voltada para as batalhas com a marinha
americanas. napoleônica, os colonos americanos declararam sua
c) Nas Américas, em função de um comércio interco- independência, vencendo rapidamente os ingleses.
lonial intenso e vantajoso, cresceu a classe dos pro- b) A formação da Santa Aliança, um pacto militar entre
dutores de matérias-primas e de bens de consumo. Áustria, Prússia, Inglaterra e Rússia que evitou a
A burguesia que havia se constituído nas colônias eclosão de movimentos revolucionários na Europa
era a principal consumidora dessa produção, o que e impediu a independência das colônias espanholas
contribui ainda mais para a crise do sistema colonial. e inglesas na América.
d) O Pacto Colonial, que se baseava no livre comércio, foi c) A Independência do Brasil. Com a ocupação de
responsável pelo enriquecimento dos produtores de Portugal pelas tropas napoleônicas, houve um enfra-
mercadorias na América, uma vez que estes podiam quecimento da monarquia portuguesa que culminou
contar com um mercado consumidor e distribuidor com as lutas pela independência e o rompimento de
de seus produtos. D. Pedro I com Portugal.
724-3

CURSINHO DA POLI 21
história geral • aula 9

d) A Independência das colônias espanholas. Em 1808, foi meu desejo que lhes ocorresse nenhum prejuízo,
a Espanha foi ocupada pelas tropas napoleônicas, ao pois vivíamos como irmãos e congregados num só
mesmo tempo em que se difundiam os ideais liberais corpo, destruindo os europeus.
da Revolução Francesa, que inspirou as lutas pela Para esse efeito, faço saber a todos os camponeses
independência. que, se escolherem essa opinião, não lhes ocorrerá
e) O Congresso de Viena. A França de Napoleão assinou prejuízo algum, nem em vida, nem em bens; mas se,
um pacto com a Áustria, a Inglaterra e a Rússia cujo desprezando minha advertência, fizerem o contrá-
objetivo maior era estabelecer uma trégua e reorga- rio, experimentarão sua ruína, convertendo minha
nizar todo o mapa europeu. mansidão em ira e fúria, reduzindo essa província e
as opostas à minha opinião em cinzas. Que como se
3. (UNICAMP) dizê-lo saberei cumprir, pois tenho para isso forças e
No ano de 1808, entrou em vigor a proibição do à minha disposição 60 mil índios, fora os de outras
tráfico negreiro, tanto nos Estados Unidos como no províncias que se ofereceram. Em virtude do que não
Império Britânico. No caso do Império Britânico, a estimem pouco esta minha advertência, nascida do
proibição teria maior impacto em escala mundial. meu amor, clemência e caridade.
Enquanto isso, no Império Português, o porto do Rio Os Srs. Sacerdotes terão o apreço e o acatamento
de Janeiro continuaria a comprar escravos da zona devido ao seu estado, e do mesmo modo as religiões
congo-angolana em quantidade cada vez maior. e mosteiros, sendo meu único ânimo cortar o mau
João Paulo Pimenta; Andréa Slemian. A corte e o mundo: uma governo de tanto ladrão, que nos rouba o mel de
história do ano em que a família real portuguesa chegou ao nossos favos. Em breve me certificarei de vossas
Brasil. São Paulo: Alameda, 2008, p. 82-83. (adaptado) intenções e reconhecerei a opinião que escolham,
premiando aos leais e castigando aos rebeldes, pois
a) Segundo o texto, quais foram as mudanças relativas uns conhecerão seu benefício e outros não alegarão
ao tráfico negreiro ocorridas em 1808? ignorância.
b) Quais eram os interesses do Império Britânico na É quanto lhes posso dizer.
proibição do tráfico negreiro na primeira metade do Tangusca, 25 de novembro de 1780
século XIX? José Gabriel Tupac Amaru
4. (UNIFESP) A Independência do Brasil, quando com- Manoel Belloto; Ana Maria M. Corrêa (Orgs.). A América Latina
de colonização espanhola: antologia de textos históricos. São
parada com a independência dos demais países da Paulo: Hucitec/Edusp, 1979, p. 79-80.
América do Sul, apresenta semelhanças e diferenças.
Indique as principais:
a) semelhanças; texto 2
b) diferenças. Os exércitos ingleses parecem querer transladar-se
todos a este continente. A Europa não poderá ver sem
admiração como de uma potência amiga da Espanha
roda de leitura saem os grandes meios que possuem os inimigos para
hostilizar as possessões de Vossa Majestade. O exército
de Bolívar se compõe em sua maior parte de soldados
texto 1 ingleses; a Guiana está guarnecida por ingleses; a Mar-
D. José Tupac Amaru, de sangue real e tronco garita [ilha junto ao litoral da Venezuela] chegaram
principal, faço saber aos camponeses moradores da mais de 1 500 indivíduos da mesma nação, barcos
província de Lampa e suas imediações que, vendo de guerra, os numerosos carregamentos de todas as
o jugo tão forte que nos oprime com tanto tributo armas, as munições, os vestuários, os víveres, todos os
e a tirania dos que agem com esse encargo, sem ter elementos para fazer e sustentar a independência, têm
consideração às nossas infelicidades e abusando saído dos portos do rei da Grã-Bretanha.
delas com suas impiedades, determinei sacudir esse
jugo insuportável e conter o mau governo que expe- Carta do General Morillo à Coroa de Espanha. In: O crepúsculo
do Império Espanhol na América: uma biografia de Bolívar.
rimentamos dos chefes que compõem esses corpos Tomo II. Buenos Aires: Sudamericana, 1958, p. 195.
e por cujo motivo morreu em público cadafalso o
Corregedor de Tinta, em cuja defesa vieram a ela
da cidade de Cuzco uma porção de chapetones, pesquisar e ler
compelindo a meus amados criollos, que todos
pagaram com sua vida sua audácia e atrevimento, Maria Lígia Coelho Prado. A formação dos Estados
sentindo apenas pelos camponeses, aos quais nunca latino-americanos. São Paulo: Contexto, 1986. Síntese
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22 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 9

que traça um panorama histórico da formação política A questão que se coloca para o futuro político latino-
e socioeconômica da América Latina no século XIX. -americano é: existe a possibilidade de um bloco latino
Gabriel Garcia Marquez. Cem anos de solidão. Texto forte fora da órbita estadunidense?
fundamental para compreender a produção literária na
América Latina no século XX.
Pablo Neruda. Memorial de Isla Negra. São Paulo: senha
L&PM, 2007. Uma apreciação inicial da obra do poeta

Anonymous/Private Collection
chileno que abre caminho para outras leituras, ricas em
diferentes formas de trabalho com a língua, a métrica e
a composição dentro da literatura em espanhol.

ver e ouvir

1492 (direção: Ridley Scott, 1992). O filme busca recu-


perar o contexto das Grandes Navegações apresentando a
visão de Cristóvão Colombo da chegada e da conquista do
Novo Mundo, que representou uma grande riqueza para
os europeus e, por outro lado, a destruição para os nativos.
A missão (direção: Rolland Joffe, 1986). A escravização

Bettmann/CORBIS
dos indígenas, a ação dos bandeirantes, a destruição das
missões jesuítas e a construção da sociedade colonial
são os temas que permeiam o filme, numa significativa
tentativa de recuperação da colonização.
Queimada (direção: Gillo Pontecorvo, 1969). O papel
dos ingleses nas guerras de independência das colônias
espanholas foi decisivo para o êxito dessa empreitada
e a construção de um novo conjunto de nações que se
tornariam ávidos mercados consumidores para a cres-
cente produção industrial inglesa.

Quanto à produção musical latino-americana,


destacamos duas: a cantora argentina Mercedes Sosa,
que sempre buscou expressar na sua música a força da
cultura latina, não se esquecendo jamais de suas origens
indígenas e tornando-se uma referência para todo o
continente e reconhecida em todo o mundo, e o Buena
Vista Social Club, símbolo da “Era Batista” – período em
que Cuba era conhecida como “o bordel dos Estados
Unidos” –, um requintado grupo de cantores e instru-
mentistas que permaneceu desconhecido do público
atual, em virtude da vitória da Revolução Cubana, lide-
The Bridgeman Art Library

rada por Fidel Castro, que transfigurou a vida noturna e


boêmia, especialmente com o fechamento de cassinos
e hotéis de luxo.

ágora

A relação da América com as potências mundiais foi


marcada durante séculos como uma submissão cons-
tante. A formação dos EUA e sua posterior condição de
potência mundial criaram uma relação tensa entre as
ex-colônias ibéricas e a ex-colônia anglo-saxã.
724-3

CURSINHO DA POLI 23
aula 10 Revolução Industrial e ideologias políticas
A cada nova rajada, o vento parecia aumentar, forma de comunhão com o sagrado). Assim, o natural e o
como se soprasse de um horizonte distendendo-se sobrenatural integravam as mais variadas comunidades
cada vez mais. Nenhum sinal de alvorada clareava o de todo o mundo.
céu morto, apenas os altos-fornos e as fornalhas de No entanto, por volta do século XV, observa-se uma
coque ensanguentavam as trevas, sem alumiar seu mudança crescente, quando algumas cidades europeias
mistério. começaram a construir relógios mecânicos e a colocá-los
E a Voreux [mina de carvão], do fundo do seu buraco, em torres altas (do palácio real, do governo da cidade e
com sua postura de bicho maligno parecendo cada vez mesmo em igrejas), visíveis por todos. Aos poucos, elas
mais retraído, respirava agora mais grossa e foram substituindo a antiga noção temporal dada pelo
amplamente, como que sofrendo com sua dolorosa toque dos sinos, que conviveu ainda com o avanço tec-
digestão de carne humana. nológico representado pelos marcadores de ponteiros.
Émile Zola, Germinal, 1881

Elias Feitosa
[…]
Eia! Eia! Eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia sem-fios, simpatia metálica do
Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! Eia!
Eia! Eia! Eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopo-
lita!
Eia! Eia! Eia, eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio,
engenho-me! O relógio astronômico de Praga foi construído em 1410 por
Engatam-me em todos os comboios. Nikolaus de Kadem, na torre da então sede da prefeitura da
cidade, sendo dotado de um calendário que marca as estações,
Içam-me em todos os cais.
os dias do ano solar e os signos do Zodíaco.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! Eia-hô eia!
Um tempo que se pautava na relação com a fé
Eia! Sou o calor mecânico e a eletricidade!
(momentos de oração, chamada para as missas) passou
[…]
a ganhar uma interpretação mais matemática, até aí
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), secundária. Desde então, a matemática começou a se
Ode triunfal, 1914
tornar uma referência para as atividades humanas, ga-
nhando um espaço importante também no desenvolvi-
Procurando compreender o mundo atual, encontra- mento das técnicas de pintura em perspectiva a partir do
mos um divisor de águas na Revolução Industrial, que século XV. Assim, as noções de representação de imagens
transformou definitivamente as formas de organização passaram a se construir numa outra dinâmica com o
social. No contexto pré-industrial, centravam-se na espaço: da pintura bidimensional, com figuras chapadas,
relação direta com os ritmos da natureza e, a partir da presas ao fundo, para a pintura tridimensional. De certa
industrialização, numa gradativa e cada vez mais acelera- forma, essa foi uma das grandes inovações trabalhadas
da mudança, separados o homem e a natureza, surgiram no período renascentista.
outras formas de temporalidade e de compreensão das Ainda entre os séculos XV e XVI, o conhecimento
coisas, sendo a máquina e seu ritmo a nova referência. matemático possibilitou uma outra dinâmica também
Durante milênios, a relação com o tempo – categoria com o espaço. As recém-criadas tábuas de logaritmos
abstrata que norteia a lógica entre passado, presente e permitiam calcular novas rotas de navegação, as es-
futuro – era diretamente ligada a fatos astronômicos: o trelas podiam ser consultadas com instrumentos de
amanhecer, o entardecer e o anoitecer, os solstícios e os precisão (astrolábio e sextante), os árabes introduzi-
equinócios marcando as estações e, consequentemente, ram no Ocidente uma importante invenção chinesa, a
os rituais que envolviam a atividade rural (plantio, colhei- bússola, e se criaram sistemas que cruzavam a notação
ta, armazenamento; criação, reprodução, tosa e abate matemática com informações geográficas (as cartas
dos animais), bem como o ritmo do cotidiano humano náuticas): as grandes navegações resultaram desse
(nascimentos, iniciações, casamentos, funerais e toda conjunto de inovações.
724-3

24 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

Evidentemente, todas essas mudanças alcança- A acumulação primitiva de capital


ram também as formas de trabalho. No cotidiano
pré-industrial, o dia de trabalho começava antes O período entre os séculos XV e XVIII foi marcado
de nascer o sol, com uma refeição; depois, seguia- pela intensa gama de atividades comerciais em torno da
-se para o campo ou para a oficina e, quando o sol economia europeia, fortemente desenvolvida a partir de
chegava a pino, fazia-se uma pausa para o almoço e práticas mercantilistas sob a direção do Estado absolutis-
um descanso de duas ou três horas (la sesta, para os ta. Em função disso, predominava nas políticas reais uma
italianos, la siesta, para os espanhóis, ou la méridienne, ação intervencionista e de controle sobre a burguesia,
para os franceses); o turno de trabalho era retomado que era a principal agente do processo.
até o pôr-do-sol, quando se retornava ao lar para o As práticas mercantis visavam a uma balança co-
merecido descanso, recuperando-se as energias para mercial favorável (superávit), portanto, deviam vender
o dia seguinte. O trabalho no campo era comandado mais que comprar de outros países; para tanto, tomavam
pelas estações; era preciso colher o máximo possível, medidas protecionistas como taxar produtos estrangei-
para estocar alimentos no celeiro, e engordar os ani- ros, encarecendo-os artificialmente e desequilibrando a
mais para o abate antes do inverno. A carne salgada livre concorrência.
ou defumada, as vísceras e as carnes menos nobres Dentro da lógica das práticas mercantis, estava a explo-
eram aproveitadas, junto com o sangue, na produção ração das colônias como forma de se obter matéria-prima
de embutidos – linguiças, salsichas e salames feitos de e distribuir manufaturados. Obedecendo ao Pacto Colonial,
uma massa à base de carne. Esses eram os preparativos essa relação tinha a limitação comercial do exclusivo colo-
para o inverno, ao qual se seguia o renascimento da nial, ou seja, as colônias só negociavam com sua Metrópole.
vida, com a chegada da primavera, e daí começava Nessa fase, o capitalismo passou pelo que mais tarde
um novo ciclo. foi chamado pelos historiadores marxistas de acumulação
primitiva de capital. Mas nem todas as nações europeias
tiveram êxito. Por exemplo, os países ibéricos, potências
poderosas no início da expansão marítima, viram-se, em
meados do século XVIII, no início de um processo de de-
cadência. Um exemplo é o Tratado de Methuen, assinado
entre Inglaterra e Portugal em 1703, cujos termos condi-
cionavam a compra de manufaturas inglesas à troca de
vinho, formando-se uma relação deficitária para o Estado
português, cuja dependência em relação aos ingleses já se
manifestava desde a Restauração, em 1640, com a ascensão
de D. João IV de Bragança ao trono luso.
A ironia é que a Inglaterra foi justamente um dos países
retardatários na expansão marítima, mas, assim, conseguiu
acumular capital e aplicá-lo em seu benefício: investiu em
indústrias e tornou-se a pioneira na Revolução Industrial.
Mas outros fatores também concorreram para o pioneiris-
Numa euforia de tons de amarelo e azul, Vincent Van Gogh mo inglês: a consolidação da hegemonia marítima a partir
registrou um momento de repouso na árdua vida dos campo-
neses franceses. do século XVII (com os Atos de Navegação, de 1651), o con-
trole da burguesia sobre o governo através da monarquia
Mesmo no trabalho rural, o hábito de descansar depois parlamentar implantada pela Revolução Gloriosa (com a
do almoço não desapareceu completamente, mas sobre- Declaração de Direitos, de 1689) e a facilidade de obter
viveu numa escala menor, pois a mecanização atingiu o mão de obra nos centros urbanos. Em virtude da política
campo mantendo ainda a presença do trabalhador braçal de cercamentos implementada pela Coroa (gerando êxodo
e controlando-lhe mais incisivamente a rotina e a produção. rural e superpopulação nos subúrbios dos grandes centros
Para os artesãos, que muitas vezes moravam em cima urbanos), criou-se um grande exército de reserva, composto
de sua oficina, o ritmo cotidiano mudou menos, em espe- de trabalhadores desempregados, o que favorecia a explo-
cial nas regiões mediterrâneas, e o hábito de descansar ração e o achatamento dos salários.
depois do almoço foi mantido e sobrevive até hoje em
algumas cidades pequenas ou nem tanto, em regiões Etapas da Revolução Industrial
do sul da Europa, especialmente no verão. Nem sempre
os interesses da industrialização logram extinguir todos A periodização da Revolução Industrial parte da
os hábitos e práticas anteriores. Inglaterra da década de 1780. Segundo o historiador
724-3

CURSINHO DA POLI 25
história geral • aula 10

inglês Eric Hobsbawm,“qualquer que tenha sido a razão

Bettman/Corbis/Latinstock
do avanço britânico, ele não se deveu à superioridade
tecnológica e científica. Nas ciências naturais, os france-
ses estavam seguramente à frente dos ingleses, vanta-
gem que a Revolução Francesa veio acentuar de forma
marcante, pelo menos na matemática e na física, pois
ela incentivou as ciências na França, enquanto a reação
suspeitava delas na Inglaterra. Até mesmo nas ciências
sociais, os britânicos ainda estavam muito longe daquela
superioridade que fez – e em grande parte ainda faz – da
economia um assunto eminentemente anglo-saxão; mas
a Revolução Industrial colocou-os em um inquestionável
primeiro lugar.”4
Assim, podemos chamar I Revolução Industrial o
período entre aproximadamente 1780 e 1850, marcado
pelas máquinas feitas em ferro e que usavam energia a
vapor, oriunda da queima do carvão mineral que aquecia
as caldeiras de água, produzindo o vapor necessário à
movimentação de engrenagens, que tinham inúmeras
funções, nas mais diferentes áreas.
A principal transformação ocorrida na indústria foi
a invenção da máquina a vapor, por James Watt (1736-
1819), em 1769, ensejando a ampliação da produção,
antes dependente da força física humana. Além disso,
surgiram em fins do século XVIII os teares mecânicos
como o de Edmund Cartwright (1743-1823), de 1785,
fato que explica a concentração de máquinas no
setor têxtil. Gravura do interior de um fábrica têxtil mostrando um supervi-
A tecnologia à base de vapor foi também usada sor batendo num garoto, 1853
em meios de transporte, e tanto o barco a vapor do
estadunidense Robert Fulton, de 1807, quanto a loco- Desse período, destaca-se também a invenção do te-
motiva a vapor de George Stephenson (1781-1848), légrafo, pelo estadunidense Samuel Morse (1791-1872),
de 1825, imprimiram mudanças decisivas nos trans- que possibilitou a comunicação rápida a longa distância:
portes e favoreceram a intensificação do processo de um emissor passava uma mensagem codificada em pul-
industrialização. sos magnéticos, que eram transmitidos por fios (cabos
telegráficos); na unidade de recepção, uma máquina
Coleção Particular

marcava num papel a sequência de sinais recebidos – o


chamado código Morse –, que seriam decodificados, e a
mensagem, lida, e o mesmo sistema podia ser adaptado
para a comunicação com sinais luminosos (o acender e
apagar de uma lanterna). A primeira linha telegráfica foi
instalada em 1844, ligando Washington a Baltimore, na
costa leste dos EUA.
Ivan Burmistrov/iStockphoto.com

Teares mecânicos no interior de uma fábrica, em ilustração


anônima do século XIX

4 Eric Hobsbawm. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 52. Locomotiva a vapor – iulstração publicada em 1884.
724-3

26 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

Os conhecimentos sobre eletricidade e eletromag- • holding: compra, por uma grande empresa, de ações
netismo resultaram das pesquisas do físico e químico de diferentes indústrias para obter seu controle e atuar
britânico Michael Faraday (1791-1867), que concebeu a em diferentes nichos do mercado;
teoria da indução eletromagnética e as leis da eletrólise, • cartel: através de um acordo, empresas com um mes-
indispensáveis para o entendimento das relações entre mo produto decidem preços e divisão do mercado,
energia química e elétrica. evitando uma concorrência “desgastante”.
Inicialmente restrita à Inglaterra, a Revolução Indus-
trial, na primeira metade do século XIX, espalhou-se A Itália e a Alemanha tiveram uma industrialização
pela Europa continental, atingindo a Bélgica e a França. tardia, pois ambas tinham questões políticas internas
Esse dinamismo se acentuou ao longo do XIX, com a que só se solucionaram depois de 1870, com a unificação
ampliação das áreas industriais e a concorrência entre de cada país. A Alemanha se aproveitou da vitória sobre
as potências europeias. os franceses na Guerra Franco-Prussiana e implementou
Esse processo levou à chamada II Revolução Indus- sua indústria com a indenização paga por estes e tam-
trial, consequência das mudanças iniciadas em fins do bém com os territórios anexados de Alsácia e Lorena
século XVIII, com as máquinas a vapor movidas a carvão. (ricos em ferro). A Itália concentrou sua indústria na
Não só quanto aos processos de produção, mas também região norte do país, no vale do rio Pó, dentro do reino
quanto à dinâmica do sistema capitalista, na segunda do Piemonte, onde a burguesia estava mais próxima do
fase da Revolução Industrial (de 1850 a 1950), aumen- governo, enquanto o sul conservava sua estrutura agrária
taram as áreas industriais e se intensificou a busca de e fortemente controlada pela aristocracia local.
fontes de matérias-primas e mercados consumidores. Fora da Europa, o país que se destacava em termos de
Em virtude do aumento da produção, a estrutura do industrialização eram os EUA, e esse processo se inten-
sistema capitalista cresceu e se sofisticou, principalmen- sificou com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), a
te depois da ideia da produção em série – padronizada e abolição da escravidão e o início da industrialização do
em larga escala – e, também no final do século XIX, com sul do país (que já se desenvolvia no norte e no nordes-
o surgimento da linha de montagem, criada por Henry te). No fim do século XIX, os EUA tinham uma produção
Ford, nos EUA. superior à da Alemanha e à da Inglaterra, vindo a se
Outra grande transformação foi a intensificação do tornar, depois da I Guerra Mundial, a maior potência
sistema financeiro com a ação das Bolsas de Valores e capitalista do mundo.
dos bancos nas transações comerciais atuando como Um país que também iniciou sua industrialização
financiadores (credores) de muitas empresas e como na segunda metade do século XIX foi o Japão (após
investidores diretos no mercado, o que concorreu para a Revolução Meiji), quando o imperador submeteu
uma rearticulação do capitalismo a que se pode deno- todos os senhores feudais (shoguns) e centralizou o
minar capitalismo financeiro: o sistema se manteve, mas poder em suas mãos, impondo a modernização por
seus métodos ganharam outras dimensões. meio da tecnologia ocidental e de investimento nos
A base do capitalismo financeiro é o lucro produzido setores industriais.5
pela indústria e a consequente valorização de seu patri- Do ponto de vista tecnológico, as principais mudan-
mônio, sobretudo na Bolsa de Valores, pela negociação ças foram a substituição do ferro pelo aço na construção
de suas ações, que podem mudar de mãos rapidamente, de maquinário (dando-lhe mais resistência e condições
de acordo com as tendências que se observam. Na Bolsa, de produzir mais), do carvão pelo petróleo como com-
as empresas têm seu patrimônio ou parte dele negocia- bustível e da energia a vapor pela eletricidade.
do sob a forma de ações, cujo valor depende da situação Nesse contexto, Nikolaus Otto desenvolveu o motor a
da empresa (lucros, investimentos, dívidas etc.). Como explosão (combustão interna), e Rudolf Diesel (1858-1913)
desdobramento dessa prática, um grande investidor o aperfeiçoou, com a introdução do petróleo, concorrendo
podia atuar em diferentes setores, o que condicionou para a criação do automóvel e de outros veículos como
o surgimento dos grandes conglomerados industriais o caminhão, o trator, o ônibus e, posteriormente, o avião,
que abarcavam diversos segmentos, sempre buscando inventado pelo brasileiro Alberto Santos Dumont. Seu
maior lucro e a defesa de seus interesses no mercado. primeiro voo foi documentado em 23 de outubro de 1906,
Esses conglomerados podem atuar como: no aparelho chamado 14-Bis, na cidade de Paris. Apesar
• trustes: grandes empresas que, por meio de concor- disso, os irmãos estadunidenses Orville e Wilbur Wright
rência desleal, tentam acabar com as empresas rivais afirmaram ter realizado um voo com o aparelho Flyer I em
e controlar produção, preço e mercado (por exemplo, 17 de dezembro de 1903, informação apenas registrada
elas podem forçar a quebra ou a compra de empresas num diário e sem a presença de testemunhas.
menores pelo processo de dumping, que é a venda a
preço muito inferior ao dos concorrentes);
5 Veja as aulas 9 e 10 de geografia geral, neste caderno.
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CURSINHO DA POLI 27
história geral • aula 10

Na chamada II Revolução Industrial, incrementaram-


-se sobretudo as comunicações. Em 1877, o escocês premissa era o aumento da capacidade produtiva: o
Alexander Graham Bell (1847-1922) inventa o telefone chamado taylorismo resulta da articulação do trabalho
e desenvolve um cilindro de cera em que se podiam humano com o das máquinas na cadeia produtiva.
registrar sons, criando as condições para a invenção do

Gino Santamaria/Dreamstime.com

Qwnln/Dreamstime.com

Veversoran/Dreamstime.com
gramofone, pelo alemão Emil Berliner, em 1887. A partir
da teoria sobre ondas publicada pelo inglês James
Clerck Maxwell (1831-1879), em 1873, e dos estudos
do físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894), o italiano
Guglielmo Marconi (1874-1937) concebe um aparelho
radiofônico – o rádio. Em 1926, o escocês John Logie
Baiard (1888-1946) cria a televisão e, em 1949, surge a
base tecnológica para a transmissão a longa distância,
tornando-a mais acessível e dando origem a uma nova
rádio telefone gramofone
concepção de comunicação de massa que substituiu o
rádio, senhor absoluto entre as décadas de 1920 e 1950.
The National Motors Museum, Beaulieu

A Revolução Industrial ainda não se concluiu, mas


hoje já se esboça uma terceira fase, em que a eletrô-
nica é substituída pela microeletrônica, ampliando
a potência de ação dos meios de comunicação em
massa, especialmente como desdobramento da
tecnologia de exploração espacial – a comunicação
via satélite e toda a nova concepção de relações que
derivou daí. Com os chamados “supercérebros”, o com-
putador de grande capacidade de processamento de
dados e sua adoção como padrão para vários tipos de
máquina que poderiam desempenhar inúmeras fun-
ções, inclusive substituindo a mão de obra humana, a
robótica se colocou como a grande referência para o
Ford T: o símbolo do início da “era do automóvel” desenvolvimento industrial e tecnológico da segunda
metade do século XX.
Entre a última década do século XX e a primeira do
A produção industrial século XXI, vemos surgirem novos patamares de sociabi-
lidade, por meio da rede internacional de computadores
A produção industrial foi gradativamente transfor- (a internet, que inicialmente conectava computadores de
mada numa dinâmica que visava e visa contemplar bases militares e depois laboratórios de universidades),
simultaneamente investimento, trabalho realizado e que possibilita a interligação de milhões de computado-
lucro obtido, sempre com a perspectiva de produzir res domésticos6 e outros mais sofisticados, numa teia de
mais e melhor, gastando menos e lucrando muito. fios de fibra óptica, ou pela tecnologia da telefonia móvel
O industrial estadunidense Henry Ford (1863- (celular), que se espalham por quase todo o planeta,
1947) introduziu em suas fábricas a ideia da linha de criando uma dinâmica de circulação de informações, da-
montagem: uma esteira conduzia o chassi do automó- dos e imagens nunca antes imaginada. Não se trata mais
vel, e este ia recebendo as peças, encaixadas ao longo de ficção: como conceituou Marshall McLuhan (1911-
da esteira; no fim da linha de montagem, o carro saía 1980), vivemos numa aldeia global, incessantemente
completamente montado. Produzido a partir de 1908, bombardeados por milhares de informações e imagens
um dos principais êxitos desse sistema foi o Ford T. Essa “em tempo real”, para usar a linguagem midiática.
extrema racionalização da produção, fazendo com que É tentador enaltecer os avanços tecnológicos, espe-
toda a fábrica se dedicasse a um único produto, ficou cialmente quando comparados com as gerações ante-
conhecida como fordismo. riores; sem ir muito longe, percebemos que nossa vida
A partir de propostas do engenheiro estaduniden- é bem diferente da de nossos pais e avós e percebemos
se Frederick Winslow Taylor, incorporou-se ao fordismo
6 No final dos anos 1940, os computadores eram imensos e pesados; 40 anos mais tarde, no final
uma outra concepção de produção cuja principal da década de 1980, passaram a serem menores, mais leves e agora cabem numa pequena
mesa de escritório.
724-3

28 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

também o quanto a inventividade humana pode resolver A situação atual é de difícil solução, com muitas e
problemas e propor facilidades para o nosso cotidiano, muito diferentes variáveis, mas não nos exime da res-
dando-nos uma sensação de segurança e potência. ponsabilidade de tentar resolvê-la. Os pessimistas falam
Mas cabe a pergunta: a que preço? em “fim dos tempos”; a esse respeito, convém rever a
A expansão do capitalismo e as transformações que aula de introdução, em que indicamos o videoclipe
ele sofreu entre meados do século XVIII e o início do sé- Do the evolution, do grupo de rock Pearl Jam, de 1997,
culo XXI foram um processo muito claro de dominação uma ácida crítica à nossa sociedade. Por outro lado, os
de territórios, exploração incondicional e irresponsável otimistas buscam a solução pela multiplicação de ideias
de recursos naturais, além da exploração desmedida e agentes, usando inclusive dos meios tecnológicos
da mão de obra trabalhadora, cujo sangue derramado para maximizar a ressonância de suas propostas, pois
em manifestações, paralisações e greves é apenas um a mera constatação dos problemas é inútil, se não for
detalhe para aqueles que controlam a produção e pen- acompanhada de ações concretas e da prática educativa,
sam no lucro, assim como a dura realidade de cortiços, que não deixa de ser em si uma ação. Citando o artista
favelas e vilas operárias que, ao contrário da tecnologia, plástico alemão Joseph Beuys (1921-1984): “A dignidade
ao longo de todo esse tempo, nunca chegou a ser mais das pessoas, dos animais, de toda a natureza deve uma
que precária. vez mais retornar ao centro da experiência.”
Mas o ponto central da Revolução Industrial é que
as disputas capitalistas deixaram de ser mera compe-
tição por venda de mercadorias para alçar a condição As condições de trabalho
de interesse de Estado – não param de eclodir conflitos
em diferentes partes do globo, pelo controle do maior As novas formas de produção introduzidas pelas
número de fontes de matéria-prima e mercados por uma novas tecnologias romperam com as formas mais
determinada potência. É isso que move o processo de tradicionais como o trabalho artesanal e a indústria
neocolonialismo. doméstica – em que se beneficiavam matérias-primas
O sucesso ou o fracasso da expansão do capitalismo em casa, por empreitada e de acordo com a demanda –,
entre 1850 e 1930 condicionou o ambiente para a Gran- e os indivíduos passaram a se deslocar para as fábricas.
de Guerra, de 1914 a 1918, depois rebatizada I Guerra O crescimento da atividade industrial induziu o
Mundial, em virtude da que conhecemos como II Guerra deslocamento de grandes contingentes do campo para
Mundial, de 1939 a 1945. as cidades, implicando o inchaço das áreas urbanas e
Assim, nem os horrores que sobrevieram, nem o dificultando muito a vida nos bairros operários, com
grande número de mortos (cerca de 15 e 50 milhões, péssimas condições de saneamento e higiene. Ademais,
respectivamente), nem a inaudita escala de destruição a abundância de braços para o trabalho favorecia o
foram suficientes para evitar as guerras que se espalha- achatamento dos salários e a exploração constante,
ram em várias partes do planeta, pois essa era a nova com jornadas de 14 a 16 horas diárias, sem condições
regra do jogo, imposta pela ordem bipolar da Guerra mínimas de segurança e com o uso de mão de obra
Fria – como ficou conhecida a disputa planetária entre infantil e feminina para barateamento do custo – crian-
os EUA e a antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas ças e mulheres recebiam menos que os homens, e não
Soviéticas) por poder e influência. As duas potências havia legislação que protegesse o trabalhador ou lhe
e seus respectivos aliados fomentaram e financiaram garantisse os direitos mínimos.
diversos conflitos – inclusive armados –, dos quais al- Por outro lado, a industrialização passou também
guns perduram ainda hoje, na forma de guerra civil, em a ser vista por alguns como perigosa, e surgiram
ex-colônias europeias da África e da Ásia, na América movimentos operários espontâneos em regiões da
Latina e nas recentes guerras europeias como a dos Inglaterra para destruição de máquinas – o conhecido
Bálcãs, entre 1991 e 1994. luddismo, nome derivado do líder do movimento, Ned
A partir do divisor de águas que representou a Re- Ludd, a quem os seguidores chamavam “General Ludd”
volução Industrial entre o mundo pré-industrialização ou “King Ludd”.
e o industrializado, muitos fatores novos se impuseram Mas os ataques às fábricas não ficaram impunes:
e engendraram também sua contraparte: a defesa da foram impiedosamente reprimidos pelas autoridades,
tolerância, do respeito à dignidade de todos os seres, do muitas vezes com a mesma violência da ação dos des-
desenvolvimento sustentável (uma vez que a poluição truidores, que acabavam presos e, em alguns casos,
e a degradação dos recursos provocaram perdas signifi- mortos em conflito. Para evitar novas manifestações, a
cativas para a vida no planeta, de modo geral) e de uma legislação foi alterada, e, a partir de 1812, o banimento
vida mais harmoniosa entre os cerca de 6,5 bilhões de dos “quebradores de máquinas” foi substituído por seu
indivíduos que perfazemos hoje. enforcamento.
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CURSINHO DA POLI 29
história geral • aula 10

dicando melhores condições de trabalho, a redução da


O “General Ludd” exploração e o reconhecimento dos direitos dos traba-
lhadores, bem como a introdução do sufrágio universal
Henry Gyttman/Hulton Archive/Getty Images

masculino para os maiores de 21 anos. Em razão dessa


carta, o movimento foi chamado cartista.
A organização dos trabalhadores se desdobrou e
ramificou, sendo um exemplo disso as trade unions, que
podem ser entendidas como o embrião dos sindicatos,
que surgiriam mais tarde, em especial na década de 1840,
na Inglaterra e depois em outros centros industriais.
No contexto da articulação do movimento operário,
emerge o movimento socialista, destacando-se a publi-
cação do Manifesto Comunista, em 1848, escrito pelos
alemães Karl Marx e Friedrich Engels com o objetivo de
semear entre os trabalhadores a consciência de classe,
que tornaria o movimento muito mais sólido e eficiente.
A frase final do Manifesto pode ser tomada como diretriz:
“Proletários de todos os países, uni-vos!”

Uma tempestade política no século XIX

O processo de industrialização que a Europa viveu


desde o século XVIII esteve vinculado à ascensão da
burguesia ao controle político do Estado e à implanta-
ção dos princípios liberais tanto na política quanto na
economia. Mas isso não foi geral – no século XIX, estavam
Temos informações de que você é um dos pro- dentro da Revolução Industrial a Inglaterra, a França e a
prietários que têm um desses detestáveis teares Bélgica e, gradativamente, a Itália e a Alemanha.
mecânicos, e meus homens me encarregaram de A agitação no cenário político retornou com a Re-
escrever-lhe, advertindo-o que se desfaça deles [...]. volução de 1830, na França, quando se pode constatar
Atente a que, se eles não forem despachados até que o liberalismo não estava disseminado por todo o
o final da próxima semana, enviarei um de meus continente não só pela existência de países ainda ab-
lugares-tenentes, com uns 300 homens, para destruí- solutistas como a Áustria e a Prússia, mas também pela
-los. Além disso, tome nota: se você nos causar pro- tentativa francesa de voltar ao absolutismo.
blemas, aumentaremos seu infortúnio, queimando As transformações sociais durante o crescimento
seu edifício, reduzindo-o a cinzas; se você tiver o das indústrias foram marcantes devido à formação de
atrevimento de atirar contra meus homens, eles têm um grande grupo de operários nas cidades. A principal
ordem de assassiná-lo e de queimar sua casa. Assim, implicação disso foi a intensificação da urbanização na
você terá a bondade de informar a seus vizinhos de Europa, que representava a exploração desse contin-
que esperem o mesmo destino, se seus tricotadores gente (que ocupava os subúrbios, em bairros operários
não forem rapidamente desativados. repletos de cortiços e casebres amontoados, num am-
assinado: General Ludd, março de 1812 biente absolutamente insalubre e promíscuo), por meio
de longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e
ausência de direitos trabalhistas.
Dentro do processo de resistência à industrialização, Em virtude das mudanças derivadas da Revolução
o luddismo foi uma reação a uma situação tida como Industrial, as relações entre empregador e emprega-
“fora do natural e perigosa”, pois, substituindo o trabalho do começaram a ser pensadas sob vários prismas, no
humano, as máquinas causavam desemprego, fome e intuito de se obterem melhorias para os operários. O
miséria para muitos, em favor do enriquecimento de pensamento socialista buscava alternativas para reduzir
muito poucos. a exploração praticada pelo capitalismo da época – assim
A lógica de articulação mudou de rumo entre 1837 surgiram as primeiras ideias do socialismo utópico.
e 1842, quando um movimento popular se organizou e O conceito de socialismo utópico não propunha
William Lovett escreveu uma carta ao Parlamento reivin- mudanças estruturais no sistema capitalista – como a
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30 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

propriedade privada dos meios de produção, por exem- • materialismo histórico: a ideia principal é que as
plo –, mas apenas ajustes em prol dos trabalhadores. transformações sociais decorriam das forças econômi-
Nessa corrente, destacaram-se três pensadores: cas; portanto, a economia formava a base da sociedade
Charles Fourier, que pretendia remodelar a sociedade em (sua infraestrutura), e esta interagia com os demais ele-
falanstérios, comunidades socialistas que valorizariam mentos (política, religião, cultura etc.), constituindo a
as aptidões pessoais em detrimento da organização superestrutura. A somatória desses eventos constituía
capitalista; Saint-Simon, que defendia a organização o que foi chamado por Marx de modo de produção:
da sociedade pautada na soberania do trabalho e na Na produção capitalista, o trabalhador não é proprie-
associação dos produtores, alcançando a administração tário das condições de produção, nem do campo que
conjunta da produção; e Robert Owen, que buscou me- lavra, nem do instrumento com que trabalha. A essa
lhorar as condições de trabalho com redução da jornada alienação das condições de produção corresponde
e aumento de salários e também fomentou o surgimento aqui, entretanto, uma mudança real no próprio modo
das trade unions, os primeiros sindicatos ingleses. de produção. O instrumento se transforma em máqui-
No ano de 1848, foi publicado o Manifesto Comunista, na; o trabalhador trabalha em oficina etc. O próprio
de Karl Marx e Friedrich Engels, uma resposta à exploração modo de produção não mais permite essa dispersão
do capitalismo vigente na época, que também foi abalado dos instrumentos de produção ligada à pequena
em vários pontos da Europa com a Primavera dos Povos. propriedade, tampouco a dispersão dos próprios tra-
De certa forma, o pensamento de Marx e Engels re- balhadores. Na produção capitalista, a usura não pode
presentou a integração de várias correntes ideológicas mais separar as condições de produção do trabalhador
do período: o pensamento econômico inglês, o ideário e o produtor, porque estes já se encontram separados.
alemão e o socialismo utópico francês. Dava voz aos
• luta de classes: para Marx, a força motriz da História
trabalhadores, convocando-os a lutar – “Proletários de
estava na constante luta de classes, que teria aconte-
todos os países, uni-vos” – e representou o surgimento
cido desde a Antiguidade, entre os que controlam os
do chamado socialismo científico.
meios de produção e os que trabalham para aqueles.
Marx defendia a implantação do sistema comunista,
ou seja, a abolição do Estado e de toda forma de diferen- • mais-valia: conceito que buscava explicar a explora-
ça social, devendo os homens ser regidos pelo comum ção capitalista, a mais-valia é a diferença entre o valor
acordo de suas ideias. No entanto, para chegar a tal fim, produzido pelo trabalhador durante um período e a
defendia a derrubada do capitalismo pela revolução e a quantia que recebe como pagamento. Marx interpre-
instauração da ditadura do proletariado (conjunto dos tava o lucro como um resultado da mais-valia, que
indivíduos que vendem sua força de trabalho), cujos representava a espoliação do trabalhador em prol do
efeitos seriam a estatização de todos os bens, o fim da empresário.
propriedade privada dos meios de produção e a desarti-
culação das diferenças de classe. Uma vez superada essa As transformações políticas do século XIX mostra-
etapa intermediária, o Estado seria abolido e se passaria vam uma tensa polarização entre os grupos liberais e
então ao comunismo. socialistas, tornando necessário o posicionamento da
Além disso, Marx analisou os processos históricos e a Igreja, uma instituição conservadora, temerosa quanto
formação do sistema capitalista, desenvolvendo alguns às teorias socialistas, mas também desfavorável à plena
conceitos básicos do socialismo científico: exploração do trabalhador. Assim, surgiu a ideia de a
religião agir como um elemento de interação, naquele
Henry Gyttman/Hulton Archive/Getty Images

contexto de crise social, entre exploradores e explorados.


Esse tema tem seu maior expoente no papa Leão
XIII (1878-1903), com a publicação da encíclica Rerum
Novarum, em 1891, que foi posteriormente seguida pe-
los papas João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1979).
Como resultado da ascensão da burguesia ao contro-
le do Estado e das diretrizes econômicas em vários países
da Europa, as unificações da Itália e da Alemanha repre-
sentaram não só a formação desses estados nacionais,
mas também a extensão de um processo intimamente
ligado à Revolução Industrial e ao pensamento liberal.
Tanto na Itália quanto na Alemanha, houve tentativas
de unificação durante as revoluções de 1830 e 1848, mas
Lutando por seus direitos, os trabalhadores buscavam o respei- elas malograram em virtude das ações conservadoras
to por sua condição e dignidade.
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CURSINHO DA POLI 31
história geral • aula 10

das potências europeias naquele momento – notada- A ideia de Kipling era que o homem branco su-
mente a França (em defesa de interesses nacionais e da portaria um “fardo”, teria uma dura e difícil missão a
Igreja) e a Áustria. cumprir: a transmissão da civilização europeia aos
A palavra anarquia tem origem grega e significa povos primitivos, que a desconheciam. Assim, quando
“não” (an) e “governo” (arkós). O movimento anarquista o poeta recomenda “Condenai vossos filhos ao exílio,
tinha um objetivo semelhante ao comunista – o fim para que sejam os servidores de seus cativos”, está
do Estado –, mas, diferentemente deste, preconizava implícito que o melhor da juventude ocidental deveria
a supressão de todas as formas de autoridade e dis- assumir os postos de controle e comando nas colônias
tinção social, devendo a sociedade ser regida pela remotas, cumprindo a missão civilizatória. Daí serem
cooperação espontânea entre os homens. Os princi- “servidores”, e não “dominadores” – como de fato foram
pais líderes anarquistas foram Bakunin (1814-1876) e –, afinal, a “transmissão do conhecimento superior
Proudhon (1809-1865). europeu” foi a justificativa dada para a dominação
O movimento anarquista teve intensa penetração no política, econômica, militar e cultural levada a cabo
final do século XIX e no início do século XX, espalhando-
pelas potências capitalistas.
-se em vários países da Europa e chegando às Américas
A visão de uma posição de superioridade pode
por imigrantes espanhóis e italianos.
ser entendida como um discurso de autoafirmação
que, entre outras fontes, teria derivado da leitura
equivocada da teoria evolucionista apresentada por
O imperialismo Charles Darwin em seu livro Teoria geral da evolução
A intensificação das atividades industriais na das espécies, publicado em 1859. Darwin postula a
Europa motivou uma forte busca de fontes de ma- “competição” entre espécies animais como base do
térias-primas e de mercados consumidores para os processo denominado seleção natural, pelo qual as
produtos industrializados durante a segunda metade espécies mais bem adaptadas sobrevivem, e as menos
do século XIX. Isso engendrou uma “corrida colonial” adaptadas perecem.
entre Inglaterra, França, Bélgica, Itália e Alemanha em Alguns intelectuais e cientistas acabaram por apli-
direção à África e à Ásia.
car o conceito de “mais e menos evoluído” à espécie
Esse direcionamento das atividades de exploração
humana, concebendo assim uma explicação para as
do capitalismo industrial era muito diferente do colo-
diferenças gritantes que separavam os povos tidos
nialismo praticado entre os séculos XIV e XVIII, durante
como “primitivos” dos ditos “evoluídos”. Nasceu assim
a formação do capitalismo comercial: no segundo caso,
o darwinismo social, uma visão que potencializou o
as áreas de exploração destinavam-se à ação de empre-
sas e grandes conglomerados com o objetivo de retirar pensamento racista.
gêneros de interesse comercial e vender produtos in- O campo das ciências médicas também se deixou
dustrializados, não dependendo da ação do Estado, mas influenciar pelo discurso do darwinismo social, e vários
das próprias empresas; os países à frente do processo médicos começaram a desenvolver uma faceta desse
eram industrializados e tinham orientação liberal, mui- pensamento pelo conceito de “raças” humanas (branca,
to diferente da ação centralizadora do Estado durante amarela, negra e vermelha), cujas diferenças poderiam
o mercantilismo; a mão de obra era assalariada, e não ser verificadas pela medição de partes do corpo hu-
mais escrava; e, por fim, o capitalismo vigente estava em mano. Dessa concepção derivou a Antropometria, que,
transição, de industrial para financeiro. entre fins do século XIX e a primeira metade do século
XX, seria usada para sustentar o racismo, notadamente
entre os nazistas.
O discurso ideológico O século XIX assistiu à consolidação de várias dis-
ciplinas que compunham a formação humanista e,
Além das citadas motivações econômicas, o neocolo- naquele contexto, passaram a ser ensinadas em cursos
nialismo teve a necessidade de forjar uma argumentação específicos, os quais se desdobraram em ferramentas
que sustentasse suas ações. Nesse sentido, os versos de para a afirmação do discurso imperialista e da melhor
Rudyard Kipling (1865-1935), poeta inglês nascido na compreensão das áreas e dos povos dominados: História,
Índia britânica, são esclarecedores: Geografia, Arqueologia e Antropologia.
Foi nesse “caldo de cultura” que fervilharam as bases
Aceitai o fardo do homem branco, do pensamento nazista, fruto de uma mera adaptação
Enviai os melhores de vossos filhos, aos delírios de Hitler, que releu a ideologia racista vigente
Condenai vossos filhos ao exílio, na virada do século XIX para o XX.
Para que sejam os servidores de seus cativos.
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32 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

A partilha da África forçaram a saída dos holandeses e a eclosão da guerra,


cuja vitória foi inglesa, garantindo-lhe o controle total
EUROPA da região, que passou a se chamar União Sul-Africana.
MARROCOS TUNÍSIA
ESPANHOL
MARROCOS
Mar Mediterrâneo Já em 1904, a Grã-Bretanha fez um acordo secreto
Is. Canárias
(ESP)
FRANCÊS
ARGÉLIA
30°N
com a França que rompeu o acordo firmado em Berlim
ÁSIA
LÍBIA EGITO
no ano de 1885, pois os franceses teriam apoio para

Ma
RIO DE ORO Trópico de Câncer

rV
expandir seus domínios ao Marrocos, enquanto os

erm
britânicos dominariam o Egito. Em 1905, numa visita de

elh
ÁFRICA OCIDENTAL

o
GÂMBIA FRANCESA SUDÃO ERITREIA
GUINÉ ÁFRICA
ANGLO-
SOMÁLIA
FRANCESA
Estado ao Marrocos, o kaiser Guilherme II fez um discurso
PORTUGUESA -EGÍPCIO SOMÁLIA
que claramente colocou a Alemanha como defensora
TOGO

COSTA NIGÉRIA EQUATORIAL


BRITÂNICA
SERRA LEOA DO FRANCESA ABISSÍNIA
LIBÉRIA OURO
CAMARÕES SOMÁLIA
ITALIANA
do Marrocos, caso ocorresse “alguma agressão” externa,
RIO MUNI UGANDA
QUÊNIA
Equador
0° mesmo que isso representasse entrar em guerra, o que
OCEANO GABÃO CONGO
ATLÂNTICO BELGA
ÁFRICA
quase aconteceu, já que franceses e alemães começaram
OCEANO
países independentes ORIENTAL
ALEMÃ
ÍNDICO a mobilizar suas tropas.
possessões
ANGOLA
RODÉSIA NIASALÂNDIA
Para pacificar a situação, uma articulação diplomática
alemãs
belgas
DO NORTE deu origem à Conferência de Algeciras, na Espanha, em
RODÉSIA MOÇAMBIQUE
britânicas
SUDOESTE
AFRICANO
DO SUL MADAGASCAR 1906, quando, de forma ambígua, foi reconhecida a so-
Trópico de Capricórnio
espanholas N BECHUANALÂNDIA berania do Marrocos e, ao mesmo tempo, se declararam
francesas SUAZILÂNDIA

italianas
O L
BASUTOLÂNDIA 30°S
lícitos os “interesses especiais” da França no território
UNIÃO
portuguesas 0
S
790 SUL-AFRICANA marroquino. Em 1911, Alemanha e França celebraram

km
30°L um acordo segundo o qual parte do Congo francês
passaria ao controle alemão, em troca da anexação do
O continente africano vinha sendo explorado desde Marrocos pela França.
o século XVI – especialmente pelo comércio de escravos,
mas também de tecidos, marfim, ouro e sal, entre outras
mercadorias –, mas até 1870 conhecia-se muito pouco A partilha da Ásia
do interior, pois a maior parte das áreas colonizadas era
no litoral. O marco inicial da “corrida colonial” foi a anexa- O imperialismo na Ásia se manifestou de duas
ção de todo o território do rio Congo como patrimônio formas: como exploração indireta e direta. A primei-
pessoal do rei da Bélgica, Leopoldo II, em 1876, situação ra foi na China, que constituía um antigo império
mantida até 1908, quando este vendeu toda essa área ao enfraquecido e isolado do Ocidente, cujas relações
próprio governo belga por uma vultuosa soma. comerciais dependiam diretamente da autoridade
Antes, em 1832, a França já havia conquistado a do imperador, representante da dinastia reinante, os
Argélia, de onde se expandiu para a Tunísia, em 1881. Manchu, oriundos da Manchúria, no norte do territó-
Para evitar maiores tensões pelo controle do território rio, e ocupantes do trono imperial de 1644 até 1912,
africano, ocorreu no ano de 1885 a Conferência de Berlim, quando foi proclamada a República da China, liderada
quando as potências industrializadas resolveram dividir por Sun Yat-Sem, seu primeiro presidente.
oficialmente entre si os territórios africanos. Nesse contexto, a Inglaterra tentava ampliar seus
No início do século XX, só a Grã-Bretanha, a França e contatos com a China, principalmente devido ao
a Bélgica possuíam cerca de 80% do continente africano. grande mercado que poderia ser a população chinesa
Apesar de ter sediado o evento, a posição da Alemanha para os produtos ingleses, os quais eram comerciali-
não foi muito favorecida, pois, em virtude de sua tardia zados pela Companhia das Índias Orientais, mas não
unificação, tal como ocorrera com a Itália, ambas tive- em quantidade satisfatória, pois os chineses vendiam
ram grandes desvantagens, adquirindo pouquíssimos muito mais chá.
territórios e tendo, portanto, menores possibilidades Os ingleses, no entanto, perceberam o interesse
de exploração das matérias-primas e dos potenciais chinês pelo ópio (produzido nas colônias britânicas
mercados consumidores. da Birmânia e da Índia), que era uma droga obtida a
Como um exemplo de conflito de interesses na África, partir da papoula, proibida pelo governo chinês. Em
houve a Guerra dos Bôeres (1899-1902), entre colonos virtude do interesse crescente pelo consumo do ópio,
de origem holandesa (chamados bôeres ou africânderes), os ingleses iniciaram o contrabando em larga escala,
estabelecidos região do Transvaal e Orange (hoje loca- sob o comando da Companhia das Índias Orientais.
lizados na África do Sul), e os ingleses ali fixados, após a O governo chinês procurou coibir a prática, mas os
descoberta de jazidas de ouro e diamantes na região. Es- ingleses não a assumiam oficialmente, conforme
ses atritos e posteriormente uma ação do governo inglês explica esta carta do imperador da China à rainha
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CURSINHO DA POLI 33
história geral • aula 10

RÚSSIA
ÁSIA
CHINA
COREIA
JAPÃO

PÉRSIA
OCEANO PACÍFICO
30°N

TERRITÓRIO Formosa Trópico de Câncer


ARÁBIA Diu (POR) Macau (POR)
INDIANO Hong Kong (GB)
Damão (POR) Yanaon (FRA) Ilhas
Goa (POR) SIÃO Marianas
Pondichéri (FRA) Ilhas
Andaman INDOCHINA Guan (EUA)
Mahé (FRA)
FILIPINAS Ilhas Marshall
Karikal (FRA) Ilhas Carolinas
ÁFRICA GB
Nicobar
Ilhas
Maldivas Nauru Equador 0°
Bornéu
GB Sumatra Terra do Ilhas Gilbert
Nova Imperador Guilherme Ilha Oceano
Arquipélago Guiné Ilhas
GB Java
de Chagos Timor Salomão
OCEANIA
Novas Hébridas
(FRA e GB)
OCEANO ÍNDICO
Nova Trópico de Capricórnio
Caledônia
AUSTRÁLIA
30°S
possessões áreas de influência da
alemãs Grã-Bretanha
França
inglesas
Rússia N
holandesas
territórios NOVA
francesas O L
(FRA) França ZELÂNDIA
norte-americanas (POR) Portugal
S
(GB) Grã-Bretanha 0 1100
japonesas (EUA) Estados Unidos da América
km

60°L 120°L 180°

Vitória: “Pensamos que essa substância perniciosa é Tendo se originado em Pequim, espalhou-se depois pelas
fabricada clandestinamente por artifícios maquina- zonas costeiras e pelas cidades da bacia do rio Yang-Tsé.
dores que dependem de Vossa nação. Seguramente, O movimento foi duramente reprimido: houve centenas
Honrosa Soberana, Vós não haveis ordenado a cultura de mortos em conflito, bem como sistemáticas execu-
ou a venda dessa planta, uma vez que é reconhecido ções públicas dos acusados, visando a coibir qualquer
ser tão nociva. Como poderíeis procurar obter lucros outra forma de resistência ou que pusesse novamente
expondo os outros a seu poder maléfico?” em risco os estrangeiros que viviam na China.
Em 1839, mais de 20 mil caixas de ópio foram quei-
madas pelas autoridades chinesas, dando à Inglaterra um
pretexto para declarar guerra à China. Assim, entre 1839 e
1842, transcorreu a Guerra do Ópio, com a vitória inglesa
e a submissão da China aos interesses estrangeiros. Em
1842, os chineses assinaram o Tratado de Nanquim, cujo
conteúdo favorecia os ingleses, com o acesso a cinco por-
tos para livre comércio e o controle da ilha de Hong Kong.
No final do século XIX, Alemanha, França, Japão, EUA e
Rússia possuíam várias áreas de influência em território
chinês, ocorrendo em 1900 a Revolta dos Boxers, orga-
nizada pela Sociedade Harmoniosos Punhos Justiceiros,
uma organização secreta de caráter anti-imperialista Litogravura de Henri
que tentou resistir à dominação estrangeira e começou Meyer (1898).
a atacar representantes estrangeiros no território chinês. China: o bolo dos reis
e imperadores
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34 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

Além da tensão existente na China e do interesse em processo algo semelhante ao da Europa feudal, durante
explorá-la, talvez a Índia tenha sido uma das regiões mais a chamada formação das monarquias nacionais, entre
disputadas entre os séculos XVI e XIX, pois em seu litoral os séculos XV e XVI.
existiam entrepostos comerciais de Portugal, da França Em 1868, ocorreu a chamada Revolução Meiji, ou
e da Inglaterra. No entanto, diferentemente da China, as Era Meiji, que significa “Era das Luzes” ou “Era Iluminada”,
relações comerciais eram facilitadas pela descentraliza- quando o imperador Mutsu-Ito centralizou o poder em
ção da autoridade política, devido a um grande número detrimento do shogunato, cujo exercício do poder de
de Estados governados por príncipes, rajás e marajás, fato calcava-se na ação dos exércitos de samurais (elite
os quais negociavam em separado com os europeus. de militares treinados em diferentes formas de combate,
Assim, estabeleceu-se uma relação de protetorado que obedeciam a um código de honra semelhante ao
entre os europeus e a administração local. A partir do dos cavaleiros da Europa medieval).
século XVIII, a maior parte do território indiano estava Após a substituição do poder samurai por um exército
sob controle inglês, tendo como agente a Companhia organizado em moldes ocidentais e submetido diretamen-
das Índias Ocidentais. te ao poder imperial, deu-se um processo de abertura e
A interferência inglesa na Índia foi responsável por ocidentalização do Japão, fator prioritário para se lançarem
uma calamidade pública, porque o mercado indiano foi as bases da industrialização e se incentivarem o comércio e
inundado com tecidos ingleses (dezenas de vezes mais a agricultura.Assim,abriu-se caminho para o fortalecimento
baratos), levando à falência a manufatura local, perdendo do poder japonês no Extremo Oriente: em 1904, com a ane-
a Índia a condição de exportadora de tecidos e passan- xação das ilhas Sacalina e da península da Coreia, depois de
do a ser importadora. Isso provocou o fechamento de derrotar a Rússia, e com a posterior expansão em direção
várias oficinas têxteis e desencadeou um processo de ao território chinês, tomando a Manchúria e se expandido
desemprego, escassez e fome que atingiu milhares de em direção ao litoral chinês, ao longo da década de 1930,
pessoas, com um saldo inicial de mais de 500 000 mortos. processo que foi ampliado com a eclosão da II Guerra
Em 1857, eclodiu a Revolta dos Sipaios (guarnição Mundial, em 1939.
inglesa formada por indianos), um movimento nacio-
nalista que tentou romper o domínio inglês, mas foi
debelado em 1859, com o massacre dos revoltosos. Uma Big Stick: o imperialismo estadunidense
vez “pacificada” a situação, a rainha Vitória foi sagrada
Imperatriz da Índia em 1877, um título simbólico, mas Desde o fim do século XIX e o início do século XX,
que representava a supremacia inglesa. A Índia era deno- a história da América Latina teve a forte influência dos
minada “a mais bela joia da Coroa”, e permaneceu sob o Estados Unidos, em virtude do Corolário Roosevelt, co-
domínio britânico até 1947, com o triunfo do movimento nhecido como Big Stick (“grande porrete”,em inglês). Essa
de independência liderado por Mohandas Gandhi (1869- intervenção na América Central e no Caribe manteve a
1948). Esse advogado e líder pacifista se empenhou na região sob a égide da economia capitalista com o alega-
libertação da Índia procurando deixar de lado a tensão do intuito de “preservar a democracia”, mas preservando
e a violência entre hindus e muçulmanos e exaltando a de fato os interesses estadunidenses.
convivência harmoniosa e a desobediência civil, ou seja, A criação de uma área de influência na América repre-
a rejeição de leis e decretos impostos pelos ingleses. sentava a redução da influência europeia e a ascensão
Assim, buscava romper a ordem vigente e dificultar a dos EUA como potência, a ponto de intervir militarmente
administração, na esperança de levar os britânicos a na defesa de seus objetivos estratégicos.
abandonarem o controle da Índia, ao menos em tese. A ilha de Cuba obteve a independência da Espa-
O empenho de Gandhi pela paz lhe valeu o título, dado nha em 1898, contando com o apoio estadunidense, e
pelos hindus, de Mahatma, que significa “grande alma”. também passou a ser área de influência dos EUA, prin-
Um terceiro objeto da ação imperialista ocidental foi cipalmente depois de 1901, quando o Congresso esta-
o Japão, que, naquele contexto, era outro Estado oriental dunidense fez incluir na Constituição cubana a Emenda
que não tinha laços diretos com o Ocidente, procurando Platt, que legitimava sua intervenção na ilha em casos
fazer pequenas trocas comerciais e evitando a influência de “desordem pública e econômica”. Desde então, Cuba
estrangeira desde o século XVI. Essa posição foi alterada era conhecida como “o bordel dos EUA”.
com o envio da chamada Esquadra Negra pelo governo Nesse período, estabeleceu-se uma base militar es-
dos EUA, forçando a abertura dos portos japoneses ao tadunidense em Guantánamo, em território cubano e
comércio exterior em 1853. porto-riquenho, hoje estado associado7 aos EUA. Além
Até 1868, o governo japonês era descentralizado, disso, o fato de terem derrotado a Espanha legou-lhes o
sendo o imperador uma figura enfraquecida e os se-
nhores locais (shoguns) muito bem estruturados, num 7 Diz-se estado associado aquele que tem autonomia para escolher seu governo, o espanhol
como língua oficial e o dólar como moeda, mas depende dos EUA para a defesa de seu território.
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35
história geral • aula 10

controle do arquipélago das Filipinas e do Havaí, ambos lação de capital, os investimentos e a produção e a venda
em pontos estratégicos do Pacífico. de mercadorias foram se complicando e envolvendo cada
Em 1901, os EUA assinaram com a Inglaterra um acor- vez mais pessoas, em diferentes partes do mundo.
do visando ao direito exclusivo de construir e administrar Mas, mesmo em suas fases distintas e com distintos
um canal que atravessaria o território do Panamá, ligan- agentes, o capitalismo nunca poupou o trabalhador
do os oceanos Atlântico e Pacífico. Na época, o território da exploração mais vil e desenfreada. Apesar das
do Panamá era controlado pela Colômbia, que rejeitou inúmeras leis que procuram resguardar algum espaço
o acordo para a construção do canal, uma vez que ele para o operário, ainda não há perspectivas que assegu-
feria sua soberania nacional. Ao mesmo tempo, os EUA rem trabalho para todos em boas condições ou, pelo
patrocinaram a organização de um movimento de inde- menos, em condições que desmintam a ideia de que
pendência do Panamá, que recebeu uma indenização de o capitalismo foi sempre essencialmente desigual e
10 milhões de dólares, concluindo-se a construção do cruel por excelência.
canal em 1914, que ficou sob o controle estadunidense A busca de matérias-primas estratégicas como ferro,
até 1999. Depois de inúmeras pressões sobre os EUA, cobre e carvão, além de ouro, prata e pedras preciosas, fez
ele foi restituído ao controle do Panamá – segundo o com que regiões como a África e a Ásia, até certo ponto
tratado, o território do canal do Panamá seria área de ignoradas, apesar da expansão marítima dos séculos XV
“soberania perpétua” dos EUA. e XVI, se tornassem presas valiosas para as potências eu-
Aproximando-se dos EUA, as elites locais se tornaram ropeias. Havia outros fatores que impeliam os europeus à
dependentes dos investimentos estrangeiros, os quais prática colonialista: a possibilidade de transferir colonos
foram responsáveis pela formação de pequenos parques para as regiões conquistadas, dando uma solução para
industriais (principalmente de produtos vinculados à o problema de superpopulação na Europa.
produção agrícola), e esses países ficaram conhecidos A propaganda em favor do imperialismo baseava-se
como Banana’s Republics, isto é, pequenas repúblicas em teorias – na época, tidas como científicas – que es-
dependentes de capital estrangeiro cuja produção se tabeleciam uma hierarquia entre os povos: os europeus
centrava na agroexportação. seriam “os mais civilizados”, segundo uma leitura equivo-
As ações militares estadunidenses não foram poucas: cada da então nascente teoria evolucionista publicada
Porto Rico (1898 e 1917); Cuba (1898-1903, 1906-1909 e por Charles Darwin, em 1859, Teoria geral da evolução
1917-1922); República Dominicana (1905); Haiti (1915); das espécies. O fenômeno ficou conhecido como darwi-
Nicarágua (1909); Panamá (1903); México (1914 e 1916). nismo social e difundiu a concepção da superioridade
A crise do poder das oligarquias começou com o da civilização europeia em relação às demais culturas
crash da Bolsa de Nova York, em 1929, pois a retração do do planeta. O poeta inglês Rudyard Kipling (1865-1935)
mercado estadunidense prejudicou a agroexportação, sintetizou precisamente essa concepção na expressão
obrigando à queima de estoques e à desvalorização “o fardo do homem branco”.
da moeda para reter a crise – medidas que só fizeram
aumentar o desemprego e a inflação.
A política era controlada pelos grandes proprietários e Exercícios
industriais, cujos interesses se alinhavam com os dos EUA,
de modo que o Big Stick foi substituído por uma Política de 1. (FUVEST)
Boa Vizinhança, para estreitar os laços dentro do continente O livre comércio é um bem – como a virtude, a san-
americano. Essa ação revelava a grande preocupação esta- tidade e a retidão – a ser amado, admirado, honrado
dunidense com a possibilidade de a polarização ideológica e firmemente adotado, por si mesmo, ainda que todo
vigente no cenário europeu atingir a América com força o resto do mundo ame restrições e proibições, que, em
– de um lado, o “perigo comunista” e, de outro, a expansão si mesmas, são males – como o vício e o crime – a ser
do fascismo. A ideia era conquistar o apoio dos países odiados e detestados sob quaisquer circunstâncias e
americanos não pela força militar, mas pelo intercâmbio em todos os tempos.
diplomático, econômico e cultural. The Economist, 1848.

Tendo em vista o contexto histórico da época, tal


resumo da ópera formulação favorecia particularmente os interesses:
a) do comércio internacional, mas não do inglês.
Nesta aula, apresentamos a Revolução Industrial como b) da agricultura inglesa e da estrangeira.
resultado das mudanças por que passou o capitalismo, as c) da indústria inglesa, mas não da estrangeira.
quais devemos organizar para perceber que o conceito de d) da agricultura e da indústria estrangeiras.
capitalismo histórico nos ajuda a entender como a acumu- e) dos produtores de todos os países.
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36 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

2. (UEL) Partindo do princípio da lei da mais-valia abso- 2. (PUC-PR) O consumo da batata inglesa difundiu-se
luta e relativa em Marx, um industrial, para aumentar na Europa somente a partir do século XVIII. Alimento
seus lucros, deve: muito nutritivo e relativamente fácil de cultivar e
a) investir em novas tecnologias e diminuir a jornada transportar, ajudou a matar a fome de grande número
de trabalho dos empregados, intensificando o ritmo de camponeses europeus. No entanto, a fome era uma
e diminuindo o número de horas de produção, com grande preocupação das grandes cidades no século
aumento de salários. XIX, graças ao crescimento desmedido das populações
b) ampliar a jornada de trabalho dos empregados, urbanas, resultado da Revolução Industrial. Nesse
intensificando o ritmo e aumentando o número de sentido, leia as afirmativas:
horas de produção, com aumento de salários. I. Cidades como Londres e Paris tornaram-se grandes
c) investir em novas tecnologias, diminuindo o ritmo e aglomerados humanos e tiveram vários proble-
o número de horas de produção, sem aumento de mas além da fome: falta de saneamento básico,
salários, pois as novas tecnologias são suficientes iluminação inadequada, habitações precárias,
para aumentar os lucros. entre outros.
d) aumentar o tempo das horas extras do empregados, II. O grande êxodo rural levou a uma oferta de mão
com aumento de salários, estimulando a melhoria do de obra muito superior à oferta de emprego, o
ritmo e da intensidade da produção sem introdução que resultou em redução de salários, desemprego
de novas tecnologias. e aumento das horas de trabalho dos operários
e) investir em novas tecnologias e ampliar a jornada de europeus.
trabalho dos empregados, intensificando o ritmo e III. O período é marcado por conflitos entre operários e
aumentando o número de horas de produção, sem patrões, gerando frequentes greves e revoltas.
aumento de salários. IV. Destaca-se, nessa época, o movimento de trabalha-
dores conhecido como luddismo, que reivindicava,
entre outras coisas, a extensão do direito de voto às
Estudo orientado camadas menos favorecidas da Inglaterra.
exercícios Agora, marque a alternativa CORRETA:
a) Todas as alternativas estão corretas.
1. (UEL) Sobre a Revolução Industrial nos séculos XVIII
b) Todas as alternativas estão incorretas.
e XIX, é correto afirmar:
c) Somente a alternativa I está incorreta.
a) Uma condição indispensável para a transição do ar-
d) Somente a alternativa III está correta.
tesanato para a manufatura e desta para a indústria e) Estão corretas somente as alternativas I, II e III.
moderna foi a concentração da propriedade dos
meios de produção nas mãos do capitalista. 3. (UEL)
b) O crescimento industrial na Inglaterra resultou em
um processo conhecido como “segunda servidão”, texto 1
no qual os antigos servos rurais foram transferidos Thomas Malthus (1766-1834) assegurava que, se a
para as indústrias urbanas visando ao aumento de população não fosse de algum modo contida, dobraria
produtividade das mesmas. de 25 em 25 anos, crescendo em progressão geométri-
c) Embora detivessem o poder político, tanto a burgue- ca, ao passo que, dadas as condições médias da terra
sia rural como a aristocracia urbana não possuíam disponíveis em seu tempo, os meios de subsistência
capitais que possibilitassem o desenvolvimento da só poderiam aumentar, no máximo, em progressão
Revolução Industrial, sendo esta, portanto, financiada aritmética.
pelos pequenos proprietários rurais.
d) A industrialização na Grã-Bretanha iniciou-se com a texto 2
instalação das indústrias de bens de capital (aço e ma- A ideia de um mundo famélico assombra a hu-
quinário) e, depois de estruturada essa base, partiu-se manidade desde que Thomas Malthus previu que no
para a produção de bens de consumo semiduráveis futuro não haveria comida em quantidade suficiente
e não duráveis (tecidos, alimentos, bebidas). para todos.
e) Por não haver complementaridade entre a atividade Organismos internacionais – Organização das
industrial e a pecuária (gado bovino, ovino), este foi Nações Unidas, Banco Mundial e Fundo Monetário
o setor mais duramente atingido pela conversão da Internacional – chamaram a atenção para a gravida-
Europa rural em industrial. de dos problemas decorrentes da alta dos alimentos.
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CURSINHO DA POLI 37
história geral • aula 10

O Banco Mundial prevê que 100 milhões de pessoas nismo não é a supressão da propriedade privada em
poderão submergir na linha que separa a pobreza da si, mas a supressão da propriedade burguesa. […] A
miséria absoluta devido ao encarecimento da comida. propriedade burguesa moderna constitui a última
R. França. O fantasma de Malthus. Veja, 23 abr. 2008. e mais completa expressão do modo de produção e
apropriação baseado em antagonismos de classe, na
Para K. Marx (1818-1883), a teoria malthusiana do exploração de uma classe por outra.
crescimento populacional: In: Daniel Aarão Reis Filho (Org.)
a) permitia entender, de modo científico, as razões O Manifesto Comunista 150 anos depois. São Paulo:
pelas quais os proletários teriam dificuldades para Fundação Perseu Abramo,
ascender socialmente. 1998, p. 19-20-21.
b) apresentava as bases adequadas sobre os quais se
deveria elaborar a teoria do valor trabalho. a) A Igreja toma posição sobre as ideias socialistas por
c) reforçava valores da burguesia ascendente que, meio da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII.
posteriormente a 1848, assumia posições cada vez Mencione um posicionamento da Igreja que contra-
mais conservadoras. dizia as ideias defendidas, pelo texto apresentado,
d) era o primeiro passo na construção de uma teoria por Karl Marx e Friedrich Engels.
explicativa do real caráter de classe da sociedade b) Relacione o capitalismo industrial com o surgimento
burguesa. dos movimentos socialistas.
e) apreendia a essência do proletariado moderno e os
motivos pelos quais a classe burguesa estaria fadada
a desaparecer. roda de leitura

4. (UFMG) texto 1
O que significa a frase “a Revolução Industrial Os trabalhadores, em geral, formam um grupo
explodiu”? Significa que, a certa altura da década de de homens inofensivos, modestos e bem-informados,
1780, e pela primeira vez na história da humanidade, embora eu desconheça a maneira como eles se infor-
foram retirados os grilhões do poder produtivo das mam. São dóceis e afáveis, se não os molestam muito,
sociedades humanas, que daí em diante se tornaram mas isso não surpreende, quando consideramos que
capazes da multiplicação rápida, constante, e até o pre- eles são treinados para trabalhar desde os seis anos
sente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. [...] de idade, das cinco da manhã até as oito ou nove da
Sob qualquer aspecto, esse foi provavelmente o mais noite. Ponha um dos que advogam a obediência ao
importante acontecimento na história do mundo, pelo mestre numa avenida de acesso a uma fábrica, um
menos desde a invenção da agricultura e das cidades. pouco antes das cinco horas da manhã, para que
E foi iniciado pela Grã-Bretanha. É evidente que isso observe a aparência esquálida das crianças e de seus
não foi acidental. pais, arrancados tão cedo de suas camas, não importa
Eric J. Hobsbawm. A era das revoluções: 1789-1848. Rio de o tempo que faça. Deixe-o examinar a miserável por-
Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 44-45. ção de comida, normalmente sopa aguada de aveia
e bolo, também de aveia, um pouco de sal e, às vezes,
a) CITE e ANALISE dois fatores que tornaram possível o completada com um pouco de leite, além de algumas
pioneirismo inglês no processo de industrialização. batatas, um pouco de bacon ou gordura para o jantar.
b) EXPLIQUE uma das razões por que a indústria têxtil O escravo negro nas Índias Ocidentais, mesmo tra-
se tornou o setor de ponta nos primórdios da indus- balhando sob um sol tórrido, tem provavelmente uma
trialização. brisa suave que às vezes o refresca, um pedaço de terra
e tempo para cultivá-lo. O escravo fiandeiro inglês não
5. (UFRRJ) Leia o trecho a seguir, extraído do Manifesto desfruta do céu aberto e das brisas. Enclausurado nas
Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, e responda fábricas de oito andares, ele não tem descanso até as
ao que se pede. máquinas pararem, e então retorna à sua casa, a fim
O operário moderno, ao invés de ascender com de se recuperar para o dia seguinte. Não há tempo para
o progresso da indústria, afunda-se cada vez mais gozar da companhia da família: todos eles estarão
abaixo das condições de sua própria classe. [...] A também fatigados e exaustos. Esse não é um quadro
burguesia produz, antes de mais nada, seus próprios exagerado: ele é literalmente verdadeiro.
coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são
igualmente inevitáveis. [...] O que caracteriza o comu- Black Dwarf, 30 set. 1818, apud E. P. Thompson.
A formação da classe operária inglesa. v. II. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987, p. 25.
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38 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 10

texto 2 niza e se emancipa progressivamente no seio da socie-


Bravos luddistas somos, para a quebra vamos! dade, que é necessariamente anterior ao nascimento
Deus salve Ned Ludd! de seu pensamento, de sua palavra e de sua vontade; e
Máquinas para o inferno, queremos nossa digni- ele só pode fazê-lo pelos esforços coletivos de todos os
dade! membros passados e presentes desta sociedade, que é,
Quebrar é bom, juntar-nos e salvar a Europa! em consequência, a base do ponto de partida natural
Quebre! Quebre ou morra trabalhando! de sua existência humana. Resulta que o homem só
Monstros do industrialismo, queremos quebrá-los! realiza sua liberdade individual ou sua personalidade
Máquinas no chão! completando-se com todos os indivíduos que o cercam
Bater! Bater! Bang! Bang! e só graças ao trabalho e à força coletiva da sociedade,
Os sons da liberdade esses são! fora da qual, de todos os animais ferozes que existem
Quebre um, quebre dois, quebre três, quebre todos. na Terra, ele seria, sem dúvida e sempre, o mais estúpido
Todos! e miserável. No sistema dos materialistas, que é o único
Canção anônima do movimento luddista
natural e lógico, a sociedade, longe de diminuir e de
limitar, cria, ao contrário, a liberdade dos indivíduos
humanos. Ela é a raiz, a árvore, e a liberdade é seu
texto 3 fruto. Logo, em cada época, o homem deve procurar
Para a Alemanha dirigem os comunistas sua aten- sua liberdade não no início, mas no fim da história,
ção principal, porque a Alemanha está em vésperas e pode-se dizer que a emancipação real e completa
de uma revolução burguesa e porque realizará essa de cada indivíduo humano é o verdadeiro, o grande
convulsão num momento em que as condições de objetivo, o fim supremo da história.
civilização europeia em geral estão mais avançadas [...] Não hesito em dizer que o Estado é o mal, mas
e o proletariado bem mais desenvolvido do que na um mal historicamente necessário, tão necessário no
Inglaterra no século XVII e na França do século XVIII. passado quanto o será sua extinção completa, cedo
Portanto, a revolução burguesa alemã só poderá ser o ou tarde; tão necessário quanto foram a bestialidade
prelúdio imediato de uma revolução proletária. primitiva e as divagações teológicas dos homens. O
Em uma palavra, em toda parte os comunistas Estado absolutamente não é a sociedade, é apenas
apoiam qualquer movimento revolucionário contra uma forma histórica tão brutal quanto abstrata. Nas-
as ordens sociais e políticas estabelecidas. ceu historicamente, em todos os países, do casamento
Em todos esses movimentos, destacam como da violência, da rapina e do saque, isto é, da guerra e
questão fundamental do movimento a questão da da conquista, com seus deuses criados sucessivamen-
propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou me- te pela fantasia teológica das nações. Foi, desde sua
nos desenvolvida, que ela possa ter assumido. origem e permanece ainda hoje, a sanção divina da
Enfim, os comunistas trabalham, em toda parte, força bruta e da iniquidade triunfante.
pela união e pelo entendimento dos partidos demo- Mikhail Bakunin. Deus e o Estado (1871). In: Textos anarquistas.
cráticos de todos os países. Trad. Zilá Bernd. Porto Alegre: L&PM, 2003.
Os comunistas recusam-se a dissimular suas con-
cepções e seus propósitos. Proclamam abertamente
que seus objetivos só podem ser atingidos pela derru- pesquisar e ler
bada violenta de toda ordem social passada. Que as
classes dominantes tremam à ideia de uma revolução Maria Stella Martins Bresciani. Londres e Paris no século
comunista. Os proletários não têm nada a perder, ex- XIX. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção Tudo é História.)
ceto seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. A autora dá um quadro panorâmico do desenvolvimento
da industrialização no século XIX em duas metrópoles
Proletários de todos os países, uni-vos! europeias, focalizando as transformações socioeconô-
Friedrich Engels; Karl Marx. Manifesto do Partido Comunista. micas e políticas responsáveis pelo esboço cinzento do
Trad. Sueli Tomazzini Barros Cassal. 1 ed. Porto Alegre: L&PM. século XX.
Nicolau Sevcenko. A corrida para o século XXI: no loop da
texto 4 montanha-russa. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
[...] Partindo do estado de gorila, é para o homem 2001. (Coleção Virando Séculos.) É uma síntese marcada
um processo muito difícil chegar à consciência de sua pela narrativa precisa e lúcida do atual contexto e da ar-
humanidade e à realização de sua liberdade. Primeira- ticulação do sistema capitalista, tendo em conta as ideias
mente, ele não pode ter nem essa consciência, nem essa de pós-modernidade, cultura de massas e globalização
liberdade; ele nasce besta feroz e escravo, e só se huma- e a constante luta contra as injustiças.
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CURSINHO DA POLI 39
história geral • aula 10

Para a melhor compreensão dos conceitos relacio- senha


nados aos ideários políticos apresentados nesta aula,
sugerimos a leitura dos seguintes paradidáticos: As luzes se apagam em toda a Europa... Não volta-
Arnaldo Spindel. O que é socialismo? São Paulo: Brasilien- remos a vê-las acenderem-se em nosso tempo de vida.
se, 1980. (Coleção Primeiros Passos.) Edward Grey, secretário de Relações Exteriores
Arnaldo Spindel. O que é comunismo? São Paulo: Brasi- da Grã-Bretanha, 1914.
liense, 1980. (Coleção Primeiros Passos.)
Caio Túlio Costa. O que é anarquismo? São Paulo: Brasi-
liense, 1980. (Coleção Primeiros Passos.)

ver e ouvir

Germinal (direção: Charles Berri, 1993). Inspirado no


romance homônimo de Émile Zola, a adaptação apre-
senta o cruel quadro da vida proletária e da insensível
exploração da burguesia francesa sobre o proletariado
na França do século XIX.
Tempos modernos (direção: Charles Chaplin, 1940). Um
operário de uma linha de montagem, que testou uma
“máquina revolucionária” para aproveitar produtivamen-
te também a hora do almoço, é levado à loucura pela
“monotonia frenética” de seu trabalho. Após um longo
período num sanatório, ele se cura da crise nervosa, mas
fica desempregado. Num tom satírico de humor leve,
Chaplin apresenta a realidade do operário no contexto
fabril e descortina a frieza da sociedade capitalista.
The Corporation (direção: Michael Moore, 2004). A partir
da polêmica decisão da Suprema Corte de Justiça esta-
dunidense de que, aos olhos da lei, uma corporação é
uma “pessoa”, analisam-se os poderes das grandes cor-
porações no mundo atual. A exploração da mão de obra
barata nos países em desenvolvimento e a devastação
do meio ambiente são alguns dos temas abordados e,
nesse contexto, Moore entrevista presidentes de corpo-
rações e intelectuais que criticam o mundo corporativo,
no intuito de promover o debate sobre o funcionamento
visceral do capitalismo na atualidade.

ágora

A Revolução Industrial determinou inúmeras trans-


formações para as mais diferentes esferas em todo
planeta. No entanto, sob o signo do progresso e a con-
cepção de uma vida confortável gerada pelo consumo,
a humanidade se coloca numa grande discussão: há
um real modelo que consiga defender a tese do desen-
volvimento sustentável? Quais são as soluções para as
desigualdades decorrentes do modelo capitalista?
724-3

40 CURSINHO DA POLI
Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa aula 11
RG: O engraçado era ir para casa, de licença por No entanto, o processo de partilha das terras afro-asiá-
seis semanas, mas, ao mesmo tempo, a ideia de estar ticas foi desigual, favorecendo principalmente a Inglaterra
em casa era horrível, porque você estava com gente e a França, em detrimento de potências em ascensão como
que não entendia do que se tratava a coisa toda. a Itália e a Alemanha, países que só se constituíram como
LS: Você não queria contar para eles? estados nacionais tardiamente, em 1870.
RG: Era impossível! Não se pode comunicar ruído! Assim, o cenário político europeu acumulou um in-
Entrevista de Robert Graves a Leslie Smith, Inglaterra, 1914 tenso jogo de forças entre os países detentores de gran-
des impérios coloniais e os países menos favorecidos
Quando a artilharia cessou, eu vi um fuzileiro, nesse sentido, que disputavam o controle hegemônico
o capitão Neville, subir ao parapeito na “Terra de da Europa e dos mercados capitalistas.
Ninguém”, convocando os demais a seguirem-no. No plano europeu, formou-se um grande foco de
Para isso, ele chutou uma bola de futebol. Um tensão entre a França e a Alemanha, devido à vitória
ótimo chute. A bola subiu e atravessou até bem alemã na guerra Franco-Prussiana, em 1870. Os resultados
além das posições alemãs. Aquele era, sem dúvida, dessa guerra foram a unificação alemã, a anexação da
o sinal para avançar. Alsácia-Lorena (região rica em jazidas de carvão e ferro)
e o pagamento de uma vultosa indenização pela França,
Sargento J. R. Ackerley, 18o Regimento de
Fuzileiros, Loos, 1915 implicando não só o desequilíbrio político-econômico do
Estado francês (fim do segundo império e instauração da
III República), mas também o surgimento de um exacer-
bado nacionalismo em função do revanchismo francês.
Antecedentes Além da França, a Alemanha era concorrente di-
reta da Inglaterra tanto no âmbito político como no
A Primeira Guerra Mundial foi um conflito de larga
econômico, pois a industrialização alemã vinha num
escala marcado pelo acirramento das tensões econômi-
processo acelerado desde a unificação e já no início
cas, políticas e sociais na Europa durante o final do século
do século XX ameaçava a Inglaterra na disputa da
XIX e início do XX, consagrando-se, portanto, como um
produção industrial.
choque entre imperialismos. Ligava-se diretamente à
Mas a tensão política não se limitava às potências
“corrida colonial”, provocada pelas potências capitalistas
industriais; no centro e no leste da Europa, havia a
com o objetivo de obterem fontes de matérias-primas e
complexa questão das minorias étnicas submetidas
mercados consumidores.
pelo Império Austro-Húngaro e pelo decadente Im-
pério Turco. Nesse contexto,
SAXÔNIA PRÚSSIA RÚSSIA manifestaram-se os interesses
poloneses russos na região dos Bálcãs,
Praga Lvov que pretendia conseguir influ-
50°N
tchecos Cracóvia ência sobre os povos eslavos
BOÊMIA (tchecos, sérvios, croatas e es-
lovenos), então subordinados
SUÍÇA aos turcos e aos austríacos sob
eslovacos
Viena a bandeira do pan-eslavismo
– o objetivo maior dos russos
Budapeste HUNGRIA era o acesso a uma saída para
TIROL
o mar Mediterrâneo.
Trento
A principal manifestação
eslovenos
do pan-eslavismo foi na Sér-
Trieste croatas
via, um pequeno país eslavo
Bucareste
com interesses expansio-
N nistas que visava formar um
poderoso Estado na região
Mar O L

Adriático dos Bálcãs (a Grande Sérvia),


0
S
95 mas não contava para tanto
10ºL 20ºL km com o apoio da Áustria ou da
fronteira do
Turquia, tendo a primeira lhe
alemães eslavos italianos
Império tomado a região da Bósnia-
búlgaros húngaros romenos Austríaco -Herzegovina em 1908.
724-3

CURSINHO DA POLI 41
história geral • aula 11

O Sistema de Alianças que só durou até 1878. No entanto, já em 1879, fez um


novo acordo com a Áustria e, em 1882, integrou a Itália,
formando a Tríplice Aliança.
A ruptura do isolamento francês teve início em 1894,
numa aliança com a Rússia, acentuando-se o processo
com um acordo entre a Inglaterra e a Rússia, graças à
intermediação da França. Assim se formou a Tríplice
Entente, ou Entente Cordiale (“entendimento cordial”, em
francês), que aproximava duas potências historicamente
rivais (França e Inglaterra).
O período entre 1900 e 1914 foi marcado pelo
atrito entre vários países que participavam tanto da
Tríplice Aliança como da Entente. Um dos primeiros
conflitos foi a disputa pelo controle do Marrocos, país
africano independente no início do século XX. A crise
foi motivada pelo interesse francês em obter o domí-
nio dessa região com o apoio da Inglaterra, que visava
ao controle do Egito. No entanto, sob a suspeita de
uma investida franco-britânica, o kaiser Guilherme II,
em viagem ao Marrocos em 1905, discursou manifes-
Desde a vitória alemã na guerra Franco-Prussiana, em tando apoio aos marroquinos contra qualquer ameaça
1870, o chanceler alemão Otto von Bismarck procurou estrangeira e, em 1906, num congresso internacional
isolar a França por meio de uma intensa política diplo- na Espanha, estipulou-se que a França teria vantagens
mática entre os países europeus. Em 1873, formou com a especiais no Marrocos. A dominação francesa sobre
Áustria e a Rússia a chamada Liga dos Três Imperadores, o território marroquino foi efetivada em 1911, com

REINO DE SUÉCIA
E NORUEGA
Greenw de
ich

Mar do
no

Norte
Meridia

Mar
REINO UNIDO DINAMARCA Báltico
DE GRÃ-BRETANHA
E IRLANDA
PAÍSES
BAIXOS IMPÉRIO RUSSO
IMPÉRIO ALEMÃO
BÉLGICA
LUXEMBURGO

OCEANO
ATLÂNTICO IMPÉRIO
45°N
FRANÇA SUÍÇA AUSTRO-HÚNGARO

ROMÊNIA
Mar Negro
BÓSNIA
HERZEGOVINA SÉRVIA
BULGÁRIA
REINO DA Córsega REINO DA MONTENEGRO

ESPANHA ITÁLIA
IMPÉRIO OTOMANO

Sardenha
N

O L
Sicília
GRÉCIA
S
0 270 Chipre
Mar Mediterrâneo
km Creta
0º 30ºL
724-3

42 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 11

um acordo franco-alemão pelo qual a França cedia da guerra, numa visão maniqueísta (luta entre o Bem e o
uma parte do Congo francês aos alemães e, em troca, Mal) e romântica. Um exemplo é o episódio do dia de Na-
anexava o Marrocos. tal de 1914, quando alemães e franceses interromperam
Outra crise importante foi a balcânica, com conflitos os combates e fizeram um almoço de confraternização,
entre as minorias eslavas dominadas pelos impérios inclusive com troca de presentes. Mas o conflito não foi
Austríaco e Turco, motivados sobretudo pelos interesses tão breve quanto se acreditava. O avanço dos exércitos
nacionalistas da Sérvia. O Império Austro-Húngaro (um tornou-se mais difícil, e começou numa nova fase, talvez
império dual, em que austríacos e húngaros tinham a mais cruel: a guerra de trincheiras.
os mesmos direitos) poderia vir a se tornar um tríplice
(Austro-Húngaro-Eslavo), pois o herdeiro do trono, o
arquiduque Francisco Ferdinando, defendia essa tese
como solução para a crise étnica dos Bálcãs.
Em 28 de junho de 1914, Francisco Ferdinando e sua
esposa foram assassinados na cidade de Sarajevo pelo ati-
vista sérvio Gabriel Princip, integrante da sociedade secreta
Mão Negra. Isso exacerbou as tensões já existentes, e não
se encontrou uma solução diplomática. No mesmo dia, a
Áustria declarava guerra à Sérvia, mas esta tinha um acordo
secreto com a Rússia,a qual declarou guerra à Áustria.Assim,
a política de alianças entrou em funcionamento: a Alema-
nha declarou guerra à Rússia em apoio aos austríacos, e a
França declarou guerra à Alemanha, seguida pela Inglaterra.

Um conflito mundial
Album/akg-images

A impossibilidade de avançar fez com que os exér-


citos dos dois lados cavassem profundas trincheiras,
interligadas por uma vasta rede de túneis, para defender
as posições conquistadas. Usaram-se largas extensões
de arame farpado e campos minados, e houve ações
de avanço e recuo de ambos os lados em combate. O
ataque consistia inicialmente num intenso bombar-
deio com a artilharia pesada, ao fim do qual avançava a
infantaria, ou seja, soldados se dirigiam à linha inimiga.
No entanto, o avanço era dificultado pela defesa, que
A Primeira Guerra assinalou o fim de um período de portava metralhadoras.
grande efervescência cultural, a chamada Belle Époque. O Essa forma de guerra se tornou uma máquina de
conflito iniciado em 1914 ainda tinha elementos de um extermínio de proporções inigualáveis – ceifavam-se mi-
mundo romântico, mas já demonstrava a forte presença lhares de vidas para conquistar um ou dois quilômetros
da industrialização; por exemplo, o contraste entre o uso de território. Enquanto aguardavam ordens de ataque
da cavalaria e o surgimento da infantaria blindada pelos ou se defendiam, os soldados estavam submetidos a
tanques de guerra. condições desumanas: frio, lama, piolhos, ratos e cor-
O conflito pode ser dividido em três fases: a guerra de pos de companheiros mutilados ou mortos. Exemplos
movimento (1914-1915), a guerra de trincheiras (1915- desse morticínio foram as batalhas de Somme e Verdun,
1917) e o desfecho (1917-1918). em 1916, em que morreram 800 mil soldados alemães
A primeira fase foi a do rápido deslocamento das e 900 mil ingleses e franceses. Nesse período, os dois
tropas alemãs em direção à França através do território lados usaram também armas químicas como os gases
belga, cumprindo o plano Schlieffen, visando vencer a cloro e mostarda.
França para depois atacar a Rússia. Tanto a Tríplice Alian- Durante a guerra de trincheiras, mudaram as alianças.
ça quanto a Entente acreditavam num rápido desfecho Até então alinhada com os alemães, a Itália se aliou aos
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CURSINHO DA POLI 43
história geral • aula 11

ingleses (pela promessa de possessões na África, em alto comando do exército alemão forçou a abdicação de
caso de vitória franco-britânica), concorrendo para o Guilherme II, que se exilou na Holanda. Assim teve início
desequilíbrio de forças naquele momento. O conflito a república na Alemanha.
não mudou muito até 1917, pois as possibilidades de O tão esperado armistício foi assinado pelo novo
avanço eram pequenas, e a guerra entraria na fase final governo em 11 de novembro de 1918, deixando um
por uma nova alteração das forças envolvidas. saldo de destruição e morte nunca antes visto: cerca de
Em outubro de 1917, em virtude da Revolução Socialis- 10 milhões de mortos, entre militares e também civis de
ta, que derrubou o czar (firmando o armistício de Brest-Li- várias regiões atingidas direta ou indiretamente pelo
towsk), a Rússia se retirou. No mesmo ano, os EUA entraram conflito – por exemplo, o massacre de cerca de 1,2 milhão
na guerra ao lado da Entente, equilibrando as forças desta de armênios pelo exército turco em 1917.
última e fazendo conter a pressão alemã, para evitar que
o deslocamento desses exércitos da frente oriental para a
ocidental desequilibrasse a região de conflito. Tratados de paz
Library of Congress

Com o término dos conflitos, os países em guerra


se reuniram no palácio de Versalhes para negociar os
A guerra se encerrou por uma série de negociações acordos de paz. Pelos países da Entente, participaram
diplomáticas entre as partes. Uma das principais ten- o primeiro-ministro inglês Lloyd George, o primeiro-
dências era estabelecer a “paz sem vencedores”, ideia -ministro francês Clemenceau, o presidente estaduni-
defendida pelo presidente estadunidense Woodrow dense Wilson, além de representantes dos demais países
Wilson, que propôs um acordo conhecido como Os 14 envolvidos. Elaborou-se um acordo de paz mais radical,
Pontos de Wilson – impressos em panfletos que foram visando a enfraquecer a Alemanha. (Como fora assina-
jogados por aviões para soldados e civis alemães. No final do um armistício alemão num momento em que havia
de 1917, os alemães tentaram o último ataque contra muitas de suas tropas em território francês, criou-se o
os franceses, mas foram detidos por um pesado contra- mito da invencibilidade alemã, ou seja, o alto oficialato
-ataque. Dando mostras de esgotamento, os austríacos alemão se dizia vencedor do conflito.)
também pediram um acordo de paz. Da proposta de Wilson, foram aproveitados dois
Devido à eclosão de uma grande greve nas indústrias pontos: a criação da Liga das Nações e a restituição
alemãs e de um motim em Kiel, bem como à irredutível da Alsácia-Lorena à França. Assim, com o Tratado de
posição do kaiser de manter a Alemanha em guerra, o Versalhes, de 1919, foi imposta aos alemães a “paz dos
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44 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 11

vencedores”: pagamento de uma indenização de 133 enquanto seus familiares eram submetidos a condições
bilhões de libras-ouro aos países vitoriosos, redução muito mais cruéis do que já enfrentavam normalmente
do exército alemão a 10% do montante do início da – tudo pelo esforço de guerra e em “defesa da Pátria”,
guerra (100 mil homens), proibição de presença militar justificando mais trabalho e mais fome.
na região da Renânia, limitação da indústria bélica Mesmo o czar não estando mais no poder, seus subs-
alemã e perda de 1/7 de seu território, com a criação titutos (os mencheviques) eram igualmente despóticos
da Polônia e do corredor polonês, com o porto livre e cruéis, inclusive insistindo numa guerra que já era vista
de Dantzig. como um delírio para as condições internas da Rússia.
A Conferência de Versalhes serviu para dar origem Seduzidos pelas promessas da França e da Inglaterra, de
à Liga das Nações, uma instituição internacional que ajuda financeira e apoio militar, mantiveram tudo como
deveria zelar pelo equilíbrio dos países. Mas não nos tempos imperiais.
participavam dela a Alemanha e a Rússia Socialista. Foi nesse contexto que Lênin (Vladimir Ilitch Ulia-
Em 1919, assinou-se o Tratado de Saint-Germain, que
nov) retornou à Rússia, e a frase em epígrafe sintetiza
dissolvia o Império Austríaco criando a Áustria, a Hun-
as necessidades mais elementares do povo russo
gria, a Tchecoslováquia e a Iugoslávia, e também fazia
naquele momento: a saída incondicional da Rússia
passarem ao controle italiano as regiões de Trieste,
da guerra, a distribuição de comida para a população
do sul do Tirol, de Trentino e de Ístria. Em 1920, foi
assinado o Tratado de Sèvres, que extinguia o Império faminta e a reorganização da posse da terra, melhoran-
Turco, reduzindo seu território e passando ao controle do as condições de vida do povo russo e, ao mesmo
franco-britânico suas possessões na Mesopotâmia tempo, pondo fim à opressão dos latifundiários da
(Iraque e Síria) e a Palestina. nobreza e do clero.
O poder seria entregue ao povo, que estaria or-
ganizado nos sovietes, e dali se governaria: de baixo
A Revolução Russa: ascensão do socialismo para cima.
Veremos que não foi assim que as coisas se pas-
saram e que a transformação proposta se consolidou
Esmagados por vários séculos de opressão e pobreza, como uma troca de mãos no controle do poder, en-
obrigados a empunhar armas e a entregar sua vida por quanto a população em geral, mais uma vez, esperava
um alegado “bem da mãe Rússia”, milhares de soldados um mundo melhor.
morriam nos campos de batalha contra os alemães, Infelizmente, ainda não chegara esse “mundo melhor”.

A Rússia antes da Revolução

Império
Império Russo
Russo
expansão europeia
OCEANO GLACIAL ÁRTICO Principado
tico
r Ár Alasca de Moscóvia
Pola (vendido para os
ulo
Círc EUA em 1867) ocupação:
18
até 1462
19 de 1462 a 1505
17
OCEANO de 1505 a 1586
16 PACÍFICO
MAR DE 10 fortes e de 1586 a 1700
BARENTS 15 postos ano de
comerciais fundação de 1701 a 1800
1
ocupado em 1650 e 1- Obdorsk 1595 de 1801 a 1815
MAR devolvido à China,
BRANCO
2- Berezov 1593
em 1689, pelo Tratado 3- Orenburg 1743
FINLÂNDIA 2 4 7 de Nertchinsk
1743-1809 20 4- Sourgout 1594 expansão asiática
5 9 12 5- Tobolsk 1587 ocupação:
ESTÔNIA São Petersburgo 6- Ichin 1670
1721
LETÔNIA 14 7- Narym 1598 de 1581 a 1598
91-1904) 13
a (18
MAR 1772 Moscou 6 8- Barnaoul 1738
BÁLTICOLITUÂNIA rian de 1598 a 1618
1792-1795 Ferrovia Transibe 9- Ienisseisk 1619
POLÔNIA 3
1815
8 11 10- Tourouk Hansk 1607 de 1618 a 1689
Bessarábia 11- Nijne-Oudinsk 1647
IMPÉRIO 1783
território cossaco 12- Oust-Koutsk 1631 de 1689 a 1725
TURCO-OTOMANO Vladivostok N
1812 MOLDÁVIA MAR submisso ao 13- Oudinsk 1647
Império Russo de 1725 a 1762
1784 NEGRO GEÓRGIA 14- Nertchinsk 1658
até 1816 de 1762 a 1800
1784
JAPÃO O L 15- Oust-Viliousik 1630
AZERBAIJÃO 16- Jigansk 1632
1801-1805 CHINA de 1816 a 1856
S
17- Zatchiversk 1639
MAR MEDITERRÂNEO 0 1080 18- Nijne-Kolymsk 1644 de 1857 a 1876
PÉRSIA
(IRÃ) 19- Anadyrsk 1649
km de 1877 a 1900
AFEGANISTÃO ÍNDIA 20- Bolcherestk 1703
120˚ E

A Rússia era um país de economia predominante- num império autocrático sob o czar Nicolau II Romanov,
mente agrícola, com fortes traços feudais, pouco in- dinastia que reinava soberana havia três séculos.
dustrializado (a industrialização foi tardia, concentrada A sociedade russa era constituída por um grande
e dependente de capital estrangeiro) e se constituía grupo de camponeses, um grupo menor de operários
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CURSINHO DA POLI 45
história geral • aula 11

(residentes nas cidades) e uma pequena parcela formada ve uma manifestação pacífica de populares em favor
pela burguesia e pela aristocracia. A religião oficial era o do czar, que rumavam para o palácio cantando o hino
cristianismo ortodoxo. Deus salve o czar e levando ícones de santos e cruzes.
Dentro do sistema político russo, formaram-se No entanto, nem essa motivação demoveu o czar de
gradativamente núcleos de oposição à autocracia do sua intransigência, e, pelo simples fato de se tratar de
czar, que se manifestavam em partidos clandestinos, uma manifestação, não houve diálogo – a multidão foi
duramente perseguidos pela Okhrana (a polícia política massacrada pelo exército, num episódio conhecido
do czar). Um dos maiores partidos de oposição era o como Domingo Sangrento.
social-democrata, que a partir de 1903 se dividiu em dois Entre a revolta dos soldados e o Domingo Sangrento,
segmentos: os mencheviques (do russo menshenstvo, a burguesia liberal procurou aproveitar as manifestações
ou minoria), que eram favoráveis a uma aproximação e os levantes populares para pressionar pela adoção de
com a burguesia e a uma transição para o socialismo, um sistema monárquico constitucional através da for-
e os bolcheviques (do russo bolshenstvo, ou maioria), mação de uma Duma (assembleia legislativa), enquanto
que defendiam a ação conjunta entre camponeses e os grupos populares se organizaram em sovietes (agre-
operários para a implantação do socialismo na Rússia. miações de camponeses, operários e soldados). A partir
Além dessas duas facções, havia outros grupos, com de 1906, formou-se a Duma, sob o controle da burguesia
propostas diferentes; por exemplo, os kadetes, que defen- liberal (grandes proprietários, comerciantes), que preten-
diam a implantação de uma monarquia constitucional, dia elaborar uma carta constitucional que seria jurada
e os constitucional-democratas, que se organizaram a pelo czar. No entanto, em 1907, com o retorno das tropas
partir da Revolução de 1905 e representavam os inte- russas do Oriente e o apoio estrangeiro (empréstimos),
resses da burguesia liberal. o czar faz uma contrarrevolução, fechando os sovietes
No final do século XIX, a Rússia estava envolvida num e mantendo a Duma como um órgão meramente con-
processo de expansão territorial em direção ao Oriente (a sultivo, sem poder de decisão.
construção da estrada de ferro Transiberiana) e na conquis-
ta de áreas de influência, principalmente sobre regiões da
China e da Coreia – também cobiçadas pelo Japão, fato que A Rússia na Tríplice Entente
gerou a guerra russo-japonesa (1904-1905).
As deficiências na manutenção de linhas de abasteci- Como vimos, a Rússia formou com a Inglaterra e a
mento para as tropas e a inferioridade militar do exército França a Tríplice Entente, aliança militar contra a Ale-
russo implicaram uma vitória fulminante do Japão, que manha, o Império Austro-Húngaro e a Itália. A derrota
obteve o controle de parte da ilha Sakalina e de Port para os japoneses em 1905 demonstrou a inferioridade
Arthur e o protetorado sobre a Coreia e a Manchúria, militar do exército russo, mas, na Primeira Guerra, a
no norte da China. Rússia enfrentou as tropas do exército mais poderoso
da Europa, o alemão. Por sua superioridade militar, a
Alemanha conseguiu amplas vitórias em 1915, e aos
soldados russos restava recuar usando a tática da “terra
arrasada”: destruir pontes, estradas, plantações e tudo
o que pudesse favorecer o invasor. As tropas russas que
continuavam a lutar passavam pelo humilhante raciona-
mento de três balas por dia, e, para continuar em ação, os
soldados eram obrigados a tirar os uniformes e as armas
dos companheiros mortos.
Em fevereiro de 1917, eclodiu na Rússia uma re-
volução socialista que depôs o governo absoluto dos
Romanov e forçou a abdicação do czar. Nesse momento
inicial, as lideranças revolucionárias eram constituídas
pelos mencheviques, liderados por Aleksandr Kerenski.
O governo formado tinha uma postura claramente bur-
guesa, de orientação liberal e princípios democráticos,
que visava se estabelecer a partir da Duma.
A derrota humilhante e a instabilidade social den- Mas, como insistiu em manter a Rússia na guerra, Ke-
tro do império russo fizeram eclodir a Revolução de renski acabou sofrendo um gradativo enfraquecimento e
1905, marcada pelo motim do encouraçado Potemkin perdendo o apoio dos sovietes, de modo que favoreceu
e da fortaleza de Kronstadt. Em São Petersburgo, hou- o crescimento dos bolcheviques.
724-3

46 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 11

Guerra CivilRussa
Guerra Civil Russa
da Entente
contavam com o apoio de
frota
potências estrangeiras teme-
Murmansk rosas da expansão da revolu-
ção socialista, e os Vermelhos
(bolcheviques), cujo exército
organizado por Trótski (Levy
Davidovich Bronstein) teve
finlandeses maciça participação popular.
Em virtude da situação de
Petrogrado desequilíbrio econômico, Lênin
estonianos instaurou o chamado “comunis-
frota
alemães RÚSSIA mo de guerra”: entrega compul-
letos Moscou
britânica lituanos sória da produção agrícola ao
poloneses cossacos brancos
governo; confisco das grandes
propriedades, sem indenização;
s
igualdade de salários; traba-
Varsóvia nc o
UCRÂNIA s bra lho obrigatório e completa
50º
Kiev do
frota da Entente o estatização dos bancos e das
Rostov
i
ór

ucranianos indústrias.
r it
ter

MAR Os países capitalistas se


Odessa CÁSPIO
Sebastopol apressaram a apoiar os Brancos,
georgianos
MAR NEGRO azeris
para conter o socialismo, como
armênios se se tratasse de uma doença
frota da Entente N que não poderia chegar ao
30º
Ocidente. Mas essa postura não
território sob o domínio dos bolcheviques ofensivas do Exército Branco O L
era nova: durante a Revolução
perdas territoriais russas Front aliado de 1918
0
S
300
Francesa de 1789, formou-
tentativas de independência Tratado de Brest – Litovsk
km -se uma coligação de países
absolutistas contra a França,
Lênin, líder bolchevique, propôs uma série de mu- justamente para conter “as nefastas ideias francesas” (de
danças e reformas, num documento de caráter político liberdade, igualdade e fraternidade).
conhecido como Teses de Abril; ele pretendia que a Em 1921, os Vermelhos derrotaram os Brancos, e
Rússia fosse governada pelo próprio povo, tendo os Lênin criou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
sovietes como eixo central. (URSS), a qual foi isolada pelos países capitalistas pela
Em outubro de 1917, os bolcheviques fizeram uma política do Cordão Sanitário.
nova revolução, derrubando os liberais burgueses do
governo e formando uma base operária e popular sob
a liderança de Lênin. Este acordou um armistício com a A Nova Política Econômica
Alemanha, retirando a Rússia da guerra pelo Tratado de
Brest-Litowsk em março de 1918, cumprindo já uma de Com o fim da guerra civil, a Rússia precisava de um
suas promessas. amplo processo de recuperação em todos os sentidos.
Assim, Lênin suspendeu o “comunismo de guerra” e im-
plementou a chamada Nova Política Econômica (NEP),
A consolidação do socialismo na Rússia cujos objetivos eram reativar temporariamente a econo-
mia de mercado no país, permitindo a desnacionalização
Após a derrota dos mencheviques, a situação política de pequenas empresas, reverter a total igualdade de
da Rússia entrou em colapso, pois, mal havia saído de salários e restabelecer o comércio interno.
uma guerra, enfrentava agora outra, e dentro do próprio Lênin sintetizava metaforicamente essas metas:
país, em virtude da oposição ao governo bolchevique. “Dar um passo para trás e depois dar dois para a frente.”
Entre 1918 e 1921, desenrolou-se uma violenta guer- Embora ele tenha morrido em 1924, a NEP continuou
ra civil, dividindo os russos em dois grupos: os Brancos até 1928, possibilitando a recuperação da economia e a
(mencheviques, czaristas e social-revolucionários), que sustentação do socialismo.
724-3

CURSINHO DA POLI 47
história geral • aula 11

A morte de Lênin fez surgir uma divisão entre os diri- Guerra, depois expulso do partido em 1927 e, finalmente,
gentes socialistas. De um lado, estava o grupo de Trótski, exilado, em 1929.
defensor da “Revolução Permanente”, tese segundo a qual Ao assumir o controle político da URSS, Stálin levou
a revolução deveria se estender a outros países e assim su- adiante a NEP até 1928 e a substituiu por uma política
plantar o capitalismo.De outro, o grupo liderado por Joseph de planos quinquenais controlados por um órgão gover-
Stálin (Osip Vissarionovitch Djugatchvili), que defendia a namental, a Gosplan, fator que direcionou a economia
“Revolução em um só país”,isto é, acreditava que era preciso soviética para um maciço progresso da indústria de base
antes consolidar o socialismo para depois expandi-lo. e da agricultura.
Stálin saiu vitorioso e afastou Trótski dos círculos
políticos; ele foi destituído do cargo de Comissário de

União Soviética e suas repúblicas


União Soviética e suas repúblicas
70º

co
OCEANO GLACIAL ÁRTICO

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POLÔNIA
ESTÔNIA
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AZERBAIJÃO CASAQUISTÃO Lago Baikal


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USBEQUISTÃO
O L MONGÓLIA
TURCOMENISTÃO

S
QUIRGUISTÃO
0 540 IRÃ
TAJIQUISTÃO
CHINA
km AFEGANISTÃO

resumo da ópera e o consequente enfraquecimento da democracia


liberal, especialmente com os Tratados de Paz e seus
Nesta aula, analisamos o processo histórico que se desdobramentos: já se montava o palco para a Segunda
desdobrou na Primeira Guerra Mundial: a paz armada Guerra Mundial.
que foi acompanhada pela política de alianças, res-
ponsável pela formação de um sentimento de grande Em virtude da desastrosa participação da Rússia na
rivalidade e rancor entre as potências, bem como as dis- Primeira Guerra e de sua crise interna sem precedentes,
putas pelas colônias, sinônimos de riqueza e poder, cujo os mencheviques derrubaram o czar Nicolau II, em feve-
controle poderia garantir a intensa atividade industrial reiro de 1917, e implantaram um governo socialista, mas
estabelecida nos países mais ricos: matérias-primas, mer- que ainda não atendia ao interesse da coletividade, como
cado consumidor e vastos contingentes que podiam ser todos esperavam. Assim, em outubro do mesmo ano, as
manipulados para defender os interesses imperialistas forças bolcheviques depuseram o Governo Provisório e
no território das próprias colônias. se colocaram no poder, sob a liderança de Lênin.
A Primeira Guerra não encerrou um ciclo, mas antes Entre 1917 e 1924, a Rússia socialista tentava se or-
abriu espaço para que se deflagrassem novos conflitos, ganizar, recuperando-se da estagnação, mas ao mesmo
criando o ambiente para a ascensão da extrema-direita tempo sofria pressão das potências capitalistas, fosse
724-3

48 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 11

pela guerra civil entre russos Vermelhos (bolcheviques) e 2. (UEL) Compreender o processo revolucionário so-
russos Brancos (mencheviques), apoiados pelo Ocidente, cialista ocorrido na Rússia de 1917 implica discernir
fosse pelo isolamento dos vitoriosos bolcheviques pela historicamente seus autores e as atitudes tomadas
política do Cordão Sanitário. Depois da morte de Lênin, por eles.
Stálin logrou vencer Trótski na disputa pelo poder e Dessa forma, pode-se afirmar:
implantou um regime totalitário de esquerda na URSS. a) O partido comunista russo, criado por Marx e Engels
em pleno vigor da lei de exceção imposta pelo Czar
Nicolau II, adotou táticas de guerrilha de elevada
Exercícios eficácia sociopolítica, vencendo assim a guerra re-
volucionária.
1. (UEL) b) O processo revolucionário leninista colocou um pon-
to final no período feudal soviético dos Petrogrados,
A Grande Guerra de 1914 foi uma consequência da unindo os comerciantes revolucionários das princi-
remobilização contemporânea dos antigos regimes pais cidades e os camponeses, como anteriormente
da Europa. Embora perdendo terreno para as forças havia ocorrido na Revolução francesa de 1789.
do capitalismo industrial, as forças da antiga ordem c) O comandante do exército bolchevique, Stálin, assu-
ainda estavam suficientemente dispostas e poderosas miu o poder no processo revolucionário expulsando
para resistir e retardar o curso da história, se necessário, o Czar e nomeando como seu líder no congresso
recorrendo à violência. A Grande Guerra foi antes a socialista Trótski, organizador das barricadas sindicais
expressão da decadência e a queda da antiga ordem, na Praça Vermelha.
lutando para prolongar sua vida, que do explosivo cres- d) Marx e Bakunin elaboraram os princípios revolu-
cimento do capitalismo industrial, resolvido a impor cionários de uma sociedade socialista, no entanto,
sua primazia. Por toda a Europa, a partir de 1917, as devido aos intensos debates entre eles sobre a forma
pressões de uma guerra prolongada afinal abalaram e como o processo deveria ocorrer, distanciaram-se,
romperam os alicerces da velha ordem entrincheirada, tornando-se adversários.
que havia sido sua incubadora. Mesmo assim, à exce- e) Proudhon, exilado na Rússia, organizou os operários
ção da Rússia, onde se desmoronou o antigo regime em sindicatos comunistas que, na Revolução, se inte-
mais obstinado e tradicional, após 1918-1919, as for- graram ao exército vermelho, chefiado por Kerensky,
ças da permanência se recobraram o suficiente para estabelecendo a estratégia da guerra total contra o
agravar a crise geral da Europa, promover o fascismo exército branco.
e contribuir para retomada da guerra total em 1939.
Arno Mayer. A força da tradição: a persistência do Antigo Regi-
me. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 13-14. Estudo orientado

De acordo com o texto, é correto afirmar que a Primeira exercícios


Guerra Mundial:
a) Teria sido resultado dos conflitos entre as forças da 1. (UFPR)
antiga ordem feudal e as da nova ordem socialista, A Grande Guerra Mundial de 1939 a 1945 estava
especialmente depois do triunfo da Revolução Russa. umbilicalmente ligada à Grande Guerra de 1914-1918.
b) Resultou do confronto entre as forças da perma- […] Esses dois conflitos constituíram nada menos que
nência e as forças de mudança, isto é, do escravismo a Guerra dos Trinta Anos da crise geral do século XX.
decadente e do capitalismo em ascensão. […] A Grande Guerra de 1914, ou a fase primeira e
c) Foi consequência do triunfo da indústria sobre a protogênica dessa crise geral, foi uma consequência da
manufatura, o que provocou uma concorrência em remobilização contemporânea dos anciens régimes
nível mundial, levando ao choque das potências da Europa. Embora perdendo terreno para as forças
capitalistas imperialistas. do capitalismo industrial, as forças da antiga ordem
d) Foi produto de um momento histórico específico, em ainda estavam suficientemente dispostas e poderosas
que as mudanças se processavam mais lentamente para resistir e retardar o curso da história, se necessário,
do que fazem crer os historiadores que tratam a recorrendo à violência. [...] Após 1918-1919, as forças
guerra como resultado do imperialismo. da permanência se recobraram o suficiente para
e) Engendrou o nazifascismo, pois a burguesia europeia, agravar a crise geral da Europa, promover o fascismo
tendo apoiado os comunistas russos, criou o terreno e contribuir para a retomada da guerra total em 1939.
propício ao surgimento e à expansão dos regimes Arno Mayer. A força da tradição: a persistência do Antigo Regi-
totalitários do final do século. me. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 13-14.
724-3

CURSINHO DA POLI 49
história geral • aula 11

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pe- Indique duas transformações na geopolítica mundial
ríodo, é correto afirmar: decorrentes desses tratados complementares.
a) A imobilização dos exércitos na chamada “guerra de Em seguida, cite dois países que foram submetidos
trincheiras”, característica da I Guerra Mundial, foi atri- a eles.
buída ao desequilíbrio econômico dos principais países
envolvidos na disputa, já que a unificação tardia da 3. (UFC) Em 2004, a União Europeia incorporou vá-
Alemanha impossibilitou um desenvolvimento capaz rios países do Leste Europeu que no passado fizeram
de fazer frente ao poderio da Inglaterra e da França. parte da União Soviética ou estiveram sob sua esfera
b) No episódio da I Grande Guerra Mundial, a identifica- de influência. Levando em conta essa afirmação,
ção de elementos sociais oriundos do Antigo Regime bem como seus conhecimentos, responda às ques-
destaca a importância da tensão constante entre o tões propostas.
potencial para transformações e a força das perma- a) Qual é o nome do modelo de sociedade implantado
nências na análise dos acontecimentos históricos. na União Soviética?
c) As organizações de militantes fascistas e nazistas, b) Qual era a referência teórico-ideológica desse
surgidas no contexto dos anos entre-guerras, tinham modelo?
por base uma concepção aristocrática de mundo c) A partir de que momento histórico o modelo de
herdada do ancien régime, caracterizando-se assim Estado soviético foi implantado na Europa? Como
mais como forças da antiga ordem do que como se deu essa implantação?
resultado da modernidade capitalista. d) Apresente três das principais características desse
d) A retomada da guerra total, em 1939, foi marcada modelo e cite dois países da Europa que o adotaram.
por uma mudança radical no cenário econômico
internacional, pois, ao contrário das disputas im-
perialistas que antecederam o conflito na I Guerra roda de leitura
Mundial, a Europa beneficiou-se amplamente da
Grande Depressão que atingiu os Estados Unidos
texto 1
da América.
Sua ração diária consistia em um quilo de pão
e) É fundamental reconhecer o fracasso do socialismo
preto – a ser dividido entre dez homens – e uma sopa
e da social-democracia a partir da emergência do
rala, feita de farinha de batata e feijão. Havia pouco
nazifascismo, o que explica a inequívoca opção do
combustível para aquecer as barracas, onde cada
movimento trabalhista internacional pelas forças
colchão estreito devia ser ocupado por três pessoas.
partidárias da denominada antiga ordem, sobre-
Dormiam em turnos. Ao contrário dos prisioneiros
tudo nos anos que sucederam as duas Grandes
ingleses e franceses, eles não podiam receber pacotes
Guerras Mundiais.
de casa. A fome, o frio e a fraqueza facilitaram o apa-
recimento de uma epidemia de tifo.
2. (UERJ)
A Primeira Guerra Mundial não resolveu nada. Testemunho de Martin Gilbert sobre os campos de prisionei-
ros alemães. In: Jayme Brener. A Primeira Guerra Mundial. 2 ed.
As esperanças que gerou – de um mundo pacífico e São Paulo: Ática, 2001, p. 27.
democrático de Estados-nação sob a liga das nações;
de um retorno à economia mundial de 1913; mesmo
(entre os que saudaram a revolução russa) de capita- texto 2
lismo mundial derrubado dentro de anos ou meses por Os 14 pontos de Wilson
um levante dos oprimidos – logo foram frustradas. O
passado estava fora de alcance, o futuro fora adiado, 1º E  vacuação e restauração da Bélgica sem nenhuma
o presente era amargo, a não ser por uns poucos anos tentativa de lhe restringir sua soberania.
passageiros em meados da década de 1920. 2º Evacuação
  do território francês; restauração das
Eric J. Hobsbawm. A era dos extremos: o breve século XX (1914-
regiões invadidas; reparação do prejuízo causado
1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995. à França em 1871 no que se refere à Alsácia-Lorena.
3º  Evacuação do território russo e um acordo que
O período entre guerras (1919-1939) começou com lhe permita decidir seu destino com toda a inde-
uma combinação de esperança e ressentimento. pendência.
Diversos acordos foram impostos aos derrotados pelos 4º Retificação
  das fronteiras italianas conforme o
Estados vencedores. O mais conhecido deles é o Trata- princípio das nacionalidades.
do de Versalhes, de 1919. Outros tratados complemen-
5º  Possibilidade de um desenvolvimento autônomo
tares também foram assinados e igualmente tiveram
para os povos da Áustria-Hungria.
grande importância para a geopolítica mundial.
724-3

50 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 11

6º E  vacuação e restauração da Romênia, da Sérvia e pesquisa de imagens e documentos.


de Montenegro; acesso ao mar para a Sérvia. Aleksandr Soljeníetsin. Agosto 1914. São Paulo: Bloch,
7º Limitação da soberania otomana às regiões 1973. Dissidente do regime soviético, Soljeníetsin des-
realmente turcas; autonomia a todas as outras creve as agruras da Guerra, os desdobramentos dos
nacionalidades; garantias internacionais ao livre combates durante a invasão alemã ao território russo e
uso do estreito de Dardanelos. as dificuldades vividas pelos soldados.
8º  Polônia independente com livre acesso ao mar. Daniel Aarão Reis Filho. As Revoluções Russas e o
9º Criação da Liga das Nações, dando garantias socialismo soviético. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
mútuas de independência política e integridade (Coleção Revoluções do Século XX.) A síntese trata
territorial. da transformação da Rússia ao longo do processo de
10º Solução imparcial das questões coloniais. implantação do socialismo e a organização da URSS,
11º Troca de garantias para a redução dos arma- buscando apontar os diferentes movimentos e as
mentos. forças políticas que atuaram na Revolução e como
12º  Supressão, na medida do possível, das barreiras seus desdobramentos impactaram o cenário global
econômicas; igualdade comercial entre todas nas mais diferentes esferas.
as nações. George Orwell. A Revolução dos Bichos. São Paulo: Com-
13º Liberdade de navegação marítima. panhia das Letras, 2007. É uma alegoria muito precisa do
14º Tratados de Paz públicos, ficando excluídos no processo por que passou a Rússia socialista, apontando
futuro os acordos secretos entre as nações. de maneira perspicaz e implacável aquilo que foi enten-
dido como a traição do ideal socialista da parte de Stálin
André François-Poncet. Povo unido pela indignação. História e de seus sucessores.
Viva. São Paulo: Duetto, ano III, n. 33, jul. 2006, p. 42.

texto 3
Um terço do país se encontra submetido a um ver e ouvir
regime de vigilância especial, isto é, fora da lei. As
forças policiais, sejam visíveis ou secretas, aumentam Nada de novo no front (direção: Lewis Milestone, 1930).
dia a dia. Inspirado no livro homônimo de Eric Remarque, o filme
Nas prisões e nas colônias penais, além das cente- narra o cotidiano cruel da guerra de trincheiras entre os
nas de milhares de criminosos comuns, há uma enorme soldados alemães.
quantidade de condenados políticos, e agora ali se
Feliz Natal (direção: Christian Carion, 2006). Numa trama
encontram até mesmo os operários. [...] fictícia, Carion recupera um episódio verdadeiro: a tré-
Em todas as cidades e centros industriais, agrupam- gua espontânea e informal entre os soldados franceses,
-se tropas enviadas, de armas nas mãos, contra o povo. ingleses e alemães durante o Natal de 1914, que inter-
Apesar do orçamento do Estado, que aumenta de romperam os combates e confraternizaram em meio à
maneira desmesurada, essa intensa e terrível atividade guerra, em diferentes partes do front.
do governo acentua de ano a ano o empobrecimento
da população agrícola, isto é, os cem milhões de ho- Encouraçado Potemkin (direção: Sergei Eisenstein, 1925).
Obra engajada do cinema mudo, do cineasta soviético
mens sobre os quais repousa a potência da Rússia. Por
que buscou retratar o célebre episódio que fez parte
essa razão, a fome agora é um fenômeno natural. O
da Revolução de 1905, sendo uma das referências no
descontentamento geral de todos os grupos sociais e
trabalho de montagem e colagem de imagens.
sua hostilidade para com o governo também são um
fenômeno natural. Taurus (direção: Aleksandr Sokúrov, 2001). O cineasta rus-
so Aleksandr Sokúrov, que pode ser colocado numa linha
Carta de Liev Tolstoi ao czar Nicolau II, 16 de janeiro de 1902.
In: Antonella Salomoni. Lênin e a Revolução Russa. São Paulo: de sucessão de Eisenstein e Andrei Tarkovski, apresenta
Ática, 1997. uma visão sobre o fim da vida de Lênin colocando-o
numa posição de fragilidade em virtude dos problemas
de saúde que padeceu, imagem bem diferente daquela
pesquisar e ler que veiculava o partido.
Arca russa (direção: Aleksandr Sokúrov, 2002). Com a
Jayme Brener. A Primeira Guerra Mundial. 2 ed. São Paulo: intenção de fazer um balanço da história da Rússia,
Ática, 2001. O livro apresenta o contexto que antecedeu Sokúrov usa o vasto acervo do museu Hermitage, em São
a Guerra, bem como cada uma de suas etapas e os re- Petesburgo, como palco das ações de vários momentos
sultados do conflito, sendo acompanhada de uma rica históricos, numa única tomada e sem cortes.
724-3

CURSINHO DA POLI 51
história geral • aula 11

ágora

Quando analisamos o conflito de 1914-18 e nele a


eclosão da Revolução Russa, temos que ter em conta
diferentes fatores que concorreram para tais eventos.
Pensando no campo político-econômico, podemos dizer
que já seria um claro sinal de crise da ordem capitalista?
Ou, na verdade, a disputa de poder entre as grandes
potências só abriu espaço para a manifestação de
ideias que pareciam ser marginais e inexequíveis como
o socialismo?

senha

Avanti Itália!
Deutschland über Alles! (Alemanha acima de tudo!)
724-3

52 CURSINHO DA POLI
gabarito
regime monárquico de governo e foi preservada a
unidade política nacional.
Aula 8
Na América Espanhola, a independência das co-
1. d
lônias, liderada pelos “criollos” (descendentes de
2. a
espanhóis nascidos na América que constituíam a
3. a) Pelo menos uma das seguintes variáveis deve ser
elite econômica), foi conquistada através de guerras
mencionada: estabelecimento do Estado a partir dos
prolongadas, com batalhas sangrentas; consolidada a
princípios do constitucionalismo, existência das de-
autonomia política, foi adotado o regime republicano
clarações de direitos, idéias de liberdade e igualdade
presidencialista e as antigas colônias fragmentaram-
legal dos cidadãos, divisão de poderes.
-se, dando origem aos vários Estados nacionais atuais
b) A ruína das finanças francesas foi a principal conse-
de língua espanhola na América do Sul.
qüência para o Estado de sua participação na guerra
de independência. Aula 10
4. Duas dentre as idéias e respectiva explicação: 1. a
- liberdade - o homem deve respeitar a lei, desde que 2. e
essa seja expressão da vontade dos cidadãos. 3. c
- soberania nacional - o poder de fazer as leis reside na 4. a) Pode-se mencionar como fatores que tornaram
nação, formada pelo conjunto de seus cidadãos, que possível o pioneirismo inglês no processo de indus-
o delega condicionalmente a seus representantes e trialização:
governantes. - a disponibilidade de capitais acumulados durante
- igualdade civil - todos são iguais perante a lei e entre a fase mercantilista do capitalismo graças às expor-
si, não sendo tolerado qualquer tipo de privilégio. tações de manufaturas e à hegemonia da marinha
britânica no comércio internacional;
- os cercamentos (enclousers) - utilização das terras
Aula 9
cultiváveis em bases capitalistas - que promoveram
1. c
o êxodo rural e, por conseguinte, a disponibilidade de
2. d
mão de obra abundante e barata nas áreas próximas
3. a) A proibição do tráfico negreiro em 1808, pelo go-
às fábricas.
verno dos Estados Unidos e pelo Parlamento Inglês,
b) Os tecidos eram as principais manufaturas expor-
respectivamente para o território americano e para
tadas pelos ingleses durante a fase do capitalismo
as colônias britânicas.
mercantilista e graças à disponibilidade de mercados,
b) A redução do trabalho escravo nos territórios das
no contexto da Revolução Industrial, o setor têxtil foi
Américas implicaria no aumento do mercado consu-
o primeiro a passar pelo processo de mecanização.
midor de produtos britânicos, com a ampliação do
5. a) A preservação da propriedade privada e a recusa à
trabalho assalariado.
idéia da luta de classes e a proposta da convivência
4. a) Semelhanças: Tanto no Brasil, como nas colônias
harmoniosa entre as classes sociais;
espanholas, os processos de independência foram
b) O crescimento dos movimentos reivindicatórios
conduzidos sob a liderança das elites econômicas
que propõem a superação do capitalismo se relaciona
coloniais, influenciadas pela ideologia liberal; em
com aspectos do capitalismo industrial relativos ao
ambos os casos houve interferência Inglaterra em
mundo do trabalho (a concentração de trabalhadores
favor da emancipação, interessada no fim do Pacto
em centros urbanos vivendo em situação de miséria
Colonial devido à demanda por mercados em de-
e trabalhando em condições degradantes etc.).
corrência de sua industrialização; consolidadas as
emancipações, as elites econômicas que se consti-
tuíram também em oligarquias políticas, assumiram Aula 11
o controle dos recém-fundados Estados nacionais 1. b
latino-americanos, não promovendo alterações na 2. Duas das transformações:
estrutura social e econômica do período colonial e - desaparecimentos de impérios centrais multiétnicos
impediram a participação política dos segmentos e pluriculturais, como o austro-húngaro e o turco-
populares. -otomano.
b) Diferenças: O caso brasileiro é considerado “suis - surgimento de novos Estados no leste europeu:
generis”, pois a independência em relação a Portugal Tchecoeslováquia, Polônia, Iugoslávia, além da Áus-
não se deu através de revoltas ou revoluções, sendo tria e da Hungria, separadas uma da outra.
efetivada em 1822, sob a liderança do príncipe re- - entrega de territórios anteriormente turcos ao Reino
gente português no Brasil, D. Pedro I; foi adotado o Unido (Palestina, Jordânia e Mesopotâmia) e à França
724-3

CURSINHO DA POLI 53
gabarito
história geral • aula 8

(Líbano e Síria) pela Liga das Nações.


- reforço da política de isolamento imposta à Rús-
sia, com a criação de um cordão sanitário, formado
também por países surgidos da desagregação do
império austro-húngaro.
Dois dos países:
- Áustria
- Hungria
- Bulgária
- Turquia
3. a) Socialismo, também comumente definido como
“socialismo real”;
b) O referencial teórico-ideológico do socialismo
era o marxismo-leninismo, uma versão do marxismo
surgida com a Revolução Russa de 1917.
c) Foi implantado em diversos países do leste e centro
da Europa, libertados ou conquistados pela União
Soviética a partir do avanço do exército vermelho
na sua luta contra o exército alemão entre 1944 e
1945, na II Guerra Mundial. A adesão e implantação
do socialismo nestes países (Bulgária, Romênia, Iu-
goslávia, Albânia, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia
e República Democrática da Alemanha - ou Alema-
nha Oriental) ocorreram, porém, alguns anos após
o fim do conflito, e pode-se dizer que, em grande
parte, foram impostas ou favorecidas pela presença
militar soviética, embora, na Iugoslávia, Albânia e
Tchecoslováquia, a força dos partidos comunistas
locais tenha sido consistente e tenha liderado a
resistência ao ocupante nazista. Em alguns desses
países, os partidos social-democratas e comunistas
eram bastante enraizados e tinham certa tradição;
chegaram inicialmente ao poder, logo após o fim da
guerra, de forma democrática, mas logo em seguida,
com a ajuda e pressão da União Soviética, implanta-
ram governos de partido único, inspirados no Partido
Comunista da União Soviética, e puseram em prática
medidas de transformação de seus países. Em outros
casos, partidos e transformações desse tipo foram
impostos pela pressão do país ocupante, a União
Soviética.
d) As principais características do socialismo são:
- nacionalização e estatização da economia;
- abolição da propriedade dos meios de produção,
capitais e imóveis;
- planejamento econômico centralizado;
- abolição do livre mercado;
- governo de partidos únicos e, portanto, ausência
do multipartidarismo;
- educação e saúde assumidas integralmente pelo
Estado;
- instalação de cooperativas e comunas no campo;
- reforma agrária com coletivização da produção
agrícola.
724-3

54 CURSINHO DA POLI
orientação didática
caderno 3 história geral
Caro professor, gabarito
1. C
Neste caderno, apresentamos o contexto dos séculos
2. e
XVIII, XIX e XX segundo o recorte tradicionalmente chamado
História Contemporânea, tendo cada aula um repertório
próprio – a descrição pontual do movimento de forças que
articulou, em certa medida, uma primeira polarização ide- Aula 10 - Séc.XIX: Revolução Industrial e
ológica ao longo do intervalo entre a queda de Napoleão, ideologias políticas
em 1815, e a eclosão da Primeira Guerra, em 1914, tendo a
Revolução Russa como um elemento diretamente amarrado Temas a serem abordados:
ao conflito: de um lado, o fremente liberalismo que sustentou • transformações no interior do capitalismo
e consolidou o capitalismo no planeta e, de outro, o enfrenta- • diferenças: sociedade pré-industrial e pós-industrial
mento da ordem vigente pelos ideários socialista e anarquista • etapas da Revolução Industrial
e seus diferentes desdobramentos. • o papel do operariado
Quanto à aula sobre as Américas inglesa e espanhola, • luta por direitos trabalhistas
procuramos alinhá-la nessa discussão, seja pelo apoio • o socialismo e suas características
britânico nos movimentos de independência e a conse- • o anarquismo e suas características
quente dependência econômica que se seguiu, seja pela
ação imperialista dos EUA no período focalizado. gabarito
Evidentemente, outros recortes são possíveis e, de
acordo com o tempo e a organização de cada professor, 1. c
outros temas podem ser introduzidos para a complemen- 2. e
tação desse quadro.

Aula 08 - Revolução Francesa e Era Aula 11 - Primeira Guerra Mundial e


Napoleônica Revolução Russa
Temas a serem abordados: Temas a serem abordados:

• contexto da França pré-revolucionária • a concorrência decorrente da II Revolução Industrial


• o movimento revolucionário e seus agentes • a expansão imperialista
• a ascensão de Napoleão • o nacionalismo ascendente
• o Império: expansionismo francês – Bloqueio Conti- • a política de Alianças
nental • o processo da guerra
• derrota na Rússia, a primeira abdicação e a Restauração • a eclosão da Revolução Russa
Bourbon • a formação da URSS
• governo de Cem Dias e derrota final de Napoleão
• legado da Revolução Francesa
gabarito
gabarito 1. d
2. d
1. b
2. b
Bibliografia de apoio
Aula 09 - Américas Inglesa e Espanhola
ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger (Orgs.). História da vida
Temas a serem abordados: privada: da Renascença ao Século das Luzes. v. III. 13 ed.
• crise colonial e seus desdobramentos São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
• guerra de Independência BAILYN, Bernard. As origens ideológicas da revolução ame-
• estrutura política dos Estados Unidos da América ricana. Bauru/São Paulo: Edusc, 2003.
• a Marcha para o Oeste BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século
• a Guerra de Secessão (1861-1865) XIX. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção Tudo é His-
• crise do sistema colonial Espanhol tória.)
• consequências da invasão napoleônica BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capi-
• formação dos Estados Nacionais talismo: séculos XV-XVIII. V. III. São Paulo: Martins Fontes,
12724-3

1996.

CURSINHO DA POLI ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 1


orientação didática

CLAUSERWITZ, Carl von. A campanha de 1812 na Rússia.


São Paulo: Martins Fontes, 1994.
FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo:
Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História.)
GRESPAN, Jorge Luís da Silva. Revolução Francesa e Ilumi-
nismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HOBSBAWM, Eric J. Ecos da Marselhesa: dois séculos reveem
a Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
______ A era das revoluções: 1789-1848. 17 ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2003.
MOTA, Carlos Guilherme. Revolução Francesa 200 anos de-
pois. Jundiaí, Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, Revista
História, n. 3, ago. 1989.
MORGAN, Edmund. Escravidão e liberdade: o paradoxo
americano. Estudos Avançados (trad. port.), v. 14, n. 38,
abr. 2000, p. 121-150.
QUADROS, Sérgio. Termodinâmica e a invenção das máqui-
nas térmicas. São Paulo: Scipione, 1996.
Revolução Francesa: o contexto político, social e econômico.
Revista História Viva. Edição Especial Temática, São
Paulo: Duetto, n. 2.
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da
montanha-russa. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2001. (Coleção Virando Séculos.)
TOLSTÓI, Lev Nikolaievitch. Guerra e paz. São Paulo: L&PM,
2009.
TOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa.
V. I e II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
12724-3

ORIENTAÇÃO DIDÁTICA • 2 CURSINHO DA POLI


história geral
aula 12 Fascismo e nazismo
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Eu poderia ter transformado esta sala num acam- sentimento que não se alinhava com o ideário socialista
pamento para cadáveres e costurado as portas do nem com a democracia liberal: a ideia de que a Europa
Parlamento. em reconstrução deveria surgir forte. Nesse momento, o
Benito Mussolini, discurso ao Parlamento italiano, discurso ultranacionalista e autoritário pareceu a muitos
16 nov. 1922.
a solução para as incertezas que vicejavam.
Nas falas em epígrafe, de Benito Mussolini (1883-
Nossos oponentes nos acusaram de sermos nacio-
-1945) e Adolf Hitler (1889-1945), vemos discursos
nal-socialistas e eu, em particular, de ser intolerante e
ultranacionalistas, autoritários e violentos, que não
mesquinho. Eles dizem que nós não queremos trabalhar
davam espaço para debate, tolerância ou democracia,
com outros partidos. Eles dizem que os nacional-
à medida que ambos se colocavam como o “guia” de
-socialistas não são alemães realmente, porque eles
seu respectivo regime, cabendo aos “guiados” seguir
se recusaram a trabalhar com outros partidos políticos.
as decisões tomadas por cada um, sem oposição ou
Então, é típico dos alemães terem trinta partidos? Eu
questionamento.
tenho que admitir uma coisa – esses senhores estão com-
Nesse complexo contexto é que ao longo dos anos
pletamente corretos. Nós somos intolerantes. Eu dei-me
1920 e 1930 materializou-se o sentimento de polarização
um objetivo – o de varrer esses partidos para fora da
ideológica que já se anunciava, e cada extremo (direita
Alemanha. Eles confundem-nos. Nós temos uma meta, e
e esquerda), dentro de suas concepções, defendia a
nós vamos segui-la fanaticamente para a sepultura.
Adolf Hitler, jul. 1932. implantação de suas diretrizes, mesmo que, para tanto,
fosse preciso eliminar os inimigos.
O cenário europeu em 1918 era marcado por dife- Na manipulação das massas com discursos que
rentes impactos da guerra, fosse a escala da destruição propunham respostas rápidas e contundentes aos
e das perdas causadas, fosse o contexto político que problemas que acometiam a sociedade, partidários
se colocava diante da ordem capitalista, uma vez dos sentimentos mais radicais, que, em alguns casos,
que a Revolução Russa de 1917 se transformara num ainda se mesclavam com ideias racistas, arrogaram a si
novo referencial ideológico para sua contestação. a solução de todos os males existentes, mesmo que isso
Sindicatos, ligas de camponeses, partidos socia- custasse a liberdade e qualquer poder de decisão que a
listas e comunistas em vários países se organizavam sociedade pudesse ter.
reivindicando desde melhores condições de trabalho e Logo, não podemos acreditar que a ascensão do fas-
distribuição de terras até o fim da exploração capitalis- cismo tenha sido mero acaso ou fruto de algum evento
ta, orientados pela chama revolucionária pregada por sobrenatural que tenha predestinado um sofrimento tão
Marx no Manifesto Comunista: “Proletários de todos os cruel a seus milhões de vítimas e menos ainda que ele
países, uni-vos!”. possa ser imputado exclusivamente a seus líderes. De
A efervescência política catalisou o temor da elite fato, durante vários anos, milhões de pessoas apoiaram
burguesa e da aristocracia quanto a uma possível os regimes fascistas e ajudaram a perseguir aqueles que
perda dos bens, das propriedades e das fortunas, em ousaram contestar a convicção que parecia ser domi-
virtude do avanço socialista. Desde a Comuna de Pa- nante e irreprimível, cabendo à resistência antifascista
ris, em 1871, nada tão concreto quanto a hegemonia recorrer à guerrilha, a sabotagens e a ações clandestinas,
bolchevique na Rússia se havia colocado no horizonte visando um dia erradicar aquilo que se espalhava rapi-
político mundial. damente, como uma doença letal. Infelizmente, muitos
Somado ao caos resultante da guerra, o medo do cha- não viveram para ver esse momento, tendo dado sua
mado “perigo vermelho” favoreceu a construção de um vida pela defesa da liberdade alheia.
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CURSINHO DA POLI 1
história geral • aula 12

A ascensão do fascismo do norte do país, onde cerca de 100 fábricas foram


tomadas pelos socialistas e estavam sob o controle
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, a Europa estava dos próprios operários. Enquanto isso, no campo, a
arrasada e precisava de uma ampla política de ajuda finan- concentração fundiária e a economia agrícola, mani-
ceira, a qual viria principalmente dos EUA. Entre os vence- pulada pelos latifundiários, sofria intensa pressão das
dores, a Itália estava numa posição desfavorável, pois lhe Ligas Vermelhas, que, com várias manifestações no vale
havia sido prometido o controle das colônias alemãs na do rio Pó (norte) e revoltas de camponeses na Sicília
África, mas recebera apenas as regiões de Trieste, Trentino (sul), exigiam a reforma agrária.
e Ístria (que estavam sob domínio austríaco). Assim, os O termo “fascismo” vem da palavra latina fasces, que
italianos se sentiam “vencidos entre os vencedores”. significa feixe, aludindo ao símbolo da República Ro-
mana – o feixe de varas com uma machadinha. As varas
Bettmann/Corbis/Latinstock

representam a sociedade, e a machadinha, o poder;


estando ambos amarrados, pretende-se que, unindo-se
a sociedade e o poder, prevaleça a ordem. Mussolini,
portanto, procurou retomar as ideias de grandeza da
Roma antiga, criando um partido militarizado cujos
integrantes usavam uniformes, as conhecidas camisas
negras, e se organizavam em batalhões (Squadrie di
combattimento, ou esquadrões de combate, em ita-
liano). O ataque aos adversários políticos se fazia com
o uso da violência durante passeatas, paralisações e
greves, sempre procurando esmagar qualquer ideia
que parecesse dissonante.
As principais características do regime fascista
Ditador italiano Benito Mussolini eram o anticomunismo (todas as manifestações de
e seguidores em Roma.
pensamento comunista eram duramente reprimidas),
Por sua intensa participação na Guerra, a Itália se viu a militarização (a ação militar fazia parte da formação
seriamente endividada com os EUA, tendo altos índices de do partido e servia para a manutenção da ordem e a
desemprego, custo de vida e inflação. O sistema político defesa do partido contra toda e qualquer contestação),
italiano era uma monarquia parlamentar, governada pelo o unipartidarismo (a partir de 1926, todos os partidos
rei Vítor Emanuel III (1900-1946), de Savoia, e controlada foram dissolvidos, mantendo-se apenas o fascista), o
pela alta burguesia liberal. Desde 1919, o partido socialista nacionalismo (o pensamento nacionalista era um dos
apresentava um forte crescimento, chegando a obter 30% principais do partido, buscando retomar as ideias de
das cadeiras do Parlamento. Isso representava um risco grandeza do passado da Itália, principalmente a tradi-
para o Estado italiano, pois naquele momento a economia ção do Império Romano) e o corporativismo (os sindi-
não havia se recuperado e as greves constantes causavam catos foram colocados sob a tutela do Estado e eram
muita instabilidade e agitação social. controlados por um membro do partido; recuperou-se
Mas foi justamente das fileiras socialistas que surgiu também a ideia das corporações de ofícios medievais,
um político novo, que abandonou o socialismo e criou buscando harmonizar as relações trabalhistas).
um partido. Em Milão, no dia 23 de março de 1919, Benito Em virtude da situação crítica por que passava a
Mussolini fundou o partido fascista, uma agremiação sociedade italiana no pós-guerra, os segmentos conser-
política de extrema direita. No entanto, nas eleições vadores (aristocracia, industriais, latifundiários, Igreja e
realizadas naquele ano, o fracasso fascista foi evidente: exército) viam o partido fascista como uma alternativa
não elegeu nenhum deputado para o Parlamento, mes- para conter a ascensão do socialismo. Assim, o partido
mo contando com candidatos ilustres como o maestro teve crescente apoio da elite italiana, além de colabo-
Arturo Toscanini (1867-1957) e o escritor futurista Filippo ração financeira e conivência das autoridades para suas
Marinetti (1876-1944). ações violentas.
Em 1920, a CGT (Confederação Geral do Trabalho) ti- Nesse contexto, o partido fascista deu continuidade
nha na Itália cerca de 2,3 milhões de filiados e articulava a seu projeto político, divulgando seu ideário e procu-
inúmeras paralisações e greves nos centros industriais rando obter uma votação maior, a fim de garantir uma
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história geral • aula 12

presença expressiva no governo. Em 1921, chegou a

David Borland/AKg-Images/Latinstock
deter 35 cadeiras no Parlamento, uma inequívoca re-
versão do fracasso anterior e, ao mesmo tempo, uma
prova concreta da crescente adesão da sociedade
italiana às suas ideias. Persistiram as ações violentas
contra os partidos de esquerda, sempre contando com
a conivência das autoridades, fato que concorria para
uma instabilidade política e social cada vez maior. Isso
prejudicou a possibilidade da formação de um governo
de coalizão, pois os partidos de esquerda e centro não
encontravam um ponto de equilíbrio – e os fascistas
continuavam acirrando a violência.
O impasse chegou ao fim em 29 de outubro de
1922, quando mais de 30 mil “camisas negras” mar-
charam sobre Roma sem represália do governo, cujo
efetivo do Exército presente na capital poderia ter Fascio: da República romana para a ditadura fascista.
rapidamente dissolvido a manifestação. A opção foi
pelo silêncio e pela ausência de qualquer ação mais Mussolini tinha um grande interesse em estimu-
incisiva. lar o chamado fasci all’estero, isto é, seções do par-
Em 30 de outubro de 1922, Mussolini, deputado do tido fascista instaladas fora da Itália, que existiram
Parlamento e chefe do partido fascista, chegou a Roma e em diferentes lugares onde havia colônias italianas.
foi recebido por seus partidários, que o exaltavam como No Brasil, por exemplo, existiam em 1934 cerca de
o grande líder da nação. 75 fasci: 35 em São Paulo, 19 em Minas Gerais, 7 no
Evidentemente perplexo, o rei Vítor Emanuel III de- Rio Grande do Sul e as demais dispersas em outras
clarou “estado de sítio” e convidou Mussolini para formar
partes do país, além das instituições chamadas
o governo, obedecendo ao protocolo político do Estado
Dopolavoro (centros culturais e desportivos), que
italiano. A partir daquele momento, Benito Mussolini se
difundiam a cultura italiana e divulgavam jornais
tornou o primeiro-ministro, sendo aclamado em delírio
italianos como o Fanfulla.
por seus seguidores e simpatizantes como Il Duce, ou
Mas a mobilização não se restringia à colônia, pois
seja, o guia.
também era do interesse de Mussolini apoiar partidos
com orientação afeita ao fascismo. Assim, a Ação Inte-
gralista Brasileira (AIB) recebeu financiamento do go-
O financiamento externo dos fascistas
verno italiano, já que esse estreitamento de relações
Entre os estrangeiros que se estabeleceram no era importante para se construir um projeto político
Brasil ao longo do século XIX e começo do século XX, de “longo prazo” para o fascismo no mundo.
a comunidade italiana era uma das maiores e estava Inicialmente, o governo de Getúlio Vargas flertou
presente nos mais diversos setores da economia e da com os regimes fascistas buscando apoio para seus
sociedade. Com o advento da Primeira Guerra e suas projetos e, por seu turno, os governos da Itália e da Ale-
consequências, muitos continuaram a sair em busca manha tinham interesse em estabelecer uma aliança
de novas oportunidades, mas também mantinham com o Brasil, pensando na posição estratégica do terri-
laços com a terra natal e traziam suas ideias e seus tório brasileiro e nas grandes fontes de matérias-primas
valores para a nova morada. No fim do século XIX, que poderiam abastecer sua produção industrial.
isso acontece com o anarquismo e o comunismo; A situação mudou de figura durante o Estado
depois, também com o fascismo. Novo (1937-1945), porque Getúlio Vargas impôs
Entre aqueles que tinham prosperado no Brasil, inúmeras limitações às comunidades estrangeiras
como as famílias Crespi e Matarazzo, houve um presentes no Brasil, obrigando-as a adotar uma pos-
significativo apoio financeiro, bem como o incenti- tura nacionalista e, portanto, impedindo-as de difun-
vo para que os operários de suas fábricas também dir a cultura que trouxeram de seu país de origem.
aderissem ao movimento. Quando o Brasil declarou guerra ao Eixo, em 1944,
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CURSINHO DA POLI 3
história geral • aula 12

italianos, alemães e japoneses ficaram sob severa um crescimento de 100% no setor energético e também
vigilância do governo, tendo alguns imigrantes sido a uma melhora no campo, com uma produção agrícola
presos sob a acusação de envolvimento em ações 20% maior.
de espionagem e grupos de estrangeiros confina- Para os trabalhadores, tamanha prosperidade não foi
dos ou presos em sítios ou fazendas que, de certa tão acessível, pois seu aumento salarial foi acompanhado
forma, se inspiravam nos campos de concentração, de um aumento nas horas de trabalho. A concentração
mas sem os requintes de crueldade que os nazistas de renda era marcante, e a inflação não foi tão contro-
desenvolveram na mesma época. lada, o que acarretou perda de poder aquisitivo para a
população mais pobre.
A partir de 1923, na condição de chefe de governo, Mais tarde, com o impacto da crise de 1929 na eco-
Mussolini usou a estrutura do Estado para esmagar opo- nomia italiana, a situação se agravou, pois a produção
sições antifascistas de qualquer natureza e, para tanto, industrial caiu cerca de 66%, as exportações se reduziram
valeu-se de todos os recursos violentos, como informava em 40% e o desemprego suplantou o de 1918, com
o noticiário policial da época. 1,3 milhões de desempregados.
Além disso, outorgou uma lei que estabelecia uma A “solução” que se deu à crise consistiu no recrudes-
mudança significativa nas eleições: o partido que obtivesse cimento do autoritarismo já existente e numa política
mais de um terço dos votos receberia automaticamente o expansionista que se desdobrou na invasão da Etiópia,
restante das cadeiras do Parlamento. Em 1924, o deputado em 1935, e da Albânia, em 1939.
socialista Giacomo Matteotti denunciou a manipula-
Entrada para
ção das eleições e o abuso de poder praticado por o Museu

Mussolini. Logo em seguida, foi sequestrado e depois


encontrado morto, com marcas evidentes de tortura.
Cortile
A ação foi perpetrada pelos fascistas, mas, na ocasião, della Pigna
eles se declararam indignados com o ocorrido e se
A

Museu
comprometeram a investigá-lo e a apurar todos
M

Vaticano
Entrada
RO

os fatos. O episódio acabou no esquecimento e os Jardim Loggia di de S. Anna


Raffaello
envolvidos ficaram impunes.
no
ica

Rádio vaticana
t

Nesse mesmo ano, Mussolini ordenou a dis-


Va

Capela
Vaticano
te

Sistina Residência
on

solução de todas as instituições antifascistas, pois


M

passaram a ser consideradas contrárias à ordem Heliponto


Basílica
de São Pedro
Praça
São Pedro
– portanto, “subversivas” –, uma ameaça que o Es- Estação
tado fascista não poderia tolerar, e o fechamento ferroviária

completo do regime ocorreu em 1926, quando


ROM
todos os partidos políticos foram extintos, exceto A Entrada
de Perugino
o fascista. Também se substituiu o Parlamento pelo
Grande Conselho Fascista, que tinha Mussolini
como presidente. Porta Pia

O governo fascista foi responsável pela criação


Praça
da Carta del Lavoro (ou a Carta do Trabalho), uma das Castelo de da Espanha
VATICANO São Angêlo
primeiras normatizações dos direitos trabalhistas, que
depois influenciaria as leis de outros países como, por Basílica
SÃO PEDRO
Praça
exemplo, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Navona Panthéon
Fóruns
criada no Brasil por Getúlio Vargas, em 1943. Capitólio
Imperiais

O modelo centralizador, do ponto de vista po- Fórum Romano


Gianicolo
lítico, e interventor, do ponto de vista econômico, COLISEU

de organização do Estado que foi construído por Trastévere


Circo Máximo
Basílica
Caellius
Mussolini buscava tirar a Itália da crise investindo SÃO JOÃO
de Letrán
em diferentes setores. Isso favoreceu a melhora da Aventino
As Muralhas
produção industrial, que, em 1923, registrou um Termas Aurelianas
de Caracalla
aumento de 125% em relação a 1918, levando a O Estado do Vaticano e a cidade de Roma.
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Porta Appia

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Mussolini foi responsável pela resolução da chamada ao mesmo tempo, tentou debelar as revoltas socialistas
Questão Romana, isto é, a perda das possessões da Igreja que eclodiram nos principais centros urbanos (Berlim,
Católica que tinham sido anexadas pelo governo italiano Bremen, Hamburgo, Munique e Leipzig), sob a liderança
durante a unificação, em 1871. Desde então, os papas da Liga Spartakus (grupo radical que surgiu dentro do
se declaravam “prisioneiros do Vaticano”, recusando-se partido social-democrata alemão, dando origem ao par-
a fazer aparições públicas, e, a cada eleição papal, tido comunista alemão), de que se destacavam as figuras
reafirmavam o protesto contra o Estado italiano, que de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os quais depois
inicialmente tentou sanar o problema com a aprovação foram presos e executados sumariamente em 1919.
da Lei de Garantias, a qual foi sancionada em 13 de maio

Keyston/Corbis/Latinstock
de 1871: a Lei reconhecia a inviolabilidade da pessoa do
papa e seu caráter soberano e lhe concedia a posse
do palácio de Latrão, da região do Vaticano e do palá-
cio Castel Gandolfo como residência de verão, além de
franquia postal e telegráfica, sigilo de correspondência,
total liberdade nos conclaves e concílios e uma pensão
anual de 3,3 milhões de liras em ouro.
O papa Pio IX recusou a pensão e não reconheceu
o acordo, mantendo sua condição de “prisioneiro do
Vaticano”, além de expedir uma interdição à participação
de católicos nas eleições, fosse como candidatos, fosse
como eleitores.
Essa situação só mudou em 1922, com a eleição do
papa Pio XI (1922-1939), que iniciou uma aproximação
maior com o governo da Itália. Assim, depois de várias
reuniões sigilosas, a Questão Romana foi resolvida com
o Tratado de Latrão (texto 1 da roda de leitura), assinado Adolf Hitler fazendo saudaaação para multidão
em Nuremberg, Alemanha, 1935.
no Palácio de Latrão, junto à basílica de São João de Latrão
(San Giovanni Laterano), sede do bispado de Roma, em A partir desse momento, formou-se um sistema re-
11 de fevereiro de 1929. Nesse tratado, Mussolini criou publicano parlamentarista, com uma Assembleia Consti-
o Estado do Vaticano (antigo bairro cristão da cidade de tuinte reunida na cidade de Weimar, de onde surgiu o que
Roma onde ficava a sede da Igreja), com 0,44 km², e o ficou conhecido como República de Weimar (1918-1933).
entregou ao governo do papa, que se tornou o último O presidente da república era o chefe de Estado, eleito por
monarca absoluto da Europa, concentrando na sua pessoa voto direto e com mandato de sete anos; o Reichkanzler
os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de ser (primeiro-ministro) era o chefe de governo, que era esco-
o representante de Deus na Terra. Desse modo, compôs-se lhido no partido ou na coalizão de partidos que tivesse a
uma teocracia, já que esse poder é de direito divino. maioria no Parlamento (Reichstag), o qual era eleito por
O alinhamento entre Mussolini e o Estado do Vatica- sufrágio universal, com mandato de quatro anos.
no foi uma importante vitória do regime fascista, enten- O governo da recém-nascida república alemã foi res-
dendo-se a conciliação como uma espécie de “bênção” ponsável pelas negociações que levaram ao Tratado de
ao governo do Duce, que, por sua parte, retribuiu com Versalhes, em 28 de julho de 1919, o qual assinou, em meio
o estabelecimento do catolicismo como religião oficial a inúmeros protestos de diferentes segmentos políticos,
da Itália, situação que perdurou até 1984. posto que não havia consenso sobre quais seriam seus des-
dobramentos ou se aquela era melhor decisão a tomar.
Os desdobramentos foram severos para a Alemanha,
Nazismo: o fascismo alemão que foi dada como responsável pelo conflito e obrigada a
ressarcir financeiramente as nações vencedoras. Isso moti-
Em 10 de novembro de 1918, o kaiser Guilherme II vou muitos protestos, pois não fora negociado em comum
abdicou, deixou a Alemanha e se exilou na Holanda. acordo, mas imposto pelos vencedores. Interpretadas pela
Começou então um governo republicano que assinou o sociedade alemã como um diktat (ditado, em alemão), as
armistício em 11 de novembro, interrompeu a guerra e, cláusulas de Versalhes determinavam o pagamento de
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uma indenização de 33 bilhões de dólares aos países ven- e sendo condecorado pelo cumprimento de missões de
cedores, a redução do exército alemão a 10% do total que risco durante a Guerra. Com o término do conflito, foi
havia no início da guerra (100 mil homens), a proibição de convocado por seus superiores para ser informante do
presença militar na região da Renânia (vale do rio Reno exército dentro do nascente partido nacional-socialista,
e fronteira com a França), a limitação da indústria bélica função que cumpriu inicialmente, mas que abandonou
alemã e a perda de 1/7 de seu território, com a criação quando assumiu uma posição de destaque dentro dos
da Polônia e do corredor polonês, com o porto livre de quadros do partido e logo se tornou uma liderança.
Dantzig, considerada cidade neutra. O ano de 1923 pode ser visto como o “ano terrível”.
Logo após a tentativa de reconstrução do país e de Desde dezembro de 1922, quando um dólar valia 8 mil
se terem debelado os focos da revolução socialista, o marcos, a moeda alemã entrou em um processo de
governo alemão tentou administrar uma profunda crise intensa desvalorização: já em janeiro de 1923, um
econômica, marcada por um grave aumento do custo de dólar atingiu os 20 mil marcos, subindo para 1 milhão
vida, falta de produtos e hiperinflação desenfreada. de marcos em agosto e chegando a 325 milhões de
As proibições de Versalhes resultaram uma queda de marcos em setembro. A desvalorização acelerou a falta
57% na produção industrial, com consequente aumento do de alimentos, pois os camponeses deixaram de vender
desemprego, e, no campo, uma produção 50% menor. para os negociantes da cidade, já que os preços eram
Havia um forte sentimento de incompreensão, e a muito baixos. Essa retenção dos produtos no campo
sociedade procurava um “culpado” para aquela situação gerou uma escassez nos mercados urbanos, causando
catastrófica. Foi nesse contexto que se desenvolveu o racionamento e tensões e vitimando muitos, em razão
mito da “traição da pátria”: dizia-se que a guerra estava na da fome e seus desdobramentos.
mão dos alemães, uma vez que não só seu território não Com o agravamento da crise econômica e da insta-
havia sido invadido como, pelo contrário, havia milhares bilidade social, Hitler e seus partidários tentaram tomar
de soldados alemães em território francês, e, depois do o governo com o Putsch (golpe) de Munique, em 1923.
tratado assinado em Versalhes, ficou a impressão de Em função da impopularidade do governo vigente, o
que a Alemanha tinha sido traída, vendida aos inimi- movimento nazista contava com o apoio dos alemães e
gos, desgraçando o povo alemão. Segundo o marechal a adesão de significativos contingentes do exército, pois
Hindenburg, integrante do Estado-Maior do exército ale- alguns militares estavam filiados ao partido nazista.
mão, durante uma comissão parlamentar de inquérito, em No entanto, nem o exército nem o povo apoiaram o
18 de novembro de 1919: “A retaguarda não nos apoiou golpe, que culminou num fracasso imenso, tendo todos os
[...] Os planos do alto-comando não puderam ser execu- envolvidos sido presos por insubordinação. Foi justamente
tados. O exército foi apunhalado pelas costas [...] As forças durante o ano que passou na prisão que Hitler escreveu seu
sadias do exército não têm a menor responsabilidade”. livro Mein Kampf (minha luta, em alemão), obra que se tor-
Em 1919, sob o signo da crise avassaladora, numa nou o eixo da ideologia nazista, fruto das teorias racistas do
cervejaria de München, um pequeno grupo de veteranos final do século XIX e defensor da tese da superioridade da
da Primeira Guerra fundou um partido semelhante ao raça ariana e do Lebenzraum (em alemão, espaço vital).
fascista italiano: NSDAP (National Sozialistiche Deutsche O partido nazista tinha muitas semelhanças com o
Arbeiterpartei, ou Partido Nacional-Socialista dos Traba- partido fascista italiano: também representava, para a eli-
lhadores Alemães). te, uma forma de deter o avanço do socialismo e tinha um
O termo “nazismo” deriva da abreviação nazi, da pala- forte caráter militarista, praticando ações violentas por
vra alemã nationalsozialismus. E por que um partido que meio das milícias paramilitares dos “camisas pardas”, da
visava combater as forças de esquerda tinha no nome a SA (Sturmabteilungen, ou seções de choque) e, depois,
palavra “socialista”? da SS (Schutzstaffeln, ou seções de assalto), um grupo
Porque queria aproveitar a grande massa de trabalha- ligado diretamente a Hitler, que se transformou na sua
dores desempregados, que estavam na expectativa de principal força de ação dentro do partido e, mais tarde,
uma melhora na sua condição, e ampliar suas fileiras para no elemento central na imposição do regime nazista.
disputar espaço na cena política alemã. Assim, a palavra Os enfrentamentos entre os nazistas e os militantes
“socialista” no nome do partido nazista era uma jogada de esquerda eram cada vez mais frequentes em comí-
de marketing para conquistar mais filiados. cios, passeatas e greves, contando aqueles com o apoio
Adolf Hitler era austríaco de nascimento e se alistou dos setores conservadores da sociedade alemã e com
no exército alemão em 1914, atingindo a patente de cabo a conivência das autoridades, o que, de certo modo,
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significava combate ao perigo vermelho e neutralização o folclore germânicos e todos os artistas que manifes-
de uma nova revolução socialista. tassem tal tendência, como, por exemplo, o compositor
Os nazistas chegaram ao poder pelas urnas, porque alemão Richard Wagner (1813-1883).
alcançaram grande simpatia entre os operários – com Ao celebrar a cultura germânica, o movimento
os altos índices de desemprego, fome e miséria, que se nazista estabeleceu também o critério do que não era
agravaram cada vez mais e pioraram com a crise de 1929, germânico e, nessa condição, uma ameaça ao Reich.
a economia alemã se complicou ainda mais. Assim, em Em defesa do Deutschland Über Alles! (Alemanha acima
1930, conseguiram eleger 107 deputados e, em 1932, de tudo!), criaram-se leis que impunham inúmeras
elegeram 280, tomando o controle do Parlamento. restrições a outras etnias, perseguindo principalmente
Em virtude das circunstâncias, impossibilitado de judeus e outras minorias.
formar um governo estável sem os nazistas, o presiden- O regime nazista foi forjado na pessoa de Adolf Hitler
te alemão, marechal Hindenburg, nomeou Hitler como por um grupo de ministros e assessores, destacando-se
Reichkanzler (primeiro-ministro) em 30 de janeiro de 1933. Joseph Goebbels (ministro da propaganda) e Heinrich
Ao chegar ao poder, Hitler continuou a reprimir seus Himmler (chefe das SS), Hermann Goering (ministro da
inimigos de esquerda, criando um ambiente de terror. Aeronáutica) e Reinhard Heidrich, chefe da Gestapo
Em 28 de fevereiro de 1933, ordenou aos nazistas o in- (Geheime Staatspolizei), a polícia secreta do Estado.
cêndio do Parlamento, fato imediatamente creditado aos Entre 30 de junho e 1 de julho de 1934, por ordem
comunistas, que tiveram seu partido oficialmente cassa- de Hitler, houve um sangrento processo de expurgo no
do e seus membros perseguidos como “criminosos”. partido nazista: todos os oficiais da SA foram violen-
O poder total para Hitler veio com a morte de tamente executados, na Noite dos Longos Punhais, e
Hindenburg, em 1934: com a aprovação do Parlamento, seus soldados tiveram que jurar lealdade a Hitler, sendo
acumulou as funções de presidente e de primeiro- incorporados à SS; caso contrário, seriam sumariamente
-ministro, tornando-se oficialmente o Führer, ou seja, o executados também.
líder da nação. Com a ascensão de Hitler ao poder, a Alemanha
A ideologia nazista tem um forte componente na- entrou em um processo muito rápido de remilitari-
cionalista, valorizando a tradição germânica. Hitler con- zação e de crescimento econômico, em virtude do
cebeu a ideia da superioridade da raça alemã, de onde qual se reaqueceu a economia e, consequentemente,
emanava a necessidade da afirmação de sua cultura fortaleceu-se a elite nazista, que arrastaria a Alemanha
perante o mundo. Assim, resgataram-se as tradições e a um novo conflito.

Os golpes de força de Hitler (1936-1939)

MAR DO DINAMARCA MAR Memel


NORTE BÁLTICO LITUÂNIA
Dantzig Königsberg
Prússia
Hamburgo
Oriental
50°
N HOLANDA
Berlim

ALEMANHA Varsóvia
Alemanha até 1933
BÉLGICA Colônia
Dresden Breslau POLÔNIA
Remilitarização (março/1936) Frankfurt
Território tcheco-eslovaco Sudetos
LUXEMBURGO Praga
anexado pela Hungria
Nuremberg Boêmia
Território tcheco-eslovaco
anexado pela Polônia Morávia
FRANÇA ESLOVÁQUIA
Anexações alemãs Viena Bratislava
Munique
Anschluss (13/3/38) N
SUÍÇA Budapeste
Sudetos (30/9/38) ÁUSTRIA
Memel (março/1939) O L HUNGRIA
Boêmia-Morávia (14/3/39)
S
Dantzig (setembro/1939) 0 150

km
10° O

Fonte: Atlas Histórico Mundial, Folha de S. Paulo/Times.


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CURSINHO DA POLI 7
história geral • aula 12

A crise de 1929 e a Grande Depressão consumo, que compunham o ideal do american way of
life (modo de vida americano).
Em fins do século XIX e início do XX, o sistema capita- Nesse contexto, a Bolsa de Valores se transformou na
lista sofreu uma mudança importante: concentraram-se “pedra filosofal”, que transformava modestas economias
interesses nos mercados financeiros em Bolsas de Valo- em suntuosas fortunas, tornando-se um atrativo para
res, de modo que, além da compra e venda da produção, todos aqueles que quisessem multiplicar seu patrimônio.
o capital se sustentava também pela comercialização das Nem se cogitava a hipótese de perda, sempre apresenta-
ações das indústrias. da como muito rara e, em todo caso, se ocorresse, seria
Essa mudança na economia se refletiu na sociedade, plenamente recuperável.
com o aumento do número de pessoas vivendo em O frenesi do mercado financeiro atraía cidadãos dos
cidades e trabalhando em indústrias ou em serviços EUA e também de outros países, que investiam parte de
ligados a elas; por exemplo, Nova York, Chicago, Paris, seu patrimônio em ações. O lucro alto e certo favoreceu
Londres ou Berlim. atitudes de risco pleno como a hipoteca de safras que
No entanto, o crescimento da economia não repre- seriam colhidas no futuro – tomavam-se emprestadas
sentou diretamente uma melhora expressiva nas condi- vultosas somas, e a “mãe natureza” garantia a fartura
ções de vida dos trabalhadores. No caso do pós-guerra, dos frutos e o saldo das dívidas. Por exemplo, assim
a economia estadunidense auxiliou a reconstrução da fizeram muitos cafeicultores no Brasil, que rolavam
Europa, favorecendo a recuperação econômica de seus dívidas imensas dando como garantia suas colheitas e
aliados e também a criação de um vínculo mais estreito usando o mercado de ações como uma forma de conti-
entre os mercados dos dois lados do Atlântico. nuar tendo grandes somas à sua disposição. Eis como
A produção agrícola estadunidense foi fortemente se sustentou o alto padrão de vida da despreocupada
estimulada, pois era preciso produzir para o mercado elite brasileira.
interno e externo; além disso, ampliaram-se a indústria e O pequeno investidor também foi seduzido pelo
a exploração de matérias-primas básicas para diferentes “canto da sereia”, pois parecia muito fácil investir pouco
segmentos – aço, borracha, petróleo, minérios e tudo o e ganhar muito. Essa visão – que logo se revelou ilusória
mais que demandava a reconstrução da Europa. – fez com que muitos aplicassem na compra de ações
A aceleração econômica gerou um ciclo de intensi- todas as economias que antes aplicavam naquilo que
ficação do consumo interno, alimentado pelo aumento chamamos de caderneta de poupança.
dos salários de alguns segmentos e, ao mesmo tempo, Se todos podiam ganhar – e ganhar muito –, cabia a
pela ampliação do crédito concedido pelo setor bancá- pergunta: e quem não tinha dinheiro para aplicar? Bem,
rio, que, em virtude do quadro tão “próspero”, passava muitos bancos se dispuseram “generosamente” a conce-
a atender tanto o trabalhador como o comerciante ou der empréstimos a juros atraentes, que seriam destinados
o industrial, sem maior preocupação com eventuais ga- à compra de ações. Em face dos ganhos elevados, a ideia
rantias ou com o grande número de parcelas por pagar. era aplicar na Bolsa, lucrar muito, pagar o banco e gozar o
Essa situação criou um alto risco de inadimplência. saldo que restaria. Aparentemente, uma cadeia infalível.
Entre 1921 e 1929, a renda per capita subiu de US$ 660 Todavia, a Europa se recuperou com relativa rapidez,
para US$ 857, e isso era acompanhado do aqueci- e a economia dos EUA continuou a crescer sem freios,
mento da construção civil, verticalizando as grandes gerando excedentes cujo consumo era impraticável pela
metrópoles com a construção de edifícios de concreto defasagem entre alto o poder aquisitivo dos cidadãos e o
armado e aço de dezenas de andares. Daí surgiu o ter- insuficiente crescimento de produção. Em outras palavras,
mo “arranha-céus”, entre os quais o mais conhecido era contava-se uma fábula de prosperidade e crescimento eco-
o Empire State Building, iniciado em 1929 e concluído nômico que não correspondia à renda gerada de fato.
em 1931. O aquecimento econômico gerou uma forte pro-
Se o concreto permitia construções cada vez mais al- dução, implicando a intensa valorização das ações das
tas, o asfalto se expandia em larga escala, especialmente indústrias na Bolsa de Valores, alcançando níveis eleva-
pela venda de milhões de automóveis, destacando-se dos que, entretanto, não representavam o real capital
o Ford T, ícone da crescente indústria automobilística da empresa.
(em 1920, havia oito milhões de automóveis nos EUA; Já em 1927, as exportações para a Europa não atin-
em 1930, chegaram a 23 milhões), além da aquisição de giam os níveis espetaculares do início da década, e a
um financiamento imobiliário e dos chamados bens de redução das vendas significava aumento de estoques e
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8 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 12

produção em superaquecimento. Reduzir a produção, Essa crise foi um abalo gigantesco em todo o sistema
cortar turnos e, se fosse o caso, demitir trabalhadores capitalista e funcionou como um movimento centrífugo,
poderiam ser os passos seguintes em um processo de pois o atingido foi justamente seu cerne – os EUA –, de
saneamento financeiro, mas, ao mesmo tempo, pode- onde partiram as ondas da crise que se expandiu para
ria representar fraqueza e a imediata desvalorização os demais países capitalistas, mesmo os da periferia. No
das ações. Como isso estava fora de cogitação, muitas Brasil, os ricos cafeicultores que jogavam na Bolsa foram
empresas optaram por encobrir suas perdas e dívidas, surpreendidos pela crise; não tendo como saldar suas
tentando evitar o pior. Num primeiro momento, essas dívidas, faliram em escala crescente, e a queda do preço
perdas foram interpretadas como passageiras, mas logo do café também dificultou uma eventual recuperação.
trouxeram problemas ainda maiores. O cenário geral foi de caos: empresas falidas, ações
A bolha atingiu seu limite máximo em 24 de outubro desvalorizadas, desemprego, fome e crise social.
de 1929, a Quinta-feira Negra que determinou o crack
da Bolsa de Nova York.
New Deal
Bolsa de valores de
Nova York (1925-1933) A economia dos EUA era o coração pulsante do sis-
base 100 em 1926
220
tema capitalista: detia cerca de 45% do ouro do planeta
210
200
e era ponto de passagem de transações financeiras que
190
180
interligavam os cinco continentes. O movimento de crise
170 atingiu o centro e se espalhou para a periferia. Resulta-
160
150 ram três milhões de desempregados e uma redução de
140
130 70% das exportações na Grã-Bretanha, outros tantos de-
120
110 sempregados na França, 7 milhões de desempregados e
100
90 uma queda de 39% na produção industrial na Alemanha
80
70 e 1,3 milhões de desempregados e uma queda de 51%
60
50 nas exportações na Itália.
40
30 Com a crise da Bolsa e o colapso social, Hoover tentou
1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933
a reeleição e foi derrotado, em 1932, pelo democrata
Franklin Delano Roosevelt.
Por causa da formação de estoques e da supervalori-
zação das ações, a boatos e tentativas de venda com os

Bettmann/Corbis/Latinstock
preços ainda em alta, houve uma verdadeira avalanche
na cotação das ações, pois o pânico dos investidores
se espalhou pelo mercado de ações – mas as cotações
tiveram uma queda constante e vertical.
Muitos bancos haviam emprestado grandes somas
de seu capital e dos recursos de seus correntistas, de-
pendendo, portanto, desses pagamentos para continuar
investindo no mercado e, ao mesmo tempo, garantindo
os saldos dos correntistas. Estes, preocupados com a
saúde dos bancos, estavam ávidos por explicações so-
bre a segurança de seus recursos guardados nas casas
bancárias, que pareciam ser muito mais seguras que o
fundo de seu colchão.
Por seu turno, a maioria daqueles que tinham to-
mado empréstimos para investir na Bolsa também não
conseguiu vender suas ações para pagar suas dívidas,
gerando um rombo nos bancos e concorrendo para que
eles tivessem dificuldade de recuperar o capital próprio
e o dos correntistas.
Presidente dos EUA Franklin Roosevelt, 1936.
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CURSINHO DA POLI 9
história geral • aula 12

Ao assumir, Roosevelt implementou um plano de Os EUA fecharam sua economia impedindo a entrada
recuperação da economia chamado New Deal, elaborado de produtos estrangeiros, acreditando que isso con-
pelo economista John Maynard Keynes (1883-1946), que teria a evasão de capital. Exigiram também que todos
consistia em uma presença maior do Estado intervindo os empréstimos feitos à Europa fossem pagos, o que
na economia para evitar uma nova crise como a de 1929. comprometeu a economia de alguns países daquele
Essa intervenção consistiu em várias obras públicas, com continente.
o intuito de empregar o gigantesco “exército de reserva” Na política externa, o governo de Roosevelt optou
que se formara. Assim se reconstruiu a economia, a qual pelo isolacionismo, evitando a ação dos EUA em ques-
deu origem ao Welfare State (ou Estado de bem-estar tões internacionais, mas procurou estimular o comércio
social), que tinha as seguintes características: internacional e proteger os interesses nacionais. Buscou
• implantação de uma política de pleno emprego, o apoio de parceiros, mesmo que fossem ideologica-
com a construção de hidrelétricas, navios, rodovias mente dissonantes, pois isso podia representar pro-
e ferrovias; gresso e prosperidade. Essa postura explica a intensa
• criação dos bancos nacionais, garantidos pelo atividade econômica com a Alemanha de Hitler, uma
governo e obrigados a recolher uma parte de seu relação que se desenvolveu até a declaração formal
capital ao Banco Central do país; de guerra, em 1941. Portanto, nesse intervalo, milhões
• criação de leis que proibiam manobras especula- de dólares foram investidos na Alemanha e milhões de
tivas as quais provocassem problemas sociais; marcos, nos EUA. Afinal, como muitos dizem, “dinheiro
• controle sobre as exportações. não tem ideologia”.

A Guerra Civil Espanhola: a antessala da Segunda Guerra


Guerra Civil Espanhola: a expansão franquista
Zonas ocupadas pelos
franquistas em:
OCEANO
ATLÂNTICO Julho/1936

Março/1937
FRANÇA
Dezembro/1938
Bilbao Guernica
PAÍS Março/1939
BASCO
Burgos
Direção das ofensivas
ANDORRA franquistas
CASTELA
40 º N
CATALUNHA
Barcelona
PORTUGAL
Madri

Toledo
Valência Minorca

Maiorca
Ibiza
Sevilha MAR
MEDITERRÂNEO
Granada N

O L

MARROCOS
Espanhol 5º O S
0 130
ÁFRICA km

Fonte: Atlas Histórico Mundial, Folha de S. Paulo/Times.

A Espanha era uma monarquia até 1931, quando o Aprovada em dezembro de 1931, ela permitia a autono-
rei Afonso XIII abdicou, instaurando-se a Segunda Repú- mia da Catalunha e do País Basco, com a manutenção da
blica (a Primeira República foi entre 1873 e 1874), com língua e da bandeira espanhola, a separação do Estado
a formação de um governo provisório e a convocação e da Igreja, o divórcio e o sufrágio universal masculino
das cortes para a elaboração de uma nova Constituição. livre e direto.
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10 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 12

Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia


Pablo Picasso, Guernica: o horror da guerra nas pinceladas cubistas de Picasso.

O primeiro governo a assumir o controle da Espanha um tímido apoio da URSS e a formação das Brigadas
foi o de Manuel Azaña y Dyas (1931-1936), que procurou Internacionais (simpatizantes socialistas, comunistas e
respeitar a Constituição e, para tanto, promulgou várias anarquistas) de todas as partes, que foram lutar a seu
leis que mexiam profundamente com a sociedade espa- lado. Disse Dolores Ibárruri, uma das líderes republica-
nhola: confisco de terras das ordens religiosas, extinção nas: “Melhor morrer em pé do que viver eternamente
dos privilégios da Companhia de Jesus e reforma agrária, de joelhos!”
entre outras. A Guerra Civil Espanhola pode ser vista como a an-
Assim, houve um gradativo afastamento entre o tessala da Segunda Guerra Mundial, pois as forças de
governo e os setores conservadores (Igreja, grandes Franco foram auxiliadas por tropas alemãs e italianas,
proprietários, exército e alta burguesia), favorecendo as quais puderam testar todo o seu aparato militar.
a formação de partidos ou grupos de direita como a Um dos episódios mais chocantes foi o bombardeio
Falange Española Tradicionalista, liderada por José An- de Guernica, uma pequena cidade no País Basco, ao
tônio Primo de Rivera, e a Confederación Española de norte da Espanha, controlada pelos republicanos, que
Derechas Autónomas (Ceda), apoiada pelo Vaticano. foi atacada pela aviação alemã “legião Condor” em
A esquerda espanhola estava fragmentada em vá- 26 de abril de 1937, deixando 1 654 mortos e milhares
rios grupos, como o Partido Comunista Español (PCE), o de feridos por bombas de toda espécie e perseguidos
Partido Socialista Obrero Español (PSOE) e a Federación por ataques de metralhadora.
Anárquica Ibérica (FAI), entre outros. Em janeiro de 1936, Esse sombrio episódio foi magistralmente captado
formou-se a Frente Popular, buscando unir as correntes pelo artista andaluz Pablo Picasso, em sua tela Guernica,
de esquerda, o que garantiu sua vitória nas eleições do que foi exposta em 1937 no pavilhão espanhol em
mesmo ano. Paris, como uma demonstração das atrocidades do
Em julho de 1936, eclodiu no Marrocos (uma parte fascismo.
do país era possessão espanhola) uma revolta militar Apesar do engajamento dos cidadãos, os escassos
liderada pelo general Francisco Franco, autodeclarada recursos militares e a falta de um apoio mais consistente
nacionalista e com o propósito de lutar contra o governo da URSS fizeram com que as forças republicanas fossem
republicano (eleito regularmente). Os principais meca- gradativamente vencidas, quando foram tomados seus
nismos de ação das forças de direita eram o exército e a últimos redutos, em 1o de abril de 1939. A vitória colocou
Falange, que lograram dominar Castela, Navarra, Sevilha, o general Francisco Franco como Caudillo de España por
Cádiz, Galícia e Salamanca. Os republicanos dominavam la Gracia de Dios (Chefe Máximo da Nação Espanhola
o restante do país. pela Graça de Deus), condição em que permaneceu até
Como se tratava de um conflito polarizado entre es- sua morte, em 1975. Foi uma das mais cruéis ditaduras
querda e direita, ambos os lados receberam apoio estran- europeias, com mais de 1 milhão de mortos e milhares de
geiro. A Falange, de Hitler e Mussolini; os republicanos, refugiados, que buscaram asilo nos cinco continentes.
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CURSINHO DA POLI 11
história geral • aula 12

Resumo da ópera mesmos. Nós queremos, um dia, ver no Reich uma só


peça, e vocês devem já se educar nesse sentido. Nós
Vimos nesta aula que a ascensão da extrema direita queremos que esse povo seja, um dia, obediente, e
decorreu da polarização ideológica segundo a qual ela vocês devem treinar essa obediência. Nós queremos
poderia salvar o mundo capitalista do perigo vermelho que esse povo seja, um dia, pacífico, mas valoroso, e
representado pelos socialistas, mas, ao mesmo tempo, vocês devem ser pacíficos.
era também uma sequela da Guerra, que acarretara dor e Adolf Hitler, no Congresso Nazista de Nuremberg, 1933.
In: O triunfo da vontade, filme de Leni Riefenstahl, 1935.
sofrimento, mas não logrou resolver os graves problemas
que atingiam a Europa.
O trecho identifica algumas das características do
Em 1921, o ex-militante socialista Benito Mussolini fun-
projeto nazista, que governou a Alemanha entre
dou o partido nacional fascista e redigiu sua plataforma
1933 e 1945. Entre elas, a:
partidária, que acabou conseguindo eleger 35 deputados.
a) defesa da adoção do comunismo, expressa na ideia
Mas os fascistas compensavam seu número reduzido com
de supressão de classes.
sua organização e uma violência incomum contra todos
b) recusa do uso da violência, expressa na ideia de
os seus adversários. O inclemente ataque fascista aos
povo pacífico.
esquerdistas valeu ao partido verbas cada vez maiores da
c) submissão total da sociedade ao Estado, expressa na
burguesia italiana e apoio de setores conservadores da
ideia de obediência.
população, que pretendiam ver a “ordem“ voltar à Itália.
d) ampliação do acesso ao ensino básico, expressa na
A ideologia nazista também tinha uma forte base
ideia de autoeducação.
ultranacionalista, valorizando a tradição germânica, mas
e) Eliminação das divisões nacionais, expressa na ideia
com um diferencial: Hitler concebe a ideia da superio-
de Reich (Império).
ridade da raça alemã, e, assim, ao lado do resgate das
tradições e do folclore germânicos, estabelece uma série
2. (PUC-RS) Responder a questão com base nas afir-
de restrições a outras etnias e persegue principalmente
mativas a seguir, sobre a emergência e consolidação
judeus, ciganos, eslavos e outras minorias.
dos regimes totalitários na Alemanha e na Itália no
Estudamos nesta aula os desdobramentos do sistema
período Entre-Guerras.
capitalista, que havia passado por um processo de trans-
formação nos fins do século XIX e início do século XX
I. Os movimentos totalitários constituíram uma reação
caracterizado pela concentração de interesses nos mer-
contra o contexto de intensa crise econômica e polí-
cados financeiros através das Bolsas de Valores. Agora,
tica do pós-Primeira Guerra. Essa reação se opunha,
não era só pela compra e venda da produção que o
no plano doutrinário, tanto ao comunismo quanto
capital se sustentava, mas também pela comercialização
ao liberalismo.
das ações das indústrias.
II. As camadas mais pobres das populações alemã e
Essa transformação repercutiu também na socieda-
italiana, os subempregados, os trabalhadores não
de, com o aumento do número de pessoas vivendo em
especializados e os jovens que não conseguiam
cidades e trabalhando em indústrias ou em serviços
ingressar no mercado de trabalho não aderiram aos
relacionados a elas, como, por exemplo, Nova York,
movimentos totalitários, permanecendo como uma
Chicago, Paris, Londres ou Berlim.
base social de apoio às esquerdas.
A crise de 1929 foi um abalo gigantesco em todo o
III. Os movimentos totalitários caracterizaram-se pela
sistema capitalista, pois atingiu justamente seu cerne (os
intensa propaganda e por frequentes desfiles cívi-
EUA), de onde partiram as ondas que abalaram também
cos, com forte apelo patriótico em favor da recupe-
os demais países capitalistas, mesmo os de periferia,
ração interna e da expansão colonialista.
como o Brasil. Restaram empresas falidas, ações desva-
IV. Uma das principais diferenças entre o fascismo e o
lorizadas, desemprego, fome e crise social.
nazismo reside no fato de que o regime totalitário
italiano, ao contrário do alemão, não organizou
Exercícios milícias como braço armado do partido.

1. (Unifesp) Estão corretas apenas:


Nós queremos, um dia, não mais ver classes nem a) I e II. c) II e III. e) I, II e IV.
castas; portanto comecem já a erradicar isso em vocês b) I e III. d) III e IV.
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12 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 12

Estudo orientado II. A violência de caráter militar e psicológica confi-


gura-se em base de sustentação dos regimes tota-
exercícios litários. No caso da Alemanha, a perseguição dos
alemães aos judeus, culminando com o holocausto,
1. (UFMG) mostra não somente uma prática violenta e cruel,
Leia este trecho: como também um motivo para tantas adesões dos
indivíduos ao regime nazista de Hitler.
Camisas negras de Milão, camaradas operários! III. Os regimes totalitários nasceram no final da II Guerra
Há cinco anos as colunas de um templo que Mundial com a finalidade de evitar que o poder
parecia desafiar os séculos desabaram. O que ha- caísse nas mãos da esquerda. Dessa forma, pode-se
via debaixo destas ruínas? O fim de um período da considerar que esse projeto político configura-se
história contemporânea, o fim da economia liberal em uma obra de poucos homens, com a intenção
e capitalista [...] Diante deste declínio constatado e de restringir a democracia e impedir uma crise do
irrevogável, duas soluções aparecem: a primeira seria mundo capitalista.
estatizar toda a economia da Nação. Afastamo-la, IV. O nazismo e o fascismo nasceram como uma ofen-
pois não queremos multiplicar por dez o número dos siva à Revolução Russa. O temor ao “perigo verme-
funcionários do Estado. lho” e a consequente disseminação da proposta
Outra impõe-se pela lógica: é o corporativismo socialista apontava para o estabelecimento de uma
englobando os elementos produtores da Nação e, nova ordem mundial, e a instauração de regimes
quando digo produtores, não me refiro somente aos totalitários na Europa faz recrudescer as tentativas
industriais mas também aos operários. O fascismo de implementar uma outra realidade histórica.
estabeleceu a igualdade de todos diante do trabalho.
A diferença existe somente na escala das diversas res- Assinale a alternativa correta.
ponsabilidades. [...] O Estado deve resolver o problema a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
da repartição de maneira que não mais seja visto o fato b) Somente as afirmativas I e III são corretas.
paradoxal e cruel da miséria no meio da opulência. c) Somente as afirmativas II e IV são corretas.
Discurso de Mussolini dirigido aos operários milaneses, d) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.
em 7 de outubro de 1934. In: Kátia M. de Queirós Mattoso. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
Textos e documentos para o estudo da história contemporânea
(1789-1963). São Paulo: Hucitec/Edusp, 1977. pp. 175-177. 3. (UFRJ)

A partir dessa leitura e considerando-se outros O fascismo rejeita na democracia o embuste


conhecimentos sobre o assunto, é INCORRETO convencional da igualdade política, o espírito de
afirmar que o fascismo italiano: irresponsabilidade coletiva e o mito da felicidade e
a) era anticapitalista e se propunha instalar uma nova do progresso indefinido [...] Não se deve exagerar a
ordem social coletivista, sem classes. importância do liberalismo no século passado, nem
b) fazia uma defesa veemente do trabalho, destacan- convertê-lo numa religião da humanidade para o pre-
do-o como elemento unificador das forças sociais. sente e o futuro, quando na realidade ele foi apenas
c) propunha a união do capital e do trabalho, mediada uma das muitas doutrinas daquele século [...] Agora
pelo Estado e baseada no corporativismo. o liberalismo está prestes a fechar as portas de seu
d) se considerava criador de um tempo e de um homem templo deserto [...] O presente século é o século da au-
novos, no que rivalizava com o discurso socialista. toridade, um século da direita, um século fascista.
Benito Mussolini Mark Mazower. Continente
2. (UEL) Considere as afirmativas. sombrio: a Europa no século XX. São Paulo: Compa-
I. O nazismo é um regime considerado totalitário. Ca- nhia das Letras, 2001, p. 29.
racteriza-se pelo poder forte e autoritário (sujeição
da população), pela defesa nacional (exacerbando O discurso proferido por Mussolini explicita a
o racismo e a xenofobia) e por um Estado policial. concepção política fascista nos anos 1920 e 1930
Tem consigo o gérmen da guerra e é fortemente do século passado.
amparado pela propaganda. O totalitarismo, no Cite dois aspectos do regime fascista contrários aos
século XX, teve um êxito incontestável. princípios liberais.
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CURSINHO DA POLI 13
história geral • aula 12

4. (UFC) Nos Jogos Olímpicos de Berlim, realizados em O pontífice romano pode credenciar e receber em-
1936, o atleta norte-americano Jesse Owens ganhou baixadores, com liberdade e imunidade para todos os
quatro medalhas de ouro. Na disputa do salto em diplomatas, inclusive aqueles pertencentes a nações em
distância, cravou 8,06 metros, novo recorde olímpico, guerra com a Itália, permanecendo a cidade do Vaticano,
deixando a prata para o atleta alemão Luz Long. Adolf em todos os casos, um território neutro e inviolável.
Hitler não permaneceu para a cerimônia de premiação, O Vaticano se compromete a se manter alheio a
abandonando o estádio olímpico. qualquer conflito político ou territorial, salvo se sua
arbitragem for solicitada. De ambos os lados, serão
a) Responda as questões a seguir, relacionadas a esse tomadas precauções para garantir a liberdade da
fato. Santa Sé e sua neutralidade em futuras guerras.
I. Qual a ideologia política que dominava a Alema- Tratado de Latrão, 11 fev. 1929.
nha naquela época?
II. Qual a relação entre a vitória de Jesse Owens, a texto 2
ideologia que dominava a Alemanha e o aban- Com o discurso que vou pronunciar perante vós,
dono do estádio por parte de Hitler? faço uma exceção à regra que a mim mesmo impus:
III. Adolf Hitler era um artista frustrado; tentou in- qual é limitar ao mínimo possível as manifestações da
gressar na Academia de Belas Artes de Viena e minha eloquência. Oh, fosse possível estrangulá-la,
não conseguiu. Do ponto de vista estético, qual o como aconselhava um poeta, a essa eloquência ver-
modelo de arte e cultura valorizado pelo regime bosa, prolixa, inconcludente, democrática, de que por
comandado por Hitler na Alemanha? tanto tempo se abusou! Estou certo, pois, ou pelo me-
nos alimento essa esperança, de que não esperais de
b) A utilização dos Jogos Olímpicos para fins políticos mim um discurso que não seja estritamente fascista,
é uma prática bastante comum. Nas Olimpíadas quer dizer, esquelético, áspero, singelo e duro.
de 1968, realizadas na Cidade do México, durante Não espereis aqui a comemoração do 20 de setem-
a premiação de uma prova de atletismo, dois atle- bro [data da unificação italiana]. O tema seria decerto
tas norte-americanos estenderam um dos braços tentador e lisonjeiro. Daria material amplo para
para o alto com o punho fechado envolto por uma meditações, reexaminar por que prodígio de forças
luva negra. Explique o significado desse ato para imponderáveis e através de quais e quantos sacrifícios
a época. de populações e homens a Itália conseguiu atingir sua
unidade, ainda não realizada totalmente – porque da
unidade total não se poderá falar enquanto Fiume e
roda de leitura a Dalmácia e as outras terras não tenham voltado a
nós, realizando-se desse modo aquele sonho orgulho-
texto 1 so que em nossos espíritos fermenta. Mas peço-vos:
considerai que também no Ressurgimento, e através
A Itália reconhece a soberania da Santa Sé no do Ressurgimento italiano, que vai da primeira tenta-
âmbito internacional como atributo inerente a sua tiva insurrecional de Nola, iniciada numa caserna de
natureza. soldados de cavalaria, e que acaba com a brecha da
A Itália reconhece o catolicismo como religião do Porta Pia em 70, duas forças entram em jogo: uma, a
Estado e se compromete a proibir tudo o que possa força tradicional, a força necessariamente um pouco
ser contrário aos ensinamentos da Igreja Católica, estática e atrasada, a força da tradição saboiana e pie-
mas garante às autoridades eclesiásticas todas as montesa; outra, a força insurrecional e revolucionária
liberdades de comunicação, edição e publicação. que vinha da parte melhor do povo e da burguesia;
Os clérigos e os seminaristas estão dispensados do e foi só através da conciliação e do equilíbrio dessas
serviço militar e gozarão de garantias judiciais. duas forças que nós pudemos realizar a unidade da
Os bispos prestarão juramento de fidelidade ao Pátria. Qualquer coisa de semelhante se verifica talvez,
rei, mas o Estado renuncia a qualquer controle sobre ainda hoje, e disso prometo falar já.
as nomeações maiores e menores e sobre os atos Elevemos o pensamento a Roma!
eclesiásticos, assim como não recolherá impostos Mas por que é – nunca o perguntastes a vós mes-
sobre os bens da Igreja. mos? –, por que é que a unidade da pátria se resume no
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14 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 12

símbolo e na palavra Roma? Forçoso é que os fascistas – vocês não devem agir por conta própria, vocês devem
de todo esqueçam – porque, se não o fizessem, seriam obedecer, vocês devem estar por dentro, vocês preci-
mesquinhos – o acolhimento mais ou menos ingrato sam submeter-se a essa necessidade de obedecer.
que tivemos em Roma, em outubro do ano passado; Adolf Hitler. Discurso de posse perante as SA e as SS.
é necessário ter a coragem de dizer que uma parte da
responsabilidade de tudo o que lá aconteceu se deve a
alguns dos nossos elementos que não estavam à altura pesquisar e ler
da situação. E é necessário não confundir Roma com
os romanos, com aquelas centenas dos chamados Daniel Jonah Goldhagen. Os carrascos voluntários
trânsfugas do Fascismo que estão em Roma, em Milão de Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Livro
e em tantos outros centros de Itália e que por tendência derivado da tese de doutoramento do autor, que analisa
natural fazem antifascismo prático e criminoso. Mas, o movimento nazista e a adesão, mais ou menos espon-
se Mazzini e Garibaldi três vezes tentaram chegar a tânea, da sociedade alemã.
Roma, e Garibaldi deu aos seus camisas vermelhas
o dilema trágico, inexorável de “Roma ou morte”, John Cornwell. O papa de Hitler. Rio de Janeiro: Ima-
significa isso que, para os homens do Ressurgimen- go, 2000. Uma análise muito detalhada da postura do
to italiano, Roma tinha já uma função essencial de papa Pio XII (1939-1959) diante do regime nazista e da
ordem singularíssima a realizar na nova história da questão do holocausto.
nação italiana. Ergamos, pois com ânimo puro e livre
de rancores, o nosso pensamento a Roma, que é uma José Carlos Sebe Bom Meihy; Cláudio Bertolli Filho.
das poucas cidades espirituais do mundo, porque ali, A Guerra Civil Espanhola. São Paulo: Ática, 1996. (Cole-
entre aquelas sete colinas sobrecarregadas de história, ção História em Movimento) Síntese didática e muito
operou-se um dos maiores prodígios espirituais que a precisa sobre o contexto que antecedeu a Guerra e
história recorda, isto é, aí se transmudou uma religião seus desdobramentos, trazendo um grande número de
oriental, não compreendida por nós, numa religião documentos históricos em texto e imagem.
universal que, sob outra forma, retomou aquele impé-
rio levado aos extremos confins de terra pelas legiões Leandro Konder. Introdução ao fascismo. São Paulo:
consulares de Roma. Expressão Popular, 2009. Apresentação conceitual do
E nós pensamos fazer de Roma a cidade do nosso fascismo, de seu contexto histórico e de suas principais
espírito, uma cidade depurada, desinfetada de todos características.
os elementos que a corrompem e a conspurcam, pen-
samos fazer de Roma o coração possante, o espírito ver e ouvir
álacre [alegre] da Itália imperial que sonhamos. Al-
guém poderá objetar: “Sois vós dignos de Roma, tendes A língua das mariposas (direção: José Luis Cuerda,
pernas, músculos, pulmões suficientemente fortes para 1999). Na Espanha, às vésperas da Guerra Civil, um
herdar e transmitir os ideais dum império?” E é agora professor ateu apresentava o mundo a seus alunos por
que os críticos sombrios teimam em ver sinais de incer- meio de uma educação libertária, a qual contrastava
teza no nosso organismo exuberante e jovem. com o conservadorismo à sua volta e se desdobraria em
Benito Mussolini. Discurso de Udine, 20 set. 1922. diferentes manifestações sobre os sentimentos políticos
daquele momento.
texto 3 A onda (direção: Denis Gansel, 2009). Inspirado
numa história real, um professor procura ensinar a seus
SA e SS, Sieg Heil! [Salve a vitória!] alunos as sutilezas do movimento nazista, cujas próprias
diretrizes eram aplicadas no cotidiano da sala de aula,
O grande tempo começou agora. A Alemanha está de modo que os alunos passaram a reproduzir essas
agora acordada. Nós ganhamos poder na Alemanha. atitudes e pensamentos.
Agora, nós precisamos vencer o povo alemão. Eu sei, Moloch (direção: Aleksandr Sokúrov, 1999). Uma
camaradas, que está sendo difícil às vezes, quando visão do regime nazista e de seu líder pelo crivo do ci-
você deseja uma mudança que não vem, então, todo neasta russo Sokúrov, que procura fazer uma “autópsia”
o tempo apelamos para continuar com os esforços do poder e de seus agentes.
724-4

CURSINHO DA POLI 15
história geral • aula 12

Um chá com Mussolini (direção: Franco Zeffirelli,

Keystone/Stringer/
Hulton Archive/Getty Images
1999). O filme mostra o choque entre a realidade e a
visão idealizada do Duce da perspectiva da viúva de um
diplomata inglês que ainda residia em Roma quando da
ascensão do fascismo.

ágora

Na visão de mundo mais genérica, quando se men-


ciona o conceito do fascismo automaticamente aparecem 02/09/1945: Rendição incondicional do Japão aos Aliados.
ideias de que foram manifestações “do mal na Terra” ou
ainda, “culpa exclusiva de seus líderes”. Mas, infelizmente,
não se coloca em jogo a seguinte questão: teria o fascismo gabarito
provocado todo o horror e destruição por culpa exclusiva
de seus líderes? 1. a

2. a
senha
3. O aluno deverá citar, dentre outras, as seguintes
Keystone/Stringer/Hulton Archive/Getty Images

características dos regimes fascistas que se opõem aos


princípios liberais: Estado totalitário, corporativismo,
unipartidarismo e o culto à personalidade.

4. O Partido Nacional-Socialista Alemão dominou po-


liticamente a Alemanha desde a ascensão de Hitler ao
poder, em 1933, até o final da Segunda Guerra Mundial,
em 1945, constituindo uma ideologia totalitária deno-
minada nazismo. Os Jogos Olímpicos de Berlim foram
deliberadamente utilizados para fazer propaganda ide-
ológica do regime nazista. Jesse Owens era afrodescen-
dente, e sua vitória abalava o mito da superioridade da
Tropas alemãs marchando ao longo do Champs-Elysées, em raça ariana, um dos pilares da ideologia nazista. Por isso,
Paris, em direção ao Arco do Triunfo, em 1943. Hitler retirou-se antes da cerimônia de premiação. Do
ponto de vista estético, o nazismo admirava a cultura e a
Bettmann/Corbis/Latinstock

arte greco-romanas, valorizando as obras em estilo clás-


sico. Este foi um dos motivos da ênfase às Olimpíadas
como meio de promoção da estética corporal da raça
ariana. Durante a década de 1960, intensificou-se,
dentro dos EUA, a luta dos afrodescendentes pelos
direitos civis. Inicialmente desenvolvida por meio da
política da desobediência civil, o assassinato, em 1968,
do líder pacifista do movimento negro americano,
Martin Luther King, trouxe uma radicalização no conte-
údo político da luta, levando ao surgimento de movi-
mentos de ação direta como os black panthers (panteras
negras) e os black muslins (muçulmanos negros), ambos
associados ao movimento Black Power (Poder Negro),
Soldados franceses durante o desembarque na Normandia cujo símbolo era o braço estendido para o alto com o
no Dia D, 1944.
punho fechado.
724-4

16 CURSINHO DA POLI
aula 13 A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
A Segunda Guerra Mundial

ISLÂNDIA
(Contra a Finlândia)
30 nov. 1939 U R S S
(Contra a Polônia) (Contra o Japão)
CANADÁ IRLANDA 17 set. 1939 8 ago. 1945
(Contra a Alemanha)
22 jun. 1941 MONGÓLIA
AFEGANISTÃO
ESTADOS UNIDOS TURQUIA
CHINA
IRÃ
AFR. JAPÃO
DO LÍBIA EGITO ÍNDIA Limite
NORTE BRITÂNICA máximo
ARÁBIA INDOCHINA
MÉXICO FRANCESA do avanço
VENEZUELA ÁFRICA OC. SAUDITA
FRANCESA SIÃO japonês
COSTA RICA FILIPINAS
NIGÉRIA
PANAMÁ
CINGAPURA
COLÔMBIA CONGO ÁFRICA
(Contra a Alemanha) BELGA ORIENTAL
ITALIANA
PERU BRASIL ÁFRICA EQUATORIAL
FRANCESA
ÍNDIAS
BOLÍVIA NEERLANDESAS
N AUSTRÁLIA NOVA
MADAGÁSCAR CALEDÔNIA

O L CHILE
(Contra o Japão) UNIÃO SUL- AFRICANA

S NOVA
0 2550 ZELÂNDIA
ARGENTINA
km

Campanha dos
países que ficaram neutros durante o conflito submarinos alemães período inicial da participação
no Atlântico no conflito pelos países aliados
países do Eixo, seus satélites e territórios dependentes
Set. 1939 1939, 1940
países ocupados pelo Eixo Abr. 1940
1941, 1942
rota dos comboios aliados Dez. 1941
Jul. 1942 1943
coalizão contra os países do Eixo (Nações Unidas) desde 1 de janeiro de 1942
o

Ago. 1942 1944, 1945


África francesa: territórios sob o regime de Vichy até o desembarque estadunidense (nov. 1942) Maio 1943

Adaptado de: G. Duby. Grand atlas historique. Paris: Larousse-Bordas/HER, 1999.

No mapa acima, notamos o crescimento da Alema- Conferência de Munique nem ouviu as manifestações
nha decorrente da ascensão de Hitler, em 1933, que das regiões ocupadas e acabou sendo uma vergonhosa
disseminou o medo pela Europa, em razão das ideias ex- concessão aos interesses nazistas, claramente desres-
pansionistas da tese do “espaço vital”1 e da formação da peitando a soberania dos países que foram objeto da
Groβ Deutschland (Grande Alemanha); o passo seguinte negociação de paz – a qualquer preço.
seria dominar a Europa e depois, o mundo. O auge da Política de Apaziguamento foi o acordo de
Para evitar um novo conflito de grandes pro- não agressão firmado entre a Alemanha e a União Sovié-
porções na Europa, os líderes da França (Édouard tica em 20 de agosto de 1939, pelo qual esses países se
Daladier), da Inglaterra (Arthur Chamberlain), da Itália comprometiam reciprocamente a não se atacar. Isso não
(Mussolini) e da Alemanha (Hitler) se reuniram em representava uma aproximação concreta, e sim, um tem-
1938 na cidade de Munique para resolver questões po estratégico para ambos, favorecendo sua preparação
sobre os territórios com população alemã não ocu- para o praticamente inevitável enfrentamento entre
pados pelo exército alemão. os dois exércitos, uma vez que a política expansionista
A expansão alemã tinha começado em 1936, com a nazista não se restringiria ao Ocidente europeu. Hitler e
ocupação da região da Renânia (desmilitarizada desde Stálin partilharam em segredo a Polônia – o primeiro fi-
1918), junto à fronteira francesa, seguida da anexação cou com a metade ocidental e o segundo, com o restante
forçada da Áustria (em alemão, Anschluss), por um golpe do território, bem como ocuparia as Repúblicas Bálticas
de estado que impôs um regime pró-nazista, e dos Su- (Estônia, Letônia e Lituânia), que tinham se tornado in-
detos (parte da Tchecoslováquia habitada por minorias dependentes desde a derrocada do regime czarista em
alemãs), respectivamente em março e setembro de 1938. 1917 e não foram incorporadas à URSS.
Assim, pautada pela ideia de evitar uma nova guerra, a O período entre as Guerras (1918-1939) foi marcado
1. A defesa do Lebenzraum (espaço vital, em alemão) significava ter controle total sobre os territórios
pela reconstrução da Europa, mas também vivenciou a
que eram ocupados por minorias alemãs, mas estavam sob controle de outras potências; assim, política diplomática de “apaziguamento” para evitar um
essa atitude significava redesenhar as fronteiras e adotar uma postura expansionista, fato que
se concretizou na Política de Apaziguamento, ratificada pelo tratado de Munique, em 1938. novo conflito mundial. No entanto, os tratados de paz
724-4

CURSINHO DA POLI 17
história geral • aula 13

da Primeira Guerra só agravaram as inimizades, pois a Respondendo a isso, a Inglaterra e a França declararam
humilhação imposta aos alemães e a crise econômica guerra à Alemanha, dando origem, entre setembro de
por que passaram compuseram o ambiente ideal para o 1939 e junho de 1940, ao período conhecido como “guerra
surgimento do nazismo, um novo momento de belige- de mentira”, posto que as primeiras não haviam ainda
rância na Europa. Além do continente europeu, a Guer- enfrentado a Alemanha e que muitos supunham que a
ra envolveu conflitos entre Ásia, África e Oceania. guerra não duraria muito. A ação alemã continuou em
A Segunda Guerra foi o enfrentamento de dois 1940, com a invasão da Dinamarca, da Noruega e da Ho-
blocos – o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e os Aliados landa, abrindo caminho para o território francês. Os fran-
(Inglaterra e França e, posteriormente, EUA e URSS) –, ceses se acreditavam capazes de conter os alemães com
tendo ao longo do conflito se engajado outras nações a Linha Maginot (um gigantesco conjunto de fortalezas
em cada um dos lados, de países neutros a colônias. e guarnições militares construído após a Primeira Guerra
Os combates podem ser divididos em três momen- ao longo da fronteira com a Alemanha, junto ao vale do
tos: o avanço do Eixo (1939-1941), o equilíbrio das forças rio Reno), mas o ataque se deu pelo território holandês,
(1941-1943) e a vitória dos Aliados (1943-1945). repetição da estratégia adotada em 1914, agora exitosa,
em virtude da tomada de Paris em junho de 1940.
Na França, as opiniões se dividiam. Apesar da queda
O avanço do Eixo
de Paris, ainda havia resistência, mas havia também quem
buscasse negociar com os invasores alemães, o que resul-
O estopim da guerra foi uma “agressão fictícia” da
tou na assinatura de um armistício dividindo o país em
Polônia à fronteira alemã, em 1o de setembro de 1939
uma área ocupada pelos alemães, na região norte, e uma
(soldados alemães trajando uniforme polonês encena-
área “livre”, formando um governo colaboracionista com
ram uma invasão), favorecendo a invasão do território
os alemães sediado em Vichy, sob a liderança do marechal
polonês por tropas alemãs, a qual foi acompanhada pela
Philippe Pétain (1856-1951), herói da Primeira Guerra
ocupação de parte do território polonês e das Repúblicas
que aceitou assumir a condição de colaborador com os
Bálticas pela União Soviética, cumprindo-se o acordo
alemães para tentar, de certa forma, reduzir o possível so-
germano-soviético de não agressão.
frimento da população francesa com a ocupação alemã.
Avanço do Eixo
N limites do “Groes
deutsches Reich”
sob o domínio
SUÉCIA
O L alemão
FINLÂNDIA ocupação militar
NORUEGA
do eixo, nov. 1942
S
0 340 satélites do eixo
Leningrado URSS
(São Petesburgo)
km ESTÔNIA ataques do eixo à URSS
MAR 1941 1942
DO NORTE
COMISSARIADO ALEMÃO

? bauxita
DINAMARCA LETÔNIA Moscou
IRLANDA ˚N
50
ORIENTAL

MAR LITUÂNIA ?
BÁLTICO Divisão
Divisão
GRÃ norte do
norte do c cobre
Exército
Exército
BRETANHA Hamburgo
Hamburgo ferro/min.
13 17
Londres HOLANDA 14
Z chumbo/zinco
OCEANO 3 15
Berlim
Berlim
19 carvão
ATLÂNTICO BÉLGICA 11 5 Varsóvia
16
Divisão central Stalingrado (Volvogrado) petróleo
4 8 do Exército Kharkov
9 Kiev
18
Paris Praga
Praga 1
2
território dos aliados
7 COMISSARIADO ALEMÃO
FRANÇA 12 DA UCRÂNIA
Zaporozhye
Zaporozhye
ESLOVÁQUIA ocupado pelos aliados
6 10

SUÍÇA
Viena
Viena
Divisão sul
MAR
Vichy ÁUSTRIA Budapeste principais campos
HUNGRIA
do Exército
Odessa Krasnodar
CÁSPIO de concentração
FRANÇA
DE VICHY ROMÊNIA e extermínio alemães
PORTUGAL Ploiesti Sebastopol
CROÁCIA Belgrado 1 Auschwitz-Birkenau
Marselha Bucareste administrado
ESPANHA c 2 Belzec
Z SÉRVIA MAR NEGRO por forças
britânicas e
Madri ITÁLIA russas, 1941
3 Bergen-Belsen
Córsega MONT ? 4 Buchenwald
Roma BULGÁRIA 5 Chelmno
c ALBÂNIA Z
6 Dachau
Z
Ancara TURQUIA
Z IRÃ 7 Flossenbürg
Sardenha
Gibraltar GRÉCIA 8 Gross Rosen
9 Majdanek
10 Nauthausen
Z SÍRIA 11 Mitellbau
controle aliado
controle aliado
jun 1941
jun 1941 12 Natzweller
MARROCOS Malta
IRAQUE 13 Neuengamme
Chipre intervenção
intervenção
Creta LÍBANO 14 Ravensbrück
TUNÍSIA britânica, 1941
britânica, 1941
ARGÉLIA MAR MEDITERRÂNEO 15 Sachsenhausen
20˚ E PALESTINA 16 Sobibor
17 Stutthof
TRANSJORDÂNIA
18 Thereslenstaof
LÍBIA
EGITO 19 Treblinka
724-4

Fonte: Atlas da História do Mundo. Publifolha/Times.

18 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

A parte do exército francês que resistiu foi rechaçada até Força Aérea), evitando a invasão. Winston Churchill
o litoral norte e retirada às pressas, com o apoio inglês em (1874-1965), primeiro-ministro britânico entre 1940 e
Dunquerque, na Normandia. A partir daquele momento, a 1945, reconheceu o empenho das forças inglesas num
resistência aos alemães seria coordenada da Inglaterra, por de seus discursos com as famosas palavras: “Nunca
Charles de Gaulle (1890-1970), e contava com o apoio in- tantos deveram tanto a tão poucos!”.
terno dos cidadãos que não aceitaram o colaboracionismo
de Pétain, visto por muitos como traidor da pátria.
O rápido avanço alemão deveu-se à estratégia co- O equilíbrio de forças (1941-1943)
nhecida como blitzkrieg (guerra-relâmpago, em alemão),
uma ação conjunta entre a força aérea, que bombar- Uma vez fracassada a invasão à Inglaterra, os exérci-
deava as posições do inimigo, as infantarias (pesada e tos alemães organizaram uma força especial para atuar
ligeira), que então avançavam, e a marinha. no continente africano (Afrikakorps), tendo se dirigido
Após obter o controle sobre a parte continental da para o norte da África em 1941, para fechar o Mediter-
Europa ocidental (exceto Portugal e Espanha, oficial- râneo e ter acesso às fontes de petróleo no Oriente, que
mente neutros, mas cujos governos fascistas apoiavam estavam sob domínio aliado. No mesmo ano, a Alemanha
indiretamente o Eixo), o exército alemão iniciou a pôs em marcha a Operação Barbarossa, rompendo o
Operação Leão do Mar, em 8 de agosto de 1940 – um pacto de não agressão, com um avanço sobre a União
ataque maciço à Inglaterra pela ação da Luftwaffe (Força Soviética que rendeu as Repúblicas Bálticas, a Ucrânia
Aérea Alemã), com o objetivo de vencer os ingleses, (região produtora de trigo, elemento-chave para o abas-
destruindo seu potencial defensivo; assim, ou abririam tecimento alimentar) e a Bielorrússia, chegou bem perto
caminho para invadir as ilhas britânicas, ou forçariam de Moscou e sitiou as cidades de Leningrado (antiga São
a Grã-Bretanha a assinar um armistício. Todavia, os Petersburgo) e Stalingrado (junto ao Cáucaso, área rica
bombardeiros alemães foram contra-atacados pelas em petróleo e que era ponte de acesso para atingir o Irã,
baterias antiaéreas e pela RAF (Royal Air Force, Real país que detinha reservas petrolíferas ainda maiores).

Campanha nazista na África


10º L
EUROPA
OCEANO Maiorca
N

ATLÂNTICO
O L
nov. 1942 nov. 1942
Estreito Sicília
nov. 1942 de Gibraltar Argel Túnis S
Orã 0 380

Rabat maio 1943 km


Casablanca MARROCOS TUNÍSIA
ESPANHOL FRANCESA Trípoli MAR MEDITERRÂNEO
MARROCOS Tobruk
FRANCÊS Sirte Alexandria Canal ÁSIA
jan. 1943 de Suez
El-Aghelia El-Alamein Cairo
dez. 1942 nov. 1942
ARGÉLIA
SAARA FRANCESA LÍBIA LÍBIA
ESPANHOL ITALIANA BRITÂNICA Rio
M

EGITO
AR
N il

Trópico de
Câncer
o

D
VE

E S E R T O D O S A A R A
RM

MAURITÂNIA
EL
HO

ofensivas do Eixo ofensivas dos aliados


1a ofensiva de Rommel (março-abril de 1941) britânicas
ÁFRICA
2a ofensiva de Rommel (janeiro-junho de 1942) francesas EQUATORIAL SUDÃO
FRANCESA ANGLO-EGÍPCIO
Desembarque alemão na Túnisia (novembro de 1942) estadunidenses

Fonte: Demétrio Magnoli e Reinaldo Scalzarelo. Atlas Geopolítica. São Paulo: Scipione.

Foi durante esse período que a guerra tomou um O expansionismo japonês ameaçava a Austrália e o arqui-
rumo mais amplo. Desde 1937, tomando vastos territórios pélago do Havaí, o qual foi atacado em 7 de dezembro de
pertencentes à China, o Japão havia começado um pro- 1941 pela aviação japonesa na base militar Pearl Harbor
cesso de expansão sobre o Extremo Oriente, a Indochina – portanto, um ataque direto ao território dos EUA, que
francesa, a Birmânia, a Malásia, a Indonésia e as Filipinas. provocou sua entrada na Guerra ao lado dos Aliados.
724-4

CURSINHO DA POLI 19
história geral • aula 13

Guerra no Pacífico
com a invasão da Sicília.
avanço ou ataque
japonês, 1941-1942 Isso motivou a deposição
60º
base japonesa de Mussolini e a formação
Mar de Okhotsk Mar de Bering
Ilhas Komandorskiye Ilhas base aliada
Ilha Attu
Aleutas de um governo a favor dos
UNIÃO SOVIÉTICA Ilha Kiska batalha
Aliados, levando à invasão
Ilhas Kurilas

Pe
MANCHÚRIA
da Itália pelos alemães,

rím
(MANCHUKUO)

troe
MONGÓLIA
que procuravam a todo

jap
INTERIOR Mar do Japão 40º

onê
Quingdao
COREIA JAPÃO custo conter o avanço do

s, ju
Mar do Tóquio
Leste da
C H I N A

lho
Nanquim
China
OCEANO exército dos EUA.

1942
Ilhas Bonin 3-6 junho 1942
Xangai Forças japonesas
PACÍFICO expulsas A abertura de uma
Changsha Ilhas Vulcano Midway
Kunming Império Japonês, 1941 Ilhas do Havaí
frente de ataque no sul
AN IA
)

da Europa foi, ao mesmo


MA

Formosa
(MY MÂN

Lao Cai Oahu


Hanoi
BIR

Golfo Pearl Harbor 20º


Hong Kong
tempo, uma cobrança
IND

de Ilha Wake
TonquimHainan
7 dez. 1941
OC

Mandalay ataque a
de Stálin, que já vinha
HIN

Ataque japonês às Pearl Harbor


Filipinas, 8-24 dez 1941
SIÃO Saipan
AF

Yangon Manila Filipinas


combatendo os nazistas
RA

8 março
NC

1942 Rendição de
Corregidor, Guam
ES

Phnom Penh 6 maio 1942


exclusivamente na Euro-
A

Saigon (Ho Chi Minh) Ilhas Carolinas


Golfo da
Tailândiana Desembarque japonês
costa malaia, 8 dez. 1941
Mindanao Truk Kwajalein pa, e o início da queda dos
Sabang Zamboanga Palau
MALÁSIA alemães na Europa Oci-
Kuala
Lumpur Ilha Natal
Medan Makin

dental, que seria ampliada
Cingapura
Índias

Ilhas Gilbert
Tomada de Cingapura
pelos japoneses, 15 fev. 1942 Manus
Abemama com a Operação Overlord,
Ori

Sumátra Arquipélago de Bismark


Ilhas Admiratty Nova Irlanda em 6 de junho de 1944,
en
tai

ol Nova Guiné
o conhecido Dia D, isto
sH

an Makassar Mar de Banda Bougainville


de (Ujung Pandang) Ilhas Aru Ilhas Ilhas Ellice
sas Ilhas
Green (Tuvalu)
Batávia Surabaia Flores Tanimbar Ilhas Salomão
(Jacarta) Lombok Timor
Buna é, o desembarque aliado
Port Moresby Ilhas Santa Cruz
Sumba
Expulsão do “HMS” e afundamento
do “Prince of Wales” pelos
Cabo
York 4-8 maio 1942, batalha do na costa da Normandia,
japoneses, 10 dez. 1941 Mar de Coral Novas
Batalha do mar de
Java, 27 fev. 1942;
Mar de Timor
Mar de Coral Espírito Santo Hébridas no norte da França, com
tentativa malsucedida Desembarque de
Fiji 20º
de pôr fim à invasão
japonesa de Java
forças estadunidenses,
9 fev. 1942 o que se abria a terceira
N
Nova Caledônia
Desembarque de
frente de ataque aliado
forças estadunidenses,

A U S T R Á L I A
12 mar. 1942
(tropas inglesas, francesas
O L Decisão dos EUA de empregar forças terrestres
para a defesa da Austrália, 14 fev 1942 e estadunidenses).
S
0 780
Sydney
km
90º 110º 130º
Melbourne 150º 170º 170º

Fonte: Atlas da História do Mundo. Publifolha/Times.


O Brasil na guerra: a cobra fumou!
A vitória dos Aliados (1943-1945)
Ao longo da década de 1930, o regime de Ge-
A partir de 1942, os exércitos do Eixo começaram a ser túlio Vargas flertou com a extrema direita, tanto no
firmemente contra-atacados na União Soviética, na África campo externo, em uma tentativa de aproximação
e no Pacífico. A derrota na batalha de Stalingrado marcou o com Hitler e Mussolini, quanto no campo interno,
fim da expansão alemã em território soviético, pois come- com a aproximação da Ação Integralista Brasileira
çou aí a expulsão dos invasores. Ao mesmo tempo, forças (AIB), liderada por Plínio Salgado.
anglo-americanas derrotaram as germânicas no norte da Quando a Guerra eclodiu, havia militares do cír-
África, na batalha de El-Alamein, no Egito, culminando culo próximo a Getúlio que achavam que a melhor
com a conquista da Líbia e da Tunísia. No oceano Pacífico, opção para o Brasil era apoiar o Eixo, mas Vargas ca-
as forças estadunidenses começaram a retomar territórios minhou para uma gradativa neutralidade, conforme
invadidos pelos japoneses, derrotando-os nas batalhas de a tendência da Conferência dos Chanceleres America-
Midway, Mar de Coral e Guadalcanal. nos, realizada no Panamá, em outubro de 1939.
O controle do norte da África pelos Aliados favoreceu O êxito do Eixo impôs a necessidade de uma nova
a preparação do ataque à Itália, em 1943, que começou conferência, sediada em Havana (Cuba), em julho
724-4

20 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

de 1940. Em virtude do quadro ameaçador que se

Arquivo/Agência Estado/AE
colocava, decidiu-se que qualquer agressão a qual-
quer nação americana implicaria o envolvimento das
nações na Guerra.
Em 7 de dezembro de 1941, o Japão atacou a
base militar de Pearl Harbor, no Havaí, estado que
integra os EUA, que entrou imediatamente na Guerra.
(Veja o texto 2 da roda de leitura.) As demais nações
voltaram a se reunir, dessa vez, na cidade do Rio de
Janeiro, em 28 de janeiro de 1942, e decidiram romper
imediatamente relações com os países do Eixo. O Exército brasileiro lutou contra o autoritarismo na Europa,
A entrada do Brasil na Guerra e o envio de solda- mas internamente mantinha a ditadura de Vargas. A vitória
dos ocorreram em razão do afundamento de navios contra o Eixo colaborou para a queda de Vargas.
brasileiros, que teriam sido, segundo fontes oficiais,
36 embarcações atacadas por submarinos alemães e Em 1944, começou o processo de libertação do leste
italianos no litoral nordestino. O fato causou grande europeu (Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia e Hungria)
tensão e comoção na opinião pública, pois morre- pelo exército soviético, que teve ajuda de diferentes
ram 1 080 pessoas, entre tripulantes e passageiros. forças de resistência conhecidas como partisans. Na
Assim, a população apoiou a ida de soldados para Iugoslávia, inclusive, a libertação se deveu muito mais à
a Europa. ação dessas forças que aos soviéticos. Por isso, concedeu-
Vargas declarou guerra ao Eixo em 22 de agosto -se ao líder dos partisans, o croata Tito Broz, a imediata
de 1942 e autorizou o estabelecimento de uma liderança da Iugoslávia na luta contra o nazismo, o que
base militar dos EUA em Natal, como apoio logístico depois favoreceu sua ascensão como líder máximo da
à patrulha e defesa do oceano Atlântico contra as nação liberta e socialista.
forças do Eixo. No oceano Pacífico, as tropas estadunidenses haviam
Só em 1944 o Brasil enviou uma Força Expedicio- recuperado o controle sobre as ilhas Carolinas, Marshall e
nária, formada por 25 334 soldados e comandada pelo Marianas e, na batalha de Leyte, das Filipinas (a maior ba-
general Mascarenhas de Moraes. Na Itália, a FEB foi in- talha naval ocorrida até então, envolvendo 282 navios),
corporada ao 5o Exército dos EUA, que, sob o comando abrindo caminho para invadir a ilha de Okinawa, onde
do general Clark, obteve várias vitórias, destacando- tiveram início os bombardeios sobre o Japão.
-se as de Monte Castelo, Já no início de 1945, a guerra indicava a vitória alia-
da, devido ao cerco das tropas alemãs em seu próprio
Sérgio Lima

Montese e Castelnuovo,
combatendo por 11 me- território, graças à ação conjunta das frentes ocidental
ses e tendo 943 mortos e e oriental. Os soviéticos foram os primeiros a entrar
4 mil feridos. em Berlim, tomando a cidade e encontrando mortos,
Antes da declaração num bunker (fortaleza, em alemão) subterrâneo, parte
de guerra, circulava entre da cúpula nazista e o próprio Hitler, que se suicidara.
a opinião pública a ideia O alto-comando alemão remanescente iniciou conver-
de que “era mais fácil uma sações com os Aliados, terminando a guerra na Europa
cobra fumar do que o em 8 de maio de 1945.
Brasil entrar na guerra”. No entanto, ela ainda acontecia no Pacífico, por causa
Como “a cobra fumou”, da resistência japonesa, que buscava defender ilha a ilha,
esse foi o mote para o sím- implicando combates sangrentos, que, nos últimos mo-
bolo da FEB: num escudo mentos, chegaram a ações militares suicidas, sobretudo
amarelo, uma serpente pela ação dos kamikazes. Em japonês, kamikaze significa
verde com um cachimbo Símbolo da FEB que era “vento divino” e relembra a gigantesca tempestade que
na boca; acima dela, um usado sobre o capô do Jipe destruiu a esquadra do imperador mongol Kublai Khan
“Darcília”, o qual era utiliza- (1279-1294) durante uma tentativa de invasão em 1281,
campo azul com a sigla do pelo marechal Zenóbio
da força militar brasileira da Costa durante a II Guerra na qual foram destruídos 3 mil navios e morreram a
em branco. Mundial. maior parte dos 160 mil soldados invasores. Na Segunda
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CURSINHO DA POLI 21
história geral • aula 13

Guerra, retomou-se a denominação, agora atribuída aos seguir para Londres, em 1943. Integrado à equipe de
pilotos japoneses que faziam ataques aéreos suicidas Los Alamos, hesitou muito em participar da produção
contra a frota estadunidense, buscando barrar seu da bomba, pois era um convicto defensor do pacifismo.
avanço em direção ao território do Japão. Apesar disso, percebeu que era importante contribuir e,
O desfecho da guerra no Pacífico ocorreu com o por fim, integrou a equipe.
ataque nuclear contra o Japão, momento ímpar, ápice O primeiro teste ocorreu em 16 de julho de 1945,
do Projeto Manhattan, cujo início foi ordenado pelo pre- com a explosão de uma bomba atômica de plutônio
sidente Franklin Roosevelt, depois de receber uma carta no deserto do Novo México, numa localidade chamada
do físico alemão Albert Einstein (veja o texto 1 da roda Alamogordo. Foi um sucesso. Cogitou-se usar a bomba
de leitura), que estava exilado nos EUA, em virtude da para forçar uma rápida rendição dos japoneses e poupar
ascensão do regime nazista. Einstein informava a exis- um grande número de baixas no caso de uma possível
tência de pesquisas significativas sobre energia nuclear invasão terrestre em seu território, especialmente pela
que se desenvolviam na Alemanha, lideradas pelo físico intensa resistência que eles vinham mostrando, como
Werner Heisenberg (discípulo do físico dinamarquês nas batalhas de Iwo Jima e Okinawa.
Niels Bohr e ganhador do Prêmio Nobel em 1932), diretor Por decisão do presidente dos Estados Unidos Harry
do Instituto Kaiser Wilhelm, de Berlim. Truman2, em 6 de agosto de 1945, atacou-se a cidade
Enquanto as pesquisas alemãs avançavam rapida- de Hiroshima com uma bomba de 15 quilotons, o equi-
mente, os físicos alemães (Albert Einstein, Eugene Wigner, valente a 15 toneladas de dinamite, apelidada Little Boy
Edward Teller, Fritz Haber, Jacob Franck, John Von (garotinho, em inglês). Até dezembro de 1945, havia 140
Neumann, Leo Szilard, Max Born, Otto Frish e Stanislau mil óbitos, entre eles 20 mil militares, dados que incluem
Ulman, entre outros) que haviam saído da Alemanha conti- as mortes causadas pelo ataque e pela contaminação.
nuaram a desenvolver suas pesquisas em diferentes centros Em 9 de agosto, Nagasaki foi atacada por uma bomba
de pesquisa nos EUA, juntando-se aos cientistas estadu- maior, de 20 quilotons, esta chamada Fat Man (homem
nidenses e a outros, estrangeiros, como o italiano Enrico gordo, em inglês). Com os mesmos critérios, havia 70 mil
Fermi (italiano nato e casado com uma judia), que, com mortos até dezembro de 1945.
outros cientistas italianos, formou o “grupo de Roma”. Ambas as cidades foram quase totalmente arrasadas.
O sucesso da reação em cadeia no laboratório e o Do centro da explosão, onde a temperatura era de vários
desenvolvimento de uma arma nuclear já estavam em milhões de graus Celsius, até um raio de 3,5 km, com
franco andamento, especialmente em 1940, quando os 300 mil graus centígrados, a onda de calor e radiação pul-
alemães invadiram a Noruega e lá começaram a ampliar verizou tudo. Aqueles que sobreviveram à explosão por
a produção de água pesada (óxido de deutério, substân- estarem mais distantes do ataque foram contaminados e
cia usada no resfriamento dos reatores nucleares) numa morreram lentamente, em virtude da exposição à radiação.
escala de 5 toneladas por ano. Outros, uma vez contaminados pela radiação, sentiram seu
Depois de um fracasso em 1942, os ingleses conse- impacto durante anos, acometidos de vários problemas de
saúde, especialmente diversos tipos de câncer.
guiram, no ano seguinte, infiltrar um grupo de agentes Bettmann/Corbis/Latinstock

secretos na usina norueguesa usada pelos alemães,


destruindo-a com explosivos e pondo a perder toda a
água pesada produzida até então.
Em virtude do êxito desse contra-ataque, o governo
dos EUA montou um laboratório secreto em Los Alamos,
no deserto do Novo México, com os físicos Enrico Fermi
e Robert Oppenheimer no Projeto Manhattan. Mas ain-
da existiam riscos, porque Niels Bohr continuava suas
pesquisas na Dinamarca ocupada pelos nazistas. (Bohr
tinha se aproveitado da confiança que lhe tinham os
alemães para acolher pesquisadores judeus refugiados,
de modo que conseguia trabalhar e ajudar colegas
em dificuldade.) O rei da Dinamarca Cristiano X (1870- Área destruída de Hiroshima após ataque com a bomba nuclear.
-1947), que era amigo de Bohr, conseguiu convencê-lo
2. Vice-presidente de Franklin Roosevelt, que havia falecido em 12 de abril de 1945, Truman
a participar de um plano de fuga para a Suécia e de lá ficou no posto até 1953.
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22 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

Em 15 de agosto de 1945, o imperador Hiroíto A perseguição aos judeus foi um processo gradativo,
(1901-1989) fez um pronunciamento no rádio orde- que começou com várias medidas jurídicas contra eles:
nando a imediata deposição das armas e reconhecen- boicote ao comércio, aumento de impostos, proibição
do publicamente que era “apenas um ser humano, e de exercício de cargos públicos e restrição da circulação
não uma divindade”, conforme a crença tradicional em território alemão.
do Japão. Mais tarde, em 2 de setembro de 1945, a Com o início da guerra, em 1939, as prisões de judeus
bordo do porta-aviões estadunidense USS Missouri, se intensificaram e aumentou o número de campos de
o Estado-Maior japonês capitulava definitivamente, concentração dentro e fora da Alemanha. Em várias
assinando a paz e começando a reconstrução sob cidades, começaram a se formar guetos, isto é, zonas de
a tutela dos EUA, ali representados pelo general confinamento de judeus, que eram também obrigados
Douglas MacArthur até 1951. Assim se consolidava a a portar documentos específicos expedidos pelo gover-
posição estadunidense no Extremo Oriente, já com- no alemão e a usar uma estrela de Davi (estrela de seis
pondo o cenário da Guerra Fria, tendo o Japão se pontas) amarela costurada na roupa.
tornado uma monarquia constitucional diretamente A partir de dezembro de 1941, o governo nazista deu
aliada ao ocidente e ao capitalismo. (MacArthur foi o início ao extermínio sistemático dos judeus dos campos
responsável pela elaboração do texto-base aprovado de concentração e começou a mandar para lá também
pelo Parlamento japonês.) os que viviam nos guetos. Isso foi decidido por Hitler e
E por que duas bombas? Seria o Japão uma amea- posto em prática por Heinrich Himmler – chamava-se
ça tão grande assim? Apesar de já estar em curso um Solução Final. Entre os vários campos de concentração
processo de pacificação e de ser certo o encerramento que existiram, alguns se destacaram pelos requintes de
do conflito, as duas bombas eram uma contundente crueldade: Auschwitz-Birkenau, Buchenwald, Treblinka,
demonstração de força para a URSS, que, embora tenha Sobibor, Dachau, Sachsenhausen, Janowska, Chelmno
feito parte do grupo Aliado, finda a Guerra, passou a se e Maïdanek. Veja o mapa no contexto do avanço do
portar como potência mundial e parte significativa do Eixo.
jogo de poder da Guerra Fria. Como os soviéticos tinham

Elias Feitosa
planos de invadir o Japão, poderiam criar uma situação
desconfortável para os EUA no extremo oriente, onde
sua presença ficaria restrita à Coreia do Sul, uma região
onde a “ameaça” se concretizou, com a eclosão da Guerra
da Coreia, em 1950-1953.
A Segunda Guerra Mundial se encerrou com um
altíssimo saldo de mortos – entre números controversos
de várias fontes, oscila entre 40 e 60 milhões.

O holocausto

Na Segunda Guerra, os nazistas empreenderam um


sistemático extermínio em massa nunca antes visto. A
aplicação prática dos pressupostos de sua ideologia
Campo de Sachsenhausen – criado em 1936 a noroeste de
– segundo a qual os alemães seriam representantes Berlim, recebeu prisioneiros de várias regiões e foi local
de uma raça pura (os arianos) e, assim, superiores aos de extermínio em massa e de “experiências médicas”.
demais povos, que deveriam, portanto, dominar –
culminou com a morte dessas pessoas e/ou com sua Os judeus eram forçados a entrar em trens de carga
escravização. lotados, que iam para os campos de concentração. Lá,
Desde sua ascensão ao poder, em 1933, o regime separavam-se os homens das mulheres e os doentes
nazista criava campos de prisioneiros, para onde man- dos sadios, e todos eram encaminhados para os “ba-
dava todos os que considerava opositores ou inferiores nhos”, supostamente uma prevenção contra doenças.
(comunistas, anarquistas, socialistas e outros grupos Na verdade, eles iam para as câmaras de gás, onde eram
políticos e religiosos). mortos com o gás venenoso Zyklon B.
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CURSINHO DA POLI 23
história geral • aula 13

Depois, os soldados removiam os cadáveres e os

Corbis/Latinstock
levavam aos fornos crematórios. Só uns poucos eram
poupados – em geral, os que tinham melhores condi-
ções de saúde e podiam trabalhar na manutenção dos
campos, inclusive carregando cadáveres sob vigilância
dos soldados. Ao entrar no campo de concentração, os
judeus cruzavam um portão de ferro com a frase Arbeit
macht frei (O trabalho liberta, em alemão), um exemplo
do cruel sarcasmo com que eram tratados. Segundo os
nazistas, os judeus chegavam andando e saiam livres
– em forma de fumaça.
Esse extermínio em massa ficou conhecido como
holocausto, tendo como correspondente em hebraico
a palavra Shoah. Matou cerca de seis milhões de judeus Joseph Stálin, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, respec-
e outros grupos étnicos como ciganos e minorias reli- tivamente da esquerda para a direita, em Teerã, Irã, 28 de
giosas. O alto-comando alemão foi julgado pelos crimes dezembro de 1943.
de guerra no Tribunal de Nuremberg, em 1945, que
condenou 12 oficiais à morte e vários outros à prisão Em fevereiro de 1945, foi realizada a Conferência
perpétua. No entanto, muitos oficiais e “carrascos” fica- de Ialta (balneário situado na Ucrânia), em que os Três
ram foragidos ou encontraram asilo em países do Oriente Grandes se reuniram para resolver o destino da Alema-
Médio ou da América do Sul. Por exemplo, o líder da nha. Reconheceu-se o domínio soviético sobre a parte
SS Adolf Eichmann (1906-1962) se escondeu na Argenti- da Polônia que a URSS invadira em 1939, compensando
na e foi encontrado pelo serviço secreto israelense, que a Polônia com uma porção do território oriental alemão.
foi responsável por seu sequestro para Israel, onde foi Estabeleceu-se também a divisão da Alemanha em
julgado e executado. Também Josef Menguele, médico quatro zonas de ocupação controladas pelos Aliados
responsável por centenas de experiências médicas e e, por conseguinte, se decidiu pela divisão da Europa
milhares de mortes no campo de Auschwitz-Birkenau, em duas áreas de influência: o ocidente ficaria sob
na Polônia – cujos sobreviventes o conheciam como o influência dos Aliados e o oriente, sob influência sovié-
Anjo da Morte –, ficou vários anos escondido no Brasil tica. Aí começaram a ganhar contorno as fronteiras da
e acabou morrendo num acidente, afogado no litoral Guerra Fria.
paulista, e só muito tempo depois de morto foi identifi- A última conferência foi em julho de 1945, em Potsdam,
cado pela Polícia Federal brasileira. Ainda Klaus Barbie, pequena cidade nos arredores de Berlim, com a par-
conhecido como o Carniceiro de Lyon, estava escondido ticipação de Stálin, Clement Attlee (primeiro-ministro
na Europa e foi preso há pouco tempo. inglês entre 1945 e 1951) e Harry Truman (presidente
dos EUA). Ficou decidido que a Alemanha pagaria uma
indenização de 20 bilhões de dólares, montante que
seria repartido entre os países vencedores: 50% para
As conferências de paz
a URSS; 14% para a Grã-Bretanha, 12,5% para os EUA e
10% para a França4.
Durante a fase final da guerra, a partir de 1943, os
Antes disso, entre 25 de abril e 26 de junho de 1945,
representantes das principais potências3 se reuniram
foi realizada em São Francisco uma conferência para a
em Teerã para decidir as ações contra a Alemanha a
criação de um novo órgão internacional das nações, a
partir da virada da guerra em favor dos Aliados, após a
Organização das Nações Unidas (ONU), com sede em
capitulação da Itália.
Nova York e tendo por objetivo a manutenção da paz e
Determinou-se a formação de mais uma frente de
a preservação das liberdades humanas, que começou
ataque ocidental, visando a costa francesa para o de-
a funcionar em 24 de outubro de 1945.
sembarque aliado, e, ao mesmo tempo, foi reconhecido o
controle soviético sobre a Estônia, a Letônia e a Lituânia,
que passavam a integrar a URSS. 4. Os outros 13,5% foram repartidos entre os demais Aliados, entre eles, o Brasil, que àquela altura
tinha grandes reservas em dólar. Infelizmente, elas foram mal utilizadas, gastas principalmente
na importação de bens de consumo, e não em investimentos para o desenvolvimento nacional.
3. Os chamados Três Grandes: Winston Churchill, primeiro-ministro inglês; Josef Stálin, dirigente Não foi por acaso que o governo do presidente Dutra terminou com significativos índices de
da URSS, e Franklin Roosevelt, presidente dos EUA. endividamento e inflação.
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24 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

Resumo da ópera quem Zé Carioca tomou emprestado o fraque, o cha-


péu e o guarda-chuva, e de um músico paulista, José
Analisamos nesta aula o processo que se desdobrou Patrocínio de Oliveira, o Zezinho, de quem recebeu
num conjunto de conflitos de escala global, destruindo o espírito malandro.
centenas de cidades e deixando um gigantesco saldo Todos os eventos a seguir ilustram a aproximação
de mortos – cerca de 50 milhões, entre soldados e civis, dos Estados Unidos com o Brasil durante a Segunda
dentro e fora dos campos de batalha –, além de milhares Grande Guerra, EXCETO:
de refugiados. a) A adoção de acordos e tratados internacionais como
O Eixo tentou impor ao mundo uma “ordem” mar- a Política de Boa Vizinhança Panamericana, assinada
cada pela rigidez do poder e pela pureza da raça, es- em Lima (Peru), entre países da América Latina e os
pecialmente no caso nazista, mas o expansionismo e o Estados Unidos em 1941.
autoritarismo caracterizaram igualmente o regime de b) A entrada no Brasil na Segunda Grande Guerra com
Mussolini e de Hiroíto. a participação da Força Expedicionária Brasileira
Entre os Aliados, o inimigo comum uniu rivais ideoló- (FEB) lutando ao lado das tropas norte-americanas
gicos – para combater o fascismo, a Inglaterra, a França e na Itália, em cinco escalões durante 1944 e 1945.
os EUA se aproximaram da URSS socialista, organizando c) A liberação de empréstimos de bancos dos Estados
uma coligação mais eficiente.
Unidos na construção de hidrelétricas e estatais
O combate entre as forças do Eixo e dos Aliados
como foi o caso da construção da Usina de Volta
moldou a história da Europa. A vitória dos Aliados abriu
Redonda, durante o governo Vargas.
caminho para a Guerra Fria e a ordem bipolar, instituída
d) A pressão dos Estados Unidos para manter a dita-
pelas conferências e reiterada pelos bombardeios de
dura varguista, após o fim da guerra, diminuindo
Hiroshima e Nagasaki, demonstração de força aos
a influência dos setores da UDN e reafirmando o
oponentes soviéticos e instauração do fantasma da
modelo de estrutura e ideologia do governo de
destruição total.
Vargas.

Exercícios 2. (IBMEC-RJ) O processo que permitiu a reconstru-


ção da Europa, ao fim da Segunda Guerra Mundial,
1. (PUC-SP) O personagem Zé Carioca foi criado pelo pode ser mais bem definido em qual das seguintes
americano Walt Disney há mais de 65 anos, fruto de uma afirmativas?
estratégia política norte-americana de aproximação a) Apesar de todas as enormes dificuldades geradas
com os países latino-americanos, para o crescimento pela guerra, países como a França e a Inglaterra
das relações comerciais e sob a preocupação de afastar a puderam retomar as suas atividades graças à exis-
influência alemã nos governos desses países. O primeiro tência de um imenso império colonial, preservado
filme do Zé Carioca, Alô, Amigos, exibido em 1942, co- ao fim do conflito.
meçava assim: “Alô, amigos, a vocês uma querida sauda- b) A única área efetivamente punida ao final do con-
ção, um gostoso flito foi a Alemanha, que não recebeu qualquer tipo
aperto de mão. de ajuda de países como os Estados Unidos.
Amigos fazem as- c) Prevaleceu uma política econômica liberal, sem
sim, alô, amigos”. qualquer participação mais efetiva do Estado em
O Zé carioca (ou países da Europa Ocidental, diferentemente do que
Joe Carioca como ocorreu com a chamada “Cortina de Ferro”.
foi concebido por d) Coube aos Estados Unidos liderar o processo de
Disney e sua equi- reconstrução da Europa Ocidental, o que explica a
pe) teve a influên- emergência de sua liderança na região.
cia de um notório e) Através do chamado Plano Marshall, os norte-
boêmio da noite -americanos injetaram dinheiro a fundo perdido,
do Rio de Janeiro,
inclusive em toda a Europa Oriental, no que é con-
conhecido como
siderada a última tentativa de conter a ocorrência
Dr. Jacarandá, de
da chamada Guerra Fria.
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CURSINHO DA POLI 25
história geral • aula 13

Estudo orientado Sobre a Segunda Guerra Mundial e o período Pós-


-Guerra, é CORRETO afirmar que:
exercícios (01) ao contrário das guerras anteriores, a Segunda
Guerra travou-se quase exclusivamente na esfera
1. (FUVEST) As bombas atômicas, lançadas contra Hi- militar, com pequenas baixas entre civis, mas com
roshima e Nagasaki em 1945, resultaram na morte de enormes baixas entre os exércitos envolvidos.
aproximadamente 300 000 pessoas, vítimas imediatas (02) a expressão “Guerra Fria” surgiu logo após o
das explosões ou de doenças causadas pela exposição término da Segunda Guerra, evidenciando a
à radiação. Esses eventos marcaram o início de uma grande rivalidade entre França e Inglaterra que
nova etapa histórica na corrida armamentista entre disputavam a hegemonia na Europa.
as nações, caracterizada pelo desenvolvimento de (04) a ascensão dos movimentos nazifascistas,
programas nucleares com finalidades bélicas. prometendo desenvolvimento econômico e
Considerando essa etapa e os efeitos das bombas segurança social, foi possível devido à adesão
atômicas, analise as afirmações a seguir. popular.
I. As bombas atômicas que atingiram Hiroshima e (08) a disputa já existente entre japoneses e norte-
Nagasaki foram lançadas pelos Estados Unidos, -americanos pelo domínio do Oceano Pacífico se
único país que possuía esse tipo de armamento ao intensificou quando os nipônicos bombardea-
fim da Segunda Guerra Mundial. ram a base norte-americana de Pearl Harbor.
II. As radiações liberadas numa explosão atômica (16) o final do conflito foi marcado pela existência de
podem produzir mutações no material genético dois campos de batalha: um no Oceano Pacífico
humano, que causam doenças como o câncer ou são e outro no Índico.
transmitidas para a geração seguinte, caso tenham (32) a construção do Muro de Berlim foi uma decisão
ocorrido nas células germinativas. tomada pelos aliados, evitando a fuga em massa
III. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, várias na- de alemães ocidentais para o lado comunista.
ções desenvolveram armas atômicas e, atualmente, (64) as bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki
entre as que possuem esse tipo de armamento, pelos norte-americanos marcaram o início da
têm-se China, Estados Unidos, França, Índia, Israel, Segunda Guerra Mundial.
Paquistão, Reino Unido e Rússia.
3. (IBMEC-RJ) Sobre o período posterior ao fim da
Está CORRETO o que se afirma em: Segunda Guerra Mundial, são feitas as seguintes
a) I, somente. afirmativas:
b) II, somente.
c) I e II, somente. I. A criação de um Estado Palestino independente
d) II e III, somente. marcou a concretização de um projeto extrema-
e) I, II e III. mente antigo no Oriente Médio, o que inviabilizou
a criação de Israel.
2. (UFSC) II. O desenvolvimento do Plano Marshall pelos Estados
Unidos teve papel relevante na reconstrução da
“Cartas de Iwo Jima” é o segundo longa-metra- Europa Ocidental.
gem dirigido por Eastwood a respeito do momento III. A manutenção dos impérios coloniais pela França
chave da campanha do Pacífico, durante a Segunda e pela Inglaterra foi fator determinante para que
Guerra Mundial, depois de “A Conquista da Honra”, ambos os países superassem os inúmeros problemas
que apresentou a batalha sob uma perspectiva derivados do fim da guerra.
norte-americana. Em fevereiro de 1945, Iwo Jima,
uma pequena ilha vulcânica perdida 1 200 km ao Assinale:
sul de Tóquio, foi cenário de combates violentos que a) Se apenas a afirmativa I for correta.
deixaram 6 821 mortos nas fileiras americanas e b) Se apenas a afirmativa II for correta.
21 900 no exército imperial japonês. c) Se apenas a afirmativa III for correta.
“Cartas de Iwo Jima é bem recebido nos cinemas japoneses”. d) Se todas as afirmativas forem corretas.
Disponível em: http://tools.folha.com.br. Acesso em: 6 jul. 2007. e) Se todas as afirmativas forem erradas.
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26 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

4. (PUC-RJ) tipo, poderosíssimas. Uma única bomba desse tipo,


transportada por um barco e detonada num porto,
A catástrofe humana desencadeada pela Segun- poderia destruir completamente o porto em ques-
da Guerra Mundial é quase certamente a maior na tão, assim como o território que o rodeia. Porém,
história humana. O aspecto não menos importante tais bombas talvez fossem pesadas demais para ser
dessa catástrofe é que a humanidade aprendeu a transportadas via aérea. Os Estados Unidos possuem
viver num mundo em que a matança, a tortura e o pouquíssimas minas com urânio de pouco valor e em
exílio em massa se tornaram experiências do dia a quantidades moderadas. Há boas jazidas no Canadá
dia que não mais notamos. e na ex-Tchecoslováquia, sendo que a fonte mais
Eric Hobsbawn. A Era dos Extremos. São Paulo: importante de urânio está no Congo Belga.
Companhia das Letras, 1995. Por esse motivo, você poderia considerar que é im-
portante manter contato permanente entre a Adminis-
A partir da leitura do trecho apresentado: tração e o grupo de físicos que estão trabalhando em
a) Identifique duas consequências da Segunda Guerra reações em cadeia nos Estados Unidos. Uma maneira
Mundial para a África e Ásia. possível de realizar essa tarefa seria destinar a missão a
b) Explique uma característica da “Era da Guerra Fria” uma pessoa da sua total confiança que serviria, talvez,
iniciada após a Grande Guerra. de maneira extraoficial. Suas funções seriam estas:
Estudo orientado
Manter contato com o Departamento do Governo,
o informando dos próximos desenvolvimentos, e
roda de leitura
sugerir ações do Governo, tendo atenção ativa aos
problemas de assegurar a provisão do minério de
texto 1 urânio aos Estados Unidos.
Acelerar o trabalho experimental, que no momento
Albert Einstein F. D. Roosevelt acontece sob orçamentos limitados dos laboratórios
Old Grove Rd. President of the United States das universidades. Esses fundos foram adquiridos por
Nassau Point White House grupos privados.
Peconic, Long Island Washington, D.C. Tomei conhecimento de que, atualmente, a
Alemanha proibiu o comércio de urânio das minas
2 de agosto de 1939 da Tchecoslováquia, as quais foram tomadas pelo
Sr., governo alemão. É fácil deduzir que a Alemanha
Os recentes trabalhos de E. Fermi e L. Szilard, cujos tomou tais providências, pois o filho do subsecretário
manuscritos eu tenho recebido, faz com que eu creia do Estado alemão, von Weizacker, é responsável pelo
que, num futuro muito próximo, o elemento urânio Instituto Kaiser Guilherme, de Berlim, onde alguns dos
possa ser transformado numa nova e importante trabalhos estadunidenses estão sendo copiados.
fonte de energia. Alguns pontos da situação parecem
necessitar de muita atenção e, se possível, imediata Seu seguro servidor,
ação por parte da Administração. Desse modo, acre- A. Einstein
dito ser meu dever levar à sua atenção os seguintes
fatos e recomendações. texto 2
Nestes últimos quatro meses, tornou-se provável, Esta aula abordou vários temas, de modo que não se-
através do trabalho de Loiot, na França, assim como de ria possível complementá-los todos. Assim, optamos por
Fermi e Szilard, nos Estados Unidos, que é possível dar um texto muito citado e pouco conhecido, criado para
início a uma reação nuclear em cadeia numa extensa coibir acontecimentos como os da Segunda Guerra.
massa de urânio, a partir da qual se gerariam enormes
quantidades de potência e de novos elementos idên- Declaração Universal dos Direitos Humanos
ticos ao urânio. Isso é um fato a ser alcançado num
futuro bem próximo. Prefácio
Tal fenômeno poderia ser utilizado na constru- Considerando que o reconhecimento da dignida-
ção de bombas, sendo concebível, eu penso, que é de inerente a todos os membros da família humana
inevitável que se construam bombas de um novo e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o
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CURSINHO DA POLI 27
história geral • aula 13

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente


mundo; de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
Considerando que o desconhecimento e o desprezo opinião política ou outra, de origem nacional ou
dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer
que revoltam a consciência da Humanidade e que o outra situação. Além disso, não será feita nenhuma
advento de um mundo em que os seres humanos sejam distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
livres para falar e crer, libertos do terror e da miséria, foi internacional do país ou do território da naturalida-
proclamado como a mais alta inspiração do Homem; de da pessoa, seja esse país ou território indepen-
Considerando que é essencial a proteção dos direitos dente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma
do Homem através de um regime de direito, para que limitação de soberania.
o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à
revolta contra a tirania e a opressão; artigo 3
Considerando que é essencial encorajar o desen- Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à
volvimento de relações amistosas entre as nações; segurança pessoal.
Considerando que, na Carta, os povos das Nações
Unidas proclamam, de novo, sua fé nos direitos fun- artigo 4
damentais do Homem, na dignidade e no valor da Ninguém será mantido em escravatura ou em
pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob
e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o todas as formas, são proibidos.
progresso social e a instaurar melhores condições de
vida dentro de uma liberdade mais ampla; artigo 5
Considerando que os Estados membros se com- Ninguém será submetido a tortura nem a penas
prometeram a promover, em cooperação com a ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Organização das Nações Unidas, o respeito universal
e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades artigo 6
fundamentais; Todos os indivíduos têm direito ao reconheci-
Considerando que uma concepção comum desses mento, em todos os lugares, de sua personalidade
direitos e liberdades é da mais alta importância para jurídica.
dar plena satisfação a tal compromisso: A Assembleia
Geral proclama a presente Declaração Universal dos artigo 7
Direitos Humanos como ideal comum a atingir por Todos são iguais perante a lei e, sem distinção,
todos os povos e todas as nações, a fim de que todos têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito
os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a a proteção igual contra qualquer discriminação que
constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e viole a presente Declaração e contra qualquer inci-
pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos tamento a tal discriminação.
e liberdades e por promover, por medidas progressivas
de ordem nacional e internacional, seu reconhecimento artigo 8
e sua aplicação universal e efetiva tanto entre as popu- Toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as
lações dos próprios Estados membros como entre as dos jurisdições nacionais competentes contra os atos que
territórios colocados sob sua jurisdição. violem os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição ou pela lei.
artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais artigo 9
em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido
consciência, devem agir uns para com os outros em ou exilado.
espírito de fraternidade.
artigo 10
artigo 2 Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a
Todos os seres humanos podem invocar os que sua causa seja equitativa e publicamente julga-
direitos e as liberdades proclamados na presente da por um tribunal independente e imparcial que
724-4

28 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

decida dos seus direitos e obrigações ou das razões alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante
de qualquer acusação em matéria penal que contra o casamento e na altura de sua dissolução, ambos
ela seja deduzida. têm direitos iguais.
O casamento não pode ser celebrado sem o livre
artigo 11 e pleno consentimento dos futuros esposos.
Toda pessoa acusada de um ato delituoso presu- A família é o elemento natural e fundamental
me-se inocente até que sua culpabilidade fique legal- da sociedade e tem direito à proteção desta e do
mente provada no decurso de um processo público Estado.
em que todas as garantias necessárias de defesa lhe
sejam asseguradas. artigo 17
Ninguém será condenado por ações ou omissões Toda pessoa, individual ou coletiva, tem direito
que, no momento de sua prática, não constituíam ato à propriedade.
delituoso à face do direito interno ou internacional. Ninguém pode ser arbitrariamente privado de
Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave sua propriedade.
do que a que era aplicável no momento em que o ato
delituoso foi cometido. artigo 18
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamen-
artigo 12 to, de consciência e de religião; esse direito implica
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias em sua a liberdade de mudar de religião ou de convicção,
vida privada, em sua família, em seu domicílio ou assim como a liberdade de manifestar a religião ou
em sua correspondência, nem ataques a sua honra convicção, sozinho ou em comum, tanto em público
e reputação. Contra tais intromissões ou ataques, como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo
toda pessoa tem direito à proteção da lei. culto e pelos ritos.

artigo 13 artigo 19
Toda pessoa tem o direito de livremente circular e Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião
escolher sua residência no interior de um Estado. e de expressão, o que implica o direito de não ser in-
Toda pessoa tem o direito de abandonar o país quietado por suas opiniões e o de procurar, receber e
em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de difundir, sem consideração de fronteiras, informações
regressar a seu país. e ideias por qualquer meio de expressão.

artigo 14 artigo 20
Toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e
de procurar e de se beneficiar de asilo em outros de associação pacíficas.
países. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma
Esse direito não pode, porém, ser invocado no associação.
caso de processo realmente existente por crime de
direito comum ou por atividades contrárias aos fins artigo 21
e aos princípios das Nações Unidas. Toda pessoa tem o direito de tomar parte na
direção dos negócios públicos de seu país, quer di-
artigo 15 retamente, quer por intermédio de representantes
Todo indivíduo tem direito a ter uma naciona- livremente escolhidos.
lidade. Toda pessoa tem direito de acesso, em condições
Ninguém pode ser arbitrariamente privado de de igualdade, às funções públicas de seu país.
sua nacionalidade nem do direito de mudar de A vontade do povo é o fundamento da autoridade
nacionalidade. dos poderes públicos e deve exprimir-se através de
eleições honestas a realizar periodicamente por su-
artigo 16 frágio universal e igual, com voto secreto ou segundo
A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o processo equivalente que salvaguarde a liberdade
direito de se casar e de constituir família, sem restrição de voto.
724-4

CURSINHO DA POLI 29
história geral • aula 13

artigo 22 A educação deve visar à plena expansão da perso-


Toda pessoa, como membro da sociedade, tem nalidade humana e ao reforço dos direitos do homem
direito à segurança social e pode legitimamente e das liberdades fundamentais e deve favorecer a
exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e compreensão, a tolerância e a amizade entre todas
culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem
e à cooperação internacional, de harmonia com a como o desenvolvimento das atividades das Nações
organização e os recursos de cada país. Unidas para a manutenção da paz.
Aos pais pertence a prioridade do direito de esco-
artigo 23 lher o gênero de educação a dar aos filhos.
Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre esco-
lha do trabalho, a condições equitativas e satisfató- artigo 27
rias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Toda pessoa tem o direito de tomar parte livre-
Todos têm direito, sem discriminação alguma, a
mente na vida cultural da comunidade, de fruir as
salário igual por trabalho igual.
artes e de participar do progresso científico e dos
Quem trabalha tem direito a uma remuneração
benefícios que dele resultam.
equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua
Todos têm direito à proteção dos interesses morais
família uma existência conforme com a dignidade
e materiais ligados a qualquer produção científica,
humana, e completada, se possível, por todos os
literária ou artística de sua autoria.
outros meios de proteção social.
Toda pessoa tem o direito de fundar com outras
pessoas sindicatos e de se filiar a sindicatos para artigo 28
defesa de seus interesses. Toda pessoa tem direito a que reine, no plano
social e no plano internacional, uma ordem capaz de
artigo 24 tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades
Toda pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, enunciadas na presente Declaração.
especialmente, a uma limitação razoável da duração
do trabalho e a férias periódicas pagas. artigo 29
O indivíduo tem deveres para com a comunidade,
artigo 25 fora da qual não é possível o livre e pleno desenvol-
Toda pessoa tem direito a um nível de vida sufi- vimento de sua personalidade.
ciente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o No exercício desses direitos e no gozo dessas
bem-estar, principalmente quanto à alimentação, liberdades, ninguém está sujeito senão às limitações
ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a
ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem promover o reconhecimento e o respeito dos direitos
direito à segurança no desemprego, na doença, na e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas
invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar
perda de meios de subsistência por circunstâncias numa sociedade democrática.
independentes de sua vontade. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão
A maternidade e a infância têm direito a ajuda e ser exercidos contrariamente aos fins ou aos princí-
a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas pios das Nações Unidas.
dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma
proteção social. artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração
artigo 26
pode ser interpretada de maneira a envolver para
Toda pessoa tem direito à educação. A educação
qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito
deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao
de se entregar a alguma atividade ou de praticar al-
ensino elementar fundamental. O ensino elementar
gum ato destinado a destruir os direitos e liberdades
é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser
aqui enunciados.
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve
Site da Representação da ONU no Brasil:
estar aberto a todos em plena igualdade, em função www.onu-brasil.org.br
de seu mérito.
724-4

30 CURSINHO DA POLI
história geral • aula 13

pesquisar e ler Cartas de Iwo Jima. Direção: Clint Eastwood. EUA, 2006.

Círculo de fogo. Direção: Jean-Jacques Annaud. Inglaterra/


Joaquim Xavier da Silveira. A FEB por um soldado. Irlanda/EUA/Alemanha/França, 2001.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. É a interessante
visão de alguém que participou da Segunda Guerra Furyo, em nome da honra. Direção: Nagisa Oshima.
e descreve as dificuldades e a dura realidade que os Japão, 1983.
órgãos oficiais não divulgavam.
O Império do Sol. Direção: Steven Spielberg. EUA, 1987.
John Keegan. Uma história da guerra. São Paulo: O pianista. Direção: Roman Polanski. Alemanha/França/
Companhia das Letras, 2001. Análise muito rica sobre a Polônia, 2002.
guerra e seus diferentes elementos ao longo da história,
apresentando as mudanças e continuidades da luta, do O resgate do soldado Ryan. Direção: Steven Spielberg.
campo de batalha e de seus agentes. EUA, 1998.

O Sol. Direção: Aleksandr Sokúrov. Rússia/Itália/França/


José Augusto Dias Jr. e Rafael Roubicek. O brilho de
Suíça, 2005.
mil sóis: a história da bomba atômica. 3. ed. São Paulo:
Ática, 1994. (Coleção História em Movimento). Os autores Rapsódia em agosto. Direção: Akira Kurosawa. Japão,
abordam o processo de desenvolvimento da tecnologia 1991.
nuclear no decorrer da década de 1930, a eclosão da
Segunda Guerra e o Projeto Manhattan. Senta a pua! Direção: Erik de Castro. Brasil, 2000.

Stalingrado. Direção: Joseph Vilsmaier. Suécia/


Marco Chiaretti. Segunda Guerra Mundial. 3. ed. São
Alemanha, 1992.
Paulo: Ática, 1998. (Coleção História em Movimento). O
livro apresenta um quadro geral, desde o pacto de não
agressão germano-soviético até o desfecho final, com navegar
os ataques nucleares ao Japão.
Para pesquisar na internet sobre a Segunda Guerra,
ver e ouvir sugerimos especialmente dois sites:

Representação da ONU no Brasil: www.onu-brasil.org.br


A filmografia sobre a Segunda Guerra Mundial é
muito vasta, apresentando excelentes produções de
Exército brasileiro: www.exercito.gov.br
diferentes gerações, nesses 67 anos desde o fim do con-
flito. Para alguns, o tema é interessante pelas estratégias
e campanhas militares, mas, ao mesmo tempo, também passear
mostra muita dor e sofrimento em virtude de prisões,
deportações e extermínio em massa.
Os maiores museus sobre a Segunda Guerra Mundial
Reúna os seus amigos e familiares e faça sessões de
estão em países europeus e nos EUA, mas, no Brasil, em
exibição, acompanhadas de conversas sobre os filmes
virtude de nossa participação no conflito, temos um
e muita pipoca! Aproveite bastante!
material importante reunido pelas Forças Armadas.
Aproveite bastante e bom passeio!
A cobra fumou. Direção: Vinícius Reis. Brasil, 2002.

A conquista da honra. Direção: Clint Eastwood. EUA, Museu da Segunda Guerra Mundial – Quartel do
2006. 20 GACL – Estrada Velha de Jandira, s/no, km 29 da CPTM,
o

Jardim Beval, Barueri, São Paulo.


A queda. Direção: Oliver Hirschbiegel. Áustria/Alemanha/
Itália, 2004. Museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
Rua das Marrecas, 35 – Lapa – Rio de Janeiro – RJ.
As cinzas da guerra. Direção: Tim Blake Nelson. EUA, 2001.
724-4

CURSINHO DA POLI 31
história geral • aula 13

ágora e não alinhamento; criação de organismos suprana-


cionais de integração regional, como, por exemplo, a
Pensem nas crianças Organização do Tratado da Ásia do Sudeste (SEATO),
Mudas telepáticas o Pacto de Bagdá e o Congresso Pan-Africano; disputa
Pensem nas meninas entre EUA e URSS para o estabelecimento de áreas de
Cegas inexatas influência nestes continentes.
Pensem nas mulheres b) O candidato deverá explicar uma entre as seguintes
Rotas alteradas características: o reconhecimento, a partir do final
Pensem nas feridas da Guerra, da existência de profundas divergências
Como rosas cálidas políticas, econômicas e ideológicas entre a União
Mas oh! Não se esqueçam Soviética e os Estados Unidos; a formação de dois
Da rosa da rosa blocos políticos antagônicos: o Bloco Capitalista,
Da rosa de Hiroshima liderado pelos Estados Unidos e o Bloco Socialista,
A rosa hereditária liderado pela URSS; a disputa por áreas de influên-
A rosa radioativa cia em todo o mundo entre a União Soviética e os
Estúpida e inválida Estados Unidos; a luta pela manutenção dos acor-
A rosa com cirrose dos firmados nas Conferências de Ialta e Potsdam;
A antirrosa atômica a existência de um equilíbrio advindo do grande
Sem cor sem perfume poderio militar (nuclear) tanto dos Estados Unidos
Sem rosa sem nada quanto da União Soviética, que evitavam se destruir,
Rosa de Hiroshima. Vinicius de Moraes. passando a se chocar diplomaticamente e em locais
onde não havia risco de conflito nuclear; a criação
Os versos de Vinicius fazem uma descrição muito de organismos internacionais e a assinatura de
sensível do ataque nuclear dos EUA, em 6 de agosto de tratados que ajudavam a conformar a existência de
1945, à cidade de Hiroshima, no Japão. dois blocos antagônicos (Comecon, Plano Marshall,
Leia o poema e discuta com seus colegas o contexto Otan, Pacto de Varsóvia, por exemplo); a ocorrência
que motivou uma ação tão radical como essa e abriu de inúmeros e constantes momentos de tensão
uma nova era: a nuclear. e conflito entre a URSS e os EUA (Crise de Berlim
[1948/49], Guerra da Coreia, Guerra do Vietnã,
construção do Muro de Berlim etc.).
gabarito

1. e

2. 4 + 8 = 12

3. b

4.
a) O candidato deverá identificar duas entre as seguintes
consequências: início do processo de descolonização
da África e da Ásia; início de movimentos de indepen-
dência na África e na Ásia por meio de violentas guer-
ras ou de processos de negociação; Conferência de
Bandung (1955) que discutiu os problemas do colonia-
lismo, do racismo, dos males resultantes da submissão
dos povos ao estrangeiro e contribuiu para a afirmação
da identidade desses novos países que surgiam no ce-
nário mundial naquele momento; afirmação das ideias
de Terceiro Mundo, autodeterminação, neutralidade
724-4

32 CURSINHO DA POLI
orientação didática
0012

Caderno 4 história geral


Caro professor, aula 13
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
Neste caderno, encerramos nossa programação com
a abordagem do século XX e a transição para o século
Temas a serem abordados:
XXI, tendo duas aulas como eixo: a Segunda Guerra
Mundial e a Guerra Fria e seus desdobramentos, dentro
• Tensão crescente nos anos 1930
daquilo que foi denominado Nova Ordem Mundial.
• Pacto de não agressão germano-soviético
Na aula sobre a Segunda Guerra Mundial, apresen-
• Expansão do Eixo (Europa, África e Ásia)
tamos o contexto que favoreceu a expansão do Eixo e
• Equilíbrio de forças
seu consequente êxito até 1942, a virada da guerra pela
• Contra-ataque aliado
ação dos Aliados, a partir de 1943, e sua vitória, em 1945.
• Derrota do Eixo
Apesar de citar vários episódios dos combates em
• Holocausto
diferentes momentos, o intuito foi dar um panorama
• Conferências para reorganizar o pós-1945
da Guerra, procurando criar condições para mostrar o
processo que acabou definindo a segunda metade do
século XX. Exercícios

1. d
2. d
aula 12
Fascismo e nazismo
Bibliografia de apoio
Aleksandr Soljenítsin. Arquipélago Gulag. São Paulo: Abril
Temas a serem abordados:
Cultural, 1979.
Antoine Prost; Gérard Vincent. Da Primeira Guerra aos
• Contexto pós-1918
nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
• Ascensão de Mussolini
Daniel Jonah Goldhagen. Os carrascos voluntários de
• Conceito de fascismo
Hitler. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v.
• Relação do regime fascista com a Igreja Católica
19, n. 37, set. 1999.
• Formação do partido nazista
Donald Sassoon. Mussolini e a ascensão do fascismo. Rio
• Características do nazismo
de Janeiro: Agir, 2009.
• Ascensão de Hitler e formação do III Reich
Edmund Wilson. Rumo à estação Finlândia. São Paulo:
• Características do capitalismo financeiro
Companhia das Letras, 1991.
• Bolsa de Valores e especulação financeira
Eric J. Hobsbawm. A era dos extremos: o breve século XX.
• Crack da Bolsa de Nova York
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
• Papel de Roosevelt e New Deal
Eric J. Hobsbawm. A era dos impérios (1875-1914). Rio de
• Guerra Civil Espanhola
Janeiro: Paz & Terra, 2003.
Fernand Braudel. A dinâmica do capitalismo. Rio de Ja-
Exercícios neiro: Rocco, 1987.
1. c George Orwell. A Revolução dos Bichos. São Paulo: Com-
2. b panhia das Letras, 2007.
George Orwell. Homenagem à Catalunha. Rio de Janeiro:
Globo, 1987.
George Vogt. Nicolau II. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
(Coleção Os Grandes Líderes)
Ian Kershaw. Hitler: um perfil do poder. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1993.
João Bertonha. Fascismo, nazismo e integralismo. São Pau-
lo: Ática, 2003. (Coleção História em Movimento)
724-4

CURSINHO DA POLI 1
orientação didática

John Cornwell. O papa de Hitler. Rio de Janeiro: Imago,


2000.
John Kenneth Galbraith. O colapso da Bolsa em 1929. Rio
de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972.
John Reed. Os dez dias que abalaram o mundo. São Paulo:
L&PM, 2002.
John Steinbeck. As vinhas da ira. São Paulo: L&PM, 2003.
José Carlos Sebe Bom Meihy; Cláudio Bertolli Filho. A
Guerra Civil Espanhola. São Paulo: Ática, 1996. (Coleção
História em Movimento)
Leandro Konder. Introdução ao fascismo. São Paulo: Ex-
pressão Popular, 2009.
Nicholas Best. O maior dia da História. Rio de Janeiro: Paz
& Terra, 2008.
Timothy W. Ryback. A biblioteca esquecida de Hitler. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
724-4

2 CURSINHO DA POLI

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