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Federal do Ceará (Brasil). ENDEREÇO: Rua Nair Pentagna Guimarães, 300, ap 301, bloco 4.
(5585)96772055.
ÉTICA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA: ALTERIDADE 2
Abstract
Discutem-se ideias de autores que colocaram questões à perspectiva fundada por Carl
considera-se a Alteridade como diferença radical que funda o sujeito e com a qual se
Alteridade e que Rogers se deparou com ela em sua prática, apesar de não tê-la
basilares da disciplina. É raro ver nos psicólogos esforço para debater acerca de uma ética
constituinte de suas práticas. Quando muito, fala-se do código deôntico que regulamenta a
profissão.
Este trabalho tem por intuito refletir a respeito da relação entre ética e a Abordagem
Centrada na Pessoa (ACP). Para tanto, pretende-se discutir as ideias de alguns autores que já
As ideias deste filósofo franco-lituano mostram que lidar com o Outro é acolher o
duras ressalvas à teorização e às práticas do campo Psi e, em especial, à ACP. Por outra via,
há também aqueles que reconhecem limites no pensamento de Rogers, mas que procuram
Cláudio Figueiredo (1992, 1996b), para quem a relação entre psicologia e epistemologia é
muito mais tensa do que naturalmente se poderia supor. Podemos afirmar, inclusive, que as
XVII até meados do século passado, profundo engajamento para se determinar quais formas
produzir afirmações verdadeiras. Isto acarretou numa intensa produção em torno de questões
mundo através da racionalidade e, por meio dela, utilizar formas sistemáticas para
XVI, a natureza deveria ser contemplada e não desvelada pelo olhar humano. Nesse sentido,
o homem era tomado como mais um ente dentre as criações divinas, não cabendo a ele uma
individualidade (ou mesmo singularidade) dentro do contexto social. Para se chegar às bases
serem conhecidos, se fazia necessário conceber uma subjetividade privatizada, da qual fosse
possível extirpar qualquer fenômeno que turvasse sua visão acerca de uma realidade a ser
representada.
Modernidade passou a ser questionado a partir da segunda metade do século XIX. Até então,
o 'psicológico' não era um objeto, ou, ao menos, não era primordialmente um objeto
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Se ao mundo natural este indivíduo se lançava com ideias de previsão e controle que
guiam as ciências duras, sua humanidade e as intempéries que daí advêm – como a finitude –
Criou-se, então, uma fenda nas possibilidades de um sujeito epistêmico pleno, um vazio
esta fenda que cria condições para questionamentos instituídos pela Modernidade, a partir do
que Figueiredo (1992) chama de território da ignorância, sobre o qual trataremos adiante. Isto
implica em dizer que o sujeito psicológico encontra possibilidades de existir quando o sujeito
Figueiredo (1996b) prossegue afirmando que “o campo próprio das psicologias é o que, do
ponto de vista epistemológico, teria o estatuto de dejeto do expurgo operado pelo método no
rotulado de “psicológico”.
Para Figueiredo, o território da ignorância é constituído por polos axiológicos que ora se
afastam, ora se aproximam entre si, formando um triângulo cujos vértices mantêm uma
proximidade com cada um destes vértices, sem que nenhuma delas possa ser fixada num
único lado do triângulo apenas. Os pontos de encontro entre as linhas que formam esse
como algo mais original e verdadeiro, à civilização com suas regras, seus métodos e sua
etiqueta” (Figueiredo & Santi, pp. 36-37). O romantismo, portanto, dá relevo à intuitividade,
Ao polo da disciplina,
De acordo com essa citação, no polo disciplinar, a subjetividade vira um objeto a ser
manipulado a partir de objetivos previamente delimitados. Para tanto, faz-se uso da ciência e
sua capacidade de cálculos probabilísticos ou de uma figura de referência a ser seguida pelo
coletivo.
pode ser compreendida como “... um dispositivo apto a propiciar, configurar, formar e
constituir tanto os homens como seus mundos … são, em outras palavras, instalações do
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humano” (Figueiredo, 1996b, p. 26). Cada uma dessas instalações do humano seria, para
Figueiredo, um ethos, ou seja, seriam uma morada e um destino para o homem na lida com
que estas constituem para o humano. Como dito acima, o fenômeno psicológico só pode ser
concebido naquilo em que a epistemologia falha, ou seja, no que lhe escapa ao domínio.
Coelho Júnior (2007) chama atenção para uma atitude encontrada entre estudantes de
Para o autor, a apologia à técnica, de modo rígido e formatado, sem uma reflexão sobre
aquilo que escapa a este domínio, impede o contato com o que há de estranho, de alteridade.
É na relação com possíveis estranhamentos que Coelho Júnior (2007) distingue a ética da
moral, pois não a situa no campo de recomendações sobre modos de agir ou proceder. O
sentido que ele atribui a essa palavra diz respeito à lida com a diferença, em contraposição
àquilo que seja previsível. Assim, tanto para Figueiredo quanto para Coelho Júnior, o solo
que forma o território a partir do qual a Psicologia se constituiu pode engendrar formas
Conforme exposto até aqui, antes de se pensar nos fundamentos epistemológicos das
psicologias, cabe perguntar acerca das moradas que constituem para o humano. Em especial,
naquilo em que o saber moderno se reconhece ignorante, ou, como diz Figueiredo (1992), no
território da ignorância.
necessidade de constituir a morada para o humano dentro das psicologias, que ethos pode ser
Na obra rogeriana, não há uma discussão explícita a respeito da ética. Há, porém,
pessoa; sobretudo, no que tange à distinção entre técnicas e atitudes. Outro ponto em que a
questão ética pode ser inferida está no debate entre humanismo e behaviorismo presente na
relação da ACP, Rogers deixa claro que não se tratam apenas de técnicas a serem empregadas
fora de um contexto de valores. Denota-se então que, para este enfoque teórico, os valores
antecedem as técnicas. Segundo Kinget (1977a), estes valores dizem respeito a uma noção
positiva e liberal de homem e das relações humanas – noções muito próximas, aliás, do que
ignorância. A noção positiva aparece na irrestrita confiança que o terapeuta deposita sobre o
livre e capaz de fazer escolhas sem qualquer determinação do ambiente, no que pesem as
Amatuzzi (2010) analisa a Abordagem Centrada na Pessoa para além de uma técnica. Para
ele, Rogers não definiu apenas novas formas de fazer, mas de ser com o outro, baseadas nos
diferenças” (p. 24). Assim, Amatuzzi leva a discussão sobre as atitudes do terapeuta para o
Quando se define a teoria de Rogers a partir da ideia de atitudes, portanto, coloca-se que
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sem que o terapeuta tome para si os valores que fundamentam suas técnicas, elas não têm
qualquer efetividade. É neste sentido que Rogers (1966) afirma: “I suspect that each of us
would be equally effective if we held quite different theories, providing we believe them” (p.
9).
Outro ponto onde podemos situar a questão ética em Rogers reside no debate que este
autor travou com Skinner. Para Rogers (1974), sua divergência com Skinner é filosófica. A
definição rogeriana, porém, é vaga e não explicita muito claramente o aspecto ético
envolvido neste debate. No simpósio que expõe as divergências entre ambos, fica bastante
claro, para nós, que se encontra em jogo uma questão de compromissos quanto ao ethos de
Para Skinner (Rogers & Skinner, 1956), os “concepts of choice, responsibility, justice, and
contingencies because they carry a heavy semantic cargo of a quite different sort, which
obscures any attempt to clarify controlling practices or to improve techniques” (p. 1058).
em prol de uma análise científica das contingências que produzem seu comportamento.
Ao invés de mente, alma, ou qualquer outro conceito que remeta a uma entidade interna
que comande a ação humano, o behaviorismo radical elege como objeto de estudo o
função que Skinner afirma: “why do we not ask why it is the car of our choice and resent the
forces which made it so?” (Rogers & Skinner, 1956, p.1058). O fundador do behaviorismo
governo, das instituições educacionais, ou dos mecanismos de controle pessoal. Isto torna a
Skinner (1953/2005), pode colaborar para o planejamento dos governos, visando ao bem-
estar dos governados. De acordo com o criador do behaviorismo radical, “if a science of
behavior can discover those conditions of life which make for the ultimate strength of men, it
may provide a set of 'moral values' which, because they are independent of the history and
culture of any one group, may be generally accepted” (Skinner, 1953/2005, p. 445).
para além de aspectos históricos e culturais. O valor que guiaria o controle exercido por esta
ciência seria o fortalecimento da espécie a longo prazo, de modo que “control is ethical if it is
exerted for the sake of the controlled.” (Skinner, 1988, p. 175). O próprio Skinner
(1953/2005) reconhece, contudo, que não há garantias a respeito dos fins para os quais seria
Rogers, por sua vez, afirma o homem como essencialmente livre e distinto dos outros
seres exatamente por sua capacidade de escolha e autodeterminação. Para ele, o objetivo de
Para o criador da ACP, a ciência, como uma invenção humana, é feita por pessoas e,
portanto, implica sempre em escolha de valores (Vieira, 2009). É baseado nisto que Rogers
(Rogers & Skinner, 1956) afirma: “the first step in thinking about the control of human
behavior is the choiee of goals, whether specific or general. It is necessary to come to terms
in some way with the issue, 'For what purpose?'” (p. 1061).
Por este motivo, Rogers não compartilha do mesmo otimismo de Skinner e lança questões
de valor quanto ao controle do comportamento: “Who will be controlled? Who will exercise
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control? What type of control will be exercised?. Most important of all, toward what end or
what purpose, or in the pursuit of what value, will control be exercised?” (Rogers & Skinner,
1956, p. 1060). É neste ponto, fundamentalmente, que reside a distinção filosófica a que se
comportamento.
Rogers (1961) não desconsidera que, de fato, a ciência possa contribuir para o bem da
humanidade. Contudo, ainda de acordo com ele, “to hope that the power which is being made
group, seems to me a hope little supported by either recent or distant history.” (Rogers &
Skinner, 1956, p. 1061). Assim, para Rogers, a ciência não conteria o bem em seus propósitos
a priori.
Skinner (1953/2005), por sua vez, reafirma seu inabalável otimismo na ciência quando
diz:
"Who should control?" is a spurious question—at least until we have specified the
effect upon the group the question becomes, "Who should control if the culture is to
No que pese toda a ingenuidade do humanismo rogeriano (Moreira, 2007), a crítica ética
que ele levanta a Skinner aponta para um fato interessante: a ciência não existe como uma
define por um controle exercido para o bem de quem é controlado, para Rogers a definição a
respeito de o que é o bem neste contexto é de fundamental relevância pelo fato de haver
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e liberal definidos por Figueiredo (1996b), com todos os conflitos e aproximações que tal
aliança pode acarretar. Há momentos, inclusive, em que podemos identificar uma postura
disciplinar em Rogers, quando este estabelece, por exemplo, o ideal de uma pessoa em pleno
funcionamento (Rogers, 1969) como algo a ser atingido ao final do processo terapêutico.
Além disto, num período inicial de sua obra, Rogers (1951) manifesta profunda crença na
consecução de uma espécie de equação da relação terapêutica, num modelo se-então muito
capaz de se determinar a partir de suas escolhas – tal como é postulado pela Modernidade. A
instalação do humano nele identificada padece, por vezes, de elementos que reconheçam
Uma questão relevante é: que espaço há para o dissonante, o absolutamente estranho? Que
A Ética de Lévinas
Lévinas é tratado como um pensador denso e nada convencional. Tratado muitas vezes
ética em relação à ontologia. Conforme Freire (2002), em vez de pensar a questão do ser,
De acordo com Pivatto (2000) e Poirié (2007), mesmo que não possamos reduzir Lévinas
profundas na constituição de seu pensamento. Lévinas foi prisioneiro de guerra, viveu na pele
os horrores daí decorrentes e, a partir disto, fez parte de uma série de autores que
questionaram tudo o que criou condições para que aquele conflito ocorresse, ou seja, os
fundamentos da Modernidade.
A Modernidade havia se estabelecido, antes das duas grandes guerras do século XX,
tornando a razão e a noção de indivíduo livre garantias para que o homem não mais se
submetesse a tiranias, tais como as que ocorreram durante a Idade Média na Europa
(Figueiredo, 1992). Segundo Poirié (2007), porém, o início do século passado é marcado por
sujeito livre, pleno e conhecedor de si. É no lastro destes questionamentos que se situa o
pensamento levinasiano. Uma filosofia que, com todo o rigor e prudência, afirma a
sentido deste ser, pois a preocupação primeira da filosofia seria com aquilo que é.
a partir da ideia de consciência intencional, que captura os objetos do mundo por sua
Nesse sentido, o Outro, para Lévinas, não se dá como objeto de conhecimento, não se
oferece à posse da consciência e, portanto, não pode ser desvelado (Vieira e Freire, 2006).
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Capturá-lo pelo conhecimento significaria matar sua diferença. Toda a filosofia levinasiana se
pensamento por este negligenciar a ética e enfatizar o Ser. Para Lévinas, trata-se de sair da
que Lévinas rejeita a noção de Ser, pois apenas a fundamenta sobre outras bases. Em
centrado em si, Lévinas (1961) afirma que esta interioridade só é possível a partir da relação
com o absolutamente Outro. Daí porque seu pensamento pode ser nomeado como ética da
alteridade radical, pois é a relação com a alteridade que nos funda como sujeitos. Vale dizer
que Lévinas não trata simplesmente do Outro como alguém diferente de mim, mas como
O Eu, então, por se fundar nesta relação com a diferença, é sujeitado a ela, e não senhor de
si, uma interioridade perturbada e tomada de assalto por uma exterioridade sobre a qual não
tem domínio. Para Poirié (2007) “o Sujeito – ou a subjetividade – nasce do há (il y a), aí se
[lhe] opondo e aí se [lhe] recusando” (p. 16). O il y a postulado por Lévinas é um ser
impessoal, “silêncio murmurante, que se escuta como a presença surda e invisível de um ser
indefinido, de um ser que exclui a humanidade, que desafia a existência” (Poirié, 2007, p.
17). É a relação de assujeitamento a este ser impessoal que cria condições para o Sujeito em
Lévinas, que é responsável pelo Outro numa relação de passividade (Lévinas, 1982).
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A responsabilidade pelo Outro, para Lévinas, não é uma escolha. Como bem afirma Freire
(2000), é uma incondição, ou seja, não se pode ser de outra forma, de modo que é esta relação
que caracteriza o humano. A morada do Sujeito é, então, cedida, com portas e janelas abertas
Buber (1923/1970), Lévinas não descreve a relação com a diferença como horizontal e
mútua. Embora reconheça imenso valor na obra buberiana e na proposição ética nela contida,
pressuposta numa mútua relação pode sugerir. Não há, então, síntese nesta relação tão
necessariamente desigual, já que a única resposta possível ao Outro é o “eis-me aqui”, pois se
A alteridade, para Lévinas, é sempre algo que escapa, inatingível em sua totalidade e que,
portanto, nos remete à ideia de Infinito revelada pelo Rosto, que não é fenomênico, pois, caso
contrário, poderia facilmente ser capturado por uma imagem. Na ética da alteridade radical, é
através da linguagem, e não da imagem, que me chega o Rosto do Outro (Freire, 2000; Vieira
choque tão avassalador que torna ridiculamente insignificantes todas aquelas considerações
racionais que repousam na soberba do mundo das convenções e das obrigações contratuais”
(pp. 87-88). É um Rosto, portanto, que exige a resposta a ser dada pelo Eu ao Outro.
Por sua caracterização não-fenomênica, o Rosto não pode ser destruído, já que mesmo que
a morte física do Outro possa ser efetivada, sou vulnerável e passivo diante do terror de sua
1961), ou seja, a linguagem que é um “dirigir-se a outrem … A linguagem não é nem uma
experiência nem um meio de conhecimento de outrem, mas o local de Encontro com o Outro,
com o estrangeiro e desconhecido do Outro” (Poirié, 2007, p. 22). O Dito é o discurso que
O Dizer vindo do Outro abre o sujeito a uma dimensão de Desejo, neste contexto tomado a
partir da ideia de Infinito. Assim, Desejo em Lévinas não se caracteriza pela falta, mas por
excesso. Ou seja, mais do que remeter o sujeito ao que falta em si, a dimensão desejante da
constituição ética da subjetividade o remete àquilo que lhe excede e que é anterior a si. Fome
que se alimenta de fome (Freire, 2000). Conforme Freire (2002), o desejo pelo Outro é
sempre por algo que “... me escapa e me persegue” (p. 57). Relação, portanto, diacrônica, o
Por isto a insistência de Lévinas na ideia de uma “má consciência de” (Freire, 2000; 2001;
2002; Lévinas, 2007). A tradição ontológica da Filosofia, ignora e por vezes é alérgica à
141). Como se pode perceber, consciência para Lévinas necessariamente remete à apreensão
deste modo, afirma a possibilidade de se pensar a diferença, de vê-la não a partir do que lhe
falta, ou do que ainda não é, mas considerando sua alteridade como tal. Assim, afirma a
desconstruir o humano, virá-lo pelo avesso. Sua ética rompe com uma tradição que reconhece
produções que tomam a ética levinasiana como mote possível para a definição de um novo
visto anteriormente, que Rogers tem muito bem definida uma filiação com os polos
romântico e liberal que fundam o campo psicológico. Todavia, a partir de Figueiredo (1992),
é possível afirmarmos que nenhuma teoria psicológica se encontra presa a algum destes
este. Assim, as reflexões que se seguem apontam para outras possibilidades de relação com a
alteridade no discurso rogeriano, pois este, como todos os discursos psis e que habitam o
vicissitudes de suas experiências. Tal autor afirma que as atuais formas de psicoterapia foram
fundadas tomando como referência o modelo médico, de maneira que as doenças mentais
foram caracterizadas de forma similar a qualquer afecção orgânica. Por esta via, o sofrimento
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humano não passa de mais um sintoma dentro de um quadro de referência em que o outro
Freire (2000), por seu turno é crítico em quanto à relação entre alteridade e ACP. Dentre
outros aspectos, suas críticas se direcionam à simetria que Rogers admite na relação com o
outro. Tal postulado não seria condizente com a Ética de Lévinas para a qual o Outro, de uma
obtidos, também é questionada por basear-se em uma noção de interioridade que deve ser
superada. Para Lévinas, como já dito, importaria a constituição exterior de si pelo Outro. Por
Outro só deixa vestígios de sua passagem, pois ao chegar, encontra-se somente um lugar
vazio.
tentativa de repensar a ACP, de modo que esta abordagem psicológica abra espaço em seus
conceitos para o estranhamento e à diferença radical que reclama o absolutamente Outro, mas
esclarecem que não pretendem produzir uma abordagem com fundamento levinasiano.
possibilidades de abertura à alteridade que podem ser exploradas. Com este intuito, propõem
sentido de descentramento, deve se fazer presente nas posturas adotadas pelo terapeuta.
Ainda segundo Vieira e Freire (2006), a consideração positiva incondicional pode ser uma
porta para a alteridade ao permitir que terapeuta e cliente se surpreendam com o imprevisível
trazido por ambos, de maneira que aquilo que há de inusitado na condição humana seja
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prejulgamentos. Por outro via, essa forma de considerar o discurso e a experiência também é
definida como uma “amor não possessivo”, o que implicaria em não coisificar a pessoa
cristalizada. Não haveria aí o acesso a uma essencialidade da pessoa, mas a revelação de uma
atitude criativa que não se reduz a uma apreensão cognitiva de uma totalidade de si.
Para Vieira e Freire (2006), a empatia, pensada em termos de ex-centricidade, pode ser
vista como uma tentativa de dar ouvidos ao estranho que fala diante do terapeuta, diferença
que irrompe, avessa a qualquer controle. Colocar-se no lugar do outro, não implicaria,
Schmid (2008), por sua vez, toma a ideia de pessoa, em Rogers, para discutir a
psicoterapia como uma disciplina e profissão ética. Segundo este autor, é possível definirmos
pessoa a partir de uma perspectiva individualista, equivalendo pessoa a indivíduo, como fez
Rogers, ou de um ponto de vista relacional, no qual “uma pessoa é quem chegou a ser ele ou
ela mesma precisamente através dos outros, o que implica interdependência, solidariedade e
De acordo Schmid (2008), a presença do terapeuta como pessoa nas duas dimensões
citadas consiste em se afirmar com o Outro e ao mesmo tempo se pôr contra ele, de modo que
haja um claro reconhecimento e afirmação das diferenças presentes na relação. A ideia é que
outro” (p. 7), o que significa uma abertura à diferença do Outro, que se revela como um
mistério para além do que podemos perceber através de nossas teorias e técnicas.
terapeuta com seu cliente. Segundo o autor, a relação com a alteridade é “um pedido e uma
provocação e a relação com ele é em princípio assimétrica. A pessoa que necessita representa
uma demanda” (p. 7). Isto quer dizer que o terapeuta se vê diante de um imperativo ético de
uma pessoa.
Ainda no esteio de suas reflexões sobre uma relação pautada na pessoalidade, Schmid
afirma que a compreensão empática significaria um deixar-se tocar pela realidade do Outro e
diferença do Outro, Schmid (2008) afirma que “ser empático significa construir uma ponte
em direção a uma terra desconhecida” (p. 8), diferentemente daquilo postulado por Freire
centrada na pessoa, pois implica numa postura em relação ao Outro que privilegia o
(2008), o conhecimento se pauta pelo juízo, enquanto que o reconhecimento o faz pela
amor ou Ágape, uma espécie de amor não-possessivo, que não exige do Outro, mas apenas se
Este tipo de amor presente na consideração positiva incondicional, ainda segundo Schmid
a uma relação Tu-Eu, de modo que a referência e primazia se encontraria no Tu. Para Schmid,
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acolhimento da Alteridade. Para esses autores, a mudança terapêutica não visaria a uma
pessoa.
Segundo Rogers (1969), uma terapia bem sucedida conduziria a pessoa a seu pleno
aumento na confiança em ter o organismo como crivo para avaliar ações; e pela vivência
cultura, por meio das pessoas critério, exige que o sujeito se adeque a suas normas de
demanda que suas necessidades sejam atendidas, ficando o self tensionado a manter um
and seeks to reduce it to what can be recognized by the self” (Vieira e Pinheiro, 2013, p.
235). Apesar disto, os autores argumentam que não são raros os relatos de terapeutas e
entretanto, trataria tais manifestações por um viés identitário, pois não compreenderia os
mesmo.
Em um panorama geral, à exceção dos trabalhos de Freire (2000; 2001), nos quais é
ACP, de modo a ver brechas onde o acolhimento à diferença radical possa ser pensado. Parte-
se do pressuposto básico de que, mesmo não tendo Rogers reconhecido a Alteridade enquanto
tal, haveria a possibilidade de redesenhar conceitos e atitudes, de modo que este aspecto
Há, entretanto, que se avançar mais: não somente reconhecer o Outro no campo teórico,
mas colocar à prova este novo posicionamento ético a partir da prática. Mostra-se essencial a
acolher a alteridade que, independentemente de seu desejo, reclamará seu lugar usurpado.
Considerações Finais
Obviamente, o discurso da alteridade, tal como pensado neste texto, não estava presente
com outros filósofos, dentre existencialistas, pragmatistas e filósofos da ciência, foi registrada
em inúmeros textos do criador da ACP. Houve debates, mesmo que extemporâneos, com
pensadores como Kierkegaard, Buber, Tilitch, Dewey, Capra, Polanyi, dentre outros, mas
Lévinas nunca esteve presente nesse rol. Entretanto, isto não desmerece a Abordagem
Centrada na Pessoa. Rogers, à sua maneira, e limitado pelas condições históricas e culturais
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que lhe eram peculiares, revolucionou o pensamento psicológico de modo tal que sua obra já
merece reverência.
Por outro lado, dois aspectos não podem ser negligenciados. Um primeiro ponto: Rogers
pode não ter reconhecido a alteridade radical em suas formulações teóricas; pode, até mesmo,
ter tentado suplantá-la, mas isto não quer dizer que ele não tenha se deparado com ela em sua
prática. No que diz respeito a prática clínica, o texto Vieira e Pinheiro (2013) dá indícios que
O segundo aspecto a ser pensado é que os conceitos próprios da ACP não são,
inspiração deleuziana, fazer o autor, com suas próprias palavras, dizer o que ele não disse.
Nos fios de alteridade que sua própria obra carrega, nas entrelinhas podem-se puxar
Essa, por exemplo, é a tentativa de Vieira e Freire (2006) ao colar o adjetivo ex-cêntrico às
condições facilitadoras, bem como de Schmid (2008) ao rever o conceito de pessoa. Vieira e
Pinheiro (2013) avançam na tentativa de observar as marcas deixadas pela alteridade através
do conceito de organismo.
Por fim, é preciso ressaltar fortemente, apesar de isto já ter sido pontuado na introdução
deste trabalho, que não se concorda com a criação de uma Abordagem Centrada na Pessoa
pensamento em direção ao, aparentemente, imponderável, mas não cabe a ela suplantar os
conceitos psicológicos.
possível construção de canais de comunicação entre si. Nesse ponto, cabe à Psicologia rever
suas formulações a partir das inquietudes que a Filosofia produz, mas, fundamentalmente,
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concordando com Rogers (1951), o maior propulsor para a reconstrução das convicções
teóricas deve vir da prática cotidiana, que na psicoterapia se revela a partir da eleição da
melhores molas propulsoras para se pensar uma prática em que alteridade possa ser acolhida.
Não se espera aqui uma prática irrefletida, mas a própria superação da separação entre teoria
e prática. Nesse sentido, não é o discurso sobre a alteridade que vai afetar mais fortemente a
Abordagem Centrada na Pessoa, mas, a lida com a diferença radical que se impõe
cotidianamente ao psicólogo rogeriano. Pensando desta forma, não nos afastamos da ACP,
mas nos tornamos cada vez mais rogerianos, no que este talvez tenha sido um dos maiores e
Referências
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