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LEGADO

A bênção da
FOTO: LONDRINA (BRASIL) traição H. L. Roush

A
neve caía silenciosamente, Aquele ano, como sempre, tínha-
como plumas à deriva, e logo mos muitas razões para estarmos
cobriu de branco a terra cin- agradecidos. A mão do Senhor tinha
zenta e suja. Tinha nevado toda a sido tão evidente sobre as nossas vi-
noite e eu olhava da janela do meu das e ministério que só podíamos nos
estúdio, com o coração quente e re- inclinar diante dEle com os corações
pousado, a primeira nevada de inver- agradecidos, reconhecendo em silên-
no. Era o dia seguinte do dia de cio que Ele tinha sido o autor de tudo
Ações de Graças, e a nevada me deu isso.
o pretexto que eu necessitava para A preciosa calma dessa manhã foi
reduzir a velocidade de minha atare- interrompida de repente pelo som in-
fada agenda, e ter um tempo necessá- sistente do telefone. Foi o primeiro
rio para desfrutar com a minha famí- elo de uma pesada cadeia que logo ia
lia. envolver-me em desespero e dor; por-

Análise de uma experiência chave na vida cristã.


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que a voz no outro lado da linha me di através dessa experiência são o
informou que um grande problema tema deste escrito. As nossas experi-
tinha entrado em minha vida. Origi- ências «pessoais» não são tão pesso-
naram-se circunstâncias que punham ais como talvez imaginamos – o que
em perigo todo o meu ministério, as- acontece em nossas vidas como mem-
sim como a ruína eventual de minha bros do Corpo de Cristo tem o propó-
vida pessoal e familiar. sito de trazer consolo e ajuda para
É assombroso ver quão rapida- outros (2ª Cor. 1). Acontece-nos por-
mente o mundo inteiro parece mudar que é a herança mútua dos membros
quando mudam as nossas circunstân- do Corpo de Cristo compartilhar os
cias. Na verdade, a beleza está no sofrimentos da Cabeça (Flp. 1:29; Col.
olho de quem olha, porque a branca 1:24).
quietude da neve agora me parecia
ser só a hipocrisia que cobria os atos A certeza da traição
duros e cruéis que se ocultavam sob a A dura experiência de ser traído
sua capa enganosa. A alegria das por nossos amigos e amados deve
Ações de Graças com a minha família ocorrer forçosamente na vida de cada
desapareceu rapidamente sob a som- crente. Baseio esta observação em
bra desta dor presente, e me afundei muitas experiências sobre a vida cris-
em minha cadeira tremendo, estre- tã, além do claro e simples ensino da
mecido. Sérias acusações foram Palavra de Deus. É um descobrimen-
lançadas contra mim por um acusa- to interessante aprender que a pala-
dor desconhecido, e Deus sabia que vra «traição» e suas formas só se
eu era uma vítima inocente das cir- usam com respeito à traição de Jesus
cunstâncias retorcidas. Só pude cla- por Judas, excetuando uma só men-
mar: «OH, Pai, quem pôde fazer ção em Lucas 21:16. Nesta passagem,
isto?». A minha oração teve resposta que é profética, usa-se para represen-
dentro de um par de dias, e com ela tar o fim do tempo da graça e é
veio a dor mais profunda de todas, indicada como uma das marcas de
porque descobri que o meu traidor identificação, ou sinais, da vinda do
era um amigo que dizia me amar. Senhor Jesus Cristo. O versículo sim-
Durante dois dias permaneci atô- plesmente diz: «Vocês serão traídos até
nito, no silêncio e no desespero mais por seus pais, irmãos, parentes e amigos;
tenebroso. O problema que eu en- e a alguns de vós serão entregues à mor-
frentava era extremamente grave, te» (NVI).
mas ia além do que eu me sentia ca- Esta é uma coisa terrível de des-
paz de suportar, pelo fato incrível de cobrir, mas é a promessa clara da pa-
que aquele que havia trazido este pe- lavra de Cristo. O tempo da graça
sar para a minha vida era um que será encerrado com um tempo de en-
partia o pão comigo ao redor da mesa gano religioso mundial. Será a hora
do Senhor, e freqüentemente falava da grande apostasia – tempos perigo-
do seu amor por mim. sos nos quais a verdade será resistida
As preciosas verdades que apren- pela falsidade e o engano (estudem

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as palavras de Paulo em 2ª Timóteo os nossos amigos os que se levantam
3:1-17). contra nós, e assim se multiplicam as
Eu creio que cada homem em nossas aflições na vida cristã. Em ge-
quem Jesus habita, terão nestes terrí- ral, eu fui tratado com muita mais
veis últimos tempos o seu próprio bondade por inconversos do que por
Judas pessoal; porque na era da irmãos declarados; e tenho experi-
apostasia se destacará o irmão falso. mentado freqüentemente a ferida es-
Do mesmo modo, a traição é a experi- magadora da traição pelas mãos da-
ência comum de cada homem a quem queles que professavam me amar.
Deus usou alguma vez para a Sua Este paradoxo pode nos perturbar e
glória. nos entristecer, mas a sabedoria e o
Nosso versículo em Lucas 21:16 amor de Deus se vêem em tudo isso,
diz que a traição vem da parte de na serena verdade de que ele não li-
«pais, e irmãos, parentes e amigos». Es- bertou nem o seu próprio Filho a este
pantoso, mas real, e por uma boa ra- respeito, mas o enviou para a morte
zão. Primeiro, os nossos inimigos não por mão de um amigo. Que Deus ins-
podem nos trair. Eles não estão próxi- trua os nossos corações por meio des-
mos o bastante dos nossos corações. ta preciosa lição!
Não somos suficientemente íntimos
com eles. É com os nossos irmãos e O método da traição
amigos que abrimos o nosso coração. O método sempre será o mesmo.
Os nossos inimigos não podem nos Primeiro, os nossos traidores escolhe-
ferir; são os nossos amigos que nos rão cuidadosamente a hora. No caso
ferem. Assim, o salmista disse no Sal- de Jesus, ele foi traído no momento
mo 55:12-14: «Porque não me afrontou exato da sua vida em que ele tinha a
um inimigo, o qual teria suportado; nem maior necessidade de companhia hu-
se elevou contra mim o que me aborrecia, mana (Marcos 14:37); na hora da sua
porque me teria escondido dele; mas tu, maior necessidade; e quando estava a
homem, meu íntimo, meu guia, e meu um passo de sua maior obra (o
familiar; que juntos comunicávamos do- Calvário). Anima-te, querido leitor,
cemente os segredos, e andávamos em se a traição tiver sido a sua recente
amizade na casa de Deus». experiência. Deve haver grandes coi-
Assim que toda a história da Bí- sas diante para ti, de outro modo Sa-
blia ecoa do fato da traição para as tanás não o açoitaria neste momento.
mãos dos nossos amigos. Abel foi tra- Os nossos traidores também co-
ído por seu único irmão; Esaú por nhecem o lugar onde nos atacar. João
seu irmão gêmeo; Isaque por seu fi- 18:2 mostra que Judas sabia o lugar
lho; Urías por seu rei em quem confi- secreto onde Jesus se retirava. Eles
ava e por sua esposa encantadora; Je- nos observam e conhecem o nosso lu-
sus por seu discípulo consagrado; gar de agonia e oração; e assim, ten-
Paulo por «falsos irmãos». Não preci- do a vantagem da intimidade, nos
samos seguir, porque esta solene ver- golpeiam com violência no lugar
dade permanece: freqüentemente são oportuno.

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A sua forma de traição sempre
será o beijo. Eles respiram o nosso
amor, de modo que podem nos gol- Os nossos inimigos não
pear no momento mais inesperado. A
palavra de Deus diz: «Até o homem da
podem nos ferir; são os
minha paz, em quem eu confiava, que do
meu pão comia, levantou contra mim o
nossos amigos que nos
calcanhar» (Sal. 41:9). Há uma figura
preciosa neste verso. O significado
ferem.
original representa um cavalo conhe- mostra de amor e não esteve disposto
cido e confiável que cruelmente dá a repudiá-lo nem mesmo no momen-
coices em um amigo desprevenido e to do seu crime.
confiado. Jesus ensinou em Mateus 5:44 que
devemos amar os nossos inimigos e
Vitória sobre o traidor ele praticou tudo o que pregou. Ain-
O que aconteceu com Judas? A da que de antemão conhecesse per-
história registra o seu trágico final, feitamente o mal que Judas faria con-
mas encoberto na aparente tra ele, mostrou-lhe o seu amor since-
vaguidade do breve relato de sua ro em toda forma concebível.
morte há um drama que tem perma- Em Marcos 14:45 Judas acordou
necido por muito tempo sem revela- trair Jesus com um beijo. Há duas pa-
ção. lavras no original para «beijo». Uma
Para vê-lo em sua perspectiva significa o beijo de amizade e outra
real, devemos olhar brevemente para significa beijar fervorosamente, ou o
a relação entre Jesus e Judas. Jesus beijo do amor verdadeiro. Agora, va-
escolheu a Judas e orou por ele (Luc. mos ao Getsemani e vejamos a cena
6:12-13), como o fez por Jerusalém final. Judas vem com a multidão ar-
que o rejeitou e por aqueles que o mada com paus e espadas para fazer
crucificaram. Jesus desejava que Jesus prisioneiro. Judas saúda o Se-
Judas comesse a última Páscoa com nhor e o beija; mas, de acordo com o
ele (Luc. 23: 14-15), amou-o e lhe ofe- original, não é com o beijo de amiza-
receu o lugar de amor e comunhão à de como tinha acordado, mas com o
mesa no aposento da Páscoa (João beijo de amor genuíno! Só a eternida-
13:26). Jesus lavou os seus pés (João de revelará o que passou nesse mo-
13:5) e, daí, expressou-lhe um amor mento pelo coração de Judas. Possi-
que era indubitavelmente verdadeiro velmente, à luz flutuante das tochas,
e digno do Filho de Deus. Jesus deu a Judas viu no rosto de Jesus a assusta-
Judas total reconhecimento e nunca o dora verdade de que apesar da sua
delatou como o seu futuro traidor, traição, Jesus ainda o amava, porque
mas se referia a ele como o seu «ami- ele chamou a Judas, de «amigo».
go». A meditação cuidadosa sobre os Jesus foi aprisionado e Judas cho-
eventos que levaram a traição revela- rou por ter traído sangue inocente;
rá que Jesus ofereceu a Judas toda tinha aprendido que o amor de Jesus

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para ele era real. O seu coração deve de Deus é a verdade. Nós só damos
ter experimentado um golpe mais razão ao ódio dos nossos inimi-
demolidor, e agora ele não pode raci- gos e motivo para a traição dos nos-
onalizar a sua loucura ou justificar o sos amigos quando lhes devolvemos
seu ato detestável. Tenta desfazer o mal por mal. O amor que é verdadei-
que tinha feito devolvendo o dinhei- ro e não muda mesmo frente a uma
ro, mas é rejeitado com desprezo por má obra contra ele, finalmente con-
seus ímpios amigos, pois nem mesmo duzirá o seu traidor às solitárias la-
eles querem relacionar-se agora com deiras do Campo de Sangue (Acél-
Judas. O seu ganho momentâneo se dama – At. 1:19) para morrer.
torna pó em suas mãos –o futuro é
negro sem a fraternidade de Jesus e A necessidade da traição
dos seus amigos– ele perdeu para Há outra consideração no ato da
sempre aquele ministério que Jesus traição de Judas. Ele foi escolhido
lhe tinha dado (Atos 1:20); a sua ha- pelo Senhor Jesus Cristo, ainda que o
bitação estará agora desolada, outro Senhor soubesse de antemão que
homem tomará a sua coroa, e Judas Judas o trairia (João 6:64). Em minha
irá para o seu próprio lugar em uma própria experiência pessoal de trai-
morte solitária efetuada por sua pró- ção pelas mãos de um amigo, o ama-
pria mão. do Senhor me mostrou esta verdade
Judas morreu por sua própria preciosa. Enquanto estava no fogo
mão? Parece-me evidente que Judas desta provação, fui deitar em uma
morreu sob a força do irresistível noite pensando naquele que preten-
amor de Cristo. Judas destruiu a si dia me amar e tinha usado a sua pro-
mesmo porque ele já não podia viver fissão para me pôr nas mãos dos
mais consigo próprio ou com outros, meus inimigos. De noite despertei em
e tudo isto foi operado pelo verdadei- oração achando a resposta para este
ro amor do Senhor Jesus Cristo. Pare- pensamento: O Senhor Jesus escolheu
ce-me que as palavras de Romanos os seus próprios amigos, e sabendo
12:20-21 são repentinamente claras: de antemão a traição de Judas, esco-
«Assim, se o seu inimigo tiver fome, dê- lheu-o de todos os modos! Disse-lhes
lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de be- que ele tinha escolhido aos doze, e
ber; pois fazendo isto, brasas de fogo que um deles era o diabo. Dava gra-
amontoará sobre a sua cabeça. Não sejas ças a Deus por esse diabo, pois ele
vencido do mau, mas vence com o bem o era necessário para o ministério de
mal». Jesus, e por meu traidor, sendo que
Não se cumprem assim aquelas ele também era necessário em minha
palavras que afirmam: «Porque as ar- vida.
mas da nossa milícia não são carnais ...» Que necessidade teria de um
(2ª Coríntios 10:4), e «o amor nunca crente ser traído por seus amigos ou
acaba» (1ª Cor. 13:8)? Sem dúvida, amados? Que bom propósito poderia
precisamos afirmar desesperadamen- ter a dor e a tristeza de um coração
te em nossos corações que a Palavra ferido? Eu fiz estas perguntas aquela

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noite e encontrei respostas que vie- «o Senhor conhece os que são seus»?
ram ao encontro das necessidades do A nossa responsabilidade é ouvi-
meu coração. Nós temos necessidade lo nas profundidades mais íntimas
de reconhecer a fidelidade do Espíri- da nossa alma e depender Dele para
to Santo em nossas vidas. Considere- esquadrinhar os corações de outros
mos o fato de que Jesus nunca foi en- por Seu Espírito. A experiência da
ganado a respeito de Judas. «Porque traição esclarece a verdade de que a
Jesus sabia desde o princípio quem era os aceitação pública no meio dos cren-
que não criam, e quem o havia de entre- tes, o emprego de vocabulário co-
gar» (João 6:64). mum entre os santos, a realização de
Eu estou seguro de que, em cada obras religiosas, a pregação da Pala-
experiência de traição na vida do vra, ou qualquer outro sinal externo
crente, ele pode olhar para trás e re- que normalmente constitui uma
cordar a advertência fiel do Espírito «provação» da salvação e fidelidade
Santo. Em um caso, me recordo que de um homem, nem sempre manifes-
poderia estar ciente desde o começo tam a situação verdadeira. «...pois o
se eu apenas tivesse ouvido o teste- homem olha para o que está diante dos
munho interior do Espírito. seus olhos, mas o Senhor olha para o co-
Quem pode explicar a natureza ração» (1 Sam. 16:7).
da advertência de Deus na alma com Reconheçamos em cada homem a
respeito a um irmão falso? Não é fácil posição que ele declara ter diante de
expressá-lo com palavras, mas todos Deus, mas nunca nos permitamos ir
os santos conhecem a inquietação além do testemunho do Espírito de
que a razão não pode explicar sobre Deus em nossos corações em nossa
alguns que professam serem nossos relação aos outros. Temos lido de
amigos. Conhecemos e experimenta- muitos que vieram a Jesus e professa-
mos esse muro real de restrição que ram fé nele, apoiados puramente nos
procura impedir que déssemos os milagres que realizou, e não sobre
nossos corações para aqueles que nos uma genuína fé nele como o Filho de
trairiam em um tempo de necessida- Deus. Movidos só pela impressão das
de. Não estaríamos tão obras externas, eles se incluíram en-
freqüentemente afligidos e defrauda- tre os seus seguidores... «Mas o pró-
dos por outros se fôssemos mais sen- prio Jesus não se confiava neles, porque
síveis ao Fiel que mora em nós. Nós conhecia a todos, e não tinha necessidade
não cremos no «discernimento» pelo de que ninguém lhe desse testemunho do
Espírito? Então, por que homem, pois ele sabia o que havia no ho-
freqüentemente desprezamos aquele mem» (João 2:24-25).
sentimento estranho em nosso cora- A nossa obrigação não é abrir o
ção por amigos declarados e nos coração para todo homem que procu-
aventuramos a «proclamar» comu- ra entrada em nosso homem interior,
nhão por sobre todas as advertências mas permitir aos nossos corações se-
do Senhor Jesus Cristo por Seu Espí- rem afetados para outros pelo Espíri-
rito? Quando nós aprenderemos que to Santo, pois ele sempre nos adverti-

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rá daqueles que tentam nos enganar. amando ao Senhor como nunca antes
Aprendamos que a «comunhão» é a e nos regozijando na realidade da
obra do Espírito Santo e não do ho- sua comunhão.
mem. Não tentemos estabelecê-la Necessitamos da experiência da
sem a sua ajuda, nem a rejeitemos traição para aprender a verdadeira
quando ele tão obviamente a estabe- submissão ao Senhor. Você sabia que
lece entre os nossos corações e outros a maior oração que um filho de Deus
no Corpo de Cristo. pode dizer é a oração do Filho perfei-
Qual é a necessidade da traição? to: «Sim, Pai, porque assim foi do teu
Talvez deva ser esclarecida através agrado» (Luc. 10:21)? Quando puder-
das palavras de Pedro em sua primei- mos clamar assim do íntimo dos nos-
ra epístola quando ele observa que os sos corações feridos, saberemos que o
seus leitores terão que «ser afligidos aguilhão já se foi e que triunfamos,
em diversas provações... se for necessá- porque a nossa submissão para o de-
rio». É necessário porque, como ele sejo do Pai em nossas vidas traz a vi-
explica tão belamente, há um fruto tória sobre todo ataque que venha
tanto presente como futuro de tais contra nós (2ª Cor. 2:14).
experiências aflitivas. No futuro, esta 2ª Coríntios 4:15-18 oferece mais
prova da nossa fé, como o ouro pro- razões para a aparente injustiça das
vado no fogo, tirará do forno as nos- grandes desilusões da vida. Paulo dá
sas vidas em louvor, honra e glória a perspectiva apropriada para as nos-
para o Senhor Jesus Cristo em sua sas aflições, nos dizendo que o ata-
vinda. Se só pudéssemos nos agarrar que não é contra o homem exterior,
neste tremendo potencial no meio mas sim contra o homem interior.
das nossas provações, quão distinta Freqüentemente estremecemos
seria a resposta dos nossos corações sob o temor das «conseqüências que
ao desafio dessa hora! Além disto isto poderia trazer para a nossa
(graça sobre graça), as duras prova- vida», e esquecemos que nos tempos
ções da vida são usadas para fazer angustiosos nada pode causar dano
uma obra muito necessária em todos ao nosso homem interior se estiver-
nós – a obra de aumentar o nosso mos vestidos de toda a armadura de
amor e gozo nesta vida presente. Leia Deus. Estas coisas duram só um mo-
1.a Pedro 1:6-8 e recordem que, de- mento comparadas com a eternidade,
pois de cada forno de aflição, saímos e um dia trarão um eterno peso de

Quando se concretiza a bênção da traição, olhamos


para trás e vemos quanto temos segado em crescente
gozo, amor, graça, força e comunhão com o amado
Senhor Jesus.
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glória. Estas águas profundas só ser- Na bênção desta quietude, Davi
viram para tirar os nossos olhos dos suportou com um espírito paciente a
laços e «coisas» terrestres, e pô-los maldição de Simei e proibiu que lhe
nos valores eternos. O inimigo gosta- devolvesse mal algum pelo mal que
ria de nos angustiar e ofuscar a nossa fez. Davi viu só uma mão detrás de
razão, nos conduzindo a olhar os de- tudo isso – a mão amorosa de Deus
talhes horríveis da experiência exteri- operando o bem através do mal de
or; assim, enquanto nos ocupamos Simei.
com preocupações inúteis sobre o ex- José foi traído amargamente por
terior, somos às vezes golpeados com seus irmãos, posto no poço e vendido
violência no homem interior, e derro- como escravo, para depois ser conce-
tados. Muitos santos sobreviveram dido a Potifar, e, outra vez, ser mali-
aos ataques exteriores só para cair ciosamente traído por sua esposa.
mortalmente feridos por amarguras, Posto na prisão, ele fez amizade com
ressentimentos, malícia, e um coração o copeiro do rei, e logo conheceu
rancoroso. Em tempos de traição, os mais uma vez a agonia do beijo da
santos devem aprender primeiro a traição, porque quando aquele ho-
cingir os lombos do seu entendimen- mem foi restaurado a favor da corte
to em Cristo e a apropriar-se de toda do Egito, quebrou a sua promessa fei-
a armadura de Deus, o qual realmen- ta na prisão. A Palavra de Deus diz:
te significa vestir-se de Cristo em «E o chefe dos copeiros não se lembrou de
toda a Sua força e poder. José, mas o esqueceu» (Gên. 40:23).
Tanta aflição para um só homem
A bênção da traição parece suficiente para feri-lo mortal-
Consideremos a bênção que traz a mente em seu interior, até perecer de-
traição quando, através dela, apren- baixo da amargura da alma que
demos a não reconhecer outra mão a freqüentemente resulta na rejeição
não ser a mão fiel de nosso amado pessoal; mas os anos passaram e José
Pai no céu, em todas as coisas. Nós foi lembrado pelo Senhor e exaltado
damos demasiada glória ao diabo, ao ao trono do Egito em vitória. E o ben-
mundo e à carne nas circunstâncias dito segredo da sua cura, sim, de sua
das nossas vidas. Culpamos os nos- paciência triunfante e vitoriosa, reve-
sos inimigos quando somos sacudi- la-se em suas palavras aos seus ir-
dos; mas grande paz e quietude de mãos: «Vós pensastes mal contra mim,
coração se tornam nossos quando nos mas Deus o encaminhou para o bem...»
negamos a reconhecer segundo as (Gên. 50:20).
causas em nossas vidas. Deus é sobe- Pedro manifestou esta mesma
rano e ele é o nosso Pai. Agradou-lhe verdade em sua perspectiva da cruz
permitir que isto nos acontecesse, e do Calvário. Ainda que ele acuse à
nossa parte é crer que «...aos que nação de prender a Jesus por mãos
amam a Deus, todas as coisas contribuem de iníquos para crucificá-lo e matá-lo,
para o bem, isto é, aos que são chamados Pedro não o vê como uma tragédia,
conforme o seu propósito» (Rom. 8:28). não vê nisso uma vitória de Satanás,

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mas sim, triunfalmente anuncia que o sos inimigos não farão esta obra por
Senhor Jesus Cristo foi «...entregue nós. Só nossos amigos nos entregarão
pelo determinado conselho e antecipado à dor das circunstâncias além do nos-
conhecimento de Deus...» (At. 2:23). so controle; e, portanto, realizarão
E assim, meus amados santos de um verdadeiro serviço aos santos de
Deus que neste momento se encon- Deus.
tram perplexos por causa da traição Só posso falar a partir da minha
de um amigo, reconheçam nesta hora experiência pessoal. Um traidor me
que Deus bem pôde havê-lo evitado levou às circunstâncias que mudaram
se o tivesse desejado, mas o permitiu o curso do meu ministério e lançaram
para o seu bem. Regozijem-se nesta a maior obra da minha vida. Um trai-
bênção, pois ele os está tomando dor trouxe para a minha vida penali-
como seus filhos e lhes preparando dades que me levaram a ser tirados
para consolar e abençoar outros. Ele da dependência do homem e me fize-
agraciou as suas vidas com o privilé- ram um homem livre no Senhor!
gio glorioso de compartilhar com Um traidor trouxe para a minha
vocês os mais íntimos sofrimentos de vida um sofrimento que produziu o
Cristo (Flp. 3:10). presente ministério frutífero e
Esta comunhão é dada a um gru- jubiloso que recebi de Cristo para o
po seleto, porque nem todos têm o Seu Corpo. Como todos os santos, a
privilégio de conhecer a agonia da minha percepção do passado é me-
traição, de poder compartilhar em al- lhor que a minha visão do futuro.
guma medida a profundidade do Quando olho para trás, dou graças a
amor de Cristo. O seu traidor tentou Deus por cada «diabo» escolhido por
lhe fazer mal, mas Deus tornará tudo um Pai fiel, pois é muito provável
para bem; e como Jesus escolheu a que eu tivesse perdido algumas das
Judas, pois Ele tinha necessidade da maiores benções da minha vida se
traição em Sua própria vida, assim não tivesse sido por eles!
Deus em Sua fidelidade escolheu os A bênção da traição? Só Deus
nossos traidores – Ele sabia perfeita- pode realizar tal milagre, mas tenho
mente que, se a escolha tivesse sido descoberto que a paradoxo destas pa-
nossa, nunca teria sido feita. lavras é uma realidade. A traição pe-
Vocês dirão: «Escolher os nossos las mãos daqueles a quem tenho con-
traidores? Que bem podem nos fazer fiado o coração pode trazer benções
eles?». Vocês se esqueceram que a impossíveis de conter. Através da
traição de Judas levou a Jesus Cristo traição aprendi o que o salmista quis
para a sua maior obra, e desencadeou dizer quando cantou: «Nisto conhece-
os eventos que cumpriram os propó- rei que tenho te agradado, por não triun-
sitos eternos de Deus em Cristo? A far de mim o meu inimigo» (Salmo
redenção eterna através do sangue de 41:11). Também o que o profeta quis
Cristo foi fruto do desprezível ato de dizer quando escreveu: «Nenhuma
Judas! arma forjada contra ti prosperará, e con-
Segue sendo um fato que os nos- denará toda a língua que se levante con-

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tra ti em juízo. Esta é a herança dos ser- do ataque selvagem dos meus falsos
vos do Senhor, e a sua salvação que de amigos. Somente a experiência as
mim virá, disse o Senhor» (Isaías 54:17). transformou em uma realidade ben-
Através da traição aprendi que o dita para mim. A palavra «bendizei»
poder e a graça do Senhor Jesus Cris- significa «elogiai» ou «falar bem de».
to em minha vida só podem ser ope- A expressão «não maldiga» significa
radas através da bênção da fraqueza, «não deseje nenhum mal».
que é produzida pelas bofetadas de Quando se concretiza a bênção da
Satanás como um aguilhão na carne traição, olhamos para trás e vemos
(2ª Cor. 12:7). quanto temos segado em crescente
Através da traição somos prepa- gozo, amor, graça, força e comunhão
rados para a bênção de ser usados com o amado Senhor Jesus; sentimo-
para encorajar a outros na mesma nos abismados pela compreensão de
prova de fé, com a mesma consolação quanto bem nos tem feito o nosso
que nós recebemos de Deus (2ª Cor. traidor. Não importam quais foram
1:4). Através da traição pelas mãos de as suas intenções. O que importa é o
um «amigo», recebi a bênção de tocar fruto bendito que ele trouxe para as
nesta mensagem as verdades precio- nossas vidas.
sas que aprendi na comunhão de Quão gloriosamente fácil se torna
Cristo Jesus, meu Senhor. As benções em verdade «falar bem» dele e não
dos que lerão esta mensagem fluirão lhe desejar nenhum mal! Sim, quan-
da fonte da traição e, daí, a maldade do olhamos o nosso presente estado
desse fato se transforma, através da de bênção e compreendemos que fo-
graça, no bem de Deus. mos entregues por um inimigo à li-
Através da experiência da traição berdade e magnitude da terra que
de amigos falsos, recebi uma das agora possuímos, nós podemos dizer:
maiores benções da minha vida, «Não posso senão falar bem dele,
aprendendo como amar a meus ini- porque foi uma bênção para mim!».
migos e abençoar os que me perse- Deste modo, tal como a flor
guem. pisoteada cujo perfume sobe para
Durante anos, foi difícil entender abençoar o pé que a esmagou, assim
estas palavras: «Abençoai aos que vos os nossos corações não encontram
perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis» amargura, não procuram nenhuma
(Rom. 12:14), e muito mais difícil vingança, não desejam nenhum mal.
praticá-las. O cumprimento delas se A plenitude dos nossos vasos precisa
opõe diametralmente a todo o huma- transbordar e abençoar as mãos que
no; e a sua compreensão delas foi nos afligiram.
aberta por meio das águas amargas Tirado de: http://www.bbmhp.org/authors/
roush.html (Traduzido do inglês).

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