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A ÚLTIMA BEM-AVENTURANÇA
A morte como plenitude de vida
INTRODUÇÃO
Antes de iniciar, falo mais para as pessoas que podem ser nova-
tas para estes estudos bíblicos, lembro dois aspectos importantes
que devemos sempre ter presentes na leitura do evangelho.
Os evangelistas não entendem nos transmitir uma crônica jor-
nalística de fatos, mas uma reflexão teológica.
As narrações deles não dizem respeito à história, mas à fé.
Eles não são como repórteres que presenciaram acontecimen-
tos e querem passa-los para frente descrevendo-os.
Eles são teólogos que querem comunicar aquela que foi a expe-
riência do Cristo pela comunidade.
Além disto, outro aspecto a se ter presente, é que os evangelhos
não foram escritos para serem lidos pelo povo, pelo simples fato
que as pessoas naquele tempo, pela grande maioria (94-95%)
eram analfabetas.
Os evangelhos são um concentrado de escritos teológicos, fei-
tos por uma pessoa culta da comunidade.
Este ‘concentrado’ era transmitido para outras comunidades
onde alguém, outra pessoa culta dessa comunidade, não lia sim-
plesmente, mas literalmente interpretava e decifrava essa lingua-
gem: o seu uso das palavras, as chaves de leitura, os símbolos e as
expressões literárias.
As chaves de leitura, o conhecimento do uso diferenciado das
palavras, palavras que sempre tem o mesmo significado, usadas
pelo evangelista dava segurança para a interpretação realizada di-
ante da comunidade que o recebia.
É esta a maneira que nós iremos usar na leitura e interpretação
dos textos evangélicos.
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Enfrentei mais uma cirurgia, esta também não foi boa. Os mé-
dicos estão meio confusos com isto, estão desgostados, sou eu que
os animo e digo a eles: “Saibam que na vida o Senhor nunca nos dá
pedras, mas sempre pão. Têm acontecimentos na vida que nós
achamos serem pedras que nos esmagam. Não. Jesus nos falou:
‘Quem de vós, se um filho vosso está com fome lhe dará uma pedra
no lugar do pão?”
Há acontecimentos na vida, situações, circunstancias que po-
dem parecer pedras que nos esmagam. Não! Não são pedras que
nos esmagam: são pão que nos alimenta e que nos dá vida. Nós é
que devemos acolher estas oportunidades e estas chances.
Animei os médicos que estavam assustados, pois duas cirurgias
tinham sido inúteis.
E passavam os dias, os meses.... Foi bonito ver a atmosfera que
se tinha criado naquela ala de hospital e naquele quarto.
Apontava a cara de um médico e dizia: “Posso? Precisava só de
ver um sorriso!”
A mulher da limpeza veio limpar o quarto, mas deu uma faxina
em toda a vida dela; e foi uma experiência incrível. Desde sempre
e quase todos os dias tenho encontros com pessoas que vem se
abrir. No hospital fiz uma experiência estranha: as pessoas não só
se abriam, mas se ‘despiam’ completamente.
Algo que nunca tinha experimentado. Talvez me vendo numa
cama, me vendo fraco, frágil, com a mesma fragilidade delas, as
ajudei.
Pessoas que se achavam frustradas em sua existência, renasce-
ram.
Então entendi, (algumas coisas se entendem só vivendo-as), a
frase de Paulo na segunda carta aos Coríntios, onde diz: “quando
estou fraco é então que estou forte”.
E chegamos ao finalmente... a terceira cirurgia, a mais compli-
cada, a mais demorada, a mais perigosa.
Chega a equipe de médicos, e colocam coisas que para mim pa-
recem fantasia cientifica... me dizem que irão parar o meu coração
durante uma hora e meia.
Falo: – “Têm certeza que depois volta a funcionar?” – “Certo”,
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Porque contar para vocês tudo isto? Porque uma coisa são as
teorias, outra coisa é viver experimentando.
Há um salmo, o 23, onde é dito: “Se andasse no vale da sombra
de morte” – é o reino dos mortos – “não temerei mal algum, pois
você está comigo”. Antes não sabia o que fosse andar pelo vale da
morte e agora posso dizer que o atravessei e a vida não é mais a
mesma.
Fiz quase três meses de hospital, mas nunca, nunca me senti só:
sempre como que acompanhado por uma presença amorosa.
Antes acreditava, agora experimento e a vida muda. Fiz a expe-
riência de como o Senhor nos segue passo a passo, dá a sensação
de que nunca estamos sós, a sensação de estar dentro de um ma-
ravilhoso projeto de amor, quaisquer que sejam as situações que
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encontrarmos.
Por fim, me colocam de pé, foi uma coisa belíssima, uma euforia
que não conseguia conter. Falaremos de Lázaro..., entendi ainda
mais que o de Lázaro não é uma narração, mas uma teologia, pois
quando me levantaram de pé, a fisioterapeuta me mandou andar
um pouco e me levou para fora. Eu estava fora de mim: saudava
todo mundo, ria, chorava, parecia enlouquecido.
Penso: “Lázaro saiu da tumba e não fala nem uma palavra, não
agradece, não saúda ninguém, imaginem só! Mas como é possível
que Lázaro se comporte deste jeito!”
Esta, pois, é a experiência que eu fiz do meu morrer, apesar de
não ter morrido, porém me preparou: quando vier o momento da
morte já sei que o viverei como um momento de plenitude de vida,
de beleza, de euforia.
Tudo isto nos deve ajudar também quando morrer uma pessoa
querida.
Se ficarmos pensando em nós seremos vencidos pela dor, pela
tristeza, pela angústia. Há mortes que podem ser devassadoras em
nossa vida!
O primeiro passo a ser feito é se situar do lado deles, não do
nosso. E nos perguntar: “Como eles são? Onde eles estão? O que
eles fazem?” Pois temos uma ideia da morte que não corresponde
à da mensagem de Jesus e por isto deveríamos mudar a linguagem.
Por exemplo, nós em nossa linguagem, contrapomos a vida à
morte, mas não está certo: não se deve contrapor a morte à vida,
pois elas são as duas expressões da vida. Os primeiros cristãos cha-
mavam o dia da morte “dia do nascimento”? Dia em que nasce-
mos...
Não morremos, nascemos duas vezes. Como da primeira vez
deixamos o que é o nosso mundo, a barriga da mãe, onde tínhamos
tudo, não conhecemos outros mundos, ali temos o que precisamos
e mesmo assim chega o momento de nossa existência que, se que-
remos que continue, devemos deixar, para nos abrir ao novo e so-
mente deixando a barriga da mãe podemos descobrir o que é a luz,
o amor e o calor dos pais.
Do mesmo jeito quando chega o momento da morte, repito, não
devemos contrapor a vida à morte, mas o nascimento à morte: as
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de nossa parte ‘sadia’ de cotidiana maldade: “os que são bons o Se-
nhor os quer para si”.
Se for isto... um pouco de... maldade todos os dias nos salvará
de sermos escolhidos!
E tantas frases deste jeito que fazem parte da estupidez religi-
osa e que nada têm a que ver com a mensagem de Jesus, mas infe-
lizmente o fato da morte foi rodeado nos séculos por uma coroa
antievangélica que o tornou um momento triste, tétrico.
Os da minha geração lembram como eram os enterros antes do
Concílio: as roupas do padre todas pretas, tudo em latim: um Papa
tinha introduzido na liturgia fúnebre um texto que era aterroriza-
dor: “Dies irae, dies illa...” = “Dia de ira, aquele dia...”
Um dia de ira e será por isto que mesmo as pessoas religiosas
são as mais apavoradas com o encontro com o Senhor, pois tudo
era colocado numa atmosfera tétrica.
Quer dizer que a morte é algo que nos colocava medo.
Há uns anos vivia conosco no convento um frei idoso que todos
os dias, todos mesmo, falava da morte... que ele morria, que nós
iriamos morrer.
Por exemplo, se alguém lhe perguntasse “o que vamos ter para
o almoço?” Ele ia dizer: ”se não morrermos antes... teremos
massa!” Ou: “nos encontraremos de noite para a missa” e ele: ”Se
não tivermos morrido!” E sempre deste jeito.
Um dia falei com ele “frei Donato, hoje vou sair, nos veremos de
tarde” “Se não morrermos”. Então não aguentei e lhe disse: “Mas
será possível que todos os santos dias você deve falar em morte?”
Ele me respondeu: “Certo, pois o Senhor falou que ele virá no mo-
mento em que menos o esperarmos”. Então, ele pensava sempre...
o Senhor não teria chance de surpreendê-lo!
A finalidade deste nosso encontro é de nos apropriar nova-
mente do sentido, (parece até estranho) positivo da morte, como
foi até no século passado.
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Por que tudo isto? Porque não se sabe mais administrar o mo-
mento da morte, não sabemos mais o que fazer com alguém que
está morrendo e, mais ainda, com um cadáver. Tudo isto é muito
estranho.
Os falecidos nos dão medo, mas não porque estão mortos, pois
nada há mais inofensivo do que um cadáver... os mortos não nos
dão medo – quando há um velório se escutam experiência deste
tipo, de pessoas aterrorizadas por um mínimo sinal que poderia
manifestar que o morto volte para a vida.
Quer dizer que chegamos ao paradoxo de que os mortos não
dão medo por estarem mortos, mas por um eventual retorno à
vida. Isto nos aterroriza.
Isto tudo fez-nos eliminar o sentido da mortalidade e se vive,
normalmente, um tipo de enganação, uma mentira para com o que
está morrendo.
Não se fala a verdade para uma pessoa que está com uma do-
ença incurável, ‘não se pode dizer a verdade, pois isto pode agitá-
la...’ e então é privada, é furtada do momento mais importante de
sua existência.
Nós padres somos chamados seguidamente à cama de uma
pessoa que já está no fim, mas antes de nos deixar entrar nos avi-
sam: “Cuidado, não deixa que ela perceba nada... pois de outro jeito
ela se assusta, fica abalada”.
E, às vezes, entrando no quarto, o doente nos pede para fechar
a porta e ficando a sós nos diz: “Padre, eu sinto que estou no fim.
Não deixe os meus parentes perceberem isto, pois de outro jeito
eles se abalam”. É uma comédia macabra na qual se tolhe o mo-
mento mais importante da existência das pessoas.
A morte, pelo contrário, é um momento importante, pois é o úl-
timo presente que podemos dar aos nossos queridos. Porém, para
que isto seja redescoberto, revalorizado, vendo a positividade,
apesar de que seja na dor pelo fato da morte, precisa se relacionar
à mensagem de Jesus, à dos Evangelhos e nisto nos ajudará meu
confrade Ricardo.
Ele é um dos ótimos conhecedores de um dos mais complicados
livros da Bíblia, o livro do Apocalipse. Pois no livro do Apocalipse
o autor coloca perto duas palavras que parecem se contradizer:
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bem-aventurança.
Pelo estilo bíblico sabe-se que quando uma obra inicia num
certo modo e termina do mesmo jeito, isto significa que toda a obra
pode ser lida a partir desta chave de leitura.
O autor começa com uma bem-aventurança que diz respeito à
comunidade: “Bem-aventurado quem lê e os que escutam” e en-
cerra: “bem-aventurado quem põe em prática estas coisas”.
Para o autor é fundamental o grupo, a ideia de comunidade,
mas também é fundamental a pessoa.
A pessoa não pode nunca diminuir-se diante da comunidade,
mas no mesmo tempo a pessoa precisa de uma comunidade para
se sentir parte integrante desta boa notícia.
Em Ap 15 fala da segunda bem-aventurança, fala da morte e faz
isto de um jeito que pode parecer enigmático.
Ele diz: “E eu ouvi uma voz do céu que dizia: ‘escreva, daqui para
frente, bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor. Sim, fala
o espírito. Eles descansarão de suas fadigas, pois suas obras os se-
guem”.
Esta segunda bem-aventurança está colocada num momento
importante do livro e de um jeito muito refinado do ponto de vista
literário e também teológico.
Tem como uma espécie de ponto alto em que o autor quer co-
locar em claro qual seja o objetivo do seu escrito. No cap. 14 apre-
senta este clímax, onde a bem-aventurança está inserida como
uma pérola que resume esta parte do livro.
Diz que na história do ser humano há uma realidade de vida que
Jesus está oferecendo para todas as pessoas e esta realidade de
vida nós sabemos que pode ser obtida a partir do momento em que
damos nossa adesão a ele e nos identificamos com sua pessoa, co-
locando nosso compromisso: fazer as mesmas escolhas de vida
que ele fez.
Isto significa que não há nada que possa impedir alcançarmos
essa plenitude. Porém, há também uma realidade de morte, uma
realidade que sempre tenta nos impedir de alcançarmos esta ple-
nitude, que possamos ter essa humanidade profunda, tão pro-
funda que o ser humano sente-se identificado com plena seme-
lhança com mesmo Senhor da vida.
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verdade, até me doar com tudo de mim mesmo, com todas as mi-
nhas forças, com todas minhas energias em favor dela?”
Faz isto com a imagem da mulher no cap. 12, toma um persona-
gem feminino, “a mulher vestida de sol, coroada de estrelas, com a
lua debaixo de seus pés”. Esta mulher não é Nossa Senhora, mas é a
comunidade na qual Maria a mãe de Jesus tem um lugar relevante.
Apresenta esta figura feminina num momento particularmente
delicado e difícil: está com as dores de parto. O que quer dizer? É
o momento da máxima vulnerabilidade para uma mulher.
Está dando à luz. É um momento de sofrimento; um momento
que precisa de assistência, durante e depois, especialmente na-
quele tempo, sem todos os cuidados que hoje temos. É até um pe-
rigo para a vida dela.
O autor representa a vida da comunidade, numa situação pre-
cária, de quem está para dar à luz. Em contraposição coloca algo
imponente, poderoso: um dragão pronto para devorar a cria da
mulher.
Porém o dragão não consegue fazer nada, pois quem nasceu
está sendo arrebatado, sempre com imagens ricas de símbolos, até
o trono de Deus.
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por nenhum tipo de sedução que possa fazer alguém que consi-
dero mais forte, do que eu.
O amor que carrego dentro de minhas vísceras eu o manifesto,
o comunico e continuo fazendo isto também em situações precá-
rias e de máxima vulnerabilidade, como a de dores de parto da mu-
lher.
Como Paulo, que afirmava ser mais forte, quando se sentia mais
fraco, como a mulher na situação de máxima vulnerabilidade, es-
tamos chamados para manifestar o máximo do poder, pois este po-
der apesar de as vezes parecer microscópico, aos olhos do Pai é
considerado como tendo uma marcha a mais.
Pois é seu desígnio que se realiza na história e isso pode ser do-
cumentado: as coisas amadurecem do nada e este amor nos trans-
forma alcançando todas as criaturas.
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vive para sempre e quem vive para sempre está sempre no cora-
ção de Deus, dessa fonte de vida que nunca nos abandona”.
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imagem da mulher que está para dar à luz – o bem que se conse-
guiu comunicar. Isto é o que fica.
No momento da morte fica o bem que tivermos feito, todo o
resto some. Até as coisas mais simples e pequenas que tivermos
feito, com amor, com ternura, na acolhida do outro, tudo isto fica.
Nesta nova bem-aventurança: “Bem-aventurados e santos os
que tomam parte da primeira ressurreição. Sobre eles a segunda
morte não tem poder, mas eles serão sacerdotes de Deus e do Cristo
e reinarão com ele pôr mil anos”, encontramos uma das páginas
mais difíceis.
O livro do Apocalipse é complexo, não podemos achar que en-
tendemos tudo, mas podemos tomar umas pérolas assimilando-as
e testemunhando-as.
Estamos cientes que essas pérolas nascem em contextos de di-
fícil interpretação. Em Ap 20 é apresentado aquele reino milenário
de Cristo: “reinarão com ele pôr mil anos”.
Tudo isto abriu para uma série de interpretações, às vezes
muito equivocadas, erradas mesmo, e criaram uma confusão
dando ao livro do Apocalipse uma visão catastrófica... assustadora.
O que são estes “mil anos”?
Desde a Idade Média se tentou explicar, tomando a imagem no
sentido literal e passando por cima do simbolismo que marca todo
o livro. Pensou-se que “mil anos” fosse um período que, antes do
julgamento final, – olhando sempre negativamente – iria acontecer
na história, somente para os justos, antes da ressurreição.
Perguntavam-se: ‘quando será, então, este milênio?’. Uns di-
ziam: ‘deve antes acontecer uma segunda vinda de Cristo, naquele
momento haverá o reino dos mil anos com o grupo dos eleitos’.
Esta é a mentalidade que prevalece nuns movimentos, grupos,
numas Igrejas evangélicas: as testemunhas de Jeová, os adventis-
tas. Espera-se essa segunda vinda a fim de que se inicie o reino mi-
lenário com os eleitos.
Outros diziam: ‘o reino se manifestará no momento em que Je-
sus vai voltar, mas desde já se está sentindo no coração dos ho-
mens algo como...’ Em breve deram tantas interpretações – bas-
tante fora do rumo certo – lendo de forma literal está história dos
mil anos.
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veio para servir e não para ser servido, quem não quer colocar sua
vida ao serviço dos outros, não terá parte com ele: não tem nada a
que ver com ele’. Quer dizer, não experimentará essa ressurreição.
Jesus continuará: “Se tiverdes entendido estas coisas, se as puser-
des em prática”...
Então, quem tem parte à “primeira ressurreição” são pessoas
que orientam sua própria vida em favor dos outros, fazendo do
serviço a expressão máxima de sua vida.
A grandeza do ser humano consiste nesse saber orientar suas
próprias forças para o bem dos outros. É isto que nos torna vivos
para sempre, diz o autor do Apocalipse.
Isto nos faz participantes do que é mais importante, o primeiro:
“a ressurreição”.
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como uma eventual possibilidade para quem não quis fazer de sua
vida uma oportunidade de crescimento, de encontro, de acolhida,
de partilha com os outros: o valor mesmo de estar vivos.
O que nos permite sempre ir para frente, não é a coragem, mas
a confiança.
Pois a coragem pode até faltar diante de algumas situações que
podemos encontrar, mas acreditando de verdade na proposta do
reino será a confiança que nos ajuda.
A confiança não exige forças especiais, só se sentir inserido na
onda vital e nos deixar levar por ela que sempre nos levará para
frente até quando nos parece faltarem forças.
Estamos vivos para sempre quando se ama a vida e se pode ex-
perimentar a dimensão autêntica da vida quando temos parte da
mesma Bem-aventurança de Jesus: quando somos capazes de ori-
entar nós mesmos em favor do bem dos outros e conseguimos ver
no serviço a expressão maior e mais certa deste bem.
É só entender isto e toda nossa realidade pessoal adquire todo
um valor positivo.
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passando mal, quando temos que assistir uma pessoa querida des-
cobrimos dentro de nós energias, forças, capacidades de doação,
de sacrifício e de resistência, que nem imaginávamos ter.
Precisou aquela emergência para que florescesse em nós está
nova qualidade de vida.
Ela já existia, mas precisou de umas circunstâncias favoráveis
para emergir. Deste jeito é a morte. Não é a destruição da pessoa,
mas é o momento privilegiado aonde toda nossa capacidade de
amor, toda a força do nosso amar se liberta, desencadeia e se
transforma em uma vida nova.
Na imagem da semente nem tem comparação entre a beleza da
espiga e a da semente.
A beleza, a força, o esplendor da espiga já estava dentro do pe-
queno grão de trigo, porém, precisava de condições favoráveis, ne-
cessárias para que todas as energias fossem liberadas. Nesta vida
éramos um grãozinho, depois nos tornamos espigas.
São Paulo entendeu muito bem. Escreveu em 1Cor 15,36: “O que
semeias não readquire vida a não ser que morra. O que semeias não
é o corpo da futura planta que deve nascer, mas um simples grão de
trigo ou de qualquer outra espécie. A seguir Deus lhe dá corpo como
quer; a cada uma das sementes ele dá o corpo que lhe é próprio”. E
continua: “O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos: se-
meado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado
desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fra-
queza, ressuscita cheio de força”. E conclui: “semeado corpo psí-
quico” (= natural, biológico), “ressuscita corpo espiritual”. Isto
aponta para a morte como uma transformação.
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Jesus realizou tudo isto na Eucaristia. Jesus se faz pão para que
todos os que o acolhem sejam capazes não só de comer este pão,
assimilá-lo, mas, por sua vez, se fazer pão para os outros.
Na Eucaristia temos o equilíbrio entre estes dois aspectos da
vida: somos alimentados para ser alimento para os outros. É muito
importante compreender esta distinção.
Chega-se a certo ponto na vida em que há como que uma sepa-
ração entre esses dois aspectos: enquanto a parte biológica, que
teve um começo, um crescimento e um desenvolvimento máximo,
inicia lentamente, mas implacavelmente, a decadência até o desfa-
lecimento total – apesar de nós tentarmos de muitas formas parar
isto – o outro aspecto, o que dura para sempre, continua a crescer
sem medida sem ser prejudicado.
Sabe-se que todo dia morrem em nós milhões de células. Chega-
se ao ponto em que essas células não se renovam mais, morrem e
não são substituídas. É o envelhecimento!
Chegará o momento em que todas as células que compõem
nossa existência acabam seu ciclo vital. Só quem terá desenvolvido
a outra qualidade de vida, a “zoe” escapará desta experiência de
fim.
Esta é a garantia que Jesus nos dá. Como é possível garantir este
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que realiza nossa vida são as atitudes que nós tivemos para com
as pessoas.
Para nossa realização não é importante se tivermos crido no
Senhor, mas se tivermos feito o bem para os outros.
Não nos pedirá quantas vezes fomos ao templo para oferecer
sacrifícios, mas quantas vezes abrimos nossa casa, partilhando do
nosso pão com quem precisava. É na plena doação da pessoa que
se realiza a plenitude da vida que é capaz de superar a morte.
As pessoas que se ‘espiritualizam’, isto é, que tem uma relação
exclusiva com o Senhor e que essa relação com o Senhor não se
manifesta em atitude de humanidade, de atenção, de solidariedade
para com os outros, essa são pessoas que, apesar de sua religiosi-
dade, de sua vida de piedade aparente, não tem em si esta quali-
dade de vida que permite a elas superar a morte.
É um dado de fato e o confirmaram para mim médicos e enfer-
meiros, no tempo que passei no hospital, vendo minha atitude, me
falavam: “É de estranhar, mas as pessoas mais aterrorizadas pela
ideia da morte, na nossa experiência, são mesmo padres, freis e ir-
mãs”.
Isto acontece porque desenvolveram uma relação com o Se-
nhor a sentido único que não bateu com a humanização para com
os outros.
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“Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?” Preci-
samos encarar esta escolha, apesar de dolorida, e eu respeito a
sensibilidade de todo mundo, sabendo se tratar de assuntos que
podem chocar.
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alguma coisa dentro de nós. Eu, porém, não senti morrer algo em
mim, mas senti dentro de mim uma explosão de vida que se trans-
formou em alegria.
Se falo isto, é porque muitos experimentaram a mesma coisa,
mas tem medo de manifestá-lo para não parecerem pessoais in-
sensíveis ou pouco amorosas para com a pessoa que morreu.
Eu, claramente, na morte de meu pai, chorei, mas me sentia in-
vadido de uma crescente alegria que não conseguia conter e que
até me colocou numa situação embaraçosa. Em seguida pensei:
por que esta alegria?
Estava claro. Meu pai me amava demais. Agora que estava na
plenitude do amor de Deus, este amor estava sendo derramado em
mim com uma força que até então desconhecia.
A mesma experiência fizemos, Ricardo e eu na Espanha, quando
morreu a mãe dele e fomos no funeral. Uma alegria crescente,
transbordante até se tornar incontrolável, tanto assim que eu
disse a Ricardo: “Espera um pouco antes de sair da sacristia, pois
teus irmãos poderiam pensar que enchemos a cara de vinho”. Está
é a experiência da morte!
Temos que optar. Sei que é dolorido, sei que muitos têm o culto
do cemitério, o culto das flores.... As flores levemo-las aos vivos!
São eles que precisam das nossas flores, não os mortos. As flores
para os defuntos... servem para quem as vende, e certamente não
para os defuntos. As flores... para os vivos!
Esta é a certeza de minha fé que se torna esperança. O remorso
daquilo que não foi feito em vida para os defuntos, se transforma
em culto de cemitério: procura-se devolver à pessoa do defunto o
que não lhe demos em vida.
Talvez esteja chocando a sensibilidade de alguém, pois as pes-
soas que vão frequentemente ao cemitério não vão se sentir bem,
mas temos que fazer uma escolha.
Vou repetir: quer chorar o defunto como morto? Continua indo
ao cemitério!
Quer experimentá-lo como vivo deves mudar de atitude.
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“Deus o tenha num bom lugar...”. Ou, o que é usado mais para pes-
soas religiosas e que se parece tão piedoso (e não é mesmo): “Vol-
tou para a casa do Pai”. Isto significaria que com a morte os nossos
queridos nos abandonam. A deles fica uma ausência.
Se o falecido voltou para a casa do Pai significa que não está
mais na nossa casa. Esquecemos que toda nossa fé, nossa lingua-
gem, nossa pregação deve se referir aos evangelhos. Temos que
rever estas afirmações que podem parecer piedosas e pelo contrá-
rio são vazias em relação ao ensinamento de Jesus. Jesus fala o con-
trário.
No evangelho de João afirma: “Se alguém me ama observará mi-
nha palavra e o meu Pai o amará e nós iremos a ele e nele faremos
nossa morada”
Esta que Jesus faz não é uma promessa para o além, mas é a
resposta do Pai para um comportamento levado para frente na
existência da gente. Quantos entre nós – hoje, agora mesmo – de-
cidem orientar sua própria vida para o bem dos outros e para o
serviço dos outros se tornam a casa de Deus.
Deus escolhe morar no íntimo das pessoas. E isto é importante
para entendermos o fato da morte. Deus mora na pessoa e a pessoa
é a casa de Deus, por isto com a morte ninguém vai para a casa do
Pai, pois a pessoa já é a casa do Pai.
Com a morte a gente não vai para o céu, pois o céu veio na pes-
soa. Isto é muito importante de ser compreendido e isto explica
nosso sermos eternos.
Com a morte não temos um partir para um lugar que é chamado
casa do Pai, mas há uma presença que se identifica, pois eu sou a
casa do Pai, a casa de Deus e por isto minha vida é eterna e indes-
trutível.
A partir dos evangelhos está excluída em absoluto a ausência
dos nossos queridos: uma partida! A morte – vou repetir, pois são
conceitos que devem entrar em nossa cabeça – não afasta nossos
queridos de nós, mas os aproxima; a deles fica uma presença mais
intensa, nunca uma ausência.
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6ª Palestra
Se acreditar verás
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a morte com ele e como ele, do jeito que Tomé entende. É por isto
que neste evangelho Tomé é chamado de gêmeo. “Vamos nós tam-
bém morrer com ele” não por ele!
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das maneiras de crer nos diversos messias, mas não criava ne-
nhum conflito e gozavam de bem querer.
Quando a comunidade tomará consciência da natureza de Je-
sus, Jesus que é Deus e aí surgirão os conflitos.
O evangelista nos faz entender que essa é uma comunidade que
ainda não rompeu com a instituição apesar de que Jesus tenha sido
declarado um perigo público deveria ser eliminado, por parte da
instituição.
No capítulo 5º deste evangelho começou a perseguição contra
Jesus porque aquela que é a vontade de Deus que Jesus apresenta
que toda pessoa se torne filho dele, para a instituição religiosa é
um crime tão grave que deve ser punido com a morte.
Como é possível que os que devem ensinar ao povo a vontade
de Deus considerem a vontade de Deus um crime grave, sendo que
a vontade de Deus é a acolhida de Deus na existência da gente, um
Deus que quer fundir-se com a pessoa humana e fazer nela sua mo-
radia? É possível, pois isto coloca em perigo a instituição religiosa
que percebe isto.
“Marta, então, logo ficou sabendo que Jesus estava vindo, saiu ao
seu encontro, Maria pelo contrário, ficou sentada em casa” (Jo
11,20). Ao movimento de Jesus corresponde o de Marta e o encon-
tro com Jesus, nos evangelhos, é sempre o encontro de dois movi-
mentos: Jesus vai para Betânia e Marta sai ao seu encontro. Maria
não, pois Maria não sabe ainda da vinda de Jesus. E Marta logo vê
Jesus o acolhe com uma bronca.
Tinha-o avisado que Lázaro estava doente, Jesus nem se impor-
tou.
Nas declarações de Marta o evangelista reflete o que é o senso
comum das pessoas: quanta gente fica contrariada com o Senhor
quando nos parece não intervir na nossa existência e quantas ve-
zes, mesmo aceitando sua vontade, permanece certo rancor para
com este Senhor que parece não se importar e não faz nada.
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chama de ressurreição.
Então Jesus revela que a ressurreição já está presente. Jesus
não diz “eu SEREI a ressurreição”, ele diz: “eu SOU a ressurreição,
pois sou a vida”. Com Jesus a vida eterna não é uma esperança, uma
promessa para o futuro, mas uma certeza para o presente.
Enquanto na teologia judaica a vida eterna era sempre apresen-
tada como um prêmio futuro – ‘se você se comportar direito nesta
vida...’ – para Jesus a vida eterna não é uma promessa para o fu-
turo, mas uma possibilidade já no presente.
Jesus quando fala de vida eterna nunca fala em futuro, não diz
quem crê TERÁ ..., mas quem crê TEM a vida eterna. Não diz quem
ama terá..., mas que ama tem a vida eterna.
Jesus muda radicalmente a perspectiva da vida eterna e agora
o faz com a seguinte afirmação tão importante que Jesus faz a
Marta e, então, para toda a comunidade: “Quem crê em mim tam-
bém se morrer viverá” (Jo 11,25) À comunidade, que na frente da
destruição física da morte de Lázaro, no túmulo há quatro dias e
em estado de decomposição, Jesus garante que o discípulo vive
porque lhe deu adesão: “Quem crê – crer significa dar a adesão a
Jesus – também se morre continuará a viver” (Jo 11,26)
Todos os que derem adesão a Jesus recebem dele o dom do Es-
pírito, a mesma vida divina, e quem tem o Espírito não faz experi-
ência nenhuma da morte.
Jesus para a comunidade que chora um dos seus membros
morto, diz: ‘se esta pessoa creu em mim...’ – crer não significa acei-
tar uma doutrina, uma verdade, mas, como Jesus, ter orientado a
própria existência em favor dos outros.
Se uma pessoa amou, viveu sua vida para o bem dos outros,
apesar de morrer, apesar de agora ser enterrada, ela continua vi-
vendo.
A primeira afirmação é: a pessoa que nós conhecemos e que
morre, se deu adesão a Jesus, isto é, sua vida serviu para comuni-
car vida para os outros, apesar de nós agora vermos um cadáver,
sabemos que continua viva. É o biológico que acaba, não a pessoa.
A outra afirmação mais importante que diz respeito a nós, vi-
vos: “todo mundo que vive e crê em mim” – então nós que estamos
vivos e temos dado adesão Jesus: fizemos da vida um dom para os
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outros – então “todo mundo que vive e crê em mim nunca vai mor-
rer”.
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nossa existência.
Os que entre nós orientam sua vida para o bem dos outros já
possuem, a partir do momento que fazem sua opção, uma vida de
uma qualidade tal que será capaz de superar a morte.
E Jesus pergunta a Marta: “Você crê nisto?” (Jo 11,26). Para Jesus
a morte não existe, mas Marta tem está fé? Jesus a desafia. Esta é a
novidade. Marta acreditava numa ressurreição futura, Jesus, pelo
contrário, pergunta de uma ressurreição presente e eis o cresci-
mento da fé em Marta (e da comunidade) e aí começam logo os
problemas.
“Lhe diz: ‘Senhor eu creio’” – antes Marta sabia, se referia ao co-
nhecimento do passado, agora ele cresceu, agora ela crê– “‘creio
que és o Messias, filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo’” (Jo
11,27).
Marta deixa os ensinamentos do passado, e se abre à experiên-
cia do presente.
Marta compreende que aquele que deve vir ao mundo não é um
profeta como ela pensava – “qualquer coisa que pedirdes...”! um
enviado de Deus – mas é o filho de Deus.
Não precisa mais pedir a Deus porque ele mesmo é Deus. “E di-
zendo isto foi chamar as escondidas Maria sua irmã” (Jo 11,28). Por
que deve chama-la às escondidas?
O evangelista reflete a experiência da comunidade cristã. En-
quanto a comunidade cristã primitiva achava que Jesus era um
profeta, um enviado de Deus, não havia problema nenhum: havia
tantos grupos que criam em tantas coisas...
Mas quando a comunidade cristã chega, até que enfim, a com-
preender que Jesus é o filho de Deus, que ele mesmo é Deus, eis
que então que começam as perseguições.
Marta vai às escondidas até Maria, pois a casa está cheia de ju-
deus, os chefes da instituição religiosa e não pode manifestar a fé
da comunidade.
“Ela, então, como ouviu isto, levantou-se depressa e foi até ele” (J
11,29). Jesus não tinha entrado no povoado, lugar da tradição.
Para fazer a experiência de Jesus precisa largar o ‘povoado’ com
todas as suas seguranças, pois o povoado dá segurança. Jesus
nunca entrará nos povoados, o povoado é o lugar da tradição e o
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Jesus chorou
Aqui temos uma indicação estranha: “Jesus chorou” (Jo 11, 35).
Por que? Se nós pegarmos esta narração como o relato de um fato
histórico, como um fato real, por que Jesus teria que chorar? Se ele
está para ressuscitar Lázaro, para trazê-lo de volta à vida, por que
chorar? O choro de Jesus é de sofrimento, mas não de quem não
tem esperança.
O evangelista quer evitar os fanatismos a respeito da morte,
próprio de algumas comunidades, de uns grupos, a morte é sem-
pre uma experiência triste, mas esta experiência triste não leva ao
desespero, mas a uma dor serena. Jesus chora, pois a ele também
veio a faltar um amigo querido, a pessoa que tinha amado.
“Disseram então, os judeus: ‘vede como ele o queria bem’” (Jo 11,
36). Os judeus como a comunidade não entenderam que a relação
de Jesus com Lázaro não era um querer bem, mas amor.
“Uns disseram: ‘Este que abriu os olhos ao cego, não podia fazer
que este não morresse?’” (Jo 11, 37).
Na cura do cego Jesus tinha repetido os gestos do Deus da cria-
ção, tinha feito barro... agora Jesus completa a ação criadora fa-
zendo que a comunidade tome consciência que a verdadeira cria-
ção culmina com uma vida capaz de superar a morte.
A primeira criação se concluía com a morte, a segunda com a
vida.
“Jesus ainda engasgado e fremindo, vai ao sepulcro” – o evange-
lista usa uma palavra que significava “caverna” – “que era uma ca-
verna e tinha na entrada uma pedra”. (Jo 11, 38).
Por que Jesus usa a palavra “caverna”. A “caverna” indicava o
lugar onde eram sepultados os patriarcas Abrão, Isaac, Jacó. A “ca-
verna” representa o antigo, então Lázaro foi sepultado segundo o
uso antigo.
O tinham colocado num sepulcro, numa caverna e com uma pe-
dra na entrada.
Os túmulos eram grutas onde era colocada uma grande pedra e
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do cristão.
Com esta ordem conclui-se este episódio. Estranhamente Lá-
zaro não diz uma palavra, não faz nenhum gesto.
Lembram que eu comentava que quando, depois de tantos me-
ses de cama, a fisioterapeuta, pela primeira vez, me fez descer da
cama e me fez andar até fora do quarto, eu estava fora de mim pela
alegria, pulava, ria, chorava, não me parecia algo possível e eu pen-
sava: ‘Mas como... eu por uma experiência de doença estou tão eu-
fórico pelo fato que posso sair, Lázaro que estava morto e sepul-
tado, sai, não diz nada, não saúda ninguém, não corre para as ir-
mãs...’ Esta é uma incongruência.
Porque o evangelista não coloca nem uma palavra nem um
gesto de Lázaro? Estranho. Lázaro reaparece, só depois de uma se-
mana. Era costume na comunidade hebraica, depois de uma se-
mana da morte da pessoa fazer um banquete fúnebre.
Preparava-se a mesa e um lugar era deixado vazio. Era o lugar
simbolicamente ocupado pelo morto.
Pois bem, também neste evangelho, uma semana depois, fazem
o banquete e cada uma das personagens faz alguma coisa.
Temos Jesus que é o hospede, temos Marta que serve, Maria
como já o evangelista nos disse é aquela que ungiu os pés de Jesus.
Temos Judas que protesta e temos Lázaro.
Lázaro não faz nada, não diz nenhuma palavra. Lázaro, escreve
o evangelista, estava e temos um verbo meio complicado a ser tra-
duzido “estava co-deitado” com Jesus.
Naquele tempo nos almoços solenes comia-se deitado sobre ta-
petes, com almofadas. A presença de Jesus comporta a presença de
Lázaro.
Então estas indicações preciosas, importantes do evangelista
nos lembram que nossos queridos falecidos estão vivos, nossos en-
tes queridos estão presentes, mas o momento precioso no qual se
manifesta sua presença é o da eucaristia.
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