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Psicanálise e sua Epistemologia

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O que é Epistemologia?
A Epistemologia, embora pareça uma palavra complexa, tem um significado de fácil
compreensão, sobretudo quando buscamos a sua raiz etimológica: episteme e logos,
sendo que a primeira significa ciência e a segunda significa estudo, logo é o estudo da
ciência ou filosofia da ciência.

Sendo assim, a epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e da aquisição do


conhecimento. É uma área da filosofia que se concentra na compreensão da origem,
natureza, limites e validade do conhecimento humano, além de estudar como os seres
humanos adquirem conhecimento, como eles o armazenam e como eles o usam.

Outra perspectiva da epistemologia é o estudo das fontes de conhecimento, como a


experiência, a razão, a intuição, a memória e a ciência. Ravanello et al. (2016) observam
que a epistemologia tem como principal objetivo propor referências sólidas que pautam o
processo de construção do conhecimento, desde a raiz até os métodos de construção
dele, sendo, portanto, o norteador que determina quais teorias e metodologias serão
desenvolvidas.

Desta maneira, ela pode ser considerada como a filosofia da ciência, que procura analisar
criticamente os princípios, hipóteses e resultados de variadas ciências, produzindo
conhecimento científico. Entretanto, é preciso compreender que o conhecimento, ainda
que científico, é provisório e sempre inacabado, pois tende a evoluir constantemente,
além de representar, de acordo com Tesser (1994), os reflexos ideológicos, religiosos,
econômicos, políticos e históricos das sociedades em que eles são produzidos, explicando
o seu caráter transitório.

Psicanálise, Epistemologia e Freud


Quando se pensa na Psicanálise enquanto campo do conhecimento, somos levados a
refletir sobre o seu início, que remonta ao século XIX e aos estudos de Sigmund Freud.

Assim, quando falamos sobre a epistemologia da psicanálise, procuramos compreender


como o conhecimento é produzido, como é validado e como pode ser utilizado
para compreender a mente humana, na perspectiva da Psicanálise. É
imprescindível salientar que essa teoria é vista como uma disciplina que lida com a
subjetividade e com a complexidade da experiência humana, o que torna o estudo de sua
epistemologia uma tarefa desafiadora.

Os estudos de Sigmund Freud


Diante de tais fatos, é possível compreender porque alguns saberes sofrem mais
resistência para serem aceitos como conhecimento científico, dificuldade essa que
também foi vivenciada por Freud quando apresentou à comunidade médica e psiquiátrica
sua teoria sobre o inconsciente, enfrentando inúmeros obstáculos para que a Psicanálise
fosse reconhecida como ciência à época.

Quando tratamos de "resistência", referimo-nos ao não-aceite, por parte da comunidade

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científica, de alguns pressupostos e conceitos elaborados por Freud. Vale dizer que na
Ciência, é comum que alguns estudos sofram esse tipo de resistência e, posteriormente,
sejam abraçados pela comunidade científica, depois de provações e até mesmo estudos
posteriores, que comprovam a eficácia da pesquisa antecessora.

Assim, a resistência pelos estudos de Freud deu-se em si pelo fato de que o estudioso ter
alterado o paradigma do campo de estudo, tornando o sujeito do inconsciente o objeto de
estudo da teoria, rompendo com a tradição de que a Psicologia seria apenas a ciência da
consciência e da razão. Desse modo, ele alterou a forma como se entendia a psicologia
até então. Sobre isso, Ravanello et al., (2016, p.111) explicam que Freud provocou várias
reações contrárias ao propor esse novo campo de estudo e difícil aceitação como uma
teoria científica à época porque

“a psicanálise colocou a sexualidade no cerne de sua teoria, situando o homem como um


ser em conflito entre forças antagônicas (as pulsões e a cultura repressora) e atribuindo
grande importância aos acontecimentos da infância”.

Essa disciplina surgiu como uma abordagem que procurava investigar e tratar os
transtornos mentais através do estudo dos processos do inconsciente.

A resistência em alçar a Psicanálise como uma ciência também estava relacionada ao fato
de que esse campo de estudo está associado aos fatos ocorridos na infância, causando
grande repercussão na sociedade conservadora, visto que para os estudiosos da época,
para além do conhecimento dos traumas e comportamentos erráticos, a psicologia deveria
fornecer subsídios de previsão e controle do comportamento.

Essa visão se transformou com o advento da Ciência Moderna, da qual Descartes é o


principal representante, visto que foi por meio de seus estudos e da máxima “Penso, logo
existo”, que foi proposta a valorização do sujeito racional e da sede da experiência do
saber (RAVANELLO et al., 2016).

Elia (2004) afirma que foi através da ciência moderna, embasada pelo pensamento
cartesiano, que o “discurso do saber se volta se volta para o agente do saber, permitindo
torná-lo, ele próprio, como questão de saber”.

Desta maneira, a Psicanálise postula que o funcionamento psíquico está fundamentado


nas leis que controlam o inconsciente, deixando de lado o caráter puramente racional, ou
seja, somente a razão não é capaz de controlar o próprio indivíduo.

Os pressupostos da Teoria Psicanalítica de Freud


De acordo com a teoria psicanalítica, a mente humana é dividida em três instâncias,
sendo chamadas de Primeira Tópica de Freud: o consciente, o pré-consciente e o
inconsciente, sendo este último visto como a fonte de desejos, impulsos e emoções que
influenciam o comportamento humano, mas que são inacessíveis à consciência.

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As pulsões para Freud

É válido destacar outro conceito dito por Freud: as pulsões. De acordo com o psicanlista,
elas seriam uma força de impacto constante que surgem no interior de cada indivíduo e
para elas não há uma fuga eficaz.

As pulsões são responsáveis por motivar o comportamento humano, e que elas são
divididas em dois grupos: pulsões de vida e pulsões de morte.

As pulsões de vida e pulsões de morte são conceitos criados por Sigmund Freud para
explicar o comportamento humano. Segundo Freud, as pulsões de vida são aquelas que
nos motivam a buscar satisfação e prazer, enquanto as pulsões de morte são aquelas que
nos motivam a buscar a destruição e a aniquilação. Freud acreditava que ambas estavam
em constante luta dentro de nós, e que a maneira como lidamos com essas pulsões
determina o nosso comportamento.

Para ele, as pulsões de vida eram mais fortes do que as pulsões de morte, e que elas eram
responsáveis por nossa capacidade de nos relacionarmos com o mundo ao nosso redor.
No entanto, ele também acreditava que as pulsões de morte eram necessárias para nos
ajudar a lidar com as frustrações e as dificuldades da vida. Assim, as pulsões de vida e de
morte são fundamentais para o equilíbrio emocional e mental de uma pessoa.

Ainda de acordo com Freud, a pulsão figura entre “o anímico e o somático, como
representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo que alcançam a alma,
como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de sua
relação com o corporal”. Ou seja, a pulsão é o desejo mais latente e intrínseco de
cada indivíduo, que muitas vezes entram em conflito com as questões da cultura
repressora, que regula os corpos, as escolhas, as sexualidades, conflitando
muitas vezes com as pulsões de cada um.

A segunda tópica de Freud

A teoria das pulsões de Freud dialoga com o conceito da segunda tópica de Freud, em
que o psicanalista divide o Id, o Ego e Superego, que estrutura o chamado aparelho
psíquico.

O conceito de "aparelho psíquico" foi desenvolvido por Sigmund Freud para descrever a
estrutura da mente humana e os processos mentais que ocorrem nela. Freud acreditava
que a mente humana é composta por diferentes partes interconectadas, que funcionam
juntas para influenciar o pensamento, os desejos, as emoções e os comportamentos de
uma pessoa.

O Id é identificado pelo instinto básico e inconsciente da pessoa. É a parte mais primitiva


da personalidade, que busca satisfazer os desejos e necessidades básicas do indivíduo.
Ele é guiado pelo princípio do prazer, ou seja, busca satisfazer os desejos e necessidades
de forma imediata, sem levar em consideração as consequências.

Já o Ego é a parte consciente da personalidade, responsável por lidar com as demandas do


mundo exterior. É o mediador entre o id e o superego, responsável por satisfazer os

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desejos do id de forma realista e aceitável socialmente. O ego também é responsável por
lidar com a ansiedade, usando mecanismos de defesa para evitar ou minimizar o conflito
entre o id e o superego.

Por fim, o superego é a parte da personalidade que representa os valores morais e éticos
da sociedade. O superego é responsável por controlar os impulsos do ego e do id, e é o
responsável por nos fazer sentir culpa ou vergonha quando cometemos algo errado e nos
impede de agir de acordo com nossos desejos mais primitivos e nos ajuda a nos
comportarmos de acordo com as normas sociais. É possível visualizar a segunda tópica de
Freud a partir do seguinte esquema:

Figura 1 - Aparelho Psíquico de Freud (Id, Ego e Superego)

Fonte: Adobe Stock

Visto as considerações sobre a segunda tópica de Freud, há uma relação intrínseca entre
as pulsões e o Id de Freud, já que o Id é o lugar onde as pulsões residem.

Essas três instâncias do aparelho psíquico - id, ego e superego - estão em constante
interação e podem entrar em conflito entre si, o que pode influenciar o comportamento e
o bem-estar mental de uma pessoa. A compreensão dessas partes do aparelho psíquico é
fundamental para a teoria psicanalítica e a prática da psicanálise.

O Tripé Analítico da Psicanálise


O Tripé Analítico refere-se a três elementos essenciais para o exercício adequado da
psicanálise, que são a teoria, a análise pessoal e a supervisão. Cada um desses elementos
desempenha um papel fundamental na formação e prática de um psicanalista. Vamos
explicar cada um deles:

Teoria: A teoria psicanalítica é o conjunto de conceitos, princípios e ideias


desenvolvidas por Sigmund Freud e outros psicanalistas ao longo do tempo. Ela
fornece a base de conhecimento necessária para entender e interpretar os
processos mentais inconscientes, os mecanismos de defesa, os estágios do

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desenvolvimento psicossexual, a estrutura da personalidade, entre outros aspectos.
O estudo e a compreensão da teoria são fundamentais para um psicanalista, pois
fornecem a base para a prática clínica.
Análise pessoal: A análise pessoal é um componente crucial na formação de um
psicanalista. Consiste em passar por um processo de análise psicanalítica como
paciente, explorando e trabalhando em questões pessoais e inconscientes. A análise
pessoal permite ao futuro psicanalista vivenciar e compreender a dinâmica da
psicanálise em sua própria experiência. Isso promove o autoconhecimento, a
identificação com o papel do analisando e a compreensão das próprias dinâmicas
psíquicas. A análise pessoal é considerada um requisito importante para a prática
ética e eficaz da psicanálise.
Supervisão: A supervisão é um componente de acompanhamento e orientação no
exercício da prática clínica psicanalítica. Trata-se de um processo no qual um
psicanalista mais experiente (supervisor) oferece suporte, orientação e reflexão
sobre o trabalho clínico de outro psicanalista (supervisionando). A supervisão
permite ao psicanalista discutir e aprofundar a compreensão dos casos clínicos,
obter feedback sobre sua prática, refletir sobre questões éticas e aprimorar suas
habilidades. É uma oportunidade de aprendizado contínuo e desenvolvimento
profissional.

O Tripé Analítico da Psicanálise enfatiza a importância da teoria psicanalítica para obter


conhecimento, a análise pessoal para obter autoconhecimento e a supervisão para obter
acompanhamento e orientação na prática clínica. Esses três elementos trabalham em
conjunto para fornecer aos psicanalistas os fundamentos teóricos, a experiência pessoal e
o suporte necessário para a prática eficaz e ética da psicanálise.

A Psicanálise como um novo olhar nos estudos da


Psicologia
Ao fazer essas considerações, Freud contribuiu significativamente para a ciência, tornando
a Psicanálise uma teoria que sistematiza os conhecimentos acerca do funcionamento
psíquico dos indivíduos e segundo Bock; Furtado e Teixeira (2002), seu método de
investigação é de caráter interpretativo, buscando significado naquilo que está oculto e é
manifestado por ações, palavras ou mesmo por abstrações, como os sonhos, delírios, atos
falhos, entre outras.

A epistemologia da psicanálise reconhece a importância da observação clínica como um


método de investigação. Por meio da análise de casos clínicos, os psicanalistas buscavam
identificar os padrões de comportamento e pensamento que poderiam ser atribuídos a
processos inconscientes.

Outro aspecto importante foi a importância atribuída à interpretação, visto que os


psicanalistas acreditavam que a compreensão do conteúdo inconsciente exigia a
interpretação cuidadosa dos comportamentos, sonhos, fantasias e associações livres dos
pacientes.

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Essa investigação se traduz na Análise, tipo de tratamento realizado na psicanálise,
prática em que o analista dirige o indivíduo para observar as construções e
desdobramentos de seu inconsciente. Os estudos freudianos alçaram a sexualidade como
centro do psiquismo, afirmando que mesmo as crianças tinham sexualidade e
desconsiderar esse fato era um enorme erro, pois a observação desse elemento no
desenvolvimento infantil forneceria as bases para a compreensão do indivíduo, mostrando
a sua evolução.

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Referências
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
PSICOLOGIAS: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
492 p.

ELIA, Luciano. O conceito de sujeito. São Paulo: Zahar, 2004. 84 p.

RAVANELLO, Tiago et al. OS CAMINHOS DA PESQUISA PSICANALÍTICA: da epistemologia ao


método. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, [S.I], v. 9, n. 1, p. 110-124, jun.
2016.

TESSER, Gelson João. Principais linhas epistemológicas contemporâneas. Educar em


Revista, [S.L.], n. 10, p. 91-98, dez. 1994.

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