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UMA TEORIA DA MUDANÇA DA PERSONALIDADE

Eugene Gendlin

Síntese

Após umas poucas páginas nas quais são estabelecidos dois principais problemas e duas observações,
apresentar-se-á uma teoria da personalidade. A teoria é um outro passo no trabalho contínuo sobre
"experienciação" (Gendlin, 1957, 1962a, Gendlin e Zimring, 1955). A teoria da experienciação fornece
um quadro de referência no qual considerações teóricas são percebidas de uma nova forma.
Uma teoria requer termos, palavras definidas com as quais se especificam observações e a formulação
de uma cadeia de hipóteses teóricas. A teoria aqui apresentada é desenvolvida dentro desta estrutura
básica, devendo-se observar especialmente os novos termos que são introduzidos e definidos. Estes
termos são enumerados e discutidos (Nós podemos ter uma teoria genuína somente com termos
cuidadosamente definidos e, somente com o uso de termos definidos, podemos modificar, desenvolver
e expandir a teoria).

Problemas e Observações

Na maioria das teorias, os aspectos estáticos de conteúdo e estrutura da


personalidade são fundamentais e, portanto, a mudança de personalidade é um problema
particularmente difícil. O quadro de referência teórico que será apresentado está
especialmente adaptado para explicar mudança, uma vez que ele emprega conceitos que se
aplicam ao processo de experienciação e às relações entre este processo e os aspectos de
conteúdo da personalidade.

Teorias da Personalidade e Mudança da Personalidade

As teorias da personalidade têm se interessado principalmente pelos fatores que


determinam e explicam as personalidades individuais diferentes, como elas são e os fatores
que têm produzido uma dada personalidade. O que é chamado personalidade mantém suas
características apesar das circunstâncias. As aparências de um indivíduo não nos
confundem se são explicadas pela situação em que ele se encontra. Nós também não nos
referimos à personalidade do indivíduo quando ele, sob circunstâncias extremamente
desfavoráveis, exibe comportamentos indesejáveis, ou quando ele se torna amável e seguro
sob a influência de acontecimentos que (como nós dizemos) fariam qualquer pessoa amável
e segura. O que nós atribuímos à personalidade é o inverso: quando um indivíduo, em
circunstâncias extremamente más, permanece amável e seguro, ou quando permanece com
medo ou em sofrimento apesar das oportunidades aparentes e do sucesso. Assim, pode-se
2

dizer que, longe de explicar a mudança de personalidade, nossas teorias têm se empenhado
em explicar e definir personalidade como aquilo que tende a não mudar quando se
esperaria que mudasse.
Até certo ponto é justificável esta forma de ver a personalidade como fatores que
resistem à mudança. Nós comumente pensamos na pessoa englobando identidade e
continuidade através do tempo. Entretanto, os conteúdos e padrões nas teorias são um tipo
de conceito explanatório que, por definição, tornam a mudança impossível. A estrutura da
personalidade (nas teorias) está formulada de uma maneira a partir da qual se possa
afirmar que ela se mantém contra qualquer experiência nova que possa alterá-la. O
indivíduo é visto como uma entidade estruturada com conteúdos definidos. Estes conceitos
explanatórios podem explicar somente por que um indivíduo não pode mudar.
As teorias da personalidade, portanto, têm se concentrado nos fatores que
explicam por que um indivíduo é como é, como ele se tornou assim e como estes fatores o
mantém desta forma, apesar das circunstâncias, das eventualidades e das oportunidades.
Tais conceitos explanatórios do conteúdo e da estrutura revelam-nos o que impede um
indivíduo de ser modificado pelas experiências, quais fatores o forçam sempre (por
definição) a não aceitar ou a distorcer tudo que possa mudá-lo, a não ser (como nós
dizemos geralmente) que sua personalidade (de algum modo) tenha mudado primeiro.
Uma vez que estrutura e conteúdo tendem a se manter e a distorcer a
experiências presente, nós podemos explicar a mudança de personalidade somente se nós
pudermos mostrar exatamente com esta resistência á mudança provoca a mudança.
As teorias no passado não queriam retratar a mudança da personalidade como
impossível. Ao contrário, as teorias afirmam que a mudança realmente ocorre. As principais
teorias da personalidade têm se originado da psicoterapia - o que significa (quando a
psicoterapia é bem sucedida), de uma mudança de personalidade em andamento.
Muito paradoxalmente, enquanto a mudança de personalidade ocorre diante de
seus olhos e com sua participação, os terapeutas apreendem suas mentes formulando o que
está errado. O próprio indivíduo enquanto procura em seus sentimentos e expressa isto, fala
como se todo o esforço fosse para investigar o que está errado - o que tem constituído os
aspectos de sua personalidade que impedem a adaptação e mudança costumeiras. E
usualmente tal indivíduo torna-se consciente de muita coisa que, como ele mesmo dirá, foi
sempre verdade mas que ele não tinha tomado consciência.
Assim, a psicoterapia regularmente nos possibilita a observação de um indivíduo
"descobrindo" ou "tornando-se consciente" desses conteúdos inflexíveis e de sua inabilidade
anterior em percebê-los. As várias teorias da personalidade têm formulado tão bem estes
conteúdos e esta estrutura de automanutenção e censura que, embora tenhamos conceitos
para explicar o que faz um indivíduo ser o que é, não podemos formular como ele muda.
No entanto, todo o tempo o indivíduo tem mudado justamente estes fatores desconhecidos
que formulamos em termos de conteúdos explanatórios estáticos.
Apresentarei, agora, com maiores detalhes os dois principais meios através dos
quais muitas formulações correntes da personalidade fazem a mudança parecer
3

teoricamente impossível. Eu denomino estas duas impossibilidades de "o paradigma da


repressão" e "o paradigma do conteúdo"1.
No entanto, uma vez que estas teorias também afirmam que a mudança ocorre,
tomarei, então, as duas formas principais com que as teorias tentam explicar a mudança.
Tentarei mostrar que as teorias normalmente citam duas observações: um processo de
sentimento e uma certa relação pessoal.

Dois Problemas

O Paradigma da Repressão

A maioria das teorias da personalidade (com palavras diferentes e com


significados um pouco diferentes) compartilha o que denomino "paradigma da repressão".
Elas concordam que nas suas primeiras relações familiares, o indivíduo introjetou certos
valores, segundo os quais ele seria amado somente se sentisse e se comportasse de
determinadas maneiras. As experiências que contradisseram esta exigência foram
"reprimidas" (Freud), ou "negadas à consciência" (Rogers) ou pertencentes ao "não eu"
(Sullivan). Mais tarde, quando o indivíduo depara-se com experiências desta espécie
contraditória, ele deve distorcê-las ou permanecer totalmente alheio a elas. Porque, caso ele
notasse as experiências contraditórias, tornar-se-ia intoleravelmente ansioso. O ego (Freud),
ou autoconceito (Rogers) ou dinamismo do self (Sullivan) influenciam basicamente a
consciência e a percepção. Esta influência é denominada "resistência" (Freud), ou
"defensividade" (Rogers) ou "operação de segurança" (Sullivan) e uma grande parte do
comportamento é assim explicável. Uma personalidade é como é e permanece como é
porque não pode levar em consideração estas experiências. Ou se, de algum modo, a
repressão for retirada forçadamente e o indivíduo se tornar consciente destas experiências,
o ego "perderá o controle", o self "se desintegrará" e "emoções misteriosas", intoleráveis
ocorrerão. Na psicose diz-se que o indivíduo está consciente de tais experiências e o ego ou
a organização do eu, de fato, sucumbiu.
Se o indivíduo precisasse apenas ser relembrado ou ter os fatores reprimidos
trazidos à sua atenção, ele se reajustaria rapidamente. Sempre há pessoas prestativas ou
zangadas que tentam isto e muitas situações exigem imensamente atenção para estes
fatores. O indivíduo, contudo, reprime não só os citados fatores dentro dele como também
qualquer coisa externa que se relacione com estes fatores e o faça lembrar-se deles2. Ele
distorce ou reinterpreta de modo a impedir-se de perceber os aspectos dos eventos e as
pessoas que trariam estes fatores à sua consciência.
Assim, a estrutura específica da personalidade se mantém e uma mudança é
teoricamente impossível. Tudo aquilo que mude o indivíduo nos aspectos necessários é
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distorcido ou permanece não percebido, exatamente no grau e naqueles aspectos nos quais
se poderia suspender a repressão e mudá-lo.
Esta explicação (compartilhada em muitas formas, como eu tenho tentado
indicar, pela maioria das atuais teorias da personalidade) está baseada na extraordinária
maneira através da qual o indivíduo, durante a psicoterapia, torna-se consciente daquilo
que ele há muito tempo vem sentindo, mas não sabia que sentia. Além disso, o indivíduo
compreende quão poderosamente estas experiências anteriormente inconscientes têm
afetado seus sentimentos e comportamento. Tantos indivíduos têm relatado isto que não há
dúvida de que esta é uma observação válida. A questão que se coloca é como formularemos
isto teoricamente.
Uma vez formulada a teoria de acordo com o paradigma da repressão, não
podemos, então simplesmente virar as costas e "explicar" a mudança da personalidade
como um "tornar-se consciente" do que foi previamente reprimido. Uma vez que tenhamos
mostrado que será distorcida qualquer coisa que tente trazer estas experiências à
consciência, não podemos considerar como explicação simplesmente afirmar que a
mudança de personalidade é um tornar-se consciente (isto, por definição, é supostamente
impossível). A mudança acontece. Todavia, afirmar isto não é oferecer uma explicação - é
apenas estabelecer o problema. Podemos tomar o "paradigma da repressão" como um dos
aspectos básicos da mudança de personalidade - um dos dois fatores básicos em que este
capítulo está interessado. A fim de elucidar a mudança de personalidade, teremos de
explicar como este crucial "tornar-se consciente" realmente ocorre e, então, retornaremos e
reformularemos nossa teoria do inconsciente e repressão.

O Paradigma do Conteúdo

O segundo aspecto básico da mudança de personalidade (e a segunda forma


através da qual os atuais modos de formulação tornam a mudança teoricamente impossível)
refere-se à visão da personalidade como composta de vários conteúdos. Por conteúdo eu
designo qualquer entidade definida, quer sejam denominadas "experiências", "fatores",
"ligações E-R", "necessidades", "impulsos", "motivos", "avaliações", "traços", "autoconceitos",
"ansiedades", "sistemas motivacionais", "fixações infantis", "falhas de desenvolvimento" ou
qualquer termo correlato.
Se devemos entender a mudança de personalidade, devemos compreender como
estes constituintes da personalidade podem mudar em sua natureza.
Para explicar esta mudança na natureza dos conteúdos, precisamos de um tipo
de definição (constructos explanatórios) que também possa mudar. Não podemos explicar
a mudança na natureza do conteúdo quando nossa teoria especificamente define a
personalidade apenas como conteúdo. Tal teoria pode formular quais necessidades devem
mudar, e depois pode também formular o que mudou, e em que mudou; porém, enquanto
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todas as nossas explicações forem em termos de conceitos deste ou daquele conteúdo


definido, permanecerá teoricamente inexplicável como tal mudança é possível.
Precisamos de alguma espécie de variável mais básica da personalidade para
formular uma explicação de como, sob quais condições e mediante que processo a mudança
da natureza dos conteúdos pode ocorrer.
Desta maneira, por exemplo, a química define os elementos em termos de
atividades mais básicas de elétrons e prótons, e com isso podemos explicar os processos
subatômicos pelos quais os elementos se engajam em reações químicas e através dos quais
um elemento pode ser bombardeado por partículas subatômicas e transformado num
elemento diferente. Sem estes conceitos, que vêem os elementos como movimentos de algo
mais básico, não poderíamos explicar a mudança química e atômica que observamos, nem
estudar operacionalmente e definir as condições sob as quais ocorre. Podemos apenas
afirmar que em t1 o tubo de ensaio tinha certos conteúdos A e B, enquanto em t2 os
conteúdos eram C e D. Somente se A, B, C e D não forem os conceitos explanatórios
fundamentais, poderemos explicar as mudanças de um para o outro. E assim ocorre
também com mudanças da personalidade. Se nosso principal construto explanatório são
conteúdos, não podemos explicar a mudança na natureza exatamente destes conteúdos.
Nossa conclusão aqui não é simplesmente a de que os conteúdos definidos da
personalidade não existem. Mais precisamente, se definimos a personalidade como
conteúdos e de nenhum outro modo básico, então não podemos usar os mesmos conceitos
para explicar exatamente como estes conteúdos mudam. E, uma vez que são exatamente
estes conteúdos que definem a personalidade (e as circunstâncias nas quais as mudanças de
personalidade devem ocorrer, caso isto seja importante), explicar a mudança passa a ser
uma tarefa teoricamente impossível de ser cumprida pelas teorias da personalidade.
Por exemplo, durante a psicoterapia, o paciente finalmente chega a compreender
estes conteúdos essenciais (eles serão conceituados segundo o vocabulário da teoria
específica que o psicoterapeuta utiliza). Ele constata, então, que estava cheio de
"hostilidade", ou que sentiu e agiu a partir de "desejos sexuais parciais e fixados", ou que ele
"odeia seu pai", ou que ele "é dependente passivo" ou que "quando criança nunca foi
amado". "E daí?", pergunta-se ele. Como se mudam tais conteúdos? Nenhum caminho é
apontado. O fato de que tais conteúdos realmente mudam é o que temos a nosso favor. As
teorias explicam a personalidade em termos destes conteúdos definidos, destas
"experiências" ou "necessidades" ou "falhas". As teorias, contudo, não podem explicar como
estes conteúdos se desfazem e perdem seu caráter para se transformar em algo com um
caráter diferente.
Nosso segundo problema básico sobre mudança de personalidade é, então, este
paradigma de conteúdo. A questão é: de que maneira a natureza das definições de
personalidade deve mudar de forma que possamos chegar à definição que se adeqüe ao
processo de mudança nos conteúdos da personalidade? Ao responder isto, descreveremos
algo mais básico ou fundamental do que os conteúdos definidos. Então, consideraremos
como os conteúdos definidos surgem neste processo mais básico da personalidade.
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Duas Observações Universais de Mudança da Personalidade

Agora que os dois problemas básicos de mudança da personalidade foram


especificados (tornar-se consciente e mudança da natureza dos conteúdos), abordaremos
duas observações sobre a mudança da personalidade. Em contraste com as
impossibilidades "teóricas" mencionadas anteriormente, a maioria das teorias da
personalidade citam duas "observações" que afirmam estar quase sempre envolvidas na
mudança de personalidade:
1. Mudanças da personalidade envolvem alguma espécie de processo afetivo
intenso ou processo de sentimento ocorrendo no indivíduo.
2. Mudanças de personalidade ocorrem quase sempre no contexto de um
relacionamento pessoal em andamento.

O Processo de Sentimento

Quando ocorre uma mudança significativa de personalidade, normalmente


observa-se o sentimento interno, intenso e emocional dos acontecimentos. Gostaria de
denominar "processo de sentimento" a esta dimensão afetiva de mudança de personalidade.
A palavra "sentimento" é preferível a "afetivo", porque sentimento normalmente se refere a
algo concretamente sentido por um indivíduo. Na mudança da personalidade, o indivíduo
sente claramente um retrabalhar interno. Seus conceitos e estruturas tornam-se
parcialmente desestruturados e sua experienciação sentida, às vezes, excede sua apreensão
intelectual.
Em vários contextos tem sido notado que a mudança maior de personalidade
requer não somente operações intelectuais ou de ação, mas também este processo sentido.
Os psicoterapeutas (de qualquer orientação), por exemplo, discutem freqüentemente a
presença ou ausência deste processo de sentimento em um caso particular. Discutem se o
indivíduo, em determinado momento da psicoterapia, está engajado em "mera"
intelectualização, ou se como eles dizem, está "realmente" engajado na psicoterapia. O
primeiro caso, consideram um desperdício de tempo ou uma defesa e predizem que
nenhuma mudança maior da personalidade resultará disto. A segunda possibilidade
favorece a mudança de personalidade.
Embora esta diferença seja discutida universalmente, com muita freqüência é
expressa de forma muito pouco clara e as palavras que sucedem "meramente" ("meramente"
intelectualizando, defendendo, evitando, externalizando etc.) e as palavras que se
encadeiam a "realmente" ("realmente" engajado, lidando com, enfrentando) são tão
indefinidas que podemos simplesmente nos referir a esta diferença como a diferença entre o
"meramente" e o "realmente". Sempre houve muita preocupação com o contraste entre a
"mera" aprendizagem mecânica de fatos e a aprendizagem "real" de alguma coisa (fazendo-
a pessoal, tornado-se capaz de "integrá-la, "aplicá-la" e "elaborá-la” criativamente").
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A aprendizagem "real" é preditiva de resultar em mudança observáveis de


comportamento, enquanto a aprendizagem "meramente" mecânica em resultar em pouca
(ou diferente) mudança de comportamento. Diz-se que o processo de aprendizagem difere
em duas instâncias, dependendo do grau de "motivação interna" do indivíduo, da "sua
forma de absorver novas coisas”, de "aplicar em si mesmo o que aprende", da sua real
apreensão dos significados. Estas frases metafóricas indicam que, mais uma vez, a diferença
entre o "realmente" e o "meramente" na aprendizagem refere-se a uma certa participação
dos sentimentos do indivíduo no processo de aprendizagem.
Permitam-me dar mais alguns aspectos desta observação em psicoterapia.
Um terapeuta adleriano disse-me há alguns anos atrás: "claro que a interpretação
não é o bastante. É claro que a pessoa não muda simplesmente por causa das coisas sensatas
que o terapeuta lhe diz. Mas nenhuma técnica expressa realmente o que provoca a mudança
em si. A mudança surge a partir de alguma forma de digestão emocional; mas, então, você
deve admitir que nenhum de nós compreende exatamente, o que isto vem a ser".
Os terapeutas freqüentemente deixam passar este fato. Empenham-se em ajudar
o indivíduo a explicar melhor o que está errado com ele; contudo, quando perguntamos
como o indivíduo está mudando esta situação de desajuste, agora esclarecida, nada de muito
claro é dito. De alguma forma, ao conhecer seu problema, o indivíduo deveria mudar,
ainda que conhecer não seja o processo de mudança em si.
Um bom diagnosticador, talvez com a ajuda de alguns testes psicométricos
possa, com freqüência, dar uma descrição e explicação muito exata e detalhada da
personalidade de um indivíduo. O terapeuta e o paciente, freqüentemente, ficam sabendo,
após estes testes e de algumas entrevistas, grande parte do que está errado e o que precisa
ser modificado. Não raro, após dois anos de entrevistas terapêuticas, a descrição e a
explanação que foi (ou que poderia ter sido) dada no início parece ter sido bastante correta.
Contudo, existe uma grande diferença entre conhecer a explanação conceitual de
personalidade (que alguém pode delinear em poucas horas) e o processo real de sentimento de
mudança (que, com freqüência, exige anos). Relativamente pouco tem sido dito sobre este
processo3, como alguém pode observá-lo e medi-lo, e justamente de que forma teórica este
processo funciona para permitir a mudança de personalidade.

A relação interpessoal

Assim como o processo de sentimento é observado como essencial na mudança


da personalidade - embora pouco seja dito para delinear, definir observacionalmente ou
explicitá-lo teoricamente - assim também é sempre citada a relação interpessoal. Pode uma
teoria definir a enorme e crucial diferença que faz para o indivíduo relacionar-se com outra
pessoa?
Observamos que quando o indivíduo reflete sozinho sobre suas experiências e
emoções, geralmente ocorre pouca mudança. Observamos que quando ele fala sobre estas
coisas a alguma outra pessoa, ocorre, igualmente, pouca mudança. No entanto, quando
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partimos para um relacionamento pessoal "terapêutico" ou "efetivo" dizemos que a


"sugestão", ou “o apoio libidinal”, ou "a aprovação e o reforço", ou "as atitudes terapêuticas"
das outras pessoas, ou "a conversa entre dois inconscientes", de alguma maneira removem
os fatores que, de alguma forma, modelam todas as suas experiências e relações pessoais e
mantém o indivíduo como ele é. De alguma forma, o indivíduo se "tornou consciente" do
que anteriormente não podia ter consciência, ele é "influenciado" por sugestões, "supera a
transferência”, seu "equilíbrio libidinal" é alterado; ele, agora, de alguma maneira, "percebe
as atitudes" do terapeuta quando, antes, distorcia e antecipava as atitudes dos outros. Este é
realmente o problema da mudança da personalidade, não a sua explicação.
No entanto, observamos, de fato, que quase sempre estas mudanças ocorrem no
contexto de um relacionamento pessoal. Foram oferecidas algumas definições dos tipos de
relacionamentos que afetam (e dos tipos que não afetam) a mudança da personalidade
(Rogers, 1957, 1959). Muito pouco, porém, foi dito sobre como os acontecimentos deste
relacionamento afetam as condições, fazendo com que a repressão e a natureza dos
conteúdos se alterem.
Até agora, formulamos dois problemas da mudança da personalidade e citamos
duas observações: o processo de sentimento no indivíduo e o relacionamento pessoal.
Nossas duas observações e nossos dois problemas estão relacionados: de modo
geral, podemos dizer que, embora sejam teoricamente impossíveis para o indivíduo tornar-
se consciente do que deve reprimir e mudar os conteúdos de sua personalidade em outros
conteúdos, observamos que tanto um fato quanto o outro ocorrem quando o indivíduo está
engajado num profundo e intenso processo de sentimento e no contexto de um relacionamento
pessoal. Precisamos de uma explicação teórica desta possibilidade observada e
necessitamos reformular a teoria da repressão e as definições dos constituintes da
personalidade, de modo que as mudanças observadas possam ser teoricamente formuladas.

A TEORIA

CONCEITOS BÁSICOS - O Que são Eventos Psicológicos?

1. EXPERIENCIAÇÃO

(a) O termo experienciação (em inglês "experiencing") indica que a experiência é


considerada como um processo. (Teremos que definir as concepções teóricas que vão
constituir a estrutura referencial do processo).
É claro que o que foi dito não é realmente uma definição, já que o uso da palavra
"experiências" é correntemente confuso e variado. O campo da psicologia não dispõe de
uma teoria da experiência. No entanto, a teoria da experienciação (Gendlin, 1962) tenta
oferecer um processo para determinar uma teoria da experiência.
Sendo o termo "experienciação" extremamente amplo, termos mais específicos
serão definidos para aspectos mais específicos da experienciação. Qualquer coisa em
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particular que possamos considerar, será uma maneira ou modo particular de experienciação,
ou uma função particular dele, ou um padrão lógico particular que escolhamos para fixar. O
termo experienciação, portanto, denota toda "experiência" vista em termos de estrutura
referencial do processo.
(b) A palavra "experiência" em psicologia, onde quer que seja empregada,
significa acontecimentos psicológicos concretos. O mesmo ocorre aqui: experienciação é um
processo de acontecimentos concretos em andamento.
(c) Finalmente, por experienciação queremos dizer um processo sentido. Com isto
indicamos os acontecimentos sentidos física e interiormente. E sustentamos que "o material"
concreto da personalidade ou dos eventos psicológicos é este fluxo de sentimento ou
sensação corporal.
Experienciação é o processo de sentimentos concretos e corporais que constitui a
matéria básica dos fenômenos psicológicos da personalidade.

2. REFERENTE DIRETO

Tanto em conversas informais quanto em teoria, enfatizamos tão amplamente os


eventos externos e o significado lógico que quase parece ser difícil notar que, além dos
objetos externos e da lógica, também temos um sentimento ou uma sensação corporal
interior. Isto, naturalmente, é um lugar comum que pode ser confirmado por qualquer
pessoa.
Em qualquer momento que deseje, alguém pode se referir diretamente a um
dado sentido interiormente. A esta forma de experienciação denomino "referente direto".
Naturalmente, há outros modos de experienciação. Situações e acontecimentos
externos, símbolos e ações podem interagir com nosso processo de sentimento sem que
qualquer atenção reflexiva seja dada ao referente direto. Estamos conscientes e sentimos
com ou sem esta atenção direta.

3. IMPLÍCITO

É menos aparente, mas, mesmo assim, facilmente verificável por qualquer um,
que este referente direto contém significado. Inicialmente pode parecer que a
experienciação seja simplesmente a sensação interna de nosso corpo, sua tensão ou seu
bem-estar. No entanto, após reflexão ulterior, podemos notar que somente neste sentir
direto temos de fato o significado do que dizemos e pensamos. Porque sem o nosso
sentimento do significado, os símbolos verbais são unicamente ruídos (ou imagens sonoras
do ruído).
Por exemplo, alguém ouve você falar e então diz: "Desculpe-me, mas não entendi
o que você quer dizer". Se você quiser reafirmar o que você disse com palavras diferentes,
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notará que precisará prestar atenção ao seu referente direto, ao seu significado sentido.
Somente assim, poderá encontrar palavras diferentes para reafirmar o que dissera.
De fato, empregamos símbolos explícitos unicamente para pequenas porções
daquilo que pensamos. A maior parte do que pensamos apresenta-se na forma de
significados sentidos.
Por exemplo, quando refletimos sobre um problema, devemos pensar em
diversas considerações conjuntas. Não podemos proceder assim verbalmente. De fato, não
podíamos de modo algum pensar sobre o significado destas considerações se tivéssemos
que ficar revendo os símbolos verbais repetidamente. Podemos, sim, revê-los verbalmente.
Contudo, para refletir sobre o problema devemos usar os significados sentidos - devemos
pensar como "isto" (que verbalizamos previamente) se relaciona com "aquilo" (que também
verbalizamos). Para pensar "isto" e "aquilo", empregamos seus significados sentidos.
Quando os significados sentidos ocorrem em interação com símbolos verbais e
sentimos o que os símbolos significam, denominamos tais significados "explícitos" ou
"explicitamente conhecidos". Por outro lado, com muita freqüência, temos exatamente tais
significados sentidos sem uma simbolização verbal. Ao invés disto, temos um
acontecimento, uma percepção, ou alguma palavra tal como a palavra "isto" (que nada
representa, mas somente indica). Quando é este o caso, podemos denominar de significado
"implícito" ou "implicitamente sentido, mas não explicitamente conhecido".
Note que os significados "explícito" e "implícito" estão ambos na consciência.
Aquilo que concretamente sentimos e que podemos referir interiormente está, certamente,
"na consciência" (embora o termo "consciência" exija algumas reformulações posteriores). O
significado "implícito" é muitas vezes discutido, de forma confusa, como se fosse
"inconsciente" ou "não presente à consciência". Deve ficar muito claro que, uma vez que o
referente direto é sentido e é um dado direto da atenção, ele está "na consciência". Qualquer
coisa denominada "implícita" é sentida na consciência.
Além do mais, podemos agora acrescentar que mesmo quando um significado é
explícito (quando dizemos "exatamente o que queremos dizer"), o significado sentido que
temos sempre contém muito mais significados implícitos do que foi explicitado. Quando
definimos as palavras que acabamos de usar, ou quando "elaboramos" o que queremos
"significar", observamos que os significados sentidos que estamos utilizando, sempre
contém implicitamente muitos, muitos significados - sempre muito mais do que aqueles ao
quais demos uma formulação explícita. Descobrimos que empregamos estes significados.
Descobrimos que eles eram fundamentais para aquilo que de fato explicitamos, que
constituíam o que realmente exprimíamos; no entanto, eram somente sentidos. Eram
implícitos.

4. FUNÇÃO IMPLÍCITA (na percepção e no comportamento)

Até agora, pensamos nos significados implícitos como existindo apenas como
referente direto: isto é, somente se e quando nos referimos à nossa experienciação como um
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dado sentido. No entanto, mesmo sem tal referência direta à experienciação, vida e
comportamento procedem principalmente de significados implícitos. (Os significados
explícitos servem apenas a alguns objetivos especiais). Dizemos, por exemplo, que a
interpretação e reações às situações presentes são determinadas por nossas experiências
passadas. Mas, de que forma nossas experiências passadas estão presentes? Por exemplo, se
observo uma situação imediata e depois a descrevo, de que modo estão presentes, tal como
funcionam neste momento, meu conhecimento de linguagem e minhas lembranças desta
situação que eu estou exatamente observando? Para descrever esta situação, minhas
palavras me surgirão a partir do significado sentido que observo, ao qual eu reajo e agora
significo para expressar. Raramente traduzo em palavras aquilo que agora observo. Nem
penso particularmente em cada uma das experiências passadas que funcionam nesta
observação. Raramente transformo em palavras explícitas aquilo que direi. Todos estes
significados funcionam implicitamente como minha experiências presente e concretamente
sentida.

5. COMPLEMENTO. PROSSEGUIMENTO

6. INTERAÇÃO

Os significados implícitos são incompletos. Completação simbólica - ou


prosseguimento - é um processo sentido corporalmente. Há uma interação, não uma
equação, entre significados implícitos e símbolos.
Devemos salientar mais uma vez que os significados "implícitos" e "explícitos"
são diferentes em sua natureza. Podemos sentir que algumas afirmações verbais expressam
exatamente o que queremos dizer; no entanto, sentir o significado não é a mesma espécie de
coisa que são os símbolos verbais. Como demostramos, um significado sentido pode conter
vários significados, e ser elaborado continuamente. Portanto, o significado sentido não é da
mesma espécie do significado explícito simbolizado com precisão. A razão pela qual a
diferença em espécie é tão importante é que, se a ignorarmos, estaremos admitindo que os
significados explícitos já estão (ou estavam) no significado sentido implícito. Somos levados
a fazer do significado sentido implícito uma espécie de lugar escuro no qual se escondem
inúmeros significados explícitos. Então, erroneamente supomos que estes significados são
implícitos e sentidos somente onde estão "escondidos". Devemos enfatizar, contudo, que o
dado "implícito" ou "sentido" da experienciação é uma sensação da vida corporal. E, como
tal, pode ter inúmeros aspectos organizados, o que não significa serem conceitualmente
formados, explícitos e escondidos. Ao contrário, nós os completamos e os formalizamos
quando os explicitamos.
Antes da simbolização, os significados "sentidos" são incompletos. Eles são
análogos, por exemplo, ao movimento muscular no estômago que denominamos "fome".
Esta sensação certamente insinua alguma coisa sobre o ato de comer, mas não o "contém".
Para ser ainda mais preciso, o sentimento de fome não é o ato de comer reprimido, não
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contém em si a caça de um animal; a matança e a preparação deste animal; a ingestão,


digestão e absorção das partículas alimentícias e a excreção. Assim como todas estas etapas
(algumas delas padronizadas no organismo recém-nascido; outras, aprendidas), o
significado simbólico de "fome" não está contido na sensação de fome indicada pelo
movimento muscular. Os símbolos devem interagir com o sentimento antes de termos um
significado. Os símbolos verbais "fome" e "alimento" devem interagir com o sentimento
antes de levarmos adiante o processo digestivo. O símbolo "fome", como outros aspectos da
busca de alimento ou o sentar-se à mesa, é um passo aprendido do processo digestivo e o
leva adiante. Antes que isto ocorra, o sentimento do movimento muscular contém,
implicitamente, a prontidão padronizada do corpo para uma interação organizada, mas não
as unidades conceitualmente formadas. O sentimento físico implícito é preconceitual.
Somente quando ocorre, de fato, a interação com os símbolos verbais (ou com os
acontecimentos), o processo é realmente levado adiante e o significado explícito é formado4.
Enquanto for implícito, é incompleto, esperando símbolos (ou eventos) com os quais possa
interagir de forma pré-organizada.
Portanto, explicitar é levar adiante um processo sentido corporalmente. Os
significados implícitos são incompletos não são unidades conceituais escondidas. Não são
iguais, em natureza, aos significados conhecidos explicitamente. Não há equação possível
entre significados implícitos e "sua" simbolização explícita. Em vez de uma equação, há
uma interação entre a experienciação sentida e os símbolos (ou eventos).5

O Processo de sentimento - como a mudança ocorre no indivíduo

7. FOCALIZAÇÃO

A focalização (ou, mais exatamente, o "focalizar contínuo") será desenvolvida em


termos de quatro definições mais específicas (8 a 11) que se seguem. "Focalizar" é todo
processo que resulta da atenção do indivíduo ao referente direto da experienciação.
Observamos anteriormente que a referência direta é um modo de experienciação.
O processo de sentimento, que denominamos "experienciação" também ocorre na
consciência do indivíduo como um dado sentido sem que haja referência direta a ele. Nestes
casos, igualmente, a experienciação tem funções importantes na mudança da personalidade,
o que discutiremos mais tarde.
A "focalização" refere-se a como um modo de experienciar, o referente direto,
funciona na mudança da personalidade em andamento.
As definições anteriores (1 a 6) serão empregadas na discussão que se segue e
mais quatro definições relativas à focalização serão formuladas.
A focalização será analisada em quatro fases. Esta divisão em quatro fases é mais
resultado de uma forma própria de formulação do que qualquer divisibilidade em quatro
13

partes inerentes ao processo. Embora ela possa ocorrer nestas fases visivelmente separáveis,
mais freqüentemente ela não ocorre.

8. REFERÊNCIA DIRETA EM PSICOTERAPIA (Fase 1 da focalização)

Um referente definitivamente sentido, mas conceitualmente vago, é diretamente


mencionado pelo indivíduo. Digamos que ele tenha exposto alguma situação perturbadora
ou algum traço pessoal. Ele descreve vários acontecimentos, emoções, opiniões e
interpretações. Talvez ele se autodenomine "bobo", "irrealista", e assegure a seu ouvinte que
realmente saiba mais do que reagir como reage. Está perplexo com suas reavaliações e as
desaprova. Ou o que é a mesma coisa, defende tão fortemente suas reações contra alguma
crítica real ou imaginária, que admite que suas reações não fazem o menor sentido, são
autodestrutivas, irrealistas e tolas. Se ele for ouvido e respondido compreensivamente,
poderá ser capaz de se referir diretamente ao significado que o assunto tem para ele.
Poderá, então, deixar de lado, por um momento, todo o seu melhor julgamento ou maus
sentimentos sobre o fato de ele ser como é, e poderá referir-se diretamente ao significado
sentido do que está falando. Pode, então, dizer algo como: "Bem, sei que não faz sentido,
mas de alguma maneira faz". Ou, "É terrivelmente vago para mim o que tudo isto significa,
mas sinto-o muito definidamente". Pode parecer como se a linguagem e a lógica fossem
insuficientes, mas o problema é somente que não estamos acostumados, e falar sobre algo
que é conceitualmente vago, mas definitiva e distintamente sentido.
Se o indivíduo continua a focalizar sua atenção neste referente direto (se ele não
desvia a atenção disso por lhe parecer muito tolo ou muito duvidoso, como se estivesse
simplesmente se desculpando etc.) pode ser capaz de conceitualizar alguns aspectos mais
amplos dele. Ele pode, por exemplo, descobrir: "Eu sinto desta forma sempre que alguém
age desta ou daquela maneira comigo”. Ou então: "Acho que há algo sobre esta espécie de
coisa que poderia fazer com que algo terrível e ameaçador acontecesse comigo, mas isto é
tolice. Temos que aceitar coisas como estas. Isto é a vida. Mas isto é o que sinto, uma espécie
de terror".
Tendo conceitualizado algum aspecto mais geral deste sentimento, o indivíduo
normalmente sente o significado sentido mais forte e vivamente, torna-se mais excitado e
esperançoso a respeito do processo de focalizar dentro de si mesmo e fica menos propenso
agora a aceitar explicações, acusações e desculpas. É uma descoberta profunda para a
maioria das pessoas quando sentem ser possível continuar a referência direta. Torna-se
profundamente valorizado o fato de "estar em contato consigo mesmo".
Na medida em que o indivíduo continua a focalizar tal referente direto, pode
ficar perplexo pensando "que coisa estranha é essa a que "isto" está se referindo". Pode
chamá-lo "este sentimento", ou "esta coisa toda", ou "esta é a forma como sou, quando isto
ou aquilo me ocorre". Com muita clareza isto é um referente sentido internamente na
experienciação presente do indivíduo. Nada é vago acerca da maneira definida com que ele
sente isto. Ele pode voltar-se para ele com sua atenção interior. Só conceitualmente é vago.
14

Um fato muito importante e surpreendente acerca de referência direta em relação


aos significados sentidos é que se o assunto sob consideração produz ansiedade ou é
altamente desconfortável, este sentimento de desconforto diminui à medida que o
indivíduo se refere diretamente ao significado sentido. Era de se esperar o contrário.
Certamente o oposto é verdadeiro; por exemplo, quando o indivíduo escolhe um entre
vários tópicos para discussão. A perspectiva de falar sobre este assunto difícil, provocador
de ansiedade, certamente faz com que a pessoa fique mais ansiosa do que se tivesse que
falar sobre algum assunto neutro ou agradável. Portanto, ele pode estar sentindo muito
sofrimento interior quando decide afinal trazer à tona este assunto. Contudo, uma vez
dentro do tópico, quanto mais diretamente ele atende ao referente direto, ao significado
sentido, menor é seu desconforto e ansiedade. Se, momentaneamente, ele perde o contato
com este significado, a ansiedade recrudesce e, assim, o desconforto difuso do assunto
retorna.
À medida que o indivíduo simboliza alguns aspectos do significado sentido,
experimenta parcialmente sua adequação pelo seu grau de alívio da ansiedade que sente.
Em contraste com a ansiedade ou desconforto, o significado sentido em si torna-
se mais nítido e distinto, na medida em que é apreendido e simbolizado corretamente. De
fato, a sensação do indivíduo de ter ou não ter simbolizado "corretamente" é parcialmente
exatamente esta sensação de aumento da intensidade do significado sentido6.
Esta diminuição da ansiedade é um fato muito surpreendente, muito contrário às
suposições gerais sobre o material provocador de ansiedade. Geralmente supomos que
focalizar diretamente a experienciação nos torna mais ansiosos. Minhas observações
indicam que o aumento de ansiedade se origina da escolha do tópico e é isto o que
geralmente esperamos. Por outro lado, dado o tópico, quanto mais diretamente
focalizarmos o significado sentido, e mais corretamente simbolizarmos, mais alívio
sentimos. Até um pequeno erro na simbolização (com expressões do tipo: "não, o que acabei
de dizer não está muito preciso") aumenta a ansiedade novamente.
Podemos interpretar teoricamente esta observação em termos das definições 5 e 6
de nosso uso do trabalho de Mead e Sullivan. Simbolizar um significado implícito sentido
diretamente leva o processo orgânico adiante. É sentido assim. Aparece também, a partir do
que deveríamos considerar a referência direta (ou prestar atenção), ela mesma já uma
espécie de simbolização. A referência direta, também às simbolizações resultantes, envolve
alívio de tensão sentida corporalmente.
Existem outras formas de descrever a focalização do indivíduo no referente
direto da experienciação. Podemos dizer que, nesses momentos, sua experienciação está
"adiante de seus conceitos". Ele "guia" seus conceitos. O indivíduo forma conceitos e "os
compara com" o significado sentido diretamente e, nesta base, decide sobre sua exatidão.
Enquanto continua referindo-se diretamente ao significado sentido
(provavelmente está chamando-o "isso"), pode constatar que sua formulação prévia, que lhe
parecia correta, deve ser substituída por outra que, agora, sente ser mais precisa. O ouvinte
pode ajudar apontando suas palavras também para "isso", e ajudando a encontrar palavras
15

e conceitos que o definam com exatidão. 7 O ouvinte, naturalmente, não pode julgar esta
exatidão. Nem mesmo o próprio indivíduo a julga, mas podemos dizer de forma um tanto
poética, que o seu referente promove o julgamento. O ouvinte e o indivíduo podem, assim,
ficar surpresos com a direção que a simbolização toma.
O que apresentamos acima foi uma descrição de como um indivíduo pode
referir-se diretamente ou "focalizar" um referente direto da experienciação que, para ele,
constitui o significado sentido de algum tópico, situação, comportamento ou aspecto da
personalidade.

9. DESDOBRAMENTO (Fase 2 da focalização)

Algumas vezes, ao focalizar-se um referente sentido diretamente, há um processo


gradual de conhecimento explícito do significado. Outras vezes, pode "resolver-se" num
instante dramático. Com muita freqüência, ocorrem os dois: um conhecimento gradual e
alguns instantes durante os quais há uma "revelação visível". Com grande alívio físico e
súbita evidência, o indivíduo, de repente, toma conhecimento. Pode, então, permanecer
sentado, balançando a cabeça para si mesmo, pensando somente palavras tais como "sim",
"eu entendi", sem, contudo, ter ainda encontrado conceitos para dizer a si mesmo "o que
entendeu". Todavia, ele sabe que agora pode dizer. É possível que, se for interrompido, ele
possa "perder isto", de tal forma que mais tarde ele possa somente dizer: "Eu realmente
senti que eu sabia o que era naquele momento, mas agora eu o perdi." Normalmente,
entretanto, encontrará tão rápido quanto possível conceitos e palavras para dizer o que se
revelou. Quase sempre são muitas coisas. Ele compreende, por exemplo, que ele
"naturalmente" está com medo. Ele sequer se permite pensar em lidar com "este" e "aquele"
aspecto da situação e isto porque não acredita que tais aspectos realmente existam. Ele não
imaginava que eles existissem, mas ele também sentia-se compelido para se culpar por eles
como se ele meramente os imaginasse. E se, de fato, eles existem (e eles existem) não sabe
como poderia viver com eles. Ele não se permitiu tentar lidar com eles (agora compreende)
nem mesmo considerá-los qualquer outra coisa que meramente resultando de sua
imaginação, porque se estes aspectos realmente existem, ele está desamparado. Então, não
há nada que ele possa fazer, Mas eles existem. Pelo menos é um alívio saber isto.
Este exemplo ilustra a multiplicidade que geralmente se encontra num
significado implícito que foi sentido como "algo". Pode ser, como, no exemplo, uma
multiplicidade que ainda pode ser considerada "uma coisa". A experienciação não tem uma
unidade definida de experiências.
O exemplo também ilustra que, com freqüência, os significados que descobrimos
com grande alívio não são todos agradáveis ou bons. O problema, de modo algum está
resolvido. Muito pelo contrário, agora realmente parece insolúvel. Agora, torna-se claro o
porquê da ansiedade. Parece, de fato, irremediável. Todavia, há uma grande e física
experiência de redução de tensão quando o significado sentido diretamente se "desdobra"
desta maneira.
16

O desdobramento de um referente sempre envolve um reconhecimento


emocional surpreendente e profundo de um sentido de serem nossos próprios sentimentos
(antes aparentemente tão cansativos). Então, dizemos, repetidamente: "É claro, É claro", ou
"Bem, é exatamente o que era".
As resoluções de problemas podem ocorrer neste estágio porque o que antes era
apenas sentido, agora, realmente, faz sentido. Pois, podemos ver que, dado este ou aquele
julgamento, percepção, evento ou situação, "naturalmente" sentimos como sentíamos antes,
mas, agora, já não o julgamos da mesma maneira. Contudo, meu exemplo ilustrou que,
mesmo quando a solução parece mais distante do que nunca, ainda assim a redução de
tensão fisiológica ocorre e tem lugar uma genuína mudança. Acredito que esta mudança é
realmente mais fundamental do que a resolução de problemas específicos.
Uma totalidade ampla de múltiplos aspectos implícitos do funcionamento e do
não funcionamento da pessoa está sempre envolvida. Pois, quando um referente direto da
experienciação "se revela", ocorre uma mudança muito maior do que a constatação
cognitiva disto ou daquilo. Isto fica mais dramaticamente evidente quando, após o
desdobramento, o indivíduo ainda não vê uma saída. Ele diz: "pelo menos, agora eu sei o
que é, mas como mudarei ou lidarei com isto?". Porém, durante os dias seguintes e na
próxima sessão terapêutica, revela-se que o indivíduo já está diferente, que a qualidade do
problema mudou e o comportamento também está diferente. E como uma boa explicação de
toda esta resolução: "Bem, parece estar tudo bem agora". Há uma mudança global na
maneira geral da experienciação a este respeito. A partir desta mudança sentida, com sua
falta de descrição lógica, surgem algumas de nossas avaliações simplistas. "Aceito isto
simplesmente", dizemos a nós mesmos e aos outros. Podemos lembrar que temos observado
indivíduos, como acabei de descrever, relatarem uma mudança básica dessa maneira
simplista:
"De que forma tudo está diferente?"
"Bem, simplesmente parece tudo bem agora!"
"Você ainda acha que "aquela coisa" pode acontecer e que você não saberia lidar
com ela?"
"Sim, mas agora eu sinto. Bem, é a vida. Esta é a forma como ela é e você tem que
aceitar coisas como estas."
E isto é exatamente o que ele havia dito para si mesmo repetidas vezes, sem
qualquer efeito, antes do processo no qual focalizou o significado sentido e o desdobrou!
Assim, como digo, somente algumas vezes o que é desdobrado leva à solução de
forma explicável. Mais freqüentemente, uma mudança profunda global ocorre quando se
desdobra o referente direto, mesmo quando ele parece se abrir em alguma coisa que soa
pior e mais desesperadora do que aquilo que se esperava. Mesmo que uma resolução
específica seja percebida ou não, a mudança se manifesta ampla e global. Não é apenas este
problema resolvido ou este traço mudado, mas uma mudança em muitas áreas e aspectos.
Podemos dizer que uma vasta multiplicidade de aspectos que estão implícitos em qualquer
significado sentido estão mudados - daí a mudança global. Ou podemos dizer que
17

significados são aspectos do processo de experienciação e que a própria maneira de


experienciar muda, assim também a qualidade de todos os seus significados.
Como um cliente definiu: "Até agora, eu sempre vi este problema em termos de
preto e branco e eu lutava por uma solução que fosse cinza. Mas agora, esta nova forma não
é preta, branca ou cinza. É colorida!" Assim, o desdobramento de um referente direto não
apenas nos informa sobre o que estava envolvido mas, antes, muda toda a maneira de
experienciação.

10. Aplicação Global (Fase 3 da focalização)

Esta maneira global pela qual o processo de referência direta e desdobramento


afeta muitos aspectos da pessoa é notável não apenas em relatos posteriores do cliente sobre
a diferença resultante, mas nos momentos que seguem imediatamente o desdobramento de
um referente sentido. O indivíduo é inundado por muitas associações, diferentes,
lembranças, situações, circunstâncias, tudo em relação a um referente sentido. Embora
conceitualmente elas possam ser muito diferentes, elas compartilham o mesmo significado
sentido como o qual o indivíduo está lidando. Com exceção disto, elas podem se relacionar
com assuntos bastante diferentes e sem relação entre si.8 "Oh! E é também por isso que não
consigo me entusiasmar por isso e isso". "Sim, e outra coisa sobre isto, é que acontece toda
vez que alguém me diz o que fazer ou pensar. Não posso dizer, bem, o que eu penso é mais
importante, porque, veja, esta maneira de me fazer errado, entra aqui". "Oh! E também,
voltando atrás quando isso e isso aconteceram, fiz a mesma coisa!".
Durante este período de "ampla aplicação" que muitas vezes segue o
desdobramento de um referente sentido, o indivíduo pode permanecer em silêncio, só
ocasionalmente expressando em palavras algumas partes desta inundação.
Compreendo que parte destas observações anteriores foram denominadas por
outras pessoas como "insight". Acho que este é um nome errado. Primeiro, a aplicação
global não é de forma alguma resolução de problema (tentativa de encontrar solução), nem
é fundamentalmente uma melhor compreensão. Ao contrário, insight e melhor
compreensão são os resultados, os subprodutos, deste processo, embora alguns de seus
muitos aspectos mudados chamem a atenção para si. Pode-se ter certeza de que para cada
relação ou aplicação que o indivíduo pensa explicitamente, existem milhares sobre as quais
ele não pensa, mas que, no entanto, simplesmente tem mudado. Não é o seu pensamento
sobre a diferença que o desdobramento ocasionou, mas o próprio desdobramento o muda
nestes milhares de aspectos. A mudança ocorre quer ele pense ou não em qualquer dessas
aplicações e quer considere ou não o desdobramento como uma solução. Pois, como
enfatizei, ele pode muito bem sair dizendo, "Não tenho nenhuma idéia do que posso fazer
com isto ou como posso mudar isto". Mas, já houve mudança, e a grande multiplicidade de
aspectos, em que "a coisa" implicitamente funciona, mudou.
18

11. Movimento do referente (Fase 4 da focalização)

Uma alteração definida ou movimento direto é sentido. Este "movimento do


referente" muitas vezes ocorre após as três fases descritas acima. Quando tem havido
referência direta, um desdobramento dramático ocorre, e quando a inundação da aplicação global
diminui, o indivíduo constata que agora se refere a um referente direto que é sentido por
ele diferentemente. Os significados implícitos, que ele pode simbolizar a partir desta
referência direta, são agora muito diferentes. É uma referência direta nova, e assim começa
novamente a quarta fase do processo.
Mas a focalização não é sempre um processo divisível tão nitidamente em quatro
fases. Como foi observado antes, o desdobramento pode ocorrer com ou sem uma notável
inundação de aplicação global. O desdobramento também pode ocorrer sem muita
dramaticidade, em passos muito pequenos de simbolizações sucessivas. E mesmo sem
desdobramento, mesmo sem nenhuma simbolização que pareça correta, a referência direta
do indivíduo pode levar adiante o processo de sentimento e é experienciado com alívio de
tensão corporal. O que estamos chamando aqui de quarta fase de focalização, o movimento
do referente, pode ocorrer em qualquer um desses momentos. Usualmente, a referência
direta sozinha não muda ou move o referente direto, mas de fato torna-o mais forte, mais
nítido e mais distintamente sentido. Ela aumenta sua intensidade como sentimento e
diminui a tensão difusa, o desconforto e a ansiedade. Contudo, algumas vezes, o mero
processo da referência contínua direta mudará ou "moverá" o referente direto. Com maior
freqüência, tal movimento, ocorre após, pelo menos, algum desdobramento e simbolização,
e especialmente depois da inundação sentida da aplicação global.
O indivíduo sente distintamente uma mudança na qualidade do referente
sentido. Não é somente uma mudança, mas um "dar" ou "um movimento" experienciado
que se sente certo e bem-vindo. Sua tremenda importância reside no fato de que, após tal
movimento do referente (ainda que muito pequeno), os significados implícitos são
diferentes. "O cenário", que se enfrenta, muda.
É exatamente este movimento do referente, o que está usualmente faltando
quando se fala para si mesmo, quando se enumeram todas as boas razões, considerações e
maneiras que se deviam sentir, e seria mais sensato sentir etc. Na maioria das vezes, depois
disso, o mesmo referente sentido imutável ainda está lá e a mesma ansiedade também. A
partir desta falta de movimento do referente, sabe-se que nada mudou.
Ao contrário, depois do movimento do referente, os significados e as
simbolizações, que se formulam, são diferentes. A cena toda é diferente. Naturalmente, na
maioria das vezes em tal etapa não se encontram "soluções". O indivíduo pode dizer: "Bem,
tampouco isso me ajuda, porque agora este sentimento inútil, parece exatamente como se
fosse o pior crime do mundo ser impotente, fraco, permitir que tudo aconteça a você. Não
posso suportar isto também. Não sei o que há de tão ruim nisso. Quero dizer, se na
verdade, na realidade, de qualquer maneira, não posso fazer nada a respeito". Vemos que
não há sugestão de qualquer coisa como uma solução, mas as considerações relevantes, que
19

circundam, mudam agora. O que ele observa e simboliza é diferente, como também é
diferente o referente sentido a que o cliente se refere.
O movimento de referência dá direção ao processo de focalização. A atenção e a
simbolização do indivíduo tendem a seguir esta direção que produz o movimento do
referente.
Sem o movimento de referência, o que é dito é "mera" conversa, "mera"
intelectualização, "mera" sutileza de distinções, ou "mero" relato.
O movimento de referência é a experiência direta de que tem ocorrido algo mais
que lógica e verbalização. O movimento pode muitas vezes ser logicamente analisado (isto
é, podem ser formuladas relações lógicas entre o que ele disse antes e o que diz agora).
Contudo, tal análise lógica pode ser feita entre qualquer verbalização quer tenha havido ou
não movimento de referência. E, com freqüência, para um pequeno pedaço do movimento
de referência, a mudança lógica ou conceitual é extremamente ampla. Até mesmo um leve
movimento de referência pode contribuir para o que conceitualmente parece um ponto
favorável completamente diferente.
O movimento de referência é uma mudança no significado sentido que funciona
na simbolização.
Espero ter transmitido alguma coisa das características coincidentes do que
chamo as quatro fases da focalização. Resumindo-as: fase 1 - referência direta a um
significado sentido que é conceitualmente vago, mas caracterizado como sentido; fase 2 - o
desdobramento e a simbolização de alguns aspectos; fase 3 - uma inundação da aplicação
global; fase 4 - movimento do referente; e o processo pode começar de novo com a fase 1.
Estas quatro definições (8-11) definem "focalização"9.

12. O processo autoimpulsionado de sentimentos

Na medida em que se empenha na focalização e na medida em que o movimento


do referente ocorre, o indivíduo se vê puxado numa direção que não escolheu nem previu.
Há uma força propulsora muito forte exercida pelo referente direto naquele momento. O
indivíduo pode "sair do caminho", "falar sobre outras coisas", ou tolerar consideravelmente
uma porção de comentários dispersivos e deduções inúteis de seu ouvinte, e ainda assim, o
dado sentido, o referente direto permanece surpreendentemente como a "próxima coisa"
com a qual ele deve lidar.
Se a capacidade de resposta do ouvinte torna isto possível, o indivíduo descobre-
se movendo-se a partir de um movimento do referente e desdobrando para outro e para
outro. Cada vez que a cena interior muda, novos significados sentidos estão lá para ele. Os
ciclos das 4 fases colocam em ação um processo generalizado de sentimentos. Este processo
de sentimento tem uma qualidade de autoimpulso muito marcante e concretamente sentido.
Como psicoterapeuta tenho aprendido que devo depender deste processo
autoimpulsionado no cliente. Este é um princípio importante, porque tenho o poder de
confundir o cliente. Quando o faço (mediante muitas explicações ou insights meus sobre o
que ele diz), então este processo de sentimentos não ocorre. Por outro lado, também aprendi
20

que minhas perguntas e expressões pessoais podem ser úteis desde que dirija o que digo ao
referente sentido do indivíduo e mostre que gostaria que ele continuasse a focalizá-lo.
A fim de permitir que o processo de sentimento surja, devemos algumas vezes
permanecer calados, pelo menos por breves períodos. Se o cliente ou eu falamos o tempo
todo, pouca referência direta pode ter lugar. Portanto, quando ele parou de falar e eu parei
de responder, fico contente se houver um pequeno silêncio no qual ele possa sentir o
significado do que estivemos dizendo. Fico especialmente contente se a próxima coisa que
ele então falar, não seguir simples e logicamente o que acabamos de dizer, mas mostrar que
um referente sentido proporcionou a transição do que ele disse para o que diz agora. Esta
"descida" nele próprio, este focalizar e este processo generalizado de sentimento que surge,
abre a verbalização para o fluxo subjacente de eventos de mudança de personalidade. Este
processo de sentimento auto-impulsionado é o motor essencial da mudança de
personalidade.
Uma vez que este processo tenha surgido, continua mesmo nos intervalos entre
as vezes em que o indivíduo se engaja nas quatro fases do processo de focalização que
delineei. Assim, durante os vários dias entre as duas sessões de psicoterapia, o cliente pode
descobrir importantes pensamentos, sentimentos, lembranças e insights que "chegam" até
ele. Pode descobrir uma "agitação" generalizada, uma "multiplicidade de acontecimentos"
interiores, mesmo sem um conteúdo específico simbolizado. Desta forma, o processo global
de sentimentos torna-se autoimpulsionado e mais amplo do que as quatro fases de
focalização que descrevi.

O papel do relacionamento pessoal - como as respostas de outra pessoa afetam a


experiência do indivíduo e como "os conteúdos" da personalidade são basicamente
mutáveis por este meio.

Tendemos a nos preocupar tanto com os conteúdos (significados simbolizados)


que algumas vezes discutimos questões psicológicas como se a personalidade não fosse
nada mais do que conteúdo. Esquecemos as diferenças óbvias que existem não apenas no
que é a experiência de um indivíduo num dado momento, mas também como ele
experiencia. Por isso, fazemos uma pergunta tal como: Que diferença faz o relacionamento
pessoal já que o indivíduo pode pensar e sentir os mesmos conteúdos tanto quando ele está
sozinho como quando fala a outra pessoa?
Muitas vezes um psicoterapeuta (ou qualquer ouvinte que deseja dar ajuda útil)
sentirá que "deve fazer alguma coisa", "acrescentar alguma coisa", trazer algum novo
conteúdo ou insight, de modo a ser útil e fazer diferença.
No entanto, já existe toda uma diferença entre como a gente pensa e sente quando
está sozinho e como a gente pensa e sente com uma outra pessoa. O conteúdo conceitual pode
(por um tempo) ser o mesmo quando o indivíduo pensa e sente sozinho, mas a maneira de
21

experienciar será totalmente diferente. Considero, por exemplo, o tipo de ouvinte que
interrompe com suas próprias preocupações e está inclinado a se aborrecer e a criticar
muito mais antes de compreender o que é dito. Com ele, minha maneira de experienciar será
muito restrita. Pensarei menos e sentirei menos do que quando estou sozinho. Tenderei a
dizer rapidamente o que preciso em termos gerais, aproximados, conclusos. Não tenderei a
sentir profundamente, ou intensamente, ou ricamente. Certas coisas nunca me ocorrerão
quando estiver como ele ou, se de fato me ocorrerem, guardá-las-ei para quando estiver
sozinho e poder senti-las integralmente, sem os efeitos restritivos de suas respostas. Todos
nós conhecemos esta diferença entre a maneira de nossa experienciação com certas pessoas
em comparação com a maneira quando estamos sozinhos.
De modo semelhante, existem outros (somos afortunados em conhecer um) com
quem sentimos mais intensamente, mais livremente nossos sentimentos. Pensamos em mais
coisas, temos a paciência e a habilidade de aprofundar detalhes, toleramos melhor nossas
tensões interiores quando falamos com esta pessoa. Se estivermos tristes e
melancolicamente sozinhos, então choramos com esta pessoa. Se estivermos paralisados por
nossa culpa, vergonha e ansiedade, então, com esta pessoa, voltamos novamente à vida,
interiormente, como sendo mais do que estas emoções. Se tivermos mostrado aversão e
aborrecimento conosco ao ponto de nos tornarmos silenciosos e mortos por dentro, então,
como esta pessoa "voltamos à vida" novamente. Quando contamos a esta pessoa alguma
estória antiga, familiar, muitas vezes repetida, descobrimo-la mais rica e com um novo
significado e podemos não ir até o fim dela por conta das muitas facetas do significado
pessoal que agora se desdobra.
Como podemos explicar teoricamente estas diferenças na maneira de
experienciarmos em diferentes relacionamentos e na de experienciarmos sozinhos?

13. A maneira de experienciar

Qualquer que seja e conteúdo que dizemos experienciar, existe também a forma
com que experienciamos. Poucos termos na nossa linguagem psicológica formal denotam
diferenças na forma de experienciar. Vamos, portanto, definir mais alguns termos (Estes
termos sobrepõem-se, de modo que a explicação completa de um deles nos leva a outros).
Imediaticidade da experienciação. Imediaticidade pode ser contratada com
desassociação ou adiamento do afeto. Normalmente termos descritivos e poéticos são
inventados pelos indivíduos para descrever imediaticidade e seus opostos: "Faço tudo certo,
mas não estou nisso", ou "Sou um espectador do meu comportamento"; "O que isso significa
para mim me ocupa tanto que não me dou conta do que está realmente acontecendo"; "A
vida está correndo bem, mas estou lá pra trás. Simplesmente ouço falar dela, não a estou
vivendo."
Presença. Estou realmente reagindo à situação presente? Estou sentindo um agora,
ou a situação presente é simplesmente uma ocasião, um sinal para um padrão de
sentimentos familiar, repetidamente estruturado?
22

Riqueza de novo detalhe. A experiência de qualquer momento possui uma multidão


de novos detalhes que experiencio implicitamente, alguns dos quais eu posso simbolizar e
diferenciar. Em contraste, o padrão estruturado de sentimentos consiste em apenas algumas
emoções e significados. Algumas vezes, no entanto, não tenho nenhuma das riquezas do
presente, somente o mesmo antigo, viciado padrão de sentimento. Em tais casos, os
psicólogos são propensos a notar principalmente o conteúdo do padrão viciado. Dizemos:
"Isto é uma reação de protesto contra a autoridade", ou "isto é uma necessidade de
domínio”, ou um impulso sexual infantil "parcial" tal como o "voyeurismo" ou o
"exibicionismo", ou uma "necessidade agressivo-passiva". Tendemos a negligenciar o fato
de que tais padrões de sentimento são também diferentes na maneira de uma experienciação
imediata, presente e ricamente detalhada. Não é somente que eu reajo pobremente à
autoridade. Mais precisamente, reajo desta maneira a toda pessoa que eu perceba como uma
autoridade. E mais importante, reajo a ela como uma autoridade e não à pessoa dela e às
suas múltiplas facetas ou da situação que estão presentes e que são diferentes de qualquer
outra situação. O "padrão autoridade", ou qualquer padrão semelhante, é realmente apenas
um simples esboço. Minha experienciação é, na forma, ligada à estrutura quando experiencio
somente este simples esboço e sinto somente este simples conjunto de emoções, desprovida
da miríade de detalhes novos do presente. Posso ressentir os comportamentos de meu
patrão mesmo se minha forma de experienciar fosse ótima. Demasiado tempo e atenção são
gastos em decidir se minha reação a ele deve ser culpa minha ou dele. Não importa. O que
importa é a maneira de minha experienciação. Não importa quão desagradável ela seja
realmente, se minha experienciação for ligada à estrutura, nem sequer experiencio sua
desagradabilidade, exceto como meros sinais para a experiência de minha antiga simples
estrutura.
Todos congelados. Muitas vezes falamos de conteúdos ou de "experiências" como
se fossem unidades fixas, modeladas, possuindo uma estrutura fixa. Mas este é o caso
somente quando minha experienciação, em sua forma, está ligada à estrutura. Por exemplo,
quando ouço você me dizer alguma coisa sobre seus sentimentos, posso ocasionalmente
pensar em minhas experiências. Preciso dos sentimentos e significados de minhas
experiências a fim de compreender os sentimentos e significados de sua experiência.
Contudo, se devo permanecer pensando na minha experiência explicitamente como tal,
então não posso apreender os significados que suas experiências têm para você. Insistirei,
então, que suas experiências são as mesmas que a minha (ou, se for sensato, saberei que não
estou compreendendo você). A não ser que minhas experiências funcionem implicitamente de
modo que possa compreender você de uma forma nova, não posso realmente compreender
você de modo algum. Enquanto minha experienciação estiver ligada à estrutura, não
funcionará implicitamente. Não é sentida "no seu todo" por mim com seus milhares de
aspectos implícitos funcionando de modo que chegue a algum novo significado, algo que
você está tentando me transmitir. Ao contrário, neste aspecto, minha experiência é uma
"totalidade congelada" e não se afastará de sua estrutura. Tudo que exigir a função implícita
23

da experienciação nestes aspectos me faz sentir a minha estrutura de todos congelados e


nada de novo.
Repetitivo versus modificável. Uma vez que dentro da simples estrutura do todo
congelado a experienciação não funciona em interação com os detalhes presentes, a
estrutura não é modificável pelo presente. Daí, permanecer a mesma, repetir-se em muitas
situações sem nada mudar. Enquanto a maneira de experienciação permanecer ligada a
estrutura, as próprias estruturas não são modificáveis pelas ocorrências presentes.
Funcionamento implícito ótimo. A partir do que está dito acima, fica claro que, na
medida em que a forma de experienciar estiver ligada a estrutura, o funcionamento
implícito da experienciação não pode ocorrer. O indivíduo, para interpretar e reagir, tem
um padrão de sentimento estruturado, no lugar dos múltiplos significados implícitos que
devem interagir com o detalhe presente.

Estes termos definem maneira de experienciar.

14. Em processo versus preso à estrutura

A experienciação está sempre em processo e funciona sempre implicitamente. Os


aspectos que estão presos à estrutura não são experienciação. O conteúdo conceitual numa
maneira abstrata pode parecer ser o mesmo com diferentes formas de experienciação.
Entretanto, na maneira presa à estrutura o processo está, em certos aspectos, ausente. Por
"ausente", queremos dizer que, de um ponto de vista externo, podemos observar que o
funcionamento implícito da experienciação deveria estar ali, mas há somente a estrutura de
processo-omitido e a experienciação que o cerca e que prepara o caminho para ele. Desta forma
dizemos que os aspectos presos à estrutura não estão em processo.

15. Reconstituição

Anteriormente, dissemos que os símbolos, ou os acontecimentos, podem levar


adiante o processo de experienciação. Experienciação é essencialmente uma interação entre
sentimento e "símbolos" (atenção, palavras, acontecimentos), exatamente como a vida
corporal é uma interação entre corpo e ambiente. Em sua natureza básica, o processo da vida
física é interação. Exige não somente o aparelho respiratório do corpo, mas também
oxigênio. E o aparelho respiratório do corpo em si consiste de células que, por sua vez, são
processo químicos que envolvem oxigênio e partículas alimentícias. Se aplicarmos este
modelo conceitual do processo de interação à experienciação, poderemos considerá-la uma
interação de sentimentos e acontecimentos ("acontecimentos" aqui inclui ruídos verbais,
comportamentos dos outros, ocorrências externas - qualquer coisa que possa interagir com
os sentimentos).
24

Se formulamos a teoria da experienciação desta maneira, podemos formular por


que as respostas de outra pessoa afetam tão fundamentalmente a forma de experienciar do
indivíduo. Pois, se houver uma resposta, haverá um processo de interação em andamento. Alguns
aspectos da personalidade estarão em processo. Contudo, sem a resposta, não haverá (nestes
aspectos), de modo algum, um processo.
Subjetivamente, fenomenologicamente, as pessoas descrevem isso como "tornar-
se vivo por dentro" ou como "sentimento de múltiplas facetas" de si mesmo. Respostas
podem reconstituir o processo de experienciação em aspectos nos quais, antes da resposta,
não havia processo (nenhuma interação entre sentimento e alguma coisa mais e nenhum
processo de interação em andamento).
A condição peculiar da "experiência" que não está em processo tem confundido a
psicologia por muitos anos. Tem sido chamada "inconsciente" 10, "reprimido", "oculto",
"inibido", "negado" etc. O fato é que observamos indivíduos sentindo consciente e
ativamente (em formas que não estavam presentes antes) quanto eles estão respondendo de
certas maneiras. O indivíduo sente que os sentimentos "de alguma forma, têm sempre
estado lá, mas não foram sentidos". A psicologia não pode negar esta observação comum.
Uma maneira de formulá-la é como a reconstituição do processo de experienciação.

16. Os conteúdos são aspectos do processo

O que é um "conteúdo" da experiência (ou uma "experiencia", quando isto se


refere a um conteúdo dado)? Notamos (definições 3 e 5) que os significados implícitos
sentidos da experienciação podem ser colocados em interação com símbolos verbais.
Dizemos, então, que os símbolos "significam", ou "representam" o que a experiência é
"sobre" ou, mais simplesmente, que os símbolos simbolizam a experiência. Tal unidade
simbolizada é um conteúdo.
Desta maneira, a fim de haver um conteúdo, algum aspecto da função implícita
(cf. def. 4) deve estar ocorrendo na interação com símbolos.
Mas, e se não houver, no momento, nenhum símbolo verbal? Então, não haverá
nenhuma experienciação em andamento? A resposta é que os símbolos verbais não são os
únicos acontecimentos com os quais os sentimentos podem estar num processo de interação.
As ocorrências externas, as respostas de outra pessoa, até mesmo nossa própria atenção
podem interagir com o sentimento de modo a constituir um processo.
Portanto, é freqüente o caso de haver um processo de experienciação em
andamento sem símbolos verbais. De fato, muitas situações e comportamentos envolvem
sentimentos em interação com acontecimentos não verbais. A experienciação funciona
implicitamente com inumeráveis significados que, quando sentidos (sem simbolização
verbal), são aspectos da interação em andamento.
Os aspectos nos quais a experienciação está em andamento são também aqueles
em que podemos simbolizar verbalmente conteúdos. Os aspectos nos quais ela não está em
andamento (não importa como isto possa aparecer externamente) não podem ser
25

verbalmente simbolizados. Só pode ser dado um significado geral, inútil, pouco expressivo
aos conceitos dos conteúdos supostos, que não são, neste instante, aspectos do processo. Os
conteúdos são aspectos do processo sentido em andamento. Quer dizer, os conteúdos são
aspectos do processo.

17. A lei de reconstituição do processo de experienciação

Um indivíduo pode simbolizar somente aqueles aspectos que já estão


implicitamente funcionando na experienciação em andamento.
Em qualquer experienciação (isto é, em qualquer interação de sentimentos e
eventos em andamento) uma multiplicidade de significados implícitos são aspectos do
processo (assim chamados "conteúdos"). Desta forma, para qualquer experienciação em
andamento no momento, podemos simbolizar múltiplos conteúdos. Estes são incompletos
(def. 5) até que alguns símbolos (ou eventos) levem adiante o processo nestes aspectos.
Assim, há duas definições diferentes: levar adiante e reconstituir. "Levar adiante"
significa que símbolos (eventos) ocorrem para interagir com aspectos da experienciação em
andamento que já funcionam implicitamente. "Reconstituir" significa que o processo torna-
se em andamento e a funcionar implicitamente em aspectos em que anteriormente não
estava em andamento.
Podemos agora estabelecer a lei de reconstituição do processo de experienciação:
Quando alguns aspectos da experienciação, que estão funcionando implicitamente são levados
adiante por símbolos ou eventos, a experienciação resultante sempre envolve outros aspectos
algumas vezes recentemente reconstituídos os quais, por isso, entram em processo e funcionam
implicitamente nessa experienciação.

18. Hierarquia dos aspectos do processo

Se conteúdos são vistos como aspectos do processo - isto é, como aspectos da


experienciação em andamento que funcionam implicitamente - então, a lei da reconstituição
implica que alguns conteúdos (aspectos do processo) podem ser simbolizados antes que
outros conteúdos (aspectos do processo) possam, desta forma, tornar-se aspectos do processo
que são capazes de ser simbolizados.
Este fato dá à autoexploração do indivíduo um caráter ordenado ou hierárquico.
É como se ele pudesse "chegar a" algumas coisas somente através de outras. Devemos
deixá-lo andar seu "próprio caminho", não porque acreditamos em democracia, não porque
gostamos da autoconfiança, mas porque somente quando o processo de experienciação está
sendo reconstituído, de modo que certos aspectos tornam-se implícitos nele, ele pode
simbolizá-los.
26

19. Processo de self

Na medida em que a experienciação realmente funciona implicitamente, o


indivíduo pode responder a si mesmo e pode levar adiante sua própria experienciação. Esta
interação dos sentimentos do indivíduo com seu próprio comportamento (simbólico ou
real), denominamos "self"11. Um termo mais exato: processo de self.
Na medida em que a experienciação não funciona implicitamente, o indivíduo
não pode responder a si mesmo e levar adiante sua experienciação. Em quaisquer aspectos
em que ela não funcione (está presa à estrutura), as respostas são necessárias inicialmente
para reconstituir o processo de interação da experienciação nestes aspectos.
Por que o indivíduo não leva adiante sua experienciação que já funciona
implicitamente em forma que reconstituiria de novo modo aspectos da experienciação
ligados à estrutura? Naturalmente, ele não pode responder aos aspectos ligados à estrutura
como tais (não funcionam implicitamente), mas nem o psicoterapeuta pode. A resposta
psicoterapêutica pode ser definida como aquela que responde a aspectos da experienciação
que estão funcionando implicitamente, mas aos quais o indivíduo tende a não responder.
Mas precisamente, a resposta do cliente é uma estrutura total congelada que não leva
adiante o processo de experienciação sentida nestes aspectos.

20. A resposta reconstituidora é indicada implicitamente

A resposta que reconstituirá o processo de experienciação (em algum aspecto preso


à estrutura) já está implícita12 na experienciação do indivíduo.
Deve-se responder à experienciação em funcionamento e não à estrutura. Na prática
isto significa que deve-se considerar o significado declarado do aspecto do cliente em
funcionamento e dar a ele uma resposta pessoal. Ninguém é muito modificado por respostas
e análises a respeito de como ele não funciona (embora sejamos tentados nesta direção).
Vemos que o comportamento do indivíduo no trabalho frustra seu desejo de trabalho, que
seu comportamento sexual afasta oportunidades para uma sexualidade genuína, que seu
desejo de agradar lhe faz desagradar as pessoas, que sua forma de procurar as pessoas
realmente as afasta, que sua autoexpressão é dramática e oca. No entanto, estas estruturas
são suas respostas a seu desejo de trabalhar realmente em funcionamento, sua sexualidade
realmente em funcionamento, seu desejo de se relacionar com as pessoas e de estar próximo
a elas realmente em funcionamento e seu real anseio de autoexpressão. Somente se
respondermos a estes aspectos de sua experienciação realmente em funcionamento (não
obstante o caráter obviamente oposto de seu comportamento e de sua resposta simbólica do
self), poderemos levar adiante o que agora é real e reconstitui o processo onde o cliente, por
si, havia (simbólica e realmente) respondido apenas com a estrutura.
27

21. Primazia do processo

Tendemos a negligenciar o fato de que os conteúdos são aspectos do processo.


Prestamos maior atenção aos conteúdos como significados simbolizados com implicações
lógicas específicas (que eles também são). Daí muitas vezes discutimos a autoexploração
como se ela fosse um interrogatório puramente lógico em busca de respostas conceituais.
No entanto, na psicoterapia (como também na autoexploração particular de cada um) o s
conteúdos lógicos e os insights são secundários. O processo tem primazia. Devemos prestar
atenção e simbolizar a fim de levar o processo adiante e com isto reconstituí-lo em alguns
novos aspectos. Somente então, quando novos conteúdos passam a funcionar implicitamente
nos sentimentos, podemos simbolizá-los.
Na definição 9 notamos que "desdobramento" pode ocorrer como um "agora
consegui" sentido, inteiramente sem simbolização. Isto é uma experiência direta de
reconstituição. A reconstituição ocorre quando se simbolizam significados que, nos
momentos anteriores, haviam estado implícitos. O levar adiante estes significados
implícitos tem como resultado envolver o processo mais amplo que reconstitui os aspectos
novos.
Em psicoterapia, portanto, a situação não é inicialmente entender o que está
errado com o indivíduo e como ele deve mudar - e então, de alguma maneira, ele muda. Ao
contrário, sua experienciação conosco já é vitalmente diferente do que poderia ser
previamente. Desta experienciação diferente surgem as soluções do problema. As
mudanças já estão ocorrendo enquanto ele fala. Nossas respostas (como símbolos verbais e
como eventos) interagem e levam adiante sua experienciação. Nossos gestos e atitudes, o fato
mesmo de ele estar falando para nós, as diferenças que a cada momento ele assume para
nós - tudo isto interage concretamente com o que implicitamente funciona nele, sua
experienciação sentida. Conceitualmente isto pode parecer uma afirmação fútil e uma
reafirmação de problemas. Ou, conceitualmente, podemos chegar às causas e fatores mais
básicos - as formas em que um indivíduo deve mudar, as razões e as carências que o
impedem de mudar - mas não se chega a nenhuma solução conceitualmente. A busca
conceitual termina por um encolher de ombros e por atribuir algum rótulo censurável ao
indivíduo a quem, em virtude da má vontade ou constituição, se diz faltar esse ou aquele
elemento fundamental básico. Entretanto, dadas certas respostas interpessoais, ele já está
diferente.
Por primazia do processo sobre o conteúdo conceitual significamos este fato13. O
processo de experienciação presentemente em andamento deve ser levado adiante
concretamente. Por isso é em muitos aspectos reconstituído, feito mais imediato em sua
maneira de experienciação, mais cheio de detalhes diferenciáveis. Por isso surgem novos
aspectos do processo (conteúdos), "soluções" e mudanças de personalidade. Muito
freqüentemente estas soluções parecem, conceitualmente, terrivelmente simples (veja
definição 9)14. Ao contrário, elas são conceitualizações grosseiras de uns poucos aspectos de
um processo amplamente diferente.
28

22. Unidade do processo

Existe um único processo que envolve tudo o que vem a seguir: interação
ambiental, vida corporal, sentimento, significados cognitivos, relações interpessoais e self.
O processo ocorrendo concretamente é único, apesar de podermos isolar e enfatizar estes
vários aspectos dele. Nossa "linguagem de coisas" tende a apresentar tudo o que discutimos
como se fosse objeto separável no espaço. Desta maneira separamos artificialmente meio
ambiente, corpo, sentimento, significados, outras pessoas e self 15. Quando eles são
discutidos como coisas separáveis, suas inter-relações óbvias tornam-se confusas: Como
sentimentos podem estar envolvidos nas doenças corporais (psicossomáticas)? Como
pensamento cognitivo podem ser influenciados por necessidades sentidas? Como é que
expressando nós mesmos interpessoalmente resulta em mudança no self? Em cada conjuntura,
a visão de "coisa separada" destes fenômenos constrói estes quebra-cabeças presentes em
nossas discussões. Em vez disto, podemos empregar um quadro de referência que
considera o processo indivisível que ocorre concretamente. Quero dar o nome de unidade de
processo à forma em que o processo único concreto é básico para estes vários aspectos.
Tentamos mostrar que o sentimento é um acontecimento corporal, um aspecto do
processo fisiológico. Mostramos que os significados cognitivos não consistem somente de
símbolos verbais ou pictóricos, mas também de uma sensação sentida que é implicitamente
significativa e deve funcionar em interação com símbolos. As respostas interpessoais (como
outros tipos de eventos) podem interagir com sentimento e levar adiante o processo concreto.
Agora, tentaremos mostrar que o self (as respostas próprias do indivíduo à sua
experienciação funcionando implicitamente) é também um aspecto do processo indivisível
concretamente sentido, em continuidade com o corpo, sentimento, significados e relações
interpessoais.

23. O processo do self e sua continuidade interpessoal

Em toda esta discussão estivemos lidando com um processo de interação que


ocorre concretamente entre sentimento e evento. Os eventos interpessoais ocorrem antes de
haver um self. Os outros respondem a nós antes que cheguemos a responder a nós mesmos.
Se estas respostas não estivessem em interação com o sentimento - se não houvesse outra
coisa além das respostas de outras pessoas como tais - o self não poderia se tornar mais do
que as respostas aprendidas dos outros. Mas respostas interpessoais não são meramente
eventos externos. Elas são eventos em interação com o sentimento do indivíduo. O indivíduo,
então, desenvolve a capacidade de responder a seu sentimento. O self não é meramente um
repertório aprendido de respostas, mas um processo de respostas a sentimento.
Se o sentimento não tivesse um significado implícito, então, todo significado
dependeria totalmente dos eventos e respostas que ocorrem. Novamente, então, o self
poderia tornar-se algo além de uma repetição de respostas dos outros. O indivíduo teria
29

sempre que se interpretar e moldar seus significados pessoais exatamente como os outros o
interpretassem.
Mas o sentimento tem significados implícitos. Portanto, na medida em que um
processo de sentimento está ocorrendo, podemos, mais adiante, responder a ele
diferentemente do que os outros responderam. Contudo, na medida em que respondemos
ao nosso próprio sentimento de modo a omitir ou parar o processo em vez de levá-lo
adiante, neste ponto necessitamos dos outros para ajudar-nos a sermos nós mesmos. Não só
a gênese, mas também o desenvolvimento adulto do self pode também exigir respostas
interpessoais. Tais respostas são exigidas não por causa de sua avaliação ou conteúdo, mas
porque precisamos delas concretamente para reconstituir o processo de sentimento. Se em
certos aspectos o processo não está em andamento, quando estamos sós, não ajuda
enumerar para nós mesmos alguns conteúdos ou apreciações oportunas que possamos nos
lembrar de uma pessoa com quem sentimo-nos "mais nós mesmos"; o efeito daquela pessoa
sobre nós foi causado não por sua apreciação ou avaliação, que podemos recitar para nós
mesmos. Ao contrário, o efeito ocorreu através de suas respostas ao nosso processo concreto
de sentimento e, em alguns aspectos, o reconstituiu e o levou adiante. Se pudermos fazer
isso sozinhos, somos selves independentes nesse aspecto.
Desta forma, a mudança de personalidade em nós não é um resultado de nossas
percepções das apreciações positivas de outra pessoa a nosso respeito ou de atitudes para
conosco. É verdade que atitudes rejeitadoras em relação a nós são desfavoráveis para levar
adiante nossos significados implícitos. Contudo, isso não decorre da apreciação negativa
como tal, mas por que normalmente a rejeição ignora os significados implícitos do meu
sentimento. Rejeitar é repelir ou afastar. Em contraste, "a consideração positiva
incondicional" de alguém para conosco não é somente uma apreciação ou atitude. Ela
responde e leva adiante o processo concretamente em andamento com suas respostas.
Devemos, portanto, reformular o ponto de vista de Rogers de que a mudança de
personalidade depende da percepção por parte do cliente da atitude do terapeuta. A teoria
que apresentamos implica que o cliente pode ou não perceber corretamente as atitudes do
terapeuta. Ele pode estar convencido de que o terapeuta não gosta dele e possivelmente não
pode compreendê-lo. Não são estas percepções, mas a maneira do processo que está realmente
ocorrendo, que determinarão se ocorrerá uma mudança de personalidade. Em muitos casos,
o cliente pode perceber atitudes positivas do terapeuta somente após já ter ocorrido o
processo concreto de mudança de personalidade.
O fator efetivo de mudança não é a percepção de um conteúdo, de uma
apreciação, de uma avaliação, ou um atitude considerada à parte do processo concreto.
Mudança de personalidade é a diferença produzida pelas tuas respostas em levar
adiante a minha experienciação concreta. Para ser eu mesmo, preciso de tuas respostas, na
medida em que minhas próprias respostas falham em levar meus sentimentos adiante. Em
princípio, nestes aspectos, sou "realmente eu mesmo" somente quando eu estou com você.
Por algum tempo, o indivíduo pode ter este processo do eu mais pleno somente
neste relacionamento16. Isto não é dependência. Isto não deveria levar a pessoa a regredir,
30

mas a respostas mais completas e profundas que levariam adiante a experienciação, a qual,
por enquanto, o indivíduo diz poder sentir "somente aqui". O levar adiante continuado para
o processo de interação em andamento é necessário para reconstituir a experienciação o
suficiente para o indivíduo adquirir, por si mesmo, a habilidade de levá-la adiante como
processo do self.

Repressão e definições de conteúdo reformuladas

24. O inconsciente enquanto processo incompleto

Quando se diz que o "ego" ou o "sistema do self" "exclui" algumas experiências


originadas na consciência (awareness), normalmente se supõe que estas experiências, no
entanto, existem "no inconsciente" ou "no organismo". Nossa discussão, contudo, leva-nos à
conclusão de que elas não existem. Alguma coisa existe, com certeza, mas não são as
experiências como elas seriam se estivessem favoravelmente em andamento. Em vez disto,
o que existe é uma condição fisiológica sentida que resulta, quando, em alguns aspectos, o
processo de interação corporal é interrompido - isto é, não está ocorrendo. Que espécie de
condição é esta?
Mostramos como a disfunção resultante será tal que alguma coisa está "faltando",
mas não deveríamos colocar o que está faltando no inconsciente (assim como não
deveríamos colocar comer no inconsciente quando alguém está com fome). Antes, o
inconsciente consiste em processos corporais bloqueados, o bloqueio muscular e visceral -
exatamente como uma corrente elétrica bloqueada não consiste de uma corrente que
continua a ocorrer ocultamente, mas, ao contrário, consiste de certos potenciais elétricos que
se desenvolvem em várias partes (não somente na interrupção) do circuito. Quando um
condutor restabelece a corrente elétrica, ocorrem acontecimentos diferentes dos que
estavam ocorrendo em sua condição interrompida - todavia, naturalmente, as duas estão
relacionadas. Dizemos que isto é a energia elétrica que existia (em forma estática) antes que
a corrente fosse reconstituída. Isto é o "inconsciente".
Quando dizemos que certas experiências, percepções, motivos, sentimentos etc.
estão "ausentes" de nossa consciência, não é que eles existam "abaixo" da consciência (em
algum lugar lá embaixo no corpo ou no inconsciente). Ao contrário, há interação e
experienciação restringida ou, em alguns aspectos, bloqueada. A forma de experienciação
que descrevemos é uma em que, em muitos aspectos, o processo de experienciação e de
vida corporal não está "completo" ou acontecendo plenamente.
Isto quer dizer que não há inconsciente algum? Somente existe aquilo de que
estamos conscientes? Colocar o assunto nesta forma tão simples ignora observações
importantes. A teoria que apresentamos deve ser capaz de explicar estas observações17.
Portanto, estamos basicamente reformulando a teoria do inconsciente em vez de
dispensando-a de qualquer maneira simples. O inconsciente é redefinido como processo
incompleto.
31

Uma vez que não há distinção nítida entre levar adiante o que é implicitamente
sentido, e a reconstituição da experienciação em aspectos previamente bloqueado (o primeiro
envolverá o segundo), o dado sentido que está lá, num sentido contém tudo. Em que
sentido? No sentido de que, sendo dadas respostas que levam plenamente adiante a ele, tudo
estará aqui como aspectos do processo em andamento.
Portanto, na prática, a regra é esta: "Não se preocupe com o que não está sendo
sentido. Responda ao que está sendo sentido".

25. Maneira extrema de experienciação presa à estrutura (psicose, sonhos, hipnose, CO2,
LSD, privação de estímulos)

Todo o tempo, estivemos discutindo o processo de interação sentido, que funciona


implicitamente, que denominamos "experienciação". Temos mostrado que todo
comportamento apropriado e interpretações das situações presentes dependem deste
funcionamento sentido. Ele constitui os milhares de significados e experiências passadas que
determinam o comportamento presente apropriado. Além disso, é este funcionamento
sentido ao qual podemos responder a nós mesmos, e isto é o processo do self. O
funcionamento que estou discutindo é sentido, significando que nós próprios podemos
referir-nos a ele. Por exemplo, enquanto lemos esta página, as palavras são imagens sonoras
para nós. Estas imagens sonoras são tudo o que explicitamente temos na mente. Contudo,
também temos os significados destas imagens sonoras. Como? Não dizemos a nos mesmos o
que tudo isso significa. Sentimos o significado do que lemos na medida em que
prosseguimos. Elas funcionam implicitamente. Este processo de sentimento é uma interação
entre os símbolos na página e nosso sentimento. Este processo sentido de interação está
agora em andamento e nós dá sentimentos e significados apropriados.
Quando o processo de interação é muito resumido (como no sono, hipnose, psicose
e experimentos de isolamento), a experienciação sentida interiormente é com isso também
resumida. O indivíduo então carece da função implícita da experienciação sentida e perde
tanto o sentido do "self" quanto sua capacidade de responder e de interpretar
apropriadamente acontecimentos presentes. Ambos exigem o processo sentido ilustrado há
pouco.
Os fenômenos peculiares que ocorrem sob estas circunstâncias são um pouco
mais compreensíveis quando são considerados em termos de redução ou bloqueio do
processo de interação e função implícita da experienciação sentida.
Gostaria agora de apresentar alguma das características desta maneira extrema de
experienciação presa à estrutura (alucinatória ou semelhante a sonho).
As estruturas são percebidas como tais. Geralmente, experiências e aprendizagens
passadas funcionam implicitamente na experienciação sentida, de modo que interpretamos
e percebemos o presente, não as experiências passadas em si mesmas. Todavia, sob hipnose,
nos sonhos, nas alucinações, podemos perceber estruturas rígidas e acontecimentos
passados como tais. Caracteristicamente, não temos, então, os aspectos relevantes do
32

processo sentido que funcionam normalmente. Dessa forma, alucinações e sonhos não são
compreensíveis ao indivíduo presente. Ele fica confuso ou espantado com eles. Muitas
vezes lhe parecem que não são seus. A experienciação sentida, que lhe daria um sentido de
eles serem "seus" e lhe permitiria conhecer seu significado, não está em andamento. Sonhos
e alucinações são, por assim dizer, peças decompostas daquilo que seria de outra forma um
processo sentido em funcionamento. Este processo de interação com o presente não está em
andamento e daí os significados sentidos não funcionam.
Permitam-me, agora, delinear através das diferentes espécies de circunstâncias
como em cada uma delas o processo de interação está resumido e como a função de
experienciação sentida está, então, faltando.
Uma maneira extrema presa à estrutura ocorre todas as vezes que o processo de interação
está grandemente resumido. Sonhos, hipnose, psicose, CO2, LSD e a privação de estímulos
compartilham, pelo menos, um fator: a restrição de uma interação em andamento.
No sono há uma grande redução de estímulos externos. Os sonhos ocorrem com
esta restrição do processo de interação com o ambiente normalmente em interação.
Na hipnose, também, o sujeito deve desligar sua interação com os estímulos
presentes e deve parar sua própria capacidade de responder a si mesmo. Ele deve se
concentrar num ponto.
A psicose, como tem sido muitas vezes observado (por exemplo, Shlein, 1960),
envolve tanto em sua gênese como, mais tarde, um "isolamento", uma restrição de interação
entre sentimento e acontecimentos: também o isolamento físico da pessoa pode, em alguns
indivíduos, provocar alucinação.
Certos venenos (Co2, LSD) são prejudiciais ao processo de interação fisiológica
da vida corporal: CO2 restringe (e eventualmente paralisa) o processo de respiração.
Os experimentos em que os indivíduos são colocados em vestes à prova de som e
de luz que também impedem os estímulos do tato provocam (depois de algumas horas)
alucinações do tipo psicótico.
As experiências peculiarmente semelhantes que surgem nessas condições
amplamente diferentes sugerem alguma coisa comum. Ao menos um fator todas elas
compartilham: a restrição do processo de interação em andamento que, enquanto sentido, é
a experienciação. Esperaríamos assim uma falta de funcionamento implícito que a
experienciação em andamento normalmente fornece.
E, de fato, isto é compartilhado pelos fenômenos que ocorrem em todas estas
circunstâncias. O caráter peculiar destes fenômenos é compreensível como uma rigidez ou
falta deste funcionamento sentido que normalmente interpreta cada situação presente para
nós e a qual respondemos no processo do self. Desta maneira, perdem-se a interpretação
apropriada das situações e o sentido do self.
Falta de função implícita. Esta função implícita (veja definição 4) da experienciação
sentida torna-se rígida (não em processo) ou "literal" em todas estas condições. Na hipnose,
por exemplo, quando se diz ao indivíduo "levante sua mão", ele levantará a palma da mão
até o pulso. Não interpretará, como quando acordado, a frase idiomática apropriadamente
33

(significa, naturalmente, levantar todo o braço). A mesma qualidade literal ocorre nos
sonhos e na psicose. Muito do que tem sido chamado "processo primário", "pensamento
esquizofrênico" ou inabilidade do esquizofrênico para "abstrair" seu pensamento "concreto",
seu "tomar a parte pelo todo" (Goodstein, 1954), realmente consiste nesta maneira literal e
rígida em que a experienciação funciona. Como nos sonhos e na hipnose o processo sentido
de experienciação está restringido e não supre seu funcionamento implícito.
Os muitos significados implícitos sentidos que são necessários a interpretações e
reações apropriadas não funcionam, uma vez que o processo sentido (do qual eles são
aspectos do processo) não está em andamento. É isso exatamente o que significa "literal": a
falta de funcionamento de outros significados, que deveriam informar nossa interpretação
de um dado conjunto de palavras ou acontecimentos.
A perda do self. Uma outra característica compartilhada nos sonhos, na hipnose, na
psicose e nos fenômenos obtidos pela privação de estímulos e pelo LSD é a perda de um
sentido do self. Nos sonhos o que percebemos está fora do controle, interpretação e posse
do self (ou ego). Na hipnose, o indivíduo aceita especificamente as sugestões dos outros
como sendo suas e permite-as substituir totalmente suas próprias respostas. E na psicose, o
indivíduo freqüentemente se queixa: "Eu não fiz isto. Algo me fez fazê-lo", ou "Não sou eu
mesmo", ou "Estas vozes não são minhas", ou "Dentro de mim não há nada mesmo". As
alucinações, as vozes, as coisas em sua cabeça não são sentidas lhe pertencer. Ele carece de
sentido do self. Se ele não tem um sentido do self (um "ego intato"), esta sensação sentida
não informa os fenômenos alucinatórios. Em relação a isso, ele não tem nenhum sentido do
self que contenha implicitamente seu significado.
Esta perda do self é decorrente da perda do funcionamento da experienciação
sentida. Da mesma forma, como os acontecimentos externos (no caso da psicose) não são
interpretados e interconectados com fundamento na experienciação sentida, esta
experienciação sentida está faltando para as respostas do self.
Definimos o self como um autoprocesso. O self existe na medida em que o
indivíduo pode levar adiante seu processo sentido através de seus símbolos,
comportamentos ou atenção. Os experimentos com privação de estímulos têm constatado
que os indivíduos que desenvolvem psicose mais lentamente têm uma maior capacidade de
responder a si mesmos (maior "imaginação" e "criatividade" como isto foi chamado). Os
resultados corroboram nossos pontos de vista, pois, na medida em que o indivíduo pode
levar adiante sua própria experienciação, estará mantendo (pelos símbolos e pela atenção)
seu processo de interação. Quando o processo de interação está grandemente restringido,
não somente ocorrem experiências parecidas com experiências psicóticas, mas o sentido do
"self" é perdido. O processo sentido ao qual pode haver uma autoresposta torna-se estático e
o indivíduo tem percepções alienadas de si.
Forma estática, repetitiva, imutável. Na medida em que o funcionamento implícito
da experienciação sentida for rígida, não há forma para as situações presentes interagirem
com ela e modificá-la, de modo que se torna uma interpretação da situação presente. Em
vez disso, percebemos um padrão repetitivo que não é modificado pela situação presente. A
34

seqüência pode "ser interrompida" como um resultado de ser "insinuada" pela situação
presente, mas não é uma interpretação de, ou uma resposta a, acontecimentos presentes.
A universalidade dos conteúdos psicóticos. As experiências na forma extrema de
presa à estrutura não são aspectos do processo. Elas ocorrem precisamente na media em que o
processo sentido não está ocorrendo. É surpreendente como certos temas universalmente se
repetem - normalmente os temas familiares "oral, anal, genital". Parece que esta é a matéria
da qual somos todos compostos... e na qual o processo normalmente em andamento se
decompõe, enquanto não está em andamento.
As experiências psicóticas não são "o reprimido". É falacioso considerar estas
manifestações presas à estrutura como experiências reprimidas que agora "emergiram" ou
"irromperam". Considerá-las assim levanta o embaraçoso problema: por um lado muitas
teorias sustentam que o ajustamento requer consciência e que a pressão gera desajuste, mas
por outro lado, elas também sustentam que o psicótico está "demasiadamente consciente" e
necessita "reprimir" todas estas experiências.
Uma formulação melhor, penso eu, seria interpretar esta observação da seguinte
maneira: num grau ótimo estas experiências passadas universais funcionam implicitamente
na experienciação sentida. Quando este processo em andamento cessa, padrões estáticos
decompostos ocupam o centro do "sensorium"18.
As implicações desta formulação podem ser vistas,por exemplo, no que se segue.
"A psicose", neste ponto de vista, não é esses conteúdos supostamente subjacentes (nesse
sentido, todo mundo é psicótico). Antes, "a psicose" é a restrição ou cessação do processo de
interação do sentimento e dos eventos. Quando, portanto, rotulamos um indivíduo de "psicótico
limítrofe", isto não significa que certos conteúdos perigosos estão lá dentro dele. Mais
apropriadamente, ele está "isolado", "alienado", "um tanto por fora", "retraído" ou "fora de
contato consigo mesmo"; isto é, sua maneira de experienciação está altamente presa à
estrutura. A fim de prevenir a ocorrência da "psicose", deve-se responder tanto quanto
possível a tais sentimentos como, de fato, implicitamente funcionam, de modo a levar
adiante e reconstituir a interação e a experienciação em andamento.
O enfoque de "conteúdos psicóticos latentes" conduzem a dois erros perigosos:
ou decidimos que é melhor ignorar os sentimentos de dificuldades e os problemas do
indivíduo (a fim de que não "rebentem" em plena psicose), ou os "interpretamos" e os
"desenterramos". Qualquer decisão resultará em psicose - elas envolvem a mesma
concepção errônea autoverificadora de que os "conteúdos" são psicóticos.
Não há nada psicótico acerca de quaisquer "conteúdos subjacentes". O que é
psicótico é a forma presa à estrutura da experienciação, a ausência ou a rigidez literal da
experienciação sentida e da interação.
Quer "limítrofe" ou aparentemente "perdida", a pessoa "voltará viva" se a
interação e a experienciação19 forem reconstituídas por respostas pessoais que levem
adiante aquilo que de fato ainda funciona20.
35

26. Mutação de conteúdo

Quando os sentimentos sentidos funcionando implicitamente são levados adiante e


processo é reconstituído e feito mais imediato na maneira, há uma mudança constante no
"conteúdo". Quando o movimento do referente ocorre, tanto a simbolização quanto o referente
direto mudam. Há uma seqüência de "conteúdos" sucessivos. Algumas vezes, dizemos que
estes conteúdos sucessivos "emergem" como se tivessem sempre estado lá, ou como se o
conteúdo final básico fosse agora finalmente revelado. Mas, eu prefiro chamar isto mutação
de conteúdo. Não é uma mudança somente em como a gente interpreta mas, antes uma
mudança tanto no sentimento quanto nos símbolos. Os conteúdos mudam porque o
processo está sendo de novo completado e reconstituído pelas respostas. O que serão os
conteúdos dependem grandemente das respostas.
Já foi dado um exemplo de mutação de conteúdo (definições 8 e 9). Aqui estão mais
alguns exemplos de mutação de conteúdo.
A cliente se sente aterrorizada. Ela diz que acontecerá "o fim do mundo". O
mundo voará aos pedaços. Algo terrível irá acontecer. Há um monstro.
Aqui está a "psicose" alguém poderia dizer. De qualquer maneira, um conteúdo
psicótico bastante comum.
Ela diz que está com um medo horrível. Eu respondo que ela está com medo e
que desejo fazer-lhe companhia e estar com ela, já que ela está com medo. Ela repete que
está com medo. Não importa quão muita ou quão pouca simbologia significativa haja para o
"fim do mundo", ela está com medo agora.
Minutos ou meses depois, ela pode dizer:
"Estou com medo de estar perdida. Estou perdida. Estou tão perdida."
"Durante anos eu tinha que saber exatamente o que fazer a cada momento. Tinha
de planejar saber exatamente o que fazer de modo a não me distrair. Era como viseira.
Tinha uma espécie de medo de olhar para cima. Precisava de alguém ou de alguma coisa
para me apoiar, ou iria desaparecer."
Isto é mais compreensível que "o fim do mundo". O conteúdo parece agora ser
"perda-de-objeto" ou "necessidades dependentes passivas". Seja o que for, a resposta
necessitada deve oferecer contato: tomo sua mão ou falo gentilmente, dizendo algo -
pertinente ou não - algo de mim para manter contato e não para desviar o medo de estar
perdida. Em termos de unidade de processo, tal conversação e tal toque são realmente a
mesma coisa naquilo que ambos restabelecem a interação. Para se fazer isso deve-se ser
pessoal e deve-se converter a necessidade de "apoiar-se" num contato em andamento bem
sucedido, real ou simbólico.
"Preciso de apoio, mas sou um monstro. Ninguém me ama. Você deve estar
enjoado de mim. Eu preciso tanto, tudo que faço é necessidade. Sou somente egoísmo e
maldade. Vou sugar você até secá-lo, se possível. Sou exatamente uma boca horrível".
Necessidades orais, incorporação oral são agora os conteúdos que podem ser
propostos.
36

Mas sua necessidade parece na verdade sem fim, infinita, faminta. "Certo", digo,
"Parece sem fim, sem fundo, terrível para você. Como se você desejasse ser alimentada e
sustentada para sempre".
Então, ou em alguma outra vez, ela pode dizer: "Sou exatamente uma criança.
Odeio essa criança. Uma criança feia. Eu era uma criança feia. Ninguém poderia gostar de
mim da maneira que sou".
Mas caminhamos uma longa jornada quando o monstro é agora uma criança!
Uma criança é algo muito apreciável. O que foi feito do monstro? Uma criança é uma coisa
humana, a cada dia, natural. O que foi feito do terror? Da psicose?
Tal mutação de conteúdo pode ocorrer em poucos minutos ou meses. Pode ocorrer
em tais palavras e símbolos como acima, ou em linguagem pura socialmente aceitável, ou
com palavras bizarras incoerentes, ou em silêncio. O ponto que estou tentando mostrar é
que as mudanças de conteúdo ocorrem quando a gente responde e com isto leva adiante e
reconstitui um processo de interação. Tal interação constitui a experienciação sentida, e os
conteúdos são sempre aspectos disto. Quando o processo muda, os conteúdos mudam.
Chamo isto mutação de conteúdo.
A mutação de conteúdo ocorre surpreendentemente com os assim chamados
"conteúdos psicóticos". Os monstros, os medos sobrenaturais, as fomes infinitas, os terrores
que predizem o fim do mundo são freqüentemente aspectos de isolamento, perda do self e
de interação. Não são "coisas" psicóticas numa pessoa, mas um processo de interação
restringido ou bloqueado. Quando o processo de interação é restaurado, os conteúdos
mudam e, também, tornam-se mais compreensíveis e comumente humanos.
Mas a mutação de conteúdo não ocorre somente com expressões tão dramáticas,
como no exemplo citado acima. Ocorre igualmente com os indivíduos muitas vezes calados,
inexpressivos e "não motivados" com quem temos estado amplamente trabalhando na
pesquisa em andamento sobre psicoterapia com esquizofrênicos (Shlien, 1960; Gendlin,
1961), embora estes indivíduos conceitualizem tão pouco do que estão sentindo. Segue mais
um exemplo de mutação de conteúdo.
Um indivíduo fala sobre uma cadeia de circunstâncias que o perturbam.
Numerosos padrões, características e "conteúdos" de personalidade parecem perceptíveis
em seu relato destas circunstâncias.
Talvez com a ajuda de respostas, ele continue a ver que esta cadeia de
circunstâncias realmente lhe dá muita raiva. É isto mesmo! Ele está furioso. Ele deseja poder
prejudicar e destruir as pessoas envolvidas. Teme que as ataque na próxima vez que as
encontrar. Espera poder controlar este desejo destrutivo. Está abismado diante de sua
hostilidade e do seu próprio medo disto. Ele mal precisa ser estimulado para relatar as
circunstâncias, tão profundamente verdadeira é sua experiência desta raiva e da
necessidade destrutiva. Mais uma vez, agora, estamos tentados a considerar os conteúdos da
personalidade. Nossas primeiras deduções parecem agora demasiado amplas. Aqui,
realmente, temos alguns conteúdos da personalidade deste homem. Estamos familiarizados
37

com este medo de nossa hostilidade e com o que provavelmente são algumas das bases da
hostilidade.
Mas suponhamos que o homem continue (e eu continue a responder a seus
significados sentidos) Ele se imagina tentando dar vazão à sua raiva para com estas pessoas.
Ele verifica agora que não teme que irá atacá-las incontrolavelmente e prejudicá-las. É mais
provável (entre todas as coisas!) que ele nem sequer será capaz de gritar para eles, porque
irá chorar. Está certo de que sua voz ficaria embargada. De fato, agora mesmo, ela está um
pouco embargada. Esta coisa, parece agora, não é realmente hostilidade. Ao contrário, é ele
que se sente tão ferido! Não lhe deviam ter feito isto! Ferem-no e ... que pode ele fazer? E
agora ele sente, com algum alívio, que finalmente está em contato com o que tudo isto
realmente significa para ele. (Podemos, agora, propor um terceiro grupo de conteúdos da
personalidade, novamente diferente).
Mas, na medida em que ele continua, evidencia-se que as circunstâncias como
tais não importam. Não é de espantar! Parecia o tempo todo uma coisa muito insignificante
perturbar-se tanto com isto. O conteúdo é alguma coisa mais e isto é o que fere. E descobre
agora, afinal, que não é uma dor. De certo modo, serviu para ele saber que se sente fraco e
indefeso. "Não estou realmente ferido" (constata agora), "é muito mais uma amostra de
como não posso vencer no mundo" (passivamente, castração, podemos dizer agora).
O termo "mutação de conteúdo" pode ser aplicado a esta mudança seqüencial do
que parece ser o "conteúdo". Os conteúdos são aspectos do processo de sentimentos em
andamento. Podem ser simbolizados porque funcionam implicitamente naquele processo
de sentimento. Na medida em que é levado adiante, há movimento e mudança de referente
naquilo que pode ser simbolizado. Não é somente uma mudança de interpretação. Há
movimento do referente - quer dizer, aquilo que está sendo simbolizado está mudando.
A mutação do conteúdo não implica que todos os nossos conceitos sejam
simplesmente inaplicáveis. Muitas vezes eles são corretos em termos de predizer outros
comportamentos do indivíduo, e muitas vezes tornam-nos capazes de acertar ou de
estarmos sensivelmente prontos para a próxima mutação de conteúdo. Contudo, os
conceitos de conteúdo da personalidade são estáticos e excessivamente gerais 21 e vazios.
Eles nunca são um substituto para referência direta, movimento do referente e mutação do
conteúdo.

GENDLIN, Eugene. A theory of personality change. In: HART, J.T., TOMLINSON, T.M.
New direction in client-centered therapy. New York: Houghton Mifflin Co., 1970, cap. 7,
p. 129-173.
38

UMA TEORIA DA MUDANÇA DA PERSONALIDADE - Notas Explicativas

Nota 1
"Paradigma" ou modelo refere-se aos modelos teóricos usados nestas teorias, independentemente do
fato de elas usarem ou não as palavras "repressão" e "conteúdo".

Nota 2
O paradigma da repressão em suas formas mais supersimplificadas pode ser observado em uso
quando a pessoa A insiste que a pessoa B tem algum conteúdo do qual não pode ser consciente
porque ele é "inconsciente". As próprias experiências e sentimentos de B são, por definição,
eliminadas (undercut) ou "rejeitadas". Não existe qualquer caminho para o conteúdo suposto que
possa ser usado por B.

Nota 3
Rogers descobriu como, na prática, o indivíduo pode ser ajudado a superar o paradigma da
repressão.
Sua descoberta é de que a defensividade e a resistência são removidas quando alguém responde ao
indivíduo "dentro de seu quadro interno de referência". Isto significa que a resposta do
psicoterapeuta sempre se refere a algo que esteja diretamente presente na consciência momentânea
do indivíduo.
Rogers, a princípio, constatou que mesmo se o terapeuta não fizesse nada mais do que refrasear a
comunicação do cliente - quer dizer, se o terapeuta demonstrasse claramente que estava recebendo
e compreendendo exatamente as comunicações de cada momento do cliente - um processo de
mudança muito profundo e autoimpelido começava e persistia no cliente. Algo acontece no
indivíduo quando ele é compreendido desta forma. Alguma mudança ocorre no que ele enfrenta no
momento. Alguma coisa se libera. Ele, então, tem algo mais a dizer, e se isto, novamente é recebido
e compreendido, algo ainda mais profundo emerge, algo que o indivíduo não teria pensado (nem
seria capaz de pensar) se uma tal seqüência de expressões e respostas não tivesse ocorrido
Rogers constatou, em seguida, que se ele objetivasse conceitualizar exatamente o que o cliente
desejava comunicar no momento e se mantivesse este objetivo visível e conhecido para o cliente, ele
poderia formular a mensagem do cliente muito mais profunda e precisamente do que o cliente
havia feito. Talvez o cliente desse uma longa série de relatos externalizados de incidentes e suas
reações generalizadas de raiva. O terapeuta, depois de escutar, podia sentir o que agora denomino
significado sentido. Portanto, em resposta a alguns relatos situacionais, o terapeuta podia dizer:
"assusta-lhe pensar que você está desamparado quando esta espécie de coisa ocorre".
Rogers constatou que, enquanto as interpretações, as deduções e as explanações conceituais eram
inúteis e normalmente contestadas, a referência exata ao significado sentido momentâneo do cliente
era quase sempre bem recebida pelo cliente e parecia liberá-lo para uma consciência mais profunda e
mais ampla.
Gosto de pensar sobre isto diagramaticamente, como duas dimensões de uma comunicação. Ao
longo, digamos, da dimensão horizontal, podemos deduzir ou aduzir, do que o indivíduo fala, uma
porção de coisas sobre ele - seus antecedentes, seu comportamento usual, seus prováveis padrões
emocionais, traços etc. Podemos fazer isto, afastando-nos do que ele sente no momento, através de
conceitos e generalizações para outras coisas que ele não está sentindo no momento. Em contraste, o
que chamo dimensão vertical depende do fato de que qualquer comunicação deste tipo se refere
interiormente a uma massa de sentimentos, percepções, intenções, julgamentos, desejos etc. que são
sentidos no momento. Enquanto uma comunicação expressa apenas um pouco em sua forma verbal,
isto emerge, em grande parte, do que é sentido no momento na consciência de quem fala. A isto
denomino "significado sentido". O experienciar é implicitamente complexo e sentido como tal,
mesmo quando o que é explicitamente dito seja muito pouco. Portanto, podemos responder muito
profundamente e ainda permanecer continuadamente com o que o cliente sente no momento. Esta
teoria irá definir "implícito" e "contínuo". Mostrarei como as respostas interpessoais podem ser
contínuas e levar adiante o que é sentido no momento num processo experiencial novo.

Nota 4
39

A experienciação é essencialmente uma interação entre sentimento e símbolos (atenção, palavra,


acontecimento), exatamente como a vida física é uma interação entre o corpo e o ambiente. Em sua
natureza básica, o processo físico da vida é uma interação. (Isto é uma aplicação dos conceitos
básicos de Sullivan). Por exemplo, o corpo é constituído por células que estão em constantes
processos de interação envolvendo o ambiente. (O oxigênio e partículas alimentícias). Se aplicamos
este conceito de interação ao experienciar, podemos entendê-lo como uma interação de sentimentos
e eventos ("eventos" aqui incluem ruídos verbais, comportamentos dos outros, ocorrências externas
- qualquer coisa que possa interagir com o sentimento).
Nota 5
Para a teoria completa do afeto e do significado, ver Gendlin (1962). Como será visto depois
(definições 15, 18 e 26), a presente discussão deixa uma base para um ponto de vista da
personalidade que evita o "paradigma do conteúdo", isto é, a suposição errônea de que os
acontecimentos psicológicos envolvem unidades estáticas conceitualmente formadas.

Nota 6
A palavra "corretamente" refere-se exatamente a esta interação entre o referente sentido e os
símbolos que nós estamos descrevendo. O fato que, poucos minutos mais tarde, o "mesmo" tipo de
interação com outros símbolos possa novamente produzir uma outra conceitualização, ainda que
também correta, mostra que a "correção" não implica que um dado conjunto de símbolos signifique
o que o referente sentido sozinho significa. Ao contrário, "correção" refere-se ao efeito experienciado
que determinados símbolos produzem conforme está descrito acima e nas definições 5 e 6.

Nota 7
É extremamente importante que o ouvinte refira suas palavras a "este" dado sentido no indivíduo e
que ele compartilhe a sensação que este dado por si decide o que é correto e o que não é. É muito
menos importante se as palavras do ouvinte revelam-se ser precisas ou não.

Nota 8
Nós sempre podemos aplicar lógica após o processo e formular as relações implicadas, mas nós
quase nunca escolhemos corretamente antes do tempo qual das milhares de possíveis relações entre
vários problemas e tópicos funcionará em um processo concretamente sentido como descrito acima.

Nota 9
Devo agora descrever algumas espécies comuns da assim chamada "atenção interior", que não
envolvem referência direta e dessa maneira não são focalização.
Já que o termo experienciação inclui qualquer tipo de experiência, na medida em que a consideremos
sentida interiormente e aplicamos a ela a formulação teórica de processo têm surgido incompreensões
a respeito do modo de experienciar chamado referente direto. Por este último e mais específico termo
não queremos significar simplesmente qualquer coisa que possa ser chamada atenção interior.
Em especial, já que o referente direto é "sentido", tem sido confundido com emoções (também se diz
que as emoções são "sentidas"). Mas, o referente direto é internamente complexo e o indivíduo se
sente "em contato consigo mesmo" quando se refere a ele, enquanto as emoções são internamente
todas de uma mesma qualidade ... elas são "puras". Elas muitas vezes o impedem de sentir nele
aquilo que é a base complexa de emoção.
Esta e outras distinções se tornarão mais claras na seguinte lista das espécies de ocorrências num
indivíduo que não são referência direta e por isso não são focalização.
A referência direta não é:
1. Puras emoções. As emoções de culpa, vergonha, embaraço ou o sentimento de sou ruim são sobre
mim (dizem respeito a mim) ou sobre este aspecto de minha experiência e do seu significado para
mim. As emoções como tais não são uma referência direta ao experienciar sentido. Devo, ao menos,
momentaneamente, ir além destas emoções a respeito disso (ou a respeito de mim mesmo) a fim de
referir diretamente ao que tudo isto significa para mim, porque e o que me faz sentir envergonhado.
Por exemplo, devo dizer a mim mesmo: "Está certo, sim estou muito envergonhado, mas um
momentinho, embora isto faça me sentir envergonhado, desejo sentir o que é isto em mim".
40

Por exemplo, um cliente passava muitas horas insones todas as noites, com ansiedade, vergonha e
ressentimento. Culpava-se por suas reações a certa situação. Sentia-se abobalhado e envergonhado
da coisa toda. Na medida em que tentava resolvê-la (decidia enfrentá-la, lutar, não recuar etc.)
sentia-se alternadamente ressentido e envergonhado (era um bobo e humilhantemente assim etc.).
Somente na hora da psicoterapia tornou-se possível para ele focalizar "isto" diretamente, o que era
"isto", como o sentia, e onde "vivia" nele. "Nisto", ele encontrou muitas percepções válidas, referente
a outras pessoas, à situação que não tinha sido capaz de especificar antes e a muitos aspectos
pessoais próprios. Durante um número de sessões, referiu-se diretamente a sucessivos referentes
diretos e a significados sentidos. No entanto, entre as sessões, era incapaz de fazer isto sozinho, e
sentia vergonha e ressentimento. Somente movimentando-se temporariamente "ao lado" dessas
emoções podia se referir a "isto", "o que sinto", acerca do que, admitia "eu também tenho essas
emoções".
Parece bastante surpreendente e universal que sintamos culpa, vergonha e mal-estar, em vez de
sentir aquilo a respeito de que sentimos vergonha, culpa e mal-estar. É quase como se estas
emoções nos impedissem nosso sentimento, o que é tudo isso para nós - não tanto por serem tão
desagradáveis, quanto por saltarem o ponto em que poderíamos completar, simbolizar, responder
ou atentar àquilo que centralmente sentimos. Sou inclinado a hipotetizar que culpa, vergonha, mal-
estar, são emoções que ocorrem como resposta no lugar da resposta que, por ação ou simbolização,
daríamos de outro modo a nosso referente sentido. Estas emoções parecem completar, mas de fato
"passam por cima" dos significados implícitos incompletos. É semelhante ao animal que em
resposta à fome morde a si mesmo na perna. Em vez de responder com um comportamento que, de
alguma forma, "simbolize" a fome e leve adiante o processo organísmico da digestão, tal animal
estaria muito mais consciente da dor em sua perna e teria um comportamento correspondente. Seja
como for, a preocupação com estas emoções não é para ser confundida com o significado sentido
que, embora ligado a estas emoções, precisa de focalização.
Um cliente descreveu isso em termos de um furacão. "Se você só vai até certo ponto em alguma
coisa, é como estar num furacão e ser terrivelmente atingido em volta. Você tem que entrar nele e
ficar indo cada vez mais para dentro até chegar no olho do furacão. Ali é calmo e você pode ver
onde está. "Isto expressa lindamente o fato de que a focalização está definitivamente dirigida para o
interior das emoções, e não para longe delas; no entanto, também esta focalização envolve algo
qualitativamente muito diferente de meramente "ser atingido em volta" pelas emoções. A ilustração
também capta algo de centralidade, profunda e calma que se encontra - a qualidade daquilo que
outros chamam "estar em contato consigo mesmo". O referente sentido, no momento, é "mim". Ele
se desdobra e é mil coisas. Em comparação, o tom emocional que se liga a ele e o precede, não é ele
mesmo mil coisas. Permanecer com ele, simplesmente o alimenta. Existe sempre uma qualidade de
suspense, de tensão e de aperto na maioria desses tons emocionais. No entanto, afastar-se da
emoção é afastar-se também da direção na qual a gente "encontra a si mesmo". É por isso que a
gente deve penetrar, atravessar, ultrapassar esses tons emocionais até o referente direto, que é o
significado sentido de tudo isso.
A diferença entre focalizar e "chafurdar" ou "cair na cilada" de certas emoções é mais
dramaticamente evidente quando se compara a experiência normal de um indivíduo ao trabalhar
uma dificuldade da personalidade sozinho e ao agir assim na presença de outra pessoa
compreensiva. A diferença é dramática, porque durante muitas horas permanece dando voltas,
sentindo a mesma espécie de emoções e sem qualquer movimento de referência. Em contraste,
muitas vezes, dizer a outra pessoa apenas um pouco do que se tem estado sentindo e pensando
produz uma referência direta e um movimento de referência. Mais tarde, discutirei o papel da outra
pessoa ao tornar possíveis a focalização e outros processos terapêuticos. As respostas de outra
pessoa às emoções, por exemplo, podem tornar possível "admiti-las", "permiti-las" e "passar por"
elas, de modo a referir-se diretamente aos significados sentidos. É possível, muitas vezes, embora
sempre instável e difícil para o indivíduo focalizar sozinho.
2. Órbita-circunstancial. Assim como a gente pode se perder nas puras emoções de culpa, de
vergonha, ou de mal-estar, a gente também pode se perder numa enumeração interior das
circunstâncias tais como: o que a gente devia ter feito ou fez; o que outras pessoas fizeram, ou
deviam ter feito ou pode-se imaginar que fizeram etc. Tal jogo e repetição circunstanciais, as
repetições interiores de conversações, as reencenações dramáticas são claramente diferentes do
41

significado sentido que isto tem que o indivíduo poderia (talvez com ajuda) focalizar. Muitas vezes,
o cliente chega à terapia depois de horas de noites insones e dias cansativos desse tipo de "rodeios"
circunstancias e constata, com algumas respostas ao significado sentido de "tudo isso", que, com
grande alívio, agora se refere diretamente e desdobra os significados sentidos. Não importa que má
aparência venham ter, os passos fisicamente sentidos e verbalizados da focalização são claramente e
relevantemente diferentes da órbita circunstancial.
3. Órbita explanatória. As tentativas de explicação são diferentes da referência direta: "É
simplesmente assim que sou tão hostil?" "Isto deve significar que estou projetando alguma
homossexualidade latente". "Isto significa que tenho uma necessidade de fracassar". "É que estou
simplesmente tentando ser correto". "Estou apenas tentando conseguir o amor que não consegui
quando criança." "Isto é paranóia". "Outras pessoas não se perturbam com isto, portanto, deve ser
porque não sou agradecido pelo que tenho".
Quer os conceitos explanatórios sejam simples ou tolos, sofisticados e bastante corretos, são inúteis
a não ser que sejam usados como indicadores para nomear momentaneamente e sustentar um
significado diretamente sentido. Sem isso, nossas cogitações caem num vácuo e não "nos leva
adiante". O "rodeio" exploratório acelera o motor mental desligado das rodas. Faz a gente cansar-se
e confundir-se e é muito diferente da focalização do significado sentido. Até mesmo um pequeno
passo do processo de focalização pode mudar o cenário interior a ponto de todo um conjunto de
conceitos explanatórios de repente tornar-se irrelevante. Em comparação com o significado sentido,
os conceitos explanatórios são tão grosseiros, tão gerais, tão vazios, que, mesmo quando são
precisos, são abstrações inúteis.
4. Autoengenharia. Um quarto rodeio consiste em algo que podia ser chamado de autoengenharia.
Nesse também a gente não atende ao significado sentido. Em vez disso, a gente "fala a" si mesmo,
interiormente. A gente é muito ativo e construtivo, arrumando os sentimentos da gente sem parar
para sentir o que são eles. Esta autoengenharia é claramente diferente de focalizar um referente
sentido e de sentir e simbolizar seu significado implícito.
Nem sempre a autoengenharia é inútil. De fato, pode ser bem sucedida na medida em que a
experienciação a esse respeito funcione implicitamente. O problema com força de vontade e
engenharia não é, como Sullivan sustenta e Rogers algumas vezes parece supor, que tal coisa não
existe. Existe. A gente nem sempre flutua automaticamente na ação ou no autocontrole. Força de
vontade, decisão e autoengenharia são muitas vezes necessárias. Contudo, não podem ser exercidas
eficientemente nos pontos em que a experienciação não funciona implicitamente. Nestes aspectos,
respostas pessoais ou respostas dos outros são inicialmente exigidas, de modo que o processo possa
ser levado avante e a experienciação, de fato, funcione implicitamente.
Esta focalização pode ser o que sempre foi entendido em termos religiosos, por "ouvir a tranqüila
pequena voz". Isto tem, mais recentemente, sido confundido com consciência (e só em pessoas bem
ajustadas pode-se identificar consciência com referência direta). Muitas pessoas, com poucas
exceções, têm sido confundidas quanto a e onde interiormente "escutar" e "ouvir" esta voz. O que foi
dito acima indica que "escutar" realmente significa ficar quieto, parar de "falar" a si mesmo, e sentir
exatamente o que está lá, corporalmente sentido, significativo, e prestes a se tornar mais claro e pois
verbalizável.
A regra para focalizar - uma regra a ser aplicada interiormente a nós mesmos - é: "Fique quieto e
escute!". Depois, pelo reporte ao referente concretamente sentido, isto se desdobrará; o sentido do
seu significado e, depois, as palavras entrarão em foco.

Nota 10
Recorde nossa discussão anterior sobre o paradigma da repressão. Veja também nossa discussão
posterior sobre o inconsciente na definição 24.

Nota 11
Compare George Herbert Mead (1936, p. 445): "O self ... originado da atitude mais primitiva de
significar para outros, e mais tarde despertando no organismo a resposta do outro, porque esta
resposta é inata ao organismo, assim essa estimulação que a evoca em outro tende a evocá-la no
próprio indivíduo."
42

Nota 12
Este ponto já foi tratado por outros. Freud disse que a energia da defesa provém do reprimido - isto
é que a força concreta que motiva o comportamento é a força real, não obstante a natureza oposta e
irreal da estrutura que determina o comportamento. Rogers disse que a resposta mais terapêutica é
considerar o significado sentido básico intencional da autoexpressão do indivíduo pela sua acepção
declarada, não importa quão óbvia sejam a defesa e a racionalização. Mas podemos acrescentar
especificidade a estas afirmações mais gerais.

Nota 13
Chamo a isto um fato, porque em psicoterapia observamos isto. No contexto acima é uma questão
de formulação teórica, não de fato.
Algumas variáveis observáveis em pesquisa foram definidas: encontraram-se concordâncias com
um conjunto de descrições de "imediaticidade" que aumentam significativamente em terapia bem
sucedida (Gendlin e Shlien, 1961). Um grupo de terapeutas observou, durante as sessões dos casos
bem sucedidos, significativamente mais da nova experienciação descrita acima (Gendlin, Jenny e
Shlien, 1960). Clientes bem sucedidos alcançaram resultados significativamente mais altos na escala
de definidas chamada maneira imediata de experienciação e de expressão (relativa ao self, a
significados pessoais, ao terapeuta, a problemas ... a qualquer conteúdos) do que os clientes que
fracassam.

Nota 14
Esta é uma dificuldade da maioria dos conceitos acerca da mudança de personalidade e
psicoterapia, como também da maioria dos conceitos de ideais, valores morais e sabedoria de vida.
Os conceitos dizem pouco de como parece que se chegou a um objetivo, mas não dizem nada sobre
o processo de chegar lá. Tais conceitos provocam todo tipo de dano, pois somos inclinados a tentar
enquadrá-los sem nos permitir o processo muito diferente de chegar lá. Melhores conceitos sobre o
processo de chegar lá podem remediar este antigo problema.

Nota 15
Muitos escritores contemporâneos apontam para a interação interpessoal essencial do indivíduo
humano. Daseinsanalyse, Sullivan, Mead e Buber mostram que a personalidade individual não é
uma peça de máquina autocontida com suas características primárias próprias que é então colocada
em interação. Ao contrário, a personalidade é uma interação.

Nota 16
Somente no conteúdo verbal e conceitual, a "autoexploração" é, em psicoterapia, distinguível da
"relação" pessoal. Como um processo de experiência , elas são a mesma coisa. O indivíduo pode
dizer "somente aqui eu sou eu mesmo" (mostrando o processo para incluir tanto o self quando o
relacionamento), ou pode falar mais acerca do relacionamento, ou mais sobre si mesmo. É o mesmo
processo quer o conteúdo pareça ser mais acerca do self, quer pareça ser mais acerca do
relacionamento.
Os instrumentais de uma pesquisa (Gendlin, Jenny e Shlien, 1960) utilizaram algumas variáveis
relacionadas a este ponto. Solicitou-se a psicoterapeutas que fizessem classificações à medida que
"terapia, para este cliente, focaliza principalmente seus problemas ou ... seu relacionamento com
você". Estas classificações não se relacionaram com os resultados.
Por outro lado, os resultados correlacionaram-se, de fato, com as duas escalas seguintes: "Quão
importante para o cliente é o relacionamento como fonte de nova experiência?". Exemplos: "Nunca
fui capaz de me entregar a simplesmente sentir-me dependente e desamparado como agora"; ou
"Esta é a primeira vez que eu realmente tive raiva de alguém". Outra escala que também se
correlacionou com os resultados foi: "Em que extensão realmente o cliente expressa seus sentimentos
e, em que medida ele, ao contrário, fala sobre eles?” Estes dados indicam que o resultado não é
afetado pelo fato de o conteúdo (tópico) ser o self ou o relacionamento. Ao contrário, importa se o
indivíduo está empenhado numa maneira de processo de interação em andamento, que envolve
aspectos da experienciação recém reconstituídos.
43

A pesquisa ilustra a utilidade dos conceitos de processo quando comparado a conceitos de


conteúdo para gerar variáveis operacionais de pesquisa. Pesquisa anterior (Seeman, 1954) colocou o
problema de não encontramos associação significante entre sucesso na psicoterapia e discussão de
relacionamento com o terapeuta. O dado parecia contradizer a importância da relação. Nova
pesquisa repetiu aquele dado e acrescentou escalas relativas ao processo de interação em
andamento.
Precisamos de teoria para criar definições operacionais. A espécie mais eficiente de teoria para este
objetivo é a que emprega conceitos de processo em referência à experienciação. Devemos distinguir
cuidadosamente da teoria os termos operacionais (a que ela conduz) que, então, são definidos pelo
procedimento e observação, não pela teoria.

Nota 17
Vou escolher duas observações e mostrar como a reformulação as explica:
1. Uma seqüência de palavras é projetada, cada uma por frações de segundo, numa tela por meio de
um taquistoscópio. Quando o indivíduo é incapaz de ler a palavra, ela é projetada repetidas vezes.
Então, por exemplo, um indivíduo pode ser capaz de ler as palavras "grama", "democracia", "mesa",
"independência" com um número médio de repetições, mas para a palavra "sexo" exige o duplo de
repetições. As teorias do inconsciente explicam isto da seguinte maneira: o organismo pode
discriminar um estímulo e seu significado para o organismo sem utilizar os centros nervosos
superiores envolvidos na consciência.
As teorias atuais têm esta suposição em comum. Tais palavras como "inconsciente", "repressão",
"dissimulação", "não-eu", "negação à consciência", "subcepção", todas envolvem a inconfortável mas
aparentemente necessária suposição de que há uma discriminação antes que uma discriminação
consciente tenha lugar, e que a experiência ou conteúdo que o indivíduo perde em consciência existe
realmente, nele, em algum lugar. Como poder-se-ia explicar de outro modo o exemplo acima e
muitas outras observações exatamente como esta?
Mas não precisamos supor que alguma coisa no indivíduo primeiro lê a palavra sexo, depois o
torna ansioso a respeito dela e depois força-a permanecer fora da consciência. Ao contrário, seja-nos
permitido tentar interpretar esta observação como um caso em que o indivíduo jamais a lê até que o
faça conscientemente. Por que, então, demora tanto em ler exatamente aquela palavra, quando
podia ler as outras na metade do tempo? Tentamos mostrar antes (definições 4 e 16) que, a fim de
ler a palavra e dizer o que é, a função da experienciação sentida é necessária. Lemos sem pensarmos
explicitamente os significados daquilo que lemos. Temos as imagens sonoras e temos o significado
sentido. Então, se, por alguma razão, nosso processo sentido não pode interagir com as palavras,
nossos olhos podem continuar, mas não podemos dizer o que acabamos de ler.
Para explicar o assunto, a teoria do processo deve tomar o lugar da teoria do conteúdo. O processo
de interação com os símbolos, de "lê-los", exige a função da experienciação (o processo corporal
interiormente sentido). Se este processo sentido não estiver funcionando em alguns aspectos, então
a discriminação esperada não ocorrerá nestes aspectos. Os aspectos que devem ser explícitos não
funcionarão e, portanto, não podem interagir e interpretar a situação atual. Assim, nestes aspectos,
o indivíduo pode construir erroneamente ou simplesmente perder (ser incapaz de completar) o
processo, sem que isto implique que ele primeiro tenha interpretado plenamente esses aspectos e
depois os mantenha fora da consciência.
A diferença pode ser posta simplesmente: as teorias do conteúdo supõem que se completa o
processo de conhecer, experienciar, interpretar, reagir, mas que algo deste processo não alcança a
consciência. A teoria que apresentamos mantêm que o processo não ocorre simplesmente.

2. Uma segunda observação:


Um indivíduo deixa uma situação determinada sentido-se muito feliz. Quatro dias depois, ele toma
consciência de que realmente tem estado com muita raiva do que aconteceu. Sente que "tem estado"
com raiva o tempo todo, mas "não estava consciente disto".
Então, nossa teoria nega que aquilo que ele chama raiva estivesse em seu corpo todo o tempo sem
consciência. Ao contrário, havia algo, mas não o processo de estar com raiva. Ele chama-o estar com raiva
agora, porque agora está empenhado naquele processo e claramente sente a qualidade de libertação
(veja definição 8) que psicologicamente permite-lhe conhecer que sua raiva atual "satisfaz",
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"descarrega", "liberta", "simboliza", "completa" - em resumo, tem alguma relação profundamente sentida
- a condição que ele sentiu fisicamente durante os quatro dias precedentes. O processo não estava
ocorrendo e isto contribuiu para uma condição fisiológica que somente agora está alterada. Quando a
experiência "presa à estrutura" "se completa", sentimos que agora conhecemos que era então; não a
conhecíamos naquele momento porque o processo agora em andamento é diferente da condição
bloqueada de então.
Somente ao completar o processo pela resposta ao sentimento ou ao significado sentido que está lá (e
não é raiva), o indivíduo então se "torna consciente" da raiva. Se vemos isto em termos de conteúdo,
é tudo muito confuso. Primeiro, o conteúdo não está lá, ou então, mais tarde, se diz ter estado lá o
tempo todo (escondido lá, em algum lugar). Mas em termos de processo é precisamente esta relação
profundamente sentida da raiva posterior com a condição previamente sentida, que nos diz que um
processo previamente bloqueado somente agora foi completado.
Portanto, não precisamos supor duas mentes no indivíduo - uma sendo uma mente inconsciente
que primeiro percebe um conteúdo e depois permite ou proíbe a mente consciente de percebê-lo.
Ao contrário, o sentimento consciente (seja o que for - digamos que seja a tensão ou insatisfação, de
modo algum, a raiva) deve ser respondido e levado adiante. Somente, por isso, verdadeiramente, o
processo se completa e a raiva (ou qualquer conteúdo suposto) se torna um aspecto do processo
reconstituído.

Nota 18
sensorium - centros nervosos nos quais as impressões externas tornam-se localizadas,
transformadas em sensações e transferidas por ação reflexa ao corpo.

Nota 19
Numa ampla pesquisa (Rogers, 1960, p. 93) sobre psicoterapia com esquizofrênicos na qual estou
trabalhando, estamos aplicando variáveis de processo às mudanças de comportamento de
psicóticos. Os resultados até agora (Rogers e outros, 1961) indicam que o aperfeiçoamento nos testes
de diagnóstico está associado com variáveis operacionais de comportamento de uma maneira de
experienciação menos rígida, menos repetitiva, menos presa à estrutura, e de um maior uso da
experienciação sentida como um referente direto e como uma base para comportamento, expressão
e relato. Estes resultados iniciais são definidos em termos de variáveis de classificação e
procedimento de classificação.

Nota 20
Autoexpressão do terapeuta usada para reconstituir o processo:
Quando a verbalização ou o comportamento do cliente nos dá um sentido dos significados
implícitos e sentidos a partir dos quais ele fala, então responder a isso (mesmo se não é de todo
claro) leva o processo adiante e também o reconstitui. Contudo, quando o cliente está calado ou fala
somente de coisas externas, então a expressão dos sentimentos do terapeuta é um modo importante
de resposta, que pode reconstituir o processo de experienciação do cliente.
Há várias outras espécies de dificuldades. Algumas vezes o que o cliente diz é bizarro e difícil de
compreender. Se há pequenos pedaços que fazem sentido, a gente deve responder a eles
cuidadosamente, conferindo a compreensão da gente. Isto dá ao indivíduo isolado um sentido de
contato momento-a-momento - algo semelhante ao quebra-mar para um homem que está se
afogando. Não quero ser somente poético ao dizer isto. Desejo mostrar a necessidade de uma
sensação concretamente sentida do ouvinte em interação, a qual, quando disponível ao cliente, deve
ser dada a cada momento durante a conversa que é difícil de seguir.
Às vezes, não há conteúdo lógico compreensível, mas as imagens simbólicas acrescentam-se aos
sentimento. (Cliente: O exército australiano tomou toas as minhas posses. Eles vão me pagar um
milhão de dólares. Terapeuta: Alguém fez sujeira com você? Se apossou de tudo que você tinha?
Você quer uma restituição?).
Algumas vezes, menos ainda é compreensível, mas a gente pode estar certo de que o indivíduo está
sofrendo, solitário, ferido, vivendo um tempo difícil. O terapeuta pode falar sobre qualquer uma
dessas coisas, sem necessitar qualquer respostas confirmatória do cliente.
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Algumas vezes, o terapeuta deve simplesmente imaginar o que pode estar ocorrendo no cliente. Se o
terapeuta diz que não sabe, que gostaria de saber, mas não precisa que lhe diga e imagina tal-e-tal-
coisa, ele pode falar sobre o que imagina e com isso um processo de interação é restaurado.
O cliente pode não dizer uma palavra, mas o que está ocorrendo é um processo sentido de
interação, no qual articulação e simbolização são dadas a seu sentimento. O comportamento de uma
pessoa pode reconstituir a interação e o processo de experienciação de outra pessoa (veja definição
23).
Durante as horas de silêncio, o terapeuta pode expressar o que pode estar ocorrendo numa pessoa
perturbada sentada lá, inconfortavelmente, ou, o que está se passando no terapeuta, quando deseja
ajudar, deseja ouvir, deseja não pressionar, odeia ser inútil, se alegraria se soubesse que o tempo em
silêncio seria útil, ou imagina muitos sentimentos e talvez alguns dolorosos que passam pela mente
do cliente, que ainda não está preparado para falar sobre eles.
Estas autoexpressões do terapeuta exigem quatro especificações:
1. Elas são expressas explicitamente como pertencendo ao terapeuta. Se implicam qualquer coisa sobre
o cliente, então, o terapeuta diz que não está certo de que seja assim, que ele imagina, que ele tem
esta impressão etc. Não se faz necessária afirmação ou negação do cliente. É o terapeuta que fala
por si mesmo.
2. O terapeuta emprega alguns momento focalizando o sentimento que pode expressar. Busca algum
aspecto a partir de tudo que ele sente, algum pedacinho que ele possa segurar e simplesmente
dizer. Ninguém pode dizer tudo dos milhares de significados implícitos que ele sente no momento.
Um ou dois - especialmente aqueles que, no momento, parecem demasiado pessoais, ou ruins ou
embaraçosos - tornam-se, depois da focalização do momento, uma expressão íntima e pessoal da
interação presente.
Talvez seja difícil para mim que estejamos calados e talvez eu seja inútil para ele. Tá! Isso é algo que
posso dizer-lhe. Ou, pergunto-me se nesse silêncio ele está fazendo seja o que for. Vejo que me sinto
bem em estar calado se isso lhe dá tempo e espaço para pensar e sentir. Posso expressar isto. Tais
expressões são uma interação calorosamente pessoal. Mas elas exigem alguns momentos de
autoatenção durante os quais possa focalizar e desdobrar minha experienciação presente nesta
interação.
3. As frases e os significados que surgem em nós são muito fortemente influenciados por nosso
sentimento global para com a pessoa com quem falamos. A atitude terapêutica para com o cliente
como uma pessoa é uma atitude de ser totalmente para ele - "a consideração incondicional" de
Rogers (1957). Whitehorn (1959) denomina isso como semelhante ao "advogado" do paciente. É uma
atitude que seja o que for que nós desaprovemos acerca desta perturbação, o indivíduo como uma
pessoa está face a face com aquilo nele. Posso sempre verdadeiramente supor isso. (Esta atitude não tem
nada a ver com a aprovação global ou a concordância ou gostar deste ou daquele comportamento,
traço, atitude ou peculiaridade). Muitas vezes, devo imaginar a pessoa por dentro, que está "face a
face" com isso. Somente meses depois chego mesmo a amar e a conhecer essa pessoa.
É surpreendente o quanto esta é uma atitude definível e concreta. Pode-se depender dela. Há
sempre uma pessoa "face a face" com qualquer coisa desagradável nela.
4. Quando o cliente se expressa, se faz necessária uma resposta a isso. Nessas ocasiões, a
autoexpressão do terapeuta pode ser obstáculo.
Quando se tem a oportunidade de responder ao sentimento do cliente, a seu significado específico
sentido, e a maneira exata de perceber e de interpretar algo, responder exatamente a isso é a melhor
e a mais poderosa resposta. Os modos autoexpressivos de responder são adequados àqueles
clientes que fornecem pouco a que se pode responder. Os modos autoexpressivos de responder são
importantes com aquelas pessoas rotuladas psicóticas, que expressam pouco sentimento, somente
descrições situacionais externas, ou que ficam sentadas em puro silêncio. Todavia, há muitas
pessoas funcionando bem, com as quais é difícil formar uma interação profunda, porque não se
expressam. Kirtner e Cartwright (1958) constataram que se pode predizer que os indivíduos
fracassam na terapia, quando em suas primeiras entrevistas mostram pouca atenção interior.
Recentemente, estamos aprendendo que a autoexpressão do terapeuta pode ajudar a reconstituir a
interação e o processo de experienciação de tais indivíduos.
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Nota 21
Uma nota sobre muitos termos novos:
No campo da mudança de personalidade faltam-nos em grande parte conceitos suficientemente
específicos para discutir e definir as observações. A presente teoria tenta oferecer tais conceitos.
Espera-se que com estes conceitos (e outros) nosso pensamento e discussão avancem e nossa
habilidade em isolar e definir observações se agucem.
Pode haver alguma dificuldade em aceitar novas definições como referente direto, movimento do
referente, levar adiante, reconstituir, maneira de experienciação, função implícita. Não se pode esperar que
todas as vinte e seis definições tenham sucesso em participar da linguagem. Contudo, precisamos
destes termos (ou de melhores) para discutir a mudança de personalidade.

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