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A CRÍTICA

- Resenha (Jornalismo) - informação, sinopse, público mais amplo.


- Análise (Academia) - análise plano a plano, dissecação de cadáveres, público
restrito.
- Crítica (lugar indefinido) – ensaística, mais livre, paixão e lucidez, público
variável.
- o caráter ensaístico da crítica [do HOUAISS: ensaio: 9 LIT prosa livre que
versa sobre tema específico, sem esgotá-lo (...)]

ALGUMAS QUESTÕES

1- o leitor e o espectador como consumidores


2- infantilização do público
3- uniformização do cinema autoral
- Pasolini e a Trilogia da Vida (e depois, Saló)
4- crise do cinema crítico - a crise da crítica.
5- desafio do digital
- filma-se muito e sem critério.
6- equivoco do novo
- o novo não está necessariamente no contemporâneo.
7- preocupação com o tema
- a não problematização de filmes com temas nobres.
- gostar ou não gostar do filme por afinidade ou distanciamento com suas
posições políticas e ideológicas.

8- o problema da autoria
- os críticos autoristas.
- "o espectador ideal à beira da tela: monstro de inocência e rigor"
(Mourlet).
- Truffaut: um mau filme de um autor interessa mais que um bom filme de
um não autor. A política dos autores nas páginas dos Cahiers du Cinéma.
9- o risco do anacronismo – exemplos de Freud e Ford.
OSCAR WILDE (O crítico como artista)

- Porém a crítica é também uma arte! E, assim como uma criação artística implica o
funcionamento da faculdade crítica, sem o que ela não existiria, assim também a
crítica é na verdade criadora na mais elevada acepção do termo! Ela é afinal
criadora e independente.

[Ernesto] Independente?

[Gilberto] Sim, independente. A crítica não deve ser, assim como a obra do poeta ou
do escultor, julgada por não sei que baixas regras de imitação ou semelhança. O
crítico ocupa a mesma posição em relação à obra de arte que o artista em relação ao
mundo visível da forma e da cor, ou o invisível mundo da paixão e do pensamento.
É a única forma civilizada da autobiografia, pois se ocupa não dos acontecimentos,
porém dos pensamentos da vida de alguém, não das contingências da vida física,
porém das paixões imaginativas e dos estados superiores da inteligência.

JEAN DOUCHET (A arte de amar)


- A crítica é a arte de amar. Ela é o fruto de uma paixão que não se deixa devorar
por si mesma, mas aspira ao controle de uma vigilante lucidez. Ela consiste em
uma pesquisa incansável da harmonia no interior da dupla paixão-lucidez. Um dos
dois termos sendo mais forte que o outro, a crítica perde uma grande parte de seu
valor.
- A crítica, se é praticada com nobreza, atinge sua vocação primeira, tornando-se
ela mesma uma arte. A sensibilidade do crítico em suas relações com o mundo faz
com que ele se empenhe inteiramente, diante da obra, diante do mundo. Uma
crítica trai tanto, ou mais, seu autor quanto o artista, a obra e a arte à qual ela se
refere. Daí que a crítica é costumeiramente tão incompreendida quanto a arte.

SUSAN SONTAG (Contra a interpretação / Sobre o estilo)


- A verdadeira arte tem a capacidade de nos enervar. Ao reduzir a arte a seu
conteúdo e então interpretá-lo, doma-se a obra de arte. A interpretação torna a
arte dócil, submissa.
- O necessário é, antes de tudo, dar mais atenção à forma na arte. Se a ênfase
excessiva no conteúdo gera a arrogância interpretativa, as descrições mais
extensas e completas da forma se calam. O necessário é um vocabulário- descritivo,
não prescritivo - de formas. A melhor espécie de crítica, e ela é rara, é aquela que
dissolve as considerações sobre o conteúdo nas considerações sobre a forma.
- Uma obra de arte pode conter as mais variadas informações e instruir sobre
atitudes novas (e às vezes louváveis). (...). Mas, se lidamos com essas obras como
obras de arte, o prazer que proporcionam é de outra ordem. É uma experiência das
qualidades ou formas da consciência humana.
A objeção de que essa abordagem reduz a arte a mero "formalismo" não se
sustenta. (...) Uma abordagem que considera as obras de arte modelos vivos e
autônomos da consciência só despertará objeções enquanto nos recusarmos a
abrir mão da distinção superficial entre forma e conteúdo. Pois uma arte não tem
conteúdo no mesmo sentido em que o mundo não tem conteúdo. Ambos existem.
Não precisam de nenhuma justificativa nem poderiam tê-la.

ROBIN WOOD (prólogo do livro Hollywood From Vietnam to Reagan...)


Eu sou um crítico. Como tal, entendo meu trabalho como totalmente diferente, em
muitos aspectos, daquele de teóricos e acadêmicos (apesar de ser frequentemente
dependente do trabalho deles). O teórico e o acadêmico estão livres da necessidade
de se posicionar intimamente e de maneira pessoal em relação a qualquer trabalho
específico; eles podem se esconder por trás de suas teorias e pesquisas, não são
obrigados a expor a natureza pessoal de seu trabalho porque trabalham com fatos,
ideias abstratas e dados. Todo crítico que é honesto, contudo, é comprometido com
a auto-exposição, um tipo de striptease público: ele (ela) deve deixar claro que
qualquer resposta autêntica a uma obra de arte ou entretenimento é baseada não
só na obra em si, mas na persona psicológica do crítico, em sua história pessoal,
seus valores, preconceitos e obsessões. (...)
Isto irá soar presunçoso ao extremo, mas sinto necessidade de afirmar que, na
hierarquia, a crítica ocupa (ou deveria ocupar) a mais alta posição, simplesmente
porque o crítico é o único central e explicitamente preocupado com a questão do
valor, que é a mais importante, a questão definitiva. Para o teórico e o acadêmico,
quase que por definição, a questão do valor não existe ou é trazida a posteriori:
seus objetivos são, respectivamente, desenvolver e produzir ideias sobre o que é o
cinema, além de examinar e catalogar dados.

ANNE CAUQUELIN (Arte Contemporânea: Uma Introdução)


- Situa o início da arte moderna em torno de 1860 e o fim do século XIX como o
recuo da hegemonia da Academia, instituição destinada a gerir a carreira dos
artistas, concedendo prêmios, gerando encomendas. O papel do crítico começa a
ter ainda mais importância.
- A crítica de arte afirma sua autonomia, torna-se um gênero específico.
- (sobre Clement Greenberg): Subjetividade de escolhas, objetividade de
estruturação, o crítico não pode escapar a essa dupla tentação; o principal é fazer
passar a primeira ramificação da contradição pelo selo da segunda...
CAMILA VON HOLDEFER (Medo da crítica negativa prejudica a literatura)
- Paulo Roberto Pires (Época): "[a Flip] abandonou qualquer possibilidade de
divergência e atrito para consagrar um modelo em que o importante é se
emocionar, aplaudir, curtir e se congratular por apoiar causas certas".
- É um erro acreditar que a literatura se fortaleceria sem a crítica negativa. Na
disputa pelo texto mais anódino triunfam não os bons livros, mas a parcela da
crítica que domina o uso dos eufemismos ("uma narrativa exuberante") e da
condescendência ("um ótimo resultado para um autor estreante"), além dos
atalhos para copiar e colar o release escrito pela assessoria de imprensa ("um
admirável 'tour de force'").

Se não há espaço para a crítica negativa, não há espaço para a argumentação e o


debate frontais. Isso faz com que a própria literatura perca algo de seu poder de
despertar interesse e suscitar discussões. De mobilizar e provocar.
(...) Há todos os tipos de crítica, menos a definitiva. Cada crítica é uma avaliação,
análise, abordagem ou interpretação possível. Crítica é, portanto, construção
coletiva. Sem ver na atividade uma mediação contínua —de leitores e leituras—,
ela perde ainda mais sua força. E a morte da crítica só acontece com a permissão
ou a desatenção dos críticos.
É frequente que conflitos e impasses exijam de nós novas posturas e respostas.
Mas nenhuma das possibilidades de adaptação ou reinvenção da crítica pode
renunciar à dissonância e ao contraponto. Crítica é tensão e atrito. Nada é mais
incoerente do que a tentativa de —em nome da aceitação absoluta, do marasmo, da
cortesia e da covardia que se traduzem na condescendência, no contorcionismo
verbal e no triunfo do analfabetismo funcional— privar a crítica da própria
essência.

Quem se recusa a fazer ou publicar crítica negativa não faz crítica. Faz networking.
Faz publicidade, gratuita ou não.

Crítica é outra coisa.

QUESTÃO EXTRA
- - - - - - - "Da Abjeção", de Jacques Rivette.
(sobre o plano em que Emmanuelle Riva se joga na cerca elétrica, suicidando-se):
o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para a
frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando
cuidado para inscrever exatamente a mão levantada num ângulo
de seu enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais
profundo desprezo.

- o que seria abjeto no cinema de hoje?


A MISE EN SCÈNE

O esplendor da mise en scène:

Aurora (1927), de F. W. Murnau

A Concha e o Clérigo (1928), de Germaine Dullac


Crisântemos Tardios (1939), de Kenji Mizoguchi

O Mundo Odeia-me (1953), de Ida Lupino


Rastros de Ódio, de John Ford (1956)

O Terror das Mulheres (1961), de Jerry Lewis


São Bernardo (1972), de Leon Hirszman

India Song (1975), de Marguerite Duras


Amor de Perdição (1979), de Manoel de Oliveira

A Vingança de uma Mulher (2012), de Rita Azevedo Gomes


ANDREI TARKOVSKI E MARGUERITE DURAS

- a ideia de não saber o que quer, mas saber muito bem o que não quer.

CLAUDE CHABROL

- Em rigor, podemos aprender qualquer coisa sobre a realização vendo os filmes do


passado, analisando-os, passando da sensação à análise, mas não podemos nunca
dizer: "é assim que se deve fazer", uma vez que cada um tem a sua maneira de fazer
um filme.

- dois tipos de cineastas: narradores e/ou poetas.

- destaca o elemento pictórico, que não existe da mesma maneira no teatro.

- certos filmes precisam ser mais ritmados que pictóricos, outros mais pictóricos
que arquitetados, mas haverá sempre, em todos os filmes, uma parte de cada uma
destes componentes. (...) Pode ser desprovido de um desses elementos, mas nunca,
simultaneamente, de dois deles. Os filmes que, por exemplo, não têm qualquer
qualidade pictórica, devem compensar essa ausência através de uma forte
intensidade dramática ou através da qualidade da construção.

DAVID BORDWELL
- Uma poética do cinema visa o espectador e sua sensibilidade às imagens
moventes, aumentando sua capacidade de apreender tanto a inovação técnica
quanto a experimentação inteligente dos artistas envolvidos. O estudo da mise en
scène cinematográfica é a maneira ideal para desenvolver tal sensibilidade. Com o
olhar aguçado e atento, até mesmo uma simples cena de festa e bebida como a de
Hong [Sang-soo*] amplia nossa percepção quanto ao talento do diretor e quanto ao
potencial do cinema. De modo mais otimista, espero que os diretores,
particularmente os mais jovens, aqui possam aprender sobre tradições
flagrantemente ignoradas pela prática cinematográfica contemporânea.
- (a partir de Bazin) a tendência do diretor da mise en scène é minimizar o papel da
montagem, criando significado e emoção principalmente por meio do que acontece
dentro de cada plano.
- a mise en scène compreende todos os aspectos da filmagem sob a direção do
cineasta: a interpretação, o enquadramento, a iluminação, o posicionamento da
câmera.
- o termo também se refere ao resultado na tela: a maneira como os atores entram
na composição do quadro, o modo como a ação se desenrola no fluxo temporal.
- em Hollywood, é na mise en scène que muitos diretores sem acesso à montagem
final podem dar forma ao filme.
- boa parte do trabalho de um diretor é o criterioso jogo de velar certos elementos
a serem descobertos no momento certo e, depois, encobrí-los de novo, só para
desvelar algo mais adiante... indefinidamente.
SIDNEY LUMET
- Certa vez perguntei a Kurosawa por que decidira fazer uma tomada em Ran de
determinada maneira. A resposta foi que se tivesse colocado a câmera uma
polegada para a esquerda, a fábrica da Sony apareceria na tomada, e se colocasse
uma polegada para a direita veríamos o aeroporto.
- o tema (o quê do filme) vai determinar o estilo (o como do filme).
- se meu filme tem dois astros, sempre sei que realmente tem três. O terceiro astro
é a câmera.

CHANTAL AKERMAN
Eu não estou interessada em naturalismo e quando você é muito frontal e
simétrica está fora do naturalismo; você já tem assim a sua própria estilização.
Quando estava fazendo Jeanne Dielman e uma menina que estava fazendo o frame
me perguntou: por que você não disse logo que era simétrico? E eu respondi que
não sabia, que estava procurando. E quando sinto que é bom, é bom. Eu tento não
fazer e penso comigo mesma: eu farei isso a minha vida toda? Às vezes até me
forço a não fazer, entretanto fico triste. É uma satisfação. A relação com porta,
parede, etc dá estrutura para dentro do plano e me dá a direção da mise-en-scène,
que sempre preciso. Por exemplo, em Um Divã em Nova York eu tinha um corredor
branco e sem portas. Então, pensei: como vou trabalhar com isso? Eu sempre falo
que preciso de um corredor e de uma porta, pois de outro jeito não consigo
trabalhar. Isso constrói a minha mise-en-scène.

RITA AZEVEDO GOMES


- Não consigo aceitar muito bem a ideia de filmar o que está. Tem de haver uma
composição qualquer. Não estou a pintar nem com óleo nem com guaches, mas no
fundo estou a fazer um quadro com luz.
São coisas tão trabalhadas quanto possível nas condições que se têm, sempre com
pouco tempo, sempre a ter que improvisar “à última da hora”, mas sim, tenho essa
preocupação de olhar para tudo o que se passa dentro do plano, e de me perguntar
o “porquê” e o “como”: “Porque é que estou a gostar daquilo e não daquilo?”,
“Como é que eu consigo dar a ideia disto?”. Isso leva-me às vezes a dizer, “Aquilo
está muito bonito, gosto imenso, mas não está aqui a fazer nada, tira.” A única coisa
que eu faço é estar com atenção a tudo, e essa atenção, às vezes, exige retirar coisas
de que gostavas muito. Não posso ir atrás de toda a borboleta que me passa à
frente, se convém ao plano ou ao filme, mantenho, caso contrário tenho de retirar,
por muito que me custe.
BIBLIOGRAFIA

BORDWELL, David. Figuras Traçadas na Luz. Papirus, 2005.


CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. Cia.
Editora Nacional, São Paulo, 1976.
CAUQUELIN, Anne. A arte contemporânea. Uma introdução. Martins Fontes, São
Paulo, 2005.
_____________. Teorias da arte. Martins Fontes, São Paulo, 2005.
CHABROL, Claude; GUÉRIF, François. Como fazer um filme. Dom Quixote, 2005.
DOUCHET, Jean. "A arte de amar". In Cahiers du Cinéma, Paris, 1961.
FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. É realizações, São Paulo, 2014.
GALLAGHER, Tag. "Narrativa contra mundo". In Trafic, Paris, 2004.
GARCIA, Maria Cecília. Reflexões críticas sobre a crítica teatral nos jornais. Editora
Mackenzie, 2004.
GREENBERG, Clement. Clement Greenberg e o debate crítico. Jorge Zahar, Rio de
Janeiro, 1997.
_____________. Estética Doméstica, Cosac & Naify, São Paulo, 2002.
MICHELSON, Annette. "Corpos no Espaço: cinema como conhecimento geral". In
Artforum v.7, nº 6, 1969.
MOURLET, Michel. "Sobre uma arte ignorada". In Cahiers du Cinéma, Paris, 1959.
RIVETTE, Jacques. "Da abjeção". In Cahiers du Cinéma 120, junho de 1961.
SONTAG, Susan. "Contra a interpretação". In Contra a interpretação e outros ensaios.
Companhia das Letras, São Paulo, 2020.
VON HOLDEFER, Camila. "Medo da crítica negativa prejudica a literatura. In Folha de
S.Paulo, 12 de agosto de 2018.
WILDE, Oscar. "O crítico como artista". In A decadência da mentira e outros ensaios.
Imago, Rio de Janeiro, 1992.
WOOD, Robin. Hollywood from Vietnam to Reagan... and beyond. Columbia
University Press, 2003.

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