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G. Lukács
Diante da tarefa, certamente lisonjeadora para mim, de escrever uma introdução para o
seu novo livro1, não posso esconder meu constrangimento e as inibições que me surgem. Elas
surgem de uma consciência bem fundamentada da minha incompetência quando se trata de
formular juízos concretos em discussões concretas sobre os problemas do cinema.
1
O texto foi originalmente escrito como Introdução ao livro de Guido Aristarco, Il dissolvimento della ragione:
discorso sul cinema. Milano: Feltrinelli, 1965.
2
Lukács se refere ao seu artigo Riflessioni per un’estetica del cinema [Reflexões para uma estética do cinema],
escrito em 1913.
3
Cf. LUKÁCS, G., Estetica, v. 2, pp. 1258-1287.
1
do cinema. Também naquela ocasião tentei não me passar por um especialista em questões
particulares, que são, em última análise, aquelas que são frequentemente de excepcional
importância na arte, e sem a possibilidade de examinar em detalhes a evolução histórica da nova
arte. Devo dizer que eu acreditava – e acredito ainda hoje – que os mais relevantes problemas
sociais e estéticos ligados à arte cinematográfica poderiam ser compreendidos como um todo,
mesmo por aqueles que, incapazes de fazer de outra forma, os considerariam de um ponto de
vista abstrato.
Tudo isso pode nascer em um plano técnico-artístico em perfeita boa fé. Pode até se
dilatar para a Weltanschauung, basta para isso que o estado de manipulação em que o homem se
encontra seja concebido como a condition humaine, seja existencialista, seja da psicologia
profunda. Uma oposição pode emergir, mesmo em um nível estético, a ponto de negar
radicalmente o que existe, pode se realizar como antirromance, antidrama etc., sem com isso
subtrair um único homem da manipulação. Mas será que decorre dessa submissão, muitas vezes
de boa fé e voluntária, a força imparável da manipulação, assim como sua reflexão subjetiva, a
alienação? A meu ver, não.
E creio que não tanto no plano social objetivo quanto no plano humano subjetivo.
Certamente, a essa dupla negação deve estar conectada a infeliz consequência do surgimento de
uma oposição real. E aqui as coisas se fazem sérias. Não discutiremos as consequências materiais
de se encontrar excluído do número daqueles que “contam” aqui (embora esse não seja um
assunto socialmente sem relevância), exceto que se encontrar sozinho, consigo mesmo, com suas
convicções ideológicas e morais, é, em última instância, uma oportunidade séria para testar o
próprio caráter. É um risco que se deve correr se não se deseja aceitar de forma completamente
passiva essa esmagadora realidade da manipulação.
A irresistibilidade, todavia, é apenas aparente. Não há dia, não agora, em que a vida
não ofereça oportunidade de resistência real; no entanto, é ao mesmo tempo na essência da
manipulação da opinião pública que em toda a imprensa e nas publicações literárias, sem falar
3
no cinema, essa oposição se expressa de forma incomparavelmente mais fraca. Essa é uma
afirmação que em nosso tempo é difícil de ser fundamentada. Mas pense, por exemplo, no
fascismo, que agora pertence às coisas de ontem: quantas obras de arte (incluindo as da
publicística) existem que podem ser comparadas, quantitativa e qualitativamente, com as últimas
cartas dos antifascistas condenados à morte, com o diário de Fučík etc.? (o cinema italiano, nesse
aspecto, tem os melhores resultados). A impressão geral, entretanto, é, para ser honesto,
assustadora. E com toda probabilidade, o mesmo juízo sobre nosso presente terá que ser feito
em um futuro não muito distante.
Por pouco que me considere competente no campo do cinema, por pouco que esteja
ciente de sua produção complessiva – mesmo que eu saiba que não posso verificar seus juízos,
muitas vezes devido à ignorância dos modelos a que você se refere –, tirei de seus escritos a
firme convicção de que você é um crítico de cinema que tem a intenção de percorrer o caminho
correto. É por isso que considerei um dever e uma honra a possibilidade de escrever estas linhas
introdutórias ao seu livro. Desejo que esta obra provoque uma controvérsia acalorada e amarga
e que consiga esclarecer os problemas do cinema, de modo que, se autêntica no esclarecimento
desses problemas, seja capaz de ir mais longe, isto é, capaz de convidar ao esclarecimento dos
problemas da humanidade.