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Inquietar-se diante de cada imagem

Entrevista com Georges Didi-Huberman

Não sabemos o que pode uma imagem. Algumas nos deixam completamente idiotas, outras
parecem despertar a vida do espírito deixando passar como um sopro que move o pensamento e o
obriga a interrogar as potências da luz e da desordem. Algumas ainda consolam permitindo-se
reconhecer, mas outras apavoram, obrigam a desviar o olhar e a falar de outra coisa. Talvez são as
mesmas imagens que ocupam essas funções em turnos, conforme os momentos, de acordo
também com aquele que sabe ou não observa-las. Mostra-se, portanto, vã toda postura que
pretende conhecer a priori a verdade universal da imagem, denunciando o simulacro, a
transgressão, a captura, o fechamento narcisista ou louvar a encarnação, a beleza, o sublime, o
valor justificativo da existência, o núcleo vital do real e do simbólico, esfacelando em cada caso a
singularidade de cada imagem sob o saber preestabelecido. É tentador afirmar, ao contrário, que
não há imagem em geral (somente esculturas, pinturas, filmes, fotografias, imagens mentais, cada
uma revelando sua própria explicação): posição ascética, mas frustrante, uma vez que nós vivemos
numa civilização na qual as divisões entre os registros de imagens, ou entre estes e o discurso, são
cada vez mais artificiais. Qual é a história da arte se ela também (primeiramente?) não nos ensina
a ver o real de hoje, a ler as imagens como a se deixar apreender por aquilo em que nelas nos dá o
poder de ver e de ler?
Nós encontramos Georges Didi-Huberman para que ele nos ajude a escapar desse dilema. Sua
obra que vai do Quattrocento a Hantaï ou Penone (ou o inverso), de Charcot a Deleuze e Foucault,
de Panofsky a Warburg, da beleza angélica aos fotogramas da Shoah, testemunha esta dupla
preocupação: sublinhar o quanto não sabemos o que pode uma imagem e não renunciar a
articular o que algumas imagens singulares podem nos ensinar além delas mesmas através dos
séculos como das disciplinas. É por isso que esta obra em curso supera todos os registros. Ela é,
seguindo Walter Benjamin e Aby Warburg, uma história da arte estranhamente intempestiva, feita
de fantasmas, de sobreviventes, de passagens e de deslocamentos. É uma filosofia da imagem que,
atravessando todos os saberes, inquieta-se com as pretensões do conceito para fazer bom uso das
imagens singulares, em nome de sua verdade essencial. Aproxima-se de uma psicanálise da
imagem, sob o risco de borrar suas distinções cardeais, até aquela zona obscura em que imagem e
símbolo, santidade e loucura tornam-se indiscerníveis. É ainda uma poética da imagem que,
seguindo Baudelaire, Bataille ou Blanchot, exige que se aprenda primeiramente a ver e a
descrever, mas mantendo o olhar na parte de fora – invisível, ilegível, mas jamais inteiramente
indizível. Por último, é talvez também de uma política da imagem que se trata, que finalmente leva
a imagem a sério, isto é, tremendo como para melhor respeitar e se deixar assombrar pelos gestos
que as produziram ou inspiraram, para desenvolver uma barragem frágil contra os “monstros”
engendrados, assim como pelo “sono da razão”, pela indiferença em relação às imagens do real e
sua dimensão trágica.
Nós lhe perguntamos como ele tinha podido elaborar um projeto ao mesmo tempo tão
prometeico quanto modesto, uma vez que a cada instante se coloca à prova. Conversamos sobre
as escolhas das heranças e da vida, bifurcações e retomadas, honestidade e medo, a partir de um
trabalho incansável. Uma lição de sabedoria, com e sem imagens.

Quando e como o senhor decidiu tornar-se historiador da arte? Foi por uma primeira atração
pela própria arte? E se sim, por qual arte em particular, por quais artistas? Desde o início por
Giotto, Fra Angelico e o “Quattrocento”? Ou para a arte moderna e contemporânea sua relação
com a história da arte lhe permitiu multiplicar as indicações mais inesperadas, por exemplo,
entre Fra Angélico e Pollock, ou entre Penone e Leonardo da Vinci?
Eu sou criança de pintura. Eu passei horas no ateliê. Eu olhava os quadros enquanto estavam
sendo feitos. Eu era assistente, eu lavava os pincéis. Desde muito cedo eu amava discutir o
trabalho, o processo, como se encadeiam os problemas num quadro. Havia também uma forte
carga erótica nesse atelier (os catálogos de desenhos, Ingres ou Bellmer, As Lágrimas de Eros de
Georges Bataille...). Eu fazia uma parada para ir às galerias de arte contemporânea em Paris e a
alguns ateliês de escultores. Adolescente, eu trabalhava frequentemente no Museu de Arte
Moderna de Saint-Étienne, ajudando na documentação, dando assistência para a instalação da
exposição ou ensaiando visitas comentadas – sempre muito vivas – com um público geralmente
suspeitoso em relação à arte de depois de Cézanne. Assim, o elemento nativo, se podemos dizer, é
a arte contemporânea, isto é, a arte de cada instante presente, a arte enquanto questão que está
sempre sendo posta. Eu só ingressei na arte medieval e renascentista quando dela tive uma
experiência concreta, durante os quatro ou cinco anos que passei, muito mais tarde, na Itália. Mas
ainda aí, diante das “marcas” de Fra Angélico, por exemplo, as questões: como é feito? Como se
coloca o problema? vinham antes das questões: que fizeram isso? Ou o que isso quer dizer? É por
isso que tenho a impressão de ter aprendido mais dos próprios artistas – com quem o diálogo
jamais cessou – do que com historiadores.

A partir dessa experiência que o senhor tem de certas obras de arte, poderia especificar a
posição que o senhor está querendo manter? Ao mesmo tempo no campo da história da arte e
no da estética, já que o senhor sustenta suas análises por um cruzamento de saberes (filosofia,
psicanálise, poética, antropologia...)?

Mas é claro que sou o último a ser capaz de situar esse lugar, de definir-lhe o estatuto... Seria
melhor interrogar sobre a necessidade do deslocamento do que sobre a legitimidade do “lugar”.
Eu poderia, sem dúvidas, evocar tal ou qual experiência concreta: as numerosas dificuldades – isto
é, as polêmicas – com o meio universitário francês, os frequentes sentimentos de incompreensão
em relação ao mundo anglo-saxão, a extraordinária recepção no meio alemão, o dialogo aberto
com filósofos e teóricos literários, o não-diálogo com muitos historiadores que, entretanto, estão
muito próximos de minhas preocupações... Além das controvérsias pessoais, trata-se
simplesmente, creio eu, de um problema global da história intelectual: qual é o lugar que
queremos dar ao pensamento filosófico, à interrogação psicanalítica, isto é, à preocupação poética
nesse campo disciplinar que chamamos ciências humanas hoje? Creio simplesmente que é
impossível falar seriamente das imagens, dizer algo sobre a arte sem articular nossa experiência
destas três coisas: uma maneira de colocar as questões, uma maneira de colocar em jogo o desejo
– de sentir, de ver, de conhecer – e uma maneira de escrever tudo isso. A história da arte não
existe completamente sem uma posição teórica, uma posição psicológica e uma posição poética
sobre o objeto com o qual ela trabalha.

O senhor pode especificar qual a importância, para o senhor, da noção de experiência? Mais
precisamente como em Benjamin, mas também como em Foucault, para o senhor parece que ela
é ao mesmo tempo fundamental e pouco definida, às vezes dentro do significado mais comum
de experiência (ver uma imagem), às vezes de experiência fenomenológica (aquela que nos
“atinge”), às vezes, ainda, de experiência interior ou dessas experiências-limites procuradas por
Bataille ou Blanchot. Em suma, o que quer dizer para o senhor “fazer experiência de uma
imagem”?
Eu vou leva-lo ao pé da letra: diria que a experiência de uma imagem é exatamente tudo o que
você acaba de dizer mas de uma só vez, numa só experiência... É uma experiência comum já que
ver uma imagem faz parte de nossos gestos mais quotidianos: eu folheio um livro de história e ali
há imagens, dentre as quais algumas são para mim novas e outras já conhecidas. De uma só vez
minha experiência torna-se “fenomenológica”, no sentido que o senhor sugere: uma imagem que
eu acreditava já conhecida – por exemplo, a imagem do soldado alemão que atira à queima-roupa
numa mulher que segura seu filho nos braço – salta-me aos olhos, toma-me na sua crueza, abre
em mim um mistério novo, uma inquietude maior, que é, assim, a inquietude do contato entre
essa imagem e o real, do contato entre imagem e corpo, imagem e história, imagem e política...
Desde que essa imagem não é mais olhada como uma simples imagem estereotipada, uma vinheta
de ilustração colada no livro ou um simples “ícone do horror”, mas como uma situação visual
singular, ela se torna essa experiência-limite, essa experiência interior da qual falava Georges
Bataille. Não é por acaso que o próprio Bataille reconhecia às imagens o poder não de nos
consolar, mas, ao contrário, de nos inquietar, de nos “abrir”, de nos fazer “sangrar interiormente”,
como ele dizia. Todas as minhas escolhas de objetos se tornaram necessárias por uma experiência
desse tipo, uma experiência de abertura: imprevisível (irredutível a um programa de pesquisa) e
inquietante (irredutível a um saber ou a um sistema). A experiência pede, e isso é claro, para ser
suportada, contextualizada, historicizada, teorizada. Mas sei bem que, em última análise, a
imagem permanecerá irredutível diante de mim: nem o saber (como pensam muitos historiadores)
nem o conceito (como pensam muitos filósofos) a apreenderão, a subsumirão, a resolverão ou
redimirão. A imagem é uma passante. Nós devemos seguir seu movimento sempre que possível,
mas devemos igualmente aceitar que jamais a possuímos completamente. Isso quer dizer que uma
imagem – não qualquer imagem, sem dúvida; eu falo aqui dessas imagens que chamo fecundas – é
inesgotável. E é também nisso que a imagem faz hoje parte de nossa relação com a experiência
(frequentemente para pior, isto é, para a ilusão, algumas vezes para melhor, isto é, para recolocar
em jogo o real, além de todos os discursos catastróficos sobre a destruição da experiência e do
simulacro generalizado).

No fim do seu livro sobre James Turrell, O Homem que caminhava na cor, o senhor empresta,
justa e generosamente, uma verdadeira lição moral de Platão: “Desarmar, diante de cada obra, a
maneira de pensar que era a nossa pouco antes de ter pousado nossos olhos nela.” Há, todavia,
um enigma. Isso quer dizer que todo pensamento é anteriormente desarmado e que a imagem
real está aí somente para desvendar o desarmamento ou a falha imemorial?

Para dizer a verdade eu não me lembro mais dessa frase e, sobretudo, de seu contexto. Mas,
enfim, eu confio no senhor. Tratava-se, sem dúvidas, de dizer que a imagem não é redutível ao
conceito (a iconologia panofskiana e a tendência neo-kantiana da história da arte estruturalista
tentaram essa redução). Mas não se tratava também de dizer que a imagem seria o cadinho de
uma irracionalidade “sagrada”, inominável, sublime, ou seja lá o que for. Não se avança opondo
com toda força o sensível e o inteligível. Não se avança mais procurando uma solução abstrata de
integração do sensível ao inteligível, como o quis fazer Kant com seu famoso “esquematismo
transcendental” que tranquiliza tantas inquietudes diante do mundo da experiência... Evoquemos,
justamente, uma experiência: eu olho um quadro de Hantaï; depois eu compreendo como a
distinção entre moldagem e modulação – distinção que encontramos em Gilbert Simondon e
depois em Deleuze – pode ser fecunda para interrogar o método inventado por essa pintura; mas
logo me dou conta de que o quadro de Hantaï modifica essa distinção, desconstruindo-a de algum
modo já que as “moldagens” do pintor são aqui capazes de “modular” também nas cores. Tal é,
portanto, o ritmo dessa aproximação: o conceito me ajuda a olhar, depois o olhar me ajuda,
reciprocamente, a criticar, a modificar, a fazer bifurcar o conceito. Eu trabalho somente com
singularidades (não tenho nada de geral a dizer sobre “a arte”, “a beleza” etc.) na medida em que
as singularidades têm essa potência teórica de modificar nossas ideias preconcebidas, portanto, de
solicitar o pensamento de uma maneira não axiomática: de uma maneira heurística.
Eu ainda complementaria com isto: meu uso da filosofia é tão necessário quanto impertinente. Por
que impertinente? Meu problema jamais foi o de me situar na história dos sistemas estéticos, por
exemplo. Eu não discuto um texto filosófico para determinar seu valor de verdade geral; eu utilizo
um texto filosófico para discutir uma imagem particular. Se é verdade que, mesmo armada de
conceitos, a imagem deixa nosso pensamento “quebrado diante de cada obra”, então é preciso
convir que a explicação filosófica dá somente uma parte dos meios capazes de afrontar a imagem.
Eu dou uma importância capital ao fato de que muitos dos textos fundamentais sobre a arte foram
escritos por poetas, escritores (isso acontece, na França, de Diderot a Baudelaire, das irmãs
Goncourt a Genet, de Proust a Beckett). Eis porque o texto sobre Turrel, ao qual o senhor faz
referencia, não remete a uma explicação filosófica, mas à fábula filosófica, o que é bem diferente.
Há muito tempo, antes de começar um texto sobre a imagem, eu relia Baudelaire, como para
tentar encontrar na sua língua poética, nos seus “fusées” suntuosos, a energia literária de
descrever – isso não seria mais que descrever – uma imagem. Na minha biblioteca, ainda hoje, eu
coloco bem ao lado da filosofia uma seção de textos que nomeio, em referência a Georges Bataille,
“heterológicos”: ela compreende os autores que me são, sem dúvidas, mais caros e que são ao
mesmo tempo grandes pensadores e filósofos não acadêmicos (Bataille, para começar, mas
também Baudelaire, Benjamin, Eisenstein, Carl Einstein, Maurice Blanchot e alguns outros).
Somente uma escritura poética pode produzir pensamento deixando-o “quebrado diante de cada
obra”.

Permita-me lhe colocar a questão um pouco brutalmente: qual é a sua relação real com a
política? É uma questão brutal mas não irônica, pois parece que o senhor mantém uma relação
extremamente sutil, mas, ao mesmo tempo, pouco legível a um primeiro olhar, com relação à
coisa pública e à questão das relações sociais em geral. De um lado, de fato, diferentemente da
maior parte dos historiadores da arte, digamos, “clássicos”, parece que todo o seu trabalho seja
em grande parte determinado por motivos eminentemente políticos: desde suas primeiras obras
sobre os histéricos ou o imaginário medieval da peste, até seus trabalhos mais recentes sobre as
imagens da Shoah. Mas, por outro lado, parece que o senhor para sempre nas fronteiras do
engajamento, pelos mesmos motivos que Foucault – não capturar a palavra e a imagem
daqueles que sofrem ou agem – e por motivos mais “indizíveis”. O senhor poderia nos dizer mais
sobre esse aparente “indizível”?

Para a questão brutal uma resposta um pouco brutal, portanto: só se engaja com eficácia onde se
trabalha verdadeiramente, isto é, onde é possível, graças a esse trabalho mesmo, intervir
eficazmente em um campo determinado. Eu me sinto tão pouco apto – eu não tento me justificar,
constato meu limite – a assinar petições sobre dossiês a respeito dos quais tenho apenas um
conhecimento de segunda mão, ou a engajar-me em questões políticas concretas e complexas
tocantes ao Kosovo, por exemplo. Mas teria sem dúvida algo a dizer sobre a Pietà do Kosovo
fotografada em 1990 por Georges Mérillon, na medida em que é uma imagem sobre a qual eu
desenvolvo algum trabalho atualmente. Em seguida, o que eu terei a dizer será publicado,
portanto público, e me obrigará, obviamente, a tomar posição em relação a uma matéria
eminentemente política, já que a imagem de Mérillon remete diretamente a usos políticos atuais
da iconografia do sofrimento. Mas sinto-me incapaz de ter um ponto de vista “autorizado” – um
intelectual autorizando-se a falar publicamente “autoriza” o que ele diz – sobre todas as questões
de nossa atualidade. Somos habituamos a ver as elites intelectuais, por exemplo em um concurso
de ingresso como o da École Normale Supérieure, a dizer algo de inteligente sobre tudo, a ter um
ponto de vista sobre tudo, mesmo sobre o que conhecemos mal. Eu não tenho nem essa
formação, nem essa capacidade.
Para lhe responder melhor seria preciso, de fato, fazer remissão a algo mais alto. Olhar uma
imagem é um ato contemplativo. Faz-se isso num arquivo, num museu, numa biblioteca, num
ateliê de artista, num quarto. Eu tenho a impressão de ter passado minha infância em um mundo
de imagens, isto é, grosso modo, em um mundo retirado da ação. Em maio de 1968 eu tinha
quinze anos, todos meus amigos próximos ocupavam o liceu, protestavam nas ruas e eu olhava
tristemente as coisas de minha janela, sem uma palavra, tentando ter uma ideia. Havia nessa
lacuna, creio eu, medo, simplesmente. As imagens podem nos colocar na lacuna da ação, mas elas
nos colocam diretamente no centro do medo. Ou, ao menos, elas sublinham, desenham,
acentuam o medo. Eu lhe falei sobre o ateliê de meu pai: um lugar para arte, para a beleza, para a
consolação e para a dimensão erótica das imagens. Mas isso foi somente a metade da experiência.
A outra metade – que “quebrava” literalmente a primeira – encontrava-se na biblioteca materna: e
eram todas as imagens da guerra, numa propedêutica do horror histórico, no inverso absoluto de
toda beleza, no inconsolável e na dimensão enlutada das imagens.
Essa tensão, parece-me, abre já na imagem a dimensão do político. O que chamei de experiência
de abertura, a inquietude do contato entre a imagem e o real, não é mais que, para concluir, uma
ascensão à dimensão política das imagens, ao menos à sua dimensão histórica: seu papel de
testemunha, isto é, de instrumento, nas grandes violências políticas. Eu levei muito tempo para
compreender isso. Lendo Devant le temps um amigo (um filósofo) me fez notar que meu
comentário sobre Benjamin tinha “esquecido” a célebre passagem sobre a destruição dos relógios
pelos revolucionários, enquanto eu descrevo – de modo muito autobiográfico, aliás – a criança
baudeleriana que quebra metodicamente o relógio familiar sozinho no seu quarto. Eu fiquei
surpreso quando um outro amigo (um cineasta) me falou de Devant l’image como de um livro
político. Eu compreendi depois de muito tempo a que ponto a estrutura epistemológica do campo
“história da arte” – aparentemente tão longe de questões sociais mais inflamadas – só podia se
pensar em relação aos levantes históricos do século XX: se nossa maneira de olhar a arte hoje
depende em grande parte do trabalho magistral de Erwin Panofsky, é preciso então compreender
que ela depende de um pensador que foi exilado pelo nazismo e que emigrou para o mundo
anglo-saxão com tudo aquilo que isso comporta de rompimentos e de renúncias (a começar pela
renúncia à língua materna)...
Se é preciso agora voltar desde as adaptações e repressões panofskianas até as intuições mais
geniais – e mais psicóticas – de Aby Warburg, é preciso compreender este, perturbando nossos
modelos de temporalidade e escavando a memória inconsciente das imagens, acabou por inventar
uma disciplina nova, a iconologia política, tal como vemos operar nos seus estudos de 1918-1920
sobre as gravuras de propaganda da época de Lutero ou nos últimos painéis de seu atlas
Mnemosyne consagrados à Concordata de 1929, à teocracia pontifical e ao anti-semitismo. Os
melhores discípulos alemães de Warburg, em Hamburgo ou em outras partes, deram toda sua
importância a uma análise política das imagens: penso notadamente em Martin Warnke, em Horst
Bredekamp, em Michael Diers, em Charlotte Schoell-Glass, em Gerhard Wolf ou, diferentemente,
em Sigried Weigel. É evidente, aliás, que pensadores tais como Bertolt Brecht, Walter Benjamin ou
Carl Einstein – sem esquecer Adorno e, mais tarde, Guy Debord, Chris Marker ou Jean-Luc Godard
– tiveram um papel decisivo nessa aproximação política da imagem.
Hoje todo mundo parece de acordo em dizer que a imagem está no coração de nossa cultura, ou
seja, do mesmo modo, de nossas barbáries ou, em todo caso, de nossos aparelhos políticos.
Refletir sobre as imagens não acontece sem uma tomada de consciência dessa situação e é a razão
pela qual, quanto mais avanço, mais o Goya dos Desastres da guerra – mas esse Goya aqui deve
ser pensado também com aquele da Casa do surdo – ganha importância, e mais os artistas
contemporâneos que pensam a questão da história ganham minha atenção, seja Sigmar Polke ou
Robert Morris, Alfredo Jaar ou Pascal Convert, Sophie Ristelhueber ou Harun Farocki. As imagens
constituem, hoje mais do que ontem, ferramentas políticas consideráveis. Sua eficácia parece cada
vez mais imediata. É preciso, portanto, com toda urgência, desenvolver um olhar crítico sobre as
imagens: atitude que não é nem de aceitação beata, nem de recusa obstinada (penso na polêmica
suscitada pelo Images malgré tout). Mais uma vez, é preciso trabalhar na dimensão concreta das
singularidades.
Não há ontologia a ser feita sobre isso que é “a imagem”. Dizer “a imagem” é pensar, não importa
o que façamos, de modo metafísico. Há somente imagens, cada imagem é somente compreendida
na sua relação com as outras. Se quisermos retomar a reflexão de Lacan – endereçada a Heidegger
– segundo a qual “a metafísica nunca foi nada e somente se prolongaria para se ocupar em
obstruir o buraco da política”, então, diremos, naquilo que nos concerne, que uma imagem pode
funcionar, segundo seu valor de uso, alternativamente como um tapa-buraco metafísico na história
(aquela da Cidade, notadamente), enquanto que os Desastres de Goya são um buraco político na
cultura de seu tempo (eis porque a reunião de suas gravuras nunca foi publicada enquanto o
artista estava vivo).
Há talvez em toda imagem um duplo aspecto ou, melhor, um duplo regime (eu emprego em um
sentido funcional e não de época, como o faz Rancière): tapa-buraco e buraco, véu e rasgo do véu,
sublimação e dessublimação. Trata-se de, a cada instante, interrogar-se na imagem o que faz
impedimento e o que faz retorno do impedimento, ou, dito de outro modo, o que resulta dos
poderes do imaginário e o que surge da quebra do real.

O senhor é um dos historiadores da arte, um dos intelectuais em geral, mais profusos que
conheço. Como o senhor escreve? Com muitos textos sobre a mesa em paralelo (como para o
seu Fra Angelico e Devant l’image), um servindo de contraponto ao outro? Ou sempre um apos o
outro? Seguindo um projeto de conjunto? Ou segundo solicitações e ordens heterogêneas? Ou
ainda seguindo uma sutil dialética entre as duas? E como então dialetizar um projeto de
pensamento e de escritura?

Eu sou profuso somente sob o olhar de uma situação atual – eis um objeto político por excelência,
parece-me – que é globalmente feita para censurar, tornar devagar, canalizar, divertir ou frustrar o
livre exercício do pensamento e do saber. O que está em jogo aqui é a própria estrutura do
aparelho universitário enquanto mundo do trabalho. O senhor é um jovem pesquisador? Tudo é
feito para lhe impedir de trabalhar: fecham-lhe as portas, não o publicam, fazem-no esperar,
obrigam-no a cumprir tarefas extras em face de uma vaga promessa de lhe dar um posto... O
senhor é um velho pesquisador? Também tudo é feito para lhe impedir de trabalhar: são-lhe dados
pseudo-poderes, tarefas administrativas, propõem-lhe cadeiras em bancas, convites para
colóquios, fazem-lhe ler manuscritos, convites para formar comissões contra a vaga promessa de
encontrar um posto para seus estudantes... e assim por diante. Minha primeira resposta para a sua
questão, portanto, será: primeiramente eu escrevo profusamente porque eu tenho tempo para
faze-lo. Como faço isso? Primeiramente tenho a chance de trabalhar numa instituição, A École des
hautes études en sciences sociales, que tem por vocação ensinar a pesquisa (a questão é saber se
essa vocação pode resistir ao aparelho universitário do qual falava). Em seguida, eu sou um mal
institucionalista – três reprovações durante a habilitação –, uma condição de liberdade intelectual.
Eu segui o conselho de Gilles Deleuze: escolher entre o poder e a potência. Muitos querem ter os
dois, mas isso não é possível até o fim. Eu não tenho poder algum sobre ninguém, parece-me (ora,
o poder toma muito tempo). Eu não tenho ninguém para julgar. Eu não tenho carro nem celular. Eu
detesto as intermináveis correspondências eletrônicas. Eu não organizo nada, eu não dirijo nada.
Eu me contento em dar o que eu faço menos mal ou, digamos, o que faço com mais prazer. Eu sei
dizer não, mesmo para as propostas “prestigiosas”, como se diz, uma vez que corro o risco de me
dispersar.
A profusão vem de duas coisas: construção e prazer. Desenvolvi, como todo mundo, meu pequeno
método pessoal (baseado em fichas escritas a mão) cuja simples virtude é a simplicidade, a
mobilidade, a possibilidade de trabalhar simultaneamente na ordem do saber (virtude de
paciência) e na ordem da associação livre (virtude de impertinência, de jogo). Um texto é sempre a
resultante ou a montagem dessas duas dimensões num mesmo ritmo. Falo de ritmo porque a
história da arte é desde o início uma disciplina literária. Tudo começa com um exercício de
descrição, de ekphrasis. Tudo é questão de estilo, portanto, de colocar o material em operação. Eu
trabalho simultaneamente, de fato, em diferentes gêneros literários: há grandes projetos que se
alongam por diversos anos, há textos breves que são como “fusées”, formas intermediarias etc.. A
coisa toda é ter tempo para si, isto é, sua liberdade de bifurcar-se para um desenvolvimento novo
ou para tomar muito mais tempo que o previsto sobre uma questão que inicialmente parecia
menor. Tento dizer a todos os estudantes com os quais discuto que a questão fundamental é
aquela, não da “carreira”, mas da construção – é uma luta, evidentemente – das condições de
nossa liberdade. Questão política, portanto: como construir a possibilidade concreta de um saber
feliz?

Uma questão improvisada: suas notas de pé de página, por seu caráter prolífico e abundante
(pensamos particularmente em L’Image survivante, livro sobre o qual o senhor diz ter retirado
mais de duzentas páginas de nota, mesmo que o livro ainda tenha ficado com 677 páginas...) e
pela multiplicidade dos registros que elas mobilizam, acabam por ganhar, ao menos para os
leitores ingênuos que somos nós, um estatuto extremamente enigmático. Qual é sua relação
com as notas de rodapé? São elas um meio de aceitar o jogo da erudição, uma vez que não há
outro, já que a mais simples honestidade o obriga? Ou, ao contrario, alongar-se com a finalidade
de fazer outra coisa? Não são elas ainda uma maneira de se resguardar e de proteger pelo saber
mais autorizado os pensamentos mais heterodoxos? Ou, ao contrario, fazer divagar o saber até
zonas pelas quais menos esperamos? Ou ainda pontuar seus textos a maneira de um Spinosa
produzindo supostos escólios para comentar suas proposições e implicando, de fato, um
diferente registro de pensamento? Ou tudo isso ao mesmo tempo? Ou ainda outra coisa?

Sua questão mostra, justamente, que o senhor não é um leitor ingênuo. Talvez, por outro lado, já
que o senhor é filósofo, o senhor não pratique verdadeiramente a literatura erudita que produz
naturalmente uma disciplina como a história da arte. As notas proliferantes são um traço típico da
história da arte alemã: nas Gesammelte Schriften de Warburg há muito mais notas do que texto,
da mesma forma que em um livro como Idea de Panofsky. Se havia muitas notas em L’Image
survivante é porque o livro era uma emanação da ferramenta oferecida pelo próprio Warburg a
seu leitor, a saber – além de seus próprios textos publicados, suas intermináveis notas e suas
miríades de manuscritos inéditos – sua biblioteca, sua biblioteca mágica... Minhas notas
inicialmente funcionaram no mimetismo do saber rizomático proposto por Warburg. Mas é
verdade que, frequentemente, as notas de rodapé funcionam na história da arte como o tapa-
buracos de uma ausência de problematização, como se o cientista se recusasse a resolver, a
assumir um ponto de vista. O grande historiador da arte vienense Julius von Schlosser dizia
substancialmente que a história da arte é uma disciplina filológica que deve utilizar seu saber para
colocar questões filosóficas. Há lentidão e notas de rodapé em toda atividade filológica, há risco e
uma certa energia do texto – isso é muito claro desde Nietzsche – em toda atividade filosófica. É
preciso, portanto, saber combinar as duas.
Sem dúvidas o senhor tem razão quando evoca a nota de rodapé como uma espécie de meio
civilizado para fazer passar uma ideia um pouco nova, de modo a “proteger pelo saber mais
autorizado pensamentos mais heterodoxos”. É a atitude que consiste em dizer: eu lhe proponho
essa surpreendente hipótese não porque eu não sei, mas, justamente, porque eu sei. Ao mesmo
tempo, tudo isso é menos complicado, muito menos paranóico do que o senhor sugere. A nota de
rodapé é simplesmente a honestidade, como o senhor diz, na transmissão do saber. É a
possibilidade dada ao leitor de refazer o caminho por sua conta, isto é, para eventuais divergências
na apreciação das fontes. Quando estudante eu estava deslumbrado pela beleza da escritura de
Michel Foucault, pela fluidez de seu pensamento, e pela impossibilidade de cortar seu raciocínio
para citar somente uma parte dele. Depois disso, quis refazer certos caminhos de seu pensamento
e fiquei chocado quando vi que ele escrevia “Esquirol dizia isso”, sem mencionar onde ele o diz e
mesmo como ele o diz exatamente. Um texto sem notas é, num sentido, muito mais autoritário –
isto é, menos generoso, mas, aí, já não é mais o caso de Foucault – do que um texto com muitas
notas de pé de página.
O grande erro seria postular que a teoria é um fim para o qual o saber seria apenas um meio. Há
saberes tapa-buracos, claro: é a metafísica que carrega o cientista positivista, de algum modo. Ele
acredita que a exatidão irá fundar a verdade daquilo que ele diz. Mas outras estratégias de
conhecimento são evidentemente possíveis: o saber aberto, a gaia ciência, carrega em si mesmo
uma extraordinária capacidade de invenção e de subversão teóricas. O saber – lembremo-nos da
erudição impressionante de Walter Benjamin ou de Georges Bataille – sabe cavar buracos no
conformismo de teorias dadas por completo. Como o senhor diz muito bem, a nota erudita tem
uma função de pontuação, de escólio e, sobretudo, de digressão. Vemos nas notas como um
pensamento se constrói, como se efetua a própria montagem teórica. Vemos nas notas um campo
de possibilidades, uma arborescência sobre a qual o próprio texto, geralmente mais narrativo, mais
orientado, recusa-se a parar.
Uma última questão. O senhor define, em Devant l’image, o mundo das imagens como o conjunto
de “aporias” que se colocam ao mundo do saber. A partir desse ponto de vista, o senhor já chegou
a conhecer imagens que lhe apreendiam sem que lhe tenha sido possível, entretanto, articular
sobre elas o menor discurso? Imagens que produziram somente intuições significativas mas ainda
vazias, ou textos impublicáveis? Em outras palavras, os seus leitores só conhecem a história de
suas conquistas... Há uma história mais subterrânea ou mais inconfessável de suas derrotas? Essa
questão toma também um sentido particular em relação a uma de suas teses centrais segundo à
qual a imagem é acima de tudo “o que resiste ao discurso”? O senhor conheceu resistências
absolutas ou inexpugnáveis?
É uma questão muito bonita, mas como responde-la se eu o tomar ao pé da letra? Dizer que uma
imagem é antes de tudo “o que resiste ao discurso” equivale a dizer que não é preciso exatamente
parar nesse “antes de tudo”. Toda questão, afirmava Bataille, é uma questão de tempo, de
emprego do tempo. Eu diria então que as imagens que me “apreenderam”, como o senhor diz com
justiça, só criaram um momento de mudez nos meus discursos anteriores. Uma imagem forte é,
antes de tudo, uma imagem que surpreende (quando digo “forte”, isso não quer dizer
“violentamente espetacular”, obviamente: uma moça com turbante de Vermeer que se vira
suavemente para então lhe surpreender também toca todas as suas possibilidades de discorrer
sobre a pintura). Mas não podemos parar diante desse momento de mudez, salvo para
desenvolver uma teoria do indizível que eu qualificaria de preguiça metafísica. Não podemos
também nos remeter somente ao mundo do discurso: fazer isso – pratica contumaz dos filósofos
que discorrem sobre a arte – põe-nos no risco de ilustrar nosso discurso com imagens, e não de
confrontar nossa palavra com essas imagens.
Escrever sobre as imagens é inicialmente escrever. É articular o que aparece inicialmente como
uma experiência do inarticulável apesar de tudo. É escrever o inarticulável mesmo, ou a partir
dele, preservando-o, e sabendo escrever que se o preserva. É procurar todas suas energias na
própria escritura, é abrir as possibilidades poéticas e filosóficas de conseguir algo – uma palavra,
um texto, um estilo particular que daria conta dessa imagem particular – a partir de uma mudez
primeira. É preciso, por isso, uma espécie de coragem: coragem de olhar, olhar ainda, coragem de
escrever, escrever apesar de tudo. Escuso-me em dizer que as imagens de Auschwitz sobre as
quais trabalhei constituíram durante muitos anos esse “inexpugnável” ou “indizível” do qual o
senhor fala. Eu sairia dali preferindo olhar para outro lugar e exclamando ma che bello! diante dos
esplendores do Renascimento italiano. Foi preciso a insistência de Clément Cheroux, o organizador
da exposição Memórias dos campos, para me dar a coragem de enfrentar essas imagens e então
consagrar-lhe tempo (isso suporia abandonar todos meus objetos de competência e o prazer
habitual para um período indefinido e sem qualquer garantia de resultado). O que quer que eu
articule a partir delas constitui evidentemente uma contribuição parcial ao seu conhecimento.
Essas imagens guardam todo seu poder de ainda nos surpreender, isto é, de suscitar novas
maneiras de falar e de pensar.
Eu lhe disse agora mesmo minha reserva em relação a toda ontologia da imagem. Não há imagens
que, em si, nos deixariam mudos, impotentes. Uma imagem a respeito da qual não poderíamos
dizer nada é geralmente uma imagem para a qual não lhe dedicamos o tempo – mas esse tempo é
longo, ele demanda coragem, repito – de olhar atentamente. De re-inquietar-se a cada instante.

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