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MURIEL PIC – Nos teus trabalhos, DESEJO é uma palavra que aparece
seguidamente...
Isto não quer dizer, de modo abrupto, em suma, que necessitaria postular
um “inconsciente da história”. O fato de que a tua pergunta se formula a
partir da crítica de Ginzburg- sobre a qual eu voltarei brevemente- induz
uma certa confusão, me parece. Eu nunca postulei um grande
“inconsciente da história” que agiria como uma eminencia parda acima ou
abaixo do devenir histórico ele mesmo. Eu não sou junguiano. Eu observo
2
É o desejo que nos leva a fazer imagens. É o desejo que nos leva a ver e a
rever imagens. Isso enerva toda atividade no campo do sensível- corporal
3
Estou me dando conta que só com tua pergunta eu poderia te contar uma
grande parte de minhas escolhas intelectuais , com os debates que isso
pode suscitar. A pesquisa esboçada com Michel Certeau tomou formas
sucessivas sem deixar o domínio italiano: foi no início um projeto para a
Academia de França à Roma que tratava da eficácia das imagens
miraculosas, mas que se bifurcou de repente a partir de um só objeto
pictural descoberto no corredor do convento de São Marco em Florença:
quatro partes ( retalhos) de manchas coloridas onde eu tentei então
alguma coisa como uma iconologia, teologicamente e liturgicamente- isto
é gestualmente e corporalmente – orientada. Porque um pintor do
Renascimento tinha lançado a tinta em chuva informe, à distancia, sobre a
parede deste convento? Se eu tivesse seguido a lição de Jean François
Lyotard, por exemplo, eu teria provavelmente falado da economia
libidinal, o que naturalmente eu evitei. O desejo em ação nestes pedaços
de pintura não deviam ser lidos sob um ângulo desta natureza, mas mais
diretamente e mais sutilmente através de Tomás de Aquino, Giovanni di
Genova ou Antonin de Florence. Isto dito para nos desembaraçar de todo
psicologismo e de todo psicanalitismo ingênuo diante dos objetos
históricos. Se houvesse um inconsciente nesta história, ou seja um
recalcado, seria por parte da própria disciplina ela mesma, a história da
arte, que era necessário buscar para compreender o grande silencio
mantido em torno da dissemelhança na Renascença.
II
sobre a qual é preciso explicar ainda que esta não é uma vida tranquila: é
acima de tudo uma vida em crise. O que Warburg retém das imagens são
as crises morfológicas, os momentos em que o gesto e a forma
desobedecem à semântica que não quer “simultaneidade contraditória”,
que não quer dois em um, a não ser para abrir a categoria dos monstros,
os bastardos da natureza, seres sem formas que atravessam a revista
Documentos de Bataille e que povoam em centenas a coleção de imagens
de Warburg.
Georges DIDI-HUBERMAN