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132 Michel Foucault - Ditos e Escritos

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pudermos entender por “estilo” o movimento originário da
imaginação quando ele toma a fisionomia da troca. Mas eis- 1957
nos já sobre o registro da história. A expressão é linguagem,
obra de arte, ética: todos os problemas de estilo, todos os
momentos históricos cujo devir objetivo é constituinte desse
mundo, de que o sonho nos mostra o momento originário e as
A Psicologia de 1850 a 1950
significações diretrizes para nossa existência. Não é que o
sonho seja a verdade da história, mas, ao fazer surgir o que
na existência é o mais irredutível à história, ele mostra ao
“La psychologie de 1850 à 1950”, tn Huisman (D.) e Weber (A.), Histoire de la
máximo o sentido que ela pode tomar para uma liberdade que a m M
ainda não atingiu, em uma expressão objetiva, o momento de
sua universalidade. Por isso é que o primado do sonho é
asm philosophie européenne, t. II: Tableau de philosophie contemporaine, Paris,
Librairie Fischbacher, 1957, 33, rue de Seine, p. 591-606.

absoluto para o conhecimento antropológico do homem


concreto; mas a ultrapassagem desse primado é uma tarefa
Introdução
de futuro para o homem real - uma tarefa ética e uma
necessidade de história: “Sem dúvida cabe a esse homem, A psicologia do século XIX herdou da Aufklárung a preocu­
inteiramente às voltas com o mal cujo rosto voraz e medular pação de alinhar-se com as ciências da natureza e de encon­
ele conhece, transformar o fato fabuloso em fato histórico. trar no homem o prolongamento das leis que regem os fenô­
Nossa convicção inquieta não deve denegri-lo, mas interrogá- menos naturais. Determinação de relações quantitativas, ela­
lo, nós, ardentes matadores de seres reais na pessoa sucessiva boração de leis que se apresentam como funções matemáticas,
de nossa quimera... A evasão em seu semelhante com imensas colocação de hipóteses explicativas, esforços através dos quais
promessas de poesia será, talvez, um dia possível.”76 a psicologia tenta aplicar, não sem sacrifício, uma metodologia
Mas tudo isso concerne a uma antropologia da expressão, que os lógicos acreditaram descobrir na gênese e no desenvolvi­
mais fundamental, em nossa opinião, que uma antropologia da mento das ciências da natureza. Ora, foi o destino dessa psi­
imaginação; não está em nosso propósito esboçá-la hoje. Quise­ cologia, que se queria conhecimento positivo, apoiar-se sem- 2 ~
mos simplesmente mostrar tudo o que o texto de Binswanger pre em dois postulados filosóficos: que a verdade do homem
sobre o sonho podia trazer a um estudo antropológico do imagi­ está exaurida em seu ser natural e que o caminho de todo
nário. O que ele trouxe à luz no sonho é o momento fundamental conhecimento científico deve passar pela determinação de
relações quantitativas, pela construção de hipóteses e pela
em que o movimento da existência encontra o ponto decisivo da
divisão entre as imagens onde ela se aliena em uma subjetividade verificação experimental.
Toda a história da psicologia até o meado do século XX é a
patológica e a expressão onde ela se conclui em uma história
história paradoxal das contradições entre esse projeto e esses
objetiva. O imaginário é o meio, o “elemento” dessa escolha.
postulados; ao perseguir o ideal de rigor e de exatidão das
Podemos, portanto, indo ao encontro da significação do sonho
ciências da natureza, ela foi levada a renunciar aos seus
no coração da imaginação, restituir as formas fundamentais da
postulados; foi conduzida por uma preocupação de fidelidade
existência, manifestar sua liberdade, designar sua felicidade e •w.*;- objetiva em reconhecer na realidade humana outra coisa que -
infortúnio, já que o infortúnio da existência inscreve-se sempre MMà■
não um setor da objetividade natural, e em utilizar para
na alienação, e que a felicidade, na ordem empírica, não pode reconhecê-lo outros métodos diferentes daqueles de que as
ser senão felicidade de expressão.
ciências da natureza poderiam lhe dar o modelo. Mas o projeto
de rigorosa exatidão que a levou, pouco a pouco, a abandonar
76. (NA.) Char (R.), Partageformei op. cit, LV, p. 169. seus postulados tomou-se vazio de sentido quando esses
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mesmos postulados desapareceram: a ideia de uma precisão como uma reflexão sobre as interrupções do desenvolvimento;
objetiva e quase matemática no domínio das ciências humanas a psicologia da adaptação, como uma análise dos fenômenos
não é mais conveniente se o próprio homem não é mais da de inadaptação; a da memória, da consciência, do sentimento
ordem da natureza. Portanto, é a uma renovação total que a surgiu, primeiro, como uma psicologia do esquecimento, do
psicologia obrigou a si própria no curso de sua história; ao inconsciente e das perturbações afetivas. Sem forçar uma exa­
descobrir um novo status do homem, ela se impôs, como tidão, pode-se dizer que a psicologia contemporânea é, em sua
ciência, um novo estilo. origem, uma análise do anormal, do patológico, do conflituoso,
Ela precisou buscar novos princípios e desvelar para si uma reflexão sobre as contradições do homem consigo mesmo.
mesma um novo projeto: dupla tarefa que os psicólogos nem E se ela se transformou em uma psicologia do normal, do
sempre compreenderam com todo o rigor e que, com muita adaptativo, do organizado, é de um segundo modo, como que
frequência, tentaram rematar com a economia; uns, ainda que por um esforço para dominar essas contradições.
percebendo a exigência de novos projetos, permaneceram ligados O problema da psicologia contemporânea - e que para ela
aos antigos princípios de método: as psicologias que tentaram própria é um problema de vida ou de morte - é saber em que
analisar a conduta, mas que para fazê-lo utilizaram os méto­ medida ela consegue efetivamente dominar as contradições
dos das ciências da natureza o testemunham; outros não que a fizeram nascer, através desse abandono da objetividade
entenderam que a renovação dos métodos implicava a emer­ naturalista, que parece ser sua outra característica maior. A
gência de novos temas de análise: assim, as psicologias des­ essa pergunta a própria história da psicologia deve responder.
critivas, que permaneceram ligadas aos velhos conceitos. A
renovação radical da psicologia como ciência do homem não
é, portanto, simplesmente um fato histórico do qual podemos O preconceito de natureza
situar o desenrolar durante os últimos cem anos; ela ainda é
uma tarefa incompleta a ser preenchida e, a esse título, perma­ Sob sua diversidade, as psicologias do final do século XIX
nece na ordem do dia. possuem esse traço comum, de tomar emprestado das ciências
Foi igualmente no decorrer desses últimos cem anoé que a da natureza seu estilo de objetividade e de buscar, em seus
psicologia instaurou relações novas com a prática: educação, métodos, seu esquema de análise.
medicina mental, organização de grupos. Ela se apresentou 1) O modelo fisico-químico. É ele que serve de denominador
como seu fundamento racional e científico; a psicologia gené­ comum a todas as psicologias da associação e da análise rAifc
tica constituiu-se no quadro de toda pedagogia possível, e a elementar. Encontramo-lo definido com a maior clareza na
psicopatologia ofereceu-se como reflexão sobre a prática psi­ Logique, de J. S. Mill, e em seu Preface to James M ills
quiátrica. Inversamente, a psicologia se colocou como questão Analysis. 1 Os fenômenos do espírito, assim como os fenôme­
nos materiais, exigem duas formas de pesquisa: a primeira
os problemas suscitados por essas práticas: problema do
tenta, a partir dos fatos, ter acesso às leis mais gerais, segundo
sucesso e do fracasso escolar, problema da inserção do doente
o princípio da universalização newtoniana; a segunda, tal como t) ouv
na sociedade, problema da adaptação do homem à sua profis­
a análise química para os corpos compostos, reduz os fenôme­
são. Através desse laço apertado e constante com a prática,
nos complexos em elementos simples. Assim, a psicologia terá
através dessa reciprocidade de suas trocas, a psicologia tor­
por tarefa encontrar, nos fenômenos do pensamento mais
na-se semelhante a todas as ciências da natureza. Mas estas
abstrusos, os segmentos elementares que os compõem; no
não respondem senão aos problemas colocados pelas dificul­
dades da prática, seus fracassos temporários, as limitações
1. (N.A.) Mill (J. S.), A system of logic ratiocinative and inductive, Londres,
provisórias de seu exercício. A psicologia, em contrapartida, Parker, 1851, 2 vol. (Système de logique deductive et inductive, trad. L. Peisse,
nasce nesse ponto no qual a prática do homem encontra sua Paris, Ladrange, 1866, 2 vol. (N.E.).) Preface to James Mill’s analysis of the
própria contradição; a psicologia do desenvolvimento nasceu phenomena of the human mind Londres, Longman’s, 1869.
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princípio da percepção e do conhecimento da matéria, ela Foi a mesma inspiração orgânica que suscitou as pesquisas
encontrará a sensação (“a matéria pode ser definida como uma sobre as regulações internas do psiquismo: prazer e dor, ten­
possibilidade permanente de sensação”); no princípio do es- dências, sentimentos, emoções, vontade. Para Bain, o prazer
pírito e do conhecimento que o espírito tem de si mesmo, a resulta da harmonia das sensações; a dor, de suas contra­
psicologia descobrirá o sentimento. Mas esses elementos, em dições e conflitos.6 É sob os fenômenos conscientes que Ribot
sua relação e em seu agrupamento, são regidos pela lei busca o princípio dessas regulações que caracterizam a vida
absolutamente geral da associação, já que ela é universal, mas ativa e a vida afetiva: em uma região onde o prazer e a dor
somente as formas de aplicação nos diversos tipos de fenôme- ainda nem mesmo afloram, há um “inconsciente dinâmico”
nos ____ X • o
mentais.2 que trabalha, que elabora “na sombra das combinações incoe­
2) O modelo orgânico. Não se busca mais definir o domí­ rentes ou adaptadas”; essa “subpersonalidade” envolve em sua
nio psicológico por coordenadas tomadas da física de Newton profundeza a origem da grande trindade afetiva, constituída pelo
ou da química de Lavoisier; fazem-se esforços para se manter medo, pela raiva e pelo desejo; são os três instintos procedentes
em vista a realidade humana definindo-a por sua natureza diretamente da vida orgânica: instinto defensivo, instinto ofen­
orgânica, tal como se a conhece depois de Bichat, Magendie, sivo, instinto nutritivo.7
Claude Bernard. O psiquismo, tal como o organismo, é carac­ 3 ) O modelo evolucionista. A origem das espécies esteve, jv^JCo
terizado por sua espontaneidade, sua capacidade de adapta­ na metade do século XIX, no início de uma renovação conside-
ção e seus processos de regulações internas. té rável nas ciências do homem; ela provocou o abandono do “mito
Bain, a partir de um estudo dos instintos,3 Fechner, pela newtoniano” e assegurou sua substituição através de um “mi­
to darwiniano”, cujos temas imaginários ainda não desaparece­
análise das relações entre estimulação e o efeito sensorial,4
ram totalmente do horizonte dos psicólogos. É essa mitologia
Wundt, retomandô o problema da atividade específica dos
grandiosa que serve de cenário ao Système de philosophic de
nervos,5 todos ressaltaram esse tema essencial de que o Spencer; nele, os Príncipes de psychologic são precedidos dos
aparelho psíquico não funciona como um mecanismo, mas Príncipes de biologic e seguidos dos Príncipes de sociologic. A
m i
como um conjunto orgânico cujas reações são originais, e, evolução do indivíduo ali é descrita, ao mesmo tempo, como um-íw»*«
consequentemente, irredutíveis às ações que os desencadeiam. processo de diferenciação - movimento horizontal de expansão ^
É preciso, portanto, como dizia Wundt, substituir o princípio »^
para o múltiplo - e por um movimento de organização hierárquica WdJty»
da energia material pelo princípio do acréscimo da energia - movimento vertical de integração na unidade; assim procede---**«^ 3^ »
espiritual. É nesse sentido que foram empreendidas, no final ram as espécies no curso de sua evolução; assim procederão as
do século XIX, as pesquisas experimentais dos limiares abso­ sociedades no curso de sua história; assim procede o indivíduo ^ v
lutos e diferenciais da sensibilidade, os estudos sobre o tempo no curso de sua gênese psicológica, desde o “feeling indiferen­
de reação e sobre as atividades reflexas: em suma, toda essa ciado” até a unidade múltipla do conhecimento.8
constelação de estudos psicofisiológicos nos quais se buscava Jackson, para a neurologia, Ribot, para a psicologia pato­
manifestar a inserção orgânica do aparelho psíquico. lógica, retomaram os temas spencerianos. Jackson define a
evolução das estruturas nervosas através de três princípios:
ela se faz do simples ao complexo, do estável ao instável, do
2. A frase está manifestamente truncada.
3. (N.A.) Bain (A), The senses and the intellect, Londres, Longman’s, 1864.;
(Les sens et l’intelligence, trad. E. Cazelles, Paris, Baillière, 1874 (N.E.).) 6. (N.A.) Bain (A.), The emotions and the will, Londres, Parker, 1859. (Les
4. (N.A.) Fechner (T. G.), in Sachen der Psychophysik, Leipzig, Breitkopf e émotions et la volonté, trad. P.-L. de Monnier, Paris, Alcan, 1885 (N.E.).)
Härtel, 1877. 7. (N.A.) Ribot (T.), La psychologie des sentiments, Paris, Alcan, 1897.
5. (N.A.) Wundt (W.), Grundzüge der Physiologischen Psychologie, Leipzig, W. 8. (N.A.) Spencer (H.), The principles ofpsychology, Londres, Longman’s, 1855.
Engelmann, 1874. (Éléments de psychologie physiologique, trad. E. Rouvier, (Principes de psychologie, trad. A. Espinas e Th. Ribot, Paris, Baillière, 2 vol.,
Paris, Alcan, 2 vol., 2Sed., 1886 (N.E.).). 2aed„ 1875 (N.E.).)
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mais organizado ao menos organizado; o que implica, em pertencer a uma paisagem comum, e a mesma direção parece
compensação, que a doença siga o caminho inverso ao da e s b o ç a r -se: trata-se de deixar de lado as hipóteses demasiado
evolução, e que ela se afronte, a princípio, com as estruturas amplas e gerais pelas quais se explica o homem como um setor
mais instáveis e mais recentes, para progredir rapidamente na determinado do mundo natural; trata-se de retomar um exame |
direção das estruturas mais sólidas e mais antigas; mas a mais rigoroso da realidade humana, ou seja, mais de acordo
doença é também dissociativa: a supressão das estruturas com sua medida, mais fiel às suas características específicas,
superiores provoca uma desintegração que descobre e libera mais apropriado a tudo o que, no homem, escapa às determi­
as instâncias inferiores.9 Ribot transferiu as análises neuro- ÇJpoV nações de natureza. Tomar o homem não no nível desse deno­
psiquiátricas de Jackson para os domínios da personalidade, minador comum que o assimila a todo ser vivente, mas no seu
dos sentimentos, da vontade, da memória: 10 nas amnésias, próprio nível, nas condutas nas quais se exprime, na consciên­
são as lembranças mais antigas e mais estáveis que permane­ cia em que se reconhece, na história pessoal através da qual
cem, quando são varridas as mais recentes e as mais superfi­ ele se constituiu.
ciais; nas alterações da vida afetiva, os sentimentos egoístas Janet, 11 sem dúvida, permanece ainda bem próximo ao evo­
que são também os mais arcaicos reaparecem, assim como lucionismo e aos seus preconceitos de natureza; a “hierarquia
surgem uma vez mais os automatismos, quando a vontade 1
das tendências” que se estende das mais simples e das mais
desmorona, ou as estruturas inconscientes da personalidade,
automáticas (tendência à reação imediata) até as mais com­
quando as formas lúcidas são obnubiladas.
plexas e as mais integradas (ações sociais), a noção cie energia
A importância do evolucionismo na psicologia deve-se, sem
psíquica que se reparte entre essas tendências para ativá-las
dúvida, a ele ter sido o primeiro a mostrar que o fato psicológico
são temas que lembram Jackson e Ribot. No entanto, Janet
não tem sentido senão com relação a um futuro e a um passado,
m\ chegou a sair fora desse quadro naturalista dando como tema
que seu conteúdo atual assenta-se sobre um fundo silencioso de
estruturas anteriores que o carregam de toda uma história, mas à psicologia não as estruturas reconstituídas nem energias
que ele implica, ao mesmo tempo, um horizonte aberto sobre o supostas, mas a conduta real do indivíduo humano. Por
eventual. O evolucionismo mostrou que a vida psicológica tinha “conduta”, Janet não entende esse comportamento externo de
uma orientação. Mas, para desligar a psicologia do preconceito que se esgotam o sentido e a realidade, confrontando-o com a
de natureza, restava ainda mostrar que essa orientação não era k situação que o provocou: é reflexo ou reação, não conduta. Há
apenas força que se desenvolve, mas significação que nasce. conduta quando se trata de uma reação submetida a uma
regulação, quer dizer, cujo desenrolar depende sem cessar do
resultado que ela acaba de obter. Essa regulação pode ser
A descoberta do sentido -
interna e apresentar-se sob a forma de sentimento (o esforço
que faz recomeçar a ação para aproximá-la do sucesso; a
A descoberta do sentido fez-se, no final do século XLX, por alegria que a limita e a conclui no triunfo); ela pode ser externa
caminhos bem diversos. Mas eles parecem, no entanto, já e tomar como ponto de referência a conduta do outro: a conduta
ê, então, reação à reação de um outro, adaptação à sua
« :
A’^Jackso?’ Croonicm lectures on the evolutionand dissolution qf ? f ‘ff: ~conduta, e ela exige, assim, um desdobramento cuio exemplo
the nervous system, in The lancet, 29 de marro
sustem, inThelancet. Rp19Hp
março, 5 e 12 de ahrii
abril Ho i r r a í(“Sur
de 1884. “SnrJÊÈÊÊÊÊÈÈÊÊÈÊÊÊÊ moio
mais +' •
típico e- dado
j j i i*
pela j
lmguagem que se desenrola i sempre „
l’évolution et la dissolution du système nerveux”, trad. A. Pariss, Archives
suisses de neurologie et de psychiatrie, vol. VIII, 1921, ne.2, p. 293-302: vol.
IX, 1922, ns 1, p. 131-152 (N.E.).) mBsBBÈËÊtL(NA.) Janet (P.), Les obsessions et la psychasthénie (em col. com F.
10. (N.A.) Ribot (T.), Les maladies de la mémoire, Paris, Baillière, 1878; Lès Raymond), Paris, Alcan, 1903, 2 vol. Les névroses, Paris, Flammarion, 1909.
maladies de la volonté, Paris, Baillière, 1883; Les maladies de la p ers o n n a lité , e l angoisse à l’extase. Éludes sur les croyances et les sentiments, Paris,
Paris, Alcan, 1885. can> 1926. Les débuts de l’intelligence, Paris, Flammarion, 1935.
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como diálogo eventual. A doença, então, não é nem um de/íd£nein lógicos os processos orgânicos referidos à explicação causai,
uma regressão, mas um distúrbio dessas regulações, uma altera­ e as reações ou os desenvolvimentos da personalidade que
ção funcional do sentimento: disso é testemunha a linguagem do envolvem uma significação vivida de que o psiquiatra deve ter
psicastênico, que não pode mais regular-se pelas normas do a tarefa de compreender.
Mas nenhuma forma de psicologia deu mais importância à
diálogo, mas prossegue em um monólogo sem auditor; testemu­
significação do que a psicanálise. Sem dúvida, ela ainda
nhas também são os escrúpulos dos obsessivos que não podem
permanece, no pensamento de Freud, 14 ligada às suas origens
concluir suas ações, porque perderam essa regulação que lhes
naturalistas e aos preconceitos metafísicos ou morais, que não
permite iniciar e concluir uma conduta.
deixam de marcá-la. Sem dúvida, há na teoria dos instintos
O surgimento das significações na conduta humana se fez (instinto de vida ou de expansão, instinto de morte ou de
igualmente a partir da análise histórica. “O homem”, segundo
repetição) o eco de um mito biológico do ser humano. Sem
Dilthey, “não aprende o que ele é ruminando sobre si mesmo, ele
dúvida, na concepção da doença como regressão a um estádio
o aprende pela história” . 12 Ora, o que a história lhe ensina é que
anterior do desenvolvimento afetivo, reencontramos um velho
ele não é um elemento segmentar dos processos naturais, mas tema spenceriano e os fantasmas evolucionistas de que Freud
uma atividade espiritual cujas produções depositaram-se suces­ não nos poupa, mesmo em suas implicações sociológicas mais
sivamente no tempo, como atos cristalizados, significações do­
duvidosas. Mas a própria história da psicanálise fez ver esses
ravante silenciosas. Para reencontrar essa atividade originária,
elementos retrógrados. A importância histórica de Freud vem,
será preciso endereçar-se às suas produções, fazer reviver
sem dúvida, da impureza mesma de seus conceitos: foi no
seus sentidos através de uma “análise dos produtos do espírito
interior do sistema freudiano que se produziu essa reviravolta
destinada a nos dar acesso a um apanhado sobre a gênese do
da psicologia; foi no decorrer da reflexão freudiana que a ^ r*
conjunto psicológico”. Mas essa gênese não é nem um processo
análise causai transformou-se em gênese das significações,
mecânico, nem uma evolução biológica; ela é movimento
——--------------------------- z,
próprio do espírito que é sempre sua própria origem e seu
14. (NA.) Freud (S.), Die Traumdeutung, Viena, Franz Deuticke, 1900. (L’in­
próprio termo. Portanto, não se trata de explicar o espírito por terprétation des rêves, trad. D. Berger, Paris, PUF, 1967 (N.E.).) Drei Abhan­
outra coisa do que por ele próprio; mas, ao se colocar no dlungen zur Sexualtheorie, Viena, F. Deuticke, 1905. (Trois essais sur la théorie
interior de sua atividade, ao tentar coincidir com esse movi­ sexuelle, trad. Ph. Koeppel, Paris, Gallimard, col. “Connaissance de l’incons­
cient”, 1987 (N.E).) “Bruchstück einer Hysterie-Analyse”, Monatsschrift für
mento no qual ele cria e se cria, é preciso, antes de mais nada, Psychiatrie und Neurologie, t. XVIII, 1905, ne 4, outubro, p. 285-310, e ne 5,
compreendê-lo. Esse tema da compreensão, oposto à explica­ novembro, p. 408-467. (“Fragment d’une analyse d’hystérie [Dora]”, trad. M.
ção, foi retomado pela fenomenologia que, seguindo Husserl, Bonaparte e R. M. Loewenstein, Cinq psychanalyses, 2- ed., Paris, PUF, 1966,
p. 1-91 (N.E.).) Totem undTabu. Einige Übereinstimmungen im Seelenleben der
fez da descrição rigorosa do vivido o projeto de toda filosofia Wilden und der Neurotiker, Viena, Hugo Heller, 1913. [Totem et tabou. Inter­
tida como ciência. O tema da compreensão conservou sua prétation par la psychanalyse de la vie sociale des peuples primitifs et des
validade; mas, em vez de fundamentá-la em uma metapsico- névrosés, trad. S. Jankélévitch, Paris, Payot, col. “Petite Bibliothèque Payot”,
ne 77, 1965 (N.E.).) Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse, Viena,
logia do espírito, como Dilthey, a fenomenologia estabeleceu-a Hugo Heller, 1916-1917. (Introduction à la psychanalyse, trad. S. Jankélé-
sobre uma análise do sentido imanente a toda experiência ^tch, Paris, Payot, 1921 (N.E.).) Jenseits des Lustprinzips, Viena, Internatio­
vivida. Assim, Jaspers13 pôde distinguir nos fenômenos pato- naler Psychoanalytischer Verlag, 1920. (“Au-delà du principe de plaisir”, trad.
J. Laplanche e J.-B. Pontalis, Essais de psychanalyse, Paris, Payot, col. “Petite
Bibliothèque Payot”, ns 44, 1981, p. 41-115 (N.E.).) DasIchuruddasEs, Viena,
12. (NA.) Dilthey [W.), Ideen über eine beschreibende und zergliedernde Psy­ Internationaler Psychoanalystischer Verlag, 1923. (“Le moi et le ça”, trad. J.
chologie (1894), in Gesammelte Schriften, Leipzig, Teubner, 1924, t. • Laplanche, Essais de psychanalyse, op. cit., p. 219-275 (N.E.).) Neue Folge der
geistige Welt. Einleitung in die Philosophie des Lebens, p. 129-240. Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse, Viena, Internationaler
13. (NA.) Jaspers (K.), Allgemeine Psychopathologie, Berlim, J. Springer, 1913. Psychoanalytischer Verlag, 1933. (Nouvelles conférences d’introduction à la
(Psychopathologie générale, trad. A. Kastler e J. Mendousse, 3§ ed., Pans, Psychanalyse, trad. R.-M. Zeitlin, Paris, Gallimard, col. “Connaissance de
Alcan, 1933 (N.E.).) l’inconscient”, 1984 (N.E.).)
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que a evolução cede seu lugar à história, e que o apelo à natureza sempre em dialética com seu próprio passado; ele o recalca no
é substituído pela exigência de analisar o meio cultural. inconsciente, separa suas significações ambíguas; ele projeta
1) Para Freud, a análise psicológica não deve partir de uma sobre a atualidade
—--------- do mundo real os fantasmas da vida
distribuição das condutas entre o voluntário e o involuntário anterior; ele transpõe seus temas para níveis de expressão
o intencional e o automático, a conduta normalmente organi­ reconhecidos válidos (é a sublimação); em suma, ele erige todo
zada e o comportamento patológico e perturbado; não há um conjunto de mecanismos de defesa que a cura psicanalítica *>
diferença de natureza entre o movimento voluntário de um tem o encargo de girar reatualizando as significações do
homem são e a paralisia histérica. Para além de todas as passado pela transferência e pela ab-reação.
diferenças manifestas, essas duas condutas têm um sentido: 4) Mas qual é o conteúdo desse presente? Qual é seu peso
a paralisia histérica tem o sentido da ação que ela recusa* ante a massa latente do passado? Se ele não é vazio, ou
assim como a ação intencional tem o sentido da ação que ela instantâneo, é na medida em que ele é essencialmente a
projeta. O sentido é coextensivo a toda conduta. Ali mesmo instância social, o conjunto de normas que, em um grupo,
V'Jlï: reconhece ou invalida tal ou tal forma de conduta. A dialética
onde ele não aparece, na incoerência do sonho, por exemplo,
na absurdidade de um lapso, na interrupção de um jogo de do passado e do presente reflete o conflito entre as formas
palavras, ele também está presente, mas de um modo oculto. individuais de satisfação e as normas sociais de conduta, ou
E o próprio insensato é sempre uma astúcia do sentido, uma ainda, como diz Freud, entre o “id” e o “superego”; o “ego”, com
forma para o sentido vir à tona testemunhando contra ele fig os mecanismos de defesa, é o lugar de seu conflito e o ponto
próprio. A consciência e o inconsciente não são tanto dois q. onde a angústia faz irrupção na existência. No tratamento
mundos justapostos; são, antes, duas modalidades de uma i psicanalítico, o papel do terapeuta é, justamente, através de
mesma significação. E a primeira tarefa terapêutica será, um jogo de satisfação e de frustração, reduzir a intensidade
através da interpretação dos sonhos e dos sintomas, modificar do conflito, flexibilizar a dominação do “id” e do “superego”,
essa modalidade do sentido. ampliar e abrandar os mecanismos de defesa; ele não tem o
A» A projeto mítico de suprimir o conflito, mas de transformar sua
2) Quais são essas significações imanentes à conduta, mas
às vezes escondidas da consciência? São aquelas que a história contradição neurótica em uma tensão normal.
individual constituiu e cristalizou no passado em torno de Ao levar a seus limites extremos a análise do sentido, Freud q,
acontecimentos importantes: o traumatismo é um transtorno deu sua orientação à psicologia moderna; se ele foi mais longe «.
das significações afetivas (o desmame, por exemplo, que trans­ que Janet e que Jaspers, é por ter conferido um estatuto
forma a mãe, objeto e princípio de todas as satisfações, em um objetivo à significação; ele buscou reapreendê-la no nível dos
símbolos expressivos, no próprio “material” do comportamen­
objeto que se recusa, em um princípio de frustrações); e quando
to; ele lhe deu como conteúdo uma história real, ou melhor, o
essas significações novas não ultrapassam e não integram as
afrontamento de duas histórias reais: a do indivíduo, na
significações antigas, então o indivíduo fica fixado nesse con­
sequência de suas experiências vividas, e a da sociedade, nas
flito do passado e do presente, em uma ambiguidade entre o
estruturas pelas quais ela se impõe ao indivíduo. Nessa medida,
atual e o inatual, o imaginário e o real, o amor e o ódio, sinal
pode-se ultrapassar a oposição entre o subjetivo e o objetivo,
maior da conduta neurótica. O segundo tema da terapêutica
entre o indivíduo e a sociedade. Um estudo objetivo das sig-
será, portanto, a redescoberta dos conteúdos inatuais e das
V ^vWjiificações tomou-se possível. j
significações passadas da conduta presente.
y .~
3) Por mais assombrada que ela seja pelo passado, a con­ W&ÊSSS&
ÍÊÊS
l;
duta não deixa de ter um sentido atual. Dizer que um sintoma O estudo das significações objetivas
reproduz simbolicamente um traumatismo arcaico implic
que o passado não invada totalmente o presente, mas que o Esse estudo recobre um domínio do qual não podemos,
presente se defenda contra sua reaparição. O presente está aqui, senão delimitar as regiões essenciais.
144 Michel Foucault - Ditos e Escritos 1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 145

fenomenal” define a objetividade pela pregnância e constância


das figuras; e ele substitui o processo causai por toda uma
interação de forças entre o sujeito e o meio. O campo dinâmico
do comportamento torna-se, assim, o objeto maior da psicologia.
2) Evolução e gênese. Essas estruturas de conjunto e as
significações que habitam nelas evoluem no decorrer do devir
individual. Para certos psicólogos, como Gesell, 17 a emergên­
cia das estruturas se faz na conduta por uma maturação surda
dos esquemas fisiológicos. Para outros, como Kuo, ela se faz
pela coesão progressiva de condutas segmentares e adquiridas
que, pela força de iteração da facilitação, organizam-se em
estereótipos gerais de condutas. 18
Entre essas duas formas extremas de interpretação, a
psicologia genética, depois de Baldwin, busca levar em conta
a maturação e a aquisição, o desenvolvimento necessário e o
progresso ligado às circunstâncias. Piaget19 atribui o máximo
ao desenvolvimento necessário das estruturas ao meèmo tem­
po biológicas e lógicas; ele busca mostrar no desenvolvimento
das primeiras - desde as que são irreversivelmente orientadas
e concretas até as que são reversíveis e abstratas, desde a
reação imediata à operação técnica - um processo que refaz
em sentido inverso a marcha da história das ciências - desde
a geometria euclidiana até o cálculo vetorial e tensorial: o devir
psicológico da criança não é senão o inverso do devir histórico
do espírito. Em contrapartida, Wallon atribui o máximo ao
meio, mostrando na individualidade psicológica não um dado,
mas um resultado, como o ponto de interferência entre os
movimentos centrípetos da emoção, da simpatia, da fusão
afetiva, e os movimentos centrífugos da experiência do outro
e do reconhecimento de si. O pensamento não é, portanto, o
modelo lógico e já constituído da ação, mas é o ato desdobran-

17. (N.A.) Gesell (A.) e Ilg (F.), ThefirstJive years of life. A guide to the study of
the preschool child Nova Iorque, Harper, 1940. The childfromfive to ten, Nova
Iorque, Harper, 1946. (L’enfant de 5 à 10 ans, trad. N. Granjon e I. Lézine,
PUF, 1949 (N.E.).) Gesell (A.) e Amatruda (C.), The embryology of behavior; the
beginnings of the human mind Nova Iorque, Harper, 1945. (L’embryologie du
comportement; les débuts de la pensée humaine, trad. P. Chauchard, Paris,
PUF, 1952 (N.E.).)
g 18. (NA.) Ruo (Z.-Y.), Les principesfondamentaux du comportement, 1941.
19. (NA.) Piaget (J.), La représentation du monde chez l’enfant, Paris, Alcan,
1926. La naissance de l’intelligence chez l’enfant, Paris, Delachaux e Niestlé,
1936. La psychologie de l’intelligence, Paris, A. Colin, ne 249, 1947.
146 Michel Foucault - Ditos e Escritos 1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 147

do-se em um meio que se constitui como pensamento, através Thurstone,23 Thomson e Vernon praticaram o método
ta rd e ,

da intermediação do rito, do símbolo e, finalmente, da repre­ de análise multifatorial, que também, através do mesmo mé­
sentação. 20 O devir psicológico não é o desenvolvimento de todo de análise estatística das performances, busca determi­
estruturas inteiramente preparadas, ele é a preparação efetiva nar, ao lado, ou eventualmente no lugar do fator g, fatores
de estruturas adultas; não se trata mais de evolução espontâ­ polimorfos (aptidão verbal, compreensão espacial, aptidão
nea, mas de gênese ativa. numérica). Em todo esse movimento fatorial, a objetividade
3) Performances e aptidões. Um outro problema colocado pela das significações só é mantida e garantida pela fragilidade das
existência dessas significações objetivas é o de suas manifes­ relações estatísticas que alteram sua necessidade e a despo- J ------
tações, seu afloramento no domínio da observação. Ele se dá jam de todo conteúdo efetivo.
sob duas formas: a da performance, da realização, da Leistung, 4) A expressão e o caráter. Em compensação, as psicologias
como dizem os alemães, e a da expressão. da expressão e do caráter esforçam-se em reapreender o
A psicologia tradicional era uma psicologia do virtual; as conteúdo das significações na forma da necessidade indivi­
faculdades não se inscreviam nunca senão entre as possibili­ dual. Esse conteúdo individual aflora, em primeiro lugar, em
dades abstratas. É atualmente no nível mesmo do real, e no todos os fenômenos da projeção e sobretudo
^ na-------------
---- projeção sobre
quadro por ele definido, que se buscam determinar as even­ um estímulo pouco diferenciado, de interpretações que lhe
tualidades do comportamento. Disso surgiu o princípio do emprestam um sentido imaginário: é o princípio das provas de
teste, devido a Cattell e a Binet, e definido como uma prova Rorschach e de Muway (manchas de tinta, imagens de cenas
estandartizada cujo resultado é estimado por comparação humanas). Ele aflora igualmente nesses outros fenômenos de
estatística entre os indivíduos a ele submetidos. Quanto às m expressão constituídos pelos julgamentos que se têm de si
crianças retardadas, Binet e Simon21 foram os primeiros a mesmo, ou ainda pela imagem que nós damos a nós mesmos
buscar definir o “nível mental” de um indivíduo, em relação (é esse domínio que os questionários de Heymans ou de
aos sujeitos de sua idade; o teste toma, então, a forma de uma Woodworth exploram). Há, aproximadamente, tantas caracte­
escala de desenvolvimento. O imenso acaso dos testes mentais rísticas quantos forem os métodos de investigação. Mas deve-
conduziu Spearman22 a definir como critério de inteligência se notar o prestígio da grande oposição delineada por Bleuler
as únicas performances que se podem aferir sob a forma de
entre o tipo esquizoide (tendência ao fechamento sobre si
testes: a inteligência seria um fator geral que, em um grau
mesmo, ao autismo, à ruptura de contato com a realidade) e
mais ou menos elevado segundo a natureza da prova, daria
o caráter cicloide (tendência à expansão, à labilidade afetiva,
conta de uma parte das performances, em todos os testes de
ao contato permanente com o mundo exterior).
aptidões. A determinação da importância do “fator g" em tal
Tal como o mundo verbal e o universo imaginário, o corpo
ou tal prova se faz por uma elaboração estatística, um cálculo
mesmo detém um valor expressivo; essa ideia, desenvolvida
de correlações que estão na origem da análise fatorial. Mais
por Klages, encontra sua validade tanto na estrutura geral do
-; ?' corpo quanto eraem suas manifestações
maimcsuivuco patológicas.
jjatuiugx^. O — aspecto~
^pntinù'li^3^011(H,)’ °*9ineí
du caractère chez l’enfant: les préludes du j morfológico do organismo é posto por Kretschmer e Sheldon
timent de personnalité, Pans, Boivin, 1934. De Vacte à la pensée. Essai de | ,^ “eim'hnli'zp rnm
psychologie comparée, Paris, Flammarion, 1942.
psycnoLogie r
■ -
y ; | em relação com
coma a estrutura do caráter: o corpo “simboliza
simboliza com
. 1 , --------- , ---------- j _ j ____ „ a
21. ,1
01 a * ' Binet (A.) e Simon (T.), “Méthode nouvelle pour le d i a g n o s t i c du ^
(N.A.) 3 em uma unidade na qual pode decifrar-se um estilo geral
niveau intellectuel des anormaux”, Année psychologique, t. XI, 19@f§j
191-244
%í :'
22.
— (N . ,A ) opcaruian
Soe
. arman tc*(hj.. E.), The abilities of man.
man Their nature and meaW~^^ ^ ^ ^ ^ S y ^ /-^ |-.M-A-l_7hurstone (L.), The vectors of mind, Chicago, University of Chicago
merit, Londres, MacMillan, 1927. (Les aptitudes de Vhomme, leur nature et leur .. ; ^acsh, 1iyjo. 9 3 5 . Tinomson ( G . ) , The
h o m s o n lli.j, factorial analysis uj
1ne jactonai of iiumu
human ability, L o n d r e s ,
mesure, trad. F. Brachet, Paris, Conservatoire national des arts e t métiers, ^ University
d i v e r s it y of
o f London
L o n d o n Press,
P r e s s , 1939. [L’analyse factorielle des aptitudes hu-
1 9 3 9 . (L’analyse
1936 (N.E.).) ■ Kai® fe- trad. P. Naville, 3s ed., Paris, PUF, 1950 (N.E.).)
148 Michel Foucault - Ditos e Escritos 1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 149
m
de reação psicocorporal” .24 Pela via da análise simbólica na Os problemas do grupo concernem, ao mesmo tempo, ao
qual os sinais corporais são lidos como uma linguagem, a jogo de interação dos indivíduos que estão em presença direta
psicanálise mostrou o caráter expressivo do corpo e denunciou uns dos outros, e à experiência - vivida por cada um dos
a origem psicogênica de certas síndromes orgânicas; sis­ m membros do grupo - de sua situação própria no interior do
tematizando essa pesquisa, Alexander25 pôde mostrar a liga­ conjunto. Moreno focalizou métodos de análise do grupo, pelos
ção de doenças como a hipertensão ou a ulceração das vias quais se determinam valências positivas ou negativas que
digestivas com as estruturas neuróticas que as provocam ou unem e opõem os indivíduos em uma constelação caracterís­
que se exprimem nelas. tica do grupo. Ele tentou, inclusive, estabelecer, sob o nome
5) Conduía e instituições. Expressas ou silenciosas, as signi­ de sociodrama, uma terapêutica de grupos, que permitiria,
ficações objetivas das condutas individuais são ligadas por um assim como na análise individual, um esclarecimento e uma
laço de essência à objetividade das significações sociais: as obras atualização dos temas afetivos latentes, dos conflitos ou das
de Janet, de Freud, de Blondel26 tentaram destacar esse elo. ambivalências cujas relações manifestas são subentendidas, e
“Conduzir-se” só pode ter sentido em um horizonte cultural que que tornaria possível, por essa via, uma readaptação mútua,
dá â conduta sua norma (sob o aspecto do grupo), o tema, enfim, e uma restruturação afetiva do grupo.28
que a orienta (sob as espécies da opinião e da atitude): esses são A análise das opiniões e das atitudes busca determinar os
os três grandes setores da psicologia social. fenômenos coletivos que servem de contexto às condutas afetivas
O estudo das instituições busca determinar as estruturas do indivíduo, assim como às suas operações intelectuais de
de base de uma sociedade; isolar as condições econômicas com percepção, de julgamento e de memória. Essas pesquisas são
sua incidência direta sobre o desenvolvimento do indivíduo e quantitativas antes de serem estruturais e se apoiam sempre na
sobre as formas pedagógicas, no sentido amplo, que Kardiner elaboração de dados estatísticos: mede-se, assim, a extensão de
designa como “instituições primárias”; descrever a maneira uma opinião através de investigações feitas sobre um grupo
como o indivíduo reage a essas instituições, como ele integra representativo de uma população em seu conjunto, ou ainda a
experiências, como ele projeta, enfim, os temas maiores sob a força de uma atitude em um grupo de indivíduos, através do
apego comparado que ele manifesta com relação a tal ou tal
forma do mito, da religião, das condutas tradicionais, das
opinião. O caráter coletivo dessas opiniões e dessas atitudes
regras jurídicas e sociais que se definem como “instituições
permite extrair a noção de estereótipo, espécie de opinião gene­
secundárias” .27 Essa problemática definida com precisão por
ralizada e cristalizada que provoca, em função de atitudes
Kardiner está presente de maneira mais ou menos difusa em
preestabelecidas, reações sempre idênticas.29
todos os estudos antropológicos, quer eles estudem as popu­
lações “primitivas” (M. Mead em Samoa, R. Benedict no Novo
México, Linton em Madagascar), quer se esforcem em desafiar |
eiras culturais mais desenvolvidas, como Linton em Plainville. O fundamento das significações objetivas

24. (N.A.) Sheldon (W.) em col. com Stevens (S.), The varieties of temperament. Todas essas análises de significações objetivas situam-se
A psychology of constitutional differences, Nova Iorque, Harper, 1942. (Les entre os dois tempos de uma oposição: totalidade ou elemento;
variétés du tempérament. Une psychologie des différences constitutionnelles, gênese inteligível ou evolução biológica; performance atual ou
trad. A. Ombredane e J.-J. Grumbach, Paris, PUF, 1951 (N.E.).)
25. (NA.) Alexander (F.), Psychosomatic medicine, its principles and applica­
tions, Nova Iorque, Norton, 1950. (Lamédecine psychosomatique. Ses principes 28. (N.A.) Moreno (J. L.), Who shall survive? Foundation of sociometry, Nova
et ses applications, trad. S. Horinson e E. Stem, Paris, Payot, 1951 (N.E.).) Iorque, Beacon Press, 1934. (Fondements de la sociométrie, trad. Lesage e
26. (N.A.) Blondel (C.), Introduction à la psychologie collective, Paris, A. Colin '
idÊ
ÊÊs
é: j s B R Maucorps, Paris, PUF, 1954 (N.E.).)
ns 102, 1927. v^9. (N.A.) Cantril (H.), Gauging public opinion, Princeton University Press,
27. (NA.) Kardiner (A.) com Linton (R.), Du Bois (C.) e West (J.), Psychological * i947. Allport (G. W.) e Postman (L.), The psychology of rumor, Nova Iorque,
frontiers of society, Nova Iorque, Columbia University Press, 1945. Henry Holt, 1947. Stoetzel (J.), Théorie de I’opinion, Paris, PUF, 1943.
150 Michel Foucault - Ditos e Escritos 1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 151

aptidão permanente e implícita; manifestações expressivas ginswanger, para H. Kunz, atingir, mais além da psicologia, o
momentâneas ou constância de um caráter latente; instituição fundamento que lhe dá sua possibilidade e dá conta de suas
social ou condutas individuais: temas contraditórios cuja dis­ ambiguidades: a psicologia aparece como uma análise empí­
tância constitui a dimensão própria da psicologia. Mas cabe à rica da maneira segundo a qual a existência humana se oferece
psicologia ultrapassá-los, ou deve ela se contentar de des­ no mundo; mas ela deve assentar-se sobre a análise exis­
crevê-los como formas empíricas, concretas, objetivas, de uma tencial da maneira segundo a qual essa realidade humana se
ambiguidade que é a marca do destino do homem? Diante temporaliza, se espacializa e, finalmente, projeta um mundo:
desses limites, deve a psicologia liquidar-se como ciência então, as contradições da psicologia, ou a ambiguidade das
"í significações que ela descreve, terão encontrado sua razão de
objetiva e desviar-se em uma reflexão filosófica que contesta
sua validade? Ou ela deve buscar descobrir fundamentos que, p fls tii ser. sua necessidade e, ao mesmo tempo, sua contingência, na
se não suprimem a contradição, permitem ao menos dar conta liberdade fundamental de uma existência que escapa, com
-■f todo o direito, ã causalidade psicológica.31
dela? i . uJJaojç
\ÆSÈÉ Porém, a interrogação fundamental permanece. Nós mos-]
Os esforços mais recentes da psicologia vão nessa direção
e, apesar da diversidade de sua inspiração, pode-se resumir tramos, no início, que a psicologia “científica” nasceu das
sua significação histórica deste modo: a psicologia não maismWi contradições encontradas pelo homem em sua prática, e que,
busca provar sua possibilidade por sua existência, mas fun­ por outro lado, o desenvolvimento dessa “ciência” consistiu em
damentá-la a partir de sua essência, e ela não mais busca ■ p i um lento abandono do “positivismo” que a alinhava, no come- „
suprimir, nem mesmo atenuar suas contradições, mas, sim, ço, com as ciências da natureza. Esse abandono e a análise
justificá-las. nova das significações objetivas puderam resolver as contra­
dições que o motivaram? Não parece, uma vez que nas formas
A cibernética está longe, assim parece, de um semelhante pro­
atuais da psicologia reencontramos essas contradições sob o +
jeto. Sua positividade parece afastá-la de toda especulação, e se
aspecto de uma ambiguidade que se descreve como coexten-
ela toma por objeto a conduta humana, é para encontrar nela,
siva à existência humana. Nem o esforço em direção à deter- j
a um só tempo, o fato neurológico dos circuitos emfeecLback, minação de uma causalidade estatística, nem a reflexão an­
os fenômenos físicos da autorregulação e a teoria estatística tropológica sobre a existência podem ultrapassá-las realmen­
da informação.30 Mas, ao descobrir nas reações humanas os te; quando muito, podem esquivar-se delas, quer dizer, encon-
processos mesmos dos servomecanismos, a cibernética não trá-las finalmente transpostas e travestidas.
retorna a um determinismo clássico: sob a estrutura formal O futuro da psicologia não estaria, doravante, no levar a sério
das estimações estatísticas, ela deixa espaço às ambiguidades essas contradições, cuja experiência, justamente, fez nascer a
dos fenômenos psicológicos e justifica, do seu ponto de vista, psicologia? Por conseguinte, não haveria desde então psicolo­
as formas sempre aproximadas e sempre equívocas do conhe­ gia possível senão pela análise das condições de existência do
cimento que podemos ter. homem e pela retomada do que há de mais humano no homem,
Em um outro sentido, a ultrapassagem da psicologia se faz quer dizer, sua história.
em direção a uma antropologia que tende a uma análise da
existência humana em suas estruturas fundamentais. Rea-
(^) £ «AcMjvílft,. OJ JU CUa &MX Mvv» C
preender o homem como existência no mundo e caracterizar
h í; o u iL 1‘04 juC6LuJLX
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cada homem pelo estilo próprio a essa existência é, para L. i • . . â á A - - - l_ +*SLor%jLtJ*-i /V.oo riT & V -fta a. im * '

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and the machine, Paris, Hermann, 1948. Walter (W. G.}, The living brain, ---------------------^
Nova Iorque, Norton, 1953. (Le cerveau vivant, Paris, Delachaux e Niestlé, 31. (N.A.) Binswanger (L.), Grundformen und Erkenntnis des menschlichen
1954 (N.E.).)
Daseins, Zurique, Max Niehans, 1942.

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