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Universidade Federal de Uberlândia

Instituto de Psicologia

Disciplina: Psicopatologia Geral I

Docente: Prof. Dr. Ricardo Wagner

Discente: Marcos Vinicius Nunes Cardoso

Pesquisa sobre Transtorno de personalidade esquizóide

Uberlândia - MG

18/12/2019
Essa pesquisa possui como objetivo, propor aproximações entre o transtorno de
personalidade esquizóide e o personagem Meursault, figura central do romance filosófico
“O estrangeiro” de Albert Camus, publicado originalmente em 1942. Entretanto, tomando
as devidas precauções para que não pareça uma hipótese diagnóstica sobre tal
personagem, mas apenas semelhanças que podem ser identificadas nos comportamentos e
falas deste ao longo da narrativa.
Assim, é necessário, de início, definir o que é uma personalidade esquizóide para
depois apresentar o personagem alvo da análise. Este é um transtorno de personalidade
em que o indivíduo apresenta determinada falta de interesse em outras pessoas, marcado
pelo distanciamento afetivo, indiferença emocional, uma insensibilidade em relação às
normas e convenções sociais (Holmes, 1997; Dalgalarrondo, 2008).
Nesse romance, Meursault passa por várias situações em que se vê nele a presença
marcante das características supracitadas, mas que, como um pensador/ filósofo deseja
classificar como a existência do homem diante do absurdo, a vida, e esses
comportamentos seriam uma forma de aceitá-lo.
Por exemplo, a primeira frase narrada por ele no livro demonstra essa falta de
interesse em relação às outras pessoas, uma indiferença: “Hoje, a mãe morreu. Ou talvez
ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe falecida: Enterro amanhã.
Sentidos pêsames’. Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.” Apesar de ter
recebido o telegrama, Meursault parece confuso, indiferente quanto ao dia da morte de
sua própria mãe, postura que se perpetua e concretiza na seguinte fala diante de seu chefe,
após os dias destinados para ele ir ao enterro dela: “Perguntou-me se eu não estava
cansado e quis saber a idade da mãe. Para não me enganar, respondi ‘Uns sessenta e tal’,
e, não sei por que, ficou com um ar aliviado, um ar de ‘assunto arrumado’”. O fato,
supostamente insignificante para seu conhecimento, a idade da mãe, demonstra um
afastamento em relação a questões referentes às pessoas com quem têm contato, um dos
aspectos identificatórios do transtorno esquizóide (Holmes, 1997; Dalgalarrondo, 2008).
O personagem chega a envolver-se com uma ex-affair, mas não fora algo
significativo, e nem mereceu sua atenção profunda, podendo-se constatar, portanto, que
ele ainda tenha uma existência pautada na ausência de amigos íntimos ou de
relacionamentos confidentes (Dalgalarrondo, 2008). Na metade da história, aparece um
“amigo”, alguém não muito próximo, mas que ele desenvolve um nível de aproximação
com ele – que não é muito – porém, é o máximo que ele consegue.
Os acontecimentos praticamente não o abalam emocionalmente, como no episódio
do enterro da mãe, no julgamento e, também, em sua estadia temporária na prisão.
Retomando a história, Meursault acabou sendo julgado e preso pelo assassinato de um
árabe, o qual não se sabe o nome, na praia em que estava, convidado por seu recente
amigo. Tal acontecimento fora, no mínimo, curioso, pois o personagem não queria matá-
lo, foi algo que simplesmente aconteceu, pois para ele tudo tanto faz, isto é, se recusando
a cumprir esses papéis sociais que envolvem uma moral pré-determinada.
Diante disso, observa-se que ele não foi condenado pelo assassinato em si, mas
pela falta de sensibilidade demonstrada através da falta de choro no enterro de sua mãe.
Ou seja, um esquizóide, alguém estranho, alheio as convenções e papéis que permeiam o
campo social. Após a condenação, Meursault vê-se na prisão, condenado a morte, e
atesta o que A. Camus diz ser uma condição existencial diante do absurdo, da falta de
determinação intrínseca a vida, essa a qual justifica a forma como este se relaciona com o
mundo. Tal apontamento é posto em palavras por ele:
“Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me
tivesse limpado do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada
de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do
mundo. Por o sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fora feliz e
que ainda o era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos
só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e
que os espectadores me recebessem com gritos de ódio.” (p. 65).

Destarte, ao invés de ficar depressivo ou angustiado perante a morte iminente, se


abriu “pela primeira vez a terna indiferença do mundo”. No âmbito da psicopatologia,
isso seria evidentemente assinalado como um sujeito que possui uma “capacidade
limitada para expressar sentimentos calorosos, ternos ou raiva para com os outros”
(Dalgalarrondo, 2008, p. 270). Por outro lado, também aparece sua insensibilidade para
lidar com certas convenções sociais, como é da morte, que prevê um padrão de conduta
específico para ser realizado.

REFERÊNCIAS:

Camus, A. (1942/ 2001). O estrangeiro. (Quadros, A, trad.). Editora Record. (Publicado


originalmente em 1942).
Dalgalarrondo, P. (2008). A personalidade e suas alterações. In: Dalgalarrondo, P.
Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Artes Médicas.

Holmes, D. S., & Costa, S. (1997). Transtornos de personalidade. In: Holmes, D. S., &
Costa, S. Psicologia dos transtornos mentais. Artes Médicas.

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