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RIO DE JANEIRO
2005
INSTITUTO DE PSIQUIATRIA - IPUB
RIO DE JANEIRO
2005
iii
DEDICATÓRIA
À minha esposa,
Que à distância apontava o futuro a ser vivido.
v
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................1
2. OBJETIVO .........................................................................................................................3
3. METODOLOGIA...............................................................................................................4
3.1. Tipo de estudo ......................................................................................................................4
3.2. Fontes de dados pesquisadas ............................................................................................4
3.3. Termos de busca ..................................................................................................................4
3.4. Procedimentos ......................................................................................................................4
4. REVISÃO DA LITERATURA ( CONCEPÇÕES ATUAIS SOBRE FOBIA SOCIAL)
.................................................................................................................................................5
4.1. Características Clínicas e Diagnóstico ........................................................................5
4.2. Diagnóstico Diferencial...............................................................................................8
4.3. Comorbidade e Epidemiologia................................................................................. 11
4.4. Etiologia .................................................................................................................... 12
4.4.1. Fatores Hereditários ..................................................................................................... 13
4.4.2. Fatores Biológicos ........................................................................................................ 13
4.4.3. Fatores Etológicos ........................................................................................................ 14
4.4.4. Fatores de Condicionamento Clássico, Operante e Vicário do comportamento
....................................................................................................................................................... 14
4.4.5. Fatores Familiares (Educação E Processos De Socialização) ........................... 15
4.4.5. Fatores Cognitivos ........................................................................................................ 15
5. PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E CONCEITUAIS ................................................... 17
5.1. História da Fobia Social ........................................................................................... 17
5.2. O Nascimento do Conceito Moderno ...................................................................... 21
5.3. Contribuições da Epidemiologia para o Debate Conceitual ................................... 23
5.4. Outros Problemas Conceituais ................................................................................. 30
5.4.1. Fobia Social e Transtornos Ansiosos ....................................................................... 30
5.4.2. Fobia Social e Condutas Aditivas ............................................................................. 32
5.4.3. Fobia Social e Ansiedade de Perfomance............................................................... 32
5.4.4. Fobia Social, Timidez e Trastorno de Personalidade Evitativo ........................ 32
5.4.5. Fobia Social e Traços Psicóticos............................................................................... 33
6. DISCUSSÃO ................................................................................................................... 35
ix
7. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 41
1
1. INTRODUÇÃO
Por fobia entende-se um medo irracional que produz evitação ao objeto, atividade
ou situação temidos. Tanto a presença quanto a antecipação do estímulo fóbico causam
uma reação que a própria pessoa entende como excessiva. Experimentar ansiedade frente
a situações sociais constitui uma manifestação humana normal e até mesmo adaptativa,
uma vez que permite à pessoa comportar-se de maneira adequada em interações sociais
importantes. Entretanto, quando a ansiedade é intensa, resiste após muito tempo de
interação ou à exposição repetida e gera prejuízo para o funcionamento social, essa
ansiedade adquire dimensões patológicas, de modo que, se existe o medo excessivo de ser
visto comportando-se de modo humilhante ou embaraçoso (pela demonstração de
ansiedade ou de desempenho inadequado) e da conseqüente desaprovação por parte dos
outros, a fobia social caracteriza-se. Uma proposta recente para as próximas revisões
diagnósticas é mudar a denominação para transtorno de ansiedade social, por ser esse
termo mais abrangente e poder incluir características como traços de personalidade.
Embora o uso dessa nova terminologia seja predominante na literatura atual, usaremos
nesse trabalho prinicipalmente o termo fobia social em função de sua maior ligação com
as perspectivas históricas que pretendemos privilegiar.
Tipicamente, os fóbicos sociais vivem com sua condição por anos a fio,
conscientes de suas limitações mas considerando que isso seja um “defeito de caráter” em
vez de um transtorno que possa ser tratado. Por não ser uma condição que se resolva com
o tempo, freqüentemente leva a uma limitação funcional severa em várias áreas da vida,
como no desenvolvimento profissional e dos relacionamentos interpessoais. Quando não
reconhecida, pode vir a complicar-se com outras entidades psiquiátricas, como outros
transtornos de ansiedade, depressão e transtornos relacionados a substâncias, tendo nesses
casos um risco aumentado de suicídio. Ao contrário dos outros transtornos de ansiedade,
temos dificuldades de estabelecer a grandeza do custo social para a fobia social, uma vez
que dados como o desemprego nos últimos anos e pagamentos previdenciários não são
bons indicadores para um transtorno que tipicamente inicia-se antes da idade adulta e tem
duração vitalícia. Podemos supor, entretanto, que os fóbicos sociais tendem a ocupar
funções de baixa remuneração e trabalho informal em função das exigência em
habilidades sociais que a maioria das profissões requer.
2
A primeira parte deste trabalho está assim dividida: 1) a revisão das atuais
concepções sobre o transtorno, no que se refere à sua caracterização, epidemiologia,
comorbidade, suposições etiológicas e o tratamento; 2) apresentação do percurso
histórico do conceito, o contexto em que nasceram os critérios diagnósticos modernos,
avaliação crítica dos dados epidemiológicos e suas implicações para a compreenssão das
mudanças classificatórias, e por fim, o levantamento dos problemas conceituais
relacionado aos limites entre a fobia social e outros transtornos mentais. Segue-se uma
discussão onde são apontadas as limitações do diagnóstico enquanto construção teórica a
despeito de reclamar para si o status de ateórico na atualidade.
3
2. OBJETIVO
3. METODOLOGIA
Nas bases de dados Medline e Psicoinfo a forma de busca será cruzar os termos
“social phobia” OR “social anxiety” no título, abstract ou Keywords com os termos
“history”, “diagnosis”, “fenomenology”, “concept” e “definition”. Uma outra vertente
será cruzar os termos “phobic disorders” OR “anxiety disorders” com “history” em
Keywords. Nas bases Lilacs e Scielo usaremos os correspondentes termos em português e
espanhol.
3.4. Procedimentos
Será feita uma busca de artigos/livros nas fontes de dados descritas. Dos
artigos/livros encontrados em português, inglês, frances e espanhol, uma seleção dos
pertinentes ao tema será feita através da leitura dos seus resumos. Os artigos selecionados
serão adquiridos e lidos na íntegra, quando possível. Os principais aspectos do tema serão
então sintetizados e as convergências e divergências avaliadas em nossas discussões.
5
Especificar se:
Generalizada: se os temores incluem a maioria das situações sociais
(considerar também o diagnóstico adicional de Transtorno da Personalidade
Esquiva).
Extraído do DSM-IV-TRTM – Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais. Trad. Cláudia Dornelles; 4.ed. rev. Porto Alegre :
Artmed, 2002.
ambos os diagnósticos podem ser dados. Por exemplo, um indivíduo que durante toda a
vida apresenta medo e esquiva da maioria das situações sociais (fobia social)
posteriormente desenvolve ataques de pânico em situações não-sociais e uma variedade
de comportamentos adicionais de esquiva (transtorno de pânico com agorafobia).
uma criança que sente desconforto em encontros sociais e evita essas situações, mas
demonstra um interesse ativo e possui um relacionamento com um amiguinho da mesma
idade).
Os indivíduos com Fobia social podem estar vulneráveis a uma piora na ansiedade
e esquiva social em virtude de uma condição médica geral ou transtorno mental com
sintomas potencialmente embaraçosos (por ex., tremor na doença de Parkinson,
comportamento alimentar anormal na anorexia nervosa, obesidade, estrabismo ou
cicatrizes faciais). Entretanto, se a ansiedade e esquiva social estão limitadas a
preocupações acerca da condição médica geral ou transtorno mental, por convenção, o
diagnóstico de fobia social não é feito. Se a esquiva social é clinicamente significativa,
pode-se dar um diagnóstico separado de transtorno de ansiedade sem outra especificação.
11
O subtipo generalizado totaliza 80 a 90% das fobias sociais, sendo a variante mais
incapacitante, com índice mais alto de comorbidades e para o qual existem evidências da
influência de fatores hereditários.
4.4. Etiologia
O primeiro modelo teórico a tratar de fobias em geral foi o Sigmund Freud, como
descrito no caso “O pequeno Hans” (Freud, 1909), um menino que tinha fobia de cavalos.
Sua suposição teórica de então era de que a ansiedade funcionaria como um sinal para o
ego de que um conteúdo inconsciente insuportável estaria vindo à tona, de modo a
possibilitar que este reforçasse suas defesas. Para Freud, a fobia seria resultante de um
conflito onde o conteúdo sexual remete a uma grande ansiedade advinda do medo da
castração. Quando o mecanismo de defesa do recalque falhasse, outra defesa deveria
entrar em cena, e no caso dos fóbicos, essa defesa seria a substituição (da pessoa que
evoca o conteúdo sexual conflitivo por um objeto ou situação irrelevante, que passa a
simbolizar a fonte original de conflito e se associa a toda uma constelação de afetos,
dentre os quais está a ansiedade). Com o mecanismo de defesa adicional da evitação, a
pessoa consegue escapar de sofrer uma ansiedade intensa (Freud, 1909).
Um segundo modelo formulado para explicar fobias específicas foi postulado por
Watson no caso “O pequeno Albet”, como uma resposta teórica da corrente Behaviorista
ao pensamento psicanalítico (citado em Falcone 2000). Usando o condicionamento
13
clássico (pavlovano) foi induzido medo de ratos em um garoto. Embora esse modelo
clássico não se aplique diretamente à fobia social, ele abriu as portas para o postulado de
Skinner sobre o condicionamento operant,e que vem sendo estudado como um dos fatores
envolvidos no desenvolvimento da fobia social. A seguir serão apresentados brevemente
alguns fatores etiológicos apontados como importantes por estudos controlados.
Uma revisão de estudos feita por Bruch (1989) sobre comportamentos familiares
na formação da timidez revelou que estilos de rejeição e superproteção dos pais estavam
fortemente associados à inibição social das crianças. Esses estudos sugerem que se a
criança percebe os pais como rejeitadores, ela tende a preocupar-se com a avaliação dos
outros e a generalizá-la como avaliação negativa. Outra importante conclusão era de que
essas famílias pontuavam mal na Escala de Crescimento Pessoal, que indica um meio
encorajador a se engajar em atividades sociais.
Segundo o modelo cognitivo da fobia social de Clark & Wells, 1995 (citado em
Falcone, 2000), os indivíduos ansiosos socialmente combinam um processamento
16
autofocado com um senso negativo de eu, que produzem ansiedade e mau desempenho
em condições sociais. Nesse modelo, o fóbico sente o forte desejo de causar uma
impressão favorável, porém sente-se inseguro quanto às suas habilidades para fazê-lo. A
insegurança, que é manifestação do processamento autofocado negativo, leva a uma soma
de ansiedade e utilização de “comportamentos de segurança” (como decorar um discurso,
por exemplo), que paradoxalmente aumentam a chance de um desempenho pobre. O
desempenho pobre e a autoconciência de ansiedade reforçam as impressões distorcidas
sobre o eu e sobre o outro (generalizadamente tido como rejeitador). O processamento
cognitivo disfuncional ocorre em três etapas: 1) processamento antecipatório, com
ruminação apreensiva e ansiedade; 2) processamento durante a situação, caracterizada
pelo automonitoramento excessivo e auto-processamento negativo; 3) uma fase “post
mortem”, quando o sujeito compara seu desempenho pobre com seu projeto
perfeccionista de desempenho, confirmando a auto-avaliação negativa. A terapia
cognitivo-comportamental visa interferir nesse ciclo disfuncional de processamento
cognitivo, mudando o foco de atenção na interação, confrontando o desempenho possível
com o idealizado, relativisando a auto-imagem negativa, propiciando manejo dos
pensamentos antecipatórios e pós-evento e expondo o paciente a experimentos
comportamentais que forneçam ao indivíduo a experiência de eventos positivo
desconfirmadores das crenças negativas.
17
“Mostrar-se aos homens, falar, andar, manter-se sob seus olhares, olhá-los e
receber suas respostas, eis os atos que o tímido receia e evita exclusivamente”
Apesar de menções nos textos hipocráticos e por Burton em 1621 (Nardi, 2000),
até o no século XIX as fobias foram consideradas excentricidades humanas, e não
problemas médicos.
e eu quase perdia os sentidos”. Após ter tentado todas as estratégias possíveis para
diminuir ou mascarar seu rubor (investimentos em suas atividades esportivas ou
intelectuais, maquiagem do rosto, etc.), o jovem cometeu um suicídio violento com arma.
Pitres e Régis atribuem-se a paternidade da descrição da eritrofobia através de uma
publicação datando de 1897 por certo desdém científico a Casper, que considerou o
desfecho trágico de seu paciente como “uma punição de Deus, um efeito do pecado
original”. Pitres e Régis não consideraram a eritrofobia à classe de fobias “dos seres
vivos” (comportando notadamente a androfobia e a ginecofobia), preferindo concebê-la
como uma “obsessão” frente ao enrubescimento, que pode ser considerado como uma
fobia a um estado fisiológico (fisiofobia).
Uma completa revisão da questão foi feita na mesma época por Claparède (citado
em Pélissolo et al., 1995), psicólogo suíço, que em 1902 publicou um artigo
reconhecendo a dimensão social inerente à eritrofobia. Em seu artigo, apresenta a
descrição detalhada do caso de uma de suas pacientes eritrófobas e os resumos de 40
observações publicadas antes por Boucher, Pitres e Régis, Breton, Bechterew, Régnier,
etc. Curiosas são as descrição de certas estratégias terapêuticas: o álcool sobretudo, mas
igualmente o bromato, o ópio, o esporão de centeio, a hypnose, a psicoterapia, e em um
caso extremo a “colocação de quatro sangue-sugas sobre a região mastoidiana”. Uma
grande parte do artigo de Claparède é consagrada à tentativa de esclarecimento dos
mecanismos psicopatológicos da síndrome eritrofóbica. É debatida a questão de qual seria
o transtorno primitivo, se a vermelhidão do rosto ou o temor de enrubescer. É mencionada
uma teoria das emoções de James-Lange e trabalhos de certos autores sobre variáveis
fisiológicas entre os eritrófobos (freqüencias respiratória e cardíaca notadamente). Os
processos ligando pensamentos, fenômenos periféricos (como a vasodilatação) e as
emoções são objeto de uma discussão similar às teorizações atuais sobre os mecanismos
da ansiedade.
Já o termo timidez foi utilizado pela primeira vez na literatura psiquiátrica como
um equivalente de ansiedade social por Paul Hartenberg em 1901, em uma obra entitulada
Les Timides et la Timidité (Fairbrother, 2002). Sua conceitualização aproxima-se muito
dos critérios do DSM-IV para fobia social.
19
(agorafobia, acrofobia, claustrofobia) e a situações sociais (ligadas ao fato “de ter que agir
em público”), agrupando desde a eritrofobia à fobia do professor ou conferencista.
(taijin) (Maeda et al., 1999). Em 1957, Dixon et al. (citado em Pélissolo, 1995) publicam
a primeira escala para avaliação especifica da ansiedade social.
O termo de fobia social foi introduzido por Marks nos anos 1960, num primeiro
artigo de 1966 sobre as idades de início dos diferentes tipos de fobia (Marks et al., 1966),
e outro de 1970 sobre a classificação dos transtornos fóbicos (Marks, 1970). Ele
argumenta que, pelo conhecimento da época, a individualização rigorosa do conceito de
fobia social ainda não era possível. Somente em 1980 no DSM-III o transtorno será objeto
de uma categorização específica, caucada em critérios operacionais, e estudos baseados
em uma definição precisa da sintomatologia.
paradigma do empiricismo lógico de Carl Hempel. Desta forma, não podemos considerar,
“stricto sensu”, o DSM como uma classificação ateórica (Akiskal, 1989).
escrutínio por outras pessoas. O indivíduo teme agir de um modo que lhe seja
humilhante e embaraçoso.
B. Sofrimento significativo por causa do transtorno e reconhecimento por parte
do indivíduo de que seu medo é excessivo ou irracional.
C. O transtorno não pode ser devido a outra desordem mental, como depressão
maior ou transtorno de personalidade evitativo.
Livre tradução de AMERICAN PSYCHIATRYC ASSOCIATION: Diagnostic
end Statistical Manual of Mental Disorders. 3 ed.Washington DC: American
Psychiatry Press, 1980.
Uma comorbidada importante está identificada entre fobia social e alcolismo. Por
outro lado, Chambless et al.(1987) identificam 21 % de indivíduos sofrendo de ansiedade
social em um grupo de 75 pacientes hospitalizados por alcoolismo. A metodologia
retrospectiva utilizada em todos os estudos não permite identificar um laço de casualidade
entre os dois transtornos, ainda que habitualmente consideremos o consumo de álcool e de
outros agentes desinibidores ou tranquilizantes como uma das complicações possíveis da
fobia social. O consumo crônico de álcool pode ele próprio induzir comportamentos de
ansiedade social,de modo que o diagnóstico formal de fobia social só pode ser dado após
suspensão do uso do álcool. Uma seqüência temporal característica, como por exemplo
uma fobia social aparecida precocemente na adolescência e um início mais tardio do
consumo de álcool, pode no entanto fazer evocar fortemente o alcoolismo como
secundário.
A maioria dos estudos sobre a timidez referen-se às crianças, mas os critérios para
reconhecimento da personalidade permanecem mal definidos. Certos trabalhos
33
6. DISCUSSÃO
Benilton Bezerra Jr
Não se trata de assumirmos aqui uma posição ani-nosológica como a dos anos 60.
As posturas daqueles que desconfiam da desejabilidade de termos um diagnóstico
psiquiátrico usualmente parecem seguir tres caminhos: negligenciar o problema,
negligenciar o diagnóstico ou pronunciar-se contra ele. Não partilhamos dessas saídas por
entendermos que todo homem tem tres tipos de características: as universais, as
compartilhadas com alguns outros homens, e a singulares. As individuais só são
abordadas no comtato bipessoal e pela consideração da subjetividade; as universais são
aquelas que permitem um cirurgião sempre encontrar o estômado no abdomem e não no
tórax, e as partilhadas por grupos nos permitem dizer que um tupi-guarani tem algo
diferente de um japonês ou que certo grupo de pessoas tem maior probabilidade de se
beneficiar de um remédio que de outro. O diagnóstico é uma construção conceitual tão
importante quanto o de partícula-onda ou de modo de produção. O que podemos e
devemos é avaliar de forma menos ingênua nossos conceitos científicos vislumbrando
como nascem e em que contexto se incerem. Entendida nossa intenção, passamos ao
exercício de pensar e debater sobre o diagnóstico psiquiátrico.
Não é sem razão que outros ramos da medicina não fiquem questionando seus
diagnósticos, pois em geral os clínios concordam e encontram resultados mais previsíveis.
Apesar dos consideráveis avanços técnicos, ainda somo obrigados a considerar as antigas
críticas dos anos 60 de baixa confiabilidade dos diagnósticos, de dificuldades em
estabelecer uma validade, do rótulo social e do risco de desconsideração da subjetividade
que nos dá o estatuto do humano. Mas talvez a maior cilada do diagnóstico advenha da
falsa impressão que a nomeação nos dá de que superamos nossa ignorância. Nomear
parece atribuir algum poder sobre o fenômeno (Kendell, 1975).
(Tischler, 1985). Ainda que dados empíricos influemciem as concepções que se revertem
em critérios, a inclusão dessas nos constructos diagnósticos representam uma decisão de
um grupo de especialistas, e isso torna a tipologia moderna mais normativa que empírica.
Vários episódios exemplificam que essas decisões não se dão pela aplicação de uma
espécie de “razão científica pura”, mas contam com a influência de muitos fatores
extracientíficos. Um exemplo foi a disputa criada com os psicanalistas quando foi
excluída a terminologia neurose enquanto classe diagnóstica no DSM-III. Os conflitos
levaram à uma espécie de solução de compromisso, com a emissão do nome antigo entre
parênteses, por exemplo, “Transtorno Dissociativo (ou Neurose Histérica, tipo
dissociativo)”. Outro exemplo extraordiário foi a controvérsia acerca das categorias de
transtornos relacionado à sexualidade. Pela definição geral de transtorno mental
empregada desde o DSM-III, para caracterizar-se transtorno tem que haver sofrimento
(distress) ou incapacidade em uma importante área do funcionamento (disability), que não
seja atribuível apenas a um conflito entre indivíduo e sociedade. Dessa forma não seria
necessário sofrimento para caracterizar a frigidez, por suposição de que a inabilidade para
experimentar o ciclo completo do ato sexual poderia ser considerada incapacidade em
uma importante área do funcionamento. A questão porém se complicava na questão da
homossexualidade. O comite que cuidava dos transtornos psicosexuais decidiu em 1973
excluir o homossexualismo da lista de transtornos mentais. Nesse ponto, abriu-se uma
controvérsia que resultou em 180 páginas de correspondência (Spitzer et al., 1980), onde
uns argumentavam que a atividade homossexual exclusiva deveria ser considerada
incapacidade porque o funcionamento heterossexual seria uma “importante” área do
funcionamento; por outro lado, os ativistas gays argumentavam se o funcionamento
heterossexual não poderia ser considerado como a norma, o funcionamento sexual não
estaria comprometido, e se posionaram fortemente contrários à inclusão de qualquer
categoria limitada aos homossexuais. Torna-se claro que as decisões aqui se colocavam
completamente no campo do julgamento de valor sobre se “a importante área de
funcionamento” seria a sexual ou a heterossexual. Na incapacidade de optar por um ou
outro ponto de vista, o DSM-III optou por classificar transtorno somente se o indivíduo
sofresse por não ter um funcionamento heterossexual; ou seja, o julgamento foi deixado a
cargo do paciente.
37
Quando olhamos a fria tabela de critérios, costuma nos escapar que mesmo
mudanças mais sutis e menos envoltas em controvérsias nas decisões classificatórias
resultam em grandes mudanças nas taixas de comorbidade e prevalência, e
consequentemente no nosso entendimento. Por exemplo, deixar de supor uma precedência
hierárquica ao diagnóstico de depressão quando havia característcas sobrepostas,
automaticamente nos remete à suposição de que a maioria das pessoas têm dois
diagnósticos em vez de um, o que nos faz questionar se não seriam os números de
comorbidade (em torno de 40%!) artificiais, ou se vale a pena a redução da validade
discriminativa causada pela sobreposição de critérios (Nardi, 2000). Por sua vez, a
decisão de incluir características antes consideradas apenas acessórias e norteadoras
dentre os critérios definidores aumenta a sensibilidade, e consequentemente o número de
indivíduos considerados doentes (prevalência) e os falso positivos, com as vantagens e
desvantagens dessa opção.
orientações teóricas a respeito da etiologia e patogênese das doenças não deveria levar a
excluir fenômenos abordados por essas teorias em função da baixa confiabilidade. Adotar
um empiricismo estrito e reclamar para si o status de ateórico serve apenas para mascarar
suposições teóricas não explicitadas (Tischler, 1985).
Talvez o maior problema seja que, mais do que qualquer outro, o diagnóstico
psiquiátrico tende a segregar socialmente pessoas pela aplicação de um rótulo e a integrar-
se ao auto-conceito pelo fornecimento de possibilidades explicativas sobre a própria
realidade a partir da doença. Conforme analisado por alguns autores contemporâneos
(Serpa Jr, 2000, Bezerra Jr, 2000), vivemos um período de expansão da explicação
neurocientífica das ações humanas. A ascenção de uma concepção fisicalista e
reducionista, cuja análise foge do escopo desse trabalho, depois de ultrapassar as
fronteiras das disciplinas científicas começou a incorporar-se no pensamento do homem
comum, assim como outrora vocábulos e concepções extraídos da psicanálise passaram a
integrar a “folk psychology”, um espécie de apropriação por parte da cultura de uma
categoria explicativa científica sobre o ser humano. Não que uma explicação para
patogênese do fenômeno alucinatório seja melhor ou pior que a outra; não nos parece
avanço ou retrocesso transpor a “culpa” da mãe do esquizofrênico para seu cérebro.
Acontece que , citando Bezerra:
“ (...) A experiência humana não pode ser reduzida a uma descrição apenas, seja
fisicalista ou mentalista. A pluralidade descritiva é não só uma possibilidade epistêmica,
é uma exigência ética.”
7. CONCLUSÃO
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