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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA
MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM TEORIA PSICANALÍTICA

Dissertação de Mestrado

PSICANÁLISE E VELHICE:uma relação possível?

por

Kátia Jane Chaves Bernardo

Orientadora: Profa. Dra. Regina Herzog

Janeiro de 2001
PSICANÁLISE E VELHICE: uma relação possível?

por

Kátia Jane Chaves Bernardo

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM


TEORIA PSICANALÍTICA DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM
TEORIA PSICANALÍTICA.

Aprovada por:

______________________________________
Profa. Dra. Regina Herzog, UFRJ
(Presidente da Banca)

______________________________________
Profa. Dra. Teresa Pinheiro, UFRJ

______________________________________
Profa. Dra. Teresinha Feres, PUC/RJ

Rio de Janeiro, RJ – Brasil


Janeiro de 2001
FICHA CATALOGRÁFICA

BERNARDO, Kátia Jane Chaves


Psicanálise e velhice: uma relação possível?
Rio de Janeiro: UFRJ, CFRJ, 2001

III, 81 f.

Dissertação: Mestre em Ciências Humanas (Teoria Psicanalítica)

1. processo de envelhecimento; psicanálise; desejo.

I. Universidade Federal do Rio de Janeiro

II. Título
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, mola propulsora do meu crescimento pessoal e profissional e,


portanto, responsáveis diretos por esta produção científica.

A Rogério, Renata e Henrique, companheiros de toda esta caminhada, pela


capacidade de compreensão e tolerância nos meus momentos de ausência.

Aos meus irmãos, especialmente Katiaci, pelas palavras de estímulo e


encorajamento quando as forças pareciam faltar.

E também,

A Regina Herzog pelas valiosas contribuições, pelo incentivo, profissionalismo


e competência com que conduziu o trabalho em todas as suas fases.

A Nilma de Castro Meira que durante todo o percurso do mestrado esteve


sempre atenta e disponível par nos conduzir.

A Isnaia Junquilho Freire, pela disponibilidade para muitas leituras e pelas


contribuições dadas na elaboração desta dissertação.

Aos amigos do Espaço Moebius, primeiros interlocutores.

A Helson Ramos pela paciência e dedicação durante os “encontros


psicanalíticos”.

Aos colegas do mestrado pelo apoio nos momentos difíceis e pela


cumplicidade.
A professora Ednalva Marinho que, com todo o carinho, fez a revisão final do
trabalho.

Aos colegas da UATI que sempre se fizeram presentes e prontos para nos
apoiar e atender.

Aos alunos da UATI com quem aprendo diariamente a difícil, porém plena,
experiência do envelhecimento.
RESUMO

O crescimento demográfico da população idosa no mundo é uma


realidade incontestável. Apesar disso, o aumento demográfico desse segmento
populacional não é um indicador social da melhoria da qualidade de vida e bem
estar social nas sociedades de classe em geral e, no Brasil, em particular.
De fato, o que acontece hoje, é uma situação paradoxal: de um lado, as
sociedades criam meios de prolongar a vida humana num plano biológico; de
outro, tendem a limitar, desestimular ou mesmo impedir a participação dos
idosos na sociedade à medida que se desenvolvem atitudes de preconceito e
de discriminação.
Vários são os serviços instituídos para as questões relativas ao
envelhecimento, porém, observa-se que eles estão mais preocupados em
ocupar o tempo livre do idoso, do que em atentar para a sua subjetividade e
para sua dinâmica psíquica, aspectos fundamentais para a compreensão do
processo de envelhecimento.
Este trabalho de pesquisa tem por objetivos buscar uma leitura
metapsicológica dos processos psíquicos que afetam o sujeito na velhice e
investigar as condições e possibilidades do tratamento psicanalítico para o
idoso, apesar das resistências apresentadas pela psicanálise, a iniciar pelo seu
fundador.
Com esta perspectiva, propomos contextualizar, num primeiro momento,
a velhice e o envelhecimento de um ponto de vista demográfico, econômico e
sócio-político para, em seguida, trabalhar o tema conceitualmente, tomando por
base o referencial psicanalítico.
RÉSUMÉ

La croissance de la population vieillissante dans le monde est une réalité


incontestable. Malgré cela, l'augmentation démographique de cette partie de la
population n'est pas un indicateur social de l'amélioration de la qualité de vie et
du bien-être social dans les sociétés en général et, au Brésil, en particulier.
En fait, ce qui arrive aujourd’hui est une situation paradoxale: d'une part,
les sociétés produisent des moyens pour prolonger la vie humaine, sur le plan
biologique; d'autre part, elles manifestent une tendance à limiter, à freiner voire
à empêcher la participation des individus âgés en leur sein, dans la mesure où
elles développent vis-à-vis d’eux des attitudes de préjugés et de discrimination.
Nombreux sont les programmes conçus pour traiter des questions
relatives au vieillissement, mais on constate qu'ils concernent plus l'occupation
du temps libre de la personne âgée, que la prise en compte de sa subjectivité
et de sa dynamique psychique, aspects qui sont fondamentaux pour la
compréhension du processus de vieillissement.
Cette recherche se donne pour tâche de faire une lecture
métapsychologique des processus psychiques qui affectent l'individu pendant la
vieillesse et de procéder à une étude des possibilités de traitement
psychanalytique de la personne âgée, malgré les résistances présentées à ce
sujet par la psychanalyse, y compris par son fondateur.
Dans cette perspective, nous nous proposons, dans un premier temps,
de faire un portrait du contexte de la vieillesse et du vieillissement à partir d'un
point de vue démographique, économique et sócio-politique. Ensuite, nous
situerons le thème dans le référentiel psychanalitique.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................1

CAPÍTULO 1 - Pensando a Velhice ..................................................................5


1.1 A evolução histórica do conceito de velhice ............................................5
1.2 As estatísticas ..........................................................................................8
1.2 Fatores sociais e econômicos que influenciam o aumento da longevidade
dos brasileiros ...............................................................................................9
1.3 O que representa o aumento do número de idosos nos países ricos e
nos países pobres ........................................................................................11
1.4 Relação entre a velhice e o modo de produção das sociedades
capitalistas ...................................................................................................14
1.5 O aprisionamento do velho no discurso da cultura..................................16
1.6 O papel do idoso ante as condições impostas por sua nova condição
social ............................................................................................................18

CAPÍTULO 2 - O sujeito desejante na teoria freudiana ..............................21


2.1 O projeto freudiano para uma psicologia científica ................................21
2.2 A interpretação de sonhos .......................................................................25
2.3 O aparelho psíquico: libido, defesa, narcisismo e instâncias ideais........29

CAPÍTULO 3- A velhice: análise tomando por base a teoria freudiana..... 39


3.1 Freud e a velhice: a teoria psicanalítica em relação ao tratamento com
idosos ...........................................................................................................40
3.2 Uma leitura metapsicológica dos processos psíquicos que afetam o
idoso..............................................................................................................50
3.2.1 Narcisismo e velhice ...........................................................................51
3.2.2 Os ideais ..............................................................................................58
3.2.3 O luto ..................................................................................................62

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................70


INTRODUÇÃO

A opção pelo estudo dos processos psíquicos que afetam o sujeito


durante a velhice surgiu a partir da experiência clínica com pessoas idosas que
apresentam no seu discurso, traços indicadores de uma problemática frente à
inexorabilidade do tempo. Tempo que deixa marcas no corpo, mas que deixa,
também, saudade, como nos ensina Rubem Alves. Mas não é de uma saudade
qualquer que se trata. É “uma saudade inexplicável de algo que não se sabe o
que é (...) [e que] aparece, então, como tristeza no seu estado puro...” (Alves,
1995, p. 63).
A passagem do tempo deixa marcas no corpo, “templo da
temporalidade”, e aponta para as perdas sofridas ao longo da existência do
sujeito, trazendo associadas outras questões como a finitude e a impotência.
As diversas perdas que se acumulam ao longo da vida, tais como:
biológicas, econômicas, de prestígio familiar e profissional, do status social, do
padrão de beleza e vitalidade da juventude, terminam por afetar o idoso na sua
condição de sujeito desejante, acarretando, em muitos casos, uma diminuição
do desejo de viver.
Dessa forma, para proceder a uma compreensão do processo de
envelhecimento, torna-se necessário circunscrever a questão do desejo na
teoria freudiana.
Desde 1895, Freud trabalha esta questão, mostrando que o que está
em jogo na questão do sujeito é o desejo, seja no pólo dos conflitos, seja como
tudo que move o sujeito em busca da sua realização.
No entanto, ao falar do desejo, diversamente de outras áreas como a
biologia, Freud está se referindo ao desejo inconsciente; esta é a grande
contribuição freudiana. O desejo da psicanálise diferencia-se do desejo da
biologia, pois não é passível de satisfação, nem implica uma relação com um
objeto da realidade. Seguindo as indicações de Freud, poderíamos definí-lo
como uma idéia (Vorstellung) ou um pensamento, que, operando ao nível das
representações, ao ter como correlato as fantasias do sujeito desejante, busca
sempre ser realizado (Garcia-Roza, 2000: p. 83).
Uma vez que a referência ao outro se mostra, fundamentalmente, neste
processo do sujeito desejante, os julgamentos e atribuições feitos à velhice
terminam por exercer um efeito paralisante e uma influência coercitiva sobre as
circunstâncias e a experiência daqueles que envelhecem. O imaginário social
acerca da velhice e do velho produz um discurso, cujo efeito, na economia dos
desejos humanos termina por produzir condutas que apontam para essa
desistência de lutar pela vida, indicando a existência de um desinvestimento
em relação aos objetos. Este desinvestimento objetal nos remete ao processo
de luto.
O trabalho do luto consiste, num desinvestimento do objeto, ao qual é
mais difícil renunciar na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida
nele. Freud, em “Inibição, Sintoma e Angústia” (1926) demarca o que, nas
etapas de luto, se observa no nível da angústia, da dor e do luto propriamente
dito.
O luto “é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma
abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como... o ideal de alguém”
(Freud, 1917: p. 275). É como se o eu se visse absorvido pela perda que afeta
o sujeito em seu ser.
No idoso verifica-se, freqüentemente o sentimento de

[...] não ser tão inteligente ou belo como desejaria (...) [de sentir]
como inalcançável (...) seu anseio de ser o ego ideal ante os olhos
dele mesmo e dos demais, ou seja, se sente não amado por seu
superego e os personagens externos [...] (Bleichmar, 1983: p. 16).

Surge, então, uma carga de anseio insaciável, anseio que se refere a


uma meta sentida como inalcançável, a um desejo de algo. Dessa forma,
seguindo o raciocínio de Hugo Bleichmar (1983, p.16), “a perda do objeto fica
convertida [...] na impossibilidade da realização de um desejo em sua
essência”.
Quando o idoso percebe naqueles com quem interage, a distância que
os separa, retirando-o do mundo dos saudáveis, colocando-o numa posição de
dependência, sente ter perdido o seu estatuto de sujeito, dando-se início ao
processo depressivo como uma recusa em aceitar o envelhecimento, a solidão
e a perda da autonomia.
Todo este contexto parece impor ao sujeito o confronto com a
inevitabilidade da própria morte. No nível da consciência, a própria morte deixa
de estar atrelada a uma concepção geral ou a um evento vivenciado em torno
da perda de outras pessoas, tornando-se um assunto pessoal.
Duas questões atravessam essa configuração - finitude e desejo –
questões presentes na dinâmica do sujeito e que se encontram radicalizadas
no processo de envelhecimento.
No presente estudo, estas questões serão desenvolvidas visando, num
primeiro momento, explicitar a dinâmica psíquica que se encontra em jogo no
processo de envelhecimento para, num segundo momento, buscar as vias de
possibilidade de reinserção do idoso num circuito desejante. Neste sentido,
pode-se propor uma intervenção terapêutica que permita ao idoso - na medida
em que se valoriza o seu desejo -, lutar por um espaço e se perceber como
alguém que não faz do discurso da sociedade o seu próprio discurso.
A escuta psicanalítica pode ser vista como uma via de acesso à
construção de um saber possível sobre o seu envelhecimento e sua morte,
ainda que um saber sempre incompleto.
Nos três capítulos que compõem este trabalho busca-se abranger os
aspectos comentados.
O primeiro capítulo “Pensando a velhice”, refere-se à questão do
envelhecimento do ponto de vista demográfico, econômico e sócio-político. A
proposta é sistematizar algumas informações sobre a evolução do conceito de
velhice em diferentes perspectivas, abordando a questão do imaginário social
sobre o velho e a velhice. Faze-se uma reflexão acerca do despreparo da
sociedade brasileira para atender o aumento dessa população, procurando,
ainda, identificar os fatores sociais e econômicos que influenciam o aumento da
longevidade dos brasileiros, bem como as conseqüências sociais, econômicas
e políticas do aumento do contingente de idosos para a sociedade brasileira e
para os próprios idosos.
No segundo capítulo aborda-se o tema conceitualmente, a partir do
referencial psicanalítico. Inicia-se por circunscrever o desejo, valendo-se de
uma compreensão da constituição e do funcionamento do aparelho psíquico,
acompanhando sua construção na obra freudiana. Esta trajetória tem como
objetivo dar subsídios para extrair as figuras mais importantes a serem
trabalhadas em relação ao tema da velhice, visando uma estratégia de
intervenção terapêutica.
O terceiro capítulo traz como proposta uma leitura metapsicológica dos
processos psíquicos que afetam o sujeito nesta fase de sua existência, dando-
se ênfase aos conceitos de luto, narcisismo e a questão dos ideais, trazendo à
discussão a oposição adotada por Freud em relação ao trabalho psicanalítico
para o idoso.
CAPITULO 1

PENSANDO A VELHICE

No ano 2005, o Brasil será o sexto país mais


velho do mundo com cerca de 32 milhões de
pessoas com mais de 60 anos1.

1.1 A evolução histórica do conceito de velhice

O que vem a ser velhice? Quando se pode considerar que determinada


pessoa é um indivíduo idoso? Embora a velhice seja um fator comum a todos
os seres vivos, tem sido muito difícil desenvolver um conceito preciso a
respeito do que seja esse processo.
Estas questões que se tornam orientadoras para a elaboração deste
capítulo, fizeram com que, inicialmente se procurasse delimitar o conceito de
velhice do ponto de vista demográfico, econômico e sócio-político, tentando
apontar de que maneira, o discurso da velhice produzido na sociedade
brasileira, coloca o homem idoso em uma posição de inoperância e inutilidade.
Atualmente, nos deparamos com uma gama de definições sobre a
velhice, as quais variam segundo os critérios no enfoque dado ao
envelhecimento: biológico, sociológico, antropológico, econômico, embora,
todos esses fatores (orgânicos, sociais e antropológicos) nem sempre
coincidam com a questão subjetiva.
Destarte o envelhecimento seja associado à idade cronológica, não é
algo idêntico a ela. A palavra envelhecimento é usada de maneira inespecífica
e, muitas vezes, associada a outros termos como senescênica e senectude,
noções que também não possuem uma definição consensual.
Há, ainda, teorias que se alicerçam no tempo de vida dos indivíduos ou
nos processos de mutação biológica, ocasionada pelo desgaste físico que os

1
Folha de São Paulo, 14/11/1998.
anos produzem nesses indivíduos. Trata-se de uma visão essencialista, de
caráter biológico e a-histórico da vida.
Ao se falar de velhice não se deve considerar apenas os fenômenos
biológicos, mas também, os aspectos psicossociais. A velhice deve ser
pensada como um processo gradual em que a dimensão histórico-social e a
biografia de cada indivíduo devem ser consideradas com relevância.
Por outro lado, os idosos não devem ser vistos como grupos
homogêneos. As diferenças históricas, sociais e econômicas dão significados
distintos à experiência de envelhecimento, obrigando-se o reconhecimento da
individualidade da experiência humana. Nessa linha de raciocínio, Hermana,
especialista em cuidados de saúde dos idosos de Copenhagen, citada por
Hadad (1986, p. 25) explica que

[...] os que estão envelhecendo são aqueles que, depois de terem


passado por um período de crescimento e maturidade, entram numa
fase que tem sido chamada pelos franceses de “troisième âge” ou
terceira idade. Envelhecer é uma fase normal da vida humana e deve
ser considerada como tal (...) Nós sabemos que o envelhecimento é
um processo individual com amplas variações e que os próprios
idosos são um grupo heterogêneo.

Por sua vez, Simone de Beauvoir (1970) considera que a velhice só


pode ser compreendida em sua totalidade na medida em que constitui um fato
cultural e biológico, o qual se manifesta diferentemente em cada indivíduo.
Torna-se cada vez mais claro, portanto, que é necessário levar em
consideração a realidade vivida pelos indivíduos nos meios em que estão
inseridos, pois, somente partindo da atividade do homem como ser histórico,
consegue-se explicitar os fenômenos culturais. Nessa perspectiva, é através do
conhecimento da práxis da velhice, das condições que no social concreto
alimentam as representações acerca dessa fase da vida que poderemos
pensar o velho.
Além disso, é difícil definir em que instância da vida de um sujeito
começa a velhice2 tendo em vista que se trata de um momento particular,
singular, diferente em cada um.

2
De acordo com a Organização Mundial de Saúde são consideradas idosas as pessoas com idade a partir
dos 65 anos nos países desenvolvidos e, com 60 anos nos países em desenvolvimento.
As sociedades, em diferentes momentos históricos, atribuem
significados diversos às etapas do curso da vida dos indivíduos, num
movimento de identificação e invenção de “etapas” – infância, juventude,
velhice. A respeito disso, Áries (1981, p. 48) afirma que “a cada época
corresponderiam uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida
humana: a ‘juventude’ é a idade privilegiada do século XVII, a ‘infância’, do
século XIX, e a ‘adolescência’, do século XX”. E a velhice?
Em trabalho publicado na revista A terceira Idade, Almeida (1998, p. 38)
explica que, ao lado das variações presentes na definição de velhice, o lugar
atribuído aos velhos também sofre variações no tempo e no espaço. Existem
formas de organizações sociais nas quais a velhice, além de ser reconhecida, é
valorizada. Nessas sociedades, prossegue a autora: “os velhos assumem a
função de garantir a reprodução simbólica, ou os valores que respondem pela
identidade do grupo transformando-se em ”depositários vivos", unindo o
passado ao presente e auxiliando na projeção do futuro”.
No texto Imagens da Velhice: o olhar antropológico, aquela autora
procura mostrar em que momento surge a associação do significante velhice
ao de segregação. Essa associação teve início na Idade Média, sendo o seu
apogeu na Modernidade. Até o século XVIII, a velhice não era associada à
degeneração e à decadência, nem representava o afastamento das relações
afetivas, familiares e sociais.
O conceito de velhice adotado pela sociedade contemporânea surgiu na
passagem do século XVIII para o século XIX, com o advento da Revolução
Industrial e das suas conseqüências. Para Almeida (1998), só recentemente a
velhice passou a significar segregação, coincidindo com o momento em que o
tempo médio de vida começa a aumentar e a denunciar o envelhecimento
populacional, segundo se pode observar nas informações estatísticas.
Segundo Áries (1981, p. 48):

[...] essas variações de um século para o outro dependem das


relações demográficas. São testemunhos da interpretação ingênua
que a opinião faz em cada época da estrutura demográfica, mesmo
quando nem sempre pode conhece-la objetivamente. Assim, a
ausência da adolescência ou o desprezo pela velhice, de um lado, ou,
de outro, o desaparecimento da velhice, ao menos como degradação,
(...) exprimem a reação da sociedade diante da duração da vida.

1.2 As estatísticas

O aumento da população idosa no mundo é uma realidade


incontestável. Entre 1950 e 1975, a porcentagem de pessoas com idade
superior a 65 anos aumentou de 7,7% para 10,5% em países desenvolvidos,
permanecendo estável em 3,8% nos países subdesenvolvidos. Esse quadro
sofre uma mudança significativa segundo projeção feita pela ONU, para o
período de 1975 a 2075, quando se estima um aumento de 18,1% de pessoas
com idade superior a 65 anos nos países desenvolvidos e um aumento de
4,3% de indivíduos com idade acima de 80 anos; enquanto isso, nos países em
desenvolvimento o aumento de indivíduos com mais de 65 anos que foi de
3,8% no período anterior eleva-se para 17%, passando de 0,4% para 3,5% o
aumento da população com mais de 80 anos (Louzã Neto & Stoppe Junior,
s.d., p. 17).
Um estudo da ONU3 mostrou que, em 1998, a população mundial de
pessoas com idade superior a 80 anos, era de 66 milhões e, as projeções para
o ano 2050 indicavam um aumento dessa população para 370 milhões.
As projeções indicam que, no ano de 2025, dois terços da população
idosa no mundo habitarão em países pobres: 284 milhões na China, 146
milhões na Índia e 34 milhões no Brasil (Louzã Neto & Stoppe Junior, s.d., p.
14).
Outros dados publicados, em março de 19874, indicam que a maioria
dos idosos habita os países do terceiro mundo, desde a década de 50. Na
América latina, entre 1900 e 2000, o aumento da população acima dos 60 anos
é de 236%, sendo duas vezes maior que o percentual de aumento da
população como um todo.

3
Revista Época, março de 1999.
4
Revista de Saúde Pública, março de 1987.
O Brasil, nas últimas décadas, tem sido surpreendido com o crescente
quantitativo da população idosa, sendo que este segmento não tinha a sua
existência reconhecida pelas políticas públicas, pois, até então, o Brasil era
visto como um país jovem, explorando na mídia todo o viço de sua juventude.
As estatísticas vêm apontando para uma transformação na pirâmide
etária do país, composta, em 1950, na sua base, por um grande contingente de
pessoas jovens que hoje, em números, quase equivalem ao número de velhos.
Verifica-se, assim, um alargamento da pirâmide etária na sua parte superior, de
tal forma que as projeções para o ano de 2020 transformam essa pirâmide de
bases largas em um gráfico em que a base e a parte superior quase se
equivalem.
Atualmente, no Brasil, existem 8,6 milhões de brasileiros com mais de
65 anos. Em duas décadas, o país abrigará a sexta população de idosos do
mundo – 17 milhões de pessoas. Segundo declaração feita pela demógrafa
Elza Berquó, presidente da Comissão Nacional de População de
Desenvolvimento do IBGE, em 2020, “1 em cada 13 brasileiros será idoso”5.
Veras & Murphy, citados por Louzã Neto & Stoppe Junior (s.d, p.20)
afirmam que “o Brasil é o país que vem apresentando a mais alta taxa
percentual de envelhecimento populacional”6, sendo essa população
constituída, em sua maioria, por “mulheres, pobres, com baixo nível
educacional, viúvas e vivendo em áreas urbanas”.
Na Bahia, o processo de envelhecimento populacional segue as
mesmas tendências mundiais. De acordo com o censo demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (1994), o contingente de idosos, na
Bahia, no ano de 1991, era de 816.890 pessoas, sendo 450.450 residentes na
zona urbana e 357.440 na zona rural. De acordo com as estimativas para o ano
2.000, a população idosa na Bahia, atingiria o significativo contingente de um
milhão de pessoas.
Causa preocupação observar que em Salvador, capital do Estado com
a beleza de sua arquitetura, ladeiras, praias e carnavais, não se encontra
5
Revista Época, março de 1999.
6
No plano social, quando se fala em envelhecimento populacional não se está referindo à idade da
população ou tempo de existência, mas à proporção de pessoas idosas – de 60 anos ou mais, conforme
convenção internacional – em relação ao total.
preparada para lidar com os “seus” velhos que começam a marcar presença
nos cinemas, restaurantes ou lojas. O que acontece na cidade do Salvador, ou
no Estado da Bahia, é um exemplo, embora de forma diferenciada, da maneira
como vem sendo tratada a questão do envelhecimento no Brasil.

1.3 Fatores sociais e econômicos que influenciam o aumento da


longevidade dos brasileiros.

O aumento da expectativa média de vida, elevando o percentual da


população idosa resulta da contribuição de muitos fatores.
Jordão Neto (1997) aponta o fenômeno da urbanização como um dos
fatores responsáveis pela diminuição da natalidade, fecundidade e mortalidade.
De acordo com o mesmo autor, pode-se verificar, a partir da década de 50, um
acentuado movimento de migração rural-urbana provocado por questões
climáticas (secas) ou pela concentração de propriedades em mãos de
latifundiários que inviabilizavam a permanência da população no campo.
Houve, ainda, um processo de metropolização, ou seja, a procura pelos
grandes centros urbanos, tanto por parte da população rural, quanto por
moradores de pequenas cidades em graves crises econômicas.
Essa população, mesmo não encontrando situações ideais no que diz
respeito à qualidade de vida nos grandes centros urbanos, passou a ter
acesso, ainda que precário, tanto aos serviços de saúde, ao saneamento
básico, alimentação, quanto aos métodos anticoncepcionais e planejamento
familiar que afetavam os índices de natalidade e de mortalidade.
Tem-se, então, aliado ao processo de urbanização, ainda que de forma
caótica, como afirma Jordão Neto (1997), as políticas de proteção à saúde,
levadas a efeito por programas de saneamento e de erradicação de
determinadas endemias, e, também, pelo avanço das medidas terapêuticas de
combate às doenças em geral.
A diminuição das taxas de fecundidade e a conseqüente diminuição do
número de nascimentos, são consideradas por Veras (1994) como as principais
características demográficas do processo de envelhecimento. Essa queda da
taxa de fecundidade tem provocado uma modificação nas estruturas familiares
que antes tinham, em média, cinco filhos por casal; hoje, esse número caiu
para dois filhos por casal. Diminui o número de famílias numerosas enquanto
se valoriza a familiar nuclear, fator talvez responsável pela solidão em que vive
grande parte da população idosa, tendo em vista que o idoso perde, pouco a
pouco, as funções que desempenhava na família.
Um outro fator apontado por Salgado (1982, p.94) é a imigração.
Segundo o autor, os movimentos migratórios no Brasil sofreram uma redução,
fato este que incide sobre o aumento da população idosa em determinadas
regiões. A esse fator, acrescente-se o fluxo da emigração de um número
considerável de jovens que buscam melhores condições de vida em outros
países.

1.4 O crescimento da população idosa nos países ricos e nos


países pobres

Embora as diversas sociedades canalizem inúmeros recursos e as mais


diversas e sofisticadas tecnologias na busca da preservação da vida, tornando
o aumento da expectativa média de vida humana uma realidade praticamente
universal, tais medidas não têm significado melhoria da qualidade de vida
daquele que envelhece.
O rápido envelhecimento da população mundial, por se tratar de um
fenômeno relativamente recente, tem levado, mesmo os países mais
prósperos, a um processo de adaptação. Até o início do século XX, a
expectativa de vida era muito baixa e o número de pessoas com 60 anos ou
mais era muito reduzido, numa visão universal do problema. No entanto, o
envelhecimento populacional nos países ricos se deu bem antes que nos
demais e em circunstâncias diversas que permitiram, apesar dos obstáculos, o
tratamento da questão de forma mais eficiente.
Nos países desenvolvidos, esse envelhecimento populacional aconteceu
de forma ordenada, acompanhando, nas sociedades, as transformações
socioeconômicas e os avanços na melhoria da qualidade de vida para as
pessoas de um modo geral e, em particular para os dos cidadãos idosos.
Conforme Jordão Neto, (1997, p. 27-28):

Além do mais, a própria percepção da intensidade e grandeza do


fenômeno levou os países mais avançados a inclui-lo entre as
prioridades que deveriam ser consideradas num processo global de
planejamento. Da mesma forma, esses países, exatamente por
serem ricos, dispunham de muito mais recursos econômico-
financeiros para destinar à população idosa em programas de saúde
e bem-estar social.

Isso não significa, contudo, a inexistência de problemas quando se trata


dos idosos dos países de primeiro mundo. É verdade que eles desfrutam de
melhor situação econômica, de assistência à saúde, seguro social e menor
discriminação, no entanto, conforme registra Jordão Neto (1997), nos Estados
Unidos, por exemplo, 30 a 40% dos idosos podem ser considerados pobres,
dentro dos padrões americanos; além disso, verifica-se um aumento dos casos
de maus-tratos aos idosos dentro das famílias. O governo japonês,
recentemente, desenvolveu o projeto “Colombo de Prata”, cujo objetivo era a
exportação dos idosos aposentados, sob a alegação de problemas de espaço
em moradias e dos altos custos dos programas sociais a eles destinados.
A perspectiva é de que o ritmo de crescimento da população idosa seja
proporcionalmente mais acentuada nos países em desenvolvimento, nos quais,
esse crescimento se deu de forma desordenada e abrupta, acarretando
problemas diversos dos que ocorreram com os países desenvolvidos.
Neste sentido, expõe Jordão Neto (1997, p.32):

Sem dispor de recursos econômico-financeiros, equipamentos avançados,


profissionais com formação altamente especializada e condições educacionais e
culturais e sem a experiência acumulada no trato das questões que envolvem o
envelhecimento populacional, os países do Terceiro Mundo estão às voltas com o
tremendo desafio de ter que enfrentar o grande aumento dos grupos etários com 60
anos ou mais, sem ter sequer equacionado os problemas apresentados pelos
grupos etários constituídos por crianças e adolescentes, ainda os mais
representativos no seu quadro demográfico.

O aumento da longevidade dos brasileiros vem ocorrendo num contexto


marcado por profundas desigualdades econômicas e sociais e já está sendo
visto com grande preocupação pelo Estado e por setores mais conscientes da
população.
Em nossa sociedade, a velhice é considerada um estágio da vida que é
desprezível e “os velhos são considerados uma espécie de praga que ataca as
contas da previdência social, encarece o seguro-saúde, pesa na vida dos mais
jovens” (Berlink, 1996, p. 299).
A questão é que o aumento quantitativo de idosos na população
transforma a velhice em uma questão pública e conseqüentemente traz uma
socialização progressiva de sua gestão. Os problemas relacionados com os
aspectos socioculturais da exclusão ou baixa participação dos velhos nos
processos produtivos e decisórios da sociedade ampliaram-se, impondo a
necessidade de uma revisão geral do assunto e fazendo surgir uma disciplina
cientifica especial dirigida para o estudo da velhice de um ponto de vista
genérico, médico, social, econômico e psicológico7.
Jordão Neto (1997, p. 25-26) apresenta o que chama de conseqüências
gerais positivas e problemáticas do envelhecimento populacional para as
diferentes sociedades. As “implicações favoráveis” são:
a) aumento da expectativa de vida...;
b) aumento do tempo de vida destinado ao convívio familiar, permitindo
o conhecimento e o relacionamento entre várias gerações;
c) aumento do tempo de vida pós-trabalho, permitindo que os
aposentados possam desfrutar de forma mais extensa e intensa o
seu tempo livre;
d) valorização do idoso e da fase denominada terceira idade, um tempo
no qual torna-se cada vez mais possível viver melhor do que no
passado e participar mais de atividades sociais e culturais;
e) tendência à diminuição dos processos de marginalização e
discriminação contra os idosos, com maior aceitação de sua
participação em todas as atividades produtivas e sociais.

7
Atualmente existem duas ciências que caminham juntas em função de um mesmo objeto de estudo: os
velhos. A geriatria que é a ciência médica que cuida das pessoas idosas e se aplica unicamente ao domínio
das doenças do envelhecimento. A Gerontologia Social que se dedica aos processos psicossociais
manifestados na velhice.
Como problemas, que considera bastante sérios, cita o autor:
a) carência de maiores recursos a serem despendidos com a área de
saúde, pois as doenças que acometem os idosos são em geral,
crônicas, de tratamento prolongado e custoso ...;
b) urgência para a remoção de barreiras arquitetônicas que dificultem a
locomoção dos idosos nos centros urbanos e a criação de
equipamentos que facilitem aquela locomoção e outras atividades
dos idosos;
c) intensificação dos problemas familiares no que diz respeito à
manutenção e ao atendimento dos membros mais idosos que se
tornam dependentes ou semidependentes, tanto em termos de
saúde, como de condições econômico-financeiras;
d) pressão mais acentuada sobre os organismos de assistência pública
para a criação ou ampliação dos serviços e programas destinados à
população idosa;
e) elevação dos índices de dependência-idoso, isto é, da proporção
entre o número de pessoas de 60 anos e mais, a serem mantidos por
cem pessoas em idade produtiva (15 a 59 anos); como existe uma
tendência na redução dos estratos produtivos, a conseqüência a
médio e longo prazo é que uma quantidade cada vez menor de
agentes produtivos terá que manter uma quantidade cada vez maior
de população inativa, representando um elevado custo social e uma
grande sobrecarga para esses agentes;
f) expansão do número de aposentados e pensionistas e a defasagem
dos dispêndios públicos e privados com a seguridade social.

1.5 A velhice e o modo de produção das sociedades capitalistas

Nas sociedades civilizadas pré-capitalistas, os idosos não


representavam, socialmente, um encargo pesado e, para as famílias, não
apareciam com um ônus ou como uma responsabilidade recusada ou
transferida, ou que os membros da família não se dispusessem a assumir os
seus velhos.
Também nas sociedades caracterizadas pelo sistema de produção
calcado na agricultura e nas atividades artesanais, sistema mantido pelo
trabalho familiar e corporativo, aqueles que envelheciam e já não podiam
contribuir com sua força para o trabalho eram absorvidos pela família e pela
comunidade e respeitados como depositários vivos da história daquele grupo.
Dessa forma, o fato de retirar-se do processo de produção não significava a
perda do prestígio social e familiar.
Com o advento da revolução industrial e do surgimento da burguesia,
acontecem importantes mudanças nas relações de produção e na estrutura
familiar que, até então, funcionava como unidade de produção e consumo.
Interessava a esse novo sistema aqueles que podiam alugar ou vender
sua força de trabalho ao capital, ou seja, a chamada “população
economicamente ativa”. Para os que, em função da idade, tinham que se retirar
do processo produtivo restavam os adjetivos de velhos, ultrapassados,
imprestáveis, passando a ser excluídos, primeiro, do próprio mercado de
trabalho e depois, da sociedade que lhes cassava as oportunidades de
participação, de exercício pleno da cidadania e até “o direito de continuar a
viver com dignidade após ser decretada sua falência funcional pelo sistema”
(Jordão Neto, 1997, p. 59).
O afastamento da vida profissional configura-se para um grande número
de idosos, como um evento marcante, principalmente, nas sociedades
capitalistas industriais, nas quais a participação na vida econômica gera a
satisfação de uma série de outras necessidades psicológicas, sociais e,
mesmo, a necessidade de provimento material. Para muitos idosos, a
aposentadoria pode levar a uma acentuada queda da auto-estima e uma
sensação de vazio, uma vez que a transição do mundo do trabalho para o da
aposentadoria nem sempre corresponde ao envelhecimento biológico,
produzindo um choque e levando em direção à “morte social”, pela
impossibilidade de encontrar outras formas de participação na vida societária.
Ocorrendo uma submissão a esse processo de “morte social”, o aposentado
tenderá a se isolar, não buscará formas alternativas de participação social que
possam resgatar sua auto-estima, recuperar sua autonomia e retomar sua
cidadania, fatores geralmente devastados por tal contingência.
Mannoni (1995) denuncia a política que as sociedades ocidentais
reservam para a velhice, na medida em que os velhos são reduzidos “a
dejetos”, a partir do momento em que se aposentam e não são mais
exploráveis, nem se constituem como trabalhadores produtivos, o que os faz
sentirem-se como inúteis e indesejáveis.
Na sociedade da competição e do lucro onde o indivíduo é considerado
enquanto elemento produtor, o trabalhador é condenado a uma degradação
crescente durante toda a trajetória de sua vida. Ou seja, reportando-me a
Haddad (1986), a degradação senil começa prematuramente com a
degradação da pessoa que trabalha. Como resultado, na sociedade capitalista,
a velhice é, antes de tudo, produto da existência material desses homens e a
noção que se tem da velhice origina-se mais da luta de classes do que do
conflito de gerações.
O trabalhador aposentado vê-se diante da total falta de compensação
advinda do “prestígio” anterior, sem o reconhecimento pelo trabalho cumprido,
sem os laços de trabalho firmados na convivência com os companheiros de
jornada e, com a diminuição das obrigações familiares (filhos adultos,
trabalhando, casados), obrigando-se a um novo processo de integração social
que implica reaprender a viver e aprender a conviver com o fato de estar velho.
Acrescente-se a isto, o fato de que o trabalhador aposentado não
consegue sobreviver com o valor que lhe é pago ao aposentar-se, muitas
vezes inferior ao recebido enquanto trabalhava. Assim, vê-se obrigado a tentar
reingressar no mercado de trabalho para conseguir manter-se vivo,
confirmando-se o pensamento de Pimentel Daniel de que “a aposentadoria
constitui, na realidade, o desfecho institucionalizado da exploração da força de
trabalho” (Apud Haddad, 1986, p.44).
Embora o aumento da população de idosos leve a fazer de imediato sua
associação com o aumento da esperança média de vida da população
brasileira, como indicador social da melhoria da qualidade de vida e bem estar
social, não é assim que acontece realmente, nas sociedades em geral e, no
Brasil, em particular.
Neste caso, acontece uma situação paradoxal, pois, se de um lado as
sociedades criam e desenvolvem meios de prolongar a vida humana num plano
biológico, do outro, tendem a limitar, desestimular ou mesmo impedir a
participação dos idosos nos processos sócio-econômico e culturais de
produção, decisão e integração destas sociedades, visto que vão sendo
colocadas, contra os idosos, barreiras sociais tanto quanto se desenvolvem
atitudes de preconceito e de discriminação.
Uma das repercussões desses fatos é que, mesmo com algumas perdas
no plano biológico, as funções sociais do homem, especialmente a função
intelectual, permanecem sem grandes alterações, durante todo o tempo de vida
útil. Contudo, com a aposentadoria, surge o sentimento de vazio e inutilidade,
contrapondo-se ao sentimento de prestígio sentido por esses indivíduos
enquanto engajados na força de trabalho; aos idosos que tentam resistir à
aposentadoria, restam as críticas e acusações de estarem ocupando o lugar,
ou tirando o direito dos jovens.

1.6 O “velho” no discurso da cultura

O problema de adaptação social do homem idoso é, eminentemente,


uma questão desta época e, mais particularmente, da cultura ocidental
contemporânea, que cria um discurso acerca do envelhecimento, estimulando
normas discriminatórias que estabelecem uma idade-limite para determinados
encargos, afastando os idosos de funções responsáveis, produtivas e de
participação social.
Os conceitos criados em torno da questão da velhice, bem como, em
qualquer outro campo, conforme salienta Birman (1995), são regulados por
valores e representações sociais, e são esses “valores inerentes à nossa
representação da velhice, que orientam um conjunto de estratégias para a
inclusão e a exclusão dos idosos do campo social” (Birman, 1995, p. 30-31).
No campo das ciências, podemos destacar a geriatria e a gerontologia
que buscam traçar o perfil do idoso de forma a estabelecer com clareza seu
modo de ser; destaca-se, também, a psicologia social que desenvolve
pesquisas nas quais “observa, mede, demonstra e conclui acerca da
incapacidade social dos velhos para o trabalho” (Bosi, 1994, p. 25),
subordinando o idoso, muitas vezes, a uma posição de impotência sem lhe
permitir ser sujeito das próprias condições.
A ciência, juntamente com o discurso do Estado, lança na cultura um
sistema de representações (idéias, valores e normas) sobre esta etapa da vida,
produzindo um efeito paralisante naqueles que envelhecem os quais, dessa
forma, partindo dos ideais da cultura não conseguem encontrar o seu lugar em
meio aos mais jovens.
Trata-se de um discurso que oprime o velho por meio de mecanismos
tais como Bosi (1994, p.18) enumera:

[...] institucionais visíveis (a burocracia da aposentadoria, os asilos),


por mecanismos psicológicos sutis quase invisíveis (a tutelagem, a
recusa do diálogo e da reciprocidade que forçam o velho a
comportamentos repetitivos e monótonos, a tolerância de má fé que,
na realidade, é banimento e discriminação), por mecanismos técnicos
(as próteses e a precariedade existencial daqueles que não podem
adquiri-las), por mecanismos científicos (as “pesquisas” que
demonstram a incapacidade e a incompetência sociais do velho).

Bosi (1994) afirma que, além de ser um destino do indivíduo, a


velhice é uma categoria social e que a sociedade industrial é maléfica para
a velhice, tendo em vista que, nessas sociedades, o idoso não tem a
garantia de que seu filho continuará a obra por ele iniciada por causa da
velocidade com que as mudanças históricas se instalam.
Todo o sentimento de continuidade é destruído pois a sociedade
rejeita o velho, já que ele não atende aos preceitos por ela impostos: beleza,
produtividade, consumo. O velho passa a ser visto como aquele que, não
participando da produção e não fazendo nada, deve ser tutelado como o
menor, ao invés de respeitado.
É solicitado ao velho que ceda o seu lugar aos mais jovens, que se
resigne ao seu papel passivo, à sua insignificância. Na família, é tratado
como dependente total e os mais jovens, com o pretexto de estarem
cuidando do “seu próprio bem”, imobilizam-no e passam a administrar sua
vida, desde a aposentadoria até os seus espaços, e às suas escolhas
pessoais.
Por associar a palavra “velho” ao que é ultrapassado e obsoleto, os
mais jovens não dão nenhuma importância ao que é dito pelos mais velhos;
ignoram-nos nas suas falas, negando-lhes a oportunidade de desenvolver a
alteridade, a contradição, o afrontamento, ou o conflito, ouvindo o que eles
dizem como mera repetição. Essa forma de conduta disfarçada de
tolerância, nada mais é do que o retrato do banimento e da discriminação
que é dispensada aos velhos.
Para um país como o Brasil, que, até pouco tempo, se considerava
um país jovem, que se orgulhava da sua juventude, qual o lugar reservado
para os velhos?
Certamente este velho não ocupa o mesmo lugar que lhe cabia antes da
revolução industrial, ou seja, o lugar de mestre, aquele que mantinha as
tradições, a cultura. Atualmente, o que se pode observar em nossa sociedade é
uma queda dos valores e, conseqüentemente, a falência de uma organização
social na qual o velho antes visto como um mestre, passa para o lugar do
humilhado, do incompetente, do inoperante.
Hoje, dando-se conta dessas transformações, o idoso percebe que
perdeu todo o prestígio ou a possibilidade de despertar o interesse dos outros.
Mais do que isso, nota que essa modificação ocorreu de tal forma que, antes
apresentada como uma maneira potencial de crescimento, agora muda de
posição, devendo ocupar-se apenas do lazer8 e, mais importante do que isso,
distrair-se enquanto espera a morte chegar.

1.7 O idoso perante sua nova condição social.

As condições impostas pela nova posição social ocupada pelo idoso vão
variar nas diferentes culturas, podendo, diferenciar-se em uma mesma cultura,
a depender da classe social que ele ocupe. Também sofrerá variações “o modo
como a sociedade se relaciona com o idoso e com o envelhecimento, bem

8
Prova disso são os inúmeros serviços voltados para a pessoa idosa (Centros de Convivência, Clubes da
maior idade, Universidade Aberta à Terceira Idade) cuja preocupação maior é ocupar o tempo livre do
idoso.
como as atitudes do idoso perante a sociedade” (Louzão Neto & Stope Junior,
s.d., p. 61).
Ao chegar à velhice, tendo em vista as modificações impostas pela
sociedade, o velho passa a desempenhar um novo papel na família e adquire
um novo status social e econômico.
Conforme foi ressaltado, os estudos têm demonstrado que, de uma
forma geral, a atitude da sociedade contemporânea para com o idoso é
negativa, principalmente no que se refere às suas habilidades físicas,
aparência pessoal e sanidade mental. De certa forma, essa percepção que se
tem do idoso vem dificultar a adaptação social e o bem estar desse segmento
da população (Louzã Neto & Stoppe Junior, s.d, p.62).
Apesar de criar dispositivos e desenvolver um discurso que quase
imobiliza aquele que envelhece, esta mesma sociedade espera que a
população idosa se constitua no agente transformador de uma situação criada
pelas condições reais de existência social dos homens9. Espera-se que o
idoso, sozinho, busque um lugar no qual se sinta mais compreendido e que lhe
permita desfrutar de melhores condições de bem estar, desconsiderando-se,
por completo, uma participação social mais ampla.
O que se observa é que o investimento feito pela sociedade em saúde,
educação e treinamento de profissionais restringe-se apenas às gerações mais
novas, sem permitir que o idoso continue a ser útil a si próprio e à sociedade.
Necessário se faz cuidar da prevenção e promoção desses indivíduos,
despertando ou incentivando a satisfação de viver, abrindo espaços para que
possam continuar como cidadãos produtivos e independentes.
Seria preciso que a sociedade não anulasse, com tanta eficiência, o
papel de sujeito dos seus velhos através de formas tão sutis quanto violentas,
utilizando-se da estrutura social, econômica e política.
E nesse ponto vale a pena retomar Bosi (1994, p. 20) que se pergunta
“como reparar a destruição sistemática que os homens sofrem desde o
nascimento, na sociedade de competição e do lucro?”. Cuidados geriátricos
9
Neste ponto gostaríamos de enfatizar que, embora possamos identificar os problemas sociais e o
discurso discriminatório da sociedade brasileira em relação ao cidadão idoso, estamos cientes de que a
questão é mais complexa visto que a própria dinâmica psíquica do idoso tem alguma influência neste
discurso que discrimina o velho.
não devolvem a saúde física ou mental (perdidas no decorrer dos anos, quando
esses homens eram explorados pelo mercado de trabalho). “Como deveria ser
uma sociedade para que, na velhice, o homem permaneça homem? (...) Seria
preciso que sempre tenha sido tratado como homem”, complementa essa
autora.
O que fazer para que o idoso, diante desse aniquilamento imposto pela
sociedade, não se afaste do convívio social, nem se entregue às drogas
medicamentosas ou ao álcool, ou se retire do jogo da vida antes que ele
finalize? É necessário que o idoso possa elaborar o luto de si mesmo, de sua
identidade. Que, sem se transformar em objeto de cuidados, mantenha o seu
estatuto de sujeito desejante, teoria que se torna objeto do capítulo seguinte.
CAPÍTULO 2

O SUJEITO DESEJANTE NA TEORIA FREUDIANA

A expressão “sujeito desejante”10 não foi cunhada por Freud, mas por
Lacan quando da releitura dos textos do mestre; ainda assim, segundo o nosso
entendimento, esta expressão designa com propriedade as questões
freudianas relativas ao desejo.
Freud vai falar do desejo ao longo de toda a sua obra porém existem
dois momentos que podemos considerar como marcos da definição desse
conceito: o Projeto para uma psicologia científica, onde se refere à experiência
de satisfação, introduzindo, também, a questão da ação específica, e o
trabalho sobre A interpretação de sonhos (1901), que traz o desejo como
inconsciente apresentando-se com “uma dupla característica: em primeiro
lugar, sua distorção necessária; e, em segundo lugar, seu distanciamento com
respeito à satisfação” (Garcia-Roza, 2000, p. 146-147).
Neste capítulo, buscaremos circunscrever o desejo a partir de uma
compreensão da constituição e do funcionamento do aparelho psíquico.

2.1 O Projeto para uma psicologia científica

No Projeto para uma psicologia científica (Freud, 1950), a primeira


estrutura do aparelho psíquico tem como referência um aparelho reflexo que
descarrega qualquer excitação sensorial através de uma via motora. Esse
aparelho psíquico era pensado como sendo regido pelo princípio de inércia

10
Mesmo o termo sujeito quando utilizado por Freud, não terá a mesma importância que terá mais tarde
para Lacan.
segundo o qual os neurônios tendem a se desfazer de Q11 e a fugir dos
estímulos, sejam eles provenientes do meio externo ou do próprio corpo.
Porém, quando se trata dos estímulos endógenos12, essa fuga não é
possível e, para satisfazer as exigências de descarga desses estímulos, o
sistema nervoso não pode descarregar toda a energia recebida, devendo
suportar uma certa quantidade de Q para esta finalidade. Trata-se da lei da
constância, segundo a qual, o sistema nervoso é obrigado a manter uma quota
de Q num nível mais baixo possível, ao mesmo tempo em que procura se
proteger contra qualquer aumento daquela cota, ou seja, procura mantê-la
constante.
Tem-se, então, o início do processo prazer-desprazer, em que o
desprazer está associado à tensão decorrente do acúmulo de Q e o prazer à
descarga dessa Q excessiva. “O prazer é a própria sensação de descarga,
sendo que qualquer manutenção de Q no sistema nervoso é apenas tolerada, o
que significa dizer que implica sempre uma certa dose de desprazer. O prazer
total resultaria da descarga total de Q” (Garcia-Roza, 2000, p. 51).
Para falar de um quantum de energia que precisa ser descarregado
Freud irá elaborar a concepção de desamparo original do ser humano e
apresentará a experiência de satisfação que tem conseqüências decisivas para
o desenvolvimento das funções individuais.
Quando surgem, no bebê, os estímulos endógenos, geradores de
necessidades primárias tais como a fome e a sede, o infante buscará
descarregar a tensão surgida através do movimento (‘expressão emocional’).
No entanto, a situação permanecerá inalterada uma vez que a excitação
proveniente de uma necessidade ou de um estímulo endógeno é uma força
que se encontra em funcionamento contínuo, só podendo ser modificada
através de uma ação específica, uma alteração do mundo externo. Nesses
casos, afirma Freud (1950, p. 422),

O organismo humano é, a princípio, incapaz de levar a cabo essa


ação específica. Ela se efetua por meio de assistência alheia, quando
a atenção de uma pessoa experiente é atraída para o estado em que

11
A quantidade de excitação ligada à estimulação sensorial externa.
12
Estímulos que se originam no próprio corpo e que dão origem a necessidades tais como fome, sede etc.
se encontra a criança, mediante a condução da descarga pela via de
alteração interna. Essa via de descarga adquire, assim, a
importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo
inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos
morais.

Quando esse que cuida do bebê efetua a ação específica, o bebê


encontra-se numa posição que possibilita a eliminação do estímulo endógeno.
Temos aí constituída a chamada primeira experiência de satisfação.
Essa experiência de satisfação é acompanhada de uma percepção cuja
imagem mnemônica produzida pela imagem perceptiva permanece associada
à satisfação, fazendo com que, a partir desse momento, essa experiência fique
associada à imagem do objeto que proporcionou a satisfação assim como à
imagem do movimento que permitiu a descarga.
Como os limites impostos pelas possibilidades do corpo físico e suas
necessidades permanecem, desde sempre, aquém das ambições humanas de
satisfação, a partir de então, sempre que houver o reaparecimento do estado
de urgência ou de desejo, a busca da realização do desejo levará o sujeito em
busca dessa percepção primeva que tem como marco uma mítica primeira vez,
um mítico primeiro encontro entre o sujeito e o objeto de “satisfação”.
A realização de desejo é o reaparecimento da percepção e “o caminho
mais curto a essa realização é uma via que conduz diretamente da excitação
produzida pelo desejo a uma catexia completa da percepção” (Freud, 1900, p.
603). A conseqüência inevitável dessa busca, segundo esse autor, é a
decepção pois o objeto é alucinado e não real e “o objetivo dessa primeira
atividade psíquica era produzir uma ‘identidade perceptiva’ [algo
perceptivamente idêntico à experiência de satisfação] — uma repetição da
percepção vinculada à satisfação da necessidade” (op. cit., p. 603).
Como nesse estágio inicial da vida, o bebê não é capaz de distinguir o
objeto real do objeto alucinado, o ato reflexo, cujo objetivo é a posse do objeto,
será desencadeado produzindo como conseqüência a frustração e a
manutenção da necessidade. É necessário, portanto, que exista um meio de
‘verificação da realidade’ e será o ego, uma instância que tem sua origem em
uma parte do sistema y13, que passará a desempenhar a função de distinguir

13
Sistema de neurônios impermeáveis, que está em conexão direta com os estímulos endógenos.
“um componente permanente e outro mutável” (Freud, 1950), ou seja, inibir o
desejo quando se trata de um objeto alucinado.
Nesse ponto, Garcia-Roza (2000), chama a atenção para a diferença
existente entre o ego apresentado no Projeto e o ego da segunda tópica - o
ego sujeito, como indivíduo ou como totalidade do aparelho psíquico. O ego do
Projeto é uma diferenciação no interior do sistema y, sem acesso à realidade
e, portanto, sem ser sujeito da percepção, da consciência ou do desejo. O
acesso à realidade, no Projeto, é realizado pelo sistema perceptivo – neurônios
w.
Esse caráter primitivo de alucinar o objeto de desejo passará por um
processo de evolução sendo substituído por uma atividade mais elaborada
capaz de distinguir o objeto alucinado do objeto real. Freud dirá que ocorrerá
um processo de educação que juntamente com o ego primitivo

[...] se efetuam num estado repetitivo de desejo, ou seja, em estados


de expectativa. Ele [o ego] primeiro aprende que não deve catexizar
as imagens motoras, de modo que resulte a descarga, enquanto não
se cumprirem determinadas condições advindas da percepção.
Aprende, ademais, que não deve catexizar a idéia desejante acima
de certa medida, caso contrário estaria enganando a si mesmo de
maneira alucinatória (Freud, 1950, p. 484-485).

A partir da teoria dos sonhos também é possível ilustrar o modo primitivo


de funcionamento do aparelho psíquico, na medida em que os sonhos
produzem uma satisfação alucinatória através do caminho regressivo.
Vale a pena rever o comentário feito por Freud na carta 84 enviada a
Fliess, sobre os sonhos e a realização de desejos.

Biologicamente14, parece-me que a vida onírica deriva inteiramente


dos resíduos do período pré-histórico da vida (entre um e três anos
de idade) — o mesmo período que é a fonte do inconsciente e que,
sozinho, contém a etiologia de todas as psiconeuroses, o período
caracterizado por uma amnésia análoga à amnésia histérica. Parece-
me coerente a seguinte fórmula: O que é visto no período pré-
histórico produz sonhos; o que é ouvido nesse mesmo período
produz fantasias; o que é experimentado sexualmente, ainda no
mesmo período, produz as psiconeuroses. A repetição daquilo que foi
experimentado nesse período é, em si mesma, a realização de um

14
Freud se refere ao biológico como metafísico e pergunta a Fliess se pode usar o nome de
metapsicologia para a sua psicologia que vai além da alma.
desejo; um desejo recente só conduz a um sonho quando consegue
estar em conexão com material proveniente desse período pré-
histórico, quando o desejo recente é um derivado pré-histórico. Ainda
resta examinar até que ponto serei capaz de ater-me a essa teoria
extremada e até que ponto poderei expô-la no livro dos sonhos
(Freud, 1950, p. 369-370).

2.2 A interpretação de sonhos

Antes de iniciarmos com as contribuições de Freud, na elaboração de


uma das mais importantes obras escritas neste século – A interpretação de
sonhos, torna-se importante diferenciá-la do Projeto, obra supervalorizada por
alguns e desprezada por outros. Embora se afirme que A interpretação de
sonhos é a herdeira do Projeto, existe entre os dois trabalhos diferenças
fundamentais: no Projeto, Freud trabalha a partir de um referencial anatômico e
das noções de energia e de um aparelho neurônico, enquanto que em A
interpretação de sonhos esse referencial anatômico desaparece
completamente, sendo substituído por lugares psíquicos, metafóricos e surge a
noção de desejo e de idéias investidas (Garcia-Roza, 2000).
Na seção B – Regressão – de A interpretação de sonhos encontramos a
apresentação da primeira tópica do aparelho psíquico freudiano e, na seção C
encontramos um trabalho dedicado à Realização de desejos, seções que
privilegiaremos nesta pesquisa.
Freud inicia a apresentação da primeira tópica, formada pelos sistemas
consciente, pré-consciente e inconsciente, “cada um com a sua função, o seu
tipo de processo e sua energia de investimento, e que se especificam por
conteúdos representativos” (Laplanche & Pontalis, 1978, p. 658). Nesse
momento, Freud preocupa-se em afirmar que é sua intenção tomar todos os
cuidados a fim de evitar qualquer possibilidade de aproximação entre a
localização psíquica e qualquer modo anatômico, físico ou neurológico.
Para nós importa o destaque dado por Freud ao sentido progressivo-
regressivo do funcionamento do aparelho psíquico, ao qual se refere como
sendo uma “seqüência temporal especial”. O aparelho psíquico, portanto, é
formado por sistemas que possuem uma posição constante de modo a permitir
um fluxo orientado num determinado sentido ou direção: a atividade psíquica
inicia-se a partir de estímulos (internos ou externos) e termina através de uma
descarga motora, configurando, assim, a direção normal progressiva, ou num
sentido regressivo (“regressão tópica”, característica dos sonhos e
alucinações), que explicaremos a seguir.
Durante a construção da primeira tópica, vamos encontrar três propostas
que indicam a evolução do pensamento freudiano. Na primeira proposta, o
aparelho psíquico seria formado por dois sistemas: o perceptivo, responsável
por receber os estímulos localizados na extremidade sensória do aparelho, e o
sistema motor, que daria acesso à atividade motora.
Por considerar que essa primeira proposta não dá conta da
complexidade da sua teoria, Freud propõe um segundo modelo que aponta
para a existência de traços de memória, surgidos a partir das percepções
recebidas, e que seriam modificações permanentes dos elementos do sistema.
Porém, o segundo modelo ainda não satisfaz, uma vez que, desde o
momento em que a noção de elaboração onírica é proposta, estava prevista a
existência de uma instância crítica que tinha por função excluir da consciência
a atividade da outra instância. Por causa da sua relação com a consciência
(instância criticada), esta instância crítica deveria se localizar na extremidade
motora do aparelho.
É na construção da primeira tópica que o termo inconsciente vai surgir
como sistema do aparelho psíquico, deixando de ser empregado como um
adjetivo, uma propriedade daquilo que estava fora do campo atual da
consciência. O sistema inconsciente só pode ter acesso à consciência através
do sistema pré-consciente/consciente, e seus conteúdos devem ser
submetidos às exigências deste último sistema, quando então serão
transcritos, modificados e distorcidos, para que possam chegar à consciência.
Esses conteúdos inconscientes impregnados de desejos esforçam-se
todo o tempo para ter acesso à consciência através do sistema pré-consciente
e para obter controle do poder de movimento. É a censura existente entre o
inconsciente e o pré-consciente, segundo Freud, a responsável por nossa
saúde mental. Em contrapartida, o inconsciente é o responsável pela formação
dos sonhos, sendo que os desejos inconscientes ligados aos pensamentos
oníricos, chegam à consciência graças a uma diminuição da censura durante o
sono. Apesar do “relaxamento” da censura, durante a noite, permitir a
expressão de desejos inconscientes recalcados através da regressão
alucinatória, isso não se constitui em uma ameaça, tendo em vista que

...sejam quais forem os impulsos do inconsciente normalmente inibido


que circulem sobre o palco, não precisamos preocupar-nos; eles
permanecem inofensivos, uma vez que são incapazes de colocar em
movimento o aparelho motor, somente através do qual poderiam
modificar o mundo externo (op. cit., p. 605).

Nos sonhos, como nas alucinações, o processo de excitação percorre o


caminho inverso do percorrido durante a vigília, ou seja, caminha no sentido da
extremidade sensória até atingir o sistema perceptivo, produzindo um
reinvestimento de imagens mnêmicas – regressão.
Apesar de apontar quatro origens possíveis para os sonhos15, Freud dirá
que os únicos desejos capazes de produzir um sonho são aqueles que
pertencem ao inconsciente. Os desejos inconscientes encontram-se em
constante movimento na direção da consciência, sendo impedidos de ter
acesso a esta instância pelo trabalho da censura.

Minha suposição é que um desejo consciente só pode tornar-se um


induzidor de sonho se obtiver sucesso em despertar um desejo
inconsciente do mesmo teor e conseguir reforço dele. De indicações
provenientes da psicanálise das neuroses, considero que esses
desejos inconscientes acham-se sempre em estado de alerta, prontos
em qualquer ocasião para encontrar o caminho à expressão quando
surge uma oportunidade de se aliarem com um impulso do consciente
e transferirem sua própria grande intensidade à intensidade menor do
último (Freud, 1950, p. 589).

Nesse sentido, os desejos são a única força psíquica motivadora da


formação dos sonhos e, se os sonhos são, sempre, realizações de desejos, é
porque eles são produzidos pelo sistema inconsciente, que é comandado por
impulsos impregnados de desejo, tendo como único objetivo a realização
desses desejos.

15
São eles: restos diurnos não satisfeitos, restos diurnos recalcados, desejos que não têm nada a ver com a
vida diurna, mas que pertencem ao inconsciente e emergem durante o sono e, os impulsos decorrentes de
estímulos noturnos (fome, sede, sexo etc.).
Freud acrescenta ainda outras duas características ao inconsciente e
todo o seu conteúdo: a indestrutibilidade e a atemporalidade. O passado
conserva-se inalterado no inconsciente, de tal forma que, como o sonho é um
processo regressivo, são os desejos mais infantis que funcionam como
indutores permanentes de seus conteúdos. Articulando esta questão com
nosso tema podemos observar que na velhice verifica-se “o desencontro entre
o inconsciente atemporal e o corpo, templo da temporalidade” (Berlink, 1998, p.
297), enquanto a rememoração e as recordações daqueles que envelhecem
podem revelar desejos infantis, considerações que serão retomadas e
desenvolvidas no próximo capítulo.
Freud define os sonhos como a realização de desejos inconscientes e é
esta característica (ser inconsciente) que vai diferenciar, na psicanálise, a
noção de desejo de outras concepções. Mesmo os sonhos desagradáveis, que
geram angústia, ou os sonhos de punição são considerados por Freud, nesse
momento de sua elaboração, como realizações de desejos. A explicação dada
é que se a realização de um desejo inconsciente e recalcado produz prazer, ele
também produz angústia ao ego do sonhador, tendo em vista que as
exigências do inconsciente não são as mesmas do sistema pré-
consciente/consciente. Ou seja, o mesmo acontecimento que pode provocar
prazer ao nível do sistema inconsciente, pode causar angústia ao nível do
sistema pré-consciente. Há, portanto, dois desejos a serem satisfeitos: o do
inconsciente e o do pré-consciente/consciente e, nem sempre, eles estão de
acordo.
Ao postular um aparelho psíquico dividido em inconsciente e pré-
consciente/consciente, “o pensamento freudiano se distancia da concepção de
razão identificada com a consciência (...), subvertendo a idéia de que a partir
da consciência se tem acesso à verdade” (Herzog, 1996, p.9). Trata-se do
“terceiro golpe” sofrido pela humanidade: “o ego (...) não é senhor nem mesmo
em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas informações
acerca do que acontece inconscientemente em sua mente” (Freud, 1917b, p.
336). O que é fundamental na postulação de que no sujeito “há algo de
desconhecido” (Herzog, 1996, p.11) é o fato desse ‘desconhecido’ apresentar-
se, sempre, impregnado de desejo.
Mas, então, o que vem a ser o desejo para a teoria psicanalítica?
A noção de desejo em psicanálise diferencia-se da biologia, pois, para
esta ciência, o desejo é entendido como satisfação de uma necessidade, o que
implicaria em uma tensão interna, de ordem física e biológica, que impele o
organismo em determinada direção onde encontra satisfação através de uma
ação específica. Nesse contexto, o desejo visa a um objeto específico que
permite a redução da tensão.
O objeto de desejo, na teoria psicanalítica, surge desde a experiência de
satisfação como um objeto perdido, satisfação que procura realizar-se através
de uma série de substitutos que formam uma rede contingente mantendo a
permanência da falta do objeto. Como foi mostrado na experiência de
satisfação, o que caracteriza o desejo é o impulso que busca reproduzir
alucinatóriamente uma satisfação original, um retorno a um objeto perdido
considerado por Garcia-Roza (2000) como sendo “a nostalgia do objeto”. O
desejo é irrealizável tendo em vista que o seu objeto não é algo concreto que
se oferece ao sujeito, deslizando, por contigüidade, numa série interminável de
significações. É esta insatisfação primordial, denunciada por Freud, que
responde pela constituição do aparelho psíquico.
Ao definir o desejo, Garcia-Roza (2000, p. 83) diz que a “sua entrada em
cena requer uma preparação prévia do espectador, a criação de um clima que
valorize o momento de seu aparecimento”. Os sonhos, ao sofrerem intervenção
da censura, aparecem deformados pela elaboração onírica, que os torna
irreconhecíveis. Neste sentido, o desejo freudiano é marcado por duas
características fundamentais: a sua distorção necessária e seu afastamento no
que diz respeito à satisfação.
Os sonhos, no entanto, não são a única forma de realização dos desejos
inconscientes. Os sintomas histéricos, assim como todos os eventos
neuróticos, também são realizações de desejo. No entanto, Freud afirma a
existência de uma característica essencial nos sintomas, quando se trata de
realização de desejos. Nesses casos o que ocorre não é a expressão de um
desejo inconsciente realizado, mas a realização de dois desejos opostos (o
desejo que não surge do inconsciente é invariavelmente uma seqüência de
pensamento que reage contra o desejo inconsciente), surgidos cada um de um
sistema psíquico diferente, que convergem numa expressão única. “Dessa
maneira, os sintomas terão pelo menos dois determinantes, cada um deles
surgindo de cada um dos sistemas envolvidos no conflito” (Freud, 1900, p.
606).
Seguindo as indicações de Freud, poderíamos definir o desejo como
uma idéia (Vorstellung) ou um pensamento que, ao ter como correlato as
fantasias do sujeito desejante, busca sempre ser realizado.

2.3 O aparelho psíquico: libido, defesa, narcisismo e instâncias


ideais

No item 2.1, vimos que a primeira estrutura do aparelho psíquico tem


como referência um aparelho reflexo que descarrega qualquer excitação
sensorial através de uma via motora regido pelo princípio de inércia, segundo
o qual os neurônios tendem a se desfazer de Q e a fugir dos estímulos.
No volume IV do Livro dos Sonhos, no qual é apresentada a primeira
tópica do aparelho psíquico, Freud dirá que, a partir da interpretação dos
sonhos, poderemos “tirar conclusões quanto à estrutura do nosso aparelho
mental” (Freud, 1900, p. 155); para Freud, nossa vida mental constitui-se a
partir de uma tentativa de realização de desejos inconscientes e da atuação da
instância repressora, fazendo surgir os sintomas como um acordo entre um
“par de contrários”, a formação de compromisso.
Ao falarmos do mecanismo dos sonhos, nos referimos ao movimento
dos conteúdos do inconsciente no sentido de buscar uma forma de chegar à
consciência, exercendo uma atração constante sobre os conteúdos do pré-
consciente/consciente e, assim, conseguir liberar sua energia. Também os
conteúdos do sistema pré-consciente/consciente buscam ter acesso às
lembranças passadas do indivíduo, as quais segundo Freud, mantém-se
integralmente no sistema inconsciente (recatexização dessas lembranças
inconscientes).
Como alguns dos conteúdos inconscientes provocam desprazer por
estarem associados a desejos censuráveis, é preciso se chegar a um acordo a
fim de que essa catexia possa realizar-se, papel este que cabe ao sistema pré-
consciente/consciente. De acordo com a explicação dada por Freud, o pré-
consciente só poderá recatexizar uma idéia inconsciente se estiver em
condições de inibir o desprazer que ela provocará ao ego. Por outro lado, esta
inibição não poderá ser muito severa uma vez que é justamente por sentir um
início de desprazer que o pré-consciente toma conhecimento da ameaça que a
idéia oferece. Cabe ao sistema pré-consciente/consciente dirigir através de
caminhos adequados os impulsos que surgem do inconsciente sem inibi-los
completamente mas, permitindo que surjam de tal forma que não provoquem
desprazer, ou seja, efetuar

[...] uma transação de forças entre tais conteúdos [inconscientes e


carregados de desejo] e o ego; surgimento de uma formação
compósita, que ao mesmo tempo traduz o conteúdo incompatível e o
disfarça sob a máscara de uma idéia ou seqüência de idéias
aparentemente inocente (Mezan, 1998, p. 77).

Vemos surgir aí, o mecanismo do recalcamento. Segundo Garcia-Roza


(2000), os termos recalcamento e defesa foram usados como sinônimos
durante muito tempo, só passando a ser utilizados de forma diferenciada, por
Freud, a partir de A interpretação de sonhos (1900). Aí, o termo “defesa” era
utilizado para se referir a “um processo mais genérico de evitamento da dor, e
“recalcamento” [para se referir a] uma operação mais específica cuja essência
consiste em manter afastado no inconsciente representações ligadas a uma
pulsão” (Garcia-Roza, 2000, p. 90). Ao afirmar que o “sonho é a realização
(disfarçada) de um desejo suprimido ou reprimido”, Freud termina por falar da
defesa do ego (op. cit, p. 170).
Freud defronta-se com a defesa no momento em que decide abandonar
a hipnose e solicitar aos seus pacientes que procurem lembrar do fato
traumático que poderia ter causado os sintomas. Foi com a utilização da nova
técnica que Freud pôde verificar uma generalização em todos os casos
atendidos: o surgimento de uma resistência que impedia que as idéias
patogênicas - idéias aflitivas - capazes de provocar sofrimento psíquico,
chegassem à consciência e, conseqüentemente, provocassem o surgimento
de uma defesa psíquica. Trata-se, portanto, de uma censura do “eu” do
paciente a essas idéias, fazendo-as permanecer inconscientes. A defesa,
portanto, “é exercida pelo eu sobre uma representação ou conjunto de
representações que despertam sentimentos de vergonha e de dor” (Garcia-
Roza, 1999, p. 170).
O conceito de defesa, surgido em 1894, também chamado de repressão,
consiste na expulsão da consciência, pelo ego, idéias incompatíveis com sua
organização geral. No Projeto (1895), sua função é essencialmente inibidora,
surgindo com o objetivo de controlar o investimento alucinatório característico
do processo primário. Já na Interpretação de sonhos (1900), aparece na forma
de censura (Mezan, 1998).
De acordo com Garcia-Roza (1999), a idéia de defesa vai surgir para
designar os mecanismos capazes de reduzir ou suprimir o efeito traumático,
sendo o seu agente o eu, que possui ou tem ligado a ele os mecanismos
colocados em jogo na ação defensiva. A defesa é uma operação inconsciente e
está relacionada às pulsões.
Desde as suas primeiras formulações teóricas, Freud é levado a
conceber o aparato psíquico como um aparelho de captura, de contenção, de
transformação de algo que lhe chega a partir da exterioridade (exterioridade do
aparato). Trata-se de um ponto de vista energético fundamental para que se
possa entender a sua teoria da libido16 (Garcia-Roza, vol. 3, p. 33).
A libido é concebida, por Freud, como uma energia psíquica que,
referida às relações de objeto, relações imaginárias que chamamos “desejo”,
vai estabelecer ligações entre os indivíduos. É importante ressaltar que, nesse
movimento de investimento, a libido não traz qualquer indicação quanto à
natureza do objeto que deve investir e que a única referência permanece sendo
a fornecida pela experiência primária de satisfação. Há um movimento no
sentido de repetir a experiência de satisfação, cuja direção é a do encontro do
objeto de satisfação, ou melhor, a de um reencontro.

16
Energia psíquica, expressão anímica da pulsão sexual, ou ainda uma força suscetível de variações
quantitativas que poderia servir de medida para os processos e as transformações no domínio da excitação
sexual. Inicialmente, a libido estava ligada apenas às pulsões sexuais e é somente em Além do princípio
de prazer (1920), com a introdução do conceito de pulsão de morte, que o dualismo assume sua face
definitiva: as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação são unificadas sob o nome de pulsão de
vida, cuja energia é a libido, e contraposta à pulsão de morte, cuja energia é a destrutividade.
No entanto, como já foi referido, esse reencontro é impossível, a
identidade perceptiva é impossível. Essa discordância entre o objeto buscado e
o objeto encontrado funda a primeira dialética da teoria da sexualidade em
Freud e move a busca do objeto perdido (mas que na verdade nunca foi tido).
(Garcia-Roza, 1999). No caso do idoso, como veremos mais adiante, esse
retorno à experiência de satisfação não é uma simples regressão ao passado e
à dependência do infante em relação ao outro; trata-se, acima de tudo, de uma
relação enriquecedora que irá revalorizar o viver, na medida em que permite o
afastamento da solidão e a valorização das relações com os semelhantes.
Retomando a questão da constituição do sujeito, Freud considera que,
no momento inicial, o que existe são as pulsões auto-eróticas, sendo
necessário o desenvolvimento de uma instância que verifique a realidade da
existência do objeto “alucinado”. Também é necessário que algo se acrescente
ao auto-erotismo, uma nova ação psíquica, para que o narcisismo se constitua,
ou seja, a representação complexa que o indivíduo faz de si mesmo, não mais
vivenciando seu corpo como um corpo fragmentado.
No artigo escrito em 1914, Sobre o narcisismo, trabalho que tem um
papel fundamental na evolução dos conceitos a serem desenvolvidos por
Freud, vemos surgir conceitos como narcisismo e ideal do eu e, questões
relativas às relações entre o ego e os objetos externos, ficando clara a
distinção entre “libido do ego” e “libido objetal”. O ego, reservatório da libido
narcísica, passa a ser analisado, permitindo uma distinção clínica entre as
psiconeuroses em neuroses de transferência e neuroses narcísicas.
Neste artigo, o narcisismo deixa de ser concebido como perversão e
passa a ser considerado como forma necessária de constituição da
subjetividade, apontando para as origens da vida psíquica: é condição de
formação do eu, chegando mesmo a se confundir com o próprio eu (Garcia-
Roza, 1999).
A constituição do eu dar-se-á a partir da projeção do narcisismo dos pais
sobre o filho. Os pais revivendo seu próprio narcisismo, atribuem ao filho todas
as perfeições, reeditando, na criança, uma idéia de completude. É, também,
em face da junção feita de seu próprio corpo e do narcisismo desse adulto, que
a criança poderá pensar-se como um ser completo e não desamparado,
equipando-se de um eu que Freud chamará de eu ideal (Ideal Ich), um eu
imaginário construído tendo como base uma idéia de completude.
Nas questões relativas à velhice veremos o narcisismo pela ótica das
feridas narcísicas que acometem o idoso de forma radical, tendo em vista que
representam o acúmulo das perdas de toda uma vida, mas analisa-se, também,
o efeito do narcisismo na medida em que afasta o sentimento de finitude, do
desamparo e da falta e possibilita o surgimento de um sentimento de
onipotência que é traduzido em comportamentos competitivos, agressivos e,
até mesmo, de uma negação da morte.
Freud refere-se, ainda, à existência de um narcisismo secundário como
o resultado de um retorno ao eu dos investimentos feitos sobre os objetos
externos. O processo dá-se pelo investimento, num primeiro momento, da
libido no próprio eu do sujeito; em seguida, passa a ser investida, também em
objetos externos, voltando, posteriormente a ter o eu como objeto. O que se
pode constatar é que entre os dois tipos de narcisismo (primário e secundário)
há um investimento da libido em objetos externos ao eu. Porém, é importante
observar que, em ambos os casos, há um investimento do eu e, na verdade o
que pode acontecer é uma concomitância das formas de investimento (do eu
ou objetal), ocorrendo a predominância de uma delas.
Temos, então, no texto de 1914, dois narcisismos – primário e o
secundário. Originalmente, o eu é o objeto privilegiado de investimento libidinal,
a ponto de se constituir como o “grande reservatório da libido”, armazenador de
toda a libido disponível. Esse momento, Freud denomina narcisismo primário.
Posteriormente, o investimento libidinal passa a incidir sobre objetos, o que
corresponde à transformação da libido narcísica em objetal. No entanto,
registra Freud (1923, p. 81), “durante toda a vida do indivíduo, seu ego
permanece sendo o grande reservatório de sua libido, do qual as catexias do
objeto são enviadas e para o qual a libido pode correr novamente de volta dos
objetos”. O retorno desse investimento libidinal ao eu, após ter investido em
objetos externos, Freud denomina narcisismo secundário.
A distinção ente narcisismo primário e narcisismo secundário só adquire
contornos bem definidos a partir da segunda tópica freudiana.
Inicialmente, a expressão “narcisismo primário” parece indicar uma fase
intermediária entre o auto-erotismo e o narcisismo secundário ou narcisismo
propriamente dito, correspondendo ao momento de unificação do eu, que
Freud denomina eu ideal (Ideal Ich).
Se para Rodrigué (1995) podemos considerar o narcisismo primário
como “um tempo hipotético da libido infantil, (...) um estado primevo fictício, que
vem a ser interrompido pelo auto-erotismo”, Garcia-Roza (1999) sugere a
admissão de um único narcisismo subseqüente ao auto-erotismo, ao mesmo
tempo em que levanta a hipótese de que a única coisa que justifica essa
separação (narcisismo primário e secundário), seria a distinção feita por Freud
entre o eu ideal (Ideal Ich) e o ideal do eu (Ich Ideal), ‘instâncias ideais que (...)
servirão como condição mínima [ao sujeito] para se submeter à imposição de
faltante que a castração impõe’ (PINHEIRO, 1995, p. 22).
As emoções pulsionais libidinosas sofrem o efeito do recalque quando
entram em conflito com as representações culturais do indivíduo. O ideal ético
obriga a recalcar tudo aquilo que, ao emergir na consciência, diminuiria a auto-
estima. Assim, que leitura se pode fazer da questão dos ideais na velhice,
quando o corpo que envelhece, o afastamento do trabalho produtivo e a perda
dos amigos atinge a auto-estima?
O eu ideal (Ideal Ich), é um eu imaginário, construído a partir de uma
idéia de completude. Já o ideal do eu (Ich Ideal) é algo externo ao sujeito,
exigências que ele terá que satisfazer e que se situam no lugar da lei. Trata-se
dos ideais da cultura em que o indivíduo está inserido e, em se tratando da
nossa cultura, poderíamos dizer, uma cultura que valoriza o novo, o produtivo,
o belo. Enfim, tudo o que vai de encontro ao conceito de velhice.
Freud em Sobre o narcisismo (1914, p. 111) diz que “o homem se
mostra incapaz de abandonar uma satisfação da qual ele usufruiu”. Esta
satisfação é a que resultou para ele da perfeição narcísica de sua infância.
Convém reproduzir o parágrafo:

Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua


infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações
de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de
modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recupera-la
sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si
como seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância
na qual ele era o seu próprio ideal (Freud, 1914, p. 111).

Eu ideal e ideal do eu não são fases do desenvolvimento em que uma


supera a outra que desaparece. O eu ideal sofrerá uma transformação e
permanecerá no indivíduo adulto juntamente com o ideal do eu.
Tampouco o ideal do eu deve ser confundido com uma instância. Na
verdade, trata-se de fantasias que o sujeito projeta diante de si e que podem
permanecer em parte inconsciente, provindas da perfeição narcísica perdida,
sob a influência da crítica parental. Existe, é verdade, ao lado do ideal do eu,
uma instância, cuja tarefa é a de verificar se a satisfação narcísica está bem
assegurada em função do Ideal do Eu e que, com este fim, supervisiona
constantemente o Ego Real e o confronta com este ideal. A estima de si está
ligada à avaliação pela instância17 (consciência moral e censura) do Ego em
relação com o Ideal do Eu (Chasseguet-Smirgel, 1992).
No trabalho sobre Luto e melancolia (1917) Freud discorre sobre a
existência, no ego, do agente crítico, instância que todo o tempo observa,
critica e compara, contrapondo-se à outra parte do ego. Trata-se de uma
instância que domina o ego e que, desse ego ideal criado durante o
desenvolvimento do ego, mede seu ego real e todas as atividades.
Quatro anos depois, em Psicologia de Grupo e análise do Ego, no
capítulo sobre a Identificação, Freud retoma o que iniciou em textos anteriores
e que será tratado de maneira mais aprofundada em O Ego e o Id18. Segundo
suas palavras:

[...] o ego dividido, separado em duas partes, uma das quais vocifera
contra a segunda. Esta segunda parte é aquela que foi alterada pela

17
Possivelmente o que Freud chamará, na construção da segunda tópica do aparelho psíquico, de
superego.
18
A partir de 1920, Freud elabora a segunda tópica. Segundo Laplanche & Pontalis (1978), o motivo que
leva Freud a introduzir essa mudança é, não só, o surgimento cada vez mais incisivo das defesas
inconscientes, o que não permite fazer coincidir os pólos do conflito defensivo com os sistemas
anteriormente estabelecidos (o recalcado com o Inconsciente e o ego com o sistema Pré-
Consciente/consciente) mas, também o “papel desempenhado pelas diversas identificações na
constituição da pessoa e das formações permanentes que depõem no seio dela (ideais, instâncias críticas,
imagens de si mesmo)”. Na segunda tópica teremos três instâncias: “o id, pólo pulsional da personalidade;
o ego, instância que se situa como representante dos interesses da totalidade da pessoa e que como tal é
investido de libido narcísica; e, por fim, o superego, instância que julga e critica, constituída por
interiorização das exigências e das interdições parentais” (Laplanche e Pontalis, 1978, p. 660).
introjeção e contém o objeto perdido. Porém a parte que se comporta
tão cruelmente tampouco a desconhecemos. Ela abrange a
consciência, uma instância crítica dentro do Ego, que até em
ocasiões normais assume, embora nunca tão implacável e
injustificadamente, uma atitude crítica para com a última. (...) A essa
instância chamamos de ‘ideal do ego’ e, a título de funções,
atribuímos-lhes a auto-observação, a consciência moral, a censura
dos sonhos e a principal influência na repressão. Dissemos que ele é
o herdeiro do narcisismo original em que o ego infantil desfrutava de
auto-suficiência; gradualmente reúne, das influências do meio
ambiente, as exigências que este impõe ao ego, das quais este não
pode sempre estar à altura (Freud, 1921/1977, p. 138).

Observa-se, nesta citação, que Freud tende a confundir o Ideal do Ego


com a instância crítica, o que não se verifica em Luto e Melancolia. Neste
trabalho, a instância crítica ocupa lugar de destaque, e não o Ideal, e tem-se a
origem da elaboração, por Freud, do conceito de superego.
Em 1923, quando escreve O Ego e o Id, nos capítulos sobre O Ego e o
Superego (Ideal do Ego) e As relações dependentes do ego, Freud trata sobre
o mecanismo da Identificação, afirmando ser este mecanismo bastante comum
e que faz parte da constituição do ego.
Na fase oral primitiva, a identificação e catexia de objeto são
indistinguíveis e, só posteriormente, as catexias do objeto procedem do id.
Nesse processo inicial, o ego ainda é fraco e, ao dar-se conta das catexias do
objeto tem dois caminhos: sujeitar-se a elas ou desviá-las pelo processo do
recalque. Quando, posteriormente, surge uma situação que implica no
abandono de um objeto, freqüentemente ocorrerá uma alteração do ego
equivalente à instalação do objeto perdido dentro do ego.
É provável que esse mecanismo de introjeção do objeto no ego19 facilite
o abandono do objeto, ou ainda, que a única possibilidade para que o id
abandone os seus objetos seja através dessa identificação. Esse processo se
dá através da transformação da libido objetal em libido narcísica, processo que
“implica um abandono de objetivos sexuais, uma dessexualização – uma
espécie de sublimação” (Freud, 1923/1977, p. 44).
Os efeitos das primeiras identificações primitivas são gerais e
duradouros e, pode-se considerar como a mais primitiva das identificações
aquela que dá origem ao ideal do ego. “Por trás dele jaz oculta a primeira e

19
Espécie de regressão ao mecanismo da fase oral.
mais importante identificação de um indivíduo, a sua identificação com o pai
em sua própria pré-história pessoal” (Freud, 1923/1977, p. 44).
Freud descreve como o processo identificatório se apresentará durante
o complexo de Édipo, destacando a ambivalência decorrente do “complexo de
Édipo completo”.

O amplo resultado geral da fase sexual dominada pelo complexo de


Édipo pode, portanto, ser tomada como sendo a formação de um
precipitado no ego, consistente dessas duas identificações20 unidas
uma com a outra de alguma maneira. Esta modificação do ego retém
a sua posição especial; ela se confronta com os outros conteúdos do
ego como um ideal do ego ou superego (Freud, 1923/1977, p. 44).

Os conflitos existentes entre o ego e o ideal refletem o contraste


existente entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o
mundo interno. O sentimento de culpa surge como a expressão da tensão entre
as exigências da consciência e os desempenhos concretos do ego.
Freud conclui o artigo Sobre o narcisismo (1914) atribuindo ao ego uma
importante função, ao que Chasseguet-Smirgel (1992) chama de “conceito
dobradiça entre o individual e o coletivo”;

[...] ele vincula não somente a libido narcisista de uma pessoa, mas
também uma quantidade considerável de sua libido homossexual,
que dessa forma retorna ao ego. A falta de satisfação que brota da
não realização desse ideal libera a libido homossexual, sendo esta
transformada em sentimento de culpa [angústia social] (Freud, 1914,
p. 119).

O termo angústia social retomado por Freud em Mal-Estar na Civilização


(1930), em um momento em que ele já não utiliza o termo Ideal do Eu e sim
Superego, está relacionado “à imagem que desejamos dar de nós mesmos aos
outros, o reflexo que eles nos devolvem, constituindo para nós uma apreciação
da conformidade de nosso Ego com nosso Ideal...”. (Chasseguet-Smirgel,
1992, p. 192).
Encerrando o mesmo artigo, Freud (1914, p. 119), refere-se à paranóia,
evento que se observa com certa freqüência nos velhos.

20
Uma identificação paterna e uma identificação materna.
Originalmente esse sentimento de culpa era o temor de punição pelos
pais, ou, mais corretamente, o medo de perder o seu amor; mais
tarde, os pais são substituídos por um número indefinido de pessoas.
A freqüente causação da paranóia por um dano ao ego [ferida do
Ego], por uma frustração da satisfação dentro da esfera do ideal do
ego, é tornada assim mais inteligível, bem como a convergência da
formação do ideal e da sublimação no ideal do ego, e ainda a
involução das sublimações e a possível transformação de ideais em
perturbações parafrênicas.

Com o objetivo de fornecer subsídios para abordar o processo de


envelhecimento discorremos, no presente capítulo, acerca de alguns conceitos
fundamentais para explicitar a constituição do sujeito na teoria freudiana. Esta
apresentação permitirá, no próximo capítulo, nos debruçarmos sobre os
aspectos psíquicos implicados no processo de envelhecimento. De acordo com
Pinheiro (1995, p. 23):

Construímos o edifico narcísico para podermos, um dia, aceitar a


castração. (...) Representar, fantasiar, identificar-se seriam os
dispositivos de que dispomos para tapar a falta e o desamparo.
Troca-se a coisa pela representação, o horror do desamparo pela
quimera (...) Castração esta em que o que se inscreve é uma ameaça
que jamais existiu de fato, é pura construção imaginária mas que
metaforiza o que de fato é ameaçador: a finitude, a impotência, o
desamparo, a precariedade humana.

Essas questões – finitude, impotência, precariedade humana –


presentes na constituição do sujeito, têm grande relevância no processo de
envelhecimento. Neste sentido, apesar da velhice, com suas questões
específicas, não ter sido contemplada na teoria freudiana, acreditamos ser
possível compreender, a partir das considerações psicanalíticas sobre a
constituição do sujeito, sua dinâmica psíquica. Cabe ressaltar que apesar da
evitação, por parte de Freud, em abordar esta questão de modo mais
sistemático, em vários momentos de sua construção, conforme será indicado
no capítulo seguinte, o envelhecimento surge como um dos fatores etiológicos
da neurose de angústia.
CAPÍTULO 3

A VELHICE: ANÁLISE TOMANDO POR BASE A TEORIA


FREUDIANA

A velhice não foi objeto de estudo da teoria freudiana e, mais que isto,
Freud, ao longo da sua obra, em diferentes momentos, coloca como uma das
limitações do tratamento psicanalítico, o tratamento de pessoas idosas21.
Alguns fatores podem ser levantados como possíveis determinantes
deste posicionamento do criador da psicanálise, que fala em limites
momentâneos da teoria e da possibilidade de que esses mesmos limites
possam ser superados. Entre eles, podemos apontar a baixa expectativa de
vida no início do século – em torno de 50 anos – e o pessimismo de Freud em
relação ao envelhecimento.
Além disso, Freud estava interessado em identificar a etiologia das
neuroses, e segundo comentário de Machado (1992, p. 78), era preocupação
daquele autor descobrir “as leis que regem o aparelho psíquico e o método que
levaria a tal, (...) a associação livre [e, portanto] as patologias que não se
adequavam ao método de tratamento” eram afastadas por Freud de suas
pesquisas. Se para Freud, nos idosos, “todos os processos mentais,
relacionamentos e distribuições de forças são imutáveis, fixos e rígidos
[ocorrendo] uma espécie de entropia psíquica” (Freud, 1937, p. 267), eles não
eram elegíveis como objeto de estudo nas pesquisas freudianas.

3.1 Freud e a velhice: a teoria psicanalítica em relação ao


tratamento com idosos.

A fim de entendermos o posicionamento de Freud acerca do


envelhecimento22, buscamos em sua obra, seguindo a ordem cronológica, os

21
Freud considera como idosas as pessoas de mais de 50 anos.
trabalhos nos quais faz alguma referência a temas como velhice, senilidade,
senescência, senectude, climatério e menopausa.
Cabe lembrar que o posicionamento de Freud é o posicionamento de um
homem que viveu no final do século XIX, início do século XX, não podendo
evitar, portanto, a influência à representação feita sobre a velhice naquela
época. Um outro fator que não deve ser esquecido é a formação médica de
Freud, o que termina por fazê-lo pensar em um declínio do ser humano em
termos de um modelo bilogizante23.
Até o início do século XX a expectativa de vida estava bem abaixo da
atual e, conseqüentemente, a população mundial de idosos era inexpressiva
em relação à população geral. Assim sendo, a velhice ainda não tinha se
transformado em objeto de estudo da ciência.
Seguindo cronologicamente a teorização de Freud vamos encontrar nos
Extratos dos documentos dirigidos a Fliess as primeiras referências a esses
temas, mais precisamente na Carta 18 e no Rascunho E.
Na Carta 18, datada de maio de 1894, ao falar de suas idéias a respeito
das neuroses, Freud irá levantar o que chamou de os aspectos mais gerais
como ponto de partida para classificar as neuroses. Dentre estes aspectos
destaca a senilidade que será definida como “uma degeneração normalmente
adquirida na velhice” (Freud, 1950, p. 260), sem privilegiar a forma como ela (a
senilidade) estaria associada às causas da neurose. Ao que tudo indica,
mesmo antes de criar a Psicanálise, Freud já associava a sexualidade com a
etiologia das neuroses.
No Rascunho E (data provável, junho de 1894), dedicado ao estudo da
origem da angústia, Freud começa por afirmar que a angústia está diretamente
relacionada com a questão da sexualidade e ao referir os casos nos quais a
angústia se origina de uma causa sexual cita como exemplo os “homens que
vão além do seu desejo ou da sua força, pessoas de mais idade, cuja potência

22
Muitas vezes um depoimento pessimista e depressivo, chegando mesmo a contraindicar o tratamento
psicanalítico para pessoas com idade a partir dos cinqüenta anos.
23
O modelo biológico de desenvolvimento afirma que existe um movimento ascendente, do nascimento
até vida adulta, seguido de um período de estabilidade, quando cessa o crescimento e atinge-se a fase da
maturidade reprodutiva, à qual sucede, por sua vez, uma fase de declínio, que finaliza com a morte; este
último período é representado por uma curva descendente e o período de involução é visto como um
período de declínio.
está diminuindo, mas que, ainda assim, se impõem à realização do coito”
(Freud, 1950, p. 263). O que há de comum entre todos os casos, segundo
Freud, é a abstinência.
Há ainda os casos em que a angústia surge com a

[...] diminuição da potência ou a libido insuficiente. [Freud diz que] de


vez que, nesses casos, não ocorre a transformação da tensão física
em [angústia], por causa de senilidade, a explicação estaria no fato
de que é insuficiente o desejo psíquico que pode ser concentrado
para o ato em questão (op. cit., p. 264).

Verifica-se nesta afirmação um primeiro indício de como a senilidade


poderia causar o surgimento de neurose, mais especificamente das neuroses
atuais (neurastenia e neurose de angústia), nas quais os sintomas apontavam
para o impedimento do escoamento normal da energia sexual em relação a
uma situação atual.
No período compreendido entre 1893 e 1895, Freud vai escrever,
juntamente com Breuer, o Estudo sobre a Histeria e, embora não tenha se
detido na questão da senilidade, relata o caso de uma paciente idosa, no qual
considera ter obtido algum sucesso através da técnica de pressão24. A paciente
em questão apresentava acessos de angústia “de natureza histérica”.
Aqui, mais uma vez vemos reafirmada a relação entre origem da
angústia e sexualidade: “seu primeiro acesso de [angústia] (...) tinha mais a ver
com o repúdio de um impulso sensual do que com quaisquer doses
contemporâneas [concomitantes] de iodo” (op. cit., 331-332). Além disso, ao
falar da impossibilidade de tratamento dessa paciente, Freud não alude à
idade, mas aos “seus traços de caráter”. Assim sendo, se nesse momento o
criador da psicanálise não coloca como possível o tratamento de pessoas
idosas, também não declara a sua impossibilidade.
Embora os pacientes idosos não apareçam em grande número entre os
quadros apresentados por Freud, convém lembrar que a Salpetrière, primeiro
hospital visitado por ele em Paris, onde esteve estudando com Charcot, teve

24
A primeira vez que Freud empregou a técnica de pressão foi com Fräulein Elisabeth von R. (1892)
Verifica-se uma ligeira incongruência nos relatos sobre este método. Não se sabe exatamente quando
Freud abandonou essa técnica de pressão. Tudo indica que já havia desistido dessa prática antes de 1900,
tendo em vista que não a menciona quando se refere ao seu método no começo do Capítulo II de A
Interpretação de Sonhos.
suas instalações convertidas em “lar de mulheres idosas” (‘Hospice pour la
vieillesse (femmes), [1813]’. Na Salpetrière, Freud teve como objeto de estudo
idosas que terminaram por enriquecer as suas observações clínicas. Essa
experiência também deve ter influenciado a opinião que Freud apresentará
mais tarde quanto à inaplicabilidade da terapia psicanalítica a pessoas idosas.
Ao escrever Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma
síndrome particular intitulada ‘neurose de angústia’, em 1895, Freud trata sobre
senectude, climatério masculino, climatério feminino, menopausa. Aqui, mais
uma vez, encontramos a senescência como um dos fatores etiológicos da
neurose de angústia que, segundo Freud, “é acompanhada por um decréscimo
da libido sexual ou desejo psíquico” (Freud, 1895, p. 126).
Ao apresentar “os determinantes sexuais da neurose de angústia nos
homens”, Freud refere-se à angústia em homens idosos e diz que, assim como
nas mulheres, é possível verificar, em alguns senescentes do sexo masculino,
um climatério. Nesses casos, afirma Freud, verifica-se o desenvolvimento de
uma neurose de angústia que é concomitante com um decréscimo de potência
e aumento de libido. Assim “como no climatério feminino, ocorre um aumento
tão grande da excitação somática que a psique se mostra relativamente
insuficiente para controlá-la” (op. cit. p. 129).
De acordo com a afirmação freudiana, nas mulheres, a neurose de
angústia ocorre nos casos de viuvez e abstinência voluntária, na grande
maioria das vezes com uma combinação com idéias obsessivas e, nos casos
de climatério, “quando aumenta, pela última vez, a necessidade sexual” (op. cit.
p. 118).
Neste ponto, é importante observar que Freud trata sobre “uma última
vez da necessidade sexual”, como se com o climatério as mulheres perdessem
essa “necessidade”. Esta posição parece bastante influenciada pelos
pensamentos de sua época e, até mesmo, por uma falta de aprofundamento
acerca de como se dão os processos durante a velhice.
Freud, ao discutir a questão, aponta como situação comum entre
homens e mulheres senescentes o aumento de libido que, diante da
incapacidade relativa de escoar a excitação sexual somática pela via da ação
específica, provocaria a neurose de angústia. Assim sendo, torna-se comum
durante o envelhecimento o surgimento das neuroses atuais tendo em vista a
quase impossibilidade desta descarga.
Apesar de verificar e afirmar que o envelhecimento é um dos fatores
etiológicos da neurose de angústia, em 1898 Freud vai fazer referência às
limitações da sua teoria, incluindo aí, as pessoas idosas.

A terapia psicanalítica não é, no momento, aplicável a todos os


casos. (...) Fracassa com pessoas idosas, porque o tratamento
tomaria tanto tempo, devido à acumulação de material, que ao fim
elas teriam chegado a um período da vida que nenhum valor se
atribui à saúde nervosa. Finalmente, o tratamento só é possível se o
paciente conserva um estado psíquico normal, a partir do qual o
material patológico pode ser controlado (Freud, 1898, p. 309).

É claro que esse posicionamento de Freud deixa em aberto a


possibilidade de que esses limites da teoria possam ser superados, tendo em
vista que considera os limites como momentâneos, o que aliás é bem
compatível com a postura científica por ele adotada, o que implica aceitar que
suas posições possam ser revistas e continuadas posteriormente.
Dentre os fatores que podem ter pesado na percepção de Freud em
relação a esta limitação da utilização da técnica psicanalítica com idosos,
voltamos a enfatizar a sua experiência na Salpetrière com mulheres idosas que
apresentavam doenças nervosas crônicas. Na velhice, o declínio das
faculdades físicas e mentais é freqüentemente observado e, nos casos em que
o idoso apresenta patologia mental, não é possível o tratamento psicanalítico
uma vez que há impossibilidade de elaboração do material psíquico.
Além disso, quando escreve este artigo, a sugestão como técnica de
tratamento já tinha sido abandonada e substituída pelo método da associação
livre, ficando o material a ser trabalhado, em cada sessão, sujeito aos
fenômenos da transferência e da resistência. Assim sendo, em uma época em
que não se vivia muito, provavelmente, não mais que 50 anos, esperar pelo
surgimento do material psíquico do paciente, acumulado ao longo desse
tempo, demoraria muito.
Em A Interpretação de Sonhos (1900), trabalho considerado como
marco inicial da Psicanálise, Freud não vai se dedicar aos sonhos de pessoas
idosas embora na maioria dos casos por ele apresentados, apareça sempre a
figura de um idoso atuando no contexto onírico. Na parte em que trata da
Psicologia dos Processos Oníricos, ao analisar a inversão do afeto nos
sonhos, Freud nos apresenta um sonho registrado por Ferenczi, mas analisado
por ele.

Um cavalheiro idoso foi acordado certa noite por sua mulher, que
ficara alarmada porque ele estava gargalhando muito alto e
desenfreadamente em seu sono. A seguir, o homem relatou que
havia tido o seguinte sonho: Estava deitado na cama e um cavalheiro
que me era conhecido entrou no quarto; tentei acender a luz mas não
pude fazê-lo: tentei –o repetidas vezes, mas em vão. Depois, minha
mulher saiu da cama para ajudar-me, mas ela tampouco pôde
consegui-lo. Mas, como se sentia embaraçada em frente do
cavalheiro por estar ‘en negligé’, finalmente desistiu e voltou para a
cama. Tudo isso foi tão engraçado que não pude deixar de gargalhar.
Minha mulher perguntou: “Por que está rindo? Por que está rindo?”,
mas só pude continuar a rir até acordar. — No dia seguinte, o
cavalheiro estava muito deprimido e com dor de cabeça; tanto riso o
havia perturbado, pensou ele (Freud, 1900, p. 505).

Este senhor, sofria de arteriosclerose e, no dia anterior, havia passado


por situações que fizeram com que desejasse morrer. Freud, então, interpreta o
‘cavalheiro que lhe era conhecido’ como sendo a representação da Morte (a
‘grande Incógnita’, um quadro que ele lembrara no dia anterior); a risada como
um substituto dos soluços e do choro ante a idéia de que deveria morrer e, a
luz que não conseguia acender como a luz da vida. Ainda de acordo com
Freud, este senhor havia compreendido que “já estava indo encosta abaixo”
mas a “elaboração onírica conseguiu transformar a idéia sombria da impotência
e da morte numa cena cômica, e seus soluços, em gargalhadas” (op. cit., p.
505).
É interessante o fato de Freud se valer de um sonho de um idoso para
mostrar como o inconsciente opera uma inversão do afeto, permitindo que o
tema da doença, da sexualidade e da morte pudessem aparecer na fala
daquele cavalheiro. Se prestarmos atenção, vemos no relato desse sonho dois
temas de extrema importância no âmbito da psicanálise: sexualidade e morte
que puderam ser trabalhados em uma sessão de análise e que, possivelmente,
ajudou esse homem a conviver melhor com os impasses trazidos pelo
envelhecimento.
Em 1903, temos a publicação de O método psicanalítico de Freud,
escrito para compor o livro de Loewenfeld no qual, Freud lembra que o método
psicanalítico é fruto do método catártico, método este que pressupunha que o
paciente podia ser hipnotizado e cujo objetivo era a remoção dos sintomas
patológicos. Utilizando-se do método catártico de Breuer, Freud abandona a
sugestão hipnótica para, logo depois, introduzir nova substituição no método
com a utilização da associação livre que consistia em que o paciente dissesse
tudo o que lhe vinha à cabeça durante a sessão. Com a associação livre Freud
pode verificar a existência de lapsos de memória nos relatos dos pacientes,
concluindo que essas amnésias são o resultado de um processo de
recalcamento levando-o a desenvolver a técnica da interpretação que se aplica
não apenas às idéias do paciente mas também aos sonhos.
Ainda nesse artigo, Freud vai afirmar que abandonou a hipnose ao
verificar que nem todos os pacientes eram sugestionáveis e que, com a técnica
da associação livre, “a aplicabilidade do tratamento era assegurada a um
número ilimitado de pacientes” (Freud, 1904, p. 258). Apesar disso, termina o
artigo apontando mais uma vez as limitações da nova técnica, entre elas, a
idade do paciente deixando claro, que para ele uma pessoa é considerada
idosa quando atinge a “casa dos cinquenta”.

Se a idade do paciente estiver na casa dos cinquenta as condições


para a psicanálise tornam-se desfavoráveis. A massa de material
psíquico deixa então de ser controlável; o tempo necessário à
recuperação é demasiado longo; e a capacidade de desfazer os
processos psíquicos começa a tornar-se mais fraca (op. cit., p. 262).

No ano seguinte, Freud dá continuidade às explicações acerca do seu


novo método em uma conferência feita em 12 de dezembro de 1904 com o
título de Sobre a Psicoterapia. Inicia, dizendo que a psicoterapia não é um
método moderno de tratamento tendo sido utilizado pelas medicinas antiga e
primitiva, não devendo ser confundida com o tratamento hipnótico pela
sugestão pois se trata de uma antítese a este último. Ao mesmo tempo em que
afirma que uma das características do método psicanalítico o impede de se
tornar uma forma ideal de terapia25, indica sua utilização tendo em vista que a
terapia analítica transforma em aptos muitos pacientes que apresentavam uma
permanente inaptidão para a vida. No entanto, considera que não são todos os
tipos de pacientes que se beneficiarão deste tratamento, e, entre eles os
idosos.
O fato de considerar a possibilidade de “modificações adequadas do
método” que permitam o surgimento de uma psicoterapia das psicoses e não
apresentar nenhuma perspectiva nessa direção com relação à velhice26, pode
ter contribuído para que os seus seguidores também excluíssem a
possibilidade de tratamento com pacientes idosos.
A fim de justificar a não aplicabilidade do tratamento psicanalítico a
idosos, Freud utiliza argumentos como a falta de elasticidade dos processos
mentais, ou seja, a rigidez das estruturas mentais do idoso, o que dificultaria
mudanças. Esses argumentos fazem pensar sobre o que na verdade estaria
por trás dessa resistência de Freud à velhice já que ele próprio, então com 48
anos, não apresentava nenhum desses traços apontados e continuou a
produzir até oitenta e três anos, assim como muitos daqueles com quem
convivia27.
Uma suposição, conforme já assinalamos, seria o fato de sua
experiência clínica ter sido com idosas com problemas mentais. Mas, e sua
convivência com amigos tão ilustres que produziram até idade tão avançada?
No volume XI, no artigo sobre Os sonhos no folclore escrito em 1911
(data provável), mas só publicado em 1957, encontramos o relato de um
“sonho de copulação do Paxá” em que Freud associa a defecação como um
substituto do prazer sexual.

O Paxá teve (...) um sonho de copulação e, se seu hospedeiro sugere


a defecação com relação a ele, é provável que a interpretação deva
ser buscada na circunstância de ambos serem homens velhos e
impotentes, em quem a velhice ocasionou a mesma proverbial
substituição do prazer sexual pelo excremencial que, como vimos,
surgiu nos outros devido à falta de um objeto sexual apropriado. Para

25
O fato da investigação e exploração psicanalíticas não indicarem resultados rápidos e a resistência
poder resultar em desagrado.
26
Não faremos referência aos outros casos uma vez que não se situam no âmbito desta pesquisa.
27
Ferenczi, que morreu aos sessenta anos; Breuer, aos oitenta e quatro Charcot, aos sessenta e oito anos;
Lou Andréas-Salomé, aos setenta e seis anos.
um homem que não mais pode copular, diz o povo com seu grosseiro
amor pela verdade, ainda resta o prazer de cagar; podemos dizer de
tal homem que há volta ao erotismo anal, que existia antes do
erotismo genital, e foi reprimido e substituído por este último impulso.
Os sonhos de defecação podem assim ser também sonhos de
impotência (Freud, 1957, p. 254-255).

Como ter uma visão agradável da velhice ou perceber a velhice como


uma fase produtiva se o que lhe resta é o “prazer de cagar”?
No mesmo ano, a menopausa28 é reconhecida como uma fase em que a
mulher sofre transformações que resultam em quadros de neurose, assim
como o climatério masculino e feminino, porém Freud não se aprofunda em
torno destas questões tendo em vista que não é este o seu objeto de estudo.
No mesmo ano, o climatério volta a surgir como um fator desencadeante
da doença do Dr. Schreber, então com 51 anos.

[...] uma idade de importância decisiva na vida sexual. É um período


no qual, nas mulheres, a função sexual, após uma fase de atividade
intensificada, ingressa num processo de involução de grandes
conseqüências; tampouco os homens parecem estar isentos de sua
influência, pois tanto eles quanto as mulheres estão sujeitos a um
‘climatério’ e às suscetibilidades a doença que o acompanham
(Freud, 1911, p. 65).

Um ano mais tarde, Freud afirma que “são as vicissitudes da libido que
decidem em favor da doença ou da moléstia nervosa, e que (...) a disposição
neurótica reside na história do desenvolvimento da libido” (Freud, 1912, p.
291). Ao apresentar o quarto “tipo de desencadeamento da neurose”, dirá que
isso pode ser explicado pelo fato dessas pessoas, em especial, encontrarem-
se em um determinado período de suas vidas (puberdade e menopausa), em
que a quantidade de libido sofre um aumento considerado suficiente para
provocar problemas de saúde e desencadear a neurose.
Embora a menopausa e o climatério apareçam em outros textos, Freud
não parece preocupado com os eventos da velhice ou com as possibilidades
de cura para os transtornos que surgem a partir daí. A sua preocupação
direciona-se para a nova vertente da pesquisa psicanalítica que são as causas
precipitantes das neuroses.

28
Na Conferência XXV (1917) e em Análise terminável e interminável (1937), Freud tratará o surgimento
da ansiedade na menopausa e na adolescência relacionado com o aumento de libido.
No Tema dos Três Escrutínios (1913), Freud traz os temas da velhice e
da morte através das lendas, dos mitos, contos de fadas e da literatura, onde
um homem deve escolher entre três mulheres, sendo que a mais jovem
sempre aparece como a melhor29. No caso do Rei Lear, a escolha será feita
entre três filhas, e Freud associa a escolha entre três filhas e não entre outras
três mulheres quaisquer ao fato dele ser representado como um velho, que
“não pode escolher muito bem entre três mulheres, de nenhuma outra maneira.
Assim, elas se tornaram suas filhas” (Freud, 1913, p. 370). Surge então a
questão: por que a escolha deve recair na terceira? A explicação psicanalítica
dada por Freud é que “se nos decidirmos a encarar as peculiaridades de nossa
‘terceira’ como concentradas em sua ‘mudez’, então a psicanálise nos dirá que,
nos sonhos, a mudez é uma representação comum da morte” (op. cit., p. 370).
Trata-se da própria Morte, a Deusa da Morte. Pelo fato do Rei Lear, apesar de
velho e moribundo, não estar disposto a renunciar ao amor das mulheres e
querer ouvir o quanto é amado, Freud tecerá o seguinte comentário:

Mas é em vão que um velho anseia pelo amor de uma mulher, como
o teve primeiro de sua mãe; só a terceira das Parcas, a silenciosa
Deusa da Morte, tomá-lo-á nos braços. (...) A sabedoria eterna,
vestida deste mito primevo, convida o velho a renunciar ao amor,
escolher a morte e reconciliar-se com a necessidade de morrer.

Mas, se ninguém escolhe a morte e se é apenas por fatalidade que se


tomba vítima dela, como é feita esta escolha?

A escolha se coloca no lugar da necessidade, do destino. Desta


maneira, o homem supera a morte, que reconheceu intelectualmente.
Não é concebível maior triunfo da realização de desejos. Faz-se uma
escolha onde, na realidade, há obediência a uma compulsão; e o
escolhido não é uma figura de terror, mas a mais bela e desejável das
mulheres (...) [Na verdade não se trata de uma] escolha livre, pois
deve necessariamente recair na terceira (op. cit., p. 377).

Cabe aqui, então, uma questão: só resta àquele que envelhece escolher
a morte? Tudo nos leva a crer que aos cinqüenta e sete anos de idade, esse
era o pensamento de Freud. Um pensamento absolutamente pessimista, sem

29
O pastor Páris, tendo de escolher entre três deusas, declara ser a terceira a mais bela. Cinderela também
é uma filha mais nova, preferida pelo príncipe às duas irmãs mais velhas. Psiqué, na história de Apulcio, é
a mais jovem e bela de três irmãs.
expectativas, poderíamos dizer até mesmo depressivo, em relação às questões
do envelhecimento. Desencantado ele dirá que “com as mulheres temos
primeiro a menstruação, depois o casamento e posteriormente a menopausa.
Finalmente a morte constitui uma verdadeira ajuda” (Freud, 1912, p. 264).
Após o climatério e a menopausa só resta a morte. Esse é um raciocínio
lógico para alguém que vê na velhice o fim das possibilidades criativas, a
rigidez dos processos mentais, a entropia e para um saber popular de uma
época em que se considera que o único prazer que resta ao velho é o “prazer
de cagar”, em substituição ao prazer sexual. A impotência aparece aí, como
uma conseqüência inevitável da velhice.
Ao que tudo indica, a sexualidade do velho não existe para Freud. A
sexualidade, tema central da teoria psicanalítica, só existe na infância, na
adolescência e até certa etapa de vida do adulto. Parece-nos que aqui há a
influência do modelo biológico de desenvolvimento, segundo o qual, após a
fase de maturidade ocorre uma fase de declínio, um período de involução que
finaliza com a morte.
Em Moisés e o Monoteísmo, já no final da vida, Freud volta a falar de
seu desencanto em relação à velhice, enfatizando, agora, o enfraquecimento
dos poderes criativos e vai discordar da opinião de Bernard Shaw, segundo a
qual

[...] os seres humanos só conseguiriam algo de bom se pudessem


viver até os trezentos anos de idade. Um prolongamento da vida de
nada adiantaria [segundo Freud], a menos que muitas outras
mudanças fundamentais fossem feitas nas condições de vida (Freud,
1939, p. 71).

De que mudanças se trata?

Mesmo quando escreve seus últimos artigos como Análise terminável e


interminável, de 1937, Freud mantém o ponto de vista em relação à etiologia
das neuroses e com relação à não aplicabilidade da psicanálise na velhice. Ao
se referir à “força constitucional dos instintos”, Freud cita a menopausa como
um fator desencadeante da neurose adquirida devido à força “dos seus
instintos”, mas não recomenda o tratamento psicanalítico para “pessoas muito
idosas” por considerar que ““todos os processos mentais, relacionamentos e
distribuições de força são imutáveis, fixos e rígidos [ocorrendo] uma espécie de
entropia psíquica” (Freud, 1937, p. 272). Assim, o ego dos idosos não seria
considerado um ego normal já que, segundo Freud, o processo de análise

[...] consiste em nos aliarmos com o ego da pessoa em tratamento, a


fim de submeter partes de seu id que não estão controladas, o que
equivale a dizer, incluí-las na síntese de seu ego. O ego, se com ele
quisermos poder efetuar um pacto desse tipo, deve ser um ego
normal (Freud, 1937, p. 267).

Mas o que é um ego normal? O próprio Freud o define:

[...] um ego normal dessa espécie é, como a normalidade em geral,


uma ficção ideal. Na verdade, toda pessoa normal é apenas normal
na média. Seu ego aproxima-se do ego do psicótico num lugar ou
noutro e em maior ou menor extensão, e o grau de seu afastamento
de determinada extremidade da série e de sua proximidade da outra
nos fornecerá uma medida provisória daquilo que tão indefinidamente
denominamos de ‘alteração do ego’ (op. cit., p. 268).

Ao excluir o idoso do processo analítico, Freud parece ir de encontro a


sua afirmação de que a análise “capacita o ego, que atingiu maior maturidade e
força, a empreender uma revisão dessas antigas repressões [da primeira
infância]; algumas são demolidas, ao passo que outras são identificadas, mas
construídas de novo, a partir de material mais sólido” (op. cit., 259).
Parece-nos que, Freud, embora até o final dos seus escritos tenha
mantido seus pontos de vista acerca da velhice, não a excluiu definitivamente
do âmbito da psicanálise. Isso pode ser observado tanto pela postura científica
adotada: ao deixar em aberto a revisão e a ampliação de sua descoberta,
como em trechos nos quais estipula que “o limite de idade só pode ser
determinado individualmente” (Freud, 1905a, p. 274), ou em escritos como na
História de uma neurose Infantil, quando afirma que

[...] sabemos apenas uma coisa: que a mobilidade das catexias


mentais mostra uma diminuição surpreendente à medida em que a
idade avança. Isso nos propiciou uma das indicações dos limites
dentro dos quais o tratamento psicanalítico é efetivo. Há pessoas, no
entanto, que conservam essa plasticidade mental muito além do limite
de idade habitual, e outras que perdem prematuramente (Freud,
1912, p. 144).
Ora, se existem aqueles que “conservam essa plasticidade mental muito
além do limite habitual”, nem todos os idosos são inaptos ao tratamento
psicanalítico. Além do mais, os registros comprovam que, mesmo tendo feito
tais afirmações, Freud atendeu alguns pacientes, os quais, de acordo com
critérios da sua época, seriam considerados idosos.

3.2 Uma leitura metapsicológica dos processos psíquicos que


afetam o idoso

Apesar da singularidade com que cada um vive sua velhice, entendemos


ser possível a identificação de certas semelhanças no processo de
envelhecimento em geral e, mais particularmente, com relação ao trabalho de
luto imposto aos seres humanos inseridos na nossa cultura. Tem-se em vista
que as modificações que ocorrem em cada indivíduo durante a sua vida e,
principalmente, no processo de envelhecimento, dão-se de maneira gradual e
individual.
No Brasil, a velhice surge como um “não lugar”, sem reconhecimento
simbólico. É verdade que não se aplica apenas àqueles que envelhecem, mas
a todos os homens, a necessidade do reconhecimento simbólico, cuja ausência
denuncia a inexistência para o outro.

Aponta Birman (1995, p. 39), para a falta de um reconhecimento da


subjetividade do idoso que tem sido “considerado [como] alguém que existiu no
passado, que realizou o seu percurso psicossocial e que [a partir de então
deve] apenas esperar o momento fatídico para sair inteiramente da cena do
mundo”. Vemos assim o envelhecimento surgir como um defrontar-se com os
limites da vida em vida e com a morte em vida, a morte anunciada.

Embora a morte não seja um privilégio da velhice, a proximidade desse


advento faz com que o idoso se depare com a questão da finitude e,
consequentemente, com a questão da castração de uma forma mais radical do
que as gerações mais novas.
O futuro daquele que envelhece surge como algo assustador, fazendo
aflorar os temores em relação à velhice e à sua posição de mortal. A
proximidade da morte é percebida, tanto pelo declínio físico e biológico como,
também, pela observação da morte de parentes e amigos da mesma faixa
etária.
Nessa instância da vida haverá uma mudança radical do lugar ocupado
pelo idoso que se descobre absolutamente sozinho, mesmo que viva rodeado
de um grande número de pessoas, com quem interage no seu dia–a-dia. O
sentimento de estar só, de não pertinência a uma geração dá-se com a
constatação da inexistência dos seus antepassados e do afastamento dos
filhos que se tornaram adultos.
São estas as questões que buscaremos discutir neste capítulo, a partir
dos conceitos de narcisismo, ideais e luto.

3.2.1 Narcisismo e velhice

O narcisismo tem sido considerado um tema de importância quando se


fala de envelhecimento e, o que consideramos importante para a dinâmica do
envelhecimento, são as boas ou as más experiências que as relações
posteriores com o meio irão provocar, sem minimizar, no entanto, a importância
da relação inicial do infante com a figura materna.
De acordo com Salgado (1992, p. 83),

[...] o narcisismo revela um estado de amor a si mesmo e implica


numa constituição psicológica, por sua conotação afetiva. Na origem
do narcisismo está o investimento em si próprio produzido pela libido
como energia. Tal energia, decorrente do investimento de forças
biológicas, está presente desde o início da vida.

Freud, conforme vimos no capítulo 2, na construção do conceito de


narcisismo, refere-se ao narcisismo primário, desenvolvido na primeira infância
com a projeção do narcisismo dos pais sobre o filho (‘Sua majestade o bebê’).
Manifestando-se o amor narcisista, a criança rejeita qualquer situação que
afete sua segurança.
Nesse primeiro momento, a figura da mãe ou daquele que cuida da
criança tem uma função de capital importância que se prolonga por todo o resto
da existência. É nas relações de amor com a figura materna que vão se
estabelecer todas as bases da segurança na vida; sólidas ou frágeis
asseguram, todavia, um certo nível de sucesso ao enfrentar as adversidades.
Posteriormente, provocada pela separação da mãe, há toda uma necessidade
de reajustamento a novas situações.
À medida que se desenvolve, a criança descobre a capacidade de
realizar-se nas relações com os outros e com o mundo externo. Inicia-se o
narcisismo secundário, que dá ao indivíduo o sentimento de sua própria
identidade. Nesta fase, o indivíduo começa a investir a sua libido e seu
interesse no mundo externo e em outras figuras além da materna.
Salgado (1992), posiciona-se sobre os ‘efeitos benéficos’ desse período,
levantando entre eles os sentimentos de segurança, que favorecerá ao
indivíduo buscar, sempre, o lado bom de todas as coisas. Nesta perspectiva, o
idoso que tiver habilidade para lidar com as perdas e o reconhecimento da
dependência, separação e morte, terá maior probabilidade de ir adaptando-se
ao processo de envelhecimento.
No entanto, afirma Salgado, se essa relação com o outro materno não
se dá de maneira ‘satisfatória’, pode surgir o sentimento de insegurança,
fazendo com que o sujeito adote uma postura de receio ante os projetos,
iniciativas e dificuldades que surjam ao longo da sua vida, constituindo
barreiras a seu equilíbrio e a seu desenvolvimento. Haverá uma tendência para
atribuir todos os seus fracassos e dificuldades às pessoas e situações
perdidas, entregando-se ao desespero e à solidão. Nesta situação, o processo
natural do envelhecer, com as perdas e lutos que lhe são características
interfere, significativamente, na possibilidade de realizações no ambiente
social.
A partir desse ponto de vista, pode-se supor que, quando a relação
narcísica primária é positiva, há um entrosamento natural do indivíduo com o
meio ambiente, fator este que facilitará sua adaptação nas diferentes etapas da
vida. Dessa forma, ele desenvolverá um amor por si mesmo, sentimento este
que irá lhe garantir a autoestima e a segurança necessárias ao enfrentamento
das situações-problema que possam surgir. Se aceita o reinvestimento em si
próprio, viverá uma reconversão às formas narcisísticas primárias, valorizando
o cuidado com o seu próprio corpo, com suas relações pessoais e com as
coisas que o cercam.
Ainda de acordo com Salgado (1992, p.85),

[...] os estudos psicanalíticos, têm, atualmente, interpretado o


narcisismo como um investimento afetivo em si mesmo e, quando
positivamente desenvolvido, se reflete nas boas relações do indivíduo
com seus semelhantes. Ao contrário do que se pensava, um
narcisismo equilibrado permite que o individuo se torne capaz de
conferir um sentido de identidade, e dê mais atenção e tempo à
necessidade de promover um investimento afetivo em si próprio e nas
pessoas e coisas que ama.

Assim é preciso que, ao valorizar a pessoa que se ama e por quem se é


amado, aumente-se o próprio valor, aprenda-se a amar-se, para suportar a luta
contra certas dificuldades, sobretudo em relação à idéia de morte.
Freud (1914, p. 115), explica que a autoestima expressa o tamanho do
Ego, e seu aumento (da autoestima) está relacionado a tudo aquilo que “uma
pessoa possui ou realiza, todo remanescente do sentimento primitivo de
onipotência que sua experiência tenha confirmado”. Melhor dizendo, a
autoestima depende da libido narcísica que, por seu lado, consiste em ser
amado.
Por outro lado, “a compreensão da impotência, da própria incapacidade
de amar, em conseqüência de perturbação física (...), exerce um efeito
extremamente diminuidor sobre a autoestima” (op. cit., p. 116), fazendo surgir
os sentimentos de inferioridade, cuja fonte principal é o empobrecimento do
Ego. Como ficaria, então, a autoestima daquele que envelhece?
Como já afirmado no capítulo anterior, o retorno à experiência
vivenciada no narcisismo primário não é uma simples regressão ao passado e
à dependência do infante em relação ao outro. Trata-se, acima de tudo, de uma
relação enriquecedora que, ao invés de valorizar a solidão, irá eliminá-la ao
mesmo tempo em que revaloriza o viver.
Segundo Berlink (1996, p. 298), o processo de envelhecer “aponta para
uma redescrição do narcisismo primário que, na ótica do sujeito, é visto como
sua própria herança”. Perguntar-se o que herdou de seus antepassados pode
levar o idoso a iniciar uma reconstrução de sua história pessoal, processo este
que o colocará no lugar do mais jovem sobrevivente, fazendo-o deparar-se com
a inexistência desses antepassados.
A velhice traz consigo, para alguns idosos, um efeito traumatizante,
sendo a angústia de castração, as feridas narcísicas, produzidas pelo
sentimento de inoperância e incompetência e os desencontros dos ideais, a
base do surgimento de atitudes indicadoras de uma desistência de lutar pela
vida, cujos comportamentos surgem, freqüentemente, diante de determinados
eventos como a aposentadoria, a impotência sexual, reação ante a autoridade
e a perda de entes queridos.
Em O Mal estar na Cultura (1930) Freud registra que “a vida, tal como a
encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos,
decepções e tarefas impossíveis” (op. cit., p. 93) e, para suporta-la da forma
como se apresenta a cada um, é preciso lançar mão de “medidas paliativas”
tais como:

[...] “derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa


desgraça [cultivar os próprios jardins, e a atividade científica];
satisfações substitutivas, que a diminuem, tal como as oferecidas
pela arte que são ilusões em contraste com a realidade; e
substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela (...)
[influenciando o] nosso corpo e [alterando] a sua química” (op. cit., p.
93).

Ao lidar com idosos, podemos constatar o uso desses paliativos que,


supomos, tornam a passagem por esta etapa da vida menos dolorosa com
todos os lutos provenientes das feridas narcísicas produzidas por fatores
diversos. Dentre esses fatores, Freud destaca a decadência e a dissolução do
nosso próprio corpo que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a
ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se
contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente,
de nossos relacionamentos com os outros homens.
Freud (1922, p. 271) refere-se à “ferida narcísica” que se diferencia de
outros tipos de feridas e, dentre aquelas que acometem os que envelhecem,
podemos destacar a perda dos companheiros. Ao ver morrer pessoas da sua
geração, o idoso vê-se confrontado com a inevitabilidade da própria morte.
Outro tipo de ferida narcísica que atinge o homem na velhice é a
aposentadoria, fenômeno responsável por uma radical descontinuidade na vida
daquele que envelhece.
Embora tenha surgido como uma proposta de premiação ao trabalhador,
depois de determinado tempo de serviços prestados e seja recebida dessa
forma por alguns, é possível verificar que, para outros, a aposentadoria
apresenta-se como um problema. Isso porque, no Brasil, o trabalhador
aposentado não consegue sobreviver com o valor que lhe é pago ao
aposentar-se, vendo-se obrigado a tentar reingressar no mercado de trabalho
para conseguir manter-se vivo ou, passando a depender dos filhos.
A entrada no período da aposentadoria implica um reposicionamento do
sujeito e das relações familiares, tendo em vista que a saída da atividade
produtiva introduz aquela descontinuidade, levando alguns sujeitos a uma
renúncia de si mesmo.
O “não ter o que fazer” do aposentado parece estar marcado pelo signo
da desidealização, produzida por sua auto- imagem, pelas limitações da
coordenação motora, pelas escassas possibilidades de colocar-se como
produtor, criador de vínculos e de ganhos de caráter sócio-econômico que
parecem sempre produzir grande felicidade.
Contudo, quando Freud nos aponta a possibilidade de utilização do que
ele chama de “derivativos poderosos” (o cultivo do nosso próprio jardim, o
desenvolvimento de uma atividade científica e, a utilização de “satisfações
substitutivas”, tal como as oferecidas pela arte), aponta para atividades
intelectuais e artísticas que podem possibilitar a criatividade e a produção e,
permitir àqueles que envelhecem a permanência do movimento de busca de
coisas que dêem à vida um sentido. Isso pode ser visto em inúmeros exemplos
de homens famosos, entre eles o próprio Freud, que continuaram produzindo
durante sua velhice e nas atividades de que participam os alunos da
Universidade Aberta à Terceira Idade - UATI.
Em referência ao desempenho sexual, vemos aí imposto o limite, a
castração, cujo complexo, nunca inteiramente resolvido, é revivido quando o
velho vivencia a ameaça da impotência. Apesar disso, a libido, representante
das pulsões de vida, sexuais, permanece ativa. O desejo libidinal mantém-se
conservado, fazendo com que o velho reviva o complexo de castração vivido
na sua juventude. Aqui, mais uma vez, o sujeito vê-se confrontado com a
impossibilidade de alcançar o seu ideal de permanecer com um papel ativo,
vendo-se impedido, na maioria das vezes, para descobrir novas formas de
prazer, de desvios que podem ser utilizados e que não se restringem ao
genital.
Com relação à perda de memória, é preciso fazer uma leitura cuidadosa,
levando em conta os eventos psíquicos e, não apenas, as perdas orgânicas
atribuídas à senilidade. O idoso vê surgir possibilidades de relacionamentos
que o levam a repetir relacionamentos passados com papéis invertidos,
principalmente naqueles que passam a ser cuidados pelos filhos, quando
observam que a sua dependência em relação aos outros está aumentando.
Quando as barreiras de recalque não são excessivas, as lembranças
carregadas de afeto das relações com os próprios pais tornam-se parte das
relações com os filhos e, passado e presente começam a fundir-se com mais
intensidade.
Birman (1995) interpreta a perda progressiva da memória no idoso
ligada a fatos presentes e, o recordar, apenas a fatos do passado; isso, a partir
do lugar construído, pela modernidade, para a velhice, um lugar dito
impossível, pela ausência de lugar simbólico para o velho.Trata-se do não
reconhecimento.
Outra interpretação apresentada por Giltelson, (apud Louzã Neto e
Stoppe Junior s.d., p. 48), trata da perda de memória no idoso como algo que
pode ser interpretado como um meio de evitar os desprazeres do presente e,
poderíamos pensar, como defesa em relação a um futuro que o assusta.
Utilizando-nos do estudo de Berlink (1996), podemos ainda dizer que,
quando o idoso se dá conta de que está só, a memória passa a ser sentida
como uma propriedade privada. Some-se a isto o fato de que não tendo com
quem dividir as experiências vividas coletivamente, essa memória deixou de
ser compartilhável.
A velhice, via de regra, traz à tona um sentimento de fracasso operativo
e criativo que atinge diretamente a ferida narcísica. A amnésia parcial pode ser
uma conseqüência dessa mesma ferida, levando o sujeito a ficar desatento ou
a desenvolver uma ‘desatenção seletiva’. A memória que se apresenta
comprometida é a memória de fixação, ou seja, aquela que evoca situações do
presente e que denuncia o “sentimento de estar envelhecendo”. Na realidade, o
que o idoso trata de esquecer através da ‘desatenção’ ou ‘desatenção seletiva’,
é a figura de seu corpo considerado como destruído ou perdido, pois não pode
dele utilizar-se como o fazia em épocas passadas.
Já a memória evocativa, a que traz para o presente vivências passadas,
pode, muitas vezes, sustentar o indivíduo, pois é através desse passado
portador de imagens de autoridade e de prestígio, que ele se reconhece.
“Parece que estou rejuvenescendo enquanto recordo” (Bosi, 1994, p. 39). Em
uma sociedade como a nossa, onde a ênfase maior é dada ao sucesso e
sentimentos de triunfo, as pessoas mais velhas obtêm através das lembranças
passadas uma constante recordação para si mesmas e para os outros das
principais conquistas obtidas até o momento da velhice. “Recordar é viver”.
Recordar fatos passados possibilita o aumento de formas de narcisismo
que são fatores importantes na busca da aspiração de bem-estar na velhice; as
perdas familiares e de amigos combinadas com as dificuldades de encontrar
novos objetos para relacionar-se, produzem um montante de libido livre que
retroage ao “eu”, favorecendo o reinvestimento da libido em uma imagem ideal
que se localiza sempre no passado.
Recordar experiências passadas é útil pelo retorno, àquele que recorda,
do sentimento de comando e continuidade, ao restaurar o nexo entre uma
geração e as próximas. As recordações favorecem a redução do lapso
existente entre os sucessos ocorridos e as circunstâncias presentes; ajudam a
sincronizar o tempo cronológico com o momento existencial.
Porém, como já assinalamos, o narcisismo, na medida em que elimina
diferenças, afasta o sentimento de finitude e desamparo, possibilita ao sujeito a
construção de “montagem fantasmática” onde o futuro pode ser representado e
o passado construído sem fendas e falhas. Tudo isso permite a ilusão de
completude que favorece o sentimento de onipotência presente no
comportamento de alguns idosos, podendo-se observar uma mistura de
autoafirmação, competitividade e desespero e da necessidade de ligar-se ao
poder e ao controle.
O conhecimento das limitações impostas pelo envelhecimento, assim
como as tentações para quebrar tais limitações, pode conduzir alguns idosos a
apresentarem um comportamento tirânico sobre os jovens, quando a idéia do
mais velho deve prevalecer. Pode incitar, também, um comportamento de
negação da morte semelhante ao do adolescente quando, por exemplo,
atravessam a rua, ignorando os carros ou enfrentam situações que implicam
riscos de vida.

3.2.2 Os ideais

Freud, em O Mal estar na Cultura (1930, p. 90), afirma que “o passado


acha-se preservado na vida mental”, e que aí (na vida mental) nada do que
uma vez se formou se apaga, podendo retornar em determinadas
circunstâncias. A reminiscência faz parte do processo do luto normal, já que
este consiste na sucessão e repetição de recordações referentes ao objeto
perdido. A memória é a garantia de uma existência e é presença. O idoso traz
consigo experiências de toda uma vida. É preciso reconduzir a memória à
dimensão do trabalho sobre o tempo e no tempo, levando o homem velho a
trabalhar para lembrar. Lembrar é um re-fazer, é reflexão, compreensão do
presente a partir do passado; é sentimento e retorno do que estava esquecido,
mas realizado; é, enfim, elaboração.

Em 1905, Freud comenta que, quando não usamos o nosso aparato


psíquico, para cumprir com gratificações indispensáveis, deixamos que a
mente divague e, sobretudo, apóie-se em recordações para encontrar o prazer
derivado dessa própria atividade mental. Este exercício da função psíquica
para reassegurar-se perante a diminuição das gratificações reais, pode explicar
o prazer positivo que acompanha esse recordar que é a reminiscência,
podendo-se observar que os idosos expressam uma espécie de orgulho e
satisfação com a repetição desse passado.
O idoso não só recorda o passado com clareza, como também começa a
compreendê-lo melhor na medida em que o presente se repete com os papéis
invertidos. Essa compreensão do passado permite uma maior compreensão
dos pais o que facilita uma maior identificação com eles, inclusive em seus
presentes papéis de pessoas que também estão vivenciando a velhice. Com
isso, vemos reforçada a consciência do futuro e da passagem do tempo.
No trabalho sobre O inconsciente (1915) Freud fala da atemporalidade
dos processos inconscientes, ou seja, esses processos

[...] não são ordenados temporalmente, não se alteram com a


passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao
tempo. A referência ao tempo vincula-se, (...), ao trabalho do sistema
consciente (Freud, 1915, p. 214).

Em Mais Além do Princípio do Prazer (1920), Freud reafirma

[...] que os processos mentais inconscientes são, em si mesmos,


‘intemporais’ [e que] nossa idéia abstrata de tempo parece ser
integralmente derivada do método de funcionamento do sistema Pcpt.
– Cs. E corresponder a uma percepção de sua própria parte nesse
método de funcionamento, o qual pode talvez constituir uma outra
maneira de fornecer um escudo contra os estímulos.

No que se refere à velhice, como já afirmamos, o que ocorre é um


“desencontro entre o inconsciente atemporal e o corpo, templo da
temporalidade” (Berlink, 1998, p. 297). Um lento e implacável processo em que
o corpo biológico denuncia com as suas marcas o tempo que passou, enquanto
“a alma permanece jovem, em evidente descompasso com seu envelope”
(Berlink, 1996, p. 301).
O tempo é a vivência do limite, da castração, apontando para a
proximidade da morte, experiência que só pode ser vivenciada em relação ao
outro. Por mais que o idoso possa fantasiá-la, “prepara-te para ela”, ainda
assim, será algo imaginário pois a morte é indizível, inominável. Se a condição
de mortal é algo de irrealizável como esperar que o velho aceite serenamente o
fim da sua própria existência?
Se a forma como envelhecemos está relacionada com a forma como
vivemos em nossa “juventude”, a importância subjetiva do passado está
relacionada com o modo como o velho se relaciona com essa fase da vida e as
perspectivas de futuro. O olhar que lançará sobre a sua vida passada, sofre
influência do estado emocional em que se encontra no momento presente e de
características da personalidade relacionadas aos estágios iniciais da vida.
Essa possibilidade de lançar esse “olhar para trás”, serve como suporte para a
adaptação em relação às modificações que ocorrem no envelhecimento (Louzã
Neto e Stoppe Junior, s.d.).
Conforme ressalta Pinheiro (1995), a questão da castração está
articulada à questão do tempo - à dimensão de passado, presente e futuro.
Trazendo associadas outras questões como a finitude e a impotência, a
temporalidade é aceita porque se encontra condicionada à possibilidade da
construção imaginária de um passado repleto de plenitudes e de um futuro em
que esteja assegurada a possibilidade da “felicidade”.
Por este prisma, de acordo com Pinheiro (1995, p. 24), a castração é
aceita “entre aspas”, pois o sujeito “constrói um arsenal imaginário onde essa
castração é meramente circunstancial”. Trata-se da capacidade de iludir-se, de
fantasiar e criar um passado “perfeito” e representar um futuro que dê conta do
seu desamparo. Trata-se de uma “montagem plural de eus” (op. cit., p. 24).
A este respeito, também, Birman (1995) chama a atenção para a
importância da existência da perspectiva de um futuro, a fim de que “as perdas
possam ser metaforizadas no presente, pela rearticulação existencial e
desejante do sujeito” (op. cit., p. 42). Se o futuro não aparece como
possibilidade para o sujeito, assistimos a um

[...] fechamento do processo de temporalização, pela desnarcisação


do sujeito e perda do reconhecimento simbólico, [que] impede
qualquer processo de elaboração da perda. Com isso, o sujeito é
lançado forçosamente numa melancolia infinita, em face da qual pode
recusar então o seu passado e o seu presente, se articulando em
estilos paranóides e maníacos de existência em face da dor
insuportável da perda (op. cit., p. 42).
Birman (1995) refere-se, ainda, a “formas paradigmáticas de ordenação
psíquica”30 apresentadas pelo idoso ante a impossibilidade da existência de um
futuro, tanto quanto de uma rearticulação do presente a partir do passado.
Trata-se de um desinvestimento dos objetos, o que chega a indicar uma quase
desistência em relação à vida, quando o velho se vê diante da inexistência do
futuro e da impossibilidade de retificação do passado. Nesse momento, o que
se apresenta ao sujeito são as “perdas e as faltas de uma existência, diante da
perda maior que se coloca no social, isto é, a ausência de lugar social e de
reconhecimento simbólico” (op. cit., p. 40).
Em 1930, Freud se perguntava “de que nos vale uma vida longa se ela
se revela difícil e estéril em alegrias, e tão cheia de desgraças que só a morte é
por nós recebida como uma libertação?” (op. cit., p. 108). Ele mesmo responde
quando nos indica que o desprazer vem às custas de um prazer anterior; neste
caso, o prazer de ter sido jovem e “produtivo” e de poder atender os “ideais” da
cultura que valoriza o que é jovem e belo.
Insere-se, aqui, a questão dos ideais impostos pela cultura mencionados
no capítulo 2. Se o outro só será merecedor do meu amor, se for semelhante a
mim, de tal forma que eu possa me amar nele, ou se obtiver um nível de
perfeição tal que “eu possa amar meu ideal de meu próprio eu” (op. cit., p.
131), de que forma posso amar alguém que envelhece ou me amar enquanto
velho se o meu ideal corresponde ao ideal da cultura?
Os limites impostos pelo corpo que envelhece, bem como a percepção
de não mais atender os requisitos do seu próprio ideal e dos ideais de
perfeição ditados pelos padrões da cultura, faz com que o velho anseie ser o
ego ideal ante os seus próprios olhos e os dos demais. Sente-se não amado
pelo seu superego e pelos personagens externos.
Na velhice, podem ocorrer modificações no “eu” diante dos ideais, na
medida em que o idoso se vê diante da exigência de desistir de sonhos
acalentados durante muito tempo pela percepção de uma possível exigüidade
do tempo.

30
Não se trata dos quadros psicopatológicos descritos pela nosografia psiquiátrica e sim, de “estilos
psíquicos diferenciados de o sujeito se defrontar com a tragicidade da morte em estado puro e a
inexistência de um futuro possível” (Birman, 1995).
É preciso se traçar projetos que possam ser realizados em um
espaço de tempo mais curto, é preciso se pensar no possível e não
mais no ideal como algo que pode ser alcançado. (...) Os sonhos e
projetos só podem ser idealizados se há a possibilidade de realizá-los
em curto espaço de tempo. Vê-se aí instalada uma certa limitação
tanto do Eu ideal, como do Ideal do eu que podem remeter o sujeito a
uma redescrição do seu próprio mito. (Berlink, 1996, p. 297-301).

O dar-se conta dos limites do seu passado e, especialmente, daquilo


que pode ser realizado no futuro, motiva necessidade de aprender a aceitar-se
dentro de tais limites e, mais que isso, suportar que as realizações de outras
pessoas, possivelmente mais jovens, poderão ultrapassar as suas.
Na velhice, as perdas impostas ao sujeito de forma inevitável,
confrontando o idoso com a questão dos ideais e provocando as feridas
narcísicas, fazem surgir uma demanda psíquica para um trabalho de luto.
Para que o futuro venha a ser experenciado como possibilidade, esse
trabalho de luto deve permitir que se proceda à elaboração das perdas e das
feridas narcísicas. E deve trazer, ainda, em conseqüência, o confronto do
sujeito com os seus limites sem colocá-lo, porém, em uma posição paralisante
ou de conformismo, mas como possibilidade de substituição simbólica das
perdas pelos ganhos possíveis em outras dimensões da existência, o que
permitirá a ampliação das possibilidades desejantes do sujeito.

3.2.3 O Luto

A velhice, como um processo que se anuncia desde o nascimento,


implica em perdas, vivências de luto, luto este que precisa ser trabalhado por
aquele que o vive.
Freud, no Projeto (1895), ao falar da experiência de satisfação, aponta
para uma experiência que implica, desde aí, a perda de um objeto para sempre
irrecuperável. O recordar, a que nos referimos, pode ser visto como uma
tentativa de retorno ao passado, ao tempo da ligação com este objeto.
Se, em 1910, Freud admite a falta de compreensão psicanalítica do
afeto crônico do luto, sete anos depois, em Luto e melancolia (1917a) irá se
referir ao luto como um processo extremamente longo e gradual que acaba se
resolvendo quando é possível encontrar objetos de substituição para o que foi
perdido. Nesse processo, estabelece-se uma luta incessante a ser
empreendida pelo sujeito a fim de reconquistar a vida.
As reações de um indivíduo, após a perda de uma pessoa amada ou de
alguma abstração, vão ser de imediato, contemporizadas com a falta de
interesse pelo mundo externo e, por outra perda, que logo se descobre
temporária, da capacidade de construir novas vinculações com um ou mais
objetos novos. Como na velhice, o acúmulo de perdas é significativo e
radicalizado, o trabalho de luto tende a ser mais penoso. Os objetos já não se
oferecem com tanta prontidão, brilho e fascinação. A morte de alguém próximo
ao velho, marca mais radicalmente a sua própria finitude e a possibilidade de
novas vinculações é mais difícil pois muitos de sua geração já não existem;
além disso, os da nova geração não compartilham da sua linguagem, de seu
universo e das suas lembranças.
Apesar destes “traços mentais” que surgem durante o processo de luto
apontarem para um comportamento que se distancia das chamadas “atitudes
normais para com a vida”, não é considerado um processo patológico, tendo
em vista que poderá ser superado depois de determinado tempo.
Parece que toda a dinâmica mental do sujeito está completamente
dedicada ao luto, à elaboração do pesar e deste modo, impedem-se as
possibilidades de catexias libidinais – mesmo que agressivas – com respeito a
qualquer outro elemento que desperte interesse. O processo de luto normal é,
no fundo, uma dinâmica mental adaptativa, de elaboração processual da perda.
Embora a indiferença que o sujeito apresenta em relação ao resto do mundo
pareça uma característica da passividade, o processo de elaboração do luto
normal pode ser qualificado como ativo se considerarmos todo o processo
adaptativo de elaboração.
Reiterando o que Freud assinalou em Luto e Melancolia (1917), um luto
considerado normal é, na realidade, a sucessão e repetição de recordações
sobre o objeto perdido. Este objeto pode referir-se a uma pessoa amada ou a
uma abstração; de imediato, produz-se uma perda de interesse pelo mundo
externo, uma vez que este mundo não reproduz características ou imagens de
tal objeto perdido, ou seja, em cada nova visualização não se encontram traços
das velhas formas.
O processo adaptativo do luto consiste na retirada das catexias libidinais
dos objetos realisticamente percebidos como já não existentes. Aqui, as
recordações mesclam-se como ligações possíveis com o objeto que finalmente
será aceito, tanto de modo intelectivo como afetivo, como já não existente.
Dessa forma, essas recordações podem ser associadas ao trabalho do luto
como uma forma de elaborar a recordação do passado, como a possibilidade
de busca de um novo objeto que substitua eficazmente a perda que está se
efetuando no trabalho inconsciente do ego.
Nos textos metapsicológicos iniciais, encontramos um texto de beleza
extraordinária – Sobre a Transitoriedade (1915) - que trata das questões
relativas à mortalidade e ao luto. Este trabalho reafirma o luto como um afeto
‘natural’ que,

[...] por mais doloroso que possa ser, chega a um fim espontâneo.
Quando renunciou a tudo que foi perdido, então consumiu-se a si
próprio, e nossa libido fica mais uma vez livre (...) para substituir os
objetos perdidos por novos igualmente, ou ainda mais, preciosos
(Freud, 1916 [1915], p. 348).

Os sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida


psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às
situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. As
reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas
queridas, caracterizam-se pelo sentimento de tristeza e inquietude. Todavia, é
preciso ter presente que mesmo que as reações de luto possam se estender-
se é importante distinguir este processo dos quadros de melancolia. Aquele
que se encontra em trabalho de luto, ainda assim, preserva certos interesses e
reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulado. Não se
observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados
melancólicos. Assim, por exemplo, os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se
a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras idéias
de culpa estão geralmente ausentes.
Poderíamos dizer que o estado de luto se caracteriza por tristeza e falta
de vontade. Trata-se da “perda do brilho que ilumina o viver e que colore o
mundo com as tintas do desejo” (QUINET, 1999, p. 203). Não se trata de um
processo patológico e faz parte da existência humana desde o nascimento à
morte, pois, durante toda a nossa vida, estamos elaborando lutos pelas perdas
que sofremos. O que o específica na velhice é a sua radicalidade, porque
neste momento, há um acúmulo de perdas que, na grande maioria dos casos,
não foram trabalhadas.
Seguindo o caminho indicado por Freud, poderíamos afirmar que na
velhice o luto constitui-se como sendo uma reação à perda da juventude no
que ela traz de modelo de beleza, produtividade, saúde e expectativa de vida.
O processo de luto instala-se quando o eu atual daquele que envelhece se dá
conta que não mais corresponde aos ideais da cultura.
O trabalho do luto consiste, num desinvestimento do objeto, ao qual é
mais difícil renunciar, na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida
nele. Freud, em Inibição, Sintoma e Angústia (1926) demarca o que, nas
etapas de luto, observa-se no nível da angústia, da dor, e do luto propriamente
dito. O autor citado aponta, ainda, para a relação existente entre a
“transferência da sensação de dor do domínio físico para o domínio psíquico. O
investimento nostálgico de um ser amado torna possível abstrair-se da dor
física” (Freud,1926 [1925], p. 91).
Concluído o trabalho de luto, a libido segue o seu curso, volta a investir
em outros objetos. Conforme salienta Pinheiro, trata-se, nesse momento da
“aceitação e reconhecimento da perda do objeto implicando na aceitação da
idéia de finitude, através da dinâmica do aparelho psíquico cindido que revela o
processo de simbolização” (Pinheiro, 1998, p. 120).
Se diante de todas as impossibilidades surgidas durante a vida só resta
aos seres humanos “se acostumar a moderar suas reivindicações de felicidade”
(Freud, 1930, p. 95), podemos entender que o trabalho psicanalítico com
idosos deverá privilegiar o trabalho de luto, trabalho este que tem de ser
sustentado por uma dimensão narcísica permitindo àquele que envelhece viver
intensamente. O envelhecer, de forma psiquicamente saudável, implica o
questionamento do que a sociedade impõe desde que suportando os limites
naturais dessa fase da vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No transcorrer deste trabalho apresentou-se o aumento da expectativa


média de vida da população, o que acaba por provocar, também, o aumento da
população idosa no mundo e começa a se fazer sentir no Brasil que não é mais
considerado um país jovem.
Verifica-se, no entanto, a falta de atenção por parte da sociedade em
relação ao idoso, de tal forma que, no Brasil, o crescimento demográfico e da
expectativa de vida desse segmento populacional, não é acompanhado por
uma melhoria da qualidade de vida.
De fato, o que acontece é uma situação paradoxal pois, como
mostramos, se de um lado, a sociedade cria meios de prolongar a vida
humana, de outro, tende a limitar, desestimular ou mesmo impedir a
participação dos idosos na medida em que se desenvolvem atitudes de
preconceito e discriminação.
O idoso, então, vê-se aprisionado por um discurso que o exclui do
campo social, somando-se a isso as perdas acumuladas ao longo da vida
(biológicas, econômicas, de prestígio familiar e profissional, do status social, do
padrão de beleza e vitalidade da juventude) e a realidade da proximidade da
morte. Todos estes fatores terminam por paralisá-lo e favorecem o surgimento
de perturbações de ordem psíquica.
No entanto, é preciso ter presente que essa exclusão não é uma via de
mão única pois o próprio idoso, muitas vezes, contribui para que essa
discriminação tenha lugar, visto que sua relação com o outro se dá, em várias
situações, de forma ambígua: por exemplo, por um lado, o idoso se coloca
como dependente daqueles que o cercam e, por outro, tem uma atitude de
onipotência recusando-se a aceitar seus próprios limites. Nesse sentido,
consideramos que a Psicanálise pode ter uma contribuição a dar nas questões
relativas ao envelhecimento.
No final do século XIX e início do século XX, período de construção da
teoria psicanalítica, a velhice não era objeto de interesse científico e os
homens não apresentavam a mesma expectativa de vida dos tempos atuais.
Além do mais, como aplicar ao idoso uma teoria que traz no seu cerne a
questão da sexualidade se, ainda hoje, existem aqueles que acreditam que o
homem quando envelhece, entre as diversas perdas perde também o direito à
sexualidade? Cabe enfatizar que se Freud levantou empecilhos para a
aplicabilidade do método psicanalítico a idosos, também não afirmou que esse
tratamento fosse impossível.
A idade cronológica, por si só, não se constitui como índice de
adequabilidade para alguém se submeter a uma análise. O processo analítico é
o mesmo para idosos ou jovens. A psicanálise lida com questões infantis
recalcadas e com questões que vão surgindo com o tempo. O desejo,
conforme o próprio Freud indica, é indestrutível. Enquanto a força física diminui
com a idade, a intensidade do psiquismo inconsciente permanece
“intemporalmente intacta”.
Por sua vez, os efeitos da fala permanecem desde sempre e a
Psicanálise, ancorada nestes efeitos, abre seu leque de atuação a crianças,
adolescentes, adultos e velhos; melhor dizendo, ao sujeito desejante. Todas as
etapas da vida são roupagens que se desnudam no “divã do psicanalista”.
Se o sujeito da psicanálise é um sujeito desejante, se a sua estrutura é a
estrutura do desejo, este é o ponto através do qual podemos pensar em um
trabalho analítico com idosos. Fazer passar para a existência este desejo,
desejo que insiste e que põe em ato a função de analista.
Freud, durante os seus ensinamentos, alerta para a impossibilidade de
se psicanalisar, educar e governar, mas, diferentemente dos dois últimos
empreendimentos, afirma que psicanalisar não é ensinar como ser homem nem
como se governam os homens. Isto porque se através da experiência
psicanalítica o sujeito é conduzido para o reconhecimento dos seus limites,
essa mesma experiência não dispõe de meios para salvar esse sujeito que se
funda, segundo a teoria freudiana, na finitude e na incompletude. Dessa forma,
o tratamento psicanalítico não se confunde com salvação e muito menos com
cura, no sentido médico da palavra: a “cura psicanalítica pretende ser apenas a
descoberta, pelo sujeito, da verdade singular de sua história pelo
reconhecimento do seu desejo” (Birman, 1994, p. 122).
Assim sendo, o tratamento psicanalítico com o idoso, diferentemente da
educação, não se propõe a ensinar ao velho como ser velho, nem construir um
velho que se adapte às regras estabelecidas por uma cultura ou espaço social
determinados. Trata-se de ajudá-lo a reconhecer o desejo, ainda que o desejar,
nesse momento, possa levá-lo a deprimir-se por ser este, também, um
momento em que irá se deparar com as suas limitações e impossibilidades.
Se, conforme o próprio Freud afirmou, “nós, médicos, não podemos
abandonar a psicoterapia, pelo menos porque outra pessoa intimamente
interessada no processo de recuperação – o paciente – não tem nenhuma
intenção de abandoná-la” (Freud, 1905a, p.268) porque, então, devemos nos
recusar a oferecer o tratamento psicanalítico àquele que envelhece?
A geriatria e a “gerontopsiquiatria” têm-se ocupado das questões
relativas à problemática do envelhecimento. Todavia, observa-se, no modo
como vários profissionais desta área lidam com o idoso, com atitudes de
desconsideração com o velho: é como se aquele que envelhece tivesse
perdido o estatuto de sujeito e todos os idosos são vistos da mesma maneira,
ou melhor, “medicados” como se as questões da velhice fossem as mesmas
em todos eles. Àqueles que se apresentam com quadros que indicam
depressão, receita-se o Prozac; aos que se queixam de perda de potência e
energia sexual, receita-se Viagra, sem se levar em conta a sua subjetividade
de cada um.
Ao contrário do que fazem os psicotrópicos, que têm o efeito de
normalizar comportamentos e eliminar os sintomas dolorosos do sofrimento
psíquico, sem lhes buscar a significação, a psicanálise, se não cura o
sofrimento, possibilita àquele que sofre encontrar palavras para expressar
aquele sofrimento, enfim, assumi-lo. Para a psicanálise, o idoso, como
qualquer outro indivíduo, deve ser responsável pelos acontecimentos de sua
vida.
A psicanálise possibilita uma escuta marcada pelo reconhecimento
simbólico, sublinhando o lugar do idoso como agente na transmissão, também,
simbólica de valores. A escuta psicanalítica daquele que envelhece deverá se
constituir em um ato que possibilite a construção de um saber sobre o processo
de envelhecimento que, embora um saber incompleto permita o
reposicionamento do sujeito tendo como referência o Outro.
O trabalho analítico traz como possibilidade a elaboração psíquica das
perdas narcísicas, trabalho de substituição simbólica das perdas pelos ganhos
possíveis em outras dimensões da existência. Conforme nos aponta Herzog
(2000, p. ), “ de viver intensamente (...) de apostar na potência do corpo,
positivando o desejo – talvez esta seja a direção da cura”.
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