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FABRÍCIO DARLAN VIANA

FAMÍLIA E ESQUIZOFRENIA: UMA VISÃO DA ANTIPSIQUIATRIA.

O Duplo Vínculo como um Estudo Pragmático da Comunicação Humana

Monografia apresentada ao 4º ano de


Psicologia da Universidade Camilo Castelo
Branco como pré-requisito para a obtenção do
título de psicólogo, sob a orientação da
professora Dejanira Rossato.

São Paulo, 1998


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FABRÍCIO DARLAN VIANA

FAMÍLIA E ESQUIZOFRENIA: UMA VISÃO DA ANTIPSIQUIATRIA.

O Duplo Vínculo como um Estudo Pragmático da Comunicação Humana

Monografia apresentada ao 4º ano de


Psicologia da Universidade Camilo Castelo
Branco como pré-requisito para a obtenção do
título de psicólogo, sob a orientação da
professora Dejanira Rossato.

São Paulo, 1998


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COMISSÃO JULGADORA

Prof
_____________________________
Prof
_____________________________
Prof
_____________________________

Dedico este trabalho a minha mãe:


Alzira Viana
Ao meu pai:

Agostinho Lourenço Duarte


E ao meu irmão:

Dennis Darlan Dick Duarte

Amo muito vocês!


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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS..................................................................1

INTRODUÇÃO.................................................................................
.........2

Capítulo 1 - Abordagens da doença mental


.....................................................5

1.1. Abordagem médica..........................................................................5


1.2. Abordagem psicanalítica.................................................................5
1.3. Abordagem sistêmica......................................................................6
1.4. Abordagem sacrificial......................................................................6
1.5. Abordagem política..........................................................................6
Capítulo 2 - A Psiquiatria – Abordagem médica da doença mental......................8
Capítulo 3 - A Antipsiquiatria - Indagação e Revolução ....................................11
Capítulo 4 - A Política das Relações Humanas.....................................................15
Capítulo 5 - Família, Esquizofrenia e Antipsiquiatria...........................................18
Capítulo 6 - Teoria do Duplo Vínculo.....................................................................26
6.1. A comunicação humana - um pouco de sua teoria........................27
6.1.1. Comunicação paradoxal - Introdução ao paradoxo...29
6.2. A prática do duplo vínculo.............................................................31
6.2.1. O funcionamento do duplo vínculo............................32
6.2.2. Os ingredientes do duplo vínculo..............................33
6.2.3. Colocando um indivíduo no duplo vínculo.................36
6.3. Duplo vínculo e a fabricação da loucura – síntese........................37
CONCLUSÃO........................................................................................39
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................41
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AGRADECIMENTOS

“A função primordial da educação


e da ciência não é acrescentar
mais anos à vida, mas acrescentar
mais vida aos anos”

Joan Osborn

Agradeço primeiramente aos somaterapeutas e antipsiquiatras Décio de


Melo e Regina Garbellini, ambos da Editora da Tribo em São Paulo, por me
introduzirem nos estudos do duplo vínculo bem como a indicação e explicação de
algumas referências bibliográficas.

Agradeço ao companheiro de classe Cézar G. Ferreira por também ter me


ajudado a compreender e a ter uma visão mais ampla da antipsiquiatria bem como
do duplo vínculo.

Agradeço a meus pais pelo grande incentivo aos estudos e a todos os meus
amigos que, diretamente ou não, me ajudaram neste trabalho, em especial:
Alessandro Melo de Andrade, Elaine Aranha Amorim, Esmaura R. Tassi, Fábio Oliva
Sobral, Maria Clara Santos, Paula Érica Tassi, Regiane Fernandes de Sousa e Sueli
dos Santos..

Agradeço ainda à professora Dejanira Rossato pela paciência e por ter


acreditado neste trabalho.
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A todos, meu profundo respeito, orgulho e admiração, principalmente no que


se refere à amizade.

Fabrício Darlan Viana


1998

INTRODUÇÃO

O contato com o tema estudado deu-se ao acaso e, mesmo já tendo outros


temas em mente para a disciplina de T.C.C., como por exemplo A psicologia do
Marketing e A dependência psíquica na Internet - afinal a psicologia possibilita um
rico campo de estudo para seus pesquisadores - foi devido ao meu contato com a
Somaterapia, no final de 1997, que resolvi partir para outro objeto de estudo, tão
interessante quanto os demais.
Através de uma amiga, fui convidado pela Editora da Tribo para participar de
uma dinâmica de grupo denominada de Ludens. Durante o andamento da dinâmica,
um de seus coordenadores, Décio de Mello, começou uma explicação sobre como
era entendida a neurose segundo a visão reichiana, assim como nos outros
encontros. Ao me identificar com o trabalho, procurei pesquisar por conta própria as
razões filosóficas e científicas do Ludens e descobri que o mesmo se derivava de
uma espécie de terapia criada por Roberto Freire chamada de Somaterapia ou mais
conhecida simplesmente como Soma.
A Somaterapia de Roberto Freire é uma espécie de terapia em grupo que
une vários conhecimentos científicos, dentre eles a abordagem reichiana, a gestalt,
a antipsiquiatria e o anarquismo.
Como era costume sempre ter uma explicação de uma destas abordagens
pelos somaterapeutas (coordenadores do Soma), foi numa dessas que, não só eu,
mas muitos outros que estavam presentes se impressionaram. Tratava-se das
últimas descobertas dos antipsiquiatras sobre a origem da esquizofrenia na qual
Regina Garbellini comentava:

“(...) os antipsiquiatras conseguiram através de estudos, descobrir que o problema da


esquizofrenia, apesar de ter pequenas probabilidades de ser genético, é, na maioria das
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vezes um problema social, isto é, mais especificamente um problema de comunicação


(vínculos) entre o indivíduo e a sociedade (pegando como o primeiro grupo social a
Família). O que isto quer dizer? Isto quer dizer que, um indivíduo ‘sadio’ que possui
problemas de comunicação, relação duplo vínculo na família tende a ter uma comunicação
patológica com o meio externo, tendendo a cortar essa comunicação e a criar a sua própria
realidade. Isto causa a esquizofrenia. Seguindo esse pressuposto, o método de ‘cura’ seria
o de, primeiramente, restabelecer novamente a comunicação com este indivíduo (...) Existe
uma casa psiquiátrica na Itália (Basaglia) e uma aqui em São Paulo (projeto Tam Tam) que
já adota esta idéia e trata os esquizofrênicos sob este enfoque. (...)”

Com base nesta fala, fiquei admirado em observar que a esquizofrenia


poderia ser vista por outro ângulo e não somente pela psicopatologia da abordagem
psiquiátrica com sua forma positivista e organicista de entender de maneira única e
exclusiva as enfermidades mentais.
Assim sendo, o duplo vínculo, assim como a antipsiquiatria em si, passaram
a ser meus principais objetos de estudo.
As formas de se entender as doenças mentais hoje em dia pela ciência
ainda são amplas e sempre estão em desenvolvimento. Nesta monografia, como o
próprio título, será dada ênfase exclusivamente para a abordagem da antipsiquiatria.
No início do trabalho é dada uma breve explicação sobre alguns temas que
se fazem necessários à compreensão da abordagem sistêmica da doença mental e
que compreende o estudo do duplo vínculo; logo, os primeiros capítulos são uma
espécie de introdução para se situar desde as várias abordagens sobre as doenças
mentais até se chegar à teoria do duplo vínculo propriamente dita. Para tanto, o tipo
de raciocínio, por estudar a pragmática da comunicação humana (em seus níveis
lógicos ou abstratos) é modificável no decorrer do trabalho. Devido a isso, acho
importante uma pequena síntese sobre cada capítulo apresentado a fim de ajudar no
entendimento do mesmo. Quando o texto parecer difícil e complicado, sugiro uma
releitura do pequeno trecho que, como se trata de um estudo bastante complexo,
nem sempre está em linguagem acessível para leigos.
No primeiro capítulo, apresentamos uma síntese das abordagens existentes
sobre a doença mental: suas ideologias, seus adeptos, como é vista a doença
mental e suas formas de tratamento.
No capítulo dois, como a antipsiquiatria é uma forma de se contrapor a
psiquiatria, nada mais justo do que explicar a psiquiatria sob o seu ponto de vista
organicista o que é uma das principais críticas da antipsiquiatria.
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O terceiro capítulo, a antipsiquiatria, aborda quais são as principais críticas


dos antipsiquiatras; questionando a maneira de se fazer ciência e as formas em que
o indivíduo é estudado pela psiquiatria, assim como seus meios de tratamento.
Ao percebermos que não vivemos isolados e que o indivíduo deve ser
estudado dentro do seu contexto natural, o quarto capítulo vem nos falar do
funcionamento das relações humanas, desmembrando assim as relações políticas
(de poder) envolvidas na maioria delas.
Ao estudar a primeira instituição social na qual o indivíduo vivencia suas
primeiras experiências interpessoais, a Família, no quinto capítulo, é vista como uma
entidade que influencia e é influenciada pelo Estado, interferindo na dinâmica de
vida de seus membros. Neste capítulo, buscamos averiguar as relações de poder
existentes no interior da mesma e que, devido ao autoritarismo e a repressão,
transforma alguns de seus membros em marionetes, deixando-os assumir seu falso
eu e a sua futura condição de esquizofrênico.
Ao falar-se em diversas características da família no capítulo anterior, agora
é possível compreender melhor o duplo vínculo, como surge e como se desenvolve.
Este é o tema do capítulo 6 e que é dividido pelos sub-ítens:
A comunicação humana – Um pouco de sua teoria - Aqui é dada uma
pequena introdução sobre as bases da comunicação humana, mudando-se assim o
tipo de raciocínio percorrido durante o trabalho. Trata-se de um visão mais
sistemática, analógica e matemática da comunicação humana, indispensável para a
compreensão do duplo vínculo.
Comunicação Paradoxal – Introdução ao paradoxo - Apresenta uma breve
história sobre o paradoxo, o que é e quais são suas relações vistas sob o mesmo
tipo de raciocínio do item anterior. É uma explicação sobre o funcionamento do duplo
vínculo sob um método sistemático.
A prática do duplo vínculo - Aqui está, numa forma mais simples, como é o
funcionamento do duplo vínculo, como se dá e no que resulta.
Funcionamento do duplo vínculo - Para melhor entendimento e até a
vivência de uma mensagem paradoxal é que foi criado este sub-item.
Os ingredientes do duplo vínculo - Estes são os últimos estudos
apresentados e que dizem como é constituído um vínculo duplo, o que se faz
necessário para que ele exista.
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A fabricação da loucura - Diz respeito aos sentimentos íntimos da criança


que são colocados em dúvida, fazendo ao final desde sub-item um apanhado geral
que encerra este trabalho.

CAPÍTULO I

ABORDAGENS DA DOENÇA MENTAL

A inclusão deste capítulo é interessante para que você, caro


estudante, não tenha uma visão restrita e limitada sobre as abordagens
existentes para a compreensão da mente humana e as suas patologias. Claro
que neste trabalho, como já foi citado na introdução, será enfocada quase
que exclusivamente a abordagem da Antipsiquiatria, mas para isto, será
apresentada uma breve referência a estas outras abordagens com a
finalidade de proporcionar um maior conhecimento sobre como a doença
mental pode ser vista hoje.

1.1. Abordagem médica

Nesta abordagem encontra-se a crítica fundamental da antipsiquiatria,


portanto há um capítulo à parte para descrevê-la melhor. São partidários
desta abordagem os neurologistas e os psiquiatras organicistas. Para eles,
as doenças mentais são doenças do cérebro e o comportamento anormal
resulta de uma desordem biológica mais ou menos grave segundo a doença
específica. Seus métodos de tratamento mais usuais são tratamentos de
choque, neurolépticos e cirurgias cerebrais.
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1.2. Abordagem psicanalítica

São partidários desta abordagem uma psiquiatria dinâmica e todos os


que se consideram freudianos. A definição de doença mental para eles é um
estado de perturbação afetiva ligado à história (infantil) do paciente. Logo, o
comportamento é um sintoma somático de problemas emocionais. Seu
tratamento é realizado a partir de psicoterapia, que permite ao paciente
descobrir a origem de suas dificuldades.
1.3. Abordagem sistêmica

Esta é uma das três abordagens da antipsiquiatria


que tenta
compreender a doença mental. São partidários certos
psiquiatras e psicólogos que estudam a patologia da comunicação
humana proveniente da escola de Palo Alto. Para eles, a doença
mental é conseqüência de comunicações familiares ou
microssociais patogênicas. O paciente reage com sintomas às
manipulações de que é objeto. A terapia coletiva é feita de maneira
que a família ou o grupo tenha um melhor conhecimento de seu
funcionamento e possa modificá-lo.

1.4. Abordagem sacrificial

Esta abordagem também faz parte da antipsiquiatria, mas é


centralizada filosoficamente na existência do ser. Essa visão aparece a partir
do capítulo três por estar ligada à antipsiquiatria. Seus partidários são
psiquiatras e psicólogos (como Ronald Laing, Szasz etc.) que dizem que o
rótulo de doença mental tem por função estigmatizar e punir o
comportamento dos membros da sociedade que se desviam da norma. O
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paciente passa a reagir com uma estratégia oblíqua à sua vitimização e à sua
exclusão. Seu tratamento seria o de não rotular o paciente. Tratá-lo como um
indivíduo com direitos e deveres e respeitar suas vontades.

1.5. Abordagem política

A abordagem política para se entender a doença mental também se


encontra a partir do capítulo três. São partidários desta abordagem
psiquiatras e sociólogos como Cooper, Basaglia, Jervis, Hollingshead,
Redlich etc. Para eles a doença mental é uma doença social ligada à
opressão e à exploração do paciente. Seus sintomas se dão através da
reação de revolta ante uma situação considerada insuportável pelo paciente.
O tratamento seria o de lutar por uma sociedade mais justa.
Como irão perceber futuramente, essas três últimas abordagens
(sistêmica, sacrificial e política) apesar de serem quase distintas, estão
interligadas, pois compõem a visão geral da antipsiquiatria.
CAPÍTULO II

A PSIQUIATRIA - ABORDAGEM MÉDICA DA DOENÇA MENTAL

A Psiquiatria, especialidade da medicina, surgiu no início do século


XIX através de estudos das doenças mentais; procurando-se as causas
neurológicas das mesmas através dos estudos neuroanatofisiológicos. Isto se
deu justamente na época em que a medicina começara a entrar no sistema
filosófico denominado positivismo, que tem por tendência encarar a vida só
pelo seu lado prático e útil.
A principal finalidade da Psiquiatria foi - e continua sendo - a de
classificar as doenças mentais elaborando assim conceitos, procedimentos e
técnicas com finalidades terapêuticas, até então inexistentes naquela época.
A base da ideologia da Psiquiatria, isto é, a sua abordagem frente à
doença mental se dá como a maioria dos psiquiatras organicistas pensam.
Para eles, segundo Wernicke: “toda doença mental é uma doença do
cérebro” 1. Sendo assim, sob um ponto de vista hipotético, acreditam que as
doenças mentais são, de alguma forma, resultantes de afecções somáticas
sistêmicas ou cerebrais; ou, em outras palavras, todas as doenças mentais
para eles provêm simplesmente e de alguma forma, do organismo.
Para entendermos melhor de onde iniciou-se essa ideologia
organicista, temos que dar uma breve olhada na história da
Psiquiatria, dar uma olhada em suas origens:

A conjunção das informações de Bayle e de Founier é um marco na história da


psiquiatria. Os psiquiatras puderam, então, imaginar que, em havendo uma origem
específica para a paralisia geral progressiva haveria também para outras
patologias. Estava assim lançada a primeira condição para o desenvolvimento da
psiquiatria clínica, com a possibilidade da delimitação das enfermidades psíquicas,
que passam a ser concebidas como unidades independentes. 2

Portanto, a visão organicista da doença mental surgiu desde que Bayler,


juntamente com Fournier em 1979, classificou a primeira doença mental: a

1 WERNICKE apud JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, Editora Zahar, 1981. pág. 54
2 GRANDINO, Adilson e NOGUEIRA, Durval. Conceito de Psiquiatria. São Paulo. Ed. Ática. 1985, pág. 42
paralisia geral progressiva, resultante da doença orgânica sífilis (doença
venérea marcada pela vergonha e por muito tempo considerada incurável).
Partindo-se daí deduziu-se que todas as doenças mentais haveriam de ter
sua causa orgânica (como o que aconteceu com a paralisia geral
progressiva).
A partir disso surgiram vários estudos neuroanatofisiológicos das
doenças mentais e, a fim de ordenar o caos existente na atividade
psiquiátrica até então, entre 1856 e 1926, o alemão E.Kraepelin desenvolveu
o conceito de unidade nosológica, isto é, um critério de classificação das
patologias mentais que tivessem causas comuns, sintomas semelhantes,
processo de desenvolvimento igual aos demais e achados
anatomopatológicos concordantes.
Após esta sistematização nosológica de Kraepelin, diversos autores
contribuíram para a classificação das doenças mentais, mostrando assim não
só o lado bom do desenvolvimento da Psiquiatria, como também seu lado
obscuro e pouco percebido por muitos. Alguns desses autores, numa
obsessão classificatória e pessoal, multiplicavam o número de tipos e
subtipos das patologias já conhecidas. Segundo a Revista da Folha de São
Paulo, hoje em dia, no Diagnostic And Statistical Manual of Mental Disorders
existem mais de 300 distúrbios mentais registrados e, além disso, psiquiatras
norte-americanos estão discutindo a inclusão de mais de 50 novos tipos
neste manual.
Um dos maiores críticos do manual de psiquiatria da atualidade é o
sociólogo Stuart Kirk, professor da Universidade da Califórnia. Ele diz que
muitos destes distúrbios são comportamentos que sempre existiram na
sociedade e que seriam considerados normais não fosse o interesse de
alguns psiquiatras e da indústria farmacêutica em medicalizar o maior número
possível de atitudes que fogem ligeiramente do padrão.
É interessante ressaltar que a visão organicista na Psiquiatria sobre a
doença mental não é, segundo Christian Delacampagne em seu ensaio
Figures de l'oppression 3 uma ideologia qualquer, nem um pólo - entre outros -
da pesquisa psicopatológica: ela é o pólo fundamental e a ideologia de base,
aquela a que a Psiquiatria sempre recorre. Além disso, ela ainda mantém a

3 DELACAMPAGNE, Christian apud JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, Editora Zahar, 1981. pág.55
ficção de que um dia será conhecida toda a química das psicoses. Com base
nisto, Manuel de Diéquez 4 ressalta exatamente aquilo que a razão européia e
a Psiquiatria nela fundamentada têm absoluta necessidade: que a verdadeira
fonte da doença mental seja de ordem psicoquímica.
Apesar de o assunto ser Psiquiatria, apresenta-se uma das citações
que Thomas Szasz, um dos maiores críticos da visão psicoquímica da doença
mental, colocou com sua forma sempre irônica de escrever:

Quem acredita ser Jesus, ou quem acredita ter descoberto um remédio contra o
câncer (sem ser esse o caso), ou quem se acredita perseguido pelos comunistas
(sem ser esse o caso), terá suas convicções, provavelmente, interpretadas como
sintomas de esquizofrenia. Mas, quem acreditar serem os judeus o povo eleito, ou
ser Jesus o filho de Deus, ou ser o comunismo a única forma de governo científica
e moralmente justa, terá suas convicções interpretadas como o produto daquilo
que é: judeu, cristão, comunista. É por isso que acredito que só descobriremos as
causas químicas da esquizofrenia quando descobrirmos as causas químicas do
judaísmo, do cristianismo e do comunismo. Nem antes e nem depois. 5

Mas enfim, sendo alimentados pelos resultados ora frágeis da


neurologia, o organicismo continua a se voltar hoje para as promessas -
ainda mais abstratas - da bioquímica e da genética molecular, com a
finalidade de poder, através delas e algum dia, compreender melhor as
origens e os processos das doenças mentais. Sendo assim, o psiquiatra
continua ainda a ser um médico como os outros mostrando que a doença
mental é uma doença como as outras, isto é, uma doença de base orgânica.

4 DIÉQUEZ, Manuel de. apud JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, Editora Zahar, 1981. pág. 55
5 SZASZ, Thomas apud JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, Editora Zahar, 1981. pág. 56
CAPÍTULO III

A ANTIPSIQUIATRIA – INDAGAÇÃO E REVOLUÇÃO

Antes de mais nada, é bom verificarmos o que vem a ser e como


surgiu o termo Antipsiquiatria. A princípio, poderíamos começar pelo prefixo
anti, que significa alguma coisa que se contrapõe a outra, de oposição a algo;
logo, antipsiquiatria, grosso modo, seria algo que se contrapõe à Psiquiatria.
O termo antipsiquiatria foi utilizado pela primeira vez pelo psiquiatra
sul-africano David Cooper em seu livro “Psiquiatria e Antipsiquiatria” 6, que
com alguns estudos de alguns especialistas e juntamente com o psiquiatra
inglês Ronald Laing, passou a discordar dos métodos de estudo e das ações
da psiquiatria e da psicologia tradicionais, questionando as premissas
científicas e filosóficas de onde partem quase todas as teorias psicológicas
difundidas, propondo assim novos pontos de partida.
Num dos livros pesquisados 7, há uma fábula, a dos cegos e do
elefante que dará uma base simples para se compreender melhor o
questionamento da antipsiquiatria sobre a psiquiatria e também sobre a
própria psicologia.
Eram cinco cegos que não conheciam um elefante, não tinham a
mínima idéia de como seria e muito menos se esse era um animal. Sendo
apresentados a ele, com a finalidade de conhecê-lo, o primeiro cego apalpou
suas patas e concluiu: o elefante se assemelha a grossas colunas. O
segundo pegou em sua tromba e por ser maleável e comprida pensou ser ele
muito parecido com uma cobra. O terceiro cego, pegando a cauda, imaginou
o elefante sendo algo parecido com um chicote. O quarto, tateando suas
presas, teve a imagem dele como um bastão maciço. O ultimo cego,
apalpando as orelhas, disse que o elefante era uma espécie de leque
maleável.
Como podem ver, o nosso conhecimento sobre as coisas depende
muito da forma como as pegamos, isto é, do nosso ângulo de visão e dos

6 COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo, Editora Perspectiva, 1967


7 JUNIOR, João Francisco Duarte. A política da loucura – a antipsiquiatria.Campinas, Ed. Papirus, 1983.pág 9
instrumentos que temos à mão para estudá-los. Os cegos só tinham o tato
para conhecer o animal e cada um se utilizou desta forma para conhecer a
realidade. Além de ser uma maneira restrita de apreensão, usaram-na de
forma parcelada, não percorrendo todo o elefante.
A loucura, ou de uma forma mais genérica, a mente humana é
parecida com o nosso elefante. A crítica fundamental de Laing e Cooper
coloca os psiquiatras e psicólogos tradicionais na posição dos cegos,
situados sobre uma maneira restrita de entender o comportamento humano,
tateando o seu objeto e traçando teorias e métodos de ação sem perceber
que estão abrangendo apenas uma parte do fenômeno. Portanto, o tipo de
raciocínio filosófico e científico tradicionalmente usado pela psicologia
fornece apenas uma visão fragmentada do que seja a mente humana e seus
desvios.
Como se pode ver, a questão principal da antipsiquiatria reside na
crítica a uma determinada forma de se fazer ciência. Uma forma estreita de
transformar a loucura - uma maneira existencial de ser - numa doença. Para
a psiquiatria tradicional, estar louco e estar gripado são a mesma coisa, isto
é, ambas são doenças que se contrai, uma por vírus e a outra por causas
mais ou menos misteriosas. Mas ambas precisam de um tratamento, uma
atuação sobre o corpo ou sobre a mente a fim de fazê-los retornar à
normalidade.
A antipsiquiatria tentou alterar este ponto de visão: a loucura não é
uma doença da mesma forma como entendemos as doenças físicas. Ela
apenas parece uma doença se olhada a partir de um esquema médico-
nosológico, mas, se olhada de outro ângulo ela será vista muito mais como
um jeito diferente de ser, um jeito não usual de estar no mundo.
Vamos supor agora que o cego que apalpou o elefante pela orelha
resolveu arrumar uma caixa, um alojamento para ele. Provavelmente ele
arrumaria qualquer caixa do tamanho da orelha e pensaria ser ela o lugar
mais adequado para o elefante morar. Fazendo uma analogia, para quem vê
a loucura como uma doença também precisa arrumar um tratamento para ela
sob o seu ponto de vista, pensando ser este o modo mais adequado para ela.
Nisso se pergunta, qual é o tipo de tratamento então utilizado pela
psiquiatria? Eletrochoques, psicoterapias, drogas e internamentos - tudo com
o objetivo de curar a anomalia e de fazer o indivíduo voltar à normalidade.
Se o cego fosse obrigado a fazer o elefante entrar na caixa,
provavelmente ele não se daria conta do erro que estaria fazendo. O mesmo
ocorre com a psiquiatria em estar colocando o louco dentro do seu método de
tratamento, isto é, forçando-o mesmo que para isso tenha que usar da
violência, esquartejando as partes de um indivíduo que deve ser visto como
um todo. Estatisticamente, o número de curas realizadas pela psiquiatria é
insignificante e mesmo assim se pergunta o porquê de, mesmo sendo
insignificantes, a instituição psiquiátrica ocupar um lugar hoje firme e robusto.
Para chegar nessa resposta temos que entrar num pensamento
filosófico mais geral e que norteia toda a crítica da antipsiquiatria: a
consideração da política e da economia que regem o mundo humano. Por
isso que, mesmo os métodos de tratamento psiquiátrico sendo tão ineficazes
em termos de cura, continuam a ser largamente usados. A instituição
psiquiátrica dentro deste contexto atende os objetivos políticos e econômicos
bastante claros, isto é, ela atua como uma espécie de polícia que pune e
encarcera os indivíduos considerados improdutivos pelo sistema capitalista-
industrialista de nossas sociedades.
Tendo esta visão política - da forma mais genérica possível - de
mundo, o elefante não deve ser estudado apenas por uma de suas partes,
mas sim como um todo e, principalmente, deve-se estudar as relações que
ele mantém com o seu ambiente natural. Portanto, de nada vale fazer como a
psicologia e a psiquiatria tradicional em estar isolando o seu objeto de
estudo, a mente humana, como sendo uma coisa em si mesma, deixando de
lado todo o envolvimento sócio-político-econômico que o homem - dono desta
mente - mantém com o mundo.
Para se conhecer realmente a mente humana, ela deve ser estudada
dentro do complexo jogo de relações que mantém com outros indivíduos, em
seus contextos sociais específicos. Afinal, nosso psiquismo é produto das
relações que mantemos com nosso meio sociocultural e nada mais plausível
do que estudá-la sobre esse enfoque. Partindo deste pensamento, a
antipsiquiatria começou então a estudar as relações do indivíduo com esse
meio sociocultural, sendo este um dos seus principais e mais importantes
estudos.
CAPÍTULO IV

A POLÍTICA DAS RELAÇÕES HUMANAS

Como podemos perceber, a idéia central da antipsiquiatria é a de


relação. Não existem seres humanos isolados, não existe um ser-sem-relação
mas sim um ser-em-relação. Isto é uma prática inegável pois um indivíduo
sempre está em relação com os outros. A vida de um indivíduo se dá e se
define a partir dos relacionamentos que este mantém nos diferentes grupos
sociais a que pertence. Partindo dessa premissa básica, tudo o que acontece
com uma pessoa não se passa somente com ela, mas se estende àqueles
aos quais ela está relacionada. Aí se mantém firme a insistência da
antipsiquiatria no caráter político da vida humana.
Quando se fala em política, muitos de vocês podem estar pensando
em vários partidos, candidatos a governadores falando em palanques, em
comícios, candidaturas, eleições, etc. Claro que isso é política, mas política
não é só isso. Ao insistir no caráter político da vida, os antipsiquiatras estão
se referindo justamente ao fato de que todos nós sempre buscamos a
felicidade (amor, prazer, etc.), e que esta busca passa, necessariamente,
pelo outro. Logo, esse outro pode ser um caminho ou uma barreira até essa
tal felicidade que buscamos; ou ainda – o que é mais comum – ser,
ambiguamente, os dois (uma barreira e um caminho ao mesmo tempo).

Para tanto, política na antipsiquiatria diz respeito ao desdobramento


do poder em quaisquer instituição social, desde as famílias (primeira
instituição social) até mesmo aos sindicatos e partidos, passando nesse meio
termo pelas escolas, empresas nas quais se trabalha, entre outras
instituições (incluindo instituições religiosas). Política diz respeito ao poder
que temos sobre o próximo ou mesmo o poder que o próximo tem sobre nós.
Esse poder pode nascer de injunções estabelecidas socialmente,
formalmente ou o que é pior, pode nascer de simples relações afetivas,

a dois.
Para ficar mais fácil o entendimento, é fácil verificar o poder dentro
das relações humanas no nosso cotidiano (a política das relações). Um
exemplo clássico em nossa sociedade é o poder que o pai tem sobre o
restante da família. Se for perguntado a você, que está lendo esta monografia
quem é o chefe da família em sua casa provavelmente você irá responder
que é (ou foi) seu pai. É um fator cultural e bastante provável em nosso
sistema o pai ser considerado o chefe da família, o indivíduo dentro do grupo
familiar que tem o poder sobre os outros.

Existem ainda muitos outros poderes: o poder que o homem mantém


sobre as mulheres (observável facilmente nas sociedades machistas), o
poder do sacerdote sobre o fiel, o poder do patrão sobre o empregado, do
irmão mais velho sobre o irmão mais novo, do professor sobre o aluno, enfim,
uma infinidade de exemplos até mesmo um bastante interessante e que
merece profunda reflexão, o poder do psicoterapeuta sobre o cliente.
Neste último é bom verificarmos que, até num processo
psicoterapêutico, o terapeuta também está incluído no universo relacional do
indivíduo, valendo do mesmo profunda atenção e consideração pois o núcleo
do caso apresentado pelo cliente pode estar justamente no seu
relacionamento com o terapeuta.
Mas voltando para as relações (de poder) humanas, pode-se dizer que
todas as nossas relações são políticas, isto é, envolvem um jogo de poder,
seja ele um poder instituído socialmente ou um poder mais difuso, um poder
afetivo – um poder mais abstrato e quase que não perceptível. Sendo assim,
as peculiaridades do indivíduo não devem ser vistas como existindo apenas
nele, mas sim como o produto das relações que ele mantém com os outros. A
maneira como ele existe, seu jeito de ser se deriva dos relacionamentos
(políticos) entre ele e os grupos sociais a que ele pertence.
Portanto, podemos pensar que, o que realmente importa na
antipsiquiatria não são as características de um indivíduo isolado, mas como
tais características brotam de seus relacionamentos sociais.

Para se chegar a esses pensamentos, os fundadores e persecutores


da antipsiquiatria (Ronald Laing e David Cooper) estudaram pensamentos de
outros filósofos e cientistas. A fim de não sobrecarregar com muitas
informações (a citação de cada um deles) é de importância frisar que um
destes maiores filósofos era o francês Jean-Paul Sartre. Foi nele que Laing e
Cooper articularam seus estudos sobre o indivíduo – existencialismo – como
o estudo mais geral das sociedades humanas desenvolvido pelo marxismo.
Como se sabe, no marxismo procura-se determinar as relações
político-econômicas globais de uma sociedade, isto é, procura-se determinar
as relações econômicas e materiais que determinam as relações de poder
numa sociedade. A junção dos estudos de Sartre e do marxismo levou a
antipsiquiatria a enfatizar as relações humanas procurando compreendê-las
desde as relações a dois, face-a-face, até as relações mais gerais, entre
entidades e instituições sociais mais amplas. Mesmo porque é impossível
separar o indivíduo de todo o contexto sócio-político-econômico no qual ele
vive.
Portanto e, resumidamente, numa busca de compreender melhor o
comportamento humano, a antipsiquiatria surgiu revolucionariamente com a
proposta de negar completamente tudo o que a psiquiatria coloca sobre a
doença mental, contrariando uma psicologia tradicional que toma o indivíduo
em si mesmo, isolado num contexto mais geral para tentar compreendê-lo em
função do inter-relacionamento social que ele mantém com o mundo; tentar
compreendê-lo sob o seu universo relacional, sob a política que se insere nas
relações humanas.
CAPÍTULO V

FAMÍLIA, ESQUIZOFRENIA E ANTIPSIQUIATRIA

Para se estudar melhor a política das relações humanas, devemos


estudar a família como sendo a primeira instituição social que compõe o
universo relacional de um indivíduo. Como Danda Prado 8 diz em seu livro,
cada ciência procura estudar a família sob um aspecto diferente, logo é
interessante ressaltar que neste trabalho iremos estudar a família dentro de
um contexto muito mais amplo; um contexto que enfatiza o sistema político,
econômico e social que, querendo ou não, acaba por fazer parte das
dinâmicas que constituem a estrutura familiar; em outras palavras, neste
trabalho a família passa a ser vista como um fenômeno microssocial e
micropolítico que influencia e é influenciada pelo sistema macrossocial e
macropolítico, neste último caso, o Estado.
Sendo estudada dessa forma, dentro do contexto cultural onde está
inserida a família, é possível analisar as ligações criadas e estabelecidas
entre o Estado e o indivíduo dentro da instituição familiar; um estudo
abrangendo o conjunto das relações interpessoais numa perspectiva mais
social e abrangente.
Mas, antes disso, vamos procurar enfatizar o sistema de relações
pessoais existente no interior da família e que irá nos ajudar a compreender
como um de seus membros é conduzido à mais grave das doenças mentais: à
loucura, ou mais especificamente, à esquizofrenia. O estudo das relações
interfamiliares facilitará, e muito, a compreensão do duplo vínculo explicado
no próximo capítulo.
Como visto no item anterior, nossas relações interpessoais são

sempre políticas e na família isto não poderia ser diferente, mesmo porque

ela própria se estrutura em torno do poder: o poder assumido pelo chefe ou

por aqueles que sustenta (economicamente) o grupo e que, numa visão mais
8 PRADO, Danda. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Primeiros Passos, 50).
ampla, tem o poder de dirigir o destino dos demais membros (mais especificamente
dos filhos) educando-os segundo regras por ele prescritas e indicando-lhes o
caminho a seguir.
Esse tipo de poder na família pode adquirir (e quase sempre adquire)
um caráter impositivo e ditatorial, onde determinados valores são impostos
aos dependentes (os mais fracos). Sendo assim, o chefe ou os chefes da
família decidem quase tudo sozinhos como por exemplo: desde o decote do
vestido da filha, a que horas ela deve voltar quando sair e até mesmo quais
são as companhias mais adequadas para ela. Em outras palavras, procura-se
numa forma totalitária, formar indivíduos através da imposição dos mínimos
detalhes e valores, que devem reger o comportamento dos membros do
grupo.
Muitas vezes a imposição destes valores pode ser fortemente rígida e
autoritária negando assim qualquer traço de autonomia e individualidade dos
demais membros. Isto significa que, de certa forma, os filhos devem se tornar
um produto dos desejos dos pais, seguindo-lhes rigidamente as prescrições e
evitando quaisquer atitudes que fujam dos padrões por eles estabelecidos;
impedindo assim seu crescimento enquanto uma entidade autônoma, capaz
de se escolher e escolher os seus próprios caminhos e valores, passando a
ser quem os outros querem que eles sejam.
Ronald Laing passou a chamar essa condição de sistema de falso eu
na qual o indivíduo irá assumir determinadas maneiras de ser que estão em
concordância com aquilo que esperam dele, afastando de si outras
possibilidades que possam surgir de seus reais desejos.
Tendo em vista que o sistema familiar, nesse caso (e na maioria dos
casos), é rígido e repressor, punindo os desvios de seus membros, o
indivíduo passa a assumir-se como um personagem criado pelos outros. Para

ser um bom filho e não sofrer a repressão ele passa a se comportar segundo

as normas que lhe foram ditadas pelos outros, retirando de si próprio o

centro de decisões a respeito da própria vida; passando a assumir um falso


eu, uma personalidade destinada a satisfazer os desejos do grupo, mesmo

que seja o contrário que ele próprio escolheu para si.


Para a antipsiquiatria, esses falsos pressupostos e falsas atitudes
geram a esquizofrenia, geram um modelo não usual de ser, de existir no
mundo. Dentro desse contexto, podemos então perguntar por que dentro de
uma família, mesmo sendo rígida e repressora, apenas um dos indivíduos
desse grupo é que se torna um esquizofrênico e os demais não; por que
apenas um deles é que se torna diferente, esquisito, levando os outros a
conduzirem-no a um tratamento.
Para responder esta questão podemos analisar a situação inversa, por
que um indivíduo não se torna um esquizofrênico.
Quando o sistema familiar não é repressor ao extremo, permitindo que
o indivíduo descubra, em outros grupos, outras maneiras de ser, existem
grandes probabilidades de ele tomar consciência do jogo em que está
inserido. Existem maiores possibilidades de perceber que ele pode assumir
seus próprios valores, desde que longe do sistema familiar impositivo. Sendo
assim, ele passa então a jogar, frente à família, o papel que dele esperam,
comportando-se de maneira autônoma longe dela. No geral, é isto que
preserva nossa sanidade: a descoberta das regras do grupo onde estamos e
da nossa liberdade para manipulá-las em nosso proveito (o que não ocorre no
duplo vínculo, abordado mais adiante).
Sob esta ótica podemos dizer que nós aprendemos a ser quem os
outros querem que sejamos quando estamos junto a eles, sendo em outros
lugares aquilo que realmente somos ou queremos, exercendo assim nossa
liberdade de nos apresentarmos segundo o que as situações nos pedem.
Mas, na família onde surge o indivíduo esquizofrênico o sistema é tão
opressor que não permite a mínima variação da conduta de seus membros. O
indivíduo esquizofrênico assume seu falso eu vinte e quatro horas por dia,
renegando completamente as suas aspirações e paixões pessoais; deixando
tudo aquilo que gostaria de ser ou fazer –que contraria as normas familiares-
num estado latente, negando seu eu autônomo.
Vivendo através do seu falso eu, o indivíduo começa a perceber-se
como estando cada vez mais distante de si próprio, distante de se tornar um
ser autônomo. Ele passa então a viver como uma espécie de personagem
que, no fundo, não quer ser.
Isto acaba por gerar um conflito que, gradativamente, vai assumindo
proporções insuportáveis simplesmente pelo medo de contrariar as normas
familiares e sofrer uma maior repressão.
Neste conflito pode-se observar que existem dois eus, um é aquele
que lhe é imposto e o outro é aquele que ele aspira ser (mas que não é). De
início é como se essa divisão pudesse ser mantida, porém com o passar do
tempo, o indivíduo candidato à esquizofrenia percebe que na realidade ele
não tem eu algum; percebe que aquilo que ele interpreta não é ele mesmo e
aquilo que ele deseja ser não pode ser assumido: logo, ele não existe, passa
a ser um simples boneco, despersonalizado e obediente às vontades alheias.
Neste momento sua angústia torna-se insuportável e, na medida em
que ele se sente fragmentado, partido e carente de uma personalidade una
podem surgir os primeiros sintomas do comportamento esquizofrênico. Para
Laing e Cooper, estes comportamentos que ele passa a ter são uma forma de
protesto à situação opressora que lhe nega a individualidade. Este protesto
não é um protesto comum, é um protesto cheio de contradições, não
declarado e nem admitido abertamente pelo próprio indivíduo. Se por acaso
ele conseguisse assumir-se e protestar abertamente, estaria de certa forma,
recuperando sua autonomia e sua individualidade, mas, como tem medo de
mais repressões, sua forma de protesto é confusa, incongruente e visa
inclusive mascarar o fato de que ele está se opondo ao grupo, aceitando
assim o rótulo que lhe é atribuído : esquizofrênico.
Neste estado, é muito mais fácil assumir-se como alguém doente,
confuso, carente de cuidados do que assumir-se como um opositor, alguém
que nega as regras familiares. A mesma condição acontece do outro lado, é
muito mais fácil a família assumir um filho doente do que um mau filho, sendo
um consenso grupal a possível insanidade mental deste indivíduo.
Como ele não sabe mais quem é e sendo visto como um desajustado,
cada vez mais passa a assumir o papel de louco, cada vez mais se afunda
em suas contradições e em sua fragmentação.
Partindo para um ponto de vista micropolítico, a instituição 9 familiar
passa a ser então um local onde as pessoas devem assumir papéis com
scripts pré-fixados independente de sua criação pessoal. Isto nos deixa uma
expectativa de como devem ser os comportamentos e as atitudes de seus
membros, como devem ser os comportamentos e as atitudes de um pai, de
uma mãe ou mesmo de um filho, submetendo-nos aos papéis pré-fixados pelo
sistema maior (do Estado). Sendo assim, .. “a família é especialista em
estabelecer papéis para os seus membros, mais do que criar condições para
cada um assumir a sua identidade” 10.
Podemos dizer então que os relacionamentos interfamiliares ocorrem
segundo regras pré-estabelecidas tanto socialmente quanto particularmente
(dentro de cada família). Portanto a família passa a acatar as regras sociais
maiores (do Estado) e passa também a criar suas próprias regras.
Para entender melhor isso, é bom observar que numa estrutura
ditatorial e machista (como a nossa) , o poder de criar e acatar ou não tais
regras é delegado privilegiadamente ao homem, ao chefe da família. Cabe
então a ele legislar e promulgar as leis do grupo, bem como punir os que não
as acatam. Aos poucos esse poder vai se configurando, democraticamente
(partindo da discussão das regras), numa espécie de ditadura familiar que, se
atingir uma ferocidade extrema, poderá produzir indivíduos
esquizofrenizados.
Observamos ainda que, a família brasileira atual (em especial) tende a
gerar pessoas altamente dependentes ao invés de formar indivíduos
conscientes de sua individualidade e responsabilidade para escolher seus
próprios caminhos.
Os filhos então passam a ser educados para a submissão e não para
a autogestão. Devem se submeter às recomendações dos mais velhos, dos
mais experientes, já que não possuem a capacidade para serem
responsáveis por si próprios.
Esse tipo de submissão continua ainda na escola onde os alunos são
subordinados à autoridade dos mestres e diretores que também já decidiram
por eles o que e como deve ser seu aprendizado. Mas isso não para por aí,

9 Entende-se por instituição um agrupamento humano no qual as pessoas são colocadas em determinadas
posições (ou em determinados papéis) que transcendem a sua intencionalidade individual.
10 COOPER, David. A morte da Família. São Paulo, Editora Marins Fontes, 2º ed., 1986, pág. 26
quando Wilhelm Reich disse que “a família espelha e reproduz o Estado ” –
em todos os sentidos - é fácil observar que a submissão acompanha o
indivíduo em toda a sua vida, passando ainda por sua vida profissional e indo
até mesmo na sua simples ação como cidadão (na qual o Estado é que passa
a decidir por ele).
A situação de dependência familiar é hoje tão extremada entre nós
que os pais não toleram que o indivíduo possa escolher não ser mais
dependente deles. No geral, isto é interpretado pela família como uma
espécie de ato de rebeldia, como uma negação da, como eles próprios dizem,
felicidade que reina neste lar. Se um filho resolve sair de casa e assumir sua
vida própria os pais podem dizer: como você pode fazer isso conosco?
Mostrando assim seu egoísmo; ou melhor dizendo, para eles não interessa se
a atitude de sair de casa será ou não boa para o filho, o que interessa
realmente é que essa saída não será boa para eles.
David Cooper então passa a insistir na questão do amor. Segundo ele,
o amor dentro da família nuclear burguesa vem sendo vivido e entendido
como dependência e submissão e não como a capacidade para compreender,
exaltar e estimular a liberdade e individualidade do outro. Amar o filho deveria
ser entendido como um estímulo para que ele se torne uma personalidade
independente, e não como uma relação de posse, em que eu possuo o
controle sobre sua vida.
Para se compreender melhor o conflito entre os papéis e valores
impostos aos filhos podemos notar que, o mesmo conflito parte de uma
situação ambígua, ou mesmo de uma ambivalência de sentimentos. Se de um
lado a política familiar impõe determinada forma de ser que não é desejada,
por outro lado ela fornece coisas boas como - por exemplo - um lar, dinheiro,
proteção e amor. Mas, se não se comportar direito como se é esperado, o
indivíduo então perderá o seu amor e proteção, tornando-se assim um mau
filho. Por outro lado, se o indivíduo se mantiver dentro dos limites que lhe
foram impostos, deixará de vivenciar e experienciar seus desejos, não se
realizando como pessoa. Sendo este o núcleo do conflito.
Para o indivíduo que experiencia tudo isso, não é tudo tão simples
assim. Ele se encontra muito confuso internamente, não sabendo mais
REICH, Willhian apud FREIRE, Roberto. Soma – uma terapia anarquista. São Paulo, Ed.Sol e Chuva, 1993,
pág 36
distinguir com clareza o que ele realmente acredita e aquilo que os outros
querem que ele acredite.
Esta situação de ambivalência, na maioria das vezes, está ligada a
uma coisa chamada de sentimento de culpa; e que é o principal meio de
controle familiar. É através de sua implantação no indivíduo que se consegue
conduzi-lo a uma forma de introjetar os papéis e comportamentos prescritos.
É mostrado ao indivíduo que se ele não seguir as normas da dinâmica
familiar estipulada ele poderá desestruturar o restante da família. Alguns
exemplos clássicos quanto a isso são algumas das afirmações mais comuns
que visam justamente a implantação da culpa:
- Se você não se casar com esta moça eu sofrerei o resto da vida;
- Se você for morar sozinho seremos vistos por todos como uma família
desagregada, sem harmonia;
- Você não tem o direito de nos fazer sofrer se metendo nestes movimentos
estudantis, onde poderá ser preso.
Ou mesmo um exemplo mais trágico:
- Meu coração não irá agüentar; se você for estudar nesta cidade tão
distante, sofrerei um enfarte.
Provavelmente você já deve ter ouvido algo semelhante, mais
conhecido como chantagem emocional e que, como toda chantagem
emocional, visa o controle através da culpabilização do indivíduo.
Portanto podemos concluir que, essa é a política da família: ambígua
e, na maioria das vezes, contraditória.
Foram nestas contradições e ambigüidades que Laing e Cooper, para
chegar na maioria das críticas que resultaram na antipsiquiatria e que vimos
até agora, partiram de um estudo muito mais profundo e antigo denominado
teoria do duplo vínculo. Neste estudo, direcionado especificamente sobre a
abordagem sistêmica da doença mental (especificado no primeiro capítulo),
demonstrava-se que na família do indivíduo rotulado como esquizofrênico era
freqüente o envio de mensagens dúbias e de atitudes ambíguas. Estudando a
pragmática da comunicação humana dentro destas famílias, perceberam que
os pais geralmente dirigiam a seus filhos determinadas mensagens com um
duplo sentido, isto é, com sentidos opostos entre si. Estas mensagens, dentro
da situação de submissão e dependência e entre outros fatores que vimos até
agora, resultariam ao longo do tempo no falso eu descrito por Laing, num
indivíduo esquizofrenizado que cada vez mais se perde na sua própria
personalidade (personalidade esta que não existe).
Tendo então a psiquiatria com sua visão organicista da doença mental
e a antipsiquiatria indo contra essa visão entre outros fatores que vão contra
a psiquiatria de uma forma em geral, chegou-se à conclusão que o duplo
vínculo seria então um dos meios utilizados pela família, mesmo sem
perceberem, que facilitaria o controle dos filhos (ou de seus membros) e que
numa situação mais crítica e, recebendo constantemente esse tipo de vínculo
duplo, resultaria então na esquizofrenização de um de seus membros. Em
outras palavras, poderíamos dizer então que a origem da esquizofrenia se
daria através de um erro na comunicação existente no interior da família; não
deixando um de seus membros exercer sua individualidade, fazendo-o
assumir assim seu falso eu.
O duplo vínculo então passou a ser a descoberta revolucionária mais
importante para a antipsiquiatria no que se refere a teorias sobre a origem da
esquizofrenia, a origem da mais importante e misteriosa doença mental.
CAPÍTULO VI

TEORIA DO DUPLO VÍNCULO

Uma das principais descobertas da antipsiquiatria foi perceber que os


desequilíbrios emocionais decorrem basicamente de distúrbios na comunicação
humana. Existe um defeito na forma de se comunicar e de se relacionar,
normalmente utilizado, que leva inicialmente à confusão e, conseqüentemente, à
desorganização do pensamento e perda da realidade. Isso muitas vezes acontece
desde a infância, quando a criança recebe um tipo de comunicação paradoxal,
chamada de duplo vínculo. 11

A descoberta do duplo vínculo ou double bind surgiu em 1956, através de


estudos realizados pelo antropólogo Gregory Bateson no departamento de
sociologia e antropologia da Universidade de Stanford em Palo Alto (Califórnia). Este
estudo originou-se em 1952 quando Bateson juntamente com sua equipe, decidiram
estudar os intercâmbios familiares onde se encontrava inserido o esquizofrênico,
mais especificamente sobre suas formas de comunicação, gerando assim, estudos
mais profundos sobre a patologia da comunicação (neste caso, o duplo vínculo) que
era comum nessas famílias.
Esse estudo, denominado posteriormente como Toward a theory of
Schizophrenia (Por uma teoria da esquizofrenia) escrito em apenas 20 páginas foi
assinado por quatro grande nomes: Don D. Jackson, J. Haley, J.H.Weakland e
G.Bateson.
Ele nos mostra a intensidade das inter-relações, mesclando mensagens
complexas (verbais ou comportamentais) nos seus níveis lógicos, evidentes ou
mesmo mais abstratos (visível somente a um observador atento) que, querendo ou
não, passam a interferir no comportamento humano: esquizofrenizando ou não os
indivíduos dentro do seu universo interfamiliar.
Isto quer dizer que, dentre as famílias em que existia um esquizofrênico e
que foram estudadas, foi descoberto um tipo de comunicação paradoxal, um tipo de
comunicação ambígua e que, segundo observações, eram constantes na vida do
indivíduo esquizofrênico, passando ele próprio a viver nessa ambigüidade, ele
próprio a viver seu paradoxo.

11 FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo, Ed. Sol e Chuva, 1993,
pág 36
6.1. A Comunicação Humana – Um pouco de sua teoria

A teoria do duplo vínculo está dentro da abordagem sistêmica da doença


mental, isto é, está dentro de uma abordagem que possui uma visão sistemática da
origem da esquizofrenia, tendo como base principal a comunicação humana.
Perguntando o porquê de se estudar a comunicação humana, cabe deixar
claro que a comunicação é uma condição estritamente necessária da vida humana e
da ordem social mais ampla. Desde o início de sua existência, um indivíduo se
encontra envolvido num complexo processo de aquisição de regras de comunicação,
possuindo apenas uma noção mínima daquilo em que consiste esse corpo de
regras.
Muitas teorias da comunicação se restringem a estudar a comunicação
como um fenômeno unilateral, isto é, do elocutor para o ouvinte, esquecendo-se que
a comunicação se dá num processo muito mais complexo, num processo de
interação.
A comunicação é, sem sombra de dúvidas, um dos primeiros fenômenos que
promove o relacionamento entre o indivíduo e o mundo. É a primeira condição
humana que estará sempre presente nas relações interpessoais do indivíduo
enquanto um ser que interage com seu meio social.
Apesar de mudarmos um pouco nossa linha de raciocínio apresentada
desde o início deste trabalho, é interessante agora darmos uma breve introdução
sobre como funciona, como se dá a comunicação em si, partindo para uma breve
introdução da teoria da comunicação sobre seu ponto de vista lógico, matemático e
sistêmico.
Observando a estrutura da comunicação humana, podemos dizer que a
mesma se dá basicamente através de três áreas: da sintaxe, da semântica e da
pragmática; e que estas três constituem o estudo da semiótica (teoria geral de sinais
e linguagens).
Destas três áreas, a sintaxe é a que abrange mais os problemas da
transmissão da informação. Preocupa-se com o problema de código, canais,
capacidade, ruído, redundância e outras propriedades estatísticas da linguagem.
Estes problemas são puramente sintáticos e não estão preocupados com o
significado dos símbolos das mensagens.
O significado das mensagens é o interesse principal da semântica. É
interessante observar que, mesmo que a transmissão semântica dos significados
pela sintaxe fosse perfeita, não adiantaria nada se tanto o emissor ou o receptor da
mensagem não conhecesse o significado da mensagem enviada. Daí podemos
compreender melhor a importância da semântica.
O último dos três é o seu aspecto pragmático (e o mais importante para
nós). Constitui-se no fato de que o comportamento humano é afetado pela
comunicação. Assim sendo, “os dados da pragmática são, não só as palavras, suas
configurações e significados, que constituem os dados da sintaxe e da semântica,
mas também seus concomitantes não-verbais e a linguagem do corpo.”12 A partir
dessa fala, podemos dizer que, todo comportamento, não só a fala, é comunicação;
e que toda a comunicação, não só através da fala, afeta o comportamento.
Resumidamente, a comunicação se processa então por três partes: Na
primeira é passada sinteticamente a informação (sintaxe), depois a informação é
decodificada através da sua significação (semântica) e, em último, ela passa a afetar
o comportamento (pragmática). Este seria o fluxo normal de uma comunicação bem
sucedida, derivando para a idéia que temos de relação ou mesmo de interação.

O estudo da teoria do duplo vínculo nas famílias de esquizofrênicos


constitui-se então em um estudo do distúrbio do fluxo normal que a comunicação
deveria ter, isto é, a comunicação/mensagem passada é dúbia passando a pôr em
dúvida toda a complexidade da comunicação, deixando o fluxo normal da
mensagem à mercê de uma comunicação paradoxal.

6.1.1. Comunicação Paradoxal – Introdução ao Paradoxo

Historicamente, há mais de dois mil anos o paradoxo tem fascinado a mente


humana e somente agora com o desenvolvimento das áreas da lógica, matemática e

12 WATZLAWICK, Paul e BEAVIN, Janet H. e JACKSON, Don D. Pragmática da comunicação humana: um


estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo, Ed.Cultrix, 1967, pág 107
epistemologia – e que estão intimamente ligadas ao desenvolvimento da teoria da
prova, da teoria dos tipos lógicos e dos problemas de coerência, computabilidade,
determinabilidade e outros semelhantes – é que se abrangeu um estudo mais
detalhado sobre o paradoxo, demonstrando que existe algo em sua natureza que é
de importância pragmática (comportamental) e até existencial para todos nós.
A princípio, “o paradoxo pode ser definido como uma contradição que resulta
de uma dedução correta a partir de premissas coerentes”13; isto é, numa linguagem
mais fácil, o paradoxo é o que se diz de uma preposição ao mesmo tempo
verdadeira e falsa, ou que contraria o bom senso, ou ainda que vai de encontro à
oposição admitida e coerente. Essa definição pode ser enriquecida pela evocação
de idéias colaterais: sarcasmo, ironia, sofisma, antifrase, silogismo, antinomia, ou
ainda idéias próximas: má fé, contraverdade, falsidade, ambivalência, hipocrisia,
ambigüidade, lugar comum, farsa, etc. Isso concerne tanto à lógica quanto à moral.
Voltando-se para os sistemas lógicos e matemáticos, existem ainda três
tipos de paradoxos; cada um correspondendo às três áreas da teoria da
comunicação vista anteriormente (sintaxe, semântica e pragmática):

1- A primeira delas são as antinomias (paradoxo da sintaxe). Para se entender


melhor, uma antinomia se define como um enunciado que é simultaneamente
contraditório e demonstrável. Como por exemplo nesta fórmula: temos dois
enunciados, Ef que significa a negação do segundo, que é E v. Logo, os dois
podem ser combinados num terceiro enunciado, E k; formando-se assim uma
fórmula demonstrável do primeiro paradoxo: E k=Ef & Ev. Explicando melhor, as
Antinomias (Ek) são uma contradição formal, pois nada pode ser uma coisa e, ao
mesmo tempo, não ser uma coisa; nada pode ser verdadeiro e falso ao mesmo
tempo, em uma só afirmação.
2- O outro tipo de paradoxo é o que difere das antinomias num aspecto importante:
não ocorrem nos sistemas lógicos e matemáticos. Dão-se através de algumas
incoerências ocultas na estrutura de níveis do pensamento e da linguagem. São
mais conhecidos como antinomias semânticas. Paradoxos existentes na
decodificação das sintaxes. Paradoxos encontrados na significação das
mensagens.

13 WATZLAWICK, Paul e BEAVIN, Janet H. e JACKSON, Don D. Pragmática da comunicação humana: um


estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo, Ed.Cultrix, 1967, pág 169
3- Este paradoxo é a chave dos estudos da duplo vinculação. São paradoxos que
surgem nas interações em desenvolvimento e que passam a determinar os
comportamentos. São denominados de paradoxos pragmáticos.

Podemos observar então que, cada um dos processos básicos da


comunicação possui uma comunicação paradoxal:

1- A sintaxe possui paradoxos lógico-matemáticos denominados antinomias.


2- A semântica possui paradoxos denominados de antinomias semânticas
3- A pragmática possui seus paradoxos pragmáticos

Isto é, resumidamente, existem disfunções (paradoxos) em cada


um dos níveis da comunicação, existem formas que dão sentido dúbio
na forma que a mensagem é transmitida (antinomia), na forma em que é
entendida (antinomia semântica) e na forma em que afeta o
comportamento (paradoxo pragmático)

Esta seria a fórmula representativa de como ocorre a comunicação


paradoxal.
6.2. A prática do duplo vínculo

Voltando para uma linguagem mais simples, podemos dizer


que o duplo vínculo nada mais é que duas mensagens (uma em
contraposição à outra) enviadas simultaneamente que, se for
utilizada sempre em uma criança (por exemplo), pode conduzi-la à
loucura. Trata-se de uma forma de negar e afirmar algo ao mesmo
tempo e transmitir isso através do mesmo canal de comunicação
(pela fala) ou por canais de comunicação diferentes (fala e
expressões gestuais ou faciais).
Esse tipo de comunicação paradoxal utilizada na
relação duplo-vinculadora ocasionaria primeiramente uma confusão
e, a partir daí seu uso contínuo poderia levar até a loucura. É uma
forma usada para confundir uma pessoa que recebe esse tipo de
mensagem, tornando-a fraca e dependente.

No entanto, a mais extraordinária e dramática descoberta da antipsiquiatria foi


constatar que o duplo vínculo só funciona quando existe uma forte relação afetiva.
Ela surge principalmente nas relações familiares e amorosas. Assim, é o amor o
instrumento fundamental para a dominação e neurotização dos indivíduos na vida
14
burguesa.

Vejamos um exemplo de uma situação duplo-vinculadora:


Uma garota de 19 anos deseja sair de casa e morar separada de
seus pais. Ela quer apenas ampliar sua liberdade sem que isso
corte o relacionamento com a família. Num diálogo com a mãe ela
comunica sua decisão e recebe um duplo vínculo: a mãe lhe diz
estar feliz por sua filha resolver separar-se dela e, ao mesmo
tempo, não consegue conter as lágrimas ao afirmar isso. Na
verdade, está dizendo em palavras ser natural e saudável a
independência da filha, mas afirma também pelas lágrimas que isto
a fará sofrer muito.
Embora não tenha realmente dito isso, foi comunicado que a
independência da filha provoca a infelicidade da mãe. Isso produz
um forte sentimento de culpa na filha que, em conseqüência, pode

14 FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo, Vol.3, 2º ed. Sol e Chuva.
1993, pág. 34
abdicar de seu desejo de liberdade e autonomia. Nesse caso foram
utilizados dois canais de comunicação (a fala e a expressão facial)
na mensagem duplo-vinculadora. Mas a mãe poderia ter utilizado
também (em outro exemplo) apenas um canal de comunicação:
“Seu pai vai entender também, como eu, o fato de você não querer
mais morar conosco, mas fale com cuidado, você sabe, ele já teve
um infarto, ele gosta demais de você...” 15 .
De uma maneira ou de outra, a criança que foi sempre
educada utilizando-se o amor (através do vínculo duplo) como
instrumento de dominação de seus desejos próprios acaba
tornando-se apática, impotente, incompetente ou mesmo louca,
assumindo assim seu falso eu, tornando-se uma esquizofrênica.
Neste exemplo houve uma comunicação paradoxal ou duplo-
vinculadora, pois não se utilizou uma linguagem direta, sincera e
objetiva, afirmando um não ou um sim definitivos. Caso a mãe
mostrasse sua opinião clara e sincera não teria sido tão grave, pois
haveria um impasse claro. O que prejudica a comunicação é o fato
de existir tanto uma como outra possibilidade numa só mensagem.
Esse tipo de comunicação paradoxal é constante no
desenvolvimento de nossa sociedade burguesa resultando-se
assim na confusão que vai deformando, alterando a compreensão
dos fatores e modificando seus comportamentos. “Essa é a forma
de comunicação utilizada pela família da grande maioria das
pessoas que se tornam neuróticas” 16 .

6.2.1. O funcionamento do duplo vínculo

15 Idem, pág 34
16 Ibidem, pág 35
Analisando o exemplo anterior, da filha que queria sair
de casa, podemos observar claramente a comunicação paradoxal
através da teoria da comunicação. A filha, ao receber a mensagem
ambígua da mãe, que concorda (pela fala) e que não concorda
(pelo choro), através da antinomia (paradoxo da sintaxe), fica em
dúvida quanto ao entendimento da mensagem que recebeu
(antinomia semântica) e que, devido a isso é gerada uma confusão
do que a mãe queria realmente dizer, ocasionando um
comportamento ambíguo: não realizando seus desejos e
satisfazendo o
desejo de outros (paradoxo pragmático) ao mesmo tempo.

Para entender melhor como o paradoxo ou melhor, como a


mensagem paradoxal gera confusão em um indivíduo, podemos
tentar compreender a seguinte mensagem (como por exemplo):

Ao ler essa mensagem, a primeira coisa que vem à


mente é uma certa confusão. Depois de ler algumas vezes você
pode até pensar que entendeu a mensagem mas no fundo ainda
ela está confusa pois, se eu minto e escrevi que tudo o que
escrevo é falso, eu minto ou eu não minto? E, se tudo o que eu
escrevo é falso e eu digo que estou mentindo, então tudo o que
escrevo é ou não é falso? Enfim, são duas mensagens em que uma
contradiz a outra gerando confusão em quem a recebe. Nesse caso
em especial ainda, “os sentimentos do ego são postos em questão
pelos valores negativos das palavras mentir e falso” 17
Sendo assim, podemos pensar que, uma criança que
recebe sempre uma mensagem duplo-vinculadora de seus pais, um
ser que desde as origens do seu desenvolvimento vive sempre
numa confusão em seus processos cognitivos tende a se
desenvolver fora dos padrões considerados normais pela
sociedade, tende a se desenvolver em sua própria confusão
através da confusão entre os planos verbais e comportamentais da
comunicação.

6.2.2. Os Ingredientes do duplo vínculo

Bateson, Don Jackson, Haley e Weakland


descreveram os ingredientes de um vínculo duplo:
1- Trata-se sempre de relações entre duas ou mais pessoas,
sendo uma delas a vítima, aquela que é duplo vinculada.

2- Essa experiência se repete ao longo da existência da


vítima. (não ocasionando traumas específicos).

3- Emite-se uma injunção primária negativa, combinada de


uma ameaça. Como por exemplo: Não faça isso, caso
contrário eu o punirei; ou Se você não fizer isso, eu o
punirei. Para o duplo vínculo ter seu efeito, sabe-se que
as relações devem ter carga afetiva, logo nesse exemplo
é enfatizado o caráter punitivo da mensagem apontando
uma expressão de ódio ou da cólera, ou ainda “essa
17 BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos. São Paulo, Zahar,
1982, pág. 10
espécie de abandono que decorre da expressão, por parte
dos pais, de sua profunda confusão” 18

4- O quarto ingrediente é uma injunção secundária em


conflito com a primeira. Esta injunção encontra-se num
nível de abstração mais elevado que a primeira por
constituir-se de uma antinomia. Muitas vezes torna-se
difícil de descrevê-la pois freqüentemente é transmitida
através de uma forma paraverbal, como a modulação da
voz, dos gestos ou da postura. De uma forma ou de outra,
ela acaba negando a primeira. Ex: Não me encare como
responsável por sua punição; ou Não leve em conta
minhas proibições.

5- O ingrediente mais importante está na injunção negativa


terciária que proíbe à vítima qualquer escapatória. Para a
criança é impossível fugir da relação vital que
representam os adultos que a cercam. Por vezes, o
bloqueio é substituído pela ambigüidade.

6- O último aspecto é igualmente fundamental no estudo de


situações relacionais concretas. Qualquer reação
desencadeada de um
vínculo duplo gera uma reação emocional (paradoxo
pragmático)

Sendo assim, os mesmos autores ainda colocaram os três


pontos principais que marcam esse tipo de situação:
18 BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos. São Paulo, Zahar,
1982, pág. 24
1- A relação em questão é essencial, o que confere um valor
vital à compreensão correta da mensagem.
2- O protagonista que aplica o vínculo duplo emite duas
espécies de mensagens contraditórias.
3- A vítima se acha incapacitada de metacomunicar-se, de
comentar ou de pedir esclarecimentos quanto às
mensagens recebidas.

Resultante destes ingredientes, surgiram dois postulados


básicos: o primeiro diz que a situação pode desempenhar um papel
significativo na etiologia e nos sintomas clínicos das esquizofrenias
e a segunda diz que a primeira se constitui no cerne da relação
familiar, bem antes do aparecimento da doença.
Na relação do duplo vínculo com a esquizofrenia é
interessante observarmos que um sujeito que se vê confrontado
com essas injunções paradoxais, quando a revolta lhe é impossível
e quando uma resposta lhe é exigida, o modo mais direto de
reação consiste na expressão metafórica, ou seja,
simultaneamente, que possa ser interpretada de maneiras múltiplas
(antinomia semântica), resposta essa tão paradoxal quanto a
injunção paradoxal. Os sintomas de esquizofrenia então, seguindo
essa teoria sistêmica da doença mental são, da mesma forma,
modos diferentes de respostas analógicas ambíguas e de
respostas sem respostas.
Sendo assim:

O esquizofrênico se identifica como um indivíduo não identificável. Suprime não


apenas o sentido das palavras e das frases nas trocas, mas também os sinais
comportamentais que indicam em que contexto afetivo se situam essas
mensagens. Pode até mesmo retirar-se por completo da relação, negando sua
19
própria presença .
Encontramos assim as três grandes formas clínicas de
esquizofrenia, segundo o estudo da comunicação. Na forma
paranóide, é solicitado ao imaginário privado, contendo imagens,
mitos e palavras que chegam até a criar uma ruptura com o
imaginário coletivo, apesar de manter o vínculo inicial com ele. Na
herbefrênica, a resposta afetiva a outrem é feita sob a forma da
ambivalência, mesclando-se a intensidade relacional com a frieza e
a hipersensibilidade com a habitual diferença. A catatônica, coloca
o distúrbio das relações no nível comportamental: um rosto que
não reage ao contato, o retraimento e o mau humor patológico, a
rigidez cérea, etc.

6.2.3. Colocando um indivíduo no duplo vínculo

É fácil observar a manipulação constante da distância


relacional nas famílias em que há um esquizofrênico, basta
analisar as condutas de aproximação e afastamento das mesmas.
Vejamos um exemplo.
A mãe de um jovem esquizofrênico foi ao hospital visitar seu
filho, que estava em franca recuperação após um episódio
psicótico agudo. O doente apareceu feliz por reencontrar sua mãe.
Acolheu-a com espontaneidade e colocou o braço ao redor de seus
ombros. A mãe fez imediatamente um movimento de recuo. O
doente retirou o braço e disse-lhe a mãe: Você não gosta mais de
mim? O doente ruborizou-se e ela acrescentou: Querido, você não
deve deixar-se incomodar e assustar tão facilmente por seus
sentimentos. O doente ficou mais um minuto com a mãe e, pouco
19 BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos. São Paulo, Zahar,
1982, pág. 22
depois, agitou-se, agrediu um enfermeiro e precisou receber
tratamento.
Analisando-se a situação podemos dizer que: a mãe
apresenta um comportamento afetivo positivo, uma oferta ou uma
aproximação; a criança responde, reduzindo a distância. A mãe
exibe então, por um movimento de recuo, seu temor de uma
relação excessivamente íntima. Ao mesmo tempo destrói o sentido
de sua mensagem, seja negando o próprio afastamento, seja
questionando o gesto da criança em relação a ela e o sentido que
poderia ter.
Logo, podemos dizer que, uma manipulação eficaz
consiste não
somente duplo vincular mas também pôr em dúvida a
experiência íntima da criança, como por exemplo: Vá deitar-se,
você está muito cansado. A mãe confunde os sinais de sua própria
fadiga por detrás de uma definição da vivência da criança, em
nome do afeto que lhe dedica.
Esse tipo de mensagem ainda tem muitos outros exemplos,
tais como: Você realmente não pensa assim; ou Você me entende,
não é?; ou ainda Você não deve sentir vergonha. A ambigüidade de
tais mensagens depende do tom, do contexto, da rejeição dos
comentários etc., ou seja, depende enfim da introdução de diversas
negações e denegações, desconfirmações e desqualificações em
mensagens de aparência simples. “A criança cresce na
impossibilidade de comunicar algo sobre a comunicação, o que
tem como resultado a incapacidade de determinar o que as
pessoas querem realmente dizer e a incapacidade de exprimir o
que ela própria quer dizer” 20 .
20 BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos. São Paulo, Zahar,
1982, pág. 24
No caso do recebimento de um duplo vínculo, como já dito
anteriormente, a criança-vítima, por sua vez, adquiriria muito cedo
um modo de comunicação ambígua e passaria a aplicar também o
duplo vínculo, isso, pensando em um nível psicoterapêutico,
poderia contribuir para a dificuldade da relação psicoteráptica com
o esquizofrênico, capaz de colocar seus terapeutas na incerteza
das pseudo-relações.
Colocando-se no ponto em que o duplo vínculo é recebido,
como no exemplo do triângulo anteriormente (eu minto; tudo o que
escrevo é falso) ou em outra mensagem dúbia qualquer, podemos
dizer sem sombra de dúvidas que é impossível responder a
mensagens duplas e contraditórias, é impossível metacomunicar-
se:

Sendo afetivamente importantes, essas mensagens recebidas determinam uma


sucessão de tensões: falha na análise lógica das mensagens, confusão subjetiva
e distúrbios do pensamento, fala ou ações que manifestam o desarranjo. Isso cria
uma resposta incompleta ou globalmente inadequada, que irá determinar, em
21
contrapartida, uma resposta que a condene.

6.3. Duplo Vínculo e a fabricação da loucura – síntese

Podemos dizer então que a visão da origem da


esquizofrenia da
antipsiquiatria vai contra a abordagem organicista da doença
mental proposta desde o princípio pela psiquiatria, colocando-se
então o universo relacional do indivíduo como uma de suas
possíveis causas das enfermidades mentais.
Sendo assim, um indivíduo que é duplo vinculado
durante sua vida inteira – colocando sua existência em questão - e
não tendo uma visão certa de seus sentimentos e dos sentimentos
21 BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos. São Paulo, Zahar, 1982, pág. 32
dos outros, tende a ficar permanentemente confusa ao ponto de se
tornar louca ao longo de seu desenvolvimento.
O duplo vínculo existe hoje na maioria de nossas
famílias e em nossas relações, principalmente por estarmos vindo
de um regime militar (aqui no Brasil) chamado de ditadura e que,
segundo João Francisco Duarte Junior 22 esse regime acaba por
influenciar a família que, por sua vez, também se torna ditadora.
Algumas é que são muito rígidas e repressoras e controlam a vida
de seus filhos ao ponto dos mesmos não saberem distinguir quem
são ou o que os outros querem que eles sejam. Sendo assim, na
maioria dos casos, preferindo ser o que os pais querem que eles
sejam (deixando seus desejos de lado) a fim de não perderem o
amor dos mesmos e o que é pior, não serem punidos.
O duplo vínculo é passado de gerações a gerações
quase que despercebido pela própria família, segundo Roberto
Freire 23 , só se torna um duplo-vinculador um indivíduo que foi duplo
vínculado.
Mas, podemos analisar também outro lado desta
patologia da comunicação que, de certa forma, mostra que a
ambigüidade algumas vezes também é necessária: sem ela, a vida
não seria mais que uma troca interminável de mensagens
estilizadas, um jogo repleto de regras rígidas, monótono e
desprovido de supresa e humor.

22 JUNIOR, João Francisco Duarte. A política da loucura – a antipsiquiatria.Campinas, Ed.Papirus,1983.


23 FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo, Ed. Sol e Chuva,1993
CONCLUSÃO

A antipsiquiatria, apesar de sua forte crítica, não


descarta a existência de determinados desvios do comportmento
ocasionados por problemas físicos (orgânicos), como por exemplo
as doenças mentais causadas pela epilepsia, pela sífilis e pelos
tumores no cérebro (entre outras). Minha conclusão a princípio é
igual a uma velha conclusão sobre uma antiga questão da
psicologia: O que mais está presente na constituição do indivíduo,
sua hereditariedade ou o seu meio social? A mesma coisa ocorre
neste estudo, o que gera realmente a esquizofrenia, fatores
psicoquímicos (orgânicos) ou o meio social (duplo vínculo)? Em
ambas as respostas, podemos dizer hoje que, tanto uma como a
outra são estudos amplamente interessantes e discutíveis mas que
devemos ter em mente ambas as teorias. Isto é, tanto uma como a
outra estão certas, logo poderíamos dizer que o homem é
constituido 50% através de sua hereditariedade e 50% constituído
através do seu meio social, assim como a origem da esquizofrenia
pode ser 50% orgânica e 50% social.
Pra que esse estudo então? Bem, este estudo me
proporcionou (e espero que pra você também) uma maior atenção
na comunicação humana. Hoje em dia é fácil observar indivíduos
do cotidiano que aplicam o duplo vínculo em outras pessoas.
Quantas vezes alguém lhe disse que está bem quando na verdade
você percebe no tom de voz que não está nada bem? Pois é, aí já
se encontra um duplo vínculo e que, se você tivesse um vínculo
muito forte com essa pessoa a resposta ambígua dela lhe seria
preocupante. Ao questionar o porquê do estudo da
antipsiquiatria e do duplo vínculo dentro da Somaterapia de
Roberto Freire, descobri também que, o duplo vínculo é a principal
arma de dominação nas relações interpessoais e através das
descobertas de seus mecanismos, na descoberta de quem está ou
não duplo vínculando é que se está livre desta manipulação. O
Soma ao trabalhar com indivíduos enfatiza a sinceridade nas
relações humanas, pois é muito melhor ser sincero, dizendo um
não do que transmitir uma mensagem dúbia (um sim e um não ao
mesmo tempo, isto é, um sim em forma de não e um não em forma
de sim).
Pra finalizar, vale a pena dizer mais uma vez que, “ (...)
quando uma pessoa recebe um duplo vínculo de outra sem que
haja um componente afetivo, essa comunicação não surte efeito.
Ele só causa confusão e culpa quando existe a ameaça subjetiva
da retirada afetiva” 24 .

24 FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo, Ed. Sol e Chuva. 1993.
pág 35
BIBLIOGRAFIA

BENOIT, Jean-Claude. Vínculos Duplos – Paradoxos familiares dos esquizofrênicos.


São Paulo, Zahar, 1982

BOSSEUR, Chantal. Introdução à antipsiquiatria. Rio de Janeiro, Zahar, 1976

COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo, Editora


Perspectiva, 1967

COOPER, David. A morte da Família. São Paulo, Editora Marins


Fontes, 2º ed., 1986

FALCÃO, Daniela. Tá todo mundo louco... São Paulo, Revista da


Folha, ano 6, nº 299. 1998

FREIRE, Roberto e MATA, João da. Soma – Uma terapia anarquista. São Paulo.
Vol.3, 2º ed. Sol e Chuva. 1993

GRANDINO, Adilson e NOGUEIRA, Durval. Conceito de Psiquiatria.


São Paulo, ed.Ática, 1985

JACCARD, Roland. A loucura. São Paulo, 1º ed, Zahar


Editores S.A., 1981.

JUNIOR, João Francisco Duarte. A política da loucura – a


antipsiquiatria. Campinas, ed.Papirus, 1983

PRADO, Danda. O que é família. São Paulo: Brasiliense, 1981


(Primeiros Passos, 50).
WATZLAWICK, Paul e BEAVIN, Janet H. e JACKSON, Don D. Pragmática da
comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da
interação. São Paulo, Ed.Cultrix, 1967

Este documento se encontra impresso (na biblioteca UNICASTELO) e assinado pela


banca julgadora da Faculdade de Psicologia.

Se você tiver interesse em discutir o assunto (assim como as patologias e distúrbios


da comunicação humana) mande um email para fdarlan@sti.com.br ou
fviana@sti.com.br ou ainda darlanviana@zipmail.com.br . Terei o maior prazer em
esclarecer assim como apresentar palestras e seminários sobre.
Vale ainda dizer que, referente aos temas colocados na introdução (tais como: A
psicologia do Marketing e Dependência psíquica na Internet) são assuntos que estou
pesquisando atualmente e se você quiser me ajudar serei muito grato.

No caso da psicologia do marketing, pretendo dar uma continuação desta


monografia e estudar o duplo vínculo como a principal arma da mídia com o objeito
de influenciar comportamentos de massa (sendo assim, a forma mais importante de
influência subjetiva da nossa época).

Fabrício (14/12/98)

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