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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Psicologia

Marlise Eugenie D´Icarahy

Um estudo sobre a fantasia fundamental

Rio de Janeiro
2010
Marlise Eugenie D´Icarahy

Um estudo sobre a fantasia fundamental

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-graduação em
Psicanálise da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Pesquisa e Clínica em Psicanálise.

Orientadora: Profa. Dra. Rita Maria Manso de Barros

Rio de Janeiro
2010
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

D545 D’Icarahy, Marlise Eugenie.


Um estudo sobre a fantasia fundamental / Marlise Eugenie
D’Icarahy. – 2010.
117 f.

Orientadora: Rita Maria Manso de Barros.


Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Psicologia.

1. Psicanálise – Teses. 2. Sexo (Psicologia) – Teses. 3.


Mulheres – Comportamento sexual - Teses. 4. Desejo – Teses. I.
Barros, Rita Maria Manso de. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.

dc
CDU 159.964.2

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos,CDU XXXX


a reprodução total ou
parcial desta dissertação.

__________________________________ ___________________
Assinatura Data
Marlise Eugenie D´Icarahy

Um estudo sobre a fantasia fundamental

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-graduação em Psicanálise da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Pesquisa e Clínica em Psicanálise.

Aprovada em 30 de setembro 2010.

Banca Examinadora:

___________________________________________
Profª Drª Rita Maria Manso de Barros (Orientadora)
Instituto de Psicologia da UERJ

____________________________________________
Profª. Drª. Heloisa Caldas
Instituto de Psicologia da UERJ

____________________________________________
Profª Drª Ana Maria Rudge
Faculdade de Psicologia da PUC- Rio

Rio de Janeiro
2010
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu irmão e aos meus três analistas: cada um tão decisivo

no valor que a psicanálise adquiriu na minha vida.


AGRADECIMENTOS

Quero agradecer aos professores Ana Maria Rudge e Heloisa Caldas, por
quem tenho grande admiração profissional, por terem aceitado fazer parte da banca
examinadora deste trabalho ao qual me dediquei de modo tão intenso. Gostaria de
registrar também minha enorme alegria pelo privilégio de ser orientanda da
professora Rita Maria Manso de Barros, que me deu espaço para voar e, ao mesmo
tempo, esteve sempre muito próxima.
Esse trabalho é fruto também das análises que conduzi e do incentivo da
professora Vera Pólo que reconheceu, quando me orientou no curso de pós-
graduação a pertinência da hipótese que agora apresento.
Preciso ainda agradecer aos professores e aos colegas desse programa, que
me ajudaram com suas críticas, sugestões e incentivos a chegar aos resultados que
agora apresento.
Desejo também dizer da minha gratidão aos homens que amei e pelos quais
foi amada, em especial a Thuin que, há alguns anos, me indicou o caminho
profissional que agora sigo; e a Gustavo, companheiro que esteve sempre ao meu
lado, neste período de dedicação à dissertação. Sem amor, teria sido impossível
escrever sobre a posição feminina.
Acrescento ainda minha gratidão pela esperança e alegria que meus pais,
tias, tios e avós, cada um com suas paixões, me transmitiram para enfrentar os
desafios e o imponderável que a vida apresenta. Destaco também o apoio constante
de minha mãe.
Agradeço também a Nicolas, Ana, Ian, Petter e Vitor que constantemente me
convocam a voltar à aventura do tentar, do arriscar sem certeza prévia.
Aos amigos queridos, meu reconhecimento sincero porque é junto deles,
também, que rio das dificuldades e comemoro as conquistas.
RESUMO

D´ICARAHY, Marlise Eugenie. Um estudo sobre a fantasia. 2010.117 f. Dissertação


(Mestrado em Psicanálise) - Instituto de Psicologia. Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

A fantasia fundamental é um conceito desenvolvido pelo psicanalista francês


Jacques Lacan, que se apóia no estudo de Freud sobre a fantasia ‘bate-se numa
criança’, comum tanto em pessoas neuróticas, como nos casos de perversão. Ela
tem fases consciente e inconsciente e está associada ao gozo sexual. Segundo
Freud, ela é efeito do recalque, e conserva no inconsciente o amor da menina e do
menino pelo pai, como o castigo pelo desejo incestuoso. Com a análise de Lacan,
constata-se que essa fantasia inconsciente diz respeito à relação da criança com o
significante Nome-do-pai, e é, por isso, o marco de sua entrada no campo da
neurose ou da perversão. Através da utilização dos textos tardios de Freud sobre a
sexualidade feminina e das contribuições de Lacan, a pesquisa confirmou a
participação não apenas da função paterna na constituição dessa fantasia nos casos
de neurose feminina, mas também da função materna.

Palavras-chave: Sexualidade feminina. Fantasia inconsciente. Gozo sexual.


Recalque. Neurose. Perversão.
ABSTRACT

Work of research to be come a master in Research and Psychoanalysis Clinic.


Institute of Psychology. University of the State of Rio De Janeiro, Rio De Janeiro,
2010. The fundamental fantasy is a concept developed by the French psychoanalyst
Jacques Lacan, which is supported by the study of Freud on the fantasy `a child is
beaten', common in people neurotics, as in the perversion cases. That fantasy has
phases conscientious and unconscious and is associated with the sexual pleasure
and joy. According with Freud, this fantasy it is the effect of repression, and conserve
unconscious the love of the girl and of the boy for their fathers, and is at the same
time the punishment for the incestuous desire. With the analysis of Lacan, it is
evidenced that this unconscious fantasy is related with the significant Name-of- the
father, and is, therefore, the landmark of its entrance in the field of the neurosis or the
perversion. Through the use of the delayed texts of Freud on the feminine sexuality
and of the contributions of Lacan, the research not only confirmed the participation of
the paternal function in the constitution of this fantasy in the cases of feminine
neurosis, but also of the maternal function.

Keywords: Feminine sexuality. Unconscious fantasy. Sexual joy. Repression.


Neurosis. Perversion
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 9

1 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO DIVIDIDO ........................................ 16

1.1 Pulsão de morte, Eros, e narcisismo primário ................................ 16

1.2 O protótipo do Eu a partir da relação com o Outro materno .......... 17

1.3 A divisão do objeto em familiar e em estranho ................................ 19

1.4 As letras recebidas do Outro .............................................................. 20

1.5 O real no inconsciente – a coisa – das Ding ..................................... 21

1.6 A lei da mãe e o Nome-do-pai ............................................................. 23

1.7 O sintoma separador da lei da mãe ................................................... 24

1.7.1 O sintoma separador na neurose: a fantasia fundamental .................... 25

1.7.2 O sintoma formação de compromisso ................................................... 27

1.7.3 O sintoma fantasia ................................................................................. 27

1.8 A castração simbólica ......................................................................... 29

1.9 Do proto-sujeito ao sujeito dividido ................................................... 31

1.10 A constituição do sujeito de desejo e do objeto a – o matema da


fantasia ................................................................................................. 33

1.11 A alienação e a separação .................................................................. 35

1.12 A metáfora paterna .............................................................................. 37

1.13 O objeto proibido e o objeto impossível ........................................... 39

1.14 O objeto causa do sujeito dividido .................................................... 40

1.15 O objeto resto da castração simbólica é retido na fantasia ............ 42

1.16 A posição do sujeito que visa satisfazer ao desejo e ao gozo do 43


Outro ....................................................................................................
1.17 A fantasia fundamental e as estruturas clínicas – uma discussão 45

1.18 As três dimensões da fantasia fundamental ..................................... 48

2 A FANTASIA FUNDAMENTAL E A FANTASIA „BATE-SE NUMA


CRIANÇA‟ ............................................................................................ 50

2.1 A repetição imposta pela pulsão de morte ........................................ 50

2.2 A repetição na confluência da pulsão de morte e da pulsão de


vida ........................................................................................................ 53

2.3 O sadismo e o masoquismo originário .............................................. 54

2.4 A fantasia bate-se numa criança: resíduo do complexo de Édipo 56

2.4.1 A primeira fase ....................................................................................... 57

2.4.2 A terceira fase ....................................................................................... 59

2.4.3 A dedução freudiana de uma fase intermediária recalcada ................... 59

2.4.4 Ainda sobre a terceira fase .................................................................... 61

2.5 O objeto batido é mero substituto do Eu .......................................... 62

2.6 O verbo da fantasia sintetiza o ponto de fixação do gozo ............... 63

2.7 O objeto a olhar .................................................................................... 65

A ligação entre a nova imagem do Eu e o Outro por quem se trata


2.8
de ser amado ........................................................................................ 66

2.9 O chicote: significante que risca o sujeito ........................................ 67

DECORRÊNCIAS PSÍQUICAS DE SER UMA MULHER E A OPÇÃO


PSÍQUICA DE SITUAR-SE NA POSIÇÃO FEMININA:
3 ARTICULAÇÕES DESSAS VARIÁVEIS COM A NOSSA
INTERROGAÇÃO CENTRAL: O OUTRO MATERNO COMPARECE
NA FANTASIA? .................................................................................... 70

3.1 Consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos 71

3.2 O caminho da feminilidade ................................................................ 72

A fase recalcada da fantasia inclui o amor da menina pelo Outro


3.3
materno? .............................................................................................. 73
3.4 A finalidade passiva ............................................................................ 76
3.5 A posição feminina em Freud e em Lacan ........................................ 77

3.6 A mascarada feminina ......................................................................... 78

3.7 O objeto do Outro materno e o objeto do Outro no jogo amoroso 79

3.8 O não toda ............................................................................................ 81

O agente da castração simbólica e o agente da castração


3.9
imaginária para a menina .................................................................... 83

3.10 A catástrofe 86

3.11 A ligação com a mãe sob um “recalque inexorável” 89

3.12 A fantasia perversa masculina e o Édipo invertido .......................... 92

3.13 A fantasia: a própria metáfora paterna .............................................. 94

3.14 Anna Freud e o objeto a olhar na fantasia de espancamento ......... 96

3.15 A revisão de Freud sobre seu engano no caso Dora ....................... 99

4 CONCLUSÂO ........................................................................................ 101

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 111


9

Introdução

No campo da psicanálise, como analisanda e analista, inúmeras vezes me


indaguei sobre a importância das fantasias e, sobretudo, da fantasia fundamental.
Assim, comecei essa pesquisa com perguntas, que são aquilo que mobiliza
qualquer trabalho. Eis-las: a relação mãe-filha anterior ao complexo de Édipo se
imiscui na fantasia analisada por Freud (1919a) „bate-se numa criança‟? Existe
uma correlação entre essa fantasia e a fantasia fundamental lacaniana? Se tal
correlação for comprovada, a primeira indagação pode ser traduzida nos seguintes
termos: o Outro materno, aquele que exerce a função materna para uma menina,
se faz presente na fantasia fundamental?
A motivação que me levou a formular essas perguntas-chave emergiu da
leitura dos últimos textos freudianos (1931, 1932) sobre a sexualidade feminina,
nos quais ele descobre que a relação pré-edipiana continua a produzir efeitos
mesmo após a castração simbólica, ou seja, após a travessia do complexo do
Édipo. Em outras palavras, interessou-me pesquisar se aquele que ocupa a função
materna comparece, mesmo que veladamente, na fantasia fundamental do
universo feminino.
***
Para empreendermos tal desafio, importa primeiramente esclarecer qual o
estatuto da fantasia para a psicanálise. Freud atribui a gênese da neurose a um
trauma, que inicialmente associava a uma sedução sofrida na infância. Com o
passar do tempo, ele percebe que o que constitui o trauma é a versão inconsciente
construída e guardada por cada analisando do que supõe lhe ter ocorrido. Essa
versão inconsciente, que se traduz nas consequentes adaptações conscientes,
recebe o nome de fantasia e adquire o valor de realidade psíquica. Assim, Freud
confere à fantasia o valor que outrora atribuía à sedução e à lembrança de outros
fatos supostamente vividos. Dessa forma, as fantasias conscientes e inconscientes
transformam-se em objetos privilegiados de estudo da psicanálise e o seu foco de
atenção muda da recuperação dos fatos vividos para a escuta das fantasias. A
fantasia torna-se, por conseguinte, o objeto por excelência da psicanálise, uma vez
que adquire o valor de raiz da neurose, de realidade psíquica, orienta o desejo e,
10

como veremos a seguir, sintetiza a forma de gozo do sujeito. Desta forma, o


estudo cuidadoso da fantasia passa a ser, desde então, de suma importância para
a clínica psicanalítica.
Atento às fantasias que povoam a sua clínica, Freud descobre que uma
delas é recorrente em mulheres e em homens neuróticos e perversos. Essa
fantasia está associada ao gozo sexual, causa vergonha e traduz-se nos seguintes
termos: bate-se numa criança. Segundo Freud (1919 a/ 1996), ela se desdobra em
fases consciente e inconsciente e é um resíduo do complexo de Édipo
(página189). Esse complexo tem o efeito de introduzir um terceiro termo – a
função do pai - numa relação até então dual, da criança com a mãe. Freud
(1919a/1996) afirma que a segunda das três fases dessa fantasia, fase que é
inconsciente e não pode ser lembrada, retrata, nos casos femininos, uma cena
entre a menina e seu pai.
Ocorre que nos anos 1931 e 1932, nos textos sobre a sexualidade feminina,
Freud efetua novo redimensionamento em sua teoria. Depois de constatar, em
1920, no texto Além do Princípio de Prazer, que o psiquismo é comandado
também por um princípio avesso ao princípio de prazer, ou seja, pela pulsão de
morte, ele percebe que algo da ligação arcaica da menina com a mãe continua a
produzir efeito na sexualidade feminina, mesmo depois do advento do complexo
de Édipo. Dito de outro modo, Freud constata que há uma dimensão da relação
arcaica da menina com o Outro materno que se conserva à parte do corte operado
naquela relação pelo complexo. Essa descoberta o levou a afirmar que seria
necessário redimensionar o peso do complexo de Édipo para as meninas: “talvez
pareça que deveríamos retratar-nos da universalidade da tese segundo a qual o
complexo de Édipo é o núcleo das neuroses” (FREUD, 1931/1996: 234).
Uma vez que para Freud (1919a/ 2006) “a fantasia de espancamento e
outras fixações perversas análogas [...] seriam uns precipitados do complexo de
Édipo, cicatrizes que o processo deixa depois que se expirou” (FREUD, 1919a/
2006: 190)1, interessa-nos saber se alguns dos traços das primeiras relações das
mulheres com suas mães comparecem nessa fantasia. Calcados pelas últimas
descobertas de Freud, de 1931 e 1932 - de que a sexualidade feminina está

1
Livre tradução de: Entonces, la fantasía de paliza y otras fijaciones perversas análogas sólo serían unos
precipitados del complejo de Edipo, por así decir las cicatrices que el proceso deja tras su expiración (FREUD,
1919/ 2006: 190).
11

impregnada da relação com a mãe -, decidimos retornar ao texto Bate-se numa


criança (1919a/ 1996) onde ele afirma que a fantasia associada ao gozo sexual,
relaciona-se, no caso da menina, à relação com o pai. Será que as descobertas de
1931 e 1932 implicariam na necessidade de adaptação dessa assertiva de 1919?
O investimento libidinal poderoso da menina em relação à mãe “tão difícil de
apreender nas análises – tão esmaecido pelo tempo e tão obscuro”, “quase
impossível de revivificar” “como se houvesse sucumbido a um recalque
especialmente inexorável” (FREUD, 1931/ 1996: 234) , só foi descoberto em
1931. Perguntamos: tal investimento teria ramificações na fantasia que Freud
(1919a/2006) definira como “precipitado do complexo de Édipo”?
A partir das novas análises em Sexualidade feminina (1931/1996) e
Feminilidade (1932/1996), associando a sexualidade feminina também à relação
pré-edipiana, a afirmação de 1919a que restringia a fantasia feminina
exclusivamente à ligação com o pai precisava ser revisitada e, talvez,
redimensionada. Então, a partir dessas tardias constatações freudianas, das
contribuições de Lacan e dos desafios da nossa clínica, formulamos a questão já
apresentada: a dimensão arcaica da relação da menina com o Outro materno está
presente na fantasia „bate-se numa criança‟?
Teria Freud se equivocado ao restringir ao pai, em 1919, a fantasia
associada ao gozo sexual da menina? Com o auxílio dos conceitos lacanianos
Nome-do-pai e metáfora paterna, que situam o pai como uma função e não como
uma figura, apontaremos, ao longo do trabalho, a dimensão paterna que Freud
destaca na fantasia. Lacan como veremos, tomou a fantasia analisada por Freud
em Bate-se numa criança (1919a/1996) como o paradigma do conceito de fantasia
fundamental. Essa fantasia é conceituada como fundamental porque é a fantasia
inconsciente através da qual o sujeito de desejo, pontual e evanescente, emerge
no infans, indicando que a separação psíquica entre o Eu e o Outro ocorreu. É
fundamental também por ser a síntese da relação de gozo mais particular de cada
sujeito, seja na neurose, seja na perversão.
Uma vez que, como veremos, a fantasia freudiana de espancamento
corresponde à fantasia fundamental lacaniana, traduziremos a hipótese central
dessa pesquisa para os conceitos lacanianos a fim de extrair da equivalência mais
consequências. Logo, a indagação sobre a persistência de uma dimensão arcaica
12

de ligação da menina com a mãe no seio da fantasia „bate-se numa criança‟, pode
ser rescrita, utilizando conceitos lacanianos, nos seguintes termos: exame da
presença do Outro materno na fantasia fundamental e, também, no seu matema.
O primeiro capítulo esboça um roteiro lógico da constituição psíquica do
infans, utilizando os conceitos de pulsão de morte, Eros e narcisismo primário. Em
seguida, acompanhamos a constituição de um protótipo de Eu a partir do
investimento libidinal e da linguagem que o Outro materno lhe dirige. Desse
processo decorre a divisão do objeto em familiar e em estranho, esse último
permanece no inconsciente como seu núcleo real, a coisa – das Ding, em torno do
qual o inconsciente se estrutura como uma linguagem.
Seguimos chamando a atenção também para o termo utilizado por Lacan,
no Seminário, livro 5, As formações do inconsciente ((LACAN, 1958/ 1999: 195) de
“lei da mãe”, que diz respeito às letras recebidas do Outro materno.
Estabelecemos uma relação entre a lei da mãe e a Lei do Nome-do-pai, que põe
um limite ao gozo. Para tal, utilizamos o conceito de “sintoma separador” da lei da
mãe proposto por Geneviève Morel (2007-2008) que, no caso da neurose, é a
fantasia fundamental. Consideramos importante distinguir o sintoma separador,
estrutural no caso da neurose, do sintoma como formação de compromisso.
Ainda no primeiro capítulo, estudamos a castração simbólica que transforma
um objeto impossível em um objeto proibido. A castração simbólica é decisiva para
a passagem do proto-sujeito, ou infans, à condição de sujeito dividido, que ocorre
através da metáfora paterna. É no bojo desse processo que a fantasia
inconsciente fundamental se constitui, acoplando à alienação absoluta a que
estava submetido o infans, uma separação em relação ao Outro materno. Nesse
novo processo se constitui o sujeito de desejo e o objeto a. Como veremos, a
fantasia é a síntese inconsciente da posição que a criança assume para satisfazer
ao que supõe ser o desejo e o gozo do Outro. Fechamos esse primeiro capítulo
discutindo a polêmica questão se a fantasia fundamental é um conceito específico
da neurose e da perversão ou se seria possível estendê-lo à psicose, no delírio
paranóico, e apresentamos as três dimensões da fantasia trabalhadas por
Ribettes. Em suma, nesse capítulo, procuramos traçar um roteiro lógico do
desenvolvimento psíquico do bebê desde seu ingresso na linguagem até a
castração simbólica, com a consequente constituição da fantasia fundamental que
o estrutura na neurose.
13

O segundo capítulo trata da fantasia inconsciente analisada por Freud em


Bate-se numa criança (1919a), relacionando-a com o conceito de „fantasia
fundamental‟. Abordamos também a dimensão da repetição comandada pela
pulsão de morte e sua combinação com a pulsão de vida. Em seguida,
investigamos o sadismo e o masoquismo apontados por Freud nessa fantasia.
Ainda neste capitulo, introduzimos o objeto a olhar presente na última fase da
fantasia e algumas considerações importantes de Freud e Lacan. Dentre elas,
destacamos: primeiro - a ideia de que o objeto batido na fantasia é o Eu-; segundo,
que a fantasia liga essa nova imagem do Eu ao Outro, (Outro por quem se trata de
ser amado) e terceiro, o chicote, significante que risca o sujeito.
No capitulo três, discutimos algumas descobertas de Freud e de Lacan a
respeito do feminino. Primeiro, sublinhamos algumas das consequências
psíquicas, apontadas por Freud (1925/ 1996), decorrentes da diferença anatômica
entre os sexos e sua relação com o complexo de Édipo. Em seguida,
acompanhamos, dentre as três possibilidades da menina diante da percepção da
diferença entre os sexos, o caminho da feminilidade, ou o da posição feminina,
considerado por Freud (1925/ 1996) o mais laborioso do ponto de vista psíquico
Depois de percorrermos com Freud o trabalho psíquico da menina, desde
sua ligação com a mãe até sua entrada no complexo de Édipo, com conseqüente
troca de objeto amoroso, recolocamos a indagação central desta pesquisa – A fase
recalcada da fantasia inclui o amor da menina pelo Outro materno? Freud nos
mostra que o pai herda os investimentos libidinais anteriormente dirigidos pela
menina à mãe, e já que a fantasia é a cicatriz do complexo de Édipo, a pergunta
central insiste e procede: a relação mãe-filha anterior ao complexo de Édipo se
imiscui na fantasia „bate-se numa criança‟?
Com o intento de responder a essa questão com outros aspectos diversos
dos apresentados nos capítulos anteriores, enfatizamos as semelhanças entre
ocupar a posição de objeto para o Outro materno e de objeto para o parceiro
amoroso. Para isso, enfatizamos a característica central da posição feminina de
dar preferência à finalidade passiva. Destacamos também os pontos de
divergência de Freud e de Lacan quanto ao que caracterizam como posição
feminina.
Ainda tentando responder melhor a indagação central da dissertação,
trabalhamos as proposições lacanianas a respeito do aspecto „não-toda‟referida à
14

lógica fálica que caracteriza a mulher que ocupa a posição feminina. Lacan aponta
que, se uma mulher está no campo da neurose, apesar do psiquismo ter se
estruturado pelo Édipo, há uma parte dela que permanece regida por uma lógica
sem mediação fálica, portanto, sujeita à ligação com o Outro primordial sem
intermediação do Nome-do-pai.
Se tanto a posição feminina - referida à fantasia - como o aspecto não-toda
da mulher mantém uma proximidade com a posição de objeto do infans frente ao
Outro primordial, interessa-nos observar como essa semelhança pode nos auxiliar
a responder se esse Outro comparece, de algum modo, na fantasia fundamental
de uma mulher. A clínica confirma essa presença pela freqüência com que
mulheres atribuem às mães a responsabilidade pelos seus fracassos e pelas suas
castrações imaginárias. Lacan (1972/ 2003) denuncia que a posição demandante
da mulher em relação à mãe persiste ao longo da vida, como se fosse ela a capaz
de lhe dar o falo. Consideramos crucial, por isso, distinguir o agente da castração
simbólica do agente da castração imaginária nos casos femininos.
Ligamos também a relação mãe/filha anterior ao complexo de Édipo com a
ideia freudiana de catástrofe ou de devastação(Lacan), também presente no que
Freud (1931) chamou de “recalque inexorável. Tratamos da fantasia perversa
masculina e do Édipo invertido, e defendemos a hipótese que a fantasia seja a
própria metáfora paterna. Compartilhamos algumas considerações de Anna Freud
a respeito da fantasia de espancamento, análise que muito nos interessa já que
provavelmente ela foi um dos casos femininos estudados por Freud em 1919a.
Através de seu relato, ressaltamos a importância do objeto a olhar na estrutura
dessa fantasia. Finalizamos o capítulo, com reposicionamento de Freud quanto ao
que ele próprio considerou seu erro na análise de Dora.
Na conclusão, retomamos os pontos principais que a pesquisa descobriu,
tecendo nossas considerações e expondo questionamentos que pretendemos ter a
oportunidade de trabalhar no futuro.
Antes de iniciar os trabalhos, gostaríamos de ressaltar que as citações da
Edição Standard Brasileira da Editora Imago, tiveram alguns de seus termos
substituídos pela interpretação corrente no meio acadêmico desses conceitos em
alemão. Assim, ego foi substituído por Eu; superego, por Supereu; catexia, por
investimento; repressão, por recalque; id, por isso; instinto por pulsão.
15

Esperamos que a leitura deste trabalho traga tanto prazer ao leitor quanto
nos deu criá-lo.
16

1 A constituição do sujeito

A vida [...] é o conjunto de forças que resiste à


morte.
BICHAT, apud LACAN, 1969-1970/ 1992: 16

Para que uma criança se constitua dentro do campo da neurose, como um


sujeito desejante, um longo percurso se faz necessário. Por isso, impõe-se
acompanhar o desenvolvimento psíquico do bebê, desde seu nascimento até a
constituição da fantasia que o faz emergir enquanto sujeito de desejo. É essa a
trajetória que esse capítulo pretende percorrer: de um pedaço de carne e osso a
um sujeito dividido em instâncias.

1.1 Pulsão de morte, Eros e narcisismo primário

Freud, no artigo metapsicológico Além do Principio do Prazer (1920),


anuncia sua última divisão pulsional: pulsão de vida ou Eros ou pulsão sexual, e
pulsão de morte. De acordo com o novo dualismo, a pulsão de autoconservação
passa a fazer parte da pulsão sexual e a ser designada pulsão de vida. A pulsão
de morte, mais primitiva, permanece ativa desde o início da vida até seu final. Já
Eros para se instaurar no bebê depende de um investimento libidinal que vem do
Outro, que imiscuído à pulsão de morte, toma o Eu como seu primeiro objeto.
Assim, o Eu torna-se o primeiro objeto de investimento de Eros.
Esse primeiro investimento do Outro dirigido ao bebê, o narcisismo primário,
é um conceito freudiano de difícil observação clínica direta, no entanto, ele é
suporte da sua teoria libidinal. Freud o comprovou “mediante uma inferência
retrospectiva [...] a atitude terna dos pais para com os filhos, iremos discerni-la
como o renascimento e reprodução do narcisismo próprio, há muito abandonado” 2
(FREUD, 1914/ 2007: 87). A partir da observação do investimento que os pais
fazem em relação a seus filhos pequenos, Freud infere haver um narcisismo
primário. Ele supõe que o narcisismo primário dos pais seja re-aceso e

2
Livre tradução de: mediante una inferencia retrospectiva [...] la actitud de padres tiernos hacia sus hijos,
habremos de discernirla como renacimiento y reproducción del narcisismo propio, ha mucho abandonado.
17

transpareça tanto nas esperanças de que o filho restitua-lhes a completude e


perfeição há muito perdidas, como também no medo de que estórias familiares
trans-geracionais, muitas sob o interdito do não-dito, se concretizem. Ou seja, o
narcisismo primário que constitui o ser humano não pode ser observado
diretamente, apenas inferido retrospectivamente quando a criança cresce e torna-
se pai ou mãe. Pode-se deduzir que o narcisismo primário do bebê, hipótese
teórica freudiana, seja formado pela projeção dos narcisismos primários de seus
pais, que ressurgem, no momento de expectativa de nascimento de um novo filho,
através dos planos, projetos e medos em torno dele.
E é justamente esse investimento que fornece ao bebê aderência à vida, lhe
dando sustentação para vencer a primitiva pulsão de morte e sua poderosa
tendência de retorno ao inanimado. É um investimento que se apresenta para o
bebê como um caldo simbólico, sem distinção entre o que, mais tarde, constituirá o
seu Eu e o outro. Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, no Dicionário de
Psicanálise, afirmam no verbete narcisismo que Freud, a partir da segunda tópica,
localiza o narcisismo primário “como o primeiro estado de vida, portanto, anterior à
constituição do Eu” (ROUDINESCO/PLON, 1998:531).

1.2 O protótipo do Eu a partir da relação com Outro materno

Garcia-Roza explica que Freud, no Projeto para um psicologia científica


(1950[1895]), considera o Eu real (real Ich) constituído por “organizações parciais
[...] Eus parciais [...] não [...] unificados [...]sínteses passivas [...], primeiros
esboços de organização do aparato psíquico” (GARCIA-ROZA, 2008:56). Essas
organizações auto-eróticas adquirem, no estádio de espelho3, uma unidade – que
é sempre renovada - numa imagem corporal, que corresponde ao narcisismo.
Esse narcisismo é construído pelo discurso dos pais, e corresponde a uma das
formas do Eu, a saber, ao Eu ideal. O Eu ideal é, portanto, uma imagem “
construída na sua quase totalidade pelos pais, que projetam no filho, fazendo

3
Teorização desenvolvida por Lacan a respeito do momento de organização lógica do Eu de
acordo com as coordenadas de Freud sobre o narcisismo secundário. Lacan (1949/ 1998) O
estádio do espelho como formador da função do Eu.
18

ressurgir o narcisismo que eles próprios tiveram que abandonar por exigência da
realidade” (GARCIA-ROZA, 2008:56).
Assim, para vencer a força da pulsão de morte é sine qua non que aquele
que exerce a função materna invista libidinalmente o corpo da criança, através da
transmissão de significantes que se inscrevem nas bordas de seus orifícios. A
linguagem que a mãe dirige à criança goteja significantes que transformam sua
carne num corpo próprio erógeno. É nesse banho de linguagem que os pais
transmitem, num discurso inconsciente, a escritura de seu desejo. Fala-se do
bebê antes mesmo de seu nascimento: cada mulher e cada homem, muito antes
da existência da carne, “escrevem uma espécie de “script” inconsciente para o filho
que querem ter. “Esse roteiro é uma espécie de expectativa de recuperação da
ferida narcísica” (MANSO DE BARROS, )

Ferenczi, psicanalista e pediatra, confirmou clinicamente a hipótese de


Freud sobre a pulsão de morte. Em A criança mal acolhida e sua pulsão de morte
(1929), observa como a inscrição da criança no desejo da mãe é crucial para a
constituição do narcisismo primário que protege a criança da “tendência para a
autodestruição” (FERENCZI, 1929/1992: 48). Ana Maria Rudge, comentando esse
texto, observa: “a atração pela morte, em sua experiência clínica, pareceu-lhe ter
origem na captação, por parte da criança, de sinais de aversão e de impaciência
da mãe. A hostilidade materna mina no infante a vontade de viver” (RUDGE, 2006:
85). Trata-se, portanto, da necessidade de receber um lugar no desejo do Outro,
para que o desejo de viver do infans se torne mais poderoso que a atração
exercida pela pulsão de morte.

Se a pulsão de morte é inata e apenas reforçada pela rejeição que se encontra, ou resulta
por completo dos mandatos mortíferos da mãe, eis uma alternativa que parece ter uma
relevância relativa, de vez que não terá muitas conseqüências clínicas. Efetivamente, não há
amor integral e não ambivalente, e a pulsão de morte jamais deixará de encontrar terreno
para se constituir por identificação com a hostilidade do adulto que se eterniza no Supereu
(RUDGE, 2006:).

Rudge não considera, no entanto, frutífera a discussão teórica quanto à


origem da pulsão de morte, a saber, inata ou construída no encontro da linguagem.
Isso porque, como Freud advertira, todo amor é ambivalente e, por conseguinte,
algo de agressivo sempre estará presente na\ relação da mãe para a criança.
19

1.3 A divisão do objeto em familiar e em estranho

Freud, no Projeto para uma Psicologia Científica (1895[1950]/1996),


descrevera o complexo do próximo ou do ser humano semelhante 4 como a
percepção de uma força que auxilia o bebê na realização da sua satisfação. “A
experiência de satisfação está marcada pelo desamparo primordial que, para ele
{Freud}, caracteriza o sujeito humano. Essa satisfação depende do próximo ”
(RINALDI, 1996: 47). Inicialmente, segundo Freud, o bebê desenvolve o complexo
do objeto semelhante, que congrega tanto a possibilidade de satisfação, como a
de hostilidade. Em 1925, no texto metapsicológico A negativa (1925/1996), Freud
problematiza a construção da realidade externa e interna. Ele confirma o que
afirmara em 1895: inicialmente as experiências prazerosas e desagradáveis estão
integradas. Aos poucos, o eu começa a se constituir, incorporando ou retendo as
experiências agradáveis, que se contrapõem a outras desagradáveis, as quais o
Eu tenta expelir, tomando-as como se fossem um objeto externo. Cria-se assim um
objeto interno e o Eu.

Freud, no mesmo artigo de 1895, acrescenta a essa primeira divisão entre


eu e objeto, outra, na qual o objeto também é partido. Eu
Assim, na experiência do “complexo do próximo” ocorre uma divisão
antitética desse próximo em objeto estranho e objeto familiar. A mãe, ou seu
substituto, registra na carne da criança, juntamente com os cuidados higiênicos,
significantes que seduzem a criança para a vida, mas paradoxalmente, a sedução
é da ordem do trauma. Ao objeto que a criança foi para seus pais, ela jamais terá
acesso direto, todavia, dentre tudo o que lhe fora dirigido por eles, consciente e
inconscientemente, traços permanecem retidos num saber inconsciente. E, a
superfície de divisão desse objeto semelhante pode ser tanto uma parte do corpo
daquele que exerce a função materna, quanto a voz, ou olhar deste, mas vazios de
significados.

4
Livre tradução de el complejo del prójimo (FREUD, 1950[1895]/2006:377); “Complexo do ser humano
semelhante” (FREUD, 1950[1895]/1996:384).
20

1.4 As letras recebidas do Outro

Na medida em que não somente o homem fala, mas em que, no homem e através do
homem, isso fala, em que sua natureza torna-se tecida por efeitos onde se encontra a
estrutura da linguagem em cuja matéria ele se transforma, e em que isso ressoa nele
(LACAN, 1958/1998: 695).

Assim, são as letras5 que, uma vez entranhadas na carne, esculpem os


orifícios corporais, transformando-os em zonas erógenas, donde os objetos as
constituir-se-ão mais tarde.

Assim como uma bala


enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto,
{...}
assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia

qual uma faca íntima


ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto
{...}
Seja bala, relógio,
ou lâmina colérica,
é contudo uma ausência
o que esse homem leva
{...}
Isso que não está
nele é como um relógio
pulsando numa gaiola,
sem fatiga, sem ócio
{...}
E mais surpreendente
é sua cultura
medra não do que come
porém do que jejua
{...}
ninguém do próprio corpo
poderá retirá-la,
não importa se é bala
nem relógio ou faca,
{...}
Não pode contra ela
a inteira medicina
de facas numerais
e aritméticas pinças.

Nem ainda a polícia

5
Letra – Lacan vai definir a letra como „terra do litoral‟, „rasura de todo traço que esteja antes‟ (ANDRÈS in:
KAUFMANN, 1996: 285).
21

com seus cirurgiões


e até mesmo o tempo
com seus algodões.

Nem a mão de quem


sem o saber plantou
bala, relógio ou faca,
imagens de furor {...}

(MELO NETO, 2001:187 a 202)

Colette Soler (2008) propôs que a divisão do inconsciente ocorre entre uma
parte estruturada como linguagem, saber construído com a articulação significante,
pertencente ao campo simbólico; e outra, que seria o próprio núcleo do
inconsciente, que ela nomeou „inconsciente real‟. Esse último, segundo Soler, é
formado por traços retidos de lalingua. Lalingua é um conceito lacaniano que
sintetiza o enxame de cifras de gozo, letras, pelo qual se foi, precocemente,
invadido.

1.5 O real no inconsciente- a coisa – das Ding

Segundo Soler (2008), é possível ler, a partir do Seminário, livro 20 (1972-


1973/1985), que o sintoma de cada sujeito constitui-se com traços contingentes e
sem sentido da fala dos pais, que se inscrevem, no corpo, como letras formando o
núcleo real do inconsciente.
Jorge (2005) já ressaltara que, apesar do inconsciente se estruturar como
uma linguagem6, “o saber inconsciente – o simbólico – apresenta um ponto de
não-saber – real – em torno do qual toda a estrutura orbita: trata-se da diferença
sexual que se recusa ao saber” (JORGE, 2005: 67). Ele destacara ainda que esse
ponto de real em torno da sexualidade se traduz no objeto a; e, no campo da
linguagem, pela falta de significante que represente a diferença sexual. Assim,
apoiado em Freud e Lacan, ele enfatizara que o inconsciente não é todo
estruturado como uma linguagem.

6
O “inconsciente estruturado como linguagem” é uma formulação de Lacan baseada nos estudos freudianos
sobre as formações do inconsciente. Tema bastante trabalhado no Seminário, Livro 5, As formações do
inconsciente, e nos Escritos, em A instância da letra (LACAN, 1957/ 1998).
22

Poder-se-ia, então, tomar do poema de João Cabral de Melo Neto, para


Vinicius de Morais, „faca, bala ou relógio pulsante‟, dos quais não é possível
separar-se, como metáfora das letras que constituem cada sujeito.
Segundo Soler, o „inconsciente real‟ é formado por letras que funcionam
como imãs, que atualizam, continuamente, as formações do inconsciente
simbólico. Ela chama a atenção para a recomendação de Lacan de que os
analistas observem o valor dos significantes privilegiados por cada analisando,
porque esses funcionam como envelopes de suas letras, suas cifras de gozo 7 sem
significado, mas que adquirem poder de endereçamento. Gozo é um conceito
utilizado por Lacan “inicialmente ligado ao prazer sexual, [...] implica a idéia de
uma transgressão da lei”(ROUDINESCO, 1998:299).
As letras, ou traços de gozo, formam o centro nervoso do sujeito, portanto
lhe são muito íntimas, mas paradoxalmente lhe parecem estranhas por
pertencerem, desde as primeiras divisões, ao campo do Outro, que Freud chamou
de a Coisa, das Ding. Desse modo, o núcleo real do inconsciente como fora
destacado por Jorge em 2005, ou o “inconsciente real”, tal como indicado mais
recentemente por Soller, parecem localizar a Coisa.
Diferentemente dos demais animais, que tem um saber instintual sobre os
objetos que os satisfazem, o ser humano é assolado pela pulsão, e desconhece o
objeto que o satisfaria. Cada humano depende de alguém que erotize e mapeie
seu corpo, através dos cuidados físicos e da linguagem, que combinados são
indispensáveis à sobrevivência. A vulnerabilidade e imaturidade do bebê humano
fazem com que o Outro tenha função estruturante no psiquismo. Porquanto a
estruturação do sujeito pelo outro se faz através da linguagem mesclada aos
cuidados físicos, Lacan qualifica a espécie humana como falasser.
Ao falasser corresponde a pulsão e esse não saber estrutural sobre o
objeto que o satisfaria, que compõem o núcleo real do inconsciente em torno do
qual se estrutura o “inconsciente como linguagem”. A pulsão não tem, portanto,
um objeto definido capaz de preencher esse não saber intrínseco ao ser falante. O
objeto é perdido, estruturalmente impossível, a Coisa. Por isso, o “núcleo do
inconsciente é real, é uma falta originária constituída pelo objeto perdido do desejo
e é em torno dessa falta que o inconsciente se estrutura, no simbólico, como uma

7
Conceito mais utilizado por Lacan “Inicialmente ligada ao prazer sexual, [...] implica a idéia de transgressão
da lei”(ROUDINESCO/ PLON, 1998:299).
23

linguagem” (JORGE, 2005: 98). Pode- se dizer, por conseguinte, que em torno do
“ponto de real no inconsciente” (JORGE, 2005) ou do “núcleo real do inconsciente”
(SOLER, 2008) se estrutura a outra parte do inconsciente regida pelas leis do
simbólico.
Lacan (1986/1997) considera das Ding um vazio íntimo e, ao mesmo
tempo, externo, ex-timo, em torno do qual a rede significante se tece. O campo
designado como a Coisa permanece como limite entre o real, experiência do sem
sentido, e o simbólico, campo plurívoco. Para a Coisa, não há representação
simbólica possível, há apenas um vazio, núcleo do real, lugar do Outro primordial,
absoluto, miticamente potente e paradoxalmente faltoso que o atrai com uma força
decisiva durante toda a vida, como o lugar topológico da satisfação que, caso não
fosse impossível, seria absoluta e total.

1.6 A lei da mãe e o Nome-do-pai

“Prematuro ao nascer, como observou Freud, o bebê dependerá dos


cuidados recebidos do adulto falante, e muito o ouvirá falar enquanto lhe
prodigaliza esses cuidados” (RUDGE, 2006)8. Uma vez que o bebê para sobreviver
depende totalmente de quem exerce a função materna, ela se apresenta ao bebê
como o primeiro representante do grande Outro. Logo, todo falasser é do ponto de
vista lógico, primeiro objeto de desejo e gozo maternos. Lacan (1959-60) extraiu o
conceito de gozo do seu comentário sobre O mal-estar na civilização. O próprio
Freud articula nesse texto a contradição inerente ao conceito de prazer: essa
aspiração tem duas faces, de um lado evitar a dor e de outro procurar fortes
motivos de gozo[...] Freud apresenta o gozo em termos pulsionais [...] Lacan[...]
situa o gozo no campo do Outro ( LAZNIK in MIJOLLA, 2005).
O gozo materno em relação ao infans9 que se foi para ela tem para cada
sujeito a força de uma primeira lei, mais arcaica que a instituída, na neurose e na
perversão, pelo Nome-do-pai. O Nome-do-pai é um conceito proposto por Lacan, a
partir do complexo de Édipo, tal como apresentado por Freud. Representa a Lei

8
Endereço eletrônico nas referências bibliográficas.
ai
Infans: aquele que ainda não fala, que é falado.
24

simbólica que estabelece um limite, uma barra ao gozo mortífero na simbiose


mítica entre mãe-filho.

A lei da mãe, é claro, é o fato de que a mãe é um ser falante, e isso basta para legitimar que
eu diga a lei da mãe. Não obstante, essa lei é, por assim dizer, uma lei não controlada.
Reside simplesmente, ao menos para o sujeito, no fato de que alguma coisa em seu desejo
é completamente dependente de alguma outra coisa, que sem dúvida já se articula como tal,
e que é realmente da ordem da lei, só que essa lei está, toda ela, no sujeito que a sustenta,
isto é, no bem-querer ou malquerer da mãe, na mãe boa ou má. (LACAN, 1958/ 1999:195).

Morel, citando Lacan na passagem acima, traz a hipótese de que o infans


seria confrontado com o gozo da mãe, que teria para ele “a força de uma lei, louca
e singular[...]Desse primeiro assujeitamento, traços [seriam] guardados por toda a
vida.”(MOREL, 2007a). A lei da mãe, segundo a autora, diz respeito a traços do
gozo materno não simbolizados, que “tem status de real” e que reaparecem em
citações do sujeito, na análise, independentemente de sua estrutura ser neurótica,
psicótica ou perversa.

1.7 O sintoma separador da lei da mãe

Segundo Morel (2007), para separar-se desses traços herdados da mãe e


encharcados de gozo faz-se necessário, que um “sintoma separador” seja criado,
passando a funcionar como contorno da interdição ao incesto e, por isso, é muito
custoso ao sujeito: “fabricamos sintomas separadores que são de fato envelopes
da única lei universal que a psicanálise reconhece, a interdição do incesto” 10
(MOREL,2007a).
No entanto, os traços inconscientes que sintetizam o gozo materno,
imbricam-se nos significantes que gerenciam esse mesmo sintoma separador. “A
lei da mãe[...] é feita de palavras prenhes de prazer ou sofrimento, em suma, de
gozo materno, que são transmitidas à criança desde sua mais tenra idade,
imprimindo-se para sempre em seu inconsciente, modelando fantasias e sintomas”

10
Livre tradução de: nous fabriquons dês symptômes séparateurs qui sont en fait l´enveloppe de la seule loi
universelle que reconnaît la pychanalyse, l´interdit de l´inceste (MOREL,2007, 27/8).
25

(MOREL, 2008:3)11. A psicanalista argumenta que a não separação da lei da mãe


constitui uma patologia gravíssima, mas que aquilo que se constitui como sintoma
separador também é uma patologia, apesar de ser necessária para o surgimento
do sujeito desejante.

A teoria de 1958 [...] não dá um status claro a esta lei da mãe, com freqüência retida pela
criança sob a forma de palavras maternas fatídicas, não se trata do significante do desejo da
mãe, é muito mais um traço de seu gozo e de seu excesso de presença junto à criança
12
(MOREL, UERJ, 27-8-2007) .

Segundo Morel (2008), o “sintoma separador” constitui-se a partir do


encontro do sujeito com a Lei, e caracteriza-se por ser um “envelope” da
separação ocorrida em relação ao gozo materno.

Podemos mapear três níveis do sintoma como patologia da lei. Em primeiro lugar, o efeito
imposto da linguagem no sujeito faz deste um a-sujeito, em segundo lugar, para se separar
deste efeito imposto que toma a forma de uma “lei da mãe”, o sujeito deve constituir um
sintoma que envolve a interdição do incesto e que é em si mesmo um fator de sofrimento; ele
faz isso com (neurose ou perversão) ou sem o Nome-do-pai (psicose) mas, neste último
caso, não é raro que ele ainda assim se apóie em seu pai; em terceiro lugar, este sintoma
pode, pelo saber-fazer do sujeito (ou graças à sua análise), se tornar o que Lacan nomeou
de sinthoma (MOREL, 2008: 147).

1.7.1 O sintoma separador na neurose: a fantasia fundamental

Morel (2007) acredita que o “sintoma separador” paradigmático da neurose


seja a fantasia fundamental. Fantasia fundamental é um conceito criado por Lacan,
para caracterizar uma fantasia inconsciente que estrutura a realidade psíquica,
estabelecendo uma relação entre um objeto a e um sujeito dividido, $<>a,
constituída como defesa frente à castração simbólica, realizada pela inscrição do
significante Nome-do-pai, numa operação chamada metáfora paterna. A metáfora
11
Livre tradução de: La loi de la mère[...] est faite des mots noués au plaisir et à la souffrance, bref à la
jouissance maternelle, qui sont transmis à l´enfant dès son plus jeune âge et s´impriment à jamais dans son
inconscient, modelant fantasmes et sympôtmes (MOREL, 2008:3).
12
Livre tradução de: La théorie de 1958 [...] ne donne pas un statut clair à cette loi de la mère, souvent retenue
par l´enfant sous la forme de paroles maternelles fatidiques, qui n´est pas le signifiant du Désir de la mère,
mais plutôt une trace de sa jouissance et de son trop de présence auprès de l´enfant (MOREL, UERJ, 27-8-
2007).
26

paterna é a operação psíquica inconsciente que equivale ao que Freud denomina


complexo de Édipo, na qual é realizado um corte na mítica simbiose mãe-bebê
pelo significante Nome-do-pai cuja „verdadeira função‟ é „unir‟, e não opor, um
desejo à Lei (SOLER, 2005:82). Entre a Lei o desejo, instaura-se assim uma falta.
Essa falta põe em cena, entre a mãe e o bebê, um terceiro termo que se apresenta
como uma incógnita: o desejo da mãe que aponta para alhures. A criança que se
estrutura na neurose passa a recobrir a incógnita do desejo materno pelo falo, que
indica tanto a falta, como o que lhe completaria. O recobrimento desse terceiro
termo, desejo da mãe, pelo valor simbólico do falo caracteriza a metáfora paterna.
É diante desse quadro psíquico que a fantasia fundamental se constitui, como
defesa à castração simbólica, restabelecendo sob determinadas coordenadas a
relação entre a criança e o representante do grande Outro.
Já na psicose, estrutura clínica que Lacan distingue como aquela na qual o
significante Nome-do-pai foi foracluído, o sujeito tenta inventar estratégias para se
separar do gozo materno, como, por exemplo, a que ele denominou sinthoma a
partir de seu estudo de Joyce (LACAN, 1975-1976/ 2007). Morel fornece ainda
outro exemplo de sintoma separador num caso com hipótese diagnóstica de
psicose. No fragmento clínico, um jovem, apesar do Nome-do-pai foracluído, tenta
construir um “sintoma separador”, através de traços provenientes imaginariamente
do seu pai. Ela esclarece assim que o sintoma separador não é exclusivo da
neurose.
Merecem extrema cautela as conseqüências extraídas desse texto de
Morel. Isso porque seria preciso acrescentar aqui que as “patologias da lei” ou
“sintomas separadores”, por ela apontados, não têm nas diferentes estruturas
clínicas, a nosso ver, a mesma função. Na estrutura clínica da psicose,
sustentamos com a autora que um sintoma separador proveniente de traços
imaginários do pai pode ter a função de criar um limite ao gozo materno. No
entanto, na neurose, aquilo que institui uma separação em relação ao gozo
materno é o significante Nome-do-pai, a saber, a castração simbólica. Ou seja,
tendo o corte sido instituído pelo significante Nome-do-pai, esse sim separador; a
fantasia fundamental passa a ter a função oposta ao de um caso de psicose: recria
justamente a ligação com aquilo que o sujeito interpreta inconscientemente ser o
gozo do Outro. Envelopa uma interdição já realizada. Por isso, acreditamos que,
na neurose, o sintoma separador não tenha a mesma função de um sintoma
27

separador de um caso de psicose. No caso da neurose, é a castração simbólica


que separa, e a fantasia fundamental surge como seu efeito, visando remendar,
envelopar, o já cindido. Diferentemente, na psicose, o sintoma separador tenta ele
próprio instituir uma separação ainda não realizada.

1.7.2 O sintoma formação de compromisso

Feitas essas observações, importa ainda investigar o termo sintoma.


Sintoma, dentro do campo de uma neurose é o “resultado de um conflito, e que
surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido. As duas forças que
entraram em luta encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam” (FREUD,
1916- 1917/ 1996: 361). Com essa expressão “sintoma separador”, Morel nos
remete também à associação que Freud faz entre sintoma e fantasia inconsciente
em Os caminhos da formação dos sintomas (1916-1917/1996). Ao analisar como
os sintomas se constroem, ele disseca a função da fantasia de observação do
coito dos pais; de sedução por um adulto; e a de castração.

[O] papel que desempenha a fantasia na formação dos sintomas tornar-se-á evidente [...] em
caso de frustração, a libido reveste de investimentos, regressivamente, as posições que
abandonou, às quais, porém, permaneceram aderentes determinadas parcelas da mesma
libido (FREUD, 1916- 1917/ 1996: 375).

1.7.3 O sintoma fantasia

O que Morel (2007) chama de “sintoma separador” parece tratar-se de


uma releitura do que Freud (1916-1917/ 1996) chama de fantasia. Freud identifica
a fantasia como o elemento que determina, como uma matriz, a construção dos
sintomas. A fantasia adquiriu na obra de Freud o estatuto de realidade psíquica, de
objeto da psicanálise, na medida em que é a cifra de seu gozo e de seu
padecimento. Ele descobriu que a realidade que interessa à psicanálise não é
tanto a dos fatos vividos, mas a interpretação inconsciente guardada sobre
aqueles, e que é condensada na fantasia.
28

Assim, o que Morel chama de sintoma separador, na neurose, a fantasia


fundamental, matriz de todos os outros sintomas corresponde ao que Freud chama
de fantasia. Dentre os diferentes sintomas que um sujeito estruturado na neurose
desenvolve ao longo de sua vida, haveria um que seria estruturante, raiz de todos
os demais e que é a fantasia fundamental.
Em 1919, Freud fez um comentário ao analisar a fantasia “bate-se numa
criança” no que tange à mulher que parece autorizar o uso que Morel faz da
relação entre sintoma e fantasia: “nos deixa perplexos o fato de que a fantasia
surgida na menina tenha igualmente o valor e o significado de um sintoma”
(FREUD, 1919/ 2006: 199)13. Merece todo o destaque essa passagem situada no
final do artigo em que Freud desenvolve a articulação entre a fase inconsciente
dessa fantasia e o recalque14, ponto, portanto, de condensação de prazer e gozo,
de combinação de Eros, pulsão de vida e da compulsão à repetição, de Tânatos
(JORGE 2006).
O sintoma separador aproxima-se também do que Lacan trabalha no
Seminário, livro 20, Mais ainda (1972- 1973/ 1985), como a forma privilegiada do
sujeito se arranjar diante da castração simbólica. Logo, cremos ser possível
agrupar numa mesma série teórica os termos que tentam localizar no psiquismo a
dimensão do real: „núcleo real do inconsciente‟, destacado por Jorge; „inconsciente
real‟, a que Soler se refere; e „lei da mãe‟, expressão de Lacan, retomada por
Morel, diante da qual se faz necessário um “sintoma separador”. Os três termos -
núcleo real do inconsciente, inconsciente real e lei da mãe - parecem fundamentar-
se em a Coisa, aquilo que do campo do “complexo do próximo” 15 carece de
simbolização, e é retido no psiquismo com uma força ímpar.
Morel (2008) observa que traços do gozo materno permanecem
entranhados na fantasia fundamental, como letras oriundas da lei da mãe. Para
que a fantasia fundamental se construa como defesa inconsciente frente à
castração, impõe-se necessariamente que aquela que ocupa a função materna
deseje para além do bebê. O que Morel ressalta é que, na neurose, algumas
palavras legisladoras da mãe articulam-se à fantasia fundamental - sintoma

13
Livre tradução de: nos deja perplejos el hecho de que la fantasía surgida en la niña tras la represión tenga
igualmente el valor y el significado de un síntoma (FREUD, 1919/ 2006: 199).
14
“A transformação do sadismo em masoquismo parece acontecer por influência do sentimento de culpa que
14
participa no ato do recalque”(FREUD, 1919/ 2006: 191) .
15
Livre tradução de: el complejo del prójimo (FREUD, 1950[1895]/2006:377); Complexo do ser humano
semelhante (FREUD, 1950[1895]/1996:384).
29

separador-, gerando, por sua vez, diversos sintomas secundários - formações de


compromisso. Ela insiste que mesmo no “sintoma separador” o sujeito continua
confrontado com traços do gozo materno, que se imiscuem no próprio “sintoma
separador”, mas agora reorganizados segundo a lógica instituída pelo
atravessamento da metáfora paterna. Dito de outra forma, Morel (2008) observa
que a lei da mãe se mistura à fantasia fundamental. Isso porque a fantasia
envelopa a separação da lei da mãe, emprestando-lhe um contorno, mas, ao
mesmo tempo, une numa relação de desejo e gozo o que fora cindido.
Freud (1916-1917/ 1996) afirma que a fantasia é uma forma da “libido
[revestir] regressivamente as posições que abandonou” (p.375). Com Lacan,
poder-se-ia dizer que depois do corte operado pelo complexo de Édipo, ou seja, da
incidência do significante Nome-do-pai, a fantasia tentaria religar um objeto infans
ao gozo materno.
Destacamos essas referências, na medida em que elas apontam para
uma resposta a questão central dessa dissertação – uma investigação sobre a
presença do Outro materno na fantasia fundamental. Podemos dizer então que,
apesar da fantasia fundamental ser um „sintoma‟ estrutural que indica ter havido
uma separação frente ao Outro materno, traços dessa primeira relação
permanecem entranhados na fantasia.

1.8 A castração simbólica

A percepção de que a mãe, primeiro representante do grande Outro, da


Coisa, lugar mítico de satisfação incomensurável, é castrada e desejante, ou seja,
dividida pelo significante Nome-do-pai, é uma cena de representação intolerável,
que denuncia a própria castração do sujeito. Colette Soler destaca que “o enigma
do Outro barrado se atualiza para o sujeito, [...] em duas vertentes: como mistério
de seu desejo e como opacidade de seu gozo”(SOLER, 2005:94).
Importa ressaltar que existem duas vertentes do Outro no psiquismo, porque
uma das características do inconsciente dinâmico16 proposto por Freud é a

16
Em O eu e o isso (1923), Freud trabalha a diferença entre o inconsciente descritivo, que engloba o conteúdo
latente e o recalcado; e o inconsciente dinâmico que só contempla o recalcado.
30

coexistência simultânea de pares antitéticos que não se anulam. Logo, a figura da


mãe pode permanecer fálica, e, ao mesmo tempo, castrada, e é essa última a
percepção que exige uma defesa psíquica. Lacan, em A significação do falo
(1958/1998), afirma que o significante da falta no Outro é impossível de ser dito, e,
não obstante, insiste em tentar se inscrever, exigindo uma defesa inconsciente.
Che vuoi?17 O que quer o Outro de mim? O que deseja a mãe para além de
mim? Interroga-se o bebê. O vazio de significação frente ao enigma do desejo do
Outro, só pode ser inscrito no inconsciente através do contorno positivo da
resposta que o sujeito cria para esta questão (JORGE, 2006), seja na posição que
ocupa na fantasia fundamental, na neurose e na perversão, seja no oferecimento
como objeto de gozo do Outro, nas construções delirantes da psicose. Uma vez
que no inconsciente não há representação da falta, só há marca do positivo, o
sujeito constrói uma resposta diante desse real avassalador, que se apresenta
como o enigma do desejo18 do Outro.
Freud observou o jogo inventado por seu neto, ainda bebê, que repetia a
palavra for, ao atirar um carretel longe de sua própria vista, e, em seguida, da, ao
puxá-lo de volta. O fundador da Psicanálise interpretou essa brincadeira como
uma tentativa de dar significação à ausência de sua mãe. É somente ao se
interrogar sobre o que falta a ela, e ao construir uma tentativa de resposta
inconsciente, que a dimensão do desejo surge, introduzindo o terceiro elemento
entre a criança e sua mãe. Morel ressalta que, diferentemente da lei da mãe, que
pressupõe um excesso de presença materna, o desejo da mãe, como incógnita,
nasce da alternância entre sua ausência e sua presença.
Assim, a verdade do sujeito diz respeito ao destino que ele,
inconscientemente, dá a sua cena de representação intolerável: percepção de uma
falta naquele que - segundo a nomenclatura lacaniana- encarna o representante
do grande Outro. Diante dessa cena, três defesas estruturais se colocam: o
recalque, na neurose; o desmentido, na perversão; e a foraclusão, na psicose. Na
neurose, a fantasia fundamental condensa a verdade do sujeito em imagens e

17
O que queres?
18
Desejo pode ser definido como o movimento inconsciente em direção a algo enigmático.
31

significantes, porque “há um ponto de origem entre o significante e a verdade”19, e


assim,“eu, a verdade, a falo” (LACAN, 1966-1967/ inédito)20.

1.9 Do proto-sujeito ao sujeito dividido

Em R. S. I. (1973-1974)21, Lacan afirma que a criança está como causa de


desejo da mãe, e localiza a inscrição do proto-sujeito no lugar de objeto, na
fantasia de desejo da mãe: $<>a. Esse proto-sujeito, estando inscrito na fantasia
perversa de sua mãe como objeto causa de desejo seria então sujeito de gozo,
isto é, um sujeito ainda por advir. A fantasia da mãe é perversa, no sentido que
toda fantasia inconsciente tem como função tamponar o real da castração,
construindo uma versão simbólica e imaginária diante do vazio de significação. É
perversa porque a sexualidade, que com Freud não se restringe ao genital, mas
abrange todo o investimento libidinal, é um “desvio em relação [...] a um objeto e
um alvo” (ROUDINESCO-PLON, 1998). Ela é, portanto, sempre uma versão, já
que não há normal para o falasser atravessado como é pela linguagem. Assim, o
representante do Outro materno, cria uma fantasia alimentada por seu narcisismo
primário já a muito esquecido, com a qual investe o bebê, que passa a ocupar na
relação com ela um lugar de objeto.
O percurso da submissão absoluta a essa posição, à lei da mãe, até a
interdição operada pelo Nome-do-pai, sintoma separador do incesto, corresponde
à passagem da posição de objeto de gozo da mãe à de objeto causa de desejo,
em sua própria fantasia fundamental. Com a fantasia fundamental o infans passa
da posição de sujeito por advir - apenas objeto de gozo da mãe - à de sujeito,
sujeito de desejo, definido pelas coordenadas dessa fantasia. Tal passagem é o
que se expressa na fórmula proposta pelo psicanalista Bernard Nominé (NOMINÉ,
2000: 43).

19
Livre tradução de: punto de origen entre el significante y la verdad (LACAN, 1966-1967/ inédito).
20
Livre tradução de: Yo la verdad, lo hablo(LACAN, 1966-1967/inédito).
21
Seminário ainda não publicado.
32

22
homem  mulher / A mãe  criança
_______ _______ ____ ______
$ a $ a

A divisão operada pelo Nome-do-Pai no Outro materno faz com que ela seja
dividida entre mãe - que tem a criança como objeto -; e mulher - objeto da fantasia
de um homem, portanto, ocupante da posição feminina. A posição feminina,
segundo Lacan é aquela na qual, na partilha dos sexos, o sujeito se coloca na
posição de quem não tem o falo e se acopla à fantasia de outro que faz semblant
de tê-lo - posição masculina. Essa distinção que será trabalhada em capítulo mais
à frente.
A divisão da mãe permite à criança sair do aprisionamento absoluto ao lugar
de objeto materno, e criar uma interpretação própria, inconsciente, do falo,
identificando-se ao que na fórmula corresponde à posição do homem. A posição
masculina com a qual a criança pode se identificar se o Outro materno é dividido
em mãe e mulher, corresponde àquela em que o homem, por também ser dividido,
tem uma fantasia e insere, nesta fantasia, a mulher como seu objeto a. Ou seja, a
divisão do Outro materno em duas posições: mulher e mãe, é o que permite a
criança ser atravessada pelo significante Nome-do-pai, também se dividindo em
objeto de gozo dela, por um lado; e em sujeito que deseja a partir de uma falta e
de uma fantasia – como o pai/ homem- por outro. Para tornar-se sujeito desejante,
a criança precisa, por conseguinte, dividir-se, identificando-se em parte ao objeto
que supõe ser aquele para o qual sua mãe se dirige: o portador do falo, na
fórmula, o lugar do homem. Assim, uma vez salvo da posição de objeto de gozo
do Outro pela brecha através do qual o desejo materno lança um enigma, o sujeito
fantasia inconscientemente que o que completaria o Outro materno seria uma
determinada cena.
Portanto, a fantasia fundamental se constitui no momento lógico em que o
proto-sujeito desloca-se da posição exclusiva de objeto a da mãe, para outra na
qual constrói sua interpretação inconsciente daquilo que o Outro desejaria.
Ressaltamos a enorme proximidade conceitual entre fantasia e falo, pois se Jorge
(2006) afirma, como mencionamos antes, que a fantasia é uma resposta ao

22
Livre tradução de: Hombre  Mujer A Madre  Niño (NOMINÉ, 2000:43).
______ ______ ______ _____
$ / a $ / a
33

enigma do desejo da mãe, e Lacan (1957-1958/ 1999) chama de falo a


significação atribuída pela criança às ausências da mãe, ou seja, ao desejo dela,
os dois termos parecem se equivaler em algum nível.

1.10 Constituição do sujeito dividido e do objeto a - o matema da fantasia

Para Lacan (1958/ 1999), na investigação que a criança faz dos porquês
das coisas, o que a criança se empenha em saber é qual é o desejo do Outro. E, é
a sua interpretação desse desejo do Outro que constitui a fantasia fundamental,
fazendo nascer um sujeito dividido e um objeto a, $ <> a. Sujeito dividido e objeto
a surgem, na fantasia fundamental, como posições antagônicas, mas intimamente
ligadas e interdependentes, ambas constituintes da realidade psíquica particular de
cada um.
Lacan codificou a fantasia fundamental em um matema ou fórmula
propugnado ao longo da sua obra:

$<>a
Na qual
$ corresponde ao sujeito dividido pela castração simbólica, ou seja, pelo
complexo de Édipo
a simboliza o objeto a , que é um contorno daquilo que se apresenta
como um vazio íntimo, mas, ao mesmo tempo, externo, “a Coisa”
(das Ding), termo que Freud utilizou para caracterizar o que no
psiquismo carece de simbolização, a saber, o enigma que o desejo
do Outro materno coloca para a criança. O objeto a se constitui como
uma borda frente a esse vazio. Situa-se como uma interseção entre o
que é do campo da própria criança e o que é do campo do Outro
materno. Interseção que é produzida na experiência da operação
psíquica de separação, e que é o produto dessa separação. O objeto
a é também o elemento no psiquismo que causa o desejo e é,
justamente, frente a ele que se constitui um sujeito de desejo.
34

<> indica que existe uma função entre os dois termos, no caso $ e a.
Portanto, o valor de um termo depende do outro. Da forma como
Lacan formulou o matema $ depende de a, porque $ é função de a, e
não o contrário. Logo $ é conseqüência de a.
Lacan divide o símbolo <> em dois, para indicar momentos psíquicos
distintos da constituição do sujeito, a saber, a alienação e a separação:

- corresponde à parte inferior do losango <>. É o símbolo de união entre


dois conjuntos que formam um conjunto comum. Retrata a soma
desses dois conjuntos. Na constituição do sujeito, corresponde ao
momento lógico anterior ao complexo de Édipo, em que o eu e o
Outro estão unidos e indistintos. O subconjunto bebê ou o
subconjunto Outro materno formam um conjunto único indistinto
porque o infans se aliena a um significante que o Outro lhe atribui,
dele fazendo parte.

- corresponde à parte superior do losango <>. É o símbolo da interseção


entre dois conjuntos distintos. Indica a existência de um conjunto novo
criado a partir da separação entre o Outro materno e a criança. A
criança cria inconscientemente uma região comum entre o que supõe
lhe ser próprio e o que atribui ao Outro, a saber, o objeto a. Interessa
ressaltar que essa área de interseção entre os dois campos, a do
objeto a, não existia antes do corte instituído pelo complexo de Édipo
que passa a separar os dois campos. Então, o símbolo indica que a
separação se deu e, por conseguinte, que se constituiu um objeto a.

Assim,

$<>a

é o matema que expressa que o sujeito dividido pelo complexo de Édipo é


causado pelo objeto a.
35

1.11 A alienação e a separação

A relação paradoxal de sujeito de desejo identificado a de objeto


subordinado ao Outro, na fantasia fundamental, revela os estratos „arquitetônicos‟
da sua constituição. No Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise (1964/ 1998), Lacan trabalha essas duas operações lógicas que
acabamos de decantar do matema no item anterior. Na neurose, elas são
acopladas e fundam o sujeito de desejo, a saber, alienação e separação. Na
alienação, o infans se faz representar pelo significante que vem do Outro, e seu
ser desaparece, „afanisado‟23 na barra do significante. Isto é, o bebê aceita a
interpretação do outro sobre sua „lalação‟ e desaparece sob a barra significante,
deixando-se representar completamente por ele. Mas é justamente essa
mortificação pelo significante que permitirá, na operação lógica consecutiva, que
daí advenha um sujeito desejante. Advindo, porém, para sempre como lugar vazio
na ordem significante, observa Fink:

O sujeito está eclipsado pela linguagem[...] sendo seu único traço um marcador de lugar ou
sinal na ordem simbólica. [...] o processo de alienação produzindo o sujeito como conjunto
vazio [...] transforma o nada em algo ao marcá-lo ou representá-lo [...] o sujeito lacaniano
está baseado na nomeação do vazio. O significante é o que funda o sujeito (FINK, 1998: 75).

No mesmo Seminário, livro 11 Os quatro conceitos fundamentais da


psicanálise: Lacan (1964/ 1998) toma a fórmula da fantasia $<>a que indica que o
sujeito dividido, $, é função de a, e divide horizontalmente o losango <> em duas
partes iguais. O V inferior corresponde ao vel da alienação. “O que Lacan chama
de o vel da alienação, comporta uma lógica, a da escolha forçada [...] modalidades
{do conector „ou‟} destinadas a definir as formas de conjunção-disjunção do Sujeito
com o Outro (DOUMIT in KAUFMANN, 1996: 20,21). O autor ressalta que o
analista trabalha no sentido de deixar aparente a lógica significante onde se apóia
o nível imaginário constituinte do Eu do analisando que se apresenta no vel da
alienação como „tu ou eu‟, e na impossibilidade da manutenção desses dois
termos distintos concomitantemente. Isso porque, inicialmente, no psiquismo, tudo

23
Afânise: termo utilizado por Jones, que com Lacan passou a designar “movimento de fading, de
desvanecimento, de eclipse do sujeito” (P. SALVAIN in KAUFMANN, 1996: 10).
36

o que faz parte do Outro materno também faz parte do „Eu real‟ e vice-versa. Se
for um elemento do Eu ou do Outro pertence ao mesmo conjunto no qual se está
alienado.
Assim, na operação caracterizada pelo vel da alienação, o sujeito se funda
submetendo-se ao significante. Ele esclarece que esse V inferior deve ser lido na
fórmula da fantasia fundamental $<>a da esquerda para direita, ou seja, do campo
do $, sujeito dividido, para o objeto a. Ele ilustra a passagem da operação de
alienação para a de separação com o exemplo medieval de „a bolsa ou a vida‟.
Este exemplo indica que se a pessoa, num assalto, escolhe guardar a bolsa, perde
os dois, a bolsa e a vida; e se cede a bolsa porque prefere preservar a vida, não
estará jamais completo. Portanto, para se tornar sujeito, necessariamente, será
preciso alienar algo de si, e o que se perde na operação da separação é o ser,
unidade ôntica, que ficará para sempre decepada.
Ele afirma que o processo de alienação está pautado na operação de
reunião da teoria dos conjuntos, porque o que é do Outro, o significante, passa a
ser do sujeito também. Já no processo de separação, que permanece acoplado ao
primeiro, Lacan adverte tratar-se da operação de interseção. Isso porque se
constituem psiquicamente dois conjuntos distintos, o sujeito e o outro, que têm
como interseção o campo do objeto a, que condensa uma borda erógena que
pertence, na constituição do sujeito, ao campo do Outro, mas também ao mais
intimo desse sujeito. É, portanto, nessa operação que o sujeito tenta recuperar nos
“objetos da pulsão sua parte de ser perdida, identificando-se ao objeto a.”
(MOREL,2007b).
No Seminário livro 10, A angústia ( 1963/ 2005), Lacan admite que o objeto a
é uma libra de carne arrancada do corpo do sujeito, e que esse objeto a ele,
sujeito, supõe localizado no Outro. “Se o que existe de mim mesmo está do lado
de fora, não tanto porque eu o tenho projetado, mas por ter sido cortado de mim,
os caminhos que Eu seguir para sua recuperação oferecerão uma variedade
inteiramente diferente” (LACAN, 1963/ 2005:246).
Portanto, a fantasia fundamental pode ser lida como a tentativa de
recuperar a libra de carne, para sempre perdida através do corte operado pelo
significante Nome-do-pai, na operação de separação. Ainda no Seminário livro 11
Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/ 1998), Lacan trabalha
ainda a etimologia de separar, partindo de se parare, passando por “munir-se do
37

necessário para pôr-se em guarda”, até chegar à palavra em latim que designa
engendrar, „pôr no mundo‟, parir. Assim, mesmo considerando que o desejo é
sempre desejo do Outro, o sujeito atravessado pela operação de separação
inaugura uma diferença entre o Eu e o Outro que „engendra‟, „cria‟, „põe no mundo‟
uma interpretação própria do que seria o desejo do Outro. Interpretação que o
„mune do necessário‟ para sobreviver psiquicamente apartado do Outro.
Então, o efeito da operação de separação, através da qual a criança deixa
de ser, exclusivamente, objeto de gozo do Outro, e se constitui como sujeito de
desejo, seria a fantasia fundamental? No caso da neurose, cremos que sim. A
operação de separação acoplada a de alienação, na neurose, parece indicar
precisamente o momento de constituição da fantasia fundamental.

1.12 A metáfora paterna

A realidade material, ou dita objetiva, não é algo comum para todos os sujeitos falantes:
cada sujeito estabelece uma relação com o mundo e com os outros por meio de uma
fantasia particular, advinda para ele no momento mesmo de sua constituição e tendo,
portanto, uma íntima relação com o recalcamento originário (JORGE, 2006:68).

No Seminário, livro 5, As formações do inconsciente (1957-1958/ 1999),


Lacan afirma que a metáfora paterna consiste na substituição do enigma que o
desejo do Outro materno coloca para a criança pelo significante do pai (pg. 180).
Jorge (2003), seguindo Lacan, sustenta que a metáfora paterna é a operação
simbólica mais eficaz para frear a pulsão de morte, porque promove o recalque
originário, que passa a ser encoberto pela fantasia inconsciente $<>a. “A
instauração da fantasia fundamental é o principal efeito produzido pelo
recalcamento originário” (JORGE, 2006:65). Logo, se o significante Nome-do-pai
passou a operar, dividindo o eu em sujeito dividido e objeto a, localizando numa
fantasia o seu gozo sexual particular, pode-se concluir que é porque o recalque
originário se efetivou.
Definimos a metáfora paterna como a própria instauração da fantasia que
introduz e fixa no inconsciente uma relação da criança com o Outro materno
modificada pelo corte operado pela castração simbólica, ou seja, pela inscrição do
38

Nome-do-pai24. Essa nova relação alterada pela função paterna e condensada na


fantasia fundamental constitui a père-version. No idioma francês há uma
homofonia entre a versão do pai e a perversão, essa do sujeito. A introdução da
função paterna produz uma nova versão de relação com o Outro, que caracteriza a
particularidade de cada sujeito de desejo, no campo da neurose e da perversão.
Podemos dizer que a fantasia fundamental, constituída com letras oriundas da lei
da mãe, recobre o recalque originário, a Coisa, determinando a matriz de seu gozo
fálico sexual, que causa estranheza ao eu, mas, ao mesmo tempo, constitui o que
se lhe caracteriza como mais particular.
Nesse sentido, o investimento libidinal realizado no corpo da criança,
associado à linguagem e, mais adiante, à incidência do Nome-do-pai permite que
se constitua uma fantasia fundamental, $<>a. Graças a essa fantasia, as zonas
mapeadas libidinalmente são transformadas em objetos a: contornos de um vazio
que se situam no psiquismo entre o campo do que lhe é particular e o que
pertence ao campo do Outro.
Munida da sua fantasia inconsciente e, portanto, da referência ao falo, a
criança entra assim no laço social como sujeito de desejo, segundo as
coordenadas da fantasia fundamental, que estrutura sua realidade psíquica. Esse
sujeito de desejo, dividido pela barra do significante Nome-do-pai, que impõe um
limite, uma castração simbólica, estará para sempre situado frente a um objeto a,
numa relação estrutural que visa tamponar o que falta ao Outro.
Parece crucial observar que quando Lacan nomeia objeto a como aquele,
que causa o desejo, o faz ressaltando seu aspecto de falta, de negativo, já que
esse objeto é para cada sujeito, uma representação do objeto impossível, a Coisa.
É o objeto a que causa o desejo pelo falo. Falo é o significante da falta que, por
estar fora da cadeia simbólica do sujeito, a orienta. Representa, “além da diferença
sexual, a falta-a-ser gerada pela linguagem para todo e qualquer sujeito” (LACAN
apud SOLER, 2005:28). Assim, é por causa do objeto a que se dá a busca
incessante pelo falo. O Objeto a é um invólucro não palpável da Coisa, logo, é ele
que causa o desejo que se dirige ao falo.

24
Voltaremos a esse ponto no capítulo 3.
39

1.13 O objeto proibido e o objeto impossível

Na esteira de Freud e Lacan, Jorge (2005) mostra que a metáfora paterna é


a responsável pela amarração do gozo da pulsão de morte com o objeto a; e
diferencia objeto proibido e objeto impossível. Na neurose e na perversão, o
objeto a, em última instância, é produto do afunilamento do empuxo ao gozo
mortífero da pulsão, que passa a ser filtrado pela Lei designada de Nome-do-pai,
que institui, na fantasia, um objeto proibido. Então, o objeto a, ao representar o
objeto impossível, a Coisa, o faz transformando-o em proibido. Ele é, por
conseguinte, uma construção mítica de apreensão do objeto impossível, a Coisa.
“Os elementos a, elementos imaginários da fantasia, vêm recobrir, engodar o
sujeito no ponto mesmo de das Ding” (LACAN, 1986/ 1997:126).
Assim, após a metáfora paterna, o Outro materno transforma-se em um
objeto proibido pela lei do incesto, objeto que representa aquele que de fato é
inexistente estruturalmente e, por isso, impossível. Como ressaltado, essa
operação só é possível, se a criança perceber que aquele que ocupa a função
materna é dividido pela metáfora paterna, em mãe e mulher, permitindo-lhe, por
sua vez, também se dividir em objeto de desejo de sua mãe, e em sujeito
desejante, identificando a um traço de quem supõe ter a posse do falo. Portanto, a
Lei do incesto transforma um objeto impossível, a Coisa, em proibido. Essa Lei cria
um invólucro de „proibido‟ para uma impossibilidade estrutural, permitindo a
ancoragem do sujeito no falo.
De acordo com Jorge (2006), a fantasia fundamental transforma pulsão de
morte em pulsão de vida, Eros; articulando o sem sentido com o simbólico do
amor; e a pulsão com o inconsciente. Além disso, visando resgatar a completude
perdida, ela costura sexualidade com linguagem através de uma frase estrutural
para o sujeito que desmente a castração do Outro. O sujeito se vê assim
engendrado no desejo enigmático do Outro como resto de uma operação de amor.
A partir do complexo de Édipo, a fantasia passa a fazer obstáculo à pulsão
de morte, amalgamando prazer e desprazer (JORGE, 2003), substituindo, ao
menos em parte, o gozo mortífero, próprio à posição de objeto de gozo materno do
infans - por gozo fálico, sexual. A fantasia fundamental indica, portanto, na neurose
e na perversão, o ponto mais sintético de gozo de um sujeito, seu sintoma
40

estrutural, a partir do qual uma repetição rege como uma lei à articulação entre a
sua castração e o objeto causa de seu desejo.

1.14 O objeto causa do sujeito dividido

Lacan (1963/1998) faz uma subversão da clássica relação entre sujeito, ativo,
e objeto, passivo. Propõe que o objeto seja o elemento ativo, e o sujeito, o passivo,
já que é o sujeito que se deixa causar pelo objeto a. Longe de ser passivo, apenas
sofrendo a ação de um sujeito, é, pelo contrário, o objeto a, representante da
Coisa, do objeto impossível, e razão da busca incessante do desejo em sua cadeia
metonímica, que o causa.

Diante do vazio de significação quanto ao desejo do Outro, a criança constrói


uma interpretação, sobre o objeto que ela, criança, poderia se tornar para
satisfazer ao desejo e gozo do grande Outro. Essa interpretação, que recobre o
que antes era um vazio, estabelece uma relação entre um sujeito dividido pelo
significante Nome-do-pai, que institui a castração simbólica e um objeto a. Essa
relação passa a ser a lente através da qual o mundo é percebido e interpretado.
Parece-nos que o Eu, re-formatado depois de metáfora paterna, tenha como uma
de suas referências mais poderosas exatamente esse objeto causa do desejo do
Outro ao qual ele tenta se identificar.

Graças a essa fantasia, o enigma do desejo do Outro passa a ser


tamponado pela relação entre um objeto causa de desejo e um sujeito dividido,
numa construção simbólica e imaginária que tampona o real da castração, dando
uma interpretação a significantes, que por definição não têm nem sentido nem
significado. Dito de outro modo, apesar de todo sujeito falante ser sujeito do
inconsciente, marcado, no corpo, por significantes advindos do Outro, para que o
sujeito do inconsciente, enquanto sujeito de desejo, possa advir, é necessário que
a operação da metáfora paterna [ou incidência do Nome-do-pai] ocorra, pois é ela
que funda o recalque, introduzindo a lei e o desejo.
41

Na operação do recalque originário, o significante Nome-do-pai vem substituir o desejo da


mãe (em seu duplo genitivo, subjetivo e objetivo) e funciona para o sujeito como um Não25
ao gozo absoluto – doravante considerado como impossível - e um Sim simultâneo de
possibilidade de acesso ao gozo fálico, parcial, que é o gozo propriamente dito sexual. O
sujeito do gozo é assim substituído pelo sujeito do significante, o qual tem também, por sua
vez, um certo acesso ao gozo, mas um gozo parcial, recortado pelos significantes e
emoldurado pela fantasia, o que Lacan nomeia de gozo fálico (JORGE, 2006:64).

É o Outro materno que introduz, em seu discurso, pelo valor que dá à palavra
de um terceiro, a direção de seu desejo. Esse terceiro passa a indicar uma posição
lógica de quem porta o falo que falta à mãe, e que se apresenta, portanto, fora da
relação dela com a criança. A partir do discurso materno, a criança detecta a
divisão da mãe em: mãe e mulher, e atribui a um terceiro a posse de algo que sua
mãe deseja. Para Lacan, a importância daquele que desempenha a função
paterna, está diretamente ligada a sua capacidade de direcionar o desejo da mãe
para si, apontando para a criança que é neste limite que esbarra seu desejo.
Desejo, por conseguinte, barrado e para sempre insatisfeito.
É, portanto, o discurso materno que evidencia o valor, por ela dado a palavra
de um terceiro, a quem Lacan nomeia função paterna, elemento simbólico suporte
da metáfora paterna, que transmite a Lei e funda o desejo. A função paterna é
exercida por aquele que é percebido pela criança como possuidor de algo que falta
à mãe e para o qual o desejo dela se dirige. E, é, justamente, aquilo que cada um
supõe ser a resposta à questão do desejo materno que constitui o que Lacan
chama de falo. Se a mãe dirige seu desejo a um terceiro, evidenciando assim a
castração simbólica, tanto dela quanto a da criança, a dialética a respeito da posse
do falo passa a se colocar para a criança. Dito de outra forma, diante da ferida
narcísica instaurada pela castração – que é tanto própria como do Outro-,
evidenciada no fato de que o Outro deseja, o sujeito cria uma fantasia na qual se
localiza frente ao enigma do desejo do Outro. A partir da lógica inconsciente de
questionamento sobre quem detém o falo, a criança cria uma cena na qual o
desejo enigmático do Outro seria satisfeito, através do enquadre da fantasia
fundamental, na qual suspeitamos que o Eu passe a se identificar ao objeto a26.

25
Daí o valor atribuído por Lacan à homofonia, na língua francesa, entre nom, nome, e non, não.
26
Abordaremos essa questão na conclusão do trabalho
42

1.15 O objeto resto da castração simbólica é retido na fantasia

A criança ejetada pela castração simbólica de uma mítica simbiose com a


mãe identifica-se a um objeto a na fantasia, onde se mantém psiquicamente
fixada, posição subjetiva que lhe permite fantasmaticamente ser incluída numa
relação de gozo com o Outro. “Se o desejo da mãe é o falo, a criança quer ser o
falo, a criança quer ser o falo para satisfazê-lo. Assim, a divisão imanente ao
desejo já se faz sentir por ser experimentada no desejo do Outro” (LACAN,
1958/1998: 700).
Após a castração simbólica, toda significação passa a ser fálica e a apontar
para o sexual. Ou seja, a partir da percepção da castração simbólica operada pelo
significante Nome-do-pai na pessoa que exerce a função materna, que é o
representante privilegiado do grande Outro, o sujeito adentra a reivindicação fálica,
através de sua fantasia fundamental, inconsciente e recalcada. Nela, a completude
é restabelecida através da relação criada entre um sujeito dividido e um objeto a,
que passa, a ser a janela pela qual o sujeito compreende o mundo externo. A
realidade psíquica é formada, por conseguinte, a partir desse véu que recobre uma
falta estrutural com uma fantasia que lhe é particular.

Tal fantasia é construída em íntima relação com o enigma do desejo do Outro, o Che vuoi?,
cuja questão será respondida pelo sujeito com uma construção fantasística primordial, que
constitui uma verdadeira matriz a partir da qual o sujeito vai desenvolver todas as suas
relações com seus semelhantes e o mundo a sua volta. (JORGE, 2006:64).

O sujeito de gozo, infans que ocupa exclusivamente a posição de objeto do


gozo do Outro, uma vez barrado pelo Nome-do-pai passa a responder ao enigma
do desejo materno com uma cena, cujas imagens e significantes copulam,
estabelecendo uma relação fálica entre um objeto a e sujeito dividido. Assim, na
fantasia fundamental $<>a, o Eu se supõe engendrado no desejo enigmático do
Outro mesmo que como um resto: a “famosa divisão que nos guia, a partir de um
certo momento, pelos três tempos em que o S, sujeito ainda desconhecido, tem
que se constituir no Outro, e nos quais o a aparece como resto dessa operação”
(LACAN, 1962-1963/ 2005: 296). O objeto a é resto da operação que divide o
43

sujeito, resto da castração simbólica, não obstante comparece remendado na


fantasia. Remendado porque, apesar de resto, ocupa uma posição definida na
relação de gozo que se estabelece com o Outro na cena fantasmática.

1.16. A posição do sujeito que visa satisfazer ao desejo e ao gozo do Outro

O falo entra desde logo em jogo, a partir do momento em que o sujeito aborda o desejo da
mãe. Esse falo é velado e permanecerá velado até o fim dos séculos, por uma razão
simples: é que ele é um significante último na relação do significante com o significado
(LACAN, 1957-1958/ 1999: 249).

A fantasia fundamental é recalcada e, portanto, inconsciente, construída em


analise como uma hipótese. O falo é e permanece “velado”, diz Lacan na
passagem acima. Ambos recobrem a falta. O falo recobre a falta estrutural do
Outro, na medida em que a criança supõe que ele seja a resposta ao desejo
materno; ao passo que a fantasia fundamental recobre também a própria ferida
narcísica, uma vez que nela o eu fica identificado ao objeto que supõe
proporcionar gozo ao Outro. Acreditamos, portanto, que, a partir do advento da
fantasia fundamental, o Eu adquira um novo contorno, se dividido em sujeito
castrado e em objeto a que se relacionam. Ana Maria Rudge lembra que este “Eu
da chamada segunda tópica é tanto sujeito como objeto” (RUDGE, 1996: 82).
A fantasia corresponderia, portanto, a interpretação mais axiomática de um
sujeito do que satisfaria ao desejo e ao gozo do Outro, tomando como guia as
letras oriundas da Lei da mãe. Essas letras do gozo materno, como veremos na
conclusão, reverberam na instância psíquica do Supereu, sobretudo em seu
aspecto arcaico.

O desejo da mãe [...] o objeto de uma busca enigmática que deva conduzir o sujeito, no
correr de seu desenvolvimento, a rastrear esse sinal, o falo, para que então entre na dança
do simbólico, seja o objeto preciso da castração e, por fim, entregue a ele sob uma outra
forma, para que ele faça e seja o que se trata de fazer e ser. Ele o é, ele o faz, mas, aqui,
estamos absolutamente na origem, no momento em que o sujeito se confronta com o lugar
imaginário onde se situa o desejo da mãe, e esse lugar está ocupado (LACAN, 1957-1958/
1999: 249).
44

A fantasia fundamental é a construção simbólica e imaginária, na qual o


sujeito se oferece como objeto, que apesar de ejetado do Outro, cujo desejo
aponta para um terceiro lugar, o do falo, se coloca ali como objeto a retido e
remendado de gozo do Outro. “Tanto na histeria como na neurose obsessiva, [...] a
fantasia [permite] que o Outro apareça completo [...] manejar as coisas de modo
que o Outro apareça, por exemplo, como dono e senhor de seu desejo, o que
equivale também a que não tenha desejo” (MILLER,1984/1986:37)27. Cremos,
portanto, ser possível afirmar que o falo seria o ponto para o qual o sujeito supõe
dirigir-se o desejo materno; enquanto que a fantasia fundamental seria a posição
inconsciente por ele encontrada de responder ao que supõe ser o ponto de gozo
do Outro, conservando, não obstante, no objeto a um ponto de real, de falta.
Essa fantasia uma vez instituída passa a regular o desejo e o gozo sexual do
próprio sujeito de desejo dela advindo. Por isso, o que se mantém constante no
gozo sexual de um sujeito é a estrutura axiomática de sua fantasia. Ela é
irredutível porque é a estrutura que sustenta o sujeito, enquanto sujeito de desejo.
A fantasia fundamental é justamente esse axioma que rege o gozo sexual,
impondo-se ao eu como a congruência entre o que lhe é mais íntimo, seu desejo, e
o que lhe é mais estranho, seu gozo. “Desenvolvemos a hipótese segundo a qual
há uma relação intrínseca e particular entre a fantasia e o gozo: a fantasia é uma
forma de possibilitar o acesso ao gozo fálico do objeto, perdido por definição”
(JORGE, 2006:69). Assim, a fantasia fundamental brota da confluência da pulsão
de morte com a incidência da metáfora paterna, que faz emergir um gozo fálico,
parcial e sexual que conserva a pungência da pulsão, através da compulsão à
repetição que comanda as metonímias da fantasia. Metonímias, na medida em que
a estrutura da fantasia é recoberta por variações próprias à associação
significantes, mas que conservam intacto seu cerne axiomático.

27
Livre tradução de: “tanto en la histeria como en la obsesión, el tratar de manejar el fantasma de manera que
el Otro aparezca como completo[...]manejar las cosas de modo que el Otro aparezca, por ejemplo, como
dueño y señor de su deseo, lo que equivale también a que quede sin deseo” (MILLER,1984/1986: 37).
45

1.17 A fantasia fundamental e as estruturas clínicas

A fantasia fundamental inconsciente seria uma especificidade de determinada


estrutura clínica, ou se ela seria uma defesa comum as três, diante do enigma do
desejo do Outro? Às três diferentes estruturas clínicas - psicose, neurose e
perversão-, corresponderiam fantasias inconscientes de natureza distintas, porém
sempre matrizes estruturais sobre um vazio?
O verbete fantasia, no dicionário da Enciclopédia Britannica (1983), traz entre
outros significados um que merece destaque: ”variação mais ou menos
desenvolvida, sobre um trecho de música ou ária, segundo o capricho do artista”.
Merece destaque, porque a fantasia inconsciente, no campo da psicanálise,
também conserva a responsabilidade pela autoria daquilo que é construído pelo
sujeito com o que recebe de fora, em forma de ditos (música, ou ária) do grande
Outro.
Laplanche e Pontalis (2001) definem fantasia como “roteiro imaginário em
que o sujeito está presente, e que representa, de modo mais ou menos deformado
pelos processos defensivos, a realização de um desejo[...] inconsciente”
(LAPLANCHE/PONTALIS, 2001:169). Eles enumeram três naturezas principais de
fantasias. “As fantasias apresentam-se sob diversas modalidades: fantasias
conscientes ou sonhos diurnos; fantasias inconscientes como as que a análise
revela, como estruturas subjacentes a um conteúdo manifesto; fantasias
originárias”28 (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001:169).
Apesar do vínculo, na literatura psicanalítica, entre fantasia e desejo tender a
limitar o conceito de fantasia às estruturas neurótica e perversa, onde o objeto
tenta responder ao desejo, e não, apenas, ao gozo da mãe, como ocorre na
psicose; importa ressaltar a observação de Laplanche e Pontalis, ao definirem
fantasia conforme destacado abaixo. Os autores, para definirem o verbete
fantasia, destacam um trecho de Freud, em Três ensaios sobre a sexualidade
(1905):

28
Fantasias originárias (Urphantasien) dizem respeito ao patrimônio universal de fantasias compartilhadas.
46

As fantasias claramente conscientes dos perversos[...]-; os temores delirantes dos


paranóicos que são projetados sobre os outros com um sentido hostil-; as fantasias dos
histéricos-[...], todas essas formações coincidem no seu conteúdo até os mínimos detalhes”
(FREUD, 1905). Em formações imaginárias e estruturas psíquicas tão diversas como as que
Freud designa aqui, podemos encontrar um mesmo conteúdo e uma mesma estrutura,
conscientes ou inconscientes, atuados ou representados, assumidos pelo sujeito ou
projetados sobre outrem (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001:172).

A partir dessa observação dos autores, de que Freud empenhou-se em


indicar a proximidade entre as diversas naturezas de fantasia, que teriam a mesma
estrutura, cabem algumas indagações:
1- Poder-se-ia dizer, com Freud, que a função da fantasia inconsciente seria
comum às três estruturas clínicas, correspondendo ao processo de defesa diante
da Coisa? Os delírios paranóicos seriam, então, fantasias inconscientes
narcísicas? Sendo a incompletude e a pré-maturação comuns a todo falasser,
acreditamos que alguma fantasia inconsciente se imporia como defesa psíquica ao
real, seja a partir de uma matriz simbólica e imaginária, seja exclusivamente, nas
fantasias narcísicas, nas psicoses.
2- Poder-se-ia, então, a rigor, afirmar que nas três estruturas clínicas, o
sujeito tenta, com maior ou menor sucesso, defender-se do gozo mortífero através
de uma fantasia fundamental inconsciente? Dar-se-ia a organização psíquica do
sujeito necessariamente através de uma fantasia fundamental inconsciente,
inclusive na paranóia? Jean-Michel Ribettes parece tomar essa possibilidade
como fato, como indica o trecho abaixo.

Se Joyce soube, por sua escrita, remediar a foraclusão do significante paterno, podemos
deduzir de seu voto célebre – o de que os universitários se ocupem dele durante trezentos
anos [o que equivale ao voto de fazer falar de si e de fazer pronunciar seu nome] - que sua
fantasia fundamental, de certa forma, se relacionava com a voz; o que poderia ser enunciado
desta forma: fala-se dele, Joyce (RIBETTES, 1985:121).

Então, o que Lacan propõe como fantasia fundamental seria uma defesa
comum às três estruturas clínicas? Ou dever-se-ia reservar o conceito de fantasia
fundamental apenas para a neurose e perversão, quando é possível sintetizá-la no
matema $<>a29, que caracteriza o modo de constituição específico dessa fantasia

29
“Em 1957, Lacan elaborou com seu grafo do desejo um matema da lógica da fantasia, no qual ele situa o
assujeitamento originário do sujeito ao Outro numa relação que traduz uma questão sem resposta: Che vuoi?:
Que queres? O matema $ <> a formula a relação entre o sujeito do inconsciente, sujeito barrado, dividido pelo
significante que o constitui, e o objeto a, objeto inapreensível do desejo que remete a uma falta originária, um
vazio do lado do Outro” (JORGE, 2006:69).
47

nas estruturas neurótica e perversa? Fantasia fundamental e o matema $<>a não


seriam sempre sinônimos? Seria razoável falar de fantasia fundamental em
estrutura, na qual não cabe a utilização do matema?
Ribettes adverte, com razão que, na psicose, “longe de ser um freio ao gozo
- o que é sua função estruturante -, a fantasia na sua forma psicótica determina a
invasão do sujeito por um gozo desenfreado” (RIBETTES, 1985:115). Se a
fantasia determina o gozo, pode-se supor que ela, na psicose, tenha outra função
que não a de frear o gozo? Ou sua função seria a mesma, apesar da determinação
de uma zona delimitada de gozo fracassar e o sujeito, com freqüência, se
encontrar, por ele, todo invadido. A falta de eficácia da fantasia, na psicose, para
efetivamente barrar o gozo, impõe que sua função seja outra? Ou, ao contrário, a
função se manteria, aí também, determinando a forma imaginária de invasão do
gozo mortífero, a saber, a estrutura do delírio, que, como advertiu Freud, é
tentativa de cura em relação ao gozo de pura pulsão de morte? Acreditamos que
a fantasia inconsciente no delírio paranóico seja, também, tentativa imaginária, de
delimitação do gozo do Outro.
Apesar da fantasia inconsciente no delírio paranóico ser também tentativa
imaginária de delimitação do gozo do Outro, talvez não deva ser denominada
fundamental. Na construção civil, há diferença entre, por um lado, o que é
alicerce, fundação, base sobre a qual se apóia a edificação; e, por outro, uma
coluna construída posteriormente para tentar remediar um desmoronamento. A
fantasia fundamental na neurose parece sustentar a realidade psíquica do sujeito e
sintetizar aquilo que lhe é mais particular, sua forma de gozar. É, portanto, a base
estrutural sobre a qual se apóiam todos os deslizamentos metonímicos do desejo.
O delírio psicótico, por outro lado, só se constitui numa tentativa de reorganizar a
realidade psíquica que começa a se esfacelar. Ele é uma fantasia privilegiada para
o sujeito na psicose, mas ela é contingencial, não está lá, como na neurose,
fundando o sujeito dividido e regulando seu gozo. Nesse sentido, apesar de
apostarmos na hipótese de que, nas três estruturas clínicas, neurose, psicose e
perversão, as diferentes naturezas de fantasia inconsciente tenham em comum,
não apenas “a mesma estrutura”30, mas também a mesma função: tentar, com
mais ou menos sucesso, delimitar a pulsão de morte, talvez não devêssemos usar

30
(LAPLANCHE e PONTALIS, 2001: 172).
48

o termo fantasia fundamental para a psicose, e o reservar para a perversão e a


neurose, no sentido de que nelas a fantasia é alicerce psíquico do sujeito de
desejo.
Não pretenderemos esgotar essa discussão, mas apenas indicá-la e, a
partir deste ponto, a pesquisa deter-se-á no estudo da fantasia fundamental na
neurose. Assim, doravante quando o texto referir-se à fantasia fundamental estará
tratando da estrutura clínica da neurose.

1. 18 As três dimensões da fantasia fundamental

A partir da sua leitura de Lacan, Ribettes aponta no campo psicanalítico três


dimensões da fantasia: “- a que se observa, imaginária, [...]; - a que se deduz,
simbólica, [...]; - e a que se impõe, real” (RIBETTES, 1985:110). Na primeira,
imaginária, estariam imiscuídos os devaneios, fantasmagorias e “encenações
narcísicas”. Ele afirma ainda que a “atividade egóica tomando o estádio do espelho
por matriz, a fantasia se iguala à realidade do sujeito” (RIBETTES, 1985:110).
Destacamos, que segundo Ribettes, a fantasia fundamental mantém com o estádio
de espelho uma relação próxima. Voltaremos a esse ponto na conclusão, uma vez
que a assertiva subsidia a questão que pretendemos trabalhar numa outra etapa
de pesquisa.
Na segunda dimensão da fantasia fundamental, a simbólica, uma “gramática
do inconsciente”31 é estabelecida.

A fantasia aparece dentro dessa escrita como a montagem gramatical de uma imagem
essencial, à qual se refere o objeto real da pulsão. Ela representa – para dar uma outra
definição – a estrutura significante da qual se veste o objeto real para suportar o desejo
dentro das suas condições de metonímia (RIBETTES, 1985:114).

Já a dimensão real da fantasia, a terceira, impõe uma repetição inerte,


característica do real, que volta sempre ao mesmo lugar 32, apesar da condição

31
(RIBETTES, 1985:113).
32
(LACAN apud RIBETTES,1985:113).
49

metonímica do desejo. Não obstante, o desejo ter essa natureza metonímica, ele
é regido por um ponto de gozo, no qual o sujeito se encontra estruturalmente
fixado, “repetição significante, mas também repetição de gozo [pelo que a pulsão
de morte se encontra reatada à cadeia significante] (RIBETTES, 1985:116). O
autor ressalta uma dimensão do objeto a de resto, mas de resto de gozo, real, que
merece ser acrescentada ao presente texto e colocada em relevo: o objeto a é a
“parte que resta não simbolizada do falo [...] restitui a conexão do sujeito com o
real” (RIBETTES, 1985:116). E, é por causa desse resto de gozo que a fantasia
se repete como uma compulsão, que o Eu é impotente para mudar, visto ser ela o
axioma que define o sujeito de desejo, do qual o Eu é apenas uma parte.
Uma vez estudada a preservação de traços do gozo materno, ou da lei da
mãe, dentro da lógica da fantasia, interessa agora investigar se há relação entre o
conceito lacaniano de fantasia fundamental e o estudo de Freud sobre a fantasia
“bate-se numa criança”. E, caso haja equivalência entre as duas fantasias, se na
fantasia freudiana também podemos encontrar traços desse Outro materno. É o
que faremos a seguir.
111

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Trabalho apresentado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
organizado pelo Corpo Freudiano Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro, seção
Rio de Janeiro.

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