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Rio de Janeiro
2017
Lauro Rodriguez de Pontes
Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 316.6
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Lauro Rodriguez de Pontes
Banca Examinadora:
_________________________________________
Prof. Dr. Ronald João Jacques Arendt
Instituto de Psicologia - UERJ
_________________________________________
Prof.ª Dra. Marcia Oliveira Moraes
Universidade Federal Fluminense - UFF
_________________________________________
Prof.ª Dra. Heliana de Barros Conde Rodrigues
Instituto de Psicologia - UERJ
_________________________________________
Profª Drª Ana Claudia Monteiro
Universidade Federal Fluminense - UFF
_________________________________________
Prof.ª Dra. Prof.ª Drª Laura Quadros
Instituto de Psicologia - UERJ
Rio de Janeiro
2017
DEDICATÓRIA
À Ísis e Miguel: Vocês são meu ar, meu mundo, meu coração, minha vida.
À Eliana, minha mãe, o meu reconhecimento por tudo que você fez, faz e fará, que
jamais cabeira em palavras. Sem você eu não teria chegado até aqui.
AGRADECIMENTOS
Nos quatro anos vividos para a construção desse trabalho, foram inúmeras
pessoas que perpassaram o caminho da minha escrita. Agradeço em primeiro lugar
a estes, que não serão citados nominalmente aqui, mas que contribuíram de alguma
forma para a realização dele.
Em uma ordem cronológica, agradeço novamente a minha querida professora
e amiga Solange Souto, por me ensinar no ano de 2009 que para ser professor eu
tinha que fazer mestrado e doutorado, pronto Sol, finalmente acabei a missão!
Ao meu orientador e amigo, Ronald Arendt, que com toda sua amplitude de
pensamento abraçou minhas ideias e o tema desse trabalho me dando a liberdade
que precisava para desenvolver a pesquisa. Mais uma vez, não tenho palavras para
descrever tamanha gratidão pelo acolhimento, carinho e paciência. Sua calma e
paciência será sempre uma inspiração no meu caminhar.
Aos colegas do programa de pós, pela troca intelectual e papo de alto nível
nas reuniões de grupo.
A Cris, por ter me dado o presente mais lindo que recebi durante toda essa
jornada: o Nosso Miguel!
A minha família: Ao meu irmão Rodrigo, a Tatá, aos meus tios, a Regina e
Milton (in memoriam).
Em especial a minha tia Maria, pelas sempre boas energias positivas e
otimismo.
Meus amigos, todos, numa feliz e longa lista, por todas as trocas e vivências,
nesses transformadores quatro anos de pesquisa.
A Ruth, pelo trabalho nos bastidores, sempre facilitando minha vida desde o
início da pesquisa.
A Karen Belarmino pela ajuda na revisão da tese, num trabalho incrível de
transformar meus pensamentos complexos em texto inteligível.
Aos amigos Beto Ferreira e Gleicy Souza, pelo apoio nas transcrições e por
estarem no meu lado desde o início até o fim de todo o processo.
A todas as pessoas das associações: REDE Compromisso, APEPI,
CULTIVE!, REFORMA e em especial aos amigos formados na ABRACannabis, o
epicentro de toda a vivência dessa narrativa. Grandes pessoas!
Ao Pedro Zarur, Ricardo Nemer, Emilio Figueiredo, Henrique Neves, Virginia
Carvalho, Margarete Brito e aos outros caminhantes próximos que foram tão
fundamentais, muito obrigado pela acolhida e oportunidade de estar com vocês.
Esse trabalho não existiria sem vocês!
Por último as mães e pais das crianças que pude seguir durante a pesquisa.
Obrigado por me mostrar a face do amor mais puro em meio a tantas dificuldades.
RESUMO
GERMINAÇÃO – INTRODUÇÃO
1
Refere ao conteúdo da Internet que não faz parte da internet pesquisável por mecanismo de busca.
12
Além disso, fiz uma pós-graduação em hipnose clínica, cursos em terapia naturais e
tenho formação em terapia ortomolecular, que me permitiram entender melhor o
funcionamento bioquímico do cérebro.
Segui, desde o primeiro contato, de muito perto vivenciando parte do
processo que, no momento em que me aproximei, estava construindo o próprio
corpo e estrutura institucional. Acompanhei as propostas e as pessoas por trás das
propostas. É tudo apenas um grande olhar. Um olhar pacífico e atento, descritivo e
apaixonado. O olhar de quem já esteve dentro, fora, entre, através e além de. Esse
olhar se traduz em palavras, produzindo esse trabalho.
Estar com um trabalho a ser construído dentro de um tempo limitado por
prazos me causa a sensação de que essa tese é uma parte do meu ser posta em
palavras. Só assim consegui caminhar para desenvolvê-la, só assim, afetando-me
profundamente e quebrando paradigmas pude ter forças para escrever. Tantos
foram os pensamentos, associações, experiências que a priori não pareciam estar
relacionadas com a construção do texto vivo, pulsátil, híbrido em minha própria
realidade e percepção. Esse é o resultado das ideias de um psicólogo clínico que
quis, dez anos depois de formado, voltar para a academia, passando por toda
conformação textual e metafórica na função mecânica da palavra até as
sincronicidades dos contatos e encontros experimentados na jornada.
Os desdobramentos psicossociais e os relatos dos participantes constituem a
base estrutural desse trabalho. Já saliento aqui que todos os citados autorizaram o
uso do seu nome e narrativa. Para quem não é envolvido no assunto sobre a
maconha de alguma forma, tenho a pretensão de que, ao final da leitura dessa tese,
terei ajudado a transformar e ampliar sua sabedoria sobre o tema. Assumo aqui a
clara intenção de desconstruir o instituído através do pensamento moderno reinante
que prevaleceu, inclusive em mim, até começar a me embrenhar nas controvérsias
presentes. Aqui será exposto e descrito, da forma mais sensível e rica possível, toda
a complexidade da Cannabis através de suas interrelações, transpasses, versos,
frases, ideias, construções tangenciais, congruências e engendramentos.
Numa coincidência extremamente feliz, que me deu mais certeza de estar no
caminho certo da pesquisa, o assunto maconha medicinal ganhou corpo e mais
espaço depois que um documentário chamado "Ilegal" foi lançado em outubro de
2014. Esse filme relata a dificuldade de um casal de Brasília para conseguir importar
extratos de maconha sem haver na legislação nada que falasse sobre o tema. Nele
13
é possível ver o drama das famílias que, usando a internet, buscavam informações
sobre as doenças dos filhos e davam sempre com a cara na maconha. A confluência
dos movimentos desse documentário, a busca de familiares sobre novos
tratamentos para doenças sem remédio dos seus filhos, o movimento dos
cultivadores e ativistas da causa da descriminalização, as dificuldades burocráticas
junto aos órgãos reguladores governamentais e as brechas legais que permitem a
produção de peças jurídicas embasadoras do direito à vida e à saúde e o apoio de
um grupo de médicos estudiosos que enfrentam a políticas dos conselhos fizeram
todo o engajamento junto ao tema criar um volume de representatividade que
culmina, até o presente momento, na liberação de autorização judicial para ao
plantio individual de três famílias com crianças, cuja maconha é o principal remédio.
O início do processo
Meu caminho, no entanto, estava decidido e foi fortalecido pela boa recepção
do meu orientador e, posteriormente, da banca de qualificação. Tudo foi motivado,
também, por aquele momento síncrono, em que o assunto estava tomando o corpo
social e simbólico, diante da gravidade do estado de saúde das pessoas que podiam
se beneficiar do uso da planta como remédio. As informações não paravam de
chegar sobre o uso da Cannabis em outros países, as pesquisas avançando e o
número de doenças tratáveis com a maconha, resgatando o sentido que ela sempre
teve diante da humanidade.
O grupo Rede Compromisso surgiu da iniciativa de plantadores individuais,
conhecidos como growers, que cultivam, com técnicas botânicas, para seu próprio
consumo uma maconha com qualidade e livre das contaminações e deteriorações
da maconha vendida pelo tráfico. Eles não participam, portanto, da cadeia de
problemáticas de eventos associados à chamada guerra às drogas. Os growers se
reuniram e criaram essa rede com a proposta de atender uma enorme demanda de
pacientes acometidos com doenças graves, que têm na maconha a fonte da
medicina que pode atenuar várias doenças e seus vários sintomas. Esse grupo,
embora secreto é composto de pessoas que se articulam de uma maneira tal que
permite o contato com eles, mediantes a uma abordagem pelos profissionais do
direito, que acabam por ser a parte visível do grupo. As enfermidades que têm o
foco direto da atuação da Rede são as que causam dores crônicas, as doenças
degenerativas de todos os tipos e origens e quadros de epilepsia, em especial,
nesse caso, em crianças e jovens, não excluindo pacientes adultos, que são
medicados por anos com remédios alopáticos paliativos. Embora a maconha tenha
mais de quatrocentas substâncias químicas e dessas mais de sessenta
canabinóides em sua composição2, os dois principais compostos são o
tetrahidrocanabinol, conhecido como THC e o canabidiol, da sigla CBD. Cada uma
delas tem uma forma de atuar no corpo e agem sempre em conjunto, em proporções
de quantidades diferentes.
A partir da doação de parte da colheita dos cultivadores, é feito um extrato
oleaginoso da maconha por meio de cepas botânicas ricas em CBD. O CBD atua
diminuindo consideravelmente e, em outros casos, cessando completamente as
crises convulsivas, independente da doença que cause essas crises, que muitas
2
Informação disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/drogas/maconha.htm
15
vezes chegam à casa das dezenas de vezes por dia. As propriedades medicinais da
planta, no entanto, não provocam os efeitos colaterais que os remédios alopáticos
causam no restante do cérebro. Sem o efeito colateral de depressão do sistema
nervoso central, causado pelo medicamento alopático por exemplo, o cérebro pode
fisiologicamente voltar a fse desenvolver de forma mais plena. Assim, há uma
melhora imediata das comorbidades e consequente aumento na qualidade de vida
dos enfermos.
Uma das problemáticas permeadas aqui decorre do fato de que todo esse
processo é ilegal. No Brasil, plantar maconha ainda é crime, mesmo que seja
apenas para o fim medicinal. Entretanto, os resultados práticos, a rapidez na
melhora das crises, principalmente e justamente nas crianças, somados a toda
gama restante de doenças que podem ser melhoradas ou atenuadas em seus
sintomas através da ingestão do extrato, motivam o grupo a se manter mesmo na
clandestinidade. Movimentos paralelos que tentam demarcar mudanças na
legislação e lutam em eventos sociais coletivos, como nas marchas da maconha
pelo país ou em audiências públicas no congresso nacional, defendendo os growers
que são denunciados e presos, enquadrados como traficantes de drogas, são
situações presentes em todo o processo e constituem boa parte da narrativa dessa
tese. O grupo é multidisciplinar em suas formações, mas único em sua ideia original:
luta para dar conta da demanda dos pacientes pelos extratos da planta e pela
descriminalização do plantio individual e coletivo no país, acreditando que vale a
pena questionar e mudar as leis para ajudar na saúde dos pacientes.
A cada reunião dos grupos de que eu participava, tinha mais certeza de
estarmos no caminho certo e de que esse trabalho poderia fazer alguma diferença
prática no sentido de esclarecer e elucidar com informações o assunto maconha
perante os leigos. Além disso, constituir-me como pesquisador num projeto de
esclarecimento informacional recheado com as premissas esperadas pela
orientação do trabalho com a vibração da TAR3, tornou-se um desafio interessante.
Isso porque a forma múltipla de entender as relações que a TAR possui é, em minha
opinião, a melhor fonte de referencial teórico e acadêmico capaz de permitir
repensar o paradigma das drogas e suas tentativas de controle, consumo e
3
A Teoria Ator-Rede (TARé uma corrente da pesquisa em teoria social que se originou na área de
estudos de ciência, tecnologia e sociedade na década de 1980. Seus principais autores Bruno
Latour, John Law dentre outros. Ela procura desfazer a dicotomia entre o social e o natural e entre
atores humanos e não-humanos.
16
acompanhei e todos os processos com os quais tive contato. Isso engloba seguir as
mães em suas lutas diárias, no que tange as dificuldades de uma criança que requer
cuidados diferenciados; acompanhar seus engajamentos junto às dificuldades que a
burocracia coloca para conseguir autorização legal para importação dos extratos;
observar a necessidade de representatividade junto à sociedade no enfrentamento
dos preconceitos com o remédio de maconha dado aos filhos; observar os
resultados, as preocupações e as problemáticas dinâmicas do dia-a-dia, as
interfaces de entendimento, buscando uma forma de falar isso para a academia.
Trago, também, todas as consequências do problema escolhido como objeto de
pesquisa. Tudo que eu vivenciei para conseguir produzir o olhar e a narrativa,
minhas participações como ouvinte ou atuante, as conduções, os desdobramentos
possíveis, as controvérsias que regem o campo e meu posicionamento e as
expectativas junto a cenários futuros possíveis. A quantidade de material a que tive
acesso ao longo da pesquisa foi uma das maiores dificuldades que encontrei, não
pela escassez e sim pelo excesso. Já na finalização, descobri mais dois livros ótimos
que não consegui usar aqui por conta do prazo. A maconha possui uma temática
multidisciplinar, que em lugares do saber dos quais menos se espera há uma
produção de material de estudo.
Olhei com mais proximidade e sentimentos as crianças e seus familiares, e os
adultos que também se beneficiam dos seus efeitos. Pude notar a luta contra o
preconceito travada contra, muitas vezes, os próprios parentes e amigos próximos,
desconstruindo paradigmas e exibindo os resultados, transformando a falta de
conhecimento latente sobre o tema em esperança de dias melhores. Acredito ter
produzido minha legitimidade como pesquisador por falar de um lugar "de dentro".
Pude sentir uma multiplicidade de sentimentos que, por mais que escrevesse, não
conseguiria traduzir em palavras. Mesmo que a academia me permitisse a entrega
de uma tese multimídia, com texto, um documentário e entrevistas em vídeo, roteiro
para uma peça de teatro ou filme, exposição de trabalhos artísticos com a temática,
mesmo que eu usasse todas as formas de expressão existentes em que eu pudesse
expressar a minha experiência e vivência, ainda assim faltaria algo. Recorro aqui ao
expediente das fotos para dar algo a mais do que a forma apenas textual e reúno,
nos anexos, documentações e recortes pertinentes à ideia de totalidade de
entendimento possível.
18
base que sustenta essa forma e método é relativamente nova e oferece um novo
olhar, uma nova reflexão sobre os processos psicossociais que constituem nossa
existência. É nesse capítulo que irei referenciar teoricamente minha escrita. Aqui
estão contidas as premissas acadêmicas que sustentam o resto do texto, que, por
opção consciente, está escrito de forma direta, com poucas citações diretas, porém
completamente influenciado e contaminado pela Teoria Ator Rede.
A Teoria Ator-Rede (Actor-Network Theory, TAR ou ANT) se inicia pelo
trabalho desenvolvido por um grupo multidisciplinar de antropólogos, sociólogos e
engenheiros franceses e ingleses associados, dentre os quais Bruno Latour, Michel
Callon e John Law e muitos outros. Apesar da Teoria Ator-Rede ser considerada um
método, “ela na prática alcançou o estatuto de uma teoria, quer pelas ambições do
seu método (abolição do pensamento dualístico) quer pela sua reconceitualização
sistemática de práticas de pesquisa, que envolvem uma nomenclatura extensa e
original” (WILKINSON, 2004, p.2). É preciso entender as relações dos humanos e
das coisas como uma rede e “seguir as coisas através das redes em que elas se
transportam e descrevê-las em seus enredos” (LATOUR, 2004, p.134). O
personagem principal é o Ator e “Ator é tudo que movimenta, deixa traço, produz
efeito, referindo-se a pessoas, lugares, coisas, animais, objetos, máquinas, etc., tudo
que é humano e não-humano” (LATOUR, 2001, p. 143).
Cada um desses atores possui seus lugares e expressões de diversos e
distintos pontos, criando amarras pontuais, como nós nessa rede totalmente
interconectada e perpassada que se conecta às outras redes, formando outras
maiores e sub-redes menores e pontuais, sempre com acesso ao resto da rede,
estruturando uma mega nuvem fluida de conexões. Michael Callon diz que na teoria
ator–rede, a noção de rede refere-se a fluxos, circulações, alianças, movimentos, em
vez de remeter a uma entidade fixa. Assim, ocorrem conexões em pequenos grupos
como em cada núcleo familiar ou de trabalho e grandes conexões muito mais
complexas (bairros, vizinhança e sociedades em geral).
sociedade não estão jamais separadas por diferenças de qualquer tipo. O que fica
mais claro em todo seu trabalho desde o início é que para se valer da ciência,
devemos entender o que compõe o fazer ciência. Os sujeitos e coisas que
acontecem e são pelo meio, pelas interações. Fazer ciência é transitar entre
natureza e sociedade, não delimitando fronteiras entre elas, o que não nega a
existência individual de ambas, porém ambas não existem isoladamente, somente
em instâncias que fazem sentido entre si. A natureza e a sociedade se performam
pelo conjunto de práticas de mediação entre atores humanos e não-humanos.
Um trabalho científico que use a TAR como referencial teórico deve procurar
acompanhar o processo do qual o tema se constitui na sua tradução da produção
dos eventos, pela construção do saber científico e suas heterogeneidades com a
sociedade. Para Latour (1994, p.138), “os modernos não estavam enganados ao
quererem não-humanos objetivos e sociedades livres. Apenas estava errada sua
certeza de que essa produção exigia a distinção absoluta e a repressão contínua do
trabalho de mediação”. A rede que se forma a partir dessas traduções, conexões e
mediações não se estabiliza se definindo. Há sempre o desdobramento dos objetos
instáveis ou não-encaixáveis. Os chamados híbridos são humanos e não-humanos
com mobilidade e conexão entre si em contínua-ação, produzindo inúmeras
realidades possíveis ou o que mais tarde Latour, elaborando de outra forma, vai
traduzir como os modos de existência. Os híbridos se aprimoram à medida que
fazem tais conexões com outros elementos, tornando-se mais autônomos.
As formas como estabeleci os contatos, as conexões com o que já havia sido
instituído, as alianças que fui formando para ir me aproximando dos grupos,
principalmente no início do trabalho, produzindo novos híbridos utilizáveis por mim,
todas foram pensadas na prática, na lida do dia a dia, pelo viés da TAR. Estar a par,
22
4
Estado de necessidade é uma causa especial de exclusão de ilicitude, ou seja, uma causa que
retira o caráter antijurídico de um fato tipificado como crime. No Brasil, está previsto no artigo 23-I
do Código Penal e exemplificado no artigo 24 do referido código. Também se tornou o nome de um
documentário produzido pela APEPI, sobre a luta das mães e pais poderem fazer seu auto cultivo
do remédio.
23
Nesse prisma, o que eu produzisse como saber pela prática vivencial devia
ser tomado como uma das visões possíveis a partir e ao final de um olhar de
apropriação pessoal. A realidade, seus objetos pulsantes devem reconhecer a
coexistência de outros tantos ainda que contraditórios ou controversos. Não por isso,
saberes e versões deixam de ser ou se tornam válidos, mas sua compreensão se dá
no reconhecimento da existência da produção de múltiplas realidades possíveis,
oriundas das práticas e vivências que se localizam dentro do que pode ser
compreendido e acompanhado. Reconhecer isso me trouxe paz, dentro de um
momento de crise de criação, em função da quantidade de material colhido no
campo e a sensação de infinitude, pois cheguei à fronteira do campo como
descrição de um modus vivendi múltiplo, como em conjuntos matemáticos que
contêm subconjuntos dentro de conjuntos maiores, porém cada um com a
complexidade de um universo inteiro em si.
Para Despret (2001, p. 44), a versão de algo é mais fluida e exibe facilmente
os engendramentos presentes no processo. A visão de algo é limitante e definidora,
faz com que o recheio que deve ser cremoso se torne endurecido. Impõe verdade,
uma instância ontológica falsa ou limitada do que se é ou estar. A noção de versão
possibilita construir um olhar a partir do ocorrido, novo de certa forma. Nada é
24
mtas vezes situações constragendoras. Percebi uma mágoa dos growers com esse
discurso, uma vez que eles se sentem explorados por quem pensa assim, pois na
hora de recorrer para ter o remédio que eles fazem doando parte de suas próprias
plantações esses pais buscam ajuda e depis criticam outro uso que não seja o
medicinal. Outros, que nunca haviam fumado, acabaram por descobrir na maconha
outra função medicinal, que é a de auxiliar no alívio da dureza da realidade do dia-a-
dia da doença de sua criança e seus desdobramentos, encontrando na maconha um
substituto para o álcool e ansiolíticos alopáticos utilizados como formas de alívio da
tensão cotidiana. Nas áreas de conhecimento, há profissionais com o mesmo
discurso proibicionista, mas por conta de interesses materiais, por suas parecerias
com a indústria farmacêutica, que visa isolar os componentes e patenteá-los, como
remédios alopáticos, reproduzindo o discurso legalista e cientificista moderno. Os
pesquisadores mais sérios, que visam à saúde e ao saber, afirmam com muita
clareza a necessidade do chamado efeito-comitiva, que é a integralidade da planta
no preparo do remédio. Ou seja, a maconha, quando tem seus componentes
isolados, não produz o mesmo efeito. É necessário o uso da planta de forma integral
para produzir o extrato. O que vai fazer diferença nas quantidades é o tipo da planta
utilizado. Existem mais de mil e novecentos tipos diferentes de maconhas, cada uma
com sua dosagem dos componentes em proporções diferentes, gerando efeitos
diferentes de acordo com a dose. Isso significa que há um vasto universo a ser
pesquisado e entendido. À medida que a descriminalização, liberação, comércio e
pesquisa, nessa ordem, crescem no mundo, novidades vão surgindo.
Todos os saberes adquiridos por mim produziam desdobramentos e
conflitavam com o que eu via e ouvia no "mundo lá fora". Assim, há uma
multiplicidade produtiva de realidades, as quais resultam dos eventos práticos,
oriundos dos saberes instituídos, que entendo que vão sendo lapidados através das
interações psicossociais.
Ao elaborar o sentir, continuo em Despret (2001) e as emoções,
desconstruindo a definição platônica, que perdura por séculos, de que a razão está
na cabeça e as emoções estão no corpo, de que a razão domina a emoção ou de
que a emoção é mais feminina e a razão, mais masculina, Despret vai além. Para
ela, tanto a emoção quanto a razão são da ordem do social, do cultural, não está
aqui ou acolá, mas vem e nos afeta de fora para dentro. As emoções se distribuem
não como uma coisa interna ao ser, contudo circulam entre e através de. Elas são
27
instâncias que circulam, somos infectados por emoções, como uma doença, a nossa
revelia. Como essas emoções nos afetam? Essa perspectiva deve ser sempre
individual, para respeitar o sentir como referencial na construção do ser. Sentimos
em nós e sentimos com o outro.
No campo, em contato com as mães, isso fica muito claro. A dor e o medo
das doenças vão surgindo à medida que sintomas vão aparecendo. Nas crises
convulsivas, o início é a ansiedade pelo fim. A doença da criança vai desenhando na
alma das mães e pais sem se preocupar com a forma. Os planos das famílias vão
dando lugar ao senso do possível. Ao mesmo tempo, cada pequena vitória, cada
coisa que para quem não vive a realidade deles é corriqueiro ou pouco expressivo,
ganha um vulto de dimensões grandiosas. A maconha, em quase todos os quadros,
traz alívio e uma esperança enorme, desconstruindo tudo o que se sentia ou se
pensava sobre a planta. Convido à reflexão diante do seguinte cenário: descobrir
que seu filho ou filha tem um quadro crônico, sem cura prevista, e que sua vida deve
ser toda adaptada para viver esse novo modo, passando anos, às vezes décadas,
na manutenção e contenção de sintomas superagressivos. Ao experimentar um
novo remédio, um bom pedaço dessa realidade muda, abrindo novas perspectivas,
trazendo novas esperanças.
As emoções provocadas por essas experiências não existem em si. Elas são
sempre contextualizadas na prática, nos exercícios de tê-las. Não são emoções
descontextualizadas. Como em um jogo de futebol que o placar não condiz com o
que aconteceu durante a partida. Vários elementos compõem a situação que
desenha o placar distorcido. É o resultado de um conjunto de fatores que se
construiram, somando todos os eventos como torcida, juiz, pressão do estádio,
regras e posição no campeonato, relação entre os jogadores fora do campo,
situações de treino, pagamentos em dia, premiações por resultados e um sem
número de agentes de influência que produzem o placar. Espera-se que o jogador
mais veterano tenha mais controle emocional que um jovem recém-subido das
categorias de base, embora o contrário possa acontecer. Nada pode ser previsto
com a certeza que os modernos fantasiam ter. Toda emoção é decorrente do quadro
instituído.
Seguir os atores me fez saber, portanto, de que maneira a minha pesquisa
poderia ser viabilizada. Fez-me perceber qual o melhor caminho para trabalhar,
conhecendo as minúcias, indo ao encontro do cotidiano, que está bem relatado na
28
parte do contato com os pais e mães. Todas as etapas do processo estão bem
vividas, respaldadas e detalhadas.
A maconha, como não humano, é a produtora das instâncias não sociais que
constituem o social em que ela está inserida (LATOUR, 2005). Seu papel como atriz
mudou muito ao longo dos anos, ora como protagonista da saúde e bem-estar, ora
marginalizada como algo daninho. Essa forma-tema se desdobra para a própria
noção de indivíduo ou coisa: a maconha é constituída pelo local, pelo temporal, pela
técnica, pelo urbano, pelo rural, pelo ocidente, pelo oriente e por todas as suas
diferenças, pelos coletivos por onde ela passa e perpassa.
29
1 VEGA - A CANNABIS
redes sociais por celular acabou virando um lugar de desabafo entre as mães com
relatos sobre o estado dos filhos quando internam no hospital. Ser internado é
recorrente nessas enfermidades dos casos das crianças. Muitas vezes, uma simples
gripe pode levar uma delas ao CTI direto. Os relatos são sempre recheados de
emoção, com um espírito de esperança e sentimento de se estar indo para mais
uma batalha. Elas ficam uma na torcida da outra, mandando desejos de melhora,
mtas vezes religiosos e vibram mto qdo elas tem alta. Cada etapa vai sendo
mostrada, com fotos e vídeos inclusive
Ainda há mães pobres e invisíveis, que têm filhos com problemas da mesma
ordem, mas sequer têm diagnóstico fechado, por não terem acesso aos exames ou
a um atendimento descente no sistema de saúde. Um caso atendido pela Rede
Compromisso me serviu de exemplo. Uma avó que cuida da neta, moradora de uma
das regiões mais pobres da cidade, relata que só na rua dela tem mais, pelo menos,
três casos de crianças com crises convulsivas que nem sequer estão no rol das
estatísticas da saúde. São pessoas invisíveis à sociedade, que têm doenças
invisíveis ao sistema de saúde público insensível.
Mesmo as famílias com um pouco mais de poder aquisitivo relatam ter que
vender bens para poder comprar o óleo importado. Um tratamento pode chegar a
quinze mil reais por mês. Isso deveria ser custeado pelo SUS, que não o faz, num
roteiro surrealista. A importação, além de burocrática, é caríssima. A ANVISA
permite importar, mas não permite o plantio e pesquisa no território nacional. Não há
resposta para dar quando se pergunta o porquê de algo poder ser importado, mas
não pode ser produzido. Recorrer à justiça também não adianta, porque, mesmo
como mandados de segurança, mesmo com ordem de prisão de secretário, não se
consegue a liberação de forma alguma. Raros são os casos em que se conseguiu.
Mesmo assim, é um caminho árduo e de muita frustração para quem tem a
existência já dificultada. Esse é o motivo principal por que a AbraCannabis e a
APEPI lutam, pelo direito ao cultivo individual e coletivo.
Não bastando toda a dificuldade que essas famílias passam e o preconceito
geral que elas experimentam do olhar ignorante perante o problema dos filhos, eles
ainda são desrespeitados por quem deveria acolhê-los com olhar mais tenro.
Infelizmente, ainda poucos são os médicos que se interessam em se informar sobre
o uso da maconha como remédio para crise epilética. Quase toda família tem um
relato de um atendimento no qual, no momento em que se questiona o uso da
33
encefalite, deixando ele em coma por quarenta dias e o fazendo acordar surdo-mudo
e sem os movimentos. Ao fazer um exame para avaliar o nível de audição, ele foi
anestesiado e ministraram a medicação errada. Em vez de cinco gotas do
medicamento infantil, deram a ele cinco mililitros do medicamento para adultos. Por
isso, ele ficou mais uma semana em coma e, como sequela, restou a epilepsia
refratária de difícil controle. Nenhuma medicação até hoje funciona para crises que
são graves e que o fizeram perder vários dentes, ter cortes e pontos por cair durante
as crises. Por muito tempo, sua tia-avó procurou alternativas, pensou até em
procurar um índio para encontrar uma planta que pudesse ajudar. Passando noites à
procura na internet, em todas as pesquisas, ela chegava à maconha. Muito receosa,
mas vendo Samuka morrendo aos poucos, ela entrou em contato com o um grupo
que fornecia o óleo em São Paulo. Nas primeiras gotas, ele teve uma grande
melhora, que, obviamente, não era a cura, mas que proporcionou, aos pouquinhos,
um grande alívio, em conjunto com as terapias de recuperação dos movimentos e
cognição. Ela foi convidada a assistir ao nosso curso em parceira com a associação
CULTIVE!, e ganhou de uma pessoa algumas sementes e clones. Aprendeu a
plantar e cuidar das plantas. Ela me narrou essa história com emoção aflorada e
disse: "hoje tenho guarda definitiva e um processo de adoção. Não sei quanto tempo
mais vou viver, mas viverei por ele".
A luta das mães acaba por dar a elas uma nova esperança e uma sensação
de estar fazendo parte de algo grandioso, gerando orgulho e um sentimento de
realização de algo maior. O casal brasileiro que recebeu, pela primeira vez na
história, o direito de plantar maconha no território nacional criou um precedente para
que outros consigam o mesmo direito. Todos os envolvidos acabam passando por
mudanças paradigmáticas internas profundas. Acompanhei as narrativas desses
familiares, em sua maioria as mães, que se auto apelidaram de “Mãeconhas”.
Em julho de 2016, eu fui convidado pela Margarete Brito, presidente da
APEPI, para participar de um grupo de apoio às mães e pais das crianças com
doenças graves. Essas reuniões ocorreriam no prédio dela ou em algum outro lugar
a partir de agosto. No primeiro mês, ela me pediu para ceder a entrada de uma
terapeuta que estaria presente e trabalharia nessa reunião. Nosso contato foi muito
interessante para perceber e captar todo o aspecto emocional associado às
questões e à vivência experimental especial desses pais e mães com as crianças.
36
Escolhi, em meio a tantos casos que pude acompanhar, três histórias que
considero simbólicas, pois foram escritas com palavras dos próprios que vivem a
situação da dificuldade de saúde. São os dois casos de famílias que conseguiram
37
receber o habeas corpus que permite o auto cultivo do remédio de seus filhos: a da
Margarete, do Rio de Janeiro e o da Cidinha, de São Paulo, além do relato do
Gilberto Castro, portador de esclerose múltipla e usuário medicinal de São Paulo. A
transcrição é integral e a fala está contornada para dar ciência de que a escrita é
das pessoas que gentilmente me relataram o caso e autorizaram sua publicação no
texto da tese.
Hoje, minha filha Sofia tem 8 anos, mas, com apenas um mês de idade, ela
teve a primeira crise convulsiva. Foi quando se iniciou para mim uns dos maiores
sofrimentos da minha vida, que era dar drogas para aquele bebe tão pequenininho,
tão delicado, tão lindo.
Eram drogas e mais drogas, todas lícitas, de tarjas preta, vermelha, amarela,
de todas as cores. Em algumas épocas, a Sofia tomava cinco anticonvulsivantes de
uma só vez. Um dos efeitos mais brandos desses medicamentos era a perda de
campo visual, sem volta, irreversível.
As drogas eram tão fortes que a médica dela dizia que se ela mesma tomasse
a metade daquela dosagem, dormiria três dias sem parar. Ela nos explicava que o
uso de drogas é questão de custo-benefício. Sofia, no entanto, além de dopada,
continuava a ter o mesmo número de crises convulsivas. Logo, minha filha tinha
apenas o custo que, diga-se de passagem, era muito alto.
Eu e o pai dela nunca caímos na zona de conforto. Acho impossível que
alguém em situação semelhante fique indiferente.
No final de 2013, pelas redes sociais, descobrimos que maconha também
poderia ser remédio. Não pensamos duas vezes, parece piada, mas traficamos.
Fomos para as ruas junto com dezenas de outras famílias, gritamos e conseguimos
regulamentar o acesso à maconha para uso medicinal no Brasil, mas somente
através de produtos importados. É preciso avançar mais!
Hoje, junto com o extrato de maconha, Sofia toma apenas um
anticonvulsivante em dose muito baixa. Ela está ótima, menos dopada, sorri mais,
está presente, com menos hipotonia e quase sem crises. Enquanto a maioria das
famílias está preocupada com a escolha de universidades nas quais seus filhos
poderão estudar ou com quantas línguas eles irão aprender, nós só queremos que
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nossos filhos não tenham convulsões, que eles possam sorrir, olhar e comer. E
nisso não pode haver polêmica.
Com a repercussão do uso medicinal da maconha, recebi e recebo inúmeras
mensagens de pessoas em estado extremamente vulnerável, que precisam da
maconha para amenizar seus sofrimentos. Isso me faz mais forte para continuar
lutando, além de ressignificar Sofia na minha vida. Isso significa dizer que tudo se
explica quando uma situação que parece ser um problema se torna uma ferramenta
de solução para centenas de outras pessoas. É quase um prêmio para mim.
ela se comportasse como se não estivesse presente, com um olhar sem contato com
o ambiente.
Os efeitos colaterais dos anticonvulsivantes são horríveis. Eles causam
irritabilidade, sonolência, deixam-na sem capacidade de falar e entender, provocam
flacidez muscular e geram refluxo gastroesofágico. Fazendo tratamento com
medicamento contínuo por dois anos: apneia no sono, intoxicações e outros graves
efeitos colaterais resultaram em onze pneumonias, duas atelectasias, nódulos na
tireoide — tratados, até hoje, com o hormônio Levoid — e inúmeras paradas
respiratórias. Quase a perdemos várias vezes. Clárian ficava doente o tempo todo.
Foram inúmeras internações prolongadas que nos separavam da família. Meu outro
filho só nos via aos finais de semana, dentro de um quarto de hospital.
Criança com síndrome de Dravet não transpira. Eu tinha, portanto, que andar
sempre com uma garrafa de água para molhar seu pescoço, cabeça, braços e nuca,
a fim de evitar uma crise generalizada, pois, como não tinha o equilíbrio da
temperatura do corpo, a ausência da sudorese também desencadeava as
convulsões.
O Trilepital desencadeava mais crises generalizadas, o Depakene deixou a
minha filha sem andar por quase um mês. Ela apenas se arrastava. Devido a uma
intoxicação no fígado e rins, que resultou em comprometimento renal com risco de
evolução, ela precisou de outro tratamento com uso contínuo de antibiótico por um
ano. Tivemos de mudar as drogas muitas vezes, até chegarmos a uma combinação
de quatro anticonvulsivantes: Keppra, Gardenal, Frisium e Topiramato, que, após
oito anos de tentativas frustradas, reduziram um pouco as crises. Esses
medicamentos, no entanto, deixavam-na dopada e seu desenvolvimento ficava
estacionado. Além disso, havia o risco de reações adversas, que podem abarcar
cegueira, distúrbio de personalidade, falta de concentração, confusão mental,
problema cognitivo, agressividade, autoagressão, alteração na marcha,
embotamento das emoções e depressão respiratória, complicações renais, falta de
interação social, falta de equilíbrio, ausência de sudorese, entre outras.
Tenho buscado incansavelmente, por dez anos, uma solução para tirar minha
filha do risco de morte, tentando obter alguma qualidade de vida para ela e um alívio
para nossa família que sofre junto.
Em meados de 2013, numa das buscas por alguma luz, quando eu não
aguentava mais ver a epilepsia roubar a infância de minha filha, assisti a uma
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matéria sobre Charlote Figi. Ela era uma menina do Estado do Colorado, nos
Estados Unidos, que na época tinha seis anos de idade e a mesma síndrome de
minha filha. Charlote Figi estava sendo tratada com a Cannabis medicinal. A
reportagem mostrava o antes e o depois do estado da menina. Os resultados eram
surpreendentes.
Foi como uma luz cheia de esperança para mim, pois eu me deparava com o
primeiro caso de melhoria incrível da síndrome de Dravet. Antes, a maioria dos
casos levava ao óbito. Minha vida, desde o nascimento de Clárian, era cercada pelo
medo de minha filha morrer.
Empenhei-me na busca desse óleo de Cannabis medicinal. Entrei em contato
com RealmofCaring, Fundação dos Stanley Brother’s, os americanos responsáveis
pela produção do óleo que estava salvando a Charlotte. Depois, entrei em contato
com Revivid, outra empresa americana que hoje tem fornecido óleo de Cannabis
para crianças no Brasil. Fui no IV Simpósio de Cannabis Medicinal CEBRID
UNIFESP com o Dr. Elisaldo Carlini, em São Paulo. Entrei, também, em contato com
Dra. Tisha Siler — médica pediatra da Califórnia que administra o óleo de Cannabis
em crianças. Busquei informações com Dr. Franjo Grotenhermann — médico alemão
estudioso em Cannabis —, com a GW Pharm — laboratório que fabrica epidolex —,
com a ANVISA, solicitando o direito ao cultivo, com CREMESP, com Dr. Drauzio
Varella, com o SENAD, com o senador Cristovão Buarque, com a Fundação Daya e
Mama Cultiva. Fui até o Chile com o apoio do Cesec e participei da oficina de
extração do óleo de Cannabis. Contatei advogados, neurocientistas do Brasil —
como o Renato Filev e o Renato Malcher —, ativistas, fármacos, neurologistas —
como Dr. Eduardo Faveret e Dra. Maria Teresa Chamma. Levei minha filha ao Rio
de Janeiro para participar de uma pesquisa de célula tronco com minicérebro para
síndrome de Dravet no Hospital D’or com Fabrício Pamplona e Steve Rhens. Meu
marido participou de cinco audiências públicas no Senado da SUG8 para falar sobre
a Cannabis Medicinal. Enfim, bati em todas as portas que pude encontrar após
inúmeras buscas por um alívio.
Comecei a ler várias matérias e artigos sobre o cannabidiol, busquei muitas
literaturas sobre o assunto e consegui importar ilegalmente uma seringa de óleo de
Cannabis, rico em CBD, em abril de 2014, produzido pela empresa norte-americana
Hempmeds. O resultado que obtivemos foi maravilhoso. O que antes era impossível
aconteceu: Clárian passou os primeiros dezessete dias sem nenhuma crise. No
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entanto, quando soube que, pelo peso e idade de minha filha, eu teria que usar três
seringas por mês para mantê-la sem crises, com o custo de quinhentos dólares cada
uma, descobri que seria impossível manter a saúde e a qualidade de vida de minha
filha, devido a minha realidade financeira. Eu não dispunha de US$ 1.500 por mês
para manter a Clárian sem crises convulsivas.
Foi nessa época, após terminar o óleo de Cannabis rico em CBD importado
dos Estados Unidos, quando minha filha voltar a convulsionar, que, felizmente,
conheci a “Rede”, um grupo filantrópico secreto, que faz a doação do óleo de
Cannabis para a minha filha. O óleo é produzido artesanalmente pela Rede, a partir
das flores da Cannabis da cepa Harletsu e THCA, na qual há maior concentração de
diferentes cannabinóides, o que faz com que ocorra o chamado “efeito comitiva” -
ação em vários sistemas do organismo. Ele é produzido com a cepa mais indicada
de Cannabis, a HarleTsu, que é uma variedade da planta com maior teor de
Cannabidiol e com THCA. Clárian usa o óleo artesanal há dois anos e um mês,
sempre doado sem atrasos nas entregas e na quantidade suficiente para seu peso e
crescimento. As mudanças aconteceram como um milagre, fazendo a minha filha se
conectar com o mundo e melhorando a vida da família inteira. Cada detalhe era um
motivo de celebração pela vida de minha filha. Obtivemos os resultados
extraordinários relatados a seguir:
- Redução em 80% a 90% das crises: passou de dezesseis crises convulsivas
a uma ou duas por mês;
- Nenhum efeito colateral, a não ser sono e choro na fase de adaptação ao
remédio;
- Transpiração pela primeira vez, aos onze anos de idade, após três meses de
uso do CBD;
- Melhoria incrível de sua cognição (de acordo com o relatório da psicóloga
que a acompanha há 7 anos). Hoje, minha filha conversa normalmente;
- Melhora no equilíbrio. Hoje, ela sobe escadas sozinha e consegue correr
sem ser interrompida por um tombo no primeiro passo;
- Capacidade de pular, o que antes era impossível. Ela obteve melhora dos
tônus musculares;
- Ausência de apneia sono. Hoje, ela dorme profundamente durante a noite;
- Maior foco na escola
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logo ajuda medica, tive as sensações insuportáveis dessa doença. Mesmo que a
enfermidade seja controlada, fica-se ainda muito mal e por muito tempo. Demoraram
alguns anos até que eu conseguisse ficar razoavelmente acostumado com as
limitações de coordenação e de sensibilidade que me foram impostas.
Neste meio tempo, em todas as visitas ao médico, relatava para ele todos os
sintomas, até que um dia um deles olhou para mim de uma forma diferente, inclinou-
se e disse em voz baixa: “ fumar um baseadinho vai te ajudar.”.
Depois disso, comecei a fumar direto! Assim, houve a transformação. Ficou
muito mais fácil aguentar os efeitos e as sensações da doença, que eram a
dormência completa no corpo, movimentos estranhos e dessincronizados,
formigamentos, tonturas e sensações de pressão em lugares aleatórios pelo corpo,
calor e frio. Quando eu fumava, a dormência não alterava muito, mas minha pressão
arterial foi amenizada, as mudanças de temperatura, alteradas, as tonturas pararam
e os formigamentos ficavam mais suportáveis. A vida ficou colorida de novo e,
apesar de estar sem trabalhar por não conseguir mexer no mouse, comecei a dar
aulas de computação gráfica.
Foi aí que comecei a melhorar. Depois de um bom tempo, sem nenhum outro
surto, voltei a trabalhar e estabilizar minha vida, na medida do possível. Permaneci
sem surtos. Seis anos depois, eu e a medicina achamos até que eu tinha me livrado
da doença. Por conta disso, fiz uma tatuagem, devido a uma promessa feita a mim
mesmo no hospital.
Eu morava em São Paulo, mas pelo stress, correria e baixa qualidade de vida,
resolvi, junto com minha ex-esposa, migrar para o Mato grosso do Sul, onde foi bem
gostoso de viver.
No entanto, assim que que cheguei, após aproximadamente um ano sem a
maconha, infelizmente, em 2009, tive outro surto. Isso aconteceu porque eu não
conhecia bem a região e não sabia onde encontrar a planta. Como eu já tinha
conhecimento suficiente da minha condição, corri para a farmácia e me
automediquei com cortisona. Depois disso, fui para o médico. Esse surto não gerou
sem muitas sequelas, pois me tratei rápido. Acabei conseguindo o esquema de um
beck por ali e tudo se estabilizou. A única sequela que tive foi uma soma a um
problema que eu já tinha, uma moderada perda de movimentos da minha perna
direita.
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A flora ou floração é o período em que a planta abrirá suas flores. Tudo aquilo
da força que foi potencializada na Vega agora fluirá para o crescimento da flor.
Conhecida, também, por Bud ou camarão, é a flor que contém as substâncias que
produzem efeitos medicinais. Aqui a planta vai para um ciclo de luz e outro de
escuridão. Nessa etapa do texto, floresce também toda a experiência por mim vivida.
É nessa fase que as emoções serão traduzidas em palavras, numa tentativa de
conseguir passar o turbilhão de vivências, sentimentos e transformações que vivi
durante essa pesquisa.
Os primeiros encontros e a aproximação com o grupo Rede Compromisso
foram lentos e graduais, algo esperado, tendo em vista as questões de segurança e
exposição dos membros. Depois de ir ao encontro do Emilio em seu escritório e com
minhas credenciais a negociação não foi difícil para me embrenhar no grupo. A
internet, com as redes sociais facilitou também ele me conhecerem e confiar. Ficou
muito óbvio que eles me pesquisaram antes de abrir seus encontros à minha
presença. Aos poucos, aprendendo a controlar meu ímpeto pessoal de fazer apartes
em conversas alheias, fui conquistando a confiança deles pelo caminho possível que
era começar a fazer parte do trabalho. O discurso de todos é uníssono: todo mundo
deveria plantar para se conseguir o acesso gratuito e universal, pois basta plantar
para ter. Realmente, tendo podido acompanhar todo o processo com vários
plantadores, tudo parecia ser muito simples mesmo. A questão é que há uma
relação direta com o tráfico de drogas. Eles alegam que plantar faz com que não
seja mais necessário comprar dos traficantes, com isso não se participa da cadeia
de eventos que compõe o tráfico. Além disso, a qualidade e o tipo de maconha pode
ser controlado, sendo que na maconha oriunda do tráfico isso não é possível e a
qualidade é baixa porque há uma enorme distância entre a produção e o consumo.
Para cada enfermidade há um tipo de maconha diferente. Plantando uma mãe pode
descobrir qual a cepa que tem o melhor efeito na enfermidade do seu filho. A
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não escrita no procedimento da polícia. Em outras duas entrevistas com dois amigos
que são da polícia militar do Rio, foi-me confirmada essa orientação, com a
justificativa "de que é assim porque é só olhar para as estatísticas e ver que o perfil
do criminoso ou o traficante padrão é negro ou pardo" nas palavras de um dos
policiais, que, por razões óbvias, pediu para que eu não o identificasse nessa tese. A
imprensa reforça isso fazendo distinções linguísticas claras quando um traficante de
uma região pobre é pego ou quando um traficante da zona sul, branco e de classe
média é preso. Isso fica notório no exemplo de duas manchetes de um mesmo
veículo de comunicação na internet, exibidas a seguir:
nele uma enorme revolta e foram as responsáveis pela sua postura atuante na luta
antiproibicionista. " É uma guerra em que o traficante entra com o lucro, a polícia,
com o lucro e a sociedade, com os corpos" - disse ele.
Dessa forma, ele se aproximou do movimento, estudando as técnicas de
plantio e engajando-se através do site growroom. Ele narra que o assunto da página
na Internet sempre foi sobre cultivo, mas as perseguições atingiam os growers e se
fez necessária uma ação de assistência jurídica, que ele e outros advogados
criaram. Nessa conversa, entendi a origem do grupo Rede compromisso como algo
que fluiu entre os growers, que ao saberem da necessidade do remédio, perceberam
que, além de ajudar, essa era uma forma original de ativismo e conscientização, que
hoje virou a bandeira da AbraCannabis. É justamente no growroom que tudo teve
origem, em que todos se conheceram e passaram a trocar ideias e conhecimentos.
O pai do Ricardo, que sofria com o câncer, foi um dos primeiros a ser medicado com
o óleo para atenuar os sintomas da doença e ter um pouco mais de qualidade de
vida. Depois desse dia, todo passado na casa do Ricardo, consegui entender os
aspectos sociais que a rede também possuía. Eles se reuniam não só para produzir
o óleo, mas também por conta de uma forte amizade e companheirismo. Durante
toda a pesquisa, as relações e desentendimentos aconteciam. Alguns eram
surpreendentes, mas a maior parte eram de questões ideológicas sobre a postura do
grupo em relação ao que ocorria em outros cenários. A cada evento ocorrido que
merecia um debate no grupo, as discordâncias apareciam e eram resolvidas
conversando ou quando não havia consenso por votação. As vezes o clima ficava
mais exaltado, a ponto de algumas vezes acontecerem discussões mais acaloradas
e até rompimentos, mas como regra, a máxima entre eles era sempre a mesma:
“nós brigamos, discutimos e quase chegamos a nos agredir fisicamente, mas depois
fumamos um e fica tudo em paz", nas palavras do Ricardo, o Brave — seu apelido
junto ao grupo. A maconha tem uma espécie de arquétipo de apaziguar os ânimos e
num grupo multidisciplinar tao heterogêneo como esse, observei um bom tato social
de ambas as partes para tentar retornar a harmonia nas relações depois de
desentendimentos mais sérios.
A conversa com o Ricardo ampliou muito minha percepção sobre o tema.
Passei a entender o tamanho da complexidade do assunto. Ele me orientou a fazer
contato com o Pedro, outro grower, que mora na região da grande Tijuca e que, em
sua casa, faz a produção do óleo medicinal. Pedi para conversar com ele e, se
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possível, ver uma produção. Primeiramente, ele me recebeu, para uma conversa de
aproximação em sua casa, de forma semelhante ao Ricardo, algo que era esperado
por mim, dado o tema e a necessidade de preservar sua segurança. Ele me contou
que tudo começou de forma muito artesanal e amadora: engarrafar a erva, coá-las
em pano, tudo muito experimental. A aproximação com os outros cultivadores se
deu nas conversas no fórum do growroom, quando eles começaram a falar sobre o
óleo artesanal e um dos participantes citou o caso de uma menina que sofria de
epilepsia e que estava muito mal. Antes, eles se reuniam para festejar, trocar
experiências e fumar juntos. Nesse momento, isso continuava existindo, mas um
novo evento ficou para sempre marcado. Eles combinaram de fazer a primeira
"panelada" na casa do Pedro: "fizemos dois vidros do óleo bem concentrado e
mandamos para o Paraná, para essa menina, que infelizmente veio a falecer
depois.”. Concomitante a isso, começou-se a criar o discurso da Cannabis medicinal.
Surgiu, então, a história da Repense, que é uma campanha de comunicação,
iniciada em março de 2014, criada para incentivar o debate e a reflexão sobre o uso
medicinal de maconha no Brasil e do Ilegal, curta-metragem que, junto com seu
lançamento, iniciou a campanha. Então, eu mesmo concluí: “todo mundo deve fazer
uma coisa. Há pessoas aqui que plantam muito bem. Devemos trabalhar juntos.
Vamos montar uma rede.".
Daí em diante, eu, dois médicos e Emilio tivemos alguns encontros em sua
casa. Por meio de trocas de mensagens com outros cultivadores e da convivência,
as arestas foram lapidadas. Um desses médicos, que pediu para que seu nome não
fosse divulgado, viajava muito e estava estudando profundamente a questão
medicinal da maconha. Orientava, assim, as técnicas que aprendia nos cursos sobre
o tema dos quais participava em suas viagens internacionais. Ele, sozinho, custeou
os equipamentos mais adequados para aumentar a eficácia da extração e a
qualidade do produto final. Um item essencial, por exemplo, é uma manteigueira
elétrica utilizada com a finalidade de fazer extratos oleosos. Ela cozinha o Kfir, que é
a maconha extraída das flores, com gelo seco e com o óleo veículo do extrato por
doze horas e, ao final, o remédio está pronto. Esse médico também ensinou técnicas
de esterilização dos materiais de uso. Os caminhos das vidas foram se cruzando e,
nesse ínterim, ele reencontrou uma amiga de faculdade, cuja filha sofre com crises
convulsivas. Isso o levou para as reuniões técnicas no Instituto Estadual do Cérebro.
Em paralelo a essa situação, a procura pelo extrato aumentou. Ele percebeu que a
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Rede não conseguia dar conta da demanda. Pelo fato de o remédio ser de uso
contínuo, teria de haver uma produção contínua. O grupo, portanto, vê a
necessidade de criar uma associação para lutar pelo direito ao cultivo. Pedro fala
também sobre a confusão entre vício e necessidade.
Nossa conversa seguiu e entendi ali que existe um mercado do óleo, que é
feito, muitas vezes, com prensado, ao qual, em casos de emergência ou de
angústia, muitas mães e pacientes acabam recorrendo. Com ele, aprendi também
sobre a estrutura básica da planta, como a flor produz as resinas que contêm os
princípios ativos, por exemplo. Passei, então, a entender melhor os métodos de
extração. Dei-me conta, além do mais, do tamanho do universo da maconha e de
seus detalhes, que só podem ser vistos de perto. Conheci o tricoma, "o segredo da
planta": uma espécie de gota paralizada no tempo, com textura de resina, que é a
morada do THC e do CBD, como na figura abaixo: à esquerda, a flor inteira, e à
direita, um zoom em microscópio ótico numa parte da flor.
Aprendi, também, nessa conversa que cada pessoa vai encontrar sua dose e
sua espécie de planta. A Harletsu, que é mais aceita para o controle das crises
convulsivas, às vezes não funciona para uma determinada criança que pode se
adaptar melhor a outra espécie das mais de mil e novecentas que estão, até então,
catalogadas. O assunto se sobre as amenidades e experiências dele com a planta
estendeu mais um pouco, até que me dei por satisfeito e fui embora. Aquela foi a
primeira de muitas visitas a casa do Pedro, pois em 2016 nossas reuniões passaram
a ser realizadas lá.
Em dezembro de 2014, foi marcado um evento da fundação da AMA-ME,
Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, uma associação
multidisciplinar, que tem apoio da Universidade Candido Mendes, composta por
vários membros do CEBRID, pessoas que participaram do filme “Ilegal” e o grupo da
Rede Compromisso. Fui convidado e compareci. Assinei como fundador. Lá, conheci
a Naiara e o Pedrinho. Esse foi meu primeiro contato real com crianças afetadas por
uma doença que tem convulsão como sintoma. Alguns pontos de conflito com a
visão da Rede Compromisso apareceram já no dia da fundação: a discussão sobre o
isolamento dos componentes da planta, a forma de aproximação com a política em
Brasília do casal protagonista do filme ilegal e outras discordâncias. A postura de
sempre promulgar o cultivo individual e coletivo do grupo entrou em conflito.
Depois do evento, aconteceu algo surpreendente. O grupo Rede
compromisso, capitaneado pelo incansável Ricardo, “legalizou” no jardim de inverno
envidraçado, cheio de plantas e aberto para o céu, que existe no último andar do
prédio onde estava acontecendo a reunião de fundação. Vale ressaltar que, na gíria
entre os maconheiros, falar "legalizar" significa fumar no lugar em que se está, no
momento que for burlando as regras. É o ato de começar a fumar, de acender o
baseado. Pareceu-me uma forma de protesto contra os rumos que a fundação da
AMA+ME estava tomando.
Afastei-me um pouco do grupo por conta das festas de fim de ano e férias de
janeiro. Ao retomar o contato, recebi outro convite. Como na fundação da
associação houve uma cisão ideológica, a Rede Compromisso e outros pais
conseguiram reunir um grupo grande para a fundação da AbraCannabis. Num
domingo à tarde, eu voltei de viagem e fui direto para o Museu de Astronomia de
São Cristóvão, participar dessa outra fundação, mais uma vez, como membro
fundador. O grupo aqui era outro, composto por alguns novos pesquisadores e toda
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a Rede Compromisso, numa proposta de lutar para obter autorização para o plantio
coletivo, com isso constando na ata de fundação e no estatuto da nova associação.
O grande diferencial era o de que a presidência da AbraCannabis foi ocupada
por uma mãe de criança com convulsão crítica, deixando claro o movimento de
união pela causa da descriminalização do cultivo individual e coletivo. A partir dessa
data, houve um período de calmaria no grupo, até que os membros mais ativos
conseguiram alugar uma sala na Cinelândia, bem no coração do centro do rio de
janeiro. Novamente, fui avisado da primeira reunião. A sala estava completamente
vazia, com um ar condicionado central defeituoso, mas havia sido materializada a
instituição AbraCannabis. Combinou-se que seriam realizadas reuniões toda
semana, alternando os dias de terça e quarta-feira, sempre à noite, às 18h30min.
Já na primeira reunião dita oficial, com ata e pauta de trabalho, houve uma
grande divergência entre duas mães: a presidente e outra se estranharam por
razões as quais não consegui entender ou elaborar. O clima não ficou bom. Algumas
semanas depois, a presidente renunciou ao cargo e foi eleito, por aclamação, o
Pedro, que já era quem estava na organização administrativa da associação. Ele,
que é engenheiro elétrico e grower, conseguiu estabelecer uma rotina de grupos de
trabalho e responsabilidades.
A rotina das reuniões era sempre a mesma: marcada para as 18h30min,
começava com a chamada das questões a serem discutidas feita pelo Pedro. Depois
de tudo deliberado, começava a parte sociorecreacional da reunião, na qual quem
era grower apresentava sua erva, sempre num diálogo que, para mim, parecia outra
língua, sobre as técnicas de cultivo. Assim, comecei a entender os tipos e as
técnicas de plantio, em conversas de muito conhecimento técnico sobre o cultivo. As
plantas tinham cheiros e qualidades muito diferentes das maconhas que têm sua
origem no tráfico. A diferença é gritante. Alguns falam que da planta, cultivada,
colhida e tratada, não parece sequer cheiro de maconha, mas aquele, na verdade, é
seu verdadeiro odor.
As reuniões se mantiveram por todo o ano de 2016, até que a sala teve de ser
entregue ao proprietário. Passamos, então, a nos reunir na casa do Pedro, na
Tijuca. O esquema continuava o mesmo, mas agora a reunião passou a ter um
caráter mais intimista. Eu procurava chegar sempre mais cedo, para conversar e
estar presente numa espécie de reunião de bastidores. Muitas discussões
ocorreram, o que é comum num grupo tão heterogêneo, mas esses encontros
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fizeram muitos projetos andarem. Tal qual o site do Growroom, que fez brotar a
semente que geraria a Rede Compromisso e posteriormente a Abracannabis, as
reuniões germinaram projetos importantes como a FARMAcannabis e ratificou
parcerias com a APEPI, a FIOCRUZ, a UFRJ, o Instituto Estadual do Cérebro e a
Farmanguinhos, que ganharam corpo e vulto a partir desses momentos nas noites
semanais. Afloraram, também, as diferenças, as dificuldades e as limitações da
atuação. Os pontos de vista discrepantes, os valores pessoais e morais, os conflitos
sobre a ética junto à planta, a ratificação prática de que nem a Abracannabis e nem
Rede Compromisso venderiam o óleo — assunto firmado nos seus estatutos —
criavam zonas interpretativas sobre outras associações e pessoas que
comercializavam o óleo, mesmo que como associações, com direito, inclusive, a
cobrança de mensalidades.
As reuniões eram por um aplicativo de comunicação via celular e a pauta era,
também, discutida e publicada ali. Um belo fruto, que surgiu das reuniões, foi o curso
de cultivo para as mães, pais e pacientes. Da ideia de ensinar a plantar, criamos um
curso com módulos que abordavam todos os aspectos sobre a maconha. Eu fui
convidado para contar a história da maconha. Dela, fiz uma apresentação que
visava desmistificar a planta. Houve dois cursos, ministrados em finais de semana
de junho e julho de 2016. Eu sempre iniciava as aulas, que começavam às nove da
manhã de sábado e iam até o fim da tarde. Depois da minha parte, os dois doutores
em antropologia, que escreveram suas teses sobre maconha também, falavam de
suas experiências e dos aspectos sociais e culturais da planta. Em seguida, Emílio e
Ricardo explicavam os aspectos jurídicos. Após o almoço, era mostrado todo o
aspecto biológico e botânico da planta, seguido, enfim, das técnicas de cultivo.
Formamos duas turmas cheias no Rio de Janeiro e conseguimos um feedback muito
positivo dos participantes. Em dezembro de 2016, fomos até São Paulo, para além
da fundação da associação coirmã Cultive!, ministrar o mesmo curso, que foi dado
em dois dias — sábado e domingo —, no teatro Sergio Cardoso.
As crianças com crises convulsivas tem seu sofrimento atenuado com o uso
do um extrato feito de maconha. Pela proibição da maconha, esse óleo é feito ainda
de forma clandestina. Só é permitido atualmente a importação. A matéria prima e a
tecnologia para produção do óleo artesanal advém dos plantadores que sempre
cultivaram para eles mesmos, e detém a expertise da produção desse óleo. Eles já
vivem na clandestinidade pois, a maconha é também proibida para uso recreacional.
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Os pais das crianças precisam da ajuda dos plantadores que não tem autorização. O
uso recreativo é inclusive criticado por alguns pais, que precisam da ajuda de quem
sempre plantou na clandestinidade.
Essa controvérsia também aparece na questão da criação das associações,
na primeira fundação que fui, no ato da fundação já aconteceu uma enorme
discordância entre os membros pois, um grupo queria o foco fosse apenas e tão
somente na maconha medicinal. A alegação dele é que pode-se fazer com a
maconha o que se fez com o ópio e a morfina: produzir uma droga controlada sem
com isso descriminalizar sua fonte de matária prima. O problema é que com a
maconha não há produção química. A planta tem o seu melhor funcionamento
quando usada de forma integral a partir do seu extrato completo de todos seus
componentes, sem isolá-los ou produzi-los quimicamente de forma artificial. Há uma
busca por aliados para a promoção do saber científicos e também nas questões
jurídicas. A pesquisa e o desenvolvimento de remédios acessíveis se tornará muito
mais fácil quando a proibição acabar, o que favorece, e muito o uso recreacional,
que não poderá mais ser considerado crime. E não estou aqui entrando no mérito da
legalização ou regulamentação, que são outras instâncias que possuem outros
desdobramentos. Os objetivos das associações são distintos em um primeiro
momento. Mas o avanço de cada lado ajuda o outro. A incongruência da proibição,
independente do uso recreacional ou medicinal, fica cada vez mais evidente e
insustentável, diante da necessidade de se promover a pesquisa nacional.
lei que não separa consumidor-produtor do traficante —, ela fica sempre numa
situação complicada, em função das articulações com os mandatos de busca e
apreensão expedidos por juízes e prisões em flagrante (o “cumpra-se” do nome da
comissão). Um vereador atentou para o fato de que tradicionalmente a repressão às
drogas dá-se sobre as camadas mais pobres da população, mas que a figura do
cultivo caseiro estava levando ao cárcere a classe média também. Um dos ativistas
que cito no texto, na parte das entrevistas, o advogado Ricardo, sugeriu que a
ALERJ instaurasse as audiências de custódia que obrigam o estado a atender com
um juiz qualquer preso em até 24h.
Após o debate, o grupo mais ativo politicamente se dirigiu a um coletivo
cultural para ajudar a preparar as faixas de protesto para a marcha. Fui convidado a
acompanhá-los. O lugar fica em Santa Teresa, que é um bairro bem boêmio e
alternativo do Rio de Janeiro. Era um terreno íngreme que abrigava o que parecia
ser uma entidade coletiva alternativa. Esse espaço é todo feito à mão, como uma
oca indígena feita com as fibras de bambu, integrado perfeitamente ao verde que há
em volta. Do lado de dentro, percebi que estava no quartel general da organização
da marcha da maconha com os principais ativistas da causa pintando cartazes e
faixas, muitas pessoas que eu não conhecia até então e que já estão nessa batalha
há muito tempo. Conheci ativistas conectados apenas à causa da liberação, sem
vínculos com a “Rede Compromisso”, embora os membros da Rede sempre fossem
totalmente ativos pela liberação. Obviamente, todos fumavam muito e, inclusive,
usavam equipamentos para vaporização. Foi a primeira vez que vi esses
equipamentos aqui no Rio. Era o mesmo instrumento que vi nos coffeshops de
Amsterdam., Ele promove a ingestão da maconha sem a combustão do fumo, o que
faz toda a diferença em termos de saúde, pois não leva o calor dessa combustão
para o pulmão e nem os outros gases que surgem em função da queima, como no
tabaco.
Todos estavam trabalhando felizes em clima de confraternização. Após o
término dos trabalhos, tudo foi arrumado e iniciou-se uma “social”, na qual o álcool
era mero expectador. Vi alguns barris de cinco litros de cerveja, que não durariam
dez minutos para um grupo de cerca de vinte cinco pessoas, ficarem quentes e
estarem pela metade mais de quatro horas depois de abertos. A droga recreativa ali
era a maconha, que brotava das bolsas e bolsos de alguns dos participantes, toda
plantada domesticamente por cada um deles e que era coletivizada sem nenhum
56
recebeu a proposta de gerenciar um dispensário que tinha ótimos growers, mas que
faltava alguém para administrar. Ela conseguiu fazer o dispensário crescer e
começou a viver disso, mudando-se para San Jose, na Califórnia. Hoje, vive uma
vida confortável por lá. Continuei mantendo o diálogo com Keila online. Ela é muito
simpática e acolhedora, e credenciou-me a visitar suas instalações na Califórnia.
Interessante é saber que lá os problemas são outros: pelas leis federais
americanas, atualmente, maconha é proibida. Cada estado, porém, pode legislar
sobre o tema. A Califórnia foi o primeiro estado americano a aprovar o uso medicinal
da maconha, num processo que começou em 1996, com a chamada Proposição
215, a lei que reconhece a existência legal dos dispensários e o direito de cada
município a regulamentar a distribuição de maconha medicinal aos pacientes. Com
isso, cada cidade da Califórnia pode ter sua legislação específica, mais ou menos
liberal. Keila vive em San Adreas, próximo de San Francisco. Seu dispensário já
teve buscas e apreensões federais. Como ela mesma diz: “eles tentam nos enterrar,
mas esquecem de que somos sementes”. Seu estabelecimento recebeu autorização
e ampliação do prazo para a expansão da loja e fábrica de derivados da maconha.
Até dezembro de 2015, sua expansão estaria pronta e fabricaria tudo por conta
própria.
Pessoa, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Nesse ano, houve muitas
confusões, conflitos com a polícia e prisões. Em 2009 e 2010, a Marcha da Maconha
ocorreu pacificamente e sem maiores problemas em várias cidades, como Rio de
Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Em 2011, porém, a justiça voltou a proibir a
Marcha da Maconha em São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, embora ela tenha
ocorrido em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Vitória, Niterói e algumas outras
cidades. Em 15 de junho de 2011, entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu,
por unanimidade, pela legitimidade da manifestação por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.274, entendendo que ela não faz apologia ao uso da droga e
considerando que sua proibição é uma ameaça à liberdade de expressão, garantida
pela Constituição. Desde 2012 a Marcha entrou definitivamente para o calendário de
algumas cidades brasileiras, mas sempre com algum tipo de confusão local em
função da forma com a qual o poder público de cada cidade agia, mesmo com a
decisão do STF sobre a legalidade da manifestação. Consegui acompanhar duas
marchas aqui no Rio.
A Marcha foi encabeçada pelas mães e pais das crianças que usam o extrato
rico em CBD.
5
Todas as fotos foram cedidas gentilmente pela Revista “SemSemente”, a primeira revista brasileira
sobre a cultura canábica.
60
Chamaram a atenção pessoas, que não são usuárias e nem tem parentes
doentes, mas que apoiam a descriminalização por consciência.
cirúrgicas e limpavam todos os utensílios e o local, uma mesa com tampo de vidro
transparente e liso, com álcool 70º. A produção é rápida. A agitação mecânica dos
sacos de tecido dura o “tempo do braço” de quem sacode. Passa-se, então, para
quem está disponível para sacudir até se considerar que já está bom, que todos os
componentes já foram extraídos. Sobra algo muito parecido com maconha já
triturada para fumo, mas sem os componentes que dão o efeito psicoativo.
O produto que está dentro da caixa térmica é juntado e colocado dentro da
manteigueira elétrica. É adicionado a ela o óleo de base. Depois, é só esperar oito
horas de cozimento lento e o óleo estará pronto para o consumo.
Durante a feitura e depois de longas conversas, que misturavam brincadeiras
entre pessoas íntimas e amigas, e assuntos sérios, como a relação com outros
grupos, e articulações político-sociais, foi-se recheando o grupo. Nessa reunião senti
que uma forte amizade e, acima disso, uma identidade de grupo, com apelidos e
histórias, nascia. O mundo chamado por eles de careta é composto por aqueles que
não fumam, mesmo que não tenham nada contra.
Aos poucos, começaram a chegar outros membros, que foram trazendo
material para o preparo e claro, o ingrediente básico. De repente, percebi que a
proposta era também fazer uma reunião para debater os rumos da Rede diante da
dificuldade cada vez maior de atender aos pedidos com a produção limitada em
função da proibição do cultivo.
Capitaneada pelo Pedro e pelo Emílio, a conversa girou em torno de uma
mudança significativa nos rumos da Rede. A proposta agora é que as mães
recebam orientação para que elas mesmas plantem e colham a base para a
produção do remédio. O grupo da Rede daria todo o suporte técnico para que isso
ocorresse. Determinou-se, também, uma reunião com as mães que queiram criar um
lugar próprio alugado em nome delas com o fim exclusivo de plantar e colher o
remédio para cada criança. Cada uma teria um espaço dentro desse imóvel, onde
elas teriam as suas plantas em conjunto com toda a documentação médica e o
histórico das doenças das crianças. A ideia era trazer as mães mais para perto da
produção dos extratos. Eu levantei a ideia do paralelo com as mães da “Plaza de
mayo” e o Emílio acrescentou o paralelo com as mães de maio brasileiras. O Mães
de Maio é um movimento formado por dezessete mães de mortos e desaparecidos
nos confrontos que ficaram conhecidos como "crimes de maio", ocorridos em 2006.
De acordo com entidades de direitos humanos, como o Tortura Nunca Mais, os
64
fornece as mudas e dá a planta certa para cada caso; e diminui o risco da exposição
do plantador, que pode reduzir sua quantidade para seu consumo pessoal.
Outra coisa que foi notável nas vezes em que estive no grupo é a lucidez
jurídico-político-social. A ideia de que não se pode mais abrir para ninguém entrar,
uma vez que a produção já não está dando conta da demanda. A condição de
jamais cobrar, para não caracterizar comércio e não possuir equipamentos que
remetam a linha de produção de uma boca de fumo. Depois de todas as
ponderações, o assunto foi ficando restrito a conversas paralelas e Pedro começou
a arrumar o lugar para que a produção começasse. Um aparelho de limpeza a vapor
foi trazido para esterilizar os objetos que seriam usados na produção. Os dois
growers presentes, que começaram a retirar as flores dos galhos, também se
valeram de luvas descartáveis e toucas de cabelo. Vi que em uma sacola havia até
jaleco e avental, mas não foram usados. Talvez pelo método escolhido dessa vez.
Existem várias formas de se produzir a matéria prima do extrato (falarei dos métodos
que existem no capítulo dedicado ás explicações sobre a maconha em si). O método
utilizado foi o do gelo seco: um conjunto de sacolas próprias para extração, feitas de
lona, com fundo feito de uma fina tela-peneira, colocadas umas dentro das outras,
vão triturando os cristais ricos em CBD presentes nas flores da planta, que é de uma
linhagem específica, rica nesse componente. Os cristais congelam pelo contato com
o gelo seco que sai do estado sólido para o gasoso sem deixar resquício no
processo. Assim, o produto final do ato de fechar e sacudir esses sacos, um dentro
do outro, sai pelo fundo da peneira mais fina: um fino pó resinado, que é misturado
num veículo, um óleo que pode ser de coco, de abacate e, se for possível, o óleo
comestível de maconha, chamado de Hemp-oil. É um “azeite” feito das sementes da
maconha, como um óleo de gergelim ou linhaça, importado e rico em ômegas, é
usado na culinária do exterior e não tem efeito psicoativo. Por uma questão de
similitude e origem comum, é bioquimicamente ideal.
Interessante, também, notar a conversa sobre qual matéria prima seria usada,
a mistura e a proporção dos tipos de plantas e seus efeitos em função da
necessidade de quem pede. Todos eles conhecem muito dos tipos e dos efeitos da
cada planta, que tem cada uma a sua denominação. Uma das propostas da reunião
foi catalogar as espécies e suas propriedades. Há um trabalho quase búdico de ficar
raspando e varrendo esse pó, colhendo-o para um recipiente para ser misturado ao
óleo. O procedimento consiste, então, em colocar o óleo, que no caso foram
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Eu sou Jeová teu Deus, eis que te dou toda a planta que há
sobre a terra, e que dá semente nela mesma, para que fazeis
bom uso dela.
Gênesis.
6
Graham Harman define o conceito de caixa preta como qualquer actante tão firmemente
estabelecido que nós podemos desconsiderar seu interior (“We are able to take its interior for
granted”).As propriedades internas de uma caixa preta não contam, na medida em que estivermos
preocupados somente com seu input e output (HARMAN, 2009).
70
que a distribuía para população diariamente, junto com um litro e meio de cerveja.
Esse exemplo ilustra claramente seu uso recreativo, festivo. As propriedades
medicinais da planta são descritas em escrita cuneiforme num dos livros mais
antigos da humanidade, que fazia parte da Biblioteca de Assubarnipal há dois mil e
setecentos anos. Esse livro está conservado e é parte do acervo do British Museum,
em Londres.
A Cannabis tem uma longa história na Índia, descrita em lendas e na religião
hindu. Na literatura indiana, no quarto livro sagrado hindu Atharva Veda, existe a
primeira referência a bebida "bhang", cuja preparação incluía a resina da planta
misturada com manteiga, leite e açúcar. De acordo com os Vedas, a Cannabis foi
uma das cinco plantas sagradas, e um anjo da guarda vivia em suas folhas. Para
eles, a planta é uma fonte de felicidade, doadora de alegria, libertadora, que foi
compassivamente dado aos seres humanos para ajudar a atingir o prazer e perder o
medo. O Bhang era usado para “libertar da aflição” e para “alívio da ansiedade”. A
maconha até hoje está presente na farmacopedia básica da medicina indiana e
chinesa atual.
Nos países de origem islâmica, devido à proibição contida em livro sagrado
sobre o uso do álcool, a Cannabis sempre figurou como a droga recreativa preferida.
A primeira proibição social da maconha ocorreu em 1378 no território onde hoje é o
Egito. Já em 1464 em Bagdá, há o primeiro relato de caso de tratamento e controle
de epilepsia usando haxixe, que é o extrato da resina da planta. Ao Brasil, a
maconha chega por meio dos navios negreiros, pois já era amplamente utilizada nos
países africanos que faziam comércio com o país. Nossa miscigenação disseminou
entre os indígenas e depois entre os brancos o seu hábito de consumo. A planta
teve seu cultivo estimulado pela coroa real e até mesmo a rainha Carlota Joaquina
tinha o costume de consumir chá de maconha no Brasil. Os nomes dados a
maconha indicam isso, já que todos têm origem linguística africana: fumo d’angola,
Gongo, Cagonha, Marigonga, Maruamba, Diamba, Liamba, Riamba e Pango. Este
advém do nome hindu Bhang, que se torna Pang na língua árabe e se converte em
Pango nas línguas africanas.
Embora as grandes navegações só tenham acontecido por conta da
Cannabis, visto que suas cordas e velas eram feitas da fibra do cânhamo bem como
o óleo utilizado para acender lamparinas, a planta esteve desde o início associada à
população de origem africana, sendo que a ampliação de seu uso, atingindo também
73
aqueles de origem europeia, era considerada por autores como Rodrigues Dória
como: ” uma vingança da raça dominada contra o dominador”. Existe todo um
transpasse da estrutura proibicionista no Brasil com a quesão do preconceito racial,
oriundo da escravidão.
Os cultos afro-brasileiros sempre utilizaram a Cannabis. Já no século XVIII, os
relatos sobre os calundus — reunião de negros ao som de tambores- indicavam a
presença da planta, que era inalada pelos participantes, deixando-os “absortos e
fora de si”. Até a década de 30 do século XX, quando são legalizados os
Candomblés e Xangôs, a Cannabis era constantemente apreendida nos terreiros
junto com os objetos de culto. Em 1830, a legislação do município do Rio de Janeiro
passou a punir o uso do “pito de pango”, como era conhecida a Cannabis, com pena
de multa de 5 mil réis ou dois dias de detenção. Essa foi nossa primeira lei
proibicionista à respeito da planta.
Nas décadas de 20 e 30 deste século, são produzidos os primeiros trabalhos
científicos brasileiros acerca do hábito de fumar maconha. Apesar de seus autores
serem, em sua quase totalidade, médicos preocupados em justificar a proibição da
planta, estes tinham um olhar etnográfico sensível, descrevendo com minúcias os
rituais do “clube de diambistas”, nome dado à associação de indivíduos com o intuito
de fumar Diamba. Os diambistas eram, preferencialmente, membros dos estratos
mais baixos da população brasileira, em especial pescadores que se reuniam para
fumar a erva cantando loas a ela. São dessa época os famosos versos: ” Diamba,
sarabamba, quando fumo diamba, fico com as pernas bambas. Fica sinhô? dizô,
dizô”. Termos utilizados pelos diambistas como “fino”, “morra” e “marica” entre outros
são até hoje parte da gíria própria dos usuários.
A distribuição geográfica do consumo da Cannabis na época incluía Alagoas,
Sergipe, Pernambuco, Maranhão e Bahia. Daí, pouco a pouco o hábito se espalha e
a partir da década de 60, com a contracultura, passa a atingir outros estratos sociais.
Atualmente, seu uso é amplamente disseminado entre as camadas médias urbanas.
A população indígena não ficaram imunes à Cannabis. Hoje em dia no Brasil, os
Mura, os Sateré-Mawé e os Guajajaras fazem uso tradicional da erva. Os Guajajaras
têm a planta em alta estima e sua presença na mitologia do grupo atesta à
antiguidade de seu uso, que remeteria à segunda metade do século XVII. A planta é
consumida no contexto xamânico, junto com o tabaco, para propiciar o transporte
místico do pajé e a divinação. No contexto profano, a erva é inalada em grupo antes
74
de trabalhos pesados nos mutirões para dar disposição — indicando que a chamada
síndrome amotivacional, associada à Cannabis possa ser um fenômeno antes
cultural do que uma decorrência dos seus princípios ativos. Os dados jamaicanos
parecem confirmar essa tese, uma vez que nesse país a Cannabis é amplamente
fumada por trabalhadores rurais como estimulante antes de trabalhos pesados e
extenuantes.
Outros nativos das Américas também usam a Cannabis, entre os quais estão
os índios Cuna do Panamá, que já possuíam escrita antes da chegada dos
europeus; os índios Cora do México, e outros. Segundo uma comunicação pessoal
do arqueólogo chileno Manuel Arroyo, foram encontradas pinturas rupestres naquele
país, próximas à fronteira com a Argentina, feitas com tintas cujos pigmentos
indicavam a presença de THC e que foram datadas em 12.000 anos. Isso sugere
não só uma presença pré-colombiana da planta no continente, mas também um uso
mágico-religioso da mesma.
A medicina ocidental começa a usar a maconha no século 19. William
O'Shaughnessy, professor na Faculdade de Medicina de Calcutá, na Índia. receitou
para pacientes que sofriam de raiva, reumatismo, epilepsia e tétano. Além disso,
relatou que a tintura de cânhamo — uma solução de Cannabis em álcool, tomado
por via oral — era um analgésico eficaz, chamando-o de "um remédio anticonvulsivo
do maior valor.". Isso significa que desde 1839 no ocidente já se sabe das
propriedades anticonvulsivantes da maconha. O'Shaughnessy retornou à Inglaterra
em 1842 e recomendou que farmacêuticos a receitassem. Os médicos na Europa e
nos Estados Unidos começaram a prescrevê-lo para uma variedade de condições
físicas.
Soldados que retornam do Egito levaram consigo a Cannabis para a França.
Daí em diante, ocorreram importações regulares da planta. Logo em seguida, já era
possível comprá-la em qualquer farmácia. Artistas e escritores, incluindo Dr.
Jacques-Joseph Moreau, Théophile Gautier, Charles Baudelaire, Victor Hugo,
Honoré de Balzac, Gérard de Nerval, Eugène Delacroix e Alexandre Dumas, criaram
um clube para explorar a Cannabis e aumentar a criatividade. O clube se reuniu
regularmente entre 1844 e 1849 no Hôtel Lauzun, em Paris. A partir da década de
1860 até o início de 1900, várias feiras mundiais tinham exposições sobre haxixe.
Durante a exposição de 1876 na Filadélfia, os frequentadores experimentaram e
fumaram haxixe turco em um primeiro contato. Anos mais tarde era possível
75
cordas, cabos, velas e material de vedação dos barcos, ou seja, toda estrutura das
grandes navegações, descobrimento das Américas e comercio de especiarias do
oriente foram feitos graças a tecnologia do uso da fibra do cânhamo. A estrutura da
fibra é rígida, porém é elástica, possuindo assim alta resiliência. Somando as
matérias em cada grande navio, perfazia um total de mais de 80 toneladas de
cânhamo.
O óleo do cânhamo também é combustível e era usado como base para
acender as lamparinas que iluminavam as ruas antes da eletricidade ser dominada.
A arte da pintura também contém suas principais obras pintadas em tecidos de fibra
de cânhamo. A palavra Canvas, nome que se dá a tela de pintura é uma variante da
Holanda ao latim Cannabis. O consumo tornou-se massivo a ponto do rei D. João V,
emitir um Decreto-Real em 1656, incentivando à produção de maconha como
política do pais para sustentar a demanda. A maconha só perdeu seu espaço como
fornecedora de matéria prima de base quando a indústria do algodão no século 19 e
a petroquímica do século 20 fizeram um enorme lobby com reportagens pagas em
jornais para que sua produção fosse criminalizada.
A maconha é uma planta sagrada para vários cultos e religiões desde a
antiguidade. O assunto é complexo e vasto para falar de todas as vertentes
religiosas da maconha. Cito aqui dois exemplos rápidos: o rastafarianismo, que foi
fundado na Jamaica na década de 1930 e usa a Cannabis como uma planta de
sacramento ritualístico e com propriedades benéficas ao espírito. Para eles, a
maconha é a Árvore da Vida mencionada na Bíblia, na passagem do livro do
Apocalipse: em 22:2, "... a erva é a cura das nações.". Os membros se reúnem para
discutir a vida de acordo com a perspectiva Rastafári. Eles acreditam que o uso da
maconha ajuda a aproximá-los de Deus, a quem chamam de Jah (pronuncia-se Djá),
permitindo ao usuário acessar as verdades das coisas muito mais claramente.
Embora não seja necessário o uso de Cannabis para ser um Rastafári, alguns a
usam como parte de sua fé, e o ato de fumar é sempre dedicado a Sua Majestade
Imperial Haile Selassie I, um rei etíope. Para eles, a erva é a chave para uma nova
compreensão de si mesmo, do universo e de Deus. É o veículo para a consciência
cósmica". Para a doutrina do Santo Daime, que faz uso ritualístico da ayahuasca
(bebida feita a partir do chá de plantas nativas da Amazônia), a planta é sagrada e
identificada com Santa Maria, a mãe de Jesus. O ritual chama-se consagração e
78
organismo. Ela atua em relação aos endocorticóides que produzimos para suportar
as situações de estresse. O THC presente na maconha tem a estrutura química
semelhante à Anandamida e encaixa perfeitamente no neuroreceptor,
desencadeando a gama de efeitos psicoativos esperados que a planta fornece.
Cabe aqui uma ressalva: toda a substancia que produz alteração no sistema
nervoso central pode ser considerada psicoativa. Café é psicoativo, guaraná, idem e
o CBD, também. As sensações que cada substancia provoca e sua quantidade é
que vão determinar a alteração comportamental e perceptiva do usuário. Quando
alguém ingere café demais, por exemplo, fica superexcitado, fala muito, tem
sudorese e taquicardia. Devemos aqui ser bem precisos e lembrar de Paracelso, em
sua célebre frase: “somente a dose correta diferencia o veneno do remédio.”. Isso
vale para a maconha, para o café, para o açúcar, até para a água. Uma curiosidade:
maconha não possui dose letal, o que praticamente todas as substâncias possuem.
Não há na história da humanidade nenhum registro de morte provocado pela
ingestão de maconha. Em seu livro “Se Liga – O livro das drogas”, Myltainho
Severiano da Silva faz um passeio pela letalidade e mostra que se forem ingeridos
dez litros de água de uma vez só, o risco de morte é eminente por desequilibrar o
processo metabólico em nível celular. A maconha, portanto, é a única substância
que não possui quantidade letal. O autor relata o caso de um estagiário que ingeriu o
THC sintetizado em laboratório numa equivalência a cem cigarros fumados de uma
vez só. Ele ficou mais de dois dias sob o efeito, mas depois foi voltando ao
equilíbrio, sem nenhuma sequela cognitiva. Ainda assim existe uma forma de se ter
uma overdose de maconha: o consumo teria de ser de cerca de 680 quilogramas da
droga em no máximo quinze minutos — o que seria entre vinte mil e quarenta mil
cigarros convencionais de maconha.
Num outro exemplo, dado pela farmacêutica responsável pelo projeto
FARMAcannabis, da UFRJ, a Profa. Dra. Virginia Carvalho 7 aponta que todas as
supostas doenças nas quais a maconha pode influenciar como o disparo de surto
psicótico — um dos mitos inventados pelo Asslinger — são dadas através de relatos
de usuários de maconha de baixa qualidade e contaminada com outros elementos
como metais pesados tóxicos, que podem causar doenças. Não se sabe os efeitos
7
Professora Titular, Toxicologista, PhD., MSc. Laboratório de Bioquímica Aplicada e Toxicologia
Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas Faculdade de Farmácia - Centro de Ciências da
Saúde Universidade Federal do Rio de Janeiro
80
8
É Professor de Química Medicinal na Universidade Hebraica de Jerusalém em Israel.
83
Cannabis, além do mais, são bem menos graves que os da morfina, por exemplo,
substância derivada do ópio. Um dos estudos mais recentes, publicado em outubro
passado no “The Journal of Pain”, comparou duzentos e quinze fumantes
experientes que fumavam 2,5 gramas por dia de maconha com não fumantes, entre
os anos de 2004 e 2008. Todos sofriam de alguma dor crônica não relacionada ao
câncer. Ao final, os fumantes relataram menos dor, melhora no humor. O uso da
planta para esses fins é ancestral. Não houve nenhum risco aumentado de efeitos
adversos em comparação aos não fumantes.
9
Advogado. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Prof. de Direito Civil e do Consumidor
na Pós-Graduação da Escola Paulista da Magistratura, na Escola Superior da Advocacia e na
Escola Paulista de Direito. Professor e Coordenador da Pós-Graduação em Direito Civil, Negocial e
Imobiliário da Rede de Ensino LFG.
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Durante meu trajeto no campo, fiz cursos sobre o cultivo, história e direito
sobre a maconha. A seguir segue uma adaptação textual da apresentação do
advogado Emilio Figueiredo sobre os aspectos jurídicos do cultivo doméstico de
Cannabis para fins terapêuticos.
A Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 da ONU prevê que “o uso
médico dos entorpecentes continua indispensável para o alívio da dor e do
sofrimento e que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a
disponibilidade de entorpecentes para tais fins”. A Convenção ainda menciona
expressamente o uso medicinal da Cannabis, afirmando que “o uso da ‘Cannabis’
para fins que não sejam médicos ou científicos deverá cessar o mais cedo possível”.
Já na lei brasileira sobre Drogas, encontramos o seguinte trecho: “ficam proibidas,
em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a
exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas
drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar”. A prerrogativa
por que tanto lutamos está prevista no seguinte trecho: “pode a União autorizar o
plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo
exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo
predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas
supramencionadas”. O Decreto que regulamenta a Lei sobre Drogas afirma que é
competência do Ministério da Saúde “autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos
vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para
fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante
fiscalização, ressalvadas as hipóteses de autorização legal ou regulamentar”.
Contudo, a ANVISA, agencia nacional de vigilância sanitária, subordinada ao
Ministério da Saúde não autoriza o cultivo de Cannabis para fins medicinais por
enquadrar tal vegetal na lista de plantas que podem originar substâncias
entorpecentes e/ou psicotrópicas, de modo que “não poderão ser objeto de
prescrição e manipulação de medicamentos alopáticos e homeopáticos”. Assim, a
Convenção Internacional reconhece que o uso médico da Cannabis continua
indispensável para o alívio da dor e do sofrimento. A Lei sobre Drogas prevê que a
União Federal pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais
considerados proibidos. O decreto dispõe que é competência do Ministério da Saúde
autorizar, e a ANVISA não tem procedimentos para autorizar por considerar a
Cannabis absolutamente proscrita.
86
Depois dessa decisão, que abre um precedente, até o fim da escrita dessa
tese, mais dois salvo-condutos foram conseguidos. As outras duas famílias que
conseguiram esse direito residem uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo.
Entidades coletivas, como a Abracannabis, A cultive!, De São Paulo, e a ABRACE,
da Paraíba, estavam em vias de pedir o habeas corpus para fazer um cultivo
coletivo, que pode padronizar as plantas e, assim, permitir um controle mais
adequado da produção do remédio. A tese precisa ser finalizada, mas a luta pelos
direitos individuais e pela liberdade continua.
Encerro esse tópico sobre questões legais com algumas frases que servem
bem para exprimir o que se vive hoje sobre a legalidade:
"Acredito que um indivíduo que viola uma lei que a sua consciência lhe diz
que é injusta, [...] está na realidade a exprimir um grande respeito pela Lei."
(Martin Luther King J)
"Tal como é dever de todos os homens obedecer a leis justas, também é
dever de todos os homens desobedecer a leis injustas." (Martin Luther King
Jr)
"A lei nunca tornará os homens livres; cabe aos homens fazer leis livres.
São os amantes da lei e da ordem que respeitam a lei quando o governo a
viola." (Henry David Thoreau)
"Uma lei injusta é em si uma espécie de violência. A prisão pela sua
desobediência é-o mais ainda." (Mahatma Gandhi)
"A liberdade legítima é um espaço de ação de acordo com a nossa vontade,
dentro dos limites traçados a nossa volta pelos iguais direitos dos outros.
Não digo ‘dentro dos limites da lei’, porque a lei muitas vezes não é mais do
que a vontade de um tirano, o que será sempre desde que viole direitos
individuais." (Thomas Jefferson)
"Não há forma de governar homens inocentes. O único poder que o governo
tem é o de deter criminosos. Bem, quando não há criminosos suficientes,
este os cria. Este decreta tantas coisas como crime que se torna impossível
aos homens viver sem violar leis." (Ayn Rand)
"Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o
direito." (Georges Ripert)
"Duas coisas me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto
mais intensa e frequentemente o pensamento delas se ocupa: o céu
estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim." (Immanuel Kant)
"Get Up Stand Up, Stand Up for Your RIGHTS!" (Bob Marley)
89
CURA – FINALIZANDO
REFERÊNCIAS
FRANÇA, J.M. História da maconha no Brasil. São Paulo. Três Estrelas, 2015
LATOUR, Bruno. Posface. L'influence est un risque. In: TOLLIS, C., CRÉTON-
CAZANAVE; AUBLET, B. (Org.) L'effet Latour. Ses modes d'existence dans les
travaux doctoraux. Paris: Éditions Glyphe, 2014.
LAW, John; URRY, John. Enacting the social. 2003. Disponível em:
<http://www.lancs.ac.uk/fass/sociology/papers/law-urry-enacting-the-social.pdf>.
Acesso em: 10 ago. 2009.
MORAES, Marcia; KASTRUP, Virgínia (Org.). Exercícios de ver e não ver: arte de
pesquisa COM pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau, 2010.
MOL, A. Ontological Politics. A Word and some questions. In: LAW, J.; HASSARD, J.
(Orgs.). Actor Network Theory and After. Blackwell: Oxford. 1999. p. 74-89.
TSALLIS, Alexandra Cleópatre et al. O que nós psicólogos podemos aprender com a
Teoria Ator-Rede? Interações, v. 12, n. 22, p. 57-86, 2006.
ANEXO A - Doenças que podem ser tratadas ou ter seus sintomas atenuados por
meio da Cannabis
1. Esclerose múltipla:
Alguns pacientes já usavam maconha para aliviar os sintomas da doença, até
que a ciência resolveu investigar se a sensação de bem-estar era apenas pelo efeito
da planta. Em dois estudos diferentes, a conclusão foi a de que essas pessoas não
estavam assim tão erradas.
Em um deles, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, a equipe isolou células
imunes de ratos paralíticos que especificamente “atacavam” as células neurais e a
medula. Trataram-nas com CBD e THC. Nos dois casos, as células produziram
menos moléculas inflamatórias, principalmente os tipos mais comumente
relacionados à esclerose múltipla. Outros estudos mostram que a maconha pode
devolver o controle de braços e pernas aos pacientes ao aliviar os espasmos
musculares causados pela doença.
2. Dor:
O uso da Cannabis para controle de dores fortes ou crônicas é objeto antigo
de estudos científicos. Até porque os efeitos colaterais da Cannabis são bem menos
graves que os da morfina, por exemplo, a substância derivada do ópio. Um dos
estudos mais recentes, publicado em outubro passado no The Journal of Pain,
comparou duzentos e quinze fumantes experientes, que usavam dois gramas e meio
por dia, com não fumantes entre 2004 e 2008. Todos sofriam de alguma dor crônica
não relacionada ao câncer. Por fim, os fumantes relataram menos dor, mais bom
humor e nenhum risco aumentado de efeitos adversos em comparação aos não
fumantes.
publicado no JAMA Internal Medicine. Cerca de 100 pessoas morrem por dia no país
por abuso de remédios para dor.
5. Câncer:
Além de controlar os enjoos, alguns estudos têm mostrado que o CBD e o
THC podem ser eficazes para frear o crescimento de células tumorais. Quem afirma
isso é a Sociedade Americana de Câncer. Pesquisas preliminares feitas em animais
mostram que as substâncias podem prevenir o espalhamento de alguns tipos de
câncer. Testes com humanos estão em andamento.
6. Síndrome do pânico:
Um estudo de 2014 da Universidade de São Paulo publicado no International
Journal of Neuropsychopharmacology investigou os efeitos de agonistas CB1
(similares aos canabinoides naturais) sobre mudanças comportamentais em ratos na
presença de predadores – no caso, um gato vivo.
Concluíram que a substância ajuda a modular o chamado sistema
endocanabinoide e, consequentemente, trazer sensação de alívio aos pacientes da
síndrome. Outra pesquisa da universidade já havia chegado a resultados positivos
também para controle de TOC.
7. Autismo:
O autismo é um dos tópicos mais recentes a entrar no foco dos estudiosos da
Cannabis medicinal. A origem do autismo muitas vezes é parecida com a da
epilepsia, um excesso de ativação neuronal
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Nas questões psíquicas, seu uso também é amplo. Ela é eficiente para o
controle de ansiedade, insônia, síndrome do pânico, depressão, TOC e outras
enfermidades e quadros emocionais. Para casos de autismo, como mencionado
anteriormente, a maconha atua no controle de excesso de atividade neuronal, com
resultados muito promissores. A planta também pode ajudar e tratar fobias sociais,
síndromes de West, esclerose múltipla, alcoolismo, artrite, asma, arteriosclerose,
fadiga mental, diabetes, depressão, dermatite, fibromialgia, distonia, doença
cardíaca cardiovascular, hepatite, herpes, Doença de Huntington, hipertensão
intracraniana, síndrome de Meige, enxaqueca /cefaleia, osteoporose, tuberculose,
anemia falciforme, lesão Medular, síndrome de Tourette, doença de Wilson e muitas
outras a serem pesquisadas e descobertas.
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