Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Vice-reitor
Paulo Costa Lima
Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
CONSELHO EDITORIAL
SONHOS DA DIAMBA,
CONTROLES DO COTIDIANO:
UMA HISTÓRIA DA CRIMINALIZAÇÃO DA
MACONHA NO BRASIL REPUBLICANO
Salvador, 2015
EDUFBA
Drogas: Clínica e Cultura
CETAD/UFBA
1a reimpressão: 2020
Revisão e normalização
Alassol Queiroz/Cíntia Oliveira Gonzaga
Digitação
Ana Cláudia Lima Portela
Catalogação na publicação
Ana Rita Cordeiro de Andrade – CRB-1049
ISBN 978-85-232-1438-8
CDD - 616.863
CDU - 615.099
CR
IA
CÓP
IME
A BDR
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS
L
RE
RA
O
IT
E UT
Editoras Universitárias O DI REI TO A
de América Latina y el Caribe
Prefácio
Gabriela dos Reis Sampaio ............................................................ 15
Referências................................................................................. 241
Edward MacRae
Salvador, março de 2015.
5 Vale salientar que a China havia sido auxiliada pelos Estados Unidos na
Conferência de Xangai em 1909 quando buscava eliminar a importação do
ópio anglo-indiano, comércio monopolizado pela Inglaterra desde o fim da
I Guerra do Ópio em 1845. (RODRIGUES, 2008; SCHEERER, 1993)
17 O art. 159 do Código Penal de 1890 estava inserido no Capítulo III, que
tratava dos crimes contra a saúde pública, do Título III (Dos crimes contra
a tranquilidade pública).
Só um vício me traz
Cabisbaixa me faz
Reduz-me a pequenina
Quando na tenho à mão
A forte cocaína
Quando junto de mim
Ingerindo em porção
Sinto sã sensação
Alivia-me as dores
Deste meu coração
Ai!...Ai!...
És a gota orvalina
Só tu és minha vida,
Só tu ó cocaína!
Mais que a flor purpurina
É o vício arrogante
De tomar cocaína
22 O dr. Rodrigues Dória, por exemplo, foi governador de Sergipe entre 1908
e 1912.
Figura 9 – Maricas
29 Assim como o tabaco a bebida denominada cauim poderia também ser con-
sumida em situações não religiosas e tinha singular importância para di-
versos grupos indígenas no Brasil colonial. Hans Staden, o marujo alemão
que ficou famoso por ter publicado suas viagens à América no século XVI,
menciona que um dos ingredientes da beberagem (o milho, a mandioca ou
talvez o caju) costumava causar conflitos entre colonos e tupinambás na
costa paulista atual, pois havia uma grande quantidade em terras ocupadas
pelos europeus sobre as quais avançavam os indígenas para colhê-las quan-
do estavam maduras. O marujo ainda assinala que a bebida era consumida
pelos tupinambás “quando comiam os inimigos”, evidenciando outro possí-
vel emprego da substância. (STADEN, 1900, p. 41)
Ô diamba, sarambanba!
Quando eu fumo a diamba,
Fico com a cabeça tonta,
E com as minhas pernas zamba
Fica zamba, mano? (pergunta um)
Dizô! Dizô (respondem todos em coro).
(IGLÉSIAS, 1958, p. 18-19)
30 Refiro-me aqui à ideia de “picaresco” que foi colocada por Batkhin na sua
análise da cultura popular europeia durante a Idade Média e o Renas-
cimento, evidenciando espaços de sociabilidade baseados no chiste, na
ridicularização e na astúcia. (BAKHTIN, 1999)
33 Sobre isso ainda nos diz Rodrigues Dória (1958, p. 3), evidenciando outras
conexões históricas da prática: “Essa lenda a respeito da mulher menstruada
é bem velha, e já Plínio, o Antigo, dizia que tão violenta era a toxicidade do
sangue menstrual que seu contato, ou mesmo o seu vapor, podia azedar o
vinho, tornar estéreis as sementes [...] e diversas coisas mais”. A crença em
poderes sobrenaturais da menstruação também era compartilhada pelas
classes subalternas no Brasil colonial. (SOUZA, 1986)
34 Segundo Anthony Henman (1986, p. 107), em seu estudo sobre o consumo
de maconha entre os índios tenetehara: “Distingue-se imediatamente um
fumo bem curtido pela cor parda e pela ausência do cheiro de clorofila,
característica da maconha em estado verde”.
[...]
ele é quem não conhecia dos sentidos, não era “gente doida”,
então não podia conhecer de seu “sutaque”, ele foi quem não
entendeu a piada. E não entender a piada pode ser o primeiro
sinal de que se está diante de outro mundo. (DARNTON, 1986)
O duelo de palavras em ocasiões de uso da maconha não
deve ter sido um fenômeno restrito às áreas do sertão, no inte-
rior dos estados, contudo, não foram encontradas informações
recorrentes sobre a prática nas capitais, ocorrendo mesmo um
silêncio sobre esse ponto. Sabe-se apenas que na Maceió de
fins dos anos 1940 as autoridades se referiam à fumantes da
erva encobertos “até o pescoço com areia [na praia] e no escuro
da noite”, formando “pirilampos” com a luz dos seus cigarros
a queimar, “no entrechoques de ditos e desafios”, mas não se
sabe quem eram ou onde teriam aprendido a prática. (PARREI-
RAS, 1958, p. 274)
Em Salvador no período, assim como não foram encon-
tradas referências ao uso da “maricas” nos casos policiais ou
nos casos relatados pelos jornais, também não foi constatada
a presença dos duelos de palavras. O que não quer dizer que
não existia entre as rodas de fumo eventualmente ou que fosse
um costume de todo desconhecido. Entretanto, uma ficha de
inquérito organizada em 1943 pelo dr. João Mendonça, mem-
bro da Comissão Estadual de Fiscalização de Entorpecentes da
Bahia, questionava ao “maconheiro” detido, entre outras coi-
sas, “Como usa?”, “Usa só ou em companhia?” e solicitava dos
mesmos “Cite provérbios, versos, anedotas, modinhas sobre a
maconha”. (FARIAS, 1958, p. 106-107)
Essa ficha de inquérito visava colher dos usuários deta-
lhadas informações sobre o uso da droga. Com se tem visto, o
interesse sobre as práticas de produção, preparo e consumo,
assim como a investigação dos contextos socioculturais onde
38 O dr. Heitor Peres, por exemplo, faz a seguinte ponderação no seu estudo
na década de 1930: “Quaisquer que sejam as manifestações clínicas da
intoxicação pela diamba, seja qual for o estado mental do diambista, o que
se observa, confirmado pela Comissão Estadunidense que bem estudou a
marihuana [no Panamá, quando da construção e domínio imperialista do
Canal], e pelos pesquisadores que se entregaram ao estudo da maconha
ou mesmo do haschich, é forçoso concluir, que a intoxicação diâmbica, ou
similar, não traz crise de abstinência ou, mais claramente, não provoca
falta”. (PERES, 1958, p. 71)
deste. Esse objeto não era apenas uma utilidade, mas poderia
apresentar muito da identidade dos usuários, pois, não raro,
era adornado, estetizado, o que também lhe atribuía um cará-
ter “exótico”, como considerou o Diário de Notícias em 1958 na
ocasião da inauguração do Museu Antropológico do Instituto
Médico Legal da Bahia.
A “maricas” foi considerada pela literatura proibicionis-
ta uma técnica tributária do negro africano ou uma “imitação
tosca” do cachimbo oriental chamado narguilé. Seguindo essas
indicações, foram estabelecidas as conexões dessa técnica no
Brasil com outras partes do mundo, sobretudo com a África.
A partir de relatos históricos, como o dos oficiais portugueses
Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo no final do século XIX,
foram identificados traços em comum entre as práticas de um
lado e do outro do Atlântico, a exemplo das matérias-primas
utilizadas para confeccionar o cachimbo e os ritos presentes
nas ocasiões de uso coletivo.
Assim, foi delineado parte do percurso de difusão da Can-
nabis pelo mundo, partindo do Oriente, na Índia, até atingir os
continentes africano e europeu. Transportada na bagagem de
seculares rotas comerciais, teve seu uso incorporado a diversas
culturas africanas, que transformaram não apenas as expres-
sões banghou bangi, usadas na Índia, e haschisch, empregada
pelos árabes, mas também as próprias formas de consumo e
os sentidos que elas continham. Foi visto, então, que expres-
sões usadas para se referir à maconha no Brasil ao longo da
primeira metade do século XX, como liamba, riamba e diamba,
tinham origem nas línguas “bantu” faladas por diversos povos
que foram trazidos para cá como escravos.
Mas as semelhanças não paravam nas nomenclaturas.
O cachimbo chamado de “maricas” e utilizado para fumar ma-
conha atravessou distâncias e tempos mantendo um princípio
revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/brasil-arqueologico>.
Acesso em: 2 set. 2014.
PEREIRA, A. P. L. O cânhamo ou diamba e seu poder intoxicante. In:
MACONHA: coletânea de trabalhos brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro:
Serviço Nacional de Educação Sanitária, 1958. p. 45-66.
PEREIRA, J. R. Contribuição para o estudo das plantas
alucinatórias, particularmente da Maconha. In: MACONHA:
coletânea de trabalhos brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço
Nacional de Educação Sanitária, 1958. p. 128-133.
PERES, H. Diambismo. In: MACONHA: coletânea de trabalhos
brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação
Sanitária, 1958. p. 67-74.
PERNAMBUCO FILHO, P.; BOTELHO, A. Vícios sociais elegantes. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1924.
PESAVENTO, S. J. O imaginário da cidade: visões literárias do
urbano: Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2. ed. Porto Alegre. Ed.
da UFRGS, 2002.
POPULAR, P.; BOMBEIRO, M. Malandragem dá um tempo.
Intérprete: Bezerra da Silva. In: SILVA, B. Alô malandragem, maloca o
flagrante. São Paulo: RCA Victor, 1986. 1 disco sonoro (40 min 45 s).
Lado A, faixa 1 (3 min 52 s).
(A) PRAGA dos camelôs. Diários de Notícias, Salvador, p. 3, 1958.
PRESA e recolhida à detenção: bailarina maconheira. A Tarde,
Salvador, p. 8, 1960.
PRESO o grupo da maconha. A Tarde, Salvador, p. 3, 1957.
QUADRILHA de menores teria matado industrial. A Tarde, Salvador,
p. 5, 1961.
RAMOS, A. O negro brasileiro. 3. ed. São Paulo: Comp. Ed. Nacional,
1951.
REEDIÇÃO frustrada do crime do fazer cinzento. A Tarde, Salvador,
p. 7, 1958.
REIS, J. J. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista USP, São Paulo,
v. 18, p. 6-29, 1993.
Formato 14,8 x 21 cm
Impressão EDUFBA
Tiragem 300