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AMAZÔNIA

Olhares sobre o território e a região

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or ganiz ação

Jodival Mauricio da Costa

AMAZÔNIA
olhares sobre o território e a região

Macapá, 2017

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Copyright © 2017, Os Autores.

Reitora: Prof.ª Dr.ª Eliane Superti


Vice-Reitora: Prof.ª Dr.ª Adelma das Neves Nunes Barros Mendes
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Editor-chefe da Editora da Universidade Federal do Amapá: Fernando Castro Amoras

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Artemis Socorro do N. Rodrigues Marcus André de Souza Cardoso da Silva
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Daize Fernanda Wagner Silva Patrícia Rocha Chaves
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Elza Caroline Alves Muller Simone de Almeida Delphim Leal
Jacks de Mello Andrade Junior Tiago Luedy Silva
José Walter Cárdenas Sotil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

A527 Amazônia : olhares sobre o território e a região / organização Jodival Mauricio da


Costa. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Autograia ; Amapá, AP : UNIFAP, 2017.
476 p. : il. ; 23 cm.

Inclui bibliograia
ISBN: 978-85-518-0542-8

1. Amazônia - Condições ambientais. 2. Amazônia - Aspectos sociais.


3. Geopolítica - Amazônia. I. Costa, Jodival Mauricio da.

17-44385 CDD: 307.78113


CDU: 316.334.5(811.3)

capa: Luana Rocha

Editora da Universidade Federal do Amapá


Site: www2.unifap.br/editora | E-mail: editora@unifap.br
Endereço: Rodovia Juscelino Kubitschek, Km 2, s/n, Universidade,
Campus Marco Zero do Equador, Macapá-AP, cep: 68.903-419

Editora Autograia Edição e Comunicação Ltda.


Rua Buenos Aires, 168 – 4º andar, Centro
rio de janeiro, rj – cep: 20070-022
www.autograia.com.br

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SUMÁRIO

SOBRE OS AUTORES 7
INTRODUÇÃO – AMAZÔNIA: OLHARES SOBRE O TERRITÓRIO E A REGIÃO 15
Jodival Mauricio da Costa
1. SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E POLÍTICAS DE ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS NA AMAZÔNIA 21
Jodival Mauricio da Costa e Lúcio Cunha
2. ORGANISMOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES 43
Pedro Roberto Jacobi
3. POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
NAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS 71
Neli Aparecida de Mello-Théry e Vincent Dubreuil
4. GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA AMAZÔNICA 113
Fernanda Mello Sant’Anna
5. MALÁRIA NAS FRONTEIRAS INTERNACIONAIS DA AMAZÔNIA 151
Paulo Cesar Peiter, Vivian da Cruz Franco e Martha Suárez Mutis
6. PAISAGISMO ECOLÓGICO E PLANEJAMENTO DA PAISAGEM
EM AMBIENTE URBANO AMAZÔNICO 179
José Marcelo Martins Medeiros, Géssica Nogueira e Mariana Martins Medeiros
7. UMA REGIÃO EM QUESTÃO: A AMAZÔNIA NAS LENTES DA ESCOLA
USPIANA DE GEOGRAFIA 199
Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior
8. MANEJO DE MUNDOS E GERENCIAMENTO COSTEIRO NA AMAZÔNIA:
REFLEXÕES A PARTIR DE UM DIÁLOGO ENTRE
ETNOOCEANOGRAFIA E ETNODESENVOLVIMENTO 257
Gustavo Goulart Moreira Moura
9. O DIREITO NA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES DOS POVOS
E COMUNIDADES TRADICIONAIS: AS CHAMADAS QUEBRADEIRAS
DE COCO BABAÇU 297
Joaquim Shiraishi Neto e Luane Lemos

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10. A AMAZÔNIA NA CIDADE E A CIDADE NA AMAZÔNIA 319
Aires Manuel dos Santos Fernandes
11. POLÍTICAS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA:
A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO
EM RONDÔNIA E SEUS EFEITOS NO TERRITÓRIO LOCAL 339
Luciana Riça Mourão Borges
12. DEMOCRACIA, MILITARES E AMBIENTALISMO NO BRASIL:
O REDIMENSIONAMENTO DO BINÔMIO SEGURANÇA/DESENVOLVIMENTO
NO PÓS-DITADURA 371
Miguel Dhenin
13. DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL DA FAIXA
DE FRONTEIRA DA AMAZÔNIA SETENTRIONAL BRASILEIRA:
A BUSCA PELA ARTICULAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA BRASIL/FRANÇA 401
Jadson Luís Rebelo Porto
14. AS POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DEFESA PARA AS FRONTEIRAS
NO CONTEXTO AMAZÔNICO: UMA ANÁLISE DO PONTO DE VISTA
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 425
Flávia Carolina de Resende Fagundes e Camilo Pereira Carneiro Filho
15. INOVAÇÃO, EMPREENDEDORISMO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
NA AMAZÔNIA: PERSPECTIVAS SOBRE O PAPEL DAS MICRO E
PEQUENAS EMPRESAS DE MACAPÁ (AP) 447
Deliane Pessoa Santos e Daniel Chaves

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SOBRE OS AUTORES

Jodival Mauricio da Costa. Geógrafo. Doutor em Ciência Ambiental


(PROCAM-USP) com estágio doutoral sanduíche no Institut des Hau-
tes Etudes de Amérique Latine (IHEAL-Paris III-Sorbonne Nouvelle).
Professor Adjunto da Universidade Federal do Amapá, vinculado ao
Curso de Arquitetura e Urbanismo, ao Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional e ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Fronteira. Coordenador-pesquisador do Núcleo de Estu-
dos em Estética do Úmido (NEEU-Unifap) e pesquisador do Observa-
tório das Fronteiras do Platô das Guianas (Obfron-Unifap). Temas de
interesse: 1.Planejamento/Desenvolvimento Urbano e Regional: An-
tropologia do Desenvolvimento; Epistemologias do Desenvolvimen-
to; Poética do Espaço Urbano. 2. Meio Ambiente: Epistemologias de
Comunidades Tradicionais Amazônidas e Sustentabilidade; Ecologia
Política e Desenvolvimento; Ecologia Política e Modernidade Relexi-
va; Mudanças Climáticas; Segurança Ambiental. 3. Fronteiras, Limites
e Sociedade: Fronteiras, Limites e Sensibilidades Sociais e Ambien-
tais; Gestão dos Recursos Naturais Fronteiriços e Transfronteiriços.
E-mail: jodival.costa@gmail.com

Aires Manuel Fernandes. Arquiteto e Urbanista (ULHT-Lisboa). Espe-


cialista em: Urbanismo pela ULHT; Execução de Obra na Construção,

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pela Universidade de Alicante, Espanha e Pós-graduado em Docên-
cia do Ensino Superior pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
Mestre em Urbanismo pela Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias (ULHT) e doutorando em Sociedade e Cultura na Amazô-
nia (UFAM). Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Univer-
sidade Federal do Amazonas. Temas de interesse: Projeto Arquitetônico,
Desenho Urbano, Percepção Ambiental, Fenômenos Urbanos, Expres-
são e Representação Gráica. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Es-
tética do Úmido (NEEU-Unifap). E-mail: airesfernandes@hotmail.com

Camilo Pereira Carneiro Filho. Geógrafo e bacharel em Direito. Dou-


tor em Geograia (UFRGS), sanduíche na Universidade Paris 1, Pan-
théon-Sorbonne. Professor colaborador do Programa de Pós-Gradua-
ção em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS. Pesquisador do
grupo de pesquisa LABETER - Laboratório Estado e Território (UFRGS).
Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geograia Po-
lítica e Cartograia. E-mail: pereiracarneiro.camilo@gmail.com

Daniel Chaves. Professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap).


Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em
História Comparada (PPGHC/UFRJ). Docente do Curso de História, do
Programa de Pós-Graduação em Mestrado em Desenvolvimento Re-
gional (PPGMDR/Unifap) e do Programa de Pós-Graduação em Estu-
dos de Fronteira. Pesquisador do Observatório de Fronteiras do Platô
das Guianas (OBFRON) e do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente
(CPTP), ambos da Unifap. E-mail: daniel.s.chaves@gmail.com

Deliane Pessoa Santos. Administradora de Empresas e Pedago-


ga. MBA Administração Estratégica pela Universidade Estácio de Sá.
Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal
do Amapá. Tem experiência na área de Educação, e na área de Admi-
nistração, com ênfase em Administração e Inovação de Micro e Pe-

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quenas Empresas, dos segmentos de comércio, indústria e serviço.
E-mail: delianepessoa@gmail.com

Fernanda Mello Sant’Anna. Geógrafa, Doutora em Geograia. Pro-


fessora do Departamento de Relações Internacionais e do Programa
de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) e coordenadora do Grupo
de Estudos em Política e Direito Ambiental Internacional (GEPDAI).
E-mail: fermsa@yahoo.com.br

Flavia Carolina Resende Fagundes. Internacionalista (FMU), Mestre


em Estudos Estratégicos Internacionais e doutoranda em Geograia
(UFRGS). Tem experiência na área de Relações Internacionais, com
ênfase em Segurança Internacional. É membro do Centro de Estudos
Internacionais sobre Governo (CEGOV) e do Laboratório do Espaço
Social (LABES-UFRGS). E-mail: fagundes.laviacr@gmail.com

Géssica Nogueira dos Santos. Arquiteta e Urbanista. Especialista em


reabilitação ambiental sustentável arquitetônica e urbanística (UnB),
Mestre em Desenvolvimento Regional (MDR-Unifap). Professora
substituta no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fe-
deral do Amapá. E-mail: gessicanogueira@live.com

Gustavo Moura. Oceanógrafo (FURG) e Doutor em Ciência Ambien-


tal pela Universidade de São Paulo (PROCAM/USP) e sanduíche no
Museu Nacional de História Natural de Paris (MNHN). Os trabalhos
de pesquisa têm resultado na abertura de uma linha de pesquisa den-
tro da Oceanograia Socioambiental: a etno-oceanograia. Atualmen-
te é Professor Adjunto do curso de graduação de Etnodesenvolvimen-
to ligado à Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do
Pará (FACETNO/UFPA), pesquisador associado do NUPAUB/USP e
colaborador do PRODEMA/UESC. E-mail: gugoreira@gmail.com

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Jadson Porto. Geógrafo. Doutor em Economia (Unicamp). Professor
Associado da Universidade Federal do Amapá, Curso de Arquitetura
e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional (PPGMDR-Unifap). Tem experiência na área de Geograia,
com ênfase em Análise Regional. Temas de interesse: Amapá; Desen-
volvimento regional; Amapá - política e governo; Amazônia; Frontei-
ra e Transfronteirização. E-mail: jadsonporto1967@gmail.com

Joaquim Shiraishi Neto. Advogado, professor visitante na Universi-


dade Federal do Maranhão, vinculado ao Programa de Pós-graduação
em Direito (PPGDIR-UFMA). Pesquisadador FAPEMA e CNPq. Bol-
sista Produtividade CNPq. E-mail: shiraishineto@gmail.com

José Marcelo Martins Medeiros. Arquiteto e Urbanista. Doutor


em Urbanismo pela Universidade de Brasília. Professor Adjunto da
Universidade Federal do Amapá, atuando no Curso de Arquitetu-
ra e Urbanismo, bioclimatismo, desenvolvimento sustentável, pai-
sagismo ecológico, eco-urbanismo e SIG. E-mail: medeirosjose@
gmail.com

Luane Lemos. Advogada, mestre em Direito Ambiental, professora


do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
Pesquisadora. Advogada. Tem experiência em Direito Ambiental,
com ênfase em Populações Tradicionais.

Luciana Riça Mourão Borges. Geógrafa. Mestre e doutoranda em


Geograia Humana (PPGG-USP), tendo como tema central as dinâ-
micas territoriais na Amazônia em função de políticas de infraestrutu-
ra. Ênfase no estudo dos efeitos do Programa de Aceleração do Cres-
cimento no território brasileiro, a partir de uma leitura crítica voltada
para a infraestrutura e integração regional e territorial no Brasil. Inte-
grante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e So-

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ciedade (IEA/USP) e do Laboratório de Geograia Política (GEOPO/
USP). E-mail: lu.rmborges@gmail.com

Lúcio Cunha. Doutor em Geograia. Professor catedrático da Univer-


sidade de Coimbra. É investigador do Centro de Estudos de Geogra-
ia e Ordenamento do Território (CEGOT) da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e tem desenvolvido trabalhos na área da
Geomorfologia (Geomorfologia Cársica, Geomorfologia Fluvial e Pa-
trimónio Geomorfológico), da Geograia Física Aplicada aos Estudos
Ambientais (Riscos Naturais, Recursos Naturais, Ambiente e Turis-
mo), bem como dos Sistemas de Informação Geográica aplicados ao
Ordenamento do Território. Foi Presidente da Comissão Nacional de
Geograia e da Associação Portuguesa de Geomorfólogos. E-mail: lu-
ciogeo@ci.uc.pt

Mariana Martins Medeiros. Engenheira Florestal. Professora do Cur-


so de Engenharia Florestal da Universidade do Estado do Amapá.
Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental
(CDS-UnB). Mestre em Ciências Florestais (UnB). Áreas de interesse:
itogeograia, itossociologia, gestão ambiental, geoprocessamento,
amostragem e inventário. E-mail: eng.marimedeiros@gmail.com

Martha Suárez Mutis. Médica. Especialista em Epidemiologia pela


Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Rio de Janeiro-Escritório
regional de Manaus; Mestre em Medicina Tropical - IOC-Fiocruz) e
Doutora em Medicina Tropical do Departamento de Medicina Tropi-
cal do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz. Foi assistente de pesquisa na
Universidade Nacional da Colômbia sede Leticia. Atualmente é pes-
quisadora adjunta do Laboratório de Doenças Parasitárias do Insti-
tuto Oswaldo Cruz - IOC-Fiocruz. É coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz. Pes-
quisadora Visitante Sênior da Fundação de Vigilância em Saúde do

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Estado do Amazonas com início em setembro de 2012. Tem experiên-
cia na área de Medicina, com ênfase em Medicina Tropical. Temas de
interesse: epidemiologia, malária, saúde pública, análise dinâmico
dos processos endêmicos, educação em saúde, saúde dos povos indí-
genas e saúde nas fronteiras. E-mail: marthasuarezmutis@gmail.com

Miguel Dhenin. Cientista Político. Doutorando no Programa de Pós-


-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense
em co-tutela com a Université Paris III Sorbonne-Nouvelle (França).
Pesquisador júnior no Institut des Hautes Etudes de Amérique Latine
(IHEAL), Centre de Documentation des Amériques (CREDA) na linha
de pesquisa: Grands Espaces - do Centre National de la Recherche
Scientiique (CNRS, França) Membro do LEPEB, Laboratório de Estu-
dos sobre Política Externa Brasileira (LEPEB) do Instituto de Estudos
Estratégicos (INEST). Professor colaborador na Universidade Federal
Fluminense e na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio). Assessor do Coordenador do projeto Narcotráico, Militari-
zação e o Entorno Estratégico Nacional: lições para o Brasil; integran-
te do Programa Álvaro Alberto de Indução à Pesquisa em Segurança
Internacional e Defesa Nacional, inanciado pelo CNPq e Ministério
da Defesa do Brasil. E-mail: miguel.dhenin@gmail.com

Neli Aparecida de Mello-Théry. Geógrafa, Doutora em Geografia


pela Université de Paris Ouest-Nanterre-La Defense (2002) e em Geo-
graia Humana, pela Universidade de São Paulo (2002). Professor Li-
vre-Docente da Universidade de São Paulo. Participa de redes e labo-
ratórios de pesquisa no Brasil e na França, e pesquisador-associado
na Universidade de Brasília. Atuação: Amazônia, gestão ambiental,
dinâmicas territoriais, políticas ambientais e territoriais, meio am-
biente e desenvolvimento sustentável, gestão urbana e ordenamen-
to territorial, meio ambiente e políticas internacionais. Coordenadora
do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidades e Socieda-

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de do Instituto de Estudos Avançados. Autora dos livros Território e
Gestão Ambiental na Amazônia: Terras públicas e os dilemas do Es-
tado (2011), Políticas Territoriais na Amazônia (2006) e co-autora do
Atlas do Brasil - Disparidades e Dinâmicas do Território (2005, 2008)
entre outros. E-mail: namello@aol.com

Paulo Cesar Peiter. Arquiteto e Urbanista, Economista. Doutor Geo-


graia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005) com estágio
Pós-Doutoral no Institut de Recherches pour le Dévelopement (UMR
Espace-Dev, Montpellier, França). Recebeu o Prêmio Capes de Teses
na área de Geograia em 2006. É professor-pesquisador do Instituo Os-
waldo Cruz - FIOCRUZ e pesquisador colaborador do Grupo Retis de
pesquisa do Departamento de Geograia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Geograia Humana e Saú-
de Pública. Temas de interesse: Limites, Fronteiras e Saúde, Geogra-
ia da Saúde; Vigilância em Saúde e Território. E-mail: paulopeiter@
gmail.com

Pedro Roberto Jacobi. Pedro Roberto Jacobi é sociólogo, Professor


Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação
em Ciência Ambiental/Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Uni-
versidade de São Paulo (PROCAM/IEE/USP). Chefe da Divisão Cien-
tiica de Gestão, Ciência e Tecnologia Ambiental/IEE. Coordenador
do Grupo de Acompanhamento e Estudos de Governança Ambien-
tal/IEE/USP- GovAmb. Editor da revista Ambiente e Sociedade. Coor-
denador do Grupo de Estudos Meio Ambiente e Sociedade do Institu-
to de Estudos Avançados da USP (IEA). E-mail: prjacobi@gmail.com

Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior. Geógrafo e Bacharel em


Direito pela Universidade Federal do Pará. Doutor em Geograia Hu-
mana pela Universidade de São Paulo. Realizou Pós-Doutorado em
Políticas Urbanas no Institut des Hautes Études de l’Amérique Lati-

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ne (Université Paris III/Sorbonne Nouvelle, França) e em Geograia
Regional no Laboratório de Estudos Regionais em Geograia (Univer-
sidade de São Paulo). É Professor Titular vinculado ao Núcleo de Al-
tos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará e também
membro efetivo do Instituto Histórico e Geográico do Pará, assumin-
do, desde o ano de 2005, a cadeira de número 21. Atua como docente,
pesquisador, consultor e orientador de trabalhos acadêmicos na área
de planejamento e estudos urbano-regionais, voltado principalmen-
te para os seguintes temas: cidades, urbanização e urbanodiversida-
de na Amazônia; desenvolvimento urbano e regional; planejamento e
gestão urbanos; direito urbanístico e ordenamento territorial. E-mail:
stclair@ufpa.br

Vincent Dubreuil. Doutor e Livre-docente em Climatologia geográ-


ica - Université Rennes 2. Atualmente é Professor titular - Universi-
té Rennes 2. Professor Visitante no âmbito do programa das Cátedras
Francesas do Estado de São Paulo, Campus da UNESP -Presidente
Prudente. Em 2008, Professor Visitante Estrangeiro no Centro de De-
senvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Tem expe-
riência na área de Geociências, com ênfase em Geograia Física, cli-
matologia e Sensoriamento Remoto. Projetos atuais sobre dinâmica
do uso do solo, climatologia e desenvolvimento sustentável no Brasil e
na Amazônia matogrossense. E-mail: vincent.dubreuil@uhb.fr

Vivian da Cruz Franco. Graduada em Ciências Biológicas pela Uni-


versidade Castelo Branco (2010) e mestre em Medicina Tropical pela
Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente está concluindo o doutorado
em Medicina Tropical pela Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência
na área de Parasitologia. Áreas de interesse: malária, ecologia, epide-
miologia e fronteiras amazônicas. E-mail: vivian.da.cruz@gmail.com

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INTRODUÇÃO
AMAZÔNIA: OLHARES SOBRE O
TERRITÓRIO E A REGIÃO
Jodival Mauricio da Costa

Nas minhas leituras, Carlos Walter Porto-Gonçalves foi um dos pri-


meiros pesquisadores a falar de uma diversidade amazônica. Poste-
riormente tive contato com os escritos do professor Saint-Clair Cor-
deiro da Trindade Júnior que tratavam de uma biodiversidade que
convive e ao mesmo tempo faz parte de uma urbanodiversidade na
Amazônia. Esses dois exemplos, dentre outros que poderiam estar
aqui, direcionam para uma Amazônia que vai além da sua importante
biodiversidade para expressar outras pluralidades amazônicas, outras
possibilidades de ser enquanto região-diversidade. Perceber e com-
preender essa realidade signiica percorrer outros mundos possíveis
para a região, onde o (des)envolvimento não mais signiique negar
os envolvimentos dos povos com o seu território, como já escrevera o
próprio Carlos Walter em sua vasta bibliograia.
Este espaço, pensado como valor, materialidade e ação dos que
nele vivem ou sobre ele direcionam esforços de compreensão não
cabe na lógica dos padrões, sejam os já historicamente enraizados
pela colonialidade do saber e do poder, como denuncia Arturo Es-
cobar em sua bibliograia, sejam pelos atuais que, com novos discur-
sos, continuam oprimindo potencialidades e possibilidades regio-
nais. Seja ainda como “região problema”, mosaico de biodiversidades,
Amazônia das águas, etc, uma vez que as padronizações não nos per-

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mitem entender o uno, nem o múltiplo, porque ofuscam as complexi-
dades e os processos das relações sociais e a multidimensionalidade
do espaço, do território, da natureza, da região.
Todas as formas de generalização, que são reducionistas e frag-
mentadoras, em concepção, não deixam de corroborar a própria plu-
ralidade, uma vez que, mesmo que pela contradição, atestam a pró-
pria diversidade. Da mesma forma, é comum à própria ideia de região
que para a sua condição de regionalidade algumas particularidades
se universalizem, tornando-se uma marca do regional. O problema,
portanto, não está na identiicação e reconhecimento de generalida-
des regionais, mas na generalização da região, do todo pela parte, que
acaba por imputar uma singularidade ao plural. Deste lugar de ver as
relações espaço-regionais, advoga-se que as peculiaridades não exis-
tem por si mesmas, sendo estas, construções em processos e de natu-
reza complexas: o uno é também múltiplo, com possibilidades de dis-
tinções, mas indissociáveis na sua relação.
Os olhares sobre o território e a região trazidos pelos autores des-
te livro são convites a olhar esta diversidade a partir da visão da acade-
mia; o que implica serem estes olhares sobre e não, necessariamente,
da Amazônia. Dos temas mais recentes, como a discussão de adapta-
ção às mudanças climáticas, e da atualidade de temas antigos, a exem-
plo das questões de fronteira e dos conlitos regionais, o leitor encontra
abordagens em múltiplas escalas, da local à internacional. Pedro Ro-
berto Jacobi, no texto: Organismos de bacias hidrográicas: avanços e
contradições, por exemplo, trata o tema na escala nacional, o que mui-
to contribui como base para leituras de realidades amazônicas. Enten-
der como os sujeitos que vivem a espacialidade de uma bacia geográi-
ca podem contribuir com sua gestão é um debate do qual a Amazônia
não pode abdicar de continuar, uma vez que pesquisadores de univer-
sidades regionais já têm essa preocupação como objeto de pesquisa.
A Amazônia, enquanto região, há anos vem sendo tema de traba-
lhos nas universidades brasileiras e internacionais, o que também

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manifesta como ela é pensada pela academia. Ao lado do Nordes-
te, a Amazônia é constantemente evocada como problema de pes-
quisa, o que sabemos ocorre menos em comparação a outras regiões
do Brasil. Esta airmação traz consigo o fato de que é, também, o pró-
prio discurso, sua evidência na escala nacional e internacional, que
a transforma em celeiro para as pesquisas acadêmicas, uma vez que
o próprio nome de “Amazônia” igurando nos títulos de trabalhos e
projetos acadêmicos torna-se, de alguma forma, “marketing cientíi-
co”. Não obstante, aqui apenas faz-se uma constatação, pois reconhe-
ce-se a contribuição da academia no entendimento da Amazônia, não
se produz um contraponto a essas pesquisas.
Nesse sentido da análise da produção acadêmica sobre a região,
Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior dedicou-se a analisar como
a Amazônia é retratada pela Escola Uspiana de Geograia nos traba-
lhos de mestrado e doutorado, fruto de estágio de pós-doutoramento
feito pelo autor que traz o olhar sobre as abordagens da conceituada
Geograia da Universidade de São Paulo. Ainda no âmbito dos estu-
dos realizados na USP, Luciana Mourão traz uma contribuição sobre
os impactos territoriais do Plano de Aceleração do Crescimento no es-
tado de Rondônia, fruto de sua pesquisa de doutorado.
E no domínio da região vista como problema, a questão ambien-
tal se transformou, pelo menos nas últimas quatro décadas, no gran-
de desaio a ser superado; e é fato que não se pode ignorar as questões
ambientais. No entanto, mais do que apenas divulgados e alardeados,
eles precisam de problematização, inclusive para evitarmos as con-
cepções dadas: a exemplo da transformação de adaptações ambien-
tais, mesmo que com pouco ganho para o meio ambiente e as pes-
soas, em “desenvolvimento sustentável”. A coletânea traz ao leitor
contribuições para a questão ambiental na Amazônia.
Neli Aparecida de Mello-Théry e Vincent Dubreuil abordam o
tema da adaptação às mudanças climáticas, com análise concentra-
da nas práticas agrícolas no estado do Mato Grosso. Já Jodival Mau-

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ricio da Costa e Lúcio Cunha abordam a mesma temática no âmbi-
to dos serviços ecossistêmicos e como essas práticas desenvolvidas a
partir dos recursos lorestais não madeireiros podem funcionar como
ganho ambiental e geração de renda para os amazônidas. Ainda na te-
mática ambiental, Fernanda Mello Sant’Anna discute a gestão dos re-
cursos hídricos na Amazônia a partir de uma abordagem hidropolíti-
ca e aponta desaios e perspectivas da governança da água na bacia
amazônica. Sendo a questão hídrica na Amazônia comumente trata-
da pela ótica do ordenamento jurídico, insere o tema no debate das
relações de poder e das relações sociais, como problema político.
Fazer ciência é também, e talvez fundamentalmente, desconstruir
conceitos. Pela des-re-construção dos conceitos desterritorializa-se
ideias e práticas, para que outros mundos possíveis reclamem sua
r-existência. Desconstruir conceitos não é negá-los, nem clamar por
sua substituição, é antes problematizá-los, conduzi-los a uma relação
com um contexto, com um ambiente, com outros mundos de ver e ser.
Assim, como já ressaltamos o debate sobre a necessidade de desco-
lonizarmos o saber e o poder, ou irmos além do pensamento abissal,
como já discute Boaventura de Souza Santos, Gustavo Moura traz um
texto de qualidade cientíica fundamental e de sensibilidade regional
amazônida. Povos e comunidades tradicionais ganham protagonismo
no gerenciamento costeiro pensado e proposto pelo autor, um contra-
ponto ao desenvolvimento sustentável autoritário e reducionista im-
putado pelo Estado aos povos da região, lugar comum nas políticas
ambientais brasileiras em todo o território nacional. Outra contribui-
ção nessa escala dos sujeitos sociais e da luta pelo direito ao território
é o artigo de Joaquim Shiraishi Neto e Luane Lemos, onde ganha pro-
tagonismo a territorialidade dos povos e comunidades tradicionais a
partir da experiência das mulheres quebradeiras de coco babaçu.
As questões de tipiicação idealizadas sobre a Amazônia e as estraté-
gias da colonialidade do saber e do poder também reletem tanto o es-
paço regional quanto o espaço urbano, este último tomado aqui como

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a cidade. A cidade e os imaginários culturais sobre ela não escapam da
construção de “tipos ideais”. Sejam a partir das especiicidades regio-
nais ou da imputação de tipos ideias externos, compreender a cidade
requer mergulhar na cultura, principalmente nos processos de hibrida-
ção entre culturas, natureza e cidade, entre matéria e espírito. Aires Fer-
nandes faz este exercício de relexão com peso e leveza na discussão de
um duplo binômio: a cidade-amazônia e a amazônia-cidade, sem be-
ber na fonte do reducionismo. Ainda no plano da análise das questões
urbanas amazônicas, José Marcelo Martins Medeiros, Géssica Noguei-
ra e Mariana Medeiros trazem contribuição sobre o urbanismo ecológi-
co na região e a produção da paisagem, com foco em estudo de caso de
ocupações de áreas de proteção no estado do Amapá.
Bertha Becker, em texto para o livro Um futuro para a Amazônia
ressalta o papel da inovação como elemento fundamental para o de-
senvolvimento da região. Adverte que é preciso superar a velha lógi-
ca da importação de tecnologia, da transferência tecnológica pura. A
inovação é uma questão de produção e re-produção de conhecimen-
tos, onde o elemento inovador não aparece como produto acabado,
mas como processo de apropriação, reapropriação, adequação e rea-
dequação aos territórios e regiões, cuja ação em rede pode ser ato-
mizadora e capilarizadora deste processo. Para tanto, também se faz
necessário superar o debate da criatividade como exclusividade dos
gênios, porque esta é uma dimensão do social, fortemente relacio-
nada ao que é possível fazer a partir das experiências em escala local
e regional. Com isso é imprescindível o debate sobre decolonialida-
de do saber, do poder e do desenvolvimento. O desenvolvimento, por
exemplo, não pode permanecer como domínio quase exclusivo da
economia, porque é também antropológico, sociológico, geográico,
histórico, etc; inovar e desenvolver é também pensar e agir na condi-
ção em que se está envolvido. Daniel Chaves e Deliane Pessoa trazem
contribuição a este debate com uma análise do empreendedorismo
inovador em micro e pequenas empresas da cidade de Macapá.

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Do ponto de vista das preocupações acadêmicas, a temática da
fronteira na Amazônia tem avançado, pelo menos, nas últimas três
décadas. Durante boa parte do século XX, por exemplo, o tema icou
circunscrito às preocupações militares. Talvez como herança de uma
questão militar e de exclusividade do Estado, aquilo que se discu-
tia de fronteira estava diretamente relacionado à defesa e segurança
como sinônimo de ação do Estado no controle do território: frontei-
ra era apenas uma questão de soberania sobre o território e a popu-
lação. Esta abordagem clássica dos estudos fronteiriços mantém sua
importância, inclusive porque novos desaios à defesa e à segurança
ganharam evidência nessa versão clássica, sendo o principal deles o
terrorismo.
Flávia Carolina Fagundes e Camilo Pereira Carneiro abordam esta
temática da defesa e da segurança na Amazônia como problema de
segurança pública. Miguel Dhenin discute o binômio segurança/de-
senvolvimento relacionado aos militares e à democracia no Brasil
pós-ditadura, com inclusão do ambientalismo neste debate. Também
constata-se que outras abordagens começaram a ganhar campo em
estudos relacionados à fronteira, sendo uma delas a temática em Saú-
de: Paulo Peiter, Vivian Franco e Martha Mutis trazem como contri-
buição a este livro um escrito sobre malária nas fronteiras da Amazô-
nia, como resultado de anos de pesquisas desses autores na fronteira
amazônica.
Ainda no âmbito dos estudos de fronteira, Jadson Porto explora
as relações fronteiriças entre Brasil e a Guiana Francesa, com enfo-
que nos desaios à transfronteirização na região entre os dois países
a partir do estado do Amapá e do departamento francês da Guiana
Francesa.
Por im, que este volume venha a contribuir para a leitura e inter-
pretação da Amazônia. Boa leitura!

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1
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E POLÍTICAS DE
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NA AMAZÔNIA1
Jodival Mauricio da Costa
Lúcio Cunha

INTRODUÇÃO
Criar políticas de mitigação, adaptação, monitorização e controle das
alterações climáticas2 deve ser uma prioridade dos Estados em escala
global, por meio dos acordos multilaterais. Como os efeitos da emis-
são de gases de efeito estufa não possuem fronteiras, ou seja, não obe-
decem aos acordos de linearidade terrestre estabelecidos entre os Es-
tados, essa questão passa a ser tratada como um problema comum
a todos os países, embora, como discutido nos espaços de negocia-
ção internacional, incluindo o documento Acordo de Paris, com res-
ponsabilidade diferenciada, com transparência na monitorização das
práticas de todos os países e com respeito pelos direitos humanos
(TELES et al., 2016).
Estados líderes em ações de combate às alterações climáticas, tais
como os relatados e analisados por Giddens (2010), Grã-Bretanha,
Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia, dentre outros, estão criando

1. A pesquisa recebe incentivo inanceiro da Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado do Amapá -


FAPEAP, pelo inanciamento do Projeto Estratégias de Reapropriação Social da Natureza, coordenado
pelo prof. Dr. Jodival Mauricio da Costa.
2. Tratamos o termo como “alterações climáticas” para estabelecer uma diferenciação entre as alte-
rações que a população provoca no meio ambiente e as mudanças que ocorrem no clima pela própria
dinâmica da natureza. Inclusive, é nesta segunda que estão embasadas as teorias céticas, que negam
mudanças climáticas provocadas pelas ações humanas.

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políticas de mitigação a essas alterações por meio da regulação de
suas atividades industriais, em especial daquelas voltadas para a polí-
tica energética. Já outros países, como por exemplo a Costa Rica, que
também aparece com destaque no controle das emissões, tem como
estratégia uma boa política de gestão das florestas conservadas e,
também, pelo relorestamento dos espaços degradados.
A 21ª Conferências das Partes, realizada em Paris, em dezembro
de 2015, fortaleceu o debate em torno dos compromissos dos países
com políticas de combate às alterações climáticas, em parte por con-
ta da proposta denominada de Acordo de Paris, apresentada durante
a referida Conferência e colocada à disposição dos 195 países que nela
participaram, para assinatura a partir de abril de 2016. Esses espaços
de negociação, além de serem importantes porque proporcionam o
debate entre os países, também fortalecem o interesse no que cada
país precisa produzir. Explicando de outra forma, estes eventos têm
um valor geral porque são espaços onde todos convergem para um
problema comum, por um lado, e por outro, porque convidam cada
país a se debruçar sobre suas possibilidades e limites no seu território
e a como lidar com o problema em questão.
Esta airmativa nos coloca diante de duas acepções: a primei-
ra é de que não conseguiremos avançar em problemas ambientais,
como as alterações climáticas, sem uma política global de conver-
gência para este im; a segunda é de que os sujeitos fundamentais
deste processo se inserem localmente, uma vez que os problemas
ambientais têm uma tipiicação a que somente as especiicidades
locais podem responder, o que põe essa questão ambiental como
um problema multiescalar. O “pensar global” dos acordos interna-
cionais só tem sentido num quadro de intervenção local com medi-
das de ordenamento do território, quer de mitigação, quer de adap-
tação, a nível da gestão das cidades, dos transportes, da produção e
dos consumos de energia, do desmatamento e da produção agríco-
la, da gestão do litoral, etc.

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Neste aspecto, os problemas ambientais, amplamente discutidos
nos espaços de negociação global, não podem servir de avalistas para
uma política de cima para baixo, onde os interesses de populações lo-
cais sejam secundários em relação aos interesses globais. É preciso
pensar, a partir daqui, na multidimensionalidade das escalas e na ne-
cessidade da sua convergência para o problema das alterações climá-
ticas. Talvez esse seja o maior desaio, tanto quanto ou mais que o ai-
namento entre as políticas dos Estados.
Assim, enquanto política dos estados nacionais, os seus espaços
são uma forma de pensar este problema comum à escala global, que
deve ser discutido nesta escala ampla, mas cuja maior importância
reside nas escalas nacionais, regionais e locais de atuação. Isso por-
que, mesmo considerando que muitos problemas ambientais, como
o desmatamento, sistemicamente extrapolam os limites de seu ponto
de origem, é localmente que as ações normativas devem ser implan-
tadas. É neste sentido que os espaços globais de negociação não po-
dem ser um privilégio dos líderes de Estado, porque estes são apenas
os lugares do pensar estratégico para políticas a serem implementa-
das em outros espaços e a escalas de maior por menor.
A permanecer esta lógica, mantêm-se a separação entre um espa-
ço do pensar e outro espaço do fazer. Há, neste sentido, que promover
o espaço do fazer também como ator na escala do pensar a proble-
mática ambiental global. Como formulação de documento, o Acordo
de Paris avançou neste sentido, pois pela primeira vez abre-se espaço
para que outros atores, além dos representantes dos Estados Nacio-
nais, proissionais das ciências e Organizações Não Governamentais,
sejam inseridos como protagonistas na discussão e no tratamento
deste problema. A saída dos Estados Unidos deste Acordo, embora la-
mentável, não anula sua importância.
Em referência às ações de mitigação, prevenção e adaptação face
às alterações climáticas, destacamos duas frentes a serem pensadas
na Amazônia. A primeira corresponde à regulação das atividades

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emissoras de gases de efeito estufa, que tenta amenizar o problema
controlando as atividades causadoras e propondo novos mecanismos
tecnológicos. Um dos principais problemas coloca-se a nível das cida-
des. São elas as grandes consumidoras de energia e as grandes emis-
soras de gases de efeito estufa. A produção de energia, a indústria e os
transportes são responsáveis também por fenômenos de poluição at-
mosférica, hídrica e sonora que têm hoje impactos fortes sobre a saú-
de das populações. Contribuir para a resolução destes problemas é
também um modo de contribuir para a mitigação das alterações cli-
máticas. Neste aspecto, identiicamos nesta primeira frente dois pon-
tos a serem promovidos: o investimento na promoção de novas tec-
nologias de adaptação às alterações climáticas e o incentivo às ações
proativas dos setores produtivos na busca de inovação: a crise como
promotora da criatividade na solução de problemas (FLORIDA, 2002).
Já a segunda, corresponde à valorização das ações mantenedoras
de serviços ambientais, como aquelas que contribuem para a conser-
vação das lorestas naturais, principalmente a extração e valorização
de produtos lorestais não madeireiros, e que também estão inseridas
na promoção de novos processos criativos, uma vez que entendemos
ser a criatividade do domínio do humano no seu todo e não um pri-
vilégio tecnológico restrito a seres humanos privilegiados (FLORIDA,
2002). No caso do tratamento dado à Amazônia pelo Estado brasilei-
ro, os investimentos nesta segunda frente correspondem ao caminho
indicado por pesquisadores como Becker (2009) e é neste ponto que
inserimos a importância da região amazônica neste debate das altera-
ções climáticas.
A questão em torno do desenvolvimento da Amazônia se estabe-
leceu como o principal discurso de intervenção política e econômi-
ca, com mais intensidade a partir da segunda metade do século XX. A
cada projeto instalado novas expectativas foram e ainda são criadas,
quando se trata das possibilidades de transformações locais. Essa si-
tuação deixou a Amazônia refém de uma economia de grandes proje-

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tos, especialmente do extrativismo mineral e madeireiro, bem como
da pecuária, sendo que outras possibilidades de uso do território não
foram promovidas ou incentivadas, tendo em vista a potencialidade
de exploração de recursos não madeireiros advindos da loresta, por
exemplo. Essas políticas promoveram intenso desmatamento na re-
gião; segundo Ab’Saber (2005, p.77), nos vinte anos que precederam
o ano 2000 eliminaram-se cerca de 12% da antiga cobertura vegetal
o que, somada a devastações anteriores, permite falar de um total de
cerca de 400.000 Km2 de supressão da loresta.
É nesse aspecto que o desenvolvimento e novas concepções de
natureza aparecem como alternativa ao modelo de desenvolvimen-
to atual, uma vez que propõem outros indicadores de desenvolvi-
mento, como o indicador de sustentabilidade da loresta, a partir dos
usos historicamente inseridos pelos povos amazônidas, o que pode
ser feito por meio da valorização dos interesses das suas comunida-
des que têm, como base de produção, meios e técnicas produtivas de
baixa densidade e de baixo impacto ambiental negativo. Nesse con-
texto, promover formas de uso do território alternativas e estratégias
aos macroprojetos de mineração e do agronegócio, tendo como foco
a produção familiar ou em outras escalas de organização social, seja
em cooperativas ou não, é um importante fator de geração de renda
para a população local e, ao mesmo tempo, também de valorizar ou-
tros modelos de relação sociedade-natureza. Uma das formas para al-
cançar isso é por meio da promoção de iniciativas locais e regionais.
E como estas alternativas podem inserir-se nas políticas de miti-
gação das alterações climáticas? Primeiramente, resgatamos as preo-
cupações de Anthony Giddens acerca da emergência de pensarmos e
implantarmos novos indicadores de desenvolvimento, para que a re-
lação com as alterações climáticas ocorra, também, pela promoção de
atividades que acompanhem a temporalidade da natureza, que utili-
zem a dinâmica ambiental e que criem renda. Um desses indicado-
res seria o de sustentabilidade (GIDDENS, 2010), que resguardando as

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devidas imprecisões semânticas do conceito, pode ser deinido como
a relação entre a cultura de um povo e o uso do substrato material da
natureza, sem comprometer a existência de ambos.
A sustentabilidade, nesta acepção, é acima de tudo uma questão
de conhecimento e valor ambiental. Como isto pode ser transforma-
do em valores monetários, capaz de sustentar-se economicamente
no atual sistema de mercado, é um caminho a ser construído. Para
isso, é necessário superar a lógica de que comunidades que cons-
truíram um saber ambiental capaz de produzir e manter a dinâmica
ambiental local possam sobreviver isoladas das dinâmicas sociais e
econômicas atuais; é preciso ir além da “mercadofobia” pois, em vez
do isolamento, a questão passa pelo estudo das formas de inserção.
No entanto, compreendemos que isso não seja possível sem que no-
vos indicadores de desenvolvimento sejam introduzidos no sistema
mercantil. Um dos motivos é porque o mercado, através da chamada
“Economia Verde”, já se apropriou de signiicativos negócios ambien-
tais produzidos por essas comunidades, donde a importância do diá-
logo sobre a questão; outro ponto é a própria necessidade de gerar ri-
queza a partir do substrato material da natureza por estes meios aqui
discutidos.
Desse ponto de vista, defende-se que, particularmente na Amazô-
nia, os serviços ecossistêmicos podem oferecer uma contribuição im-
portante às políticas das alterações climáticas, gerar renda para popu-
lações locais e conservar o ambiente. Talvez a principal seja que esses
modos de produção sob o ritmo da dinâmica ambiental local não in-
terferem na emissão de gases de efeito estufa, pouco ou nada contri-
buindo para o aumento dessas emissões. Mais que isso, trabalham a
favor de uma dinâmica de conservação dos ecossistemas lorestais ca-
paz de combater elevadas alterações do clima, ao se colocarem como
alternativas às economias ambientalmente impactantes, a exemplo
das monoculturas de soja, mais recentemente do eucalipto e, tam-
bém, das atividades de pecuária.

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Outro ponto importante é o de que as populações que desenvol-
vem atividades com reciprocidade ambiental muitas vezes não têm
familiaridade com a temática das alterações climáticas, mas conhe-
cem as manifestações ambientais locais. E embora saibamos que a
manifestação dos fenômenos ambientais, com destaque para as alte-
rações climáticas não ocorre de forma homogênea no globo, a percep-
ção das populações acerca deste fenômeno deve ser objeto de nossas
preocupações. O diálogo com as populações locais deve ser amplia-
do, porque é nesta escala que o fenômeno dessas alterações se mani-
festa nas suas peculiaridades e, neste caso, é de onde podemos conce-
ber este fenômeno como de escala múltipla. Enim, o diálogo apenas
entre os países parece não ser suiciente para a sua compreensão, e
muito menos para traçar estratégias de mitigação, controle, adapta-
ção e prevenção.
Nesse aspecto, este artigo levanta alguns pontos sobre a reapro-
priação social da natureza a partir da apropriação e comercialização
de produtos lorestais não madeireiros, tendo como base a coleta do
açaí no estado do Amapá. Pensar alternativas ao modelo de apropria-
ção da relação sociedade-natureza na Amazônia signiica estudar e
incentivar essas estratégicas de apropriação para a geração de rique-
za e desenvolvimento local, para além dos indicadores de crescimen-
to econômico e renda, e incluindo o próprio modo de vida como ele-
mento de valor ambiental, sem torná-lo modelo a ser imputado aos
outros. No que tange à problemática das alterações climáticas em dis-
cussão, concebemos que essas atividades extrapolam as fronteiras da
localidade porque contribuem com interesses e desaios globais. As
ações desses agentes locais na Amazônia devem ser pesquisadas com
a inalidade de fortalecimento dessas populações na capacidade de
prover seu próprio desenvolvimento e contribuir na criação e fortale-
cimento de atividades produtivas na região, que darão respostas po-
sitivas, embora em pequena escala, aos desaios ambientais contem-
porâneos.

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POLÍTICA DE ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Uma política de mitigação e adaptação das consequências das altera-
ções climáticas é fundamental para um projeto de ação política. Ela
deve contemplar ações do global ao local e, principalmente, conside-
rando as premissas presentes no documento Acordo de Paris, pode fa-
vorecer processos de inclusão de atores e sujeitos de baixo para cima
e de cima para baixo. Para isso, incorporamos a esta discussão os con-
ceitos propostos por Giddens (2010):

1. Uma política de mudanças climáticas necessita de um Estado que


seja assegurador. “O Estado atual tem que ser um facilitador: seu
papel primordial é ajudar a acionar uma diversidade de grupos
para que eles cheguem a soluções de problemas comuns, sendo
que muitos desses grupos atuarão de baixo para cima (p. 95)”. Além
de atuar como um facilitador das ações dos sujeitos sociais envol-
vidos nas políticas ambientais, com destaque para as políticas das
alterações climáticas, o Estado precisa ser assegurador porque isso
garante que o mesmo não será apenas um gerenciador de ações,
mas que ele também se insere como ator fundamental porque pre-
cisa apresentar resultados. Este conceito expressa que “o Estado
é responsável por monitorar os objetivos públicos e por procurar
certiicar-se de que eles se concretizem de forma visível e aceitável
(GIDDENS, 2010. p. 96)”. As ações que visam o controle e a adapta-
ção às alterações climáticas, assim como as questões do meio am-
biente em geral, são objetivos públicos, pois são do domínio do
humano como necessidade e direito comum de todos: trata-se de
como produzir respostas aos desaios ambientais que enfrentamos
e que as sociedades futuras também enfrentarão.
2. A convergência política. “Esta ideia se refere ao grau em que as me-
didas políticas relevantes para mitigar as alterações climáticas, se
sobrepõem de forma positiva a outras áreas de políticas públicas,
de tal sorte que cada uma pode ser usada para fazer a outra avançar

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(p. 96)”. Isso signiica que uma política de alterações climáticas bem
formulada, mas desconexa em relação a outras políticas promovi-
das pelo Estado e às ações dos agentes sociais pode não fazer efeito,
uma vez que umas podem anular as outras. Por exemplo: suponha-
mos que Brasil e França fazem acordos para a gestão compartilha-
da da loresta amazônica no espaço compreendido entre o Amapá
e a Guiana Francesa com a inalidade de controle dessas alterações
e, ao mesmo tempo, continuem com um planejamento energético
pautado em combustíveis fósseis, a segunda política tende a anu-
lar os efeitos que a primeira poderia causar. Outro exemplo vem das
propostas brasileiras no âmbito da política nacional determinada
para o Acordo de Paris. O Brasil, além de elaborar uma política ge-
ral determinada, elabora planos setoriais para áreas estratégicas no
país, a exemplo do plano setorial para a área lorestal. Embora reco-
nheçamos a importância dessas políticas para este setor, se elas não
dialogarem com as demais políticas, tenderão a sofrer limitações
ou a serem anuladas por outras, como a política de mineração, por
exemplo. A convergência das políticas é uma necessidade para que
qualquer política ambiental possa avançar de modo eicaz.
3. A Convergência econômica. A modernização ecológica, embo-
ra necessária para enfrentar problemas urgentes, não pode ir na
contramão da convergência política, em que novas formas de eco-
nomia são necessárias. Assim, além da “modernização ecológica”
o principal é pensar os limites de uma ecologização da moderni-
dade. A própria noção de modernização relexiva, introduzida por
Giddens (2012) e por Beck (2011) nos ajuda a entender essa propos-
ta. Dos efeitos produzidos pela modernidade estão os problemas
ambientais, como as alterações climáticas e outros.

Neste contexto de novas percepções sobre a sociedade e o meio am-


biente, torna-se condição sine qua non pensar novos indicadores de de-
senvolvimento. O indicador sustentabilidade, compreendido como com-

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plexo de natureza e cultura, cujos valores ambientais passam a direcionar
o desenvolvimento, é uma construção indispensável. É nesse sentido que
além dos fatores destacados por Giddens, acrescentamos as práticas so-
cioecológicas como elementos de combate às alterações climáticas.

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E USOS ECOSSISTÊMICOS DA FLORESTA NA AMAZÔNIA


Neste contexto de crise ambiental, o debate em torno da necessidade
de pensar novos usos econômicos das lorestas tem se intensiicado
sobre e na Amazônia. A região aparece como objeto de preocupação
na escala da globalização por ser direta e constantemente relacionada
aos problemas que mais ganharam evidência nas três últimas déca-
das: alterações climáticas, desmatamento e perda da biodiversidade.
Entendemos que os problemas citados não podem ser tratados iso-
ladamente, principalmente porque os dois últimos provocam grande
impacto na questão das alterações climáticas. Pensar o clima e como
suas alterações afetam a vida na Terra requer compreender esse pro-
blema como complexo e, também, compreendê-lo como global, po-
rém diversiicado espacialmente.
Identiica-se uma evidência da Amazônia na escala internacional,
o que faz com que a mesma seja alvo constante de discursos de go-
vernantes estrangeiros, de Organizações Não Governamentais, de or-
ganismo multilaterais (como a ONU) e do próprio governo brasileiro.
Por outro lado, quando analisamos e avaliamos as diversas políticas
já implantadas neste território pelos planos de desenvolvimento, des-
de os governos militares até ao governo atual, o desenvolvimento da
região nunca foi o foco dessas políticas (COSTA, 2013). Nesse aspecto,
pode-se inferir que as políticas públicas para a Amazônia a utilizam
como território estratégico para os interesses do Estado e de grandes
empresas, mas sem direcionar o objetivo para os problemas inter-
nos que a população amazônida vivencia. Partindo desta airmação,
aqui defendemos que ao tratar a Amazônia como região estratégica
no combate às alterações climáticas, seus habitantes sejam chamados

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a trabalhar as questões ambientais como novas oportunidades de de-
senvolvimento, tendo como foco a inserção do indicador de sustenta-
bilidade como valor diferencial no mercado.
A loresta é a fonte de renda de muitas famílias amazônidas, seja or-
ganizada em cadeias de escalas mais amplas ou circunscritas à escala
do lugar. Não obstante, as políticas públicas não contemplam as ativi-
dades em pequena escala dos produtos lorestais, uma vez que privi-
legiam projetos de grande produção, como o eucalipto, por exemplo,
atividade que vem se expandido na Amazônia na última década, inclu-
sive no Amapá, considerado o mais preservado da Amazônia. Assim,
as macropolíticas são implantadas na Amazônia em claro contrapon-
to às micropolíticas dos agentes locais que historicamente buscaram
o desenvolvimento da região como sinônimo de produção sustenta-
da da natureza e seus recursos, condição necessária à sustentabilida-
de regional e que vai ao encontro dos interesses da política ambiental
brasileira no âmbito do Acordo de Paris.
Consideramos que aliar desenvolvimento regional e sustentabi-
lidade ambiental requer incentivar e investir em ações locais, para
transformar os produtos lorestais não madeireiros e o conhecimen-
to e uso que as populações locais fazem deles em um novo vetor de
desenvolvimento - o “vetor socioecológico” - considerado aqui como
o arranjo entre o conhecimento tradicional produzido sobre a região
aplicado à transformação desses recursos naturais em renda, utilizan-
do técnicas e formas de manejo em simetria com a dinâmica da natu-
reza na Amazônia. São muitos os desaios na construção de uma con-
iguração de indicadores de desenvolvimento pautados nos valores
das lorestas e dos povos que nelas habitam. Para chegarmos a isso
é necessário, por exemplo, construir outras concepções e percepções
de relação sociedade-natureza, que inclusive possam fazer frente às
ideias de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável que fazem
sucesso atualmente, se considerarmos que estas são principalmente
de natureza discursiva que visa o marketing verde.

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É um fato que a questão ambiental, em especial através da noção
de desenvolvimento sustentável, conseguiu se impor como importan-
te condicionante da ação de atores político-econômicos, assim como
tem se tornado importante no aspecto social. Desde a Conferência so-
bre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Estocolmo
1972, alguns eventos no âmbito da Organização das Nações Unidas
(ONU) têm trabalhado para inserir a questão ambiental na política e
na economia à escala global, daí as conferências, convenções, proto-
colos, etc., com o objetivo de tornar essa questão ambiental um im-
portante conceito ordenador das políticas dos Estados e, em escalas
menores, da ordenação dos territórios (BRUNEL, 2004; TSAYEM-DE-
MAZE, 2012; TELES et al., 2016). Para Lef (2006) e Porto-Gonçalves
(2004), a manifestação da crise ambiental da forma como vem ocor-
rendo tornou-se uma estratégia dos atores que comandam o processo
de globalização (países desenvolvidos, grandes empresas, organismos
internacionais), transformando a questão ambiental em um discurso
de legitimação exclusivamente econômica na escala da globalização.
Assim, ocorre o deslocamento da proposta de um ecodesenvolvi-
mento difundida por Sachs (2007), onde o empenho era buscar novas
racionalidades econômicas na produção, para o discurso do desenvol-
vimento sustentável, onde o modelo de uso dos recursos naturais não
se altera, sendo a mudança apenas concentrada nas tecnologias de uso
e transformação desses recursos, que embora tenha reconhecida im-
portância nas questões ambientais, não darão conta de conservar a na-
tureza. Como escreve Lef (2006, p. 138), este processo de economização
da natureza gerou o descolamento entre as coisas, seu lugar de referên-
cia e inalidade, sendo privada do sentido e do uso que tem ou poderia
ter para os outros, os que não fazem parte das estratégias de mercado à
escala global. Esse discurso incide sobre as estruturas espaciais, sobre
sua organização e afeta diretamente as populações dos lugares que se
tornam objeto de interesse das estratégias de atores externos. É desaio
construir soluções para os problemas ambientais, como os problemas

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do desmatamento, da desertiicação e das alterações climáticas, para
além das estratégias do desenvolvimento sustentável atual.
Não obstante, inferimos que não descartamos o Estado, as grandes
empresas e Organizações Não Governamentais como atores impor-
tantes na superação desses desaios. Pelo contrário, enfatizamos seu
papel fundamental, da mesma forma que insistimos na estratégia do
desenvolvimento tecnológico nesse processo. O ponto de nosso ques-
tionamento é a concentração nesses atores como únicos artíices da
sustentabilidade e, também, o fato de as ações dos mesmos, na forma
como vêm sendo desenvolvidas, não apresentarem medidas eicazes
para o desenvolvimento e sustentabilidade das regiões e dos locais.
Na Amazônia, espaço marcado pela execução de ações pensa-
das e comandadas externamente, no qual as intervenções espa-
ciais foram e ainda são marcadas por grandes projetos que atende-
ram a ins alheios ao local (BECKER, 1982; AB’SABER, 2005; MELO,
2006; SILVA et al., 2016) e estratégias sociais que possam ser alter-
nativas aos grandes projetos e gerar condições de desenvolvimen-
to que atentem para as especiicidades regionais, superando a lógica
da dependência do emprego acoplada à macroeconomia das pró-
teses espaciais desses grandes empreendimentos. Estes, desde que
sejam repensadas as formas de implantação e a sua ação regional
podem contribuir, mas não devem permanecer como única possibi-
lidade às demandas e expectativas regionais. Assim, o uso dos recur-
sos naturais disponíveis para população local é uma alternativa para
a geração de renda.
Esta iniciativa signiica apoiar a população local que vive desses
produtos lorestais, auxiliando na organização da produção e, simul-
taneamente, pensando o meio ambiente, uma vez que essas ativida-
des se constituem como usos sociais da natureza. Consideramos esse
uso social da natureza como a relação que produz uma reapropriação
da segunda pela primeira, como outros modos de ser e ver com a na-
tureza e com o próprio sentido de desenvolvimento; produzir outras

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relações comerciais, mesmo que isso não signiique ausência de mer-
cado (como já discutido), pois os produtos lorestais não madeireiros
inserem-se em uma cadeia produtiva importante e que já ultrapassa
em muito o nível local.
É condição, partindo desse princípio, pensar como as comunida-
des amazônidas que vivem dos recursos da loresta podem aumentar
a renda, utilizando os produtos lorestais e prestar serviço ecossistê-
mico com valorização social e com retorno ao meio ambiente. Investir
nessa alternativa implica buscar outras formas de pensar o desenvol-
vimento, passando da ideia restrita do mesmo como exclusivamente
de crescimento econômico, mudando o foco para a garantia das liber-
dades humanas (SEN, 2001), onde a população local possa ter à sua
disposição os meios para alcançar tal desenvolvimento. E signiica,
também, propor novos indicadores de desenvolvimento, como o indi-
cador de sustentabilidade ambiental (GIDDENS, 2010), considerando
que essas ações contribuem para a superação de desaios ambientais,
principalmente no que tange às mudanças climáticas.

O VETOR SOCIOECOLÓGICO COMO CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E


PREVENÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
A natureza e o meio ambiente são saberes. O que é natureza e a for-
ma de relação com o meio ambiente encontra sentido na cultura dos
povos. Consideramos saberes porque são conhecimentos construídos
historicamente e se tornam meios pelos quais os povos materializam
seus valores ambientais em um território. Esta é a base utilizada por
Enrique Lefe para a ideia de sociedade ecocomunitária (LEFF, 2006).
Mesmo no caso da Amazônia, e apesar desta ser, em regra, apresen-
tada como um espaço natural, homogêneo e monótono (AB’SABER,
2005, p. 81), as inúmeras interações das últimas décadas envolven-
do populações urbanas e ligadas à loresta (garimpeiros, seringuei-
ros, agricultores, trabalhadores braçais) fazem deste espaço um espa-
ço com gente e com história (idem).

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Nossa questão, então, é como os saberes ambientais de comuni-
dades amazônidas podem contribuir na superação de problemas am-
bientais como as alterações climáticas. Neste trabalho ainda não é
possível oferecer respostas a esta questão, mas apontam-se alguns ca-
minhos para relexão.
Parte-se de algumas considerações acerca da complexidade das al-
terações climáticas. Uma vez assumindo que estas não se reduzem à
questão da emissão de gases de efeito estufa, o que normalmente é
amenizado pela inserção de “tecnologias limpas” e de energias alter-
nativas, então faz-se necessário a inserção de saberes que utilizem e,
ao mesmo tempo, conservem a natureza nos debates acerca desse di-
lema do nosso tempo. Em primeiro lugar, põe-se a questão da loresta
enquanto sorvedouro de carbono, defendemos a ideia de que o des-
matamento, por si só, é um importante fator que contribui para as al-
terações climáticas (NOBRE et al., 2007; IPCC, 2015), pelo menos em
regiões tropicais. Isto apesar de autores como Lomborg (2002) não va-
lorizarem a importância dos grandes espaços lorestais na contenção
das mudanças climáticas. Defende-se a posição de que as populações
que trabalham com produtos lorestais não madeireiros, por exemplo,
criam meios para produzir com baixo impacto ambiental, o que resul-
ta em ganhos ambientais, porque obedecem à dinâmica do ecossiste-
ma lorestal local, mantendo-o em funcionamento e prestando inegá-
veis serviços ecossistêmicos.
Neste sentido, o vetor socioecológico reuniria as condições para
propor outras possibilidades de usos da natureza e da conservação
ambiental por meio dos serviços ecossistêmicos. Entende-se como
ecossistêmica aquela ação que ao usar os substratos materiais da na-
tureza para a vida humana, não compromete o ótimo desempenho do
sistema em que a fonte de recursos, as pessoas e os demais seres vi-
vos estão inseridas. Neste conceito, um serviço ecossistêmico não tra-
balha em sentido contrário da dinâmica de um dado ambiente, mas
usa as propriedades ambientais como base material da manutenção

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de todas as formas de vida existentes. O produto da ação ecossistêmi-
ca é um híbrido de natureza e cultura, dos interesses das sociedades
humanas e da qualidade ambiental indispensável à manutenção do
sistema.
A noção de serviços ecossistêmicos contrapõe-se à ideia de nature-
za intocada para espaços já habitados, pois compreende que sendo a
natureza base material da vida, as pessoas precisam encontrar meios
de existir como elemento sistêmico. Desse ponto de entendimento, é
preciso discutir os limites da lógica de conservação da natureza pela
exclusão das pessoas e dos territórios objetos de proteção pelas polí-
ticas públicas de proteção integral. Isso somente é possível pela valo-
rização desses serviços ecossistêmicos, como os que exploram e, ao
mesmo tempo, conservam produtos lorestais não madeireiros, antes
exempliicados.
Talvez o principal desaio a essas estratégias seja o de como conci-
liar os interesses socioambientais das populações locais, os interesses
dos atores externos e a inserção no mercado em questão. Uma expe-
riência já implantada, como o caso da Reserva Extrativista dos se-
ringueiros de Xapuri, no Acre, mostra que esta questão da inserção
numa dada cadeia produtiva é um dos principais problemas a ser ge-
rido, tanto no que se refere às questões internas de ordenamento da
cooperativa, quanto da negociação dos produtos. O mesmo ocorre
com as comunidades coletoras de açaí no estado do Amapá (Fig. 2). O
principal problema detectado em pesquisa feita pelo primeiro autor
e, também, por Araújo (2016) e por Silva (2016), é a exploração do tra-
balho das comunidades na cadeia local e global do produto. Como a
política pública do Estado brasileiro e das unidades da Federação não
contempla a valorização de comunidades que trabalham com esses
serviços ecossistêmicos, elas se tornam um ponto frágil nas redes de
extração, de beneiciamento e de comercialização do produto. Aqui
nos ateremos um pouco mais sobre a questão da coleta do açaí.

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Figura 2. Amapá: comunidades quilombolas produtoras de açaí. Fonte: Superti e Silva, 2015.

O açaí é um fruto que, seja em forma de suco natural, ou em de-


rivados, tem tido uma procura acrescida na escala global. Uma das
principais empresas no ramo de comercialização, a norte-america-
na Sambazon (com sede no Amapá), já comercializa os derivados do
produto para nove países. Os principais estados amazônicos onde a
empresa atua são Amapá, Acre, Pará e Amazonas, tendo também ati-
vidades no estado do Maranhão. Por mais que o Amapá tenha sido
beneiciado pelo meio ambiente com grande quantidade de açaí, e
a cultura das comunidades tenha permitido a conservação dos mes-
mos, essas populações locais representam um elo de extrema fragili-
dade na cadeia produtiva. A forma de venda da coleta, por exemplo,
ainda é feita por intermédio da igura do “atravessador”, que com-
pra a produção para vender para as casas de beneiciamento e, tam-
bém, para empresas como a Sambazon. O valor gerado com a venda
do produto não chega a ser suiciente para cobrir as despesas básicas,
icando distante de ser suiciente para a introdução de plantio, por

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exemplo, que poderia ampliar a produção e fornecer sementes para
relorestamento.
Esta breve menção à exploração do trabalho dos coletores de açaí
possibilita reletir em duas direções. A primeira é que o serviço ecos-
sistêmico prestado pela comunidade ao meio ambiente não é um ele-
mento de valor agregado ao produto, justamente porque na lógica do
mercado atual a sustentabilidade está deslocada dos valores culturais
que produzem formas de ver e ser na natureza. A segunda é que a po-
lítica ambiental do Estado brasileiro também não incorpora o saber
das comunidades locais como elemento estratégico de conservação
ambiental, nem como trabalho valorizado capaz de produzir renda
para as comunidades.
Esses fatores podem ter relexos diretos nas alterações climáticas,
quando consideramos a questão da complexidade e da convergên-
cia política e econômica. A valorização dos produtos lorestais não
madeireiros tem potencial para gerar renda com conservação da lo-
resta e prover a sua manutenção ecossistêmica, na qual as altera-
ções climáticas estão inseridas. Para exempliicar, se mais renda ad-
vém da loresta sem comprometer sua qualidade sistêmica, menos
desmatamento é praticado. Da mesma forma que contribui para a
qualidade do ar, para a manutenção das chuvas, proteção dos cor-
pos d’água, etc. E tudo isso possui aderência com a questão das alte-
rações climáticas.
No entanto, mesmo neste caso, a questão da convergência se colo-
ca. Mesmo sendo a coleta de açaí uma atividade de grande importân-
cia ecossistêmica, a sua circulação até aos centros de beneiciamento
ainda ocorre por meio de transportes que representam alta potencia-
lidade de poluição: são barcos com risco de vazamento, além de se-
rem altamente poluentes no que tange à emissão de poluentes atmos-
féricos. Este simples exemplo serve para ilustrar como as questões
ambientais não podem ser tratadas de forma pontual, isolada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma política para as alterações climáticas precisa ser complexa, no
sentido de que necessita ir além das intervenções pontuais e isola-
das no meio ambiente. Estabelecer uma política de convergência
para as alterações climáticas é uma condição para o seu combate e
adaptação.
Uma das políticas que pode convergir para as alterações climá-
ticas é uma política pública para ações ecossistêmicas. Elas existem
como prática histórica na Amazônia e necessita-se de reconhecimen-
to e valorização como serviços prestados ao combate de problemas
ambientais. Políticas públicas de promoção desses serviços atuarão
como medidas de fortalecimento territorial autônomo, uma vez que
darão empoderamento econômico e valorização das atividades de-
senvolvidas. Signiica, ainda, possibilitar o desenvolvimento de liber-
dades substantivas (SEN, 2001) dos indivíduos, por meio da elimina-
ção de vulnerabilidades econômicas (privações) às quais as pessoas
estão sujeitas: prevenção da saúde e tratamento de doenças, elimina-
ção da fome, fortalecimento das mulheres, etc.
O caso do açaí, em que destacamos as comunidades coletoras do
estado do Amapá, manifesta a escolha do Estado brasileiro no que
tange à política ambiental, ainda pautada em medidas de combate e
controle que impedem o acesso aos serviços e mantêm o pensamen-
to cartesiano que separa sociedade e natureza. Uma consequência da
não inserção dos serviços ecossistêmicos nas políticas ambientais de
combate aos problemas ambientais é a subvalorização do trabalho
nas cadeias produtivas dos serviços prestados, o que expressa a pró-
pria natureza reducionista dessas políticas ambientais e da ideia de
sustentabilidade. A sustentabilidade nas atuais políticas ambientais
é reduzida à inserção de tecnologias e usos de materiais com menor
impacto ambiental, faltando a inserção dos saberes ambientais como
dimensão fundamental da sustentabilidade.

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ORGANISMOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS:
AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
Pedro Roberto Jacobi

INTRODUÇÃO
Abordam-se neste texto os alcances das práticas participativas na go-
vernança da água nos organismos de bacias-comitês e consórcios,
que apesar de controversos, apontam, a partir da manifestação do co-
letivo, para uma nova qualidade de cidadania – que institui o cidadão
como criador de direitos para abrir novos espaços de participação so-
ciopolítica – e para os aspectos que coniguram as barreiras que pre-
cisam ser superadas para aperfeiçoar iniciativas que articulam eicaz-
mente a complexidade com a práticas democratizantes.
A relexão está centrada nos impactos das práticas participativas
na gestão, apesar de controversas, apontam para uma nova qualidade
de cidadania, que abre novos espaços de participação sociopolítica e
inluencia qualitativamente na transformação do estado atual da go-
vernança da água no Brasil.

GESTÃO COMPARTILHADA DA ÁGUA E PÚBLICOS PARTICIPATIVOS NO BRASIL


A participação popular se transforma no referencial de ampliação de
possibilidades de acesso dos setores populares dentro de uma pers-
pectiva de desenvolvimento da sociedade civil e de fortalecimento
dos mecanismos democráticos, mas também para garantir a execu-
ção eiciente de programas de compensação social no contexto das

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políticas de ajuste estrutural e de liberalização da economia e de pri-
vatização do patrimônio do Estado.
A possibilidade de alterar a institucionalidade pública está asso-
ciada às demandas que se estruturam na sociedade, e a esfera pública
representa a construção da viabilidade ao exercício da inluência da
sociedade nas decisões públicas, assim como coloca uma demanda
de publicização no Estado. Segundo Putnam (1994), as práticas sociais
que constroem cidadania representam a possibilidade de constituir-
-se num espaço privilegiado para cultivar a responsabilidade pessoal,
a obrigação mútua e a cooperação voluntária. A ampliação da esfera
pública tem colocado uma demanda à sociedade em termos de obter
uma maior inluência sobre o Estado, tanto como sua limitação, assu-
mindo que a autonomia social supõe transcender as assimetrias na
representação social, assim como modiicar as relações sociais em fa-
vor de uma maior auto-organização social.
A constituição de esferas públicas simultaneamente com a amplia-
ção do espectro de problemas tratados publicamente está associada
ao desenvolvimento de diversas formas de participação, não apenas
no sentido de Estado que permeou a sociedade, mas também no sen-
tido de Estado permeado pela sociedade.
A esfera pública apontada por Habermas como ponto de encontro
e local de disputa entre os princípios divergentes de organização da
sociabilidade e os movimentos sociais se constitui de atores que re-
forçam formas de solidariedade postas em risco pela racionalização
sistêmica.
No contexto da transição pós-democrática no Brasil e por força
das pressões de uma sociedade civil mais ativa e mais organizada fo-
ram sendo criados novos espaços públicos de interação, mas princi-
palmente de negociação. As transformações político-institucionais e
a ampliação de canais de representatividade dos setores organizados
para atuarem junto aos órgãos públicos enquanto conquista dos mo-
vimentos organizados da sociedade civil. Isto mostra a potencialidade

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de constituição de sujeitos sociais identiicados por objetivos comuns
para transformar a gestão da coisa pública, conigurando a constru-
ção de uma nova institucionalidade.
Essa perspectiva abre a possibilidade de buscar a articulação entre
a implantação de práticas descentralizadoras e uma engenharia insti-
tucional que concilia participação com heterogeneidade, formas mais
ativas de representatividade.
Desde meados dos anos 90, o país aperfeiçoou a legislação de pro-
teção à biodiversidade e avançou na legislação ambiental em geral.
Na política ambiental é importante destacar também o surgimento e
fortalecimento de numerosos conselhos, consultivos e deliberativos
como parte componente, em várias áreas e em todos os níveis (fede-
ral, estadual e municipal) com a participação ativa de representantes
de ONGs e movimentos sociais. As instâncias de gestão que agregam
estes atores são os conselhos de meio ambiente, os comitês de bacias
e a áreas de proteção ambiental. Entretanto, frequentemente são ins-
tâncias bastante formais, sem poder inluenciar no processo decisó-
rio, e onde a representação assume muitas vezes caráter bastante con-
traditório.
O sistema ambiental colegiado está implementado no Brasil e isto
representa uma efetiva possibilidade de internalizar a questão am-
biental nas políticas estaduais e municipais, quando existentes.

INOVAÇÃO NA ENGENHARIA INSTITUCIONAL NA GESTÃO COMPARTILHADA


DA ÁGUA: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
A gestão de bacias hidrográicas assume crescente importância no
Brasil, à medida que aumentam os efeitos da degradação ambiental
sobre a disponibilidade de recursos hídricos. Em termos da evolução
das políticas públicas no Brasil, observam-se importantes avanços no
setor de recursos hídricos ao longo dos últimos vinte anos.
O país mudou de uma gestão institucionalmente fragmentada,
para uma legislação integrada e descentralizada, principalmente com

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a edição da Lei Federal no 9.433, em 8 de janeiro de 1997, e a criação da
Agência Nacional de Águas – ANA. Esta reorganização do sistema de
gestão de recursos hídricos, além de mudar qualitativamente, subs-
tituindo práticas profundamente arraigadas de planejamento tecno-
crático e autoritário, devolve o poder para as instituições descentrali-
zadas de bacia, o que demanda um processo de negociação entre os
diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada. À
Agência Nacional de Águas (ANA), e cabe a esta participar da elabora-
ção do Plano Nacional de Recursos Hídricos e prestar apoio, na esfe-
ra federal, à elaboração dos planos de recursos hídricos. Estes planos,
além de investimentos, incluem ações voltadas ao fortalecimento do
sistema de gestão de recursos hídricos da bacia, implantação dos sis-
temas de informações, de redes de monitoramento e instituições de
gerenciamento. Cabe também à ANA a outorga, por meio de autori-
zação, o direito de uso de águas de domínio da União, assim como is-
calizar diversos usos e arrecadar, distribuir e aplicar as receitas auferi-
das através de cobrança.
Atualmente na gestão hídrica, enquanto arcabouço conceitual, o
termo “governança” representa um enfoque conceitual que propõe
caminhos teóricos e práticos alternativos que façam uma real ligação
entre as demandas sociais e sua interlocução ao nível governamental.
Geralmente, a utilização do conceito inclui leis, regulação e institui-
ções, mas também se refere a políticas e ações de governo, a iniciati-
vas locais, e a redes de inluência, incluindo mercados internacionais,
o setor privado e a sociedade civil, que são inluenciados pelos siste-
mas políticos nos quais se inserem.
As contribuições de alguns autores (DOUROJEANNI e JOURALEV,
2002; ROGERS e HALL, 2003) mostram em que nível os atores envol-
vidos entendem o processo de gestão como um processo de gover-
nança. A proposta de gestão a partir da bacia hidrográica, demanda
dos comitês um amplo leque de relações com os grupos de interes-
ses. Isto coloca a necessidade de levar em consideração bacias com

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níveis diferenciados de estrutura física, práticas também diferencia-
das de gestão integrada também são demandas para soluções com-
plexas que envolvem direitos difusos como os hídricos.
A busca por um aperfeiçoamento da gestão ocorre através da com-
preensão de que existe uma diversidade de situações, e que isto repre-
senta um desaio para efetivar uma governança das águas, seja em sua
origem, objetivos e níveis de alcance.
A adoção da bacia hidrográica como unidade regional de plane-
jamento e gerenciamento das águas, resultou na delimitação de Uni-
dades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cujos órgãos consul-
tivos e deliberativos de gerenciamento são denominados Comitês de
Bacias Hidrográicas. O sistema baseado na tríade descentralização,
participação e integração, considera principalmente a qualidade e a
quantidade das águas através de ações que promovam os usos múl-
tiplos dos recursos hídricos. A efetivação do processo de gestão em
bacias hidrográicas, ainda é embrionária e a prioridade dos organis-
mos de bacia centra-se na criação dos instrumentos necessários para
a gestão. A legislação propõe uma política participativa e um proces-
so decisório aberto aos diferentes atores sociais vinculados ao uso da
água, dentro de um contexto mais abrangente de revisão das atribui-
ções do Estado, do papel dos usuários e do próprio uso da água. For-
talece a gestão descentralizada de cada bacia hidrográica pelos res-
pectivos comitês, subcomitês e agências, e instituiu a cobrança pelo
uso do recurso como um dos principais instrumentos de atuação des-
tes órgãos. Estabelece como fundamento que a água é dotada de valor
econômico, e isto está relacionado, na legislação federal, à cobrança
pelo uso dos recursos hídricos, como forma de administrar a explora-
ção dos recursos hídricos federais e estaduais para a geração de fun-
dos que permitam investimentos na preservação dos próprios rios e
bacias. Também provoca um maior rigor no controle sobre os eluen-
tes despejados nos rios. Isso porque a legislação sobre a cobrança
pelo uso da água se baseia no conceito de usuário-pagador, no qual se

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incluem todos os que utilizam recursos naturais para a produção in-
dustrial, sua comercialização e consumo.
Em suma, os principais instrumentos de gestão dos recursos hídri-
cos são os planos de recursos hídricos (elaborados por bacia hidro-
gráica), a outorga do direito do uso da água, a cobrança pela água, o
enquadramento dos corpos d’água em classes de uso e o Sistema Na-
cional de Informações de Recursos Hídricos.

QUE PARTICIPAÇÃO TEM SIDO POSSÍVEL?


A fórmula proposta é uma gestão pública colegiada dos recursos hí-
dricos, com negociação sócio técnica, através de Comitês e Consór-
cios de Bacias Hidrográficas (GUIVANT e JACOBI, 2003; JACOBI,
2009), e se reserva à sociedade civil uma responsabilidade central na
condução da política e da gestão dos recursos hídricos. Os usuários
da água, fundamentalmente, terão que se organizar e participar ati-
vamente dos comitês, defender seus interesses quanto aos preços a
serem cobrados pelo uso, assim como sobre a aplicação dos recur-
sos arrecadados e sobre a concessão justa das outorgas dos direitos
de uso. Estes acertos e soluções serão conseguidos a partir de comple-
xos processos de negociações e resolução de conlitos diversos (JA-
COBI, 2004).
Os alcances das experiências têm sido desiguais, destacando a
constituição de organismos colegiados de tomada de decisão. En-
quanto é prerrogativa do plano federal legislar sobre a água, os Es-
tados têm suas próprias leis complementares. Em 2016, já se contam
195 comitês de bacias estaduais, notadamente nas regiões Sudes-
te e Sul, e nove federais, mas que ainda carecem de implementação
de ferramentas básicas como a cobrança pelo uso da água e criação
de suas agências (ou entidades delegatárias) para que possam cum-
prir suas responsabilidades legais. Quase duas décadas após a apro-
vação da lei das águas no país, nenhum sistema foi operacionalizado
por completo.

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A mudança de perspectiva na lei 9.433/1997 envolve uma politiza-
ção da gestão dos recursos hídricos. Com este uso do conceito de po-
lítica não nos referimos à política partidária, mas fundamentalmente
a uma política abrangente, envolvendo a sociedade civil em proces-
sos de consulta e decisórios na gestão da água. Esta orientação cor-
responde com uma tendência internacional estimulada pelos graves
problemas na qualidade e quantidade da água disponível no planeta,
ocasionados pela forma em que foram geridos os recursos hídricos.
O sistema rompe com práticas profundamente arraigadas de pla-
nejamento tecnocrático e autoritário, devolvendo poder para as ins-
tituições descentralizadas de bacia. O alcance das experiências tem
sido desigual, destacando a constituição de organismos colegiados de
tomada de decisão.
A lógica do colegiado permite que os atores envolvidos atuem, em
princípio, tendo um referencial sobre seu rol, responsabilidades e
atribuições no intuito de neutralizar práticas predatórias orientadas
pelo interesse econômico ou político. A dinâmica do colegiado faci-
lita uma interação mais transparente e permeável no relacionamen-
to entre os diferentes atores. Isto limita as chances de abuso do po-
der, entretanto não necessariamente da manipulação de interesses
pelo executivo. Entretanto, isto depende, principalmente da capaci-
dade de organização dos segmentos da sociedade civil. Outros riscos
são sensivelmente atenuados, como por exemplo, a captura da insti-
tuição por interesses especíicos, que contrastam com a sua inalida-
de coletiva.
A inluência de fatores não apenas técnicos, mas também de cará-
ter político, econômico e cultural torna o processo muito mais com-
plexo. As relações de poder não desaparecem, mas passam a ser tra-
balhadas e negociadas conjuntamente entre leigos e técnicos.
Os complexos e desiguais avanços revelam que, estas engenharias
institucionais, baseadas na criação de condições efetivas para multi-
plicar experiências de gestão participativa, o signiicado da publiciza-

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ção das formas de decisão e reforçam a consolidação de espaços pú-
blicos democráticos.
O maior problema com o qual se têm defrontado muitos organis-
mos de bacias é o fato dos diversos atores envolvidos na dinâmica ter-
ritorial terem visões do processo e dos objetivos que pelo fato de se-
rem divergentes, diicultam a busca de soluções que parecem mais
eqüitativas. O espírito presente numa negociação em bases sócio-téc-
nicas é marcado pela negociação entre diferentes e parte da premis-
sa das assimetrias na situação dos atores, tanto em termos econômi-
cos, como sociais e políticos. A grande questão que se coloca é quanto
à capacidade de negociação e de estabelecer pactos. Cabe observar
que existem diferenças importantes entre os diferentes comitês, tan-
to quanto ao peril dos representantes de cada segmento e a prepon-
derância dos diferentes segmentos na governança. Assim em alguns
organismos de bacias o papel do segmento empresarial pode ser pre-
ponderante nas deinições estratégicas e em outros a representação
dos agricultores, da indústria ou proprietários de terras
A existência dos organismos de bacias estabelece uma mudança
também, quanto ao relacionamento entre Estado e Sociedade Civil,
na medida em que as regras do jogo se tornam mais em torno do uso
da água e passam a articular um número maior de atores no proces-
so decisório. A experiência dos organismos de bacias demonstra a im-
portância do exercício da participação civil nestes fóruns, enquanto
espaços de questionamento não apenas da forma do processo decisó-
rio do Estado, mas também das relações entre Estado e Sociedade Ci-
vil no campo das políticas públicas.
A contribuição dos espaços deliberativos na formulação de po-
líticas onde a sociedade civil participa, marcados pelas contradi-
ções e tensões, representam um avanço na medida em que publici-
zam o conlito e oferecem procedimentos-discussão, negociação e
voto - e espaço para que seja tratado de forma legítima. A criação de
condições para uma nova proposta de sociabilidade deve ser cres-

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centemente apoiada em processos educativos orientados para a “de-
liberação pública”. Esta se concretizara principalmente pela presen-
ça crescente de uma pluralidade de atores que, através da ativação do
seu potencial de participação terão cada vez mais condições de inter-
vir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interes-
se público.
O princípio da gestão descentralizada, integrada, colegiada e partici-
pativa, ainda está no seu início, e os entraves são signiicativos e diferen-
ciados. A possibilidade efetiva de mudança do paradigma e os desaios
que se apresentam para a implementação de práticas participativas está
intimamente relacionada com o papel dos gestores e a lógica dos “sis-
temas peritos”. As mudanças implicam numa possibilidade de transfor-
mação da lógica de gestão da administração pública nos estados e mu-
nicípios, abrindo um espaço de interlocução muito mais complexo e
ampliando o grau de responsabilidade de segmentos que sempre tiveram
participação assimétrica na gestão da coisa pública. O que cabe registrar,
é que a existência dos Comitês de Bacias estabelece uma mudança tam-
bém, quanto ao relacionamento entre Estado e Sociedade Civil, na medi-
da em que as regras do jogo se tornam mais em torno do uso da água pas-
sam a articular um número maior de atores no processo decisório.
A participação de atores qualiicados e representativos assume,
portanto, um papel cada vez mais relevante na denúncia das contra-
dições entre os interesses privados e os interesses públicos na cons-
trução de uma cidadania com base em valores de sustentabilidade.
Assim, é preciso pensar as políticas de recursos hídricos no con-
texto de políticas socioambientais que se articulem com as outras es-
feras governamentais e possibilitem a transversalidade, reforçando a
necessidade de formular políticas ambientais pautadas pela dimen-
são dos problemas em nível regional, e em muitos casos em nível me-
tropolitano, reforçando a importância de uma gestão compartilhada
com ênfase na co-responsabilização na gestão do espaço público e na
qualidade de vida.

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ENTRE AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
Um dos aspectos que requer importantes mudanças está relacionado
com a comunicação, articulação e diálogo com a sociedade. Os siste-
mas de informação dos organismos de bacias são muito precários, e
no geral desatualizados. Além disso, existe falta de condições de aces-
so e diiculdades de obter informações, o que impede em muitos ca-
sos uma atuação mais eiciente dos representantes da sociedade civil,
impedindo acesso a ferramentas importantes para a gestão compar-
tilhada da água. Por outro lado, os organismos de bacias são desco-
nhecidos da sociedade em geral, e, portanto, não se amplia a sua legi-
timidade enquanto instancia compartilhada de gestão. N ã o
é incomum observar que a representação da sociedade civil em di-
versos organismos de bacias se perpetua, e isto contradiz a premis-
sa básica da democracia, de diversidade e ampliação dos atores so-
ciais envolvidos. Os mesmos grupos se perpetuam nos colegiados e
sua agenda se privatiza, na medida em que há pouca renovação nos
colegiados, colocando em segundo plano um compromisso coletivo
pela melhoria do sistema (JACOBI, 2009).
Observa-se, que apesar dos avanços na descentralização, o des-
compasso na implementação da gestão tem comprometido a qua-
lidade dos recursos hídricos em todas as regiões do pais. As trans-
formações em relação aos processos participativos mostram que os
mecanismos de participação que são parte da lógica de gestão esta-
belecem novas mediações entre Estado e Sociedade Civil. A implan-
tação efetiva do modelo tem sido permeada por grande complexida-
de. Um dos aspectos a considerar são os entraves não só de caráter
técnico, mas também político. Também as pesquisas destacam que as
maiores críticas dos membros da sociedade civil é que o Estado exer-
ce um papel centralizador no processo de tomada de decisões e isto
enfraquece o sistema
Estes avanços na gestão compartilhada e participativa deinem
uma nova lógica de gestão hidro-social. Entretanto este fato não des-

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considera que o principal desaio na governança das águas no Bra-
sil, está ligado tanto à gestão da demanda quanto ao aumento e à ga-
rantia da oferta de água em regiões hidrográicas com disponibilidade
baixa e à melhoria da qualidade da água com redução da poluição do-
méstica e industrial.
A institucionalização plena ainda não se completou. Esse déicit
institucional, somado à não concreção da cobrança da água, diicul-
ta enormemente a viabilização do processo de cobrança e outorga são
vistos como instrumentos fundamentais de controle e realização de
políticas. Em geral, os representantes das prefeituras têm um compor-
tamento pouco proativo e sua participação nos debates se dá, quase
sempre, a reboque das deinições dos órgãos estaduais. A falta de in-
formações é sempre objeto de críticas dos setores da sociedade civil,
que se dirigem ao pouco espaço de participação. As críticas tam-
bém são feitas a muitos membros de órgãos do governo que ainda não
superaram sua resistência a uma gestão participativa. Cabe destacar,
entretanto, que a baixa capacidade técnica da área ambiental nas pre-
feituras se relete no restrito compromisso destas com problemas re-
lacionados com a qualidade da água. Existe, portanto, a necessidade
de os municípios terem um maior envolvimento com os organismos
de bacias, pois sua omissão se relete na fragilidade da articulação in-
terinstitucional na formulação de respostas aos problemas hídricos
que afetam, notadamente as metrópoles brasileiras.

OS ORGANISMOS DE BACIAS - UM ESPAÇO EM BUSCA DE


LEGITIMIDADE NA SOCIEDADE
A ampliação dos espaços deliberativos, apesar da existência de con-
litos de interesse, garante acesso à informação e a maior participa-
ção favorece a qualidade das respostas públicas às demandas sociais.
Assim, o controle social é um dos referenciais mais relevantes da di-
nâmica instituída, na medida em que leva em conta as demandas
múltiplas dos diversos atores diretamente relacionados à bacia hidro-

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gráica, constituindo arenas norteadas pela busca de parcerias entre
os setores, sendo favorecidos pela multiplicidade de conhecimentos e
habilidades dos membros que o compõem.
Um dos maiores desaios é o uso do conhecimento não ocorrer de
forma elitista, gerando a alienação de participantes que se sentem im-
possibilitados de participar em condição de igualdade, com os parti-
cipantes detentores do conhecimento (LEMOS et al., 2007).
Outro aspecto a ser considerado, e que foi observado em pesquisas
realizadas junto aos comitês, é que o uso dessa informação pode ser
uma importante fonte de desigualdade no processo decisório, consti-
tuindo-se em fator limitante à participação de atores leigos reduzindo
então a capacidade de inluenciar o processo decisório (ABERS et al.,
2007; LEMOS et al., 2007; SOUZA JUNIOR e FIDELMAN, 2009).
Também cabe observar que um número crescente de iniciativas
governamentais e não-governamentais tem buscado uma nova insti-
tucionalidade, capaz de co-responsabilizar a sociedade pela busca de
soluções para problemas coletivos, cuja responsabilidade e poder de
decisão até então eram atribuídos ao Estado. Ao longo dos anos, di-
versos organismos de bacias têm criado relações interinstitucionais
e intersetoriais, que vieram, de fato, questionar distinções rígidas en-
tre Estado e sociedade civil, e que envolveram, em sua constituição,
a emergência de novos atores coletivos, capazes de atuar em esferas
mais amplas de gestão em prol de objetivos comuns.
A intersecção entre arranjos organizacionais em diferentes escalas,
tem ocorrido através da sistematização e circulação de informação, e
das conexões organizacionais entre diferentes escalas no processo de
constituição desses espaços de gestão, uma vez que, através do diálo-
go, aprendizagem e troca de experiências.
Apesar dos avanços alcançados na construção desta nova institu-
cionalidade, e consequentemente na gestão dos recursos hídricos ve-
riicam-se os problemas decorrentes de uma participação heterogê-
nea, e que não consegue, ainda, ser totalmente inclusiva, dado que a

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população em geral tem pouca informação sobre os instrumentos de
participação nestes espaços colegiados, não está acostumada a parti-
cipar e, ainda, quando consegue superar estes dois obstáculos, muitas
vezes não tem a qualiicação técnica que ainda se demanda nestes es-
paços para opinar (JACOBI, 2009).
Cabe destacar diferenças significativas na forma de gestão como
componente da sua eicácia para fortalecer uma nova lógica de gestão
hidro social. Entretanto este fato não desconsidera que a principal ques-
tão a ser enfrentada na governança das águas no Brasil, está ligado tan-
to à gestão da demanda quanto ao aumento e à garantia da oferta de
água em regiões hidrográicas com disponibilidade baixa e à melhoria
da qualidade da água com redução da poluição doméstica e industrial.
Entretanto, o descompasso no acesso aos serviços de saneamento, espe-
cialmente o esgotamento de eluente doméstico, é um problema não re-
solvido e com elevado impacto ambiental, em todas as regiões do país.

OS ORGANISMOS DE BACIAS E SEU FUTURO


A participação de atores qualiicados e representativos assume, por-
tanto, um papel cada vez mais relevante na denúncia das contradi-
ções entre os interesses privados e os interesses públicos na cons-
trução de uma cidadania ambiental que supere a crise de valores e
identidade e proponha uma outra, com base em valores de susten-
tabilidade. Isto potencializa a ampliação de um compromisso com
os problemas ambientais, e sua tradução em ações efetivas de uma
população organizada e informada de maneira correta, que está pre-
parada para conhecer, entender, reclamar seus direitos e também de
exercer sua responsabilidade. Isto reforça a necessidade de identiicar
os papéis e as responsabilidades dos diversos atores, e a necessidade
de construir consensos em torno deles. Na medida em que o Estado
terá, cada vez mais, que dar respostas em relação a políticas orienta-
das para o desenvolvimento sustentável, os cidadãos devem ser parte
integrante de uma visão comum de longo prazo.

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Assumir o discurso participativo não necessariamente implica es-
tar aceitando uma redeinição continua das relações de poder. Os pro-
cessos sociais que têm lugar durante a implementação da legislação
são inevitavelmente complexos, permeados por descontinuidades de
interesses, valores e distribuição de poder, envolvendo negociações,
acomodações e conlitos, fatores que não podem ser considerados
como anomalias. Ter as condições de lidar com estes processos é um
desaio signiicativo.
Os desaios para ampliar a participação estão intrinsecamente vin-
culados à predisposição dos governos de criar espaços públicos e plu-
rais de articulação e participação, nos quais os conlitos se tornam vi-
síveis e as diferenças se confrontam, enquanto base constitutiva da
legitimidade dos diversos interesses em jogo. Isto nos remete à neces-
sidade de ter como referência, não só suiciente, mas necessária, uma
engenharia institucional legítima aos olhos da população, que garan-
ta espaços participativos transparentes e pluralistas numa perspecti-
va de busca de sustentabilidade e justiça social conigurada pela arti-
culação entre complexidade administrativa e democracia.
A modernização dos instrumentos requer uma engenharia só-
cio institucional complexa apoiada em processos educacionais e pe-
dagógicos para garantir condições de acesso dos diversos atores so-
ciais envolvidos - e notadamente dos grupos sociais mais vulneráveis
- às informações em torno dos serviços públicos e dos problemas am-
bientais (JACOBI, 2012).
De fato, as práticas participativas na governança da água, apontam
para uma nova qualidade de cidadania, que institui o cidadão como
criador de direitos para abrir novos espaços de participação sociopo-
lítica. A crescente complexidade da gestão das águas requer que se
fortaleçam os comitês, para avançar na construção de um sistema de
gestão democrático, que tenha mais efetividade e operacionalidade,
e amplie a legitimidade e relevância social destes locus deliberativos
institucionais que abrem um importante espaço para que a gestão

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compartilhada promova mais co-responsabilização na governança
das águas.
A possibilidade efetiva de mudança do paradigma e os desaios
que se apresentam para a implementação de práticas participativas
está intimamente relacionada com o papel dos gestores e a lógica dos
“sistemas peritos” (GIDDENS, 1992). Existe uma certa ambiguidade
na legislação, que por um lado abre os espaços para a participação da
sociedade civil, mas supõe um certo acesso a informações técnicas.
Observa-se que, apesar dos avanços, a Lei Nacional No 9.433/97 colo-
ca em primeiro plano a importância do corpo técnico-cientíico e do
conhecimento produzido por ele nas relações de força no interior dos
espaços decisórios da bacia, o que limita o envolvimento da comuni-
dade nas atividades dos Comitês.
Assim, de fato, mantém o poder decisório entre os que detêm o co-
nhecimento técnico-cientíico. As mudanças em curso representam
uma possibilidade efetiva de transformação da lógica de gestão da ad-
ministração pública nos estados e municípios, abrindo um espaço de
interlocução muito mais complexo e ampliando o grau de responsa-
bilidade de segmentos que sempre tiveram participação assimétri-
ca na gestão da coisa pública. Frank e Schult1 (2007) mostram as dii-
culdades decorrentes destas assimetrias centradas principalmente na
falta de práticas coletivas para viabilizar atividades interdisciplinares
e intersetoriais numa perspectiva de reforçar visões compartilhadas
para a gestão das bacias numa perspectiva de sustentabilidade.
A lógica do colegiado permite que os atores envolvidos atuem,
em princípio, tendo um referencial sobre seu rol, responsabilidades
e atribuições no intuito de neutralizar práticas predatórias orienta-
das pelo interesse econômico ou político. Assim se facilita uma inte-
ração mais transparente e permeável no relacionamento entre os di-

1. Dados elaborados a partir da pesquisa Marca D’Agua realizada em 2004 por equipe multi-institu-
cional sobre Gestão das aguas no Brasil atraves dos organismos de bacias. Foram estudados 18 organis-
mos de bacias e entrevistados 626 membros de comitês e consórcios.

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ferentes atores envolvidos - governamentais, empresariais e usuários.
E também limita, em princípio, as chances de abuso do poder, entre-
tanto não necessariamente da manipulação de interesses pelo execu-
tivo. Isto dependerá principalmente da capacidade de organização
dos segmentos da sociedade civil. Outros riscos são sensivelmente
atenuados, como por exemplo, a captura da instituição por interes-
ses especíicos, que contrastam com a sua inalidade coletiva (JACO-
BI, 2004, JACOBI e FRACALANZA, 2005).
A inluência de fatores não apenas técnicos, mas também de cará-
ter político, econômico e cultural torna o processo muito mais com-
plexo, e o estilo de gestão que tende a prevalecer obedece a uma lógi-
ca sócio técnica. As relações de poder não desaparecem, mas passam
a ser trabalhadas e negociadas conjuntamente entre leigos e peritos.
Assim, a gestão colegiada tende a deinir uma dinâmica que permite
que os atores integrem e ajustem suas práticas tendo como base uma
lógica de negociação sócio técnica que substitui uma concepção tec-
nocrática, visando ajustar interesses e propostas nem sempre conver-
gentes e articulados para um objetivo comum.
O maior problema com o qual se têm defrontado muitos comitês
é o fato dos diversos atores envolvidos na dinâmica territorial terem
visões do processo e dos objetivos que pelo fato de serem divergen-
tes, diicultam a busca de soluções que parecem mais equitativas. O
espírito presente numa negociação em bases sócio técnicas é mar-
cado pela negociação entre diferentes e parte da premissa das assi-
metrias na situação dos atores, tanto em termos econômicos, como
sociais e políticos. A grande questão que se coloca é quanto à capa-
cidade de negociação e de estabelecer pactos. Dada a complexida-
de do processo e das diiculdades de se consolidar um parâmetro de
cidadania ambiental, os limites estão dados pela prevalência de ló-
gicas de gestão que ainda centram, na maioria dos casos, uma for-
te prevalência do componente técnico como referencial de contro-
le do processo.

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Para garantir uma participação mais abrangente da sociedade ci-
vil na gestão dos recursos hídricos, faz-se necessária uma redeini-
ção do papel de poder em que se situam os peritos em relação aos lei-
gos e não só um questionamento das relações de poder econômico ou
uma abertura de maior espaço para a sociedade civil nos processos
decisórios. No cotidiano das práticas de implementação da legislação
tem-se conigurado redes sociais diversas para coletar informações,
formar opiniões, legitimar pontos de vista, que contínua e inevitavel-
mente implicam redeinições das relações de poder (GUIVANT e JA-
COBI, 2003).
As dimensões diferenciadas de participação mostram a necessida-
de de superar ou conviver com certos condicionantes sócio-políticos
e culturais, na medida em que o salto qualitativo começa a ocorrer a
partir de diferentes engenharias institucionais que têm uma progres-
siva penetração de formas públicas de negociação dentro da lógica da
administração pública, renovando os potenciais do exercício da de-
mocracia.
A presença crescente de uma pluralidade de atores através da ati-
vação do seu potencial de participação cria cada vez mais condições
de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de
interesse público. Isso legitima e consolida propostas de gestão ba-
seadas na garantia do acesso à informação, e na consolidação de ca-
nais abertos para a participação que, por sua vez, são pré-condições
básicas para a institucionalização do controle social.
Por outro lado, as redes têm funcionado com um importante ins-
trumento de cooperação, o que tem possibilitado um avanço nas re-
lações horizontais entre atores territorialmente identificados. Em
muitos casos, o segmento sociedade civil têm sido o dinamizador, es-
timulando a capacitação dos seus representantes.
Mesmo assim, dadas as dimensões bastante diferenciadas de par-
ticipação e conlitos, coloca-se a necessidade de superar ou conviver
com certos condicionantes sócio-políticos e culturais. O salto quali-

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tativo começa a ocorrer a partir de diferentes engenharias institucio-
nais, que tem uma progressiva penetração de formas públicas de ne-
gociação dentro da lógica da administração pública, renovando os
potenciais do exercício da democracia.
No caso das bacias próximas das grandes cidades e regiões metro-
politanas, as complexidades associadas com a escala de gestão se re-
letem na articulação, comunicação e participação de instâncias que
desenvolvem ações que inluenciam na qualidade e na quantidade da
água apontam limites da gestão de recursos hídricos. O que se pode
observar em diferentes momentos é a importância dos acordos obti-
dos nas câmaras técnicas como procedimento que permite votações
onde se respeitam as decisões tomadas e acordadas. Isto revela um
amadurecimento da forma de interação entre os atores.
O papel das câmaras técnicas tem sido estratégico para reduzir as
assimetrias na relação de forças, uma vez que nestes fóruns os três
segmentos dialogam, articulam e negociam os temas da agenda estra-
tégica do comitê, e nas discussões se nivelam as assimetrias de infor-
mação, assim como também cabe à Secretaria Executiva providenciar
a documentação previamente para garantir o acesso à informação de
forma democrática.
Um dos grandes desaios para fortalecer o ethos democrático de
um comitê é ampliar o acesso à informação sobre os temas que com-
põem a agenda, na medida em que o conteúdo técnico não pode se
transformar num fator de promoção de assimetria na compreensão
de um conhecimento técnico e, portanto, de maiores recursos na ar-
gumentação entre os diversos segmentos.
Entretanto, o papel de muitos técnicos de prefeituras e de agên-
cias do estado tem sido estratégico para o fortalecimento dos Comi-
tês, principalmente para que a informação possa convergir, ser sis-
tematizada e produzir indicadores. Estes técnicos têm se ressentido
frequentemente da falta de continuidade administrativa e das diicul-
dades advindas da inadequação dos atuais instrumentos entre curto

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e longo prazo. De outro lado, o fato de atores deterem alguma forma
de poder (seja pela posição proissional, política ou mesmo econômi-
ca), deve ser considerado, pois certamente facilita o acesso a recursos
legais, conhecimento cientíico e tecnológico, assim como uma situa-
ção que permite maior acesso a pessoas de maior status político.

APRENDIZAGEM SOCIAL E NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS PELO USO DA ÁGUA


EM COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICAS
Na gestão da água, se constroem, muitas vezes, de forma controversa,
as condições para a deinição de novos espaços institucionais, para as
relações entre peritos e leigos, técnicos e usuários e entre os setores
público e privado.
As dinâmicas em curso nos organismos colegiados, comitês e con-
sórcios, mostram que a implementação efetiva dos diversos instru-
mentos de participação na gestão compartilhada e de recursos hídri-
cos poderá mudar os padrões de governança, estabelecendo novas
mediações entre Estado e sociedade civil, baseadas no aprimoramen-
to de suas relações democráticas. Poderão representar uma possibili-
dade efetiva de transformação da lógica de gestão da administração
pública nos estados e municípios, abrindo um espaço de interlocução
muito mais complexo e ampliando o grau de responsabilidade de seg-
mentos que sempre tiveram participação assimétrica na gestão públi-
ca. Neste sentido, o trabalho intersetorial se apresenta como uma im-
portante contribuição para estabelecer melhores condições para uma
lógica cooperativa e para abrir um novo espaço não só para a Socie-
dade Civil, mas também para os sistemas peritos na gestão dos recur-
sos hídricos.
Inserido no processo de Governança da Água, o conceito de
Aprendizagem Social abre um estimulante espaço de desenvolver
processos de articulação de ações que tem como premissa a noção
de “aprender conjuntamente para manejo e decisões conjuntos e mu-
danças na gestão”. Basicamente, a estratégia de aprendizado é que to-

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dos devem conhecer o contexto de criticidade e condições de gover-
nança para intervirem juntos em contextos de bacias hidrográicas.
Essa dinâmica possibilita o aprendizado social, e o aperfeiçoamento
da gestão das águas.
O conceito de Aprendizagem Social (SL) contribui para respon-
der aos desaios da sustentabilidade e integração das interfaces da
gestão da água, o que pressupõe a contribuição de diferentes conhe-
cimentos e interdisciplinaridade. Isso implica em compreender o
arcabouço jurídico-institucional, a dinâmica sócio territorial da ba-
cia, os atores que incidem na gestão, o conteúdo do plano de bacia,
entre outros. Trata-se de uma tarefa complexa; pois o conlito cog-
nitivo é imanente. Esta concepção de conhecimento é parte compo-
nente do projeto HARMONICOP- Harmonising Collaborative Plan-
ning, que como parte das novas diretivas europeias sobre a água,
incorpora a abordagem do Planejamento da Gestão de Bacias Hi-
drográicas para incrementar a participação pública neste processo.
O projeto foi desenhado com o envolvimento de 15 países parceiros,
o que representa uma inovação enquanto formação de rede coope-
rativa (HARMONICOP, 2003).
O entendimento do problema é pressuposto para que os atores
comecem a dividir sua compreensão sobre o mesmo, explorando as
possibilidades de perspectivas para a intervenção. Isso resulta no de-
senvolvimento para a conexão de diferentes tipos de entendimento
do problema, criando diálogos intersetoriais e interdisciplinares, en-
quanto base de fortalecimento de lógicas de cooperação. O convenci-
mento à participação de lideranças e facilitação são essenciais para a
construção e manutenção do comprometimento dos atores envolvi-
dos direta ou indiretamente na gestão das águas. Ao contrário
de estratégias de controle; existe a necessidade de mudança lexível
e adaptativa ao gerenciamento, e as arenas de articulação se tornam
imprescindíveis para o desenvolvimento cooperativo das atividades
propostas.

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No contexto da Governança da Água, a Aprendizagem Social se
compõe de um conjunto de estratégias institucionais de aprendiza-
do em bacias hidrográicas para o fortalecimento da tomada de de-
cisão. Esta abordagem não se centra apenas na obtenção de um co-
nhecimento suplementar e no aperfeiçoamento da compreensão de
problemas inter-relacionados complexos, como ocorre nos temas vin-
culados com a gestão da água; mas permite que os diferentes atores
intervenientes compreendam melhor as percepções dos outros sobre
os problemas que são essenciais para melhorar as relações dos parti-
cipantes e proporcionam a base para a uma cooperação consistente e
articulada.
O arcabouço teórico da Aprendizagem Social permite veriicar que
o aprendizado conjunto é fundamental para que as tarefas comuns e
construção de um acordo para a bacia; levando em conta o proces-
so no qual está inserida, seu contexto e seus resultados, levem ao en-
tendimento da complexidade das questões ambientais que precisam
ser decididas. Não pode ser ensinado por alguém de fora do contex-
to, mas é a co-relexão-prática entre todos os atores envolvidos que
permitem o aprendizado e intervenção conjunta. Considera-se que o
crescente envolvimento e aprendizado conjunto das entidades envol-
vidas na gestão da bacia; cuja estratégia é reforçar o aprender junto
para intervir junto. Isto reforça a dimensão da participação, comparti-
lhamento e co-responsabilização, para decidir quais cenários de sus-
tentabilidade se deseja para a bacia hidrográica.
Os referenciais se inserem nas práticas socioambientais educativas
de caráter colaborativo. Têm se revelado veículo importante na cons-
trução de uma nova cultura de diálogo e participação. E abre um esti-
mulante espaço para a construção de eixos interdisciplinares em tor-
no dos quais se tece uma nova cultura para a formação abrangente, a
partir de uma abordagem sistêmica e complexa.
Trata-se de abordagem, integradora das relações entre as esferas
subjetivas e intersubjetivas, amplia a possibilidade de constituição de

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identidades coletivas em espaços de convivência e debates. Isto abre
caminhos para incrementar o potencial de fortalecer espaços de diá-
logos horizontalizados, de aprendizagem e do exercício da democra-
cia participativa, mediando experiências de diferentes sujeitos au-
tores/atores sociais locais na construção de projetos de intervenção
coletivos (JIGGINS, 2007).
Esse “fazer coletivo” se conigura em potenciais estratégias que englo-
bam um conjunto de atores e práticas. Podem ser um elemento inovador
na construção de pactos de governança no futuro das bacias hidrográi-
cas, fomentando a compreensão e o acolhimento de novos paradigmas,
que possam informar novas escolhas do poder público e da sociedade
numa perspectiva de avanço rumo à sustentabilidade socioambiental.
A Aprendizagem Social também implica que os participantes acei-
tem a diversidade de interesses; de argumentos, de conhecimento, e
que também percebam que um problema complexo como a gestão de
bacias poderá ser resolvido através de práticas coletivas, que se sus-
tentam na disseminação de informação, conhecimento e atividades
em rede (GLASSER, 2007; WALS, 2007).
O seu arcabouço teórico mostra que o aprendizado conjunto é
fundamental para que as tarefas comuns e a construção de um acordo
para a bacia hidrográica; levando em conta o processo no qual está
inserida, seu contexto e seus resultados; e que levem ao entendimen-
to da complexidade das questões ambientais que precisam ser de-
cididas. Portanto tem de ser desenvolvido dentro do contexto, como
co-relexão-prática entre todos os atores envolvidos que permitem
o aprendizado e intervenção conjunta (HARMONICOP, 2003, 2005).
Isso pressupõe a contribuição de diferentes conhecimentos e inter-
disciplinaridade, transversalidade.
Este trabalho colaborativo promove um diálogo relexivo o para
entender a complexidade da bacia, a sua dinâmica sócio-jurídico-
-institucional, e os obstáculos e possibilidades de intervenção (PAHL-
-WOSTL et al. 2004).

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ALGUMAS QUESTÕES PARA O DEBATE
A contribuição dos espaços deliberativos é fundamental para o for-
talecimento de uma gestão democrática, integrada e compartilhada.
A ampliação destes espaços de participação cidadã favorece qualita-
tivamente a capacidade de representação dos interesses e a qualida-
de e equidade da resposta pública às demandas sociais. A experiência
dos CBHs demonstra a importância do exercício da participação civil
nestes fóruns, enquanto espaços de questionamento não apenas da
forma do processo decisório do Estado, mas também das relações en-
tre Estado e Sociedade Civil no campo das políticas públicas.
O grande desaio é que esses espaços sejam efetivamente públicos,
tanto no seu formato quanto nos resultados. A dimensão do conli-
to lhes é inerente, como é a própria democracia. Assim, os espaços
de formulação de políticas onde a sociedade civil participa, marcados
pelas contradições e tensões, representam um avanço na medida em
que publicizam o conlito e oferecem procedimentos-discussão, ne-
gociação e voto- e espaço para que seja tratado de forma legítima.
A criação de condições para uma nova proposta de sociabilidade
deve ser crescentemente apoiada em processos educativos orienta-
dos para a “deliberação pública”. Esta se concretizara principalmen-
te pela presença crescente de uma pluralidade de atores que, através
da ativação do seu potencial de participação terão cada vez mais con-
dições de intervir consistentemente e sem tutela nos processos deci-
sórios de interesse público, legitimando e consolidando propostas de
gestão baseadas na garantia do acesso à informação, e na consolida-
ção de canais abertos para a participação que, por sua vez, são pré-
-condições básicas para a institucionalização do controle social. Não
basta assegurar legalmente à população o direito de participar da ges-
tão ambiental, estabelecendo-se conselhos, audiências públicas, fó-
runs, procedimentos e práticas. Isto implica em mudanças no sistema
de prestação de contas à sociedade pelos gestores públicos e priva-
dos, mudanças culturais e de comportamento. Dependemos de uma

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mudança de paradigma para assegurar uma cidadania efetiva, uma
maior participação e a promoção do desenvolvimento sustentável.
A participação de atores qualiicados e representativos assume,
portanto, um papel cada vez mais relevante na denúncia das contra-
dições entre os interesses privados e os interesses públicos na cons-
trução de uma cidadania ambiental que supere a crise de valores e
identidade e proponha uma outra, com base em valores de susten-
tabilidade. Isto potencializa a ampliação de um compromisso com
os problemas ambientais, e sua tradução em ações efetivas de uma
população organizada e informada de maneira correta, que está pre-
parada para conhecer, entender, reclamar seus direitos e também de
exercer sua responsabilidade. Isto reforça a necessidade de identiicar
os papéis e as responsabilidades dos diversos atores, e a necessidade
de construir consensos em torno deles. Na medida em que o Estado
terá, cada vez mais, que dar respostas em relação a políticas orienta-
das para o desenvolvimento sustentável, os cidadãos devem ser parte
integrante de uma visão comum de longo prazo.
Os desaios para ampliar a participação estão intrinsecamente vin-
culados à predisposição dos governos de criar espaços públicos e plu-
rais de articulação e participação, nos quais os conlitos se tornam vi-
síveis e as diferenças se confrontam, enquanto base constitutiva da
legitimidade dos diversos interesses em jogo.
Pode-se concluir que os mecanismos para promover espaços co-
municativos democráticos que possibilitem uma participação cidadã
mais qualiicada; se inserem dentro de uma perspectiva de governan-
ça, que apesar dos avanços ocorridos principalmente na última déca-
da, se confronta com o fato dos problemas ambientais não entrarem
de forma efetiva na agenda pública.
A Aprendizagem Social nas bacias hidrográficas se refere a um
conjunto de ações que estimulam as pessoas a mudarem suas prá-
ticas, gerindo processos ambientais mais sustentáveis, tanto social-
mente como economicamente. Combina também informação e co-

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nhecimentos, assim como capacitação, motivação e estímulos para a
mudança de atitudes.
E, enquanto construção coletiva, permitirá que as posições coleti-
vas e individuais sejam colocadas visando, de preferência num mode-
lo de ganhos mútuos, e em processos de aprendizagem colaborativa.
O fundamental é traçar estratégias que institucionalizem a apren-
dizagem dos processos de gestão e de interação entre atores, através
da negociação. Isso pressupõe troca de experiências entre atores que
têm perspectivas diferentes sobre questões, cujas resoluções neces-
sitam de cooperação entre distintos tipos de atores e não de decisões
individuais.

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3
POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS NAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS1
Neli Aparecida de Mello-Théry
Vincent Dubreuil

INTRODUÇÃO
Muitos países e blocos geopolíticos têm incentivado e promovido o
surgimento de políticas de adaptação às mudanças climáticas. Não
foi um movimento espontâneo, mas originado a partir do quinto re-
latório do IPCC quando o foco das ações se alterou, de mitigação para
adaptação. Seria esta alteração um melhor caminho, aquele capaz de
promover um maior envolvimento político, cientíico e social?
Para melhor compreender os caminhos adotados no país e desta-
car a situação brasileira quanto aos cenários climáticos, suas relações
e impactos na agricultura e a percepção pelos produtores locais, ana-
liso um retrato do clima e os cenários futuros de mudanças como um
dos grandes desaios contemporâneos como ponto de partida, desta-
cando as interações do clima com a agricultura dentro dos cenários
previstos, em escala nacional.
Um segundo item trata de apreciar as políticas e os processos de
adaptação da agricultura à tais mudanças, dando um zoom em ter-
ritórios amazônicos, especialmente no Mato Grosso, ressaltando os
prováveis deslocamentos dos produtos, ainda que sejam cenários de

1. O presente capítulo apresenta resultados da pesquisa “Sustentabilidade da produção agrícola e po-


líticas de adaptação às mudanças climáticas no Mato Grosso e na Bretagne”, desenvolvida com a bol-
sa CSF 201392-2012-7 do CNPq.

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incertezas, de diiculdades de produção de novas cultivares ou mes-
mo de riscos à segurança alimentar.
A identiicação da análise das estratégias dos atores, as consequen-
tes políticas públicas e as percepções dos produtores são analisadas a
seguir, com o objetivo de veriicar se estas estratégias buscam, de fato,
integrar clima à produção agrícola e se o processo é perceptível pelos
atores. Os atores mais expressivos no contexto dessa integração estão
representados pelos produtores agrícolas, pelas instituições de pes-
quisa, decisores das políticas agrícolas, organizações proissionais co-
letivas e instituições governamentais de políticas públicas. Alguns po-
sicionamentos podem até reletir uma preocupação, mas, certamente
não representa um foco, uma meta a atingir.
A partir destes elementos e vetores identiicados para o país, ana-
lisa-se o caso do Mato Grosso, resgatando informações climáticas lo-
cais e as variações já percebidas ou mensuradas. Avança-se para a
análise dessa percepção por meio dos marcadores das adaptações no
Estado. Finalmente, conclui-se pelo grau de diiculdade de obtenção
de dados, mas, sobretudo, pela diiculdade que a percepção de que a
estabilidade do clima é a grande vantagem para a agricultura, o que
poderá causar atraso nas decisões e investimentos em novos cami-
nhos tecnológicos para a superação do problema.

OS CLIMAS GLOBAL, REGIONAIS E LOCAIS COMO O GRANDE DESAFIO ATUAL


Não é novidade dizer que o funcionamento do sistema climático é ex-
tremamente complexo e que cada um dos modelos matemáticos uti-
lizados pelo IPCC é submetido a críticas e questionamentos, espe-
cialmente do mundo político, mas também no cientíico, haja vista as
polêmicas geradas entre os céticos e os adeptos de teses opostas. As
simulações, por incluir também as anomalias e incertezas, não são to-
talmente aceitas pelos governantes dos países signatários da conven-
ção do clima, dos tratados e protocolos posteriores.

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É um dos temas mais controversos da atualidade e as Conferên-
cias das Partes (CoP), que têm sido vistas como fracassos consideran-
do que os compromissos não estão sendo cumpridos, pois, de 1992 a
2013 os níveis de emissões só aumentaram (NOBRE et al, 2012; OBER-
MAIER e PINGUELLI ROSA, 2013). A partir de dados do Banco Mun-
dial, Mello-héry et al. (2013) espacializaram as emissões dos princi-
pais gases, sua variação para o período posterior ao ano de 1990 e o
comportamento dos países quanto aos compromissos assumidos.
Em 2013 o IPCC anunciou que os níveis de dióxido de carbono
(CO2) atingiram 400 ppm, pela primeira vez na história recente da
humanidade, desde que se identiicou a fase de aquecimento recen-
te a partir dos anos 1980, segundo Le Roy Ladurie (2010). Ainda total-
mente insuicientes no contexto global, todos estes esforços, porém,
podem ser perceptíveis nos contextos regionais.
Se a União Europeia não fosse mobilizadora de debates, políticas e
ações não haveria a atenção que existe hoje quanto à água, solo, meio
ambiente transposta em diretivas. Ela assumiu compromissos, redu-
ziu os percentuais de produção do CH4, N2O e outros gases depois
dos anos 1990.
No Brasil, somente em 2009 aprovou-se a política nacional de mu-
dança climática (PNMC), mas as emissões do gás metano e óxido ni-
troso continuaram sendo importantes visto que os compromissos de
redução estavam programados para iniciar em 2012 decorrente de sua
inserção no Anexo B da convenção-quadro. Classiicados como vo-
luntários, os esforços de redução de queimadas e desmatamentos so-
mente se tornarão representativos a partir de 2004. Embora haja uma
relação direta entre estes dois fenômenos e a emissão do metano, ou-
tros fatores relacionados com os preços de commodities no mercado
internacional continuaram impulsionando a ocorrência de desmata-
mentos e queimadas. Evidentemente estes processos promoverão im-
pactos sobre vários setores econômicos.

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OS CENÁRIOS EM UM FUTURO PRÓXIMO
Rupturas ecológicas e sociais de mudanças climáticas contemporâ-
neas estão determinadas pelo período de tempo durante o qual os
climas mudam além de seus análogos históricos. MORA et al. (2013)
apresentam um novo índice, quando a média climática projetada de
um determinado local se move para um estado continuamente fora
dos limites da variabilidade histórica em cenários alternativos de
emissões de gases de efeito estufa. Os autores selecionaram a tempe-
ratura supericial de ar e mar, padrão de chuva e acidez dos oceanos
entre os efeitos analisados.
Para eles, alterações sem precedentes ocorrerão mais cedo nos tró-
picos e entre os países de baixa renda, com destaque para a vulne-
rabilidade da biodiversidade global e a capacidade governamental
limitada a responder aos impactos das mudanças climáticas. Seus re-
sultados procuram chamar a atenção sobre a urgência de mitigação
das emissões de gases de efeito estufa bem como climas potencial-
mente prejudiciais à biodiversidade e sociedade devem ser evitados.
Análises de projeções climáticas vêm sendo publicadas na revista
Nature e usam normalmente 1860-2005 como o período histórico as-
sociando com as tendências atuais de emissões de gases de efeito es-
tufa. Como resultados, 2047 será o ano em que o clima na maior parte
das regiões da Terra mudará para além dos extremos já documenta-
dos. Este prazo se estenderá a 2069 em um cenário em que as emis-
sões derivadas da queima de combustíveis fósseis se estabilizarão,
destacou. A maioria dos estudos climáticos prevê mudanças médias
globais a partir de uma data aleatória, como 2100.
O ano 2047 foi estabelecido em um cenário ‘business-as-usual’, se-
gundo o qual os níveis de dióxido de carbono (CO2) atmosférico con-
tinuarão constantes. Atualmente, estes níveis estão abaixo das 400
partes por milhão (ppm), mas poderão alcançar 936 ppm em 2100, o
que signiicaria uma elevação média na temperatura ao longo deste
século de 3,7 graus Celsius. O ano 2067 se baseia em um cenário de re-

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dução de emissões, que alcançaria as 538 ppm em 2100, provocando
um aquecimento neste século de cerca de 1,8º C, continuou o comu-
nicado. Esse estudo de Mora seguiu um curso diferente, estabelecen-
do como parâmetro de normalidade o ano em que o clima cruzará o
limite dos eventos climáticos considerados extremos e distinguindo
as diferentes regiões do planeta.
O comunicado de divulgação do estudo ressalta que “os trópicos
sustentam a maior diversidade do mundo em espécies marinhas e
terrestres e experimentarão climas sem precedentes dez anos antes
do que qualquer outra região da Terra”, indicando a necessidade de
prioridade para estas áreas, haja vista que as mesmas abrigam tam-
bém a maior parte da população mundial e contribuem signiicati-
vamente para o abastecimento alimentar global. Isso faz aumentar
a preocupação com mudanças no abastecimento de água e comida,
saúde humana, a disseminação mais extensa de doenças infecciosas,
estresse causado pelo calor, conlitos e desaios para as economias,
alertou.
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) utilizou da-
dos mais detalhados para reairmar os resultados do IPCC (2013), con-
siderando 3 períodos para as projeções futuras – início de 2011-2040;
meados de 2041-2070 e inal de 2071-2100. Considerando a situação
em cada bioma brasileiro, as projeções apontam que as mudanças,
em todo o país, ocorrerão com o aumento da temperatura média em
torno de 1 ºC a 6 ºC até inal do século XXI (comparada àquela regis-
trada no im do século XX).
A ocorrência de chuvas diminuirá signiicativamente nas regiões
Central, Norte e Nordeste; e, por outro lado, está previsto o aumen-
to de precipitação nas regiões Sul e Sudeste. A estimativa de chuvas
pode ser 40% menor para a Amazônia e Caatinga, com a ocorrência
de eventos extremos relacionados à secas e estiagens. O problema de
savanização da Amazônia poderá ser melhor avaliado com estas pro-
jeções. Segundo Ambrizzi (2013) alguns estudos previam esse proces-

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so no bioma como um todo, mas o que se percebe é que poderá ocor-
rer em apenas determinados pontos da loresta2.
As projeções para a Amazônia mostram um cenário de diminuição
de 10% na distribuição da chuva e aumento de 1ºC a 1,5ºC na tempera-
tura até 2040; esta tendência se manterá para o período de 2041-2070
com redução da precipitação em 25% a 30% e aumento da temperatu-
ra entre 3º e 3,5ºC. E, em longo prazo, inal do século XXI, a tempera-
tura deste Bioma poderá alcançar de 5º a 6ºC com uma substancial re-
dução das chuvas, em torno de 40% a 45%.
Associando o método de Liebmann a outros para identiicação de
tendências e utilizando o acúmulo de médias de um ano, Marengo
(2009) identiica um aumento de chuvas na região amazônica. Os da-
dos mostram a desigual distribuição das estações meteorológicas, di-
icultando maiores precisões. No entanto, até neste aspecto as opi-
niões são controversas pois Espinoza (2009) diz seu contrário, que há
uma baixa de precipitações.
O relatório PBMC (2013) alerta para a persistência do desmata-
mento na Amazônia, decorrente das intensas atividades de uso da ter-
ra, ainda que tenha havido redução na taxa de desmatamento no pe-
ríodo de 2005-2010 (Bustamante, 2013), com resultados positivos na
redução dos gases geradores do efeito estufa decorrentes do uso e
ocupação da terra, isto é, de 2,03 bilhões de toneladas de CO2 equi-
valente reduziu para a 1,25 bilhão de toneladas, muito embora tenha
havido aumento das emissões oriundas da geração de energia e da
agricultura, em termos absolutos e relativos. Estes dados indicam a
mudança de peril das emissões brasileiras3.
Estudos baseados no modelo regional ETA-CPTEC associado ao
modelo global do Hadley Center (HadCM3) para o cenário A1B ge-
raram projeções até 2100 com ênfase nos extremos hidrológicos e

2. Disponível: http://agencia.fapesp.br/17840 - Acesso em 16/09/2013


3. Disponível: http://agencia.fapesp.br/17840 - Acesso em 16/09/2013

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de temperatura no Brasil. As análises de extremos climáticos utili-
zando estes modelos em períodos de tempo 2010-2040, 2041-2070 e
2071-2100 foram aplicadas para as avaliações de vulnerabilidades das
regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro (NOBRE et al,
2008), as contribuições posteriores desta rede de pesquisadores ser-
viram de base ao capítulo 27 do IPCC GT2 sobre mudanças de clima,
impactos, vulnerabilidade e adaptação na América Latina e do Sul
(MARENGO et al, 2011).

INTERAÇÕES CLIMA-AGRICULTURA
Dentre os cenários previstos, são signiicativos para o Mato Grosso
o que está previsto para a Amazônia no IPCC WGII AR5 - aumentos
na temperatura, no uso de terras cultiváveis e nas condições do ha-
bitat para vetores de doenças; há reduções na cobertura vegetal e
variabilidade para os indicadores de precipitação e vazão dos rios –
e para o Sudeste sul-americano – aumentos na temperatura, preci-
pitação, vazão dos rios, no uso de terras cultiváveis e nas condições
do habitat de vetores de doenças e, sobretudo, reduções na cobertu-
ra lorestal.
As interações entre clima e agricultura foram destacadas no capí-
tulo 27 do IPCC WGII AR5 que aponta não haver, ainda, uma queda
na produção agrícola em decorrência das mudanças observadas, mas
os autores brasileiros participantes do Painel reforçam que os riscos
apresentados no estudo estão relacionados à agua, devendo os preços
das commodities reletir a escassez da água.
Para o Banco Mundial, no estudo de caso de Baixo Carbono para
o Brasil considera que poderá haver uma expansão em até 50% da
área atual com recuperação de pastagens, sem necessidade de des-
matamento, ao mesmo tempo em que se resolve boa parte da recu-
peração do passivo ambiental. Em termos de transição para uma
agricultura “ecológica”, o Banco Mundial aponta algumas ações
públicas engajadas recentemente como a redução do uso de agro-

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químicos, o Plano ABC que garante subsídios à recuperação com
espécies nativas para reduzir emissão de carbono além de ações de
planejamento/ordenamento territorial em escala apropriada.
O Ministério da Agricultura, com argumentos semelhantes, lan-
çou o programa Agricultura Sustentável para o Desenvolvimento Ru-
ral em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, Departamen-
to de Meio Ambiente, da Alimentação e dos Assuntos Rurais (Defra)
do Governo do Reino Unido por meio do Fundo Internacional para o
Clima, com realização, gestão e implantação técnica a cargo do Ban-
co Interamericano de Desenvolvimento (BID). São disponibiliza-
dos recursos de R$ 80 milhões visando a adoção, pelos produtores
rurais de tecnologias agrícolas de baixa emissão de carbono, que re-
cuperem o potencial produtivo de áreas agrícolas degradadas e que
permitam restaurar áreas de manutenção legal de vegetação nativa,
como por exemplo, tecnologias de integração lavoura-pecuária-lo-
resta; manejo sustentável de lorestas nativas remanescentes; plan-
tação de lorestas para ins produtivos; recuperação de áreas de pre-
servação permanente; recuperação de reserva legal e recuperação de
áreas degradadas.
Analisando o peril da produção do metano na agricultura, o Ban-
co Mundial estabelece que este é constituído por emissões oriundas
de animais, de resíduos de animais, da produção do arroz, dos resí-
duos de queimadas da vegetação de cerrados e no interior do próprio
processo agrícola. Os dados demonstram que estas emissões de me-
tano na agricultura são formadas por um total de 443,289 milhões de
toneladas métricas equivalente de dióxido de carbono, e para as quais
se veriicou o percentual de crescimento de 38,7% no período entre
1990 e 2010. Deste total 73,8% são emissões da agricultura e 9,8% são
advindas dos processos de produção de energia. (WDI, 2014). Neste
ranking entre peris e comportamentos de distintos países, o cresci-
mento foi de 38,7% para o Brasil.

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Figura 1

O primeiro estudo para identiicar os impactos da mudança do cli-


ma na produção agrícola regional foi feito por Pinto e Assad (2008) si-
mulando efeitos das elevações das temperaturas e mudanças das chu-
vas no zoneamento de riscos climáticos para o café arábica em São
Paulo e Goiás, cujos resultados indicaram um deslocamento do Su-
deste para o sul do país num futuro próximo. Estudos visando a com-
paração de resultados experimentais e simulados mostram o impacto
das mudanças globais na produtividade de grãos quando conside-
ram a hipótese de que o aumento de concentração de CO² e/ou o au-
mento da temperatura iriam afetar o desenvolvimento e crescimento
das plantas, exempliicando com a soja (NETO, 2003) ou milho e trigo
(COSTA et al, 2008).
Para Pinto e Assad (2008) se não houver inovações (bio)tecnológi-
cas o impacto das temperaturas elevadas afetará o tamanho da área
potencial de cultivo. Todas as culturas (arroz, algodão, café, feijão, gi-
rassol, mandioca, milho e soja) perderão em torno de 15%, sendo a
soja a mais afetada enquanto a exceção ocorrerá com a cana de açú-
car que poderá aumentar sua área potencial de cultivo.

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Pesquisadores da Embrapa vêm desenvolvendo vários outros es-
tudos no Brasil procurando mensurar e explicar os impactos além de
identiicação de deslocamentos e dos indicadores mais adequados a
cada cultura.
Apesar destes argumentos e demonstração destas interações em
escala global e regional, a percepção destas inluências pelos agricul-
tores locais nas duas regiões estudadas (Bretagne, na França e Mato
Grosso, no Brasil) está longe de ser uma realidade. De um lado, os pro-
dutores aceitam avanços tecnológicos e possíveis mudanças nas técni-
cas de produção sem, no entanto, alterar o modelo geral do agronegó-
cio e de outro, pensar em agricultura sustentável, poderá ser possível
somente dentro de alguns limites. Que tipo de mudanças nos sistemas
agrícolas precisa ser feito para que a agricultura deixe de ser geradora
de GEE e seu produto esteja adaptado à maior / menor temperatura ou
a maior / menor pluviosidade? Estas condições exigirão, certamente,
um olhar de longo prazo visando a preparação do setor agrícola.

ADAPTAÇÃO DA AGRICULTURA ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA ESCALA


DOS TERRITÓRIOS AMAZÔNICOS
Numerosos autores têm airmado que a sustentabilidade, na Europa,
vem sendo alcançada gradualmente a partir de 1988 quando foram
implantadas várias políticas para desenvolver uma “agricultura lim-
pa”, assim como pesquisas voltadas para a adaptação.
A adaptação das principais culturas (vistas como organismos vi-
vos) e de seus rendimentos aos impactos das mudanças climáticas
bem como das técnicas e das práticas foram os elementos adotados
nos cenários europeus e franceses4. A agricultura foi considerada no
sentido mais amplo, vista por meio dos sistemas de culturas (intensi-
vo e não intensivo), da capacidade e comportamento diferencial das
plantas, das formas de gestão e de ocupação do solo (datas de limpe-

4. Ver maiores detalhes no exemplo do Projeto CLIMATOR.

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za do solo e semeadura) de maneira a permitir a modelização das prá-
ticas agrícolas (convencional ou biológica). Neste contexto, entende-
ram que a adaptação resulta da combinação desses fatores e de uma
dose de subjetividade (tanto do pesquisador para modelizar quan-
to do produtor, em função de seus itinerários e condições técnicas).
Consideraram que, em longo prazo, a adaptação pode ocorrer tan-
to na ecoisiologia quanto nas práticas agrícolas (data de semeadura,
data ótima de semeadura, irrigação, dosagem de fertilizantes) e que
as variabilidades interanuais de solos e dos locais de estudo podem
resultar em deslocamento das culturas, na escolha de varietais5 adap-
tadas ou ainda a escolha de outros itinerários técnicos (BRISSON, N. e
LEVRAULT, F., Livre vert du projeto CLIMATOR, 2010).

E AS INCERTEZAS PARA A AGRICULTURA NO BRASIL E NO MATO GROSSO?


As projeções para o agronegócio no Brasil até 2017 são baseadas tan-
to em estudos prospectivos de instituições internacionais e multilate-
rais como do próprio Ministério da Agricultura. Metodologicamente
foram baseadas em modelos de séries temporais6.
Consideraram como tendências econômicas um crescimento su-
perior médio a 3% ao ano na economia mundial e a liberalização do
comércio internacional, entendendo que, aos poucos, a produção
agrícola será pautada em práticas conservacionistas, por meio do de-
senvolvimento de tecnologias que conservem as lorestas, a fertili-
dade natural das terras e que mantenham a disponibilidade dos re-
cursos hídricos, para a segurança alimentar. Incluem, ainda, nestas
projeções a possibilidade de que os avanços da biotecnologia trans-
formem os mercados, ampliando as oportunidades na agricultura e
na bioindústria. Consideram o grande desaio, para o Brasil, a incor-
poração de inovações cientíicas e tecnológicas no agronegócio, fun-

5. Consideram-se varietais os vinhos que contém mais de 85% de uma uva principal. Exemplo de uvas
usadas em varietais: Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo, Chardonnay, etc.
6. Http://www.agricultura.gov.br. Acesso em 16/09/2013.

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damentais para garantir a competitividade internacional em médio e
longo prazo.
Destaca-se que em dois dos produtos principais, as projeções do
Ministério da Agricultura indicam crescimento: a produção de soja,
atingindo até 2016/2017 uma produção de 72,4 milhões de toneladas
e o milho atingirá 51,5 milhões de toneladas. Em ambas as projeções
o cenário do consumo interno da soja em grão atingirá 51% deste to-
tal e o do milho 93%, um cenário, portanto, de redução da dependên-
cia de exportação.
Em seu rol de incertezas apontam apenas indicadores como o
crescimento econômico abaixo do previsto, o protecionismo dos paí-
ses desenvolvidos, a falta de investimentos em infraestrutura física e
os atrasos na tecnologia e defesa agropecuária. Importante destacar
que as projeções para o agronegócio não se servem, em nenhum mo-
mento, de modelos e dos cenários de mudanças climáticas, que pre-
veem minimamente alterações de temperatura ou de precipitações.
Estas preocupações com o que podem indicar os modelos ocorrem
em outros contextos - instituições de pesquisa ou no âmbito do Mi-
nistério da Ciência e Tecnologia - mais que no Ministério da Agricul-
tura. De maneira semelhante, o documento que contém as novas pro-
jeções, datadas de junho de 2013, não traz nenhuma menção a este
respeito e inclui a palavra sustentabilidade apenas duas vezes: “o
agronegócio brasileiro caminha para a próxima década com foco na
competitividade e na modernidade, fazendo da utilização permanen-
te da tecnologia um caminho para a sustentabilidade”7.
Pinto e Assad (2008) mostraram as perdas e ganhos inanceiros
de nove principais plantas cultivadas no país devidos ao aumento
de temperatura, as quais são responsáveis por 85% do produto inter-
no bruto do agronegócio brasileiro. Calcularam proporcionalmente a

7. http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/projecoes%20-%20versao%20atualizada.pdf ). Acesso
em 16/09/2013.

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perda ou ganho de áreas cultiváveis para estas culturas em função da
migração causada pelo aquecimento. Os resultados indicam:

a) no pior cenário (A2) - ganho econômico da ordem de R$27 bilhões por


ano com a cana-de-açúcar em 2020 enquanto a soja deverá perder R$4,3
bilhões/ano e o milho cerca de R$1,2 bilhões/ano no mesmo período;
b) no cenário B2, de menor aquecimento previsto, o saldo negativo de pro-
dução chega a R$6,7 bilhões/ano e o positivo, devido principalmente ao au-
mento de áreas potenciais para a cana-de-açúcar, a R$29 bilhões/ano.

Em outro estudo, Assad et al (2008) simulam o comportamento


para as principais culturais nacionais em cenários de aumento de 1ºC,
3ºC e 5,8ºC nas temperaturas médias do país nos próximos 100 anos,
conforme tabela abaixo e apontam que soluções envolvem contro-
le, mitigação e adaptação. Do ponto de vista do controle, é a redução
de queimadas e desmatamento que inegavelmente permitirá reduzir
emissões. Quanto a mitigação, sistemas mais eicientes e limpos nas
extensas áreas cultivadas permitiria o sequestro de carbono. Especial-
mente quanto à adaptação de espécies é preciso grande investimento
em biotecnologia, alterando as cultivares.

Tabela – Comportamento de diversas culturas agrícolas nacionais frente ao aumento progressivo da temperatura

Área em km² % Toneladas


Área poten- Área após Área após Área após Redução Produção Produção
Cultura cial atual T+1ºC T+3ºC T+5,8ºC de área atual futura
Arroz 4.755.204 4.560.347 3.875.734 2.792.430 41 13 k 7.7 k
Feijão 5.141.047 4.992.366 4.575.250 3.972.723 23 2.8 k 2.2 k
Soja 3.419.072 3.093.664 2.085.815 1.238.557 64 60 k 22 k
Milho 5.169.034 5.079.497 4.808.833 4.421.934 15 39 k 33 k
Café arábica 904.971 698.720 381.414 73.915 92 30 k sacas 2.4 k sacas
População 165 k 190 k 300 k 400 k
total do país 2000 2020 2050 2100
Fonte: Assad et al. 2008, Pg. 20.

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Pelos dados coletados por Pinto e Assad (2008) mostram que, para
a obtenção de uma nova cultivar de planta agrícola, são necessários
dez anos além de mais três para multiplicação de sementes. O cus-
to anual é da ordem de US$500 mil, ou seja, US$6 milhões para cada
cultivar nova. Esse fato mostra a importância de se começarem traba-
lhos de melhoramento genético em busca de plantas tolerantes à seca
e a altas temperaturas o quanto antes sob pena de obsolescência das
cultivares existentes antes da produção de novas plantas adaptadas às
novas condições climáticas futuras.
Indicam os autores que, para o agronegócio, 10 anos podem signi-
icar perdas signiicativas em termos de economia e, principalmen-
te, de segurança alimentar no futuro e a inação de hoje poderá ter um
alto custo em um futuro próximo.
Em estudo, coordenado por Luis Claudio Costa da Universidade
Federal de Viçosa8, identiicou-se o aumento da produção de grãos
das plantas sob alta concentração de CO2, tomando como premissa
que os estímulos na taxa fotossintética promoverão consequências
na produção agrícola. Em alguns tipos de plantas foram observados
acréscimos de 30 a 70% na fotossíntese e de 20 a 30% na produção en-
quanto em outros tipos, tais aumentos são de apenas 10%. Porém os
efeitos do CO2 não são os únicos que interferem na produção agríco-
la, aos quais devem ser associados à disponibilidade de água, pois o
estresse hídrico reduz a fotossíntese e consequentemente a produção.
Criaram um modelo de crescimento do milho em condições de exces-
so de CO2, o qual se encontra em fase de reinamento e calibração. O
estudo baseia-se em estimativas do impacto das mudanças climáticas
sobre a produtividade agrícola e os riscos que podem promover sobre
a segurança alimentar. Os autores apontam a necessidade de investi-
mentos em pesquisa especialmente voltadas para as culturas de soja,
milho e feijão, pela importância que as mesmas têm na economia e,

8. Disponível: http://agencia.fapesp.br/17840 - Acesso em 16/09/2013

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contraditoriamente, pelo pouco interesse que desperta as inluências
do clima na agricultura brasileira.
Da mesma maneira, instituições de pesquisas em agricultura cor-
roboram os resultados de 10 anos para desenvolver uma nova cultivar
tolerante ao calor e à seca. A Embrapa – Empresa Brasileira de Pesqui-
sa Agropecuária – e a Fundação Rio Verde e a Fundação Mato Gros-
so, entre outras, mostraram, seja por melhoramento convencional ou
transgenia, a uma demora de aproximadamente 10 anos, eleva para
10 a 12 milhões de reais seu custo. As análises climáticas atuais mos-
tram que, ao inal de 10 a 20 anos, certamente já terá ocorrido nova al-
teração do cenário agrícola, com migração de plantas para o Sul ou
para áreas de maiores altitudes, com perdas acentuadas na produção
do país.
Diferentemente da realidade europeia, as agências financiado-
ras de pesquisas no Brasil demoraram cerca de 10 anos para toma-
rem a decisão de apoiar os estudos de mudanças climáticas e, na
área agrícola, apenas a Embrapa e a Embaixada Britânica se mostra-
ram realmente susceptíveis ao inanciamento desses estudos, diz a
FBDS (2014).
No entanto, entendemos que este posicionamento institucional da
Embrapa resulta de duas visões internas, que desde a década de 1980,
marcavam a noção do desenvolvimento da agricultura na Amazônia
Legal: uma visão pró-desenvolvimento da agricultura na região esta-
va presente em Baena (1983, p.8) na série Documentos da Embrapa.
Sugere o autor a substituição das práticas mais arcaicas (subsistên-
cia, roçados, shifting cultivation ou slash-and-burn system), ainda uti-
lizadas até aquela época, ao reforçar a necessidade de conhecimento
e tecnologia para instalação de “sistemas de cultivo associados a mé-
todos mais estáveis de uso do solo, que preservem e aumentem o po-
tencial produtivo do trópico úmido”. Acrescentava a necessidade de
intensiicação de pesquisas em áreas e manejo de solos para vários
sistemas de produção, sob as diferentes condições ecológicas locais,

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visando um melhor aproveitamento do potencial de produção agrí-
cola regional.
Com outra visão, em 1990, Homma criticava o modelo de mono-
cultura - pela soja - ressaltando que a forte demanda por inputs e a
mecanização conduziria à compactação e erosão rápida dos solos
nos momentos de fortes chuvas e com a destruição do humus duran-
te os períodos de forte insolação sobre os solos descobertos. Da mes-
ma maneira, ele ressaltou que mesmo a densa cobertura do solo com
pastagens era incapaz de bloquear o processo de degradação das ter-
ras e que a supressão da cobertura vegetal implicava diretamente na
degradação mais rápida dos solos.
Tinha propostas de como conseguir a sustentabilidade ecológi-
ca da produção, ressaltando que por meio dos mecanismos comple-
xos da ciclagem dos elementos nutritivos formam uma barreira natu-
ral, determina o regime dos cursos d’água e permitem a sobrevivência
da loresta diversiicada, densa e úmida, apesar de seus solos pouco
férteis. Outro fator de sustentabilidade é a manutenção e gestão dos
produtos e processos da biodiversidade que, para inovar era preciso
priorizar uma produção também diversa com extrativismo, agricul-
tura e pecuária. Do ponto de vista tecnológico, propunha o sistema
mais simples possível: a manutenção dos solos em pousio e a valori-
zação e aproveitamento do conhecimento acumulado pela população
local. Mas, esta visão de Homma icou restrita às regiões lorestadas e
distantes das dinâmicas de frente pioneira (DROULERS, 1979, THÉRY,
1976, MELLO, 2006). Nas zonas meridionais da Amazônia desenvol-
veu-se outro complexo, com sistemas agrícolas totalmente diferencia-
dos, preocupados com a competitividade do mercado e do produto
para a exportação.
No Brasil, o grande vetor da sustentabilidade na agricultura e um
dos sistemas mais utilizados – entendido como uma prática susten-
tável das mais tradicionais e antigas – é o plantio direto. Não apenas
porque pode reverter o processo de desagregação do solo e mudan-

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ça de sua estrutura (CERRI, 2007), mas porque permite a entrada de
material orgânico no solo e, igualmente permite a diminuição das ta-
xas de decomposição da matéria orgânica do solo. Continua este au-
tor que a redução da matéria orgânica do solo representa aumento
de emissão de gases, principalmente o CO², CH4 e N²O. Assim, boas
práticas de manejo que possam manter a produtividade da planta e
a sustentabilidade do sistema solo-planta-atmosfera, além de reduzir
as emissões, contribuem fortemente para a redução também das con-
sequências ambientais (erosão, redução de nutrientes para as plantas
e baixa capacidade de retenção e água no solo).
O sistema plantio direto teve ampla difusão no país, especialmente
nas regiões Sul (Paraná em 1972) e Centro-Oeste, incluindo principal-
mente grandes áreas de monocultura da soja, milho, sorgo e milhe-
to. Segundo Cerri et al. (2007) o país é o segundo no mundo na ado-
ção deste sistema, representando cerca de 75% na região Sul e 30% na
Centro Oeste. É um sistema de produção agrícola onde o solo é deixa-
do em repouso desde a colheita até o plantio, exceto para a aplicação
de fertilizantes, o mesmo permitindo também uma queda nos esto-
ques de C no solo. No caso das pastagens, os resultados do estudo de
caso baseados em três situações modeladas, apontaram: i) queda ini-
cial do estoque de C no solo nos dois a três primeiros anos, ii) seguin-
do a conversão de loresta a pastagens e iii) aumento constante des-
te estoque de C durante o estabelecimento das pastagens. Concluem
os autores que para evitar impactos negativos sobre o desenvolvimen-
to, a adoção de melhores estratégias de adaptação agrometeorológi-
cas pode inluenciar diretamente sobre a quantidade e qualidade da
produção agrícola.
Ao eliminar o preparo do solo, incluindo culturas de cobertura do
solo e a intensa rotação de culturas reduz o uso de combustíveis fós-
seis e o uso de pesticidas. A permanência da palha após as colheitas
ixa-se como proteção e mantém os microorganismos. O Boletim In-
formativo da Federação Brasileira de plantio direto e irrigação (FE-

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BRAPDP, outubro 2013) informa que mais recentemente este siste-
ma de produção foi associado com a produção animal gerando uma
agricultura mais rentável e já atinge 60% das terras cultiváveis no país.
Esta federação reúne, desde o ano 2000 produtores, técnicos e auto-
ridades defensores desta técnica e publica mensalmente boletins in-
formativos.
Em 2004, Bertrand et al. questionavam o preço ambiental da com-
petitividade da soja produzida no Mato Grosso, indicando as altas
performances nos mercados mundiais, ao lado de riscos que o mode-
lo de produção agrícola poderia gerar ao meio ambiente.
Praticamente não se encontra mais áreas de produção que não fa-
çam uso da técnica do plantio direto no Estado do Mato Grosso, ainda
que problemas de erosão possam ser identiicados pela falta do plan-
tio em curvas de níveis. Do ponto de vista sanitário e ambiental, pro-
curam cumprir rigorosamente a janela sanitária (15 de junho a 15 de
setembro) e o período de queimadas. Os produtores não se preocu-
pam com a conservação da energia externa à propriedade e interna-
mente resolvem a questão com geradores e o uso de óleo diesel para
os equipamentos. Mas, o excesso de fertilizantes e produtos de trata-
mento pode causar poluição hídrica e em áreas de unidades de con-
servação.
Recentemente, outro autor que aponta mudanças do ponto de vis-
ta da preocupação ecológica é Arvor (2016) acrescentando à propo-
sição de Tilman et al (2002) uma última fase, a de intensiicação da
preocupação ecológica, cujos incentivos e políticas buscam a susten-
tabilidade agrícola por meio do aumento da eiciência na utilização
de nutrientes, ii) aumento da eiciência do uso da água, iii) manuten-
ção e restauração da fertilidade do solo e iv) melhoramento do con-
trole de pragas e doenças.
Estes indícios continuam sendo destacados por este pesquisador e
outros que consideram o esforço de gestão da água valorizando diver-
sos usos, a utilização do plantio direto como sistema produtivo e a re-

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cuperação/compensação de algumas Áreas de Proteção Permanente
(APP) adotados por alguns produtores rurais, apontam na direção de
uma agricultura sustentável.

AS ESTRATÉGIAS DOS ATORES E POLÍTICAS PÚBLICAS


Quando nos propusemos a abordar a problemática das mudanças cli-
máticas e suas relações com a sustentabilidade da agricultura pelo
encadeamento multiescalar, colocamos em evidência a imprescindí-
vel articulação entre as decisões tomadas nos diversos níveis decisó-
rios, do internacional ao local, visto que os compromissos e ações ne-
gociados pelos países nestes fóruns condicionam as políticas locais.
O ator torna-se signiicativo e aparece ou desaparece em função
das escalas. Não há um centro ixo. Um problema, uma oportunida-
de, uma fonte de mudanças pode vir de qualquer lugar. Mudar é en-
trar em um campo de forças, no jogo de interesse dos distintos ato-
res, como um grande sistema de ação, sempre fonte de tensões. São as
mudanças que podem ser promovidas nas políticas, nas relações e ar-
ticulações (geo)políticas de sua elaboração, bem como seus resulta-
dos, nas estratégias dos atores e na própria governança que nos inte-
ressa analisar.
Assim, resgatando as argumentações de Frey (2000) o proces-
so político envolveu múltiplos atores, desde autoridades nos três ní-
veis administrativos brasileiros a cientistas e organizações não gover-
namentais até as empresas licenciadas para a realização do serviço.
Os interesses são múltiplos, muitas vezes contraditórios, visto que os
atores são tanto aqueles que possuem relações e interesses diretos e
como aqueles com interesses indiretos.
Atualmente, os pilares da política agrícola são a gestão do risco
rural, o crédito rural (custeio e estocagem/investimento) e o supor-
te de preços (PGPM). Os recursos disponíveis vêm aumentando des-
de os anos 1999/2000, passando de R$ 8,5 bilhões para 107,2 bilhões
em 2011/2012. As diretrizes e linhas de créditos para investimento en-

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volvem: i) agricultura sustentável e redução de emissões de gases de
efeito estufa (ABC); ii) máquinas e equipamentos; iii) sistemas de ir-
rigação; iv) modernização da agricultura e conservação dos recursos
naturais; v) desenvolvimento da fruticultura e da pecuária; vi) cons-
trução de unidades de armazenamento e vii) desenvolvimento coo-
perativo para agregação de valor à produção agropecuária. A ideia
força da política é que “o país dispõe de uma política agrícola soisti-
cada. Não se trata de inventar novos instrumentos, mas de fazer fun-
cionar melhor os já disponíveis...” (O Estado de S. Paulo, ECONOMIA
& NEGOCIOS, 15/05/12).
No contexto de outras ações públicas destacam-se o PAP (plano
agrícola e pecuário) e o PEP (programa de equalização de preços) em
apoio à comercialização. Para os produtores do estado do Mato Gros-
so interessa principalmente o apoio que devem receber com o plantio
do milho: para este produto o valor é quase a metade do valor da soja
(R$ 3,20 por saca em 2013)9, mas os custos de transportes continuam
os mesmos para os dois produtos. O governo garante o preço mínimo.
Para os produtores, o governo deve pagar pelo serviço que prestam (a
cobertura do solo durante todo o ano, por exemplo) e pedem apoio
para vender o milho e exportar.
Com o plano ABC, o governo federal propôs apoios inanceiros e
técnicos voltados para a adaptação às mudanças climáticas a partir de
2010. O inanciamento foi de R$ 322,2 milhões para a safra 2010/2011 e
de R$ 840,9 milhões na safra seguinte, com juros subsidiados de 5,5%
a.a. O plano prioriza 4 eixos: i) Recuperação de pastagens degradadas;
ii) Promoção da integração lavoura – pecuária – loresta; iii) Expansão
do plantio direto; da ixação biológica do nitrogênio, da silviagricultu-
ra e iv) Tratamento dos resíduos da pecuária.
Segundo o secretário de política agrícola, Caio Tibério da Rocha,
do MAPA (www.agricultura.gov.br), este programa executou total-

9. Comunicação pessoal em entrevista na Aprosoja e Fundação Rio Verde em setembro de 2013.

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mente o seu orçamento entre junho de 2011 a abril de 2012, ou seja,
os R$ 840,9 milhões por meio de 3201 contratos. Porém, apesar do
aumento de recursos – R$ 4,5 bilhões para safra 2013/2014 o interes-
se pela agricultura com menos emissões caiu, segundo a Folha de
São Paulo (MERCADO, 06/06/14). O plano foi suspenso em 2015.
Há mudanças nos caminhos de algumas políticas, o que contri-
buirá, sem dúvida, para o acirramento de conlitos tradicionais que
opõe produtores e seus representantes aos ambientalistas e religiosos
(CPT). É o caso da suspensão da moratória da soja em dezembro de
2014, a China que aumentou mais de 30% em relação a 2012, tornan-
do-se o principal comprador brasileiro. Um mercado que não exige
contrapartidas ambientais.
Os maiores contribuintes do modelo de desenvolvimento de
cada país são o grupo de produtores agrícolas, as instituições de
pesquisa pública ou privada, as organizações proissionais e cole-
tivas além das instituições governamentais de políticas públicas
nos setores da agricultura e do meio ambiente. Estes atores perce-
bem as mudanças climáticas distintamente e desenvolvem estraté-
gias distintas. Os agricultores consideram a variabilidade climática
como um parâmetro fundamental de sua proissão, mas não a va-
riação climática.
No Mato Grosso a Fundação Rio Verde10 realiza experimentos e
pesquisas agrícolas visando gerar informação - seu objetivo social –
transformadas em recomendação técnica. Mas, estes experimentos
não podem depender da rede meteorológica local que é inexpres-

10. Comunicação pessoal em entrevista com Rodrigo Pasqualli, coordenador de pesquisa da Funda-
ção, em Lucas do Rio Verde, janeiro de 2014. A Fundação Rio Verde tem como missão “ser um centro
de excelência em geração e difusão tecnológica para proissionalizar a região e promover o desenvol-
vimento sustentável e ambientalmente correto”. Originada como uma Fundação de apoio à pesquisa
e desenvolvimento integrado Rio Verde, com o objetivo de criar e validar tecnologias para promover
o desenvolvimento sustentável da atividade agrícola em 1992, mas por problemas deixou de funcionar
entre 1994 e 1997. Depois desta data se reestruturam e a partir do ano 2000 consolidou um corpo técni-
co para trabalhos de pesquisa e desenvolvimento agrícola.

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siva, quase inexistente, à exceção de uma estação meteorológica lo-
calizada no município de Alta Floresta, montada há mais de 20 anos
por pesquisadores franceses que acompanham e analisam os dados
ali obtidos. Não observaram mudanças mais amplas e sim variações
pontuais. O regime de chuvas (2800 mm entre setembro a abril) não
mudou, porém, o período de concentração das chuvas foi alterado.
Assim, a estratégia do produtor é decidir o seu plantio em função do
ciclo biológico da cultura (ciclo mais curto ou mais longo) e esperar
que haja pelo menos 100 mm de chuva para o início do plantio. Esta
concentração de chuva interfere também nas condições de colheita: o
terreno molhado diiculta o funcionamento das máquinas, pois a co-
lheitadeira tem necessidade de terreno bem seco. Isto pode acarretar
perda de parte da produção, como foi e 2004 e 2013, por isso os produ-
tores deveriam estar atentos.
Os produtores brasileiros incluem muito pouco as informações so-
bre a evolução do clima em suas práticas agrícolas. O que decorre das
entrevistas é que o ganho de produtividade ou o ganho econômico –
e, portanto, o custo de produção com o aparecimento de pragas, por
exemplo - é o raciocínio mais frequente, haja vista que o restante dos
meios para a produção é basicamente padronizado (quantidade de
semente, quantidade de fertilizantes, etc.).
Uma das estratégias é monitorar as ocorrências nos períodos de
safra, por meio dos relatos diários dos produtores junto ao IMEA e aos
núcleos de associações de produtores. Lançam mão do desenvolvi-
mento tecnológico das sementes, nos últimos dez anos, como as va-
riedades do milho, por exemplo. Crescem as variedades porque há
variabilidade climática nos últimos 10 anos, visto a extensão da es-
tação chuvosa e a redução do período de seca, que se concentra em
julho/agosto/setembro. Por isso contam com o desenvolvimento do
quarto tipo de variedade: a super precoce. Antes havia apenas a pre-
coce (100 dias para a colheita, normalmente em março), médio (118-
120 dias) e tardio (130 dias colheita no comecinho de abril). As varie-

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dades super precoce e precoce servirão para adiantar a safra, caso não
chova até 20-30 de outubro, para o plantio do milho. Assim, o produ-
tor pode optar por cultivares de ciclo longo ou curto. E é isto que o
produtor percebe.

POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE ADAPTAÇÃO NA AGRICULTURA MATOGROSSENSE:


UM ESTUDO DE CASO

CLIMA NO MATO GROSSO


Os conhecimentos climáticos no Mato Grosso apresentam lacunas
devido à existência de poucas estações meteorológicas, as quais fo-
ram instaladas somente após os anos 1970, no início da colonização
agrícola, airma Dubreuil et al (2010a), muitas delas não dispondo ain-
da das séries climáticas de 30 anos. Das estações climatológicas exis-
tentes no Mato Grosso, somente Cuiabá (criada em 1901), Corumbá e
Cáceres (1912), Diamantino (1932) dispõem de longas séries enquan-
to ao norte, a estação de Alto Tapajós, criada em 1925 já não funciona
mais, deixando para Vera, Porto dos Gauchos (instaladas em 1973) e
Alta Floresta (1978) a coleta mais sistematizada de dados. São poucos
postos do INMET que possui controle (cerca de 200) e nos quais o le-
vantamento de dados é realizado por observadores e, quando tais da-
dos existem, sua qualidade é muito baixa, o que diiculta totalmente
sua análise. Como os dados cobrem uma área de 15 000 km2, são insu-
icientes para um estudo à escala regional.
Há, porém, outros dados pluviométricos, que por não utilizarem
sempre os mesmos tipos de instrumentos, diiculta sua utilização e
reduz a possibilidade de comparabilidade, dizem os autores, como
os obtidos no âmbito do programa HiBAM (IRD/ANEEL/ANA/SE-
NAMHI) oriundos de fontes diversas, indicando ainda que somente
após os dados compilados do projeto RadamBrasil (1983) as primeiras
cartograias climáticas de autores brasileiros como Nimer (1989), Rou-
cou (1997) e Sette (2000) começam a ser conhecidas.

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Além destes, Passos (2006) abordou a questão do avanço da fron-
teira agrícola ao longo da BR-163 por meio da modelização e obje-
tivando fornecer dados de entrada aos modelos climáticos à mé-
dia escala. Ressaltou o caso do Mato Grosso em razão da extensão
das superfícies conquistadas pela agricultura, convertendo lorestas
em pastos ou plantações, implantando estradas que reestruturaram
o espaço.

Fonte: Dubreuil et al, 2010.

Continua Dubreuil et al (2010a) que o contexto climático é carac-


terístico dos climas tropicais úmidos contrastando com o sul da ba-
cia amazônica, marcado por um gradiente norte-oeste e sul-leste, em
que há oposição dentre a estação seca (julho) e a chuvosa (entre outu-
bro e abril). A transição equatorial-tropical do regime pluviométrico
pode ser identiicada como bimodal para o equatorial, com duas má-
ximas em março-junho e outubro-janeiro e monomodal para o tro-
pical, unicamente com chuvas de verão. Apesar de visões distintas a
este respeito, concorda com Nimer (1989), é a presença e a duração
da estação seca que distingue os climas ditos equatoriais dos tropi-
cais. Considera que o Mato Grosso se encontra na articulação entre a

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área de campo equatorial e tropical demonstrada pelo gradiente mais
evidente, pois a estação seca é curta na porção setentrional do Esta-
do e se prolonga na direção sul e leste, ainda que os totais pluviomé-
tricos médios anuais diminuam. Sintetizam os diversos tipos de clima
no Mato Grosso a partir das precipitações anuais e do número de me-
ses secos, da seguinte maneira:

Precipitações anuais Nº de meses Vegetação natural Tipo climático Estação


secos (p<2t) de refe-
rência
Mais de 2500 mm 2-3 Floresta ombróila densa Equatorial s.s Colniza e
Alto Ta-
pajós
De 2200 a 2500 mm 3 Floresta ombróila aberta Subequatorial Alta Flo-
resta
De 1800 a 2000 mm 3-4 Floresta mesóila Tropical muito úmido Vera
De 1200 a 1800 mm 4-6 Cerrados Tropical “tipo” Cuiabá
Menos de 1200 mm 4-6 Cerrados Tropical subúmido Corumbá
Fonte: Dubreuil et al. (2010: 15)

Em outro estudo, Dubreuil et al. (2010b) servindo-se de três esta-


ções meteorológicas automáticas (tipo Weather-Monitor de Davis Ins-
truments), identiica alterações climáticas ligadas ao desmatamento
ao comparar as temperaturas de julho de 2007 entre o meio urbano,
a área desmatada por pastagem e a loresta na região de Alta Floresta.
Consideraram que mudanças no uso da terra na Amazônia brasileira
tem um efeito signiicativo sobre as temperaturas ao nível local, cujas
diferenças são muito marcadas durante o dia quando se observa que
a área desmatada é geralmente mais quente que a área lorestal. A re-
gião estudada tem uma pluviometria média de 2200 mm e temperatu-
ras médias anuais entre 25 e 26º C.
As medidas de temperaturas mostraram um primeiro período bem
homogêneo (18ºC a noite, 34ºC durante o dia); após um pequeno in-
termédio fresco e chuvoso (12º dia), um período mais quente sobretu-
do à noite (de 20 a 22ºC entre o 17 ao 25º dia) até próximo de 37ºC du-

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rante o dia. Após um segundo intermédio fresco (mínima de 15ºC e
máxima de 20ºC) e chuvoso (dias 25 e 26) houve um retorno às condi-
ções térmicas do início do mês.
Para os autores, o ritmo de variação horária mostra que área lo-
restal é comprovadamente mais fresca e a amplitude é mais fraca no
meio do dia que em outras horas, mostrando que a temperatura má-
xima não é necessariamente o melhor parâmetro para medir a ampli-
tude entre os tipos de ocupação do solo. Consideram bem distintos
os ritmos de resfriamento e de aquecimento: na estação rural a tem-
peratura aumenta mais rápida que nas outras (as pastagens aquecem
mais rápido) enquanto o esfriamento do inal de tarde e início da noi-
te é bem mais rápido (10ºC em menos que 5 horas), o que pode ser ex-
plicado pelo luxo de calor mais quente e seco observado nas áreas
desmatadas.
Conclui desta maneira, que a grande dimensão do processo de
desmatamento acompanhado da transformação radical da ocupação
do solo é acompanhada por uma importante modiicação das condi-
ções locais do balanço de energia e de uma acentuação dos contras-
tes térmicos locais.

OS MARCADORES DA ADAPTAÇÃO NO MATO GROSSO


Apropria-se o uso do termo com o signiicado dos fatores e variá-
veis que explicam o avanço da compreensão do fenômeno de varia-
ção e variabilidade do clima pelos atores da agricultura brasileira
e francesa, que é muito utilizado nas ciências da saúde e nas ciên-
cias sociais e aparecem como marcadores discursivos nas narrati-
vas orais ou discursos e ensaios, ou ainda marcadores sociais da di-
ferença de gênero e de cultura. Identiicou-se como os elementos
que servirão de marcadores são percebidos pelos produtores: sus-
tentabilidade, cobertura permanente do solo, pagamento de servi-
ços ambientais, consumo de fertilizantes e nível de organização so-
cial e organizativa.

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A. Sustentabilidade vista pelos produtores: Droulers e Le Tourneau
(2010) identiicaram a percepção do termo sustentabilidade em 13 ex-
periências sustentáveis na Amazônia brasileira. Uma delas na área de
produção da soja no Mato Grosso, onde os produtores agrícolas se re-
ferem à sustentabilidade do solo. Para eles, a terra continuar fértil e
produtiva garante, efetivamente, a sustentabilidade da produção e a
própria sustentabilidade da família. Uma lógica, sem dúvida, econô-
mica e individual de cada entrevistado/produtor.
B. Cobertura permanente do solo: No Mato Grosso também se ve-
riica a (quase) permanente cobertura do solo, seja com a utilização
da técnica do plantio direto, seja com a inclusão do milho, com a se-
gunda safra, ou safrinha como é conhecida (ARVOR et al. 2013). Gran-
des produtores bancam a segunda safra, sobretudo nas regiões de Lu-
cas do Rio Verde/Sorriso. Em outras regiões, de médios produtores, o
que ocorre é a utilização de metade da área para safrinha e outra me-
tade com o milheto e o sorgo somente para manter a cobertura11.
C. Na atualidade, os novos temas inseridos nos debates são os pa-
gamentos agroambientais e climáticos, no sentido de evoluir de uma
lógica de compensação para uma lógica de remuneração de prestado-
res de serviços de bens públicos. Em países europeus, estes incluem
novas leituras: i) Pressupõe uma abordagem exclusivamente corretiva
de certo número de impactos e que não deve ser estendido para todos
os agricultores, mas sim a partir de uma visão de remuneração de ser-
viços ambientais territoriais, respondendo a um zoneamento do ter-
ritório em função das questões ambientais especíicas; ii) Remunerar
a transição para uma agricultura sustentável e os programas inovado-
res para esta transição; iii) Incentivar sistemas baseados em contra-
tos agroambientais fundamentados em uma abordagem coletiva, que
busquem solucionar as questões ambientais regionalizadas.

11. Comunicação pessoal em entrevista à Aprosoja, janeiro de 2013.

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No Mato Grosso, alguns instrumentos já foram criados e progra-
mas como o REDD+ ou as certiicações são estímulos à pesquisa de
novas aplicabilidades, que reforçam a aplicação do PSE em países em
desenvolvimento.
D. O consumo de fertilizantes que mede a quantidade de nutrien-
tes para as plantas utilizadas por unidade de terra arável também
pode servir de marcador. Os produtos fertilizantes nitrogenados in-
cluem potássio e fertilizantes fosfatados (incluindo fosfato natural).
Os nutrientes tradicionais - adubos animais e vegetais - não estão in-
seridos. Dados do Banco Mundial (2014) a este respeito mostram Bra-
sil e França na mesma faixa de consumo.

Figura 2

Corroborando com os indicadores internacionais, no Mato Gros-


so o crescimento constante das áreas plantadas normalmente se faz
com a conversão de lorestas remetendo-se a uma primeira produção

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de arroz para no ano seguinte iniciar a produção da soja. Essa produ-
ção agrícola é dependente de alta tecnologia agroquímica. Entre 2003
e 2012, os dados do IMAE, expressos no quadro abaixo, apontam que
o uso de fertilizantes é bastante signiicativo e, há cerca de uma déca-
da vem mantendo-se em torno dos 4 milhões de toneladas:

Ano Total de toneladas/ano


2003 4 231 439
2004 4 125 449
2005 3 414 370
2006 3 140 252
2007 4 020 419
2008 3 711 983
2009 3 590 747
2010 4 031 918
2011 4 672 867
2012 1 827 012
Fonte: IMAE, 2014

E. Nível de organização social/associativa: O nível de organização


no Mato Grosso é também elevado e de suma importância e a coesão
social em torno do avanço do agronegócio é notória. Agricultores im-
portantes vêm inluenciando, desta maneira, em todos os setores eco-
nômicos tanto no contexto do Estado como no do país, por estarem
envolvidos na política executiva ou legislativa local, estadual e nacio-
nal: são prefeitos, governadores, secretários municipais e estaduais,
deputados estaduais, federais e senadores, ligados à Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Um dos pilares desta coesão entre os migrantes é o Centro de Tra-
dições Gauchas - CTG – desde os anos 1970, considerado um movi-
mento de cultura popular12, especialmente a rural, organizado e cen-

12. A origem do movimento é atribuída a 8 estudantes que queriam uma escolta de honra, gaúcha, tí-
pica para acompanhar os restos mortais de um herói da Guerra dos Farrapos, a caminhada entre o Co-
légio Júlio de Castilhos e o centro de Porto Alegre. Atualmente há centros em 17 dos estados brasileiros

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tralizado, iniciado há 63 anos no Rio Grande do Sul, que se espalhou
posteriormente pelo país. Dentre todos os estados brasileiros nos
quais este Centro foi instalado, é no Mato Grosso onde 28% dos muni-
cípios dispõem de um destes - 39 entre os 141 municípios13 - sendo um
dos mais fortes marcadores da cultura gaúcha, integrando paranaen-
ses e catarinenses no âmbito de tais tradições.
Além de ser um dos pilares culturais, atuou como um catalisador
desde a chegada de migrantes sulistas ao Mato Grosso, contribuindo
fortemente na instalação e consolidação da colonização privada no
Estado. Expandiu sua inluência para as atividades econômicas, pois
as reuniões do Centro permitem também a discussão tanto de expec-
tativas como de perspectivas para o desenvolvimento da região, tendo
sido um dos focos de discussão mais mobilizados, por exemplo, a res-
peito das alterações do Código Florestal e dos procedimentos poste-
riores de regulamentação.
Unindo-se à CNA exercem todo tipo de pressão sobre o executivo
nacional a exemplo de reuniões entre a CNA e o Ministério do Meio
Ambiente, para os quais a principal crítica recai sobre os trechos tra-
tando do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Regula-
rização Ambiental (PRA). O temor dos grandes agricultores e pecua-
ristas é que essas normas não fossem elaboradas pelo Ministério do
Meio Ambiente ou pela própria Presidência da República. Outro as-
pecto sobre o qual se assentavam as negociações foi o deslocamen-
to do prazo para o im da produção nas áreas de Preservação Perma-
nente (APP). “Uma das nossas preocupações é que isso [as futuras
regulamentações] fugisse à alçada do Executivo e pudesse ser deslo-

e também no exterior e dispõem de uma presidência nacional. Os CTG movimentam pessoas e re-
cursos e têm áreas esportivas, recreativas, sociais e campeiras. Envolvem mais de 1 milhão de pessoas
apenas no aspecto artístico (dançarinos de roupas típicas, participantes de fandangos, pessoas com
roupas a caráter). http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2011/04/centro-de-tradicoes-
-gauchas-completa-63-anos-de-idade.html
13. Dados obtidos no site http://culturanativa.no.comunidades.net/index.php?pagina=1383430976

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cado para um Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente]. Tive-
mos a garantia de que seria feito pelo Executivo, ouvidos todos os se-
tores”, disse Kátia Abreu à ministra do meio ambiente. Para ela a CNA
iria buscar um “diálogo ameno” com ambientalistas e movimentos
sociais, mas não deixaria de priorizar alguns pontos de interesse dos
produtores rurais, como a ampliação da área irrigada no país. (Caroli-
na Gonçalves, EcoDebate, 25/10/2012).
Outro vetor importante na organização regional é a forma de orga-
nização associativa, que tem na APROSOJA – Associação de produto-
res de soja e milho do Mato Grosso, uma das associações mais ativas
dos produtores de soja. Seu objetivo é unir e valorizar o produtor. Foi
criada em 2005, com sede em Cuiabá e núcleos regionais instalados
nos sindicatos rurais das maiores cidades produtoras (eixo da BR-163:
Nova Mutum, Lucas do Rio Verde e Sinop; na região oeste, em Campo
Novo dos Parecis, na região sul, em Rondonópolis e Campo Verde e
na região leste, em Querência). Segundo seu site (www.aprosoja.com.
br) desenvolve projetos e ações que visam o crescimento sustentável
da cadeia produtiva da soja e do milho no Mato Grosso, procurando
garantir a competitividade e sustentabilidade dos produtores. Sua es-
trutura em comissões – defesa agrícola, gestão da produção e da pro-
priedade, logística, política agrícola e sustentabilidade socioambien-
tal - dá o respaldo técnico necessário (por exemplo, com projetos de
gestão inanceira ou organização trabalhista na propriedade).
No auge dos conlitos entre produtores/proprietários rurais e am-
bientalistas especialmente por conta da conversão de lorestas para
o agronegócio, a associação atuou intensamente – e continua ainda
– no sentido de divulgar a visão de sustentabilidade dos produtores,
apontando, sobretudo sua leitura das questões relacionadas aos ecos-
sistemas e ao processo de desmatamento. Por isso prestam serviços
analisando questões que permitam entender se o problema é de le-
gislação, de produto ou de manejo. Defendem o produto para que o
marco regulatório não cause problemas para eles, por exemplo, exer-

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cendo pressão sobre os legislativos estaduais e nacional. A assistência
a tecnologia e às alterações de clima são também focos de seus estu-
dos e ações.

CONCLUSÕES
Os cenários das mudanças climáticas globais e suas repercussões são
condicionantes para a elaboração de políticas públicas em escala na-
cional. Entrelaçam-se as escalas internacionais, europeias, nacionais
e locais. Contudo, a concretização das mesmas depende de informa-
ções e estudos mais detalhados e aprofundados, adequados à esca-
la local.
Mas, há poucas estações meteorológicas (sequer forma uma ma-
lha) e os dados não permitem precisão. No Mato Grosso as pesquisas
de cultivares adaptadas e a pressão dos produtores para este im são
ainda incipientes, visto que os mesmos não reconhecem a variação
climática, tendo somente impressões sobre a variabilidade das preci-
pitações. Todos dizem que o clima estável é a grande vantagem.
No entanto, pesquisadores da Embrapa airmam que todas as cul-
turas perderão em torno de 15% sendo a soja a mais afetada e que há
necessidade de rápidos avanços (bio)tecnológicas. Para que os pro-
dutores se adaptem e possam manter as condições de sustentabili-
dade de seus sistemas produtivos, dependem de conhecimento es-
pecíico que integre o sistema técnico produtivo às condições locais;
dependem de vontade política que assuma a complexidade da temá-
tica e de meios para adaptar os processos produtivos às variações e às
variabilidades climáticas.
Outros problemas preocupam mais os produtores locais que as mu-
danças climáticas. A logística, seja a infraestrutura rodoviária ou a de
armazenagem na propriedade e nos portos, seja a necessidade de mão
de obra qualiicada seja na organização de formas coletivas de união
dos produtores, é o grande desaio, pois a cada dia há mais tecnologia
no campo, o mercado valoriza e o trabalhador migra de uma fazenda

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para outra. Praticamente único eixo norte-sul no Estado, a BR-163 pas-
sa de períodos em que o tráfego se torna extremamente difícil para fa-
ses melhores, com a recente complementação do asfaltamento e de al-
guns trechos já duplicados. Além deste eixo, muitas rodovias estaduais
foram implantadas e asfaltadas durante o governo de Blairo Maggi.
Agrega-se também nas preocupações dos atores locais, estaduais e
nacionais a perda de competitividade pela distância e o custo do fre-
te, argumentando os atores que a única forma é produzir em gran-
de escala.
Mas, a perda de competitividade ira, certamente, ocorrer ain-
da mais sem a incorporação de inovações cientíicas e tecnológicas
no agronegócio, incluindo, com certeza, aquelas necessárias para a
adaptação da agricultura às mudanças climáticas, fundamentais para
garantir a competitividade internacional em médio e longo prazo.

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4
GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
NA BACIA AMAZÔNICA
Fernanda Mello Sant’Anna

INTRODUÇÃO
A maioria dos trabalhos sobre a gestão dos recursos hídricos da Bacia
Amazônica centram-se no direito das águas de cada país amazônico
e também no Direito Internacional (tratados internacionais e regio-
nais), e também no desenho institucional da gestão desses recursos
nos países amazônicos. Ainda que sejam estudos muito importantes
para entender a dinâmica institucional da gestão desta Bacia, pou-
cos são os estudos que adentram a hidropolítica de forma mais abran-
gente e também buscam entender a dinâmica espacial. São poucos os
trabalhos sobre o processo político do acesso e uso da água e sua re-
lação com o território, sobre as fronteiras onde os países se encon-
tram e os rios que cruzam esses limites políticos. Muitos são os desa-
ios para a governança e gestão dos recursos hídricos na maior bacia
hidrográica do mundo, a Bacia Amazônica. Se são poucos os estudos
que adentram o território e se embrenham pelos rios e igarapés, para
entender essa hidropolítica, também são poucas e limitadas as infor-
mações e dados sobre os aspectos físico-naturais desta Bacia. Soma-
-se a isso o paradoxo abundância x baixa qualidade da água nesta re-
gião, impactando sua população. Os estudos mais aprofundados em
geral abarcam pequenas áreas da bacia, em geral, regiões mais den-
samente povoadas como as grandes cidades. Os dados sobre o sanea-

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mento básico na bacia não abarcam todo o território amazônico nos
países, e a insuiciência de dados colabora para a gestão ineiciente.
Portanto, ainda persistem os desaios para o estudo da governança da
água na Amazônia, assim como os desaios para a própria governança
e gestão em si desta bacia. A relação entre os países amazônicos tende
a ser apenas analisada dentro do âmbito da Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica (OTCA) e as relações cotidianas nas áreas
de fronteira são muitas vezes ignoradas, bem como outras iniciativas
menos formalizadas. A OTCA atua como uma organização intergover-
namental de âmbito regional, que sofre das mesmas deiciências em
relação à participação democrática que a maioria das organizações
internacionais, portanto, a relação da população amazônica com esta
organização é de grande distanciamento.
Este capítulo busca abordar de forma ampla os desaios da gover-
nança e gestão desta bacia hidrográica transfronteiriça, que é a Bacia
Amazônica. Assim, analisa os principais desaios da hidropolítica e da
relação entre os países amazônicos, os conlitos socioambientais exis-
tentes na bacia, e apresenta exemplos de estudos sobre a gestão dos
recursos hídricos em sub-bacias transfronteiriças amazônicas. E tam-
bém analisa os desaios da hidroeletricidade na bacia Amazônica, seus
impactos e a relação com a governança e gestão da água na bacia.

RECURSOS HÍDRICOS: GESTÃO INTEGRADA E BACIAS TRANSFRONTEIRIÇAS


A gestão dos recursos hídricos tem sido objeto de muitos estudos
cientíicos que levaram a formulação de conceitos e técnicas de ges-
tão considerados mais apropriados para gerir este recurso indispen-
sável à vida e estratégico. Assim, formulou-se o conceito de gestão in-
tegrada dos recursos hídricos baseadas na bacia hidrográica como
unidade de planejamento. Diversas organizações cientíicas e orga-
nismos internacionais, além de fóruns especializados em recursos hí-
dricos tem publicado estudos e guias de práticas baseadas neste prin-
cípio da gestão integrada dos recursos hídricos.

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[...] it is now considered legitimate that hydrologists, geomorphologists,
ecologists and other biophysical scientists support IWRM (Integrated Wa-
ter Resources Management) and, further the integrated management of
land and water resources at the river basin scale (IRBM: Integrated Ri-
ver Basin Management). he concept, heavily reinforced in the European
Union by the recent Water Framework Directive (EC, 2000), derives consi-
derable logic from system Science and beneits from global endorsement
in sustainable development programmes. In IRBM the essential biophy-
sical and sócio-economic integration appearslogical, even simple (NEW-
SON, 2004, p. 439).

A questão levantada pelos estudiosos das ciências sociais é que o


conceito de gestão integrada trouxe também a ideia da necessidade
de criação de instituições ao nível da bacia hidrográica, o que cau-
sou problemas de coordenação institucional em diferentes escalas
e também setorial. A diiculdade de coordenação também tem sido
acompanhada pela diiculdade da descentralização, visto que as no-
vas instituições responsáveis pela gestão integrada deveriam ter a ca-
pacidade de deliberar sobre a sua área de atuação. Em relação à coor-
denação setorial, o que chama mais atenção na Bacia Amazônica é a
coordenação do setor dos recursos hídricos com o setor energético,
devido aos inúmeros projetos de hidroeletricidade na bacia.
As diiculdades apresentadas pelas instituições de gestão dos re-
cursos hídricos podem ser analisadas no caso brasileiro, cuja legisla-
ção e desenho institucional tem sido propagado como um dos mais
avançados da América do Sul. A legislação brasileira da Política Na-
cional de Recursos Hídricos (PNRH) se baseou em muitos princípios
propagados internacionalmente, como a gestão integrada, além de
uni-los aos princípios da gestão descentralizada e participativa. No
entanto, a prática que ocorre nos Comitês de Bacias, que foram as ins-
tituições criadas ao nível das bacias hidrográicas, tornam evidentes
alguns problemas desta política. Outros países amazônicos como o

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Peru e o Equador também passaram por mudanças em suas políticas
de gestão dos recursos hídricos, além de países como a Bolívia que
apresentaram sérios conlitos sociais envolvendo a questão de recur-
sos hídricos e passam por um grande debate acerca das modiicações
necessários em sua legislação e políticas. É importante lembrar que
o Brasil e o Peru realizaram uma cooperação técnica na área de ge-
renciamento de recursos hídricos que resultou na política peruana se
assemelhar em muito com a política brasileira nesta questão (SOLA,
2015; DOURADO JUNIOR, 2014, SANT’ANNA, 2013, OTCA, 2007).
É por isso que a gestão integrada deve vir acompanhada de outro
elemento que é a gestão compartilhada. De acordo com Braga et al.:

A gestão compartilhada de recursos hídricos demanda, necessariamen-


te, a compatibilização dos diversos conlitos de interesses. Requer, entre
outros aspectos, a criação de ambientes institucionais adequados à re-
solução, à negociação e à superação dos problemas e das lacunas exis-
tentes nos arcabouços jurídico-legais. Esses ambientes são formados
pela trama de múltiplos fatores, dentre os quais são decisórios (Pereira
2003): a convergência de objetivos; o entendimento, por todos os atores,
das questões e desaios envolvidos; a criação de laços de coniança por
meio de um processo de gestão ético, transparente e democrático, que
conduza à equidade, racionalidade e eiciência na tomada de decisões;
a construção de um sentido de identidade da bacia, um sentido de uni-
dade de atuação harmônica, de co-responsabilidade e co-dependência
(2004, p. 663).

Assim, a gestão compartilhada exige a criação de capacidades de


governança e governabilidade. Podemos entender que a governança
da água:

não é apenas um instrumento de políticas e sim o processo de tomada de


decisão relacionado à formulação de políticas de como gerir os recursos

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hídricos. Este é um processo político em que diversos atores debatem e
tentam acordar os objetivos a serem perseguidos, os valores e princípios
e os instrumentos utilizados para a gestão dos recursos hídricos. O modo
como estas questões são tratadas e discutidas e a forma de tomada de de-
cisões, é que coniguram o processo de governança da água. Quem parti-
cipa, como participa e como são tomadas as decisões é o que realmente
conigura a governança (SANT’ANNA, 2013, p. 50).

No caso da Amazônia as diiculdades da aplicação de um geren-


ciamento dos recursos hídricos se reletem no paradoxo abundância
verso falta de saneamento básico e qualidade da água consumida por
grande parte da população. A abundância de recursos hídricos pode
ser um dos elementos que tem levado à falta de gestão e governança
da água na Bacia Amazônica. Os estados brasileiros que compõem a
bacia foram alguns dos últimos estados a estabelecer a sua política es-
tadual de recursos hídricos e, ainda, possuem poucos Comitês esta-
belecidos.
Um exemplo das diiculdades de aplicação da legislação e políti-
ca de gestão de recursos hídricos dos países amazônicos em suas por-
ções amazônicas pode ser retratado no caso brasileiro. Em 2014 o Mi-
nistério Público Federal (MPF) tem forçado à justiça e as instituições
como a Agência Nacional de Águas (ANA) a cumprirem o estabele-
cido na PNRH, principalmente no que se refere ao planejamento da
gestão dos recursos hídricos e à descentralização e participação social
com a criação dos Comitês de Bacia Hidrográica (CBH). Naquele mo-
mento o MPF apresentou em seis estados da Amazônia Legal um pa-
cote de ações em que solicita que a Agência Nacional de Águas (ANA)
seja proibida de emitir Declaração de Reserva de Disponibilidade Hí-
drica para os empreendimentos em licenciamento nas bacias dos rios
Tapajós, Teles-Pires, Madeira, Ji-Paraná, Negro, Solimões, Branco,
Oiapoque, Jari, Araguaia, Tocantins e Trombetas. Desta forma, o MPF
pretende que seja cumprida o estabelecido na Constituição Federal

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e na PNRH, pois a ANA estaria outorgando direito de uso de recursos
hídricos sem cumprir esta legislação, pois em nenhuma destas bacias
havia sido instalado comitês de bacia que são os órgãos responsáveis
pelo planejamento e gestão dos recursos hídricos da bacia, e sem este
planejamento a ANA não poderia emitir nenhuma outorga. De acor-
do com a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat os co-
mitês são importantes para a participação popular, prevendo inclusi-
ve a participação das populações indígenas e da Fundação Nacional
do Índio (FUNAI) (MPF, 2016).
A diiculdade de implantação desta gestão descentralizada e par-
ticipativa, além da falta de informações sobre os recursos hídricos
da região, são agravadas pelas mesmas diiculdades que ocorrem na
questão dos usos múltiplos e na priorização dos usos. Assim como a
política de recursos hídricos no Brasil sempre esteve atrelada ao setor
energético, esta situação também ocorre na Amazônia, que tem sido
palcos de grandes empreendimentos hidrelétricos desde a década de
1970 até hoje. As implicações para a governança e gestão da água na
Amazônia devido aos projetos hidrelétricos necessitam de uma aná-
lise detalhada e aprofundada, principalmente em relação aos gru-
pos de interesses envolvidos e aos impactos sociais e ambientais de-
correntes.

A BACIA AMAZÔNICA: DIVERSIDADE, ABUNDÂNCIA E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS


A delimitação da Bacia Amazônica sempre foi cercada por controvér-
sias, o que mobilizou a própria Organização do Tratado de Coopera-
ção Amazônica (OTCA) a realizar um projeto para sua demarcação
efetiva. A “Proposta para delimitar as fronteiras geográicas da Ama-
zônia”, foi apresentada em um workshop do Centro de Pesquisa Con-
junta da Comissão Europeia juntamente com a OTCA, em 2005 (EVA
e HUBER, 2005). O grupo de pesquisadores optou por três critérios de
delimitação: hidrográico, ecológico e biogeográico. A região amazô-
nica foi então delimitada de duas formas, a sensu latíssimo que seria

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a extensão maior, e foi subdividida em 5 sub-regiões: uma sub-região
central (Amazônia sensu stricto) e quatro periféricas: Andes, Planal-
to, Guiana e Gurupí.
A Bacia Amazônica foi considerada neste estudo como uma re-
gião compreendendo toda a Bacia do rio Amazonas, incluindo to-
dos as suas cabeceiras nos sistemas montanhosos ao redor (Escudo
das Guianas, Montanhas Pakaraima, Serras do Acaraí e Tumucu-
maque, Cordilheira dos Andes e o Planalto Brasileiro) até a sua foz
(delta do Amazonas). Esta região abarca também toda a bacia do
rio Tocantins no Brasil e todo o sistema de águas negras que ocu-
pa a transição do delta do rio para o Oceano Atlântico. Esta região
hidrográica se estende, portanto pelos seguintes países sul-ame-
ricanos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Vene-
zuela. A Bacia do rio Amazonas vai desde a foz do rio Amazonas no
Brasil que desagua no Oceano Atlântico, passando pela conluência
do rio Solimões com o rio Negro, e a montante de Iquitos no Peru,
na conluência entre o rio Ucayali e o Marañon e também por to-
dos os cursos d’água que drenam para formar esse primeiro eixo
luvial. Existem três principais grupos de maiores aluentes do rio
Amazonas: a) os tributários do Nordeste que drenam as seções su-
deste e sudoeste do Escudo das Guianas: Jarí, Parú, Trombetas, Ja-
tapú, e parte do rio Negro; b) os tributários do Oeste que drenam
a região da Cordilheira dos Andes: Caquetá, Putumayo, Napo, Ma-
rañon, Ucayali, Juruá, Purus, e parte do Madeira; c) os tributários
do Sudeste que drenam o Planalto Brasileiro: Tapajós, Xingu (EVA e
HUBER, 2005).
Na história da ocupação do território após a colonização gran-
de parte da Bacia Amazônica icou sob domínio das Coroas Portu-
guesa e Espanhola. Se o Tratado de Tordesilhas tivesse realmente
sido cumprido, praticamente toda a bacia icaria para os espanhóis.
O expansionismo português, e sua diplomacia, levaram à conquis-
ta portuguesa desta parte do território sul-americano. Além disso,

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a geograia beneiciava os portugueses já que partiram desde a foz
do Amazonas e puderam subir o rio e seus aluentes que são na-
vegáveis por uma longa extensão. Ao contrário dos espanhóis, que
para chegar à planície amazônica tiveram que transpor a Cordilhei-
ra dos Andes.
O primeiro europeu a percorrer o rio Amazonas foi o espanhol
Francisco de Orellana, que alcançou a sua foz no ano de 1542, vindo
dos Andes, pelo rio Napo. Os portugueses só passaram realmente a
se interessar por conquistar e ocupar esta área após a segunda déca-
da do século XVII com a criação dos estados do Maranhão e Grão-Pa-
rá, visando conter o avanço dos franceses, holandeses e ingleses que
já se instalavam pela região. O primeiro viajante português em viagem
oicial para o reconhecimento do rio foi Pedro Teixeira, que subiu seu
curso rumo ao Peru entre 1637 e 1639. Também o bandeirante Rapo-
so Tavares chegou à região percorrendo os rios Mamoré, Madeira e
Amazonas, alguns anos mais tarde (MATTOS, 1980; COSTA E VLACH,
2007; GADELHA, 2002).
Com a independência dos países sul-americanos a Região Ama-
zônica foi dividida em oito países independentes, sendo que ape-
nas a Guiana Francesa permaneceu como um território ultramarino
de um país europeu, no caso a França. Destes nove territórios polí-
ticos, apenas sete se encontram, portanto, dentro da área de drena-
gem da Bacia do rio Amazonas. As fronteiras políticas e administra-
tivas dos Estados criam o problema de coordenação para a gestão
conjunta desta bacia hidrográica. Como os recursos naturais ultra-
passam essas fronteiras artiiciais tornou-se necessário a coordena-
ção das ações dos países amazônicos para a gestão conjunta. No en-
tanto, cada país exerce a sua soberania em seu território, criando as
suas próprias leis e políticas públicas. No setor de recursos hídricos
cada país amazônico pois uma legislação que apresenta variações
em relação às outras, como pode ser observado no quadro de Dou-
rado Junior (2015):

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Quadro 1: Legislação de recursos hídricos dos países amazônicos

País Norma
Bolívia Lei 1.333, de 27.04.1992
Decreto 24.176, de 08.12.1995
Lei 1.604, de 21.12.1994
Lei2.066, de 11.04.2000
Brasil Lei 9.433, de 08.01.1997
Colômbia Lei 99, de 22.12.1993
Decreto 1.729, de 06.08.2002
Equador Decreto 1.088, de 15.05.2008
Lei 2004-16, de 20.05.2004
Projeto de Lei Orgânica dos Recursos Hídricos, uso e aproveitamento de águas
Guiana Lei de Águas e Esgoto, 2002
Peru Lei 29.338, de 31.03.2009
Venezuela Lei 38.595, de 02.01.2007
Fonte: DOURADO JUNIOR, 2015, adaptado.

Esta diversidade de políticas de gestão dos recursos hídricos, em


conjunto com outros fatores do sistema internacional que diicultam
a cooperação entre os países são responsáveis pelos obstáculos en-
contrados para a governança desta bacia transfronteiriça. Soma-se
a estas diiculdades os conlitos socioambientais existentes em toda
área da bacia de todos os países amazônicos. Tais conlitos tendem a
se alastrar com o aumento da população, das atividades econômicas e
da demanda para os diferentes usos dos recursos hídricos.
A diiculdade de estabelecer uma priorização e hierarquização
dos usos da água na prática, apesar do estabelecido na PNRH bra-
sileira, tende a agravar os conlitos relacionados ao uso dos recur-
sos hídricos em muitos casos na América do Sul, e, portanto, tam-
bém na região amazônica. A falta de gestão agrava os conlitos que
tendem a se exacerbar com os projetos de infraestrutura planeja-
dos e em execução sem uma devida política integrada, principal-
mente no que se refere à relação entre os setores de recursos hídri-
cos e energético.

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A exploração dos recursos naturais e o desenvolvimento das ati-
vidades econômicas tiveram um impacto nos recursos hídricos com-
partilhados da bacia:

a ciclagem da água na Amazônia tem sido perturbada, analogamente


ao que ocorre em outras partes do mundo, pela construção de estradas,
agricultura, pecuária, mineração, urbanização e industrialização. Pou-
cos dados estão disponíveis na literatura cientíica sobre os efeitos na mi-
croescala hidrológica e, menos ainda, sobre os efeitos cumulativo dessas
atividades humanas nos recursos hídricos regionais. Todavia, é impor-
tante destacar essas ações como vetores da destruição da loresta nativa
e de mudanças qualitativas evidentes na distribuição de água, localmente
(COHEN, ROCHA e SOUZA, 2003, p. 81).

Entre os principais problemas que envolvem os recursos hídricos


transfronteiriços na Bacia Amazônica e que apresentam potencial
para geração de conlitos, estão agrupados a seguir em cinco catego-
rias: 1) contaminação (mineira, por hidrocarbonetos, por resíduos do-
mésticos e industriais, etc.); 2) fatores que afetam o ciclo hidrológi-
co como o desmatamento, erosão e assoreamento; 3) a pesca em rios
transfronteiriços amazônicos; 4) construção de barragens e usinas
hidrelétricas; e 5) a navegação luvial e os projetos para as hidrovias
como corredores de integração.
A mineração nos rios amazônicos transfronteiriços também apre-
senta potencial para gerar conlitos, pois os efeitos danosos para os
ecossistemas e para a saúde humana podem ser “carregados” para os
países vizinhos. O caso do garimpo do ouro e os efeitos do mercúrio à
saúde humana são um tema que vem sendo abordado por vários pes-
quisadores:

En la Amazonía, la minería aurífera contamina los ríos con mercurio. Esta


contaminación es uno de los problemas más graves de la cuenca amazó-

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nica. El 72% de los peces piscívoros (que se alimentan de otros peces) y
carnívoros colectados en los tributarios del río Beni sobrepasaron hasta
en cinco veces el valor límite de mercurio establecido por la OMS. Solo en
el departamento de Pando, entre 1979 y 1997 se echaron a los ríos trescien-
tas toneladas de mercurio (Muñoz, 2004). La extracción de oro en la Ama-
zonía se hace tanto en forma artesanal (pequeños mineros) como tecnii-
cada (empresas grandes y medianas). La minería artesanal se caracteriza
por extraer el oro con un cernidor o a veces una motobomba. Ese traba-
jo necesita mucha mano de obra y muy poca inversión. Las empresas
grandes y medianas usan maquinaria pesada y cuentan con profesiona-
les (URTEAGA, 2003). La explotación aurífera informal en el Perú se con-
centra en Madre de Dios y remueve millones de metros cúbicos de tier-
ra, arena y grava de riberas y lechos de ríos, así como áreas boscosas hasta
profundidades que van de tres a seis metros. También existen yacimien-
tos auríferos en los ríos Santiago Morona, Tigre y Napo, en la selva norte.
La actividad de los buscadores de oro en los ríos tiene consecuencias am-
bientales muy graves, como la contaminación de los ríos por sedimentos,
mercurio y aceite; la destrucción de las cuencas y tierras agrícolas; la de-
forestación; la caza y la pesca sin control y la invasión de territorios indí-
genas” (ORÉ, 2009, p. 279).

No caso do petróleo e gás não é diferente, a exploração destes re-


cursos na Amazônia tem deixado um rastro de contaminação dos re-
cursos hídricos e conlitos sociais. Em especial no Peru e no Equador
os conlitos chegaram a ser violentos. Também existem zonas petrolí-
feras em regiões de fronteira:

Duas zonas petrolíferas, uma no Peru e outra no Equador, são vizinhas


nas bacias dos rios Tigre e Napo e também na Bacia do Rio Putumayo,
que faz as divisas Peru-Colômbia e Equador-Colômbia, e ambas estão
ligadas ao litoral do Pacíico por meio de oleodutos (SEVÁ FILHO, 2010,
p. 122).

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As regiões produtoras de petróleo na Amazônia sofrem com os
passivos ambientais e o Estado pouco consegue fazer para reverter o
quadro de contaminação e de conlitos;

durante los cuarenta años de atividades de extracción de gas y petró-


leo, esta industria ha causado un daño sustancial en los ecosistemas de
la selva, la costa norte del Perú y el Chaco de Bolívia. Estos pasivos am-
bientales no tienen una solución fácil por las siguientes razones: el cos-
to de limpieza es alto, las empresas han abandonado el lugar – y a veces
el país – y niegan sus responsabilidades, y el Estado no exige el cumpli-
miento, además de no tener la capacidad ni el presupuesto para limpiar.
No obstante la existencia de una normatividad más exigente en mate-
ria de impactos ambientales, la gran envergadura de los proyectos de in-
versión en desarrollo y previstos anuncia que este sector va a ser uno de
los más contaminantes en los países andinos en las próximas décadas
(ORÉ, 2009, p. 281).

Na Amazônia equatoriana e peruana a contaminação pela explo-


ração de petróleo e gás gerou diversos conlitos socioambientais. No
caso do Equador o conlito que mais ganhou evidência internacional
foi o processo contra a Chevron-Texaco e no Peru há diversos casos:

- En el departamento de Loreto, los pueblos indígenas protestan contra


las empresas petroleras por la contaminación de sus ríos (río Corrien-
tes) con petróleo. En el año 2006, el pueblo indígena Ashuar y la empresa
Pluspetrol llegaron a un acuerdo después de años de lucha.

- En el departamento de Ucayali, la comunidad Shipiba portesta contra


la empresa Maple Gas por la contaminación petrolera y la deforestación.

- En el año 2007, los asháninkas del río Tambo (Ucayali) tomaron las ins-
talaciones del campamento base de Repsol YPF. El lote 57 concesionado a

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Repsol YPF se superpone a las reservas comunales de los pueblos Machi-
guenga y Asháninka.

- El proyecto de Gas de Camisea en Urubamba, Cusco, afecta a los ter-


ritorios de las comunidades indígenas Machinguenga, Yine y Asháninka
(ORÉ, 2009, p. 289).

A militarização de algumas fronteiras amazônicas também tem


gerado conlitos transfronteiriços e até mesmo internacionais como
é o caso da fronteira entre Equador e Colômbia. Neste caso, o Plano
Colômbia tem utilizado herbicidas e fumigadores para combater o
plantio da coca em território colombiano, no entanto, estes agrotóxi-
cos contaminam os recursos hídricos na região fronteiriça contami-
nando também as populações do outro lado da fronteira.
O conlito internacional entre Colômbia e Equador se deu:

quando em março de 2008, a fronteira equatoriana foi violada pelo


“ataque” de forças colombianas treinadas e equipadas pelos Estados
Unidos, à caça do segundo homem das FARC, Raul Reyes, criou-se
mais um conflito diplomático grave, que pode um dia virar mais uma
guerra em uma região petrolífera em expansão. Pois, num raio de 300
a 400 quilômetros em torno do povoado mais próximo do bombardeio,
Santa Rosa, na Bacia do Rio Putumayo, ficam áreas produtoras de pe-
tróleo dos três países – colombiana, no rio Caquetá, equatoriana, en-
tre a cidade de Lago Agrio, a Bacia do Rio Napo e o Parque Yasuní, e
uma área peruana em fase de intensa prospecção (SEVÁ FILHO, 2010,
p. 130-131).

Apesar das autoridades estadunidenses e colombianas airmarem


que não existem riscos à saúde humana pelo uso destes agrotóxicos,
diversos estudos e documentos relatam o contrário. Como o estudo
sobre “El sistema de aspersiones aéreas del Plan Colombia y sus im-

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pactos sobre el ecosistema y la salud en la frontera ecuatoriana”, reali-
zado pela Comisión Cientíica Ecuatoriana:

En el centro de su defensa el gobierno de Colombia insiste en esgrimir la


tesis de que las aspersiones aéreas – siempre reducidas por éste al tema
del glifosato – son absurdamente inocuas e inofensivas, de tal manera que
las quejas de los afectados, a uno y otro lado de la frontera, son apreciados
como actitud exagerada y desproveída de fundamento. Frente a esta pro-
blemática, la Comisión Cientíica del Ecuador realizó constataciones y ve-
riicaciones; receptó testimonios de la población afectada y determinó una
inobjetable afectación en su territorio. […] que sustentan cientíicamente
el reclamo que el Ecuador hace a Colombia para que cesen deinitivamen-
te las aspersiones aéreas con el paquete herbicida, en la zona fronteriza en
una franja de seguridad de por lo menos 10 km (CCE, 2007, p. 8).

O narcotráico contamina os recursos hídricos devido aos produ-


tos utilizados para a produção da cocaína que são jogados nos cursos
d’água da loresta amazônica.
Diversas pesquisas já demonstraram a interdependência e in-
terligação que existe entre o ciclo hidrológico e a loresta na Bacia
Amazônica:

el bosque amazónico tiene una función importante en la regulación del


ciclo hidrológico. A pesar de que la Amazonía recibe mucha precipita-
ción, el suelo sin protección de vegetación se seca rápidamente, porque
es muy pobre y no tiene mucha capacidad de retención de humedad. Esta
implica que, una vez talado el bosque tropical, el suelo se degeneré rápi-
damente y el bosque tropical se convierta en una sabana improductiva
(ORÉ, 2009, p. 235).

O desmatamento, portanto, apresenta sérios impactos para o ciclo


hidrológico nesta bacia. E grande parte do desmatamento se deve ao

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ciclo de atividades madeireira-pecuária-agricultura. O problema da
atividade madeireira ilegal é o desmatamento descontrolado:

en los tres países estudiados (Bolivia, Ecuador y Peru), la explotación de


madera se realiza a través de concesiones a largo plazo. El Estado es pro-
pietario del área forestal. En Bolivia y el Perú, la ley dispone que el otor-
gamiento de concesiones para todo tipo de actividades forestales – con
excepción del uso doméstico – demanda la elaboración de un plan de
manejo, el que debe ser aprobado por la Superintendencia Forestal en el
caso de Bolivia, y el INRENA en el caso del Perú. […] En los tres países
bajo estudio hay mucha tala ilegal. En el Perú y Bolivia, los troncos van
mayormente por río al Brasil y se venden en el mercado doméstico de ese
país. En el Perú, el INRENA no siempre cuenta con recursos para realizar
el control de los planes de manejo, como dispone la ley. […] En Bolivia, el
órgano iscalizador es la Superintendencia Forestal. Esta comparte com-
petencias con las municipalidades, las prefecturas y las subprefecturas. El
sistema de control es poco efectivo por falta de recursos y de voluntad po-
lítica” (ORÉ, 2009, p. 237-238).

A pesca tem sido motivo de conlitos em rios amazônicos trans-


fronteiriços, em especial, em rios que são os limites entre países, e de-
vido, principalmente, a divergências de legislações ambientais.
No caso do Brasil, por exemplo, a pesca é proibida no período
de defesa, para permitir a reprodução das espécies e, assim, garan-
tir a sua sustentabilidade. No entanto, outros países vizinhos, como
é o caso do Peru e da Bolívia, não apresentam a mesma lei, e nos rios
que são utilizados por pescadores de ambos os países surge o con-
lito, pois os pescadores bolivianos e peruanos continuam pescando,
enquanto que os brasileiros não podem pescar (e recebem um salá-
rio mínimo para compensar este período em que não trabalham). Em
alguns casos, o número de peixes nestes rios tem diminuído cada vez
mais, o que aumenta as tensões. Isto foi constado em entrevistas com

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pescadores da Associação de Pescadores de Assis Brasil, na tríplice
fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru.
As barragens são um tema de constante conlito no interior dos
países amazônicos devido, principalmente, ao contingente de pes-
soas que são retiradas de seu território para a construção das repre-
sas das usinas hidrelétricas. Outro fator gerador de conlito é a conse-
quente degradação ambiental da área a ser alagada pela represa, bem
como os efeitos sobre a hidrologia do curso d’água, para a vida aquáti-
ca e para o sustento das populações que sobrevivem da pesca.
No caso de rios transfronteiriços, a área alagada pode atingir o ter-
ritório do país vizinho, como é o caso do rio Madeira que nasce na
Bolívia e adentra em território brasileiro. A construção de duas usi-
nas, Santo Antônio e Jirau, tem o potencial de levar ao alagamento de
áreas adjacentes a este rio e seus aluentes ao longo do tempo, devido
à carga de sedimentos transportadas por estes rios que serão deposi-
tados na represa elevando o nível da água e alagando as áreas ao re-
dor, podendo causar danos além da fronteira internacional.
A navegação internacional do rio Amazonas já foi motivo de con-
litos no século XIX durante o ciclo de exploração da borracha. A pres-
são dos Estados Unidos para a abertura do rio Amazonas à navegação
internacional, já que era o maior comprador de borracha brasileira
(MACHADO, 1997, p. 19).
Mais recentemente, em 2005 a navegação comercial dos rios da
bacia amazônica foi tema da Reunião de Ministros de Relações Exte-
riores da OTCA, que por meio de Resolução decidiram que era pre-
ciso formular um projeto de “Regulamento Geral de Navegação Co-
mercial nos Rios Amazônicos”. De forma que, em 2010 foi criado um
Grupo de Trabalho para avançar nas negociações do Regulamento.
Os projetos de infraestrutura também têm resultados em grandes
impactos na Bacia Amazônica. Além da integração física referente aos
transportes e a comunicação, uma parte dos projetos se refere à inte-
gração energética, e no caso amazônico, os principais projetos nes-

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te âmbito são de usinas hidrelétricas e interligação elétrica. Grande
parte destes projetos de infraestrutura desde os anos 2000 fazem par-
te da Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana (IIRSA), que
desde a criação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) faz
parte de seu Conselho Sul-Americano de Integração e Planejamento
(COSIPLAN).
Apesar de existirem grandes usinas hidrelétricas já construídas
na parte brasileira da Bacia Amazônica, a maior parte deste território
não está conectada do Sistema Nacional e depende da energia gera-
da em centrais térmicas locais. Estas consistem, em geral, em gerado-
res a diesel em pequenas cidades, centrais térmicas em cidades maio-
res ou até mesmo centrais hidráulicas locais. héry e Mello (2005, p.
230-231) airmam que “existem planos para remediar essa situação,
mas a distância e os investimentos necessários são tão imensos que
seriam necessários anos para assegurar a cobertura completa do País
por uma rede bem distribuída”.
Outros países amazônicos também dependem de geradores a die-
sel para a geração de energia elétrica em suas respectivas porções ama-
zônica, mas, em sua maioria, esses países possuem planos de constru-
ção de usinas hidrelétricas aproveitando o potencial energéticos das
sub-bacias amazônicas. Este é o caso da Bolívia, do Equador e do Peru,
por exemplo. O Brasil e a Bolívia têm acordos para construção de usi-
nas na Bacia do rio Madeira, o Peru tem um acordo com o Brasil para a
construção de hidrelétricas na Amazônia peruana e com a exportação
de energia excedente para o Brasil, e o Equador já está construindo a
hidrelétrica Coca-Codo-Sinclair, e prevê a construção de outras, com a
exportação de excedentes de energia para a Colômbia e Peru.
A navegação luvial é o principal meio de transporte na Amazônia,
onde ainda existem áreas que só são acessíveis por via luvial. Recen-
temente os governos dos países amazônicos tem buscado melhorar as
condições de navegação na Amazônia promovendo obras de infraes-
truturas para garantir uma maior integração física dos territórios:

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no total, a bacia amazônica oferece 50 mil km de rios navegáveis para em-
barcações com deslocamento médio de 100 toneladas, porém, cerca de
10 mil km desses rios podem ser navegados por navios com deslocamen-
to médio de 1.000 toneladas ou mais. É impressionante observar em Letí-
cia, porto colombiano no Amazonas, a mais de 3 mil km do mar, o atraca-
mento de transatlânticos provenientes da Europa ou dos Estados Unidos
ou as grandes canhoneiras que sobem o rio Putumayo até Porto Leguíza-
mo, próximo aos Andes (DOMINGUEZ, 2003, p. 162).

É importante notar que o transporte luvial é considerado o meio


de transporte de menor impacto para a loresta amazônica, principal-
mente se comparado às estradas, que em alguns casos leva ao desma-
tamento em forma de “espinha de peixe”, isto é, da estrada principal
saem caminhos perpendiculares por onde avança o desmatamento
(AB’SABER, 2004). Becker e Stenner (2008) apontam que os rios são
“estradas naturais” da Amazônia, pois:

existem milhares de quilômetros de vias navegáveis na bacia Amazônica:


alguns são apenas lutuáveis. Outros oferecem condições para uma nave-
gação rudimentar, e os principais rios são francamente navegáveis. Alguns
destes, como o Amazonas/Solimões e o Madeira, apresentam elemen-
tos de balizamento e sinalização que os caracterizam como hidrovias. A
rede hidrográica da região forma um sistema hierarquizado de transpor-
te, com uma gigantesca rede de rios menores, o que permite a navegação
de pequenas embarcações e garante capilaridade ao transporte hidroviá-
rio. Além da navegabilidade, existem nas cidades ribeirinhas amazônicas
dezenas de pequenas estruturas portuárias que são fundamentais para o
transporte de pessoas e as relações comerciais e políticas dessas cidades”
(BECKER e STENNER, 2008, p. 84-85).

São previstas várias hidrovias nos projetos da IIRSA como no Cor-


redor Manta-Manaus que seria a ligação entre os rios Napo-Solimões-

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-Amazonas, e entre os rios Putumayo-Iça-Solimões-Amazonas. No
eixo Peru-Brasil-Bolívia há também o projeto da hidrovia Madeira-
-Mamoré-Beni-Madre de Dios. O projeto de melhoramento da nave-
gabilidade da hidrovia do rio Napo foi analisado em trabalhos ante-
riores (SANT’ANNA, 2013).
Embora seja considerado um meio de transporte com menor im-
pacto ambiental que o rodoviário, as hidrovias também geram impac-
tos ambientais negativos em seus quatro principais elementos físi-
cos: as vias, as embarcações, as cargas e os terminais. De acordo com
Santana e Tachibana (2004), o transporte de cargas perigosas nas hi-
drovias pode causar um grave dano ambiental em caso de acidentes
com o derramamento de combustíveis e de cargas químicas. Os au-
tores também apontam que “entre as intervenções realizadas para a
melhoria da navegabilidade, o melhoramento do leito e das margens
dos rios é considerado o mais polêmico em termos ambientais” (SAN-
TANA e TACHIBANA, 2004, p. 80), e pode incluir obras de regulariza-
ção dos rios, obras de estabilidade e proteção de margens, dragagens
e derrocamentos de pontos especíicos, e até mesmo canalizações.
Os projetos da IIRSA em território amazônico têm gerado conli-
tos que envolvem, em geral, as populações e não os governos dos paí-
ses amazônicos. Neste caso, existem diversas organizações, inclusive
indígenas que tem se posicionado contra alguns projetos e propos-
tas da IIRSA, como, por exemplo, a “Resolução dos Povos Indígenas
sobre a IIRSA”, elaborada pela Coordenadoria Andina de Organiza-
ções Indígenas e endereçada aos presidentes de bancos BNDES, BID,
CAF, Fonplata e Banco Mundial. Esta organização indígena explicita a
questão da justiça social e ambiental, para ela:

nosso conceito de bem viver deve ser respeitado como alternativa legíti-
ma de bem-estar em equilíbrio com a natureza – que, na língua Quechua,
chamamos “Sumaq Kawsay/Sumaq Qamaña – e é algo muito distante da-
quilo que a IIRSA quer nos transformar: em territórios de trânsito de mer-

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cadorias, crateras da mineração e rios mortos pela poluição do petróleo
(apud SEVÁ FILHO, 2010, p. 139).

A mobilização de ONGs com sede nos países desenvolvidos con-


tra os projetos da IIRSA em áreas sensíveis também tem obtido re-
percussão:

one of the major platforms against IIRSA has formed among northern
NGOs, spearheaded by the Bank Information Center (BIC). With funding
from the Moore Foundation, BIC has developed a major civil society ini-
tiative called BICECA (Building Informed Civic Engagement for Conser-
vation in the Andes-Amazon). […] he primary outgrowth of this initiative
is the generation of a transnational activist network. BIC hosted a mee-
ting of northern and southern civil society organizations in Lima, Peru in
July 2005, which culminated in the Articulación Frente a IIRSA (Platform
against IIRSA) (PIECK, 2011, p. 188-189).

Os projetos da IIRSA possuem um papel relevante não apenas para


a integração regional da América do Sul, mas também para os terri-
tórios em que estão localizados afetando tanto a organização social,
econômica e política, como também territorial. Os impactos sociais e
ambientais resultantes são as principais fontes dos conlitos socioam-
bientais.

A INICIATIVA DE GOVERNANÇA DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS DA


BACIA AMAZÔNICA: O PROJETO OTCA/GEF
Como existem já vários trabalhos dedicados ao estudo do direito das
águas e da estrutura institucional de gestão dos recursos hídricos nos
países amazônicos, não há necessidade de retomar aqui toda esta li-
teratura.
Um dos grandes desaios à governança dos recursos hídricos na
Bacia Amazônica é a falta de informação e dados sobre a bacia, bem

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como a falta de monitoramento das condições ambientais e hidroló-
gicas da bacia em todos os países amazônicos. Em geral, as universi-
dades localizadas na Bacia Amazônica são recentes, se comparadas às
universidades das outras regiões dos países amazônicos, e recebem
poucos fundos para pesquisa, assim como os institutos de pesquisa.
Por isso, a importância para a cooperação interuniversitária tem sido
um aspecto bastante defendido na região amazônica, que conta com
a Associação de Universidades Amazônica, a UNAMAZ14. Por isso,
qualquer iniciativa para a governança dos recursos hídricos amazô-
nicos tem que levar em consideração este aspecto da pesquisa local.
A cooperação multilateral entre os países amazônicos teve início
com a mobilização para a assinatura de um tratado, que culminou em
1978 com a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica. Poste-
riormente, os países amazônicos decidiram por meio de um Protoco-
lo transformar o acordo em uma organização internacional, a Organi-
zação do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) (ARAGÓN, 1994;
COSTA-FILHO, 2003; ANTIQUERA, 2006; SANT’ANNA, 2009).
A OTCA, que iniciou suas atividades em 2002, neste mesmo ano,
mostrou interesse pelo tema dos recursos hídricos quando, durante a
XI Reunião do Conselho de Cooperação Amazônica (CCA), a Agência
Nacional de Água do Brasil (ANA), apresentou uma proposta de pro-
jeto de “Gerenciamento Sustentável e Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos da Bacia Amazônica”. Como resultado desta reunião, foram
realizadas reuniões técnicas, no ano seguinte, para a elaboração de
um projeto a ser apresentado ao GEF para a possibilidade de inan-
ciamento.

14. A UNAMAZ foi criada em 1987 como uma rede de instituições de educação superior, e é deinida
como “uma sociedade civil, não governamental, sem ins lucrativos, que visa objetivos essencialmente
educativos e culturais, mediante cooperação cientíica, tecnologia e cultural como meio de integração
das universidades e instituições dos países amazônicos para o aprofundamento da solidariedade ama-
zônica e como instrumento de promoção para o desenvolvimento em benefício das populações huma-
nas e da ecologia amazônica, sem discriminação de nenhuma índole” (LOURENÇO, 2003, p. 79).

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Em julho de 2003 ocorreu a 1ª Reunião de Trabalho de Instituições
Responsáveis pelo Gerenciamento de Recursos Hídricos dos Países
da OTCA, que contou com o apoio da Organização dos Estados Ame-
ricanos (OEA) e da ANA em conjunto com o Comitê Diretor do Pro-
jeto DELTAmérica15. Como resultado desta reunião foi produzido um
documento preliminar contendo as bases conceituais para um Pro-
jeto de Gerenciamento Sustentável dos Recursos Hídricos na Bacia
Amazônica.
Este produto foi então apresentado na reunião da Comissão de
Coordenação do CCA, na qual os países decidiram seguir em fren-
te com o projeto, devido ao caráter estratégico da proposta. Foi então
aprovado o Documento Conceitual para o Gerenciamento Integrado
e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços na Bacia do Rio
Amazonas, e aprovado pela Secretaria do GEF em novembro de 2003
(OTCA, 2004).
Este documento foi a base do Project Development Facility (PDF
Bloco B) que é a parte da elaboração do documento inal do “Proje-
to de Gerenciamento Integrado e Sustentável dos Recursos Hídricos
Transfronteiriços da Bacia do Rio Amazonas considerando a Variabi-
lidade e as Mudanças Climáticas”16, que teve a duração de dois anos
de 2005 a 2007. Nesta primeira fase foram elaborados relatórios técni-
cos por consultores, e também relatórios elaborados pelos países so-
bre a visão nacional da bacia amazônica (OTCA, 2007a).
Já em 2007 foi apresentada a proposta da fase de implementação
do projeto. E em 2009 ela é reapresentada ao GEF. Todavia, ainda em
2010 esta fase não tinha sido aprovada e operacionalizada, pois havia
divergências entre os países sobre alguns aspectos do projeto. Em en-

15. O Projeto DELTAmérica de Desenvolvimento e Implantação de Mecanismos para Disseminar Li-


ções Aprendidas e Experiências em Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos Transfronteiriços
na América Latina e no Caribe, tem a participação dos 34 países membros da OEA, foi inanciado pelo
GEF e executado pelo PNUMA, com duração de 2003 a 2005.
16. Chamado de Projeto OTCA/GEF ao longo deste trabalho.

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trevistas realizadas com funcionários da ANA, da OTCA e do Minis-
tério de Relações Exteriores do Brasil em julho de 2010, constatou-se
que havia divergências de interesses, em especial por parte da Colôm-
bia, sobre certos aspectos do projeto.
Foi somente no ano seguinte, em agosto de 2011, que ocorreu a
“Oicina da Fase Inicial” e Comitê Diretivo do Projeto “Manejo Inte-
grado e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços da Ba-
cia do rio Amazonas considerando a Variabilidade e as Mudanças Cli-
máticas”. Durante esta reunião “os representantes governamentais
dos Países Membros debateram os pontos do projeto, além de fazer
apresentações a respeito dos contextos legal, institucional e nacional”
(OTCA, 2011a). Além disso, “icaram acordadas medidas sobre as con-
trapartidas, termos de referência do Comitê Diretivo e das Unidades
Nacionais de Coordenação do Projeto (UNCP), entre outras decisões”
(OTCA, 2011a).
Este Projeto se insere dentro do Programa de Área Focal de Águas
Internacionais do GEF. Os projetos deste Programa seguem o mesmo
modelo: elaboração de um Programa de Ação Estratégica (PAE). No
caso do Projeto da Bacia Amazônica, o PAE vai conectar a adaptação
às mudanças climáticas com o gerenciamento das águas transfrontei-
riças e recursos relacionados. Também prevê a criação de um arca-
bouço institucional para sua implementação (GEF, 2009).
A duração total do Projeto é de doze anos, dividido em três fases
com duração de quatro anos cada. Ele icou conhecido pela sigla GE-
FAM, reletindo a importância da atuação do GEF neste processo:

as the only multilateral inancing mechanism available for long term sus-
tainable development interventions, GEFAM plans to respond to these
shortcomings by looking at reconciling competing resource uses and for-
mulate agreed actions by the Basin’s governments and their communi-
ties in order to resolve shared transboundary concerns. his will include
three central axes, the irst one being geared towards understanding the

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Amazon society and building a shared Vision, the second one towards un-
derstanding the Amazon resource base through a scientiically-sound and
technically appropriate environmental assessment, and inally the deve-
lopment of response strategies incorporating experiences gained through
a number of targeted pilot projects (REGENASS, 2008, p. 5).

Os projetos regionais do GEF de gerenciamento de águas trans-


fronteiriças têm, em geral, contado com o PNUMA como agência im-
plementadora, e a OEA ou outra organização regional como agência
executora. Eles têm incorporado o conceito de gestão integrada dos
recursos hídricos.

Tabela 1: Estrutura do Projeto OTCA/GEF.

Gerenciamento Integrado e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços da Bacia do rio Amazonas
considerando a Variabilidade e as Mudanças Climáticas
Componente Subprojeto
I. Entendendo a Socie- I.1. Visão para a Bacia Amazônica
dade Amazônica
I.2. Fortalecimento dos contextos institucional e legal da Bacia Amazônica
II. Compreender a base II.1. Pesquisas focalizadas
dos recursos naturais
da Bacia Amazônica
II.2. Avaliação da vulnerabilidade hidroclimática da Bacia Amazônica

II.3. Análise de Diagnóstico Transfronteiriço (TDA – Transboundary Diagnostic Analysis)


III. Respostas Estra- III.1. Projetos Pilotos de GIRH na Bacia Amazônica
tégicas
III.2. Medidas Especiais Prioritárias de Adaptação na Bacia Amazônica

III.3. Sistema de Informação integrada

III.4. Comunicação, alcance e inanças


IV. Gestão do Projeto IV.1. Gestão do Projeto
Fonte: GEF, 2009; OTCA, 2011b.

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O Plano de Trabalho da Coordenadoria de Meio Ambiente da
OTCA para 2011 apresenta o mesmo projeto, mas com algumas mo-
diicações. A mais signiicativa das mudanças, para os objetivos deste
trabalho, é a dos projetos pilotos, relativo ao Subprojeto “Projetos Pi-
lotos em Manejo Integral de Recursos Hídricos (MIRH) na Bacia Ama-
zônica” (OTCA, 2011b). Pois, no documento de 2009, constavam como
projetos pilotos: o gerenciamento integrado das bacias transfrontei-
riças das regiões amazônica do Napo e MAP. Já no Plano de Trabalho
de 2013, constava como projeto piloto o “Uso conjunto de águas sub-
terrâneas e supericiais na região das três fronteiras (Brasil, Colômbia,
Peru)” (OTCA, 2013, p. 3).
A região MAP continua fazendo parte do Projeto OTCA/GEF, po-
rém não mais como um projeto piloto para a gestão compartilhada
dos recursos hídricos, e sim, apenas no “Subprojeto III.2. Medidas
Prioritárias de Adaptação”, que consta como a atividade “Adaptação
às mudanças climáticas na região transfronteiriça do MAP (Madre de
Dios, Acre, Pando) (OTCA, 2013).
Em entrevistas com representantes da OTCA e do MRE do Bra-
sil, realizadas em julho de 2010, uma das partes envolvidas no Proje-
to OTCA/GEF expressou desejo de retirar-se da execução deste, o que
levou a reformulação dos projetos pilotos
O Projeto OTCA/GEF foi formulado e elaborado durante a pri-
meira gestão da OTCA, cuja Secretária-Geral era Rosalía Arteaga.
Com o im de sua gestão os países elegeram o então Diretor Execu-
tivo Francisco Ruiz como Secretário-geral interino, e começaram
a discutir a possibilidade de algumas alterações na condução das
ações da OTCA.
Em 2009 foram discutidas e aprovadas algumas mudanças na or-
ganização, cujas propostas estão presentes na Agenda Estratégica
aprovada pelos Ministros de Relações Exteriores em 2010, que tem
efeitos sobre o projeto de gestão da bacia e para a cooperação interna-
cional, em geral.

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A cooperação internacional tanto em termos de ajuda inanceira
quanto técnica para projetos bilaterais ou multilaterais de interesse
regional, sempre teve, desde o início do TCA, uma grande importân-
cia para as atividades do TCA e da OTCA.
A partir da X Reunião de Ministros das Relações Exteriores, reali-
zada em 30 de novembro de 2010, foi aprovada uma resolução (RES/
XMRE-OTCA 7) que visa estabelecer novos “procedimentos, mecanis-
mos e os termos para consideração, negociação e execução de pro-
postas” para a cooperação internacional.
Na Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica (AECA) tam-
bém está previsto que a Secretaria Permanente (SP), juntamente com
os Países-Membros da OTCA “deverá explorar e identiicar como al-
ternativa de inanciamento as oportunidades relativas à cooperação
triangular” (OTCA, 2010, p. 65). De acordo com a Agência Brasileira
de Cooperação (ABC) a cooperação triangular ou triangulação: “é a
modalidade de Cooperação Técnica na qual dois países implemen-
tam ações conjuntas com o objetivo de prover capacitação proissio-
nal, fortalecimento institucional e intercâmbio técnico para um ter-
ceiro” (ABC, 2011).
Para Becker (2007), nos tempos atuais a cooperação internacional
tem um papel importante, pode ser tanto uma forma de controle das
potências, como também pode ser usada conforme os interesses dos
países que a recebem. De acordo com a geógrafa:

a incidência das pressões da globalização [...] faz-se através da cooperação


internacional técnica, cientíica e inanceira, seja em projetos bilaterais,
em grandes projetos com poderosos aliados, ou em redes locais-globais
de parcerias não devidamente conhecidas. É certo que tal cooperação as-
sume por vezes autonomia excessiva, mas vale registrar o esforço do Mi-
nistério da Ciência e Tecnologia em assumir o comando nessa relação. É
certo também que não há hoje condições no mundo de prescindir da coo-
peração internacional. A Organização do Tratado de Cooperação Amazô-

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nica (OTCA) pode constituir instituição-chave para essa resistência e in-
tegração (BECKER, 2007, p. 55-56).

Esta dependência do inanciamento externo foi abordada por al-


guns autores (ARAGÓN, 1994; COSTA-FILHO, 2003; ANTIQUERA,
2006; SANT’ANNA, 2009; AMAYO, 1999) e consiste em grande preocu-
pação dos Países-Membros que tem buscado incentivar a busca por
inanciamento nos próprios Países-Membros. Na AECA está presente
esta preocupação, pois:

em atenção aos resultados do processo de discussão interna relativos às


fontes de inanciamento e considerando a complexidade associada ao
tema, a prioridade e as sérias restrições atuais associadas ao inancia-
mento da estrutura básica da operação da SP, os Países-Membros desti-
narão recursos inanceiros especíicos para permitir à SP/OTCA realizar
um estudo de avaliação das fontes de inanciamento disponíveis, visan-
do superar a dependência do inanciamento externo para a operação da
SP e para o desenvolvimento dos projetos estratégicos da Organização.
Esta análise de oportunidade, que deverá ser realizado preferentemente
de forma periódica, deverá receber inanciamento de um ou mais Países
Membros e ter apoio complementar destinado a ela por meio da oferta de
proissionais nacionais especialista (OTCA, 2010, p. 65).

E a Resolução RES/X MRE-OTCA 7 também considera:

O mandato da SP para fazer um estudo em coordenação com os Países-


-Membros com o intuito de avaliar possíveis fontes de financiamento
provenientes dos próprios países, a im de superar a dependência do i-
nanciamento externo no desenvolvimento dos projetos estratégicos da
Organização (OTCA, 2010).

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No caso do Projeto de gestão da bacia amazônica, a sustentabili-
dade do inanciamento é uma questão chave. Para Regenass (2008),
o problema é que este tipo de projeto, em geral, não é pensado para
gerar investimento em áreas que levariam a um retorno inanceiro, o
que permitiria ao projeto se tornar independente das doações de ins-
tituições estrangeiras e se auto sustentar.
Um desaio importante para o projeto é a assimetria entre os mar-
cos legais e institucionais, bem como a sua fragmentação no caso dos
recursos hídricos. Em alguns contextos domésticos como é o caso da
Guiana e do Suriname a competência legal da agência encarregada
de tratar dos recursos hídricos não está bem deinida, o que tem gera-
do conlitos e contradições. Em outros casos os recursos hídricos são
abordados por diferentes setores e instituições que muitas vezes com-
petem entre si por inanciamento e possuem interesses políticos con-
litantes (REGENASS, 2008).
Apesar dos problemas institucionais enfrentados para a imple-
mentação do projeto, é importante notar o papel das Unidades Nacio-
nais de Coordenação do Projeto (UNCP), pois estas são as instituições
responsáveis pela implementação e execução das atividades previstas
no projeto em território nacional. No caso brasileiro a UNCP é a Agên-
cia Nacional de Águas (ANA), que desde o início teve um papel ativo,
pois foi a instituição que apresentou a proposta do governo brasileiro
de realizar um projeto de gestão compartilhada da bacia amazônica.
A articulação entre as instituições nacionais de gestão dos recur-
sos hídricos é um passo importante como forma de troca de informa-
ções sobre a Bacia Amazônica em cada território nacional. No caso
dos recursos hídricos transfronteiriços a transparência no comparti-
lhamento das informações é importante para estabelecer coniança
e relações duradouras de cooperação. A cooperação entre os países
amazônicos é fundamental para o sucesso do projeto, pois terá que
enfrentar algumas situações envolvendo os recursos hídricos trans-

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fronteiriços que podem gerar tensões e conlitos, como a contamina-
ção transfronteiriça e obras de infraestrutura em áreas fronteiriças.

OS DESAFIOS DE GERIR A MAIOR BACIA HIDROGRÁFICA DO MUNDO:


DO LOCAL AO INTERNACIONAL
Apesar da existência de uma organização internacional, a OTCA, e
o projeto GEF como um primeiro passo para construir a governança
internacional da Bacia Amazônica, é importante frisar que estas são
iniciativas intergovernamentais. Poucos são os estudos sobre a Bacia
Amazônica que analisam os demais atores que inluenciam no pro-
cesso de governança além do Estado, bem como outras iniciativas de
cooperação transfronteiriça não institucionalizadas17. Os conlitos re-
lacionados às hidrelétricas são um exemplo dos conlitos e desaios
que envolvem a gestão da Bacia Amazônica do local ao internacional.
Nos últimos anos diversos organismos internacionais e também a
comunidade epistêmica tem ressaltado o que icou conhecido como
o nexo entre água e energia. A pergunta “será que a energia está se
tornando um recurso sedento?”, tem chamado à atenção de pesqui-
sadores para a crescente interdependência entre os dois setores. Em-
bora os dois setores sejam tratados em políticas separadas os efeitos
recíprocos são inegáveis. Ainda que a produção de energia hidrelétri-
ca seja o caso mais evidente desta interdependência, todas as demais
fontes de energia também estão relacionadas com o setor de recursos
hídricos (IEA, 2012; Schuster-Wallace et al. 2015).
No caso da hidroeletricidade, como pôde ser visto no Brasil em
2014, mas também em diversas outras partes do mundo, ela tem sido
impactada pelas mudanças climáticas e a variabilidade do padrão de
chuvas, que tem afetado não apenas o setor energético, mas os de-
mais usos e atividades dependentes dos recursos hídricos. Em paí-
ses como Estados Unidos, França e Índia, algumas usinas estão sendo

17. Em outro trabalho trato de dois casos especíicos com maiores detalhes, ver SANT’ANNA, 2013.

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forçadas a fechar devido às alterações nos recursos hídricos, princi-
palmente relacionados à quantidade. Secas mais longas e frequen-
tes estão ameaçando a capacidade hidrelétrica de países como a Chi-
na, Brasil e Sri Lanka (RODRIGUES, 2013). No entanto, este quadro
não tem impactado o planejamento e a construção de novas usinas
hidrelétricas, especialmente na Bacia Amazônica, que é considerada
uma região com alto potencial inexplorado.
De acordo com Bermann (2012), existiam 26 usinas hidrelétricas
planejadas e em construção na Amazônia brasileira para os próximos
10 anos (2022). Assim como nos demais países amazônicos como o
Peru, que possui um acordo energético com o Brasil, na Bolívia, com
duas hidrelétricas planejadas no rio Madeira, no Equador com duas
também planejadas, além de Colômbia, Venezuela, Suriname e Guia-
nas que também possuem planos de construção de usinas hidrelétri-
cas em suas porções amazônicas. Para ele:

Todas essas obras têm pontos em comum: são propostas sob o estigma
da “segurança energética” em cada um dos países envolvidos nesses pro-
jetos. E todos os projetos são apresentados com a participação direta ou
indireta com empresas e bancos brasileiros. Nos anos recentes, esta di-
mensão tem sido apresentada como projetos de integração energética
elaborados dentro da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Re-
gional Sul-Americana (IIRSA). Os rios amazônicos (Madeira, Tocantins,
Araguaia, Xingu e Tapajós) respondem por cerca de 63% do assim chama-
do “potencial hidrelétrico” não aproveitado no Brasil, ou quase dois ter-
ços desse total, estimado em 243.362 MW (SIPOT/ELB, 2010) (BERMANN,
2012, p. 6).

Apesar dos problemas relacionados à diminuição dos reserva-


tórios das hidrelétricas terem afetado outras regiões do Brasil, é evi-
dente que a maior parte do potencial hidrelétrico planejado e em
construção está na região amazônica. DE acordo com o Plano Dece-

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nal de Energia 2011-2020 do Brasil, o país pretende construir 12 usi-
nas com uma potência total de 22.287 MW. Este valor corresponde a
65% do total que o governo buscava instalar até 2016. Posteriormen-
te o governo pretende construir até 2020 mais 10 usinas com potên-
cia total de 15.506 MW (MME/EPE, 2011). No Plano Nacional de Ener-
gia 2030 o governo pretendia instalar até 2030 mais 43.700 MW, sendo
14.000MW na Bacia Amazônica, pretendendo dobrar a capacidade
atual de energia hidrelétrica do país (MME/EPE, 2007).
Grande parte destes projetos hidrelétricos estão em bacias onde
não existem Comitês de Bacias, portanto onde não está completa-
mente implementada a PNRH. Sem um processo democrático de go-
vernança e gestão dos recursos hídricos destas bacias, o setor energé-
tico se sobrepõe aos usos múltiplos, e os problemas de coordenação e
gestão compartilhada ocorrem.
Este capitulo buscou mostrar os principais desaios da governança
e gestão dos recursos hídricos da maior bacia hidrográica do mundo,
a Bacia Amazônica, e também os conlitos socioambientais existen-
tes nela, pois o processo político da governança evidencia diferentes
valores e projetos para os recursos hídricos da bacia, de acordo com
os múltiplos atores envolvidos. O compartilhamento desta bacia por
vários países sul-americanos adiciona maior complexidade à esta go-
vernança, pois implica também a necessidade da cooperação inter-
nacional para a sua gestão. As diiculdades da gestão compartilhada e
da coordenação entre diferentes setores, principalmente com o setor
energético, também se somam aos desaios a serem enfrentados. O
intuito foi apresentar a problemática geral da governança dos recur-
sos hídricos amazônicos, lembrando da importância dos estudos de
caso mais especíicos e aprofundados para entender as complexida-
des de cada sub-bacia, bem como os múltiplos atores envolvidos em
cada escala geográica de análise. É importante acompanhar também
as mudanças institucionais da gestão dos recursos hídricos nos paí-
ses amazônicos e os impactos que podem ter para a Bacia Amazônica.

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MALÁRIA NAS FRONTEIRAS
INTERNACIONAIS DA AMAZÔNIA
Paulo Cesar Peiter
Vivian da Cruz Franco
Martha Suárez Mutis

INTRODUÇÃO
A Amazônia é uma das regiões de maior biodiversidade e conjunto
contínuo de lorestas tropicais do planeta. Entretanto, a história re-
cente de sua ocupação tem sido marcada por graves problemas so-
ciais e ambientais, tais como o desmatamento, a poluição dos rios, os
conlitos por terras com invasão de terras indígenas com sérias conse-
quências para a saúde das populações autóctones e migrantes (MEI-
RA FILHO, 2004).
A fragilidade da relação sociedade-ambiente na Amazônia coloca
para o Brasil o desaio de criar novas formas de ocupação e desen-
volvimento econômico e social includentes e equitativos. A situação
de saúde da população Amazônica é um excelente indicador desse
processo, pois os problemas de saúde estão intimamente relaciona-
dos com o processo de ocupação e as mudanças na relação ambien-
te-sociedade.
A riqueza da biodiversidade Amazônica se revela na variedade da
lora e da fauna incluindo a grande variedade de espécies de insetos
e microrganismos conhecidos e ainda desconhecidos. Cada mudan-
ça na dinâmica da ocupação e uso do território implica em novas pos-
sibilidades de contato humano com esses insetos, sendo alguns deles
vetores de microrganismos patogênicos, podendo resultar em surtos

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de novas doenças e epidemias ou seja, cada novo ciclo de ocupação
econômica da Amazônia, acarreta alterações ambientais e mudan-
ças no comportamento das doenças, resultando no estabelecimen-
to de novos focos de transmissão ou ao contrário a sua extinção em
uma determinada área ou região (ALBUQUERQUE & SUÁREZ-MU-
TIS, 1998).
A história da malária na Amazônia é emblemática da intrincada re-
lação entre a dinâmica demográica e a transmissão de doenças, me-
diada pelos determinantes econômicos, sociais, políticos e culturais.
No entanto, cabe apontar que muito se aprendeu nesse longo cami-
nho, e hoje existe um importante acúmulo de experiências de contro-
le da doença, com momentos de grande êxito e momentos de reemer-
gência da malária.
O momento atual é positivo com grande redução do número de ca-
sos anuais de malária na Amazônia graças à implementação da estra-
tégia integrada de controle, entretanto ainda persistem situações de
risco elevado principalmente em áreas indígenas e em áreas da fron-
teira internacional, pela maior complexidade para o controle da ma-
lária que esses espaços geográicos apresentam.
Neste capítulo, apresentamos as fronteiras internacionais como
um espaço geográico particular e caracterizamos a faixa de frontei-
ra do Brasil. Em seguida, fazemos um breve panorama da malária no
mundo, no país e na faixa de fronteira Amazônica, apontando a sua
relevância para o controle da doença no país, seus principais deter-
minantes e os desaios para o controle no nível local, com a apresen-
tação do estudo do caso da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru,
da fronteira Brasil-Guiana Francesa e da fronteira do Brasil com a
Bolívia.

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A FRONTEIRA INTERNACIONAL DO BRASIL
A fronteira internacional é um tema muito estudado na geograia, es-
pecialmente no campo da geopolítica, tendo como um dos princi-
pais focos a questão dos limites políticos entre os países e o seu im-
pacto nas relações internacionais (PRESCOTT, 1987; FOUCHER, 1991;
RUMLEY & MINGHI, 1991).
No campo da geograia da saúde, os estudos da fronteira abordam
principalmente questões sobre a difusão internacional de doenças e
o acesso aos cuidados de saúde em zonas fronteiriças. Esses estudos
apontam a zona de fronteira internacional como as mais vulneráveis
para a saúde, dado que o limite internacional cria barreiras ao aces-
so de pacientes estrangeiros aos serviços de saúde, coloca diiculda-
des técnicas, operacionais e burocráticas para o controle integrado de
doenças, enquanto que para os agentes e vetores de doenças o limi-
te político internacional não constitui barreira (PEITER, 2005; 2008).
A maioria dos países estabelece por lei uma área de segurança ad-
jacente ao limite político internacional denominada de “faixa de fron-
teira” (FF) que pode variar em extensão de um país para outro. No
Brasil a faixa de fronteira com os países vizinhos compreende uma
área de 150 km de largura (Lei 6.634, de 2/5/1979), paralela à linha di-
visória terrestre do território nacional (Figura 1). É uma região contí-
nua com cerca de 16 mil quilômetros de extensão, cobrindo cerca de
2.357.850 km2 (27,6% do território nacional).
Nos 588 municípios compreendidos na FF viviam 9.855.132 habi-
tantes, ou 6% da população brasileira, segundo o IBGE (2010). Três ca-
pitais estaduais, Boa Vista-RR, Rio Branco-AC e Porto Velho-RO si-
tuam-se no segmento Amazônico da FF, além de 27 pares de cidades
gêmeas. Estas últimas são cidades situadas na linha de fronteira com
interação cotidiana entre seus habitantes. Estas cidades são conside-
radas lugares privilegiados para observação das relações entre países
vizinhos (BRASIL, 2005; PEITER, 2005, MACHADO, 2010).

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Figura 1: A Faixa de Fronteira do Brasil
Fonte: MI, 2005.

Na igura acima vemos a delimitação da faixa de fronteira do Brasil


com seus três grandes arcos e 19 sub-regiões (BRASIL, 2005).
Pela extensão, heterogeneidade ambiental e demográica é de se
supor que exista uma ampla gama de situações econômicas, sociais e
de saúde, o que justiicou a sua subregionalização. Em cada segmen-
to da fronteira desde a sub-região do Oiapoque-Tumucumaque no ex-
tremo norte, até a sub-região Metade Sul do Rio Grande do Sul, no
extremo sul do país, observa-se grandes contrastes em termos de con-

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dições de vida e situação de saúde, como por exemplo a esperança de
vida ao nascer que é 9 anos superior na sub-região Oeste de Santa Ca-
tarina no arco sul da fronteira em relação à sub-região do Alto Soli-
mões no arco norte (fronteira do Amazonas). No caso da malária os
arcos norte e central são os mais afetados por se situarem na região
endêmica da malária na Amazônia, como veremos mais adiante.

A IMPORTÂNCIA DA MALÁRIA NO BRASIL E NA FAIXA DE FRONTEIRA AMAZÔNICA


A malária ainda é considerada como a mais importante endemia pa-
rasitária no mundo. No início do século XX o número de habitantes
expostos ao risco de adquirir a doença compreendia cerca de 80% da
população mundial, declinando até a década de 70 para 51,9% e em
1994 para 46,05%, chegando ao presente século com uma tendência
a ascensão, já que em 2002 esse percentual atingiu 48,3% da popu-
lação. Até o início de 2016, existiam no planeta 91 países e territórios
com transmissão de malária. A nível mundial ocorreu uma redução
na morbidade e mortalidade de 41% e 62% respectivamente. Em 2015
foram estimados 212 milhões de casos novos da doença com 429.000
mortes, sendo que 90% da morbidade e 92% da mortalidade ocorre-
ram no continente africano (WHO, 2016).
No continente americano em 2015, cerca de 108 milhões de pes-
soas viviam em zonas com risco de transmissão da doença. São 21 paí-
ses com indivíduos que vivem em condições ecológicas e socioeco-
nômicas favorecedoras a diversos graus de transmissão da malária
(WHO 2016). A partir do ano 2000, depois da implantação da estra-
tégia “Fazer recuar a malária” (Roll back malária) tem se observado
uma paulatina diminuição dos casos desta endemia neste continen-
te, onde o número de casos de malária passou de 1,2 milhões no ano
2000 para 390.000 em 2014 (redução de 67,5%). Três países foram os
responsáveis por 77% dos casos no ano 2013: Brasil (37%), República
Bolivariana da Venezuela (23%) e Colômbia (17%). Reduções de mais
de 75% na incidência de casos conirmados microscopicamente fo-

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ram notiicados em 15 dos 21 países em áreas com transmissão con-
tínua (WHO, 2015). A região reportou 79 óbitos no ano 2014, com um
declínio de 80% em comparação com o ano 2000, sendo Brasil o res-
ponsável pela metade das mortes devidas a malária.
As principais estratégias adotadas na região foram: diagnóstico
oportuno e adequado, fornecimento de medicamentos antimaláricos
suicientes para tratar todos os pacientes, intervenções com mosqui-
teiros impregnados com inseticidas de longa duração (MILDs) e bor-
rifação residual intradomiciliar (BRI) em áreas com transmissão focal
contínua (WHO, 2015).
No processo de desenvolvimento do Estado brasileiro, historica-
mente a malária tem um lugar de destaque com participação impor-
tante nos grandes momentos de construção do país, servindo como
ponto de referência e forte indicadora das desigualdades sociais em
diferentes conjunturas. No período colonial, a malária é referida
como doença atrelada ao processo produtivo, com prevalência mar-
cante no meio rural e relacionada à implantação e consolidação da
economia cafeeira (SUÁREZ-MUTIS et al, 2005).
A partir do século XX, na sua primeira metade, a doença marcou
história com a implantação de eixos ferroviários, destacando-se a sua
ocorrência entre trabalhadores e populações da área de inluência das
estradas de ferro Madeira-Mamoré, Vitória-Minas, Noroeste do Bra-
sil, Rio-São Paulo, São Paulo-Paraná, etc. (PESSOA [1949] 1978; VAR-
GAS & SANTOS, 1944). Nesse período a região amazônica foi invadi-
da por um grande contingente de migrantes, procedentes do nordeste
brasileiro, que tinham como objetivo a extração da borracha. Enquan-
to população altamente susceptível houve uma elevação substancial
da morbimortalidade nos grandes aglomerados urbanos e calhas dos
grandes rios (ALBUQUERQUE, 1982). Segundo Barros Barreto, em
1940 o Brasil apresentava 1/7 de sua população com malária, o cor-
respondente a seis milhões de casos. Ao inal da década de 40, com
o advento do DDT (dicloro-difenil-tricloetano), poderoso inseticida

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de ação residual, e da Cloroquina como excelente esquizonticida san-
guíneo, associados às reformulações do programa de combate, houve
um declínio acentuado da doença.
Em 1970, o país registrou 52.469 casos de malária, o menor nú-
mero em toda sua história, com grande concentração de casos
na Amazônia Legal, demonstrando a partir daí uma tendência de
crescimento e de localização em áreas da Amazônia, onde a explo-
ração econômica e ambiental se faz de forma predatória gerando
grandes e incontroláveis bolsões da doença. Tais eventos foram re-
lacionados à implantação de projetos de colonização, extração mi-
neral, invasão de terras indígenas, expansão desordenada de peri-
feria urbana etc.
Em 1980 foram notificados 169.871 casos e em 1990 ultrapassou
560.000 casos, veriicando-se durante esse decênio alta frequência ou
mesmo predominância do P. falciparum. Durante a década de 1990 o
número de casos se manteve alto, porém, houve uma inversão na ra-
zão P. falciparum/P. vivax passando a predominar o P. vivax em toda
a região amazônica (SUÁREZ-MUTIS et al, 2005).
No presente século a malária vem adquirindo uma certa estabi-
lidade. No entanto, ainda no ano 2005 houve mais de 600.000 casos
notiicados no país e em alguns municípios adquiriu características
epidêmicas. A partir de 2006, o número de casos começou a diminuir
sendo que em 2016 foram feitas 128.672 notiicações, produto, em
grande parte de uma estratégia de controle integrada de diagnóstico
e tratamento oportuno dos casos, borrifação intradomiciliar, implan-
tação de mosquiteiros impregnados com inseticidas de longa dura-
ção e educação sanitária entre outros. Um fato importante nos últi-
mos anos tem sido o descenso continuado do percentual de casos
por P. falciparum que passou de 31% no ano de 2002 para 11,8% em
2016, devido à implantação no Brasil, ao inal do ano 2006, das com-
binações terapêuticas com derivados da artemisinina (MINISTÉRIO
DE SAÚDE, 2017) (Figura 2).

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Figura 2. Série histórica de casos de malária registrados no Brasil – 1970 – 2015
Fonte: SIVEP_Malaria 2016
Organizado por: Vivian da Cruz Franco

ASPECTOS GERAIS DA TRANSMISSÃO DA MALÁRIA


Na coniguração da estrutura epidemiológica determinante para a pro-
dução da malária humana temos que considerar o agente etiológico, o
homem como reservatório e hospedeiro suscetível, o vetor, mosquitos
do gênero Anopheles sp., e os fatores ambientais moduladores da repro-
dução desses parasitos em áreas geográicas especíicas. A transmissão
natural da malária se efetiva por meio da picada da fêmea de mosquitos
do gênero Anopheles sp. que quando infectados inoculam os esporozoí-
tas, tendo como veículo a saliva cuja ação anticoagulante facilita a pe-
netração nos tecidos. Esse é o principal mecanismo de transmissão na
região amazônica. A chamada transmissão induzida representa a conta-
minação por meio de sangue infectado, seja por transfusões de sangue,
uso compartilhado de agulhas e/ou seringas contaminadas. A transmis-
são congênita, pouco frequente, pode efetivar-se pela mistura do sangue
materno com o fetal, seja intra-uterina ou durante o trabalho de parto.

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Com relação aos vetores, esses são insetos da ordem dos Dípteros,
da família Culicidade e do gênero Anopheles sp. Apesar da grande va-
riedade de espécies, somente um pequeno número tem importância
na transmissão da malária humana, com presença e domínio em de-
terminadas áreas geográicas. Na maior parte do continente sul-ame-
ricano predomina o An. darlingi (Root 1926), um vetor muito compe-
tente. No Brasil, o gênero é popularmente conhecido como mosquito
prego, sovela, muriçoca ou carapanã da malária. Outros anofelinos
têm sido apontados como vetores da malária na região amazônica,
porém são menos importantes que o An. darlingi. Eles são: An. albi-
tarsis s.l. (Lynch-Arribalzaga, 1878) encontrado em diferentes locais da
Amazônia, e o An. aquasalis (CURRY, 1932) localizado na região lito-
rânea, na Guiana.
Decididamente, o meio ambiente é o elemento modulador da
ocorrência e magnitude da doença em determinada área, quer pe-
las suas condições naturais, destacando-se entre estas os fatores físi-
cos como a temperatura e a umidade relativa do ar que inluenciam
no desenvolvimento do ciclo extrínseco do parasita, assim como na
longevidade dos vetores. A precipitação pluviométrica, como fon-
te alimentadora das coleções hídricas que podem funcionar como
criadouros de transmissores e, quando excessivamente altas, como
elementos destruidores de ovos e larvas, interferindo na reprodução
do vetor. As características desses criadouros guardam uma estreita
relação com a espécie do transmissor. O An. darlingi, considerado o
principal vetor no país, tem como criadouros naturais as grandes co-
leções hídricas, como rios, lagos e igarapés, hoje totalmente amplia-
das e potencializadas, conforme a ação humana em uma exploração
predatória da natureza propicia a criação e a modiicação de criadou-
ros, proporcionando dessa forma as condições ideais para a procria-
ção de vetores.
Para a reprodução do parasito, o contato efetivo entre o vetor e
hospedeiro é diretamente facilitado pelas condições socioeconômi-

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cas e culturais da população. Esta, de forma permanente ou temporá-
ria, frequenta ou reside em áreas de alto risco, cuja exposição ao vetor
pode ser facilitada pelas precárias condições habitacionais, ausência
de saneamento ambiental, condições de trabalho e, principalmente,
pela diiculdade de acesso aos serviços de saúde, precariedade das
ações de controle, situações estas diretamente relacionadas com o au-
mento da taxa efetiva de reprodução da doença.
Para esse grupo populacional, a atividade migratória é uma cons-
tante, funcionando como fonte de reposição de população susceptí-
vel à malária em área de transmissão ativa da doença, como também
elemento disseminador de cepas de Plasmodium, ou mesmo introdu-
zindo os parasitos em áreas que apresentem condições de receptivi-
dade gerando novos focos de malária (MARQUES, 1982 e 1987; SUÁ-
REZ MUTIS, 1997).
Para se poder fazer comparações da situação da malária entre paí-
ses ou regiões é preciso ter um método padronizado de classiicação
da epidemiologia da doença. Entre as várias formas de classiicação
existentes, a estratiicação epidemiológica de risco é o modelo utiliza-
do no continente americano.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu a estratii-
cação epidemiológica de risco classiicando as áreas em alto, médio,
baixo e sem risco dependendo da incidência parasitária anual (IPA)
uma medida malariométrica construída usando como numerador o
número de casos de malária num ano em um determinado num lo-
cal especíico e como denominador a população em risco desse lugar
para esse mesmo período de tempo por cada 1000 pessoas. Nos ou-
tros países das Américas é usada outra padronização desse indicador.
No Brasil as áreas são divididas assim: Alto risco: IPA maior ou igual a
50; médio risco: IPA maior ou igual a 10 e menor de 50; baixo risco: IPA
maior de 0 e menor a 10; sem risco: IPA = 0.
O mapa a seguir mostra a incidência parasitária anual da malá-
ria por município no Brasil com destaque para a região endêmica na

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Amazônia onde se pode observar as maiores incidências na cor escu-
ra onde a IPA é maior ou igual a 100 casos por mil habitantes (igura 3).

Figura 3. Índice Parasitário Anual nos municípios da região Amazônica em 2015


Fonte: SIVEP-malária. Ministério da Saúde.
Organização: Rafael S. Pereira.

A MALÁRIA NA FAIXA DE FRONTEIRA DA AMAZÔNIA


Um estudo que avaliou a situação de malária na faixa de fronteira do
Brasil entre 1999 e 2001 mostrou que o maior risco ocorreu na sub-
-região Parima-Alto Rio Negro (fronteira entre o Brasil e a Venezue-
la), onde no período de 1999-2001 a IPA alcançou 107,05 casos por mil
habitantes. A elevada mobilidade transfronteiriça dos indígenas nesta
região, a diiculdade de acesso das equipes de controle da malária e as
persistentes incursões de garimpeiros diicultaram as ações de con-
trole da doença (PEITER, 2005; 2008).
A segunda sub-região de maior incidência de malária na faixa de
fronteira ocorreu na região dos Campos do Rio Branco (Roraima),

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onde a IPA alcançou 80,38. A grande mobilidade populacional (mi-
grantes, indígenas e populações lutuantes de garimpeiros) e a exis-
tência de vários assentamentos rurais criados ao longo das déca-
das de 1980 e 1990 destacam-se entre seus possíveis determinantes.
A maior conectividade dessa região, proporcionada por uma razoá-
vel rede viária (das mais desenvolvidas da faixa de fronteira amazôni-
ca e conectada às redes venezuelana e guianense), potencializou os
contatos entre as populações regionais em um processo caracteriza-
do pela ocupação desordenada e o desmatamento, intensiicando a
transmissão da malária na região.
A terceira sub-região em incidência de malária na faixa de fron-
teira amazônica era a Madeira-Mamoré (RO), na fronteira com a Bo-
lívia, que teve uma IPA de 70,81. Do mesmo modo que na sub-região
Campos do Rio Branco, a grande migração e a instalação de nume-
rosos assentamentos rurais nas últimas décadas do século XX, con-
tribuíram para o elevado risco de malária. A maior conectividade da
região facilitou o processo migratório e a ocupação das terras, com
o desmatamento de grandes áreas de loresta. O contato entre ma-
deireiros, garimpeiros, migrantes e indígenas, todos altamente vul-
neráveis à malária, acentuou a transmissão. A quarta sub-região de
maior risco para a malária naquele período foi Oiapoque-Tumucu-
maque (fronteira Brasil e Guiana Francesa) com IPA de 59,97. Nesta
sub-região, foram determinantes para a malária: a forte presença in-
dígena, a elevada mobilidade populacional (migração e populações
lutuantes, principalmente de garimpeiros), as interações transfron-
teiriças com a Guiana Francesa (país com elevada incidência de ma-
lária) e a predominância das atividades extrativistas (mineral e ve-
getal) (igura 4).

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Figura 4: Faixa de fronteira. Arco Norte e parte do Arco central.
Incidência de malária 1999-2001. Fonte: PEITER, 2005.

Uma das conclusões desse estudo foi que a dinâmica social na


zona de fronteira internacional é extremamente interligada. Os obs-
táculos para a implementação de ações integradas de controle (en-
tre o Brasil e seus vizinhos) prejudicam a consolidação dos avanços
obtidos nas ações focais de controle da malária na região amazônica
como um todo. Faz-se necessário uma ação especíica para as áreas
de fronteira internacional, geralmente, áreas de elevado risco para
esta doença (PEITER, 2005).
Uma década depois, outro estudo realizado na tríplice fronteira
Brasil-Colômbia-Peru mostrou o entrelaçamento de uma série de
determinantes de ordem social, econômica, ambiental, operacio-
nal e burocrática envolvidos na dinâmica local e transfronteiriça da
malária (SUÁREZ-MUTIS et al, 2010). Este estudo permitiu observar
os efeitos do limite internacional na vigilância e controle da malá-
ria como as diiculdades gerenciais e operacionais dos serviços de
saúde em matéria de registros, acompanhamento de tratamentos de

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pacientes, dimensionamento dos serviços, planejamento de ações,
controle ambiental e de vetores, imunização, etc. A duplicação de
serviços e infraestrutura, que poderiam operar em sinergia é um as-
pecto presente em zonas fronteiriças, mas de difícil equacionamen-
to. Um outro elemento complicador da situação dessa fronteira é a
ocorrência de atividades ilícitas, tráico de drogas e abuso de subs-
tâncias químicas, que apesar de acontecerem em todo território na-
cional, têm suas particularidades nas áreas da fronteira internacio-
nal (MACHADO, 1999).
Grande parte das diiculdades de acesso e planejamento em saúde
nas fronteiras deve-se a elevada mobilidade populacional transfron-
teiriça. Esta por sua vez está relacionada com possíveis oportunidades
existentes no país vizinho. Esta alta mobilidade, materializada em lu-
xos transfronteiriços intensos e constantes (dependendo do lugar da
fronteira) são fruto das assimetrias existentes em cada lado do limite
internacional em termos jurídicos, econômicos, culturais e de organi-
zação dos sistemas de saúde.
Um outro estudo realizado no ano 2010 nos 98 municípios da fron-
teira Amazônica (Arco Norte e parte do Arco Central), mostrou que
no ano de 2003 foram notiicados 105.471 casos de malária nessa área
e que no ano de 2010 as notiicações aumentaram 17,5%, atingindo a
marca de 123.895 casos. Este aumento contraria a tendência nacional
da malária que foi de redução de 18,4% no número de casos no perío-
do. A igura 5 mostra as incidências parasitárias anual (IPA) nos anos
2003 e 2010, nos 98 municípios que conformam a área de fronteiras
brasileiras na região Amazônica. Observa-se no período um agrava-
mento da situação epidemiológica da malária especialmente nos mu-
nicípios da Sub-região Parima-Alto rio Negro, Campos de Rio Branco,
Alto Solimões (fundamentalmente a expensas de Atalaia do Norte) e
Alto Juruá (PEITER et al, 2011).

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Figura 5. Distribuição da Incidência Parasitária Anual (IPA) no ano 2003 (acima) e 2010 (abaixo)
nos 98 municípios que conformam a área de fronteira brasileira na Amazônia.

A igura 6 mostra mais claramente a mudança da situação epide-


miológica (incidências parasitárias anuais) entre 2003 e 2010. Os mu-
nicípios que tiveram aumento de incidência parasitária anual foram,
em ordem: Amajari (RR), Mâncio Lima (AC), Cruzeiro do Sul (AC),
Cantá (RR), São Gabriel da Cachoeira (AM), Rodrigues Alves (AC),
Alto Alegre (RR), Atalaia do Norte (AM), Ipixuna (AM), Santo Antô-

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nio de Içá (AM), Bonim (RR), Caracaraí (RR), Pacaraima (RR), Barce-
los (AM).

Figura 6. Mudança relativa das incidências parasitárias anuais (IPAs) dos municípios da área de
fronteira brasileira na região Amazônica comparando o ano 2010 com o ano 2003.
Fonte: SIVEP-malária, 2015

Nessa ocasião o Ministério da Saúde do Brasil encarregou um es-


tudo mais aprofundado em 16 municípios considerados prioritários
para o controle da malária. Na tabela 1 observa-se o número total de
casos de malária no ano de 2010 e em 2015 nos 16 municípios priori-
zados pelo Programa Nacional de Controle da Malária (MS, 2011). Em
total foram notiicados 87.010 casos de malária nesses municípios em
2010 e 49.615 em 2015 com uma diminuição de 43% em todo o perío-
do (tabela 1).
Houve importantes mudanças no período de estudo. Em 2010, os
municípios de Santa Isabel do rio Negro, Tabatinga, Plácido de Cas-
tro, Guajará-Mirim e Nova Mamoré eram considerados como de mé-
dio risco epidemiológico. O percentual médio de casos devidos ao P.
falciparum nos municípios priorizados foi de 15,6%; no entanto, esse

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percentual chegou a 34% no Oiapoque, 30% em Barcelos, 33% em Ata-
laia do Norte e 44% em Rodrigues Alves. Ao comparar os resultados no
percentual de P. falciparum entre os municípios prioritários e todos
os municípios da região Amazônica foram encontradas diferenças es-
tatisticamente signiicativas (p=0,00000) com um maior número de
casos nos municípios priorizados.
Em 2015, a situação epidemiológica mudou. Em média houve
uma diminuição de 43% no número de casos em todos os muni-
cípios a exceção de Barcelos, Santa Isabel do rio Negro, Atalaia do
Norte e Guajará onde houve um aumento substancial de casos. No
município de Rodrigues Alves não houve modiicação da situação
epidemiológica.
A diminuição dos casos devidos ao P. falciparum não acompa-
nhou na mesma medida à redução geral dos casos de malária, sen-
do que foi de 28,9%. Na maior parte dos municípios priorizados
houve uma drástica queda da malária por P. falciparum, chegan-
do praticamente a desaparição em alguns locais. No entanto, hou-
ve um importante aumento dos casos em Santa Isabel do Rio Negro
(261,9%), Guajará (144,4%), Mâncio Lima (134,4%) e Rodrigues Al-
ves (175,7%). Apesar de um dos indicadores dos programas de con-
trole que mede a eiciência das ações realizadas é a diminuição do
número de casos por P. falciparum, é necessário realizar uma ava-
liação a profundidade dos outros determinantes que podem estar
levando a um aumento dos casos desse parasito, nesses municí-
pios. O município de Santa Isabel do rio Negro deve ser analisa-
do com muito detalhe, pois passou de médio risco epidemiológico
para alto risco com um importante percentual de casos devidos ao
P. falciparum (tabela 1).

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Tabela 1. Comparação dos principais indicadores malariométricos nos anos 2010 e
2015 nos municípios prioritários para o controle da malária em 2010.

Fonte: Sivep-malária, 2017.

Os municípios de Nova Mamoré (32,1%), Plácido de Castro (31,3%)


e Oiapoque (27,2%) foram os que mais receberam, percentualmente,
casos importados de outros países no ano de 2010. Em 2015 foram os
municípios de Atalaia do Norte e Plácido de Castro os que mais rece-
beram casos importados, sendo que neste último, houve uma impor-
tante redução do total de casos. Ao comparar os anos de 2010 e 2015
parece haver um leve aumento no percentual de casos importados
comparado com o total; no entanto como houve uma real diminui-
ção da malária nesse período o que houve foi uma redução de 8.304
importados em 2010 para 5.344 em 2015, uma diminuição de 35,6%
dos casos ao comparar os dois anos. Chama a atenção o município de
Oiapoque com 27,2% dos casos devidos à malária importada em 2010

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sendo que em 2015 houve uma queda dessa forma da doença para
16,7%; o mesmo ocorreu com nova Mamoré com uma diminuição de
90,4% da malária importada. Outros municípios tiveram, ao contrário,
um aumento dos casos importados como Atalaia do Norte que passou
de 536 casos importados para 1.192. Rodrigues Alves também teve um
aumento nos casos importados, porém em 2010 somente notiicou 13
casos passando para 233 em 2015 o que levou a um aumento no per-
centual de importação de 0,3 para 5,3 mas que não é ainda tão rele-
vante quanto outros municípios (Tabela 2).

Tabela 2. Diferença dos casos de malária importada nos municípios de estudo entre 2010 e 2015.

Fonte: Sivep-malária, 2017

A MALÁRIA EM MUNICÍPIOS DA FRONTEIRA BRASIL-COLÔMBIA-PERU, BRASIL-


BOLÍVIA E BRASIL-GUIANA FRANCESA: ALGUNS DETERMINANTES
Pesquisas realizadas no período entre 2010 a 2016 nos municípios de
Tabatinga (fronteira com a Colômbia e o Peru), Guajará-Mirim (fron-
teira com a Bolívia) e Oiapoque (fronteira com a Guiana Francesa)

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apontaram uma série fragilidades relacionadas à estruturação dos
serviços locais de saúde, ao combate à malária, à vigilância em saú-
de e ao controle seletivo de vetores (FRANCO, 2013; PEITER et al, 2013;
SUAREZ MUTIS, 2010).
Um primeiro ponto relevante a destacar é que apesar de existir
uma pactuação formal para a realização de atividades de combate à
malária entre os diferentes gestores dos municípios da fronteira pode
ser observado que ainda falta uma maior articulação entre os atores
responsáveis pelo controle da malária. Dentro da própria estrutura
das secretarias municipais de saúde há desarticulação entre as vigi-
lâncias epidemiológica, ambiental e o setor de endemias para o con-
trole da malária. A insuiciência de pessoal treinado para a realização
das ações de controle de endemias, os problemas salariais e a inser-
ção precária da força de trabalho na estrutura dos serviços diicultam
a realização dessas ações, além de gerar insatisfação e falta de moti-
vação para o trabalho. O que mostra a necessidade de fortalecimento
das equipes de vigilância epidemiológica e entomológica com técni-
cos capacitados em epidemiologia e controle de vetores no nível mu-
nicipal com enfoque em malária
Do ponto de vista dos gestores e proissionais de saúde atuantes
no município nas diversas estruturas do setor, é desejável o estabe-
lecimento de uma política de capacitação continuada, bem como
estabelecimento de plano de carreira e realização de concursos de
modo a reduzir a precarização do trabalho bem como diminuir a
rotatividade das equipes. Uma necessidade dos gestores de ende-
mias é a melhoria da infraestrutura das equipes de vigilância e con-
trole, especialmente para as áreas rurais dos municípios. A Aten-
ção Básica conta com o Programa de Saúde da Família assim como
das equipes do Distrito Sanitário Especial Indígena implantado e
com ampla cobertura, mas ainda não está suicientemente articula-
do com as ações de combate da malária. Estes atores necessitam de
um maior esforço de articulação entre eles.

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O combate à malária envolve aspectos biológicos, sociais e am-
bientais, exigindo, portanto, a intersetorialidade. Nos municípios de
fronteira faz-se necessário melhorar a articulação intrasetorial dos
responsáveis pelo controle da malária com as demais áreas da saúde
e do poder público municipal. Essa articulação também deveria ser
realizada com os gestores dos outros países. Na área da intersetoriali-
dade, algumas fortalezas são apontadas pelos gestores como o traba-
lho conjunto realizado com a Defesa Civil, Conselhos municipais de
saúde e os militares para ações de ordenamento do médio ambiente
com algumas diferenças entre os municípios. É necessária ainda mais
articulação com outros setores como educação, meio ambiente e po-
lítica habitacional.
No que se refere à vigilância em saúde na fronteira constatamos a
existência de várias parcerias entre os distintos atores do sistema que
possibilitam trocas de informação e planejamento de ações conjuntas
que podem ser aproveitadas no controle da malária nos municípios.
Entretanto a comunicação entre estes atores ainda não é suiciente es-
pecialmente entre a Vigilância Epidemiológica Municipal e o Distrito
Sanitário Especial Indígena (DSEI). O Sistema de informação da ma-
lária (SIVEP) é atualizado e funciona razoavelmente bem. No entan-
to, as informações que este programa brinda não são ainda suiciente-
mente aproveitadas pelos gestores locais.
Outra necessidade observada nos municípios de fronteira é a de
aperfeiçoar a vigilância epidemiológica através da capacitação técni-
ca para análise e monitoramento contínuo dos dados e indicadores
epidemiológicos, com a formação de grupos de análise de situação de
saúde formados por todos os atores envolvidos no combate de ende-
mias nos municípios. Esses grupos de análise deveriam se reunir pe-
riodicamente (pelo menos semanalmente como proposto pelo Pro-
grama Nacional) e mediante situações de alerta para a discussão da
situação e planejamento das intervenções assim como para a avalia-
ção, monitoramento e demais ações de vigilância desta endemia.

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A oportunidade da notiicação e da análise da situação de saúde é
indispensável para uma melhor avaliação da endemia nestas frontei-
ras. As informações analisadas deveriam ser retroalimentadas a cada
uma das unidades notiicantes, ação que não ocorre no momento. A
articulação entre os serviços locais de saúde brasileiros com os dos
países dá-se de forma descontinuada, geralmente ocorre em função
de emergências e necessidades pontuais (falta um equipamento ou
medicamentos que são fornecidos pelo outro país). Haveria necessi-
dade de uma articulação permanente, com planejamento e progra-
mação integrados. Por exemplo, no município de Tabatinga há várias
oportunidades como a presença atual de comissões mistas de traba-
lho binacional (Brasil-Colômbia) ou trinacional (Brasil-Colômbia-Pe-
ru) e experiências tripartites nos últimos 25 anos, com uma série de
convênios assinados que podem reforçar esta articulação. No municí-
pio de Oiapoque há articulação com autoridades sanitárias da Guia-
na Francesa sobre questões de saúde nas fronteiras. Em Guajará-mi-
rim essa articulação é menos consolidada, porém ocorre em forma
espontânea quando há surtos.
Outro aspecto importante a ser reforçado nas fronteiras é o contro-
le seletivo de vetores. É preciso fortalecer o grupo de vigilância ento-
mológica de vetores em todos os municípios. Constatou-se que o se-
tor de vigilância entomológica do Município de Guajará-mirim está
prejudicado pois o serviço foi desativado devido à diminuição dos
casos de malária; as únicas ações que ainda são realizadas são as de
borrifação e nebulização em situações pontuais.
Por im, uma questão operacional importante a ser equaciona-
da em todos os municípios da fronteira é a demanda de combustí-
vel e transporte para as ações de combate a serem realizadas, princi-
palmente para as regiões de difícil acesso, onde existe a necessidade
de barcos para o deslocamento. Por outro lado, observou-se que não
foram detectados problemas nas comunidades para a realização da
borrifação que parece ser aceita sem maiores inconvenientes.

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CONCLUSÕES
Nos últimos anos tem havido uma importante redução da malária
em todo o Brasil, e embora o número de casos ainda seja expressiva
nos municípios da fronteira, a maior parte deles também tem acom-
panhado a diminuição da malária. No entanto, alguns municípios
além de não terem conseguido reduzir a carga da doença, ainda ti-
veram um aumento no número de casos nos últimos anos, na con-
tramão com o que está ocorrendo no resto da região Amazônica. Os
municípios de fronteira amazônicos têm como característica impor-
tante uma elevada mobilidade populacional (migrantes nacionais e
estrangeiros, mobilidade indígena). No caso do Oiapoque existe ain-
da a presença de garimpeiros tornando o controle desse luxo popu-
lacional ainda mais complicado, apesar que nos últimos anos, a polí-
cia francesa em coordenação com a brasileira tem se empenhado no
controle da entrada destes grupos na Guiana. A dinâmica da malária
nesses municípios é, portanto, altamente complexa e relacionada aos
usos e transformações do território, à mobilidade populacional e ao
acesso às ações de prevenção e controle da doença.
Em Tabatinga (fronteira com Colômbia e Peur) os casos de malária
estão ligados às áreas altamente receptivas das comunidades indíge-
nas, principalmente aquelas onde se encontram tanques de piscicul-
tura. Em Oiapoque estão relacionados com as áreas de garimpo exis-
tentes na região, há também um alto percentual de casos importados
do país vizinho (Guiana Francesa), e apesar da diminuição de casos
de malária nos últimos anos, ainda chama a atenção o alto percentual
de casos de malária devidos ao P. falciparum. Em Guajará-Mirim foi
observada uma redução signiicativa, mas ainda há um percentual de
casos não-explicados.
As equipes de controle e vigilância da malária nesses municípios
trabalham com seriedade, mas ainda são encontradas várias debili-
dades que prejudicam o combate à doença; a falta de integração com
a atenção básica e a vigilância epidemiológica municipal é um fato

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que deve ser superado. Outro fator importante é os serviços de vigi-
lância entomológica que funcionam de forma precária ou são inexis-
tentes (em Guajará-Mirim foi desativado). É preciso investir mais no
trabalho conjunto com os países vizinhos para a realização conjunta
de ações de combate à doença.
Encontramos uma deiciência na articulação das instituições de-
dicadas ao combate à malária entre as esferas municipais, estaduais e
federais. E também entre a gerência de Endemias dos municípios e o
DSEI. A falta de articulação entre os serviços de saúde, da vigilância e
controle da malária entre os países vizinhos é outro fator determinan-
te da vulnerabilidade à malária dos municípios da fronteira interna-
cional amazônica.
Para encerrar este capítulo da mesma forma como iniciamos,
cabe voltar ao tema dos determinantes sociais e ambientais da saú-
de, fazendo referência à sabedoria tradicional indígena, que de for-
ma simples e direta sintetiza a relação homem-ambiente-saúde com
a seguinte frase: “Cuidar da saúde não é só tomar remédio. É também
cuidar da terra” (KAIABI, 2006, p.27).

AGRADECIMENTOS
Agradecemos as seguintes instituições e projetos pelo inanciamento
desta pesquisa: Capes pela bolsa da doutoranda, Projeto Guyamazon
III, Projeto PAPES VI (Fiocruz/CNPq), Fundo Global. Agradecemos ao
bolsista PIBIC Rafael dos Santos Pereira pela confecção dos mapas.

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6
PAISAGISMO ECOLÓGICO E PLANEJAMENTO DA
PAISAGEM EM AMBIENTE URBANO AMAZÔNICO
José Marcelo Martins Medeiros
Géssica Nogueira
Mariana Martins Medeiros

INTRODUÇÃO
O planejamento da paisagem nasce junto à necessidade de com-
preender as mudanças que ocorrem no meio natural devido às ações
antrópicas, sendo essas ações possíveis geradoras de danos ambien-
tais. Portanto, no ambiente urbano, cogitar-se o ambiente natural
clássico e estático não parece ser apropriado. O espaço urbano é sin-
gularmente antrópico, apropriado de forma desigual por diferentes
grupos sociais e por atividades ligadas a produção, consumo, comér-
cio, prestação de serviços, circulação, lazer e habitação, fatores funda-
mentais na ocupação do território e na determinação de suas caracte-
rísticas ambientais (SCAGLIUSI e SANTOS, 2011).
Historicamente é possível observar a inluência das águas na dis-
tribuição da população no território Amazônico. As populações tradi-
cionais (ribeirinhos) há séculos residem nas margens de canais e iga-
rapés e por serem extrativistas, utilizam esses recursos como fonte de
água, alimento, transporte e para escoamento de produtos.
Este capítulo discute as novas formas de planejamento de parques
urbanos em margens de rios, voltando-se para a interação social des-
tes espaços com as comunidades carentes, sobretudo nas capitais da
região Norte do Brasil. Na Amazônia, a migração da população rural e
ribeirinha em direção aos maiores núcleos urbanos em busca de me-

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lhor qualidade de vida acarretam invasões de várzeas (áreas úmidas
ou alagadas), ou seja, das Áreas de Preservação Permanente - APPs.
Os moradores com menores recursos constroem moradias sobre
palaitas (estruturas de madeiras suspensas sobre o curso d’água) e
aqueles com melhores condições aterram a área com materiais pro-
venientes de resíduos de descarte da construção civil.
O Igarapé da Fortaleza, aluente do caudaloso Rio Amazonas, é in-
terligado com diversas ressacas (pântanos alagados) das cidades de
Macapá e Santana. Além da relevância ecológica, possui importante
atividade comercial, a qual mesmo com sua precária área portuária
recebe embarcações que trazem diversas mercadorias, principalmen-
te pescados, camarões e açaí. Destaca-se que muitos dos trabalhado-
res desta atividade residem na localidade, frequentemente em habi-
tações improvisadas. A necessidade de intervenção urbana na área é
eminente, sendo essencial a proposição de novos projetos para asse-
gurar necessidades básicas a seus habitantes.
Para requaliicação urbana e ambiental da área em estudo, foi pro-
posto um projeto de um parque urbano com a intenção de harmoni-
zar a atividade econômica, o meio antrópico e o meio natural. Pre-
tende-se que este projeto potencialize o turismo além de ajudar na
conscientização dos moradores da comunidade do Igarapé da Forta-
leza da importância ambiental do ecossistema amazônico. O projeto
tem intenção de ser a “porta de entrada” da Área de Proteção Ambien-
tal da Fazendinha, provindo melhorias infraestruturais para a toda
a região.

INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO E GESTÃO


As normas legais ambientais e urbanas passaram a apresentar o viés
da sustentabilidade, assim trouxeram instrumentos relevantes para
o planejamento e a gestão das cidades e do meio ambiente. Primei-
ramente, cabe elucidar a diferença entre planejamento e gestão. En-
quanto o planejamento estabelece a base de objetivos e metas a se-

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rem executadas mediante planos e projetos, a gestão é a efetivação
das diretrizes do planejamento (BATISTELA, 2007). Entretanto, esse
sincronismo entre planejamento e gestão nem sempre ocorre, um
exemplo notório desse fato incide no meio urbano. Assim observa
Chaer a respeito das cidades:

[...] o planejamento tradicional estabelece regras e padrões urbanísticos


em muitos descumpridos pela cidade real que cresce espontaneamen-
te, ocupa informalmente e se autoconstrói. Numa sequência lógica, a ges-
tão urbana, que se depara com a cidade real e não com a cidade planeja-
da, pauta-se sobre políticas e ações bastante descoladas do planejamento,
ensejando quase uma contradição, quando deveriam ser, plano e gestão,
ações complementares (2007, p. 38 e 39).

Segundo Ribas (2003) os planejamentos urbanos convencionais


estavam centrados em planos de uso do solo de caráter físico, pos-
suíam instrumentos excessivamente restritivos e inflexíveis para
acompanhar a dinâmica urbana e não consideravam os aspectos so-
cioeconômicos e ambientais. Essa abordagem mostrou-se inadequa-
da para atender as dinâmicas urbanas, como pode ser evidenciado
através do surgimento de assentamentos informais, os quais são pou-
co atendidos ou ignorados, “constituindo um quadro de desigualda-
des sociais e externalidades ambientais” (Ribas, 2003, p. 24). Além
disso, Franco (2001) ressalta que até a década de 1980 o planejamento
não considerava as condições ambientais e os possíveis impactos das
áreas urbanas nos ecossistemas:
A maioria dos planos de caráter territorial criados no século XX se-
guiu uma visão predominantemente positivista e progressista ligada
à meta do desenvolvimento econômico e do crescimento ilimitado.
Os anos oitenta viram surgir uma nova modalidade de planejamento
orientada para as intervenções humanas dentro da capacidade de su-
porte dos ecossistemas.

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Diante essa problemática foi aprovada, na Eco-92, a Agenda 21 que
trouxe propostas de planejamento voltadas ao Desenvolvimento Sus-
tentável. Essa Agenda deve ser elaborada nos níveis global, nacional e
local, estabelecendo estratégias para o planejamento urbano susten-
tável. Sobre essa modalidade de planejamento Lemos esclarece:

[...] a concepção de planejamento urbano sustentável implica um novo


paradigma, o de pensar as sociedades humanas segundo uma nova ética
de democratização de oportunidades e justiça social, percepção das dife-
renças como elemento norteador de planejamento, compreensão da di-
nâmica de códigos e valores culturais e compromisso global com a con-
servação de recursos naturais (LEMOS, 2002, p. 31).

Segundo Ribas (2003, p. 57) “os desaios à sustentabilidade nas ci-


dades brasileiras podem ser resumidos em aspectos que vão das rela-
ções entre o uso do solo ao desenvolvimento econômico do país pas-
sando pelas formas de gestão e seus instrumentos”. Sendo assim, a
seguir serão analisados alguns dos instrumentos de planejamento ur-
bano, ambiental e de sua integração, com enfoque nos instrumentos
norteadores da conservação do meio ambiente nas cidades.

PLANEJAMENTO AMBIENTAL ALIADO AO PAISAGISMO ECOLÓGICO


Um dos primeiros autores a inserir estudos ecológicos no planeja-
mento urbano foi Ian McHarg (1920-2001) com o livro Design with
Nature (1969), que foi um percursor do planejamento ambien-
tal. Neste livro, o autor aplicou o novo conhecimento derivado
da ecologia para ações concretas no planejamento urbano, como
por exemplo, o problema da inserção de vias expressas na paisa-
gem. Suas práticas inseriram-se no planejamento urbano a partir
da ideia de que a tomada de ações sempre deveria contar com o es-
tudo prévio dos cursos d’água, da topograia, da vegetação, da fau-
na, entre outros.

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Com a conscientização da necessidade da conservação ambiental, os
princípios ecológicos se voltam ao planejamento da paisagem urbana,
considerada agora como parte integrante da natureza, resultado de uma
série de trabalhos que reconhecem e analisam os processos naturais no
ambiente urbano. Conforme Spirn (1995), a natureza é um continuum,
com a loresta em um dos polos e a cidade no outro. Os mesmos proces-
sos naturais operam na loresta e na cidade. A cidade não é nem total-
mente natural nem totalmente artiicial, e a desconsideração dos proje-
tos naturais na cidade é, e sempre será tão custosa quanto perigosa.
Conforme Franco (2001), as ações de planejamento ambiental de-
vem transcender os limites políticos, levando em conta os limites das
bacias hidrográicas de maneira ecossistêmica. Para esta pesquisa-
dora o planejamento ambiental: “ é todo planejamento que parte do
princípio da valoração e conservação das bases naturais de um dado
território com base de autossustentação da vida e das interações que a
mantém, ou seja, das relações ecossistêmicas” (FRANCO, 2001, p.35).
Segundo Romero (2001) uma consequência da expansão urbana
no Brasil tem sido a redução de áreas com vegetação nativa devido às
intervenções que desconsideram completamente os elementos natu-
rais da paisagem. A prática da arquitetura e do desenho urbano con-
cretiza-se sem considerar os impactos que provocam no meio am-
biente, repercutindo não somente no desequilíbrio do meio, como
também no conforto e na salubridade da população urbana.
Romero (2000) airma que o desenho dos espaços deve ser con-
dicionado e adaptado às características do meio, tais como topogra-
ia, revestimento do solo, ecologia, latitude, objetos tridimensionais
e clima. Muitos dos problemas analisados seriam facilmente evitados
com um traçado urbano apropriado ao clima e topograia do lugar. A
importância do desenho dos espaços externos também é enaltecida
por Romero (2001), partindo da ideia de que o espaço público deve ter
uma forma deinida, pensada e construída com tanta intenção como
a de um edifício.

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Segundo Andrade e Lemos (2015), um dos princípios para reabili-
tação ambiental de assentamentos urbanos é a revitalização urbana.
Esta deve veriicar a possibilidade de recuperação de áreas urbanas
degradadas ou patrimônios culturais abandonados, recuperando-as
e reaproveitando a infraestrutura existente, valorizando a cultura de
sua cidade. Ainda segundo as autoras, essa iniciativa celebra a cida-
de viva, atraindo novos moradores, comércio e atividades para a vizi-
nhança em áreas abandonadas.
A necessidade de amenizar os grandes impactos ambientais causados
pelas ediicações nas cidades faz com que projetistas criem alternativas
mais sustentáveis. O paisagismo ecológico é caracterizado por sua inten-
ção conservacionista, onde é enfatizada a preservação dos recursos hí-
dricos e a sustentabilidade do meio ambiente, em uma escala maior do
que as usadas no paisagismo tradicional e tem como objetivo inal a re-
cuperação de ecossistemas parcialmente ou completamente devastados.
Projetos dentro desta linha conceitual auxiliam e gerenciam a con-
servação do ecossistema em que o meio antrópico está inserido, logo
promovem qualidade de vida a seus habitantes. A partir da institui-
ção de um planejamento para conservação ecológica que contemple
grandes áreas de paisagem, as chances de sobrevivência da biodiver-
sidade tornam-se expressivamente maiores.
Quanto à metodologia, habitualmente os planejamentos ambien-
tais são estruturados em fases de diagnóstico através de pesquisa e
coleta de dados; fase de análise quando se identiicam os potenciais e
conlitos da área; e, ainda a fase de síntese, que implica no uso da in-
formação obtida nas fases anteriores para a tomada de decisão cor-
respondente à meta do planejamento.

PARQUES URBANOS BRASILEIROS COM ENFOQUE ECOLÓGICO


A experiência de parques urbanos com ênfase na conservação e res-
tauração ambiental é uma tendência que ganha maior evidência a
partir da década de 1980 no Brasil, juntamente com o movimento am-

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bientalista. Estes projetos ecologicamente corretos contemplam ser-
viços de lazer, cultura ou mesmo turismo e visam a recuperação de
ecossistemas originais das áreas de implementação, degradados ou
mesmo extintos.
No cenário nacional, Macedo e Sakata (2002) aprofundam as dis-
cussões sobre os espaços livres existentes nas cidades, veriicando es-
ses espaços como representantes de uma condição da vida cultural
urbana. Analisando a temática dos parques urbanos atuais, eles ex-
plicam que estes surgem como requaliicação dos espaços urbanos,
principalmente nas áreas centrais das cidades, com a demanda cres-
cente de espaços de recreação e lazer e com a introdução da dimen-
são ambiental.
Os parques acabam criando identidade vernácula à região, a partir
de que são compostos por indivíduos paisagísticos próprios dos ecos-
sistemas nativos, permitindo a apropriação simbólica natural pela po-
pulação local e harmonizando usos antrópicos e meio natural.
Como exemplo destes modelos de parques, temos o Parque da
Gleba E (1985), já mencionado anteriormente, considerado como
primeiro projeto de intenção conservacionista ecológica do arqui-
teto paisagista Fernando Chacel, em parceria ao também arquiteto
paisagista Sidney Linhares. O parque está localizado na Barra da Ti-
juca no Rio de Janeiro, às margens da Lagoa da Tijuca (igura 1).
Esse Parque, e o conjunto das demais áreas verdes previstas no
projeto urbanístico, determinariam a formação de um “continuum”
paisagístico capaz de conferir ao empreendimento, qualidades esté-
ticas e de conforto climático, aliadas a ganhos bióticos compensató-
rios, decorrentes dos inevitáveis impactos causados pela implanta-
ção do projeto de desenvolvimento pretendido (CHACEL, 2001).

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Figura 1: Manguezais Restaurados no Parque da Gleba E. Foto do autor, Medeiros, 2008.

Outro exemplo é o Parque Naturalístico Mangal das Garças (2005),


situado às margens do rio Guamá, em Belém do Pará. O parque pro-
jetado pela arquiteta paisagista Rosa Grena Kliass foi implantado em
uma área de aproximadamente 35.000 metros quadrados adjacen-
te ao arsenal da marinha, área degradada anteriormente por corte e
aterro do ecossistema. É um complexo de lazer, turismo, cultura e de
resgate do meio ambiente, sendo tematizado pela representação da
vegetação natural do Estado do Pará, suas macrorregiões lorísticas,
onde criaram-se três modelos: as lorestas de terra irme, os campos e
as lorestas de várzea, onde promoveu-se a recuperação do aningal à
beira rio, outrora devastado (igura 2).

Figura 2: Aningal e belvedere às margens do rio Guamá. Fonte: MACEDO, 2010, p. 78.

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Além de um belo panorama do rio Guamá, o parque possui ele-
mentos de animação como borboletário, aviário, mirante, lagos, res-
taurante, memorial, ponte, pergolado e orquidário. Sua dinâmica é
dada a partir da água, elemento esse conduzido desde fontes e casca-
tas até os lagos do parque luindo por linhas d’água (igura 3).

Figura 3: Arranjo geral do parque naturalístico Mangal das Garças. Fonte: MACEDO, 2010, p. 78.

PROBLEMÁTICA DE HABITAÇÃO DAS VÁRZEAS URBANAS: O CASO DO IGARAPÉ DA


FORTALEZA
Na Amazônia as várzeas e áreas úmidas desempenham um papel eco-
lógico fundamental no equilíbrio ecossistêmico local, além de pro-
porcionar bens e serviços para o homem. Particularmente no estado
do Amapá, é grande o número de áreas de várzea situadas nas zo-
nas urbanas e periurbanas das cidades de Macapá (igura 4) e Santa-
na. Estas áreas vêm sendo ocupadas progressivamente, devido à fal-
ta de planejamento urbano e de políticas públicas adequadas para o
produtor rural, agravado pelos altos índices migratórios de pessoas
oriundas de outros estados da Federação brasileira.

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Figura 4: Pressão urbana sobre áreas alagadas em Macapá, AP – Lagoa dos Índios.
Fonte: disponível em <www.uz7spotting.com.br>, acesso em janeiro de 2017.

As áreas úmidas de Macapá e Santana sofrem expressiva deterio-


ração da qualidade ambiental, devido, principalmente, ao lançamen-
to direto nos corpos d’água de dejetos e eluentes domésticos não tra-
tados. Os resultados de três anos de investigação na calha do Igarapé
da Fortaleza, o principal curso d’água ligado às principais ressacas de
Macapá e Santana indicam um signiicativo grau de comprometimen-
to e degradação ambiental onde a retirada das matas ciliares, erosão
das margens, assoreamento intensivo e urbanização desordenada,
trazem relexos negativos para a qualidade da água da bacia hidrográ-
ica (CUNHA et al., 2003).
Localizada na divisa dos municípios mais populosos do Ama-
pá, e delimitada ao sul pelo maior rio do mundo (igura 5), a comu-
nidade do Igarapé da Fortaleza vivencia um cenário de desequilíbrio
ambiental. A ocupação urbana desorganizada cresce e com ela a su-
pressão vegetal e a geração de resíduos poluentes que afetam o curso
hídrico, o ciclo natural das espécies e o micro clima.

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Figura 5: Imagem por satélite da área de intervenção e entorno. Fonte: adaptado de Google Earth, 2017.

Na margem direita do Igarapé da Fortaleza existe uma área portuá-


ria pertencente ao munícipio de Santana e na margem esquerda existe
a área de preservação ambiental da Fazendinha (APA da Fazendinha),
uma unidade de conservação, marcada pela presença de cursos d’água
e pela loresta densa de várzea. Atualmente existem 1.299 moradores na
APA da Fazendinha segundo levantamento realizado pela Secretaria de
Meio Ambiente do Estado do Amapá realizado no ano de 2013, consta-
tando um grande crescimento populacional nos últimos anos. Em 1995
eram 77 famílias, em 1998 havia 110 famílias e em 2013 já eram 568 famí-
lias. Essas pessoas vivem em condições de vulnerabilidade social, com
a falta de serviços públicos básicos, gerando um ambiente propício a
práticas ilícitas como o tráico de drogas (igura 6).

Figura 6: Moradias dentro da APA da Fazendinha. Fonte: Foto dos autores, 2013.

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DIAGNÓSTICO E MAPAS TEMÁTICOS
A área do Igarapé da Fortaleza (igura 7) foi estudada em sua totalida-
de, as relações entre as esferas ambiental, social, econômica e política
bem como o diagnóstico dos impactos, potencialidades e vulnerabili-
dades. Criou-se um peril dos moradores da área através de entrevis-
tas com grupo de habitantes da comunidade, além do levantamento
de dados que resultaram em mapas temáticos, realizados no software
ArcGis e inalizados no software CorelDRAW.

Figura 7: Igarapé da Fortaleza com embarcações. Fonte: Foto dos autores, 2013.

No primeiro mapa temático (igura 8) pode-se observar pontos im-


portantes como duas escolas de ensino fundamental, restaurantes,
posto de gasolina, etc. Na área portuária existem algumas empresas
que trabalham com exportação de pescado, açaí e castanhas.

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Figura 8: Mapa temático referente aos pontos e percursos principais na área.

Há ainda elementos que geram aglomeração de pessoas como lo-


jas de venda de pescado e açaí, paradas de ônibus na rodovia Salva-
dor Diniz (AP-010) que liga a zona sul de Macapá à Santana e ainda
um cais na margem esquerda do Igarapé, onde atracam-se embarca-
ções de pequeno e médio porte para o desembarque de passageiros
em geral vindos das ilhas do Pará e da ilha de Santana.
No Mapa Temático de Cenários Visuais (igura 9), foram identiica-
dos os “visuais de interesse”, onde temos o próprio curso d’água com
suas habitações ribeirinhas; os “marcos visuais”, como o portuário do
Igarapé da Fortaleza e a ponte que liga os municípios de Macapá e
Santana; além das “visuais desagradáveis” que são as habitações irre-
gulares e pontos de acúmulo de lixo ao ar livre.

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Figura 9: Mapa temático de cenários visuais.

A ausência de esgoto, sistema de coleta de lixo precário, e falta de


iscalização e de ações educativas são os grandes responsáveis pelo
cenário de poluição da área. Em entrevista com grupo de moradores
da área questionou-se quanto ao destino das águas servidas, mais de
cinquenta por cento dos entrevistados acabam por escoar os dejetos
para o igarapé (gráico 1).
Quando questionados sobre as atividades de lazer, responderam
que iam à igreja, praticavam jogos com amigos e tomavam banho de
rio. Mas a maioria se queixa de não existirem atividades de lazer ade-
quadas e da sensação de insegurança na comunidade (gráico 2).

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Gráico 1: Principais problemas existentes na comunidade.

Gráico 2: Infraestrutura almejada pela comunidade.

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O PROJETO PARQUE DO IGARAPÉ
A proposta de criar um parque com enfoque ecológico surge como es-
tratégia de caráter sustentável para propiciar qualidade de vida a seus
residentes. O projeto foi desenvolvido em três etapas: Plano concei-
tual, Partido e Anteprojeto.
A área proposta é um pouco menor que oito hectares, e engloba
parte da área da APA da Fazendinha (projeto de reconstituição ecoge-
nética), parte da área do portuário do Igarapé da Fortaleza e ainda a
ponte da rodovia Salvador Diniz (AP- 010) que liga os dois munícipios.
O programa de necessidades do parque conta com duas áreas de
convivência, a primeira é a Praça do Camarão, composta pela Casa do
Matapí, residência em madeira remanescente antes da intervenção
onde ocorrerá a exposição da cultura local. A praça possuirá escultura
temática, a feira do camarão e a praça de alimentação.
A segunda área de convivência é a Praça do Açaí, que possuirá me-
morial do açaí, que abordará a cultura extrativista artesanal do fru-
to, esculturas, feira com quiosques onde trabalharão as “batedeiras de
açaí” e praça de alimentação.
As praças foram locadas paralelamente em margens diferentes do
igarapé respeitando a divisão natural que já existe na área. Outro com-
ponente chave do programa é a feira de artesanato, que será sobre pa-
laitas, tentando recriar a atmosfera da habitação tradicional. Junto à
feira será locado um pequeno píer de acesso ao passeio náutico.
O programa conta ainda com borboletário, orquidário, mirante,
passarela às margens do igarapé, uma segunda ponte apenas para pe-
destres, píer de atracação para pequenas embarcações, bloco admi-
nistrativo, banheiros, pista de caminhada, estacionamentos e ponto
de ônibus (igura 10). O projeto também prevê a relocação das famí-
lias que atualmente habitam na área de inserção do parque para área
vizinha, onde deverá ser implantado um conjunto habitacional de in-
teresse popular. Esse conjunto possibilitaria o uso noturno ao estacio-
namento do parque.

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Figura 10: Projeto Paisagístico do Parque do Igarapé. Fonte: Imagem dos autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões a respeito da sustentabilidade ambiental crescem no
cenário mundial, garantir a sobrevivência de ecossistemas e atender
as demandas do crescimento populacional acelerado e seu consumo
desenfreado tem se mostrado uma equação difícil de equilibrar. No
presente trabalho foram vistos alguns planos e projetos considerados
técnicas ambientalmente responsáveis que intencionam dar um start
no processo de balanceamento desta equação. O paisagismo ecoló-
gico e o planejamento ambiental foram discutidos como meios de
manejo do plano de ação para a área da comunidade do Igarapé da
Fortaleza e endossam projetos de parques ecológicos brasileiros que
dinamizam esses conceitos, valorizando áreas verdes e contemplan-
do a sociedade com infraestrutura de lazer, cultura e esporte, além de
promover a educação ambiental.

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Na divisa das duas maiores cidades do Amapá, o Igarapé da Forta-
leza além da sua importante função ambiental, por estar ligado com
as principais áreas de ressaca de Macapá e Santana e ser um dos limi-
tes de uma Área de Proteção Ambiental, sua área portuária apresenta
importante atividade comercial, a expressiva comercialização de pes-
cado e açaí, os produtos são base da alimentação local. Com o diag-
nóstico e análise dos dados da área de estudo, a comunidade do Iga-
rapé da Fortaleza, a partir da problemática da degradação e poluição
por ações antrópicas inconscientes da APA da Fazendinha e o Igarapé,
identiicou-se as fragilidades e potencialidades da área, possibilitan-
do a criação de um plano de ação que pudesse mudar essa realidade,
originando-se assim o projeto do Parque do Igarapé.
O parque do Igarapé visa à harmonização das atividades já exis-
tentes na área com o manejo sustentável do curso hídrico e da APA.
As atividades de venda de pescado e açaí foram organizadas em duas
áreas de convivência, cada uma em uma margem do igarapé. A parte
da APA a ser recuperada enfrentará o remanejamento da população
para um sítio vizinho. Esta população virá a usufruir da infraestrutura
proposta pelo parque.
Aplicaram-se conceitos do paisagismo ecológico na concepção
projetual, além de estratégias para a promoção da educação ambien-
tal. O parque do Igarapé retratará a cultura da própria comunidade,
seja nos seus usos, vegetação e elementos plásticos. O novo espa-
ço público será inserido de forma condizente com a realidade local,
assim seus usuários se sentirão ligados de forma intrínseca ao sítio,
apropriando-se da área simbolicamente.

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biental. Documento desenvolvido na implementação do Projeto Tecnolo-
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7
UMA REGIÃO EM QUESTÃO: A AMAZÔNIA NAS
LENTES DA ESCOLA USPIANA DE GEOGRAFIA
Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior

INTRODUÇÃO
A relevância do espaço amazônico tem sido cada vez mais destacada
nas diversas preocupações de estudos no âmbito da ciência geográi-
ca. Diante disso, faz-se mister veriicar como essa região e suas ques-
tões têm sido tratadas nas diversas interpretações empreendidas por
aquela ciência; interpretações essas que não são necessariamente ex-
cludentes entre si, mas, muitas vezes, complementares. Na presente
relexão1, tem-se em vista uma análise que busca situar a Amazônia
no pensamento geográico brasileiro, tendo como foco de discussão
o conhecimento produzido no interior da Escola Uspiana de Geogra-
ia (EUG)2.

1. Este trabalho sistematiza resultados de investigação dos projetos de pesquisa “O urbano e o regio-
nal na compreensão geográica do espaço amazônico: leituras e abordagens em perspectiva” - desen-
volvido como parte de estágio de pós-doutorado nos anos de 2015 e 2016 no Departamento de Geo-
graia da Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo
(USP), sob supervisão da Profa. Dra. Sandra Lencioni - e “Um olhar geográico em perspectiva: a Ama-
zônia na abordagem do espaço como instância social” - desenvolvido com bolsa de produtividade de
pesquisa -; ambos sob nossa responsabilidade e inanciados pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Cientíico e Tecnológico (CNPq), entidade do governo brasileiro voltada para o desenvolvimen-
to cientíico e tecnológico.
2. De inluência europeia, essa escola tem como marco de fundação a presença de geógrafos france-
ses na Universidade de São Paulo na época da criação de sua graduação em Geograia em 1934, consi-
derado o primeiro curso dessa natureza no Brasil (SILVA, 2012).

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A ideia, portanto, é considerar a produção geográica concernente à
Amazônia, circunscrevendo a relexão àquilo que foi produzido no inte-
rior da EUG, que traz consigo a inluência, nas últimas décadas, de abor-
dagens teórico-metodológicas notadamente críticas, empreendidas por
grupos de pesquisa que integram o Programa de Pós-Graduação em
Geograia Humana da Universidade de São Paulo (PPGH-USP). Isso é
feito considerando o conjunto de 161 teses e dissertações elaboradas no
âmbito desse mesmo Programa no período de 1963 a 20153.
A escolha desse conjunto de trabalhos para proceder à análise se
justiica, sobretudo, em razão de: a) constituir uma amostragem qua-
litativamente signiicativa daquilo que se produz nessa escola; b) al-
cançar boa parte dos grupos de pesquisa que compõem o PPGH-USP;
c) trazer contribuições, em forma de orientação, de uma parte repre-
sentativa de professores/pesquisadores do Programa de Pós-Gradua-
ção em consideração; d) ser fruto de diferentes relexões teórico-me-
todológicas que acontecem no interior de renomados laboratórios4 de
pesquisa do PPGH-USP, alcançando várias subáreas do conhecimen-
to geográico; e) veicular e reairmar importantes premissas que sus-
tentam o pensamento geográico uspiano e suas contribuições para
a leitura geográica do território brasileiro; f ) considerar um leque de
temas e de referenciais empíricos de estudo que abrangem a diver-
sidade de questões, de realidades e de sub-regiões do vasto espaço
amazônico; g) ter como autoria diferentes pesquisadores procedentes
não apenas de São Paulo, mas também de vários estados brasileiros,
países sul-americanos e, especialmente, da região amazônica.

3. O recorte temporal tem como referência o primeiro e o último trabalho em nível de pós-gradua-
ção defendidos no PPGH-USP, considerando o ano de 2015 como o ano limite para a realização da
pesquisa.
4. Notadamente o Laboratório de Geograia Urbana (LABUR), o Laboratório de Geograia Política e
Planejamento Territorial (LABOPLAN), o Laboratório de Estudos Regionais em Geograia (LERGEO),
o Laboratório de Geograia Política (GEOPO) e o Laboratório de Geograia Agrária (AGRÁRIA), que
abarcam boa parte de subáreas da Geograia Humana, como a Geograia Urbana, a Geograia Regio-
nal, a Geograia Econômica, a Geograia Política, a Geograia do Turismo e a Geograia Agrária.

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A AMAZÔNIA NA ESCOLA USPIANA DE GEOGRAFIA: DA GÊNESE À RENOVAÇÃO CRÍTICA
Devido à sua gênese, a primeira fase da formação da EUG esteve forte-
mente inluenciada pela concepção da escola francesa de Geograia,
momento em que se pode localizar uma primeira geração de pesqui-
sadores no Brasil como Pierre Defontaines, Emmanuel de Martonne
e Pierre Monbeig, que muito contribuíram para a formação dos pri-
meiros geógrafos brasileiros inluenciados por essa escola.
A perspectiva vidaliana, que dominou esse primeiro momen-
to de fazer geograia na USP, difundia a chamada “monograia regio-
nal”. Esta era caracterizada por uma análise detalhada do meio físico,
das formas de ocupação das atividades humanas e de como o homem
buscava se ajustar à natureza, sempre sob uma perspectiva histórica
de interpretação homem-natureza, de maneira a revelar a integração
dos elementos físicos e humanos, que culminava com uma visão sin-
tética de região (LENCIONI, 1999).
Foi essa forma de interpretar os “quadros regionais” que se fez pre-
sente nos primeiros trabalhos sobre a Amazônia elaborados em nível
de pós-graduação em Geograia Humana na EUG. Inluenciados ainda
pelos geógrafos franceses ou por professores brasileiros por eles forma-
dos, a Geograia da Amazônia traduzida nas primeiras teses, elaboradas
nas décadas de 1960 e 1970 (Quadro 1), é portadora de uma clara orien-
tação teórica vidaliana, presente nos estudos geográicos da USP na
época. Categorias como paisagem, espaço e região buscavam dar con-
ta de um quadro regional particularizado, inluenciado por elementos
da natureza, mas também por condicionantes da história, tida, desde
esse momento, como disciplina indispensável aos estudos geográicos.
Dentre os alinhamentos da geograia uspiana à europeia, pode-se
destacar a chamada Geograia Tropical5, que, conforme Silva (2012),

5. De acordo com Silva (2012), o desmantelamento do império colonial francês não impediu a pre-
sença dos geógrafos franceses nos novos estados formados em África, Ásia e América Central. Assim, a
Geograia Tropical, utilizada por geógrafos franceses, substituiu em parte a presença daquele país nas
ex-colônias após o processo de descolonização (SILVA, 2012, p. 50).

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teve como expoentes Guy Lasserre e Pierre Gourou. Estre último, do
Collège de France e da Universidade de Bruxelas, também se interes-
sou pela Amazônia, como lembra Droulers:

Pierre Gourou fez pesquisa de campo na Amazônia no inal dos anos de


1940, publicando importantes artigos, como “Observações geográicas na
Amazônia”, na Revista Brasileira de Geograia (1949, 354-408), ou “Le pays
de Belém”, na Revue Belge de Géographie (1949). Seus trabalhos de síntese
sobre os países tropicais, traduzidos sob o título O futuro dos trópicos úmi-
dos, em 1966, constituem referências clássicas, e ele vê na Amazônia gran-
de potencial (DROULERS, 2006, p. 179, grifos da autora).

Assim, além da Geograia de Paul Vidal de La Blache propriamen-


te dita, essa expressão da geograia francesa, que se propôs a expli-
car especificidades do mundo tropical (CLAVAL, 2014), parece ter
inluenciado os estudos geográicos que inauguraram as sistematiza-
ções uspianas sobre a Amazônia, especialmente aquelas realizadas
por Antônio Rocha Penteado, autor das primeiras teses acadêmicas
na Geograia Humana da USP sobre essa região.
Em seu estudo sobre a região Bragantina, no nordeste paraense,
por exemplo, Penteado (1963) fala da inluência da geograia france-
sa na sua pesquisa a respeito da sub-região estudada. Ainda que não
considere o seu trabalho como sendo uma análise regional propria-
mente dita, mas sim uma investigação sobre a problemática da colo-
nização e do uso da terra em uma área tipicamente tropical, a ideia de
“tableau” regional, muito próprio da inluência da Geograia francesa
na época, aparece de forma nítida nesse seu trabalho de doutorado.
Nele, além da incorporação de princípios de uma geograia regional
aplicada aos trópicos, tem-se como ponto de partida o estudo das in-
ter-relações entre terra e homem, por meio das quais se buscava mos-
trar situações criadas pela evolução da ocupação humana da região e
as consequências dela advindas.

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A presença desses elementos em seu trabalho pode também ser
compreendida em razão de sua experiência na França, entre 1953 e
1961, onde realizou especialização em Geograia Tropical, conviven-
do, no interregno de 1956 a 1957, com iguras como Pierre Monbeig e
Pierre Gourou em Paris, mantendo contato com Louis Papy, em Bor-
deaux6, e com Hildebert Isnard em Aix-en-Provence. Essa inluência
da Geograia francesa e da Geograia Tropical foi enriquecida com
viagem que realizou à África tropical, em 1959, pela UNESCO (Orga-
nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)7,
consolidando, assim, a presença do pensamento francês em suas aná-
lises, muito próprio do peril que caracterizou a EUG na sua origem,
na qual foi formado8.
As três teses de Penteado, que inauguraram os estudos sobre a
Amazônia na perspectiva da Geograia Humana da USP, transforma-
das em livro posteriormente, decorreram do contato do autor com
a Amazônia desde 1944, durante o curso de Aroldo de Azevedo, seu
orientador de tese. O contato se estendeu nos anos seguintes e deu
origem ao seu interesse pela cidade de Belém e pela região Braganti-
na; região cujo estudo se iniciou em 1953, despertando-lhe a vontade
de compreender essa realidade de inluência imediata de Belém.

6. Em Bordeaux foi criado, por Guy Lasserre, o Centre d’Études de Géographie Tropicale (CEGET)
sobre os auspícios do Centre National de la Recherche Scientiique (CNRS) da França (SILVA, 2012).
7. Conforme Penteado (1963), seu interesse pela abordagem da Geograia Tropical se deu desde o
ano de 1948, mas se tornou ainda maior quando de sua estada em França e em África, em trecho tro-
pical desta.
8. As pesquisas em Geograia Humana elaboradas na USP nesse período parecem enfatizar essa for-
ma de interpretação da Geograia Regional e seus desdobramentos. Penteado (1963, 1966, 1968), admi-
te a inluência da escola francesa em suas análises, como a dos pesquisadores Roger Dion, Louis Papy,
Pierre Defontaines, Pierre Gourou e Pierre Monbeig; e a de ex-alunos deste último, como João Dias da
Silveira, Aroldo de Azevedo, Ary França, Maria Conceição Vicente de Carvalho, Nice Lecocq Muller e
Elina de Oliveira Santos.

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Quadro 1: PPGH-USP: primeiras teses e dissertações sobre a Amazônia (1963-1978)

No AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR SUBÁREA ÁREA DE ES-


TUDO
1 PENTEADO, A. R. Problemas da colonização e de uso da ter- Aroldo de Geograia Região Bra-
ra na região Bragantina do Estado do Pará. 1963. 385f. Tese Azevedo Agrária gantina
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo- (PA)
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1963.
2 PENTEADO, A. R. Belém do Pará: estudo de Geograia Urba- - Geograia Belém (PA)
na. São Paulo, 1966. 139f. Tese (Livre-Docência em Geogra- Urbana
ia do Brasil) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1966.
3 PENTEADO, A. R. O sistema portuário de Belém. 1968. 288f. - Geograia Belém (PA)
Tese (Concurso para Titular em Geograia do Brasil) – Departa- Econômica
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1968.
4 PALHETA, I. G. V. O uso da terra em Tauá-Vigia, Estado do Pará. Antonio Rocha Geograia Santo Antô-
1978. 312f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departa- Penteado Agrária nio do Tauá
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências (PA) e
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1978. Vigia (PA)
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP, 2016).
Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

Na época, a Bragantina vivenciava ainda consequências do des-


censo da economia da borracha, em momento imediatamente ante-
rior às políticas de integração regional, que seriam ampliadas a partir
da década de 1960 pelo governo militar, responsável por grandes alte-
rações na dinâmica econômica e na estrutura territorial amazônica.
Na virada do século XIX para o XX, o padrão de ordenamento ter-
ritorial que até então era simples, de caráter dendrítico (CORRÊA,
1987), acompanhando o direcionamento da circulação luvial, pas-
sou por uma leve alteração, tornando-se misto em alguns pontos mais
ocupados. Os rios, ainda que permanecessem como importantes vias
de circulação, começaram a dividir com as poucas ferrovias o papel
relacionado à circulação regional.

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Outros núcleos de povoamento surgiram ou cresceram, não so-
mente em função das vias luviais, mas também a partir das ferro-
vias e do processo de colonização agrícola. Tal mudança começou a
ocorrer a partir do período de produção da borracha na Amazônia,
quando então outras formas de circulação inluenciaram a organiza-
ção espacial da região. Nesse momento, a Amazônia conviveu com
um padrão predominantemente dendrítico, mas com alterações nas
suas bordas devido à presença das ferrovias, como a Belém-Bragan-
ça, que combinava o padrão de ocupação anterior com uma nova or-
dem espacial, de caráter mais reticular, que timidamente começava a
se desenhar, direcionando-se a ocupação mais para a terra irme, com
a presença de colônias agrícolas.
Foi essa realidade regional que se tornou objeto de atenção das
primeiras teses em Geograia sobre a região elaboradas na Universi-
dade de São Paulo. Os estudos realizados a partir dessa realidade fo-
ram traduzidos na forma de “monograias regionais”:

as monograias regionais acabaram construindo uma Geograia que des-


tacava o caráter único de cada estudo regional, fazendo deste um estudo
do único e do singular; distanciando-se da ideia de uma Geograia como
ciência, que buscasse estabelecer leis e princípios gerais no conhecimen-
to da realidade (LENCIONI, 1999, p. 110-111).

O Estado do Pará, mais especiicamente Belém e sua área de inluên-


cia, foram as primeiras referências empíricas daquelas teses. Após a pes-
quisa da região Bragantina (PENTEADO, 1963), seguiram-se as que tra-
taram da estrutura urbana de Belém (PENTEADO, 1966), de seu sistema
portuário (PENTEADO, 1968), e de seus espaços de inluência imediata
(PALHETA, 1978). Este último foi orientado por Antônio Rocha Pentea-
do, de quem a autora incorporou inicialmente grande inluência.
Os temas clássicos da geograia humana ocuparam a atenção dos
pesquisadores nesses primeiros estudos, caracterizados pelo peso

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descritivo e pela densa coleta de dados, examinados à luz dos instru-
mentais geográicos, mas sem prescindir de elementos, fatos e pro-
cessos históricos.
Os trabalhos sobre a Amazônia também são exemplos de que a
EUG já buscava compreender particularidades relacionadas à forma-
ção territorial brasileira, enfocando, em sua gênese, especiicidades
regionais, ao mesmo tempo em que situavam essas mesmas particu-
laridades em contextos geográicos mais amplos, conforme revelam
os estudos de Penteado (1966, 1968). Nesse caso, eram estudos já mo-
tivados pelas primeiras repercussões advindas da inauguração da Ro-
dovia Belém-Brasília e da integração da região ao território brasilei-
ro. Também se constata que as primeiras análises sobre a Amazônia já
apontavam, em alguns casos, questões de natureza social e problemas
de desenvolvimento rural, urbano e econômico, ainda que sem o viés
crítico que passou a deinir a abordagem metodológica da geograia
uspiana nas teses e dissertações a partir dos anos 19809.
Desde o Encontro Nacional de Geógrafos ocorrido no ano de 1978
na cidade de Fortaleza, começou-se a viver no Brasil uma verdadei-
ra renovação no plano metodológico da disciplina e que iria dar no-
toriedade à abordagem que icou conhecida como Geograia Críti-
ca, da qual a Universidade de São Paulo passou a ser a sua principal
expoente.
Essa nova forma de conceber a Geograia a partir dos anos 1980
culminou com a noção de espaço socialmente produzido; noção esta
que passou a constar na grande maioria dos trabalhos elaborados so-
bre o Brasil e que, sem dúvida, contribuíram para a airmação da cha-
mada Geograia Crítica na USP. As estratégias desenvolvimentistas
que vinham sendo pensadas para a Amazônia foram objetos de dis-

9. Tal postura iniciava, sem dúvida, uma tradição na EUG, pautada na formação humanista e apoiada
em elementos da história, tidos como imprescindíveis para a relexão geográica; e que iriam perma-
necer nos trabalhos elaborados sobre a Amazônia em décadas seguintes. Essa tradição foi responsável
também, posteriormente, por deinir o peril da disciplina no Brasil como uma ciência da sociedade.

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cussão em trabalhos e publicações de professores que assumiam essa
vanguarda do pensamento geográico crítico uspiano, a exemplo de
Iraci Gomes de Vasconcelos Palheta, que, conforme já mencionado,
defendeu seu doutorado ainda na década anterior sobre uma sub-re-
gião de inluência imediata de Belém (PALHETA, 1978)10; e Ariovaldo
Umbelino de Oliveira, que começava a problematizar os pressupos-
tos da Geograia Crítica em seus primeiros trabalhos sobre a temática
amazônica (OLIVEIRA, 1987, 1988).
Na esteira dessa preocupação, de mudança paradigmática na for-
ma de conceber a Geograia Humana brasileira, um conjunto de teses
e dissertações foi elaborado a partir da década de 1980 até meados da
de 1990 (Quadro 2), levando a uma verdadeira ruptura de abordagem
em relação àqueles primeiros trabalhos sobre a Amazônia concebidos
no PPGH-USP.
Nesse período, vivem-se no espaço amazônico as repercussões
das políticas de integração regional levadas a termo pelos militares e
que se agravaram nas décadas seguintes à instalação do governo di-
tatorial. É nesse sentido que, em grande parte, essa produção cientíi-
ca mais crítica sobre a Amazônia, que se tornou evidente a partir dos
anos 1980, aparece como uma resposta de entendimento das questões
que surgiram em razão das estratégias de produção do espaço regio-
nal amazônico, deinidas a partir de décadas anteriores.
Dentre as estratégias, destacavam-se os novos eixos de circulação;
a ação intensiva de empresas capitalistas na exploração dos recursos
da região; o papel central do Estado no planejamento regional através
de incentivos iscais e creditícios; a instalação de infraestrutura, de re-
partições públicas e de órgãos de planejamentos e inanciamento; a

10. Uma das pioneiras nos estudos amazônicos no interior da USP, Iraci Palheta orientou, já na pers-
pectiva da Geograia Crítica, um conjunto de trabalhos principalmente em temas relacionados à ques-
tão agrária na Amazônia. Juntamente com outros professores formados pela mesma escola, passou a
liderar, no interior da USP, um movimento de ruptura com a chamada Geograia tradicional na qual
foi formada.

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dinâmica imprimida pelos projetos agropecuários de colonização e
pelos polos de extração mineral; a estrutura fundiária, conigurada
pela grande propriedade rural; o predomínio de uma mão de obra de
migrantes e de pouca qualiicação; a maior articulação do espaço re-
gional com o restante do território brasileiro.
As interpretações sobre a Amazônia, em razão dos processos em
curso na própria região e da renovação no pensamento geográico
brasileiro, começavam a tomar novos rumos. Em grande parte, mas
não exclusivamente, tratava-se de interpretações com uma orienta-
ção marxista de leitura do espaço que se fez presente nos domínios da
ciência geográica no Brasil a partir daquele momento.

Quadro 2 – PPGH-USP: primeiras teses e dissertações sobre a Amazônia na perspectiva da geograia crítica (1983-1994)

No. AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE


DOR ESTUDO
1 OLIVEIRA, J. M. A esperança vem na frente: contribuição ao Manoel Sea- Geograia Agrá- Sinop (MT)
estudo da pequena produção em Mato Grosso, o caso Sinop. bra ria
1982. 144f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) –
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 1983.
2 YOSHIOKA, R. Avaliação da implantação de núcleo urbano na Rosa Ester Geograia Ur- Marabá
Amazônia: exemplo de Nova Marabá-Pará. 1986. 188f. Disser- Rossini bana (PA)
tação (Mestrado em Geograia Humana) - Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, São Paulo,1986.
3 SADER, M. R. C. T. Espaço e luta no Bico do Papagaio. 1986. Léa Gol- Geograia Agrá- Bico do
404f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) - Faculdade de denstein ria Papagaio
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São (TO)
Paulo, São Paulo, 1987.
4 ALVES, S. P. C. Os parceleiros do Jamari (a produção do espa- Antonio Ro- Geograia Agrá- Ariquemes
ço agrário em Ariquemes-Rondônia). 1988. 377f. Dissertação cha Pen- ria (RO)
(Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geo- teado
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humana, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 1988.

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No. AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE
DOR ESTUDO
5 SAKAMOTO, A. Y. Contribuição ao estudo do espaço de produ- Manoel Sea- Geograia Eco- Mato
ção capitalista de Mato Grosso: meados do século XIX até a bra nômica Grosso
década de 1930 do século XX. 1989. 103f. Dissertação (Mes- (MT)
trado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 1989.
6 OLIVEIRA JÚNIOR, P. H. B. Ribeirinhos e roceiros: gênese, su- Ariovaldo Geograia Agrá- Gurupá
bordinação e resistência camponesa em Gurupá-PA. 1991. Oliveira ria (PA)
340f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
7 BARBOSA, Y. M. Estado, expansão do capital e espaço no mé- Iraci Palheta Geograia Agrá- Formo-
dio-Araguaia, o projeto do Rio Formoso. 1991. 194f. Disser- ria so do Ara-
tação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de guaia (TO)
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
8 OLIVEIRA, J. M. G. C. Produção e apropriação do espaço urba- Maria Adélia Geograia Ur- Belém (PA)
no: a verticalização em Belém. 1992. 216f. Tese (Doutorado Souza bana
em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1992.
9 VIDIGAL, C. F. SINOP: a terra prometida, geopolítica da ocupa- Ariovaldo Geograia Agrá- Sinop (MT)
ção da Amazônia. 1992. 214f. Dissertação (Mestrado em Geo- Oliveira ria
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humana, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 1992.
11 MARTIN, A. R. As fronteiras internas e a “questão regional” Armando Geograia Po- Amazônia
do Brasil. 1993. 270f. Tese (Doutorado em Geograia Huma- Corrêa da lítica Legal
na) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Silva (BRA)
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1993.
12 RIBEIRO, H. S. Políticas territoriais e colonização numa área Maria Regi- Geograia Agrá- Rurópolis
da Amazônia oriental. 1993. 194f. Dissertação (Mestrado em na Sader ria (PA)
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1993.
13 IADANZA, E. E. S. Produção camponesa nos pantanais de Mato Iraci Palheta Geograia Agrá- Barão de
Grosso: estudo da comunidade de São Pedro, Município de ria Melgaço
Barão de Melgaço. 1993. 213f. Dissertação (Mestrado em Geo- (MT)
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1994.

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No. AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE
DOR ESTUDO
14 MORENO, G. Os (des) caminhos da apropriação capitalista da Ariovaldo Geograia Agrá- Mato
terra em Mato Grosso. 1993. 620f. Tese (Doutorado em Geo- Oliveira ria Grosso
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de (MT)
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1994.
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

Sobre essa forma de fazer Geograia, Lencioni comenta:

gostaríamos de destacar, também, a produção do Departamento de Geo-


graia da Faculdade de Filosoia, Letra e Ciências Humanas da Univer-
sidade de São Paulo, em que o caminho para a crítica radical se fez por
meio de uma série de dissertações e teses que procuravam relacionar o
marxismo à Geograia, bem como objetivaram elaborar uma crítica in-
terna à disciplina geográica, resultando numa série de trabalhos sobre o
pensamento geográico (LENCIONI, 1999, p. 173).

Os estudos sobre a Amazônia seguiram de forma bem próxima os


demais que eram feitos na Universidade de São Paulo baseados nessa
renovação metodológica. Assim, a política de integração da região ao
restante do País e também, de maneira mais intensa ao espaço mun-
dial, chamava a atenção para se pensar o papel dos recortes regionais
não mais como simples regiões-paisagem, mas como resultado de
uma Divisão Territorial do Trabalho (DTT) e de um desenvolvimento
desigual do modo de produção capitalista.
Tal empreendimento mobilizava a contribuição de autores de
áreas ains, tais como Oliveira (1981) e Lipietz (1988), para ajudar na
interpretação geográica do Brasil e da Amazônia; elementos estes
constatados em trabalhos de professores do PPGH-USP que orien-
taram pesquisas sobre a Amazônia e que sistematizaram relevantes
questões sobre a nova abordagem regional da ciência geográica. Esse

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é o caso da contribuição de Seabra e Goldstein (1982), que se tornou
uma leitura de referência nos estudos sobre região e regionalização
na época.
Por outro lado, a nova dinâmica econômica do espaço amazônico,
despertava a atenção para o tratamento de temas, como os relaciona-
dos à colonização agrária, à exploração dos recursos naturais, à estru-
tura fundiária concentrada, aos conlitos agrários, ao processo de ur-
banização e à fragmentação política do território; todos diretamente
associados às estratégias de integração regional implementadas.
Os estudos uspianos voltaram, com isso, o olhar para essa região,
seja problematizando-a diretamente, seja colocando-a como par-
te de uma discussão maior relacionada à construção territorial brasi-
leira, conforme aparece na tese de Martin (1993), que reserva em sua
análise um capítulo para discutir a questão regional amazônica. Es-
sas preocupações situavam-se no movimento de renovação que se di-
fundiu no ensino e na pesquisa em Geograia na Universidade de São
Paulo, não obstante as diiculdades que teve para se desenvolver:

a Geograia regional, sob a inspiração marxista, a despeito de todas as fa-


lácias de uma proposta renovadora, trouxe grandes contribuições à Geo-
graia, tendo sepultado a ideia de neutralidade da ciência e introduzido
novas categorias de análise para o estudo regional. Essa Geograia, que
emergiu da crítica da sociedade moderna aos (des)caminhos do desen-
volvimento capitalista, teve sérias diiculdades para se desenvolver nos
centros acadêmicos (LENCIONI, 1999, p. 173).

A sintonia entre os estudos realizados e as questões regionais en-


fatizadas pode ser constatada também a partir do universo empírico
pesquisado. Se no período anterior era Belém e sua área de inluência
imediata o objeto de preocupação das análises, nesse outro momento
há um alargamento em relação às realidades empíricas investigadas.
Elas não alcançavam ainda todo o extenso espaço regional amazôni-

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co e não tocavam ainda as questões que dizem respeito à Pan-Amazô-
nia, todavia, não mais se limitavam à então cidade primaz da região e
à sua área de inluência imediata. Passava a alcançar realidades sub-
-regionais que estavam naquele momento sofrendo grandes transfor-
mações decorrentes diretamente das novas políticas de ordenamen-
to territorial, especialmente no Pará (Amazônia oriental), e no Mato
Grosso (Amazônia meridional).
Essa expansão dos estudos empíricos para a macrorregião ama-
zônica mostra nitidamente uma forma interpretativa do espaço bra-
sileiro, por parte da EUG, que tendia a acompanhar a fronteira de
expansão econômica; noção presente em grande parte das teses e dis-
sertações, ratiicando a sistematização inicial de Monbeig (1984) so-
bre esse tema, ou discutindo-a criticamente a partir de outros pressu-
postos teóricos11.
Ponto em comum em todos eles, entretanto, é a ruptura com a
abordagem descritiva do momento anterior e a problematização de
questões que revelavam uma postura de não neutralidade da ciência
geográica. Nesse empreendimento, as discussões eram instrumenta-
lizadas por categorias, conceitos e noções, como as de espaço e re-
gião, que estavam sendo utilizadas de forma crítica pela Geograia e
que tinha como um dos seus principais epicentros de produção e dis-
cussão acadêmica nessa linha a própria Universidade de São Paulo.

11. Das contribuições de Monbeig (1984), a de “franja pioneira”, como parte de uma “frente de colo-
nização”, parece inspirar muitos geógrafos preocupados em entender a chamada “marcha para oes-
te” no Brasil, ora mais elucidada por condicionantes naturais, ora por elementos históricos e econômi-
cos, como a produção, a mão de obra e o transporte. Trata-se de “uma região instável e incerta, onde
manchas de loresta subsistem às vezes por muito tempo, envolvidas por culturas e pastagens, mes-
mo quando já bem mais distante o solo abriga os primeiros cultivos. É uma fronteira que progride ir-
regularmente e em condições confusas” (MONBEIG, 1984, p. 165). A partir dos pressupostos de Mon-
beig, conforme ressalta Droulers (2006), o conceito geográico de “frente pioneira” foi amplamente
revisto para aplicar-se à Amazônia no momento de sua integração à nação, especialmente por meio
das rodovias: “mesmo que se trate, pela forma, de uma repetição histórica do processo de apropriação
territorial, ela vem acompanhada de novas ideologias de conquista, mais voltada para o crescimento
econômico do que para o desenvolvimento. Além disso, a Amazônia propiciaria uma aceleração do fe-
nômeno” (DROULERS, 2006, p. 180).

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É dessa forma que as “monograias regionais”, que caracterizaram
a produção geográica sobre a Amazônia na USP nos primeiros mo-
mentos de sua pós-graduação, foram dando lugar, gradativamente, a
outra forma de compreensão da Amazônia como espaço socialmente
produzido, sendo parte da Divisão Territorial do Trabalho que passou
a caracterizar o País a partir da segunda metade do século XX.

REDIMENSIONANDO O REGIONAL: AVANÇOS DE UMA GEOGRAFIA


MARCADAMENTE CRÍTICA
Os anos de 1990 deiniram para Amazônia não apenas uma avaliação
das estratégias de integração até então implantadas sob a perspectiva
de um governo autoritário, como também sugeriram uma nova forma
de inserção efetiva da região na economia globalizada. Apresentava-se
uma espécie de transição das políticas, perpassadas por medidas de na-
tureza neoliberal, associadas ao discurso da sustentabilidade, que pas-
sou a fazer parte da agenda governamental ao se referir à Amazônia.
Nesse momento já eram bem mais perceptíveis os impactos ca-
pitalistas resultantes da integração da Amazônia ao restante do País,
posto que muitas transformações ocorreram na realidade regional re-
percutindo de maneira decisiva na sua coniguração territorial. Um
dos fatores que contribuíram para isso foi, indubitavelmente, o redi-
recionamento de luxos que induziram o surgimento de novas frentes
de expansão e de novos núcleos urbanos para além dos espaços mais
densamente ocupados.
A reestruturação do espaço regional exigia interpretações mais
contundentes sobre a realidade que se revelava. Ao arrefecimen-
to da política de incentivos iscais e creditícios estabelecidos em dé-
cadas anteriores, veio se somar a maior presença do grande capital
e o impacto das grandes infraestruturas e projetos econômicos, ago-
ra sob o modelo neoliberal, deinindo uma nova fase de célere ocupa-
ção, de privatizações, de Estado mínimo e de nova ordem imposta ao
território.

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No plano disciplinar, o pensamento crítico que alicerçou as inter-
pretações iniciais da chamada Geografia Radical também ganhou
desdobramentos. Na EUG em especíico, delineavam-se, principal-
mente a partir dos anos 1990, novas formas de leituras que se alicer-
çavam nas premissas críticas em que foi construído o pensamen-
to geográico uspiano desde a sua ruptura com a chamada geograia
tradicional, mas que ganhavam aprofundamento e reinamento, sem
que, para isso, houvesse um abandono de fundamentos e inspirações
marxistas. Essas diferentes formas de abordagens que se delineavam
no pensamento geográico uspiano reletiram-se, igualmente, nas lei-
turas sobre o espaço amazônico, como aquelas ediicadas sobre a no-
ção de produção social do espaço, de Lefebvre (1974).
De acordo com Martin (2015), a dimensão desse aprofundamento
é percebida através de três lentes principais de leitura: a da nova geo-
graia agrária, a da geograia urbana radical-crítica e a da mundiali-
zação-globalização. Para a Amazônia, essa tradução de leituras, que
deinem as preocupações dos estudos geográicos uspianos, não se
mostra muito diferente, mas acrescentaríamos a elas outra que, por
sua vez, está mais relacionada à abordagem política, que também se
tornou expressiva na USP: o da geograia política crítica12.
No que diz respeito à primeira delas, a relacionada à nova geogra-
ia agrária brasileira13, há que se destacar alguns autores que forma-

12. A noção de Amazônia como complexo regional geoeconômico e/ou geopolítico perpassa essas di-
versas análises e contribuições. Nesse caso, busca-se sempre evidenciar o regional diante dos proces-
sos que se manifestam em nível nacional, distanciando-se do entendimento de Amazônia como sen-
do homogênea. Assim, por meio de levantamentos empíricos distintos mostra-se a heterogeneidade
e diversidade de uma região que não é tida apenas como exemplo de localização de processos mais
gerais que ocorrem no Brasil e no mundo, mas como um espaço que revela particularidades e singu-
laridades.
13. No PPGH-USP essa lente de leitura está traduzida especialmente na linha de pesquisa “Território,
Agricultura e Sociedade”, preocupada com diferentes formas territoriais em que se expressa a questão
agrária no Brasil e no mundo, situando-a principalmente no pressuposto do desenvolvimento contra-
ditório e desigual do capitalismo no campo. Abarca temas e discussões como: transformações territo-
riais desencadeadas pelo capitalismo no campo em suas faces industrial e inanceiro-corporativa; pro-
cessos de privatização e produção da natureza; mobilidade do trabalho; subordinação da agricultura

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ram gerações na EUG e que muito contribuíram para a compreen-
são da Amazônia no interior da USP; dentre eles, professores que não
apenas orientaram trabalhos sobre a região, como também escre-
veram teses e publicaram trabalhos sobre ela, a exemplo de Palheta
(1978), Sader (1987) e Oliveira (1997). Talvez, por isso, tornaram-se re-
ferências para a orientação de dissertações e teses nos domínios da
Geograia Agrária, mas também em Geograia Econômica e em temas
sobre a Geograia da População (Quadro 3).
Com apoio em Martin (2015), pode-se dizer que há um bom núme-
ro de trabalhos situados nessa linha e que ratiicam a tese central de
Oliveira (2001), a de que, de um lado, em termos gerais, o avanço do
capitalismo em todo o território brasileiro estabelece relações de pro-
dução especiicamente capitalistas acompanhadas de expropriações
dos meios de produção em relação ao trabalhador do campo. De ou-
tro lado, coniguram-se relações não capitalistas que também avan-
çam, reairmando contradições em face da subordinação da produ-
ção camponesa pelo capital e colocando o pequeno produtor sob sua
dependência, por meio da expropriação da renda da terra, do exce-
dente produzido e da redução do rendimento do camponês ao míni-
mo necessário à sua reprodução física.
Leituras como essas contribuíram para reairmar os pressupostos
marxistas introduzidos na leitura geográica da década anterior, so-
mados a contribuições neomarxistas de análise que ganharam cor-
po nas décadas seguintes. Constituem-se formas de abordagens
que aprofundam o pensamento crítico uspiano e que sugerem ou-
tras questões além daquelas já apresentadas anteriormente. Assim,
ao mesmo tempo em que determinadas atividades econômicas assu-
miam maior relevância no espaço amazônico, questões relacionadas

camponesa e sujeição da renda da terra ao capital; formas de resistência que emergem das contradi-
ções capitalistas no campo; movimentos sociais em suas diferentes manifestações; formas alternati-
vas de territorialização e organização da produção no campo; e mudanças na relação campo-cidade
(PPGH-USP, 2016).

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à expropriação camponesa, ao processo de colonização agrária e aos
conlitos no campo ganhavam atenção nas análises, traduzindo, no
plano acadêmico, a relevância das consequências do papel assumido
pela Amazônia na nova DTT que se conigurou no espaço nacional.
Trata-se de estudos que colocam, em grande proporção, a pers-
pectiva de interpretação da Amazônia como uma fronteira econômi-
ca de expansão e de conlitos entre formas capitalistas de produção e
outros modos de vida e estratégias diferenciadas de reprodução eco-
nômica e social; o que passou a permitir uma interpretação menos
fechada da ciência geográica em si mesma. Daí veriicar-se, no con-
junto dessas teses e dissertações analisadas, um diálogo profícuo com
outras ciências, a exemplo da Sociologia e da Economia; diálogo esse
que também se tornou um dos principais elementos caracterizadores
da produção geográica uspiana como um todo.
Muito próximos dos trabalhos da Geograia Agrária, estão também
os da Geograia Econômica e os da Geograia da População, que es-
tabelecem uma interpretação regional assentada principalmente em
categorias como espaço e região. Por meio delas, a dimensão econô-
mica regional assume expressividade interpretativa, ainda que outras
dimensões não deixem de se fazer presentes nas análises empreendi-
das, possibilitando um intenso diálogo interdisciplinar.
Para além da interface com outras ciências, os estudos sobre o es-
paço amazônico são portadores também de uma retórica política,
apoiada em bases cientíicas do fazer geográico e de não neutralida-
de do conhecimento sobre o espaço e que, no caso da Amazônia, ga-
nharam relevo por meio de temas que se remetem, dentre outros, à
“estrutura e questões agrárias”; às “atividades, luxos e formação eco-
nômica do espaço regional”; bem como, os relacionados ao “peril,
mobilidade e questões populacionais”, conforme se pode deduzir no
rol de trabalhos sistematizados no Quadro 3.
Esse peril da Geograia Humana da Universidade de São Paulo
contribuiu, assim, para que a EUG se tornasse uma das principais, se-

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não a principal, escola a propagar a chamada Geograia Crítica ou Ra-
dical no Brasil. A postura de não neutralidade cientíica e de diálogo
interdisciplinar incorporou nos trabalhos sobre a Amazônia autores
como Martins (1996, 1997), em especial por conta de sua discussão a
respeito de fronteira; um espaço, em sua concepção, caracterizado
pela situação de conlito social e de alteridade:

à primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são di-
ferentes entre si... Mas o conlito faz com que a fronteira seja essencialmen-
te, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e do desencontro. Não
só o desencontro e o conlito decorrentes das diferentes concepções de vida
e visões de mundo de cada um desses grupos humanos. O desencontro na
fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada um des-
ses grupos está situado diversamente no tempo da História (...). A fronteira
só deixa de existir quando o conlito desaparece, quando os tempos se fun-
dem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política,
quando o outro se torna a parte antagônica do nós. Quando a História pas-
sa a ser a nossa História, a História da nossa diversidade e pluralidade, e nós
já não somos nós mesmos porque somos antropofagicamente nós e o outro
que devoramos e nos devorou (MARTINS, 1996, p.27).

Quadro 3 – PPGH-USP: teses e dissertações sobre a Amazônia em Geograia


Agrária, Econômica e da População (1994-2015)

No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO


DOR
1 AMARAL, J. J. O. Terra virgem, terra prostituta: o processo de coloniza-Iraci Pa- Ouro Preto do Oes-
ção agrícola em Rondônia. 1994. 128f. Dissertação (Mestrado em Geo- lheta te (RO)
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
2 DOMINGUEZ, C. A. Formação territorial da Amazônia colombiana: Amália Inés Amazônia colombiana
construção pela destruição na economia do caucho. 1994. 250f. G.de Le- (COL)
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo- mos
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 1994.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO
DOR
3 NOGUEIRA, R. J. B. Amazonas: um estado ribeirinho (estudo do Iraci Pa- Amazonas
transporte luvial de passageiros e cargas). 1994. 151f. Dissertação lheta (AM)
(Mestrado em Geograia Humana) - Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
4 GIORDANO, M. L. A garimpagem de ouro no Pará e Amapá no final Mário de Pará (PA) e Amapá (AP)
do século XX. 1995. 340f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) - Biasi
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1995.
5 SOARES, A. P. A. Travessia: análise de uma situação de passagem Ma. Regina Oiapoque (AP)
entre Oiapoque e Guiana Francesa. 1995, 209f. Dissertação (Mes- Sader
trado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1995.
6 PIRES, J. C. A organização do espaço no mundo tropical: o caso da Antônio R. Oeste Maranhen-
área atravessada pela Estrada de Ferro Carajás, Amazônia oriental Pentea- se (MA)
(BR). 1995. 268f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Depar- do/Amália
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu- I. G.de Le-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. mos
7 BOABAID, J. M. Os meandros da sobrevivência: previdência social Rosa Ester Microrregião de Cuia-
rural-MT. 1996. 351f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – De- Rossini bá (MT)
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, São Paulo, 2013.
8 OLIVEIRA, A. U. A Amazônia norte-matogrossense: grilagem, corrup- - Matogrosso
ção e violência. 1997. 496f. Tese (Livre-Docência em Geograia Agrá- (MT)
ria) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
9 SILVA, M. G. S. N. O espaço ribeirinho (migração nordestina para os Ma. Regina Porto Velho (RO)
seringais da Amazônia). 1997. 179f. Dissertação (Mestrado em Geo- Sader
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1997.
10 WERLANG, M. K. Capacidade de uso da terra na bacia hidrográfi- Flávio Rondonópolis (MT)
ca do rio Arareau – Rondonópolis/MT. 1997. 137f. Dissertação (Mes- Sammarco
trado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul- Rosa
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humana, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1997.
11 FARIA, I. F. Território indígena: direito imemorial e o dever. São Pau- Ariovaldo Alto Rio Negro (AM)
lo, 1997. 359f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – De- Oliveira
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO
DOR
12 PEIXINHO, D. M. Onças vermelhas e amarelas: a ocupação dos cer- Iraci Pa- Rondonópolis (MT)
rados e a dinâmica sócio-espacial em Rondonópolis-MT. Departa- lheta
mento de Geograia. 1998. 168f. Dissertação (Mestrado em Geogra-
ia Humana) - Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
13 DEMAMANN, M. T. M. Representações gráficas por mapas para o Marcelo São José do Povo (MT)
estudo da agropecuária do Município de São José do Povo – Mi- Martinelli
crorregião de Rondonópolis. 1999. 106f. Dissertação (Mestrado em
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Fi-
losoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1999.
14 SOUZA JÚNIOR, C. M. Feito a ferro, fogo e fumaça: implicações do Ma. Regina Sudeste paraense (PA)
carvoejamento no sudeste Paraense. 1999. 99f. Dissertação (Mes- Sader
trado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1999.
15 AMARAL, J. J. O. Os latifúndios do INCRA: a concentração de ter- Iraci Pa- Rondônia (RO)
ras nos projetos de assentamentos em Rondônia. 1999. 125f. Tese lheta
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1999.
16 CRUZ, M. J. M. Caboclos-ribeirinhos da Amazônia: um estudo da or- Ariovaldo Careiro da Várzea (AM)
ganização da produção camponesa no município do Careiro da Vár- Oliveira
zea-AM. 1999. 168f. Dissertação (Mestrado em Geograia Huma-
na) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
17 COSTA, R. C. Estudo de localidades camponesas no sudeste do Pará. Iraci Pa- Sudeste paraense (PA)
1999. 199f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) - Facul- lheta
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1999.
18 PEREIRA FILHO, W. Influência dos diferentes tipos de uso da terra Flávio Novo Repartimento e
em bacias hidrográficas sobre sistemas aquáticos da margem es- Sammarco Tucuruí (PA)
querda do reservatório de Tucuruí – Pará. 2000. 138f. Tese (Douto- Rosa
rado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2000.
19 LIMA, L. M. S. A produção camponesa e modernização da agricul- Iraci Pa- Rondonópolis (MT)
tura em Rondonópolis-MT - estudo em áreas de assentamento de lheta
reforma agrária: Gleba Cascata e Projeto de Assentamento Chico
Mendes/Vale do Bacuri. 2000. 228f. Dissertação (Mestrado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2000.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO
DOR
20 MACEDO, C. O. Ilhas de reforma agrária no oceano do latifúndio: a Ariovaldo Eldorado Carajás
luta pela terra no assentamento 17 de Abril (PA). 2000. 200f. Disser- Oliveira (PA)
tação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humana, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2001.
21 MESQUITA, H. A. Corumbiara: o massacre dos camponeses. Rondô- Ariovaldo Corumbiara (RO)
nia – 1995. 2001. 313f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Oliveira
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
22 ARAÚJO, M. C. M. Panorama das organizações sociais de peque- José Willian Ouro Preto do Oes-
nos produtores rurais em assentamentos de colonização e reforma Vesentini te (RO)
agrária em Rondônia. 2002. 83f. Dissertação (Mestrado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2002.
23 GOMIDE, M. L. C. Povos Indígenas do cerrado, territórios ameaça- Ariovaldo Gal. Carneiro, Po-
dos. Terras indígenas Xavante: Sangradouro/Volta Grande e São Oliveira xoréo, Novo S. Joa-
Marcos – MT. 2004. 121f. Dissertação (Mestrado em Geograia Hu- quim (MT)
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
24 COSTA, R. C. Xingu-Transamazônica: linha de queda, territorialidade Iraci Pa- Xingu-Transamazôni-
e conlitos. 2004. 408f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – lheta ca (PA)
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
25 MACEDO, C. O. Diferenciação sócio-econômica e campesinato: o Ariovaldo Sudeste paraense
caso dos assentamentos Cristo Rei, Ubá e Rio Branco no Sudeste do Oliveira (PA)
Pará. 2006. 186f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, 2006.
26 LIMA, L. M. S. O processo de (re) criação do campesinato em áreas Iraci Pa- Rondonópolis e P. da
do latifúndio: a fragmentação da terra em Rondonópolis-MT. 2007. lheta Serra (MT)
402f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
27 CRUZ, M. J. M. Territorialização camponesa na várzea da Amazônia. Ariovaldo Manacapuru (AM)
2007. 261f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamen- Oliveira
to de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO
DOR
28 AVILA, C. A. B. O componente social do Plano Colômbia e a territo- Júlio Cesar Departamento de Pu-
rialidade da comunidade camponesa-indígena Awá do Departa- Suzuki tumayo (COL)
mento do Putumayo (Colômbia). 2008. 209f. Dissertação (Mestrado
em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2008.
29 TORRES, M. G. A beiradeira e o grilador: ocupação no oeste do Pará. Ariovaldo Alto Tapajós (PA)
2008. 330f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar- Oliveira
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
30 CASTRO, M. C. A. Mobilização do trabalho na Amazônia: o oeste do Heinz Die- Santarém (PA)
Pará entre grilos, latifúndios, cobiças e tensões. 2008. 221f. Tese ter Heide-
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, mann
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2008.
31 LOPES, A. P. Escravidão por dívida no norte do Estado do Tocan- Júlio Cesar Araguaína (TO) e Ana-
tins: vidas fora do compasso. 2009. 300f. Tese (Doutorado em Geo- Suzuki nás (TO)
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2009.
32 SANTANA, R. M. Os caminhos da regularização fundiária no Municí- Valéria de Concórdia do Pará (PA)
pio de Concórdia do Pará/PA. 2010. 178f. Dissertação (Mestrado em Marcos
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Fi-
losoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2011.
33 BARROS, C. J.M. F. T. O sonho se faz a mão e sem permissão: “es- Ariovaldo Marabá (PA)
cravidão temporária” e reforma agrária no sudeste do Pará. 2011. Oliveira
250f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamen-
to de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
34 AMARAL, M. D. B. Monopolização do território e carvoejamento Larissa Rondon do Pará (PA)
na Amazônia: a produção do carvão vegetal nos assentamentos e Mies Bom-
acampamentos de reforma agrária e nas carvoeiras tradicionais bardi
de Rondon do Pará. 2011. 213f. Dissertação (Mestrado em Geogra-
ia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2011.
35 BRITO, M. L. S. Processo de escolarização de jovens e adultos em Sonia Ma. Parintins (AM)
áreas de assentamentos de reforma agrária na Amazônia na pers- Castellar
pectiva do lugar: uma abordagem geográica. 2011. 100f. Dis-
sertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ESTUDO
DOR
36 TORRES, M. G. Terra privada, vida devoluta: ordenamento fundiário Ariovaldo Oeste do Pará (PA)
e destinação de terras públicas no oeste do Pará. 2012. 878f. Tese Oliveira
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2012.
37 GUERRERO, N. R.. Em terra vestida: contradições de um processo Valéria de Mirinzal (MA)
de territorialização camponesa na Resex Quilombo do Frechal (MA). Marcos
2012. 359f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de geograia Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
38 TERENCE, M. F.. Avanços e limites da reforma agrária no sul do Valéria de Conceição do Ara-
Pará: um estudo a partir do projeto de assentamento Canarana. Marcos guaia (PA)
2013. 196f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
39 SOUZA, S. C. Questão agrária e etnoconhecimento camponês na co- Larissa Manaus (AM)
munidade Pau Rosa, assentamento Tarumã Mirim, Manaus-AM. São Bombardi
Paulo, 2013. 134f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) –
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
40 RIBEIRO JUNIOR, J. A. S. O desenvolvimento geográfico desigual Marta Inez Maranhão
da Suzano Papel e Celulose no Maranhão. 2014. 220f. Dissertação Marques (MA)
(Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2014.
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

Trabalhos como os de Martins (1996, 1997) inspiraram tanto estu-


dos mais voltados às dinâmicas agrárias, como também aqueles que
se preocuparam em abordar as dinâmicas urbano-regionais. Os limi-
tes disciplinares no interior da própria geograia se revelam, no con-
junto de trabalhos inventariados, muito tênues, seja no âmbito da
Geograia Agrária, seja no âmbito da Geograia Urbana, demonstran-
do a intrínseca relação entre o rural e o urbano na Amazônia14.

14. Elementos da natureza e da ruralidade são ressaltados em vários estudos, chamando a atenção para
a circulação luvial, para a loresta cortada pelas estradas, para a migração pendular por meio do rio, para
o tempo lento e o ritmo da natureza que não foram totalmente capturados pelos atributos da técnica.

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Nas questões regionais que são abordadas nos diferentes traba-
lhos em distintos campos disciplinares há uma grande centralidade
ao papel das cidades e da vida urbana, tidas como fundamentais para
o entendimento de processos que passaram a conigurar a Amazônia
contemporânea. A presença das cidades e dos processos urbanos é
considerada tanto nos temas que abordam a constituição intraurba-
na e da rede urbana regional, no domínio da Geograia Urbana, como
também em temas de outros campos subdisciplinares, a exemplo dos
estudos de Geograia Agrária15 e de Geograia Política16; o que mostra
a importância das mesmas para a formação da estrutura regional nos
estudos geográico uspianos.
Não obstante o reconhecimento dessa intensa interação, é preci-
so destacar o conjunto de trabalhos sobre a Amazônia mais identiica-
do com a Geograia Urbana e com os estudos urbano-regionais (Qua-
dro 4). Desses trabalhos, majoritariamente inseridos em uma das
linhas de pesquisa do PPGH-USP17, parte signiicativa se situa em uma
vertente de análise denominada, pelo geógrafo Maurício de Abreu
(MARTIN, 2015)18, de marxista-lefebvriana.

15. Na Geograia Agrária, a menção às dinâmicas urbanas e aos processos de formação de cida-
des mostra a articulação rural-urbano na região e a relevância da cidade para a produção do espa-
ço agrário.
16. As cidades gêmeas, o urbano e as políticas de integração regional, as migrações (inter) nacio-
nais, e as cidades como “nós” da estrutura regional se fazem presentes em vários estudos de Geogra-
ia Política.
17. Os trabalhos se situam em boa parte na linha “Geograia da Cidade e o Urbano” que analisa criti-
camente a produção do espaço urbano, a difusão da sociedade urbana e o contexto histórico de mo-
dernização capitalista em seus fundamentos e contradições sociais. Pautada na teoria do valor e do
trabalho abstrato, discute as condições concretas de formação e funcionamento das cidades, eviden-
ciando suas contradições e problematizando temas como: as práticas institucionais e as políticas pú-
blicas relacionadas às cidades, os movimentos sociais urbanos, a compreensão do cotidiano da vida
moderna associada ao processo de urbanização da sociedade, os processos sociais e os usos do espaço
na urbanização latino-americana e brasileira em suas diferentes escalas (local, metropolitana, regio-
nal, nacional e global) (PPGH-USP, 2016).
18. Inclui grupo de professores e pesquisadores que estabelecem preocupações teórico-metodológi-
cas assentadas na leitura de Henri Lefebvre, como Sandra Lencioni, Ana Fani Carlos, Glória Alves, Jú-
lio César Suzuki, dentre outros; todos com formações em Geograia no interior da própria Universida-

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Quadro 4 – PPGH-USP: teses e dissertações sobre a Amazônia em Geograia Urbana (1994-2015)

No. AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR ÁREA DE ES-


TUDO
1 FREIRE, A. L. O. Porto Velho: o migrante no espaço novo. 1994. Ana Fani Carlos Porto Velho (RO)
172f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa-
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
2 OLIVEIRA, J. A. Cidades na selva: urbanização das Amazônias. Ana Fani Carlos Presidente Fi-
1995. 323f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departa- gueiredo (AM)
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
3 SILVA, M. J. B. Caratateua: a ilha e o subúrbio de Belém. 1995. Francisco C. Scar- Belém (PA)
264f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa- lato
mento de Geograia Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
4 DIAS, M. B. Industrialização e a produção do espaço urbano em Iraci Palheta Belém (PA)
Icoaraci – Belém/PA. 1996. 204f. Dissertação (Mestrado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1996.
5 FERREIRA, B. As relações cidade/campo no vale do Tocantins. O Antonio Rocha Imperatriz (MA)
caso de Imperatriz no Maranhão. 1995. 296f. Tese (Doutorado em Penteado/
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de José Bueno Conti
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1997.
6 SUZUKI, J. C. De povoado a cidade. A transição do rural ao urba- Sandra Lencioni Rondonópo-
no em Rondonópolis. 1997. 226f. Dissertação (Mestrado em Geo- lis (MT)
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1997.
7 TRINDADE JR., S-C. C. A cidade dispersa: os novos espaços de as- Sandra Lencioni Região Metro-
sentamentos em Belém e a reestruturação metropolitana. 1998. politana de Be-
395f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de lém (PA)
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
8 VIEIRA NETO, J. A urbanização e a problemática ambiental no Cen- Amália Inés G. Rondonópo-
tro-Oeste do Brasil: o caso de Rondonópolis-MT. 2000. 220f. Tese Lemos lis (MT)
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humana, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2000.

de de São Paulo. Essa abordagem não está restrita, entretanto, aos estudos urbanos, mas se expressa
igualmente em outros domínios da disciplina, a exemplo da própria Geograia Agrária.

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No. AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR ÁREA DE ES-
TUDO
9 VILARINHO NETO, C. S. Metropolização regional, formação e con- Ariovaldo Oliveira Mato Grosso (MT)
solidação da rede urbana do Estado de Mato Grosso. 2003. 367f.
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
10 SILVA, P. R. F. Dinâmica territorial urbana em Roraima - Brasil. Francisco C. Scar- Roraima
2007. 329f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departa- lato (RO)
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
11 OLIVEIRA, C. F. F. Água e saneamento básico: a atuação do grupo Sandra Lencioni Manaus (AM)
Suez em Limeira e Manaus. 2007. 233f. Tese (Doutorado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia Humana, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2007.
12 DIAS, M. B. Urbanização e ambiente urbano no distrito administra- Iraci Palheta Belém (PA)
tivo de Icoaraci, Belém-PA. 2007. 309f. Tese (Doutorado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2007.
13 VERAS, A. T. R. A produção do espaço urbano de Boa Vista - Rorai- Francisco C. Scar- Boa Vista (RR)
ma. 2009. 235f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Depar- lato
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
14 SILVA, E. Território, cidade e rede: o papel de Rondonópolis na ex- Júlio Cesar Suzuki Rondonópolis-MT
pansão da soja no cerrado mato-grossense. 2010. 213f. Tese (Dou-
torado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Fa-
culdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2010.
15 AMARAL, M. D. B. Dinâmicas econômicas e transformações es- Sandra Lencioni Marabá (PA) e
paciais: a metrópole de Belém e as cidades médias da Amazônia Macapá (PA)
oriental – Marabá (PA) e Macapá (AP). 2011. 334f. Tese (Doutorado
em Geograia Humana) - Programa de Pós-Graduação em Geogra-
ia Humana, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
16 RIBEIRO, M. N. S. De leprosário a bairro: reprodução social em Júlio Cesar Suzuki Manaus (AM)
espaços de segregação na Colônia Antônio Aleixo (Manaus-AM).
2011. 283f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departa-
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

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No. AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR ÁREA DE ES-
TUDO
17 TOMAZI, V. T. Urbanização turística litorânea e grandes projetos Eduardo Yázigi Belém (PA)
urbanos promovidos por investimentos públicos em Belém (PA) e
Fortaleza (CE) entre 1990 e 2010. 2011. 133f. Dissertação (Mestra-
do em Geograia Humana) - Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
18 DEMAMANN, M. T. M. Rondonópolis-MT: campo, cidade e centrali- Júlio Cesar Suzuki Rondonópo-
dades. 2011. 250f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – De- lis (MT)
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
19 BRAGA, Dilma B. A (re) produção do espaço urbano: os bairros Ira- Vanderli Custódio Itacoatiara (AM)
ci e Prainha - Itacoatiara - AM. 2011. 153f. Dissertação (Mestrado
em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2011.
20 RIBEIRO, J. H. S. Espaços violados: uma leitura geográica e psi- Rosa Ester Rossini Manaus (AM)
cossocial da violência sexual infanto-juvenil na área urbana de
Manaus - AM (2006-2010). 2011. 328f. Tese (Doutorado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2011.
21 PORTO, K. S. Impactos socioambientais do processo de ocupação Vanderli Custódio Tefé (AM)
da orla do Município de Tefé/Amazonas: o bairro do Juruá. 2012
110f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa-
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
22 LIMA, M. E. F. Produção do espaço urbano e impactos socioam- Vanderli Custódio Manacaparu (AM)
bientais na cidade de Manacapuru-AM: o bairro de Biribiri. 2012.
140f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa-
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
23 SANTOS, J. T. Violência contra a mulher nos espaços urbanos da ci- Elvio Martins Manaus (AM)
dade de Manaus/AM: dois anos antes e depois da Lei Maria da Pe-
nha. 2011. 141f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana)
– Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
24 VILLAÇA, A. A. N. B. Habitação e ação pública na contemporanei- Glória Alves Manaus (AM)
dade: um estudo de caso na área central de Manaus. São Paulo,
2012. 124f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo.

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No. AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR ÁREA DE ES-
TUDO
25 EHNERT, A. R. V. A Região Metropolitana de Manaus e as migra- Glória Alves Manaus (AM)
ções pendulares. 2011. 110f. Dissertação (Mestrado em Geogra-
ia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filoso-
ia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo. 2011.
26 VALLE, G. J. T. A cidade do esquecimento: Manaus entre a memória Sandra Lencioni Manaus (AM)
das ausências e as ausências da memória. 2013. 286f. Tese. (Dou-
torado em Geograia Humana) – Programa de Pós-Graduação em
Geograia Humana, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
27 SANTOS, C. R. S. A nova centralidade da metrópole: da urbaniza- Ana Fani Carlos Amazônia Legal
ção expandida à acumulação especiicamente urbana. 2013. 307f. (BRA)
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
28 SOUSA, I. S. A ponte Rio Negro e a Região Metropolitana de Ma- Sandra Lencioni Região Metropo-
naus: adequações no espaço urbano-regional à reprodução do ca- litana de Manaus
pital. 2013. 249f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Depar- (AM)
tamento de Geograia Humana, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
29 SOUZA, N. D. O processo de urbanização da cidade de Parintins Marcelo Mar- Parintins (AM)
(AM): evolução e transformação. 2013. 141f. Tese (Doutorado em tinelli
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2013.
30 LIMA, M. C. Quando o amanhã vem ontem: a institucionalização da Sandra Lencioni Região Metropo-
Região Metropolitana de Manaus e a indução ao processo de me- litana de Manaus
tropolização do espaço na Amazônia ocidental. 2014. 298f. Tese (AM)
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia
Humana, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, 2014.
31 CARDOSO, D. L. A função estratégica do assistencialismo na pro- Glória Alves Belém
dução do espaço na metrópole. 2014. 146f. Dissertação (Mestrado (PA)
em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2014.
32 RIBEIRO, R. A política de habitação de interesse social e a dimen- Hervé Théry Oriximiná, S. J.
são urbana em municípios da Amazônia/Pará. 2014. 133f. Tese Araguaia, S. Se-
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, bastião da Boa
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Vista, Vitória do
de São Paulo, São Paulo, 2015. Xingu (PA)
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

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Trata-se de uma forma de leitura da ciência geográica que ganhou
expressão nas discussões de grupos de pesquisa integrantes princi-
palmente de espaços como o Laboratório de Geograia Urbana (LA-
BUR) e o Laboratório de Estudos Regionais em Geograia (LERGEO).
Tal abordagem, além de fazer um contraponto ao pragmatismo geo-
gráico19, reairma a teoria marxista, buscando seu aprofundamento e
redimensionando-a por meio de uma leitura contemporânea e atuali-
zada de autores como Henri Lefebvre, sinalizando, ainda, para a cons-
trução de uma metageograia20.
Nesse empreendimento ediica-se também o rico diálogo inter-
disciplinar que, diferente do que se poderia pensar, reforça a contri-
buição da disciplina diante dos outros campos de conhecimento. Tal
postura torna-se favorável à interpretação de uma região de grandes
tensões e de urbanização crescente e recente como a Amazônia, cuja
leitura exige a habilidade de articular processos intraurbanos com os
do espaço regional, atentando-se para a indissociabilidade entre o ru-
ral e o urbano e para a reprodução econômica e social capitalista que
se expressa, por exemplo, através da difusão da chamada sociedade
urbana (LEFEBVRE, 1970). Adentra-se, assim, por meio dessa manei-
ra de abordar o espaço, no estudo da vida cotidiana regional, onde se
fazem muito presentes ainda os ritmos lentos, mas que convivem com
os ritmos mais rápidos da sociedade moderna.
Dos conteúdos recorrentes nos trabalhos de Geograia Urbana ou
na sua interface com subáreas como a Geograia Econômica, a Geo-
graia do Turismo e a Geograia da População, destacam-se os se-
guintes temas: “cidades, urbanização do espaço e centralidades ur-

19. A abordagem teórica ou pragmática só aparece de maneira muito tímida e pontual dentre os tra-
balhos sobre a Amazônia realizados no interior da EUG.
20. A metageograia proposta, particularmente nos estudos urbanos e urbano-regionais, traz a inten-
ção de “elaborar ‘um modo de pensar a cidade’ e o urbano através da Geograia, enquanto possibili-
dade de ir além da situação de fragmentação que ela vive” (CARLOS, 2004, p 138). Busca-se, com isso,
por meio da noção de totalidade, superar parcialidades na leitura da sociedade, da cidade e do urba-
no, através da Geograia.

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bano-regionais”; “estrutura, agentes e dinâmicas intraurbanas”; e
“metropolização, espaços metropolizados e regiões metropolitanas”.
Além desses, outros também aparecem nos estudos realizados sobre
a Amazônia, a saber: “meio ambiente, recursos naturais e questões
socioambientais”; “infraestrutura, serviços e políticas urbanas”; “ati-
vidades, serviços e políticas de turismo”; “peril, mobilidade e ques-
tões populacionais”; e “cidade, memória e cultura”.
São trabalhos que se ocupam do entendimento da dinâmica regio-
nal tratando de suas especiicidades e levando em conta o processo
de urbanização da sociedade e do espaço como produto, condição e
meio da dinâmica econômica que se dá em nível regional, mas que
está, ao mesmo tempo, diretamente relacionado a escalas geográicas
mais amplas do processo de reprodução capitalista.
Nessa linha de interpretação, a noção de sociedade urbana pro-
posta por Lefebvre (1970) compõe grande parte dos argumentos sobre
os modos de vida que se fazem presentes na região e que se colocam
para além das cidades propriamente ditas, seguindo abordagens so-
bre o espaço que conformavam o pensamento geográico uspiano, a
exemplo do que faz Lencioni (2013) em sua obra sobre a habitação ri-
beirinha na Amazônia. Nela, mostra-se a difusão da sociedade urbana
no cotidiano ribeirinho, evidenciando a inconsistência da clássica di-
visão entre o rural e o urbano na região como dois mundos apartados.
Nessa mesma linha de interpretação, a urbanização concentrada,
em uma região onde se destaca a paisagem natural, não escapa a aná-
lise. É o que se percebe em teses e dissertações que buscam dar con-
ta de processos de metropolização, como os de Belém e Manaus, e de
urbanização difusa presente em cidades não metropolitanas e pulve-
rizadas por todo o vasto espaço regional, onde a sociedade urbana al-
cança a vida cotidiana local.
Sem dúvida, o alcance macrorregional desses estudos resulta da
preocupação com o entendimento da nova ordem territorial que se
apresenta. Nela se define um padrão espacial mais complexo, in-

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crementado pela dinâmica urbana regional contemporânea e pela
ocupação recente, que têm nos processos novos que chegam à re-
gião elementos deinidores dos luxos de pessoas, mercadorias e in-
formações.
Esses luxos sinalizam para novas tendências de povoamento e de
urbanização da sociedade e do território, iniciadas em décadas an-
teriores, por meio da política do “urbanismo rural”21; da criação de
complexos de produção voltados para a exploração de recursos na-
turais, com uma logística própria (área de produção, usinas/plantas
industriais, cidades-empresa, portos, vias de circulação etc.); da pro-
liferação de povoados aglomerações urbanas precários e instáveis
dispersos territorialmente. Sinalizam também para o incremento da
urbanização mais recente, onde se observam os novos conteúdos ur-
banos para as cidades ditas locais, a maior presença na paisagem de
centros urbanos sub-regionais de grande importância para as estrutu-
ras econômicas que se instalam, e o recrudescimento do processo de
metropolização do espaço e dos espaços metropolizados (LENCIO-
NI, 2004, 2013), como uma forma nova de expressar a urbanização da
sociedade.
A abrangência desse processo leva igualmente a um nível de al-
cance dos trabalhos da EUG que engloba praticamente toda a região,
ainda que boa parte desse alcance se restrinja à Amazônia brasilei-
ra. De qualquer forma, há uma diversidade de realidades urbanas in-
vestigadas e discutidas, especialmente nas teses e dissertações mais
recentes.
A expansão da pós-graduação no Brasil e o crescimento do nú-
mero de teses e dissertações elaboradas, também concorreram para
a ampliação dos estudos sobre a complexidade e a diversidade re-

21. Tipo de urbanismo associado à colonização agrária das rodovias, que tinha na hierarquia urbana e
na polarização das atividades e serviços uma concepção de ordenamento territorial orientada pela ra-
cionalidade de novas forma urbanas - agrovilas, agrópolis e ruropólis – responsáveis por deinir novos
conteúdos socioespaciais de natureza rural-urbana.

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gional amazônica, que não é mais estudada somente na sua porção
mais densamente ocupada, mas que também cobre outras sub-re-
giões onde o processo de expansão de formas novas de reprodução
capitalista começam a estar mais presentes, em que pese o maior per-
centual de estudos voltados para aqueles espaços mais densamente
ocupados.
A ampliação da extensão geográica de estudos é constatada, en-
tretanto, principalmente em outro grupo de trabalhos situados espe-
cialmente no campo subdisciplinar da Geograia Política. Nesse cam-
po, onde os estudos sobre a Pan-Amazônia são em maior número,
surgem, adicionalmente, outros temas de pesquisa, todos analisados
sob a ótica política da Geograia (Quadro 5)22.

Quadro 5 – PPGH-USP: teses e dissertações sobre a Amazônia em Geograia Política (1996-2014)

No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ES-


DOR TUDO
1 CABREIRA, M. M. Vargas e o rearranjo espacial do Brasil: a Amazônia Ma. Regina Amazônia Legal
Brasileira – um estudo de caso. 1996. 128f. Dissertação (Mestrado em Sader (BRA)
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 1996.
2 OLIVEIRA, R. M. A última página do Gênesis: a formação territorial do Es- Marcelo Amapá (AP)
tado brasileiro na Amazônia oriental (o caso do Amapá). 1998. 228f. Tese Martinelli
(Doutorado em Geograia Humana) - Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
3 ROCHA, G. M. A construção da usina hidrelétrica e a redivisão político- Amália Inés Tucuruí (PA)
-territorial na área de Tucuruí (PA). 1998. 285f. Tese (Doutorado em Geo- G. Lemos
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

22. Além daqueles temas clássicos da Geograia Política – “Estado, políticas territoriais e estratégias
de integração regional”; “formação, dinâmica e fragmentação político-territorial”; “planejamento, ges-
tão e desenvolvimento territorial” –, outras questões sobre a região se tornam motivos de estudo, como
“fronteiras políticas, controle e cooperação internacional”; “meio ambiente, recursos naturais e ques-
tões socioambientais”; e, ainda, “territórios, territorialidades e modos de vida de populações tradi-
cionais”.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ES-
DOR TUDO
4 BARBOSA, Y. M. As políticas territoriais e a criação do Estado do Tocan- Wanderley Tocantins (TO)
tins. 1999. 158f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamen- M. Costa
to de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
5 FERREIRA, A. J. A. O Estado e as políticas territoriais do urbano em São Antônio Car- São Luís (MA)
Luís. 1999. 223f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar- los R. Mo-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma- raes
na, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
6 MAZZEI, V. Amazônia sul-americana: um novo espaço de integração. Wanderley Pan-Amazônia
2000. 165f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa- M. Costa (PANAM)
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
7 AGOSTINHO, J. Subsídios à discussão de um plano de desenvolvimen- Mário de Roraima (RR)
to sustentável para o Estado de Roraima. 2001. 334f. Dissertação (Mes- Biasi
trado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculda-
de de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2001.
8 ABREU, S. Planejamento governamental: a SUDECO no espaço mato- Ana Ma. Ma- Mato Grosso
-grossense - contextos, propósitos e contradições. 2001. 328f. Tese rangoni (MT)
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2001.
9 NOGUEIRA, R. J. B. Amazônia: A divisão da “monstruosidade geográi- André Martin Amazonas (AM)
ca”. 2002. 211f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamen-
to de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
versidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
10 MELLO, N. A. Políticas públicas territoriais na Amazônia brasileira: conli- Wanderley Amazônia Legal
tos entre conservação ambiental e desenvolvimento - 1970-2000. 2002. M. Costa (BRA)
554f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2002.
11 MARCIANO, S. M. Tratado de Cooperação Amazônica, um projeto de in- André Martin Pan-Amazônia
tegração sul-americana: entre o idealismo jurídico e o realismo geo- (PANAM)
gráico. 2002. 215f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) –
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
12 MAIA, L. A. B. Fronteira Brasil-Colômbia: formação, vigilância e viviica- André Martin Fronteira Bra-
ção. 2004. 169f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar- sil-Colômbia
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma- (BRA e COL)
na, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ES-
DOR TUDO
13 COMEGNA, M. A.. A convenção sobre biodiversidade e as comunidades Wagner Ri- Amazônia boli-
locais na Bolívia. 2006. 176f. Dissertação (Mestrado em Geograia Hu- beiro viana (BOL)
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
14 TOMAZ, A. C. F. A política nacional de recursos hídricos (PNRH) e o fede- Wanderley Amazônia
ralismo no Brasil. 2006. 112f. Dissertação (Mestrado em Geograia Hu- M. Costa Legal (BR)
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
15 SILVA, A. B. Geopolítica na fronteira norte do Brasil: o papel das for- Wanderley Roraima (RR)
ças armadas nas transformações sócio-espaciais do Estado de Roraima. M. Costa
2007. 187f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2007.
16 MIGUEL, L. M. Uso sustentável da biodiversidade na Amazônia brasilei- Wanderley Belém (PA)
ra: experiências atuais e perspectivas das bioindústrias de cosméticos e M. Costa e Manaus (AM)
itoterápicos. 2007. 160f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana)
– Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
17 CHAGAS, R. P. Políticas territoriais no Estado do Tocantins: um estudo de Rita Cruz Região do Jala-
caso sobre o Jalapão. 2007. 132f. Dissertação (Mestrado em Geograia pão (TO)
Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
18 CONTE, M. I. A ponte sobre o rio Oiapoque: uma ponte “transoceânica” André Martin Oiapoque (AP)
entre o Brasil e a França; o Mercosul e a União Europeia? 2008. 145f. e Saint Georges
Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geo- (GFR)
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2008.
19 FREIRE, E. M. Bolívia: crise de coesão territorial no coração da América André Martin Amazônia boli-
do Sul. 2008. 111f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – De- viana (BO)
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
20 FERREIRA, A. J. A. Políticas territoriais e a reorganização do espaço ma- Antônio Car- Maranhão
ranhense. São Paulo, 2008. 269f. Tese (Doutorado em Geograia Huma- los R. Mo- (MA)
na) - Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade raes
de São Paulo, São Paulo, 2008.
21 MELLO-THÉRY, N. A. Território, meio ambiente e gestão: os antagonis- Amazônia Legal
mos vividos pelo Estado no âmbito das políticas ambientais. 2008. 198f. - (BRA)
Tese (Livre-Docência em Geograia Política) – Departamento de Geogra-
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2008.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ES-
DOR TUDO
22 DUTRA, I. F. Pari-cachoeira e Trinidad: convivência e construção da auto- Ariovaldo Fronteira Bra-
determinação indígena na fronteira Brasil-Colômbia. São Paulo, 2008. Oliveira sil-Colômbia
265f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de (BRA e COL)
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2009.
23 SANT’ANNA, F. M. Cooperação internacional e gestão transfronteiriça da Wagner Ri- Fronteira Bra-
água na Amazônia. 2009. 197f. Dissertação (Mestrado em Geograia Hu- beiro sil (BR), Bolí-
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e via (BOL) e Peru
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. (PER)
24 PFRIMER, M. H. A guerra da água em Cochabamba, Bolívia: desmistii- André Martin Área metropoli-
cando os conlitos por água à luz da geopolítica. 2010. 408f. Tese (Dou- tana de Cocha-
torado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculda- bamba (BOL)
de de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2010.
25 RODRIGUES, Z. M. R. Sistema de indicadores e desigualdade socioam- Wagner Ri- São Luís (MA)
biental intraurbana de São Luís - MA. 2010. 208f. Tese (Doutorado em beiro
Geograia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filo-
soia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2010.
26 REYES, F. S. O papel das vias de circulação na coesão territorial do Esta- André Martin Amazônia boli-
do boliviano: da Audiência de Charcas à Bolívia de 1971. 2010. 144f. Dis- viana (BOL)
sertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geogra-
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2010.
27 SILVA, F. C. Parque Nacional do Jaú, Unidade de Conservação e patrimô- Neli Mello- Barcelos
nio natural mundial na Amazônia brasileira: a articulação de instrumen- -Théry (AM) e Novo Ai-
tos permite melhor proteção? 2010. 147f. Dissertação (Mestrado em Geo- rão (AM)
graia Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
28 SANTOS, M. Roberto. Arranjos produtivos locais e biodiversidade na Wanderley Manaquiri (AM)
Amazônia: perspectivas do APL de itoterápicos e itocosméticos e resul- M. Costa Barreirinha
tados das iniciativas de apoio nos municípios de Manaquiri e Barreirinha (AM)
- AM. 2011. 185f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
29 BORBA, M. R. M. A exploração de bauxita em Juriti (PA) e o modelo “Juri- Élvio Martins Juruti (PA)
ti Sustentável”. 2012. 129f. Dissertação (Mestrado em Geograia Huma-
na) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- ÁREA DE ES-
DOR TUDO
30 BORGES, L. R. M. Políticas territoriais na fronteira: o Programa de Ace- Neli Mello- Rondônia (RO)
leração do Crescimento e as transformações em Rondônia no início do -Théry
séc. XXI. 2012. 244f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – De-
partamento de geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
31 TODESCO, C. Estado e produção terceirizada de políticas públicas de tu- Rita Cruz Amazônia Legal
rismo para a Amazônia legal: uma análise fundada nas dimensões da (BRA)
vida política. São Paulo, 2013. 257f. Tese (Doutorado em Geograia Hu-
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo São Paulo, 2013.
32 BATISTA, S. P. M. Injustiça socioambiental: o caso PROSAMIM. 2013. 287f. Wagner Ri- Manaus
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geograia, beiro (AM)
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2013.
33 SANT’ANNA, F. M. Governança multi-escalar dos recursos hídricos trans- Wagner Ri- Bacias dos Rios
fronteiriços na Amazônia. 2013. 306f. Tese (Doutorado em Geograia Hu- beiro Acre (BRA, PER,
mana) - Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universida- BOL) e Napo
de de São Paulo, São Paulo, 2013. (PER, ECU)
34 PIRES, W. P. A in-divisibilidade dos territórios estaduais no Brasil: os pro- André Martin Pará (PA)
jetos de desmembramento, subdivisão e incorporação de UFs. 2013.
539f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2013.
35 NASCIMENTO, M. R. O papel geopolítico da Amazônia brasileira e sua in- André Martin Amazônia Legal
serção nas políticas voltadas à segurança nacional: uma análise dos do- (BRA)
cumentos oiciais de defesa e das políticas de controle territorial. 2013.
157f. Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2013.
36 SILVA, C. H. O Pará aos pedaços: projetos de criação dos estados do Ca- Manoel Fer- Pará
rajás e Tapajós no contexto da fronteira de acumulação. 2014. 184f. Dis- nandes de (PA)
sertação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamento de Geogra- Sousa Neto
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2014.
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

Se nas abordagens disciplinares anteriores, as categorias espa-


ço e região instrumentalizam em grande parte as problemáticas de
pesquisa, na Geograia Política, categorias como território e ambien-
te aparecem mais nas análises efetivadas, acompanhadas de autores

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clássicos da teoria social crítica, como os marxistas, que buscam enfa-
tizar a dimensão política da sociedade e do território.
Acrescentam-se ainda outros autores que instrumentalizam a aná-
lise política do espaço, como Rafestin (1993), bastante mencionado
nessa forma de leitura da Amazônia, assim como autores de reno-
mada contribuição da própria USP no campo da Geograia Política,
a exemplo de Antônio Carlos Robert Moraes, Wanderley Messias da
Costa, André Roberto Martin, Neli Mello-héry e Wagner da Costa Ri-
beiro, que integraram ou integram o atual GEOPO, que têm formação
na própria USP e cujas teses/trabalhos tocam direta ou indiretamente
questões sobre a Amazônia; o que justiica, em larga medida, o fato de
assumirem a orientação de boa parte de teses e dissertações realiza-
das no PPGH-USP na mesma linha de suas formações23.
Os trabalhos nessa linha começaram a tomar corpo a partir da dé-
cada de 1990 no PPGH-USP, inicialmente mais preocupados com a
análise das políticas territoriais estabelecidas para a região pelo Esta-
do brasileiro, e também com o entendimento de propostas efetivas ou
intencionais de criação de novas unidades da federação na forma de
estados, de territórios federais ou de municípios.
Mais recentemente, outros estudos nesse campo se ocupam dos
espaços transfronteiriços e das novas estratégias do Estado brasilei-
ro no que concerne às políticas de cooperação com os países da Pan-
-Amazônia. Discutem as mudanças contemporâneas nas políticas
territoriais brasileiras que redirecionam as ações geoestratégicas e

23. Inseridos principalmente na linha de pesquisa “Geograia Política, Planejamento e Recursos Na-
turais”, que considera a Geograia Política e a Geopolítica em seus diferentes contextos históricos e na
trajetória do pensamento geográico, inclui-se o debate teórico a propósito de sua renovação crítica e
de sua abordagem multiescalar. Abarca ainda a análise da chamada nova ordem mundial sob o impul-
so da globalização e outras questões correlatas – a questão nacional, as nacionalidades, o federalismo,
os movimentos autonomistas e a nova regionalização do mundo -, além de temas contemporâneos,
como o planejamento em suas múltiplas possibilidades, o zoneamento territorial como forma de orde-
namento e de ação política, os recursos naturais à luz das novas tecnologias e de suas implicações geo-
políticas, a crise atual diante do paradigma socioambiental, a ordem ambiental internacional e a inser-
ção do Brasil nos acordos internacionais em torno dela (PPGH-USP, 2016).

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geopolíticas mais clássicas de segurança nacional para outras formas
de pensar as fronteiras e as relações com os países vizinhos, voltadas
agora para acordos diplomáticos e de cooperação internacional.
É dessa forma que entram em cena os temas relacionados às ques-
tões ambientais e aos recursos naturais24 que, a exemplo do tema
da cooperação internacional, também têm despertado nos últimos
anos as preocupações de pesquisas que fazem do território a prin-
cipal categoria de interpretação das análises geográicas no PPGH-
-USP. A nova particularidade geopolítica de uma região continental e
de interesse internacional favorece também as análises de realidades
transfronteiriças, a contiguidade regional para além dos recorres po-
líticos, as diferentes territorialidades demarcadas por tradições histó-
rico-culturais e o novo papel do Estado com vistas à integração con-
tinental.
Tais estudos aparecem como formas de acompanhar e entender as
políticas mais recentes do Estado brasileiro para a região. Acrescen-
tam-se, assim, outros temas que traduzem a convivência de uma eco-
nomia de fronteira, estabelecida no passado, com um vetor tecnoe-
cológico de desenvolvimento, conforme deine Becker (1997), uma
autora que também é referenciada nos estudos sobre o tema, e que
fala de uma nova estratégia de ordenamento territorial para a região,
pautada em uma proposição de política nacional integrada para a
Amazônia Legal, e que vem associada, desta feita, ao discurso do cres-
cimento econômico sustentável.
Nesse caso, para Becker (1997), trata-se de uma nova forma de in-
tegração da região amazônica como parte de um projeto nacional de
inserção no atual estágio da globalização. Isso passou a ser feito bus-
cando-se uma possível articulação da dimensão econômica, social e

24. Temas de estudos mais recentes, a sustentabilidade, a conservação e a preservação dos recursos,
são levados em conta ao serem destacados os novos arranjos políticos e territoriais que buscam pensar
a região para além de um espaço de reserva de recursos, remetendo a discussão para esforços interpre-
tativos que ultrapassam a abordagem econômica em geograia.

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ambiental, ainda que, dentro dessa mesma política, tendam a apare-
cer interesses e projetos bastante diferenciados por parte de agentes
social e economicamente distintos.
Dessa maneira sobrepõe-se à malha territorial conigurada des-
de as décadas anteriores, outra de natureza socioambiental. Esta últi-
ma não nega a anterior, mas com ela convive, reairmando a conexão
dos espaços locais e sub-regionais com realidades externas à região, e
sugerindo estudos que alcançam não apenas a Amazônia Legal, mas
gradativamente outros países da Pan-Amazônia, até então pouco in-
cluídos nos estudos uspiano sobre essa região.

REAFIRMANDO PRESSUPOSTOS CRÍTICOS: NOVAS LEITURAS TEÓRICO-CONCEITUAIS


Um autor bastante mencionado em todos os trabalhos dos grupos de
pesquisa e eixos temáticos anteriormente referenciados é Milton San-
tos, intelectual que consolidou sua carreira acadêmica no Departa-
mento de Geograia da USP e que muito inspirou estudos em nível de
mestrado e de doutorado assentados em seu pensamento. Dentre es-
ses trabalhos, pode-se destacar, entretanto, um rol deles, realizados
em subcampos disciplinares distintos que tratam, de forma sistema-
tizada, conceitos, noções e bases teóricas desse autor. Corresponde a
um pensamento que, não obstante a presença fundamental dos pres-
supostos da economia política marxista, incorpora, na instrumenta-
ção de análise, outros autores não necessariamente marxistas, mas de
igual destaque na teoria social crítica.
Milton Santos não orientou no PPGH-USP teses e dissertações
que problematizassem diretamente as questões amazônicas, mas,
no âmbito da Escola Uspiana de Geograia, a exemplo de outras con-
tribuições da mesma escola, propôs também a construção de uma
metageograia25, sugerindo, nesse intento de reletir o mundo contem-

25. Para Contel (2014), a intenção de Milton Santos em propor uma metageograia está mais bem de-
marcada nas seguintes obras: “O trabalho do geógrafo no terceiro mundo” (SANTOS, 1971), “Por uma

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porâneo, um instrumental importante para interpretar regiões como
a Amazônia. Tal instrumental pode ser encontrado nos fundamentos
teóricos que buscou estabelecer para a Geograia como ciência do es-
paço e em suas sistematizações sobre o meio técnico-cientíico infor-
macional como expressão geográica do atual estágio da globalização,
tema que permeia grande parte de suas últimas obras.
Especialmente sobre a Amazônia, há trabalhos desse autor que
podem ser considerados de extrema relevância para a compreensão
do papel da região no mundo contemporâneo, conforme já pudemos
identiicar em outro momento (OLIVEIRA; TRINDADE JR., 2016). Em
um dos seus artigos da década de 1980 (SANTOS, 1982), o autor vol-
ta sua atenção para o atual Estado de Rondônia, especialmente para
a tensão estabelecida entre o “novo” e o “velho” no arranjo socioes-
pacial, ao considerar a Amazônia uma região aberta à colonização.
Desde esse momento aponta como uma de suas particularidades não
apenas as baixas densidades demográicas, como também as baixas
densidades econômicas e técnicas de seu território; caracterização
essa tratada novamente em obra seminal sobre o território brasilei-
ro no início do século XXI, concebida em coautoria (SANTOS; SILVEI-
RA, 2001).
Em que pese a densidade técnica rarefeita, a Amazônia não é trata-
da como sendo homogênea pelo autor; razão pela qual os elementos
dessa densidade tendem a variar de acordo com as particularidades in-
trarregionais (SANTOS, 1982). É com base nesse pressuposto que na dé-
cada de 1990 outro trabalho do autor faz menção aos chamados “gran-
des projetos” implantados na região, identiicados, no quadro teórico
por ele proposto, como sendo “grandes objetos” geográicos (SANTOS,
1995). Isso porque, dada a caracterização da Amazônia como região de
baixas densidades, os elementos do meio técnico-cientíico informa-

Geograia nova” (SANTOS, 1978), “Metamorfoses do espaço habitado” (SANTOS, 1988) e em “A nature-
za do espaço” (SANTOS, 1996).

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cional que aí se instalam, tendo em vista a racionalidade intencional do
Estado e do grande capital, assumem, mediante um discurso alienante,
sua condição de grandiosidade, desestruturando as relações até então
presentes e impondo novas relações estranhas aos lugares; fato que re-
duz a Amazônia a uma “região do fazer” na nova DTT.
Sugere, ainda, pensar contrarracionalidades e possibilidades ou-
tras de ação que subvertam a racionalidade capitalista em curso,
apontando, por im, a necessidade de outra planiicação do espaço re-
gional que considere o conhecimento dos lugares e a potencialização
de novas horizontalidades, em contraponto às verticalidades hege-
mônicas impostas pela globalização (SANTOS, 1995).
Tais contribuições inspiraram direta ou indiretamente trabalhos so-
bre o espaço amazônico no âmbito do PPGH-USP em vários campos
subdisciplinares - Geograia Urbana, Geograia Econômica, Geograia
Política, Planejamento Urbano e Regional, Geograia do Turismo, Geo-
graia da População e Geograia da Saúde –, abordando temáticas que
incluem: “região, globalização e integração dos lugares”; “atividades,
luxos e formação econômica do espaço regional”; “cidades, urbaniza-
ção do espaço e centralidades urbano-regionais”; “atividades, serviços
e políticas de turismo e lazer”; “planejamento, gestão e desenvolvimen-
to territorial”; “peril, mobilidade e questões populacionais”; e “infraes-
trutura, serviços e políticas urbanas” (Quadro 6).

Quadro 6 – PPGH-USP: teses e dissertações sobre a Amazônia em campos


subdisciplinares diversos e com aporte teórico miltoniano (1996-2015)

No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE ESTUDO


DOR
1 MEDEIROS, I. A. Globalização dos lugares: a verticali- Ma. Adélia Geo. Urbana Manaus (AM)
zação em Manaus. 1996.106f. Dissertação (Mestrado Souza
em Geograia Humana) – Departamento de Geogra-
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.

— 240 —

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE ESTUDO
DOR
2 HUERTAS, D. M. Da fachada atlântica ao âmago da hi- Ma. Mónica Geo. Econô- Amazônia Legal
leia: integração nacional e luidez territorial no pro- Arroyo mica (BRA)
cesso de expansão da fronteira agrícola. 2007. 315f.
Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – De-
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Le-
tras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2007.
3 RIBEIRO, R. As cidades médias e a reestruturação da Hervé Théry Geo. Urbana Marabá
rede urbana amazônica: a experiência de Marabá no (PA)
sudeste paraense. 2010. 134f. Dissertação (Mestrado
em Geograia Humana) – Departamento de Geogra-
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
4 RODRIGUES, E. B. Território e soberania na globaliza- Ma. Adélia Geo. Política Amazônia Legal
ção: Amazônia, jardim de águas sedento. 2010. 404f. Souza (BRA)
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Departa-
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2010.
5 SILVA, R. G. C. Dinâmicas territoriais em Rondônia: Ma. Mónica Geo. Econô- Rondônia (RO)
conlitos na produção e uso do território no período Arroyo mica
de 1970/2010. 2011. 222f. Tese (Doutorado em Geo-
graia Humana) - Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia Letras e Ciências Humanas, Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
6 QUEIROZ, K. O. A rede elétrica na cidade de Tefé como Ma. Mónica Geo. Econô- Tefé (AM)
instrumento de análise de integração territorial. Arroyo mica
2011. 207f. Tese (Doutorado em Geograia Humana) –
Departamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2011.
7 CAMPOS, I. A. M. Territórios conectados pela educa- Amália Inês Planej. Ur- Amazonas
ção à distância no Amazonas. 2011. 217f. Tese (Dou- G. Lemos bano e Re- (AM)
torado em Geograia Humana) – Departamento de gional
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2011.
8 MARIALVA, D. A. Novas dinâmicas territoriais na Ama- Ma. Mónica Geo. Econô- Juruti (PA)
zônia: desdobramentos da mineração da bauxita em Arroyo mica
Juruti (PA). 2012. 98f. Dissertação (Mestrado em Geo-
graia Humana) – Departamento de Geograia, Facul-
dade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

— 241 —

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE ESTUDO
DOR
9 NOVO, C. B. M. C. Turismo de base comunitária na Re- Rita Cruz Geo. Turis- R. M. de Manaus
gião Metropolitana de Manaus: caracterização e análise mo (AM)
crítica. 2012. 141f. Dissertação (Mestrado em Geograia
Humana) - Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2012.
10 EUZEBIO, E. F. Fronteira e horizontalidade na Amazô- Ma. Mónica Geo. Urbana Tabatinga (AM)
nia: as cidades gêmeas de Tabatinga (Brasil) e Leti- Arroyo e Letícia (COL)
cia (Colômbia). 2012. 168f. Dissertação (Mestrado em
Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
11 MONTENEGRO, M. R. Globalização, trabalho e pobre- Ma. Laura Geo. Econô- Belém (PA)
za no Brasil metropolitano. O circuito inferior da eco- Silveira mica
nomia urbana em São Paulo, Brasília, Fortaleza e
Belém. 2012. 291f. Tese (Doutorado em Geograia Hu-
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2012.
12 NOVAES, J. S. Território e lugar: a construção demo- Ma. Adélia Planej. Ur- Belém (PA)
crática da metrópole - o Congresso da Cidade de Be- Souza bano e Re-
lém do Pará. 2012. 420f. Tese (Doutorado em Geo- gional
graia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
13 CUNHA, A. S. Geografia e educação: implicações do Rosa Ester Geo. Popu- Manaus (AM)
gênero no exercício da docência e na construção do Rossini lação
espaço das escolas públicas estaduais de Manaus/
AM. 2012. 272f. Tese (Doutorado em Geograia Huma-
na) – Departamento de Geograia, Faculdade de Fi-
losoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2012.
14 TOZI, F. Rigidez normativa e flexibilidade tropical: in- Ma. Adélia Geo. Econô- Belém (PA)
vestigando os objetos técnicos no período da globali- Souza mica
zação. 2012. 262f. Tese (Doutorado em Geograia Hu-
mana) – Departamento de Geograia, Faculdade de
Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2013.
15 COSTA, D. P. A economia da cidade somos nós. Enve- Rosa Ester Geo. Popu- Lábrea (AM)
lhecimento populacional e gestão previdenciária no Rossini lação
Brasil: o Amazonas em foco. 2013. 207f. Tese (Douto-
rado em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTA- SUBÁREA ÁREA DE ESTUDO
DOR
16 AZEVEDO FILHO, J. D. M. A produção e a percepção Marcelo Mar- Geo. Turis- Parintins (AM)
do turismo em Parintins, Amazonas. 2013. 212f. Tese tinelli mo
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento
de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2013.
17 HUERTAS, D. M. Território e circulação: transporte ro- Ma. Mónica Geo. Econô- Amazônia Legal
doviário de carga no Brasil. 2013. 443f. Tese (Dou- Arroyo mica (BRA)
torado em Geograia Humana) – Departamento de
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciên-
cias Humanas, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2013.
18 RAVACHE, R. L. Migração e modernização em cida- Amália Inés Geo. Popu- Lucas do R. Verde,
des médias da Amazônia legal: área de abrangência G. Lemos lação Sorriso e Sinop (MT)
da BR-163. 2013. 285f. Tese (Doutorado em Geogra-
ia Humana) – Departamento de Geograia, Faculda-
de de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2013.
19 QUEIROZ, K. O. Centralidade periférica e integração Ma. Mónica Geograia Tefé
relativizada: uma leitura de Tefé no Amazonas. 2015. Arroyo Urbana (AM)
325f. Tese (Doutorado em Geograia Humana). De-
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Le-
tras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2015.
20 DELANI, D. Meio natural, meio técnico e epidemiolo- Fábio Contel Geo. da Porto Velho
gia: as hidrelétricas e a difusão da dengue no com- Saúde (RO)
plexo do Rio Madeira (Porto Velho, RO). 2015. 271f.
Dissertação (Mestrado em Geograia Humana) – De-
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Le-
tras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2015.
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

Nesses trabalhos, as noções de região, de espaço, de lugar e de ter-


ritório usado, aparecem com recorrência como instrumentos de aná-
lise das problemáticas de pesquisa sobre a Amazônia26. A leitura dessa

26. Os trabalhos, em grande parte, integram a linha “Território, Economia e Dinâmicas Regionais”,
que destaca a dimensão socioespacial da economia e da política e se preocupa com: a reconiguração
do território e a dinâmica dos luxos, a reestruturação produtiva e as mudanças nos processos de tra-

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região sempre busca ser feita tendo em vista os processos que a incor-
poram em uma nova divisão do trabalho em nível global e que a ela
impõem tensões em face de uma nova coniguração territorial, onde
elementos do meio técnico-cientíico informacional se fazem gradati-
vamente mais presentes, seja em sua tecnosfera, seja em sua psicosfe-
ra (SANTOS, 1996).
Dessa maneira, e em uma perspectiva que dialoga com os funda-
mentos da economia política marxista e com outros autores da teoria
social crítica, é que se situam os trabalhos que instrumentalizam o ar-
cabouço teórico miltoniano e de pesquisadores e/ou orientadores de
mesma linha de abordagem (Maria Adélia Aparecida de Souza, Ma-
ría Laura Silveira, María Mónica Arroyo, Fábio Contel, dentre outros);
trabalhos esses que têm como escopo incluir a Amazônia como parte
de uma leitura que discute o chamado período técnico-cientíico in-
formacional e que pensam a região em um mundo globalizado (SAN-
TOS, 1996).
Por im, outras abordagens, - relacionadas a interpretações como
a fenomenologia, a abordagem culturalista, o pós-estruturalismo e o
pensamento pós-moderno -, também de natureza crítica, com dis-
cussões que se colocam para além do econômico e que dialogam in-
tensamente com outras disciplinas afins da Geografia, inserem a
interpretação da Amazônia em uma perspectiva de natureza mais his-
tórico-cultural. São trabalhos que aparecem notadamente em pro-
duções mais recentes no interior do PPGH-USP (Quadro 7) e que
concebem em suas análises um menor peso das determinações eco-
nômicas; daí a aproximação com a Sociologia e a Antropologia Cultu-
ral, com a História Social, com a Psicologia, dentre outras disciplinas
que ajudam a problematização dos temas tratados. Nesse caso, não
raro, juntamente com a categoria espaço, região e território, a catego-

balho, a crise capitalista no mundo contemporâneo, as transformações na produção e na circulação,


e a dinâmica urbana e regional através das migrações e mobilidade do trabalho, do turismo e da DTT
(PPGH-USP, 2016).

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ria lugar também aparece de forma mais frequente nas teses e disser-
tações elaboradas sob essas perspectivas de interpretação geográica.
Do conjunto de temas abordados nesses trabalhos, destacam-se:
“espaço, memória e cultura”; “espacialidades, territorialidades e mo-
dos de vida de populações tradicionais”; “estrutura, atividades e ques-
tões agrárias”; “práticas socioespaciais, ensino e formação de profes-
sores”; “peril, mobilidade e questões populacionais”.
São pesquisas que se situam na Geografia Cultural propriamen-
te dita, mas que também podem se situar em outras subáreas, como a
Geograia Agrária, a Geograia Urbana, a Geograia do Turismo, a Geo-
graia da População e também o Ensino de Geograia; ou ainda, na in-
terface de duas ou mais dessas subáreas do conhecimento geográico.
A exemplo de outras pesquisas mais recentes em outras formas de
abordagem, e não obstante a menor quantidade de sistematizações
nesse grupo de trabalhos, a escala de abrangência dos mesmos, do
ponto de vista empírico, tende a se ampliar, reairmando uma preo-
cupação de estudos sobre a região que tem em vista compreender sua
complexidade, inclusas, nesse caso, as realidades que acompanham
a mesma dinâmica da Amazônia brasileira em países vizinhos inte-
grantes da Pan-Amazônia.

Quadro 7 – PPGH-USP: outras abordagens interpretativas em teses e dissertações sobre a Amazônia (1995-2015)

No AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR SUBÁREA ÁREA DE ES-


TUDO
1 SILVA, J. C. Cuniã: mito e lugar. 1995. 132f. Disser- José William Ve- Geograia. Cul- Porto Velho
tação (Mestrado em Geograia Humana) – Departa- sentini tural (RO)
mento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1995.
2 LOPES, L. O. C. Várzea e varzeiros: a vida de um lu- Iraci Palheta Geograia. Agrá- Óbidos (PA)
gar no baixo Amazonas. 1998.171f. Dissertação ria
(Mestrado em Geograia Humana) - Faculdade de Fi-
losoia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1998.

— 245 —

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR SUBÁREA ÁREA DE ES-
TUDO
3 SANTOS FILHO, J. R. Espaço e imaginário social: a Ariovaldo Oli- Geograia Agrá- Tucuruí (PA)
luta pela terra em Tucuruí. 1999. 215f. Tese (Doutora- veira ria
do em Geograia Humana) – Departamento de Geo-
graia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
4 LOURENÇO, E. Americanos e caboclos: encontros e desen- Ariovaldo Oli- Geograia Agrá- Aveiro (PA)
contros em Fordlândia e Belterra – PA. 1999. 180f. Disser- veira ria e Belterra (PA)
tação (Mestrado em Geograia Humana) – Departamen-
to de Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
5 SILVA, J. C. O rio, a comunidade e o viver. 2000. 181f Tese José Willian Ve- Geograia Cul- Porto Velho
(Doutorado em Geograia Humana) – Departamento de sentini tural (RO)
Geograia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
6 CALDAS FILHO, A. F. L. Calama: uma Comunidade no Rio Iraci Palheta Geograia. Agrá- Porto Velho
Madeira. 2000. 219f. Tese (Doutorado em Geograia Hu- ria (RO)
mana) - Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
7 SILVA, M. J. B. Santa Maria de Belém do Grão-Pa- Francisco C. Geograia Ur- Belém (PA)
rá: Cidade Velha do presente no olhar do passado. Scarlato bana
2001. 344f. Tese (Doutorado em Geograia Humana)
– Departamento de Geograia, Faculdade de Filoso-
ia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2001.
8 SANTOS, Nilson. Seringueiros da Amazônia: sobrevi- Heinz Dieter Hei- Geograia Agrá- Guajará-Mirim
ventes da fartura. 2002. 330f. Tese (Doutorado em demann ria (RO)
Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
9 BUENO, M. F. O imaginário brasileiro sobre a Amazô- Ariovaldo Oli- Geograia Cul- Abaetetuba
nia: uma leitura por meio dos discursos dos viajan- veira tural (PA)
tes, do Estado, dos livros didáticos de Geograia e da
mídia impressa. 2002. 186f. Dissertação (Mestrado
em Geograia Humana) – Departamento de Geogra-
ia, Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Huma-
nas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
10 OLIVEIRA, V. M. Turismo, território e modernidade: Adyr Balastreri Geograia do Tu- Itacajá (TO)
um estudo da população indígena Krahô, Estado do Rodrigues rismo
Tocantins (Amazônia Legal brasileira). 2007. 207f.
Tese (Doutorado em Geograia Humana) – Depar-
tamento de Geograia, Faculdade de Filosoia, Le-
tras e Ciências Humanas, Universidade de São Pau-
lo, São Paulo, 2007.

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No AUTOR E TRABALHO ORIENTADOR SUBÁREA ÁREA DE ES-
TUDO
11 SILVA, R. R. Espaço e cultura: as viagens de Má- Júlio Cesar Geograia Cul- Amazônia clás-
rio de Andrade à Amazônia e ao Nordeste. São Pau- Suzuki tural sica (BRA)
lo, 2009. 548f. Dissertação (Mestrado em Geograia
Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universida-
de de São Paulo, São Paulo, 2009.
12 LIMA, M. G. L. As transformações da paisagem do sí- Francisco C. Geograia Ur- Boa Vista (RR)
tio histórico urbano de Boa Vista: Um olhar a partir Scarlato bana
da fotograia. São Paulo, 2011. 112f. Tese (Doutora-
do em Geograia Humana) - Faculdade de Filoso-
ia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011.
13 SANTOS, E. A. O ensino de Geografia e a formação Sonia Castellar Ensino de Geo- Itacoatiara
dos professores na zona rural do Município de Ita- graia (AM)
coatiara - AM. 2011. 183f. Dissertação (Mestrado em
Geograia Humana) – Departamento de Geograia,
Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
14 SANTOS, M. T. P. Mapas mentais na percepção dos Elvio Martins Geograia Cul- Iranduba (AM)
moradores do Baixio, Iranduba/AM. 2011. 114f. Dis- tural
sertação (Mestrado em Geograia Humana) – De-
partamento de Geograia, Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2012.
15 GAMBERA, J. L. H. M. Geografia e fotografia: articu- Maria Eliza Mi- Ensino de Geo- Amazônia Le-
lando a imagem pela palavra. 2013. 244f. Disserta- randa graia gal (BRA)
ção (Mestrado em Geograia Humana) - Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universida-
de de São Paulo, São Paulo, 2013.
16 OLIVEIRA, R. S. Mobilidades transgressoras, geogra- Francisco C. Geograia da Po- Amazônia suri-
fias ignoradas: itinerários e emaranhamentos en- Scarlato pulação namesa
volvendo territorialidades de garimpeiros no Suri- (SUR)
name. 2013. 400f. Tese (Doutorado em Geograia
Humana) – Departamento de Geograia, Faculdade
de Filosoia, Letras e Ciências Humanas, Universida-
de de São Paulo, São Paulo, 2014.
Fonte: Banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo (USP,
2016). Elaboração: Saint-Clair Trindade Jr. e Suelem Cardoso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de aproximadamente seis décadas o que estamos a chamar
de Escola Uspiana de Geograia tem deinido uma postura de inter-
pretação e de sistematização de conhecimentos sobre a Amazônia
que acompanha os pressupostos ilosóicos e epistemológicos que
historicamente têm caracterizado o pensamento geográico uspiano.
Relevante é considerar que esse encaminhamento interpretativo
se dá concomitantemente a uma compreensão do espaço brasilei-
ro como um todo, sendo aquela região vista, na maior parte dos mo-
mentos de formação dessa escola, como resultante de um processo
de desenvolvimento desigual e combinado do espaço brasileiro, ora
mais considerada como uma região geoeconômica, ora mais como
uma região geopolítica, não obstante aquela forma clássica de tra-
tar a região, veriicada nos primeiros estudos uspianos sobre o espa-
ço amazônico.
A partir das teses e dissertações que tratam da Amazônia, elabora-
das no Programa de Pós-Graduação em Geograia Humana da USP,
três momentos da formação dessa escola podem ser identiicados.
O primeiro deles refere-se ainda à abordagem regional sob inluên-
cia do arcabouço clássico da Geograia Humana introduzida no Brasil
por meio da presença de pesquisadores franceses na Universidade de
São Paulo. Neste momento é a noção de região-paisagem que domina
a leitura interpretativa da Amazônia.
Ainda assim, um dos pressupostos que deine hoje o peril da EUG
já aparece de forma inicial nos estudos realizados notadamente nas
décadas de 1960 e 1970. A inclusão de elementos da história, consi-
derados já naquele momento como imprescindíveis para o enten-
dimento dos fatos geográicos, fazia-se presente como variável in-
terpretativa, e em muito contribuiu para uma propensão ao diálogo
interdisciplinar da Geograia uspiana que permanece até hoje.
O segundo momento diz respeito à ruptura com o pensamento tra-
dicional geográico e à elaboração de um pensamento crítico, assen-

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tado no saber geográico que aproveita não apenas o seu estreito vín-
culo com a História, como também a facilidade do diálogo com outras
disciplinas para airmar a contribuição da Geograia como ciência da
sociedade. É dessa forma que passa a pensar o seu objeto de estudo,
o espaço, como categoria central na teoria social crítica, airmando-o
como realidade histórica e socialmente produzida.
Trata-se de trabalhos inluenciados por uma perspectiva marxista
clássica de leitura do espaço e da região. Neste momento, o peso dos
elementos econômicos, a noção de região como parte da dinâmica do
desenvolvimento desigual e combinado do capital e a perspectiva do
espaço como socialmente produzido surgem como tendência inter-
pretativa nos estudos sobre a Amazônia em diversos campos subdis-
ciplinares do conhecimento geográico. Do ponto de vista empírico,
entretanto, o alcance dos estudos mantinha-se restrito àquelas sub-
-regiões onde os processos de integração regional, as ações do Estado
e as frentes de expansão econômica se faziam mais presentes.
Esse momento inaugura uma forma de leitura geográica que vai
permanecer e que se assenta na teoria social crítica. Tal postura leva
a uma concepção de espaço e de região que supera de vez a aborda-
gem convencional. Isso ocorre não obstante a presença de trabalhos
que em um ou em outro momento expressem ainda os pressupostos
clássicos que coniguraram a gênese dessa escola, ou de outros pou-
cos que, acompanhando uma vertente mais próxima da abordagem
teorética-quantitativa, não chegam a deinir propriamente uma ten-
dência de abordagem no interior do PPGH-USP.
De qualquer forma, é o pensamento crítico que, a partir da segun-
da metade da década de 1990, assume diferentes peris de análise,
mas sempre aberto a uma airmação da Geograia em seu diálogo in-
terdisciplinar, notadamente com ciências ains, como a Sociologia, a
Economia, a Ciência Política, a Arquitetura e a Antropologia. Alguns
dos trabalhos sobre a Amazônia começam a estar mais associados
a uma reairmação dos princípios clássicos da abordagem marxis-

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ta, com destaque para os estudos de Geograia Agrária, da Geogra-
ia Econômica e da Geograia da População, mas, ainda assim, preo-
cupados com a atualização da teoria marxista. Outros, vinculam-se a
uma leitura neomarxista da abordagem geográica, conforme se per-
cebe naqueles estudos de Geograia Urbana que assumem a perspec-
tiva marxista-lefebvriana.
Há, igualmente, os estudos de Geografia Política, que enrique-
cem o debate da disciplina com ênfase na dimensão política do ter-
ritório. Tais trabalhos contribuem também para alargar a leitura em-
pírica da região para além da Amazônia Legal, alcançando de forma
mais ampla a Pan-Amazônia; alcance este que também se deu em ou-
tros campos da disciplina em suas preocupações mais contemporâ-
neas com questões que tocam diretamente as particularidades do es-
paço amazônico.
No decorrer do avanço crítico e da ampliação dos estudos sobre a
região, muito mais do que rupturas no interior do pensamento geo-
gráico uspiano, percebe-se complementaridades de leituras que dão
sentido à interpretação da Amazônia nas suas múltiplas dimensões.
Uma das expressões disso é a menção a determinados autores, que,
ao longo do tempo, são citados em diversos estudos, como é o caso de
Pierre Monbeig, José de Souza Martins e Milton Santos.
Este último, mais recentemente, serve de inspiração, inclusive,
para um conjunto de trabalhos que buscam interpretar a região fun-
damentados em seus pressupostos teórico-conceituais. Trata-se de
teses e dissertações que, mesmo orientadas por um arcabouço teó-
rico-conceitual mais especíico, ediica-se sob uma perspectiva crí-
tica que ratiica uma tradição uspiana de pensar a Amazônia e suas
questões.
Há outros horizontes teóricos, temáticos e empíricos de leitu-
ra que também reforçam essa perspectiva crítica de fazer geograia.
Eles acompanham o avanço contemporâneo da disciplina no Bra-
sil e assumem os novos desaios que passam a se incorporar às ques-

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tões regionais da Amazônia. Do ponto de vista empírico, incluem-se
outras sub-regiões e lugares como áreas de estudo, até pouco tempo
não efetivamente considerados nos estudos sobre a região, inclusi-
ve a chamada Pan-Amazônia. No que se refere às temáticas de aná-
lise, somando-se às questões agrárias, econômicas e urbanas até en-
tão consideradas, aparecem outras que incluem o desaio de pensar o
meio ambiente e a sustentabilidade regional, as questões de natureza
cultural, as novas possibilidades de integração regional e de coopera-
ção com os demais países amazônicos, assim como as novas espacia-
lidades e territorialidades e os conlitos étnicos e culturais nacionais e
transfronteiriços.
Essas preocupações levam também à realização de estudos sob
outros pontos de vista teórico-metodológicos. São esforços que cor-
roboram com o pensamento geográico crítico uspiano e que tendem
a reairmar a postura historicamente humanista que tem conigura-
do a tradição dessa escola brasileira de Geograia. Referem-se a pres-
supostos teórico-conceituais que se inserem, por exemplo, em cam-
pos como o da Nova Geograia Cultural ou que fazem incursões na
Geograia Histórica e na relação da Geograia com a Literatura, mo-
bilizando, para isso, contribuições como as da fenomenologia, as do
pós-estruturalismo e as do pensamento pós-moderno. Isso ocorre em
menor grau e a despeito de uma tradição de interpretação marxista
e neomarxista que se faz marcante nos estudos dessa escola quando
volta as suas atenções para o espaço regional amazônico.

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tentável da fronteira amazônica. In: BECKER, B. K.; MIRANDA, M. A geo-
graia política do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1997. p. 421-44.
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mond, 2004.

— 251 —

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v. 4, n.1, p. 7-22, jan.-jun. 2014.
CONTEL, F. B. Milton Santos. In: PERICÁS, L. B.; SECCO, L. (Orgs.). Intérpre-
tes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.
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Monbeig e a geograia humana brasileira: a dinâmica da transformação.
Bauru: Edusc, 2006. p. 173-190.
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8
MANEJO DE MUNDOS E GERENCIAMENTO
COSTEIRO NA AMAZÔNIA: REFLEXÕES A PARTIR
DE UM DIÁLOGO ENTRE ETNOOCEANOGRAFIA
E ETNODESENVOLVIMENTO
Gustavo Goulart Moreira Moura

INTRODUÇÃO
O gerenciamento costeiro no Brasil é regulamentado pelo Plano Na-
cional de Gerenciamento Costeiro que está inscrito dentro do marco
do desenvolvimento sustentável. Com o objetivo de propor um outro
gerenciamento costeiro inclusivo a povos e comunidades tradicionais
costeiras da Amazônia, este capítulo constrói uma perspectiva crítica
à ideia governamentalizada de desenvolvimento sustentável e, con-
sequentemente, às premissas do atual modelo nacional de gerencia-
mento costeiro.
Para atingir este objetivo, este capítulo está estruturado em cin-
co partes. A primeira delas lança as bases teóricas para analisar, nos
itens 2 e 3, a governamentalização do ambientalismo moderno no
mundo e no Brasil, respectivamente, e como as premissas da ideia
governamentalizada de desenvolvimento sustentável gera a destrui-
ção de territórios de povos e comunidades tradicionais. No item 4,
discute-se o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro enquanto
um instrumento de governo que expande para o mar o ideal de de-
senvolvimento sustentável, com consequências semelhantes às de
terra. Por im, discute-se um gerenciamento costeiro dentro do mar-
co do etnodesenvolvimento onde mundos entram em cena na ges-

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tão pública e coletiva dos modos de conhecer que produzem o am-
biente costeiro.

A GOVERNAMENTALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO


O termo governamentalidade foi cunhado por Michel Foucault em
suas aulas entre os anos de 1977 e 1978 no College de France e se refe-
re ao resultado do processo histórico de tornar o Estado administrati-
vo no sentido moderno, o Estado governamentalizado. Dito de outro
modo, com a governamentalização do Estado instauram-se Estados
Modernos territoriais, administrativos e coloniais, a partir da ruptura
da ordem feudal tradicional (FOUCAULT, 2008). Enquanto resultado
deste processo histórico, o termo governamentalidade possui três di-
mensões ou ênfases principais (INDA, 2005; WALTERS, 2012).
A primeira delas refere-se a um domínio particular de governan-
ça: a governança de e pelo Estado (WALTERS, 2012: p.12). O pensamen-
to governamental, que se refere ao Saber do Estado, em seus próprios
procedimentos deve ser um conhecimento cientíico (FOUCAULT, 2008,
p. 471). Apesar de não ser um conhecimento próprio/interno do go-
verno, não se governa mais prescindindo dos resultados da ciência
(FOUCAULT, 2008). Com a governamentalidade nasce uma arte ab-
solutamente especíica de governar, uma arte que tinha sua própria ra-
zão, sua própria racionalidade, sua própria ratio, um marco na histó-
ria da racionalidade ocidental (FOUCAULT, 2008, p. 383). As diversas
racionalidades provenientes das diferentes ciências modernas vão
delimitar entendimentos especíicos dos objetos da prática gover-
namental (o pobre, a sociedade civil, a economia, etc.) e deinir ob-
jetivos de governo e os experts, as autoridades e o local institucional
autorizados a produzir verdades sobre estes objetos (INDA, 2005). A
análise e a representação da realidade desenvolvidas e estruturadas
a partir dos conhecimentos e das verdades produzidos e mobiliza-
dos, tornam a realidade inteligível de modo a possibilitar a prática go-
vernamental. Dito de outra forma, a elaboração de ações de governo,

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para se produzir sujeitos modernos, vão ser feitas dentro de regimes
epistemológicos de inteligibilidade (INDA, 2005).
Os estudos culturais têm evidenciado que o processo de mobiliza-
ção de conhecimentos e de verdades em centros de poder é feito por
comunidades epistêmicas (WHITT, 2009). Uma comunidade epistêmi-
ca é um grupo de proissionais em nível local, nacional ou interna-
cional com reconhecida competência em um particular domínio do
conhecimento de relevância política e que compartilham convicções
tais como: um conjunto de crenças e princípios que derivam das aná-
lises de práticas e que servem como base entre ações políticas e re-
sultados desejados; critérios de validade que determinam a aceitabi-
lidade de informações no seu domínio de conhecimento, etc. (HAAS,
1992; WHITT, 2009).
A segunda é o exercício do poder em termos de conduta de condu-
tas não coninado apenas à esfera do Estado. Da atividade governa-
mental surgem os que governam e os que são governados, os diversos
tipos de indivíduos, identidades coletivas e agentes, ou seja, a segun-
da dimensão da governamentalidade é os sujeitos de governo. O foco
nos sujeitos de governo revela como as práticas governamentais ten-
tam cultivar particulares tipos de identidades individuais e coletivas,
bem como de subjetividade. Enfatiza como o governo está intima-
mente envolvido em fazer sujeitos modernos, para que ajam e pen-
sem como tal (FOUCAULT, 2008; INDA, 2005; WALTERS, 2012).
A terceira dimensão da governamentalidade é o domínio dos me-
canismos práticos como gráicos, tabelas, fórmulas, códigos norma-
tivos, calendários, procedimentos padrão para a implementação de
hábitos, técnicas pedagógicas, terapêuticas e punitivas, métodos de
avaliação, etc. Através destes complexo de técnicas, instrumentos,
medidas e programas, as autoridades de vários tipos tentam mol-
dar, normalizar e instrumentalizar a conduta, o pensamento, deci-
sões e aspirações humanas de forma a atingir o objetivo almejado. Es-
tas são as técnicas de governo ou tecnologias de governo (RUTZ, 1992;

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INDA, 2005; WALTERS, 2012). Neste sentido, além de modalidade de
representação da realidade como discutido acima para o pensamen-
to governamental, a ciência moderna serve de aparato técnico e ins-
trumental ao governo para a intervenção da realidade e, assim, gover-
na-se o Estado e seus sujeitos. Portanto, para localizar o pensamento
governamental das políticas de governo deve-se deinir qual comuni-
dade epistêmica o governamentaliza e quais regimes epistemológicos
de inteligibilidade e tecnologias de governo embasam suas ações de
produzir sujeitos modernos.
Cabe ressaltar o papel que os códigos normativos ou legislações
tem como tecnologias de governo. Segundo Hobart (1993), a lei é um
importante instrumento para codiicar conhecimento e torná-los prá-
ticos. Através das estruturas legais e das normas causa-se ou determi-
na-se ações e suas consequências (HOBART, 1993). Neste sentido, as
legislações são importantes para o estabelecimento de formas de or-
denamento social, econômico, territorial e ambiental (THOMAS; FO-
LETO, 2013). Portanto, o direito ocidental é imprescindível para um
modelo de desenvolvimento e para lançar as bases epistemológicas
que direcionam planos de desenvolvimento (HOBART, 1993) e a con-
duta dos indivíduos (SCOTT, 2005). O Plano Nacional de Gerencia-
mento Costeiro brasileiro, criado pela Lei no 7.661 de 1988, objeto de
análise deste capítulo pode, por exemplo, ser considerado uma tecno-
logia de governo.
A Conferência de Estocolmo, que ocorreu em 1972, tem sido consi-
derado um marco na literatura cientíica para as políticas ambientais
porque foi a arena em que diferentes teses da racionalidade ociden-
tal se confrontaram para estabelecer os regimes epistemológicos de
inteligibilidade do ambientalismo moderno. Com base no Plano de
Ação, nos compromissos e nas recomendações irmadas em Estocol-
mo é que vão ser formuladas as Políticas Nacionais de Meio Ambien-
te em diversos países do mundo, incluindo no Brasil, e implementa-
das legislações embasados na ideia de Desenvolvimentos Sustentável,

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inclusive o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro supracitado,
com relexos diretos aos Povos e Comunidades Tradicionais. É o que
será visto nos itens seguintes.

O PAPEL DA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO NA GOVERNAMENTALIZAÇÃO DAS


POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
A questão ambiental começou a ser uma grande preocupação inter-
nacional entre os países do ocidente durante a década de 1950. Até
a década de 1960, a questão ambiental ainda era uma preocupação
quase exclusivamente ocidental. O panorama começou a mudar a
partir do início da década de 1970 com a realização da Conferência de
Estocolmo, considerado um marco por transformar o meio ambiente
em uma questão de relevância mundial (PNUMA, 2004).
Na Conferência de Estocolmo realizada em 1972 tornou-se eviden-
te as diferenças entre os países perante a questão ambiental. Os países
em desenvolvimento consideravam a preocupação com o ambiente
um luxo do Ocidente. Os países do bloco soviético não comparece-
ram e a destruição do meio ambiente continuava de forma incessan-
te em função da industrialização (PNUMA, 2004). Os países do oci-
dente não se entendiam quanto às causas e soluções para a questão
ambiental. Haviam basicamente duas teses mutuamente excludentes
que ofereciam explicações e soluções para a questão ambiental.
Em um extremo, estava a tese que responsabilizava o crescimen-
to econômico com bases na segunda lei da termodinâmica. Segun-
do Georgescu-Roegen, as atividades econômicas modernas exigem a
extração da baixa entropia contida em combustíveis fósseis (carvão
e petróleo, por exemplo) e gradualmente a transforma em formas de
calor difusas e inutilizáveis. Consequentemente, em algum momento
do futuro, a humanidade deverá apoiar a continuidade do desenvol-
vimento na retração. No entanto, é em Herman E. Daly que a chama-
da corrente cética vai ter seu principal expoente. Para Daly, só have-
rá alternativa à decadência ecológica na condição estacionária, onde

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seria abolida a obsessão pelo crescimento do Produto Interno Bru-
no (PIB) e a economia continuaria a melhorar em termos qualitativos
(VEIGA, 2008).
A tese que ia de encontro a da fatalidade entrópica é a de que não
há dilema entre conservação ambiental e crescimento econômico. O
debate pautado por esta hipótese ultra-otimista defendia que o cres-
cimento econômico só prejudicaria o meio ambiente até um deter-
minado patamar de riqueza, aferida pela renda per capita, quando o
crescimento passa a melhorar a qualidade ambiental. Essa hipótese
tem raciocínio idêntico à famigerada parábola de fazer o bolo cres-
cer para depois distribui-lo e por isso tem sido chamada de curva am-
biental de Kuznets1. Idêntica correlação entre crescimento e meio am-
biente foi lançada por Gene M. Grossman e Alan B. Krueger. Segundo
estes dois autores, a fase pautada pelo crescimento econômico e des-
truição ambiental sofreria uma mutação a partir de aproximadamen-
te oito mil dólares de renda per capita, quando se passaria para uma
fase de crescimento econômico com recuperação ambiental. No en-
tanto, tal ideia de correlação linear entre qualidade ambiental e renda
per capita baseou-se nos indicadores estatísticos escassos e em pou-
cos estudos de caso disponíveis no pós-Segunda Guerra Mundial. Ne-
cessita-se de indicadores mais coniáveis para se fazer tal airmação,
pois existe um leque mais amplo de variáveis ecológicas a serem ana-
lisadas bem como outros modos de desenvolvimento em pauta (VEI-
GA, 2008).
No embate entre as racionalidades políticas que detinham cará-
ter epistemológicos considerados por muitos opostos, entre a fábula
panglossiana do desenvolvimento anacrônico e a fatalidade entrópica

1. Simon Kuznets recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1971 por formular a correlação entre cres-
cimento do PIB e a desigualdade de renda ilustrado por um gráico em forma de parábola (‘U’). Em re-
ferência ao autor, o gráico icou conhecido como curva de Kuznets. Como o raciocínio dos ultra-oti-
mistas era semelhante a correlação formulada por Kuznets para crescimento e desigualdade social, a
hipótese por eles defendida icou conhecida como curva ambiental de Kuznets. Para mais detalhes so-
bre o trabalho que valeu o Prêmio Novel, ver Kuznets (1955).

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do ambientalismo pueril, surge o chamado caminho do meio. Segun-
do Veiga (2008), um dos autores que mais se dedicou nas últimas qua-
tro décadas desde os primeiros preparativos da Conferência de 1972
em Estocolmo e que propôs a ideia de ecodesenvolvimento, depois
chamada de desenvolvimento sustentável, é Ignacy Sachs. De acor-
do com a abordagem de Sachs (2002), o desenvolvimento sustentável
possui oito dimensões: social, cultural, ecológica, ambiental, territo-
rial, econômica, política nacional e política internacional. No que se
refere às dimensões ecológicas e ambientais, os objetivos da susten-
tabilidade formam um verdadeiro tripé: preservação do potencial da
natureza para a produção de recursos renováveis, limitação do uso de
recursos não renováveis e respeito e realce para a capacidade de au-
todepuração dos ecossistemas naturais. Neste sentido, a sustentabili-
dade ambiental é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade
sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as
gerações futuras (SACHS, 2002).
Ainda que tenham havido inúmeras divergências entre os países
participantes, ao que pese o contexto histórico-cultural daquele mo-
mento, muitos consideram surpreendente que a ideia de uma confe-
rência de meio ambiente tenha sido cogitada e, ainda mais, realizada
naquele momento com ampla participação dos chamados países de-
senvolvidos e em desenvolvimento. Ademais, considera-se impressio-
nante que a Conferência de Estocolmo tenha dado origem ao que foi
posteriormente chamado de o espírito de compromisso de Estocolmo,
em que representantes de países desenvolvidos e em desenvolvimen-
to buscaram maneiras de conciliar os pontos divergentes de cada um
(PNUMA, 2004).
Em uma leitura foucaultina da Conferência de Estocolmo é possí-
vel airmar que o campo de disputa se referia a quais regimes episte-
mológicos de inteligibilidade iriam lançar os entendimentos especí-
icos dos objetos das práticas governamentais. Dito de outro modo, o
que estava em jogo em Estocolmo era a governamentalização das po-

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líticas ambientais em nível global. E vai ser dentro do marco do de-
senvolvimento sustentável que são lançados os vinte e seis princípios
da Conferência de Estocolmo, entre elas o dever das organizações in-
ternacionais de fomentar a melhora do meio ambiente e dos Estados
Nacionais de planejar racionalmente a exploração do meio ambien-
te; que se elabora um Plano de Ação com cento e nove recomenda-
ções, sendo que uma delas deu origem ao Programa das Nações Uni-
das para o Meio Ambiente (PNUMA) já em 1972 (PNUMA, 2004); que
surgem diversos acordos Multilaterais, Legislações Nacionais e ins-
tituições governamentais ligados ao meio ambiente. Entre 1971 e
1975 foram trinta e uma leis ambientais aprovadas apenas nos paí-
ses da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econô-
mico (OCDE) em comparação às dezoito dos quatro anos preceden-
tes (LONG, 2000). Antes da Conferência de Estocolmo, eram apenas
dez ministérios do Meio Ambiente em todo o mundo, enquanto em
1982 cento e dez países já tinham esse ministério. Neste sentido, pou-
co a pouco houve um processo de legitimação e institucionalização
normativa do conceito de desenvolvimento sustentável que vai ga-
nhar impulso sobretudo após o Relatório Brundtland em 19872 (VEI-
GA, 2008).
Portanto, a Conferência de Estocolmo lança as bases do ambienta-
lismo moderno (PNUMA, 2004), já que determina a racionalidade das
políticas ambientais em todo o mundo (instituições governamentais
internacionais, Estados Modernos, ONGs, etc.). A partir de então, a
mobilização de conhecimentos, verdades e valores vão ser feitos den-
tro do marco do desenvolvimento sustentável pelo pensamento go-
vernamental.

2. Neste ano, Gro Harlen Bundtland, então presidente da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, caracterizou perante a Assembleia Geral das Nações Unidas o desenvolvimento
sustentável como um conceito político e um conceito suicientemente amplo para o progresso econô-
mico e social (VEIGA, 2008).

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Para os povos e comunidades tradicionais, incluindo as comu-
nidades tradicionais de pesca, há a emergência do primeiro proble-
ma advindo das bases epistemológicas do ambientalismo moderno.
O conceito de desenvolvimento sustentável cunhado na Conferência
de Estocolmo (1972) e, vinte anos depois, na do Rio de Janeiro (1992)
(VEIGA, 2008) faz-se no contexto de uma geração voltada com an-
siedade para o futuro, embora se prive do passado. A solidariedade
diacrônica intergeracional do desenvolvimento sustentável prevê o
cuidado apenas com as gerações futuras, mas não com as gerações
passadas. Essa quebra de uma continuidade entre a experiência de
passado e as expectativas de futuro não surge a partir desta ideia de
desenvolvimento, mas está na base da consciência moderna e da ideia
de progresso. O conceito de tradição estaria na contramão à ideia de
progresso que desenraiza o futuro do passado (BRANDÃO, 1998, p.
29), tal como também está o de Conhecimento Ecológico Tradicional
(CET) de Berkes (1999, p. 08): ...um cumulativo corpo de conhecimen-
tos, práticas e crenças, evoluindo por processos adaptativos e propa-
gados através das gerações por transmissão cultural, sobre relações de
seres vivos (incluindo os humanos) uns com os outros e com seus am-
bientes. Neste sentido, o tradicional, incluindo o conceito de CET, de
inspiração benjaminiana não versa sobre um projeto restaurativo in-
gênuo, puro, mas uma retomada do passado ao mesmo tempo que se
abre para o futuro (GABNEBIN, 2004).
Nesta perspectiva, a ideia de desenvolvimento sustentável emer-
ge como uma das variadas conigurações de saber/poder moderno
no Estado governamentalizado, que tanto Xavier Inda (2005) e Michel
Foucault (2008) tem insistentemente alertado. Conhecimento e poder
formam parte de um só projeto de controle, de regulação da conduta
dos sujeitos, de dominância e de transformação social e cultural rumo
a modernidade (DIRKS, 1992; 1996; THOMAS, 1994).
Para a implantação da modernidade, é necessário a reconstrução
de aspectos fundamentais e da lógica da sociedade (DIRKS, 1996). A

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ruptura e a disjunção que o projeto de poder, de conhecimento e de
sujeito introduz um avanço triunfal da modernidade, substituindo or-
dens econômicas, sociais e epistêmica consideradas antigas e tradi-
cionais pela ordem moderna (MIGNOLO, 2004).
Nesta ruptura unidirecional do tradicional para o moderno, a lógi-
ca instrumental do desenvolvimento, no caso sustentável, fundamen-
ta a operação do poder no diálogo com o CET. Para torna-lo útil ao de-
senvolvimento, uma particular lógica de relacionamento entre poder,
utilidade e verdade operam no processo de cientiização do CET atra-
vés de três estágios concomitantes: a particularização, a validação e a
generalização. No estágio chamado de particularização, o CET útil ao
desenvolvimento é descontextualizado da lógica tradicional e, con-
comitantemente, testado e validado por critérios cientíicos. Uma vez
que o conhecimento é particularizado e validado, ele necessita ser ca-
talogado e arquivado para que circule amplamente e então se genera-
lize. Apenas quando um elemento particular do CET é tornado gene-
ralizável, ele torna-se útil ao desenvolvimento. Neste sentido, o CET
é remodelado ao ser des-recontextualizado em bases cientíicas, ou
seja, ele é cientiizado (AGRAWAL, 1999).
A modernidade aparece como a única realidade existente e, con-
sequentemente, desvela-se o totalitarismo epistêmico do conceito
ocidental de modernidade (MIGNOLO, 2004). O que é chamado de
progresso do conhecimento e da civilização tem provocado o desapa-
recimento de saberes alternativos do mundo apagando ou destruin-
do a realidade que eles tentam representar ao mesmo tempo em que
a racionalidade ocidental invade e domina as mentes tornando-se he-
gemônica (SHIVA, 2003; FEYERABEND, 2007). A substituição dos sa-
beres alternativos por esta racionalidade ocidental tem provocado a
produção de uma monocultura do saber e é considerado um dos seus
modos de produção de não existência (SANTOS, 2010). Desta forma,
a racionalidade ocidental, que se funda na modernidade apaga os es-
paços de produção de conhecimento tradicionais, os espaços epistê-

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micos tradicionais. Dito de outro modo, o progresso do conhecimen-
to e da civilização ocidental opera no sentido de destruir os territórios
tradicionais produzidos pelo CET.
Ciente da lógica que fundamenta a operação do poder na ruptura
do tradicional para o moderno, chega-se a máxima de Ken Lertzman
(2009): ao invés da direta manipulação do ambiente per se, regula-se
o comportamento humano em relação ao meio ambiente. A partir da
Conferência de Estocolmo, a lógica instrumental do desenvolvimento
sustentável opera no sentido de regular o comportamento humano em
relação ao meio ambiente a partir de uma episteme que se funda na mo-
dernidade. A gestão ambiental é, por im, a regulação de pessoas por
meio do manejo de conhecimentos dentro do marco da modernidade.
No item seguinte, vai ser feita uma breve história da governamen-
talização das políticas ambientais no Brasil para que se chegue ao
problema central a ser investigado neste capítulo: o Gerenciamento
Costeiro Integrado (GCI), em sua perspectiva clássica, é uma modali-
dade de gestão ambiental que regula o comportamento humano em
relação ao ambiente costeiro dentro do marco ambientalismo moder-
no e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro enquanto um ins-
trumento de governo que regula a participação em GCI no Brasil.

A GOVERNAMENTALIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL PELO ESTADO MODERNO


BRASILEIRO
Os primeiros atos legais que visava controlar a exploração da natureza
no Brasil remontam o período da colonização portuguesa (THOMAS;
FOLETO, 2013). Os dois primeiros casos destes atos legais disponíveis
na literatura cientíica são o Regimento Pau Brasil de 12 de dezembro de
1605, instrumento de controle para a exploração deste recurso madei-
reiro, e a Carta Régia de 13 de março de 1797, que proibia o corte não au-
torizado de madeiras consideradas nobres (cedro, mogno, etc.). Entre
os Séc. XVII e XVIII, a Coroa Portuguesa fez um levantamento dos re-
cursos naturais e impôs um severo controle sobre os recursos da bacia

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do Amazonas visando reairmar sua soberania sobre a região (FREITAS,
2009; MEDEIROS, 2006; THOMAS; FOLETO, 2013). No entanto, segun-
do homas e Foleto (2013), estes atos legais estavam voltados ao contro-
le do uso dos recursos naturais que tinham reconhecida importância
ou valor econômico e não considerava a importância ambiental per se
destes recursos. Consequentemente, estes marcos legais não demarca-
vam uma área especíica para o controle de uso, mas apenas deiniam
os recursos naturais de relevância econômica a terem sua exploração
controlada pelo Estado Português aim de evitar prejuízos à Coroa Por-
tuguesa e ao comércio (SIQUEIRA, 2011).
Neste sentido, estes primeiros instrumentos jurídicos que respal-
davam a ocupação da terra e a exploração dos recursos são tentativas
mais sistematizadas e centralizadoras de ordenar o uso dos recursos
no sentido de, ainda que incipientemente, disciplinar as relações con-
cretas, políticas e econômicas dentro dos objetivos da empresa co-
lonizadora no que tange à incidência sobre os recursos naturais (SI-
QUEIRA, 2011).
Durante o governo imperial, a questão ambiental vai começar a
ganhar mais importância. Muitas personalidades se engajaram no de-
bate de criação de áreas protegidas no país. Aparentemente, a comu-
nidade epistêmica que vai governamentalizar os primeiros protótipos
de políticas ambientais no Brasil está ligada expoentes da chamada
crítica ambiental brasileira, sobretudo por meio de dois principais
representantes: José Bonifácio e o engenheiro André Rebouças. Esta
emergente classe intelectual brasileira, formada nas tradicionais es-
colas europeias, vão se preocupar com a proteção de espécies amea-
çadas de extinção e com o esgotamento dos recursos naturais, de-
bates que dominavam a cena no velho continente. Além disso, esta
comunidade epistêmica demonstra forte preocupação com os efeitos
do desmatamento no Brasil (MEDEIROS, 2006).
Com base nestas discussões e na percepção dos danos ambientais
decorrentes de devastação de extensas áreas no Rio de Janeiro que

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comprometeram seriamente os estoques hídricos da região, foi toma-
da a decisão inédita de replantar toda a vegetação local e, subsequen-
temente, instituir as Florestas da Tijuca e das Palmeiras com o objeti-
vo de resguardar os recursos hídricos. Estas prováveis primeiras Áreas
Protegidas do país são um primeiro esboço do que viria ser mais tarde
chamada de Florestas Protetoras no Código Florestal de 1934. Ainda no
governo imperial surgiram as primeiras sugestões por parte do enge-
nheiro André Rebouças de criação de Parques Nacionais, o da Ilha do
Bananal e o de Sete Quedas, inluenciado pela criação do Parque Na-
cional de Yellowstone nos Estados Unidos da América do Norte. Estas
propostas não se concretizaram, embora tenham aberto espaço para
discussão e mobilização para a existência dos primeiros parques na-
cionais brasileiros pós-instalação do Estado Novo (MEDEIROS, 2006).
Outro acontecimento importante para a discussão ambiental no
Brasil, foi a publicação do Mapa Florestal do Brasil em 1911. Este pri-
meiro estudo abrangente dos biomas brasileiros e seu estado de con-
servação, que teve como responsável o cientista brasileiro Luíz Felipe
Gonzaga de Campos, tinha a clara intenção de subsidiar políticas públi-
cas para a criação de um conjunto de parques nacionais (MEDEIROS,
2006). Neste sentido, este estudo tinha os preceitos de wilderness inau-
gurados pelo ambientalismo preservacionista norte americano com
Yellowstone e, portanto, tinha como inalidade a conservação da natu-
reza considerada intocada (DIEGUES, 2001). Como resultado, dois de-
cretos presidenciais criam dois Parques Nacionais no Território do Acre
que caíram em total esquecimento até meados da década de 1990 de-
vido a fragilidade dos instrumentos e das instituições governamentais
recém-estabelecidas (MEDEIROS, 2006; THOMAS; FOLETO, 2013). Se-
riam necessários mais vinte e cinco anos para que fossem criados ins-
trumentos e instituições robustas para garantir a existência do primeiro
Parque Nacional brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia.
Em contraste com o imobilismo das instituições governamentais
até então, no período pós-Revolução de 1930 inaugura-se a primeira

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das principais fases da política ambiental brasileira marcada por mu-
danças importantes no âmbito político-institucionais relacionadas à
questão ambiental: a fase de administração de recursos naturais (SÁN-
CHEZ, 2008). Em um curto espaço de tempo (1934-1937), surge grande
parte dos instrumentos legais que dariam suporte às ações governa-
mentais na área ambiental, como a constituição republicana de 1934
(Capítulo I, artigo 10), o Código Florestal3, o Código das Águas4, o Có-
digo de Caça e Pesca5 e o Decreto de Proteção dos Animais6. A Consti-
tuição de 1934 considerava a natureza patrimônio nacional a ser pre-
servado pela União e pelos Estados e a sua proteção entra inalmente
na agenda governamental (MEDEIROS, 2006; SÁNCHEZ, 2008).
Alguns autores, como Medeiros (2006), consideram o Código Flo-
restal o mais importante instrumento jurídico entre os supracitados
porque ele deine as bases para a proteção territorial dos principais
ecossistemas lorestais e as tipologias de áreas a serem especialmen-
te protegidas (Florestas Protetoras, de Rendimento, Remanescentes
e Modelo). Desta forma, o Código Florestal viabiliza legal e institu-
cionalmente a criação dos primeiros Parques Nacionais (Itatiaia em
1937 no RJ; do Iguaçu no PR e da Serra dos Órgãos no RJ, ambos em
1939) e Florestas Nacionais (de Araripe-Apodi em 1946 no Ceará e de
Caxiuanã em 1961 no Pará) no Brasil com iscalização subordinada ao
Serviço Florestal Federal e Seção de Parques e Florestas Nacionais,
vinculados ao Ministério da Agricultura.
Tais marcos jurídicos pós-Revolução de 1930 mostram que as mu-
danças político-institucionais da fase de administração dos recur-
sos naturais caracterizam-se por políticas públicas setoriais que re-
gulamentam o acesso aos recursos naturais e racionalizam o seu uso
(SÁNCHEZ, 2008). A regulamentação e a racionalização desta primei-

3. Decreto no 23793 de 1934.


4. Decreto no 24643 de 1934.
5. Decreto no 23672 de 1934.
6. Decreto no 24645 de 1934.

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ra fase das políticas ambientais brasileiras segue uma escola de ad-
ministração e engenharia de recursos naturais voltada a um mode-
lo de gestão ambiental do território nacional que garantiu, ainda que
mais conceitualmente do que no número de áreas de fato instituídas,
a intocabilidade de áreas consideradas estratégicas (Florestas Prote-
toras e Remanescentes e Parques de Criação e de Refúgio, por exem-
plo) e o controle pelo Estado Moderno do uso econômico dos recur-
sos naturais de áreas especíicas (Florestas Modelo e de Rendimento,
por exemplo) (DIEGUES, 2000, 2001; MEDEIROS, 2006).
Por outro lado, o modelo de gestão ambiental e as ações governa-
mentais adotadas nesta primeira fase evidenciam que a comunida-
de epistêmica que governamentalizava as ações do Estado Moder-
no não rompiam com a tradição de pensamento que já vinha sendo
construída desde o período imperial. Representava, na verdade, um
aprofundamento e uma diversiicação das discussões sobre a prote-
ção da natureza inauguradas no período imperial que, por sua vez,
foram fortemente inluenciadas pelos preceitos de wilderness. Neste
sentido, torna-se evidente que o ambientalismo de tendência preser-
vacionista vai ganhando, paulatinamente, espaço na construção dos
modelos de conservação e, consequentemente, governamentalizan-
do o Estado Moderno brasileiro.
Durante a ditadura civil-militar consolida-se as duas próximas fa-
ses das políticas ambientais no Brasil7, que ocorrem concomitan-
temente. A evolução das políticas ambientais durante o período do
regime civil-militar deve-se sobretudo às pressões ambientalistas ad-
vindas do cenário internacional pós-Estocolmo. Internamente, es-
tas políticas ambientais resultantes das pressões internacionais fo-

7. Há controvérsias entre os autores quanto ao marco do início destas políticas ambientais. Medei-
ros (2006), Freitas (2009) e homas e Foleto (2013) defendem que ela teve início com o Código Flores-
tal instituído em 1965. Já Sousa (2011) defendem que foi após a Conferência de Estocolmo em 1972. Sán-
chez (2008), por uma terceira via, defende que as políticas ambientais no Brasil foram inauguradas
pos-Revolução de 1930. Como pode ser visto no texto deste capítulo, adota-se a via de Sánchez (2008).

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ram modeladas sob dois pilares: o Controle da Poluição, sobretudo
a industrial, e o Planejamento Territorial, ainda que incipiente (SÁN-
CHEZ, 2008; SOUSA, 2011).
Uma das fases, chamada de fase de controle da poluição industrial,
caracteriza-se por seu cunho essencialmente corretivo e de aplicação
tecno-burocrática de medidas corretivas à condutas consideradas le-
sivas à qualidade ambiental no meio ambiente urbano por meio de
uma negociação restrita entre Estado e poluidor. Como políticas vol-
tadas ao controle da poluição podem ser citadas: o estabelecimento
de padrões ambientais e de penalidades ao não cumprimento des-
tes padrões pela recém-criada Secretaria Especial do Meio Ambiente
(SEMA) e o reconhecimento pelo governo de porções do território na-
cional onde havia problemas graves de poluição (áreas críticas de po-
luição) (SANCHES, 2008).
A outra fase das políticas ambientais é chamada de Planejamen-
to Territorial e tem seus primeiros atos já na segunda metade da dé-
cada de 1960. Em 1965 é instituído o novo Código Florestal8 com os
mesmos objetivos básicos do de 1934, mas com novas categorias
de Áreas Protegidas que extinguiram as anteriores: Parque Nacio-
nal, Floresta Nacional, Área de Preservação Permanente e Reserva
Legal. Dois anos mais tarde é lançado o novo Código de Proteção
aos Animais9 que previa a criação de refúgios e reservas com vis-
tas a preservação e a criação de uma nova instituição governamen-
tal para implementar, gerir e iscalizar as Áreas Protegidas em plena
expansão em território nacional, o Instituto Brasileiro de Desenvol-
vimento Florestal (IBDF) (FREITAS, 2009; MEDEIROS, 2006; THO-
MAS; FOLETO, 2013). De apenas seis Áreas Protegidas integrais em
1960 salta-se a oitenta e três em 1990 somente em nível federal (DIE-
GUES, 2001).

8. Lei no 4771 de 1965.


9. Lei no 5197 de 1967.

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Também faz parte desta fase os primeiros planos de uso do solo
de meados da década de 1970 que procuravam ordenar as formas de
ocupação do espaço urbano no Brasil. Como iniciativas neste setor de
Planejamento Territorial pode-se citar a Lei Lehman10, que dispõe so-
bre o parcelamento do solo urbano; a Lei no 6.803 de 1980, que esta-
belece diretrizes para o zoneamento industrial nas áreas críticas de
poluição; o Zoneamento Ecológico Econômico11, e o Estatuto da Ci-
dade12, que estabelece um quadro atualizado de gestão urbana (SÁN-
CHEZ, 2008).
Os dois pilares das políticas ambientais do Brasil, com foco nos au-
mentos exponenciais de Áreas de Proteção Integral sobretudo nas dé-
cadas de 1970/80 (DIEGUES, 2001), torna patente que o ambientalismo
de tendência preservacionista consolida-se enquanto racionalida-
de que estabelece o caráter epistemológico da política ambiental bra-
sileira, que, na última fase da política ambiental brasileira, é inserida
dentro do marco do desenvolvimento sustentável. Não é por acaso que
este modelo de ambientalismo se torna dominante no regime civil-mi-
litar. Segundo Diegues (2000), a tradição de pensamento que subsi-
dia as práticas conservacionistas é marcada pelo mesmo autoritarismo
das instituições governamentais que impuseram parques nacionais e
reservas naturais sem consulta aos povos e comunidades tradicionais.
A última fase da política ambiental brasileira inaugura-se com a
Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). No plano institucional,
a PNMA cria uma estrutura articulada de órgãos governamentais nos
três níveis de governo (Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNA-
MA) e um conselho composto por representantes das diferentes es-
feras da sociedade (Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONA-
MA). No plano da instrumentalização das ações governamentais, o

10. Lei no 6.766 de 1979.


11. Lei no 4.297 de 2002.
12. Lei no 10.257 de 2001.

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PNMA institui o Licenciamento Ambiental e os Estudos de Impac-
to Ambiental. Na esfera política, a nova lei cria mecanismos efetivos
de participação, restrito ao CONAMA; estabelece o direito do público
à informação através do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e o
princípio da responsabilidade objetiva do poluidor, e confere legitimi-
dade ao Ministério Público de propor ação de responsabilidade civil
e criminal por danos causados ao meio ambiente (SÁNCHEZ, 2008).
As razões que desembocaram nos grandes avanços da PNMA im-
plementados pela ditadura civil-militar é controverso na literatura
cientíica. No entanto, o consenso na literatura é que a pressão exter-
na de organismos multilaterais (PNUMA, por exemplo) e bilaterais
(Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, por exemplo) e
organizações internacionais (grandes ONGs, por exemplo) tiveram
papel decisivo na formulação do PNMA (ver FREITAS, 2009; MEDEI-
ROS, 2006; SÁNCHEZ, 2008; SOUZA, 2011). Até mesmo a comunida-
de epistêmica que aparentemente governamentalizou a PNMA foi in-
luenciada por organismos internacionais. Segundo Sánchez (2008),
os proissionais da Comissão Estadual de Controle Ambiental do Rio
de Janeiro (CECA) que participaram de um programa de capacitação
técnica do PNUMA sobre os fundamentos e métodos do AIA entre os
anos de 1980 e 1983 vão ganhar grande visibilidade, respeito e legitimi-
dade no âmbito nacional. Consequentemente, estes proissionais vão
participar ativamente da regulamentação do AIA em nível federal em
1986 quando faziam parte do CONAMA (SÁNCHEZ, 2008).
No que diz respeito às Áreas Protegidas ainda há uma nova fase
na política ambiental brasileira iniciada com a aprovação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)13. Desde meados da
década de 1970, estudos realizados pelo IBDF apontavam para uma
necessidade de nova ordenação do processo de criação de Áreas Pro-

13. Lei no 9985 de 2000. A partir do SNUC, Área Protegida passa a ser chamada de Unidade de Con-
servação.

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tegidas formando um sistema único e integrado. Destes estudos vão
surgir os primeiros debates, propostas e embriões entre o inal da dé-
cada de 1970 e início da de 1980. A longa história de tramitação e de-
bates que vão atravessar duas décadas (1980/90) servem para revelar
as diferentes posições do movimento ambientalista existentes sobre-
tudo a partir da década de 1980 com o processo de redemocratização
do país. Preservacionistas, conservacionistas, socioambientalistas e
ruralistas travaram uma grande disputa na defesa de suas posições
que mobilizou ONGs, grande imprensa e grandes lobbys. No texto i-
nal, aprovado em 2000, uma visão muito mais preservacionista aca-
bou prevalecendo com forte apoio, inclusive, da Casa Civil da Presi-
dência da República, resultam no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) (FREITAS, 2009; MEDEIROS, 2006).
No Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estão
previstas doze Áreas Protegidas divididas em duas grandes catego-
rias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável.
A primeira tem por objetivo preservar a natureza e a segunda compa-
tibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recur-
sos naturais. A lei deine como uso sustentável a exploração do am-
biente que garanta a perenidade dos recursos ambientais renováveis
e dos processos ecológicos de forma socialmente justa e economica-
mente viável. Assim deinida, o SNUC contextualiza-se no marco do
desenvolvimento sustentável da PNMA. Não por acaso, entre os pon-
tos mais polêmicos na disputa em torno do texto inal do SNUC era
a questão dos povos e populações tradicionais e a sua participação
na criação e gestão das Unidades de Conservação. Novamente, o am-
bientalismo de tendência preservacionista mostraram que ainda tem
poder para compor os regimes epistemológicos de inteligibilidade e,
consequentemente, deinir as políticas ambientais no Brasil (MEDEI-
ROS, 2006).
Com esta breve história da governamentalização das políti-
cas ambientais no Brasil, o que se percebe é que não há ruptura en-

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tre as diferentes fases das políticas ambientais. Ao contrário, há um
continuísmo. Com embrião ainda no período colonial e imperial, a
comunidade epistêmica que governamentaliza as políticas ambien-
tais no Brasil é a mesma até os dias atuais. É desta forma que se com-
preende a airmação de Sanches:

embora elas praticamente se sucedam cronologicamente, não há substi-


tuição de uma política por outra, mas, sim, superposição, o que transfor-
ma a atual política ambiental brasileira em um mosaico onde coexistem
os conceitos dos anos 1930 com aqueles do inal do século XX (2008, p.70).

Desde o período colonial, há uma tentativa de disciplinar o uso dos


recursos e de ordenamento territorial (ver FREITAS, 2009; MEDEI-
ROS, 2006; SIQUEIRA, 2011; THOMAS; FOLETO, 2013). O que muda ao
longo do tempo, em função da evolução de uma tendência de mode-
lo de preservação da natureza produzidas pela ciência moderna e dos
mecanismos jurídicos para implementá-la, são os modos de se estru-
turar o território jurídico-político do Estado Moderno, ou seja, de pro-
duzir um espaço (epistêmico) disciplinado.
Para Foucault (2008, p.75), há dois processos na produção de um
espaço disciplinado. O primeiro deles, chamado de normalização
disciplinar, consiste em estabelecer uma norma, ou seja, em colocar
um modelo ótimo que é construído em função de certo resultado. As-
sim, estrutura-se o espaço por um processo de construção de conhe-
cimento do pensamento governamental. Este primeiro processo pro-
duz um espaço epistêmico em nível imaterial.
O segundo processo de estruturação do espaço se refere às vias de
ação de governo para re-implantar estes modelos conceituais no espa-
ço do real e, assim, remodelar o espaço. Segundo Foucault (2008, p.75),
este processo de operação de normalização disciplinar, consiste em pro-
curar tornar as pessoas, os gestos, os atos, conformes a esse modelo. Neste
sentido, a ação governamental sobre o espaço, o que inclui as pessoas,

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materializa o modelo conceitual materializado. Portanto, a estrutu-
ração do espaço, tanto no primeiro processo quanto no segundo, é a
produção de um espaço epistêmico, ou seja, a imaterialização e a ma-
terialização ([i]materialização) do pensamento governamental, respec-
tivamente. Desta forma, o pensamento governamental territorializa-se.
Estes dois processos estruturantes do espaço e do território pro-
duz um espaço disciplinado (FOUCAULT, 2008, p.39). O próprio es-
paço muda de natureza em relação ao espaço do mundo tradicional
(CHESNEAUX, 1989, p.19). Portanto, o espaço que emerge na moder-
nidade, e com a modernização das políticas ambientais, é uma moda-
lidade de espaço (epistêmico) disciplinado.
A partir desta discussão proposta por Foucault (2008), conclui-se
que a evolução histórica do modelo de preservação da natureza go-
vernamentalizado no Estado Moderno brasileiro, dentro do marco do
desenvolvimento sustentável pós-Estocolmo, contribui para forçar o
curso da modernidade aos povos e comunidades tradicionais e fa-
zê-las agir de acordo com os regimes epistemológicos que emergem
com o ambientalismo moderno.
Um contraponto importante à tendência predominante das políti-
cas ambientais no Brasil é o Decreto no 6040 de 200714. Este decreto,
que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Populações Tradicionais no Brasil, apesar de partir do prin-
cípio do desenvolvimento sustentável para a promoção da melhoria
da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais, também
garante o reconhecimento e o respeito aos modos de vida, a cultura,
a ancestralidade e ao território tradicionais destes povos e comuni-
dades. Assim, ao mesmo tempo que o decreto se inscreve dentro do
marco do desenvolvimento sustentável, ele possibilita uma abertura
epistemológica a outros modos de vida culturalmente diversos ao da
modernidade que opera sob a lógica instrumental do desenvolvimen-

14. Decreto Federal no 6040 de 7 de fevereiro de 2007.

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to que Agrawal (1999) denuncia. A partir deste decreto é possível que
um desenvolvimento local com bases nas tradições emerja enquan-
to alternativa àquele com marco na modernidade de caráter colonial
que rompe com as tradições, como discutido por Brandão (1998).
Ao operar sob o ideal do desenvolvimento sustentável, o Gerencia-
mento Costeiro Integrado (GCI) irá expandir para o mar a territoria-
lização estratégica feita em terra. No entanto, o Gerenciamento Cos-
teiro Integrado diversiica e aprofunda a expansão da territorialização
estratégica dos mares subsidiada pelas outras ciências alocadas na
Oceanograia Clássica desde o inal do século XIX15. No entanto, a ter-
ritorialização estratégica dos mares operacionalizada pelo planeja-
mento em GCI terá suas próprias diretrizes e particularidades. É o que
será discutido no item seguinte.

O GERENCIAMENTO COSTEIRO INTEGRADO CLÁSSICO


Após a tentativa de disciplinar o uso dos recursos e de ordenamento
territorial no espaço terrestre, os Estados Nacionais, inclusive o Bra-
sil, vão tentar fazê-lo no espaço marinho. Com o surgimento dos na-
vios-fábrica operando no Atlântico Norte, a industrialização da pes-
ca atinge seu esplendor entre as décadas de 1950 e 1970. Os navios de
pesca tornaram-se complexos industriais itinerantes proporcionando
uma capacidade anteriormente inimaginável de autonomia de nave-
gação e de processamento e de captura de recursos pesqueiros. Como
resultado, os estoques de recursos pesqueiros no Atlântico Norte en-
tram em colapso e diversos países começam a declarar seus direitos
exclusivos de exploração de recursos naturais sobre duzentas milhas
a partir da sua linha de costa em uma tentativa de impedir a pesca

15. As ciências da pesca, alocadas na Oceanograia Biológica, possibilitaram a expansão revolução


industrial do ambiente terrestre para o mar, a destruição de territórios tradicionais de pesca e a ter-
ritorizalização estratégica dos mares ao subsidiar as indústrias de pesca com conhecimento cientíi-
co. Além disso, as ideias de Oceano Sublime e de Oceanocentrismo, ambas presentes na Oceanograia
Clássica, contribuíram para expandir a ética selvagem dos preservacionistas para os mares (MOURA,
2014; 2017b).

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de outros países nestas regiões. Vinte e cinco milhões de milhas qua-
dradas de território oceânico, que antes poderiam ser utilizados irres-
tritamente por qualquer embarcação do mundo, passaram a ser ad-
ministrados pelos Estados nacionais (MCGOODWIN, 1990), ou seja, o
Estado passa a ser o proprietário do recurso pesqueiro (SMITH, 1982),
em uma solução evidentemente Hardiniana e Gordon-Schaeferiana.
Surgem, desta forma, as Zonas Econômicas Exclusivas.
Apesar de o Brasil ter declarado sua soberania sobre o mar territo-
rial em 197016, apenas em 1980 será lançada uma política que promo-
ve a integração do mar territorial e plataforma continental ao espa-
ço disciplinado brasileiro. Esta Política Nacional para os Recursos do
Mar (PNRM)17, aliada a PNMA, irá impor uma exploração racional dos
recursos naturais do mar territorial brasileiro dentro do marco do de-
senvolvimento sustentável. É neste contexto da última fase da política
ambiental brasileira, de criação de uma estrutura articulada de órgãos
governamentais, e como parte integrante da PNMA e da PNRM que
irá ser criado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC)18.
Para os adeptos do Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI) “a po-
lítica é um intercâmbio entre o governante e a população e esse in-
tercâmbio deve ser mantido sempre em equilíbrio” (MARRONI; AS-
MUS, 2005, p. 55). Esta concepção de política está subjacente ao
Planejamento Estratégico Situacional (PSE) proposto pelo economis-
ta chileno Carlos Matus na obra “Adeus, senhor presidente: governan-
tes e governados” enquanto crítica aos modelos tradicionais de pla-
nejamento.

16. Decreto Lei nº 1098 de 25 de março de 1970.


17. Decreto no 84719 de 20 de maio de 1980 e Decreto 5377 de 23 de fevereiro de 2005.
18. Lei no 7661 de 16 de maio de 1988 e Resoluções da Comissão Interministerial para os Recursos do
Mar (CIRM) no 1 de 21 de novembro de 1990 e no 5 de 3 de dezembro de 1997. Para Sánchez (2008) o
PNGC faz parte da fase do Planejamento Territorial. No entanto, ainda que o consideremos como um
instrumento de governo para a territorialização dos mares, a estrutura de integração intersetorial, in-
tergovernamental, espacial, cientíica e internacional do PNGC é característica da fase que inaugura-
-se com a PNMA.

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Segundo Matus (1996), é necessário articular técnica e política
dentro de um arcabouço de estratégias para atingir um determinado
objetivo e para que os outros atores participem do processo. Em en-
trevista a Huertas (1996), Matus propõe o modo como esta articulação
deve ocorrer:

O planejamento tradicional ignora esse tema ou o aborda como se se tra-


tasse de uma consulta política entre a equipe técnica de planejamento e a
direção política do governo. Assume-se que o técnico pergunta ao políti-
co se o plano que concebe é viável, e o político responde deinindo o mar-
co da viabilidade política do plano. [...] Naturalmente, esse diálogo entre
o técnico e o político, se é que chega a realizar-se com alguma sistemati-
cidade e algum rigor, não resolve o problema, nem na teoria nem na prá-
tica. [...] Por duas razões. Primeiro, porque a consulta refere-se ao futuro,
ao período de governo, não ao presente, e, portanto, a resposta requer al-
gum método de exploração do futuro incerto. Segundo, porque uma con-
sulta tem sentido quando uma das partes tem a resposta, mas nesse caso
cada parte tem uma parte da resposta, como duas peças de um enigma
que ninguém pode resolver separadamente. É necessário juntar a ação
técnica com suas consequências políticas, e a ação política com suas con-
sequências técnicas (HUERTAS, 1996, p. 69).

Esta articulação entre técnica e política representada pelo PSE de


Matus forma um magma confuso entre saber e poder, ciência e deci-
são, de uma arte de governar. Essa espécie de unidade compõe uma
das dimensões da arte de governar que Foucault (2008) chama de go-
vernamentalização do Estado, as técnicas ou tecnologias de governo.
Para Figueiredo Filho e Muller (2002), a utilização do PES daria
condições aos governantes de acumular recursos (i)materiais (políti-
cos, econômicos, gerenciais e cognitivos) de maneira a neutralizar os
outros atores e, consequentemente, permitiria que os objetivos de go-
verno sejam atingidos independente dos outros participantes. Para-

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doxalmente, Matus considera e desconsidera o outro simultaneamen-
te. Porém, ao deinir as características que um líder governante deve
ter, Matus nos mostra que esta contradição identiicada pelos autores
supracitados é apenas aparente:

El líder forja ideas. Construye nuevos caminos contra la inercia y la cor-


riente pasiva de la opinión publica. Abre nuevas posibilidades en la men-
te del hombre. Al mismo tiempo, conduce y administra esas fuerzas emer-
gentes dinamizadas por las nuevas ideas hasta convertirlas en hechos y
hacerlas inevitables. El líder exitoso cambia el curso de las cosas hacia la
dirección y hacia el limite en que todo parece sumarse a su voluntad (MA-
TUS, 2008, p. 16).

O governante então “forja ideias” que abrem “novas possibilidades


nas mentes” do outro e o conduz aos objetivos de governo. Dito de
outro modo, Matus considera o outro, os governados, apenas para ter
sua mente conquistada. Ao contrário do que advoga Carlos Matus, o
PES é uma tecnologia de governo que aprofunda, e não rompe, a ló-
gica dos métodos tradicionais de planejamento ao passo que remo-
dela a produção ativa de não existência dos outros atores participan-
tes do processo de planejamento, conquista mentes na imposição de
um (re)modelo estratégico e viabiliza as ações consideradas inviáveis
e os objetivos estratégicos. Não por acaso, o próprio Matus (1996) air-
ma que o PSE é um modo mais efetivo de participar do jogo social do
planejamento.
Este modo de articular entre técnica e política, ciência e governo
do PSE inluencia de diversas formas a concepção de “planejamento
participativo” no GCI. Para Marroni e Asmus (2005), o planejamento
participativo seria um método de organizar as assim chamadas “opi-
niões”, “contribuições”, “acréscimos”, “ideias diversiicadas”, etc. da
população respaldados por conhecimento cientíico na construção,
pelo consenso, da realidade desejada. Consequentemente, este pro-

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cesso de participação, que remodela o método tradicional de planeja-
mento, deve ser cientíico, antes de ser participativo (MARRONI; AS-
MUS, 2005: p. 57). Neste sentido, o planejamento em GCI, por meio
do PNGC, é um “instrumento para orientar racionalmente o uso e a
ocupação da zona costeira” (MARRONI; ASMUS, 2005: p. 61). Vale res-
saltar que o CET, considerado como “opiniões”, “acréscimos” ou “con-
tribuições”, ao ser inserido neste espaço de produção de conhecimen-
to, é cientiizado pela lógica instrumental do desenvolvimento como
discutido no item anterior. Esta cientiização é tem sido identiica-
do por diversos autores (ver AGRAWAL, 1999; NADASDY, 2003; DEB,
2009) como uma forma de distorção e a razão do fracasso de alguns
processos participativos em políticas públicas gerando conlitos en-
tre os participantes, inclusive em arranjos de co-manejo de pesca (ver
MOURA, 2014).
Longe de ser um procedimento justo e democrático como advo-
gam os autores do GCI, esta modalidade de planejamento participa-
tivo torna-se um mecanismo de solução de disputa para transmitir
ideias hegemônicas uma vez que advoga por uma espécie de “tecno-
cracia sansimonista”19. Este totalitarismo epistêmico que prega um
“positivismo social” não apenas produz uma brutal assimetria de po-
der entre os modos de conhecer presentes no espaço público, mas
antes ainda entre os conhecimentos que estruturam e (re)modelam
o espaço da “democracia”. Com a ciência governamentalizada antes
da participação, não restaria espaço para os outros modos de conhe-
cimento não ocidentais territorializarem-se nos mares. O outro, que
também opera na produção dos mares, não seria considerado como
nada mais que um espaço a ser conquistado pela racionalidade cien-
tíica ocidental: a Ciência Moderna positivo-reducionista e o pensa-
mento governamental. Por meio deste pressuposto, torna-se eviden-

19. O conde Cloude Henri Saint Simon (1760-1825) é o fundador do positivismo social, cujo objetivo
era utilizar a ciência e a ilosoia como fundamento de uma reorganização radical da sociedade (AB-
BAGNANO, 2007).

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te que a oposição entre “comunidade vs pessoal técnico” explicitado
por autores do GCI20 tem como objetivo a territorialização estratégi-
ca dos mares.
Além de determinar os modos de conhecer adequados, o planeja-
mento em GCI também vai estabelecer a diretriz geral com que estes
modos de conhecer devem produzir um espaço disciplinado costeiro.
Esta diretriz geral é explícita pelo economista Martinus Fillet ao dei-
nir o Encontro Nacional de Gerenciamento Costeiro (ENCOGERCO)
enquanto um espaço de ‘manutenção do ideal de desenvolvimento
sustentável para a Zona Costeira Brasileira’ e o principal objetivo des-
te encontro como discutir formas de incentivar ‘o gerenciamento cos-
teiro como prática primordial ao desenvolvimento sustentável’ (DIAS;
POLETTE, 2006, p. 04). O gerenciamento costeiro integrado vai surgir,
então, da necessidade de se administrar os recursos naturais da zona
litorânea dentro do marco do desenvolvimento sustentável (MARRO-
NI; ASMUS, 2005).
Este regime tecnocrático subjacente ao PNGC, que estabele-
ce os modos de conhecer e a diretriz autorizada com que estes mes-
mos modos de conhecer devem pactuar realidades “consensuais” ao
produzir o espaço costeiro, o caracteriza enquanto o que Laura Na-
der (1994) chama de “modelo legal de harmonia”, ou melhor, em um
instrumento de paciicação que transmite ideias hegemônicas para a
produção de uma aparente harmonia. Portanto, o PNGC pode ser de-
inido em uma perspectiva etnooceanográica enquanto um instru-
mento de governo que tem como objetivo a produção de uma mo-
dalidade de um espaço disciplinado costeiro por meio de “harmonia
coercitiva”. Neste sentido, o planejamento em GCI enquadra-se na de-
inição da Oceanograia Clássica proposta por Moura (2017ª, p. 36):

20. Segundo Marroni e Asmus (2005, p. 57), a melhor forma de se ter um “planejamento coerente” é
manter-se aberto às contribuições e acréscimos dos “grupos mistos de decisão”, onde se opõe explicita-
mente “comunidade vs pessoal técnico”.

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“um esforço de produção de um espaço epistêmico (multi)disciplinar
na conquista dos mares”.
A zona costeira é uma região de grande complexidade física, eco-
lógica, oceanográica, socioantropológica e de grandes conlitos so-
cioambientais, o que torna a sua gestão particularmente desaiado-
ra, sobretudo na costa amazônica. Com mais de 1500 Km de extensão,
abrangendo os estados do Amapá, Pará e parte do Maranhão, a cos-
ta amazônica brasileira pode ser dividida em quatro regiões pesquei-
ras distintas em função de sua morfodinâmica costeira: Salgado, baía
e Ilha do Marajó, foz amazônica e região norte. Estima-se que na re-
gião amazônica tenha cerca de 300 mil pescadores artesanais atuan-
tes, sendo quase 50 mil só na costa do estado do Pará. Com um co-
lar de vilazinhas pesqueiras da costa do Amapá à costa do Maranhão
apresentando uma grande diversidade étnica de povos e comunida-
des tradicionais (FURTADO, 2013) é inaceitável, sob o ponto de vista
da garantia e ampliação de direitos adquiridos a partir do Decreto no
6040 de 2007, a implementação de um modelo colonialista de geren-
ciamento costeiro na região amazônica que promove a pilhagem e a
destruição de territórios tradicionais.
Por essa inadequação do modelo clássico de GCI no Brasil, pro-
põe-se, a partir de um diálogo entre a etno-oceanograia e o etno-
desenvolvimento, um gerenciamento costeiro pós-colonial na Ama-
zônia. Esta proposta é desenvolvida no próximo e último item deste
capítulo.

ETNO-OCEANOGRAFIA E ETNODESENVOLVIMENTO: POR UM GERENCIAMENTO


COSTEIRO PÓS-COLONIAL NA AMAZÔNIA
Ao contrário, o que se propõe aqui é um “giro pragmático” da políti-
ca moderna a partir de outro ponto de vista inaugurado por uma prá-
xis política dos povos indígenas. Trata-se de transformar o solipsismo
metódico da política moderna e recuperar a política em termos de su-
jeito histórico. Desta forma, o sujeito nunca é o indivíduo ideal isola-

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do forjado pelo liberalismo econômico ou cooperante com o sistema
hegemônico, mas um povo. Não se trata, por outro lado, de um povo
dado, “a-presentado” ou acabado, mas de um movimento de práxis
política através do qual um povo aparece como um povo. Portanto,
a construção da subjetividade dos sujeitos, inclusive a construção de
conhecimentos destes sujeitos, é um processo que se dá na relação
aberta, comunicativa e transformadora entre as pessoas, ou seja, é um
processo intersubjetivo que emerge de uma práxis política. Assim, o
giro pragmático recupera a política enquanto radicalidade crítica na
produção de sujeitos históricos (BAUTISTA, 2014).
Adotando-se este giro pragmático é que se propõe uma alternati-
va ao planejamento em GCI, alocado na Oceanograia Clássica. Com
base em diversos autores, a etnooceanograia, alocada na Oceanogra-
ia Socioambiental, e o etnodesenvolvimento fornecem bases teóri-
cas para o manejo de mundos ou de modos de conhecer21 em uma abor-
dagem de território como conhecimento. Não se trata, no entanto, de
um manejo de conhecimentos que se funda na premissa dicotômi-
ca entre Ciência Moderna, considerada Global, versus Conhecimen-
to Tradicional, considerado local, como defendem alguns autores que
versam sobre conhecimento tradicional (Por ex.: BERKES, 1999; SIL-
LITOE, 2009). Segundo Santos et al (2005), a dicotomia conhecimen-
to local/conhecimento global é uma forma de perpetuar a ideia de su-
perioridade do conhecimento cientíico como a única cosmovisão
que possibilita uma explicação global do mundo, anulando inclusi-
ve a tão profanada e almejada complementaridade entre os saberes.
Neste sentido, esta dicotomia é a expressão do resultado do processo
de globalização hegemônica localizando, no plano do discurso, todas
as outras formas de saber.

21. A expressão manejo de conhecimentos é utilizado por Almada e Moura (2012). No entanto, esta ex-
pressão é equivalente a outras já existentes na literatura cientíica como mobilização de mundos (AN-
JOS; LEITÃO; 2009) e manejo do mundo (CABALZAR, 2010).

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Como alternativa, o mesmo autor propõe uma perspectiva situa-
cional em que todos os conhecimentos são socialmente construídos
como resultados da mobilização de recursos materiais e intelectuais
de diferentes tipos, vinculadas a contextos e situações especíicos.
Desta forma, sendo todos os modos de conhecer epistemologicamen-
te situados, a abordagem hegemônica nas etnociências de polariza-
ção global X local entre racionalidade cientíica ocidental e conheci-
mentos não-ocidentais não faz sentido senão para falar da primeira
como uma versão globalizada de uma tradição local de conhecimen-
to. A racionalidade ocidental enquanto versão globalizada de uma
tradição local faz parte de um processo de produção de uma hegemo-
nia ou dominação europeia dos demais povos, ou seja, de um proces-
so de colonialismo cultural.
Além de adotar a perspectiva situacional de Santos et al (2005), a
etnooceanograia rompe a dicotomia entre Ciência Moderna (CM)
X Conhecimento Tradicional (CET) ao ampliar os saberes em cena
do conlito ambiental territorial na produção do espaço costeiro.
Além do CET e da CM, inclui-se também o pensamento governa-
mental22. Segundo Moura (2014; 2017b), estes modos de conhecer
operam sobre o espaço produzindo diferentes modalidades de ter-
ritórios. Território seria, neste sentido, um espaço de produção de
conhecimentos, ou seja, um espaço epistêmico, que não é (re)pro-
duzido apenas no campo simbólico ou imaterial, mas também é
materializado.
Segundo o conceito de Moura (2014; 2017b), em um contexto colo-
nial de encontro cultural, o pensamento governamental e a CMp, tor-
nados hegemônicos, operam estrategicamente sobre o espaço (que
inclui as pessoas) para a produção de um espaço disciplinado, ou
seja, para se territorializar estrategicamente; por outro lado, o conhe-
cimento tradicional subalternizado opera taticamente sobre o espaço

22. Para uma discussão sobre as modalidades de conhecimentos citadas, ver MOURA (2014; 2017b).

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na produção de territórios tradicionais em um processo de resistência
à dominação cultural.
Em um viés pós-colonialista e de superação da situação de colo-
nialismo cultural, propõe-se o primeiro e o segundo desaios teóricos
enfrentados por Cardoso de Oliveira (2000) para a radicalização da
participação de povos e comunidades tradicionais nos projetos de de-
senvolvimento alternativos (ou de etnias minoritárias) em uma pers-
pectiva etnooceanográica.
O primeiro desaio é o que Cardoso de Oliveira (2000), Little (2002)
e Anjos e Leitão (2009) consideram o pilar de uma nova ação junto aos
povos e comunidades tradicionais para se alcançar um processo de et-
nodesenvolvimento, o estabelecimento de um espaço de diálogo inte-
rétnico chamado comunidade de comunicação de natureza interétnica.
Segundo Cardoso de Oliveira (2000), neste espaço de diálogo
agentes de governo, pesquisadores e povos e comunidades tradicio-
nais debateriam projetos de desenvolvimento com base em dois prin-
cípios subsequentes: 1 – Regras claras sobre a conformação do diálo-
go, acordadas por consenso; 2 – Estas regras devem levar à simetria de
interlocução entre os membros da comunidade de comunicação inte-
rétnica. Esta ética dialógica abre um espaço de produção de conheci-
mentos para a compreensão mútua e a fusão e profusão de horizontes
entre os participantes. No entanto, com base no giro pragmático ado-
tado aqui, as regras acordadas, a fusão e a profusão de horizontes sur-
girão por meio de dissensos e não com base em consensos resultantes
de uma harmonia coercitiva. Regras resultantes deste modelo aparen-
te de harmonia gera sobreposição de horizontes, prevalecendo os he-
gemônicos e eliminando a diversidade de horizontes alternativos no
espaço de produção de conhecimentos.
A base de princípios só poderá estar garantida se todos os interlo-
cutores tiverem paritariedade de condições para construir o espaço
(epistêmico) de diálogo. Ao invés da produção de um espaço (epistê-
mico) de desigualdades característica de uma situação colonial, tem-

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-se como ponto de partida ideal a produção de um de igualdade de
direitos e simetria onde todos os modos de saber e interlocutores des-
frutem de status de legitimidade, validade e de verdade. Desta for-
ma, todos os participantes da comunidade de comunicação interét-
nica poderiam participar da negociação das regras de diálogo e dos
resultados do confronto de perspectivas na institucionalização de po-
líticas e ações indigenistas (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000; ANJOS;
LEITÃO, 2009). Neste caso, propõe-se um diálogo aberto entre os dife-
rentes modos de conhecer, a suspensão de pré-conceitos cientíicos e
o questionamento dos próprios fundamentos do conhecimento cien-
tíico (LITTLE, 2002), diferente da apropriação unilateral do conhe-
cimento por um grupo hegemônico na tecnocracia à la planejamen-
to em GCI.
O segundo desaio teórico de Cardoso de Oliveira (2000) é arti-
cular os conceitos de comunidade de comunicação interétnica e de
desenvolvimento. Este autor parte do conceito de desenvolvimen-
to alternativo cunhado por Rodolfo Stavenhagen (1980). Stavenhagen
(1980) defende uma ideia de desenvolvimento em contraposição aos
de etnocídio e de etnocracia ou de Estado etnocrático caminhando-
-se na direção de um Estado multinacional, multicultural e multiétni-
co. Este desenvolvimento alternativo, ou etnodesenvolvimento, seria
um processo dinâmico e criativo que, ao invés de limita-las, liberaria
as energias coletivas para o seu desenvolvimento social, econômico e
cultural.
Apesar de algumas características comuns, o etnodesenvolvimen-
to possui uma genealogia distinta da ideia de desenvolvimento sus-
tentável. Enquanto este tem origem na conferência de Estocolmo a
partir de demandas de países do ocidente conforme foi visto anterior-
mente, o etnodesenvolvimento tem suas bases históricas nas Confe-
rências de Barbados I e II (1971 e 1977) e de San José (1981) atendendo
aos propósitos de movimentos sociais indígenas. Além disso, mui-
tos dos problemas vividos pelos povos e comunidades tradicionais

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foram, a partir da década de 1980, reelaborados sob um novo rótulo,
o de desenvolvimento sustentável (SOUZA LIMA; BARROSO-HOF-
FMANN, 2002).
Esta reelaboração dos problemas sob este novo rótulo se dá por-
que a lógica instrumental do desenvolvimento está na genealogia, no
“DNA”, do desenvolvimento sustentável e nas modalidades de pro-
dução de territórios que surgem a partir dele. Após analisar diversos
projetos que supostamente são de etnodesenvolvimento, mas que são
construídos e implementados dentro do marco do desenvolvimento
sustentável governamentalizado, Rinaldo Arruda (2002) chega a con-
clusão semelhante ao denunciar o caráter tecnocrático que os im-
buem. A partir disso, pode-se airmar que o etnodesenvolvimento não
pode ser uma modalidade de desenvolvimento sustentável.
Consequentemente, o manejo de mundos que se propõe aqui não
é uma possibilidade do desenvolvimento sustentável. O manejo de
mundos, consoante ao giro pragmático, parte de um diálogo intercul-
tural na busca da compreensão das situações e processos, de desen-
volvimentos e de produção de territórios tradicionais alternativos aos
modelos hegemônicos de desenvolvimento e das modalidades de pro-
dução territorial, incluindo os do desenvolvimento sustentável, com
ênfase na e a partir da perspectiva de povos e comunidades tradicio-
nais costeiros. Desta forma, a proposição do manejo de mundos, que
surge de um diálogo entre etnodesenvolvimento e etnooceanograia,
signiica uma completa alteração do ponto de vista do pensamento go-
vernamental das políticas e planejamentos em GCI adotadas via PNGC
e que afetam os povos e comunidades tradicionais costeiras do Brasil.
Em uma perspectiva etnooceanográfica a partir das reflexões de
Moura (2014; 2017a), os dois desaios teóricos de Cardoso de Oliveira
(2000) viabilizam a superação de uma situação colonial por meio da pro-
dução de um espaço epistêmico de fronteira, a comunidade de comuni-
cação interétnica. Assim, não haveria espaço para uma territorialização
estratégica no sentido de conquista de novos espaços epistêmicos atra-

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vés do epistemicídio que gera uma monocultura mental. Da mesma for-
ma, não haveria territorialização tática nos subterfúgios dos espaços he-
gemônicos. O que se fomenta inspirado pela sociologia das emergências
de Santos (2010) é a substituição desta zona de contato epistemológica e
colonial da modernidade ocidental por um diálogo aberto e paritário en-
tre os modos de conhecer, onde se ergueria trincheiras em aspectos con-
siderados inegociáveis e produzir-se-ia pontes de diálogo em interesses
comuns. No entanto, na perspectiva etnooceanográica não seria possí-
vel falar apenas em fusão de horizontes ou na emergência de um único
território de consensos. Neste caso, falar-se-ia de mobilização de mun-
dos, fusão e profusão de horizontes e de emergências de múltiplos terri-
tórios híbridos e de epistemologias de fronteira a partir de contatos inte-
rétnicos cosmopolitas. Na ética dialógica, os aspectos (in)comensuráveis
dos múltiplos territórios emergentes se trabalharia o respeito e o fomen-
to às alteridades, à autonomia e a produção de condições de igualdade
(i)materiais rompendo com os regimes epistemológicos de inteligibili-
dade que conferem um caráter colonial às políticas desenvolvimentis-
tas e ao Estado etnocrático epistemicidas. Como consequência não ape-
nas se protege os múltiplos territórios, mas proporciona condições para
o desenvolvimento territorial dos povos e comunidades tradicionais, ba-
ses do etnodesenvolvimento. Em resumo, objetiva-se que na zona de
contato (inter)cultural estabeleça-se uma zona de contato cosmopolita,
como propõe Santos (2010), o que no nosso entendimento é, por exce-
lência, uma comunidade real de comunicação interétnica em uma pers-
pectiva etnooceanográica no fomento ao etnodesenvolvimento.
Assim, os desaios teóricos Cardoso de Oliveira (2000), no diálogo
entre etnodesenvolvimento e etnooceanograia, apontam para uma
radicalização da participação de povos e comunidades tradicionais
na construção e implementação em territórios tradicionais, dentro do
marco do Decreto n. 6040 de 2007, de projetos autênticos e alternati-
vos ao desenvolvimento sustentável governamentalizado e hegemôni-
co no ambiente costeiro dentro do marco do Decreto no 6040 de 2007.

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O DIREITO NA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES DOS
POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS:
AS CHAMADAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU
Joaquim Shiraishi Neto
Luane Lemos

INTRODUÇÃO
Os conlitos gerados nas áreas de ocorrência do babaçu surgiram no
processo de privatização das lorestas. A atividade extrativa do baba-
çu remonta de várias décadas e é uma das principais fontes de ren-
da para milhares de famílias em mais de quatro estados brasileiros
(Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará). Há relatos no meio das quebra-
deiras de coco de que a prática da extração da amêndoa e do uso da
farinha do mesocarpo teria sido transmitida às famílias pelos ante-
passados indígenas. Nos primórdios da prática extrativa, não havia
“donos” e nem proprietários das palmeiras. As palmeiras eram con-
sideradas “livres” e utilizadas pelas quebradeiras de coco e suas famí-
lias de acordo com suas necessidades e capacidade de trabalho.
Na década de 1960, visando à colonização do Maranhão e a atra-
ção de empreendimentos para o Estado, foi editado a chamada “Lei
de Terras do Sarney”, que disponibilizou as terras devolutas estaduais
ao mercado. Tal processo gerou a apropriação legal e ilegal das terras
através do cercamento advindos da alienação efetuada pelo Institu-
to de Terras do Estado ou por meio da chamada ¨grilagem¨. Nos esta-
dos do Piauí, Tocantins e Pará ocorreu processo, que muito se asse-
melhou ao do Maranhão, ou seja, as terras devolutas estaduais foram

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disponibilizadas, gerando a expulsão de várias quebradeiras de coco
e suas famílias.
Neste contexto, os diversos grupos de quebradeiras de coco, cam-
poneses, quilombolas que detinham a posse das terras e modos di-
ferenciados de acesso aos recursos naturais, não foram reconhecidos
pelo aparato legal, que privilegiou a transferência das terras devolutas
estaduais a diversas empresas a pretexto do desenvolvimento do Es-
tado. Os grandes latifúndios, para longe de serem transformados em
alvo das políticas de colonização e reforma agrária do Estado, foram
legalizados, fazendo reinar os riscos iminentes de graves conlitos en-
tre proprietários e diversos grupos sociais. Essas eram as extensões de
terra onde se concentravam a maioria das palmeiras e onde estavam
localizadas as quebradeiras de coco e suas famílias, antes de serem
lançadas nas “pontas de rua” dos povoados e das cidades.
As terras postas à disposição às quebradeiras de coco estavam si-
tuadas fora dos limites territoriais nos quais essas famílias costumei-
ramente haviam se estabelecido. O que antes era considerado livre e
“sem dono” agora estava concentrado nas mãos de poucos proprietá-
rios. As cercas começaram a tomar conta da paisagem e o coco pas-
sou a ser “preso”, reduzindo a liberdade de acesso que as famílias ti-
nham ao recurso.
Portanto, as políticas agrárias tiveram o efeito inverso: ocasiona-
ram a ocupação por outros grupos econômicos. A expulsão de milha-
res de famílias dos seus locais habituais de cultivo e morada gerou um
exército de trabalhadores “sem terra”, ou ainda pior, no caso das que-
bradeiras de coco, com terra, mas desprovidas do acesso aos recursos
naturais, meios habituais pelos quais garantem a sua reprodução fí-
sica e cultural. Como o território foi privatizado, o direito de uso das
mulheres de cultivar e ter livre acesso aos recursos naturais foi perdi-
do, fazendo com que se organizassem para a coleta do babaçu.
As práticas extrativas “clandestinas” nos campos cercados, ou mes-
mo com a anuência dos proprietários, se tornou cada vez mais co-

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mum e frequente na vida das quebradeiras de coco. Mais difícil ainda
se tornou a prática da roça, meio principal de manutenção das famí-
lias. A relevância da atividade extrativa do coco babaçu na comple-
mentação da renda familiar levou as mulheres a coletar mesmo em
áreas privadas, sujeitando-se então a todas as espécies de “acordos”
e “contratos” com os proprietários para ter acesso às palmeiras. Tais
acordos por vezes obrigavam as mulheres a deixarem parte (senão
grande parte) do que coletavam em posse dos fazendeiros, no cha-
mado regime de “meia” ou de “foro”. Em lugares de maiores conlitos,
o acesso era totalmente negado às mulheres que eram física e moral-
mente agredidas pelos funcionários das fazendas. O embate se tornou
tão intenso em certos lugares, que algumas mulheres chegaram a ser
acusadas de furto do babaçu e de invasão de propriedade, como em
Timbiras, no Maranhão e em Esperantina, no Piauí.
Os conlitos pelo acesso e uso das palmeiras, tornados comuns no
Estado, foram diretamente responsáveis pelo início da organização
política das chamadas quebradeiras de coco em prol da garantia de
seus direitos e da manutenção dos seus territórios. Inicialmente, os
interesses eram todos açambarcados no discurso dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STRs), como única ocupação social e econômi-
ca reconhecida politicamente (SHIRAISHI NETO, 2006). Aos poucos,
o movimento das quebradeiras foi tomando espaço no cenário políti-
co, enfrentando debates com os órgãos públicos e esferas do governo.
Em sua gênese, esse movimento foi pensado enquanto um espaço di-
ferenciado de discussão, onde as mulheres pudessem estabelecer es-
tratégias e trocar experiências quanto aos conlitos voltados especii-
camente para sua realidade.
As situações sui generis a que estavam submetidas em função de
suas atividades, portanto, exigiam debates e ações diferentes dos que
eram habitualmente travados nos Sindicatos de Trabalhadores Ru-
rais. Apesar das questões possessórias e fundiárias inluenciarem di-
retamente suas atividades, as mulheres buscavam discutir a escassez

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do coco e a diiculdade cada vez mais corrente de seu acesso, além
das agressões que sofriam no momento da coleta. A autodenomi-
nação quebradeira de coco é construída nesse processo de enfren-
tamento, e busca revelar e manter suas diferenças e especiicidades
ameaçadas pela imposição do modo de vida do outro (ou dos outros)
contra os quais se defende. Nesse processo de disputa pela manuten-
ção do seu modo de vida é que lapida a sua identidade (ALMEIDA,
1995; SHIRAISHI NETO, 2006).
O que começou na sombra dos STRs foi expandido para os grupos
formais e informais e as associações. Aos poucos, foi exigindo mais
especiicidade dos debates e ações, até culminar com a formação de
uma Articulação de Quebradeiras de Coco Babaçu. Em 1995, a Articu-
lação das Quebradeiras de Coco Babaçu se tornou o Movimento Inte-
restadual de Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB, o qual abran-
ge os estados do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins. O movimento de
construção de identidade voltado para a reivindicação de práticas so-
ciais redunda, em um segundo momento, na airmação dessas práti-
cas também enquanto práticas jurídicas, próprias dos modos de fazer
e de viver das quebradeiras de coco e suas famílias, enquanto instru-
mento de interlocução com o Poder Público. Ou seja, erigida a ban-
deira do reconhecimento, as conquistas avançam no sentido adentrar
as esferas oiciais de poder a im de juridicizar suas práticas sociais.
O processo de juridicização vem sendo vivido de forma intensa pe-
las quebradeiras de coco que apostam no direito como instrumento
de emancipação social. Ele consiste em transformar uma prática so-
cial em direito, no caso das quebradeiras de coco esse processo é vi-
vido com as chamadas Leis do “Babaçu Livre”. Como resultado dessa
política foi criado diversos projetos de lei, conhecidos como Leis do
“Babaçu Livre”. As Leis do “Babaçu Livre” são resultado direto da ne-
cessidade das quebradeiras de coco em obstar o avanço da devasta-
ção dos babaçuais, além da reivindicação pelo livre acesso a referidas
áreas para manutenção do seu modo de vida e para a própria repro-

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dução física e cultural do grupo. O deslocamento dos enfrentamen-
tos políticos para a “luta jurídica localizada”, como bem observou Shi-
raishi Neto (2011) revela um dado novo, que necessita ser incorporado
as análises, sobretudo se levarmos em consideração os processos e as
lutas por direitos na América Latina.

AS LEIS DO “BABAÇU LIVRE”


No processo de conlito e mobilização vivenciado nas últimas déca-
das, as mulheres quebradeiras de coco não só construíram, mas tam-
bém airmaram a sua identidade. Saíram da condição de objeto para
a de sujeito coletivo. Nesse sentido, construíram uma nova concepção
jurídica e política acerca de seus interesses e necessidades nos cam-
pos de poder oicializados. As práticas sociais dessas mulheres, que se
expressam pela forma diferenciada de acesso e uso dos recursos na-
turais, izeram emergir “novos direitos”, os quais nem sempre foram
paciicamente recepcionados pelo ordenamento jurídico. Esses “no-
vos direitos” estão reconhecidos no processo de criação e proposição
de leis municipais, estaduais e federais denominadas Leis do “Baba-
çu Livre”.
As Leis do “Babaçu Livre”, indo na contramão do que historicamen-
te orienta o pensamento jurídico, promovem uma inversão de preva-
lência entre o direito de propriedade e o reconhecimento das práticas
sociais desses grupos, a partir do entendimento de que o acesso aos
recursos naturais deve ser garantido inclusive em áreas de domínio
privado. Até o dever de preservação desses recursos, é de certo modo
subordinado a este interesse coletivo, na medida em que visa primei-
ramente garantir a reprodução física e cultural das famílias.
A aprovação dessas leis e, posteriormente, a exigência por sua apli-
cabilidade às situações de conlito, forçou o direito e seus operadores
a aceitar a realidade das mulheres e sua noção acerca do uso dos re-
cursos naturais, da função social da posse e da propriedade, da pre-
servação do meio ambiente e do conteúdo próprio dos princípios da

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dignidade humana e da vida, na efetivação de um pluralismo jurídico
(WOLKMER, 2015).
Assim, a juridicização das práticas deu-se num processo de aber-
tura do direito (tradicionalmente fechado), não só com a inserção de
instrumentos normativos que reletissem o real anseio desses gru-
pos no ordenamento oicial, como também pela mudança de enten-
dimento proporcionado dentro do campo jurídico pela denotação de
novas formas de compreender e dar conteúdo a princípios, normas e
institutos usualmente utilizados em seu desfavor. É sobre este proces-
so de reconhecimento de interesses de gênero – especiicados em re-
lação às mulheres quebradeiras de coco babaçu – e o modo pelo qual
esse processo se manifesta que passaremos a analisar as Leis do “Ba-
baçu Livre”.

JURIDICIZAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIAIS


As Leis do “Babaçu Livre” são resultado direto da necessidade das
quebradeiras de coco em obstar o avanço da devastação dos baba-
çuais, além da reivindicação pelo livre acesso a referidas áreas para
manutenção do seu modo de vida e para a própria reprodução física
e cultural do grupo. Em geral, as Leis do “Babaçu Livre” se organizam
em torno de três pontos principais: o primeiro artigo das leis munici-
pais faz referência ao livre acesso às palmeiras de babaçu concedido
às “quebradeiras de coco e suas famílias, que as exploram em regime
de economia familiar e comunitária, mesmo em áreas privadas”; o se-
gundo estabelece a proteção das palmeiras contra corte ou qualquer
ato que as daniique; os artigos imediatamente seguintes dispõem so-
bre as penalidades a serem aplicadas pelo poder público e a respon-
sabilidade pela iscalização do cumprimento das leis.
Mas inicialmente, as Leis do Babaçu possuíam apenas um artigo
em seu corpo: o que garantia o livre acesso aos babaçuais, fosse em
áreas públicas ou privadas. Essa reivindicação era relexo da neces-
sidade das famílias em manter a atividade extrativa em face aos mui-

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tos enfrentamentos e diiculdades a que estavam sendo submetidas.
Como falamos anteriormente, a prática de extração e quebra do coco
babaçu remonta de tempos anteriores à apropriação e cercamento
das terras. Em alguns depoimentos, a prática do extrativismo apare-
ce como algo “herdado” de antepassados e transmitido de mães para
ilhas como fonte de renda e de produção para consumo familiar. En-
quanto que alguns autores procuram recorrer à ideia de tradição para
compreender esse processo, as mulheres vêm expressando a ideia de
“herança” para empreender o mesmo signiicado.

Quando a gente aprendeu a comer palmito, nossa vó dizia que foi uma ín-
dia que ensinou (...) Da década de 50 pra cá que nós começamos a ouvir
essa coisa de não pode pra nós que somos as populações tradicionais (...)
Esse nossos parentesco [com os índios] não foi em vão, eles nos ensina-
ram a tirar o mesocarpo... (Dona Maria Alaídes. Quebradeira de Coco Ba-
baçu. Região do Médio Mearim. Município de Lago do Junco, Maranhão).

A ameaça a esse modo de vida e práticas sociais, responsáveis


por parte do sustento das famílias, motivou o movimento das que-
bradeiras de coco a buscar formas de proteger suas atividades por
meios “legais”. Entretanto, essa busca se tornou frustrada na medi-
da em que se constatava a inadequação dos institutos do direito e
da aplicabilidade das leis à realidade desses grupos. A diiculdade
estava em se adequar as práticas sociais diferenciadas desses gru-
pos às construções jurídicas existentes. Nesse sentido, o direito pre-
servava a propriedade privada contra interferência de terceiros me-
diante seu uso exclusivo. Além disso, considera a terra como bem
principal, sendo a vegetação apenas um bem “acessório”. Os recur-
sos naturais, assim, são passíveis de apropriação e seguem o mes-
mo destino da propriedade, servindo ao intento de seu proprietário,
conforme a função e serventia que este lhe der (geralmente, visando
grandes ganhos econômicos).

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Já as quebradeiras de coco babaçu, por sua prática social, atribuem
igual ou maior valor às palmeiras do que à própria terra, numa inver-
são de prioridades atípica ao direito oicial (SHIRAISHI NETO, 2006).
Apregoam o uso comum dos recursos naturais, de modo a não se es-
tabelecer exclusividade sobre quaisquer deles, não só os babaçuais,
como também água, pastos, entre outros recursos, e desse modo em-
prestam novo conteúdo a princípios, normas e institutos jurídicos,
conforme seu próprio conhecimento e realidade. Como lidar com no-
ções tão diferentes, que divergem do direito usualmente compreendi-
do e aplicado em tribunais e esferas oiciais? Simplesmente excluin-
do? Considerando-as inadequadas ou incorretas? Uma vez que as
quebradeiras de coco não conseguiram acolhida no direito oiciali-
zado, resolveram incluir seus interesses no ordenamento através da
criação de leis próprias, que contemplassem seu entendimento e suas
formas de apropriação e uso dos recursos naturais.

Nós tinha um grupo de estudo na ASSEMA chamado grupo de estudo das


quebradeiras, onde agente se juntava de dois em dois meses para discu-
tir preços do babaçu e luta contra os fazendeiros. Pra nós era um espaço
tanto de articulação quanto um espaço político. (...) A gente sonhava de
ter uma lei, e a cada reunião que a gente tinha a gente discutia em ter uma
lei. Ai chegou o momento em que a ASSEMA tinha uma assessoria e essa
assessoria nos ajudou a fazer a lei. Pra nós a lei é um instrumento porque,
por exemplo, as vezes tava derrubando e agente chegava de mão vazia, e
aí depois a gente tinha a lei. Pra nós é um instrumento forte que a gen-
te tem... GN. (Dona Dijé. Quebradeira de Coco Babaçu. Região do Médio
Mearim. Município de São Luis Gonzaga, Maranhão).

Agente já fazia essa lei antes dela ser criada no papel, antes da gente botar
no papel agente já praticava ela. É uma moda que tem no mundo de ter al-
guma coisa escrita... Uma das coisas pra gente fazer a lei é essa moda de
ter as coisas escritas, e a outra era que a gente vivia muito oprimida e hu-

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milhada. Agente apanhava com chicote de boi... Como eles sabem que já
tá no papel, agente já pode entrar nas “soltas”... GN. (Dona Dió. Quebra-
deira de Coco Babaçu. Região do Médio Mearim. Município de Lago dos
Rodrigues, Maranhão).

A discussão acerca desses “novos direitos” foi proposta inicialmen-


te na esfera Federal, com a proposição de um Projeto de Lei que ga-
rantia o livre acesso e proibia a derrubada das palmeiras. Entretanto,
por ter sempre encontrado óbice nas concepções herméticas do po-
der, não concluiu seu trâmite legislativo, já tendo passado por man-
datos de diversos parlamentares. Adotando outra estratégia de atua-
ção, nos municípios onde a organização do movimento estava mais
consolidada, as mulheres começaram a propor projetos de leis muni-
cipais, a partir do acesso a lideranças locais. Essas proposições, para
longe de terem sido pacíicas, foram acompanhadas de fortes emba-
tes políticos e debates jurídicos.
Politicamente, uma das estratégias comumente utilizadas pelas
mulheres quebradeiras de coco babaçu era o embate nas Câmaras de
Vereadores dos Municípios, no momento da votação das leis. Como
as assembleias para votação eram abertas ao público, o movimento
mobilizava dezenas de mulheres para se fazerem presentes nas ple-
nárias, “invadindo” os espaços com feiras, canções, produtos e rela-
tos sobre o babaçu e sua importância para as famílias, em clara ati-
tude de pressão política aos representantes locais. Esses momentos,
bem como no da confecção da proposta, foram essenciais para o for-
talecimento da identidade, trazendo mais coesão e visibilidade ao
movimento.

A lei agente encaminhou através de um vereador. Ai depois agente foi na


Câmara e discutiu. Aí nossa lei foi aprovada por unanimidade na Câma-
ra, não teve nenhum vereador contra. Demorou para o Prefeito sancionar.
Mas agente pedia pro vereador amigo nosso pra ir lá pressionar o prefei-

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to e ele ia, até que ele assinou. (...) Os vereadores votaram na lei porque a
maioria dos votos estão nas comunidades. (...) Demorou a sancionar por-
que a gente não tava muito no pé. Depois que demorou um pouquinho
agente pressionou o vereador pra pressionar o prefeito... GN. (Dona Dijé.
Quebradeira de Coco Babaçu. Região do Médio Mearim. Município de
São Luis Gonzaga, Maranhão).

E nós se mobilizamos, enchemos o carro e fomos lá pra Câmara de Verea-


dores dá apoio a ela [vereadora que apresentou o projeto] e olhar pros re-
presentantes que a gente tinha na época. (...) O que deu moral na plenária
foi aquele monte de mulher olhando pra cara deles. Um dos vereadores
disse que ia votar na lei, mas sabendo que a lei era imoral e inconstitu-
cional, aí foi quando as mulheres vaiaram ele. E a maioria de votos agen-
te teve pra passar. Dois votaram contra. O prefeito sancionou. GN. (Dona
Maria Alaídes. Quebradeira de Coco Babaçu. Região do Médio Mearim.
Município de Lago do Junco, Maranhão).

Eu senti que o prefeito e os vereadores só assinaram porque se senti-


ram coagidos, mas hoje o prefeito anda por aí dizendo que foi ele que
fez essa lei. A ação das mulheres foi o mais importante, porque eu fui só
um instrumento. GN (Maria José de Moura. Vereadora de Lago do Jun-
co de 1996 a 2000. Região do Médio Mearim. Município de Lago do Jun-
co, Maranhão).

Tem algumas leis que deram mais trabalho. Em São Pedro da Água Bran-
ca (MA) nós izemos duas audiências públicas, mas o Prefeito nunca san-
cionou essa lei. Eu acho que tá faltando um ponta pé, não sei pelo lado
de quem. Não sei se falta uma reunião com o Promotor Público... Em São
Pedro da Água Branca e em Amarante (MA) foi uma euforia muito gran-
de, porque as mulheres nunca tinham visto nem tinham participado de
uma votação de lei. Elas nem sabiam que o povo podia participar de uma
votação de projeto de lei. Agente sentiu que vale a pena agente conti-

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nuar essas discussões com as quebradeiras porque elas se envolvem nes-
sa discussão. O resultado da lei hoje tem um resultado muito político. O
povo diz que tem que ter cuidado porque se essas mulheres se juntarem
aí pode dar alguma multa (Dona Maria Querubina. Quebradeira de Coco
Babaçu. Município de Imperatriz, Maranhão).

A primeira Lei do “Babaçu Livre”, aprovada no Município de Lago


do Junco/MA foi posteriormente acompanhada por outras em muni-
cípios da região do Médio Mearim, no Maranhão. A mesma estraté-
gia e abordagem política eram utilizadas para a aprovação das Leis
Municipais. Essa experiência, inicialmente concebida no âmbito de
atuação da Associação em Áreas de Assentamento do Estado no Ma-
ranhão (ASSEMA), foi tomada pelo Movimento Interestadual das
Quebradeiras de Coco Babaçu e levada para a região do sudeste do
Maranhão e para os estados do Pará e Tocantins, além de outros mu-
nicípios. Também nos estados, leis de livre acesso foram criadas, re-
forçando os interesses tutelados nas leis municipais, tal como a Lei
Estadual do Tocantins.
Esse processo de levar as discussões da confecção das Leis do “Ba-
baçu Livre” para outros municípios, permitiu a incorporação de ou-
tros grupos de quebradeiras de coco ao movimento. Com o forta-
lecimento do movimento e o debate acerca do livre acesso, novos
problemas foram suscitados e evidenciados, fazendo com que as mu-
lheres acrescentassem novos artigos nas leis que iam sendo propos-
tas. Além do livre acesso, foi agregada a discussão da preservação das
palmeiras, proibição de derrubadas, de uso de agrotóxicos, de ven-
da do coco inteiro, além de regulamentação de casos excepcionais de
permissão para o corte das palmeiras, chamados de “raleamento”.
Cada município denotava uma realidade e cada um dos projetos
de lei era construído pelas próprias mulheres da região, a partir de
discussões sobre o que era de fato relevante para aquela realidade e o
que deveria constar na lei. Assim, em alguns lugares, a lei repreendia

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mais duramente o uso de agrotóxicos e em outros, a venda do coco in-
teiro. Em alguns lugares o raleamento era permitido em uma densi-
dade maior, e em outros não. As leis foram efetivamente sendo cons-
truídas de acordo com a realidade de cada comunidade, baseadas em
suas práticas sociais e nos conlitos usualmente manifestados em seu
desfavor.
Mas nem sempre as leis municipais são aprovadas do modo
como são apresentadas, pois dependem do grau e da capacidade de
organização e de mobilização das mulheres. As Câmaras de Verea-
dores dos Municípios são comumente constituídas de grandes pro-
prietários de terra (ou de seus defensores) os quais, eles próprios, já
promoveram alguma forma de sujeição das mulheres ou de degra-
dação das palmeiras. Por esse motivo, em várias situações as mulhe-
res “negociam” o conteúdo das leis, fazendo constar algumas ressal-
vas requeridas pelos proprietários, mas mantendo invariavelmente
os pontos que lhes são de maior importância, sem os quais não faz
sentido a lei. A capacidade de organização e mobilização das mu-
lheres é fundamental para que a lei seja aprovada de acordo com
a proposta apresentada. Em Praia Norte, no Tocantins, as mulheres
puseram na mesa de negociação seus interesses, mantendo os as-
pectos cruciais do livre acesso e lexibilizando a inserção de alguns
pontos propostos pelos vereadores, possibilitando a aprovação da
Lei naquele município.

A nossa lei agente negociou. Eles pediram só pra gente não fazer caiei-
ra dentro das fazenda, nem cortar as cercas, e agente aceitou. Eles colo-
caram as coisas de não sujar o rio, mas icou ótima a nossa lei, icou óti-
ma. Nosso trabalho não foi difícil, nem com as companheiras nem com
eles da Câmara. Nós não tinha diiculdade em pegar o coco, mas tinha as
queimadas e as matança. A gente incluiu tudo porque pensou em ajudar
as outras dos outros povoados também. GN. (Dona Socorro. Quebradeira
de Coco Babaçu. Município de Praia Norte, Tocantins).

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Em outros municípios da região do Médio Mearim, no Maranhão,
reivindicações similares dos vereadores foram feitas e barradas pelo
movimento, haja vista o conhecimento prévio que as mulheres pos-
suíam acerca da intenção dos proprietários em responsabilizá-las por
supostos danos às suas propriedades.
O processo de elaboração e aprovação dessas leis, portanto, con-
tou com a participação de vários atores, dentre mulheres, vereadores,
prefeitos, deputados, fazendeiros, juristas, sociólogos, antropólogos
e outros, que se apresentaram para as discussões realizadas nas Câ-
maras de Vereadores, contribuindo de forma negociada para sua con-
secução. As leis foram assim forjadas em um processo de embate de
interesses entre as partes envolvidas, e dentro dos campos de debate
oicializados para a produção do direito. Mas as diiculdades encon-
tradas pelas mulheres na aprovação das leis derivam não só do fato de
estarem os vereadores a serviço do sistema de apropriação de terras,
mas também pelo fato de terem, as instituições governamentais, uma
visão privatista do direito. Algumas das maiores discussões travadas
nas Câmaras de Vereadores dizia respeito à constitucionalidade dos
projetos de lei.

A gente ouviu muito aquela palavra inconstitucionalidade sobre ela [a


lei], mas na nossa cabeça tava dando constitucionalidade, que era legiti-
mando uma proposta que a gente tinha na cabeça e no coração, que era a
lei de acesso livre. GN. (Dona Maria Alaídes. Quebradeira de Coco Baba-
çu. Região do Médio Mearim. Município de Lago do Junco, Maranhão).

Mesmo dizendo que a lei era imoral, eles [os vereadores] conseguiram
aprovar. Eles diziam que a lei não era boa porque esse negócio da gente tá
invadindo as terras não era certo... teve um que disse que a lei era imoral,
mas ele ia assinar. Pra mim a lei é justa sim. GN. (Dona Dió. Quebradeira
de Coco Babaçu. Região do Médio Mearim. Município de Lago dos Rodri-
gues, Maranhão).

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Os argumentos mais frequentemente utilizados em contraposição
ao reconhecimento dos “novos direitos” propostos pelas leis são a de-
fesa da propriedade privada e a incompetência do município para le-
gislar sobre matéria afeta a este direito. A alegada inconstitucionali-
dade das leis era sempre baseada nestes dois argumentos, os quais
denotam uma visão jurídica fragmentada e descontextualizada da
realidade social vivida pela maioria das mulheres, que sem a garantia
do acesso e uso das palmeiras colocam em risco a sua própria repro-
dução física e social.
Em resposta, as mulheres suscitavam os princípios do direito à
vida e à dignidade humana, o reconhecimento de suas práticas so-
ciais enquanto grupos portadores de identidade, a previsão da fun-
ção social da propriedade, a defesa do meio ambiente e da sociodiver-
sidade, a competência dos municípios para legislar sobre matéria de
interesse local, especialmente a competência concorrente para ma-
téria do meio ambiente e, ainda, como argumento mais relevante, a
necessidade de garantia de seus meios de reprodução física e cultu-
ral, vitais para sua sobrevivência e para a manutenção de suas práti-
cas tradicionais. Procuravam, assim, as mulheres, deslocar o debate
jurídico para as questões relacionadas aos direitos fundamentais, so-
bretudo relacionando-os à garantia de sua existência física e social e,
nesse sentido, se amparam nos dispositivos contidos na Convenção n.
169 da OIT.
No ponto de vista das mulheres, a legitimidade das leis não estava
assim incada na observância do procedimento legislativo competen-
te para sua elaboração, ou ainda, na obediência ao conteúdo princi-
piológico privatista que conduzia o direito e seus operadores, mas sim
em uma gama de novos signiicados emprestados a princípios como
da dignidade humana e da vida, da defesa do meio ambiente e do pa-
trimônio cultural (enquanto formas de fazer, criar e viver), os quais
derivavam diretamente da realidade desses grupos e formam sua pró-
pria ideia do que vem a ser “justo” e “legítimo”.

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Eu acho a lei justa. No meu ponto de vista é mais do que justa, se é pra
defender a vida GN. (Dona Otacília. Quebradeira de Coco Babaçu.
Maranhão).

A gente sabe que tem um artigo na Constituição que o cidadão não pode
privar os recursos como a água. Então o babaçu eles pode privar? Porque
não foi ele que plantou. Eu acho que a lei é correta. Como você não pode
privar pra pegar água, você também não pode privar pra pegar o coco...
mas também tem o outro lado que a gente não pode causar dano na pro-
priedade. Mas eu tenho clareza que a lei é justa. GN. (Dona Maria Queru-
bina. Quebradeira de Coco Babaçu. Município de Imperatriz, Maranhão).

Estes argumentos serviram de base para legitimar os interesses


desses grupos que, como dito, efetivaram o processo de construção
do direito por meio de um conteúdo próprio, dado pelos sujeitos inte-
ressados, por serem diretamente afetados pela norma. Mas o proces-
so de efetivação desses direitos não se resume à aprovação das leis,
ele continua a ser forjado na medida em que o embate migra da ela-
boração para o cumprimento da norma. Nesse caso, a força de mobi-
lização do movimento está não só na aprovação das Leis do “Babaçu
Livre” como também na utilização destas enquanto instrumento legí-
timo de reivindicação dos direitos formulado em conformidade com
seus interesses.
Observa-se que em lugares onde a mobilização das mulheres tem
menor expressão, a aprovação e efetivação das leis encontram maior
óbice. Portanto, tem-se que a construção destes direitos é dialoga-
da em cada uma das esferas, públicas ou privadas, onde estes se pro-
põem a atuar. Esse processo ocorre tanto de forma pacíica quan-
to mediante enfrentamentos e disputas; tanto em relação aos órgãos
e agentes públicos, quanto em relação a proprietários de fazendas e
sociedade em geral; tanto nas câmaras, promotorias, procuradorias,
secretarias e congresso nacional, quanto nas ruas, portas e cancelas

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de fazendas, e até mesmo dentro de casa, no ambiente familiar, com
maridos e ilhos. A importância desse processo de reivindicação pelo
qual devem passar para resguardas seus interesses e construir seus
direitos não passa despercebida pelas mulheres e movimento. Os de-
poimentos revelam os conlitos e as estratégias pelas quais as mulhe-
res buscam a efetivação das leis.

Tem que esclarecer às pessoas que a lei existe. Na nossa região, quase
todo mundo já sabe que existe a lei. Pra cada proprietário nós saímos le-
vando uma cópia da lei. Teve uns que aceitou numa boa, outros rasga-
ram e jogaram na nossa cara, mas depois acabaram vendo que é coisa do
município e pediu até desculpa pra gente GN. (Dona Dió. Quebradeira de
Coco Babaçu. Região do Médio Mearim. Município de Lago dos Rodri-
gues, Maranhão).

Era um sonho nosso que essa lei viesse a resolver as necessidades das
quebradeiras, mas no papel, a lei, ela é morta. No nosso município nós
não temos lei, a lei do nosso município é a lei da sobrevivência. Agente faz
valer na marra. GN. (Dona Maria Adelina. Quebradeira de coco babaçu.
Região do Médio Mearim. Município de Lima Campos, Maranhão).

Hoje a gente aplica a lei nas roças orgânicas, que a gente tá chamando
de roça crua, mas com isso a gente não tá livre do embate. A gente tá en-
frentando muitos desaios e os desaios agora é com o próprio marido da
quebradeira. É um novo momento, uma nova luta, e é um novo jeito de
aprender conviver essa situação. (...) Com a lei mudou, a lei só chegou a
botar no papel e legitimou com o voto dos vereadores lá na câmara, e a
gente sempre usa ela pra fazer campanha. Quando a gente vai num emba-
te, por exemplo, ano passado agente foi derrubar uma carrada de coco in-
teiro que tava saindo... a gente usou a lei. (...) O pior de tudo é que a gen-
te chega lá e tá o ilho da companheira derrubando, cortando o cacho...
quando eu falo que agora é um novo jeito de lutar, é porque agora a gente

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não vai mais naquela coisa da violência, agora a gente vai usando mesmo
os artigos da lei, usando a promotoria, os espaços que se tem, legítimos.
(...) Tem fazendeiro que diz que as leis do babaçu não valem nada. Eles
não aplicam as leis de terra pra ir de encontro a ela, mas na cabeça deles
eles acham que não vale nada. Mas pras quebradeiras de coco as leis va-
lem muitas coisas. (...) Na constituição de comissão de justiça [da câma-
ra de vereadores] agente teve que defender o quanto o coco valia na nos-
sa vida, justiicando a pequena produção rural, o coco, a amêndoa, o que
a palmeira representava na agricultura, e a gente somando isso dava pra
uma quebradeira ter razoavelmente o seu modo de vida. A gente contava
que não luxava. Enquanto que tinha vereador que justiicava que o boi ti-
nha maior valor econômico na vida do município. (...) Quando foi a hora
de passar o voto, indou que a gente conseguiu o voto. GN. (Dona Maria
Alaídes. Quebradeira de Coco Babaçu. Região do Médio Mearim. Municí-
pio de Lago do Junco, Maranhão).

Tem problema político e problema social. Nessa questão do babaçu é pro-


blema social. No município que as quebradeiras não têm bem acesso ao
babaçu, a pobreza é maior, e pra mim isso é um problema social mui-
to grande. (...) Como você vai trabalhar a cadeia produtiva do babaçu se
queimar o coco inteiro? Pra mim é um problema social muito grande. E
também é um problema político muito sério porque o povo diz que a lei
não vale nada. E quando diz que a lei não vale nada, pra mim é um pro-
blema político muito sério. Apesar da gente não ter ido ainda pro embate
político com juiz e com promotor. GN. (Dona Maria Querubina. Quebra-
deira de Coco Babaçu. Município de Imperatriz, Maranhão).

Com as disputas para consolidação dos direitos, surgem novos


conflitos, inclusive em virtude da contemporaneização do deba-
te econômico e político que inluenciam diretamente as práticas so-
ciais desses grupos de quebradeiras de coco. A cada dia se aglome-
ram os novos desaios a serem vencidos pelas quebradeiras, os quais

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são discutidos pelo movimento a im de formular estratégias jurídi-
cas e políticas de ação. Em Penalva, município do Estado do Mara-
nhão, os relatos das quebradeiras de coco dão conta da instalação de
cercas elétricas nas propriedades privadas, as quais são ativadas du-
rante o dia, fazendo homens e mulheres de vítima, em um claro ato de
violência contra esses grupos. A baixa do preço, as políticas estaduais
e federais voltadas para o mercado de commodities, o surgimento do
biodiesel, a venda do coco inteiro para alimentar os fornos das side-
rúrgicas, a utilização do babaçu para realização de cosméticos e a dis-
cussão acerca do acesso ao patrimônio genético e conhecimento tra-
dicional associado, são exemplos de novas situações e conlitos a que
estão submetidas às quebradeiras de coco babaçu e suas famílias.
A construção desses “novos direitos”, portanto, por ser estritamen-
te relacionado ao cotidiano e as necessidades desses grupos sociais,
não é estática. A cada novo conlito e reivindicação o direito vai sendo
reconstruído e remodelado nos termos em que possibilite a garantia
dos interesses desses grupos sociais portadores de identidade. Assim,
as mulheres aprenderam a agregar ao livre acesso outras disputas cor-
relatas, majorando seu poder de negociação e juridicização de suas
práticas sociais. Tal processo nos permite analisar a caracterização da
construção desses direitos, por parte das quebradeiras de coco, en-
quanto construção permanente de sua cidadania, que abarca os seus
direitos perante o poder estatal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O surgimento do movimento das quebradeiras de coco rompe, assim,
com a organização social dentro e fora das famílias, permitindo a evi-
denciação da mulher e alterando a divisão de tarefas e o papel desem-
penhado por elas em todos os espaços, do público ao privado. É nesse
papel, de mulher, que as quebradeiras de coco iniciam sua organiza-
ção, buscando um espaço próprio e diferenciado dentro dos Sindi-
catos para discutir os conlitos relacionados às suas práticas sociais.

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Já a congruência dessas práticas singulares de apropriação e uso dos
recursos naturais, “herdadas” de mãe para ilha, lhes constituiu en-
quanto grupo social.
Não tardou para que estes grupos, agora organizado em movimen-
to, percebessem a incompatibilidade entre seus modos de vida e o
ordenamento jurídico e passassem a buscar a airmação de seus in-
teresses dentro dos lugares oicializados de poder, através da juridi-
cização de suas práticas sociais. A forma encontrada pelo movimen-
to para esta juridicização foi à proposição das Leis do “Babaçu Livre”,
as quais reconheceram o uso das palmeiras por parte desses grupos, e
o permitiram mesmo em áreas privadas, fazendo predominar o direi-
to à vida e à dignidade humana invocados por elas como fundamen-
to para seus interesses.
As Leis do “Babaçu Livre” izeram inserir no ordenamento jurídi-
co a previsão das práticas sociais desses grupos, indo de encontro à
noção privatista tradicional e forçando uma inversão de valores den-
tro do direito e o reconhecimento de novos conteúdos a princípios
como da dignidade humana, do direito à vida e ao meio ambiente
equilibrado.
Tal processo – não só de elaboração como de aprovação e aplica-
ção das Leis do “Babaçu Livre” – foi gradativamente sendo forjado nos
campos em que se desenvolviam os conlitos: migrou das fazendas e
cercas para os sindicatos e movimentos, e destes para as assembleias
e câmaras de vereadores, retornando para as fazendas e ruas, a im
de ser efetivado. Em nenhum destes lugares o processo de reconhe-
cimento dos direitos das mulheres quebradeiras de coco babaçu foi
pacíico, despendendo muitos debates para sua consecução. Assim,
participaram do processo de construção desses direitos desde fazen-
deiros, mulheres, trabalhadores rurais, catadores de coco, até prefei-
tos, vereadores, deputados, juristas, promotores e tantos quantos se
localizam nos locais de embate, todos se apoderando de seus discur-
sos e interesses os quais, de forma negociada ou imposta, resultaram

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na airmação das práticas desses grupos e de seu reconhecimento e
aceitação gradativa nos campos oiciais.
Essa construção “negociada” dos direitos das quebradeiras de
coco possibilitou não só a criação de leis, mas a mudança de enten-
dimento na esfera pública e provada sobre a realidade destes gru-
pos, forçando o reconhecimento da existência de uma sociedade plu-
ral. De igual modo, o “Babaçu Livre” revela um processo dinâmico de
construção da cidadania por parte destes grupos, tornando notórios
os seus interesses e constituindo-os enquanto sujeitos de direito, des-
tinatários de políticas públicas e participantes do discurso oicial do
poder, a despeito das críticas sobre uma suposta falta de capacidade
que estes grupos teriam de dizer seus direitos. Mais do que a juridici-
zação de suas práticas sociais, o processo organizativo e mobilizató-
rio para a elaboração, proposição e apresentação dessas leis a partir
do conhecimento profundo da realidade vivenciada, representam um
dado novo que contrasta com as políticas assistencialistas as quais es-
tes grupos estão referidos, garantido as quebradeiras de coco direitos
fundamentais a sua condição de existência, que coaduna uma práti-
ca a uma maneira de fazer, criar e viver. Observamos que esse pro-
cesso proporciona as quebradeiras de coco uma consciência profun-
da de seus direitos e de sua forma de fazer e viver, e por isso, mesmo
que o direito lhes retire as leis é incapaz de lhes retirar a consciência
adquirida.

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para uma reformulação. Porto Alegre: Fabris, 1994. pp.13-18.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. Fundamentos de uma nova
cultura do Direito. São Paulo: Saraiva, 2015.

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A AMAZÔNIA NA CIDADE E A CIDADE NA AMAZÔNIA
Aires Manuel dos Santos Fernandes

INTRODUÇÃO
Falar de Amazônia, inevitavelmente, conduz-nos a um imaginário ic-
cional, representado pela sua loresta, rios e animais; o lugar distan-
te de tudo e de todos onde todos podem tudo. Fonseca (2011) caracte-
riza-a de um laboratório vivo de múltiplas diversidades, começando
pelas naturais, continuando pelas antrópicas e inalizando com ideias
acerca das diversidades que precisam ser inventadas a im de criar
princípios e fundamentos, ainda que utópicos, para um horizonte de
desenvolvimento sustentável.
Um processo de “civilização” questionável, relações conlitantes
entre homem e natureza, descompasso entre colonizadores e indí-
genas, cobiça humana sobre as riquezas da região, desconhecimento
cultural e produção de opinião deturpada, tem levado a que a região,
ainda nos dias de hoje, seja marcada por representações de subde-
senvolvimento ou de selvageria da região e das suas gentes. “Muito
se tem falado sobre Amazônia, quem a conhece e outros nem tanto,
quem mora lá e outros que passaram em seus aeroportos e hotéis de
selva” (OLIVEIRA, 2006, p. 171)
O modelo de desenvolvimento, globalizado e desconexo das es-
pecificidades culturais, alicerçado na produção e no consumo de
massa, a sociedade que, embora mais esclarecida e com acesso a in-

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formações acerca destas problemáticas, ainda não se constitui, signi-
icativamente, como um elemento motriz para a transformação, e as
instituições públicas, que elaboram os seus planos de gestão em fun-
ção do tempo e com inalidade eleitoral e não como um projeto de
governo a ser implementadas no médio e longo-prazo, contribuem
para que a mudança, de uma consolidação sustentável, não aconteça
(FERREIRA & FERNANDES, 2015).
Com o objetivo de contribuir para o conhecimento da região este
trabalho faz uma análise das imagens que foram construídas da Ama-
zônia e suas origens. Apontamentos são feitos sobre a colonização, re-
lações inter étnicas, narrativas desenvolvidas pelos viajantes que se
constituem prova escrita do continuado olhar exógeno, marcadamen-
te etnocêntrico, sobre a região amazônica. No desenvolvimento deste
ensaio, abordamos as bases de discussão conceitual sobre a cidade, o
urbano e o espaço urbano. Conceitos que muitas vezes se confundem
como iguais, não sendo, mas se complementam. Este trabalho deixa
caminho para que num momento posterior aconteça o estudo da ci-
dade e do urbano numa cidade da Amazônia.

AMAZÔNIA: REALIDADE OU FICÇÃO?


Falar de Amazônia, inevitavelmente, conduz-nos a um imaginário ic-
cional, representado pela sua loresta, rios e animais; o lugar distan-
te de tudo e de todos onde todos podem tudo. Uma liberdade marca-
da pela matriz eurocêntrica que colocou amarras, físicas e culturais, a
quem de fato era livre, em corpo e em mente. A sua gente, os Índios.
A loresta dos mitos, grandiosa e exuberante nos seus elementos
naturais, foi, e continua a ser, objeto de cobiça, desde os primeiros
contatos com as populações exógenas que tentam obter a revelação e
saque das suas riquezas. Uma mescla de imaginário, ganância e rea-
lidade, levaram a que a Amazônia tivesse sido objeto de outras deno-
minações: Paraíso, Eldorado e Inferno Verde. O poeta Paes Loureiro,
na sua obra Cultura Amazônica, diz que a realidade da Amazônia é

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apreendida segundo categorias de “aparência formal e sensível” de-
terminada por uma “moldura da dominante poético-estetizante do
imaginário que a auratiza” (LOUREIRO, 2015, p. 115). Vicente Salles,
em A música e o tempo no Grão Pará, escreve a respeito deste imagi-
nário aurático da Amazônia dizendo

Eldorado para uns, inferno verde para outros; paraíso para os que a vêem
como objeto de estudos, tortura para quantos a tomam como objeto de
conquista ou ambição [...] senão o agigantado cenário de uma das mais
indigentes experiências tropicais do homem (SALLES, 1990, p. 24).

Para conhecer a Amazônia não basta ter como referência à sua


grandiosidade territorial, espécies vegetais, animais e minerais. É pre-
ciso falar do seu povo de origem que era formado por um vasto quan-
titativo humano. Contudo, com a chegada dos colonizadores foram di-
zimados, consequência das ações “selvagens” dos civilizados face aos
“selvagens” não civilizados. Houve momentos de convivência pacíi-
ca - os colonizadores e os indígenas - e outros mais conturbados, mas
o saldo humano apura-se em desfavor dos indígenas e da sua cultura.
Vários autores são taxativos ao airmar que o processo de coloni-
zação, seja espanhol ou português, decorreu segundo um “arquétipo”
europeu que moldava as realidades locais. O´Gorman (1992) e Sch-
wartz (1988) partilham da mesma ideia, airmando que a formação
do Brasil não aconteceu com intenção de transformação, mas de re-
produzir Portugal. Darcy Ribeiro, falando sobre os núcleos urbanos,
acrescenta que “proporcionaram as bases sobre as quais se ediicou
a sociedade e a cultura brasileira como uma implantação colonial eu-
ropeia [...] pela regência colonial portuguesa que as conformou como
uma ilial lusitana da civilização europeia” (RIBEIRO, 1996, p. 29).
Neste primeiro momento estamos em condições de retirar duas
primeiras conclusões. A primeira é de que ser civilizado, segundo os
padrões europeus da época e quem sabe ainda da contemporaneida-

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de, não signiica que tenhamos atingido um grau de inteligência que
lhes permita entender as diferenças culturais, e, consequentemente,
demonstrar um respeito pelos povos nativos. A segunda é de que a
Amazônia, desde sempre, se reveste numa relação, na maioria das ve-
zes conlitantes, entre sociedade e natureza. Resulta como desaio o
desenvolvimento de uma relação dialógica entre sociedade e nature-
za, natureza e sociedade. Contudo, estas observações são comumen-
te aceites, mas existem autores que, pontualmente, apresentam ou-
tras versões.
A problemática da relação entre o homem e a natureza encontra
várias discussões, mas, como fundamento ao desaio questionado, o
ilósofo Rousseau defende que a civilização e a sociedade são um ele-
mento que corrompem a relação entre o homem e a natureza, car-
regando as suas atitudes de vaidade e de orgulho. Ainda acrescenta
que o homem no seu estado primitivo é mais feliz, uma vez que vive
e consegue satisfazer as suas necessidades sem precisar incorrer em
grandes sacrifícios, o que faz com que não se submeta a estados de
angustia, desenvolvendo uma sociabilidade saudável e desprovida de
más intencionalidades ao se relacionar com os demais.
Em 1639, o jesuíta António Ruiz de Montoya, em O tesouro da lín-
gua Guarany, faz referência à expressão indígena “Tekó” e assinala
que esta palavra signiica “bem viver”. Uma mostra do conhecimen-
to indígena, através do vocabulário, de que são conhecedores da im-
portância de encontrar a felicidade respeitando a natureza e estan-
do em harmonia com ela. Na contemporaneidade é usual encontrar
discursos de apelo à vida em harmonia entre natureza e os seres que
nela habitam, no entanto, na prática, os resultados das nossas cidades
mostram o quanto as práticas estão longe do discurso.
O poeta e dramaturgo José Ribamar Mitoso, numa obra de contos
cujo tema central é a pós globalização, na voz de um dos seus perso-
nagens, vela uma crítica aos efeitos da globalização na indústria cul-
tural. No diálogo das personagens, ao encontrarem-se casualmente

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numa ila de supermercado, uma senhora expressa que não reconhe-
ce a condição de artista a quem não tenha sido entrevistado no pro-
grama do “Jô soares”, e o diálogo desenvolve-se onde “Ele disse que a
senhora é uma destas novas personagens sociais formatadas pela in-
dústria cultural. Embora rica e bonita, a senhora teve o gosto defor-
mado para consumir o produto e não a arte. Ele disse que a senho-
ra não gosta da arte. Gosta do artefato. Não compra o estilo. Compra a
mercadoria” (MITOSO, 2010)
Este conto sintetiza, a realidade tanto da indústria cultural como
grande parte dos processos socioambientais da Amazônia na atuali-
dade. Compramos uma idéia de natureza, de preservação, e, com fa-
cilidade, assumimos no nosso vocabulário a palavra sustentabilida-
de, mas com um sentido muito diverso da palavra indígena “Tekó”.
Mais de 300 anos se passaram desde a data de apropriação dos colo-
nizadores sobre a região e observamos que as lógicas adjacentes ao
modelo de desenvolvimento da Amazônia em pouco sofreram trans-
formações, uma vez que continuamos a assistir a um esgotamen-
to desmedido dos seus recursos. Precisamos entender que, à medida
que o tempo avança, as marcas sobre o território e as gentes da Ama-
zônia serão irreversíveis, desaiando a “Amazônia a encontrar, rapida-
mente, a forma e a fórmula de usar adequadamente os seus recursos
naturais renováveis e o saber tradicional dos seus povos para substi-
tuir [...] o modelo insustentável que hoje preside...” (FONSECA, 2011,
p. 426).
A crítica formulada, na parte inicial deste texto, sobre o modo de
relacionamento dos colonizadores às populações indígenas, não são
um caso isolado, ou um modo de atuação especíica de uma civiliza-
ção, ao incorrer num processo de “conquista de território”, mas qua-
se uma teoria geral de atuação por parte dos colonizadores. Segundo
Bhabha (1994), os indivíduos sujeitos a algum modo de colonização
vivem sob “um estado de tradução”. Uma parte signiicativa dos co-
nhecimentos cientíicos e culturais necessários para a sobrevivência,

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nessa nova condição (BASTOS e PINTO, 2016), são provenientes de
outros países mais avançados, mas também, contemporaneamente,
muitos desses indivíduos são deslocados dos seus países de origem e
vão viver na condição de migrantes ou exilados (BHABHA, 1994).
Uma observação atenta sobre o processo de colonização do nor-
te de África, aponta o modo de como esses povos eram desconsidera-
dos por parte dos colonizadores. A atribuição de diversos adjetivos re-
dutores e inferiorizadores aos povos dominados era comum por parte
dos europeus, considerando-os como “os outros”, que pela sua condi-
ção de “bárbaros”, deveriam ser “submetidos, dominados, instruídos
pelo colonizador. Aquelas identidades foram esquecidas a partir do
momento que se esgotou cada um dos domínios coloniais: foi ‘reti-
rada como se recolhe um tapete depois da festas’” (BASTOS e PINTO,
2016, p. I apud ORTEGA Y GASSET, 1985, P.1074).
Segundo Costa (2016), a Amazônia, ao longo dos tempos, tem pas-
sado por diversas ações que levam a cabo desvendar os seus mistérios
e interpretá-los. Os resultados dessas ações desenvolveram sentimen-
tos de “cobiça humana” e estimularam “projetos megalomaníacos”
que se propunham como empreendimentos salvadores da condição
de abandono e isolamento em que a região se encontra, resultando
daí prejuízos incalculáveis na diversidade cultural, natural e, prin-
cipalmente, humana. Como refere o autor - “é o espaço do primiti-
vo, que amedronta e atrai. Atraiu naturalistas, viajantes, aventurei-
ros visionários [...] é uma terra ainda desconhecida dos brasileiros”
(p. 91-2).
Esta atração dos estrangeiros, referenciada pela Prof. Selda Costa,
fez com que tenhamos vários relatos da região onde são descritas si-
tuações de convívio social, as condições físicas das cidades, elemen-
tos da fauna e lora. Embora estas narrativas aconteçam a partir de
um olhar exógeno à região amazônica, constituem-se o principal ele-
mento para conhecermos melhor os primórdios deste grande projeto
internacional que se designou Amazônia. Conhecer e compreender

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a Amazônia signiica apreender a complexidade dos processos, des-
viando-se de processos reducionistas ou disjuntivos.

A AMAZÔNIA NA CIDADE
Escrever sobre a Amazônia, seja no campo da história, da ilosoia,
da arquitetura, do urbanismo, ou sob o viés de outra ciência, é par-
tir de pressupostos criados através de um olhar dos estrangeiros, por
conseguinte uma construção que agrega resquícios das mais diver-
sas origens, e que o seu resultado oscila em termos de profundidade
das descrições. Para muitos autores, a presença estrangeira na Ama-
zônia, principalmente a Portuguesa e Espanhola, muito mais contri-
buiu para desagregar a cultura indígena, pela desconstrução das suas
práticas e a imposição de novas, do que propriamente para estudar e
descrever a Amazônia com uma intenção de entendê-la e explicá-la
a partir de si. Estudando Djalma Batista, em Complexo da Amazônia,
acerca da airmação portuguesa o autor coloca:

Os portugueses se airmaram, a partir de 1616 [...] O conlito entre a cul-


tura que chegava e a tradicional, dos senhores da terra era inevitável. O
equilíbrio ecológico existente começou também a se romper, [...] Para o
índio, os resultados desse choque foram sumamente graves: houve mu-
dança dos métodos de trabalho e dos hábitos alimentares; a imposição de
novas crenças (...) além de modiicações profundas na estrutura familiar
(BATISTA, 2007, p. 55).

Loureiro, em referência à Amazônia e às suas gentes, fala que se


construíram as bases para o desenvolvimento de um processo dis-
criminatório em natureza da sua essência e especiicidades. “Nela se
originaram concepções estigmatizadoras da cultura de origem cabo-
cla, vista como inferior, primitiva e “folclórica”, tendo o folclore, nesse
caso, o sentido rebaixado de cultura primária, supericial e puramen-
te lúdica” (2015, p. 93).

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Da leitura de diversos autores, não ica totalmente deinido, que
houvesse uma intenção mitigadoras dos portugueses sobre as pes-
soas. Uma maioria de autores fazem referência a tal, mas mesmo as-
sim, encontramos autores com afirmações que relatam políticas
portuguesas cujo objetivo, apesar de consistir na ocupação “física e
humana do território”, também de algum modo apresentavam preo-
cupações de “estreitamento de relações entre o indígena e o bran-
co. As ações passam pela possibilidade de casamento “inter-racial” e
àqueles portugueses que casassem com as “índias” eram-lhes conce-
didas terras, apetrechos para a sua manutenção e entrada nas funções
públicas” . Além destas modificações introduzidas pelas políticas
pombalinas que objetivavam a diminuição dos “preconceitos e dis-
criminações” sobre os indígenas, ainda é estimulado o convívio entre
os brancos e os índios nos aldeamentos, através da inserção do bran-
co (GALVÃO, 1976) (ARAÚJO, 1998).

“VIAJANTES DA AMAZÔNIA”: RELATORES DE CIDADES E SUA GENTE.


Em várias passagens deste ensaio encontramos referências aos via-
jantes. Pessoas na sua maioria com formação acadêmica e oriunda da
europa, desenvolveram expedições à Amazônia, com interesses vá-
rios, e que foram construindo uma obra marcada por registros do que
iam encontrando ao longo das suas viagens. A obra é signiicativa, a
qualidade é variável em função dos temas e dos autores. A regulari-
dade destes relatos – do séc. XV ao séc. XIX – permitem-nos ter o co-
nhecimento de como eram as gentes, a fauna, a lora, os aldeamen-
tos e cidades, da região Amazônica. Um contributo importante para
o desenvolvimento dos estudos amazônicos da contemporaneidade.
A obra destes protagonistas é vasta, e, por estranho que pareça, por
razões político-administrativas, algumas ainda não se conhecem na
totalidade. Algumas destas obras encontram-se em países estrangei-
ros, motivo do “viajante-investigador” ter a sua origem nessa região
ou pelo fato da expedição ter sido inanciada a interesse desse país.

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Por isso algumas obras ainda estão por publicar e traduzir. Não se pre-
tende fazer uma explanação da obra de cada um dos viajantes mas
desenvolver um quadro cronológico, consequência de referências en-
contradas em autores que, com suporte nestes relatos, desenvolvem e
produzem conhecimento na região.
Como nos mostra José Aldemir Oliveira, em O Pensamento geo-
gráico sobre a Amazônia dos Viajantes, ao descrever esses protago-
nistas, toma critério a descrição dos “principais” no tempo do Séc.
XIX. Assim, segundo Oliveira (2016): 1) “Spix e Martius – Johann
Baptist von Spix (1781-1826) Karl Friedrich Philip Von Martius (1794-
1868)” com viagem à Amazônia entre 1810 a 1820; 2) Alfred Russel
Wallace (1823-1913) com passagem pela a Amazônia entre (1848-
1852); 3) Henry Walter Bates (1825-1892), com estada pela Amazônia
em 1848, em conjunto com o Alfred Wallace; 4) Laurent Saint-Cri-
cq conhecido por Paul Marcoy (1815-1888) desenvolve a sua viagem
pela Amazônia em 1847; 5) Luiz Agassiz (1807-1873) viaja pela a Ama-
zônia entre 1865 e 1866; 6) Robert Avé Lallemant (1812-1844) e esteve
pela a Amazônia em 1859.
Altino Berthier Brasil, em Os desbravadores do rio Amazonas, de-
senvolve o seu espectro de análise a um período de cinco séculos – XV
a XIX – dos quais resume os comandantes das principais viagens pela
Amazônia.

Vicent Yañez Pinzón (1499-1500), Diego de Lepe (1499-1500), Gonçalo


Pizarro e Francisco Orellana (1541-2), Pedro de Ursua e Lope de Aguirre
(1560-1), Francisco Fernandes e padres espanhóis (1616), Pedro Teixeira
(1637-9), Pedro Teixeira – regresso (1639), Antônio Raposo Tavares (1647),
Samuel Fritz (1689), Charles-Marie de la Condamine (1743), Madame Go-
din (1769-70), Von Martius e Von Spix (1819-20), Johannes von Netterer
(1836), Henry Walter Bates (1848), Richard Spruce (1849-64), Jean Louis
Rodolphe Agassiz (1865), Fred Hessel e Lizzie Mathys Hessel (1896) (FON-
SECA, 2011 apud BERTHIER BRASIL, 1996).

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Como se observa da relação apresentada acerca dos viajantes na
Amazônia, existiu um intenso movimento de indivíduos com obje-
tivos de estudo e exploração. Consequentemente, uma signiicati-
va quantidade de material produzido sobre a região e do seu povo. É
nosso objetivo, em trabalho posterior, estudar mais autores onde se-
jam elencados os viajantes, e produzir uma síntese que produza uma
linha do tempo do viajantes, fazendo referências aos autores e princi-
pais contribuições.

A CIDADE NA AMAZÔNIA
O estudo dos fenômenos que ocorrem no meio urbano tem como pal-
co uma dimensão física que se designa por Cidade, e esta, pode ser
classiicada de diversos modos, consoante fazemos uma avaliação em
termos de dimensão, económica, costumes, grau de desenvolvimen-
to, etc. Assim, num primeiro momento, para entender o conceito de-
senvolvemos uma descrição do processo de surgimento das cidades
até chegarmos às várias perspectivas, segundo os autores apresenta-
dos, do conceito de cidade. Ao pensar, inicialmente, a estrutura deste
ensaio era nossa pretensão concluir este trabalho fazendo uma carac-
terização das cidades da Amazônia, mas duas situações limitaram a
nossa intenção: a dimensão do ensaio e o prazo para a sua conclusão.
Historicamente, os primórdios do fenómeno urbano surgem há
cerca de 10.000 anos, quando os habitantes da faixa temperada conse-
guem produzir os seus alimentos através do cultivo de plantas e pela
criação de animais. Assistimos a uma organização e ixação, o que re-
sulta no surgimento das primeiras aldeias.
Esta transformação, que ocorre ao im de aproximadamente qua-
tro milhões de anos de evolução da raça humana, assinala a mudança
do caçador-recolector, com características de nomadismo, para uma
sociedade sedentária com a intenção de produzir biomassa almejan-
do a sua sobrevivência. Um dos primeiros exemplos que podem ser
apontados destas condições são as cidades que surgiram no crescen-

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te fértil, oriundas das primeiras aldeias. Existe um estímulo para que
os produtores gerem um excedente de produção, com o objetivo de
manter uma população especializada em alguns segmentos: sacerdo-
tes, artesãos, guerreiros.
Em consequência desta organização social surge a escrita e inicia-
-se a civilização. Assim, a cidade – sede de autoridade – deriva da al-
deia, mas não é apenas uma aldeia que cresceu. A formação acontece
quando as “indústrias” e os serviços são executados por pessoas dis-
tintas às que cultivam a terra, mantidas pelo excedente de produção.
A geograia humana faz referência ao caráter de “urbanidade” de um
núcleo populacional e à predominância do setor terciário na sua com-
posição. Uma abordagem desenvolvida com ênfase na Europa. Como
terá ocorrido este processo de formação de cidades na Amazônia?
Lencioni (2008), ao abordar os conceitos de cidade e de urbano
destaca a diiculdade das pessoas entenderem o conceito de urbano,
enquanto o de cidade é evidente para todas. Apesar dessa clareza so-
bre “cidade”, é um conceito que sofre diversas mudanças na sua cons-
tituição, ou seja, o objeto que a constitui assumiu características mui-
to diversas e contraditórias ao longo do tempo. As cidades tomaram
diversas feições na sua forma e conteúdos, sem que isso, em algum
momento tenha alterado a sua designação cidade. Contudo, apesar
de manter a designação principal, ganhou tipiicações, que podem
ser observadas nas descrições de Wirth.
Lencioni, com base em diversos autores vai construindo uma nar-
rativa, da qual retiramos as principais características que são aponta-
das como tipiicadoras dessa categoria: a) a necessidade de comple-
mentar o conceito de cidade a alguma categoria – cidade medieval,
cidade grega, cidade turística, cidade portuária, etc – para objetivar
o conceito; b) acrescenta, com referência a Norberto Elias, mais um
exemplo de adjetivação de cidades, tais como: cidades satélites, cida-
de verticalizada, cidade horizontal, cidade moderna, cidade adminis-
trativa, etc – sem que mesmo assim consigamos entender as suas ca-

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racterísticas por completo. Assim, Lencioni, acrescenta que apesar
das diversas tipiicações que o conceito de cidade pode assumir “A ci-
dade, não importando sua dimensão ou características, é um produto
social que se insere no âmbito da ‘relação do homem com o meio’ [...]
não signiica dizer, todavia, que estabelecida essa relação tenhamos
cidades” (LENCIONI, 2008, p. 115).
Além das características já apresentadas a autora ainda refere,
para a designação conceitual de cidade, a “aglomeração de homens
e de habitações” com caráter “duradouro”. Pode a população se ocu-
par com atividades agrícolas sem que isso comprometa a essência do
conceito, assim como o número de habitante também não é determi-
nante. Ao concluir, a autora vai fazer um enquadramento do concei-
to da cidade no Brasil, caracterizando-a como um processo que nas-
ce do povoado.
Lencioni, ao se referir às várias características que vinha desenvol-
vendo para conceituar cidades, apesar de serem diversos, ainda as-
sim, são “insuicientes, pois um simples exemplo mostra a necessi-
dade de se buscar novos elementos para a apreensão da essência do
conteúdo do objeto a se conceituar, pois se assim não fosse estaría-
mos considerando muitas aldeias de índios do Brasil como cidade”
(LENCIONI, 2008, p. 115).
É importante referir, observando a colocação feita, de que “acei-
ta-se hoje a tese da existência antiga de cidades, ou de determinados
ajuntamentos citadinos, no espaço amazônico, atualmente brasileiro”
(RISÉRIO, 2013, p. 13).
Acrescentamos ainda a referência ao estudo “Arqueologia Amazô-
nica”, autoria de Anna Curtenius Roosevelt, que, se para uns a Ama-
zônia é vista como um lugar de vazio humano e de desenvolvimen-
to cultural. Para outros, é observada como um “ambiente rico para a
adaptação humana e fonte de inovação da cultura pré-histórica” (RI-
SÉRIO, 2013, p. 13). Assim, contrapondo ao desenvolvimento de Len-
cioni, é importante falar e compreender as sociedades indígenas que

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possuíam características complexas e imensos aglomerados urbanos:
os “cacicados complexos”. Risério, a respeito destes cacicados, faz re-
ferência a David Sweet e ao seu estudo “A Rich Realm of Nature Des-
troyed: the Middle Amazon Valley, apontando a permanência desses
assentamentos. Aquelas sociedades, diz, tiveram ‘um alto nível de de-
senvolvimento político-social, com integração hierárquica de suas
populações de cerca de 10 mil pessoas ou mais, ou seja, populações
permanentes do tamanho de cidades” (RISÉRIO, 2013, p. 17). No en-
tanto, todas estas estruturas se perderam no período dos inais do séc.
XVI ao início do séc. XVIII fruto do processo de conquistas sobre o ter-
ritório da atual Amazônia.
Como doutorando de um programa de pós-graduação em socie-
dade e cultura da Amazônia, e arquiteto e urbanista, partilho da opi-
nião de Antônio Risério no sentido de que existe uma hesitação a apli-
car o conceito de cidade às populações indígenas, e, principalmente,
aos “aglomerados” localizados na Amazônia. Devemos desconstruir
o conceito de cidade “ocidental”, observando que não foi no Ociden-
te que as cidades tiveram a sua origem. A dúvida permanece sobre o
conceito de cidade.
A narrativa de Antonio Risério, que por sua vez, toma por base o
trabalho de Anna Curtenius Roosevelt, é de uma clareza e conteúdo
notável. Um trabalho com vários pontos de desenvolvimento para
pesquisas futuras. Assim, partindo desta problemática levantada so-
bre a descrição e processo de surgimento das primeiras cidades, ob-
servamos determinadas características apresentadas e que podem
encontrar paralelo com alguns autores clássicos.
Segundo Weber (1999), a cidade pode ser deinida de modos muito
diversos tendo em comum um ponto essencial: consistir num assen-
tamento fechado. A par desta característica, este assentamento deve-
ria ser de dimensões que houvesse a falta de conhecimento pessoal
mútuo dos seus habitantes. Fazendo um paralelo entre os primórdios
do conceito e Max Weber encontramos mais pontos comuns na con-

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ceituação da cidade, sob o ponto de vista econômico, onde argumen-
ta que “Se se tenta deinir a cidade do ponto de vista puramente eco-
nômico, seria um povoado cujos habitantes, em sua grande maioria,
não vivem do produto da agricultura, mas sim da indústria ou do co-
mércio” (WEBER, 1999, p.409).
Pirene (1973), ao fazer uma descrição do conceito de cidade, nos
tempos da idade média, também levanta como característica princi-
pal o fato da população subsistir em função do exercício de funções
comerciais e industriais. Característica iniciada na formação das ci-
dades no crescente fértil e comum na descrição de Weber e de Pirene.
Outra característica elencada por Pirene (1973 p. 49) consiste numa
organização municipal que possa dar resposta a diversas demandas
da população, nomeadamente “A celebração do culto, o arranjo dos
mercados, as assembleias políticas e judiciárias, ixam necessaria-
mente a indicação de locais destinados a receber os homens que que-
rem ou que devem participar nesses actos...”.
A característica de aglomerado também está presente na concei-
tualização de cidade de Henri Pirene, sendo uma das características
principais por se tratar de cidade medieval. Esta se coninava sob a
forma de arranjos quadrangulares ou circulares, cercados por baluar-
tes e protegidos por fosso. Assistimos a um formato de cidade aglome-
rada, semelhante às posições dos autores anteriores, mas aqui pela
contingência temporal esse modo de aglomerado era adensado e li-
mitado isicamente. Contudo, apesar da especiicidade das condições
de vida da idade média, em termos conceituais encontramos pontos
comuns sobre as características conceituais de cidade.
Mumford (1998) apresenta uma tese de que a cidade dos mortos é
a precursora, do surgimento da cidade dos vivos. Ainda enquanto o
homem paleolítico se mantinha em mudanças de território, os mor-
tos teriam sido os primeiros a ter uma morada permanente. O autor
faz referência à Caverna como elemento de ocupação do homem pré-
-histórico, uma leitura da Caverna como arquétipo de cidade. Em ter-

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mos comparativos da deinição deste autor com os descritos anterior-
mente destacamos, como elemento de caracterização de cidade, a
função comercial que esta possuía. Segundo Mumford,

Assim, antes mesmo que a cidade seja um lugar de residência ixa, come-
ça como um ponto de encontro (grifo nosso) onde periodicamente as
pessoas voltam: o ímã precede o recipiente, e essa faculdade de atrair os
não residentes para o intercurso e estímulo espiritual, não menos do que
para o comércio, continua sendo um dos critérios essenciais da cidade,
testemunho do seu dinamismo inerente, em oposição à forma da aldeia
mais ixa e contida em si mesma, hostil e forasteiro (1998, p. 16).

Wirth (1967), ao tentar deinir cidade procura levar em conta na


sua deinição todos os elementos que se constituem em um só lugar,
mas também elaborar uma diferenciação quanto aos tipos de cida-
de: industrial, mineração, comercial, universitária, sub-urbana, etc.
Wirth (1967, p. 96) defende que a cidade não é apenas um fenômeno
físico mas um modo de vida, um núcleo relativamente grande, denso
e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos”. Com base na
sua deinição elabora uma teoria do urbanismo e desenvolve um con-
junto de premissas que só fazem sentido quando aplicadas em con-
junto: número, densidade e heterogeneidade1. “Essa deinição é inte-
ressante na medida em que associa intimamente os seus elementos
constitutivos. O número de habitantes, se tomado isoladamente, não
faz sentido, mas quando associado à densidade, conduz à ideia da he-
terogeneidade, uma vez que “é de se esperar que a amplitude de dife-
renças cresça proporcionalmente à quantidade” (p. 98).
Mais uma vez, Wirth (1967), e os outros autores, apresentam pon-
tos comuns nas características da formulação conceitual de cidade.

1. A heterogeneidade procede da divisão do trabalho e da consequente especialização, mas também


do recrutamento de sua população em diferentes cidades ou países (ANDRADE, 201?, p.3).

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Evidente, o conceito de especialização, que nos primórdios foi esti-
mulado pelo uso do excedente de produção para dinamizar diversas
proissões e que se mantém ao longo das diversas caracterizações de
diferentes autores.
Cabe ressaltar que Wirth, Simmel – autor que serve de base a de-
senvolvimento de teorias feitas por Wirth – e Weber, são autores que
desenvolvem as suas teorias de cidade com a característica comum
de integrarem a dimensão física e a dimensão social da cidade, “uma
determinada forma de associação” com especiicidades de vivência
“um modo distinto de vida dos agrupamentos humanos” (VELHO,
1987, p. 92).
Entendemos da deinição anterior que a cidade para além da par-
te física contempla um outro elemento que a constitui, isto é, a vivên-
cia desse espaço físico, o modo de vida, em suma: o Urbano. Lefebvre
desenvolve o conceito de Urbano, o qual, segundo o autor, distingue-
-se do conceito de cidade, assim:

O urbano se distingue da cidade precisamente porque ele aparece e se


manifesta no curso da explosão da cidade, mas ele permite reconsiderar
e mesmo compreender certos aspectos dela que passaram despercebidos
durante muito tempo: a centralidade, o espaço como lugar de encontro, a
monumentalidade, etc. (p. 84). (...) trata-se, antes, de uma forma, a do en-
contro e da reunião de todos os elementos da vida social, desde os frutos
da terra (...) até os símbolos e as obras ditas culturais. (...) Enquanto for-
ma, o urbano tem um nome: é a simultaneidade. (...) A forma urbana as-
sim revelada é uma abstração, porém concreta (LEFEBVRE apud SOUZA,
2013, p. ).

Assim, compreendendo as especiicidades dos dois conceitos, ci-


dade e urbano, Lefebvre acrescenta um outro: o espaço urbano, de-
inindo-o segundo uma dimensão dual de forma e conteúdo. Carac-
teriza-se ainda, de acordo com o autor, como o lugar “de encontro”

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permitindo a reunião, não só de pessoas, mas também das relações
que se desenvolvem no dia a dia.
Segundo Trindade JR. (2012), a abordagem feita por Lefebvre pos-
sibilita o entendimento de duas noções que, embora sejam frequente-
mente associadas, apresentam sentidos diversos: a cidade e o urbano.
A cidade caracteriza-se por uma realidade prático-sensível, ou seja,
uma morfologia material, o urbano constitui-se por relações sociais e
modos de vida, entenda-se, morfologia social. Ambos, a cidade e o ur-
bano, coexistem socialmente resultando na necessidade de serem en-
tendidos de modo complementar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Amazônia, estudada e explorada desde tempos antigos, é marcada
na contemporaneidade por uma quantidade signiicativa de estudos
acerca de si. Foram vários autores e diversas disciplinas que produzi-
ram estudos, e ainda produzem, sobre os mais variados temas apesar
das questões ligadas ao imaginário e à natureza serem uma constante.
Não criticamos a temática, mas sim, a constante reiicação da condi-
ção ribeirinha, cabocla, étnica e estática. Como se essa condição fosse
sinônimo de rejeição ao conceito de “evolução eurocêntrica”.
Não entender a cultura Amazônica e objetivar conhecer e inter-
pretar as cidades e o urbano da região resultará, sem qualquer dúvi-
da, numa leitura distorcida. A falta de sensibilidade para tal fato terá
como consequência, o repasse de informações que na maior parte
das vezes vêem repetir as intenções e os erros dos colonizadores e dos
viajantes. Prova disso, na contemporaneidade, é o desconhecimento
que se tem da Amazônia, mesmo dentro do próprio brasil. A falta de
entendimento e conhecimento de muitos curiosos sobre a região leva
a que seja alimentada a questão da imagética, da iccionalidade e de
todas as questões selváticas.
Problematizado alguns pontos da Amazônia, desenvolvemos um
caminho de análise teórica sobre os conceitos de cidade e de urbano.

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Assim, o conhecimento preciso de cada conceito permitirá a produ-
ção de estudos desenvolvendo técnicas adequadas às especiicidades
de cada um. Se, por um lado, a cidade lida com questões morfológi-
cas do espaço, com a materialidade, propriamente dita. Por outro, o
urbano, aborda questões relacionadas ao modo de vida que se desen-
volvem nesse espaço morfológico, a cidade. Assim, o conhecimento
destes dois conceitos - cidade e espaço urbano - conduz-nos a um ter-
ceiro que engloba ambos: o espaço urbano.
Assim, conhecer o espaço urbano na Amazônia, é partir à desco-
berta de um arcabouço teórico sobre a região, o qual através de di-
ferentes técnicas, objetivará uma leitura da morfologia material e de
uma morfologia social. Contudo, sempre conscientes de que estamos
tratando de espaços e gentes que possuem história, vivências, cren-
ças. Em suma, uma cultura que para quem se propõe falar de Amazô-
nia deve conhecer e respeitar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, R. M. As cidades da Amazônia no século XVIII. Porto: FAU publica-
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11
POLÍTICAS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA
BRASILEIRA: A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE
ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO EM RONDÔNIA
E SEUS EFEITOS NO TERRITÓRIO LOCAL1
Luciana Riça Mourão Borges

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo principal apresentar uma breve aná-
lise sobre a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) no estado de Rondônia, localizado na Amazônia brasileira, e a
construção de obras de infraestrutura energética e logística, as quais
culminaram em grandes efeitos territoriais na localidade. Entre as
principais obras, estão as hidrelétricas do Madeira, Jirau e Santo An-
tônio, e a reforma e ampliação de trechos das BRs 364 e 319. Além da
amplitude de tais obras, elas também foram e têm sido responsáveis
pela criação de uma reconiguração territorial em Rondônia, reestru-
turando relações sociais, econômicas e políticas, além de criar novos
circuitos produtivos, novas cadeias de produção, normas locais di-
ferenciadas em função desses novos objetos inseridos nesse espaço
geográico.
O PAC originalmente surgiu através da Lei Nº. 11.578 de 26 de no-
vembro de 2007 que “[...] dispõe sobre a transferência obrigatória de
recursos inanceiros para a execução pelos Estados, Distrito Federal

1. O conteúdo deste capítulo é parte dos estudos realizados durante o curso de mestrado em Geogra-
ia Humana, intitulado Políticas Territoriais na Fronteira: O Programa de Aceleração do Cresci-
mento e as transformações em Rondônia no início do séc. XXI. Cf. Borges (2012).

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e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento –
PAC [...] nos exercícios de 2007 e 2008” (BRASIL, 2007), sendo inse-
rido no orçamento do Plano Plurianual do ano seguinte (PPA 2008-
2011), no qual consta que “[...] As ações do Programa de Aceleração
do Crescimento – PAC constantes do Plano Plurianual 2008-2011 inte-
gram as prioridades da Administração Pública Federal, e terão trata-
mento diferenciado durante o período de execução do Plano, na for-
ma do disposto nesta Lei” (BRASIL, 2008).
Trazemos a este estudo a principal hipótese de que, embora um
dos objetivos do PAC seja o da redução das desigualdades econômi-
cas e socioterritoriais entre as macrorregiões brasileiras, o mesmo re-
força determinados padrões de desenvolvimento econômico que ge-
ram danos à sociedade e aos territórios locais. Outra hipótese aqui
adotada, é a de que esse programa consiste na continuidade dos pro-
gramas, planos e projetos desenvolvimentistas de governos anteriores
que, ao se inserirem no contexto amazônico, reproduzem, também,
padrões conservadores de desenvolvimento, tal qual observado du-
rante o período de ditadura civil-militar no Brasil, por exemplo, quan-
do diversas grandes obras e megaempreendimentos passaram a ser a
realidade dessa região (tais como hidrelétricas, rodovias, projetos de
mineração, pontes e portos).
Desse modo, o PAC surge no segundo mandato do Governo Lula
(2007-2010) e perdura até o momento presente, já estando na sua se-
gunda fase, iniciada no Governo Dilma Roussef (2011-2014). Opta-
mos por estudar esse Programa por estarem sendo implantados no
estado projetos de grande impacto e expressão econômica, política e
territorial em toda a região amazônica e, em especíico, no estado de
Rondônia.
Em relação à hipótese aqui trabalhada acerca da sucessão de pla-
nos e programas governamentais, observamos ao longo de nossa pes-
quisa que, dos projetos que pertencem ao PAC hoje, diversos foram
planejados ou iniciados em programas anteriores, como o Avança

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Brasil, do Governo Fernando Henrique. É o caso do gasoduto Urucu-
-Porto Velho ainda está em fase de estudos e implantação, bem como
há recursos para a BR-364 que foi duplicada apenas recentemente, e
ainda se encontra com sérios problemas estruturais em sua constru-
ção. De todos eles, o que foi concluído e permanece com intensa uti-
lização e eicácia é a Hidrovia do Madeira. A saber, atualmente alguns
dos projetos em voga já foram concluídos.
Mello (2006, p. 275) explica que

[A] política territorial federal abandona as estratégias anteriores de con-


centração de ações, meios, instrumentos e recursos em pólos (sic) – pa-
radigma orientador dos planos e programas governamentais de toda a
década de 70 e início dos anos 80 – passando a adotar o território como
palco e ator do processo. Desta maneira, a nova estratégia concentra in-
vestimentos e atividades em grandes corredores (os Eixos), e o territó-
rio passa a ser visto como rede, equipado em função dos luxos de bens
e serviços; e as estratégias visam a transformar regiões e algumas parce-
las locais mais dinâmicas em espaços competitivos, integrando-as aos
mercados nacional e internacional. Essa nova estratégia dirige a ação e
induz os investimentos econômicos nas redes escolhidas. Essas novas
formas de apropriação e de organização da fronteira econômica consti-
tuem-se numa nova regionalização nacional. E, depende para sua con-
cretização, do poder de indução dos investimentos nacionais sobre as
dinâmicas regionais.

Adiante, apresentaremos alguns de nossos resultados e uma bre-


ve discussão acerca do estudo realizado. Consideramos ser o PAC um
dos programas de mais larga envergadura implantados no estado de
Rondônia, modiicando sua coniguração territorial e as relações so-
ciais e políticas locais. Dada a abrangência tanto do objeto quanto
do próprio estudo, optamos por realizar recortes analíticos para este
capítulo.

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A NOVA CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL EM RONDÔNIA: EFEITOS PRÉVIOS, DIRETOS
E INDIRETOS DAS OBRAS DO PAC
Conforme mencionado, o PAC foi criado no segundo mandato do Go-
verno Lula, de 2007 a 2010. Esse programa articula o conjunto das
obras atuais de Rondônia (Quadro 01), nas categorias de Logística e
Energia:

Quadro 01: Principais obras de infraestrutura (logística e energia) em Rondônia no período entre 2007 e 2010*

Principais Logística Energia


obras de in- - Pavimentação da BR-429 (entre Alvorada D’Oeste e São Miguel do - Complexo Hidrelétrico do
fraestrutura Guaporé, com pavimentação e construção de pontes) Madeira (Usina de Santo Antô-
projetadas nio e Usina de Jirau)
- Terminal hidroviário do Cai n’Água – Porto Velho
pelo PAC
- Pavimentação e ampliação da BR-319 com uma ponte sobre o rio - Linhas de Transmissão do
Madeira Complexo Hidrelétrico do Ma-
deira (Interligações e subes-
- Ponte sobre o rio Candeias (estruturação da BR-364)
tações)
- Construção de viadutos em Porto Velho (estruturação da BR-364)
- Usina Hidrelétrica Rondon II
- Ferrovia de integração Centro-Oeste (de Uruaçu/GO a Vilhena/RO)
- Gasoduto de Urucu-Por-
to Velho

Algumas - Pavimentação da BR-429 - Pequenas Centrais Hidrelé-


obras de in- - Estrada Interoceânica (saída para o Pacíico) tricas
fraestrutura
- Pavimentação de Rodovias Vicinais e Estaduais
fora do PAC
em Rondô- - Novo Complexo Portuário
nia - Construção de três novos centros comerciais (Shopping Centers* -
um concluído e outro em fase de construção, na capital, e outro em
Vilhena, interior)
- Construção de viadutos*
- Instalação da Indústria de Cimentos Votorantim*
* Consistem em novos equipamentos urbanos que indicam a modernização territorial
em Rondônia, e, consequentemente, surgiram pelo crescimento da demanda por
padrão de consumo, aumento demográico e aumento da frota de veículos.

Fonte: Brasil (2010); Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Social de Rondônia (SEDES);


Departamento de Estradas e Rodagem de Rondônia (DER); Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), disponível em http://www.pac.gov.br/, acesso em 02 de fevereiro de 2017.

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Observamos que essas obras produzem uma nova coniguração
territorial alicerçada na instalação de empresas tais como Cargill,
Hermasa e Votorantin, que iniciou no im da década de 1990 e início
da de 2000 no caso das duas primeiras, e no período mais recente, no
caso da última, e que resulta, porém, na otimização do escoamento da
produção pela hidrovia do Madeira à jusante, na implantação das hi-
drelétricas do Madeira, na pavimentação e duplicação de rodovias (al-
gumas delas estaduais, antes praticamente intransitáveis em alguns
trechos nos períodos chuvosos). A implantação dessas redes de circu-
lação visa à diminuição dos custos de transporte dos produtos advin-
dos, além do próprio estado, das demais regiões brasileiras, além da
geração de energia elétrica para exportação (SILVA, 2005, 2010).
Antigamente, havia em Rondônia uma predominância de ativida-
des de subsistência, com a agricultura familiar, bem como uma pro-
dução agrícola em média escala, mais voltada para a pecuária e ati-
vidades madeireiras. Atualmente, percebemos uma dinâmica da
indústria do agronegócio ou do agrorondoniense (SILVA, 2005, 2010),
com o ganho de grande expressão no mercado regional, nacional e
externo em termos de produção e investimentos de diversas cor-
porações, além do incremento dos setores da construção civil e de
comércio.
Podemos notar que Rondônia tem se dinamizado territorialmen-
te e desenvolvido economicamente, considerando, assim, não ape-
nas a grande produção em si. Há também seu aumento populacional,
inserção de diversas atividades econômicas, assim como o crescen-
te número de obras de infraestrutura atreladas a uma logística de re-
des territoriais, sendo esses alguns dos principais indicadores do que
estamos observando como novas dinâmicas territoriais. Porém, mes-
mo com todo o almejado desenvolvimento econômico pelo capitalis-
mo corporativo e estatal, não foi e não tem sido totalmente benéico
para alguns segmentos de classe, populações locais, camponeses, ri-
beirinhos, populações da periferia urbana, indígenas e quilombolas.

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Alterações na paisagem são também decorrentes dos luxos mi-
gratórios, podendo haver o inchaço populacional tanto nos pequenos
aglomerados, como a intensiicação das atividades agropecuárias e
madeireiras, causando grandes pressões ao meio ambiente e às áreas
destinadas à preservação, como unidades de conservação (NUNES,
2004; CAVALCANTE, 2008).
De acordo com Mello,

A análise do vetor infraestrutura e suas consequencias têm como ponto


de partida os itinerários traçados, as obras previstas, os tipos de transpor-
tes que foram projetados e suas áreas de inluência. Os primeiros nexos se
sobressaem, em especial, entre os locais de agricultura moderna e instala-
ções das grandes empresas de produção e/ou transformações desses pro-
dutos, e as grandes extensões plantadas (2006, p. 311).

Tais investimentos na região poderão impulsionar alguns setores já


existentes, entre eles madeireiro e agropecuário, potencializando maio-
res conlitos sociais com pequenos produtores, indígenas, quilombolas
e as diretrizes ambientais estabelecidas pelo Zoneamento Sócio Econô-
mico Ecológico de Rondônia (ZSEE-RO), por possíveis transgressões de
limites de áreas protegidas ou regulamentadas oicialmente.
Entendemos a materialização de todos os novos empreendimen-
tos enquanto um processo no qual, sobretudo, os novos empresários
se tornam os agentes responsáveis pela reconiguração do território,
em vista da nova dinâmica de atividades e de novos conlitos, além
da intensiicação daqueles já existentes. Tratam-se das usinas hidrelé-
tricas, uma na cachoeira de Santo Antônio, próxima à vila de mesmo
nome, localizadas na cidade de Porto Velho, e outra entre os distri-
tos de Jacy-Paraná e Mutum-Paraná, pelos consórcios Santo Antônio
Energia e Energia Sustentável do Brasil, respectivamente.
Ambas proporcionaram, antes mesmo de terem suas obras inicia-
das, uma grande movimentação local como o aumento gradativo da

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população, dinâmica e especulação imobiliária nas áreas de entorno,
conlitos ideológicos e territoriais, investimentos em infraestrutura e
outras situações (CAVALCANTE, 2008).
É possível veriicar nesse processo que as ideias que se projetam
não convergem com o desenvolvimento social das populações locais,
ou mesmo com a preocupação referente às questões ecológicas. Os
empreendedores, ao se referirem às políticas de compensação am-
biental e social e o porte dos empreendimentos, apresentam diver-
sas alternativas para mitigarem os danos ambientais. Porém, isso não
acontece. Ao mesmo tempo em que se mostram capazes de colocar
em seus projetos grandes investimentos e infraestrutura para conter
e reverter danos socioambientais acarretados, isso não é colocado em
prática de fato. Um claro exemplo está nos projetos implantados ante-
riormente para a Amazônia e para Rondônia, especiicamente.
Três exemplos estão na mortandade de toneladas de peixes na
obra da usina de Santo Antônio2 (SEVÁ FILHO, GARZON e NÓBRE-
GA, 2011, p. 61), no “desbarrancamento”3 das margens aonde es-
tão alocadas comunidades ribeirinhas, ocorrido após a abertura das
comportas da hidrelétrica de Santo Antônio4, e no crescimento ur-
bano desordenado do distrito de Jacy-Paraná com o consequente au-
mento dos problemas sociais (ZAGALLO e LISBOA, 2011).

2. Cerca de onze toneladas de peixes morreram no lago de Santo Antônio entre 2008 e 2009, na cons-
trução da ensecadeira da usina. A autuação é de 19/01/2009, através do processo 1.31.000.000054/2009-
90 do Ministério Público Federal (ZAGALLO e LISBOA, 2011, p. 35). Houve também a emissão pelo Mi-
nistério Público de Rondônia e o Ministério Público Federal do Termo de Ajustamento de Conduta
– Usina Hidrelétrica Santo Antônio, pelo Inquérito Civil Público Nº. 1.31.000.000054/2009-90, em que
“[...] a Santo Antônio concorda com a celebração deste Termo de Ajustamento de Conduta, mas não
reconhece qualquer culpa ou responsabilidade pelos eventos discutidos neste inquérito civil público
[...]” e “[...] a empresa se compromete a apresentar um projeto de reposição de 150.000 (cento e cin-
quenta mil) peixes, bem como o cronograma de execução, no prazo de 6 (seis) meses, a contar des-
ta data [...]”.
3. Denominação dada ao fenômeno de intensa erosão que ocorre nas margens dos rios devido ao lu-
xo de água.
4. Para essa informação, cf. goo.gl/0KVy8R e goo.gl/L2uAhe, acesso em 04 de fevereiro de 2017.

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Em 2009, o consórcio construtor da usina de Jirau recebeu tam-
bém duas multas consecutivas, em menos de quinze dias, sendo a
primeira de R$475 mil por desmatamento não licenciado e a segunda
de R$950 mil por construção de barramento (ensecadeira) no rio sem
a licença ambiental (BORGES, 2012).
Consideramos nessa discussão a questão dos efeitos territoriais
que serão causados pela implantação dos barramentos, entre os quais
estão: área de inluência dos sedimentos, diminuição da população
de peixes, impactos nos territórios de países vizinhos, a remobiliza-
ção de detritos e resíduos sólidos do fundo do rio, a remobilização de
mercúrio, proliferação de doenças (entre elas a malária), explosão de-
mográica e conlitos por uso e posse de propriedades, a perda da bio-
diversidade faunística (IBAMA, 2007).

Figura 01: Crescimento urbano desordenado no distrito de Jacy-Paraná

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

Dentro dos projetos de construção, notamos os alagamentos ge-


rados pela elevação no nível do rio provocados pela implantação das
barragens, além das estruturas viárias atingidas. Se considerarmos a
BR-364 e as pequenas estradas vicinais, ou os ramais próximos, ha-
verá um grande impacto, pois um trecho de aproximadamente 30km
será atingido. Este trecho está em obras de elevação de seu nível e a
área que o lago alcançará, equivalente ao que antes era a vila de Mu-
tum-Paraná, está em processo de desmatamento e desapropriação de

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seus antigos moradores.Com a implantação das hidrelétricas, essa di-
nâmica tem sido interferida onde o rio, ao término das obras, estará
sempre no nível de cheia, modiicando diretamente a rotina das pes-
soas que ali vivem tanto com suas atividades econômicas ou lazer,
quanto, como dito anteriormente, da população que já tem sido re-
movida de sua área (BORGES, 2012).
Serão alagadas áreas de entorno de proteção ambiental e áreas de
proteção permanente, gerando outro conlito ambiental e de gestão
territorial, visto ser contraditório com o que está posto no Zoneamen-
to de Rondônia (Lei 233/2000) e no Código Florestal, Lei nº. 4.771, de
15 de setembro de 1965, instituído pelo Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), e ratiicado pela Resolução Nº. 369, de 28 de
março de 2006, o qual dispõe sobre a proteção das APP’s, que devem
ser preservadas integralmente, com exceção de empreendimentos re-
lacionados à captação de água e de ins ambientais, como parques ur-
banos. Nesse sentido, héry (2005, p. 37-38) alerta:

Uma maneira simples de abordar uma reavaliação da situação da Amazô-


nia é começar por medir, por meio de vários indicadores territoriais e so-
ciais, o que ela representa no conjunto nacional. Uma seleção de tais in-
dicadores, de várias ordens [...], mostra a clara defasagem existente entre
a superfície ocupada pela Amazônia – mais da metade do país – e o seu
peso econômico e social, bem menor: se ela representa 60% da superfí-
cie do Brasil, seu PIB não passa de 5%; ela reúne apenas 10% da popula-
ção urbana, 12% da população total e um pouco mais – 14% – dos migran-
tes recentes, das estradas, do número de municípios. O único indicador,
pouco invejável, para o qual a Amazônia supera a sua cota de território,
é o número de mortos em conlitos fundiários. […] Porém, a Amazônia
está mudando, principalmente através dos impactos desencadeados pela
abertura das rodovias que permitiram, a partir dos anos de 1960, a chega-
da de migrantes vindos de outras regiões e, com ela, vários tipos de efei-
tos, alguns claramente positivos, outros nem tanto. A construção dessas

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rodovias – mas, também, a melhoria das hidrovias e das redes de teleco-
municações – está mudando profundamente a situação da Amazônia,
econômica e estrategicamente: apesar de todos os seus atrasos, ela pode
achar nessa mudança novo ímpeto.

Esses são alguns apontamentos sobre a construção de obras nes-


se momento de boom econômico pelo qual passa o estado de Rondô-
nia. Nesse sentido, caracterizar a nova coniguração territorial implica
entender os pontos-chave do território, onde surge um objeto ixo re-
sultante da materialização de um projeto e dos interesses que o envol-
vem, bem como seus potenciais conlitos.
Observamos que a logística empregada nesse território a partir de
uma infraestrutura que atende ao mercado mais restrito da agroindús-
tria gera transformações em todos os setores da economia, bem como
envolve os mais diversos sujeitos e agentes (políticos e econômicos).
Ao abordar no início desse estudo as questões relacionadas ao
território, à fronteira amazônica, à sua história e à transformação no
tempo, consideramos ser evidente que o estado, sobretudo na cidade
de Porto Velho, passa novamente pelo período de intensa movimen-
tação de pessoas, de capital e instituições carregando consigo o am-
plo discurso do desenvolvimento econômico e territorial. Estabelece-
-se um desenvolvimento que visa o lucro, pela expansão massiva do
Estado (este enquanto promotor das vias necessárias à instalação do
capital empresarial) com suas instituições aliadas às grandes corpora-
ções empresariais que determinam as novas regras e normas no terri-
tório – este já, por si mesmo, como produto dessas inúmeras e inten-
sas relações políticas de poder.
Há um contraponto ao airmarmos que há uma presença estatal
forte em um sistema político de caráter neoliberal, em que se tem um
domínio intenso do capital econômico e inanceiro – executado por
empresas e grandes corporações privadas – determinando as ações
no lugar de uma ação efetiva e dominante do Estado.

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Porém, em alguns pontos em que poderíamos nos questionar se o
Estado está ausente, trazemos a hipótese de que não; na realidade há
uma presença estatal extremamente fortalecida, porém, amplamente
direcionada por esse capital. Partimos para essa hipótese quando da
tensão dialética existente entre Estado e Capital internacional, num
vínculo e uma mediação mútua, que também caracteriza um controle
do território para atender à demanda de poder institucionalizado em
grandes corporações capitalistas.
David Harvey nos ajuda a compreender essas questões, embora se
referindo a um contexto mais abrangente, exempliicando de outra
forma, dizendo que

(...) um Estado político pode na verdade dedicar-se a criar dentro de si mes-


mo uma eicaz e dinâmica economia regional ao capturar sistematicamente
os processos moleculares de acumulação do capital no tempo e no espaço.
Como bem se sabe hoje, é provável que um clima de negócios atraente cons-
titua um pólo (sic) de atração de luxos de capital, razão pela qual os Estados
se desdobram para aumentar seus próprios poderes mediante a criação de
paraísos para o investimento de capital. Assim agindo, usam (...) os poderes
de monopólio inerentes ao espaço para tentar oferecer privilégios monopo-
listas a quem quer que possa deles tirar proveito (HARVEY, 2011, p. 92).

Esses processos ocorrem simultaneamente de forma multiescalar.


Assim, os fenômenos locais decorrem dos globais, e o Brasil se insere
na macroeconomia global com investimentos locais derivados dessa
relação dialética entre Estado, território e Capital.
Analisando tais processos, percebemos que há um conjunto de
ações vinculadas entre o público e o privado, tendo, a exemplo, o
meio termo igurado em instituições tais como a Fiero, a Fecomércio,
entre outras. A seguir, a Figura 02 nos mostra duas dessas grandes em-
presas inseridas nesse contexto, para justamente atender à demanda
de construção civil ora estabelecida.

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Figura 02: Indústrias de construção civil instaladas em Porto Velho-RO

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

Vemos em Rondônia inúmeras transformações territoriais, quase


imediatas, mais efetivas a partir de 2005, quando os rumores de que
Rondônia, e especiicamente Porto Velho, iriam se tornar um “can-
teiro de obras”, que começaram a se materializar inicialmente em lei-
lões, contratos, licenças, audiências públicas, bem como na chegada
de migrantes do Sudeste brasileiro, efetivando a instalação de novas
empresas na cidade.
Algumas abordagens guiam este estudo, uma vez que considera-
mos o território constituído e produzido por relações de poder mate-
rializadas ou não no território (SOUZA, 2011), onde podemos ter nes-
sa inluência conceitual a visualização dos fenômenos que ocorrem
em Rondônia. Considerando o que implicam tais obras para o desen-
volvimento local, Pereira nos explica que

(...) a ideia de desenvolvimento e de modernidade que comumente se


instala a partir da presença destes novos vetores no território (...) [e] as as-
pirações veiculadas pela mídia no trabalho nada difícil de legitimação dos
projetos das grandes empresas, já confere uma legitimidade a priori dos

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lugares considerados “atrasados” ou “marginais”. O que ocorre neste caso,
com a entrega dos recursos territoriais aos projetos das grandes empre-
sas, ou mesmo a tomada do lugar/território como recurso pelas mesmas,
é (...) o que (...) [denominamos] de “efeito modernizador”, visto que (...)
os lugares lucrariam com o simples fato da instalação destas novas em-
presas e das novas infraestruturas territoriais que normalmente as acom-
panham. (...) Esta renovação do conteúdo material do território confere
aos lugares a emergência do (...) “efeito modernizador”. (...) seria todo o
conteúdo territorial (objetos e ações) que se impõe como novo, e que, ga-
nhando localmente um caráter de proeminência em relação aos demais,
acaba por centralizar toda a atenção e ação dos agentes públicos (grifos
do autor) (2006, p. 66).

Nesse sentido, a coniguração territorial, com base nos estudos do


geógrafo Milton Santos, é explicada por Steinberguer como sendo

[...] o resultado dessa produção histórica de espaço e desse uso do ter-


ritório. É a sua expressão material. Envolve o território e o conjunto de
objetos geográicos existentes sobre ele. É a totalização perfeita, acabada
e congelada em um determinado momento histórico. Difere do espaço,
como totalização em movimento, que reúne essa materialidade e a vida
que a anima, por ser dotado de inércia dinâmica. Portanto, a conigura-
ção territorial e espaço fazem parte de um processo de totalização único
que se realiza por meio de frações do território usado e frações do espa-
ço. A diiculdade em perceber a relação espaço-território está na diiculda-
de de reconhecer esse processo. Não existe espaço sem território nem terri-
tório sem espaço. Isso não quer dizer que um venha antes e o outro depois
– são simultâneos. O que os une é o processo de totalização (grifos da auto-
ra) (2006, p. 61-62).

Essa noção corrobora com o que estamos aludindo por conigura-


ção territorial em nosso estudo, porém não no seu sentido único. Ao

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adotarmos esse conceito, entendemos que sua explicação se refere a
um fenômeno. Mas, ao retomarmos o conceito empiricamente, veri-
icamos o surgimento de várias conigurações territoriais no decorrer
do tempo e na transformação do espaço.
Com isso, voltamos às políticas territoriais recentes que possuem o
amparo do capital privado de forma mais incisiva, por meio de gran-
des empresas do ramo industrial e comercial. Ao revisar as políticas
territoriais com seus projetos de infraestrutura recentes, a partir do
governo Fernando Henrique, vemos que a até então dita “colonização
recente”5 das décadas de 1970 e 1980 já se transforma em um momen-
to histórico anterior, e que a coniguração territorial de hoje se cons-
truiu a partir de intervenções de fatos recentes.

O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO EM RONDÔNIA


Uma vez que se estabelece um programa composto de projetos que
são executados por agentes nacionais, cujos objetivos são em ma-
croescala, ou seja, fazer no local para atender ao nacional, surgem de-
terminados benefícios. Porém surgem os efeitos majoritariamente
negativos também. As premissas do PAC, por si só, já explicam as me-
didas para a instalação e execução de suas obras em Rondônia da for-
ma como foram iniciadas, ou “a qualquer custo”. Não houve um plane-
jamento urbano que atendesse às necessidades básicas de condições
de recebimento de migrantes, novas empresas, novos automóveis, no-
vos micro e médios empreendimentos. E mesmo que houvesse, a ca-
racterística do modelo desenvolvimentista continuaria atendendo às
classes dominantes.
Observamos, assim, o aumento da violência urbana, dos conlitos
e congestionamentos no trânsito dentro das cidades, o aumento do
preço dos imóveis e de outras mercadorias, a falta de atenção àque-

5. Expressão utilizada por historiadores e geógrafos em geral, tais como Caio Prado Jr. e Bertha
Becker, além de intelectuais e pesquisadores locais, para se referirem à colonização das décadas de
1970 e 1980.

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les atingidos diretamente por essas obras. A denominada Travessia de
Porto Velho, composta por viadutos, que poderiam ser o sinônimo de
uma modernização e melhora na qualidade do trânsito local, esteve
com suas obras paralisadas até o ano de 2012, sendo um dos projetos
do PAC desde 2009, caracterizando um verdadeiro transtorno à popu-
lação local (BORGES, 2012).
Pereira airma serem

(...) os lugares (...) eleitos como verdadeiros recursos pelas grandes em-
presas, porque eles contêm os meios para auxiliar e mesmo efetivar as
suas ações, os seus interesses. Assim, as grandes empresas, antes de ins-
talar-se, acirram diferentes localidades e empreendem esforços para que,
aquele lugar que fora inalmente eleito para a instalação, lhe conceda
uma série de incentivos que nada mais são do que recursos disponíveis
no território. No Brasil atual, estes recursos territoriais entregues às gran-
des empresas se apresentam na forma de isenção total ou parcial de im-
postos, doação de terrenos e demais infraestruturas territoriais (facilida-
des de acesso e de distribuição do que é produzido, informação, etc.), sem
contar as condições de mão-de-obra barata encontradas praticamente
em todo o território nacional (grifo do autor) (2006, p. 65).

Essa passagem reforça a ideia de que o PAC prioriza as instituições


privadas na agenda governamental e emprega milhares de operários
em condições de trabalho voltadas para a conclusão mais acelerada
possível das obras, subvertendo amplamente o que deveria ser o mo-
tor da real diminuição dos desequilíbrios regionais. O PAC não exer-
ce essa função.
Dando um enfoque maior para nosso objeto de estudo, centrali-
zaremos na análise das obras especíicas para Rondônia bem como
em suas características. O estado se enquadra no conjunto de obras
exclusivas do programa, além de obras regionais englobadas nos in-
vestimentos dentro da parceria público-privada. O montante inves-

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tido até 2010 foi em torno de R$ 17,3 bilhões, e, somando todo o valor,
constitui aproximadamente R$ 33,5 bilhões6 (BRASIL, 2009, p. 3), con-
forme pode ser observado no Quadro 02:

Quadro 02: Investimentos do PAC para Rondônia no período de 2007-2010

Eixo 2007-2010*
Empreendimentos exclusivos (em mi- Empreendimentos de caráter regional
lhões) (em milhões)
Logística 579,3 179,9
Energética 11.831,5 512,9
Social e Urbana** 1.727,3 -
Total 14.677,1 710,8
* O quadro do documento original possui também a previsão para o pós-2010. Nesse caso, recortamos
apenas para 2007-2010 devido ser esse período pertencente ao nosso recorte temporal de pesquisa.

** Incluímos apenas neste item os recursos destinados ao eixo Infraestrutura Social e


Urbana, pois o número total no documento original engloba seu valor referente.

Fonte: Brasil (2010, p. 3). Organizado por Luciana Riça Mourão Borges.

Considerando o valor investido estimado após o ano de 2010, ob-


servamos o seguinte: a) logística: R$ 24 milhões para empreendimen-
tos exclusivos e R$ 225,7 milhões para empreendimentos regionais; b)
energética: R$ 12,9 bilhões para os empreendimentos exclusivos e R$
6,9 bilhões para empreendimentos regionais. Somando todos os va-
lores, teremos algo em torno de R$ 1,02 bilhão para Logística e R$ 32,2
bilhões para Energética (BRASIL, 2010, p. 3).
As estratégias dos investimentos especíicos para Rondônia são: “a)
Ampliar a infraestrutura logística existente [...]; b) Expandir o acesso
luvial beneiciando o transporte de passageiros e de cargas, ao longo
de todo o ano, com maior segurança e eiciência: Terminal hidroviá-

6. Esse valor é estimado devido aos reajustes tanto para mais quanto para menos realizados durante
o período de vigência do PAC-1. O mesmo valor inclui não somente os eixos “Logística e a Energética”,
mas também os investimentos para Social e Urbana.

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rio”, sendo que para a primeira, o intuito é o de “i) Melhorar as con-
dições de interligação de Rondônia com os demais estados do Nor-
te do país, reduzindo os custos de transporte de cargas: ponte sobre o
Rio Madeira, BR-364, BR-429, BR-319; ii) Apoiar a mobilidade urbana
e redução do trânsito em cidades [...] (BRASIL, 2009, p. 4). Na Figura
03 a seguir, veriicamos algumas dessas obras em uma representação
cartográica de Rondônia, apresentada na própria publicação do PAC,
em forma de material de divulgação:

Figura 03: Conjunto de obras do PAC em Rondônia

Fonte: Retirado de Brasil (2010, p. 4).


Organizado por Luciana Riça Mourão Borges.

Conforme já mencionamos anteriormente, Santo Antônio e Ji-


rau pertencem a um conjunto de várias obras. E poderemos observar
através de imagens e iguras que Rondônia tem se transformado am-
plamente, a partir de projetos que reconiguram, destroem e recons-
troem o território.

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ALGUMAS OBRAS E SEUS EFEITOS NO TERRITÓRIO
Em Rondônia, as rodovias são a principal via de transporte e escoa-
mento de produtos, tanto locais quanto de exportação de outros es-
tados, como pudemos verificar anteriormente. No atual contexto,
existem rodovias em construção, pavimentação, recuperação ou du-
plicação. São projetos nas três esferas administrativas, sendo as fede-
rais e estaduais as de maior relevância em termos de comunicação
entre os municípios.
A rodovia BR-429 consiste num eixo interligado à BR-364, até a re-
gião de Costa Marques-RO, próximo ao Vale do Guaporé e também
fronteira com a Bolívia, totalizando 385,9km de extensão. Trata-se de
uma rodovia inicialmente aberta para o escoamento da produção dos
pequenos e grandes proprietários existentes na região, mas também
constitui uma área de inúmeros conlitos territoriais de propriedades
rurais, terra indígena ou de áreas protegidas.
Suas componentes relacionadas ao PAC são os trechos entre os
municípios de Alvorada D’Oeste-RO e São Miguel do Guaporé-RO,
com a pavimentação e também construção de pontes. Além de pas-
sar próxima a unidades de conservação, também passa por terras in-
dígenas, como a dos Puruborá, que ainda não possui demarcação7.
É também uma região de corredores ecológicos, conforme a legisla-
ção ambiental e o Zoneamento de Rondônia. Os maiores conlitos
são com madeireiros e pecuaristas ao Norte e sojeiros ao Sul, embo-
ra essas atividades sejam realizadas em várias partes do território ron-
doniense.
As áreas indígenas afetadas pela estrada são: Tupari, Aruá, Macu-
rap, Jabuti, Canoé, Skirabiá, Aricapu, Migueleno, Puruborá, Jurueí,
Rio Branco, Uru-Eu-Wau-Wau e Uruparaquara. Entre esses, alguns
são isolados e outros ainda não foram reconhecidos. As unidades de

7. Sobre esse assunto, cf. “Asfaltamento da BR-429 não está cumprindo compensações ambien-
tais”, disponível em http://migre.me/w0cZC. Acesso em 25 de janeiro de 2017.

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conservação atingidas são principalmente o Parque Nacional de Pa-
caás Novos e a Reserva Biológica do Guaporé. Além disso, há sítios ar-
queológicos, nascentes e aluentes de rios importantes da bacia ama-
zônica, além de áreas de proteção permanente (tais como as matas
ciliares), riscos de erosões e assoreamentos8. Também possuem inú-
meras pequenas centrais hidrelétricas particulares, muitas do grupo
Cassol9.
A BR-364, conforme já mencionado anteriormente, faz parte do
conjunto de projetos abarcados pelo PAC, com apenas algumas de
suas obras. Há a recuperação ou ampliação de diversos trechos em
sua extensão de aproximadamente 1.090km10 que abrange o estado de
Rondônia (entre os estados do Acre e Mato Grosso), onde alguns tam-
bém pertencem ao Governo estadual.
Alguns trechos compreendem áreas próximas às usinas do Ma-
deira, mas há também projetos de travessias, viadutos, pontes e co-
nexões hidroviárias em áreas que correspondem à grande produção
agropecuária, onde temos os municípios de Ji-Paraná, por exemplo,
com a exportação de leite bovino, ou de Vilhena, que produz soja. Já
em Abunã, há a extensão da Interoceânica, rodovia que liga o Brasil
ao oceano Pacíico. No caso das rodovias vicinais, como as BRs 429,
421 e 425, essas possuem bastante importância não somente para os
grandes produtores, mas para os pequenos também. No entanto, cru-
zam áreas protegidas, territórios indígenas e quilombolas gerando di-
versos conlitos.

8. Sobre esse assunto cf. http://migre.me/w0d1h. Acesso em 25 de janeiro de 2017.


9. Cf. http://www.grupocassolenergia.com.br/. Acesso em 25 de janeiro de 2017.
10. Fonte: Malha viária executada entre o Centro Técnico e Operacional de Porto Velho (unidade
do Sipam), Unidade Estadual do Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística (UE/IBGE/RO), Supe-
rintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/RO), Depar-
tamento Estadual de Estradas e Rodagens (DER) e Secretaria Estadual de Planejamento (Seplan) de
Rondônia.

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Figura 04: Placas do Governo com informações sobre obras na BR-364 em Rondônia

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

Dentro dos projetos do PAC, temos também uma ponte na BR-364,


localizada no município de Candeias do Jamari, vizinha a Porto Velho,
sentido Cuiabá-MT. Concluída recentemente, possui importância re-
gional, uma vez que o luxo de automóveis e caminhões no trecho é
intenso, principalmente pela demanda das exportações. Foi construí-
da sobre o rio de mesmo nome da cidade que a abrange e possui 211m
de extensão.

Figura 05: Ponte sobre o rio Candeias em Rondônia

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

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Os viadutos de Porto Velho, inclusos no projeto da travessia da BR-
364 (o projeto original possui seis) nas duas principais saídas/entra-
das da cidade (sentido Acre e sentido Mato Grosso) tiveram início em
2009 e permaneceram paralisadas por cerca de três anos11. No seu en-
torno, o trânsito foi completamente modiicado, gerando transtor-
no aos condutores, criando intensos congestionamentos, acidentes e
causando grandes prejuízos à população.

Figura 06: Construção de viadutos em Porto Velho-RO

Descrição: Ambas as fotograias mostram os viadutos em construção e a


travessia da BR-364 na saída de Porto Velho sentido Cuiabá-MT.

Além de existirem questões técnicas e políticas que envolvem a cons-


trução desses empreendimentos, veriicamos o surgimento de uma de-
manda que interfere, por exemplo, no luxo de automóveis, sobretu-
do de caminhões e o transporte de grãos, sendo Porto Velho o ponto de
chegada e também o ponto de partida para os grandes importadores
desses produtos.
Assim, a lógica complexa estabelecida no território é reletida nos
fenômenos que observamos com o surgimento imediato de tantas

11. Cf. “ELEFANTES BRANCOS - Conheça a verdade no caso dos Viadutos de Porto Velho, uma
trama milionária”, disponível em http://migre.me/w0drM, e “Obras de viadutos com verba do PAC
estão atrasadas em Porto Velho”, disponível em http://migre.me/w0dsd. Acesso em 23 de janeiro
de 2017.

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obras, das problemáticas de sua não conclusão (devido aos interesses
dos agentes políticos – e econômicos – envolvidos no processo), bem
como dos sujeitos sobre os quais os efeitos geram a inluência direta.
As localidades no entorno das duas cidades têm tido um aumen-
to populacional e uma expansão urbana nos últimos dez anos hipote-
ticamente relacionada à grande atração ocasionada pelos novos pro-
jetos e pela indústria da construção civil. Está sendo construído um
polo industrial entre Porto Velho e Candeias do Jamari em função das
usinas do Madeira, onde a usina de Santo Antônio aparece bastante
próxima dessa área.
Outra dinâmica intensa tem sido gerada a partir da construção da
ponte sobre o rio Madeira no eixo da BR-319 (cuja demanda existe em
função da exportação de grãos), e na pavimentação dessa rodovia que
viabilizará a ligação por via terrestre entre Rondônia e Amazonas.

Figura 07: Construção da ponte sobre o rio Madeira

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

A hidrelétrica de Santo Antônio está sendo construída na vila de mes-


mo nome, onde havia corredeiras anteriormente à sua construção, O lu-
gar se transformou em ponto turístico frequentado por moradores de Porto
Velho, de localidades próximas e turistas, principalmente por possuir uma
relação direta com o início da cidade de Porto Velho, quando da constru-
ção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Está a aproximadamente 7km

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do centro de Porto Velho12. A usina possui um investimento de aproxima-
damente R$15 bilhões, com recursos federais, empresariais e de bancos
públicos e privados. Está estimada a produção de 3.150,4 MW de energia,
que será transportada para o Centro-Sul do país para atender à deman-
da de consumo nessa região. Sua construção teve início no ano de 2008, e
quando estiver concluída terá uma área aproximada de 350km², inundan-
do aproximadamente 217km², incluindo o entorno da obra e localidades vi-
zinhas, como a vila de Santo Antônio, a cidade de Porto Velho e as comu-
nidades ribeirinhas ao redor. Será composta por 44 turbinas do tipo bulbo.
Alguns efeitos negativos sobre a população e o ambiente já podem
ser vistos a partir dessa obra. Embora o local que abrange a praça e
antiga estação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) tenha
sido reformado e seja um ponto turístico da cidade, está inserido en-
tre os projetos de compensação social do consórcio da usina de Santo
Antônio13. O estabelecimento, embora ainda esteja passando por re-
formas, encontra-se degradado, com antigos vagões e locomotivas e
mesmo seu museu em estado de deterioração14.

Figura 08: Obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio no rio Madeira

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

12. Cf. Santo Antônio Energia AS, disponível em http://www.santoantonioenergia.com.br. Acesso em 23


de janeiro de 2017.
13. Cf. http://www.santoantonioenergia.com.br. Acesso em 16 de janeiro de 2017.
14. Cf. Pinheiro e Silva (2010).

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Figura 09: Complexo da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no centro da cidade de Porto Velho

Descrição: A primeira fotograia contém a placa com detalhes da obra de restauração da


EFMM pelo consórcio construtor da usina de Santo Antônio. A segunda contém alguns entulhos
próximos aos galpões da EFMM, e ao fundo o rio Madeira com a obra de Santo Antônio.

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

A usina de Jirau15 está localizada no rio Madeira, próxima aos dis-


tritos de Jacy-Paraná e Mutum-Paraná. Após sua conclusão, terá a ca-
pacidade de 3.750 MW, com duas casas de força, sendo a primeira
com 28 turbinas e a segunda com 22, também do estilo bulbo, totali-
zando 50 turbinas. Um dos efeitos mais drásticos da usina de Jirau é a
remoção de todas as famílias residentes no distrito de Mutum-Paraná,
devido à elevação do nível do rio ocasionado pela barragem, culmi-
nando, assim, na submersão de vasta área da localidade.

15. As informações foram retiradas da página de internet oicial do consórcio Energia Sustentável do
Brasil: http://www.energiasustentaveldobrasil.com.br/. Acesso em 23 de janeiro de 2017.

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Figura 10: Obras em Mutum-Paraná

Descrição: A primeira fotograia se refere às obras na rodovia BR-364 para elevação de


seu nível, devido à alagação decorrente da usina de Jirau. A segunda corresponde a casas
derrubadas devido ao mesmo fenômeno de cheias constantes do rio Madeira.

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

Trata-se de uma região de fronteira em expansão, com perspecti-


vas de grande avanço do capital tanto da construção civil e energia,
quanto da agroindústria, onde este último se faz mais presente com
as expectativas de barateamento das exportações através do oceano
pacíico, uma vez que a rodovia Interoceânica já está pronta e, com a
construção de eclusas na usina de Jirau, a navegação via noroeste do
continente sul-americano também será possível.
Com a premissa do “desenvolvimento sustentável”, a empresa se-
gue construindo um grande empreendimento que, na teoria, se mos-
tra como um ganho para o local, um modelo de construção civil e de
aparelhos tecnológicos para ins de exportação de energia, em escala
nacional e global. Porém, consiste num dos empreendimentos mais
nocivos instalados na Amazônia nas últimas décadas. A assistência
e os ganhos da população local não existem, os altos índices de vio-
lência, prostituição e consumo de drogas (em especíico o crack)16

16. Sobre essas questões, o Ministério Público de Rondônia e o Ministério Público Federal elabora-
ram a Recomendação Conjunta Nº. 001/2011-GT, na qual se recomenda “(...) ao estado de Rondônia
e ao município de Porto Velho (...) que sejam implementadas, no Distrito de Jacy-Paraná, ações so-
ciais efetivas, notadamente para reduzir a alarmante prostituição e tráico de drogas, bem como nas

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se tornam frequentes em noticiários locais, eletrônicos ou impres-
sos, e há vários equívocos nos cálculos das elevações do nível do rio.
São prejudicados mais moradores que aqueles estimados pelos estu-
dos de impacto, além das condições de trabalho precárias frequente-
mente denunciadas pelos próprios operários e pela mídia local, es-
ses realizando greves consecutivas e manifestações mais intensas,
como a queima de cerca de 50 ônibus no ano de 2011 (ZAGALLO e
LISBOA, 2011).
Além dessas obras, ainda há o projeto da ferrovia de integração
Centro-Oeste (de Uruaçu-GO a Vilhena-RO). De acordo com
Santos e Silveira (2011, p. 63), o projeto “[...] nascido em ins dos
anos 80 e de iniciativa particular, era o da Ferrovia Leste-Oeste, que
ligaria Cuiabá a Santa Fé do Sul (SP) e, mais tarde, Cuiabá a Porto
Velho e Santarém”.
Visando escoar a soja, o milho e o arroz, esses tiveram seus des-
tinos deinidos após a implantação da hidrovia do Madeira e a rees-
truturação da BR-364 para esse im. Assim, o projeto icou paralisado,
sendo retomado com o PAC, porém com uma rota diferente, embora
ainda seja denominada a “Ferrovia da Soja” por agentes e produtores
locais. No trecho que abarca Rondônia, seu destino é até a cidade de
Vilhena. Porém, ainda está em fase de projetos e estudos em elabora-
ção, para um trecho de 1.602km entre Vilhena-RO e Uruaçu-GO (BRA-
SIL, 2010b, p. 71).
Também está em fase de construção, porém em ritmo bastante de-
sacelerado, o novo terminal portuário do Cai n’Água, que está previsto
para atender à navegação de passageiros pelo rio Madeira.

áreas de infra-estrutura urbana, especialmente na pavimentação e esgoto, educação, saúde e seguran-


ça pública”.

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Figura 11: Obras do terminal portuário do Cai n’Água em Porto Velho-RO

Fotografado por Luciana Riça Mourão Borges, em junho de 2011.

Vemos, dessa forma, que o conjunto de todas essas obras, algumas


em determinadas localidades mais distantes no estado, e a sua maio-
ria concentrada em um município de cerca de 400 mil habitantes ge-
ram efeitos nítidos na paisagem e no território. Ao veriicarmos o en-
cadeamento dessas construções, observamos o quanto suas áreas de
entorno se modiicam, e a atração de novos sujeitos e novos agentes
(econômicos e políticos) se torna mais intensa. Esse território se torna
um amplo campo de ação do Estado, do capital nacional e internacio-
nal para sua própria reprodução e de suas instituições corporativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Veriicamos no decorrer desse estudo que Rondônia passa por uma
nova coniguração territorial. Contudo, sabemos que se trata de um
processo longe de estar consolidado, frente aos acontecimentos diá-
rios dentro e fora da cidade de Porto Velho.
Em termos locais, há os impactos nas populações moradoras dos
lugares onde as obras se encontram. Populações que são beneiciadas
ou expulsas, que chegam para morar naquele espaço ou que ali per-
manecem, que transferem seu modo de vida à adaptação das novas
normas estabelecidas por um conjunto de empresas capitalistas me-
diadas pelo Estado.

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O impacto regional implica na constituição de redes que ressignii-
cam o território. Redes novas ou reutilizadas e reformadas. São redes
técnicas, sobretudo de circulação e de energia, mas atuam em con-
junto com uma rede política e econômica de trânsito de capital inan-
ceiro. São redes de bancos e de empresas que se beneiciam direta ou
indiretamente, além de setores da economia (agrário, comercial ou
industrial) que se potencializam com esses novos espaços.
Em âmbito federal, nacional, existe a instalação e execução de um
poder institucional muito forte assim como a integração de uma ma-
lha econômica bem mais ampla, dadas as justiicativas de demandas
nacionais para se criar um complexo energético de tamanha inten-
sidade. Isso também traz consigo um conjunto de novas vias e, con-
sequentemente, novas redes técnicas. Para a esfera nacional, são im-
pactos positivos do ponto de vista econômico, dentro de vários outros
aspectos. Para as corporações privadas ligadas ao Estado, criam-se
novas oportunidades de lucro e do sucesso na execução das obras, a
qualquer custo, preferencialmente o mais baixo.
O impacto local, embora pareça menor, certamente é o mais signi-
icativo, porque são populações, bairros, vilas ou cidades inteiras que
se desestruturam, como nos casos de Mutum-Paraná, Jacy-Paraná,
Santo Antônio, Cai N’Água, Triângulo e Baixada União, além de mui-
tos outros moradores na área de inluência (direta e indireta) das hi-
drelétricas, a exemplo.
Desse modo, observamos que os programas que se estabelecem
a partir de meados da década de 1990 até o atual PAC (desde 2007)
são repetições de projetos que já existiam, bem como continuações
de ideologias governamentais que, embora se aparentem moderniza-
das, permanecem com uma prática e um discurso desde governos do
século passado. Na cidade, estruturas sociais e culturais inteiras são
ressigniicadas, modiicadas. No campo, há uma intensa modiicação
da lógica das relações sociais, onde a função social da terra se trans-
forma em função econômica do capital. Na loresta, não se respeitam

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a cultura e os limites oiciais dos territórios (tais como os indígenas).
Assim entendemos que as intervenções estatais e empresariais no ter-
ritório redeinem relações sociais, estabelecem novas normas e no-
vas lógicas, e sobrepujando os lugares que ora pertenciam a essas po-
pulações.

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ma de Aceleração do Crescimento e as transformações em Rondônia no
início do séc. XXI. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-
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12
DEMOCRACIA, MILITARES E AMBIENTALISMO NO
BRASIL: O REDIMENSIONAMENTO DO BINÔMIO
SEGURANÇA/DESENVOLVIMENTO NO PÓS-DITADURA
Miguel Dhenin

INTRODUÇÃO
O interesse dos militares do Exército Brasileiro (EB) na Amazônia é
nítido por diversas razões. Um primeiro aspecto é a questão do lega-
do histórico luso-brasileiro na conquista territorial da região ama-
zônica. Esse trabalho de discriminação da fronteira, numa região de
difícil acesso, fez que o EB procurasse apresentar a empreitada com
uma tonalidade nacionalista evidente. Por isso, a região foi objeto de
grande preocupação pelos militares. De acordo com Castro e Souza, a
Amazônia é a região que merece atenção particular das Forças Arma-
das, pois “tem-se a percepção militar da existência de ameaças à so-
berania nacional decorrentes de uma “cobiça internacional” de paí-
ses mais ricos e poderosos sobre a Amazônia que poderia levar, no
limite, ao risco de sua internacionalização” (CASTRO e SOUZA, 2006,
p. 64-65).
A presença física de brasileiros na região está no cerne da lógica
militar: Marques explicava que no “cerne do ideário militar sobre a
defesa da Amazônia, reside a crença de que a soberania brasileira so-
bre a região pode ser garantida somente através de sua colonização”
(MARQUES, 2007, p. 47). Dessa forma, a presença dos pelotões espe-
ciais de fronteira forma a ponta do EB na Amazônia mantendo a pre-
sença de forma simbólica das Forças Armadas nas áreas mais afasta-

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das dos centros urbanos. De outro lado, uma das ameaças identiicada
pelos militares do EB é o “vazio demográico”, que foi vista como um
problema importante para sua segurança. Daí a necessidade para os
militares de “ocupar para não entregar”, lema que se manteve real par-
ticularmente durante o período do regime militar (1964-1985) como
ressaltado por Le Tourneau (2007). Essa lógica mantém uma pressão
sobre as populações indígenas, que foram consideradas como amea-
ça potencial à soberania brasileira na Amazônia. O artigo versa sobre
a presença do Exército na Amazônia após o inal da ditadura civil-mi-
litar. Com a perda de poder político decorrente da volta às casernas,
ocorreu no meio castrense uma transformação dos elementos sim-
bólicos que consolidou uma nova estrutura do Exército no pós-1985,
particularmente na região norte do país (CASTRO, 2002). A obses-
são pós-ditadura das fronteiras amazônicas icou evidenciada com as
narrativas e os discursos produzidos pelos militares durante esse pe-
ríodo. Em seguida, analisamos o Programa Calha Norte, enfatizando
particularmente o que ele representou para os militares do Exército
Brasileiro entre 1980 e 1990. Discutimos na quarta parte a importância
do processo de “transição democrática” para os militares, na busca de
um espaço na sociedade brasileira. Finalmente, concluímos o artigo
debatendo a preservação das áreas e o papel dos militares.

I - A QUESTÃO DA IDENTIDADE MILITAR NO PÓS-1985


Para abordar o tema da identidade castrense no pós-1985, o artigo
aborda a questão importante da relação entre civis e militares, parti-
cularmente no inal dos anos 1980. Queremos salientar a natureza da
tutela militar nos assuntos civis. Uma igura importante nesse proces-
so foi sem dúvida o então Ministro do Exército, general Leônidas Pires
Gonçalves1. O mesmo foi chamado pelo presidente da Câmara dos

1. Dados bibliográicos sobre o general Leônidas Pires Gonçalves são disponíveis no site do CPDOC/
FGV em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biograico/leonidas-pires-goncalves-1

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Deputados, Ulysses Guimarães, para conversar a respeito da estraté-
gia que precisava ser implementada:

Durante o processo de transição2 fez-se necessário reconciliar as forças


democráticas com as não democráticas. Portanto, o desafio estratégi-
co posto diante dos atores democráticos é o de chegar à democracia sem
ser exterminado no meio do caminho por aqueles que, na prática, detém
os meios de coerção. Diante dos altos riscos subjacentes ao processo de
transição, precisem-se três situações:
1) A transição chega ao seu inal quando os civis conseguem exitosamen-
te controlar democraticamente o comportamento político dos milita-
res, i.e., os militares passam a obedecer repetidamente aos comandos
civis e os enclaves autoritários de aparelho de Estado são abolidos;
2) A transição falha totalmente quando os militares ou civis golpeiam as
instituições democráticas ao derrotarem o grupo que procurava de-
mocratizar o país;
3) A transição não se completa nem é um fracasso rotundo. Em outras
palavras, os militares abandonaram o governo, mas continuam man-
tendo áreas autônomas de poder político (enclaves autoritários) à
margem de iscalização democrática”. (ZAVERUCHA, 1994, p.2-3)

Diante desses cenários apresentados por Zaverucha, lembra-


mos que é importante ressaltar o apoio ao Presidente Sarney (que foi
membro da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido político
que foi criado em 1965 com a inalidade de dar sustentação política
ao governo militar das três Forças Armadas a partir de 1985. Houve
um esforço no orçamento para aumentar os recursos, apesar da mani-

2. De acordo com o renomado cientista político Guillermo O’Donnell: “o processo de transição cons-
ta de duas etapas. A primeira ocorre quando um governo é democraticamente eleito e abre o caminho
para o início da segunda etapa: de um governo democraticamente eleito para um regime democráti-
co, ou seja, para uma democracia institucionalmente consolidada”. Portanto, uma democracia tutela-
da pode se manter por um longo tempo, desde que um retrocesso autoritário não ocorra ou um regi-
me democrático não seja instalado, segundo Zaverucha (ZAVERUCHA, 1994, nota de rodapé n. 20).

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festa crise econômica. O plano de reorganização militar estava divido
em três estágios (Força Terrestre-1990; Força Terrestre-2000 e Força
Terrestre-2015). Como assinala José Murilo de Carvalho: “essa reforma
tem um sabor político, porque não se limitou em defender o país de
ameaças externas mais efetivamente. Contemple também o papel in-
terno dos militares, com a criação, por exemplo de uma força aérea do
Exército” (CARVALHO, 1987, p.13).
No caso brasileiro, a transição foi marcada pelos líderes civis, que
adiaram propositadamente a eleição presidencial e o Congresso con-
cedeu um mandato de cinco anos para o presidente José Sarney – o
mais longo governo da história das transições de autoritarismo e o le-
gado das relações civil-militares deixado pelo regime militar foi pra-
ticamente intato pela Constituição de 1988. Talvez o autor que conse-
guiu sintetizar esse momento foi Zaverucha, quando explica o embate
entre líderes civis e castrenses no contexto brasileiro:

A democracia tutelada pode surgir seja porque os civis não são capazes
de suplantar o comportamento autônomo dos militares, seja porque os lí-
deres civis nem mesmo tentaram controlar os militares, tal como ocorreu
com José Sarney (ZAVERUCHA, 1994, p.12).

O estudo começa a partir de 1985, mas é importante lembrar o pro-


cesso que levou à chegada ao poder de José Sarney. Para Carvalho,
“o problema do intervencionismo militar só será resolvido se deixar
de ser problema militar ou civil para se tornar problema nacional”
(CARVALHO, 1987 p.5). O processo de transição foi conservador du-
rante o período José Sarney, que se mostrou preocupado com a for-
ma na qual os líderes militares participavam daquele momento. Dito
isso, podemos airmar que o aparato militar demorou para se afastar
das funções que controlava durante o regime de militar. De acordo
com José Murilo de Carvalho, com o advento da Nova República, qua-
se nada mudou:

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Os CODI-DOI começaram a ser desmobilizados em 1982, ainda no go-
verno dos generais, mas foram substituídos por subunidades operacio-
nais (SOP) que se envolveram em tentativas de minar a candidatura de
Tancredo Neves [...] No SNI nada foi formalmente mudado. As eventuais
mudanças deram-se por decisão do chefe do órgão que pode a qualquer
momento voltar atrás. Apesar de ser discutido o problema no início do go-
verno Sarney, especialmente através do Ministro Fernando Lyra, as DSI e
ASI continuam funcionando nos ministérios e nas estatais (CARVALHO,
1987, p.12).

Nenhuma iniciativa do Congresso ou dos Partidos foi apresenta-


da no sentido seja de extinguir, seja de modiicar, seja de controlar o
Sistema Nacional de Informações (SNI). No que diz respeito à políti-
ca de segurança, o cenário era basicamente similar e, segundo José
Murilo de Carvalho, pouco animador: “não consta que o Congresso
Nacional, através de suas comissões de Segurança Nacional, tenha
convocado ministros militares seja para discutir temas de segurança,
seja para propor modiicações no processo decisório na área” (CAR-
VALHO, 1987, p.12). Para garantir um protagonismo durante a tran-
sição, o exemplo claro naquela época, o projeto para a Calha Norte
(feito dentro do Conselho de Segurança Nacional sem qualquer au-
diência do Congresso) foi aprovado. O contexto externo das mudan-
ças ideológicas, com o im da Guerra Fria, acrescido no cenário inter-
no de consolidação democrática, exigiram das Forças Armadas uma
redeinição de seu papel político e das relações estabelecidas entre ci-
vis e militares. Após duas décadas de permanência no controle do po-
der político nacional, as Forças Armadas deveriam se adaptar a uma
necessária diminuição do seu protagonismo e constantes interven-
ções nas decisões. Entretanto, os militares permaneceram envolvidos
na política, o que confere ao período de redemocratização a intitula-
ção de transição “tutelada” ou “pactuada”. Esse conceito de “democra-
cia tutelada” foi trabalhado por Przeworski, citado por Santos:

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Prezeworski chama de “democracia tutelada”, ou seja, um regime no qual
os militares se desvencilham o exercício direto do governo, mas o fazem
em boa ordem e prontos para, a qualquer eventualidade, caírem sobre os
cidadãos que ameacem seus valores e ideias (SANTOS, 2007, p.172).

No bojo da discussão em torno da inluência e do poder dos mi-


litares durante a fase dos pós-regimes autoritários (ou de transição),
observamos duas correntes principais. Primeiro, na defesa da perda
de inluência dos militares na arena política, tese defendida por Wen-
dy Hunter (1997). Por outro lado, na tese contrária, das “prerrogativas
militares” com Jorge Zaverucha (2000). De acordo com Santos (2007),
o apoio de Sarney aos militares icou evidente, uma vez que obteve
grandes benefícios políticos, recebendo um auxílio precioso durante
todo o seu período do governo:

O processo de “transição pelo alto”, que ajudou a preservar as Forças Ar-


madas de um julgamento mais rigoroso pela sociedade, também garantiu
certa legitimidade aos militares, colocando-os, nas palavras do Ministro
da Marinha do governo Sarney, Almirante Henrique Saboia, como iado-
res daqueles processos de evolução democrática que estava acontecendo
(SANTOS, 2007, p.171 apud CASTRO, D’ARAUJO, 2001).

Além do quadro interno, os militares avaliavam que o risco tam-


bém era externo, em função da instabilidade regional decorrente do
processo político de luta contra a ameaça comunista, liderado pelos
EUA. Para tal, faz-se necessário abrir o leque dos problemas enfrenta-
do pelos militares durante aquele período. Duas questões aparecem
como tal: a questão da integridade territorial era central para os mili-
tares, cuja preocupação com as fronteiras icou quase obsessiva. Em
segundo lugar, num momento de consolidação da Nova República, a
questão da demarcação de terras indígenas na Amazônia ganhou im-
portância na véspera da Conferência ECO-92 da ONU.

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II - A OBSESSÃO PÓS-DITADURA DAS FRONTEIRAS AMAZÔNICAS
No período pós-ditatorial, houve a preocupação por parte do gover-
no brasileiro em assegurar as fronteiras do país. Isso se deve em gran-
de medida pelo risco, segundo os militares, da vulnerabilidade das
fronteiras brasileiras, principalmente durante o momento de transi-
ção. Portanto, o programa Calha Norte servia como resposta para res-
ponder às possíveis ameaças de desestabilização política da região do
Caribe, particularmente em função dos problemas ligados às dispu-
tas territoriais entre a Guiana e o a Venezuela (a questão do Essequi-
bo) e, contra a ameaça comunista, a natureza do regime estabelecido
na Guiana naquele período (LE TOURNEAU, 2007). Do ponto de vis-
ta externo, havia também uma preocupação com o processo de inde-
pendência de países vizinhos, como o Suriname, por exemplo. A luta
contra o narcotráico e a atitude belicosa das Forças Armadas Revo-
lucionárias da Colômbia – Exército Popular (FARC-EP), de inspira-
ção marxista, reforçava ainda mais a preocupação dos militares no
entorno estratégico setentrional. Por outro lado, a intervenção mili-
tar unilateral dos Estados Unidos em outubro de 1983, na ilha de Gra-
nada, fez com que a preocupação com o anticomunismo fosse mate-
rializada, naquele momento, justiicando o risco de “contaminação”
da ameaça para o resto do continente sul-americano. Segundo Urt
(2010), havia para os analistas um risco que a região icasse parte de
um movimento global de subversão comunista, capaz de se alastrar e
atingir não somente os países do Caribe, mas também países do platô
das guianas, como o Suriname e a Guiana:

Os Estados Unidos estavam preocupados nessa época com a dissemina-


ção de revoluções marxistas na América Central e no Caribe. A Revolu-
ção Sandinista logrou tomar o poder em 1979 na Nicarágua, reanimando o
movimento revolucionário também em El Salvador (ATKINS, 1999, p.309).

Já a Jamaica e Granada,

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estavam se aproximando de Cuba em 1980. No norte da América do Sul,
ao lado do Suriname, a Guiana servira de “ponto de reabastecimento de
aviões cubanos a caminho de Angola”. Os norte-americanos cogitaram es-
tabelecer uma base da OTAN em alguma das colônias insulares holande-
sas. Com a reversão da ordem constitucional, o Suriname poderia se tor-
nar um foco de instabilidade na América do Sul. (URT, 2010, p. 71-72)

A possibilidade de um conlito regional no âmbito das tensões en-


tre Leste e Oeste acontecer na América do Sul preocupou bastante a
elite militar brasileira, pois possibilitava a intervenção externa. Para
evitar esse desfecho, o governo Figueiredo mandou uma represen-
tação diplomática para inluenciar o governo de Dési Bouterse, res-
ponsável pelo golpe militar de 1980 no Suriname. Durante todo esse
período, houve uma grande articulação entre o Itamaraty e os servi-
ços de inteligência das Forças Armadas, em função da sensibilidade
do tema. Para tal, a análise desse período é objeto do próximo pon-
to abordado.
Após a sua independência da Holanda em 1975, um golpe militar
com um pequeno contingente conseguiu derrubar o governo no po-
der, como citado na matéria do Jornal do Brasil: “Em 25 de fevereiro
de 1980, três sargentos do Exército lideraram entre 150 e 300 soldados
numa rebelião que derrubou o poder estabelecido” (Jornal do Brasil,
1980). O golpe foi bastante importante para entender a preocupação
dos militares brasileiros naquele período, pois mostrou que a “sub-
versão comunista” era uma possibilidade para as nações recentemen-
te emancipadas do platô das Guinas. Para tentar reverter esse proces-
so, o Brasil se mostrou particularmente ágil e optou por inluenciar o
governo surinamês com o envio de uma missão diplomática, em 11 de
abril de 1983, liderada pelo general Venturini, naquela época secre-
tário-geral do Conselho de Segurança Nacional. O objetivo era que o
encontro possibilitasse uma solução negociada ao invés do enfrenta-
mento com os Estados Unidos:

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Cumpre acrescentar que, sob a perspectiva do governo brasileiro, a mis-
são Venturini logrou atingir seus objetivos fundamentais, isto é, garan-
tir uma convergência bilateral capacitada para evitar a instalação naque-
le país do conlito Leste-Oeste – ou uma guinada de Paramaribo para o
campo socialista –, preservar a segurança nacional na porosa frontei-
ra norte, implementar um signiicativo “pacote” de cooperação horizon-
tal (sul-sul), e ampliar a inluência e prestígio brasileiro na sensível região
amazônica (AVILA, 2011, p.26).

A instabilidade política e a capacidade de negociação do Brasil


conseguiram afastar o risco de ver o Suriname cair na área de inluên-
cia da União Soviética, algo que era muito bem visto no inal do gover-
no Figueiredo. Assim, como lembra Cavlak:

Desfeita a parceria com Cuba e afastado os sindicalistas e políticos de es-


querda do governo, o Suriname passou a ser visto não mais como uma
ameaça geopolítica na região. O irme papel brasileiro no contexto foi a
garantia de que o pequeno país não se afastaria do sistema sul-america-
no, embora os problemas seculares de pobreza e baixo desenvolvimento
econômico continuassem e até se agravassem. Mesmo a presença da Lí-
bia não alterou essa conjuntura. A partir de 1986, uma guerra civil e o en-
volvimento da ditadura surinamesa com o tráico internacional de drogas
abriram um novo período na conturbada história desse pouco conhecido
vizinho. (CAVLAK, 2016, p.150)

Porém, a partir da segunda metade dos anos 1980, o Suriname cha-


mou atenção novamente no cenário internacional, passando “a fazer
parte da conexão internacional do tráico de drogas, intermediando a
produção que se iniciava na Colômbia e na Bolívia e iria desembocar
nos mercados de Amsterdam” (CAVLAK, 2016, p.150). Como vimos,
a instabilidade permaneceu no platô das Guianas, e também atingiu
outras regiões da Amazônia. De fato, um dos pontos de maior preo-

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cupação do governo Sarney foi justamente crescimento das FARC-
-EP, num contexto fronteiriço instável, objeto do próximo ponto des-
sa parte.
A presença de elementos das Forças Armadas Revolucionárias de
Columbia – Exército Popular (FARC-EP) foi também motivo de preo-
cupação para os militares na fronteira entre o Brasil e Colômbia, par-
ticularmente na região da cidade gêmea de Letícia-Tabatinga (na
margem brasileira). O início da década de 1980 marca a passagem
das FARC-EP de ser um mediano grupo guerrilheiro entre os vários
existentes, para ser o de maior expressão no teatro político colombia-
no. Ceará (2009) oferece alguns elementos de contextualização inte-
ressantes:

Durante o inal dos anos 80 acreditamos que o Exército brasileiro passou


a olhar a região “cabeça de cachorro” (região fronteiriça com a Colômbia,
conhecida assim porque o seu contorno geográico nos remete a esta ima-
gem, e é uma fronteira que não foge à caracterização existente de todo o
território da Amazônia brasileira, que é a baixa densidade demográica,
apresentando um espaço fracamente protegido) com uma maior atenção.
Isto ocorreu paralelamente aos acontecimentos de agudização das ações
em território colombiano. Em relexo a intensiicação do conlito colom-
biano que vai se desenvolver após as eleições de 1986, são instalados nes-
ta região no ano de 1988 três Pelotões Especiais de Fronteira (PEF): Pelo-
tão Yauaretê, Querari e São Joaquim (CEARá, 2009, p.12).

Portanto, a estratégia do Exército Brasileiro foi de aumentar a den-


sidade dos pelotões de fronteiras nas regiões consideradas mais sen-
síveis, em função das ameaças que se apresentavam perante ele. Ape-
sar do reforço na faixa de fronteira, as FARC-EP optaram por agredir
elementos do Exército brasileiro, num ataque que marcou bastante a
sociedade brasileira e reforçou a tese da falta de presença militar na
faixa de fronteira como lembrou Franchi (2011):

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Vale lembrar que, em 26 de fevereiro de 1991, um ataque das FARC a um
Pelotão de Fronteira do Exército Brasileiro, situado às margens do rio
Traíra, no município de Tabatinga-AM, deixou três soldados brasileiros
mortos e nove feridos, além de uma série de armas roubadas, mostrando
a fragilidade do Exército Brasileiro nas fronteiras mais ocidentais do país
(FRANCHI, 2011, p. 34-35).

Contudo, a preocupação principal do Exército não teve a ver direta-


mente com a presença das FARC-EP na área de fronteira, mas sua par-
ticipação nas redes internacionais de narcotráico. A região de Letícia /
Tabatinga foi particularmente iscalizada, considerada um hub de dis-
tribuição da cocaína de origem colombiana para o mercado brasileiro,
particularmente nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro (MONTEI-
RO, 2005). Diante da importância da instabilidade geoestratégica na fai-
xa de fronteira e das ameaças tradicionais e não tradicionais, o governo
Sarney lançou a partir de 1985 o Plano Calha Norte, que teve como obje-
tivo, na sua vertente militar, reforçar a presença das Forças Armadas na
fronteira, e trata-se justamente da próxima parte do trabalho.

III - O PROGRAMA CALHA NORTE PARA OS MILITARES DO EXÉRCITO BRASILEIRO


O projeto Calha Norte ou “Desenvolvimento e Segurança ao Norte das
Calhas dos Rios Solimões e Amazonas” foi originalmente um proje-
to sigiloso, elaborado por um grupo coordenado pela Secretária-geral
do Conselho de Segurança Nacional e concluído em 1985. De fato, o
projeto ganhou notoriedade pública com a Comissão Parlamentar de
Inquérito lançada no ano seguinte, que:

Visava a investigar acusações contidas numa série de reportagens do jor-


nal O Estado de S. Paulo. Quando foi apresentado ao presidente José Sar-
ney em 1985 pelo General de Brigada Rubem Bayra Denis, na Exposição
de Motivos n°18/85, o Projeto era composto por um Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) com entidades civis (DINIZ, 1994b, p.5).

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O documento enfatiza com clareza a importância da herança da
Doutrina de Segurança Nacional, priorizando questões ligadas a Se-
gurança e ao Desenvolvimento daquela região. Como mostra a Expo-
sição de Motivos:

A conhecida possibilidade de conlitos fronteiriços entre alguns países vi-


zinhos aliada à presente conjuntura no Caribe podem tornar possível a
projeção do antagonismo Leste-Oeste na parte Norte da América do Sul
(...). À vista dessas preocupações e, ainda, da diretriz de Vossa Excelência
que determina a busca de soluções para se eliminar desigualdades regio-
nais, encomendei à Secretária-geral do Conselho de Segurança Nacional
um levantamento de dados sobre a situação atual dessa área, com vistas
ao fortalecimento das expressões do Poder Nacional na região (Exposição
de Motivos n.18/85 de 19 de junho de 1985).

O relatório inal do GTI abordou diversos pontos, começando pela


heterogeneidade das regiões beneiciadas pelo projeto. São três áreas
de atuação consideradas: a faixa de fronteiras, o hinterland (ou nú-
cleo de região) e a zona ribeirinha adjacente às calhas dos rios. Cada
uma seria alvo de um projeto especíico, considerando “a restrição
orçamentária, a integração de esforços e a conidencialidade” como
elementos característicos do Projeto. Dentro desse espectro de ação,
havia uma série de prioridades (ou ordens de necessidades) conside-
radas fundamentais e imediatas:

1) Incremento das relações bilaterais; 2) aumento da presença militar; 3)


intensiicação das campanhas de recuperação de marcos limítrofes; 4)
deinição de uma política indigenista apropriada à região; 5) outras ne-
cessidades fundamentais (ampliação da infraestrutura viária, aceleração
da produção de energia hidrelétrica, interiorização dos polos de desen-
volvimento econômico, ampliação da oferta de recursos sociais básicos).
No quesito Desenvolvimento, juntam-se 6) ampliação de infraestrutura

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viária; 7) aceleração da produção de energia hidroelétrica; 8) interioriza-
ção dos polos de desenvolvimento econômico e ampliação da oferta de
recursos sociais básicos (DINIZ, 1994, p.6-7).

Como podemos observar, o binômio Segurança-Desenvolvimen-


to foi respaldado nos objetivos descritos, sendo os itens 1) a 4) dedi-
cado à questão de Segurança Nacional. O quarto ponto merece uma
atenção especial, tendo em vista a importância estratégica das rique-
zas minerais em áreas indígenas. Daí a necessidade de perguntar o
que seria apropriado na futura política indigenista. Para ajudar a en-
tender melhor essa problemática, o antropólogo Bruce Albert expli-
cou a “existência de motivações” não econômicas entre os militares
brasileiros naquele momento:

A posição central que os interesses minerais mantêm nos esforços dos


militares brasileiros em efetivar um zoneamento no norte da Amazônia
não é apenas uma questão de desenvolvimento econômico, mas tam-
bém de estratégia geopolítica. Do ponto de vista da Doutrina de Segu-
rança Nacional, o círculo de inteligência militar considera as campa-
nhas para preservação da loresta amazônica e proteção dos direitos
territoriais indígenas como manobras subversivas de interesses estran-
geiros contra a soberania do Brasil. A preocupação é que esses interes-
ses estrangeiros poderiam apoiar a demarcação de grandes reservas
indígenas nas áreas de fronteiriças da Amazônia e transformá-las, no
longo prazo, em plataformas de reivindicação separatistas de cunho ét-
nico (ALBERT, 1992, p.53-54).

As questões apontadas por Albert são relevantes na medida em


que a “internacionalização” da Amazônia tornou-se uma temáti-
ca importante do meio militar, que mostravam sinais de inquieta-
ção, notadamente antes, durante e depois da Conferência sobre o
Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU), conheci-

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da como ECO-92, que o Rio de Janeiro como sede. De acordo com Di-
niz (1994b), essa análise se mostrava incompleta:

Com efeito, ao vincular a questão indígena e a soberania nacional à dou-


trina de segurança nacional, Albert desconsidera um traço muito mar-
cante dessa doutrina, caracterizada fundamentalmente pela tomada de
posição pró-ocidental no âmbito da Guerra Fria. Ora, as pressões ambien-
talistas e indigenistas vêm de todos os lugares na época do lançamento
do PCN, menos dos países do Leste. A existência de motivações intrinsica-
mente militares, corretamente apontada por Albert, deve ser buscada, en-
tretanto, em outro lugar que não a doutrina de segurança nacional. Por
outro lado, um breve exame dos textos sobre o problema amazônico nos
mostra que a temática da “internacionalização da Amazônia” é recorrente
em autores de várias vertentes do espectro político brasileiro, não só dos
militares (DINIZ, 1994b, p.12-13)

Portanto, o PCN é resultado de uma construção de diversos ele-


mentos que inluenciam a sua elaboração, como foi aponto por Albert
e Diniz, nas suas respectivas análises. Outro ponto importante para
ser abordado é a organização dos recursos para que o PCN seja efe-
tivamente aplicado nas fronteiras. Apesar da crise econômica da dé-
cada de 1980, o projeto icou orçado para que os projetos secundários
estivessem implementados de acordo com os cronogramas, particu-
larmente aqueles da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Na-
cional como veremos no próximo ponto. Um aspecto importante na
questão da implantação do Projeto foi a distribuição orçamentária.
De acordo com Diniz, “o Projeto Calha Norte torna-se basicamente
um projeto militar e de política indigenista, em termos de impacto e
de suas prioridades” (DINIZ, 1994, p.91). Segundo os dados levantados
por Oliveira Filho (1991), 77,9% das verbas eram oriundas dos Minis-
térios militares, e o resto era destinada a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), na ordem de 18,9%. Dentro de todos esses dados, era preci-

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so que o Ministério do Exército (atual Exército Brasileiro) garantisse
quase metade (46%) das verbas do PCN, em função da evidente prio-
rização da região Amazônica.

Alocação de verbas do Projeto Calha Norte por órgão da administração federal (em %)

Órgão Min. Mari- Min. Exér- Min. Aeronáu- Funai Outros Total Min. Mili- Total
nha cito tica tares
Verbas 21,4 46 10,5 18,9 3,2 77,9 100
Fonte: Oliveira Filho, 1991, p. 326-329

Portanto, o papel do Exército na implementação efetiva do Projeto


Calha Norte foi de protagonista, assumindo a responsabilidade de de-
senvolver os programas que seriam desenvolvidos nos munícipios da
região Norte, sobretudo destinados às populações carentes (NASCI-
MENTO, 2005). Dentro delas, as populações indígenas foram priori-
zadas no Projeto Calha Norte, em parceria com a Fundação Nacional
do Índio (FUNAI). Porém, o PCN assumiu responsabilidades da fun-
dação, principalmente através da articulação política do seu diretor,
Romero Jucá Filho, como apontado por Diniz:

Durante a gestão Jucá, várias mudanças na Funai esvaziam o órgão e pro-


gressivamente o afastam da sua atividade primordial, qual seja, a defesa
das populações indígenas, e a aproximam da SG/CSN, depois Saden, das
empresas de mineração e dos garimpeiros, e também dos políticos locais,
principalmente de Roraima, de onde, aliás, Jucá foi nomeado governador,
logo após sua saída da Funai (DINIZ, 1994, p.159).

Nesse contexto, houve uma reformulação da estrutura da Funai,


que ocorreu em fevereiro de 1986, procurando incorporar todas as
propostas mencionadas no PCN (DINIZ, 1994b). Com efeito, a política
indigenista icou marcada pela inluência de atores externos, princi-

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palmente políticos, mas também, como vimos, órgãos ligados aos se-
tores da Defesa nacional. A importância do processo de transição de-
mocrática é justamente objeto do último ponto dessa parte, uma vez
que apresentamos a questão da identidade militar e a preocupação
castrense com as fronteiras, materializado pela elaboração do PCN.

IV - A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE “TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA”


Após um longo período no poder, as Forças Armadas são desloca-
das do centro do poder, mas permanecem, de forma decisiva, na
chamada “democracia tutelada” seguindo a terminologia oferecida
por Zaverucha (1994). O presidente José Sarney, deixou fortalecida a
posição dos Ministérios, cada uma das Forças recebendo uma pas-
ta (Marinha, Aeronáutica e Exército). O longo mandato (cinco anos)
do presidente Sarney não serviu para que houvesse uma tentativa
de perda de poder (relativa) dos militares nos assuntos de defesa,
ou mesmo que o caráter democrático do processo de transição esti-
vesse em jogo. De acordo com a análise oferecida por Codato: “uma
série de liberdades políticas ou instituições tipicamente democráti-
cas podem estar presentes mesmo num regime ditatorial. A questão
central é a função precisa que, por exemplo, o pluripartidarismo ou
as eleições majoritárias desempenham” (CODATO, 2005, p. 83). De-
inir o teor democrático presente no governo Sarney não é uma ta-
refa simples. Para tal, o mesmo autor oferece uma caracterização do
governo Sarney sendo que:

A década de 1980 consumou assim os sonhos dos generais: uma “demo-


cracia relativa”, na curiosa expressão de Geisel. Logo, seria mais correto
caracterizar o governo Sarney não como um governo “de transição” para a
democracia ou um governo “misto” (semidemocrático ou semiditatorial),
mas o último governo, no caso, civil, do ciclo de governos não-democráti-
cos no Brasil (CODATO, 2005, p. 99).

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De acordo com Winand e Saint-Pierre (2007), o sucessor de Sarney, o
presidente Fernando Collor de Mello avançou em alguns aspectos, sem,
todavia, abolir os Ministérios das três Forças. Como avanços importan-
tes no processo de transição, podemos destacar: houve um esforço nítido
para desmilitarizar o nível superior de deliberação do poder do Estado e
da administração do Planalto; o presidente extinguiu o Serviço Nacional
de Informações (SNI) e também desarticulou o Programa Paralelo Nu-
clear. Portanto no começo do mandato de Collor, a relação com os mili-
tares vai ser conturbada, principalmente em torno de duas questões que
abordamos. Primeiro, o papel da Amazônia para os militares foi relevante
no Programa Paralelo (com a base da Serra do Cachimbo), e em segundo
lugar, a questão da demarcação da terra indígena ianomâmi no estado de
Roraima. Essas duas frentes ganharam destaque na mídia nacional e in-
ternacional em função da Conferência para o Meio Ambiente das Nações
Unidas. Sendo assim, os militares pressionaram o governo Collor para
que medidas sejam tomadas, principalmente no sentido de guardar de-
terminadas prerrogativas no governo civil (ZAVERUCHA, 2000).
A passagem do governo Sarney para o de Collor, em 1990, teve
como consequência mudar abruptamente as relações do governo
com a comunidade militar que ainda se mantinha posicionada em
tomo do sistema de informações (D’ARAUJO, 2000). Com efeito, uma
série de escândalos ligado à corrupção do governo levou ao processo
de impeachment. Essa crise política reverberou em todo o país, e mar-
cou as Forças Armadas, que tiveram que lidar com a situação inédita.
Alguns anos antes, a Amazônia tornou-se centro de grande atenção
por parte da mídia e da opinião pública quando houve a publicação
de um artigo do jornal Folha de S. Paulo, em agosto de 1986. Com o tí-
tulo “Serra do Cachimbo pode ser local de provas nucleares”, a ma-
téria deixava clara as intenções dos militares em possuir um artefato
nuclear ofensivo. Na época, os militares negaram a intenção de criar
um dispositivo de teste para a arma nuclear, como evidenciado por
esse trecho:

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Ontem à noite, ao ser informado pela Folha que o jornal publicaria esta
notícia na edição de hoje, o presidente José Sarney reagiu, segundo o jor-
nalista Fernando Cézar Mesquita, seu secretário de Imprensa, com estas
palavras: “Por esta mesa, nunca passou qualquer documento deste tipo”.
O ministro-chefe do Gabinete Militar, general Rubem Bayma Denys disse
- ainda segundo Mesquita - que a informação é “absolutamente inverídi-
ca”. O brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, diretor do Centro Técnico Aeroes-
pacial, de São José dos Campos (SP), foi chamado com urgência a Brasília
no início da noite de ontem (Folha de S. Paulo, 1986).

O episódio do escândalo da Serra do Cachimbo no Pará, foi inte-


ressante para salientar o distanciamento entre as Forças Armadas e o
governo Collor. Assim, como aponta D’Araújo:

O governo Collor foi explosivo também no que toca à manutenção dos


projetos nucleares desenvolvido pelas três forças. O novo presidente, em
sua performance produtora de impactos junto à imprensa, decidiu ata-
car esses projetos. A oportunidade pública para fazê-lo veio em setembro
de 1990 quando presidiu pessoalmente o aterramento de poços para tes-
tes nucleares na Serra de Cachimbo. Esta iniciativa foi tomada como um
ato oicial de governo e contou com a presença dos três ministros milita-
res. Na prática, era o governo desautorizando, na presença das autorida-
des castrenses, a autoridade e autonomia das Forças Armadas para atua-
rem nessa área de pesquisa (D’ARAUJO, 2000, p.11).

A região era vista como área de interesse das Forças Armadas, não
só pela questão da segurança da faixa de fronteira, mas também pela
sua localização privilegiada, como foi o caso do Centro de Lançamen-
to de Alcântara, situada no Maranhão, e que inaugurou suas ativida-
des com um lançamento bem-sucedido em 1990. A Força Aérea Bra-
sileira começou a planejar a construção da base a partir de 1979, no
inal do regime militar. A situação geográica excepcional (2° ao sul

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da linha do equador) oferece condições de lançamento privilegiadas,
tanto para o setor comercial (civil) ou para os militares.
Durante todo esse processo, foi interessante ver a decisão tomada por
Fernando Collor em demarcar a Terra Indígena Yanomami (TIY) pois era
situada na faixa de fronteira, zona considerada estratégica pelas Forças Ar-
madas, como apontado por D’Araujo: “Igualmente conlituosa foi a decisão
de Collor de demarcar a reserva Ianomami em uma faixa de terra conside-
rada crucial pelos militares para a defesa de nossas fronteiras” (D’ARAU-
JO, 2000, p.11). A situação em torno da demarcação da TIY icou no centro
dos debates no governo Collor, como salientado por Albert e Le Tourneau:

O novo Presidente visitou a área Yanomami no dia 24 de março de 1990 e


anunciou, num grande evento de mídia, a realização de um zoneamen-
to econômico ambiental da Amazônia, a reformulação do Projeto Calha
Norte e a ordem de dinamitar as pistas de pouso clandestinas dentro da
área Yanomami. Nomeou ainda como Secretário Nacional do Meio Am-
biente J. Lutzenberger, um militante ambientalista internacionalmente
reconhecido (ALBERT e LE TOURNEAU, 2005, p.377).

No período de grande efervescência em torno das questões rela-


cionadas ao meio ambiente, desenvolvimento sustentável e biodi-
versidade que antecedeu a realização da conferência Rio-92, a ques-
tão Yanomami esteve em pauta nos principais órgãos de imprensa
do País. Uma grande manifestação dos movimentos sociais mobili-
zou a sociedade brasileira, como lembra a Comissão Pró-Yanomani
(CCPYI), no seu Boletim Yanomami Urgente:

Em poucos meses, a Funai recebe mais de 11 mil cartas e abaixo-assina-


dos de pessoas e entidades de 35 países pedindo a demarcação do territó-
rio Yanomami. Surgem também ruídos na imprensa de que ONGs da Eu-
ropa e EUA poderiam propor um boicote a Rio-92 caso a demarcação não
acontecesse até a época da realização da Conferência (CCPY, 1992).

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Finalmente, a 15 de novembro o presidente Fernando Collor anun-
ciou a demarcação administrativa da área, e em 25 de maio assinou
o decreto de homologação da demarcação da TIY. Entre os diver-
sos aspectos que envolviam a demarcação da TIY, houve uma gran-
de discussão em todos os grandes debates nacionais, inclusive na CPI
da Internacionalização da Amazônia. Essa comissão trouxe de vol-
ta ao debate a questão da faixa de fronteira situada entre a área indí-
gena brasileira e a venezuelana como meio de se evitar a criação de
uma nação independente Yanomami. Essa ameaça icou reforçada
após a publicação pela editora Bibliex (Biblioteca do Exército) do li-
vro A farsa Ianomãmi, do coronel Carlos Alberto Lima Menna Barre-
to, em 1995. Além da questão da suposta perda da soberania territorial
por conta da demarcação, a capa do livro era polêmica, e enfatizava o
risco de internacionalização da TIY, com um “gringo” (loiro de olho
azul) segurando uma máscara representando um índio ianomâmi.
Durante os anos 1980, o governo brasileiro começou a questionar as
denúncias externas sobre o caráter acelerado do desmatamento e da
degradação ecológica na loresta amazônica. Em 1988, o verão foi, de
acordo com os dados meteorológicos, particularmente quente no he-
misfério norte (CLIMANÁLISE, 1988). Uma correlação (ou uma rela-
ção lógica) foi realizada entre esse fenômeno e o aumento do “bura-
co da camada de ozônio” e nas causas desse buraco. Entre diversos
problemas, a escala dos fogos de loresta amazônica3 foi considera-
da grave e sendo responsável pelo agravamento da crise ecológica. De
fato, no ano anterior, as taxas de desmatamento estavam muito altas.
Os dados apontam uma superfície de 200.000 km² de vegetação des-
truída, sendo 80.000 km² de loresta primária4. Assim, o equivalente
ao tamanho de duas vezes Portugal estaria desaparecendo anualmen-
te, o que chamou a atenção da opinião internacional sobre o proble-

3. Estamos falando aqui da prática reconhecida como grilagem, comum na Amazônia.


4. Ver Agenda Amazônica, publicada em dezembro de 1999, de autoria do jornalista paraense Lúcio
Flávio Pinto, disponível no blog online: http://amazoniahj.wordpress.com/

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ma do desmatamento. Naquele período, o discurso militar e o discur-
so do governo estavam intimamente ligados, pois havia pouco tempo
que o Brasil tinha entrado numa fase de redemocratização, e hoje es-
ses discursos continuam interligados.
Como vimos, as principais estruturas de inluências permaneciam
no bojo do poder executivo. O discurso dos militares foi baseado em
críticas severas naquilo que se chamou de “campanha ambientalis-
ta internacional” (PILETTI, 2008, p.104), colocando a responsabilida-
de do im do maior e mais rico patrimônio natural do mundo. Em se-
guida, o Estado brasileiro reforçou essa visão dos militares, chamando
atenção ao fato de que as potências externas tinham interesses em
atrapalhar o desenvolvimento do país5. Essa visão da conspiração foi
e continua sendo uma narrativa bastante persistente nos meios mi-
litares, pois apresenta elementos de discursos em torno da proteção
da soberania com nacionalismo. Interessante notar que foi somente
no inal do governo Sarney (em 1990) que o Estado brasileiro come-
çou a reconhecer uma parte das denúncias que tinham sido feitas por
ONGs, lideradas pelo Greenpeace. Por isso, diante da escala do pro-
blema, era politicamente arriscado manifestar algum tipo de distan-
ciamento da cúpula militar, em função da relação da mesma com o
governo, mesmo sendo a retórica da teoria da conspiração alimenta-
da com bastante frequência pelo meio (LE TOURNEAU, 2007).
Existia uma ambivalência no discurso dos militares sobre a pre-
sença de empresas, conglomerados ou interesses estrangeiros em ter-
ritório amazônico. Curiosamente, o exemplo de grandes concessões
feitas para empresas como Ford, entre 1930 e 1945, ou mesmo Ludwig,
durante o projeto Jari (entre 1966 e 1982), os oiciais das Forças Arma-

5. Durante os anos 1980, perante as denúncias de desmatamento, o Estado começou negando esse
fato, depois negou as manifestações estrangeiras, e, inalmente, começou a falar da teoria de conspira-
ção de cunho internacional. Porém, no jornal da Folha de S. Paulo de 26 de julho de 1996, o INPE (Insti-
tuto Nacional de Pesquisa Espacial) revelou que 2 milhões de hectares tinham sidos desmatados entre
1988 e 1991. Os números aumentaram entre 1992 e 1994, anos nos quais o Ministério de Ciência e Tecno-
logia (MCT) avaliou em 15 milhões o número de hectares de loresta amazônica degradada.

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das não se manifestam necessariamente contra todas as iniciativas e
penetrações estrangeiras (MEDEIROS, 2012). O critério que parece ser
essencial no olhar militar é a importância da maximização do retorno
em favor do país. De fato, a história do surgimento e da queda da bor-
racha na Amazônia mostrou a importância da pesquisa aplicada no
desenvolvimento tecnológico, algo que foi reforçado nas últimas dé-
cadas pelos diversos campos abertos em função da rica biodiversida-
de presente naquela região. Com o aumento das preocupações eco-
lógicas em escala mundial, as pressões externas foram concebidas
pelos militares como uma ameaça direta à soberania nacional e seu li-
vre direito ao desenvolvimento. A Conferência Internacional sobre o
Meio Ambiente das Nações Unidas, que ocorreu no Rio de Janeiro em
1992 teve um grande impacto nos militares.
Segundo Le Tourneau (2007), o governo federal aproveitou esse
espaço para divulgar uma imagem positiva e assumiu um compro-
misso importante perante a comunidade internacional reunida. Era
necessário provar que o país era capaz de atingir suas metas, na re-
dução das taxas de desmatamento, que como vimos, atingiram um
nível impressionante (INPE, 2015). Naquele período, houve um sinal
claro de que não havia um risco de intervenção por motivo ecológi-
co6 dos Estados Unidos. Assim, o diretor William Reilly, da agência
de proteção ambiental estadunidense (EPA), explicava que o Brasil
mostrava sinais de boa vontade na luta contra a degradação7. Os paí-
ses industrializados representavam o foco principal das críticas, pois
apontavam em problemas complexos que fragilizavam o país diante
da comunidade internacional. O problema do tráico internacional

6. Sobre essa questão de “intervenção por motivo ecológico”, ver a dissertação de mestrado produzido
por Oswaldo Caninas em 2010 no Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da
Segurança. Diversos elementos podem ser encontrados para ilustrar esse aspecto importante que ali-
menta a narrativa da conspiração nos círculos militares.
7. Ver o artigo completo na Revista Veja do dia 19 de fevereiro de 1992, com a entrevista do administra-
dor da EPA, agência de proteção ambiental dos EUA, William Reilly.

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de drogas ilícitas, a questão indígena e a preservação da biodiversi-
dade na Amazônia eram talvez demasiado grandes para ser assumi-
dos somente pelos militares (PROST, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, o cenário da crise brasileira colocava o país numa situa-
ção desvantajosa na relação de poder com as potências centrais. As-
sim, os Estados Unidos representavam o maior risco para os oiciais
do Exército (Revista Isto É, 2000, p.41). Questões como a transferên-
cia de dados tecnológicos sensíveis necessários para superar as limi-
tações de desenvolvimento do Brasil alimentavam o discurso nega-
tivo em torno da presença estrangeira na Amazônia. O governo dos
Estados Unidos levantou também o argumento da “guerra às drogas”,
no começo da década de 1990 para reforçar sua pressão em países vi-
zinhos ao Brasil, através do Plano Colômbia, por exemplo (PROST,
2003, p.35). Outro aspecto importante na produção do discurso nacio-
nal-conservador naquele período foi a maneira como políticos brasi-
leiros, como Cristovam Buarque, airmavam em 2000 estar a favor da
internacionalização da Amazônia, e reproduziam também esse tipo
de argumentos, o que preocupava ainda mais os oiciais das Forças
Armadas (MEDEIROS, 2012, p.168). Para os militares conservadores
do Exército, a única diferença entre a visão da conspiração com a épo-
ca da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) é que o inimigo tinha
trocado de lado. Não se tratava do comunismo, mas de vontade de in-
ternacionalização da Amazônia por parte das grandes potências in-
dustrializadas.
No discurso militar, a defesa dos valores ocidentais invocados no
regime militar foi substituída por um novo nacionalismo, preocupa-
do em manter a soberania brasileira na integridade do território na-
cional. Esse novo nacionalismo é fruto também da resposta à crise de
identidade das Forças Armadas sobre o seu papel e seu lugar na so-
ciedade. Perante as críticas do alto escalão do Exército sobre a missão

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dos militares sem inimigo claro, as autoridades elaboram uma série
de hipótese de emprego, além das tradicionais: a cobiça das riquezas
amazônicas por terceiros e a luta contra os ilícitos (o que muda tam-
bém a perspectiva de emprego de Forças Armadas no sentido mais
tradicional (PROST, 2003, p.29). Essas hipóteses de ameaça servem
principalmente a interesses políticos e econômicos, principalmente
durante o governo FHC. De acordo com Martins Filho e Zirker: “no
meio de um profundo corte de recursos federais oriundo das políticas
econômicas atuais, o presente governo encontrou os meios de elimi-
nar as causas mais imediatas da agitação militar” (MARTINS FILHO e
ZIRKER, 2000, p.17). A disputa foi grande para conseguir mais recur-
so do governo federal nesse contexto, uma vez que, como vimos, hou-
ve uma redução no número de ministérios militares com a redemo-
cratização e a criação do Ministério da Defesa e da Agência Brasileira
de Inteligência.
A defesa da Amazônia é uma constante no discurso militar da for-
ça terrestre porque ele é o único que consegue justiicar uma presen-
ça constante em áreas remotas do país. Um dos aspectos que merece
ser questionado nesse estudo é justamente até que ponto o argumen-
to “ambientalista” serve aos interesses dos militares do Exército. A ob-
sessão em torno da proteção do bioma revela também uma incapa-
cidade de repensar seu papel num país que passou por uma série de
reformas profundas que “normalizou” de certa forma as prerrogativas
das Forças Armadas de um país democrático, isto é, defesa da inte-
gridade territorial. Como vimos, a Constituição Federal de 1988 abriu
uma série de brechas para que o emprego das FFAA seja realizado em
diversas áreas, uma delas é o poder de polícia na faixa de fronteira,
que outorga aos militares um papel importante, particularmente na
iscalização. A Lei Complementar 97 de 1999, alterada pela Lei Com-
plementar 117 de 2004, faz menção clara ao texto constitucional, “atri-
buindo caráter subsidiário ao emprego das Forças Armadas, em es-
pecial o Exército Brasileiro, na atividade de preservação de segurança

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pública, destinou à Força Terrestre, como atribuição subsidiária par-
ticular o poder de polícia na faixa de fronteira, demonstrando como
deve atuar neste sentido” (MARINHO, 2010, p.2).
Assim, o argumento ambiental perpassa a mera preocupação de
preservação da integridade territorial e visa reforçar o papel dos mili-
tares atuando naquela região, oferecendo uma “raison d’être” no con-
texto amazônico. Curiosamente, a narrativa é sólida e os civis também
reproduzem esse discurso, cujo tema principal é a defesa da Amazô-
nia, de forma abstrata, e a necessária valorização da região, manten-
do um difícil equilíbrio no campo do desenvolvimento entre susten-
tabilidade e modernidade. Uma das autoras que se dedicou mais no
estudo da questão foi Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. O argumento da geógrafa foi na linha do pensamento mili-
tar em torno dos riscos sobre a soberania na denúncia de ONGs e com
políticas estrangeiras de restrição de créditos e de inanciamento em
prol da preservação ambiental.
Porém, o argumento difere do lado castrense, pois aposta na air-
mação das relações entre os Estados vizinhos num quadro de forma-
ção de blocos econômicos, seja para reforçar o esvaziado Tratado de
Cooperação Amazônica, seja apostando na ciência e tecnologia para
que o desenvolvimento sustentável seja rentável economicamente.
(BECKER, 2005). Talvez um dos efeitos mais importantes da constru-
ção da narrativa militar em torno da presença na Amazônia é a capa-
cidade de absorção pelos civis da naturalidade da presença castren-
se na região.

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DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL DA
FAIXA DE FRONTEIRA DA AMAZÔNIA SETENTRIONAL
BRASILEIRA: A BUSCA PELA ARTICULAÇÃO
TRANSFRONTEIRIÇA BRASIL/FRANÇA
Jadson Luís Rebelo Porto

INTRODUÇÃO
A busca pela compreensão da dinâmica territorial e da forma(ta)ção
da fronteira amapaense inserida em um sistema-mundo, tem estimu-
lado análises que envolvem ações expansionistas territoriais, interes-
ses comerciais, articulações geopolíticas e geoeconômicas, articula-
ções de interesses internacionais e construções de políticas públicas
nacionais.
O Estado do Amapá possui por origem como integrante da federa-
ção brasileira o ente federativo Território Federal (1943)1. Como ente
autônomo, é um dos entes mais recentes do Brasil (juntamente com
Roraima e Tocantins, transformados em estados pela Constituição
Brasileira de 1988).
Este trabalho parte do pressuposto que o Amapá possui a conigu-
ração geográica de um território estratégico recomposto periférico
e tardio. Cujas propostas de “desenvolvimento” ligam-se às criações/

1. Os Territórios Federais foram resultados de ações que conduziram à formação de estruturas capa-
zes de inseri- los em um mundo globalizado e em rede; que envolveram relações de políticas econô-
micas; que expuseram condições para atender as elites locais delimitando um espaço juridicamente
deinido e; territorializando suas relações de poder (PORTO, 2005). Sobre os Territórios Federais, vide
Medeiros (1944; 1946); Mortara (1944); Benevides (1946); Capes (1957); Rosa (1972); Temer (1975); Mayer
(1976); Freitas (1991) e; Porto (2003).

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construções de condições espaciais capazes de instalar próteses e um
sistema de engenharia2 que possibilitaram a diversiicação produtiva
do seu espaço, produzindo também ajustes que originam uma nova
coniguração territorial.
Optou-se pela adoção do pensamento de David Harvey sobre De-
senvolvimento Geográico Desigual (DGD) nas relexões aqui tecidas,
por partir do pressuposto que as concentrações, as contradições e as
distintas construções que as forças produtivas exercem no espaço,
são capazes de alterar o espaço e; são formas de espacialidades, ca-
pazes de gerar desigualdades entre os territórios. A adoção desta dire-
triz teórica para explicar o uso e o acesso da fronteira é parte integran-
te do esforço do capital em derrubar qualquer barreira espacial para o
intercâmbio e conquistar espaços para acionar suas potencialidades,
seus produtos e expandir a área de inluência e de interesse do capital
externo sobre o local.
Para melhor entender tais situações, este artigo discutirá os seguin-
tes tópicos: o primeiro discute o desenvolvimento geográico desigual
e a sua aplicação na construção da fronteira amapaense; o segundo
aborda a articulação da fronteira amapaense como um processo de
interação espacial; o terceiro, trata dos ajustes espaciais na fronteira
amapaense e na sua forma(ta)ção de sua condição fornteiriça.

DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL: UMA (RE)LEITURA PARA NOVAS


DINÂMICAS TERRITORIAIS
Segundo Harvey (1990, p. 376), o que constitui o chamado “Desen-
volvimento Geográfico Desigual”3 são “las vastas concentraciones
de fuerza productivas de unos lugares contrastan com regiones relati-

2. Os sistemas de engenharia são entendidos aqui como “um conjunto de instrumentos de trabalho
agregados à natureza e de outros instrumentos de trabalho que se localizam sobre estes, uma ordem
criada para e pelo trabalho” (SANTOS, 1997, p. 79).
3. A expressão no original é “uneven geographic development”. Na versão mexicana, o termo é conhe-
cido como “desarollo geográico poco uniforme”.

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vamente vacías. Las fuertes concentraciones de actividad em un lugar
contrastan com zonas em que el desarollo está muy diseminado”. Esta
proposta visa compreender o funcionamento do capitalismo no âm-
bito geográico, apontando como a dinâmica da acumulação do capi-
tal pode alterar o espaço e as formas de espacialidade, gerando desi-
gualdades entre os territórios (SANTIAGO; CARVALHO, 2008).
Para Santiago e Carvalho (2008), há 4 dimensões teóricas do DGD
que contribuíram diretamente para a estruturação da ‘teoria uniica-
da’ de David Harvey sobre os desenvolvimentos desiguais no capita-
lismo. São elas: a) interpretação historicista; b) argumentos construti-
vistas; c) visões ambientalistas; e d) explicações geopolíticas.
Essas dimensões possuem forte impacto sobre as áreas de frontei-
ra devido às condições territoriais existentes em cada espaço de con-
tato entre estados-nações e, principalmente, como um atributo mate-
rial de valor de uso do território. Dentre essas condições, destacam-se:
As escalas trabalhadas nos espaços lindeiros, que perpassam do local
ao internacional; as relações sociais, econômicas, culturais e políticas
trabalhadas com efeitos de barreira e/ou de cooperação; as constru-
ções geopolíticas dos espaços fronteiriços conlituosos, inteirados ou
integrados entre si; enim, as dinâmicas espaciais existentes nos espa-
ços fronteiriços e suas construções para relações transfronteiriças fa-
zem com que sejam adequadas o uso do DGD para explicar as dinâmi-
cas, as (des)construções e as (des)organizações espaciais fronteiriços.
Outra categoria trabalhada por Harvey (2006) é a escala. Esta é de
vital importância para o entendimento do funcionamento do sistema
capitalista, e mais precisamente, do desenvolvimento desigual dos
territórios. Ou seja, acompanhando o raciocínio de Santiago e Carva-
lho (2008) as escalas são produtos sistêmicos de mudanças tecnológi-
cas, das formas de organização dos seres humanos e das lutas políti-
cas; são perpetuamente redeinidas, contestadas e reestruturadas em
termos de seu alcance, de seu conteúdo, de sua importância relativa e
de suas interrelações.

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Se forem inseridas análises quanto às estruturas regionais, Santia-
go e Carvalho (op. cit.) concordam com Harvey (2006) que tais estru-
turas têm que ser entendidas como inerentemente instáveis ao mes-
mo tempo em que a volatilidade do capital e trabalhadores entre eles
se tornam endêmicos para o DGD no contexto do capitalismo. Neste
rumo, defende-se, nas relexões aqui tecidas, que os espaços (trans)
fronteiriços possuem essas conigurações.
Outra categoria trabalhada por Harvey (1998, p. 237-256) diz res-
peito à “compressão espaço-tempo”. Segundo Chauí (2003, p. 10), esta
expressão indica que

a fragmentação e a globalização da produção econômica engendram dois


fenômenos contrários e simultâneos: de um lado, a fragmentação e dis-
persão espacial e temporal e, de outro, sob os efeitos das tecnologias da
informação, a compressão do espaço – tudo se passa aqui, sem distân-
cias, diferenças nem fronteiras – e a compres- são do tempo – tudo se pas-
sa agora, sem passado e sem futuro.

Esta “compressão” tem estimulado cada vez mais o processo de


DGD, uma vez que “la transformación radical de las relaciones so-
ciales no ha ido avanzado uniformemente. Ha avanzado más rapi-
damente em unos lugares que em outros” (HARVEY, 1990, p. 376). Ou
seja, nem todos os espaços possuem as mesmas técnicas e tecnolo-
gias ao mesmo tempo, na mesma geração tecnológica, ubiquamen-
te. Assim, relembra-se a contribuição de Santos (1996) sobre as dinâ-
micas de tempo-rápido articulado com o tempo-curto, que estimulam
uma “modernização da superfície” 4.

4. Brito (2001) trabalha a expressão “modernização da superfície” ao discutir o processo de desen-


volvimento da Amazônia durante o século XX. Tal processo impulsiona a modernização de suas es-
truturas, especialmente as econômicas, através de uma política conduzida pelo Estado. Contudo, as
transformações nas diversas áreas sociais, não foram atingidas igualmente pelos princípios da socie-
dade moderna, resultando na supericialidade da modernização promovida pelo desenvolvimento na
Amazônia.

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Santiago e Carvalho (2008) identiicaram em Harvey (2006) que “a
aniquilação do espaço através do tempo, por exemplo, exige transfor-
mações de escala na estruturação espaço-temporal da acumulação do
capital”. Com isso, criam-se hierarquias de escalas, e tais hierarquias
representam a criação de organizações escalares próprias e distintas
para proporcionarem a circulação e a reprodução do capital. A capa-
cidade de circulação de capital pode ser apresentada em diversos as-
pectos de discussão. Tais como: circulação de mercadorias, circulação
inanceira, densidade da circulação, condições de mobilidade, traje-
tória da circulação, dentre outros.
Neste sentido, Harvey (1990, p. 379), ressalta que “la capacidad
para transportar las mercancías de un lado a outro deine la movilidad
del capital em forma de mercancías. Esta movilidad depende de las re-
laciones de transporte, modiicadas por los atributos de las mercancías
como su peso, tamaño, fragilidad, si son perecederos, etc.”. Além dis-
so, também identiica 4 fatores para explicar este comportamento (p.
379-380):
O primeiro ressalta que “la industria del transporte produce valor
por que es una ‘esfera de producción material’ efectua un cambio mate-
rial em una ‘objeto sobre que recae el trabajo, un cambio em el espacio,
[un] cambio de lugar ”.
O segundo lembra que o custo do movimento não é a única consi-
deração a ser tratada, mas deve ser tratada “la regularidad y coniabi-
lidad de los lujos de transporte pueden reducir la necesidad de inven-
tarios de materias primas y de productos terminados (...) ”.
O terceiro, destaca que “la velocidad del movimiento también es vi-
tal”. Pois a velocidade com que se chega ao destino, impõe um novo
ritmo e dinâmicas espaciais.
O quarto, ao resgatar os fatores anteriores reforça que todos eles
“se deben al desarollo de las fuerzas de producción por el capital”.
Um aspecto fundamental exposto por Harvey (1990, p. 180), que
será aqui adotado para explicar o objeto de estudo, a construção da

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fronteira tardia amapaense, está na sua leitura de Marx, ao airmar
de “el capital debe ‘esfoçarse por derribar cualquer barrera espacial...
para el intercambio, y conquistar toda la tierra para su mercado’, debe
‘aniquilar este espacio com el tiempo, a in de reducir el tiempo de rota-
ción del capital a ‘un abrir y cerrar de ojos’ ”.
Observa-se este comportamento na fronteira amapaense com: a
construção de rodovias ligando o centro à periferia, a construção de
pontes internacionais (o “derribar cualquer barrera espacial”); a mu-
dança de comportamento fronteiriço para transfronteiriço ( “para el
intercambio, y conquistar toda la tierra para su mercado”); a pavimen-
tação de rodovias de inte(g)ração (a im de aniquilar este espacio com
el tiempo, a in de reducir el tiempo de rotación del capital a ‘un abrir y
cerrar de ojos’); a modernização de técnicas e tecnologias de transpor-
te, como o aumento das dimensões dos meios de transportes, trans-
portando mais mercadorias, bem como de seus sistemas de transfe-
rência de relações nodais (portos, aeroportos, ferroviárias). Enim, os
transportes proporcionam mais densidade de luidez.
Completando esta discussão a respeito do DGD, heis (2006), ao
identiicar dois componentes fundamentais na obra de Harvey (2004) (A
produção de escalas espaciais e a produção de diferenças geográicas),
acaba por consolidar a importância das escalas espaciais e as diferentes
construções espaciais em diferentes tempos sociais e tecnológicos.
No primeiro caso, há relações de acomodamento que atravessam a
hierarquia de escalas, onde comportamentos pessoais podem produ-
zir efeitos locais e regionais que culminam em problemas continen-
tais. Para Harvey (2004, p. 109)

as escalas em que a atividade humana pode ser orquestrada é algo que


depende [...] das inovações tecnológicas [...] bem como de várias condi-
ções político-econômicas mutáveis [...] elas resultam igualmente de lutas
de classes e de outras formas de luta política/social, ao mesmo tempo em
que deinem as escalas em que se tem de travar a luta de classes.

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O segundo, diz respeito à geograia histórica da ocupação huma-
na da superfície da terra e da evolução distintiva das formas sociais,
as quais tem

(...) produzido um extraordinário mosaico geográico de ambientes e mo-


dos de vida sócio-ecológicos [...] Esse mosaico geográico é uma criação,
aprofundada pelo tempo, de múltiplas atividades humanas.
Mas as diferenças geográicas são bem mais do que legados históri-
co-geográicos. Elas estão sendo perpetuamente reproduzidas, sustenta-
das, solapadas e reconiguradas por meio de processos político-econômi-
cos e sócio-ecológicos que ocorrem no momento presente (op. cit, p. 111).

Um avanço teórico elaborado por Harvey (1998), retomado em sua


obra de 2004, que é fundamental para as relexões à proposta de DGD,
diz respeito à aniquilação do espaço pelo tempo que engendra transfor-
mações de escala na estruturação sócio-temporal da acumulação de ca-
pital. Embora haja hierarquia de escala e à medida em que técnicas e
tecnologias são inseridas em diversas áreas de ação do capital, princi-
palmente nos setores de transportes e comunicações, Harvey relata que,

o capital mesmo gera suas próprias escalas de circulação. (…) a escala de


regionalidade que faz sentido num tempo não necessariamente faz sentido
noutro. Estruturas regionais precisam ser entendidas como inerentemente
instáveis, ao mesmo tempo em que a volatilidade dos luxos de capital e tra-
balho se tornam endêmicos aos DGD do capitalismo (2004, p. 111).

Harvey (2005) relata que na década de 1970 tenta abordar o tema


da sobrevivência do capitalismo à luz da análise dos “ajustes espa-
ciais”5 e seu papel no interior das contradições da acumulação de ca-

5. Segundo Harvey, (2005, p. 9), “a tese do ajuste espacial somente tem sentido se relacionada com a
tendência expansiva do capitalismo, entendida teoricamente mediante a teoria marxista da queda da
taxa de lucros que produz crises de super-acumulação”. Na versão brasileira dos “Limites do capital”

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pital. À medida em que os “fenômenos geográicos de expansão e de-
senvolvimento” foram se manifestando em excedentes do capital, o
autor indica duas formas para absorver tais excedentes como saídas
possíveis: a expansão geográica e a reorganização espacial.
Para o primeiro caso, o autor chama a atenção que “expansão geo-
gráica frequentemente acarreta investimentos em infraestruturas fí-
sicas e sociais de longo prazo (redes de transporte e de comunicações,
educação e pesquisa, por exemplo)...”. A reorganização espacial decor-
rente desta expansão, esta implica em novas formas de uso do territó-
rio, mediante à inserção de novas elites, novos atores, novas técnicas e
tecnologias, novas infraestruturas, e novos sistemas de normas.
Essas lentes conceituais permitem interpretar a (re)formatação
da fronteira amapaense e a sua caracterização como fronteira tardia,
bem como na construção de sua condição fronteiriça como estraté-
gico-periférica ou periférico-estratégica, dependendo como a fronteira
for analisada (PORTO, 2014).
Outra categoria trabalhada por Harvey (2005) diz respeito ao que o
autor identiicou como “ajuste espaço-temporal”6, cuja ideia principal
é que a super-acumulação em um dado território implica em um exce-
dente de mão-de-obra e excedente de capital. Segundo o autor (p. 11-12),

Tais excedentes podem ser absorvidos por: a) uma re-orientação tem-


poral por meio de investimentos de capital em longo prazo ou gastos so-
ciais (como educação e pesquisa) que adiam a reentrada na circulação do

(2013), na introdução à edição inglesa de 2006, Harvey indica que “ajustes espaciais” são entendidos
como expansões reestruturações geográicas (p. 22). Porto et. al. (2007), por sua vez, interpretaram que
“ajustes espaciais”, são as adaptações que são efetivadas no espaço, visando a garantia da instalação,
existência, luidez, manifestação e reprodução do capital.
6. Para Harvey, “O ‘ajuste’ espaço-temporal, por outro lado, é uma metáfora para soluções das crises
capitalistas mediante adiamento temporal e expansão geográica. A produção do espaço, a organização
de novas divisões territoriais de trabalho, a abertura de novos e mais baratos complexos de recursos, de
novos espaços dinâmicos de acumulação de capital, e a penetração em formações sociais pré-existentes
pelas relações sociais capitalistas e acordos institucionais são formas de absorver excedentes de capital e
mão- de-obra” (2005, p. 1).

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excesso de capital até um futuro distante; b) reorientações espaciais por
meio da abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas e no-
vas possibilidades de recursos e mão-de-obra em outro lugar; c) alguma
combinação de a e b.

Para o autor (op. cit.) a combinação de a e b é particularmente im-


portante quando há o enfoque do capital ixo de natureza independen-
te imobilizado em um ambiente construído, pois providencia as in-
fraestruturas físicas necessárias para que a produção e o consumo se
mantenham no espaço e no tempo. Com isso, um setor econômico me-
nor, é capaz de absorver massivas quantidades de capital e de mão-de-
-obra, particularmente sob condições de rápida expansão e intensii-
cação geográica. Quanto à realocação do excedente de mão-de-obra
e capital por tais investimentos, requer a mediação das instituições i-
nanceiras e/ou estatais, que têm capacidade de gerar e oferecer crédito.
Tais “ajustes” também geram contradições que surgem dentro da
dinâmica das transformações espaço-temporais, sendo essas contra-
dições assim identiicadas por Harvey (2005, p. 13-14):
- Se o excesso de capital e de força de trabalho existe em dado terri-
tório e não pode ser absorvida internamente, então devem ser envia-
dos a outro lugar a im de encontrar um novo terreno para sua realiza-
ção rentável para não serem desvalorizados;
- Mercados para excedentes de produtos podem ser encontrados,
mas os espaços aos quais se enviam os excedentes devem possuir re-
servas de meio de pagamentos como o ouro ou dinheiro ou bens in-
tercambiáveis;
- Se o território não possuir reservas ou bens para trocar, ele ou
deve achá-las ou deve receber crédito ou assistência. Neste caso um
território recebe o empréstimo ou a doação do dinheiro com que
compra o excedente de mercadorias geradas no território em questão;
- Simples transações comerciais e de créditos deste tipo podem ali-
viar problemas de super-acumulação ao menos em curto prazo;

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- Em condições de DGD, os excedentes disponíveis de um terri-
tório são compensados pela carência dos mesmos em outro local;
- O recurso ao sistema de créditos volta aos territórios vulneráveis
aos luxos de capital especulativo e ictício;
- A exportação de capital, particularmente quando acompanhada
pela exportação de força de trabalho, opera de maneira bastante dis-
tinta e frequentemente surte efeitos em prazos mais longos;
- Os excessos de capital e trabalho são enviados a outros lugares
para pôr em movimento a acumulação de capital no novo espaço,
criando novos e dinâmicos centros de acumulação nestes territórios,
gerando uma demanda de bens;
- À medida em que haja o amadurecimento do capitalismo nos no-
vos territórios até o ponto onde eles, também, comecem a produzir
super-acumulação de capital, os velhos territórios podem se benei-
ciar daqueles por um período considerável de tempo;
- Os investimentos de portifólio podem manter a construção
do capital ixo requeridas como base para uma sólida acumulação
no futuro;
- A taxa de retorno dos investimentos a longo prazo no ambiente
construído depende da evolução de uma forte dinâmica de acumula-
ção nos novos territórios;
- As contradições surgem porque os novos espaços dinâmicos de
acumulação de capital geram excedentes que devem ser absorvidos
através da expansão geográica.
Por im, Harvey (op. cit., p. 15) conclui que

(…) o resultado inal é um aumento na ferocidade da concorrência inter-


nacional na medida em que múltiplos e dinâmicos centros de acumula-
ção de capital emergem para competir no cenário mundial em meio a im-
portantes correntes de super-acumulação. Como nem todos podem ter
sucesso em longo prazo, ou os mais fracos sucumbem e caem em sérias
crises de desvalorização ou confrontos geopolíticos emergem na forma de

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guerras comerciais, guerras monetárias e até mesmo confrontos militares
(do tipo que nos deram duas guerras entre potências capitalistas no sé-
culo XX). Neste caso o que se exporta é desvalorização e destruição e os
ajustes espaço-temporais assumem formas mais sinistras.

Em outro texto, Harvey (2008, p. 125), acrescenta que “o desenvolvi-


mento geográico desigual foi tanto um resultado da diversiicação, da
inovação e da competição entre modelos de governança nacionais, re-
gionais e mesmo metropolitanos quanto foi da imposição de algum po-
der hegemônico externo (...)”. Assim, duas expressões podem ser res-
saltadas nesta citação: resultado e imposição.
Segundo Porto e heis (2013), quando se pensa em resultados, tal
contexto lembra que para alcançá-los, objetivos foram traçados, téc-
nicas e tecnologias foram adotadas, investimentos foram efetivados,
ou seja, o uso do território será relexo pela busca daqueles resultados
indicados na citação acima. Isso só é possível quando há relações de-
siguais, em espaços distintos. Ao se adotar a imposição, inspira-se na
incapacidade das relações locais e seus agentes ou elites internas em
elaborar suas próprias ações, por considerar o poder hegemônico ex-
terno como o melhor, o mais apropriado e, com isso, o mais adequado
para alcançar os resultados esperados dos seus investimentos e da-
queles oriundos das políticas públicas sobre o espaço. Assim, a busca
pelo desenvolvimento será manifestado no espaço desigualmente e
combinado. Quando este espaço é a fronteira, isso ica bem evidente.

A ARTICULAÇÃO DA FRONTEIRA DA AMAZÔNIA SETENTRIONAL NO PLATÔ DAS


GUIANAS: ENSAIOS DE INTERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA
Segundo Superti (2011) e Porto, Superti e Silva (2013), desde a década
de 1960, a construção de condições para a articulação da Amazônia ao
cenário nacional, via rodoviária, tem sido estimulada. A mobilidade
que, até então, era efetivada pelos rios, recebe uma alternativa: a ro-
dovia.; as cidades começam a crescer com as costas viradas para o rio

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(TRINDADE JR., 2010); recursos naturais em terra irme são acessados
pelo grande capital através dos grandes projetos na região; novas con-
igurações espaciais e políticas públicas devem ser criadas para ajus-
tarem-se às necessidades do capital.
Vários planos governamentais estimularam integração do territó-
rio brasileiro após a década de 1970, passadas 4 décadas, novos planos
são elaborados não mais visando a integração, porque isso já foi efeti-
vado. Agora, busca-se a manutenção de condições da competitivida-
de do Brasil no cenário internacional a exemplo dos planos do Avança
Brasil (1996) e da Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional
Sul Americano (IIRSA) (2002)7.
Para Porto, Superti e Silva (2013), o enfoque da integração de mer-
cados fez com que a Amazônia ocupasse uma posição central dian-
te das estratégias do Estado brasileiro. Primeiro, porque é através da
região amazônica que o país tem conexão física com seis8 outros Es-
tados sul-americanos e com a Guiana Francesa. Isso torna suas fron-
teiras internacionais importantes espaços estratégicos. Segundo, a
região amazônica, mais uma vez, é encarada como fronteira de recur-
sos que apresenta grande potencial para exploração econômica, ape-
sar de, e mesmo considerando suas especiicidades ambientais. Com
isso, a retomada da concepção de fronteira de recursos e dos proje-
tos de infraestrutura econômica na região amazônica surgiu em con-
traste à luta de movimentos locais de preservação ambiental e melho-
ria das condições de vida das comunidades extrativista, à atuação de
ONG’s ambientalistas nacionais e internacionais e à tendência cres-
cente de políticas públicas estatais preservacionistas que marcaram o
período imediato pós-regime militar.

7. Análises mais aprofundadas sobre o assunto, vide: Silva (2008; 2013); Carvalho e Almeida (2009);
Santos (2013); Scheibe (2013).
8. Através de seu espaço amazônico, o Brasil faz fronteira com: Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela,
Guiana, Suriname, além do Departamento Ultramarino Francês.

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Superti, Martins e Porto (2011), por sua vez, entendem que o plane-
jamento do Estado incluía a Amazônia na perspectiva macroeconô-
mica de inserção do país no mercado supranacional. Sua forma de or-
ganização e articulação das ações dava-se através dos Eixos Nacionais
de Integração (ENID)9. Esses eixos balizaram a organização espacial
das ações estatais considerando o território nacional com um espaço
geoeconômico aberto, delimitando regiões de planejamento que não
respeitavam necessariamente o recorte político-administrativo.
A função principal da execução das ações previstas no estudo dos
eixos era a “integração entre as economias regionais e destas com os
mercados internacionais, aspecto elevado à condição de peça funda-
mental para o desenvolvimento e o crescimento econômico do país”
(CURADO, 2010, p 84). A lógica que orientou a formulação dos eixos
estava fundada na inserção competitiva do país na economia mun-
dial. E, desse modo, privilegiaram as obras de transporte, energia e te-
lecomunicações capazes de garantir a acessibilidade do capital e o es-
coamento da produção.
Dos nove eixos deinidos, quatro impactam na Amazônia Legal e
destes dois são amazônicos e representam corredores logísticos de in-
tegração nacional e internacional da região. O Madeira – Amazonas,
como saída para o Atlântico, e o Arco Norte, como saída para o Ca-
ribe e elo de intercâmbio regional com Guiana Francesa, Suriname
e Guiana.
A área total dos dois eixos abrange os estados do Amazonas, Acre,
Rondônia, Roraima e Amapá. Neles se destaca os projetos de ligar por
estradas pavimentadas o Amapá a Guiana Francesa, ou seja, o Brasil e
a França, país membro da Comunidade Econômica Europeia, e Rorai-
ma a Venezuela, permitindo o tráico rodoviário entre Manaus e Ca-

9. Esses eixos seriam construídos, resumidamente, a partir dos critérios: malha multimodal de trans-
portes; hierarquia funcional das cidades; identiicação dos centros dinâmicos e os ecossistemas exis-
tentes. Os eixos totalizam em nove grandes cortes espaciais: Arco Norte; Araguaia – Tocantins; Madeira
– Amazonas; Oeste; Rede Sudeste; Sudoeste; Sul; São Francisco e Transnordestino.

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racas. A articulação com a República Cooperativa da Guiana não in-
tegra o ENID. Ambas as ligações são signiicativas para composição
de um novo cenário geopolítico e a segunda coloca a Zona Franca de
Manaus, grande produtora de eletroeletrônicos, em uma posição es-
tratégica para o comércio com o mercado sul americano. Entretanto,
segundo Kohlhepp (2001) o fator principal do planejamento infra-es-
trutural presente nos projetos dos eixos amazônicos foi o de possibili-
tar o transporte da produção agrícola, conectando sistemas de trans-
portes multimodais.
Ao se concretizar os corredores logísticos da Amazônia brasileira
se integrará 8.272 km2 de fronteiras internacionais com seis dos sete
países, além do Brasil, parceiros da Organização do Tratado de Coo-
peração Amazônica (OTCA)10 e com o departamento ultramarino
francês.
O Tratado de Cooperação Amazônica - TCA (assinado 1978 por Bo-
lívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezue-
la)11, é o instrumento jurídico que reconhece a natureza transfronte-
riça da Amazônia. Este documento prevê o incremento da pesquisa
cientíica e tecnológica, o intercâmbio de informações, a utilização ra-
cional dos recursos naturais, a liberdade de navegação, a preservação
do patrimônio cultural, os cuidados com a saúde, a criação de centros
de pesquisa, o estabelecimento de uma adequada infra-estrutura de
transportes e comunicações, e o incremento do turismo e do comér-
cio fronteiriço12.

10. Em 1995, os países amazônicos decidiram fortalecer institucionalmente o Tratado de Cooperação


Amazônica com a criação de uma Secretaria Permanente dotada de personalidade jurídica, cuja deci-
são foi implementada em 1998, com a aprovação do Protocolo de Emenda àquele Tratado que instituiu
oicialmente a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
11. Embora a França, pela Guiana Francesa, não seja signatária do TCA, não signiica dizer que este es-
paço ultramarino francês não faça parte da Amazônia, mas que a sua condição amazônica não foi con-
siderada para a sua inserção, mas sim uma condição política-administrativa.
12. Embora o TCA reconheça a natureza transfronteiriça ida Amazônia, a abordagem econômica era
entendida com uma “condição fronteiriça”.

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No que tange à integração física, no seu artigo X, expõe que os sig-
natários coincidem na conveniência de criar uma infraestrutura física
adequada entre seus respectivos países, especialmente nos aspectos
de transportes e comunicações. Consequentemente, comprometem-
-se a estudar as formas mais harmônicas de estabelecer ou aperfei-
çoar as interconexões, rodoviárias, de transportes luviais, aéreos e
de telecomunicações, tendo em conta os planos e programas de cada
país para lograr o objetivo prioritário de integrar plenamente seus ter-
ritórios amazônicos às suas respectivas economias nacionais.
Considerando que a Guiana Francesa não seja signatária do TCA,
não integra a OTCA e não seja envolvida pela IIRSA; que não se in-
sira nessas iniciativas de políticas públicas de integração na Améri-
ca do Sul; passados 30 anos da assinatura do TCA, a articulação da
Guiana Francesa em políticas públicas que visassem a integração no
norte da América do Sul somente foi efetivado com a proposta de in-
tegração regional da União Europeia conhecida como INTERREG IV,
através do Programa de Operação da Amazônia - PO Amazonie, para
o período 2007-2012. Por este Programa, intenciona-se integrar isica-
mente Suriname, Guiana Francesa e Brasil (pelos estados do Amapá,
Pará e Amazonas).
Com isso, para Porto (2014), o PO Amazonie corrige o vazio que
o TCA e o IIRSA não atendiam: a integração da Guiana Francesa no
norte da América do Sul. Sendo que no Brasil, o único ponto de con-
tato entre essas políticas de Integração se localiza no município de
Oiapoque, no Estado do Amapá.
Os investimentos nos Eixos amazônicos permitirão ligações estra-
tégicas com o mercado sul-americano e o aparelhamento de corredo-
res de exportação, por meio da ampliação de aeroportos, pavimenta-
ção de rodovias, ampliação da rede elétrica, aparelhamento de portos.
O novo contorno de atuação do Estado Nacional nas regiões de
fronteira internacional se deu, também, pela articulação política dos
países da América do Sul para a implantação do IIRSA, com relação

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direta e complementar com a concepção dos ENID brasileiros e atre-
lada às ambições de sua política externa para América do Sul.
Tanto o IIRSA, quanto as políticas internas deste primeiro decênio
do século XXI, foram construídos com a mesma orientação, qual seja:
promover a integração competitiva a partir de volumosos investimen-
tos em infraestrutura organizados em eixos de integração e desenvol-
vimento. A IIRSA em nível sul-americano, como bloco regional; os
PPA’s e o PAC em nível nacional, acelerando a economia e colocando
o Brasil em situação vantajosa em relação ao mercado sul-americano.
A Amazônia é cruzada diretamente por três eixos, o do Amazonas, do
Escudo das Guianas e eixo Peru-Brasil-Bolívia, tanto na direção Leste-
-Oeste quanto Norte a Sul. Para hery (2005, p.46), com o IIRSA, a “Ama-
zônia torna-se o centro do continente, em vez de ser a periferia dos países
que a compõem, mesmo não sendo a parte do continente onde passam os
luxos mais densos, (...)”. Isso corrobora para a coniguração da condição
estratégico-periférica das fronteiras com os países amazônicos.
Nos eixos amazônicos do IIRSA, a pavimentação de rodovias, a
abertura de vias navegáveis, permitindo inclusive a união bi-oceâni-
ca – Atlântico/Pacíico - no eixo do Amazonas, a interconexão de por-
tos, e o incremento de infraestrutura de integração entre os países nas
áreas de tríplices fronteiras, são elementos deinidores do que eles
signiicam. Todos têm foco no escoamento da produção, no aprovei-
tamento do potencial hidroelétrico e na exploração dos recursos mi-
nerais e lorestais da região.
Destaque nesta discussão diz respeito ao não envolvimento e in-
serção da Guiana Francesa na proposta do IIRSA. Contudo, desde
meados da década de 1990 há a intenção de se buscar a integração do
Brasil (pelo Amapá), com a França (pela Guiana Francesa), cujo pri-
meiro passo foi a assinatura do Acordo-Quadro, em 1996, como su-
porte para o estabelecimento de novos planejamentos territoriais para
a fronteira franco-brasileira. Para Silva (2008, p. 76), este acordo ini-
cia um período de “novos usos político-territoriais” para essa fronteira.

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Segundo Porto e Santos (2012), a partir de então, uma série de ini-
ciativas, institucionalizadas, vem sendo elaboradas e implementa-
das no espaço fronteiriço franco-brasileiro, implicando em novos pla-
nejamentos e, portanto, novos usos dessa fronteira. A construção da
ponte binacional sobre o rio Oiapoque e a implantação da banda lar-
ga no estado do Amapá via Guiana Francesa são os elementos mais
tangíveis entre as ações de cooperação regional entre Brasil e Fran-
ça. No entanto, estas são apenas duas de uma série de medidas, politi-
camente pensadas e estrategicamente construídas que estão ditando
novos ritmos ao espaço amapaense.
O vazio não ocupado pela proposta do IIRSA no que tange à Guia-
na Francesa, é preenchida por uma outra política internacional de in-
tegração, o INTERREG. Proposta esta que não tem por objetivo ime-
diato a integração sul americana, mas a integração europeia. Contudo
suas ações reletem no norte da América do Sul. Assim como o extre-
mo norte brasileiro é contemplado com políticas territoriais propos-
tas pela IIRSA, também a Guiana Francesa é respaldada com uma sé-
rie de políticas públicas de cunho territorial para sua fronteira com
o Amapá. Porém, as políticas públicas da IIRSA não dialogam com
aquelas propostas pela UE/França para sua região ultraperiférica, a
Guiana Francesa, pois a IIRSA não contempla a Guiana Francesa, em-
bora seja uma iniciativa de integração para América do Sul (PORTO;
SANTOS, 2012).
A busca pela integração é materializada construção e pavimenta-
ção de rodovias até a fronteira e pela construção da ponte binacional
entre Brasil e Guiana Francesa, articulando as cidades-gêmeas13 Oia-
poque (Brasil) e Saint Georges (Guiana Francesa), daí a particularida-

13. Cidades-gêmeas são “adensamentos populacionais cortados pela linha de fronteira – seja esta seca
ou luvial, articulada ou não por obra de infra-estrutura – apresentam grande potencial de integração
econômica e cultural assim como manifestações ‘condensadas’ dos problemas característicos da frontei-
ra, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidada-
nia” (BRASIL, 2005, p. 152).

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de de se constituírem em um alvo das políticas públicas para a zona
de fronteira, enquadrando-se no Programa Faixa de Fronteira (2005),
proposto pelo Ministério da Integração, localizadas no Arco Norte, na
sub-região Oiapoque-Tumucumaque.
A ponte binacional interligará as rodovias BR-156 e RN-2 (Route
Nacional), favorecerá a integração dos dois países (luxo de pessoas
e mercadorias), já que haverá a abertura para o Platô das Guianas e
Caribe, através da Transguianense (integração de rodovias brasileiras
e internacionais). Esta ponte está concluída desde 2010, contudo, até
2016 não havia sido inaugurada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção do pensamento de David Harvey sobre Desenvolvimento
Geográico Desigual (DGD) para explicar o uso e o acesso da frontei-
ra corrobora para o entendimento do esforço do capital em derrubar
qualquer barreira espacial para o intercâmbio e conquistar espaços a
im de acionar suas potencialidades, seus produtos e expandir a área
de inluência e de interesse do capital externo sobre o local.
A tentativa de se elaborar um instrumento jurídico que reconhe-
cesse a natureza transfronteriça da Amazônia, iniciou com o Tratado
de Cooperação Amazônica - TCA (1978), prevendo criar uma infraes-
trutura física adequada entre seus respectivos países, bem como inte-
grar plenamente seus territórios amazônicos às suas respectivas eco-
nomias nacionais. Contudo, tanto este documento como o IIRSA não
reconhecem a Guiana Francesa como amazônica e como espaço sul-
-americano, este espaço ultramarino francês não é insirida nessas ini-
ciativas de políticas públicas de integração na América do Sul.
A articulação da Guiana Francesa em políticas públicas que visas-
sem a integração no Norte da América do Sul somente foi efetivada
com a proposta de integração regional da União Europeia conheci-
da como INTERREG IV (2007), através do Programa de Operação da
Amazônia - PO Amazonie, 30 anos após a assinatura do TCA, ao in-

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tencionar integrar isicamente Suriname, Guiana Francesa e Brasil
(pelos estados do Amapá, Pará e Amazonas). Com isso, o PO Amazo-
nie corrige o vazio que o TCA e o IIRSA não atendia: a integração da
Guiana Francesa no norte da América do Sul. Sendo que no Brasil, o
único ponto de contato entre essas políticas de Integração se localiza
no município de Oiapoque, no Estado do Amapá.
Ao se observar a construção da coniguração territorial amapaen-
se desde a sua criação como Território Federal (1943), percebeu-se di-
versas criações/construções de condições espaciais que estimularam
de novos usos do território, mediante a instalação de próteses e sis-
temas de engenharia, que possibilitaram a diversiicação produtiva
do seu espaço, produzindo também ajustes para novas conigurações
territoriais.
A busca pela articulação transfronteiriça é decorrente dos ajustes
espaciais no Amapá implantados no então Território Federal do Ama-
pá, após 1943, para melhor articular as redes ali criadas/construídas.
Após a segunda metade da década de 1990, com a assinatura do Acor-
do Quadro Brasil/França, novas intenções transfronteiriças buscam
se construir e formatar, mediante articulações rodoviárias ainda não
oicialmente executadas, pois a ponte binacional Brasil/França não
foi inaugurada, embora haja mobilidades no contexto local.

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AS POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DEFESA
PARA AS FRONTEIRAS NO CONTEXTO
AMAZÔNICO: UMA ANÁLISE DO PONTO
DE VISTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Flávia Carolina de Resende Fagundes
Camilo Pereira Carneiro Filho

INTRODUÇÃO
As políticas para a fronteira brasileira abrangem um complexo uni-
verso de uma faixa de 16.886 km de extensão, que perpassa onze es-
tados da federação. Estados que possuem realidades diversas, capa-
cidades dispares e também níveis de presença de aparatos de Estado
federal variáveis, o que impõe desaios à implementação das políti-
cas públicas de segurança e defesa nos moldes atuais. Dessa forma,
as políticas formuladas em Brasília se reletem de maneira diversa
nos espaços fronteiriços.
Este cenário é ainda mais particular quando observamos a rea-
lidade dessas políticas na região amazônica. De acordo com Raza
(2014), em função da extensão e das condições topográicas, pode-se
dizer que as fronteiras políticas da Amazônia constituem, sobretu-
do, uma fronteira imaginária, uma vez que o bioma amazônico está
presente em nove países, sendo praticamente impossível visualizar
o limite exato entre os países. Nesse sentido, as políticas de seguran-
ça e defesa são destinadas a controlar os rios e os aeródromos na re-

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gião. Contudo, dada a extensão e a diiculdade, o controle da faixa
de fronteira1 se dá de forma precária e não é suiciente.
Os estados da federação localizados na Amazônia apresentam de-
saios do ponto de vista institucional, seja por conta da precária pre-
sença do poder público, principalmente na faixa de fronteira, seja por
conta das debilidades destes no que diz respeito à gestão e à capaci-
dade em prover as contrapartidas exigidas pela União para a alocação
de recursos.
O presente artigo visa compreender como as políticas de seguran-
ça e defesa se materializam no espaço amazônico, considerando as
peculiaridades desta região. Serão analisados o Programa Calha Norte
(PCN), o Plano Estratégico para as Fronteiras (PEF) e a Estratégia Na-
cional de Segurança Pública para as Fronteiras (ENAFRON), no intui-
to de se compreender as contradições na implementação destas polí-
ticas públicas.
Primeiramente, serão feitas considerações sobre a formulação e im-
plementação de políticas públicas, em seguida serão apresentados os
desaios do entorno amazônico, abordando a instabilidade em alguns
dos Estados vizinhos, bem como os problemas relativos a criminalidade
transnacional. Por im serão abordados os planos destinados à seguran-
ça e defesa das fronteiras do Arco Norte2 e as distorções de tais políticas.

POLÍTICAS PÚBLICAS E IMPLEMENTAÇÃO NOS DIFERENTES NÍVEIS: UMA SÍNTESE


IMPERFEITA
Políticas públicas dizem respeito aos produtos resultantes da atividade
política e compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alo-
cação de valores. Como envolvem atividade política, resultam do proces-

1. A lei n° 6.634 de 1979 dispõe sobre a faixa de fronteira do Brasil e determina que esta corresponde
à faixa interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terres-
tre do território nacional.
2. De acordo com a regionalização utilizada pelo Ministério da Integração Nacional, a faixa de frontei-
ra do Brasil é dividida em três arcos: Norte, Central e Sul.

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samento, pelo sistema político, das demandas originárias do meio am-
biente e das demandas originadas no interior do próprio sistema político,
em outras palavras, do interior das próprias instituições (RUA, 1998).
Nesse sentido, o Estado tem um papel de centralidade na conse-
cução de políticas públicas, ainda mais nas questões de segurança e
defesa, uma vez que detém o monopólio legítimo do uso da força, es-
tando assim em situação de superioridade em relação aos outros pro-
ponentes pelo poder de coerção e de mobilização. Ademais, o Estado
tem o controle de parte expressiva dos recursos nacionais, o que lhe
permite implementar políticas de grande envergadura temporal e es-
pacial (SUPERTI, 2011).
A consecução de políticas públicas é um processo complexo, so-
bretudo pelo fato do Estado ser constituído por um conjunto de ins-
tituições (incluindo o governo que dirige a administração e executa o
trabalho) com o pessoal, orçamentos e funções diferentes. A sociolo-
gia política mostra que o Estado não é um ator homogêneo: uma ad-
ministração pode ter uma lógica e objetivos diferentes. Esses subcon-
juntos devem agir em simbiose e irão colidir eventualmente.
A atuação do Estado em qualquer nível de intervenção (federal,
estadual e municipal) envolve uma grande miríade de atores no pro-
cesso de decisão que irão inluir no processo, defendendo seus inte-
resses. Não obstante, as negociações políticas se estendem também à
fase de implementação das políticas públicas em outros meios e ce-
nários diferentes (DIAS; MATOS, 2012).
A fase de implementação consiste em uma adaptação do progra-
ma de políticas públicas às situações concretas que deverão ser en-
frentadas. Nesse sentido, um fator importante a considerar é que a
existência de diferentes níveis de governo impõe desaios, tendo em
vista a frequente ausência de relações hierárquicas e certa desarticu-
lação envolvendo entes da federação e organismos.
A implementação também envolve o planejamento administrati-
vo e de recursos humanos do processo político. Dessa forma, é im-

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portante indagar se existem tempo e recursos (materiais e humanos)
suicientes para colocar essas ações em prática? A relação causa-efei-
to/ meios-ins é adequada, é preciso que a política relacione a causa
(do problema) com o efeito desejado (a solução proposta). A fase de
implementação das políticas públicas pode apresentar alguns desa-
ios, associados a três dimensões: institucional, organizacional e am-
biental. Do ponto de vista institucional os entraves se referem à falta
de clareza na deinição dos objetivos, metas e estratégias; inadequa-
ção da teoria que informa a concepção política; diversidade de ato-
res envolvidos na execução da política; inexperiência dos atores com
as estratégias de implementação; incompatibilidade entre a natureza
da política e as técnicas de gestão e forma de organização do trabalho
(DIAS, MATOS, 2012).
No que concerne a dimensão organizacional, os principais proble-
mas são o excesso de burocracia (resistência à mudança ou à inova-
ção); tarefas fragmentadas e vários níveis hierárquicos; departamen-
tos isolados/desarticulados; ausência de informações coniáveis e
precisas para monitorar a implementação; baixo grau de comunica-
ção entre os decisores e executores; ausência de proissionais espe-
cializados; inexistência ou baixo índice de incentivos para melhorar a
gestão; falta de motivação dos funcionários (baixos salários e ausên-
cia de política de atualização e capacitação); e rotatividade dos atores
políticos. Já os problemas na dimensão ambiental ocorrem por con-
ta da diiculdade de participação dos beneiciários da política (baixo
nível de informação, de inluência e de organização) e em virtude da
distância entre os órgãos centrais de tomada de decisões e os executo-
res da política (DIAS; MATOS, 2012).
Ao se analisar a implementação dos planos de segurança e defe-
sa na faixa de fronteira amazônica, é possível perceber que, via de re-
gra, a complexidade da região não é levada em consideração e mui-
tas de suas peculiaridades são ignoradas, gerando problemas que
causam distorções na implementação das políticas. Na próxima se-

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ção serão abordados os desaios e características da região amazôni-
ca que impactam a implementação das políticas públicas de seguran-
ça e defesa.

OS DESAFIOS DO CONTEXTO FRONTEIRIÇO AMAZÔNICO


Tratar da segurança e defesa da Amazônia é, em grande parte, dis-
cutir a fronteira norte do Brasil, que abrange os limites internacio-
nais com Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e
Guiana Francesa. O Norte brasileiro (Tocantins, Pará, Amazonas,
Amapá, Roraima, Acre e Rondônia), para além da Amazônia, é cons-
tituído por estados de fronteira, à exceção do Tocantins. Dessa ma-
neira, é necessário entender como é tratada a segurança destas fron-
teiras. O fato de constituir uma região transfronteiriça, somado aos
problemas e desaios impostos à Amazônia exige uma análise do en-
torno regional.
A chamada Pan-Amazônia constitui a maior bacia hidrográica e
a maior loresta tropical do planeta e corresponde às áreas drenadas
pelas bacias dos rios Amazonas, Araguaia-Tocantins, Orenoco, Esse-
quibo e outros de menor porte. Cobre uma área de cerca de 7.000.000
km², o que representa 5% da superfície global; ocupa 50% da Amé-
rica do Sul; abriga um quinto das reservas de água doce disponíveis
no planeta e aproximadamente metade de toda fauna e lora da Ter-
ra. De acordo com Becker (2004), há três eldorados que podem ser re-
conhecidos contemporaneamente: os fundos oceânicos, a Antártida e
a Amazônia.
Não obstante, além das riquezas minerais e a biodiversidade, a to-
pograia da região também oferece facilidade para a prática de ilícitos
que se utilizam de rotas áreas, terrestres e luviais clandestinas para
transportar drogas, armas e munições. A presença rarefeita do Estado
neste espaço é regra entre os países amazônicos e acaba por abrir es-
paço para atividades do crime organizado, bem como para a atuação
de grupos guerrilheiros.

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A ocupação territorial dos países amazônicos se desenvolveu vol-
tada para o litoral. No caso brasileiro, os principais núcleos urbanos e
planos desenvolvimentistas se concentraram no Centro-Sul do país. A
ocupação da Amazônia foi postergada e a região só passou a receber
mais atenção a partir de 1970, mesmo assim, de forma muito incipien-
te e desordenada, o que gerou um quadro quase caótico da ocupação
de várias partes de seu território (PENNA FILHO, 2015).
Esses fatos contribuíram para que a região amazônica continuas-
se com uma baixa densidade. Atualmente, a Amazônia brasileira pos-
sui uma população de pouco mais de 25 milhões de habitantes, abriga
56% da população indígena do país, conta com vastas áreas esparsa-
mente ocupadas e a maior parte de seus habitantes se concentra nas
cidades de Manaus e Belém, capitais dos estados do Amazonas e do
Pará, os dois maiores da região (PENNA FILHO, 2015). As duas capi-
tais coniguram polos regionais, o que impacta na gestão dos projetos
direcionados à Amazônia.
A baixa ocupação territorial ocorre também nos demais países
amazônicos, onde a relativa ausência do Estado estimula atividades
ilícitas. Nesse sentido, podemos observar o avanço dos cultivos de fo-
lha de coca na Amazônia peruana, cada vez mais próximos da frontei-
ra com o Brasil. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas
e Crime (UNODC) (2013), a produção vem se concentrando principal-
mente na região de fronteira com a Colômbia e o Brasil, onde houve
um aumento de 73% em comparação com 2011. A localização geográ-
ica desta área torna mais fácil o transporte de precursores químicos
necessários para produzir drogas e também facilita o tráico trans-
nacional.
Nos últimos anos, foi observada uma retração nos cultivos de folha
de coca na Colômbia em função das fumigações do pesticida glifosa-
to, o que estimulou o avanço das plantações no Peru e na Bolívia. En-
tretanto, as repercussões do uso do glifosato, conhecido como “agen-
te laranja”, principalmente na fronteira com o Equador, levaram o país

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vizinho a suspender seu uso em maio de 2015, após as autoridades de
Quito processarem o governo da Colômbia no Tribunal Internacional
de Justiça por conta dos impactos do glifosato em seu território. Den-
tre os efeitos negativos do pesticida estão: contaminação do solo, in-
viabilizando a agricultura; contaminação da água; aumento dos casos
de câncer, abortos e problemas dermatológicos. Os dois países entra-
ram em acordo com o im das fumigações, o que ocasionou o aumen-
to dos cultivos na de coca na Colômbia e novas pressões para a volta
da utilização do glifosato. Não obstante, o governo de Bogotá descar-
tou esta opção.
Para além das questões ligadas ao narcotráico, as riquezas mi-
nerais presentes na região amazônica também criam oportunidades
para as atividades ilícitas. Garimpeiros em busca de oportunidades de
enriquecimento rápido desenvolvem a extração ilegal de ouro no Es-
cudo das Guianas. A selva da Guiana Francesa, por exemplo, tem so-
frido a incursão de brasileiros que ingressam de forma irregular no
território guianense para trabalhar nos garimpos ilegais localizados
nas proximidades da fronteira do território ultramarino francês com
o Suriname. Autoridades da PAF (Police aux frontières) estimam que
cerca de vinte mil brasileiros cruzaram a fronteira com a Guiana Fran-
cesa em busca da promessa do eldorado (PEREIRA CARNEIRO, 2015).
Os garimpos clandestinos onde trabalham os brasileiros causam gra-
ves impactos, como desmatamento e poluição ambiental, além de
constantes choques entre garimpeiros e as autoridades policiais fran-
cesas, com a escalada para o conlito armado em alguns momentos. A
extração ilegal de ouro está relacionada a uma série de outras cadeias
de ilícitos transnacionais, como o contrabando, a prostituição, o trái-
co de pessoas, realidade que pode ser observada na cidade de Oiapo-
que, no Amapá.
Não são apenas os problemas vinculados aos crimes transnacio-
nais que trazem preocupações para a fronteira norte do Brasil, a fra-
gilidade institucional nos países vizinhos e o risco de transbordamen-

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to de crises nacionais também é uma preocupação. Nesse sentido, o
caso venezuelano chama a atenção, o país atravessa uma grave cri-
se política e econômica que remonta à 2012 e que vem se agravando
desde o ano seguinte com a morte de Hugo Chávez. A brusca que-
da do preço do barril de petróleo, o déicit da balança de pagamen-
to, o peso da dívida externa, a inlação (estimada em 720% em 2016), o
crescimento da economia informal e o desabastecimento no país (fal-
tam alimentos, remédios e itens básicos de higiene), têm levado a Ve-
nezuela a uma situação de crise humanitária com impactos diretos na
fronteira. Entre 2015 e setembro de 2016, segundo dados do Ministério
da Justiça do Brasil, mais de 77 mil venezuelanos entraram no Brasil
pela cidade fronteiriça de Pacaraima, no norte de Roraima. No mes-
mo período, saíram pouco mais de 67 mil, ou seja, cerca de 10 mil ve-
nezuelanos permaneceram no país (ESTARQUE, 2016).
A situação político-econômica da Venezuela tem imposto um sério
desaio ao entorno regional, com grande potencial de desestabilização
da região. Os impactos da crise já podem ser sentidos nas fronteiras co-
lombiana e brasileira, que têm recebido um grande luxo de venezuela-
nos. O governo de Nicolás Maduro chegou a determinar, em dezembro
de 2016, o fechamento das fronteiras com a Colômbia e com o Brasil.
Até janeiro de 2017 as fronteiras com estes dois países permaneciam fe-
chadas. A medida fora tomada no intuito de coibir o contrabando de
moeda local, haja vista a grave crise econômica, contudo ela desenca-
deou impactos do ponto de vista humanitário, uma vez que a popula-
ção enfrenta escassez de itens básicos de sobrevivência.
Os últimos anos têm testemunhado a inabilidade dos organismos
regionais em lidar com a crise venezuelana e a omissão de Brasília.
Não obstante, tal situação tem tido grande impacto sobre os órgãos
públicos em Pacaraima, que não possuem condições de responder ao
inluxo venezuelano devido ao grande contingente de imigrantes e à
falta de servidores. Tal situação também vem desencadeando graves
consequências sociais na cidade roraimense.

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A região amazônica possui muitas riquezas que podem despertar
a cobiça internacional e convive com grandes desaios em seu entor-
no regional, aos quais o Estado brasileiro tem tido grande diiculda-
de de responder. Embora vários programas federais tenham sido cria-
dos para aumentar a presença do Estado na Amazônia, estes foram
apenas parcialmente executados. A rigor, a presença do Estado na re-
gião é ainda associada quase que exclusivamente aos militares, que
desempenham funções relacionadas à defesa das fronteiras, além de
conduzirem ou darem suporte também a programas de cunho social
(PENNA FILHO, 2015). Na próxima seção serão analisados os planos
de segurança e defesa que incidem sobre a fronteira norte.

OS PLANOS DE SEGURANÇA E DEFESA PARA A FRONTEIRA AMAZÔNICA


Os problemas amazônicos envolvem um amplo espectro que versa
tanto sobre questões de defesa, quanto de segurança. Dessa forma,
os planos para a fronteira amazônica envolvem novas formas de ges-
tão política dos espaços fronteiriços por parte do governo federal (em
articulação com os governos dos estados) que combinam os elemen-
tos de airmação da soberania e de defesa do território com preocupa-
ções especíicas relativas à segurança pública – tráico de drogas e trá-
ico de armas, contrabando, etc. (ALVAREZ; SALLA, 2013). É possível
airmar que existe um certo apagamento da diferenciação entre as es-
feras de segurança e defesa na gestão deste território.
No tocante aos conceitos de segurança e defesa, algumas conside-
rações precisam ser ressaltadas, uma vez que a diferenciação destes
em um mundo extremamente conectado faz pouco sentido para além
das questões epistemológicas. Para Machado (2011), os limites entre
a segurança externa, o que se refere à defesa (militar/guerra) e a se-
gurança interna (ordem pública, forças policiais) estariam sendo cor-
roídos. Uma concepção estática é substituída por outra mais dinâmi-
ca que sugere a metáfora de campos transversos. De acordo com Bigo
(2010), o internacional atualmente é tanto constitutivo quanto uma

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dimensão explicativa da segurança interna e do trabalho da polícia,
mesmo que a tradição intelectual e a separação acadêmica entre in-
terno e externo tendam a nos fazer esquecer isto.
Podemos observar que as políticas para a fronteira, especialmen-
te na região amazônica, mesclam preocupações de segurança e defe-
sa, haja vista os planos que incidem neste espaço. O primeiro projeto
de grande envergadura destinado à Amazônia foi o Projeto Calha Nor-
te, criado em 1985, com o objetivo de manter a soberania na Amazô-
nia por meio da presença militar. Em 1997, o projeto foi transformado
em Programa Calha Norte (PCN) com o intuito de aumentar a presen-
ça do poder público na região amazônica, contribuir para a defesa na-
cional e proporcionar assistência às populações da fronteira (ALVA-
REZ; SALLA, 2013).
Inicialmente, o Projeto Calha Norte não possuía entre suas dire-
trizes uma preocupação especíica com a faixa de fronteira. Contudo,
com sua transformação em Programa Calha Norte, os objetivos foram
expandidos e o PCN ganhou importância em virtude do esvaziamen-
to demográico das áreas remotas e da intensiicação das práticas ilí-
citas na região (NEVES; SILVA; MONTEIRO, 2016).
A partir de 2003, a área de abrangência do PCN passou a cobrir 194
munícipios, que correspondem à totalidade dos municípios dos esta-
dos de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e ao entorno da
Ilha de Marajó na porção norte do estado do Pará. Inicialmente, a área
do PCN abrangia os municípios na faixa de fronteira situados entre o
rio Solimões (Tabatinga-AM) e a Foz do rio Amazonas, nas proximida-
des da Ilha de Marajó. Atualmente, o Programa Calha Norte cobre 32%
do território nacional, sendo que, dos 194 municípios atendidos, 96
estão na faixa de fronteira.
A ênfase que o programa tem dado à faixa de fronteira também
pode ser notada nas Diretrizes de 2009, que estabeleceram um dire-
cionamento prioritário para os municípios da faixa de fronteira den-
tro da região do PCN. Cabe destacar que em sua vertente militar o

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programa funciona de forma suplementar, sem qualquer prioridade
deinida oicialmente, embora tenha ênfase no apoio ao Exército, por
conta de sua maior presença na faixa de fronteira continental amazô-
nica (NEVES; SILVA; MONTEIRO, 2016).
Embora possamos perceber, por parte do governo brasileiro, um
aumento da preocupação com a fronteira norte com a expansão do
PCN, é importante ressaltar que este movimento ocorre em toda a fai-
xa de fronteira, gerando a necessidade de arcabouços mais amplos
para lidar com as fronteiras, uma vez que há uma pressão política ba-
seada no discurso das “fronteiras abertas” como ameaça à segurança
pública nos grandes centros. Um discurso que enfatiza a importância
do reforço do controle nas fronteiras internacionais.
Em virtude destas pressões e também do plano de modernização
do Exército Brasileiro, na esteira da Estratégia Nacional de Defesa, de
2008, foi concebido o Sistema de Monitoramento Integrado de Fron-
teiras (SISFRON). Este projeto visa dotar a força terrestre de meios
para a presença efetiva na faixa de fronteira, além de uma rede de sen-
sores que produzirá informações para a tomada de decisões intera-
gências. Além da rede radares, o projeto também prevê o aumento
dos efetivos na faixa de fronteira, principalmente na região amazôni-
ca, com previsão de alcançar um efetivo de 35 mil soldados até 2019.
Em consonância com o SISFRON, embora não explicitamente, foi
lançado em 2011, o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), coordenado
pelos Ministérios da Defesa, Justiça e Fazenda, para o fortalecimento
da prevenção, controle, iscalização e repressão dos delitos transfron-
teiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira (BRASIL, 2011).
Dentro do escopo do PEF, foi lançada a Operação Ágata, sob a coorde-
nação do Ministério da Defesa e do Comando do Estado Maior Con-
junto das Forças Armadas (EMCFA). Sua execução cabe à Marinha,
ao Exército e a Força Aérea Brasileira (FORÇA AÉREA BRASILEIRA,
2013). Além das Forças Armadas participam da operação cerca de 30
agências nos níveis federal, estadual e municipal, entre ministérios,

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agências reguladoras e órgãos de iscalização. Assim, é possível perce-
ber a expansão do arcabouço de gestão da fronteira, onde a esfera da
defesa vem sendo mesclada com a segurança pública, com o envolvi-
mento de mais órgãos de gestão nesta seara.
Dentro deste mesmo escopo, há outras operações, como a Opera-
ção Sentinela, coordenada pela Polícia Federal e formada pela Polícia
Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança e oiciais estaduais
(POLÍCIA FEDERAL, 2012) que ocorre de forma continua, diferente-
mente da Operação Ágata, que acontece de maneira esporádica. Ade-
mais, ocorrem outras operações desdobradas pelos diversos órgãos
de segurança federais e estaduais.
No espectro da segurança pública foi proposto em 2012, a Estraté-
gia Nacional de Segurança Pública na Fronteira (ENAFRON) em arti-
culação com o Plano Estratégico de Fronteiras, visando coordenar as
ações dos órgãos públicos na faixa de fronteira, com o intuito de di-
minuir a criminalidade e o tráico de ilícitos. Esse plano busca a cria-
ção de mecanismos para coordenar de maneira mais efetiva os atores
atuantes na fronteira, fortalecendo as instituições estaduais e munici-
pais de segurança pública e daquelas que têm atribuição indireta na
prevenção do crime, e no fomento às políticas públicas de segurança
(NEVES; SILVA; MONTEIRO, 2016).
Nos últimos anos, o governo federal do Brasil vem demonstrando
uma crescente preocupação com as fronteiras, tendo criado uma série
de planos direcionados a esta parte do território nacional. Entretanto,
quando analisamos estes planos nos deparamos com diretrizes gené-
ricas que não especiicam objetivos claros nem os mecanismos de im-
plementação destes. Fato ainda mais grave é que as realidades locais
não são levadas em consideração para a consecução de tais políticas,
o que faz com que em certos pontos da fronteira estas políticas este-
jam ausentes.

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OS DESAFIOS NA EXECUÇÃO DOS PLANOS
Entrevistas institucionais realizadas com setores concernentes às
áreas de segurança e defesa3, em trabalho de campo, apontam para
o questionamento da atuação do Estado e dos entes federados frente
aos desaios locais e regionais impostos pelas condições históricas de
ocupação da Amazônia e condições sociais. Contudo, há que se con-
siderar que por questões históricas o Estado tem um papel diferencia-
do na Amazônia.

O Estado brasileiro na Amazônia representa uma força em um espaço


inóspito que movimenta intensamente os cenários sociais, econômicos
e políticos regionais e locais. Paradoxalmente, este mesmo Estado é tido
como frágil, por sua estrutura operacional vulnerável às condições locais
ambientais, sociais, políticas e institucionais (SIMONI et al, 2012).

A implementação dos planos direcionados à região amazônica


tem se dado de maneira parcial e de forma assimétrica entre os esta-
dos fronteiriços do Arco Norte, tendo em vista a falta de previsibilida-
de dos orçamentos, a carência de recursos humanos, questões con-
cernentes à logística, dentre outros fatores.
Um ponto fundamental, que denota a fragmentação das políticas
de segurança e defesa para a fronteira amazônica, é a maneira unifor-
me como estas são pensadas e desenhadas e o modelo como devem
ser executadas. Esta realidade conigura o que muitos gestores cha-
mam de “políticas enlatadas”. Porém, um cenário tão especíico como
o amazônico, com aspectos sociais, históricos, políticos, econômicos,
culturais e, até mesmo, informacionais e técnicos tão diferentes da-

3. Em novembro de 2016 foram realizadas entrevistas com o Comandante Geral do 34° Batalhão de In-
fantaria de Selva, tenente coronel Robson Monteiro Mattos; o ex-Secretário Adjunto de Segurança Pú-
blica do Amapá, Fernando Lourenço Nunes da Silva; com o tenente da Companhia de Fronteira de
Clevelândia do Norte; com o agente da Polícia Federal Luam na Delegacia da Polícia Federal no Oia-
poque; com o auditor da Receita Federal, Marcos Priotto de Oliveira; e com o delegado da Polícia Ci-
vil, Fabio Araujo de Oliveira.

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queles observados em outras regiões, deveria ser levado em conta no
manejo de suas áreas fronteiriças.
Dessa forma, essas políticas públicas direcionadas à Amazônia,
na maior parte dos casos, encontram diiculdades para operacionali-
zar e/ou internalizar a proposta inicialmente projetada. Não obstante,
os custos para a implementação de ações em comunidades locais da
Amazônia envolvem logísticas de transporte, alimentação e infraes-
trutura pouco convencionais e nada facilitadas pelas longas distân-
cias e diiculdades de acesso (SIMONI et al., 2012).
Nesse sentido, o Programa Calha Norte enfrenta menos diiculda-
des, uma vez que foi pensado para a região, porém o PCN apresen-
ta grandes assimetrias na alocação de recursos entre os estados ama-
zônicos, pois os convênios são irmados com estados e municípios
de acordo com a demanda dos parlamentares, por meio de emendas.
Dessa forma, o resultado da distribuição espacial dos recursos ica a
cargo da mobilização dos estados e munícipios (NEVES; SILVA; MON-
TEIRO, 2016), perpetuando assim assimetrias entre os estados ama-
zônicos, uma vez que muitos deles apresentam sérias deiciências de
gestão e pouca capacidade de mobilização.
A baixa capacidade de mobilização nestes estados também se re-
laciona à pouca valorização do servidor público na Amazônia, situa-
ção agravada na faixa de fronteira. As precárias condições de trabalho,
a ausência do “adicional Amazônia” e a falta de regulação do adicio-
nal de fronteira na composição salarial4 criam um desestímulo à per-
manência desses quadros, poucos daqueles aprovados nos concursos
permanecem na região tempo suiciente para iniciar e concluir pro-
gramas e atividades que exigem gestão e maturação de médio e lon-
go prazo. Muitas remoções e pedidos de transferências acabam re-
letindo no despreparo dos recursos humanos da região (SIMONI et

4. Os servidores federais alocados na fronteira têm sido obrigados a judicializar o recebimento do adi-
cional de fronteira e muitos têm perdido.

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al., 2012). Com isso, o esparso e muitas vezes pouco preparado efetivo
não atende às necessidades do trabalho a ser realizado.
Exemplo dramático de tal situação pode ser visto em Pacaraima,
onde devido à crise enfrentada pela Venezuela, no inal de 2016, ha-
via uma ila de espera de cerca de quatro mil agendamentos de imi-
grantes na Delegacia da Polícia Federal, fato que demonstra a falta de
planejamento das autoridades brasileiras frente às crises nos países
vizinhos.
Sem embargo, uma das inalidades do Plano Estratégico de Fron-
teiras, que deveria ser contemplada por meio de operações como a
Sentinela, é o aumento do efetivo na faixa de fronteira. No entanto, a
falta de regularidade no planejamento nas ações para a fronteira vem
comprometendo este objetivo. Dados da Delegacia da Polícia Federal
do Oiapoque, obtidos em novembro de 2016, atestam que a Operação
Sentinela não acontecia na cidade desde janeiro daquele ano porque
que os recursos haviam sido realocados na segurança dos Jogos Olím-
picos do Rio de Janeiro.
A escassez de recursos também teve impacto nas atividades da
Operação Ágata, pois esta ocorre com delimitações de ordem terri-
torial e cronológica decorrentes principalmente da disponibilidade
de recursos inanceiros e do próprio efetivo das Forças Armadas. Em
suas últimas edições, a Operação Ágata se concentrou mais no Arco
Central da fronteira do Brasil, não tendo ocorrido, em 2016, em alguns
estados da região Norte, caso do Amapá.
Por sua vez, a ENAFRON tem como meta fortalecer a preven-
ção e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados
na faixa de fronteira através de uma parceria com estados e municí-
pios. Seus objetivos são semelhantes e complementares aos do PEF. A
ENAFRON funciona por meio da articulação dos entes federados com
a União. Dessa forma, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria
Nacional de Segurança Pública teve de pactuar a ENAFRON com to-
dos os estados fronteiriços. O pacto oicializado com os entes federa-

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dos trouxe responsabilidades mútuas entre a União e os estados, em
busca do combate aos crimes praticados nas fronteiras do Brasil (NE-
VES; SILVA; MONTEIRO, 2016).
No âmbito da ENAFRON foram propostos vários projetos voltados
ao fortalecimento da Segurança Pública na Faixa de Fronteira em par-
ceria com os estados localizados nas fronteiras internacionais. Tais
ações foram: constituição de Gabinetes de Gestão Integrada de Fron-
teiras (GGIF); apoio ao reaparelhamento dos órgãos estaduais de se-
gurança pública; capacitação; procedimentos operacionais de atua-
ção nas faixas de fronteira; Grupo de Trabalho de Radiocomunicação
Integrada; Sistema de Radiocomunicação Digital; Diretrizes da Polí-
tica de Pessoal para os Proissionais de Segurança Pública que atuam
na Fronteira (PNUD); pesquisa sobre segurança pública nas frontei-
ras (UFRJ – Grupo Retis e NECVUS); Sistema de Videomonitoramento
nas Fronteiras; consultorias sobre boas práticas, planos, programas e
projetos no Brasil, nos Estados Unidos, no México, na União Europeia,
na China, na Rússia e na Índia que possam ter relação com o PEF e a
ENAFRON (NEVES; SILVA; MONTEIRO, 2016).
Em 2014, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a im-
plementação das ações previstas pela ENAFRON tem se dado de for-
ma fragmentada. Naquele ano, o TCU realizou uma auditoria sobre as
políticas públicas para a faixa de fronteira onde foi constatada a baixa
operacionalidade dos GGIFs, a periodicidade de reuniões muito dis-
tinta entre os estados e sua quase inexistência em alguns estados.
Como consequência disto não se conseguiu atenuar signiicativa-
mente o problema da falta de padronização de processos de coleta,
tratamento e análise de dados criminais, uma vez que por meio do
GGIFs se buscava construir canais de interlocução contínua com as
secretarias estaduais de segurança pública e as polícias estaduais.
Ademais, com o ENAFRON foram lançadas diversas linhas de inan-
ciamento para apoiar a estruturação das polícias (Militar, Civil e Perí-
cia) nos munícipios prioritários da faixa de fronteira. A estruturação

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seria inanciada com recursos do Orçamento Geral da União (OGU),
do Fundo Nacional de Segurança Pública. Coube à SENASP o papel
de articulação entre os órgãos de segurança federais, estaduais e mu-
nicipais (NEVES; SULVA; MONTEIRO, 2016).
Contudo, ocorreram contradições no processo de implementação
deste aparelhamento. No estado do Amapá, por exemplo, de acordo
com a Coordenação do Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania (PRONASCI), viaturas enviadas pelo governo federal para
serem empregadas na fronteira, tiveram seu uso desviado. Como con-
sequência a União não repassou os lotes futuros de viaturas que po-
deriam ser recebidos pelo Amapá.
A capacidade dos estados federados interfere na implementação
dos planos federais para a fronteira, uma vez que equipamentos que
seriam destinados à zona de fronteira são desviados tendo em vista
necessidades prementes de segurança destes estados. No que tange, a
capacitação de pessoal podemos inferir que esta ocorre de forma in-
cipiente, por conta das diiculdades logísticas, que envolvem questões
referentes às diárias, bem como a distância.
No que tange ao SISFRON, a instalação de sensores na região ama-
zônica vem sendo postergada. Até o presente, a implementação do
sistema ocorreu somente no Mato Grosso do Sul até o momento, sen-
do este estado utilizado como laboratório desta política. A exclusão
do Arco Norte da faixa de fronteira no curto e médio prazo, se deu em
função de que os estados fronteiriços já contavam com a cobertura do
SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia)5. Entretanto, há questio-
namentos em relação ao funcionamento e aos equipamentos do SI-

5. Como prosseguimento das ações que visavam garantir o controle da Amazônia foi proposto o SI-
VAM. Tal projeto teve como origem a Exposição de Motivos nº 194, do Ministério da Aeronáutica, da
Secretária de Assuntos Estratégicos e do Ministério da Justiça, ao então presidente Fernando Collor
de Mello (1990-1992) no ano de 1990, sobre a necessidade de haver um sistema eiciente de produção
e processamento de informações qualiicadas sobre a região amazônica. A implementação do projeto
foi concluída em 2005, mas o sistema começou a operar em 2002.

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VAM. O sistema apresenta falhas estruturais, tanto em relação ao seu
funcionamento, como à sua gestão.
No tocante à questão do aumento dos efetivos, prevista no SIS-
FRON, podemos observar avanços, pois houve o aumento do número
de Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Atualmente, a região ama-
zônica conta com vinte e oito PEFs, número previsto no projeto ini-
cial, como exempliicado no mapa 1.

Mapa 1: Organizações Militares na Faixa de Fronteira Norte

Autor: Camilo Pereira Carneiro, 2017.

Cabe ressaltar que, na Amazônia, as condições operacionais das


organizações militares são precárias em vários pontos em função
de diiculdades logísticas e de aparelhagem. Algumas dessas orga-
nizações militares se encontram em áreas isoladas, sendo basica-
mente a única presença estatal nestes locais. O que evidencia que
a presença do Estado se caracteriza como ausência e presença ao
mesmo tempo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A região amazônica é um espaço de grande complexidade por suas
características topográicas, logísticas, sociais, históricas, econômicas
e políticas. Essas questões não podem ser negligenciadas ao se pensar
a região e ainda mais ao se conceber políticas públicas para a Amazô-
nia. Contudo, o que vem ocorrendo nas últimas décadas é uma série
de planos e políticas para este espaço que não levam em conta suas
particularidades.
Outro ponto a ser destacado é que a vastidão da Floresta Amazôni-
ca não constitui um bloco homogêneo. Dentro da região amazônica
existem diferenças regionais no que diz respeito à capacidade de pla-
nejamento e de captação de recursos, bem como problemas de segu-
rança. Dessa maneira, existe a necessidade de um planejamento de
políticas públicas que leve em conta este contexto para a implemen-
tação bem-sucedida de planos de segurança e defesa para a região.
Atualmente, as políticas públicas para a Amazônia reproduzem ve-
lhas maneiras de pensar a região, perpetuando o Exército Brasileiro
como a principal presença do poder público e a diiculdade de conso-
lidar a presença de órgãos civis na Amazônia.
Ademais, como um dos principais indutores da presença das For-
ças Armadas na região é o Programa Calha Norte e este tem seus in-
vestimentos condicionados a emendas parlamentares, a capacidade
de articulação dos políticos locais inluencia a alocação destes recur-
sos. Nesse sentido, os estados com problemas de gestão têm mais dii-
culdade de receber verbas, perpetuando uma situação de inequidade
entre os estados federados localizados na Amazônia.
Não obstante, os planos de segurança e defesa concebidos para as
fronteiras são planos de caráter nacional, as ditas “políticas enlata-
das”, encontram grandes entraves para se materializarem completa-
mente no contexto amazônico, por conta das diiculdades logísticas
e de recursos humanos, bem como as condições econômicas e políti-
cas da Amazônia.

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Assim, a materialização das políticas públicas na região se dá de
forma incompleta, fragmentada e desigual, criando uma situação
de forte dependência dos estados em relação à União e coniguran-
do, ao mesmo tempo, a ausência do Estado na Amazônia. Realidade
que gera certa sensação de abandono por parte dos atores em fun-
ção da falta de políticas públicas que consigam manejar as diiculda-
des locais.

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15
INOVAÇÃO, EMPREENDEDORISMO E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL NA AMAZÔNIA:
PERSPECTIVAS SOBRE O PAPEL DAS MICRO
E PEQUENAS EMPRESAS DE MACAPÁ (AP)
Deliane Pessoa Santos
Daniel Chaves

INTRODUÇÃO
Este texto pretende, através da apresentação de breves aportes teó-
rico-metodológicos, ensejar a discussão sobre o papel do Empreen-
dedorismo e da Inovação nas Micro e Pequenas Empresas (MPEs)
da cidade de Macapá, estado do Amapá (AP) diante da sua poten-
cial contribuição para o desenvolvimento regional. O estudo baseia-
-se na premissa de que o empreendedorismo inovador desenvolvido
pelas MPEs da cidade de Macapá gera resultados signiicantes para o
desenvolvimento regional, como por exemplo, competitividade, co-
nhecimento, aprendizagem, novas técnicas e tecnologias e melhores
condições de vida para a sociedade local. O impacto do empreende-
dorismo inovador no mercado é discutido em diversos estudos rea-
lizados por instituições públicas, empresas privadas e pesquisadores
(SEBRAE, 2009; LEMOS, 1999; OCDE, 2005).
Portanto, considera-se que com a implementação de inovações as
MPEs possuem papel fundamental no crescimento e desenvolvimen-
to econômico da região em que atua. Considera-se que ao programar
a inovação as MPEs adquirem maiores possibilidades de competir e
crescer localmente, pois ao inovar elas desfrutam de novas oportu-

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nidades, criam novos produtos/serviços, melhoram seus processos
e se comunicam de modo mais eicaz com o mercado. A inovação,
por sua vez, possui papel primordial nesses empreendimentos, pos-
sibilitando-os ter maior competitividade no mercado na medida em
que vantagens comparativas são exploradas pela inserção e realiza-
ção de ideias que não apenas exploram as potencialidades regionais,
como também superam – com base e apoio em condições tecnoló-
gicas disponíveis – as limitações estruturais de determinadas cadeias
de atividade institucional ou econômica. Com esse fomento de com-
petitividade, o mercado torna-se mais aquecido e surgem maiores
oportunidades a comunidade local. Diante desses fatos é necessá-
rio compreender o papel do empreendedorismo inovador realizado
por esses pequenos negócios e a contribuição para o desenvolvimen-
to regional.
Entende-se como fundamental compreender a importância das
MPEs diante da premissa de que inovar é preciso para desenvolver a
região e torna-la competitiva. Nesta perspectiva cabe então pergun-
tar: qual o papel qualitativo do empreendedorismo inovador como
força motriz para o desenvolvimento das MPEs de Macapá? Em pros-
seguimento ao problema, indaga-se também: até que ponto, em que
proporção e de forma as MPEs de Macapá inovam? Como é desen-
volvido o empreendedorismo inovador nestas empresas? E qual é a
concepção desses empreendedores sobre inovação? Quais seriam os
índices para medição de tal potencial? Quais são os desaios enfrenta-
dos pelos empreendedores na cidade de Macapá para inovar? Vamos
debater tais questões ao longo do texto.

O LOCAL, O REGIONAL E O NACIONAL EM DIÁLOGO


As MPEs dependem cada vez mais de inovação e capacitação técni-
ca e tecnológica para garantir sua sobrevivência e sucesso no merca-
do, para assim continuar contribuindo com o desenvolvimento eco-
nômico, a geração de renda e emprego na região e no país. É notório o

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crescimento e desenvolvimento econômico em grande parte do Brasil
nas últimas décadas. No estado do Amapá é possível veriicar o cres-
cimento econômico, porém o desenvolvimento precisa ser coerente-
mente articulado, planejado e realizado, para que gere conhecimento,
técnicas, tecnologias e inovação, e com isso a tão sonhada qualidade
de vida alcance em totalidade a população amapaense. Pode-se dizer
que nas últimas décadas, o tão sonhado desenvolvimento aconteceu
em picos durante períodos e de maneira isolada na zona metropoli-
tana da capital, com a instalação de grandes projetos, que vão desde
a instalação do Território Federal (1943), passando pelos ciclos de ex-
ploração mineral, até culminar em uma progressiva inserção regional
nos circuitos globalizatórios, em especial após a conversão em ente
federado estadualizado (1988). Nesse sentido, o aprofundamento do
desenvolvimento, ainda que fortemente marcado pela dependência
perante o Estado federativo e à injeção de recursos, acarreta a hetero-
geneização das cadeias produtivas da região, que se tornam paulati-
namente menos dependentes de tais atores e estruturas, se transfor-
mando em um conjunto de sistemas nos quais, por exemplo, os micro
e pequenos empreendimentos ocupam papel fundamental na circu-
lação de capital. Porém, o crescimento econômico é veriicado nos úl-
timos anos e com parcela de contribuição de pequenos empreendi-
mentos de 26,1% do PIB estadual (SEBRAE, 2013). Dados estatísticos
nacionais revelam que as MPEs possuem contribuição no processo de
crescimento, contribuindo signiicativamente com o Produto Inter-
no Bruto (PIB) do País, aproximadamente um terço deste, geração de
renda e emprego para a população (SEBRAE, 2014, p. 55).
Essa inovação nas MPEs pode ser planejada e realizada por meio
do conhecimento e aprendizado gerado através de redes, constituída
entre entidades públicas, população local e empresas privadas atuan-
tes no mercado. Com as MPEs inovadoras, o mercado local torna-se
mais competitivo e gera melhores resultados econômicos de cresci-
mento, possibilitando a região a desenvolver-se, uma vez que é possí-

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vel criar e aprimorar técnicas e tecnologias, gerar informações, conhe-
cimento e aprendizagem, possibilitar a difusão das inovações, gerar
maior crescimento econômico, ampliar a oferta de emprego, geração
de renda, e melhor condição de vida. Portanto, com a percepção de
que as MPEs têm implementado o empreendedorismo inovador em
seus negócios e gerado crescimento por todo o Brasil, contribuindo
assim com a economia nacional e estadual, tanto quantitativamente
como qualitativamente, e que inovação possibilita a esses empreendi-
mentos o crescimento e a competitividade no mundo globalizado, ve-
riica-se a relevância do projeto de pesquisa para a economia local, a
geração de emprego e renda, e principalmente o desenvolvimento re-
gional, pois irá gerar dados relativos ao desenvolvimento das MPEs
em Macapá por meio do empreendedorismo inovador. Por im, espe-
ra-se que os resultados obtidos possam contribuir para o desenvolvi-
mento da região, para a academia, e pode também ser utilizado como
subsídio para futuras políticas públicas, levando em consideração os
níveis de competitividade da região e a inovação.
As MPEs vêm crescendo no Brasil nos últimos anos, não apenas
quantitativamente, mas também qualitativamente. De acordo com o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE,
2014), as MPEs representam 27% do Produto Interno Bruto (PIB) bra-
sileiro, ou seja, mais de um terço do PIB nacional é gerado pelos micro
e pequenos negócios, os grandes responsáveis da geração de empre-
go do País. Dados do SEBRAE (2013) evidenciam que regionalmen-
te, no Norte do Brasil as MPEs representam 18,5% do PIB. No Ama-
pá, esta participação é de 26,1%. De acordo com o SEBRAE (2014), no
Brasil existem 9 milhões de MPEs, que representam a 52% dos empre-
gos formais no setor privado, 40% dos salários pagos e 99% dos em-
preendimentos existentes no País. No Amapá, de acordo com SEBRAE
(2015a), 98,2% dos empreendimentos são formados por MPEs, com
68,1% do Pessoal Ocupado, 52,8 da Remuneração existente no estado.
No Brasil o maior quantitativo de MPEs atua no segmento de comér-

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cio (48,5%), serviços possui o percentual de 38,3%, e indústria apenas
13,1%. Contudo, a região sudeste concentra o maior número de MPEs
(50,9%), a Sul 22,3% e a região Nordeste 15,8%. O menor número de
MPE encontra-se nas regiões Centro-Oeste (7,5%) e Norte (3,6%). Nes-
te contexto, o número de MPEs no Amapá é representado por 0,2%
(SEBRAE, 2015b).
Ainda de acordo com SEBRAE (2015a), no Amapá o maior percen-
tual de MPEs estão no segmento comércio (58,9%), seguido de servi-
ços (28,9%) e indústria (12,2). Quanto ao pessoal ocupado, o comércio
é também o segmento com maior percentual (52%), enquanto ser-
viços possui 28% do pessoal ocupado e indústria 20%. Quanto à re-
muneração, no estado do Amapá, o segmento de comércio possui a
maior representatividade com 45,8%, seguido do segmento serviços
com 30,3%, e por im indústria com 23,8%. No que se refere a partici-
pação no PIB estadual desses pequenos negócios, comércio se desta-
ca novamente, pois, contribui com 45,6%, serviços com 28,7% e indús-
tria com 25,7%.
De acordo com fontes do SEBRAE (2014b apud IBGE, 2012) da-
dos relacionados a participação do PIB por setor econômico no Ama-
pá, revelam que o terciário é o que obtém maior destaque com 86%
de participação, seguido do secundário com 11% e o primário 3%. A
maior participação do setor terciário vem da administração pública
com 55%, o serviço 30% e segmento comércio com 15%. Segundo SE-
BRAE o (2014b), em 2013 existiam no Amapá 8.201 MPEs, sendo 6.993
Microempresas (ME), destas 43 estão no segmento agropecuário, 717
a indústria, 3.771 em comércio, 2.447 em serviços e 15 na administra-
ção pública; e 1.208 Empresas de Pequeno Porte (EPP), destas 9 no
segmento de agronegócio, 204 na indústria, 505 no comércio, 474 em
serviços e 16 na administração pública, que contribuem para a eco-
nomia local, geram emprego e renda para o povo amapaense. O mu-
nicípio que possui a maior concentração de empresas é Macapá, com
71,46% de participação em relação aos outros municípios do estado.

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As demais cidades, como Santana, Laranjal do Jari e Oiapoque, jun-
tos, representam 19,56% do total de empreendimentos. Desta forma,
justiica-se o estudo que está atento ao protagonismo da capital esta-
dual sobre demais municipalidades.
No que se refere ao pessoal ocupado no Amapá, as microempre-
sas somam 18.479 dos empregos ofertados no estado, sendo 98 no se-
tor agropecuário, 2.024 na indústria, 9.839 no comércio, 6.486 em ser-
viços e 32 na administração pública; e as pequenas empresas geram
27.818 empregos, distribuídos entre 145 no agropecuário, 5.206 na in-
dústria, 11.123 no comércio, 10.721 em serviços e 623 na administra-
ção pública (SEBRAE, 2015b apud IBGE, Cadastro Central de Empre-
sas, 2015).
Diante dos dados expostos, não constitui nenhum exagero airmar
que estes empreendimentos desempenham importante papel para o
desenvolvimento local dos municípios e para qualiicação da estrutu-
ra socioeconômica das populações, é possível observar a relevância
das MPEs para o desenvolvimento do país e regiões. Segundo Moura
(2014) por estes fatores econômicos e por outros como, por exemplo, o
aumento da competitividade interna e externa e as contribuições nos
progressos tecnológicos, que as MPEs se tornam alvo de enfoques e
estudos.
No Brasil as MPEs têm sido um dos pilares de sustentação da eco-
nomia, tanto pelo número de estabelecimento como pela distribuição
geográica e tanto pela sua capacidade de gerar novas empresas. Ain-
da que seja reconhecida sua importância socioeconômica, o setor en-
contra sérios obstáculos no desenvolvimento, crescimento, sustenta-
bilidade e competitividade (FERREIRA e FONSECA, 2010) como, por
exemplo, referente a tecnologia e inovação. No Amapá, a realidade
não é tão diferente, pois, as MPEs também enfrentam as mesmas di-
iculdades apresentadas no restante do país, principalmente, no que
se refere a inovação e tecnologia para a geração de desenvolvimento e
crescimento. Contudo, é possível observar a importância socioeconô-

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mica que elas desempenham no estado. Conforme dados do SEBRAE
(2013, p. 79), a setor terciário, onde se encontram as MPEs, é o mais
gerou números de empregos, icando atrás apenas da administração
pública. Pois, na medida em que a administração pública alcançou o
número de empregados com 50.888; o de comércio, nas microempre-
sas alcançou 9.693 empregados, e pequena empresa, 10.372; o setor
de serviços alcançou 6.627 nas microempresas e 10.669 nas pequenas
empresas; e por im na indústria, as microempresas com 1.879, e pe-
quena empresa, 4.851.
Tendo em vista a necessidade de fomentar competitividade en-
tre as empresas para gerar cada vez mais crescimento e desenvolvi-
mento econômico, a inovação torna-se peça essencial neste proces-
so empreendedor. Dados mais especíicos sobre a participação destas
empresas no PIB do país revelam que as MPEs já são as principais
geradoras de riqueza no comércio do Brasil com 53,4% do PIB des-
te setor. No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas é
de 22,5%, já se aproxima das médias empresas que é 24,5%. E no se-
tor de Serviços, mais de um terço da produção nacional é de 36,3%
têm origem nos pequenos negócios (SEBRAE, 2014). No Amapá, o PIB
das MPEs do segmento comércio predomina com a contribuição de
45,6%, serviços com 28,7% e indústria de 25,7% (SEBRAE, 2015b).
Abrantes (2014) airma que a economia do Amapá é caracteriza-
da por importar produtos para comercializa-los, devido à economia
incipiente dos setores produtivos da economia, principalmente nos
segmentos agropecuário e industrial. A estrutura produtiva do estado
está concentrada principalmente no setor terciário, responsável pela
maior ocupação da PEA (população economicamente ativa) e pela
maior participação do PIB estadual. No setor terciário, a administra-
ção pública e pequenos negócios possuem maiores destaques quanto
a geração de emprego e contribuição para o PIB.
De acordo com Néto e Teixeira (2011), apesar do grande número de
MPEs existentes no Brasil, não há unanimidade sobre a caracteriza-

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ção do porte dessas empresas. O Estatuto Nacional da Microempre-
sa e Empresa de Pequeno Porte (Lei 123/2006), o Banco Nacional de
Desenvolvimento (BNDES), o SEBRAE e o Instituto Brasileiro de Geo-
graia e Estatística (IBGE) possuem caracterizam as MPEs de formas
distintas. A Lei 123/2006, o SEBRAE e o BNDES determinam essa clas-
siicação de acordo com a receita bruta anual, como pode-se observar
no Quadro 1, a seguir:

Quadro 1 – Classiicação das MPEs por receita bruta anual

Classiicação Lei 123/2006 SEBRAE BNDES


Microempresa Igual ou inferior a R$ Até R$ 360.000,00 Menor ou igual a R$ 2,4 milhões
360 mil
Pequena empresa Superior a 360 mil e igual De R$ 360.000,01 até Maior que R$ 2,4 e menor ou
ou inferior a 4,8 milhões 3.600.000,00 igual a R$ 16 milhões.
Fonte: Lei 123/2006; SEBRAE, 2014; Banco Nacional de Desenvolvimento, 2015.

Já o IBGE classiica as microempresas e empresas de pequeno por-


te de acordo com o quantitativo de pessoal ocupado por segmento,
unindo comércio e serviço, como observa-se no Quadro 2, a seguir:

Quadro 2 – Classiicação de MPE por número de pessoal empregado

Número de empregados Comércio/Serviços Indústria


Microempresa Até 09 Até 19
Pequena empresa De 10 a 49 De 20 a 99
Fonte: Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística

Segundo Junior e Pisa (2010, apud FERREIRA e FONSECA,


2010), as MPEs adquirem diversas vantagens por meio da inova-
ção, pois inovam com o foco nos clientes para manter seu desem-
penho competitivo. Godin (2008), discute a história genealógica
da inovação. Ele identifica os conceitos que definiram a inovação

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ao longo da história e que levaram a inovação à categoria central
da sociedade moderna. Essa história da Inovação revela que o ter-
mo coexistiu com uso pejorativo antes do século XIX (SAINT SI-
MON, 1713 apud GODIN, 2015). Porém, ao longo do século XIX, a
inovação já começou a ser relacionada com o positivo (WINSLOW,
1835, LITTLEDALE, 1868 apud GODIN, 2015). Contudo, foi somen-
te no século XX que a inovação obteve olhar totalmente positivo.
Isto ocorreu mais precisamente depois da Segunda Guerra Mun-
dial, como afirma Godin:

Aqueles que contestaram a inovação no passado - os governos - começam


a contestar a inovação e a produzir pensamentos relexivos sobre a ino-
vação como uma ferramenta política. Um após o outro, as organizações
internacionais e os governos adotam a inovação como solução para pro-
blemas econômicos e competitividade internacional (OCDE, 1966, 1969,
1970, 1971, Departamento de Comércio dos Estados Unidos, 1967, Con-
selho Consultivo Britânico de Ciência e Tecnologia, 1968) e depois lan-
çaram as políticas de inovação (PAVITT e WALKER, 1976 apud GODIN,
2015, p. 16).

Ainda de acordo com Godin (2015), foi nesse momento que


a representação dominante da inovação passou para econo-
mia, com a inovação tecnológica e como invenção comercializa-
da. Desde então, a inovação tecnologia começou a ser relaciona-
da com o crescimento econômico, pois, passou a ser considerada
uma ferramenta para reduzir atrasos ou lacunas de produtividade
entre países e condutora de liderança mundial. Então, a inovação
tornou-se um conceito básico de política econômica. Com isto,
em questão de décadas, a política científica mudou para a tecno-
lógica que mudou para a política de inovação, e então, os indica-
dores sobre ciência e tecnologia passaram a ser indicadores re-
criados de inovação.

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A INOVAÇÃO COMO TRADIÇÃO, CONCEITO E ORDENAMENTO
Entretanto, antes de assumir esse papel na economia atual, a inova-
ção e o inovador foram utilizados de várias formas e termos até assu-
mir o conceito que os determinam no mundo contemporâneo. Con-
forme Godin (2015), durante um longo período na história ocidental,
o inovador era considerado e chamado como um herege. Tanto a he-
resia como a inovação eram termos relacionados ao mal, a doenças, e
os inovadores à aduladores e sedutores ansiosos por novidades. Eram
acusados de rebelião, guerras civis, desordem e instabilidade. Somen-
te no século XX, a inovação tornou-se uma palavra mais comum e a
começou a aparecer na lei, na educação, na literatura, na medicina e
ciências. Já o termo inovador passou a expressar iniciativa, empreen-
dedorismo e criatividade. E o inovador tornou-se um ser talentoso e
criativo, passou a ser visto como líder, empreendedor, e como agen-
te da mudança.
No decorrer do século XX, a inovação passou a ser relacionada
também com imitação e invenção. De acordo com Nelson e Winter
(1982 apud Godin, 2008, p. 11), “num clássico da literatura sobre ino-
vação tecnológica, sugeriram a imitação como uma das duas estraté-
gias disponíveis para as empresas, a outra, a inovação”. Vários auto-
res concordam com essa linha de pensamento, dentre eles, T. Levitt
que airmou em 1966 que nenhuma empresa podia se dar ao luxo de
ser a primeira em tudo, pois elas são obrigadas a olhar para a imita-
ção como forma de sobrevivência e estratégia de crescimento (GO-
DIN, 2008). Essa estratégia deu origem ao termo difusão. Neste senti-
do, Godin (2008, p. 13) airma que:

As teorias contemporâneas sobre inovação agora incluem difusão (ou


uso) como um passo no processo de inovação. Nesse processo, a difusão é
realmente imitação, e a palavra aparece nas primeiras teorias, desde o so-
ciólogo francês Gabriel Tarde, na década de 1890, até a literatura econô-
mica sobre inovação tecnológica nos anos 80. De fato, na literatura socio-

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lógica dos anos 1940-60, um inovador não é um inventor, mas um usuário,
deinido como o tempo: o primeiro usuário de uma invenção. Da mesma
forma, a imitação deu origem à ideia de “adoção” como inovação em si:
nas recentes teorias e medidas da inovação tecnológica, adotar uma tec-
nologia existente é um comportamento considerado tão inovador quan-
to inventar (OCDE, 2005), e não como mera imitação, como sugeriu Le-
vitt. Como disse F. Redlich, embora não seja uma inovação “genuína” (ou
primária), a inovação pela imitação é, no entanto, inovação (derivativa e
subjetiva), em oposição à cópia (REDLICH, 1951).

Já a invenção veio a ser usada como descoberta no século XIV, e a


partir do século XVI passou a ser utilizada cada vez mais para coisas
recém-criadas. Conforme Godin (2008), a inovação foi estudada por
antropólogos, no inal do século XVIII e início do XIX, com foco nas
mudanças culturais, com forte apelo aos traços culturais, invenções
agrícolas, no comércio, política e tecnologia. Contudo, a primeira teo-
ria da inovação foi elaborada pelo sociólogo Gabriel Tarde em mea-
dos do século XIX. Esta preocupava-se por sua vez em explicar a mu-
dança social, utilizando a inovação como novidade. Os economistas
por sua vez relacionavam a inovação à processo, e ainda, à comercia-
lização da invenção. Os economistas também foram os primeiros a se
interessarem pela inovação tecnológica, e a estuda-la na economia.
Conforme Godin:

As discussões teóricas da época foram muito breves (com exceção do eco-


nomista J. Robinson de Cambridge), até ressuscitar na década de 1960
sob o nome de ‘inovação induzida’. De fato, a literatura sobre inovação in-
duzida é provavelmente a primeira a fazer uso extensivo do termo ino-
vação em economia. Entretanto, o estudo da tecnologia desenvolveu-
-se na década de 1930 através da medição da produtividade: aumentos
da produtividade como indicador do uso da tecnologia. Muitos estudos
quantitativos foram publicados pelo Departamento Nacional de Pesqui-

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sa Econômica dos Estados Unidos (F.C. Mills, H. Jerome) e organizações
públicas como a US Bureau of Labor Statistics e a US Projects Administra-
tion. Posteriormente, a formalização da medição desenvolveu-se através
do que foi chamado de função de produção (2008, p. 33).

Nos anos de 1950, Maclaurin passou a utilizar o termo mudança


tecnológica e inovação tecnológica, caracterizando a literatura das
décadas seguintes - foi nessa economia evolutiva que surgiram as teo-
rias de Joseph Alois Schumpeter sobre inovação (GODIN, 2008). Em
sua obra Teoria do Desenvolvimento Econômico, de 1912, Schumpe-
ter, coloca a inovação no centro da dinâmica econômica, no centro do
desenvolvimento, além de conceitua-la, falar sobre a criação de no-
vos mercados e da ação de empreender. Para Schumpeter, “é o produ-
tor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores
são educados por ele, se necessário; são, assim por dizer, ensinados a
querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro
daquelas que tinham o hábito de usar” (1982, p. 48). Ele ainda fala so-
bre a ação de empreender para o crescimento econômico.
Conforme Schumpeter o desenvolvimento é deinido pela realiza-
ção de novas combinações. Neste sentido, ele deine as principais for-
mas de inovação como:

1) Introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem –


ou seja, um bem com que os consumidores ainda não tiveram familiari-
zados – ou de uma nova qualidade de um bem; 2) Introdução de um novo
método de produção, ou seja, um método que ainda não tenha sido testa-
do pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação, que
de modo algum precisa ser baseada numa descoberta cientiicamente no-
vam e pode consistir também em nova maneira de manejar comercial-
mente uma mercadoria; 3) Abertura de um novo mercado, ou seja, de um
mercado em que o ramo particular da indústria de transformação do país
em questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado tenha existido

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antes ou não; 4) Conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-pri-
mas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez independentemen-
te do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada e; 5) Estabele-
cimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação
de uma posição de um monopólio (por exemplo, pela trustiicação) ou a
fragmentação de uma posição de monopólio (Idem).

Vale saber que a primeira edição desta obra de Schumpeter que


deine inovação foi publicada no ano de 1911 e mais de uma década
depois, após serem esgotados todos os estoques, ou autor decidiu lan-
çar uma nova edição, em 1926, realizando grandes mudanças como
a omissão do capítulo XII e reescrita dos II e III. O autor declarava-se
capitalista, porém acreditava que em determinado momento da his-
tória o socialismo triunfaria, sendo este considerado por muitos eco-
nomistas o maior equívoco do autor até os dias atuais.
Com o passar das décadas novos conceitos acerca da inovação
foram surgindo, porém são similares ao defendido por Schumpeter.
Enquanto o Manual de Oslo (2005) deine inovação como a imple-
mentação de um produto (bem ou serviço) novo ou signiicativa-
mente melhorado, a inovação pode ser também um processo ou um
novo método de marketing, ou um ainda um novo método organi-
zacional nas práticas de negócios, na organização do local de traba-
lho ou nas relações externas. Portanto, a inovação pode acontecer
de diversas formas dentro da organização, do processo produtivo
ou do segmento de mercado. É importante mencionar, neste con-
texto nacional que, de acordo com a Lei de Inovação (10.973/041),
a inovação é introdução de novidade ou aperfeiçoamento no am-
biente produtivo ou social que resulte em novos produtos, proces-
sos ou serviços.

1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.973.htm, de 2 de dezembro de
2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa cientíica e tecnológica no ambiente produti-
vo e dá outras providências.

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Partindo de duas premissas centrais: a. A aprendizagem institucio-
nal e tecnológica, bem como a capacidade de inovar baseando-se no
conhecimento cientíico, consolidam as atuais ferramentas do pro-
gresso técnico e da geração de riqueza, e b. A articulação público-pri-
vado, as quais passaram a ser a alavanca dos Sistemas de C,T&I (Leis
de incentivos e Fundos Públicos) nacionais brasileiros, a inovação ga-
nhou novo signiicado neste cenário a partir da promulgação do Mar-
co Civil de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2016 – a Lei nº 13.2432,
frisando a ainda importante dimensão do estabelecimento de parâ-
metros legais de amparo a políticas públicas relativas à inovação. Ape-
sar de se reconhecer impreterivelmente que a Lei de Inovação contri-
buiu para a constituição contemporânea de nossa matriz nacional de
produção cientíica inovadora, o Marco Civil de 2016 por sua vez con-
tribuiu substancialmente para a modernização, desburocratizante e
liberalizante, deste sistema, desbloqueando dimensões anteriormen-
te consideradas impróprias para o mais competitivo desempenho do
país e suas organizações. Constata-se que cresceu de importância a
necessidade de mão de obra especializada para realizar prospecção
tecnológica e inteligência competitiva, e que estudar cenários futuros
e vislumbrar possíveis nichos de atuação e mudanças de trajetória tec-
nológica são tarefas que demandam proissionais habilitados em cada
setor que pretende-se introduzir produtos ou processos. Assim tor-
nou-se histórica a Lei de Inovação, com o Marco Civil instalando ou re-
formando diversos dispositivos e normativas sobre o Sistema Nacio-
nal de Inovação como a tríplice hélice da relação entre Instituições de
Ciência e Tecnologia (ICTs), Iniciativa Privada e Poder Público.

2. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13243.htm, 11 de janeiro de 2016. Dis-


põe sobre estímulos ao desenvolvimento cientíico, à pesquisa, à capacitação cientíica e tecnológica
e à inovação e altera a Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980,
a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011, a Lei no 8.745, de 9 de de-
zembro de 1993, a Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, a Lei no 8.010, de 29 de março de 1990, a Lei
no 8.032, de 12 de abril de 1990, e a Lei no 12.772, de 28 de dezembro de 2012, nos termos da Emenda
Constitucional no 85, de 26 de fevereiro de 2015.

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Retornando à dimensão conceitual, inovação pode ainda ser
qualiicada como sustentadora ou disruptiva, em outra tradição in-
terpretativa mais recente. Christensen et al (2007) airmam que a
inovação sustentadora em mercados exigentes pode dividir-se en-
tre melhorias radicais e incrementais. As inovações sustentadoras
radicais são as mais complexas, e costumam ser mais complicados,
interdependentes e dispendiosos. Enquanto as inovações sustenta-
doras incrementais costumam ter inluência menos impactantes so-
bre o setor. No que se refere à inovação disruptiva, o autor exempli-
ica que se trata de “situações em que novas empresas podem criar
inovações relativamente simples, inovadoras, conveniente e de bai-
xo custo para prover crescimento e vencer os poderosos líderes do
setor” (CHRISTENSEN et al, 2007, p. 3). Então, as inovações disrup-
tivas costumam ofertar maior potencial de mudanças a longo prazo
em um setor.
Christensen et al (2007) ainda divide os clientes em grupos para
falar sobre os tipos de inovação, são eles: os de não consumido-
res, os de não saciados e os de não totalmente satisfeitos. Para o
autor, a inovação disruptiva alcança o grupo de não-consumidores,
na medida em que seguem dois padrões: a) “lançam um produto
ou serviço relativamente simples e pagável, que facilita a vida dos
consumidores que tradicionalmente não tinham dinheiro nem ca-
pacidade para realizar importantes tarefas”; e b) “ajudam os consu-
midores a realizar com mais facilidade e eiciência o que já estavam
tentando fazer, em vez de força-los a mudar de comportamento ou
a adotar novas prioridades” (CHRISTENSEN ET AL, 2007, p. 35). No
primeiro padrão, destaca-se a importância de voltar-se para o gru-
po de não-consumo, ao invés de o de consumo. E o segundo pa-
drão demanda que empresas promovam ao consumidor certas coi-
sas ainda não realizadas, coisas que as pessoas querem fazer, mas
ainda não podem.

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EMPREENDENDO INOVAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
CONDENSAÇÃO ESTRATÉGICA
Entende-se, então, a inovação pelo seu importante papel na econo-
mia e competividade, devido sua contribuição na produtividade e
mercado. Para Cassiolato e Lastres (2000, p. 237) com a globalização,
“a inovação e o conhecimento são os principais fatores que deinem a
competitividade e o desenvolvimento de nações regiões, setores, em-
presas e até indivíduos”. E Sluzz et al (2013) airma que a inovação é
considerada por muitos autores como fator de alavancagem de resul-
tados econômicos da empresa.
Conforme Barquero (2001, p. 21), a introdução da inovação leva ao
aumento da produtividade e da competividade das economias locais,
devido à cooperação entre as empresas, da interação de mudança tec-
nológica, escala e amplitude das operações das empresas, permitindo
que todas e de cada uma do sistema ou cluster trabalhem com econo-
mias internas e externas, de escala e de diversidade. Neste sentido, o
território é também concebido por ligar empresas, instituições e po-
pulação local, com o objetivo de gerar aprendizado, inovação e troca
de conhecimento (CREVOISIER, 2003 apud ZAMBANINI E BRESCIA-
NI, 2013). No território, a inovação, com a aprendizagem e o conheci-
mento, é concebida por meio de ligação entre empresas, instituições
e população local, ou seja, pelo chamado cluster – diretamente dialó-
gico, em conceito, com o papel da arquitetura do desenvolvimento re-
gional em tríplice hélice (OLIVEIRA et al, 2012). Alguns outros termos
são utilizados por estudiosos para deinir a aglomeração de empresas
e as trocas mútuas realizadas em cluster, dentre eles estão os Arran-
jos Produtivos Locais (APLs). Estes são considerados por alguns auto-
res como sinônimo de cluster, pois, trata-se da “concentração de em-
presas e instituições num território e a natureza de suas atividades,
bem como o grau de interação entre esses agentes” (ABRANTES, 2014,
p.173). No Amapá, o termo mais utilizado por instituições e governo se
refere a APLs, estes que são desenvolvidos localmente, principalmen-

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te, com o planejamento, organização e direcionamento do SEBRAE/
AP. Desta forma, O SEBRAE atua junto as MPEs por meio de projetos
setorial, ofertando a esses empreendimentos conhecimento, aprendi-
zado e informação a im de gerar competividade. Os clusters são de-
inidos por Porter (1998, p 78) como concentrações geográicas de in-
terconexões entre empresas, instituições e um campo especíico, que
englobam indústrias ligadas e outras entidades importantes para con-
corrência. Neles, incluem, por exemplo, prestadores de especializa-
dos insumos, como componentes, máquinas e serviços, e os fornece-
dores de infraestrutura especializada. E são compostos por governos
e diversas instituições, dentre elas, universidades, agências, grupos e
associações, que fornecem treinamento especializado, educação e in-
formação.
Rosenfeld (1996 apud FOCHEZATTO, 2010) deine cluster como
um aglomerado de empresas em um território geográico delimitado,
interligadas por relações comerciais, tecnológicas e troca de informa-
ções, que desfrutam das mesmas oportunidades e enfrentam os mes-
mos problemas. Portanto, o cluster subsidia trocas de oportunidades,
visão de mercado, aprendizado e conhecimento a todos os envolvi-
dos, desde empresas a universidades. Já Cassiolato e Lastres (2000)
airmam que a interação e a montagem de redes têm oferecido vanta-
gens às empresas na busca de rapidez no processo inovativo. Na me-
dida em que a lexibilidade, a interdisciplinaridade e a fertilização
cruzada de ideias ao nível administrativo e laboratorial são importan-
tes elementos do sucesso competitivo das empresas. Para os autores
“a inovação e o conhecimento se colocam cada vez mais entre os ele-
mentos centrais da dinâmica e do crescimento da competitividade de
nações, regiões, setores, organizações e instituições” (CASSIOLATO e
LASTRES, 2000, p. 237).
Se o cluster como projeto de convergência estratégica para o de-
senvolvimento regional inovador e competitivo está diretamente re-
lacionado ao diálogo ICT/Iniciativa Privada/Estado, o Marco Civil de

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C,T&I é uma força propulsora com potencial revolucionário. Neste
novo cenário, abrem-se oportunidades para a contratação de pessoal
através de contrato administrativo por tempo determinado com ca-
racterística excepcional para pesquisa – ou seja, as ICTs podem cap-
tar proissionais ou contratos de serviço para pesquisa. Além disso, o
Marco Civil, entre outras mudanças e reconigurações, promove regi-
me diferenciado (lógica da RDC) para pesquisadores, técnicos e tec-
nólogos e destrava burocracias da Lei 8.666 para ins de pesquisa e
desenvolvimento; Simpliica regras e reduz impostos para importa-
ção de material de pesquisa; Permite que docentes/pesquisadores de
ICTs públicas em DE exerçam atividade de pesquisa também no se-
tor privado, com remuneração e aumenta o número de horas para ati-
vidades fora da universidade, de 120 horas para 416 horas anuais (8
horas/semana); ICTs podem compartilhar uso de laboratórios e equi-
pes com empresas, para ins de pesquisa, desde que não cause conli-
to; Permite que as empresas envolvidas nesses projetos mantenham a
propriedade intelectual sobre os resultados (produtos) das pesquisas;
Desembaraça problemas aduaneiros de produtos de CTI, buscando
acelerar as pesquisas e diminuir custos administrativos; Permite re-
manejamento dos recursos orçamentários de CTI entre categorias de
programação sem necessidade de nova autorização legislativa; Per-
mite que bens adquiridos com inanciamentos externos sejam incor-
porados ao patrimônio da entidade de ICT; Garante ao servidor afas-
tado para o exercício de atividade de CTI, das mesmas vantagens e
benefícios que teria se estivesse em efetivo exercício; Permite de in-
ternacionalização das ICT mediante acordos de cooperação, especial-
mente pela execução de atividades e alocação de recursos humanos
no exterior. Dentro das ICTs, não apenas as próprias como suas ins-
tâncias de inovação possam agora ser constituídas como entes pú-
blicos ou pessoas jurídicas de direito privado sem ins lucrativos (Lei
10.973/04): nada impede que núcleos de inovação das ICTs obtenham
personalidade jurídica própria, como fundação de apoio, com a i-

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nalidade de captar, gerir e fomentar tecnologia e inovação aplicadas.
Assim, não apenas a sua estrutura seria capaz de angariar recursos e
gerir recursos como Fundação - algo que é caro em um ecossistema
emergente como o macapaense - para a ICT/IES, mas também para
operar com seu próprio overhead administrativo e induzir agendas de
pesquisa potencialmente transferíveis para estimular o mercado, mas
também fazer o papel inverso: ir ao meio empreendedor e ofertar ser-
viços que as ICTs podem prestar por meio de cooperação. Sua per-
sonalidade jurídica própria permitiria tal mobilidade estratégica do
desenvolvimento inside-out de inovação para o meio empreendedor
dentro das prerrogativas estabelecidas para no Marco Civil.
De acordo com Zambanini e Bresciani (2013), a ação coletiva fun-
damentada no local, associada a uma cultura, e a um plano de insti-
tuições locais, com o objetivo de melhorar os arranjos das práticas so-
ciais pode ser compreendida como um processo de desenvolvimento
territorial ou regional. Quando bem elaborado, o desenvolvimen-
to planejado dessas competências pode levar a região ao sucesso, se
bem elaborado. Pires (2007 apud ZAMBANINI e BRESCIANI, 2013, p
3) deine o desenvolvimento territorial ou regional como um proces-
so de mudança de caráter endógeno, capaz de produzir solidariedade
e cidadania comunitária, e de conduzir de forma integrada e perma-
nente a mudança qualitativa e a melhoria do bem-estar da população
de uma localidade ou de uma região”.
O desenvolvimento econômico deve ser entendido como algo am-
plo, onde se encontra o crescimento econômico, e estes não devem
ser confundidos. Neste sentido, Souza (2002, p. 5) airma que desen-
volvimento econômico é deinido pela existência do crescimento eco-
nômico permanente, em ritmo superior ao crescimento demográico,
que envolve mudanças de estruturas e melhoria de indicadores eco-
nômicos, sociais e ambientais. Ainda de acordo com Souza (2002),
deve-se entender o desenvolvimento econômico como um fenômeno
de longo prazo, na medida em que implica o fortalecimento da eco-

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nomia de um país, crescimento da economia de mercado, elevação da
produtividade, melhor da qualidade vida e bem-estar da população,
e preservação do meio ambiente. Neste sentido, Bresser-Pereira air-
ma que o desenvolvimento econômico é um fenômeno histórico que
ocorre nos países ou estados-nações que realizam revolução capita-
lista e que é caracterizado como:

o processo histórico de crescimento sustentado da renda ou do valor


adicionado por habitante implicando a melhoria do padrão de vida da
população de um determinado estado nacional, que resulta da sistemá-
tica acumulação de capital e da incorporação de conhecimento ou pro-
gresso técnico à produção. Nestes termos, o desenvolvimento econô-
mico é um processo de transformação que implica mudanças nos três
níveis ou instâncias de uma sociedade: estrutural, institucional ou cul-
tural. É o aumento sustentado dos padrões de vida possibilitado pelo
aumento da produtividade de determinadas atividades e/ou pela trans-
ferência da mão-de-obra dessas para outras atividades com maior va-
lor adicionado per capita porque envolvendo maior conhecimento
(2006, p.9).

Ainda de acordo com o autor, quando uma economia está em


pleno processo de crescimento é sinal de que existe uma estraté-
gia nacional de desenvolvimento, ou seja, seu governo, empresá-
rios, trabalhadores e técnicos estão trabalhando de forma a compe-
tir economicamente com as demais nações. Pode se constatar que,
pela lógica do sistema político representativo, diante dos anseios da
população por melhorar sua qualidade de vida, a cada mudança de
governo, nacional ou regional, é possível veriicar novas estratégias
que englobam toda a nação em busca de melhores resultados econô-
micos. Essas estratégias podem ser deinidas por meio de leis, medi-
das provisórias e incentivos que possibilite maior crescimento e de-
senvolvimento econômico, como já destacamos na importância do

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Marco Civil. A probabilidade de desenvolvimento de uma sociedade
aumenta quando ela é capaz de formar instituições e políticas econô-
micas que sustentem o caráter de uma estratégia nacional de compe-
tição internacional. Relacionado a isto, Barquero fala que:

Em um mundo cada vez mais globalizado, no qual as cidades e regiões lu-


tam entre si por seus recursos especíicos capazes de lhes proporcionar
vantagens frente às demais, as comunidades locais (organizações públi-
cas e privadas, associações de empresários, empresas, sindicatos e gover-
nos locais) compreendem o alcance dos desaios colocados e responde-
ram com iniciativas tendendo a impulsionar o desenvolvimento local
(2001, p 53)

A partir do momento em que a sociedade nacional demonstra su-


iciente concordância quando se trata de competir internacionalmen-
te, aproveitará melhor os recursos e instituições que possui para po-
der crescer. O investimento e o processo técnico dependem em geral
da qualidade das instituições formais e informais, sendo essas, res-
pectivamente, políticas e leis, e práticas sociais ou usos e costumes,
que cada sociedade nacional estiver adotando (BRESSER-PEREI-
RA, 2006).
Desta forma, o desenvolvimento econômico pode ser compreen-
dido com um fenômeno que objetiva possibilitar crescimento econô-
mico atrelado à produtividade e competividade de mercado, que gera
melhores condições sociais, ambientais, culturais, estruturais e insti-
tucionais para regiões e populações. A cooperação estratégica entre
estado e mercado, fomenta a competividade local e amplia merca-
dos, por meio da inovação e empreendedorismo, pois permite a troca
de conhecimento e aprendizado de diversos agente, que contribuem
por im para o desenvolvimento local de determinada área. De fato, as
nações deinem e executam diversas estratégias com o intuito de fo-
mentar o desenvolvimento econômico, dentre elas o incentivo a ino-

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vação e ao empreendedorismo, que geram resultados signiicativos
para o mercado local e sociedade. Ainal, conforme Drucker (2000),
“o aumento da competitividade, a emergência de novas tecnologias
e a velocidade do processo de inovação inluenciam diretamente no
desenvolvimento regional”.
Observa-se que de acordo com esses estudiosos já citados, a inova-
ção é vista como uma das variáveis-chave para o desenvolvimento das
economias. De acordo com Teixeira e Cardoso (2012), nos mercados
globais cada vez mais diversiicados, veriica-se a eminência de um
novo tipo de competição, onde a criação de competências e a inova-
ção são fundamentais para codiicar as informações e proporcionar a
difusão e o uso de novos conhecimentos. Desse modo, os componen-
tes estratégicos para o desenvolvimento de uma economia tendem
a ser o aprendizado institucional e o capital social. O capital social
é descrito por Putnam, em sua obra Comunidade e Democracia de
2000, como “elementos de organização social como as redes, normas
e coniança social que facilitam a coordenação e a cooperação em
benefício recíproco” (PUTNAM, 1995, p. 67 apud FREY, 2003, p. 176).
Neste sentido, o capital social está relacionado à cooperação, conian-
ça social, reciprocidade, engajamento cívico, democracia e ajuda mú-
tua em uma sociedade.
Umas das estratégias organizacionais colaborativas para a geração
de tecnologias e inovação, que pode ser estabelecida objetivando o
desenvolvimento regional, é a chamada inovação aberta. Este modelo
sugere que o conhecimento encontra-se disperso em diferentes insti-
tuições e, para que a empresa seja inovadora, ela deverá criar um am-
biente sistêmico que permita a interação entre centros de pesquisa,
universidades, clientes, concorrentes, outras empresas e demais ato-
res envolvidos em um determinado segmento produtivo (SLUSZZ et
al., 2013). Esta estratégia já é utilizada por muitas empresas brasilei-
ras, de micro e médio porte. De acordo com Chesbrough e Appleyard,
a abertura estratégica:

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Equilibra os princípios dos negócios tradicionais com a promessa de ino-
vação aberta. Esta abertura tem como benefício a criação de valor para as
organizações, pois, introduz novos modelos de negócios baseados na in-
venção e na cooperação empreendida dentro de uma comunidade. A ino-
vação aberta eicaz equilibra a captura de valor e a criação de valor, em
vez de perder de vista a captura de valor durante a busca da inovação. A
abertura estratégica é uma abordagem importante para aqueles que lide-
ram através da inovação (2007, p. 58).

SEM CONCLUSÕES: APONTAMENTOS E OBSERVAÇÕES PARA FUTURAS PROSPECÇÕES


A ideia de inovação aberta pode ser compreendida como a formação
de redes colaborativas que visam agregar valor ao negócio. Segundo
Chesbrough (2003, apud SLUSZZ et al., 2013), até o século XXI, as em-
presas tinham uma abordagem de inovação fechada, na qual, para
uma inovação ser bem-sucedida, exige-se o controle. Ou seja, as or-
ganizações geram suas próprias ideias e então as desenvolvem, ma-
nufaturam, introduzem no mercado, distribuem e prestam os servi-
ços pós-venda. Sluszz et al. (2013) salienta que na inovação aberta as
interações entre os diferentes agentes de inovação, como instituições
de pesquisas, universidades, governo e indústria, são fundamentais
para o sucesso desse modelo. Portanto, as instituições de pesquisa ou
as universidades devem desempenhar papel de liderança no modo
emergente de produção baseado na introdução de inovação tecnoló-
gica e organizacional (ETZKOWITZ, 2005 apud SLUSZZ et al., 2013).
Diante das abordagens realizadas, é possível observar que a ino-
vação pode acontecer de diversas maneiras dentro de uma organi-
zação e em um território, e eliminar os mitos que restringem o pro-
cesso de inovação à tecnologia, a disrupção ou a necessidade de uma
inovação radical para obter o sucesso e poder por im competir local-
mente e globalmente. De acordo com Dornellas (2003, apud ZAMBA-
NINI e BRESCIANI, 2013), a inovação só se instala nas organizações
se houver estímulo aos colaboradores, havendo reconhecimento da

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inovação alcançada por meio da partilha dos ganhos obtidos. Como
airmou Schumpeter (1982) quando um empresário inova, pode rea-
lizar uma destruição criativa e se for bem aceita no mercado, gera lu-
cros excessivos até ser copiada por outros empresários. Segundo o SE-
BRAE (2012), Charles Edquist recomendou que a inovação no Brasil
fosse estimulada por meio de políticas públicas, e que o setor públi-
co deveria se unir ao privado para criar um sistema de inovação. Para
ele, é preciso estar claro o papel do Estado e o das empresas e merca-
do. Deste modo, Edquist reairma a necessidade de cooperação entre
instituições públicas, o privado e a comunidade a im de gerar apren-
dizado, conhecimento e inovação por meio da cooperação, troca de
experiências e ajuda mútua com o objetivo de desenvolver economi-
camente a região e gerar melhores resultados produtivos, econômicos
e de qualidade de vida para a população.
De acordo com Teixeira e Cardoso (2012), o conceito de “sistema
nacional de inovação” foi publicado pela primeira vez por Freeman
(1982), quem defendeu a necessidade de iniciativas do governo que
dessem conta das incertezas do processo técnico. Ao discorrerem so-
bre o conceito de sistemas de inovação, Sbica e Pelaez (2006 apud
TEIXEIRA e CARDOSO, 2012) o deinem como a interação entre um
conjunto de instituições públicas e privadas, que contribui nos âmbi-
tos macro e microeconômicos para o desenvolvimento e a difusão de
novas tecnologias.
Para Tether (2003) e o SEBRAE (2008 apud COSTA, 2014), o atendi-
mento fornecido às MPEs, por parte de órgãos governamentais, favo-
rece sua capacidade competitiva, trazendo benefícios à comunidade
da qual faz parte, colaborando também para a sustentabilidade am-
biental e social. Então, daí explica-se o papel fundamental das MPEs
para o desenvolvimento regional e, consequentemente, o lógico con-
catenamento das ações das políticas públicas dirigidas para redução
das assimetrias e subsequente melhoria no desempenho. De acordo
com Drucker, “o aumento da competitividade, a emergência de novas

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tecnologias e a velocidade do processo de inovação inluenciam di-
retamente no desenvolvimento regional” (2000 apud SLUSZZ et al.,
2013, p. 148). Drucker salienta ainda que as organizações precisam do
empreendedorismo na gestão empresarial para a sustentabilidade e
desenvolvimento do negócio.
Diante da importância da inovação para o crescimento das MPEs,
estas que vem sendo peças fundamentais para o crescimento econô-
mico do Brasil e do Amapá, veriica-se a relevância do debate para a
economia local, a geração de emprego e renda, e principalmente o
desenvolvimento regional, pois irá gerar dados relativos ao desenvol-
vimento das MPEs em Macapá por meio do empreendedorismo ino-
vador. Por im, espera-se que os resultados obtidos pela observação,
orbi et urbi, sobre os conceitos, os novos dispositivos legais e as pos-
sibilidades estratégicas possam contribuir para o desenvolvimento
da região, para o ecossistema inovador, e pode também ser utilizado
como subsídio para futuras políticas públicas, levando em considera-
ção os níveis de competitividade da região e a inovação ainda em ne-
cessidade de consolidação.

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