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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CURSO DE DIREITO

MARIA CLARA BEZERRA FONSECA

A APATRIDIA E O DIREITO À NACIONALIDADE: O DEVER ESTATAL DE

RECONHECER E INTEGRAR OS APÁTRIDAS EM SOCIEDADE

NATAL/RN
2020
2

MARIA CLARA BEZERRA FONSECA

A APATRIDIA E O DIREITO À NACIONALIDADE: O DEVER ESTATAL DE

RECONHECER E INTEGRAR OS APÁTRIDAS EM SOCIEDADE

Monografia apresentada ao curso de


graduação em Direito, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Fabiano André de


Souza Mendonça

NATAL/ RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Fonseca, Maria Clara Bezerra.


A apatridia e o direito a nacionalidade: o dever estatal de
reconhecer e integrar os apátridas em sociedade / Maria Clara
Bezerra Fonseca. - 2020.
55f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do


Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Departamento de Direito. Natal, RN, 2020.
Orientador: Prof. Dr. Fabiano André de Souza Mendonça.

1. Apatridia - Monografia. 2. Direito à nacionalidade -


Monografia. 3. Teoria do enfoque das capacidades - Monografia.
I. Mendonça, Fabiano André de Souza. II. Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 342.7

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
DEPARTAMENTO DE DIREITO PUBLICO - DIPUB

ATA Nº 23/2020 - DPU/CCSA (16.17)

Nº do Protocolo: 23077.104034/2020-36
Natal-RN, 19 de dezembro de 2020.

ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Aos dezoito dias do mês dezembro de 2020, às 14:30, na Plataforma Virtual Google Meet, realizou-se a sessão
pública para a defesa oral do Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito intitulado: "A apatridia e o
direito à nacionalidade: o dever estatal de reconhecer e integrar os apátridas em sociedade", de Maria Clara Bezerra
Fonseca, matrícula nº 20150112574. A Comissão Examinadora, designada pela Portaria-TCC nº 17/2020-DPU, foi
composta pelos professores Fabiano André de Souza Mendonça, matrícula nº 3204015 (DPU/UFRN), Artur Cortez
Bonifácio, matrícula nº 2222637 (DPU/UFRN) e Thiago Oliveira Moreira, matrícula nº 2527208 (DIPRI/UFRN).
Realizada a defesa oral e a arguição, em conformidade com os procedimentos regulares, a Comissão considerou a
monografia APROVADA, atribuindo-lhe a nota 9,0.

(Assinado digitalmente em 05/01/2021 17:00) (Assinado digitalmente em 21/12/2020 19:14)


ARTUR CORTEZ BONIFACIO FABIANO ANDRE DE SOUZA MENDONCA
PROFESSOR DO MAGISTERIO SUPERIOR PROFESSOR DO MAGISTERIO SUPERIOR
DPU/CCSA (16.17) DPU/CCSA (16.17)
Matrícula: 2222637 Matrícula: 3204015

(Assinado digitalmente em 19/12/2020 14:28)


THIAGO OLIVEIRA MOREIRA
PROFESSOR DO MAGISTERIO SUPERIOR
DPR/CCSA (16.16)
Matrícula: 2527208

Para verificar a autenticidade deste documento entre em https://sipac.ufrn.br/public/documentos/index.jsp informando seu número:
23, ano: 2020, tipo: ATA, data de emissão: 19/12/2020 e o código de verificação: 38bba51e67
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AGRADECIMENTOS

Com a chegada do fim deste ciclo, agradeço a Deus e a todas as pessoas que
estiveram presentes e influenciariam de alguma forma nessa caminhada. Em especial, a
meus pais e meu irmão, pelo apoio e amor incondicional e por me ensinarem diariamente
o valor da vida. A toda minha família, meus avós, meus tios e primos, que estiveram
sempre ao meu lado. Aos meus amigos, que me proporcionaram muita felicidade e
suporte nos momentos difíceis. E aos meus professores, em especial a Fabiano, meu
orientador, por terem iluminado meu caminho com seus ensinamentos.
Dedico esse trabalho a vocês.
4

- Ora, veja que espetáculo pelo mundo:


guerra de todos contra todos; o mais forte é
o mais esperto! O seu “amai-vos uns aos
outros” é uma bobagem!
- Pois bem, se é uma bobagem, a alma deve
encerrar-se nela mesma como a pérola
dentro da concha – respondeu o bispo, sem
entrar em disputa.
Victor Hugo
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RESUMO

Já dizia Hannah Arendt que não ter raízes significa não ter no mundo um lugar
reconhecido e não pertencer ao mesmo, em suma, ser supérfluo. O apátrida, como ser
supérfluo em essência, encontra-se constantemente propenso ao isolamento e à solidão,
por não estar protegido, em primeiro plano, pelo arcabouço jurídico atribuídos a todos os
nacionais pelo direito à nacionalidade, condição para a fruição de diversos direitos.
Destacando essa ideia, apresenta-se a problemática que orientará nosso trabalho: por que
o Estado deve reconhecer a apatridia e possibilitar a naturalização dos que sofrem com
essa condição? Partindo dessa indagação, inicialmente iremos delimitar os elementos do
Estado-nação e o que constitui a nacionalidade, enquanto conceito eminentemente
jurídico, para podermos justificar o dever do Estado de promover a integração e o
reconhecimento dos heimatlosen, através principalmente da teoria do enfoque das
capacidades. Compreendendo esses pontos, partiremos a um aprofundamento no que
constitui o fenômeno da apátridia e, conjuntamente, compreenderemos o que o direito
internacional e nosso direito interno tem a dizer sobre o assunto. Seguiremos com uma
análise do que causa esse fenômeno e quais são as consequências decorrentes do mesmo
para, enfim, descobrir a resposta para a principal questão desse trabalho. O Estado tem o
dever de promover o reconhecimento da apatridia e possibilitar a naturalização, pois o
direito a nacionalidade é pressuposto para a materialização de direitos e garantias –
levando em consideração o conceito de capacidades – os quais possibilitam os membros
da sociedade se autodeterminarem, estipularem seus fins pessoais para o alcance de uma
vida digna e boa de se viver.
Palavras-chaves: Apatridia. Direito à nacionalidade. Teoria do enfoque das capacidades.
Causas-efeitos da apatridia. Atomização social.
6

ABSTRACT

Hannah Arendt once said that not having roots meant not having in the world a recognized
place and not belonging to it, in short, to be superfluous. The stateless, as a redundant
being in essence, finds itself constantly prone to isolation and loneliness, for is not
protected, in the foreground, by the judicial framework assigned to all nationals by the
right to nationality, condition to the fruition of several rights. Highlighting this idea, the
problematic that will guide our work is presented: why should the State recognize
statelessness and enable the naturalization of those that suffer because of this condition?
Starting from this question, initially we will determine the elements of the state and what
constitutes nationality, as an eminently legal concept, so that we can justify the State duty
to promote integration and the acknowledgment of the heimatlosen, mostly through the
capabilities approach theory. Understanding these points, we will delve deeper into what
constitutes the stateless phenomena and we will comprehend, as well, what the
international legal system and our domestics laws have to say pertaining the subject. We
will follow with an analysis of what causes said phenomena and what are the
consequences of it so that we can, finally, find out the answer to the main point of this
thesis. The State has the duty to promote the recognition of the statelessness phenomena
and enable naturalization, because the right to nationality is a requirement to the
materialization of rights and guarantees – taking into consideration the capabilities
approach – that make possible to the members of society to self-determine themselves,
estipulate their own personal ends so that they can reach a dignified and a good life to
live.
Keywords: Statelessness. Right to a nationality. Capabilities approach theory. Causes-
effects of statelessness. Social atomization.
7

LISTA DE SIGLAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

ONU Organização das Nações Unidas

CONARE Comitê Nacional para os Refugiados


8

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9

2.APATRIDIA NO MUNDO E NO BRASIL


................................................................................................................................... 10

3.DEFINIÇÃO DA ESTRUTURA DO ESTADO – ELEMENTOS QUE


CONSTITUEM O ESTADO ..................................................................................... 14

3.1.A TEORIA DO ENFOQUE DAS CAPACIDADES APLICADA À FINALIDADE


DO ESTADO - VISÃO DE MARTHA NUSSBAUM E AMARTYA SEN................... 17

4.O CONCEITO DA NACIONALIDADE SEGUNDO A DOUTRINA E


INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS ................................................................. 22

5.CONCEITUAÇÃO E EXPLICAÇÃO DO FENÔMENO DA APATRIDIA –


APÁTRIDAS DE JURE E DE FACTO .................................................................... 24

6.APATRIDIA SOBRE A ÓTICA DO DIREITO BRASILEIRO - CENÁRIO PRÉ-


LEI 13.445/2017 ........................................................................................................ 27

6.1.NOVA LEI DE MIGRAÇÃO NO BRASIL – IMPACTOS E AVANÇOS


................................................................................................................................... 29

6.2.A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E O TRATAMENTO AO APÁTRIDA


................................................................................................................................... 30

7.CAUSAS DA APATRIDIA – CONVENÇÃO PARA A REDUÇÃO DOS CASOS


DE APATRIDIA DE 1961 ......................................................................................... 34

7.1.CONSEQUÊNCIAS E IMPACTOS DA APATRIDIA NO INDIVÍDUO E NA


SOCIEDADE QUE O RODEIA – OLHAR DE HANNAH ARENDT ........................ 40

7.2.O RECONHECIMENTO DA APATRIDIA E A CONCESSÃO DA


NACIONALIDADE COMO FORMA DE DIMINUIR O ISOLAMENTO SOCIAL ... 44

7.3.ATOMIZAÇÃO SOCIAL COMO UM FENÔMENO SOCIO-JURÍDICO


................................................................................................................................... 46

8.CONCLUSÃO ........................................................................................................ 49

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 52
9

1. INTRODUÇÃO

A apatridia é um problema global e extremamente atual, afetando tanto os países


mais desenvolvidos do globo quanto os menos. Sua abrangência, potencializada, por
exemplo, pelas massas de refugiados apátridas que surgem diariamente, abre espaço para
se discutir o direito de autodeterminação do Estado no que tange a determinação das leis
e critérios da nacionalidade.
Essa prerrogativa possibilita que arbitrariamente ocorra exclusão de indivíduos,
seja esta proposital ou não, da abrangência do vínculo jurídico de nacionalidade. E essa
supressão arbitrária gera consequências extremamente danosas e duradouras para o
desenvolvimento saudável e satisfatório do ser humano, já que a nacionalidade atua como
pressuposto para o usufruto de diversos direitos e liberdades essenciais para a vida do
homem. Imprescindível, portanto, é que os atores do direito internacional tratem da
temática referida com afinco e dedicação visando dar fim a esse problema jurídico de
escala global.
Nesse sentido, esse trabalho propõe justificar a obrigação estatal de reconhecer os
apátridas e a eles possibilitar a aquisição do direito à nacionalidade. O desenvolvimento
dessa temática será possibilitado pela consecução de alguns objetivos específicos.
Primeiramente, será feita uma análise do que constituem os elementos do Estado –
população, território, governo, capacidade de se relacionar internacionalmente com
outros atores, e finalidade – e do direito a nacionalidade decorrente dessa relação jurídica
entre pessoa e Estado.
Essa análise será também sustentada pela teoria do enfoque das capacidades, haja
vista a mesma proporcionar as ferramentas adequadas para a fundamentação do dever
estatal de reconhecimento dos apátridas. Essa teoria, capitaneada por Martha Nussbaum
e Amartya Sen, promove a ideia de uma justiça social de âmbito global, conseguindo lidar
com questões que demais teorias da justiça não conseguem, em plenitude, explicar, como
é o caso do tratamento dos não-nacionais e, por essa razão, será utilizada para orientar
este trabalho.
Consequentemente, o enfoque das capacidades permite evidenciar o dever estatal
de cuidar e prover os instrumentos necessários para o desenvolvimento social e individual
de cada um, mesmo aqueles que formalmente não estão conectados à estrutura estatal,
dentre eles e em destaque, os apátridas. É dizer que ao Estado se acopla o encargo de
promover o bem-estar social a todos que fazem parte do mesmo, ainda que sejam aqueles
10

historicamente marginalizados ou desprotegidos como os heimatlosen. É muito mais que


um dever estatal é uma obrigação de todos como “comunidade global” agir na promoção
da justiça e da igualdade de condições entre todos. Compreendendo essas questões, a
nacionalidade, enquanto vínculo de caráter jurídico, será explicada para fins de
compreensão também do que significa a apatridia, a qual também terá seus contornos
delimitados a título de objetivo específico.
Posteriormente, partiremos a explanação das causas e consequências desse
fenômeno também visando alcançar esse objetivo principal, qual seja, o reconhecimento
do dever do Estado de reconhecer o apátrida e de possibilitar ao mesmo a conquista da
nacionalidade. São inúmeras, porém, destacar-se-ão algumas que se correlacionam de
modo a criar um ciclo vicioso, por meio do qual os resultados e repercussões ocasionadas
pela apatridia ensejam e causam o surgimento de mais casos de ausência formal de pátria.
As causas e efeitos se identificam e se estimulam mutualmente.
Visando dar fim a esse circuito vicioso, dar-se-á destaque aos benefícios que o
reconhecimento da apátridia e a correta inserção desses indivíduos no espaço político e
social, para possibilitar a observância de como esse reconhecimento auxilia na diminuição
da atomização social, compreendida como processo de separação dos indivíduos do corpo
social. O indivíduo quando não mais consegue deixar sua marca no mundo, quando a ele
são negadas todas as oportunidades de inclusão, efetivamente, distancia-se do próprio
conceito de homem e de humanidade.
Por fim, busca-se evidenciar que essa obrigação primordial do Estado de cuidar
de todos aqueles que vivem sobre sua sombra, além de se justificar no seu sentido de
existência, abarca também a necessidade de se formar sociedades e comunidades em que
todos possam verdadeiramente participar – formando e se identificando como seres
humanos – nelas incluindo-se até mesmo aqueles que tantos fazem questão de esquecer.

2. APATRIDIA NO MUNDO E NO BRASIL

O processo de deslocamento de massas populacionais sempre existiu no mundo


dos humanos. Não é um fenômeno novo. Guerras, escassez de recursos, mudanças
fronteiriças, problemas de sucessão de Estados. Sempre que o mundo se envolvia em
disputas por poder, aqueles que se encontravam à deriva desses acontecimentos sofriam
11

indiretamente consequências que mudavam completamente sua posição no mundo, e


muitas destas consistiam no deslocamento forçado, que é tão antigo quanto as disputas
pelo poder.
O problema dos apátridas, par excellance, todavia, é fenômeno de grandes
proporções1 contemporâneo e foi desvelado em todo seu potencial para crueldade com as
Grandes Guerras Mundiais. A 1ª Guerra Mundial foi, a sua época, verdadeira quebra de
paradigma, pois produziu pesados efeitos para além de sua disputa imediata, causando
desemprego em massa, hiperinflação e as migrações obrigatórias, em razão das disputas
territoriais.
A diferença destas para as movimentações anteriores é que agora, estas pessoas
não eram bem-vindas em lugar algum. Tornavam-se apátridas, ou, nas palavras de Hannah
Arendt, o “refúgo da terra” (ARENDT, p. 369). Isso porque, sem pátria para os proteger
e fazer valer seus direitos, tornavam-se descartáveis, supérfluos. Seres não mais especiais
e únicos em razão da sua qualidade humana, mas números, impessoais e estéreis, sobre
os quais agia um processo, cruel e sádico, de objetificação total.
Ocorre que no mundo civilizado – no qual todo e qualquer pedaço de terra já se
encontra reivindicado por um ou mais Estados – a população afligida por essa condição
fica presa em um limbo jurídico e social, de onde não se vê saída, tendo em vista que
nenhum país pode ser obrigado a acolhê-los, nem mesmo o país a cuja nacionalidade os
apátridas se identificarem, em vista do princípio da soberania nacional de cada Estado,
pressuposto dos mesmos desde que reconhecidos pelos demais membros da comunidade
internacional como Estado soberano.
Em vista a combater esse problema, a comunidade internacional não podia mais
deixar ao sabor da vontade dos Estados soberanos a concessão ou a retirada da
nacionalidade. Isso porque o indivíduo só é reconhecido enquanto tal e a ele são
concedidos direitos e deveres fundamentais efetivamente se o mesmo for membro de um
Estado, mesmos sendo esses direitos ditos “universais”. Com o fim da 2ª Guerra Mundial

1
Compreendido assim pelo grande número de comunidades apátridas pelo mundo. Em destaque, para a
etnia minoritária dos Rohingya, em Myanmar e Bangladesh, cujo número de indivíduos sem nacionalidade
reconhecida chega a 854.704, segundo dados da ACNUR presentes no documento “Global Trends: Forced
Displacement in 2019” – considerando nessa contagem tanto os apátridas refugiados, quanto os somente
apátridas. Além deste, existem pelo mundo diversos grupamentos étnicos apátridas, dentre elas: os Karana
em Madagascar (não há dados exatos acerca da quantidade de apátridas, mas uma estimativa aceita é de
pelo menos 20.000); os Roma na Macedônia (dados oficiais estipulam a existência de 54.000 heimatlosen,
todavia, estimativas não oficiais variam de 110.000 a 260.000); os Pemba (3.500 segundo prognósticos) e
os Makonde (cerca de 4.000) no Quênia. Os dados acercas desses grupos de apátridas estão presentes no
documento da ACNUR “’This is our home’ Stateless minorities and their search for citizenship”.
12

e a experiência, em primeira mão, das expatriações em massa – causando um número


nunca antes visto de imigrantes e refugiados – surgem diversas iniciativas visando pôr
fim a esse problema.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, promulgada logo
após o fim da guerra, afirma em seu artigo 15 que “1. Todo Homem tem direito a uma
nacionalidade; 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do
direito de mudar de nacionalidade”. Reconhece-se, assim, ao indivíduo, o direito a ter
direitos. Todavia, a declaração também reafirma a soberania dos Estados não ajudando a
elucidar a solução para eventual conflito entre a prerrogativa do indivíduo de ter
nacionalidade e do Estado de não conceder a nacionalidade.
Assim, visando promover ações mais concretas para a resolução dessa falha do
sistema internacional, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou o ACNUR (Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), em dezembro de 1950, para lidar com
as questões referentes aos refugiados e aos apátridas. Além desse órgão, foi aprovada a
Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, em 1951, que, apesar de mencionar o
problema dos apátridas, não trazia uma definição para eles, nem trata o problema com a
devida profundidade. Desta forma, em 1954, foi adotada pelas Nações Unidas a
Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, a qual já estabelece em seu primeiro artigo
que “o termo ’apátrida’ designará toda pessoa que não seja considerada nacional por
nenhum Estado, conforme sua legislação”2.
Entretanto, ainda assim persiste o problema globalmente. Em dados obtidos do
estudo da ACNUR “Global Trends 2019”3, foi constatado que oficialmente existiam
4.161.9794 casos de apatridia mundialmente. Estima-se que esse número seja ainda maior,
em razão da subnotificação e da falta de dados oficiais. Conforme o documento destacou,
em seu capítulo seis, menos que a metade dos países do mundo apresentam dados oficiais
acerca da apatridia. De fato, em 2005 a Refugees International5 já estimava que uma
estimativa baixa dava conta de mais de 11 milhões de apátridas no mundo.
Frente a atualidade do tema da apatridia, tanto a comunidade internacional quanto
o Brasil continuam a se esforçar para diminuir os efeitos nefastos causados pela ausência

2
Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (1954)
Adotada em 28 de setembro de 1954 pela Conferência de Plenipotenciários convocada pela Resolução 526
A (XVII) do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas, de 26 de abril de 1954.
3
Documento publicado em 19 de junho de 2019
4
Tabela 2 do anexo ao documento “UNHCR Global Trends 2019”
5
Dados presente no documento “Lives on Hold: the human cost of statelessness” publicado pela Refugees
Intenational em 2005.
13

de pátria e, ao mesmo tempo, acabar de uma vez por todas com esse fenômeno.
Historicamente, o Brasil nunca teve contato com uma grande massa de indivíduos
apátridas - apesar de, historicamente, ser um país eminentemente de imigração – muito
em razão dessa condição estar muitas vezes ligadas à dissolução dos Estados nacionais, à
guerra, à conflitos étnicos-religiosos à expatriação forçada e à política de concessão de
nacionalidade de cada país.
O caso dos brasileirinhos apátridas – questão corrigida e acertada com a Emenda
Constitucional nº 54/2007 – mesmo que muito grave, por deixar desprotegidos crianças
de pais brasileiros nascidos no exterior, negando-lhes o invólucro protetor da
nacionalidade, foi mais um erro de formulação do dispositivo jurídico presente na
Emenda Constitucional nº 3/1994, do que a reprodução da mens legislatoris de tornar
apátridas as referidas.
Por não ter sido palco ou ter participado de muitos conflitos territoriais entre seus
vizinhos, nunca foi defrontado com grande número de massas sem nacionalidade e sem
pátria. Também, em razão de sua história recente como país, assim como sua natureza de
país de imigração – ou seja, por sua população, de forma geral, ter ascendência estrangeira
– nunca foi cenário de disputas étnicas milenares, capazes de ocasionar a geração de
apátridas com a separação e a anexação de territórios recorrentes, como foi o caso em
diversos territórios da Europa.
Talvez em razão disso, inclusive aqui, nunca houve expatriações forçadas em
massa. Nossa história nunca trilhou esses caminhos. O exílio de intelectuais contrários ao
regime da Ditadura Militar que assolou o Brasil entre os anos de 1964 a 1985 foi se não
o único, o mais notável exemplo de expulsão de nacionais das terras brasileiras, todavia,
embora perverso, isso, ainda assim, não se compara a retirada forçada da nacionalidade
das minorias indesejadas – cujo caso mais notório foi o dos nacionais judeus na Alemanha
nazista.
Destarte os problemas mais latentes da sociedade brasileira, discutir a apatridia
não é prescindível e infrutífero. Fato é que a crise de refugiados que vive o mundo traz
consigo um aumento de número de indivíduos sem pátria para chamar de sua. O Brasil,
embora não seja destino principal dessas pessoas, recentemente recebeu um número
considerável de refugiados e imigrantes por razões econômicas. Dentre estes, podem
aparecer indivíduos que se encontram também na situação de apatridia. Isso porque, a
apatridia é uma condição ligada recorrentemente às minorias e refugiados.
14

A ACNUR, reiterando essa ideia, em sua resolução de número 95 de 2003 exorta


que os Estados, visando resolver os casos de apatridia, deveriam – excepcionalmente,
quando mostre-se difícil a existência de uma proteção jurídica normal e adequada no país
em que vive o apátrida – possibilitar a reinstalação deste em outro país, como o Brasil,
com uma legislação mais apropriada para lidar com as questões derivadas desta
incoerência jurídica.
Esses avanços trazidos pela nova lei de migração, portanto, podem tornar o Brasil
um país atraente para aqueles que querem ter a perspectiva de possuir um vínculo formal
de nacionalidade. Apesar dos inúmeros problemas sociais e econômicos atuais, não se
pode abstrair da possibilidade de desenvolvimento futuro do país, podendo atrair massas
de estrangeiros. Sendo assim, faz-se necessário compreender o significado da apátridia,
e, para isso, precisamos inicialmente compreender a estrutura do Estado e o direito à
nacionalidade decorrente deste.

3. DEFINIÇÃO DA ESTRUTURA DO ESTADO – ELEMENTOS QUE

CONSTITUEM O ESTADO

A ocorrência da apatridia está estritamente ligada ao conceito de nacionalidade,


que por sua vez se vincula à ideia de Estado-nação, principal sujeito do direito
internacional e único ente dotado de plena capacidade jurídica internacional 6.
Efetivamente, foi com o advento desse modelo estatal reconhecido pelo direito
internacional público que passamos a conhecer com mais profundeza os quatro elementos
que compõe a estrutura do Estado. Estes se encontram dispostos suscintamente no artigo
1º da Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados, os quais são: “I. População
permanente; II. Território determinado; III. Governo; IV. Capacidade de entrar em
relações com os demais Estados.”.
Consistem, portanto, em três fundamentos de âmbito interno (território, governo
e população) e um de âmbito externo (capacidade de se relacionar com os demais
estados). Primeiramente, a população constitui no grupamento de pessoas que vive
permanentemente dentro do território que compõe o Estado, com o qual se vinculam não
somente em relação à posição geográfica de estadia, de residência, mas em razão de um

6
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 244.
15

vínculo, de um sentimento de pertencimento, mais bem expressado pela nacionalidade (a


qual trataremos em tópico posterior). Essa relação se dá em duas vias, em troca de
proteção e promoção do bem-estar, o Estado pressupõe lealdade do seu povo. Esta é
composta tanto de nacionais que residam no país quanto de nacionais que morem no
exterior, sobre os quais o governo possuí uma jurisdição pessoal baseada especificamente
no liame da nacionalidade. É importante pontuar que os estrangeiros residentes
permanentes no país, embora não se vinculem com o Estado pela nacionalidade, ainda
assim são membros da população, com a ressalva que, para eles, a jurisdição aplicada não
é a pessoal, mas a territorial, derivada do elemento subsequente.
O território, por sua vez, equivale ao espaço territorial, geográfico no qual o
Estado exerce sua competência. Esse espaço comporta a área terrestre constituída pelo
solo, subsolo, rios e lagos; a área marítima, estabelecida pela Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar7; e a área aérea, equivalente ao território terrestre e
marítimo, limitada pelo espaço extraterrestre, o qual não pode ser apossado por nenhum
país8. Dentro desses limites pré-estabelecidos, os Estados têm jurisdição, possibilitando
que o mesmo redija medidas legislativas estabelecendo normas de dever ser, ao mesmo
tempo que tem a competência de garantir sua execução e impor, se necessário, uma
sanção. Salutar reiterar que para os estrangeiros residentes no país, embora a jurisdição
pessoal não se imponha porquanto não são nacionais, são regidos pela jurisdição
territorial do Estado hospedeiro.
O governo, nesse contexto, é a forma organizacional com que o Estado impõe seu
poder e sua soberania, sem se subordinar a qualquer outra autoridade. O governo é o
exercício do poder supremo do Estado, já dizia Aristóteles. De fato, existem múltiplas
denominações para este elemento, dentre elas, poder político ou poder do Estado.
Em contraposição a posição de indispensabilidade tanto do governo quanto do
território, Francisco Rezek aduz que embora considerados essenciais, “em circunstâncias
excepcionais e transitórias”9 é possível a ausência de um governo que legitimamente
exerça o poder político, assim como pode ser que em determinado momento o governo
não tenha o controle efetivo sobre dimensões geográficas do seu território. Conclui, então,

7
Limitada pelo mar territorial (art. 3), pelas águas interiores (art. 8), a zona contígua (art. 33) e a plataforma
continental (art. 76).
8
Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço
Cósmico. Art. II. O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de
apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.
9
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
106
16

que dos três elementos que ele considera essencial (território, povo, governo), somente o
povo é definitivamente imprescindível.
A capacidade de entrar em relações com os demais Estados, o quatro elemento e
único principalmente relacionado à comunidade extrínseca, por fim, consiste no Estado
estar apto para firmar acordos, convenções, tratados e também com a capacidade de
adentrar e fazer parte de organizações internacionais. De modo sucinto, é a possibilidade
do Estado se relacionar com os demais entes do direito internacional. Geralmente este se
dá com o reconhecimento dos demais Estados soberanos da sua capacidade. Segundo
Acciolly10, este e o terceiro elemento são dois lados da mesma moeda, pois para que os
compromissos e relações internacionais tenham validade é necessário a existência prévia
de um governo soberano, não subordinado a ninguém somente aos interesses da sua
população.
O Estado, portanto, é um ente jurídico de direito internacional, caracterizado pela
existência de uma população determinável, que habita primordialmente um território
determinado, governado por uma administração política soberana dentro desse território,
a qual tem, em razão dessa soberania capacidade de se relacionar em posição de igualdade
com os demais entes do direito internacional.
Embora reconhecidamente esses quatro elementos consistem em pressupostos
essenciais de existência do Estado, alguns estudiosos11 consideram que existe mais um
elemento intrínseco a estrutura do Estado, qual seja, a sua finalidade. A finalidade é
efetivamente o objetivo primordial do Estado. O Estado tem sua justificativa de existência
por ser o meio pelo qual os indivíduos que o habitam se desenvolvem e atingem seus fins
e objetivos próprios e individuais. Sendo assim, sua estrutura deve privilegiar o alcance
do bem comum a todos e deve fomentar um ambiente em que todos possam desenvolver
suas habilidades e a própria personalidade dos mesmos. Deve ser terreno fértil para as
interações humanas, protegendo as pessoas e concedendo os recursos para o pleno
desenvolvimento pessoal.
É incoerente conceber o Estado sem uma finalidade, afinal qual seria a razão de
ser de tamanha estrutura complexa? De fato, ele não é ser consciente e pensante, não é
capaz de sentir emoções e de se realizar enquanto tal pelo desenvolvimento de sua

10
ACCIOLLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASSELLA, Paulo Borba. Manual de
Direito Internacional Público. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
11
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020.
17

personalidade, afinal não tem uma. Em suma, ele não é humano. Somente o homem é fim
em si mesmo, portanto também é impensável que os indivíduos sejam somente peças e
objetos para granjear o benefício banal e trivial da estrutura estatal. O Estado existe em
razão de seus habitantes, portanto mesmo não aparecendo no rol de elementos da
Convenção de Montevidéu de 1933, ele é imprescindível para justificar a existência do
Estado.
Para a compreensão da finalidade, escolheu-se analisar esse conceito através da
ótica da teoria do enfoque das capacidades por duas razões principais. Primeiramente, por
ela possibilitar a compreensão de uma justiça global compartilhada por todos, não se
limitando a unidade básica do Estado-nação, a partir do qual a justiça se materializa
somente dentro de suas fronteiras, não abrangendo, em um primeiro momento, Estados e
indivíduos fora dessa delimitação. Sendo assim, a referida teoria permite abranger a
justiça, a igualdade e o ideal de bem-estar também para aqueles que, pelo menos
formalmente, não fazem parte do Estado, como é o caso dos apátridas.
Em segundo lugar, porque o enfoque das capacidades põe em destaque a dignidade
do ser humano para justificar a adoção dos conceitos de capacidade e funcionamento,
evidenciando, consequentemente, o papel central do bem-estar do indivíduo em sociedade
para a justiça e para o direito. Relaciona-se, portanto, intimamente com a finalidade
precípua estatal e, por essa razão, será usada para fundamentar a ideia do dever estatal de
promover o bem-estar também dos apátridas. No tópico que segue, examinar-se-á com
mais detalhes a mencionada teoria.

3.1. A TEORIA DO ENFOQUE DAS CAPACIDADES APLICADA À

FINALIDADE DO ESTADO - VISÃO DE MARTHA NUSSBAUM12 E AMARTYA

SEN13

Conforme exposto no tópico anterior, o Estado é uma estrutura jurídica artificial


que contém como um dos seus elementos primordiais a presença do povo e a existência
de uma finalidade precípua, qual seja, possibilitar a todos os membros dessa comunidade

12
NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da Justiça: deficiência, nacionalidade e pertencimento à espécie.
1. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
13
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. 1. ed. 8ª reimpressão. São Paulo: Companhia de
Bolso, 2020.
18

delimitada a condição de viver bem um período de vida razoável. Essa finalidade


enquanto pressuposto para a criação do Estado, foi alvo de diversas investigações de
justiça política, dentre as quais se destacam contratualistas – na sua concepção clássica
com Hobbes e Locke, passando à teoria mais moderna contratualista com viés moral
kantiano de Rawls – e também as utilitaristas – do classicismo de Bentham às mais
concepções mais modernas que consideram a utilidade a representação numérica das
preferências pessoais.
É à teoria de Rawls que Nussbaum se atém, por considerar a teoria liberal mais
adequada para justificar o Estado enquanto assegurador da justiça social e política.
Embora reconheça os êxitos da referida tese, observa a existência de 3 problemas
inerentes à própria estrutura da posição originária do momento da formulação do contrato
em seu primeiro nível.
O defeito estaria, portanto, na determinação de que um procedimento justo
necessariamente implicaria necessariamente em princípios em sua essência justos. Para a
autora, as consequências, ou seja, o resultado do processo que deve orientar a escolha dos
princípios até porque apesar da aplicação da concepção do véu da ignorância14 visando
equalizar as posições inicialmente para a consecução de princípios adequados, escolhidos
em consenso – o fato é que o processo de escolha é ruim, pois excludente.
Por pressupor a existência de indivíduos “livres, iguais e independentes” na
posição original, não concebe a presença de indivíduos deficientes, de animais não-
humanos e de indivíduos não-nacionais, ou seja, de estrangeiros no processo de
deliberação, de escolhas dos princípios. Não considerando os estrangeiros e
estabelecendo o Estado-nação como sua unidade básica, sua teoria falha quando ampliada
para uma justiça global, para englobar todos os cidadãos do mundo, não permitindo a
realização efetiva de uma estrutura global em que os indivíduos não sofram – antes de
poder realizar qualquer ação no mundo – desvantagens pelo simples fato de nascerem em
um lugar desprivilegiado.
Segundo a tradição do contrato social, assim como a própria lógica procedimental
de Rawls, os Estados seriam “seres” isomórficos dos indivíduos “livres, iguais e
independentes” e as relações internacionais se dariam a partir do contrato em dois níveis.
Através deste, as partes (Estados) – com iguais condições de poder e recursos, não
ocorrendo, portanto, dominação de um sobre o outro – situar-se-iam em uma posição

14
“Ninguém conhece sua situação na sociedade nem os seus dotes naturais, e portanto ninguém tem
possibilidade de formular princípios sob medida para favorecer a si próprio” (RAWLS, p. 150).
19

inicial para a formulação do contrato, “encobertos” pelo véu da ignorância, ferramenta


que permitiria a diminuição da influência dos interesses 15 e a criação de um acordo de
vantagem mútua, definido em termos econômicos. Seria efetivamente a reprodução do
contrato do primeiro nível entre pessoas de uma sociedade para o segundo nível entre
Estados dentro da sociedade global .Essa concepção, entretanto, falha ao ignorar a
interdependência entre as nações, a existência de nações menos desenvolvidas, as quais
estariam fora da deliberação principiológica inicial por não estarem em posição de
igualdade e a questão da redistribuição de recursos das nações mais ricas para as mais
pobres, pois em que noção de vantagem mútua a distribuição unilateral de recursos
encontraria albergue?
O problema, aduz a autora, não está na propriamente na aplicação da teoria de
Rawls às novas situações fáticas que o mundo apresenta, mas na própria estrutura teórica
por trás do contrato, sendo necessário trilhar outro caminho para alcançar a resposta das
questões controvertidas – dentre elas, destaca-se para esse trabalho, a questão dos
indivíduos provenientes de países menos desenvolvidos e como ampliar a justiça para
todos os cidadãos do mundo. E esse caminho apontado é por meio da teoria do enfoque
das capacidades16 (capabilities approach) desenvolvida por Martha Nussbaum, no campo
da filosofia política, e por Amartya Sem, no campo da economia.
Através dessa teoria, Nussbaum tenta encontrar uma base filosófica para a
implementação de um mínimo de garantias sociais e Sen busca encontrar um processo
avaliatório de desenvolvimento que englobe as diferentes particularidades individuais,
para além da estreita análise da renda real. As capacidades seriam, nesse diapasão, o que
alguém pode ser ou fazer orientado e dentro de um contexto de vida digna, as liberdades
substantivas de racionalmente escolher a vida valorosa de levar.
Seriam, portanto, universais e objetos de deliberação política, destacados de uma
explicação metafísica para sua existência, alvos de um consenso sobreposto dos membros
da sociedade, os quais possuem visões de mundo distintas. Os princípios escolhidos,
então, sendo sempre alvo de debates e deliberações, conciliar-se-iam com a concepção
compartilhada de vida digna, compreendendo que a vida para ser considerada digna

15
Malgrado não extirpasse completamente a presença destes, visto ainda ser possível a inserção das
concepções de bem de cada um na feitura do contrato.
16
Na edição brasileira do livro “Fronteiras da Justiça”, a tradutora Susana de Castro menciona que o termo
“capacidade” pode erroneamente indicar que se trataria tão somente do potencial individual prévio para à
expansão de determinadas habilidades, quando a capacidade, na concepção dessa teoria, implicaria também
na realização de políticas públicas adequadas para fazer florescer estas.
20

pressupõe a consecução de fins múltiplos e diversos que se transformam ao longo do


tempo.
Considerados fins em si mesmo, nunca fins para outros, teriam um nível mínimo
associado a cada capacidade e o alcance deste nível mínimo seria o objetivo principal da
justiça social. Assim, não poderiam ser objetos de compensações e compatibilizações,
que ignoram as especificidades de vida de cada um, em razão de que cada princípio ser
requisito central da justiça por si só. Caso alguém viva abaixo do mínimo de qualquer
uma das capacidades (são 10 as propostas pela autora17, as quais correspondem, de certa
maneira, aos direitos humanos, embora o rol não seja exaustivo) tem-se que esse alguém
não possui as condições necessária para se desenvolver enquanto humano e que a justiça
política não está manifestada no caso concreto.
Sendo delimitado o que é a dignidade humana, definido a vida adequada para o
usufruto dessa dignidade e determinando as capacidades necessárias para o alcance desse
fim, o Estado, por meio da deliberação política de todos, se aproximaria de sua finalidade
precípua, o bem-estar dos cidadãos. O Estado, então, para justificar sua existência, precisa
respeitar o nível mínimo das capacidades democraticamente deliberadas por todos os
membros que compõe a sociedade, concedendo não necessariamente o funcionamento18
(prática, materialização da capacidade nas ações dos indivíduos), mas a possibilidade de
acioná-las, transformando em funcionamento. Precisa, concisamente, promover a justiça
social e política.
Como se legitimar, portanto, se a uma parcela da população (apátridas) não se
concedem as capacidades necessárias para que a mesma tenha uma vida digna. A resposta
é clara, não há fundamento para tal. Nesse condão, o Estado deve proporcionar para os
apátridas - mesmo que não reconhecidamente cidadãos, mas por serem membros factuais
da sociedade por ele organizada – os recursos necessários e as oportunidades para que os
mesmos (com diferentes habilidades intrínsecas) usufruam das capacidades assentes, se
não ele estaria incorrendo em um paradoxo, indo contra seu próprio fim.

17
São elas: o direito à vida (a viver bem, não morrer prematuramente), à saúde física (a ter uma boa saúde),
à integridade física (não ser vítima de violência e agressões), à sentir, imaginar e pensar (características
ligadas à condição humana), à sentir emoções (não ter o desenvolvimento emocional prejudicado), à razão
prática (de poder formular seus próprios fins conscientemente), à afiliação (poder viver e conviver com
outros formando relações sociais saudáveis), a outras espécies (interagir, com respeito, com os outros seres
vivos e a natureza), ao lazer (poder se diverter e se entreter com sigo e com o mundo ao seu redor) e ao
controle sobre o próprio ambiente (poder participar do campo politico e poder ter propriedade).
18
“(…) reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter.”. (SEN, p. 104). Sendo
assim, as capabilities correspondem ao conjunto variável de funcionamentos de execução factível para
determinada pessoa. Os funcionamentos equivaleriam, então, ao que o indivíduo efetivamente realiza,
enquanto que as capacidades refletiriam a liberdade de efetivar as combinações variáveis de cada pessoa.
21

Sendo assim, o reconhecimento da condição de apátrida e a possibilidade de


naturalização (capacidade e não uma imposição, sob o risco de violar as liberdades de
autodeterminação dos indivíduos) devem ser invariavelmente concedidas aos que sofrem
por essa condição, haja visto que a nacionalidade, enquanto elemento político, é
pressuposto para a fruição de diversos direitos, de diversos funcionamentos, alçados ao
posto de princípios elementares pela deliberação política.
Seguindo o fio das considerações de Nussbaum acerca da validade da teoria do
enfoque das capacidades como uma teoria de justiça mais global, além de criticar a teoria
de justiça contemporânea de Rawls, Sen também tece críticas mordazes às teorias
utilitaristas – apesar de pontuar também seus êxitos – assinalando que a falha destas
começa da escolha da base informacional – no caso em questão, a justiça compreendida
como o cálculo médio da felicidade geral – que vai orientar o desenvolvimento das
mesmas.
Primeiro pontua a desconsideração da desigualdade entre felicidades individuais
(alguns sendo muito mais feliz do que outros) só tomando como dado de estudo à média
de todas as felicidades. Posteriormente, menciona que o utilitarismo desconsidera a
importância intrínseca da luta e da liberdade de reivindicar direitos e garantias, pois
considerando somente a felicidade como ponto de partida desconsidera as demais nuances
da vida considerada racionalmente boa.
Porém, o autor efetivamente vai destacar uma falha mais oculta e, por isso, mais
cruel, qual seja, o processo de condicionamento mental acerca das medidas de prazer que
sofrem os destituídos, aqueles já desprivilegiados pela sociedade. Para tornar a vida
suportável todos nós passamos por um processo de adequação, de ajuste de nossos desejos
com aquilo que efetivamente podemos almejar, desejar, até mesmo os mais pobres, estes,
porém, em um contexto de privação. Esta maleabilidade dos níveis de prazer e expectativa
acabam minando, portanto, às possibilidades dos desprivilegiados (dentre eles, os
apátridas), pois só conseguimos alcançar algo efetivamente se primeiro sonhamos com
aquilo. Se se sonha até um limite, alcança-se até este limite.
A nacionalidade, enquanto percussora de tantos direitos, encontra-se, portanto,
para os sem-pátria como o primeiro passo, o meio possível para a “criação de condições
nas quais as pessoas tenham oportunidades reais de julgar o tipo de vida que gostariam
de levar” (SEN, p. 90). É dizer que o instituto jurídico da nacionalidade (obtido também
através do processo de naturalização) sendo direito base para o estabelecimento de um
mínimo necessário de capacidades, permite aos indivíduos condições de vida digna, as
22

quais, em conjunto, concede, aos indivíduos, a liberdade necessária para se desenvolver.


A nacionalidade, estabelecendo em decorrência da mesma um mínimo de capacidades a
serem exploradas, permite que os indivíduos, antes destituídos de qualquer vínculo
jurídico originário com algum Estado, passem a sonhar mais alto e, consequentemente, a
alçar voos mais altos. Por isso, faz-se necessário compreender o significado e as balizas
do direito à nacionalidade, o que será feito no tópico que se segue.

4. O CONCEITO DA NACIONALIDADE SEGUNDO A DOUTRINA E

INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS

Analisaremos agora com mais afinco no que consiste a nacionalidade enquanto


direito. Um dos elementos que caracterizam o Estado enquanto tal, conforme já vimos, é
a população. Ele é, portanto, agente reconhecido pelo direito internacional e tem a
capacidade de interagir em um mesmo patamar com os outros atores internacionais em
razão de sua população, cuja relação consigo se forma a partir do vínculo de
nacionalidade.
Esse vínculo tem um caráter político-jurídico, por estar relacionado à forma como
o Estado atribui esse predicado aos seus cidadãos, concedendo-os direitos e deveres a
serem cumpridos; mas também tem um caráter social, pessoal, sendo também um
sentimento de pertencimento do indivíduo para com o grupo com quem compartilha
diversos aspectos culturais e históricos, para além da mera origem comum/proximidade
física, como por exemplo, a língua, a religião, uma organização política comum e
costumes. Este último, por estar ligado ao sentimento presente no âmago dos indivíduos,
pode ocorrer até mesmo antes do reconhecimento formal do vínculo de nacionalidade, a
dizer, antes mesmo do surgimento de um Estado soberano.
Nesse trabalho, destaca-se, preocupamo-nos em lidar com a nacionalidade das
pessoas físicas, deixando de lado a análise do conceito da nacionalidade para com pessoas
jurídicas, embora sigam o mesmo entendimento base: quem determina o status de
nacional é o Estado em questão. É assim que dispõe a Convenção Concernente a Certas
Questões Relativas ao Conflito de Leis sobre a Nacionalidade datada de 1930 e
promulgada no Brasil pelo decreto 21.798/32 em seus artigos 1º e 2º, que estabelecem
23

Artigo 1. Cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os seus
nacionais. Esse legislação será aceita por todos os outros Estados desde que esteja de
acôrdo com as convenções internacionais, o costume internacional e os principios de
direito geralmente reconhecidos em materia de nacionalidade.
Artigo 2. Toda questão relativa ao ponto de caber se um individuo possue a
nacionalidade de um Estado será resolvida de acôrdo com a legislação desse Estado.

Da leitura do primeiro artigo, ainda podemos aferir o fato de que a liberdade do


Estado de decidir quem é ou não seu nacional é limitada pelas “convenções
internacionais, o costume internacional e os princípios de direito”, reforçando o
entendimento do Parecer Consultivo relativo aos decretos de nacionalidade de 1923 da
Corte Permanente de Justiça Internacional que estabelecia que saber se uma matéria é de
jurisdição interna ou externa é relativa, pois depende do desenrolar do direito
internacional. O Estado, portanto, deve, no tocante a nacionalidade, estar de acordo com
os padrões estabelecidos pelo direito e costumes internacionais.
Podemos ainda absolver da leitura dos artigos supracitados que, a contrario sensu,
todo aquele que não é nacional, segundo a legislação de determinado país, é estrangeiro.
Todos são, portanto, potencialmente estrangeiros, vis a vis o fato de que não obstante ser
possível a polipatridia, a dupla nacionalidade – ou seja, possuir mais de um vínculo de
nacionalidade válido – esta é limitada pelos critérios de jus sanguinis e jus soli
estabelecidos pelas nações soberanas, de modo que potencialmente todos são estrangeiros
fora dos limites territoriais de sua nação. Continuando nesse raciocínio, o apátrida, por
não ser considerado nacional por nenhum Estado seria o estrangeiro por excelência,
sempre distanciado da sociedade em que vive tanto por aspectos formais quanto
socioculturais.
Outro instrumento internacional que nos elucida acerca do que constitui a
nacionalidade é a Convenção Europeia sobre Nacionalidade, que estabelece já no seu 2º
artigo que a nacionalidade “designa o vínculo jurídico entre um indivíduo e um Estado,
não indicando, contudo, a origem étnica desse indivíduo”. Nesse sentido, complementa
essa assertiva o artigo 5º da mesma convenção que estabelece o princípio da não-
discriminação “em razão de sexo, religião, raça, cor ou origem nacional ou étnica” no que
concerne as normas sobre nacionalidade de cada Estado parte. Podemos extrair disso que
a nacionalidade não deve se confundir tão somente com origem étnica, envolvendo
24

diversos outros elementos que devem ser observados, conforme já demonstramos


anteriormente.
O Caso Nottebohm que opôs Liechtenstein à Guatemala estabeleceu que a
nacionalidade deve ser fundada em um vínculo real e efetivo, uma conexão genuína entre
as partes para ser oponível contra Estados terceiros. No caso em questão Liechtenstein
requereu, frente a Corte Internacional de Justiça, compensação pelo Estado de Guatemala,
baseando-se no fato de que este havia agido contrariamente as normas internacionais no
tratamento do nacional de Liechtenstein, o senhor Friedrich Nottebohm, natural da
Alemanha.
A Corte decidiu contrariamente às demandas do autor da ação por considerar que
sua nacionalidade adquirida não podia ser contestada frente à terceiros, pois havia
ausência do lien de rattachement, de um elo íntimo com o estado europeu, porém existia
uma ligação próxima e duradoura com o americano, que não havia sido enfraquecida com
a eventual naturalização do indivíduo referido.
A dizer que, a nacionalidade não pode se basear em um vínculo fictício,
meramente formal, para com determinado Estado. Ela deve ser materialização de um
estado de espírito prévio e existente, um efetivo sentimento de pertencimento, como já
dito, demonstrando, portanto, a importância para o direito também do caráter pessoal da
nacionalidade.
O fenômeno da apatridia, levando toda essa análise em consideração, ocorre
quando formalmente nenhum Estado reconhece como nacional determinado indivíduo ou
grupo de indivíduos. Como a pessoa não nasce destacada de uma sociedade, de uma
delimitação territorial, é dizer que a situação do sem-pátria é, em si, aberrante, pois
implica em um não reconhecimento do Estado com o qual o indivíduo tem um elo mais
forte. Somente compreendendo o significado da nacionalidade que podemos entender
realmente o que significa a apatridia, que será discorrida com mais profundidade no
tópico que segue.

5. CONCEITUAÇÃO E EXPLICAÇÃO DO FENÔMENO DA APATRIDIA –

APÁTRIDAS DE JURE E DE FACTO


25

A apatridia, portanto, vinculando-se ao direito da nacionalidade e a soberania do


Estado reconhecido pelos demais membros da comunidade internacional, é fenômeno
reconhecidamente recente. Tem sua principal conceituação encontrada na Convenção
sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 logo em seu primeiro artigo, estabelecendo o
apátrida como sendo todo indivíduo não reconhecido como nacional pela legislação de
nenhum dos Estados-nação.
Destaca-se que essa definição é incompleta quando se considera a existência dos
apátridas de facto, ou seja, aqueles que embora não tenham uma nacionalidade efetiva,
gozando da proteção de um Estado, não podem demonstrar juridicamente que, em efeito,
são apátridas, pois o vínculo de direitos e deveres estabelecidos entre um Estado e seus
nacionais, nesse caso, não existe.
A Convenção relativa aos Refugiados de 1951 – cujos efeitos se propagaram no
tempo pelo Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 – precedendo à relativa
aos casos de apatridia, embora não mencione a questão da apatridia diretamente, traz a
tona a questão do refugiado apátrida, conforme detalha o art. 1º, A, (2), quando diz

temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade (...), ou que, se
não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual
em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não
quer voltar a ele

Há, portanto, uma proteção aquele apátrida que cumula também à condição de
refugiado em razão da perseguição que sofre. Observa-se que do momento da criação da
Convenção referente aos apátridas se presumia que os indivíduos sem uma nacionalidade
efetiva, funcional, ou seja, os apátridas de facto, identificavam-se completamente com os
refugiados, sendo incluídos no âmbito de proteção da Convenção de 1951. Isso porque
fugindo de seu país em razão da perseguição cuja justificação se encontra na ausência de
uma nacionalidade efetiva, este indivíduo era ao mesmo tempo refugiado e apátrida de
facto. Todavia, a análise das definições destes dois fenômenos nos permite abstrair que
para ser apátrida, não necessariamente o indivíduo deve sofrer “fundado receio de
perseguição”, elemento crucial ao reconhecimento do refugiado.
Assim sendo, o indivíduo pode aglutinar essas duas condições ou não. Pode ser
somente refugiado, ou somente apátrida de jure, ou apátrida de facto. A Convenção de
26

1954, que trata exclusivamente sobre os apátridas e complementa o tratado anterior,


embora não tenha enfoque no problema dos apátridas de facto não-refugiados
necessariamente, traz em sua Ata Final, uma recomendação que estabelece que o Estado
contratante, entendendo como aceitáveis e válidos os motivos pelos quais um indivíduo
renunciou a proteção do Estado do qual é cidadão, deve concedê-lo os mesmos direitos e
garantias concedidas aos apátridas.
Sendo assim, de certo modo, abarcam no âmbito de proteção dos Estados –
segundo os mencionados instrumentos internacionais – todo e qualquer sujeito apátrida
seja em razão da ausência de legislação que formalize este vínculo jurídico, seja em razão
da situação fática que demonstra a ausência de proteção devida e de inexistência da
concessão de benefícios associados à nacionalidade, ou seja, da inserção desse indivíduo
enquanto nacional efetivo na sociedade donde tem sua origem. Reitera-se que a
recomendação que trata dos apátridas de facto, em razão de sua natureza, não tem o
condão de vincular as ações do Estado, cabendo a cada um deles decidir seguir ou não o
conteúdo desta.
Faz-se importante destacar que conforme destaca a Convenção de 1954, no seu
artigo 1º (2), caso o apátrida seja protegido pelo arcabouço legal da Convenção de 1951,
ou seja, sendo ele um refugiado apátrida, as disposições que compõe aquela convenção
não lhe serão aplicados, por já estar sendo tutelado pela ONU, mais especificamente pela
ACNUR.
O apátrida, enquanto fenômeno jurídico, tem sua delimitação ligada à
confirmação, à comprovação de uma negação. Isto é, será considerado apátrida todo
aquele que comprovar que não possui um vínculo jurídico de nacionalidade com todo e
qualquer Estado soberano. E essa prova seria feita através de documentação oficial do
governo que certifica que o indivíduo interessado efetivamente não é nacional. Esse
documento deverá provir das representações consulares ou embaixada de seu “país de
origem”, país de nascimento ou do país que concedeu documento de viagem
comprovando que determinada pessoa não é seu nacional. Não sendo possível o acesso a
esses documentos específicos, os Estados têm a liberdade de analisar outros elementos
probatórios para a análise da existência da situação descrita, como “a revisão das leis
relativas à nacionalidade, declarações de testemunhas e de outras pessoas” (ACNUR, p.
21).19.

19
Vide p. 21 do Manual para parlamentares nº 11 – 2005.
27

Caso o Estado se negar a fornecer qualquer documento que ateste ou não a


nacionalidade do indivíduo ou se, mesmo sendo contatado, o Estado não emitir nenhuma
resposta, poder-se-ia deduzir que essa omissão constituiria uma negação, contribuindo
para a prova da apatridia. Ressalta-se que ainda não existe um enfoque probatório
homogêneo entre os países na identificação desses casos, de modo que, relacionando
especificamente acerca da validade e da qualidade das provas, pode ser que um país
reconheça um indivíduo como apátrida enquanto um outro, não.

6. A APATRIDIA SOBRE A ÓTICA DO DIREITO BRASILEIRO - CENÁRIO

PRÉ-LEI 13.445/2017

Antes de adentrarmos propriamente nos avanços e evoluções trazidas pela nova


lei de migração, faz-se importante ter um olhar atencioso para o histórico de políticas
migratórias/as legislações antigas que regulavam essa matéria no Brasil. A imigração
contém uma história longa e relevante para um país como o Brasil. A imigração,
inicialmente, tinha como objetivo efetuar a colonização das terras pelos portugueses,
visando estabelecer o seu poderio nas Américas. Depois vieram os africanos na condição
de escravos para trabalhar como mão-de-obra nas plantações e engenhos do Brasil
colonial.
Avançando para o período da República Velha, esta tinha um viés de
embranquecimento da população, portanto era incentivado a chegada de migrantes
europeus em detrimento da chegada de asiáticos, indígenas e negros. Com a ascensão de
poder por Getúlio Vargas, o perfil do governo muda agora restringindo a imigração para
o território nacional, visando promover a nacionalização da mão-de-obra. São editados
vários decretos que além de imporem obstáculos à esse movimento – como foi o caso do
Decreto nº 19.482/193020, revigorada pelos decretos subsequentes de número

20
Limita a entrada, no território nacional, de passageiros estrangeiros de terceira classe, dispõe sobre a
localização e amparo de trabalhadores nacionais, e dá outras providências. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19482-12-dezembro-1930-503018-
republicacao-82423-pe.html>
28

20.917/193221 e 22.453/193322 – inseriram um “sistema de cotas” estipulado no § 6º23, do


art. 121 da Constituição de 1934.
O pós-segunda guerra trouxe consigo um retorno à política de recebimento de
imigrantes, depois de cerca de duas décadas em sentido contrário, muito em razão do
deslocamento massivo de vítimas do conflito. Esse movimento de acolhimento veio a
diminuir novamente com a instauração do regime militar em 1964 que se extendeu até
1985. Este movimento configurou um afastamento da ideia dos direitos internacionais
humanos – postos no mais alto pedestal pela comunidade internacional – graças também
a doutrina da segurança nacional, que passou a ser seguida pelos mais altos escalões do
exército e consequentemente do poder político, à época. E foi exatamente nesse período
de depreciação dos direitos humanos que surgiu o Estatuto do Estrangeiro 24, instrumento
normativo que antecede a nova lei de migração e que permaneceu em vigor até mesmo
após o período de redemocratização do Brasil.
Apesar de terem sido e serem importantes atores na sociedade brasileira, o
tratamento dado a eles – conforme a lei 6.815/1980 – era aquém daquele dado ao cidadão
brasileiro, estabelecendo diversas restrições a vida do estrangeiro em território nacional 25,

21
Revigora os arts. 1º e 2º do decreto n.º 19.482, de 12 de dezembro de 1930, e dá outras providências.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-20917-7-janeiro-1932-
508996-publicacaooriginal-1-pe.html>
22
Limita, até resolução em contrário, a entrada, no territorio nacional, de passageiros estrangeiros de
3º classe, e dá outras providencias. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-
1939/decreto-22453-10-fevereiro-1933-509547-publicacaooriginal-1-pe.html>
23
§ 6º - A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da
integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de
cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos
nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos.
24
Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6815.htm>. Acesso em: 10/05/2020.
25
Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança
nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou
cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Art. 106. É vedado ao estrangeiro:
I - ser proprietário, armador ou comandante de navio nacional, inclusive nos serviços de navegação
fluvial e lacustre; II - ser proprietário de empresa jornalística de qualquer espécie, e de empresas de
televisão e de radiodifusão, sócio ou acionista de sociedade proprietária dessas empresas; III - ser
responsável, orientador intelectual ou administrativo das empresas mencionadas no item anterior; (...)
VII - participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como
de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada; (...) e X - prestar assistência religiosa às
Forças Armadas e auxiliares, e também aos estabelecimentos de internação coletiva.
Art. 107. O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza
política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmente
vedado: I - organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que
tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de idéias, programas
ou normas de ação de partidos políticos do país de origem; (...)
29

restrições estas fundamentadas na doutrina da segurança nacional, e que efetivamente


obstavam que até mesmo o estrangeiro residente tivesse algum dizer nos caminhos a
serem adotados dentro das comunidades em que se inserem.
Efetivamente, pela ótica dessa lei, a noção do estrangeiro se dava com a
identificação de quem não era nacional, ou seja, era uma identificação negativa. De fato,
essa conceituação só foi mudar com a implementação da lei de migração, a qual substitui
o vernáculo estrangeiro pela figura do migrante, retirando uma conotação possivelmente
“tóxica” da nossa legislação pátria. Essa substituição demonstra o desejo de que o
migrante não se sinta excluído nem menosprezado frente aos nacionais.
Ademais, com o novo arcabouço político jurídico estabelecido pela Constituição
Federal de 1988, esta lei, além de não mais sanar os anseios dos migrantes residentes e
situados no Brasil, passou a não ser mais compatível com os princípios, os direitos
concedidos e os próprios fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre os quais
afiguram-se a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e a igualdade entre
brasileiros e estrangeiros (art. 5º).

6.1. NOVA LEI DE MIGRAÇÃO NO BRASIL – IMPACTOS E AVANÇOS

A mudança de uma lei anacrônica, promulgada no período da ditadura militar,


fundada sob o alicerce da doutrina da segurança nacional – a lei 6.815/1980 – para uma
lei reconhecida internacionalmente pela sua modernidade, fiel aos princípios orientadores
da nossa Carta Magna, e que possui como ponto fulcral a proteção dos direitos humanos
e fundamentais dos migrantes – a lei 13.445/2017 – representa efetivamente a quebra de
um paradigma que nos põem em uma posição de pioneiros no que se refere aos direitos e
garantias dos migrantes no mundo.
Também é importante salientar que nosso novo diploma legislativo se coaduna
com os objetivos e princípios das Convenções e Acordos internacionais referentes tanto
ao plano de fundo mais geral da migração – por meio da celebração do princípio da não
criminalização da migração, por exemplo – quanto à temática específica da apatridia –

Art. 110. O Ministro da Justiça poderá, sempre que considerar conveniente aos interesses nacionais,
impedir a realização, por estrangeiros, de conferências, congressos e exibições artísticas ou
folclóricas.
30

com o reconhecimento de direitos e prerrogativas asseguradas pela Convenção de 1954


sobre o Estatuto dos Apátridas e as demais que tratam desse fenômeno.
Quanto ao migrante de forma geral, podemos destacar como avanços trazidos: a
garantia do direito à reunião familiar, a proteção contra qualquer tipo de prática
discriminatória ou xenófoba, o dever do Estado de, por meio de políticas públicas, inserir
o migrante social e economicamente na sociedade brasileira, uma proteção especial ao
migrante criança ou adolescente e até mesmo direitos que anteriormente eram obstados
ou potencialmente obstados pelo Estatuto do Estrangeiro, tais quais o direito de
associação, inclusive sindical e os mais diversos direitos e liberdades civis, sociais,
culturais e econômicos.
Esses direitos, sendo assegurados a todos os migrantes, acaba por envolver
também a figura do apátrida, o qual compartilhará desses direitos e garantias essenciais
para a consecução de uma vida digna, mas que também terá algumas prerrogativas
específicas referentes a sua condição excepcional, as quais serão discorridas no tópico
subsequente.

6.2. A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E O TRATAMENTO AO APÁTRIDA

A existência de poucos apátridas no Brasil não exclui a possibilidade de que nosso


país possa ser considerado futuramente como um bom destino para pessoas que sofram
dessa aflição, principalmente associado as grandes massas de refugiados, em razão da
proteção extensiva e das regras claras e objetivas concedidas pela cultura de recebimento
de imigrantes e pela legislação brasileira mais recente, principalmente pela lei
13.445/2017 e pelo decreto 9.199/2017 – assim como a Portaria Interministerial nº 5 de
fevereiro de 201726 – que operacionalizou a lei estabelecendo o procedimento adequado
que deveria ser utilizado pelo apátrida para receber todos os direitos inerentes a sua
condição humana, estabelecendo também à possibilidade da naturalização facilitada.
Antes de falarmos propriamente dos avanços trazidos pela lei acerca do tratamento
dos sem pátria, devemos pontuar uma situação já destacada por Bichara em seu artigo “O
tratamento do apátrida na nova lei de migração: Entre avanços e retrocessos”. Quando da
definição do apátrida, em seu artigo 1º, § 1º, IV, o referido diploma legal estabelece que

26
A qual dispõe sobre o “procedimento de reconhecimento da condição de apátrida e da naturalização
facilitada dela decorrente”.
31

o será “a pessoa que não seja considerada nacional por qualquer Estado, segundo a sua
própria legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (...)”, está,
evidentemente, ecoando os dizeres da referida Convenção, enquadrando, assim, nessa
definição todo aquele que é apátrida de jure, excluindo, pelo menos em uma primeira
leitura os de facto.
Como o autor põe, a lei “não (...) opera uma distinção entre apátrida que cumula
a condição de refugiado e aquele que simplesmente não adquiriu ou perdeu a sua
nacionalidade por uma incongruência jurídica na aplicação das leis de nacionalidade dos
Estados.”. Porém, isso não significa que aos apátridas de facto não se aplicaria a lei de
migração – já que isso seria uma verdadeira incongruência jurídica – o que se destaca, na
verdade, é que a legislação, nesse ponto, padece de clareza. Faz-se necessário fazer uma
leitura conjugada dessa legislação com os decretos 50.215/61, 4246/2002 – que inserem
dentro do ordenamento jurídico brasileiro as Convenções sobre o Estatuto dos Refugiados
e a sobre o Estatuto dos Apátridas, respectivamente – e a lei 9.474/97, que reitera os
dizeres daquela.
É dizer que é preciso observar todo o sistema jurídico, nacional e internacional,
de proteção aos refugiados e apátridas para, enfim, conseguir interpretar corretamente as
disposições referentes a esses indivíduos, de modo a possibilitá-los a vivência de uma
experiência digna.
Superando esse ponto, podemos nos ater agora as mudanças efetivas trazidas por
este diploma legal. A nova lei de migração trouxe duas inovações importantes para o
tratamento da apátridia no país, a primeira consiste no visto temporário referente aos
enquadrados na situação da acolhida humanitária - importante forma de proteção
complementar por abarcar também os apátridas que sofrem das aflições referidas. Este já
havia sido usado – antes da referida lei – para acolher os imigrantes haitianos, por
exemplo, escapando das consequências causadas pelo terremoto que assolou o Haiti em
2010. Conforme expõe o art. 14, § 3º da referida lei

O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou


ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade
institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de
desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito
internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento
32

Nesse sentido, se busca proteger de forma mais incisiva aqueles que, embora não
se enquadrem na posição de refugiado, tenha seus direitos ameaçados pela situação
calamitosa em que se encontra seu país de origem. Aí se justifica, verbi gratia, a
concessão do visto humanitário aos haitianos27, devido ao furacão que assolou o país, aos
venezuelanos28, em razão da crise política que vive o país, e aos sírios 29, tendo em vista
o conflito armado na República Árabe Síria.
O decreto nº 9.199/2017 regulamentou a lei de migração, e especificamente com
relação ao visto temporário humanitário estabeleceu que ato conjunto dos Ministérios da
Justiça, das Relações Exteriores e do Trabalho “definirá as condições, os prazos e os
requisitos para a emissão do visto (...) para os nacionais ou os residentes de países ou
regiões nele especificados”. Tem-se, portanto, que para cada região ou Estado de
proveniência dos migrantes haverá um regramento específico estabelecido pelo governo.
Embora não trate diretamente da situação da apatridia, aqueles que se
enquadrarem nessa condição conjugada com as tribulações descritas acima poderão
receber o visto humanitário. Isto quer dizer que o apátrida que sofra em seu país de origem
uma grave violação de direitos humanos, por exemplo, poderá ser acolhido inicialmente
através do visto humanitário, apesar deste não substituir a proteção especial referente a
condição da ausência de pátria. Assim sendo, há uma ampliação na rede de proteção do
apátrida estabelecendo a possibilidade que este seja acolhido no país, prima facie, através
do visto humanitário, se concedido.
A segunda consiste em uma seção exclusiva dedicada propriamente à proteção do
apátrida e à redução da apatridia – a qual estabelece a necessidade de regulamento para o
instituto protetivo especial do apátrida e para o processo de naturalização facilitado. Antes

27
Com a Portaria Interministerial nº 10 de abril de 2018 que dispõe sobre “a concessão do visto temporário
e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária” especificamente para aqueles provenientes
da República do Haiti, inclusive para os apátridas residentes no país.”. Disponível em: <
http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/9580007/do1-2018-04-09-
portaria-interministerial-n-10-de-6-de-abril-de-2018-9580003>. Acesso em 19/05/2020.
28
Infelizmente, ainda não há Portaria específica que trate da concessão de visto humanitário para
venezuelanos que escaparam da crise humanitária generalizada que atinge o referido país. O pedido de
refúgio continua a ser o caminho para a regularização de sua condição para milhares de venezuelanos,
todavia, foi publicada em março de 2018 uma Portaria Interministerial nº9 que regulamente a autorização
de residência para os imigrantes fronteiriços cujos países não puseram em vigor o Acordo de Residência
para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL (incluindo dessa forma, a Guiana, o Suriname e a
Venezuela). Disponível em: <https://www.migramundo.com/nova-portaria-permite-residencia-
temporaria-de-venezuelanos-no-brasil/>. Acesso em: 20/05/2020.
29
No ano de 2019, já após a promulgação da lei da migração, o governo publicou a Portaria Interministerial
nº 9, que trata especificamente da concessão e do procedimento a ser adotado do visto temporário e da
autorização de residência, com fins de acolhida humanitária para os afetados pela Guerra Civil na Síria.
Disponível em: <http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-interministerial-n-9-de-8-de-outubro-de-2019-
220791848>. Acesso em 19/05/2020.
33

do reconhecimento do status de, ao requerente é concedido o direito de residir no país até


a comunicação do resultado. Esse ponto merece destaque, pois a Convenção do Estatuto
dos Apátridas não compele os Estados signatários a conceder residência legal para aqueles
aguardando o resultado de seu pedido, embora isso pareça ser a reação adequada para a
salvaguarda dos direitos do indivíduo.
Quando da confirmação da apatridia, o indivíduo será consultado e terá o direito
de obter a nacionalidade brasileira, se assim quiser, tornando-se efetivamente um cidadão
brasileiro, por meio de um procedimento simplificado. Destaca-se que a naturalização
ordinária simplificada é prerrogativa do apátrida – desde que sejam cumpridos os
requisitos dispostos nos artigos 65, 66 e incisos referidos da lei de migração – porém, não
consiste em obrigação para o mesmo, podendo ele optar ou não pela outorga da
nacionalidade brasileira.
Devemos acentuar, nada obstante, que admitir a apatridia e conceder direitos
equivalentes a estrangeiros em território nacional não se equipara aos direitos e garantias
atribuídas aos nacionais, sendo muito mais benéfico e vantajoso para o indivíduo adquirir
a nacionalidade do país em que criou um vínculo. A ACNUR impulsiona e incentiva a
integração na sociedade e a facilitação da naturalização dos apátridas, numa solução
conhecida como integração local30.
Uma questão que merece destaque é a falta de determinação da autoridade
responsável pela análise e deliberação dos pedidos de reconhecimento da apatridia. A
nova legislação não a define. Todavia, paralelamente a organização internacional, a qual
estabelece que a responsabilidade para lidar e tratar dos problemas de refugiados e dos
heimatlosen é do ACNUR, entende-se – compartilhando da ideia proposta por Bichara –
que recai ao CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) – órgão de deliberação
coletiva associado ao Ministério da Justiça criado 31 em consonância e para materializar
em nosso ordenamento jurídico as Convenções relativas aos refugiados – a apreciação
das demandas relativas a todos os apátridas.

30
Vide p. 28 do documento formulado pela ACNUR “Nacionalidade e Apatridia: Manual para
parlamentares”, nº 11, 2005.
31
Criado pela Lei 9.474/1997.
34

7. CAUSAS DA APATRIDIA – CONVENÇÃO PARA A REDUÇÃO DOS

CASOS DE APATRIDIA DE 1961

Definidas as balizas que determinam a apatridia e o tratamento trazido pela


legislação brasileira a esta, importante se torna destacar, de maneira asses concisa, quais
são os fatores geradores dessa situação anormal. Primeiramente, temos as causas
estritamente jurídicas e administrativas, ocasionadas por legislações antiquadas e
obsoletas ou pela incompatibilidade entre leis de diferentes Estados que, observadas
individualmente, são compatíveis com os dizeres do direito internacional, porém que
conjuntamente causam a apatridia.
Por exemplo, nascendo em um país “A”, que utiliza como critério de
nacionalidade tão somente a ancestralidade dos progenitores – se os mesmos são
nacionais do mesmo, seus filhos também terão a mesma nacionalidade – tem como pais
nacionais do país B, que adota como critério de nacionalidade exclusivamente o
nascimento em seu território. Existindo essa situação, o indivíduo se torna apátrida.
Importante frisar que a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961
estabelece logo em seu primeiro artigo (1.) que, ocorrendo essa possibilidade e nos demais
casos em que nascendo em um território que não adota o jus soli o indivíduo torne-se
apátrida, os Estados contratantes tem o dever de conceder sua nacionalidade, seja do
momento do nascimento seja mediante requerimento da parte.
Esse problema específico afeta seriamente as crianças, logicamente. Como os
Estados, visando fazer valer suas leis relacionadas a nacionalidade, exigem a
apresentação de documentos de registro de nascimento que possam comprovar a origem
dos pais o local de nascimento para a concessão da nacionalidade, quando o menor não
possui esse tipo de documentação, ele corre o sério risco de não legalmente portar uma
nacionalidade.
Visando se opor a essa possibilidade nefasta, dois importantes documentos
internacionais – a Convenção sobre os Direitos da Criança, em seu art. 7º, e o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no 24º - estabelecem a necessidade de
os Estados efetuarem o registro do nascimento imediatamente após a criança vir a vida,
facilitando a identificação da procedência da mesma. A necessidade do registro se torna
tão evidente, porque, efetivamente, o registro do nascimento compreende o primeiro
documento oficial do indivíduo e é por meio deste documento oficial e visível que o
35

Estado primeiro considera e reconhece legalmente o mesmo portador de direitos e deveres


por ser membro de uma sociedade que é maior, porém formada por ele também.
A obrigatoriedade de emissão de uma certidão como essa se dá não só pela
necessidade de se manter atualizados os dados populacionais – em vias de utilizá-los para
desenvolver políticas públicas cirúrgicas, adequadas e bem-sucedidas para as
necessidades correntes de uma sociedade sempre em mudança – mas concorrentemente
pois a existência de dito documento é a comprovação real e efetiva de que o indivíduo
existe.
É por isso que a campanha da ONU para acabar com a apatridia “IBelong” – que
conta com 10 passos para a extinção dessa mazela – tem em sua ação 7 a necessidade de
se emitir registros de nascimento para preveni-la, apesar da falta de registro não
necessariamente implicar na ausência de vínculo pátrio com determinado país. Além de
expor a necessidade urgente de todos os Estados emitirem este certificado de prontidão
após o nascimento da criança – tendo o dever de torná-lo acessível a todos, por meio da
gratuidade, e livre das amarras dos sobretons discriminatórios muitas vezes presentes – a
campanha da ACNUR sublinha a necessidade de se instituir procedimentos para o registro
tardio e da feitura de campanhas para chamar todos aqueles sem registro para efetuar o
seu.
Agregando à ideia exposta, a Convenção de 1961 institui que caso a criança seja
encontrada abandonada dentro do território do país, deverá se presumir que ela nasceu no
território e que seus pais procedem do mesmo, salve prova ao contrário (art. 2), de modo
a não obstaculizar que o mesmo tenha uma nacionalidade, devendo, consequentemente,
ser feito um registro que ateste essa condição já que a criança juridicamente seria nacional
do Estado signatário referente.
Relacionado ainda a questão do infanto, historicamente existiam e ainda existem
legislações nacionais, explicitamente misóginas, que não permitem a transmissão da
nacionalidade da mãe ao seu filho – são exemplos, portanto, de legislações
discriminatórias ao gênero feminino – de modo que, se o pai não possui nacionalidade ou
se o mesmo não é conhecido ou registrado, a criança ficaria apatridia. Nesse sentido, a
Convenção de 1961 evidencia no ponto 3, de seu artigo 1º que o filho legítimo obterá a
nacionalidade do país em que nasceu, sendo a mãe nacional deste mesmo, se, caso
contrário, tornasse-se apátrida.
Expandindo o escopo do seu entendimento para todo tipo de filho, legítimo ou
não, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
36

Mulher estabelece, além da necessidade dos Estados reformularem legislações


evidentemente misóginas, que os Estados-parte têm o dever de outorgar “à mulher os
mesmos direitos que os homens no que diz respeito à nacionalidade dos filhos” (art. 9,
2.), possibilitando, portanto, a concessão da nacionalidade da mãe automaticamente, se
necessário.
Esse problema é tão sério quando se considera o escopo desse trabalho que na
campanha citada acima a ACNUR também dedicou uma de suas dez ações ao fim da
discriminação de gênero nas leis de nacionalidade, impulsionando a imperatividade de
serem executadas reformas legislativas com efeitos retroativos para abarcar com a
nacionalidade do país pessoas consideradas apátridas pelas antigas normas deste.
A questão do critério de definição da nacionalidade também pode gerar situações
de apatridia. Por exemplo, a escolha do critério do vínculo sanguíneo, baseando a
nacionalidade na homogeneidade genética, ou seja, o jus sanguinis, quando olhado seca
e individualmente, é a confirmação da preponderância do elo étnico-racial sobre o critério
mais cívico, qual seja a ligação entre o indivíduo e o território onde o mesmo nasceu (jus
soli).
Muito se põe que os Estados devem, para evitar essa situação, aplicar um conjunto
desses critérios, porém, significativo pontuar que o princípio do sangue torna mais difícil
a incorporação das minorias, muito mais do que o do nascimento no território, ainda mais
na constância de uma época em que os fluxos migratórios aumentaram exponencialmente.
Destarte, entendemos que entre os dois critérios, deve-se preferir o jus soli, a despeito da
aplicação conjunta dos dois ser mais consentâneo.
Além dos imbróglios trazidos pela leitura das legislações nacionais sobre o
assunto, a dificuldade de acesso ao sistema jurídico-administrativo para a requisição da
nacionalidade, devido a custas elevadas ou à lentidão burocrática também podem afetar
e se tornar fator gerador da apatridia. Isto quer dizer que pode não ser que as diretrizes
propriamente ditas de determinado país sejam eminentemente antiquadas ou equivocadas,
mas sim que os procedimentos, e toda a estrutura administrativa, apresentem teores
discriminatórios ao estabelecer um caminho por demais árduo para indivíduos que não
têm as mínimas condições econômicas para atravessá-lo. Em geral, conforme falaremos
no tópico seguinte, os sem pátria são flagelados também pela pobreza, condição que acaba
por prejudica-los também na busca por sua nacionalidade.
Ademais, pode ocorrer também apatridia em casos de renúncia de nacionalidade.
Existindo a possibilidade de o indivíduo renunciar a sua, sem ter a aprovação prévia de
37

uma nova nacionalidade, no interregno entre a renúncia e a concessão de uma nova


nacionalidade ele será, com efeito, apátrida. Contra essa causa, a supracitada Convenção
estipula em seu artigo 7º, (a), que “Se a legislação de um Estado Contratante permitir a
renúncia à nacionalidade, tal renúncia só será válida se o interessado tiver ou adquirir
outra nacionalidade”. Ou seja, a renúncia só seria permitida se já existir outra
nacionalidade pronta no gatilho. Adicionando força a esse pensamento, logo no artigo
seguinte se estabelece que não se podia privar um indivíduo de sua nacionalidade se este
ato o tornar apátrida.
Outra causa geradora dessa situação é a dissolução, a sucessão, a modificação das
fronteiras de um Estado de um modo geral, podem ocasionar esse fenômeno quando os
indivíduos não se informarem com rapidez para se adequar as novas leis relacionadas ao
vínculo entre nacionais e nação, ou mesmo quando existe uma nova interpretação de leis
e práticas administrativas anteriores de modo a obstar determinadas pessoas a obterem a
nova nacionalidade em questão. Contra qualquer ameaça ao direito à nacionalidade
relacionada a mudanças fronteiriças, novamente o instrumento internacional tratado com
destaque nesse tópico nos elucida uma solução. Em seu artigo 10º estipula, em síntese,
que os Estados-parte, em caso de transferência de território, deveriam efetivar toda e
qualquer medida intentando evitar a existência da apatridia.
Há, ainda, a apatridia por motivos discriminatórias e também promovendo uma
retirada arbitrária de nacionalidade. É importante destacar que, embora discorramos desta
separadamente, o fato é que a discriminação está entranhada em todas as causas da
apatridia, seja em legislações preconceituosas, derivadas de um pensamento social, uma
discriminação histórica e evidente do corpo social majoritário contra determinado grupo
“estranho”; seja em um sistema administrativo, baseados em uma discriminação
estrutural, que apesar de não parecer divisivo, intolerante, o é, pois torna o caminho para
a obtenção do reconhecimento da nacionalidade por demais árduo e inacessível para o
apátrida que não possuí as condições econômicas e sociais para percorrê-lo pela duração
de sua vida.
Outra causa não muito destacada – e muitas vezes posta de lado por sua
“excepcionalidade” – consiste nas mudanças geográficas – na prática o desaparecimento
de territórios – que podem ser ocasionadas pela alteração das condições climáticas e
ambientais, mudanças estas que já afetam a vida e a existência de diversos estados micro-
insulares, mais notadamente no pacífico. É o caso das ilhas de Tuvalu, Kiribati e até
mesmo das Ilhas Maldivas, que já se defrontam com a perspectiva de desaparecimento e
38

com a necessidade de deslocamento forçado de sua população, a qual, evidentemente,


corre o risco de se tornar apátrida.
Como posto por Mazzuoli e Fiorenza32, a questão da sucessão dos Estados já é
tratada com profundidade acadêmica quando se considera o surgimento de um outro para
absolver suas obrigações e direitos, como demonstra as Convenções de Viena sobre a
Sucessão dos Estados. No entanto, esse arcabouço jurídico é carente de efetividade para
lidar com o desaparecimento de um Estado sem que deste surja um novo. Defronta-se, de
fato, com uma “situação jurídica nova e distinta”, sobre a qual inexiste fonte jurídica
aplicável de imediato, por isso a importância do debate acerca de suas consequências.
Vimos a necessidade de destacar outro ponto acerca dessa temática, o fato de que
a inviabilidade econômica – em razão da elevação do nível do mar e as mudanças
climáticas que trazem desastres naturais com mais frequência e intensidade – antes
mesmo do efetivo desaparecimento das ilhas, impulsionam o êxodo da população desses
lugares, de modo que a inundação do território só é o atestado de óbito para um Estado
que já se encontrava moribundo.
O fato que se apresenta é que antes do risco da apatridia, o indivíduo forçado a se
mover para outro país não estará protegido pelo caráter de apátrida (pois ainda existe seu
Estado de origem, embora possa eventualmente se tornar um) nem será, em efeito,
refugiado (já que não existe risco de perseguição), sendo então uma espécie de migrante
“econômico” sem uma proteção adequada à sua condição especial. Os países receptores
desses indivíduos poderiam oferecer, por exemplo, vistos humanitários, porém essa
proteção pelo seu caráter suplementar e por depender a discricionariedade dos mesmos é
insuficiente quando se observar a globalidade do problema.
Esse assunto, salienta-se, é extremamente complexo e merece ser debatido e
discutido com profundidade, frente a inevitabilidade do desaparecimento dos elementos
formadores do Estado enquanto sujeito de direito internacional nesses territórios. Como
não é do escopo desse trabalho se ater ao estudo desse problema específico, partiremos
para a análise de outros temas vinculados ao objetivo final deste projeto.
Também temos a apatridia resultante da retirada forçosa da nacionalidade
associada à expulsão desses indivíduos do território que chamavam de casa, criando
efetivamente refugiados apátridas. O exemplo mais conhecido e contundente se trata dos

32
MAZZUOLI, Valério de Oliveira; FIORENZA, Fábio Henrique Rodrigues de Morais. O
desaparecimento de micro-estados insulares pela elevação do nível do mar e as consequências para o direito
internacional contemporâneo. Revista do direito de língua portuguesa, n. 2, p. 275-300, jul./dez. 2013.
39

judeus que em primeiro momento tiveram sua nacionalidade retirada (por meio das leis
raciais de Nuremberg) e eram posteriormente expulsos da Alemanha nazista, antes
propriamente da implementação dos campos de concentração.
De um modo geral, a comunidade internacional impõe com força o dever de
respeito a diversidade e a incompatibilidade da discriminação para com os princípios do
direito internacional. Assim estabelece o artigo 9º da Convenção que dá nome a esse
capítulo, que determina que os Estados contratantes não podem privar ninguém de sua
nacionalidade por razões “raciais, étnicos, religiosos ou políticos”, isto é, por motivos
discriminatórios.
Embora os direitos axiomáticos internacionais, pilares fundantes dos direitos
fundamentais internacionais, digam que todos os seres humanos são iguais em direitos e
obrigações, o fato é que os atores que conseguem proporcionar essa igualdade, são os
Estados soberanos para com seus concidadãos. E, concedendo a prerrogativa de conceder
sua nacionalidade a estes – ainda que existam entendimentos e direcionamentos
internacionais que limitem o arbítrio desses Estados nessa questão – a realidade que se
apresenta é que existirão indivíduos que não se encaixam nos parâmetros estabelecidos
para receberem a nacionalidade do país com qual se vinculam mais fortemente.
A própria Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia só pode ajudar até
certo ponto, embora seja essencial que mais países a ratifiquem33. Da análise dos seus
dispositivos nós conseguimos inferir que se foca primordialmente no impedimento da
apatridia no momento do nascimento. Destaca-se a proteção da criança sem proteção
estatal, mas não mergulha na questão dos apátridas já existentes, ou seja, não estabelece
um procedimento ou algo que indique a concessão da nacionalidade retroativa.
Também continua a ter nos Estados e em suas legislações a função essencial do
reconhecimento da nacionalidade ou da retirada desta – ainda que estabeleça uma
limitação para esse ato – de modo que o problema da apatridia não poderá e não será
resolvida até que todos os Estados, mesmos os que não ratificaram tanto esta quanto as
duas convenções que tratam deste, atuem proativamente e estabeleçam que a apatridia
não será mais tolerada. Tudo depende da volatilidade da vontade dos Estados, no fim das
contas. E isto se torna mais perigoso quando se considera as consequências danosos que

33
Até a feitura desse trabalho, 80 países ratificaram a referida convenção. Dados obtidos do site United
Nations Treaty Collection em:
<https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=V-4&chapter=5>. Acesso em:
06/10/2020.
40

a apatridia pode causar no indivíduo que sofre da referida condição. Acerca desses efeitos,
o tópico que segue apresentará alguns deles, de maior destaque, a título de demonstrar a
nocividade decorrente da ausência de pátria reconhecida.

7.1. CONSEQUÊNCIAS E IMPACTOS DA APATRIDIA NO INDIVÍDUO E NA

SOCIEDADE QUE O RODEIA – OLHAR DE HANNAH ARENDT

São diversas as consequências derivadas da ausência de um vínculo reconhecido


de nacionalidade e as causas que dão vazão a este fenômeno. Conforme já expusemos
anteriormente, o direito à nacionalidade pode ser considerado um direito originário, pois
deste decorrem diversos outros que possibilitam a vida humana de qualidade dentro de
uma sociedade organizada.
Dentre esses devemos destacar, antes de tudo, que as causas e consequências por
vezes se confundem, pois, presos em um ciclo vicioso, o motivo pelo qual determinados
povos se tornam apátridas também podem vir a gerar uma consequência que prejudica a
luta por direitos e condições deles mesmos. Expus separadamente para tornar mais
didático o entendimento das principais causas, porém, embora possam se identificar entre
si, dedico esse tópico à discussão dos efeitos que interferem na vida dos heimatlosen para
desvendar como essa condição pode ter múltiplas consequências negativas na vida dos
indivíduos presos nessa condição e no convívio da sociedade que os rodeia.
Devemos mencionar, em um primeiro plano, a discriminação. Esta decorre do fato
de que, em grande parcela dos casos, os apátridas se identificam com as minorias –
entendidas no sentido de grupo étnico, religioso ou linguístico que se encontra em número
menor do que a maioria da população em geral, cujos membros compartilham de uma
identidade em comum – residentes em determinado país.
Sendo assim, à discriminação pelo fato de ser apátrida se soma a discriminação
em razão de ser minoria, que atua, ao mesmo tempo, como causa e efeito da apatridia. O
preconceito por ser minoria contribui, invariavelmente, para a dificuldade em conseguir
direitos e prerrogativas asseguradas a população de um modo geral e também torna mais
danoso, exponenciando os efeitos, das demais causas e consequências que iremos
discorrer aqui da apatridia, mas por si só consiste em um problema que afeta seriamente
a vida desses indivíduos.
41

A este se soma também outros, como a falta de documentação, a pobreza e o medo


por seu bem-estar físico e mental34, os quais também podem decorrer dessa discriminação
sofrida e que contribuem para o ciclo vicioso da apatridia, impedindo a concessão da
nacionalidade para esses indivíduos.
A falta de documentação talvez seja o efeito que mais torne evidente as
dificuldades enfrentadas pelos sem pátria. Isto porque consequências danosas e comuns
ao fenômeno tratado decorrem diretamente desta, sendo elas: as dificuldades em se
matricular em escolas e universidades, assim como em receber bolsas de estudo;
impossibilidade de acessar serviços financeiros tais quais empréstimos e financiamentos,
o que acaba por acarretar na não possibilidade de criar e desenvolver empreendimento
próprio; fora isso, a falta de documentos, além das dificuldades em acessar os sistemas
de saúde e educação também se põem como óbice para conseguir empregos
regulamentados, os quais concedem mais proteção e mais remuneração ao trabalhador.
A impossibilidade de acesso a determinadas documentações muitas vezes é
dificultada pelo tratamento hostil, pela exploração e pela recusa em prover documentos –
decorrente do preconceito latente – por parte das autoridades. Isso tudo contribui para
tornar mais oneroso e demorado os procedimentos de obtenção dos papéis necessários
para o usufruto dos direitos básicos assegurados a todos, tais quais a saúde e a educação.
A propriedade também pode ser vedada ao apátrida, já que muitas vezes ela requer
a existência prévia de documentos para ser transferida de mãos. E a burocracia e o alto
custo presentes para o processo de concessão da nacionalidade também se apresentam
como um empecilho severo para a consecução dos seus direitos mais básicos, justamente
pela identificação entre a pobreza e os apátridas, que em razão e devido a sua condição
peculiar de não ser reconhecido como nacional, não encontra maneiras legais de obter
dinheiro e propriedade.
A pobreza se torna, então, elemento frequentemente interligado à condição dos
apátridas, elemento este que além de representar entrave burocrático e de
desenvolvimento econômico, também contribui para uma temática comum, que é a do
preconceito contra esse grupo de pessoas, que geralmente também são considerados
minorias.
E essa pobreza não afeta somente o indivíduo e seus familiares, limitados a uma
esfera de irrelevância. Tem que se reconhecer que os Estados deixam de arrecadar com

34
Documento da UNHCR “’This is our home’ Stateless minorities and their search for citizenship” –
Campanha IBelong
42

tributos e perdem o potencial econômico trazido por esses indivíduos, que, trabalhando
em empregos informais – devido à falta de documentação – possuem perspectivas de
crescimento econômico severamente limitadas e acabam por não poder contribuir para o
desenvolvimento social e econômico do país. Esse ciclo da pobreza, embora não seja
evidente para muitos, não é cancerígeno tão somente para os pobres coitados sem
assistência de seus países, mas afetam sobremaneira a sociedade em que vivem.
Em razão desse problema, é importante destacar o impacto que acarreta à saúde
mental e ao bem-estar social dos apátridas. Como são sujeitos a falta de nacionalidade,
sua identidade enquanto ser humano também é severamente afetada, assim como o seu
senso de pertencimento a uma comunidade. Isso se exponencia quando eles têm que
deixar suas casas para continuar suas vidas em outro lugar, deixando não só uma
propriedade e seus bens materiais, mas um tecido social onde nasceram e criaram para si
“um lugar peculiar no mundo” (ARENDT, p. 399), local muitas vezes ligados a sua
cultura e crença, no qual deixavam sua marca inevitável de existência.
A perda da comunidade equivale concretamente à perda do seu vínculo com a
humanidade, à perda de sua qualidade essencial de homem, sua dignidade, porque o
homem contemporâneo, se emancipando da natureza e da história, só tem sua essência
reconhecida quando faz parte e contribui no desenvolvimento de uma coletividade
comum. Inumeráveis são as consequências psicológicas que essa situação pode trazer ao
ser humano, ainda mais quando se soma também a falta de condições materiais.
Sentimentos de angústia, culpa intensa, sintomas de insônia e até mesmo
pensamentos suicidas são observados, muitas vezes, em casos de imigrantes que chegam
no Brasil35 saindo de situações de guerras, fome, pobreza e descaso estatal. Ainda que não
correspondam necessariamente a situação de apátridas, a observância desses casos se faz
de importância ímpar, pois os sem-pátria também se encontram em situações originárias
limítrofes de muito sofrimento e dor, e, muitas vezes, são levados a sair de seus países de
origem visando uma vida melhor para si e para sua família.
Deixar a margem esse grupo é correr o risco de ter, dentro de sua comunidade,
indivíduos potencialmente “desleais com o governo que lhes fora imposto” (ARENDT,
p. 375), porque estes se tornaram supérfluos. Já que este não os representa, é a imagem
materializada de uma sociedade que não se importa com eles, porque, então, eles se

35
ROSA, Miriam Debieux. Migrantes, imigrantes e refugiados: a clínica do traumático. Revista de cultura
e extensão USP, v. 7, p. 67-76. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2316-9060.v7i0p67-76>.
Acesso em: 10 mai. 2020.
43

importariam com o governo ou a sociedade? Para contornar esse problema, o Estado, casa
do apatride, deve buscar conceder sua nacionalidade, mas não imprimir forçosamente seu
modo de viver – a cultura propriamente dita – a este. Não deve, de mesma maneira,
oprimir as manifestações e expressões culturais desse grupo, visto a já falada identificação
entre os estes e as minorias. A imposição de um pensamento sobre o outro só serve para
fazer ebulir dentro dos corações dos oprimidos ódio e resignação.
Ademais, um país que não cuida dos que fazem parte dele perde seu sentido, sua
razão. Muitos doutrinadores consideram a finalidade um dos elementos essenciais para a
criação de um Estado, ou seja, o mesmo se justifica quando promove para seus
concidadãos o bem-estar social de todos. Quando isso não acontece, quando o Contrato
Social é quebrado, aqueles cuja ação do Estado prejudicou tem a prerrogativa de se
insurgir contra o sistema discriminatório, contra a própria estrutural estatal. Hannah
Arendt expos isso sabiamente

(...)o Estado-nação não pode existir quando o princípio da igualdade perante a lei é
quebrado. Sem essa igualdade legal (...) a nação se dissolve numa massa anárquica de
indivíduos super e subprivilegiados. As leis que não são iguais para todos
transformam-se em direitos e privilégios, o que contradiz a própria natureza do
Estado-nação. (ARENDT, p. 395)

A concessão da nacionalidade traz para essas pessoas muito mais do que um


pedaço de papel. Com o reconhecimento de serem cidadãos, estes recebem muito mais
do que direitos iguais aos seus irmãos nacionais, mais do que a liberdade de
desenvolverem sua cultura e a igualdade que decorre da lei. Eles recebem um lugar no
mundo onde sua opinião é ouvida e sua ação é reconhecida e produtiva. Como dizia
Aristóteles, o homem é um animal político, para tanto tem sua existência enquanto tal
vinculada ao poder de fala e de ação que são consubstanciados dentro de uma comunidade
onde o mesmo se relaciona, em posição de igualdade com seus iguais em direitos e
deveres.
Quando o mesmo é retirado não fisicamente, mas intelectualmente desse espaço
de múltiplos pensamentos e opiniões (a sociedade), quando ele não mais pertence a
nenhuma comunidade, é somente aí, diz Hannah Arendt, que ele perde sua “qualidade
essencial de homem, sua dignidade humana. Só a perda da própria comunidade é que o
expulsa da humanidade.” (ARENDT, p. 405).
44

7.2. O RECONHECIMENTO DA APATRIDIA E A CONCESSÃO DA

NACIONALIDADE COMO FORMA DE DIMINUIR O ISOLAMENTO SOCIAL

Em razão dos danosos e prejudiciais efeitos extraídos da ausência de um vínculo


de nacionalidade, a efetivação e a proteção desse direito pela comunidade internacional
adquirem um peso e uma importância muito maior do que originalmente se pensaria. É
só observar a maneira como os sem nacionalidade vivem e como sua existência às
margens da sociedade afetam sobremodo ela mesma.
O devido reconhecimento da nacionalidade – e com isso se implica não somente
o reconhecimento formal, mas a efetiva proteção do Estado, materializada por direitos e
políticas públicas de proteção e de promoção do crescimento e desenvolvimento destes
seres humanos em sua humanidade – não tem o condão tão somente de conceder aos
apátridas uma condição de vida digna e adequada às suas necessidades, mesmo que isso
bastasse por si só para sua consecução, mas objetiva conjuntamente a construção e o
desenvolvimento de uma sociedade mais justa e humana.
E uma das primeiras e principais consequências positivas advindas da concessão
desse direito imprescindível à condição humana é o aprimoramento dos direitos políticos
desses indivíduos, destacando principalmente a capacidade política de escolha de seus
governantes, ou seja, o direito ao voto. Esse direito, estando umbilicalmente ligado ao
sistema democrático dos Estados, consiste na principal forma em que se efetiva e se
corporaliza os direitos políticos dos indivíduos. Para tanto, quando se reconhece o direito
ao voto a alguém, sua participação nos ditames dos rumos da sociedade se torna mais
evidente, de modo que este sente na pele que sua opinião e sua escolha importam para a
comunidade. É efetivamente o direito que exemplifica melhor o que significa ser cidadão.
Embora possam ser utilizados como sinônimos, os conceitos de nacionalidade e
cidadania nem sempre se confundem. A dizer, a cidadania, hoje compreendida
juridicamente, com sua existência vinculada diretamente a direitos (e deveres)
fundamentais e universais, abarca mais nuances que o vocábulo nacionalidade. Isso
porque não se limita à concepção formal, corriqueiramente atribuída aos nacionais, de
que os são aqueles que possuem o vínculo de lealdade mais forte com o determinado
Estado, vínculo este determinado arbitrariamente pelo Estado em questão, e que, por isso,
45

possui direitos e deveres associados a essa situação – enquanto que o segundo delimita
quem se encaixa nos moldes de cidadão – aqueles que terão suas vozes ouvidas nos
debates políticos e que participarão com mais afinco no seio das instituições
democráticas. Embora possam ser coincidentes, nem sempre se identificam, como no caso
dos menores de 16 anos especificamente quanto a capacidade de votar.
Como este não é o escopo do trabalho, terminamos aí a elucidação dessa
diferenciação. O importante a se destacar é que além de não ser um nacional de nenhum
país, o apátrida também não é cidadão. E isso é importante porque é através da
participação nos rumos políticos de um Estado, que o indivíduo fortalece seu vínculo com
a sociedade em que faz parte. A capacidade de votar, portanto, é uma mudança sentida
fortemente e celebrada, por aqueles que conquistam sua nacionalidade. No livro
“Statelessness and the Benefits of Citizenship: a comparative study”, são apresentados
depoimentos casos de indivíduos previamente apátridas que adquiriram uma
nacionalidade. Um dos pontos em comum que são reconhecidos é justamente o voto,
reconhecido para grande parte desses indivíduos como sua “mais importante contribuição
cívica” (SING’OEI, p. 43).
Permite tornar indivíduos invisíveis em participantes ativos do desenvolvimento
político de um país. Somente esse reconhecimento – se nada mais – já é um grande passo
na melhoria do bem-estar de vida dessas pessoas. Em um sistema democrático, o voto é
a forma com que os cidadãos – da maneira mais direta possível – escolhe quem os
representará e cuidará de seus interesses, efetivamente dando voz aos indivíduos.
A obtenção de um status legal nacional e internacionalmente reconhecido permite
que eles participem – para além do direito ao voto – com mais afinco no campo político
e social do ativismo por meio da luta pelo fortalecimento da justiça social e dos direitos
humanos em diversas causas, como a dos asilados, apátridas, refugiados e das minorias,
implicando que a concessão da nacionalidade traz efeitos extremamente positivos ao
desenvolvimento e a democratização – destacando-se o aspecto social – da sociedade de
maneira geral.
E essa participação não se justifica tão somente sobre o aspecto da possibilidade
trazida por essa nova condição legal. É dizer que eles se engajaram não somente porque
agora podiam, mas, principalmente, porque protegidos finalmente da arbitrariedade do
sistema estatal manifestado pela possibilidade/ameaça constante de detenção ou
deportação ou de outra forma de violência, podiam externar sua vontade própria de ajudar
e de auxiliar outros que também viviam em condições precárias de vida. O
46

reconhecimento deles como humanos lhes deu a coragem de “botar a cara a tapa”, de estar
nas linhas de frente de campanhas sociais.
Sua atuação é a manifestação de um desejo reprimido, que somente floresceu
quando deixaram de ser invisíveis e se tornaram de carne, osso e papel. Quando passa a
ser visto, não quer somente existir, mas quer contribuir, quer ser lembrado, da única
maneira que é eterna, na lembrança e no coração das pessoas que foram tocadas por suas
ações.

7.3. ATOMIZAÇÃO SOCIAL COMO UM FENÔMENO SOCIO-JURÍDICO

Esse reconhecimento também se justifica sob outra ótica. A possibilidade real de


inclusão promove também uma mudança positiva na visão que os demais membros da
sociedade tinham para com aqueles que adquiriram seu reconhecimento legal. Muitos
testemunhos atestam que a partir do momento em que o adquiriram, sua relação com as
demais pessoas melhorou, haja posto que estas passaram a vê-los como cidadãos de iguais
direitos e deveres, ou seja, seus iguais. Esses indivíduos – embora nem sempre deixem
de ser considerados minorias em razão de sua origem étnica, orientação religiosa, sexual
– do momento em que são reconhecidos como nacionais, deixam de ser discriminados
(pelo menos formalmente) pelo Estado em que se situam. E esse reconhecimento legal
abre as portas para uma maior inclusão social e um maior respeito aos mesmos, visto que
agora não se encontram à mercê de qualquer violência perpetrada por outros indivíduos
ou até mesmo pelo Estado.
Essa maior inclusão contribui para que os indivíduos se sintam parte da
comunidade e se afastem da “atomização social” mencionada por Hannah Arendt. A
constante exclusão, marginalização e privação dos direitos e garantias mais básicos dos
heimalotsen promove um processo de resignação, desilusão e efetivamente de morte em
vida, pois, sem razão de ser, os apátridas se deparam com sua imagem dissociada da
sociedade em que se situa. Fora da pulsante teia social, ele perde toda e qualquer
possibilidade de se desenvolver e se realizar enquanto ser humano.
Nesse contexto, o indivíduo se encontra fora de qualquer grupo social, não
participando de nenhuma camada da pirâmide social, já que diferentemente daqueles não
possui direitos e prerrogativas vinculadas a sua posição de cidadão. O aspecto
47

comunitário desaparece de seu seio e o individualismo e o egoísmo passam a predominar


na sua mente e nas suas ações.
Embora tenha suas raízes fincadas nos estudos da sociologia, a atomização
enquanto fenômeno provocado ou incentivado pelo Estado enquanto organismo político
também um forte elo com o direito e a política. Faz-se necessário uma análise dialética
das ciências. A partir da compreensão do ser humano partilhada por Adorno, do indivíduo
que só é mediante seus papéis sociais e as interações decorrentes destas, temos que a
separação do corpo social desumaniza o afligido e que consequentemente as instituições
políticas têm que cumprir seu papel e promover a inserção ou reinserção desses indivíduos
em um contexto social e político são.
O isolamento, diz Arendt, é típico das tiranias. E por isso também deve ser
combatido, afinal para o sistema democrático funcionar a participação e a representação
política consentânea com os grupos e tribos sociais são fundamentais. Não obstante, não
é somente o isolamento que devemos conter. Devemos obstar também que o homem
alcance a solidão.
A autora vai fazer uma distinção de muita valia para esse trabalho acerca da
diferenciação entre o isolamento e a solidão. Aduz que o isolamento se materializa com
a supressão da esfera política na vida do homem, efetivamente fazendo com que o homem
trabalhe em conjunto com os demais para a conquista de bens comuns. Não elimina,
contudo, o homo faber, aquele que produz seus pertences e seu próprio mundo através do
trabalho. O momento de fazer, a fabricação, a poeisis pressupõe um isolamento da
sociedade, dos interesses comuns compartilhados, para auferir no final o produto, que
pode ser uma ferramenta ou uma obra de arte.
Diz a autora acerca da solidão

No isolamento, o homem permanece em contato com o mundo como obra humana;


somente quando se destrói a forma mais elementar de criatividade humana, que é a
capacidade de acrescentar algo de si mesmo ao mundo ao redor, o isolamento se torna
inteiramente insuportável. (ARENDT, p. 633)

A solidão, portanto, pode ser considerada um aprofundamento, um mergulho mais agudo


do isolamento enquanto tal. O homem isolado não encontra lugar para se desenvolver no
campo político, porém o homem se torna solitário quando deixa também o mundo das
48

coisas, quando perde a aptidão de contribuir de alguma forma com o mundo em que vive.
A partir desse momento, o homem passa a não ter raízes com sua comunidade e fica
suscetível, por exemplo, ao domínio totalitário, à dominação do seu corpo e mente por
ideologias radicais e autofágicas.
Embora efetivamente o isolamento seja fenômeno eminentemente político, a
solidão – enquanto fenômeno social de superfluidade, de não pertencimento – tem um
viés político, no que tange a poder tanto promover um ambiente mais plural que permita
a todos os indivíduos criar raízes e ligações uns com os outros e com a própria sociedade
em que vivem, quanto a pender para lado dos sistemas de terror totalitário e incentivar
desarraigamento, o isolamento e a solidão dos indivíduos a efetiva coisificação, já que o
homem só é humano pelas relações sociais que desenvolve e constrói. O homem consegue
se realizar sozinho, ou seja, sem ninguém imediatamente ao seu redor, todavia, ele só
passa a se identificar e ele só confirma sua existência quando está em contato com seus
iguais.
O reconhecimento da apatridia é um passo para a diminuição dessa sensação de
vazio, através da concessão de alguns direitos e garantias. Todavia, para além do
reconhecimento de indivíduo com direitos inerentes a essa condição, faz-se necessário
prover a possibilidade de o indivíduo adquirir sua nacionalidade originária ou se
naturalizar pelo país que o acolheu, para que ele possa usufruir de todos os direitos e
deveres disponibilizados aos nacionais. E mais ainda, esses direitos, enquanto também
são capacidades, devem ser materializáveis, o Estado deve promover as condições para
que os mesmos sejam desfrutados em sua integridade.
Sabe-se que somente a certificação da existência desse fenômeno anômalo (existir
sem pátria) não é o bastante para a materialização do homem enquanto ser político,
intervindo e se envolvendo nas discussões políticas essenciais para a determinação do
bem-comum compartilhado; nem para tornar concreto o homem enquanto ser social,
membro de uma comunidade, na qual efetivamente contribuí através de suas ações e
aquilo que obtém e proporciona a este corpo social por meio do trabalho.
Esse problema existe para além dos heimatlosen. Todavia, também é verdade que
a nacionalidade, enquanto “direito a ter direitos”, é pressuposto para a existência de
diversas das capacidades – considerando o mínimo de garantias sociais – necessárias para
a concretização de uma vida digna, assim como também é pressuposto para o
funcionamento – a materialização das capacidades que é por si só opcional em respeito à
pluralidade de ideias – das referidas capacidades. É dizer a nacionalidade e a consequente
49

possibilidade de se tornar nacional é de extrema valia para o alcance de uma vida digna e
boa de ser vivida. Uma vida que não seja reprimida pela falta de direitos.
Para além tão somente dos direitos e capacidades, o mero reconhecimento de
alguém como pertencente a uma comunidade fomenta a criação de raízes com esse
mundo, evitando que o indivíduo vire um átomo separado e distinto de todos os outros,
tanto pelo isolamento quanto pela solidão. Um dos principais, se não maior, ganhos da
concessão da nacionalidade é a retomada da esperança por uma vida melhor e de um
mundo melhor para si e para aqueles que valoriza.

8. CONCLUSÃO

O indivíduo é um animal eminentemente social, já dizia Aristóteles. Ele vive,


reconhece-se como humano e se desenvolve dentro e interagindo com a sociedade e com
aqueles contidos nela. Para que possa determinar seus fins e seus objetivos de vida,
precisa estabelecer relações saudáveis e duradouras com os outros. O seu
desenvolvimento como pessoa pressupõe necessariamente desse fato.
Os apátridas, nesse contexto, encontram-se, pela própria natureza de sua condição,
separados da sociedade em que habitam. A apatridia, por suas próprias especificidades,
gera a atomização, compreendida como a separação do corpo social. Ela, portanto,
apresenta-se como motor para a criação e amplificação de sentimentos de isolamento e
de solidão. Além desse sentimento, ela também gera diversas consequências danosas para
o indivíduo, tais como a ampliação da pobreza, a dificuldade em arranjar empregos e de
ter acesso aos serviços básicos de saúde e educação, o crescimento da discriminação em
razão da sua situação anômala e o medo gerado pela falta de proteção jurídica estatal.
Essas consequências, concatenadas, prejudicam também o próprio tecido social do
Estado.
Assim como um povo sem nação gradativamente perde sua humanidade, o
desraigamento, a inércia, a sensação de “exclusão” também pode causar nos indivíduos
que se encontram na situação de minoria o desejo de vingança contra o Estado e
consequentemente aqueles ligados a esta estrutura. É dizer que a integração nacional não
é só importante no sentido solidário do termo, de abraçar todas as culturas e povos dentro
de um país que é historicamente multicultural – e tem nisso um de seus maiores trunfos
– mas também para fazer pertencer pessoas que, sem nenhum vínculo que as ancore na
50

sociedade, podem vir a ser seduzidas por ideologias tão nocivas quanto aquelas que nós
observamos nos regimes totalitaristas.
Porém, mesmo se inexistissem sequelas na estrutura do Estado, ainda assim este
teria o dever, associados a sua própria finalidade, de reconhecer, aos indivíduos que vivem
dentro de suas dimensões territoriais, mais que simples direitos, as efetivas capacidades
de tornar factível aquilo que consideram racionalmente necessários para a consecução de
seus fins. Esse reconhecimento é o primeiro passo para conceder a esses indivíduos a
liberdade real de se realizarem como seres humanos sociais.
O panorama atual da situação dos apátridas no mundo é nebuloso. Dados oficiais
referentes ao número de pessoas apátridas é escasso, mesmo porque poucos são os
Estados que deliberativamente escolheriam divulgar dados sobre uma situação cuja
importância gera diversas ações da comunidade internacional para combate-la. De fato, a
transparência estatal é um dever que muitos poucos países cumprem em sua plenitude.
Os heimatlosen ficam, assim, cada vez mais relegados ao esquecimento.
O Brasil, enquanto nação soberana, acertadamente nunca gerou situações de
destituição da nacionalidade ou de não-concessão da nacionalidade aqueles que nascem
no seu território, salvo o caso dos brasileirinhos apátridas, mais gerado por uma
incorreção e descuido legislativo do que por uma vontade deliberada de exclusão. Sua
legislação, contando com a nova lei de migração, é moderna e conforme as diretrizes
internacionais, estabelecidas por diversas convenções, de respeito à dignidade humana.
A principal injustiça sofrida pelos apátridas – conforme sabiamente põe Matthew
Gibney36 –não é que nenhum país quer conceder-lhes a nacionalidade, mas que o Estado
em que residem e onde construíram suas vidas escolhem não o fazer. De fato, o apátrida
não vive fora de qualquer que seja o Estado, ele já nasce dentro de um, que, por diversos
motivos, decide não lhe conceder o status de cidadão. É principalmente sobre esses
países, embora não se olvide o importante papel dos Estados receptores de apátridas
provenientes de outras localidades, que a pressão internacional deve atuar, principalmente
para que a esses indivíduos não só seja reconhecida a nacionalidade efetiva, do país em
que se vinculam mais fortemente, mas também que esses Estados concedam as condições
e os direitos necessários para que possam se autodeterminar e viver uma vida boa,
afastando também a situação dos apátridas de facto.

36
GIBNEY. Matthew J. Statelesseness and the Right to Citizenship
51

E esses direitos, visando promover a justiça social, fim precípuo do Estado, devem
também considerar, como medida avaliativa das ações e iniciativas das políticas públicas,
a teoria dos enfoques das capacidades, pois esta permite analisar o desenvolvimento e o
bem estar social não somente pela renda real e pela cesta de “bens primários” concedidos
a cada cidadão, mas, da mesma forma, levando em consideração as especificidades
particulares da vida de cada um, especificidades estas que geram a necessidade de um
maior acesso a determinado bem para a estabilização das condições dos referidos.
É por meio da análise das capacidades, determinando um nível mínimo necessário
a cada capacidade, mas nunca um máximo – pois determinados indivíduos precisarão de
determinada quantidade de determinada capacidade para que se possa considerar que a
condição dos mesmos é justa e permite que levem uma vida digna – que consideramos a
imprescindibilidade do reconhecimento da apatridia e da possibilidade de naturalização
como meios para o crescimento e o desenvolvimento pessoal de indivíduos que, por causa
de uma condição não relacionada a algo que fizeram, mas a algo que são, tiveram por
tanto tempo sua perspectiva de formulação dos seus fins pessoais denegada.
A nacionalidade, ao passo que é a materialização do direito a ter direitos, é
requisito essencial para que possam começar efetivamente a vida como humanos,
considerando a necessidade de se inserir definitivamente dentro de um agrupamento
social. A partir do momento em que são reconhecidos como membros atuantes da
sociedade - através do seu reconhecimento enquanto cidadãos - são como borboletas
saindo do casulo. Ocorre uma verdadeira transformação, uma metamorfose. A partir desse
momento são capazes finalmente de alçar voos cada vez mais altos.
52

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