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NATAL/RN
2022
KHADJA VANESSA BRITO DE OLIVEIRA
NATAL/RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profª. Drª. Karoline Lins Câmara Marinho de Souza.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Orientadora
_______________________________________
Drª. Fabiana Augusta de Araújo Pereira
Examinadora
_______________________________________
Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto
Examinador
Dedico este trabalho aos meus familiares,
amigos e mestres, a quem admiro e em
quem me espelho.
AGRADECIMENTOS
(Karl Marx)
RESUMO
The technological innovations intensification has given rise to a cultural phenomenon before
unimaginable to traditional societies. One of these was the arising of so-called “digital
currencies” that modified the classic economic relations and opened the door to the
development of new markets like the virtual microtransactions in electronic games. The market
previously classified as “childish” currently moves significant annual amounts, becoming
comparable to the music and film market. The microtransactions, that materialize through the
purchase and sale of virtual currencies in their own universes, have raised questions about the
economic framework of this asset and the tax type incurring on it. Therefore, this monograph
has delimited the concept of currency according to the classical economic perspective to then
suggest if virtual currencies could be classified as real currencies. After that, the work focused
on the types of national and international taxes that could be levied on virtual currencies
transactions. Finally, the research pointed out problems related to the Brazilian tax system lag
and, also, the solutions proposed by international organizations, like OCDE, to remedy a
possible domestic and international tax bases erosion caused by the intense pulverization of the
on-line market.
Keywords: virtual currency; on-line microtransaction; electronic game; legal framework; tax.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo.
Arts. Artigos.
BACEN Banco Central do Brasil.
BEPS Base erosion and profit shifting.
CC Código Civil.
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil
COVID-19 Coronavírus.
CTN Código Tributário Nacional.
DTS Digital Services Taxes.
FATF Financial Action Task Force.
FinCEN Financial Crimes Enforcement Network.
FMI Fundo Monetário Internacional.
G&SR Gold & Silver Reserved Inc.
GATT General Agreement on Tariffs and Trade.
GST Goods and Services Tax.
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
II Imposto de Importação.
INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
INT Instituto Nacional de Tecnologia.
IOF Imposto sobre Operações Financeiras.
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados.
IR Imposto de Renda.
ISS Imposto sobre Serviços.
ISSQN Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.
IVA Imposto sobre Valor Agregado.
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
REsp Recurso Especial.
RFB Receita Federal do Brasil.
STF Supremo Tribunal Federal.
STJ Superior Tribunal de Justiça.
VAT Value Added Tax.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
3.6 A insuficiência das soluções nacionais e as alternativas apresentadas pelo BEPS ............ 77
4 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 82
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 85
12
1 INTRODUÇÃO
equivalente ao existente em ouro naquele mercado. Em 1970, esse padrão foi substituído pelo
fiat currency, tornando desnecessária a garantia física para os valores emitidos e transferindo a
responsabilidade por essa “fiança” para os governos dos próprios países emissores das notas
(FRANCO, 2017). Atualmente, o sistema econômico mundial, sendo o foco desse trabalho o
sistema brasileiro, considera como moeda apenas os ativos emitidos pelo governo.
Ocorre que, com as constantes mudanças vivenciadas pela economia, em especial
devido às alterações tecnológicas, foram sendo criados diversos outros tipos de “moeda” que,
diferente dos até então utilizados na história mundial, eram considerados intangíveis. É nesse
ponto específico da história que surgem diferentes tipos de moedas, como as digitais, virtuais e
criptomoedas, que englobam parcelas diferentes do universo tecnológico e precisam ser
diferenciadas, coisa que será feita adiante. Apesar do nome “moeda”, esses ativos virtuais não
detém todos os elementos caracterizadores das moedas fiduciárias, motivo pelo qual surgem
dúvidas quanto ao tipo de tributação incidente sobre elas, principalmente no cenário atual, em
que o mercado das moedas digitais movimenta bilhões de dólares estadunidenses ao ano.
As chamadas moedas digitais são gênero do qual decorrem várias divisões, dentre elas
as: moedas eletrônicas, virtuais e criptomoedas. A título de exemplo, pois o assunto será melhor
explanado em tópico próprio, as moedas eletrônicas são aquelas que, mesmo se tratando de
bens intangíveis, são reconhecidas e controladas por autoridades estatais, as quais são
responsáveis por autorizar, regulamentar e intermediar a transferência de valores nas operações
financeiras. Em território brasileiro, as moedas eletrônicas são controladas pelo Banco Central
e pelo Conselho Monetário Nacional, e alguns exemplos desse tipo de ativo são os cartões de
crédito e débito, e os sistemas de pagamento on-line. Apesar de serem geradas e processadas
virtualmente, esse tipo de moeda utiliza como parâmetro o dinheiro físico, que não se apresenta
de maneira tangível, mas sim intangível. São, portanto, reguladas.
Em outro bordo, existem as criptomoedas, que são consideradas, no Brasil, ativos
financeiros descentralizados gerados por entes privados e que têm o objetivo de servir como
forma de transferência monetária. As criptomoedas são dissociadas de sistemas econômicos e,
embora alguns países já tenham editado regulamentações específicas para esse tipo de ativo,
ele ainda permanece fora do sistema financeiro mundial. No Brasil, apesar das modificações
em regulamentos já existentes, e da edição do Projeto de Lei (PL) nº 2.303/2015, que foi
arquivado em janeiro de 2019, as criptomoedas não possuem regulação específica (STELLA,
2017). Esse tipo de ativo se propõe a circular pelo mundo através da blockchain, de maneira
livre, sem se submeter a impostos ou taxas, e também sem necessitar de conversão. Existem
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mais de dois mil tipos de criptomoedas diferentes, sendo que as mais conhecidas são o Bitcoin
e a Ethereum.
Por fim, as moedas virtuais, objeto principal desse trabalho, são aquelas que, como
bens intangíveis, não possuem qualquer tipo de correspondente no mundo físico. Esse tipo de
moeda é emitido e controlado por entes privados, e é adquirido através de microtransações
dentro de sistemas on-line. As moedas virtuais costumam ser aceitas em comunidades
específicas e, em sua forma mais comum, representam o dinheiro eletrônico utilizado em jogos
ou plataformas. A título exemplificativo, jogos como Minecraft possuem moedas próprias, e
somente é possível fazer compras naquele ambiente virtual através desses ativos, de modo que,
mesmo que as moedas virtuais não possuam correspondentes físicos, elas implicam no
funcionamento do mercado econômico (MARTINS; FERRER, 2020).
E tal mercado vem ganhando cada vez mais espaço nos dias atuais, pois os jogos
eletrônicos revolucionaram o mundo digital, criando ambientes interativos e moduláveis que se
relacionam intimamente com a realidade ao redor. Ocorre que, diferente do que passa no
imaginário popular, o constante melhoramento dos jogos não gerou mudanças apenas no
espectro virtual, mas também no mundo físico, ocasionando uma série de fenômenos
econômicos e socioculturais. Atualmente, os jogos eletrônicos permitem a interação entre
pessoas de diferentes nacionalidades, rompendo barreiras físicas, mas esbarrando em diversas
limitações jurídicas, principalmente no que tange à tributação dos valores movimentados dentro
dos sistemas eletrônicos.
Ao contrário do que se pode imaginar, o mercado de jogos não é adstrito a crianças e
adolescentes, pois, enquanto traço cultural, atinge toda a sociedade em grau menor ou maior.
Como os jogos digitais objetivam a constante interação entre os jogadores, a evolução natural
deles abriu margem ao surgimento de um mercado paralelo de microtransações dentro dos
próprios sistemas, que passaram a cobrar para a obtenção de itens ou vantagens específicas
(CASTRO, 2020). Estima-se que o mercado de jogos mundial seja, atualmente, equiparável ao
da música e do cinema (GALVÃO, 2019). Uma vez que os jogos envolvem negócios e
movimentam o mercado financeiro físico, as interações on-line precisam ser encaradas como
investimentos e necessitam, portanto, de regulação jurídica.
Inicialmente, o modelo mais comum de jogos eletrônicos era o de assinatura paga (pay-
to-play), o que gerava uma renda mensal aos desenvolvedores e dava grande margem à pirataria.
Depois, como parte da evolução dos modelos de negócio, os jogos adquiriram um novo aspecto,
passando a ser inicialmente gratuitos e pagos apenas a partir de determinado momento (pay-to-
win) ou totalmente gratuitos, com itens pagos dentro do jogo (free-to-play). Este último tipo,
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para se tornar rentável aos desenvolvedores, cria universos imaginários nos quais os itens
virtuais precisam ser comprados para permitir o melhoramento do jogo. Ou seja, em resumo,
para que os jogadores possam permanecer no ambiente virtual, eles devem injetar dinheiro
físico, que é convertido em dinheiro virtual ou itens próprios e movimenta bilhões de dólares
ao ano. As aquisições de moedas virtuais são feitas através de transações internas, as quais
geram questionamentos acerca da correlação entre o produto digital adquirido e o valor físico
investido nele.
Dentro de uma perspectiva moderna, é possível dizer que o dinheiro físico passa a
integrar o mundo virtual e ser valorado dentro de plataformas por meio de ativos financeiros
intangíveis. Devido a isso, existem muitas dúvidas sobre o possível enquadramento de moedas
virtuais dentro do conceito de moeda, e o consequente reconhecimento desses algoritmos
enquanto reais ativos financeiros. A inexistência de previsão legal gera uma enorme lacuna para
o sistema financeiro que, embora seja, atualmente, afetado pela dinâmica das moedas virtuais,
ainda não conseguiu se organizar em torno delas e nem oferecer o tratamento jurídico necessário
para o fenômeno (MARTINS; FERRER, 2020).
Nesse sentido, portanto, verificam-se dois problemas no tocante às moedas virtuais: 1.
A correta definição delas dentro do contexto da economia digital; e 2. A possibilidade de
enquadramento (ou não) das moedas virtuais dentro do conceito de “moeda” utilizado pelas
ciências econômicas no ano de 2022. A partir daí, feitas as diferenciações necessárias quanto
às delimitações desses ativos, surge um novo problema: qual seria o tipo de tributo incidente
sobre as moedas virtuais, em especial aquelas geradas a partir de microtransações em jogos
eletrônicos?
A ausência de resposta para esses questionamentos gera incongruências jurídicas em
torno das moedas virtuais. Isso porque, considerando que o nicho dos jogos eletrônicos tem
apresentado um crescimento exponencial nas últimas décadas, e também levando em conta a
completa modificação financeira gerada pelo mercado virtual, entender os elementos que o
compõem é, mais que necessário, indispensável dentro de um contexto econômico moderno. A
indefinição sobre o que é moeda virtual e como se classificam as relações envolvendo esse tipo
de ativo faz com que esse mercado se desenvolva à margem de qualquer tipo de regulação, o
que pode ser nocivo numa perspectiva econômica e, especialmente, tributária.
Com base nisso, o presente trabalho se propõe a definir o que compõe o conceito
econômico de moeda em 2022 e analisar o papel das moedas virtuais de jogos eletrônicos dentro
do mercado financeiro, discutindo, ao fim, sobre a necessidade (ou não) de tributação desse tipo
de bem imaterial, bem como o tipo de imposto incidente, se for o caso. Para alcançar os fins
16
1
É um estado no qual determinadas ações se encontram. De maneira didática, pode ser definido como uma
classificação na negociação de opções que descreve a relação entre o preço do exercício de uma opção e o
preço de negociação atual de seu ativo subjacente. Disponível em:
https://comoinvestir.thecap.com.br/moneyness. Acesso em: 02 maio 2022.
2
É um tipo de indicador que traça planos preventivos para empresas. É, portanto, um indicador do futuro,
sendo muito difícil de prever. Disponível em: https://www.treasy.com.br/blog/indicadores-lead-e-lag/.
Acesso em: 02 maio 2022.
3
É outro tipo de indicador, geralmente utilizado em conjunto com o lead, e permite que a empresa tenha uma
visão do desempenho durante determinado período de tempo. São, basicamente, indicadores de resultado.
Disponível em: https://www.treasy.com.br/blog/indicadores-lead-e-lag/. Acesso em: 02 maio 2022.
18
Por fim, serão abordados os conceitos de moeda digital, com a individualização das
moedas virtuais e explanação acerca do mercado atual de jogos.
4
É o processo de converter bens em dinheiro. É transformar algo em uma fonte de lucro ou rendimento,
utilizando como paradigma o dinheiro circulante. Disponível em:
https://dicionario.priberam.org/monetiza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 04 maio 2022.
19
condizente com a realidade seria: Estoque de moeda = papel moeda + depósitos à vista +
depósitos a prazo + ativos financeiros genéricos com grau de liquidez. Desse modo, para
Contador (1980), os estoques de moeda (e o próprio conceito) seria o somatório dos ativos
financeiros, justamente porque é no dia-a-dia que se verifica a circulação e liquidez das riquezas
(MARX, 2013). Contador (1980) resume a métrica da seguinte forma:
Desse modo, se por um lado os padrões monetários são meras expressões do poder
dominante dentro de diferentes culturas, daí derivando a organicidade com a qual foram
inseridos na sociedade, por outro, necessitam de validação universal para firmarem sua
existência no mundo (MARX, 2013). Por isso, é natural que os conceitos sofram amplas
variações no decorrer dos séculos, passando a abarcar expressões da cultura antes desassociadas
da estrutura econômica. Se a criação e a expansão do estoque de ativos financeiros diferentes
da moeda, em termos convencionais, afetam a liquidez da economia, eles devem ser incluídos
no conceito de moeda (CONTADOR, 1980). Há mais de 100 anos, Marx (2013) definiu o
fenômeno da seguinte forma:
quanto consiga; e é por apenas visar seu próprio ganho que o indivíduo é levado por uma mão
invisível a promover um fim que não integrava suas intenções, o qual é positivo à sociedade
(SMITH, 1976).
Dentro dessa perspectiva, adota-se uma compreensão estabilizadora de moeda, à qual
se reserva o papel secundário de um instrumento técnica e politicamente neutro para a
intermediação de trocas, que deve ser cultivado de maneira a fornecer um ambiente propício
para o funcionamento eficiente da economia real (COZER, 2006). A moeda, também nesse
sentido, seria desprovida de viés ideológico, sendo neutralizada e representando, apenas, um
meio de troca entre diferentes grupos econômicos. Conforme disposto por Cozer (2006), é por
enxergar a moeda como uma mercadoria que atua exclusivamente como meio de troca que a
teoria neoclássica destina a ela o mesmo arcabouço teórico aplicável às trocas de mercadorias
e de serviços, a exemplo das leis da oferta e da procura e da utilidade marginal. Não há, nessa
teoria, qualquer olhar sobre a complexidade do elemento moeda ou sobre sua mutação na
sociedade.
Dito isso, pontua-se que as compreensões econômicas clássica e neoclássica de moeda
são abordagens consideradas insuficientes ao estudo aqui feito, uma vez que apresentam uma
visão limitada dos fenômenos sociais e jurídicos formadores do elemento moeda. Definir moeda
como um simples instrumento técnico para a intermediação de trocas e a ampliação da
eficiência econômica, seria neutralizar o papel político desse ativo. Além disso, cumpre
salientar que a moeda consiste, visivelmente, em um meio para a satisfação de necessidades e
interesses e para a conformação teleológica de condutas alheias, sendo apenas uma das partes
da equação macroeconômica de uma sociedade (COZER, 2006). São as chamadas transações
econômicas, as quais são responsáveis por alimentar o mercado financeiro mundial.
Nesse sentido, pode-se dizer que a moeda não é um traço específico nem das
sociedades capitalistas modernas e nem da trajetória ocidental da evolução para a modernidade.
Por isso, o estudo da moeda necessita desprender-se da concepção tradicional que a reduz ao
seu uso como instrumento econômico de trocas mercantis (THÉRET, 2007). Na visão de Théret
(2007, p.2), isso quer dizer que “[...] a natureza da moeda [...] só pode ser verdadeiramente
compreendida e estabelecida a partir de um procedimento científico que mobilize uma
abordagem comparativa e histórica de grande diversidade de experiências monetárias concretas
reinseridas em toda análise ao seu contexto societal”.
O ouro seria, por excelência, a mercadoria capaz de sintetizar todos os atributos
indispensáveis à moeda. Embora sempre tenham existido formas de compensação dos trabalhos
de particulares, é fato que a quantificação desse produto teve como intermediadores imediatos
21
os metais. A inexistência de medidas quantitativas gerava impasses quanto aos meios de troca
de um trabalho por outro. Este impasse só pode ser resolvido se existir o produto de um trabalho
particular, o qual entra na circulação como produto de um trabalho e é diretamente social, então
aqueles produtos dos trabalhos particulares podem ser trocados por este, gerando, assim, uma
moeda de troca, que é, propriamente, um ativo financeiro (SOUZA; CARNEIRO, 2015).
A base da própria economia se deu a partir da troca de trabalhos e mercadorias através
de um intermediador, que deve ser socialmente aceito. Esse é o mecanismo básico de
funcionamento do dinheiro, bem como é, também, o momento em que nasceram as instituições
capazes de regulá-lo. Mas, para que a estrutura funcione, é necessário que as trocas multilaterais
se realizem, e, para que haja a validação de produtos do trabalho privado, deve haver uma
mercadoria especial que já adentre no intercâmbio validada. A mercadoria em questão,
inicialmente, foi o ouro, que permanecia com o valor constante, em detrimento das demais
mercadorias, que podiam se valorizar ou não (MARX, 2013). E, durante o período de expansão
dos reinados e impérios, os metais, em especial o ouro, mas também a prata e o bronze, se
consolidaram como ativos financeiros com máxima liquidez (CORDOVA, 2013).
Se em um primeiro momento os metais foram utilizados para proporcionar a troca e
serviços e mercadorias dentro das cidades-estados europeias, é fato que em pouco tempo
ocorreu a implementação das moedas no comércio de todo o mundo. A expansão dos espaços
comerciais controlados e o aumento do fluxo de troca de mercadorias fez com que países como
Itália, França e Portugal adotassem o ativo como meio de pagamento. Em 1343, diante do
descobrimento da rota para as Américas, a coroa inglesa aprovou a criação do Florin de Ouro5,
que se tornou o meio legal de transação no comércio internacional (CORDOVA, 2013). Nesse
período, a quantidade de dinheiro existente no mundo correspondia aos estoques de ouro e prata
armazenados pelos países.
Foi também nesse período que começaram a surgir as primeiras instituições bancárias.
Mediante o pagamento de taxas de 5% ou 6%, os indivíduos guardavam o dinheiro de
comerciantes em troca de recibos de depósito, que podiam ser retirados a qualquer tempo. Entre
1696 e 1699, no entanto, começaram a ocorrer baixas nos estoques de ouro e especialmente
prata disponíveis, gerando o aumento progressivo das taxas até o século XVIII, quando as
moedas metálicas foram substituídas (CORDOVA, 2013). Para Souza e Carneiro (2015),
5
É o termo utilizado para designar uma moeda feita de ouro. Embora houvesse Florins antes de 1343, foi a
partir dessa data que eles começaram a ser fabricados com o próprio ouro. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Florim_florentino. Acesso em: 12 maio 2022.
22
qualquer forma monetária deveria estar vinculada ao ouro para que pudesse exercer funções de
dinheiro, mesmo que não existisse qualquer vínculo jurídico.
Essa ideia, embora ultrapassada, também serve ao propósito de demonstrar a
modulação temporal dos conceitos de moeda. Com o desenvolvimento do sistema bancário e
das finanças públicas, a transferência do dinheiro na sociedade passou a ser ditada pelo Estado,
que o fez por intermédio do sistema de crédito. Essa nova forma assumida pela moeda, que se
revestiu de “papel-moeda”, criou condições de acumulação de capital desvinculadas daquelas
impostas pelo ouro. Mais do que uma terceira mercadoria circulante, a moeda se transformou
num representante crível de valor, de modo que sua equivalência a mercadorias e forças de
trabalho se tornou irrelevante para o mercado (SOUZA; CARNEIRO, 2015). Houve, portanto,
o rompimento das limitações materiais e construção da chamada moeda fiduciária6.
Daí surgiu a noção de sistema de crédito, que foi criado no sentido de desenvolver as
esferas de troca já existentes através do encaixe de atores econômicos. Além disso, também foi
incluído o elemento da abstração, o qual permitiu que a circulação do crédito pudesse ocorrer
sem as amarras da realidade. Conforme exposto por Souza e Carneiro (2015), num ambiente de
sistema de crédito moderno, o dinheiro (em abstrato) pode ser utilizado para liquidar dívidas,
ou seja, executar a função de meio de pagamento, esta que outrora reservava-se exclusivamente
a moeda metálica.
Desse modo, mesmo que o crédito se submeta às leis de circulação monetária, ele
ganha contornos de ativo financeiro na realidade, devido ao grau de confiança com o qual foi
inserido na sociedade, passando a se chamar dinheiro de crédito. Este deve ser entendido
enquanto uma categoria complexa, pois, mesmo que seja uma síntese de elementos derivados
do dinheiro e do capital, não é, de fato, nem dinheiro e nem capital (SOUZA; CARNEIRO,
2015).
Para Aglietta e Orléan (1998), a moeda é um operador de classe social, representando
não apenas as sociedades modernas, mas também as primitivas. Analisando essa afirmação,
Théret (2007) chegou à conclusão que as moedas podem ser organizadas em um tripé de dívida-
soberania-confiança. Nesse ponto, merece destaque o fato de que a moeda, mais do que um
elemento volitivo econômico, deve ser entendida enquanto fenômeno social. Isso porque, as
manifestações da organização do tripé conceitual somente seriam visíveis dentro um contexto
6
Moeda fiduciária (ou Fiat Currency) define uma moeda que não possui lastro em metal, ou em qualquer outro
bem disponível. Desse modo, as moedas fiduciárias só possuem valor porque lhes é atribuído por um ente
público ou privado, sendo esse papel, em geral, do Governo. As moedas fiduciárias, por si só, não possuem
qualquer valor. Disponível em: https://www.onze.com.br/blog/moeda-fiduciaria/. Acesso em: 04 maio 2022.
23
que nunca se chegue a uma conclusão definitiva do conceito que melhor expressa os níveis de
liquidez. O conceito de moeda, na visão do autor, varia no tempo e espaço, e segundo as
circunstâncias às quais está submetido, e seria um erro imaginar a moeda como algo estático
(CONTADOR, 1980). Completa Friedman (1974) que o máximo que pode ser feito é a
definição de características dos ativos que podem ser encaixados enquanto moeda.
Desse modo, retornando à discussão travada no início do capítulo, para fins de
caracterização da moeda no presente trabalho serão utilizados os critérios definidos por
Montoro Filho (1982), notadamente quanto à função de meio de troca e reserva de valor. Isso,
pontua-se, associado à liquidez imediata7 e velocidade de propagação8, comporia a base do que
se entende por moeda, resultando no que foi chamado por Marx (2013)9 como figura alienada
de uma mercadoria alienada. As mercadorias, nesse contexto, se transformam em uma figura
de valor que pode ser substituída por dinheiro, o produto de venda universal (MARX, 2013).
As moedas precisam servir como reserva confiável de valor, com alta aceitação como meio de
troca e, empiricamente, para existirem, precisam ser usadas para medir bens e serviços
diretamente (HE et al., 2016).
O processo semântico aqui adotado, de maior abrangência, engloba uma série de ativos
financeiros que, embora numa perspectiva reducionista pudessem ser excluídos do conceito de
moeda, interessam à regulação monetária, em especial devido a sua liquidez. Nesse sentido,
outros ativos e instrumentos financeiros, além das moedas metálicas e notas, podem ser
abrangidos pelo conceito de moeda, como os do exemplo equacional utilizados no início do
capítulo. São eles: os depósitos bancários à vista e a prazo, os depósitos em poupança, os títulos
do tesouro em poder do público, e outros ativos financeiros genericamente definidos (COZER,
2006). Desse modo, toda e qualquer referência à palavra moeda, no decorrer desse texto, deve
ser entendida num contexto de alargamento, rompendo com os ideais tradicionalmente
atrelados a esse ativo financeiro.
7
Capacidade de ser utilizada imediatamente para fazer transações dentro do setor privado. Disponível em:
https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/16464916022012Introducao_a_Economia_aula_4.pdf.
Acesso em: 02 maio 2022.
8
A moeda faz parte de um estoque circulante, e deve, portanto, ser movida dentro da sociedade. Apesar da
velocidade ser uma variável dentro do conceito de moeda, não deve ser utilizada como elemento limitador.
Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/235711397.pdf. Acesso em 02 maio 2022.
9
Para Marx (2013, p. 263), “[...] a quantidade de dinheiro que pode funcionar como meio de circulação é
determinada por certa velocidade média de curso da moeda. [...] A quantidade total do dinheiro que funciona
como meio de circulação em cada período é, portanto, determinada, por um lado, pela soma dos preços do
mundo de mercadorias em circulação e, por outro, pelo fluxo mais lento ou mais rápido de seus processos de
circulação.”
25
Para Castro (2005), foi a consolidação das políticas financeiras pelo Estado, através
das chamadas políticas fiduciárias10, que ocasionou a Revolução Financeira na Inglaterra, no
final do século XVIII. Foi a partir desse período que ocorreu a reestruturação da estrutura
econômica, de modo a associar o crédito privado à administração da dívida pública.
Consequentemente, os ativos financeiros passaram a estar associados às emissões estatais. Esse
mecanismo associativo ligou os créditos privados às decisões coercitivas do Estado,
principalmente no campo tributário. Também através desse arranjo criou-se uma forma de
10
Na visão do próprio autor, seriam as políticas estatais pouco sujeitas ao crivo jurídico e elaboração normativa
(CASTRO, 2005).
26
gestão privada das moedas em âmbito internacional: o Padrão Ouro Internacional (CASTRO,
2005).
A Inglaterra, como já dito anteriormente, iniciou seu mercado de moedas com o ouro.
Outros países europeus a espelharam, criando um dos primeiros modelos de comércio
internacional. Após, com a escassez do elemento e necessidade de controle dos fluxos dos
ativos, alguns países, como Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos adotaram,
formalmente, entre os anos de 1870 e 1914, o Padrão Ouro, que delimitava que as taxas de
câmbio dos vários países vinculados à política flutuariam apenas dentro dos estreitos limites de
seus respectivos pontos de armazenamento interno de ouro, sem as escoras de restrições
cambiais, quotas de importação ou controles correlatos, que eram virtualmente desconhecidos
mesmo para moedas num padrão papel ou prata (BLOOMFIELD, 1959). Esse foi o mecanismo
encontrado para assegurar a estabilidade financeira no período.
O Padrão Ouro, conhecido como “clássico”, funcionou bem durante um tempo, mas,
a despeito dos apoiadores do mecanismo, sofreu diversas críticas da doutrina, que, encabeçada
por Robert Triffin (1978), expunha as limitações opostas pela Inglaterra. Isso porque, enquanto
países pertencentes ao bloco europeu ou que estavam ligados a estes política, econômica ou
financeiramente, conseguiam regular suas taxas de câmbio, os outros, em especial na América
Latina, sofreram com o descontrole das taxas e depreciação das moedas durante a vigência do
Padrão Ouro. Conforme delimitado por Marinho (2007, p. 5), “o que pode-se verificar é que,
através do padrão ouro, os dirigentes ingleses fizeram do controle "quase" monopolístico dos
meios de pagamento universal (a libra como moeda mundial) instrumento de subordinação aos
outros países”, isso deu à Inglaterra um poderio econômico nunca antes vivenciado por qualquer
nação.
A extrema regionalização do controle inglês associada à Primeira Guerra Mundial,
entretanto, fizeram com que o Padrão Ouro, que era majoritariamente europeu, entrasse sem
declínio, gerando crises econômicas. Um exemplo da desregulação proporcionada pelo
mecanismo foi: a fim de financiar os gastos militares com a Guerra, os países europeus
começaram a emitir mais moedas, mesmo em um período de redução da capacidade econômica,
o que resultou no aumento de preços e intensificação dos processos inflacionários (MARINHO,
2007).
Depois de terminada a Guerra, no século XX, a Inglaterra ainda tentou influenciar a
volta do Padrão Ouro, mas sem sucesso, pois a conversibilidade das moedas foi restaurada em
bases frágeis. O país, então, tentou atribuir à libra-esterlina a valorização existente no período
anterior à Guerra, o que gerou uma profunda recessão econômica em decorrência da
27
supervalorização da moeda. Nos demais países europeus, por outro lado, a valorização da libra
gerou desvalorização das moedas nacionais, o que possibilitou a contração de empréstimos nos
bancos centrais de países fora do eixo europeu, principalmente os Estados Unidos, cuja
economia crescia no período. Como resultado, a Inglaterra tentou implementar um novo padrão
monetário: o Padrão Câmbio-Ouro (MARINHO, 2007).
A principal diferença do novo mecanismo consistia no fato de que os bancos centrais
de outros países poderiam deter uma parte substancial de suas reservas monetárias
internacionais na moeda nacional dos principais centros financeiros, com conversibilidade em
libra-esterlina. Com a crise de 192911, no entanto, o mecanismo foi completamente extinto,
decretando, também, a perda do valor econômico da libra-esterlina (MARINHO, 2007).
Durante a década de 1930 o mundo passou um período de recessão, o qual foi marcado pela
constante desvalorização cambial. Por isso, no pós Segunda Guerra, iniciaram-se as
negociações em Bretton Woods para desenvolvimento de uma ordem econômica e monetária
no Ocidente, a qual foi encabeçada pelo Plano White, dos Estados Unidos, e pelo Plano Keynes,
da Inglaterra. A discussão gerou dois principais resultados, na visão de Marinho (2007, p. 7):
1º) Qual seria o padrão monetário internacional, ou seja, o que se poderia aceitar como
dinheiro ou meio de pagamento internacional e como regular sua quantidade? A
solução encontrada atendeu aos desejos americanos, na medida em que estabeleceu-
se o ouro como instrumento de reserva internacional; como a quantidade existente
desse metal era insuficiente para reativar e expandir o comércio mundial, acordou-se
que toda moeda nacional podia adquirir status de meio de pagamento internacional se
fosse convertida em ouro. Esse princípio de conversibilidade no pós Segunda Guerra
implicava que só o dólar poderia assumir esse status "moeda" internacional" (os
Estados Unidos detinham dois terços das reservas mundiais de ouro): estava criado o
padrão ourodólar, que, apesar das suas peculiaridades era similar ao padrão ouro-libra
instituído pela Inglaterra em meados da década de 20;
2º) Como conseguir o equilíbrio nos intercâmbios internacionais? Também
privilegiando o "Plano White", preconizou-se eliminar todas as restrições impostas ao
comércio internacional e sua forma de pagamento, repudiando todas as práticas
cambiais discriminatórias. No que tange à estabilidade dos tipos de câmbio (expresso
em ouro), esse não poderia afastar-se do preço de paridade em mais de 1%. Toda
alteração superior deveria obedecer à exigência do equilíbrio da balança de pagamento
e exigia a consulta prévia se fosse mais que 10%. Um dos pontos incorretos dessa
concepção foi criar obrigações e condições concretas de ajuste para os países
deficitários e não para os países superavitários, sendo assim, os Estados Unidos
ficavam completamente salvos de prestar contas de sua política econômica.
11
Popularmente conhecida como “a grande depressão”, a crise de 1929 foi a maior crise financeira da história
dos Estados Unidos, que acabou influenciando todo o mundo. No período, os Estados Unidos eram
considerados uma das maiores potências industriais do planeta, e a especulação econômica em cima da nação
acabou repercutindo negativamente na bolsa de Nova Iorque, que, em 1929, começou a subir sem
correspondência com o aumento dos lucros. Isso fez com que, no mesmo ano, ocorresse uma forte recessão
econômica que durou por toda a década de 1930. Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CRISE%20DE%201929.pdf. Acesso em:
19 maio 2022.
28
A partir daí, surgiu o Padrão Dólar-Ouro, que, baseado no dólar, passou a desenvolver
um intenso processo de internalização dos capitais privados, espelhando-se essencialmente
naquilo que era feito pelo governo estadunidense (MARINHO, 2007). Esse padrão gerou, na
década de 1960, o dilema de Triffin (1978), pois o dólar passou a exercer um papel contraditório
na sociedade, funcionando como moeda de circulação interna e, também, moeda internacional
por excelência. Conforme apontado por Marinho (2007), para que o dólar se equiparasse ao
ouro, os Estados Unidos precisavam emiti-lo na mesma proporção do acumulo de reservas em
seu balanço de pagamento, fazendo com que o país incorresse em constantes superávits,
significando uma entrada de dólares superior à saída. Isso implicou na escassez de dólares
americanos no mercado internacional, não satisfazendo a demanda por liquidez externa. Para
que o dólar cumprisse sua função de circulação como moeda internacional, portanto, os Estados
Unidos começaram a incorrer em constantes déficits em balanço de pagamento, exportando
capital para atender às necessidades da liquidez mundial e gerando, com isso, consequências
negativas para o próprio país. Como resultado, o Padrão Dólar-Ouro foi extinto em 1971
(MARINHO, 2007).
Desde então, a política de controle de preços e taxas vem sendo exercida pelas
instituições internacionais responsáveis, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial. Apesar da hegemonia ainda presente dos Estados Unidos, é fato que outros países
compõem as bases do sistema financeiro mundial, abrindo espaço para a multiplicidade de
atores e ativos.
Para Eichengreen (1994), três características são essenciais aos arranjos monetários
internacionais, são elas: capacidade de ajustamento de preços relativos, adesão de todos os
participantes a regras monetárias robustas e habilidade para conter pressões de mercado. É
necessário, pois, explicar cada um dos conceitos, na visão do autor.
A capacidade de ajustamento de preços relativos é necessária pois um sistema
monetário internacional considerado “de sucesso” exige que as taxas de câmbio variem quando
os preços em moeda doméstica e os custos forem imperfeitamente flexíveis. Quando os preços
são rígidos para baixo, uma queda na demanda produzirá desemprego, e não deflação. Nessas
situações é importante que seja utilizada uma variação na taxa de câmbio que possibilite a
adoção, pelas autoridades, de políticas compensatórias de administração da demanda. Por outro
lado, as taxas "fixas" podem (e devem) variar sem modificar o compromisso das autoridades
com a estabilidade das taxas de câmbio. Nos casos em que as variações decorram de choques
excepcionais na economia, e não de ações das próprias autoridades, o custo de manutenção da
estabilidade cambial será relativamente baixo, podendo ser arcado pelas nações. As taxas de
29
12
Conjunto de cláusulas fiscais privadas de um país. Disponível em: https://espaciopublico.cl/clausula-de-
escape/. Acesso em: 19 maio 2022.
30
Para Miguel Reale (2001), o Direito nasce do fato. Isso não quer dizer, no entanto, que
o Direito provém do fato, mas sim que ele atua, de forma crítica e valorativa, perante os fatos.
Desse modo, diferente do mundo físico onde as atitudes tem um fim em si mesmas e se
conformam perante a realidade, o Direito é um agente de mudança que ora instaura regras em
decorrência de fatos, ora impede que eles ocorram, ora se contrapõe a eles. O Direito, portanto,
atua positivamente nos processos da realidade (REALE, 2001).
Na teoria de Reale (2001), o Direito se origina do fato, porque, sem que haja um
acontecimento ou evento, não há base para que se estabeleça qualquer tipo de vínculo jurídico.
Isto, contudo, não implica na redução do Direito aos fatos, tampouco gera a presunção de que
o Direito seja mero fato bruto, pois os fatos, dos quais se origina o Direito, são fatos humanos
ou fatos naturais objeto de valorações humanas, e que, por isso, recebem valoração jurídica
(REALE, 2001).
Desse modo, o fato jurídico, por natureza, é um fato no mundo real que passou pelo
crivo do Direito, tornando-se, portanto, um elemento a mais dentro da estrutura normativa
existente (REALE, 2001). Nesse cenário, considerando que os fatos jurídicos provêm da
atividade humana, e que toda atividade no mundo real gera uma reação no mundo jurídico, as
moedas podem ser qualificadas enquanto fato jurídico, vez que, ao serem criadas, modificaram
sobremaneira as relações humanas.
No campo econômico, dadas as limitações da ciência social para a interpretação de
regras e princípios essencialmente jurídicos e políticos, emergiu a necessidade de elaboração
de um direito tipicamente econômico, que regulasse o fato jurídico moeda e sua circulação na
sociedade. Esse direito precisava ir além das formulações clássicas estabelecidas nos séculos
XVIII e XIX, de modo a apresentar soluções ao novo panorama econômico que se desenvolvia,
em especial frente à Revolução Financeira anteriormente citada (CASTRO, 2005).
Assim, o século XX foi marcado pelo surgimento do chamado “Primeiro Direito
Econômico”, que teve influências diretas do Direito Administrativo. Para Castro (2005), essa
corrente jurídica foi intimamente influenciada por dois fatores: 1. Valorização das estratégias
de planejamento econômico; e 2. Diminuição da vulnerabilidade das economias nacionais
diante da economia internacional. Esses fatores foram decorrentes das políticas protecionistas
desenvolvidas no pós Segunda Guerra, bem como da permanência das barreiras não-tarifárias13
13
As barreiras não-tarifárias são mecanismos de restrição ao livre comércio utilizadas por países para
protegerem o comércio nacional. Isso porque, as barreiras não-tarifárias agem sobre os fluxos de circulação
de mercadorias sem a necessidade de aumento da tarifa entre produtos. As barreiras tarifárias, embora
aumente valores e dificultem o fluxo, não o impedem completamente, como pode ocorrer com as barreiras
31
como mecanismo de regulação internacional. Também houve a criação do FMI, em 1944, que
buscava estimular a cooperação monetária global e proteção da estabilidade financeira, de
forma a facilitar o comércio internacional, promover altos níveis de emprego e crescimento
econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo (IMF, 2013).
O Primeiro Direito Econômico, no entanto, entrou em declínio a partir da década de
1970, quando o dirigismo econômico14 passou a ser desincentivado e houve o progressivo
declínio da estabilidade das políticas nacionais isoladas, abrindo espaço para a intensificação
da interdependência entre Estados (CASTRO, 2005). Para Castro (2005, p. 35), a verdade é que
“[...] houve uma proliferação de regras que passaram a instrumentalizar a política econômica a
serviço do pragmatismo econômico e político em favor da expansão de mercados por meio de
uma agenda liberalização comercial e financeira”. A influência direta do FMI e do Banco
Nacional gerou a implementação de ajustes que ocorreram, principalmente, no âmbito das
rodadas Tóquio (1973-1979) e Uruguai (1986-1994) do GATT15 (CASTRO, 2005).
A partir de 1980, surgiu a chamada Análise Econômica do Direito, que deu azo ao
desenvolvimento do Segundo Direito Econômico, dentro do qual as relações entre Direito e
Economia passaram a se apoiar sobre os pressupostos da teoria microeconômica16. Essa teoria,
que analisava o direito subjetivo a partir de uma perspectiva econômica, visando à maximização
da utilidade, é, para Castro (2005), questionável, pois não contempla todas as instituições
financeiras e ativos em circulação atualmente.
O autor complementa dizendo que a elaboração doutrinária das regras de política
econômica deveria destacar a unidade do todo normativo e suas implicações para a sociedade
em termos de ideais de justiça. A partir daí nasceu o Novo Direito Econômico, também
chamado de pós neoclássico, que seria capaz de abranger operações do mercado aberto, dos
mercados de câmbio, operações financeiras multilaterais e a política de comércio multilateral,
mas incorporando também preocupações com valores morais e culturais determinantes de
demandas identitárias dos grupos sociais participantes da economia (CASTRO, 2005). Essas
instituições são essenciais à estrutura organizacional do direito econômico.
Essa é, atualmente, a teoria jurídica monetária utilizada no Brasil. Para Cozer (2006),
o Estado desempenha, nas sociedades contemporâneas, um papel essencial em relação à moeda,
resultando numa disciplina jurídica complexa, multifacetada e, sobretudo, abrangente. O
Direito, portanto, ganhou um papel de destaque na estrutura institucional do sistema monetário,
saindo do afastamento declarado por Castro (2005) e entrando no chamado Direito Monetário
de Cozer (2006), que significa o conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo a gestão
estatal da moeda.
É essencial, portanto, entender o papel do estado para/com a moeda. Para regular o
que é moeda e os valores mantidos por ela, bem como sua validade, o Estado desempenha um
conjunto de atividades de gestão ou interventivas. O regramento da moeda no Brasil resulta do
equilíbrio entre coerção e fidúcia econômica. Esse regramento contém elementos de
conformação coercitiva da conduta dos agentes econômicos, como a criminalização de práticas
atentatórias ao monopólio estatal de emissão de moeda e a imposição de tributos que devem ser
pagos na moeda nacional. Por outro lado, a regulação da moeda possui elementos de influência
econômica proporcionada pela atividade financeira do Estado, os quais são utilizados para
estimular a aceitação espontânea da moeda nacional entre os diferentes agentes econômicos.
Em síntese, a aceitação da moeda é mantida pelo Estado mediante uma combinação de
autoridade jurídica, proporcionada pela configuração legal do dinheiro, e influência econômica,
proveniente da atividade financeira do Estado (COZER, 2006).
Nesse cenário, o conceito jurídico de moeda está intimamente atrelado ao poder
soberano de estabelecer medidas que prevejam a emissão central de notas e moedas. Em um
sentido legalmente estrito, moeda refere-se às notas emitidas por uma autoridade central (que
representa o Estado, como os bancos centrais, por exemplo) que tem o direito exclusivo de fazê-
lo naquela jurisdição. As moedas recebem, portanto, o status de curso legal forçado, vez que
subsistem unicamente sob a estrutura legal do estado, que regula a aceitação interna e externa
do ativo, e estabelece a relação dos particulares com ele (HE et al., 2016).
O Estado possui, assim, um papel dúplice com relação à moeda: jurídico e financeiro.
Isso porque, a gestão monetária engloba um vasto número de atribuições estatais, que
compreendem não apenas a manutenção da validade da moeda e seus preços, mas também a
regulação dos gastos públicos e imposição de tributos que são utilizados na gestão das dívidas
públicas e das políticas monetária, cambial e de crédito. O que se verifica, portanto, é a
existência de um arcabouço normativo complexo que engloba aspectos como a disciplina das
33
Conforme disposto por Cozer (2006), a existência das moedas estatais depende da
eficiência do próprio Estado na gestão fiscal e monetária, isso porque, como já explanado
anteriormente, as moedas são promessas de pagamento que só existem mediante a credibilidade
do emissor. Se o estado é economicamente viável, com capacidade de tributar de maneira
eficaz, as promessas de pagamento emitidas por ele se tornam desejáveis e, com isso, formam
a base (ou ao menos o parâmetro de comparação), dos demais ativos e modalidades monetárias
do sistema. O mercado da dívida pública é um dos principais formadores da economia
atualmente, uma vez que o débito estatal monetizado pelos bancos multiplica a quantidade de
moeda existente (COZER, 2006). O que existe, portanto, é uma hierarquia de promessas de
pagamento, a qual movimenta a economia e possibilita a criação endógena de moedas.
Ultrapassada a discussão preliminar sobre o que é ou não moeda, importa salientar
que, embora a liquidez não seja o único elemento necessário à constituição de moeda, ele é um
dos mais importantes no estabelecimento da ordem de importância dos ativos mundiais
(CONTI; PRATES; PLIHON, 2014). Então, em resumo, a aceitação das moedas em uma nação
é feita pelo Estado, e o posicionamento de um ativo financeiro na lista de distribuição nacional
e mundial decorre da sua liquidez, usando como base as moedas estatais.
Mas, considerando que toda moeda é, preliminarmente, um ativo, antes de responder
à pergunta sobre o que pode ser considerado moeda, é preciso definir, também, os ativos e suas
categorias, pra depois analisar quais ativos, atualmente, podem ser entendidos como moeda.
Um ativo, de forma genérica, é todo bem, crédito, valor ou direito que possa ser
quantificado, como, por exemplo, ações que geram dividendos, títulos do Tesouro, royalties de
propriedade intelectual, entre outros. Os ativos se dividem em financeiros ou reais, monetários
ou não monetários, sendo os financeiros aqueles que podem ser definidos como bens intangíveis
sem qualquer representação no mundo físico além da documentação que os define (FARACHE,
34
2020). Mesmo sem existir no mundo real, fisicamente, os ativos movimentam o mercado,
possuem liquidez, velocidade e podem ser utilizados como meios de troca (RICO, 2021).
Os ativos financeiros podem ser títulos públicos ou privados. Os públicos são emitidos
pelo Tesouro Nacional e têm como objetivo financiar o déficit público e regular a liquidez de
mercado, sendo pré-definido o potencial de retorno. Já os privados são emitidos por empresas
privadas com o objetivo de captar recursos ou investimentos próprios (FARACHE, 2020). Nos
dois casos, os ativos representam produtos negociáveis.
Os ativos reais, por outro lado, são aqueles que estão diretamente ligados à capacidade
produtiva de uma sociedade, de modo que, ao investir em ativos reais, está-se investindo
também nos ganhos para a população. Um exemplo prático de ativo real é o investimento na
construção de empreendimentos em determinada cidade. Quando concluído, o investimento
gerará empregos e valorização da região, o que é benéfico para a sociedade. Outros exemplos
de ativos reais são: imóveis (Casas, apartamentos, terrenos, fazendas), equipamentos e
maquinário, veículos, arte, vinhos e carros, entre outros (FARACHE, 2020).
Já os ativos monetários são aqueles que possuem curto prazo de circulação cujo valor
residual está em forma de moeda. Os não monetários são o exato oposto, representando aqueles
que não podem ser convertidos em moedas em um curso espaço de tempo, e que não podem ser
precisamente quantificados (CONTROLAÇÃO..., 2022).
As moedas, portanto, são ativos monetários, com alta velocidade de circulação e poder
de conversibilidade. No decorrer dos séculos, no entanto, a ideia de ativo financeiro e também
de moeda esteve muito atrelada à emissão ou regulação pelo Banco Central, o que fez com que
fosse relativamente fácil buscar definições. Em 2022, no entanto, esse cenário sofreu intensas
modificações, principalmente devido às inovações digitais do mercado, que, hoje em dia, conta
com ativos nunca antes imaginados.
A seguir, serão expostos alguns novos ativos, os quais, questiona-se, podem ou não ser
considerados moeda em 2022.
17
O parâmetro de pesquisa aqui utilizado se baseou nos dados obtidos a partir de buscas no sítio eletrônico do
Google. A Autora acessou a página https://www.google.com/ no dia 26 de maio de 2022, dentro da qual fez
uma pesquisa livre contendo a expressão “moeda virtual”.
36
esse tipo de tecnologia, o que tornava a atividade burocrática e pouco atrativa (MULLAN,
2014).
Para Mullan (2014), o desenvolvimento progressivo da Internet e criação das moedas
digitais deu às pessoas ao redor do mundo maior liberdade financeira, permitindo não apenas a
troca de moedas de maneira instantânea, mas também retirando dos governos o monopólio
econômico do qual dispunham. Nesse sentido, a moeda digital, que é gênero do qual as demais
definições são espécie, é um tipo de ativo que proporciona a circulação de valor, como meio de
troca ou meio de pagamento, de forma eletrônica, ou seja, intangível, pela internet, podendo ser
embasada nas moedas fiduciárias – centralizada –, ou possuir forma de medida própria –
descentralizada (GOMES, 2021). O próprio FMI (2016) já se posicionou sobre a questão,
oferecendo a seguinte definição para as moedas digitais:
Ou seja, o primeiro tipo de moeda a surgir junto com a Internet foi a moeda virtual. A
partir daí, o conceito foi se subdividindo em espécies – virtuais e eletrônicas – e subespécies –
criptomoedas –, dependendo do sistema utilizado e da relação ou não com as moedas fiduciárias
(GOMES, 2021). As moedas digitais são, nesse sentido, a representação de valores que
circulam na internet através de códigos, e que podem ou não representar valores conversíveis
ao mundo real. Para Mullan (2014), no entanto, cumpre salientar que uma das partes mais
importantes de qualquer sistema de moeda digital é o momento onde as unidades digitais são
trocadas por moedas fiduciárias, fornecendo liquidez aos consumidores.
Os sistemas através dos quais as moedas digitais operam também em muito diferem
dos ideais de moeda desenvolvidos desde o século XX. Isso porque, as moedas digitais não
possuem um fluxo pré-definido, podendo ser utilizadas por instituições bancárias e governos,
de maneira centralizada, ou serem totalmente transacionadas pela Internet, sem qualquer auxílio
regulatório dos entes públicos (MULLAN, 2014).
O surgimento das primeiras moedas digitais ocorreu no início da década de 1990,
quando entusiastas da Tecnologia da Informação criaram formas de transação anônima. A ideia
central era causar um distanciamento do ambiente regulado dos bancos e estados e criar um
38
dando alguns exemplos de moedas virtuais, que são: moedas utilizadas em jogos eletrônicos,
mídias sociais e créditos em prêmios de programas de fidelidade, para comprar bens ou resgatar
prêmios (HUGHES, MIDDLEBROOK, 2015), como ocorre no caso dos smiles da Gol e dos
pontos Latam.
Uma das principais características das moedas virtuais é que a sua existência não está
condicionada a qualquer tipo de conversibilidade em moedas fiduciárias. Isso porque, enquanto
as moedas digitais possuem uma conversibilidade implícita, a moeda virtual possui valor por si
só, podendo circular em comunidades específicas sem representarem nenhum valor no mundo
físico. Tal aspecto decorre do fato de que o objetivo das moedas virtuais não é possibilitar
compras no mundo “real”, mas sim garantir as transações no mundo virtual, as quais são
reguladas por entes próprios, chamados de “centrais”, que não possuem qualquer relação com
o ambiente estatal regulado (FOBE, 2016). A autora afirma que “moeda virtual seria, assim
uma generalização que engloba desde sistemas de pontuação oferecidos por lojas (bônus cujo
valor é estabelecido por um ente central – um supermercado, por exemplo – e cuja utilização
resume-se aos bens disponíveis naquele contexto [...]” (FOBE, 2016, p. 51).
Gomes (2014) complementa as definições afirmando que as moedas virtuais são bens
jurídicos móveis incorpóreos, consoante disposto no art. 83, inciso III, do Código Civil
brasileiro (CC)18, e que: 1. São armazenadas e transacionadas eletronicamente; 2. Possuem
denominação, forma e unidade de medida próprios; 3. Não possuem lastro em moedas
fiduciárias; 4. Não possuem curso legal ou curso forçado; 5. Não são emitidos ou regulados por
bancos centrais, mas sim por entes privados de forma descentralizada; 6. Podem ser utilizadas
como meio de troca; e 7. Podem existir apenas dentro de comunidades específicas sem qualquer
interação com os bens e serviços do mundo físico.
O Financial Action Task Force (FATF)19 define que a moeda virtual é uma
representação digital de valor que pode ser negociada digitalmente e funciona como um meio
de troca, uma unidade de medida e/ou uma reserva de valor, mas sem curso legal em qualquer
jurisdição. Esse tipo de moeda não é emitido nem garantido por instituição oficial, sendo
regulado apenas por acordo dentro da comunidade de usuários da moeda. Ela é diferente da
moeda fiduciária, que é o papel-moeda de um país designado como moeda legal, mas circula
18
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
[...]
III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
19
Grupo de Ação Financeira Internacional. É uma organização não governamental financeira de caráter
informal que emite orientações sobre matéria econômica para países que solicitem. Disponível em:
https://www.fatf-gafi.org/about/. Acesso em: 27 maio 2022.
40
padrão de qualquer outra autoridade monetária. Além disso, não se confundem com o conceito
de moeda eletrônica, que está previsto na legislação (BRASIL, 2020).
Outras entidades bancárias de outros locais do mundo também utilizam a definição de
moeda virtual como sinônimo de criptomoeda. O FinCEN e o Banco Central Europeu, a título
de exemplo, expõem os conceitos de moeda virtual e criptomoedas como sinônimos. Para esses
órgãos, as moedas virtuais são apenas instrumentos descentralizados, baseados em esquemas
matemáticos, cujo principal exemplo seria o Bitcoin (FOBE, 2016). Tal correlação, entretanto,
não merece prosperar, pois os diferentes tipos de moeda virtual possuem características muito
única para serem confundidos.
As criptomoedas diferenciam-se especialmente pela descentralização que apresentam.
Elas possuem unidades de medida próprias e, embora possam ser trocadas por moedas
fiduciárias, não se confundem com elas. Para Fobe (2016), as criptomoedas não “existem” fora
do mundo virtual, mas elas possuem características tão únicas que a sua virtualidade é apenas
um dos traços presentes. Complementando o conceito, Gomes (2021), afirma que as
criptomoedas são, em verdade, ativos não monetários criptografados em formato virtual e
utilizados como meio de troca. Elas não são realmente moeda, nem sob a ótica econômica nem
sob a jurídica, não se comportando desse modo nos ambientes em que circulam (GOMES,
2021).
Também não podem ser confundidas com ativos financeiros, como os apresentados no
primeiro capítulo do presente estudo, embora sejam similares a estes, porque não possuem um
dos atributos necessários para tal: a oponibilidade de terceiros. As unidades de troca das
criptomoedas não possuem curso legal e nem forçado, pois elas podem ser centralizadas ou
descentralizadas, e podem ser reguladas ou não por um ente central. Ademais, as criptomoedas
diferenciam-se das moedas virtuais em sentido amplo pela utilização de criptografia para
controle e validação das operações.
Mas, considerando que as criptomoedas não são moedas (ou sequer ativos monetários),
surge o questionamento: as demais moedas digitais poderiam ser? Para o Fundo Monetário
Internacional a resposta sucinta é não, pois, atualmente, ainda não é possível encontrar todas as
características necessárias para a caracterização de “moeda” nas moedas virtuais (HE et al.,
2016). Apesar disso, a entidade reconhece que já houve outros casos de moedas emitidas
privadamente de maneira descentralizada que, mesmo sem o crivo estatal, eram de fato moeda.
Embora as moedas virtuais sejam muito diferentes das moedas estatais, os sistemas
monetários e o conceito legal de dinheiro evoluíram substancialmente ao longo do tempo e
continuarão a mudar no futuro, podendo gerar um consequente enquadramento ainda não
42
identificado. A conclusão do estudo do FMI é a de que as moedas virtuais não devem, portanto,
ser julgadas apenas com base em suas características atuais ou em como se comparam aos
regimes monetários de 2022 (HE et al., 2016). Ou seja, em resumo, as moedas virtuais (ainda)
não podem ser consideradas moedas.
Dentro de uma perspectiva legal, as moedas virtuais ficam aquém do conceito exposto
no primeiro capítulo e amplamente aceito no Brasil (e no mundo). Isso porque, embora não
exista uma definição jurídica precisa de moeda, é fato que elas estão associadas ao poder
soberano do Estado, que emite notas e as regula conforme sua discricionariedade e a partir de
uma entidade oficial (como os Bancos Centrais, por exemplo). As moedas, dentro do curso
legal, se desenvolvem a partir da estrutura macro do Estado, de modo que “o valor e a
credibilidade de uma moeda soberana estão intrinsecamente ligados à capacidade do Estado de
sustentar essa moeda” (HE et al., 2016, p. 16).
Mesmo os ativos financeiros, para o Direito, precisam passar pelo crivo dos agentes
estatais, pois, embora seja permitido às entidades privadas desenvolver novos tipos de ativos
ou regular os antigos, eles geralmente precisam ser passíveis de conversão direta em uma moeda
emitida pelo Estado e devem servir como um meio de troca geralmente aceito dentro dessa
jurisdição. Somente os ativos financeiros “tradicionais” se encaixam nos conceitos econômicos
classicamente aceitos (HE et al., 2016).
Ademais, numa perspectiva econômica, as moedas virtuais não atingem todos os
pressupostos de caracterização necessários – já expostos no primeiro capítulo. O estudo aqui
travado definiu que, para serem definidos como “moeda”, os ativos precisam ser meios de troca
com aceitação ilimitada e reserva de valor confiável, baseados na liquidez imediata e velocidade
de propagação. As moedas virtuais, como um todo, não atendem a esses requisitos no mundo
real, mesmo que, nos mundos virtuais em que existam, se comportem como verdadeiras
moedas.
Tal alegação se baseia em três premissas: 1. A alta volatilidade dos preços das moedas
virtuais limita a sua capacidade de servir como uma reserva confiável de valor; 2. A rede de
aceitação limitada de moedas virtuais restringe significativamente seu uso como meio de troca;
e 3. Há poucas evidências de que as moedas virtuais estejam sendo usadas como uma unidade
de conta independente, pois o seu valor é cotado e aceito unicamente em decorrência da
conversibilidade (e valor de compra) em moedas fiduciárias (HE et al., 2016). Para Anand
(2014), a autorregulação dos ambientes digitais onde as moedas virtuais são comercializadas
dificulta a atuação estatal, gerando sistemas paralelos de pagamento que não encontram base
na realidade.
43
20
Existem moedas virtuais de sistemas abertos, que podem ser comercializadas no mundo real, e as moedas
virtuais de sistemas fechados, que existem unicamente em mundos virtuais, sendo fruto das moedas
fiduciárias, mas sem qualquer possibilidade de conversão posterior nelas.
44
Essa é uma ideia corroborada por Mullan (2014, p. 4), como já dito acima, pois, para
o autor, “a parte mais importante de qualquer sistema de moeda digital é o ponto onde as
unidades digitais são trocadas por moedas fiduciárias, fornecendo liquidez aos consumidores e
comerciantes”. Tal alegação endossa a ausência de relação entre as moedas virtuais e as moedas
físicas, embora em certos ambientes as moedas virtuais sirvam ao mesmo propósito das moedas
fiduciárias.
O conceito de moeda virtual, por sua vez, que é abstrato, não se confunde com o de
moedas eletrônicas – ou e-money –, que, para o Grupo de Ação Financeira Internacional (2014,
p. 6), é “uma representação digital da moeda fiduciária usada para transferir eletronicamente o
valor denominado em moeda fiduciária”. O dinheiro eletrônico seria um mecanismo de
transferência digital para a moeda fiduciária, ou seja, uma forma de transferência eletrônica de
moedas com curso legal forçado (FATF, 2014). Para Fobe (2016), é importante não confundir
o dinheiro guardado e organizado por instituições financeiras de forma eletrônica com as
moedas virtuais, mesmo que as moedas eletrônicas sejam um tipo de moeda digital, uma vez
que existem na web.21
A nível de Europa, o Parlamento Europeu publicou, em 2009, a Diretiva 2009/110/CE,
que criou um enquadramento legal coerente ao bloco para os serviços de pagamento, incluindo
a coordenação das disposições legais relativas a requisitos prudenciais para uma nova categoria
de prestadores de serviços de pagamento através de regras para o exercício da atividade de
emissão de moeda eletrônica. No documento, moeda eletrônica é definida como “o valor
monetário armazenado eletronicamente [...], representado por um crédito sobre o emitente e
emitido após recepção de fundos para fazer operações de pagamento [...]” (PARLAMENTO
EUROPEU, 2009, p. 5).
Trazendo a situação para o Brasil, tem-se o disposto no art. 6º, VI, da Lei n.º
12.865/2013, que apresenta providências ao BACEN brasileiro, e estabelece moeda eletrônica
como “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário
final efetuar transação de pagamento” (BRASIL, 2013). Para Gomes (2021), essas definições
possuem dois pontos em comum: 1. A existência de um emissor identificável da moeda
eletrônica; e 2. O vínculo da moeda eletrônica com o sistema monetário tradicional, fazendo
21
Conforme citado pela Autora: Conforme disposto pela autora: “O dinheiro “oficial” que os cidadãos
depositam em bancos e, posteriormente transacionam eletronicamente – por meio de cartões de débito ou
crédito ou transferências pela internet – carrega consigo a expectativa de que pode ser convertido a qualquer
momento em notas físicas por instituições do sistema financeiro oficial. O sistema bancário apoia-se
integralmente sobre essa ficção, colocando à disposição “física” de seus clientes muito menos dinheiro do
que efetivamente detém. Assim, “moeda eletrônica” diz respeito à circulação de moedas oficiais dentro de
um sistema eletrônico de pagamentos.” (FOBE, 2016, p. 49)
45
com que haja uma relação íntima com as moedas fiduciárias e diferindo, portanto, das moedas
virtuais.
A diferenciação entre os conceitos apresentados nessa seção podem ser melhor
visualizados no quadro 1, proposto por Gomes (2021):
22
As moedas de curso legal ou forçado ou aquelas que, por força de lei, devem ser aceitas como forma de
pagamento dentro de uma economia. Isso quer dizer que são as moedas fiduciárias, impostas pelo governo e
legalmente aceitas. Disponível em: https://ptfbs.com/glossary/legal-tender-24. Acesso em: 29 maio 2022.
23
Moedas centralizadas são aquelas que sã emitidas e/ou reguladas por instituições, em especial
governamentais, elas estão sujeitas às regras bancárias. As moedas descentralizadas, por outro lado, são
aquelas que não possuem um ente regulador central e não se submetem às regras econômicas clássicas, as
quais podem ser modificadas pelos próprios detentores da moeda. Disponível em:
https://guiadobitcoin.com.br/noticias/centralizado-x-descentralizado-a-evolucao-da-economia-e-do-dinheiro/.
Acesso em: 29 maio 2022.
46
O século XXI foi (e está sendo) marcado pelas constantes inovações digitais. As
mudanças aceleradas pela tecnologia causaram impactos não apenas sociais, mas também
econômicos, com o surgimento de novas empresas e também a busca, de empresas tradicionais,
pelos benefícios inerentes à economia digital. Atualmente, a riqueza de um negócio está mais
associada ao acumulo de bens intangíveis que ativos tangíveis, e isso evidencia as tendências
mercadológicas de 2022, ano no qual as moedas virtuais ocupam o primeiro lugar24 na lista de
nichos mais lucrativos (GIROLLA, 2021).
É fato que o ser humano continua consumindo bens e serviços, mas a forma de
existência desse tipo de consumo vem se transformando no decorrer dos anos, passando do foco
no produto para a maximização da experiência do usuário. Neste contexto de constantes
transformações, o mercado dos jogos digitais é uma das vertentes econômicas modernas que
conta com o chamado “crescimento vertiginoso”. Para Girolla (2021, p. 13), “a escalabilidade
dos negócios tem relação direta com a quantidade endereçável de usuários do produto ou do
serviço e, por óbvio, com a própria monetização”.
Os jogos eletrônicos podem ser definidos como a interação entre o jogador e as
imagens que aparecem em uma tela, mediada por um processador e uma interface física,
gerando a imersão dos jogadores na realidade desenvolvida (GOTO, 2005). Embora, no
passado, os jogos não fossem vistos como uma forma de arte e entretenimento, esse cenário se
alterou nos últimos anos e, hoje em dia, eles são tão enraizados dentro da sociedade que podem
até ser considerados parte da cultura popular de diferentes países, entre eles, o Brasil. Conforme
disposto por Kenski e Aguerre (2003, on-line), a popularização está atrelada ao poder de
imersão dos videogames, os quais, através de uma “[...] sequência constante de desafios podem
levar ao que os psicólogos chamam de flow (“fluxo” em inglês), ou estado de experiência
máxima”.
24
Informação retirada de https://meunegocio.uol.com.br/blog/os-10-nichos-mais-lucrativos-para-2022/. Acesso
em: 30 maio 2022.
47
25
Informação retirada de: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/com-2022-decisivo-mercado-de-games-
ultrapassara-us-200-bi-ate-2023/. Acesso em: 10 jun. 2022.
49
o mercado dos jogos digitais continue crescendo, e se torne um dos principais seguimentos de
mercado nos próximos anos. Dados divulgados pela Newzoo (2021), apontam o seguinte
crescimento:
Gráfico 2 – Previsão dos valores movimentados pelo mercado de jogos digitais até 2023.
Além disso, conforme divulgado pela TechNET Immersive (2021), a indústria dos
jogos, pelo seu valor atual, já é responsável por mais da metade do valor total da indústria do
entretenimento, ultrapassando o mercado do cinema e da música. Uma das razões atuais dessa
expressividade é a de que, durante a pandemia de COVID-19, enquanto alguns setores foram
afetados negativamente pela crise sanitária, outros cresceram sobremaneira, como foi o caso
dos jogos. Empresas como Sony e Microsoft obtiveram números recorde em faturamento no
ano de 2021, resultando em um aumento de 50%, para a Microsoft, da receita com jogos apenas
no primeiro semestre do ano (YIN-POOLE, 2021).
No Brasil, a situação não é diferente. Com a pandemia, as transações dentro do
mercado de jogos digitais no Brasil cresceram cerca de 140% (cento e quarenta por cento) em
comparação com o ano de 2019, segundo dados divulgados pela Visa Consulting & Analytics.
É possível também ver um aumento de 105% na quantidade de cartões realizando compras de
jogos ou extensões on-line, quando comparados os períodos de outubro de 2019 e setembro de
2020. Apesar de o ticket médio ter se mantido estável ao longo de 2020, em torno de R$ 51
50
(cinquenta e um reais) por pessoa, houve picos em meses como o de março, início da pandemia
no Brasil, quando o valor do ticket superou R$ 56 (cinquenta e seis reais), o que demonstra uma
estabilidade no mercado mesmo diante das flutuações de câmbio (ANALYTICS, 2021).
A maior concentração de transações em jogos digitais no Brasil ocorreu nas cidades
de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Além
disso, a parcela social que mais despendeu dinheiro com transações em jogos foi a classe alta,
que movimentou 45% das transações entre os meses de abril e setembro de 2020. Com relação
a 2019, houve um aumento de 35% nas transações feitas por esses clientes (ANALYTICS,
2021).
A título de exemplo da expansão do mercado brasileiro e da sua relevância para
empresas multinacionais, a empresa Ubisoft, que atua no comércio de jogos eletrônicos em
mais de 55 países, obteve lucros 70% maiores durante o ano de 2020, e 50% do faturamento
total da empresa na América Latina adveio do Brasil. Apesar da desvalorização da moeda
brasileira em relação ao dólar americano sentida durante a pandemia, a região conseguiu se
firmar enquanto um dos grandes mercados digitais do mundo (FLEISCHMANN, 2020).
Segundo relatório publicado pelo Datafolha (2020), em pesquisa financiada pelo Brasil
Game Show, 40% da população brasileira joga jogos digitais, o que equivale a 67 milhões de
brasileiros ligados através do mundo on-line. A média de idade dos jogadores é de 30 anos, e
eles estão espalhados da seguinte forma: Sudeste (44%), seguido do Nordeste (28%), Sul (13%),
Norte (8%) e Centro Oeste (7%). As preferências dos jogadores, segundo a pesquisa, são: 80%
das pessoas que se consideram gamers disseram que jogos são uma opção de passatempo,
entretenimento e diversão, sendo ainda citado por 22% que jogam por que gostam, 11% para
descansar, 3% para estimular a memória e 2% para interagir com familiares e amigos (BGS,
2020).
Considerando a relevância dos jogos eletrônicos para a sociedade brasileira, é
necessário entender o funcionamento deles na prática e destacar as diferenças entre as
categorias dos chamados “mundos virtuais”, termo cunhado por Anand (2014). O local de
desenvolvimento dos jogos, como já dito acima, está muito atrelado à capacidade de imersão
proporcionada por ele. Por isso, entender o funcionamento dos mundos virtuais é essencial para
ter obter uma visão holística desse mercado. Para Anand (2014, p. 7):
Os mundos virtuais são ambientes visuais simulados que permitem aos usuários
interagir uns com os outros e personagens em um mundo de fantasia persistente a
partir de uma perspectiva em primeira pessoa em seu computador. Os usuários criam
avatares, que são representações visuais de si mesmos como humanos, animais ou
outros tipos de criatura, dependendo dos parâmetros do mundo virtual. Dependendo
51
do tipo e extensão das tarefas ou ações realizadas no ambiente digital, o mundo virtual
pode ser considerado estruturado ou não estruturado.
Para o autor, ademais, os mundos virtuais podem ser divididos em dois tipos: os
estruturados e não estruturados. O primeiro tipo (mundos estruturado) é o grupo dos conhecidos
jogos como RPG26, onde os jogadores recebem conteúdos predefinidos e podem assumir papeis
diferentes, tendo como objetivo o cumprimento de um conjunto de objetivos ou missões; o
segundo grupo (mundos não estruturados), por outro lado, é o daqueles que adotam uma
abordagem minimalista e não fornecem tais instruções, mas apenas um ambiente interativo sem
objetivos definidos, no qual os jogadores podem interagir como quiserem (ANAND, 2014). O
autor dispõe:
26
A sigla RPG significa Role Playing Game, o que, em tradução livre, significa jogo de interpretação de papeis.
É um gênero de jogo no qual os jogadores assumem papéis imaginários dentro de um mundo fictício criado
virtual ou real. Disponível em: https://www.significados.com.br/rpg/. Acesso em: 15 jun. 2020.
52
jogo para atingir o mesmo objetivo. Isso enfatiza ainda mais a diferença entre mundos
orientados a tarefas e a atitude laissez-faire de designers de mundos virtuais não
estruturados. (ANAND, 2014, pp. 9-11)
A despeito dos jogos que possuem assinatura padrão para utilização, como o
Minecraft, que é pay-to-play, parte da movimentação econômica do mercado de jogos digitais
decorre da modalidade free-to-play ou freemium, nas quais um produto básico é oferecido
gratuitamente aos usuários, mas itens adicionais adquiridos no jogo devem ser pagos
(GIROLLA, 2021). Os jogos free-to-play podem ser estruturados ou não estruturados, sendo
que a principal diferença desse formato de jogo são as fontes de receita confiáveis e periódicas,
com a geração de valores que alcançaram, em 2019, o patamar de 86 bilhões de dólares,
conforme dados da Statista a seguir expostos:
Apesar da relevância da utilização de jogos pagos, as receitas obtidas pelos jogos free-
to-play através de microtransações ultrapassaram, nos computadores de mesa, a dos jogos em
que há a necessidade de se pagar para se jogar (os jogos premium), fazendo assim com que as
empresas passassem a priorizar as microtransações internas em detrimento da cobrança de
valores mensais (TAKAHARA, 2020). O jogo que atualmente protagoniza o ranking mundial
de mais jogados, o PUBG Battlegrounds, que inicialmente era um jogo pago, tornou-se aberto
54
27
Informação disponível em: https://latam.battlegrounds.pubg.com/pt-br/2022/01/13/pubg-agora-e-gratis/.
Acesso em: 16 jun. 2022.
55
Nos mundos virtuais, sejam eles estruturados ou não estruturados, ocorre a constante
compra e venda de itens para melhoramento do sistema ou do personagem utilizado. Nesse
caso, itens virtuais são transacionados a partir de moedas reais, fazendo surgir o fenômeno das
microtransações digitais, as quais, na visão de Girolla (2021, p. 16), “são todas as compras de
um jogador dentro de um jogo virtual [...]”, representando, portanto “[...] uma compra de
créditos ou moedas digitais in game para a aquisição de bens virtuais, como itens para se usar
no jogo, conteúdos extras, expansões etc”. Para Takahara (2020, p. 17), as microtransações
podem ser definidas como a venda “de conteúdos para jogos eletrônicos a um baixo valor
financeiro, modalidade de negócio que foi possibilitada apenas pela internet e forma de
pagamentos online”.
A popularização dos jogos free-to-play, nos anos 2000, serviu como impulsionadora
das microtransações em jogos eletrônicos. O método de arrecadação de receita através de
microtransações parte da premissa de que apenas um pequeno número de jogadores irá
56
despender recursos financeiros com o jogo, por isso, a quantidade de usuários deve ser grande
o bastante para que o valor gasto pela parcela pagante seja suficiente para custear os valores de
desenvolvimento do jogo e prover os lucros esperados pela empresa criadora (TAKAHARA,
2020).28
Os jogos eletrônicos que utilizam o sistema de microtransações são projetados para
incentivar os usuários a fazerem compras dentro do sistema, geralmente em pequenas quantias,
para acessar ou ter a possibilidade de acessar itens virtuais na plataforma. O próprio sistema é
projetado para comparar as métricas individuais dos jogadores e métricas populacionais, as
quais, a partir de padrões identificados, podem oferecer produtos in game diferentes para cada
perfil de jogador. No caso de um indivíduo ter um repertório comportamental específico, como
o hábito de jogar determinada quantidade de horas fixas por dia, mas não gastar dinheiro em
microtransações, o sistema pode utilizar seus dados populacionais para determinar a possível
sensibilidade ao preço desse jogador que não gasta, com base em jogadores comparáveis que
gastam dinheiro (KING et al., 2019).
Ou seja, independentemente de haver ou não a correlação entre as moedas reais e
moedas virtuais, o dinheiro investido pelos jogadores representa uma parcela significativa do
total movimentado pela indústria mundial dos jogos. Desse modo, mesmo que as moedas
virtuais não sejam moeda em sentido estrito, elas são ativos eletrônicos, e o valor gasto em
microtransações precisa ser juridicamente definido.
Conforme disposto por Martins e Ferrer (2020), o dinheiro, independentemente de seu
formato, é o cerne de todas as relações envolvidas nos jogos digitais. Isso porque os
desenvolvedores fizeram dos jogos um comércio e desejam dele obter lucro a partir do destaque
de mercado. No entanto, pondo em observação a realidade e os mundos virtuais, o dinheiro se
torna uma mera virtualidade monetária: um metal (ou cédula) arbitrário com valor dado por
convenção para facilitar as trocas em determinada realidade (MARTINS; FERRER, 2020).
Partindo desta premissa, não é possível se verificar diferenças significativas entre as
moedas virtuais de jogos e as moedas existentes no mundo real. As desenvolvedoras de jogos
por trás dos jogos eletrônicos, idealizaram mundos que, espelhando o real, possuem
movimentações econômicas de bens, serviços e moedas (MARTINS; FERRER, 2020). Por
28
Sobre o histórico das microtransações, tem-se que: Habbo Hotel (2001) e Second Life (2003) foram jogos em
que houve um grande destaque na comercialização das microtransações, conforme levantado por Van Berlo e
Liblik (2016). Já no Brasil, as microtransações começaram a ter notoriedade a partir de jogos free-to-play
para navegadores de internet, como Travian (2004), ou jogos que estavam presentes nas redes sociais, como
Mafia Wars (2009) e FarmVille (2009) da rede social Facebook, mas sem dúvida o crescimento relevante na
utilização das microtransações, tanto no âmbito local quanto no global, foi com a popularização dos
smartphones, com um grande destaque ao jogo Candy Crush Saga (TAKAHARA, 2020, p. 17).
57
A partir das imagens, é possível perceber que as microtransações também contam com
a simplicidade e praticidade dos pagamentos via cartão de crédito previamente cadastrados nos
sistemas. De acordo com Takahara (2020, p. 19), “não era de interesse das empresas colocar
diversas barreiras de confirmação de transação, como é comumente observado em lojas on-line
ou transações bancárias, para dificultar a aquisição do bem e que poderiam desestimular o
consumo muitas vezes compulsivo”. E essa é uma estratégia que, além de oferecer comodidade
aos clientes, também serve para inibir a pirataria em jogos eletrônicos (TAKAHARA, 2020).
59
29
Conforme relatório publicado pela Akamai, em conjunto com a MUSO, os Estados Unidos (13,5 bilhões), a
Rússia (7,2 bilhões), a Índia (6,5 bilhões), a China (5,9 bilhões) e o Brasil (4,5 bilhões) foram os cinco
principais locais para visitas a websites de pirataria. A pirataria de softwares ocupa o 5º lugar na lista de mais
praticadas da internet, com um total de 9 bilhões de visitas, em 9 meses, a sites de pirataria on-line. Mais
informações disponíveis em: https://www.akamai.com/pt/resources/state-of-the-internet/soti-security-pirates-
in-the-outfield. Acesso em: 19 jun. 2022.
30
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), importante entidade de
regulação tributária internacional, possui referenciais teóricos próprios e utiliza um documento de
sustentação para suas teses, que é chamado de Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), o qual determina
esquemas de planejamento a serem utilizados por países pertencentes à OCDE como forma de impedir
práticas tributárias ilícitas. Retirado de: (PIGNATARO; OLIVEIRA; ANTONINO, 2022).
60
Para Girolla (2021), no caso das corporações globais que atuam no mercado de bens
intangíveis sem qualquer tipo de presença física nos locais onde ocorre a comercialização dos
referidos bens, surgem desafios consideráveis de enquadramento da atividade comercial nos
princípios históricos que regem o direito tributário internacional. Isso se dá, em especial, pela
dificuldade em tributar de forma eficiente, justa e neutra a parcela atinente ao consumo ou,
ainda, ao lucro gerado pela operação. Um único agente econômico, como uma empresa
desenvolvedora de jogos, que atue no mercado transacional, pode gerar impactos em diferentes
países, os quais poderiam, a depender da atividade desempenhada em sua jurisdição, tributar a
totalidade ou parte do fluxo monetário gerado com as operações digitais (GIROLLA, 2021).
Isso ocorre porque o comércio dentro dos jogos digitais apresenta questionamentos
tanto às fazendas públicas, como também aos consumidores e fornecedores, principalmente no
que diz respeito à identidade das partes e regularidade das transações. Isso gera, de acordo com
Piconez (2018), dificuldades de enquadramento das atividades negociais e até mesmo entre os
residentes de uma determinada jurisdição. Como já dito anteriormente, uma plataforma digital
pode se estabelecer fora dos países onde realiza negócios, ou se beneficiar da venda de
informações de clientes, em diferentes locais, à terceiros. Nesses casos, surgem dúvidas quanto
ao tratamento tributário que deve ser destinado ao valor movimentado (PICONEZ, 2018).
Tradicionalmente, o poder de tributar em uma jurisdição é definido por meio dos fatos
geradores atinentes à determinado estado. No entanto, a comercialização internacional de bens
intangíveis traz à tona a questão da obsolescência dos princípios tributários até então
hegemônicos, como o da residência e da fonte (GIROLLA, 2021). Eles são elementos de
conexão internacional criados pela Liga das Nações, em 1923, para evitar a dupla tributação da
mesma renda (OCDE, 2014).
O princípio da residência, quando aplicado às pessoas jurídicas, pressupõe que deve
haver recolhimento de impostos com base no local de constituição da empresa (como ocorre no
61
31
Sobre o assunto, o autor dispõe que “[...] A geração de riqueza transnacional alcançada com a escalabilidade
de um game e com a monetização dentro do seu ecossistema certamente deve estar no radar das nações,
sejam as que proveem a solução (residência), sejam as que proveem o consumo (fonte). Isso porque com o
crescimento do comércio de bens intangíveis acentuou-se o risco de que a totalidade ou grande parte das
receitas geradas pelo respectivo negócio não seja tributada em nenhuma nação, o que, segundo a doutrina, se
denomina stateless income, ou seja, a renda sem estado” (GIROLLA, 2021, p. 23).
62
32
A título de exemplo de mercado paralelo, cita-se Benazzi e Pereira (2012 p. 4), que afirmam “Nestes jogos,
que ganharam maior destaque com Utima Online e Everquest, os jogadores tinham o objetivo de criar
personagens virtuais e evolui-los dentro do mundo virtual do jogo através de missões diversas ou apenas
repetindo certas atividades. Esta evolução permitia aos usuários conquistar itens cada vez mais raros e
poderosos que posteriormente também poderiam ser trocados pelo dinheiro virtual específico de cada jogo. A
grande mudança começou quando os jogadores começaram a trocar seus itens virtuais por dinheiro real [...]
Inicialmente os jogadores colocavam seus itens em sites de leilão (como o eBay) dando a oportunidade de
outros jogadores adquirirem os itens com menor esforço, porém pagando por eles [...]”. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-0745-1.pdf. Acesso em: 19 jul. 2022.
33
Matéria disponível em: https://fortune.com/2017/08/01/venezuela-bolivar-world-of-warcraft-currency/.
Acesso em: 21 jun. 2022.
34
Jogos pay-to-win são aqueles em que, embora seja possível iniciar o jogo sem pagar qualquer quantia, para
continuar progredindo é necessário fazer um upgrade na conta, o que gera custos. No jogo World of
Warcraft, o jogador pode jogar gratuitamente até o nível 20, e, após, é necessário efetuar um pagamento
mensal. Disponível em: https://worldofwarcraft.com/pt-br/start. Acesso em: 21 jun. 2022.
35
O cálculo foi feito da seguinte forma: Já 1 WoW Token, nome oficial do crédito que pode ser usado para
comprar itens ou estender a assinatura, é comprado, atualmente, por 203,035 pedaços de ouro – item do jogo
comprado com dinheiro real. Como o WoW Token custa US$ 20, cada dólar equivale a 10,152 pedaços de
64
que o WoW Token, o que demonstrava a valorização das moedas virtuais quando comparadas
com determinadas moedas reais (MORRIS, 2017).
O fato é que, como já adiantamos, os bens virtuais estão muito mais próximos do
conceito de serviço do que do conceito de bem, isso porque, itens virtuais não possuem
valor monetário real ou resgatável, mas apenas valor dentro daquele jogo em
específico e enquanto aquele jogo perdurar. Por exemplo, a maioria dos conteúdos
digitais (itens virtuais) não são transferíveis e não podem ser comprados e vendidos
entre os jogadores. Óbvio que há exceções, quando há permissão da desenvolvedora
para tanto, mas a regra geral é a vedação a tal prática (MATTOSO, 2022, on-line).
Importa salientar que, diferente do que ocorre com os bens físicos, os bens virtuais não
podem ficar na posse ou propriedade dos jogadores. Isso porque, para a caracterização de posse,
nos termos do art. 1.19637, do Código Civil, possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício,
ouro. Na cotação de 11 de maio, US$ 1 equivalia a 68.915 bolívares. Logo, o ouro de World of Warcraft vale
6,8 mais que o bolívar venezuelano. Informação retirada de: https://super.abril.com.br/coluna/combo/moeda-
de-world-of-warcraft-vale-7-vezes-mais-que-dinheiro-da-venezuela/. Acesso em: 21 jun. 2022.
36
Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade.
37
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade.
65
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (BRASIL, 2002). Para Farias e
Rosenvald (2015, p. 71), “o possuidor é quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das
faculdades da propriedade, seja ele proprietário ou não”. A posse seria, portanto, um ponto de
transição, dentro do qual o possuidor disporia, momentaneamente, de um bem, o que não ocorre
com as moedas virtuais.
De igual modo, quanto à propriedade, pode-se dizer que ela se refere a todos os direitos
suscetíveis de apreciação pecuniária, compreendendo o domínio, que é um direito de
propriedade sobre coisas, e, como consequência, abarcando também outros tipos de
propriedade, como literária, científica, artística ou industrial, para aludir a situações complexas
e absolutamente alheias ao domínio (FARIAS; ROSENVALD, 2015). Para Grossi (2006), a
propriedade é a projeção do ser sobre a coisa, representada pelo efetivo domínio do bem
tutelado, o que não se aplica aos bens virtuais, em especial as moedas.
Isso porque, a detenção de itens virtuais não pressupõe a existência plena de uso, gozo
e fruição do bem, uma vez que eles existem e podem ser utilizados somente dentro daquele
ambiente virtual em específico, representando um código binário sem qualquer correspondência
no mundo físico. Para Mattoso (2022), personagens, características, marcas, moedas, sons,
dentre outros, são bens integrantes da propriedade intelectual das desenvolvedoras e seus
licenciantes, protegidos pela legislação de direitos autorais. Os jogos são obras únicas e
indivisíveis, e os elementos constitutivos do mundo virtual não podem ser extraídos e
reutilizados fora dele (MATTOSO, 2022). Para o autor:
Tal entendimento já foi consagrado pela jurisprudência brasileira, que reconheceu que
bens virtuais, inclusive as moedas, são de propriedade da desenvolvedora do jogo, que pode
ceder aos usuários o direito de utilização, sem configurar qualquer tipo de cessão definitiva dos
direitos sobre os bens.38 Os usuários podem utilizar os itens apenas dentro do ambiente virtual
38
[...] Conforme se verifica do contrato, os créditos adquiridos pelos jogadores são chamados de Riot Points,
que seriam moedas virtuais utilizadas para aquisição de artefatos para seus personagens, já tendo sido usados
66
e somente enquanto o jogo estiver ativo, de modo que os itens adquiridos não passam a integrar
o patrimônio dos jogadores.39
Ou seja, a comercialização de recursos dentro do jogo atende aos interesses comerciais
das empresas desenvolvedoras, desde que feita dentro da política contratual do jogo, nas lojas
oficiais e autorizadas das desenvolvedoras (MARTINS; FERRER, 2020). Para Martins e Ferrer
(2020, p. 19), “o problema surge quando as atividades que envolvem transações em dinheiro
real são terceirizadas e não realizadas pela desenvolvedora do jogo em si”, isso porque essas
práticas ilícitas militam contra os termos de uso dos jogos e são passíveis de banimento dos
jogadores envolvidos, uma vez que pulveriza dinheiro real para um mercado paralelo totalmente
desvinculado de qualquer controle estatal.
Conforme disposto por Martins e Ferrer (2020), existe uma lista cada vez mais criativa
de serviços considerados ilícitos que são feitos dentro de jogos virtuais, como a realização de
objetivos in-game, o intermédio de trocas de itens, venda de moeda fictícia dos jogos, entre
outros. Isso significa que os jogos online, da forma como foram criados e estão se
desenvolvendo, abriram margem ao surgimento de diversos outros mercados, além das moedas
virtuais, que movimenta bilhões de dólares ao ano ao redor do mundo. Ocorre que, parte do
comércio se desenvolveu de forma paralela, fora do controle Estatal, criando um mundo que dá
margem à proliferação de crimes (MARTINS; FERRER, 2020).
Dentro do mercado ilegal de itens de jogos, os jogadores podem adquirir vantagens
utilizando dinheiro real, através da compra de personagens de nível elevado ou de bens a serem
utilizados no próprio mundo virtual, por exemplo. Esses fatores sugerem que as moedas
pelo autos, não cabendo a restituição dos valores. Há que se dizer ainda, que a propriedade desses itens é
exclusiva da parte ré, tendo o autor adquirido apenas o seu direito de uso durante o período em que
mantivesse sua conta ativa, conforme previsão contratual, em especial o item B do Capítulo IV, vejamos: B.
[...] NÃO OBSTANTE QUALQUER DISPOSIÇÃO EM CONTRÁRIO NESTE DOCUMENTO, VOCÊ
RECONHECE E CONCORDA QUE NÃO TERÁ NENHUM DIREITO DE PROPRIEDADE OU OUTRO
INTERESSE DE PROPRIEDADE EM RELAÇÃO À SUA CONTA, E VOCÊ RECONHECE E
CONCORDA QUE TODOS OS DIREITOS RELACIONADOS À CONTA, COM EXCEÇÃO DE SUAS
INFORMAÇÕES PESSOAIS, SÃO, E SERÃO SEMPRE, DE PROPRIEDADE DA RIOT GAMES E
REVERTERÃO EM BENEFÍCIO EXCLUSIVO DA RIOT GAMES. VOCÊ RECONHECE E
CONCORDA QUE NÃO TERÁ NENHUMA REIVINDICAÇÃO, DIREITO, TÍTULO, POSSE OU
OUTRO INTERESSE DE PROPRIEDADE SOBRE OS ATIVOS DO JOGO, ITENS VIRTUAIS OU RIOT
POINTS QUE ADQUIRIR, INDEPENDENTEMENTE DA RETRIBUIÇÃO OFERECIDA OU VALORES
PAGOS EM TROCA DOS RIOT POINTS OU ITENS VIRTUAIS. [...] (TJMG – Proc.
9005035.77.2017.813.0024 – 6º Juizado Especial Cível de Belo Horizonte/MG – Juiz Napoleão Rocha Lage
– Julg. 04/04/17).
39
INDENIZAÇÃO. JOGO ELETRÔNICO. Comprovação de que uma das contas do autor foi suspensa por
falta de pagamento e, a outra, por violação aos termos de uso do jogo. Cláusula contratual expressa no
sentido de impossibilidade de reembolso de valores pagos a título de “riot points”, moedas virtuais utilizadas
para aquisição de itens ornamentais para os personagens do jogo. Indenização por dano moral descabida.
Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP – Proc. 1034811-20.2016.8.26.0224 – 17ª Câmara de
Direito Privado – Des. Rel. Afonso Bráz – Julg. 18/10/2017).
67
fiduciárias, apesar de em muito diferirem das moedas virtuais, possuem um relevante papel no
mundo cibernético, seja através da compra intermediada pelas desenvolvedoras ou pela compra
de bens no mercado ilegal. O fato é que as moedas fiduciárias, ao serem trocadas por itens
digitais, afetam direta e indiretamente o desempenho dos jogadores, gerando a priorização do
poder aquisitivo deles e contribuindo, inclusive, para a criação dos mercados paralelos que tanto
se busca combater (MARTINS; FERRER, 2020).
No caso dos mercados regulados, a relação de compra e venda de bens virtuais se
assemelha à compra e venda prevista entre os artigos 481 e 483 do Código Civil brasileiro40,
mesmo que não se trate de um item corpóreo. Apesar da diferença jurídica anteriormente
verificada entre bens virtuais e reais, principalmente no tocante à posse e à propriedade, é fato
que a comercialização dos dois tipos de item se iguala, revelando a complexidade das relações
virtuais (BRASIL, 2002).
Para Martins e Ferrer (2020), quando um jogador compra de outro algum item ou
moeda virtual, mesmo com as peculiaridades, essa relação somente pode ser regida pelo Código
Civil. Além disso, importa incluir um terceiro agente nessa relação, pois os itens de jogos e
moedas virtuais são adquiridos pelo jogador em transações por meio do Cartão de Crédito,
extraindo-se daí uma relação jurídica com a intermediação de um terceiro. Esse é um modelo
de negócio altamente rentável e que movimenta, como já explanado em capítulo anterior, um
valor monetário expressivo.
40
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa
coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes
acordarem no objeto e no preço.
Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato
se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.
68
Para Girolla (2021), a dúvida jurídica a respeito dos jogos digitais reside no
enquadramento enquanto software/aplicativo, sob a proteção das Leis n.º 9.609/1998 e
9.610/1998, ou como obra audiovisual, protegida pela Lei n.º 12.485/2011. A diferenciação
entre os conceitos definiria, também, o tipo de tributo incidente sobre os jogos e os incentivos
governamentais que podem ser destinados a eles.
Pode-se definir software como um tipo de suporte lógico, popularmente conhecido
como programa de computador, que é feito a partir de sequências algorítmicas e capaz de
executar comandos. A princípio, os softwares somente eram utilizados em máquinas
específicas, passando, no futuro, a se referir a todo tipo de programa que pudesse ser utilizado
através de um suporte físico. Inicialmente, os programas de computador eram considerados
acessórios do hardware, ou seja, a parte física dos sistemas microeletrônicos, pois estes sim
compreenderiam ideias e princípios científicos significativos para a produção (OLIVEIRA;
LEITE, 2021). Para Zambon e Pessotto (2019, p. 1):
Atualmente, os jogos digitais não podem ser caracterizados como meros softwares. Os
videogames são softwares combinados com arte, e, atualmente, é fato que os mundos virtuais
são construídos através da experimentação e exploração de novos conceitos (O’DONNELL,
2012). Nessa perspectiva, os consumidores de jogos virtuais também não são simples usuários,
mas jogadores que constroem uma complexa relação com o universo no qual o jogo se localiza,
interagindo de maneira intima com os personagens, narrativas, músicas e mecânicas
(ZAMBON; PESSOTTO, 2019). Por isso, é natural que existam dúvidas quanto ao
enquadramento jurídico desse crescente fenômeno cultural.
A Lei n.º 9.609/1998, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual dos
programas de computador e sua comercialização no país, define, em seu artigo 1º, que programa
de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural
ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza. Nos termos da lei, no caso dos
softwares, é necessário o emprego de máquinas automáticas de tratamento da informação,
dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga,
69
com fins determinados. A legislação ainda define que a proteção jurídica dos softwares seria a
mesma das obras literárias41 (BRASIL, 1998).
Além disso, a Lei n.º 9.610/1998, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre
direitos autorais, ainda quanto aos programas de computador, definiu-os como “obras
intelectuais que seriam protegidas junto com as criações do espírito, expressas por qualquer
meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que venha a ser
inventado e utilizado no futuro”42 (BRASIL, 1998). No caso dos programas de computador, as
atividades desempenhadas são objeto de licenças – cujo tipo pode variar a depender do serviço
necessário, conforme discriminado pela Lei n.º 9.609/199843 – que são desenvolvidas e
reguladas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) (BRASIL, 1998).
No entanto, apesar do regime jurídico dos softwares abarcar o conceito de jogo digital,
é fato que não é a única definição aplicável. A Lei n.º 12.485/2011 dispõe sobre a comunicação
audiovisual de acesso condicionado, e serve como parâmetro de jogo digital nos casos em que
o conceito é igualado ao de obra audiovisual. De acordo com o art. 2º da referida lei, conteúdo
41
Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras
literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a
qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do
autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra
modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.
§ 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de computador pelo prazo de cinquenta anos,
contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua
criação.
§ 3º A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
§ 4º Os direitos atribuídos por esta Lei ficam assegurados aos estrangeiros domiciliados no exterior, desde
que o país de origem do programa conceda, aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos
equivalentes.
§ 5º Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei e pela legislação de direitos autorais e conexos
vigentes no País aquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguel comercial, não sendo esse direito
exaurível pela venda, licença ou outra forma de transferência da cópia do programa.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos casos em que o programa em si não seja objeto
essencial do aluguel.
42
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em
qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
[...]
XII - os programas de computador;
[...]
43
Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
[...]
Art. 10. Os atos e contratos de licença de direitos de comercialização referentes a programas de computador
de origem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, a responsabilidade pelos
respectivos pagamentos e estabelecerão a remuneração do titular dos direitos de programa de computador
residente ou domiciliado no exterior.
[...]
Art. 11. Nos casos de transferência de tecnologia de programa de computador, o Instituto Nacional da
Propriedade Industrial fará o registro dos respectivos contratos, para que produzam efeitos em relação a
terceiros.
[...]
70
44
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. CLASSIFICAÇÃO ADUANEIRA. DVD DE JOGO.
SOFTWARE. 1 - Os jogos de vídeo devem ser classificados como softwares, de acordo com a leitura do
artigo 81 do Regulamento Aduaneiro cumulado com o artigo 1º da Lei nº 9.609/98. 2 - É incontroverso que
os DVDs de jogos não são meras gravações de som, cinema e vídeo, mas softwares, nem suportes com
circuitos integrados, semicondutores e dispositivos análogos, mas suportes para leitura óptica. 3 - O art. 1º da
Lei nº 9.609/98 não estabeleceu restrição alguma quanto aos fins do programa, não cabendo à autoridade
fazê-lo. 4- Precedentes desta 4ª Turma. 5 - Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF3 – Apelação n.º
0006315-49.2010.4.03.6119 – 4ª Turma – Des. Rel. Marli Ferreira – Julg. 03/05/2022). Disponível em:
https://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/1971665. Acesso em: 07 jul. 2022.
71
Por ser uma criação protegida pelo Direito Autoral, o jogo eletrônico é um tipo de
software que pode ser cedido, total ou parcialmente, a outrem, através do licenciamento, o qual
possui validade enquanto o jogo existir e funcionar. Desse modo, os jogadores são detentores
temporários de parte da programação de um jogo, que se materializa através de imagens e sons.
A aceitação dos termos de uma desenvolvedora para utilizar determinado jogo eletrônico dá ao
usuário o direito de exercer o domínio sobre moedas, itens e conteúdos, sendo que tais ativos
são licenciados e não vendidos ao usuário (GIROLLA, 2021).45
Todo o material gráfico ou sonoro adquirido no jogo pode ser utilizado dentro,
unicamente, do objeto específico no qual foi comercializado, não podendo ser trocado por
dinheiro ou outros itens no mundo real (GIROLLA, 2021). A não observância dessa
característica inerente aos jogos digitais – o pertencimento à desenvolvedora – favorece o
surgimento dos mercados ilegais elucidados no último tópico e cria um cenário de intensa
tributação das produtoras de jogos em detrimento dos usuários, que utilizam o universo digital
como forma de estabelecimento de esferas econômicas.
Embora os jogos tenham um caráter híbrido quanto a sua elaboração e função social,
é fato que, juridicamente, eles são, nas palavras de Zambon e Pessotto (2019), classificados
“enquanto cadeia produtiva derivada do software”. A tributação dos softwares, por sua vez,
despertava indagações jurídicas, em decorrência da paradigmática decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) brasileiro46, na qual a corte decidiu que os softwares de prateleira
poderiam ser tributados através de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), enquanto que aos softwares por encomenda seria cobrado o Imposto Sobre Serviços
(ISS).
Tal disposição jurisprudencial gerou uma verdadeira guerra fiscal entre estados e
municípios brasileiros, dando início a um embate de anos, que envolvia, sobretudo, a indagação
acerca dos limites dos programas de computador “de prateleira” e os “por encomenda”
(BARTHEM NETO, 2016). A questão somente foi resolvida em 2021, quando o STF
estabeleceu um novo parâmetro de conduta tributária47, a partir do qual se lia que o imposto
incidente sobre os softwares de qualquer natureza seria o ISS, e que a divisão entre os tipos de
45
Sobre isso, dispõe Gonçalves (2004, p. 155) que “[...] 4. Contrato de licença é o instrumento jurídico por meio
do qual o titular de um direito de propriedade intelectual (patente ou direito autoral) concede a outrem o direito
exclusivo ou não de usar referida propriedade intelectual, gratuitamente ou em troca de uma remuneração. [...]” e
“6. Operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de software, cessões parciais de direitos autorais que
são, configuram cessão de bem móvel.”
46
Recurso Extraordinário 176.626-3/SP.
47
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.659/MG.
72
software – anteriormente feita pela própria Corte – não era mais suficiente para determinar a
competência tributária (BRASIL, 2021).
Para o Ministro Dias Toffoli, relator do voto da ADI, seria possível se compreender a
competência tributária estadual a partir da Lei Complementar (LC) n.º 116/2003, pois os
softwares seriam resultado de criação humana – daí derivando a proteção através da Lei n.º
9.610/1998, de direitos autorais – e se encaixariam, portanto, no subitem 1.05, da lista anexa à
LC n.º 116/2003. Ainda nos termos do voto, a “[...] dicção do item 1.05 da Lista de serviços
anexa à Lei Complementar nº 116/2003, aliás, a operação de licenciamento ou cessão de direitos
de programas de computador é fato gerador do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza,
de competência dos Municípios e do Distrito Federal” (BRASIL, 2021).
Desse modo, atualmente, os jogos digitais em sua integralidade são tributados através
de ISS, conforme entendimento já consolidado e replicado do STF48. Quanto aos itens
comercializados dentro do jogo e tributação destinada aos usuários, serão a seguir explanados
os possíveis impostos incidentes.
Embora o objeto de estudo do presente trabalho seja o território brasileiro, é fato que
as alterações digitais, principalmente na seara econômica, geram indagações de cunho tributário
em diferentes nações do mundo, tais como Estados Unidos e países do bloco europeu. A erosão
das bases tributárias ocasionada pela pulverização das microtransações in game gera
preocupações, em especial devido à inadequação do sistema tributário atual às constantes
inovações vivenciadas pelo mercado.
Dito isso, importa fazer algumas considerações iniciais quanto aos tipos de jogos até
aqui analisados. Espelhando as premissas trazidas por Girolla (2021) em seu estudo, o presente
trabalho considera que: 1. Os jogos eletrônicos se equiparam aos softwares e são tributados,
como um todo, através do ISS; 2. O regime protetivo dos jogos digitais está estabelecido na Lei
n.º 9.610/1998, a Lei de Direitos Autorais; 3. Conforme estabelecido pelo artigo 9º da Lei n.º
9.609/1998, os jogos eletrônicos somente podem ser licenciados ou cedidos a partir de
contratos, cujas cláusulas são aderidas pelos usuários; 4. Ao realizar a compra ou venda de
moedas dentro de um jogo, o usuário está apenas fruindo de um código fonte que pertence à
desenvolvedora do jogo, os itens adquiridos não passam a fazer parte do patrimônio do jogador,
48
Entendimento também consolidado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.945/MT.
73
ou seja, não há qualquer direito de propriedade; 5. O usuário analisado é aquele que utiliza o
jogo de maneira lícita e para fins não comerciais, ou seja, apenas recreativos; 6. As
microtransações dentro dos jogos digitais ocorrem entre o usuário e a desenvolvedora através
de uma intermediadora, sendo esta geralmente a empresa de cartão de crédito; e 7. Em todo
caso, as microtransações em jogos digitais ultrapassam barreiras geográficas, envolvendo mais
de uma jurisdição.
Discutir a tributação das moedas digitais, que são comercializadas a partir de
microtransações, é importante dentro do contexto nacional justamente porque os tributos
funcionam como instrumento de intervenção estatal sobre o domínio econômico. Quando age
como regulador, o Estado atua elaborando normas, reprimindo o abuso do poder econômico,
interferindo na iniciativa privada, regulando preços, controlando abastecimento, etc (SOUZA;
FRANÇA, 2008). Tal competência está prevista no art. 17449, da Constituição Federal de 1988
(CRFB), e, quando não devidamente cumprida, pode dar margem ao surgimento de mercado
paralelos que em muito prejudicam o setor privado e também público (BRASIL, 1988).
No Brasil, existem alguns tributos que poderiam ser aplicados às microtransações in
game, e que, por isso, merecem uma análise pormenorizada, são eles: 1. Imposto de Renda (IR);
2. Imposto de Importação (II); 3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); 4. Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); 5. Imposto sobre Serviço (ISS); e 6.
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A seguir, será desenvolvida a possibilidade de
aplicação de cada um deles às operações financeiras envolvendo a compra e venda de moedas
em jogos digitais.
O IR é um tipo de tributo que incide sobre a renda de pessoas físicas, acompanhando
a evolução patrimonial da parte, e é cobrado de maneira diferenciada a depender dos haveres
do contribuinte. Esse imposto existe desde 1924, já tendo sofrido várias reformas desde então
(VARSANO, 1998). Ou seja, para que haja o pagamento através de IR, é preciso que haja uma
verdadeira transferência de propriedade de um bem para um contribuinte, o que geraria um fato
jurídico tributável.
Isso, no entanto, não é o que ocorre com as microtransações digitais. Embora os
usuários de jogos efetivamente retirem parte de sua renda para investir em itens virtuais, estes
são objeto de licença de uso onerosa e não garantem ao jogador o direito de comercializar o
bem ou de ter acesso aos códigos-fonte do jogo, que pertencem exclusivamente à
49
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.
74
50
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO.
INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTO AUTÕNOMO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA.
PREQUESTIONAMENTO. INOCORRÊNCIA. SOFTWARE DE PRATELEIRA. REEXAME FÁTICO-
PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o órgão
julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão
embargado. 2. Conforme entendimento sedimentado na Súmula 283 do STF, não se conhece de recurso
especial quando inexistente impugnação específica a fundamento autônomo adotado pelo órgão judicial a
quo. 3. Por força das Súmulas 282 e 284 do STF, não se conhece de recurso especial quando o dispositivo
legal tido por violado, além de não ter correlação com a matéria julgada, não está prequestionado. 4. "A
pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7 do STJ). 5. Hipótese em que
o Tribunal Regional Federal, com base no acervo probatório, decidiu pela não incidência do IRRF em razão
de a parte autora ter adquirido o software comercial "de prateleira", situação que afastaria o pagamento de
direitos autorais/royalties, não sendo possível o reexame na via do especial. 6. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ – Recurso Especial n.º 1.641.775 – SP – Min. Rel. Napoleão
Nunes Maia Filho – Julg. 04/12/2018)
75
Desse modo, por analogia, Girolla (2021, p. 47) aplica o mesmo entendimento às
microtransações digitais, afirmando que “tanto o jogo eletrônico básico, como as
funcionalidades posteriores são objeto de fruição via download”, sendo certo que, em
decorrência da forma de aquisição, não é possível a existência de qualquer embaraço aduaneiro.
Não cabe às microtransações, portanto, a tributação através de II.
Seguindo na lista de tributos aplicáveis, aparece o IPI. Este foi um tributo reformulado
a partir do antigo Imposto sobre Consumo, e incide sobre produtos nacionais ou estrangeiros
que circulem no país (VARSANO, 1998). Conforme desenvolvido por Girolla (2021), esse é
um imposto que se aplica, principalmente, sobre suportes físicos, de forma que o raciocínio
para a (não) aplicação dele às microtransações em muito se assemelha a do II. As
microtransações ocorrem de forma totalmente virtual, de modo que não é possível a tributação
através de IPI.
Tal entendimento não é apenas uma conclusão argumentativa. A própria Receita
Federal do Brasil, através da Consulta DISIT/SRRF09 n.º 149, de 2013, respondeu aos
contribuintes que “a aquisição de programa de computador na modalidade de software de
prateleira desenvolvido e comercializado no exterior e obtido através de download na rede
mundial de computadores não constitui fato gerador do PIS/Importação” (RFB, 2013, on-line).
O ICMS, já anteriormente verificado, é o imposto que, no passado, incidia sobre os
chamados “softwares de prateleira”, é um tributo de competência estadual, cuja alíquota pode
variar entre as unidades da federação. Ele incide sobre a circulação de mercadorias pelo
território nacional (VARSANO, 1998). Considerando a decisão paradigmática do STF, já citada
anteriormente, quanto à impossibilidade de incidência do ICMS sobre softwares, não há que se
falar numa possível tributação de microtransações digitais através desse imposto, de modo que
ele resta, de pronto, descartado das possibilidades.
Um outro imposto passível de aplicação seria o ISS. Também conhecido como
Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), esse é um tributo de competência
municipal que incide sobre a prestação de serviços por empresas ou profissionais autônomos
(VARSANO, 1998). Atualmente, é o imposto incidente sobre os softwares, mas restam
indagações acerca de sua possível incidência sobre as microtransações on-line.
De acordo com Girolla (2021), apesar da aplicação macro aos softwares, o ISS não é
utilizado para tributar as operações desenvolvidas dentro do jogo. No entanto, mesmo que ainda
não seja utilizado com esse fim, o precedente do STF abriu um caminho importante para, na
visão do autor “[...] se focar na incidência de apenas um tributo sobre tal consumo, o ISS, ainda
76
que envolva a fruição de um item digital comercializado dentro de um jogo eletrônico por uma
empresa transnacional [...]” (GIROLLA, 2021, p. 51).
Por fim, é necessário analisar a possibilidade de aplicação do IOF. Esse é um tributo
federal que incide sobre transferências financeiras nacionais e internacionais, como operações
de crédito, câmbio ou valores imobiliários, e tem como objetivo controlar as movimentações
pecuniárias das pessoas físicas e jurídicas residentes no país (VARSANO, 1998). No caso das
operações de câmbio, que seriam as aplicáveis às microtransações digitais, a venda de moeda
em espécie possui IOF de 0,38%, mesmo em operações no exterior, com variação para 6,38%
no caso de compras com cartão de crédito ou débito; enquanto isso, a compra é tributada com
alíquota de 1,1% (FINANCEIRO, 2022).
Para Girolla (2021), o IOF-câmbio é um dos impostos capazes de incidir sobre as
operações dentro dos jogos eletrônicos. Isso porque, conforme disposto no art. 63, II, da Lei n.º
5.172/1966 – o Código Tributário Nacional (CTN) –, no que diz respeito às operações de
câmbio, o fato gerador do tributo decorre da “[...] efetivação pela entrega de moeda nacional ou
estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado
em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por
este” (BRASIL, 1966, on-line). Girolla (2021, p. 50), expõe que as transferências financeiras
são os pagamentos e recebimentos “[...] em moeda estrangeira (como as microtransações in
game), independentemente da forma de entrega e da natureza das operações, sendo responsáveis
pelo cálculo, retenção e recolhimento aos cofres públicos as instituições autorizadas pelo BCB
a operar em câmbio”.
Desse modo, as microtransações digitais deveriam fazer incidir o IOF, o qual deveria
ser recolhido por instituições de crédito oficiais – as intermediadoras, que geralmente são as
próprias operadoras de cartão de crédito disponíveis no jogo –, e cujo valor deveria ser
repassado aos cofres públicos. No entanto, essa (ainda) não é a realidade no Brasil.
Apesar do IOF ser o imposto ideal de incidência sobre a compra de moedas virtuais –
para serem posteriormente convertidas em itens virtuais no jogo – as notas fiscais emitidas nas
compras através da steam51, não trazem qualquer discriminação acerca dos impostos cobrados.
Em consulta à página de dúvidas frequentes sobre impostos, a steam informa que a cobrança de
impostos toma como base a retenção direto na fonte nos Estados Unidos. Além disso, delimita
51
A steam é um software de gestão de direitos digitais criado pela Valve Corporation ou Valve L.L.C., e que
fornece aos usuários a possibilidade de compras de moedas de diferentes jogos para a conversão em itens
utilizáveis dentro dos jogos. Informação retirada de: https://store.steampowered.com/?l=portuguese. Acesso
em: 10 jul. 2022.
77
que, nos países que possuem Imposto de Valor Agregado (IVA) – que será melhor desenvolvido
à frente – tal valor é cobrado no país de origem, sem se pronunciar sobre o tratamento tributário
dispensado aos países que não tem tal imposto instituído (STEAM, 2022).
De igual modo, a análise de notas fiscais de jogadores de League of Legends e Apex,
emitidas pela compra de moedas virtuais nos anos de 2019, demonstram que, à época, o único
imposto cobrado em compras feitas em território brasileiro era o IVA, que não é sequer regulado
no país52. Ou seja, mesmo com o aparente enquadramento, não existem dados comprobatórios
acerca da cobrança do IOF quando se trata de microtransações em jogos eletrônicos.
52
Informações retiradas a partir da análise documental de notas fiscais emitidas depois da compra de moedas
em jogos virtuais.
53
Os Tokens Não Fungíveis, do inglês Non-fungible Tokens, são certificados digitais para obras consideradas
colecionáveis, ou seja, não fungíveis, que possuem uma chave de criptografia única, de modo que somente o
seu detentor possa ter acesso à obra. As NFTs podem ser utilizadas em transação e, devido a sua chave
criptográfica, passam despercebidas pelos agentes financeiros ao redor do mundo. Informação retirada de:
https://direitoparastartups.com/index.php/2022/05/10/voce-sabe-o-significado-de-nft/. Acesso em: 06 jul.
2022. Para mais informações sobre o tema, verificar Martins (2022), disponível em:
https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/46915/1/PerspectivasDaTributacaoDosTokensNaoFungiveis_
Martins_2022.pdf. Acesso em: 18 jul. 2022.
78
54
Organização que se dedica à promoção de padrões internacionais em questões econômicas, financeiras,
comerciais, sociais e ambientais. Informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/ocde.
Acesso em: 06 jul. 2022.
55
Para Thorstensen et al. (2020, p. 189): Embora os trabalhos do Comitê Fiscal da OCDE tenham focado,
inicialmente, na questão da dupla tributação, ao longo dos anos, enquanto tratava deste assunto, o Comitê
logo notou a necessidade de desenvolver diretrizes e instrumentos legais sobre outros temas relacionados e
expandiu sua agenda e atividades para outros assuntos tributários como, planejamentos tributários agressivos,
evasão fiscal, hipóteses de dupla não tributação, paraísos fiscais, transfer pricing, cooperação entre
administrações tributárias e trocas de informações tributárias, conflitos entre tratados e legislações
domésticas, conceito de estabelecimento permanente, solução de conflitos, tributação sobre herança e doação,
tributação e crime, regras de tributação sobre consumo (VAT/GST), economia digital, etc.
56
Resultado atingido pela própria autora ao comprar itens virtuais em jogos eletrônicos para telefone.
79
É claro que a definição do que vem a ser presença digital significativa não é tão trivial
quanto possa parecer. As iniciativas até então produzidas passam por dotar tal
conceito com elementos objetivos, como o número de contratos celebrados no país
fonte, o respectivo número de usuários, a existência de uma plataforma ou website
desenvolvido no idioma do país dos usuários, definição de um montante mínimo de
receita no dado país etc. (GIROLLA, 2021, p. 55).
57
O G20 é um grupo formado pelos representantes das 19 maiores economias do mundo, em conjunto com a
União Europeia. Informação disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/entenda-o-que-e-o-g20-
e-como-funciona-sua-organizacao/. Acesso em: 08 jun. 2022.
81
4 CONCLUSÃO
diferentes regiões do mundo. Tal disposição confirma a ideia inicialmente trazida pelo estudo
em comento: diante de um cenário de modificações digitais constantes, buscar um
enquadramento às figuras jurídicas e econômicas tradicionais pode ser nocivo. Embora não
existam soluções prontas sobre os próximos passos no tocante às microtransações,
representadas no presente estudo pela figura das moedas virtuais, uma ação integrativa pode ser
um dos caminhos a serem seguidos.
Desse modo, a conclusão à qual se chega é a de que, embora as moedas virtuais não
sejam moedas, elas movimentam – através de microtransações – um valor expressivo ao ano,
devendo, por isso, serem reguladas e tributadas. Até o momento, a resposta brasileira ao fato
representa a provisoriedade com a qual a Receita Federal tem tratado a questão, pois, apesar de
haver um tributo nacional aplicável – o IOF – ele não vem sendo implementado. No entanto, a
existência de pesquisas internacionais aponta para a criação de um novo imposto, de maneira
integrada, entre os mais diversos países do mundo. Tal ação, se implementada, pode representar
a superação do tradicionalismo até então verificado em prol da extinção de um problema
iminente e, até o momento, sem solução.
85
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86
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