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Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Reitor
Pedro Fernandes Ribeiro Neto

Vice-Reitora
Fátima Raquel Rosado Morais

Diretora de Sistema Integrado de Bibliotecas


Jocelânia Marinho Maia de Oliveira

Chefe da Editora Universitária – EDUERN


Anairam de Medeiros e Silva

Conselho Editorial das Edições UERN


Emanoel Márcio Nunesc
Isabela Pinheiro Cavalcante Lima
Diego Nathan do Nascimento Souza
Jean Henrique Costa
José Cezinaldo Rocha Bessa
José Elesbão de Almeida
Ellany Gurgel Cosme do Nascimento
Wellignton Vieira Mendes

Diagramação
Isabelly Thayanne de Sousa Silva

Catalogação da Publicação na Fonte.


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Planejamento urbano e regional no Rio Grande do Norte: uma década de estudos e pesquisas.
[recurso eletrônico] / Rebeca Marota da Silva et al (Organizadores). – Mossoró, RN: EDUERN,
2020

283p.; 1 PDF

ISBN: 978-65-88660-32-4

1. Planejamento urbano - Rio Grande do Norte. 2. Planejamento regional - Rio Grande do Norte.
I. Leôncio, Érica Milena Carvalho Guimarães. II. Teixeira, Rylanneive Leonardo Pontes. III. Silva,
Samara Taiana de Lima. IV. Araújo, Kayck Danny Bezerra de. V. Medeiros, Sara Raquel Fernandes
Queiroz de. VI. Pessoa, Zoraide Souza. IV. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. V.
Título.

UERN/BC CDD 711.4

Bibliotecário: Jocelania Marinho Maia de Oliveira CRB 15 / 319

Editora Filiada à:
MEUS AMIGOS E
MINHAS AMIGAS

O Programa de Divulgação e Popularização da Produção Científica,


Tecnológica e de Inovação para o Desenvolvimento Social e Econômico do Rio
Grande do Norte, pelo qual foi possível a edição de todas essas publicações
digitais, faz parte de uma plêiade de ações que a Fundação de Apoio à Pesquisa
do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN), em parceria, nesse caso, com
a Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FUERN), vem
realizando a partir do nosso Governo.

Sempre é bom lembrar que o investimento em ciência auxilia e enriquece o


desenvolvimento de qualquer Estado e de qualquer país. Sempre é bom lembrar
ainda que inovação e pesquisa científica e tecnológica são, na realidade, bens
públicos que têm apoio legal, uma vez que estão garantidos nos artigos 218 e 219
da nossa Constituição.

Por essa razão, desde que assumimos o Governo do Rio Grande do Norte,
não medimos esforços para garantir o funcionamento da FAPERN. Para tanto,
tomamos uma série de medidas que tornaram possível oferecer reais condições de
trabalho. Inclusive, atendendo a uma necessidade real da instituição, viabilizamos
e solicitamos servidores de diversos outros órgãos para compor a equipe técnica.

Uma vez composto o capital humano, chegara o momento também de pensar


no capital de investimentos. Portanto, é a primeira vez que a FAPERN, desde sua
criação, em 2003, tem, de fato, autonomia financeira. E isso está ocorrendo agora
por meio da disponibilização de recursos do PROEDI, gerenciados pelo FUNDET,
que garantem apoio ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CTI)
em todo o território do Rio Grande do Norte.

Acreditando que o fortalecimento da pesquisa científica é totalmente per-


passado pelo bom relacionamento com as Instituições de Ensino Superior (IES),
restabelecemos o diálogo com as quatro IES públicas do nosso Estado: UERN,
UFRN, UFERSA e IFRN. Além disso, estimulamos que diversos órgãos do
Governo fizessem e façam convênios com a FAPERN, de forma a favorecer o
desenvolvimento social e econômico a partir da Ciência, Tecnologia e Inovação
(CTI) no Rio Grande do Norte.

Por fim, esta publicação que chega até o leitor faz parte de uma série de
medidas que se coadunam com o pensamento – e ações – de que os investimentos
em educação, ciência e tecnologia são investimentos que geram frutos e constroem
um presente, além, claro, de contribuírem para alicerçar um futuro mais justo e
mais inclusivo para todos e todas!

Boa leitura e bons aprendizados!

Fátima Bezerra
Governadora do
Rio Grande do Norte.

PA R C E R I A P E L O
D E S E N V O LV I M E N T O
DO RN

A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN) e


a Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FUERN) sentem-se honradas pela
parceria firmada em prol do desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. A publicação
deste livro eletrônico (e-book) é fruto de esforço conjunto das duas instituições, que em setembro
de 2020 assinaram o Convênio 05/2020–FAPERN/FUERN, que, dentre seus objetivos, prevê
a publicação de quase 200 e-books. Uma ação estratégica como fomento da divulgação científica e
popularização da ciência.

Este convênio também contempla a tradução para outros idiomas de sites de Programas
de Pós-Graduação (PPGs) das instituições de ensino superior do estado, apoio a periódicos
científicos e outras ações para a divulgação, popularização e internacionalização do conhecimento
científico produzido no Rio Grande do Norte. Ao final, a FAPERN terá investido R$ 100.000,00
(cem mil reais) oriundos do Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNDET), captados via Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial do Rio
Grande do Norte (PROEDI), programa aprovado em dezembro de 2019 pela Assembleia
Legislativa na forma da Lei 10.640, sancionada pela governadora, professora Fátima Bezerra.

Na publicação dos e-books, estudantes de cursos de graduação da Universidade do Estado


do Rio Grande do Norte (UERN) são responsáveis pelo planejamento visual e diagramação das
obras. A seleção dos bolsistas ficou a cargo da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE/UERN).

No Edital 02/2020–FAPERN, os autores/organizadores puderam inscrever as obras


resultantes de suas pesquisas de mestrado e doutorado defendidas junto aos PPGs de todas as
Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTIs) do Rio Grande Norte, bem como
coletâneas que derivem do trabalho dos grupos de pesquisa nelas sediados. Neste primeiro edital
foram inscritas 63 obras, das quais 57 tiveram aprovação após a verificação de atendimento aos
critérios e envio aos pareceristas, processo editorial que fica a cargo das Edições UERN.

Com essa parceria, a FAPERN e a FUERN unem esforços para o desenvolvimento do


Estado do Rio Grande do Norte, acreditando na força da pesquisa científica, tecnológica e
de inovação que emana das instituições potiguares, reforçando a compreensão de que o
conhecimento é transformador da realidade social.

Agradecemos a cada autor(a) que dedica seu esforço na concretização das publicações
e a cada leitor(a) que nelas tem a oportunidade de incrementar seu conhecimento, objetivo

final do compartilhamento de estudos e pesquisas.

Gilton Sampaio F átima Raquel


de Souza Rosado M orais
Diretor-Presidente Presidente em exercício
da FAPERN  da FUERN
Sumário
A PRESENTAÇÃO 10

PA R T E I – D I N Â M IC A S U R B A N A S E R E G I O N A I S

1 - A habitação para além do morar: uma discussão do conceito da casa como ativo 17

2 - O Programa Minha Casa Minha Vida em Parnamirim/RN: Um estudo 27


sobre os Conjuntos Nelson Monteiro e Waldemar Rolim

3 - A Gestão do IPTU em Parnamirim/RN: uma análise à luz dos instrumentos 45


de recaptura de mais-valias urbanas

4 - Da casa ao destino: deslocamentos que custam caro no bolso do assalariado 58

5 - Cidade Criativa e Lazer: uma reflexão sobre a Festa de Sant’Ana de Caicó/RN 84

- Os setores criativos presentes nos eventos “O Maior São João do Mundo”, 106
6 em Campina Grande/PB e “Mossoró Cidade Junina”, em Mossoró/RN, em 2014
e 2017

7
- Cidades Sustentáveis: discutindo desafios e alternativas para os problemas 124
socioambientais do desenvolvimento urbano e regional

PA R T E I I – GE S TÃO DE P OL Í T IC A S P Ú B L IC A S

8 - O PAA – leite e seus desdobramentos no Rio Grande do Norte: novos 137


discursos e velhas práticas

9 - Políticas Culturais e Desenvolvimento Econômico no Rio Grande do Norte 149


(2012-2015)
10 - O impacto do programa Bolsa Família na segurança alimentar de 166
beneficiários: um estudo piloto realizado em Natal/RN

11 - Juventude e movimentos sociais: narrativas e discursos coletivos em Natal/RN 181

12 - As desigualdades de oportunidades educacionais e a oferta de infraestrutura 198


escolar na Região Metropolitana de Natal

13 - Planejamento urbano e gestão de riscos na cidade do Natal/RN 216

14 - Panorama da Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos: estudo 229


de caso da cidade do Natal/RN

15 - A Economia das Eólicas no Rio Grande do Norte 241

16 - Bancos Comunitários de Desenvolvimento: Finanças Solidárias como 257


tecnologia social

Os alunos e professores que trabalharam para a publicação desta obra, dedicam este trabalho de forma
póstuma ao Professor Fernando Bastos, que deixou um importante legado no campo de públicas na
universidade e para as reflexões sobre o desenvolvimento regional do Rio Grande do Norte.
A PR ESEN TAÇÃO

O Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) da Uni-


versidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) dedica-se ao estudo da inter-relação
sociedade-território desde suas múltiplas formas de manifestação, conectando-se às dimensões
demográficas, sociais, ambientais e espaciais nas escalas intraurbana, municipal, metropolitana,
regional e nacional, além dos estudos internacionais comparados com interfaces as dinâmicas
territoriais urbana e rurais. As demandas impostas à área de pesquisa exigem a convergência
de contribuições de diferentes campos do conhecimento, e essencialmente de uma abordagem
interdisciplinar. O PPEUR objetiva “tratar das dinâmicas urbanas, regionais e de territórios
rurais, com foco nos efeitos decorrentes do planejamento e da implementação das Políticas Pú-
blicas, com ou sem a mediação do terceiro setor e a intervenção da iniciativa privada” (APCN
PPEUR, 2016).

O PPEUR inicia sua história, a partir de sua primeira turma de mestrado em 2010,
tendo alcançado em 2018 o início de um novo ciclo, com a obtenção de nota 4 na quadrienal e
aprovação do seu doutorado, com a primeira turma iniciando em 2019.1. Com isso, abre espaço
para o caminho de consolidação dos estudos e pesquisas desenvolvidos ao longo de sua primeira
década de existência enquanto Programa de Pós-Graduação.

Ao longo de sua primeira década de existência, foi se configurando e consolidando


seus estudos e pesquisas, com base na constituição de perfil docente e discente essencialmente
interdisciplinar, o que é um fator positivo do PPEUR e que é refletido na produção acadêmica
científica e na qualidade da mesma, bem como na sua consistência ao longo deste tempo.

Hoje, há no Programa várias gerações de professores-pesquisadores, contando com 22


professores, sendo 19 permanentes e três colaboradores/temporários. No corpo docente, há seis
professores titulares e quatro professores-pesquisadores bolsistas de Produtividade em Pesquisa.

O Programa possui duas áreas de concentração: 1) Dinâmicas urbanas e regionais e 2)


Gestão de políticas públicas. Estas áreas agregam pesquisas com enfoque em desenvolvimen-
to territorial, sustentabilidade, desigualdades, planejamento, gestão e outros temas correlatos
que dão base de sustentação às quatro linhas de pesquisas existentes no Programa, a saber: 1)
Cidades e Dinâmica Urbana; 2) Espaços Rurais e Dinâmicas Territoriais; 3) Sociedade,
Ambiente e Desenvolvimento; e 4) Estado e Políticas Públicas. Estas linhas são fortalecidas
pelas atividades de pesquisas desenvolvidas pelos sete grupos de pesquisas atualmente existentes no
PPEUR e integrados ao diretório de grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), que são: 1. Estado e Políticas Públicas; 2. Violência, Trabalho

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL D O RIO GRANDE D O NORTE


e Ilegalismos 3. Laboratório de Estudos Rurais; 4. Socioeconomia do Meio Ambiente e Política
Ambiental, 5. Estúdio Conceito - arquitetura, urbanismo, planejamento urbano e estudos urbanos,
6. Desigualdade, desenvolvimento e democracia; e 7. Laboratório Interdisciplinar Sociedades,
Ambientes e Territórios – LISAT.

O PPEUR também tem alargando sua inserção em redes de pesquisa nacional e inter-
nacional. Nesse sentido, destaca-se a inserção de seus docentes no INCT - Observatório das
Metrópoles, na rede de Pesquisa LabRural e no Observatório Eólica. Além disso, os docentes
têm vasta participação em grupos de pesquisas espalhados pelo o território nacional, consolidando a
parceria e integração entre pesquisas e outros Programas de Pós-Graduação.

Esforço para a internacionalização tem se ampliado, com a realização de de convênios com


universidades estrangeiras, tais como: The University of British Columbia (UBC) – Canadá;
Universidad Nacional de Colômbia (UNAL); Grupo de Investigación en Gobierno, Administración
y Políticas Públicas GIGAPP - Espanha; e o Programa de Cooperação Científica Estratégica
com o Sul Global entre a Universidad Nacional de SALTA – Argentina – e as Instituições de
Ensino Superior (IES) nacionais Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O PPEUR já contabiliza mais de 110 defesas de mestrado, resultados das pesquisas


desenvolvidas e inseridas nas suas quatros linhas de pesquisas, tendo inclusive recebido o
prêmio de melhor dissertação em 2017 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ambiente e Sociedade (ANPPAS).

Os egressos do PPEUR estão muitos inseridos em cursos de doutorado na própria


UFRN, como também em outros IES nacionais e internacionais, dando continuidade à sua
formação acadêmica. Outros egressos se voltaram para atuação profissional em instituições
públicas e privadas, assumindo cargos importantes de gestão em municípios, estados e nível
federal.

Com o objetivo de divulgação e popularização da produção acadêmica realizada no


âmbito do PPEUR, professores, alunos e egressos do Programa reúnem nesta coletânea um
resumo das dissertações defendidas até o momento. Os escopos das pesquisas aqui elencadas
visam contribuir com análises no contexto do planejamento urbano e regional e o seu reflexo
contributivo para o estado do Rio Grande do Norte, sob uma multiplicidade de olhares, desenhos
metodológicos e alcance de seus resultados e que podem contribuir sobre problemáticas urbanas,
rurais, ambientais, dentre outras.

A estrutura do livro é composta por duas partes, seguindo as áreas de concentração do


PPEUR, e nesta direção foram alocados os capítulos que se inserem em cada parte. Na primeira
parte são abordadas pesquisas que discutem sobre desafios do planejamento urbano e regional
quanto a questões de: moradia, tributação, mobilidade urbana, problemas socioambientais,

UMA DÉCADA DE ESTUD OS E PESQUISAS


produção do espaço e economia criativa. Já, na segunda parte o foco destacado foi em pesquisas
que referem-se à Gestão de Políticas Públicas relacionada aos seguintes temas: Programa do
Leite no RN, Programa Bolsa Família; movimentos sociais em Natal,RN e outras problemáticas
acerca de Educação, Gestão de Riscos e Gestão de Resíduos Sólidos em Natal.

Adentrando no conteúdo dos capítulos, a Parte I – Dinâmicas Urbanas e Regionais – é


composta por sete capítulos. O Capítulo 1, “A habitação para além do morar: uma discussão do
conceito da casa como ativo”, de autoria de Beatriz Medeiros Fontenele e Sara Raquel Fernandes
Queiroz de Medeiros, destaca o conceito de habitação no contexto das populações de baixos
rendimentos, principalmente em países em desenvolvimento, com destaque para o Brasil. Neste
capítulo, as autoras apresentam teoricamente as discussões acerca da transformação da casa em
ativo socioeconômico e sua relação com a sobrevivência dos pobres urbanos diante das disfunções
do sistema capitalista de produção.

No Capítulo 2, “O Programa Minha Casa Minha Vida em Parnamirim/RN: Um estudo


sobre os residenciais Waldemar Rolim e Nelson Monteiro”, Carina Aparecida Barbosa Mendes
Chaves realiza uma caracterização destes residenciais, buscando compreender como os seus
moradores reconhecem a gama de serviços e comércios que atendem a localidade dos residenciais.
Vale destacar que esses residenciais estão situados em Parnamirim, município do Rio Grande
do Norte que mais recebeu unidades do programa até o ano de 2016.

O Capítulo 3, “A Gestão do IPTU em Parnamirim/RN: uma análise à luz dos instrumentos


de recaptura de mais-valias urbanas”, de autoria de Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio,
investiga como a gestão do IPTU em Parnamirim compreende e incorpora na legislação e na
administração municipal a potencialidade deste instrumento de recapturar mais-valias urbanas,
o presente capítulo é um dos produtos resultantes de uma pesquisa que estuda a potencialidade
de sua recaptura por meio da tributação imobiliária municipal e contempla estudo bibliográfico
das conceituações pertinentes e análise documental da legislação do município.

No Capítulo 4, “Da casa ao destino: deslocamentos que custam caro no bolso do


assalariado”, Analúcia de Azevedo Silva nos chama a atenção sobre a localização dos empreen-
dimentos habitacionais para a população da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida,
que dependendo dessa localização termina por contribuir para o aumento dos deslocamentos
diários necessários para acessar as centralidades urbanas, que tornam as distâncias um desafio
cotidiano e o transporte público coletivo um componente crucial na vida das pessoas.

O Capítulo 5, “Cidade Criativa e Lazer: uma reflexão sobre a Festa de Sant’Ana de Caicó/
RN”, apresentado por Wxlley Ragne de Lima Barreto, analisa os conceitos de cidade criativa e
lazer, a partir da produção cultural realizada durante a festa de Sant’Ana de Caicó, RN, entre os
de 2013 a 2015. Para a referida análise, o autor adotou por base teórico-metodológica o conceito
de cidade criativa e uma abordagem etnográfica para a análise do cotidiano e da cultura como
objetos de estudo. O trabalho é de grande relevância para o campo do planejamento urbano e

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL D O RIO GRANDE D O NORTE


regional devido a discussão que traz sobre incentivos para o fortalecimento de cidades criativas,
como Caicó, RN.

No Capítulo 6, “Os setores criativos presentes nos eventos ‘O maior São João do mundo’,
em Campina Grande/PB e ‘Mossoró Cidade Junina’, em Mossoró/RN, em 2014 e 2017”, Valéria
de Fátima Chaves Araújo analisa as variações ocorridas no cenário econômico e na participação
dos setores criativos identificados no “O Maior São João do Mundo” e no “Mossoró Cidade
Junina”, nos anos de 2014 e 2017, avaliando a dinamização das economias locais sob a ótica da
Economia Criativa em ambos os eventos.

O Capítulo 7, “Cidades Sustentáveis: discutindo desafios e alternativas para os problemas


socioambientais do desenvolvimento urbano e regional”, escrito por Ana Célia Baía Araújo,
coloca em evidência uma problemática urgente que é o conflito entre o crescimento urbano e
os limites socioambientais. Para tanto, apresenta uma pesquisa qualitativa e dialogando com as
discussões em torno do Índice de Desenvolvimento Regional e Urbano para Cidades Sustentá-
veis, abordando como as propostas de cidades sustentáveis podem ser consideradas alternativas
aos impactos socioambientais do desenvolvimento urbano e regional.

A Parte II – Gestão de Políticas Públicas – se estrutura em nove capítulos. O Capítulo


8, “O PAA – leite e seus desdobramentos no Rio Grande do Norte: novos discursos e velhas
práticas”, de autoria de Kayck Danny Bezerra de Araújo, Fernando Bastos Costa e Vinícius
Klause da Silva, destaca a importância do Programa de Aquisição de Alimentos – Modalidade
Leite, como forma de garantir a segurança alimentar e incentivos à produção familiar no estado
do RN. Por meio de uma pesquisa qualitativa que, além da revisão da literatura e documental,
realizou o levantamento de dados primários atualizando a discussão acerca do programa e
principalmente em relação ao diálogo com as informações censitárias e aos dados secundários
obtidos a partir de outras pesquisas.

No Capítulo 9, “Políticas Culturais e Desenvolvimento Econômico no Rio Grande do


Norte (2012-2015)”, Samara Taiana de Lima Silva analisa a implementação das políticas públicas
setoriais direcionadas à produção cultural no Estado do Rio Grande do Norte entre os anos de
2012 e 2015, examinando a relação existente entre seus alcances e os impactos econômicos
ocasionados pela política de financiamento indireto majoritariamente estabelecida por intermédio
das leis de incentivo à cultura.

O Capítulo 10, “O impacto do programa Bolsa Família na segurança alimentar de


beneficiários: um estudo piloto realizado em Natal/RN”, escrito por Kaliane Barbosa da Silva
e Robério Paulino Rodrigues, traz um interessante estudo sobre o impacto do Programa Bolsa
Família sobre a Segurança Alimentar de beneficiários de Natal, RN. Os autores esperam que
o estudo possa contribuir para o fortalecimento da compreensão e do combate à Insegurança
Alimentar no município de Natal.

UMA DÉCADA DE ESTUD OS E PESQUISAS


No Capítulo 11, “Movimentos sociais e juventude: discursos coletivos e narrativas na
construção das mobilizações contemporâneas em Natal/RN”, os autores Marcos Aurélio Freire
da Silva Júnior e Joana Tereza Vaz de Moura trazem à discussão das Políticas Públicas
o aumento da participação de questões como a organização social, o engajamento e a partici-
pação política dos jovens, tanto na academia, quanto nos próprios movimentos sociais. Nesse
sentido, o presente capítulo tem como objetivo analisar as narrativas e o discurso coletivo de
militantes engajados em movimentos de juventude na cidade de Natal, RN.

O Capítulo 12, “As desigualdades de oportunidades educacionais e a oferta de


infraestrutura escolar na Região Metropolitana de Natal”, de autoria de Karoline de Oliveira
e Matheus Oliveira de Santana, parte da premissa da distribuição desigual de equipamentos
públicos nas regiões metropolitanas, em especial na área da Educação. Desta forma, esta análise
apresenta-se como uma importante ferramenta para subsidiar aos gestores públicos com
informações sobre a distribuição das oportunidades educacionais nos municípios brasileiros,
especialmente no estado do Rio Grande do Norte.

No Capítulo 13, “Planejamento urbano e gestão de riscos na cidade do Natal/RN”


escrito por Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira e Zoraide Souza Pessoa, é analisada a gestão
de riscos da cidade do Natal a partir de 2008 quando foi finalizado o Plano Municipal
de Redução de Riscos (PMRR) de Natal, apresentando o atual panorama de internalização do
tema na agenda urbana municipal. A pesquisa destaca sobre a necessidade de inserção de
mecanismos de gestão de riscos na configuração de uma agenda estratégica que leve a cidade
do Natal para um futuro menos vulnerável, mais sustentável e mais resiliente.

O Capítulo 14 “Panorama da Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos:


estudo de caso da cidade do Natal/RN”, escrito por Anna Lidiane Oliveira Paiva e Fábio
Fonseca Figueiredo, traz à tona a urgente e necessária Gestão dos Resíduos de Equipamentos
Eletroeletrônicos no contexto da cidade do Natal. Para analisar como essa gestão acontece, o
estudo utiliza o método descritivo, com técnicas de pesquisa documental, bibliográfica
e pesquisa de campo. A coleta dos dados e informações e a observação direta da atuação dos
atores públicos e privados locais permitiu o estudo dessa realidade na cidade de Natal, que tem
participação bem definida da união enquanto instância federativa, porém a participação em
termos de responsabilidade compartilhada no âmbito municipal ainda está se desenvolvendo.

No Capítulo 15, “A Economia das Eólicas no Rio Grande do Norte”, os autores Rebeca
Marota Da Silva e Fábio Fonseca Figueiredo discutem os principais limites e vicissitudes da
Energia Eólica com uma atividade econômica em uma região periférica como o Rio Grande do
Norte. Os autores destacam ainda os programas de incentivos locais ao desenvolvimento que
promoveram da economia das eólicas para integração regional e setorial.

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL D O RIO GRANDE D O NORTE


O Capítulo 16, “Bancos Comunitários de Desenvolvimento: Finanças Solidárias como
tecnologia social”, escrito por Shesby André Medeiros do Nascimento, parte de uma revisão
teórica acerca do conceito de economia solidária e sua aplicação no campo das Finanças Solidárias.
Para tanto, o autor apresenta o que são os Bancos Comunitários de Desenvolvimento e como
as tecnologias sociais podem fortalecer organização comunitária local e promoverem a emancipação
econômica e social para as comunidades rurais e periféricas excluídas do acesso a crédito, e
outros serviços essenciais, para essas populações se desenvolverem de seu modo auto-organizado.

Os capítulos estruturados deste livro são derivados de pesquisas realizadas no âmbito


do PPEUR, de autoria de alunos e professores do programa, como já ressaltado. É uma parte
dos trabalhos desenvolvidos no PPEUR ao longo de sua trajetória, nestes 10 anos. Esperamos
que essa seja a primeira de muitas coletâneas que destaque o nível dos trabalhos e sua contribuição
para a pesquisa na área de planejamento urbano e regional.

É importante destacar que os trabalhos aqui relacionados derivam da livre iniciativa de


alunos egressos e ativos do PPEUR. Neste sentido, a Comissão Organizadora desta coletânea
agradece a todos que compreendem a importância da sua contribuição para a realização desta obra.

UMA DÉCADA DE ESTUD OS E PESQUISAS


PARTE I – DINÂMICAS URBANAS E REGIONAIS

Parte I
DINÂMICAS URBANAS
E REGIONAIS
CAPÍTULO 1
A habitação para além do morar: uma discussão do conceito da casa como ativo  

Beatriz Medeiros Fontenele1


Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros2

  Introdução 

O presente capítulo discute as possibilidades promovidas pelo espaço da moradia para


obtenção de renda. O arcabouço teórico a ser apresentado está pautado nos estudos urbanos,
trazendo aspectos da arquitetura, geografia, economia e da sociologia urbana, compreendendo a
complexidade do  habitar na cidade  sendo  diretamente influenciado pelas relações sociais,
econômicas e culturais. 

Destaca-se o conceito da habitação enquanto um ativo socioeconômico (MOSER,


1996;1998), diferente das perspectivas comumente abordadas nos debates sobre a temática,
que costumam dar maior ênfase aos aspectos simbólicos e de abrigo, considerando a complexida-
de de acesso à moradia. Considera-se a importância de discutir a moradia como base direta
de produção de mercadorias ou de apoio para o trabalho de seus proprietários, com notada-
mente para populações de baixos rendimentos no contexto dos países em desenvolvimento,
como o Brasil.  

O texto está disposto em dois tópicos principais: o primeiro é denominado “os diversos


significados da habitação”, discute a importância da casa a partir do princípio de que a casa é
um item inerente a reprodução social do ser humano e que esta é também um bem multifuncional,
podendo sua utilização ir além do morar. No segundo tópico, intitulado “A casa como ativo”, é
demonstrado que estas mesmas habitações ainda podem ser transformadas em um bem de
produção direta, contribuindo para a geração de renda (KATZMAN, 1999; SANTOS, 2008
[1979]; SOUZA, 2011; YUJNOVSKY, 1984). Assim, é nesse contexto que o conceito criado por
Moser (1996; 1998), a casa como ativo, é então apresentado e considerado enquanto passível de
atenção, pois se faz de grande importância para explicar a utilização do bem habitacional
pelos pobres urbanos e para ampliar o significado da habitação. Destaca-se então a transformação
da casa em ativo socioeconômico, que irá proporcionar a sobrevivência da população de baixos
rendimentos diante das disfunções do sistema capitalista de produção.  

1 Doutoranda e Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: beatrizfontenele@gmail.


com
2 Professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/
UFRN). E-mail: x.saramedeiros@gmail.com

17
CAPÍTULO 1

Os diversos significados da habitação 

Sobre percepção e a função da habitação, vê-se na literatura nacional e internacional


uma ampla discussão acerca da importância da habitação e suas características, onde se tem,
primeiramente, uma compreensão geral da imprescindibilidade deste bem para o ser huma-
no. Ao pensar no contexto do sistema de produção capitalista, o qual é pautado na produção
de novos produtos e novas necessidades de consumo a todo momento (HARVEY, 1980; 2010;
LAMPARELLI, 1982), existem determinadas categorias de necessidades dos seres humanos
caracterizadas como imutáveis, ou seja, não se transformam de acordo com o momento social
e, segundo David Harvey (1980), a habitação é uma delas1.  

É neste espaço do morar que se concretiza o local do privado, da intimidade, do consumo,


da interação e do cotidiano. Lugar descrito por Valença (2003) onde as necessidades mais
básicas dos seres humanos como comer, beber, dormir, conversar e banhar-se são satisfeitas,
ou, local também onde se apoiam todas as outras atividades humanas como educação, saúde,
amor etc, pois, como colocam Cherkezian e Bolaffi (1998), como podem essas atividades serem
cumpridas se não há habitação digna para apoiá-las? É o espaço da intimidade, do consumo de
mercadorias e da interação. A moradia também se apresenta para o morador como abrigo, um
lugar seguro no qual seus residentes estão protegidos dos perigos associados à insegurança e
dos estigmas associados à rua (DA MATTA, 1997). 

O bem habitacional é complexo e é ainda compreendido e analisado por meio da sua


influência social, política e econômica, principalmente no contexto do capitalismo, colocando
a casa enquanto uma mercadoria especial e uma forma de legitimação do sistema econômico
atual, de governos e ordem social por meio da propriedade2. Valença (2003) a define enquanto uma
mercadoria peculiar e acrescenta a ela três outras características: indivisibilidade, ou seja, a
incapacidade de, ao consumir a habitação, não poder utilizar apenas uma parte deste bem; a
imobilidade, está fixada a uma parcela de terra que não pode ser movimentada; e um alto valor
agregado, o que advém não apenas da sua demanda constante por ser um bem necessário a
vida de todos, como também de sua complexidade de produção e durabilidade.  

Autores como Harvey (1982) demonstram também que a habitação é a principal forma


de controle e inserção da população nos valores do capitalismo. Engels no seu artigo “Como a
burguesia resolve a questão da moradia”, escrito em 1872, apontou a utilização da casa própria
pelo capital como forma de suprir uma necessidade básica, inserir o trabalhador no sistema e
propagar seus valores, pois, no momento em que o trabalhador passa a ser dono do bem casa,
ele se fideliza a dois dos princípios básicos da sociedade capitalista: os de propriedade privada
e de acumulação. Essa fidelização aparece de duas formas, a primeira com a tentativa de
preservar ou aumentar o valor da sua propriedade adquirida e, a segunda, pela exploração dos
trabalhadores proprietários sobre aqueles despossuídos de propriedade através do arrendamento

18 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 1

das propriedades. 

Trazendo a discussão sobre o significado da habitação no Brasil, Bolaffi (1982) destaca


que esta possui dois tipos de significados para os brasileiros, são eles significados subjetivos e
objetivos que perpassam algumas das características apresentadas anteriormente. Segundo o
autor, objetivamente, ser proprietário de uma habitação aumenta as possibilidades de acesso
a crediários, libera parte do orçamento familiar para ser investido em outras necessidades e,
de acordo com Cravino (2007), gera a possibilidade de transmitir um legado familiar, uma
herança. Ainda, como acrescenta Arantes e Fix (2009), a habitação promove uma sensação de
segurança e uma possibilidade de combate a crises econômicas. Aos significados subjetivos
estão atrelados aquilo apresentados por Cravino, Río e Varela (2012), a casa, quando compreendida
através da questão familiar, tem um vínculo simbólico com um projeto familiar a longo prazo
e, quando acessada, configura-se enquanto uma satisfação total ou parcial com relação a uma
necessidade material. Bourdieu (2001) ainda a apresenta como um objeto de consumo que irá
expressar os êxitos econômicos e o pertencimento da família no status da estrutura social. 

Ao perceber estas características intrínsecas à habitação, pode-se observar que o


indivíduo possuidor da mercadoria casa não está apenas abrigado e protegido, mas residindo
em um local que possibilita a sensação de segurança, a perpetuação da espécie, de valores e
culturas por meio da família, da ordem econômica e social e do consumo de mercadorias. Con-
tudo, é necessário destacar a utilização da habitação para o combate a crises pois, identifica-se
que ao possuir este bem em situações de instabilidade econômica, tem-se a possibilidade de
obtenção de renda pela venda ou aluguel do imóvel. Souza (2001, p. 115) acrescenta que “[...] o
local de moradia é, algumas vezes, também um suporte para atividades econômicas que geram
renda suplementar para a família [...] passando, nesse caso, a atuar, também, como meio
de produção”. Nesse sentido, compreendendo o contexto de instabilidade econômica e desigualdade
dos países em desenvolvimento e a necessidade de obter renda para sobreviver no sistema de
produção vigente, Rolnik et al. (2015, p. 403)3 salienta a relevância da inclusão da utilização
das habitações para além do morar pelo uso histórico da casa enquanto local de trabalho e
moradia principalmente para as populações mais pobres. 

Entende-se então que o acesso à habitação é de suma importância e, no momento em


que o ser humano, com destaque a população de baixos rendimentos, passa a ser proprietário
da casa, podendo usá-la, se tornando um ativo, ou seja, um bem que poderá de alguma forma
ser convertido em benefício econômico. É então sobre esse aspecto da habitação que a sessão
seguinte irá se desdobrar a partir da análise do conceito de casa como ativo. Objetiva-se
nele expandir a discussão sobre o bem habitacional e incluir a compreensão da utilização da
habitação enquanto local de produção nas análises dos pesquisadores do tema habitacional,
pois, o morar e o trabalhar são as duas principais formas de se reproduzir socialmente no
sistema capitalista.  

19 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 1

A casa como ativo 

No contexto do aumento e persistência da pobreza em inúmeros lugares do mundo,


principalmente nos países subdesenvolvidos durante o fim do século XX, o conceito de casa
enquanto um ativo é discutido por Caroline Moser4.  Ao realizar estudos para o Banco Mun-
dial, a autora traz uma forma diferenciada de perceber a pobreza e, na tentativa de combatê-la,
apresenta o trabalho The asset vulnerability framwork, no qual sua proposta é compreender a
realidade dos mais pobres por meio daquilo que eles têm – ativos – e de suas estratégias para
enfrentamento da situação de vulnerabilidade provocada por crises5. Assim, para a autora, a
capacidade de sobreviver as crises se pautam nos ativos que a população de baixa renda possui e
tem acesso e suas capacidades de utilizá-los (MOSER, 1998). Moser (1996, p. 2, tradução
nossa) especifica: 

A habilidade das famílias para evitar ou reduzir a pobreza e aumentar a produtividade


econômica depende não apenas dos seus ativos iniciais, mas também das suas habilidades de
transformar esses ativos em renda, comida, ou outra necessidade básica efetivamente. Ativos
podem ser transformados de duas formas diferentes: através da intensificação de estratégias já
existentes ou através do desenvolvimento de novas estratégias.

Assim, Rubens Katzman (1999), corrobora com essa discussão, colocando a habitação


enquanto um dos principais ativos das famílias de baixos rendimentos e destacando a casa
enquanto uma importante possibilidade de produção e geração de renda. É interessante
perceber que tanto para Moser (1996; 1998), como para Katzman (1999), a discussão sobre a
transformação da casa em um local de geração de renda tem em seu arcabouço as crises e as
dificuldades de acesso a salários pelo mercado de trabalho. Esta situação se dá pois o trabalho
é o principal meio para a apropriação de ativos, entretanto, o mercado formal de trabalho não é
pleno e quando não acessado por parte da população, é a habitação o item que poderá suprir a
necessidade de geração de rendimentos. Nessa perspectiva Bruschini e Ridenti colocam (1994, p. 34),  

A moradia é, portanto, não só espaço de vida familiar, mas também espaço de trabalho,
principalmente para as mulheres, de qualquer camada social, que se ocupam tanto da atividade
doméstica quanto do trabalho informal remunerado, oferecendo inúmeros exemplos da riqueza
de possibilidades que as famílias [...] encontram para enfrentar um cotidiano que tem como
pano de fundo a recessão e o desemprego. 

É nesse sentido que a habitação é identificada como ativo produtivo, por ser um bem
que dá suporte a atividades econômicas e sociais, que podem aumentar o bem-estar dos seus
moradores e promover sua inserção e reprodução na sociedade. É também por este motivo
que a propriedade aparece como o ativo mais importante para os pobres urbanos. Como
afirma Arantes e Fix (p. 6-7) ao compreender a realidade brasileira, a casa própria “[...]

20 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 1

cumpre um papel de amortecedor diante da incompletude dos sistemas de proteção social e da


ausência de uma industrialização com pleno emprego [...]”. A propriedade aparece como um
bem que irá prevenir a insegurança da população em um contexto urbano onde os pobres são
sistematicamente excluídos dos empregos nos setores formais e a capacidade de gerar novos
empregos adicionais é limitada. Sobre a propriedade, Harvey (1982, p. 14) destaca:  

Os trabalhadores colocam suas economias sob a forma física de uma propriedade.


Obviamente eles procurarão preservar o valor dessas economias e se possível aumentá-lo. A
casa própria pode também conduzir a formas menores de propriedade da terra, a qual tem sido
um meio tradicional e muito importante de os trabalhadores, individualmente, se envolverem
na apropriação de valores, às custas de outros trabalhadores. 

Dessa forma, a propriedade da terra aparece como uma oportunidade de utilização da


casa (em alguns casos do terreno) como um bem produtivo. Moser (1998), em suas pesquisas,
identifica três principais estratégias de utilização da casa como ativo para vencer ou diminuir a
vulnerabilidade de uma família: 1) aumento de renda familiar por meio de empresas domésticas;
2) aumento da renda por meio de aluguel e; 3) divisão do lote para a produção de moradias que
abrigarão as famílias de seus familiares ou pessoas próximas – coabitações. As duas primeiras
formas de utilização da terra urbana estão interligadas à questão salarial e à tentativa de obter
um aumento de renda por meio da propriedade da terra. Santos (2008 [1979]), destacou que os
comércios residenciais faziam parte das periferias dos países subdesenvolvidos e do cotidiano
das populações mais pobres, aparecendo quase sempre como a única possibilidade de ter uma
atividade econômica. O aluguel também aparece enquanto uma saída para a produção de renda,
entretanto, em razão das condições socioeconômicas da população de baixos rendimentos e as
dificuldades históricas de acesso à terra, este se encontra abaixo do preço de mercado e ainda
pode acentuar a precarização da habitação (ABRAMO, 2007). 

A divisão do lote em outras parcelas para aninhar as famílias dos proprietários é uma
estratégia possível para obtenção de renda. Por mais que a aglomeração de indivíduos interfira
na receita familiar, normalmente de forma negativa, a questão aqui é diminuir a vulnerabilidade
dos familiares “aninhados” por meio da diminuição do gasto salarial relativo ao aluguel, e
assim remanejar esse custo para o suprimento de outras necessidades básicas (MOSER, 1998).
Entretanto, a coabitação familiar também ultrapassa a renda e está diretamente relacionada aos
laços de solidariedade entre as famílias, com a responsabilidade de oferecer ajuda e de diminuir
a vulnerabilidade daqueles parentes que estão em estado crítico. Como mostrado por Bank
(1980), a família é uma das estratégias da população pobre para sobreviver.  

Nesse sentido, compreende-se que a casa pode ser utilizada de diversas formas, sendo
transformada naquilo em que mais se encaixe na necessidade de seus habitantes. Entretanto,
por trás da propriedade da habitação, há duas questões principais as quais não podem ser
esquecidas: o acesso a habitação, ou seja, o adquirir o bem casa, e o acesso a infraestruturas

21 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 1

urbanas para desfrutar do ambiente construído. É importante lembrar que sendo a habitação é


uma das necessidades mais importantes para a reprodução do trabalhador e por suas características
citadas na sessão anterior, esta aparece enquanto o bem de maior custo quando comparada aos
outros produtos da cesta de consumo dos trabalhadores. Tanto a obtenção da casa, sua construção
ou aluguel possuem um alto valor de uso e de troca no mercado (MARICATO, 1982, 1887;
BOLAFFI, 1982), dificultando o acesso dos pobres urbanos a esse bem pelo mercado informal
e assim, geralmente os obtém por meio do Estado ou pelo mercado informal.  

Ainda, quando observamos a casa como um ativo, deve-se também recordar a necessidade


de uma infraestrutura urbana para que a habitação realmente venha a contribuir na diminuição
de algumas carências. Para uma empresa domiciliar e até mesmo para uma qualidade de vida
adequada, é imprescindível a existência de serviços públicos como saneamento básico,
transporte público, escolas, hospitais etc. Moser (1998, p. 7, tradução nossa), aponta: 

Enquanto serviços sociais como educação garantem que as pessoas conquistem habilidades
e conhecimento, infraestruturas econômicas como água, transporte e eletricidade – em
conjunto a serviços de saúde – garantem que a população use de forma produtiva as habilidades
e conhecimentos adquiridos.

A habitação com acesso aos serviços públicos funciona como um salário indireto principal-
mente num contexto onde as famílias urbanas mais pobres ou não tem acesso a emprego ou
possuem baixos salários, diminuindo o gasto com produtos privados, aumenta a qualidade de
vida e possibilita os diferentes usos da casa. No organograma abaixo se expõe do lado esquerdo
a forma de acesso a casa e do lado direito as possibilidades de utilização da casa: 

Figura 1 - Acesso a casa e sua transformação em ativo

22 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 1

Fonte: Fontenele, 2019.

  Assim, observa-se ao longo da discussão aqui realizada que a habitação adquire diversos


usos a depender das necessidades, dos grupos sociais e do momento histórico, fazendo com
que a casa se transforme em local de geração de renda e produção se essa for a necessidade de
seus moradores. Entretanto, ela não é um ativo de fácil acesso e sem infraestrutura básica este
bem pode não solucionar os problemas de vulnerabilidade econômica de seus proprietários,
na verdade, pode vir a agravá-los. Essas questões demonstram não apenas a complexidade da
conceituação do bem habitacional, como também de outras questões sociais, econômicas e de
relação as dinâmicas urbanas e da terra que estão interligadas a esse bem. 

 Conclusões  

Este capítulo discutiu o uso da habitação como local de produção e geração de


renda. Destacou-se o conceito da casa enquanto um ativo socioeconômico, acrescentando as
perspectivas que exploram o uso da moradia como abrigo e suas expressões simbólicas. As-
sim, ao considerar a casa como ativo, identifica-se o papel que a moradia própria possui para a
população de menores rendimentos, demonstrando que esta pode vir também a se caracterizar
enquanto base direta de produção de mercadorias ou de apoio para o trabalho de seus
proprietários. As estratégias de garantia e/ou aumento de renda (com empresas domésticas ou
aluguel de parte do imóvel) agrega-se aos imperativos de coabitação, com divisão de lotes. 

No contexto de produção capitalista nos países em desenvolvimento onde a pobreza e


as dificuldades de acesso a empregos são altas, este bem tem enorme função social e econô-
mica para os pobres urbanos e precisa ser compreendido como tal. Nos momentos de crises, a
casa que é abrigo das intimidades e das individualidades, amplia suas capacidades, atenden-
do outras demandas. Não se trata de romantizar esse processo, mas reconhecer os diferentes
usos para além do morar!  

Referências 

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23 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


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24 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


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25 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


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26 Beatriz Medeiros Fontenele | Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros


CAPÍTULO 2

O Programa Minha Casa Minha Vida em Parnamirim/RN: Um estudo sobre os


Conjuntos Nelson Monteiro e Waldemar Rolim

Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves3

Introdução

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), regulamentado por meio da Lei
11.977/2009, foi lançado em 2009 como uma estratégia para minimizar os efeitos da crise
econômica iniciada nos Estados Unidos da América, cujas proporções foram mundiais. O
programa objetivou, assim, dinamizar o setor da construção civil e promover habitação, dado
o considerável déficit habitacional brasileiro.

O PMCMV foi dividido em três faixas. Essas foram vinculadas aos níveis de renda
familiar, sendo a Faixa 1 para famílias com renda entre R$0,00 a R$1395,00, sendo necessário,
por parte das famílias com tal renda, o prévio cadastro nas prefeituras. A aquisição ocorre por
meio de sorteio realizado pela Caixa Econômica Federal.

Ao longo da primeira década do programa, com a construção e a entrega de empreen-


dimentos em todas as regiões do Brasil, estudos relacionados ao tema foram publicados como
Cardoso e Aragão (2013), Amore, Shimbo e Rufino (2015) e Cardoso, Aragão e Jaenisch (2017),
dentre outros, que mostram as características gerais e as particularidades de cada localidade
dos empreendimentos entregues. No que se refere aos empreendimentos da Faixa 1, para a
camada mais pobre da população, destaca-se a má localização onde se construíram esses
conjuntos residenciais, dentre outros aspectos como a tipologia e tamanho inadequados às
famílias beneficiárias.

A Região Metropolitana de Natal (RMN), que possui 14 municípios, recebeu a entrega


de 11.276 unidades habitacionais Faixa 1, distribuídas em 26 empreendimentos e em nove (9)
municípios nas fases I e II, período entre os anos 2011 e 2016. Estudos sobre as localizações
desses empreendimentos, realizados por Rodrigues (2018), revelaram que a dinâmica locacional
dos conjuntos PMCMV da RMN não seguem a lógica nacional, tendo em vista que, dos 26
empreendimentos entregues, apenas sete (7) estão desconectados da malha urbana e mal servidos
de comércios, serviços e estruturas urbanas.

3 Mestre em Estudos Urbanos e Regionais pelo Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais
(PPEUR/UFRN). E-mail: carinabmchaves@gmail.com

27
C apítulo 2

Esse trabalho analisa os Conjuntos Residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim,


os dois primeiros empreendimentos entregues em Parnamirim, o município que recebeu o
maior número de unidades habitacionais Faixa 1 da RMN no dado período. Para a realização
da pesquisa, se utilizou da literatura nacional sobre o PMCMV, assim como referências que
tratam do programa na Região Metropolitana de Natal e suas peculiaridades. O trabalho conta
ainda com dados de uma pesquisa de campo realizada no ano de 2018 pelo Grupo de Pesquisa
Cidades Contemporâneas (MEDEIROS E VALENÇA, 2018). Por meio de questionários, foram
entrevistados 882 moradores de todos os empreendimentos da RMN, número amostral calculado
estatisticamente com margem de erro de 3% e 95% de confiança.

Esse trabalho está dividido em quatro partes, além dessa introdução. O tópico a seguir
apresentará o Programa Minha Casa Minha Vida e os diagnósticos realizados pelos principais
autores sobre o tema em outras regiões do Brasil. Em seguida, será descrito o PMCMV na
Região Metropolitana de Natal e as peculiaridades que existem no local. O último tópico
desenvolve-se sobre Parnamirim e a distribuição do programa nesse município. Expõe o estudo
dos residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim, suas características e dinâmica. Por fim
seguem as considerações finais.

O Programa Minha Casa Minha Vida

No ano de 2009 em meio a propagação da crise econômica iniciada nos Estados Unidos,
foi criado o Programa Minha Casa Minha Vida, que além de promover habitação teve o intuito
de dinamizar a economia nacional por meio do setor de construção civil (AMORE, 2015). O
programa foi dividido em três faixas atreladas às rendas das famílias conforme descrito no
quadro 1. Na terceira fase do programa mais uma faixa foi criada, a faixa 1,5.

Os modos de aquisição do imóvel foram constituídos de forma diferenciada entre a Faixa


1 e as demais. As unidades habitacionais (UH) da Faixa 1 são distribuídas através de sorteio
realizado pelas Prefeituras dos municípios em conjunto com a Caixa Econômica Federal. Para
isso, as famílias que se enquadram no perfil socioeconômico devem efetuar a inscrição nos
órgãos habitacionais do município em que residem. As unidades do Faixa 1 também podem ser
entregues a famílias que são realocadas de moradias situadas em locais em situação de risco.
No entanto, as Faixas 1.5, 2 e 3 podem adquirir o imóvel por meio de construtoras e Caixa
Econômica Federal.

28 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Quadro 1 - Faixas do PMCMV e seus limites de renda


Fases Faixa 1 Faixa 1,5 Faixa 2 Faixa 3

Urbano PMCMV I Até R$ -------- Até R$2.790,00/m Até R$ 4.650,00/m


1.395,00/m
Urbano PMCMV II Até -------- Até R$ 3.275,00/m Até R$ 5.000,00/m
R$1.600,00/m
Urbano PMCMV III Até R$ Até R$ Até R$ 3.600,00/m Até R$ 6.500,00/m
1.800,00/m 2.350,00/m
Urbano PMCMV Até R$ Até R$ Até R$ 4.000,00/m Até R$ 7.000,00/m
III/2017 1.800,00/m 2.600,00/m

Rural PMCMV I Até R$ -------- Até R$ 22.000,00/a Até R$ 55.800,00/a


10.000,00/a
Rural PMCMV II Até -------- Até R$ 30.000,00/a Até R$ 60.000,00/a
R$15.000,00/a
Rural PMCMV III Até R$ -------- Até R$ 30.000,00/a Até R$ 60.000,00/a
15.000,00/a
Fonte: Elaboração própria com dados da Caixa Econômica Federal

Os subsídios concedidos também são diferenciados conforme cada Faixa. A Faixa 1 do


programa recebeu até 95% de subsídios diretos com o restante do valor do imóvel sendo financiado
num prazo de 10 anos sem taxa de juros. Para as outras faixas, o financiamento é de até 30 anos
com taxas de juros menores dos que as praticadas pelo mercado. Os subsídios diretos concedidos
como desconto no ato do contrato também beneficiaram a Faixa 1.5 com até R$ 47.500,00 e a
Faixa 2 com R$ 29.000,00.

A novidade do PMCMV em relação a programas habitacionais anteriores, segundo


Amore (2015) foi a inclusão de famílias com rendas mais baixas, sendo a meta inicial a oferta
de 40% da produção dessas habitações às famílias com renda entre 0 a 3 salários mínimos (SM).

Em pouco mais de uma década de existência, o programa já foi avaliado em diversas


regiões do país e a localização é uma característica destacada nos trabalhos, além de aspectos
relacionados à tipologia e a situações socioeconômicas que podem influenciar tanto na manutenção
da habitação quanto na adimplência dos beneficiários frente ao financiamento. No ano do
lançamento, autores como Bonduki (2009) ou Arantes e Fiz (2009) já alertavam sobre a
possibilidade de localizações não adequadas para a construção dos empreendimentos do
programa e sobre a possibilidade de especulação imobiliária “que representaria a transferência
do subsídio” e desviaria “os propósitos do programa” (BONDUKI, 2009, p. 13).

O programa foi avaliado em cidades das cinco regiões brasileiras nos anos posteriores
em coletâneas destinadas ao estudo do PMCMV (CARDOSO, 2013; AMORE, SHIMBO e
RUFINO, 2015; CARDOSO, ARAGÃO e JAENISCH, 2017) e os empreendimentos destinados
à Faixa 1 que estão situados em áreas urbanas bem servidas de equipamentos urbanos, comércios

29 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

e serviços são minoria como por exemplo nas cidades de Santo André – SP (MARGUTI, 2013)
e Belém – PA (MERCÊS, 2013). Marguti (2013) enfatiza que a localização acessível das moradias
é importante pelos impactos diretos na renda real de seus habitantes.

No entanto, mesmo que a maioria dos conjuntos destinados à Faixa 1 se localize em


regiões periféricas nas cidades, Cardoso e Aragão (2013, p.48) ressaltam que é necessário um
estudo mais detalhado considerando as especificidades de cada lugar, pois “a dinâmica
metropolitana recente tem levado à criação de subcentralidades periféricas, o que torna a análise
mais complexa”.

A localização da moradia é um aspecto importante na vida da população, pois segundo Jorge


(2005) a habitação é o ponto de partida e chegada diária para o trabalho, atividades seculares
e os serviços acessados. Além de a casa ser o ponto de deslocamento diário, a sua localização,
segundo Bourdieu (2013) pode caracterizar e estigmatizar a população residente. O mesmo
autor defende que é a posse do capital que define os privilégios que a localidade terá, sendo o
ordenamento físico das cidades um reflexo da ordem social.

Villaça (2011, p.37) destaca que as localizações das moradias são fatores que realçam a
“desigualdade econômica e desigualdade de poder político” e afeta diretamente no cotidiano da
população em seus deslocamentos para os locais de trabalho, consumo de serviços e produtos, dentre
outros. Assim, o autor salienta que, na maioria das cidades os bairros privilegiados detém a
maior parte dos serviços utilizados pela população como escolas, supermercados, academias,
shoppings e as estruturas urbanas. De modo contrário os bairros mais afastados, os que em sua
maioria abrigam a população mais pobre, carentes de infraestrutura urbana, estão distantes dos
locais de trabalho e de consumo das famílias que ali residem e essa disposição “cria um ônus
excepcional para os mais pobres e uma excepcional vantagem para os mais ricos” (VILLAÇA, 2011, p.56).

Ainda que os estudos efetuados em variadas regiões brasileiras demonstrem que em


diversas regiões os conjuntos destinados ao Faixa 1 do PMCMV tenham sido construídos em
regiões desconectadas da malha urbana e desprovidos de equipamentos urbanos e serviços, a
Região Metropolitana de Natal (RMN) requer um estudo cuidadoso. O próximo tópico tratará
do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal e suas particularidades.

O Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal

A RMN é composta por 14 municípios e destes, nove (9) foram contemplados pelo
programa com empreendimentos destinados a Faixa 1 até o ano de 2016, o que compreende
nas Fases I e II. Foram entregues 11.276 moradias distribuídas em 26 empreendimentos e estão
situados em 21 localidades como pode se observar na figura 1.

30 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Figura 1 – Mapa das localizações dos empreendimentos Faixa 1 do Programa Minha Vida na
Região Metropolitana de Natal

Fonte: Rodrigues, 2018.

31 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Quadro 1 - Municípios e Empreendimentos do PMCMV na RM de Natal


TOTAL
ANO DE
MUNICÍPIO EMPREENDIMENTO TIPOLOGIA UNIDADES POR
ENTREGA
MUNICÍPIO
Ceará-Mirim Residencial Natureza Casa 2011 1155 1155
Residencial Jardins de Ex-
Extremoz Casa 2011 790 790 
tremoz
Residencial Campinas Casa 2015 403
Residencial Manoel Dias
Macaíba (Francisco Alípio e Lúcia Casa 2013 540 1443
Marques)
Residencial Minha Santa Apartamento 2012 500
Residencial Novo Monte Casa 2015 350
Monte Alegre 519
Residencial Esperança Casa 2013 169
Residencial Vivendas do
Apartamento 2014 896
Natal Planalto 1096
Residencial São Pedro Apartamento 2016 200
Residencial Clóvis Ferreira
Casa 2013 199
Nísia Floresta da Silva 383
Residencial Alto da Floresta Casa 2013 184
Residencial Nelson Monteiro Apartamento 2011 352
Residencial Waldemar Rolim Apartamento 2011 496
Residencial Vida Nova Apartamento 2012 464
Residencial Ilhas do Pacífico Apartamento 2013 432
Residencial América I Apartamento 2012 496
Parnamirim Residencial América II Apartamento 2012 496 4224
Residencial Ilhas do Atlântico Apartamento 2016 496
Residencial Terras do
Apartamento 2013 496
Engenho I
Residencial Terras do
Apartamento 2013 496
Engenho II
Residencial Dr. Ruy Pereira I Apartamento 2016 300
Residencial Dr. Ruy Pereira
Apartamento 2016 300
IV
São Gonçalo
Residencial Dr. Ruy Pereira V Apartamento 2016 300 1505
do Amarante
Residencial Dr. Ruy Pereira
Apartamento 2016 300
VI
Residencial Jomar Alecrim Casa 2011 305
São José do
Residencial Monte Pascoal Casa 2015 161 161
Mipibu
Fonte: Medeiros e Valença, 2018.

Foram construídas moradias na tipologia de casas e também de apartamentos, sendo


10 empreendimentos de casas em lotes, totalizando 4.256 unidades e 16 empreendimentos de
apartamentos em blocos, totalizando 7.020 unidades habitacionais. Os conjuntos de aparta-
mentos estão presentes em quatro municípios: Macaíba, Natal, Parnamirim e São Gonçalo do

32 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Amarante, sendo que, nos municípios de Natal (a capital do estado) e de Parnamirim (segunda
maior cidade da RM de Natal), essa é a única tipologia presente (Quadro 1).

Ao analisar a mobilidade urbana nos conjuntos habitacionais Faixa 1 da Região Metro-


politana de Natal, Rodrigues (2018) evidenciou que dos 26 empreendimentos entregues, apenas
sete (7) estão situados em más localizações, ou seja, excluídos da malha urbana e desprovidos
de serviços essenciais ao seu redor. A autora ressalta que a maior parte dos conjuntos do PMCMV
construídos na RMN está em regiões que “não guardam grandes diferenças de muitas outras
áreas do próprio município onde se inserem” (RODRIGUES, 2018, p.149). Esses conjuntos
tanto foram construídos em localizações que já contavam com estruturas urbanas ou a própria
construção dos empreendimentos foi “atraindo para perto e para dentro do conjunto atividades
não residenciais, como comércio e serviços” (RODRIGUES, 2018, p.149).

O Programa Minha Casa Minha Vida em Parnamirim: Conjuntos Waldemar Rolim e


Nelson Monteiro

Parnamirim, município do litoral do Rio Grande do Norte (figura 2), é o segundo mais
populoso da Região Metropolitana de Natal, tendo uma população de 202.456 habitantes
segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (CIDADES, IBGE,
2010). Segundo Clementino e Ferreira (2015, p.34) o município possui alta integração com a
capital Natal com características acentuadas de tendência a elevar-se a alta integração com
Natal pois, segundo as autoras “integra com o polo (Natal) uma unidade física (pela conurbação)
e funcional”

Na Região Metropolitana de Natal, Parnamirim foi o município que recebeu o maior


número de unidades habitacionais Faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida. Foram entregues
4224 moradias divididas em 9 empreendimentos, todas na tipologia apartamento.

33 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Figura 2 – Localização do Município de Parnamirim

Fonte: Grupo de Estudos Cidades Contemporâneas, 2018.


Os empreendimentos estão distribuídos em três bairros distintos como mostrado no


quadro 2, sendo que no bairro Nova Esperança estão inseridos seis dos nove empreendimentos.
No entanto, é necessário observar que, mesmo se tratando do mesmo bairro, as diferenças de
localidade entre eles são expressivas. Os residenciais Terras do Engenho I e II são dois
empreendimentos que estão nesse bairro e são classificados por Rodrigues (2018) como dois
empreendimentos mal localizados por estarem desconectados da malha urbana e não possuírem
ao seu redor serviços e estruturas urbanísticas. Já os residenciais Nelson Monteiro e Waldemar
Rolim, que também estão no bairro de Nova Esperança, mas há uma distância de 4,5km dos re-
sidenciais Terras do Engenho I e II, tem uma integração média com a cidade segundo Rodrigues
(2018) e possui a seu redor uma rede mais ampla de comércios e serviços.

Quadro 2 – Empreendimentos do PMCMV em Parnamirim – RN

Localização Empreendimento Unidades Tipologia Ano de Entrega


Nova Esperança Residencial Nelson Monteiro 352 Apartamento 2011
Nova Esperança Residencial Waldemar Rolim 496 Apartamento 2011
Passagem de Areia Residencial Vida Nova 464 Apartamento 2012
Passagem de Areia Residencial Ilhas do Pacífico 432 Apartamento 2013
Nova Esperança Residencial América I 496 Apartamento 2012
Nova Esperança Residencial América II 496 Apartamento 2012
Nova Esperança Residencial Terras do Engenho I 496 Apartamento 2013
Nova Esperança Residencial Terras do Engenho II 496 Apartamento 2013
Liberdade Residencial Ilhas do Atlântico 496 Apartamento 2016

34 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Fonte: Grupo de Estudos Cidades Contemporâneas, 2018

Residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim


Os contratos para a construção dos residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim,


segundo dados da Caixa Econômica Federal, ocorreram ainda no ano de 2009. Esses foram os
dois primeiros empreendimentos entregues no município de Parnamirim, em setembro e
novembro do ano de 2011, respectivamente.

Os Empreendimentos Nelson Monteiro e Waldemar Rolim estão localizados um do


lado do outro, sendo separados por um muro. Os dois residenciais possuem portarias próprias e
são administrados de forma independente um do outro (Imagens 3 e 4). O primeiro residencial
foi entregue contendo 352 unidades habitacionais divididos em 22 blocos de quatro andares. O
residencial Nelson Monteiro contém 496 apartamentos e um total de 31 blocos.

Os residenciais foram construídos em uma região de expansão imobiliária da cidade


de Parnamirim. No ano de 2010, um ano antes da entrega dos apartamentos, foi inaugurada na
mesma rua, a uma distância de 900 metros, a unidade de Parnamirim do Instituto Federal do
Rio Grande do Norte (IFRN – Parnamirim). Da mesma maneira, um residencial no formato
de apartamentos foi construído na mesma rua em frente às guaritas dos empreendimentos e
um conjunto no formato de casas começou a ser construído junto ao muro do Conjunto Wal-
demar Rolim pouco antes da entrega dos empreendimentos Faixa 1 do programa. Na figura 4
é possível visualizar à esquerda da imagem que os fundos das casas fazem divisa com o muro
do residencial Waldemar Rolim. No ano de 2018, no entorno dos conjuntos foi construído um
centro de distribuição de uma grande rede de atacado alimentício como pode ser observado
na figura 6. A figura 7 ilustra o entorno dos empreendimentos Nelson Monteiro e Waldemar
Rolim, mostrando a sua inserção na malha urbana da cidade e a proximidade com estruturas
como o IFRN – Parnamirim, Centro de Distribuição Atacadista e a BR-101, importante rodovia
que dá acesso à região central de Parnamirim, assim como Natal.

Figura 3 – Entrada do residencial Nelson Monteiro

35 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Fonte: Chaves, 2018.

Figura 4 – Entrada do residencial Waldemar Rolim

Fonte: Chaves, 2018.

Figura 5 – Conjunto de casas vizinhos ao residencial Waldemar Rolim

Fonte: Chaves, 2018.

Figura 6 – Desenvolvimento do entorno dos empreendimentos

36 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Fonte: Chaves, 2018.

Figura 7 - Localização dos Residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim e as


estruturas ao redor

Fonte: Grupo de Pesquisa Cidades Contemporâneas, 2019.

No ano de 2018, foi realizado pelo Grupo de Pesquisa Cidades Contemporâneas da


UFRN uma pesquisa nos empreendimentos Faixa 1 de toda a Região Metropolitana de Natal.
Foram aplicadas 882 entrevistas por questionário aos moradores de todos os empreendimentos
do programa na RMN. No conjunto residencial Nelson Monteiro foram aplicados 28 questionários e
no Waldemar Rolim 39, totalizando 67 entrevistas.

A pesquisa buscou saber a satisfação dos moradores com a nova moradia. No conjunto
residencial Nelson Monteiro 88,0% dos moradores afirmam que de modo geral a forma de habitação
melhorou enquanto no conjunto residencial Waldemar Rolim esse percentual é de 92,1% (gráfico 1).

Gráfico 1 – Satisfação com a moradia do PMCMV em relação a anterior

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018.

37 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018.


Quando questionados sobre a unidade habitacional, que diz respeito ao imóvel em que
receberam e comparando à moradia anterior, o índice de satisfação ainda é muito alto, sendo
91,7% no Nelson Monteiro e 84,2% no Waldemar Rolim. Já a melhora quanto ao tamanho do
imóvel tem percentuais um pouco mais baixos, mas ainda a maioria da população destaca que
houve uma evolução em relação ao imóvel antigo como pode ser visto no gráfico 3.

Gráfico 2 – Da Unidade Habitacional

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018

Gráfico 3 – Do Tamanho da Unidade Habitacional

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018



Quanto a localização das moradias atuais em relação a antiga moradia o percentual de
moradores que apontou ter melhorado é expressivo, entre 74,4% e 76,9% nos dois conjuntos
(gráfico 4).

38 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Gráfico 4 – Da Localização das Habitações

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018

O motivo apontado por 36,7% da população para ter havido uma melhora na localização
da atual residência foi que os conjuntos possuem ao seu redor os comércios e serviços de que
eles necessitam, além de ter fácil acesso a transportes, tanto o transporte de uso coletivo, como
pontos de ônibus local e intermunicipal nas proximidades como ter a Rodovia BR-101 tão perto
que liga Parnamirim a Natal como a outras cidades do estado, assim como ao centro de Parnamirim.

A boa localização dos conjuntos residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim pode
ser observada através dos meios de locomoção e o tempo gasto para isso na rotina dos moradores. Na
locomoção diária dos adultos que trabalham, o transporte coletivo é utilizado por maior parte
da população residente nesses conjuntos para o trabalho (52,2%). Dos que utilizam esse meio
de transporte, 25,0% leva até 15 minutos na locomoção e 41,7% gastam de 16 a 30 minutos no
transporte. Os que se utilizam de veículos motorizados, que inclui carros e motos, perfazem
39,1% da população. No quadro 3, pode se observar que 88,9% dos que se locomovem de
veículos motorizados gastam no máximo 30 minutos para o translado casa – trabalho.

39 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

Quadro 3 – Meios de locomoção e tempo gasto até o trabalho (adultos)

Meio de Locomoção Tempo Qtd/ Meio de Locomoção Qtd/ Total

Até 15 minutos 75,0% 4,3%


Caminhando
De 16 a 30min 25,0% 1,4%
Bicicleta De 46 min. a 1 h 100,0% 2,9%
Até 15 minutos 25,0% 7,2%
De 16 a 30min 41,7% 27,5%
Transporte Coletivo De 31 a 45 min 13,9% 7,2%
De 46 min. a 1 h 16,7% 8,7%
De 1 a 1h30m 2,8% 1,4%
Até 15 minutos 55,6% 21,7%
Veículos Motorizados De 16 a 30min 33,3% 13,0%
De 46 min. a 1 h 11,1% 4,3%
      100,0%

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018.

Para a ida e volta de escolas, 46,1% das crianças vão caminhando e o tempo utilizado
para 85,4% dessa população é de até 30 minutos como pode ser visto no quadro 4. O transporte
escolar fornecido pela Prefeitura de Parnamirim é o meio de transporte de 33,7% das crianças,
além do transporte coletivo (4,5%) e os veículos motorizados como carro e moto (15,7%). Vale
destacar que, independe do meio de locomoção das crianças até a escola, 49,4% chega ao
destino em até 15 minutos e 24,7% em até 30 minutos, o que realça a inserção urbana e a
proximidade com estruturas de serviços essenciais ao redor dos conjuntos.

Quadro 4 – Meios de locomoção e tempo gasto até a escola (crianças)


Qtd/ Meio de
Meio de Locomoção Tempo Qtd/ Total
Locomoção
Até 15 minutos 56,1% 25,8%
De 16 a 30min 29,3% 13,5%
Caminhando
De 31 a 45 min 9,8% 4,5%
De 46min a 1 hora 4,9% 2,2%
Até 15 minutos 20,0% 6,7%
Ônibus Escolar da De 16 a 30 min 23,3% 7,9%
Prefeitura De 31 a 45 min 3,3% 1,1%
De 46min a 1 hora 53,3% 18,0%
Transporte Coletivo Até 15 minutos 100,0% 4,5%
Até 15 minutos 78,6% 12,4%
Veículos Motorizado
De 16 a 30min 21,4% 3,4%
      100,0%

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018.

40 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

A pesquisa também buscou saber quanto tempo e quais os meios de locomoção uti-
lizado pelos moradores para as idas ao supermercado que fazem a maior parte das compras
alimentícias do mês. Os meios mais utilizados são a caminhada (32,6%) e o carro (30,2%),
seguidos de moto e transporte coletivo com 18,6% cada. Sobre o tempo gasto para a viagem ao
supermercado, 62,8% gastam até 15 minutos e 32,6% fazem o percurso entre 16 e 30 minutos,
somados todos os meios de transportes. O quadro 5 mostra os meios de locomoção e o tempo
gasto em cada categoria para os percursos aos supermercados mais frequentados.

Quadro 5 – Meios de locomoção e tempo gasto até o mercado

Qtd/ Meio de
Meio de Locomoção Tempo Qtd/ Total
Locomoção
Até 15 min 71,4% 23,3%
Caminhando
De 16 a 30 min 28,6% 9,3%
Até 15 min 76,9% 23,3%
Carro
De 16 a 30 min 23,1% 7,0%
Até 15 min 62,5% 11,6%
Moto De 16 a 30 min 25,0% 4,7%
De 46min a 1 hora 12,5% 2,3%
Até 15 min 25,0% 4,7%
Transporte Coletivo De 16 a 30 min 62,5% 11,6%
De 31 a 46 min 12,5% 2,3%

Fonte: Elaboração própria com dados de Medeiros e Valença, 2018


A pesquisa, por meio das respostas dos beneficiários do programa nos residenciais Nelson
Monteiro e Waldemar Rolim, demostrou que os moradores estão satisfeitos quanto a unidade
habitacional e a localização em que esses empreendimentos estão instalados. A localização
adequada desses conjuntos pôde ser verificada quando analisado o tempo e os meios de locomoção
utilizados pelos moradores para as atividades do dia-a-dia da população como percursos para
trabalho, escolas e mercados.

Considerações Finais

O Programa Minha Casa Minha Vida, desde o seu lançamento, tem sido alvo de estudos
que buscam avaliar as políticas habitacionais e a adequada moradia para a população brasileira.
É evidente a importância do programa, no que condiz a provisão da moradia para famílias que
não teriam condições de acessar a moradia adequada sem o subsídio estatal. No entanto, muitos
estudos realizados no Brasil verificaram que a localidade em que esses empreendimentos são
construídos são inadequados a dinâmica das famílias, deixando-as longe dos locais de trabalho,
escolas, serviços de saúde, comércios e de outros serviços urbanos necessários.

41 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


C apítulo 2

O programa, além de ter o objetivo de promover moradia a famílias de baixa renda, teve
também o intuito de amparar o setor da construção civil. Na busca de maiores lucros, as
localizações afastadas e desprovidas de acessos a infraestruturas urbanísticas são a opção mais
baratas para o aumento do lucro da unidade habitacional para as construtoras. No entanto, o
que esse trabalho verifica é que os empreendimentos do programa devem ser compreendidos
pelas particularidades da localidade em que está inserido e pelas dinâmicas urbanas regionais. Como
foi mostrado por Rodrigues (2018), dos 26 empreendimentos construídos na RMN, apenas sete
se encontram mal localizados e desconectados de redes de serviços e estruturas urbanas. Os
outros foram construídos em locais que já continham ao seu redor estruturas de serviços e
comércios ou a própria construção deles atraiu para a localidade esses serviços.

Os residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim foram construídos em área de


expansão imobiliária da cidade, sendo no mesmo período construído e inaugurado o IFRN –
Parnamirim nas suas proximidades e logo após sua entrega, conjuntos residenciais de casas
foram construídas ao seu entorno. A satisfação dos beneficiários que residem nesses conjuntos,
tal como as locomoções para trabalho, escolas e mercados realçam a boa localização em que
estão situados.

Referências

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42 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


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43 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


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44 Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves


CAPÍTULO 3

A Gestão do IPTU em Parnamirim/RN: uma análise à luz dos instrumentos de


recaptura de mais-valias urbanas

Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio4

Introdução

Os municípios brasileiros passaram por um processo de mudanças significativas


quanto ao seu status constitucional nos últimos trinta anos, conquistando autonomia em relação
aos demais entes federativos na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Nesse contexto, cresceu
também a importância das fontes de receita própria, fazendo-se necessário que as arrecadações
municipais aumentassem de forma a garantir que seus orçamentos tenham condições de abarcar
as necessidades das suas populações. Assim, a CF/88 definiu tributos exclusivos para os municípios,
além de um sistema de repartição de receitas tributárias, onde os municípios passaram a ser
beneficiários de parte das receitas obtidas pela União e pelos Estados (BRASIL, 1988).

A municipalidade também recebeu destaque na CF/88 no capítulo que estabelece a


política urbana brasileira, a qual tem o Município como principal ente federativo responsável
pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus
habitantes, através do racional uso da terra e do desestímulo à especulação imobiliária (BRASIL,
1988). Para tanto, o texto constitucional oferece instrumentos de gestão urbana que permitem
aos municípios fazerem uso dos processos de planejamento e gestão urbana e territorial, garantindo
o direito à cidade.

A política urbana brasileira estabelece o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)


como um tributo que além do seu potencial de arrecadação, pode também ser compreendido
como um instrumento à disposição dos Municípios para que possam intervir nos processos de
planejamento e gestão urbana e territorial.

Para tanto, se faz necessária uma legislação municipal específica que estabeleça sua
alíquota, base de cálculo, situações excepcionais, possíveis isenções etc. Essa legislação deve
obrigatoriamente estar de acordo com as disposições constitucionais, como o Código Tributário
Nacional (CTN) (BRASIL, 1966), o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) e o respectivo Plano
Diretor do Município, de forma a garantir que esse imposto cumpra todas as suas funções.
Além disso se faz necessária também uma gestão tributária moderna e em consonância com
as necessidades locais, para que o IPTU seja efetivado pelos municípios nos moldes da política
urbana brasileira.

4 Doutoranda e Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: ericah.guima@gmail.com

45
CAPÍTULO 3

Contudo, percebe-se que os municípios reclamam permanentemente da ausência de recursos


próprios, dependendo de transferências governamentais para levar adiante seus projetos (DE
CESARE, 2016). Por outro lado, grande parte dos gestores municipais não costumam implementar
adequadamente os instrumentos de recaptura de mais-valia urbana, deixando de arrecadar
valores que, além de necessários, deveriam, por direito, retornar à cidade.

Compreende-se que sem uma política tributária adequada, o lançamento de terras no


mercado aumenta a especulação imobiliária e aumenta a segregação, exclusão e a desigualdade
social. Assim, faz-se necessário um olhar para o IPTU como um instrumento extrafiscal que
também tem capacidade de dialogar com os instrumentos urbanísticos presentes nos planos
diretores e demais legislações que tratem da questão urbana.

Ademais, ainda é tímida nas cidades brasileiras a aplicação efetiva de impostos como
o IPTU, sendo relevante entender os porquês da não efetivação, bem como o seu baixo
aproveitamento, o que impede a recuperação das mais-valias fundiárias na medida em que não
se cobra corretamente o referido imposto dos proprietários que possuem imóveis nas regiões
mais bem servidas de infraestrutura e serviços urbanos no município e, consequentemente,
mais valorizadas. No extremo oposto, as pessoas que vivem nas regiões mais longínquas da
cidade, sem acesso a tais equipamentos urbanos não têm seus imóveis incrementados por tal
valorização.

Tal situação é percebida no município de Parnamirim, que dispõe atualmente do


Código Tributário Municipal - Lei nº 951/1997 (PARNAMIRIM, 1997) e do Plano Diretor –
Lei Complementar nº 63 de 2013 (PARNAMIRIM, 2013). Apesar da previsão legal, a gestão
municipal de Parnamirim segue uma postura comum à maioria das cidades brasileiras, tendo
grandes dificuldades em angariar recursos próprios e dependendo de transferências governamentais
para dar concretude aos seus projetos.

Assim como a maioria das cidades brasileiras, o município de Parnamirim, que se


mostra carente de infraestrutura urbana, embora venha demonstrando intenso crescimento
imobiliário e econômico nas últimas décadas, utiliza o IPTU aquém da sua capacidade
determinada legalmente, havendo dificuldades em efetivá-lo pela gestão do referido município.
Assim, há uma necessidade de pesquisas que busquem novas evidências sobre como funcionam
concretamente as políticas e os instrumentos de recuperação de mais-valias fundiárias, objetivando
uma mudança de comportamento e de atitudes dos gestores municipais, dos proprietários
privados e da comunidade em geral.

Nesse contexto, percebe-se que o município de Parnamirim utiliza o IPTU aquém


da sua capacidade determinada legalmente, havendo dificuldades em efetivá-lo pela gestão
municipal. Diante disso, questiona-se: o IPTU vem sendo implementado efetivamente pela
gestão municipal de Parnamirim-RN, de forma a garantir a recuperação pública dos benefícios
decorrentes da implantação de infraestrutura urbana no município?

46 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

Diante disso, tem-se como objetivo investigar como a gestão do IPTU em Parnamirim
compreende e incorpora na legislação e na administração municipal a potencialidade do IPTU
de recapturar mais-valias urbanas. Para tanto, foi feito um estudo bibliográfico contemplando
as conceituações pertinentes e uma análise documental sobre a legislação do município; além
disso, foram feitas entrevistas com gestores municipais para entender como a gestão compreende
o papel do IPTU para dinâmica urbana local como um instrumento de política urbana com
potencial de recuperar as mais-valias urbanas recebidas pelos imóveis privados em prol da
coletividade5.

A extrafiscalidade do IPTU: instrumento de recaptura de mais-valias urbanas

Com a promulgação da Constituição de 1988 os municípios passaram a ter maior au-


tonomia e foram equiparados aos demais entes federativos – União, estados e Distrito Federal
– no entanto, no que se refere às rendas tributárias, ainda há uma forte dependência dos estados
e dos municípios em relação à União (DE CESARE; FERNANDES; BAIMA; 2015).

Em sua Tese, Cintia Fernandes (2016) mostra que os municípios, geralmente, somam
grandes prejuízos em razão da baixa arrecadação de impostos como IPTU e o ITBI/ITIV e da
Contribuição de Melhoria. Além disso, a autora aponta que uma grande dificuldade em gerir
os instrumentos previstos nos Planos Diretor “que poderiam ajudar a prevenir e minimizar os
prejuízos financeiros e decorrentes de um mau planejamento e gestão dos municípios”
(FERNANDES, 2016, p. 143).

Nesse sentido, Martim Smolka (2014) conceitua recuperação de mais-valias fundiárias, enten-
dendo que:
A noção da recuperação de mais valias fundiárias é a de mobilizar, em benefício
da comunidade, uma parte ou a totalidade dos incrementos de valor da terra (bene-
fícios indevidos ou mais-valias fundiárias) que tenham sido decorrentes de ações
alheias à dos proprietários de terras, tais como investimentos públicos em infraes-
trutura ou alterações administrativas nas normas e regulamentações de usos do solo
(SMOLKA, 2014, p. 02).


Pode-se afirmar que, de modo geral, é recente na história constitucional brasileira o
potencial tributário dos municípios, com a existência de impostos próprios, especialmente o
IPTU, com capacidade de fomentar uma maior atuação municipal na concretização dos objetivos
previstos pela política urbana, através da possibilidade de uma arrecadação mais eficaz que

5 O presente trabalho é fruto da dissertação de mestrado da autora com o título “O tributo da cidade: o IPTU
como instrumento de recuperação de mais-valias fundiárias em Parnamirim-RN” e foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

47 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

permita às municipalidades possuírem recursos financeiros capazes de financiar investimentos


em equipamentos urbanos, não dependendo exclusivamente das receitas provenientes dos
demais entes federativos.

Segundo a legislação brasileira, os tributos podem ser “vinculados a uma atuação do


Estado – taxas e contribuições de melhorias e não vinculados – impostos”, podendo esses últimos
serem ser definidos como “o tributo que tem por hipótese de incidência (confirmada pela base
de cálculo) um fato alheio a qualquer atuação do Poder Público” (CARVALHO, 2012, p. 68),
estando essa conceituação descrita no art. 16 do CTN.

Esse imposto se destaca da maioria dos outros tributos em razão da sua extrafiscalidade, pois
está diretamente ligado à promoção do ordenamento territorial e do desenvolvimento urbano e
deve ser utilizado para “evitar a ociosidade da terra urbanizada, recuperar as mais-valias
produzidas por investimentos públicos, mitigar a informalidade, legitimar a posse quando viável e
universalizar a provisão de recursos públicos” (DE CESARE; FERNANDES; BAIMA, 2015, p. 18).

Em razão de suas atribuições políticas, econômicas, sociais e urbanísticas, o IPTU possui


uma grande visibilidade e seu retorno é frequentemente cobrado pela população. No entanto,
Aragão (2016) constata que nem sempre os municípios arrecadam de acordo com as suas
necessidades de manutenção urbana e isso se dá tanto por incapacidade administrativa, como
também pela fragilidade das legislações locais ou, ainda, pela ausência dos instrumentos
necessários para que se tenha uma arrecadação eficiente.

O fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por
natureza ou por acessão física, localizado na zona urbana do Município. Para tanto, deve-se
considerar os conceitos trazidos na lei civil sobre bem imóvel. Machado (2013) assevera que
para o direito civil o termo prédio tem um significado ampliado, porém no direito tributário
esse termo designa apenas as edificações. Quanto à base de cálculo, o art. 33 do CTN determina
que será o valor venal do imóvel e, no seu parágrafo único, dispõe que os valores dos bens
móveis mantidos no imóvel não serão considerados na determinação da base de cálculo (BRASIL,
1966). O valor venal é conceituado por Machado como “aquele que o bem alcançaria se fosse
posto à venda, em condições normais (2013, p. 404).

Apesar de no Brasil o IPTU ainda ser utilizado preponderantemente como um imposto


fiscal, observa-se que no cenário internacional a função extrafiscal do IPTU vem sendo cada
vez mais importante para a chamada justiça social. Os fatores determinantes para torná-lo um
instrumento de justiça social: estímulo à ocupação ordenada das áreas urbanas, ser um
instrumento de redução da carência de habitação em áreas com infraestrutura urbana e auxiliar,
juntamente com outros tributos, a recuperação da valorização dos imóveis resultante do investimento
público em infraestrutura. (MATIJASCIC, 2009).

48 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

No entanto, essa não é a prática comum nas cidades brasileiras, que muitas vezes
ignoram a previsão constitucional e a regulamentação dos instrumentos prevista no Estatuto da
Cidade. Nesse sentido, Fernanda Furtado (2005) afirma que concretamente o imposto predial
se mostra baixo e desatualizado na América latina, não conseguindo efetivamente ser um meio
adequado para se recuperar mais-valias fundiárias, porém não significa que não seja capaz de
recuperá-las.

Ao tratar da recuperação de mais-valias fundiárias, deve-se considerar que não depende


apenas de instrumentos tributários, mas também pode ser feita “mediante a gestão democrática e
a implementação de instrumentos urbanísticos específicos, descritos no Plano Diretor do município
e que trabalhem para recuperar – para a coletividade - a valorização fundiária” (SANTORO e
CYMBALISTA, 2005, p. 09).

Apesar disso, percebe-se que não existe um diálogo entre as gestões municipais e os
cidadãos em relação à possibilidade de utilização dos instrumentos capazes de recuperarem
mais-valias fundiárias em benefício da comunidade e, numa perspectiva mais ampla, garantirem
o direito à cidade para seus moradores.

A desatualização do cadastro, dos valores de avaliação e inobservância administrativa


da legislação tributária local, além de provocar baixa arrecadação gera, também, um tratamento
desigual e injusto aos cidadãos, pois a tributação ocorre de acordo com uma base de cálculo
distante da realidade, em diferentes graus, com impacto nos tributos de cada cidadão, muitas
vezes tributando mais quem tem menos e menos quem tem mais, além de danos de planejamento
e de gestão urbana em razão de informação incorreta (2016, p. 142)

Fernandes alerta que as Administrações Públicas devem “deixar de sustentar e incentivar o


latifúndio urbano, a especulação imobiliária e os vazios urbanos em área de infraestrutura consolida-
da” (2016, p. 170). Além disso, precisa ser enfrentada com rigor a sonegação e a inadimplência
de forma que o IPTU possa efetivamente garantir o Direito à Cidade (FERNANDES, 2016).

Na teoria, o IPTU nasce como um tributo essencialmente justo, vez que visa a redistribuição
de riquezas, a preservação do mínimo existencial e a diminuição da especulação imobiliária.
Na prática, as municipalidades devem pautarem-se por tais parâmetros para que o IPTU cumpra
suas funções integralmente.

Dessa forma, mesmo o IPTU não sendo um imposto vinculado a uma determinada
finalidade, os municípios poderiam conseguir honrar com sua obrigação “moral” para com a
cidade, conseguindo prover receitas satisfatórias a partir da sua arrecadação, recuperando os
valores auferidos indevidamente pelos proprietários com a valorização dos seus imóveis gerada
pela iniciativa pública, bem como devolvendo para a população esses valores através da
implementação de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, servindo como um verdadeiro
instrumento tributário e urbanístico em prol da cidade.

49 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

O IPTU em Parnamirim: análise da legislação e da atuação gestão municipal

Os dados do IBGE sobre o PIB per capita divulgados em 2016 demonstram que o PIB
per capita de é de R$ 20.201,24, sendo o segundo maior da Região Metropolitana, ficando
atrás apenas de Natal, com o PIB per capita de R$ 24.890,54 (IBGE, 2019). Além disso, os
estudos mais recentes mostram que Parnamirim é o município com maior integração em
relação à Natal, podendo ser considerada uma integração no nível “muito alto”, integrando com
Natal uma unidade física (pela conurbação) e funcional (CLEMENTINO, FERREIRA, 2015,
p. 34). A esse processo de conurbação, agrega-se o baixo custo do solo urbano de Parnamirim
em comparação com Natal, sendo um dos fatores que motivaram à população de renda média
a residir nos bairros de Parnamirim contíguos à Natal e diariamente deslocarem-se para Natal
(BENTES SOBRINHA; TINOCO; CLEMENTINO, 2009).

O município de Parnamirim dispõe atualmente do Código Tributário Municipal (1997),


do Plano Diretor (2013) e da Lei Orgânica do Município (2015), sendo importante destacar
também a Lei Complementar nº 71 (2013), que atualizou a Planta Genérica de Valores (PGV)
do IPTU, para lançamentos efetuados em 2014 e anos seguintes.

O Código Tributário Municipal de Parnamirim - Lei nº 951 (PARNAMIRIM, 1997)


trata do IPTU no capítulo I do Título II (artigos 90 ao 136). O artigo 90 estabelece que o fato
gerador do imposto como é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado
na zona urbana. Mais à frente, o art. 97 determina quem pode ser considerado contribuinte, e o
art. 99 dispõe que a base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.

A Lei Complementar nº 071 de 2013, que trata da atualização da Planta Genérica de


Valores (PGV), estabelece que a partir de 2014 a determinação do valor venal de imóvel será
apurada pela soma do valor venal do terreno e do valor venal da edificação (art. 5º), trazendo no
art. 6º a fórmula para obtenção do valor venal do terreno (PARNAMIRIM, 2013). Observa-se
que a Lei Complementar nº 71/2013 atualizou a PGV do IPTU, para lançamentos efetuados
em 2014 e anos seguintes, estabelecendo uma atualização do IPTU em 6% ao ano entre 2014
e 2023 (art. 3º), com exceção dos imóveis recadastrados com base no Decreto nº 5.519/2009
(art. 4º), que atualiza o cadastro através da declaração feita pelo contribuinte no procedimento
para pagamento do ITIV (PARNAMIRIM, 2013). Ademais não foi demonstrado pelos técnicos
ou pelos gestores da Secretaria Municipal de Tributação nenhum levantamento de dados con-
cretos sobre valorização imobiliária em Parnamirim, que demonstre essa homogeneidade no
crescimento do preço dos imóveis nos diversos bairros do município, tendo sido feita apenas
pesquisas sobre oferta de imóveis nas imobiliárias que atuam na região de Parnamirim6.


6 Informação colhida na Audiência Pública ocorrida na Câmara de Vereadores de Parnamirim-RN no dia 15 de
março de 2018, que discutiu sobre o aumento do IPTU.

50 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

Voltando às disposições relativas ao IPTU trazidas pela Lei 951/1997, tem-se a determi-
nação no art. 130 das alíquotas utilizadas, havendo duas possibilidades: 1% para os imóveis não
residenciais e 0,6% para os demais imóveis edificados (PARNAMIRIM, 1997). Além disso, o
art. 135 também determina alíquota de 1% para todos os imóveis considerados terrenos. A partir
da atribuição de alíquotas diferenciadas, verifica-se que a alíquota dos imóveis residenciais é
menor do que a alíquota dos imóveis com outras destinações ou não edificados, demonstrando,
ainda que timidamente, a intenção do legislador em reduzir o valor final do IPTU nos imóveis
com função de moradia.

Ao se analisar os dados do Tesouro Nacional relativos à arrecadação do IPTU em


Parnamirim, percebe-se que esta vem crescendo nos últimos 10 anos, saltando de 5,2 milhões
de reais em 2008 para 25,8 milhões de reais em 2017 conforme o gráfico 1.

Gráfico 1: Arrecadação do IPTU (em milhões de R$) em Parnamirim

Fonte: FINBRA, 2008-2017. Elaboração própria, 2018.

O gráfico 2 compara o percentual da arrecadação do IPTU em relação ao total da receita


corrente no município, podendo-se perceber que apesar da participação do IPTU vir crescendo
nos últimos dez anos, tendo uma variação nesse período de 3,34%, sua representatividade ainda
pode ser considerada baixa, chegando em 2017 a apenas 5,84% da receita corrente daquele ano.

Gráfico 2: Percentual do IPTU em relação à receita corrente em Parnamirim (2008-2017)

51 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

Fonte: FINBRA, 2008-2017. Elaboração própria, 2018.


Assim, pode-se afirmar que, mesmo havendo um movimento de crescimento da
arrecadação do IPTU de Parnamirim, essa ainda se mostra baixa em relação ao montante das
receitas arrecadadas no município, revelando que o IPTU ainda não representa uma fonte de
receita capaz de arcar com despesas importantes para o município, como, por exemplo, obras
de infraestrutura relevantes para o desenvolvimento urbano.

Enquanto isso, receitas como Fundo de Participação dos Municípios e outras transfe-
rências (transferências correntes) realizadas pelos demais entes federativos aparecem como
principais financiadoras dos investimentos públicos municipais, como pode-se verificar no
Gráfico 3, que mostra as fontes das receitas que compõem o orçamento municipal em 2017.

Gráfico 3: Total das Receitas Correntes de Parnamirim em 2017

Fonte: FINBRA, 2017. Elaboração própria, 2018.

Nesse contexto, a arrecadação do IPTU apresenta-se muito aquém da sua capacidade


não conseguindo, desse modo, representar um percentual relevante para arcar com as despesas
municipais, levantando o questionamento de quais as dificuldades encontradas pela gestão
municipal para conseguir melhorar a arrecadação do IPTU, enquanto instrumento fiscal,
tornando-o capaz de arcar com os custos da urbanização local.

Buscando compreender melhor a gestão do IPTU pela SEMUT foi realizada uma
entrevista com um dos gestores da SEMUT (Entrevistado 1)7. De início lhe foi questionado
sobre como a SEMUT avalia o potencial do IPTU em Parnamirim, o qual respondeu que a
SEMUT considera que o IPTU tem um grande potencial de arrecadação, mostrando-se através

7 Entrevista concedida no dia 04 de dezembro de 2018 na Secretaria Municipal de Tributação de Parnamirim.

52 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

do aumento da arrecadação nos últimos anos e que isso deu devido ao aumento da fiscalização
e pela mudança na legislação, que, segundo ele, permitiu uma atualização mais eficaz da planta
genérica de valores. Porém, acredita que ainda há muito trabalho a ser feito para se alcançar
uma arrecadação mais próxima do ideal (Entrevistado 1, 2018).

Em relação ao caráter extrafiscal do IPTU, o Entrevistado 1 declara que a SEMUT não


executa nenhuma das hipóteses de extrafiscalidade diretamente, como o IPTU progressivo
no tempo, que, apesar de ter previsão no Plano Diretor, ainda não há internamente nenhuma
discussão quanto à sua aplicação. Já em relação à possibilidade de o IPTU recuperar os gastos
com a urbanização, ele afirma que é algo que a gestão compreende, pois tem noção de que os
imóveis do município passaram recentemente por uma grande valorização, porém questões
técnicas impedem que o cadastro de imóveis atinja essa valorização (Entrevistado 2, 2018).

Ademais, o Entrevistado 1 considera que a arrecadação do IPTU em Parnamirim não


consegue recuperar os incrementos gerados pela valorização dos imóveis privados, sendo
necessária a atualização constante da planta genérica de valores para tanto. Nesse sentido,
informa que a gestão tem buscado através do Programa de Modernização Tributária (PMAT)
do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) um financiamento para possibilitar a realização
do georreferenciamento de todo o município, pois atualmente a SEMUT trabalha com imagens
de satélite de 2006 e um mapeamento de 2010 (Entrevistado 2, 2018).

Além disso, lembra que a Lei Municipal nº 71/2013 permite a atualização do valor venal
dos imóveis com base na declaração feita pelo contribuinte no ato de lançamento do ITIV, ou
seja, quando o imóvel passa por transferência de proprietário. Porém sabe-se que a atualização
através desse instrumento legal atinge apenas uma parte dos imóveis, pois uma grande parcela
deles não chega a passar por processo de transferência, bem como muitos estão na informalidade.
Assim, somente com imagens de satélite atualizadas e um georreferenciamento completo a
gestão conseguirá cadastrar e atualizar todos os imóveis existentes no seu território (Entrevistado 1,
2018).

Ao ser questionado sobre os principais desafios na gestão do IPTU, o Entrevistado 2


afirma que são: diminuir a inadimplência e manter a planta genérica de valores atualizada, sendo
primordial que o contribuinte compreenda a necessidade de pagar o IPTU. Para tanto, ele
precisa acreditar que sua arrecadação vai retornar em obras e serviços para a cidade. Porém, o
Entrevistado 1 pondera que normalmente o contribuinte relaciona o IPTU pago com a imple-
mentação de infraestruturas e serviços na sua rua ou no seu bairro apenas, não entendendo que
imóveis localizados em áreas com melhores condições urbanas devem pagar mais, enquanto o
investimento público deve ocorrer em áreas mais carentes (Entrevistado 1, 2018).

Por fim, em relação à necessidade de uma maior eficiência na arrecadação tributária


aliada a autonomia orçamentária do município, o Secretário confirma que atualmente as trans-
ferências intergovernamentais estão cada vez mais escassas, sendo necessário buscar através

53 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

da arrecadação própria essa autonomia. Assim, acredita que em relação ao IPTU, isso será
possível com a melhoria das condições técnicas da SEMUT, com o aumento progressivo da
fiscalização e com o georreferenciamento do território municipal. Ele comenta também que até
recentemente havia poucos auditores fiscais e servidores capacitados, esse cenário melhorou
com a realização de um concurso público, possibilitando um trabalho mais intenso de identifi-
cação de imóveis edificados e não cadastrados ou desatualizados. Ao concluir, ele pondera que
a cidade cresce muito rápido e a gestão precisa acompanhar esse crescimento (Secretário de
Tributação de Parnamirim, 2018).

Ao analisar os posicionamentos do Entrevistado 1, verifica-se que existe por parte da


gestão do IPTU de Parnamirim uma visão sobre a potencialidade do IPTU como instrumento
de recuperação de mais-valias fundiárias, entendendo que para isso ser possível é necessário
que a planta genérica de valores do município encontre-se atualizada, avaliando os imóveis
em valores mais próximos aos praticados pelo mercado imobiliário, bem como cadastrar os
imóveis que se encontram na informalidade, para tanto há a necessidade modernização e de
quantidade suficiente de funcionários auxiliando à gestão. Porém, percebe-se que as dificuldades
existentes esbarram nos interesses da gestão municipal, que não priorizou até o momento as
demandas da secretaria de tributação voltadas para tornar o IPTU um instrumento eficaz não
só de arrecadação fiscal, mas também de recuperação de mais-valias urbanas.

Diante desse cenário, percebe-se que a falta do conhecimento técnico sobre a tributação
do IPTU, associado a falta de investimento numa Planta Genérica de Valores que atualize o
cadastro imobiliário causam grandes distorções e, até mesmo, injustiças fiscais. Além disso,
dificultam ainda mais a possibilidade de se recuperar mais-valias fundiárias através desse
imposto. Assim, a gestão ao tentar buscar soluções que não passem pela atualização concreta
da PGV acaba prejudicando ainda mais sua arrecadação (devido a suspensão da cobrança do
IPTU dos contribuintes que reclamam de forma administrativa ou judicial), bem como causa
um descontentamento por parte da população, dificultando mais ainda à conscientização do
cidadãos à respeito da importância do IPTU para a cidade.

Algumas Conclusões

O solo urbano, visto como uma mercadoria especial e de grande importância para
o espaço capitalista, tem na normatização urbanística e tributária uma possibilidade de diminuição
das desigualdades existentes nas cidades brasileiras, compreendendo-se que a previsão cons-
titucional relativa à política urbana, o Estatuto da Cidade, os Planos Diretores e a legislação
tributária trazem importantes instrumentos voltados para a recaptura de mais-valias fundiárias.

54 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

Percebe-se que no Brasil a política tributária ainda se apresenta de forma regressiva


e atinge fortemente as classes mais populares. Portanto, sem uma associação entre a política
urbana e a tributária, o lançamento de terras no mercado piora a segregação, a exclusão e a
desigualdade social. Assim, faz-se necessário um olhar para o IPTU como instrumento fiscal
que também tem capacidade de dialogar com os instrumentos urbanísticos presentes nos planos
diretores e demais legislações que tratem da questão urbana.

A arrecadação do IPTU é uma das principais fontes constitucionais de receita própria


das cidades brasileiras. No entanto, ainda existe no país uma quantidade considerável de
municípios que não o cobram ou que possuem uma baixa arrecadação desse imposto, não
conseguindo assim recuperar as mais-valias urbanas.

Em relação ao município de Parnamirim, demonstrou-se a legislação e o papel da gestão


em relação ao IPTU. As informações colhidas na pesquisa revelam que que Parnamirim é um
município que se encontra em um intenso processo de expansão urbana associado diretamente
à dinâmica imobiliária da Região Metropolitana de Natal.

Quanto à legislação, apesar da existência de diversas leis municipais regulamentando


o IPTU, este se mostra ainda pouco eficiente, em razão da não atualização adequada da planta
genérica de valores.

Assim, verifica-se que apesar da gestão municipal ter aumentado consideravelmente a


sua receita tributária, o IPTU ainda tem uma arrecadação baixa e não consegue investir com
recursos próprios em obras de infraestrutura urbana, que são financiadas através de transferências
intergovernamentais advindas dos demais entes federativos que estão cada vez mais escassas.

Diante desse quadro, considera-se que Parnamirim ainda precisa avançar no que se
refere à gestão do IPTU para torná-lo mais efetivo e melhorar tanto em quantidade, arrecadando
valores mais significativos no montante da receita tributária municipal, como também
em qualidade, com uma atualização constante da planta genérica de valores, evitando discrepâncias
que resultem em injustiças fiscais. Além disso, deve também voltar-se para a efetivação de suas
funções extrafiscais para os imóveis que não cumprem sua função social.

Referências

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55 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 3

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CAPÍTULO 3

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57 Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio


CAPÍTULO 4

Da casa ao destino: deslocamentos que custam caro no bolso do assalariado

Analúcia de Azevedo Silva8

Introdução

A partir do ano de 2009, com o lançamento do Programa federal de habitação Minha


Casa Minha vida (MCMV), o Rio Grande do Norte passou a contar com a construção de
novos conjuntos habitacionais em seu território. Na Região Metropolitana de Natal (RMNatal), o
referido programa, entre os anos de 2009 e 2012, construiu entre casas e apartamentos, 10.202
unidades habitacionais para a população da faixa 1 – que corresponde até três salários
mínimos. Foram empreendimentos edificados nos municípios de Ceará-Mirim, Extremoz,
Macaíba, Monte Alegre, Natal, Nísia Floresta, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante.

De acordo com estudo realizado pelo Observatório das Metrópoles (2012) acerca dos
níveis de integração dos municípios brasileiros à dinâmica da metropolização, as cidades de
Extremoz, São Gonçalo do Amarante e Parnamirim são as que apresentam alto nível de
integração com Natal, Macaíba médio nível e os outros municípios componentes da RMNatal
possuem baixa integração com a cidade polo. Essa integração se dá também pela conurbação,
transbordamento ou proximidade entre algumas cidades integrantes da Região Metropolitana
e a cidade polo Natal, fato que contribui para o aumento dos deslocamentos intermunicipais
diários, levando à necessidade de infraestrutura física e de serviços à coletividade.

Essas informações permitem inferir que os municípios constituintes da RMNatal recorrem


a cidade polo para ter suas necessidades atendidas no que diz respeito aos bens de uso coletivo
(notadamente universidades e hospitais especializados), bem como refletir sobre a existência
de possíveis dificuldades para acessá-los no que se refere as distâncias geográficas9entre as
regiões centrais dos citados municípios e a cidade polo. Mesmo para aqueles municípios que
não guardam relevante nível de integração com a cidade polo, o acesso a específicos elementos
da dinâmica metropolitana requer a realização de deslocamentos até a capital potiguar.

É correto afirmar que o MCMV Faixa 1 promoveu o acesso à casa própria para muitas
famílias pobres na RMNatal, mas também é razoável dizer que trouxe para estas famílias um
conjunto de desafios no que se refere ao direito à cidade, no que tange, principalmente à mobilidade,
devido à localização da moradia. A instalação dos novos conjuntos habitacionais se concentrou

8 Doutoranda e Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: anadomitila1973@gmail.


com
9 Distâncias: São Gonçalo do Amarante, cerca de 11 km; Monte Alegre, aproximadamente 35 km.

58
CAPÍTULO 4

em áreas distantes das centralidades das cidades onde se encontravam estabelecidas as dinâmicas
urbanas: prestação de serviços, equipamentos de uso coletivo, oferta de ensino, saúde e de
transporte público coletivo, por exemplo.

Nesse contexto, para compreender os efeitos do morar longe no cotidiano urbano dos
beneficiários do MCMV Faixa 1, figura como referencial teórico, na busca por permitir possíveis
reflexões sobre a localização da moradia no contexto ‘centro versus periferia’, o pensamento
desenvolvido pelo geógrafo britânico David Harvey em sua obra intitulada “A Justiça Social e
a Cidade”, de 1980. Nela, se discute, entre outros temas, o processo de separação da habitação
de pobres e de ricos nos Estados Unidos (com suas cidades de capitalismo avançado).

O capítulo admite, na forma de adaptação à realidade brasileira, estabelecer diálogos


necessários sobre as condições da habitação de interesse social na RMNatal, bem como conduzir
o debate acerca do preço da mobilidade urbana, elemento importante para o alcance do direito
à cidade para aqueles que vivenciam os desafios da periferização da moradia popular. Os
deslocamentos diários necessários para acessar as centralidades urbanas tornam as distâncias
um desafio cotidiano e o transporte público coletivo um componente crucial na vida das pessoas.
Dessa forma, o capítulo provoca reflexões acerca do acesso ao transporte público coletivo na
RMNatalcom destaque para a realidade dos beneficiários do Programa Minha Casa Minha
Vida - Faixa 1, mas que se aplica também à população de baixa renda dos não moradores de um
conjunto do MCMV.

Os deslocamentos cotidianos são classificados como ‘movimentos pendulares’. Segundo


o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA (2013), as pesquisas e os estudos acercados
efeitos do movimento pendular sobre o território metropolitano são fundamentais para a gestão
das RMs, pois podem revelar mudanças no contexto intraurbano e nas relações interurbanas,
bem como por se constituírem em referenciais obrigatórios para a formulação e planejamento
de políticas públicas com vistas às demandas de mobilidade, moradia e uso do solo e trabalho,
como também para as ações de gestão urbana e regional.

Os moradores dos novos conjuntos habitacionais foram selecionados por faixa de renda.
As regras da seleção caracterizam uma forma antecipada de segregação social. Tal segregação,
estabelecida pelo programa aos habitantes de mais baixa renda, gera demandas e carências de
toda ordem. Esse conjunto de carências não atendidas, parte em razão da ausência do Estado,
pode ser compreendida a partir da definição de “Espoliação Urbana”, que o autor Kowarick
(1979, p. 59), define como sendo “o somatório de extorsões que se opera através da inexistência
ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários
em relação aos níveis de subsistência”.

A espoliação urbana corrobora com a reflexão que Ribeiro (2005) faz sobre renda e

59 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

localização da moradia quando este salienta que os pobres segregados nas periferias estão
sujeitos ao isolamento frente ao restante da sociedade, tanto no plano social quanto no plano
cultural. Para ele, a condição de morador de periferia reduz as oportunidades de convivência e
interação informal entre estes e as outras classes sociais, tudo isso em razão da diminuição das
oportunidades de acesso ao emprego urbano nas redes econômicas hegemônicas das cidades.

O autor mencionado ainda observa que o acesso a determinados bens da cidade é


proporcionado, primordialmente, pelos salários, de modo que as possibilidades de adquirir certas
mercadorias (no caso do nosso estudo, a mobilidade urbana), estão vinculadas ao montante
de riqueza de cada indivíduo. Esse capítulo investiga o preço pago pelo morador dos novos
conjuntos habitacionais para garantir sua mobilidade no meio urbano.

Quanto custa morar longe para uma família de baixa renda? A noção de renda, para
Harvey (1980), não está associada apenas a uma medida monetária. Vários outros elementos
ajudam a formar a renda dos indivíduos na cidade, ou seja, é a conjunção de fatores econômicos
que determina o que Harvey trata como “renda real”. O autor diz que para a compreensão do
conceito, é fundamental para discutir a distribuição da renda real, ou seja, como as mudanças
na forma espacial da cidade e nos processos sociais que operam na cidade provocam mudanças
na renda do indivíduo? Dessa forma, verifica-se que o salário do indivíduo é apenas uma parte
considerada de sua renda real. Importa associar o salário à localização da moradia do indivíduo
na cidade, pois a localização possibilita notar a capacidade e a possibilidade de acesso aos
escassos recursos do espaço urbano.

Na perspectiva de conduzir as discussões do tema mobilidade urbana para os beneficiários


do MCMV Faixa 1 e o preço pago pelos deslocamentos, este capítulo objetiva descrever a
estrutura do sistema de transporte na RMNatal, considerando os modais públicos coletivos
disponíveis na RMNatal, o perfil e os motivos das viagens e, principalmente, discutir sobre o
preço da mobilidade urbana para os moradores dos novos conjuntos habitacionais, visto que, de
acordo com estudos (PDTM-2008), cerca de 48% dos usuários do sistema de transporte público
coletivo na RMNatal é composta pela baixa renda, mesma classe social dos beneficiários do
MCMV Faixa 1.

Dessa forma, a metodologia de pesquisa incluiu a revisão bibliográfica de alguns


referencias teóricos salutares para os debates sobre as questões urbanas, em especial a mobilidade
urbana. Referenciais como Harvey (1980), Ribeiro (2005), Valença (2008; 2013), Rolnik (2010),
Silva (2010). Também contou com a revisão de informações extraídas da dissertação de mestrado
de Silva (2014). Foram aproveitados os dados elaborados na pesquisa de campo da referida
dissertação que contou com a observação direta realizada entre os anos de 2013 e 2014 nos
municípios com empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida na RMNatal. 

O percurso metodológico também se valeu da pesquisa documental como um dos


instrumentos utilizados para a coleta de dados e informações. Parte das descrições e análises

60 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

se fundamentam no Plano Diretor de Transporte Metropolitano da RMNatal (PDTM) contratado


pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, no ano de 2008, através da Secretaria de
Infraestrutura (SIN) e do Departamento de Estradas de Rodagens(DER/RN) e no Plano de
Mobilidade de Natal/RN desenvolvido pela Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e
Estudos Tecnológicos (COPPETEC), contratado pela Secretaria Municipal de Mobilidade
Urbana (STTU), concluído no ano de 2009.

Assim, o capítulo está estruturado em: introdução; 3 seções descritivas e de análise de


dados;e considerações finais. A seção 1 discorre sobre a expansão imobiliária nas áreas periféricas
e as condições de mobilidade urbana realizada por modais legais e ilegais; a seção 2 trata do
perfil e dos motivos dos deslocamentos na RMNatal; a 3ª seção apresenta o preço dos deslocamen-
tos na RMNatal para a o usuário do transporte público. As considerações finais indicam que a
aquisição da casa própria pela população de baixa renda distante do centro das cidades, longe
dos meios de consumo coletivo e à mercê de um transporte público ineficaz, desarticulado e
caro contribui para o empobrecimento dos beneficiários do MCMV na RMNatal.

Moradia e transporte

No tocante à habitação de interesse social, a ação governamental, focou até meados de


2016, na construção de conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, na promoção
de financiamentos bancários para a aquisição da casa própria a juros baixos, ou proporcionou
subsídios financeiros para a citada camada social. Tudo isso para que a população de baixa
renda se tornasse possuidora (consumidora) da casa própria. Paralelamente a essa ação, a saber,
a da promoção da aquisição da casa própria para a população mais pobre, tem-se a da especulação
imobiliária que vai contribuindo para a expansão urbana nas áreas periféricas dos municípios.

A mancha urbana das cidades vai se estendendo em razão dos novos conjuntos habita-
cionais não serem erguidos nos limites geográficos das centralidades urbanas. Observa-se nas
leituras feitas por Valença (2008) acerca do pensamento desenvolvido por Harvey, que esse
investimento na expansão urbana é apenas mais uma manifestação da reprodução do capital
na medida em que utiliza a estratégia de expandir o capital para áreas onde o capitalismo ainda
não havia se manifestado em larga escala, criando novos espaços reconfigurados para servir à
acumulação e reprodução do capital.

Para acessar o MCMV Faixa 1, o mercado adquiriu as terras mais baratas, ou seja,
aquelas mais distantes das centralidades urbanas e com maior precariedade de infraestrutura,
conduzindo a expansão urbana para as áreas periféricas. Para Kowarick (2000), todo esse
processo acirra as formas da segregação socioeconômica.

61 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

As cidades como lócus de produção e consumo, aí incluídos não só habitação – mas


também redes viárias, de água, esgoto e demais serviços coletivos, não esquecendo
a terra urbana, suporte material que recebe essas e outras benfeitorias – passaram
a expressar acirradas formas de segregação socioeconômica. Nelas contrastam, de
maneira radical, as restritas áreas privilegiadas, destinadas aos estratos de médio e
alto poder aquisitivo, com as imensas zonas onde se avolumam os trabalhadores que
não podem pagar o preço de um progresso apoiado na exclusão social e econômica
daqueles que levam adiante as engrenagens econômicas (KOWARICK, 2000, p.59).

Por não ter as condições econômicas para adquirir um imóvel nas áreas com mais
infraestrutura (áreas nobres), a baixa renda aderiu ao MCMV Faixa 1 na RMNatal, adquirindo
suas moradias em áreas distantes das centralidades, ou seja, nas periferias urbanas. No caso
do Rio Grande do Norte na RMNatal, foram erguidos 32 empreendimentos do programa entregues
entre os anos de 2009 e 2012 à população de baixa renda em áreas periféricas das cidades de
Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Monte Alegre, Natal, Nísia Floresta, Parnamirim e São
Gonçalo do Amarante, atendendo aos interesses do mercado imobiliário.

Nesse contexto, foi articulada a expansão urbana nos citados municípios, o que
inevitavelmente, conduziu o poder público a se comprometer com o atendimento das demandas
que fossem surgindo. Demandas por iluminação pública, abastecimento de água e esgotamento
sanitário e transporte público coletivo, por exemplo. Foi a ausência de articulação da política
habitacional com a política urbana e a inexistência de exigências para que os entes públicos
utilizassem os instrumentos do Estatuto das Cidades na contratação dos empreendimentos do
MCMV Faixa 1, que permitiram que os novos conjuntos habitacionais na RMNatal fossem
viabilizados a partir da dinâmica de mercado.

Em consequência disso, os moradores dos novos conjuntos precisaram realizar


deslocamentos em razão das distâncias entre sua casa e locais nos quais exercem as atividades
rotineiras, ou não, como trabalhar, estudar, ir ao médico, ao cinema, fazer compras, etc. Que
condições de realizar esses deslocamentos lhe foram dadas? Existe a oferta de transporte público
coletivo para os moradores desses novos conjuntos habitacionais? Há variedade de modais para
os deslocamentos, e eles são integrados? São muitos os deslocamentos?

Para responder a todas esses questionamentos, os técnicos do Departamento de Estradas


de Rodagens – DER/RN e da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Natal – STTU,
forneceram dados, informações, bem como acesso a diversos documentos que possibilitaram a
compreensão do sistema de transporte na RMNatal e seus impactos no cotidiano dos moradores
dos novos conjuntos habitacionais construídos pelo MCMV Faixa 1 na RMNatal.

Os principais documentos disponibilizados foram os estudos realizados para a elaboração do


PDTM (2008) da RMNatal e para o PMUNatal (2009). Nos estudos foi identificado a existência
de mais de 2 milhões de viagens diárias entre os municípios da Região Metropolitana e a cidade
polo. O item seguinte descreve os modais motorizados existentes na RMNatal.

62 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Os modais motorizados disponíveis: do legal ao ilegal

Segundo estudos para elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Natal (Coppetec,


2009), na RMNatal, o transporte motorizado intermunicipal é realizado por ônibus regular e
opcional. O serviço realizado pelo ônibus é denominado Serviço Regular por Ônibus (SRT) e
o Transporte realizado pelos opcionais se chama Transporte Opcional de Médio Porte (TOMP
- vans e microônibus). A atividade do SRT é voltada para o atendimento constante das necessidades
de transportes da população, efetivado entre dois ou mais municípios. Esse transporte é feito
por meio de veículos de grande porte, tipo ônibus ou micro-ônibus.

Nele é permitido o transporte de passageiros em pé. De acordo com os técnicos do DER/


RN, diante da redesenhada configuração da mancha urbana estabelecida pelo acréscimo dos
novos conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1, as prefeituras dos municípios beneficiados
pelo programa habitacional nem mesmo solicitaram o incremento das linhas existentes para as
novas comunidades estabelecidas. Não houve nenhum planejamento no sentido de atender os
moradores. Para o caso das cidades em situação de conurbação/transbordamento com Natal há
um impacto considerável diante das dificuldades para acessar a cidade polo.

As tabelas 1 e 2 apresentam os quantitativos das frotas por SRT e TOMP na RMNatal.


Os números levantados pela Coppetec, em 2009, revelavam a incapacidade das empresas em
ofertar equipamentos (ônibus) suficientes para alimentar o sistema. Conforme visualizado na
Tabela 1, a frota de SRT por dia útil na RMNatal demostra que a empresa que mais contribui
com o sistema é a TRANSTV com 80 unidades e que o total da frota é de apenas 296 unidades,
um número considerado baixo pela Coppetec para a demanda por deslocamentos.

Tabela 1 - Quantitativo da Frota ativa das empresas que operam SRT na RMNatal
Empresa Frota por dia útil Participação (%)
Barros 20 7
Campos 17 6
Dunas 32 11
Oceano 54 18
Riograndense 30 10
Santa Maria 15 5
Transflor 48 16
TransTV 80 27
Total 296 100

Fonte: Elaborado pela autora com dados da Coppetec, 2009.

63 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

A atividade efetivada pelo TOMP é realizada em caráter alternativo e suplementar aos


serviços de transporte regular por ônibus (SRT). Essa atividade se dá com a utilização de
veículos de médio porte, tipo Van. Nele é proibido transportar passageiros em número maior
que o de assentos (em pé). A tabela 2 apresenta a frota de TOMP por dia útil na RMNatal que
demonstra que somente a cidade de Parnamirim possui mais de 20 unidades para desse modal
para oferecer à sua população.

Tabela 2- Quantitativo da Frota ativa das empresas que operam o TOMP na RMNatal.
Município Frota por dia útil
Ceará-Mirim 11
Extremoz 07
Macaíba 07
Parnamirim 28
São Gonçalo do Amarante 17
Diversos 10
Fonte: Elaborado pela autora com dados da Coppetec, 2009.

Vale ressaltar que no estudo em Diversos foram contabilizadas as linhas que atendem
Nísia Floresta, São José do Mipibu e Barra de Tabatinga. Não há registro de TOMP em Monte
Alegre. Há registros de outras linhas de TOPM´s que alimentam apenas bairros específicos
em Parnamirim, a saber, Eucalipto e Nova Parnamirim que não são contabilizados aqui nesse
capítulo por serem conjuntos distantes das áreas onde foram erguidos os empreendimentos do
MCMV Faixa 1.

Segundo os técnicos do DER/RN, a falta de interesse das empresas de transporte


coletivo em oferecer seus serviços dar-se basicamente pelas péssimas condições das vias que
dão acesso aos empreendimentos. Em praticamente todos os empreendimentos apenas a parte
interna é pavimentada, enquanto que as vias de acesso são vicinais. As péssimas condições das
vias podem ser observadas nos empreendimentos de Extremoz, Ceará-Mirim, Macaíba, Nísia
Floresta e São Gonçalo do Amarante. O capítulo dispõe de registros fotográficos dos conjuntos
habitacionais dos referidos municípios em seu apêndice.

Além da maioria dos empreendimentos estarem cercados por vias vicinais, os pontos
de ônibus das linhas oficiais (legalizadas) são distantes dos empreendimentos. Os moradores
do Residencial Flora e Residencial Mar, ambos em Ceará-Mirim, encontram o ponto de ônibus
mais próximo a cerca de 1 (um) quilômetro. Em Parnamirim, os Residenciais Terras do Engenho
I e II, estão distantes do ponto de ônibus em pelo menos 2 quilômetros. No caso do Residencial
Jomar Alecrim em São Gonçalo do Amarante, os moradores precisam andar a pé cerca de 2
(dois) quilômetros até o ponto de embarque e desembarque do transporte público coletivo (SRT
ou TOMP) fixado na BR 160.

64 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Observa-se que a promoção da mobilidade urbana dos moradores do MCMV Faixa 1


na RMNatal tornou-se uma obrigação para o poder público diante do incremento de população/
usuários oriunda de um dos 32 empreendimentos (novos conjuntos habitacionais). Esse contingente
de famílias de baixa renda usuária do transporte público figura como um dos indicativos da di-
mensão que a mobilidade urbana representa para os beneficiários do referido programa habitacional.

Diante da ausência (carência) de alcance de modais para alguns dos empreendimentos,


fato demonstrado no estudo de caso da dissertação de mestrado Silva (2014), os moradores dos
novos conjuntos habitacionais adotam soluções caseiras e se utilizam, por exemplo, de moto-táxi,
carro de lotação, transportes alternativos como Kombi. Todos modais motorizados não legalizados
pelo Município ou pelo DER/RN.

Apesar da pesquisa Silva (2014) evidenciar que todos os municípios estudados


são alimentados pelo Serviço de Transporte Regular (STR) e, alguns deles, pelo Transporte
Opcional de Médio Porte (TOMP), ambos legalizados pelo DER/RN, os citados serviços não
oferecem pontos de embarque e desembarque nas proximidades dos empreendimentos. O capítulo,
em seu apêndice, apresenta registros fotográficos dos serviços realizados por moto-taxi e
carros de lotação em alguns dos conjuntos habitacionais de Ceará-Mirim.

De acordo com os estudos do Plano de Mobilidade de Natal desenvolvidos pela Fun-


dação Coppetec (2009), dentre o conjunto de modais motorizados existentes para realizar os
deslocamentos na RMNatal, também está o trem (ver mapa).

Mapa 1 - Sistema de Trens Urbanos de RMNatal

65 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Fonte: Cidades Contemporâneas, 2018.

O sistema do referido meio de transporte coletivo possui uma malha ferroviária que
cruza parte da Região Metropolitana de norte a sul, atendendo os municípios de Ceará-Mirim,
Extremoz, Natal e Parnamirim, considerados parte da metrópole funcional (apresentam forte
integração com a cidade polo, à exceção de Ceará-Mirim). Possivelmente, a oferta desse modal
afetou as relações de conexão de Parnamirim e Extremoz com a capital potiguar.

O sistema de trem urbano de Natal, como é denominado apesar de percorrer a RM, é


operacionalizado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). O sistema tem um
total de 56,2 km de extensão e é composto por duas linhas, a linha Norte com 38,5 km e a Sul
com 17,7 km. A operação da linha Norte é realizada por uma locomotiva e cinco carros. Este
ramal do sistema ferroviário conta com 12 (doze estações), sendo sete delas em Natal, duas em
Extremoz e três em Ceará-Mirim. A operação da linha Sul é realizada por uma locomotiva e
quatro carros. Este ramal do sistema ferroviário conta com 09 (nove estações), sendo seis em
Natal, uma na divisa entre os municípios Natal e Parnamirim e duas em Parnamirim.

No mapa acima se pode observar que as duas únicas estações de trem em Parnamirim,
município que tem alta integração com Natal, ficam distantes dos bairros onde se localizam
boa parte dos conjuntos do MCMV Faixa 1, fato que aponta para a necessidade da ação
governamental na promoção de integração entre o SRT (ônibus), o TOMP (opcional) e o Trem,
bem como para a criação de infraestrutura tais como a implantação de calçadas acessíveis,
de bicicletário, de linhas circulares de acesso a pontos mais centrais das localidades e de ruas
adequadas (pavimentadas) que atendam a população de baixa renda, com algum conforto, nos
caminhos percorridos até uma estação de trem ou ponto de ônibus. O uso diário do modal trem
pode atenuar os gastos das famílias com nos deslocamentos de ‘idas e vindas’.

No caso dos empreendimentos de Natal e de Ceará-Mirim (ver mapa), acessar o modal


trem requer vencer consideráveis distâncias, o que remete para soluções de integração dos
modais a exemplo do caso de Parnamirim. Os novos conjuntos do MCMV Faixa 1 das cidades
de São Gonçalo do Amarante, Nísia Floresta, Macaíba e Monte Alegre não têm o trem como
opção de mobilidade, pois a malha viária se estende somente até a cidade de Parnamirim.

66 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Segundo a Coppetec (2009), em média os dois ramais transportam por dia 8.482 passageiros
e a operação ocorre somente de segunda a sábado. São realizadas aproximadamente 14 (quatorze)
viagens diárias, sendo sete no trecho Sul, com exceção dos dias de quarta-feira, que possui
uma viagem a mais, e sete no trecho norte. Esses dados denotam que o modal tem significativa
adesão dos usuários do transporte público coletivo.

O estudo (2008) concluiu, em seu relatório diagnóstico, que a população de baixa renda
dos municípios alimentados pelo sistema ferroviário utiliza significativamente esse modal pelo
fato da passagem custar R$ 0,50 (cinquenta centavos), preço em 2008 que perdurou até ano de
2017 quando a tarifa sofreu reajuste. Entretanto, o estudo pontua que é necessário investir na
melhoria da integração desse sistema com os outros meios de transportes.

É necessário que o sistema seja redesenhado conjuntamente com os outros sistemas de


transporte público coletivo existentes, a fim de que seja ampliada as condições de acesso e o
número de usuários com a facilitação da chegada desses usuários ao seu destino final. É mister
esclarecer que, atualmente, a tarifa do trem urbano na RMNatal custa 1 real, preço ainda bem
mais acessível à baixa renda do que o preço das tarifas fixadas em outros modais.

Nesse sentido, considera-se que o ‘modal trem’ é o mais adequado financeiramente


para o assalariado da RMNatal. Porém, trata-se de um dos modais de mais difícil acesso para
os moradores dos novos conjuntos habitacionais. A estação Jardim Aeroporto em Parnamirim,
por exemplo, fica distante cerca de 10 km do bairro Liberdade onde se encontram 02 empreen-
dimentos do MCMV Faixa 1 que totalizam 992 apartamentos. A segunda e última estação
de Parnamirim, fica distante cerca de 5 Km do bairro Nova Esperança onde se encontram 10
empreendimentos do MCMV Faixa 1 totalizando 4.096 apartamentos. Dessa forma, observa-
-se que o modal trem é uma opção de baixo custo, porém, uma opção que esbarra na distância
como um complicador do acesso.

Pelo exposto, observa-se que a inviável ou escassa oferta dos serviços de transportes
públicos coletivos seja por Trem, SRT ou TOMP, não somente representa um desafio para os
moradores dos conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1 na RMNatal, mas para o conjunto da
população de baixa renda usuária desse mesmo sistema nos respectivos municípios estudados.

O problema consiste, segundo relatório diagnóstico final do Plano de Mobilidade de


Natal (Coppetec, 2009), no fato da rede intermunicipal apresentar baixo grau de cobertura
espacial da área urbana ocupada, apenas 45,8%10 de cobertura. Isso ocorre em virtude de as
linhas intermunicipais trafegarem nas principais avenidas de cada município da RMN tendo
como objetivo fazer a ligação entre os municípios, enquanto que a microacessibilidade (ligação

10 Para o cálculo do grau de cobertura do transporte público coletivo intermunicipal foram considerados os se-
guintes critérios: uma faixa de trezentos metros para cada lado do eixo viário servido por pelo menos uma linha
de ônibus, e para a consideração da área urbanizada adotou-se uma faixa de cem metros a partir da malha viária
presente na base georeferenciada. Foram consideradas nesta analise as linhas intermunicipais regulares (STR) e
também as opcionais (TOMP).(COPPETEC, 2008).

67 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

entre bairros, áreas), fica por conta dos sistemas municipais. Verifica-se que nos municípios

pesquisados, esse serviço ofertado para o transporte interno é muito precário ou inexistente.

Outro problema enfrentado não só pelos beneficiários do MCMV Faixa 1, mas pela
população da RMNatal, diz respeito ao ato de fazer o sobe e desce(embarque e desembarque)
no perímetro urbano de Natal, pois, as vias por onde trafegam os veículos do transporte público são
as mesmas por onde trafegam os veículos particulares e os outros tantos modais, como o trans-
porte de cargas, o que cria grande conflito e filas de congestionamento em horários de pico.

Em virtude dessa sobreposição do sistema de transporte público nas mesmas vias de


acesso à capital potiguar, algumas linhas de SRT e de TOMP que operam na RMNatal são
obrigadas a retornarem de pontos menos centrais. Verifica-se essa situação através do trajeto
realizado pela empresa Trampolim da Vitória, responsável pelo serviço de transporte público
de Parnamirim. Observa-se que as linhas de Parnamirim entram em Natal, mas deixam o
usuário em áreas anteriores ao centro da cidade, como mostram as figuras 1 e 2 abaixo.

Figura 1- Linha C – Vale do Sol com retornando do Natal Shopping.

Fonte: Elaborado pela autora com o auxílio da ferramenta Google Maps, 2013.

68 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Figura 2- Linha C – Sta. Teresa com retorno na Frente da UFRN

Fonte: Elaborado pela autora com o auxílio da ferramenta Google Maps, 2013.

As imagens evidenciam que o usuário tem seu desembarque em locais ainda distantes
do centro da capital, ou seja, o usuário não acessa o Alecrim, a Cidade Alta e a Ribeira,
considerados os bairros mais centrais da cidade do Natal. Essa realidade retratada no exemplo
de Parnamirim é vivenciada também pelos outros municípios aqui estudados. Algumas linhas
de TOMP vão apenas até o Shopping Midway, outras vão até o hospital Walfredo Gurgel,
outras até parte da Av. Romualdo Galvão. Entretanto, não se pode afirmar que essa desconti-
nuidade do sistema de transporte até as áreas do centro histórico de Natal seja um problema
relevante para o usuário desse sistema, pois hoje há novas configurações na dinâmica econômica da
cidade polo Natal que tem desenvolvido novos centros de aglomeração dos empregos e serviços
na citada cidade.

Essa situação pode se configurar como um problema porque não há um sistema de


integração tarifária entre as linhas da RMNatal e as que circulam dentro de Natal. Caso se quei-
ra realmente acessar o centro histórico da cidade polo no qual encontram-se o corredor cultural da
cidade, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), a Secretaria de Estado de Saúde
Pública (SESAP), o Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) que fica no bairro vizinho
(Petrópolis), o usuário do transporte coletivo vindo de parte da RMNatal terá que pagar mais

69 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

de uma tarifa. Por todas as informações disponibilizadas nesse capítulo, pode se considerar que
o número de pessoas que precisam se deslocar nos novos conjuntos habitacionais é expressivo?
Os movimentos de ‘idas e vindas’ é intraurbano ou intermunicipal? Para onde as pessoas se
dirigem? Quais atividades motivam seus deslocamentos? Os subtítulos seguintes lançam luz a
essas interrogações.

O perfil dos deslocamentos na RMNatal

O PDTM (2008) identificou que ocorrem 2.082.711 (dois milhões, oitenta e dois mil e
setecentas e onze) viagens na RMNatal e que, aproximadamente, 42% são realizadas por
transporte não motorizado, ou seja, as pessoas se deslocam dentro de seus municípios a pé;
35% dos deslocamentos são realizados por transporte público coletivo e 23% por transporte
individual (particular). A tabela 3 apresenta a porcentagem desses modais por município da
RMNatal onde temos os conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1, com exceção apenas de
São José do Mipibu. Verifica-se que os municípios de alto e médio nível de integração com
Natal são os que apresentam maior volume de viagens por transporte coletivo.

Tabela 3 - Número de viagens por modo e por dia na RMNatal


Não Motorizado Transporte Coletivo Transporte Individual
Município de origem
Viagens % Viagens % Viagens %
Ceará-Mirim 35.283 64,3 11.934 21,7 7.666 14,0
Extremoz 8.685 37,9 8.859 38,6 5.379 23,5
Macaíba 31.205 50,3 14.537 23,4 16.279 26,2
Monte Alegre 12.190 78,7 1.005 6,5 2.290 14,8
Natal 579.186 39,6 527.530 36,1 355.937 24,3
Nísia Floresta 10.032 57,7 3.565 20,5 3.791 21,8
Parnamirim 139.684 43,8 105.332 33,0 74.151 23,2
São Gonçalo do Amarante 37.352 36,4 49.877 48,6 15.490 15,1
São José de Mipibu 17.425 68,4 4.738 18,6 3.311 13,0
Total geral 871.042 41,8 727.377 34,9 484.293 23,3
Método: Pesquisa Origem Destino 2007
Fonte: Elaborado pela autora com dados do PDTM da RMNatal(2008).

O transporte público coletivo (modal motorizado) possibilita vencer com maior facilidade as
barreiras geográficas existentes (diminuir distâncias). Segundo o PDTM (2008), se destacam as
conexões realizadas entre Natal e Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Natal e Extremoz e
Natal, municípios de alta integração com a cidade polo. Os demais municípios juntos produzem
e atraem para Natal algo da ordem de 4,5% do total de viagens (consideradas apenas viagens
que tenham origem ou destino em Natal), valor inferior ao observado para as conexões acima
citadas das cidades de alta integração com Natal.

70 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Esses dados indicam a necessidade de uma análise mais detalhada dessas conexões,
tanto no que concerne à infraestrutura viária disponível quanto ao serviço de transporte público
coletivo prestado. Para analisar os fluxos de viagens na RMNatal, o PDTM (2008) utilizou a
divisão de Regiões Administrativas estabelecida pelo Plano Diretor do Município do Natal.
Para os demais oito municípios restantes da Região Metropolitana considerou-se o limite
administrativo. A tabela 4 destaca os fluxos das viagens dos municípios da RMNatal beneficiados
pelo MCMV Faixa 1 com destino à Natal.

Tabela 4 - Fluxos de viagens em Transporte público coletivo entre Natal e os municípios


da RMNatal/MCMV Faixa 1
Natal-Norte Natal-Sul Natal-Leste Natal-Oeste
Município
Viagens/dia Viagens/dia Viagens/dia Viagens/dia
Ceará-Mirim 3,8 mil
Extremoz 3,0 mil - 3,7 mil -
Macaíba - 4,2 mil - -
Monte Alegre - - - -
Nísia Floresta - 1,0 mil - -
Natal Leste 92,9 mil 61,6 mil - 68,7 mil
Natal Norte - 51,2 mil 92,9 mil 26,3 mil
Natal Oeste 26,3 mil 43,7 mil 68,7 mil -
Natal Sul 51,2 mil - 61,6mil 43,6 mil
Parnamirim - 47,0 mil 23,7 mil 6,0 mil
São Gonçalo do
12,4 mil 8,7 mil 20,8 mil -
Amarante
Fonte: Elaborado pela autora com dados do PDTM da RMNatal (2008).

O estudo revela que os municípios de Monte Alegre, Nísia Floresta, Ceará-Mirim e


Macaíba, não possuem grandes fluxos de viagens com as demais regiões administrativas de
Natal nem com os outros municípios da RMNatal. Cabe aqui ressaltar que esses dados ajudam
a comprovar o baixo nível de integração dos citados municípios com a cidade polo revelado
pelo estudo do Observatório das Metrópoles (2012) e que torna secundária a pesquisa sobre a
disponibilidade de transporte coletivo ligando estes municípios à capital potiguar. Mas, aponta
para necessidade de abrir o debate acerca da mobilidade intraurbana para as citadas cidades.

O perfil dos deslocamentos evidencia a relevância da análise dos dados dos desloca-
mentos pendulares entre Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Extremoz com a cidade
do Natal, que juntos conformam com maior significado a dinâmica da mobilidade urbana da
RMNatal. São os moradores dos conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1 dos municípios
citados, que vivenciam a situação de conurbação/transbordamento com a cidade polo Natal,
os mais impactados pelas dificuldades quanto às condições para realizar seus deslocamentos
diários. Quais os motivos dos deslocamentos? Qual o custo para a realização desses desloca-
mentos? As respostas a esses dois questionamentos podem ajudar a revelar o preço da

71 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

mobilidade pago pelo beneficiário do MCMV Faixa 1 na RMNatal por morar longe do conjunto
de elementos constituintes da vida urbana.

Os motivos dos deslocamentos na RMNatal

De acordo com o PDTM (2008), o principal motivo do deslocamento dos habitantes da


RMNatal, à exceção do acesso à própria residência, é o deslocamento para o trabalho, o que
representa 38% (trinta e oito por cento) das viagens. Quase atingindo o mesmo índice temos o
motivo estudo, com 34% (trinta e quatro por cento) dos deslocamentos. Os deslocamentos indicados
como assuntos pessoais e negócios atingiram o índice de 7%. Esses números corroboram a
importância de saber quais as condições de acessibilidade dos beneficiários do MCMV Faixa
1 no que diz respeito ao transporte público coletivo. Quais as suas condições de acessibilidade
ao destino trabalho, por exemplo?

O deslocamento por motivo de trabalho gera em torno de 420.263 viagens daquele total
de mais de 2 mil viagens. Isso ocorre porque é em Natal que se encontra o maior contingente
de empregos, atingindo, no ano de 2007, parcela significativa do total de empregos gerados na
RMNatal. De acordo com o PDMT, o número total de empregos na RMN em 2007 foi estimado em
399 mil empregos. Só na capital potiguar, o número de empregos atingiu o montante de 308,2
mil empregos, o equivalente a 77,3% do total. A segunda cidade mais populosa da RMNatal,
Parnamirim, participou com a geração de 46,2 mil empregos, ou seja, 11,5% do total de empregos
existentes na RMNatal. Estes números demonstram a grande centralização das atividades
econômicas na cidade polo, pois, de acordo com o PDTM, dados de 2008, a cidade do Natal
concentrava 62% do contingente populacional da RMNatal e 77,3% dos empregos nesta. A
tabela 5 demonstra claramente essa concentração dos empregos na cidade polo.

Tabela 5 - Quantidade de empregos na RMNatal nos municípios beneficiados pelo


MCMV Faixa 1.
Município Empregos %
Ceará-Mirim 7.324 1,84
Extremoz 4.539 1,14
Macaíba 9.549 2,39
Monte Alegre 2.518 0,63
Natal 308.279 77,26
Nísia Floresta 3.751 0,94
Parnamirim 46.264 11,59
São José de Mipibu 4.416 1,11
São Gonçalo do Amarante 12.364 3,10
Total 399.004 100,00
Fonte: Elaborado pela autora com dados do PDTM da RMNatal (2008).

72 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Na RMNatal, em uma Carta Consulta11 elaborada em 2010 pela STTU verificou-se que
as atividades econômicas basilares em Natal podem ser divididas da seguinte maneira: setor
de serviços e comércio, turismo, atividades rurais e setores de produção industrial. O setor de
serviços e comércio está concentrado na cidade polo Natal e atrai significativamente a população das
cidades da RMNatal. Este setor se encontra dentro da cidade polo, nas regiões mais centrais,
com forte crescimento em direção à Zona Sul, onde se fixa a população de maior poder
aquisitivo. Entretanto, o avanço desse setor da economia também se alastra para as Zonas
Oeste e Norte que, apesar de apresentarem população com renda mais baixa, possui grande
concentração populacional.

De acordo com Silva (2010), o setor turismo está distribuído principalmente na costa
litorânea da RMNatal, com considerável movimentação nas praias do litoral Sul (Natal,
Parnamirim, Nísia Floresta e Tibau do Sul) e praias do litoral Norte (Natal, Extremoz,
Ceará-Mirim). O litoral da RMNatal atrai não só os turistas, mas toda uma gama de pessoas
vindas das cidades próximas envolvidas nessa atividade econômica, o mercado imobiliário,
bem como as pessoas residentes na referida região das praias que modificaram sua relação com
a habitação de ‘veraneio’ e se tornaram moradores permanentes a partir do processo de conformação
do território transformado pelo imobiliário-turístico, como explica Silva (2010).

Segundo o PDTM (2008), as empresas de turismo, agências de passagens aéreas e


significativa parte dos leitos de hotelaria, se concentram em Natal. Fato que permite deduzir
que parte da mão de obra para o setor do turismo, bem como aquela que presta serviços nas
residências tornadas permanentes no litoral costeiro, pode ser advinda das cidades litorâneas
da RMNatal. Exemplo dessa demanda por mão obra de obra se observa nas praias do litoral de
Parnamirim, Nísia Floresta e Extremoz. Estas praias, de acordo com o PDTM (2008), compõem
o corredor da atividade de lazer ‘Sol e Mar’ oferecido em pacotes turísticos na cidade polo
Natal. Os três municípios citados, a saber, Parnamirim, Nísia Floresta e Extremoz contrataram
respectivamente 13, 2 e 3 empreendimentos do MCMV Faixa 1 em áreas distantes de suas
centralidades e do litoral. Se o morador do conjunto habitacional do MCMV Faixa 1 trabalha
no setor turismo, então ele está diretamente impactado pelas condições de mobilidade urbana
oferecidas tanto dentro do seu município de origem quanto pelo serviço de transporte disponível
para a RMNatal.

O estudo do PDTM (2008) mostrou também que as atividades rurais na RMNatal são
interiorizadas, bem como apontou que essas áreas estão sendo exploradas para especulação
imobiliária, em virtude tanto das atividades turísticas quanto do próprio crescimento populacional,
que juntos acarretam o avanço do desenvolvimento do setor de serviços. Quanto às áreas de
produção industrial, o PDTM (2008) mostrou que essa atividade econômica se localiza entre
os eixos Macaíba/Natal especificamente no que diz respeito aos investimentos realizados no
11 A carta-consulta é o documento que descreve ações e custos previstos na execução dos projetos que se
pretende contratar com recursos externos e a contrapartida que é oferecida pelo mutuário pretendente.

73 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Distrito Industrial de Macaíba (DIM), e no eixo São Gonçalo do Amarante/Natal representados


pelos investimentos realizados no Distrito Industrial de Natal (DIN) localizado na divisa entre
Natal e São Gonçalo do Amarante. Se observa, então, que a relação de deslocamentos entre
essas cidades da RMNatal sofre influência do citado setor. Em Macaíba, por exemplo, foram
contratados 03 (três) empreendimentos Faixa 1 e em São Gonçalo do Amarante 01 (um)
empreendimento para a Faixa 1 do programa. Como os trabalhadores das indústrias menciona-
das acessam o local de trabalho? Serão eles moradores dos novos conjuntos habitacionais do
MCMV Faixa 1 construídos na região?

Observar-se que o fluxo de viagens feitas no sentido municípios da RMNatal


para a cidade polo Natal é intenso. Entretanto, os munícipes das outras cidades componentes da
RMNatal também se dirigem à cidade polo Natal para realizar outras atividades. A aludida Carta
Consulta (STTU) elaborada em 2010 enviada ao Ministério das Cidades registrou, dentro do
quadro de atividades econômicas na RMNatal, o volume considerável da atividade denominada
serviços públicos. O estudo da STTU comprovou que há grande concentração dos serviços
públicos em Natal tais como os das administrações e instituições estaduais e federais e contingentes
militares.

O estudo ainda apontou para a forte participação da atividade econômica ligada à


educação. Natal concentra o segmento de prestação de serviços educacionais e de produção de
ciência e tecnologia, tanto públicos quanto privados, consolidando-a como centro de formação
de recursos humanos qualificados na RMNatal. Segue abaixo tabela 6 apresenta o número de
viagens na RMNatal por motivo no destino que demonstra claramente a hegemonia da cidade polo.

Tabela 6 - Viagens por motivo no destino, exceto retorno à residência


Assuntos pessoais e
Município Destino Trabalho Estudo Compras e lazer
negócios
Ceará-Mirim 9.267 10.188 1.302 1.410
Extremoz 4.704 3.956 839 817
Macaíba 11.669 11.482 1.559 1.351
Monte Alegre 2.630 3.008 392 475
Natal 318.276 279.585 40.869 97.821
Nísia Floresta 2.999 3.097 457 812
Parnamirim 47.699 44.433 5.430 12.094
São José de
5.126 4.910 512 805
Mipubu
São Gonçalo do
12.619 13.344 452 2.512
Amarante
Total 420.263 374.174 52.046 119.338
Fonte: Elaborado pela autora com dados do PDTM da RMNatal (2008).

No material desenvolvido pelo PDMT, a máxima de que a cidade polo se configura

74 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

como centro de prestação dos serviços educacionais e da produção de ciência e tecnologia foi
corroborada. De acordo com o estudo encomendado pelo PDTM em 2007, o número de matrículas
(tabela 7) na RMNatal era de aproximadamente 374 mil matrículas que representavam 0,296
matrículas por habitantes. A cidade polo Natal, concentrava quase 75% das matrículas da RMN
com um total de 279,6 mil matrículas. Parnamirim era o segundo maior município com maior
número de matrículas e alcançava apenas cerca de 12% das matrículas da RMNatal. No caso
de Natal, de acordo com a tabela abaixo, o número de matrículas dividido pelo número de
habitantes (censo IBGE 2000) é de 0,392. Para Parnamirim essa proporção, a saber, matrículas
por habitantes é de 0,356 também nos anos 2000. Ambos os resultados mostram a significada
superioridade das duas cidades mais populosas da RMNatal no que se refere a concentração da
oferta educacional.

Tabela 7 - Número de matrículas por município da RMNatal – 2007.


Matrículas População
Municípios Participação
2007 (IBGE, 2000)
Ceará-Mirim 10.188 2,72% 62.424
Extremoz 3.956 1,06 19.572
Macaíba 11.482 3,07% 54.883
Monte Alegre 3.008 0,80% 18.874
Natal 279.585 74,75% 712.317
Nísia Floresta 3.097 0,83% 19.040
Parnamirim 44.433 11,88% 124.690
São Gonçalo do Amarante 13.344 3,57% 69.435
São José de Mipibu 4.910 1,31% 34.912
Total geral 374.003 100,00%
Método: Pesquisa Domiciliar Origem e Destino
2007
Fonte: RIO GRANDE DO NORTE, 2008.

Identificada a localização exata dos conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1 na RMNatal


(moradia) e constatado que os motivos dos deslocamentos na RMNatal ocorrem para que as
pessoas possam acessar os equipamentos de saúde, de educação, de serviços e de lazer como
se observa na tabela 6, se torna indispensável verificar quanto custa a mobilidade urbana (transporte)
para os moradores dos conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1, sabendo-se que dentro referida
faixa encontram-se famílias sem renda formal (renda zero) e aquelas com a faixa de renda
máxima de três salários mínimos? Quanto custa morar longe para o assalariado?

O preço da mobilidade na RMNatal

A equipe técnica de trânsito e transporte do DER/RN, disponibilizou a identificação

75 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

das empresas prestadoras do serviço por STR e TOMP que de alguma forma dão acesso aos
empreendimentos do MCMV Faixa 1 nos municípios pesquisados. Além de identificá-las também
forneceram os preços das passagens, a frota por linha e por dias da semana. Essas informações
possibilitaram criar uma tabela identificando os gastos com a mobilidade, o que em outras
palavras, significa apontar o preço da mobilidade urbana para os moradores dos conjuntos
habitacionais do MCMV Faixa 1 na RMNatal.

No ano de 2014, observou-se que o preço para realizar apenas 02 (dois) deslocamentos
diários em 22 (vinte e dois) dias úteis, em nenhum dos municípios pesquisados, era menor do
que 10% do valor do salário mínimo vigente. Ou seja, o preço da mobilidade e consequente
acesso à cidade é significativo para os beneficiados pelo Programa. Os moradores de Nísia
Floresta, Ceará-Mirim e Monte Alegre chegavam a gastar com mobilidade (02 deslocamentos
diários) até 31% do salário mínimo. Natal e Parnamirim, que tinha as menores tarifas de transporte,
comprometiam 14% do salário-mínimo. Veja a tabela 8:

Tabela 8 - Preço do deslocamento na RMNatal/MCMV Faixa 1 (dez, 2013)


Ida e volta (dois
Preço médio deslocamentos Comprometimento da renda
Município
da passagem diários) para 22 dias mensal com esse -deslocamento
úteis
Ceará-Mirim R$ 4,00 8,00 x 22 = 176,00 26% do salário mínimo
Extremoz R$ 2,60 5,20 x 22 = 114,40 17% do salário mínimo
Macaíba R$ 2,80 5,60 x 22 = 123,20, 18% do salário mínimo
Monte Alegre R$ 4,80 9,60 x 22 = 211,20 31% do salário mínimo
Natal R$ 2,20 4,40 x 22 = 96,80 14% do salário mínimo
Nísia Floresta R$ 4,80 9,60 x 22 = 211,20 31% do salário mínimo
Parnamirim R$ 2,20 4,40 x 22 = 96,80 14% do salário mínimo
São Gonçalo do Amarante R$ 2,60 5,20 x 22 = 114,40 17% do salário mínimo

Fonte: Elaborado pela autora com dados fornecidos pelo Departamento de Estradas e Rodagens - DER/RN.
Nota: Valor do salário-mínimo vigente R$ 678,00 (dez, 2013).

Realizado um novo levantamento dos preços das tarifas de SRT em 2018 para os mesmos
municípios pesquisados em 2013, por meio de matérias jornalísticas e em contato com órgãos
do governo estadual, verificou-se que o custo com deslocamento não só aumentou como também
comprometeu ainda mais percentualmente o salário de parte dos moradores da RMNatal com
mobilidade. Em Natal, a tarifa variou de R$ de 2,20 para R$ 3,65. Em Nísia Floresta o aumento
foi ainda mais relevante, pois a tarifa saiu de R$ 4,80 para R$ 7,50. A tabela 9 apresenta as
variações nos preços das tarifas com destaque para os preços mais altos observados em
Ceará-Mirim, Monte Alegre e Nísia Floresta.

76 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Tabela 9 - Preço do deslocamento na RMNatal/MCMV Faixa 1 (2018).

Preço médio Ida e volta (dois deslocamentos Comprometimento da renda


Município
da passagem diários) para 22 dias úteis mensal com esse deslocamento
Ceará-Mirim R$ 5,60 R$ 11,20 x 22 = R$ 246,40 26% do salário mínimo
Extremoz R$ 3,60 R$ 7,20 x 22 = R$ 158,40 17% do salário mínimo
Macaíba R$ 4,20 R$ 8,40 x 22 = R$ 184,80 19% do salário mínimo
Monte Alegre R$ 7,50 R$ 15,00 x 22 = R$ 330,00 35% do salário mínimo
Natal R$ 3,65 R$ 7,30 x 22 = R$ 160,60 17% do salário mínimo
Nísia Floresta R$ 7,50 R$ 15,00 x 22 = R$ 330,00 35% do salário mínimo
Parnamirim R$ 4,40 R$ 8,80 x 22 = R$ 193,60 20% do salário mínimo
São Gonçalo
R$ 3,85 R$ 7,70 x 22 = R$ 169,40 18% do salário mínimo
do Amarante

Fonte: elaborado pela autora com base em informações do DER/RN, 2018.


Nota: Valor do salário-mínimo vigente R$ 954,00 (jan, 2018).

A tabela 10 mostra a comparação do comprometimento da renda do assalariado morador


da RMNatal nas cidades de Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Monte Alegre, Natal, Nísia
Floresta, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante com deslocamentos mínimos. Nota-se que
no intervalo de aproximadamente 5 anos somente os usuários do sistema de transporte público
coletivo das cidades Ceará-Mirim e Extremoz tiveram gastos inalterados, enquanto que municípios
como Parnamirim (43%) e Natal (21%) tiveram percentuais significativos de comprometimento
de sua renda com deslocamento.

Tabela 10 – Comparativo do Comprometimento da Renda nos dias atuais em relação ao


que era em dezembro de 2013
Comprometimento da renda Comprometimento da renda Aumento do
Município mensal com esse mensal com esse compromentimento
deslocamento 2014 deslocamento 2018 da Renda
Ceará-Mirim 26% 26% 0,0%
Extremoz 17% 17% 0,0%
Macaíba 18% 19% 6,0%
Monte Alegre 31% 35% 13,0%
Natal 14% 17% 21,0%
Nísia Floresta 31% 35% 13,0%
Parnamirim 14% 20% 43,0%
São Gonçalo
17% 18% 6,0%
do Amarante

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

77 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Constata-se, pois, que os gastos com deslocamento são significativos para o morador
que percebe uma renda mensal de 01 (um) salário mínimo, perfil de parte do beneficiário do
MCMV Faixa 1. É necessário observar que esse custo pode não ser tão significativo para aqueles que
percebem 02 (dois) ou 03 (três) salários-mínimos. Mas, inegavelmente é um gasto considerável
para aqueles que não possuem renda formal (zero salário) ou que têm renda inferior a 01
(salário-mínimo). Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), em dezembro de 2013 o valor do salário mínimo deveria ser de R$ 2.765,44, ou seja 4,08
vezes maior que o mínimo da época (R$ 678,00). A determinação constitucional estabelecida é de
que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e sua família
com alimentação, moradia, transporte, saúde, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência. De
acordo com o DIEESE, em janeiro de 2018, o salário mínimo ideal para sustentar uma família de
quatro pessoas deveria ter sido de R$ 3.752,65. O valor de R$ 954 é 3,93 vezes menor que o ideal
para sustentar uma família com quatro membros.

Importante explicar também que o cálculo dos gastos feitos para 2018 é para 02 (dois)
deslocamentos de apenas 01 (um) indivíduo com renda de R$ 954,00 (um salário-mínimo). Se
esse indivíduo tem ao menos um dependente que precisa se deslocar para ir ao médico, fazer
compras ou realizar alguma atividade de lazer, como ir ao cinema, esse custo com a mobilidade
certamente terá um peso ainda maior para essa família. Esse custo também recebe acréscimos
quando o destino final do usuário é acessar os bairros do Alecrim, da Ribeira ou Cidade Alta,
pois muitas linhas de SRT e TOMP realizam seus retornos em locais bem anteriores aos citados
bairros (ver figuras 4 e 5). Isso significa que têm que embarcar em outro ônibus e pagar mais
uma tarifa.

É verdade que em Natal há duas modalidades de Integração entre linhas de ônibus nas
quais o usuário paga apenas a tarifa do primeiro embarque. Uma integração se dá por meio
das Estações de transferência, um sistema de integração tarifária física, implantado na cidade
desde fevereiro de 2005, constituído de estações de transferência que permitem ao usuário do
serviço atingir os diversos pontos da cidade pagando apenas uma passagem e utilizando mais
de uma linha que faz transbordo em uma dessas estações. A outra se faz por meio do sistema
de integração tarifaria temporária em vigência na capital desde maio de 2009 que consiste na
permissão de uma ou mais integrações entre distintas linhas de ônibus durante o período de
uma hora, em qualquer ponto de embarque e desembarque localizado no percurso das linhas
ou ainda a partir das estações de transferência. Entretanto, segundo o DER/RN, não existe na
RMNatal nenhum terminal de integração que articule as linhas vindas da região metropolitana
com as da capital, o que torna o preço da mobilidade consideravelmente alto.

78 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

Considerações finais

O capítulo refletiu sobre as condições da mobilidade urbana dos moradores dos conjuntos
habitacionais do MCMV Faixa 1 na RMNatal. Nele, o diálogo estabelecido entre a localização
dos empreendimentos e a oferta do transporte público coletivo revelou a falta de articulação
entre a política habitacional e a política urbana, bem como a observação de que a contratação
dos empreendimentos do MCMV Faixa 1 na RMNatal privilegiou a dinâmica de mercado,
afetando o desenho das cidades que tiveram sua mancha urbana estendida, distanciando os
moradores das centralidades urbanas e acarretando a necessidade de deslocamentos motorizados,
por exemplo. Foi demonstrado que para realizar os deslocamentos os moradores dos novos
conjuntos habitacionais do MCMV Faixa 1 se utilizam do transporte público coletivo legalizado
pelo poder público como o ônibus (SRT), o alternativo (TOMP) ou o trem para vencer as
distâncias mais consideráveis, bem como se valem das soluções caseiras não legalizadaspara
os deslocamentos intraurbanos tais como o moto-táxi. O capítulo avaliou que os citados modais
não atuam de forma integrada; que os usuários do sistema em sua maioria são de baixa renda
(48%) e que as frotas dos citados modais são insuficientes para a demanda diária.

Evidenciou-se que os deslocamentos objetivam principalmente acessar o local de


trabalho. Porém, nesse universo de ‘idas e vindas’ está também o acesso a uma instituição de
ensino, um hospital geral, ou até mesmo acessar uma atividade lazer. Nesse contexto, ficou
evidente que as condições financeiras dos moradores são impactadas pela localização do lugar
da moradia. Outra importante consideração feita foi a de que a renda da população residente
nos novos conjuntos habitacionais não pode ser calculada apenas tendo como referência seu
ganho mensal, ou seja, o seu montante salarial. O preço por morar longe deve ser incluído na
renda real daquelas famílias.

Como afirmam Harvey (1980) e Ribeiro (2005), o salário é apenas parte de sua renda
real. A leitura de Harvey (1980), auxiliou na compreensão dessa situação ao asseverar que a
localização da casa, além de exercer seu significado distributivo (renda), contribui para uma
evidente condição de vida muito frágil. Esse significado distributivo, no estudo aqui efetivado,
diz respeito às condições financeiras dos beneficiários do MCMV Faixa 1 no que se refere ao
custo da mobilidade urbana. É imperioso agregar ao salário a localização do indivíduo
na cidade; as suas condições de acesso aos recursos do espaço urbano. Só assim, as perdas na
renda real dos beneficiários do MCMV Faixa 1 podem ser compreendidas a partir dos gastos
excessivos com a mobilidade. Nesse sentido, o capítulo demonstrou que os custos com
deslocamentos comprometem sobremaneira as condições econômicas dos moradores dos novos
conjuntos. Nos municípios com maior nível de integração com Natal, os gastos da população

79 Analúcia de Azevedo Silva


CAPÍTULO 4

de baixa renda com mobilidade urbana (transporte público coletivo) chegam a uma média de
20% do salário mínimo, salário este que, segundo análises do DIEESE, já não é suficiente para
garantir as condições ideais de sobrevivência dos assalariados. Essa fragilidade econômica
(somatório de extorsões) identificada no capítulo permite associar os gastos com transporte
público com a espoliação urbana conceituada por Kowarick (1979).

Considera-se que uma das formas de minimizar as perdas financeiras dos moradores
dos novos conjuntos habitacionais é promover ajustes às suas necessidades criando infraestruturas
físicas como calçadas acessíveis, bicicletários, adicionar linhas circulares para o acesso aos
pontos mais centrais das cidades que atendam a população de baixa renda promovendo algum
conforto nos trajetos percorridos até um ponto de ônibus ou uma estação de trem. Avalia-se
que o uso diário do modal trem pode atenuar os gastos das famílias com nos deslocamentos de
‘idas e vindas’, visto que sua tarifa custa bem menos que aquelas praticadas por SRT (ônibus) e
TOMP (opcional). Também é razoável pensar que a melhoria ou adequação das vias de acesso
aos novos conjuntos habitacionais pode tornar o sistema de ônibus mais atrativo e rentável para
os empresários, bem como concorrerá para a instalação de pontos de embarque e desembarque
mais próximos dos referidos conjuntos.

A implantação de infraestruturas pode de fato contribuir para o barateamento dos


deslocamentos fazendo com que a aquisição da casa própria e o direito à cidade signifiquem
a concretização da justiça social para os beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida.
Concluso o estudo, pondera-se que não basta aumentar a frota ou ampliar as linhas de transporte
público coletivo para os beneficiários do MCMV Faixa 1 na RMNatal. É imprescindível que o
preço da mobilidade seja adequado às condições financeiras dos assalariados. Da forma que se
apresenta, a aquisição da casa própria pela baixa renda distante das centralidades urbanas, longe
dos meios de consumo coletivo e à mercê de um transporte público ineficaz, desarticulado e
caro colabora para o empobrecimento dos beneficiários do MCMV Faixa 1 na RMNatal que
precisam ter o direito de exercer sua cidadania, para além de apenas morar, mas o direito de
viverem e conviverem integrados as cidades e às suas dinâmicas urbanas.

Referências

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83 Analúcia de Azevedo Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

CAPÍTULO 5

Cidade Criativa e Lazer: uma reflexão sobre a Festa de Sant’Ana de Caicó/RN

Wxlley Ragne de Lima Barreto12

Introdução

O presente trabalho intitulado “Cidade Criativa e Lazer: uma reflexão sobre a sobre a
Festa de Sant’Ana de Caicó-RN” tem como objetivo analisar os conceitos de cidade criativa e
lazer, a partir da produção cultural realizada durante a festa de Sant’Ana de Caicó/RN, entre os
de 2013 a 2015.

Caicó é um município localizado no interior do Rio Grande do Norte, a 270 km da


capital, Natal. Atualmente, a cidade possui 62.709 habitantes e é o sétimo maior município do
estado. Sua área é de 1.228,583 km2, possuindo um IDH de 0,710. A emancipação administrativa
ocorreu em 31 de julho de 1788 com o alvará de criação do município de Vila Nova do Príncipe,
atual Caicó (IBGE, 2010). É considerada a principal cidade da região de Seridó, no que diz
respeito à economia, à educação, à saúde, à religiosidade e à política daquela região, e enquanto
aglutinadora das principais expressões – e de maior visibilidade – culturais no estado, sendo
por isso historicamente chamada pelos caicoenses, de “Capital do Seridó”.

Celebrada há mais de 260 anos, a Festa de Sant’Ana destaca-se entre as múltiplas festas
de padroeiro por revivificar os laços de solidariedade e acionar registros específicos da cultura
seridoense. Essa festa [...] torna-se relevante do ponto de vista cultural, histórico e social, pois
é um dos principais veículos da memória e da identidade coletiva, em especial os relacionados
com as expressões ligadas à fé católica (BRASIL, 2010, p. 6).

Neste contexto, percebemos que a Festa de Sant’Ana possui uma identidade cultural,
cujas relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados estabelecendo a
comunhão de valores entre os membros de sua sociedade. Com isso, a identidade emerge nesta
manifestação que envolve um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação
em certos eventos.

Dentro do contexto de cidades contemporâneas, as festas religiosas e toda a simbologia


do sagrado e os atrativos do profano envolvido no período festivo podem expressar ou estarem
compostos - no processo de promoção cultural da cidade - de alguns elementos ou fragmentos
formadores da criatividade e do lazer. Assim, objetivo geral é analisar os conceitos de cidade
criativa e lazer, a partir da produção cultural realizada durante a festa de Sant’Ana de Caicó/

12 Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: wxlley@gmail.com

84 Wxlley Ragne de Lima Barreto


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

RN, na atualidade. Isso se concretizará através dos objetivos específicos, tais quais: debater os
elementos da cidade criativa; discutir os aspectos e teorias sobre o lazer no Brasil e, por último,
relacionar os lugares do lazer com os elementos da Cidade Criativa.

Por ser um festejo de grande relevância – tanto na região do Seridó, quanto no Estado
– com implicações na organização do espaço público e no cotidiano da cidade, surge algumas
questões centrais acerca da criatividade e do lazer desta festividade alusiva a Nossa Senhora
Sant’Ana. Os principais questionamentos são: Onde está o lazer e como ele é utilizado na cidade
de Caicó-RN? Qual a relação da cidade criativa e o lazer na cidade contemporânea? Qual a
função do lazer no cotidiano festivo da cidade criativa? Essas reflexões direcionarão as vielas
da pesquisa, com a finalidade de responder às inquietações iniciais.

Para dar sustentação ao trabalho, tomamos por base teórico-metodológica o conceito de


cidade criativa utilizado por Charles Landry e Elsa Vivant, bem como o de Lazer proposto por
José Clerton de Oliveira Martins e Joffre Dumazedier.

Para entender a criatividade e o lazer com fatores essenciais na transformação cultural


dos municípios, cuja promoção, produção e diversificação de eventos locais podem e devem
contribuir para fortalecer os setores criativos e aumentar o fluxo econômico e turístico. Assim,
metodologia adotada foi abordagem etnográfica, que privilegia o trabalho de campo por um
determinado período, no qual são coletados dados empíricos através da observação e realização
de entrevistas, além do diário de campo e fotografias, que ajudam na análise do cotidiano e da
cultura do objeto em estudo (CRESWELL, 2010, p. 37). Sendo assim, a abordagem metodoló-
gica utilizada no trabalho é qualitativa e às técnicas de pesquisa ou estratégias empregadas na
pesquisa de campo, para o trabalho in loco, foram as seguintes: a) abordagem etnográfica; b)
entrevistas semiestruturadas; c) observação participante; d) registros fotográficos.

Desse modo, o estudo sobre a festa da padroeira de Caicó – auxiliados pelas técnicas e
métodos de pesquisa – se fez importante para que se possa, a partir da cultura e de seus atrativos,
observar as dinâmicas urbanas da cidade, vislumbrando as transformações socioespaciais que
ocorrem nesse período, a partir do (re)desenho e da (re)utilização dos espaços públicos relacionados
aos aspectos da Cidade Criativa e do Lazer a serem observadas durante esse momento festivo.

O capítulo está estruturado em três seções, além desta introdução. Na primeira seção,
abordamos a Cidade Criativa e identificamos seus principais elementos constitutivos como
espaço fundamental para o desenvolvimento dos criativos. Assim, na cidade criativa debatemos
os referencias teórico e a sua afinidade com a área cultural. Na seção seguinte, debatemos as
reflexões acerca dos conceitos de Lazer e sua importância para a contemporaneidade. Por último,
apresentamos os resultados da pesquisa qualitativa da Festa de Sant’Ana, no município de
Caicó – RN, relacionando a Cidade Criativa com a Cultura e o Lazer daquela realidade. Neste,
incluímos ainda uma descrição dos principais eventos culturais e espaços desta festividade
através da visão da representação religiosa e poder público municipal e dos empreendedores

85 Wxlley Ragne de Lima Barreto


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

culturais; e, por fim, são apresentadas as principais conclusões.


Cidades Criativas: uma discussão dos elementos de atração de uma cidade

As cidades criativas são espaços urbanos ou municípios que preconizam a integração


entre atividades artísticas, culturais, sociais, econômicas e políticas. As vantagens trazidas por
essa integração são inúmeras: aumento da produção cultural e artística na cidade; atração
e retenção de talentos; promoção da diversidade cultural; aumento da oferta de empregos;
aumento do potencial criativo das empresas; e atração de turistas, dentre outras.

Assim, para entendermos o conceito de cidade criativa, devemos levar em consideração


as suas principais características: a criatividade em sentido amplo (tecnológica, social e
cultural) e seu constante processo de mudança; as conexões entre pessoas e espaços, permitindo
transformar continuamente a estrutura econômica, com base na criatividade dos seus habitantes
e em uma aliança de suas vocações econômicas e culturais; e a cultura como forma de ancorar
a singularidade de uma cidade e sua contribuição econômica.

É nesse contexto que surgem variadas discussões e reflexões sobre cidades criativas.
Para alguns, como Landry (2011) o conceito de contornos fluídos revela a efervescência do que
é produzido criativamente no espaço urbano e seu potencial econômico. Para outros, como
Seixas e Costa (2011) e Reis e Urani (2011), o enfoque da produção se translada à prevalência
de um ambiente capaz de gerar, capacitar, atrair e reter talentos que sustentem essa criatividade
e seu valor econômico agregado. E ainda outros, como Florida (2011) que veem a essência da
cidade criativa na confluência entre capacidade de geração tecnológica, formação de uma
mentalidade aberta e tolerante e atração de talentos. Tais abordagens não são conflitantes e nem
exclusivas, direcionando, porém, o olhar a ângulos específicos da questão.

É com base nesse pensamento que Landry (2011), a partir de seus estudos analíticos
sobre o tema, apresentou pela primeira vez na década de 1990, um conceito de cidade criativa.
Intrigado pelo fato de algumas cidades prosperarem e outras não, o autor concluiu que a cidade
criativa é uma ferramenta para a inovação urbana.

Assim, o conceito de cidade criativa foi inicialmente, compreendido como o espaço


urbano em que os artistas desenvolviam uma função relevante e onde a imaginação se apresenta
de tal maneira que expressa a alma da cidade. Num outro momento, as indústrias criativas
vieram delinear características urbanas e tomar o epicentro das discussões. Por fim, o surgimento de
uma grande “classe criativa” foi interpretada como seu apontador primordial para identificação
da cidade criativa (LANDRY, 2011, p. 10).

A cidade criativa é “[...], portanto, uma mensagem clara para estimular a abertura
mental, a imaginação e a participação pública. Isso tem um impacto enorme na cultura

86 Wxlley Ragne de Lima Barreto


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

organizacional” (LANDRY, 2011, p. 10). Desse modo, são novas formas de organização que
provocam o surgimento de novidades categóricas de pensamento, planejamento e atuação na
resolução das dificuldades urbanas. Para Cruz (2014), todas as cidades podem ser classificadas
como criativas - umas em maior grau e, outras, em menor grau. Para tanto, uma infraestrutura
criativa deve ser um mix de “[...] hard e soft, incluindo a infraestrutura mental, o modo como
a cidade lida com oportunidades e problemas, as condições ambientais que ela cria para gerar
um ambiente e os dispositivos que fomenta para isso, por meio de incentivos e estruturas
regulatórias” (LANDRY, 2011, p. 14).

Entretanto, para Rotem (2011, 139-140), a criatividade humana não pode ser pesada
ou medida. Provavelmente não há um nível único de criatividade, a partir do qual uma pessoa
poderia pertencer a essa classe criativa. Assim, deve possibilitar o surgimento de ambientes
instigantes para todos os indivíduos e não apenas a uma pequena parcela populacional. Dessa
forma, “[...] o espaço público não deve ser pensado em função dos criativos, mas como um
lócus para fomentar a criatividade de todos” (CRUZ, 2014, p. 29).

A relação entre criatividade e promoção do desenvolvimento urbano, “[...] o reconhe-


cimento do peso e da importância das atividades culturais e criativas na promoção econômica
e no desenvolvimento territorial” (SEIXAS; COSTA, 2011, p. 70), é direcionada pelo caminho
da concorrência via conquista da famosa “classe criativa”. Neste sentido, apresentam três
diferentes vertentes sobre a relação entre criatividade e promoção de desenvolvimento urbano,
sendo estas: 1) A ideia da necessidade de criatividade nos “instrumentos” para o desenvolvi-
mento urbano; 2) o foco nas atividades e setores criativos como uma base estrutural do próprio
desenvolvimento urbano; e finalmente, 3) a defesa da necessidade e competências criativas e
baseadas no conhecimento e na inovação (SEIXAS; COSTA, 2011, p. 70).

Outra perspectiva sobre a cidade criativa é delineada por Reis e Urani (2011) que
abordam a diversidade e a efervescência do que é produzido criativamente no espaço urbano,
cujo ambiente gera, capacita, atrai e retém talentos que sustentam a criatividade e os valores
econômicos agregados. Assim, afirmam que uma Cidade Criativa – independentemente de sua
escala, de seu contexto socioeconômico ou de seu histórico – apresenta três características
básicas: “[...] primeira dela são inovações; a segunda característica são as conexões; e, a terceira
é cultura” (REIS; URANI, 2011, p. 33).

As características citadas por esses autores revelam como as Cidades Criativas se


interligam com a Economia Criativa e com as Indústrias Criativas, como também, evidencia
quais os critérios para a sua identificação. Por outro lado, entendem as cidades criativas como
cidades globais, reconhecendo assim, a forma em rede das relações sociais e econômicas, na
produção de serviços especializados e financeiros, impulsionados pelas tecnologias de informação e
comunicação. Entretanto, consideramos que todas as cidades – mesmo que não sejam globais
– são criativas, mesmo que sejam em maior ou menor grau.

87 Wxlley Ragne de Lima Barreto


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Percebemos que o incentivo às áreas de cultura e criatividade são – ou devem ser – prioridades
no planejamento urbano das cidades. Hoje, elas partem do princípio de que os centros criativos
em atividade contribuem bastante para que uma cidade seja considerada atraente ou bem-sucedida.
Isso não é novidade, pois artistas e agentes culturais sempre marcaram de maneira duradoura
os espaços urbanos. A novidade é que as pessoas criativas estão passando a ser vistas também
como potencial econômico para o desenvolvimento urbano. E isso não se dá por acaso. Com
isso, os espaços prósperos têm atrativos para pessoas de diferentes grupos etários. Na compreensão
de Vivant (2012), a cidade criativa privilegia a revalorização dos espaços urbanos, mas correndo
sempre o risco de se tornar uma cidade dual, ao rejeitar seus concidadãos de baixa condição
econômica (VIVANT, 2012, p. 23-24).

Portanto, a cidade criativa não é aquela que apenas congrega artistas, mas que esti-
mula a criatividade e/ou inovação em todos os campos, acolhendo a diversidade como um rico
ecossistema, propiciando o maior número de trocas e interações entre seus habitantes e todos
os seus usuários.

Lazer

A cidade está em crescente evolução, principalmente, a partir das novas formas de


ocupação do território disponível, que se fundamentam essencialmente em prioridades
econômicas. Esse processo conhecido por globalização está ditando novas formas de consumo
no globo terrestre e, essas transformações ocorridas no espaço urbano e público das cidades
contemporâneas são conduzidas pelo consumo dos espaços, atrativos turísticos, meios de lazer,
dentre outros aspectos.

Assim, a sociedade de consumo e os efeitos da globalização levaram e levam determina-


das cidades a se transformarem em verdadeiros lugares do lazer e da diversão, que são pautados
a partir do auxílio possuindo tecnologias, cenários e infraestruturas que auxiliam no encantamento
dos visitantes e os deixam em estado de êxtase, a partir da produção de “paraísos” encantados.
Neste sentido, os locais são transformados para adequar-se ao desejo e gosto de seus consumidores,
sejam eles espaços públicos ou privados de acesso público (BARRETO, 2016, p. 68).

Com isso, percebe-se que os espaços têm o poder de atrair e surpreender as pessoas.
E, desta forma, não se deve apenas entender, é necessário enxergar que a cidade possui
compassos distintos. Para Cruz (2011, p. 27), o estudo e o diagnóstico do espaço urbano são
fundamentais uma vez que evidenciam acontecimentos históricos, sociais e espaciais, além de
estar composto pela existência de afinidades sociais, construções urbanas e ainda usos,
sentidos imagens e construções mentais que precisam ser analisadas e associadas.

88 Wxlley Ragne de Lima Barreto


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Além da dimensão da cidade integrar os espaços físicos, ela incorpora também um


conjunto de aspectos simbólicos que abrange esses espaços, possibilitando a construção de
atributos próprios. O espaço público pode ser entendido tanto com um lugar de acesso livre
a todo cidadão, quanto espaços de entrada limitada a uma quantidade da população, ainda
que possua características semelhantes às dos espaços de livre acesso. Contudo, os espaços
públicos podem se transformar no cerne da atividade social da cidade, lugar no qual todos os
indivíduos e visitantes se direcionam, especialmente, durante os momentos festivos. Nesses
períodos festivos, o espaço público perde aspecto comum e se associa à festividade por meio
de uma transformação no seu campo habitual em lugar representativo (ARAÚJO, 2015, p. 32).

Assim, a vida da cidade moderna apresenta uma funcionalidade através das novas
relações do homem com o mercado e, deste modo, a vida passa a direcionar-se por meio
da novidade e da possibilidade ou sonho de uma condição de viver melhor, de bem-estar e satisfação.
Com isso, passar a produzir formas específicas de se relacionar, que possibilita o surgimento de
tecido de sociabilidade. A partir disso, a cidade disponibiliza também momentos e lugares de
prazer, diversão, exaltação, distração e euforia. E para isso, é necessário tempo para desfrutar o
espaço que oferece atratividade (RHODEN; MARTINS; PINHEIRO, 2013, p. 118-121).

Há, no entanto, que distinguir tempo livre, ócio e lazer na contemporaneidade, por
causa das confusões de entendimento em relações a esses três conceitos no Brasil. Entretanto,
no objetivo aqui é discutir o conceito de lazer que é interesse do nosso trabalho. Assim, o termo
tempo livre se opõe ao trabalho e sugere o tempo de reposição da energia para o trabalho, na
dialética dos atributos do capitalismo (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 484).

O ócio é uma experiência de uma necessidade humana, que é gratuita, essencial e


proveitosa. Assim está intimamente ligada com satisfação, realização, felicidade, desfrute, dentre
outros. Do ponto de vista individual, o ócio está intimamente relacionado com a vivência de
ocasiões e experimentos prazerosos e satisfatórios que o indivíduo passar. Em suma, é uma expe-
riência almejada, apreciada que é resultado da opção livre de cada pessoa (MARTINS, 2013, 18-19).

Por último, o lazer encontra-se habitualmente relacionado a entretenimento, turismo


e diversão promovidos pelo consumo. Martins (2013, p, 13) expressa que no lazer no Brasil “é
resultado de uma construção social orientada pela dominação e alienação produzida na relação
capital-trabalho-empregado, incitada pelo frenesi consumista”. Desse modo, o lazer remete
para as funções de descanso, desenvolvimento da personalidade e diversão (CRUZ, 2016, p. 7).

No período pós-industrial, o lazer é exercido à margem das responsabilidades sociais,


num tempo que se integra a uma libertação destas obrigações. O lazer emerge nesse contexto,
como um campo evidenciado para o descanso e a retomada das forças laborativas, direcionado para
o desenvolvimento da personalidade e para a diversão e entretenimento (MARTINS, 2013, p, 15).

89 Wxlley Ragne de Lima Barreto


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Dumazedier (1973) expõe que nem o trabalho, nem as obrigações familiares,


sociopolíticas ou religiosas podem ser consideradas lazer, pois essas atividades têm significados
próprios para a sociedade, para instituições políticas e religiosas; esses significados são diferentes
das práticas de lazer que poderiam ocupar o indivíduo. Em suas palavras, o lazer é expresso por
“um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, [...] ou sua livre capacidade criadora...”
(DUMAZEDIER, 1973, p. 34).

Outro autor que discuti o lazer é Renato Requixa. Ele entende o lazer como “[...] uma
ocupação não obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vivencia e cujos valores propiciam
condições de recuperação e de desenvolvimento pessoal e social” (REQUIXA, 1977, p. 11). Na
sua interpretação, apresenta que o espaço urbano industrial consentiu que o trabalhador fosse
tivesse um tempo livre, com o intuito a aumenta-lo, que ocasionaria o consumo. Sua análise é
importante sobre o entendimento do lazer no Brasil, por nortear a compreensão de que o tempo
liberado é um fator imprescindível para a ampliação do lazer e do indivíduo.

Não obstante, se faz necessário nos firmamos em outro conceito/concepção de lazer,


para podermos situar perante a realidade. Marcellino (1990) o qual entende o lazer como a
[...] cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciado no “tempo disponível”. O
importante, como traço definidor, é o caráter “desinteressado” desta vivência. Não se busca,
pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação
(MARCELLINO, 1990, p. 31).

Esta demarcação sobre o lazer é importante, quando da observação fenomênica e


imediata, constatamos o lazer – desde muito tempo e com força hodiernamente – seja como
“válvula de escape” à realidade massacrante do mercado, seja enquanto mercadoria a ser
consumida por quem puder pagá-la. E isto traz inferências sérias para o lazer. Segundo Martins
(2013), a [...] democracia política e econômica é condição básica, ainda que não suficiente, para
a verdadeira formação de uma cultura popular e para a eliminação das barreiras sociais que
inibem a criação e a recriação das práticas culturais vigentes (MARTINS, 2013, p 15).

Ainda a partir dos pressupostos de Dumazedier, Martins (2013) baseado em Camargo


(1989), define o conceito de lazer como sendo “[...] um conjunto de atividades que devem reunir
certas características, tais como gratuidade, prazer e libertação, centradas em interesses
culturais..., todas elas realizadas no tempo livre...”(MARTINS, 2013, p. 16, op. cit. CAMARGO,
1989).

Dentro dessa perspectiva, observa-se a importância do caráter libertador do lazer,


sendo o resultado da livre escolha do ser humano – “[...] embora ela não exista de forma
absoluta e plena, uma vez que a livre escolha está demarcada por condicionamentos diversos,
sobretudo socioeconômicos” (MARTINS, 2013, p. 16).

90 Wxlley Ragne de Lima Barreto


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Portanto, o lazer passa, aos poucos, a integrar outra parte do sistema produtivo capitalista.
Assim, na cidade contemporânea o lazer se expande e se configura em lugares que não apenas
elevam o consumo, mas que promove a sociabilidade através de atrativos lúdicos e culturais
que servem para valorizar a cidade e as tradições e, sendo ainda, de distração no intuído de
reduzir preocupações e refugiar-se do cotidiano.

Produção do Espaço: os lugares da cidade como lazer durante a festa de Sant’Ana

A oferta de atrações e produtos motiva a visita ao espaço e/ou cidade. Os megaeventos


são exemplos de atividades que transformam o tecido urbano por um determinado período, no
qual recebe um número significativo de pessoas no período de realização deste. Dentre
os elementos necessários para sua concretização é a construção da imagem e do lazer que se
tornam o papel fundamental, dentre outros fatores, para que o indivíduo seja atraído e possa
consumir os produtos/serviços da cidade.

Assim, o lazer na cidade se constrói a partir das atividades de natureza cultural,


lúdica, prazerosa e diversão cuja realização impõe, invariavelmente, a ruptura da dinâmica
cotidiana de um lugar, do entorno, de toda a cidade, quando não da região. Congrega grande
público, ocupando ruas, avenidas, praças, praias e espaços abertos da cidade, com impactos na
circulação de veículos, acessibilidade às edificações e, de modo geral, no padrão de desempenho dos
serviços públicos e infraestrutura urbana.

Na cidade de Caicó, no Seridó Potiguar, a organização de eventos culturais durante


a secular Festa de Sant’Ana, está atrelado tanto ao espaço religioso quanto ao profano – que
conquista centenas de turistas a cada ano que passa. Desse modo, a cidade é promovida durante
esse período através da cultura e do lazer com um envolvimento direto das instituições públicas,
privadas e a sociedade vem apoiando a organização e realização de eventos, ou mesmo organizando
eventos na cidade nessa cidade.

A concentração cultural e do lazer, nesse período, encontra-se especialmente nos


espaços públicos na Avenida Seridó, através das Praças da Liberdade (Coreto) e da Matriz,
Casa de Cultura e Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana são alguns exemplos do poder renovador
e criativo da cidade.

Com isso, podemos afirmar que Caicó é uma cidade criativa, aonde a cultura e o lazer
vêm desempenhando um papel fundamental em seu desenvolvimento. Como sabemos, a cidade
criativa se desenvolve numa vertente do capitalismo e se a cultura integra essa mesma lógica,
qual o espaço do lazer? De que maneira, se desenvolvem o lazer perante a as promoções culturais
contemporâneas? Viajemos agora por alguns casos da cidade do Caicó-RN.

91 Wxlley Ragne de Lima Barreto


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Nesse período festivo, os eventos socioculturais em Caicó são planejados e apoiados


pela Igreja Católica, poder público (municipal e estadual) e privado e instituições que promovem
a cidade, por meio dos atrativos culturais e de lazer nos espaços públicos. O pároco Alcivan
Medeiros diz que a dimensão sociocultural da festa é arquitetada e executada uma gama de
atividades que objetivam a preservação da cultura através de apresentações culturais que
passam uma mensagem de fé e conhecimento das tradições,

Fazendo com que a cultura seja preservada né, na cidade de Caicó, no sertão,
procuramos fazer com as apresentações culturais, elas possam trazer realmente uma
mensagem que possa ajudar na interação social, do povo que tá participando
do Pavilhão Cultural de Sant’Ana e fazer com que realmente haja essa integração
de quem está em Caicó, quem vem de longe e as pessoas que passam o ano todo
esperando esse momento para estar presente. Então, assim o Pavilhão Cultural tem
o objetivo de atrair e unir pessoas, e que num clima familiar e cultural possamos
festejar e dialogar, e aí tendo como ponto marcante o reencontro entre amigos, familiar e
visitante que é típico do seridoense, mantendo e fortalecendo os laços afetivos
(Alcivan Araújo, Pároco da Catedral de Sant’Ana).

Antigamente, a Praça da Matriz ou Largo da Matriz era utilizada para o estacionamento


dos meios de transporte (carroças, animais e carros), promoção de leilões, realização de celebrações
e a disputa das barracas. Na atualidade, o uso desse espaço passa por modificações no decorrer do
tempo, verificando que nele ocorre a recepção a Cavalgada de Sant’Ana, apresentação teatral,
novenários e o Pavilhão Cultural. Nesse último evento, há uma recriação das disputas das
barracas do passado, havendo uma releitura ao qual adapta a uma nova temporalidade. Na
promoção do Pavilhão Cultural, não há mais disputas entre barracas e candidatas, mas um
barracão com infraestrutura metálica unificada que serve de estrutura para a comercialização
da gastronomia regional, em que entidades e instituições públicas confeccionam e vende os
pratos típicos e o dinheiro adquirido é doado a Igreja Católica. Na parte da musicalidade, se tem
a “reprodução de um coreto da década de 20 - onde os músicos locais se apresentam -, numa
tentativa de recriar um espaço que outrora era acolhedor, glamoroso e ponto de encontro entre
população e visitantes” (Diário de Campo, 31 de Julho de 2015). Desta forma, a tematização se
processa a partir da recriação de uma história que incorpora aspectos culturais da musicalidade
e da gastronomia local.

Dessa maneira, a Praça ou Largo da Matriz, através da promoção do Pavilhão Cultural


(figura 1), torna-se ponto de encontro das famílias, amigos e visitantes pós-novena. Percebemos
que esse espaço é composto por alguns símbolos da fé católica local, além da Matriz. Ao fundo
(à esquerda) temos o Arco do Triunfo, conhecido popularmente por Arco de Sant’Ana que está
voltado ao casario antigo da Avenida Seridó, onde forma um caminho guardado por palmeiras
imperiais, servindo como portal que dá acesso à catedral de Sant’Ana. O monumento está
encimado com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, envolta por uma aura luminosa,
composta por dezenas de lâmpadas. Além disso, há uma miscelânea entre o sagrado e o profano.

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UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Figura 1 – Pavilhão Cultural de Sant’Ana.

Fonte: Autoria própria (31 de julho de 2015).

Quanto aos principais eventos socioculturais de responsabilidade dessa Instituição


religiosa, o pároco apresenta os principais eventos socioculturais da Igreja, tais como: o Jantar
de Sant’Ana, o Pavilhão Cultural e, principalmente, a realização da Feirinha de Sant’Ana
(Largo da Matriz). E evento que não foi citado, em momento algum da fala do padre, foi a
promoção do espetáculo “O Canto das Irias”, realizado pela Comunidade Católica Shalom em
parceria com a Paróquia de Sant’Ana, que aconteceu logo após a Novena no patamar da Catedral. A
apresentação “envolveu muitas técnicas de iluminação, cenários e cores, em que identificamos três
setores culturais: música, teatro e dança” (Diário de Campo, 26 de julho de 2015). O espetáculo
narrava uma história que mostrava o homem que se afasta da casa da Verdade, se tornando
uma iria, e para voltar a ser homem tinha que fazer um difícil caminho de retorno. Continuava
Alcivan Araújo:
A social da festa, começa com o Jantar de Sant’Ana né, é um jantar feito para mil
pessoas. Então depois a parte social tem as atrações do Pavilhão Cultural, que é
realizado com apoio do SESC Seridó. Depois temos a Feirinha de Sant’Ana, que eu
acho um dos maiores eventos da festa e traz muitas pessoas para saborear as comidas
típicas, né, do Seridó, do sertão. Também temos o grande evento que é a Cavalgada
de Sant’Ana. Este ano reuniu né, mais de mil cavalheiros e amazonas. E outros
aspectos, como o Almoço de Sant’Ana que é realizado no Complexo Turístico Ilha
de Sant’Ana, que já faz parte desse calendário cultural e, tantos outros eventos
culturais que ocorrem durante os dias de festa durante o mês de julho (Alcivan
Araújo, Pároco da Catedral de Sant’Ana).

Durante a realização do Pavilhão Cultural de Sant’Ana, um dos componentes desse


espaço é o “barracão” de comidas típicas que atrai significativa quantidade de pessoas que

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PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

degustam as iguarias locais. Nesse espaço, há uma conexão interessante entre a música, gastro-
nomia, cultura e sociabilidade que integram e encantam o público presente, fazendo com que
permaneçam e retornem a esse ambiente sacro profano.

Atualmente, no Pavilhão Cultural de Sant’Ana, localizado no Largo da Matriz, verificamos


grande número de indivíduos que usufruem dos atrativos disponibilizados por esse espaço
como música ao vivo (figura 2) - cujo palco em estrutura metálica em formato de coreto
(à esquerda) dá um charme especial ao evento – e a gastronomia– que é comercializada
de comidas típica da região nas barracas (à direita), também em composição metálica. Além
disso, observamos os mecanismos de marketing dos patrocinadores e dos apoios institucionais
presentes nesse espaço sacro profano (ver figura 2).

Figura 2 – Largo de Sant’Ana ou Praça da Matriz.

Fonte: Autoria própria (29 de julho de 2015).


A Praça da Liberdade ou Praça Senador Dinarte Mariz localiza-se na parte antiga de


Caicó, entre a igreja do Rosário e a matriz de Sant’Ana. Essa praça já passou por diversas trans-
formações, inclusive de nome. Sua história inicia-se quando o coronel da Guarda Nacional, o
comandante Manuel Batista Pereira, construiu o Mercado Público naquele local e inaugurou-o
no primeiro dia de janeiro de 1870. Na época, o lugar passou a ser conhecido como Praça do
Mercado, centro comercial da cidade.

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UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Esse espaço além de ter sido palco das relações econômicas e revoltas locais, foi também
espaço tanto da comercialização de escravos quanto marco da liberdade dos mesmos. Sendo
esse espaço um marco do movimento abolicionista em Caicó, no qual os seus integrantes se
reuniam e concediam cartas de alforria, libertando os cativos. Dessa forma, as modificações na
estrutura física da praça continuaram. O coreto de madeira foi substituído por um de alvenaria
em 1931, permanecendo até 1943, quando foi substituído pelo que existe até hoje. O nome Praça
da Liberdade permaneceu assim até o final da década de 1990 quando foi modificado para o
atual: Praça Senador Dinarte Mariz. Entretanto, continua a ser chamada na memória do povo
de Praça da Liberdade.

Quanto à organização e estruturação da festa de Sant’Ana por parte da gestão pública


municipal, Eliana da Nóbrega comenta que existe um planejamento da festa e este é realizado
por várias secretarias da prefeitura. Na sua opinião, a festa é adequada à realidade do contexto
atual, principalmente no período de estiagem em que os recursos financeiros são escassos. Por
outro lado, Edcarlos Soares diz como está estruturada e organizada a atratividade cultural de
responsabilidade do departamento:

[...] o Coreto Musical é um projeto que busca valorizar nossa cultura de raiz. E aí, a
prefeitura e a gente disponibiliza e organiza a estrutura física que auxilia na promoção
desse projeto importante para a cidade e para cultura né. Entramos em contato com
as prefeituras por meio de telefone e ofício convidando a participar do evento. As
atrações são as Bandas Filarmônicas da região do Seridó, que apresentam seus ma-
teriais musicais e que abrilhantam as dez noites da festa da padroeira. Sim, também
a centenária Banda Filarmônica Recreio Caicoense, abrilhanta os festejos religiosos
e culturais de festa de Sant’Ana, e ela apresenta-se tanto no início quanto no final do
projeto. Todo dia após a apresentação de uma Filarmônica, tem um cantor da terra
se apresentando e contribuindo para o engrandecimento do evento (Edcarlos Soares,
Coordenador do Departamento de Cultura da Secretaria Municipal de Educação,
Cultura e Esportes).

Atualmente, nela acontece o Projeto Coreto Musical - promovido pela Prefeitura


Municipal e apoiado por algumas instituições e empresas privadas – que conta com apresentações
musicais tanto de Filarmônicas da Região do Seridó, quanto de “músicos da terra”, que se
alternam durante as dez noites de realização da festa. Nesse espaço, se constitui em ponto de
encontro da diversão e da sociabilidade da festividade caicoense, onde encontramos nas suas
margens ambulantes vendendo comidas e diversos artefatos como bijuterias, brinquedos, imagens
sacras, chaveiros, dentre outros.

Assim, o Projeto Coreto Musical (figura 3) tem por objetivo revitalizar o espaço e ponto
cultural, “O Coreto da Praça da Liberdade”, oferecendo à população e ao público da festa um
ambiente acolhedor, romântico e saudável, através de músicas de boa qualidade e tornando-se
num ambiente de sociabilidade, reunindo várias gerações e famílias nesse espaço público. No
palco, a Filarmônica José Raimundo Cavalcante do Município de Jardim de Piranhas, que

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PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

abrilhantou a noite, com um repertório no qual agradou os presentes.

Figura 3 – Projeto Coreto Musical na Praça da Liberdade.

Fonte: Autoria própria (22 de julho de 2014).

Várias histórias transcorreram durante décadas nessa praça, que modificaram e identificam o
cotidiano caicoense. Essas rupturas e continuidades são importantes para que os lugares
possam ser identificados ou não, e que sejam consumidos pelos frequentadores dos espaços.
Antes identificado como lugar de comercialização de produtos e escravos e, posteriormente,
ambiente para a sociabilidade durante os festejos sociorreligiosos da cidade. Observamos essas
transformações no uso do espaço durante o tempo, passando a ser na atualidade um ponto de
lazer e entretenimento na cidade. A mais ou menos duas décadas, na Praça da Liberdade, as
atrações musicais da Festa de Sant’Ana se apresentavam no alto do coreto e, atualmente é
anexado uma estrutura metálica (palco) que serve agora para as apresentações das Filarmônicas
e para os músicos locais. Além disso, “o espaço é constituído por tendas e cadeiras para que os
participantes da festa possam consumir o espaço de maneira organizada e agradável” (Diário
de Campo, 29 de julho de 2015). Esta passa a representar um novo modo de releitura do
passado, utilizando a temática da musicalidade para simular uma história, um período áureo da
cidade.

Outro espaço público utilizado pela prefeitura para a organização e promoção de eventos
durante a festa da padroeira - identificado a partir do relato de Eliana da Nóbrega como o principal
espaço de realização da Festa - é o Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana, mas que a festividade

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UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

também acontece em toda a cidade. Já o Coordenador Municipal de Cultural, Edcarlos Soares,


acrescenta que os espaços de produção cultural de responsabilidade da administração pública
local, além do Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana, é a Praça da Liberdade, um desses espaços
de promoção cultural. Acrescenta ainda que:

Mas existem só esses lugares, a cidade tem outros espaços que acontecem eventos
que não são de nossa responsabilidade, falado da gestão municipal. A gente pode
citar como exemplo, o Largo da Matriz, que acontece vários eventos religioso e
social, tem também a Praça de Alimentação que são vendidos vários tipos de comida
típica e de outras comuns. Temos que lembrar né, da Casa de Cultura e da Casa de
Pedra Coletivo de Arte, espaço importante da nossa cultura, além de ruas e bares
como o Bar do Ferreirinha, que é ponto de encontro de artistas e poetas locais que
promovem a festa e a cultura daqui (Edcarlos Soares, Coordenador do Departamento
de Cultura, da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes).

O Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana (figura 4) é uma praça pública construída sobre
uma ilha localizada no rio Seridó, no centro da cidade de Caicó-RN. O nome foi escolhido em
homenagem à padroeira da cidade e a proximidade com a catedral. Seu objetivo é incrementar
o turismo de eventos na região. Esse complexo está nas imediações do centro histórico-cultural,
comercial e religioso do município. Sua área urbanizada compreende um espaço de aproximadamen-
te de 147 mil metros quadrados, com toda a infraestrutura de suporte ao complexo como
estacionamento, pontes, avenidas, parques, passarelas, praça de alimentação (quiosques), anfiteatro
e banheiros. A partir da imagem, observa-se que o complexo é um parque temático em que a
diversão e o lazer são os carros-chefes desse espaço público, auxiliados por uma infraestrutura
que possibilita ao frequentador consumir vários serviços como alimentação, diversão, artesanato,
dentre outros.

Inicialmente muitos foram contrários à implantação desse projeto, devido ao impacto


ambiental na margem do rio Seridó; a uma possível destruição de sítios históricos da cidade,
como o Poço de Sant’Ana13; e a restrição da circulação da população naquela área. Assim,
antes de sua construção, as festas públicas eram realizadas em diversas praças e avenidas e
os parques e vendedores ambulantes – principalmente os que comercializam comidas – se
concentravam nas ruas adjacentes a Catedral da padroeira. Com o surgimento desse espaço
turístico, foi possível estruturar um espaço artificial que unificasse os aspectos acima citado e
que agregassem em um único espaço, diversos serviços e atrativos culturais e de lazer. Tornando-se
num lugar de uso e de consumo por todos os frequentadores da festa e “cria um espaço artificial
simulando uma ilha que contem estrutura que comporta instrumentos da economia, da cultura,

13 Eivado pelo imaginário mestiço da região, o Poço de Santa’Ana foi por muitos anos a principal fonte de abaste-
cimento de água para a cidade, fosse para fins domésticos ou de construção. O lugar decantou também a enérgica
resistência popular quando em Caicó um grupo de pessoas, na revolta “Quebra-Quilos”, em 1873, contra a adoção
do sistema métrico-decimal no Império, atirou ao poço quilos de pesos metálicos.

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PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

da sociabilidade, do turismo e do lazer” (Diário de Campo, 26 de julho de 2015) e, principalmente,


no formato de um parque temático.

A estrutura física de espaço contempla quiosque - para comercialização gastronômica,


bebidas e artefatos -, concha acústica, iluminação e banheiros. Além disso, o Serrote de São
Sebastião que possui uma capela em honra ao referido santo, fica no complexo da Ilha e é mais
um atrativo turístico desse espaço. E durante a “festa são incorporados palcos para apresentações
musicais e parques de diversões que contribuem na diversificação da festa social” (Diário de
Campo, 25 de julho de 2015).

Figura 4 – Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana.

Fonte: Autoria própria (26 de julho de 2015).

A respeito da utilização do Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana durante a festa para


promoção de eventos, feiras, exposições, a Secretária Eliana da Nóbrega comenta que a Ilha é o
ponto central da realização da festa, mas também o Largo da Matriz. Nesse Complexo são
realizados shows musicais, FAMUSE14, comercialização da gastronomia e da diversão através
dos parques. Assim, nesse espaço são realizados variados eventos, existindo um calendário turístico
municipal que evidencia o potencial de promoção de múltiplos eventos, não se restringindo
apenas ao momento da festa de Sant’Ana, mas acontece em outros períodos como Carnaval,
Feiras Literárias, Festival Gastronômico, dentre outros. Edcarlos Soares concorda que a Ilha é:

14 A Feira de Artesanato do Seridó (FAMUSE) é uma feira que reúne expositores e artesãos da região do Seridó
Potiguar e é realizada durante a Festa de Sant’Ana. Esse evento compõe os atrativos da Feirinha de Sant’Ana. Em
2015, a FAMUSE foi aberta na noite do dia 29 de julho, com a participação de estandes de várias regiões do Brasil.
Na sua 32ª edição, O tema escolhido para este ano foi “Chuva de Talentos no Sertão do Seridó”, que tem um sig-
nificado especial, com o sofrimento de uma grande estiagem, os talentos serão explicitados no bordado, na palha,
argila dentre outros produtos feitos pelas mãos talentosas dos artesãos.

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UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

[...] um espaço importante na promoção de eventos, por causa do seu grande espaço
e infraestrutura existente que ajuda na realização dos eventos, e aí os quiosques são
exemplos onde nós podemos encontrar a gastronomia local como a tradicional carne
sol e a paçoca, acompanhadas pelo arroz de leite, macaxeira e vinagrete. Mais hoje
a gente vê que tem outros tipos de comidas que não são da nossa cultura, mas que
já estão incorporados no nosso dia a dia como a pizza, o filé à parmegiana, né, bem
conhecido aqui, além de panquecas, camarão e outros tipos. A venda gastronômica
e os eventos contribuem na geração de emprego e renda. Durante a Festa, o principal
evento da Ilha é a FAMUSE, que objetiva divulgar, promover e comercializar o
artesanato da nossa região do Seridó. Como também, são realizados alguns eventos
de entretenimento como shows musicais, aberto ao público (Edcarlos Soares,
Coordenador do Departamento de Cultura da Secretaria Municipal de Educação,
Cultura e Esportes).

Assim, o salão do evento da FAMUSE é composto por vários estandes, nos quais, é
possível encontrar os mais variados tipos de artesanato e arte, em diversos tamanhos, formatos,
estilos, cores e materiais. Durante os dias de realização do evento, centenas de pessoas passam
pelos corredores prestigiando, observando e consumindo os bens culturais disponibilizados
nesse espaço de produção da arte e cultura.

Figura 5 – Feira de Artesanato do Seridó (FAMUSE).

Fonte: Autoria própria (30 de julho de 2015).

Além disso, o patrimônio arquitetônico de Caicó vai do colonial ao moderno. A arquitetura


colonial presente no município foi construída após tal período, no entanto, houve preservação
dessa linha, como pode ser vista no Sobrado de “Padre Guerra”, ficando nas proximidades da
Catedral de Sant’Ana.

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PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Retornando da Corte, já como vigário, Brito Guerra, dá início à construção de sua


residência assobradada. Essa construção, somada à reconstrução da igreja, ao prédio destinado
à Casa da Câmara e Cadeia Pública representava melhoramentos urbanísticos à Vila do Príncipe.
Assim, as construções de sobrados para a elite da Freguesia da Gloriosa Senhora Sant’Ana do
Seridó “[...] só foi possível com a mobilização de recursos humanos e financeiros para a fabricação
de tijolos e mestres de obras que dominassem a técnica da construção de prédios de dois
pavimentos” (MACEDO, 2007, p. 151). Nessas condições, possivelmente, o primeiro sobrado
construído no território da Vila do Príncipe tenha sido o do padre e depois Senador do Império,
Francisco de Brito Guerra15.

O Sobrado do Padre Guerra (figura 6) teve sua construção iniciada em 1810 e ficou
concluído no ano de 1811 e sua edificação assobradada revolucionou as técnicas de construção
até então vigentes na região - pelo formato em que a casa tem um piso térreo e um andar encima
-, sendo um marco para a época e impulsionando o desenvolvimento urbano de Caicó. Ainda
hoje, apresenta-se como um lugar de memória evocativo da relação de Brito Guerra com a cidade,
isso se deve, não necessariamente ao fato do referido sobrado está soerguido, mas também as
histórias que povoam a memória dos seridoenses. Hoje, esse sobrado se tornou na Casa de Cul-
tura Popular, sendo “um cenário para atrativos e atividades culturais e de lazer, que reconta a
história sertaneja através dos utensílios, móveis domésticos e arte sacra por meio do seu museu”
(Diário de Campo, 31 de julho de 2015). Além disso, existe o espaço para demonstração da
arte caicoense e a direção da Casa de Cultura Popular em conjunto com a Associação União do
Sobrado organiza, desenvolve e promove atividades e eventos de cunho artístico-cultural que
potencializa os atrativos locais, servindo para mesclar o passado de glória com um presente
efêmero que valoriza as tradições e raízes da cidade.

Dessa maneira, a Casa de Cultura Popular funciona nesse prédio - que fica ao lado da
Catedral -, e mantém uma parceria com a Associação União do Sobrado, a qual desenvolve
atividades através do Ponto de Cultura Sobrando Arte no Sobrado. Através da imagem,
verifica-se uma mescla na tematização do espaço, utilizando aspectos modernos – o grafite na
personalização das paredes - e tradicionais, com a customização das mesas com tecido típico
da região sertaneja conhecida como “chitão” e o espaço antigo de referência da história local.
Nesse espaço, a atratividade é composta através da musicalidade local e comercialização de
comidas típicas e bebidas tanto alcoólicas como não alcoólicas.

15 A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte foi instalada em 2 de fevereiro de 1835. O primeiro Presiden-
te da Casa foi o Padre Francisco de Brito Guerra. Coube ao prelado a missão para instalar e presidir o Legislativo,
numa época de crise política e institucional que tomou conta do Brasil nos primeiros anos após a Independência.

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UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Figura 6 - Casa de Cultura Padre Guerra

Fonte: Autoria própria (31 de julho de 2015).

A respeito das manifestações culturais e espaço e momento de lazer, podemos


identificar que não se esgotam depois do período da festa e acontecem durante o restante do
ano. Assim, a festa é o ponto máximo de propagação e realização da cultura, mesmo que depois
haja uma redução na sua promoção. Entretanto, as manifestações não se esgotam pós-festa,
pois há uma produção diarista dos artistas e inclusive na Casa de Pedra há uma exposição
permanente de arte e os espaços, principalmente, o Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana existem
frequentemente atividades e eventos relacionados ao campo do lazer e do entretenimento.

Pudemos verificar que a festa é um espaço importante para demonstração e promoção


cultural, a partir da realização dos eventos ditos sociais. É nesse momento dualístico de
devoção religiosa e de entretenimento e diversão que o lazer nos espaços surge e a criatividade
dos segmentos culturais podem ser identificados pelos frequentadores e estudiosos da Festa de
Sant’Ana.

Considerações finais

Durante essa festividade sacro religiosa – festa de Sant’Ana de Caicó-RN -, pode-se


observar que quanto à qualidade e a estrutura em geral dos espaços públicos, percebe-se que
o cuidado, a limpeza e a utilização efetiva assumem particular relevância, mesmo que algum
desses espaços não tenha condições de comportar um número maior de frequentadores. Por
outro lado, no espaço social são praticadas e evidenciadas as qualidades humanas, integração,
convívio e a sociabilidade através dos espaços como Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana,
Largo da Matriz, Praça do Coreto, Casa de Cultura e Avenidas.

101 Wxlley Ragne de Lima Barreto


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Nos eventos dessa festa e, especialmente na FAMUSE, observamos o contato com


outras experiências, produtos e formas de pensamento expressas pelas artes que promovem o
diálogo, a interação e a possibilidade de novas fusões e ideias criativas. Assim, as festas são
“[...] elementos essenciais no processo de edificação do cotidiano do espaço seridoense, como
também, torna-se um lugar para as demonstrações de fé, cultura e diversão” (ALVES, 2008, p. 90).

Em Caicó, a criatividade se concretiza através dos eventos culturais, estimulando e for-


talecendo os setores criativos locais, os quais, consequentemente, impulsionam o desenvolvimento
econômico, social e cultural. Os eventos culturais da Festa de Sant’Ana atraem um grande fluxo
de participação - residentes e turistas - que transformam a dinâmica cotidiana da cidade.

Assim, compreende-se que os eventos estudados fazem parte das dinâmicas culturais,
sociais e econômicas locais, verificando que esses atrativos articulam várias representações de
empreendedores culturais para a promoção da festa e da cidade. Por outro lado, o lazer ampara
tantas possibilidades e, sobretudo no nosso contexto cultural contemporâneo, que está voltado
à ideia de entretenimento, diversão e consumo dos produtos da indústria cultural, sendo que,
é tomado como tempo liberado. Nesse viés, podemos relacionar o lazer e a Cidade Criativa a
partir da promoção cultural e do seu consumo, que se concretiza por meio da busca de
experiências e vivências que estão relacionados à concentração de atrativos lúdicos e criativos
nos espaços da cidade.

Dessa forma, em Caicó-RN a relação entre a criatividade e lazer durante os festejos alusivos
à santa padroeira, pode ser identificada através da produção cultural que engloba atrativos de
diversão, distração, entretenimento e tempo livre que é consumido tanto pelos residentes quanto
por visitantes e turistas. Essa produção cultural e lúdica concentra-se no “corredor cultural
da festa”16, especialmente nos espaços da Praça do Coreto (musicalidade), Praça da Matriz
(musicalidade e gastronomia), Casa de Cultura (musicalidade, gastronomia, arte e memória),
Complexo Turístico Ilha de Sant’Ana (musicalidade, gastronomia, arte, paisagem, turismo,
entretenimento e diversão). Com isso, cria-se um lugar adequado à produção e ao consumo da
cultura que contribui para a dinamização dos espaços e da cidade. Além disso, ressalta-se que,
a criatividade nessa cidade é permanente, não estando condicionada apenas a esse momento
festivo.

Em conclusão, a partir da pesquisa realizada, constata-se que a criatividade é o principal


impulsionador para nos espaços públicos durante a Festa de Sant’Ana, que se dá através da
promoção de eventos e de atrativos lúdicos nesses espaços. A criatividade e o lazer se
expressam na festa através dos eventos culturais em Caicó-RN, apresentando um aditivo
simbólico que se entende importante para as perspectivas históricas e culturais locais. Assim,
podemos verificar que a criatividade através da cultura na cidade em estudo apresenta-se em

16 O Corredor Cultura da Festa de Sant’Ana está concentrado da Avenida Seridó que é a principal via de acesso
a Catedral de Sant’Ana.

102 Wxlley Ragne de Lima Barreto


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

dois aspectos: ambiente criativo (que envolve planejamento e apoio público, espaço e classe
criativa) e os atrativos culturais.

Referências

ALVES, Maria Lucia Bastos. Peregrinos e Turistas: diferentes modos de ser e viver o mundo.
In: Estudos em Sociologia. Revista do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPE,
2008, v. 14, n. 1, p. 75-93.

AQUINO, Cássio Adriano Braz; MARTINS, José Clerton de Oliveira. Ócio, lazer e tempo
livre na sociedade do consumo e do trabalho. Revista Mal-estar e Subjetividade, Vol. VII,
Nº 2. Fortaleza, CE: UNIFOR. 2007. p. 479-500. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/por-
tal-repositorio/File/dcefs/Prof._Adalberto_Santos/4-ocio_lazer_e_tempo_livre_na_socieda-
de_do_consumo_e_do_trabalho_22.pdf>. Acesso em 18 nov 2016.

ARAÚJO, Valéria de Fátima Chaves. A tematização do espaço público e a economia


criativa local: estudo de caso a partir do maior São João do mundo, em Campina Grande/
PB. Natal, RN, 2015. 117 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos
Urbanos e Regionais. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/dpp/ppeur/dissertacoes_ppeur/
dissertacoes_2015/arquivos_dissertacoes_2015/ARAUJO.Valeria%20de%20Fatima%20
Chaves.pdf. Acesso em: 02 dez. 2015.

BARRETO, Wxlley Ragne de Lima. Disneylandização e Cidade Criativa: Pesquisa


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(Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas,
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CAPÍTULO 6

Os setores criativos presentes nos eventos “O Maior São João do Mundo”, em


Campina Grande/PB e “Mossoró Cidade Junina”, em Mossoró/RN, em 2014 e 2017

Valéria de Fátima Chaves Araújo17

O presente capítulo trata de uma atualização revisada e ampliada da pesquisa feita


para minha dissertação de mestrado (2013-2015), realizada na cidade de Campina Grande,
durante o evento “O Maior São João do Mundo” e versava sobre a presença e a importância
dos setores criativos para a dinamização da Economia Criativa no Maior São João do Mundo.
Para esse capítulo foi feita, como já mencionado, uma atualização dos dados levantados
na pesquisa, analisando comparativamente os dados de 2014 (utilizados na dissertação) e os
dados mais atuais, de 2017, assim como uma ampliação do tema da pesquisa, que agora inclui o
evento “Mossoró Cidade Junina”, realizado na cidade de Mossoró-RN e que tem como pontos
similares ao de Campina Grande: o tema – festa junina, o período de realização (30 dias entre
os meses de junho e julho, anualmente), os setores criativos presentes no evento e a importância
para a dinâmica econômica, cultural e turística da cidade.

O objetivo deste capítulo é analisar as variações ocorridas no cenário econômico e na


participação dos setores criativos identificados no “O Maior São João do Mundo” nos anos de
2014 e 2017, assim como incluir os dados referentes ao evento “Mossoró Cidade Junina” no
mesmo período, avaliando a dinamização da economia local sob a ótica da Economia Criativa
em ambos os eventos.

O capítulo está dividido em cinco partes, além da introdução e da conclusão: na


primeira parte apresentamos uma discussão sucinta sobre os conceitos de Economia Criativa
e Setores Criativos, destacando sua importância para as políticas econômica e cultural nos cenários
mundial e brasileiro. Na segunda parte faremos um panorama do Mapeamento das Indústrias
Criativas no Brasil, destacando os conceitos utilizados na sua elaboração e alguns dados
referentes à Economia Criativa no Brasil. Na terceira e quarta partes serão feitas uma breve
descrição das cidades de Campina Grande e Mossoró, assim como seus eventos de destaque no
período junino, respectivamente “O Maior São João do Mundo” e o “Mossoró Cidade Junina”,
para melhor situar o leitor sobre o tema da pesquisa. Em seguida, na quinta parte, exporemos

17 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFRN. Mestra em Estudos


Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E -mail: valeriachaves1@ufrn.edu.br

106 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

os dados pesquisados no Mapeamento da FIRJAN usados na dissertação (2014) e os mais


recentes, que são referentes ao ano de 2017 no “O Maior São João do Mundo”, acrescentando os
dados referentes ao “Mossoró Cidade Junina” no mesmo período, comparando especialmente os
setores criativos identificados. Concluiremos com a comparação entre as mudanças dos setores
criativos identificados nos dois eventos, nos anos de 2014 e 2017.

Breve história da economia criativa e dos setores criativos

O estudo da economia mundial, por seu dinamismo, comporta várias ramificações, cada
uma voltada para um segmento produtivo, seja na área de produção, consumo, industrialização ou
outros. Dentre as várias ramificações em que se divide, uma das mais recentes é a chamada
Economia Criativa, que estuda os novos elementos econômicos em destaque na atualidade,
como elementos culturais, tecnológicos e sociais, que tem como principal impulsora do
desenvolvimento a criatividade, levando em conta os novos componentes que até então integravam
outros contextos econômicos e que passam a ser protagonistas das pesquisas econômicas com
o desenvolvimento os estudos sobre a Economia Criativa.

O conceito de Economia Criativa ainda se encontra em processo de consolidação, por


englobar vários setores da economia tradicional e por lidar com questões e conceitos subjetivos,
como imaginação, cultura, originalidade, inventividade e, especialmente, criatividade.
O conceito mais utilizado, formatado na década de 1990, considera que a Economia Criativa
abrange aspectos econômicos, culturais e sociais ligados à economia global, cujo núcleo são
as chamadas indústrias criativas ou setores criativos, que interagem com objetivos turísticos,
tecnológicos e de propriedade intelectual, aumentando a criação de empregos e promovendo
o desenvolvimento humano, a inclusão social e a diversidade cultural. O estudo da economia
integrado à criatividade baseia-se no estudo das atividades que estão fortemente ligadas
às manifestações criativas em vários campos e envolvem desde o artesanato até o desenvolvimento
de softwares, passando pelas artes plásticas, biotecnologia, design e publicidade, entre outros
(FLORIDA, 2011; LANDRY, 2006; 2008; VIVANT, 2012).

Os múltiplos debates que envolvem o fechamento do conceito de Economia Criativa


devem-se à diversidade dos campos de atuação e aplicação, assim como o que pode ou não ser
enquadrado como Economia Criativa, o que abrange as múltiplas atividades que têm como
escopo essencial a criatividade como, por exemplo, patrimônio histórico, artesanato, publicidade,
arquitetura, artes em geral, design, moda, música e as atividades ligadas à área tecnológica,
como editoração eletrônica, desenvolvimento de software e games, cinema, vídeo e fotografia,
como destaca Caiado (2011, p.16).

107 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

A Economia Criativa insere-se na chamada economia baseada no conhecimento, não


devendo ser confundida com a Economia de Inovação, que é a transformação do conhecimento
tecnológico e/ou científico em produtos, serviços ou sistemas que dinamizam o desenvolvimento
econômico. A Economia Criativa

[...] engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam


a criatividade, o ativo intelectual e o conhecimento como principais recursos
produtivos. São atividades econômicas que partem da combinação de criatividade
com técnicas e/ou tecnologias, agregando valor ao ativo intelectual. Ela associa o
talento a objetivos econômicos. É, ao mesmo tempo, ativo cultural e produto ou
serviço comercializável e incorpora elementos tangíveis e intangíveis dotados de
valor simbólico (CAIADO, 2011, p. 15).

Cruz (2019, p. 58) define Economia Criativa como:

[...] toda a atividade econômica (criação, produção, distribuição ou mercado) que


tenha por objeto a cultura, a arte ou o patrimônio […]. Se incluem também as
atividades econômicas que usam elementos culturais, artísticos ou patrimoniais para
criar ou incrementar os ganhos econômicos, ainda que nem sempre seja possível
medir financeiramente o valor dessa participação na atividade econômica

Os estudos sobre a Economia Criativa esclarecem sobre sua importância na economia


tradicional, especialmente no que se refere ao aumento nos incentivos vindos de subsídios e pa-
trocínios para os pequenos e médios produtores, assim como para a elaboração e implementação de
novas políticas de incentivo e proteção das indústrias criativas, como por exemplo as políticas
de exportação e as leis de propriedade intelectual, além de fomentar um maior desenvolvimento
urbano e educacional.

As chamadas Indústrias Criativas (numa tradução imprecisa do termo inglês Creative


Industries, que designa os setores de atividades econômicas que têm como base a criatividade),
também denominadas de setores criativos, são definidos no Plano da (extinta) Secretaria da
Economia Criativa como:

[...] aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo
gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do
seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social (BRASIL,
2012, p. 22).

A definição de Bacelar (2012, p.112) sobre a importância da Indústria Criativa como


força motriz da nova economia mundial diz que ela se constitui “[...] predominantemente por
pequenas e médias empresas” e

[...] tem como matéria prima o conhecimento aliado à criatividade. E o valor de seus
produtos e serviços guarda estrita relação com a capacidade criativa e inovativa de

108 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

seus produtores. Esta é sua especificidade e sua força. Este novo conceito engloba
atividades antigas como o artesanato, a produção de filmes ou de música, a produção
de artes cênicas e visuais, entre outras.... Mas inclui atividades contemporâneas
(em geral usando tecnologias emergentes) como a produção de softwares de
entretenimento, a produção para televisão, a propaganda, a arquitetura criativa, o
design de moda, a produção das mídias eletrônicas, a produção de áudio visual, entre
outras (BACELAR, 2012, p.112).

Uma das principais características das Indústrias Criativas são os valores e natureza
variáveis ligados, sobretudo, à natureza dos mesmos, o que significa que podem ser bens de
natureza material (peças de artesanato, por exemplo, cujo valor pode ser medido pela comparação
com produtos semelhantes) ou de natureza imaterial (como as obras de arte, que ao valor
material é agregado o valor artístico subjetivo da peça). Santos-Duisenberg (2012, p. 77), ao
falar sobre a importância da Economia Criativa na economia brasileira, afirma que ela dinami-
za o crescimento econômico, gerando empregos e divisas e contribuindo para “[...] a redução
da pobreza e a inserção de excluídos e minorias”, o que facilita as [...] interações entre o setor
público e o privado, associando negócios, fundações, ONGs e filantropia” (SANTOS-DUI-
SENBERG, 2012, p.77).

A Secretaria da Economia Criativa (SEC) foi criada no Brasil em 2012, tendo como
principais atribuições planejar, promover, formular, efetivar e sistematizar: ações para o
desenvolvimento e fortalecimento econômico das expressões culturais brasileiras em todos os
segmentos da cadeia produtiva; ações de promoção dos bens e serviços culturais no Brasil e no
exterior; ferramentas e modelos de negócio sustentáveis para empreendimentos culturais; po-
líticas de amplo acesso ao livro e à leitura; oferecer linhas de financiamento para empreendimentos
culturais; fortalecer o acesso à leitura por meio de bibliotecas públicas; e articular e conduzir
o mapeamento da economia da cultura brasileira. A criação da SEC ampliou os horizontes de
pesquisa na área ao estimular o estudo integrado da economia e da criatividade de forma mais
sistemática, assim como das políticas públicas voltadas para esse segmento econômico. Esse foi
um passo importante na busca por políticas que levassem à dinamização econômica de setores
ligados à criatividade, que até então eram considerados pouco relevantes economicamente,
assim como criou um direcionamento não apenas somente das políticas públicas voltadas para
os setores criativos, mas também possibilitou o estudo da aplicabilidade desses novos conceitos
na economia brasileira.

O mapeamento das indústrias criativas no Brasil


Em 2004, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro lançou o “Mapeamento da


Indústria Criativa no Brasil”, inspirado em estudos internacionais sobre o tema e que incluiu,
além de empreendimentos situados exclusivamente dentro dos setores criativos, empresas que

109 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

tem como matéria-prima a criatividade mas que possuem, em seus quadros, profissionais que
não trabalham essencialmente com a criatividade, assim como empresas que não se situam nos
setores criativos, nem tem profissionais criativos, mas cuja atividade é essencial para a existência
dos empreendimentos criativos. Essas empresas e profissionais foram avaliados independentemente
da atividade econômica que desenvolvem e onde a desenvolvem, porém, todas elas estão, de
alguma maneira, ligadas à Indústria Criativa.

O Mapeamento da FIRJAN é realizado desde 2004, tendo sua mais recente atualização
em 2019, mantendo sempre a proposta de identificar o comportamento da Indústria Criativa no
Brasil, ressaltando as diferenças entre os diversos setores da economia, assim como avaliando o
desempenho da Indústria Criativa na série histórica iniciada em 2013 (FIRJAN, 2019, online)18

O Mapeamento da FIRJAN 2019 adota a definição da Conferência das Nações Unidas


para o Comércio e o Desenvolvimento - UNCTAD para a cadeia produtiva, definindo-a como
“[...] composta pelos ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam cria-
tividade e capital intelectual como insumos primários” (FIRJAN, 2014, p.7) e as divide em 13
segmentos criativos – agrupados segundo as afinidades setoriais – agrupados em quatro grandes
Áreas Criativas: Consumo (Design, Arquitetura, Moda e Publicidade & Marketing), Mídias
(Editorial e Audiovisual), Cultura (Patrimônio e Artes, Música, Artes Cênicas e Expressões
Culturais) e Tecnologia (Pesquisa e Desenvolvimento – P&D, Biotecnologia e Tecnologias da
Informação e Comunicação - TIC). Essas Áreas Criativas estão alocados em três segmentos:
Indústria Criativa ou Núcleo Criativo, considerado o centro de toda a cadeia produtiva, cujas
principais geradoras de valor nas atividades profissionais e/ou econômicas é a criatividade; as
Atividades Relacionadas, que reúnem as indústrias e as empresas de serviços que fornecem
materiais e elementos essenciais para o funcionamento do Núcleo Criativo; e Apoio, que são
os oferecem serviços e bens de forma indireta ao núcleo (FIRJAN, 2019, p. 6-8). A Indústria
Criativa é avaliada, no Mapeamento da FIRJAN, sob duas óticas: a da Produção, calculada pelo
impacto dos estabelecimentos criativos (que podem empregar trabalhadores não criativos
também); e a do Mercado de Trabalho, que analisa a quantidade e a remuneração dos profissionais
criativos, independente do fato deles trabalharem na Indústria Criativa, na Indústria Clássica
ou em outro ramo da atividade econômica nacional (FIRJAN, 2019, p.4). O Quadro 1 a seguir
apresenta o da Cadeia de Industria Criativa no Brasil:

18 Disponível em: https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa.pdf


Acesso 03 out 2020

110 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Quadro 1 - Fluxograma da Cadeia de Industria Criativa no Brasil

111 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Fonte: Mapeamento da Industria Criativa no Brasil 2019

O cenário recessivo dos últimos anos causou uma estabilização na participação do PIB
Criativo no PIB brasileiro quando visto sob a ótica da Produção, fazendo com que essa participação
fique em torno de 2,62%, com pequenas oscilações desde o início do Mapeamento. Em 2017 o
PIB Criativo respondeu por R$ 171,5 bilhões do PIB nacional, equivalente a 2,61% de toda a
riqueza gerada no país. A análise do Mercado de Trabalho formal na Indústria Criativa mostra
a existência de 837,2 mil profissionais formalmente empregados em 2017, contra os 892.519
profissionais criativos listados na pesquisa de 2014 (decréscimo de -3,9% no número de
profissionais criativos atuantes em relação à pesquisa publicada em 2015). Nesse mesmo período
(2015-2017), o Brasil teve cerca de 1,7 milhão de postos de trabalho encerrados e pode-se
observar um aumento na busca por profissões criativas, especialmente as ligadas aos segmentos
de Biotecnologia, TIC e P&D.

O gráfico a seguir mostra a participação do PIB Criativo no PIB Total Brasileiro no


período de 2004 a 2017. Pode-se observar a evolução da participação dos setores criativos ao
longo do período (em termos percentuais), demonstrando a importância desse segmento para a
economia nacional.

Gráfico 1 – Participação do PIB criativo no PIB nacional

Fonte: Mapeamento da Industria Criativa – FIRJAN, 2019

Segundo a FIRJAN (2019, online), a Economia Criativa, que era considerada como um
nicho de mercado “[...] passou a ser parte essencial da cadeia produtiva, um insumo tão relevante
quanto o capital, o trabalho e as matérias-primas para uma quantidade cada vez maior de
setores”. De acordo com o Mapeamento da FIRJAN (2019, online) a remuneração em todas as
quatro grandes Áreas Criativas da Indústria Criativa se manteve superior à média da economia,
apesar da crise. O estudo afirma ainda que, em 2017, o rendimento mensal médio do trabalhador
brasileiro foi de R$ 2.777,00, enquanto rendimento dos profissionais criativos atingiu o valor
de R$ 6.801,00, ou seja, 2,45 vezes superior. Foi observado também crescimento salarial nos

112 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

segmentos criativos com menores níveis salariais, o que reduziu a desigualdade da renda na
Indústria Criativa.

O desempenho dos setores criativos alinhou-se com o restante da economia brasileira,


quando analisado sob a ótica do Mercado de Trabalho, entre 2015 e 2017, com cerca de 1,8%
de toda a mão de obra nacional atuando na Indústria Criativa, destacando-se as áreas de
Tecnologia e Cultura, que mostraram desempenho superior ao do total do mercado de trabalho
(FIRJAN, 2019, online).

A área de Tecnologia é a segunda maior área criativa em número de trabalhadores


criativos, com 37,1% do total de trabalhadores, destacando-se que dois dos quatro segmentos
criativos que registraram expansão no período de 2015-2017 estão dentro da área de Tecnologia
(Biotecnologia, com aumento de 9,2% no número de trabalhadores e Tecnologia da Informação
e Comunicação – TIC, cujo crescimento foi de 1,8%), o que torna essa área menos afetada pela
crise registrada no mesmo período (decréscimo de -2,1% contra -3,7% do total do mercado de
trabalho). Já o segmento da Cultura registrou aumento no desempenho em relação ao total do
mercado de trabalho (-3,1% contra -3,7%) graças, especialmente, à expansão dos vínculos
formais no segmento de Expressões Culturais (+5,9%) (FIRJAN, 2019, online)

A principal área criativa ainda é a de Consumo, que responde por 43,8% dos trabalhadores
formalmente empregados, mesmo com uma retração de 4,2% nos empregos na área. O segmento de
Publicidade & Marketing foi o que registrou maior avanço com relação aos vínculos formais,
com um aumento de 9,5% em relação ao mapeamento anterior de todos os 13 segmentos criativos
analisados pela FIRJAN. Também houve o registro de diminuição no número de trabalhadores
nos setores criativos de Arquitetura, Moda e Design, sendo a queda no segmento da Arquitetura foi o
mais intenso entre todos os segmentos criativos, estando diretamente relacionado à diminuição
no poder de compra das famílias e, consequentemente, nos investimentos, o que também afetou
a Construção Civil (FIRJAN, 2019, online).

Outros setores que também registraram crescimento foram os de Design e Moda, com
destaque para os segmentos ligados às transformações digitais e customização, especialmente
nas profissões de Designers de Produtos, Designers Gráficos e Designers de Moda. Finalmente,
o segmento de Mídias manteve a tendência de retração (-8,5%) especialmente no segmento
Editorial (Jornalismo), porém, com certo crescimento nos segmentos ligados ao relacionamen-
to com os clientes, sobressaindo-se as profissões de Editor de Mídia Eletrônica e Assessor de
Imprensa. Essa tendência foi observada também no setor de audiovisual, no qual profissões
ligadas a mídias tradicionais, como Montadores de Filmes, Locutores de Rádio e Televisão
e Fotógrafos Profissionais tiveram queda significativa, ao contrário das ligadas ao segmento
digital, que apresentaram ligeira ascensão (FIRJAN, 2019, online).

A exigência por melhor qualificação profissional e modernização tecnológica tiveram


um impacto direto na distribuição da renda do trabalho na Indústria Criativa, que ainda

113 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

apresenta salários superiores à média de outros segmentos da economia tradicional: enquanto


o rendimento médio mensal do trabalhador brasileiro foi de R$ 2.777,12 em 2017, enquanto que
o salário dos profissionais criativos, geralmente melhor qualificados, chegou a R$ 6.801,00,
embora essa diferença salarial tenha diminuído em relação ao dos profissionais criativos entre
2015 e 2017, com crescimento de 3,6% nos salários formais. Somente dois segmentos registraram
remuneração média menor do que a média nacional em 2017: o da Moda (R$ 2.074) e o de
Expressões Culturais (R$ 2.218) (FIRJAN, 2019, online).

A partir do Mapeamento da FIRJAN, pode-se perceber que mesmo em períodos de crise,


a Economia Criativa representa uma importante fatia do PIB nacional, especialmente quando
analisadas a economia de estados e municípios, inclusive em Campina Grande e Mossoró,
locais escolhidos para nossa pesquisa. A seguir apresentaremos as cidades escolhidas para a
pesquisa que norteia esse capítulo, assim como os eventos que foram analisados, destacando a
importância dos mesmos para a economia da cidade.

Campina Grande e “O Maior São João do Mundo”

Campina Grande é um município brasileiro localizado no interior da Paraíba, apresentando,


atualmente, 385.213 habitantes, segundo o censo de 2010 do IBGE, com projeção de população
para 2020 estimada em 411.807 pessoas (IBGE, 2020, online)19.. É o segundo maior município
do estado e sua região metropolitana é a segunda maior zona metropolitana do interior Nordestino,
com 19 municípios, nos quais habitam 638 017 habitantes (PREFEITURA, 2020, online).

De acordo com o IBGE (2020, online), o salário médio mensal em Campina Grande em
2018 era de 2,2 salários-mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população
total era de 27,0%. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário-mínimo
por pessoa, Campina Grande tinha 39,5% da população nessas condições, o que a colocava na
posição 220 de 223 dentre as cidades do estado e na posição 2.810 de 5.570 entre as cidades
do Brasil (IBGE, 2020, online). O PIB per capita em 2017 era de R$ 21.077,30 e o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em 2010 era de 0,720.

A cidade é um grande centro universitário, com vinte e uma universidades e faculdades,


das quais três são públicas, sendo duas federais (UFPB e UFCG) e uma estadual (UEPB), o que
a torna a cidade com proporcionalmente o maior número de doutores do Brasil (1 para cada 590
habitantes, que corresponde a seis vezes a média nacional). O município também é destaque em
termos de centros de capacitação para o nível médio e técnico o que, juntamente com o ensino
superior, atrai pessoas de diversas regiões do país. Essa diversidade cultural e econômica acaba
criando condições para que a cidade desenvolva uma variada agenda cultural, com eventos de

19 Dados disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/campina-grande/panorama Acesso 05 out 2020

114 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

diferentes naturezas, tais como o Encontro da Nova Consciência, o Alterna Vida, o Festival de
Inverno e o mais famoso deles, “O Maior São João do Mundo”, que acontece na cidade desde
1983 (PREFEITURA, 2020, online)20.

O município é bastante industrializado, com 9.066 empresas registradas, número


apenas menor que o da capital do estado, João Pessoa. Destas, 8.492 empresas estão atuando na
economia local. O mercado informal da cidade, por suas próprias características, não pode ser
mensurado, visto que os trabalhadores informais não são registrados e, consequentemente, não
entram nas estatísticas econômicas oficiais, cujos dados são utilizados tanto pelo IBGE quanto
pela FIRJAN, no Mapeamento das Indústrias Criativas.

As mudanças trazidas pela industrialização em Campina Grande resultaram em um


processo de migração do campo para a cidade, o que afetou os costumes e tradições geralmente
existentes nas cidades do interior e que podem ser sentidas também nas festas populares, como
no “Maior São João do Mundo”. As festas juninas, dentre as quais as que homenageiam São
João e São Pedro, realizadas entre junho e julho, tem origem nas regiões rurais do país, sob
influência de festas europeias realizadas para comemorar as boas colheitas. No Brasil, as festas
têm destaque na cultura nordestina, cujas colheitas eram comemoradas com festas nas quais
seu produto era a matéria-prima das principais comidas, como o milho, por exemplo (SILVA,
D. 2020, online; FERNANDES, 2020, online). A integração das comemorações religiosas com
antigas festas do ciclo das colheitas, ou seja, das festas sacras e profanas, reflete-se nas características
dos festejos juninos, que são uma miscelânea de costumes tradicionais regionais, familiares e
religiosos (SILVA, D. 2020, online; FERNANDES, 2020, online).

Eventos como “O Maior São João do Mundo”, por suas características próprias, leva
a uma reflexão sobre como as novas formas de expressão cultural assumem novas identidades
quanto à lógica de consumo e às mudanças culturais nas quais se encontram inseridos. O
caráter tradicional da festa, cujo escopo eram os costumes tradicionais arraigados dentro da
comunidade, foi substituído pelo caráter multilocal e globalizado, no qual as tradições agregam
novas tendências em vários setores, sejam eles culturais ou não, e acabam por projetar uma
nova imagem da cidade a partir do evento. Os setores criativos presentes no evento, especialmente os
ligados à cultura, fazem com que o evento se renove a cada ano, tanto pela mudança anual do
tema escolhido para a festa, como pela inovação nas criações artísticas, nos materiais utilizados
para a formatação do evento e nas relações econômicas envolvidas.

20 Disponível em: https://campinagrande.pb.gov.br/historia/

115 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Mossoró e o “Mossoró Cidade Junina”


Mossoró é um município brasileiro localizado na região oeste do estado do Rio Grande


do Norte, a cerca de 281 quilômetros da capital do estado, Natal. Mossoró ocupa uma área de
aproximadamente 2.099,334 km² (IBGE, 2020, ONLINE), sendo o maior município do estado
em área. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2010,
registrou uma população de 259.815 pessoas na cidade com estimativa, para 2020, de uma
população de 300.618 pessoas. Situado entre duas capitais, Natal-RN e Fortaleza-CE, é uma
das principais cidades do interior da região nordeste, com intenso crescimento econômico e
infra estrutural, sendo considerado o maior produtor em terra de petróleo e de sal marinho do
país, o que lhe conferiu, em 2017, um PIB per capita de R$ 20.858,33 (IBGE, 2020, ONLINE).
De acordo com dados do IBGE (2018), o Produto Interno Bruto (PIB) de Mossoró é o segundo
maior do Rio Grande do Norte e o maior da região oeste do estado, com PIB per capita, em
2017, de R$ 20.858,33 e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,720. Ainda segundo
o IBGE (2020, online), a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de
22,3% em 2018. O salário médio mensal era de 2,4 salários-mínimos, ocupando a 5ª posição
em comparação aos outros municípios do estado. Cerca de 38% da população encontrava-se
em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário-mínimo por pessoa, o que coloca
Mossoró na 162ª posição entre as cidades do estado e na 3007ª posição de 5570 dentre as
cidades do Brasil, em termos de renda mensal média. Segundo dados da Prefeitura, dados do
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mostram que, entre 2000 e 2010, “[...]
a taxa de atividade da população de 18 anos ou mais subiu de 60,80% em 2000 para 64,09%
em 2010. Juntamente a isso, a taxa de desocupação diminuiu de 19,86% em 2000 para 10,07%
em 2010”. (PREFEITURA, 2020, online). O município é um dos principais polos industriais
do Rio Grande do Norte, ao lado de Natal, abrigando uma grande concentração de indústrias
têxteis, de confecção e de artigos essencialmente voltados ao turismo (PREFEITURA, 2020, online).

Mossoró se destaca por diversos fatos históricos, como a abolição dos escravos em 1883
(cinco anos antes do resto do país), o Motim das Mulheres, em 1875, o primeiro voto feminino,
em 1928 e a resistência ao bando de Lampião, em 1927. Tais eventos ajudaram a formatar as
características turísticas da cidade, o que acabou por estimular a melhoria da infraestrutura
turística local, somada aos fatores culturais já existentes e desenvolveu um grande potencial
para eventos festivos, tais como o Mossoró Cidade Junina (MCJ), que se desenvolve ao unir o
festejo junino à cultura local, desenvolvendo o potencial turístico local.

O evento Mossoró Cidade Junina, tal como seu principal concorrente, o Maior São João
do Mundo, em Campina Grande, tem duração de 30 dias, acontecendo anualmente entre os meses de
junho e julho. O evento agrega uma variedade de atrações culturais, tais como grandes shows
de artistas nacionais, festival de quadrilhas juninas e mais de trinta projetos culturais espalhados
por todo corredor cultural (Prefeitura Municipal de Mossoró, 2020, online). Dentre os atrativos

116 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

do Mossoró Cidade Junina, destacam-se: Pingo da Mei Dia (bloco junino que promove a abertura
oficial do evento); Circo do Forró (espaço voltado para o tradicional forró pé de serra com trios
de sanfoneiros); Cidadela (rua cenográfica que reproduz as antigas cidades de interior e que
inclui o palco da apresentação cultural principal, a praça de alimentação, botecos e bodega
para venda de artesanato); Memorial da Resistência (ambiente com apresentações culturais e
shows de músicas instrumental); Burro-taxi (carroças que fazem o percurso nas mediações do
corredor cultural); Pau de Arara Eletrônico (resgatando a tradição de moradores da zona rural
que utilizavam esse transporte para se locomover das comunidades para a cidade, o carro é
ornamentado de acordo com as características juninas); Projeto Brinquedos e Brincadeiras
Populares (resgatam a tradição dos brinquedos artesanais e as brincadeiras antigas); Projeto
Botando Boneco (apresentação de mamulengos); Festival de Pífaros e Cabaçais (instrumentos
utilizados pelo sertanejo); Jegódromo (projeto que busca resgatar a importância do jumento
através de uma competição de corrida); Chuva de bala no país de Mossoró (representação teatral e
musical que mostra a invasão e expulsão do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião na cidade),
dentre outros eventos que acontecem no período (SILVA; BRITO, 2016, online).

O Mossoró Cidade Junina acontece ao longo da antiga estrada de ferro, renomeada de


Estação das Arte e que escoava a produção de sal e algodão do sertão. Esse corredor cultural
é o centro dos grandes shows do MCJ, que chegam a reunir até 50 mil pessoas por noite. No
centro histórico, há uma igreja com a torre crivada de balas, símbolo de um dos principais
momentos da história do cangaço e que, no MCJ, vira palco do espetáculo “Chuva de Bala”, no
qual é revivido o dia 13 de junho de 1927, quando a população armada teria expulsado o bando
de Lampião com uma “chuva de bala”.

Os setores criativos no “O Maior São João do Mundo” e no “Mossoró Cidade Junina”


sob a ótica do mapeamento das indústrias criativas no Brasil

A análise dos dados referentes aos setores criativos que se destacam no “O Maior São
João do Mundo” e no “Mossoró Cidade Junina” está no fato de que esses eventos têm grande
importância para a economia local, embora sejam sazonais e tenham natureza predominantemen-
te imaterial. Os segmentos criativos “Cultura” e “Consumo”, juntamente com as atividades
relacionadas a esses segmentos e as atividades de apoio, destacam-se antes, durante e após o
evento na dinamização da economia local. Porém, nossa pesquisa revelou que essa importante
participação não está presente nos números do Mapeamento da FIRJAN porque grande parte
dos profissionais que atuam nos setores criativos identificados nesses eventos encontram-se na
informalidade, ou seja, não há registros deles nos órgãos oficiais e, por isso, não entram nas
estatísticas nem do IBGE, nem da FIRJAN, seja em relação aos dados referentes aos municípios
pesquisados, seja em relação à economia brasileira como um todo. Ainda assim, os dados do
IBGE e da FIRJAN são muito importantes para as pesquisas sobre Economia Criativa no Brasil

117 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

por serem as únicas fontes de dados concretos sobre os profissionais e os Setores Criativos no
país. Além disso, esses dados também são apresentados por estado e município, o que facilita
a análise da contribuição econômica dos Setores Criativos nos três níveis (federal, estadual e
municipal), bem como a comparação entre eles.

A relação entre os setores criativos listados no Mapeamento da Indústria Criativa no


Brasil e os setores identificados no “O Maior São João do Mundo” e no “Mossoró Cidade
21

Junina” revela a importância desses setores na dinamização da economia local, pois envolvem
toda a cadeia produtiva (matéria-prima, produto final, mão-de-obra e serviços especializados,
entre outros).

Os setores criativos identificados como diretamente relacionados com os eventos


pesquisados são basicamente os mesmos: Arquitetura, Artes Cênicas, Audiovisual, Design,
Expressões Culturais (gastronomia e artesanato), Editorial, Moda, Música, Patrimônio & Artes
e Publicidade, dos quais foram escolhidos os três que mais se destacaram em termos de relevância
à proposta de trabalho da nossa pesquisa, para fazermos uma análise a partir dos dados do
Mapeamento da FIRJAN (2014): Artes Cênicas, Expressões Culturais e Música.

A Tabela 1 a seguir apresenta os dados sobre profissionais e remuneração utilizados


na pesquisa original, sobre “O Maior São João do Mundo” e os dados atualizados, segundo os
mapeamentos da FIRJAN de 2014 e 2017, disponíveis online22. Apresenta também dados do
“Mossoró Cidade Junina” no mesmo período (2014 e 2017), para podermos comparar a participação
dos setores criativos destacados nesses eventos e sua importância para a economia das cidades
onde eles ocorrem.

21 Ver Quadro 1
22 https://www.firjan.com.br/economiacriativa/pages/default.aspx Acesso em 04 out 2020

118 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Tabela 1 - Número de empregados e remuneração média nos Setores Criativos em Campina


Grande e em Mossoró, em 2014 e em 2017, com destaque para os setores mais relevantes
para “O Maior São João do Mundo” e para o “Mossoró Cidade Junina”.

Fonte: Adaptado de FIRJAN (2014 e 2017).

A partir da análise dos dados apresentados, percebemos que houveram mudanças


pouco relevantes em termos de número de profissionais formais atuantes nos setores criativos
em destaque no “O Maior São João do Mundo”, porém, há um incremento considerável na
remuneração média dos profissionais desses segmentos, com ênfase para o setor de Artes
Cênicas, cuja variação monetária foi de R$ 598,33, ou seja, um aumento de cerca de 73,5%,
embora tenha havido uma diminuição no número de profissionais registrados. No segmento de
Música foi observado um aumento insignificante no número de profissionais, porém, com um
aumento significativo da remuneração média (variação monetária de R$ 557,55, equivalente
a um aumento de pouco menos de 69,5%). Já o segmento de Expressões Culturais apresentou
variação no número de profissionais maior que os outros segmentos, passando de 28 para 40
profissionais e variação monetária de R$ 416,53 na remuneração média, equivalente a um
aumento aproximado de 37,3%.

No evento “Mossoró Cidade Junina”, as variações são bastante diferentes do “O Maior


São João do Mundo”, com decréscimo tanto do número de profissionais quanto da remuneração
média nos segmentos que se destacam no evento: no setor de Artes Cênicas houve uma queda
de mais de 50% no número de profissionais e uma variação monetária de - R$ 1.049,39, ou seja,
uma queda de pouco menos de 49,5%. Já no segmento de Música foi observado uma diminuição
no número de profissionais (de 51 para 41), porém, com um aumento da remuneração média
(variação monetária de R$ 473,10, equivalente a um aumento de pouco menos de 13,2%). Já o
segmento de Expressões Culturais apresentou pequena variação no número de profissionais,
passando de 22 para 29 profissionais, com queda na remuneração média de - R$ 125,96,
equivalente a uma queda de 6,9%.

119 Valéria de Fátima Chaves Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Conclusão

A economia criativa está presente em diversos setores nos eventos pesquisados, “O


Maior São João do Mundo” e “Mossoró Cidade Junina”, porém, as diferenças entre os números
pesquisados pela FIRJAN em 2014 e 2017 são muito poucas, o que pode significar uma estagnação
nos registros oficiais relativos aos setores criativos que leva a uma falsa impressão de estagnação
do mercado para esses segmentos. Como já foi dito, as pesquisas da FIRJAN são obtidos de
órgãos oficiais, como o IBGE e o antigo Ministério do Trabalho e Emprego, que contabilizam
apenas os trabalhadores registrado, ou seja, os que trabalham no mercado formal, sem considerar
a enorme quantidade de profissionais criativos que seguem no mercado informal, sem registro
e sem entrar para as estatísticas oficiais. Não obstante, a cadeia produtiva dos setores criativos,
formal ou informalmente, continua atuando não apenas durante os eventos, mas também no
ano inteiro, devido aos preparativos feitos para os mesmos, quando são produzidas as peças que
serão comercializadas no período junino.

Uma percepção a partir dessa pesquisa é que os números de profissionais atuantes nos
segmentos criativos e na remuneração destes continuam não refletindo nem o número real
nem a remuneração dos mesmos e isso leva à uma reflexão sobre quais os motivos que levam
os institutos de pesquisa oficiais não implementarem pesquisas com o mercado informal, tão
importante para a economia do país. Além disso, deve-se levar em consideração que os tra-
balhadores informais têm a percepção de que a formalização ainda é considerada como muito
burocrático e caro, assim como pode-se inferir que esses profissionais talvez atuem em outras
áreas formalmente, tendo o trabalho artístico como segunda ocupação ou hobby e por isso não
se encontram devidamente registrados.

Podemos concluir que, embora tenham sido apresentadas mudanças no número


de profissionais e na remuneração em todos os segmentos criativos identificados no “O Maior
São João do Mundo” e no “Mossoró Cidade Junina”, essas mudanças não foram drásticas nem
relevantes para afetar a dinamização da economia dos eventos, nem da economia da cidade,
embora esses setores criativos continuem impulsionando a economia local, atraindo turistas e
proporcionando renda aos atores envolvidos nos processos de preparação e realização dos even-
tos, assim como na projeção das edições seguintes. Podemos concluir, ainda, que os números
dos dois eventos são bastante semelhantes, tanto no que se refere ao número de profissionais,
quanto à remuneração média, não apenas nos segmentos em destaque, mas também nos outros
segmentos pesquisados, o que pode significar que ambos os eventos têm a mesma percepção
quanto à importância dos Setores Criativos para sua realização e sucesso.

120 Valéria de Fátima Chaves Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

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122 Valéria de Fátima Chaves Araújo


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123 Valéria de Fátima Chaves Araújo


CAPÍTULO 7

Cidades Sustentáveis: discutindo desafios e alternativas para os problemas


socioambientais do desenvolvimento urbano e regional

Ana Célia Baía Araújo23

Introdução

O meio urbano já abriga mais da metade da população do planeta (ONU, 2015), e os


processos de urbanização provocam crises socioeconômicas e degradação ambiental como
consequências diretas do crescimento urbano. A conjuntura política e econômica do desenvol-
vimento urbano e regional é pautada na lógica econômica do sistema capitalista, tornando o
espaço urbano lócus de intensas transformações e interferências antrópicas (SANTOS, 1994;
FREITAS, XIMENES, 2015; VÉRAS, 2000), ou seja, percebemos as cidades como territórios
em que as ações humanas afetando de forma intensa e direta os ciclos e a recuperação dos
sistemas naturais.

No Brasil, a questão urbana reside principalmente nos problemas que acompanham o


crescimento e o desenvolvimento urbano: diferenciação e desigualdade na distribuição socioespacial,
déficit de habitação e conflitos com relação ao (desigual) direito à cidade (LENCIONI, 2017).
Todos esses problemas tem relação direta com os riscos e vulnerabilidade socioambientais, ou
quanto ao uso inadequado dos recursos ambientais.

Esse cenário perpassa limites municipais e, nas regiões metropolitanas (RMs), os


impactos dos problemas urbanos e socioambientais repercutem diretamente nas dinâmicas
socioeconômicas desses territórios que assumiram importância demográfica, política, econômica e
urbana no desenvolvimento nacional e regional brasileiros. Misturam-se no território metropolitano
as questões ambiental, social, econômica, urbana e regionais, tornando ainda mais complexa
uma transição para dinâmicas metropolitanas mais sustentáveis na gestão, planejamento e
governança urbano-regionais das RM.

Aproximando a análise para o contexto metropolitano nordestino, somam-se ainda a


esses problemas a escassez de soluções eficientes para antigos (como a seca) e novos problemas
socioambientais (como a escassez hídrica e a desertificação do semiárido). Problemas estes
que se agravam com o passar do tempo devido à pouca adaptação das administrações públicas
às secas, aos aumentos de temperatura e à anormalidade nos regimes de chuvas (SATHLER;

23 Mestra em Estudos Urbanos e Regionais pelo Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais
(PPEUR/UFRN). E-mail:araujo.acba@gmail.com

124 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

PAIVA; BRANT, 2016), evidenciando a necessidade da busca por alternativas que superem os
desafios impostos pelos problemas do desenvolvimento urbano e regional.

Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é discutir como as propostas de cidades sustentáveis
(CS) podem ser consideradas alternativas aos impactos socioambientais do desenvolvimento
urbano e regional. Considerando como princípios básicos para agendas dessas propostas tornar
as dinâmicas urbanas e regionais (no caso de cidades metropolitanas) mais sustentáveis,
resilientes e adaptáveis às mudanças climáticas, e, na maior parte das propostas, visando aliar
o desenvolvimento urbano e regional com dinâmicas socioambientalmente e economicamente
sustentáveis.

A partir de uma metodologia qualitativa, utiliza-se pesquisa bibliográfica e dados se-


cundários, como o diagnóstico e discussões do Índice de Desenvolvimento Regional e Urbano
para Cidades Sustentáveis (IDRUCS) (ARAÚJO, 2019) sobre a Região Metropolitana de Natal
(RMN) no Rio Grande do Norte como representação de um território metropolitano dentro da
complexidade de questões socioambientais e urbano-regionais do Nordeste, para dar suporte
à discussão sobre CS como alternativas eficientes para a sustentabilidade, adaptação climática
e resiliência urbanas. O trabalho discute ainda um conceito de CS baseado na racionalidade
ambiental de LEFF (2000) e outros desafios para que, de fato, seja possível utilizar essa proposta
como solução aos problemas urbano-regionais.

Cidades sustentáveis como alternativas aos problemas do desenvolvimento urbano e


regional

As discussões da questão ambiental nos últimos decênios vêm problematizando o


modelo de desenvolvimento urbano e regional contemporâneo, considerado insustentável, tendo
em vista extrapolar os limites de recuperação e exaurir e degradar os recursos planetários. O
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) indica que: “as cidades são
responsáveis por 80% do Produto Interno Bruto (PIB) global, usam 80% da energia global e
produzem mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa (GEE)” (ONU-BR, 2016, s/p).

Por isso, é crescente a busca por modelos urbanos que sanem os problemas da insus-
tentabilidade do desenvolvimento, trazendo alternativas para o planejamento e a gestão
de arranjos urbano-regionais, como as regiões metropolitanas (aqui compatíveis com a
discussão de cidades metropolitanas de Manuel Castells e Jordi Borja). Nos fóruns, congressos,
discussões acadêmicas e conferências políticas internacional, as propostas mais aceitas como
para sanar os problemas socioambientais, na atualidade, implicam em propostas como as das
cidades sustentáveis.

125 Ana Célia Baía Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Dentre várias propostas para a sustentabilidade urbana como cidades verdes, ecológicas,
saudáveis, adaptáveis, inteligentes, entre outras, nas últimas décadas ocorreu a popularização
das soluções propostas pelas Nações Unidas (ONU) baseadas no contraditório discurso de
desenvolvimento sustentável (DS), segundo explicam PESSOA (2012) e PRADO (2015).

Após várias propostas como Agenda 21 e Objetivos do Milênio, culminando na Agenda


2030 lançada em 2015, as CS das Nações Unidas são um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), contidas nas diretrizes da Agenda 2030 e enfatizadas na Nova Agenda
Urbana (NAU) – que também resgata as questões do local, do regional e do global para suas
propostas na promoção de um “desenvolvimento urbano sustentável” (ONU-HABITAT, 2016).

As Nações Unidas tornaram o modelo de “Cidades e Comunidades Sustentáveis” do


ODS 11 a proposta mais aceita e também a mais questionada sobre como promover um
desenvolvimento urbano capaz de resolver os problemas socioambientais e econômicos da
conjuntura global e local. Além dos questionamentos sobre a efetividade das propostas de CS
da ONU e sua adoção como compromisso nacional no país, questiona-se como regiões
metropolitanas teriam condições de internalizar as propostas de Cidades Sustentáveis em suas
dinâmicas como alternativas estratégicas para suas questões socioambientais e urbano-regionais.

Esse questionamento é endossado a partir do Índice de Desenvolvimento Regional e Ur-


bano para Cidades Sustentáveis, o IDRUCS (ARAÚJO, 2019), que levanta aspectos metropolitanos
econômicos, sociais, ambientais e territoriais de desenvolvimento urbano-regional, mensurando
o modelo do ODS 11 ao relacionar princípios de CS ao desenvolvimento urbano-regional.

Nas RM nordestinas, como a RMN, os problemas socioeconômicos pioram os já grandes


obstáculos à adoção de propostas de CS, tendo em vista que secundariza-se a necessidade de
uma gestão e planejamento urbano-metropolitanos que contemplem mudanças reais para equilibrar
aspectos sociais como qualidade de vida e condições de vida urbana e aspectos ambientas em
detrimento da priorização exclusiva do desenvolvimento econômico.

Os resultados para a RMN no IDRUCS foram classificados como “ruins”, expressando


uma relação não satisfatória entre o desempenho do desenvolvimento urbano-regional (que por
si só, de acordo com Araújo, 2019, também precisa melhorar) com os aspectos socioambientais
relacionados aos princípios de cidades sustentáveis. Na análise desse resultado, seguindo a
metodologia de Araújo (2019, p. 106), a autora explica que:

Sobre a estrutura social da RMN, os processos excludentes ainda predominam


no desenvolvimento urbano-regional “marcado por fortes diferenciações, e que
resulta em um baixo nível de valor agregado em nível educacional e de renda,
sendo um território como fortes assimetrias sociais” (PESSOA, DIAS, 2015,
p. 171) e onde há grande déficit habitacional para as famílias pobres na região
(CLEMENTINO, FERREIRA, 2018), coerente com o resultado no IDRUCS em
que o IVSC e o IBEU tiveram resultados negativos.

126 Ana Célia Baía Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O diagnóstico metodológico do IDRUCS corrobora com uma perspectiva de que, do


ponto de vista urbano, é imprescindível (re)planejar cidades para que estas consigam ser resilientes e
adaptáveis aos efeitos das mudanças climáticas – na citação acima tanto o Índice de Bem-Estar
Urbano (IBEU) quando o Índice de Vulnerabilidade Socioclimática (IVSC), ambos utilizados
como indicadores do IDRUCS, apresentaram desempenhos pouco satisfatórios para a RMN.
Isso evidencia que é necessária para uma CS que a gestão urbana metropolitana e intrametropolitana
adeque suas dinâmicas e o consumo/demanda por energia e recursos para sistemas sustentáveis
de extração e cadeias produtivas – pois essa readequação e reestruturação das dimensões social
e ambiental é fundamental para a melhoria de indicadores do próprio desenvolvimento urbano.

Do ponto de vista regional, as análises do IDRUCS evidenciam que os impactos


socioambientais não se limitam à definição oficial dos limites municipais e das fronteiras metropo-
litanas: os ecossistemas e a expressão das dinâmicas urbanas se expandem nos territórios de
forma regionalizada. Partindo do entendimento de que estamos inseridos em uma realidade
geo ou ecossistêmica, a complexidade ambiental faz expandirem-se os efeitos dos processos de
uma urbanização e metropolização desorganizadas para além dos limites das cidades definidos
em leis. A lógica social dos processos e arranjos urbano-regionais de organização das cidades
não supera a complexidade das dinâmicas naturais.

Por isso, a leitura dos resultados dos IDRUCS aborda uma questão reflexiva sobre o
próprio modelo capitalista de desenvolvimento, de forma que compreende-se que sem a
mudança de paradigma do desenvolvimento capitalista para uma racionalidade ambiental, não
há possibilidades de internalização dos princípios de CS. Assim, considera-se também aqui
que as CS são alternativas aos problemas do desenvolvimento urbano e regional ao seguirem a
definição de Araújo (2019, p. 71), que entende as CS como um modelo baseado na racionalidade
ambiental que define diretrizes para gestão e planejamento urbanos e se norteia nos princípios
de sustentabilidade urbana, resiliência urbana e adaptação às mudanças climáticas.

Outros desafios às Cidades Sustentáveis: os riscos e vulnerabilidades do desenvol-


vimento urbano e regional

O desenvolvimento urbano e regional das cidades provoca um abismo de desigualdades


socioeconômicas e de exploração do meio ambiente. Nesse sentido, a proposta de cidades
sustentáveis para tornar-se efetiva em um território deve superar os problemas das desigualdades,
tendo em vista que ele atinge diretamente os aspectos sociais do chamado tripé da sustentabilidade
(SOUZA, 2016): o equilíbrio entre os desempenhos de indicadores sociais, ambientais e econômicos.

De acordo com as previsões do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas


(em inglês, o Intergovernmental Panel on Climate Change, mais conhecido mundialmente pela
sigla IPCC)sobre os fenômenos relacionados às mudanças climáticas e a problemas ambientais

127 Ana Célia Baía Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

decorrentes das dinâmicas do padrão de desenvolvimento globalizado, o meio urbano preci-


sa estar preparado para os impactos socioambientais (IPCC, 2018). No meio metropolitano,
deve-se redobrar essa preparação tendo em vista a intensificação dos impactos como riscos e
as vulnerabilidades socioambientais nas áreas e regiões metropolitanas, pois esses impactos
avolumam-se nas cidades (HERZOG; ROSA, 2010) e intensificam-se com o processo de
metropolização.

Concorda-se com Priori Jr (2015, p. 108) no sentido de que: “o desafio, para o futuro, é
tornar as cidades social e economicamente mais resilientes, de modo aceitável e viável”. Neste
mundo onde mais da metade da população humana reside em áreas urbanas, com previsões
para contínuo crescimento nos anos vindouros (ONU-BR, 2016), é preciso compreender o
crescimento dessas cidades e de suas demandas com o aumento das necessidades ambientais e
sociais para a promoção desse desenvolvimento urbano.

Nesse ponto, o desenvolvimento urbano influencia diretamente a perspectiva das


cidades sustentáveis pois, novamente, desequilibra o tripé da sustentabilidade: as condições do
mercado de trabalho (oferta de postos de trabalho, salários, direitos trabalhistas, ocupações), a
renda, o nível de educação (capacitação profissional, formação) são determinadas pelas dinâmicas e
políticas públicas que estruturam o desenvolvimento urbano e, em uma escala territorial regionali-
zada, nesse caso, metropolitano. Essas condições socioeconômicas, por sua vez, determinam a
qualidade de vida das pessoas da cidade: as habitações, as distâncias, a infraestrutura disponível para
a mobilidade urbana, lazer e moradia são diretamente dependentes das condições de mercado
de trabalho e das dinâmicas econômicas que ali se estabeleceram.

Veiga (2005, p. 35) reflete a conjuntura atual do modelo de desenvolvimento urbano e


regional como um obstáculo às alternativas mais sustentáveis para a ordem social e urbana,
apontando suas disparidades e contradições no trecho a seguir:

A despeito de aumentos sem precedentes da opulência global, o mundo atual nega


liberdades elementares a um grande número de pessoas, talvez até à maioria. Às
vezes, a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza
econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição
satisfatória ou remédios para doenças curáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar
de modo apropriado, a possibilidade de ter acesso à água tratada ou saneamento
básico.(VEIGA, 2005, p. 35)

Em outras palavras, o desenvolvimento urbano é uma grande contradição, fazendo


crescer cidades e regiões onde grandes avanços tecnológicos convivem com absurdas e
precárias condições socioeconômicas e que implicam em impactos socioambientais que pioram
a realidade das populações e territórios mais vulneráveis. Veiga (2005) aponta uma realidade
heterogênea do desenvolvimento, sendo a sociedade ainda carente de melhores condições de
vida para relevante parcela da humanidade, no aspecto de perdurarem carências econômicas,
de qualidade de vida e de justiça social nas cidades.

128 Ana Célia Baía Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

As cidades são transformadas a partir da manutenção de processos de desigualdade


social, cultural e econômica que o desenvolvimento urbano e regional impõe, logo, os impactos
socioambientais são consequências diretas do desenvolvimento. Sobre essa relação de causa e
efeito, Almeida (2012, p. 17) afirma que: “pode-se dizer que os riscos e catástrofes são próprios
da modernidade. Ao mesmo tempo, presencia-se um momento histórico em que toda a humanidade
se sente vulnerável.”

Nesse contexto, o autor Almeida (2012) faz uma relação entre a importância dos estudos
sobre a vulnerabilidade com os estudos dos riscos e perigos, tão presentes no cotidiano urbano,
conforme trecho a seguir:

Definida, grosso modo, como o potencial de perda de um sistema (Mitchel, 1989), a


vulnerabilidade tornou-se um conceito essencial na abordagem dos riscos e perigos,
e central para o desenvolvimento de estratégias de redução e mitigação das
consequências dos desastres naturais, nas diversas escalas de análise (local, regional,
nacional, global). (ALMEIDA, 2012, p. 29)

As características do desenvolvimento do espaço urbano podem ser generalizadas mesmo


nas escalas do local, regional, nacional ou global, a partir da noção de que esse espaço construído
é influenciado e transformado a partir das interações sociais. As dinâmicas sociais no espaço
urbano podem determinar as condições de vulnerabilidade de certos grupos, e nesse ponto o
autor Carlos Gonçalves (2017, p. 380) esclarece que frequentemente nas cidades ocorrem fenômenos
“[...] que estratificam grupos, etnias e classes sociais, como mecanismos de degradação da coesão
e do capital social, expondo essas comunidades a maiores vulnerabilidades”.

Dessas interações sociais dentro das dinâmicas socio ocupacionais e espaciais no meio
urbano, são geradas as condições de vulnerabilidades e de fenômenos de segregação nas
cidades. Ainda analisando essas dinâmicas, recorre-se aqui ao material sobre a segregação
nas cidades do autor Vasconcelos (2013, p. 18), em que ele reforça que estas transformações se
processam a partir de artifícios “originários das mudanças atuais sobrepostas às inércias do
passado. [...], modificaram as formas das cidades, criando [...] novas desigualdades, sem eliminar os
conflitos raciais, religiosos e políticos existentes”.

Do ponto de vista social, Almeida (2012, p. 25), entende-se que o desenvolvimento das
cidades na atualidade convive intimamente com as condições de risco, que compreende-se no
texto a seguir:
O risco é um constructo eminentemente social, ou seja, é uma percepção humana.
Risco é a percepção de um indivíduo ou grupo de indivíduos da probabilidade de
ocorrência de um evento potencialmente perigoso e causador de danos, cujas
consequências são uma função da vulnerabilidade intrínseca desse indivíduo ou
grupo (ALMEIDA, 2012, p. 25).

129 Ana Célia Baía Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Almeida (2012) explica que o risco é uma construção da sociedade, então, assim como
o desenvolvimento urbano, os riscos estão em todos os aspectos das cidades e regiões.
Consequentemente, o desenvolvimento urbano caracteriza-se por ser carregado de vulnerabilidades,
riscos, perigos e ameaças a desastres. Nesse caso, definem-se riscos, perigos e desastres a partir
das palavras da autora Furtado (2015) que também utiliza as definições de Almeida e do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climática:

Risco é um construto eminentemente social, ou seja, é a percepção humana da


probabilidade de ocorrência de um evento potencialmente perigoso ou danoso
(ALMEIDA, 2011), daí a maioria dos autores e organismos internacionais usarem,
atualmente, o termo risco de desastre. O perigo, ou ameaça, é o próprio evento
potencialmente danoso. Já desastre refere-se a alterações severas no funcionamento
normal de uma comunidade ou sociedade, originadas da combinação de eventos
físicos e condições de vulnerabilidade social (IPCC, 2012) (FURTADO, 2015, p. 20)

A partir desse cenário, compreende-se que a urbanização provoca riscos e perigos, e


que devido às desigualdades socioeconômicas urbanas, findam por provocar vulnerabilidades,
intensificadas se acompanhadas de desatenção da assistência pública às populações desprivilegiadas.
Ademais, devido a esse desajuste social urbano, a autora Siebert (2012, p. 5) conjectura que a
população de baixa renda é a população mais vulnerável aos desastres socioambientais, “desassistida
pelo poder público, devido à omissão do Estado na execução de uma política habitacional
consistente, ponto importante do planejamento urbano”.

Os riscos inerentes às questões climáticas e ambientais atingem mais intensamente


populações mais pobres, que são empurradas para áreas onde são potencializados, gerando
comunidades em situações de vulnerabilidade. A falta de assistência da gestão pública (tanto
para as populações em condições de vulnerabilidade social, ambiental e climática, quanto para
a gestão de riscos a desastres) termina por aumentar as condições de vulnerabilidade socioambiental
e socioclimática e, consequentemente, tornam essas populações ainda mais propícias a maiores
ameaças e perigos.

Partindo dessa afirmação, infere-se que, sem políticas habitacionais socialmente inclusivas,
as populações vulneráveis são frequentemente relegadas à ocupação de áreas de risco – como
encostas íngremes, topos de morros, baixadas e áreas alagáveis e margens de corpos d’água
(COELHO NETTO, 2005 apud HERZOG; ROSA, 2010, p. 94) – tornando-se ainda mais
vulneráveis na dimensão socioambiental.

Complementando afinal esse panorama, recorre-se a Siebert (2012, p. 5) que se baseia


em outros autores e constrói a ideia abaixo, destacando os aspectos espacial e social da
vulnerabilidade nas cidades (ALVES; OJIMA, 2008 apud SIEBERT, 2012, p. 5):

130 Ana Célia Baía Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Deve ser lembrado que a vulnerabilidade possui duas dimensões inseparáveis: a


dimensão espacial e a dimensão social, pois trata não apenas da exposição aos riscos,
mas também na capacidade de reação. Esta vulnerabilidade significa menor capacida-
de de evitar os desastres e também menor capacidade de resistir e reagir após sua
ocorrência.

Por isso, introduzindo a relação da sociedade com a questão ambiental e do clima, o


autor Priori Jr. (2015, p. 131) é utilizado para explicar a relação com as questões sociais no meio
urbano-metropolitano:

Cidades e regiões metropolitanas contribuem para as alterações climáticas e, ao


mesmo tempo, são vulneráveis aos impactos de potenciais mudanças climáticas. Im-
pactos climáticos vão resultar de tendências de mudanças no mundo do clima, mas
afetarão indivíduos e regiões de forma diferente. [...]. Muitos impactos [...] variam de
acordo com o grau de destruição e a resposta local. As cidades são mais vulneráveis
pela sua natureza complexa, situação que pode ser agravada pelas condições de in-
fraestrutura urbana e pela concentração de moradores pobres em situação de risco.

Uma interpretação dessa citação de Priori Jr. (2015, p. 131) conduz à associação dos pro-
blemas urbano-metropolitanos com os problemas decorrentes dos efeitos das mudanças climáticas e
dos impactos, riscos e vulnerabilidades decorrentes das dinâmicas desse desenvolvimento.

Furtado (2015, p. 19) categoricamente afirma que “as cidades são o lócus da vulnerabilidade
aos efeitos das mudanças climáticas” e, paralelamente, Freitas e Ximenes (2015, p. 238)
corroboram com essa visão, explicando que a urbanização se percebe “[...] também no aumento
das emissões que vem contribuindo para as mudanças climáticas e seus efeitos através de eventos
meteorológicos, hidrológicos e climatológicos”.

A conexão entre a possibilidade de efetivar as propostas de CS como alternativas aos


problemas do desenvolvimento urbano e regional fica clara ao compreender a relação entre a
necessidade de se repensar o meio urbano ante os impactos socioambientais e os efeitos desses
problemas como as mudanças climáticas, como afirmam Freitas e Ximenes (2015, p. 238): “a
vulnerabilidade socioambiental que cria condições para que determinados fenômenos da natureza
sejam percebidos como ameaças”. Nesse sentido, a atuação do poder público é essencial para
reduzir essas ameaças e riscos a desastres, e uma agenda de CS pode mitigar, adaptar e tornar
mais resiliências os territórios urbanos frente a esses impactos, mesmo que não tornem
completamente sanada a situação dos problemas ambientais urbano-regionais.

Contudo, o desafio das CS cresce nesse sentido conforme FURTADO (2015)expõe a


pouca importância que a gestão e o planejamento de cidades prestam a suas condições urbanas
e naturais de risco (geográficas, hidrológicas, climáticas),no mundo todo, e às situações de
perigo que podem estar expostas, pois: “a vulnerabilidade das cidades às mudanças climáticas
ainda é pouco conhecida e também subestimada” (FURTADO, 2015, p. 19-20).

131 Ana Célia Baía Araújo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

O desconhecimento dos reais efeitos que as mudanças climáticas exercem nas cidades
fazem com que a dimensão climática da vulnerabilidade seja ainda subestimada dentro da
perspectivas de problemas ambientais mais do que dimensões de disponibilidade hídrica, segurança
alimentar, entre outras, tendo em vista a compreensão da vulnerabilidade socioclimática ser
uma abordagem considerada ainda recente. De acordo com os estudos de Darela Filho et al.
(2016), pode-se afirmar que a vulnerabilidade socioclimática seria aquela em que as condições
sociais são intrinsecamente relacionadas às condições climáticas locais, à exemplo de áreas do
semiárido brasileiro que sofrem com as secas intensas e, aliado a esse fato as precariedades
socioeconômicas, ilustram o que seria esse vulnerabilidade socioclimática.

Finalmente, nessa linha de pensamento, pode-se então afirmar que as mudanças climáticas
exercem efeito intensificado nas cidades metropolitanas, e seja com a adoção da proposta de
CS ou de outras alternativas, é preciso que estas estejam preparadas para reduzir seus impactos,
trabalhando em medidas mitigadoras e adaptativas visando minimizar as condições de
vulnerabilidades socioambientais e os riscos a desastres, a partir de alternativas que usem da
sustentabilidade e resiliência como soluções urbanas.

Considerações finais

O desenvolvimento urbano e regional das cidades metropolitanas está diretamente re-


lacionado às causas dos problemas do meio ambiente, das alterações climáticas. Os processos
de urbanização geralmente é são alheios às premissas básicas da sustentabilidade, resiliência e
adaptação climáticas para o meio urbano, agravando seus impactos e, dessa forma, evidenciando
que o próprio modelo de desenvolvimento urbano-regional é um desafio à efetividade dos
resultados almejados cidades sustentáveis, já que estas se propõem a ser alternativas aos
problemas oriundos desse modelo de desenvolvimento.

Como consequência dessa conjuntura, além do ambiente e da vida natural ser afetada,
a própria sociedade urbana é a primeira atingida pelos impactos negativos do desenvolvimento,
agravando as questões de riscos e vulnerabilidades socioambientais nas cidades e, principalmente,
nos arranjos urbano-regionais como as regiões metropolitanas.

No Brasil, tanto a economia nacional quanto os processos de urbanização são fatores


determinantes para direcionar os processos de transformação socioespaciais, que privilegiam
ou prejudicam determinados grupos e populações na ocupação e uso de seus territórios,
conforme sejam os interesses das elites empresariais e/ou políticas locais. A desigualdade
socioeconômica provocada por esse cenário é um grande dilema que desafia a adoção de uma
agenda como as de cidades sustentáveis, que se baseiam em promover dinâmicas mais sustentáveis,
resilientes e adaptáveis às mudanças climáticas nas cidades.

132 Ana Célia Baía Araújo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Os ODS, o discurso do DS e os desafios conceituais e pragmáticos das CS também


suscitam dúvidas quanto à capacidade de tornar real os compromissos assumidos pelos países
ao tornarem-se signatários das Agendas e Objetivos da ONU. Exemplo dessa dúvida é o caso
do Brasil, que em outra gestão do governo federal assumiu o compromisso de adotar em as
agendas das Nações Unidas junto às suas agendas públicas, porém, cinco anos após o país ter
se tornado signatário, observa-se na atualidade um agravamento de questões socioambientais.

No Brasil, os processos de urbanização e metropolização resultaram em transformações


socioespaciais derivadas de um modelo de desenvolvimento que institucionalizou na administração
pública a lógica do sistema capitalista vigente. Isso provoca um cenário de exclusão, segregação
e desigualdades urbanas, vulnerabilidades socioambientais e de danos ambientais como parte
indissociável do urbano e do desenvolvimento regional.

Nessa perspectiva, promover um modelo de Cidades Sustentáveis que não tenha como
premissa uma racionalidade ambiental em detrimento da racionalidade econômica implicaria
na manutenção das desigualdades socioeconômicas inerentes à formação espacial das cidades.
São gigantes os desafios que a adoção de uma proposta de CS tem para reverter a degradação
e abismos sociais que os processos de urbanização, metropolização e desenvolvimento econômico
provocam.

Ao pensar nos territórios metropolitanos, a partir da análise das discussões sobre os


inúmeros processos de segregação residencial, e, mesmo que não se configure ali processos
segregatórios propriamente ditos, a adoção de uma proposta de cidades sustentáveis, por si só,
é um grande desafio ao desenvolvimento urbano-regional, que ali estabelece as condições dos
grupos sociais que estarão ou não submetidos às condições de vulnerabilidades, riscos e
desigualdades nas cidades.

Diante do panorama problemático que as cidades metropolitanas enfrentam como lócus


do desenvolvimento, o espaço urbano-metropolitano não pode dissociar a esfera ambiental da
esfera social dentro das suas políticas para o planejamento e gestão urbanos e regional. É nas
cidades metropolitanas e em outros arranjos urbano-regionais que residem os maiores desafios
para integração de agendas municipais e de políticas públicas urbanas e socioeconômicas e, daí,
traçarem-se novos princípios para as agendas urbanas: como os princípios de cidades sustentáveis.

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135 Ana Célia Baía Araújo


Parte II
GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS

136
CAPÍTULO 8

O PAA – leite e seus desdobramentos no Rio Grande do Norte: novos discursos e


velhas práticas

Kayck Danny Bezerra de Araújo24


Fernando Bastos Costa25
Vinícius Klause da Silva26

Introdução

O Programa do Leite foi instituído pela primeira vez a nível estadual no ano de 1986,
pelo governador Geraldo Melo, iniciando sua primeira fase no período 1986/89. Interessa notar
que é uma iniciativa de caráter estadual, que financia a compra e o beneficiamento do produto
in natura, cabendo aos municípios a operacionalização no plano local (seleção das famílias
beneficiarias e distribuição do produto). Com a mudança de governo em 1990 e ascensão de
José Agripino (opositor ao grupo do antigo governador), o programa foi suspenso até o final do
seu mandato, desencadeando uma série crise no setor leiteiro do Rio Grande do Norte, tanto
por parte dos produtores/fornecedores de leite, quanto no seio das famílias que se beneficiavam
do produto.

Em 1995, Garibaldi Alves assume o governo do estado e retoma o programa iniciado


por seu grupo político em 1986, e o torna um dos carros-chefes no âmbito de políticas sociais
dos dois mandatos; portanto, há uma consolidação no Programa do Leite, tendo um custeio de
85% por parte do governo estadual e parcialmente 15% do governo federal.

Nesse período, se constataram problemas no que dizia respeito à regulamentação,


efetividade, e a operacionalização do programa. Todos estes problemas fizeram com que fosse
instaurada em 2003 a “CPI do Leite”, com o intuito de apurar as irregularidades referentes a
segunda fase do Programa (1995 – 2002).

O Programa do Leite Potiguar – PLP serve de modelo para o programa nacional do


Leite, intitulado Programa de Aquisição de Alimentos – Modalidade Leite, que cresce nos
governos com cunho social e fortalece a segurança alimentar da população que outrora figurava
no mapa da fome e miséria e em situação de insegurança alimentar. Para tanto, desenvolvemos o
surgimento do programa e posterior declínio em meados de 2016, assim como a retomada das
atividades do programa no governo da Professora Fátima Bezerra (PT) em 2018.

24 Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: kayck1@hotmail.com


25 Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN).
E-mail: fbastosufrn@gmail.com
26 Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: viniciusklause@gmail.com

137 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Para o desenvolvimento do estudo, foram utilizadas pesquisas documentais e consultas


a artigos científicos acerca da estrutura organizacional e desenvolvimento de políticas públicas,
preferencialmente ligadas ao setor de Compras Diretas, Segurança Alimentar e Arranjos
Institucionais no estado do Rio Grande do Norte.

Além disto, o trabalho contou com a formulação de dados primários, por meio de
metodologias qualitativas, que tornam o exercício permanente e cuidadoso, reforçando a
importância de interação com deduções realizadas a partir dos dados e informações secundárias,
pois, possuem papel fundamental para o teste dos pressupostos de pesquisa e para a construção
de um resultado consistente.

A realização deste método, por meio de entrevistas semiestruturadas com técnicos da


Emater – RN, trouxe inúmeras vantagens, dentre elas: a relação com a oportunidade de “dar
vida” às informações censitárias e aos dados secundários obtidos a partir de outras pesquisas.

Breve histórico do Programa do Leite no estado do Rio Grande Do Norte

A organização e funcionamento do Programa do Leite do Rio Grande do Norte eram


realizados como descrita a seguir: Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e da Assistência
Social (SETHAS) era incumbida de coordenar o programa em todo o estado; a Secretaria de
Estado da Agricultura, da Pecuária e Pesca (SAPE) era encarregada de monitorar a qualidade
do produto recebido, assim como a inspeção animal, trabalhando em parceria com o Laboratório
Central de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (LACEN – RN) vinculado à Secretaria de
Saúde Pública do Governo do Estado, responsável pelo fornecimento de laudos técnicos físicos
– químicos e microbiológico do leite.

As comissões municipais, constituídas por funcionários públicos, eram responsáveis


pela execução do programa nos municípios. O Sindicato das Indústrias de Lacticínios e Produtos
Derivados do Rio Grande do Norte (SINDLEITE – RN), através das usinas de lacticínios
espalhadas pelo estado, estava encarregado da distribuição e fornecimento de leite, gerindo
toda a logística do Programa do Leite, desde a industrialização/beneficiamento à distribuição
nos municípios.

A Emater era o órgão encarregado pela prestação de assistência técnica aos agricultores
familiares fornecedores de leite ao programa.

Segundo o relatório da CPI do Leite (2007), das vinte e cinco indústrias de lacticínios
existentes, beneficiadoras de leite bovino e caprino, apenas quatro delas eram estruturadas
coletivamente com agricultores familiares, o que explica as mudanças de objetivos durante o
processo de institucionalização do PAA – Leite que deveria se incorporar ao Programa do Leite
já existente.

138 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Sob a égide de um programa de desenvolvimento social com a tentativa de garantia de


segurança alimentar, o Programa do Leite desenvolvido pelo governo do Rio Grande do Norte,
por meio da SETHAS (2004, p.3) configura como o principal objetivo: “suprir as carências
nutricionais de crianças, gestantes, nutrizes, desnutridos e deficientes, através da distribuição
diária de 1 (um) litro de leite por família com renda de até 1 (um) salário mínimo”.

Por outro viés de análise, a partir desse propósito outros objetivos são traçados e atingidos,
estes com uma perspectiva econômica, tais como: o desenvolvimento da bacia leiteira do estado,
assim como a melhoria das condições higiênicas e de produtividade dos rebanhos leiteiros, e
ademais, a ocupação do homem do campo, que atrelava a nova atividade às que já desempenhava,
como a agricultura, a pesca e a mineração.

Estes novos arranjos davam aos produtores aparatos que viabilizassem a saída do seu
produto final in natura a um preço estável e na maioria das vezes acima dos preços de mercado,
através das ações de compra direta.

Mesmo com os valores pagos pelo programa estadual estando acima dos valores de
mercado, em quatro anos ainda eram observadas defasagens nos preços da aquisição do leite
do programa, fazendo com que os produtores ao invés de dar prioridade ao fornecimento para
a venda direta, preferissem fazer a venda para outros atores envolvidos na comercialização do
produto (intermediários, queijeiros locais, etc.).

Apesar de todos os problemas enfrentados durantes os anos de implantação, desativação


e reativação do programa, e do baixo investimento no setor leiteiro, o estado manteve uma
produção expressiva de leite/dia, que está demonstrado no gráfico 1 a seguir:

Gráfico 1: Produção de Leite Bovino no Rio Grande do Norte.

Fonte: Censo Agropecuário - IBGE.

139 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Ainda com base no viés econômico da atuação do Programa do Leite no Rio Grande do
Norte, um dos problemas notórios do segundo período do programa, e que originou as investigações
da “CPI do Leite” tem a ver com o fornecimento do produto por determinadas usinas, sendo
estas compras realizadas sem atender os requisitos de licitação, como citado por Mineiro (2007, p. 7):

Estas irregularidades se referiram às diferenças de valores pagos a mais, em relação


à quantidade de litros de leite diários fornecidos por determinadas Usinas, à quali-
dade do leite distribuído, ao uso político de Programa, etc. A partir dos resultados
obtidos pela “CPI do Leite”, foram feitas recomendações ao Governo do Estado para
que as falhas no Programa do Leite fossem corrigidas. (MINEIRO, 2007, p. 7)

Diante desses dados fornecidos em relatório ao governo do estado, foram acatadas as


recomendações que partiram de diversos setores da sociedade, culminado no ano de 2005 com
a realização da primeira licitação pública do Programa do Leite. Essa licitação teve apenas um
concorrente, fruto da articulação entre as usinas que forneciam leite anteriormente para o
governo, que se uniram e formaram o Consórcio Leite Potiguar.

Esse procedimento veio reforçar uma situação que já vinha sendo denunciada por
Mineiro (2007) e por entidades representativas dos ‘pecuaristas de leite familiares’, como um
limitante à participação desses produtores de menor porte, fazendo com que os agricultores
familiares continuassem a ter uma tímida atuação no programa, haja vista que o novo arranjo
reforçava a condição do conjunto de beneficiadoras no RN de principal responsável pela opera-
cionalização do Programa do Leite no RN, como citam Bastos e Vieira (2009, p. 5):

Como única entidade inscrita no Pregão Licitatório do Programa do Leite, o Consórcio


Leite Potiguar representa um conglomerado de Usinas espalhadas em diferentes
microrregiões do Estado. O Consórcio Leite Potiguar é responsável pela execução
do Programa, pela aquisição e distribuição do leite nos 167 municípios do RN.
Segundo dados fornecidos pela SETHAS, 25 usinas são integrantes e fornecedoras
do Consórcio. (BASTOS & VIEIRA, 2009, p.5)

O Programa Nacional de Alimentos - modalidade leite e seus desdobramentos no


Rio Grande do Norte

O Programa de Aquisição de Alimentos foi instituído pelo Art. 19 da Lei nº 10.696


e regulamentado pelo Decreto 4.772, de julho de 2003, com o intuito central de incentivar a
agricultura familiar, dando ênfase às ações que distribuíssem produtos agropecuários para
cidadãos em situações de insegurança alimentar e formação de estoques estratégicos.

O programa está inserido em um conjunto mais amplo de políticas desenvolvidas pela


União, em parceria com os outros entes da federação, estados e municípios e com a participação
de diversos segmentos de organizações civis, por meio do Programa Fome Zero, que tinha

140 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

como objetivo o fortalecimento da segurança alimentar e nutricional do país, sendo o carro-chefe do


primeiro mandato do governo Lula, em 2002.

Como já citado no primeiro subitem desta caracterização, o Programa do Leite


desenvolvido no estado do Rio Grande do Norte antecedeu o Programa Nacional de Alimentos
– Modalidade Leite, considerado como uma referência na concepção do desenvolvimento do
programa federal. A diferença de instauração entre o programa estadual e o federal é de uma
década, tendo como referência a operacionalização definitiva do Programa do Leite na gestão
Garibaldi Alves.

Os primeiros recursos destinados ao PAA-Leite originaram-se do Fundo de Combate e


Erradicação da Pobreza, regulamentada pela Lei nº 111 de 2001, sendo destinadas à aquisição
de produtos originados dos agricultores familiares que fizessem parte do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

Estando estes critérios estabelecidos, a Lei que instituiu o PAA, agiu como elemento
desburocratizador do processo de aquisição dos produtos provenientes da agricultura fami-
liar, tornando mais acessíveis os programas públicos, dispensando, neste caso, a necessidade
realização de pregões licitatórios requeridos pela Lei nº 8.666/93, criando, assim um aparato
jurídico, o que ensejou a participação mais efetiva do estado nos processos de comercialização
desenvolvidos por agricultores familiares.

O PAA – Leite funciona baseado na compra direta da agricultura familiar, possibilitando aos
agricultores a venda de alimentos para o estado, a preços de referência, calculados por metodologia
própria desenvolvida pela Comissão Nacional de Abastecimento (CONAB), com o intuito de
apoiar a agricultura familiar e manter estoques estratégicos de alimentos.

Nesta conjuntura o Programa de Abastecimento de Alimentos desenvolve a modalidade


Leite (PAA – Leite), tendo as diretrizes de atuação citadas em texto produzido pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2003, p. 6):

Busca assegurar o consumo de leite a gestantes, crianças, nutrizes e idosos através


da aquisição da produção leiteira de agricultores familiares com produção média
diária de até 50 litros de leite, podendo chegar até 100 litros, caso isso atenda às
necessidades do programa. A implantação do IPCL encontra-se restrita, neste pri-
meiro momento, à área de atuação da SUDENE. Mecanismo operacionalizado pelo
MDS através de convênios com os Governos Estaduais. (Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, 2003, p. 6)

Como citado por Mineiro (2007), desde quando o estado do Rio Grande do Norte já
possuía o Programa do Leite, só seriam necessárias adequações do programa local às condições do
PAA – Leite. A instalação do PAA – Leite no RN sofreu resistência e distorções no público alvo
para o qual seria direcionado, levando mais dois anos para ser desenvolvido no estado. Esse

141 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

atraso teve como principal alegação a falácia de que no estado do Rio Grande do Norte não
havia agricultores familiares produzindo leite comercialmente.

Este discurso era defendido por uma classe bem articulada e com poderio político, a dos
bovinocultores, médios e grandes produtores de leite, que em sua maioria compunham o
Consórcio de Leite Potiguar, que pretendiam apropriar-se dos recursos do PAA – Leite/Segurança
Alimentar direcionados pelo MDS, de forma incorreta, haja vista que esses produtores tinham
forte inserção no mercado e, portanto, sem necessidade de apoio de um mercado institucional.

Assim, seguindo os moldes do que foi feito com o Programa do Leite anteriormente,
em 2008, em uma licitação realizada para o PAA – Leite, o Consórcio de Leite participou com
outro nome fantasia, desta vez utilizando-se da denominação Consórcio União, saindo como
vencedores.

O Programa do Leite ainda carecia de mecanismos de controle social, seja no plano


estadual ou municipal, fazendo com que não houvesse conhecimento acerca dos meios de
efetivação dos contratos e suas normas além da relação existente entre contratante e contratado.

Nesse sentido, a organização social dos agricultores familiares em conjunto com a


Articulação do Semi Árido (ASA), solicitou uma audiência pública na Assembleia Legislativa
para discutirem a inserção dos pequenos agricultores que, mesmo produzindo leite em regime
familiar, estavam à margem do Programa do Leite no estado. Posteriormente, representantes
de outras entidades do estado se incorporaram a causa, tais como: a Federação dos Trabalhadores e
Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF), a Federação dos Trabalhadores da Agricultura
do Rio Grande do Norte (FETARN), a Sindicato dos Produtores de Leite do Rio Grande do
Norte, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) e da Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e da Assistência Social (SETHAS).

A partir desta audiência originou-se a Rede de Controle Social, formada por entidades
governamentais e da sociedade civil organizada, com o intuito de traçar meios para efetivar o
PAA – Leite no estado do Rio Grande do Norte. A criação da Rede de Controle Social fez com
que nos encontros realizados por suas entidades membros fossem constatadas que a maneira
como era gerido o programa no estado não desagradava apenas agricultores familiares excluídos do
processo.

Diante desses problemas de execução do PAA – Leite, principalmente pela resistência


de reconhecimentos dos grandes e médios produtores e de agricultores familiares com maior
capacidade de participação do programa, foi promovida uma articulação entre governo local e
APASA (Associação de Pequenos Agropecuaristas do Sertão de Angicos) uma entidade membro do
Consórcio União e do Consórcio de Leite Potiguar (PAA – Leite e Programa do Leite, respec-
tivamente), na qual se pôs o risco de continuidade do programa do Governo Federal no estado
do RN, com possibilidade da devolução de recursos já repassados à Secretaria Estadual de

142 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Trabalho, Habitação e Assistência Social (SETHAS).

Diante deste panorama, houve uma prorrogação do convênio firmado de 2005 a 2007
por mais um ano, ou seja, até 2008, tendo como propósito iniciar de fato as ações do PAA –
Leite no RN, incorporando de maneira efetiva os agricultores familiares, como designado no
escopo do programa federal.

Novas leituras foram feitas a partir da criação da Rede de Controle Social com o
propósito de analisar as possibilidades de a agricultura familiar participar do PAA – Leite, no
início de suas operações no RN.

Foram observadas dificuldades no que dizia respeito ao aparato logístico do produto


desde sua matriz de produção, passando pela refrigeração e distribuição aos beneficiários (Bastos,
2009). Isto exigia unidades de refrigeração estrategicamente bem localizadas, servindo de matriz
de direcionamento das produções de pequenas unidades familiares, que na maioria dos casos
estavam dispersas no espaço, e enfrentando sérios problemas de acesso.

A prorrogação do prazo e a organização e atuação da Rede de Controle Social fizeram


com que novas associações e cooperativas surgissem, se agrupassem, e começassem a fazer
parte do Programa do Leite do Rio Grande do Norte. Essas associações mesmo reconhecendo
as dificuldades de participar, frente ao poder dos membros remanescentes do consórcio,
mostraram-se dispostas a disputar espaço e buscar reconhecimento deste grupo social de
produtores de leite no espaço da produção estadual.

A realidade do PAA – leite no estado do Rio Grande Do Norte, resultados adquiridos


sobre o programa até o ano de 2014

Atualmente, segundo entrevistas realizadas na Emater está sendo adquirido para o


Programa do Leite estadual cerca de 90 mil litros de leite bovino e 5.700 mil litros de leite caprino
diariamente. No caso do leite bovino, o estado paga R$ 1,80 centavos/litro de leite adquirido,
sendo R$ 1,15 repassado diretamente ao agricultor familiar que produz o leite in natura e os R$
0,65 restantes são direcionados às empresas pertencentes ao consórcio de lacticínios.

Quando questionado sobre a existência dos chamados “atravessadores”, que na maioria


dos casos compram os produtos dos agricultores familiares a preços inferiores aos de mercado
e vendem nos centros comerciais a preços maiores, o coordenador do PAA – Leite na Emater,
Francisco Flávio (2015), ressalta que “a própria indústria de lacticínio é responsável pela captação,
industrialização (pasteurização) e distribuição do leite, estando todas essas ações inclusas no
valor (R$ 0,65) direcionado à indústria”.

No leite caprino, o mecanismo utilizado é o mesmo, havendo apenas alteração nos


valores de venda, quando neste caso específico, o litro de leite custa R$ 2,25, sendo R$, 1,60

143 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

pago ao produtor, e os outros R$ 0,65 repassados às indústrias de lacticínios. Como citado no


início do texto, foi criado em 2005 o Consórcio de Leite Potiguar, formado por indústrias de
lacticínios para que pudessem concorrer na licitação realizada no corrente ano.

Na ocasião, vinte e duas empresas faziam parte do grupo, atualmente, o número reduziu
para quatorze empresas, que se sagraram vencedores novamente de um processo licitatório
realizado no ano de 2010 para permanecer processando o leite destinado ao programa estadual,
que atende todos os municípios do estado. Ocorreram problemas por parte das gestões municipais
com a operação da Emater no acordo de cooperação firmado, resultando na ‘fuga’ de treze
municípios, que não quiseram assinar o termo de compromisso.

Isso, posto, para que não houvessem prejuízos aos beneficiários finais do programa, o
órgão estadual se articulou diretamente com outros segmentos, religiosos ou de associativismo,
para que pudessem se responsabilizar pelo recebimento do leite das industrias e pela distribuição à
população.

Direcionando o assunto para o PAA – Leite (nível federal), de acordo com os dados
apresentados, cerca de 1.142 agricultores familiares estão inseridos atualmente no programa, o
total de participantes é o segundo maior nos últimos cinco anos de registro, atrás apenas do ano
de 2011. O total de agricultores está demonstrado no gráfico a seguir:

Gráfico 2: Número de agricultores familiares participantes do PAA – Leite.

Fonte: Relatório Anual – Emater.


No ano de 2014 os valores estabelecidos sofreram uma pequena diminuição, o leite


bovino custa R$ 1,79, sendo R$, 1,09 para o produtor e para as indústrias de lacticínios R$
0,70; o leite caprino custa R$ 2,30 nesta modalidade, sendo R$ 1,60 para o produtor e R$ 0,70
para as indústrias de lacticínios, seguindo os mesmos modelos de captação, industrialização e
distribuição do Programa do Leite Estadual.

144 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

No entanto, como se pode observar, nessa ‘redução’ do preço do litro de leite quem
paga a conta de fato é o agricultor familiar, que teve reduzida a sua remuneração em R$ 0,06
centavos no leite bovino e teve inalterado seu valor no leite caprino, meio aos crescentes custos
de produção, enquanto nos dois casos (bovino e caprino) a indústria teve um ganho de R$ 0,06
centavos por litro.

O montante dos recursos repassados aos produtores e às empresas de lacticínios perten-


centes ao Consórcio União está disposto nos gráficos a seguir:

Gráfico 3: Total de recursos recebidos por produtores.

Fonte: Emater – RN.

Gráfico 4: Total de recursos recebidos por empresas do PAA – Leite.

145 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Fonte: Emater – RN.

Interessa notar que os valores repassados para as indústrias de lacticínios pertencen-


tes ao Consórcio União, 50% são originados do MDS e outros 50% transferidos pelo governo
estadual, funcionando neste caso como contrapartida.

O técnico da Emater ressalta ainda que a priori o objetivo do programa é repassar


100% do leite adquirido dos agricultores familiares às entidades sócio assistenciais, mesmo
assim, existe dificuldade por parte do governo em encontrar essas entidades, o que resulta em
certa contradição, haja vista que no PAA – Compra Direta estão cadastradas cerca de cinco mil
entidades, enquanto o PAA – Leite não consegue nem atingir trezentas entidades para receber
o leite industrializado.

Por mais que o objetivo traçado fosse de 100% de distribuição realizada para as
entidades, o que não foi alcançado até o presente momento, o órgão trabalha com o mínimo
estabelecido pelo programa – 30%, com um arranjo diferente do utilizado pelo Programa do
Leite – RN, no caso, incorporando o leite pasteurizado nos cardápios nutricionais escolares e
de instituições prestadoras de serviços assistenciais.

Dessa forma, no estado do Rio Grande do Norte, os outros 70% de leite adquiridos
para distribuição é repassado diretamente às famílias, diferente da orientação do Ministério
do Desenvolvimento Social, findam gerando certa confusão do que é produto do Programa do
Leite e do que é do PAA – Leite.

Desde o início das atividades do PAA – Leite, no estado do Rio Grande do Norte
foram realizados três convênios entre o MDS e entidades prestadoras de serviços, o primeiro
realizado em dezembro de 2005, sem processo licitatório.

O último convênio foi celebrado em dezembro de 2013, com processo licitatório, e


esteve em vigor até agosto de 2015, sendo desenvolvido um termo aditivo para que os recursos
sejam expandidos até o mês de março de 2016. Existem dificuldades em discutir todo o
histórico de atuação das entidades com o PAA – Leite devido a notória transferência de
responsabilidades entre órgãos; a princípio a SETHAS era responsável por todo o processo,
desde a captação até a distribuição, e posteriormente houve uma transferência desta responsa-
bilidade para a Emater, decorrente da sua atuação no programa de compra direta, que pode ser
conciliado ao PAA – Leite.

No novo arranjo que entrou em vigor, foi retomada a divisão de funções no processo
de execução do Programa do Leite, no caso, a Emater será responsável pela parte de operacionaliza-
ção do programa e a SETHAS pela distribuição.

146 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Informações e números do PAA – leite e o PLP no Rio Grande Do Norte no ano de 2020

Por fim, causada pelo rompimento político entre a gestão do ex-governador Robinson
Faria (2014 – 2018) e membros do Partido dos Trabalhadores (PT), fruto do apoio dado pelo
governador e seu filho, deputado Fábio Faria, ao processo de impeachment da ex-presidente
Dilma Roussef, a equipe que compunha o aparato técnico da instituição no referido período
analisado foi substituída no ano de 2016.

Nos anos seguintes, atrelada ao rigoroso período de escassez de água que perdurou no
estado do Rio Grande do Norte, o PAA – Leite não conseguiu lograr êxito em sua implementação,
deixando a desejar em seus vieses econômico e social, incidindo diretamente na vida da
população rural que possuía atividades vinculadas à produção familiar.

Com a chegada da Professora Fátima Bezerra (PT) ao governo do estado, no ano de


2018, parte da equipe que compunha a Emater na gestão Robinson Faria retornou às atividades
e conseguiu retomar o programa e desenvolver de modo pleno por meio do Programa do Leite
Potiguar – PLP. Graças ao período chuvoso que, felizmente, aumentou as reservas hídricas do
estado e à disposição do governo em levar aos agricultores as Políticas Públicas de Agricultura
Familiar.

O governo estadual reajustou os valores pagos pelo litro do leite bovino e caprino que
são adquiridos pelo PLP, depois de quatro anos de negociações. O reajuste firmado foi de 11,1%
e começou a ser pago na segunda quinzena de setembro de 2020, ou seja, o litro do leite bovino
passou a custar R$ 2,40 ao governo, deste valor R$ 1,50 serão repassados aos produtores e R$
0,90 às empresas de beneficiamento de lacticínios. O leite caprino também sofreu reajuste e
passou a ser adquirido por R$ 3,00 (SEPLAN, 2020).

Considerações finais

Diante do que foi apresentado, já não bastassem os problemas existentes, segundo


a Emater, haveria uma paralisação do programa, prevista para iniciar na segunda semana de
maio de 2015, por conta da ausência de pagamentos, tendo em vista que o órgão só possuía
valor para remunerar os produtores e empresas de lacticínios até a primeira quinzena do mês de
fevereiro de 2015, não havendo sequer previsão de pagamentos das outras quinzenas.

Mesmo havendo pressões por parte dos coordenadores do programa no estado e da


própria direção da Emater, os proprietários das empresas de lacticínios optaram pela paralisação das
ações do programa.

147 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Neste debate do “que muda” e “quem ganha” com os novos discursos de desenvolvimento de
Políticas Públicas para o meio rural, notamos que, o PAA – Leite, por mais que em seus
escopos deem primazia a inserção de Agricultores Familiares nos Mercados Institucionais, compra
direta, as leis por si só não conseguiam tornar plena a atuação do programa, que enfrentava
resistências maciça por parte dos produtores de leite do estado.

Novos arcabouços jurídicos foram criados a partir do ano de 2015 para garantir aos
Agricultores Familiares o direito de fornecer o leite sem que pudessem ser suprimidos pelos
grandes produtores, porém, o novo decreto, apesar de aprovado, ainda padecia de resistências
para ser implementado.

Assim, Agricultores Familiares e beneficiários dos programas governamentais acabaram


saindo como os maiores prejudicados desta batalha de interesses, que, pelo que se viu, levou um
bom tempo para ser sanada. Felizmente, atualmente, o programa começou a ser dinamizado no
fim do ano de 2019.

Em contraponto, o Programa do Leite Potiguar – PLP, com dados de 2019, seguiu suas
atividades com recursos estaduais, com investimentos na casa R$ 41 milhões de reais, que
adquiriram 19,4 milhões de litros de leite e atenderam um total de 70 mil famílias potiguares.
Assim, o programa se consolidou como o maior programa de aquisição e distribuição de leite
do país (SEPLAN, 2020).

Referências

BASTOS, Fernando. VIEIRA, Denis. Limites e potencialidades para inserção dos agricul-
tores familiares no PAA/Leite do RN. 47º Congresso da SOBER – 2009.

FLÁVIO, Francisco. Entrevista I. [maio 2015]. Entrevistador: Fernando Bastos. Natal, 2015. 1
arquivo .mp3 (1h, 28 min).

MINEIRO, Fernando (Mandato Mineiro). Perfil dos Fornecedores do Programa do Leite no


RN. Gabinete do Deputado Fernando Mineiro. Natal/RN, novembro de 2007.

SEPLAN. Produção de leite aumenta no Rio Grande do Norte. Disponível em: 05/10/2020,
< http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/produa-a-o-de-leite-aumenta-no-rio-grande-do-
-norte/489149>

SETHAS. Programas e projetos: Programa do Leite. Disponível em: 21/12/2004, <http://


www.sethas.rn.gov.br. >

148 Kayck Danny Bezerra de Araújo | Fernando Bastos Costa | Vinícius Klause da Silva
CAPÍTULO 9

Políticas Culturais e Desenvolvimento Econômico no Rio Grande do Norte (2012-2015)

Samara Taiana de Lima Silva27

“Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além
do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos,
transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura
como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o
sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos.” (Discurso
de posse do Senhor Ministro da Cultura Brasileira, Gilberto Gil, jan./2003)

Introdução

Os processos de descentralização da gestão de políticas públicas firmado pelos impera-


tivos do constitucionalismo contemporâneo foram responsáveis por conferir maior autonomia
aos Estados e Municípios, que passaram a dispor de suas próprias prerrogativas para setorizar
e implementar tais mecanismos. Neste sentido, as políticas culturais ganharam novos atributos,
que foram fortemente influenciados pelos processos de promulgação das legislações federais
voltadas à cultura, iniciados na década de oitenta, por intermédio da Lei Sarney (nº 7.505/86), e
recepcionados em meados de noventa, por força da Lei Rouanet (nº 8.313/91), que segue atuante
até os dias atuais.

Desta maneira, o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal seguiram


a tendência e passaram a legislar em matéria cultural, e o fizeram basicamente copiando os
modelos federais e aplicando-os no âmbito local, oferecendo estratégias de financiamento
público que basicamente se resumem à concessão de renúncias fiscais voltadas aos potenciais
patrocinadores dos projetos culturais previamente habilitados pelas leis de incentivo à cultura.
Assim, no Estado do Rio Grande do Norte tem-se a atuação da Lei Câmara Cascudo de Incentivo
à Cultura (nº 7.799/99), ao passo no Município de Natal, sua capital, vigora a Lei Djalma
Maranhão (nº 4.838/97). Todavia, em que pesem os pontos positivos da autonomia observada
na gestão cultural descentralizada, vale ressaltar que as fragilidades encontradas no modelo
de fomento local são as mesmas observadas no âmbito federal, uma vez que historicamente a
última palavra acerca do financiamento da cultura fica a cargo dos grupos empresariais, isto em
qualquer esfera.

Neste sentido, este capítulo teve por objetivo analisar a implementação das políticas
públicas setoriais direcionadas à produção cultural no Estado do Rio Grande do Norte entre os

27 Doutoranda em Direito Econômico (UFPB). Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN).


E-mail: samaralima.adv@hotmail.com

149 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

anos de 2012 e 2015, examinando a relação existente entre seus alcances e os impactos econômicos
ocasionados pela política de financiamento indireto majoritariamente estabelecida por intermédio
das leis de incentivo à cultura. Neste sentido, a crítica central repousa na insuficiência deste
modelo de fomento que, baseado em concessões de benefícios fiscais e disposição de patrocínios,
acaba excluindo boa parte da cadeia produtiva cultural que não dispõe de assessorias especializadas
para lidar com a burocracia existente no processo de habilitação nos editais e chamadas públicas.

Ressalte-se que a busca por financiamento cultural no Estado do RN é historicamente


atravancada pois, institucional e juridicamente, conforme já mencionado supra, tão somente
copia o modelo nacional defasado que existe desde a década de oitenta, e que nunca passou
por qualquer revisão mais elaborada e mais honesta para com os problemas encontrados na
produção cultural contemporânea. Metodologicamente, a técnica aqui empregada se vale do
levantamento bibliográfico e documental, adotando um viés crítico-descritivo ao analisar a
atuação das instituições culturais locais, bem como os dados disponibilizados pelas mesmas
entre os anos de 2012 a 2015. Por fim, o capítulo repercute a já conhecida necessidade de urgen-
te reformulação dos modelos de financiamento cultural disponíveis no âmbito federal e local,
bem como corrobora com a tese de que as razões desta não reformulação coincide com o já
conhecido pouco prestígio que historicamente é direcionado à questão cultural no Brasil.

As instituições e leis de incentivo à cultura no âmbito local

Fundação José Augusto (FJA)

A Fundação José Augusto tem por finalidade promover o desenvolvimento sociocultural


e científico do Estado, mediante colaboração com o Poder Público. A esta é de competência
o estímulo, desenvolvimento, difusão e documentação das atividades culturais do Estado e o
desenvolvimento de pessoal para a ampliação das atividades prioritárias ao processo de difusão
cultural. A FJA desenvolve um plano editorial visando, sobretudo, a promoção do autor potiguar
e nordestino; promovendo investigações científicas em todos os campos de conhecimento; além
da restauração, conservação e manutenção de monumentos históricos e artísticos do Estado,
bem como a manutenção e documentação dos bens culturais móveis e imóveis do Estado.
Mais recentemente, entrou no plano de metas e missões da FJA a criação de um programa de
bibliotecas públicas em todos os municípios do Estado. Atualmente, é de competência do
referido órgão a gestão do Plano Estadual de Cultura, sob a legislação da Lei Câmara Cascudo
de Incentivo à Cultura Estadual28.

28 Maiores informações disponíveis em www.cultura.rn.gov.br

150 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Fundação Cultural Capitania das Artes (FUNCARTE)

A Fundação Cultural Capitania das Artes (FUNCARTE) é o órgão responsável pela


gestão das políticas culturais no âmbito do município de Natal. Inclui nestas políticas o Programa
Djalma Maranhão de Incentivos Fiscais para Projetos Culturais, o Fundo Municipal de Incentivo
à Cultura (FIC), bem como alguns editais de fomento direto específicos para cada uma das
vertentes culturais e artísticas observadas pelas demandas do município, conforme veremos
adiante. Na Capitania das Artes, funciona ainda a Secretaria de Cultura de Natal (SECULT),
de onde emanam todas as deliberações acerca do fomento, incentivo e financiamento cultural
no âmbito do município. É na Funcarte que são geridas todas as políticas de fomento à cultura
em âmbito municipal, sejam relacionadas ao fomento indireto, por intermédio da Lei Djalma
Maranhão, ou ainda através dos editais de fomento direto específicos lançados pelo órgão29.

As Leis de Incentivo à Cultura Local

As leis de incentivo à cultura, conforme mencionado em outra oportunidade,


funcionam atualmente como a base do financiamento cultural em todo o país. Desta maneira,
o estado do Rio Grande do Norte, bem como o município de Natal, desenvolveram suas próprias
legislações culturais, com base nos processos de descentralização conferidos pela carta consti-
tucional vigente, alcançando números relevantes e avaliações positivas no que tange o financiamento
e a gestão cultural local. Assim, explana-se agora acerca das legislações culturais locais, res-
pectivamente, a Lei Câmara Cascudo, correspondente ao financiamento cultural no âmbito
do Estado do Rio Grande do Norte, e a Lei Djalma Maranhão, em atuação no Município de
Natal, destacando suas principais características, áreas de abrangência, números de projetos
financiados e valores de investimentos nos últimos cinco anos, recorte temporal proposto por
este capítulo.

Lei Estadual Câmara Cascudo de Incentivo à Cultura (n° 7.799/1999)

Seguindo a tendência de consolidação, promoção e ampliação dos recursos destinados


ao setor cultural promovida por meio da Lei Sarney e consolidada através da promulgação da
Lei Rouanet, o Estado do Rio Grande do Norte implementou, em 30 de dezembro de 1999, o
Programa Estadual de Incentivo à Cultura Câmara Cascudo, nº 7.799/99. Sancionada pelo então
governador Garibaldi Alves Filho, é responsável pela instituição das normas e procedimentos
necessários à habilitação de projetos culturais aptos a captar recursos financeiros através da

29 Maiores informações disponíveis em: www.blogdafuncarte.com.br

151 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

renúncia fiscal em âmbito estadual30, bem como a captação de patrocínio perante a iniciativa
privada para o financiamento dos projetos aprovados.

Igualmente à Lei Rouanet, a Câmara Cascudo trouxe em seu rol de partes integrantes
da relação jurídica as figuras do proponente e do patrocinador, considerando-se o primeiro
como a “pessoa física ou jurídica, domiciliada no País, diretamente responsável pelo projeto
cultural a ser beneficiado pelo incentivo” (RN, 1999), e o segundo enquanto o “estabelecimento
inscrito no Cadastro de Contribuintes do Imposto sobre operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação do Estado do RN, que venha a patrocinar projetos culturais aprovados pela
Comissão Estadual de Cultura” (RN, 1999). Para que seja possível a execução deste patrocínio,
o patrocinador deve obrigatoriamente ser pessoa jurídica geradora do Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), sobre o qual será deduzido o valor de 2%, a título de patrocínio.
Neste sentido, destaca a lei:

Art. 14. O Patrocinador que apoiar financeiramente projetos aprovados pela Comissão
Gerenciadora poderá abater até o equivalente a 2% (dois por cento) do valor do
ICMS a recolher, num período único ou em períodos sucessivos, até atingir o limite
máximo de 80% (oitenta por cento) do valor dos recursos transferidos. (RN, 1999, p. 9).

No que tange o rol de possíveis grupos e iniciativas culturais beneficiados pelos incenti-
vos fiscais que são regulamentados pela lei, o legislador foi taxativo quando dispôs que as áreas
de abrangência seriam as expostas adiante:
I - a promoção do incentivo ao estudo, à edição de obras e à produção das atividades
artístico-culturais nas seguintes áreas:

a) artes cênicas, plásticas e gráficas;

b) cinema e vídeo;

c) fotografia;

d) literatura;

e) música;

f) artesanato, folclore e tradições populares;

g) museus;

h) bibliotecas e arquivos;

II - a aquisição, manutenção, conservação, restauração, produção e construção de


bens móveis e imóveis de relevante interesse artístico, histórico e cultural;
III - a promoção de campanhas de conscientização, difusão, preservação e utilizações
de bens culturais;

30 Mediante deduções tributárias concedidas a contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) que optarem por patrocinar os projetos culturais previamente habilitados.

152 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

IV - a instituição de prêmios de diversas categorias, nas áreas indicadas no inciso I


deste artigo. (RN, 1999, p. 4).

O Programa Cultural Câmara Cascudo é uma política que, segundo o seu artigo 2°
inciso XII, foi desenvolvida com a finalidade de promover o incentivo à pesquisa, ao estudo,
à edição de obras e à produção das atividades artístico-culturais; aquisição, manutenção, con-
servação, restauração, produção e construção de bens móveis e imóveis de relevante interesse
artístico, histórico e cultural, campanhas de conscientização, difusão, preservação e utilização
de bens culturais e instituição de prêmios em diversas categorias. Seu organograma determina
a seguinte estrutura:

XIV - Comissão Gerenciadora: Comissão Estadual de Cultura (CEC), composta por


nove membros, dentre os quais um representante da Secretaria de Tributação (SET),
presidida pelo Diretor-Geral da Fundação José Augusto;

XV - Secretaria Executiva da CEC: exercida por servidor da FJA, designado pelo


presidente da CEC. (RN, 1999, p. 4)

Na inscrição do projeto, o proponente do mesmo, que não obrigatoriamente deve ser


algum artista envolvido, deverá preencher a sua proposta de incentivo em duas vias e protocolá-las
na Secretaria Executiva da Lei, obedecendo o prazo limite que é estipulado anualmente e, via
de regra, conta sempre com algumas prorrogações. A Secretaria receberá as propostas e
prontamente analisará o aspecto formal destas, a fim de enquadrá-las ao máximo nas normativas
da lei, tendo em vista que, em muitos casos, os proponentes dos projetos não são profissionais
devidamente preparados e habilitados para tal fim, sendo, muitas vezes, mestres da cultura
popular que pouco conhecem sobre os ditames legais.

O projeto cultural financiado pela Lei Câmara Cascudo deverá, obrigatoriamente,


incluir, total ou parcialmente, recursos humanos, materiais, técnicos e naturais disponíveis no
Estado do Rio Grande do Norte, com vistas à promoção dos seus produtos desenvolvidos. O
lançamento do produto financiado pela lei deve se dar dentro dos limites do Estado, devendo
obrigatoriamente ser veiculada a marca oficial do Programa Câmara Cascudo de Incentivo à
Cultura “em toda divulgação relativa ao projeto incentivado, conforme o Manual de Aplicação à
disposição dos proponentes na Secretaria Executiva da Comissão Estadual de Cultura (CEC)”
(RN, 1999, p. 5). Desta feita, todo o material resultante do financiamento da lei deve ser
apresentado à secretaria executiva da Comissão Estadual de Cultura, a fim de que seja obtida
a devida autorização para a divulgação. Sendo assim, o uso indevido da marca da Lei Câmara
Cascudo, ou aquele em que o projeto não se enquadre em todos os requisitos dispostos resultarão
no impedimento de o proponente captar, no ano seguinte, os recursos do Programa.

Após a divulgação da listagem dos projetos aprovados na Lei, através do Diário Oficial
do Estado, o proponente está apto a retirar junto à Fundação José Augusto (FJA) o seu Certificado

153 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

de Enquadramento, que é o documento comprobatório de aprovação, e somente de porte deste


poderá dar início à busca pelas empresas potenciais patrocinadoras. No que tange o referido
certificado, a lei expressa:

§ 2.° O Certificado de Enquadramento correspondente será expedida até 90 (noven-


ta) dias, contados da data de inscrição do projeto, salvo se ocorrer necessidade de
diligência, conforme a alínea “a” do inciso II do art.5.° deste Regulamento.

Art.7.° O Certificado de Enquadramento, emitido nos termos do item 3, alínea “a”,


inciso III, ao art.5.°, terá validade dentro do exercício do ano fiscal (1.° de janeiro
a 31 de dezembro) previsto para a realização do projeto, não sendo permitida sua
prorrogação. (RN, 1999, p. 8).

A lei prevê ainda uma série de vedações aos possíveis patrocinadores culturais. Assim,
é proibida a habilitação do patrocínio quando o contribuinte – pessoa jurídica – se encontra em
situação de irregularidade perante o fisco estadual (RN, 1999, p. 10). Para efeitos da lei, considera-se
a situação irregular quando observadas as seguintes hipóteses:

I - constar indicação, no Cadastro de Contribuinte do ICMS, da existência de sócio


irregular, na forma do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Dec. 13.640, de 13 de
novembro de 1997;

II - constar, em seu nome ou em nome de empresas coligadas ou controladas, registro


de débitos inscrito na Dívida Ativa do Estado, ajuizado ou não, salvo se houver sido
dada garantia do crédito na forma da lei;

III - constar parcelamento de débitos com interrupção de pagamento de sua respon-


sabilidade ou de empresas controladas ou coligadas;

IV - haver cometido ilícitos fiscais capitulados na legislação própria do ICMS, ou ter


atentado contra a ordem econômica e tributária. (RN, 1999, p.11).

Quando executado o projeto, a lei exige prestação de contas, dentro do prazo de 30 (trinta)
dias, podendo ser parcial ou global, que deverá ser apresentada à Comissão da lei, constando
a discriminação detalhada dos recursos recebidos e dispensados para o projeto, de modo que
inclua a totalidade dos recursos transferidos. A prestação de contas deverá ser entregue em
formulário próprio da lei, disponível no site da Fundação José Augusto. Devem ser anexados,
além da comprovação do material de divulgação utilizado, “resumos jornalísticos, os comprovantes
originais de notas fiscais ou recibos de cada pagamento efetuado, extrato bancário demonstrando
as movimentações financeiras, demonstrativos das receitas e despesas, indicando a natureza e
origem destas e comprovante de encerramento da conta corrente” (RN, 1999, p. 12). Nos casos
em que o valor utilizado no projeto seja inferior ao depositado em conta pelo patrocinador,
deverá o proponente devolver ao Estado a diferença do valor, sob pena de figurar na lista de
inadimplentes do Estado, resultando no recebimento do processo por parte da Controladoria do
Estado e, posteriormente, do Tribunal de Contas.

154 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

A burocratização que a lei em comento exige – que apenas copia o modelo da legislação
principal da qual se inspirou – é um dos pontos pelos quais se observa uma quantidade tão
vultuosa de projetos inscritos e não habilitados, ou habilitados e não captados, ou ainda captados e
executados, mas com as contas reprovadas pela tríade Fundação José Augusto, Secretaria de
Tributação e Controladoria do Estado, tendo em vista que, na maioria dos casos, os grupos
culturais não contratam um serviço especializado para a elaboração e captação de seus projetos.
Desta feita, percebe-se o aumento da adesão do discurso de que as políticas de fomento à
cultura, seja em nível federal, estadual ou municipal, servem muito mais como instrumento de
medo por parte dos grupos que a utilizam do que propriamente como um mecanismo responsável
pelo aumento da produção, fruição e consumo do produto cultural nacional. Este é um dos
pontos fortes da discussão atual que exige, principalmente por parte dos setores culturais e
artísticos, uma série de mudanças nos escopos das leis culturais, tendo em vista que a burocratização
do acesso a estas se encontra cada vez maior, além de que os percentuais de renúncia fiscal
disponibilizados para o investimento no setor da cultura há muito não correspondem à realidade
da crescente produção cultural atual.

Um balanço da Lei Câmara Cascudo entre 2012 e 2015

A Lei Câmara Cascudo teve sua promulgação no ano de 1999 e passou a vigorar a partir
dos anos 2000. Desde então, é considerada o principal mecanismo responsável por fomentar
a produção cultural e artística em âmbito estadual. Esta pesquisa se dedicou em levantar os
dados relacionados à execução da lei entre os anos de 2012 e 2015, cujos números podem ser
acompanhados a seguir:

Quadro n° 1: Os projetos culturais habilitados na Lei Câmara Cascudo (2012-2015)

Principais Empresas Projetos Projetos Valor total Valor total


Ano
municípios patrocinadoras inscritos aprovados da renúncia captado
Natal,
Parnamirim, Cosern, Oi, Ambev, R$ R$
2012 Mossoró, São 34 27
Petrobras, Telemar. 4.906.471,00 2.652.426,00
Miguel do
Gostoso.
Natal, Parna-
Cosern, Oi, Ambev,
mirim, São R$ R$
2013 Telemar, Cabo Te- 41 31
Miguel do 5.170.600,00 3.256.710,00
lecom.
Gostoso.
Cosern, Oi, Ambev,
Natal, Mosso-
Telemar, Cabo R$ R$
2014 ró, São Miguel 46 37
Telecom, Alesat 5.760.900,00 3.610.990,00
do Gostoso.
Combustíveis.

155 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Cosern, Telemar,
Natal,
Três Corações R$ R$
2015 Parnamirim, 34 27
Alimentos S/A, 5.100.000,00 3.763.880,00
Mossoró.
Claro Telefonia.

Fonte: Fundação José Augusto. Elaboração da autora.

No ano de 2012, percebeu-se na Lei Câmara Cascudo a participação muito expressiva


da Companhia de Serviços Elétricos do RN (Cosern Neoenergia) no patrocínio dos projetos
aprovados, uma vez que somente ela apoiou a quantidade significativa de dezesseis projetos
habilitados, dentre os quais alguns dos principais produtos culturais do Rio Grande do Norte, a
exemplo do Festival Música Alimento da Alma (MADA) e do festival Fest Bossa Jazz, além da
temporada anual da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte (OSRN). Sozinha, a COSERN
investiu mais de 02 milhões de reais em seu Edital Cultural (informações precisas mais adiante)
no ano de 2012.

No ano de 2013, percebemos em comparação ao de 2012 um aumento do valor do teto


da renúncia fiscal disponibilizada pela Lei Câmara Cascudo, aumentando de R$ 4.9 milhões
para R$ 5.2 milhões, o que demonstra uma maior receptividade do poder público para com
a causa cultural, muito embora o valor total da renúncia não signifique o valor total captado,
dados os gargalos que o modelo de política em questão enfrenta diante da iniciativa privada.
Ademais, no ano de 2013 percebemos ainda uma adesão, ainda que tímida, do número de empre-
sas interessadas em patrocinar o setor da cultura, como é o caso da Alesat Combustíveis e da
Tim Celular, que juntas patrocinaram o Halleluya, festival de música católica promovido pela
Associação Shallom. Mais uma vez, em 2013 a Cosern Neoenergia assume o papel de maior
financiadora da cultura no RN, tendo patrocinado dezessete projetos no ano, com um valor total
de renúncia fiscal investido estimado em R$ 3.3 milhões.

No ano de 2014, percebemos a manutenção da cidade de São Miguel do Gostoso como


um dos principais municípios de pequeno porte a conseguir aprovar e captar na íntegra o seu
projeto habilitado, que é a Mostra de Cinema de Gostoso. Em todos os anos de sua execução,
a Mostra conta com o patrocínio cativo da Cosern Neoenergia, que em seu edital preza pelo
patrocínio a projetos cultuais que sejam capazes de fomentar a economia da cidade na qual se
localiza. Em 2014, a empresa cedeu a quantia de R$ 250 mil apenas para a Mostra de Cinema
de Gostoso, além de mais R$ 2.4 milhões para projetos que dialogam com os mais variados
eixos da economia da cultura, com uma atenção especial para o patrocínio de R$ 500 mil para
o Carnaval Multicultural de Natal no ano de 2014.

No ano de 2015, as médias entre os valores disponibilizados para a renúncia fiscal e os


que de fato foram captados permaneceram na média dos demais anos, com a ressalva de que
neste ano percebeu-se uma quantidade significativa de projetos religiosos aprovados, captados

156 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

e executados, como foi o caso do Oratório de Santa Luzia e o Festival de Teatro da Comunidade
Católica Shallom. Pode se perceber ainda que, em comparação com os anos anteriormente
estudados, as empresas que patrocinam esse tipo de projeto são as mesmas, com atenção
especial para a maior aderência da Três Corações Alimentos S/A e a Alesat Combustíveis. Mais
uma vez, a Cosern Neoenergia ocupa o posto de principal financiadora cultural do RN, tendo
patrocinado a quantia recorde de dezenove projetos, em um montante financeiro estimado em
aproximadamente R$ 3 milhões.

Lei Municipal Djalma Maranhão de Incentivo à Cultura (n° 4.838/97)

No âmbito do Município de Natal, os setores culturais contam com a Lei Djalma Maranhão
(n° 4.838/97) para fomentar suas atividades, que forneceu a normativa necessária para que
fosse implementado o Programa Municipal de Cultura. Instituído pelo Decreto n° 6.906 de 20
de fevereiro de 2002, o Programa Municipal de Incentivos Fiscais a Projetos Culturais Djalma
Maranhão teve sua origem na lei homônima, que inaugurou a negociação de troca de descontos em
impostos pelo financiamento cultural por parte das pessoas jurídicas contribuintes de IPTU e
ISS. A utilização dos recursos da lei, por parte de pessoas físicas ou jurídicas, será o equivalente a
até 20% dos débitos tributários de ISS e IPTU a vencer, e ainda de até 25% dos débitos já
vencidos referentes a esses tributos. No que tange as modalidades de financiamento anteriormente
descritas, as mesmas foram dispostas em lei da seguinte maneira:

a) Doação: transferência, em caráter definitivo e livre de ônus, feita pelo Incentivador


ao Empreendedor, de recursos financeiros, para a realização do projeto cultural, sem
fins lucrativos, em que não haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas
pelo usuário, observando o limite do imposto devido;

b) Patrocínio: transferência, em caráter definitivo e livre de ônus, feita pelo Incen-


tivador ao Empreendedor, de recursos financeiros, para a realização do projeto
cultural, com ou sem fins lucrativos, com a finalidade exclusivamente promocional
ou publicitária, observando o limite do imposto devido;

c) Investimento: a transferência de recursos a projeto cultural, com vista à participação


nos resultados financeiros, observando o limite do imposto devido. (NATAL, 2002,
p. 2).

O Programa Djalma Maranhão foi instituído com o objetivo de “promover o incentivo à


pesquisa, ao estudo, à edição de obras e à produção das atividades artístico-culturais; aquisição,
manutenção, conservação, restauração, produção e construção de bens móveis e imóveis de re-
levante interesse artístico, histórico e cultural; campanhas de conscientização, difusão, preser-
vação e utilização de bens culturais e instituição de prêmios em diversas categorias” (NATAL,
2002, p. 4). Os projetos inscritos são avaliados pela comissão normativa da lei, formada por oito
membros, sendo quatro eleitos pelos artistas e produtores culturais locais, todos devidamente

157 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

habilitados pelo Cadastro Municipal de Entidades Culturais (CMEC) há pelo menos seis meses,
e quatro indicados e nomeados pelo Prefeito, sendo um representante da Secretaria Municipal
de Tributação (SET), a Secretária Executiva da lei, um Servidor Especializado e o Presidente
da Fundação Cultural Capitania das Artes (FUNCARTE). O Programa de Incentivo tem por
objetivo propor o financiamento por meio do modelo de renúncia fiscal para os seguintes eixos
ligados à produção e circulação de bens e serviços culturais:

I - a promoção do incentivo ao estudo, à edição de obras e à produção das atividades


artístico-culturais nas seguintes áreas:

a) Música e dança;

b) Teatro, circo e ópera;

c) Cinema, fotografia e vídeo;

d) Literatura e cartum;

e) Artes plásticas, artes gráficas, filatelia e culinária;


f) Folclore e artesanato;

g) História da cultura e crítica de artes;

h) Acervo e patrimônio histórico-cultural;

i) Museus, centros culturais e bibliotecas;

j) Relíquias e antiguidades;

l) Pesquisa e mapeamento.

II - a aquisição, manutenção, conservação, restauração, produção e construção de


bens móveis e imóveis de relevante interesse artístico, histórico e cultural;

III - a promoção de campanhas de conscientização, difusão, preservação e utilizações


de bens culturais;

IV - a instituição de prêmios de diversas categorias, nas áreas indicadas no inciso I


deste artigo. (NATAL, 2002, p. 4).

Em conformidade com a Lei Câmara Cascudo, os projetos aprovados na Djalma Maranhão


devem apresentar recursos humanos, técnicos, materiais e naturais disponíveis no município
de Natal. Da mesma forma, os projetos candidatos ao fomento da Djalma Maranhão deverão
preencher a proposta de financiamento e protocolá-la em duas vias na Secretaria Executiva
da Funcarte, podendo este procedimento ser executado por pessoa física ou jurídica, desde
que devidamente inscrita no Cadastro Municipal de Entidades Culturais (CMEC). Recebido
o pedido de projeto, a secretaria normativa da lei analisará o seu aspecto formal, levando
em consideração o enquadramento normativo. Caso o projeto seja aprovado, o empreendedor
cultural deve se dirigir à Secretaria de Cultura a fim de retirar o seu Certificado de Incentivo
Fiscal, para que de porte dele possa iniciar a busca pela empresa que lhe patrocinará.

158 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Por fim, depois de habilitado, captado e executado o projeto, o empreendedor cultural


deve, no prazo de sessenta dias, apresentar junto à Secretaria Normativa da lei, a prestação de
contas referente ao uso dos recursos financeiros captados. No caso de os valores movimentados
no projeto serem inferiores ao que foi pedido em lei, deverá o proponente devolver o valor
restante à Prefeitura de Natal, de acordo com os percentuais de participação de renúncia fiscal
e recursos próprios, definidos na aprovação do Projeto, com depósito na Conta do Fundo de
Incentivo à Cultura – FIC. Por fim, é válida a atenção especial para o fato de que o dispositivo
da Lei Djalma Maranhão foi inovador no momento em que, ao contrário de muitas de suas
congêneres, permitiu que pessoas jurídicas com seus débitos parcelados possam figurar como
parte da relação jurídica desenvolvida, a fim de estimular o aumento do interesse das empresas
pelo mecenato cultural.

Os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão nos últimos 04 anos

A Lei Djalma Maranhão foi promulgada no ano de 2002. Desde então, é tida como a
base do financiamento cultural produzida na cidade do Natal. Desta feita, levantamos também
para este tópico os dados relacionados aos últimos 04 (quatro) anos de exercício fiscal, com
atenção especial para o aumento do valor disponibilizado pela Prefeitura de Natal para compor
a renúncia fiscal, em detrimento do percentual de arrecadação cada vez menor, sempre oscilando
entre 30 e 35% do valor do teto da renúncia. Assim, o recorte temporal que aqui propomos
passa também se dá entre os anos de 2012 e 2015. É importante lembrar que a listagem das
empresas patrocinadoras dos projetos em âmbito municipal não é disponibilizada pela Funcarte,
órgão gestor da política cultural no âmbito do município, para fins de consulta e/ou pesquisa.

Quadro n° 2: Os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão (2012-2015)

Projetos Projetos Projetos Valor total Valor total


Ano
inscritos aprovados indeferidos da renuncia captado

R$ R$
2012 47 44 03
4.891.080,00 1.826.201,00
R$ R$
2013 48 45 03
5.418.100,00 2.129.805,00
R$ R$
2014 104 91 13
6.058.780,00 2.954.234,00
R$ R$
2015 91 85 06
8.019.220,00 1.115.274,00

Fonte: Fundação Cultural Câmara Cascudo. Elaboração da autora.

159 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Quadro n° 3: os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão por área de


atuação (2012-2015)

Área do Projeto aprovado 2012 2013 2014 2015

Música 17 14 31 31

Eventos 09 12 20 23

Literatura 06 06 13 06

Artes Cênicas (dança, teatro,


06 03 06 07
circo e performance)

Artes Integradas 04 08 15 15

Artes Visuais 02 02 06 03

Fonte: Fundação Cultural Capitania das Artes. Elaboração da autora.

O balanço do ano de 2012 para lei municipal pode ser traduzido como um ponto positivo,
uma vez que houve uma quantidade muito pequena de projetos indeferidos, o que significa
um aprimoramento na qualidade dos projetos. A quantidade de projetos ligados à música, no
âmbito municipal, é sempre superior às demais linguagens artísticas, todavia o valor captado é
muito discrepante quando comparado ao valor total disponibilizado, este primeiro nunca
ultrapassando a média de 30-35% de captação.

O ano de 2013 também é marcado por uma quantidade muito pequena de projetos
indeferidos pela lei, o que pode ser traduzido como um avanço na qualificação dos proponentes
culturais. Mais uma vez, a quantidade de projetos relacionados à música é superior às demais
linguagens artísticas contempladas, sendo o setor das artes visuais historicamente o menos
contemplado, todavia vale levar em consideração a pouca procura pelo financiamento público
por parte dos artistas ligados a essa área. Notadamente, a quantidade do valor total captado é
muito inferior ao valor total subsidiado pelo município para o financiamento cultural, fenômeno
que se dá em consequência da postura fechada das empresas no que diz respeito às questões
relacionadas ao financiamento cultural.

Muito embora a Fundação Cultural Capitania das Artes não tenha disponibilizado a
listagem em que constem as empresas que mais patrocinaram a produção cultural no âmbito
do município entre os anos de 2012 e 2015, recorte de análise desta pesquisa, há que se levar
em consideração as informações contidas nos arquivos digitais da empresa Unimed Natal, uma
vez que esta vem desenvolvendo uma cultura de financiamento cultural considerável no âmbito
do município, inclusive contando com edital próprio, seguindo os moldes da Cosern Neonergia
que, conforme já citado anteriormente, atua como a principal pessoa jurídica patrocinadora do

160 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

setor cultural no âmbito estadual.

No ano de 2014, percebe-se que houve um aumento considerável na quantidade de


projetos que buscaram o financiamento público por intermédio do Programa Djalma Maranhão
de Financiamento Cultural. Todavia, há que se levar em consideração também o aumento da
quantidade de projetos indeferidos por vício formal. Mais uma vez o setor musical é o principal
beneficiado pelo financiamento público, com atenção especial a grandes projetos de itinerância
e permanência musical, a exemplo dos projetos Som da Mata, Serenatas ao Luar de Natal,
Quartas Clássicas da Orquestra Sinfônica do RN, Festival Música Alimento da Alma (MADA),
dentre outros. Em conformidade com os anos anteriormente citados, a relação entre o valor
total disponibilizado para o financiamento cultural e o valor captado é muito discrepante, em
consequência das questões ligadas ao marketing empresarial citadas em linhas anteriores.

Por fim, o ano de 2015 não apresenta grandes diferenças no que tange à quantidade de
projetos inscritos, aprovados e indeferidos com relação aos demais anos estudados. Mais uma
vez, o número de projetos contemplados dentro do segmento musical é maior que as demais
linguagens cultuais, ao passo que as artes visuais continuam ocupando a menor quantidade de
projetos habilitados. Para 2015, o valor total captado foi inferior aos demais anos, sobretudo
quando comparado ao maior valor disponibilizado para a renúncia nos anos estudados. Um
teto de R$8 milhões comparado a uma captação de pouco mais de 1 milhão de reais representa
uma deficiência manifesta no modelo de financiamento eleito para servir como base do fomento
cultural de um município.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou compreender um pouco as nuances que envolvem a política de


financiamento cultural no Brasil desde o seu surgimento, na década de 1980. Referido modelo
foi desenvolvido tendo em vista a retirada da responsabilidade do Estado pelo investimento
direto no setor da cultura, transferindo esta incumbência para a iniciativa privada. De tal modo,
as empresas interessada transfere parte de seus impostos devidos para os projetos culturais
previamente habilitados nas leis de incentivo, uma vez que estas têm por base financeira a
concessão de descontos de natureza tributária para as pessoas jurídicas que passariam a ser, nas
figuras de patrocinadoras, as financiadoras da produção cultural.

Via de regra, as empresas somente vinculam seus nomes àqueles projetos que lhe darão
a certeza de um retorno de marketing eficiente. Desta maneira, há uma limitação das possibili-
dades dos projetos culturais de pequeno e médio porte, ou até mesmo os que sejam comprometidos
com o resgate da dimensão antropológica da cultura, terem suas propostas patrocinadas, tendo
em consideração que as empresas tenderão a apoiar aqueles projetos de porte maior e que já se
encontram consolidados no cenário artístico e cultural e que, acima de tudo, tenham um alcance

161 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

de público considerável, o que lhes renderá ainda mais publicidade.

Em 26 de dezembro de 2020, a Lei Rouanet completa seus vinte e nove anos de vigência.
Durante este período, a referida, que serviu de inspiração para que os estados e municípios
passassem a legislar propriamente sobre a causa cultural, foi responsável por operar uma série
de transformações – positivas, mas também negativas -, no setor cultural brasileiro, bem como
nos grupos diretamente interessados pela correta gestão dos recursos legais. A Lei Rouanet
ficou, portanto, marcada pela implementação do mecanismo de financiamento que serve como
base para a manutenção do setor cultural no país, ponto que serviu como objeto principal desta
pesquisa. Este mecanismo, popularmente chamado de Renúncia Fiscal, muito embora tenha se
apresentado como o núcleo financeiro da produção cultural nacional, não foi capaz de suprir a
deficiência deixada pelos outros dois principais mecanismos de financiamento cultural disponíveis
no país, que são os Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART e o Fundo Nacional
de Cultura – FNC.

O FICART teve suas deficiências demonstradas mesmo no momento de sua execução,


pontos que também foram tratados nesta pesquisa. Já o FNC encontrou seu principal insucesso
no momento em que claramente não atendeu a um de seus principais objetivos, que é o de
“estimular a distribuição regional equitativa dos recursos a serem aplicados na execução de
projetos culturais e artísticos”, ponto que não foi atendido pela política, haja vista a distribuição
acentuada e crescente dos recursos da Lei Rouanet estar sempre polarizada na produção cultural
do eixo Sul e Sudeste do país.

Por esta razão, compreende-se por quais razões os projetos culturais locais não são
nunca– ou quase nunca – contemplados pela Lei Rouanet, tendo em conta que as grandes
empresas e potenciais patrocinadoras dos projetos culturais por ela habilitados encontram-se
instaladas nas grandes metrópoles do Brasil, ou seja, no eixo Rio-São Paulo. Neste sentido,
para além das deficiências observadas na gestão do financiamento cultural local, ressalte-se
também a disparidade concorrencial observada nos projetos culturais das regiões menos
favorecidas para com aquelas onde se concentra o capital mais central do país. Desta maneira,
restou à produção cultural mais periférica contar basicamente com o financiamento público
local. Para as localidades que contam com legislação cultural própria, como é o caso do estado
do Rio Grande do Norte e de sua capital, Natal, a produção cultural fica um tanto menos
comprometida quando levado em consideração o fato de que em algumas outras localidades
não há sequer uma lei de incentivo à cultura.

Todavia, a existência de uma lei própria não significa que, para a realidade da produção
cultural daquela localidade, seus problemas estarão resolvidos. A falta e o atraso dos repasses
das verbas e a postura fechada dos grupos empresariais para com a causa do patrocínio cultural
configuram apenas alguns dos vários gargalos que a produção cultural atravessa em nível
federal, estadual e municipal. No Estado do Rio Grande do Norte, praticamente uma única

162 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

empresa, a Cosern Neoenergia, atua como principal patrocinadora cultural local, ressaltando
que também é a única empresa que conta com um edital próprio de fomento à produção cultural,
direcionado aos projetos já habilitados pelas leis de incentivo locais.

No Estado do Rio Grande do Norte, a política analisada foi implementada anos mais
tarde, em 1999, com a promulgação da Lei Câmara Cascudo, e na cidade de Natal, em 1997 por
intermédio da Lei Djalma Maranhão. Levando-se em consideração que este modelo de finan-
ciamento, conforme já mencionado, surgiu no Brasil na década de 1980, podemos considerar
que a gestão pública local caminhou a passos lentos, quando quase duas décadas depois tratou
de legislar sobre o tema. No estado do RN, a Lei Câmara Cascudo funciona até os dias atuais
como a base do financiamento cultural estadual, todavia há que se levar em consideração a
insuficiência da política que, na maioria das vezes, não supre as necessidades dos grupos aos
quais é destinada. Em conformidade com os dados levantados, historicamente a relação entre
os valores disponibilizados e os efetivamente captados pelos projetos culturais é muito
discrepante, tendo em conta que na maioria das vezes o percentual de captação não chega nem
à marca dos 30%. Vale salientar que, nos dias atuais, o patrocínio cultural em âmbito estadual
se deve basicamente a uma única empresa, a Cosern Neoenergia, responsável pelo patrocínio
dos principais projetos culturais que hoje são executados no estado. A Cosern abre anualmente
o seu edital de patrocínio, no qual podem se inscrever os projetos habilitados pela lei estadual
e, em menor proporção, alguns projetos aprovados na Lei Rouanet também são habilitados para
concorrer ao mesmo.

Na lei municipal Djalma Maranhão, os balanços são parecidos com os anteriormente


descritos, com algumas ressalvas negativas. A primeira dá conta da burocratização excessiva
do órgão gestor municipal, notadamente superior à lei estadual. Em se tratando das áreas dos
projetos aprovados, a lei municipal difere positivamente da estadual no momento em que amplia
o leque de possibilidades de aprovação, fazendo com que os projetos de áreas como as artes
integradas e as artes visuais sejam contemplados, ponto que a lei estadual apresenta uma certa
deficiência. Em suma, a lei estadual desenvolveu a cultura de aprovação em massa de projetos
ligados a grandes eventos públicos, a exemplo do festival Música Alimento da Alma (MADA),
o Natal em Natal, o Festival do Sol e o Festival Halleluya, dentre outros. Com relação a este
último, é interessante ressaltar o cuidado da lei em aprova-lo, pois em se tratando de um festival
de música religiosa ressalta o cuidado que a comissão avaliadora da lei tem em abarcar e
ampliar as possibilidades para que projetos dos mais variados segmentos tenham a possibilidade
de concorrer em nível de igualdade com outros já consagrados pelo grande público.

Por fim, entendeu-se que as questões que se relacionam ao patrocínio empresarial


ainda precisam ser amadurecidas em todas as esferas, e uma das alternativas propostas para a
resolução deste problema é a promoção de rodadas de debates, ciclos de palestras e ações de
conscientização que os órgãos gestores poderiam oferecer para a classe empresarial, com vistas

163 Samara Taiana de Lima Silva


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

à sensibilização e conscientização desta no sentido de que o patrocínio cultural, bem distante


de ser um gasto a mais para a empresa, seria uma alternativa positiva para a imagem da mesma,
que pode resultar em um retorno de imagem positivo para a marca. Ademais, o patrocínio
cultural não é um gasto a mais para a empresa, mas sim uma maneira encontrada para que esta
não pague na íntegra os seus impostos devidos ao Estado, dispondo da possibilidade de retirar
uma parte do débito para patrocinar os projetos culturais.

Referências

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São Paulo, vol. 15, n. 2, 2001.

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_______. Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505,


de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá ou-
tras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1991. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm>. Acesso em 28 de julho de 2020.

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164 Samara Taiana de Lima Silva


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

LIMA SILVA, Samara Taiana de. A importância das Leis de Incentivo à Cultura para a
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NATAL. Fundação Cultural Capitania das Artes. Natal. Disponível em: < www.blogdafuncar-
te.com.br > Acesso em: 03 de outubro de 2020.

RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 7.999, de 30 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a concessão
de incentivo fiscal para o financiamento de projetos culturais no âmbito do Estado do
Rio Grande do Norte, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do RN, Natal, 30
de dezembro de 1999. Disponível em: < http://www.set.rn.gov.br/contentProducao/aplicacao/
set_v2/legislacao/enviados/listagem_filtro.asp?assunto=11&assuntoEsp=15>. Acesso em 03 de
outubro de 2020.

____________. Lei nº 4.838, de 9 de julho de 1997. Institui o projeto Djalma Maranhão


de Incentivos Fiscais para a Realização de Projetos Culturais no Município de Natal e dá
outras providências. Diário Oficial do Município, Natal, 9 de julho de 1997. Disponível em: <
https://www.natal.rn.gov.br/semut/legislacao/lei/lei.4838.1997.pdf>. Acesso em 03 de outubro
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_______________. Fundação José Augusto (FJA). Natal. Disponível em: < www.cultura.
rn.gov.br >. Acesso em: 03 de outubro de 2020.

165 Samara Taiana de Lima Silva


CA PÍ T U L O 10

O impacto do programa Bolsa Família na segurança alimentar de beneficiários:


um estudo piloto realizado em Natal/RN

Kaliane Barbosa da Silva31


Robério Paulino Rodrigues32

Introdução

Estudar a Segurança Alimentar (SA), associando-a aos Programas de Transferência


Condicionada de Renda (PTCR), é uma forma de abordagem amplamente encontrada na
literatura que discute os impactos de políticas públicas sobre a saúde de populações carentes. A
segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais (LOSAN, 2006).

Não apenas do ponto de vista social, mas também do biológico e ético, a SA é importante
para o avanço da sociedade e para a redução da desigualdade social. A alimentação é um dos
direitos humanos essenciais à vida, portanto deveria estar resguardado sob a proteção das
sociedades e dos governos. No entanto, a Insegurança Alimentar (IA), ainda persistente entre
as populações pobres, demonstra que esse direito segue sendo violado.

Sendo assim, o objetivo deste estudo piloto consistiu em verificar se o Programa Bolsa
Família (PBF) promoveu impacto sobre a SA de beneficiários no município de Natal/RN. Como
resposta inicial ao questionamento central deste trabalho, a hipótese levantada é que o programa,
através da distribuição de renda, considerando previamente que os recursos financeiros são
utilizados pelas famílias principalmente para a compra de alimentos ― independentemente da
qualidade nutricional destes alimentos ― permite que as famílias beneficiadas alcancem
melhoria no nível de SA, distanciando as crianças e os adultos do quadro de fome absoluta.

Acredita-se que esta pesquisa permite olhar especificamente para grupos sociais mais
vulneráveis e observar o impacto que o programa teria propiciado na SA de beneficiários.
Médias nacionais indicam as condições da população em geral ― ricos, pobres e miseráveis ―
mas, analisar grupos específicos permite focalizar um problema social que não é característico da
população geral e sim de grupos sociais mais vulneráveis. Neste estudo piloto é mais fortemente
abordado o acesso aos alimentos, mas isso não implica que não se possa tecer comentários a
respeito dos demais.
31 Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: kaliane.barbosa@yahoo.com.br
32 Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN).
E-mail: robs@uol.com.br

166 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O welfare state e o reconhecimento do direito à alimentação

A literatura sobre welfare state mostra que as políticas sociais, em qualquer lugar do
mundo, têm o seu surgimento baseado não apenas no apoio fundamental à manutenção e ao
desenvolvimento do capitalismo, mas também na tentativa de correção dos efeitos nocivos de
uma economia de mercado.

As políticas sociais implantadas no sistema bismarckiano — de Otto Von Bismarck,


um chanceler prussiano que conduziu a política alemã e concluiu de fato a unificação da Ale-
manha na segunda metade do século XIX, mesclando medidas repressivas e políticas sociais —
faziam parte de um conjunto de estratégias que buscavam promover o desenvolvimento indus-
trial e econômico da Alemanha, incitando nos cidadãos o sentimento patriótico. Matos (2013),
que fez um estudo aprofundado sobre a evolução do emprego público na Alemanha, mostra que
as políticas de cunho social, como o seguro social, contribuíram para manter a renda e criar
um mercado interno. Essa e outras estratégias implantadas na Alemanha foram consideradas
impulsionadoras de seu desenvolvimento. Entretanto, o seguro social era destinado apenas à
proteção de servidores públicos, enquanto os demais cidadãos permaneciam descobertos do
sistema de proteção alemão.

Esping-Andersen (1991) mostra que, no início do século XX, os seguros sociais que
já existiam na Alemanha foram expandidos para a Europa e a cobertura estendida para outras
categorias profissionais. Somente após a II Guerra Mundial a política de proteção social foi
ampliada a todos os integrantes da sociedade que necessitassem de apoio do Estado. Esse é o
momento histórico em que a literatura considera a configuração do que veio a se chamar
Welfare State nos moldes de seu sentido original.

O sistema brasileiro de políticas sociais começou a ser delineado entre os anos 1920
e 1930. Para Gomes (2006), alguns fatores são importantes para tal afirmação, um deles é a
ampliação da atuação do Estado. Alguns exemplos de cobertura seriam: previdenciários,
assistenciais, trabalhistas, saúde e educação. No século XX, houve muitos avanços, como a
criação de leis trabalhistas e de instituições públicas, mas o fato particularmente marcante foi
a responsabilização do Estado pelo bem-estar da sociedade.

Entretanto, na visão de Moura (2007), todo o investimento brasileiro na rede de


proteção social assumiu um caráter apenas substitutivo do que deveria ter sido um Welfare
State, porém, segundo palavras do autor, inatingível. Por esse mesmo motivo resgata-se a visão
de Marx que acreditava que as políticas e programas sociais tinham o único objetivo de manter
a estabilidade social necessária para que o capitalismo continuasse crescendo, atendendo aos
interesses da burguesia. Portanto, a solução para que o homem deixasse a condição de escravo
do sistema estava no comunismo. Marx desenvolve essas ideias juntamente com Friedrich
Engels em Manifesto do Partido Comunista, uma obra publicada originalmente em 1848 e hoje
de domínio público (MARX; ENGELS, 1999).

167 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

De acordo com Gomes (2006), o modelo de seguridade social instalado na Europa


após a II Guerra Mundial permaneceu em construção até a década de 1970, quando uma nova
depressão econômica decorrente da crise do petróleo colocou em questão os gastos e as políticas
sociais. As críticas questionavam os gastos públicos elevados com a seguridade social e culpavam
as políticas sociais pela estagnação da economia.

No mundo todo se observou uma série de mudanças nas orientações dos governos.
No Brasil, ainda que com certo atraso, a introdução ou chegada dos novos discursos liberais
também ocorreu, como já acontecia ao redor do mundo. Trevisan e Van Bellen (2008) apontam
que, como decorrência da crise econômica, política e social iniciada no final da década de 70,
entre os anos 1980 e 1990 houve uma explosão de pesquisas em políticas públicas que buscavam
avaliar e questionar a eficiência das políticas sociais adotadas pelo Estado

Nesse sentido, o diminuto sucesso do sistema brasileiro de proteção social e a sua não
classificação como um Welfare State deve-se exatamente a esses fatos, mas também a outros.
Costa (2006) cita que o Brasil possui três problemas de ordem sócio-política que dificultaram a
construção do sistema: o patrimonialismo, o personalismo e a fragilidade na democracia, como
consequência de medidas autoritárias, clientelistas e mandonistas.

É consenso geral que o Brasil, no período que compreende a entrada do século XXI
até 2011, viveu um momento de fortalecimento da economia, associado à redução das desigualdades
sociais. Deve-se reconhecer que muito do que foi conquistado nesse período foi fruto das ações
do Estado a partir de políticas de combate à pobreza, de promoção da habitação, de acesso aos
centros universitários, de melhores taxas de consumo interno dentre outras ações. Entretanto,
como afirma Rolnik e Klink (2011), apesar de o país ter aumentado os gastos sociais e com a
infraestrutura urbana, as cidades ainda são caracterizadas pelas disparidades socioespaciais.

Em 1988, a Constituição Federal permitiu que o país avançasse no entendimento sobre


o tema público da assistência social. Nesse contexto, os instrumentos legais que impactaram
a assistência social foram: a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), a Política Nacional
de Assistência Social (PNAS) e a Norma Operacional Básica (NOB), com regulamentação e
criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Assim, de acordo com a Loas, a nova
Constituição reconhecia que o tema deveria ser parte integrante do Sistema de Segurança
Social brasileiro, identificado como Seguridade Social e reconhecido como política pública.

Em relação à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), há concordância entre os


analistas que esse tema começou a ser discutido na década de 1930, mas somente após a II
Guerra Mundial se perceberam os primeiros esforços de ação nesse sentido. Josué de Castro ―
que foi um renomado pesquisador na área ― contribuiu grandemente para a concepção social
e política no debate de combate à fome. A primeira pesquisa de inquérito alimentar, feita com
cerca de 500 famílias de operários, na qual foram verificados altos gastos com alimentação e
baixa ingestão de energia, foi dirigida por ele.

168 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Para Burlandy (2009), a trajetória política da SAN tem em sua história momentos de
conquista, descaso e de políticas fragmentadas e em consequência disso, muitas iniciativas com
fraca expressão. Em 2006, foi sancionada a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional
(Losan), que consagrou o princípio do direito humano à alimentação e instituiu o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), o braço operacional da Losan (BURITY
et al, 2010). Entretanto, a Losan não definiu um orçamento específico e sua existência não foi
suficiente para efetivar esse direito.

Sobre esse fato e de acordo com a compreensão de Arretche (2004), as políticas


sociais brasileiras não alcançaram a capacidade necessária para promover a redução efetiva das
desigualdades nas necessidades básicas da vida, melhorando-a em momentos pontuais, seguindo-se
crises, como as observadas atualmente. Parece ter sido um engano acreditar que o federalismo
produziria transparência pública e eficiência nas políticas sociais. A literatura mostra que o
Brasil viveu, entre os anos 2001 e 2010, um momento claro e inquestionável de redução das
desigualdades sociais. No entanto, a crise instalada na década atual, ameaça desconstruir todas
as conquistas sociais, não apenas desse período.

Estar livre da desnutrição, da fome e acessar uma alimentação adequada são direitos
que já eram reconhecidos desde o Pacto Internacional dos Direitos Humanos, Econômicos,
Sociais e Culturais, bem como na Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, esse
direito só passou a ser garantido via Constituição Federal em 2010, quando da aprovação da
PEC 47/2003.

Contudo, a SAN enfrenta desafios inerentes ao federalismo: exercer a intersetorialidade,


enfrentar a competitividade por autoridade, coordenar decisões coletivas e evitar a dispersão
política (ARRETCHE, 2004).

O Programa Bolsa Família

O PBF, que foi criado em 2004, nasceu com o objetivo de promover alívio imediato
para as condições de miséria e pobreza, reduzir desigualdades, minimizar as injustiças sociais,
melhorar os parâmetros educacionais do Brasil e promover saúde e inclusão.

O PBF foi regulamentado pelo Decreto n°5.209/2004 e estabelecido pela Lei


n°10.836/2004, que o criou. A gestão dos benefícios do PBF é compartilhada entre os entes
federados. Ao governo federal, compete a elaboração do desenho do programa e sua normatização,
bem como o repasse dos recursos. Os municípios, por sua vez, são os principais gestores do
programa junto às famílias: é de sua responsabilidade cadastrar as famílias que compõem o
público-alvo do CadÚnico. O CadÚnico é gerenciado pelo Ministério da Cidadania (MC) e é
este último quem efetivamente seleciona as famílias que receberão os proventos. Para essa

169 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

triagem, o MC considera um número de cotas de benefícios previamente estabelecidas para


cada município com base na quantidade de pobres que o município possui (BRASIL, 2014).

A fiscalização do cumprimento das condicionalidades é atribuição dos assistentes sociais


locais, que acompanham as famílias. Além disso, de acordo com o Decreto n° 6.392/2008, as
características para elegibilidade ao programa devem ser revistas há cada dois anos (BRASIL, 2014).

De acordo com a legislação vigente, o objetivo do programa é assistir grupos familiares em


condição de extrema pobreza com qualquer constituição e famílias em situação de pobreza, que
tenham como membro do grupo indivíduos com idade entre zero e dezessete anos ou gestantes.
Os programas assistenciais visam fazer frente às situações em que a pobreza já está instalada e
são direcionados para indivíduos em idade de atividade econômica e educativa, portanto visam
a complementação da renda familiar e não a garantia, como é o caso do Benefício de Prestação
Continuada (BPC).

No que se refere ao número de beneficiários, o PBF constitui-se no maior programa de


política social de redistribuição de renda. Em 2015, ele atendeu mais de 14 milhões de famílias.
A transferência dos recursos é vinculada ao cumprimento de condicionalidades, por meio das
quais se busca garantir a SA, boas condições de saúde e promoção do acesso e da manutenção
das crianças e dos jovens na escola.

Metodologia

O número de famílias atendidas pelo PBF em Natal é 34.711 e o número de beneficiários é


92.124 pessoas, entre crianças, adolescentes, mulheres e homens, dados publicados pela
Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição referente ao ano de 2015 (BRASIL, 2015).

Participaram do estudo 105 adultos (104 mulheres, 99,1%, e um homem, 0,9%) de 19 a


64 anos de idade. Todos os adultos eram participantes do Programa Bolsa Família e titulares do
cadastro familiar, ou seja, todos tinham cadastro ativo. A triagem dos adultos que compuseram
a amostra foi realizada no Cadastro Único no município de Natal, situado no Bairro do Igapó
na Região Administrativa (RA) Norte.

Os adultos foram selecionados considerando os seguintes critérios: a) todos os selecionados


deveriam ser habitantes do município de Natal; b) só poderiam participar da pesquisa mulheres
ou homens que fossem titulares do cadastro no Programa Bolsa Família e c) indivíduos titulares
do cadastro familiar que fossem menores de idade foram excluídos da amostra.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi uma entrevista, guiada por questionário
do tipo formulário, contendo 48 perguntas abertas e fechadas, que foram preenchidas pelo
entrevistador. O questionário foi dividido em três partes. Na primeira parte, as perguntas

170 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

objetivaram identificar e classificar o perfil socioeconômico e demográfico dos participantes.


Essa identificação é necessária, pois a Segurança Alimentar está relacionada à pobreza, à
escolaridade e inclusive ao ambiente habitacional. Portanto, para esta pesquisa, investigar estas
questões é tão importante quanto verificar o nível de Segurança Alimentar dessas pessoas.

A segunda parte do questionário trata do inquérito sobre o nível de Segurança


Alimentar da população estudada. Essa parte do questionário foi composta de quinze perguntas
fechadas. A partir dessas respostas é possível definir o grau de IA de populações. Esse formato
de questionário foi proposto pela Escala Brasileira de IA – EBIA. A EBIA é uma versão adaptada
da escala originalmente criada nos Estados Unidos da América.

Na terceira parte do questionário, o objetivo é observar a percepção dos beneficiários


sobre a importância e efeito do PBF para suas vidas e dos seus filhos. Essa e composta de oito
perguntas abertas e fechadas. Essa sessão do questionário permite preencher lacunas que dados
preexistentes não possam responder.

Caracterização socioeconômica

Em Natal, na época da pesquisa, existiam duas unidades de atendimento do Cadastro


Único: uma no bairro Igapó e outra no bairro Quintas e contava com uma unidade móvel que
pretendia aproximar e tornar mais eficiente a busca e identificação de famílias em situação de
pobreza. Sendo assim, todos os beneficiários moradores do município de Natal deveriam se
dirigir a uma dessas unidades para resolução de problemas, realização de cadastro e qualquer
tipo de consulta ao benefício.

Como a pesquisa ocorreu na unidade do bairro Igapó, na RA Norte, os bairros incluídos


neste levantamento pertenciam, em sua maioria, a esta RA. Os bairros N. Sra. da Apresentação,
Lagoa Azul e Pajuçara tiveram a maior participação, com 30,4%, 23,8% e 20%, respectiva-
mente, do total de participantes pesquisados. Esses dados se justificam pelo alto número de
habitantes desses bairros. N. Sra. da Apresentação, Lagoa Azul e Pajuçara, são justamente os
bairros mais populosos de Natal.

Com base nos dados do Ministério da cidadania, dos quase 14 milhões de famílias
incluídas no programa, mais de 11 milhões possuem titulares com faixa etária entre 21 e 60
anos. Aqui, ao dividir os participantes de acordo com a faixa etária verificou-se maior participação
de responsáveis com idade entre 25 e 44 anos, em um total de 59% de questionários aplicados,
sendo a menor participação daqueles com idade entre 55 e 64 anos.

Quando perguntados sobre o estado conjugal, 69,5% dos indivíduos pesquisados declararam
estar solteiros no momento da entrevista. Já os que declararam ter companheiro correspondem
a 32%, estes, integram os casados e aqueles em união estável. Em relação a quantidade de filhos

171 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

por titular, mais da metade dos entrevistados tem entre 0 e 2 filhos, já os titulares com mais de
5 filhos são a minoria deste estudo, indicando que a redução da taxa de fecundidade também
ocorre entre os entrevistados.

Quando buscou-se traçar uma relação entre a média do número de filhos por escolari-
dade do titular, ficou revelado que a baixa escolaridade e o analfabetismo são fatores que pre-
dispõem o aumento do número de filhos. Esse dado permite algumas reflexões sobre as críticas
feitas aos titulares do PBF.

Tabela 1 – Quantidade de filhos por família e por escolarização do responsável-titular


Escolaridade Filhos / titular
Analfabeta 3,7
Fundamental incompleto 3,3
Fundamental completo 2,8
Médio incompleto 2,3
Médio completo 1,9
Média total 2,8
Fonte: Autoria própria

Sobre a escolarização dos voluntários, verificou-se que a maioria dos entrevistados não
chegou à conclusão do ensino fundamental e que apenas 20% concluíram o ensino médio,
confirmando a relação que existe entre a baixa escolaridade, a pobreza e o desemprego. Esse
resultado é parecido com a média do estado, em que 56,4% não concluíram o ensino fundamental.

De acordo com a composição familiar dos entrevistados, 66% correspondiam a uma


unidade familiar composta por 3 a 4 pessoas, 18,9% com até 2 pessoas e 15,1% com mais de
5 pessoas. Em relação à situação do domicílio, foi verificado um alto índice de famílias que
moram em casas alugadas, 40,6%.

O adensamento domiciliar aparece na literatura como relacional com a pobreza e com


as condições sanitárias da habitação que refletem na maior suscetibilidade às doenças virais e
bacterianas e desnutrição infantil. O resultado encontrado não gerou relação com a pobreza,
pois quase 90% dos entrevistados possuem uma densidade habitacional baixa, com até um
morador por cômodo da casa.

A renda é importante ferramenta para inclusão social e também para permitir, em uma
sociedade capitalista, a aquisição de alimentos. A baixa renda das famílias inviabiliza o acesso
a uma alimentação adequada em energia e com qualidade nutricional, com isso, essa população
carente vive sob o risco das carências nutricionais e da IA. Sobre os rendimentos per capita,
99,1% dos indivíduos pesquisados vivem com menos de meio salário mínimo por pessoa, o que
era esperado por ser uma condição de entrada no programa.

172 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Classificação do nível de segurança alimentar dos indivíduos pesquisados


O motivo para preocupar-se com a IA deve passar primeiramente pelo respeito ao ser
humano, respeito ao direito a vida e depois pelas repercussões que esse fenômeno provoca na
sociedade, na economia, na educação e, sobretudo na saúde, algumas dessas complicações são:
retardo do crescimento, baixo peso, déficit no desenvolvimento cognitivo, evasão escolar, faltas
no trabalho, susceptibilidade às infecções virais e bacterianas, desânimo, fraqueza muscular,
sonolência. Veja o que Sawaya diz sobre o consumo inadequado de alimentos:

(...) quando o indivíduo recebe uma alimentação insuficiente quantitativamente, ou


inadequada do ponto de vista qualitativo (quando faltam os nutrientes necessários,
como vitaminas e minerais), sobretudo no início da vida. O nosso órgão controlador
de toda a atividade metabólica, que é o sistema nervoso, se “programa” permanente-
mente para economizar energia em forma de gordura e reduzir o crescimento, para
garantir a sobrevivência em condições adversas. (SAWAYA, 2006, p. 147)

A autora faz a conexão entre o estresse de sobreviver com pouco e as implicações para
a vida. Ela informa que o marcador do cortisol, que é liberado na corrente sanguínea e está
presente na saliva ao acordar, fica alterado em situações inadequadas de alimentação. Esse
fenômeno é uma das implicações para o aparecimento de doenças crônicas degenerativas na
vida adulta.

Nesta pesquisa, foi possível observar, conforme demonstrado na Figura 1, que apenas
0,9% dos participantes, ou seja, um único entrevistado encontrava-se em Segurança Alimentar
no período da pesquisa. Enquanto isso, 99% de toda a amostra analisada encontrava-se em
algum grau de IA, sobretudo de IA moderada que representou 51,4% do público alvo.

Figura 1 – Prevalência de IA no total de domicílios pesquisados

Fonte: Autoria própria

173 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

O IBGE define os pontos de corte para a IA da seguinte forma: Segurança Alimentar é


o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, e sequer se
sentiam na iminência de sofrer tal restrição no futuro próximo; IA Leve é a preocupação ou
incerteza quanto à disponibilidade de alimentos no futuro em quantidade e qualidade adequadas;
IA Moderada é a redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação
resultante da falta de alimentos entre os adultos; e IA Grave/Severa é a redução quantitativa de
alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre adultos
e/ou crianças, e/ou privação de alimentos, ou seja, fome.

Considerando a diferente relação entre as famílias com e sem menores de 18 anos, se


tornou imperativo verificar o nível de Insegurança Alimentar nos dois tipos de construção
familiar, o resultado foi apresentado na Tabela 2.

Tabela 2 – Prevalência de IA dos domicílios com e sem menores de 18 anos de idade


Famílias com menores de 18 Famílias sem menores de 18
anos (%) anos (%)
Segurança 1,1 0,0
Insegurança leve 24,2 14,3
Insegurança moderada 53,8 35,7
Insegurança severa 20,9 50,0
Fonte: Autoria própria

Agora, para avançar nas análises, é preciso relacionar esses dados com as características
socioeconômicas da população, para traçar os principais determinantes para o alto índice de IA
identificado na população estudada. Observe a Figura 2.

Figura 2 – Prevalência de IA por nível educacional dos titulares entrevistados

Fonte: Autoria própria

174 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

A primeira relação apresentada foi com a escolaridade dos titulares. Assim, ao verificar
a condição de IA dos domicílios relacionando com o nível educacional dos titulares, é possível
afirmar que quanto menor for o grau de instrução maior será IA. A Figura 2 confirma essa
vertente ao mostrar que os analfabetos têm a pior condição, principalmente em relação à
insegurança severa.

Após identificar o rendimento mensal per capita de cada entrevistado ― considerando


outros rendimentos mensais mais o Bolsa Família ― eles foram separados em três classes de
rendimento e verificados o nível de insegurança para cada classe. Nove participantes declararam
não saber quanto recebiam mensalmente do programa, sendo assim, estes não participaram
desta análise. Os resultados estão apresentados na Figura 3.

Figura 3 – Prevalência de IA por classe de rendimento domiciliar per capita mensal

Fonte: Autoria própria

Como é possível notar, os domicílios com até ¼ de salário mínimo por pessoa tem altas
taxas de insegurança dos tipos moderada e severa, mais de 80% dos domicílios desse estrato
sofrem as duas piores condições de acesso aos alimentos. Os indivíduos moradores de domicílios
com rendimentos per capita de ¼ até ½ salário mínimo também transitam predominantemente
entre a insegurança dos tipos moderada e severa, porém em menor proporção, 73%. Já as pessoas
que moram nos domicílios em que os rendimentos variam entre ½ e um salário mínimo têm
melhor condição no acesso aos alimentos visto que a insegurança mais predominante é a do
tipo leve, onde foi encontrada mais de 50% de seus integrantes.

Em relação a percepção dos beneficiários, 100% consideram que o programa é importante


para a família. Ao serem questionados sobre o que compravam com o dinheiro que recebiam
do programa, a grande maioria respondeu que compravam alimentos. Os cinco produtos mais
citados, na ordem de importância, foram: alimentos, gás de cozinha, roupa, medicamento e
energia elétrica.

Dos 93 participantes que responderam em relação à percepção de melhoria de saúde


dos filhos 73% acreditam que o programa ajudou a melhorar, enquanto 27% acreditam que o
programa não ajudou. Entretanto, todos disseram sentir medo de serem cortados do benefício
apesar de preferirem o emprego.

175 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Considerações finais

A reconhecida melhoria da condição nutricional dos brasileiros por órgãos internacionais e


a saída do país do mapa da fome são vitórias que devem ser comemoradas com continuidade de
ações. Entretanto, isso não esconde o fato de que o país ainda não efetivou o direito à alimentação
para toda sua população dentro dos termos preconizados pela LOSAN. Tal fato é comprovado
quando se verifica que existem numerosas famílias em situação de IA, como mostram os estudos
com beneficiários do PBF.

O maior ou menor impacto das transferências de renda sobre a SA depende do custo


de vida, do valor real do benefício, do poder de compra e da articulação com as demais ações
governamentais para o enfrentamento da fome. Os programas de transferência de renda não
produzem impacto significativo sobre a IA, ou seja, não é mérito único dos Programas de
Transferência Condicionada de Renda (PTCR) as vitórias alcançadas na melhoria da situação
no Brasil, mas de um conjunto de ações desenvolvidas ao longo da história da política de
proteção social.

O incremento da busca pelo serviço de saúde, a melhoria do acesso aos alimentos


via mercado de consumo, o aumento da variação alimentar, a redução do número de doenças
relacionadas a deficiências de nutrientes e até a diminuição do número de faltas no trabalho
pelos pais são considerados resultados da ação combinada de medidas preventivas de SAN,
associadas aos PTCR.

Ao participar de outros programas sociais, o indivíduo potencializa o impacto sobre


a SA. Porém, conforme visto, o aumento no gasto com alimentação, apesar de ser um ponto
positivo, nem sempre resulta em saúde nutricional, já que as condições sócios-sanitárias das
famílias de baixa renda precisam ser aperfeiçoadas. Em suma, apesar do maior acesso aos
alimentos, muitas famílias continuam na condição de Insegurança Alimentar.

Os sistemas de proteção social têm como preceito o direito social, a justiça e a cidadania. O
PBF é fruto do contexto mundial da criação de políticas de seguridade social sendo considerado
como a maior arma no controle dos efeitos perversos de uma economia capitalista, altamente
concentradora de renda, a exemplo do Brasil. Contudo, ainda que possua cobertura nacional
o PBF tem efeito limitado. Isso pode ser explicado através da compreensão de que princípios
universalistas voltados para a inclusão social e maior equidade na distribuição dos benefícios
do programa, característicos do Welfare State, não encontram abrigo no sistema de seguridade
social brasileiro. Este se caracteriza por ações focalizadas, fragmentadas e não orientadas por
um viés de inclusão social, ou seja, o programa não tem porta de saída.

Essa perspectiva focalizada e fragmentada das ações não objetiva atingir resultados
de longo prazo. O reconhecimento da assistência social como parte integrante de ações que

176 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

visam a seguridade social foi um grande avanço, mas a efetividade dos direitos sociais ainda
não está garantida.

Alguns especialistas afirmam que o Brasil necessita fazer reformas estruturais funda-
mentais, como por exemplo, as reformas agrária e tributária. Isso, apesar de enfrentar uma forte
oposição por parte das elites que veem seus interesses afetados, é fundamental para alcançar
uma sociedade menos desigual. O sistema tributário brasileiro é regressivo, funcionando como
um Robin Wood às avessas, penalizando, através da tributação sobre o consumo, aqueles com
menor capacidade de renda, que são os mais atingidos pelo sistema e transferindo grande parte
dessa arrecadação aos ricos, que proporcionalmente pagam menos impostos que os pobres.

Nesse sentido, o PBF é muito importante para combater esses efeitos, pois atende em
média cerca de 50 milhões de pessoas em todo Brasil, e em 2021 prevê investimento de R$ 34
bilhões. Acredita-se que a extinção do programa levaria os beneficiários a degradação social,
o que não é desejável, além disso, os próprios beneficiários revelam que mesmo que o recurso
seja insuficiente é muito útil à família. O fato é que, somente a família pode avaliar suas necessidades
primárias, sejam elas de alimentos, medicamentos ou pagar o aluguel. Como julgar o que deve
ser de primeira necessidade para outrem?

Entretanto, as pessoas permanecem inseguras e presas ao medo de perder o benefício,


isso ocorre porque os titulares não ascenderam economicamente, profissionalmente e nem
educacionalmente.

Todavia, não se pode deixar de reconhecer a complementaridade de políticas públicas


asseguradas aos beneficiários do programa, de incentivo à escolarização e maior acompanhamento
de saúde de crianças, gestantes e nutrizes, o que reforça a tese de que o Estado deve oferecer
um serviço público de qualidade

Ao término dessas considerações, ponderando os pontos positivos e negativos,


acredita-se que o Programa Bolsa Família configura uma importante ação no enfrentamento da
IA, principalmente no que diz respeito à dificuldade de acesso aos alimentos e à complemen-
taridade da renda. Contudo, o desenvolvimento de outras ações para o fortalecimento e para
promoção da educação nutricional são essenciais para alcançar maior impacto sobre a SAN em
longo prazo.

Novos estudos com esta população, que venham a analisar o consumo alimentar e o
estado nutricional seria muito importante para verificar mais detalhadamente o impacto desse
programa.

177 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

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180 Kaliane Barbosa da Silva | Robério Paulino Rodrigues


C A P Í T U L O 11

Juventude e movimentos sociais: narrativas e discursos coletivos em Natal/RN33

Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior34


Joana Tereza Vaz de Moura35

Introdução

A partir do histórico de interrupções democráticas que o Brasil enfrentou e ainda


enfrenta, o exercício pleno da participação social se faz cada vez mais fundamental. Entretanto, tal
exercício ainda encontra inúmeros entraves. As transformações sociais e democráticas nas
quais o país passou continuamente resultaram na ampliação de espaços participativos já
existentes e no surgimento de diversos outros meios de contestação e mobilização social. Tais
possibilidades de exercer a participação social deram uma nova cara à democracia brasileira
com diversas experiências exitosas. Todavia, tais espaços de participação, sejam os conselhos
gestores, as conferências nacionais, entre outros, não são suficientes para suprir demandas de
grupos específicos. Como afirma Milani (2008), a participação de atores diversificados é
estimulada, mas nem sempre é vivida de forma equitativa, pois os grupos têm diferentes recursos
e acesso aos espaços participativos.

As últimas décadas apresentaram ganhos significativos no que se refere à inserção da


juventude em espaços participativos e propositivos de políticas públicas como as Conferências
e os Conselhos de Juventude. Entretanto, a crise política de 2016 possibilitou uma ruptura nesse
processo de avanços participativos, através da extinção de conselhos, da não realização de
conferências etc. Somado a isso, emergiu na juventude uma parcela que se identifica com os
ideais mais conservadores e que têm atuado fortemente nas redes sociais buscando adesão e
utilizando os mesmos repertórios historicamente mobilizados por movimentos progressistas,
como os protestos de rua. Esses grupos utilizam “em seus discursos um notório desprezo por
políticas de reconhecimento de direitos a grupos minoritários seja em âmbito de classe, raça ou
gênero” (CAMINHAS e LELO, 2018, p. 03).

Apesar dessa evidência empírica, esse trabalho se propõe a compreender os movimentos


sociais de juventude do campo progressista, buscando entender seus discursos e narrativas na
construção de pautas e nas formas de mobilização social. Buscamos analisar o discurso

33 Esse capítulo foi derivado do trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Planejamento Urbano e Regional, realizado em 2019, com melhorias a partir das contribuições
do evento.
34 Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: marcosaureliojunior@gmail.com
35 Professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail:
joanatereza@gmail.com

181 UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

coletivo dos militantes engajados em três movimentos na cidade de Natal, Rio Grande do Norte
(RN): União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Pastoral da Juventude (PJ) e
Levante Popular da Juventude (LPJ).

O arcabouço teórico acerca dos movimentos sociais é bastante amplo, todavia, os


estudos acerca da participação juvenil nesses movimentos ainda carecem de maior diversificação
para entendermos as dinâmicas e contextos da juventude enquanto categoria política (VÁZQUEZ,
2015) e social. Analisar a inserção da juventude nos novos movimentos sociais, suas narrativas
e discursos nos permite compreender de que forma os jovens estão se organizando, quais são
suas demandas e as estratégias para a construção das mobilizações.

Para atender ao nosso objetivo, selecionamos três diferentes entidades que buscam
defender os interesses da juventude a nível nacional e que contam com representação em Natal,
RN: UBES, PJ e LPJ. Buscamos através das trajetórias e das falas dessas lideranças entender como
eles produzem discursos, reordenam enunciados, nomeiam aspirações difusas ou as articulam,
possibilitando aos indivíduos que dele fazem parte reconhecerem-se nesses novos significados
(GOMES, 2011).

A utilização das narrativas e dos discursos como eixos estruturantes do debate


sobre movimentos sociais pode fornecer pistas interessantes para compreender a complexidade
da construção da mobilização social em diferentes contextos políticos, sociais e econômicos.
Entendemos as narrativas como recursos essenciais dos ativistas que procuram através delas
mobilizar mais pessoas, trazer apoiadores, influenciar decisões políticas e manter as ações dos
movimentos (POLLETTA e GARDNER, 2015).

A análise é prioritariamente qualitativa, utilizando questionários abertos com as


principais lideranças e ativistas desses movimentos e analisando os discursos desses repre-
sentantes em blogs e sites oficiais. Para a sistematização dos questionários, utilizamos como
método de análise o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (LEFEVRE e LEFEVRE, 2014), que
possibilita entender como um conjunto de pessoas compartilha ideias, valores e crenças possi-
bilitando a identificação de representações sociais, ou seja, os depoimentos desses indivíduos
podem reproduzir fatos sociais de natureza simbólica. Conforme destaca Bourdieu (1973, p.80),
“todos os membros do grupo ou da mesma classe são produtos de condições objetivas idênticas”.

Para isso, aplicamos um total de 19 questionários com as principais lideranças e


militantes engajados nos movimentos, sendo 7 do LPJ, 7 da PJ e 5 da UBES. O questionário foi
composto por duas questões abertas: 1) O que te motivou a ingressar no movimento? e2) Quais
são as pautas defendidas? Essas questões nos ajudaram a captar e compreender o discurso e
narrativa dos jovens. Através do software DSCSoft 2.0, categorizamos os discursos através das
palavras-chave e ideias centrais oriundas dos questionários.

182 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O capítulo está dividido em cinco seções. Na primeira, discutiremos a luz das


concepções teóricas acerca de juventude, as mudanças que essa categoria perpassou nos últimos
anos e as concepções acerca de movimentos sociais. Na segunda, trataremos do referencial
teórico. Na terceira, realizaremos a exposição dos movimentos aqui analisados, além da análise
documental realizada nos sites oficiais dos movimentos. Na quarta, analisaremos, através da
metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, as estratégias, narrativas e motivações dos militantes
desses movimentos, juntamente com as análises dos discursos. Por fim, na quinta seção
apresentaremos as principais considerações sobre a discussão.

Juventude e mobilizações sociais

No Brasil, a percepção do jovem enquanto ator político e social adveio – dentre outros
fatores, mas principalmente – da atuação da juventude em processos históricos, onde os jovens
tiveram papel fundamental na condução de ações importantes, como foi o caso da organização
do movimento estudantil durante os anos de regime militar, na qual os jovens estudantes secun-
daristas e universitários organizaram passeatas, protestos e outras mobilizações contestatórias
ao regime da época.

Com a redemocratização do país em 1988, o jovem enquanto ator social, que antes
era invisível aos olhos do Estado, passa a adquirir maior visibilidade no que tange às políticas
públicas sociais, estudantis e de trabalho. Essa visibilidade conquistada através do engajamento
e participação social nos anos antecessores da redemocratização do Brasil em conjunto com
a expansão nos estudos acadêmicos sobre a categoria possibilitou que o Estado e a sociedade
passassem a ver o jovem como sujeito de direitos.

Mas é a partir dos anos 2000, que o acúmulo desse processo de organização política
e social da juventude passa a ter impacto direto na agenda governamental, mas também no
processo de construção e consolidação das identidades juvenis. A criação da Secretaria Nacional
de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) em 2005, somado ao
surgimento de políticas públicas e outros avanços institucionais possibilitaram a consolidação
da juventude enquanto categoria política no Brasil.

Esses fatores possibilitaram que a juventude passasse a ser reconhecida como categoria
política fundamental. Vasquez e Cozachcow (2017) afirmam que esse reconhecimento pode
ser compreendido também como um “regresso à política”, dada a aproximação dos jovens com
partidos políticos e espaços institucionais do campo político, e também, de movimentos sociais.
Bourdieu (2011, p. 201) afirma que os jovens passaram a ser “agentes que podiam considerar-se,
ou ser considerados, como expectadores do campo político [e] tornaram-se agentes em primeira
pessoa”.

183 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Entretanto, essas transformações na sociedade e no Estado, não foram suficientes para


responder às demandas da juventude. Neste sentido, os jovens do país continuaram se organizando
coletivamente, a fim de influenciarem o campo político (BOURDIEU, 2011) através de ações
coletivas. O processo contínuo de organização coletiva sucedeu uma pujança no surgimento de
grêmios estudantis, grupos de bairro, coletivos de cultura, grupos de jovens organizados em
sindicatos, associações, entre outros. Tais agrupamentos caracterizam o que literatura denomina
de novos movimentos sociais.

A abordagem clássica sobre movimentos sociais surgida nos Estados Unidos tinha
como objetivo principal, segundo Gohn (1997), compreender os comportamentos coletivos
através da teoria da ação social, os quais eram resultados de tensões sociais. A abordagem
tradicional acerca dos movimentos sociais foi substituída pela teoria dos Novos Movimentos
Sociais, devido a necessidade de compreender a atuação dos movimentos sociais dentro de um
contexto social altamente plural.

A teoria dos Novos Movimentos Sociais é ambígua - alguns partem de premissas to-
talmente distintas do marxismo (como Melucci), outros fazem uma ruptura na forma
de abordagem, mas trabalham com as macroestruturas societais (caso de Touraine),
outros ainda questionam a validade da utilização de alguns prognósticos realizados
por Marx, argüindo pela necessidade de sua atualização - dando as transformações
históricas -, sem negar a validade das categorias básicas (caso de Offe) (GOHN,
1997, p. 120).

Nesse sentido, os grupos organizados que não se reconhecem única e exclusivamente


por sua classe social podem ser compreendidos como os novos movimentos sociais. A partir
de novos fatores como cultura, lutas sociais, identidades e outros, os novos movimentos
sociais passam a endossar um novo modelo de fazer política. De acordo com Moura (2018), os
movimentos sociais precisam ser vistos como produtos e produtores das mudanças no sistema
político.

A expressiva articulação e atuação dos movimentos sociais para além de seus espaços
auto organizados, perpassando canais institucionais, configuram uma dinâmica não tão
presente nos movimentos até pouco tempo. Segundo Moura (2018), a entrada de militantes para
o Governo, em secretarias, ministérios etc., constitui também uma estratégia fundamental na
alteração das narrativas e das formas de atuação desses novos movimentos sociais.

A juventude brasileira passou a se organizar de forma mais incisiva nessas novas


lutas sociais. Houve expansão de movimentos estudantis no país através de grêmios, centros
acadêmicos e diretórios estudantis, impulsionados pelas principais entidades de organização
estudantil: a União Nacional dos Estudantes (UNE) e UBES. Movimentos religiosos importantes
na luta pela democracia no país nos anos 70 e 80, como a Pastoral da Juventude, também
tiveram pós 88 uma expansão significativa, tanto em número de militantes, cidades presentes e

184 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

participação em espaços deliberativos como os conselhos e conferências. Movimentos juvenis


contemporâneos também passaram a surgir, como o LPJ.

Argumentamos que o uso da narrativa faz parte de uma estratégia utilizada pelos
movimentos sociais buscando legitimar-se, ressignificar-se e constituir-se como elemento central no
campo político. Sendo assim, cabe questionarmos quais são os argumentos utilizados pelos
movimentos de juventude para que haja aglutinação de interesses que gere um olhar do poder
público, das instituições e da sociedade para suas pautas. Acreditamos que através das narrativas
entendemos os processos através dos quais os limites do político são constantemente feitos
e refeitos, num contexto emocional e material. Ou, conforme ressalta Gould (2009), precisa-
mos prestar atenção aos fatores emocionais dos dos discursos que afetam o fazer a política.
“Emoção deve ser vista como um significado crucial em que os seres humanos entendem eles
próprios e o seu contexto, seus interesses e suas necessidades” (GOULD, 2009, p.17). Na seção
seguinte, trataremos acerca desses três movimentos e seus discursos e narrativas que afetam o
fazer a política.

Referencial metodológico

A fim de obter o discurso dos três movimentos sociais selecionados por parte de
seus próprios militantes, tomamos como metodologia analítica o Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC), uma técnica com viés quantitativo e qualitativo idealizado por Fernando Lefevre e Ana
Maria Lefevre (2003; 2014), que tem como objetivo construir um discurso coletivo com base
em discursos individuais de uma mesma categoria ou grupo.

O DSC consiste na apreciação de respostas ou depoimentos coletados a partir de questões


abertas. Tais depoimentos são observados e categorizados sob a forma de um ou vários
discursos-síntese escritos na primeira pessoa do singular, expediente que visa expressar
o pensamento de uma coletividade, como se esta coletividade fosse o emissor de um discurso
(LEFEVRE; LEFEVRE; TEIXEIRA, 2000, p. 3).

As respostas que construíram o discurso coletivo dos movimentos foram coletadas


através de questionários com duas perguntas abertas: 1) “O que te motivou a ingressar no
movimento social?” para compreender a trajetória desses militantes no movimento e 2) “Quais
são as pautas defendidas pelo seu movimento?” que tem como objetivo perceber quais são as
bandeiras levantadas pelos coletivos a partir de uma visão e do entendimento de militantes que
atuam nesses grupos.

Realizamos no DSCSoft 2.0 - software elaborado pelos criadores da metodologia - a


categorização dos discursos individuais com recortes que trazem as principais ideias dos
militantes em cada resposta, em seguida, agrupamos tais recortes em uma fala única, gerando

185 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

um discurso coletivo dos sujeitos participantes, representando a partir de pontos importantes nas
salas individuais, um pensamento coletivo acerca dos questionamentos levantados. Os discursos
coletivos se relacionam com os valores, conhecimentos e práticas que direcionam comportamentos e
relações sociais que se expressam através de sentimentos, atitudes, palavras e expressões.

O método do DSC nos permite fazer uma construção do discurso através das respostas
obtidas, fornecendo assim, uma dimensão coletiva a partir das percepções de uma dimensão
individual desses militantes. O DSC possibilita identificar nas opiniões individuais represen-
tações sociais de indivíduos e suas práticas na sociedade. O diferencial da metodologia do
DSC é que a cada categoria estão associados os conteúdos das opiniões de sentido semelhante
presentes em diferentes depoimentos, de modo a formar com tais conteúdos um depoimento
síntese, redigido na primeira pessoa do singular, como se tratasse de uma coletividade falando
na pessoa de um indivíduo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2014, p. 503).

A fim de entendermos os motivos pelos quais esses militantes ingressaram no movi-


mento social em questão e como eles percebem ou reproduzem o discurso e a narrativa desses
movimentos, consideramos utilizar o DSC por se tratar de um método que consegue captar as
múltiplas percepções de um mesmo objeto, no nosso caso, as percepções acerca das bandeiras
que os movimentos defendem, e se as trajetórias dos militantes possuem papel definidor no
processo de compreensão ou reprodução da narrativa do seu movimento.

A fim de contribuir na análise do DSC, utilizamos de maneira suplementar a técnica de


análise de conteúdo. Organizada em três fases principais (pré-análise, exploração do material,
e tratamento dos resultados – inferência e interpretação) (BARDIN, 2011), a análise de conteúdo
pode ser compreendida como:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por proce-
dimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indica-
dores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos
às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BAR-
DIN, 2011, p. 47).

A escolha pela análise de conteúdo se dá pelo fato de ser uma técnica de ampla validação
em pesquisas qualitativas (MOZZATO e GRZYBOVSKI, 2011)e pela capacidade de captar,
de maneira qualificada, percepções acerca do processo de consolidação da juventude rural no
campo político, no que tange às disputas, estratégias e ações.

De maneira complementar, categorizamos através da técnica chuva de palavras, os


temas que mais aparecem nos sites oficiais dos três movimentos entre os meses de novembro e
dezembro de 2018, a fim de visualizarmos as pautas defendidas de maneira oficial, e compararmos
com os discursos dos ativistas.

186 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Movimentos juvenis na cidade de Natal/RN

Levante Popular da Juventude

Criado em 2005, o Levante Popular da Juventude constitui um movimento social de


caráter popular surgido através de uma disposição da Consulta Popular 1 , com o anseio de
organizar coletivamente a juventude do campo e da cidade. Com um tecido organizativo bem
definido, o movimento concentra suas ações em três campos de atuação: 1) no movimento
estudantil secundarista e universitário; 2) nas periferias dos centros urbanos; e 3) nos setores
camponeses, em conjunto com outros movimentos da Via Campesina 2.

As pautas reivindicatórias do movimento não se limitam às demandas dos seus três


campos de atuação, pautas gerais de interesse popular também fazem parte do repertório da
luta do LPJ. O movimento tem como uma de suas práticas a realização de denúncias à sociedade
por meio de ações de agito e propaganda, que são técnicas de comunicação e expressão da
juventude: música, grafite, dança, teatro e outros. De acordo com Ruskowski (2012), a metodologia
do trabalho de recrutamento da juventude para a organização se reflete em formas atuais que
dialogam com a realidade da juventude e contribuem para seu engajamento, utilizando assim,
a arte através de música, teatro, stencil, como principal forma de integrar o jovem na dinâmica
do movimento. Segundo o site oficial do movimento:

O Levante Popular da Juventude é uma organização de jovens militantes voltada


para a luta de massas em busca da transformação da sociedade. SOMOS A JUVEN-
TUDE DO PROJETO POPULAR, e nos propomos a ser o fermento na massa jovem
brasileira. Somos um grupo de jovens que não baixam a cabeça para as injustiças e
desigualdades. A nossa proposta é organizar a juventude onde quer que ela esteja.
Deste modo, nos organizamos a partir de três campos de atuação: Frente Estudantil,
Frente Territorial, Frente Camponesa (LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE,
2018).

Reforçamos, portanto, que o aspecto político do movimento, trazendo a narrativa sobre


a importância do jovem e de sua organização no espaço político brasileiro, desempenha um
papel crucial na politização e conscientização da juventude. Neste sentido, as práticas culturais
constituem o principal mecanismo de mobilização política. O aspecto cultural, então, acaba
sendo utilizado para mobilizar o consenso e, ao mesmo tempo, o LPJ trabalha isso estrategicamente
com uma conotação política explícita, ou seja, viabilizar um projeto político específico.

A partir dos títulos das últimas vinte notícias e artigos retirados do site oficial do
movimento, filtramos palavras chaves e sistematizamos em forma de chuva de palavras a fim
de visualizarmos quais são os discursos mais recentes do Levante Popular da Juventude:

187 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Figura 1 – Chuva de palavras do LPJ

Fonte: Elaboração própria, 2018.

O processo político no qual o Brasil passou em 2016 resultou num discurso de enfren-
tamento ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o qual o movimento
classifica como “golpe”, sendo a palavra mais citada. A emissora de televisão Rede Globo também
aparece como um dos principais temas abordados pelo site do movimento, que segundo os
artigos e enunciados do site do movimento, teve papel fundamental na condução dos processos
políticos do país.

O nome do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva também aparece em destaque. O


movimento se colocou firmemente de forma contrária a condução do processo político-jurídico
que envolveu o ex-presidente Lula. A sigla LGBT aparece de forma significativa, representando
uma das grandes bandeiras do movimento.

Pastoral da Juventude

A ala da Igreja Católica que combateu o regime militar com uma forte organicidade,
fez surgir entre sua juventude nos anos 70 a Pastoral da Juventude através da Ação Católica
Especializada 3. A PJ representa hoje a união de jovens cristãos que decidem incidir na política,
exercer sua cidadania e participação social em busca de uma sociedade igualitária, baseados na
Teologia da Libertação e na Pedagogia do Oprimido 4 a fim de sanar as demandas da juventude
brasileira.

188 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O movimento se organiza de forma local, através de coletivos regionais, a fim de


acompanhar de forma substancial seus grupos de base. Segundo o documento “Somos Igreja
Jovem”, um subsídio de estudo acerca do movimento, a “Coordenação Nacional da PJ (CNPJ) é
formada por jovens dos 18 regionais [...] e por um jovem na secretaria nacional” (PASTORAL
DA JUVENTUDE, 2012). A coordenação conta com forte apoio da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), que auxilia a PJ em suas atividades, demandas e organização.

As dioceses se organizam em aproximadamente 600 pequenos grupos de jovens que


juntos mobilizam evangelismos, formações políticas e ações específicas do movimento através
de encontros nacionais, como a Ampliada Nacional (espaço deliberativo) e o Encontro Nacional
(espaço celebrativo). Analisando as notícias publicadas em site oficial da PJ identificamos através
de seus títulos, algumas palavras chaves que contribuem para a compreensão do discurso do
movimento no ano de 2018:

Figura 2 – Chuva de palavras da PJ

Fonte: Elaboração própria, 2018.

Conseguimos compreender que “política”, “maioridade penal”, “juventude” e “mulher”


são pautas que estão presentes na narrativa da Pastoral da Juventude e aparecem através de
entrevistas, artigos e notícias produzidas pela organização ligadas a temas religiosos. Nesse
sentido, há uma consonância entre política e religião, que se traduz nos 5 eixos que o movimento
trabalha: 1) formação; 2) ação; 3) articulação; 4) espiritualidade; 5) transversalidade. Com isso
é possível perceber que tanto nas publicações no site do movimento quanto nos eixos em que
se propõe trabalhar com os jovens, as práticas políticas e de cidadania estão associadas com

189 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

valores morais e religiosos, característica marcante da PJ. Ainda de acordo com o “Somos Igreja
Jovem” a PJ pretende:

Desenvolver os jovens para a pessoa e a proposta de Jesus Cristo e desenvolver com


eles um processo global de formação baseado na fé, para formar líderes capacitados
para agir na comunidade, atuar na própria PJ, em outros ministérios da Igreja e em
seu meio específico, comprometidos com a libertação integral do homem e da
sociedade, levando uma vida de comunhão e participação, de modo que contribuam
concretamente com a construção da Civilização do Amor (PASTORAL DA
JUVENTUDE, 2012).

Percebemos que a Pastoral da Juventude do Brasil cria um discurso a partir dos


pressupostos ideológicos da Igreja em consonância com a estrutura institucional do catolicismo.
Nesse sentido, as narrativas remontam a contar histórias que atravessam processos históricos e
se inserem na lógica do reordenamento dos significados, que vão produzir novas identidades e
mobilizar outros atores.

União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

Embalados pela crescente organização estudantil no Brasil, em 1948 no 1º Congresso


Nacional dos Estudantes Secundaristas ocorrido no Rio de Janeiro, a juventude organizada em
grêmios e associações estudantis fundaram a União Nacional dos Estudantes Secundaristas
(UNES) que um ano depois passaria a se chamar União Brasileira dos Estudantes Secundaristas,
definido no congresso de 1949. Uma série de entidades municipais filiadas a UBES passam a
surgir no país, resultando em uma expansão dos estudantes ligados ao movimento estudantil.

Na década de 50, a UBES passa a atuar significativamente em prol de questões


estudantis e juvenis de modo geral, como na Revolta dos Bondes, reivindicando um transporte
público de qualidade e gratuito. Nos anos seguintes, a entidade continuou se colocando na linha
de frente das principais reivindicações da juventude. Na década de 60 com o início do regime
militar, a UBES se posiciona contrária ao governo vigente na época, mobilizando os estudantes
em grandes atos contra os militares, o que coloca a entidade na ilegalidade, tendo vários de seus
dirigentes e militantes mortos, presos e exilados.

A resistência ao regime militar perdurou por todos os 21 anos, a UBES participou


ativamente do movimento “Diretas Já”, que reivindicava eleições diretas no país. Foi uma das
principais organizações que pautaram a Assembleia Constituinte em 1988. Pós redemocratização, a
UBES passa a atuar de forma mais incisiva na esfera pública durantes os governos Lula e Dilma
(2003 a 2016) pautando uma série de questões dos estudantes secundaristas e da juventude
brasileira em geral, dessas reivindicações, surgiram algumas conquistas: Plano Nacional de
Educação, a destinação de 10% do PIB para a educação, a destinação de 75% dos royalties do

190 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a criação do Estatuto da Juventude,
o Passe Livre, entre outras.

A atuação da UBES acontece de forma direta nas escolas do ensino fundamental e


médio, através de grêmios estudantis, que estão ligados a entidades municipais e estaduais,
configurando um tecido organizativo estruturado. Os fóruns e congressos ajudam a eleger a
diretoria da entidade e suas diretrizes. A relação da UBES com o poder público se dá junto aos
poderes executivos, legislativos e judiciários das esferas federal, estaduais e municipais, através
da presença em conselhos (como o Conjuve, no qual a UBES possuía uma cadeira), através de
conselhos gestores e outros.

Figura 3 – Chuva de palavras da UBES

Fonte: Elaboração própria, 2018.


Pela chuva de palavras é possível perceber o forte engajamento político que a entidade
mantém, palavras como “voto”, “deputados”, “urnas”, “eleitoral”, “senador” em um ano eleitoral
reflete a atuação que a UBES tem desde sua fundação nos importantes processos políticos
do país. As palavras mais recorrentes: “estudantes”, “democracia” e “juventude” em conjunto
com aspectos políticos revelam que o discurso do movimento não se reduz apenas demandas
estudantis secundaristas, mas colabora para uma ampliação de importantes temas atuais, rela-
cionando-os com as bandeiras da juventude.

191 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

O Discurso do Sujeito Coletivo dos ativistas juvenis em Natal/RN

A partir da metodologia do DSC, construímos o discurso dos três movimentos a partir


das falas de 19 militantes através de duas perguntas abertas aplicadas em forma de questionário.
Os militantes atuam em Natal/RN em seus respectivos movimentos. Nos discursos, o nome
dos entrevistados é preservado e a fala individual passa a contribuir com o discurso através do
agrupamento com as demais falas do mesmo grupo, se transformando em um discurso, porém
coletivo, feito na primeira pessoa.

Levante Popular da Juventude

O que te motivou a ingressar no movimento social?


“Ao ingressar na faculdade, conheci algumas pessoas que me apresentaram o Levante Popular da
Juventude, na época, vi que através da união com outras pessoas que tinham os mesmos ideais que
o meu, poderia fazer alguma coisa para conscientizar a população de problemas sociais e políticos
do nosso país. A conjuntura política do país e a ameaça de direitos sociais conquistados nos últimos
anos [somada] à ascensão das lutas da juventude que por muito tempo foi tratada como se não gostasse
de se envolver na política, as pautas e a forma de atuação do movimento me motivaram a ingressar.
Responder coletivamente ao preconceito e as violências que eu sofria também me motivou.”

O ingresso no Levante Popular de Juventude é fortemente marcado pelas relações


dos jovens com o ambiente universitário e com o movimento estudantil de forma geral. O
descontentamento desses jovens com a conjuntura política, a situação econômica do país e as
contradições e dificuldades vivenciadas por eles a partir de suas próprias realidades constituem
os principais fatores para o engajamento no movimento.

É notório que os militantes do LPJ movidos pela indignação na condução da política


brasileira ingressaram no movimento com o anseio de transformar a realidade através da
participação social e da cooperação que o movimento proporciona. A vontade de transformar
a realidade remete a uma ideia de transformação social em um nível macro e os militantes
do Levante acreditam que a coletividade que eles encontram no movimento, em pessoas que
pensam e agem de forma semelhante, os ajuda no sentido de transformar a realidade em que
vivem.

Assim como na chuva de palavras do LPJ na primeira sessão, a partir do discurso


coletivo das lideranças e militantes podemos perceber que a conjuntura política do país
representa um fator primordial não apenas para conduzir as narrativas de lutas e contestações
do movimento, mas também para a captação de novos militantes insatisfeitos com a situação
política e social do momento.

192 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O que o seu movimento defende?


“O movimento defende a criação de uma sociedade mais igualitária com o foco de atuação na juventude
e todas as pautas que atravessam o ser jovem, desde questões identitárias até questões trabalhistas,
como acesso a emprego digno, boas condições de trabalho e previdência. Um movimento popular de
juventude não pode ter uma pauta única, pois a vida da juventude da classe trabalhadora aglutina
todas as pautas de lutas como saúde, trabalho, comunicação, moradia, transporte, educação e tantas
outras. O LPJ defende um projeto popular para o Brasil, o qual seja capaz de dar dignidade ao povo
e inseri-lo massivamente na política nacional, o fim das opressões e uma vida digna para a juventude
negra, periférica, do campo e da cidade, além das mulheres, classe trabalhadora e minorias. [Defende
também] pautas como a reforma agrária e realizamos trabalho de base nas periferias.”

De acordo com o discurso coletivo dos militantes, as bandeiras do LPJ se concentram


prioritariamente nas pautas ligadas a juventude: trabalho, previdência, educação, saúde, moradia,
transporte etc. O movimento abarca as juventudes periféricas, da cidade e do campo e defende
através do fortalecimento da participação juvenil na política nacional uma vida digna para os
jovens com o “fim as opressões”.

Por ser um movimento social de juventude, a partir dos discursos percebemos que o
coletivo reproduz a necessidade de inserção nas diversas esferas da sociedade em que se encontram
os jovens: questões de trabalho, gênero, reforma agrária. O discurso aqui criado remete as
diretrizes anteriormente detalhadas que são encontradas em documentos e sites oficiais do mo-
vimento. Dessa forma, percebemos um alinhamento no discurso das lideranças nacionais com
as locais, construindo assim, um discurso coeso daquilo que o movimento defende.

Pastoral da Juventude

O que te motivou a ingressar no movimento social?


“A afinidade com as pautas defendidas, o longo histórico de luta pelas classes mais oprimidas e o trabalho
de base nas periferias, de acolher quem precisa e falar sobre um Cristo libertador. O incentivo de
amigos e minha curiosidade sobre o grupo também me motivaram. A identidade [do movimento] é
muito forte e particular e se assemelha aos evangelhos de Jesus. A Pastoral da Juventude é o movi-
mento que mais me identifico, após meu ingresso descobri uma profunda identificação pessoal com a
PJ, por ser um espaço de muito aprendizado coletivo, onde associo a proposta do Cristo Ressuscitado
com a busca da transformação social Na época muitos primos e amigos meus morreram por acerto de
contas ou violência policial e eu queria mudar essa realidade, queria ter outra expectativa de vida. A
discussão sobre ser juventude de periferia dentro da igreja e romper os muros que o próprio sistema
hierárquico e patriarcal carrega também me motivou.”

A identificação inicial com as pautas da Pastoral da Juventude por parte dos jovens e
futuros militantes foi imprescindível para a adesão do movimento. No caso da PJ, destaca-se o
quanto a identidade do movimento é expressa pelo discurso coletivo, os militantes possuem um
vínculo identitário consistente com o movimento. A atuação histórica da PJ ao lado de classes
menos favorecidas constitui um valor simbólico para os jovens que decidem ingressar no grupo.

193 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Por se tratar de um movimento com cunho religioso, um fator decisivo na aproxi-


mação dos jovens com a PJ é o fato deles enxergam na Pastoral da Juventude um movimento
que expressa os valores do cristianismo, combinado com práticas e valores de solidariedade e
companheirismo para com os mais necessitados. A busca por um tipo de igreja voltada para as
questões sociais também se revela como um dos motivos fundamentais para o ingresso desses
jovens no movimento. O militante da PJ ao ingressar no movimento procura combinar as lutas
sociais com sua fé, refletindo sobre o papel da igreja na sociedade.

O que o seu movimento defende?


“Buscamos a justiça e a solidariedade como caminho para a libertação que nasce da organização
eclesial e popular, nos pequenos grupos e comunidades em defesa da vida das/os excluídos como:
negras/os, indígenas, mulheres etc. Defendemos que a igreja se abra para acolher o povo.
Defendemos em especial a vida e os direitos das juventudes, considerando sua realidade, seu
contexto social e discutindo acerca das violências sofridas, em virtude do sistema e empoderando as
juventudes a buscarem a garantia de seus direitos; defendemos um processo de formação integral,
que contemple todas as dimensões da pessoa humana e possibilite uma conscientização crítica e
libertadora, uma práxis comprometida com as lutas do povo e com a transformação social, rumo
a outro mundo possível: a Civilização do Amor. A PJ defende o Cristo jovem, que foi prisioneiro
político e que mesmo perseguido não se calou diante das injustiças [...] além de claro, discutir a
conjuntura política de forma leve e que seja fácil de ser entendida. Defendemos a igreja pobre para os
pobres.”

Fortemente carregado de valores e princípios religiosos, o discurso coletivo dos militantes


da PJ nos mostra que a bandeira do movimento não se restringe apenas a juventude, mas a
sociedade brasileira como um todo, com foco nos menos favorecidos, os quais, necessitam de
garantia de direitos, justiça e solidariedade. A PJ se propõe a trazer para dentro da igreja e dos
grupos eclesiais a discussão e prática política, como forma de desenvolvimento social e ampliação
e garantia de direitos.

O DSC é fortemente marcado pela narrativa da garantia de direitos e igualdade para


todos. A proximidade da religião com a política no movimento é notória a partir do discurso
coletivo. A conscientização dos militantes para questões políticas e conjunturais traz para dentro
do movimento a possibilidade de repensar o papel da igreja na sociedade: “A igreja pobre para
os pobres”.

União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

O que te motivou a ingressar no movimento social?


“Desde os 14 anos participei da pastoral da juventude que me deu consciência de classe através da
teologia da libertação, depois de participar também do Parlamento Jovem ingressei no movimento
estudantil pela necessidade de me organizar junto as entidades de grêmios tanto da UMES Natal
(União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas) e da APES (Associação Potiguar dos Estudantes
Secundaristas). Entrei para o movimento devido o processo do golpe contra a presidenta Dilma [...]
Fui eleito no congresso [da UBES] pra dirigir a entidade [mas antes] já fazia parte da juventude do PT.”

194 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

A trajetória dos militantes que começam a atuar na União Brasileira de Estudantes


Secundaristas é marcada pela presença e atuação prévia em outros espaços. É possível observar
que a militância da UBES antes de ingressar no movimento passou ou faz parte de outros
agrupamentos e organizações juvenis como o Parlamento Jovem, a Pastoral da Juventude, o
Partido dos Trabalhadores e movimento estudantil de forma geral. Logo, o jovem potiguar
que começa a atuar na UBES possui certa bagagem política e organizativa que possibilita uma
maior percepção e engajamento no movimento.

A entrada na UBES pode ser percebida como consequência da já efetiva participação


em outros espaços. A conjuntura política também contribuiu consideravelmente para o ingresso
de militantes no movimento.

O que o seu movimento defende?


“A busca por uma educação pública gratuita e de qualidade. A UBES defende a nossa liberdade
de expressão, os nossos direitos, a permanência estudantil e uma educação gratuita e de qualidade
para todos e todas [...] Defende ainda a construção do socialismo no Brasil e reformas de transição que
desenvolvam o país e culmine em uma revolução, [além de] uma UBES rebelde e consequente e que
prepare os estudantes para tempos de guerra através do movimento estudantil.’

A principal bandeira da UBES é sem dúvida a educação: uma educação gratuita e de


qualidade. Mas também defende os direitos e a igualdade para a juventude em geral através do
“movimento estudantil, movimento feminista, LGBTs, anti-fascista, anti-racista” e luta pelos
direitos humanos. O conceito de socialismo também apareceu de forma considerável no DSC
da UBES, o que revela grande vontade da juventude em inferir na macro política, não apenas
em temas que as afetem diretamente enquanto grupo de jovens estudantes.

Considerações finais

A discussão sobre as narrativas e os discursos dos movimentos de juventude reflete


a importância de mostrar que questões que algumas vezes nos passam despercebidas são
reflexos de contestações que mobilizam os jovens. No caso da juventude, que historicamente
foi marcada por um distanciamento dos processos políticos de poder, entendemos que contar
essas histórias possibilita a reconstrução desses sujeitos como atores políticos contemporâneos
no Brasil e, especificamente, em Natal.

A metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo possibilitou a reflexão das subjetividades


expressas coletivamente pelos entrevistados, reconhecendo a abordagem do pensamento de
grupos sociais em que denunciam diversas formas de subordinação, exclusão social, falta de
acesso a direitos e políticas públicas, entre outros fatores.

195 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Ao compararmos a narrativa dos movimentos através dos sites oficiais e entrevistas


com o discurso coletivo construído a partir da categorização das respostas individuais dos
questionários aplicados, podemos perceber que os posicionamentos, pautas e discursos oficiais
conseguem chegar na “ponta” do movimento, pois estão alinhados com o discurso por parte
dos militantes e lideranças dos movimentos na cidade de Natal/RN.

A aproximação da narrativa dos discursos por parte dos militantes e por parte dos
movimentos contribui para a identificação e engajamento nesses espaços de construção política e
participação. Observamos que os discursos por parte dos movimentos são direcionados
e fortemente influenciados pela conjuntura política e pelos problemas sociais existentes em
determinados momentos, influenciando assim, o rumo de suas narrativas. Apesar de distintos
em suas construções e trajetórias, os três movimentos- um estudantil, um religioso e outro com
cunho social-, dada a conjuntura política do Brasil, alinharam seus discursos na narrativa em
torno da garantia de direitos, igualdade política e democracia.

Percebemos a partir dos discursos que a conjuntura política constitui fator determinante
para o ingresso dos militantes nos três movimentos, onde os jovens veem nos agrupamentos
juvenis um horizonte de possibilidade para mudanças locais e estruturais na sociedade. A imersão
nesses discursos nos fez compreender que a importância do aspecto cultural na definição dos
movimentos de juventude e a apropriação de símbolos permitem que a luta política se torne
cada vez mais consolidada no cenário político.

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197 Marcos Aurélio Freire da Silva Júnior | Joana Tereza Vaz de Moura
CA PÍ T U LO 12

As desigualdades de oportunidades educacionais e a oferta de infraestrutura escolar


na Região Metropolitana de Natal

Karoline de Oliveira36
Matheus Oliveira de Santana37

Introdução

A partir da Constituição Federal de 1988, a incumbência da criação de Regiões


Metropolitanas (RMs) no Brasil passou a ser dos legislativos estaduais para áreas que
apresentavam grande tendência de concentração populacional e econômica (BARRETO, 2012).
Nesse ínterim, os municípios que compõem essas unidades político-administrativas vivenciam
problemas comuns devido ao intenso processo de urbanização que compartilham. Resultado
desses problemas são a conurbação e mobilidade diária dos moradores em busca de postos de
trabalho e serviços públicos como educação, saúde e transporte. Alguns estudos mostram que
os municípios periféricos retêm os efeitos da metropolização já que “[...] o núcleo concentra
melhor infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos, além de atrair a população de mais
alta renda” (MARTINS, 2015, p.604)

A distribuição desigual de equipamentos públicos nas regiões metropolitanas é um dos


fatores que mantém a hegemonia dos grandes centros. As desigualdades intrametropolitanas
são discutidas neste trabalho a fim de comparar a estrutura da oferta educacional (infraestrutura
escolar) nos diferentes municípios que compõem a Região Metropolitana de Natal (RMN).
Esta análise se sustenta na necessidade de produzir mais informações sobre a distribuição
das oportunidades educacionais nos municípios brasileiros, especialmente no estado do Rio
Grande do Norte que carece de estudos locais na área.

O objetivo é compreender se os municípios que compõem o núcleo da RMN apresentam


o padrão de concentração identificado por Martins (2015). O estudo da oferta de infraestrutura
escolar, de insumos e recursos humanos é uma a agenda de pesquisa recente e que tem crescido
no Brasil com pesquisas preocupadas em entender a eficácia e a equidade escolar, bem como
a análise de contextos extraescolares e os efeitos das desigualdades intra e intermunicipais
(RIBEIRO e KOSLINSKI, 2010). Portanto, entendemos que identificar a disponibilidade de
infraestrutura e equipamentos entre os municípios pode contribuir para o debate inicial sobre a
oferta de um padrão mínimo como um elemento do princípio da equidade.
36 Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: karoline.deoliveira2@gmail.com
37 Mestrando em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: matheusoliveiraufrn@gmail.com

198 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Este estudo foi realizado com base em análise descritiva de dados secundários provenientes
do Censo Escolar da Educação Básica (2017), selecionando os municípios integrantes da Região
Metropolitana de Natal e utilizando variáveis ligadas a infraestrutura escolar, a exemplo da
dependência administrativa, tipo de localização e infraestrutura com base no número de
equipamentos e espaços existentes dentro das unidades escolares. Para fins de análise,
buscamos identificar apenas os recursos pedagógicos, como, por exemplo, a presença ou não
de laboratório de informática nas escolas. Além disso, foram utilizados dados populacionais e
socioeconômicos do Censo Populacional de 2010.

Este capítulo está estruturado em quatro seções além desta introdução. A primeira
seção discute as desigualdades educacionais e os diferentes fatores que podem contribuir para
aumentar ou reduzir o acesso às oportunidades educacionais, considerando especialmente o
debate sobre a infraestrutura escolar e a equidade. A seção seguinte apresenta uma caracterização da
Região Metropolitana de Natal com base na revisão da literatura e evidências apresentadas por
indicadores populacionais e socioeconômicos. A terceira seção trata da análise da infraestrutura das
escolas nos municípios que compõem a RMN. Por fim, a última seção apresenta a conclusão
desta pesquisa.

Desigualdades escolares e oportunidades educacionais

Nos últimos anos os estudos sobre segregação urbana e desigualdades escolares têm
ganhado grande impulso em diversas áreas, como a sociologia, planejamento urbano, a
geografia e a ciência política. Esta agenda de pesquisa cresce no debate internacional e nacional
com a união dos estudos da sociologia urbana com a sociologia da educação na tentativa de
explicar como são distribuídas as oportunidades educacionais a partir da presença e qualidade
do serviço ofertado em diferentes espacialidades. Parte-se do pressuposto de que a oferta desigual
das políticas pode ser um dos fatores que contribui para aumentar ou reduzir os acessos às
oportunidades educacionais38 (RIBEIRO e KAZTMAN, 2014).

Em relação a concentração de desvantagens e a reprodução das desigualdades sociais,


as pesquisas apontam que as diferentes modalidades de pobreza têm impactado no acesso
aos bens e serviços do Estado, principalmente quando consideramos a dimensão espacial na
intervenção das políticas públicas. Isso ocorre, pois, a dimensão da desigualdade econômica
se agrega a variáveis individuais, como histórico familiar, raça, idade e gênero, resultando em
38 De acordo com Casassus (2002), o conceito da igualdade de oportunidades educacionais surge nos anos
1950 no ocidente como resultado de uma preocupação com o estado da política educacional e motivado a com-
preender quais fatores influenciam nos resultados dos alunos, bem como quais desses fatores são produtores de
desigualdades no acesso aos bens educacionais. Ao longo do século XX, as pesquisas direcionadas para as políticas
educacionais buscaram compreender quais fatores geram e reproduzem as desigualdades nos resultados e assim,-
muitos estudos foram desenvolvidos em torno das variáveis extraescolares (situação da família, capital cultural),
como também dos fatores intraescolares (gestão escolar, sistema de ensino, ações pedagógicas, formação docente,
infraestrutura e insumos).

199 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

piores condições de bem-estar social e acesso à direitos (RIBEIRO e KATZMAN, 2014).

Nesse sentido, as pesquisas relatam que no Brasil a segregação residencial das camadas
de alta renda tem produzido nas cidades um auto isolamento que exclui as camadas populares e
que gera desigualdades urbanas que evoluem, apresentando novos problemas. Segundo Ribeiro
(2015, p. 17) a evolução das desigualdades urbanas se dá com “[...] o aumento generalizado de
acesso aos serviços sociais (saneamento básico, educação etc.) simultaneamente ao aparecimento
de uma nova frente de desigualdade no que concerne a qualidade desses mesmos serviços”.
Segundo pesquisa de Rothwell e Massey (2015), a mobilidade de renda entre gerações pode ser
intrinsecamente associada a influências geográficas e a condições da vizinhança, especialmente
o alto acesso a uma educação de qualidade.

Ao longo do século XX o papel da escola na promoção da equidade e superação das


desigualdades foi examinado por diferentes perspectivas. Ribeiro e Koslinski (2010) dividem
esses estudos em três gerações. Na primeira geração, os estudos buscavam discutir a falta de
capacidade das escolas em minar as desigualdades socioeconômicas presentes no alunado. Na
segunda geração, o foco está na importância da escola em oferecer resultados. Por fim, os estudos
da terceira geração buscam oferecer uma perspectiva centrada no território e nos conflitos
sociais, na qual são interpretados como fatores que afetam de alguma maneira as condições de
escolarização.

Um dos primeiros e mais reconhecidos estudos olhando a questão das desigualdades


escolares e o fato de elas afetarem o desempenho dos alunos que se encontravam em situação
de vulnerabilidade social, foi desenvolvido a partir de uma demanda dos governos locais nos
Estados Unidos durante a década de 1960. Neste caso, o Relatório Coleman (1966) é pioneiro
em oferecer uma saída na esfera governamental para a situação em questão. Muitos governos
passaram a financiar pesquisas que gerassem em mudanças nos sistemas educacionais neste
sentido.

Este Relatório foi proposto pelo governo dos Estados Unidos em sintonia com a Lei dos
Direitos Civis de 1964 e consistiu na elaboração de um imenso banco de dados cujas informações
foram determinantes para a construção do perfil das escolas espalhadas pelo país além do perfil
do alunado presente. Com base nos achados, a equipe responsável identificou aspectos relacionados à
distribuição espacial das escolas, a forma de como os serviços educacionais eram organizados
e, não menos importante, as disparidades sociais, como a segregação espacial em relação ao
ambiente urbano e não-urbano. Diante das situações apresentadas, o governo americano pôde
propor medidas com vistas ao menos mitigar as disparidades identificadas (HILL, 2017).

O debate acerca da oferta de infraestrutura escolar e a importância dessa dimensão


para a qualidade da política de educação aparece com maior evidência a partir da década de
1970, momento em que as pesquisas passam a fortalecer a ideia de que a escola importa, ou
seja, que ela tem a capacidade de diminuir as desigualdades anteriores à escolarização como,

200 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

por exemplo, os aspectos socioculturais. Portanto, essas pesquisas evidenciam fatores internos
ao funcionamento dos estabelecimentos de ensino como os currículos acadêmicos, a gestão
escolar, a infraestrutura e materiais (CASASSUS, 2002).

No Brasil, a questão da infraestrutura passou a ser diagnosticada e debatida entre o


final dos anos 1990 e no início dos anos 2000. Instrumentos importantes como Sistema
de Avaliação da Educação Básica - SAEB, Prova Brasil e Exame Nacional do Ensino Médio
- ENEM, serviram para acompanhar a eficácia e os resultados de desempenho no ambiente escolar.
Neste caso, esses instrumentos consideraram os seguintes fatores: a) recursos escolares; b) gestão
da escola; c) ambiente acadêmico; d) remuneração docente, e; e) ênfase pedagógica (PAUL e
BARBOSA, 2008; RIBEIRO e KOSLINSKI, 2010). Além desses instrumentos de monitoramento e
avaliação da educação, as pesquisas acadêmicas na área passaram a levar em conta as desigualdades
na oferta da política de educação com enfoque para o nível socioeconômico dos alunos, tomando
como base outros indicadores como a renda per capita dos municípios, por exemplo (ALVES e
SOARES, 2013; ALVES et al, 2014).

As políticas educacionais das duas últimas décadas no Brasil tiveram como objetivo
universalizar o acesso ao ensino fundamental a partir de disposições legais presentes na
Constituição Federal de 1988, bem como ampliar o acesso ao ensino médio e infantil. Como
resultado desses esforços, o país praticamente universalizou na década de 2000 o atendimen-
to escolar da população de 7 a 14 anos para o ensino fundamental. No entanto, os sistemas
educacionais de avaliação do ensino como o SAEB e IDEB – índice de Desenvolvimento da
Educação Básica - revelam uma face oposta dessa universalização: a baixa qualidade do ensino
público, que embora tenha sido universalizado, não promoveu a redução das desigualdades
educacionais (SOARES e ALVES, 2003).

Para Soares e Alves (2003) as desigualdades anteriores à escolarização persistem e


podem se sobrepor. São desigualdades socioeconômicas, de cor, renda, localização e sistema
de ensino (público ou privado). No que se refere ao sistema de ensino, as principais diferenças
se apresentam na alta variação do desempenho entre escolas, oferta desigual de insumos,
infraestrutura e recursos humanos. De acordo com Simielle (2015, p. 47) um estudo realizado
na América Latina mostra que o Brasil possui um sistema educacional altamente estratificado,
pois “a variação entre escolas atinge 76,4% no Brasil, a mais alta dentre todos os países da
amostra, comparada a uma variação, em média, entre 20 e 45%”.

No que tange a relação entre as desigualdades urbanas e os resultados escolares,


pesquisas mostram que o rendimento escolar dos alunos se torna diferente a depender da localização
de estudo, mesmo no universo das escolas públicas e de uma mesma rede (estadual ou municipal).
Alguns autores apontam que a performance escolar de alunos moradores em áreas pobres e
periféricas das cidades é pior que aqueles que frequentam escolas centrais ou em bairros nobres
(TORRES et al,2005). Para uma parte da literatura, as diferenças no desempenho e a influência

201 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

da área de localização na performance dos alunos pode ser explicada pela escolaridade dos pais
e outras características socioeconômicas da família (BARROS et al, 2001). Outros ressaltam
a importância do contexto propriamente escolar na aprendizagem, como a oferta dos insumos
escolares, a heterogeneidade social dos alunos que frequentam uma escola, a turma que o aluno
estuda e a motivação dos professores (CASASSUS, 2002; TORRES et al, 2008).

Do ponto de vista da implementação das políticas públicas, compreendemos que muitas


variáveis agem em conjunto para produzir o fenômeno das desigualdades escolares. Essas
variáveis estão relacionadas à fatores externos, anteriores à escolarização, como o background
familiar, mas também estão relacionadas à fatores internos à escola, como o funcionamento do
sistema escolar e as escolhas políticas (SOARES e ANDRADE, 2006; SIMIELLI, 2015). Nesse
ínterim, há um reconhecimento de que a análise realizada acerca da oferta de infraestrutura e
insumos básicos não consegue por si só resolver todos os problemas educacionais, mas intenta
avançar no debate sobre a igualdade de oportunidades, sendo ela mesma, um ponto de partida
que reflete em maior qualidade na educação.39

Entre as pesquisas preocupadas com a relação entre infraestrutura escolar e qualidade


em educação o trabalho de Soares e Sátyro (2007) revela que a infraestrutura produz efeitos
na distorção idade-série no ensino fundamental em estudo realizado entre 1997 e 2005,
comprovando que insumos escolares geram impacto significativo sobre o desempenho
educacional, principalmente nas escolas que possuem maior precariedade em suas condições
de funcionamento. Esses resultados indicam “a necessidade de conhecer melhor a condição
atual das escolas do país, em especial as públicas, responsáveis por 90% da matrícula do ensino
fundamental” (SOARES e SATYRO, 2007, p. 7).

Assim, como modo de contribuir para a redução das desigualdades anteriores à


escolarização e aquelas que se reproduzem dentro do sistema escolar, a política educacional
pode atuar ofertando igualmente infraestrutura e insumos de modo a favorecer padrões equânimes
de acesso ao ensino. Bezerra (2017) aponta que existe uma correlação entre a existência de
equipamentos ofertados em escolas municipais e o desempenho escolar, pois a existência de
uma estrutura básica nas escolas, como a oferta de biblioteca, quadra de esportes, além dos
edifícios e instalações, equipamentos, mobiliário e materiais escolares, implica na obtenção de
melhores resultados escolares nas provas oficiais.

Portanto, a oferta de insumos básicos e infraestrutura escolar para a implementação da


política educacional é uma das variáveis que conduzem a melhor eficácia e eficiência da educação,
uma vez que para atingir o princípio da igualdade de tratamento ou das oportunidades, o serviço
39 A permanência das desigualdades de renda impõe barreiras à erradicação da pobreza e ampliação do exercício
da cidadania. Essas disparidades podem interferir não apenas no funcionamento do sistema econômico, mas tam-
bém no ambiente institucional e na governabilidade democrática. Por isso, percorrer a igualdade de oportunidades
é condição necessária para construção das capacidades econômicas e sociais (CEPAL, 2019). Nesse ínterim, se
reconhece importância das políticas educacionais pela possibilidade de atender às questões de mobilidade social,
o crescimento econômico e promoção da igualdade (KLIKSBERG, 2002).

202 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

ofertado deveria apresentar, pelo menos, um padrão mínimo em todas as escolas. Nesse sentido,
o conceito de equidade na educação pode ser definido como o desenvolvimento de ações que
logrem garantir oportunidades educacionais iguais à população em idade escolar. É possível,
ainda, ir além, promovendo políticas de discriminação positiva. Isso significa atuar na perspectiva
redistributiva, privilegiando áreas vulneráveis e ofertando mais recursos pedagógicos e
financeiros para aqueles que possuem menos oportunidades sociais e econômicas (SILVA e
BARBOSA, 2012; CALLEGARI, 2020).

A nível metropolitano, Ribeiro e Koslinski (2010) apontam que a agenda de estudos


sobre as desigualdades urbanas e escolares deve levar em consideração aspectos a exemplo da
organização do território. Adicionalmente, esses estudos, de acordo com os autores, devem se
voltar para uma agenda que busque examinar as diferenças apresentadas entre os municípios
metropolitanos, considerando aspectos destes territórios como os recursos econômicos, sociais
e institucionais em conjunto com o desenho institucional das políticas educacionais. Outra razão
fundamentada pelos autores está até mesmo na própria organização do aparelho federativo do
Estado brasileiro em relação a autonomia dos entes subnacionais para a provisão de serviços
educacionais. A forma de atuação de governos locais, neste caso, produziria efeitos significativos
para a manifestação das desigualdades escolares nos territórios. A fim de compreender melhor
sobre o contexto de fenômeno em escala metropolitana, apresenta-se a seguir um debate teórico
e de indicadores sobre o recorte territorial desta pesquisa, a Região Metropolitana de Natal.

Desigualdades sociais e econômicas na RMN

Segundo o Atlas do desenvolvimento Humano (2020) a RMN possui uma população


de 1.361.445 habitantes e densidade demográfica de 484,92 hab/km². Natal caracteriza-se por
ser o município polo da aglomeração. O núcleo é composto pelos municípios de Parnamirim,
Extremoz e São Gonçalo do Amarante, estes são, consequentemente, municípios que possuem
alta integração com a dinâmica do aglomerado. Além desses, a RMN é composta pelos municípios
de Macaíba, Ceará Mirim, Maxaranguape, Monte Alegre, Nísia Floresta, São José do Mipibu,
Vera Cruz, Arês, Ielmo Marinho e Goianinha40.

A aglomeração urbana de Natal não pode ser assumida como propriamente metropolitana,
mas é caracterizada como em processo de metropolização, ou seja, tem área de influência no
âmbito regional. Esse processo é definido por dois elementos: por um lado a expansão física
da malha urbana e por outro, a expansão socioeconômica e político-administrativa - produção,
consumo, habitação, serviços, turismo e comunicações. (CLEMENTINO e FERREIRA, 2014).

40 Em 2019 o município de Bom Jesus foi incluído na lista. Entretanto, por esta pesquisa já estar em andamento
na época, este município não compõe as análises aqui realizadas.

203 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Para Clementino e Ferreira (2014), existe um distanciamento entre o que deveria ser a
RM funcional e aquela institucionalizada em Natal, pois apresenta uma ausência de governança
compartilhada entre os municípios. Assim:

[...] na RMN, o polo metropolitano ainda concentra fortemente as funções urbanas,


limitando a possibilidade de uma rápida explicitação de um “pólo estendido” cuja
dependência do nível de metropolização do próprio polo – Natal, não tem permitido
níveis de integração mais sólidos com os municípios do entorno. (CLEMENTINO e
FERREIRA, 2014, p. 34).

Em outras palavras, existe na RMN segundo Gomes et al (2014), uma microcefalia no


processo de metropolização, pois são concentrados no polo importantes objetos promotores de
desenvolvimento, como: Distrito industrial, centro industrial avançado, universidades, unidades
escolares, unidades de saúde, além de um maior dinamismo do setor terciário. Os autores
ressaltam características da dinâmica socioespacial presente na RMN que podem configurar as
desigualdades intermunicipais. Essas desigualdades estão não só na disponibilidade de equipa-
mentos de infraestrutura urbana, mas também em questões demográficas e econômicas.

A concentração populacional de Natal e Parnamirim, por exemplo, se destaca dos


outros municípios. Apenas o município de Natal concentra 59,49% dos habitantes metropolitanos,
seguida de Parnamirim com 14,9%. Por outro lado, os indicadores de natureza social destacam
Parnamirim, e não Natal. Parnamirim é o município que possui o melhor Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) da Região Metropolitana (766), além de superar Natal no número de pessoas
alfabetizadas (92,4%) e com ensino superior completo (17%) (GOMES et al, 2014).

No que tange aos outros municípios que compõem a RMN, São José de Mipibu,
Nísia Floresta, Monte Alegre e Vera Cruz ainda apresentam população rural superior a urbana.
Depois de Natal, os municípios de maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita da RMN são
Arês, Parnamirim, Macaíba e São José do Mipibu. Os municípios que apresentam menor PIB
per capta, são também aqueles que apresentam baixas taxas de alfabetização e IDHM, sendo
eles Ielmo Marinho, Maxaranguape, Monte Alegre e Vera Cruz. No caso de Macaíba e São
José do Mipibu, possuir um alto PIB per capita parece não produzir efeitos positivos sobre o
IDHM como mostra a tabela 1.

204 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Tabela 1. População residente total, Taxa de alfabetização, PIB per capita e IDHM da
RMN

Indicadores
População
Municípios Taxa de Alfabe- PIB per capita
Residente IDHM (2010)
tização (2010) (2017)
(2017)
Arês 14.307 76.3 25.320,79 0,606
Ceará-Mirim 73.850 79,5 10.949,67 0,616
Extremoz 28.331 83,7 13.667,37 0,66
Goianinha 26.068 86,9 13.764,41 0,545
Ielmo Marinho 13.714 74,2 7.543,2 0,555
Macaíba 78.031 81,0 18.483,39 0,640
Maxaranguape 12.224 80,2 8.919,17 0,608
Monte Alegre 22.463 73,1 9.276,54 0,609
Natal 885.178 92,0 26.497,08 0,763
Nísia Floresta 27.372 79,3 13.041,45 0,622
Parnamirim 254.707 92,4 19.720,13 0,766
São Gonçalo do Amarante 101.492 86,1 13.935,05 0,661
São José do Mipibu 43.995 77,1 17.329,36 0,611
Vera Cruz 12.372 71,0 8.627,61 0,587
Fonte: IBGE (2010; 2017).

Apesar do município de Goianinha possuir baixo IDHM suataxa de alfabetização é a


terceira mais alta da RMN. Os municípios que apresentam as piores taxas de alfabetização e
IDHM são Arês, Ielmo Marinho, Monte Alegre e Vera Cruz. Como mostra a tabela 1, as diferenças
econômicas, populacionais e de indicadores sociais são grandes na RMN.

Esses dados mostram que Natal se destaca no cenário metropolitano nos indicadores
de natureza econômica como PIB e nos indicadores populacionais, mas o município de Parnami-
rim possui os melhores indicadores de natureza social. Nos demais municípios os índices de
IDHM, PIB per capita e escolaridade são muito distintos, constituindo assim, um território
desigual. Além disso, a cidade de Natal apresenta elevados índices de pobreza e desigualdade
social, como por exemplo a distribuição de renda. Apesar de possuir o maior PIB da RMN, a
cidade apresenta alta concentração de renda, sendo que mais de 50% desta é apropriada pelos
10% mais ricos:

Tais dados demonstram que, embora sendo mais rica, Natal também é o município
mais desigual internamente, já que apresenta visíveis condições de marginalização
de sua sociedade, como bolsões de pobreza, poluição de seu meio ambiente e falta de
infraestrutura urbana em grande parte de seu território.(GOMES et al, 2014, p. 62).

205 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Apesar de Natal ser o município mais desigual da RMN, todos os municípios da


Região metropolitana apresentam desigualdade. Outra evidência apresentada que justifica o
caráter de microcefalia, como apontado, é que embora já exista um movimento de Natal em
direção à outros municípios, a capital supera na alta quantidade da população que recebe no
movimento pendular - deslocamentos entre municípios com finalidades específicas, como
trabalho e estudo(GOMES et al, 2014).

Esses fatores justificam o interesse em compreender como é ofertada na RMN


a infraestrutura dos estabelecimentos de ensino. Uma vez que as concentrações de riqueza,
equipamentos públicos, índices demográficos e socioeconômicos são distribuídos de forma
desigual no território, nos interessa compreender de forma dedutiva, se a infraestrutura das
escolas nesses municípios apresenta a tendência apresentada por Martins (2015, p. 604), em que
“o núcleo concentra melhor infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos, além de atrair a
população de mais alta renda”.

A análise sobre a oferta de infraestrutura das escolas da RMN tem por interesse
identificara distribuição dos equipamentos e serviços urbanos de modo a compreender se este
seria um dos fatores que contribui para a hegemonia do núcleo da aglomeração urbana na oferta
da infraestrutura escolar, bem como para compreender se padrões de desigualdades entre os
municípios corroboram com as outras variáveis apresentadas nesta seção.

Resultados e discussões

Um dos desafios para as políticas públicas na área da educação reside no reconhecimento


dos incentivos que podem atuar sobre a redução das desigualdades. Por pressuposto, a oferta
equânime de serviços públicos, inclusive a oferta de infraestrutura, poderia ser um dos
instrumentos para mitigar desvantagens econômicas e sociais dos alunos. A análise estatística
considerou apenas as escolas das redes estadual e municipal de cada município. Os dados são
relativos às escolas de ensino fundamental para anos iniciais e finais e ensino médio.

A análise se limitou a analisar escolas públicas, pois são estas que atendem o mais vasto
número de matrículas na educação básica. Os resultados mostram que a oferta das escolas é
muito diversa, tanto pelo número de unidades nos diferentes municípios, como pelo número
entre as diferentes dependências administrativas (estadual e municipal).

206 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Tabela 2. Número de escolas estaduais e municipais na RMN


Frequência
Municípios % Total da RMNatal
Estadual Municipal
Arês 2 17 1,7
Ceará-Mirim 10 53 8,4
Extremoz 7 26 4,4
Goianinha 2 28 4,0
Ielmo Marinho 2 18 2,7
Macaíba 14 43 7,6
Maxaranguape 2 16 2,4
Monte Alegre 3 26 3,9
Natal 114 146 34,8
Nísia Floresta 9 27 4,8
Parnamirim 12 66 10,4
São Gonçalo do Amarante 9 57 8,8
São José do Mipibu 7 26 4,4
Vera Cruz 2 9 1,5
Total 195 558 100%
Fonte: Censo Escolar da Educação Básica (2017).

De acordo com os dados da Tabela 2, os municípios que apresentam maior dimensão


territorial e maior número de população residente, são aqueles que consequentemente apresentam o
maior número de escolas. São eles: Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Ceará-Mirim
e Macaíba. Além disso, é possível observar que em todos os municípios da RMN o número de
escolas municipais é superior ao de escolas estaduais. Segundo a Constituição Federal de 1988,
cabe ao município implementar a educação pré-escolar e ensino fundamental. O ensino médio
é a etapa de ensino de responsabilidade federativa estadual.

Para Ribeiro et al. (2016) as desigualdades escolares podem se relacionar a mecanismos


instrumentais: oferta de infraestrutura, equipamentos e/ou composição do alunado entre as
escolas. A pesquisa de Padilha et al. (2012) com foco nos municípios brasileiros mostra que as
piores médias do IDEB são encontradas nas metrópoles do nordeste, com exceção para o estado
do Ceará que tem desenvolvido em suas políticas o foco no monitoramento e avaliação dos
resultados. Segundo Alves e Soares (2013) essas médias evidenciam que existem disparidades
entre as escolas de uma mesma região do país, de um mesmo município, ou ainda, dentro da
mesma rede de ensino.

A Tabela 3 apresenta o percentual de escolas por município que contém critérios


básicos de infraestrutura pedagógica, considerando a existência das variáveis: Laboratório de
informática; cozinha; quadra de esportes; biblioteca ou sala de estudos, e; banheiro dentro do
prédio.

207 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Tabela 3. Percentual de Infraestrutura Escolar em escolas públicas na RMN


Infraestrutura Escolar
Municípios Laboratório de Quadra de es- Biblioteca ou Banheiro den-
Cozinha
Informática portes sala de leitura tro do prédio
Arês 16% 68% 11% 37% 68%
Ceará-Mirim 25% 100% 19% 54% 100%
Extremoz 18% 97% 9% 55% 97%
Goianinha 60% 100% 3% 60% 97%
Ielmo Marinho 10% 100% 5% 25% 95%
Macaíba 19% 100% 14% 54% 95%
Maxaranguape 17% 100% 6% 39% 100%
Monte Alegre 17% 100% 3% 41% 100%
Natal 55% 99% 40% 75% 99%
Nísia Floresta 42% 100% 11% 39% 100%
Parnamirim 55% 100% 51% 92% 100%
São Gonçalo do
56% 95% 8% 50% 98%
Amarante
São José do
27% 100% 15% 52% 100%
Mipibu
Vera Cruz 45% 100% 9% 55% 100%
Fonte: Censo Escolar da Educação Básica (2017).

Os dados revelam que os municípios possuem capacidades distintas de ofertar


infraestrutura escolar e mesmo que não tenhamos acesso aos dados sobre a qualidade e o uso
desses equipamentos, o fato de um percentual relativo de escolas não possuírem banheiro, por
exemplo, demonstra as inequidades ainda vigentes no sistema público de ensino. As variáveis
que apresentam maior desigualdade de oferta são a existência de laboratório de informática e
de quadra de esportes nas escolas. Assim, o estabelecimento de um padrão mínimo, ou seja,
que proporcione aos alunos infraestrutura capaz de atingir aos propósitos de uma educação de
qualidade é baixa (SÁ e WERLE, 2017).

Pode-se confirmar que as melhores infraestruturas escolares estão localizadas em


municípios que compõem o núcleo da RMN, com destaque para Parnamirim que supera Natal
na oferta de instalações. A exceção entre os municípios do núcleo é o caso de Extremoz que
apresenta percentuais próximos ou iguais aos dos municípios de baixa integração. Os municí-
pios que apresentam os piores resultados gerais são: Arês, Macaíba, Maxaranguape e Monte
Alegre. No geral, os dados revelam que mesmo em Parnamirim, município com os melhores
resultados, existe alta desigualdade na oferta de infraestrutura escolar, sendo a evidência mais
preocupante, o fato de quase 50% das escolas não possuírem quadra de esportes.

Nesse sentido, reforçamos que a presença de estruturas básicas entre as escolas dos
municípios pode contribuir reduzir desigualdades advindas da trajetória individual dos alunos
ou reproduzi-las. Bezerra (2017) aponta que existe uma correlação entre a existência de

208 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

equipamentos ofertados em escolas municipais e o desempenho dos alunos, pois:

[...] o desempenho médio dessas escolas no Índice de Desenvolvimento da Educação


Básica (IDEB) aponta que, de fato, a presença de algumas estruturas está associada
ao melhor desempenho dos alunos. Para os anos iniciais do ensino fundamental, a
presença de laboratório de informática e de internet banda larga nas escolas municipais
está associada a melhores desempenhos médios das escolas no IDEB”. (BEZERRA,
2017, p. 18).

Uma das formas de mitigar o efeito de infraestrutura precária nas escolas seria oferecer
melhores insumos. Esses insumos podem ser caracterizados como: ampliação do quadro de
funcionários, e; os equipamentos disponíveis nas escolas. A Tabela 4 apresenta o percentual de
escolas nos municípios da RMN que possuem: Copiadora; impressora; equipamento de
multimídia; número total de computadores na escola; acesso à internet, e; acesso à banda larga.

Tabela 4. Percentual de equipamentos e insumos escolares em escolas públicas da RMN


Equipamentos Escolares
Município Banda
Copiadora Impressora Multimídia Computadores Internet
Larga
Arês 19% 38% 38% 62% 33% 24%
Ceará-Mirim 41% 80% 58% 80% 56% 43%
Extremoz 28% 59% 51% 67% 46% 28%
Goianinha 44% 69% 50% 97% 86% 53%
Ielmo Marinho 19% 62% 38% 62% 57% 57%
Macaíba 47% 69% 72% 85% 72% 48%
Maxaranguape 15% 55% 35% 60% 40% 10%
Monte Alegre 20% 53% 47% 93% 90% 50%
Natal 65% 77% 78% 99% 94% 87%
Nísia Floresta 60% 53% 43% 73% 35% 13%
Parnamirim 48% 76% 64% 99% 87% 81%
São Gonçalo
50% 61% 57% 89% 50% 39%
do Amarante
São José do
57% 73% 62% 84% 54% 43%
Mipibu
Vera Cruz 31% 54% 46% 85% 62% 23%
Fonte: Censo Escolar da Educação Básica (2017).

Quanto à existência de insumos e equipamentos nas escolas estaduais e municipais, os


dados revelam que o município de Natal possui os melhores resultados, ficando atrás apenas
do município de Ceará-Mirim na oferta impressoras. Em 10 dos 14 municípios que compõem a
RMN a oferta de copiadoras é menor que 50%; no acesso à banda larga, 9 municípios possuem
percentual inferior a 50%. Esses fatores já evidenciados como importantes insumos para

209 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

melhorar o desempenho médio dos alunos nas avaliações nacionais estão abaixo do esperado
para garantia de padrões equânimes de oferta educacional. Os municípios que possuem os
piores resultados gerais nesta análise são Arês e Maxaranguape. Estes municípios também
apresentaram os piores resultados em infraestrutura.

Esses resultados revelam que as escolas destes municípios possuem uma realidade
mais contingente no que se refere à infraestrutura e a oferta de equipamentos nas escolas. Essas
realidades distintas no território intrametropolitano revelam que as desigualdades entre a oferta
dos serviços educacionais podem reduzir as oportunidades no acesso à educação.

No que se refere a oferta dos serviços educacionais, o município de Parnamirim obteve


os melhores resultados gerais, o que mostra a expansão dos serviços e do crescimento populacional
de Natal em direção a este município. No geral, Parnamirim concentra os melhores percentuais
de infraestrutura e insumos. É possível afirmar que a tendência apresentada por Martins (2015)
é encontrada na RMN, em que o núcleo possui a melhor infraestrutura escolar, embora Natal
enquanto município polo esteja em segundo lugar nos resultados. Ainda assim, nenhum dos
municípios analisados atingiu a meta prevista para o IDEB de 2017 nos anos finais do ensino
fundamental, que era de 4,0 pontos.

É possível observar nos dados analisados que existe na RMN uma hegemonia do
núcleo, mais precisamente dos municípios de Natal e Parnamirim, pois se destacam, em alguns
indicadores mais e em outros menos, dos outros municípios de média e baixa integração, que
no geral, apresentam resultados preocupantes. Além do núcleo possuir a melhor infraestrutura
escolar, seus municípios também são aqueles que se destacam nos índices econômicos e
nos indicadores sociais. Como evidenciado, Natal possui um número de escolas muito mais
significativo do que os outros municípios da RMN. Essa concentração pode ser um dos fatores
que explicam os movimentos pendulares em direção à Natal, para além da capacidade deste
município oferecer boas condições de acesso à infraestrutura.

Conclusões

A análise dos indicadores populacionais, socioeconômicos e de infraestrutura das


escolas da RMN mostram que as desigualdades educacionais na oferta de serviços de educação
têm relação com as dinâmicas socioespaciais dos municípios que a compõem. A expansão de
Natal a partir de uma urbanização difusa configura a compreensão dessa Região Metropolitana
a partir de tendências que podem ser visualizadas na área de integração acentuada, ou seja,
o núcleo, composto pelos municípios de Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Extremoz.
Essas tendências mostram o destaque do núcleo na oferta de melhor infraestrutura escolar.

210 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

De modo geral, os outros municípios metropolitanos apresentam realidades muito


diversas, prevalecendo naqueles que possuem média e baixa integração com a metrópole pouca
capacidade de oferta de infraestrutura escolar. Ainda assim, os dados apresentados mostram
que mesmo nos municípios com as melhores médias, os indicadores ainda são insatisfatórios,
uma vez que os resultados revelam que existem grandes desigualdades internas.

Essa realidade pode ser observada nos resultados do IDEB, já que nenhum dos municípios
atingiram a projeção para 2017 que era a meta de 4,0 pontos para os anos finais do ensino
fundamental. Assim, a desigualdade de oferta de estruturas básicas nas escolas pode ser um
dos fatores que contribuem para os diferentes acessos às oportunidades educacionais e
consequentemente a reprodução das desigualdades escolares intra e inter municípios.

Esses resultados evidenciam que a distribuição dos recursos, da infraestrutura e dos


insumos escolares não seguem critérios de promoção de igualdade de oportunidades ou de
equidade. Ao contrário, percebemos a baixa capacidade dos sistemas em estabelecer critérios
redistributivos. No geral, os municípios mais pobres e mais distantes do núcleo da RMN tendem
a ter pior oferta de sua infraestrutura escolar. A ausência de determinados equipamentos nas
escolas públicas indica que é necessário deslocar o foco das políticas para um princípio basilar
das teorias de justiça social e para as políticas de redução de desigualdades: o estabelecimento
de um padrão mínimo.

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215 Karoline de Oliveira | Matheus Oliveira de Santana


CA PÍ T U L O 13

Planejamento urbano e gestão de riscos na cidade do Natal/RN

Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira41


Zoraide Souza Pessoa42

Introdução

Atualmente, vivemos em uma sociedade de riscos, caracterizada pela distribuição dos


riscos que, segundo Beck (2011), são globais, sendo sentidos por todos (como da pessoa mais
rica a mais pobre) e em todos os lugares (do país desenvolvido ao em desenvolvimento, por
exemplo). Nesse sentido, as cidades vivem em um mundo cada vez mais de riscos, incertezas e
vulnerabilidades, sujeitando as populações, principalmente com menos condições socioeconômicas,
a sofrerem com problemas socioambientais como a falta de acesso à saneamento básico e os
efeitos das mudanças climáticas.

Para enfrentar problemas como estes, a gestão urbana precisa articular o que as cidades
têm colocado em prática no sentido de evitar a ocorrência ou intensificação de eventos adversos.
Especificamente no que diz respeito ao gerenciamento dos riscos no cenário brasileiro, Almeida
e Pascoalino (2009) assinalam que a gestão de riscos não consiste em temática prioritária na
agenda de governo em virtude de existirem problemas muito mais preocupantes ou simplesmente a
cultura de risco e, consequentemente, sua gestão diferirem de maneira sensível. De acordo com
estes autores, a gestão de riscos no país tem se preocupado com as gestões de urgência e crise,
ou seja, a adoção de políticas públicas ou ações produzidas depois da ocorrência de um possível
evento adverso.

É nessa perspectiva de discussão que se percebe a importância de investigar o que as


cidades brasileiras têm feito e/ou buscado fazer no que se refere ao gerenciamento de riscos.
Para efeito deste estudo, analisamos a cidade do Natal, capital do estado do Rio Grande do
Norte (RN), situada na Região Nordeste do Brasil, que se constitui em um aglomerado urbano
denso e que apresenta uma estrutura social e ecológica altamente vulnerável às mudanças
climáticas.

Nessa ótica, realizamos dois questionamentos principais: o que a gestão urbana de


Natal tem buscado fazer frente à gestão de riscos da cidade? Qual é o estágio atual do mapeamento
das áreas de riscos de Natal: está atualizado ou estagnado? Nesse sentido, visamos, com este

41 Doutorando e mestre em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(PPEUR/UFRN). E-mail: pontesrylanneive@gmail.com
42 Professora e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/
UFRN). E-mail: zoraidesp@gmail.com

216 PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

capítulo, analisar a gestão de riscos da cidade do Natal a partir de 2008 quando foi finalizado
o PMRR de Natal, buscando investigar o atual panorama de internalização do tema na agenda
urbana municipal. Para tanto, a metodologia segue as orientações de uma pesquisa com abordagem
qualitativa, em que se utiliza de um conjunto de instrumentos que possibilita o alcance dos
resultados.

Sendo assim, estruturamos este capítulo em cinco seções. Na primeira, abordamos, de


um ponto de vista geral, acerca da gestão de riscos no Brasil; na segunda, detalhamentos os
procedimentos metodológicos da pesquisa; na terceira, discutimos o referencial teórico-conceitual
sobre vulnerabilidade, riscos e gestão de riscos no cenário brasileiro; na quarta, analisamos e
discutimos o caso da cidade do Natal no que cerne à internalização da gestão de riscos enquanto
estratégia da agenda urbana; e, na quinta e última, concluímos com as principais considerações
sobre o processo de inserção do tema da gestão de riscos na cidade em análise no período de
2008 até hoje.

Metodologia

Conforme mencionada na introdução, a metodologia deste trabalho ancora-se em uma


pesquisa com abordagem de natureza qualitativa. De acordo com Deslauriers e Kérisit (2008),
a pesquisa qualitativa colabora, neste estudo, de forma investigativa, interpretativa e analítica
sobre os aspectos de natureza urbana, social e ambiental em torno do que a gestão urbana de
Natal, que é analisada sob a perspectiva de um estudo de caso, tem feito ou não para enfrentar
os riscos de eventos adversos na cidade.

Para isso, nos utilizamos de um conjunto de instrumentos de pesquisa. Inicialmente,


realizamos um levantamento bibliográfico a partir da busca de publicações científicas na
plataforma Portal de Periódicos CAPES acerca da temática “vulnerabilidade, riscos e gestão
de riscos”, que subsidia a revisão e atualização da literatura que compõe a discussão do próximo
tópico.

A pesquisa se classifica também como estudo de caso, compreendido como um método


de pesquisa que tem por finalidade incorporar aspectos e abordagens específicas à sua análise e
coleta de dados (YIN, 2010). Os instrumentos de coleta dos dados se caracterizam em pesquisa
documental, observação de reuniões e realização de entrevistas semiestruturadas que fundamenta o
campo da pesquisa.

Na pesquisa documental, compreendida como procedimento que se utiliza da análise


de documentos para compreensão e apreensão de um conjunto de dados (SÁ-SILVA; ALMEIDA;
GUINDANI, 2009), analisamos a Lei Complementar nº 082/2007, que dispõe sobre o plano
diretor municipal em vigor; o Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal (PMRR/Natal),

217 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

que define o mapeamento das áreas de riscos da cidade; e a Lei Complementar nº 124/2011, que
estabelece a criação do Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais (PDDMA) da
cidade. A pesquisa documental é importante para este capítulo em função de ser um procedimento
metodológico que permite perceber o que a gestão urbana de Natal, em termos de legislações
ou políticas públicas, apresenta para lidar com os riscos de eventos adversos na cidade.

Além da análise desses documentos, acompanhamos as reuniões de revisão do plano


diretor vigente da cidade, que iniciaram em 2018, se estendeu ao longo de 2019 e persiste no
ano corrente. O foco desse acompanhamento se dá principalmente no que tange às questões
ambientais, no intuito de observar o que a atual gestão municipal de Natal tem adotado referente
ao meio ambiente e suas interfaces.

Em paralelo, realizamos a pesquisa de campo com a aplicação de entrevistas semiestrutura-


das, que são definidas por Gerhardt et al. (2009) como um roteiro com um conjunto de questões
sobre o tema em estudo, mas que permite ao entrevistado falar sobre os assuntos que surgem
a partir dessa temática central.

Nesta pesquisa, o roteiro de entrevistas semiestruturadas é construído com questões


abertas e fechadas, que contemplam aspectos gerais e específicos sobre a temática estudada
na cidade do Natal, e aplicado pessoalmente com oito atores institucionais que atuaram ou
atuam direta e indiretamente na gestão dessa cidade no período de agosto de 2017 a maio de
2018 (quadro 1). Esses atores são compreendidos como importantes para este estudo, pois
são considerados os principais responsáveis pela identificação, elaboração e implementação de
estratégias para responder aos eventos adversos na cidade. De forma aleatória, a primeira en-
trevista é realizada com o chefe de operações do Departamento de Defesa Civil e Ações Preventivas
da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (SEMDES) de Natal.

Quadro 1 – Identificação dos entrevistados e seus respectivos órgãos, funções e datas de


entrevistas
Data de entrevista
Entrevistado Órgão Função

Departamento de Defesa
Entrevistado 1 Chefe de operações 21 de agosto de 2017
Civil e Ações Preventivas
Secretaria Municipal de
Entrevistado 2 Meio Ambiente e Urbanis- Ex-secretário adjunto 22 de agosto de 2017
mo de Natal
Secretaria Municipal de
Entrevistado 3 Segurança Pública e Defesa Secretário 22 de agosto de 2017
Social de Natal
Secretaria Municipal de Técnica municipal de
Entrevistado 4 Meio Ambiente e Urbanis- licenciamento e fiscali- 12 de setembro de 2017
mo de Natal zação ambiental

218 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Conselho da Cidade do Ex-representante su-


Entrevistado 5 19 de setembro de 2017
Natal plente
Secretaria Municipal de
Entrevistado 6 Planejamento, Orçamento e Secretária 08 de fevereiro de 2018
Finanças de Natal
Coordenadoria Estadual de
Entrevistado 7 Proteção e Defesa Civil do Técnico administrativo 09 de maio de 2018
Rio Grande do Norte
Secretaria Municipal de Técnico ambiental na
Entrevistado 8 Meio Ambiente e Urbanis- área de planejamento 14 de maio de 2018
mo de Natal urbano
Fonte: dados da pesquisa (2019).

Os dados aqui coletados são analisados a partir da técnica de análise de conteúdo


(BARDIN, 2011), que é selecionada por ser uma técnica de ampla validação em pesquisas qua-
litativas (MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2011) e, mais especificamente, em virtude da natureza de
dados a ser analisados. A análise de conteúdo dos dados coletados, na qual se dá neste capítulo
por meio de uma perspectiva temática, embasa as análises e discussões apresentadas nos dois
tópicos seguintes: de fundamentação teórico-conceitual, e de resultados e discussão.

Vulnerabilidade, riscos e gestão de riscos no Brasil

A noção de risco é aqui compreendida como “a probabilidade de consequências


prejudiciais ou perdas esperadas (de vidas, pessoas feridas, propriedades, entre outras) resultantes
de interações entre ou perigos induzidos pelo homem e condições vulneráveis” (tradução
nossa) (PNUD, 2004, p. 98). Essa noção conceitual é, em muitas situações, confundida com a
de perigo, o que vem a dificultar a sua compreensão e gestão, conforme assinalam Almeida e
Pascoalino (2009): perigo tem relação com a probabilidade ou até mesmo própria ocorrência de
um evento provocar um determinado prejuízo.

Uma segunda vertente de estudo do conceito de risco é a vulnerabilidade (ALMEIDA;


PASCOALINO, 2009), sendo, nesse aspecto, o enfoque dado à análise dos riscos e perigos,
independentemente da natureza (econômica, social, ambiental, entre outras). De acordo com
estes autores, a noção de vulnerabilidade é de fundamental importância, além de ser elemento
central na abordagem acerca do desenvolvimento de estratégias de redução e mitigação dos
efeitos de eventos adversos, em quatro escalas de análise (local, regional, nacional e global).

Nesse sentido, compreendemos a gestão de riscos conforme Litre e Bursztyn (2015, p.


58), que a definem como um “processo que visa mitigar danos”. Para estes autores, quatro são
os elementos essenciais de gestão de riscos:

219 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

(i) analisar o contexto de risco; (ii) avaliar o risco de acordo com esse contexto, por
meio da identificação das ameaças, vulnerabilidades e consequências do impacto no
sistema de produção familiar; (iii) identificar como os chefes de unidade produtiva e
as instituições de extensão técnica, bancos, cooperativas etc., respondem aos riscos;
e (iv) monitorar a evolução ao risco ao longo do tempo (LITRE; BURSZTYN, 2015),
p. 58).

Dentro do escopo do planejamento urbano integrado às políticas territoriais, está a


gestão de riscos que, segundo Rosenzweig et al. (2015), no contexto de cidades integra o gerencia-
mento dos riscos voltados à redução de eventos adversos, tais como os desastres, por meio da
adoção de medidas de mitigação e adaptação. A gestão de riscos é, portanto, uma importante
estratégia tanto de mitigação quanto de adaptação, em que “as técnicas de gestão de risco
podem acomodar, explicitamente, a diversidade entre setores, regiões e ao longo do tempo”
(RIBEIRO; SANTOS, 2016, p. 64).

No cenário brasileiro, o manual nacional de proteção e defesa civil e gestão de riscos,


publicado em 2017, é considerado uma importante fonte para compreender o que se tem
estabelecido à nível federal para a proteção e defesa civil, assim como a gestão de riscos do país
(BRASIL, 2017). Mais especificamente, o objetivo desse manual é evitar a exposição de populações
do país a riscos de eventos adversos, buscando articular as ações de proteção e defesa civil com
as de planejamento urbano. O referido manual aponta que, dentre os instrumentos de ordenamento
territorial que incorporam a proteção e defesa civil no planejamento urbano municipal, estão os
Planos Municipais de Redução de Riscos (PMRRs) ou mapeamentos de áreas de risco, que são
objeto de estudo no momento de análise e discussão deste capítulo.

Outro instrumento a ser considerado nessa perspectiva é a Lei nº 12.608/2012 que,


dentre outras definições, institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e o
Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC). Nesse sentido, Bertone e Marinho
(2013) apontam que essa determinada legislação, dentre outras determinações, ampara legalmente a
nova orientação da prevenção de desastres, uma vez que estabelece como aspecto obrigatório
para o planejamento ambiental de um ente municipal a identificação de áreas de risco43.

Na busca para melhor entender a empiria do que está estabelecido através da Lei nº
12.608 e de outros dispositivos legais, há o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta
a Desastres Naturais (PNGRRDN). Esse plano consiste em uma política pública do governo
federal, aprovada no ano de 2012 e monitorada pela Casa Civil da Presidência da República,
objetivando proteger a vida das pessoas, garantir a segurança delas, diminuir os danos resultantes
de desastres e preservar o meio ambiente (BERTONE; MARINHO, 2013), por meio de ações
divididas em quatro eixos de atuação (BRASIL, 2012):

43 Área de risco é aquela “passível de ser atingida por fenômenos ou processos naturais e/ou induzidos que
causem efeito adverso. As pessoas que habitam essas áreas estão sujeitas a danos à integridade física, perdas
materiais e patrimoniais. Normalmente, no contexto das cidades brasileiras, essas áreas correspondem a núcleos
habitacionais de baixa renda (assentamentos precários)” (BRASIL e IPT, 2007, p. 26).

220 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

• Mapeamento, focado na produção de mapas de suscetibilidade, mapas de setorização


de riscos, mapas de risco e cartas geotécnicas de aptidão à urbanização;
• Monitoramento e Alerta, que visa estruturar a rede nacional;
• Prevenção, voltados a execução de obras, que foram incorporadas ao Programa de
Aceleração do Crescimento e configuram a carteira PAC Prevenção. Assim como as
outras carteiras PAC, as obras de prevenção são monitoradas por meio das salas de
situação promovidas pela Secretaria do PAC (Secap);
• Resposta, voltado ao socorro, assistência e reconstrução (BERTONE; MARINHO,
2013).

Com um orçamento total de R$ 18,8 bilhões (BRASIL, 2012), o PNGRRDN consiste em


uma política pública que põe em prática a discussão da gestão de riscos que tem sido abordada
no cenário nacional, implementando ações que procuram proteger as populações da ocorrência
de desastres naturais, garantindo segurança às suas vidas.

Posto que, no Brasil, existe todo um conjunto de instrumentos, legislações etc. direcionado
ao gerenciamento dos riscos nas cidades, buscando reduzir as situações de vulnerabilidade e
risco socioambientais, analisamos e discutimos em sequência acerca de um caso do país no que
cerne à internalização da gestão de riscos enquanto estratégia de agenda urbana.

Gestão de Riscos na Cidade do Natal

O lócus (local) de pesquisa deste capítulo é a cidade do Natal, a qual é estudada sob a
perspectiva da gestão de riscos no viés de compreensão do atual panorama de internalização do
tema na agenda urbana municipal. Nesse contexto, constatamos que o último mapeamento das
áreas de risco da cidade em análise ocorreu em 2008, quando a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Urbanismo (SEMURB) em parceria com a Prefeitura Municipal elaborou o PMRR
de Natal, cujo objetivo foi realizar:

o mapeamento das áreas para posteriormente traçar os rumos do planejamento urbano


das mesmas, hierarquizadas por nível de criticidade, abrangendo os assentamentos
localizados em encostas e/ou susceptíveis a inundações, localizados em flancos dunares
e adjacências ou em outras áreas que se mostrem inadequadas para real e completa
inserção social desses assentamentos na cidade formal (NATAL, 2008, p. iii).

Dentro do atual processo de revisão do plano diretor municipal, esse mapeamento ainda
se encontra em andamento, sofrendo atualizações a partir de contribuições tanto do corpo
técnico da gestão municipal quanto de instituições de ensino e da sociedade civil44. O mapeamento
das áreas de riscos contribui para a cidade do Natal e suas populações na medida em que busca

44 Informação coletada a partir dos dois primeiros autores deste capítulo, que fazem parte do processo de revisão
do plano diretor vigente de Natal por meio da participação e colaboração com o subgrupo “Áreas de Risco” do
Grupo de Trabalho de Áreas Especiais, conforme mencionado no momento dos procedimentos metodológicos.

221 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

traçar os rumos do planejamento urbano municipal, de modo a abranger os assentamentos


localizados em áreas que se mostram inadequadas para ocupação, buscando evitar a ocorrência
de eventos adversos (NATAL, 2008), como deslizamentos de terra e inundações.

Em função de uma falta de atualização desse mapeamento, observamos a partir de uma


entrevista com o chefe de operações do Departamento de Defesa Civil e Ações Preventivas da
SEMDES de Natal que problemas de planejamento urbano, principalmente em áreas vulneráveis
a risco de eventos adversos, ainda necessitam de uma maior ação do Estado por meio de suas
instituições e atores no que concerne à adoção de políticas públicas ou ações direcionadas à
questão. Nesse sentido, uma técnica municipal de licenciamento e fiscalização ambiental
salienta sobre a importância do mapeamento das áreas mais vulneráveis da cidade, argumentando
que, se a gestão tem o conhecimento sobre as realidades social e ambiental do município, con-
seguirá agir de forma mais rápida e efetiva sobre as possíveis situações de ameaças adversas:

porque se a gente consegue mapear quais são as áreas mais vulneráveis da cidade,
se a gente consegue saber o que está chegando e que vai atingir determinadas áreas
e tendo as pessoas é:: com a informação do que fazer e como fazer é que o negócio
flui, então eu entendo que parte de uma coisa que precisa ainda ser definida a::: o
tipo de gestão que vai ser feita e a equipe que vai fazer (ENTREVISTADO 4, 2017).

Para autores como Reis et al. (2014) e Medeiros e Souza (2016), o mapeamento das áreas
de vulnerabilidade e risco socioambientais é fundamental para a formulação e implementação
de ações de proteção e defesa civil na medida em que permite propor e planejar um conjunto de
políticas públicas e/ou ações de gestão de riscos que seja capaz de reduzir situações de riscos de
desastres. Reis et al. (2014), especificamente, definem o mapeamento da vulnerabilidade como
“uma importante medida não estrutural” (p. 2).

Nesse viés, o Departamento de Defesa Civil e Ações Preventivas da SEMDES de Natal,


em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) por meio do Grupo
de Extensão e Pesquisa em Ergonomia (GREPE) e do Núcleo de Pesquisa sobre Desastres (NUPED),
concluiu uma primeira versão (ainda não publicada) do Plano de Contingência (PLANCON) da
cidade do Natal. Resultante de uma parceria técnico-científica, esse plano trata-se de um
documento-base de referência para as ações de resposta a emergência das equipes responsáveis pela
gestão de riscos de desastres de Natal, configurando-se como uma das estratégias de enfrentamento
de riscos e desastres de modo a reduzir os danos materiais e humanos que resultam da ocorrência
desses desastres.

Como ferramenta que proporcione menor vulnerabilidade tanto ambiental quanto so-
cioeconômica, a cidade do Natal conta com sistema de alertas de desastres, fruto de parcerias com
o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O sistema de alertas, caracterizado

222 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

como uma medida não estrutural do Estado, visa o que o CEMADEN prevê enquanto uma de
suas missões: reduzir a ocorrência de desastres como inundações.

Sobre isso, especificamente em relação aos riscos de eventos adversos resultantes das
mudanças no sistema climático, observamos que a gestão municipal de Natal tem acesso à
informações climáticas por meio dos oito pluviômetros instalados na cidade, permitindo o
acompanhamento das chuvas em todas as regiões administrativas do município e, em casos de
probabilidade de ocorrência de desastres, o Departamento de Defesa Civil e Ações Preventivas
da SEMDES de Natalé alertada para atuação (priorizada de acordo com a magnitude do risco).
A respeito dessa rede de pluviômetros existente na cidade, o chefe de operações desse Departamento
aponta:
nós temos um sistema aqui de monitoramento... que nós temos oito pluviômetros
automáticos espalhados pela cidade... que é um convênio com o CEMADEN, certo?
E nós ficamos acompanhando a... a chuva em todas as regiões... nós espalhamos
pluviômetros nas quatro regiões da nossa cidade e ficamos acompanhando a chuva
(ENTREVISTADO 1, 2017).

Além disso, a cidade em análise apresenta um radar meteorológico, instalado na Base


Aérea de Natal (BANT), em Parnamirim (na Região Metropolitana de Natal – RMN) no final
de 2013, com o objetivo principal de ampliar a rede de observação das condições climáticas do
RN, buscando garantir um melhor acompanhamento dos municípios do estado. Essa rede de
monitoramento e alertas que foi implantada em Natal é fundamental para o gerenciamento dos
riscos da cidade na medida em que, além de monitorar possíveis ameaças naturais em áreas de
riscos, permite reduzir os impactos negativos causados pelas mudanças climáticas em curso.
Nesse sentido, Saito (2018, p. 618) salienta que, à nível global, “a relevância de sistemas de
alerta na redução de risco de desastres já constava em diretrizes e prioridades de agendas
internacionais, a exemplo dos Marcos de Ação de Hyogo (MAH) e Sendai (MAS)”.

Outras ações de incorporação da gestão de riscos no planejamento urbano municipal de


Natal são as medidas estruturais que, segundo o manual nacional de proteção e defesa civil e
gestão de riscos, consistem, de modo geral, em medidas “relacionadas a projetos de engenharia
para a execução de obras de contenção, drenagem, retenção hídrica, proteção superficial, reforço de
infraestrutura existente, realocação de infraestrutura em risco, entre outras” (BRASIL, 2017, p.
67). De acordo com esse manual, vale salientar que cada medida estrutural é adotada conforme
fatores específicos de cada realidade (BRASIL, 2017), como é o caso em Natal dos projetos de
drenagem urbana, mencionados na fala do técnico ambiental da área de planejamento urbano
da SEMURB de Natal:

[...] projetos de microdrenagem que tão atrasados, mas que, em tese, poderiam ajudar,
por exemplo, tirando a água ali do Arena das Dunas e jogando para o rio. Então,
tem algumas ações de engenharia... pouca ação que eu vejo da parte mais da área de
inteligência, ou seja, as redes de proteção, sinalização ou até mesmo pesquisas na

223 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

área... Então, eu vejo ainda muito a engenharia presente, embora com projetos muito
localizados -- e pouco dos outros efeitos... mais preventivo que poderia ocorrer
(ENTREVISTADO 8, 2018).

As intervenções de drenagem urbana são garantidas por meio do Plano Diretor de


Drenagem e Manejo de Águas Pluviais (PDDMA) da cidade (Lei Complementar nº 124/2011),
um dos instrumentos básicos do plano diretor municipal (NATAL. Lei Complementar nº 124,
2011, art. 1º). As obras de drenagem urbana são medidas estruturais adotadas pelo Estado,
cujo objetivo é corrigir e/ou prevenir a ocorrência de eventos adversos (BRASIL, 2017), como
inundações. A respeito disso, o ex-secretário da SEMURB de Natal afirma que as obras
de drenagem urbana também são interessantes e fundamentais como medidas estratégicas de
médio e longo prazos para lidar com os efeitos dos eventos adversos na cidade:

[...]Em Natal, tá sendo feito uma grande obra de saneamento, né? Mas o sistema de
drenagem, como eu disse aqui no início, não acompanhou realmente o crescimento,
então grande número de ocorrências nossas é de crateras que se abrem por causa
de rompimento de tubulações, né? Então, existe um sistema precário que, se fosse
feita essa grande obra minimizaria nossos, nossas áreas de risco... diminuiria muito
nossas áreas de risco (ENTREVISTADO 2, 2017).

Embora com “grandes” obras, a cidade ainda continua apresentando problemas


de drenagem urbana, como é o caso do rompimento de tubulações mencionado na entrevista
supracitada. Conforme Martins (2012, p. 3), mesmo com a Lei nº 11.445/2007 estabelecendo “a
drenagem urbana como um dos componentes do sistema de saneamento, ele ainda é considerado
problema menos nobre do que abastecimento de água e coleta de esgotos”.

No caso da cidade do Natal, objeto empírico deste estudo, a inserção de mecanismos de


gestão de riscos ainda está longe de se configurar em uma agenda estratégica que leve a cidade
para um futuro menos vulnerável, mais sustentável e mais resiliente, conforme apresentado a
seguir nas conclusões a que se chega nesta análise.

Conclusões

Conforme assinalado no momento introdutório deste capítulo, a gestão de riscos, no


âmbito do Brasil, ainda não é tema prioritário da agenda governamental, o que se reflete sobre
as agendas das cidades que se demonstram, por sua vez, bastante incipientes quando se trata
da inserção da temática do gerenciamento de risco de eventos adversos. Assim como a gestão
de riscos, outras temáticas ambientais, como as mudanças climáticas, têm se configurado em
estratégia não prioritária nas agendas das cidades brasileiras. Enfim, percebemos uma não
internalização das questões ambientais nas agendas pública e política brasileiras.

224 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Na cidade do Natal, realidade em estudo, apreendemos, a partir dos resultados das


pesquisas, que desde 2008, quando foi finalizado o PMRR de Natal, pouco se tem avançado
no mapeamento e gerenciamento das áreas de risco da cidade, com resultados mais efetivos
(ainda que nem tanto) mais recentemente em virtude do processo de revisão do plano diretor
em vigência. Sendo assim, podemos afirmar que a cidade do Natal passa por um processo de
estagnação na sua gestão de riscos, inclusive com aprofundamento de problemas socioambientais
já existentes, como é o caso da orla das praias da cidade, que necessitam de um maior apoio e
investimento por parte do poder público.

Nessa ótica, observamos que o objetivo proposto no momento da introdução deste capítulo
foi alcançado na medida em que foi possível investigar o atual panorama de incorporação do
tema da gestão de riscos na agenda urbana municipal de Natal a partir, em especial, da análise
do plano diretor municipal em vigência, do PMRR de Natal e do plano de drenagem urbana
municipal.

Dentro de um contexto de estudos e pesquisas na interface Sociedade, Ambiente e


Território, a análise sobre a cidade em estudo pretende servir como um alerta para os órgãos,
sobretudo do governo municipal, para que se discutam acerca da gestão de riscos na cidade do
Natal, buscando a promoção de uma gestão mais efetiva e eficaz, a qual realize ações de
mapeamento, monitoramento e alertas, prevenção e resposta, conforme estabelece o PNGRRDN.
Assim, problemas como deslizamentos de terra e alagamentos na cidade, que atingem
especialmente as populações em situação de vulnerabilidade social, poderão ser solucionados
ou atenuados.

Agradecimentos

Agradecemos, em especial, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior (CAPES) pelo apoio financeiro de toda pesquisa de mestrado do primeiro autor, e ao
projeto CiAdapta (Cidades, Vulnerabilidade e Mudanças Climáticas: uma abordagem integrada
e interdisciplinar para análise e ações de capacidade adaptativa) (Proc. CNPq - 446032/2015-8),
coordenado localmente pelo segundo autor.

225 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

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228 Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira | Zoraide Souza Pessoa


C A P Í T U L O 14

Panorama da Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos: estudo de


caso da cidade do Natal/RN

Anna Lidiane Oliveira Paiva45


Fábio Fonseca Figueiredo46

Introdução

O atual panorama de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, revela que o


crescimento e o desenvolvimento urbano nas últimas décadas estão marcados pelo conflito
entre planejamento e ações materiais para a gestão de resíduos no Brasil. Ressaltamos que as
questões que deveriam ser pensadas para a construção de um novo modelo de produção com
outras formas de consumo estão ausentes do debate nacional em 2020. Os municípios brasileiros em
sua maioria continuam com a gestão inadequada de resíduos sólidos e de eletroeletrônicos.

Este trabalho teve como objetivo, analisar a conjuntura da gestão de resíduos de


equipamentos eletroeletrônicos na cidade de Natal no estado do Rio Grande do Norte - Brasil.
A pesquisa que fundamentou essa análise foi desenvolvida como projeto de mestrado entre
2015 e 2017. Embora o recorte territorial seja de um município, foi necessário para a construção
de indicadores e coleta de dados, em certos momentos, ter como unidade de análise o Brasil, e
apresentar outros municípios como perspectiva comparativa.

O presente texto busca após reflexão acadêmica durante o “XXXI Congreso ALAS”,
expandir o estudo e a visão sobre a gestão de resíduos em cidades brasileiras.

O termo resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE), aqui mencionado,


é amplamente estudado por organizações internacionais, mas no Brasil veio a se consolidar a
partir dos anos 2000, quando estava para ser instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS).

No Brasil, apenas nos anos 90 é que se visionou a possibilidade de um instrumento


regulatório nacional para essa problemática, a qual teve influência direta de organismos
internacionais e grupos de intelectuais. Essa legislação contempla os principais diretrizes para
gestão e orienta o gerenciamento de resíduos sólidos no país, e consequentemente para os
REEE.

45 Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: annadepaiva@gmail.com


46 Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: fabio-
fonsecafigueiredo@gmail.com

229 UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Cabe enfatizar, que no âmbito dessa política, a responsabilidade é compartilhada sobre


o ciclo de vida dos produtos. Levando em consideração práticas de responsabilidade socioambiental
e sustentabilidade, a PNRS recomenda desde a facilitação do acesso à informação aos consumidores
quanto a reciclagem e a geração mínima de resíduos no processo de fabricação.

Além disso, enfatiza que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes são


obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa de determinados produtos,
e entre estes os REEE, quer seja pelas formas já previstas na legislação, ou através de acordos
setoriais.

Dessa forma, reconhece-se que as iniciativas desses atores foram poucas frente a esta
questão, e o ministério do meio ambiente é quem regulamenta e faz o chamamento para acordos
setorial. Mas, no cenário atual poucos acordos foram firmados, os que já foram firmados não
assumem regularidade como a solução única e suficiente para diminuir a chegada de resíduos
as unidades de processamento de resíduos sólidos domiciliares. Assim, o que significaria a
abertura de novas possibilidades para o alcance mínimo de sustentabilidade, perpassa por
outros debates como o da prorrogação constante dos prazos para efetivação da PNRS.

Gestão de Resíduos do Global ao Local

No mundo, a estimativa de geração de REEE em 2014 foi de (41,900 KT) mais de quarenta
e um milhões de toneladas, dentre os quais destacam-se os resíduos de pequeno porte com
pequena expectativa de tempo de uso e influência da obsolescência em suas diferentes formas.

A discussão sobre REEE possui interfaces e estudos importantes, no que se refere as


questões internacionais de trafego ilegal de resíduos (WIDMER et al., 2005) evidenciam não
somente o descarte inadequado de resíduos, como também o desmantelamento prejudicial ao
meio ambiente e aos trabalhadores informais que queimam e desmontam equipamentos sem
utilidade que compõem em alguns casos, o cenário do ambiente urbano de algumas cidades
africanas e asiáticas.

Convém mencionar que, na América Latina a geração de REEE é díspar em seus


diferentes territórios e muitos países não possuem legislação específica para gerenciamento ou
gestão, sendo o México e o Brasil os principais geradores desses resíduos (MAGALINI, et al.,
2015).

Nas cidades brasileiras, a realidade ainda não adquiriu grandes proporções dada a
oportunidade que esses resíduos oferecem aos sucateiros e novos empreendedores da reciclagem,
mas não torna diferente a realidade de catadores e das cooperativas e associações (DEMAJOVOVIC
et al, 2016; XAVIER, 2010, 2014).

230 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Nesse sentido cabe enfatizar que alguns modelos de logística reversa são implementados
com êxito em países centrais que possuem regulamentações específicas, nesse sentido cabe a
ênfase de que a infraestrutura e coesão social são fatores importantes para execução de
diretrizes dessa dimensão.

Por isso o entendimento de efetivação da logística reversa enquanto parte da Política


Nacional de Resíduos Sólidos deve considerar que as questões das dimensões territoriais
brasileiras, assim como o atual sistema institucional para resíduos poderá vir a se consolidar
nas próximas décadas. Com esse propósito, as iniciativas desse sistema assim como sua
manutenção devem ser estruturadas a partir da satisfatória articulação entre mercado, Estado e
sociedade (XAVIER et al., 2010).

Nessa perspectiva, a presença de bens duráveis nos domicílios particulares brasileiros


tem relação direta com o aumento da quantidade dos resíduos sólidos, haja vista que a vida
útil desses equipamentos determina a substituição de equipamentos por outros que já estão
no mercado. As melhorias tecnológicas percebidas nas últimas décadas confirmam também a
tendência de aumento da geração de REEE.

Os dados sobre a presença de equipamentos eletroeletrônicos nos domicílios brasileiros, que


o IBGE classifica como bens duráveis, demonstram a existência de rádio e televisão em 81,42%
e 95,06% respectivamente, dos domicílios pesquisados no Censo Demográfico de 2010. Apesar
de esses dados demonstrarem a existência de determinados equipamentos em domicílios no
Brasil em período de tempo específico, não é possível, através dos dados da PNDAD (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), inferir com que frequência esses equipamentos
são trocados por outros equipamentos.

Com relação à porcentagem de posse de algum tipo de telefone, a PNAD 2014 aponta
que, nas unidades domiciliares, foi de 93,46%. No que se refere à posse somente de telefone
móvel celular, o percentual foi de 56,3% da amostra dos domicílios. De acordo com o IBGE,
houve aumento quanto à existência de algum tipo telefone em 0,9%. Esses aumentos são em
comparação com a pesquisa no ano anterior (2013).

A presença dos telefones celulares nos domicílios brasileiros em 2003 era de 11,19%.
No período de dez anos, esse percentual chegou a 53,97%, demonstra também que o acesso
a outros tipos de equipamentos eletroeletrônicos, como no caso de computadores e celulares,
estava se estabelecendo. No entanto, destaca-se uma mudança substancial dessa realidade nos
dados da PNAD visto que em 2018 o percentual dos que tinham telefone móvel celular foi de
(93,2%) e permaneceu inalterado desde 2017.

É importante ressaltar que o uso de Internet no Brasil passou a ser uma categoria de
pesquisa do IBGE somente a partir de 2005, e, nesse ano, 31,9 milhões de pessoas declararam
ter utilizado internet no período de referência das entrevistas. Em 2008 foram 55,9 milhões,

231 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

em 2009 os números cresceram para 67,9 milhões, em 2011 foram 77,7 milhões de pessoas a
acessar a internet, e, por fim, em 2014, aproximadamente 95,4 milhões. A Internet, no ano de
2017, era utilizada em 74,9% dos domicílios do Brasil, e este percentual subiu para 79,1%, no
ano de 2018.

Em 2017, o microcomputador era usado para acessar a Internet em 52,4% dos domicílios,
em 2018 este percentual estava em 48,1% dos domicílios no País, em que havia utilização desta
rede. Observa-se também o uso de novas ferramentas para acesso a internet, como a televisão,
o tablet e o celular. Por isso destacou-se como relevante que no País, que em 2017, o percentual
dos domicílios em que havia utilização da Internet através do telefone móvel celular era de
98,7%, em 2018, foi de 99,2%. Na área rural o percentual de domicílios chegou a 99,4%.

Esses dados indicam que houve uma mudança nas formas de uso da internet, princi-
palmente um acelerado crescimento do uso de telefones celulares no Brasil, especialmente nas
áreas rurais. O que pode estar atrelado ao preço desses equipamentos ser menor que o preço de
um computador.

Esse crescimento implica posteriormente no descarte massivo desses equipamentos.


Percebe-se que ao passo que aumenta a presença de telefones celulares e computadores nas
residências, há uma diminuição no uso do telefone fixo, o que demonstra uma outra relação em
termos de comunicação interpessoal, principalmente quando ocorre o aperfeiçoamento desses
aparelhos móveis para a conexão direta com as redes de internet, os dados da PNAD reforçam
a tendência já percebida do aumento do uso da internet nas áreas rurais do país.

Dessa forma, para a gestão desses resíduos de equipamentos eletroeletrônicos mostra-se


indispensável a organização de um sistema de logística reversa, o qual deve ser executado
exclusivamente pelos responsáveis atribuídos nessa Lei, ou pelo setor público quando for
remunerado para isso, haja vista que a legislação desobriga o sistema público de limpeza urbana
de responsabilizar-se por coleta ou destinação de resíduos especiais.

Esse sistema que prevê responsabilidades específicas aos atores, encarrega o Estado de
regulamentar as ações de estruturação do modelo nacional de retorno de resíduos. Destaca-se
que os estados e prefeituras deviam organizar planos que contemplassem satisfatoriamente os
meios possíveis a serem utilizados para implementar e operacionalizar os instrumentos dessa
política em período determinado nos acordos setoriais, dessa forma os municípios a depender
de fatores econômicos e populacionais devem implementar postos de recolhimento dos REEE.
A princípio é uma pequena parcela desses municípios que deve organizar seus sistemas, em
conformidade com as metas anuais do governo federal outras estruturas serão solicitadas.

Deve-se considerar que os 5.570 municípios brasileiros têm que organizar seus
orçamentos para a efetivação do que prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O destino
dos repasses provenientes da União e dos estados precisarão passar adequação para essas

232 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

novas despesas. No entanto, deve-se considerar ainda que, a dinâmica socioeconômica é o fator
determinante das quantidades de resíduos gerados e a destinação de recursos está condicionada
ao fluxo de gerenciamento e aos aspectos de composição dos resíduos em qualquer dimensão
de município.

Metodologia

O estudo de resíduos no Brasil, encontra limitações como a imprecisão de dados


estatísticos, o que muitas vezes ocorre pela falta de estrutura adequada para monitoramento
de resíduos. Diante de tais desafios o método de trabalho adotado, foi o estudo de caso, por
permitir utilizar técnicas capazes de lidar com diferentes evidências, como documentação,
entrevistas, observação quando os limites entre fenômeno e contexto não estão bem delimitados
(YIN, 2001). Nesse estudo de caso a fotografia foi usada como ferramenta para interpretar a
espacialidade da gestão, nesse sentido de projetar uma realidade sobre o espaço. No caso, a
realidade da gestão no município. Diante da problemática dos resíduos na cidade de Natal que
é capital do Estado do Rio grande do Norte, tendo expressiva relevância quanto a presença de
empresas receptoras de resíduos de EEE.

A pesquisa foi fundamentada a partir da percepção de que Natal e outras cidades brasileiras
– a partir da pesquisa bibliográfica e da pesquisa de campo – enfrentam atualmente problemas
característicos do acúmulo dos resíduos eletroeletrônicos. Para melhor aprofundamento desse
debate, foi utilizada a técnica de entrevistas semiestruturadas, as quais foram realizadas com
representantes das instituições mais relevantes naquele município no tocante a gestão de resíduos,
a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal (SEMURB), Companhia de Serviços
Urbanos de Natal (URBANA), visitas a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis do
Rio Grande do Norte (COOCAMAR) e a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis
da Cidade do Natal/RN (COOPCICLA). Estas foram esclarecedoras da atuação do Estado,
mercado e sobre as expectativas dessas instituições para com a sociedade.

No estudo dos principais instrumentos de regulação de resíduos sólidos no Brasil


encontra-se com frequência aspectos pouco explorados relativos as instituições formais. Nas
unidades federativas brasileiras há diferentes legislações que datam desde período anterior a
legislação nacional e acredita-se ser esse o motivo de haver leis em tão alto número devido à
ausência de Lei federal que definisse as estruturas da gestão e nível nacional (PAIVA, 2017).
Por esse motivo, utilizou-se a PNRS como documento principal e seus documentos auxiliares,
tais como os decretos, acordos e propostas de acordos setoriais.

233 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Panorama da Gestão de REEE no município de Natal-RN/Brasil


Em Natal, a gestão de resíduos torna-se mais desafiadora a medida dos anos. O processo
de transição nessa cidade ocorreu com a transformação institucional do antigo lixão do bairro
de Cidade Nova em projeto de estação de transbordo. Trata-se nesses termos visto que o que
poderia vir a ser um espaço de gerenciamento de resíduos, torna-se com o passar dos anos um
monte de lixo cada vez mais alto.

O município em questão transporta os resíduos para o aterro sanitário da região


metropolitana e à medida que a geração de resíduos cresce os custos com essa gestão aumentam
proporcionalmente. No que diz respeito ao objeto deste estudo, as cooperativas estocam os
REEE conforme a Figura 1 e os repassam a atravessadores que os revendem a empresas situadas
em outros estados brasileiros.

Figura 1- Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos depositados em cooperativa de


Natal-RN

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2016.


O quadro de estruturação da logística reversa, apesar de ser teoricamente compartilhado


na cidade de Natal, confirma a ausência de processos normalizadores dessa cadeia para proce-
dimentos de gerenciamento ou de técnicas operacionais. Isso implica diretamente na falta de
referências satisfatórias para corresponder a demandas dos atores (EWALD; MORAES, 2014).

Nesse sentido, destaca-se a necessidade de estruturas para a cadeia de reciclagem desses


resíduos no que diz respeito a organização de um sistema que contemple os atores que estão

234 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

aquém desses grandes acordos nacionais, os catadores de material reciclável.

Esteve claro durante a pesquisa de campo que os paradigmas existentes com relação
ao tema dos resíduos – que são expostos pela literatura do tema – são confirmadores da
necessidade de mudança das estruturas de gerenciamento e gestão dos resíduos. Tal afirmativa
é verificável diante da triangulação de informações apresentadas nas entrevistas na SEMURB,
URBANA e duas empresas que compõem o sistema de recebimento de REEE na cidade de
Natal.

Nessa perspectiva pode-se apresentar como fatores relevantes a pouca articulação


interinstitucional entre a secretaria e a autarquia responsável pela limpeza urbana. Esse fator
caracteriza a gestão como não satisfatória do ponto de vista do pouco envolvimento, o qual é
caraterizado pela realização de campanhas esporádicas de recolhimento de REEE, conforme
pode ser visto na Figura 2, em parceria com empresas receptoras de resíduos.

Figura 2- Placas de equipamentos eletroeletrônicos arrecadados em campanha

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

No caso em questão, essas ações são descritas por ambos os setores das mencionadas
instituições como ações de conscientização e educação ambiental.

Em se tratando de gestão essas ações estão atenuando de maneira incipiente o meio ou


finalidade de diminuição da geração local de resíduos, assim como de disposição correta dos
mesmos.

No que diz respeito ao gerenciamento, essa única prática realizada no município, não
atende os setores e zonas da cidade por inteiro. Haja vista a falta de periodicidade, ausência de

235 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

clareza nas campanhas, falta de finalidade das mesmas e articulação territorial inadequada. Em
Natal as campanhas, ocorrem em poucos bairros da cidade, destaca-se que na zona norte que é
a mais populosa da cidade essa campanha foi realizada menos vezes.

As empresas que atuam no mercado de reciclagem se posicionaram independentemente


das instituições, foi percebido durante a pesquisa de campo e externalizado durante as entrevistas
que organização das empresas independe da realização de coletas de eletrônicos junto à
população, o recolhimento de resíduos é caracterizado pelos empresários desse segmento como
insuficientes para fomentar a movimentação desse mercado por não propiciar recolhimento de
materiais considerados valiosos que são as placas de circuito.

Esse material, que movimenta a indústria de reciclagem é obtido principalmente através


de parcerias com lojas de conserto de equipamentos eletroeletrônicos e de lojas autorizadas e de
manutenção parceiras de grandes marcas do nicho tecnológico de EEE.

Dessa forma, a partir do estudo foi possível identificar diferentes configurações


articulações internacionais de resíduos – que são verificadas principalmente com países
importadores de resíduos para mercado informal ou para indústria de reciclagem – é acessível
através de outras empresas, as quais estão distribuídas principalmente nas regiões Sudeste e
Sul do Brasil.

Para a dinâmica da cadeia produtiva de reciclagem é o aproveitamento seletivo de


materiais que importa, nela os materiais que tem valor significativo são exportados do país,
o que se distancia da prática com outros materiais. Como no caso do plástico proveniente de
televisores de tubo de raios catódicos e de monitores de computadores conforme pode ser
visto na Figura 3, esse plástico em sua maior parte é destinado ao aterro sanitário na região
metropolitana de Natal mediante pagamento pelo depósito do material.

Figura 3- Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos no estoque de empresa em Natal-RN

236 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

Esse material pode chegar aos aterros sanitários quando não garante ao empresário
retorno significativo pela sua estocagem ou envio a empresas recicladoras, ou seja, quando
não representa um lucro significativo as expectativas ele pode vir a receber outra destinação
ambientalmente adequada.

Nesse sentido destaca-se práticas vistas no ambiente urbano da cidade de Natal,


principalmente em bairros da periferia da cidade conforme a Figura 4. Nesses locais é comum
ver a disposição inadequada de resíduos de EEE junto aos resíduos sólidos urbanos, ou seja, o
resíduo proveniente das residências permeado de televisores, computadores e outros.

Figura 4- Resíduos diversos e tubos de televisões em terreno no bairro Planalto em Natal-RN

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2017.

As instituições de fiscalização relatam essa prática como fato comum, algo que não
podem coibir diante do pouco efetivo de fiscais, quando é possível aplicam sanções legais,
desde notificações até multas. Esses atores do setor público, ressaltam que os geradores de
resíduo em grande escala e os trabalhadores informais do setor de consertos são exemplos de
agentes notificados por essas práticas, mas que as secretarias atuam por meio de denúncias que
a população local faz e que geralmente os proprietários de áreas que estejam nessa situação é
que respondem pelo ocorrido.

Temos como consequência desses processos, a ausência de um ambiente urbano que


possibilite a população uma boa convivência nos espaços da cidade. Essa realidade apresentada
nas imagens se agrava em áreas de ocupação irregular ou de vulnerabilidade social conforme
seja maior o grau de exposição ao risco ambiental.

237 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

No âmbito dessa cadeia, as cooperativas de catadores de materiais recicláveis em Natal


são pouco favorecidas economicamente, haja vista que a coleta seletiva no município não atinge
percentual significativo para esse fim e inexistem parcerias do município com esses atores
para participação nas campanhas ou iniciativas em projetos que se relacionem a esse setor de
reciclagem. Dessa forma, nos espaços das cooperativas é comum a presença de eletrônicos
amontoados sem prévia triagem, os REEE que chegam a este estabelecimento são distribuídos
entre os membros quando é possível a reutilização ou conserto.

É possível constatar que não existe uma articulação entre as instituições e os agentes
diretos da cadeia produtiva. Inexiste a integração das instituições púbicas no âmbito das ações
municipais, assim como também não há uma integração do entendimento a respeito da gestão
de resíduos. As empresas privadas que comercializam os REEE não têm parcerias com as
cooperativas de catadores de materiais recicláveis em Natal, nem há a inclusão

Considerações Finais

As observações da geração local e global de resíduos são claras quanto ao aumento


das proporções de REEE, fato esse que apresenta desafios para os municípios brasileiros. O
presente estudo apresentou, como parte empírica do processo de pesquisa, que a gestão pública
no que se refere aos resíduos no município de Natal, ainda está estruturando seu próprio sistema
de gestão e gerenciamento de resíduos para a efetivação das prerrogativas e orientações da
PNRS quanto a logística reversa de resíduos. A organização atual ainda perpassa pela pouca
articulação interinstitucional e mesmo no interior dos órgãos municipais.

No âmbito dessa cadeia de reciclagem de REEE, que é global, ainda são as cooperativas
e os catadores de materiais recicláveis em Natal que se constituem como elo frágil desse
processo. As dinâmicas locais que envolvem esse processo estão centradas em duas empresas
do município que concentram o recebimento desses resíduos a partir de parcerias com lojas
de conserto e que vendem os resíduos que tem valor significativo a empresas nacionais que
exportam esses componentes.

Compete destacar que embora a PNRS oriente e o Estado planeje, não é possível
visualizar a integração desses atores sociais com essas instituições como essa norma previa
anteriormente. Constatamos que ainda ocorre a culpabilização da população pelo cenário
urbano, o catador no discurso dos representantes das instituições de governo e das empresas
permanece estigmatizada no argumento da ausência de capacidade técnica no trato dos REEE.

Dessa forma, percebe-se que o planejamento local para estruturação de sistemas


de logística reversa ainda não está desenvolvido. Esse fato acelera diversos processos com
implicações socioambientais e socioeconômicas, e demonstra que a gestão técnica de resíduos,

238 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

embora moderna, está distante de atingir as previsões legais da PNRS. Esse cenário de ausência
de articulação, coordenação, integração em 2020 se configura como indicador da inexistência
de uma gestão compartilhada como foi previsto dez anos atrás na PNRS.

Referências

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______. DECRETO Nº 7.404, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2010. Regulamenta a Lei no


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239 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


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240 Anna Lidiane Oliveira Paiva | Fábio Fonseca Figueiredo


CA PÍ T U L O 15

A Economia das Eólicas no Rio Grande do Norte

Rebeca Marota da Silva47


Fábio Fonseca Figueiredo48

A economia das eólicas se instala no Rio Grande do Norte a partir da urgência nacional
em resolver a questão da crise energética elétrica. O desafio de quem pensa o setor como estratégia
de desenvolvimento é observar se as políticas escolhidas, propiciaram a formação de setor
autônomo e independente. Nessa perspectiva, o presente capítulo objetiva identificar a como os
programas de incentivos locais ao desenvolvimento promoveram da economia das eólicas para
integração regional e setorial.

As reflexões presentes neste trabalho, partem do trabalho de dissertação “Dinâmica


Socioeconômica das Eólicas no Rio Grande do Norte (2002-2015): Microrregiões e Políticas
de Desenvolvimento Local”, defendido no Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos
e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Adotou-se como plataforma
metodológica o método de investigação histórico-estruturalista (FURTADO, 1979). A pesquisa
parte da análise dos fatos históricos que se manifestaram em diferentes períodos impactando
positiva ou negativamente as estruturas produtivas e sociais. Neste trabalho, o recorte temporal
ocorre entre os anos 2002 e 2015.

Para a construção da matriz estrutural do objeto de análise, o estudo recorreu a dados


quantitativos sociais e econômicos. Para tanto, foram utilizados como fontes o banco de dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEADATA).

Para atender ao objetivo do trabalho em tela, dividiu-se o texto em três seções, além
desta introdução e das considerações finais: 1) Desenvolvimento e economia das eólicas – que
trata das potencialidades da economia das eólicas para o desenvolvimento; 2) Políticas Locais
de Incentivo à Economia das Eólicas – como o RN atuou na promoção do setor; 3) Economia
das Eólicas e integração regional: os papéis de Natal e Mossoró – a importância das principais
cidades do RN para o fortalecimento do setor eólico.

47 Doutoranda e Mestra em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: rebeca.economia@gmail.com


48 Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). E-mail: fabio-
fonsecafigueiredo@gmail.com

241 UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Desenvolvimento e economia das eólicas

A Economia das Eólicas é uma atividade globalizada. Os diversos agentes do setor


interagem na troca de conhecimento, bens e serviços de forma internacionalizada. Observa-se
que esta atividade, para além de possuir uma vertente ambiental, satisfaz a corrida internacional
por fontes energéticas menos poluidoras, apresenta atrativos para o investimento capitalista.
Contudo, vale ressaltar que esse setor foi alavancado devido às políticas desenvolvidas pelo
poder público que tornaram a atividade eólica competitiva frente às fontes tradicionais.

A produção de energia eólica é uma atividade econômica com uma complexa cadeia
produtiva, que possui três etapas fundamentais: 1) tecnologia – P&D (Pesquisa e Desenvolvimento
como busca pela viabilidade econômica e pelo aumento progressivo da confiabilidade da tecnologia),
estudos de viabilidade (programas demonstrativos e testes de campo com análise da viabili-
dade técnica, econômica e comercial), centros de pesquisa e estações de testes (realização e
gerenciamento das atividades de P&D, ponto focal na intervenção entre os atores da indústria);
2) indústria – Máquinas e equipamentos (Fabricação do maquinário e dos equipamentos para
a produção de energia eólica), Construção, Transporte e conexão com a rede elétrica (infraestrutura
para implantação dos parques eólicos); e 3) mercado – distribuição (distribuição da produção
ao sistema elétrico), Operação de manutenção (técnicos, conhecimento e peças de reposição
para a manutenção do equipamento de geração de energia eólica), Monitoramento da produção
e vendas (manutenção e busca por novos mercados).

Quando completa, a economia das eólicas é responsável pelo desenvolvimento do setor


e pela ativação de diversos setores econômicos. Pensar em energia eólica apenas enquanto
insumo produtivo é ficar à margem de toda a potencialidade de um setor de grande engajamento
econômico. Ressalta-se que, em um cenário de redução da participação do Estado na intervenção
das leis do mercado, o poder público amparou-se na ampla discussão e importância dadas aos
limites dos recursos naturais em âmbito nacional e internacional para justificar a implementação
de políticas de incentivo à indústria energética nascente. Em que pese as pressões para um
Estado não interventor, defesa do mercado livre e competitivo, o setor eólico recebeu incentivos
para o seu desenvolvimento devido à necessidade de ampliação de novas fontes de energia para
contribuir com a segurança energética nacional e com o melhor uso dos recursos naturais.

As principais benesses de um país possuir uma indústria eólica completa estão na


autonomia econômica para expandir a oferta para além de suas fronteiras; na independência
para modernização de suas tecnologias e na segurança nas operações de manutenção por serem
detentoras do conhecimento científico-tecnológico.

No caso brasileiro, o principal programa de incentivo ao setor, o Programa de Incentivo


às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), estabeleceu metas de crescimento ao
setor por meio de um desenvolvimento industrial desconectado com o contexto mundial,

242 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

restando apenas a iniciativa de políticas de incentivo ao mercado. A priorização das políticas


de mercado frente à indústria e à tecnologia foi de encontro com a estratégia adotada pelos
outros países que entraram tardiamente na indústria eólica, que enfatizaram a formação de uma
indústria produtiva e o domínio da tecnologia importada (CAMILLO, 2013).

Não se trata de afirmar que o PROINFA não trouxe resultados positivos para o setor
eólico brasileiro. A criação de um mercado tornou viável a produção de energia eólica no Brasil.
A crítica aqui construída é que, apesar do Brasil apresentar-se com grande potencial de produção
de energia eólica no mundo, a sua indústria eólica é dependente tecnologicamente de outros
países. Portanto, o seu potencial é limitado ao mercado enquanto consumidor de máquinas e
equipamentos eólicos e geração de energia.

Assim, o quesito incremento do eixo tecnológico, crucial para o desenvolvimento do


setor eólico em nível nacional, o Brasil não atendeu de forma satisfatória. A indústria brasileira
eólica é de montagem, de menor peso tecnológico e valor agregado. Segundo Camillo (2013),
as políticas brasileiras do setor não privilegiaram a indústria nacional ou a adaptação da tecnologia:

O Brasil não estabeleceu uma estratégia deliberada de aprendizado e inovação em


energia eólica ou de incorporação local da tecnologia. O PROINFA não trouxe
nenhum instrumento de estímulo direto ao aprendizado e ao desenvolvimento tec-
nológico endógeno das fontes alternativas – os instrumentos do programa focaram
essencialmente o lado da demanda de energia com algumas medidas voltadas para a
indústria de turbinas. Também não foi criado, desde então, nenhum novo programa
ou incentivo à pesquisa com foco específico em energia eólica. Não se estimulou o
desenvolvimento de um sistema local de certificação – as turbinas e componentes
vêm com certificação de órgãos internacionais. E não se buscou estabelecer um centro
de referência em energia eólica que pudesse realizar testes, projetos experimentais
e funcionar como um ponto focal de interação entre os atores da indústria como
ocorreu nos países líderes (CAMILLO, 2013, p.159).

Revela-se assim a necessidade de alinhamento tecnológico entre os países centrais e


países periféricos por meio da expansão da capacidade instalada, desenvolvimento da tecnologia ou
das indústrias de turbinas e componentes etc. Para tanto, é necessário que os países periféricos
alcancem a independência tecnológica mediante um planejamento governamental podendo, de
tal modo, se posicionar no mercado internacional de forma competitiva.

Dessa forma, ao importar tecnologias e equipamentos, os países periféricos devem atentar para
o fato de como essa tecnologia chegou em seus territórios. A forma como os países absorvem
essas tecnologias irá determinar o grau de independência e competitividade no setor.

243 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Políticas Locais de Incentivo à Economia das Eólicas


Ao que se refere às políticas de incentivo ao desenvolvimento da energia eólica49, essas


foram de responsabilidade da União, por meio do PROINFA e da realização dos leilões para
a fonte eólica, com principal foco no mercado. As políticas nacionais em prol da energia
eólica possuíam o objetivo principal de ampliar a capacidade produtiva do setor de energia, ou
seja, garantir a ampliação do abastecimento de energia elétrica era uma questão de segurança
energética nacional. Segundo o anuário Cenários da Energia Eólica (2015), dentre as principais
reivindicações dos investidores em energia eólica estão a garantia de Mercado, a Desoneração
de Impostos em toda a cadeia produtiva e Infraestrutura.

A garantia de mercado é feita atualmente por meio de leilões50 para a fonte eólica.
Contudo, segundo o anuário Cenários (2015), para os investidores esta política é limitada e
precisa ser ampliada. Quanto ao mercado de energia eólica nacional, ocorre a necessidade da
criação de um calendário definido de leilões e ampliação da quantidade mínima (400 MW) de
energia eólica prescrita para o governo comprar.

Outro importante desafio do mercado, apontada por Macedo (2015), trata-se da


ampliação das linhas de transmissão, o que tem sido um dos maiores entraves na expansão da
energia eólica no Brasil. Além da necessidade de ampliação dos investimentos em construção
de linhas, existe uma falta de sincronia entre os prazos de construções dos parques e os das
linhas de transmissão. É de grande importância que ao término das construções dos parques já
existam linhas de transmissão elétricas prontas para realizarem o envio da energia produzida
para a Rede Central Elétrica. Caso contrário, os produtores são penalizados em custos de
manutenção do sistema sem o escoamento da energia.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, que objetivou


promover a retomada do planejamento e execução de obras de infraestrutura, incluindo a energética,
investiu na ampliação da transmissão de energia. Segundo os dados do PAC, até 31 de dezembro
de 2016, no Rio Grande do Norte foram investidos aproximadamente R$ 794 milhões em obras
de transmissão de energia.

O desenvolvimento da economia das eólicas possui outro gargalo com relação à


infraestrutura, trata-se das dificuldades logísticas de transportar e entregar os produtos para
montar os parques eólicos. As principais vias de transporte de equipamentos eólicos são rodoviárias
e marítimas. A estrutura dessas vias é decisória na escolha do local onde serão instalados os
parques e fábricas de equipamentos eólicos.

49 A respeito de Políticas de Incentivo de Inovação à energia eólica ver Camillo (2013), e sobre as diversas políticas de
incentivos à energia eólica brasileira ver detalhes em Macedo (2015).
50 Acerca do histórico dos leilões no Brasil, ver detalhes no Capítulo 3 da tese de Macedo (2015)

244 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

O problema central das vias marítimas é a estrutura portuária. No caso do Rio Grande do
Norte, a infraestrutura portuária é composta por três portos. O primeiro é o Terminal Portuário
de Natal, situado na capital potiguar, à margem direita do Rio Potengi, a 3Km de sua foz. O terminal
é administrado pela Companhia Docas do Rio Grande do Norte (CODERN), destacando-se
na exportação de frutas e outras cargas refrigeradas, as quais perfazem cerca de 30% da
movimentação do escoadouro, além de rochas (quartzitos) e cabotagem de cargas em contêiner.

O segundo é o Porto-ilha de Areia Branca, também administrado pela CODERN, com


a capacidade de movimentação de 3,4 milhões de toneladas de sal por ano. É um porto offshore
especializado no escoamento do sal marinho produzido no noroeste do estado, cuja repre-
sentatividade no total da produção nacional é de 95%.

O terceiro é o Porto de Guamaré, administrado pela PETROBRÁS. Esse terminal


portuário é especializado no embarque e desembarque de pequenas e médias cargas usadas
pela referida empresa na operação da refinaria Clara Camarão. Sobre esses portos, Macedo
(2015) pondera:
[...] não comportam navios de grande porte, nem linha de cabotagem para movi-
mentar grandes contêineres. Logo, não apresentam uma estrutura compatível para o
transporte de equipamentos eólicos, como pás e torres, nem escala de produção no
segmento metalmecânico capaz de atrair fabricantes da indústria eólica, podendo,
assim, aproveitar das economias de escopo que esse setor engendra por meio do
processo de diversificação da produção (p. 313).

Apesar dos investimentos do Governo Federal em infraestrutura em logística no país,


o Rio Grande do Norte não possui um porto com a capacidade necessária para atender
as demandas da indústria eólica. Este fato revela-se como um entrave ao setor uma vez que
o porto é um elemento da infraestrutura que está diretamente relacionado com a escolha dos
locais para instalação de Fábricas de Pás e Turbinas51. As fábricas desses equipamentos podem
ser instaladas em qualquer território – até mesmo naqueles que não possuem potencial de
geração eólica –, mas o mais importante para essas fábricas é a possibilidade de escoamento da
produção, e um porto que comporte as necessidades do setor torna-se fundamental.

A questão das rodovias parece ser tão problemática quanto a marítima. Macedo (2015)
aponta que as principais vicissitudes das rodovias são:

• Escala na demanda: ausência de sincronização entre entrega das cargas realizada pelos caminhões nos
portos e a ancoragem dos navios, que acarreta risco de equipamentos parados;

• Limite de transporte diário: são permitidas no máximo duas carretas por dia e não é permitido
o tráfego noturno nas BR’s, além da demanda de licença para o fechamento de alguns trechos do
percurso. Elevando assim a demora no transporte dos equipamentos e encarecimento da operação.

51 As fábricas de torres encontraram uma solução para evitar o transporte para longas distâncias sendo construídas e
operando de forma temporária perto dos parques eólicos em construção, evitando assim as dificuldades e custos
de cabotagem.

245 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Segundo o documento ‘Mais RN’, a solução para esse caso seria a criação de um corredor logístico,
com infraestrutura que permita que os equipamentos cheguem sem barreiras aos locais de destino;

• Autorização Especial de Transporte (AET): para realizar a viagem desses equipamentos é necessária
solicitar autorização ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), elevando o
prazo para a entrega dos equipamentos;

• Manutenção das rodovias: devido ao valor agregado dos equipamentos, as condições das rodovias
representam uma preocupação e cuidado maior com o seu transporte.

Para melhorar a situação delicada dos transportes de equipamentos por via rodoviária,
encontraram-se dois tipos de parcerias institucionais: uma promovida pela ABEEÓLICA, que
criou o GT Logística, e a outra pelo CERNE, organizando um mapeamento de um corredor de
passagem.

Segundo Macedo (2015), o GT Logística, em parceria com fabricantes de aerogeradores,


empresas de transporte terrestre e cabotagem e com o Sindicato Nacional das Empresas de
Transporte e Movimentação de Cargas Pesadas e Excepcionais (SINDIPESA), formulou para o
curso de transporte de cargas especiais, oferecido pelo Serviço Social do Transporte e Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST/SENAT), um módulo específico sobre o setor
eólico. O módulo sobre o transporte de carga de equipamentos e componentes eólicos
é importante para a formação dos profissionais que realizam o curso, que é obrigatório para
quem realiza o transporte de cargas especiais. Ao abordar a temática, o GT Logística contribui
para a prevenção de possíveis avarias e superação de dificuldades no transporte dos equipamentos e
componentes eólicos.

O mapeamento do corredor de passagem de máquinas e equipamentos eólicos, organi-


zado pelo CERNE em parceria com transportadoras, empresas empreendedoras, Governo do
Estado, Prefeituras e companhias, como a COSERN (distribuidora de energia) e a CODERN
(administradora do porto de Natal), segue no sentido de criar uma solução única que viabilize
o processo de transporte (CERNE, 2014).

Por meio das políticas de incentivo à produção de energia eólica, houve uma elevação
da demanda industrial, ou seja, de máquinas e equipamentos para a geração energética.
Entretanto, quando se iniciou a corrida nacional pela ampliação da matriz energética, a indústria
nacional era incipiente e foi necessária a importação de máquinas e equipamentos.

Do início da inserção eólica no país, nos anos 2000, ao período que finaliza a análise
do presente capítulo, em 2017, a cadeia produtiva da indústria eólica conseguiu avançar no
sentido de consolidar-se no setor. Todavia, ainda é dependente da tecnologia e dos principais
componentes dos equipamentos eólicos de origem externa. Este foi o resultado das políticas
nacionais para a expansão energética que priorizou os incentivos à criação do mercado,
negligenciando os eixos industriais e tecnológicos (CAMILLO, 2013).

246 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

De forma paliativa, algumas medidas foram tomadas como forma de incentivar


a indústria nacional e local. Do ponto de vista nacional, o incentivo principal dado à indústria
foi a criação de uma linha de crédito especial para o setor eólico pelo BNDES, permitindo uma
abertura de financiamento com juros reduzidos, prazos compatíveis com o tipo de investimento e
eliminação do risco cambial na importação de componentes e peças eólicas (MACEDO, 2015).

O financiamento do BNDES se aplica à produção e aquisição de máquinas e equipa-


mentos nacionais, estimulando assim a indústria nacional. Os projetos de parques eólicos podem
ser financiados em até 80% pelo BNDES, com a seguinte metodologia:

[...] credenciamento e a apuração do conteúdo local para aerogeradores, estabelecendo


metas físicas, divididas em etapas, que deverão ser cumpridas pelos fabricantes de
acordo com um cronograma previamente estabelecido” (MACEDO, p. 241, 2015).

Além do crédito a juros baixos, outra via de estímulo à industrialização são as políticas
locais de desenvolvimento industrial. As principais medidas que a gestão local pode adotar
para promover a indústria eólica são: infraestrutura - obras viárias, água, esgoto, energia e
telefonia –, incentivos fiscais – por meio da isenção de impostos – e promoção de qualificação
de mão de obra e de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento.

O Rio Grande do Norte não possui um programa específico para o desenvolvimento


do setor das energias eólicas que englobe as medidas enunciadas anteriormente. Até mesmo o
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial52 (PROADI), não viabiliza empreendimentos
do setor eólico. O estado possui uma fábrica de torres de concreto que não tem o direito de
receber o benefício por estar vinculada ao setor da construção civil, não englobado pelo programa
de isenção. Apesar dos múltiplos esforços do Governo do Rio Grande do Norte para atrair
investimentos em energia eólica, a gestão local não criou um programa específico de incentivos
ao setor. Contudo, em 2013, o Governo do Estado assinou um acordo de empréstimo firmado
junto ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – Banco Mundial – para
implementação do Projeto Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte
– Projeto RN Sustentável –, cuja proposta é:

Apoiar o Governo do Estado a atingir os seus resultados estratégicos planejados a


partir da combinação de investimentos que favoreçam o crescimento econômico
inclusivo, a redução da pobreza, a prosperidade partilhada, a redução das desigual-
dades e uma ampla base de desenvolvimento humano (RIO GRANDE DO NORTE,
[2013], p.19).

52 PROADI é regido pela Lei 7.075, de 17/11/1997 e o Decreto 13.723, de 24/12/1997. Detalhes sobre a participa-
ção do PROADI no desenvolvimento industrial potiguar ver o Capítulo 3 do Livro de Araújo (2010).

247 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Na proposta do programa estadual ‘RN Sustentável’ estão a promoção de investimentos


em estratégia de desenvolvimento regional integrado, por meio do financiamento de infraestrutura
socioeconômica (estradas, equipamentos turísticos etc.), investimentos socioambientais
e produtivos com base na redução das desigualdades regionais. Nesse quesito, a questão energética
para o Rio Grande do Norte se relaciona ao Plano Estratégico do Governo Estadual, financiado pelo
RN Sustentável/Banco Mundial num plano de longo prazo, até 2035. Desse plano identificaram-se os
seguintes objetivos que estão associados, de forma direta e indireta, com a promoção do setor
de energia eólica no Rio Grande do Norte:

• Estabelecer, no Rio Grande do Norte, um Parque Tecnológico que articule áreas estra-
tégicas de desenvolvimento de empresas de base tecnológica com foco na geração de
emprego de alta qualificação e renda para o estado;

• Restaurar e realizar a manutenção de todas as rodovias existentes no RN, em ritmo de


100 Km/ano para restauração e 500 Km/ano de conservação regular, mantendo o novo
padrão técnico definido pelo DER;

• Incentivar a implantação de parques eólicos no estado por meio da cessão dos terrenos
públicos com alta incidência de vento para a instalação desses empreendimentos;
concessão de benefícios fiscais para compra de equipamentos e de incentivos para
produção de equipamentos e insumos no Estado do RN.

Observe que os objetivos do Plano Estratégico do Governo do Estado vão ao encontro


das principais reivindicações dos investidores em energia eólica: parque tecnológico, infraes-
trutura logística e incentivos industriais (CENÁRIOS, 2015). As principais metas relacionadas
a esses objetivos podem ser conferidas no Quadro 1.

248 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Quadro 1 - Indicadores e Projetos Estratégicos de incentivo direto e indireto à Economia


das Eólicas

METAS
OBJETIVO INDICADOR V0

Aumentar o conteúdo Participação dos setores 38% (2013) 38% 40% 48% 50%
tecnológico da produ- de média e alta inten-
ção do Estado sidade tecnológica na
produção da indústria de
transformação do RN
Fonte: PIA-Empresas/
IBGE
Ampliar e melhorar % Km Construídos 3000 Km 5% 10% 10% 10%
a qualidade da malha (100%)
rodoviária Fonte: DER
% Km Recuperados 3000 Km 20% 40% 60% 60%
(100%)
Fonte: DER
% de rodovias com con- 41,3% 85,4%
ceito “bom” ou “ótimo” (2015)
no estado geral na Pes-
quisa CNT
Ampliar e diversificar Produção de energia 2,3 GW - - 4,7 7,0 12,1 13,9 GW
a matriz energética eólica no RN Fonte: (2015) GW
com foco em fontes ANEEL/CERNE
renováveis Produção de energia 1 (2015) - - 122 322 800 2000MW
solar no RN MW
Fonte: ANEEL (2015)
e projetos Bionenergy,
Braxenergy e PETRO-
BRÁS
Fonte: SEPLAN (2016). SILVA (2017).

Nota-se que, em 20 anos, o Estado pretende sextuplicar a quantidade produzida de


energia eólica, que saltará de 2,3 GW, em 2015, para 13,9 GW, em 2035. A produção de energia
eólica comercial começou as suas operações em 2006, mas veja que até 2017, o Governo do Rio
Grande do Norte, apesar de apresentar um plano estratégico de desenvolvimento, ainda está na
fase de planejamento. Uma atividade que já está há 10 anos em operação no estado sobreviveu
até o momento sem políticas efetivas de incentivo por parte do Governo do Estado. Ratifica-se
a limitação do gestor público em impulsionar o setor, e a importância dos programas nacionais,
mesmo fragmentados, na promoção do setor eólico.

249 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Economia das Eólicas e integração regional: os papéis de Natal e Mossoró

Os municípios de Mossoró e Natal, apesar de não possuírem parques eólicos, são


considerados os maiores municípios (produtivos e populacionais) do Rio Grande do Norte.
Ambos são polos regionais e concentram uma gama de comércios e serviços que atendem ao estado.

Natal é a capital do Rio Grande do Norte e em 2010 o censo registrou que a cidade
possuía 803.739 habitantes, com a população 100% urbanizada. Em Natal está a prestação dos
serviços mais sofisticados do estado, a presença de Universidades, Institutos Técnicos, Centros
de Pesquisa, Unidades Hospitalares de Alta Complexidade, diversos serviços de Engenharia
etc, além de a cidade possuir a presença do Terminal Portuário de Natal, centralizando a distribuição
dos principais produtos importados e exportados pelo estado.

Mossoró, segunda maior cidade do estado, possui importância histórico-cultural,


econômica e regional. Atualmente, Mossoró é considerada a capital do Oeste Potiguar por
organizar importantes eventos culturais e de negócios que promovem a econômica regional,
dentre eles: Mossoró Cidade Junina; Festa da Liberdade; Feira Internacional de Fruticultura
Tropical Irrigada (EXPOFRUIT)); Festa do Bode; Feira do Livro de Mossoró; Feira Industrial
e Comercial da Região Oeste (FICRO); Festa de Santa Luzia (MOSSORÓ, 2017).

A distribuição do emprego formal em Natal e Mossoró por setores da economia anuncia


a estrutura produtiva desses municípios, conforme pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Participação do Emprego Formal por Setores Econômicos - Mossoró e Natal


(2015)

250 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Fonte: RAIS/MTE. Elaborado pela autora


Observe-se que os segmentos de Comércio e de Serviços juntos somam mais de 60%


do emprego formal nas duas cidades, evidenciando a relevância do setor terciário nesses muni-
cípios. Em Natal não existe empregos nos segmentos de Agricultura e Extrativa Mineral. Já em
Mossoró esses dois setores somam 11% do emprego formal do município, com destaque para a
fruticultura irrigada, a indústria salineira e a indústria extrativa (em especial o petróleo).

Com relação ao objeto desse trabalho, Economia das Eólicas, os principais setores que
possuem relação com as eólicas – Indústria de Transformação, Produção e Distribuição de
energia elétrica e Construção – representam juntos, em Natal, 13% do emprego formal municipal e,
em Mossoró, 17% do emprego formal municipal. Apesar da participação no emprego formal
da capital ser menor do que em Mossoró, em números absolutos Natal é bem superior, com
37.698 empregos nos três setores mencionados. Em seguida vem Mossoró, com 11.650 empregos
gerados.

No trabalho de Silva (2017), foram elencados os seguintes segmentos que possuem


relação direta e indireta com a energia eólica:

• Indústria de transformação: Empregos diretos - Fabricação de torres, de pás e de


aerogeradores; Fornecimento de Insumos;

• Construção: Empregos diretos - Obras relacionadas à instalação dos parques


eólicos;

• Comércio e Serviços: Empregos indiretos - Hotelaria, Restaurantes, Prestação


de Serviços Jurídicos, Saúde etc.

• Produção e distribuição de eletricidade, gás e água: Empregos diretos - produ-


ção de energia elétrica (inclusive produção integrada); transmissão de energia
elétrica; comércio atacadista de energia elétrica; distribuição de energia elétrica.

A Tabela 2 apresenta o número de empregos formais nas divisões dos segmentos sele-
cionados, a fim de identificar a importância de Natal e Mossoró frente ao setor eólico potiguar.

251 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Tabela 2 - Número de Empregos Formais nas Divisões Selecionados – Mossoró, Natal,


Microrregiões Eólicas e Rio Grande do Norte (2015)

Mic. Mic. Mic.


Mic.
Mossoró Natal Baixa Litoral Serra de RN
Mossoró-Macau
Verde Nordeste Santana
Produção e 5 844 107 2 8 0 1084
Distribuição de
Energia Elétrica
Obras de 87 1028 0 0 1 0 1794
Infraestrutura p/
Energia Elétrica e
p/Telecomunica-
ções
Fabricação de 764 419 11 4 2 10 6524
Produtos de
Minerais Não-
metálicos
Fabricação de 326 595 2 21 26 0 1420
Produtos de
Metal, exceto
Máquinas e
Equipamentos
Fabricação de 404 419 0 13 199 1 1439
Máquinas e
Equipamentos
Fabricação de 80 116 56 0 0 0 299
Máquinas,
Aparelhos e
Materiais Elétricos
Fonte: RAIS/MTE. Elaborado pelos autores

A divisão entre produção e distribuição de energia elétrica compreende as atividades de


produção de energia elétrica de origem hidráulica, térmica, nuclear, eólica, solar, de transmissão
e de distribuição de energia elétrica; do comércio atacadista de energia elétrica; de manutenção
de redes de eletricidade quando executada por empresas de produção e distribuição de energia
elétrica; de serviços de medição de consumo de energia elétrica e de manutenção de medidores
de eletricidade. Assim, torna-se inviável mensurar a relação direta entre a geração de emprego
e a energia eólica. Porém, como esta é a classificação mais próxima da energia eólica que o bando
de dados da RAIS traz, analisou-se o comparativo de Natal e Mossoró com as Microrregiões
Eólicas.

Natal concentra 78% do emprego formal em Produção e Distribuição de Energia


Elétrica do estado. Dois pontos fundamentais que justificam essa concentração são: 1) elevada
demanda energética da capital potiguar e 2) sede da Companhia de Energética do Rio Grande
do Norte (COSERN). A COSERN é a sexta maior distribuidora de energia elétrica do Nordeste

252 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

em número de clientes e a quinta em volume de energia fornecida. A potência instalada de


1.406 MWH passa por 62 subestações, 53,9 mil Km de linhas de distribuição e transmissão
(COSERN, 2017).

Os empregos formais em obras de infraestrutura para energia elétrica e para as telecomuni-


cações estão divididos entre Mossoró e Natal. A concentração entre os municípios polo se justifica
pela localização dos estabelecimentos produtivos desse setor ser em municípios estratégicos, o
que não impede a realização de contratos para operarem em outros municípios do estado.

As quatro últimas divisões selecionadas são da Indústria de Transformação: fabricação


de produtos de minerais não-metálicos; fabricação de produtos de metal exceto máquinas e
equipamentos; fabricação de máquinas e equipamentos; fabricação de máquinas, aparelhos e
materiais elétricos. Os empregos formais dessas divisões se concentram também em Natal e
Mossoró, com exceção da divisão de fabricação de máquinas e equipamentos. Na microrregião
Mossoró-Macau, no município de Areia Branca, existe um fábrica de torres de concreto para
aerogeradores, elevando o número de empregos da região.

Em que pese a pujança das economias de Natal e Mossoró em comparação com outras
cidades do estado, a análise da estrutura produtiva desses municípios mostra que elas atuam de
forma tangencial à economia das eólicas. Por serem polos regionais, atraem demandas por
serviços especializados que as microrregiões eólicas não são capazes de oferecer. A relação desses
polos com as microrregiões serve exatamente para evidenciar o grau de integração regional
entre esses territórios através de um setor econômico. Mas essa integração evidência também o
grau de dependência das microrregiões eólicas aos serviços oferecidos pelos polos.

Considerações Finais

Neste capítulo, apresentou-se a situação da Economia das Eólicas do Rio Grande do


Norte, segundo a sua capacidade de promoção do desenvolvimento socioeconômico e regional.
Conclui-se que, apesar dos esforços nacionais para desenvolver o setor, no Rio Grande do Norte
a dinâmica socioeconômica foi influenciada de forma tangencial, ou seja, sem profundas
transformações.

Destacou-se, no decorrer deste trabalho o Plano Estratégico de Desenvolvimento do


Governo do Rio Grande do Norte, que apesar de apresentar uma estrutura abrangente
de promoção ao desenvolvimento, pouco foi executado. Ressaltou-se também a polaridade de
Natal e Mossoró em relação à Economia das Eólicas; evidenciou-se que este setor possui baixa
relevância socioeconômica para os municípios citados apesar de Natal e Mossoró apresentarem
uma importante estrutura que viabiliza o desenvolvimento das eólicas no estado.

253 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Neste trabalho, analisou-se a dinâmica socioeconômica do Rio Grande do Norte a partir


da introdução da atividade econômica através de parques eólicos no período compreendido
entre 2000-2015. Adotou-se como objeto de pesquisa a energia eólica como proposta de desenvolvi-
mento local, compreendendo-se como centro da análise a relação entre os investimentos eólicos
e os territórios estudados.

Em que pese essas ações paliativas que o poder local pode adotar, para ocorrer um
desenvolvimento local integrado ao desenvolvimento geral – que os empreendimentos eólicos
poderiam ser capazes de conferir maior dinamicidade –, faz-se importante a existência de um
programa nacional de desenvolvimento regional ativo. Esse programa deveria valer-se das
especificidades de cada localidade, sendo capaz de oferecer opções de integração local/global,
a partir da construção de redes, da articulação local de fornecedores e de pontos centrais de
fluxo de informação.

De acordo com a configuração socioeconômica das microrregiões eólicas do Rio


Grande Norte, com fragilidades que limitam o progresso das eólicas, destacam-se Natal e
Mossoró como centros dinâmicos que ofertam bens e serviços para todo o estado. Ressalta-se
a relação dos polos com as microrregiões, configurando a integração regional do estado frente
a economia das eólicas, em que pese que esses municípios possuam uma estrutura produtiva e
tecnológica aquém do que o demanda o setor eólico.

Nesse sentido, a microrregião com mão de obra de baixa qualificação, sem desenvolvimento
tecnológico e sem infraestrutura logística, possui um relacionamento tangencial com a
economia das eólicas. Uma importante vantagem para essas microrregiões é a oportunida-
de de modernização de seu equipamento urbano, dado que empreendimentos no período
de construção realizam parceria para a melhoria de rodovias e até mesmo serviços públicos
como saúde (suporte e melhorias de postos de saúde) e educação (treinamento de mão de obra
local). Destaca-se como desvantagem a perda de oportunidade de absorver para o longo prazo
a dinâmica temporária do período de construção dos parques. Por isso, se faz urgente que os
gestores locais coloquem em prática políticas e parcerias que gerem uma efetiva modernização
da dinâmica socioeconômica local.

Enfatiza-se neste trabalho a urgência de concomitância entre as políticas nacionais de


setor com as políticas locais de desenvolvimento. A economia das eólicas revela-se como
promotora de desenvolvimento quando o Estado concilia as oportunidades que o setor progride.
Caso contrário, a economia das eólicas servir-se-á dos territórios em que se instala como recurso
para a reprodução do capital internacional sem se espraiar progresso pelo local.

254 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Referências

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255 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

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256 Rebeca Marota da Silva | Fábio Fonseca Figueiredo


C A P Í T U L O 16

Bancos Comunitários de Desenvolvimento: Finanças Solidárias como tecnologia social

Shesby André Medeiros do Nascimento53

Introdução

Normalmente vinculada ao terceiro setor, a economia solidária se acende no Brasil


como uma categoria teórica ainda em construção, que expressa um fenômeno social complexo
por envolver uma gama significativa de organizações coletivas populares, no campo e na cidade,
definido como Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). Esses empreendimentos, reú-
nem pessoas em situação de desemprego, de trabalho informal, assentados e acampados da
reforma agrária, pequenas produções familiares de povos e comunidades tradicionais, para o
desenvolvimento de atividades de consumo, produção, comercialização e finanças (SINGER,
2002; FRANÇA FILHO; 2019).

Enquanto Finanças, essas práticas solidárias se ramificam em torno de quatro arranjos


econômicos, que sejam: Clube de Trocas; Fundos Rotativos Solidários; Cooperativas de
Créditos Solidários, e; Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Este último, se apresentou
nas últimas décadas como um potencial de aglutinar os demais arranjos econômicos citados
por ser consequência da organização comunitária local. Assim, por intermédio das políticas
públicas, foram fomentados em diversas regiões do país.

Com isso, o presente subcapítulo tem como objetivo apresentar o que são os Bancos
Comunitários de Desenvolvimento e como se apresentam como tecnologias sociais que podem
além de fortalecer organização comunitária local, possibilitar emancipação econômica e social
para as comunidades rurais e periféricas excluídas do acesso a crédito, e outros serviços essenciais,
para essas populações se desenvolverem de seu modo auto-organizado.

Para tanto, essa análise se inicia em seu primeiro tópico realizando um resgate do que é
a economia solidária no contexto brasileiro, para no segundo tópico, revelar como se organizam
seus empreendimentos econômicos solidários. No terceiro, apresenta as Finanças Solidárias em
seus arranjos socioeconômicos. O quarto tópico se preocupa em expor o que são os Bancos
Comunitários. E no quinto tópico, discutir o que são essas experiências de Bancos Comunitários
de Desenvolvimento como tecnologias sociais. Para ao final, fazer breves considerações em
torno do reconhecimento dessas práticas.

53 Bolsista CAPES, mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte onde pesquisa as Finanças Solidárias. E-mail: shesby@gmail.com

257 UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Fenômeno econômico popular solidário

No contexto brasileiro, com protagonismo de diversos segmentos da sociedade civil,


a economia solidária se difere do terceiro setor por seu princípio autogestionário que a torna
estratégia de inúmeras entidades e organizações da sociedade civil. Assim, a definição
comumente utilizada nas diferente áreas e literaturas que abordam a construção desse campo
econômico popular solidário, é o entendimento como “um conjunto de atividades econômicas
de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas coletivamente por
trabalhadores que se associam e praticam a autogestão” (SINGER, 2002; SIES, 2013).

A partir dessa concepção, para compreender o que é a economia solidária é fundamental


um entendimento prévio do que seja a autogestão pois, se não são sinônimos, são termos que
caminham juntos onde “podemos afirmar que não há autogestão sem Economia Solidária, e
que não pode haver Economia Solidária sem autogestão” (NASCIMENTO, 2011, p. 91). Por
tanto, abordaremos a seguir uma breve explanação em torno desse conceito.

Para Fernando C. Prestes Motta (1981), através do exame da proposta autogestionária


em sua origem por Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), o teórico anarquista mais expressivo
do movimento autogestionário no século XX, o autor concebe que “a sociedade autogestionária,
em Proudhon, é a sociedade organicamente autônoma, constituída de grupos autônomos se
auto-administrando, onde existe coordenação, mas não hierarquização” (MOTTA, 1981, p.80).
Assim, surgem as colocações em torno deste conceito na Conferência Nacional pelo Socialismo
Autogestionário, realizado em 1978 onde foi definida:

A autogestão é a construção permanente de um modelo de socialismo, em que as


diversas alavancas do poder, os centros de decisão, de gestão e controle, e os
mecanismos produtivos sociais, políticos e ideológicos, se encontrem nas mãos dos
produtores-cidadãos, organizados livres e democraticamente, em formas associativas
criadas pelos próprios produtores-cidadãos, com base no princípio de que toda a
organização deve ser estruturada da base para a cúpula e da periferia para o centro,
nas quais se implante a vivência da democracia direta, a livre eleição e revogação,
em qualquer momento das decisões, dos cargos e dos acordos (NASCIMENTO,
2011, p.93)

Como vemos, a autogestão é um ideal de democracia econômica sem hierarquia, onde


por meio da gestão coletiva, se caracteriza como um modelo de produção ligado ao cerne do
anarquismo e apropriado historicamente a corrente do socialismo autogestionário. Até então,
essa corrente do socialismo e a autogestão caminham lado-a-lado. No entanto, Cláudio
Nascimento (2011) chama a atenção para abordar a autogestão sobre dois ângulos, articulados e
interdependentes: por um lado, como projeto do socialismo, através da revolução social, e; por
outro, como linha de ação e mobilização dos(as) trabalhadores(as) e cidadãs(os) no cotidiano
das suas atividades, em busca da construção social de uma estratégia política.

258 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

De acordo com o segundo ângulo, compreendemos que a economia solidária exerce a


autogestão afirmando a dimensão política na sua ação (FRANÇA FILHO, 2002). Assim, essa
estratégia se fundamenta na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades
de desenvolvimento dessas organizações econômicas populares, cuja a lógica se opõe ao modo
de produção capitalista (SINGER, 1989; NASCIMENTO, 2011). Sob as bases da autogestão,
para o professor Paul Singer (1989), economista precursor do movimento no Brasil, a economia
solidária é um sistema auto-organizado onde trabalhadores(as) devem participar de todo o
processo, desde a produção até tomada de decisão.

Além da experiência dos pioneiros de Rochdale, encontram-se registros da auto-organização


na história das lutas dos(as) trabalhadores(as) num grande volume de experiências inspiradoras,
que desencadeiam a consolidação dessa outra forma de gerar economia quanto movimento: na
Europa com a Comuna de Paris (1871), na Revolução dos Cravos (1974) e na Revolução Espanhola
(1936); em diversas manifestações civis na América-Latina e no Brasil, com o Quilombo dos
Palmares (1670), a República Guarani (1982) e as Ligas Camponesas (1945), por exemplo54.
Assim, Singer (2011) aponta que essa forma de organização é recorrente, as vítimas crescentes
das crises capitalistas, inerentes ao seu sistema, buscam sua inserção na produção social através
de variadas formas de trabalho autônomo, individuais e coletivas. Quando coletivas, essas
pessoas optam, quase sempre, pela autogestão.

Desse modo, a economia solidária se expressa a partir da autogestão, através de um


modelo de gestão coletiva dos meios de produção, exercida pelos próprios trabalhadores(as)
livremente associados(as) (SINGER, 1989). Todavia, o avanço dessas organizações econômicas
não depende apenas dos próprios desempregados, não prescinde do apoio do Estado, nem do
fundo público, mas, sim, de variadas agências de fomento a essas iniciativas. O baiano e
sociólogo Genauto C. de França Filho (2001), um dos pesquisadores com maior volume de
publicações na área, estudou o fenômeno da economia solidária em profundidade na sua tese
na Europa de forma mais ampla e, no contexto francês de modo particular, apontando em sua
investigação a especificidade da economia solidária que se expressa no contexto brasileiro.

As experiências brasileiras são impulsionadas por muitas instituições, pesquisadores e


militantes que são considerados como “sujeitos” da proposta de economia solidária, cada qual
com sua origem e fundamentações distintas, como iniciativas de igreja, por meio da Cáritas;
das universidades, pela incubação de cooperativas populares e iniciativas solidárias; pelo
movimento sindical; dentre outros (BENINI e BENINI, 2011).

Em uma perspectiva histórica das lutas sociais no Brasil, Maurício S. de Faria e Fábio
Sanchez (2011) sugerem que o campo heterogêneo de experiências que é a economia solidária
é consequência do processo de democratização da sociedade brasileira, enquanto movimento

54 Para saber mais sobre essas experiências e a inspiração delas para a Economia Solidária, acessar textos de
Cláudio Nascimento <<https://claudioautogestao.com.br/>>. Acesso em: 30.abr.2020.

259 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

que possui como pilares centrais a defesa da participação da sociedade organizada nos rumos
do país. Segundo os autores, “a base concreta desse movimento resulta de um processo de
confluência de várias vertentes autonomistas ou comunitaristas, como um vale para o qual
convergem várias afluentes até formarem um rio” (p.414). Dentre essas vertentes, Faria e Sanchez
(2011) destacam:

1) Uma das vertentes desse campo vem da organização sindical e as formas


associativas de resistência dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as), levadas adiante
tanto no meio urbano quanto rural com as experiências de empresas recuperadas,
associações organizadas e cooperativas de agricultura familiar;

2) Convergem para o mesmo campo a vertente do trabalho comunitário das igrejas,


pastorais e instituições da sociedade civil no plano dos direitos e do apoio às formas
de desenvolvimento endógeno;

3) Ainda que pouco estudada, deve-se considerar como vertente da Economia


Solidária as formas de organização dos povos indígenas, baseadas na propriedade
comum do solo, formas compartilhadas de produção dos meios de vida e do cuidado
coletivo com as crianças, e;

4) Outro movimento foi originado nas universidades e instituições federais de


educação tecnológica, que apoiaram prática e teoricamente para o desenvolvimento
da Economia Solidária no Brasil, em especial o movimento das Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (FARIA e SANCHES, 2011, p.416).

Como vemos, o campo de experiências da economia solidária assume sua dimensão


popular, com proporções notáveis a ponto de se tornar uma estratégia adotada por diversos
movimentos sociais e entidades da sociedade civil como igreja, sindicatos, universidades e
partidos políticos envolvendo uma pluralidade de organizações, povos e comunidades tradicionais.
Aliado essas iniciativas populares, de caráter coletivo e autogestionário, ganhou a adesão entre
trabalhadores(as) de diversas áreas, como forma distinta de organizar a produção (FARIA e
SANCHEZ, 2011). Dessa forma, a organização econômica começou a se destacar, se caracterizando
pelos mecanismos da democracia direta, marcados pela autogestão e instalados em territórios
de com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Segundo Benini e Benini (2011) essa adesão e reinvenção do movimento econômico


solidário se deve ao fato de que à retomada dos princípios do cooperativismo, e principalmente,
à recuperação da essência que provocou o seu sentido mais original como “a luta contra a
exploração do trabalho por meio da auto-organização dos próprios trabalhadores” (p.457),
provocou essa adesão conceitual em grande escala. Para Paul Singer (2002), o próprio movimento
cooperativista se reinventou sob as bases da economia solidária, onde além da cooperação, os
princípios dessa organização econômica são: a) Cooperação; b) Autogestão; c) Dimensão
Econômica, e; d) Solidariedade.

260 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

A cooperação, quanto a existência de interesses e objetivos comuns, unindo esforços e


capacidades para gerir a propriedade coletiva, os meios de produção, a partilha de resultados e
a responsabilidade. Aliada a autogestão, com práticas de todos(as) participantes nos processos
de trabalho, onde as definições estratégicas e cotidianas das organizações ganham força com
o poder de decisão. A dimensão econômica, envolvendo o conjunto de elementos para viabilidade
econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade ao lado dos aspectos culturais,
ambientais e sociais. E a solidariedade, expresso nas dimensões de justa distribuição dos
resultados alcançados, nas oportunidades de desenvolvimento das capacidades e nas condições
de vida dos(as) participantes, com compromisso de desenvolvimento sustentável dos biomas,
com a comunidade local e participação ativa nas relações com movimentos populares e
emancipatórios preocupados com o bem estar dos(as) trabalhadores(as) e consumidores
(SENAES/MTE, 2012).

O movimento cooperativista precisava, inicialmente, buscar novas formas de atuação


e de organização do trabalho, mas a partir da década de 1980 essa realidade começa a mudar.
Singer (1989) complementa que o retorno ao “ponto de partida” do que foi a fase do “cooperativismo
revolucionário” no início do século XIX remonta ao modo de produção alternativo ao capitalismo
“que genericamente se chama ‘economia solidária’ como resposta à crescente exclusão social
produzido pelo neoliberalismo” (SINGER, 1989). No entanto, Édi A. Benini e Elcio G. Benini
(2011) destacam que é preciso distinguir a Economia Solidária do chamado “terceiro setor” e
das propostas anarquistas ou socialistas revolucionárias.

Quanto à diferenciação do chamado “terceiro setor”, para Benini e Benini (2011) a


distinção está principalmente na forma de se trabalhar a solidariedade pois, enquanto que esta
se convencionou ser pretendida por meio de doações ou incentivos estatais de forma vertical
no terceiro setor, na economia solidária a solidariedade que se trata é de forma horizontal. Ou
seja, um compromisso mútuo entre cada trabalhador de repartir, com maior equidade possível,
os frutos da riqueza produzida pelo processo produtivo coletivo, seguindo outros critérios de
divisão diferentes do convencional - Por exemplo, pelo tempo de trabalho despendido ao invés
das cotas capitalizadas ou da propriedade possuída. Bem como, a diferenciação das propostas
anarquistas ou socialistas revolucionárias ocorre porque nenhuma proposta que concebe
o movimento econômico solidário coloca sua constituição na forma de ruptura com a estrutura
do sistema vigente, segundo o conceito de revolução (BENINI e BENINI, 2011).

Ainda assim, não há unidade nessa discussão, nem mesmo caminha para um consenso.
Há uma discordância sobre o fenômeno da economia solidária. Há quem a compreenda como
assistencialista; como um mecanismo capitalista de adaptação a crise econômico-social; como
forma precária e desprotegida de relações de trabalho informal; como modo de produção
substitutivo ao capitalismo, e, por último, como modo de produção coexistente ao capitalismo
sendo divergente das práticas deste (CUNHA, 2007 e EID, 2003). Com isso, a expressão econômica

261 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

solidária vem ganhando diferentes significados a partir dos seus contextos, e perspectivas, que
colocam em evidência a singularidade dessas experiências.

De acordo com as formulações feitas pelos(as) próprios(as) trabalhadores(as) nas plenárias


nacionais do movimento de economia solidária55 no país:

A economia solidária se caracteriza por concepções e práticas fundadas em relações


de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano
na sua integralidade ética e lúdica, como sujeito e finalidade da atividade econômica,
ambientalmente sustentável e socialmente justa, ao invés da acumulação privada do
capital (...) é, pois, um modo de organizar a produção, distribuição e consumo, que
tem por base a igualdade de direitos e responsabilidades de todos os participantes
dos empreendimentos econômicos solidárias (CONAES, 2006, p.02)

Com isso, entendemos que esse conceito representa um sentido de que para termos uma
sociedade que predomine a equidade entre todos os seus membros, é preciso que a economia
seja voltada para solidariedade, em vez da competição (SINGER, 2002). Nesse sentido, concebemos
a estruturação da economia solidária não como um sistema opositor ao capitalista, negando as
práticas econômicas proveniente dessa estrutura, mas se desenvolvendo dentro desse arranjo,
resinificando os preceitos deste sob a base da autogestão. A partir das características inerentes
aos seus arranjos econômicos, os Empreendimentos Econômicos Solidários são concebidos
para dar conta dessa proposta coletiva. Para compreender melhor como isso é realizado,
precisamos entender o que são esses Empreendimentos Econômicos Solidários, que é o conceito
utilizado para caracterizar a forma organização econômica que norteia a construção desse fenômeno.

Empreendimentos Econômicos Solidários (EES)

No século XX, formulando um projeto de organizações populares que respeite as


liberdades individuais, políticas e econômicas conquistadas por trabalhadores(as), a economia
solidária concebe seus arranjos organizativos a partir dos Empreendimentos Econômicos
Solidários (EES). Os Empreendimentos Econômicos Solidários surgem após a consolidação do
movimento cooperativo em todo o mundo, se diferindo categoricamente deste pelas suas
práticas autogestionárias que o diferem em estrutura organizacional de atividade (SINGER,
2002). Mesmo assim, até o momento, apenas as associações e as cooperativas dispõem de um
marco jurídico próprio no Brasil.

Esse quadro legal, no entanto, mostra-se inapropriado aos Empreendimentos Econômicos


Solidários que se multiplicaram nas últimas décadas como participantes ativos de um novo

55 Até o momento foram realizadas quatro Conferências Nacionais de Economia Solidária (CONAES) e cinco
plenárias do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), onde o 1º CONAES (2006) que formulou as defi-
nições norteadoras de Economia Solidária e dos Empreendimentos Econômicos Solidários (NESOL-USP, 2015).

262 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

modelo de organização que contrapõem aos modelos já institucionalizados (VIEIRA, 2015).


Conforme Silva e Carneiro (2016), os EES quando formalizados se organizam juridicamente em
forma de cooperativas, associações, grupos informais ou sociedade mercantil. Porém, o conceito
de Empreendimentos Econômicos Solidários é mais amplo, pois procura agregar essas diferentes
concepções e sintetizar os princípios da economia solidária, afirmando sua identidade
não submetida às formas cooperativas, associativas, ou societárias convencionais (legalmente
definidas), e sim, as práticas presentes no interior dos empreendimentos (SENAES/MTE, 2012).

Assim, a escolha da forma jurídica adequada para legalizar a constituição dessas


organizações é reflexo da decisão coletiva para atender o seu propósito. Além das práticas de
autogestão, Lima (2015) expressa no Quadro 01 o que difere os EES de outros tipos de organizações
econômicas, como as cooperativas tradicionais e empresas capitalistas:

Quadro 1 - Distinções entre Empreendimento Solidários, Cooperativas Tradicionais e


Empresas Capitalistas

EMPREENDIMENTO COOPERATIVAS
SOLIDÁRIO TRADICIONAIS EMPRESAS CAPITALISTAS

Autogestão Autogestão e Cogestão Heterogestão

Retiradas acordadas Retiradas proporcionais aos


Salário
proporcionalmente investimentos
Decisões coletivas e Decisões através da Decisões hierárquicas e
democráticas representação democrática centralizadas pela diretoria
Hierarquia flexível
Ausência de hierarquia Níveis sucessivos de autoridades
(por representantes)
Participação direta e
Participação direta ou delegada Alienação/Absenteísmo
igualitária
Objetivo: a melhoria da Objetivo: as vantagens da Objetivo: maximização da
qualidade de vida de seus
cooperação riqueza dos seus sócios
associados
Solidariedade e
União de forças Competição
colaboração
Adesão restrita as certas Adesão pelos detentores
Adesão livre
atividades das cooperativas do capital

Interesses mistos (individual e Interesses individuais e


Interesses coletivos
coletivo) mercantis

O resultado é a sobra. O resultado é a sobra. O resultado é o lucro.

Fonte: Adaptado de Lima, 2015

Diante dessas diferenciações basilares, outro aspecto importante a ressalta é que, se na


empresa capitalista, e em muitas cooperativas tradicionais, há uma segmentação entre os donos

263 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

dos meios de produção e os(as) trabalhadores(as), o que ocasiona na hierarquização dos


processos de decisão, nos Empreendimentos Econômicos Solidários isso não deve acontecer, pois
nessas organizações “os meios de produção de cada empreendimento e os bens e/ou serviços
neles produzidos são de controle, gestão e propriedade coletiva dos participantes” (CONAES,
2006 p.57). Para tanto, se cria um tipo de organização onde trabalho e capital não estão separados,
trabalhadores(as) são proprietários(as) do negócio com paridadade de poder de voto nas tomadas
de decisões, independentemente de seu respectivo capital (NESOL-USP, 2015).

Desse modo, os Empreendimentos Econômicos Solidários se organizam em diversos


tipos de campos econômicos como produção, oferta de serviços, comercialização, consumo,
poupança e crédito. Embora os EES não necessitem estar legalmente formalizados para
existir, várias são as razões para que tal formalização aconteça. A formalização faz com que
suas atividades possam ser expandidas, além de permitir que participem, com maior facilidade, de
programas e projetos estatais, como acesso a crédito, etc. Segundo Balthazar e Cardoso (2016),
a inexistência de um marco legal para a economia solidária traz sérios problemas e dificuldades
jurídicas para os empreendimentos solidários, em aspectos como formalização jurídica, tributação e
o acesso às aquisições públicas.

Os autores reforçam ainda que a luta pela realização de um marco legal que possibilite
um maior respaldo institucional às atividades desenvolvidas pelos EES, em todo Brasil, vem
sendo construído com um amplo processo de debate, resultado de mobilizações em todo o
país (BALTHAZAR e CARDOSO, 2016). Consequência disso, foi o Projeto de Lei (PL) de nº
137/2017 no Senado Federal que caracterizou os Empreendimentos Econômicos Solidários para
reconhecimento beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária em seu Art. 4º.

Em 2007, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) identificou 21.578


Empreendimento Econômicos Solidários em 2.274 municípios brasileiros (SENAES, 2007). Já
em 2013, o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES) mapeou a existência de
19.708 EES em 2.713 municípios (SIES, 2013). Apesar do aumento significativo de 419 municípios
com EES, a redução de 8,6% desses pode ser aferida tanto a real queda dessas atividades, como
pela fragilidade de critérios para caracterizar essas organizações (LIMA, 2015). O que ambas
as amostras têm em comum, é a concentração dessas experiências na região Nordeste.

Enquanto em 2007 havia 43,5% (9.386) dos EES do país concentrados na região, em
2013 identificou 40,8% (8.040), revelando em ambos os mapeamentos realizados até então, a
maior concentração das iniciativas de Empreendimentos Econômicos Solidários na região
nordeste do país. Além destes dados, ainda de acordo com o último levantamento feito pela
SIES em 2013, mais da metade dos EES atuam predominantemente em áreas rurais, 54,8%,
contra 34,8% que atuam em áreas urbanas e 10,4% que se identificaram com a atuação simultâneas
tanto em áreas rurais quanto urbanas. Esses números são bem próximos dos obtidos no
primeiro mapeamento em 2007, que já havia identificado a predominância de empreendimentos

264 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

coletivos no meio rural, muito em função da agricultura familiar que buscam diferentes estratégias
associativas de beneficiamento e comercialização de sua produção (SILVA e CARNEIRO, 2016).

Silva e Carneiro (2016), baseados no banco de dados do SIES (2013), apontam também
que os Empreendimentos rurais estão localizados em sua maioria na região Nordeste (72%),
Centro-Oeste (54%) e Norte (50%), enquanto a atuações predominantemente urbanas são maioria no
Sudeste (61%). No tocante a atividade, os autores trazem que o meio rural destaca-se também
pela alta proporção dos EES que desenvolvem atividades de Consumo (85%), Trocas Solidárias
(65%), Finanças Solidárias(62%) e Produção (52%), enquanto que o meio urbano, apresenta
maior proporção entre os EES de Prestação de Serviços (64%) e de Comercialização (48%).
Vieira (2015) afirma ainda que existem grupos de reciclagem, de compras coletivas, de educação
popular, e iniciativas de agricultura familiar espalhadas em ambos os espaços urbanos e rurais,
em todo o território nacional.

Abre-se, portanto, a partir das experiências de economia solidária organizadas sobre as


práticas dos Empreendimentos Econômicos Solidários, uma agenda de pesquisa que envolve,
nacionalmente, formas de organização econômica de produção, consumo, comercialização e
finanças solidárias (COELHO, 2003). A presente análise se atenta a essa última, as experiências
de Finanças Solidárias, para a seguir, aprofundar o olhar em torno das iniciativas de Bancos
Comunitários de Desenvolvimento que constituem esse campo.

Arranjos socioeconômicos das Finanças Solidárias

Considerando que o sistema financeiro tradicional opera sob uma dinâmica social e
territorialmente excludente, uma parcela da sociedade mundial residente em áreas periféricas
urbanas e rurais têm buscado estabelecer outros circuitos para suprir as suas necessidades
locais, principalmente no tocante ao crédito para o consumo e para operar suas atividades pro-
dutivas (RIGO et al., 2015). Como vimos nos tópicos anteriores, a ressignificação de práticas
econômicas no final do século XX vem aliado a disseminação da economia solidária. Aliado
a isso, podemos dizer que no Brasil o segmento das Finanças Solidárias é uma aglutinação
dos conceitos de microcrédito e microfinanças no mundo (COELHO, 2003; PASSOS, 2007 e
CARVALHO, 2016).

Passos (2007, p.38) aponta que o termo microcrédito surge concomitantemente as


microfinanças e designa “a oferta de crédito para a população de baixa renda e/ou excluída do
sistema financeiro tradicional”. Mas não é só isso, segundo Junqueira e Abramovay (2005), essas
concepções se caracterizam principalmente em torno da concessão de crédito com pequenos
montantes de recursos - em geral até R$ 500,00 (quinhentos) reais - onde tanto as populações
de baixa renda, como microempresas, são o alvo e principal beneficiários.

265 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

De acordo com Carvalho (2016), a experiência de maior destaque dessas iniciativas


foi em 1976 com o Grammen Bank, mas não foi a única. Os anos 70 marcaram as origens das
microfinanças, quando o professor de economia Muhammad Yunus iniciou a concessão de
pequenos empréstimos em Bangladesh56. Esta prática deu origem ao Grammen Bank que ficou
conhecida internacionalmente como uma instituição de microcrédito voltada para o combate à
pobreza rural. Segundo, Hastarska e Holtmann (2006, p.148), “em 2005 o Grameen Bank havia
distribuído cerca de 5 bilhões de dólares em empréstimos para 5 milhões de tomadores, dentre
os quais 96% eram mulheres”.

A partir desta iniciativa, o campo das microfinanças surgem como uma inovação
urgente no sul da Ásia, resolvendo problemas de acesso a crédito, poupança, entre outras ações
que governos e instituições financeiras convencionais não resolviam naquele contexto. As
microfinanças além do serviço de crédito, oferecem poupanças, transferências e seguros, onde
o microcrédito é somente um dos seus produtos (PASSOS, 2007; CARVALHO, 2016). Assim,
as microfinanças, em particular o microcrédito, surgem como alternativa para a população excluída
do sistema bancário e financeiro tradicional, oportunizando acesso a crédito de baixo valor, a
juros zero ou quase zero, que atendam a necessidade desta população (COELHO, 2003). Por
isso, muitas vezes, os conceitos de microfinanças e microcréditos são tratados como sinônimos
posto que as práticas, de fato, são próximas, mas se diferem pela sua estrutura em conjunto
(ABRAMOVAY, 2003).

Para a Passos (2007), cumpre notar que a maioria das experiências no mundo estão
articuladas em rede, disponibilizando acesso a crédito individual e coletivo. Coelho (2003) ressalta
que as Finanças Solidárias se inserem nessa perspectiva, resgatando e ampliando a ideia inicial
das microfinanças, com formas de democratização do sistema financeiro que priorize as populações
excluídas do sistema bancário convencional, contribuindo principalmente para o desenvolvimento
humano integrado e sustentável. Assim, existe um entendimento comum de que o conceito de
finanças solidárias se constitui como uma ampliação das microfinanças (PASSOS, 2007). No
entanto, a diferenciação desses conceitos é um tanto “nebulosa”, pois muitas vezes se confundem.

Contudo, Carvalho (2016) estabeleceu um marcador importante para diferir concei-


tualmente às práticas de microfinanças das finanças solidárias. Enquanto a ideia das microfinanças
constitui num beneficiário do crédito individual para seu o desenvolvimento, as finanças
solidárias atrelam o crédito a partir do critério do desenvolvimento de um território específico,
não só do beneficiário isolado. Assim, as microfinanças passam a agir para o desenvolvimento
comunitário de grupos amplos e não apenas de indivíduos específicos, assumindo o caráter
solidário, ou coletivo, que Junqueira e Abramovay (2005) passam a chamar de “microfinanças
solidárias”.

56 Ver tese de Carvalho (2008) onde retrata minuciosamente o histórico embrionário dessas iniciativas.

266 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Silva Júnior (2016) na sua tese em torno dessa tecnologia social que são as Finanças
Solidárias, chama a atenção que, embora essa “bancarização dos mais pobres” fomentada por
essa “indústria do microcrédito” passe a exercer forte influência no campo das microfinanças, não
encerra a totalidade de tais práticas e, ainda, invisibiliza o olhar sobre as finanças de proximidade
que ampliaram o universo das microfinanças dentro do contexto das finanças solidárias. Para o
autor, as finanças de proximidade se baseiam em critérios de relação econômica, onde “o laço
financeiro encontra-se submerso em relações de confiança e solidariedade” (SILVA JÚNIOR,
2016, p.125).

Esta é a razão pela qual o conceito de finanças solidárias está também intimamente
ligado às finanças de proximidade57, pois ambas constituem-se de práticas enraizadas territo-
rialmente e comunitariamente. Essa proximidade afetiva e moral entre o agente que concede
crédito e o candidato ao empréstimo tem duas funções:

i) permitir ao credor compreender melhor as especificidades da atividade profissional


de seu cliente, e; ii) conseguir informações às quais não teria acesso numa relação
puramente profissional, podendo, inclusive, obtê-las de maneira indireta, através das
redes sociais (JUNQUEIRA e ABRAMOVAY, 2005, p.24).

Silva (2017, p.23) enfatiza que é importante ressaltar que as finanças solidárias no Brasil
transcendem esse aspecto de concessão de crédito somente, pois “dirigem sua forma de atuação
buscando atingir um sistema de serviços e produtos financeiros mais diversificado e ajustado
às realidades do público que objetiva envolver”. Por isso, enquanto os organismos de microcrédito
visam oferecer um serviço segmentado, voltado a uma atividade específica e de natureza
produtiva, as finanças solidárias, a partir das técnicas da relação de proximidade, estão atentas
às dinâmicas de sobrevivência das famílias, cuja fronteira entre consumo e investimento não é
simples de ser estabelecida, ainda mais pelo fato de essas famílias estarem suscetíveis às
dificuldades para garantir a própria satisfação de suas necessidades básicas, dada a instabilidade
de renda (SILVA, 2017).

Neste caso, a finalidade das finanças solidárias segue no sentido de construir um sistema
no qual o crédito se integre a um conjunto variado de serviços financeiros necessários para
as famílias, buscando garantir tanto a oferta de serviços, como recursos suficientes para
sustentabilidade dessas organizações voltadas a este fim, baseando sua existência no incen-
tivo local que recebem pela adesão de seus participantes (ABRAMOVAY, 2004). Junqueira
e Abramovay (2005) trazem que essas experiências de finanças solidárias são compostas por
iniciativas que valorizam o potencial de mobilização de investimentos locais, o financiamento
conjunto das unidades de consumo, de produção e as redes de relações sociais entre indivíduos,
como modalidade não-patrimonial de garantia e controle dos recursos locais.

57 Ver Sandro P. Silva (2017) - “Economia Solidária e Finanças de Proximidade: Realidade Social e Principais
Características dos Empreendimentos de Finanças Solidárias No Brasil”.

267 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

Deste modo, a principal finalidade dessas organizações é atingir a sustentabilidade


de suas atividades sem deixar de lado o alcance dos objetivos sociais junto ao seu público e o
seu território. Para isso, Silva (2017) evidencia que paralelamente a função dessas finanças,
é acompanhada por atividades complementares de formação, capacitação e sensibilização,
fundamentadas em relações de confiança, com foco na valorização do potencial e resolução das
demandas locais. Assim, concebemos que as finanças solidárias se constituem de uma prática
enraizada nas microfinanças e nas finanças de proximidade. No entanto, se diferem destas por
suas variadas formas de organização popular e coletivas sob as práticas da autogestão. Segundo
a literatura da área, essas organizações podem ser de Fundos Rotativos Solidários, Cooperativas
de Crédito Solidários, Clubes de Troca e Bancos Comunitários de Desenvolvimento.

Os Fundos Rotativos Solidários (FRS) podem ser considerados embriões das experiências
de finanças solidárias no Brasil. Se iniciam em meados de 1980 no Nordeste, e em pouco
tempo, se espalham até o Sul do país (NESOL-USP, 2015; SILVA, 2020). Bertucci e Silva
(2003) identificou que os primeiros Fundos Rotativos foram de apoio aos projetos alternativos
comunitários, criados para contribuir com a melhoria das condições de vida de homens e
mulheres excluídos do campo e da cidade por meio de iniciativas produtivas e de infraestrutura
comunitária. Cada experiência possui sua especificidade e modo de organização de acordo
com as condições e contextos histórico-culturais em que se encontram58. Em linhas gerais, os
FRS preveem que seus beneficiários tenham à disposição certa quantia de recursos – que pode
ser não-monetária, como pequenos animais ou equipamentos específicos, por exemplo – e que,
após um período predeterminado e acordado entre as partes, deve ser devolvida ao Fundo para
que possam ser emprestados para outros tomadores (SILVA, 2020).

As Cooperativas de Crédito Solidário (CCS) se baseiam na concessão de microcrédito,


possuem como marco a criação da Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária
(CRESOL) em meados dos anos 1990 na região Sul, que é uma central de cooperativas de
crédito solidário fundadas por agricultores familiares (SILVA, 2017). Ao se afirmarem
solidárias, essas cooperativas de crédito se diferem das práticas convencionais em seu modo
de funcionamento e gestão. Marcados por democracia direta, gestores e clientes são “donos”
da cooperativa, que não têm o objetivo de maximização dos lucros, mas, sim, fomentar o
desenvolvimento local e sustentável da comunidade a qual está inserida, com juros 0 (zero) ou
de até 1,5% (ABRAMOVAY, 2004 e NESOL-USP, 2015). Atualmente, o ramo do cooperativismo
de crédito está bastante consolidado no campo da economia solidária, recebendo, inclusive, o
reconhecimento do Banco Central do Brasil (NESOL-USP, 2015). Essas organizações estão
presentes em todas as regiões do país, se distribuindo em comunidades de 13 (treze) estados
brasileiros, totalizando cerca de 128 (cento e vinte e oito) iniciativas (SILVA, 2020).

58 Para uma análise profunda sobre características de Fundos Rotativos Solidários no Brasil, ver Barreto (2016).

268 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Os Clubes de Troca, embora não tenham hoje a mesma expressão que outras iniciativas
das finanças solidárias por todo o Brasil, é uma experiência constituidora dessas iniciativas.
São muito conhecidos pela utilização das moedas-sociais, que é utilizada em determinado
espaço e tempo definidos, onde produtores e consumidores se reúnem para trocar produtos e/
ou serviços em determinado horário e local (NESOL-USP, 2015). As experiências pioneiras
surgem no Canadá em 1983 com os Lets- Local Exchange Trading System59 (Sistema de
Negociação de Câmbio Local, tradução nossa) e depois essa prática é disseminada para outros
países. Na América Latina, a experiência se inicia na Argentina em 1995 na cidade de Bernal e
no final da década de 90 nos outros países vizinhos. No Brasil, a primeira iniciativa foi em São
Paulo, no bairro de Santa Terezinha e, logo depois, se expande a outras comunidades no Rio de
Janeiro, Porto Alegre e outros estados (ARKEL et al., 2002)

Já os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD) surgem na década de 1990


no Brasil com o Banco Palmas em Fortaleza/Ceará, e posteriormente se propagam por todo o
país. Esses têm como características fundamentais: a) gestão sob a responsabilidade da
própria comunidade; b) articulação simultânea de crédito, produção, comercialização e capa-
citação cidadã, e; c) circulação de moeda-social complementar, reconhecida por produtores
locais, comerciantes e consumidores (LEAL; RIGO; ANDRADE, 2016). Por tanto, trata-se de
uma estratégia das finanças solidárias que têm potencial de agregar todas as iniciativas anteriores,
por ser consequência da auto-organização comunitária em seu processo de emancipação.
Ademais, os BCD são marcados por estarem presentes em territórios com alto grau de exclusão
e desigualdade, voltados para um público caracterizado pela vulnerabilidade social, oferecem
além do serviço financeiro na comunidade (como microcrédito e correspondente bancário, por
exemplo), atividades de apoio e formação com base nos princípios econômicos solidários (SILVA
JÚNIOR, 2016).

No último levantamento realizado pelo SIES (2013) onde tivemos 19.708 Empreendi-
mentos Econômicos Solidários visitados, 328 deles são enquadrados na categoria de “Finanças
Sociais” – correspondente às Finanças Solidárias – o que representa 1,7% do total pesquisado.
Atualmente, dos tipos mais comuns de Empreendimentos Econômicos Solidários caracterizados
nessa categoria Finanças são: banco comunitário, cooperativa de crédito e fundo rotativo
(SILVA, 2020).

Conhecendo os Bancos Comunitários

A atuação dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD) surgem como necessidade


alternativa ao sistema financeiro vigente, mas não se resumem a isso. A partir de atividades

59 Traduzido do inglês - É um sistema de negociação de câmbio local, onde uma empresa comunitária sem fins
lucrativos, organizada localmente, democraticamente, fornece um serviço de informações da comunidade e registra
transações de membros que trocam bens e serviços usando a moeda criada localmente.

269 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

monetárias e não-monetárias, suas ações transcendem o fator econômico, estimulam a


produção, comercialização e o consumo focando no desenvolvimento local, não apenas dos
empreendimentos individuais. Com isso, essas organizações propõem novas formas de regulação
econômica-política da sociedade em vista que as relações estabelecidas pelo BCD abarcam:
os apoios governamentais recebidos; a produção, comercialização e finanças; a participação
de moradores na promoção do desenvolvimento, e; a satisfação das necessidades de consumo
locais (SINGER, 2002; FRANÇA FILHO, 2019).

As tentativas de organizações bancárias feitas por e para trabalhadores não são


recentes. Escritos do anarquista Pierre-Joseph Proudhon, datados de 1848 apontam ser possível
transferir o controle das relações econômicas para os trabalhadores criando o “Banco Operário”
ou “Banco do Povo”, com práticas de crédito livre a juros zero, impulsionando ideias do que
hoje compreendemos como as cooperativas de crédito 60. Com isso, práticas como essas
ocorreram por todo o mundo, se ramificando em diversas iniciativas próprias, como concessão
de microcrédito feita por Yunus e outras, caracterizadas por se instalarem em território marcados
pela vulnerabilidade social.

Os BCD também se caracterizam por estar situados em comunidades com baixo Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH). As experiências com práticas metodológicas iniciadas
pelo Banco Palmas, pioneiro e referência nacional e internacional da temática, se atendo a um
recorte das iniciativas brasileiras onde as comunidades apropriadas com bancos comunitários
possuem peculiaridades, diferentes histórias, conhecimentos e aprendizagens próprias nas suas
experiências, de maneira que é importante perceber as múltiplas estratégias e metodologias que
essas iniciativas podem assumir, com suas moedas-sociais, em distintos contextos e regiões do
país. As experiências se apoiam em uma série de ferramentas para gerar e ampliar a renda no
território.

A metodologia de implantação do BCD entende que o que faz as comunidades serem


pobres é que a riqueza gerada pelas pessoas presentes nesses localidades acaba sendo utilizada
para o consumo fora dela, nos centro comerciais próximos e, consequentemente, potencializa o
lucro das grandes redes de distribuição e comercialização, não deixando nada para quem reside
em seu entorno (MELO NETO e MAGALHÃES, 2008). Para superar esse cenário, os Bancos
Comunitários se articulam basicamente em torno de quatro eixos centrais: fundo de crédito
solidário; moeda-social circulante; feiras com produtores locais, e; capacitação em economia
solidária (FRANÇA FILHO e CUNHA, 2009) que serão melhor exemplificadas a seguir em
torno da experiência embrionária do Banco Palmas.

Criada em comunidade periférica da capital cearense em meados de 1998, o Banco


Palmas surge no conjunto Palmeiras para onde muitas famílias foram remanejadas61 com a
60 A obra intitulada “Solução do Problema Social” (1848) traz a elaboração do autor sobre a teoria do crédito a
taxa zero, que antecipa o funcionamento das organizações mutualistas atuais.
61 Mais detalhes sobre essa experiência, ver “Bairros Pobres - ricas soluções: Banco Palmas ponto a ponto”

270 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

difícil missão de tentar viabilizar uma forma de economia local para a auto-organização comu-
nitária, mediada pela Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP). Para
tanto, a comunidade realizou o seu mapeamento de consumo e produção, como estratégia de
tentar essa reorganização socioeconômica reunindo moradores e comerciantes locais. Aliado
a isso, o objetivo do projeto Banco Palmas é garantir acesso a microcréditos para população
poder produzir e consumir localmente, a juros baixos, sem exigência de consultas cadastrais
externas, comprovação de renda ou fiador. O cadastro formal a concessão de crédito exige
um levantamento da vida pessoal do tomador do empréstimo na comunidade, realizado pelo
Agente de Crédito e avaliado segundo o Comitê de Avaliação de Crédito (CAC), compostos por
representações da comunidade que juntos compõem o Conselho Gestor do BCD (FRANÇA
FILHO, 2012).

Assim, o Banco Palmas é um mediador de suas moedas-sociais (Palmas) e microcrédito,


incentivando seu uso nos comércios e empreendimentos de território. Além de sua moeda-social
estimular o consumo na própria comunidade por meio da sua utilização e aceitação restrita a
localidade, contribui para manter os recursos gerados circulando internamente como processo
de construção de identidade em torno de uma proposta de desenvolvimento endógeno
(NESOL-USP, 2015). Segundo Joaquim Melo Neto (2008), morador e um dos mobilizadores
dessa experiência, os BCD devem partir do pressuposto que as comunidades não são pobres,
são empobrecidas.

A atuação do Bancos Comunitários de Desenvolvimento transcende o fator econô-


mico, estimulam a produção, comercialização e o consumo focando no desenvolvimento do
território, não apenas dos empreendimentos individuais. Melo Neto e Magalhães (2008, p.08)
destacam ainda que “é um serviço financeiro, solidário, em rede, de natureza associativa e
comunitária, voltado para reorganização das economias locais, na perspectiva de geração de
trabalho e renda”. Essas iniciativas se preocupam com o território ao qual pertencem, seja em
uma comunidade, bairro, ou até um pequeno município (SILVA JÚNIOR, 2016).

Silva Júnior (2016) reforçam ainda que diferentemente das práticas de microfinanças
convencionais que estão orientadas para pessoas físicas ou jurídicas individuais, um BCD
visualiza um caráter mais amplo de alcance no instante do empréstimo, mesmo que seja concedido
a um empreendimento/empreendedor individual, essas concessões procuram ter o acompa-
nhamento do beneficiário para que possam atuar na capacidade de produção, de geração de
serviços e de consumo de acordo com a necessidade da comunidade, fortalecendo a rede de
“prossumidores” (produtores e consumidores).

A partir dessa primeira experiência do Banco Palmas, surgem outras iniciativas no


próprio estado do Ceará e em alguns outros estados do Nordeste. Por meio de mobilizações
populares em núcleos urbanos periféricos e rurais, com diferentes necessidades estruturais e

(MELO NETO e MAGALHÃES, 2008).

271 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

alguns serviços financeiros adequados à sua localidade, em pouco tempo ganham o Brasil onde
podemos dividir em três tipos que se interligam mas caracterizam experiências próprias, os
BCD: I) Criados pelas próprias comunidades; II) Fomentados por incubadoras universitárias,
e; III) Incentivados por auxílio do poder público.

Conforme Raposo e Faria, (2015) o primeiro tipo, chamado de “clássico”, é formado


pelas experiências de BCD criados pelas próprias comunidades, que possuem moeda-social,
correspondente bancário e oferece microcrédito, semelhante ao Banco Palmas no seu início.
Outro tipo são os bancos motivados e auxiliados por incubadoras universitárias62 , que
provocam essas experiências para fortalecer organização comunitária com diversas atividades,
como o Banco Jardim Botânico /PB e o Banco Solidário de Gostoso/RN. Um terceiro tipo, é
formado com auxílio da iniciativa do poder político, geralmente articulado com as políticas de
redistribuição de renda, como é o caso do Banco Cocais/PI, Banco Popular de Maricá/RJ e,
mais recentemente, o Banco Comunitário de Limoeiro Anadias/AL. Em geral, essas práticas
surgem para possibilitar e apoiar processos de geração de trabalho, renda e desenvolvimento
local (RAPOSO e FARIA, 2015).

Com o decorrer dos anos, cria-se o Instituto Banco Palmas de Desenvolvimento e


Socioeconomia Solidária (Instituto Banco Palmas) em 2003, com o objetivo de disseminar a
metodologia de implantação dos BCD. Como consequência de tais práticas, os Bancos
Comunitários de Desenvolvimento passam a ser reconhecidos por políticas públicas do governo
federal. Para operar essa parceria, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e o
Instituto Banco Palmas organizaram mecanismos de certificação e a consolidação da metodologia do
BCD criando a Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento (REDE, 2006).

A Rede se relaciona diretamente com Bancos Comunitários de Desenvolvimento por


todo o Brasil. Tanto porque os Bancos buscam esse apoio, como pelo entendimento que a meto-
dologia e o acesso a SENAES através da Rede Brasileira facilitava a implantação dos BCD em
diálogo com as prefeituras municipais e os Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
Assim, em 2004 a SENAES convidou o Instituto Banco Palmas para consolidar a metodologia
dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento, tendo em vista torná-la um programa nacional
baseado na experiência embrionária do Instituto no estado do Ceará. Os objetivos do Projeto de
Apoio a Bancos Comunitários, desenvolvido em 2005, eram:

[...] formatar a metodologia dos Bancos Comunitários de modo conceitual e


operacional; implementar a metodologia dos Bancos Comunitários em municípios
do Estado do Ceará, como piloto; capacitar agentes e gerentes de crédito para

62 As práticas de incubação “auxiliam na estruturação de pequenos empreendimentos, prestando assessoria


jurídica, econômica, contábil, financeira e administrativa. Porém, mais do que isso, seu principal foco é a formação
política das pessoas, com a criação de uma consciência coletiva que saiba lutar por seus direitos na sociedade’’
(LIMA, 2007).

272 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

a implantação dos Bancos Comunitários; fomentar a criação de uma Rede de


Bancos Comunitários; e, incentivar a adesão de outras instituições que atuam
com Microfinanças para envolverem com o projeto (INSTITUTO PALMAS, 2006
– grifos nossos).

Segundo dados da Rede Brasileira (2006), estes possuem características diferentes das
que encontramos em instituições que atuam com microcrédito como a Sociedade de Crédito
ao Microempresário, a Cooperativa de Crédito, o Banco do Povo e até mesmo os Fundos
Rotativos. De acordo com o documento elaborado pela Rede (2006), sintetizamos aqui quatro
características fundamentais que diferenciam os BCD das demais instituições:

I) A coordenação do Banco e gestão dos recursos são efetuados por uma organização
comunitária: os próprios moradores de uma comunidade se organizam em forma de associação
para gerir o empreendimento solidário;

II) A utilização de linhas de microcrédito para a produção e o consumo local com juros
justos que possibilitam a geração de renda e oportunidades de trabalho em toda a comunidade;

III) A concessão e cobrança dos empréstimos são baseadas nas relações de vizinhança
e domesticidade, impondo um controle que é muito mais social que econômico;

IV) A criação de instrumentos alternativos de incentivo ao consumo local – cartão de


crédito e moeda social circulante local – que são reconhecidos por produtores, comerciantes e
consumidores como eficazes para a dinamização da economia local.

Até 2016, tínhamos 113 Bancos Comunitários de Desenvolvimento, distribuídos por


quase todas as regiões em 20 estados e 37 municípios: O Norte com 26 experiências; o Sudeste
também com 26; o Centro-Oeste com 10, e; o Nordeste com 51 bancos comunitários (LEAL
et al.2016). Atualmente, a Rede Brasileira é composta por 114 Bancos Comunitários de Desen-
volvimento, inaugurando recentemente o primeiro BCD na região Sul (SILVA, 2020). Mesmo
assim, os Bancos Comunitários se configuram como um fenômeno ainda em construção, e a
discussão em torno dessas experiências em nosso país são fundamentais para o reconhecimento
de outras instituições no apoio, financiamento e reprodução dessa tecnologia social em diversas
outras cidades do Brasil.

A tecnologia social dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento

Visto que os Bancos Comunitários de Desenvolvimento têm como objetivo promover o


desenvolvimento de territórios de baixa renda, por meio de estímulo à criação de redes sociais
de produção e consumo. Dado também que suas experiências cotidianas de construção, e
reconstrução, de formas de interação com o espaço público, possibilitam um campo de discussão
e acolhimento de ideias, oportunizando a própria comunidade ser protagonizas nas soluções

273 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

para resolver problemas locais (LIMA e RIOS, 2016), é consenso que essas experiências são
tecnologias sociais. Mas, afinal, o que são tecnologias sociais?

Segundo a professora Tania P. Christopoulos (2011), as tecnologias sociais podem ser


entendidas como um método, ou instrumento, capaz de solucionar algum tipo de problema
social. Mas para tanto, essa tecnologia deve atender a quesitos de simplicidade, baixo custo,
fácil aplicabilidade e geração de impacto social, o que a diferencia das tecnologias convencionais
(DAGNINO et. al., 2004). Desse modo, essa ferramenta de tecnologia social deve se originar
de um processo de inovação resultante do conhecimento criado coletivamente pelos atores
interessados no seu emprego.

O Instituto de Tecnologia Social (ITS, 2007) reforça que são um “conjunto de técnicas
e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população
e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições
de vida” (p. 29). Ou ainda, que compreende “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis,
desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação
social” (DAGNINO, 2009, p. 08).

Para tanto, baseado em uma revisão da literatura sobre as tecnologias sociais, Rodrigues e
Barbieri (2008) fornecem parâmetros para que essas possam se consolidar ao longo do tempo,
é necessário:

I) razão de ser da tecnologia social — atender as demandas sociais concretas vividas e


identificadas pela população;
II) processo de tomada de decisão — processo democrático e desenvolvido a partir de estratégias
especialmente dirigidas à mobilização e à participação da população;
III) papel da população — há participação, apropriação e aprendizado por parte da população
e de outros atores envolvidos;
IV) sistemática — há planejamento, aplicação ou sistematização de conhecimento de forma
organizada;
V) construção do conhecimento — há produção de novos conhecimentos a partir da prática;
VI) sustentabilidade — a tecnologia social visa à sustentabilidade econômica, social e ambiental;
VII) ampliação de escala — gera aprendizagem que serve de referência para novas experiências
(RODRIGUES e BARBIERI, 2008, p. 1076)

Deste modo, tomando por base essas conceituações, compreendemos que uma tecnologia
social não se prende somente aos aspectos econômicos, mas que torna realidade a satisfação
das necessidades sociais, políticas, culturais e ambientais das pessoas envolvidas, que permeia
diretamente o objetivo dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Conforme o relatório
de avaliação do projeto de apoio aos bancos comunitários apontam, essas tecnologias sociais
dos bancos comunitários podem no período de seis meses a um ano ser totalmente apropriado
as dinâmicas da comunidade local, sem a necessidade de assessoramento contínuo posterior
(LIEGS, 2006).

274 Shesby André Medeiros do Nascimento


UMA DÉCADA DE ESTUDOS E PESQUISAS

Para superar os problemas enfrentados nos territórios, as comunidades envolvidas com


Bancos Comunitários de Desenvolvimento expõem práticas de inovação social destinadas a
revelar modificações nas práticas comunitárias participativas na gestão, como adesão a atuação
em redes de colaboração, grupos/mutirões solidários e outras estratégias sociais voltado para
resolução das dificuldades enfrentadas (SILVA JÚNIOR, 2016). Além disso, a relevância da
tecnologia social por meio do banco comunitário reside no fato de “permitir que sejam levados
os serviços de microfinanças a territórios de baixo capital social, onde não existe potencial para
constituir a curto ou médio prazo uma cooperativa de crédito” (CARE, 2011, p. 15).

Conclusão

De fato, os Bancos Comunitários se apresentam como uma ferramenta importante para


a organização socioeconômica em localidades marcadas pela vulnerabilidade social. Não
obstante, sua metodologia revela uma dinâmica que possibilita a participação da comunidade
em todos os processos, desde a gestão das atividades, até os beneficiários(as) foco de suas
operações. É notável o potencial que essas iniciativas podem desencadear, seja pela possibilidade
de acesso a crédito e serviços essenciais, seja no estímulo a formação/capacitação que esse
espaço de articulação possibilita pela organização comunitária envolvida.

Deste modo, consideramos que o presente estudo atingiu seu objetivo por apresentar,
com detalhes, como ocorrem essas experiências de economia solidária por meio dos Bancos
Comunitários de Desenvolvimento como tecnologias sociais nas comunidades, mas não
somente. A exposição em torno do que são essas Finanças Solidárias, viabilizam formas de
auto-organização que podem se replicadas em todo o Brasil.

Por isso, concluímos a nossa análise que os Bancos Comunitários de Desenvolvimento


são tecnologias sociais pela viabilidade de sua aplicação, de baixo custo, que geram um impacto
social. Mas não somente, essas ferramentas são instrumentos relevantes para autonomia da
população em seus processos de tomada de decisão que vai de acordo com os princípios
constitucionais democráticos de nosso país que perpassa a liberdade financeira. Por tanto,
recomendamos para estudos posteriores sobre a temática, aprofundar como essa tecnologia
social pode assumir utilidades diferentes de acordo com as características das comunidades
em que estão inseridos. Ou seja, será que as operações e atividades desenvolvidas num Banco
Comunitário periférico urbano é semelhante as realizadas em contexto rural?

Questões como essa podem aprimorar a metodologia de implantação dos Bancos


Comunitários em regiões diversas do Brasil, e assim, otimizar seu processo de apropriação
popular, impulsionando a replicação destas experiências urgentes em nosso país, marcado pela
desigualdade de acesso a ferramentas como essas, que possibilitam os atores e comunidades
envolvidas serem protagonistas dos seus processos de emancipação, na capacidade de resoluções

275 Shesby André Medeiros do Nascimento


PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO RN:

de problemas locais.

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principais características dos Empreendimentos de Finanças Solidárias no Brasil. Texto para
discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Brasília. Rio de Janeiro: Ipea, 2017.

SILVA, Sandro Pereira. O paradigma das finanças solidárias no Brasil: formatos organiza-
cionais de empreendimentos coletivos e suas dimensões estruturais. Revista Econômica do
Nordeste, v. 51, n. 1, p. 141-159, 2020.

SILVA JÚNIOR, Jeová Torres. Utilidade social e finanças solidárias: uma proposta de avalia-
ção dos bancos comunitários de desenvolvimento brasileiros. Tese (doutorado) – Universidade
Federal da Bahia, Escola de Administração. Salvador, 2016.

SINGER, P. I.. O que é Economia. São Paulo: Brasiliense, 1989.

SINGER, P. Introdução à economia solidária. 1ª edição, São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2002.

SINGER, Paul. A Economia Solidária no Governo Federal. In: Gestão pública e sociedades:
fundamentos e políticas de economia solidária / Édi Benini...[et. al.] (organizadores). -- 1. ed.--
São Paulo: Outras Expressões, 2011.

VIEIRA, Arlete Cândido Monteiro. Desafios a formalização legal de empreendimentos soli-


dários. TCC (Graduação) - Curso de Direito Faculdade de Pindamonhangaba, São Paulo, 2015.

SILVA, Sandro Pereira; CARNEIRO, Leandro Marcondes. Os novos dados do mapeamento


de economia solidária no Brasil: nota metodológica e análise das dimensões socioestruturais
dos empreendimentos. Ipea: 2016.

280 Shesby André Medeiros do Nascimento


ORGANIZADORES

Rebeca Marota da Silva

Doutoranda em Estudos Urbanos e Regionais pelo PPEUR-UFRN, na área Dinâmicas Urbanas e


Regionais, linha de pesquisa em Cidades e Dinâmica Urbana, desenvolvendo o projeto de tese
“Dinâmica urbana e regional nas Regiões Metropolitanas de Natal e Fortaleza (2006-2020)”. Mestra
em Estudos Urbanos e Regionais pelo PPEUR-UFRN (2017), na área Dinâmicas Urbanas e
Regionais e Políticas Públicas, linha de pesquisa em Cidades e Dinâmica Urbana. Possui
Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2013).
Tem experiência na área de Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: Desen-
volvimento Socioeconômico; Administração Pública; Políticas Públicas; Estado e Sociedade;
Dinâmica Econômica e Regional; Urbanização; Pesquisa; Consultoria Econômico-Financeira
e Projetos de viabilidade econômica. Atualmente trabalha como pesquisadora do Observatório
das Metrópoles, na pesquisa Economia Metropolitana e Desenvolvimento Regional: mudanças
da base produtiva e mercado de trabalho.

Érica Milena Carvalho Guimarães Leôncio

Doutoranda em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Mestra em Estudos Urbanos e Regionais


pela (UFRN). Graduada em Direito (ICF/SPES). Atualmente, desempenha atividades
acadêmicas como pesquisador na Rede INCT/Observatório das Metrópoles - Núcleo Natal
e nos projetos de extensão Fórum Direito à Cidade/UFRN e Fórum Metropolitano/UFRN.
Advogada com experiência em Direito Urbanístico e Tributário, com ênfase em Impostos
Imobiliários Municipais e Instrumentos de Gestão Urbana, é membro da Comissão de Direitos
Humanos e da Comissão Especial de Revisão do Plano Diretor de Natal (OAB/RN).

Rylanneive Leonardo Pontes Teixeira

Doutorando e mestre em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (PPEUR/UFRN). Graduado (2015) em Gestão de Políticas Públicas pela mesma instituição,
com mobilidade acadêmica internacional (2014-2015) no curso de Administração Pública na
Universidade de Aveiro, na Cidade de Aveiro/Portugal. Revisor de periódicos científicos. Orga-
nizador do dossiê temático Ambiente e Sociedade da Revista Abordagens (UFPB). Atualmente,
é pesquisador integrante do Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios
(LISAT/UFRN) e colaborador do Núcleo Natal do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia

281
Observatório das Metrópoles (INCT-OM) e do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças
Climáticas (INCLINE/USP). Tem experiência nas áreas de Políticas Públicas e Planejamento
Urbano e Regional, atuando sobretudo em estudos com ênfase nas seguintes temáticas: meio
ambiente, sustentabilidade e políticas públicas; cidades e meio ambiente; vulnerabilidade e risco
socioambientais; vulnerabilidade, riscos e gestão de riscos; território e sociedade; população
e meio ambiente; planejamento urbano e agenda climática; cidades, adaptação e capacidade
adaptativa climática; energias renováveis, descarbonização e política climática na América
Latina; acordos internacionais e ação climática. Além disso, tem interesse na área de Metodologia
Científica.

Samara Taiana de Lima Silva

Especialista em Gestão Pública (Escola da Assembleia Legislativa do RN); Mestra em Estudos


Urbanos e Regionais (UFRN); Doutoranda em Direito Econômico (UFPB); Pesquisadora do
Grupo Observatório das Metrópoles (Núcleo Natal) e do Grupo Realismo e Marxismo Jurídico
(UFPB). Tem por principais campos de interesse investigativo as áreas de Direitos Culturais,
Políticas Públicas Culturais e Economia da Cultura. Membro do Fórum Nacional de Pareceristas
Culturais e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.

Kayck Danny Bezerra de Araújo

Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Mestre em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Atua como Gestor de Políticas Públicas na Secretaria de Estado do Meio
Ambiente e dos Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte (SEMARH). Desenvolve trabalhos
voltados para as áreas de Desenvolvimento Territorial, Políticas Públicas, Instituições, Recursos
Hídricos e Sociologia do Trabalho, como membro do Laboratório de Estudos Rurais (LabRural/
UFRN).

Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros

Possui graduação em Geografia, mestrado em Ciências Sociais e doutorado em Arquitetura e


Urbanismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Realizou estágio doutoral no
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Professora do curso de Graduação em
Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais.
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais. Líder do grupo
de pesquisa Estúdio Conceito. É Secretária Executiva da ANPUR - Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (2019-2021).

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Zoraide Souza Pessoa

Doutora em Ambiente e Sociedade pela Unicamp (2012), Mestre (2003) e Graduada (2000) em
Ciências Sociais e Especialização em Demografia (2005) pela UFRN. Atualmente é professora
adjunta do Departamento de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Urbanos e Regionais da UFRN. Coordena o Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes
e Territórios (LISAT) na UFRN. É pesquisadora da Rede Observatório das Metrópoles -
Núcleo RMNATAL, do Grupo de Pesquisa Estado e Políticas Públicas UFRN), do Núcleo de
Estudos Socioambientais e Territoriais (UERN) e do Grupo de Estudos em Gestão Ambiental
(UERN). Desenvolve pesquisas com foco em questões socioambientais contemporâneas, de
sustentabilidade, políticas públicas, planejamento regional e governança ambiental. Territórios,
riscos, vulnerabilidades, resiliência, mudanças climáticas e adaptação. Cidades e Metrópoles.
Alternativas Energética e Hídrica. Identidade e Percepção socioambientais. Participação e
Movimentos socioambientais. População e Meio Ambiente.

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