Você está na página 1de 139

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Reitor
Pedro Fernandes Ribeiro Neto

Vice-Reitora
Fátima Raquel Rosado Morais

Diretora de Sistema Integrado de Bibliotecas


Jocelânia Marinho Maia de Oliveira

Chefe da Editora Universitária – EDUERN


Anairam de Medeiros e Silva

Conselho Editorial das Edições UERN


Emanoel Márcio Nunesc
Isabela Pinheiro Cavalcante Lima
Diego Nathan do Nascimento Souza
Jean Henrique Costa
José Cezinaldo Rocha Bessa
José Elesbão de Almeida
Ellany Gurgel Cosme do Nascimento
Wellignton Vieira Mendes

Diagramação
Isabelly Thayanne de Sousa Silva

Catalogação da Publicação na Fonte.


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Araújo Júnior, Pedro Pinheiro de.


Não é terra de préstimo e nunca foi povoada [recurso eletrônico] : a territorialização
dos sertões do Cabo de São Roque (1500-1719) / Pedro Pinheiro de Araújo Júnior –
Mossoró, RN: EDUERN, 2020.

139p. : il., PDF

ISBN: 978-65-88660-63-8

1. Territorialização. 2. Cabo de São Roque. 3. Historiografia. I. Araújo Júnior, Pedro Pinheiro de. II.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.


UERN/BC CDD 981.32

Bibliotecário: Petronio Pereira Diniz Junior CRB 15 / 782

Editora Filiada à:
Meus Amigos
e minhas Amigas

O Programa de Divulgação e Popularização da Produção Científica,


Tecnológica e de Inovação para o Desenvolvimento Social e Econômico do Rio
Grande do Norte, pelo qual foi possível a edição de todas essas publicações
digitais, faz parte de uma plêiade de ações que a Fundação de Apoio à Pesquisa
do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN), em parceria, nesse caso, com
a Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FUERN), vem
realizando a partir do nosso Governo.

Sempre é bom lembrar que o investimento em ciência auxilia e enriquece o


desenvolvimento de qualquer Estado e de qualquer país. Sempre é bom lembrar
ainda que inovação e pesquisa científica e tecnológica são, na realidade, bens
públicos que têm apoio legal, uma vez que estão garantidos nos artigos 218 e 219
da nossa Constituição.

Por essa razão, desde que assumimos o Governo do Rio Grande do Norte,
não medimos esforços para garantir o funcionamento da FAPERN. Para tanto,
tomamos uma série de medidas que tornaram possível oferecer reais condições de
trabalho. Inclusive, atendendo a uma necessidade real da instituição, viabilizamos
e solicitamos servidores de diversos outros órgãos para compor a equipe técnica.

Uma vez composto o capital humano, chegara o momento também de pensar


no capital de investimentos. Portanto, é a primeira vez que a FAPERN, desde sua
criação, em 2003, tem, de fato, autonomia financeira. E isso está ocorrendo agora
por meio da disponibilização de recursos do PROEDI, gerenciados pelo FUNDET,
que garantem apoio ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CTI)
em todo o território do Rio Grande do Norte.

Acreditando que o fortalecimento da pesquisa científica é totalmente per-


passado pelo bom relacionamento com as Instituições de Ensino Superior (IES),
restabelecemos o diálogo com as quatro IES públicas do nosso Estado: UERN,
UFRN, UFERSA e IFRN. Além disso, estimulamos que diversos órgãos do
Governo fizessem e façam convênios com a FAPERN, de forma a favorecer o
desenvolvimento social e econômico a partir da Ciência, Tecnologia e Inovação
(CTI) no Rio Grande do Norte.

Por fim, esta publicação que chega até o leitor faz parte de uma série de
medidas que se coadunam com o pensamento – e ações – de que os investimentos
em educação, ciência e tecnologia são investimentos que geram frutos e constroem
um presente, além, claro, de contribuírem para alicerçar um futuro mais justo e
mais inclusivo para todos e todas!

Boa leitura e bons aprendizados!

Fátima Bezerra
Governadora do
Rio Grande do Norte.
Parceria pelo
Desenvolvimento
do RN

A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN) e


a Fundação Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FUERN) sentem-se honradas pela
parceria firmada em prol do desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. A publicação
deste livro eletrônico (e-book) é fruto de esforço conjunto das duas instituições, que em setembro
de 2020 assinaram o Convênio 05/2020–FAPERN/FUERN, que, dentre seus objetivos, prevê
a publicação de quase 200 e-books. Uma ação estratégica como fomento da divulgação científica e
popularização da ciência.

Este convênio também contempla a tradução para outros idiomas de sites de Programas
de Pós-Graduação (PPGs) das instituições de ensino superior do estado, apoio a periódicos
científicos e outras ações para a divulgação, popularização e internacionalização do conhecimento
científico produzido no Rio Grande do Norte. Ao final, a FAPERN terá investido R$ 100.000,00
(cem mil reais) oriundos do Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNDET), captados via Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial do Rio
Grande do Norte (PROEDI), programa aprovado em dezembro de 2019 pela Assembleia
Legislativa na forma da Lei 10.640, sancionada pela governadora, professora Fátima Bezerra.

Na publicação dos e-books, estudantes de cursos de graduação da Universidade do Estado


do Rio Grande do Norte (UERN) são responsáveis pelo planejamento visual e diagramação das
obras. A seleção dos bolsistas ficou a cargo da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE/UERN).

No Edital 02/2020–FAPERN, os autores/organizadores puderam inscrever as obras


resultantes de suas pesquisas de mestrado e doutorado defendidas junto aos PPGs de todas as
Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTIs) do Rio Grande Norte, bem como
coletâneas que derivem do trabalho dos grupos de pesquisa nelas sediados. Neste primeiro edital
foram inscritas 63 obras, das quais 57 tiveram aprovação após a verificação de atendimento aos
critérios e envio aos pareceristas, processo editorial que fica a cargo das Edições UERN.

Com essa parceria, a FAPERN e a FUERN unem esforços para o desenvolvimento do


Estado do Rio Grande do Norte, acreditando na força da pesquisa científica, tecnológica e
de inovação que emana das instituições potiguares, reforçando a compreensão de que o
conhecimento é transformador da realidade social.

Agradecemos a cada autor(a) que dedica seu esforço na concretização das publicações
e a cada leitor(a) que nelas tem a oportunidade de incrementar seu conhecimento, objetivo

final do compartilhamento de estudos e pesquisas.

Gilton Sampaio F átima Raquel


de Souza Rosado M orais
Diretor-Presidente Presidente em exercício
da FAPERN da FUERN
“NÃO É TERRA DE PRÉSTIMO E NUNCA FOI POVOADA”:

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO CABO DE SÃO ROQUE

(1500-1719)

PEDRO PINHEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR


CAPA: Detalhe do mapa Brasilia de Arnoldus de Montanus e Jacob van Meurs, onde se
representa o litoral do atual nordeste do Brasil e dos baixios de São Roque em 1671. Fonte:
LIBRARY OF CONGRESS GEOGRAPHY. Brasilia, 1671. Washington. Códice: 20540-4650
dcu. Disponível em: https://www.loc.gov/item/2001620475/. Acesso em: 7 jul. 2019.
Agradecimentos

Ao decorrer da escrita desse livro, enfrentei muitos problemas que só foram superados
pela minha perspicácia em querer seguir em novos caminhos na minha vida, sobretudo
o acadêmico. Primeiramente, nesses agradecimentos, relembro de todos os membros da minha
família que contribuíram para minha formação e me levaram a amar o espaço do litoral norte,
principalmente o da praia de Zumbi, em especial a minha avó Ester Gomes de Melo (in memoriam)
e a minha madrinha e tia-avó, Iracema Gomes da Costa, com 94 anos e uma lucidez magnífica!
Aos meus tios, João Lopes e Glória Maria, professores aposentados, que contribuíram nos
meus conhecimentos humanísticos desde minha juventude. Agradecimento mais que especial a
minha mãe, Maria da Conceição Melo, pela dedicação à família e por estar sempre à disposição
no que fosse necessário. E ao meu pai, Pedro Pinheiro (in memoriam), que contribuiu na minha
formação.

Agradeço ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte, que me concedeu uma licença,
de um dos meus vínculos, para cursar o mestrado por 26 meses. Sem ela não seria possível
estudar, pesquisar e trabalhar nesta dissertação. Como também, à Escola Estadual Peregrino
Júnior, onde leciono desde 2009, local onde tenho ótimos colegas e amigos partícipes de uma
equipe que luta por uma escola digna e gratuita para todos.

Aos meus alunos e amigos que me acompanharam nesse processo, em especial aos
grupos de alunos da Olimpíada Nacional de História do Brasil, que são mais próximos e
iniciaram seus caminhos nos estudos das humanidades. Aos meus antigos amigos, professores
e alunos da cidade de Rio do Fogo, local que virei professor pela primeira vez em 2006, nas
Escolas Estaduais Governador Lavoisier Maia e José Porto Filho, e aprendi a amar e conhecer
melhor a realidade dessa população do litoral, sendo esse um dos motivos que me levaram a
realizar este trabalho acadêmico.
Ao professor Doutor Helder Alexandre Medeiros de Macedo, com o qual pude ingressar
nos estudos sobre os sertões do Rio Grande. Foi por suas mãos que conheci a capital seridoense,
Caicó. Ele sempre direto e humano nas suas contribuições neste trabalho e que me orgulha de
ter me auxiliado no meu crescimento como historiador. À minha querida amiga Maiara Araújo,
que sempre olhou a minha pesquisa com grandiosidade, sempre me dando dicas e contribuições
nos estudos coloniais. Exemplo típico das mulheres batalhadoras deste país, acompanhei a sua
luta para conciliar o mestrado e ser mãe de primeira viagem. Sua dedicação às pesquisas e a
sua família me fizeram ser seu fã.

Agradeço aos professores da UFRN, que contribuíram nesse processo, em especial ao


professor Doutor Roberto Airon Silva, que me auxiliou nos estudos da área de arqueologia,
disponibilizando artigos, textos e artefatos resguardados no LARQ, agradeço enormemente
por ter me acompanhado ao IPHAN para analisar os artefatos de sítios arqueológicos sobre os
povos originais do litoral do Rio Grande.

Ao amigo Jandson Bernardo, sempre solícito nas leituras dos meus textos, nas discussões
e nas construções de outros projetos de pesquisa. À Reginaldo Santana, que me auxiliou no
acesso aos mapas disponibilizados no site da Marinha do Brasil. À excelente geóloga Janaína
Medeiros, que me auxiliou na construção dos mapas para este trabalho. À minha querida amiga,
Daniela Castro, por me acompanhar nesse processo e contribuir nas revisões dos meus artigos e
ao nosso grupo da “high society” com Caio César, Francisco Leão, Rayram Oliveira e Lousiane
Melo, que sempre acreditaram no meu potencial. Ao professor Milton César, que me auxiliou
nas análises e entrevistas sobre a região da Lagoa do Boqueirão em Touros. À Eduardo dos
Anjos, meu ex-aluno e amigo, que meu auxiliou nas entrevistas em Rio do Fogo. Aos pescadores do
litoral norte, Flávio Gualberto de Oliveira e Edinor Rodrigues dos Anjos, que me explicaram
sobre a navegação marítima no Canal de São Roque. Ao meu querido Sávio Ribeiro, que me
aguentou nesse processo final na escrita da dissertação. Por fim, a todos aqueles que contribuíram
neste trabalho, meu muito obrigado!
Apresentacão

~
Caro leitor, este livro foi fruto de minha dissertação desenvolvida no Programa de
Pós-graduação em História, com área de concentração em História e Espaços, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (PPGH/UFRN), vinculada à Linha de Pesquisa – Formação,
Institucionalização e Apropriação dos Espaços. Essa linha trata das territorialidades urbanas e
agrárias e da institucionalização dos espaços geopolíticos. Concebe que o espaço é vivenciado
pelas ações humanas de expansão, habitação, uso, segregação e instituição social dos meios
naturais e humanos.

No decorrer dessa escrita, se observou como se desenvolveu o processo de apropriação


territorial do litoral ao norte de Natal, na Capitania do Rio Grande, ao decorrer de dois séculos.
Desse modo, os estudos que compõem a historiografia da Capitania do Rio Grande relegaram
a essa região litorânea uma considerável lacuna nessas produções, tal como se aquele espaço
fosse um pedaço invisível do território. Para detalhar melhor o objetivo principal e conseguir
responder a essas lacunas deixadas pela historiografia, estabeleceu-se três vertentes de análise
sobre esse território potiguar. O primeiro foi de analisar o processo de territorialização das
áreas adjacentes ao Cabo de São Roque nos séculos XVI e XVII; seguido de compreender
as experiências dos colonos, nesse processo de conquista desse espaço, a partir de relatos de
marchas, naufrágios e caminhos realizados nesse litoral entre os séculos XVII e XVIII; e, por
fim, entender como os poderes eclesiástico e civil contribuíram para o processo de apropriação
das terras litorâneas que estavam além do rio Maxaranguape, entre os séculos XVII e XVIII.

O objeto desse estudo remete ao litoral norte da então Capitania do Rio Grande, com
o recorte temporal estabelecido entre os anos de 1500 e 1719. Apesar de ser um período
extenso para análise, buscou-se pesquisar primordialmente as fontes cartográficas e os relatos
dos cronistas do período selecionado, assim, o nosso livro não prevê uma coleta exaustiva de
documentos manuscritos do período. Nos primórdios do período colonial, esse espaço foi palco
dos primeiros contatos entre os grupos indígenas e os navegadores europeus no princípio do
século XVI. Essa região correspondeu, no período imperial, aos antigos limites territoriais da
Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes do Porto de Touros. Segundo Nilson Patriota,
essa vila foi criada através da Lei Provincial nº 21, de 27 de março de 1835, desmembrada da
Vila de Extremoz. Até os anos 1930, a extensão de sua costa marítima era de 180 quilômetros,
começando na Barra de Maxaranguape e terminando no Pontal de Guamaré.

Ao longo do século XX, esse território foi desmembrado em vários municípios, que,
na atualidade são partícipes da Microrregião do Litoral Nordeste do Estado do Rio Grande do
Norte, correspondendo aos municípios de Maxaranguape, Rio do Fogo, Touros, São Miguel
do Gostoso, Pedra Grande, Pureza e Taipu. Como se observa no mapa atual a seguir, onde se
encontram as atuais divisões territoriais desses municípios, os principais rios e lagoas da região
e os principais topônimos que foram utilizados neste trabalho.

A construção do objeto de estudo deste trabalho se deu a partir, principalmente, de um


exame circunstanciado da historiografia produzida acerca do Cabo de São Roque e de várias
indagações que surgiram ao longo deste percurso, como veremos na Introdução.

***
Mapa do espaço pesquisado: adjacências do Cabo de São Roque e seus topônimos na atualidade

Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados do mapeamento dos parrachos conforme:
Amaral (2003). Trabalho técnico com o programa Qgis 3.4 realizado por Janaína Medeiros da Silva, a partir da
análise de Pedro Pinheiro de Araújo Júnior.
Sumário

1
1 INTRODUÇÃO 16

2
2 A TERRITORIALIZAÇÃO DO CABO DE SÃO ROQUE
NO SÉCULO XVI
28

2.1 ENCONTRO COLONIAL NO CABO DE SÃO ROQUE 30


2.2 A CARTOGRAFIA DA CONQUISTA 34
2.3 A CARTOGRAFIA IBÉRICA 35
2.4 RESQUÍCIOS ARQUEOLÓGICOS DO LITORAL NORTE 42
2.5 SOUASOUTIN: A COSTA DO RIO GRANDE NA 45

3
CARTOGRAFIA FRANCESA

3 AS TERRAS SEM PRÉSTIMOS: DOS SERTÕES DO CABO


DE SÃO ROQUE AO DO PORTO DO TOURO (SÉCULO XVII)

3.1 O SERTÃO LITORÂNEO 58


3.2 O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DOS SERTÕES DO
CABO DE SÃO ROQUE 60
3.3 OS POTIGUARA NO LITORAL NORTE DA CAPITANIA DO RIO
G GRANDE: OS INDÍCIOS CARTOGRÁFICOS NO SÉCULO XVII 64
3.4 A CONQUISTA DO MARANHÃO E A CONSTRUÇÃO
CARTOGRÁFICA DO CANAL DE SÃO ROQUE
73

3.5 OS TOPÔNIMOS EM TRANSFORMAÇÃO: O SURGIMENTO


DO DO PORTO DO TOURO 79
4
4 OS SERTÕES DO PORTO DO TOURO: A APROPRIAÇÃO
DO DO ESPAÇO (1628-1719)

4.1 INDÍGENAS, PORTUGUESES E NEERLANDESES: AS 90


MARCHAS PELOS SERTÕES DO PORTO DO TOURO

4.2 TERRA, PODER E INDIVÍDUOS: AS REDES CLIENTELARES 96


4.3 AS SESMARIAS DOS SERTÕES DO PORTO DO TOURO 98
(1666-1719)

5
4.4 OS DONOS DO PODER: A TRAJETÓRIA DO VEREADOR 110
DOMINGOS CARVALHO DA SILVA

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 118

FONTES 121
REFERÊNCIAS 129
1 Introducão
~
O historiador Augusto Tavares de Lira, na obra História do Rio Grande do Norte
(1921), ao descrever sobre os primeiros anos de colonização portuguesa, entre os séculos XVI
e XVII, na então Capitania do Rio Grande, indicou que na região ao norte da Cidade do Natal,
“o povoamento não ultrapassava ainda o Maxaranguape, a dez ou 11 léguas da capital.” Essa
análise possibilita diversos questionamentos. Que fontes permitiram o autor constituir tal
informação? Todo um espaço que compreende na atualidade a Microrregião do Litoral Nordeste
do Rio Grande do Norte era um vazio populacional nos tempos coloniais? Por que os grupos
indígenas, que habitavam esse espaço, foram silenciados? O que era a compreensão de
“povoamento” para Tavares de Lira? Esses questionamentos são válidos para entender os processos
históricos da formação desse espaço ao norte de Natal. As pesquisas realizadas a posteriori de
Tavares de Lira, sobre o período colonial, trouxeram poucas averiguações sobre esse espaço e
mantiveram as linhas de raciocínio sobre o povoamento até o rio Maxaranguape ao norte de
Natal. A reverberação sobre o povoamento no litoral norte persistiu com o historiador Tarcísio
Medeiros, que assimilou a mesma informação de Tavares de Lira (MEDEIROS, 1973, p. 38),
tal como a historiadora Denise Mattos Monteiro. Esta última inseriu em seu livro um mapa do
Rio Grande do período colonial onde os limites do povoamento, ao norte de Natal, eram até as
margens do rio Maxaranguape (MONTEIRO, 2002, p. 62).

Esses questionamentos sobre a ocupação desse espaço ao norte de Natal surgiram ainda
na juventude deste autor, quando veraneava nos meses de janeiro na praia de Zumbi. Posteriormen-
te, persistiram já como professor de História da rede pública estadual no município de Rio do
Fogo1. Ambas localidades estão no litoral norte. Parte dessas indagações foram investigadas
1
Rio do Fogo é um dos mais jovens dentre os 167 municípios que integram o território do Estado do Rio Grande
do Norte. Emancipado em 1995 do município de Maxaranguape através de um plebiscito realizado em 17 de
setembro, data histórica para os moradores, foi criado através da Lei Estadual nº 6.842, de 21 de dezembro
de 1995 e instalado em 1º de janeiro de 1997. Faz divisa ao norte com Touros, ao sul com Maxaranguape, a
oeste com o Oceano Atlântico e a leste com o município de Pureza. O território é dividido em seis distritos,
sendo três litorâneos: praias de Pititinga, Zumbi e Rio do Fogo (sede); e os interioranos: Punaú, Catolé e Canto
Grande. Segundo o censo do IBGE 2010, a população ultrapassa um pouco mais de 10.000 habitantes (ARAÚJO
JÚNIOR, 2013, p. 1).

16
em conjunto com os alunos da Escola Estadual José Porto Filho, entre os anos de 2007-2008, ao
realizarem pesquisas e entrevistas com os moradores mais antigos da sede do município. Esse
trabalho foi importante devido à formação de livretos que buscaram reconstruir a Memória e
a História do lugar.

No segundo momento de investigações, em 2012, realizando o Curso de Aperfeiçoamento


em Produção de Materiais Didáticos Cidade e Diversidade, de extensão universitária, promovido
pelo professor Raimundo Nonato Araújo Rocha, do Departamento de História da UFRN, entramos
em contato com documentos, fontes, autores, professores e ideias que expandiram nossos
conhecimentos para compreender a ocupação do espaço no litoral norte. Nesses diálogos com
os professores, para a montagem do material final do curso, destacamos a contribuição da
professora Carmen Margarida Oliveira Alveal. O trabalho final do curso foi apresentado ainda
durante o XXVII Simpósio Nacional de História, em 2013, na sessão “Exposição de trabalhos
inovadores de professores de História da rede básica de educação”. Na comunicação, foi
demonstrado o relato da experiência ao produzir material didático sobre a história do município,
que, por fim, foi publicado nos Anais do Simpósio Nacional de História (ARAÚJO JÚNIOR,
2013).

Nos aprofundamentos da pesquisa, ainda relembrando os questionamentos sobre os


apontamentos de Tavares de Lira, já que naquele momento não se encontravam produções
bibliográficas sobre esse espaço, foi pesquisado o livro Terras Potiguares (2004), de Marcus
César Cavalcanti de Morais. Nessa obra, o autor fez um resumo de cada um dos 167 municípios
do Rio Grande do Norte. Essa tentativa do escritor em reunir as histórias desses municípios em
um livro transformou a publicação em uma das principais fontes de informação histórica mais
recentemente criadas no Estado.

No tocante às cidades de Rio do Fogo e São Miguel do Gostoso, para o pesquisador,


suas fundações foram realizadas no final do século XIX, com o início da construção de seus
respectivos templos católicos e das primeiras moradias ao redor da igreja. Grande parte
dos primeiros moradores eram de sertanejos que se refugiaram nesses espaços em busca de
melhores condição de vida (MORAIS, 2004, p. 199-225). Sobre Rio do Fogo, o autor descreve:

A povoação do território teve início nos idos de 1877, quando quatro famílias,
fugindo de uma grande seca, deixaram o Sertão potiguar e penetraram nos caminhos
do litoral, até alcançarem a região banhada pelo Rio Roxo, onde fixaram moradia.
As famílias se instalaram incialmente na margem esquerda do pequeno rio de águas
escuras, que posteriormente denominou-se Rio do Fogo. [...] Na trajetória de sua

17
consolidação, Rio do Fogo contou em seus primeiros anos com a participação
incentivadora de nomes importantes, como: Francisco Apolinário, Francisco de Brito,
Eliseu Ribeiro, José Gaspar [...] (MORAIS, 2004, p. 199).

Na observação desse fragmento, percebe-se que o autor utilizou de relatos orais ao citar
o nome dos primeiros moradores, infelizmente, não citando as fontes das informações prestadas
em seu livro. O grande problema é que esses dados são utilizados pelos órgãos governamentais,
tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como a principal fonte histórica
sobre esses lugares em seus relatórios por município. Os dados são utilizados pelo Estado,
Prefeitura e, por fim, pela comunidade escolar, que reverbera aos alunos do lugar que as origens
do município estão ligadas aos grupos de flagelados da seca de 1877, que se assentaram na praia
em busca de refúgio. A partir dos dados de Tavares de Lira e Marcos César Cavalcanti, todo
esse espaço litorâneo estava sem registro documental da presença de colonos portugueses ou
povos indígenas no decorrer do período colonial? Esse espaço só foi ocupado no final do século
XIX? Esses questionamentos são o mote principal da problemática proposta neste trabalho.

As primeiras produções historiográficas sobre esse litoral ocorreram nas primeiras


décadas do século XX, intituladas, contemporaneamente, de historiografia clássica2. Teve
como um dos principais expoentes o historiador Francisco José da Rocha Pombo, que na sua
obra História do Estado do Rio Grande do Norte (1922) traçou o perfil da história do Estado
até o ano de 1920, dedicando mais da metade de sua obra ao período colonial. Porém, como era
comum nas produções do período, fez uma narrativa construída sob a valorização do viés dos
conquistadores portugueses, sendo esses senhores do território, descrevendo os primeiros
contatos dos europeus com os grupos indígenas relatados nas viagens de Américo Vespúcio,
em 1501, como também analisou os embates entre portugueses e holandeses na Capitania do
Rio Grande em 1633. Exemplo disso, o título do capítulo 11 é “O Domínio dos Intrusos”,
tratando sob o período da dominação holandesa na dita Capitania.

Um ano antes, em 1921, Augusto Tavares de Lira construiu uma narrativa semelhante
em sua obra, já questionada no início deste texto. Valorizando os feitos dos lusitanos e utilizando
como principal fonte de sua narrativa, sobre os primórdios da colonização, a obra História do
Brasil, de Frei Vicente de Salvador. Porém, um diferencial do autor em relação à Rocha Pombo
2
O termo historiografia clássica foi utilizado pela historiadora Denise Mattos Monteiro ao fazer uma análise sobre
a produção historiografia norte-rio-grandense no I Encontro Regional da Anpuh-RN (MONTEIRO, 2004, p. 51).
Essa visão se perpetuou nas produções do Programa de Pós-graduação em História da UFRN. Nas pesquisas
de Helder Macedo e Tyego F. da Silva, foi utilizada essa denominação para se referir aos livros publicados na
primeira metade do século XX, por Câmara Cascudo, Tavares de Lira e Rocha Pombo. As obras desses autores, que
contribuíram na produção da História do Rio Grande do Norte, são consideradas como a principal referência aos
estudos sobre o período colonial (MACEDO, 2007, p. 71; SILVA, 2015, p. 79).

18
são as citações e as referências bibliográficas utilizadas de forma constante ao longo de seu texto,
tornando a sua obra uma das principais fontes de pesquisa sobre a História do Rio Grande do
Norte. No tocante aos grupos indígenas, o autor escreveu:

Quanto ao extermínio do gentio, recordamos apenas, sem subscrever os conceitos


dos que entenderem ter sido o seu sacrifício o cumprimento de uma lei necessária
[...] em virtude de guerras, epidemias de varíola e crises climáticas periódicas, esse
desaparecimento foi quase completo, de tal modo que, no cruzamento que ali se
vem operando entre as três raças que entraram na nossa formação histórica, a
raça primitiva passou, desde então, a fornecer o menor contingente, especialmente
na zona agrícola, onde foram assimilados, em maior número, os negros e mulatos
(LIRA, 2012, p. 190).

Essa perspectiva fatalista de Augusto Tavares de Lira sobre os grupos indígenas que
faziam parte da composição dos indivíduos que integravam a Capitania coloca esses sujeitos
como extintos da participação histórica da formação do Rio Grande do Norte. Principalmente
ao utilizar o termo “raça primitiva”, usando o mesmo raciocínio de Rocha Pombo. Essa historiografia
do início do século XX colocou os grupos indígenas que habitavam a Capitania do Rio Grande
como meros expectadores dessas narrativas. Foram silenciados e esquecidos nessas obras. São
citados apenas em pequenos relatos de ataques aos portugueses, nos acordos de paz firmados
no contexto da fundação de Natal, nos conflitos com os holandeses e na Guerra dos Bárbaros.

A partir da segunda metade do século XX, uma nova leva de pesquisas surgiu sobre o
período colonial. Luís da Câmara Cascudo encabeçou essa análise quando lançou História do
Rio Grande do Norte (1955). Porém, o escritor manteve o discurso de Tavares de Lira sobre o
desaparecimento dos grupos indígenas no contexto do processo colonizador. Se Lira informou
que os indígenas foram “exterminados” ao longo desse processo, Cascudo estabeleceu o fim
desses povos no início do século XIX, ao afirmar: “o indígena entrou para morrer” (CASCUDO,
1984, p. 43). Mais uma vez o discurso fatalista e do esquecimento desses povos persistiu na
historiografia sobre o período colonial do Rio Grande do Norte.

Câmara Cascudo, todavia, contribuiu nas pesquisas sobre o litoral norte ao indicar
as referências sobre os estudos coloniais e indígenas e na indicação de artigos da Revista do
IHGB. Percebe-se que o significado e história de algumas localidades não foram trabalhadas
ou deixadas sem descrição na obra. Talvez por estar em processo de pesquisa na época, Câmara
Cascudo retomou-o na obra Nomes da Terra (1968). Nessa obra, fez uma vasta pesquisa sobre
os topônimos do Rio Grande do Norte, descrevendo as origens indígena, africana ou portuguesa

19
das localidades desse Estado. Porém, existem algumas lacunas nesse trabalho que provocam
dificuldades nas pesquisas de historiadores do período colonial, uma delas é a falta de citação
documental e referência bibliográfica. Um dos topônimos litorâneos pesquisados pelo autor foi
a praia de Zumbi. Segundo ele, “em 1777, Manoel Gomes Tição possuía o sítio do Zumbi na
praia de Punahu” (CASCUDO, 1968, p. 133). Além disso, não se sabe, por exemplo, que dicionário
tupi foi utilizado por Câmara Cascudo para compreender os significados dos topônimos litorâneos
ou sertanejos.

Na década de 1970, o professor da UFRN Tarcísio Medeiros lançou Aspectos Geopolíticos e


Antropológicos da História do Rio Grande do Norte (1973). O autor estabeleceu novos olhares
sobre o período colonial na Capitania do Rio Grande, principalmente nos aspectos cartográficos,
iconográficos e nas referências bibliográficas. Sobre o litoral norte, ele amplificou os estudos
sobre esse espaço ao pesquisar sobre o período dos descobrimentos portugueses. Ao se utilizar
da obra de Francisco Adolfo Varnhagen, descreveu que esse litoral foi tocado por espanhóis em
1499 nas imediações do rio Assu, antes da chegada do navegador Pedro Alvares Cabral ao atual
território brasileiro em 1500. O pesquisador manteve aproximações com termos utilizados pela
historiografia clássica ao se referir aos holandeses e ao personagem Jacob Rabbi como “invasores” e
“judeu traidor”, respectivamente (MEDEIROS, 1973, p. 20-38).

Tarcísio Medeiros manteve um discurso semelhante ao de Cascudo sobre os indígenas.


Os Paiacus foram intitulados de “ferozes e terríveis” e o personagem Jacob Rabbi do “inspirador da
morte” (CASCUDO, 1984, p. 84-100). Ao longo do trabalho, sobre dados do período colonial,
fez conclusões sem citar as fontes pesquisadas para fazer tal informação. Essas divergências se
apresentam, por exemplo, em relação à quantificação de moradores da capitania no período
holandês, informando que “60% da população” do Rio Grande sucumbiu diante dos embates
para a conquista da Capitania em 1633. Dados esses sem nenhuma citação de fontes que possam
ser investigadas (MEDEIROS, 1973, p. 215).

Surgem nos seus escritos os primeiros esboços de uma História que se preocupava com
a História Indígena ao utilizar os termos “etnia” ou “tráfico vermelho”, referindo-se aos grupos
indígenas e ao processo de colonização portuguesa. Porém, equivoca-se nesses conceitos no
final do livro ao retomar o termo “raça” ao se referir aos escravos africanos: “o negro, das três
raças, foi o elemento que por último chegou ao Rio Grande do Norte” (MEDEIROS, 1973, p.
41-54). Desse modo, entende-se que os indígenas têm etnia e os negros têm raça, colocando esses
dois grupos em categorias diferentes de análise etnográfica. Tarcísio Medeiros ainda manteve
o conceito “raça” na obra Proto-História do Rio Grande do Norte (1985). Em ambos

20
os trabalhos estabeleceu-se os limites territoriais dos grupos indígenas a partir da divisão
regional da época da pesquisa. Aproximando-se aos estudos de Câmara Cascudo, sobre essa
modalidade de divisão, feita a partir da análise dos topônimos. O dito autor contribui com
os estudos arqueológicos sobre os povos indígenas ao analisar na sua obra outros estudos já
realizados pelos pesquisadores do Museu Câmara Cascudo (MCC) nos anos de 1960 e 1970.
Essas pesquisas investigaram os povos paleoíndios e indígenas a partir dos artefatos cerâmicos
encontrados nos sítios arqueológicos do litoral e região agreste do Rio Grande do Norte.

Nas décadas de 1980 e 1990, o historiador Olavo de Medeiros Filho, membro efetivo
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), publicou obras que
contemplavam suas pesquisas sobre o período colonial na Capitania do Rio Grande. Destaca-se
como um dos primeiros a publicar um estudo dedicado aos povos indígenas, na obra Índios do
Açu e Seridó (1984). O autor amplificou o conhecimento histórico sobre os grupos indígenas
que habitavam a Capitania, retirando esses personagens dos silêncios das pesquisas realizadas
no século XX.

Medeiros Filho teve a perspicácia de esmiuçar os topônimos do litoral, os limites


territoriais dos grupos indígenas e o modo de vida desses personagens de acordo com os
relatos dos cronistas holandeses do século XVII. O autor descreveu indicações dos topônimos
referente às aldeias indígenas do espaço litorâneo, mas priorizou as pesquisas sobre os grupos
indígenas das ribeiras do Assu e Seridó.

O dito pesquisador tem como principal mérito as suas exaustivas pesquisas em fontes e
livros do período do domínio holandês, principalmente na indicação das fontes documentais e
iconográficas. Na pesquisa da cartografia colonial, mais precisamente nos estudos dos topôni-
mos litorâneos, destacam-se as obras Naufrágios no Litoral Potiguar33 (1988), Terra Natalense
(1991), Aconteceu na Capitania do Rio Grande (1997), Os Holandeses na Capitania do Rio
Grande (1998) e Notas para a história do Rio Grande do Norte (2001). Essas publicações
contribuem para as pesquisas sobres os espaços coloniais no sentido de indicação das fontes,
porém são obras descritivas e com rarefeito esforço reflexivo sobre o processo de colonização.

O escritor Antônio Nilson Patriota, membro da Academia Norte-Riograndense de Letras,


contribui com a obra Touros: Uma Cidade no Brasil (2000). Suas pesquisas estavam associadas aos
estudos de Olavo de Medeiros Filho. Nilson Patriota fez uma pesquisa pioneira sobre a história

3
Na obra o autor descreve indicações dos topônimos litorâneos a partir dos relatos do cronista português
Gabriel Soares de Sousa. Descreve a Ponta do Santo Cristo, o Cabo de São Roque, os rios Pititinga, Uguaçu e
Maxaranguape como as principais referências geográficas para a navegação costeira pela Capitania (MEDEIROS
FILHO, 1988, p. 11-12).

21
do principal núcleo urbano desse espaço litorâneo, a cidade de Touros. Natural da mesma cidade,
o autor pesquisou sobre Touros e as cidades que se emanciparam desse município ao longo do
século XX, construindo no seu texto dados importantes sobre esse espaço pouco problematizado
na historiografia. A partir de relatos orais dos moradores de várias localidades, nas citações de
fontes paroquiais, sesmariais e nos estudos bibliográficos, procurou fazer uma história geral
desse município, ligando esse espaço como um importante ponto estratégico, tanto aos feitos
dos “descobrimentos” portugueses como às rotas da aviação transoceânica entre África e o
Brasil entre os anos 1930-1940.

No final dos anos 1990, foram publicados trabalhos produzidos por professores do
Departamento de História da UFRN, ligados aos estudos coloniais. A professora Fátima Martins
de Lopes lançou Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande
do Norte (2003). Uma das primeiras pesquisas acadêmicas sobre o processo de colonização e
desaparecimento dos grupos indígenas desse espaço colonial, um verdadeiro divisor de águas
na historiografia colonial do Rio Grande do Norte. Uma de suas contribuições está na mudança
do conceito sobre a expansão colonial, ao chamar esse processo de “povoamento colonial”.
Concordando com esse termo, percebemos o reconhecimento da autora de que os povos indígenas
também povoavam o Rio Grande. Essa perspectiva muda o olhar sobre esses grupos, pois na
historiografia clássica, os termos povoamento, povoado ou habitante estavam ligados apenas
aos colonos portugueses.

A professora Denise Mattos Monteiro, em Introdução à História do Rio Grande do


Norte (2000), fez uma reconstrução histórica do Rio Grande do Norte entre o período colonial
e parte da primeira metade do século XX. Utilizou como principal referência sobre o período
colonial os estudos de Fátima M. Lopes. O trabalho de Denise Monteiro foi importante ao utilizar, a
partir das fontes, mapas para mostrar as “frentes de conquista do interior” (MONTEIRO, 2002,
p. 78) no processo de colonização da Capitania.

Um procedimento em destaque na obra de Mattos Monteiro foi a inserção de documentos


e mapas. Contudo, ocorre uma discordância perceptível com Fátima Martins Lopes, na forma
como transcreve os sujeitos que se apropriaram desse espaço. Utiliza os termos “homens brancos”
ou “conquistador branco”, um conceito genérico considerado ultrapassado para designar os
europeus na América. Utilizaremos, nesta análise, o conceito trabalhado por Fátima Martins
Lopes, entendido como mais apropriado, o de “colonizador”.

22
A partir do ano de 2008, com as defesas das dissertações do PPGH/UFRN, o
leque de pesquisas sobre a Capitania do Rio Grande do Norte continuou ampliando os
estudos coloniais sobre esse espaço. Desse modo, destaca-se Helder Alexandre Medeiros de
Macedo contribuindo para a História Indígena e dos estudos cartográficos em Ocidentalização,
Territórios e Populações Indígenas no Sertão da Capitania do Rio Grande (2007), devido à
sua análise sobre esse processo de “ocidentalização” a partir da investigação de fontes
cartoriais, paroquias, militares e cartográficas. Fez uma análise breve do Mapa de Cantino de
1501, considerando-o como marco primordial do processo que ele chama de “ocidentalização”
da Capitania do Rio Grande. Utilizou-se do mapa de Luís Teixeira, de 1574, para problematizar
sobre as divisões das Capitanias Hereditárias. Por fim, utilizou o mapa de Jacques de Vaulx de
Claye para analisar a iconografia dos contatos entres franceses e índios Potiguara no litoral do
Rio Grande, além de analisar em detalhes sobre essa cultura indígena e suas representações no
mapa da cartografia francesa do século XVI. Reiteramos, todavia, que o objeto central de estudo
deste trabalho estava calcado nas transformações provocadas pelo fenômeno da ocidentalização
nos espaços e nas vidas dos indígenas que habitavam os sertões do Rio Grande do Norte.

A dissertação de Júlio César Vieira de Alencar, intitulada Para que enfim se colonizem
estes sertões: A Câmara de Natal e a Guerra dos Bárbaros (2017), fornece dados importantes
para compreender as redes clientelares entre os agentes camarários, a posse das terras na
capitania e os conflitos com os grupos indígenas. Tal como Helder Macedo, o autor trabalha
o conceito de “território” ao descrever esse processo, elaborando no seu trabalho, mapas para
descrever a apropriação de terras em várias ribeiras da Capitania, citando o Porto de Touros e a
região das Salinas, ambas no litoral norte como partícipes desse processo colonizador.

Dessa forma, Júlio César Alencar estabeleceu nesses mapas informações sobre a extensão
da região salineira e a denominação de “Porto de Touros”. Porém, faltaram as descrições dos
rios perenes da região no mapa sobre a Ribeira do Ceará-Mirim, como, por exemplo os rios
Maxaranguape, Punaú e Maceió, sendo todos eles importantes marcos nas divisões das sesmarias
costeiras do litoral norte.

Feito o percurso pela produção historiográfica do Rio Grande do Norte acerca do litoral
norte da antiga capitania, deteremo-nos, na próxima seção, a detalhar as questões da análise
das fontes utilizadas para essa investigação.

***

23
Para dar respaldo à investigação, foram utilizadas diversas tipologias de fontes. As
fontes cartográficas selecionadas são dos séculos XVI e XVII, e serão utilizadas no primeiro e
segundo capítulos deste livro, no total de 25 documentos, como cartas, atlas e livros produzidos
em países europeus – Portugal, França, Espanha e Holanda. Os documentos cartográficos estão
divididos em dois blocos distintos, que são: Carta de La Cosa (1500), Planisfério de Cantino
(1502), Planisfério de Caverio (1505), Mapa de Lopo Homem (1519), Carta de Diogo Ribeiro
(1529), Carta de Gaspar Viegas (1534), Atlas de Nicolas Vallard (1547), Mapa de Diogo
Homem (1558), Mapa de Bartolomeu Velho (1561), Mapa de Jacopo Gastaldi (1565), Mapa
de Fernão Vaz Dourado (1571), Atlas de Luiz Teixeira (1574), Mapa de Jaqcques de Vaulx de
Claye (1579), Atlas de Joan Martinez (1587) e o Mapa de Theodoro de Bry (1592).

O segundo bloco são: Mapas de João Teixeira Albernaz I (1612), Atlas e Mapas de
João Teixeira Albernaz, o Moço (1627; 1630; 1631; 1640; 1642; 1666), Carta de Jorge Marcgraf
(1643), Mapa de Nicolas Sanson (1656) e o Atlas de Johannes Vingboons (1665). Todos disponíveis
para consulta através das plataformas digitais em sites de museus, instituições universitárias e
arquivos públicos como a Biblioteca Digital Mundial (https://www.wdl.org/pt/) e a Biblioteca
do Congresso Americano (https://www.loc.gov/).

Onze dessas fontes estão disponíveis também no site “Gallica” (http://gallica.bnf.fr).


O site é uma plataforma digital da Biblioteca Nacional da França e seus parceiros, está online
desde 1997, sendo enriquecido todas as semanas, e oferece acesso a milhares de documentos. A
qualidade gráfica dos mapas disponibilizados na plataforma torna esse site um dos melhores na
pesquisa em cartografia na atualidade. Em meados do século XX, debruçou-se nas pesquisas
sobre essas fontes o sócio do IHGRN, José Moreira Brandão Castelo Branco, com a publicação
de dois artigos sobre cartografia colonial. Seu trabalho foi importante na análise dos topônimos
e na iconografia desses documentos. A principal referência historiográfica sobre a cartografia
colonial é do historiador português Jaime Zuzarte Cortesão. Falecido em 1960, teve uma obra
póstuma publicada em dois tomos pelo Ministério das Relações Exteriores: História do Brasil
nos Velhos Mapas (1965). Os estudos desse autor servem como principal referência para indicação da
localização dessas fontes, lugar de produção e características de cada escola cartográfica, aos
quais ele chama de “Escola Cartográfica do Ocidente”.

Outra tipologia de fonte analisada são quatro Relatórios de Diagnóstico e Prospecção


Arqueológica feitos no litoral norte, entre os anos de 2012 e 2015, fruto de estudos propiciados
pela Arqueologia de Contrato. Esses documentos são imprescindíveis para a liberação do termo
do impacto arqueológico nas regiões onde foram construídas linhas de transmissão e usinas

24
eólicas. Essas fontes trazem amostragem do material arqueológico encontrado, identificando se
são do período pré-histórico ou do período do contato entre grupos indígenas e europeus. Esses
relatórios e o material arqueológico encontrado estão custodiados e disponíveis para consulta
em três instituições na cidade do Natal: MCC, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) e o Laboratório de Arqueologia da UFRN (LARQ).

As mesmas instituições salvaguardam outras fontes que foram utilizadas neste trabalho,
como os artefatos cerâmicos, cerâmicas de grés, fragmentos de louças, miçangas venezianas e
de faiança francesa que foram encontrados pelo Projeto Dunas4, realizado entre os anos 1990 e
2000. Esse material arqueológico foi proveniente de cinco sítios arqueológicos identificados no
espaço de estudo: Enseada de Pititinga, Zumbi, Rio do Fogo I, Rio do Fogo II e Lagoa do Sal.

Outras classes de fontes escritas foram averiguadas, como os registros paroquiais,


consultando os livros de casamentos, batismos e falecimentos da Matriz de Nossa Senhora
da Apresentação entre os anos de 1681-1776, custodiados tanto pelo Instituto Arqueo-
lógico e Histórico Geográfico Pernambucano (IAHGP) como pelo IHGRN. As fontes foram
disponibilizadas através de cópias fotográficas realizadas e resguardadas pelo professor Helder
Alexandre Medeiros de Macedo. Sendo os livros de batismo imprescindíveis para montar a
trajetória de vida do personagem Domingos Carvalho da Silva e seus familiares, assim, esses
documentos foram utilizados neste livro no Capítulo 3 e foram abordados sob os conhecimentos
das normas estabelecidas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia em 1707. Além
destes, foram averiguados outros sete documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania
do Rio Grande, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), datados entre os anos de
1675-1747, disponibilizados através do Projeto Resgate, no sítio da Biblioteca Nacional Digital
(http://bndigital.bn.gov.br/projeto-resgate/).

Por fim, analisamos 10 documentos sesmariais concedidos aos moradores do espaço em


estudo, entre os anos de 1605 e 1719. Essa documentação, conservadas no IHGRN e disponi-
bilizadas para pesquisa tanto na Plataforma SILB, como nas publicações do projeto Sesmarias
do Rio Grande do Norte da Fundação Vingt-Un Rosado. Escolhemos esse recorte temporal, por
serem às duas primeiras fases de doações de terras nesse espaço, como será explicado em mais
detalhadamente nos capítulos 3 e 4.

4
Projeto desenvolvido sob a coordenação do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque (UFRN),
identificando um número significativo de sítios arqueológicos pré-coloniais e de contato euro-indígena, nas
áreas de dunas do litoral oriental norte-rio-grandense. Tiveram como objetivo central o cadastramento dos sítios
arqueológicos desse espaço (MEDEIROS, 2016, p. 18).

25
As primeiras representações desse espaço em estudo foram realizadas a partir da confecção
de mapas. Desse modo, nos dois primeiros capítulos, essas fontes foram analisadas sob uma das
tríades do pensamento de Henri Lefebvre: “o espaço concebido”. Seria aquele dos cientistas,
dos planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas, de certos artistas próximos da cientificidade,
identificando o vivido e o percebido ao concebido. Em outras palavras, é o espaço dominante
numa sociedade. As concepções do espaço tenderiam para um sistema de signos verbais,
portanto, elaborados intelectualmente (LEFEBVRE, 2013, p. 100). Concordando com a ideia
de Henri Lefebvre sobre o espaço concebido, os mapas têm essa característica de descrever um
espaço que era ainda desconhecido do público europeu, ou seja, estava no plano da abstração.
Aproximando-se da ideia do “espaço concebido”, Tiago Kramer nos relata que “a cartografia,
por mais que não possa ser vista como um discurso neutro e objetivo, é obra de ficção sobre um
espaço imaginado que se torna real apenas por meio de um discurso persuasivo convincente”
(OLIVEIRA, 2014, p. 165).

Outras categorias a serem apropriadas e utilizadas neste livro são as de território, terri-
torialização e sertão. Pode-se observar que no processo de apropriação dos sertões do Cabo de
São Roque, essa ação foi estimulada pela Coroa Portuguesa e seus agentes, desse modo, essas
categorias são aplicadas nos capítulos deste livro, a partir das óticas de autores selecionados como
Cláudia Damasceno Fonseca, que descreve que o sertão colonial é “um espaço em perpétuo
vir a ser: sua conversão em território se faz à medida que o povoamento avança e se intensifica”
(FONSECA, 2011, p. 54). Para a autora, o sertão pode designar “regiões extensas, pouco
habitadas, selvagens, inexploradas ou pouco conhecidas, não cartografadas e de limites fluidos
ou subjetivos” (FONSECA, 2011, p. 54). Para Jerusa Pires Ferreira, existe uma polarização de
significações sobre essa categoria “sertão” que “estaria ligado ao conceito de fertilidade da
terra, de abundância vegetal, de mata, e, por outro lado, encontra-se o sentido de aridez de
despovoamento que remeteria à acepção de deserto” (FERREIRA, 2004, p. 29). Na percepção
de Antônio Robert de Moraes, esses espaços coloniais tornam-se sertões ao atraírem o interesse
de agentes sociais que visam estabelecer novas formas de ocupação e exploração dessas paragens
(MORAES, 2003, p. 2). Serão, também, aplicados no Capítulo 2 os conceitos de espaço e
caminhar de Yi-Fu Tuan (1980; 1983) sobre as experiências dos colonos lusos no litoral nas
paisagens dunares.

Por fim, o livro aqui apresentado se enquadra no bojo de produções acadêmicas recentes
sobre o período colonial, em especial nos estudos sobre os espaços coloniais na Capitania do
Rio Grande. Abordamos neste trabalho aspectos ligados aos primórdios da concentração fundiária
e um suposto “desaparecimento” dos grupos indígenas da região dos sertões do Cabo de São

26
Roque. Almeja-se conseguir preencher lacunas da historiografia sobre o litoral norte e os
primeiros contatos, nesse espaço, entre europeus e indígenas.

27
2 A Territorializacão do cabo

~
de São Roque no Século xvi

O atual litoral norte-rio-grandense foi palco dos primeiros contatos entre os grupos
indígenas e europeus nos primórdios do século XVI. Existe, na atualidade, uma discussão
histográfica, fora do âmbito acadêmico e patrocinada pelo Governo do Estado do Rio Grande
do Norte e IHGRN, sobre a questão dos “descobrimentos” portugueses em 1500. Tal discussão
centra-se no ponto em que a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral aportou nas imediações
da atual cidade de Touros e não em Porto Seguro, na região ao sul da Bahia, em 22 de abril de
1500. Essas questões têm um forte apelo dos setores ligados ao turismo do Estado. Porém, não
é uma discussão historiográfica recente, já que desde os anos 1920 esses debates ocorrem5.

Nesse ínterim, a abordagem nesta obra é investigar a territorialização do espaço do


litoral norte, mais precisamente, nas adjacências do Cabo de São Roque (ver no mapa da
Introdução). Utilizamo-nos do conceito de território de Antônio Carlos Robert de Moraes para
entender esse processo de conquista dos espaços indígenas por grupos europeus no século XVI
na América do Sul. Para esse autor, o território, ao decorrer da colonização portuguesa, ocorreu
no sentido da apropriação e usos dos solos que correspondiam “às carências ou às potências que
alimentaram a motivação para mover-se” para espaços cobiçados pelos colonos. Para Moraes,
para que esse processo ocorresse foi necessária uma efetivação da ocupação do espaço, isto é,
a colonização foi um assentamento com certa dose de fixação e perenidade da ocupação do
espaço, sendo este resultado da ação humana sobre a superfície terrestre (MORAES, 2008,
p.63). Desse modo, o processo colonizador utilizou os serviços militares e todo aparato
jurídico-administrativo para expandir as terras coloniais. Moraes nos informa que existe “um
componente de violência que acompanha de forma inelutável a apropriação de novas terras
quando estas possuem habitantes autóctone, pois eles devem ser submetidos ao novo poder que
se instala” (MORAES, 2008, p.64).

5
Luís da Câmara Cascudo já se debruçava sobre essa temática ao publicar A Intencionalidade no Descobrimento
do Brasil (1924) e O Mais Antigo Marco Colonial do Brasil (1934). Os dois trabalhos foram reunidos no livro
Dois Ensaios de História (1965).

28
Concordando com a interpretação do autor sobre o espaço, no contexto do encontro
colonial, ele foi construído a partir dos relatos dos cronistas e da cartografia do período. São
essas fontes produzidas pelos agentes da Coroa Portuguesa, exemplos de representações do
espaço, que nas concepções de muitos autores, as quais veremos adiante, descreveram esse es-
paço como território dos Potiguara6. Porém, temos algumas questões para compreender. Como
eram os limites territoriais para os Potiguara? De que modo a historiografia e a documentação
dos primórdios da conquista podem esclarecer esses questionamentos? De que forma a História
Indígena pode contribuir nessa pesquisa?

Na segunda metade do século XIX, Francisco Adolfo Varnhagen publicou História Geral
do Brasil (1877) descrevendo, em seus primeiros capítulos, uma história dos indígenas. Ele
estipulou que existiam antes da chegada dos portugueses, em 1500, em torno de 1 milhão de
indivíduos. Em seu trabalho, fez uma descrição desses povos, utilizando-se de imagens
iconográficas e de fontes de época para demonstrar a formação social desses povos. Mas
percebe-se a utilização de referências dos povos indígenas que habitavam a atual região sudeste
do Brasil. Desse modo, faz uma história desses povos de forma aglutinadora, como se todos
os povos indígenas fossem de uma mesma cultura, sem investigar as especificidades de cada
sociedade e seu território.

Em meados do século XX, Caio Prado Júnior, na sua obra História Econômica do Brasil
(1945), imerge esses povos indígenas sob a perspectiva de uma dominação mercantilista dos
povos europeus na América. O autor descreve que esses indígenas viviam em uma terra par-
camente habitada por tribos nômades ainda na Idade da Pedra e os que vivam no litoral eram
relativamente numerosos e pacíficos (PRADO JÚNIOR, 2004 [1945], p. 24-32). Analisando
essas informações, percebe-se uma incongruência de dados em relação à quantidade de grupos
indígenas na época do encontro colonial, ora o autor informa que tinham muitos, ora descreve
que eram poucos.

Contemporâneo da produção de Caio Prado, o historiador português Jaime Cortesão


utilizou-se das mesmas categorizações ao descrever esses povos como “estacionados ainda na
Idade da Pedra e que utilizavam para confeccionar seus instrumentos apenas a pedra, a madeira
e o osso. Andavam nus. Pintavam o corpo de cores, em que predominavam o encarnado e o
negro” (CORTESÃO, 1980, p. 19). Esses autores utilizaram uma perspectiva sobre a História
Indígena, um pouco semelhante à de Varnhagen, ao aglutinar, pouco investigar e categorizar

6
Para Fátima Martins Lopes, os Potiguara eram do tronco linguístico Tupi-Guarani que, como seus aparentados do
restante do litoral leste do Brasil, tomaram contato com os europeus desde o início das navegações exploratórias
da costa (LOPES, 2003, p. 44).

29
esses povos nativos como viventes da “idade da pedra” ou como “nômades e pacíficos”. Sem
um estudo aprofundado ou analítico sobre essas sociedades, corroborando com um viés historiográ-
fico que colocou esses sujeitos como meros coadjuvantes do período colonial.

No século XXI, novas abordagens surgem sobre a história indígena. João Pacheco de
Oliveira, utilizando-se do referencial estabelecido pelo antropólogo Talal Asad, apropriou-se
do conceito de “encontro colonial” para investigar os primórdios do contato entre europeus e
indígenas nas Américas. Descreve como uma categoria analítica central para a produção de um
conhecimento crítico sobre o social. “Longe de ser o palco para o teatro do absurdo, o encontro
colonial é o lócus onde se atualizam todas as práticas e representações, é ali que se instituem
as relações sociais, produzindo simultaneamente o colonizador e o colonizado” (OLIVEIRA,
2014, p. 168). Desse modo, será utilizado esse conceito para o estudo do processo de territorialização
dos sertões do Cabo de São Roque e das relações entre indígenas e grupos europeus, portugueses
e franceses.

2.1 Encontro colonial no Cabo de São Roque

Segundo Greg Urban e Gabriela Martin, os povos indígenas que viviam no litoral do
que chamamos de Brasil se estabeleceram nesse espaço por volta do ano 1000, tomando como
base o Calendário Gregoriano. Os mesmos pesquisadores indicam que várias línguas seriam,
então, uma única língua, reunidas sob o nome de “Tupi-Guarani”, que não deve ser confundido
com a família mais ampla. Os grupos que ocupavam essa costa até a foz do Amazonas eram os
Tupinambás, Tupiniquins e Potiguara (URBAN, 1998, p. 92; MARTIN, 1997, p. 205).

As estimativas sobre a quantidade de indígenas que moravam nesse espaço variam entre
1 a 5 milhões de indivíduos antes do encontro colonial. O atual litoral norte do Rio Grande do
Norte foi palco desse contato entre europeus e indígenas nos primeiros anos do século XVI7.
Os viajantes europeus foram incumbidos pela Coroa Portuguesa de descrever as novas terras
do além-mar. Rocha Pombo nos descreveu que “o litoral do território que forma hoje o Estado
do Rio Grande do Norte foi seguramente dos primeiros, nesta parte da America do Sul, que
receberam visitas de expedições européas” (POMBO, 1922, p. 23).

A descrição do historiador sobre os primórdios da conquista do litoral foi fundamentada


a partir dos escritos da expedição exploradora da qual fazia parte Américo Vespúcio. Desse

7
Adolfo Varnhagen e outros historiadores, como Tavares de Lira, Capistrano de Abreu, Rocha Pombo e Câmara
Cascudo, descreveram que esse litoral foi visitado antes da expedição de Pedro Álvares Cabral em 1500. Porém,
sem descrever se nesses eventos ocorreu encontro entre europeus e indígenas.

30
modo, a partir da carta “As Quatro Navegações”, atribuída ao navegador florentino, denominou-se
essa região costeira com a toponímia de “Cabo de São Roque” (PATRIOTA, 2000, p.184). A
expedição foi realizada logo após a chegada do navegador português Pedro Álvares Cabral a
Porto Seguro, em 22 de abril de 1500, feito considerado marco primordial dos encontros
coloniais na atual costa do Brasil (ARAÚJO JÚNIOR, 2013, p. 6).

A expedição exploradora assinalou a posse portuguesa dos espaços costeiros do que


viria a ser intitulado posteriormente de Capitania do Rio Grande. Esses navegadores fincaram
um marco de posse portuguesa, coluna fixada na atual praia do Marco. Nos mapas antigos, as
adjacências do Cabo de São Roque correspondiam ao litoral entre os municípios de Maxaranguape e
Guamaré (SILVA; ARRAIS; CAVENAGHI, 2006). Na atualidade, o referido topônimo situa-se
no atual município de Maxaranguape e recebeu esse nome durante a expedição em 17 de agosto
de 1501, dia dedicado àquele santo (MEDEIROS, 1973). Na carta, Vespúcio descreveu os indígenas
do litoral próximo ao Cabo de São Roque para o rei de Portugal D. Manuel I:

[...] Os homens que ali estavam, descendo à praia com arcos e flechas, puseram-se
a disparar e infligiram tal terror em nossa gente – os batéis em que estavam resva-
lavam na areia ao navegar, não podendo fugir com rapidez -, que ninguém então se
lembrou de pegar em armas, de modo que muitas flechas eles dispararam até que
desferimos quatro tiros de bombarda sem atingir ninguém. Ao ouvir o estrondo,
todos em fuga correram de volta ao monte onde estavam as mulheres a esquartejar
o jovem que haviam matado, enquanto olhávamos em vão, mas não era em vão que
nos mostravam os pedaços que, assando num grande fogo que tinham aceso, depois
comiam: também os homens, fazendo-nos sinais semelhantes, davam a entender que
haviam matado e assim comido outros dois cristãos nossos, e exatamente por isso
acreditamos que falavam a verdade. Esse ultraje ofendeu-nos a fundo, pois vimos
com nossos próprios olhos a profanação com que trataram o morto (VESPÚCIO,
2013 [1504-1505], p. 46-48).

Pode-se considerar o navegador florentino como o primeiro cronista europeu a descrever


o litoral do atual Rio Grande do Norte, sendo possível observar em seu texto a geografia da
região e das características físicas e dos hábitos antropofágicos dos índios Potiguara. Essa
fonte é importante para compreender que o espaço já era ocupado por esse grupo indígena nos
primórdios da colonização lusa.

Outro autor que esclareceu que esse encontro colonial foi realizado entre navegadores
da Coroa Portuguesa e indígenas Potiguara foi o historiador Capistrano de Abreu. O mesmo
nos informa que “a expedição de 1501 entrou logo em conflito com a gente da terra, provavelmente

31
Potiguares” (ABREU, 2013, p. 235). Paulatinamente esse espaço foi apropriado pelos colo-
nos portugueses nos séculos subsequentes através da concessão de sesmarias. Além disso, as
crônicas de Vespúcio consolidaram a toponímia Cabo de São Roque, que “tornou-se, para os
navegantes que vinha, a estes mares, o ponto de referência mais conhecido” (POMBO, 1922,
p. 26). Essa referência pode ser observada nos mapas e atlas que foram elaborados por diversos
cartógrafos europeus no decorrer da primeira metade do século XVI.

Como se observa no Mapa 1, os primeiros contatos coloniais foram estabelecidos na


costa Potiguara, nas imediações do Cabo de São Roque. O ícone correspondente ao núcleo
urbano de Filipeia serve para averiguar as dimensões territoriais estabelecidas por esse povo
indígena. Essa localidade foi fruto de um processo de conquista dos espaços desse povo costeiro,
perpetrados pelos agentes da União Ibérica, nas últimas duas décadas do século XVI.

Após a descrição dos Potiguara realizada por Américo Vespúcio, existe um hiato de
85 anos de silêncios de fontes escritas de origem portuguesa sobre esse povo no litoral norte,
surgindo posteriormente com os escritos de Gabriel Soares de Sousa em 1587. Segundo Fátima
Martins Lopes, nem os grupos franceses que aportaram na costa do Rio Grande à procura de
pau-brasil deixaram relatos sobre esse período inicial, principalmente porque aqui estavam
como corsários, flibusteiros autorizados pela Coroa Francesa, mas não legais do ponto de vista
das relações políticas europeias (LOPES, 2003, p. 47-48).

Mapa 1 – Costa do território Potiguara: na descrição de Gabriel Soares de Sousa – 1587

Fonte: Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, com auxílio do Google Earth, a partir dos escritos
de Gabriel Soares de Sousa (1587), Américo Vespúcio (1503), Rocha Pombo (1921) e Tavares de Lira (1922).
Além dos relatórios dos sítios arqueológicos identificados pelo Projeto Dunas, organizados em quadros na Tese
de Doutorado de Iago Henrique Medeiros (2016).

32
O cronista Gabriel Soares de Sousa e os religiosos católicos, Frei Vicente de Salvador
e Frei Fernão Cardim informaram limites territoriais diferentes para esse povo indígena. Na
percepção do primeiro, o rio Assu seria os limites “extremos entre os Tapuias e os Potiguares”
(SOUSA, 1851 [1587], p. 23). Para o segundo, percebe-se uma amplificação dos domínios dos
Potiguara pela costa “da Paraíba até o Maranhão, algumas quatrocentas léguas” (SALVADOR,
2013 [1627], p. 169). O último restringe o território destes e os intitula apenas de “senhores da
Paraíba” (CARDIM, 1925, p. 195). Pelas análises cartográficas, percebemos que esse domínio
Potiguara era vasto. No Mapa de Bartolomeu Velho de 1561 (ver Anexo A), foram nomeados
diversos territórios indígenas ao longo da costa e intitulou toda faixa litorânea entre atual do
Ceará e a Paraíba de “Pitiguares”.

As diversas compreensões dos cronistas sobre os limites territoriais desses nativos


demonstram um processo de apropriação territorial em andamento e de conhecimento limitado
dos espaços a serem conquistados pela União Ibérica, na costa setentrional do Estado do Brasil.
Lembrando que esses cronistas foram contemporâneos dos conflitos entre portugueses e
Potiguara e seus aliados franceses pela conquista das Capitanias da Paraíba e Rio Grande nas
últimas décadas do século XVI, pode-se inferir que escreveram seus textos a partir dos relatos
dos militares que participaram dos conflitos. Essas guerras contra os indígenas, para avanço
territorial português em direção ao norte de Pernambuco, levaram ao contato desses fundos
territoriais, que seriam “constituídos pelas áreas ainda não devassadas pelo colonizador, de
conhecimento incerto e, muitas vezes, apenas genericamente assinaladas na cartográfica da
época. Trata-se dos “sertões”, das “fronteiras”, dos lugares ainda sob domínio da natureza ou
dos “naturais” (MORAES, 2008, p. 69).

As divergências sobre a delimitação territorial dos Potiguara perpassam também pelos


historiadores. Desde Adolfo Varnhagen, que limita os “petiguares” como senhores da costa
dos atuais Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba (VARNHAGEN, 1877, p. 20). Até Olavo
de Medeiros Filho e Tarcísio Medeiros, que indicam como moradores da margem esquerda
do rio Paraíba até a serra do Ibiapaba no atual estado do Ceará (MEDEIROS FILHO, 1984, p.
21; MEDEIROS, 1985, p. 85). Como se observa no Mapa 1, e concordando com a historiadora
Fátima Martins Lopes, ao esclarecer que esse povo ocupava toda faixa litorânea leste e a região
agreste do atual Rio Grande do Norte. Não existe, portanto, uma unanimidade sobre os limites
territoriais desse grupo indígena, que foi descrito como a maior e a mais unida de todas as
tribos tupis do litoral do Brasil. Guerreiros intrépidos, impediram a expansão portuguesa ao
longo da costa “leste-oeste” (HEMMING, 2007, p. 245).

33
2.2 A cartografia da Conquista

Entre os séculos XV e XVI ocorreu uma verdadeira revolução na ciência e na arte cartográ-
fica. Na ciência, pela introdução das latitudes observadas, do meridiano graduado nas cartas
e do cálculo do valor do grau terrestre, o que permite uma representação muito mais exata
da superfície do planeta. Na arte, pela formação e generalização daquilo que Jaime Cortesão
intitula de o estilo naturalista, sendo esse um estilo utilizado nos primeiros mapas criados
para descrever o litoral do atual território brasileiro. Foram confeccionados a partir de relatos
e estudos de militares e cronistas ligados à administração da Coroa Portuguesa (CORTESÃO,
1965, p. 86). Esses agentes da Coroa deveriam retratar as terras recém-descobertas para que
o governo central, em Lisboa, fosse capaz de conhecer esse novo espaço e estabelecer novas
políticas administrativas, além de expandir seu território de além-mar8.

A figura-chave nesse processo de territorialização, a partir da confecção de mapas,


pertencia à figura do cosmógrafo, que era responsável por montar os dados já pesquisados, fazer
apenas o risco, aquartelamento e preparação dos atlas manuscritos em versões de luxo, muitas
vezes acompanhados do texto explicativo redigido pelo próprio encarregado do levantamento.
Essas cartas, ainda pouco padronizadas, “explicitavam o estilo pessoal de cada cosmógrafo, ca-
racterizando-se pelo predomínio dos topônimos e figurações livres que preenchiam as lacunas
decorrentes do desconhecimento efetivo da região representada” (BUENO, 2004, p. 202).

Entretanto, ocorre uma divergência entre outros autores sobre a concepção das análises
desses mapas do período colonial. Beatriz Siqueira Bueno, pesquisadora ligada à História Urbana,
defende que o pesquisador, ao analisar melhor os mapas, deve compreender antes como foram
as “condições técnicas da sua produção”, isto é, refletir sobre quais períodos históricos foram
produzidas essas fontes, ou “como os engenheiros militares, em Portugal e no Brasil, realizavam os
levantamentos de campo, preparavam seu gabinete, sua mesa de trabalho, suas folhas de papel,
seu estojo de desenhos? ” (BUENO, 2004, p. 194). Diferente dessa perspectiva do olhar do
pesquisador diante da fonte cartográfica, a geógrafa Giseli Girardi diverge de Beatriz Bueno
e amplifica essas concepções ao informar que os mapas são “produções culturais de discursos
sobre o território”. Para a autora, a importância do mapa “reside na sua leitura e não exclusi-
vamente na sua elaboração técnica”. Por fim, Giseli Girardi vê o mapa como uma forma de
representação do espaço, tanto gráfica como visual. Entende como “uma mediação entre a

8
Segundo Patricia Seed, o termo “descoberta” foi utilizado pelos portugueses para designar seus métodos de
encontrar novas terras, em um processo sistemático pelo qual novas terras e novos povos eram achados. A autora
informa que a “descoberta constituía a essência de suas reivindicações de autoridades de além-mar” (SEED, 1999,
p. 145).

34
realidade e o leitor dessa realidade espacial; como uma imagem (possível) do mundo. Assim, o
mapa reproduz um sistema de valores sociais que são culturais e históricos” (GIRARDI, 2000,
p. 43). Concordando com as ideias de Giseli Girardi, os mapas analisados mostram o processo
de apropriação de novos espaços encabeçados pelos diversos agentes de reinos europeus em
terras americanas.

Numa perspectiva semelhante à de Moraes, no sentido de perceber o “sertão” como um


espaço a ser conquistado, Claudia Damasceno Fonseca qualifica-o como o interior desconhecido,
selvagem e mítico da colônia, carregado de significações por vezes contraditórias, afirmando,
ainda, que essa palavra aparece continuamente nas representações do espaço colonial. O sertão
pode ser descrito como uma superfície de contornos imprecisos; na perspectiva do colonizador,
como uma folha em branco sobre a qual virão a se inscrever as marcas da dominação (FONSECA,
2011, p. 51-52).

2.3 A Cartografia Ibérica

Uma das primeiras cartas a descrever o litoral do atual Brasil foi confeccionada pelo
marinheiro Juan de la Cosa, em outubro de 1500. Estabelecido no Porto de Santa Maria, na
atual Espanha, ele foi piloto de Alonso de Hojeda, que navegou pela costa setentrional da
América do Sul em nome dos Reis Católicos e, por seis anos, foi mestre de cartas de marear
nas viagens de Cristóvão Colombo, na última década do século XV, ou seja, foi testemunha
das “descobertas” marítimas do período. Realizou sete viagens entre a Europa e a América até
sua morte, após um conflito com grupos indígenas em Cartagena, em 1511, na atual Colômbia
(LEITE, 1921, p.120; MARTÍN-MERÁS, 2000, p.79).

Essa Carta foi contestada pelos historiadores portugueses, Duarte Leite e Jaime Cortesão,
na qual rebateram também as informações de Adolfo Varnhagen sobre as aproximações de
navegadores ligados à Coroa Espanhola nesse espaço litorâneo, antes da viagem do “descobrimento”
de Pedro Álvares Cabral. As produções desses autores portugueses reforçavam uma visão da
supremacia náutica e cartográfica lusitana no século XVI e do pioneirismo desses navegadores
sobre os mares do atlântico sul. Relativizou ou omitiu a participação dos espanhóis no contato
da costa a oeste do Cabo de São Roque. Pesquisadores mais contemporâneos consideram a
importância desse documento histórico, sendo este o primeiro registro cartográfico do Novo
Mundo como resultado direto da “descoberta” empreendida por Cristóvão Colombo em 1492.

35
Em meados do século XX, José Moreira Brandão Castelo Branco lançou na revista do
IHGRN uma pesquisa sobre a cartografia colonial e fez um estudo sobre a Carta de la Cosa. O
referido documento está sob guarda do Museu Naval de Madri na Espanha. Como se observa
na Figura 1, são desenhados os esboços dos contornos continentais da América do Sul até as
imediações do atual Nordeste brasileiro com poucos dados sobre esse litoral recém-descoberto,
como se o cosmógrafo ainda estivesse em processo de criação da Carta em seu local de produção.
Em contrapartida, a costa africana é rica em informações toponímicas e iconográficas. O documen-
to foi, a exemplo da cartografia da época, reflexo da renovação advinda da Renascença, dos
avanços científicos pela invenção da imprensa e sua aplicação na produção de mapas e pelos
descobrimentos de novos continentes, terras e mares (ROCHA, 2005).

Observa-se que essas Cartas não eram utilizadas como um guia de navegação para os
marinheiros em suas viagens, e sim para a ilustração e divulgação das novas descobertas
territoriais aos monarcas e às suas cortes nos reinos Ibéricos9. No caso do reino hispânico,
havia um local de produção cartográfico específico, A Casa de Contratação da Índias em Sevilha,
criada em 14 de fevereiro de 1503, a partir dos desdobramentos das viagens de Cristóvão
Colombo. O espaço centralizou o comércio e a organização de frotas para as Índias, estabeleceu
os estudos científicos orientados por cosmógrafos, impulsionou nas confecções de mapas de
marear, de instrumentos náuticos e na formação de novos pilotos. Para Luisa Martín-Merás, a
Carta de Juan de la Cosa é um protótipo dos manuscritos produzidos por essa instituição, foi
confeccionada com pedaços de pergaminho de pele de carneiro, e por ser do pescoço do animal,
o mapa ficou de forma irregular (MARTÍN-MERÁS, 2000, p. 74).

9
O historiador Lucas Montalvão Rabelo, na sua dissertação A representação do rio ‘das’ Amazonas na cartografia
quinhentista: entre a tradição e a experiência (2015), realizou uma vasta pesquisa sobre o Rio Amazonas, a partir
das fontes cartográficas do século XVI, destacando-se a Carta de Juan de la Cosa. Seu trabalho é importante ao
esmiuçar sobre a pesquisa cartográfica do período, indicando autores e fontes que ampliam o conhecimento sobre
a Cartografia Histórica no Brasil.

36
Figura 1 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde se observa no canto inferior esquerdo o formato em cor
verde do continente sul americano

– Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde se observa no canto inferior esquerdo o formato em cor verde do

continente sul americano

Fonte: MUSEU NAVAL DE MADRI. Planisfério náutico de Juan de la Cosa, 1500. Madri. Códice CE257.
Disponível em: https://mostre.museogalileo.it/waldseemuller/iwal.php?c%5B%5D=38821. Acesso em: 10 jul.
2018.

Tradicionalmente, nessa escola cartográfica do reino hispânico, as obras eram datadas


e inscritas com os nomes dos cartógrafos e com frases que indicavam a sua autoria. Juan de la
Cosa, por exemplo, escreveu na margem oeste do mapa (Figura 1) uma legenda localizada sob
os pés da iconografia de São Cristóvão: “Juan de la Cosa a fez no porto de s. Maria no ano de
1500”. A frase remete à data e ao local de produção da Carta, além disso, a inscrição foi inserida
ao redor de ícones de santos cristãos dando a entender uma expansão da cristandade para o
Novo Mundo. Possivelmente, a Carta seria um intento dos Reis Católicos de se promoverem
como responsáveis pela conquista de novas terras e divulgar essas “descobertas” para a Santa
Sé e em outros reinos europeus. Os ícones cristãos que são apresentados na Carta sustentam
essa visão da expansão da fé cristã para os povos de além-mar, por exemplo, a Virgem Maria
e o menino Jesus acompanhados por dois anjos estão inseridos numa rosa dos ventos, que é
traspassada por uma linha vermelha correspondente ao trópico de câncer. A linha finaliza no
quadrado que estão inseridos a frase de la Cosa e o ícone de São Cristóvão levando o menino
Jesus. Para Lucas M. Rabelo, a associação com o santo está diretamente relacionada ao
navegador Cristóvão Colombo, pois o próprio nome Cristóvão vem do latim Christoforem, que
significa “portador ou condutor de Cristo” (RABELO, 2015, p. 54).

37
Figura 2 – Detalhe da Carta de la Cosa de 1500, onde foram descritos os antigos
topônimos da costa setentrional no final do século XV

Fonte: MUSEU NAVAL DE MADRI. Planisfério náutico de Juan de la Cosa, 1500. Madri. Códice CE257. Dis-
ponível em: https://mostre.museogalileo.it/waldseemuller/iwal.php?c%5B%5D=38821. Acesso em: 10 jul. 2018.

No detalhe ampliado do mapa (Figura 2), correspondente ao litoral setentrional da atual


costa brasileira, apresentam-se as iconografias de dois navios [Letra C] com bandeiras da
Coroa Espanhola no litoral, sugerindo uma navegação de reconhecimento da costa sul-america-
na, além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, em 149410 Para Castelo Branco, os
topônimos antigos [Letra B] rementem aos acidentes geográficos da costa Potiguara, que percebeu
ao observar as nove saliências ou reentrâncias dessa costa no referido mapa. Os topônimos com
os seus respectivos nomes atuais são: Montes arenosos (Morro do Tibau), baziabariles (a foz do
rio Assu), plaia de arena (Ponta do Tubarão), p. fermosa (a Ponta de Três Irmãos) e R (podendo
ser o rio de Touros ou rio Punaú). A ponta que, segundo o autor, se referia às imediações do
Cabo de São Roque está rasgada pela fragilidade do documento.

Na totalidade da Carta, percebem-se pequenas rachaduras e rasgões que prejudicam


a análise, mas é possível observar nas proximidades do litoral a frase [Letra A]: “Este cabo
foi descoberto em 1499 por Castela sendo o descobridor Vicente Yáñez”. Podemos supor que
esse texto foi inscrito no mapa nas imediações do atual litoral dos estados do Rio Grande do
Norte, Paraíba e Pernambuco, com objetivo de informar que o navegador do reino hispânico
10
O acordo dividiu as zonas de influência dos países ibéricos em dois hemisférios, demarcados de polo a polo,
cabendo a Portugal as terras “descobertas e por descobrir” situadas aquém da linha demarcada a 370 léguas a oeste
de Açores e Cabo Verde, e à Espanha as terras que ficassem além desta linha (VAINFAS, 2001, p. 559).

38
foi o pioneiro nesses espaços e, por conseguinte, seria um contraponto às recém-descobertas
envolvendo o navegador português Pedro Álvares Cabral na Terra de Santa Cruz, feito
realizado em abril de 1500 e divulgado na Corte de Lisboa pelo navegador Gaspar de Lemos,
que havia retornado da frota de Cabral em meados do mesmo ano. Como o período de produção
do mapa de Juan de la Cosa foi em outubro de 1500, ou seja, um pouco mais de três meses após
a divulgação das descobertas de Cabral em Lisboa, percebe-se na análise cartográfica uma disputa
territorial e de primazia pelas descobertas da costa da Terra de Santa Cruz entre os reinos ibéricos.
Isso ficou mais evidente quando comparamos com o Mapa de Cantino de 1502.

Uma das primeiras representações cartográficas do Cabo de São Roque foi o planisfério
conhecido como Mapa de Cantino de 1502 (Figura 3). O documento é uma cópia comprada
secretamente de um cosmógrafo de Portugal pelo embaixador do Duque de Ferrara, Alberto
Cantino, considerado como o mais antigo mapa do Brasil, e mostra os limites territoriais
conhecidos pelos navegadores portugueses até aquele ano. Porém, diferente do Mapa de Juan
de la Cosa, esse mapa foi produzido para fins de espionagem sobre as rotas e territórios descobertos
pelos navegadores ibéricos, nele são exibidas as costas ainda não delimitadas das Américas,
Oceania e partes da Ásia, como se observa no detalhe da Figura 3. Também é visualizada a costa
setentrional e meridional da Terra de Santa Cruz, além de apresentar uma iconografia com
papagaios vermelhos e uma flora litorânea, como lista também alguns topônimos, tais como
Rio São Francisco, Baía de Todos os Santos e a Ilha de Quaresma, sendo possivelmente a atual
Fernando de Noronha. Destaca-se nesta costa o topônimo “Cabo de San Jorge” encimado por
uma bandeira da Coroa Portuguesa, representando a legitimidade sobre as terras recém-descobertas.
Pode-se supor que o referido topônimo seja o Cabo de São Roque, local descrito nos relatos de
Américo Vespúcio em 1501 e que faz uma oposição ao Mapa de Juan de la Cosa ao confirmar
a posse portuguesa neste litoral.

39
Figura 3– Detalhe do Planisfério de Cantino de 1502

Fonte: BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DE ESTENSE. Carta del Cantino, 1502-1505c. Modena. Códice:
C.G.A.2. Disponível em: http://bibliotecaestense.beniculturali.it/info/img/geo/i-mo-beu-c.g.a.2.html. Acesso
em: 21 jul. 2018.

Na análise do historiador Duarte Leite sobre o Mapa de Cantino, o Cabo de São Roque
pode ser a Ponta do Calcanhar no atual município de Touros (LEITE, 1923, p. 267). Um detalhe
que se observa no documento é que foi retirada uma parte do pergaminho e colado outro
pedaço por cima do desenho anterior. Justamente na representação da costa do atual Nordeste
do Brasil, percebe-se o topônimo “San Jorge” grafado duas vezes na haste da bandeira portuguesa,
indicando um possível erro feito pelo cosmógrafo na representação dessa costa.

O livro Esmeraldo, manuscrito redigido por volta 1505 e atribuído a Duarte Pacheco
Pereira, descreve 210 topônimos das costas descobertas do além-mar, entre eles estão “Angra
de Sam Roque” e “Santa Maria da Rabida”, esses topônimos podem designar a costa setentrional
entre os atuais estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, mas como na época existiam
imprecisões cartográficas, podem designar também o litoral leste entre São Roque e o Cabo de
Santo Agostinho. No Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, o termo “Angra”
significa: “braço de mar, que entre duas pontas de terra se mete mais para dentro que porto, e
menos que barra, ou baía” (BLUTEAU, 1789, p. 83), em dicionários mais recentes, estabelece-se
como “enseada, ou pequena baía, largamente aberta” (OLIVEIRA, 1983, p. 24).

Desse modo, podemos supor que a atual Enseada de Pititinga, entre a Ponta do Calcanhar
e o Cabo de São Roque foi chamada de “Angra de Sam Roque” pelo navegador Duarte Pacheco
Pereira e seja supostamente o local do contato entre os tripulantes da Viagem de 1501 e os

40
indígenas Potiguara. Na carta da Terceira Navegação de América Vespúcio, antes do conflito
entre os portugueses e indígenas nas imediações do Cabo de São Roque, ele descreveu essa
necessidade: “Padecendo da falta de lenha e água, concordamos em voltar àquela terra para
prover-nos do que era necessário [...]” (VESPÚCIO, 2013 [1504-1505], p. 46). Lembrando que
esse espaço possui pequenos riachos, lagoas e uma vegetação de cerrado, imprescindíveis para
o abastecimento de água e lenha para os navios da época.

Posteriormente, essa toponímia permaneceu em mapas da primeira metade do século


XVI, como no Planisfério de Caverio de 1505, no Atlas Miller de 1519, na Carta de Diogo
Ribeiro de 1529 e na Carta Náutica de Gaspar Viegas de 1534. Entre eles, existe uma semelhan-
ça entre Caverio e Cantino, no tocante à grafia e à reprodução da costa e ao uso do topônimo
“Cabo Sta Croxe”, como também da bandeira com o brasão de armas da Coroa Portuguesa.
Esse topônimo pode ser o Cabo de São Roque ou o Cabo de Santo Agostinho. Nicolau de
Caverio foi um cartógrafo genovês e fez essa carta de plana quadrada, composta de várias folhas
de pergaminho, coladas umas às outras num todo (LEITE, 1921, p. 429; BRANCO, 1950, p. 31).

Figura 4– Detalhe do Atlas de Lopo Homem ou Atlas Miller de 1519

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Atlas nautique du Monde, dit atlas Miller]; 2-5. [Atlas
Miller: feuilles 2 a 5]. 1519. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE DD-683 (RES). Disponível em:
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55002607s/f1.item.r=lopo%20homem.zoom. Acesso em: 11 jul. 2018.

41
Na Figura 4, é um detalhe da carta denominada Terra Brasilis que corresponde à quarta
folha de um manuscrito sobre pergaminho, também conhecido como Atlas Miller, sendo este
um dos primeiros a apresentar iconografias no interior do continente sul-americano, como era
comum no estilo artístico da época, representando os indígenas e o comércio de pau-brasil. O
documento foi feito pelo cartógrafo português Lopo Homem e pelos cartógrafos “Reinéis”,
Pedro Reinel, o pai, e Jorge Reinel, o filho, e com iluminuras de António de Holanda ou Gregório
Lopes. O mapa possui 146 topônimos escritos em latim ao longo da costa, entre o Maranhão e
o Rio da Prata, com representações coloridas e radiosa da natureza, bem conforme ao chamamento
de “Terra dos Papagaios” (COSTA, 2007, p. 87; OLIVEIRA, 2014, p. 206).

Como é visualizado na Figura 4, os mapas quinhentistas já mostravam referências à


toponímia “San Roque”, indicado na seta em preto, correspondendo ao atual litoral do Rio
Grande do Norte, com pequenas mudanças na grafia. A partir do Atlas Miller, foi inserido uma
iconografia e topônimo que se perpetuará na cartografia colonial até meados do século XVIII,
a iconografia dos baixios de São Roque. O ícone, com um formato triangular, encimado com
uma diminuta cruz, apresentado no canto superior direito na Figura 4, no círculo em preto,
representa a baixa profundidade e o perigo de se navegar no litoral do Cabo de São Roque, que
ficam de fronte ao dito Cabo. Segundo Gabriel Soares de Sousa, esses baixios se dividem em
três partes, formando um grande canal com dois a cinco braças de fundo e era utilizado como
rota dos navios da época (SOUSA, 1851, p. 24), correspondendo na atualidade aos parrachos da
costa entre os municípios de Maxaranguape e Touros no Rio Grande do Norte.

2.4 Resquícios arqueológicos do Litoral Norte

Maria Dulce Gaspar observa a valorização, na análise, do uso de múltiplas fontes


– cultura material, documentos escrito e discurso – cada uma com suas especificidades para
construir interpretações, enfocando o conflito entre segmentos sociais que compartilham e
fazem leitura divergente de uma mesma prática social. Entram em foco a Arqueologia de gênero,
de classes de idade, classes sociais, diferentes etnias e credos religiosos (GASPAR, 2003, p. 277).

Para Diogo M. Costa, a Arqueologia Histórica procura o conhecimento e entendimento


da condição humana com a tarefa de confirmar, suplementar e/ou desafiar a história que nós
conhecemos somente através de documentos escritos. Embora também use dados e métodos
históricos, propõe-se a rescrever a história através de inúmeras interpretações alternativas,
todas proporcionadas pela cultura material (COSTA, 2010, p. 25-26). Concordando com a
interpretação dos autores supracitados, e como analisamos os encontros coloniais no espaço

42
em estudo, a Arqueologia Histórica contribui na pesquisa sobre culturas ágrafas, no caso de
sociedades indígenas e que tiveram contato com outras sociedades letradas – europeus. Podemos,
assim, conseguir as nossas respostas sobre a ocupação do espaço no litoral, a partir do cruzamento
de dados cartográficos, relatórios e artigos arqueológicos e fontes escritas.

Desse modo, buscou-se investigar primordialmente nos relatórios do Projeto Dunas


quais os sítios catalogados no litoral do Rio Grande do Norte eram do período do contato. Dos
43 sítios pesquisados, 5 eram do período do contato e estão no litoral dos municípios de Rio
do Fogo e Touros. Os sítios, Rio do Fogo I, Rio do Fogo II, Zumbi e Enseada de Pititinga estão
localizados nas imediações entre as atuais praias de Zumbi e Pititinga, nas proximidades da foz
do rio Punaú. O sítio Lagoa do Sal localiza-se entre as praias de São José e Cajueiro no município de
Touros. Todos os sítios estão registrados pelo IPHAN e nos relatórios existem indícios que são
do período do contato entre indígenas e franceses. Os artefatos encontrados nestes são de cerâmica
com pintura Tupiguarani, em especial o sítio Enseada de Pititinga, que continha também “res-
tos de faiança francesa11 e outros artefatos da tralha doméstica europeia” (ALBUQUERQUE;
SPENCER, 1995, p. 6).

Os artefatos encontrados nos sítios estão custodiados na sede do IPHAN na cidade do


Natal-RN. Fizemos as análises, fotografamos e buscamos informações sobre as características
desses materiais, já que nos relatórios não se encontravam as imagens dos artefatos, para
entender se o material cerâmico era do período do contato. Recorremos aos estudos de Gabriela
Martin, nos quais a autora nos informa que a tradição Tupiguarani era recorrente entre os anos
de 1500 a 1800, os quais ela chama do período do contato europeu. Tinha como característica
apresentar desenhos nas cores, branca, vermelhas, preta e cinza. Os desenhos são complexos,
“geométricos” ou abstratos, com fino acabamento, aplicado no interior, no exterior ou em ambos
lados do vasilhame (MARTIN, 1997, p. 195-197).

Como nos descreve André Prous, essas cerâmicas são numerosas e são grandes vasilhas
abertas, acreditando serem denominadas de “tenhãe”, termo usado em certos vocabulários
jesuíticos. Como se averigua na Figura 5, o vaso contém a boca e o contorno circular, elíptico
ou quadrangular. “Possivelmente eram utilizadas na preparação da farinha de mandioca, e todas
estão pintadas internamente. As gravuras dos cronistas dos séculos XVI-XVII mostram-nas
recebendo os órgãos internos dos sacrificados durante as festas canibais” (PROUS, 2009, p. 12).

11
Segundo Rafael Abreu de Souza, faiança é um termo de uso bastante corrente na Arqueologia, utilizado para
classificar louças distintas das faianças ibéricas e das porcelanas chinesas, europeias, e mesmo brasileiras, no
período mais recente (SOUZA, 2013, p. 164).

43
Na parte interna e inferior do artefato que apresentamos a seguir, na Figura 5, apresenta-se
a pintura na cor vermelha já desaparecendo devido ao tempo. Na borda dessa vasilha, na parte
superior, ocorreu a utilização da pintura da cor branca sobreposta com bastões desenhados
numa cor escura, característica comum a todos os artefatos encontrados nos cinco sítios ar-
queológicos. Esses desenhos são excepcionalmente característicos nas regiões litorâneas entre
os estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Figura 5– Cerâmica do sítio Zumbi. Detalhe, à direita, da imagem ampliada da pintura da


tradição Tupiguarani

Fonte: Artefato cerâmico do sítio Zumbi (Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos – CNSA: RN00050), Cx.
03, Etiquetas 40 e 41. Custódia do acervo: IPHAN/RN, em Natal-RN. Foto: Pedro Pinheiro, 27 jun. 2018.

Para ampliar a análise sobre o encontro colonial, à luz da Arqueologia Histórica,


averiguamos os relatos dos cronistas quinhentistas, pois são importantes na compreensão de
como a Coroa Portuguesa iniciou o processo colonizador dessa costa, em direção às regiões
limítrofes que eram território da Coroa Espanhola pelo Tratado de Tordesilhas. Como também
podemos compreender como ocorreu esse contato entre os agentes da Coroa e os indígenas. A
administração lusa investigava dessa maneira, através de seus interlocutores, os pormenores do
espaço recém-conquistado, sua fauna, flora, solos e descrevendo os grupos indígenas através
da ótica dos europeus do século XVI. A Coroa Portuguesa iniciou sua política de expansão
colonial para impedir a conquista de piratas e outros grupos estrangeiros que realizavam extração de
pau-brasil (MONTEIRO, 2002, p. 29). Sendo detentora do território do Brasil, tentou a princípio
colonizar a região com o sistema das Capitanias Hereditárias em 1534, consolidando seu

44
poderio posteriormente na região com o estabelecimento do Governo-Geral, a partir da fundação
da cidade de Salvador em 1549.

2.5 Souasoutin: a costa do Rio Grande na Cartografia Francesa

Como foi observado no Mapa 1, Gabriel Soares de Sousa teceu um comentário sobre o
que ele denominou de “Costa de São Roque”, quase um século depois de Américo Vespúcio.
Descreveu no capítulo IX da sua obra o seguinte título: “Em que se declara a costa do Cabo de
S. Roque até o porto dos Búzios”, fazendo uma descrição desse espaço:

Da ponta de Goaripari á enseada de Itapitanga [Praia de Pititinga] são sete léguas, a


qual está em quatro gráos e ¼; da ponta d’esta enseada á ponta de Goaripari [Ponta
do Calcanhar] são tudo arrecifes, e entre elles e a terra entram nãos francezas e
surgem n’esta enseada á vontade, sobre a qual está um grande médão de área; a
terra por aqui ao longo do mar está despovoada do gentio por ser estéril e fraca. Da
Itapitanga ao Rio Pequeno [rio Ceará-Mirim], a que os Indios chamam Baquipe,
são oito léguas, a qual está em cinco grãos e um seismo. N’este rio entram chalupas
francezas e resgatar com o gentio e carregar do pão da tinta, as quaes são das náos
que se recolhem na enseada da Itapitanga (SOUSA, 1851, p. 25).

O relato de Gabriel Soares é oposto ao de Américo Vespúcio ao descrever que o espaço era
despovoado de índios devido à terra ser estéril e fraca. Na análise desse documento, percebem-se que
os topônimos de algumas localidades diferem dos atuais. São descritos os nomes anteriores das
praias de Pititinga [Itapitanga] e Cajueiro [Goaripari]. Observam-se, também, duas informações
importantes no texto. Primeiramente, são citados os “arrecifes”, indicando os parrachos nos
litorais que correspondem no presente aos municípios de Touros, Rio do Fogo e Maxaranguape,
como é observado na iconografia cartográfica nas Figura 4, sobre os baixios de São Roque.
O cronista identifica essa costa como o local onde passavam as rotas de navios de corsários
franceses que traficavam pau-brasil com os Potiguara. Esses agentes externos mantinham uma
política de alianças com os Potiguara, mediante escambo.

Rocha Pombo revelou que todo o litoral no norte da capitania ficou desde 1538 até fins
do século completamente abandonado pelos portugueses (POMBO, 1922, p. 27). Mas como
são verificados na historiografia, cartografia e fontes escritas, esse espaço era de contato entre
franceses e Potiguara desde o início do século XVI. Não respeitando o Tratado de Tordesilhas
de 1494, a Coroa Francesa incumbiu de corsários e agentes a explorar a costa recém-descoberta
do atual Brasil e iniciaram o tráfico de pau-brasil com os indígenas desse litoral.

45
Segundo Tristão de Alencar Araripe, a primeira viagem feita por franceses à costa de
Vera Cruz foi comandada por um oficial chamado Binot Paumier de Gonneville, que levou a
bordo do navio Espoir dois pilotos portugueses, Sebastião de Mouta e Diogo do Couto, contratados
em Lisboa. A viagem saiu do porto francês de Honfleur em 24 de junho de 1503 e chegou no
litoral do atual estado de Santa Catarina em 5 de janeiro de 1504. Depois seguiu por 90 dias a
percorrer a costa em direção ao atual Nordeste do Brasil (BAIÃO; DIAS, 1924, p. 62; ARARIPE,
1886, p. 315-331).

Em 1535, os donatários da Capitania do Rio Grande, Ayres da Cunha e João de Barros,


organizaram uma expedição saindo de Lisboa em novembro para conquistar o território da
Capitania e fundar uma colônia. Desembarcaram no litoral norte, na foz do rio Ceará-Mirim
(Baquipe), ao sul de São Roque, mas foram guerreados pelos Potiguara e traficantes franceses
e desistiram da posse da terra, migrando com as suas frotas em direção ao Maranhão. Em 1555,
ocorreu uma segunda tentativa, encabeçada pelos filhos de João de Barros, mas novamente
foram derrotados pelos Potiguara. O Rio Grande só seria conquistado pelos lusos nos últimos
anos do século XVI, assim, a Capitania do Rio Grande não foi apropriada pelos seus donatários.
Era um espaço concebido pelos portugueses através da cartografia quinhentista, mas não
territorializado por eles (CASCUDO, 1984, p. 16-19; LIRA, 2012, p. 21; LOPES, 2003, p. 66-68;
MACEDO, 2007, p. 64).

Segundo Fátima Martins Lopes, os franceses, após a expulsão definitiva perpetrada


pelos militares portugueses, ocorrida na Baía de Guanabara em 1560, migraram para outros
espaços longe das áreas ocupadas pelos lusos no Estado do Brasil. Buscaram, assim, novas
bases de apoio para a suas embarcações para supri-las de pau-brasil, como, também, ocuparam
com novas feitorias as regiões costeiras acima da Capitania de Itamaracá (LOPES, 2003, p.70).
No Caso, as Capitanias do Rio Grande e Paraíba.

Esse encontro colonial entre franceses e Potiguara é verificado em dois mapas da


cartografia francesa do quinhentos. Essas cartas são chamadas por Jaime Cortesão de “Escola
luso-normanda de Dieppe”. Para o autor, essas cartas limitavam-se quase sempre a copiar as
cartas portuguesas, utilizando-se das mesmas legendas na língua original. Observa-se uma
nomenclatura de origem portuguesa e espanhola nos topônimos. Apresentam-se as efígies de
soberanos, palácios, animais e legendas descritivas (CORTESÃO, 1965, p. 91-101).

Como se observa na Figura 6, essa é uma carta náutica que corresponde na atualidade
ao Nordeste da América do Sul. Faz parte do Atlas de Nicolas Vallard de 1547 que produziu 15
cartas náuticas, ricamente ilustradas demonstrando toda arte da escola de Dieppe no Quinhentos. Ao

46
todo, o projeto do cartógrafo francês mostra os limites ainda indefinidos do continente americano e
das atuais regiões da Ásia e Oceania.

Utilizando-se da arte de representar com iconografias o interior desconhecido dos


continentes, mostrando-os como se fossem grandes ilhas projetadas em direção ao mar, cada
continente exibe um grupo de indivíduos diferenciados na cor, vestimenta e cultura. Provavelmente
seria um olhar etnográfico do europeu do século XVI sobre essas novas terras e populações que
seriam conquistadas. A carta é uma das primeiras representações dos indígenas na América
pela ótica dos cartógrafos de Dieppe. Os topônimos foram escritos em francês, português e
galego-português, indicando que foram copiados de outros mapas produzidos em Portugal. O
documento é contemporâneo das tentativas da Coroa Francesa de conquistar as terras americanas
divididas entre as Coroas Ibéricas.

Figura 6 – Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): atual Nordeste da América do Sul

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas containing 15
nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice: HM29. Disponível em:
http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso em: 15
jul. 2018.

Nas figuras 6 e 7, apresentam-se topônimos referentes à costa das Capitanias da Paraíba


e Rio Grande, local de exploração e escambo de pau-brasil entre franceses e Potiguara. Para
termos uma análise mais apurada da Figura 7 (ver as setas pretas), tivemos que girar o mapa,

47
para obtermos os nomes dos topônimos, que são: “S. Domingo”., “Potiiou”, “Pracel”, “Baía
da Tartarn” e “Rio de Sa Miguel”. A baía de “S. Domingo” refere-se ao atual rio Paraíba, que
na época era local de contato constante entre os dois grupos. A região do rio Paraíba tinha
os melhores pau-brasil da costa. Os franceses cortejavam os Potiguara com botes repletos de
mercadorias. As alianças com os franceses tornaram esses indígenas inimigos dos portugue-
ses, que ficaram frustrados diante de seu número e coesão. Eles não eram tão fragmentados
como as demais nações indígenas e não podiam ser provocados para entrar em guerras internas
(HEMMING, 2007, p. 128-129).

Após os conflitos com os portugueses para a conquista da Capitania da Paraíba, foi


fundada na foz desse rio a cidade de Filipeia de Nossa Senhora das Neves, em 1585, como se
pode observar no Mapa 1. O termo “Potiiou” é sempre apresentado nos mapas franceses e
corresponde ao atual rio Potengi. O “Pracel” seria o litoral entre o rio Guamaré e a Ponta dos
Três Irmãos. Os termos “Baía de Tartarn” e “Rio de Sa Miguel” correspondem respectivamente
às fozes dos rios Assu e Apodi-Mossoró (BRANCO, 1950; MEDEIROS FILHO, 1996).

Figura 7– Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): Costa das Capitanias da Paraíba e Rio Grande

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas containing 15
nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice: HM29. Disponível
em: http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso
em: 16 jul. 2018.
48
Toda essa costa do Rio Grande é encimada pela iconografia dos baixios de São Roque,
em formato de um triângulo pontilhado, indicado pela seta preta, tal como ocorre nos mapas
portugueses. Como também são representadas as ilhas próximas a esse litoral, como a ilha
de “Fernão de Loronha” e o Atol das Rocas. Como não existia um reconhecimento da Coroa
Francesa pela repartição do continente americano entre Portugal e Espanha, pois esses últimos,
praticamente, assumiam o domínio da região (LOPES, 2003, p. 68). Não são visualizadas a
localidade de Olinda, principal núcleo português na Capitania de Pernambuco, e nem as divisões
e referências toponímicas das Capitanias Hereditárias estabelecidas pela Coroa Portuguesa em 1534.

Um dado importante nesse Atlas, nas figuras 7 e 8, são as iconografias inseridas no


interior do atual continente sul-americano. Com a descrição do cotidiano entre nativos e fran-
ceses no comércio de pau-brasil e nas tentativas de buscar minérios preciosos no interior desse
continente. Percebe-se, assim, num exame cartográfico, que, em meados do século XVI, nem
franceses e portugueses tinham informação precisa sobre os sertões das Américas. Supõe-se
que conheciam apenas as costas, numa mistura de mistério e deslumbramento com as terras
interioranas, que estavam para ser conquistadas por ambos os pioneiros das Coroas europeias.

Figura 8– Detalhe do Atlas de Nicolas Vallard (1547): encontro colonial entre indígenas e franceses

Fonte: BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous Dieppe, 1547. World atlas containing 15
nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálogo de imagens Huntington. Códice: HM29. Disponível
em: http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso
em: 16 jul. 2018.

Nessa iconografia de Vallard, os indígenas são vistos como aliados dos franceses. Alguns
deles foram desenhados com uma fisionomia europeia, com pinturas corporais tribais. Os
artistas-cartógrafos de Dieppe podem ter se utilizado de informações dos pioneiros franceses
testemunhos desse encontro colonial nas Américas para manterem essa estética nas pinturas.

49
Os conflitos só ocorrem, na grande cena da Carta, entre grupos indígenas rivais. Estão contidas
também a convivência de grupos nas aldeias do litoral. Na imagem da Figura 7, os indígenas
estão reunidos em torno de fogueiras cozinhando seus alimentos em pequenas vasilhas. A
imagem também é mais um testemunho da exploração de pau-brasil – percebe-se os troncos
de árvores cortados – e os usos de utensílios europeus por parte dos indígenas para auxiliar
os corsários nas atividades extrativistas, como se verifica na imagem à esquerda da Figura 8.
Nas imagens, os franceses indicam aos indígenas como proceder nas atividades, onde cortar os
troncos de árvores e onde encontrar as jazidas minerais.

Três décadas após o trabalho de Nicolas Vallard, foi produzido um Mapa em Dieppe
com um desenho iconográfico um pouco rudimentar que o de Vallard, mas com indicação da
penetração de franceses nos sertões. Com uma riqueza de detalhes, com legendas explicativas
demonstrando um conhecimento sobre o espaço, que, naquele momento, era desconhecido pelos
portugueses. O Mapa de Jacques de Vaulx de Claye, conforme indicado na Figura 9, de 1579,
é um retrato da consolidação das relações comerciais entre os grupos indígenas Potiguara e
de militares e corsários franceses, indicando possíveis aldeias e feitorias pela costa do atual
Nordeste do Brasil. O autor do mapa era cartógrafo e militar natural da cidade de Sainte-Maure-
de-Touraine e, como esteve presente nas tentativas da colonização francesa na costa norte do
Brasil, entre as décadas de 1570 e 1610, foi um dos principais articuladores na produção cartográfica
sobre o Brasil para a Coroa Francesa.

O mapa foi concebido, supostamente, durante as viagens secretas à costa do Brasil,


realizadas pelo coronel-general do exército francês, Filipe Strozzi, a mando do Rei Henrique
III, onde Jacques de Vaulx de Claye acompanhou no decorrer dessas rotas. Posteriormente, o
autor do mapa esteve no Brasil em outros momentos, em 1582 e 1584, quando esteve na região
do rio Amazonas e, em 1594, navegou nas imediações do rio Potengi [Pottiou] em companhia
do capitão Jacques Rifoles. Nesse caso, a expedição com três navios foi enviada pelo rei da
França, Henrique IV, para uma tentativa de conquista da costa da Capitania do Rio Grande,
onde os franceses tinham redes comerciais com os grupos indígenas locais, principalmente
com o líder Potiguara Ouyrapiue [Árvore Seca], no próprio mapa, onde foi inserido o nome da
aldeia desse indígena, que ficava na margem direita do rio Potengi, demonstrando décadas de
contato entre os dois grupos.

50
Figura 9 – Detalhe do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Costas das Capitanias da Paraíba e Rio Grande

Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m’a faict en Dieppe l’an 1579. Acervo da Biblioteca Nacional
da França. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item.zoom. Acesso em: 1 jul. 2018.

Jacques de Vaulx de Claye era, segundo os relatos dos cronistas, o principal elo de
comunicação entre indígenas e franceses. Foi um dos principais promotores, junto aos reis da
França do período, para a criação de uma nova colônia na costa norte do Brasil, falava a língua
do gentio, auxiliava os indígenas aliados nas guerras contra as tribos inimigas, era conhecedor
dos costumes nativos, convivia nessas comunidades costeiras, indicou os topônimos do litoral e
auxiliava os padres franceses na conversão dos indígenas, principalmente quando os franceses
fundaram a França Equinocial em 1611 (D’ABBEVILLE, 1945 [1614], p. 22-23; DAHER, 2007,
p. 48; CARVALHO, 2014, p. 36-38).

A produção do mapa é contemporânea aos embates entre franceses e seus aliados


Potiguara, e portugueses nas imediações entre as Capitanias da Paraíba e Pernambuco. Em vista
disso, como indica a Figura 9, os franceses arregimentariam 10.000 indígenas para atacar as
capitanias ao sul do Rio Grande. Destaca-se o meio-círculo feito em compasso pelo cartógrafo
(setas azuis), indicando que várias aldeias Potiguara e Tarairiú estavam sob aliança da Coroa
Francesa. O círculo estabelecido no Mapa tem como limites costeiros ao sul a partir da Baía
de São Domingo (rio Paraíba), seguindo a noroeste para o atual rio Acaraú no Ceará. Portanto,

51
é uma territorialização semelhante ao estabelecido por Gabriel Soares de Sousa em 1587, em
relação aos domínios dos Potiguara, consoante o que se pode ver no Mapa 1.

Figura 10– Detalhes do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye (1579): Aldeia Potiguara

Souasoutin e a bandeira com brasão de armas de Filipe Strozzi

Fonte: Carte de la côte du Brésil de Vau de Claye m’a faict en Dieppe l’an 1579. Acervo da Biblioteca Nacional
da França. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item.zoom. Acesso em: 1 jul. 2018
(a aldeia está indicada com a letra “A”).

Além disso, se visualiza no mapa a indicação da suposta participação na navegação ou


da tentativa de conquista da costa norte do Brasil pelo nobre Filipe Strozzi, a serviço da Coroa
Francesa, pois como se observa na Figura 10, está representa na bandeira azul um escudo ogival
com brasão de armas da família Strozzi, que tem como símbolo três faces da lua crescente12.
Esse símbolo heráldico apresentado no mapa nos leva a um questionamento: se o mapa
foi produzido por um cartógrafo ligado aos interesses da França, porque as insígnias da Coroa
Francesa foram omitidas na confecção do Mapa de Jean de Vaulx de Claye? Quando comparamos
com outros mapas do período, se observa a disposição de emblemas heráldicos das coroas europeias
sob os territórios americanos. Provavelmente, nesse caso, a omissão de colocar o brasão francês
no mapa ocorreu devido ao fato que a inserção dessa insígnia transmitia a ideia de posse
do território já conquistado e legitimava a posse francesa, cartograficamente, perante outras
12
Felipe Strozzi era de origem florentina, seu brasão está ligado à abastada família de Florença, os Strozzi, que
tinham ramificações na corte francesa. Para pesquisar sobre a heráldica da nobreza italiana, pesquisar na Coleção
Ceramelli Papiani, que integra os Arquivos do Estado de Florença. Disponível em: http://www.archiviodistato.
firenze.it/ceramellipapiani/index.php?page=Home. Acesso em: 9 jan. 2019.

52
coroas europeias. Mas como no período os franceses tentavam consolidar a sua influência na
costa norte do Brasil e foram recentemente expulsos da Baía de Guanabara, preferiu-se exibir
apenas o emblema do general a serviço da Coroa.

Alguns nomes dos lugares permaneceram como no mapa anterior de Nicolas Vallard,
na Figura 10, página 52. Verifica-se, por exemplo, “Potiiou” (seta preta) com riqueza em
detalhes dos acidentes geográficos. Jacques de Vaulx apropriou-se e intitulou os topônimos da
cartografia portuguesa, como “Saint Roc” – São Roque (seta preta), dando novos sentidos na
língua francesa. Pode-se inferir, talvez, que era uma mudança no estilo da escrita cartográfica
de Dieppe. Na descrição do mapa, existe um detalhamento das atividades econômicas ligadas
ao escambo com os grupos indígenas aliados, indicando os locais específicos onde deveriam
comercializar e como esses produtos poderiam oferecer riquezas à Coroa Francesa ou aos
marinheiros e corsários que almejassem investir nessas atividades no litoral.

Por exemplo, foi descrito no mapa que o tráfico de pau-brasil era inexistente a oeste
do rio Ouyatacas – atual rio de Touros –, pois “não existe nada de brasil, mas há peles de
papagaios e outros bichos”, provavelmente por ser uma região de transição de Mata Atlântica
para um misto de cerrado e dunas típicas da paisagem do litoral norte, nesse caso, com quan-
tidade insuficiente de árvores para a extração do pau-brasil. Novamente vemos a iconografia
dos baixios de São Roque de forma pontilhada (ver no círculo em preto da Figura 10, página
52) e a indicação que era um espaço “com água baixa que se estendem por 21 léguas”, sendo
perigosa para a navegação costeira. Nesses baixios e nas praias adjacentes encontravam muito
âmbar cinza para extrair e comercializar. Esse produto, também conhecido como âmbar gris,
aparecia boiando na costa e são restos dos excrementos da baleia cachalote. Eram utilizados na
época como afrodisíacos, como especiaria aromatizante de vinhos e outras bebidas alcoólicas
e perfumes.

A costa de São Roque era intitulada de “Coste de Merengastes” (ver seta preta), conforme
se vê na Figura 10. Para Olavo de Medeiros Filho seria uma tradução literal de “Costa de
Maxaranguape”, referência ao rio ao sul do Cabo de São Roque. Nessa faixa de terra estaria
uma aldeia Potiguara intitulada de “Souasoutin”, que, para o autor, pelo idioma tupi, pode-se
interpretar de “Çuaçu Tin, isto é, Focinho de Veado, provavelmente o nome de um chefe indígena
aliado dos franceses” neste litoral (MEDEIROS FILHO, 1996, p. 33), reforçando, assim, que
existiam alianças entre franceses e Potiguara no litoral norte da Capitania do Rio Grande.

As aldeias foram desenhadas de forma quadrangular, com um padrão semelhante em


todo o mapa, tal como se observa na Letra A da Figura 10, onde se visualiza um espaço central

53
formado pela junção de quatro malocas retangulares da aldeia Souasoutin. Segundo Florestan
Fernandes, utilizando-se dos textos de cronistas como Hans Staden e Gabriel Soares de Sousa,
descreveu que esse local era utilizado para reuniões de lideranças indígenas, sendo ela, a principal
unidade da organização social desses povos. Segundo ainda o autor, “o terreiro, quer em um
local abrigado, a reunião dos chefes constituía uma condição indispensável à determinação da
guerra” (FERNANDES, 2006, p.62) com outros grupos rivais. Essa forma da construção da
aldeia era bastante comum entre os povos nativos da costa do Brasil, tal como foi descrito pelo
cronista, o padre capuchinho Claude D’Abbeville sobre os indígenas que moravam no litoral
do Maranhão. No texto publicado em 1614, o padre informou que os tupinambás eram povos
litorâneos, pescadores, limpavam a mata para o local da construção da aldeia e erguiam quatro
grandes habitações em forma de claustro. Elas eram feitas de madeiras e recobertas com galhos
de pindó (D’ABBEVILLE, 1945, p. 222), tal como se observa nas cinco aldeias inseridas no
semicírculo do mapa de 1579 (ver na Figura 9 em círculos azuis, na página 61). Nelas, mostram
a organização social desses grupos, como também indicam uma relação mais amistosa com os
corsários franceses. Nos mapas da primeira metade do século XVI, a descrição e iconografia
das moradias indígenas eram praticamente inexistentes. No Mapa de Lopo Homem, que se
encontra na Figura 4, os indígenas são representados, mas suas moradias não existem no desenho
no centro do continente. As aldeias indígenas da tradição cartográfica portuguesa têm uma
representação das moradias vazias ou como cabanas militares europeias do século XVI. As
representações desses personagens, na cartografia portuguesa, rareiam ao longo dos séculos
XVI e XVII, como se fossem uma metáfora do “desaparecimento” dos indígenas, patrocinado
pela Coroa Portuguesa para se apropriar das terras desses nativos.

Buscando alinhar-se com a Arqueologia Histórica para entender o processo de ocupação


dos espaços coloniais no litoral norte da Capitania do Rio Grande, utilizamos três vertentes
para cruzar dados informativos: as imagens e os relatórios arqueológicos, a cartografia e as fontes
escritas quinhentistas. Assim, conseguiu-se montar no Mapa 2 indícios do encontro colonial
entre grupos indígenas Potiguara e piratas franceses. Como foi observado, a região litorânea
em estudo era identificada pelos franceses de “Costa de Merengastes”, local, segundo Gabriel
Soares de Sousa, conhecido como ancoradouro de “naus francesas da Enseada de Itapitanga”.
Os sítios arqueológicos do contato foram avaliados com supostos indícios de feitorias ou aldeias
que mantinham um constante escambo entre esses grupos europeus. Lembramos que os dados
arqueológicos observados na Figura 5 indiciam que esse território era formado por grupos
ceramistas Tupiguarani, contemporâneos do período do contato colonial, entre 1500 e 1800.
Assim, pelas fontes escritas e pela historiografia analisada, esses indígenas eram Potiguara.

54
Os quatro sítios estão nas imediações do rio Punaú, em locais de altitude um pouco
elevada, em solo dunar e pouco afastados da praia, com distâncias que variam entre 1,4 a 0,9
quilômetros do Oceano Atlântico. Possivelmente, devido aos efeitos dos ventos, a configuração
geográfica das dunas nas imediações da Enseada de Pititinga era outra nesse período. As
características geográficas desses sítios corroboram com as descrições de aldeias indígenas
Potiguara feitas por Fátima Martins Lopes, ao descrever que estas ficavam localizadas em um
“lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado às plantações que se faziam ao seu redor”
(LOPES, 2003, p. 50). Assim, essa enseada foi um local de intensa atividade de oficinas ceramistas,
em vista da quantidade de artefatos cerâmicos encontrados nos sítios.

O escambo entre os dois grupos, Potiguara e franceses, é evidenciado na iconografia da


cartografia francesa, como se pode perceber nas figuras 8, 9 e 10. Em vista disso, o material
arqueológico encontrado nos quatro sítios ao redor do rio Punaú continham: artefatos de faiança
fina, faiança francesa, miçangas venezianas e outros artefatos da tralha doméstica europeia
do Quinhentos, e evidencia uma troca comercial entre os indígenas e europeus nesse espaço.
Lembremos que esses dados podem referendar essa região da enseada como um ancoradouro
de navios franceses, devido a ser uma região de “aguada”. No Dicionário da língua Portuguesa
de Raphael Bluteau esse termo significa: “provisão de água para o navio; lugar que faz essa
provisão” (BLUTEAU, 1789, p. 44).

Mapa 2– Costes des Merengastes: do rio de Ouyataca à Sainct Roc

Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, com auxílio do Google Earth. A partir dos dados cartográficos
do Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579 e dos escritos de José Moreira Brandão Castelo Branco (1950),
Olavo de Medeiros Filho (1996), Fátima Martins Lopes (1998) e Helder Alexandre Medeiros de Macedo (2007).
55
Além dos relatórios dos sítios arqueológicos identificados pelo Projeto Dunas e organizados em quadros, com as
respectivas coordenadas geográficas, na Tese de Doutorado de Iago Henrique Medeiros (2016).

Como se observa no Mapa 2, as lagoas ao fundo, nos círculos em vermelho, e os três


rios perenes, da esquerda para direita, Maxaranguape, Punaú e “Ouytacas”, poderiam fornecer
água para as embarcações estacionadas na enseada, fato que ocorreu desde a expedição, de
1501, de Américo Vespúcio13. Supõe-se, com base na cartografia francesa, que a costa de São
Roque era local da aldeia Souasoutin. Esta poderia fornecer, devido às alianças, mão de obra
para os traficantes franceses de pau-brasil. Estes realizavam uma rota marítima, trazendo em
chalupas, carregamento de pau-brasil das imediações do rio Baquipe (Ceará-Mirim). Subiam,
rumo ao norte, com essas pequenas embarcações além do Cabo de São Roque, para carregamento
final do produto, nas grandes naus ancoradas nessa costa.

No final da década de 1590, os portugueses conquistaram as imediações da foz do rio


Potengi, 10 léguas ao sul do Cabo de São Roque. Intensificaram a colonização na Capitania do
Rio Grande a partir da “fundação” da Fortaleza dos Reis Magos, em 1598, e da Cidade do Natal,
em 25 de dezembro de 1599 (POMBO, 1922, p. 42). Expulsaram os últimos redutos franceses
na costa e consequentemente as descrições sobre esses indígenas no litoral norte tornaram-se
raras ou invisibilidades pelos cronistas. No próprio documento de Soares de Sousa, de 1587, já
indiciava esse desaparecimento indígena nas imediações da costa setentrional: “a costa é limpa
e a terra escalvada, de pouco arvoredo e sem gentio” e da costa de São Roque, “a terra por aqui
ao longo do mar está despovoada do gentio por ser esterio e fraca” (SOUSA, 1851 [1587], p. 25).
O relato é um testemunho desse “desaparecimento” dos Potiguara no litoral norte, contribuindo
para esses dados a expansão do território português sobre espaços pertencentes aos Potiguara.
Estimativas indicam que, em 1570, a população indígena na América portuguesa era na ordem
de 800 mil indivíduos, estava reduzida a um terço de seu volume demográfico no início do
século XVI (OLIVEIRA, 2014, p. 176-177).

Esse discurso de desaparecimento dos povos indígenas continuou nos idos do século
XVII, nas crônicas de militares portugueses e holandeses. Em 20 de março de 1628, cinco indígenas
Potiguara prestaram informações sobre esse litoral às autoridades holandesas e citaram a localidade
de “Pecutinga”14. Vinte anos após essa descrição, o militar da Companhia das Índias Ocidentais,
13
No círculo da Letra A, estão as lagoas que fazem parte da bacia do rio Punaú, dentre elas estão a Lagoa da
Mutuca e a Lagoa das Cutias. No círculo da Letra B, estão as lagoas que fazem parte da bacia do Rio do Fogo,
entre elas estão a Lagoa do Fogo e a Lagoa do Gravatá. Fonte: CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL.
Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte,
município: Rio do Fogo. Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17070/mapa_rio_
fogo.pdf?sequence=2. Acesso em: 3 jun. 2019.
14
“Uma praia com água doce, bom ancoradouro, sem portugueses”. Essa descrição do espaço corresponde à atual
Praia de Pititinga e ao rio Punaú, ambos localizados no município de Rio do Fogo (ARAÚJO JÚNIOR, 2013, p. 13).

56
Jacob Rabbi, fez um relatório, em 1648, sobre o litoral norte, descrevendo a riqueza pesqueira
da região, além da abundância da fauna com cabras e emas, mas nula em gentios e colonos
(MEDEIROS FILHO, 2010, p. 77). Como se observa no texto dos cronistas e na cartografia,
os indígenas Potiguara prestavam informações desse litoral aos europeus desde o princípio do
século XVI, assim, eram indivíduos portadores de um saber necessário construído a partir de
uma rede de relações concebidas por outros indivíduos que vieram antes deles. Em vista disso,
esses nativos eram conhecedores da fauna, da flora, dos acidentes geográficos e dos caminhos
dos rios e riachos existentes naquela época, conhecimento que os franceses, portugueses e
flamengos traduziram, organizaram e sistematizaram em seus relatórios de acordo com o seu
conhecimento de mundo.

Entrementes, o encontro colonial desencadeou doenças, guerras e escravização


nos povos do litoral, suas populações remanescentes buscaram abrigos em outras paragens,
longe do contato dos militares europeus no litoral, suas lutas se perpetuaram no decorrer da
expansão territorial perpetrada pela Coroa Portuguesa, em simultâneo, ocorreu uma transformação
da cartografia portuguesa do XVII, mudando-se a concepção das confecções desses mapas,
pois os sertões estavam sendo desbravados por pioneiros em marchas pelas ribeiras dos rios e
nos antigos caminhos dos indígenas para esses espaços.

Esses novos elementos observados por esses agentes externos foram inseridos nessa
cartografia lusa, não mais preocupada em elaborar novos atlas, mas, buscando inserir nesses
mapas limites, até então desconhecidos, aprimorando o conhecimento sobre interior da América
Portuguesa. Essa produção cartográfica teve como principal expoente as produções da família
de cosmógrafos Teixeira Albernaz, que elaboraram entre 1574 e 1666 nove documentos entre
livros, atlas e mapas sobre o Estado do Brasil.

Ademais, observamos nesse capítulo como a cartografia quinhentista contribuiu nas


representações dos espaços coloniais, sobretudo do litoral da Capitania do Rio Grande. No
capítulo subsequente, analisaremos como a cartografia seiscentista retratou esses espaços na
medida em que o processo de conquista e apropriação desse litoral foi fomentado por portugueses
e neerlandeses.

57
3 As Terras sem préstimos: dos

~
sertões do cabo de São Roque
ao porto do touro (século xvii)

3.1 O Sertão Litorâneo

As definições da categoria sertão mudaram ao longo dos séculos e, até hoje, continuam
a provocar discussões. Ora foi definida como um local desconhecido, ermo e distante dos centros
de poder, ora era contígua, próxima e até litorânea. Para a historiadora Janaína Amado, o termo
foi utilizado em Portugal desde o período medieval. Os portugueses empregavam a palavra,
grafando-a “sertão” ou “certão”, para referir-se a áreas situadas dentro de Portugal, porém
distantes de Lisboa. A partir do século XV, usaram-na também para nomear espaços vastos,
interiores, situados nas possessões recém-conquistadas ou contíguas a elas, sobre os quais pouco
ou nada sabiam (AMADO, 1995, p.147). Através da perspectiva da autora, observou-se nas
fontes sesmarias os termos “sertão” e “certão” utilizados com frequência em cartas concedidas
no litoral do Cabo de São Roque. Esse termo foi largamente utilizado, até o final do século
XVIII, pela Coroa Portuguesa e pelas autoridades lusas nas colônias. No Brasil, são numerosos
os exemplos na documentação oficial (AMADO, 1995, p. 147).

Assim, o termo “sertão” era repleto de significados ao se observar as fontes do período


colonial, ocorrendo uma oscilação no seu significado. Um desses exemplos é verificado no
Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, nele, os termos “certão” e “sertão” foram
identificados como “o interior, o coração das terras, opõe-se ao marítimo; O sertão toma-se por
mato longe da costa; O sertão da calma [...]” (BLUTEAU, 1789, p. 396). Essas oscilações são
perceptíveis nas análises das fontes cartográficas e sesmariais do período pesquisado, mostrando
que o processo colonizador que estava em curso apropriou-se desses espaços, tidos como inóspitos,
ou, como foi intitulado por Antônio Robert de Moraes de “fundos territoriais”, que eram espaços
que ainda seriam conquistados pelos pioneiros ou colonos (MORAES, 2003, p. 5).

58
A amplificação dessa categoria foi norteada por Antônio Carlos Robert de Moraes, ao
estabelecer que o “sertão” são lugares que atraíram o interesse de agentes sociais que visavam
estabelecer novas formas de ocupação e exploração daquelas paragens nos tempos modernos.
Nessa perspectiva, o “sertão” seria uma conquista territorial perpetrada pelos agentes da Coroa
Portuguesa, ou seja, um espaço a ser dominado. Esses “olhares externos”, que ambicionavam
esses espaços, nomeavam e qualificavam caatingas, cerrados, florestas e campos (MORAES,
2003, p. 1-5). Para o autor, esse processo de territorialização ou de conquista dos sertões só
poderia ser viável se houvesse uma vantagem econômica para a Metrópole. Ele descreveu que
o projeto colonial tinha que ser viável, porém nem toda colônia possuía viabilidade para efetivar-se.
Enfim, o processo colonial demandava uma retroalimentação, que só podia ser suprimida pela
apropriação de riquezas entesouradas ou pela exploração dos recursos naturais da terra
(MORAES, 2008, p. 65).

Moraes utilizou de outros conceitos que nos esclareceu a compreensão do processo


de territorialização dos sertões, dentre eles o de “bacia de drenagem”, que seria um eixo de
circulação central que se ramifica por caminhos que vão buscar as zonas de produção, e este
eixo tem por destino um porto que articula os lugares drenados com os fluxos do comércio
ultramarino. O conceito de “zonas de difusão” corresponde a núcleos de assentamento original
que servem de base para os movimentos expansivos posteriores. A consolidação desses núcleos
numa rede, com o povoamento contínuo de seus entornos e a definição de caminhos regulares
entre eles, cria a “região colonial”. Por fim, o conceito de “áreas de trânsito”, que são espaços
sem ocupação perene, e os lugares recém-ocupados com uma colonização não consolidada.
Assim, boa parte da vida colonial transcorre nesses espaços, que têm por marca o uso transitório
e a ocupação efêmera, realizados por agentes sociais que têm por qualidade o deslocamento
espacial contínuo (MORAES, 2008, p. 69).

A categoria de sertão foi, também, analisada pela ensaísta Jerusa Pires Ferreira,
ao descrever que era difícil estabelecer uma direção conceitual do termo, pois existe uma
graduação de significações que formam “verdadeiros blocos opostos, pares positivos, como
uma constante que vai unir dois polos” (FERREIRA, 2004, p. 29). Desse modo, a pesquisadora se
aproxima das ideias de Janaína Amado ao informar que sertão não tem uma definição estan-
que, fechada, e sim aberta a muitas significações que podem variar de acordo com o momento da
escrita dos documentos coloniais. A autora analisou textos de dicionaristas, cronistas e fontes
coloniais e percebeu essas oscilações no significado da palavra “sertão”. Se por um lado, há o
sentido de interior, de distanciamento da costa de profundidade ao alcance, existe a contrapor-se
o sentido de um “sertão litorâneo, visível exterior, fácil de atingir” (FERREIRA, 2004, p. 29-32).

59
Assim, utilizando-se o referencial da autora, podemos considerar que o litoral norte,
contíguo ao principal núcleo de ocupação da Capitania do Rio Grande, a Cidade do Natal, seria
um sertão litorâneo, ou, como os sertões do Cabo de São Roque. Em vista da análise documental
realizada, à luz da discussão teórica sobre o conceito de sertão, pesquisamos as cartas de
sesmarias concedidas nas adjacências do Cabo de São Roque, entre os anos de 1605 e 1819,
onde foram concedidas vinte e quatro, entres elas, foram encontradas quatro que descreviam o
sertão perto da praia como sendo contíguo e próximo da cabeça da capitania, e escritas com os
termos “sertão” e “certão”.

3.2 O processo de territorialização dos Sertões do Cabo de São Roque

A partir da “fundação” da Fortaleza dos Reis Magos em 1598 e da Cidade do Natal em


25 de dezembro de 1599, ambas localizadas na margem direita da desembocadura do Rio
Potengi, desencadeou-se um processo de ocupação do território da Capitania do Rio Grande,
sendo, nessa época, capitania da Coroa Portuguesa. Para a historiadora Elenize Trindade
Pereira, a conversão da capitania de donatária para régia ocorreu supostamente entre os anos
de 1580 e 1582, quando o herdeiro de João de Barros, Jerônimo Barros, ainda tinha anseios de
conquistar a “Terra dos Potiguares”, mas, aparentemente, seu pleito não foi atendido e nos
primeiros anos do reinado de D. Filipe I de Portugal, as petições do herdeiro já não tocavam
mais nessa questão (PEREIRA, 2018, p. 149). Desse modo, foi realizada pelos agentes dessa
Coroa a conquista do território do Rio Grande, firmaram-se acordos de paz com os grupos
indígenas locais e a expulsão da região dos franceses que realizavam o comércio de pau-brasil
pela costa da capitania. Concomitante a esse processo de ocupação, foram doadas as primeiras
sesmarias na capitania pelo capitão-mor João Rodrigues Colaço (POMBO, 1922, p. 49) e sur-
giram os primeiros sesmeiros nas imediações do Cabo de São Roque. Assim, percebemos o
início do conhecimento do território, das primeiras caminhadas e marchas pelos sertões da
capitania e, provavelmente, os primeiros colonos foram guiados por indígenas que tinham um
vasto conhecimento da terra e seus vales.

Segundo Carmem Oliveira Alveal, o sistema sesmarial foi utilizado em larga escala
pela Coroa lusa para expansão da interiorização da América portuguesa. A concessão de terras
devolutas aos colonos interessados em dominar novos espaços foi a principal característica
dessa política da metrópole (ALVEAL, 2015, p. 249). Tal sistema já era utilizado por Portugal
desde o século XIV e foi aperfeiçoado no decorrer da colonização no Atlântico. Compreende-se,
assim, o princípio de uma apropriação territorial das terras que, até então, eram pertencentes

60
aos Potiguara espalhados pelo litoral da capitania. Esse território foi, ao longo do processo
colonizador, dominado por pioneiros portugueses que iniciaram a migração para a Capitania
do Rio Grande, a partir da fundação da Cidade do Natal e, provavelmente, se utilizaram de
suas influências para garantir sesmarias sob as bênçãos da Coroa portuguesa. Essas primeiras
sesmarias foram registradas no documento chamado Auto de Repartição das Terras da
Capitania do Rio Grande, produzido em 1614. Nele, foram registradas 186 cartas de doações de
terra, na capitania, nos primeiros anos do século XVII, e foram realizadas pelo capitão-mor de
Pernambuco Alexandre de Moura, pelo desembargador Manoel Pinto da Rocha e o documento
foi registrado pelo escrivão Thomé Domingues15. Elas apresentam indícios dos conhecimentos
adquiridos dos colonos portugueses em relação aos topônimos indígenas desses espaços da
capitania ao caracterizarem como locais de explorações econômicas que poderiam trazer
rendimentos tanto para o sesmeiro como para Fazenda Real.

Logo abaixo, como se observa no Mapa 3, podemos supor que os sertões do Cabo de
São Roque começaram a ser devassados pelos colonos portugueses nas duas primeiras doações
de terras concedidas nesse espaço costeiro. A primeira concessão foi realizada pelo capitão-mor
Jerônimo de Albuquerque a Nicolau Vazalim, em 2 de fevereiro de 1605, na foz do rio
Boixumunguape – atual rio Maxaranguape. A sesmaria media 1.000 braças quadradas, ficando
500 braças para cada margem do rio. Três anos depois, em 26 de agosto de 1608, o mesmo
capitão-mor doou a Manuel de Abreu a sesmaria Pequitinga – atual praia de Pititinga e foz do
rio Punaú –, com dimensões de duas léguas por costa e uma légua para o sertão. Ambas as
sesmarias tinham seu território cortado ao meio pelos vales sinuosos desses principais rios do
litoral norte, indicando possíveis locais de expansão agrícola ou de criação de gado. Porém,
no ano em que foi realizado o Traslado, em 1614, os terrenos já estavam abandonados pelos
sesmeiros. Somente o sítio de Nicolau Vazalim indicava uma tentativa de colonização e uso
das praias em atividades pesqueiras, pois a sesmaria teve casa e redes de pesca segundo o
documento.

15
Segundo Elenize Trindade Pereira, o documento foi produzido sob a ordem do rei Felipe II (1598-1621) por
meio da provisão real de 12 de setembro de 1612, pois constavam reclamações do rei, que havia sido informado,
por meio de denúncia de não se sabe quem, que alguns moradores da capitania não estavam cumprindo com o
dever de cultivar a terra recebida por doação, ocasionando assim prejuízos para a fazenda real, tendo em vista o
pagamento do dízimo sobre a terra (PEREIRA, 2014, p. 172).

61
Mapa 3 – Primeiras sesmarias concedidas nos sertões do Cabo de São Roque (1605 – 1608)

Fonte: Mapa elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior com auxílio do Google Earth, a partir dos dados
da Plataforma SILB, utilizando-se das descrições dos limites estabelecidos pelas cartas sesmariais. Trabalho
técnico com o programa Qgis 3.4 realizado pela geóloga Janaína Medeiros da Silva, a partir dos dados do
mapeamento dos parrachos conforme Amaral (2003).

Como nos descreve Cláudia Damasceno Fonseca, os pioneiros nomeavam os elementos


naturais mais marcantes nesses sertões: os rios, ribeiros, ribeirões, córregos, serras, etc. Tais
elementos, frequentemente, recebiam denominações descritivas, de origem indígena e, em outros
casos, as toponímias eram traduzidas para português (FONSECA, 2011, p. 75). Desse modo,
os topônimos dessas propriedades, no Mapa 3, se referem às atividades pesqueiras desse
litoral, realizando a tradução do tupi para o português. Pequitinga e sua variante atual, Pititinga,
significam respectivamente “peixinho” e “mancha branca da pele” (BARBOSA, 1951, p. 124-
126), indicando talvez a pesca de manjubas nessa costa, e o segundo topônimo é referente aos
cardumes de pititinga, que reluziam com a luz do sol, já o termo Maxaranguape que provém do
“étimo ‘massará’ significa armadilha de peixes”16. Assim, podemos considerar que esses nomes
foram o reflexo das tradições dos Potiguara nas pescarias, sendo essas realizadas nas proxi-
midades dos estuários dos rios, onde se encontravam uma quantidade e variedade maiores de

16
Câmara Cascudo traduziu o topônimo antigo de Maxaranguape, Boixumunguape, e observou que tinha um
outro sentido no seu significado, sem ser ligado a atividades pesqueiras. Para o autor, o termo significava “no vale
ou na baixa da cascavel” (CASCUDO, 1968, p. 71). Sobre Maxaranguape e outros topônimos indígenas do litoral,
ver em Moura Júnior (apud MORAIS, 2014, p. 198).

62
pescados para o sustento das comunidades costeiras. Com a chegada dos primeiros sesmeiros,
solicitando terras para as autoridades portuguesas na Cidade do Natal, esses espaços são
apropriados por eles e conquistados não apenas o seu chão, ou a atividade econômica exercida
na época, mas principalmente a identidade do lugar, o seu topônimo, que permaneceu em
língua nativa até o tempo presente.

Apesar das possibilidades de rendimentos ligados ao plantio, a criação de gado e a


pesca nessa costa, os proprietários das duas sesmarias não ocuparam as terras doadas, tal como
era exigido na legislação sesmarial. Segundo Carmem Alveal, uma das atividades primordiais
que possibilitavam a legitimação da posse era o cultivo. Muitos colonos “primeiro realizavam
suas lavouras e, diante do fato consumado da terra cultivada – princípio básico da lei de sesmarias-
requeriam a carta de concessão de sesmaria da área lavrada, bem como a sua confirmação”
(ALVEAL, 2007, p. 80). Entrementes, como é observado no Auto de Repartição de Terras,
nenhuma lavoura foi implantada nesses espaços. E como consta no documento da sesmaria
Pequitinga, na atual desembocadura do rio Punaú, “não era terra de préstimos e nem nunca foi
povoada [...] por estar a 15 léguas para o norte” da Cidade do Natal. Provavelmente, um dos
entraves que levaram ao “abandono” dos sesmeiros e da diminuta quantidade de solicitações
nesses sertões do Cabo de São Roque, nos idos do século XVII, foi, talvez, o pouco conhecimento
das terras interiores para além das zonas dunares do litoral. Essas faixas de dunas se estendem
nesse espaço por entre 10 e 20 km, entre a costa e o sertão, posteriormente, sendo devassadas
por esses caminhos de areia, apresenta-se uma outra paisagem, propícia para o plantio e, com
mesclas de vegetações com trechos de Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica.

Assim, os colonos e cronistas impuseram a esses sertões do Cabo de São Roque a


alcunha de que “não era terra de préstimos”, sendo impróprio para estabelecimentos de
propriedades rurais, principalmente as lavouras canavieiras. Esse discurso teve como primeiro
representante Gabriel Soares de Sousa ao relatar sobre as imediações da enseada de Itapitanga –
Pequitinga, ao descrever que essa “terra por aqui ao longo do mar está despovoada do gentio
por ser estéril e fraca” (SOUSA, 1851, p. 25). Do mesmo modo, contemporâneo ao período das
primeiras doações de terras na Capitania do Rio Grande, Diogo de Campos Moreno, sargento-mor
do Brasil e enviado para os conflitos na França Equinocial, escreveu duas obras importantes
que retrataram esse litoral: Razão do Estado do Brasil, em 1612, e Jornada do Maranhão, em
1614. No primeiro livro, que conta com mapas e ilustrações, João Teixeira Albernaz I descreveu
que esse espaço era formado por “serra e de areais em que não dá coisa de proveito mais que
as salinas que dizem de Guamaré”, e conclui: “e nos matos há muita caça, e em toda a costa
grandes pescarias e muito âmbar” (MORENO, 1612, p. 238-241).

63
Portanto, esses cronistas revelaram apenas o que era visto por eles dos navios,
possivelmente, visualizavam apenas as dunas costeiras que se espalhavam por todas as zonas
adjacências do Cabo de São Roque e teceram opiniões para as autoridades ibéricas, revelando
que essas terras eram impróprias para a expansão açucareira. Daí reportarem nos seus escritos
que a única função que essas terras poderiam oferecer eram em atividades extrativistas como
as pescarias, a extração do sal e a coleta de âmbar. Até a primeira metade do século XVII,
segundo os textos coloniais pesquisados, esses sertões continuaram inabitados por colonos
portugueses e militares da Companhia das Índias Ocidentais. Assim, os vales dos rios dos
sertões de São Roque só foram ocupados nas sesmarias concedidas no início do século XVIII
em uma segunda leva de ocupação, quando seis sesmeiros solicitaram novas datas de terra na
região entre 1706 e 1719, cuja análise será feita no próximo capítulo.

3.3 Os Potiguara no Litoral Norte da Capitania do Rio Grande: os indícios cartográficos


no século XVII

Podemos considerar o século XVI como o período do conhecimento dos limites continentais
da América e Ásia sobre o globo terrestre, feito perpetrado pelos cosmógrafos europeus em
diversas escolas cartográficas desse continente. No século XVII, já estabelecidos esses limites
continentais na cartografia dos reinos ibéricos, as autoridades de então investiram no processo
de conquista da costa leste-oeste do Estado do Brasil. Para Sérgio Buarque de Holanda, essa
costa correspondia ao litoral das capitanias da Paraíba, Rio Grande, Ceará e Maranhão que,
entre 1580 e 1614, estavam em suscetíveis conflitos entre militares ibéricos contra grupos
franceses que almejavam conquistar essas paragens (HOLANDA, 2007, p. 213-226). Os mapas
desse período apresentavam-se com mais detalhes e informações sobre esses espaços, já nos
mapas quinhentistas, um topônimo correspondia a quase toda costa de uma capitania. Com
o advento das conquistas portuguesas ao norte de Pernambuco, o conhecimento sobre esses
sertões litorâneos foram exponenciados, apresentando a diversidade dos acidentes geográficos,
rios, lagoas e aldeias indígenas, porém, as representações cartográficas de até meados do século
XVII apresentavam um Brasil ainda costeiro, como se fosse da visão do cosmógrafo de dentro
do navio olhando para a praia, excluindo os sertões de dentro ainda misteriosos e esquecidos
nessas publicações. Foi uma época que surgiram novas produções cartográficas sobre essa costa,
tendo como principal expoente as produções cartográficas da família Teixeira Albernaz em Portugal.

64
Essa família de cartógrafos estava ligada à administração da Coroa Portuguesa desde
1558, quando Pero Fernandes foi nomeado “mestre de fazer cartas ao navegar”. Um pouco
tempo depois, foi acompanhado no ofício por um de seus filhos, Luís Teixeira, sendo esse o
responsável pelo primeiro atlas do Brasil, com o título de Atlas-Roteiro de Luís Teixeira,
produzido em 1574, onde foram apresentadas no mapa as divisões das capitanias hereditárias
e as dimensões territoriais da América portuguesa. Na escola cartográfica de Luís Teixeira se
formou ainda seu filho, João Teixeira Albernaz I, que, em 1602, já tinha carta de ofício para a
confecção de mapas e cartas, sendo o último representante da dinastia de cartógrafos, João Teixeira
Albernaz II, cujas obras são conhecidas até o ano de 1681 (CORTESÃO, 1965, p. 386-387).

Segundo Beatriz P. Siqueira Bueno, essas produções cartográficas foram confeccionadas


nos Armazéns da Guiné e Índias, junto ao Paço da Ribeira, em Lisboa, local em que se concen-
travam todas as pesquisas em ensino náutico em Portugal, onde eram ministradas lições de
teoria a pilotos, artífices de instrumentos náuticos e mestres de cartas de marear. Esse espaço
de produção era supervisionado pelo cargo do cosmógrafo-mor, onde a sua função estava es-
tabelecida pelos Regimentos do Cosmógrafo-mor de 1559 e 1592 (BUENO, 2007, p. 29-30).
Desse modo, segundo esses regimentos, cabia a esse importante funcionário da Coroa a super-
visão de formar novos pilotos e aprimorar os mapas e roteiros da navegação. Eles tinham
a responsabilidade de atualizar os mapas e roteiros com cada acidente geográfico, topônimo,
baía, e, dentre outros, cabos, para repassar aos novos navegadores que seguiam para além-mar.
A constante atualização dos mapas fez desse espaço de produção o mais privilegiado da navegação
marítima europeia entre os séculos XVI e XVII.

Essa atualização cartográfica feita no Armazém da Guiné e das Índias é perceptível


quando comparamos com os mapas produzidos no século XVI com os do século posterior. Por
exemplo, a costa da Capitania do Rio Grande tornou-se mais detalhada e rica em topônimos
costeiros com a primeira publicação do período que foi o Livro que da Razão ao Estado do
Brasil, organizado em 1612 pelo governador-geral D. Diogo de Menezes, sendo a escrita do
texto atribuída ao sargento-mor Diogo de Campos Moreno e a produção cartográfica e das
ilustrações foi elaborada por João Teixeira Albernaz I. No documento foram descritas as
potencialidades econômicas das oito capitanias hereditárias, de Porto Seguro para o norte do
Brasil e acompanhados por dezessete mapas.

A construção desse mapa é contemporânea das primeiras doações de terras na Capitania do


Rio Grande. Como se observa na Figura 11, a seguir, tivemos que inverter o mapa para uma melhor
compreensão do espaço. Desse modo, percebemos uma maior concentração de núcleos de

65
povoamento ou de indícios de pequenas fazendas nas margens do rio Potengi, onde se concen-
trava a maior parte desse povoamento português. Os ícones em formato de casas dão indícios
de uma expansão territorial. Como se vê no círculo na Letra A, a cidade do Natal, intitulada de
Cidade “dos Reis”, era o principal centro urbano dessa capitania e a marcha desse povoamento aglo-
merava-se na região ao sul do Natal, não existindo nenhum indício de povoamento português
nos sertões do Cabo de São Roque, porém, apresenta-se nessa ilustração o primeiro topônimo
desse litoral depois do termo São Roque: Pequitinga.

O mapa apresenta-se como se ainda estivesse em construção, como se o cosmógrafo


ainda buscasse conhecer o litoral da capitania em direção ao Ceará. À primeira vista, temos a
ideia que a capitania terminava nas imediações da atual praia de Pititinga e que a costa leste-oeste era
praticamente desconhecida pelas autoridades portuguesas da época. Isso é perceptível quando
visualizamos os rios ao norte do Natal, em destaque nas Letras B e C, Punaú e Maxaranguape,
respectivamente, que são representados com tamanhos bem menores do que o normal e sem
afluentes, indicando, talvez, que os cronistas e cosmógrafos não se adentraram nas regiões das
nascentes desses rios.

Figura 11 – Detalhes do Mapa de João Teixeira Albernaz I (1612):


o litoral norte da Capitania do Rio Grande e o Canal de São Roque

66
Fonte: Rio Grande capitania de Sua Magestade. In: Livro que da Razão ao Estado do Brasil, 1612, p. 249. Acervo
da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Disponível em: http://arquivodigital.cm-porto.pt/Conteudos/Conteu-
dos_BPMP/MS-126/MS-126_item1/P252.html. Acesso em: 18 fev. 2019.

Outro indício desse “desconhecimento” do espaço do litoral norte é a exclusão iconográfica


das aldeias indígenas. Quando comparamos o mapa de João Teixeira Albernaz I, de 1612, com
o Mapa de Jacques de Vaulx de Claye de 1579 (ver Figura 9 e Figura 10), percebemos claramente
isso, como se as adjacências do Cabo de São Roque fossem um deserto sem indígenas, com as
terras prontas para serem devassadas pela colonização lusa. Porém, na Letra D da Figura 11,
apresenta-se no mapa uma aldeia indígena, como se fosse a única ao norte de Natal e intitulada
de Aldeia do Camarão. Seu formato, remonta às antigas construções Potiguara, também represen-
tadas no mapa de Jacques de Vaulx de Claye, em forma quadrangular, a partir da junção de
quatro grandes ocas com a formação de um pátio central. Porém, existe no centro da imagem
uma cruz, que pode simbolizar as primeiras conversões desses indígenas para a fé cristã
católica dos portugueses e o avanço de missões volantes nessas aldeias17. Como foi observado
por Fátima Martins Lopes, essas cruzes foram erigidas nas aldeias após os acordos de paz
firmados com os indígenas e as autoridades portuguesas em meados de 1599. Sendo uma das
figuras responsáveis por esse projeto de expansão do cristianismo entre os Potiguara a do Padre
Francisco Pinto, além de outras autoridades, intérpretes e mediadores, erigiram uma cruz em
uma das aldeias Potiguara que tinha como principal o “Camarão Grande – o Potiguaçu”. Esse
líder indígena almejava pôr essa cruz no centro na aldeia para conseguir juntar seu povo, que
estava espalhado pelos sertões após as guerras com os portugueses (LOPES, 2013, p. 55-100).

O mapa é incongruente com o relato de Diogo do Campos Moreno ao revelar que na


capitania existiam “dezesseis aldeias indígenas, algumas muito pequenas e todas malgovernadas, e
inquietas por lhes faltar a doutrina de clérigos”, porém foram representadas por João Teixeira
Albernaz I apenas duas aldeias Potiguara. Esses dados podem revelar duas hipóteses: primeiro,
as representações das aldeias indicam um projeto de inserção desses indígenas para concentrá-
-los em missões jesuíticas no processo de conversão ao cristianismo nesses espaços; segundo,
pode indicar o “desaparecimento” desses grupos diante do constante avanço dos portugueses
em direção ao litoral norte, promovendo a fuga desses indivíduos para outras paragens ou a
sua inserção nas atividades desenvolvidas pelos sesmeiros nas suas propriedades doadas no
decorrer da colonização.
17
Para Patricia Seed, as cruzes eram os objetos tradicionalmente plantados pelos europeus durante suas viagens
às novas regiões, mas seu real significado cultural e político variava amplamente. Segundo a autora, para os
espanhóis simbolizavam uma manifestação física da ideia de que a área estava sob domínio cristão; para os
portugueses, os exploradores erigiam cruzes nas terras que atingiam, indicando os pontos mais ao sul nas suas
viagens à África (SEED, 1999, p. 170-171).

67
A segunda hipótese pode ser considerada observando os relatos do padre capuchinho
Claude d’Abbeville sobre a possibilidade de parte dos indígenas Potiguara terem migrado para
a região do Maranhão, na segunda metade do século XVI. O cronista francês, que era partícipe
da tentativa de estabelecer uma colônia francesa na atual capital maranhense, a França Equinocial,
revelou a partir de um diálogo com o cacique Mamboré-Uaçu, em 1612, que muitos indígenas
Potiguara migraram devido às guerras com os portugueses. O mesmo cacique afirmou que
essas fugas sucessivas desses povos tinham como destino a região norte do Brasil:

Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú [ rio Potengi]; e começaram


eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar
sem pretenderem fixar residência [...]. Mais tarde, disseram que nós devíamos acos-
tumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar
cidades para morarem conosco [...]. Mandaram vir os paí [padre]; e estes ergueram
cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que
nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem.
E, assim, se viram constrangidos os nossos a fornecer-lhes. Mas não satisfeitos com
os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram
escravizando toda a nação; e como tal tirania e crueldade a trataram, que os que fica-
ram livres foram, como nós, forçados a deixar a região (D’ABBEVILLE, 1945, p. 115).

O relato de Claude d’Abbeville é um retrato daquilo que podemos visualizar no mapa


de João Teixeira Albernaz I: a contínua exclusão dos Potiguara das suas terras de origem diante
dos interesses da Coroa Portuguesa na Capitania do Rio Grande. Tal como observamos no relato,
o mapa reproduz a conquista sobres esses povos na medida em que apresenta a expansão da
fé cristã ao colocar cruzes nos centros das aldeias, com a consequente chegada dos primeiros
padres jesuítas no processo de catequização desses povos, além do princípio da criação de novos
núcleos urbanos e militares nesse processo de territorialização realizado pela Coroa Lusa,
principalmente nas imediações da Cidade do Natal. E, por fim, a contínua migração de parte
desses povos originários, fugindo em alguns momentos ou resistindo em outros, do projeto
colonial português de conquista territorial dos espaços e dos corpos desses grupos da capitania
em estudo. Assim, cada vez que a expansão da colonização portuguesa se aproximava dessas
aldeias, elas eram suprimidas no desenho dos cartógrafos, uma forma talvez de “apagar”
a presença desses grupos nas conquistas do Império Português.

Entrementes, pode-se inferir que essas fugas podem explicar, em parte, o “desapare-
cimento” desses povos do litoral norte tanto nos relatos dos cronistas como nas informações
apresentadas nos mapas do século XVII. Esses “silêncios” podem ser observados também nas

68
generalizações territoriais criadas pelos cartógrafos portugueses sobre esses povos originais. Se
antes, no Quinhentos, eram representados apenas os ícones que estavam associados às aldeias
indígenas, no Seiscentos, essas gravuras somem e apenas surgem superficialmente os nomes
das “nações” indígenas espalhadas por onde os europeus almejavam conquistar o território. As
últimas produções que os citam foram realizadas até meados desse século pelos cosmógrafos
da escola cartográfica de Portugal.

As produções dos Teixeira Albernaz nesse período indicavam, além da expansão


portuguesa para a região norte do Brasil, a delimitação de alguns grupos indígenas desses
espaços em conquista. Como se observa na imagem da Letra A da Figura 12, um detalhe do
mapa do Brasil com o título Mostraçe na prezente carta a descripçao de todo o estado do
Brasil que polla parte de Norte comesa no grande Rio Para e acaba na boca do rio da Prata,
produzido em 1627 por João Teixeira Albernaz, é um exemplo de carta manuscrita feita prova-
velmente nas oficinas do Armazém da Guiné e das Índias, em Lisboa. Nele foram inseridas as
delimitações territoriais, estabelecidas pelos portugueses, dos grupos indígenas do Estado do
Brasil. Acompanhado as setas em preto, podemos observar os Tupinambá inseridos ao sul do
rio São Francisco, os Tapuia estabelecidos no Ceará a oeste do rio Jaguaribe e os Potiguara es-
tabelecidos em toda a Capitania do Rio Grande entre os rios Potengi e o Jaguaribe. No detalhe
do mapa da Letra B, Figura 12, feito quase, quatro décadas depois por João Teixeira Albernaz
II com o título de Atlas do Brasil, inseriu-se nos sertões do Cabo de São Roque a frase “costa
de Pitiguares”.

Figura 12– Detalhe das representações territoriais dos Potiguaras na cartografia portuguesa no século XVII

69
Fonte: Mostraçe na prezente carta a descripçao de todo o estado do Brasil que polla parte de Norte comesa no
grande Rio Para... e acaba... na boca do rio da Prata. Feitas em Lisboa. 1627. Departamento de Mapas e Planos,
Códice: GE D-8024. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8458442n/f1.item.r=albernaz.zoom.
Acesso em: 11 mar. 2019; Atlas do Brasil de João Teixeira Albernaz II. 1666. Disponível em: http://objdigital.
bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart1079075/cart1079075.htm. Acesso em: 26 jun. 2019.

No primeiro mapa, as “nações” indígenas tiveram seus nomes escritos de forma a


destacar-se de todo mapa dos topônimos do litoral. Os principais rios da região foram utilizados
como uma tentativa de territorialização dos indígenas pelo cartógrafo luso. Essa identificação
pode indicar, nessa carta, que ela foi produzida para os agentes da coroa lusitana interessados
em conhecer as territorializações desses povos, haja vista que, no contexto de alianças e da
expansão territorial portuguesa na América, eram necessários ter um conhecimento da geogra-
fia desses espaços para se conquistar os sertões. Chegamos a essa conclusão, pois os mapas
contemporâneos produzidos pelos Teixeira Albernaz e pelas demais escolas cartográficas eu-
ropeias pouco apresentam indícios de territórios indígenas. Desse modo, qual seria a pretensão
de nomear esses povos no mapa se não no interesse de estabelecer o conhecimento dos limites
territoriais desses grupos, para estabelecer novas alianças ou montar estratégias de apropriação
territorial? Precisa-se de novos estudos para entender como a Cartografia Histórica pode elucidar
nas pesquisas sobre a dominação portuguesa sobre essas populações.

A Letra B da Figura 12, no Atlas do Brasil de 1666, de João Teixeira Albernaz II, pode
ser considerada a última menção cartográfica portuguesa conhecida sobre esses povos. O
documento indica a inclusão dos Potiguara no sertão de São Roque com o termo “costa

70
de Pitiguares”. Tal como foi observado no capítulo anterior, no Mapa de Jacques de Vaulx de
Claye de 1579, no relato de Gabriel Soares de Sousa de 1587, e nas evidências dos relatórios
arqueológicos, indicaram que esse espaço em estudo foi um local de intenso escambo de pau-brasil
e outros produtos entre franceses e Potiguara até o período da conquista da Capitania do Rio
Grande por forças da União Ibérica no encerrar do século XVI. A menção “Pitiguares” feita
pelo cosmógrafo pode indicar através desse topônimo que a costa de São Roque continuou a ser
habitada por esse povo. Ao mesmo tempo, nos relatos dos cronistas do seiscentos e em outras
fontes coloniais, manteve-se o discurso da inexistência dos indígenas nesses sertões.

Essa incoerência entre o que a cartografia mostra e o que as fontes escritas omitem pode
ser percebida numa fonte sesmarial contemporânea do Atlas do Brasil, onde foi descrito uma
concessão de terras ao Governador João Fernandes Vieira. No documento, descreve-se que o
personagem recebeu uma sesmaria após este contribuir nas vitórias das tropas portuguesas
contra as neerlandesas em Pernambuco. Dessa forma, a colossal terra tinha de comprimento a
costa entre o rio Ceará-Mirim e o Porto do Touro (ver Mapa 3), a mesma costa de Pitiguares
citada por João Teixeira Albernaz II era vista pelo escrivão da carta como terras “desertas e que
nunca foram povoadas”. Novamente, percebemos na fonte colonial o discurso de que o sertão
de São Roque eram terras “desertas”, “vazias” e “sem préstimos”. Segundo o Dicionário da língua
Portuguesa de Raphael Bluteau, o termo deserto tanto pode designar “local ermo, solitário,
despovoado” ou “nas desertas praias” (BLUETEAU, 1789, p. 410). Desse modo, ao nomear essa
região de deserto, pode-se levar a sentidos diferentes. Se for no sentido de despovoado, seria
então despovoado de quê? De colonos portugueses ou de indígenas? Essa incerteza persiste
quando observamos outras produções cartográficas realizadas na Europa, sobretudo na escola
cartográfica francesa que produziu mapas descrevendo esses povos indígenas até meados do
século XVIII, como se observa a seguir na Figura 13.

Figura 13– Representações da territorialização dos Potiguaras na cartografia francesa

71
Fonte: Le Brésil divisé en ses capitaineries suivant les relations les plus nouvelles / par P. Duval d’Abbeville.
1650. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE D-13899. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
btv1b84919051/f1.item.r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em: 11 mar. 2019; Carte de la Terre Ferme du
Perou, du Bresil et du Pays des Amazones. 1703. William Delisle. Biblioteca Nacional, Códice: cart484879.
Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart484879/cart484879.html. Acesso em: 11
mar. 2019.

Essa cartografia francesa pode ter se utilizado de elementos das produções portuguesas e
holandesas do período, sobretudo nas apropriações dos topônimos. Como se averigua na Letra
B da Figura 13, no mapa de 1650 e produzido por Duval d’Abbeville, ele delimitou o território
da Capitania do Rio Grande e intitulou a costa de São Roque com o termo “Petiguare”, um
topônimo semelhante aos estabelecidos pela escola dos Teixeira Albernaz. O termo se aproxima
muito do nome Pititinga, já bastante utilizado pela cartografia europeia, no entanto, aparece
inscrito “Picquetingue” próximo aos baixios de São Roque. Assim, Petiguare representa a
população indígena e Picquetingue o ancoradouro ou o canal da passagem dos navios por esses
baixios de São Roque.

Meio século depois, a Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du Pays des
Amazones, produzida em 1703 por William Delisle, uma produção ricamente composta de
informações sobre parte da atual América do Sul, apresenta pequenos fragmentos textuais
descrevendo a fauna, os povos indígenas de cada região, o relevo, as divisões territoriais e os
conflitos entre povos locais e europeus. O mapa é umas das produções que finalizam o ciclo
de informações cartográficas sobre a localização dos povos indígenas na costa leste-oeste
do Estado do Brasil. Na Letra A da Figura 13, sublinhados e selecionados em pretos, estão os
dados sobre os Potiguara no Rio Grande. A costa leste-oeste da capitania foi territorializada
de “país dos Potiguara: uma terra de muitas riquezas”. Seria uma constatação do autor francês
sobre a localização desse povo nas cercanias do sertão de São Roque, ao norte da Cidade do

72
Natal. O cartógrafo ainda complementou que “o país dos Potiguara não é para os portugueses
que estão encravados na capitania do Ceará”.

Primeira questão que temos que observar nos textos e nas imagens do mapa é a experiência
colonial dos franceses no Brasil e o conhecimento que estes adquiriram sobre os povos e territórios
pelos quais entraram em contato no Brasil ao longo dos séculos XVI e XVII. A quantidade
hiperbólica de descrições sobre cada grupo indígena que existia nas capitanias do Estado do
Brasil é um retrato desse acúmulo de informações preciosas sobre essas populações. Ao mesmo
tempo, na leitura dos textos do autor do mapa, nos parece uma defesa dessas populações diante
da colonização portuguesa no Brasil. Podemos supor que as produções cartográficas francesas,
ao representarem a América Portuguesa, estariam em franca oposição ao domínio lusitano.
Assim, quais os motivos dessa representação fortemente indígena? Precisa-se de novos elementos
com estudos em outras fontes escritas de arquivos franceses para conseguir novas respostas.

No mapa de William Delisle, ocorreu um erro de delimitação territorial onde a divisão


das capitanias do Ceará e do Rio Grande ocorre nas imediações da enseada de Pititinga,
provocando uma ambiguidade na territorialização dos Potiguara, pois como é visto no detalhe
da Figura 13, eles foram inseridos no litoral do Rio Grande, mas, no texto da descrição, esse
povo foi alocado na capitania vizinha. Desse modo, essa representação cartográfica pode
indicar a constante migração dos grupos indígenas, tal como foi visto no relato do padre Claude
d’Abbeville, que narra que indígenas fugiram para outras paragens devido às guerras e escravidão
perpetradas pelos agentes da coroa lusa. Concluímos que a Cartografia Histórica conseguiu
lançar novas luzes sobre os “silêncios” nas fontes coloniais da Capitania do Rio Grande em
relação aos povos indígenas do espaço em estudo, sobretudo, nas dúvidas que tínhamos
inicialmente em nosso trabalho sobre a localização desses indígenas nos sertões do Cabo de
São Roque e de como a expansão territorial portuguesa rumo ao norte da capitania se organizou
no decorrer dos dois primeiros séculos de domínio nas Américas.

3.4 A conquista do Maranhão e a construção cartográfica do Canal de São Roque

A representação do Cabo de São Roque na cartografia, como já observamos no capítulo


anterior, é muito antiga, desde as produções de Juan de la Cosa e Alberto Cantino, passando
pelos atlas de Lopo Homem que já apresentavam, no início do século XVI, os perigos ao se
navegar entre os bancos de corais na costa norte da Capitania do Rio Grande. O canal
formado entre esses baixios tem início nas imediações do referido Cabo de São Roque, no atual
município de Maxaranguape e termina ao norte, nas imediações da Ponta do Calcanhar, no

73
atual município de Touros. Tem uma profundidade que varia na baixa-mar entre 4 e 9 metros,
dependendo da aproximação da embarcação nos baixios, e com largura média de 5 milhas náuticas,
em torno de 8 quilômetros. Gabriel Soares de Sousa descreveu, em 1587, que era possível
atravessar esse canal com os navios pela costa leste-oeste, assim, nos examina que a navegação
era possível devido à profundidade do canal e “por onde entram os navios da costa à vontade”
(SOUSA, 1851, p. 24). Como se observa no Mapa 3, esses baixios se dividem em três partes,
como se fossem ilhas submersas. A quantidade de mapas e relatos sobres esses baixios foram
exponenciada no princípio do século XVII devido à expansão colonial da Coroa Portuguesa
para a região norte do Brasil, e, para conseguir esses objetivos, era necessário transpor o Canal
de São de Roque, conhecê-lo e divulgar com mais detalhes possíveis para que novos pilotos e
marinheiros portugueses o transladassem sem dificuldades.

Devido aos baixios, o canal concentra o maior número dos naufrágios da costa leste
do Rio Grande do Norte. Nas pesquisas de Olavo de Medeiros Filho, conseguiu-se identificar,
entre os anos de 1678 e 1823, nove naufrágios de embarcações dos tipos, patacho, sumaca e nau
(MEDEIROS FILHO, 1988, p. 15-55). Pelo menos um terço desses naufrágios se concentrou
nos baixios de São Roque e o maior número de acidentes ocorreu no último quartel do século
XVII. Pelos menos dois naufrágios de embarcações oriundas de Portugal e dos Açores foram
registrados nessa costa, o primeiro deles foi com o patacho “São João e Almas”, que naufragou
nos baixios próximo a Touros em 1678, e o segundo acidente aconteceu na enseada de Pititinga,
em 1694, com o patacho “Nossa Senhora dos Remédios e Almas, e Santo Antônio”. Com esses
dados, percebemos a importância, na época, da concepção de mapas para criar a representação
do Canal de São Roque, que evitaria acidentes náuticos e prejuízos aos proprietários das
embarcações nessa região e reforçaria um contínuo contato marítimo entre as capitanias.

Esse caminho marítimo era importante, pois ligava no sentido de sul ao norte um dos
principais núcleos urbanos da costa do Brasil, a cidade de Salvador, com as regiões das capitanias
da costa leste-oeste, porém, na rota oposta, no sentido entre o Grão-Pará e Salvador, devido às
correntes marítimas, era quase impossível realizar essa viagem. Sebastião da Rocha Pita, em
História da América Portuguesa, obra de 1730, descreveu os perigos ao se navegar próximo
desses baixios e pontuou as dificuldades dos navegadores em viajar do norte do Brasil em
direção ao sul, informando que “nenhuma embarcação redonda pode navegar as costas das seis
províncias Maranhão, Ceará, Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco, por ocorrerem
violentas as águas pela costa abaixo ao oeste, e cursarem por ela impetuosos os ventos suestes
e lés-suestes” (PITA, 2011 [1730], p. 34-35).

74
O mapa de João Teixeira Albernaz I, conforme podemos ver na Figura 11, reforça, desse
modo, a importância da navegação em direção ao norte do Brasil, por isso esse conhecimento
mais profundo dos caminhos por via marítima do canal serem bem mais explorados no desenho
da carta, em detrimento da representação dos sertões do Cabo de São Roque. Por questões que
ainda não obtivemos resposta, não se sabe a incompletude do mapa em relação ao desenho total
do canal. Na imagem, o canal termina nas imediações de Pequitinga e não existe um segundo
mapa dando continuidade ao primeiro, haja vista que encontramos vários exemplares completos das
capitanias vizinhas, porém existe na obra um hiato na montagem da representação do litoral
setentrional que vai do Rio Grande até as imediações do litoral do Maranhão.

Outra análise importante é que esses mapas são uma construção coletiva, envolvendo
dimensões, experiências, agentes, técnicas e interesses diferentes, reforçando, assim, a ideia
de disputa, mas também uma ferramenta e resultado do processo colonizador. No entanto, ao
nosso ver, a Figura 11 tem a representação do canal incorreta, pois a entrada dessa passagem
marítima no mapa foi desenhada na margem esquerda do rio Potengi, próximo à cidade do Na-
tal, quando o canal tem início nas proximidades dos arrecifes do atual município de Maxaranguape.
Essas incoerências na representação do mapa podem indicar que o cosmógrafo não participou
da viagem realizada pelo sargento-mor Diogo de Campos Moreno pelas costas dessas capitanias
e talvez tenha incorporado os dados cartográficos com o autor do livro ou com outros partícipes
do roteiro.

Os interesses da União Ibérica se acentuaram sobre essa costa leste-oeste quando a partir
de 1612 foi instalada na ilha de São Luís do Maranhão a chamada França Equinocial, colônia
francesa criada nos limites territoriais de Portugal, no continente americano, de acordo com o
Tratado de Tordesilhas, celebrado em 1494. Segundo Andrea Daher, os militares e os padres
capuchinhos dessa missão colonizadora patrocinada pela Coroa Francesa, dentre os quais estavam o
padre Claude d’Abbeville e o militar, e cosmógrafo Jacques de Vaulx de Claye, iniciaram em
5 de agosto o reconhecimento do local onde seria erguida a urbe, com a construção do forte
de São Luís, capela e convento dos Capuchinhos, feita com o auxílio de indígenas locais. Em
oito de setembro, os franceses plantam uma cruz na “ilha do Maranhão”, e em resposta a essa
expansão francesa na região norte do Brasil, o governador-geral Gaspar de Sousa nomeou
Jerônimo de Albuquerque para o posto de capitão-mor da Conquista do Maranhão, acompanhado
pelo sargento-mor Diogo de Campo Moreno, entre outros militares e indígenas distribuídos em
uma caravela, dois patachos e cinco caravelões que rumaram para a França Equinocial em 24
de agosto de 1614 (DAHER, 2007, p. 56; SALVADOR, 2013, p. 330-334).

75
Diogo de Campos Moreno, integrante da Conquista do Maranhão e um dos principais
cronistas desse conflito entre as tropas da União Ibérica contra os franceses no Maranhão,
relatou na sua segunda obra de 1614, Jornada do Maranhão, a transposição dessa esquadra pela
costa da capitania do Rio Grande. A expedição fundeou na barra do rio Potengi para angariar
mais mantimentos e água, além de recrutar mais indígenas aliados para engrossar as fileiras
contra os franceses e seguir viagem rumo ao norte do Brasil. Segundo o cronista, foi a partir
dessa jornada que os pilotos e marinheiros tiveram um maior conhecimento do Canal de São
Roque. Visto anteriormente como um perigo aos navegantes, tornou-se a partir da jornada um
caminho seguro e conhecido dos marinheiros portugueses:

Antes, com esta navegação tirou esta Jornada o medo que os caravelões da costa
publicavam daqueles baixios, fazendo que nas cartas se desse de resguardo 25
léguas, fazendo a serventia daquela costa por um canal que fica a uma légua de terra,
pelo qual precisamente queriam que houvesse de ser o caminho certo, como dito é,
o de fora, bom para quaisquer navios (MORENO, 2011, p. 46).

Primeiro dado importante sobre o relato é que o canal passou a ser uma rota usual para
embarcações que rumavam de sul para o norte do Brasil. Somente a partir de 1614, provavelmente,
passou a ser mais utilizado por embarcações de pequeno calado, como os patachos e sumacas.
Os outros navios de grande porte ou se arriscariam a passar por esse caminho ou utilizariam a
rota um pouco mais distante dos baixios. O primeiro registro dessa continuidade de navegação
pelo dito canal foi relatado no Roteiro de Manoel Gonçalves Regeifeiro, documento escrito pelo
piloto-mor da Armada do Maranhão, Manoel Gonçalves, que acompanhou o capitão-mor
Alexandre de Moura em 1615 nessa conquista. A frota seguiu os caminhos das jornadas enviadas
no ano anterior, aportando em sete de outubro de 1615 na ponta de “Petingua”[Petitinga], de
onde continuaram rumo ao norte. O cronista teve todo o esmero em identificar, no seu relato,
em cada grau de latitude e longitude os locais que poderiam levar as embarcações ao encalhe.

Ainda em relação ao detalhe do mapa de João Teixeira Albernaz I (Figura 11), podemos
entender, em parte, a dúvida que observamos na pesquisa sobre a incompletude do litoral mais
ao norte do topônimo Pequitinga, justamente porque nessas paragens existia, segundo os cronistas, o
temor de ataques de naus francesas entre a Ponta do Calcanhar, no atual município de Touros,
e o litoral do Maranhão. Em vista disso, até a data de confecção do mapa, em 1612, seria
dificultoso construir um mapa com informações dessa costa.

76
O texto de Diogo de Campos corrobora com os mapas do período devido a estes
descreverem a completude do Canal de São Roque somente depois da conquista do Maranhão.
Assim, o conhecimento cartográfico sobre esse canal fica mais evidente a partir das produções
feitas pela escola cartográfica portuguesa, por volta de 1627, quando ocorreram as confecções
de mapas descrevendo tanto o canal como a costa setentrional do Rio Grande, Ceará e Maranhão.
A família de cartógrafos, os Teixeira Albernaz, produziram somente entre 1627 e 1666, entre
cartas, mapas e atlas sobre esse espaço, em torno de oito trabalhos que já incluíam um novo ícone
em formato de triângulo obtuso, indicando o canal e os baixios de São Roque, bem diferente do
ícone utilizado nos mapas do século XVI (Figura 4), e inspiradas nas produções dos cartógrafos
portugueses. Esse novo ícone foi utilizado maciçamente por outras escolas cartográficas da
Europa no decorrer dos séculos XVII e XVIII.

O mapa da Figura 14, encartado adiante, faz parte do Atlas do Brasil de João Teixeira
Albernaz, confeccionado no ano de 1640, formado por 32 cartas acompanhadas com a descrição
da costa do Brasil. Pode-se supor que a obra é a conjunção dos trabalhos da família Teixeira
Albernaz ao longo de 50 anos de produções cartográficas em Portugal. Esse exemplar, concebido
26 anos depois do mapa de 1612 (Figura 11), expandiu as informações do litoral norte da capitania
do Rio Grande após a conquista do Maranhão, apresentando os topônimos omitidos ao norte de
Pititinga, com a respectiva consolidação da iconografia dos baixios de São Roque em formato
de triângulo obtuso, que foi utilizada em outras escolas da cartografia europeia.

O mapa apresenta os sertões da capitania, ao fundo da imagem, com uma paisagem


uniforme semelhante ao litoral de dunas típico desse espaço em estudo, com duas cores
predominantes no relevo. No tom verde-claro (nas setas para baixo), nas imediações da Cidade
do Rio Grande – Natal –, visualiza-se com uma riqueza de detalhes uma melhor definição
dos rios e praias, provavelmente, por ser um espaço mais definido e conhecido pelos colonos
portugueses. Assim, podemos designá-lo como um “espaço percebido” (LEFEBVRE, 2013, p.
100), sob a ótica de Henri Lefebvre, onde esse litoral da capitania já foi apropriado pela coroa
lusa desde 1598. O outro, com um tom de cor mais lilás (nas setas para cima), está associado
ao sertão ocidental, montanhoso, misterioso e ainda desconhecido pelos colonos e agentes da
Coroa Lusa em meados do século XVII, podendo ser associado ao “espaço concebido”. Seria
esse uma paisagem mental, pensada e criada pelos cartógrafos, pois se verifica o vazio de
informações quando visualizamos o mapa em direção ao norte e a oeste.

77
Figura 14 – O ícone em forma de triângulo obtuso: a representação dos baixios

de São Roque após a conquista do Maranhão

Fonte: Albernaz, João Teixeira: [Atlas] DESCRIPÇÃO DE TODO O MARITIMO DA TERRA DE S. CRVS,
CHAMADO VULGARMENTE, O BRAZIL, [manuscrito colorido], 1640. Instituto dos Arquivos Nacionais/
Torre do Tombo, inv. nº CF 162, fl. 4, [Cota: Coleção Cartográfica, nº 162. TT-CRT-162], Lisboa, Portugal.

Nos sertões do Cabo de São Roque, isto é, nos sertões perto da praia, próximos e
contíguos à Cidade do Natal, destacam-se apenas dois topônimos: o primeiro, “Paranduba”,
correspondendo na atualidade à Ponta Santo Cristo, no município de São Miguel do Gostoso;
os outros são “Rio da Agoadoce” e “Valus Monte”, correspondentes ao rio do Porto de Touro e
monte que deu origem ao mesmo topônimo, Touro.

Nessa perspectiva, ocorreu uma transformação toponímica, em meados do século XVII,


em relação ao termo Cabo de São Roque, utilizado para denominar desde 1501 quase todo
o litoral norte da capitania do Rio Grande, mas com os avanços dos conhecimentos náuticos
desse litoral, desde a conquista do Maranhão, e do estabelecimento de novos topônimos pelos
colonos e cartógrafos, “São Roque” ficou associado apenas aos baixios e ao respectivo cabo.
Por sinal, o termo “Cabo de São Roque” rareia das produções cartográficas ao longo do século
XVII e início do século XVIII, sendo substituído por dois nomes predominantes nos mapas:
Porto do Touro e Pequetinga, que se tornaram as principais referências toponímicas do sertão
perto da praia e dos navegadores que transitavam pelo canal de São Roque.

78
3.5 Os topônimos em transformação: o surgimento do Porto do Touro

Segundo Sérgio Buarque de Holanda, após a conquista do Maranhão e da respectiva


expulsão dos franceses pelas forças da União Ibérica, as autoridades hispano-portuguesas
organizaram outras expedições em direção à região do atual Amazonas com objetivo de evitar
o domínio de outras nações europeias, como, por exemplo, em fins de 1615, foram enviados
efetivos militares para jornadas ao Grão-Pará, onde fundaram o Forte do Presépio e a Cidade
de Santa Maria de Belém (HOLANDA, 2007, p. 258-259). Como foi observado, essas
conquistas das Coroas Ibéricas do litoral norte do Brasil foram importantes para a expansão
do conhecimento cartográfico dos espaços dessas capitanias. Esses mapas também contribuíram
para entendermos as relações de poder e de domínio concretizado pelos colonos e agentes
ibéricos contra as populações indígenas e seus territórios originais. Por fim, essas produções
cartográficas garantiram uma análise das transformações dos topônimos dos mapas produzidos
no período, tal como montamos no quadro a seguir.

Quadro 1– Toponímias utilizadas pela cartografia europeia para designar os sertões

do Cabo de São Roque de 1500 até 1700

Topônimos utilizados pelos


Dados cartográficos cartógrafos para designar as Localidades ou regiões atuais que
(referência) adjacências dos sertões do Cabo podem corresponder a esses antigos
Ano/Autor de São Roque topônimos no Rio Grande do Norte

Praia dos Três Irmãos no município de


1500 – Juan de la p. fermosa
São Bento do Norte.
Cosa. (Museu Naval
de Madri) R Rio Maceió no município de Touros.
1502 – Alberto
Cabo de São Roque, entre os litorais
Cantino. (Biblioteca
Cabo de Sam Jorge do município de São Miguel do
da Universidade de
Gostoso e Maxaranguape.
Estense)

1506 –Nicolay de Cabo de São Roque, entre os litorais


Cavério. (Biblioteca Cabo Sta Croxe do município de São Miguel do
Nacional da França) Gostoso e Maxaranguape.

Cabo de São Roque, entre os litorais


Sam Roque do município de São Miguel do Gosto-
1519 – Lopo Ho-
so e Maxaranguape.
mem. (Biblioteca
Nacional da França) Praias em frente aos baixios de São
C: do Praçel
Roque.

C. d S. Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.


1534 – Gaspar
Viega. (Biblioteca
Nacional da França) Praias em frente aos baixios de São
P. do Pracell
Roque.

79
Topônimos utilizados pelos
Dados cartográficos cartógrafos para designar as Localidades ou regiões atuais que
(referência) adjacências dos sertões do Cabo podem corresponder a esses antigos
Ano/Autor de São Roque topônimos no Rio Grande do Norte

1547 – Nicolas Potiiou Adjacências da foz do Rio Potengi.


Vallard. (Biblioteca
de Huntington) Praias em frente aos baixios de São
Pracel
Roque.

C. S: Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.

1574 – Luís Praias em frente aos baixios de São


Pracel
Roque.
Teixeira. (Biblioteca
da Ajuda) Dualidade na identificação do
R. grande topônimo, provavelmente seja rio Açu
ou o rio Potengi.

Sainct Roc
Cabo de São Roque, topônimo atual.
1579 – Jacques de
Vaulx de Claye. Coste des Merengaste Litoral entre o Cabo de São Roque e a
(Biblioteca Nacional cidade de Touros.
da França)
Rio Maceió, que corta a cidade de
R. de Ouytacas
Touros.

1587 – Joan Marti-


Enseada de Pititinga de fronte aos
nes. (Biblioteca Na- Pihuitinga
baixios de São Roque.
cional da Espanha)
Rio Punaú, que deságua entre as praias
1612 – João Teixeira Pequitinga de Zumbi e Pititinga, no município de
Albernaz I. Rio do Fogo.
(Biblioteca do Porto)
R. Mozogua Rio Maxaranguape.

Marco de posse dos portugueses, atual


O marco
praia do Marco, município de São
1624 – Jan Canin. Miguel do Gostoso.
(Biblioteca John
Carter Brown) Rio Punaú, que deságua entre as praias
R. Pequitinga de Zumbi e Pititinga, no município de
Rio do Fogo.
Marco de posse dos portugueses, atual
1627 – João Teixeira O marco praia do Marco, município de São
Albernaz, O Moço. Miguel do Gostoso.
(Biblioteca Nacional Vasu Praia de Touros.
da França)
Morogoape Rio Maxaranguape.
Marco de posse dos portugueses, atual
1627 – João Teixeira O marco praia do Marco, município de São
Albernaz I. Miguel do Gostoso.
(Biblioteca Nacional
da França) Valu Praia de Touros.

80
Topônimos utilizados pelos
Dados cartográficos cartógrafos para designar as Localidades ou regiões atuais que
(referência) adjacências dos sertões do Cabo podem corresponder a esses antigos
Ano/Autor de São Roque topônimos no Rio Grande do Norte

As praias de fronte aos baixios de São


1640 – João Teixeira Baixos de S: Roque
Roque.
Albernaz. (Biblio-
teca Nacional da Sertão do Cabo de São Roque com in-
França) Petiguares dicativo de presença indígena
Potiguara.
Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta
1640 –João Teixeira Paranduba
do Santo Cristo (Touros / São Miguel
Albernaz. O Rio
do Gostoso).
Grande he hum dos
melhores de toda a Vassus Montes Ponta de Touros, arrecifes localizados
Costa de Brazil” na ponta da enseada de Touros.
(Biblioteca Nacional Rio Maceió, que corta a cidade de
da França) Rio da agoa doce
Touros.
Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta
Paranduba do Santo Cristo (Touros / São Miguel
do Gostoso).
1640 – ALBER-
NAZ, João Teixeira. Ponta de Touros, arrecifes localizados
Vassus Montes
na ponta da enseada de Touros
“Descripçao de todo
o Maritimo da terra Rio Maceió, que corta a cidade de
Rio da agoa doce
de Sta. Crus” (Bi- Touros.
blioteca Nacional da Enseada da praia de Pititinga, municí-
França) pio de Rio do Fogo. O ícone de uma
Surgidouro
“âncora” localizado junto ao topônimo
indica um local de ancoradouro.
Cabo do Calcanhar no município de
Soapary
Touros.

Ponta do Santo Cristo no município de


O. Brandibe
1650 –Pierre Duval São Miguel do Gostoso.
d’abbeville. (Biblio-
teca Nacional da Picquetinge Canal de São Roque.
França) Costa de São Roque, indicativo de pre-
Petiguare
sença dos Potiguara nas adjacências.
Rio Maceió que corta a cidade de
Allagoa
Touros.
Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta
Paranduba do Santo Cristo (Touros / São Miguel
do Gostoso).
1666 –João Teixeira Vasus Praia de Touros.
Albernaz II. (Bi-
blioteca Nacional Rio Maceió, que corta a cidade de
R: Dose
Digital) Touros.
Litoral das praias de Rio do Fogo,
Costa de Pitiguares
Zumbi, Pititinga e Maracajaú.
Ponta Delgada Cabo de São Roque.

81
Topônimos utilizados pelos
Dados cartográficos cartógrafos para designar as Localidades ou regiões atuais que
(referência) adjacências dos sertões do Cabo podem corresponder a esses antigos
Ano/Autor de São Roque topônimos no Rio Grande do Norte

E. de Pequetinoa Enseada de Pititinga.

1671 - Arnoldus Corruptela de “Vassus Montes”, Ponta


Vgalsunbo
Montanus; da praia de Touros.

Jacob van Meurs. Entre a Ponta do Calcanhar e a Ponta


Vbarabuba do Santo Cristo (Touros/ São Miguel
(Biblioteca do do Gostoso).
Congresso
Americano)
Marco de posse dos portugueses, atual
O Marqua praia do Marco, município de São
Miguel do Gostoso.

Praia de Touros, antigo “Vassus


P. do Touro
Montes”.
1700[?] – Mapa
Praia das Garças ou a Ponta da
manuscrito anônimo. Pedras da Garça
Gameleira no município de Touros.
(Biblioteca Nacional
da França) Petetinga Praia de Pititinga.

C.S Roque Cabo de São Roque, topônimo atual.

Fonte: Produzido por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior e inspirado no “Quadro 1” elaborado na dissertação de
Lucas Montalvão Rabelo (2015).

Em duzentos anos de representação cartográfica dos sertões do Cabo de São Roque,


percebemos o processo de territorialização desse espaço, tanto do seu solo como também do
seu mar devido às necessidades dos portugueses em navegar essa costa rumo ao norte do
Brasil. No Quadro 1, observamos esse processo de transformação do topônimo Cabo de São
Roque, em que ele se tornou mais proeminente nas produções dos mapas do século XVI e mais
raro nos séculos subsequentes. Cada vez mais que novas informações eram colhidas desse litoral
por militares, pilotos e marinheiros, mais nomes de lugares surgiam nos mapas. Percebemos
que os topônimos mais inseridos nessas produções estavam vinculados na atualidade a duas
praias desse litoral: Pititinga e Touros (ver Mapa 3). O primeiro questionamento que tivemos
foi: quais motivos dessa constante representação desses nomes nos mapas? Alguns trabalhos
cartográficos chegam a evidenciar mais os topônimos do litoral norte do que a cabeça da Capitania
do Rio Grande, a cidade do Natal.
Segundo a nossa análise do Quadro 1, a referência mais antiga que temos desses dois
lugares é o termo “Pehuitinga”, escrito no mapa de Joan Martines em 1587, sendo esse mapa

82
contemporâneo da primeira menção escrita desse lugar, feita por Gabriel Soares de Sousa, que
o chamou de “Enseada de Itapitanga”. Desde então, surgiram novo nomes como “Picquetinge”,
“Petetinga” e “Pequetinoa”. A partir desses dados, percebemos no quadro as diversas escritas
desse nome, demostrando as variabilidades de escolas cartográficas europeias que se utilizaram
desse termo toponímico para identificar esse litoral do Rio Grande. Como já observamos, a
palavra remete à pesca de pequenos peixes nessa costa, mas não explica sua constante repetição
nos mapas.

O segundo nome mais frequente nesse litoral é “Vasu”, “Vassus” e “Vassus Montes”,
topônimos referentes à atual praia de Touros. O termo foi estabelecido nas produções cartográficas
da família Teixeira Albernaz a partir de 1627 e persistiu nos trabalhos subsequentes até o último
quartel do século XVII. Dicionário da língua Portuguesa de Raphael Bluteau, descreveu esse
termo como “navio, barco [...] Vasos (na antiga construção Náutica) peças, em que se sostinha[?]
o casco do navio, a envasadura” (BLUTEAU, 1789, p. 512). Com essa informação, podemos
avaliar que esse nome pode indicar atividades ligadas ao transporte marítimo nesse local. A
praia de Touros está na ponta do atual continente, na divisão da costa leste-oeste, e seu litoral
fica no final da rota marítima do canal de São Roque. Desse modo, podemos supor que, devido
aos constantes riscos ao se navegar entre a praia e os baixios, algumas embarcações aportavam
nesse porto para fazer manutenções nos cascos e conseguir mantimentos e lenha.

O “monte” referente ao termo indica talvez a ponta da enseada de Touros, que é um


rochedo com um formato desse animal. A imagem desse morro na iconografia cartográfica,
como vemos no círculo vermelho à direita na Figura 14, mostra o atual rio Maceió desaguando
no mar, acompanhado na sua margem esquerda pela atual Ponta do Touro. Segundo Nilson
Patriota, o topônimo surgiu quando os primeiros navegantes europeus assemelharam o rochedo
à cabeça de um touro, nomeando-o de “Touro Grande. [...] a pedra do Touro expandiu seu
prestígio ao longo de pelo menos 180 quilômetros de litoral. Da embocadura do Maxaranguape
ao pontal de Guamaré, na vizinhança de Macau, tudo era costa do Touro” (PATRIOTA, 2000,
p. 199-200).
Ainda tentando responder a nossa indagação sobre a constante citação dos mapas sobre
Pititinga e Touros, entrevistamos dois pescadores das praias de Zumbi e Rio do Fogo, Flaviano
Gualberto de Almeida18 e Edinor Rodrigues dos Anjos19, respectivamente. Em nossas conversas,
18
Realizamos a entrevista com o pescador profissional, Flaviano Gualberto de Almeida, 43 anos, morador da
praia de Zumbi, distrito do município de Rio do Fogo. O entrevistado, que nos fez esse relato oral, descreveu
sobre os perigos ao se navegar pelo Canal de São Roque (ALMEIDA, Flaviano Gualberto de. Entrevista sobre a
navegação do Canal de São Roque. [junho 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Rio do Fogo,
2019).
19
Realizamos a entrevista com ajuda do professor Eduardo dos Anjos ao seu tio, Edinor Rodrigues dos Anjos.
Sendo este pescador, com 52 anos e morador da praia de Rio do Fogo, sede do município. O entrevistado nos
descreveu sobre os problemas ao navegar pelos baixios de São Roque, na atualidade chamado de Parrachos
83
avaliamos a atual carta náutica do Brasil da costa leste intitulado “Do Cabo do Calcanhar a
Cabedelo”. Ambos os entrevistados indicaram, a partir das suas análises desse mapa e da sua
experiência como marítimos, que essas duas localidades têm em suas enseadas uma profundidade
considerável para embarcações de grande porte. Diferentemente de praias como Rio do Fogo
e Zumbi, que possuem em “suas águas muitas pedras”, além de “corais e embarcações naufraga-
das”, o Porto do Touro e a Enseada de Pititinga são os únicos locais propícios para ancoragens
de navios com esse padrão. Em vista desses dados, dos relatos dos cronistas e dos indícios
cartográficos, podemos considerá-los como portos coloniais, daí serem as únicas referências
do litoral em estudo na cartografia. Assim, eles indicavam locais de bom ancoradouro para os
pilotos e marinheiros que rumassem para essa costa ao atravessarem os baixios de São Roque.
Inclusive no mapa de João Teixeira Albernaz de 1640 (Figura 14), apresenta-se no círculo azul
no mapa o termo “Surgidouro”, acompanhado pela iconografia de uma âncora, indicando que a
atual enseada de Pititinga era um porto seguro para essas embarcações coloniais, talvez um dos
mais antigos da capitania, pois, como vimos no capítulo primeiro, esse porto já era utilizado
desde meados do século XVI como ancoradouro das embarcações franceses no escambo com
os indígenas e no tráfico de pau-brasil.

No entanto, diferente do topônimo “Pequetinga”, a cartografia europeia apresentou o


termo “Porto do Touro” nas suas produções apenas em torno de 1700, pois, como observamos,
intitularam esse porto de “Vassus”, um topônimo que indicava atividades portuárias. Assim,
surgiu-nos uma indagação: como esse nome “Touro” substituiu o nome antigo e estabeleceu-se
com a única referência dos sertões do Cabo de São Roque no século XVIII? Já que diversos
documentos sesmariais do setecentos, que analisaremos no capítulo terceiro, utilizaram-se do
termo “Porto do Touro” como principal referência desse sertão. Para conseguir entender essa
construção do nome desse topônimo, temos que analisar o momento histórico no qual a capitania
estava inserida.

Entre 1624 e 1654, a historiografia estabeleceu essas três décadas como o período da
dominação neerlandesa em partes do atual Nordeste brasileiro. Segundo Charles Boxer, com a
união das Coroas Ibéricas, a partir de 1580, a Coroa Lusa estava subjugada ao poderio da dinastia
dos Habsburgo da Espanha e, consequentemente, o reino lusitano foi levado a envolver-se nas
guerras ultramarinas em favor de seu novo monarca, com o título de Felipe I de Portugal. Como
consequência, a América Portuguesa sofreu ataques e dominações dos rivais desse monarca e
de seus sucessores (BOXER, 1969, p. 117-119). Na mesma perspectiva, o historiador José Antônio
Gonsalves de Mello descreveu que no decorrer da União Ibérica, os navios neerlandeses
de Rio do Fogo (ANJOS, Edinor Rodrigues dos. Entrevista sobre a navegação sobre os baixios de São Roque.
[julho2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Rio do Fogo, 2019).

84
sofreram embargos intermitentes do governo ibérico, com proibições de aportarem e fazerem
comércio nos portos de Portugal e do Estado do Brasil. Muitos neerlandeses se sentiram
prejudicados, pois tinham negócios em Pernambuco, que era a região de maior produção de
açúcar do mundo, com mais de 120 engenhos, chegando a produzir, nas melhores safras, mais
de mil toneladas do produto. Desse modo, em 1621, fundou-se na Holanda a Companhia das
Índias Ocidentais, ou WIC, West-Indie Compagnie, com objetivos de comercializar e conquistar
as terras dos atuais continentes americano e africano, sendo que seu primeiro ataque ocorreu
na cidade de Salvador, em 1624, porém não conseguiram conquistar a região, só conseguindo
dominar esse espaço com a conquista de Pernambuco e das capitanias vizinhas a partir de 1630
(MELLO, 2007, p. 20; 262).

Nesse contexto, a Capitania do Rio Grande foi tomada por tropas neerlandesas em 1633.
Segundo Câmara Cascudo, a expedição saiu em 5 de dezembro de 1633 do Recife com 11
navios e 808 soldados da WIC, que dominaram Natal e a Fortaleza dos Reis Magos. Com a
conquista da cabeça da capitania e dos seus arredores, mudaram o nome da fortaleza para
Castelo de Keulen e a cidade tornou-se “Amsterdã”, mas, segundo o autor, o nome não logrou
popularidade entre os próprios flamengos (CASCUDO, 1984, p. 63-66). Desse modo, a capitania
esteve sob domínio neerlandês entre 1633 e 1654. Destaque nessa época para o governo do Conde
João Maurício de Nassau em Pernambuco, que trouxe da Europa diversos cientistas, artista e
cartógrafos para retratar e pesquisar os espaços conquistados, mas, a escola cartográfica
holandesa pouco contribuiu na representação das imediações dos sertões do Cabo de São Roque.
Provavelmente, o foco das representações das capitanias conquistadas fossem as regiões de
produção açucareira, entre Alagoas e o sul do Rio Grande. Isso é perceptível quando visualizamos o
Mapa de Jorge Marcgrave de 1647, pois percebemos essa carência quando o limite ao norte do
mapa vai até às imediações da foz do rio Ceará-Mirim.

No final da década de 1630, uma contraofensiva foi articulada entre as forças militares
e navais das Coroas Ibéricas com o objetivo de retomar os territórios dominados pelas tropas
neerlandeses no Brasil e repelir essas frotas no Atlântico Sul. A investida foi articulada quando,
em abril de 1638, Maurício de Nassau ordenadou um ataque à cidade de Salvador. O cerco durou
em torno de um mês, finalizando sem a conquista da cidade, mas com assaltos e destruições
nos arrabaldes da Bahia e retorno das tropas da WIC para o Recife. A liderança da grande
esquadra luso-espanhola ficou a cargo de D. Fernandes Mascarenhas, o conde da Torre. Segundo
o pesquisador Armando Saturnino Monteiro, ocorreram quatro batalhas navais entre a costa de
Pernambuco e Rio Grande, e o último conflito entre essas forças navais ocorreu nas imediações
do mar de Baía Formosa, em 17 de janeiro de 1640. A batalha naval não teve vencedores. Com

85
a preocupação das embarcações sofrerem acidentes nos arrecifes submersos, o Conde da Torre
tentou reunir a esquadra sob seu comando, nas imediações do Cabo de São Roque, próximo da
foz do rio Ceará-Mirim. Parte das embarcações espanholas e portuguesas, que estavam mais
ao norte, seguiu outros rumos para os Açores e Caraíbas devido ao fim da batalha (MONTEIRO,
1995, p. 202). Nesse ínterim, segundo nos informa Ignácio da Costa Quintella, o Conde da
Torre, antes de regressar, deixou parte das tropas lusas desembarcar no Porto do Touro, que
ficava a 14 léguas ao norte do Rio Grande, e essas seguiram em marcha para sul, a caminho
de Salvador, sob a liderança do mestre de campo Luís Barbalho (QUINTELLA, 1840, p. 334).

Desse modo, podemos estabelecer que, a partir dos escritos sobre a Batalha Naval de
1640, levou-se ao surgimento do topônimo “Porto do Touro” e esse termo foi utilizado pela
historiografia clássica do Rio Grande do Norte como a principal referência toponímica
no processo de territorialização dos sertões do Cabo de São Roque, em fins do século XVII20.
Porém, existe uma contestação quanto ao local, Porto do Touro, ser no litoral ao norte da
cidade do Natal. Em palestra intitulada “O Porto do Touro, local do desembarque das tropas de
Luiz Barbalho em 1640”, proferida pelo pesquisador Levy Pereira, este descreveu, utilizando-
se da Cartografia Histórica, que quase todos os mapas coloniais até o início do século XVIII
inseriam o topônimo ao sul da cidade do Natal e não nas imediações do Cabo de São Roque
ao norte. O autor se valeu dos mapas das várias escolas da cartografia europeia, informando
também cronistas e textos que descrevem essa informação. O pesquisador concluiu que, entre
1624 e 1738, o termo Porto do Touro denominava o porto ao norte da barra do rio Pirangi, e a
atual cidade de Touros tinha a denominação “Vassu”, somente em 1738 surgiu esse topônimo
no litoral norte, assim, o autor defende que o desembarque das tropas do mestre de campo Luís
Barbalho foi ao sul do Rio Grande. Desse modo, existem outros indícios documentais onde
poderemos refutar a visão de Levy Pereira?

Concordamos com o autor em relação à Cartografia Histórica indicar o topônimo do


Porto do Touro nas imediações ao sul de Natal, existindo assim uma volatilidade da posição
geográfica desse topônimo, porém, observamos que esse nome surgiu nas representações do
litoral norte nos mapas em um período um pouco mais adiantado, em 1700 (ver o último mapa
listado do Quadro 1), e não somente em 1738, como Levy Pereira defende. Desse modo, a
transfiguração do termo “Vassus” para “Porto do Touro” ocorreu na segunda metade do século
20
Os autores clássicos estabeleceram o “Porto do Touro” como o local atual da praia de Touros. Câmara Cascudo
descreveu que Luís Barbalho desembarcou na praia de Touros, possivelmente próximo à atual Cidade (CASCUDO,
1984, p. 68); Augusto Tavares de Lira nos informa que “Em Touros desembarcaram dos navios da esquadra mil
e tantos homens, sob o comando do mestre de campo Luís Barbalho Bezerra [...]” (LIRA, 2012, p. 88); Rocha
Pombo descreveu que Luís Barbalho aportou numa “enseada da costa rio-grandense (dão quase todos o Porto
dos Touros) [...] Parece que no tempo daquela retirada não havia ali povoação nenhuma. Hoje é vila de Touros
pertencente à Comarca de Ceará-Mirim” (POMBO, 1922, p. 115).

86
XVII. Em relação à posição do topônimo do mapa, lembremos que as produções cartográficas
eram realizadas em locais de produção específicos em cada nação europeia, seus autores, no
geral, produziam a partir das informações coletadas dessa costa e os mapas eram reproduzidos
para um público específico, ou seja, os topônimos na cartografia serviam para leitura dos
navegadores e de alguns funcionários da Coroa. Em vista disso, alguns topônimos escritos
nos mapas poderiam diferir em relação aos nomeados pelos colonos e indígenas que moravam
nesses sertões representados.

Por exemplo, não encontramos em nossas pesquisas o termo “Vassus Montes” nos
documentos sesmariais e paroquiais, ele só aparece na cartografia, mas o topônimo Porto do
Touro apresenta-se nos documentos sesmariais desde 1666 e indica que esse local ficava no
litoral ao norte da cidade do Natal. Historiadores como Câmara Cascudo já questionavam que o
dito topônimo ao sul “não deixou rastro na memória popular” (CASCUDO, 1956, p. 243), José
Moreira Brandão Castelo Branco esclarece também esse dado ao questionar as produções
cartográficas da primeira metade do século XVII sobre a colocação do Porto do Touro “ao norte
dos Búzios, numa enseada com pedra, esquecendo o de Ponta Negra, completamente deslocado do
seu verdadeiro posto, que é próximo ao cabo Calcanhar, cerca de cinquenta milhas ao norte”
(CASTELO BRANCO, 1952, p. 34-35). Historiadores um pouco mais contemporâneos, como
Evaldo Cabral de Melo, ratificaram essa ideia do desembarque nas adjacências do Cabo de São
Roque ao informar que o Conde da Torre pôde desembarcar parte de suas tropas na “baía de
Touros” (MELLO, 2007, p. 47). Concordando com esses autores, existem oscilações na carto-
grafia que indiciam a inserção desses topônimos litorâneos em espaços não correspondentes.
As evidências documentais que corroboram com esses pesquisadores, ao informar que o Porto
do Touro é atribuído ao nosso espaço de estudo e não no litoral ao sul, demonstram que não
podemos encerrar essa questão apenas com análise cartográfica e dos textos dos cronistas
seiscentistas, e sim que precisamos utilizar de outras tipologias de fontes, cruzar esses dados e
que eles possam esclarecer melhor essa dúvida.

Os documentos sesmariais do fim do século XVII estabelecem o Porto do Touro como


principal topônimo do litoral ao norte da capitania. O historiador Tyego Franklim da Silva, ao
pesquisar sobre a territorialização da região do rio Assu, investigou as sesmarias doadas ao
governador João Fernandes Vieira. Duas delas utilizaram o Porto do Touro como referencial
ao norte, e não ao sul, como defende Levy Pereira. Na sesmaria do ano de 1666, a medição da
terra doada a esse personagem colonial vai do rio “Ceará-mirim por Costa até o Porto do Touro
toda a que se achar devoluto e desaproveitada e se começará da última para a ponta do norte e
as léguas que se acharem por Costa se medirão também para o sertão de leste a oeste”. Desse

87
modo, o dito Porto do Touro, através da análise de documentos sesmariais, foi averiguado pelo
pesquisador com a localização ao norte do Rio Grande, pois existe um documento em que foi
lavrado auto de posse das ditas terras em 4 de setembro 1670, em cerimônia realizada na barra
do “rio Maxaranguape com a presença do padre Leonardo Tavares de Melo (procurador de
João Fernandes Vieira), Diogo Fragoso Sotomaior (provedor da fazenda do Rio Grande) e duas
testemunhas: Francisco de Oliveira Banhos e Manuel de Oliveira Soares”. Esse documento
reafirma que as terras de João Fernandes Viera, ficavam no litoral norte, nos sertões do Cabo de
São Roque, e estabelece o Porto do Touro como principal topônimo nesses espaços coloniais,
pois a cerimônia descrita foi feita nas proximidades do Cabo de São Roque e não na região ao
sul da Cidade do Natal. As sesmarias doadas posteriormente reafirmam em seus textos que o
Porto do Touro se refere à atual praia de Touros.

As evidências dos textos dos cronistas do período colonial podem ser consideras também,
na medida em que indicam que topônimo já existia ao norte desde meados do século XVII.
Uma das primeiras publicações que descrevem esse topônimo foi lançada no ano de 1679, em
Portugal, pelo Frei Raphael de Jesus. Ao descrever os conflitos entre luso-brasileiros e neerlandeses
durante os anos de 1640 e 1654, indicou a toponímia “Porto do Touro”:

[...] proposérão ao general da armada a necessidade do socorro com requerimento


que os deixasse em terra em qualquer porto daquela costa, donde podessem marchar
pelo certão para a Bahia. Instava a importância, e no porto do Touro, catorze léguas
do Rio Grande para o norte, deixou a armada ao mestre de campo Luiz Barbalho
com mil trezentos infantes, e ao Camarão e Henrique Dias com a sua gente[...] Parte
d’ um deserto era o porto onde a armada deitou a Luiz Barbalho com a sua gente,
sem mais viveres que os cada soldado podia trazer em sua mochila [...] (JESUS,
1844[1679], p. 142).

O historiador José Antônio Gonsalves de Mello supõe que o Frei Rafael de Jesus se
utilizou de informações do livro História da Guerra de Pernambuco, de Diogo Lopes Santiago,
para criação da obra Castrioto Lusitano. O frei era pregador beneditino e Dom Abade do
Monastério de São Bento de Lisboa e nunca esteve no Brasil (MELLO, 1986, p. 124-126). Essa
é uma das principais críticas de Levy Pereira sobre a obra de Rafael de Jesus, pois Diogo L. de
Santiago se refere ao desembarque do Porto do Touro ao sul da cidade do Natal, ao contrário
do que foi descrito pelo frei. Porém, nos estudos de José A. Gonsalves de Mello, são elencados
as comparações e erros entre as duas obras dos cronistas coloniais, onde não se encontram
nenhuma informação de crítica ao topônimo “Porto do Touro”.

88
Ao analisar essa fonte, o cronista beneditino apresenta os sertões do Porto do Touro
como um deserto, entendemos como sendo um local despovoado, mas seria um deserto de
colonos ou de indígenas? Podemos supor, através das fontes e da historiografia, que esse
desembarque pode ter acontecido no Porto do Touro por ser o melhor de ancoradouro das
imediações do Canal de São Roque, como já observamos anteriormente. Levy Pereira
não utilizou as fontes sesmarias como referência na sua pesquisa, todavia, elas deveriam ter
sido utilizadas, pois, são importantes no auxílio aos pesquisadores que buscam informações
sobre os topônimos na Capitania do Rio Grande. Desse modo, divergimos do autor, pois o
cruzamento de informações, tanto dos documentos sesmariais quanto dos relatos dos cronistas
seiscentistas, dos dados historiográficos e cartográficos, indica que o Porto de Touros ficava
ao norte da cidade do Natal, na intitulada “terra sem préstimos” dos sertões do Cabo de São
Roque, tornando-se a principal referência geográfica para a demarcação das sesmarias nesse
litoral, como também foi topônimo estratégico para a cartografia e navegação entre o sul e o
norte do Brasil e um dos principais ancoradouros do período colonial da costa do Rio Grande.

Ademais, com a Cartografia Histórica, percebemos a transformações dos topônimos do


espaço em estudo no decorrer do seiscentos. Principalmente no tocante à importância do Porto
do Touro quando esse local ganhou evidência para designar essa região em meados do século
XVII. No próximo capítulo, iremos abordar como esse espaço, os sertões do Porto do Touro, foi
utilizado por caminhantes indígenas e europeus para alcançar as Capitanias do Norte do Brasil
e, do mesmo modo, investigar como esse espaço foi cobiçado pelos moradores da capitania do
Rio Grande com as concessões de sesmarias entre 1666 e 1719.

89
4 Os sertões do Porto do Touro:
a apropriacão do Espaco (1628-1719)

~
Em meados do século XVII, o Porto do Touro tornou-se um dos principais topônimos
da costa da Capitania do Rio Grande, tanto mencionado em documentos sesmariais como em
mapas do período. Desse modo, essas fontes podem sugerir que esse local poderia ser utilizado como
referência na navegação costeira pelo Canal de São Roque, já analisado no capítulo anterior. A
partir desse capítulo final, iremos analisar o início da efetivação da ocupação do território pelos
agentes da colonização lusa nesse espaço.

4.1 Indígenas, portugueses e neerlandeses: as marchas pelos Sertões do Porto do Touro

O período da dominação neerlandesa no Brasil (1630-1654) é rico em descrições realizadas


por cronistas sobre os espaços da Capitania do Rio Grande e nos revelaram o cotidiano, os
topônimos, os conflitos e as dificuldades encontradas pelos militares da WIC ao realizarem as
marchas e viagens pelos sertões litorâneos da capitania. Segundo a historiadora Patricia Seed,
os holandeses não tinham uma cerimônia oficial de posse das terras que seriam conquistadas,
porém, as permissões holandesas que garantiam o direito de comerciar ou organizar um
assentamento exigiam a capacidade de ler dos militares graduados envolvidos na conquista.
Ainda segundo a autora, “as descrições por escrito e os mapas exigiam a habilidade de usar
lápis ou tinta” (SEED, 1999, p. 250). Desse modo, o ato de escrever sobre os espaços conquistados era
uma prática nas tentativas de apropriarem-se do território em nome da Companhia das Índias
Ocidentais, por isso, existem cronistas neerlandeses que descrevem esses espaços coloniais da
Capitania do Rio Grande.

Um dos primeiros registros foi realizado em 20 de março de 1628 pelo notário Kilian
de Renselaer ao contatar indígenas Potiguara na costa. Ele recebeu informações sobre a
presença de portugueses nesses espaços, os dados prestados pelos nativos revelam o conhecimento

90
adquirido por esses povos e mostram as marchas que provavelmente realizavam pelas praias
do Rio Grande e de como se articulavam entre as aldeias espalhadas pela capitania. Esses indígenas
tinham conhecimento das grandes distâncias dos seus territórios devido aos históricos de
conflitos com os grupos nativos rivais, como nos descreveu Fátima Martins Lopes, ao informar que
os Potiguara marchavam ou navegavam por grandes distâncias em grande número de guerreiros
de modo a encontrar os inimigos, que eram pegos, na maioria, de surpresa (LOPES, 2003, p.
58-59). No texto do relatório, aparecem os topônimos dos portos do litoral em estudo: Pecutinga e
Uguasu [Porto do Touro], ambas as localidades sem portugueses, com bom ancoradouro e com
água doce (GERRITZ, 1907 [1629], p. 171-173), possivelmente, as informações foram prestadas
para os emissários da WIC, para estes conhecerem melhor as áreas costeiras, com melhor
desembarque de tropas nos futuros ataques à costa do Estado do Brasil nesse contexto de
tentativa de apropriação do território.

Os indígenas tinham uma relação estreita entre o caminhar e a natureza, conheciam o


seu território intimamente em relação aos europeus, no caso dos Potiguara, que eram povos
ligados à pesca e aos espaços litorâneos, tinham na costa seu espaço de refúgio. Numa perspectiva do
geógrafo Yi-Fu Tuan, podemos entender que a construção do espaço pelos indígenas considera
a suas experiências humanas, pois essas que constroem as relações com o mundo, portanto, a
presença do homem na construção do espaço é fundamental, pois sua experiência e concepções
são importantes para essa construção. Desse modo, o corpo humano também percebe o espaço,
pois entendemos o espaço a partir do que nos é ensinado (TUAN, 1983, p. 39-57). Dessa forma,
esses grupos europeus, através do encontro colonial, adquiriram o conhecimento desses espaços
e o conheceram melhor ao marchar sobre eles. Podemos entender também que o espaço dos
sertões do Porto do Touro, além de ser local de passagem marítima pelo Canal de São Roque,
era também um caminho comumente utilizado por marchas militares em direção ao norte,
para a capitania do Ceará e adjacências, ou para o sul, em direção à cidade do Natal ou para as
capitanias da Paraíba e Pernambuco.

Desde o início da expansão portuguesa para o norte do Brasil que essas rotas terrestres
eram realizadas. Segundo João Renôr F. de Carvalho, o então soldado Martim Soares Moreno,
em 1614, verificou que era possível ir da povoação de Nova Lisboa, na capitania do Ceará, enviar
mensageiros por terra para Pernambuco, em viagens que se faziam em 30 dias de caminhada
(CARVALHO, 2014, p. 50). As descrições desses cronistas demonstram que, anteriormente,
esse espaço em estudo era atravessado em embarcações pelo mar, era desenhado cartograficamente
para os pilotos e conhecido de longe durante a passagem dos navegadores pela costa, a partir do
contexto da conquista do Maranhão e da dominação holandesa. Na primeira metade do século

91
XVII, esse espaço teve seus solos atravessados pelos europeus, através dos caminhos utilizados
e ensinados pelos indígenas, por rotas feitas a pé e em caravanas, como nos quatro exemplos
que discutiremos a seguir.

Ainda nos primórdios da colonização, o Capitão-mor Pero Coelho de Sousa, nas tentativas
de conquistar o litoral da Capitania do Ceará, protagonizou umas das primeiras marchas pela
costa entre o rio Jaguaribe e a Fortaleza dos Reis Magos, entre 1605 e 1606, após perder parte
de suas tropas e dos indígenas aliados contra os franceses. Seguiu para o Rio Grande com a
sua família e mais 18 soldados enfrentando dificuldade, perdeu parte de seus homens e dois
dos seus filhos sob o sol escaldante das praias, fez travessias das salinas e dos ribeiros de
manguezais, onde encontraram dois poços chamados “Água Amargosa” e “Água Maré” [atual
Guamaré], com água insalubre. Nas proximidades das praias adjacentes ao Cabo de São Roque,
foram encontrados pelo padre vigário do Rio Grande, que veio com tropas e índios aliados para
resgatá-los.

Durante o período holandês, antes da dominação da cidade do Rio Grande, ocorriam


pequenas incursões da WIC ao longo da costa. Em outubro de 1631, embarcaram no iate
Nieuw-Nederlandt, vindos do Recife, o comandante Albert Smient, o capitão Joost Closter, o
português Samuel Conchin, acompanhados de indígenas aliados oriundos do Rio Grande, entre
eles o tapuio Marciliano, e rumaram para as praias da capitania do Rio Grande em busca de
realizar novas alianças com os tapuias. Um dos desembarques ocorreu nos sertões do Porto do
Touro, em 10 de novembro, em Ubranduba [Ponta do Santo Cristo em São Miguel do Gostoso].
Nas caminhadas realizadas à noite encontraram o português João Pereira, seguido por 25 indígenas,
sendo 8 homens e 17 mulheres e crianças, que acompanhavam o português na marcha entre o
Ceará e o Rio Grande. No documento não se sabe se esses indígenas eram Potiguara ou Tapuia,
se eram escravizados ou se estavam em marcha pelas alianças estabelecidas com os portugueses.
No entanto, os indígenas aliados dos neerlandeses mataram João Pereira, que trazia consigo
documentos considerados importantes sobre a capitania do Ceará e que foram confiscados
pelos agentes da WIC e encaminhados para o Recife.

A Batalha Naval de 1640, que teve entre seus resultados o desembarque do mestre de
campo Luís Barbalho Bezerra nas imediações do Porto do Touro, pode ser considerada o último
conflito envolvendo a união de forças militares de Portugal e Espanha na América Portuguesa. A
marcha realizada pelo militar português ocorreu, segundo os cronistas, entre o Porto do Touro
e a cidade de Salvador, perfazendo a distância de 300 léguas, com um efetivo de mais de 1.300
homens, incluindo os terços do Camarão e de Henrique Dias. Na descrição, a região do Porto

92
do Touro era um deserto, sem alimentos disponíveis para a tropa, que seguiu rumo ao rio Potengi,
onde teve o primeiro confronto entre as tropas neerlandesas e os aliados tapuias. O Comandante do
Forte Ceulen, George Garstman, foi preso após o conflito, perdeu ante a ofensiva das tropas
ibéricas 60 homens e seus aliados indígenas fugiram para outras paragens (NASSAU, 1895
[1640]). Luís Barbalho seguiu com suas tropas pelos caminhos do sertão até atravessar o rio
São Francisco e chegar ao destino, em Salvador21. Segundo Evaldo Cabral de Mello, a marcha
de infantaria luso-brasileira, armada de piques [lanças pontiagudas], fazia esses caminhos em
fileiras separadas por espaços de 20 a 24 pés, enquanto entre cada soldado da mesma fileira
devia-se manter distância de quatro a seis pés, para que os militares conseguissem manejar os
armamentos com mais comodidade (MELLO, 2007 apud VASCONCELOS [1608], p. 272).
Pela mobilidade das tropas da marcha de Luís Barbalho, que andou pelos sertões do Estado do
Brasil entre janeiro e março de 1640, podemos entender como foram organizados esses grupos
militares, como também podemos perceber as dificuldades encontradas para fornecimentos de
alimentos para uma tropa tão numerosa. Se utilizarmos a percepção de Luís Mendes de
Vasconcelos, teremos a visualização da marcha do referido mestre de campo, organizada com
seus mais de 1.300 soldados, perfazendo duas grandes fileiras com em torno de 650 soldados,
sendo cada uma delas com aproximadamente 3,5 quilômetros de extensão, formando grandes
colunas militares que experienciaram esses sertões litorâneos.

Por fim, o funcionário da WIC e aliado dos Tarairiú no Rio Grande, Jacob Rabbi, fez
um relatório sobre o litoral da capitania, a partir dos dados coletados por esse agente europeu
em suas marchas com esses grupos indígenas pelos sertões, sendo seu relato publicado no
capítulo quatro da obra História Natural do Brasil de Guilherme Piso, em 1648 (MEDEIROS
FILHO, 2010, p. 81). O personagem, polemizado por historiadores do século passado, estava
envolvido com as mortes de colonos luso-brasileiros em episódios violentos e estabelecidos
pela historiografia clássica como “os massacres de Cunhaú e Uruaçu” no ano de 1645. Possivelmente, ele
caminhou pelos sertões litorâneos do Porto do Touro. Partindo das adjacências do rio Potengi em
direção à foz do rio Mossoró, a viagem foi realizada com intuito de informar para as autoridades
da WIC em Recife sobre possíveis presenças de portugueses nesses espaços. Ao comentar sobre
o litoral, informou que do Rio Grande [Potengi] para o norte, o mar era notável, em seguida
relatou que o rio Mapreucauch [Maxaranguape] era repleto de peixes e nas suas margens
vagavam cabras e avestruzes; citou ainda um terceiro rio ao norte, o Ypotinge [Punaú], que
21
No relato de Luís Barbalho Bezerra, descreve-se que aportou no Porto do Touro com 1.430 homens, destes, 300
eram das ilhas da Madeira e dos Açores, marcharam na volta do Rio Grande [Potengi] onde estavam os moradores
recolhidos em casas fortes. Segundo ele, as tropas ibéricas atacaram 70 holandeses e 500 tapuias, aprisionaram o
capitão [George Garstman] e um alferes. Em seguida, marcharam para o engenho Cunhaú, saqueando as cargas
de açúcar, carne e farinha para a suas tropas e seguiram para as cabeceiras do rio Para (BEZERRA, 2001[1640],
p.488).

93
ficava a 12 milhas do Rio Grande; o quarto rio citado por Jacob Rabbi foi o Uguasu [rio do Porto
do Touro], que fica à dezessete horas de caminhada do Rio Grande; e em um dia de viagem do
Uguasu, encontra-se o Yponi, onde se encontram muitas salinas (RABBI apud MEDEIROS
FILHO, 2010, p. 81).

Mapa 4– As marchas pelos sertões do Porto do Touro no século XVI

Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados da Plataforma (SILB, RABBI
apud MEDEIROS FILHO, 2010; CARVALHO, 1906) e do mapeamento dos parrachos conforme: AMARAL,
R. F. Mapeamento dos recifes de corais do Baixo de Maracajaú. Pesquisas em Geociências (UFRGS), 2003.
Trabalho técnico com o programa Qgis 3.4 realizado por Janaína Medeiros da Silva, a partir da análise de Pedro
Pinheiro de Araújo Júnior.

Nesses referidos casos das marchas, são demonstradas as dificuldades encontradas pelos
cronistas europeus em percorrer grandes distâncias pelas praias da costa leste-oeste do Estado
do Brasil. Para a realização de tal empreitada, eram necessários recursos e alianças com os grupos
indígenas locais, esses que, pelas suas experiências nesses espaços, indicavam e ensinavam os
melhores caminhos e denominavam os topônimos que eram mantidos, na maioria das vezes,
pelos colonos europeus. Com isso, a experiência do caminhar pelas costas do Rio Grande pode
ter contribuído para a construção do conhecimento desses europeus, tanto neerlandeses como

94
portugueses, sobre esses espaços que ambicionavam expandir as suas conquistas ao norte da
Cidade do Natal, caso que ocorreu com a concessão de novas sesmarias a partir do último quartel
do século XVII, como veremos mais adiante.

Assim, como se observa no Mapa 4, onde se apresentam os exemplos das quatro marchas
descritas, ocorreu um conhecimento melhor dos europeus sobre os espaços dos sertões do
Porto do Touro ao longo do século XVII. Podemos, assim, supor que essas marchas feitas pelo
litoral norte eram um dos principais caminhos utilizados pelos colonos, militares e indígenas
que faziam a rota entre a Cidade do Natal e a Capitania do Ceará. Claramente, essas rotas foram
utilizadas pelas bordas da capitania talvez por serem mais seguras que as regiões interioranas,
como bem observou Tavares de Lira, segundo o qual “esses litorais eram mais seguros, pois
podiam-se atravessá-los em dezenas de léguas do forte dos Reis para o norte, com relativa segurança.
E era advinha principalmente da amizade dos índios potiguares” (LIRA, 2012, p. 42).

Concordando com o autor, os relatos dos cronistas sobre as marchas militares realizadas
por esses sertões litorâneos são característicos do desconhecimento e temor em caminhadas
por regiões mais interioranas da capitania na primeira metade do século XVII. Contemporâneo
dessas marchas, Frei Vicente de Salvador questionou a prática dos portugueses em não adentrarem
os sertões do Brasil, informando que

da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não
houve quem a andasse por negligência dos portugueses, que, sendo grandes conquista-
dores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando
ao longo do mar como caranguejos (SALVADOR, 2013, p. 13).

A comparação que Frei Vicente de Salvador fez em relação aos colonos lusos com os
“caranguejos”, que teimavam em arranhar o litoral, demostram os interesses da Coroa lusa
nesse período com o foco ainda em suas expansões territoriais pelo litoral. Os registros de des-
bravamento nos espaços mais interiores da capitania, pelo menos até meados do século XVII,
foram descritos em relatos dos agentes da WIC que caminharam por esses sertões, em busca
de metais preciosos. Em fins do mesmo século, as marchas militares serão mais frequentes em
outros espaços da capitania, mais precisamente entre a cabeça da capitania para os sertões das
bacias hidrográficas dos rios Seridó, Piranhas-Açu e o Apodi-Mossoró, nos contextos da expansão
das doações de sesmarias nesses espaços, na expansão das criações de gado e na Guerra dos
Bárbaros. Por fim, essas experiências adquiridas no caminhar desses indivíduos podem ter

95
influenciado nas escolhas dos principais locais com possibilidade de plantio e criação nessas
paragens, quando foram retomadas as doações de sesmarias pela Coroa portuguesa no Rio
Grande, na segunda metade do século XVII.

Com a Restauração da Coroa Portuguesa, em 1640, pondo fim à união das coroas ibéricas,
Portugal e seu novo rei, D. João IV, incentivou a retomada das capitanias dominadas pela WIC,
além do comércio, do tráfico atlântico e da produção açucareira nesses espaços coloniais. Para
tanto, uniu diversos grupos militares encabeçados por luso-brasileiros, com apoio de forças de
origem africana e indígena. Exemplo disso, na Capitania do Rio Grande, as autoridades
neerlandesas em defensiva no Forte Ceulen se articularam para combater os incisivos ataques
desses grupos guerrilheiros vindos ao sul do Rio Grande e que tinham o apoio do governo
português na Bahia. Segundo Benjamin N. Teensma, essa guerrilha tinha como principal
objetivo causar prejuízo aos neerlandeses, como roubar escravos, extorquir os indígenas aliados,
saquear as colheitas e gado, queimar vilarejos e ganhar posições, tal como ocorreu em 26 de
maio de 1647, quando “a fortificação de Cunhaú, guarnecida por apenas 16 homens, foi
assaltada por uma força de 300 homens. Após uma hora de luta, o inimigo retirou-se deixando
para trás 30 mortos” (TEESMA, 2016, p. 31). Esse relato demonstra a derrocada dos grupos
militares da WIC nas Capitanias do Norte diante dos ataques constantes desses soldados
luso-brasileiros, a partir da queda do poder dos neerlandeses sobre os espaços conquistados do
Estado do Brasil2221. Essas sucessivas lutas desses grupos nas Capitanias do Norte culminariam
na capitulação e partida dos neerlandeses em 1654 e na retomada da colonização portuguesa
nesses espaços no decorrer dos séculos XVII e XVIII.

4.2 Terra, poder e indivíduos: as redes clientelares

Para compreendermos a sociedade no Antigo Regime nos trópicos é necessário analisar


os procedimentos de como esses grupos se utilizaram nas suas relações sociais para almejar
cargos, bens e propriedades na América Portuguesa. Nessa perspectiva, o historiador João
Fragoso, ao realizar uma abordagem sobre personagens do Rio de Janeiro colonial, através da
micro-história sob a ótica de Giovanni Levi e Carlo Poni, descreveu que a micro-história busca
analisar o que ele chama de “funcionamentos” das relações familiares nesse período histórico.
Permite também a formulação de perguntas e respostas sobre os personagens que o historiador
22
Exemplo desses relatos sobre a demandada de soldados tentando escapar do Brasil foi descrito por Peter Hansen
Hajstrup. Na época, a Companhia das Índias Ocidentais era formada por soldados de diversas regiões da Europa,
e no Rio Grande não era diferente. No período final da dominação, Hajstrup relatou que, em 3 de janeiro de 1654,
o tenente francês Pierre de Bois, da WIC, libertou todos os portugueses presos que estavam no Castelo Ceulen,
em seguida, os agentes da Companhia foram em direção dos navios, “o barco estava tão cheio de gente, que não
havia lugar para todos nem se ficassem em pé” (TEESMA, 2016, p. 102).

96
está imbuído de pesquisar. Desse modo, numa análise micro, se consegue ver os detalhes das
informações daquela sociedade, que de uma visão macro não se poderia analisar com mais
atenção, assim, para o autor, o historiador poderá analisar outros contextos em que esses personagens
viveram (FRAGOSO, 2006, p. 30-31).

Numa perspectiva semelhante a desse autor, a historiadora Mônica Ribeiro de Oliveira


investiga a história de famílias no período colonial e analisa as estratégias que utilizaram para
articular e amplificar suas redes clientelares e expandir seu poderio e posses. Assim, para
a autora, as relações externas entre os grupos, que são ligados por laços de parentesco
consanguíneo ou por alianças, foram o principal eixo de aproximação com essas experiências
coletivas (OLIVEIRA, 2006, p. 191-192). Desse modo, a pesquisadora nos trouxe elementos
que, observados como inspiração teórico-metodológica, podem nos levar a compreender o processo de
apropriação territorial nos sertões do Porto do Touro, entendendo como as famílias de cabedal
tiveram acesso a esses espaços no século XVIII.

Em relação à trajetória dos sujeitos, investigamos sobre o sesmeiro Domingos Carvalho


da Silva, que recebeu a data do Porto do Touro em 1711. Escolhemos esse personagem porque
ainda não foi analisada a sua trajetória em pesquisas acadêmicas, como no LEHS e no PPGH/
UFRN, como também em artigos do IHGRN. Possivelmente, esse sesmeiro foi um dos primeiros
colonos a apropriar-se desse litoral e, para tanto, utilizamos as ideias da historiadora Cristina
Mazzeo de Vivó. Segundo ela, as análises das histórias de famílias superaram a análise puramente
genealógica e passam por estudos do ponto de vista prosopográfico, ou seja, estudos de biografias
coletivas dos membros de uma categoria social específica, em geral, elites sociais e políticas.
Desse modo, a pesquisadora fez um estudo sobre o impacto de uma medida econômica da Coroa
espanhola sobre o comércio do Peru, em 1778, e no período pós-independência, analisando
através de fontes manuscritas como a classe mercantil sentiu os efeitos desses eventos em suas
relações sociais e econômicas. Segundo Vivó, foi necessário identificar os principais comerciantes
para analisar como tiveram acesso ao poder econômico, que vínculos estabeleceram com o
poder político, porque alguns se beneficiaram mais do que outros, que categorias de atividades
desenvolveram, quem foram seus representantes no interior do país (VIVÓ, 2009). A autora
elencou ainda conceitos que elucidam as práticas das relações sociais no âmbito da capitania
em estudo, dentre eles o de “estratégia”, “elite” e “rede”, os quais utilizamos para analisar as
trajetórias dos sesmeiros e de como eles se articularam para se apropriarem dos sertões do Porto
do Touro. As ideias dos autores supracitados nos nortearam no entendimento desse processo
colonizador contínuo de apropriação rumo à região norte da cidade do Natal, dinamismo esse
concomitante em outros espaços da Capitania do Rio Grande.

97
4.3 As sesmarias dos Sertões do Porto do Touro (1666-1719)

Entre os séculos XVII e XVIII, após o domínio dos neerlandeses (1630-1654) em parte
dos territórios do Estado do Brasil, recomeçaram as doações de terras e uma tímida colonização
surgiu nos espaços da Capitania do Rio Grande. Nos relatos após a conquista dos portugueses,
em 1654, a capitania estava abandonada e “deserta”. Nas dissertações do PPGH/UFRN, foram
realizadas algumas pesquisas sobre o período pós-dominação neerlandesa, que são importantes
para compreender esse processo de interiorização e colonização patrocinados pela Coroa lusa
na capitania em estudo.

No trabalho de Tyego F. da Silva, foi analisado o processo de interiorização na ribeira


do Assu entre 1680-1720. O autor descreveu que após a expulsão dos holandeses e com o
desenvolvimento das atividades ligadas à criação de gado no sertão, ocorreu uma expansão do
território português na América. Essa interiorização gerou conflitos envolvendo os agentes da
colonização e os grupos indígenas que habitavam aquele espaço (SILVA, 2015, p. 17).

Nesse mesmo viés, na sua dissertação, Francisca Matias da Silva considerou o rio Assu
como um dos elementos importantes na territorialização dessa ribeira e também motivador
das discórdias e lutas fundiárias ali ocorridas, pois, para a autora, os rios foram de grande
importância no processo da colonização das terras semiáridas do sertão norte-rio-grandense
(SILVA, 2015, p. 22). Concordando com a ideia de interiorização do território desses autores,
pode-se avaliar que esse processo foi contínuo em todas as direções da capitania, provocando
atritos entre os sesmeiros e os grupos indígenas pela posse da terra. Diferentemente da ribeira
do Assu, a região dos sertões do Porto do Touro foi palco dos primeiros contatos dos europeus
nessas paragens, no princípio do século XVI, e foi local de passagem das marchas militares
pela costa. Por ser um espaço litorâneo formado por pequenos rios perenes em solos dunares,
possivelmente foi um local com pouco atrativo para garantir, para os colonos portugueses, o
desenvolvimento de grandes lavouras canavieiras e criação extensiva de gado, tal como ocorreu
em outros espaços da capitania, como em Cunhaú e nas adjacências da Cidade do Natal e do
rio Potengi.

Segundo a historiadora Maria de Fátima Gouvêa, as concessões de sesmarias cresceram


nesse período, pois em meados do século XVII, o Brasil tornou-se a mais relevante das colônias
lusas. Para a autora, essa preponderância melhorou as demarcações das fronteiras, redefiniu os
mecanismos mais efetivos de governo na região em face desse contexto de progressiva transforma-
ção econômica (GOUVÊA, 2001, p. 299). Essas mudanças provocaram um aumento exponencial

98
nas concessões de sesmarias, em um maior fluxo migratório, devido ao crescimento dos lucros
adivinhos da descoberta de metais preciosos nas Minas Gerais, na retomada da produção açucareira
e de outros produtos nas Capitanias do Norte.

Desse modo, na última década do século XVII, ocorreu uma melhor regulação e organização
da colonização portuguesa sobre os solos da Capitania do Rio Grande, provocou-se assim uma
maior fiscalização das doações das sesmarias, como bem nos assegurou a historiadora Carmen
M. Oliveira Alveal (2015, p. 250):

as ordens régias de 1697 e 1699, a primeira deliberava sobre o tamanho da terra e


a última estabelecia a cobrança de foro sobre as sesmarias das Capitanias do Norte
do Estado do Brasil. Provocando muitos problemas entre sesmeiros e autoridades.
A nova lei estabeleceu a medida de 3 léguas de comprimento por 1 légua de largura
nas áreas de agricultura, afirmando que essa seria a medida que um sesmeiro seria
capaz de aproveitar.

Os dados pesquisados por Carmem Alveal demostram a tentativa de uniformização da


Coroa na regulação dos espaços coloniais por meio da criação de um aparato administrativo
para fiscalizar e demarcar as terras que eram devolutas. As Cartas de Sesmarias pesquisadas
mostram esse padrão na dimensão das terras de 3 léguas de comprimento por 1 légua de fundo,
provavelmente, essas mudanças aconteceram para inibir a concessão de novas datas de terra
de forma desigual e garantir uma uniformidade entre essas doações, tal como foram os casos
das terras doadas ao Governador João Fernandes Vieira e ao Administrador das aldeias dos
índios, Francisco de Almeida Vena, sendo estes os primeiros sesmeiros a receberem terras nas
adjacências do Porto do Touro após a dominação neerlandesa, obtendo cada um, imensuráveis
sesmarias na segunda metade do século XVII. O primeiro recebeu duas grandes sesmarias,
que juntas englobavam a totalidade dos sertões do Porto do Touro, entre as ribeiras do rio
Ceará-Mirim e o do rio Porto do Touro. Ambas as sesmarias não foram ocupadas pelo proprie-
tário, ficando esses solos devolutos e divididos para outros sesmeiros. Em vista disso, quando
ocorreram novas solicitações realizadas no século XVIII, foi descrito que estas terras eram de
João Fernandes Vieira e que estavam devolutas, pois o governador nunca as povoou. Um pouco
mais de uma década após as concessões feitas a Fernandes Vieira, nas adjacências do Porto do
Touro, foram solicitadas duas sesmarias por um grupo de sesmeiros encabeçados por Francisco
de Almeida Vena, José Coelho de Barros e José de Castro Cardoso.

O personagem Almeida Vena surgiu nos documentos coloniais quando foi indicado pelo
Capitão-mor dos índios, D. Diogo Pinheiro Camarão, para ocupar o seu lugar de Administrador das
aldeias dos índios no Rio Grande. A provisão ocorreu através de uma Carta Régia datada de 28

99
de julho de 1669, que o príncipe regente de Portugal, D. Pedro, encaminhou ao governador-geral
do Estado do Brasil, Alexandre de Sousa Freire, para investigar tal substituição do cargo e se
isso traria conflitos em relação aos “índios e os tapuias rebeldes” com os colonos da capitania.
Já empossado como administrador, Almeida Vena e o seu grupo solicitaram ainda um vasto
território, na costa de Touros, que seguia por 10 léguas de litoral, entre as mediações das atuais
praias dos municípios de Guamaré e São Bento do Norte, com 4 léguas de fundo para o sertão.
A grandiosidade do tamanho desse lote pedido por esses suplicantes foi devido às atividades
pesqueiras e à extração do sal, que eram abundantes nessa região. No entanto, ocorreu um conflito
entre os sesmeiros, os habitantes locais e os colonos de outras capitanias, pois os proprietários
proibiam o acesso desses indivíduos a essas praias. Porém, após um pedido do Senado da
Câmara de Natal ao Governador Geral Roque da Costa Barreto (1678-1682) para intervir no
conflito, resolveu-se pelo Alvará de 10 de dezembro de 1680 que as praias fossem realengas,
que as medidas das sesmarias fossem revistas e que as atividades extrativistas ficassem liberadas
para uso de outros colonos, assim, a Câmara de Natal, no termo de vereação de 1682, divulgou
o edital de liberação dessa região salineira (LEMOS, 1912; MORAIS, 2014).

Podemos estabelecer que com a retomada da colonização portuguesa na capitania, ocorreram


quatro fases na concessão de sesmarias no espaço em estudo. A primeira delas, como foi des-
crito anteriormente, foram as sesmarias doadas entre 1666 e 1678 no período após a dominação
neerlandesa; um segundo grupo, já no início do século XVIII, entre os anos de 1706 e 1719
no período de encerramento da Guerra dos Bárbaros; uma terceira fase entre os anos de 1739
e 1763; por fim, a fase final de concessões ocorreu entre os anos de 1781 e 1819. No total, os
sertões do Porto do Touro foram repartidos entre 24 sesmeiros ao longo de 153 anos. Na nossa
pesquisa, estabelecemos um enfoque nas sesmarias doadas na segunda fase de concessão entre
os anos de 1706 e 1719, período esse, onde ocorreram as padronizações das medidas das terras
doadas na América Portuguesa. As sesmarias doadas nos períodos posteriores serão analisas
em futuras pesquisas, ou caso outros historiadores se enveredem na continuidade desse projeto.

Ademais, em fins do século XVII, ocorreu um crescente fluxo migratório para o norte
da capitania, com sesmeiros vinculados nas atividades pesqueiras e salineiras, na criação de
gado e na agricultura. Porém, devido a esse mesmo processo de expansão territorial patrocinado pela
Coroa, eclodiu nas capitanias anexas de Pernambuco, sobretudo no Rio Grande, um conflito
sem precedentes no período colonial, a chamada “Guerra dos Bárbaros”. Pedro Carrilho de Andra-
de, que foi um dos militares que participaram da repressão aos indígenas que se conflagraram
contra o processo de expansão portuguesa nos sertões dessa capitania, nos descreveu que os
indígenas Janduí se levantaram nas ribeiras do Assu, Mossoró e Apodi, nos anos de 1687 para

100
1688, “matando a toda coisa viva e depois queimando e abrasando tudo, não deixando pau nem
pedra sobre pedra de que ainda hoje aparecem ruínas”. O autor complementou no mesmo texto
a situação de violência em que se encontrava a capitania, ao informar que “diversas nações de
alarves e fizeram grandes fúrias, e juntas em grande multidão vieram até os arrabaldes do Rio
Grande” (PUNTONI, 2002, p. 148-149).

Esse conflito, que perdurou até o início do século XVIII, provocou uma ruptura nas
concessões de terras pela Coroa, sobretudo no nosso espaço em estudo, pois ocorreu um hiato
de mais de 30 anos entre a duas primeiras fases de concessão de sesmarias nos sertões do Porto
do Touro. Esse intervalo nas concessões de terra pode ser entendido devido à insegurança
provocada pelo conflito nessas paragens, a exemplo dos indígenas Janduí, em guerra contra as
tropas luso-brasileiras nessas adjacências, chegaram a assaltar as propriedades de colonos na
ribeira do rio Ceará-Mirim, região distante apenas 5 léguas ao norte da cabeça da capitania,
demonstrando o poder de mobilização desses povos ante a dominação lusa.

No decorrer desses conflitos, as terras próximas ao mar do Rio Grande foram descritas
nesse período como sendo “os sertões de baixo”, já os sertões mais distantes e interiores da
cabeça da capitania foram nomeados como “os sertões de cima”. As denominações sertão de
baixo e sertão de cima foram descritas quando os moradores da Capitania do Rio Grande,
através dos seus representantes no Senado da Câmara, enviaram um registro de petição ao
rei, em 1695, recomendando que a dita capitania “era uma das melhores do Brasil”. No texto,
informaram todas as qualidades desse espaço colonial descrevendo as potencialidades advin-
das das atividades extrativistas, agrícolas e de criação, demostrando também as tentativas de
apropriação dos corpos dos indígenas “bárbaros”, que foram aldeados e pacificados para outros
espaços, impedindo que descessem dos sertões de cima para o litoral. O documento pode ser
entendido como uma tentativa dos moradores de angariar recursos para garantir o projeto
colonizador português, assim, com essa divulgação junto ao rei, os colonos demonstravam que
a capitania estava em vias de uma pacificação e poderia com isso expandir a apropriação dos
espaços sertanejos.

Com a retomada no processo de expansão territorial, ainda no decorrer da Guerra dos


Bárbaros, ocorreu a anexação da capitania do Rio Grande pela de Pernambuco em 11 de janeiro
de 1701. Segundo Carmen Alveal, as questões geográfica e financeira eram uma das principais
razões que levaram a anexações das Capitanias do Norte por Pernambuco, além de atrair as
famílias importantes de Olinda, a chamada “açucarocracia de Pernambuco”, para expandir seus
domínios sobre os solos do Rio Grande, além da ocupação de cargos camarários, militares e na

101
posse de sesmarias (ALVEAL, 2016, p. 135-140). Entrementes, as autoridades coloniais
continuaram a legislar sobre uma melhor utilização e repartição dos solos das capitanias, visando à
manutenção da oferta de alimentos, priorizando assim as atividades agrícolas com uma maior
rentabilidade, no caso, as produções açucareiras. Desse modo, segundo Fátima Martins Lopes,
foi estabelecido pelo Alvará de 27 de fevereiro de 1701, pelo rei de Portugal, Dom Pedro II
(1648-1706), que a criação de gado só pudesse ser praticada a partir de 10 léguas do litoral,
atendendo às reivindicações dos proprietários de engenhos. Segundo a autora, essa proibição
ocorreu também nas margens dos rios, de modo a garantir não somente a produção açucareira,
mas também de alimentos, obrigando os proprietários que morassem próximo ao mar a ter
pastos fechados (LOPES, 2003, p. 259; p. 313). Ademais, essa proibição inibiu as solicitações
de grandes criadores de gado que almejassem as terras adjacentes do Porto do Touro, haja vista,
por ser um espaço litorâneo, a quase totalidade dessa região estava livre das fazendas de gado
devido ao dito alvará. Entrementes, dos cinco solicitantes dessa segunda fase de concessões das
sesmarias nesse espaço, quatro deles justificaram a suas solicitações de terras por possuírem
gados muares, vacuns e cavalares e não tinham pastos suficientes para poder criá-los, provavelmente
de forma intensiva em currais. Assim, essa região teve uma tendência a estabelecer em seus
solos, atividades pesqueiras, salineiras e de agricultura nos vales dos seus principais rios.

Em vista disso, esses solos dos sertões do Porto do Touro, definidos pelos colonos como
os sertões de baixo, foram conquistados no decorrer desse processo de pacificação dos grupos
indígenas e no estabelecimento de novas missões jesuíticas no espaço da Capitania do Rio
Grande. Desse modo, foi retomada pelos agentes da coroa a política de concessões de sesmarias
no início do setecentos. Em nossas análises, nos debruçamos nas primeiras cartas de sesmarias
solicitadas por colonos aos capitães-mores, nas adjacências das bacias hidrográficas dos atuais
rios Punaú, Maceió e Maxaranguape no litoral ao norte da cidade do Natal, como vemos no
quadro e no mapa a seguir.

102
Quadro 2 – Sesmeiros que solicitaram terras nos sertões do Porto do Touro no segundo
ciclo de concessões nesse espaço (1706-1719)

Data da Localidade atual no Rio


Solicitante(s) Localidade Justificativas para solicitação
concessão Grande do Norte
Capitão Antônio
Lopes de Lisboa Os suplicantes pedem duas léguas
Passagem de Praia na divisa dos municípios
09/05/1706 e Capitão por uma de terra que pertenciam
Rio do Fogo de Rio do Fogo e Touros.
Domingos da a Joao Fernandes Vieira.
Silveira

Alegou que já ocupava a terra


Domingos Carva- Rio do Porto Sede e praias adjacentes do
25/05/1711 requerida desde 1696 e tinha
lho da Silva do Touro município de Touros.
criação de gado vacum e cavalar.

Alegou serem as terras devolutas


Praias de Pititinga,
Alferes Francisco por não terem sido aproveitadas
22/05/1713 Sítio Pititinga Maracajaú e Barra de
da Costa Barbosa pelo antigo sesmeiro e tinha
Maxaranguape.
criação de gado vacum e cavalar.

Distrito de Boa-Cica e
Pretendia reaver prejuízos so-
Coronel Antônio Lagoa de regiões dos afluentes
04/05/1717 fridos devido a guerras e tinha
Dias Pereira Assu-Mirim da Lagoa do Boqueirão,
criação de gado vacum e cavalar.
município de Touros.

Riacho d’água, afluente


norte do rio Maxaranguape,
Afluente do
Estevão Alves Pretendia lavrar, plantar e tinha nas adjacências do Distrito
02/01/1719 rio Maxaran-
Bezerra criação de gado vacum e cavalar. de Dom Marcolino Dantas,
guape
município de
Maxaranguape.

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados da Plataforma SILB.

Mapa 5 – Sesmarias do Porto do Touro (1706 – 1719)

103
Fonte: Mapa elaborado com auxílio do Google Earth, a partir dos dados da Plataforma SILB e do mapeamento
dos parrachos conforme: AMARAL, R. F. Mapeamento dos recifes de corais do Baixo de Maracajaú. Pesquisas
em Geociências (UFRGS), 2003. Trabalho técnico com o programa Qgis 3.4 realizado por Janaína Medeiros da
Silva. A sesmaria Rio do Fogo foi doada a Antônio Lopes de Lisboa e a Domingos da Silveira; O Porto do Touros
foi adquirido por Domingos Carvalho da Silva; Pititinga foi concedido ao alferes Francisco da Costa
Barbosa; Assu-Mirim foi doado ao Coronel Antônio Dias Pereira; Maxaranguape foi concedido a Estevão Alves
Bezerra.

Como observamos no Mapa 5, as sesmarias concedidas nesse segundo ciclo de concessões


concentraram-se, em sua maioria, nas bordas da capitania. Um dos motivos que pode ter levado
ao não adensamento das terras mais interiores pode ter sido o desencadeamento dos conflitos
da Guerra dos Bárbaros. Possivelmente, os sesmeiros e sua gente optaram por solicitar as terras
do litoral por serem espaços contíguos à cabeça da capitania, sendo, portanto, um local mais
seguro diante dos levantes indígenas. Além disso, a região costeira poderia ser utilizada como
rota de fuga, marítima ou terrestre dos sesmeiros, no decorrer de prováveis embates ou saques
proporcionados pelos indígenas nesse litoral. Nota-se, no mesmo mapa, um avanço, nesses
primeiros anos do século XVIII, da apropriação dos solos mais interiores nas margens dos
rios do Touro e Maxaranguape. No entanto, esse mesmo processo de povoamento não ocorreu
nas margens e afluentes do rio Punaú, o que só ocorreu a partir da década de 1740, justamente
no mesmo espaço descrito no início do século XVII como a sendo a “terra sem préstimos”,
corroborando, assim, as nossas discussões sobre essa a região dunar próximo a esses rios ser
irrelevante para os colonos interessados nesse processo de expansão territorial.

Além de serem terras próximas à Cidade do Natal, os indivíduos que as solicitaram


também tinham responsabilidades para ter posse sobre elas. Segundo Carmen Alveal e Patrícia
Dias, esses solos doados tinham diversas exigências que incluíam “o povoamento do espaço
cedido, a utilização para a lavoura e a manutenção das criações, contudo, uma parte dos benefícios
conseguidos dessas terras, deveria ser doado à Coroa, bem como, com o passar dos anos, tributos
pela terra foram cobrados e deveriam ser pagos ao rei” (DIAS; ALVEAL, 2013, p. 290). Em
vista disso, os seis indivíduos que se apropriaram dos sertões do Porto do Touro tinham
origens diversas e ocupavam funções heterogêneas no âmbito dos cargos da administração da
capitania, tendo como órgão principal o Senado da Câmara do Natal. Como nos descreve
Maria de Fátima Gouvêa, essas câmaras tinham muitos pontos em comum com seus congêneres
metropolitanos. Porém, a diversidade sociocultural que os portugueses encontraram em suas
colônias levou “a adaptações no aparato institucional e legal transladado do reino para as zonas
periféricas” (GOUVÊA, 2000, p. 192). A autora afirma ainda que a configuração do poder nas

104
capitanias estava distribuída entre o capitão-mor, figura responsável pela governança e defesa,
e a Câmara, formadas por dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador, além dos
almotacés que eram eleitos pelos oficiais como cargos temporários, variando de acordo com
as necessidades do Senado, onde cada Câmara tinha também um escrivão encarregado
do assentamento da documentação administrativa, sendo este um oficial remunerado e a sua
nomeação podia ser vitalícia ou hereditária (GOUVÊA, 2000, p.194).

Como se observam no Mapa 5 e no Quadro 2, a costa foi retalhada em três grandes


sesmarias costeiras, começando pela passagem de Rio do Fogo, pelos capitães e agentes camarários,
Antônio Lopes de Lisboa e Domingos da Silveira, que solicitaram esse espaço em 1706; seguido
pelo vereador Domingos de Carvalho da Silva, que solicitou os solos costeiros entre o Porto
do Touro e Rio do Fogo em 1711; finalizando pelo Alferes Francisco da Costa Barbosa, que
pleiteou uma parte do litoral entre a Enseada de Pititinga e a foz do rio Maxaranguape em 1713.
Duas outras sesmarias foram requeridas nos arrabaldes dos riachos um pouco mais distantes
da costa, sendo locais mais propícios para a criação de gado. Os solicitantes desses espaços
foram Coronel Antônio Dias Pereira, que requereu as margens do rio “Assu-mirim” em 1717, e
de Estevão Alves Bezerra, que adquiriu a região do riacho afluente do Maxaranguape em 1719.

Dentre os colonos que não foi possível perfilhar sua trajetória de vida, citamos Estevão
Alves Bezerra. Até o momento, não identificamos o cargo ou a atividade que exercia na capitania,
sabe-se apenas que era morador da Aldeia Velha, termo da Cidade do Natal, e solicitou apenas
uma sesmaria no rio Maxaranguape para criação de gados vacuns e cavalares. Para tanto,
requereu terras para apropriar-se das margens do Riacho d’água em 1719, sendo três léguas de
frente e uma légua de fundo [ver Mapa 5]. Esse afluente fica ao norte do rio Maxaranguape,
divisa dos atuais municípios de Maxaranguape e Rio do Fogo. No documento ainda cita que
essas terras eram pertencentes ao Governador Joao Fernandes Vieira e que estavam devolutas,
sendo autorizadas pela Coroa a sua ocupação. No entanto, mesmo não sendo possível organizar
mais informações sobre Estevão Alves Bezerra, no documento sesmarial, descreve-se que na
confrontação ao sul da dita sesmaria, estavam as terras de Francisco Pinheiro Teixeira, sendo
este último personagem não encontrado nos dados da Plataforma SILB. Desse modo, supomos
que ele solicitou as terras do vale do rio Maxaranguape em direção à costa, confrontando a leste
com as terras do Alferes Francisco da Costa Barbosa, na sesmaria Pititinga, e ao norte, com a
sesmaria de Estevão Alves Bezerra no Riacho d’água. Essas lacunas deixadas precisam de mais
informações fidedignas, podendo ser solucionadas a partir de uma análise sobre a trajetória de
Francisco Pinheiro Teixeira e seus descendentes, que se apropriaram do Maxaranguape e seus
afluentes em meados do século XVIII.

105
Entrementes, outro solicitante, o Alferes Francisco da Costa Barbosa, morador da
Capitania do Rio Grande, requereu ao Capitão-mor Salvador Álvares da Silva, em 22 de maio
de 1713, uma grande porção da costa entre a foz do rio Punaú e Maxaranguape, intitulado de
Pititinga, medindo, segundo o documento, três léguas de litoral com uma légua de fundo para o
sertão, justificando que necessitava de terras para criação de gados vacuns e cavalares. Porém,
as distâncias reais das localidades estão acima das normas estabelecidas pelas ordens régias de
1697 e 1699, que padronizaram as concessões em três léguas de frente e uma de fundo. Se formos
realizar o cálculo da distância, de acordo com o texto dito pelo sesmeiro, então temos quatro
léguas de terras litorâneas, e não três, como foi estabelecido pela Coroa e que constam no
documento. Percebe-se que o sesmeiro tinha interesses ligados à pescaria nessa costa, mesmo
não descrevendo essas atividades na solicitação. Quando analisamos essas sesmarias costeiras,
nos parece que esses indivíduos buscavam averiguar nesses sertões a presença de prováveis salinas
ou áreas propícias para a pesca de arrastão. Por isso, solicitavam vastas porções costeiras para
pesquisar e investir nessas atividades, buscando regiões litorâneas que tivessem a desembocadura
de rios, lagoas costeiras e restingas.

Lembremos que esse espaço foi doado no século anterior a Nicolau Vazalim com a
sesmaria Pequitinga [Mapa 3, página 82], sendo que esta não foi ocupada na época nem pelos
outros sesmeiros no século XVII. Retornando nas análises cartográficas, percebemos que Pi-
titinga foi um dos portos e topônimo de maior descrição nesse sertão, demonstrando ser um
local de passagem dos marítimos, região pesqueira dos indígenas, e portanto, nesse período de
apaziguamento da Guerra dos Bárbaros, tornou-se uma costa ambicionada pelos moradores da
capitania. Não se conseguiu no cruzamento de diversas fontes militares, paroquiais e camarárias
analisadas no período encontrar outras informações sobre Francisco da Costa Barbosa que
pudessem contribuir para montar a sua trajetória. Sabe-se somente que em 28 de novembro de
1747 ascendeu na hierarquia militar com a patente de capitão, e que pediu um requerimento,
solicitando a confirmação da sua carta de sesmaria, que foi enviado ao rei de Portugal, D. João
V, descrevendo essas terras como os “sítios de pescarias Petitinga ou Maracajaú”. Provavelmente,
o sesmeiro fez o requerimento, pois outros colonos adentraram nesses espaços e também
almejaram essas praias comprando de outros sesmeiros ou confirmando que eram devolutas
às autoridades da capitania. Com a confirmação dessa sesmaria, foi a garantia do reconheci-
mento da Coroa e de que o Capitão Francisco da Costa Barbosa e de seus descendentes eram
os proprietários legítimos de parte desses sertões. Desse modo, percebe-se que esses locais
eram utilizados desde os primórdios da colonização em atividades pesqueiras, mesmo sendo
essa “terra sem préstimos”, suas praias e rios piscosos serviam para dilatar os rendimentos dos
proprietários nessas indústrias.

106
No decorrer desse processo de interiorização nos sertões em estudo, um dos sesmeiros
que buscou terras próximas da linha de demarcação estabelecida pelo Alvará de 27 de fevereiro
de 1701 [ver Mapa 5], que proibia a criação de grandes rebanhos até 10 léguas da costa,
foi realizado pelo Coronel Antônio Dias Pereira ao solicitar a região das nascentes da Lagoa
de “Emboasica” [atual Lagoa do Boqueirão], que faz parte dos mananciais do rio do Porto do
Touro. Em vista disso, quais os motivos que levaram o proprietário a solicitar terras na fronteira que
proibia a criação de gado extensivo? Pois, faltavam apenas cinco léguas para o limite imposto
pelo alvará, assim, conjecturamos que o personagem fez esse pedido primeiro para expandir
suas fronteiras de criação de gado nesse espaço limítrofe e talvez distante de possíveis fiscalizações
de agentes da coroa portuguesa e, além disso, as terras da fronteira do alvará, segundo as nossas
análises em mapas hidrográficos atuais, não são propensas para a criação, em vista de serem
escassas de água e córregos. Esse pode ser, provavelmente, um dos motivos que levaram o
Coronel Antônio Dias a recuar as suas terras para uma região mais rica em pastos nas nascentes
do rio do Porto do Touro.

A solicitação foi feita ao Capitão-mor Domingos Amado, em 4 de maio de 1717, tendo


como principal justificativa a criação de gado vacum e cavalar nessas paragens. O Coronel foi
mais um exemplo de autoridade colonial que se utilizou de suas influências no âmbito do poder
na cabeça da capitania para expandir os seus domínios e suas redes clientelares sobre os sertões
do Rio Grande. Além dessa sesmaria, solicitou ainda mais três propriedades, sendo uma delas,
no Ceará e outras duas nos rios Apodi-Mossoró, no decorrer de sete anos, entre 1710 e 1717,
período esse que ocupou cargos camarários no Senado da Câmara em Natal, ampliando dessa
maneira o seu patrimônio com as terras que estavam devolutas. O Coronel Antônio Dias era
casado com Maria Gomes, com a qual teve seis filhos, sendo os últimos batizados na capela
de Santo Antônio do Potengi. O personagem colonial era uma das pessoas de renome no Rio
Grande, com cabedal e influência, pois tinha em torno de sete escravos e uma rede de relações
sociais importantes nos espaços da capitania (COSTA, 2015, p. 80-84; DIAS, 2015, p. 177).

Ademais, no que tange à movimentação dos colonizadores pelos sertões do Porto do


Touro, podemos salientar que as marchas sobre esse espaço foram continuadas ao longo do curso
dos rios para o sertão de cima, como foi descrito no documento sesmarial de Dias Pereira, onde
se destacam os caminhos feitos pelo rio do Porto do Touro e a busca por novas paragens para
criação de gado,

[...] nas cabeceiras da lagoa chamada Emboasica onde nasce o rio chamado o Porto
do Touro, de um carrasco para dentro está um serrote cujo nome não lhe sabe suplicante
de cuja parte ou paragem nasce um olho d’água que corre para uma lagoa grande

107
a que os gentios chamam de Assu-mirim a qual quando enche deságua para outra
acima declarada Emboasica na qual parte a terras capazes de criar gados [...].

A descrição do espaço feita pelo sesmeiro para a autoridade da capitania demonstra a


capacidade de articulação que esses indivíduos tinham de se relacionar com grupos indígenas,
e assim conhecerem os melhores solos para pasto, plantio ou locais propícios para pescarias.
Com o relato e indicações dos gentios, esses colonos expandiam seus conhecimentos sobre
esses rincões que antes só eram conhecidos pelos povos ameríndios.

Em relatos mais contemporâneos, a lagoa de Assu-Mirim, que deságua na lagoa de


Emboasica, segundo as informações adquiridas em entrevistas que realizamos com moradores
mais antigos de Touros, pode ser o atual Boa Cica, topônimo também atual de um dos distritos
desse município, pois nos períodos de invernos mais rigorosos essas regiões mais próximas das
nascentes formavam grandes lagoas temporárias que desemborcavam na Lagoa de Emboasica
[Boqueirão]23. Porém, na atualidade, devido às atividades agrárias e às transformações
antrópicas no espaço, essas lagoas estão mais escassas, formando apenas um pequeno córrego
que deságua na atual Lagoa do Boqueirão, antiga “Emboasica”, nomeada assim pelos indígenas
e colonizadores portugueses. Os entrevistados nos revelaram ainda que as margens da lagoa
de Emboasica e seus riachos eram utilizados como caminhos pelos antigos moradores desde
o século XIX, do Porto de Touros até a cidade de João Câmara. Como nos descreveu Câmara
Cascudo, o termo “mboaciga” é de origem indígena e pode corresponder “a atalho, o corte, o
caminho mais curto” (CASCUDO, 2010, p. 71).

Desse modo, o topônimo revela que desde os tempos dos domínios dos indígenas nesses
sertões, antes da chegada dos europeus, essa era uma das rotas que ligavam o sertão de cima
com o sertão de baixo, como foi observado no Mapa 4 e, na sesmaria do Coronel Antônio Dias
Pereira, presente no Mapa 5, a região da bacia hidrográfica do Boqueirão/Boa Cica/Touros,
além de ser um espaço apropriado e cobiçado por sesmeiros desde o século XVIII, foi também
um dos espaços de construção contínua de caminhos mais curtos que ligavam o interior da
capitania ao principal centro marítimo do litoral norte, o Porto do Touro.

Outros sesmeiros que iniciaram a ocupação da costa do Porto do Touro, na segunda fase
de concessões nesse espaço, entre 1706 e 1719, foram os Capitães Antônio Lopes de Lisboa e
Domingos da Silveira. Ambos solicitaram ao Capitão-mor do Rio Grande, Sebastião Nunes
23
Realizamos a entrevista com o professor da rede pública e líder da comunidade de Boqueirão em Touros, Milton
César Apolinário, que nos fez esse relato oral com a contribuição de seu tio-avô, João Apolinário, de 107 anos, que
nos descreveu que essa região sempre foi um espaço de alagadiços e propícia para a criação de gado e de vastas
lavouras (APOLINÁRIO, Milton César. Entrevista sobre a lagoa do Boqueirão e Boa Cica com Milton César e
João Apolinário. [maio 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Touros, 2019).

108
Colares, as terras na passagem de Rio do Fogo em 1706, sendo essa uma sesmaria ainda não es-
tabelecida pelos padrões das ordens régias de 1697 e 1699, que uniformizaram essas concessões. No
entanto, o lote tinha uma légua de costa, começando na desembocadura do atual Rio do Fogo
em direção ao sul e duas léguas de comprimento para o sertão. Ao denominarem esse local de
“passagem” no documento, pode indicar que nessa costa era comum ocorrerem as marchas e
caminhos entre a Cidade do Natal e o Porto do Touro, com seus sertões adjacentes, corroboran-
do assim com as nossas pesquisas (de acordo com o Mapa 4), que descrevem que essa costa era
uma das rotas utilizadas pelos colonos para alcançarem as regiões mais ao norte da capitania
e do Ceará por terra e pelo mar. Entretanto, os solicitantes não informaram as justificativas
pelas quais pediram esses solos, apenas descreveram que adquiriram à terra através da compra,
e que esta, anteriormente, pertencia ao governador João Fernandes Vieira. Possivelmente esses
sesmeiros de Rio do Fogo tinham interesses na pesca, sobretudo nas imediações da Lagoa do
Fogo e do rio que deu origem a esse topônimo [ver Mapa 5], já que esse espaço é composto por
solos dunares e de falésias, pouco propícios para a pequena criação e agricultura, no entanto,
suas lagoas e riachos que seguem para o mar, historicamente, foram utilizados na cultura da
pesca de arrastão ou na piscicultura. Ademais, a capitania foi relatada como uma região piscosa,
como foi descrita no relato de Domingos da Veiga, em referência ao rio Potengi e regiões adjacentes.
Descreveu que era a mais fértil de peixes do Brasil, onde se faziam grandes pescarias e pela
sua costa, nos períodos de verão, a produção de peixes salgados seguia para os mercados da
Paraíba e Pernambuco (STUDART, 1920 apud VEIGA, 1627, p. 261). Nos tempos da dominação
neerlandesa, o cronista Joan Nieuhof descreveu que os peixes eram largamente consumidos
pela população, que “nem mesmo os doentes atacados de febre dispensam” o consumo.
Segundo ainda o autor, os rios e lagoas são ricos em todas as variedades de pescados, lagostas,
tartarugas, camarões, etc. No período chuvoso, os peixes marítimos ficam retidos nos rios e não
mais voltam para o mar (NIEUHOF, 1682, p. 44).

A articulação desses personagens em dominar a costa do Rio do Fogo e atrair dividendos


através de possíveis atividades econômicas podem ser entendida nas redes clientelares estabelecidas
por esses sujeitos atuando no Senado da Câmara do Natal desde fins do século XVII. Como
nos descreveu a historiadora Maria de Fátima Gouvêa, a Coroa portuguesa passou a conceder
privilégios comerciais a indivíduos e grupos associados ao processo de expansão em curso.
Para ela, tais condições acabaram por se constituir no desdobramento de uma “cadeia de poder
e de redes de hierarquia que se estendiam desde o reino, dinamizando ainda mais a progressiva
ampliação dos interesses metropolitanos, enquanto que estabelecia vínculos estratégicos com
os vassalos de ultramar” (GOUVÊA, 2001, p. 288).

109
Em vista dessas articulações, Antônio Lopes de Lisboa pode ter se utilizado da sua
influência e experiência nos períodos que ocupou os espaços camarários para adquirir mais
terras, quando ocupou o cargo de escrivão por dez anos, de procurador no ano de 1675,
assumiu como almotacé em 1676 e foi vereador entre 1693 e 1696. Já Domingos da Silveira foi
também contemporâneo de Lopes de Lisboa na assunção de cargos camarários na Câmara do
Natal, quando ocupou a função de procurador em 1711, almotacé em 1713, vereador em 1717
e de juiz ordinário em 1727. Quando ocorreu a solicitação da sesmaria na passagem de Rio do
Fogo, ambos os capitães estavam sem ocupar o cargo camarário naquele intervalo de tempo.
Conjecturamos que eles usaram de suas articulações com as autoridades da Coroa na capitania
para conseguir um lote nas adjacências do Porto do Touro para expandir seus negócios em
atividades pesqueiras e salineiras nesse espaço. As vinculações sociais que ligavam ambos es-
tavam mais estreitas desde 2 de novembro de 1704, quando Antônio Lopes de Lisboa tornou-se
padrinho da filha de Domingos da Silveira, a criança Catarina do Amorim Freire.

Dentre os compadres, o que tinha o maior cabedal era Lopes de Lisboa por ser um dos
poucos moradores da capitania que possuía um barco com tamanho considerável e que fazia
o transporte do sal das praias das salinas para o porto de Natal. Sendo este um dos indícios
que levaram esse sesmeiro a ter conhecimento costeiro das adjacências do Porto do Touro e ter
interesses sobre eles, com a sua experiência em navegação pelos baixios de São Roque,
possivelmente teve o aprendizado dos melhores pontos para pescarias nessas paragens, o que
levou a associar-se com o compadre, Domingos da Silveira, para se apropriarem da região. Essa
prática de associar-se com parentes e amigos com laços de compadrio era uma prática bas-
tante comum nessa ascensão social nas práticas da sociedade do Antigo Regime nos trópicos.
Por exemplo, os três últimos personagens relatados tinham vinculações de parentescos entre
si e puderam expandir seus patrimônios sobre os sertões da Capitania do Rio Grande. Esses
colonos citados não foram exemplos únicos nesses espaços, o retalhamento territorial desses
sertões do Porto do Touro foi expandido com o exemplo do sesmeiro a seguir.

4.4 Os donos do Poder: a trajetória do Vereador Domingos Carvalho da Silva

Um dos primeiros solicitantes de terras no litoral norte da Capitania do Rio Grande foi
o sesmeiro Domingos Carvalho da Silva, que requereu terras ao capitão-mor André Nogueira
da Costa, sendo estas com dimensões de 3 léguas de comprimento de costa, iniciando do rio
do Porto do Touro para o sul, passando por Carnaúbas e Rio do Fogo, tendo essa sesmaria 1,5
légua de fundo para o sertão [ver Mapa 5]. Domingos Carvalho fez a solicitação pois, possuía

110
criação de gado vacum e cavalar e almejava expandir seus domínios, ter acesso a outras lagoas
e rios para manter o seu pequeno rebanho permitido pelo Alvará de 1701. Segundo o documento
sesmarial, o solicitante morava no Porto do Touro há pelo menos 15 anos e comprou essas terras
a Domingos da Silva [ou Silveira] Valcasar, tendo este último solicitado o Porto do Touro por
volta de 1691, todavia, o sesmeiro nunca as povoou. Ademais, Domingos Carvalho da Silva
comprou à terra, provavelmente em 1696, mas como não tinha o seu título legal, possivelmente
as autoridades coloniais concederam essa região costeira ao padre Antônio Rodrigues Fontes
e a Maurício Bocarro Ribeiro, porém ambos também não as povoaram e o desembargador
Cristóvão Soares Reimão as considerou como devolutas, confirmando as terras para Domingos
Carvalho em 25 de maio de 1711.

Domingos Carvalho da Silva não pode ser analisado isoladamente como mais um colono
a fazer uma solicitação de uma sesmaria junto ao capitão-mor do Rio Grande. Com o cruzamento
das fontes coloniais, percebeu-se que ele fazia parte de uma rede complexa de relações que se
construíram nesse processo colonizador sobre a capitania em estudo. Não se tem, até o
momento, registros de suas origens, sendo este um dos poucos sesmeiros da capitania que não
tinha patente militar. Destarte, era um dos membros do Senado da Câmara do Natal no início
do século XVIII e seu nome consta entre os vereadores que deram posse ao Capitão-mor
Antônio Carvalho de Almeida, em 14 de agosto de 1701. O vereador fazia parte de um grupo
de indivíduos que estavam no centro do poder da capitania e se articulavam com os seus pares
a concessão de novas cartas de sesmarias nesse espaço colonial.

Segundo Thiago Alves Dias, em Natal, os “homens bons” da cidade se reuniam no dia
21 de novembro, data da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Apresentação, para escolher
cinco ou seis eleitores que elegiam os vereadores da Câmara em três listas, o juiz ordinário que
ocupava o cargo por três anos, além dos procuradores e juiz de órfãos (DIAS, 2009, p. 121).
Segundo Vicente Lemos, essas câmaras coloniais eram também, totalmente ou em parte,
responsáveis pela manutenção, alimentação e vestuário das suas guarnições e pela construção
e manutenção das suas fortificações, tal como pelo equipamento de frotas costeiras. Além disso,
regulavam a polícia nas feiras, nos mercados e no trânsito e supervisionavam a distribuição e
arrendamento das terras de seu termo (LEMOS; MEDEIROS,1980, p. 17).

As redes familiares, econômicas e políticas ligadas a Domingos Carvalho da Silva, no


âmbito do Senado da Câmara, foram utilizadas para garantir a posse de terras, rendimentos
ou favores nesse espaço colonial. Os cargos camarários foram objeto de disputas entre esses
grupos economicamente influentes da Capitania do Rio Grande, tal como observamos nos

111
exemplos analisados na seção anterior. Nessa conjuntura, Domingos Carvalho poderia ser eleito
aos cargos camarários pelas pessoas ligadas a ele, devido aos laços de poder e aos interesses
que os uniam. Os indivíduos que participavam da Câmara ditavam as regras da capitania e,
logicamente, estavam imbuídos de apropriarem-se dos espaços que anteriormente eram dos
grupos indígenas originais que, nesse processo de expansão colonial portuguesa, uma parte foi
migrada, dizimada nos conflitos com os colonizadores ou aldeada em missões.

Tanto Domingos Carvalho como Antônio Lopes de Lisboa podem ter se beneficiado dos
negócios da pesca no litoral norte quando solicitaram as sesmarias do Porto do Touro e Rio do
Fogo [ver Mapa 5], respectivamente, após o Senado da Câmara estabelecer sobre o abastecimento de
pescados na sede da Capitania, em 1º de junho de 1693. Os oficiais, incluindo o próprio Antônio
Lopes de Lisboa, do Senado da Câmara liberaram em edital a pesca na costa, do Porto do Touro
até o Ceará, pagando-se 2$000 por rede e 10 tostões por tresmalho como constava o alvará do
Governador-geral. Estaria Domingos Carvalho da Silva, nessa época, na articulação com os
oficiais da Câmara para se beneficiar do novo negócio da pesca? Já que ainda não tinha cargo
camarário, podemos conjecturar que o personagem pode ter se utilizado das uniões com os
grupos sociais importantes na época, através dos laços de compadrio, e com isso ter almejado
o privilégio comercial na costa do Rio Grande.

Como se observa no geneagrama a seguir, Domingos Carvalho era casado com Catarina
de Barros, e tiveram desse matrimônio seis filhos. Os locais de batismos dessas crianças
demonstram a mobilidade da família, a partir da cidade do Natal para o litoral norte, entre o
final do século XVII e o princípio do século XVIII. Seus dois primeiros filhos, Inês e Júlio da
Costa Barros, foram batizados na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e os outros
quatro foram batizados na igreja de São Miguel do Guajiru. Possivelmente, a família se estabeleceu
no Porto do Touro ou nas mediações, pois participava somente das cerimônias religiosas na
igreja de São Miguel do Guajiru, a partir de 1700, sendo este o único templo religioso da
Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, nas proximidades dos sertões do Porto do Touro,
no início do século XVIII.

Por volta de 1700, a família conseguiu se expandir em redes de compadrio nos espaços
da capitania, haja vista o patriarca da família ser vereador no Senado da Câmara do Natal nesse
ano, portanto, era membro da elite que ocupava os cargos camarários no Rio Grande. Como se
observa no Quadro 3, logo mais a seguir, verifica-se que os primeiros filhos do casal Domingos
Carvalho e Catarina de Barros tinham como padrinhos indivíduos com influência nos espaços

112
da capitania no final do século XVII, a família do capitão-mor Bernardo Vieira de Melo24. Os
Vieira de Melo eram uma das famílias mais importantes da chamada açucarocracia de Pernambuco e
disseminaram seus raios de influência no Rio Grande quando Bernardo Vieira de Melo ocupou
o cargo de capitão-mor dessa capitania entre julho de 1695 e agosto de 1701.

Figura 15 – Geneagrama da família de Domingos Carvalho da Silva e Catarina de Barros

Fonte: Elaboração do autor Pedro Pinheiro de Araújo Júnior no software Genopro, com base no Livro de Batizados da
Freguesia de N. S. da Apresentação (1681-1714).

Os Livros de Batismo da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação demonstram


que Domingos Carvalho e Catarina Barros se utilizaram do estratagema do batismo para se
amarrarem em laços de compadrio com os Vieira de Melo, tendo dois de seus filhos batizados
por membros dessa família pernambucana. Sua filha mais velha, Inês, foi batizada na Matriz
de Nossa Senhora da Apresentação em 1696, tendo como padrinhos, Bernardo Vieira de Melo
e sua esposa, Catarina Leitão. Em 26 de abril de 1697, seu segundo filho, Júlio da Costa Barros,
teve como padrinhos Catarina Leitão e André Vieira de Melo, filho mais velho de Catarina com
Bernardo Vieira.
24
A família dos Vieira de Melo tem origem na Capitania de Pernambuco a partir de Antônio Vieira de Melo. Este
era cavaleiro fidalgo e natural de Cantanhede, Portugal, e em 1630 era um dos vereadores da Vila de Olinda. Seu
neto, Bernardo Vieira de Melo, foi casado duas vezes. A primeira vez com Maria de Barros, com a qual não deixou
herdeiros. No segundo matrimônio, casou-se com Catarina Leitão, com quem teve nove filhos, sendo o mais velho
André Vieira de Melo (FONSECA, 1935 [1748], p. 66-68).

113
Possivelmente, esses vínculos estabelecidos entre às duas famílias fizeram com que,
de alguma forma, Domingos Carvalho da Silva conseguisse expandir seu cabedal, adquirindo
sua única sesmaria por compra, o Porto do Touro, em 1696. No mesmo ano, morava com a sua
família numa casa ao sul do lote do então Alferes Antônio Dias Pereira na cidade do Natal, e
assumiu um cargo camarário ainda no período da segunda governança de Bernardo Vieira sob
o Rio Grande. Conjecturamos, assim, que o dito personagem só ocupou cargo no Senado da
Câmara nos períodos em que seus compadres foram influentes nesses espaços de poder na capitania.
Como se observa no Quadro 2 a seguir, a maioria dos padrinhos dos filhos de Domingos
Carvalho ocuparam cargos camarários ou foram nomeados para o cargo de capitão-mor, entre
anos de 1695 e 1712, ou eram parentes em primeiro grau de um dos membros do Senado da
Câmara nesse período.

Quadro 3 – Redes clientelares do casal Domingos Carvalho da Silva e Catarina de Barros


nos espaços da capitania do Rio Grande

Data Local do batizado Filhos do casal Padrinhos

Capitão-mor Bernardo
Matriz de Nossa Senhora
31/01/1696 Inês Vieira de Melo e sua
da Apresentação
mulher, Catarina Leitão

Matriz de Nossa Senhora André Vieira de Melo e


26/04/1697 Júlio da Costa Barros
da Apresentação Dona Catarina Leitão

Capitão Manoel Rodri-


Igreja de São Miguel da Maria da Conceição
08/06/1700 gues Coelho e Maria
Aldeia do Guajirú Barros
Carvalho (viúva)

Igreja de São Miguel da Ajudante Pedro Vieira e


10/08/1703 Ana
Aldeia do Guajirú Maria Carvalho (viúva)

Capitão Teodósio da
Igreja de São Miguel da
01/01/1707 Clemente de Barros Rocha e Maria Carvalho
Aldeia do Guajirú
(viúva)
Manoel de Andrade e
Igreja de São Miguel da
11/06/1709 Domingos Felizarda Figueira da
Aldeia do Guajirú
Rocha

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados do Livro de Batizados da
Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714)

Posteriormente ao período de Bernardo Vieira de Melo, a família de Domingos Carvalho


da Silva vinculou-se em outras redes clientelares nos espaços da capitania, sobretudo nas
adjacências da igreja de São Miguel do Guajirú, possivelmente com pouca influência na parti-

114
cipação das discussões camarárias e em mais pedidos de solicitações de terras nessa região
entre os anos de 1701 e 1711. Sua articulação em redes clientelares pode ter se estreitado com
o seu concunhado, o Tenente-Coronel Manoel Rodrigues Coelho, possivelmente para tentar
a confirmação da posse da sua sesmaria, o que conseguiu, em 1711, como também para
assumir novamente um cargo camarário depois de uma pausa de 10 anos. Em vista disso, em
21 de novembro de 1711, na abertura do pelouro com os nomes dos novos oficiais do Senado
da Câmara, apareceu na lista o nome de Domingos Carvalho da Silva como eleito para ocupar
o cargo de vereador no ano de 1712. Meses depois, na sessão da Câmara de 26 de fevereiro de
1712, ele foi impedido de assumir o cargo devido ao regulamento, que proibia a assunção do
cargo camarário por dois parentes, pois o seu concunhado, o tenente-coronel Manoel Rodrigues
Coelho, foi também eleito ao posto de Juiz Ordinário da Câmara.

Essas situações, nas quais os parentes se utilizam dos espaços de poder para angariar
aumento de seu cabedal, foram vistas por Cristina Mazzeo Vivó como uma das estratégias
utilizadas pelas famílias no período colonial nas Américas, criando assim um grupo que foi
descrito pela autora como “elite”. Essas pessoas compartilhavam desses interesses comuns e
desfrutavam de prestígio social, bem como obtinham poder político nas instituições coloniais,
possuíam “uma riqueza composta não só de capital líquido, ou seja, fazendas e propriedades
urbanas, mas também expressa na capacidade de estabelecer importantes relações sociais”
(VIVÓ, 2009, p. 268). Essa articulação em redes familiares entre Domingos Carvalho e Rodrigues
Coelho pode ter garantido aos concunhados a posse de suas terras na capitania, algumas delas
confirmadas pelo desembargador Cristóvão Soares Reimão entre os anos de 1706 e 1713, quando
este vinha realizando o processo de demarcação das sesmarias do Rio Grande. Dessa forma,
foram alargados os domínios dessas duas famílias nos espaços da Capitania do Rio Grande
nesse período.

115
Quadro 4 – Relações de compadrio da família de Dona Catarina de Barros e Domingos de Carvalho

Nomes dos
Data Local do batismo afilhados Pais da criança Padrinhos
(as)
Matriz de Nossa
João Ribeiro de Provedor Duarte de Siquera
28/09/1694 Senhora da Apresen- Narciso
Sá e Ana Correia e Catarina de Barros
tação
Maria, escrava
Igreja de São Miguel Belchior e Mariana Pretos
18/05/1703 Mônica de Domingos de
da Aldeia do Guajirú forros
Carvalho
Tenente-Coronel
Igreja de São Miguel Manoel Rodri- Capitão José Machado de
23/04/1705 Manoel
da Aldeia do Guajirú gues Coelho e Souza e Catarina de Barros
Isabel de Barros
Antônio de An-
Igreja de São Miguel drada de Araújo Antônio Teixeira Coelho e
04/02/1709 José
da Aldeia do Guajirú e Maria de Abreu Dona Catariana de Barros
Pereira
Sebastião Tei- Júlio da Costa Barros e Maria
Igreja de São Miguel
03/09/1710 Maria xeira e Maria da da Conceição (filhos do casal
da Aldeia do Guajirú
Conceição Domingos e Catarina)
Igreja de São Miguel Ana Crioula, Capitão João Antunes e
10/07/1712 Lino
da Aldeia do Guajirú escrava de Luiz Catarina de Barros

Fonte: Quadro elaborado por Pedro Pinheiro de Araújo Júnior, a partir dos dados do Livro de Batizados da
Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714)

Destarte, Domingos Carvalho da Silva vinculou-se aos grupos sociais importantes na


capitania para aumentar o seu capital social e econômico. No entanto, como se observa no
Quadro 4, seu nome não é apresentado dentro dessas relações de compadrio em nenhum dos
batizados realizados na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Apenas a sua esposa,
Dona Catarina de Barros, apresenta-se como madrinha dentro dessas relações sociais. Os fatos
sugerem que apenas a esposa poderia participar dessas cerimônias de batismo. Assim, já que
era comum entre esses indivíduos serem padrinhos de outros moradores para alcançarem uma
rede maior de influência nos espaços da capitania, quais fatores sociais ou religiosos impediam
Domingos Carvalho da Silva de ser padrinho de batismo de outras pessoas na Capitania do Rio
Grande?

Possivelmente, Domingos Carvalho da Silva aumentou seu cabedal e iniciou sua trajetória
entre os membros da elite da capitania a partir do casamento com Catarina de Barros, provavelmente
em 1695, no início da governança de Bernardo Vieira de Melo. Com esse casamento, foi possível
ao sesmeiro adquirir um certo patrimônio e adquirir o status para almejar um cargo militar ou
camarário no Rio Grande. Seu projeto foi alcançado ao unir-se com a família Barros, ligada à

116
matriarca Mariana da Costa, que tinha um cabedal considerável, conquistado possivelmente
quando ficou viúva do seu marido, do qual ainda não foi possível identificarmos o nome nos
documentos coloniais. A viúva Mariana da Costa foi mãe de três filhas e de um filho adotivo,
exposto em sua casa em Natal, em 1699, e nomeado como Antônio. Dos casamentos das suas
filhas, Isabel de Barros, Catarina de Barros e Bernarda de Barros, a matriarca teve, pelo menos,
treze netos batizados na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Uma das netas, filha de
Bernarda de Barros [Oliveira] e do Capitão José de Oliveira Velho, foi batizada com o nome em
homenagem à avó, Mariana, na matriz, em 3 de dezembro de 1704. Com a exceção de Catarina
Barros, suas duas filhas, Isabel de Barros e Bernarda de Barros, casaram-se com homens que
de alguma forma também tinham certo cabedal entre os moradores da capitania e ocupavam
cargos importantes no âmbito militar e camarário nesse período, como foi o caso do casamento
entre o Tenente-Coronel Manoel Rodrigues Coelho e Isabel de Barros, que tiveram quatro
filhos, Ana, Maria, Francisco e Manoel, entre os anos de 1691 e 1705, batizados na igreja de
São Miguel do Guajiru.

A referência da viúva Mariana da Costa foi tão importante na família de Domingos


Carvalho que nenhum dos filhos dele tiveram o seu sobrenome, exemplos disso são Júlio da
Costa Barros e Maria da Conceição de Barros, todos ligados aos sobrenomes da mãe e da avó
materna. Desse modo, o referido personagem aqui analisado não foi escolhido para ser padrinho
de nenhum morador do Rio Grande porque a qualidade de sua família estava ligada à sua
esposa, Dona Catarina de Barros, que foi a principal articuladora para unir a família Barros em
outras redes familiares na Capitania do Rio Grande, demonstrando, talvez, o protagonismo das
mulheres dessa família nas relações dessa sociedade do Antigo Regime nos trópicos.

Com a análise dos estudos sobre as relações familiares, foi possível compreender como
esses moradores da capitania em estudo se articularam através das redes clientelares para se
apropriarem dos vales dos rios e das praias dos sertões do Porto do Touro, processo esse que se
acentuou no princípio do século XVIII. Entendemos que o conhecimento sobre esses sertões
foi realizado pelos luso-brasileiros num processo contínuo e, possivelmente, com auxílio de
indígenas que possuíam uma experiência obtida dos seus ancestrais sobre esses espaços, indicando
para os colonos os nomes dos lugares, os melhores solos para o plantio e as melhores praias
piscosas. Por fim, nesse mesmo processo de dominação, o encontro colonial fomentou o
“desaparecimento” desses povos, não no sentido que eles tivessem sumido desses espaços, mas
sim no sentido de invisibilidade a partir dos olhares dos cronistas, nos relatos dos sesmeiros ou
nos mapas dos séculos posteriores a essa análise.

117
5 C onsideracões Finais

~
O objetivo principal deste livro foi o de perceber como se desenvolveu o processo de
apropriação territorial do litoral norte da Capitania do Rio Grande no decorrer de um pouco
mais de dois séculos (1500-1719). O estudo teve como meta investigar esse processo de expansão
realizado por europeus no litoral que no século XIX era parte da Freguesia do Senhor Bom
Jesus dos Navegantes do Porto do Touro. Utilizamos esse recorte temporal amplo, pois, identificamos
que nesses dois primeiros séculos do encontro colonial ocorreu uma multiplicação de produções
de mapas sobre o litoral da costa do Brasil, fruto das navegações e das produções das escolas
cartográficas europeias. Entre as fontes cartográficas que averiguamos para o recorte temporal
estabelecido estão as produções de quatro nações europeias, que são Portugal, Espanha, França
e Holanda.

Para tanto, realizamos uma análise através da Cartografia Histórica para compreender
como a designação desse espaço foi construída com a denominação de topônimos e nos relatos dos
cronistas que contribuíram em informações preciosas sobre os povos originais, como também,
sobre seus territórios que eram ambicionados pelas coroas europeias. Ademais, buscamos nesse
processo de pesquisa a utilização de diversas tipologias de fontes que estavam disponíveis e
que nos auxiliarem nessa investigação, tais como nos relatórios e artigos sobre as prospecções
arqueológicas feitas no litoral norte, que se utilizaram da Arqueologia Histórica, que lançaram
novas interpretações sobre os primeiros contatos entre os europeus e indígenas na costa do
Brasil. Além destes, utilizamos as fontes sesmariais, camarárias e paroquiais da Capitania do
Rio Grande, utilizando-se do método onomástico para identificar as trajetórias de vida
dos primeiros colonos que se apropriaram desses espaços no princípio do século XVIII.

No primeiro capítulo, planejamos pesquisar a apropriação do espaço em estudo, a partir


das análises cartográficas do período quinhentista. Os dados encontrados nesse trabalho
demonstram que as nossas dúvidas iniciais foram sanadas, pois, em relação às afirmações dos

118
pesquisadores, Tavares de Lira e Cavalcanti de Morais, de que esse espaço não era povoado e
só foi ocupado no século XIX, indicam que essas ideias estão equivocadas. Analisamos
as evidências do encontro colonial nesses sertões do Cabo de São Roque ao averiguarmos os
dados escritos, imagéticos e iconográficos realizados, principalmente, pelos cartógrafos das
escolas portuguesa e francesa e, assim, aplicamos o conceito de espaço concebido para compreender
esse processo de construção do espaço a partir da confecção de mapas.

Além disso, esta pesquisa aproximou-se de trabalhos já pesquisados na área da


Arqueologia, os quais identificaram que esse espaço foi do período do contato entre indígenas
e europeus desde o princípio do século XVI. Entrementes, faltou-nos averiguar outros indícios
desse contato, como mapas e crônicas de outras nações europeias, como da Alemanha e Inglaterra,
que podem indicar novos elementos através da Cartografia Histórica do atual Nordeste brasileiro.

No segundo capítulo, buscamos investigar como o topônimo Cabo de São Roque foi
utilizado como uma das principais referências na navegação do litoral do Rio Grande pelos
navegadores e cartógrafos do século XVII. Identificamos que a região foi exaustivamente
representada em mapas por ser uma “ponte” que ligava Salvador/Pernambuco para as Capitanias
do Norte do Brasil, Ceará/Maranhão. Encontramos também que os baixios de São Roque, que
eram pedras e corais submersos no mar, foram constantemente representados em iconografias
nos mapas indicando que, nessa passagem, os navegadores deveriam ter mais cuidado devido
aos naufrágios. Desvendamos que, com a Conquista do Maranhão em 1614, foi que a navegação
por essa costa se tornou mais promissora para a Coroa portuguesa e, desse modo, exponenciou
o conhecimento dos militares e colonos lusos sobre os sertões de baixo, ao norte da Cidade do
Natal.

Em relação a esses fatos, evidenciamos os surgimentos de topônimos que foram


utilizados pela cartografia, como os Pititinga e Porto do Touro, que se tornaram mais evidentes
que o Cabo de São Roque por serem locais propícios para ancoragem de navios que faziam a
rota para as Capitanias do Norte do Brasil. Destarte, analisamos sobre o Porto do Touro e
divergimos sobre os estudos de Levy Pereira em relação a esse topônimo estar ao sul da Cidade
do Natal. Trouxemos elementos cartográficos, documentais e historiográficos que sugerem que
esse topônimo está localizado junto ao Canal de São Roque, ao norte de Natal.

Ademais, nesse processo de constante avanço territorial da colonização portuguesa sobre


os espaços dos povos indígenas do litoral do Rio Grande no século XVII, sobretudo nos
territórios dos Potiguara, entendemos que tanto a cartografia como os relatos dos cronistas
seiscentistas relegaram esses povos à invisibilidade de sua existência na capitania, tentando,

119
desse modo, “apagar” a presença dessas comunidades originais sobre as novas conquistas
territoriais portuguesas do período. Assim, podemos entender o porquê de historiadores como
Tavares de Lira e outros mais recentes renegarem os Potiguara e evidenciar que essas praias
foram ocupadas por sertanejos em meados do século XIX. Entendemos que pesquisar sobre a
História Indígena pode nos levar a compreender os processos de dominação, utilizadas pelos
colonizadores, nas tentativas de construção do “esquecimento” sobre os povos originais em
outros espaços do Estado do Brasil.

Por fim, no capítulo terceiro, tentamos inicialmente investigar como os primeiros


sesmeiros se apropriaram dos sertões do Porto do Touro entre 1666 e 1759. No entanto,
ao verificar a quantidade de fontes paroquiais e outras com as quais pudéssemos fazer cruzamentos,
como as camarárias e sesmariais, percebemos que era impossível terminar o trabalho a tempo.
Decidimos diminuir o recorte temporal para anos de 1666-1719, assim, conseguimos verificar
como colonos luso-brasileiros se articularam em redes clientelares através de casamentos,
batizados e uniões políticas em espaços de poder na capitania para almejarem terras e cabedal.
Escolhemos o sesmeiro Domingos Carvalho da Silva para estudar a sua trajetória de vida, através
do método onomástico, utilizando-se de fontes do período. Entendemos nos cruzamentos dessas
fontes do período colonial como esse sujeito se articulou em alianças com famílias importantes
na Capitania do Rio Grande e conseguiu adquirir o Porto do Touro em 1711.

No entanto, não conseguimos fechar algumas lacunas deixadas por esta pesquisa. Em
relação aos estudos cartográficos, é necessária uma investigação sobre as produções das escolas
europeias do final do século XVII e do século XVIII, pois, são importantes para os estudos
sobre os topônimos do litoral das capitanias do Ceará e do Rio Grande do Norte. Em relação
aos estudos sobre a trajetória dos sujeitos, ainda resta a investigação sobre o sesmeiro Estevão
Alves Bezerra, personagem não mencionado nos registros paroquiais analisados. Além disso,
precisa-se averiguar também a ocupação do espaço nas ribeiras dos rios Punaú e Maxaranguape
na primeira metade do século XVIII, pois, como vimos no terceiro capítulo, existem outros
ciclos de ocupação por sesmeiros, ocorridos no decorrer do século XVIII e no início do XIX.
Essas futuras análises podem contribuir para a historiografia sobre o período colonial no Rio Grande.

Enfim, este trabalho almeja auxiliar na historiografia sobre o período colonial, em


especial nos estudos sobre o espaço na Capitania do Rio Grande do Norte. Tentamos contribuir
através da relação entre História e Espaços como ocorreu o processo de apropriação territorial
feita pelos agentes da Coroa portuguesa sobre os solos dos sertões do Porto do Touro e a importância
desse litoral na cartografia dos dois primeiros séculos de colonização.

120
Fontes

FONTES CARTOGRÁFICAS

MUSEU NAVAL DE MADRI. Planisfério náutico de Juan de la Cosa, 1500. Madri.


Códice CE257. Disponível em: https://mostre.museogalileo.it/waldseemuller/iwal.php?-
c%5B%5D=38821. Acesso em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DE ESTENSE. Carta del Cantino, 1502-1505c. Modena.


Códice: C.G.A.2. Disponível em: http://bibliotecaestense.beniculturali.it/info/img/geo/i-mo-
-beu-c.g.a.2.html. Acesso em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Planisfério Náutico] / Opus Nicolay de Caverio


ianuensis. 1506. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE SH ARCH-1.
Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550070757/f3.item.r=caveiro.zoom. Aces-
so em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Atlas nautique du Monde, dit atlas Miller]; 2-5.
[Atlas Miller: feuilles 2 à 5]. 1519. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE DD-683
(RES). Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55002607s/f1.planchecontact.r=lo-
po%20homem. Acesso em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Carta universal en que se contierne todo lo que del
mundo se ha descubierto fasta agora hizola Diego Ribero cosmographo de Su magestad. Año
de 1529 è Sevilla ([Reprod. en fac-sim.]).1529. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE
C-818. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53023022k/f1.item.r=DIOGO%20
RIBEIRO.zoom. Acesso em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Carte nautique de l’Océan Atlantique et de la Mer


Méditerranée] / Gaspar Viega, oct° 1534. 1534. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE
B-1132 (RES). Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53023022k/f1.item.r=DIO-
GO%20RIBEIRO.zoom. Acesso em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA DE HUNTINGTON. Portolan Atlas, anonymous


Dieppe, 1547. World atlas containing 15 nautical charts, tables of declinations, etc. 1547. Catálo-
go de imagens Huntington. Códice: HM29. Disponível em: http://dpg.lib.berkeley.edu/webdb/
dsheh/heh_brf?CallNumber=HM+29&Description=&page=1. Acesso em: 21 jul. 2018.

MAPAS HISTÓRICOS BRASILEIROS. Mapa de Diogo Homem, 1558. Enciclopédia Grandes


Personagens da Nossa História, São Paulo: ed. Abril Cultural, 1969. Reprodução do fac-simile da
mapoteca do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.
br/santos/mapa20g.htm. Acesso em: 21 jul. 2018.

121
MAPAS HISTÓRICOS BRASILEIROS. Mapa-múndi de Bartolomeu Velho, 1561. Enciclopé-
dia Grandes Personagens da Nossa História, São Paulo: ed. Abril Cultural, 1969. Reprodução
do fac-simile da mapoteca do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: http://www.
novomilenio.inf.br/santos/mapa57.htm. Acesso em: 21 jul.2018.

BIBLIOTECA DA AJUDA [BIBLIOTECA DIGITAL LUSO-BRASILEIRA]. Roteiro de to-


dos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil
desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães. Luís Teixeira. 1574.
Códice: 912.81. Disponível em: https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/433922. Acesso
em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. [Carte de la côte du Brésil] Jacques de Vau de


Claye m’a faict en Dieppe l’an 1579. 1579. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GED-
13871 (RES). Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550026193/f1.item. Acesso
em: 21 jul. 2018.

BIBLIOTECA NACIONAL DA ESPANHA [BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL]. Atlas de


Joan Martines. 1587. 19 mapas; 58 x 80 centímetros. Disponível em: https://www.wdl.org/pt/
item/10091/. Acesso em: 7 mar. 2019.

BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO. Rio Grande capitania de Sua Magestade.


Livro que da Razão ao Estado do Brasil. 1612. Disponível em: http://arquivodigital.cm-porto.
pt/Conteudos/Conteudos_BPMP/MS-126/MS-126_item1/P252.html. Acesso em: 19 fev. 2019.

BIBLIOTECA JOHN CARTER BROWN. Brasilia. Códice: 1624. F624 R466b. Disponível em:
https://jcb.lunaimaging.com/luna/servlet/detail/JCB~1~1~3894~6130002:Brasilia-%5D. Aces-
so em: 8 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Livro em que se mostra / a descripçao de toda


acos/ta do estado do Brasil e seus / portos, barras e sondas delas / Feito Por João teixeira Al-
bernaz moço da camara de sua Magestade / e seu cosmographo Em Lixboa Anno de 1627. 1627.
Département des Manuscrits. Portugais 6. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bt-
v1b55002487b/f18.item.zoom. Acesso em: 7 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Mostraçe na prezente carta a descripçao de todo o


estado do Brasil que polla parte de Norte comesa no grande Rio Para... e acaba... na boca do
rio da Prata. Feitas em Lisboa. 1627. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE D-8024.
Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8458442n/f1.item.r=albernaz.zoom.
Acesso em: 7 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Atlas Náutico do mundo de João Teixeira Alber-


naz, 7ª carta: Oceano Atlântico Central.1640. Departamento de Mapas e Planos, Códice: CPL
GE FF-14409 (RES). Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b59011180/f18.
item.r=teixeira%20albernaz%20atlas.zoom. Acesso em: 8 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. O Rio Grande he hum dos melhores de toda a


Costa de Brazil por João Teixeira Albernaz. 1640. Departamento de Mapas e Planos, Códice:
GE DD-2987 (9527). Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8596736p/f1.item.
r=albernaz.zoom#, acesso em: 08 mar. 2019.

122
BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Descripçao de todo o Maritimo da terra de Sta.
Crus chamado Vulgarmente de o Brazil. Por João Teyxeira Cosmographo de sua Majestade,
anno 1640. 1640. Departamento de Mapas e Planos, Códice: GE DD-2020 (RES). Disponível
em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55007846g/f7.planchecontact.r=albernaz. Acesso
em: 9 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Le Brésil divisé en ses capitaineries suivant les


relations les plus nouvelles / par P. Duval d’Abbeville. 1650. Departamento de Mapas e Planos,
Códice: GE D-13899. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919051/f1.item.
r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em: 10 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL. Atlas do Brasil de João Teixeira Albernaz II. 1666. Dis-
ponível em: https://bndigital.bn.gov.br/artigos/atlas-do-brasil/. Acesso em: 9 mar. 2019.

BIBLIOTECA DO CONGRESSO AMERICANO. Brasilia. 1671. Códice: G5400 1671 .M6 TIL.
Disponível em: https://www.loc.gov/resource/g5400.ct000634/?r=0.659,0.452,0.218,0.094,0.
Acesso em: 9 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Carte manuscrite des côtes du Brésil, s./n. 1700[?].
Departamento de Mapas e Planos, Códice: CPL GE DD-2987 (9469 B). Disponível em: https://
gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b5906102p/f1.item.r=Carte%20Du%20Bresil.zoom. Acesso em:
10 mar. 2019.

BIBLIOTECA NACIONAL. Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du Pays des Ama-
zones [Dressé sur les Descriptions de Herrera de Laet, et des P.P. d’Acuña, et M. Rodriguez
et sur plusieurs Relations et Observations posterieures]. 1703. Códice: cart484879. Disponível
em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart484879/cart484879.html. Aces-
so em: 11 mar. 2019.

CENTRO DE HIDROGRAFIA DA MARINHA DO BRASIL. Brasil Costa-Leste, do Cabo


do Calcanhar a Cabedelo. Carta da Série Internacional, Cartas da Costa Brasileira. nº 22100
(INT.2114). Disponível em: https://www.marinha.mil.br/chm/dados-do-segnav/cartas-raster.
Acesso em: 26 fev. 2019.

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE DARMSTADT. Brasilia qua parte paret belgis. Amstæ-


ledami. Georgius Marggraphius. 1647. Ex Officina Ioannis Blaev, [cIɔ Iɔ c XLVII], (ULB
03051_480). Disponível: http://tudigit.ulb.tu-darmstadt.de/show/O3051_480/. Acesso em: 20
mar. 2019.

CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de


abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte, município: Maxaran-
guape. Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17023/mapa_
maxaranguape.pdf?sequence=2. Acesso em: 30 maio 2019.

CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de


abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte, município: Touros.
Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17297/mapa_touros.pdf?-
sequence=2. Acesso em: 3 jun. 2019.

123
CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de
abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte, município: Rio do
Fogo. Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17070/mapa_rio_
fogo.pdf?sequence=2. Acesso em: 3 jun. 2019.

CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL. Carta do Projeto Cadastro de Fontes e de


abastecimento por água subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte, município: João Câ-
mara. Disponível em: http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/17007/mapa_
joao_camara.pdf?sequence=2. Acesso em: 4 jun. 2019.

FONTES LIGADAS A PROJETOS ARQUEOLÓGICOS

A LASCA CONSULTORIA E ASSESSORIA EMARQUEOLOGIA LTDA. Programa de sal-


vamento arqueológico da linha de transmissão 230 kV João Câmara – Extremoz II C1 e sec-
cionamento da linha de transmissão 230 kV Campina Grande II- Natal III C3 – SE Extremoz
II. Processo IPHAN nº. 01421.004924/2011-58. São Paulo, 2014.

A LASCA CONSULTORIA E ASSESSORIA EMARQUEOLOGIA LTDA. Programa de


prospecção do patrimônio arqueológico da linha de transmissão 230 KV João Câmara – Ex-
tremoz C1 e seccionamento da linha de transmissão 230 KV Campina Grande Natal III C3 –
SE Extremoz. Processo IPHAN nº. 01421.000202/2012-13. São Paulo, 2012.

ARQUEOLOGIA BRASILEIRA CONSULTORIA LTDA. Diagnóstico, Prospecção Arqueo-


lógica e Educação Patrimonial na área da Linha de Transmissão de 230kV da SERVENG
Energia - SE Miguel / SE João Câmara - Trecho da Se São Miguel a Torre 4. Processo IPHAN
nº 01421.000273/2015-51. Natal, 2015.

ARQUEOLOGIA BRASILEIRA CONSULTORIA LTDA. Diagnóstico e Prospecção Ar-


queológica da Área de Instalação do Parque Eólico Asa Branca I. Processo IPHAN nº
01421.001608/2012-13 Natal, 2013.

IPHAN/APEC. Relatório da primeira etapa do Projeto Dunas. Natal, jan. 1995.

124
FONTES SESMARIAIS

CARTA de sesmaria doada em 8 de fevereiro de 1605 a Nicolau Vazalim em Boixumunguape


(Maxaranguape). Sesmarias do Rio Grande do Norte v.1, IHGRN, coleção Mossoroense, série
c, vol. 1136. Gráfica Tárcio Rosado (ESAM), 2000. p.07.

CARTA de sesmaria doada em 26 de agosto de 1608 a Manuel de Abreu em Pequetinga (Piti-


tinga). Sesmarias do Rio Grande do Norte v.1, IHGRN, coleção Mossoroense, série c, vol. 1136.
Gráfica Tárcio Rosado (ESAM), 2000. p.07.

CARTA de sesmaria doada em 21 de junho de 1666 ao Governador João Fernandes Vieira do


rio Ceará-Mirim ao Porto do Touro. IHGRN – Fundo Sesmarias. Plataforma SILB. RN 0014.

CARTA de sesmaria doada em 17 de setembro de 1706 a Antônio Lopes de Lisboa e Domingos


da Silveira no lugar Rio do Fogo. IHGRN – Fundo Sesmarias. Livro I, n. 57. Plataforma SILB.
RN 0056.

CARTA de sesmaria doada em 1711 a Domingos Carvalho da Silva no Porto do Touro. IHGRN
– Fundo Sesmarias. Livro II, n. 107. Plataforma SILB. RN 0105.

CARTA de sesmaria doada em 25 de maio de 1713 ao Alferes Francisco da Costa Barbosa no


sítio Pititinga. IHGRN – Fundo Sesmariais. Livro II, n. 130, fls. 148-149. Plataforma SILB. RN
0417.

CARTA de sesmaria doada em 4 de maio de 1717 ao Coronel Antônio Dias Pereira na Lagoa
Assu-Mirim. IHGRN – Fundo Sesmarias. Livro II, n. 164. Plataforma SILB. RN 0376.

CARTA de sesmaria doada em 2 de janeiro de 1719 a Estevão Alves Bezerra no rio Maxaran-
guape. IHGRN – Fundo Sesmariais. Livro III, n. 183, fls. 29. Plataforma SILB. RN 0395.

FONTES CAMARÁRIAS

IHGRN – LTVSCN, Termo de Vereança nº0358, Caixa 03, livro 1674-1698, fl(s) 108v. Natal,
01/06/1693.

IHGRN – LTVSCN, Termo de Vereança nº0562, Caixa 01, livro1709-1721, fl(s) 052-052v. Natal,
21/11/1711.

IHGRN – LTVSCN, Termo de Vereança nº0568, Caixa 01, livro1709-1721, fl(s) 054v-055v. Na-
tal, 26/02/1712.

125
FONTES ADMINISTRATIVAS

REQUERIMENTO de Francisco da Costa Barbosa ao rei [D. João V] pedindo confirmação de


carta de sesmaria de terras no lugar chamado “Petitinga ou Maracajaú”, concedidas pelo capi-
tão-mor Francisco Xavier de Miranda Henriques. AHU-RN, Cx. 5, D. 22.

FONTES PAROQUIAIS

LIVRO de registros de batismos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, sob a guarda


do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (1681-1714).

FONTES IMAGÉTICAS

IPHAN. Material arqueológico dos sítios: Zumbi; Enseada de Pititinga. Custodiado pelo
IPHAN – RN. Cxs. 01 e 03. (Fotos tiradas pelo autor em: 27 jun.2018).

LARQ. Material arqueológico dos sítios: Rio do Fogo I; Rio do Fogo II. Coleção didática do
LARQ. Cxs. 01, 02, 03 e 04. (Fotos tiradas pelo autor em: 13 nov.2017).

MCC. Material arqueológico dos sítios: João Câmara I. Acervo do Departamento de Arqueo-
logia. Cxs. 01. (Fotos tiradas pelo autor em: 19 out.2017).

FONTES ORAIS

ANJOS, Edinor Rodrigues dos. Entrevista sobre a navegação sobre os baixios de São Roque.
[julho2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Rio do Fogo, 2019.

ALMEIDA, Flaviano Gualberto de. Entrevista sobre a navegação do Canal de São Roque.
[junho 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Rio do Fogo, 2019.

APOLINÁRIO, Milton César. Entrevista sobre a lagoa do Boqueirão e Boa Cica com Milton
César e João Apolinário. [maio 2019]. Entrevistador: Pedro Pinheiro de Araújo Júnior. Touros, 2019.
126
PALESTRAS

PEREIRA, Levy. Palestra proferida no IHGRN, 7 mar. 2019. O Porto do Touro, local do de-
sembarque das tropas de Luiz Barbalho em 1640. UnB, LEHS, Atlas Digital da América Lusa,
2019. Disponível em: http://lhs.unb.br/wiki_files/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_v20190219.
pdf. Acesso em: 27 jun. 2019.

FONTES IMPRENSAS

BARLEU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e
noutras partes sob o governo do ilustríssimo Joao Maurício Conde de Nassau. Tradução de
Cláudio Brandão. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1940[1647].

BLUTEAU, Rafael. Diccionario da Lingua Portugueza. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo


Ferreira, 1789.

CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro: J. Leite & Cia, 1925.

CASAL, Aires. Corografia Brasílica. Tomo II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947 [1817].
Edição fac-similar.

D’ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão.


São Paulo: Livraria Martins Editora, 1945 [1614].

FONSECA, Antônio José Victoriano Borges da. Nobiliarquia Pernambucana v. 1. Anais da


Biblioteca Nacional, v. 47. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1935 [1748].

FONSECA, Antônio José Victoriano Borges da. Nobiliarquia Pernambucana v. 2. Anais da


Biblioteca Nacional, v. 48. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1935 [1776].

GERRITSZ, Hessel. Journaux et nouvelles tirées de la bouche de marins hollandais et por-


tugais de la navigation aux Antilles et sur les cotes du Brésil, [Manuscrit de Hessel Gerritsz
traduit pour la Bibliothèque Nationale de Rio de Janeiro par E. J. Bondam]. In: Anais da Biblio-
teca Nacional do Rio de Janeiro, V. 29 [XXIX]. Rio de Janeiro: Oficina de Artes Gráficas da
Biblioteca Nacional, 1909, p. 97-179.

JESUS, Raphael de. Castrioto Lusitano. Paris: J. P. AFLLAUD, 1844[1679].

QUINTELLA, Ignácio da Costa. Annaes da Marinha Portugueza. Tomo 2. Lisboa: Typografia


da Academia Real das Sciencias, 1840.

ROTEIRO DE MANOEL GONÇALVES REGEFEIRO. Annaes da Bibliotheca Nacional. Rio


de Janeiro, v. 26, 1904, p. 243-252.

127
SALVADO, João Paulo; MIRANDA, Suzana Münch. Cartas do 1.º Conde da Torre, vol. 1, Lisboa:
Comissão Nacional para as Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 2001.

SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil (1500-1627). Rio de Janeiro: Fundação Darcy
Ribeiro, 2013[1627].

MOREAU, Pierre; BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e
portugueses e Relação da viagem ao país dos tapuias. Tradução de Lêda Boechat Rodrigues.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1979 [1647].

MORENO, Diogo de Campos. Jornada do Maranhão: Por ordem de Sua Majestade feita o ano
de 1614. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2011.

MORENO, Diogo de Campos. Razão do Estado do Brasil: Razão do Estado do Brasil no go-
verno do norte somente assim teve Dom Diogo de Meneses até o ano de 1612 [Manuscrito].
259f, 42 cm, 1616.

NIEUHOF, Joan. Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil. São Paulo: Livraria Mar-
tins, 1935(?) [1682]. (Biblioteca Histórica Brasileira).

PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Brasília: Senado Federal, Conse-
lho Editorial, 2011[1730].

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descriptivo do Brazil em 1587. Rio de Janeiro: Typogra-
fhia Universal de Laemmert, 1851.

STURDART, Guilherme. Descrição do Rio Grande por Domingos da Veiga (1627-1628). Re-
vista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typ. Minerva, Tomo 34, (1º, 2º, 3º e 4º trimestres), 1920,
p. 259-262.

TRANSLADO DO AUTO DE REPARTIÇÃO DAS TERRAS DA CAPITANIA DO RIO


GRANDE. Revista do IHGRN. Natal: Tipografia do Instituto, v. 7, n. 1 e 2, 1909, p.5-131.

VESPÚCIO, Américo. Novo mundo: as cartas que batizaram a América. 1. ed. Rio de Janeiro:
Fundação Darcy Ribeiro, 2013[1504-1505]. (Coleção biblioteca básica brasileira; 38).

128
Referencias
^

ABREU, João Capistrano de. O descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ri-
beiro, 2013. (Coleção Biblioteca Básica Brasileira; 11).

ALBUQUERQUE, Paulo Tadeu de Souza; SPENCER, Walner Barros. Relatório Projeto Du-
nas. Natal: IPHAN/APEC,1995.

ALCANTARA FILHO, José Luiz; FONTES, Rosa Maria Oliveira. A Formação da proprieda-
de e a concentração de terras no Brasil. Revista de História Econômica & Economia Regional
Aplicada, Juiz de Fora, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2009.

ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara de
Natal e a Guerra dos Bárbaros (1681-1722). 244f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. A Anexação da Capitania do Rio Grande em 1701: Es-
tratégia da Coroa ou interesse de grupo da Capitania de Pernambuco? In: CAETANO, Antônio
Filipe Pereira (Org.). Dinâmicas sociais, políticas e judiciais na América Lusa: hierarquias,
poderes e governo (Século XVI-XIX). Recife: Editora UFPE, 2016, p. 133-158.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira; OLIVEIRA, Leonardo. Capitão-Mor: nomeações para


o governo do Rio Grande (1667-1781). Natal: Flor do Sal, 2016.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Os desafios da governança e as relações de poder na


Capitania do Rio Grande na segunda metade do século XVII. In: MACEDO, Helder Alexandre
Medeiros de; SANTOS, Rosenilson da Silva (Org.). Capitania do Rio Grande: histórias e colo-
nização na América portuguesa. João Pessoa: Ideia; Natal: EDUFRN, 2013, p. 27-44.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Seigniorial identities and conflicts: converting land
into property in the Portuguese Atlantic world, 16th-18th. [Identidades senhoriais e conflitos:
convertendo terra em propriedade no mundo Atlântico português, Séculos XVI-XVIII]. 354f.
Tese (Doutorado em História) – Johns Hopkins University. 2007.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Transformações na legislação sesmarial, processos de


demarcação e manutenção de privilégios nas terras das Capitanias do Norte do Estado do Bra-
sil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 28, n. 56, p. 247-263, jul.-dez. 2015.

AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p.
145-151, 1995.

ARARIPE, Tristão de Alencar. Primeiro navio francês no Brasil. Revista do IHGB, Rio de
Janeiro, Tomo XLIX, v. 2, 1886, p. 315-331.

129
ARAÚJO JÚNIOR, Pedro Pinheiro de. Rio do Fogo (RN) – História e Patrimônio. In: SIM-
PÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27., 2013, Natal. Anais eletrônicos do XXVII Simpósio
Nacional de História – Trabalhos Inovadores dos Professores da Rede Pública de Ensino.
Natal: ANPUH, 2013.

ASAD, Talal. Anthropology & The Colonial Encounter. Londres/ Nova Iorque: Humanities
Press, 1983.

ATLAS DO RIO GRANDE DO NORTE. 2. ed. Natal: Editora o Diário S/A, 2004. p. 214.

BAIÃO, Antônio; DIAS, Carlos Malheiro. A expedição de Cristóvam Jacques. In: DIAS, Car-
los Malheiros (Dir.). História da Colonização Portuguesa no Brasil, v. 3, 1924, p. 59-91.

BARBOSA, Lívia Brenda da Silva. Das ribeiras o Tesouro, da receita o sustento: a adminis-
tração da Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande (1606-1723). 227f. Dissertação (Mestrado
em História) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em
História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

BARBOSA, Padre Antônio Lemos. Pequeno Vocabulário Tupi-Português. Rio de Janeiro: Li-
vraria São José, 1951.

BARROS, José D’Assunção. O Campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis:


Vozes, 2004.

BEZERRA, Luis Barbalho. Carta a Dom Vasquo Mascarenhas. In: SALVADOR, J. P.; MI-
RANDA, S. M. Cartas do 1.º Conde da Torre, v. 1. Lisboa: Textype, 2001, p. 481-493. (Comis-
são Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses).

BICALHO, Maria Fernanda Baptista. As Câmaras ultramarinas e o governo do Império. In:


FRAGOSO, João; BICHALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo
Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001. p.189-221.

BOXER, Charles R. O Império Colonial Português (1415-1825). São Paulo: Martins Fontes,
1969.

BOXER, Charles R. The dutch in Brazil (1624-1654). Oxford: Clarendon Press Reprinted, 1973.

BRANCO, José Moreira Brandão Castelo. O Rio Grande do Norte na Cartografia do século
XVI. Revista do IHGRN, Natal, v. 45-47, 1950, p. 21-50.

BRANCO, José Moreira Brandão Castelo. O Rio Grande do Norte na Cartografia do século
XVII. Revista do IHGRN, Natal, v. 48-49, 1952, p. 27-68.

BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Decifrando mapas: sobre o conceito de “território” e suas
vinculações com a cartografia. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 12, n. 12, p. 193-234,
2004.

130
BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Desenhando o Brasil: o saber cartográfico dos cosmó-
grafos e engenheiros militares da Colônia e do Império. In: COSTA, Antônio Gilberto (Org.).
Roteiro prático de cartografia: da América Portuguesa ao Brasil Império. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 2007.

CAMARA, Anphiloquio. Scenarios Norte-RioGrandenses. Rio de Janeiro: Empr. Ind. Editora


“O Norte, 1923. Edição fac-similar.

CARVALHO, Alfredo. Os holandeses no Rio Grande do Norte (1625-1654) – Em face de docu-


mentos inéditos. Revista do IHGRN, v. 4, n. 1, jan. 1906, p. 117-139.

CARVALHO, Alfredo. Um intérprete dos Tapuios. Revista do IAHGPE, v. 14. Recife: Typogra-
phia do Jornal do Recife, 1909, p. 657- 667.

CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Ação e presença dos portugueses na costa norte do Bra-
sil no século XVII. Brasília: Edições do Senado Federal, 2014.

CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia do Brasil Holandês. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1956.

CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2. ed. Natal: Fundação José
Augusto, 1984.

CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da Terra: Geografia, História e Toponímia do Rio Grande
do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2002 [1968].

CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo I. Rio de Janeiro: Departa-
mento de Imprensa Nacional, 1965.

CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos Velhos Mapas. Tomo II. Rio de Janeiro: Departa-
mento de Imprensa Nacional, 1965.

CORTESÃO, Jaime. Os Descobrimentos Portugueses. 3. ed. Lisboa: Livros Horizontes, 1980.

COSTA, Antônio Gilberto (Org.). Roteiro prático de cartografia: da América Portuguesa ao


Brasil Império. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

COSTA, Diogo M. Arqueologias Históricas: um panorama espacial e temporal. Vestígios Re-


vista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, v. 4, n. 2, jul./dez. 2010, p. 9-38.

COSTA, Renata Assunção. “Porta do Céu”: O processo de cristianização da Freguesia de Nos-


sa Senhora da Apresentação (1681-1714). 179f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

COUTO, Jorge. As tentativas portuguesas de colonização do Maranhão e o projecto da França


equinocial. In: VENTURA, Maria da Graça Mateus (Org.). A União Ibérica e o Mundo Atlân-
tico. Lisboa: Edições Colibri, 1997, p. 171-194.

131
DAHER, Andrea. O Brasil Francês: as singularidades da França Equinocial (1612-1615). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

DANTAS, Miguel. Praias potiguares. 5. ed. Natal: RR Donnelley, 2012.

DIAS, Patrícia de Oliveira. As tentativas de construção da ordem em um espaço colonial em


formação: o caso de Cristóvão Soares Reimão. 91f. Monografia (Graduação em História) –
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de História, Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

DIAS, Patrícia de Oliveira; ALVEAL, Carmem Margarida Oliveira. De cliente em cliente se


forma uma rede: tática para a apropriação de espaços de ação na Capitania do Rio Grande. In:
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de; SANTOS, Rosenilson da Silva (Org.) Capitania do
Rio Grande: histórias e colonização na América portuguesa. Natal: EDUFRN, 2013. p. 289-
302.

DIAS, Patrícia de Oliveira. Onde fica o sertão rompem-se as águas: processo de territoria-
lização da ribeira do Apodi-Mossoró (1676-1725). 191f. Dissertação (Mestrado em História)
– Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

DIAS, Patrícia de Oliveira. O Tirano e Digno Cristóvão Soares Reimão: Conflito de Interesses
Locais e Centrais nas Capitanias de Itamaracá, Ceará, Paraíba e Rio Grande no Final do Século
XVII e Início do XVIII. Revista Ultramares, Maceió. n. 1, v. 1, jan.-jul./2012.

DIAS, Thiago Alves. O Senado da Câmara de Natal, o Escrivão e o Registro dos Tempos Co-
loniais. Mneme-Revista de Humanidades, Caicó. n. 26, v. 10, jul-dez/2009.

FELIPE, José Lacerda Alves, Atlas, Rio Grande do Norte: espaço geo-histórico e cultural.
João Pessoa: Grafset, 2006.

FERNANDES, Florestan. A função social da guerra na sociedade tupinambá. São Paulo: Glo-
bo, 2006.

FERREIRA, Jerusa Pires. Um longe perto: Os segredos do sertão da terra. Légua & meia:
Revista de literatura e diversidade cultural, Feira de Santana, UEFS, v. 3, n. 2, p. 25-39, 2004.

FIGUEIREDO, Antônio Cândido de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Livraria
Clássica Editora, 1913.

FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e Vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecen-
tistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

FRAGROSO, João. Alternativas metodológicas para a história econômica e social: micro-his-


tória e social: micro-história italiana, Frederick Brath a história econômica colonial. In: AL-
MEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de (Org.). Nomes e Números:
Alternativas metodológicas para a História Econômica e Social. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2006,
p. 27-48.

132
GASPAR, Maria Dulce. História da construção da Arqueologia Histórica Brasileira. Revista do
Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 13, 2003, p. 269-301.

GINZBURG, Carlo; PONI, Carlo. A Micro-História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989.

GIRARDI, Gisele. Leitura de mitos em mapas: Um caminho para repensar as relações entre
geografia e cartografia. Geografares, Vitória, v. 1, n. 1, p. 41-50, jun. 2000.

GODOY, José Eduardo Pimentel de. Naus do Brasil Colônia. Brasília: Senado Federal, 2007
(Edições do Senado Federal; v. 88).

GOUVÊA, Maria de Fátima. Poder político e administração na formação do complexo atlân-


tico português (1645-1808). In: FRAGOSO, João; BICHALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA,
Maria de Fátima (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Sé-
culos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.285-315.

GUEDES, Max Justo. Introdução. In: COSTA, Antônio Gilberto (Org.). Roteiro prático de car-
tografia: da América Portuguesa ao Brasil Império. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

HEMMING, John. Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007.

HOLANDA, Sérgio Buarque. A Costa Leste-Oeste. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (Org.).
A Época Colonial: do descobrimento a expansão territorial; Os Franceses no Maranhã. v. 1, t.
1, 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2007, p. 213-259. (História Geral da Civilização
Brasileira).

LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Madrid: Capitán Swing, 2013.

LEITE, Duarte. Os falsos precursores de Pedro Álvares Cabral. In: DIAS, Carlos Malheiros
(Dir.). História da Colonização Portuguesa no Brasil. v. 1. Porto: Litografia Nacional, 1921.
p.107-225.

LEITE, Duarte. O mais antigo Mapa do Brasil. In: DIAS, Carlos Malheiros (Dir.). História da
Colonização Portuguesa no Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1923. p. 225-281. v. 2.

LEMOS, Vicente de. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte. v.1. Rio de
Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1912.

LEMOS, Vicente de; MEDEIROS Tarcísio. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do


Norte. v. 2. Natal: IHGRN, 1980.

LIMA, Francisco de Assis. Cerâmica Pré-Histórica: um vestígio ancestral do Rio Grande do


Norte. Monografia. (Curso de História) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004.

LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuária, Alimentos e Sistemas agrários no Brasil (Séculos
XVII e XVIII). Revista dos Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Le Portugal et
l’Europe Atlantique, le Brésil et l’Amérique Latine, v. 34, Lisboa, Paris, 1995, p. 1-11.

133
LOPES, Fátima Martins. Catálogo de documentos manuscritos avulsos da capitania do Rio
Grande do Norte (1623-1823). Natal: EDUFRN, 2000.

LOPES, Fátima Martins. História Indígena. In: PEREIRA, Henrique Alonso de Albuquerque
Rodrigues et al. Índios e negros na história do Brasil [recurso eletrônico]: invisibilidades e
emergências, do século XVI ao XXI. (Org.). Natal: EDUFRN, 2016.

LOPES, Fátima Martins. Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio


Grande do Norte. Natal: IHGRN, 2003. (Prêmio Janduí/Potiguaçu).

LIRA, Augusto Tavares. História do Rio Grande do Norte. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2012.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Ocidentalização, Territórios e Populações Indíge-


nas no Sertão da Capitania do Rio Grande. 309f. Dissertação (Mestrado em Ciência Sociais)
– Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007.

MARCÍLIO, Maria Luiza. Os registros paroquiais e a História do Brasil. Varia História, Belo
Horizonte, n. 31, p. 13-20, jan. 2004.

MARTINS, Ana Canas Delgado. A documentação do Conselho Ultramarino como patrimônio


arquivísticos comum: subsídios à sua história. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 38,
n. 78, maio-ago. 2018.

MARTIN, Gabriela. Pré-história do Nordeste do Brasil. 2. ed. Recife: Editora Universitária da


UFPE, 1997.

MARTÍN-MERÁS, Luisa. La Carta de Juan de La Cosa: Interpretación e Historia. Revista


Monte Buciero, Santonã, Espanha, n. 4, 2000, p.71-85.

MEDEIROS, Iago Henrique Albuquerque de. Os concheiros em dunas do litoral setentrional


norte-rio-grandense: ocupação humana, cultura material e processos de formação do regis-
tro arqueológico. 284f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Programa de Pós-graduação em
Arqueologia do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do


Norte. Natal: Imprensa Universitária, 1973.

MEDEIROS, Tarcísio. Proto-História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Presença Edi-
ções, 1985.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Capitania do Rio Grande. Natal: Dept. Estadual
de Imprensa, 1997.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Brasília, 1984. Edição fac-similar.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Naufrágios do Litoral Potiguar. Natal: IHGRN, 1988.

134
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a história do Rio Grande do Norte. João Pessoa:
UNIPÊ, 2001.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os Holandeses na Capitania do Rio Grande. Natal: IHGRN,
2010 [1998]. Edição fac-similar.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. O Rio Grande do Norte no Mapa de Jacques de Vaulx, de Claye
(1579). Caderno de História, v. 3, n. 1, jan.-jun. 1996, p. 30-34.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense. Natal: Fundação José Augusto, 2015[1991].
Edição fac-similar.

MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste (1630-1654). São
Paulo: Editora 34, 2007.

MELLO, José Antônio Gonsalves. Estudos Pernambucanos: Crítica e problemas de algumas


fontes da História de Pernambuco. Recife: FUNDARPE, 1986. (Coleção Pernambucana – 2ª
fase, v. 23).

MELLO, José Antônio Gonsalves. O domínio holandês na Bahia e no Nordeste. In: HOLAN-
DA, Sérgio Buarque (Org.). A Época Colonial: do descobrimento a expansão territorial. v.1,
t.1, 15 ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2007, p. 260-280. (História Geral da Civilização
Brasileira).

MENESES, Ulpiano Bezerra. Memória e Cultura Material: Documentos Pessoais no Espaço


Público. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 23, 1998, p. 89-103.

MOONEN, Frans; MAIA, Luciano Mariz. Etnohistória dos índios Potiguara. João Pessoa: PR/
PB, 1992.

MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino. Batalhas e combates da Marinha Portuguesa


(1626-1668), v. 6. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1995.

MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN,
2002.

MONTEIRO, Denise Mattos. Balanço da Historiografia Norte-rio-grandense. In: ENCON-


TRO REGIONAL DA ANPUH-RN: O OFÍCIO DO HISTORIADOR, 1., 2004, Natal. Anais
[...]. Natal: EDUFRN, 2006, p.51-54.

MONTEIRO, Denise Mattos. Terra e Trabalho na História: Estudos sobre o Rio Grande do
Norte. Natal: EDUFRN, 2008.

MORAES, Antônio Carlos Robert de. A questão do sujeito na produção do espaço. In: MO-
RAES, Antônio Carlos Robert de. Ideologias geográficas. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p.
15-26.

MORAES, Antônio Carlos Robert de. Formação colonial e conquista de espaços. In: MO-
RAES, Antônio Carlos Robert de. Território e história no Brasil. 3.ed. São Paulo: Annablume,
2008, p. 61-74.

135
MORAES, Antônio Carlos Robert de. O Sertão: Um “outro” geográfico. Terra Brasilis (Nova
Série). Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, [s.l.], v. 4-5,
2003.

MORAIS, Ana Lunara da Silva. Quanto peixe se compra com um vintém? Análise da atividade
pesqueira e as querelas derivadas desta na capitania do Rio Grande, 1650-1750. Revista Ultra-
mares, Maceió, n. 5, v. 1, jan-jun. 2014, p. 196-221.

MORAIS, Marcus César Cavalcanti de. Terras Potiguares. Natal: Foco, 2004.

NASCIMENTO, Ana; LUNA, Suely. A Cerâmica Arqueológica dos sítios dunares no Rio
Grande do Norte – Brasil. Revista Clio Arqueológica, n. 12, 1997, p. 17-95.

OLIVEIRA, Ceurio. Dicionário Cartográfico. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.

OLIVEIRA, João Pacheco de. Os indígenas na fundação da colônia: uma abordagem crítica.
In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Brasil Colonial 1, 1443-1580. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 167-228.

OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Reflexões teórico-metodológicas sobre a história da família


no Antigo Regime. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de
(Org.). Nomes e Números: Alternativas metodológicas para a História Econômica e Social. Juiz
de Fora: Ed. UFJF, 2006, p.181-193.

OLIVEIRA, Tiago Kramer de. Desconstruindo mapas, revelando espacializações: reflexões


sobre o uso da cartografia em estudos sobre o Brasil colonial. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 34, n. 68, p.151-174, 2014.

ORSER JÚNIOR, Charles E. Introdução à Arqueologia Histórica. Belo Horizonte: Oficina de


Livros, 1992.

PATRIOTA, Nilson. Touros: Uma Cidade do Brasil. Natal: Departamento Estadual de Impren-
sa, 2000.

PAULA, Thiago do Nascimento Torres de. Teias de caridade e o lugar social dos expostos da
Freguesia de Nª Sr.ª da Apresentação – Capitania do Rio Grande do Norte, século XVIII. 197f.
Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa
de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009.

PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo: De Situ Orbis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892.

PEREIRA, Elenize Trindade. Das terras doadas ouvi dizer: doação de sesmarias na fronteira
do império, capitania do Rio Grande, 1600-1614. Revista Historien, Petrolina, v. 5, n. 10, jan-
-jun. 2014, p. 169-179.

PEREIRA, Elenize Trindade. De capitania donatária à capitania régia: o senhorio de João de


Barros na “Terra dos Potiguara”: século XVI. 159f. Dissertação (Mestrado em História) – Cen-
tro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018.

136
PEREIRA, José Hygino Duarte. Batalha Naval de 1640. Revista do Instituto Histórico Geo-
gráfico Brasileiro, Tomo 58, (1º e 2º trimestres), Rio de Janeiro, Companhia Typographica do
Brazil, 1895, p. 1-58.

PINTO, Luís Maria da Silva. Dicionário da Língua Brasileira. Ouro Preto: Typographia de
Silva, 1832.

POMBO, José Francisco da Rocha. História do Estado do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro:
Annuario do Brasil, 1922.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.

PROST, Antoine. A história social. In: PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo
Horizonte: Autêntica, 2008.

PROUS, André. A pintura em cerâmica Tupiguarani. Revista Ciência Hoje, v. 36, n. 213, p. 22-
28, mar. 2005.

PROUS, André. A pintura tupiguarani em cerâmica. Revista do Museu de Arqueologia e Etno-


logia, São Paulo, Suplemento 8, p. 11-20, 2009.

PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos indígenas e a colonização do Sertão Nordeste
do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Edusp, 2002.

RABELO, Lucas Montalvão. A representação do rio ‘das’ Amazonas na cartografia quinhentista:


Entre a tradição e a experiência. 233f. Dissertação. (Mestrado em História Social) – Programa
de Pós-graduação em História Social, Manaus, Universidade Federal do Amazonas, 2015.

RIBEIRO, Guilherme. A arte de conjugar tempo e espaço: Fernand Braudel, a geo-história e a


longa duração. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.2, abr.-jun. 2015,
p.605-639.

ROCHA, Yuri Tavares. O pau-brasil e suas representações na cartografia antiga. In: ENCON-
TRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, 10., 2005, São Paulo. Anais [...]. São Paulo:
Universidade de São Paulo, mar. 2005.

RUSSELL-WOOD, A. J. R. Centros e Periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808. Revista


Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, 1998.

SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nasce um Império nos Trópicos. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz.
As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, p. 35-44.

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia


e seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SEED, Patricia. Cerimônias de Posse na Conquista Europeia do Novo Mundo (1492-1640). São
Paulo: UNESP, 1999.
137
SHILS, Edward. Consenso. In: SHILS, Edward. Centro e Periferia. Lisboa: Difel, 1992, p. 269-
291.

SILVA, Francisca das Chagas Marileide Matias da. O Processo de Formação Territorial de An-
gicos (1760-1836). 109f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2015.

SILVA, Luciano Pereira. Duarte Pacheco Pereira: Precursor de Cabral. In: DIAS, Carlos Ma-
lheiros (Dir.). História da Colonização Portuguesa no Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1921, p.
231-262. v.1.

SILVA, Marcos; ARRAIS, Raimundo; CAVENANGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio
Grande do Norte: O Rio Grande antes do primeiro mapa – A Cartografia Inaugural (Projeto
Ler). Natal, 2006. v. 4.

SILVA, Tyego Franklim da. A Ribeira da Discórdia: Terras, Homens e Relações de Poder na
Territorialização do Assu Colonial (1680-1720). 176f. Dissertação (Mestrado em História) –
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

SILVEIRA, Ana Beatriz Silva da. Análise da Bacia Hidrográfica do rio Punaú – Rio Grande
do Norte: Utilizando ferramentas de geoprocessamento. 110f. Dissertação (Mestrado em Enge-
nharia Sanitária) – Centro de Tecnologia, Programa de Pós-graduação em Engenharia Sanitá-
ria, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009.

SOUSA, Luís Filipe Guerreiro. Escrita e Prática de Guerra em Portugal 1573-1612. 883f. Tese.
(Doutorado em História) – Doutoramento em História dos Descobrimentos e Expansão, Facul-
dade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2013.

SOUZA, Rafael de Abreu e. Não somos estrangeiras! Pelas louças brasileiras. Cadernos do
LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Pelotas (Editora da UFPEL),
v. 10, n. 20. 2013, p. 159-182.

TEENSMA, Benjamin Nicolas; MIRANDA, Bruno Romero Ferreira; XAVIER, Lucia Fur-
quim Werneck (Org.). Peter Hansen Hajstrup: Viagem ao Brasil (1644-1654). Recife: CEPE,
2016.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia. São Paulo: DIFEL, 1980.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.

URBAN, Greg. A História da Cultura Brasileira segundo as línguas nativas. In: CUNHA,
Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras:
Secretaria Municipal de Cultura, 2. ed. 3ª reimpressão, 1998, p. 87-102.

VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objeti-
va, 2001.

138
VAINFAS, Ronaldo (Org.). História Indígena: 500 anos de despovoamento. In: VAINFAS, Ro-
naldo (Org.). Brasil 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.

VAINFAS, Ronaldo (Org.). Tempos dos Flamengos: A experiência colonial holandesa. In:
FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Brasil Colonial (1580-1720). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 227-265. v. 2.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: Antes de sua separação e In-
dependência de Portugal. Tomo I. 2.ed. Rio de Janeiro: Em Casa de E. & H. Laemmert, 1877.

VIVÓ, Cristina Mazzeo de. Os vínculos interfamiliares, sociais e políticos da elite mercantil de
Lima no final do período colonial e início da República: estudos de caso, metodologia e fontes.
In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de (Org.). Exercícios de
micro-história. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2009. p. 263-296.

WATJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil: um capítulo da história colonial


do século XVII. Tradução de Pedro Celso Uchôa Cavalcanti. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938. (Biblioteca Pedagógica Brasileira).

139

Você também pode gostar