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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (UERN)

CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS (CAPF)


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO (PPGE)
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM ENSINO (CMAE)
INSTITUIÇÕES PARCEIRAS:
Universidade Federal do Semiárido (UFERSA)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)

APARECIDA SUIANE BATISTA ESTEVAM

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DURANTE O ENSINO REMOTO: O OLHAR DE


PROFESSORAS SOBRE A ARTE DE CONTAR E ENCANTAR MEDIADA PELAS
TECNOLOGIAS

PAU DOS FERROS


2022
APARECIDA SUIANE BATISTA ESTEVAM

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DURANTE O ENSINO REMOTO: O OLHAR DE


PROFESSORAS SOBRE A ARTE DE CONTAR E ENCANTAR MEDIADA PELAS
TECNOLOGIAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ensino (PPGE), da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), do Campus
Avançado de Pau dos Ferros (CAPF), ofertado em
parceria com a Universidade Federal Rural do
Semiárido (UFERSA) e o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte (IFRN), como requisito para obtenção do título
de Mestre em Ensino, área de concentração:
Educação Básica, linha de pesquisa: Ensino de
Línguas.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Diana Maria Leite


Lopes Saldanha

PAU DOS FERROS


2022
© Todos os direitos estão reservados a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. O conteúdo desta obra é de
inteira responsabilidade do(a) autor(a), sendo o mesmo, passível de sanções administrativas ou penais, caso sejam
infringidas as leis que regulamentam a Propriedade Intelectual, respectivamente, Patentes: Lei n° 9.279/1996 e Direitos
Autorais: Lei n° 9.610/1998. A mesma poderá servir de base literária para novas pesquisas, desde que a obra e seu(a)
respectivo(a) autor(a) sejam devidamente citados e mencionados os seus créditos bibliográficos.

Catalogação da Publicação na Fonte.


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

E79c Estevam, Aparecida Suiane Batista


Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar
de professoras sobre a arte de contar e encantar mediada
pelas tecnologias. / Aparecida Suiane Batista Estevam. -
Pau dos Ferros, 2022.
200p.

Orientador(a): Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes


Saldanha.
Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-
Graduação em Ensino). Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte.

1. Contação de histórias. 2. pandemia. 3. tecnologias.


4. ensino remoto. 5. formação de leitores. I. Saldanha,
Diana Maria Leite Lopes. II. Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte. III. Título.

O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido
pela Diretoria de Informatização (DINF), sob orientação dos bibliotecários do SIB-UERN, para ser adaptado às
necessidades da comunidade acadêmica UERN.
A dissertação “Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar de professoras sobre a
arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”, de autoria de Aparecida Suiane Batista
Estevam foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGE/UERN, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Ensino, outorgado pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte- UERN.

Dissertação defendida e aprovada em: 27/04/2022.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (PPGE/UERN)
(PRESIDENTE DA BANCA)

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Keutre Gláudia da Conceição Soares Bezerra (UERN)
(EXAMINADORA INTERNA)

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Francileide Batista Almeida Vieira (UFRN)
(EXAMINADORA EXTERNA)

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Pessoa Sampaio (UERN)
(SUPLENTE INTERNA)

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Daise Lilian Fonseca Dias (UFCG)
(SUPLENTE EXTERNA)
Ao Mestre dos Mestres, pela dádiva da vida.
A Jesus Misericordioso, por me dar a força e a
sabedoria necessária para concluir com êxito esta
trajetória.
AGRADECIMENTOS

Agradecer aos que, de perto ou de longe, nos ajudam a trilhar um caminho é


indispensável, pois como bem escreveu Clarice Lispector, sozinhos podemos até chegar mais
rápido, mas acompanhados, chegamos mais longe. Sendo assim, agradeço primeiramente a
Deus por presentear a humanidade com os ensinamentos e o amor do Mestre dos Mestres, Jesus
Cristo. Minha gratidão a este grande Mestre, por nos momentos mais difíceis dessa trajetória,
me dá sabedoria, força e coragem para não desistir.
Agradeço a minha família, em especial aos meus pais Margarete e João e ao meu irmão
Thiago, por serem meu porto seguro, por estarem comigo nos momentos de alegria, vitória e
glória, mas sobretudo, nos dias de lutas e por não medirem esforços em me ajudarem na
concretização dos meus sonhos.
Agradeço a todos os meus amigos e amigas pelo apoio, incentivo, carinho e amizade.
Obrigada por cada palavra de afeto. Não citarei os nomes para na emoção, não esquecer de
alguém, mas saibam que sem vocês, esta caminhada teria sido ainda mais difícil.
Agradeço a UERN por me acolher pela segunda vez enquanto aluna e ao PPGE pela
oportunidade de transformar o sonho de cursar um mestrado, em realidade e também por
contribuir com a minha formação acadêmica, profissional e humana. Na pessoa do professor
Doutor José Cezinaldo, pessoa que aprendi a admirar por sua humanidade, agradeço a todos os
professores do PPGE, que de forma direta ou indireta, me ensinou sobre a importância da
pesquisa, da ética e da educação para a construção de um mundo melhor.
Agradeço a CAPES pela oportunidade de ser bolsista e atuar de forma mais direta nas
atividades do programa. Agradeço ainda a todos os meus colegas da turma de 2020 pelas
experiências compartilhadas e pelos laços de amizade construídos. De modo especial, agradeço
a minha amiga e irmã acadêmica, Nathalia Feitosa. Obrigada minha amiga por ser abrigo e
calmaria nas tempestades, por vibrar com minhas conquistas e ser luz em minha vida.
Agradeço a PESQUISADORA, PROFESSORA e AMIGA, Diana Maria Leite Lopes
Saldanha por primeiro contribuir com minha formação leitora, por me oportunizar viver todas
as experiências possíveis em um mestrado, e sobretudo, por acreditar em mim, me incentivando
sempre a voar como águia. Palavra nenhuma descreveria a gratidão que tenho por conhecê-la e
ter o privilégio de ser sua orientanda.
Agradeço de forma especial a banca examinadora, que desde a qualificação trouxe
valiosas contribuições, aumentando assim, a qualidade do nosso trabalho e tornando-o ainda
mais significativo para o leitor.
Por fim, e não menos importante, agradeço as professoras Pollyanna e Alice, por mesmo
em meio a pandemia com exaustivas rotinas de trabalho e perdas imensuráveis, dá vida a esta
dissertação através de suas experiências com a literatura e a contação de histórias. Sem a
colaboração de vocês este trabalho não poderia ser escrito. Gratidão!
O Sonho
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.


Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores


coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que


choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por
suas vidas.
Clarisse Lispector
Todos nós lemos a nós mesmos e ao mundo a
nossa volta para vislumbrarmos o que somos e
onde estamos. Lemos para compreender ou
para começar a compreender. Não podemos
deixar de ler. Ler, quase tanto como respirar, é
uma de nossas funções vitais.
Alberto Manguel (1997)
RESUMO

Este estudo discorre sobre as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto, formato
de ensino emergencial, adotado no Brasil, em virtude da pandemia da COVID-19 nos anos de
2020 e 2021, período em que o vírus se propagou de forma mais intensa e desastrosa. Parte do
pressuposto de que contar histórias, por envolver ludicidade, desperta nos alunos a curiosidade,
imaginação e o gosto pela leitura literária e contribui significativamente com a formação de
leitores, não podendo deixar de ser desenvolvida, mesmo em tempos de ensino não-presencial.
Por isso, objetiva investigar, a partir da visão das professoras, as práticas de contação de
histórias com vistas a formação de leitores em turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais
de uma escola pública do município de Pau dos Ferros (RN), durante o ensino remoto. Se
configura em uma pesquisa de campo e de abordagem qualitativa, que utiliza a aplicação de
questionário online por meio do Google Formulário e a realização de entrevista coletiva,
semiestruturada, com as professoras colaboradoras da pesquisa, por meio do Google Meet,
como técnicas para a obtenção dos dados empíricos. A pesquisa ainda adota o método de
interpretação de sentidos como técnica para analisar os dados (GOMES, 2009). A interpretação
dos dados indica que, apesar das limitações impostas pela modalidade remota de ensino, a
prática de contação de histórias mediada por suportes tecnológicos é possível e necessária,
sobretudo, para garantir aos alunos o direito à literatura. Nesse sentido, a pesquisa apresenta
resultados relevantes para a compreensão acerca da frequência e intencionalidade do trabalho
com a contação de histórias, no âmbito da Educação Básica, durante o ensino remoto; para a
reflexão dos desafios e possibilidades encontrados pelas educadoras para mediar as narrativas
em formato virtual; e para o conhecimento de experiências exitosas com a contação de histórias,
com vistas a formação de leitores em ambientes digitais. Portanto, esta pesquisa contribui com
a formação de professores, no que diz respeito a ampliação de saberes teóricos e práticos quanto
ao fomento da leitura literária através da contação de histórias em aulas remotas.

Palavras-chave: Contação de histórias; pandemia; tecnologias; ensino remoto; formação de


leitores.
ABSTRACT

This study discusses the practices of storytelling during remote teaching, an emergency
teaching format adopted in Brazil, due to the pandemic of COVID-19 in the years 2020 and
2021, the period in which the virus spread more intensely and disastrously. It is based on the
assumption that storytelling, by involving playfulness, awakens in students curiosity,
imagination, and a taste for literary reading, and contributes significantly to the formation of
readers, and cannot fail to be developed, even in times of non-presential education. Therefore,
it aims to investigate, from the teachers' point of view, the practices of storytelling with a view
to the formation of readers in classes of Elementary School - Early Years of a public school in
the city of Pau dos Ferros (RN), during the remote teaching. This is a field research with a
qualitative approach, which uses the application of an online questionnaire through Google
Form and a collective semi-structured interview with the cooperating teachers through Google
Meet as techniques to obtain empirical data. The research also adopts the meaning interpretation
method as a technique to analyze the data (GOMES, 2009). The interpretation of the data
indicates that, despite the limitations imposed by the remote teaching modality, the practice of
storytelling mediated by technological supports is possible and necessary, especially to
guarantee students the right to literature. In this sense, the research presents relevant results for
the understanding of the frequency and intentionality of the work with storytelling in Basic
Education, during remote teaching; for the reflection on the challenges and possibilities
encountered by educators to mediate narratives in virtual format; and for the knowledge of
successful experiences with storytelling, aiming at the formation of readers in digital
environments. Therefore, this research contributes to the formation of teachers, with respect to
the expansion of theoretical and practical knowledge about the promotion of literary reading
through storytelling in remote classrooms.

KEY WORDS: Storytelling; pandemic; technologies; remote teaching; reader education.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência


PRP Programa de Residência Pedagógica
BALE Programa de Extensão Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas
CAPF Campus Avançado de Pau dos Ferros
UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
SCIELO Scientific Electronic Library Online
PPGE Programa de Pós-Graduação em Ensino
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PROINFO Programa Nacional de Informática na Educação
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CETIC.BR Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação
LISTA DE QUADROS

QUADRO 01: Revisão sistemática nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES e SCIELO .......................................................................................... 25
QUADRO 02: Trabalhos realizados de 2016 à 2021 no âmbito do PPGE .............................. 30
QUADRO 03: Perfil acadêmico e profissional das professoras colaboradoras ....................... 44
QUADRO 04: Perfil leitor das professoras colaboradoras ....................................................... 45
QUADRO 05: Diferenças existentes entre a contação de história mediada em formato
presencial e virtual de acordo com Busatto (2013) ................................................................ 100
QUADRO 06: Aplicativos e plataformas digitais utilizadas pelas professoras durante o ensino
remoto ..................................................................................................................................... 122
QUADRO 07: Algumas das histórias trabalhadas pelas colaboradoras durante o ensino remoto
................................................................................................................................................ 145
QUADRO 08: Relato das professoras acerca da recepção dos alunos ao ouvirem as histórias
nos encontros síncronos .......................................................................................................... 152
QUADRO 09: Técnicas para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020) ..................................................................................................................................... 158
QUADRO 10: Recursos para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020) ..................................................................................................................................... 161
QUADRO 11: Articulação de técnicas e recursos + sugestões de histórias que melhor se
adequam a cada escolha .......................................................................................................... 163
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: : Aspectos indispensáveis na hora de planejar uma contação de histórias ....... 106
FIGURA 02: Elementos a serem considerados pelo narrador na hora de contar uma história
................................................................................................................................................ 110
FIGURA 03: Desafios enfrentados pelas educadoras para realização de práticas de contação de
histórias durante o ensino remoto ........................................................................................... 132
FIGURA 04: Prints de tela do vídeo da representação do livro “Palavras, Muitas Palavras?”
pelos alunos do 1º ano ............................................................................................................ 147
FIGURA 05: Prints de tela do vídeo da representação da história “Amar o Mar” pelos alunos
do 1º ano ................................................................................................................................. 148
FIGURA 06: Prints de tela do vídeo da representação da história “Cadê meu Travesseiro?”
pelos alunos do 3º ano ............................................................................................................ 149
FIGURA 07: Prints de tela do vídeo da representação da história “Rã de Três Olhos” pelos
alunos do 3º ano ...................................................................................................................... 150
SUMÁRIO

1 AS PRIMEIRAS PALAVRAS E O INÍCIO DE UMA NOVA HISTÓRIA ................ 16


2 A ESCOLHA METODOLÓGICA: SELECIONANDO O CAMINHO PARA
CHEGAR AO DESTINO....................................................................................................... 34
2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................. 35
2.2 O QUESTIONÁRIO E A ENTREVISTA COMO TÉCNICAS PARA A CONSTRUÇÃO
DOS DADOS ........................................................................................................................... 39
2.3 APRESENTAÇÃO DO LÓCUS E DOS SUJEITOS DA PESQUISA ............................. 43
2.4 A CADA PASSO, UMA NOVA DESCOBERTA: ETAPAS DA PESQUISA ............... 47
2.5 A TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS: UMA ROTA NECESSÁRIA E CHEIA DE
SURPRESAS ............................................................................................................................ 48
3 PANDEMIA DA COVID-19, ENSINO REMOTO E TECNOLOGIAS ...................... 52
3.1 INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: MUDANÇAS
NECESSÁRIAS ....................................................................................................................... 62
3.2 TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ENTRE DESAFIOS E
POSSIBILIDADES .................................................................................................................. 71
4.1 ORIGEM E MODIFICAÇÕES NO DECURSO DO TEMPO ......................................... 83
4.2 RELEVÂNCIA E ELEMENTOS BÁSICOS DA NARRATIVA NO CONTEXTO
ESCOLAR .............................................................................................................................. 101
5 A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DURANTE O ENSINO REMOTO
EMERGENCIAL: EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL ................................................................................................ 114
5.1 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM A LEITURA LITERÁRIA NO ÂMBITO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA .......................................................................................................... 114
5.2 TECNOLOGIA, CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E FORMAÇÃO DE LEITORES:
EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL DURANTE O ENSINO REMOTO ........................................................ 120
5.3 TÉCNICAS E RECURSOS LÚDICOS: ALGUMAS SUGESTÕES ............................ 157
6 PARA TERMINAR: IMPRESSÕES DA PESQUISADORA ..................................... 165
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 170
APÊNDICE B........................................................................................................................ 176
APÊNDICE C ....................................................................................................................... 178
APÊNDICE D ....................................................................................................................... 179
APÊNDICE E........................................................................................................................ 183
APÊNDICE F ........................................................................................................................ 184
16

1 AS PRIMEIRAS PALAVRAS E O INÍCIO DE UMA NOVA HISTÓRIA

Quando abrimos os olhos, a vida se coloca à nossa


frente. Inevitavelmente, começamos a formar um
repertório de histórias: a nossa história [...].

Celso Sisto (2012)

A literatura enquanto arte da palavra assume diversas funções em nossa vida individual
e coletiva, nos permite sentir inúmeras sensações, como alegria, tristeza, medo, revolta,
comoção e esperança. Por isso, se torna indispensável para a formação humana e não deve ser
utilizada na escola com um fim estritamente pedagógico, pois fazer isso é retroceder ao início
do século XVIII, quando a literatura para crianças foi criada, com o intuito de moralizá-las e
moldá-las conforme os ideais adultos e dominantes.
Conforme aponta Abramovich (2004), a literatura propicia experiências
transformadoras e oportuniza o conhecimento de si, do outro, do mundo e a identificação com
personagens, situações, crenças e valores, o que faz dessa vivência uma troca de saberes,
sentimentos e emoções (entre quem lê e quem escreve) e um encontro entre diferentes pontos
de vistas, contextos e culturas. Logo, a leitura de literatura permite nos reconhecermos como
membros de uma comunidade.
Através da leitura literária, adentramos em universos até então desconhecidos,
apreciamos novas belezas, conhecemos personagens e nos identificamos (ou não) com sua
personalidade, travamos lutas, nos desestabilizamos, sorrimos, choramos. Ao entrarmos nas
histórias, nos arriscamos a construir outras e a, simplesmente, não ser a mesma pessoa, pois a
literatura transforma, e mais que isso, liberta, humaniza, porque fala da vida e mantém uma
relação direta com a nossa realidade. Em vista disso, defendemos que a literatura é um direito
de todos e uma necessidade universal (CANDIDO, 2011).
É ressaltando a relevância e necessidade da literatura para a formação humana que nos
arriscamos a dizer que a leitura literária, provavelmente, nunca tenha se mostrado tão
importante e necessária em nossas vidas quanto ao longo da pandemia da COVID-19; doença
causada por uma nova espécie de coronavírus, o SARS-CoV-2, um vírus invisível que atinge o
sistema respiratório e que já causou inúmeras mortes em todo o planeta, tornando-se uma
ameaça para todos. Em março de 2020, as autoridades sanitárias recomendaram o
distanciamento e isolamento social, a fim de diminuir a propagação do vírus que se proliferava
17

desastrosamente em todo o mundo, o que ocasionou o fechamento das instituições escolares e


a suspensão das aulas presenciais por tempo indeterminado.
Nesse contexto, com o intuito de amenizar os impactos negativos no setor educacional,
surgiu o ensino remoto que, por se tratar de um ensino emergencial, impôs aos educadores e a
toda a comunidade escolar, muitos desafios, dentre eles, o de inserir e utilizar as ferramentas
digitais no processo ensino-aprendizagem. O ensino remoto tornou-se indispensável para que a
educação não parasse. Logo, tal ensino se configurou em uma nova forma de ensinar e aprender.
Apesar de haver inúmeras discussões no âmbito acadêmico e científico, acerca das
potencialidades da tecnologia para o enriquecimento e dinamismo do processo de ensino-
aprendizagem, ficou perceptível durante o ensino remoto, que não podemos ignorar a
necessidade de implementar os recursos tecnológicos para melhorar a educação, bem como
ficou evidente que existem muitas barreiras (fragilidades na formação dos professores,
infraestruturas precárias, desigualdades sociais no que diz respeito ao acesso equitativo a
internet e aparelhos tecnológicos, dentre outras), a serem vencidas/superadas pela escola, pela
família e pela sociedade como um todo.
O contexto pandêmico estruturado em todo o mundo fez com que a maioria das pessoas
fossem obrigadas a se recolher em suas residências e manter o distanciamento físico do outro.
Tal realidade, aproximou as pessoas da arte em suas inúmeras manifestações, tendo em vista
que esta, tornou-se refúgio, lugar de calmaria e lazer em tempos de crise e de fechamento do
comércio.
Nessa perspectiva, a literatura presente nas histórias, contos, lendas, poemas, tornou-se
indispensável para enfrentarmos o medo (do vírus, da morte, do desemprego, da fome, da
miséria), nos emprestando dos personagens, a força e a grandeza, no sentido de acreditarmos
em dias melhores, de sonhar, fantasiar e desligar-se da realidade em que estamos inseridos,
experiência difícil de ser vivenciada em rotinas “normais”, já que na maioria das vezes, não nos
sobra tempo para lê literatura, pois estamos ocupados demais com outras atribuições.
Como é possível trabalhar a literatura no contexto escolar em tempos de ensino remoto?
Ao pensarmos a leitura literária sob a perspectiva das novas formas de interação, é possível
afirmar que a presença das tecnologias tem nos oportunizado entrar em contato com uma
diversidade de textos, o que significa que “lemos” cada vez mais, por meio de diversos suportes,
pois o que antes era possível ler apenas em um livro físico, hoje já se encontra nas diversas
plataformas digitais, em áudios, vídeos e imagens.
No entanto, ainda que os meios pelos quais temos acesso ao texto literário tenham sido
ressignificados, acreditamos que uma das vias mais seguras (e antigas) para inserir a literatura
18

no âmbito da Educação Básica, não pode ser esquecida, mesmo em tempos de ensino remoto,
que é o desenvolvimento de práticas de contação de histórias, pois o contato com as narrativas
orais, que por sua vez também acontece a partir de textos contemporâneos, poderá propiciar ao
leitor em formação, o enriquecimento de sua bagagem antecipatória, o despertar pelo gosto da
leitura e o desejo de familiarizar-se com a escrita para que, em outro momento, seja possível
(decodificar) e reviver essa mesma história contada, em um livro (AMARILHA, 2012).
É por meio da contação de histórias que os alunos, que ainda não decodificam o código
escrito, entram em contato com as narrativas, aumentam seu repertório de leitura e se
aproximam da escrita. A partir da voz de quem conta, os educandos têm a oportunidade de
apreciar histórias, interpretá-las e ressignificá-las a partir de suas experiências, de conhecer
novos lugares e pessoas e de sentir inúmeros sentimentos e emoções (ABRAMOVICH, 2004).
A contação de histórias transcendeu as gerações, adaptou-se às mudanças ocorridas na
sociedade e conseguiu manter-se viva até hoje, encantando os mais diversos públicos, sendo
uma arte imprescindível para a formação de leitores, para o despertar da imaginação e do gosto
pela leitura, pois de forma lúdica, chama a atenção e aguça a curiosidade de quem a aprecia.
Refletir sobre isso é reconhecer a importância das histórias para a humanização dos
sujeitos, e entender que a função formativa da literatura não se restringe ao repasse de regras
moralizantes, como o preenchimento de fichas exaustivas de leitura e realização de atividades
vazias de sentido. A literatura transcende a esta visão estritamente pedagógica, porque educa à
medida que faz viver, com os sabores e dissabores da vida, com as vitórias e derrotas.
Assim, por reconhecermos a importância da leitura literária para a humanização dos
sujeitos, o caráter lúdico da contação de histórias e sua contribuição para a formação de leitores,
e as exigências impostas pelo ensino remoto, sobretudo, no que diz respeito ao uso das
tecnologias para a mediação do conhecimento é que esta pesquisa foi guiada, a princípio, pela
seguinte questão: Durante o ensino remoto, qual lugar a contação de histórias tem ocupado nas
práticas dos professores? A este questionamento agregamos outros: a) Como estão sendo
desenvolvidas as práticas de contação de histórias, com vistas a formação de leitores durante o
ensino remoto nos anos iniciais do Ensino Fundamental? b) Com que frequência e
intencionalidade têm acontecido esse trabalho? c) Que desafios e possibilidades foram
encontrados pelos professores para o desenvolvimento de práticas de contação de histórias
durante este ensino mediado pelas tecnologias?
Para o entendimento das problematizações expostas, se faz necessário o
aprofundamento teórico acerca do ensino remoto enquanto ensino emergencial, decorrente da
pandemia da COVID-19, do uso das tecnologias na mediação do processo de ensino-
19

aprendizagem e da contação de histórias como recurso lúdico capaz de despertar o gosto pela
leitura.
Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral investigar, a partir da visão
das professoras, as práticas de contação de histórias com vistas a formação de leitores em turmas
do Ensino Fundamental – Anos Iniciais de uma escola pública do município de Pau dos
Ferros/RN durante o ensino remoto. Como objetivos específicos estabelecemos: i) Averiguar
como e com qual frequência estão sendo desenvolvidas as práticas de contação de histórias
durante o ensino remoto, decorrente da pandemia da COVID-19; ii) Identificar os desafios e
possibilidades que permeiam as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto; (iii)
Compreender como tem se efetivado a participação dos alunos nestas atividades remotas.
Acreditamos que para o desenvolvimento de um trabalho significativo com o texto
literário nos anos iniciais da formação do aluno, os educadores devem despertar o gosto dos
alunos pelas histórias, a partir de estratégias lúdicas que chamem a atenção e despertem a
curiosidade. Assim, defendemos que a contação de histórias pode funcionar como recurso
lúdico para a formação desses novos leitores e mediadores de leitura. Além disso, através da
história contada oralmente pelo professor, os educandos que ainda não decodificam o código
escrito, poderão sentir o desejo de ler o livro, o texto e a partir de então, desvendar palavras e
construir sentidos.
Dessa forma, a relevância do presente estudo para a comunidade acadêmica e escolar se
dá pelo fato de contextualizar elementos que poderão enriquecer ainda mais as práticas de
contação de histórias enquanto recurso lúdico para despertar a imaginação e o gosto pela leitura,
mesmo em tempos de ensino remoto (não presencial). Bem como discutir sobre os desafios e
possibilidades encontradas pelos educadores para mediar esse contato dos alunos com o
universo simbólico das histórias, e contribuir com a valorização da arte de contar histórias e a
mediação do texto literário enquanto propulsores de momentos de aprendizagem, diversão e
reflexão nessa etapa de ensino em um contexto pandêmico em que os medos e incertezas são
constantes. A seguir, apresentamos as justificativas pessoais, profissionais, acadêmicas, e
sociais para a realização desse estudo investigativo no âmbito da leitura, da contação de
histórias e da formação de leitores e descrevemos brevemente a estrutura do trabalho.

1.1 ENTRE PALAVRAS, LIVROS, PESQUISAS E VIVÊNCIAS: EIS QUE SURGE AS


MOTIVAÇÕES PARA A PESQUISA
20

A leitura vista como meio/instrumento para a mudança de vida e como necessidade


básica para atuar na sociedade sempre fez parte do nosso caminhar. De origem humilde e de
poucos recursos financeiros, fomos incentivadas, desde cedo, a buscar nos estudos, nos livros,
a esperança de dias melhores. “Quem muito lê, muito escreve”! Uma frase (que mais parecia a
canção preferida da nossa mãe), mencionada inúmeras vezes em nossa infância e adolescência,
nunca fez tanto sentido após a realização de estudos e pesquisas no âmbito da leitura e formação
de leitores. Isso porque a leitura de literatura não só contribui para o exercício de uma escrita
melhor, mas amplia horizontes, desperta emoções e sentimentos, cria possibilidades, informa,
encanta, liberta, inquieta, faz pensar, faz viver.
Nesse sentido, o interesse em discutir e pesquisar acerca das práticas de contação de
histórias com vistas a formação de leitores durante o ensino remoto - decorrente da pandemia
da COVID-19 – surge, a princípio, da necessidade de aprofundar os estudos na área de formação
de leitores iniciados no percurso acadêmico do curso de Pedagogia, de modo específico, na
vivência dos programas formativos: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID) e Programa de Residência Pedagógica (PRP); das experiências exitosas enquanto
voluntária do Programa de Extensão Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas (BALE),
do Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN) e da realização da pesquisa monográfica “O papel do professor na mediação de
leitura com vistas a formação de leitores” (ESTEVAM, 2016), que teve como objetivo principal
compreender o papel do professor na formação leitora dos alunos.
As experiências vivenciadas nos programas formativos PIBID e PRP aguçaram o desejo
de investigar sobre a temática delineada nesse estudo, pois a partir dessas vivências,
percebemos que a literatura, rica em linguagem simbólica, e a valorização de práticas de
contação de histórias enquanto recurso lúdico, capaz de despertar a imaginação e suscitar o
desejo pela leitura do livro (objeto de prazer) nos alunos, ainda ocupam um lugar tímido na
maioria das salas de aulas da Educação Básica.
O programa BALE, cujo objetivo primeiro é o de democratizar o acesso à leitura de
literatura e promover ações que fomentem o gosto e o prazer pelo texto literário, contribuiu
significativamente para um olhar investigativo e reflexivo, no que diz respeito a importância
das histórias para o despertar da imaginação e criatividade daqueles que ouvem ou leem as
obras literárias. Entre os livros espalhados pelo tapete da leitura deste programa primoroso,
descobrimos o poder libertador e encantador da literatura. Foi nesse espaço formativo, no
contato diário com as histórias (lidas, dramatizadas e musicalizadas) que formamos e nos
autoformamos leitoras e mediadoras de leitura literária, desde o ano de 2015.
21

O encantamento pelas histórias que haviam se perdido no meio do caminho por


exigências escolares, realização de atividades exaustivas de leitura e resumos de obras, foi
encontrado de volta no BALE, pois lá, as narrativas ganham vida, forma e cor na voz e nos
gestos de quem conta. Consideramos que o momento da contação de histórias, realizado pelo
programa, é mágico, tanto para quem conta, quanto para quem aprecia, (por termos vivenciado
essas duas experiências, acreditamos ter a liberdade de fazer essa afirmação), pois visualizamos
nos olhos que brilham, nos sorrisos que se abrem e nas palmas que ecoam, sob o ambiente em
que a contação acontece, que houve identificação com a história contada ou com algum
personagem, e que sensações diversas, como alegria, tristeza, medo, angústia, revolta,
decepção, foram vividas.
Dessa forma, nossa trajetória acadêmica no curso de Pedagogia foi essencial para tecer
reflexões acerca da relevância da literatura e da importância das histórias para a formação
humana e crítica dos leitores em formação. A troca de saberes nesses diversos espaços
formativos, permitem-nos reafirmar que a literatura, enquanto patrimônio imaterial da
sociedade, precisa ser experimentada por todos desde a infância. Além disso, o novo contexto
de ensino-aprendizagem, estabelecido pelo ensino remoto, impôs desafios e exigiu adaptações
de toda a comunidade escolar, o que nos motivou a investigar sobre o desenvolvimento de
práticas de contação de histórias nesse contexto atípico, a partir das vozes dos professores, pois
são os sujeitos que lidam diretamente com os educandos e com os desafios e possibilidades que
permeiam esse ensino emergencial.
O ingresso enquanto docente da educação do campo na rede municipal de ensino de Pau
dos Ferros/RN, reafirmou o desejo e a urgência de realizar este estudo, porque experienciamos
na prática, os sabores e dissabores desse ensino mediado pelas tecnologias, e o desafio de inserir
a literatura por meio da contação de história nas aulas síncronas e assíncronas. São nas aulas
assíncronas que os alunos mais dependem do auxílio de um responsável, que lhes acompanhe
e oriente em como participar dos momentos de interação com a linguagem simbólica das
histórias, de debate, de reconto e reconstrução da narrativa a partir de suas vivências.
Além disso, compreendemos a riqueza da leitura literária e da contação histórias para
despertar a imaginação, aguçar a curiosidade, manifestar sentimentos e emoções e provocar
reflexões naquele que escuta e participa ao mesmo tempo da narrativa, ora como expectador
que sente o texto e analisa as situações; ora como personagem da história que, atuando com sua
personalidade, vive emoções, responde a questionamentos e propõe soluções para os problemas
encontrados (AMARILHA, 2012). Nesse contexto pandêmico, o exercício da profissão docente
nos fez refletir ainda mais sobre a necessidade de aprofundar os estudos acerca da literatura e
22

da contação de histórias, pois como recurso lúdico, a narrativa atua como facilitadora na
aproximação do aluno com o universo da leitura literária.
Acreditamos que a contação de histórias é uma arte, porque contagia, desperta
sentimentos, emociona, é indissociável da capacidade do ser humano relacionar as histórias
com suas experiências e produzir sentido para a vida (BEDRAN, 2012). Além disso,
defendemos que tal prática, configura-se em um caminho seguro para propiciar o contato dos
alunos com o livro, haja vista que a escuta e o olhar atento de cada palavra e gesto podem
despertar o interesse e curiosidade dos educandos em buscar o livro da história narrada para
reviver ou viver novos sentimentos e emoções.
Para Candido (2011), o acesso à literatura é um direito de todos e a contação de histórias,
enquanto recurso lúdico, que pode aproximar os alunos do livro, objeto de prazer, suscitar o
imaginário e despertar o desejo de conhecer novas histórias, precisa ser valorizada pelos
profissionais da educação, principalmente, em tempos de distanciamento e isolamento social,
pois o contato dos educandos com o universo das histórias, em alguns casos, provavelmente, só
aconteça por meio da mediação do professor.
No entanto, é válido ressaltarmos que não é objetivo da escola, criar dependência de
alguém que conte histórias para o aluno (sempre), mas desenvolver neste, interesse e autonomia,
para que por conta própria, possa trilhar caminhos em busca do prazer em ler. Para Amarilha
(2012) para que os leitores em formação adquiram autonomia na leitura, estes precisam da
mediação de alguém mais experiente que possibilite o contato diário com textos ricos em
qualidade estética e com diversidade de gêneros, bem como promova espaços de discussões
para que os alunos se sintam à vontade para apresentarem suas opiniões e argumentarem sobre
as histórias lidas. Logo, pensar as práticas de contação de histórias realizadas com o auxílio das
ferramentas tecnológicas durante o ensino remoto, é de suma importância para refletirmos sobre
a formação de leitores em tempos de crise, de ataques à democracia e à vida, de desvalorização
da ciência e de desmonte da educação pública de qualidade.
Nesse sentido, a relevância atribuída a esta pesquisa não se restringe a apresentação de
resultados em caráter informativo, mas busca analisar e refletir de forma fundamentada sobre o
desenvolvimento das práticas de contação de histórias nos três primeiros anos do Ensino
Fundamental de uma escola pública do município de Pau dos Ferros (RN), durante o ensino
remoto. A pesquisa visa investigar de que modo essas práticas têm contribuído para a formação
de leitores, como tem se efetivado a participação dos alunos, quais os desafios e alternativas
foram sendo encontradas pelos educadores, para tornar possível o contato dos alunos com o
universo da leitura literária durante a pandemia da COVID-19.
23

Desse modo, no intuito de conhecermos as pesquisas e discussões realizadas no meio


acadêmico nos últimos seis anos (2016 à 2021), acerca da contação de histórias na perspectiva
de formação de leitores, e justificar a relevância acadêmica e social deste estudo, é que
realizamos, inicialmente, uma revisão sistemática da literatura. A escolha desse lapso temporal
se deu pelo fato de objetivarmos investigar os estudos mais recentes realizados na área, pois
assim, se torna possível contextualizar a nossa pesquisa e aprofundar as discussões acerca da
temática delimitada.
Os descritores utilizados para realizar as buscas nos diversos bancos de dados foram:
contação de histórias, formação de leitores e ensino remoto, pois acreditamos que estes
representam de forma ampla, a discussão que intencionamos apresentar neste estudo. É válido
ressaltarmos que a revisão sistemática só foi concluída na segunda quinzena de dezembro de
2021, pois no ano anterior ainda não existiam pesquisas concluídas na área de ensino sobre o
ensino remoto. Além disso, os números resultantes da busca para esse descritor, em todos os
bancos de dados, referem-se não apenas a trabalhos realizados durante o Ensino Remoto
Emergencial, mas abordam de forma geral o ensino e a educação remota. Isso porque
restringimos a opção “assunto”, porque se colocássemos “todos os campos”, os números de
trabalho com recorrência no termo “ensino” e “remoto” seriam ainda maiores.
Iniciamos a busca pelo banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), mantida pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(IBICT), que disponibiliza, até então, mais de 514.554 dissertações e mais de 190.000 teses. A
princípio, pesquisamos separadamente os trabalhos com os descritores: “Contação de
histórias”, “Formação de leitores” e “Ensino remoto” que resultaram respectivamente em cento
e vinte e cinco (125), oitocentos e oitenta e três (883) e trinta e sete (37) trabalhos, somando um
total de um mil e quarenta e cinco (1.045) teses e dissertações. Para aperfeiçoar a busca, usamos
os operadores booleanos (mais especificamente o AND que em português significa “E”, pois
busca por registros que estejam em qualquer parte do texto “título, resumo e corpo do
trabalho”). Como critério de inclusão, delimitamos pesquisas desenvolvidas no Ensino
Fundamental - Anos Iniciais, e como critérios de exclusão, pesquisas realizadas em outras
etapas de ensino e em outros espaços que não fossem a sala de aula.
Ao pesquisarmos os descritores “Contação de histórias AND Formação de leitores”
encontramos apenas treze (13) trabalhos, entre dissertações e teses. Acrescentando a isso, o
descritor “Ensino Remoto”, não tivemos nenhum resultado, pois os trabalhos indexados na
base, resultantes do descritor “ensino remoto”, estão voltados, em sua maioria, para temas que
abrangem a educação a distância e experimentação remota na área de ciências exatas e da saúde.
24

Destes treze (13) trabalhos que discutem as práticas de contação de histórias sob a perspectiva
de formação de leitores, realizamos o download de apenas dois (2), pois constatamos, após a
leitura dos resumos, que algumas pesquisas foram realizadas no âmbito do Ensino Fundamental
– Anos Finais e da Educação Infantil, cuja discussão se volta para a importância da contação
de histórias enquanto recurso facilitador para aprimorar as habilidades de leitura e escrita dos
educandos; outras enfatizam a biblioteca como espaço propício para implementação de projetos
de leitura que envolvam as práticas de contação de histórias e favoreçam a formação de leitores
e a expressão da criatividade e criticidade dos sujeitos, além de discutirem as memórias leitoras
de bibliotecários; há ainda um trabalho que se destaca com propostas inclusivas voltadas para
a literatura surda e outro que aborda as contribuições de um dos segmentos do PNBE 2012 para
a formação de leitores.
Seguindo a mesma sistemática anterior, uso de descritores, espaço temporal e critérios
de inclusão e exclusão, realizamos a busca no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para o descritor “contação de
histórias”, encontramos duzentos e cinquenta e três (253) trabalhos; para “formação de leitores”
vinte e quatro (24) trabalhos; e “ensino remoto”, cento e cinquenta (150) trabalhos, resultando
em uma soma de quatrocentos e vinte e sete (427) trabalhos, entre dissertações e teses. No
entanto, para os descritores “Contação de histórias AND formação de leitores”, obtivemos um
resultado de trinte e dois (32) trabalhos; desses, doze (12) estavam duplicados, restando-nos um
número de vinte (20) trabalhos que discutem a contação de histórias articulada a formação de
leitores. Quando acrescentamos o descritor “ensino remoto”, nenhum resultado foi encontrado.
Aplicando os critérios de inclusão e exclusão, verificamos que os trabalhos excluídos
são desenvolvidos em espaços não-escolares e no Ensino Fundamental – Anos Finais; discutem
acerca da performance de mulheres contadoras de histórias na contemporaneidade, através da
experiência estética e poética; problematizam a contação de histórias como uma metodologia
capaz de desenvolver a imaginação e capacidade comunicativa dos alunos inseridos nos anos
finais do Ensino Fundamental; e refletem sobre a importância das narrativas serem realizadas
de forma lúdica em bibliotecas escolares e públicas. Sendo assim, do total de resultados obtidos
neste banco de dados, realizamos o download de apenas três (3) trabalhos.
Para finalizar a busca de pesquisas que discutem sobre o objeto de estudo em evidência
nesse trabalho, realizamos o mesmo processo de busca no banco de dados da Scientific
Electronic Library Online - SCIELO. Para o descritor “contação de histórias”, encontramos dez
(10) artigos; trinta e três (33) para “formação de leitores”; vinte (20) para “ensino remoto”; o
que totaliza sessenta e três (63) artigos. Porém, ao pesquisarmos trabalhos que abordam a
25

contação de histórias como recurso facilitador para a formação de leitores, não tivemos nenhum
resultado, da mesma forma quando acrescentado “ensino remoto”.
Os trabalhos que versam sobre a contação de histórias associavam-se, na sua maioria, à
área da saúde, cujas investigações buscavam enfatizar a relevância da contação de histórias para
o estudo da teoria da mente das crianças, cuidado humanizado no hospital e o uso da contação
como tecnologia assistiva para o envelhecimento ativo ou estavam relacionados ao Ensino
Fundamental – Anos Finais, Educação Infantil e Ensino Superior.
Quanto aos estudos realizados no contexto da formação de leitores, versam no geral
sobre os seguintes aspectos: livro didático, mediação da leitura na sala de aula, em bibliotecas
escolares e públicas e leitura de texto de divulgação científica. No que diz respeito ao Ensino
Remoto, alguns estudos estão voltados para os impactos na economia e administração de
empresas, outros referem-se a pesquisas desenvolvidas em universidades, e outros ainda na área
da saúde e ciências exatas e da natureza, envolvendo aplicativos e experimentos. Assim, após
a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, realizamos a leitura dos resumos e realizamos
o download de apenas um (1) artigo, pois foi o que mais se aproximou da nossa discussão.
No quadro abaixo, sintetizamos as principais informações dos seis (6) trabalhos que
mais dialogam com nosso objeto de estudo nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses
e Dissertações da CAPES e SCIELO.

QUADRO 1: Revisão Sistemática nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses e


Dissertações da CAPES e SCIELO

BANCO DE TÍTULO/AUTOR OBJETIVO METODOLOGIA DISCUSSÃO


DADOS /ANO GERAL
DISSERTAÇÃO: Despertar Pesquisa de A pesquisa enfatizou
Formação de nos alunos o intervenção, o papel do professor
leitores: buscando gosto pela qualitativa, com como mediador de
caminhos a partir leitura, coleta e análise de leitura, a necessidade
da sala de aula partindo da dados através da de implementar
(CARVALHO, reinvenção observação práticas lúdicas e
BDTD 2019). do espaço participante, dinâmicas de leitura
da sala de diário de campo e literária para que seja
aula como questionário. despertado nos
um caminho alunos o desejo pelo
na formação ator de ler. Constatou
de leitores que a ressignificação
do trabalho com a
leitura (desde a
reorganização do
espaço da sala de
aula) numa turma de
26

4º ano, propiciou
uma experiência
significativa para os
alunos.

TESE: Do autor Pensar os Pesquisa O estudo apresenta


ao leitor: os processos bibliográfica e de os diversos atores
processos que de mediação abordagem sociais que são
marcam o entre o texto qualitativa. mediadores da leitura
encontro das e o leitor, literária, desde a
crianças e jovens considerand existência de
com o livro o os políticas públicas
(NOGUEIRA, mediadores (que ainda não são
BDTD 2017) da obra suficientes para a
literária, sua formação de
função leitores), de fomento
social e suas ao texto literário, até
dificuldades o papel indispensável
das famílias. Além
disso, destaca o
mediador como
figura central do
processo de
formação de leitores,
tendo em vista que é
a partir das
experiências
compartilhadas que
se torna possível o
contato com o livro e
a paixão pela
literatura.
Catálogo de DISSERTAÇÃO: Enfatizar a Pesquisa O trabalho propõe
Teses e Contação de necessidade bibliográfica, de uma discussão no
Dissertações histórias: sua da leitura natureza campo teórico,
da CAPES contribuição para como qualitativa e acerca da
o incentivo à processo propositiva. importância da
leitura lúdico e prática de contação
(SICHELERO, prazeroso. de histórias para o
2017) desenvolvimento de
uma aprendizagem
prazerosa, que
aborda diferentes
assuntos por meio da
literatura. Apresenta
a contribuição no
campo prático, à
medida que aponta
27

sugestões de obras da
literatura infantil e
estratégias de como
trabalhá-las na
Educação Básica,
propiciando
reflexões teóricas-
práticas acerca da
contação de histórias
e contribuindo para o
aperfeiçoamento das
práticas de leitura
desenvolvidas por
professores.
Catálogo de TESE: Da terra do Investigar Pesquisa O estudo discute
Teses e nunca ao país das como um participante do sobre as histórias
Dissertações maravilhas: os trabalho tipo intervenção. infantis, articulando
da CAPES clássicos da pautado nos a prática da contação
literatura infanto- clássicos da de história ao
juvenil e a literatura desenvolvimento da
linguagem oral e infanto- linguagem (com e
escrita (COSTA, juvenil, sem ênfase na
2020) pode imaginação).
contribuir Apresenta resultados
para o positivos, no que diz
desenvolvi respeito aos avanços
mento da na área de leitura,
linguagem escrita e oralidade
oral e escrita dos alunos
de alunos do participantes da
5º ano do pesquisa, visto que,
Ensino passaram a
Fundamenta interpretar e escrever
l. textos com coesão e
coerência textual,
bem como se
expressar através de
desenhos,
compreendendo a
importância e a
necessidade de
pensar, para quê e
para quem se
escreve. A contação
de histórias se mostra
uma “metodologia”
lúdica e prazerosa,
capaz de contribuir
com o
desenvolvimento da
28

linguagem (oral e
escrita) e da
imaginação dos
sujeitos.
Catálogo de DISSERTAÇÃO: Refletir Pesquisa A pesquisa aponta a
Teses e A contação de sobre a exploratória, contação de história
Dissertações história como contação de bibliográfica e de como um recurso
da CAPES recurso para a histórias abordagem pedagógica e de
formação de como qualitativa. grande potencial para
leitores: estratégia a formação leitora de
proposição de para o alunos inseridos no
práticas leitoras estímulo da Ensino Fundamental
para os anos leitura nos – Anos Iniciais.
iniciais do Ensino anos iniciais Apresenta inúmeros
Fundamental. do Ensino contributos teóricos
(SOUZA, 2021) Fundamenta no que diz respeito à
l leitura, à obra
literária, à formação
de leitores e à
contação de histórias,
bem como no campo
da prática, visto que
organiza sequências
didáticas, com obras
literárias de boa
qualidade estética e
com temáticas
relevantes, como o
caso da história
“Menina bonita do
laço de fita”, de Ana
Maria Machado. As
proposições didáticas
que embasam a
prática de contação
de história, elencadas
pela pesquisadora,
convida o leitor a
pensar tema,
objetivos,
habilidades de
acordo com a Base
Nacional Comum
Curricular, recursos e
estratégias para
mediar a narrativa. O
trabalho defende uma
prática de contação
de história
contextualizada e
29

voltada para a
formação do gosto e
prazer pelo texto
literário.
A contação de Analisar as Pesquisa- A pesquisa articula a
SCIELO histórias no contribuiçõe intervenção e de área de saúde mental
Instagram como s da abordagem e literatura, tendo a
tecnologia leve contação de qualitativa. contação de histórias
em tempos histórias como um recurso
pesados de para a saúde expressivo e que
pandemia mental no poderá, a partir da
(MENEZES et al, contexto da arte literária,
2020) pandemia contribuir para a
de Covid- discussão de temas
19. considerados
polêmicos como
racismo, morte,
desigualdade social,
dentre outros. Além
disso, fica evidente
que a realização da
contação de histórias
a partir do Instagram
(rede social que
alcança um grande
número de
usuários/seguidores)
é um desafio
inicialmente para os
pesquisadores, mas
que possibilitou a
construção de
memórias coletivas,
a escuta de valores,
conceitos, ideias e
tradições.
FONTE: Elaborado pela pesquisadora com base nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES e SCIELO

Ademais, consideramos relevante mencionar que no âmbito do Programa de Pós-


Graduação em Ensino (PPGE) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN há
diversas pesquisas que versam sobre a importância da literatura para a formação leitora dos
sujeitos. Tais discussões perpassam por diferentes áreas do conhecimento: geografia, espanhol,
inglês, língua portuguesa, dentre outros e por diversas etapas da Educação Básica. Contudo,
apenas três (3) dissertações dialogam com o nosso objeto de estudo (contação de histórias).
Abaixo, sintetizamos suas principais informações.
30

QUADRO 2: Trabalhos realizados de 2016 à 2021 no âmbito do PPGE

TÍTULO/AUTOR OBJETIVO METODOLOGIA DISCUSSÃO


/ANO GERAL
DIISERTAÇÃO: Compreender Pesquisa-ação e de As discussões são situadas
A arte de dizer da como a contação abordagem sob a perspectiva da
contação de de história, como qualitativa. inclusão, pois enfatizam
história: expressão expressão experiências com alunos
criativa no ensino criativa, pode com deficiência e a
da língua brasileira contribuir para a aprendizagem da Língua
de sinais aprendizagem da Brasileira de Sinais
(CARVALHO, Língua Brasileira (LIBRAS) em uma turma
2016). de Sinais de do 2º ano do Ensino
alunos surdos e Fundamental. A pesquisa
ouvintes, por meio aponta que a contação de
do ensino histórias é uma prática
desenvolvido no criativa que favoreceu uma
Atendimento melhor comunicação entre
Educacional os alunos ouvintes e a aluna
Especializado. surda; contribuiu para
aprendizagem de
conhecimentos básicos da
LIBRAS; para a formação
do gosto pela leitura e
estimulou a criatividade e
imaginação dos alunos.
DISSERTAÇÃO: Analisar as Pesquisa A pesquisa gira em torno
Conto e reconto estratégias de bibliográfica, da contação e reconto da
com “O mágico de autoformação descritiva, história “O mágico de Oz”
Oz”: estratégia de leitora pelo BALE participante e de e sua relevância para a
autoformação no PORTALEGREN abordagem autoformação leitora dos
programa BALE SE, qualitativa. Os educandos. Os dados
portalegrense principalmente, instrumentos apontam que o ato de
(FREITAS, 2020). nos Canteiros da utilizados para a contar e recontar as
Formação, coleta e análise dos narrativas favorecem a
Informação, dados foram: construção do senso crítico
Encenação, diário de campo, e reflexivo dos sujeitos,
Contação e filmagem e bem como, despertam o
Ficção, mediante recontos escritos interesse em conhecer
atendimentos nas (objeto de análise). outras leituras.
escolas
municipais da
cidade de
Portalegre/RN.
DISSERTAÇÃO: Analisar as Pesquisa de campo O estudo é realizado em
A contação de contribuições da e bibliográfica, de uma turma de 3º ano do
histórias como prática de abordagem Ensino Fundamental e
ferramenta para a contação de qualitativa. Os apresenta em sua discussão
formação de histórias como instrumentos teórica a importância da
31

leitores nos anos ferramenta para a utilizados para a contação de história para o
iniciais do Ensino formação de coleta e análise dos desenvolvimento da
Fundamental leitores nos anos dados foram: imaginação dos alunos e
(SILVA, 2020). iniciais do Ensino questionário, para a formação de leitores
Fundamental entrevista e diário críticos. Os dados apontam
de campo. a utilização da prática de
contação para fins
estritamente pedagógicos,
que não favorecem a
formação do gosto pelo
texto literário; a
necessidade do professor
ser também o sujeito leitor;
que a contação de histórias
chama a atenção da maioria
dos alunos; e que é
necessário um
redimensionamento da
prática docente para
utilização da contação de
histórias como recurso
capaz de contribuir com a
formação de leitores.
FONTE: Elaborado pela pesquisadora com base no banco de dados da Plataforma Sucupira

Com base nos estudos realizados acerca da nossa temática, verificamos que muitos são
os trabalhos que tratam da contação de histórias e formação de leitores em diversas etapas da
Educação Básica e sob diferentes perspectivas. Contudo, não encontramos nenhuma pesquisa
que discutisse as práticas de contação de histórias mediadas pelas ferramentas tecnológicas
durante o ensino remoto. Vale reforçar que os trabalhos encontrados sobre o ensino remoto
foram realizados no âmbito do Ensino Fundamental – Anos Finais, Ensino Médio, nível
superior e gestão escolar, e abordados, em sua maioria, na área das ciências exatas e da natureza,
como matemática, física e química.
Há, pois, a necessidade de apresentar aos alunos, a linguagem estética e simbólica da
literatura, através da contação de histórias em suas inúmeras formas de manifestações, a partir
de vários suportes, para que comecem desde cedo, a apreciar os encantamentos que a leitura
literária nos permite experimentar. Contudo, se a formação de leitores, por gosto, se constitui
um desafio diário para os professores, durante o ensino remoto, tal desafio se intensificou ainda
mais, pois além da distância física entre professores e alunos, existem ainda outros obstáculos
que dificultam esse processo de ensino-aprendizagem por meio das tecnologias.
O diferencial desse estudo está no fato de investigar as práticas de contação de histórias
com vistas a formação de leitores durante a pandemia da COVID-19, sob o olhar reflexivo de
32

professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que poderá resultar em um dos
primeiros trabalhos que discute esta temática no âmbito desse ensino emergencial e nessa etapa
de ensino. Além disso, intenciona contribuir com a formação continuada dos professores, ao
propor espaços de discussões (teóricos e práticos) acerca da literatura, leitura, contação de
histórias e uso das tecnologias no contexto pedagógico.
De forma didática, essa dissertação será organizada em seis (6) capítulos, além das
referências, anexos e apêndices. O primeiro capítulo discorre sobre as considerações iniciais
do trabalho. Traz uma breve contextualização acerca do objeto de estudo e da temática a ser
discutida; apresenta a questão-problema, os objetivos (geral e específicos) e as motivações
(pessoais, profissionais, acadêmicas e sociais) que fizeram emergir este estudo; e situa as
contribuições para o universo acadêmico, no que diz respeito a ampliação da discussão acerca
da temática delineada e para a Educação Básica quanto ao aumento da qualidade do ensino e
enriquecimento das práticas de leitura literária por meio da contação de histórias.
O segundo capítulo apresenta o percurso metodológico e o contexto em que a pesquisa
foi realizada, além de sistematizar as etapas que foram seguidas em toda a investigação. O
terceiro capítulo aborda as discussões teóricas no âmbito do ensino remoto e das tecnologias,
o que norteou nossas reflexões acerca da educação no contexto pandêmico e o uso das
tecnologias no ensino, seus desafios e possibilidades.
No quarto capítulo, apresentamos a discussão teórica acerca da importância da
contação de histórias para a formação de leitores. Para isso, resgatamos aspectos importantes
do surgimento dessa arte antiga e as adaptações pelas quais teve de passar para não deixar de
existir com as mudanças da sociedade, e trouxemos reflexões sobre a presença e importância
das narrativas e seus elementos básicos no ambiente escolar.
No quinto capítulo realizamos a análise do corpus da pesquisa, construídos a partir da
aplicação do questionário e da realização da entrevista semiestruturada e coletiva, realizada
com as professoras colaboradoras. Por meio do diálogo entre os dados empíricos e a teoria
estudada, conseguimos fazer novas descobertas e construir novos saberes acerca da temática
delineada nesse estudo. Além disso, apresentamos de forma breve, alguns recursos e técnicas
que poderão contribuir com o enriquecimento das práticas de contação de histórias no âmbito
da Educação Básica.
No sexto capítulo apresentamos as considerações finais, na qual retomamos os aspectos
primordiais da pesquisa, a fim de trazer possíveis contributos teóricos e práticos para a
Educação Básica e para a nossa formação enquanto docentes. Ainda indicamos nas
Referências, as fontes teóricas em que nos fundamentamos ao longo de toda a pesquisa; nos
33

apêndices, a carta de anuência da escola em que realizamos a pesquisa, o Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, o Termo de Autorização para Uso de Áudio, o questionário,
o roteiro e a transcrição da entrevista coletiva realizada com as professoras.
34

2 A ESCOLHA METODOLÓGICA: SELECIONANDO O CAMINHO PARA


CHEGAR AO DESTINO

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem


ensino [...]. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso
para constatar, constatando, intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar
ou anunciar a novidade.

Paulo Freire (1997)

A busca por respostas e o desejo de desvendar as causas de um determinado problema


é o que move a realização de uma pesquisa. Segundo Minayo (2009, p. 16) “[...] é a pesquisa
que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente a realidade do mundo. Portanto, embora
seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação [...]”. Logo, a pesquisa não está
associada apenas a prática do discurso e a problematização de situações, pois apesar de ser uma
prática teórica, envolve também transform(ação), à medida que amplia o campo de discussão e
constrói novas ideias, teorias e conceitos. Para Gil (2008, p. 26), a pesquisa pode ser entendida
“[...] como o processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico [...]”, já
que, a partir da sistematização do processo investigativo e da construção dos dados, novos
conhecimentos poderão ser descobertos e formalizados, o que acaba por contribuir
satisfatoriamente com a realidade social investigada.
Para tanto, faz-se necessário uma metodologia adequada, visto que esta aponta o trajeto
a ser percorrido, e é definida a partir das escolhas do pesquisador que, ciente do que deseja
alcançar, seleciona as melhores rotas (método, técnicas e instrumentos) para obter êxito no
processo (MINAYO, 2009). A metodologia ultrapassa a visão técnica do fazer pesquisa e
mantém estreita relação com as discussões teóricas e com a realidade estudada. Descrevemos
ao longo desse capítulo, o percurso metodológico que foi percorrido durante esta investigação,
no entanto, seguimos cientes de que novos rumos poderiam ser tomados e novas rotas
estabelecidas.
Nessa perspectiva, iniciamos indicando a base epistemológica que fundamenta este
estudo e classificando a pesquisa quanto a sua natureza, objetivos e procedimentos de coleta de
dados e fontes de informação. Posteriormente, apontamos as técnicas utilizadas para a
construção dos dados empíricos; apresentamos suscintamente os critérios de inclusão e
35

exclusão que justificam a escolha do lócus e sujeitos colaboradores da pesquisa e a


caracterização destes últimos e, por fim, apontamos a técnica de análise de dados que nos
ajudou a sistematizar, inferir, analisar, interpretar e resumir os dados coletados e os
conhecimentos construídos no decurso desse trajeto.

2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA

Para iniciar o delineamento desse processo, começamos ressaltando que esta pesquisa
se vincula ao campo da educação, no qual os sujeitos imersos em sua realidade, têm a liberdade
de construir sentidos de acordo com as experiências pedagógicas. Trata-se de uma pesquisa
aplicada, já que poderá trazer contributos para a realidade investigada, a partir da discussão
teórica e das proposições de estratégias e recursos que podem vir favorecer o aprimoramento
das práticas de contação de histórias realizadas, com e sem o auxílio das tecnologias, por
professores da Educação Básica. A pesquisa tem como base epistemológica, a dialética. Esta
por sua vez,

[...] fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da


realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos
quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas,
econômicas, culturais etc. [...] (GIL, 2008, p. 13).

O diálogo estabelecido entre pesquisador e colaborador pressupõe movimento e não


inércia, logo, a partir da dialética, é possível ter dimensão totalizante do que objetivamos
investigar, pois os fatos não são tratados isoladamente, mas vinculados a realidade social,
política, econômica, cultural e pedagógica do campo e dos sujeitos pesquisados.
De modo específico, ao ouvirmos os educadores acerca das práticas de contação de
histórias durante o ensino remoto, pudemos compreender melhor os desafios enfrentados, bem
como valorizar a pluralidade de ideias e estratégias encontradas pelos professores para a
efetivação desse trabalho. Refletimos a partir da diversidade de opiniões e vivências, sobre as
práticas de contação de histórias como recurso para a formação de leitores durante o ensino
emergencial adotado em vistas da pandemia da COVID-19. Quanto a natureza dos dados, a
pesquisa configura-se como qualitativa, pois trabalhamos com a subjetividade dos sujeitos, o
que implica dizer que a construção dos dados se deu por meio do diálogo entre os colaboradores
e suas experiências pedagógicas. Logo, os resultados não podem ser traduzidos apenas em
36

números, pois há um universo de significados que precisam ser analisados atentamente pelo
pesquisador. A abordagem qualitativa,

[...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes e é entendido como parte da realidade
social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o
que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e
partilhada com seus semelhantes (MINAYO, 2009, p. 21).

Na abordagem qualitativa, o pesquisador encontra-se imerso nos significados e


experiências dos sujeitos que, por sua vez, têm a oportunidade de expressar suas opiniões acerca
do objeto de estudo em questão sem se preocupar em fornecer respostas objetivas e
quantificáveis. Essa abordagem investigativa possibilita um olhar mais atento e subjetivo em
relação ao objeto de estudo escolhido e um conhecimento aprofundado acerca de
particularidades que só podem ser vistas e compreendidas a partir de um estudo sistematizado.
Assim, os dados qualitativos são

[...] ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais


conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não
se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim,
formuladas com o objetivo de investigar fenômenos em toda a sua
complexidade e em contexto natural (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16).

Como se vê, a pesquisa qualitativa é descritiva, pois não se restringe a obtenção de


números, mas a análise criteriosa dos registros feitos durante a pesquisa, vendo nestes, a
possibilidade para estabelecer uma maior compreensão acerca do objeto de estudo elencado
pelo pesquisador. Além disso, o ambiente pesquisado é a fonte direta dos dados, pois o contato
investigador-ambiente favorece um olhar mais atencioso e reflexivo, onde o processo torna-se
tão importante quanto o produto ou os resultados alcançados.
Assim, esta abordagem se adequa às nossas aspirações de pesquisa, visto que
investigamos a prática de contação de histórias durante o ensino remoto, no período de
pandemia da COVID-19, a partir da percepção de professoras do Ensino Fundamental – Anos
Iniciais de uma escola da rede estadual de ensino situada na cidade de Pau dos Ferros (RN).
Com isso, objetivamos atribuir significados às experiências dessas educadoras, compreendendo
o contexto que se desdobra nas entrelinhas dessas vivências.
Quanto aos objetivos, a pesquisa é explicativa, pois de acordo com Gil (2008, p. 28), é
a “[...] que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das
37

coisas [...]”, isto é, não se limita a descrição dos fatos, mas apresenta-os, problematiza, justifica,
explica e argumenta. Essa perspectiva é apropriada ao presente trabalho pelo fato de
objetivarmos não apenas descrever as práticas de contação de histórias realizadas por
educadores durante o ensino emergencial, mas compreender a partir da vinculação
colaborador/sujeito pesquisado e realidade pedagógica existente, por exemplo, quais são os
desafios e possibilidades que permeiam esse trabalho e com qual frequência e intencionalidade
tais práticas são realizadas. Assim, através da problematização e explicação da realidade
investigada, podemos encontrar respostas para as perguntas iniciais, pontuar aspectos essenciais
do processo e propor alternativas para o problema investigado.
No que diz respeito aos procedimentos técnicos para a coleta de dados, realizamos
inicialmente um levantamento bibliográfico e, posteriormente, a pesquisa de campo. O
levantamento bibliográfico é indispensável para a fundamentação teórica de qualquer estudo
investigativo, pois a partir deste será possível selecionar e reunir teorias que discutam e
dialoguem com a temática abordada ao longo do trabalho. Conforme aponta Gil (2008), o
levantamento bibliográfico está disponível nos mais diversos suportes (físicos ou virtuais) para
que possamos buscar teorias que contribuam com o aprofundamento de nossa pesquisa.
Para fundamentarmos o presente estudo, recorremos aos contributos teóricos de
(ALVES, 2020; MEDEIROS, 2019; RIBEIRO, 2020; KENSKI, 2007; 2012; MORAN, 2000)
dentre outros, que discutem sobre a concepção de ensino remoto, seus encontros e desencontros
frente a uma educação de qualidade; as mudanças oriundas na sociedade a partir do advento das
tecnologias e como isso se reflete no contexto educacional; (CANDIDO, 2002; 2011; FARIAS;
2011; BUSATTO, 2012; 2013; SISTO, 2012; BEZERRA, 2020) que defendem o acesso à
literatura como uma necessidade básica e um direito de todos; compreendem a contação de
histórias como uma arte que atravessa as gerações por meio de seu caráter lúdico e dinâmico e
que consegue se manter viva até os dias atuais, podendo causar encantamento naqueles que se
permitem viver tal experiência; e que reconhecem a relevância da contação de histórias para o
despertar do gosto pela leitura e por conseguinte para a formação de leitores.
O estudo de campo, de acordo com Gonçalves (2001, p. 67) é “[...] o tipo de pesquisa
que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada [...]”, isto é, exige
um contato mais direto do pesquisador com o espaço e sujeitos pesquisados. Além disso, a
interação entre pesquisador, sujeito e realidade social possibilita a construção do conhecimento.
Então, a pesquisa de campo,
38

[...] permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou


uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que
conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico
importantíssimo para quem faz pesquisa social (MINAYO, 2009, p. 61, grifo
da autora).

Para que essa aproximação seja possível, faz-se necessário que o pesquisador se desfaça
de seus pré-julgamentos acerca do seu objeto de estudo, seja curioso, criativo e capaz de
confrontar as discussões teóricas com as descobertas no campo empírico, e assim, estabelecer
aproximações e distanciamentos entre a teoria e a prática. Bogdan e Biklen (1994, p. 113)
afirmam que “o trabalho de campo se refere ao estar dentro do mundo do sujeito [...]” e isso
implica aprender algo com esse sujeito, escutar seus anseios, ser empático com a realidade em
que está inserido. Fazendo isso, o pesquisador não deseja ser superior aos colaboradores, mas
cria uma relação harmônica, sem preconceitos, para que o estudo de campo tenha qualidade, o
que só será possível se passar “[...] pelo estabelecimento de relações[...]” quer quando
aplicamos o questionário ou quando realizamos a entrevista coletiva ou as oficinas formativas
(aspectos que serão detalhados na próxima seção).
Faz-se importante lembrar que nossa aproximação com o campo de estudo e com os
colaboradores da pesquisa se deu de forma remota, por meio do aplicativo de mensagens
WhatsApp, do formulário eletrônico Google forms e da plataforma de videoconferência Google
Meet, tendo em vista os protocolos de segurança estabelecidos pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), em virtude do contexto pandêmico estruturado em todo o mundo, por causa do
coronavírus. Assim, esse estudo pode configurar-se como uma pesquisa online, visto que
segundo Flick (2013, p. 164, grifo do autor) “[...] a pesquisa que usa a internet como um
instrumento para a realização de pesquisa social é às vezes chamada de “pesquisa on-line” [...]”.
Acreditamos que a pesquisa de campo se adequa ao nosso trabalho pelo fato de
necessitarmos adentrar no espaço escolar e conhecer as práticas de contação de histórias
realizadas em turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais durante o contexto pandêmico (o
modo como esse trabalho acontece, quais as dificuldades que se impõem e as estratégias
encontradas para que esse trabalho com a linguagem simbólica das histórias se tornasse possível
e chegasse até os alunos por meio dos recursos tecnológicos), a partir da voz das educadoras,
visto que são esses sujeitos que vivenciam na prática e de forma mais direta esse desafio duplo
(o de formar leitores e o ensino remoto).
Nesse sentido, apresentamos na seção seguinte, as técnicas adotadas nesse estudo
investigativo para a construção dos dados empíricos e para o desvelar de sentidos e significados
que permeiam as práticas de contação de histórias com vistas a formação leitora dos educandos.
39

2.2 O QUESTIONÁRIO E A ENTREVISTA COMO TÉCNICAS PARA A


CONSTRUÇÃO DOS DADOS

O questionário e a entrevista semiestruturada coletiva constituem as técnicas escolhidas


para o desenrolar da fase empírica dessa pesquisa. Utilizamos, em um primeiro momento, o
questionário para a construção dos dados, por acreditarmos que este nos aproximaria dos
sujeitos pesquisados, nos forneceria informações suficientes para traçarmos o seu perfil e nos
permitiria uma análise breve acerca de concepções primárias dos colaboradores sobre o objeto
de estudo para posteriormente realizarmos a entrevista coletiva.
Para Gil (2008), o questionário possibilita a expressão de sentimentos, crenças e
conhecimentos por parte dos sujeitos pesquisados e apresenta algumas vantagens, a saber:
alcance de um número maior de participantes; redução de gastos com o treinamento de pessoas
para aplicá-lo; garantia do anonimato dos respondentes; dentre outras. O autor enfatiza ainda
algumas desvantagens no que diz respeito à aplicação do questionário enquanto técnica de
pesquisa, dentre elas, destacamos: a exclusão da participação de pessoas analfabetas, dado que
o questionário é uma técnica que usa a escrita; e a ausência de auxílio por parte do investigador
na retirada de dúvidas, posto que a resposta do questionário não impõe a presença física do
pesquisador, mas pode ser respondido conforme disponibilidade (de tempo e espaço) do
colaborador.
No entanto, acreditamos que, em vista do que nos propomos alcançar com a aplicação
do questionário, as vantagens dessa técnica de pesquisa superam as desvantagens, pois de forma
responsável e ética, buscamos superar as limitações, elaborando um questionário não muito
extenso, com questões precisas e objetivas, a fim de obter o número de respostas desejado e
facilitar o entendimento das colaboradoras, fornecendo orientações necessárias para o
preenchimento do questionário na plataforma virtual, e ficando a disposição dos participantes
para, em caso de dúvidas e/ou alguma eventualidade, ajudá-los e auxiliá-los no que fosse
preciso. O questionário aplicado com as professoras do Ensino Fundamental – Anos Iniciais de
uma escola da rede estadual de ensino do município de Pau dos Ferros/RN por meio do Google
Forms é composto por vinte e uma (21) questões, sendo treze (13) fechadas e nove (09) abertas.
De acordo com Gil (2008, p. 122-123) “[...] nas questões abertas solicita-se aos
respondentes para que ofereçam suas próprias respostas [...]. Nas questões fechadas, pede-se
[...] para que escolham uma alternativa dentre as que são apresentadas numa lista [...]”, isto é,
nas primeiras, os participantes tem maior liberdade de expressar suas opiniões e ideias, não
limitando-se a uma resposta, já nas últimas, geralmente, precisam optar por uma alternativa que
40

melhor represente aquilo que acredita, vivencia ou deseja, o que acaba por gerar maior
uniformidade nas respostas, já que a escolha por uma mesma opção poderá ocorrer mais de uma
vez.
Nessa fase, intencionamos traçar o perfil acadêmico (escolaridade e se possui ou não
pós-graduação), profissional (qual escola trabalha, em que turma atua, quantos anos de docência
na escola e qual vínculo empregatício possui) e leitor (quais tipos de leitura faz e com qual
frequência e intencionalidade, bem como relato de experiência com o texto literário) das
professoras; conhecer as formas de interação estabelecida com os alunos durante o ensino
remoto, sua periodicidade, e se o contato com o universo da leitura através da contação de
histórias é oportunizado, bem como, abrir um espaço para que as educadoras avaliem e
justifiquem a sua prática pedagógica e a participação dos alunos nessa nova forma de ensinar e
aprender.
Aplicado o questionário, realizamos a leitura e uma análise breve dos dados obtidos para
sistematizarmos a caracterização das professoras, assim como suas primeiras percepções acerca
dos aspectos abordados no questionário. Feito isso, realizamos a entrevista com as
colaboradoras da pesquisa, cuja realização justifica-se pelo fato de combinar “[...] perguntas
fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em
questão sem se prender à indagação formulada” (MINAYO, 2009, p. 65). Isso permitiu as
colaboradoras expressarem suas opiniões, ideias e experiências acerca da temática abordada,
dando mais confiança a pesquisadora.
A entrevista se configura em uma ação dialógica entre os sujeitos, uma forma de
interação social, na qual há trocas, compartilhamento de ideias, conhecimentos e significados
(BAUER; GASKELL, 2002). Constitui-se em uma “[...] técnica em que o investigador se
apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados
que interessam à investigação [...]” (GIL, 2008, p. 109). A partir da escuta, do que o outro
apresenta, buscamos entender os conceitos, ideias, experiências e opiniões que os sujeitos
entrevistados carregavam e como isso se relacionava à realidade em que estão inseridos.
Nessa perspectiva, acreditamos que a partir do diálogo travado com as entrevistadas,
compreendemos aspectos peculiares do nosso objeto de estudo, bem como encontramos as
respostas para as perguntas iniciais e, por consequência, construímos novos saberes. Para isso,
elaboramos questões que nortearam o diálogo e que puderam ser reelaboradas e retomadas de
acordo com as respostas das colaboradoras. Nessa vertente,
41

[...] As entrevistas qualitativas variam quanto ao grau de estruturação.


Algumas, embora relativamente abertas, centram-se em tópicos determinados
ou podem ser guiadas por questões gerais [...].
No outro extremo do contínuo estruturada/não estruturada situa-se a entrevista
muito aberta (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 135).

Nesse estudo, optamos pela entrevista semiestruturada que, segundo Flick (2013), é
organizada a partir de um guia ou roteiro com questionamentos norteadores que abrangem os
objetivos da entrevista, pois julgamos mais adequada ao que propomos realizar na pesquisa e
por nos propiciar mais segurança, visto que elaboramos questões que serviram como guia para
conduzir a discussão. Com isso, não apresentamos alternativas para respostas, mas criamos um
espaço para que as entrevistadas expusessem livremente suas opiniões acerca da temática
investigada. Nessa pesquisa, utilizamos a entrevista coletiva, visto que esta torna-se útil “[...]
para transportar o entrevistador para o mundo dos sujeitos” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.
138) à medida que o grupo se sentir encorajado e a vontade para falar sobre a temática abordada.
Além disso, por meio do diálogo estabelecido entre as entrevistadas, uma estimulava a
outra a posicionar-se em determinada questão, o que contribuiu com a ampliação da discussão
e com o surgimento de novas ideias problematizadas pelo grupo. Kramer (2007, p. 65) afirma
que “[...] nas entrevistas coletivas, a situação dialógica é enriquecida, as análises são mais
profundas e substanciais e, acima de tudo, a perplexidade é expressa [...]”. Os sujeitos
encontram-se em interação social, compartilhando e apreendendo novos saberes, pois, através
da escuta do outro, somos convidados a conhecer outras realidades e novas experiências e
refletir sobre suas limitações e fragilidades, bem como, vislumbrar o caminho futuro. Nessa
perspectiva,

Na situação grupal, a partilha e o contraste de experiências constroem um


quadro de interesses e preocupações comuns que, em parte experienciadas por
todos, são raramente articuladas por um único indivíduo. O grupo é antes mais
como uma novela, uma perspectiva sobre a vida cotidiana mostrada apenas
quando se assiste a todo o programa e não apenas pela contribuição de um
único ator (BAUER; GASKELL, 2002, p. 77).

A experiência da entrevista em grupo pressupõe troca, desperta emoções, interesses e


preocupações em comum entre os diferentes sujeitos, isso porque os significados emergidos do
diálogo mantém intrínseca relação com o contexto social em que os entrevistados estão
inseridos. Kramer (2007, p. 64) aponta ainda que “durante as entrevistas coletivas, o diálogo, a
narrativa da experiência e a exposição de ideias divergentes ocorrem com intensidade maior,
na medida em que os professores podem também escutar uns aos outros. [...]”, isso porque
42

temos pessoas de personalidades, histórias e contextos diferentes pensando e falando sobre um


único tema. É nessa diversidade de ideias e experiências que o conhecimento é construído,
confrontado e apresentado como plural, pois tudo perpassa pela singularidade dos sujeitos.
Considerando que os objetivos das entrevistas coletivas abrangem, de acordo com
Kramer (2007), a identificação de opiniões, reconhecimento de aspectos divergentes que se
tornam polêmicos quando tratados em grupo, a realização de debates e discussões entre os
participantes e a provocação de aspectos que gerem reflexão crítica acerca da situação que os
entrevistados experienciam, realizamos a entrevista com duas (02) professoras do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais de uma escola pública da cidade de Pau dos Ferros/RN.
Em virtude da pandemia da COVID-19, realizamos a entrevista coletiva com as
educadoras de modo síncrono (interação em tempo real entre os sujeitos) via Google Meet
(plataforma de vídeo conferência que permite a interação de várias pessoas ao mesmo tempo
por áudio e/ou mensagens de texto via chat, e quando acessado de uma conta institucional,
disponibiliza a opção de gravar a reunião). Conforme pontua Flick (2013), existem algumas
vantagens da realização da entrevista nesse formato remoto; dentre elas, destacamos a redução
do tempo para alcançar as pessoas que se encontram muito distantes fisicamente, diminuição
dos custos financeiros, visto que não é necessário gastar com a impressão dos formulários, e
maior adesão para participação na pesquisa, já que para isso, o entrevistado não precisa fazer o
deslocamento para lugares mais distantes, pois pode participar no conforto de sua residência.
Após a realização da entrevista com as educadoras, realizamos a sua transcrição a partir
das orientações propostas por Duarte (2004), já que na hora de transcrever, o pesquisador deve
levar em consideração aspectos importantes, como a transcrição que deve ser realizada pelo
próprio pesquisador logo após de encerradas e passar pela conferência de fidedignidade, isto é,
verificar se o que foi transcrito corresponde a fala original dos sujeitos.
A autora aponta que as entrevistas poderão passar por edição, nas quais “[...] frases
excessivamente coloquiais, interjeições, repetições, falas incompletas, vícios de linguagem,
cacoetes, erros gramaticais etc. devem ser corrigidos na transcrição editada” (DUARTE, 2004,
p. 221). Logo, realizamos a adequação da transcrição à norma culta, com o objetivo de
promover maior fluência na leitura dos trechos relatados pelas colaboradoras. Para tanto,
criamos a seguinte legenda “... = Qualquer pausa; (...) = Fala inaudível, trecho repetido ou
descontextualizado; e { } = Explicação para ampliar a compreensão do contexto. Porém,
tivemos o cuidado de não comprometer a fidelidade do material original, respeitando assim, os
aspectos éticos da pesquisa.
43

Acreditamos que a entrevista semiestruturada e coletiva, realizada com as educadoras,


nos permitiu compreender aspectos importantes acerca das práticas de contação de histórias
desenvolvidas em turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental durante o contexto
pandêmico, bem como propiciou um diálogo aberto entre as participantes e a entrevistadora
acerca dos entraves, das estratégias encontradas, do contexto que envolve os protagonistas do
processo de ensino-aprendizagem.

2.3 APRESENTAÇÃO DO LÓCUS E DOS SUJEITOS DA PESQUISA

A escola, enquanto instituição social, tem o papel de promover a formação integral dos
sujeitos, bem como possibilitar o acesso ao universo literário e aos bens culturais. Acreditando
nisso, realizamos a presente pesquisa em turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental de
uma escola da rede estadual de ensino, localizada no município de Pau dos Ferros (RN), mais
conhecido como Princesinha do Oeste. Os sujeitos da pesquisa são do sexo feminino e, a fim
de preservarmos sua identidade e a da instituição escolar em que atuam e respeitarmos os
princípios éticos na pesquisa, usamos nomes fictícios para nos referirmos a cada uma.
A Escola Estadual “País das Maravilhas” está situada em um bairro periférico da cidade
de Pau dos Ferros e possui aproximadamente 120 alunos matriculados em turmas do 1º ao 5º
ano do Ensino Fundamental, nos turnos matutino (1º ao 3º ano) e vespertino (4º e 5º ano). Essa
instituição escolar possui um diferencial se comparada a outras escolas do município: o
estabelecimento de uma parceria com o Programa BALE desde o ano de 2007. O BALE é um
Programa de Extensão do CAPF/UERN e foi idealizado em 2007 pelas professoras Lúcia
Sampaio e Renata Mascarenhas.
O principal objetivo do Programa é democratizar o acesso ao livro literário, disseminar
o gosto pela leitura e formar novos leitores e mediadores de leitura, através de diferentes ações
(dentre elas, a contação de histórias). Essa ação surge como uma necessidade social e como
uma resposta a falta de políticas públicas voltadas para o incentivo à leitura de literatura na
região do Alto Oeste Potiguar. A escola (lócus da pesquisa) foi uma das primeiras instituições
a estabelecer vínculo com o programa BALE e a única a ter a atuação do Projeto BALE-MIRIM
na biblioteca. Esse projeto intenciona formar os alunos da escola como leitores e mediadores
de leitura literária, no qual à medida que descobrem o gosto pela literatura, também
compartilham experiências com seus pares e formam outros leitores.
Acreditamos que a escola, por ter a oportunidade de trocar experiências com um
programa desta natureza, de fomento à leitura, deva buscar em suas práticas diárias, o
44

desenvolvimento de um trabalho intencional, contextualizado e comprometido com a


disseminação do gosto pela leitura literária e com a formação de novos leitores e mediadores
de leitura. Assim, os critérios que justificam a escolha deste espaço institucional para a
realização da pesquisa são: (i) ser uma escola pública da rede estadual de ensino localizada na
zona urbana da cidade de Pau dos Ferros/RN; (ii) ofertar o Ensino Fundamental – Anos Iniciais;
(iii) estabelecer parceria com o Programa de Extensão Biblioteca Ambulante e Literatura nas
Escolas (BALE).
No tocante a escolha das turmas, consideramos importante esclarecer que, a princípio,
iríamos realizar a pesquisa com as professoras do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental da escola
mencionada. No entanto, a professora do 2º ano não finalizou sua participação na pesquisa por
questões de saúde, visto que precisou se afastar da sala de aula antes da conclusão das etapas
de investigação, com as quais deveria contribuir. Ainda assim, compreendemos a situação, pois
apresentamos no início da investigação empírica, o TCLE assegurando as participantes a
possibilidade de desistir a qualquer momento do estudo.
A escolha das turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental se deu pelo fato de ser a
partir dessa etapa de ensino que a maioria dos alunos têm seu primeiro contato com a leitura de
forma sistematizada e intencional, logo, são os professores dessas turmas que têm a
responsabilidade de introduzir os alunos no universo simbólico presente nas histórias. Os
critérios que justificam a inclusão desses sujeitos na colaboração da pesquisa são os seguintes:
(i) ser servidores efetivos da rede estadual de ensino; (ii) lecionar na escola campo da pesquisa
há pelo menos 3 anos; (iii) lecionar nas turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais; (iv) ter
trabalhado com a literatura durante o ensino remoto decorrente da pandemia da COVID-19; e
(vi) concordar com o TCLE. E os critérios que excluem os participantes desse estudo são: (i) a
recusa em participar da pesquisa; (ii) a discordância com o TCLE e (iii) a retirada do
consentimento em qualquer momento da pesquisa. Considerando o pouco tempo que tínhamos
para realizar a investigação empírica e a disponibilidade das outras duas educadoras em
contribuir, demos continuidade a pesquisa na escola em questão. Sendo assim, apresentamos
nos quadros abaixo, o perfil acadêmico, profissional e leitor das duas professoras colaboradoras
da pesquisa:

QUADRO 03: Perfil acadêmico e profissional das professoras colaboradoras

NOME FAIXA- ESCOLARIDADE VÍNCULO PERÍODO TURMA


ETÁRIA EMPREGATÍCIO DE EM QUE
ATUAÇÃO LECIONA
45

NA
ESCOLA
Alice Entre Ensino Superior Funcionária
31 e 40 completo e estadual – Efetiva 8 anos 1º ano
anos especialização em
Educação Infantil
Pollyanna Mais de Ensino Superior Funcionária 4 anos 3º ano
50 anos completo estadual – Efetiva
FONTE: construído pela pesquisadora com base no questionário online (2021)

Conforme síntese dos dados, as educadoras possuem formação inicial específica na área
em que atuam, e uma delas possui pós-graduação lato sensu em Educação Infantil. Ambas
atuam há mais de três na escola e exercem à docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
mais especificadamente, no ciclo de alfabetização. Acreditamos que a experiência das
professoras tem muito a acrescentar nesse estudo, visto que estão inseridas nos primeiros anos
do percurso estudantil dos alunos e têm a responsabilidade de apresentar, de forma mais
sistemática e intencional, o universo da leitura e da escrita aos educandos.

QUADRO 04: Perfil leitor das professoras colaboradoras

LEITORA TIPOS DE FREQUÊNCIA FINALIDADE DA


LEITURA ÚLTIMA LEITURA
REALIZADA FEITA
Alice Sim Jornal, livros Diariamente Leitura por prazer, com a
literários, livros finalidade de distração.
informativos e
internet.
Pollyanna Sim Livros literários, Diariamente Para contar para as
livros crianças e por deleite
informativos, aceitando uma indicação
internet e outros. feita.
FONTE: construído pela pesquisadora com base no questionário online (2021)

A partir da resposta das professoras ao questionário online, é possível afirmar que ambas
possuem o primeiro requisito básico para ser um mediador de leitura literária, ser antes de tudo,
alguém que encontra prazer na leitura, ser leitor de literatura (AMARILHA, 2012). Como se vê
no quadro, as profissionais realizam diversas leituras diariamente. Acreditamos que a finalidade
com que buscam a leitura é modificada de acordo com a necessidade de cada uma, por exemplo,
o jornal pode ser lido com o intuito de buscar informações sobre as últimas notícias e
acontecimentos da região e do mundo, vagas de emprego, destaques da semana; a internet para
buscar entretenimento, notícias, troca de mensagens; e livros literários para apreciar, relaxar,
divertir, imaginar.
46

Quando questionadas acerca da finalidade da última leitura realizada, afirmam que foi
feita por prazer, por deleite e para mediar/contar para os alunos, o que nos permite inferir que
a sala de aula também é um espaço para o professor construir novas aprendizagens, aumentar o
repertório de leitura a partir da troca de experiências com os alunos e descobrir o gosto e o
prazer pelas histórias (AMARILHA, 2012).
Nesse caso, se pensarmos nos saberes necessários ao professor para mediar o contato
dos alunos com as histórias, podemos afirmar que, antes de apresentar métodos, técnicas e
recursos para o educador realizar uma contação de história de qualidade, é preciso que este,
tenha despertado primeiro, o gosto pelo livro literário. Por esse motivo, consideramos relevante
abrir um espaço para que as colaboradoras relatassem no questionário sua relação e experiência
com a leitura de literatura. Elas escrevem o seguinte:

Desde pequena tenho lembrança em ter contato com histórias infantis, em


casa minha mãe sempre comprava pequenos livro e também gostava de
frequentar a biblioteca da minha escola. Mas na adolescência, aos 12 anos,
tomei gosto depois de ler a obra de Pedro Bandeira, direcionada ao público
infanto-juvenil, "a prova de fogo", fiquei surpresa pela história ter me
envolvido ao ponto de lê-la em pouco mais de 2h. Hoje o gênero suspense
ainda me chama atenção, mas prefiro mesmo os de fantasia, aqueles que me
transportam para um lugar completamente novo e encantador, não sendo a
toa que a minha coleção favorita da vida é "Harry Potter" [...]. Leio também
para estudar, conhecer assuntos novos ou só descobrir coisas novas e
aleatórias. Mas a alguns anos acabei perdendo a frequência da leitura diária
de livros [...] literários, e resolvi esse ano comprar um aparelho digital de
armazenamento de livros, o que me ajudou a recupera o hábito da leitura
(ALICE, 2021, dados do questionário online, grifo nosso)

Comecei ler muito cedo, e durante a pandemia se tornou imprescindível, tanto


para desestressar quanto para buscar novos conhecimentos e melhorar as
práticas pedagógicas. A leitura faz parte da minha vida. Livros que gostei
muito, inclusive já li várias vezes - Olhai os lírios do campo - O Alquimista -
Vidas Secas - Depois de Auschwitz... Tenho preferência diversificada e sou
apaixonada pela literatura infantil (POLLYANNA, 2021, dados do
questionário online, grifo nosso)

A professora Alice destaca como leitura de sua preferência, aquela que a permite
imaginar, fantasiar, visitar diversos lugares, conhecer personagens e realidades diversas, ou
seja, a leitura de literatura. Isso porque, composta pela linguagem simbólica, a literatura nos dá
acesso a um outro mundo, no qual é possível criar, imaginar, expressar sentimentos, propor
resoluções para os problemas apresentados, viver novas experiências. Além disso, sinaliza que
com o passar do tempo, a frequência com que lia textos literários foi diminuindo e no contexto
da pandemia da COVID-19 foi possível retomar a partir da compra de livros em formato digital.
47

Apesar da menção ao desenvolvimento do hábito da leitura, pelas respostas da colaboradora,


acreditamos que não é o hábito em seu conceito mecânico, estático e obrigatório que é
experimentado com a literatura a que se refere, mas ao desenvolvimento do gosto e prazer pelas
histórias.
A professora Pollyanna destaca que a leitura faz parte da sua vida, o que nos remete a
literatura como um direito universal e uma necessidade básica da humanidade (CANDIDO,
2002) e a diferença de que uma educadora como esta, pode fazer na formação leitora dos alunos
inseridos na Educação Básica. Além disso, aponta algumas obras lidas e enfatiza a sua paixão
pela literatura infantil, fator importante e indispensável para que haja sentido, emoção e
qualidade na hora de contar/narrar/mediar uma história.
De acordo com o relato das professoras, podemos inferir que a leitura sempre teve um
espaço privilegiado em suas vivências e que o contato com as histórias, desde cedo,
provavelmente, fez com que o gosto, a valorização e o apreço pelo texto literário se
mantivessem até o presente momento em que relatam essa experiência com a literatura.

2.4 A CADA PASSO, UMA NOVA DESCOBERTA: ETAPAS DA PESQUISA

Com o intuito de desenvolver um trabalho ético e responsável, responder à questão-


problema e alcançar os objetivos previamente estabelecidos no início desse processo
investigativo é que, inicialmente, entramos em contato com a direção da escola para apresentar
o objetivo do trabalho e solicitar autorização para iniciarmos o estudo. Por mantermos boas
relações com a escola e seus profissionais, desde a vivência dos programas formativos PIBID
e PRP e do programa BALE, esta primeira conversa foi informal. Obtido a resposta positiva
por parte da direção escolar, entramos em contato com as professoras pelo WhatsApp e
marcamos um encontro para maiores esclarecimentos.
No primeiro encontro, tivemos o zelo de apresentar de forma sistematizada e detalhada,
os propósitos da pesquisa e as informações contidas no TCLE às colaboradoras, bem como
esclarecer como seria a participação na construção do conhecimento científico caso aceitassem
participar. Explicamos os papéis a serem desempenhados tanto pelas pesquisadoras quanto por
elas (participantes do estudo), as etapas que teriam de passar (no caso específico dessa pesquisa,
a aplicação de um questionário e realização de uma entrevista coletiva semiestruturada) e
disponibilizamos o TCLE para ser assinado, caso concordassem em colaborar com a
investigação. Além disso, ressaltamos os possíveis contributos da pesquisa para a educação e
para a própria escola. A proposta do projeto de pesquisa foi muito bem aceita tanto pela gestão
48

da instituição quanto pelas educadoras, o que nos motivou ainda mais, a seguir em frente e
desempenhar da melhor forma possível, o nosso papel enquanto pesquisadoras e construtoras
do conhecimento.
Em um segundo momento, realizamos a aplicação do questionário online por meio do
Google Forms - ferramenta do Google - com questões abertas e fechadas, com o objetivo de
traçarmos o perfil pessoal, acadêmico, profissional e leitor das educadoras. Buscamos um
consenso entre as participantes quanto as datas e a quantidade de dias para responderem o
formulário, a fim de respeitar a disponibilidade e particularidade de cada uma. Em outro
momento, realizamos o agendamento da entrevista coletiva semiestruturada pelo Google Meet,
plataforma virtual gratuita que possibilita a realização de videoconferências e envio de
mensagens por meio do chat e que as colaboradoras já tinham familiaridade por trabalharem
com ela nas aulas remotas.
Contudo, deixamos esclarecido que, por dependermos de aspectos que “escapam” do
nosso controle, como por exemplo, a internet, se houvesse algum imprevisto por qualquer uma
das partes (colaboradoras e/ou pesquisadoras), entraríamos em contato uma com as outras,
justificaríamos o ocorrido e remarcaríamos a entrevista conforme a disponibilidade de todas.
Além disso, foi assegurado as participantes a opção de desistir ou retirar o seu consentimento
para participar da pesquisa, cabendo a pesquisadora adaptar seu estudo e assegurar a
participante o seu direito de não colaborar sem que haja qualquer problema para si.
Nessa perspectiva, a entrevista foi marcada com as colaboradoras para o dia 22 de
outubro de 2021, às 19h00, de acordo a preferência e disponibilidade delas, pois não era nosso
intuito prejudicá-las ou retirá-las de suas atividades escolares ou outras demandas que viessem
a desempenhar. Compareceram a entrevista no dia e horário marcados, as professoras do 1º e
3º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual “País das Maravilhas”. Logo depois,
passamos a nos organizar para a realização da leitura, análise e interpretação dos dados para o
direcionamento intencional da proposta de intervenção a ser desenvolvida junto à escola e que
detalharemos um pouco mais no tópico a seguir.

2.5 A TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS: UMA ROTA NECESSÁRIA E CHEIA


DE SURPRESAS

O tratamento dos dados é um processo complexo e ao mesmo tempo encantador, pois


debruçados sobre aquilo que vimos e ouvimos, fazemos descobertas que no momento da coleta
dos dados passaram despercebidas. Segundo Flick (2013), a partir da descrição e sistematização
49

dos dados obtidos torna-se possível classificar e agrupar palavras, ideias e conceitos em
categorias, isto é, seu objetivo não é quantificar os sujeitos e opiniões, mas explorar os
significados e opiniões construídos e emitidos pelos colaboradores. Gomes (2009, p. 87)
destaca a “[...] categorização, inferência, descrição e interpretação [...]” como procedimentos
metodológicos importantes para análise de dados na perspectiva da pesquisa qualitativa. Isto é,
dividimos o material empírico em partes menores (palavras, frases, enunciados), distribuímos
essas partes em categorias críticas, descrevemos os achados da análise, fazemos inferências
acerca dos resultados encontrados e interpretamos os resultados à luz da fundamentação teórica
e objetivos adotados para a pesquisa.
A análise de dados não se constitui na mera descrição das opiniões, ideias e experiências
dos sujeitos pesquisados, mas de um momento de confronto e reflexão acerca da teoria
estudada, dos dados obtidos e da criatividade (aspecto indispensável para a fase de inferências)
do pesquisador. O objetivo da análise dos dados é ir além da descrição dos fatos, a partir da
decomposição dos dados e do estabelecimento das relações entre as experiências apresentadas
pelos colaboradores, os dados sistematizados e as teorias estudadas.
No caso desse estudo investigativo, adotamos o método de interpretação de sentidos
como técnica para análise de dados, visto que tal proposta abrange a compreensão de palavras,
ações, grupos, relações sociais, dentre outras e entende a construção de tudo isso a partir da
articulação entre as estruturas de significados estabelecidas a partir das interações sociais
(GOMES, 2009). Tal proposta de interpretação de dados dialoga com a concepção dialética
(base epistemológica dessa pesquisa) que, segundo Gomes (2009), corrobora com a
interpretação qualitativa dos dados, pois o diálogo estabelecido entre os partícipes da pesquisa
e as ressignificações construídas pelo pesquisador resultam na interação entre os fatos e
consequentemente em sua contextualização. O Método de Interpretação de Sentidos,

[...] é uma tentativa de avançarmos mais na interpretação, caminhando além


dos conteúdos de textos na direção de seus contextos e revelando as lógicas e
as explicações mais abrangentes presentes numa determinada cultura acerca
de um determinado tema (GOMES, 2009, p. 105).

Tal abordagem de análise vai além da descrição dos dados, sujeitos e conceitos, pois
caminha rumo a compreensão dos contextos em que as falas e relatos emergem. Assim,
enquanto pesquisadores precisamos confrontar as ideias, os diferentes posicionamentos e o
distanciamento entre as falas e as ações. Para que a interpretação dos dados à luz do método de
interpretação de sentidos seja possível, faz-se necessário: “[...] a) buscar a lógica interna dos
50

fatos, dos relatos [...]; b) situar os fatos, os relatos [...] no contexto dos atores; c) produzir um
relato dos fatos em que seus atores nele se reconheçam” (GOMES, 2009, p. 100). É preciso que
atribuamos sentidos e significados aos dados coletados, contextualizemos estes, à realidade em
que os sujeitos estão inseridos e redijamos um relato desse processo investigativo de modo que
os colaboradores se identifiquem e se reconheçam. Assim, quais caminhos teremos de seguir
para chegarmos à interpretação dos dados? Gomes (2009, p. 100-101) aponta as seguintes
etapas para que seja possível o alcance da interpretação dos dados: “(i) leitura compreensiva do
material selecionado; (ii) exploração do material; (iii) elaboração de síntese interpretativa”.
A primeira etapa corresponde a visão de totalidade e singularidades do material
construído, assim como a organização da estrutura de análise (sistematização das categorias)
que contribuirá com uma melhor interpretação dos dados. A segunda etapa abrange a
exploração minuciosa do material construído, o que exige do pesquisador criatividade e
reflexão, pois não podemos nos deter a superficialidade dos fatos, precisamos ir além do que
está visível e fazer a leitura do que está nas entrelinhas. Para isso, é preciso identificar e
problematizar as ideias apresentadas pelos sujeitos; buscar significados mais amplos associados
a estas ideias (entender o contexto de quem fala); e estabelecer o diálogo entre a
problematização do estudo, os dados provenientes dos colaboradores e de outras pesquisas e as
teorias estudadas ao longo da pesquisa. A última etapa equivale a construção da síntese da
interpretação dos dados coletados, o que só se torna possível a partir da articulação entre os
objetivos previamente estabelecidos, a questão-problema, os dados da pesquisa empírica e a
base teórica estudada (GOMES, 2009).
Observando esses passos enumerados pelo autor no que diz respeito ao tratamento e
análise dos dados, realizamos, em um primeiro momento, a leitura compreensiva das respostas
do questionário e das falas da entrevista coletiva semiestruturada das colaboradoras,
objetivando a visão de totalidade, compreensão das singularidades dos sujeitos quanto as
experiências com as práticas de contação de histórias e identificação das temáticas que poderão
sintetizar e agrupar relatos das entrevistadas.
Na segunda etapa, fizemos o recorte de trechos importantes da entrevista feita com as
professoras e agrupamos às ideias implícitas e explícitas às categorias construídas, a saber: (i)
importância do trabalho com leitura literária no âmbito da Educação Básica, (ii) a tecnologia e
a contação de histórias, e (iii) a formação de leitores durante o ensino remoto. Por fim, na
terceira etapa, construímos o resumo da interpretação a partir da recapitulação dos sentidos mais
amplos associados às ideias mais particulares. Para tanto, estabelecemos um diálogo: com as
teorias abordadas e estudadas ao longo da pesquisa e os relatos das colaboradoras; com as
51

falas/experiências dos sujeitos da pesquisa e o contexto em que estão inseridos; e objetivos


estabelecidos previamente.
52

3 PANDEMIA DA COVID-19, ENSINO REMOTO E TECNOLOGIAS

O que me parece fundamental para nós, hoje,


mecânicos ou físicos, pedagogos ou pedreiros,
marceneiros ou biólogos é a assunção de uma
posição crítica, vigilante, indagadora, em face
da tecnologia. Nem, de um lado, demonologizá-
la, nem, de outro, divinizá-la.
Paulo Freire (1992)

Neste capítulo trazemos discussões reflexivas acerca da pandemia da COVID-19, do


ensino remoto e do uso das tecnologias no contexto educacional. Objetivamos apresentar
conceitos, problematizar concepções, contextualizar fatos e identificar desafios frente a este
cenário nunca imaginado, mas que estamos sendo obrigados a sobre(viver).
O ano de 2020 entrou para a história como um ano atípico e ficou marcado pela
disseminação de um vírus (SARS-CoV-2) invisível que atinge o sistema respiratório das
pessoas e que não demorou muito para se transformar em uma ameaça global. A fim de conter
a rápida propagação do agente infeccioso e diminuir o número de contaminados e mortos, as
autoridades sanitárias implementaram medidas urgentes de prevenção, como o distanciamento
e isolamento social. As medidas de distanciamento e isolamento social fizeram com que
diversos setores da sociedade, inclusive a educação, se reinventassem e adotassem novas
estratégias para que os “serviços” e atividades ofertadas não parassem. Logo,

A pandemia e a quarentena estão a revelar que são possíveis alternativas, que


as sociedades se adaptam a novos modos de viver quando tal é necessário e
sentido como correspondendo ao bem comum. Esta situação torna-se propícia
a que se pense em alternativas ao modo de viver, de produzir, de consumir e
de conviver nestes primeiros anos do século XXI (SANTOS, 2020, p. 29).

Segundo Santos (2020), a pandemia, ao impor as medidas restritivas de distanciamento


e isolamento social, fez com que as pessoas buscassem novas alternativas para “sobreviver”,
pensassem em novos meios para garantir o sustento da família e se mantivessem próximas dos
seus, mesmo quando a distância se fazia grande. Logo, esse momento atípico pelo qual o mundo
passa, revelou que o homem, quando necessário, é capaz de adaptar-se a realidades diversas e
reinventar-se usando sua criatividade e resiliência. No setor educacional, essa adaptação e busca
por novas alternativas que garantissem a continuidade das atividades escolares também foi
necessária. Assim,
53

[...] Com a rotina presencial interrompida [...] professores/as e gestores/as,


sem trégua, ainda que vivendo no mesmo mundo pandêmico de todos/as,
tiveram de considerar como alternativa a “transposição” abrupta de aulas e
conteúdos presenciais para ambientes digitais [...] Profissionais de todas as
disciplinas do currículo, com experiências diferentes e desiguais com
tecnologias digitais, foram obrigados a converter suas aulas presenciais em
tarefas remotas, ministrando-as por meio de vídeos gravados, lives e outros
recursos, em muitos casos fazendo isso pela primeira vez (RIBEIRO, 2020, p.
03, grifos da autora).

Retirados do chão da escola (ensino presencial), privados do contato físico com os


alunos, e imersos em um universo de medos, incertezas e desafios, professores e agentes
educacionais, ainda que com pouca ou nenhuma experiência com as tecnologias (em seus fins
pedagógicos e educativos), a fim de evitar a paralisação total da educação durante a pandemia,
passaram a mediar o processo de ensino-aprendizagem quase que exclusivamente por meio dos
artefatos tecnológicos.
A partir de março de 2020, os órgãos governamentais que regem a educação brasileira,
embasados no Decreto Legislativo Nº 6 de 20201, que reconhece o estado de calamidade pública
no Brasil, têm estabelecido medidas provisórias, portarias, leis e resoluções (que são atualizadas
frequentemente) a fim de regulamentar o ensino e as atividades pedagógicas da educação básica
e ensino superior nos sistemas de ensino durante a pandemia (ALVES, 2020). No dia 17 de
março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) instituiu a Portaria de nº 343 que, em seu Art.
1º, descreve “autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em
andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação [...]”
(BRASIL, 2020a, p. 1).
Por se tratar do início da pandemia e tudo ser muito incerto, a primeira portaria
estabeleceu um período inicial de 30 (trinta) dias, mas que poderia ser prorrogado de acordo
com as orientações do Ministério da Saúde, prazo que de fato, foi alterado conforme
mencionaremos a seguir. Sucederam-se após esta, as portarias de nº 345, 356, 473 e 544
(BRASIL, 2020) que versam sobre a suspensão das aulas presenciais e a troca por aulas que
sejam subsidiadas com o auxílio das tecnologias e ferramentas digitais até durar o contexto
pandêmico. A Portaria de nº 544, publicada em 16 de junho de 2020, atualiza essas portarias e
propõe tal substituição até 31 de dezembro de 2020 (BRASIL, 2020b).
Além disso, em 28 de Abril de 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE), emitiu
o parecer de nº 5/20202, que traz orientações aos conselhos estaduais e municipais de educação

1
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/DLG6-2020.htm Acesso em: 22 jan. 2020
2
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14511-
pcp005-20&category_slud=marco-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 25 jan. 2020
54

para reorganização do calendário escolar e realização das atividades pedagógicas não


presenciais em todos os níveis e modalidades de ensino durante a pandemia (BRASIL, 2020c).
Tais documentos subsidiaram a Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 20203, que vem estabelecer
as normas e diretrizes que orientaram as atividades educacionais durante a excepcionalidade do
contexto estabelecido pela pandemia da COVID-19. A lei trata do cumprimento da carga-
horária mínima anual de cada etapa da Educação Básica, da possibilidade do ensino não
presencial (a depender da realidade de cada munícipio e Estado), da reorganização do
calendário letivo, dentre outros aspectos.
Outro parecer importante do CNE é o nº 19 que prorroga até o dia 31 de dezembro de
2021, a permissão para a continuidade das atividades remotas no âmbito da Educação Básica e
Ensino Superior em todo o Brasil. Porém, o parecer deixa explícito que as secretarias (estaduais
e municipais) de educação, bem como os sistemas de ensino têm autonomia para reorganizar o
calendário e replanejar o currículo ao longo do ano de 2021, a partir da observância das
peculiaridades locais, desde que a aprendizagem dos alunos seja assegurada, que haja
detalhamento no registro das atividades remotas e que os critérios de avaliação sejam
revisitados a fim de não prejudicar ainda mais os educandos.
Tendo em vista o contexto descrito e a realidade do ensino mediado pelas tecnologias
como uma alternativa para amenizar os impactos negativos no âmbito educacional durante a
pandemia da COVID-19, é possível afirmar que,

As práticas de educação remota cresceram no mundo todo por conta da


pandemia e se caracterizam por atividades mediadas por plataformas digitais
assíncronas e síncronas [...]. Na educação remota predomina uma adaptação
temporária das metodologias utilizadas no regime presencial, com as aulas,
sendo realizadas nos mesmos horários e com os professores responsáveis pelas
disciplinas dos cursos presenciais [...] Esses professores estão tendo que
customizar os materiais para realização das atividades, criando slides, vídeos,
entre outros recursos para ajudar os alunos na compreensão e participação das
atividades [...] (ALVES, 2020, p. 58, grifo nosso).

De acordo com a autora, o processo de ensino-aprendizagem passou a acontecer de


forma remota, por meio de encontros virtuais com a presença do professor e alunos conectados
ao mesmo tempo (atividades síncronas) e realização de atividades sem a necessidade da
conexão em tempo real com o professor e alunos (atividades assíncronas). Mas afinal, o que

3
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L14040.htm Acesso em: 30 jan.
2020.
55

efetivamente mudou no processo educativo dos sujeitos durante a pandemia? Mudou as formas
de interação, pois o tempo e o espaço para aprender foram reconfigurados.
Além disso, professores e alunos foram desafiados a aprender novas habilidades e a
reinventar-se, principalmente, os primeiros, pois como bem salientou Alves (2020), os
educadores precisaram, por exemplo, reorganizar rotinas; adaptar suas casas/ambientes de
trabalho; fazer gestão de tempo; adequar metodologias; adotar novos recursos (plataformas
digitais, jogos virtuais, leituras interativas, áudios, vídeos, dentre outros); e buscar novas
estratégias para tornar os conteúdos atrativos e compreensíveis para os alunos. Tais
possibilidades/alternativas, encontradas ao longo desse percurso, buscaram atenuar os impactos
negativos dessa retirada brusca dos alunos do ambiente presencial/físico da escola. Por outro
lado, sabemos que o número de escolas que dispõe e não dispõe de boas estruturas e
equipamentos, de professores mais e menos preparados para atuar no ensino remoto e de
estudantes que tem e não tem uma boa conexão de internet é desproporcional, o que acaba por
evidenciar as desigualdades entre as camadas sociais e as escolas (RIBEIRO, 2020).
O ensino remoto se configura como uma alternativa emergencial diante do caos
estabelecido em todo o mundo, porém, apesar de surgir como uma possibilidade para diminuir
os impactos negativos na educação, impôs muitos desafios aos educadores e evidenciou as
desigualdades que separam a sociedade em dois extremos (ricos e pobres). Assim,

[...] a quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a


discriminação, a exclusão social e o sofrimento imerecido que elas provocam.
Acontece que tais assimetrias se tornam mais invisíveis em face do pânico que
se apodera dos que não estão habituados a ele (SANTOS, 2020, p. 21).

Ao relacionar tal reflexão ao contexto educacional é possível afirmar que a disparidade,


no que diz respeito a continuidade dos estudos (aprendizagem dos educandos), em meio a
pandemia, é acentuada pelo ensino remoto, pois nem todos os alunos têm acesso a uma internet
de qualidade, aparelhos eletrônicos disponíveis para participar das aulas síncronas ou
assíncronas, condições mínimas para estudar (um lugar tranquilo, por exemplo),
acompanhamento da família na realização das atividade, ou se sentem atraídos para assistir às
aulas online. Acrescido a essas dificuldades, não podemos deixar de citar os problemas físicos
e psicológicos enfrentados por inúmeras crianças, jovens e adultos, decorrentes da exposição
prolongada nas telas. Tal problemática vêm ganhando espaço de discussão na área da saúde
durante a pandemia.
56

No que diz respeito ao ensino mediado pelo professor, podemos elucidar que este, por
não ter, na maioria das vezes, muita familiaridade com as tecnologias, teve que se autoformar
de forma aligeirada por meio dos tutoriais no YouTube e cursos de curta duração, para aprender
a manusear aplicativos e plataformas digitais como Google Meet, Zoom e Skype, gravar vídeos
e editá-los, adaptar seu espaço pessoal e torná-lo sua sala de aula, e colocar à disposição dos
pais seu contato (pessoal) para tirar dúvidas, encaminhar atividades e receber devolutivas.
Diante disso,

A sociedade precisa ter como projeto político a procura de formas de diminuir


a distância que separa os que podem e os que não podem pagar pelo acesso à
informação. As escolas públicas e as comunidades carentes precisam ter esse
acesso garantido para não ficarem condenadas à segregação definitiva, ao
analfabetismo tecnológico (MORAN, 2000, p. 51).

O autor nos permite compreender que o acesso à informação, aos meios tecnológicos e
seus contributos, assim como a educação, deve ser um direito de todos. Para tanto, sugere que
a sociedade e, sobretudo, os governantes, invistam em políticas públicas que diminuam as
desigualdades existentes entre as diferentes classes sociais. Assim, torna-se perceptível que
muitos são os desafios que embalam a sociedade nesse contexto pandêmico. Contudo,
acreditamos, assim como Ribeiro (2020, p. 05), que “[...] a excepcionalidade deste episódio
talvez nos leve a aprender algo sobre tecnologias e educação, sem abandonar nosso
compromisso social e ético”, isto é, apesar das dificuldades, poderemos fazer descobertas -
relacionadas ao uso pedagógico das tecnologias - que futuramente (pós-pandemia) poderão
revolucionar o ensino e contribuir satisfatoriamente com a aprendizagem dos educandos.
O avanço das tecnologias provocou inúmeras transformações na sociedade, no modo de
vida e no comportamento das pessoas. Segundo Medeiros (2019, p. 54) “a história da tecnologia
vem registrada junto à história das técnicas, do trabalho e da produção humana [...]”, isso porque
em cada época da história houve o domínio de uma tecnologia por parte de seus habitantes.
Sobre isso, Kenski (2007) ressalta que os nossos ancestrais, quando fizeram o uso da pedra e
de outros recursos da natureza, a fim de se beneficiar e garantir sua sobrevivência frente às
outras espécies, por exemplo, possibilitaram a criação de tecnologias, cuja definição transcende
o uso de máquinas e equipamentos sofisticados. Ainda para Kenski (2007, p. 15) “as tecnologias
são tão antigas quanto a espécie humana [...]”, pois desde os primórdios da história, o homem
em seu processo de evolução cria e aperfeiçoa ferramentas, recursos e técnicas para garantir a
sua sobrevivência e aumentar sua qualidade de vida, ou seja, a capacidade de raciocinar e criar,
57

permite que o homem adapte, invente e ressignifique aquilo que tem em mãos a seu favor
(KENSKI, 2007).
Entretanto, apesar dos avanços tecnológicos ser uma pauta recorrente em pesquisas e
noticiários e estar presente em nosso cotidiano diariamente, ainda temos uma visão muito
limitada e negativa da tecnologia, já que na maioria das vezes a associamos a máquinas,
ferramentas ou algo de difícil manuseio. Tecnologia, de acordo com Kenski (2007, p. 24), é um
“[...] conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à
construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade [...]”, logo,
não podemos reduzi-la ao uso de equipamentos, pois seu conceito abrange todas as coisas que
o homem conseguiu/consegue criar. Kenski (2007, p. 20) aborda, por exemplo, o cérebro
humano como uma das mais “[...] diferenciadas e aperfeiçoadas das tecnologias [...]”, isso
porque é a capacidade de raciocinar, criar e usar os instrumentos/conhecimentos de acordo com
suas necessidades que diferencia o homem dos outros animais. Além disso, a autora aponta a
linguagem como uma tecnologia que não se materializa/manifesta por meio de uma máquina
ou equipamento, mas que foi construída e organizada por diversas gerações a fim de facilitar a
comunicação entre os diferentes grupos.
As inovações resultantes da atuação do homem em busca de melhorias que aumentem a
qualidade de vida não param no tempo, mas acompanham as mudanças sociais, políticas,
econômicas e culturais pelas quais passam a sociedade. O século XVIII, por exemplo, ficou
marcado pelas “[...] invenções tecnológicas da Revolução Industrial [...]” (MEDEIROS, 2019,
p. 54) que desencadearam inúmeras mudanças no setor produtivo. Dentre as transformações,
Valente (1999, p. 54, grifos do autor) ressalta “[...] a mudança de paradigma − do paradigma
da produção em massa, do empurrar a produção (‘push’) para o paradigma da produção
‘enxuta’, do puxar a produção (‘pull’) [...]”, além disso, enfatiza que tais mudanças “[...]
demarcam a passagem da sociedade do conhecimento [...]” (VALENTE, 1999, p. 54), o que
significa dizer que todos os setores da sociedade foram afetados com estas modificações,
inclusive a educação.
A partir dessas mudanças, novas habilidades passaram a ser exigidas, sobretudo, no que
diz respeito a qualificação dos profissionais, tendo em vista que, enquanto a produção em massa
centralizava o trabalho em uma pessoa (especialista) que planejava, fragmentava e distribuía as
tarefas para os trabalhadores (com pouco aperfeiçoamento) realizarem, a produção enxuta
passou a exigir trabalhadores cada vez mais qualificados, autônomos, críticos e capazes de
solucionar problemas em tempo hábil (VALENTE, 1999). Os avanços decorrentes da
Revolução Industrial, as mudanças no setor de produção e consequentemente nos outros
58

segmentos da sociedade continuaram acontecendo e a partir do século XX as Tecnologias de


Informação e Comunicação (TIC) começaram a se destacar através “[...] da evolução das
telecomunicações, utilização dos computadores, desenvolvimento da internet [...]”
(MEDEIROS, 2019, p. 54), ou seja, mais uma vez, o ser humano ousou no aperfeiçoamento de
suas habilidades e na criação de possibilidades para aumentar sua qualidade de vida e melhorar
seu modo de se comunicar e interagir com o outro. A inserção da tecnologia no ambiente escolar
não significa dizer que os problemas que permeiam a educação estarão de uma vez por todas
resolvidos, isso porque no campo educacional,

[...] a tecnologia apresenta-se como meio, como instrumento para colaborar


no desenvolvimento do processo de aprendizagem. [...] Ela tem sua
importância apenas como um instrumento significativo para favorecer a
aprendizagem de alguém. Não é a tecnologia que vai resolver ou solucionar o
problema educacional do Brasil. Poderá colaborar, no entanto, se for usada
adequadamente [...] (MORAN, 2000, p. 139).

Ao contrário do que muitos pensam, não é o uso das tecnologias que vai definir o
sucesso ou fracasso das práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, pois a tecnologia
é um meio¸ uma possibilidade que, quando bem utilizada, poderá contribuir com o
aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem dos sujeitos. Para tanto, o uso
pedagógico da tecnologia com vistas o desenvolvimento de aprendizagens precisa ser
intencional, logo, necessita de organização e planejamento (MORAN, 2000). Em educação, as
novas tecnologias podem ser entendidas a partir do,

[...] uso da informática, do computador, da internet, do CD-ROM, da


hipermídia, da multimídia, de ferramentas para educação a distância - como
chats, grupos ou listas de discussão [...] e de outros recursos e linguagens
digitais de que atualmente dispomos e que podemos colaborar
significativamente para tornar o processo de educação mais eficiente e eficaz
(MORAN, 2000, p. 152).

O uso adequado e responsável dos artefatos tecnológicos e digitais permite que os


educandos entrem em contato com diversas linguagens (verbais, imagéticas, audiovisuais,
dentre outras) e participem ativamente da construção do conhecimento. Percebemos que o
mundo mudou e que há inúmeros recursos que podem favorecer a construção de uma
aprendizagem interativa, colaborativa, pautada na pesquisa, desenvolvimento da criticidade e
criatividade dos sujeitos.
59

No entanto, apesar das novas tecnologias terem ganhado espaço nas discussões
educacionais, há estudos que enfatizam que estas já não são tão novas assim (MEDEIROS,
2019). Dessa forma, em pesquisas mais recentes acerca dos avanços tecnológicos não se fala
mais em TIC, mas em Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Segundo
Schneider et al. (2020, p. 1076) “as TDIC são definidas como um conjunto de diferentes mídias
que utilizam o recurso digital”, logo, em relação as TIC, as TDIC modernizaram ainda mais as
relações comunicativas nos diversos setores da sociedade, aprimoraram as formas de interação
e comunicação entre as pessoas e possibilitaram o acesso a uma diversidade de informações por
meio de um clique, de modo a garantir melhor qualidade e rapidez nos serviços.
Segundo Medeiros (2019, p. 54) “as tecnologias digitais são fruto do desenvolvimento
tecnológico alcançado pelo ser humano e têm um papel fundamental no âmbito da inovação
[...]”. Hoje, com um smartphone em mãos, por exemplo, acessamos sites, pagamos contas,
pedimos comida, nos comunicamos com pessoas a quilômetros de distância por meio de
chamadas de voz e de vídeo, registramos momentos especiais por meio de fotos, baixamos
aplicativos de músicas, jogos, livros, enfim, temos uma infinidade de possibilidades.
Isto é, a partir das novas relações estabelecidas entre os sujeitos, e da modernização dos
meios comunicacionais, passamos a viver na cibercultura, que segundo Lemos (2004, p. 5) é
“[...] a cultura contemporânea, marcada basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade
on-line, pela navegação planetária, pela informação [...]”. A cibercultura é resultante da troca
social sob diferentes formatos digitais, chats, redes sociais, blogs, mensagens de textos e jogos
virtuais e da livre circulação dessas informações e tem como principal característica o
compartilhamento de ideias e conhecimentos na rede. Além disso,

[...] A cibercultura, ao instaurar uma cultura das redes, planetária, convivial,


coletiva e colaborativa, pode enriquecer aquilo que temos de mais importante:
a nossa inteligência e o nosso capital cultural que, entrando em sinergia
através das redes telemáticas com outras culturas, poderá fazer a identidade
de cada uma legítima e a globalização um processo de riqueza cultural e de
reforço de laços sociais locais (LEMOS, 2004, p. 10).

O ciberespaço funciona como um espaço aberto, de troca de saberes e ideais e a


cibercultura, ao implementar uma cultura das redes, enriquece ainda mais esse
compartilhamento de conhecimentos e talentos, fazendo crescer ainda mais o capital cultural
no meio digital, visto que as culturas, as crenças, os valores, os ritos, gostos musicais, literários,
se misturam através dos novos meios comunicacionais. As transformações sociais ocasionadas
pelo advento da tecnologia modificaram também as relações entre as pessoas e sua criatividade.
60

Tudo isso, só tende a impulsionar novas transformações rumo a consolidação de uma sociedade
cada vez mais tecnológica, digital, interativa.
Problematizar a utilização das TDIC no ambiente educacional é indispensável,
sobretudo, quando o mundo inteiro teve de adotar por um longo período de meses, a tecnologia
como principal instrumento de trabalho dos educadores e milhares de outros profissionais.
Além disso, é reconhecer que o principal objetivo das TDIC,

[...] não é o de tentar substituir os recursos que já se encontram presentes na


sala de aula pela reprodução na tela de um computador, visto que, a mera troca
não propõe a mudança realmente necessária, pois se refere muito mais a como
esta inserção está sendo pensada e colocada em prática [...] (GOMES;
CARVALHO; MAIA, 2020, p. 220).

A inserção dos artefatos tecnológicos não substitui a figura do professor mediador, ao


contrário, o papel deste faz-se ainda mais necessário, pois é o educador que vai possibilitar o
educando pensar o uso das redes sociais, dos games e jogos virtuais, por exemplo, com fins
pedagógicos, de modo a desenvolver a criticidade, a argumentação, a interpretação e a
importância de saber selecionar os conteúdos confiáveis inseridos na grande rede de internet.
Os autores afirmam ainda que a mera substituição de recursos “tradicionais” por um
computador ou multimídia, por exemplo, não significa uma mudança satisfatória no processo
de ensino-aprendizagem nem tampouco que o professor esteja sendo inovador, pois este poderá
reproduzir a relação hierárquica de posse do conhecimento e o método puramente expositivo
(do modelo tradicional de educação) por meio de recursos “inovadores”.
A implementação das tecnologias no ensino não resolverá os problemas da educação,
no entanto, essas ferramentas, quando bem utilizadas, poderão inovar o ensino e a aprendizagem
e contribuir para a construção do conhecimento de modo criativo e autônomo. Acreditamos que
é objetivo das TDIC descentralizar a figura do professor, problematizando seu papel de
mediador e orientador da aprendizagem e permitir que os alunos se tornem ativos e partícipes
de sua aprendizagem.
Sobre o explorar as tecnologias na sala de aula, Moran (2000, p. 154) lembra que estas
“[...] deverão ser utilizadas para valorizar a autoaprendizagem, incentivar a formação
permanente, a pesquisa de informações básicas e das novas informações, o debate, a discussão,
o diálogo [...] a elaboração de trabalhos, a construção da reflexão pessoal [...]”, ou seja, devem
servir para a construção ativa de saberes e para a troca de experiências de modo colaborativo
por meio de discussões em chats, e-mails, blogs, páginas de facebook e grupos de WhatsApp
(ultimamente mais utilizado pela maioria da população). Contudo, Gomes, Carvalho e Maia
61

(2020) nos convidam a refletir sobre a importância de conhecer a realidade social dos educandos
antes de introduzir as TDIC no âmbito da sala de aula, para não reforçar assim, as desigualdades
sociais existentes em nossa sociedade. Nessa perspectiva, afirmam:

Ao pensarmos sobre o uso de TDIC nos processos educativos, principalmente


nas escolas públicas, é necessário observarmos questões culturais e sociais,
para que a ferramenta não reforce ainda mais as discrepâncias sociais que
assolam nossa sociedade, portanto, ao optar por algum recurso, um dos
primeiros pontos a serem considerados é a gratuidade, a versatilidade e
levando em consideração as limitações de espaços de armazenamento dos
aparelhos [...] (GOMES; CARVALHO; MAIA, 2020, p. 220).

Esta reflexão nos permite ratificar que é inadmissível a desconsideração do contexto


social e cultural dos educandos para a formulação de qualquer mediação de ensino,
principalmente, quando este for realizado de forma remota (como é o caso do contexto
estruturado no Brasil em razão da pandemia da COVID-19), pois os alunos estão vivenciando
essa experiência fora do ambiente escolar, sob ajuda de seus responsáveis e com recursos
(internet, celular, notebook, computador e tablet) próprios, quando se tem.
Esses fatores devem ser considerados pelo educador, principalmente, quando o seu
público for de baixa-renda, pois na maioria das vezes, os responsáveis pelo educando trabalham
o dia inteiro, o que dificulta ainda mais o acesso dos aprendizes às aulas virtuais pelo fato de
não ter quem organize o espaço, disponibilize o aparelho eletrônico e os acompanhe na aula.
Logo, para que não sejam excluídos da construção ativa do conhecimento, os educadores
deverão buscar alternativas, aplicativos, plataformas, atividades, que favoreçam a interação dos
alunos e que permitam a sua participação nas aulas, ainda que estas estejam acontecendo de
forma remota.
Com isso, entendemos que os avanços ocorridos na sociedade, a inserção das
tecnologias nos diversos ambientes sociais e a era digital e informatizada em que estamos
inseridos, exigem que a escola repense seu papel social e sua própria organização, pois a
configuração “tradicional” da sala de aula organizada em filas, tendo no centro a figura do
professor (detentor do saber) e a sua frente alunos passivos (receptores do conteúdo) não
favorece uma aprendizagem colaborativa, dinâmica e contextualizada as necessidades e
realidades dos educandos.
Assim, o papel da escola, dos professores e dos alunos modifica-se a partir das
transformações ocorridas na sociedade, mas também das necessidades e intencionalidades que
envolvem tais sujeitos. Portanto, a partir das discussões tecidas até aqui, é possível afirmar que
as mudanças sofridas na sociedade em razão da adoção de tecnologias, modificam as relações,
62

organizações e comportamentos dos diversos grupos sociais, impactam os diversos setores da


organização social, incluindo a educação e recriam possibilidades, cujo objetivo é sempre a
melhoria na qualidade de vida dos sujeitos.

3.1 INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: MUDANÇAS


NECESSÁRIAS

Sabendo que as mudanças oriundas do surgimento das tecnologias ocasionaram


modificações no setor de produção e estas, consequentemente, impactaram diversos setores da
sociedade, questionamos: como isso afetou a educação? Quais mudanças necessárias deverão
ocorrer na educação para que seja possível inserir as tecnologias de modo a enriquecer o
processo de ensino-aprendizagem?
A educação em nosso país foi baseada historicamente em uma perspectiva tradicional,
na qual a relação professor-aluno era vertical (professor = detentor do saber; aluno = receptor
passivo), os conteúdos restringiam-se a valores e regras moralizantes e o método era
predominantemente expositivo. Apesar de alguns avanços no que diz respeito a articulação
entre tecnologia e ensino, a primeira ainda se constitui um grande desafio para a escola. Uma
pesquisa realizada com crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, pelo Centro Regional de Estudos
para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR) em parceria com a
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), mostra que
18% de crianças e adolescentes brasileiros vivem em domicílios que não possuem acesso à
internet. Por outro lado, 89% afirmaram ter utilizado à internet nos três últimos meses
(CETIC.BR, 2019).
No que diz respeito ao uso das tecnologias e do acesso à internet na escola, o estudo
aponta uma precarização na estrutura física e nos recursos pessoais da instituição escolar, visto
que os dispositivos e aparelhos tecnológicos disponíveis para uso, são poucos e a utilização
desses recursos com fins pedagógicos é quase inexistente pelos docentes, principalmente nos
que estão inseridos nas turmas dos anos iniciais da escolarização. Apenas 27% das crianças e
adolescentes das classes D/E (classes mais vulneráveis), responderam acessar internet na
escola; em contrapartida, esse número nas classes A/B (classes mais altas), chegou a 45%.
Outro dado importante é que 11% das crianças de 9 e 10 anos e 47% dos adolescentes entre 15
e 17 anos, acessaram a internet na escola, enquanto que em casa, estes acessaram
respectivamente 91% e 92% (CETIC.BR, 2019). Isso nos leva a refletir que na escola, quanto
menor for a idade, menor o uso de artefatos tecnológicos e acesso à internet, talvez porque
63

enquanto docentes, ainda tenhamos dificuldades de articular ensino/práticas pedagógicas e


tecnologia, visto que, na maioria das vezes, as discussões e orientações na formação inicial e
continuada ainda são insuficientes para o desenvolvimento deste trabalho.
No entanto, quando pensamos essa disparidade em termos de acesso à internet e
utilização das TDIC em casa e na escola, não podemos responsabilizar apenas a instituição
escolar, que muitas vezes, reproduz as desigualdades sociais, mas também a família, que assim
como a primeira tem o dever de contribuir com o desenvolvimento das crianças no mundo
digital. Além disso, o estudo TIC kids online revela que mais de 70% da população pesquisada
acessou a internet para realizar atividades e trabalhos escolares, 55% para realizar leituras ou
assistir notícias e 64% para pesquisar na internet ou por curiosidade (CETIC.BR, 2019). Tais
dados apontam que as crianças e adolescentes estão imersos no universo digital, utilizam a
grande rede para inúmeras finalidades, inclusive para estudar, ainda que não estejam no
ambiente escolar.
Um fato importante é que mais de 50% de crianças e adolescentes acessam a internet
para ler ou para navegar com autonomia, o que faz com que o letramento digital se torne uma
urgência a ser pensada e sobretudo, trabalhada pelas instituições escolares. Acreditamos assim
como, Valente (1999) que, da mesma forma que os meios de produção e serviços se
transformaram e passaram de um paradigma para outro, a fim de atender as demandas sociais,
a educação, preocupada com a formação crítica dos sujeitos também deverá se adequar, e o
mais importante, deverá “[...] envolver todos os participantes do processo educativo [...]”
(VALENTE, 1999, p. 35). Isto é, a mudança na escola deverá ocorrer continuamente e a partir
do protagonismo de todos os sujeitos que compõem a educação.
Assim, questionamos: Como é possível contribuir com a construção de uma cultura
digital? Segundo Silvestre, Nóbrega e Dalla-Bona (2021, p. 120), são “[...] necessárias políticas
voltadas para a inclusão social, oferta tecnológica, regulação de uso e serviços, educação,
conhecimento, cultura, mídia e valores, cabendo aos poderes públicos a responsabilidade do
seu desenvolvimento”.
No Brasil, as tecnologias e seu uso na escola são previstos na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) de (BRASIL, 1996), que pressupõe a inclusão digital em todas
as etapas e modalidades de ensino. Outra iniciativa que contribuiu significativamente com a
inserção da tecnologia nas escolas públicas foi o Programa Nacional de Informática na
Educação (PROINFO), executado por meio do Ministério da Educação. O PROINFO “[...] é
um programa educacional criado pela Portaria nº 522/MEC, de 9 de abril de 1997 [...]”
(BRASIL, 1997, p. 1). Ao longo dos anos, o programa sofreu alterações em seus objetivos,
64

critérios e procedimentos para adesão por meio de decretos, resoluções e portarias. O PROINFO
foi idealizado “[...] para promover o uso pedagógico de Tecnologias de Informática e
Comunicações (TICs) na rede pública de ensino fundamental e médio”, (BRASIL, 1997, p. 1),
Em face disso, visa contemplar as escolas públicas de Educação Básica com a instalação de
laboratórios de informática, proporcionar a melhoria do processo de ensino-aprendizagem a
partir da articulação entre ensino e tecnologia e contribuir com a formação continuada dos
professores envolvidos nas ações do programa, dentre outros objetivos que para serem
alcançados, precisam da atuação em regime de colaboração.
Essa iniciativa foi um passo importante rumo à articulação entre o processo educativo e
a tecnologia, pois a partir da inserção de dispositivos tecnológicos nas escolas dos municípios
e/ou Estados que aderiram ao programa, da reorganização de sua infraestrutura de modo a
favorecer uma aprendizagem de qualidade e da realização de capacitações para que os
profissionais da educação se familiarizassem e inserissem as tecnologias e suas ferramentas em
sala de aula de modo intencional e responsável, o processo de ensino-aprendizagem poderá
torna-se mais atrativo aos alunos que já encontram-se inseridos no ambiente virtual, que por
sua vez dispõe de novas linguagens e formas de interação.
Um outro documento normativo mais recente que rege, orienta e embasa a educação
brasileira, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), também traz
considerações sobre o uso da tecnologia. A BNCC, enquanto documento normativo, estabelece
“[...] o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica [...]” (BRASIL, 2018, p.
07). Logo, tornou-se referência para a reformulação dos currículos dos sistemas educacionais,
de modo a garantir que todos os educandos tenham seus direitos assegurados e que a
aprendizagem seja significativa e contextualizada às suas necessidades, bem como, às novas
exigências da sociedade atual a fim de formar o sujeito integralmente, em todas as suas
dimensões: física, intelectual, emocional, social e cultural. No que diz respeito às tecnologias,
a BNCC estabelece dentre as dez competências gerais, uma que está estritamente relacionada
ao uso da tecnologia. Na competência cinco (5) pontua-se:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e


comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2018, p.
09).
65

Tal competência é resultante das mudanças oriundas do avanço tecnológico, da cultura


digital implementada na sociedade, da cibercultura, o que significa dizer que os estudantes do
século XXI convivem diariamente com a tecnologia e suas ferramentas, logo, se envolvem com
novas formas de interação e a escola não pode camuflar essa realidade. Ao contrário, enquanto
instituição formadora, deve mediar com intencionalidade pedagógica, o contato dos alunos com
esses recursos tecnológicos e digitais, para que assim possam fazer uso deles de modo crítico,
reflexivo, criativo e ético.
A tecnologia é citada várias vezes na BNCC e deve está integrada às várias disciplinas,
no entanto, apesar de reconhecer a importância e a necessidade de se trabalhar com as
ferramentas tecnológicas e digitais não fica explícito no documento como isso deve acontecer.
Cabe à escola e ao professor, pesquisar meios para integrar a tecnologias às suas práticas
pedagógicas e propiciar aos alunos uma aprendizagem interativa e articulada aos seus interesses
e necessidades e às novas demandas sociais decorrentes do avanço tecnológico. Os estudos
investigativos atuais sobre o uso das tecnologias no ambiente educacional não discutem,

[...] mais se as escolas devem ou não utilizar esses recursos como ferramenta
educacional, pois, como sabemos essa já é uma realidade atual. O que
precisará ser discutido e refletido são como essas tecnologias deverão ser
utilizadas de forma benéfica e eficiente, porquanto que elas auxiliam no
processo de ensino, mas, as escolas, os professores e os alunos serão sempre
os protagonistas que determinarão o sucesso deste projeto (MEDEIROS,
2019, p. 53).

Nos dias de hoje, a tecnologia é indispensável em nossas atividades cotidianas. O que


se coloca em voga pelo autor é que não é mais facultado a escola utilizar ou não as tecnologias,
pois essa já é uma realidade. A escola, enquanto instituição social, deverá acompanhar as
mudanças e inovações pelas quais passa a sociedade e, para tanto, deverá problematizar, refletir
e analisar como as ferramentas tecnológicas poderão ser implementadas na sala de aula a fim
de contribuir significativa e qualitativamente com a aprendizagem dos alunos e, sobretudo,
possibilitar condições para que professores e alunos usufruam satisfatoriamente desses
recursos. Para Moran (2007, p. 94) “com a internet, as redes de comunicação em tempo real, a
TV digital e o celular, surgem novos espaços e tempos no processo de ensino e aprendizagem,
que modificam e ampliam o que fazíamos na sala de aula”. Tais avanços ampliaram o conceito
de ensinar e aprender, pois o tempo, o espaço e o modo de interação entre os sujeitos
educacionais foram transformados. Com a inserção das tecnologias na sociedade, passamos a
66

viver na era digital, na era da informação. Segundo Moran, (2000, p. 18) a construção do
conhecimento na sociedade da informação não ocorre de modo “[...] fragmentado, mas
interdependente, interligado, intersensorial. [...] Conhecemos mais e melhor conectando,
juntando, relacionando, acessando o nosso objeto de todos os pontos de vistas, por todos os
caminhos [...]”.
O professor não poderá trabalhar de forma isolada, mas contextualizada à realidade
social em que estamos envoltos, levando em consideração a relevância de introduzir de forma
correta e responsável os alunos neste mundo de informações rápidas, ensinando-os a pesquisar
e selecionar dados em sites confiáveis, compartilhar e-books e livros interativos, construir
materiais e divulgá-los nas mídias digitais, buscar jogos e games educativos que os ajudem a
consolidar os conceitos apreendidos em aula e que favoreçam o trabalho colaborativo.
Relacionando, pois, as tecnologias e seus avanços à educação e mais especificamente
ao processo de ensino-aprendizagem é preciso reconhecer que, conforme salienta Kenski (1998,
p. 60, grifo da autora), “as velozes transformações tecnológicas da atualidade impõem novos
ritmos e dimensões à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente estado
de aprendizagem e de adaptação ao novo [...]”. O processo educativo precisa ser repensado a
fim de proporcionar aos alunos do século XXI, uma aprendizagem contextualizada, interativa,
colaborativa e dinâmica, aspectos contemplados pelo uso adequado e responsável das
tecnologias. Além disso,

[...] é necessário que escolas e professores sejam capazes de captar,


compreender e utilizar as novas linguagens nos novos meios de comunicação,
que têm se tornado como parte ativa do pensar e dos interesses dos alunos.
Assim, a escola estará criando condições para que o aluno, em contato crítico
com as tecnologias, consiga lidar com essas ferramentas na sociedade sem ser
por elas dominados (MEDEIROS, 2019, p. 53).

A geração do século XXI tem contato diariamente com as tecnologias e seus artefatos.
Conectados à internet, as crianças, adolescentes e jovens estudantes têm acesso a jogos, games,
músicas, memes, vídeos, enfim, a informações diversas e a escola, sobretudo, os professores
não podem ignorar isso. Ao contrário, devem investigar meios de inserir os recursos
tecnológicos e as novas linguagens (que ganharam o favoritismo dos alunos) no processo de
ensino-aprendizagem, de modo a ampliar o conhecimento dos educandos e ensinar a usar as
ferramentas digitais e tecnológicas de modo consciente, responsável e crítico.
O constante estado de aprendizagem e adaptação ao novo, enfatizado por Kenski (1998),
nos remonta ao cenário construído no Brasil durante o ensino remoto implementado no decorrer
67

da pandemia da COVID-19 como uma alternativa para amenizar os impactos negativos no setor
educacional. O ensino remoto acabou revelando algumas fragilidades no que diz respeito ao
uso de tecnologias e ferramentas digitais como impulsionadoras de uma educação de qualidade,
contudo, mostrou também, que é possível introduzir a tecnologia no processo de ensino-
aprendizagem de forma positiva.
A experiência do ensino remoto modificou a dinâmica da aula, da escola, todos
(professores e alunos) tiveram de se reinventar e se adaptar ao novo formato de ensino-
aprendizagem. A cozinha, o quarto, a calçada e tantos outros espaços da casa das famílias
passaram a ser a sala de aula. O celular, computador, rádio e televisão (a depender da realidade
social dos sujeitos) passou a ser o ponto de encontro entre os protagonistas da escola, ou seja,
as práticas de ensino ultrapassaram o espaço físico da sala de aula, da escola para ganhar novos
espaços. Moran (2007) afirma que a educação de qualidade resulta da organização e
gerenciamento de atividades em diversos espaços (presenciais e virtuais). O autor não dispensa
o contato físico com o aluno em sala de aula, pois acredita ser este momento, importante para
a construção de vínculos afetivos, apresentação e discussão acerca da temática trabalhada pelo
docente, socialização dos resultados de pesquisas, projetos e trabalhos encaminhados para
serem feitos em outro momento e espaço que não fosse o da sala de aula. Dessa forma,

Ao propor práticas de ensino que se desenvolvam além dos limites escolares,


aponta-se para um diálogo com o saber que vá além do aqui e agora das
paredes da sala de aula, mas que também se estabeleça em espaços e tempos
diversos, em outros moldes (SOUZA; SOUZA, 2020, p. 97).

A dimensão do ensinar e aprender ganhou novos significados a partir da introdução das


tecnologias, pois ao utilizá-las para mediar as práticas de ensino durante a pandemia, por
exemplo, os professores precisaram repensar suas práticas, estabelecer conexões com a
realidade dos alunos e reconhecer que a aprendizagem não se limita ao espaço da sala de aula,
mas perpassa os diversos espaços sociais e culturais, onde os educandos estão inseridos. Valente
(1999, p. 35), aponta que para que haja melhorias na escola no que diz respeito a implementação
das TDIC faz-se necessário mudanças que abranjam, por exemplo: “O resgate do espaço da
escola como ambiente educativo”.
Deve-se recuperar o ambiente escolar como espaço que possibilita o compreender, o
refletir e o investigar de modo flexível, contextualizado e dinâmico a partir de diversos recursos
e estratégias, compreendendo que é possível promover um ensino de qualidade para todos, mas
que há tempos e níveis diferentes; a organização da sala de aula, que deve ocorrer de modo a
68

facilitar o diálogo e a interação entre os alunos e o professor (VALENTE, 1999); a


infraestrutura, visto que para desenvolver um trabalho de qualidade que contemple as
necessidades dos educandos e o uso das TDIC, é preciso que haja uma estrutura adequada, com
equipamentos (computadores com acesso à internet) suficientes; uma nova visão sobre o
ensino, tendo em vista que apenas a introdução das tecnologias e ferramentas digitais no espaço
educativo não é suficiente para o desenvolvimento de práticas significativas e contextualizadas;
proposição de currículos bem estruturados e formação adequada para melhor qualificar os
professores (KENSKI, 2012).
Tais mudanças corroboram para o redimensionamento do papel do professor e do aluno
no processo de construção do conhecimento. O primeiro deixará de ser um entregador do
conhecimento para ser um facilitador, um mediador do saber e o segundo sairá da passividade
para ser um sujeito ativo na construção do conhecimento, logo, deverá desenvolver autonomia,
responsabilidade e habilidades que lhes permitam resolver problemas práticos do seu cotidiano.
O papel do docente é modificado nesse novo contexto porque, inseridos em uma
sociedade altamente tecnológica e imersos em rotinas que os colocam diariamente em contato
com dezenas de informações, os alunos precisam da colaboração do educador para filtrar
ambientes virtuais (sites, blogs, jogos, plataformas de livros, vídeos e músicas) confiáveis;
interpretar dados e contextualizá-los com a realidade atual do momento em que se vive;
readaptar ou criar novos conhecimentos de forma ética e criativa; se sentirem motivados a
pesquisar; entrar em contato com diversas linguagens (escrita, imagética, audiovisual, dentre
outras) e explorar as emoções e sentimentos emergidos pelas novas formas de comunicação,
interação e materiais oriundos da tela, das mídias digitais (MORAN, 2000). Para que o
compartilhamento de saberes articulado às TDIC seja possível na atual era da informação,
Moran (2000) aponta a necessidade do professor adotar alguns princípios metodológicos que
poderão nortear e contribuir com suas práticas pedagógicas. São princípios:

- Integrar tecnologias, metodologias, atividades. Integrar texto escrito,


comunicação oral, escrita, hipertextual, multimidiática. [...]
- Variar a forma de dar aula, as técnicas usadas em sala de aula e fora dela, as
atividades solicitadas, as dinâmicas propostas, o processo de avaliação. [...]
- Planejar e improvisar, prever e ajustar-se às circunstâncias, ao novo. [...]
- Valorizar a presença no que ela tem de melhor e a comunicação virtual no
que ela nos favorece. [...] (MORAN, 2000, p. 31-32).

Ao traçar estes princípios norteadores, o autor propõe integrar diversas metodologias e


recursos para o desenvolvimento de uma aprendizagem de qualidade. No entanto, não sugere o
uso exclusivo da tecnologia, mas propõe sua articulação com as inúmeras possibilidades de
69

mediar o ensino-aprendizagem. O último princípio nos chama atenção, sobretudo, pelo apelo
com que lemos “valorizar a presença no que ela tem de melhor” (MORAN, 2000, p. 32). É
possível aproveitar seus aspectos positivos, estar abertos para investigar suas potencialidades,
planejar como inserir os diversos recursos tecnológicos nas práticas pedagógicas e criar
estratégias para viabilizar o contato dos educandos com as tecnologias e mídias digitais, sem
deixar de lado outras atividades que trabalhem com a oralidade, a escrita e as emoções, por
exemplo.
Ainda segundo o autor, o papel do educador será de orientar, desafiar, propor diálogos
e trabalhos em equipe e construir saberes junto com os alunos. Moran (2000, p. 142) afirma que
o professor deverá desenvolver “[...] o papel de mediação pedagógica”, isto é, o docente torna-
se a ponte que facilita a travessia do aluno em busca de uma aprendizagem na qual haja sentido
e que seja colaborativa e contextualizada com as suas necessidades. Assim, questionamos: O
que o professor deverá fazer para tornar possível esta travessia? Segundo Moran (2000), a
adoção de novas práticas pedagógicas não se limita a mera substituição de “velhas tecnologias”
(giz e quadro) por “novas” (computador e celular), mas compreende o trabalho,

[...] com técnicas que incentivem a participação dos alunos, a interação entre
eles, a pesquisa, o debate, o diálogo; que promovam a produção do
conhecimento; [...] que motivem o desenvolvimento de atitudes e valores
como ética, respeito nos outros e a suas opiniões, abertura ao novo, criticidade
[...] (MORAN, 2000, p. 143).

O professor deverá valer-se de técnicas que tragam o aluno para o centro do processo e
que contribuam para que os aprendizes se tornem protagonistas, construtores de sua
aprendizagem e não meros receptores passivos. Para tanto, o educador deverá diversificar suas
estratégias (com ou sem o uso da tecnologia) e adaptá-las à realidade e necessidade dos
educandos. Para Moran (2000), a tecnologia só será relevante no ambiente educacional se
facilitar a construção do conhecimento de modo significativo, contribuir para o alcance dos
objetivos traçados inicialmente e se mostrar eficiente para isso. Caso contrário, será apenas
mais um “elemento inovador” usado com perspectivas mecanicistas, que reproduzem um
ensino exclusivamente tradicional. Moran (2000), coloca ainda que um professor preocupado
em ser um mediador pedagógico deverá desenvolver algumas características essenciais.
Dentre as elencadas pelo autor, destacamos as seguintes: compreensão de que o aluno
está no centro do processo, haja vista que um ensino preocupado com a aprendizagem deve
pautar-se no diálogo e compartilhamento do conhecimento (professor e aluno aprendem e
ensinam juntos); preocupação em introduzir ações coletivas que contribuam para o
70

desenvolvimento de um trabalho colaborativo que envolve o respeito ao próximo; adoção do


trabalho em parceria com os educandos envolvendo-os não apenas na execução das atividades,
mas também no planejamento, avaliação e autoavaliação e criatividade para despertar a
curiosidade dos alunos e desafiá-los a buscar alternativas para solucionar os problemas
apresentados.
Essas características elucidadas pelo autor são indispensáveis para que os professores
construam uma prática pedagógica de qualidade tanto no ensino presencial quanto virtual.
Pensando especificamente neste último, é imprescindível que o professor conheça a realidade
em que os alunos estão inseridos (se tem acesso à internet; se possui computador, tablet ou
celular que esteja disponível para assistir as aulas síncronas; se tem alguém para acompanhá-lo
e orientá-lo nas atividades); ouça seus anseios e dificuldades; use a criatividade para propor
atividades que os desafiem; crie espaços virtuais (grupo de WhatsApp, grupos e páginas em
facebook, blogs, dentre outros) para debates, permitindo que os aprendizes apresentem suas
opiniões; insira jogos e games que despertem o senso investigativo e colaborativo destes.
Segundo Alves (2020), a tecnologia poderá ser usada em sala de aula pelo professor
apenas como um recurso didático, como um meio “inovador” para alcançar um objetivo
previamente estabelecido e como uma forma diferente de apresentar textos e realizar a
exposição da sua aula com a justificativa de estar adequando sua prática pedagógica a nova era
informatizada e digital em que estamos inseridos. No entanto, apesar de importante, isso não é
suficiente para desenvolver uma aprendizagem colaborativa, na qual o aluno torna-se sujeito
ativo e partícipe da construção do conhecimento junto com o professor.
Por outro lado, a autora afirma que “ir além da perspectiva instrumental das tecnologias,
pode favorecer a criação de espaços ricos de significados, de aprendizagem [...]” (ALVES,
2020, p. 358). Os alunos terão oportunidade de entrar em contato com diversos objetos de
aprendizagem, realizar leituras e escritas compartilhada/coletivas, fazer simulações através de
jogos, games e plataformas interativas, estabelecer relações profícuas com os seus pares e
compartilhar ideias, informações, projetos, saberes. Neste sentido,

Ensinar com as novas mídias será uma revolução se mudarmos


simultaneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantém
distantes professores e alunos. Caso contrário, conseguiremos dar um verniz
de modernidade, sem mexer no essencial (MORAN, 2000, p. 63).

Para que haja mudança no ensinar e aprender a partir das tecnologias e mídias digitais,
é preciso revisitar alguns paradigmas e concepções que, muitas vezes, estão arraigadas em
71

perspectivas tradicionais e mecanicistas de educação. Caso contrário, haverá modernidade nos


recursos utilizados para mediar o conhecimento, mas seu uso pouco contribuirá para um ensino
inovador que intenciona desafiar os educandos a buscarem alternativas para as situações
apresentadas e incentivar o desenvolvimento do senso crítico, criativo e investigador dos alunos
para que desenvolvam responsabilidade e autonomia diante da construção do saber.
Nesse sentido, corroboramos com as ideias de Kenski (2012, p. 59), quando afirma que
“as novas tecnologias orientam para o uso de uma proposta diferente de ensino [...] Não se trata,
portanto, de adaptar as formas tradicionais de ensino aos novos equipamentos ou vice-versa.
Novas tecnologias e velhos hábitos de ensino não combinam”, mas a escola deverá se
questionar acerca do tipo de educação que deseja ofertar, do tipo de aluno que pretende formar
e da intencionalidade educativa e social que deverá permear este ensino. Assim, a escolha dos
recursos e estratégias a serem utilizadas no ensino impactará em toda a dinâmica do ensino-
aprendizagem e adesão ao uso das diferentes tecnologias (novas ou velhas) e exigirá adequação
dos conteúdos, métodos e recursos a serem utilizados no processo.

3.2 TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ENTRE DESAFIOS E


POSSIBILIDADES

A inserção da tecnologia na sociedade provocou inúmeras transformações nos diversos


setores sociais, além disso, modificou o modo de vida, o trabalho, as formas de interação e o
próprio comportamento das pessoas. Ao contrário do setor de produção, no que diz respeito ao
uso das ferramentas tecnológicas, com vistas ao aprimoramento dos serviços, as mudanças na
educação ocorreram (ocorrem) de forma lenta e quase imperceptíveis (VALENTE, 1999), o
que significa que ainda existem muitos desafios a serem superados para que educação e
tecnologia caminhem juntas. Em vista disso,

[...] o desafio dos sistemas educacionais reside em desenvolver estratégias que


integrem as necessidades pedagógicas e os novos papéis que se revelam no
cenário escolar, para estudantes e professores, principalmente para estes
últimos, que necessitam da preparação e abertura necessárias para desenvolver
estratégias de aprendizagem que se complementem, com segurança. O foco
deve estar na forma como professores e alunos ensinam e aprendem, de
maneira formal ou não, e em como as TDIC podem ser utilizadas na formação
do professor (SOUZA; SOUZA, 2020, p. 99).
72

As escolas do século XXI têm o desafio de desempenhar sua função social e formativa
na sociedade em que está inserida. Para tanto, torna-se importante o desenvolvimento de
estratégias que articulem as necessidades pedagógicas da instituição e as novas demandas que
surgem para professores e alunos em decorrência das inovações tecnológicas, porque os
interesses, atuações e modos de interações desses sujeitos são modificados à medida que as
transformações na sociedade acontecem. Conforme aponta os autores, a preocupação central da
escola deve ser no processo de ensino-aprendizagem, isto é, nos aspectos que envolvem o
ensinar e o aprender a partir das tecnologias. Além disso, é dada uma ênfase na formação dos
docentes, pois estes necessitam de preparação para usar de modo intencional, crítico e inovador
esses novos recursos oriundos das TDIC.
Dentre os impasses que dificultam a realização de um trabalho pedagógico, articulado
com as tecnologias, Moran (2007) destaca, por exemplo, a pouca familiaridade e a falta de
domínio dos profissionais de educação com os recursos tecnológicos, o uso complementar da
tecnologia nas escolas e a sua implementação nas práticas pedagógicas apenas para obtenção
de maior visibilidade e enfrentamento à concorrência. Kenski (2012) aponta a falta de
infraestrutura tecnológica nas instituições escolares como um empecilho para o trabalho
pedagógico com a tecnologia. Para a autora, é preciso que haja equipamentos (computador,
notebook, tablet ou smartphone) suficientes, em boas condições de uso e que estejam
conectados à internet. Este último aspecto é de suma importância, pois a partir do acesso à rede
as possibilidades de aprendizagens aumentam ainda mais, tendo em vista que os usuários
poderão navegar por livros, páginas, blogs, sites, jogos e games online, e-mails, redes sociais,
dentre outras alternativas.
No entanto, considerando nossas reais condições, sabemos que esta realidade ainda é
demasiadamente utópica no ensino público brasileiro, pois muitas são as escolas que não
dispõem sequer de uma boa infraestrutura para a mediação do ensino. De acordo com Kenski,
(2012, p. 56), o ensino privado, ao contrário, por dispor de “recursos próprios [...] pode garantir
com maior facilidade sua integração no mundo das redes eletrônicas de comunicação e
informação [...]”. Ainda segundo a autora, as diferenças entre as escolas públicas e privadas, no
que se refere ao acesso e uso das tecnologias enquanto recursos pedagógicos que favorecem a
construção de uma aprendizagem articulada às necessidades dos alunos e às exigências da
sociedade da informação, nos permitem visualizar um novo desafio a ser vencido: o de garantir
as instituições públicas as mesmas possibilidades de um ensino integrado ao universo digital e
informacional de que gozam as instituições privadas.
73

Para Kenski (2012, p. 56), “a democratização do acesso ao conhecimento e ao uso das


novas tecnologias passa pela necessidade de que as escolas públicas tenham condições de
oferecer com qualidade essas atividades e possibilidades tecnológicas a seus alunos”. É preciso
que haja investimentos para a manutenção e aquisição de recursos tecnológicos e acesso à
internet, mas também é necessário proporcionar aos educadores condições para que possam
estudar e investigar as possibilidades que envolvam o trabalho com a tecnologia, de modo que
usufruam estes recursos em suas práticas pedagógicas com intencionalidade educativa e
responsabilidade social.
Oliveira, Melo e Lima (2020, p. 115) apontam que o primeiro desafio para inserção das
TDIC em sala de aula “[...] são as ausências de políticas públicas para democratizar o acesso às
tecnologias digitais tanto para os docentes como para os discentes. [...]”. Isto é, se não houver
políticas públicas empenhadas em assegurar o acesso das tecnologias e seus artefatos digitais
às escolas, aos professores e aos alunos, a articulação entre necessidades pedagógicas e as novas
demandas sociais, advindas do avanço tecnológico, será ainda difícil, o que resultará em um
ensino desconectado das necessidades e interesses dos educandos que já nascem imersos em
um ambiente informatizado e tecnológico e que mantêm contato diário com a tela e as novas
linguagens dos meios digitais.
Por estarmos inseridos em uma sociedade altamente tecnológica e informatizada, em
que temos acesso diariamente a centenas de informações por meio das mídias digitais e meios
de comunicação diversos, acreditamos, assim como Kenski (2007, p. 18), que a educação tem
um duplo desafio a superar: “[...] adaptar-se aos avanços das tecnologias e orientar o caminho
de todos para o domínio e a apropriação crítica desses novos meios”. O domínio da tecnologia
por parte dos agentes educacionais não é suficiente para criar ambientes interativos e
colaborativos de aprendizagem, pois os docentes terão de ensinar aos educandos a usar as
diferentes ferramentas digitais de modo responsável, crítico, reflexivo, criativo, colaborativo.
Medeiros (2019, p. 49), afirma que “[...] o desafio do professor é utilizar as Tecnologias Digitais
de Comunicação e Informação para promover mudança, deixando de ser apenas transmissor do
conhecimento para ser um mediador e orientador da aprendizagem.
Para além desses entraves acerca do uso das tecnologias que incidem diretamente na
escola e na atuação dos professores, consideramos importante destacar que a partir da realidade
educacional estabelecida durante o período pandêmico, muitos outros entraves (envolvendo a
família) surgiram no que se refere ao uso da tecnologia e a mediação pedagógica. Segundo
Alves (2020, p. 355), “a dificuldade dos pais em orientar as atividades escolares, considerando
o nível de escolaridade familiar, especialmente os pais dos alunos da rede pública [...]” se tornou
74

um novo desafio a ser superado no âmbito do ensino remoto. Com o fechamento das escolas,
os responsáveis pelos alunos se tornaram seus principais orientadores no processo de construção
do conhecimento e, muitas vezes, esses familiares, apesar de desejarem ver seus filhos, netos,
sobrinhos e irmãos galgando em direção aos estudos, não conseguiram ajudá-los nesse
momento de isolamento e distanciamento social devido sua pouca escolarização.
Como resultado dessa realidade, temos, por exemplo, a pouca participação ou ausência
da maioria dos alunos nas aulas remotas síncronas (quando estas acontecem) e a falta de
interesse de alguns em realizar as atividades assíncronas, o que faz com que os alunos tenham
sua aprendizagem prejudicada. Além dessas, outras dificuldades são enfrentadas pelos
familiares durante o ensino remoto e,

[...] referem-se a: a) ausência de computadores em suas casas, já que utilizam


os dispositivos móveis para acessar a rede internet; b) a falta de experiência
com a interface das plataformas que vem sendo utilizadas para os encontros
virtuais, como Google Meet, Teams, Zoom, entre outros; c) a dificuldade em
mediar as atividades que seguem a sequência prevista para as aulas
presenciais, exigindo dos pais conhecimento e estratégias para ensinar aos
filhos os conteúdos que são cobrados e não ensinados pelos professores
(ALVES, 2020, p. 356, grifos da autora).

A maioria das famílias, cujos filhos estudam em escola pública, não dispõe de
computadores, o que significa que os alunos dependem dos celulares de seus responsáveis para
acompanhar e realizar as atividades enviadas pelos professores e a pouca experiência com as
plataformas de videoconferências como o Google Meet faz com que as famílias fiquem
desmotivadas em tentar o acesso.
Ademais, provavelmente, a maior dificuldade da família seja o que a autora pontua por
último: a mediação das atividades, pois além de possuir o conhecimento referente ao conteúdo,
os pais ou responsáveis dos alunos deverão usar estratégias adequadas para torná-lo
compreensível para os estudantes. Os desafios que dificultam o desenvolvimento de um ensino
integrado à tecnologia não acabam por aí, porém destacamos um último. Assim como Caetano
(2015), consideramos que “[...] o maior desafio é a formação de professores ao nível da
utilização pedagógica das tecnologias” (CAETANO, 2015, p. 306), pois a formação docente é
a base para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Nesse sentido,

[...] o papel da formação vai além do ensino como atualização pedagógica e


didática, o que requer reflexão e adaptação para poder conviver com a
mudança e a incerteza [...] Porém, as mudanças no paradigma docente não
75

acontecem por modismos ou por imposições de políticas públicas


educacionais, pois a mudança docente apenas acontece quando parte de uma
intencionalidade própria, quando ele percebe que os novos programas ou
práticas farão diferença na aprendizagem de seu alunado (SOUZA; SOUZA,
2020, p. 106).

A formação docente vai além da apropriação didática e pedagógica do professor, pois


este deverá refletir e adaptar-se às mudanças ocorridas na sociedade e que refletem
consequentemente no ambiente escolar. Tais modificações, segundo os autores, não acontecem
por imposições, pois só se efetivam de fato quando partem do próprio educador que, consciente
da realidade, busca compreender os aspectos positivos e negativos das novas proposições
didático-pedagógicas para o ensino e principalmente, como estas poderão contribuir
satisfatoriamente com a aprendizagem dos alunos.
A formação docente é um processo contínuo, construído em diversos espaços sociais e
permeado por diversos saberes (TARDIF, 2010). Além disso, tal formação por ser contínua é
inacabada, o que significa dizer que o professor que deseja aperfeiçoar suas práticas e propiciar
aos seus alunos experiências relevantes com a tecnologia deverá se colocar “[...] em estado
permanente de aprendizagem [...]” (KENSKI, 2012, p. 71), isto é, o docente deverá se tornar
um pesquisador de suas práticas, da realidade dos alunos e da escola.
Nessa perspectiva, acreditamos que no tocante ao uso das TDIC em sala de aula, o
professor deverá ser ainda um investigador das potencialidades dos novos recursos digitais e
comunicacionais, e assim se empenhar em buscar novos saberes que venham a contribuir com
o aperfeiçoamento de suas práticas e com o aumento da qualidade da educação. Logo, a inserção
da tecnologia no processo de ensino-aprendizagem exige do professor reflexão acerca de como
inseri-la na metodologia e responsabilidade social para garantir aos alunos uma aprendizagem
que contemple as novas demandas da sociedade atual e as múltiplas linguagens presentes nos
ambientes virtuais (OLIVEIRA; MELO; LIMA, 2020).
Acreditamos que o investimento ininterrupto na formação (inicial e continuada) dos
professores é indispensável para a construção de práticas pedagógicas significativas. Porém,
para além do investimento em políticas públicas no âmbito da formação e valorização docente
é preciso que haja disposição para aprender e inovar por parte do educador. Em face disso, para
que haja um ensino de qualidade,

[...] é necessário muito mais do que possuir avançados equipamentos


disponíveis. É necessário também muito mais do que a boa vontade ou a
submissão do professor às instruções dos técnicos [...] É necessário muito mais
76

do que os breves cursos de “introdução” aos programas e softwares que a


escola dispõe para uso didático.
É necessário, sobretudo, que os professores se sintam confortáveis para
utilizar esses novos auxiliares didáticos (KENSKI, 2012, p. 61, grifos da
autora).

Dispor de uma boa estrutura física e tecnológica e participar de cursos e treinamentos


que versem sobre o uso das diversas ferramentas tecnológicas é muito importante, para que haja
um trabalho produtivo com as tecnologias por parte do professor, porém não é suficiente. Ainda
segundo a autora, os educadores precisam estar abertos para aprender e confortáveis para usar
didaticamente os recursos oriundos das TDIC, o que significa dizer que os docentes terão de
conhecer e dominar as principais funções das ferramentas que irão utilizar em suas práticas
pedagógicas, e mais que isso, deverão avaliar suas potencialidades e criar novas possibilidades
de uso para tais recursos. Os educadores deixarão de ser meros executores de softwares e
passarão a ser criadores dos seus próprios materiais pedagógicos digitais, ou seja, terão a
oportunidade de não apenas aprender a manusear um computador, por exemplo, mas de criar e
realizar em parceria com seus alunos, atividades e jogos online em sites e plataformas que
melhor se adequem a realidade em que se passa o processo de ensino-aprendizagem (KENSKI,
2012).
O processo formativo pelo qual passa todo educador deverá criar condições para que
este reflita sobre a importância das tecnologias no ambiente escolar e reconheça a relevância de
seu papel enquanto construtor do conhecimento. Por outro lado, caso não haja uma boa
formação para os educadores, estes poderão reproduzir “[...] com os computadores os mesmos
procedimentos que estavam acostumados a realizar em sala de aula [...]” (KENSKI, 2012, p.
62). Assim, resultaria na mudança de recursos, mas na prevalência de uma metodologia
engessada e mecânica que não muda em nada os modos de interação entre os alunos e a forma
de ensinar e aprender. No entanto, ainda existem muitas fragilidades no processo formativo dos
educadores, principalmente quando relacionamos ao uso pedagógico das tecnologias e suas
ferramentas digitais e midiáticas. Isso porque,

Desde a década de 1970 essas formações foram pensadas sem integrar as TIC
em seu currículo, isto é, as TIC eram consideradas um assunto restrito e
somente especialistas da área a utilizavam, o conhecimento técnico era
desconectado do conhecimento pedagógico [...] (COSTA, 2017, p. 53).
77

Como se vê, por muito tempo, a integração da tecnologia ao currículo escolar e ao ensino
não foi uma pauta de grande importância na formação dos professores. Nos arriscamos em dizer
que até o período anterior à pandemia da COVID-19, não havia muita preocupação em inserir
as ferramentas tecnológicas no processo de ensino-aprendizagem, pois o seu uso (para muitos)
era considerado difícil ou ainda, porque deveria se restringir aos técnicos em informática.
Investir em disciplinas (formação inicial) e cursos/capacitações (formação continuada) que
tratem sobre as tecnologias, seu manuseio, desafios e possibilidades, por exemplo, para
qualificar melhor os educadores, era dispensável, pois o uso pedagógico das TDIC era uma
realidade distante (para não dizer impossível) na visão de muitos docentes. Para Linhares, Melo
e Costa (2020, p. 121), “a formação para o uso das TDIC na escola deve ser contínua e abranger
diferentes áreas e focos, assim como direcionar à prática docente, inúmeros programas,
aplicativos e ferramentas pedagógicas capazes de ampliar o leque da ação de ensinar”.
Ao integrar teoria e prática, os educadores terão oportunidade de redirecionar seu
planejamento inserindo as tecnologias, mídias digitais e comunicacionais em suas práticas;
pesquisar como implementar o uso dessas ferramentas com intencionalidade pedagógica;
repensar a avaliação de modo que os aspectos qualitativos sejam priorizados diante dos
quantitativos; e construir novos saberes em colaboração com os alunos. Costa (2017, p. 54)
afirma que as formações continuadas “[...] precisam ser mais dinâmicas e direcionadas, com
situações práticas de aprendizagem para o professor”. Tais informações devem possibilitar a
articulação entre teoria e prática e, além disso, devem incentivar os educadores a
problematizarem suas práticas, refletirem sobre suas ações pedagógicas, se disporem a
manusear as ferramentas tecnológicas e inseri-las em seu plano de trabalho, pois somente assim
deixarão os bastidores (no que tange ao uso das tecnologias) para adentrar no palco como
protagonistas.
Os encontros formativos que discutem e apresentam o uso das TDIC no contexto
educativo deverão, portanto, “[...] estimular, instigar e motivar os docentes, em riqueza de
detalhes, sobre os diferentes usos, viabilidade, potencialidades e capacidade de execução da
ferramenta no contexto das disciplinas (LINHARES; MELO; COSTA, 2020, p. 118). É preciso
apresentar aos educadores as potencialidades dessas ferramentas e como estas poderão ser
utilizadas em sala de aula para facilitar o fazer pedagógico e promover uma aprendizagem
qualitativa. O reconhecimento do potencial pedagógico das diversas ferramentas digitais,
tecnológicas e midiáticas no aperfeiçoamento da aprendizagem dos alunos é o primeiro passo
para que se possa investir em formações direcionadas aos diversos objetos de aprendizagem
interativos e plataformas específicas para os educadores (LINHARES; MELO; COSTA, 2020),
78

pois a apresentação inicial acerca dos contributos de cada recurso poderá ser um estímulo para
que os professores se sintam curiosos e impulsionados para aprender e usar tais ferramentas em
sua prática.
Por esse motivo, os autores assinalam a necessidade de encontros formativos voltados
para a atuação pedagógica em sala de aula, pois os professores poderiam se sentir mais abertos
para trabalhar com as TDIC e suas ferramentas, interessados e curiosos para dominar tais
recursos e usá-los em sua prática, a fim de contribuir com a construção do conhecimento de
modo significativo, colaborativo, dinâmico e desafiador (LINHARES; MELO; COSTA, 2020).
A formação do educador é contínua e inacabada, assim como as transformações pelas
quais passam a sociedade, pois todos os dias há o que aprender, assim como todos os dias
alguém inventa algo novo (KENSKI, 2012). O ensino remoto nos mostrou que, apesar de
usarmos alguns recursos tecnológicos em nosso dia a dia, ainda não sabemos muito sobre eles,
sobre suas potencialidades, principalmente, no que diz respeito ao seu uso didático-pedagógico.
No entanto, quando há disponibilidade e condições para aprender por parte do educador, esta
realidade é transformada e novas possibilidades e experiências passam a ser construídas e
mediadas por aquele que deseja ser e fazer a diferença na vida dos educandos. As linhas que se
seguem, traduzem o sentimento e a realidade de muitos educadores quando se depararam com
a realidade do ensino remoto ao longo da pandemia, pois reafirmam que enquanto educadores,

Ainda sentimos insegurança, mas aprendemos a ousar, a ir além, a “aprender


fazendo” ou “aprender pelo erro” [...]. Curiosidade, ousadia, parceria,
tentativas mil até acertar... e nos orgulhamos quando conseguimos alcançar
nossos intentos com o auxílio das ferramentas tecnológicas [...]. Pequenos
desafios e vitórias cotidianas que nos habilitam a novas ousadias, novos saltos.
Movimento dialético que nos encaminha para autonomia da ação docente
mediada pelo conhecimento tecnológico (KENSKI, 2012, p. 68, grifos da
autora).

Embora ainda exista muito o que aprender sobre a tecnologias e, sobretudo, sobre suas
possibilidades para enriquecer as aulas (presenciais ou remotas), é possível ressaltar diante do
atual contexto pandêmico, que os professores foram desafiados e impulsionados a buscar meios
para se aprofundar, estudar e pesquisar recursos e caminhos possíveis para que a educação não
parasse. Os docentes se colocaram na condição de aprendizes e, mesmo diante de suas
limitações, ousaram caminhar por “terras”, até então, pouco conhecidas e exploradas, e com
curiosidade e desejo de aprender para ensinar e minimizar os impactos negativos na
79

aprendizagem dos educandos causados pela pandemia, os professores aceitaram o desafio de


inserir a tecnologia e seus recursos a favor da mediação e construção do conhecimento.
Nesse sentido, o contexto pandêmico estruturado em todo o mundo fez com que os
professores se tornassem os principais responsáveis pela sua formação continuada, isto é,
tivessem autonomia para buscar os melhores meios e recursos para mediar o conhecimento e
proporcionar interação entre os educandos; participar de treinamentos, oficinas, palestras e
minicursos que tratassem do uso da tecnologia na educação; pesquisar sobre a funcionalidade
dos recursos tecnológicos disponíveis e aprender a manuseá-los.
Este trabalho ativo dos professores em busca de aperfeiçoamento, contribuiu para que,
aos poucos, o planejamento e a mediação do conhecimento fossem redimensionados e se
tornasse mais flexível e contextualizado a realidade dos alunos. Além disso, revelou que as
diversas “[...] possibilidades de atualização por meio de aprendizagens a distâncias são pontos
importantes para a melhoria da ação docente [...]” (KENSKI, 2012, p. 71), isto é, a participação
dos educadores em cursos de curta ou longa duração, palestras e eventos, por exemplo, pode
contribuir significativamente com o aperfeiçoamento da ação docente no que diz respeito a
inserção das tecnologias, mas também de outros suportes midiáticos no processo de ensino-
aprendizagem.
Para Kenski (2012, p. 73), “o professor, em um mundo em rede, é um incansável
pesquisador, um profissional que se reinventa a cada dia, que aceita os desafios e a
imprevisibilidade da época para se aprimorar cada vez mais [...]”. É exatamente isso, os
educadores tiveram de se tornar: pesquisadores. Pesquisadores de suas práticas, da realidade
externa de seus alunos e da escola e das possibilidades que poderão melhorar sua atuação.
Segundo Moran (2000, p. 61) “na sociedade da informação, todos estamos reaprendendo a
conhecer, a comunicar-nos, a ensinar; reaprendendo a integrar o humano e o tecnológico; a
integrar o individual, o grupal e o social”.
Nessas poucas linhas, o autor definiu exatamente o que todos (gestores, professores,
pais e alunos) tiveram de fazer para que a educação (ensino formal) não deixasse de acontecer
durante a pandemia da COVID-19. O autor defende que o ensino deve acontecer por diversos
caminhos, pelas experiências sociais dos alunos, pelos textos verbais, visuais e audiovisuais,
pelo uso ou não das TDIC. É indispensável a inserção dos meios de comunicação e digitais no
ambiente da sala de aula, pois os alunos aprendem por meio de diversas linguagens e recursos.
Moran (2000) salienta a relevância da televisão no meio educacional, tendo em vista que a partir
dos vídeos e filmes, os educandos poderão: desenvolver a imaginação, sensibilidade e
criatividade; sentir curiosidade acerca do tema escolhido para trabalhar em sala; se expressar
80

de acordo com os sentimentos que lhes são transmitidos; dentre outras possibilidades
(MORAN, 2000). Além da televisão, Moran (2000) enfatiza as possibilidades de se trabalhar
com o computador e a internet no ambiente escolar ou fora dele. Mas o que é internet? É um
espaço de muitas possibilidades, de troca, de interação, pois possibilita que pessoas localizadas
em diferentes lugares se reúnam virtualmente com diferentes objetivos: conversar, marcar
encontros, realizar pesquisas, jogar, aprender. (KENSKI, 2012). No que diz respeito a
articulação entre o uso das ferramentas digitais e o trabalho com a leitura, por exemplo, é
possível afirmar que,

No século XXI, o estudante passa a ser ainda mais ativo na interação eletrônica
ao utilizar diversas páginas de relacionamentos como Instagram, Facebook,
blogs e fotologs, os repositórios de vídeos como YouTube, os podcasts
(arquivos digitais sonoros que se assemelham a programas de rádio e podem
ser baixados da internet), uma enciclopédia mundial, a Wikipédia, além dos
campeões de acesso como Whatsapp, Messenger e demais aplicativos de chats
online. [...] (MEDEIROS, 2019, p. 62, grifo do autor)

Os alunos encontram-se imersos em um ambiente altamente tecnológico, o que


corrobora para que tenham grande familiaridade com as novas linguagens advindas do meio
tecnológico e digital e isso não pode ser ignorado pelo professor. Ao contrário, o docente deverá
pesquisar possibilidades para integrar tais recursos em suas aulas, a fim de adequar-se às
necessidades dos alunos e às mudanças ocorridas em nosso meio social. Para tanto, partindo de
uma intencionalidade pedagógica, poderá ajudar os alunos a usar os diversos aplicativos e
plataformas digitais a favor de sua aprendizagem, de sua formação integral enquanto sujeito de
emoções, afetos, intelecto.
Para Caetano (2015), muitas são as vantagens propiciadas pela integração da tecnologia
na educação; dentre elas, destacamos as novas formas de interação entre professores e alunos;
construção do conhecimento de forma ativa, participativa e colaborativa pelo aluno; articulação
entre as necessidades dos alunos e os objetivos pedagógicos; aulas mais dinâmicas e intuitivas;
descentralização da figura do professor; desenvolvimento da criticidade, criatividade e
capacidade de buscar soluções para problemas pelo aluno a partir de desafios e jogos, dentre
outros benefícios.
Ao inserir a tecnologia no ensino, Moran (2000) menciona a princípio, a importância de
o professor conhecer as habilidades e competências dos alunos acerca das ferramentas a serem
adotadas no processo de ensino-aprendizagem. Posteriormente, o docente poderá criar um
grupo ou página na internet a fim de facilitar a comunicação entre a escola e as famílias, bem
81

como divulgar informes e compartilhar atividades escolares. Atualmente, um dos aplicativos


mais utilizados pela população para a troca de mensagens instantâneas, áudios e vídeos é o
WhatsApp. O uso desta ferramenta, quando bem planejado, poderá ser bastante significativo no
que diz respeito a aprendizagem dos alunos.
Uma pesquisa recentemente realizada por Gomes, Carvalho e Maia (2020) sobre a
possibilidade de uso do aplicativo em sala de aula, aponta que a adesão em massa ao WhatsApp
se dá, provavelmente, por sua gratuidade, mas também devido sua praticidade e pouca
utilização de armazenamento no telefone móvel. Além disso, os autores constatam que quando
usado com intencionalidade educativa, o aplicativo poderá ser um recurso eficaz na construção
do conhecimento e de experiências diferenciadas.
A utilização da internet para a construção do conhecimento torna-se uma poderosa
ferramenta quando sistematizada pedagogicamente. Moran (2000) afirma ainda que o docente
poderá utilizar as ferramentas da internet para propor discussões (para isso pode-se criar grupos
no WhatsApp e páginas no Facebook, blogs ou outras ferramentas que as famílias estejam mais
familiarizadas), para que os alunos tenham a oportunidade de expressar suas opiniões, fazer
questionamentos ao professor e demais colegas ou até mesmo discordar de posicionamentos;
incentivar a realização de pesquisas (de modo individual e coletivo) pelos educandos, para que
estes possam, consequentemente, desenvolver autonomia na busca de informações e soluções
para os problemas apresentados em sala de aula; ajudar os alunos a identificar sites confiáveis
e trocar opiniões com os colegas; trabalhar a cooperação através de compartilhamento de
ideias, textos, vídeos, imagens e projetos que se relacionem com o conteúdo via e-mail ou outra
plataforma virtual criada para tal finalidade.
Conectados à internet temos acesso a uma diversidade de informações e com suas
potencialidades podemos construir muitos conhecimentos, dado que,

A internet pode ajudar a desenvolver a intuição, a flexibilidade mental, a


adaptação a ritmos diferentes. [...]
Na internet também desenvolvemos formas de comunicação, principalmente
escrita. Escrevemos de forma mais aberta, hipertextual, conectada [...]
aproximando texto e imagem (MORAN, 2000, p. 53).

Acessar a internet é fazer opções e aprender a fazer descobertas errando, pois as


informações estão escondidas e interconectadas por meio dos hiperlinks. Além disso, a
navegação na rede (de internet) pode ser individual, o que permite que cada um acesse no seu
tempo, e de acordo com o seu ritmo, e pode proporcionar o desenvolvimento de novas formas
82

de comunicação à medida que o texto escrito deixa de ser a única opção para estabelecer
diálogos e expressar opiniões, haja vista que as imagens, os áudios, memes e figurinhas, por
exemplo, também comunicam e expressam sentimentos, emoções.
Reconhecendo os desafios impostos pelo ensino remoto (ensino emergencial durante a
pandemia da COVID-19) ao setor educacional, a necessidade de articular o uso das tecnologias
ao ensino e a relevância da formação inicial e continuada dos professores para a construção de
uma educação de qualidade e cada vez mais contextualizada às vivências e necessidades (dos
educandos e da nova sociedade), consideramos importante refletir acerca das práticas de
contação de histórias realizadas por professoras de uma escola da rede estadual de ensino no
município de Pau dos Ferros/RN durante o ensino remoto.
83

4 A LEITURA LITERÁRIA E A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: DESCOBERTAS


E APONTAMENTOS

Narramos [...] para nos salvar pela palavra da nossa


condição lacunar, faltosa e incompleta. Comunicar o
visto, sentido e interpretado é, também, uma forma de
dizer de nós e representar para o outro e por
conseguinte dar sentido à vida.

(CAVALCANTI, 2002)

A literatura é sinônimo de informação, fruição, encantamento, reflexão e libertação, se


não há vida em profundidade, não há literatura. A prática de contar histórias pode constituir-se
um caminho seguro para o encontro entre texto e leitor, de modo que objetivamos nesse capítulo
tecer discussões acerca da importância da literatura e da contação de histórias para a formação
do gosto pela leitura; resgatar pontos importantes sobre o surgimento dessa arte histórica
advinda da tradição oral; relatar algumas adaptações necessárias para que essa tradição não
deixasse de existir com as mudanças ocorridas na sociedade e modos de vida, elencando
características do contador tradicional e contemporâneo; e refletir sobre o professor contador
de histórias e seu papel na formação leitora dos alunos.

4.1 ORIGEM E MODIFICAÇÕES NO DECURSO DO TEMPO

O ato de ler é intrínseco do ser humano e de sua relação com o mundo e pressupõe
reflexão e representação. Em paredes de cavernas ou em aparelhos tecnológicos sofisticados,
através de traços, cores e/ou códigos, o homem representa vivências, memórias, costumes,
valores e crenças. Logo, a leitura vista de forma ampla, humaniza e sensibiliza
(CAVALCANTI, 2002).
A aprendizagem da leitura, por sua vez, não se restringe a aquisição de mais uma
habilidade, e ser leitor não se limita a leitura diária e obrigatória de um livro, pois “[...] aprender
a ler e ser leitor são práticas sociais que medeiam e transformam as relações humanas [...]”
(COSSON, 2011, p. 40). A leitura, quando trabalhada de forma sistematizada, dinamizada,
intencional e crítica, contribui com a formação do gosto e não do hábito em ler, com a
transformação da sociedade e com o exercício pleno da cidadania.
84

Podemos falar então de uma leitura articulada ao letramento que, segundo Xavier
(2007), é uma prática cultural que não se dissocia do letramento alfabético, capacidade de
codificar e decodificar os sinais gráficos de uma língua - e que permite aos sujeitos ir além
daquilo que está escrito. O letramento abrange a capacidade dos indivíduos em lê, interpretar e
estabelecer relações com informações que não estão descritas no texto, imagem, áudio ou vídeo
lido/ouvido/assistido com a sua realidade social.
Assim, quando falamos em leitura de literatura no contexto escolar, nos reportamos ao
letramento literário, cujo significado ultrapassa a mera decodificação do código escrito – leitura
mecanizada – e proporciona “[...] ao leitor experiências de vida, conferindo autonomia na
prática leitora e envolve reflexões diversas sobre sua realidade a partir de práticas
metodológicas planejadas para a finalidade da formação do leitor literário [...]” (SILVESTRE;
NÓBREGA; DALLA-BONA, 2021, p. 126).
O letramento literário torna-se indispensável para aprofundar as leituras que fazemos,
permitindo-nos, compreender o contexto em que foi escrita a obra e a relação que se mantém
com o passado e o presente; atribuir sentido as nossas vivências cotidianas; adquirir autonomia
na leitura a partir do gosto e prazer despertado pelas histórias e a necessidade de fantasiar
provocada pelos diálogos estabelecidos entre o texto e outros leitores. Ler literatura significa
viver, olhar e falar para si, sem a necessidade de encontrar verdades incontestáveis ou
explicações. No texto literário, não há uma verdade absoluta, há múltiplos sentidos e
significados, que por sua vez, são construídos, percebidos e atribuídos pelo leitor e suas
singularidades.
Além disso, é a literatura que nos permite viver através da imaginação, emoções e
sentimentos diversos, olhar para as singularidades dos personagens fictícios e encontrá-los, na
vida real, vestidos em outras pessoas, olhar para dentro de nós e encontrar perdida a capacidade
de sonhar e esperançar, ainda que em dias difíceis, e falar para nós mesmos, a partir da leitura
de uma história, que a coragem e a força de vontade podem nos permitir chegar mais longe
(CAVALCANTI, 2002).
A literatura, como defende Candido (2011), é uma necessidade básica, um direito
universal e portanto, um bem incompressível. Candido (2011, p. 174) aponta que “[...] são bens
incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas
os que garantem a integridade espiritual [...]”. Assim, como o alimento material é sustento para
o corpo, a arte da palavra é subsistência para o espírito, pois pode despertar emoções e
sentimentos e funcionar como fuga da dura realidade da vida. Ainda segundo Candido (2011,
p. 174) a literatura pode ser entendida “[...] como manifestação universal de todos os homens
85

em todos os tempos [...]”, pois atravessa as diversas culturas e se realiza através da subjetividade
e criatividade humana. É impossível viver sem fabular, sonhar, imaginar. Nessa perspectiva, os
diferentes povos fazem uso dessa arte para manifestar suas crenças, registrar seus costumes,
inventar seus “causos” e repassar valores, vez que intencionam mantê-los vivos para que as
futuras gerações tomem conhecimento de sua história. Além disso,

É na literatura que nossa memória está melhor preservada porque, lá, os fatos
da realidade associados à imaginação têm sangue, suor, emoção e, assim, é
através dela que podemos observar em retrospectiva trajetória da vida como
múltipla e plena de virtualidade inesperada. (AMARILHA 2012, p. 77).

A literatura que forma à medida que encanta, guarda em seus escritos as memórias de
situações difíceis, de tristeza, guerra, medo, mas também de lutas vencidas, dificuldades
superadas, medos enfrentados. Por meio da arte da palavra, temos a oportunidade de
compreender uma história que concretamente, temporalmente não vivemos, mas que
influenciou o nosso modo de viver.
A literatura preserva o hoje, o ontem e o amanhã (COSSON, 2011) porque fala da vida,
dos sabores e descontentamentos, das lutas, vitórias e derrotas de um povo. Através da leitura
de literatura “[...] nos sentimos parte de um grupo social maior, e, ainda que na maior solidão,
o texto pode nos mostrar um enraizamento com outros seres – alguém em algum lugar já viveu
aqueles sentimentos” [...] (AMARILHA, 2012, p. 81). O texto literário, embora lido na
individualidade, nos permite fazer parte de uma história maior, pois entramos em interação com
outros espaços, pessoas e culturas, logo, partilhamos dos mesmos sentimentos e emoções que
alguém em algum lugar do mundo já viveu quando pensou e escreveu a história.
O poder humanizador da literatura e sua relevância na formação do homem, perpassa
por três funções importantes: função psicológica, relacionada a necessidade universal de ficção,
fantasia; função educativa, que ultrapassa a visão estritamente pedagógica para contribuir com
a formação da personalidade humana e com a humanização do ser, à medida que denuncia as
injustiças, quebra paradigmas, rompe preconceitos e faz viver; e a função de conhecimento do
mundo e do ser, na qual a obra literária está estritamente vinculada a realidade do mundo, que
apesar de ter sido pensada e escrita em um dado contexto pode ganhar novos sentidos e
significados a partir da singularidade de quem a lê (CANDIDO, 2002). A partir da leitura de
um texto literário,
86

[...] encontramos o senso de nós e da comunidade a que pertencemos. A


literatura nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo
por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser
realizada. E mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação
do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade. No exercício da
literatura, podemos ser outros, podemos viver como os outros, podemos
romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e, ainda assim,
sermos nós mesmos. É por isso que interiorizamos com mais intensidade as
verdades dadas pela poesia e pela ficção (COSSON, 2011, p. 17).

Conforme aponta o autor, na leitura de literatura encontramos espaço para compreender


e refletir sobre si, sobre o outro, sobre o mundo, porque, envolvidos com as narrativas e com
sua capacidade de nos emocionar, falando da vida e da realidade em que estamos inseridos,
somos convidados a entrar na história e expressar nossas ideias, sentimentos e opiniões. Por
esse motivo, a literatura não cabe em uma disciplina, pois mais que um conhecimento a ser
reconstruído, ela é o que o outro em algum lugar do mundo aprendeu, sentiu, viveu, incorporado
em quem a lê. Ainda que envolto no mundo ficcional, o leitor não tem sua personalidade
perdida, mas seu direito de imaginar e se expressar garantido, visto que na leitura literária
podemos ser quem desejarmos; estar onde não imaginávamos; e viver o que considerávamos
impossível experienciar.
Para Cavalcanti (2002, p. 9), a literatura infantil “[...] abre o horizonte ao desafio de ir
para além do real [...] ao ouvir ou ler uma história, a criança vai dando corpo à fantasia, criando
imagens que não têm forçosamente de ser iguais às do colega [...]”. A partir da escuta e/ou
leitura de narrativas, resgatamos a capacidade de imaginar, fantasiar e criar, que muitas vezes,
fica adormecida em virtude das informações prontas e rápidas que nos chegam diariamente
pelas mídias digitais.
Além disso, Bedran (2012, p. 25) afirma que “a criança que ouve histórias
cotidianamente desperta em si a curiosidade e a imaginação criadora e ao mesmo tempo tem a
chance de dialogar com a cultura que a cerca e, portanto, de exercer sua cidadania [...]”. O
contato com a leitura de literatura pode fazer com que os ouvintes e/ou leitores tenham
curiosidade sobre algo, alguém ou algum lugar citado na narrativa, criem, inventem, proponham
soluções para os problemas apresentados no decorrer da trama, relacionem a leitura ao contexto,
às culturas de ontem e de hoje e reflitam sobre a diversidade que os cercam, exerçam de forma
consciente os seus direitos e deveres, atuando de forma plena na sociedade em que vivem.
Tais reflexões nos levam a compreender que a leitura de literatura não é estática, mecânica e
nem tampouco objetiva, visto que,
87

[...] Sempre que entramos no plano da ficcionalidade, abdicamos da tentativa


(válida) de ver o mundo do ponto de vista da objetividade [...], da lógica
sistemática e do pensamento analítico [...]. Através da ficção, penetramos no
patamar da subjetividade (a visão de mundo pessoal e singular), da analogia,
da intuição, do imaginário e da fantasia (SOUZA, 2004, p. 40, grifo da autora).

A leitura dinâmica e encantadora da literatura resulta do trocadilho das palavras, das


metáforas, da descrição detalhada (dos personagens, dos sentimentos, dos lugares), do toque
poético acrescido por cada autor. Por meio desse jogo ficcional, adentramos no mundo
imaginário das histórias e, a partir disso, passamos a conhecer novas pessoas e lugares,
desejamos resolver os conflitos que aparecem ao longo da narrativa e podemos nos identificar
com situações e personagens do texto literário.
Ao entrarmos em contato com a literatura, nossos horizontes são ampliados, pois não
permanecemos engessados pela racionalidade, mas nos damos o direito de fantasiar, de refletir
sobre as inúmeras interpretações que podem ser dadas a uma mesma narrativa, de tomar
emprestado a força, resiliência e coragem de um determinado personagem, de acreditar que é
possível vencer a guerra, ser feliz e encontrar o caminho de volta mesmo quando em outras
tentativas não se obteve êxito.
O ato de ler literatura torna-se cada vez mais importante para os alunos, pois através da
leitura é possível compreender, refletir e tecer críticas e posicionamentos sobre o contexto em
que se está inserido, alcançando assim, a emancipação e o exercício pleno da cidadania.
Silvestre; Nóbrega; Dalla-Bona (2021), defendem que tal processo poderá ser ainda mais
significativo e potencializado se for articulado com a realidade tecnológica e digital
experienciada pelos estudantes.
Desse modo, acreditamos que durante a pandemia da COVID-19, em que a maior parte
do ensino se deu de forma não presencial, o letramento literário digital (uso crítico da leitura
no ambiente digital) e a contação de histórias se configuraram caminhos seguros para aproximar
os educandos do livro, da leitura literária de forma lúdica e prazerosa. Isto é, uma alternativa
imprescindível para trabalhar a formação do leitor de forma virtual/remota. A formação de
leitores, cujo objetivo deve ser o despertar do gosto pelo texto literário e a autonomia na busca
pela leitura, só é possível a partir do contato dos alunos com o universo literário e isso acontece
por meio da mediação de alguém mais experiente.
Em Vigotsky (2007), a mediação se configura em um processo dialético, no qual os
conhecimentos são construídos na interação com o outro. Para discutir a relação existente entre
desenvolvimento e aprendizado, o autor apresenta a Zona de Desenvolvimento Proximal, que
88

consiste por sua vez às “[...] funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo
de maturação [...]” (VIGOTSKY 2007, p. 98). A distância entre o que o aluno consegue realizar
sozinho e aquilo que, devido a reorganização de suas estruturas psicológicas só consegue fazer
sob orientação, mas que em breve poderá realizar com autonomia. Em vista disso, “[...] o
trabalho de mediação atua na zona de desenvolvimento iminente (ou proximal) das crianças,
possibilitando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores” [...] (SOUZA;
MODESTO-SILVA; MOTOYOMA, p. 09, 2020).
A mediação, longe de ser um processo estático, indica transformação e se dá a partir de
movimentos que gerem aprendizagens para os sujeitos envolvidos. Quando relacionamos esse
conceito à prática de leitura, podemos afirmar que a mediação de leitura não se restringe ao
compartilhamento de uma história por alguém mais experiente, pois contar história é interagir
com os leitores/ouvintes, com o texto literário e consigo mesmo. Anda de acordo com as
autoras, em contato com as histórias e, consequentemente, com diversas culturas e contextos
sociais, os leitores em formação poderão desenvolver a linguagem, a escrita, o desenho, e tantas
outras formas de transpor materialmente os sentidos construídos a partir da apropriação da
narrativa. A mediação de leitura possibilita que aqueles que ouvem ou leem as histórias,
transformam sua realidade, atribuem novos significados ao texto literário e à vida, e interagem
uns com outros. Para Souza, Modesto-Silva, Motoyama (2020), existem pelo menos três modos
de apresentar a leitura literária para os alunos: o reconto, a proferição e a leitura.
O reconto, que chamamos de contação de histórias, diferencia-se do ato de proferir/dizer
uma narrativa. O recontar é uma ação criativa, realizada por um mediador, no qual este, não
necessariamente precisa estar de posse do livro, pois é livre para criar e reinventar a história,
tomando apenas o cuidado de não adulterar a qualidade estética da obra. Além disso, é um modo
de retomar as origens da história humana e compartilhar os saberes das gerações pela via da
oralidade, tendo o próprio corpo e voz como principais fontes de expressão. Já o dizer/proferir
histórias, apesar de exigir a presença de um mediador e do uso da entonação de voz e expressões
corporais, refere-se a leitura pronunciada tal qual está no livro, cuja sequência não pode ser
modificada. Apesar de existirem diferenças entre o contar e o dizer histórias, esses dois modos
de mediar a literatura corroboram para a terceira ação: o ato de ler histórias. A leitura é solitária,
porque ocorre entre o leitor e o livro (físico ou digital), é autônoma e pode ser realizada de
maneira silenciosa ou em voz baixa. Porém, não exige mediação e a compreensão acerca da
leitura surge do interior de quem lê e das relações estabelecidas com a realidade vivida e os
sonhos idealizados (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
89

Nenhuma das técnicas, modos de apresentar a leitura ao estudante é mais importante


que a outra, pois cada uma desenvolve habilidades diferentes e um campo na vida do leitor.
Contudo, neste trabalho, damos ênfase maior nas práticas de contação de história, visto que esta
é um ato criativo, único e existe desde os tempos mais antigos. Para Farias (2011, p. 19) “[...]
tudo começou em uma caverna, quando os primeiros caçadores e coletores se reuniram em volta
das chamas da fogueira para contar histórias uns aos outros, sobre suas aventuras na luta pela
sobrevivência [...]”. A necessidade de explicar a origem do universo, manter a unidade do
grupo, eternizar experiências vividas e repassar para as próximas gerações as técnicas utilizadas
para garantir a sobrevivência, fez com que os nossos ancestrais realizassem as primeiras
narrativas. Nesse sentido,

Desde que o mundo é mundo, o homem sempre esteve ao lado de suas


narrativas [...] Contando sua própria história e a do mundo, o homem vem se
utilizando da narrativa como um recurso vital e fundamental. Sem ela a
sociabilidade e mesmo a consciência de quem somos não seria possível. O
conto é uma memória da comunidade [...] (BEDRAN, 2012, p. 25).

Contar uma história é comunicar algo a alguém, é narrar com entusiasmo e riquezas de
detalhes um fato, situação, é ter alguém para ouvir atentamente o que se quer transmitir pela
via da oralidade. Por meio da narrativa, nos socializamos com o outro e com sua cultura,
costumes, crenças e valores, nos encontramos enquanto sujeitos históricos e tomamos
consciência de quem somos e onde queremos estar. Bezerra (2020, p. 167), coloca que “[...] o
costume de contar histórias se tornou uma tradição pela necessidade de guardar a bagagem
cultural, tecida nas diversas tentativas de entender o mundo e de explicar as coisas que não
podem ser interpretadas de modo racional. [...]”. A partir da magia e encantamento presentes
nas narrativas, o homem consegue fugir da realidade, escapar dos problemas, sentir alegrias,
compreender e refletir sobre situações diversas e transitar pelo universo fabuloso das histórias.
Desse modo, corroboramos com a ideia de Cavalcanti (2002, p. 19) quando afirma que,
“as narrativas sempre se constituíram relato essencial da capacidade humana de fabular,
fantasiar e criar. [...]”. A capacidade do homem de imaginar e usar a criatividade que o fez
deixar de ser primitivo, para se tornar alguém capaz de narrar sua própria história. Para a autora,
a entrada no universo da linguagem (ato comunicativo) se deu pela capacidade de simbolização
do ser humano, dado que é por meio desta, que preenchemos os vazios das histórias e lhe
atribuímos, a partir da representação e das vivências enquanto sujeitos singulares, novos
significados e sentidos. O simbólico, é ainda, o caminho que encontramos para dar sentido à
90

vida, para compreendermos e refletirmos sobre a dimensão do outro. Bedran (2012, p. 43),
defende que “[...] o ato de narrar, significa um reencontro de experiências transmitidas de
indivíduo a indivíduo, de povo a povo, capaz de deixar impressos na memória das gerações
elementos essenciais à vida em seus diversos momentos”.
Então, é no contato com as histórias que podemos conhecer a nós e aos outros, pois é
nelas que a memória de um povo está guardada e ao contrário dos tesouros materiais, o poder
de humanização contido nas narrativas não se perde no tempo, pois há sempre alguém
interessado em lê-las e apreciá-las, e o mais intrigante, nunca estão ultrapassadas, mas
conservam-se sempre muito atuais.
Diferente das informações rápidas que nos chegam diariamente, as narrativas mantêm-
se vivas e ganham repercussão, pois estão intimamente relacionadas com os sabores e
dissabores da vida. Além disso, proveniente da tradição oral, as primeiras histórias,
conseguiram atravessar os tempos e instigar sonhos, falar da origem e da morte de um povo; da
alegria e tristeza; romper paradigmas; quebrar preconceitos; anunciar aventuras; descobrir
segredos; enfim, falar da vida (BEDRAN, 2012).
Narrar uma história é organizar o mundo por meio da memória individual, isto é, a partir
da acumulação e organização de vivências não necessariamente experimentadas, é possível
imaginar e retransmitir ideias, sentimentos, subjetividades e saberes adquiridos na experiência
de vida, na leitura, no universo simbólico (FARIAS, 2011). É possível afirmar que a narrativa
se configurou, ao longo do tempo, uma forma de construir cultura; a oralidade, o principal meio
para propagar as histórias, visto que, “[...] por muito tempo a fala foi o único veículo condutor
do legado cultural para as gerações futuras [...]” (BEZERRA, 2020, p. 165); e o contador de
histórias, o sujeito capaz de reproduzir os saberes adquiridos por meio da oralidade.
Nessa vertente, Busatto (2012) afirma que as histórias existem para que a tradição, a
cultura e a memória dos povos sejam conservadas. Para isso, além de alguém para escutar,
apreciar e valorizar as narrativas, faz-se necessário alguém (contador/narrador) que empreste a
sua voz e criatividade para contá-las. Segundo a autora, o contador de histórias é um sujeito que
rompe as barreiras do tempo e chega até as pessoas através da arte de narrar, seja por meio
exclusivo da oralidade (contador tradicional, narrador tradicional) ou por meio de técnicas e
recursos diversos (contador contemporâneo). A tradição oral é de grande relevância para a
humanidade, pois é a partir dela que tomamos conhecimento das primeiras narrativas e
construímos sentidos e significados inapagáveis por meio da oralidade. Portanto, a princípio, o
contador de histórias,
91

[...] Era um sujeito que se valia da narração oral como via para organizar o
caos, perturbar e propagar os mitos fundacionais das suas culturas. Um sujeito
que mantinha vivo o pensamento do seu povo por meio da memória prodigiosa
e que o divulga por meio da arte. Sua forma de expressão, a voz manifestada
por meio de um corpo receptivo e maleável (BUSATTO, 2012, p. 18).

Os primeiros contadores de histórias, valeram-se exclusivamente da oralidade para


propagar seus causos, histórias, aventuras, mitos e crenças, dado que, por muito tempo, a fala
foi o único meio para conservar vivas, as memórias de uma nação. Em meio às vivências da
comunidade, no contato com os seus, este contador, construía o repertório de leitura e o
propagava através da voz e do movimento do seu corpo.
A narração faz parte da origem do ser humano que, por sua vez, é dotado de
simbolização. Bezerra (2020, p. 165) afirma que o ato de contar histórias “[...] se tornou
possível graças às capacidades de ouvir, memorizar e narrar [...]” do ser humano. Através da
escuta efetiva e da memorização do repertório cultural de seu povo, o contador tradicional,
tornou-se capaz de eternizar os saberes e costumes, isto é, guardar uma tradição. O contador
tradicional, “[...] não age mediante técnicas de oratória, interpretação ou pesquisa bibliográfica,
pois em sua maioria não é letrado, mas relata histórias oriundas do seu meio cultural ou de sua
criação, que brotam da fonte de sua matéria vivida. [...]” (BEDRAN, 2012, p. 104).
Nas sociedades antigas, o narrador é visto como um comunicador que, pela facilidade
de memorizar e atribuir vida às informações extraídas do meio social, torna-se uma fonte de
conhecimento, alguém que carrega em si, a memória coletiva da comunidade. Então, o contador
de histórias tradicional, constrói seus saberes à medida que relaciona memórias e narrativas, e
recolhe da oralidade, do meio do povo, seu repertório de leitura.
Por fazerem parte de suas vivências, as narrativas têm significado e valor afetivo para o
narrador tradicional, pois sua leitura é construída com base nas interpretações que retira da
cultura da qual faz parte, e compartilhada com os ouvintes a fim de propagá-la (BUSATTO,
2013). Além disso, “[...] na perspectiva da contação de história tradicional, podemos dizer que
aquele que conta um conto, reconta também a sua história, vivida e construída no território
mágico da narrativa, nos trilhos da oralidade” (BEZERRA, 2020, p. 169). O modo de se
expressar, de atribuir ritmo às palavras e coordenar gestos torna a contação de histórias um
momento de encantamento para a maioria dos ouvintes, porque é da vida, dos medos, das lutas,
vitórias e derrotas que tratam as histórias recriadas e contadas de forma criativa pelos
contadores. A capacidade do contador tradicional de reinventar e reconstruir as histórias, bem
como de deixar vazios para serem preenchidos, convidam leitores e/ou ouvintes a se tornarem
92

coautores das histórias, fazendo com que se sintam partes da narrativa à medida que se
encantam e envolvem na trama em busca de interpretá-la a partir de suas vivências sociais.
A existência dos contadores de histórias, embora com algumas mudanças, permanece
até hoje, “[...] porque o homem, como um ser de natureza complexa, a todo momento procura
entender os mistérios do universo [...]” (BEZERRA, 2020, p. 171). Como a escrita ainda não
era uma realidade no princípio do mundo, foi através da memória que os saberes dos diferentes
povos se materializavam na voz de quem contava e encantava. O valor social do contador de
histórias encontra-se na sua capacidade de reorganizar o mundo a partir da ludicidade presente
na narração de histórias, mas, sobretudo, de poder repassar para as gerações futuras a herança
cultural do seu povo, contribuindo para a compreensão da diversidade com que teremos de lidar
diariamente a partir da interação com diferentes contextos, culturas e realidades.
Apesar das mudanças ocorridas nos diversos espaços sociais, a habilidade do ser
humano em criar, recriar e narrar, atravessa os tempos e sobrevive até hoje, através do ato de
contar histórias, que ressurge por sua vez, no fim do século XX como uma criação artística, na
qual os contadores podem buscar formação em cursos e aprender e exercitar a habilidade de
narrar e contar histórias (BEZERRA, 2020). A contação de histórias é uma arte capaz de atribuir
sentido às experiências de um povo e compartilhar ensinamentos, crenças e costumes de uma
geração. A arte de narrar mantém viva a tradição e a memória de uma dada cultura, sociedade.
E por que a contação de histórias se configura uma arte? Segundo Busatto (2013, p. 49), “[...]
a arte é transformação simbólica do mundo. Ela propicia a criação de um universo mais
significativo e ordenado. A arte vibra com vida [...]”. A arte fala da vida de modo singular, pois
comunica, encanta, emociona, sensibiliza e causa reflexões naqueles que estão abertos a
experimentá-la, senti-la e vivê-la intensamente.
A contação de histórias como arte não exige explicações dos ouvintes, pois abre espaço
para que interpretem e relacionem a narrativa com suas experiências pessoais, além disso, não
funciona como uma ação moralizante, visto que oportuniza aos leitores, visualizar, ouvir e sentir
a si, ao outro e ao mundo de forma mais compreensiva e empática (SISTO, 2007). Busatto
(2013) afirma que a arte nos permite olhar diferente para aquilo que nos é entregue de modo
fragmentado e rápido pelos diferentes meios de comunicação, além de nos propiciar refletir
criticamente sobre o mundo moderno que muito preza pelo consumismo exacerbado e
informações rápidas, e pouco valoriza as necessidades básicas do ser humano. Desse modo,

[...] a arte de contar histórias se faz hoje mais do que nunca necessária
exatamente porque quando ela se dá, seja num contexto pedagógico, numa
93

roda informal de contos ou mesmo no contexto do que chamamos de indústria


do espetáculo, o maravilhoso se instala. O maravilhoso contém elementos e
valores ancestrais que vêm caminhando ao lado da existência humana em suas
mais diversas culturas e quando um conto é narrado, as imagens saltam
diretamente para a imaginação criadora do ouvinte, seja ele criança ou adulto.
É nesse momento que o indivíduo realiza sua mais importante operação: a de
significar sua relação com o mundo (BUSATTO, 2013, p. 62, grifo nosso).

Acreditamos, assim como a autora, que a contação de histórias é indispensável e


necessária, principalmente, na sociedade altamente tecnológica em que estamos inseridos, isso
porque precisamos recuperar a nossa capacidade de imaginar e se aventurar pelo universo
maravilhoso e simbólico das histórias. No mundo globalizado em que vivemos, as informações
prontas e com caráter de objetividade e verdade absoluta tornaram-se a preferência da maioria
das pessoas, no entanto, muitas vezes, esquecemo-nos que através da contação de histórias
podemos adentrar no mundo do “faz de conta”, criar personagens, situações, problemas e
soluções; conhecer diferentes culturas, e exercer o direito de fantasiar e atribuir significado ao
mundo, à realidade em que se está inserido e à vida. Se a arte é uma forma de transformar
simbolicamente o mundo, atribuindo-lhes sentido e movimento,

Então, o que é necessário para que contar histórias seja arte ao alcance de
quem deseja fazê-la? Extrapolar as amarras do didático, do exemplar e do
mero informativo. Saltar da obrigação de ensinamento para a noção de fruição,
de prazer estético, de embelezamento da conversa trocada através de uma
história, do exercício de linguagem que procura a forma adequada para dizer-
se de si mesmo (SISTO, 2007, p. 40).

A contação de histórias como arte não pode limitar-se ao alcance dos objetivos
pedagógicos, moralizantes e informativos da rotina escolar, nem tampouco ser vista como uma
obrigação. Ao contrário, precisa ser inserida no ambiente educacional com o intuito de
aproximar os educandos do universo fabuloso das histórias e despertar neles o gosto e prazer
pelo texto literário. Para tanto, Sisto (2007, p. 41) defende que “[...] a arte de contar exige um
fazer anterior, um preparo, um domínio prévio, um conhecimento, estudo, ensaio,
profundidade. E é, evidentemente, exercício de longo prazo. [...]”.
Contar histórias deve ser um ato planejado e intencional, isto é, antes de narrar deve
haver uma preparação (conhecer a história a ser contada e o público a ser contemplado; sentir
com profundidade as emoções que o texto oportuniza viver; adaptar e sintetizar a história;
memorizar e ensaiar a narrativa, dentre outros aspectos), pois só então, será possível construir
um espaço de diálogo acerca do texto e da sua relação com o contexto e vivências sociais,
94

culturais e afetivas dos alunos, pois é a partir dessa interação texto-leitor que a identificação
com a obra literária, com o autor e com os personagens da história acontece.
A contação de história, enquanto arte/ato criativo, surge como um caminho seguro para
aproximar os educandos da leitura literária e o contador de histórias contemporâneo passa a ser
visto como um artista que, por sua vez, deve ser capaz de construir uma relação harmônica, de
intimidade e cumplicidade com o leitor/ouvinte. Além disso,

A contação de histórias, como a performance, é uma linguagem artística


multidisciplinar, pois envolve letra feito voz, movimento feito imagem visual,
som feito paisagem sonora. Na narração oral, como na performance,
considera-se o corpo do artista como objeto da arte. [...] algumas vezes o
contador de histórias transforma seu corpo em cenário da ação, traz o texto
impresso na pele, cria corporalmente (enquanto narra) imagens dos espaços
por onde a história desliza. [...] (BUSATTO, 2013, p. 32-33, grifo da autora).

Em uma contação de histórias, a voz do narrador nos instiga a imaginar situações,


paisagens e personagens, mas é a sua atuação/performance que nos permite visualizar a
materialização do que está sendo narrado e atuado a partir dos movimentos, gestos e imagens
criadas pelo seu corpo. Com gestos largos ou diminutos, semblantes tristes, alegres, calmos ou
bravos, e fazendo ou não uso de recursos lúdicos, o contador contemporâneo, cria através do
seu corpo, uma linguagem visual que complementa e enriquece aquilo que expressa a sua voz.
Sobre o contador contemporâneo, Busatto afirma que,

Eles chegam de todas as partes [...] Vêm vestidos de vermelho, azul e amarelo;
fitas coloridas penduradas pelo corpo; vêm com jeito de palhaço ou princesa;
outros vestidos de si próprio. Alguns trazem consigo instrumentos sonoros,
músicos e cantores; [...] alguns portam malas, bonecos, fantoches, panos,
chapéus [...]; outros nada trazem, apenas vão chegando, contando, cantando,
deixando leitura, múltiplas leituras aos seus ouvintes hipnotizados. [...]
(BUSATTO, 2013, p. 26, grifo nosso).

A prática de contação de histórias, a atuação do contador foi sendo reconfigurada a partir


das mudanças ocorridas na sociedade. Este último recorreu a recursos e técnicas (que podem
ser aprendidas em cursos, oficinas e formações) para provocar múltiplas leituras e manter viva
esta arte, que teve como fundamento inicial a tradição oral. Ao trazer objetos, vestir-se com
cores diversas e/ou associar uma música à narrativa, o contador de histórias desperta nos
ouvintes, na maioria das vezes, a curiosidade e o interesse em conhecer e falar sobre a narrativa.
Para Bedran (2012), o contador urbano (contemporâneo), ao contrário do contador tradicional,
que não atua mediante técnicas, é um pesquisador e aprendiz da arte de narrar, porque pesquisa
95

histórias, busca cursos para se atualizar e aperfeiçoar suas habilidades no que diz respeito a
contação de histórias. O contador contemporâneo também registra sua investigação de modo
escrito e o traz para a oralidade por meio de técnicas e estudos, exercendo assim, sua função de
mediador entre os leitores e o universo literário. Um contador (tradicional ou contemporâneo)
não anula o outro, independente de fazer uso ou não de técnicas e recursos, aquele que empresta
sua voz para atribuir vida às memórias de um povo, se torna uma ponte que facilita a travessia
do leitor em busca da leitura de literatura. No entanto, devemos estar cientes de que, com as
mudanças na sociedade e a inserção das tecnologias nos diversos espaços sociais, a contação
de histórias ganhou outras dimensões e sentidos, visto que

Paradoxalmente, a arte, que pedia um tempo e corpo presente para se


desenvolver e envolver, se integrou à velocidade da virtualidade, assumindo
novas feições, como as histórias mediadas pelo digital. [...] imprimiu-se nela
uma sofisticação técnica, com detalhes que fazem diferença, como um texto
mais elaborado sinteticamente, imagens visuais e paisagens sonoras nítidas, e
apresenta um sujeito-contador com domínio dos recursos vocais e corporais.
[...] (BUSATTO, 2013, p. 09-10).

O ato de contar histórias deixou de ser caracterizado apenas pela espontaneidade do


contador, pela formação do repertório de narrativas a partir das vivências em comunidade e pela
transmissão oral das histórias, para assumir novas expressões e se apresentar por meio de
diversos suportes, técnicas e recursos. Com o avanço das tecnologias e a consolidação da
escrita, as histórias passaram a articular voz, cores, sons, imagens, vídeos, movimentos e
interações em um espaço virtual, modificando o modo e a intenção do contar, bem como serem
conhecidas e lidas por um número maior de pessoas, visto que o ser humano encontrou na
escrita um meio de eternizar as narrativas orais, as memórias coletivas de uma comunidade.
As transformações ocorridas na sociedade, incluindo a consolidação da escrita, fizeram
com que a arte de contar histórias se adaptasse, para que sua capacidade de encantar, atribuir
significado ao mundo e dar forma às experiências humanas, atravessasse os tempos e
conseguisse manter-se viva até hoje. Logo, modificações fizeram com que os contadores
contemporâneos desafiassem as tecnologias digitais e se apropriassem delas para propiciarem
aos leitores e ouvintes, o contato com as histórias, com a simbolização (BUSATTO, 2013).
Amarilha (2010, p. 16), coloca que no ambiente digital, “[...] transitamos entre palavras,
imagens e sons cada vez mais potencializados em suas capacidades de estimulação sensorial,
intelectual, comunicacional”.
96

O contato com as múltiplas linguagens (verbal, visual, sonora, gestual) presentes nos
diferentes meios de comunicação poderão nos permitir visualizar, descriminar, interpretar e
atribuir significações aos textos, visto que as cores, os formatos, as músicas e os sons presentes
nos novos suportes em que se apresentam as histórias, possuem sentidos que precisam ser
interpretados, refletidos e reconstruídos a partir das nossas vivências e singularidades. A leitura
no meio digital é feita de modo flexível, “[...] em que as páginas se desdobram a nossa frente,
aleatórias, como se ali sempre estivessem, sobrepostas, como um palimpsesto, e no aguardo de
um comando, para se apresentarem e de desdobrarem no tempo virtual” (BUSATTO, 2013, p.
116). Conforme argumenta a autora, esse tempo virtual diminui a distância entre o pensar e o
saber, não existindo certezas, visto que tudo se dissolve e fragmenta no tempo do ciberespaço
– espaço em que se estabelece a comunicação por meio das redes digitais e de computação.
Estando inseridos em uma cultura contemporânea (cibercultura) que, por sua vez, é
envolta por redes telemáticas e caracterizada pela troca de informações online e pela navegação
na rede de internet, precisamos compreender que esta, “[...] além da forma cooperativa de
trabalho, trata-se de buscar adicionar, modificar o que foi dito, escrito, gravado, sem a lógica
proprietária, sem a dinâmica da acumulação e do segredo” (LEMOS, 2004, p. 10). E por que
isso acontece? Porque muito do que existe na rede, pode ser alterado (acrescentado ou retirado)
e as verdades que antes eram incontestáveis são refutadas e/ou criticadas. Se pensarmos a
formação leitora no âmbito da cibercultura, podemos afirmar que uma mesma história na rede,
por exemplo, poderá ser recriada artisticamente, de forma colaborativa, através de desenho,
música, peça teatral, filme, poema, dentre outras possibilidades. Além disso, diversidade de
recontos e reescritas de uma mesma história faz com que novas leituras e sentidos sejam criados,
logo, a hibridez do ambiente virtual apresenta aos novos leitores do século XXI inúmeras
possibilidades de interpretações.
Nessa vertente, mediante o surgimento de novas formas de construir e consumir textos,
o trabalho com o letramento digital, que corresponde a realização de [...] práticas de leitura e
escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização [...] (XAVIER, 2007, p.
135) surge com a necessidade de possibilitar aos usuários da rede uma navegação segura e
responsável, se tornou urgente e indispensável no ambiente escolar. Logo, os modos de ler e
escrever são transformados, pois se fazem necessárias novas ferramentas: áudio, vídeo,
imagem, dentre outras. O uso de artefatos tecnológicos pelas crianças e adolescentes, assim
como a necessidade de trabalhar o letramento digital é uma realidade que não pode ser mais
ignorada pela instituição escolar, pois conforme mostra a pesquisa TIC kids online, mais de
50% de crianças e adolescentes utilizam a internet para realizar leituras (CETIC.BR, 2019).
97

As transformações ocorridas na sociedade, o surgimento das novas formas de ler e


construir textos, e os novos modos de se relacionar com as pessoas, levam a comunidade escolar
e, sobretudo, os educadores a refletirem e repensarem os modos de ensinar e aprender a leitura
e a escrita. Isso porque, novas habilidades leitoras passaram a ser exigidas, “[...] ou seja, textos
compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas
de compreensão e produção de cada uma delas [...] para fazer significar” (ROJO, 2012, p. 19,
grifo da autora).
É nesse contexto de mudanças significativas que emerge o conceito de multiletramentos,
que resulta da diversidade cultural e semiótica de produção de textos existente na
contemporaneidade. A partir das modificações e da multiplicidade de linguagens nos textos em
circulação na internet, é inadmissível considerarmos um único letramento, mas,
multiletramentos, visto que:

a) eles são interativos, mais que isso, colaborativos;


b) eles fraturam e transgride as relações de poder estabelecidas, em especial
as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos
textos [verbais ou não]);
c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e
culturas). (ROJO, 2012, p. 23, grifos da autora).

Nesse enfoque dos multiletramentos, a interatividade e a colaboração são termos de


destaque, dado que na rede de comunicação aberta, torna-se possível interagir com as
ferramentas, com a interface do sistema, com diversos tipos e formatos de texto e também com
outras pessoas de forma síncrona e assíncrona. De acordo com a autora, os multiletramentos
são híbridos, pois se constituem de diversas linguagens (verbal, não-verbal, sonora, espacial,
gestual) e se apresentam sob uma nova ética, considerando que a ideia de propriedade se tornou
mais flexível à medida que passou a se estabelecer o diálogo entre os novos produtores de
sentidos. Apesar dos desafios impostos pela realidade tecnológica da sociedade digital e
informatizada em que estamos inseridos, acreditamos que “[...] a arte de contar histórias
permanece e ganha novos aliados, como a leitura e a tecnologia, que ao invés de excluir essa
prática, soma-se a ela e traz uma nova roupagem para esse fazer que acompanha o ser humano
por todos os tempos” (BEZERRA, 2020, p. 178). O ato de narrar histórias é reconfigurado, mas
não extinto, ao contrário, a partir da escrita, tornou-se possível eternizar as memórias, culturas,
princípios e valores de um povo e torná-los conhecidos a um maior número de pessoas.
Nessa transição do oral para o escrito, ocorre um diálogo entre as culturas letradas e não
letradas, no qual as primeiras, por meio do código escrito aprendem, memorizam, reconstroem,
98

formam seu repertório de leitura a partir da escuta das narrativas recontadas pelos sujeitos das
culturas não letradas (BEDRAN, 2012). A contação de histórias não se perde com a descoberta
da escrita, nem tampouco com o advento das tecnologias. Apesar de sofrer mudanças nos modos
e suportes pelos quais ocorrem, a narração, essa arte secular, ganha novos sentidos, pois com a
grande predominância dos meios de comunicação digital, as imagens, sons e vídeos passaram
a ser incorporados às narrativas, a fim de enriquecê-las. Amarilha (2010) aponta que a partir do
surgimento dos diferentes meios de comunicação e das novas linguagens, um novo perfil de
leitor e de modos de leitura foram criados, porque os modos de leitura deixaram de se limitar
ao impresso e escrito, visto que o texto literário passou a existir no meio digital e entre uma
página da web e outra, o leitor passou a ter a possibilidade de selecionar, de se apropriar das
informações e de produzir conhecimento a partir da leitura.
Nesse contexto, a tecnologia passou a ser de grande importância no processo de
aprendizagem da leitura e escrita, pois agrega conhecimentos que não se resumem a
informações de livros, mas abrangem saberes do dia a dia dos alunos e possuem inúmeros canais
de comunicação (SILVESTRE; NÓBREGA; DALLA-BONA, 2021). No campo da leitura
literária, por exemplo, as TDIC passaram a disponibilizar acervos com livros digitais, vídeos
de contação de histórias e aplicativos que possibilitam a criação de narrativas a partir de
sequências de imagens, conceber novos espaços para criar, recriar e dialogar sobre textos, e
propiciar inúmeras outras experiências estéticas e oportunidades para se trabalhar com a
literatura.
Tais possibilidades propiciaram ao leitor ser um agente ativo na leitura e produção de
textos, dado que passou a ter a oportunidade de recepcionar, produzir e reescrever com
criatividade e de modo colaborativo com outros leitores em rede, uma história, uma obra
literária. Acreditamos que a escola, durante e após o ensino remoto, precisa acompanhar tais
mudanças e trabalhar com os novos modos de ler e escrever, tendo em vista, que os alunos já
estão imersos no universo digital, lendo e escrevendo textos que articulam múltiplas linguagem.
A partir da disseminação da tecnologia, o texto escrito por si só, tornou-se insuficiente para
atrair o leitor, visto que as imagens, traços e cores (recursos multimodais) presentes nas histórias
passaram a complementar seu sentido e atrair nossa atenção. É nesse contexto e em meio às
novas exigências dos leitores em rede, que as práticas de contação de histórias realizadas
durante a pandemia da COVID-19 tiveram de ser reconfiguradas.
Esta realidade emergencial impôs desafios à maioria dos professores, dado que tiveram
de se reinventar, buscar formações e usar plataformas e aplicativos digitais para mediar o
contato dos alunos com a leitura literária em um espaço pouco explorado por muitos deles, que
99

é o universo digital. A arte que exigia o contato físico, o olhar e a interação afetiva entre
contador e ouvinte/leitor foi adaptada e realizada de modo virtual (síncrono ou assíncrono), com
a presença de imagens interativas, sons, gifs, figuras e palavras digitadas em várias cores,
tamanhos e formatos. Para Busatto (2013, p. 117), “a narração oral no meio digital é uma outra
representação, uma organização híbrida em constante mutação. Não é fixa, nem autoritária
[...]”. Isso porque tal produção é transformada por um conjunto de pessoas - músicos,
programadores, ilustradores - que colaboram com o resultado final da narração, ou melhor, com
a construção de uma nova história.
No que diz respeito a adaptação da contação de história para o ensino remoto, foram os
professores, em sua maioria que tiveram de fazer tais funções, iniciando pelo processo de gravar
e editar a própria imagem. Ainda para a autora citada, é essa edição que colabora com a
construção de uma nova história, pois ao adicionar, retirar e/ou ajustar elementos como sons,
músicas, imagens e textos, o professor/contador/narrador/criador de novas leituras, produzem
sentidos a partir da articulação desses signos com os novos significantes do sistema. No entanto,
para Busatto (2010), seria importante que a contação de histórias fosse performática em tempo
real, propiciando interação entre narrador e receptor, pois assim, a qualidade da narração no
meio virtual seria garantida.
Independente do suporte pelo qual a contação de histórias acontece, “[...] a figura do
contador de histórias continua sendo a ponte que une o ouvinte ao conto. Esteja ele ao vivo, na
frente do ouvinte, ou na tela do computador é o personagem mágico capaz de propor uma
viagem por mundos nunca antes explorados. [...]” (BUSATTO, 2013, p. 122). É preciso que
haja esse narrador para que a história ganhe vida, sentido, dado que, através da sua performance,
gestos, expressões faciais, ritmo da voz e do corpo, somos convidados, na maioria das vezes, a
entrar no universo ficcional e exercer nosso direito de imaginar, fantasiar.
A partir dessa breve contextualização acerca da contação de histórias, compreendemos
que para acompanhar as transformações da sociedade, esta arte secular teve de se reinventar e
adaptar-se as exigências da modernidade. No quadro abaixo, sintetizamos algumas das
principais diferenças existentes entre a contação de história mediada em formato presencial
(com o contato e interação física entre narrador/contador e público) e virtual (síncrono ou
assíncrono, cujo contato, a depender da forma de interação, poderá ser limitado ao envio de
mensagens de textos via chats):
100

QUADRO 05: Diferenças existentes entre a contação de história mediada em formato


presencial e virtual de acordo com Busatto (2013)

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIA A CONTAÇÃO DE HISTÓRIA


MEDIADA PRESENCIALMENTE MEDIADA VIRTUALMENTE
Narrador e leitor encontram-se juntos Tempo virtual, da interatividade, no
Tempo em um mesmo espaço compartilhando qual as histórias podem ser
a experiência estética de uma obra transformadas e recriadas a partir da
literária. É um tempo real. junção de imagens, sons e vozes.
Espaço presente, amplo que propicia o Espaço virtual, telemático, no qual
Espaço encontro com o outro, bem como, o ver narrador e ouvinte estão separados por
e sentir a performance do narrador. uma tela. O espaço é limitado, pequeno
em que o narrador deve se adaptar.
Voz poética que ecoa som grave, A voz continua sendo um recurso
Voz e melancólico, alegre, baixo e que indispensável na narração de histórias
Gestos articulada aos gestos é capaz de atribuir em ambientes virtuais, no entanto, a
vida à história, despertar a curiosidade este é articulado, sons produzidos,
e interesse em ouvir a narrativa e imagens intuitivas e recursos
transportar os leitores de um lugar para tipográficos visuais (negrito,
outro por meio da imaginação. sublinhado, dentre outros) na escrita de
palavras
Humana: guarda aquilo que foi Física: guarda apenas aspectos
significativo na hora da narração, além significantes que podem ou não ter
Memória disso, é seletiva e criteriosa, pois só sentido a partir do suporte em que a
guarda aquilo que atribuiu sentido. história está sendo mediada. No
entanto, não é seletiva, pois as leituras
acessadas ficam no histórico do
computador e podem aparecer com um
clique nosso.
A construção de significados por parte A produção de sentidos se dá também
do leitor se dá através do corpo, dos pela organização dos aspectos visuais,
Recepção gestos do narrador e do espaço em que imagéticos e/ou audiovisuais no
ele e os ouvintes estão inseridos. sistema, que surgem por sua vez, pelo
uso do mouse e barra de rolagem de um
computador, por exemplo.
FONTE: construído pela pesquisadora de acordo com Busatto (2013)

A contação de história é capaz de sensibilizar, emocionar, humanizar e aproximar os


diferentes povos e culturas, porque fala das lutas, guerras, vitórias e derrotas que passamos ou
que iremos passar. Embora tenha se adaptado às mudanças ocorridas na sociedade e não seja
valorizado como deveria, o ato de contar e ouvir histórias continua vivo e indispensável até os
dias de hoje. Contar uma história é fazer com que um mundo de possibilidades se abra para
quem a escuta e a aprecia, é oportunizar ao leitor o conhecimento de diversos lugares, pessoas
e culturas, é criar um espaço de diálogo, no qual os leitores/ouvintes podem expressar seus
ideais, opiniões e críticas e construir uma releitura da obra (BEZERRA, 2020).
101

4.2 RELEVÂNCIA E ELEMENTOS BÁSICOS DA NARRATIVA NO CONTEXTO


ESCOLAR

A escola carrega em si uma grande responsabilidade social que é a de contribuir com a


formação humana e cidadã de um povo. Para que tal formação aconteça, faz-se necessário
investir em práticas de leituras que valorizem as subjetividades e particularidades dos
educandos e que objetivem despertar o gosto e o prazer pelas histórias.
Falar em escola implica falar em leitura, pois é nessa instituição formal que a maioria
das pessoas conseguem ter acesso ao texto literário de forma intencional e sistematizada. Em
vista disso, não podemos deixar de mencionar que uma das pontes que tem facilitado o encontro
entre leitor em formação e livro/objeto de prazer é a contação de histórias. Segundo Cavalcanti
(2002), é na escola que a figura do narrador/contador de histórias tem sido recuperada, tendo
em vista, que a experiência com o faz-de-conta, com a ludicidade e afetividade vem ganhando
espaço nas práticas pedagógicas de muitos educadores.
A autora ressalta que só isso não é suficiente, pois a leitura precisa ter sentido na vida
de quem conta e de quem escuta e/ou lê, sensibilizar e oportunizar a identificação com aquilo
foi lido e/ou contado, e possibilitar aos leitores, a construção de aprendizagens acerca do
mundo, dos diferentes povos, das lutas, das guerras, das derrotas e superações, do amor, do
respeito, da vida, e sobre si mesmo.
Coelho (2008) afirma que as histórias são alimentos para a imaginação, pois permitem
que o leitor se identifique com personagens e situações. A partir desse processo de identificação,
podemos compreender e aceitar situações difíceis, resolver problemas e acreditar em dias
melhores. Dessa forma, um caminho seguro para iniciar a formação leitora é propiciar
momentos de escuta ou leitura de histórias, porque, envolvidos no mundo da leitura, os
educandos, poderão ampliar sua visão sobre si, sobre o outro, sobre o mundo, além de adentrar
no universo fictício e atribuir sentido a sua realidade e aos seus dilemas. Nessa vertente, o ato
de contar histórias,

[...] implica criar imagens no ar e dar corpo ao que até então era inexistente.
No instante em que o contador de histórias se movimenta no espaço criando
cenários, personagens e ações, com gestos diminutos ou ampliados, ele não
está conduzindo o nosso olhar para o que ele está gerando, mas também
provocando a ilusão de que aquilo de fato existe. Mas, para o imaginário, essa
ilusão é real. O contador de histórias vê o que cria enquanto constrói, e essa
condição é dada no olhar. Ao acompanhar com seus olhos o movimento que
102

concebe, ele projeta energia para as imagens, dá vida para elas, que vão, aos
poucos, se corporificando diante do espectador, podendo ou não se tonar
significativas e atuantes [...] (BUSATTO 2012, p. 64).

As narrativas encantam porque ganham vida e movimento através da voz e dos gestos
do contador. As expressões corporais e a voz do narrador tornam-se importantes aliados no
desenrolar da narração; por exemplo, transparece meiguice quando faz a voz doce da
Chapeuzinho Vermelho, causa medo quando faz a voz grossa do Lobo e arranca sorrisos quando
faz a risada descontrolada da Bruxa. Uma história quando bem contada é capaz de suscitar a
imaginação de quem a ouve e abrir espaço para a entrada no mundo do faz-de-conta. Dessa
forma,
Ler histórias para crianças, sempre, sempre... É poder sorrir, rir, gargalhar com
as situações vividas pelos personagens, gargalhar com as idéias do conto ou
com o jeito de escrever dum autor e então, poder ser um pouco cúmplice desse
momento de humor, de brincadeira, de divertimento... É também suscitar o
imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas [...]
É a cada vez ir se identificando com outra personagem [...] e, assim, esclarecer
melhor as próprias dificuldades ou encontrar um caminho para a resolução
delas... (ABRAMOVICH 2004, p. 17).

As histórias são indispensáveis para formação dos educandos, pois por meio delas é
possível sorrir e ter esperança em dias melhores, além de, poderem funcionar para os aprendizes
como um lugar de fuga da realidade, onde tudo é possível, que há dias difíceis e desanimadores,
mas que existem saídas para os problemas. Farias (2011) afirma que o contar e o ouvir histórias
é importante para que a imaginação criativa e a oratória sejam alimentadas. Conforme aponta
o autor, o ser humano é o único capaz de verbalizar a chave (era uma vez) que dá acesso ao
universo fabuloso das histórias, bem como contar, recontar a própria história de vida e a dos
outros, acrescentar novos detalhes e criar novos fatos, personagens, situações e formas de
ver/estar/sentir o mundo (real e imaginário). A contação de histórias oportuniza também,

[...] desenvolver o gosto pela leitura de forma espontânea e afetiva, em que a


princípio o único compromisso estabelecido deva ser com o sentido do prazer,
no qual existe um desdobramento entre fantasia e realidade concretizado pela
busca e encontro dos mais diversos sentimentos (CAVALCANTI, 2002, p.
67).

O ato de contar história contribui para formação do gosto e prazer pela leitura que, ao
contrário do hábito, não se dá de forma automática e obrigatória, não se perde ao longo dos
anos e, tampouco, se presta a realização de tarefas e preenchimento de fichas literárias. A leitura
103

por gosto perdura por toda a vida e é realizada pela necessidade de o leitor descobrir novos
mundos e culturas, viver novas emoções e sentimentos, e atribuir significado a sua própria
história.
A partir da escuta atenta de uma história, somos capazes de pensar e refletir sobre
situações que antes não havíamos atentado, fazendo com que nossos conhecimentos, valores e
princípios sejam reelaborados. Temos nosso repertório de leitura e saberes ampliados, o que
corrobora com a construção de uma ampla bagagem que poderá nos ajudar a enfrentar
momentos novos e desafiadores ao longo da vida, já que a leitura literária não se limita a uma
verdade absoluta, mas se abre para múltiplas interpretações (FARIAS, 2011). A contação de
histórias pode atuar como uma estratégia lúdica para propiciar o gosto e o prazer pela leitura
durante a trajetória escolar dos alunos. Ainda que estes não dominem a leitura do código escrito,
as histórias contadas pelo educador poderão ser compreendidas e ressignificadas por esses
leitores em formação, que posteriormente poderão sentir-se motivados a ler um livro e dar seus
primeiros passos na decifração da escrita.
As práticas de contação de histórias realizadas nas salas de aulas devem valorizar o
conceito amplo de leitura, compreendendo que ler é mais que decodificar o código escrito, é a
capacidade de interpretar, compreender e atribuir novos significados às múltiplas leituras
inseridas nos diversos suportes (papel, imagens, vídeos, áudios, dentre outros). Assim, devemos
contar histórias

[...] para formar leitores; para fazer da diversidade cultural um fato; valorizar
as etnias; manter a História viva; para se sentir vivo; para encantar e
sensibilizar o ouvinte; para estimular o imaginário; articular o sensível; tocar
o coração; alimentar o espírito; resgatar significados para nossa existência e
reativar o sagrado (BUSATTO, 2012, p, 45-46).

A contação de histórias recupera as memórias de um povo, mantém viva uma tradição


e humaniza à medida que encanta e faz viver novas experiências. Contudo, para que esta arte
secular contribua com a formação leitora, humana e crítica dos educandos, aumentando seu
repertório de leitura e expandindo sua compreensão de mundo, se faz importante que o
professor (principal mediador de leitura na escola) reconheça primeiro que este processo deve
ser espontâneo, afetivo e lúdico e que isso demanda tempo e muito estudo, planejamento e
trabalho.
É reconhecendo a complexidade do trabalho com a leitura literária e com a contação de
histórias que destacamos de forma pontual alguns aspectos indispensáveis que devem ser
104

considerados na hora que o professor/mediador for contar uma história. O primeiro requisito
para ser um bom contador de histórias é ser primeiro um leitor. Leitor dos contos, das piadas,
das poesias, dos livros, da vida. Dessa forma,

Para fazer o aluno gostar de ler, o professor tem, antes, que gostar de ler; falar
com entusiasmo e emoção de suas leituras; [...] pensar na leitura, não só como
uma exigência profissional, mas como uma necessidade pessoal; estar
consciente de que nem tudo o que ele lê é bom ou o melhor para seus alunos
lerem; saber reconhecer as características de um bom texto e as impressões ou
sensações que um determinado texto desperta nele. [...] O professor, para se
tornar um eficaz agente de leitura, tem que ser, antes de tudo um grande leitor
(SISTO, 2012, p. 89).

Para que o gosto e o prazer pela leitura sejam despertados nos educandos, o professor
precisa primeiro, ter experimentado/sentido a história, compreendido seu contexto, sua relação
com o ontem e o hoje e como poderá influenciar no amanhã, refletido sobre seu enredo, atitudes
dos personagens e preenchido suas lacunas. Se desejamos ser bons contadores de histórias, não
podemos ver a leitura literária como uma obrigação profissional (lemos para ‘trabalhar’
determinado assunto com os alunos), mas deve ser antes, uma aventura a procura de respostas
para as nossas inquietações, de respaldo para os nossos argumentos, de desconstruções para os
nossos preconceitos, uma necessidade pessoal. Para ter êxito nas práticas de contação de
histórias, o narrador deverá primeiro,

[...] ler muito; os livros, as placas, os gestos, as pessoas, a vida que vai em
cada coisa. E não ter pressa: o contador de histórias tem que ter paixão pela
palavra pronunciada e contar a história pelo prazer de dizer (que é muito
diferente de ler uma história, que também é diferente de explicar uma história!
(SISTO, 2012, p. 25, grifo do autor).

Para ser um bom contador de histórias, o educador precisa ser um leitor assíduo, crítico,
maduro, capaz de ler as múltiplas linguagens presentes na diversidade de textos que entramos
em contato diariamente. O autor, em sua discussão, reconhece ainda que a leitura não se limita
ao código escrito, mas que é possível ler os gestos, expressões, estilos, modas, e a vida e que
aquele que narra a história não precisa ter pressa, mas paixão pelo que está sendo criado a partir
da palavra verbalizada.
Além de ser um leitor, o professor enquanto mediador/narrador, precisa reconhecer a
importância das histórias e das estratégias lúdicas para o desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem, visto que “[...] A história tem que ser narrada com paixão, sentimento,
105

entrega, partilha” (CAVALCANTI, 2002, p. 72). Só é possível chamar a atenção do


ouvinte/leitor para as imagens que se formam através da voz e movimentos do contador e tornar
a leitura literária uma prática diária e carregada de intencionalidade se o professor for, antes de
tudo, alguém que valorize a leitura e seja apaixonado pelas histórias, pelo universo simbólico e
que se envolva afetivamente com a narrativa. É por meio da voz envolvente e entusiasmante do
professor que muitos educandos desenvolvem o gosto e o prazer pelos livros e iniciam sua
trajetória leitora. Por esse motivo, o professor, enquanto mediador de leitura, não pode privar
os leitores dos direitos de imaginar, criar e recriar outras histórias a partir da contação de uma
obra literária; de identificar-se com um personagem, de sentir alegrias, mas também poder
revoltar-se contra algum personagem ou situação.
A contação de história, por ser relevante na formação humana e leitora dos educandos,
deve ser uma atividade planejada, sistematizada e com objetivos definidos, e não uma ação
improvisada, aleatória e sem significado, dado que:

[...] o sucesso da narrativa depende de vários fatores que se interligam, sendo


fundamental a elaboração de um plano, um roteiro, no sentido de organizar o
desempenho do narrador, garantindo-lhe segurança e assegurando-lhe
naturalidade [...]” (COELHO, 2008, p. 13).

Para que o mediador obtenha sucesso em suas práticas de contação de histórias, se faz
necessário um planejamento que norteie e estabeleça metas para o desenvolvimento de sua ação
em vistas a formação de leitores. Por esse motivo, precisamos reconhecer que trabalhar com
leitura literária em sala de aula não é simples, pois exige que o educador estude (o público/leitor,
o espaço físico em que ocorrerá a mediação, a história, a melhor forma de contar), seja criativo
e se dedique aos ensaios, a fim de evitar tropeços na fala e encontros “desagradáveis” com
palavras ou situações da história.
Nesse sentido, embasadas em autores que discutem a prática de contação de histórias
como Busatto (2012; 2013), Sisto (2012), Coelho (2008), Bedran (2012), enumeramos uma
sequência de passos a serem seguidos pelo professor na hora de planejar uma contação de
histórias:
106

FIGURA 01: Aspectos indispensáveis na hora de planejar uma contação de histórias

FONTE: construído pela pesquisadora

Segundo Busatto (2012), a escolha da história e as formas de contá-la é influenciada


pelo conhecimento que se tem do público. A autora afirma que, ao construir o plano de ação, a
sequência, o plano ou roteiro da contação de histórias, precisamos nos questionar: para quem
iremos contar a história? Quais são os anseios e necessidades desses leitores? Quais são seus
gostos e preferências? Tais questões nortearão o olhar atento e a escuta afetiva do professor no
que diz respeito a realidade em que seus alunos estão inseridos, percebendo quais tipos de
histórias despertam mais interesse e atenção no grupo.
O educador, ao fazer a escolha da história, deverá levar em consideração a faixa etária
do público, a qualidade estética do texto literário, as preferências e necessidades dos ouvintes,
a adequação na linguagem, no sentido de tornar a história mais compreensível, dinâmica e
comunicativa, mas sem adulterar seu sentido original. Mais que isso, a obra a ser escolhida para
ser compartilhada com os leitores em formação, deve primeiro ter sido atrativa para o professor.
Então este deverá perguntar: A história apresenta um assunto interessante? Agradou-me?
Possibilitou-me exercitar a imaginação? Permitiu-me estabelecer relações com a minha vida ou
me faz sentir-se vivo, capaz de experienciar emoções e aprender algo? Se grande parte das
respostas para esses questionamentos for sim, possivelmente, os leitores (ou a maioria deles)
que entrarão em contato com a história lida antecipadamente pelo professor, sentirá prazer em
ouvi-la.
107

Além de selecionar e ler a história, o mediador deverá ainda estudá-la, pois “estudar
uma história é, em primeiro lugar, divertir-se com ela, captar a mensagem que nela está
implícita e, em seguida, após algumas leituras, identificar os seus elementos essenciais, isto é,
que constituem a sua estrutura” (COELHO, 2008, p. 21). O estudo da história permitirá a
identificação da temática abordada, do contexto histórico em que foi escrita, da intencionalidade
do autor e dos elementos mais significativos presentes na obra, bem como permitirá ao
professor, adaptar e resumir a história, a fim de construir um roteiro sintético que contenha os
elementos essenciais da narrativa e que facilite a apropriação dos sentimentos e emoções
despertados pela obra na hora de contá-la de forma oral. Após o conhecimento do público,
seleção, leitura e estudo da obra literária é indispensável que o mediador enumere objetivos
para a experiência com a leitura de literatura através da contação de histórias, pois

[...] quem conta história tem clareza do que pretende atingir. Se o objetivo é
lúdico, se é discutir determinada ideia ou tema, se é despertar uma série de
sentimentos e trazer informações, se é terapêutico, se pretende promover uma
integração social e cultural – para cada um há procedimentos e
encaminhamentos diferentes, embora se saiba que quem conta um conto
aumenta um ponto, uma vírgula, uma exclamação e uma boca aberta diante da
possibilidade de se construir um mundo melhor – povoado de histórias
(SISTO, 2012, p. 36).

Conforme defende o autor, aquele que narra uma história, deve narrar com alguma
intencionalidade, entreter, tornar a aula mais lúdica e interativa, apresentar e discutir um
assunto, problematizar aspectos polêmicos, despertar emoções ou até mesmo informar.
Enquanto educadores, deveremos nos perguntar para que contamos história? Ao responder esse
questionamento, precisamos estar cientes de que para cada objetivo mencionado existe um
método, técnica ou recurso diferente a ser utilizado.
No entanto, não podemos nos esquecer de que a criatividade do contador de histórias é
elemento indispensável na nora de narrar, visto que, através do poder da palavra materializada
pela voz de quem conta, outras histórias poderão surgir, muros poderão ser erguidos ou
derrubados e um mundo melhor poderá ser construído. Sisto (2012, p. 86-87) afirma ainda que
“contar história é dialogar em várias direções: na da Arte, na do outro, na nossa! Os objetivos
podem mudar – é recrear, é informar, é transformar, é curar, é apaziguar, é intrigar -, podem se
alternar, mas nunca acabar com o prazer de escutar! De participar! De criar junto!”. Enquanto
arte, a contação de histórias poderá ser realizada para atingir inúmeros objetivos, mas um em
especial não poderá ser esquecido em nossas práticas, que é o de assegurar aos leitores em
formação a escuta afetiva (o gosto e o prazer pelas imagens que se formam através da voz
108

adaptável a cada situação, do narrador), o prazer em ler despertado pelas histórias através de
uma participação efetiva na reconstrução de sentidos do texto literário.
Outro aspecto imprescindível na hora de planejar uma contação de histórias é a seleção
do método, da técnica e dos recursos. Tal escolha refletirá significativamente na compreensão
da leitura e na formação do gosto pelo texto literário e de leitores para uma vida inteira.
Selecionar o método a ser utilizado na hora da contação de histórias é pensar em um caminho
capaz de possibilitar ao leitor em formação o encontro com a literatura de modo prazeroso, é
vislumbrar possibilidades para que haja compreensão e ressignificação da história contada. É
relevante mencionar o método da andaimagem no desenvolvimento de práticas de leituras e
contação de histórias contextualizadas e intencionais. Segundo Graves e Graves (1995), a
andaimagem é um processo que possibilita aos alunos alcançarem suas metas, isto é, um
processo de mediação capaz de colaborar com o avanço e autonomia dos educandos. No âmbito
da leitura, tal método propõe a existência de desafios que instiguem a curiosidade dos leitores,
mas também o apoio necessário para que enfrentem esses desafios. Para tanto, os autores
estabeleceram duas fases nesse método: i) planejamento e ii) implementação.
A primeira fase corresponde ao conhecimento dos estudantes, a seleção do texto e os
objetivos da leitura (aspectos mencionados anteriormente). A segunda fase é dividia em três
etapas: pré-leitura, durante leitura e pós-leitura. A pré-leitura é o momento da motivação, do
convite para a escuta atenta da história, isto é, onde o mediador desperta o interesse dos leitores
e os convidam a expressarem seus conhecimentos, inferências e ideias prévias acerca do texto
literário. A durante leitura é a história sendo lida, contada ou proferida, é o momento em que se
efetiva o contato dos leitores com o universo fabuloso da literatura, é onde somos convidados
a exercer a imaginação e adentrar no mundo do faz-de-conta das histórias. A pós-leitura é o
espaço do diálogo, da expressão da criatividade e subjetividade de cada leitor, é onde
confirmamos ou não as nossas ideias prévias, realizamos ou não nossos desejos,
ressignificamos o texto e atribuímos sentido ao que ouvimos ou lemos (GRAVES; GRAVES,
1995).
Sabendo que a subjetividade, segundo Bezerra (2020, p. 106), é definida pelos “[...]
processos que são gerados pelos seres humanos, ao viverem uma experiência a partir do caráter
gerador de sentidos que a interação proporciona”, e a criatividade é um processo complexo que
se manifesta a partir da necessidade de sentidos subjetivos e da atuação dos sujeitos no espaço
social em que vivem (BEZERRA, 2020), é que consideramos relevante o papel da contação de
histórias no espaço escolar realizada sob o método da andaimagem. Admirado no mundo do
faz-de-conta e participando da construção de significados a partir da narrativa, os
109

ouvintes/leitores são convidados a interagir com situações, contextos e personalidades


diferentes ou semelhantes as suas, bem como, partilhar essa experiência com seus colegas.
Assim,

[...] ao interagir com diversos aspectos na contação de história, o sujeito


edifica sua formação sociocultural a partir das subjetividades individual e
social implicadas nesse processo, pois [...] é na inter-relação do ser humano
com o contexto no qual atua cotidianamente que as subjetividades individual
e social são construídas [...] (BEZERRA, 2020, p. 215-216).

De acordo com a autora, a contação de histórias propicia aos leitores a mobilização de


sentidos subjetivos, como a emoção, o sentimento, o afeto, o diálogo e a imaginação, que
envolvem a criatividade dos ouvintes e que os permitem construir novas formas de ver e se
relacionar com o mundo, consigo mesmo e com o outro. É no contato com as histórias, seus
personagens e contextos e no diálogo em sala de aula, antes e após a narrativa, que os alunos
ampliam suas concepções de mundo, aprendem a ouvir e respeitar as diferentes opiniões, que
resultam por sua vez, da singularidade de cada sujeito; e tem, a partir da interação com o outro,
a subjetividade e a criatividade como um fator subjetivo, construída.
Ao fazer a escolha pelo método da andaimagem, o mediador estará ciente que seu
principal objetivo é o de oportunizar aos leitores uma experiência de leitura bem sucedida. De
acordo com Graves; Graves (1995, p. 10) “[...] é aquela na qual os estudantes entendem o texto,
aprendem dele e atingem as metas do professor e a que eles se colocam”. É uma leitura que
independente de lida para obter informação ou prazer, tenha sentido para o aluno, dialogue com
suas necessidades e interesses e contribua com sua expressão criativa.
No que diz respeito as técnicas e recursos, Souza, Modesto-Silva, Motoyama (2020)
afirmam que as primeiras dizem respeito as estratégias, os modos e procedimentos utilizados
para contar uma história e os últimos estão relacionados as ferramentas, aos acessórios que
auxiliam o narrador na hora da contação, tornando-a mais lúdica, atrativa e dinâmica. Muitas
são as técnicas e recursos a serem utilizados pelos professores na hora de narrar, no entanto, é
válido ressaltarmos que a escolha destes dependerá dos objetivos elucidados pelo mediador na
fase de planejamento. Afim de contribuirmos com o aperfeiçoamento das práticas de contação
de histórias nas salas de aulas, apresentaremos no próximo capítulo, de forma mais detalhada,
algumas técnicas e recursos a serem utilizados na contação de histórias em formato virtual e/ou
presencial.
110

O planejamento é de suma importância para o desenvolvimento de um bom trabalho


com a contação de histórias, mas há outro fator indispensável que influencia diretamente no
desenrolar das atividades com a leitura literária. Antes de iniciar a contação de históriasm faz-
se necessário arrumar o ambiente em que acontecerá a narrativa, de modo a deixá-lo
convidativo e propício para o contato com a leitura. Segundo Coelho (2008), a melhor forma
de arrumar o ambiente para contar uma história em sala de aula, é organizar os alunos em
semicírculo, pois assim conseguirão ver a todos, inclusive o mediador e o material usado para
auxiliar no momento da contação, sem forçar o pescoço.
A organização do espaço em círculo rompe com a hierarquização entre aquele que conta
e aquele que escuta a história. É válido investir em um espaço aconchegante com tapetes e
almofadas, onde os livros estejam ao alcance dos alunos, e não guardados em lugares altos ou
em caixas, bem como um ambiente com recursos lúdicos (fantoches, palitoches, sacola literária,
dentre outros) disponíveis e visíveis para que os alunos exercitem sua capacidade de fantasiar,
criar, imaginar. Posterior ao planejamento e a organização do ambiente, acontece a
materialização da história através da voz do narrador. Para que a experiência com a contação
de histórias seja significativa para quem escuta e participa efetivamente a narrativa, há alguns
elementos que devem ser considerados pelo narrador na hora de contar uma história. Vejamos
a síntese desses elementos na figura abaixo:

FIGURA 02: Elementos a serem considerados pelo narrador na hora de contar uma história

FONTE: Construído pela pesquisadora


111

Os aspectos sintetizados na figura acima devem ser levados em consideração tanto na


contação de história realizada em formato virtual, quanto presencial, o que exige do
contador/narrador/mediador criatividade e adaptação para cada contexto. É preciso especificar
um pouco mais cada um desses elementos, a fim de compreendermos como podemos tornar o
momento da narrativa ainda mais encantador. Busatto (2012) defende a importância de o
contador de histórias narrar com o coração, isto é, narrar com afetividade, com emoção, fato
que só ocorrerá se o narrador ao fazer a leitura for tocado e convidado a refletir e ressignificar
a partir da história. Na mesma direção, Sisto (2012, p. 60) nos lembra que alguns aspectos
como: “[...] emoção texto, adequação, corpo, voz, pausas e silêncios, olhar, espontaneidade e
naturalidade, ritmo, clima, memória, credibilidade” precisam ser observadas na hora de realizar
a narrativa. Segundo o autor, aquele que conta histórias deve compreender a voz como uma
extensão do corpo, dado que por meio da voz é possível tocar, abraçar e criar imagens, assim
como, identificar o que se pretende passar através, por exemplo, de uma voz suave, intensa,
forte ou vibrante.
Nessa perspectiva, acreditamos que a voz, por envolver elementos “[...] como o timbre,
a altura, o ritmo, a intensidade” (SISTO, 2012, p. 51), configura-se indispensável na hora de
contar uma história, pois aliada aos gestos espontâneos do narrador, tornará a contação mais
artística, lúdica e prazerosa, visto que somos atraídos pelas imagens sonoras (as onomatopeias,
por exemplo, são tipos dessas imagens) e imagens corporais (movimento espontâneo que
constrói uma imagem) contidas nas obras literárias e que ganham vida através da performance
do narrador.
Tendo em vista que o ato de narrar exige espontaneidade, Coelho (2008, p. 50) afirma
que “contar com naturalidade implica ser simples, sem artificialismos. São também
indispensáveis, sobriedade nos gestos e equilíbrio na expressão corporal. [...]”. A performance,
os gestos e a voz do contador devem estar em uniformidade, não precisam ser exagerados, mas
simples o suficiente para atrair a atenção de quem ouve a narrativa. Mas e agora? Depois de
planejada e realizada a contação de história, o que é possível fazer? Qual extensão o professor
poderá dá à narrativa? Segundo Sisto (2012, p. 25) “[...] contar bem uma história é também
saber evitar o didatismo e a lição de moral; os estereótipos da palavra e dos gestos; o
maniqueísmo e os preconceitos; o óbvio, o modismo e o lugar comum. [...]”.
A história é para ser contada e sentida (pelos ouvintes e pelo narrador), logo, não se faz
necessário explicar o texto literário, reduzi-lo a regras de boas condutas e lição de moral. Além
disso, de acordo com o autor, é preciso evitar a descrição exagerada dos fatos para deixar espaço
112

para que os leitores/ouvintes fantasiem e criem as imagens do que se narra a partir da escuta
atenta da história, bem como, evitar preconceitos. Cavalcanti (2002, p. 84) defende que
devemos explorar o texto literário “[...] do ponto de vista intersemiótico, ou seja,
potencializando a utilização do texto escrito no sentido da pintura, dramatização, colagens,
sonoridade, enfim, imagens que comunicam de formas múltiplas”.
O professor, após a contação de histórias, poderá propor atividades lúdicas que
envolvam músicas, desenhos, pinturas, recontos, dramatizações, reescrita da história. Com isso,
os educandos serão convidados a expressarem artisticamente as compreensões, sentimentos e
anseios resultantes da escuta da história, não limitando-se a atividades descontextualizadas e
mecânicas, cujo objetivo maior é, na maioria das vezes, limitar a interpretação da história a uma
única versão/sentido. Contar histórias é um ato criativo, mas também uma tarefa difícil, pois
requer muito preparo, exercício, técnica.
A prática de contação de histórias demanda planejamento, estudo, reflexão,
intencionalidade, técnica, ensaio (muito ensaio), porque quem conta não pode perder de vista o
principal objetivo dessa arte tão antiga, que é o de incentivar o gosto pela leitura através da
palavra oral, despertar a imaginação, a curiosidade e emoções de quem/em que se propõe a
apreciar a narrativa e promover a identificação com personagens, situações e personalidades da
história.
O mediador deve ser primeiro um leitor crítico, alguém que olha atentamente para o
texto, identificando sua essência e preenchendo suas lacunas, para os sentimentos que são
despertados (em si) após a leitura da história, e para o outro que escuta a história através da sua
voz, percebendo as reações, envolvimento e participação na narrativa. Não há, pois, como negar
a relevância da contação de histórias para a formação leitora dos alunos e do próprio professor,
que no processo, também vai se descobrindo leitor/mediador, aumentando o repertório de
leitura e se apropriando de técnicas e recursos que enriquecem a experiência dos alunos com a
literatura.
Compreender de que forma as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto
contribuíram com a formação leitora dos alunos inseridos em turmas do Ensino Fundamental –
Anos Iniciais, é uma oportunidade para ouvirmos respeitosamente as professoras acerca de suas
experiências com as narrativas nas aulas virtuais, sem tentar uniformizá-las, bem como
socializarmos com a comunidade acadêmica e escolar, vivências exitosas de contação de
histórias mediadas com o auxílio das tecnologias, e sugerirmos técnicas e recursos que poderão
enriquecer ainda mais a hora do conto nas aulas presenciais e/ou virtuais.
113

Sendo assim, no capítulo seguinte, discutimos sobre os desafios, possibilidades e


aprendizagens que envolveram as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto
emergencial e que foram vivenciadas por duas professoras dos anos iniciais do Ensino
Fundamental de uma escola pública da cidade de Pau dos Ferros (RN), partindo do pressuposto
de que o contar histórias aguça a curiosidade, estimula a imaginação e a interação, possibilita a
construção de saberes, favorece o contato dos leitores com diferentes temáticas e os aproxima
do livro, despertando assim, o interesse pelo ato de ler.
114

5 A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS DURANTE O ENSINO REMOTO


EMERGENCIAL: EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Existem muitas maneiras de se chegar ao mundo.


Existem algumas maneiras de conhecer o mundo.
Mas não há como escapar: o mundo é uma grande
história que se lê diariamente.
Celso Sisto (2012)

Durante a pandemia da COVID-19, professores do mundo inteiro passaram a enfrentar


um duplo desafio: o de reinventar-se para atender as demandas impostas pelo Ensino Remoto,
entre elas, a de formar leitores. As tecnologias tornaram-se indispensáveis para que, mesmo
distantes fisicamente, a mediação do conhecimento e a troca de experiências entre professor-
aluno e aluno-aluno acontecessem. No entanto, embora com muitas possibilidades, a
modificação abrupta nos modos de ensinar imposta pelo uso obrigatório e imediato das
ferramentas tecnológicas durante a pandemia, tornou ainda mais difícil o desenvolvimento de
práticas que fomentem o gosto e o prazer pela leitura de literatura.
Acreditando que a formação do leitor é necessária e só se concretiza quando os sujeitos
são colocados em contato com a leitura literária diariamente, de modo intencional e sem
imposições, é que buscamos investigar neste estudo as práticas de contação de histórias
desenvolvidas nos anos iniciais do Ensino Fundamental durante o ensino remoto e como estas
puderam contribuir com o despertar do gosto e prazer pelas histórias.
Neste capítulo realizamos a análise do corpus construído na investigação empírica,
constituído pelas respostas do questionário online e pela transcrição da entrevista
semiestruturada coletiva realizada com as colaboradoras da pesquisa. Embasados no Método
de Interpretação de Sentidos (GOMES, 2009), buscamos neste capítulo tecer reflexões acerca
dos desafios e possibilidades que permearam o trabalho das professoras com a contação de
histórias mediado pelas tecnologias, analisar como os alunos participaram dessas atividades e
sugerir técnicas e recursos relevantes para o enriquecimento das práticas de contação de
histórias (que poderão ser desenvolvidas no modo remoto ou presencial) no âmbito da Educação
Básica.

5.1 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM A LEITURA LITERÁRIA NO ÂMBITO


DA EDUCAÇÃO BÁSICA
115

O ato de ler sempre esteve presente na história da humanidade, pois desde os tempos
mais antigos, existem representações históricas em paredes de cavernas deixadas pelos
primeiros homens. Hoje, não é diferente. Inseridos em uma sociedade moderna e rodeados de
aparelhos tecnológicos, também exercemos nossa capacidade de representar o que pensamos,
compreendemos e sentimos.
A leitura sempre se constituiu uma forma de relacionar o ser humano com o mundo, isso
porque o exercício da leitura nos torna pessoas mais humanas, criativas, sensíveis e conscientes
(CAVALCANTI, 2002). Segundo Sisto (2012), ler é dialogar, duvidar, compreender o sentido
das coisas e deixar-se transformar pelo poder da palavra. Por meio da leitura, estabelecemos
diálogos com o contexto em que estamos inseridos e com o apresentado no texto, com a ação
dos personagens, com o outro que pensa diferente e consigo mesmo. Duvidamos do que está
posto e do que se apresenta como belo e bom, compreendemos o ontem e o hoje, a fim de
refletirmos como isso poderá influenciar no amanhã, e transformamos a nós mesmos, para só
então transformar o mundo em que vivemos.
A leitura vista de forma ampla não é superficial e não se limita ao que está visível, além
disso, não lemos apenas palavras escritas, lemos imagens, códigos, áudios, vídeos, gestos,
sinais, cores. Enfim, lemos o mundo e tudo o que o compõe, porque somos seres multimodais,
isto é, a cultura digital em que estamos inseridos, nos permite utilizar múltiplas linguagens
(verbal, não-verbal, visual, audiovisual e gestual, por exemplo) para construir sentidos, para
representar o que vivemos, sentimos e acreditamos. É nessa perspectiva, que trazemos um
enunciado da professora Pollyanna, no qual reafirma o poder transformador da leitura na vida
daqueles que a praticam e a valorizam:

3. Pollyanna: [...]Eu acredito muito no poder da leitura. [...]que se você


aprender a gostar de ler, você vai superar todas as outras dificuldades. Por
isso que eu gosto de incentivar. [...] a leitura é fantástica, ela transforma vidas
(Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).

A leitura pode ser exercida com muitas finalidades, para atender múltiplas necessidades.
Lemos para nos manter informados, nos divertir e nos orientar, para exercitar a imaginação e
capacidade de criação, lemos para nos sentirmos vivos e parte de uma cultura, de um povo. A
professora Pollyanna fala da leitura sob uma perspectiva ampla, cujo exercício ultrapassa a
decodificação das palavras, e se expande para a capacidade de trocar sentidos com a obra que
está sendo lida, com o autor que a escreveu e com outros leitores. A menção de verbos como
“aprender a gostar de ler; superar; incentivar e transformar”, nos permite afirmar que a
116

professora fala de uma leitura que tem o poder de modificar realidades, de emprestar coragem
e sabedoria para enfrentar os percalços do meio do caminho e de possibilitar a entrada em um
mundo fantástico, onde satisfazemos nossos desejos e nos identificamos com pessoas, lugares
e personalidades diferentes ou semelhantes das que conhecemos. Entendemos que a leitura de
que a educadora fala, é a leitura de literatura. De acordo com Candido (2002), esta é uma
necessidade e um direito de todos e se materializa em nosso meio pelo poder da palavra e pela
sua capacidade de servir como refúgio para a dor, angústia e medo.
Falando da vida, do que se apresenta no mundo real, a literatura nos apresenta as
dificuldades da luta, mas sobretudo, a possibilidade da vitória, pois é nesta arte que a memória,
as crenças, os valores e a cultura de um povo estão melhores resguardados. É a leitura de ficção
que melhor se configura como uma leitura lúdica, visto que, independentemente de ser uma
narrativa ou uma poesia, esta é uma proposta de jogo em que o leitor é convidado a transitar do
real para o ficcional e do ficcional para o real (AMARILHA, 2012).
É a entrada no universo simbólico que torna possível, o leitor escapar de sua realidade,
atribuir sentido à vida e colocar-se no lugar o outro, e portanto, na dimensão humana. Segundo
Cavalcanti (2002), a literatura que se concretiza em um universo de metáforas, simbologias e
jogos, constitui-se um caminho seguro para fazer as pessoas mais felizes, ou ao menos, mais
sensíveis, justamente porque a linguagem simbólica é capaz de mobilizar no leitor sua
capacidade de fantasiar e criar, lançando-o para um mundo onde os desejos são experimentados
pelo poder da palavra metaforizada e poética.
Quando afirma que gosta de incentivar a leitura, Pollyanna valoriza e reconhece a
importância do ato de ler, para o bem viver e para o exercício pleno da cidadania, por parte dos
alunos. Encontrar professores que valorizem e acreditem no poder transformador da leitura
literária tem sido algo cada vez mais recorrente, porém, em algumas realidades, os educadores,
orientados por um currículo seletivo e que supervaloriza o conteúdo, têm deixado a formação
de leitores em segundo plano. No entanto, encontramos na educadora um desejo de tornar a
leitura, uma realidade para os seus alunos, pois ela dá o primeiro e mais significativo passo,
para que a formação de leitores se concretize em sua sala de aula: o incentivo ao gosto e o prazer
pelo universo literário, pelos livros.
É nesse contexto do fascínio da leitura, de ler as memórias e tradições de um povo que
surge o fascínio da contação de histórias. Hoje, o ato de contar histórias significa recuperar o
mundo imaginário, a capacidade criativa e imaginativa do ser humano, pois, diariamente, somos
bombardeados por informações rápidas. Ao narrar uma história, o mediador abre espaço para
117

que o maravilhoso se instale, cria imagens no ar, brinca com as palavras e seus sons e comunica
sentimentos.
A contação de histórias existe desde os tempos mais remotos. Estudos apontam que as
primeiras narrativas relatavam o surgimento do universo a partir de conteúdos sobrenaturais e
misteriosos. Com o passar dos tempos, a necessidade de manter viva a tradição das
comunidades e das diversas culturas fez com que o ato de contar histórias se configurasse uma
prática essencial. Os índios passaram a compartilhar, através das narrativas, suas experiências,
descobertas, rituais, crenças e costumes e as amas de leite a usar as histórias para tranquilizar
as crianças que ficavam sob os seus cuidados. O contar histórias funcionava como uma forma
de manter viva a memória de um povo, como uma ferramenta para preservar e entreter uma
geração (SISTO, 2012).
Além disso, essa prática antiga torna possível a sociabilidade e o reconhecimento de
quem somos, onde estamos e para que viemos, isto é, a partir da contação de uma história
compartilha-se a memória de um povo. Ao ouvirmos efetiva e afetivamente as narrativas, temos
a oportunidade de olhar diferente para o mundo, para a nossa realidade. A capacidade de narrar,
segundo Bezerra (2019), é uma característica peculiar do ser humano, e só se tornou possível
graças às capacidades de ouvir e memorizar do homem. A partir da escuta atenta, da
memorização e criatividade dos primeiros contadores de histórias, as narrativas conseguiram
transcender os tempos e manter-se viva diante de tantas transformações na sociedade.
Foram também os relatos orais que fizeram com que as histórias superassem as barreiras
temporais e tecnológicas e chegassem até os dias atuais, o que significa dizer, que a palavra
continua tendo poder na sociedade, no meio do povo (CAVALCANTI, 2002). Para tanto, é
válido lembrarmos que em todo o tempo, fez-se necessário alguém que
narrasse/contasse/mediasse as histórias e alguém que as ouvisse.
Pronunciada pelo contador tradicional, que extrai as histórias de suas próprias
experiências e não faz uso de técnicas para encantar, ou pelo contador contemporâneo, que se
apresenta como um artista da palavra, que estuda, pesquisa, utiliza técnicas e se apropria de
tecnologias para efetivar a narrativa, a contação de histórias se mantém viva até os dias atuais
como uma arte, capaz de sensibilizar, emocionar e proporcionar diferentes interpretações
àqueles que a apreciam.
A contação de histórias pode ser considerada uma arte, porque como tal, propicia
transformação e sensibilização. A linguagem artística é capaz de promover experiências
estéticas singulares, logo, o ato de contar alcança um status de arte quando deixa de prender-se
ao didatismo, a informação rápida ou a moralização, e não se realiza como uma obrigação de
118

ensinar algo, e passa a acontecer com o intuito de despertar prazer e gosto pelas histórias,
fruição, encantamento.
Além disso, com as mudanças ocorridas na sociedade, esta arte secular, advinda da
tradição oral, passou a ser realizada não mais sob forma de improviso, mas passou a exigir
planejamento, pesquisa, estudo, domínio técnico, conhecimentos prévios sobre a história e
sobre o público (SISTO, 2012). Acreditamos que a contação de histórias funciona como uma
possibilidade lúdica de inserir os alunos - que acabaram de iniciar sua trajetória estudantil no
ensino formal - no universo simbólico da literatura. Assim, questionadas sobre a realização de
práticas de contação de histórias durante o ensino remoto, as professoras afirmaram que
trabalharam com as narrativas e que as consideram relevantes para formação leitora dos
educandos. Sobre a importância dessa arte secular, as colaboradoras responderam:

2- Alice [...] eu acho importante a participação deles e o contato com várias


histórias. [...]como eles estão descobrindo as letras ainda, estão nesse
processo de escrita e de leitura, começando…, os livros é quem dão uma
chavinha do interesse de ler [...] Eles sempre querem aquele livro que a gente
faz a contação, eles sempre querem levar para casa 4[...]É motivador, quando
você conta a história eles querem recontar e querem dar a opinião deles.
Sempre tem um caso parecido de alguma coisa. [...] (Trecho de enunciado de
Alice – Entrevista coletiva, 2021).

3- Pollyanna: [...] a história tanto lida, quanto contada, leva eles {os alunos}
ao imaginário, a descobrir, a construir. Você sabe que o mundo infantil é um
mundo cheio de fantasias [...] No meu planejamento diário eu já tenho uma
história [...] (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).

Conforme sinalizam as educadoras, a contação de histórias é um caminho seguro para


introduzir a leitura na vida dos alunos. Através da voz do narrador, as histórias ganham vida,
movimento e expressividade, e o espaço que sedia esse encontro único, se torna um lugar de
brincadeira, onde a palavra, os gestos e as expressões faciais do contador de histórias, despertam
sentimentos e emoções, geram dúvidas, provocam medo e reflexão, criam expectativa,
transformam pensamentos, quebram barreiras, e emprestam força a quem assiste/escuta a
história.
Nessa experiência, o leitor transita entre o mundo real e ficcional, buscando
compreender sua existência e viver com intensidade esse momento singular da contação de

4
Questionamos as docentes acerca da importância da contação de histórias, de forma ampla, sem
restringir ao período pandêmico, logo, acreditamos que nesta afirmativa a professora quis fazer
referência ao desejo dos alunos em manusear o livro da história contada e/ou proferida, independente
da modalidade em que esta ocorre, se presencial ou virtual.
119

histórias. Além disso, compartilhar esse momento com os alunos, é ter a possibilidade de
suscitar a imaginação, despertar a curiosidade, propor soluções para os conflitos e conhecer
novos lugares e culturas (ABRAMOVICH, 2004).
As professoras enumeram diversos aspectos positivos que confirmam a relevância dessa
prática lúdica na formação do gosto pela leitura e no desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos. Dentre esses aspectos, destacamos: familiaridade com a leitura e escrita,
envolvimento com as histórias, busca do livro como objeto de prazer, identificação com
situações ou personagens do texto literário, expressão das opiniões, e criatividade.
A contação de histórias hoje não se restringe a uma prática da biblioteca escolar, mas
está presente em diversos espaços (públicos ou privados; escolares ou não-escolares).
Conforme salienta Bedran (2012), como uma ação pedagógica. Essa prática estimula o
desenvolvimento da leitura e da escrita, bem como contribui significativamente com a formação
de leitores, pois quando a história toca, encanta e marca o ouvinte/leitor, este demonstra
interesse pelo livro, querendo reler e reviver a narrativa ouvida.
Tal realidade é relatada por Alice, quando afirma que os alunos desejam levar o livro da
história contada para casa e que é esse contato que desperta o interesse deles para o ato de ler.
Esse interesse é, sem dúvidas, estimulado pela ludicidade, pelo brincar com as palavras, seus
ritmos e sons que envolve as práticas de contação de histórias. Alice ressalta também que os
educandos gostam de recontar e expor suas opiniões acerca da história contada, além de sempre
haver casos de identificação com algo narrado.
Através do reconto e da exposição de opiniões, os alunos têm a oportunidade de recriar
a narrativa a partir do significado que lhes atribui, e este por sua vez, resulta das experiências
cotidianas dos aprendizes. Logo, há um diálogo estabelecido entre o passado e o presente, entre
diferentes contextos e realidades, há uma necessidade de preencher os vazios do texto e resolver
os problemas existentes. Coelho (2008) enfatiza que a história alimenta a imaginação,
possibilitando ao leitor em formação, identificar-se com personagens, personalidades e
situações apresentados na história, compreender e aceitar as situações difíceis, contribuir com
a resolução de conflitos e aumentar a esperança em dias melhores.
Dessa forma, ao contar uma história em sala de aula, o professor propicia aos aprendizes,
como bem ressaltou a professora Pollyanna, a entrada no mundo imaginário e o despertar da
sua capacidade investigativa, criativa e representativa. Segundo Farias (2011), a importância
do ato de contar e ouvir histórias encontra-se na possibilidade de desenvolver no ser humano
duas características imprescindíveis: a imaginação e a oratória. O autor salienta que só o homem
é capaz de fantasiar, de contar sua história e reconstruir outra a partir do acréscimo ou retirada
120

de detalhes, somente os seres humanos são capazes de imaginar, de criar imagens de coisas,
pessoas, lugares que não existem na realidade, mas que se materializou a partir da nossa
imaginação criativa e funcionou como catarse para as nossas angústias.
Em contato com o universo simbólico das histórias, ampliamos conhecimentos e a
capacidade de se colocar e compreender o outro, rompemos com as verdades absolutas que a
sociedade dominante impõe e reelaboramos princípios e valores. A contação de histórias coloca
narradores e ouvintes na posição de criadores, isto é, permite que estes, usem a imaginação,
criatividade e ludicidade para criar e recriar a narrativa. Além disso, rompe com a ideia de
objetividade e homogeneidade nas interpretações, pois permitem compreensões e soluções
múltiplas (FARIAS, 2011).
É reconhecendo, pois, a relevância da contação de histórias para despertar nos alunos, o
gosto pela leitura que consideramos importante investigarmos o desenvolvimento dessas
práticas durante o ensino remoto. Num contexto atípico como este, em que o distanciamento e
isolamento físico foram as principais medidas de prevenção para amenizar os impactos letais
do vírus, o contato com a arte da palavra tornou-se imprescindível na vida das pessoas,
principalmente, das crianças, visto que, através de momentos lúdicos com as histórias, os
leitores mirins podem se divertir, entender a realidade em que estão situados, encontrar
personagens que enfrentam situações semelhantes as suas e assim, acreditar, que apesar dos
desafios, pode existir um final feliz.

5.2 TECNOLOGIA, CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E FORMAÇÃO DE LEITORES:


EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL DURANTE O ENSINO REMOTO

A formação de leitores sempre se constituiu um desafio para a instituição escolar, pois


em muitas realidades, a leitura de literatura não é vista por alguns como necessária, porque é
imposta como uma obrigação, não precisa de planejamento e intencionalidade, porque pode ser
realizada sob improviso, não contribui com a formação humana e com o desenvolvimento de
aprendizagens, porque é uma perda de tempo. No ensino emergencial da pandemia da COVID-
19, esta realidade não foi muito diferente, pois os desafios do trabalho com a contação de
histórias e com o desenvolvimento de práticas significativas de leitura literária só aumentaram.
No entanto, acreditando que a contação de histórias deve ser uma prática planejada e
intencional, capaz de formar personalidades mais humanas e conceder estímulos para que os
leitores em formação conquistem autonomia na leitura, através da busca pelo livro e pelo
121

interesse de descobrir as palavras, é que professores do mundo inteiro tiveram de se reinventar


e tornar possível a arte de contar mediada pelas tecnologias. A arte que era auxiliada apenas por
gestos, expressões corporais e faciais e exercida no contato direto com o público, ganhou outra
dimensão quando passou a ser realizada no espaço digital, isso porque passou a ser realizada
sob diferentes suportes e a exigir técnicas, preparação e ensaio (BUSATTO, 2013). No ensino
remoto, o ato de contar histórias passou a acontecer por meio de múltiplas linguagens e com ou
sem a presença concomitante do ouvinte e narrador no espaço em que se dá a narrativa.
Com o duplo desafio (usar as tecnologias para mediar o processo de ensino-
aprendizagem e continuar desenvolvendo práticas de leitura que favorecessem a formação do
gosto pela leitura), as professoras colaboradoras iniciaram as aulas síncronas e assíncronas em
abril de 2020, tendo que transpor, de forma abrupta e sem muita orientação/formação, aulas e
conteúdos presenciais para ambientes digitais (RIBEIRO, 2020).
Professores do mundo inteiro tiveram que pesquisar, estudar e testar plataformas que
melhor se adequassem às realidades dos alunos, bem como produzir materiais como vídeos,
slides, jogos e outros recursos que tornassem as aulas mais atrativas e dinâmicas, visto que
ninguém, nem professores, tampouco alunos/crianças, estavam acostumados a ficar 2h ou mais,
em frente a uma tela de celular ou computador assistindo uma aula em que, na maioria das
vezes, apenas o professor fala, enquanto os demais microfones e câmeras, se encontram
desligados (ALVES, 2020).
Apesar da discussão, no que diz respeito a inserção das tecnologias no ambiente
educativo, ser antiga, de vivermos em uma cibercultura, cuja característica principal é o
compartilhamento de ideias e conhecimentos na rede de internet, e de entrarmos em contato
diariamente com múltiplas linguagens, a escola, os professores e as famílias não estavam
preparados para essa mudança abrupta, forçada nos modos de ensinar e aprender. Alves (2020)
coloca que, com responsabilidade social, educadores, alunos e familiares, buscaram alternativas
que atenuassem os impactos negativos da ausência física da escola, principalmente, os
professores, pois estes tiveram que modificar rotinas, adaptar conteúdos, fazer gestão de tempo,
adotar novas metodologias de ensino e sobretudo, fazer da tecnologia, seja ela qual for (o
celular, computador, apostila impressa) uma ferramenta que potencializa aprendizagem.
Durante o ensino remoto, as professoras Alice e Pollyanna relataram no questionário
que nos anos letivos de 2020 e 2021 realizaram aulas síncronas e assíncronas todos os dias. Na
entrevista, acrescentaram que no primeiro ano, as aulas assíncronas foram predominantes e que,
somente a partir do ano de 2021, as aulas síncronas se tornaram frequentes. Além disso, as
professoras informaram a utilização de algumas ferramentas para mediar o processo de ensino-
122

aprendizagem. No quadro abaixo, apontamos as ferramentas e sua utilidade na prática


pedagógica das docentes.

QUADRO 6: Aplicativos e plataformas digitais utilizadas pelas professoras durante o


ensino remoto

Ferramenta tecnológica Funcionalidade


Google Meet Realização das aulas síncronas
YouTube Visualização de vídeos
WhatsApp Encaminhamento de atividades e orientações
Messenger Troca de informações com os alunos e a
família
FONTE: construído pela pesquisadora com base nos dados do questionário online (2021)

Conforme aponta Moran (2000), as tecnologias, quando inseridas no ambiente escolar,


não podem ser idealizadas como as que possuem a resolução para todos os problemas da
educação, pois estas se configuram um meio, um instrumento capaz de colaborar a partir da
mediação do professor, com o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Considerando
isso, acreditamos que, embora não estivessem preparados para ensinar por meio de plataformas
e aplicativos, professores do mundo inteiro, incluindo as colaboradoras deste estudo, buscaram
enxergar nas ferramentas que dispunham, uma possibilidade de chegar até os alunos e contribuir
com a sua formação intelectual, leitora e humana. As plataformas e aplicativos mencionados
pelas colaboradoras já existiam antes da pandemia, mas pouco se conhecia sobre suas
potencialidades pedagógicas. A fim de aprofundarmos o conhecimento sobre as ferramentas
utilizadas pelas professoras, daremos ênfase as três mais utilizadas, visto que o Messenger tem
funções semelhantes à do WhatsApp.
O Google Meet, plataforma de videoconferência do Google, foi uma das mais utilizadas
nas aulas remotas, visto que possibilita que os usuários da rede se mantenham em interação
síncrona através de áudio e de mensagens instantâneas no chat, bem como realizem atividades
colaborativas. No início, haviam algumas limitações na plataforma, como por exemplo, não
suportava um grande número de pessoas na sala e não disponibilizava o quadro interativo
Jamboard, que possibilitava a criação de conteúdo de modo colaborativo por qualquer pessoa
com o link e com acesso à internet, e armazenava toda a produção no drive do Gmail.
Posteriormente, com algumas atualizações, o Meet, passou a suportar um grande número de
pessoas na mesma chamada, disponibilizar a extensão, que permitia aos usuários usar efeitos
visuais na câmera e estar em qualquer lugar que desejasse apenas com um clique e o Jamboard,
propiciando assim, uma aula cada vez mais interativa e colaborativa.
123

O YouTube, assim como o Google Meet, foi uma das plataformas digitais mais utilizadas
pelos educadores durante o ensino emergencial. A plataforma de compartilhamento de vídeos
tornou-se uma grande aliada dos professores, possibilitando, desde o aperfeiçoamento docente
até o desenvolvimento das aulas. O YouTube tornou-se uma ferramenta indispensável no ensino
remoto, pois a grande maioria dos professores o utilizaram para aprender a usar aplicativos e
outras plataformas digitais, e assim, melhorar sua prática de ensino; compartilhar vídeos de
histórias; e divulgar seu trabalho através da criação de conteúdo em canais abertos. As
professoras Alice e Pollyanna afirmam que o YouTube foi de grande relevância para o trabalho
com a leitura literária durante as aulas síncronas e assíncronas. Sobre o uso da plataforma com
vistas a formação do leitor, Pollyanna aponta:

17- Pollyanna: [...] Eu sempre procurava alguma história porque o YouTube


hoje está muito bom né?
19- Pollyanna: Se você quiser trabalhar… Pense como foi um auxílio nota
10. [...]Todos os temas que a gente ia trabalhar…
21- Pollyanna: Sempre tinha uma história lá para complementar. O YouTube
foi uma “mão na roda”, como se diz, para nos auxiliar. Quem queria
pesquisar ia lá encontrava e foi muito bom e complementou de verdade
mesmo, no planejamento da gente (Trechos de enunciados de Pollyanna –
Entrevista coletiva, 2021, grifo nosso).

A professora enfatiza que o YouTube foi uma “mão na roda” para auxiliar o trabalho
docente durante o ensino remoto, pois a ferramenta contribuiu significativamente para o alcance
dos objetivos pedagógicos propostos. A educadora afirma ainda que a plataforma dispõe de
uma grande quantidade e variedade de vídeos de contação de histórias e que sua utilização foi
indispensável para a complementação na etapa de planejamento. Além disso, Alice aponta que,

22- Alice: A pandemia trouxe algumas coisas boas. Os canais de algumas


professoras cresceram bastante durante a pandemia, assim como o
compartilhamento de atividades, de estratégias, das contações também
(Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).

Durante a pandemia, o compartilhamento de vídeos de história, animação, curta-


metragem e músicas, por exemplo, se tornou recorrente no universo escolar. Além disso, o
YouTube se tornou também um espaço para que os professores trocassem experiências,
compartilhassem atividades e práticas exitosas, e que por conseguinte pudessem inspirar outros
educadores a fazer o mesmo. O uso frequente do YouTube, com finalidade pedagógica, por
professores e alunos, fez com que muitos canais se tornassem conhecidos. E como apontam as
124

colaboradoras, seja no planejamento ou no desenvolvimento das aulas, o uso dessa ferramenta


digital tornou as aulas mais atrativas e dinâmicas, bem como ficou marcado como um aspecto
positivo e de grande aprendizagem durante a pandemia (com perspectiva de ser mantido em
aulas presenciais).
O trabalho com vídeos é muito importante no ambiente escolar, dado que os alunos
poderão desenvolver diversas habilidades, dentre elas, capacidade de ver, compreender, refletir
e argumentar sobre o que é apresentado, criar e editar materiais audiovisuais; divulgar na rede
e saber filtrar os comentários; dentre outras. Segundo Moran (2000), os vídeos exploram a nossa
capacidade em visualizar fatos, pessoas, ambientes, cores e relações espaciais e sociais. A partir
de planos e diversos ritmos visuais com imagens rápidas ou em movimento, preto e branco ou
coloridas, gravadas ou ao vivo, há a possibilidade de interconectarmos o passado, presente e
futuro. Conforme aponta o autor, o ver, favorece o contar, narrar histórias, pois visualizando
como as pessoas se expressam, se comunicam, e os diálogos estabelecidos entre os sujeitos
através das diversas linguagens, os alunos poderão sentir-se motivados a gravar seus próprios
vídeos contando histórias, narrando situações e inventando outras.
A utilização do YouTube e o reconhecimento de suas potencialidades no ensino durante
as aulas remotas pelas colaboradoras, nos permite idealizar uma prática pedagógica que valoriza
a multimodalidade, isto é, que reconhece a existência de múltiplas linguagens que constituem
os textos e a multiplicidade cultural presente na sociedade. Moran (2000), coloca que a partir
do advento das tecnologias e do uso da internet, novos espaços, modos e tempos passam a
constituir o processo de ensino-aprendizagem, transformando a prática da sala de aula e
ampliando o conceito de ensinar e aprender, considerando que o professor deixa de ser o centro
do conhecimento, o aluno deixa de ser apenas recebedor de informações, a sala de aula não se
limita a um espaço físico e o tempo e modo de aprender não são uniformes para todos.
O WhatsApp também foi outra ferramenta que facilitou significativamente a interação
entre professores, alunos e familiares durante o tempo de distanciamento e isolamento social.
Apesar de ser um aplicativo (App) utilizado pela grande maioria da população, antes da
pandemia da COVID-19, ainda não tínhamos (a grande maioria dos professores) refletido sobre
suas possibilidades no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. O aplicativo, por ser
gratuito e propiciar a troca de informações e conteúdo, a partir de mensagens de textos, áudios
e videochamadas, tornou-se o ponto de encontro, de comunicação entre pais, alunos e
professores. Alice afirma em seu questionário que utiliza o WhatsApp para se comunicar com
os pais dos alunos e encaminhar/orientar as atividades síncronas e assíncronas, bem como, para
receber as devolutivas. Na entrevista, a professora relata também que encaminha livros
125

literários e vídeos de contação de histórias pelo aplicativo, para que assim, os alunos entrem em
contato com o universo simbólico e tenham o seu direito ao acesso à literatura assegurados.
No entanto, a princípio, quando Alice menciona no questionário que utiliza a ferramenta
para encaminhar e orientar as atividades, compreendemos que o uso do App se restringia,
naquele momento, apenas ao envio e recebimento de mensagens pela professora e familiares
dos alunos, não sendo visualizado pois, o potencial educativo da ferramenta. Porém, quando na
entrevista relata o uso do aplicativo para compartilhar livros literários e vídeos de contação de
histórias, o grupo criado no WhatsApp passa a ser também um espaço de leitura, de incentivo
ao gosto pelo texto literário, a formação do leitor.
A professora não especifica o que faz após o compartilhamento dos livros e dos vídeos
de contação de histórias, mas sabendo das potencialidades do App, as professoras poderiam,
afim de contribuir com a formação de leitores durante este tempo atípico da pandemia, solicitar
aos alunos que digitassem ou enviassem áudios explicitando as opiniões acerca da obra literária,
relatassem a articulação com livros que leram antes e sugerissem outros, encaminhassem vídeos
recontando a história, discutissem entre si sobre como foi a experiência da leitura e falassem
sobre os encontros e desencontros propiciados pelo texto.
As possibilidades de explorar o aplicativo sob a perspectiva da formação de leitores são
inúmeras e poderão favorecer aos alunos exercerem a capacidade de se expressar, criar,
argumentar, criticar, compreender e respeitar a opinião do outro e construir saberes de forma
colaborativa. O WhatsApp, quando utilizado de forma intencional, configura-se em um recurso
significativo na mediação do conhecimento, no compartilhamento de saberes e na
democratização do acesso à leitura (GOMES; CARVALHO; MAIA, 2020).
Sabendo que estamos inseridos em uma cibercultura e que os alunos gostam de estar no
ambiente digital e usufruir de suas possibilidades, faz-se urgente e necessário que a instituição
escolar, sobretudo os educadores, se sensibilizem, compreendam e utilizem as múltiplas
linguagens advindas dos meios de comunicação. Somente a partir do reconhecimento dessa
necessidade, é que a escola poderá criar condições para que os alunos, em contato crítico com
o universo tecnológico, possam lidar criticamente com tais ferramentas, utilizando-as com
responsabilidade sem correr o risco de se deixar ser dominados por elas (MEDEIROS, 2019).
Com a introdução das TDIC na sociedade, a escola precisou/precisa repensar a sua
proposta de ensino (KESNKI, 2012). O que significa dizer que, o uso dos diversos artefatos
tecnológicos e recursos digitais, oriundos dos novos meios de comunicação e interação social,
exigem novos modos de ensinar e aprender, visto que estes, poderão colaborar satisfatoriamente
com o aumento da qualidade da educação (MORAN, 2000). Para tanto, com o bombardeamento
126

de informações e o contato diário com as diversas linguagens, o trabalho com o letramento


digital na escola torna-se imprescindível.
Compreendendo que o letramento digital corresponde ao exercício da leitura e produção
de textos de forma virtual, e que os ambientes digitais são envoltos por uma multiplicidade de
linguagens, cujos textos se apresentam sob diferentes modos ou semioses, faz-se urgente que a
escola reflita e trabalhe as novas exigências impostas pela cibercultura. É necessário um
trabalho que promova a capacidade interpretativa, crítica e criativa dos educandos no
ciberespaço, pois a escrita não é a única linguagem utilizada na composição dos textos em rede
(XAVIER, 2005).
Durante o ensino remoto, uma alternativa encontrada para valorizar o trabalho com a
leitura literária e o letramento digital, segundo Silvestre, Nóbrega, Dalla-Bona (2021), foi o
incentivo à leitura em ambientes virtuais, nos quais os leitores em formação já estão imersos
por prazer. Com as TDIC, a prática da leitura ganhou novas dimensões, pois passou a existir
em diferentes suportes e formatos, o que exige do leitor, novas habilidades. No entanto, antes
da pandemia, não era uma preocupação da maioria das instituições escolares, pensar em práticas
de leitura não didatizantes em ambientes digitais.
A partir da mudança brusca do ensino presencial para o remoto em virtude da COVID-
19, professores do mundo inteiro tiveram de se adaptar e reconfigurar o modo de mediar a
leitura literária, a formação de leitores. O trabalho, que não era fácil, tornou-se ainda mais
desafiador em vista do “pouco tempo” para pesquisar, estudar e praticar o uso de plataformas e
aplicativos digitais que contribuíssem com a interação e a formação do gosto pela leitura dos
alunos. Afim de investigarmos os impactos da pandemia no trabalho com a literatura nos
primeiros anos do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, encorajamos as colaboradoras a
relatarem as implicações desse momento atípico no planejamento e desenvolvimento das
práticas de leitura, de contação de histórias na modalidade remota. Sobre isso, as professoras
afirmaram:

5 - Alice: [...] o que impactou foi isso: o tempo limitado [...] as leituras
deleite, que antes eu realizava todo dia no presencial, ficaram um pouco
restritas para um dia na semana, no máximo dois, com a participação da
bibliotecária também. Porque ou eu focava mais na leitura, pois isso leva um
tempo para discutir, ver o que que eles acham que vai acontecer na leitura,
fazer a contação, depois retomar o que foi lido, o que eles acharam. [...] Aí
não tinha história todo dia, mas quando não tinha história, eu sempre
colocava um vídeo [...] para as pessoas que não assistiram a aula terem esse
contato com alguma história relacionada a algum conteúdo. Uma história que
desse certo para eles assistirem e sempre com uma atividade relacionada à
interpretação, uma ficha de leitura também com essa característica. [...]como
127

a gente tinha um tempo limitado de atividades, ela acabava sendo uma leitura
mais com a finalidade de aprendizado, que tem uma atividade de retorno para
mim, no caso. E aí acabava ficando assim, um pouco mais voltado para dentro
do conteúdo, para usar como uma ferramenta, como uma metodologia dentro
do que eu estava trabalhando [...] (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).

6- Pollyanna: O que eu achei que atrapalhou muito foi o acesso [...]


8- Pollyanna: [...] todo dia tinha história…
10- Pollyanna: [...] O acesso foi muito restrito às histórias por causa da
participação e do tempo também, porque... quando chegava em 40 minutos,
“tia falta muito? Já está descarregando”! Era muito difícil! (Trechos de
enunciados de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).

A professora Alice menciona em sua fala que o maior impacto da pandemia, do ensino
remoto no planejamento e desenvolvimento das atividades voltadas para a formação de leitores,
foi respectivamente, a necessidade de selecionar às histórias de acordo com os conteúdos a
serem abordados e o tempo limitado das aulas. Tal implicação, na experiência da professora,
fez com que as contações de histórias fossem realizadas com menor frequência, isto é, uma
prática que, no ensino presencial, era diária e realizada para despertar o prazer pela leitura,
passou a ser realizada apenas uma ou duas vezes na semana, com objetivos didáticos.
Por outro lado, Pollyanna afirma que todos os dias tinha história e que o fator de maior
implicação, além do mencionado por Alice, foi a falta de acesso às aulas pela grande maioria
dos alunos, visto que, de uma turma de 28 alunos, apenas 8 participavam das aulas síncronas.
O tempo limitado, apontado pelas professoras Alice e Pollyanna, se relaciona ao tempo da aula
síncrona, ou seja, ao momento em que ambos (professora e alunos) estão interagindo
simultaneamente em um mesmo espaço virtual. Na aula presencial, os educandos permanecem
no mínimo 4h na escola, porque de certa forma, há estrutura física e material, assim como,
recursos humanos para isso.
Por outro lado, no ensino remoto, o acompanhamento das aulas e a realização das
atividades depende, principalmente, da disponibilidade dos alunos e seus familiares que, por
sua vez, ficam à mercê das poucas condições sociais, financeiras e culturais, pois nem todos
dispõem de internet, aparelhos eletrônicos com grande espaço de armazenamento e pessoas que
os orientem e ajudem na execução das tarefas, na leitura das histórias. Na fala de Alice,
identificamos que há uma preocupação por parte da educadora, em desenvolver um trabalho
responsável com a literatura, visto que relata que há todo um processo na hora de narrar uma
história: (i) levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos; (ii) realização da contação de
128

histórias; (iii) retomada da narrativa e abertura do espaço para os alunos dialogarem sobre a
história.
Nessa afirmativa, a professora aponta o método com que medeia as contações de
histórias: o da andaimagem de Graves, Graves (1995). A escolha do método é um fator
indispensável na hora de planejar a contação de histórias, pois a partir da seleção do método, o
professor/mediador/contador de histórias poderá contextualizar e problematizar a narrativa com
a realidade dos ouvintes e traçar os objetivos da contação de histórias após a leitura sensível do
texto. O método de andaimagem aponta que, para que haja sucesso na leitura, é preciso seguir
três passos importantes na fase da implementação: pré, durante e pós-leitura. Fazendo isso, o
narrador estará valorizando os conhecimentos prévios, as leituras anteriores, os gostos e
preferências dos leitores/ouvintes, ampliando o repertório de histórias e abrindo espaço para
interpretação e reconstrução da história de modo crítico e criativo (GRAVES; GRAVES, 1995).
A efetivação da contação de histórias só ocorrerá se antes houver sistematização de
textos, métodos, técnicas e recursos; contextualização com as necessidades dos leitores, e
intencionalidades definidas que dialoguem com a formação do gosto pelo texto literário e que
não se reduzem a explicação de conteúdo ou a transmissão de normas e regras de boa conduta.
Com isso, percebemos que o trabalho com a formação de leitores é sério, complexo e
necessita de um preparo para se concretizar. Não podemos negar que para realizar uma boa
contação de histórias e favorecer momentos significativos com as histórias, leva muito tempo,
principalmente, quando estamos falando de uma mediação de histórias realizada em um
ambiente virtual, no qual há interação, mas não há o contato físico, o envolvimento e a emoção
que tem uma história contada presencialmente.
No entanto, também não podemos deixar que a voz que encanta, cria imagens e brinca
com as palavras e seus ritmos e sons deixe de existir por causa dos desafios impostos pelo
ensino emergencial, pois assim, estaríamos negando aos alunos o direito à literatura, ao lazer
propiciado pelas histórias. Amarilha (2012) afirma que quanto maior for o contato dos alunos
com as histórias, com o universo literário e com uma mediação adequada, maior a familiaridade
com a linguagem simbólica e o gosto pela leitura.
Portanto, ainda que exista a limitação do tempo nas aulas síncronas, é preciso que
asseguremos o direito dos alunos à leitura literária. Então, que diariamente, possamos dizer ou
contar uma história, um poema, uma fábula, uma quadrinha ou qualquer outro gênero textual,
para que assim, os alunos sejam incentivados a buscar por si só outros textos. Além disso, que
façamos da contação ou proferição de histórias, um momento a ser desejado e aguardado pelos
leitores em formação, e não suportável, visto como uma obrigação para realizar uma atividade
129

ou preencher uma ficha de leitura, tampouco, sirva apenas para introduzir uma temática, um
conteúdo.
Através de uma contação de histórias, o narrador poderá propiciar aos ouvintes a
descoberta de novos ambientes, contextos, culturas, personalidades, atitudes e jeitos de viver,
bem como, aprender sobre diversos assuntos no âmbito da história, geografia, ciências, política
e tantas outras áreas do conhecimento. Mas sem precisar saber tais nomenclaturas e que a
mediação se pareça com uma aula expositiva, porque, se assim for, deixa de ser literatura, deixa
de ser incentivo ao gosto e prazer pelos textos literários e passa a ser aula, a ser didática, cuja
preocupação maior não é a de possibilitar a entrada no mundo do faz-de-conta
(ABRAMOVICH, 2004).
Além do fator tempo limitado ter sido citado como justificativa para a diminuição na
frequência da realização das contações de histórias nas aulas remotas, as professoras, quando
relatam suas experiências com as narrativas em tela, sem o contato físico com os alunos,
acabaram mencionando a dificuldade em gravar e editar os vídeos, em ouvir a própria voz e
visualizar sua imagem.
66- Pollyanna: [...] no ano passado {2020} eu não contei muita história, não
gravei muito, porque eu não suportava me olhar e ouvir minha voz. Eu
cheguei a ter início de ansiedade, porque ficou difícil, sabe?
68- Pollyanna: [...] Essas produções de vídeo, para mim, foram muito difíceis
(Trechos de enunciados de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).
.

A pandemia da COVID-19 impactou significativamente o sistema educacional à medida


que exigiu a reinvenção docente e o desenvolvimento de um ensino que acontecesse
remotamente e que ao mesmo tempo, fosse ativo e no mínimo acessível. No entanto, apesar de
toda essa “preocupação”, lacunas nas condições de trabalho dos professores, como por
exemplo, infraestrutura, recursos materiais e humanos, formação adequada, dentre outros,
ficaram esquecidas.
Gravar e editar vídeos não estava no planejamento e, tampouco, nas rotinas pedagógicas
das professoras, antes da pandemia. Mas, com a adesão ao ensino remoto, essa prática, a
princípio, sobretudo, nas experiências das colaboradoras da pesquisa, já que em 2020 o contato
com os alunos se deu, principalmente, pelas aulas assíncronas, tornou-se recorrente e
necessária, visto que era uma das principais alternativas para que os alunos tivessem acesso às
histórias, a construção de conhecimentos. A não familiaridade com os artefatos tecnológicos e
a falta de formação mínima para lidar com as novas formas de interação social causou angústia,
medo e até problemas psicológicos em professores do mundo inteiro.
130

Nesse sentido, Pollyanna relata que não gravou muitos vídeos de contação de histórias
porque tinha dificuldade de se ver e ouvir nos vídeos, motivo pelo qual desenvolveu uma
ansiedade. Sabemos que as implicações na saúde mental dos professores não surgiram com a
pandemia, pois antes já havia a desvalorização docente. No entanto, acreditamos que com o
ensino remoto, educadores como Pollyanna, preocupados em fazer o melhor, com as condições
que dispunham, ficaram ainda mais sobrecarregados, visto que além das aulas remotas, existiam
fichas e planilhas para serem preenchidas e constatar a realização do trabalho remoto, bem
como, a vida e os problemas pessoais. Complementando a menção de Pollyanna, Alice
justifica

71- Alice: Mas é porque foi muito difícil. Era um mundo muito diferente,
muito novo. Aprender a editar vídeo na raça (no início saía tudo errado),
aprender a subir para o YouTube, a mudar o formato do vídeo para ficar
menor. Foram muitos desafios, mas a gente foi se ajudando [...] (Trecho de
enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).

Embora a maioria dos professores e alunos utilizassem alguns artefatos tecnológicos,


não o faziam com fins pedagógicos, e sim para se entreter. Porém, quando confrontados com a
obrigatoriedade do uso das tecnologias para mediar as práticas pedagógicas, os professores
encontraram dificuldades, pois estavam adentrando em um universo diferente, no qual novas
competências e habilidades são exigidas (ALVES, 2020). A exemplo dessas novas habilidades,
Alice menciona a edição de vídeos (cortes; inserção de imagens e músicas; mudança de formato
para publicação em diferentes plataformas e redes sociais) e compartilhamento no YouTube.
Torna-se visível a necessidade, ainda que enfrentando dificuldades, de discutir a formação de
leitores a partir do uso das tecnologias, principalmente porque grande parte dos leitores, leem
e interagem na rede.
As práticas de contação de histórias enquanto recurso lúdico que pode favorecer a
formação de leitores críticos e maduros (leitor capaz de ler, interpretar, atribuir sentido à leitura
e ressignificá-la, se possível), não podem ser trabalhadas esporadicamente pelos professores,
mas todos os dias. Os educandos têm diariamente, a necessidade de obter respostas para suas
perguntas, satisfazer desejos e fantasias, compreender o mundo, a si e ao outro, resolver
problemas e se encorajar para vencer as dificuldades. Além disso, o ato de contar histórias não
pode ser reduzido a uma ação mecanicista, realizada com fins meramente didáticos, cujo
objetivo maior é a realização de atividades superficiais que limitam e tornam as interpretações
homogêneas.
131

Amarilha (2012), aponta que a contação de histórias deve ser realizada pelos professores
em sala de aula (física ou virtual) com o objetivo de ampliar a capacidade dos alunos em
reconhecer e apreciar aspectos da linguagem literária, atribuir sentido e significado às histórias
e a sua existência e enriquecer a bagagem do leitor, de modo, a introduzi-lo as convenções da
língua escrita. Ouvir histórias é o início da trajetória leitora, pois é ouvindo as histórias que
somos atraídos ao livro e convidados a ver, ouvir e sentir o mundo com os olhos da imaginação
(ABRAMOVICH, 2004).
Apesar de no planejamento das professoras, as histórias serem escolhidas de acordo com
os conteúdos, da limitação do tempo nas aulas síncronas, o que acabou por diminuir a
frequência da realização de contação de histórias, e da dificuldade de acesso às histórias por
parte dos alunos, é possível notar esforço e valorização por parte das professoras Alice e
Pollyanna em oportunizar aos alunos, momentos com a leitura literária. Quando existe
ludicidade no momento da contação de histórias, os significados da leitura ultrapassam o tempo
em que a história é narrada e podem perdurar por toda a vida, permitindo ao leitor relacionar
aquilo que ouviu pela voz do narrador com a realidade e experiências vividas (AMARILHA,
2012).
Nesse contexto, no ensino presencial, muitos obstáculos, como por exemplo, o
entendimento da contação de histórias como uma perda de tempo, um recurso utilizado para
moralizar e/ou acalmar os alunos, e uma prática que dispensa planejamento, eram erguidos para
dificultar a realização da contação de histórias como um momento enriquecedor de
aprendizagens em sala de aula. No ensino remoto, tais desafios tornaram-se ainda maiores,
porque somado aos obstáculos mencionados acima, existia a dificuldade de manusear a
tecnologia com fins pedagógicos e de interação colaborativa, pois um grande número de
professores não tinha familiaridade com os aparatos tecnológicos, com as diversas redes sociais
e plataformas digitais.
Reconhecendo que em todo caminho existem pedras a serem retiradas para melhor
travessia, Alice e Pollyanna mencionaram, em ordem decrescente, os principais desafios
enfrentados por elas, para oportunizar aos alunos o contato com as histórias, de modo a
despertar o gosto e o prazer pela literatura. Na figura abaixo, apresentamos a síntese das
informações:
132

FIGURA 03: Desafios enfrentados pelas educadoras para realização de práticas de contação de
histórias durante o ensino remoto

FONTE: construído pela pesquisadora com base nos dados da Entrevista coletiva (2021)

A situação emergencial instaurada no mundo, em virtude da pandemia, surpreendeu a


todos, principalmente, porque tivemos de nos distanciar uns dos outros e evitar frequentar
espaços coletivos. Esse contexto impactou significativamente a comunidade, pois as medidas
de distanciamento e isolamento social retiraram professores e alunos da escola e
principalmente, dificultaram a dinâmica de interação social, gerando medo, dúvida, angústia,
sobretudo, nestes últimos, que necessitam da interação, do contato com o outro para melhor se
desenvolverem (ALVES, 2020).
O fator participação, segundo as colaboradoras, foi o mais desafiador, pois apenas um
número pequeno de alunos participava das aulas. Alice, que é professora do 1º ano do Ensino
Fundamental, afirma que nas primeiras aulas síncronas, havia uma boa participação dos alunos,
mas à medida que foi se estabelecendo uma rotina e os alunos e seus familiares foram vendo a
dinâmica das atividades, estas poderiam ser respondidas apenas seguindo as orientações
encaminhadas no grupo do WhatsApp, a participação foi diminuindo. A professora lamenta a
pouca participação dos alunos no encontro síncrono, visto que acredita que este,

52- Alice: [...] é o momento que você ia conseguir aprofundar, realmente, os


assuntos, conversar (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva,
2021).

As aulas síncronas, por ter a participação simultânea de alunos e professores, acabam se


assemelhando às aulas presenciais, com a diferença dos meios pelos quais acontece a interação.
133

Alice acredita que é na troca dialógica e no contato mais direto com os alunos que o
conhecimento é construído e as aprendizagens aprofundadas. Apesar dos encontros assíncronos
favorecer o desenvolvimento da autonomia e senso investigativo dos alunos, à medida que estes
são convidados a organizar seus horários de estudos e pesquisar sobre os temas sugeridos pelos
professores com ajuda dos familiares (no caso dos alunos inseridos nas primeiras etapas da
Educação Básica), são nas aulas síncronas, na interação com os seus pares e sob a mediação de
um profissional da área, com saberes teóricos e práticos no âmbito da docência, que os alunos
dialogam e expressam posicionamentos e dúvidas, e que o educador atua como mediador das
aprendizagens, problematizando os questionamentos, esclarecendo as dúvidas e
potencializando novos saberes. Além disso, Pollyanna, aponta que os alunos

10- Pollyanna: [...] que participavam eles estão muito bem, estão no nível
mesmo do 3º ano, em todos os sentidos [...] (Trecho de enunciado de Alice –
Entrevista coletiva, 2021).

Pollyanna ressalta que aqueles que participavam assiduamente das atividades síncronas
e assíncronas, obtiveram resultados positivos. O comprometimento dos alunos e da família com
as atividades remotas e as condições favoráveis (recursos estruturais, materiais e humanos),
para isso, atenuaram os déficits de aprendizagens resultantes da ausência física da escola e dos
professores na trajetória escolar dos educandos durante a pandemia. Tal realidade só reafirma
a importância do professor enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem e a
necessidade da existência de espaços presenciais para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas como premissa básica, principalmente nas primeiras etapas da Educação Básica -
Educação Infantil e Ensino Fundamental – Anos Iniciais – (ALVES, 2020).
Assim, durante o ensino remoto, ficou evidente que as práticas de ensino presenciais
não podem deixar de existir e que a tecnologia não substitui o papel do professor na mediação
do conhecimento. Outro fator desafiador citado pelas educadoras, intimamente relacionado ao
pouco envolvimento dos alunos, foi a falta de condições favoráveis para dar continuidade aos
estudos de forma remota, dada a realidade social em que muitos alunos estavam inseridos. Sobre
isso, as professoras relatam:

53- Pollyanna: A gente sabe que as condições deles não são boas. (...) Para
você ter ideia, Suiane, a cada mês era um chip novo. Quando pensava que
não desapareciam do grupo (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista
coletiva, 2021).
134

56- Alice: [...] A gente sabe que tinha alguns alunos, né Pollyanna, que
queriam participar, que eram bons alunos no presencial, mas que a gente
sabe que tem uma condição social bem aquém, bem difícil mesmo [...] A gente
fez apostila de conteúdos e imprimiu para entregar aos alunos, mas essa parte
das histórias a gente não conseguiu chegar, porque a gente não conseguia
disponibilizar livros para eles; a biblioteca não estava funcionando;[...] E
além disso, eles não tinham esse acesso na internet, no celular para ver
YouTube, ver as contações… (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).

Com a fala de Pollyanna, podemos inferir que se manter um chip ativo era uma
dificuldade para a família, possuir uma internet de qualidade para a criança assistir as aulas,
fazer pesquisas e realizar as tarefas, era ainda mais difícil. Nesse contexto, concordamos com
Santos (2020), quando afirma que a pandemia, além de tornar visível a disparidade entre ricos
e pobres, entre os que podem e os que não podem usufruir de elementos básicos de
sobrevivência, dentre eles o acesso à internet e à literatura, reforça a injustiça e exclui as
camadas menos favorecidas.
Como alternativa para amenizar os impactos negativos na aprendizagem dos educandos,
resultantes da falta de acesso à tecnologia, Alice menciona a produção de apostilas para que os
alunos, que não dispusessem de internet, não fossem ainda mais prejudicados, no que diz
respeito a aquisição de competências e habilidades necessárias para o seu pleno
desenvolvimento.
Por outro lado, a professora relata que no âmbito da formação de leitores, não foi
possível propiciar a estes alunos o contato com as histórias, pois nem eles tinham acesso à
internet para visualizar os vídeos com as narrativas, nem a escola pôde disponibilizar os livros,
em virtude do fechamento da biblioteca escolar. Resta-nos, pois, alguns questionamentos que
poderão problematizar outra pesquisa: Como é possível favorecer o contato com a literatura aos
alunos que se encontram fora da escola e sem acesso à internet? Quais políticas públicas
deverão ser criadas e/ou repensadas para assegurar o direito à literatura a todos,
independentemente de classe social?
Destarte, fica evidente que ao se pensar sobre o uso das TDIC na mediação das aulas,
principalmente, quando falamos de escola pública, é preciso observar os aspectos sociais que
envolvem os alunos, para que o professor não contribua com o aumento das desigualdades
existentes na sociedade. Os educadores devem escolher recursos gratuitos, de fácil manuseio e
que ocupem uma pequena parte do armazenamento do aparelho móvel, dado que a maioria dos
smartphones utilizados pelas famílias populares não dispõe de uma memória com muitos
gigabytes (GOMES; CARVALHO; MAIA, 2020, p. 220).
135

A inserção das tecnologias no processo educativo torna-se desafiador, principalmente,


pela ausência de políticas públicas que democratizem o acesso às TDIC tanto pelos professores,
quanto pelos alunos. Isso porque sabemos que, no contexto da pandemia da COVID-19, não
houve preparação por nenhuma das partes, para essa mudança abrupta no ensino. Os professores
não dispunham de equipamentos tecnológicos que suportassem a carga de trabalho do ensino
remoto e para sua aquisição não houve nenhuma ajuda do poder público. E muitos alunos, pelas
poucas condições financeiras, tiveram de acompanhar as aulas síncronas e assíncronas com o
que possuíam no momento: um celular com pouco armazenamento para uso de toda a família,
uma internet emprestada pelo vizinho e um tempo limitado dos responsáveis para ajudar na
realização das atividades e acompanhar as aulas síncronas (OLIVEIRA; MELO; LIMA, 2020).
Com isso, adentramos no terceiro maior desafio enfrentado pelas professoras para
propiciar momentos enriquecedores com a leitura através das contações de histórias e livros
digitais. Assim como a falta de acesso à internet para acompanhamento das atividades, o pouco
valor atribuído à leitura pela família dos alunos, se relaciona com o primeiro desafio elucidado
pelas colaboradoras. Apesar das limitações, percebemos que as educadoras tentam promover
atividades que valorizam a literatura, mas a dependência dos alunos inseridos nos primeiros
anos do Ensino Fundamental – Anos Iniciais de seus responsáveis impedem em algumas vezes,
esse contato com as histórias. Esta realidade concretiza-se na fala de Pollyanna quando afirma
incentivar os alunos a lerem as histórias encaminhadas no grupo do WhatsApp, mas que não
pode contar muito com a parceria da família:

41- Pollyanna: [...]Todo dia eu mandava um PDF, um livro em PDF. Aí


muitas vezes eu perguntava e eles não tinham visto “a minha mãe apagou”
[...] (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).

O contato dos alunos com o universo literário, na experiência de Pollyanna, era uma
prática diária. Contudo, algumas famílias não demonstravam interesse e preocupação em
propiciar essa experiência simbólica aos seus filhos, sobrinhos e netos por muitos motivos.
Inclusive, as próprias professoras reconhecem que alguns deles estão associados a pouca
familiaridade com a leitura. Vejamos:

58- Alice: [...] a gente tentava, na medida do possível, levar as histórias e


conseguir os PDF. Todo mundo ajudava [...]Mas, muitos eram, realmente, o
valor que a família não tem, não dá a leitura. E a gente também compreende
um pouco esse aspecto, porque são famílias que não tem um nível social muito
alto. Então, culturalmente, elas não têm acesso a isso, a essa cultura de ler.
136

Então como é? Se você não tem esse hábito, você também não passa o hábito
[...] (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).

53- Pollyanna: [...] a gente sabe que eles {os alunos} não têm esses livros
pelas condições e a família não tem esse contato com a leitura. [...] (Trecho
de enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).

Sabemos que, na maioria das vezes, o acesso a livros é restrito àqueles que podem pagar
para usufruir, pois são muito caros. Grande parte dos alunos de escola pública só tem contato
com as histórias e com o livro enquanto objeto de desejo, na instituição escolar, a partir da
mediação do professor. A realidade social dos alunos de Alice e Pollyanna não os permitem
possuir livros em casa, cabendo a escola assumir esse papel importante na formação leitora de
seus educandos. Além disso, o pouco contato com a leitura por parte dos responsáveis dos
alunos, fazem com que alguns não valorizem esse trabalho. Amarilha (2012), aponta que
dificilmente alguém que não é leitor, despertará o interesse no outro em experimentar essa
aventura pelo mundo do faz-de-conta, ou seja, somente aquele que gosta de ler, que se aventura
pelas histórias e compartilha suas experiências com a linguagem simbólica é capaz de formar
leitores, de incentivar o prazer pela leitura.
Além desses desafios citados pelas educadoras, consideramos relevante questioná-las
sobre a existência de formações continuadas para que o ensino remoto se tornasse possível e
fosse realizado, de modo a propiciar a construção do conhecimento e a formação de leitores.
Tal questionamento acerca desse preparo anterior para uma mudança abrupta no modo de
interagir com os alunos e partilhar saberes, se torna importante, porque a grande maioria dos
educadores não utilizavam os artefatos tecnológicos em sala de aula com fins pedagógicos, bem
como, narravam as histórias apenas de forma presencial, nos quais os principais recursos
utilizados na hora do conto eram o corpo e a voz do narrador.
Além disso, sabemos que com a existência dos espaços telemáticos e suas imagens
eletrônicas e virtuais, a dimensão da realidade é reconfigurada e o tempo real abre espaço para
o virtual, para a interação social a partir de diversas linguagens, para os sons reproduzidos
eletronicamente e para os gestos recriados. É nesse contexto da ocupação no espaço digital que
o ato de narrar histórias ganha outras dimensões (BUSATTO, 2013) e o professor, enquanto
principal mediador da leitura na escola, não poderia deixar de oportunizar aos alunos, durante
o ensino remoto, experiências estéticas através da contação de histórias.
Assim, devido à pouca familiaridade com as tecnologias, acreditamos que seria
importante o investimento em formações continuadas para os professores no âmbito da leitura,
contação de histórias e formação de leitores, pois somente bem fundamentados teórico e
137

metodologicamente, é que os educadores poderão despertar o gosto pelo texto literário e


incentivar a autonomia dos alunos na busca pelo livro. No entanto, as professoras apontaram
em seus relatos na entrevista coletiva, que as formações para o desenvolvimento do ensino
remoto foram deficientes.
Segundo as colaboradoras, a Diretoria Regional de Educação e Cultura (DIREC)
promoveu uma formação para o uso do Sistema Integrado de Gestão da Educação (SIGEduc),
das plataformas de videoconferências e do compartilhamento de vídeos no YouTube. Porém, no
âmbito da formação de leitores, seja para propor aplicativos, plataformas e/ou softwares para
editar vídeos, seja para incentivar os alunos a construir suas próprias histórias, não houve
nenhuma formação, palestra ou curso de curta duração. Além disso, afirmaram que a ajuda
maior que tiveram foi da escola, da gestão e supervisão, pois a formação ofertada pelo Estado
se preocupou mais com aspectos teóricos do que práticos, resumindo-se a um momento técnico
e que pouco se adequava aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A formação do professor como um desafio a ser superado, não surge com a pandemia,
com o uso “forçado” e imediato das tecnologias decorrente do ensino remoto. A formação
inicial dos professores voltada para a problematização do uso adequado das TDIC, dos desafios,
mas também das possibilidades das ferramentas digitais ainda é muito deficiente, pois o tempo
para aprender sobre como valorizar as múltiplas linguagens e estimular a capacidade criativa e
crítica dos alunos a partir da utilização de ambientes virtuais é limitado, dado que, quando muito
se tem na grade curricular dos cursos de licenciatura é uma disciplina de 60h.
Nesse sentido, nos resta a formação continuada como possibilidade para oportunizar
espaços de discussão e mobilização para a inserção das TDIC na sala de aula, ainda que com
os muitos desafios enfrentados, sobretudo, pelas escolas públicas, como falta de infraestrutura
física, recursos materiais e humanos, resistência dos professores, dentre outros. Segundo Costa
(2017), para que as formações continuadas consigam impactar positivamente as práticas
pedagógicas dos professores, estas precisam ser ao contrário da formação mencionada por Alice
e Pollyanna, dinâmicas e direcionadas com situações práticas, pois somente assim, o educador
se sentirá motivado a explorar e utilizar as tecnologias. É preciso que as formações continuadas
ofertadas aos professores da Educação Básica os motivem a partir da descrição detalhada, os
diversos usos, possibilidades e execução da ferramenta no contexto pedagógico (LINHARES;
MELO; COSTA, 2020).
A partir dessa mudança nas formações continuadas, os educadores poderão sentir-se
mobilizados a fazer uso do que há de melhor na tecnologia, a pesquisar e estudar suas
possibilidades no ensino e a promover práticas pedagógicas articuladas às diferentes linguagens
138

(MORAN, 2000). No entanto, além da participação dos professores em cursos de


aperfeiçoamentos e a existência de equipamentos tecnológicos de boa qualidade na escola, é
importante que os professores se sintam confortáveis para utilizar as TDIC como instrumentos
que podem auxiliar na prática pedagógica (KENSKI, 2012).
A mudança nos modos de mediar o conhecimento não pode acontecer por causa da
imposição de políticas públicas nem tampouco do ensino remoto, visto que só há transformação
quando o professor acredita que a utilização das ferramentas digitais poderá fazer diferença na
aprendizagem dos alunos. Com isso, o professor deixa de ser transmissor do conhecimento e
passa a ser um mediador preocupado em orientar os educandos na construção do conhecimento
de modo significativo e colaborativo (SOUZA; SOUZA, 2020).
Acreditamos que a experiência excepcional do ensino remoto, apesar de ter sido
frustrante para muitos professores, poderá resultar em novos modos de contar histórias, de
mediar a leitura e construir sentido para os textos existentes nos ambientes virtuais. Tal vivência
poderá possibilitar pensarmos em aulas que incentivem a investigação, a autonomia dos alunos,
o respeito às diferentes opiniões e a produção de textos no ciberespaço, que propiciam por sua
vez, o contato dos usuários da rede com uma multiplicidade de linguagens e a construção de
sentidos de modo colaborativo e aberto (RIBEIRO, 2020).
A articulação entre o letramento digital e leitura de literatura torna-se uma possibilidade
para a formação do leitor na modalidade remota, porque, acreditamos, assim como Silvestre,
Nóbrega, Dalla-Bona (2021), que a literatura possui potencial para proporcionar momentos de
lazer e prazer e que a mediação de histórias requer conhecimentos teóricos-metodológicos
acerca do letramento literário e digital, compreendendo que a cultura digital pode enriquecer a
formação de leitores, à medida que possibilita o contato dos educandos com uma multiplicidade
de textos, modos e suportes.
Portanto, consideramos que apesar dos inúmeros desafios enfrentados pelas educadoras
durante o ensino remoto, a saber: a ausência de formação e preparo para realização das aulas e
contações de histórias remotas, a pouca participação dos alunos nas atividades síncronas e
assíncronas, as condições precárias de acesso à internet, o que acaba por evidenciar as
desigualdades sociais, e a desvalorização ou pouco valor atribuído à leitura literária pela
família, houve comprometimento com a continuidade do trabalho com a literatura, com a
formação de leitores, por parte das professoras.
Sendo assim, torna-se imprescindível mencionar as possibilidades encontradas pelas
colaboradoras para oportunizar aos alunos o contato com o universo literário a partir da
139

contação de histórias durante o ensino emergencial e relatar como se deu a participação e


interação dos educandos neste momento lúdico.
Sabendo, pois, que o contador de histórias da contemporaneidade deve se apropriar dos
recursos tecnológicos disponíveis na sociedade e apresentar uma arte que se adeque aos
diversos públicos e espaços (BEZERRA, 2019), é que o professor, principal mediador de leitura
na escola, torna-se o responsável por buscar estratégias, recursos e técnicas para melhor
oportunizar o contato dos alunos com as histórias.
Com a pandemia da COVID-19, todos os segmentos da sociedade tiveram que mudar,
se adaptar ou reinventar. No âmbito educacional, os professores foram surpreendidos com a
ideia de continuar as aulas a partir do auxílio da tecnologia. Mas como isso seria possível se
grande parte dos educadores não foram/estão preparados para usar as ferramentas tecnológicas
e suas potencialidades pedagógicas no ensino? Como formar leitores se não temos livros físicos
disponíveis para os alunos manusearem? Essas inquietações fizeram com que os educadores,
ainda que temendo a experiência do ensino, pesquisassem meios para que o mínimo de
qualidade da educação fosse garantido aos alunos. É nesse movimento de adaptação e
reinvenção, que as professoras Alice e Pollyanna e tantos outros educadores, estenderam
pontes para facilitar o encontro entre aluno-livro literário no contexto atípico da pandemia.
A realização de atividades assíncronas, a necessidade da gravação e edição de vídeos
gerou frustação e afetou até mesmo, a saúde mental de uma das professoras. Começou a se
pensar em outras formas de chegar até os alunos e a realização de encontros síncronos foi uma
das alternativas encontradas pela escola. Além da disponibilização de livros em formato PDF e
envio de vídeos de contação de histórias pelo grupo do WhatsApp, as colaboradoras relatam na
entrevista, que passaram a contar histórias de forma síncrona, e que esse momento de interação
simultânea com os alunos foi a melhor experiência que tiveram durante o ensino remoto. Sobre
isso, Pollyanna afirma:

66- Pollyanna: [...] se a gente tivesse, no ano passado, [...] iniciado síncrono,
teria sido melhor. Eu achava tão difícil quando falava, mas quando a gente
foi para a prática, Suiane, foi muito maravilhoso. Aquela 1h que passava com
eles dava para fazer leitura compartilhada, dava para fazer muita coisa [...]
(Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021, grifo nosso).

Mudar pressupõe movimento, saída do conhecido para o desconhecido. Como não


somos os mesmos ao contar uma mesma história mais de uma vez, os modos de compartilhar
experiências literárias não serão as mesmas após a pandemia, visto que, apesar dos desafios,
140

inúmeras possibilidades foram encontradas para contar, criar e compartilhar histórias. Os


encontros síncronos surgem como uma alternativa para a interação em tempo real entre as
professoras e os alunos. E apesar de, no princípio, Pollyanna demonstrar receio à mudança
proposta, quando vivenciou na prática, soube aproveitar o que tinha de melhor. Fato é, que em
sua fala ressalta que em 1h de interação síncrona com os alunos era possível fazer muita coisa,
inclusive leitura compartilhada. O apontamento de Pollyanna acerca das possibilidades que se
abriram com as aulas síncronas, nos leva a acreditar que contar histórias e compartilhar leituras
pelos ambientes virtuais será possível a partir do momento em que enxergamos nas plataformas
digitais espaços propícios para construir sentidos, trocar saberes e compartilhar histórias.
Em face disso, podemos afirmar que o trabalho com a literatura se tornou possível na
pandemia a partir do momento em que as professoras colocaram a prática de contação de
histórias e o compartilhamento de livros digitais e vídeos de narrativas como uma prioridade
em suas aulas, como uma necessidade, como um requisito básico para a formação integral dos
alunos. Pensar na contação de histórias de modo virtual requer pensar primeiro, nas artes
telemáticas e nas múltiplas linguagens que a envolvem (BUSATTO, 2013). Segundo a autora,
um caminho possível para que o contar histórias exista no ciberespaço é deixá-la aberta, isto é,
apresentá-la de modo que os leitores/usuários da rede interajam com a história e com o narrador,
exponham suas impressões e a ressignifiquem de acordo com seus desejos e realidades.
Foi apresentando as histórias de modo a desencadear interação, troca de ideias e
posicionamentos, reconto e discussão, que as colaboradoras passaram a se sentir motivadas a
continuar narrando histórias de modo síncrono. A história ganhava vida na voz da professora e
novos significados na voz dos alunos, que sentiam-se convidados a inferir, expor suas opiniões
e recontar do seu jeito, a narrativa. Sobre o aproveitamento e interação dos leitores mirins
durante as leituras realizadas pelo Google Meet em tempo real e as encaminhadas pelo
WhatsApp, Alice ressalta:

38- Alice: Nos encontros síncronos todos se envolviam com a contação, com
as perguntas antes, as hipóteses faziam bastante, e durante a contação eles
também interagiam. E depois, também davam retorno de terem entendido a
história. Mas já as atividades, as devolutivas do grupo todo, eram bem poucas
as respostas. [...] Eu sentia que no dia que era atividade mais voltada para o
livro literário, caía a devolutiva (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).

De acordo com Busatto (2013), a narração de histórias ao vivo deve assegurar ao ouvinte
seu papel de coautor, de leitor ativo. O relato de Alice vai ao encontro do que a autora confirma
141

em seus estudos e experiências com a contação de histórias realizada nos suportes digitais. As
narrativas que envolvem performance em tempo real criam interatividade entre narrador e
ouvinte, e é isso que traz qualidade para o momento da contação de histórias. Os estudos da
autora apontam que das histórias apresentadas no suporte do CD-ROM, as crianças preferem
aquelas que o narrador aparece narrando e que as histórias apenas com áudio e animação
(imagens, gifs, figurinhas) não provocam tanto interesse.
Relacionando isso a fala da professora Alice, é possível afirmar que, enquanto as
histórias mediadas no modo síncrono, abriam espaço para o diálogo e para a troca entre os
educandos, os momentos de leitura a serem realizados de modo assíncrono não tinham muito
retorno e engajamento dos alunos. Algumas das justificativas para isso já foram mencionadas
nas dificuldades enfrentadas pelas educadoras anteriormente, mas acrescido a isso,
mencionamos a falta de um mediador experiente (o/a professor/a), que sente prazer em lê, em
falar sobre suas leituras e que empresta a voz para dá vida às narrativas, tornar conhecidos
outros povos e culturas e brincar com as palavras.
Fica evidente a importância do contador de histórias como uma ponte que facilita a
travessia do ouvinte até a leitura. Seja em um espaço amplo ou diminuto, como a tela de um
celular, a presença do narrador é indispensável para que o maravilhoso se instale e para que a
entrada no mundo do faz-de-conta seja possível. Para tanto, o professor enquanto
mediador/narrador deve ter conhecimentos teórico-práticos, criatividade e muito preparo para
apresentar as histórias de forma adequada em diferentes suportes, sabendo que cada suporte
requer estratégias, metodologias e adaptações diferentes.
Afim de tornar a hora da história prazerosa, ainda que através de uma tela de celular ou
computador, as professoras mencionaram alguns meios encontrados para atrair a atenção dos
alunos e possibilitar a interação entre estes, antes, durante e após a contação de histórias.
Vejamos as estratégias utilizadas pelas professoras:

2- Alice: [...] a gente [...] faz a leitura visual primeiro, antes de tudo. A gente
lê as imagens, percebe o que a história está dizendo, o que a capa está
tentando transmitir (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva,
2021).

3- Pollyanna: [...] eu gosto de ler, inventar, eu acrescento o que não tem no


livro, eu invento falas.
66- Pollyanna: [...] eu gosto de imitar, de mudar a voz [...] (Trechos de
enunciados de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).
142

No trecho de Alice, encontramos a valorização dos conhecimentos prévios dos leitores


e o convite para que estes participem da construção de sentidos a partir da narrativa, além disso,
não restringe a leitura à decodificação de códigos. Nesse caso, os leitores/ouvintes se tornam
coautores da história à medida que são motivados a falar sobre o que pensam, a apresentar suas
inferências e interpretações, e a recriar um novo enredo (AMARILHA, 2012). Os excertos de
Pollyanna apontam para uma professora que usa seu direito de contadora de história para criar
e inventar, mas apesar de o ato de contar histórias não exigir a presença do livro e aquele que
narra ter mais liberdade para criar, descontrair e interagir com o ouvinte, o narrador não pode
substituir o texto, a obra literária por um discurso improvisado ou totalmente adulterado, pois
assim, outra história estará sendo criada (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
Além disso, Pollyanna afirma gostar de mudar a voz na hora em que está contando a
história. Sisto (2012) defende que a voz é um prolongamento do corpo e configura-se em um
elemento indispensável na contação de histórias, pois através do timbre, da altura e da
intensidade se comunica sentimentos e desperta emoções. A participação dos alunos na
construção de significados a partir da história e o uso harmonioso da voz na hora da narrativa
contribuíram para que houvesse envolvimento e identificação com o texto literário por parte
dos alunos. Além desses elementos, as professoras apontam outras estratégias utilizadas para
chamar a atenção dos educandos no momento da narrativa:

47- Pollyanna: [...] Eu gosto muito de contar ou ler a história, fazendo


aquelas paradas e indo fazendo indagações, sabe? E eu sentia que dava certo
[...] com os que estavam participando (Trecho de enunciado de Pollyanna –
Entrevista coletiva, 2021).

65- Alice: [...] Sempre na contação eu gostava de ficar em pé, porque aí eu


ficava indo para frente, para trás. Não sei se estava atrapalhando a
concentração deles ou ajudando a eles ficarem animados [...] (Trecho de
enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).

O narrar histórias não é fácil, principalmente, quando realizado em ambientes virtuais,


pois além de planejamento, habilidade e ensaio para melhor comunicar a narrativa, é preciso
dominar minimamente os elementos básico que congregam qualidade a contação de histórias e
utilizar pedagogicamente os recursos digitais (SISTO, 2012). Tal complexidade e exigência nos
leva a defender o investimento na formação inicial e continuada dos professores no âmbito da
formação de leitores e do desenvolvimento de práticas de leituras lúdicas que incentivem o
gosto pelos livros e despertem o prazer pelas histórias.
143

Sabendo que narrar uma história não é explicá-la, e que a boa narrativa é aquela que
possibilita a construção de sentidos pelos ouvintes, é que analisamos essas duas afirmativas das
professoras sob o aspecto formal da contação de histórias (BUSATTO, 2012). Na fase de
planejamento, o professor/narrador/contador escolhe/seleciona o texto, o modo, o suporte, os
objetivos, os recursos e as técnicas que serão utilizadas na mediação da leitura. Existem
diferentes modos de favorecer o contato do leitor com um texto literário, a contação de histórias
é apenas um deles.
Pollyanna menciona dois modos de mediar a leitura; o contar e o ler. Contudo, apesar
de na maioria das vezes, tratarmos os termos como sendo iguais, ambos se diferenciam. Souza,
Modesto-Silva, Motoyama (2020) afirmam que a contação de histórias é uma prática da
oralidade com intencionalidade comunicativa e que exige mediação, pois atua como forma de
compartilhar um acontecimento com alguém. Para tanto, faz uso da entonação de voz/prosódia,
expressões corporais e faciais, performance, recursos e técnicas, bem como não exige o uso do
livro e a fidelidade das palavras e da sequência tal como está escrito, porque permite a
flexibilidade da linguagem e o improviso. Já a leitura de uma história não exige mediação, mas
constitui-se um ato executado de forma individual e silenciosamente ou em voz baixa, isto é, é
um ato solitário que se dá entre o leitor e o livro.
Além do contar e do ler, as autoras abordam o proferir/dizer histórias como um modo
de mediar a leitura de literatura. Proferir/dizer uma história é reproduzir o que está escrito no
livro, usando as mesmas palavras e sequência por meio da voz, entonação, expressão corporal,
gestual e facial, além de exigir mediação e a presença do livro (SOUZA; MODESTO-SILVA;
MOTOYAMA, 2020). Em vista disso e fundamentadas em trechos de falas anteriores,
acreditamos que as professoras colaboradoras, apesar de confundirem os termos que se referem
aos modos de mediar as histórias, realizam ora a contação de histórias, ora a proferição, assim
como também oportunizam momentos de leitura, no qual os alunos são convidados a ler e
interpretar a história individualmente.
Outro aspecto que chama a atenção na fala de Pollyanna é o fato de fazer
questionamentos aos alunos no decorrer da narrativa. Busatto (2012) considera que existem três
vias que não podem ser desconsideradas na hora de narrar uma história: ritmo, intenção e
imagens. O ritmo é o que dar musicalidade e harmonia à contação de histórias, isto é, refere-se
à capacidade do narrador adaptar sua voz (timbre, altura, velocidade) às situações do texto e
compreender os momentos das pausas e silêncios, dando vida e movimento à narrativa. A
intenção se relaciona ao que o texto quer passar para o leitor, o que o narrador deseja despertar
nos ouvintes, o que não precisa está explícito nas descrições exageradas, mas através da
144

intenção desejada, aquele que conta, se expressa com emoção e acaba por modificar a entonação
da voz, permitindo aquele que escuta interpretar o que está nas entrelinhas. As imagens estão
associadas às descrições oferecidas pelo texto (imagens verbais), aos sons que aparecem na
narrativa, como as onomatopeias (imagens sonoras) e aos movimentos que são criados
espontaneamente para enriquecer a contação (imagens corporais) (BUSATTO, 2012).
Todos esses elementos atuam em conjunto e fazem da narrativa um momento singular
e uma atitude multidimensional, no qual é possível incentivar a leitura, despertar o gosto pelas
histórias, valorizar culturas, estimular o imaginário e a criatividade, sensibilizar o ouvinte/leitor,
alimentar o espírito e manter viva as memórias de um povo.
Apesar de Pollyanna apontar a utilização das pausas para questionamentos no decorrer
da história como positiva, acreditamos assim como Busatto (2012), que narrar uma história é
possibilitar a entrada dos leitores no universo imaginário, onde tudo é possível. Permitir
comentários ou qualquer outra interrupção na hora da contação de história seria romper com a
magia criada pelo “era uma vez”. Para que isso não ocorra, é preciso que o professor firme
acordos, eduque o ouvido para a escuta atenta e sensível e olhe carinhosamente para os ouvintes
como se estivesse dizendo que após a contação de histórias abrirá espaço para o diálogo.
A professora Alice, por outro lado, menciona em seu relato um detalhe importante na
hora de contar uma história: a postura física de quem conta. Segundo Busatto (2012), não há
uma postura fixa que favoreça o sucesso de uma narrativa, pois a forma ideal é aquela que deixa
o narrador mais confortável. Porém, a autora lembra que quando o mediador escolhe contar a
história em pé, este precisa atentar-se para sua movimentação, que não deve ser excessiva, pois
poderá causar dispersão nos ouvintes e retirar o encantamento e força do texto.
Sabendo que os gestos, as expressões corporais são tipos de linguagem, possíveis de
leitura e interpretações e a contação de histórias se enriquece com o uso espontâneo e criativo
dessa linguagem (SISTO, 2012), é que problematizamos o uso desses elementos na contação
de histórias no formato virtual. No ambiente digital, o movimento do contador de histórias deve
ser pequeno, diminuto, pois caso contrário extrapolará os limites da tela. Sendo assim, o
narrador deve investir principalmente, nas expressões faciais e gestos pequenos que carreguem
significados e transmitam emoções (BUSATTO, 2013). Feitas essas considerações,
consideramos relevante apresentar de forma sucinta algumas histórias contadas e enfatizadas
pelas educadoras, como experiências exitosas durante os encontros síncronos (Quadro 7).
145

QUADRO 07: Algumas das histórias trabalhadas pelas colaboradoras durante o ensino remoto

HISTÓRIA
AUTOR/A – CONHECENDO UM POUCO A HISTÓRIA
ILUSTRADOR/A
Fogo no céu É uma história curta, que contém repetições e animais
como personagens. A narrativa fala de um fogo estranho
Mary – Eliardo França que ilumina o céu e cai na mata. Este fato coloca em risco
a vida dos animais que lá vivem e que logo começam a
fugir. No final, o fogo no céu é identificado como um balão
que ao cair na mata tem seu fogo apagado e por um dos
animais, que posteriormente o pendura em um lugar e
todos os animais dão vivas à São João.
Palavras, Muitas Palavras O livro apresenta de forma lúdica, palavras que iniciam
com cada letra do alfabeto. As letras do alfabeto são
Ruth Rocha – Raul Fernandes apresentadas para o leitor com rimas e acompanhadas de
ilustrações que complementam o sentido do texto escrito.
Assim, o livro aborda a leitura de uma forma divertida e
prazerosa.
Cadê meu Travesseiro? A história conta de forma envolvente, a aventura de uma
menina chamada Isadora em busca de seu travesseiro. A
Ana Maria Machado narrativa apresenta diversas rimas e ritmos, e cita cantigas
de roda e personagens dos clássicos infantis para
enriquecer a trama protagonizada por Isadora que perdeu o
travesseiro.
Amar o Mar A narrativa é construída por meio de rima e apresenta
diversos animais marinhos citando atitudes que
Jane Prado demonstram amor ao mar (a casa desses seres vivos).
A história fala de uma rã de três olhos que vive em uma
Rã de Três Olhos lagoa, que com o passar do tempo ficou muito poluída e
que para proteger sua pele teve de usar um maiô listrado.
Olga de Dios Inconformada em viver nessa lagoa, decidiu investigar de
onde vem tanta poluição. Ao descobrir, juntou forças com
seus amigos para reverter essa situação até que juntos
conseguiram salvar a lagoa, deixando-a límpida.
Os Três Lobinhos e o Porco A história, de forma divertida, inverte os papéis (mau e
Mau bom) dos personagens da história clássica “Os Três
Porquinhos”, logo, são os lobinhos que tentam se livrar do
Eugente Trivizas – Helen porco mau. Apesar de utilizar elementos semelhantes aos
Oxenbury da narrativa original, inova, por exemplo, nos materiais
para construir e destruir casas fortes. No decorrer da trama,
os lobinhos percebem que não adianta investir na
construção de uma casa forte, pois o porco é muito forte.
Então, resolvem construir uma casa de flores e alcançar um
final surpreendente, onde o porco se torna bom e vai morar
com os lobinhos.
FONTE: construído pela pesquisadora
146

As obras literárias Palavras, Muitas Palavras, Amar o Mar, Cadê meu Travesseiro? e
Rã de Três Olhos, foram trabalhadas pelas professoras Alice e Pollyanna, respectivamente, no
Projeto Literário “Uma viagem pelos gêneros textuais”, que vem sendo realizado pela Escola
Estadual “País das Maravilhas”, desde o ano de 2014, com o objetivo de desenvolver um
trabalho contínuo com a literatura e despertar nos alunos o gosto e o prazer pelos livros. Para
tanto, os professores trabalham durante todo o ano letivo os mais variados gêneros textuais e
selecionam uma história para a turma apresentar na culminância do projeto. Esta, por sua vez,
acontece no final do ano letivo com as apresentações das histórias e com a presença de toda a
comunidade escolar, enaltecendo o trabalho valoroso com a leitura literária realizado pelos
alunos e professores.
Apesar das limitações impostas pela pandemia, pelo ensino remoto, este trabalho não
deixou de acontecer e os alunos continuaram protagonizando as edições do projeto no formato
virtual. Segundo as professoras, os leitores em formação foram convidados a realizar atividades
escritas referente às obras literárias selecionadas para o projeto, bem como, produzir vídeos
contando e recontando outras histórias.
Em virtude da pandemia da COVID-2019, a culminância do projeto nos anos de 2020 e
2021 ocorreu de forma virtual, isto é, por meio do compartilhamento dos vídeos produzidos por
cada turma em plataformas digitais da escola, como YouTube e Facebook. Vale especificarmos
que no ano de 2020, os vídeos foram produzidos coletivamente pelos alunos, mas em espaços
distintos, pois as histórias foram divididas e compartilhadas entre os educandos para que cada
um, em suas residências pudessem gravar sua parte e participar da socialização. Em 2021, como
as aulas já estavam voltando em formato híbrido (aulas presenciais e virtuais) na escola, os
vídeos foram gravados em sala de aula respeitando as recomendações sanitárias.
Destacamos entre os aspectos positivos da culminância do projeto literário na
modalidade remota, a produção dos vídeos de até 5min, visto que, quando se trata de contação
de histórias no formato virtual, um vídeo mais longo pode se tornar cansativo e enfadonho e o
compartilhamento nas redes sociais da escola, pois assim, outras pessoas poderão ter acesso a
momentos de lazer com as histórias e outros professores poderão se inspirar com a experiência
exitosa da instituição. Considerando isso, relatamos a seguir, de forma objetiva, esta vivência
significativa das professoras colaboradoras com a literatura.
Desse modo, iniciamos falando sobre os vídeos das histórias Palavras, Muitas Palavras,
(Figura 04) e Amar o Mar (Figura 05) que marcam a culminância do projeto do ano letivo de
2020 e 2021, respectivamente, e foram gravados pelos alunos do 1º ano e editados pela
professora Alice. A obra literária Palavras, Muitas Palavras foi representada pelos alunos por
147

meio da técnica “simples narrativa (com objetos)” e a partir da utilização de letras do alfabeto
como recurso visual. Segurando a letra do alfabeto que representariam, os leitores mirins
recitavam, ora devagar, ora rápido os fragmentos da narrativa; descobriam o que seria possível
escrever com cada letra; e davam sentido a história descobrindo as infinitas possibilidades de
formar palavras:

FIGURA 04: Prints de tela do vídeo da representação do livro Palavras, Muitas Palavras? pelos
alunos do 1º ano

FONTE: canal do YouTube da Escola Estadual “País das Maravilhas” (2020)

Ao recitarem o que a autora escreveu sobre cada letra, os aprendizes brincavam com as
palavras, seus ritmos e sons, aumentavam o repertório de palavras que iniciam com uma letra
em específico, e descobriam que as letras formam diversos nomes e que estas podem ocupar
diferentes posições na palavra. Acreditamos que a obra de Ruth Rocha, Palavras, muitas
palavras, por conter rimas, torna a hora da narrativa mais lúdica e cativa a atenção dos alunos
que estão adentrando no universo da leitura de forma sistematizada.
A narrativa curta Amar o mar, escrita por Jane Prado, apresenta de forma criativa um
diálogo entre os animais marinhos acerca da preservação do mar. Ao longo da história, os
habitantes deste espaço, sinalizam para o leitor, através de frases compostas por rimas, atitudes
que demonstram amor ao mar.
148

FIGURA 05: Prints de tela do vídeo da representação da história "Amar o Mar" pelos alunos
do 1º ano

FONTE: canal do YouTube da Escola Estadual “País das Maravilhas” (2021)

Amar o mar foi contada coletivamente pelos alunos a partir das técnicas “simples
narrativa e com música”, e teve como recurso, máscaras de animais, que representavam os
animais da história e, sob um pano de fundo simbolizando o mar, os alunos narraram a história,
intercalando as falas uns com os outros de acordo com os personagens. Em seguida, finalizaram
a apresentação cantando “Xote Ecológico” de Luiz Gonzaga, o que consideramos que à medida
que verbalizavam as falas dos animais, implorando por socorro ou alertando o que poderia e o
que não poderia ser feito para manter o mar limpo, os alunos, sem necessidade de maiores
explicações, compreendiam o que poderia ser feito para que a vida neste habitat fosse
preservada.
Julgamos que as edições dos vídeos das duas histórias contadas pela turma do 1º ano,
combinaram harmonicamente a voz dos alunos, o plano de fundo, a música e os sons. Tais
aspectos enriqueceram ainda mais a produção deste material de leitura que se destaca, em nossa
visão, pelo fato dos alunos se apresentarem como os contadores de história que levam
entretenimento, cultura e conhecimento para outros leitores.
Os vídeos das histórias “Cadê meu Travesseiro?” (Figura 06) e “Rã de Três Olhos”
(Figura 07) marcam a culminância do projeto do ano letivo de 2020 e 2021, respectivamente, e
foram gravados pelos alunos do 3º ano, editados pela professora Pollyanna. A história “Cadê
meu travesseiro” possui uma trama envolvente, que gira em torno da aventura de uma garota a
procura de seu travesseiro e foi representado pelos alunos a partir da técnica “simples
149

narrativa”. Apesar de não utilizarem recursos lúdicos para contar a história, os educandos se
apresentaram vestidos com pijama e alguns, seguravam um travesseiro.

FIGURA 06: Prints de tela do vídeo da representação da história "Cadê meu Travesseiro?"
pelos alunos do 3º ano

FONTE: canal do YouTube da Escola Estadual “País das Maravilhas” (2020)

O vídeo da história escrita por Ana Maria Machado foi construído de modo a articular
a voz dos alunos, imagens e fundo musical. Além disso, os estudantes, por serem mais velhos
que os do 1º ano, narraram sua parte da história com entonação de voz, respeitando as pausas e
pontuações e investiram em gestos que enriqueceram ainda mais a narrativa. Ao contarem
histórias como esta, os alunos exercitam a socialização, aprendem a se expressar em público,
adequar a voz às intenções de fala, assim como têm a oportunidade de entrar em contato com
os próprios afetos, pois ao expressar as emoções contidas no texto, ao verbalizar as falas dos
personagens e dar vida as suas personalidades, os mediadores mirins tem os conhecimentos
ampliados e seu psicológico amadurecido, visto que pegam emprestado das histórias, a força,
coragem, sabedoria e esperteza para saírem das situações difíceis em que se encontram
(BUSATTO, 2012).
Contendo uma riqueza de elementos estéticos e literários, a obra literária Rã de Três
Olhos aborda de forma dinâmica e envolvente, as consequências da poluição ambiental na vida
dos seres vivos. A história foi contada pelos alunos a partir da técnica da dramatização, na qual
valoriza-se a linguagem, os gestos e a interpretação dos leitores/narradores:
150

FIGURA 07: Prints de tela do vídeo da representação da história "Rã de Três Olhos" pelos
alunos do 3º ano

FONTE: canal do YouTube da Escola Estadual “País das Maravilhas” (2021)

Os alunos, apropriados do texto escrito, incorporaram os personagens da história e


deram vida à narrativa a partir de acessórios e recursos simples, como máscaras para simbolizar
os animais, pano preto e azul para representar, respectivamente, a lagoa suja e a lagoa limpa,
materiais escolares para compor o cenário da lagoa poluída; e maquete para representar a
fábrica. Além disso, a edição do vídeo contribuiu para melhor representação da lagoa poluída
(bordas laterais com garrafas, latas de refrigerantes e cascas de frutas) e da lagoa limpa (bordas
laterais com águas limpas). O plano de fundo deu um efeito especial no vídeo e colaborou com
a interpretação e construção de sentidos pelos leitores.
Este trabalho realizado pelas professoras durante o ensino remoto, reafirma a
possibilidade da realização de contações de histórias em ambientes digitais. A partir da
representação das histórias em formato de vídeo, os alunos foram convidados a exercer sua
criatividade e imaginação. Tal estratégia possibilitou às educadoras identificar as interpretações
dos alunos em relação a narrativa, pois conforme Souza, Modesto-Silva, Motoyama (2020), ao
representar uma história, o leitor em formação demonstra sua compreensão, visto que antes de
dramatizá-la precisa entendê-la.
Além disso, através da edição dos vídeos, fica perceptível a urgência em propor práticas
que envolvam os multiletramentos na escola, pois alunos e professores, independentemente de
suas idades, entram em contato diariamente com diversas linguagens e por esse motivo,
151

precisam aprender e dominar novas habilidades. Os vídeos editados por Alice e Pollyanna
apresentam uma série de efeitos estéticos (ritmo, fonte, tamanho e cor da letra, cortes de vídeos,
inserção de imagens e músicas, e organização da entrada e saída de um vídeo para outro a fim
de haver sentido na montagem do novo vídeo, já que os alunos os gravaram em momentos e
espaços diferentes) selecionados para compor harmonia e ajudar na construção de sentidos e a
essa multiplicidade de linguagens dar-se o nome de multimodalidade dos textos
contemporâneos (ROJO, 2012). Professores e alunos precisam dominar as práticas de
interpretação e produção de novas linguagens, isto é, os multiletramentos, para só então atribuir-
lhes significados.
A partir das falas das colaboradoras, da contação/proferição das histórias trabalhadas
com os alunos nos encontros síncronos, e das gravações de vídeos, percebemos que a seleção
de histórias feita por Alice e Pollyanna contempla os critérios elencados por Sisto (2012). O
autor destaca a importância de o professor/mediador/narrador considerar a qualidade literária
das obras, isto é, um texto bem escrito, com diálogos ricos capazes de desencadear construção
de significados, mas sem deixar de lado a poesia, o encantamento, o humor, o lúdico, pois isso
pode sensibilizar e tocar internamente o leitor/ouvinte. Sisto (2012) aponta ainda que uma boa
história é aquela que desperta curiosidade e cria expectativa nos leitores e isso foi perceptível
ao longo da pesquisa, à medida que ouvíamos os relatos exitosos das professoras.
Nessa vertente, se contar histórias é uma atitude transdisciplinar (BUSATTO, 2012), as
professoras, ao narrar ou proferir essas obras literárias, abriram espaço para que os alunos, em
contato com a linguagem ficcional, conhecessem diferentes realidades, personagens e
personalidades, falassem sobre assuntos, como festas juninas, meio ambiente, adotassem
atitudes responsáveis e éticas, e sobretudo, interpretassem os conflitos e a trama a partir de suas
vivências, sem a necessidade de chegar em uma interpretação correta, bem como, expressassem
suas opiniões acerca de cada um desses aspectos de forma espontânea.
Ao escolherem trilhar esse caminho da contação e/ou proferição de histórias para
contribuir com a formação leitora dos alunos, as professoras passam a promover, em sua prática
pedagógica, o fazer artístico dos educandos, visto que passam a construir obras criativas
(desenhos, dramatizações, poesias e novas histórias, por exemplo) a partir do que a narrativa
desencadeou dentro de si. Através da contação de uma história, os professores contadores de
histórias, encorajam os leitores em formação a se aventurar pela leitura da obra, a escrever outra
narrativa, a desenhar, dramatizar, enfim a criar novas formas para o que foi ouvido (BEDRAN,
2011).
152

Na realidade do ensino remoto, Alice e Pollyanna incentivaram os alunos a além de


realizar as atividades escritas sobre os textos literários, produzirem vídeos ou áudios recontando
as histórias. Com isso, as professoras instigaram o desenvolvimento da oralidade, dado que,
com esse exercício, os alunos passam a atentar-se ao ritmo, rimas e velocidade das palavras e
perceber que a intenção de fala implica na mudança de entonação de voz e contribuíram para
que os leitores exercessem a criatividade, brincassem com as palavras e seus sons e se sentissem
a vontade para emprestar a voz e o corpo para dar vida a uma história.
Considerando a existência dos desafios, sobretudo, das possibilidades encontradas pelas
educadoras para mediar as histórias no ensino remoto emergencial, solicitamos as professoras
que, se possível, citassem uma das histórias trabalhadas no período pandêmico que mais a
marcaram e justificassem o porquê. No Quadro 08, registramos o relato das colaboradoras, que
justificaram a escolha das histórias, pelo fato das mesmas terem gerado envolvimento dos
alunos e discussões relevantes. Vejamos:

QUADRO 8: Relato das professoras acerca da recepção dos alunos ao ouvirem as histórias nos
encontros síncronos

HISTÓRIA RELATO DAS PROFESSORAS ACERCA DA RECEPÇÃO DOS


ALUNOS AO OUVIREM A HISTÓRIA
101- Pollyanna: Alguns dos alunos despertaram para as diferenças, já
que a rã era diferente. Eles acharam que a gente tinha de respeitar as
diferenças, porque do jeito que a rãzinha é diferente, tem pessoas que
também são diferentes. E eu tenho um aluno que tem baixa visão, aí eles
já foram citando essa diferença do colega de sala. Ele {o estudante com
Rã de Três deficiência} mesmo disse: “tia, eu sou diferente porque eu não consigo
Olhos enxergar direito! Eu sou igual a essa rãzinha! Eu só não tenho um olho
a mais, como ela”! [...] E essa história, a rãzinha de três olhos [...] está
sendo muito especial. Isso porque, está chamando atenção dos alunos
sobre as diferenças, pois estamos vivendo também um momento muito
turbulento sobre essa questão das diferenças e do respeito que não está
mais existindo. As pessoas estão muito raivosas, não estão mais
respeitando umas às outras e a gente tem que procurar trabalhar esses
temas para ver se formamos pessoas melhores. E essa história da rãzinha
foi muito especial por isso.

115- Alice: A partir dessa história do porquinho, a gente falou sobre os


Os três sentimentos, sobre amizade, sobre várias coisas. O porco era mau só
lobinhos e o porque era sozinho e eles {os lobinhos} tentavam se defender usando os
porco mau materiais mais fortes possíveis [...] Eles ficaram encantados por causa
do cheiro… Eu estava usando o livro, pois o tenho em formato físico e a
imagem do porco sentindo o aroma das flores chamou a atenção dos
alunos. Eles acharam interessante. O assunto rendeu bastante, e
acabamos entrando em outros… isso porque às vezes a gente encontra
153

uma pessoa que não é tão boa da vida, é meio ranzinza e às vezes a gente
trata as pessoas da mesma forma, com a mesma frieza.
117- Alice: E a gente acaba se distanciando mais. Ao invés de conseguir
se aproximar, a gente age da mesma forma e acaba sendo igualzinho.
Quando eles (os lobinhos) foram para o outro lado - a doçura - e não
tentaram se afastar ou proteger com coisas difíceis, eles conseguiram
alcançar o porquinho e ficaram amigos dele. Mas foi muito engraçado,
porque os alunos achavam que era outra coisa. Quando a gente começou
a levantar as hipóteses, que eles viram os lobos, eles só achavam que eles
iam ser ruins e que o porco que era o bonzinho, além disso, não
entendiam como esse porco ia ser mau. Então eles ficaram muito
empolgados com a história. E apesar de ser uma história bem longa, com
bastante texto e bem comprida os alunos prestaram atenção do início ao
fim.
FONTE: trechos de enunciados de Pollyanna e Alice – Entrevista coletiva, 2021.

Contar histórias, longe de ser uma imposição ou uma maneira diferente de explicar o
certo e o errado para o aluno, é um momento singular, de encontro com as memórias de um
povo, é uma forma de comunicar sentidos, sentimentos e emoções, é a construção de imagens,
conceitos, personalidades, é a desconstrução do que somos, dos preconceitos, das ideias
prontas; é sobretudo, descobrir o poder da palavra (SISTO, 2012). As professoras, ao levarem
as histórias para a sala de aula virtual, propiciaram aos alunos momentos lúdicos com a
literatura, permitindo-os alimentar a imaginação, se identificar com personagens como o caso
do aluno do 3º ano, que se diz diferente por não conseguir enxergar direito tal como a rã da
narrativa, e se surpreender com situações e personagens como foi a realidade dos alunos do 1º
ano que se não esperavam que a história fosse apresentar os lobinho como os bons e o porco
como o vilão da história.
As duas histórias citadas pelas professoras como experiências marcantes retratam temas
relevantes e que precisam ser problematizados e discutidos em sala de aula. A história
enfatizada por Pollyanna discute sobre problemas ambientais e tem como protagonista uma rã
de três olhos. Apesar da diferença física da rã não ser o enfoque central da narrativa, e sim a
poluição da lagoa, ocasionada pela falta de consciência dos que compõem a fábrica, os alunos
se sensibilizam com a diferença da rã e falam sobre isso, relacionando a personagem ao colega
de sala que possui baixa visão. Envolvidos com a narrativa, os leitores em formação apontam
para a existência de pessoas diferentes e a importância de respeitar a todos e isso leva a
professora a acreditar que histórias como essa, precisam ser mediadas em sala de aula, para que
uma sociedade melhor seja construída.
154

A partir da fala de Pollyanna, observamos que houve identificação com a personagem


da história e seu enredo, tanto por parte do aluno com deficiência, quanto por parte dos colegas.
Amarilha (2013) explica que transitando entre o mundo ficcional e real, o ouvinte/leitor se
identifica com personagens, personalidades e/ou situações da narrativa pelo fato de encontrar
semelhança com suas vivências (realidade dos alunos do 3º ano, que relacionaram a personagem
da história ao colega deficiente) ou por desejar viver o que está posto no texto.
Como a autora, acreditamos que este processo de identificação corrobora com o
desenvolvimento do prazer e preferência por determinado texto literário, visto que os
personagens emprestam ao leitor suas forças e limitações, o que pode ajudá-lo a expandir seu
conhecimento de mundo, superar as dificuldades, respeitar os próprios limites e buscar forças
para superar as adversidades. Concordamos com Abramovich (2004) quando afirma que a
literatura não entrega respostas prontas e objetivas para os questionamentos e dilemas da vida
e não se configura em uma leitura óbvia e restrita a alguns temas.
Ao contrário, a literatura pode abordar um ou vários problemas, porque fala dos
problemas sociais enfrentados na sociedade, das injustiças, da dificuldade de lidar com as
próprias singularidades, enfim fala da vida e das especificidades humanas. As crianças, a
depender da situação que estão atravessando, podem se sentir interessadas em ouvir ou lê
histórias que abordem qualquer assunto e isso deve ser apresentado para elas com verdade,
emoção e clareza, sem omitir ou abordar superficialmente qualquer fato.
Já a história mencionada por Alice aborda uma versão diferente dos três porquinhos e
descontrói a ideia de que os lobos são maus e o porco é bom. Os alunos, por terem a referência
do clássico, no primeiro momento, achavam que os lobos eram os vilões da história e não
entendiam como o porco poderia ser malvado. Com o desenrolar da trama, os leitores são
surpreendidos com as atitudes dos personagens, fato que resultou, segundo a professora, em um
diálogo significativo entre os alunos sobre os sentimentos e a forma de tratar as pessoas.
Os relatos das professoras nos permitem reafirmar o poder da literatura na formação
humana e a sua capacidade de tocar e sensibilizar as pessoas, fato que só é possível porque
mantém estreita relação com a vida, com a realidade em que estamos inseridos. De forma
poética, a literatura humaniza, à medida que nos faz viver e olhar o mundo, o outro e a si mesmo,
despidos de pré-julgamentos. Acreditamos que as histórias tornam-se alimentos para a
imaginação e podem possibilitar a autoidentificação à medida que empresta ao leitor coragem
para enfrentar suas dificuldades e discernimento para aceitar as situações desagradáveis
(COELHO, 2008).
155

Nesse sentido, apresentando histórias como as mencionadas pelas professoras, que


trazem enredos bem construídos, personagens fortes e qualidade estética e literária, a formação
de leitores se torna uma realidade. À medida que as educadoras oportunizam aos alunos
entrarem em contato com o universo fabuloso da literatura através da contação, proferição de
histórias, leitura individual ou compartilhada, os leitores são convidados a transitar pelos livros
e ter autonomia na leitura, tornando-se capazes de interpretar o texto literário, relacioná-lo as
suas vivências, preencher os vazios existentes e emitir opiniões e críticas a partir daquilo que
leram (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
Alice e Pollyanna, apesar das limitações impostas pela pandemia e o ensino remoto,
protagonizaram um trabalho significativo com a literatura, com a contação/proferição de
histórias, dado que reconhecem a função transformadora da leitura na vida dos sujeitos e
rompem com algumas barreiras fazendo com que as histórias chegassem até os alunos por meio
do compartilhamento de vídeos do YouTube, livros digitais, ou pela narração em tempo real nas
aulas síncronas. Vendo as possibilidades que se abriram no âmbito do trabalho com a leitura
literária, a partir do uso das tecnologias, perguntamos as professoras quais dos ensinamentos
deixados por esse contexto atípico que obrigou os professores do mundo inteiro modificar
bruscamente suas práticas e adaptá-las ao formato remoto poderão ser propagados/replicados
nas aulas presenciais. Sobre isso, as professoras afirmam:

125- Alice: O que vai ficar são os aprendizados das tecnologias. Realmente
foram alguns apreendidos: instalar câmera, fazer edição, subir vídeo para o
YouTube. Da aprendizagem das contações, foram: pensar bastante qual a
história é melhor para contar, porque às vezes na leitura diária você pega
várias histórias, às vezes nem sempre, você pensa muito sobre aquela história
quando está na sala de aula. [...] E nos encontros síncronos, como o tempo
era mais reduzido, então tinha de escolher, selecionar bem uma história que
servisse para várias coisas, tanto para entreter, quanto para resolver alguns
assuntos, conteúdos e metodologias.
127- Alice: [...] E outra coisa que deu certo e que talvez a gente mantenha, é
o envio das histórias para o grupo do WhatsApp, se for uma atividade de casa
(Trechos de enunciados de Alice – Entrevista coletiva, 2021).
.

130- Pollyanna: [...] Eu acho que a gente conseguiu chamar atenção de


algumas famílias, não foram todas, para o valor, a importância da educação,
a importância de uma leitura (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista
coletiva, 2021).

Alice menciona a aprendizagem de algumas habilidades apreendidas, como instalar


câmera, gravar e editar vídeos, compartilhar no YouTube e estabelecer critérios para selecionar
156

a história a ser compartilhada no ambiente virtual. Segundo Sisto (2012), para selecionar um
bom texto a ser contado, o professor precisa observar alguns aspectos importantes, isto é, a
história precisa ser bem escrita, possibilitar a adaptação da escrita para a oralidade, durar entre
5min e 10min, não ser didática nem moralista, despertar a curiosidade, interesse e prazer nos
alunos, dentre outros.
A preocupação que a professora passou a ter durante o ensino remoto com a seleção da
história, permitiu ela compreender que, ao mudar o suporte da mediação do texto, modifica-se
também o tempo da narrativa e os recursos e técnicas a serem utilizados para auxiliar o
momento da contação ou proferição de histórias. Não se deve esquecer que a intenção primeira
com que se conta a história deve ser principalmente, a de despertar o gosto e o prazer pela
leitura, o que faz com que os objetivos pedagógicos se tornem secundários e consequência do
primeiro. Outro fator positivo enfatizado por Alice foi o compartilhamento de vídeos de
contação de histórias e de livros no grupo do WhatsApp da turma. Em sua fala, a professora
apresenta perspectiva de continuar com esse envio, o que consideramos muito prudente, visto
que, a partir disso, o acesso a obras literária de forma gratuita passou a ser garantido e os alunos
puderam ampliar seus repertórios de leitura e ter momentos de entretenimento e lazer a partir
dos vídeos de contação de histórias.
Fazendo isso, a educadora contempla alguns dos princípios básicos que poderão nortear
o uso da tecnologia nas práticas pedagógicas, como a integração das TDIC e atividades escritas,
oportunizando os alunos a entrarem em contato com diversas linguagens e tipos de textos, a
variação nos modos de dar aula e de encaminhar atividades, podendo usar o WhatsApp como
uma ferramenta potencializadora de debates a partir da troca de mensagens, áudios e vídeos que
retratem opiniões e defendam pontos de vistas, e a valorização do que a tecnologia tem de
melhor (MORAN, 2000).
Além disso, Pollyanna ressalta que apesar das dificuldades, a escola chegou até as
famílias e conseguiu despertá-las para a relevância da educação e da leitura na formação integral
do ser humano. Muitas famílias passaram a reconhecer o valor da escola e do professor no
desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o pleno exercício da
cidadania, pois com os alunos em casa, foram os pais e/ou responsáveis que tiveram de exercer,
na maioria das vezes, o papel de mediador do conhecimento e o contador de histórias (ALVES,
2020). Para exercer esse novo papel, mesmo temporariamente, a família não estava preparada,
pois mediar o conhecimento de forma sistematizada, ao contrário do que alguns pensam que
basta saber ler, escrever e contar, exige formação, pesquisa, estudo, preparo, conhecimento de
estratégias e tantos outros aspectos.
157

A pandemia da COVID-19, o ensino remoto e a educação são temas que ainda


problematizarão muitas pesquisas que vão desde a formação dos professores até a criação de
políticas públicas reais que contribuam com o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
façam uso das potencialidades das tecnologias e seus artefatos. Não podemos demonizar as
tecnologias, pois há estudos que comprovam sua eficácia na construção do ensino-
aprendizagem de forma colaborativa, dinâmica, interativa e criativa. É necessário estar em
constante processo de aprendizagem e adaptação ao novo, pois, ao invés de criarmos barreiras
para usar as TDIC, criaremos pontes para tornar possível seu uso nas mediações do
conhecimento e da literatura (KENSKI, 1998). Para Silvestre, Nóbrega, Dalla-Bona (2021) o
contexto pandêmico evidencia uma boa oportunidade para o desenvolvimento do letramento
digital, isto é, das habilidades leitoras e escritas por meio de ambientes digitais.
Plataformas e redes sociais como Google Meet e WhatsApp, tornaram possível o contato
dos alunos que não tinham condições financeiras favoráveis de possuir livros físicos em casa,
com histórias a partir das narrativas nos canais do YouTube e dos livros digitais compartilhados
nos grupos de WhatsApp ou outro aplicativo de mensagens. Além disso, destaca a necessidade
de, enquanto professores, nos inserirmos na cultura digital e promover a formação de leitores
através do letramento digital, pois além dos e-books, ambientes bem organizados que integram
linguagem verbal, visual e sonora, bem como jogos e brincadeiras para facilitar a compreensão
e construção de sentidos da história por parte dos usuários, indicam possibilidades de trabalho
com a literatura e consequentemente com o despertar do gosto e prazer pelas histórias.

5.3 TÉCNICAS E RECURSOS LÚDICOS: ALGUMAS SUGESTÕES

A contação de histórias, enquanto recurso lúdico e interativo, constitui-se um caminho


seguro para despertar o gosto e o prazer pelo livro literário, bem como envolver o leitor em
formação com situações conflituosas, personagens, emoções e sentimentos e possibilitar o
exercício da imaginação e criatividade (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
Para que o ato de contar seja significativo tanto para quem conta, quanto para quem escuta, se
faz necessário que o professor/mediador/narrador, além de selecionar um texto rico em
linguagem estética e literária, saiba como apresentar a narrativa aos ouvintes, isto é, como
contar. Afim de enriquecer as práticas de contação de histórias no âmbito da Educação Básica,
explicitamos abaixo, algumas técnicas e recursos que poderão ser utilizados na hora de narrar
uma história, seja em formato presencial ou virtual.
158

Antes disso, vale relembrar que a técnica se refere à estratégia, a forma como se conta
uma história, de modo que articule a performance do narrador e o uso harmonioso da voz e dos
gestos corporais e gestuais. Os recursos configuram-se em acessórios utilizados para
complementar a técnica, isto é, em ferramentas que auxiliam o ato de contar e contribuem para
melhor memorização acerca da sequência da narrativa (SOUZA; MODESTO-SILVA;
MOTOYAMA, 2020). Vejamos o quadro abaixo:

QUADRO 09: Técnicas para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020)

TÉCNICA CARACTERÍSTICAS FORMATO


Simples narrativa Se constitui na técnica mais antiga, visto Presencial e remoto
que a voz, o ritmo, os gestos as
expressões faciais funcionam como
recursos suficientes para propiciar ao
leitor a construção de imagens a partir do
que se escuta. Qualquer história poderá
ser contada por meio desta técnica,
principalmente, aquelas que apontam
para a descrição de lugares, personagens
e objetos, pois assim, o ouvinte/leitor
poderá usar sua imaginação e
criatividade para materializar o que o
narrador, com encantamento, narra.
Narrativa com Esta técnica convida os ouvintes/leitores Presencial ou remoto
interferência para participar como coautores da
história, atribuindo-lhe sentido e
significado e pode ser utilizada de dois
modos: i) os ouvintes participam da
história repetindo algo que é recorrente
no texto, seja a fala de um personagem,
um som ou uma adivinha; ii)5 o narrador
insere questionamentos ao longo da
narração, podendo escolher uma resposta
para ir adicionando detalhes a narrativa
ou simplesmente para conhecer as
percepções dos leitores acerca da
história.
Narrativa por meio Consiste na apresentação da história na Presencial ou remoto
de slides íntegra ou apenas suas ilustrações
originais com o auxílio de um
multimídia (quando realizada no formato

5
Para realizar a narrativa com interferência dos ouvintes a partir de perguntas com a finalidade de acrescentar
detalhes à história, o narrador precisa: i) selecionar um texto curto, para que com o acréscimo esta não fique longa
e dificulte a memorização; ii) combinar antes com os leitores como deve ser a interferência, para que não haja
dispersão ou comentários que descontextualizem a história; e iii) atentar-se para as respostas escolhidas para que
não se priorize apenas um leitor, fazendo com que os outros se sintam excluídos.
159

presencial) ou compartilhamento de tela


(quando realizada no formato remoto por
meio de plataformas de
videoconferências como Google Meet,
Skype, StreamYard, dentre outras). Esta
estratégia permite que o leitor tenha
acesso ao livro em formato digital e
visualize, por exemplo, a composição
das imagens, cores, o que pode
contribuir com a construção de
significados para a história, dado que tais
elementos complementam os sentidos e
a interpretação. Pela limitação do
formato remoto, este modo de contar
histórias se adequa melhor, no entanto, o
professor/mediador poderá utilizá-lo em
uma contação de história presencial,
principalmente, para possibilitar aos
ouvintes o contato com livros literários,
que muitas vezes, a escola não possui.
Narrativa com Consiste em uma estratégia que utiliza Presencial ou remoto
música músicas e/ou sons para, por exemplo,
introduzir a entrada de um personagem
ou uma fala e indicar uma ação. Apesar
de ser uma estratégia que enriquece a
história e atrai a atenção do público por
seu caráter dinâmico, exige do narrador,
estudo, seleção e ensaio do repertório
musical. Este repertório pode ser
constituído de músicas conhecidas ou
autorais, bem como, da adaptação da
própria história cantada. O narrador
poderá utilizar playback ou instrumentos
musicais (reais ou improvisados). Este
modo de compartilhar histórias convida
o público a atentar-se ao ritmo, altura e
timbre da narrativa, visto que, tais
elementos sinalizam as
intencionalidades de cada expressão
realizada.
Narrativa com A história contada a partir dessa técnica Presencial ou remoto
desenhos ganha vida e movimento por meio dos
traços que vão compondo desenhos. O
narrador, enquanto conta a história,
desenha na lousa (física ou virtual), na
cartolina ou outro material disponível,
personagens, lugares, objetos e
sentimentos que melhor representam
cada parte da narrativa. Tal estratégia
pode atrair a atenção do público, dado
160

que o desenho, complementa a história


verbalizada pelo contador, além de
incentivar aos ouvintes a expressar suas
compreensões e preferências acerca da
narrativa através da linguagem do
desenho.
Narrativa com Este modo de contar histórias permite o Presencial ou remoto
objetos narrador usar sua criatividade no
manuseio de objetos na hora da
contação. Tais objetos podem ser
simples e encontrados em casa, além
disso, não precisam necessariamente ter
a forma concreta do que é narrado, mas
criativamente, o contador de histórias
poderá atribuir funções aos objetos
selecionados. Por exemplo, em Rã de
Três Olhos a lagoa poderá ser
representada por uma sacola e os animais
por copos ou palitos de cores diferentes.
Esta técnica abre espaço para que, tanto
o mediador quanto os ouvintes, exerçam
sua capacidade criativa e imaginativa.
Narrativa com A técnica de contação de histórias por Presencial ou remoto
vídeo meio de vídeos passou a ser utilizada de
forma mais recorrente durante o ensino
remoto, no entanto, não impede que em
aulas presenciais, os professores
oportunizem aos alunos contato com
vídeos de outros contadores de histórias.
Os vídeos de histórias gravados,
geralmente articulam voz e/ou imagem
do narrador, escrita, imagens, gifs e/ou
figurinhas, sons e/ou músicas. Tal
articulação torna o vídeo mais interativo
e dinâmico, fato que colabora para
melhor compreensão da história. Nesse
sentido, a narrativa em vídeo oportuniza
maiores acessos às histórias, pois podem
ser compartilhadas em diversos espaços
virtuais, bem como, proporciona aos
leitores o contato com linguagens
diversas (verbal, gestual, audiovisual,
dentre outras), expandido assim, o
conceito de leitura.
FONTE: construído pela pesquisadora com base em Souza; Modesto-Silva; Motoyama (2020)

As técnicas mencionadas acima poderão ser utilizadas pelo professor, tanto em


contações de histórias presenciais quanto virtuais, desde que este faça as adaptações necessárias
161

e planeje com antecedência o momento da narrativa, pois a escolha da técnica só poderá ser
feita após a seleção, leitura e estudo da história, dado que é esta que indicará, na maioria das
vezes, a melhor estratégia a ser utilizada para cativar a atenção do leitor. Assim, uma mesma
história poderá ser contada através de uma ou mais técnicas. Por exemplo, ao usar a narrativa
com desenhos, o professor poderá iniciar a contação de histórias e fazer o primeiro desenho e
convidar os ouvintes para dar continuidade a construção da história fazendo o mesmo. O
mediador estará utilizando também a narrativa com interferência do público.
Ao selecionar e adequar as estratégias para cada história a ser contada, os professores,
de forma criativa e dinâmica, poderão enriquecer as práticas de contação de histórias em sala
de aula, de modo que, os ouvintes sintam-se motivados a ouvir e posteriormente, contar outras
histórias. Assim, como as técnicas, os acessórios também tornam a hora da narrativa mais
atrativa. Nessa perspectiva, sinalizamos no quadro abaixo alguns recursos, suas principais
características e o formato de aula em que poderão ser utilizados, o que não limita a utilização
em apenas uma ou outra modalidade de ensino, pois o professor poderá adaptar cada um à sua
realidade.
O que pontuamos no Quadro 10 são sugestões que consideramos adequadas para cada
formato e que poderão propiciar aos alunos, momentos significativos com o universo da
literatura. Assim, para facilitar a utilização dos recursos sugeridos especificamente para o
formato remoto, indicamos tutoriais6 de linguagem simples e acessível para orientá-los no uso
adequado de cada ferramenta:

QUADRO 10: Recursos para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020)

RECURSO CARACTERÍSTICAS
Objetos e São utilizados para representar personagens e facilitar a compreensão
instrumentos da história. Poderão ser utilizados com seu significado real ou figurativo
diversos e confeccionados ou reutilizados de casa a fim de despertar a
imaginação dos ouvintes.
Se refere a um recurso visual que possibilita maior concentração dos
leitores mirins e pode ser utilizado de três formas: i) a história já
Caixa de história montada em seu entorno e que vai sendo girada/apresentada conforme
a narrativa vai ocorrendo; ii) presença de objetos no interior da caixa,
fazendo com que a história seja construída a partir da retirada dos
elementos da caixa; iii) construção coletiva da história a partir da

6
Tutorial do Kinemaster, disponível em: https://youtu.be/lNRGaX1C90E.
Tutorial do Inshot, disponível em: https://youtu.be/Uo2W2cmXOxs.
Tutorial do Edpuzzle, disponível em: https://youtu.be/cd4_lmJJpJg.
162

retirada de objetos, personagens, imagens, figuras e desenhos de dentro


da caixa. Essa possibilidade permite que os ouvintes usem sua
imaginação, mas ao mesmo tempo, deem continuidade a narrativa de
forma coerente e a partir do elemento retirado.
Fantoches, A maioria desses recursos podem ser confeccionados antes ou durante
Dedoches, a contação de histórias, a depender da habilidade do narrador, para
Palitoches e/ou representar personagens e/ou cenários.
Dobraduras
Máscaras Recurso simples e barato que pode substituir o uso de figurinos
completos.
O Kinemaster e o Inshot são aplicativos gratuitos de edição de vídeos
Kinemaster e que podem ser baixados em smartphones Android e iOS. Esses
Inshot aplicativos possibilitam a inserção de imagens, palavras escritas, gifs,
sons e músicas, bem como, sua articulação com a voz e imagem do
narrador nos vídeos de contação de histórias. Além disso, fornecem
opção de recortar o vídeo e adicionar animações em movimento. Tais
possibilidades fazem com que as histórias gravadas em formato de vídeo
ganhem dinamicidade e movimento.
O Edpuzzle é uma ferramenta digital que possibilita a edição e
modificação de vídeos disponíveis em outras plataformas digitais por
Edpuzzle vários usuários da rede. Além disso, permite inserção de músicas,
narração, questões, comentários e/ou explicações nos vídeos. Essas três
últimas possibilidades podem ser escritas ou em forma de áudios, a
depender da intencionalidade do mediador. Nesse sentido,
consideramos que esta plataforma é um excelente recurso para explorar
os enfoques literários, bem como, as compressões dos leitores acerca
das histórias.
O Jamboard é uma das ferramentas do Google que simula um quadro
branco interativo e pode ser baixada em computadores, tablets e
Jamboard smartphones ou acessada na web. Este recurso permite o narrador
desenhar, escrever, abrir apresentações e compartilhar com os ouvintes,
de modo, que interajam com o mediador e construam saberes. O quadro
digital, possibilita também o arquivamento no drive do Gmail de tudo o
que nele for compartilhado.
FONTE: construído pela pesquisadora com base em Souza; Modesto-Silva; Motoyama (2020)

As sugestões de técnicas e recursos poderão tornar as práticas de contação de histórias


nos espaços escolares ainda mais significativas, pois a escuta de muitas histórias é o início para
a formação de um leitor maduro, capaz de ler, interpretar e ressignificar o texto literário e
consequentemente a realidade em que está inserido. Não se deve esquecer que a essência desta
arte secular se encontra na voz que se disponibiliza a narrar, a dar vida as histórias, ou seja, é a
voz do narrador, seu corpo em movimento e seu prazer em compartilhar a narrativa os
elementos indispensáveis na hora de contar histórias.
Apesar de reconhecermos a importância das formas tradicionais de contar histórias, na
qual a voz se constituía no principal instrumento de quem narrava, acreditamos que com as
163

mudanças ocorridas na sociedade, as estratégias, quando selecionadas adequadamente, poderão


tornar a contação de história em uma prática mais planejada e organizada, evitando improvisos
e interrupções. Ainda mais, os acessórios poderão atuar como dicas extras para aguçar a
imaginação e criatividade dos ouvintes/leitores.
Desse modo, as técnicas e recursos sugeridos nos quadros acima poderão ampliar a
imaginação e criatividade dos professores contadores de histórias. Para que isso não seja visto
como uma imposição, os educadores precisam ouvir seus alunos, conhecer seus anseios,
necessidades e preferências antes e depois da contação de histórias, porque essa escuta atenta e
afetiva do docente, o permitirá identificar nos educandos os conhecimentos prévios ativados,
compreender as articulações feitas entre a história narrada e a realidade experienciada, refletir
sobre os novos sentidos atribuídos à leitura, e possibilitar o alargamento de horizontes dos
leitores em formação (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
A escuta das histórias pode despertar no leitor a imaginação, a curiosidade, a
criatividade e o prazer pela leitura de literatura, e o ato de contar histórias poderá aproximar os
ouvintes do livro enquanto objeto de prazer à medida em que se deseja reviver a narrativa. A
partir da leitura do texto literário narrado é que no quadro abaixo sugerimos histórias que
poderão ser contadas a partir da articulação de algumas técnicas e recursos.

QUADRO 11: Articulação de técnicas e recursos + sugestões de histórias que melhor se


adequam a cada escolha

TÉCNICA (S) RECURSO (S) SUGESTÃO DE HISTÓRIAS


- O Reizinho mandão de Ruth
Simples narrativa Uso harmônico da voz e das Rocha
expressões faciais e corporais - Chapeuzinho Amarelo de Chico
Buarque
- Bom dia todas as cores de Ruth
Rocha
- Menina bonita do laço de fita de
Ana Maria Machado
Narrativa com Edpuzzle - A pequena vendedora de
interferência fósforos de Andersen
- Misturichos de Beatriz
Carvalho e Renata Bueno
- A parte que falta de Shel
Narrativa por meio de Livro digital ou imagens Silverstein
slides originais da história - O livro da família de Todd Parr
- Lápis cor de pele de Daniela de
Brito
- O Pescador, o Anel e o Rei de
Bia Bedran
164

Narrativa com músicas Objetos e instrumentos


- O casamento de Dona Baratinha
diversos de Ana Maria Machado
- A velha a fiar de Sandra Regina
Félix
Narrativa com desenhos Jamboard - João e Maria dos Irmãos Grimm
- A galinha ruiva de Ingrid
Biesemeyer Bellinghausen
- Galo, Galo, não me calo de
Silvia Orthof
- Cadê o docinho que estava
aqui? de Maria Angela Resende
(Caixa de história)
- O monstro das cores de Anna
Narrativa com objetos Caixa de história e Fantoches, Llenas (Fantoche)
Dedoches, Palitoches e/ou - Meus porquinhos de Audrey
Dobraduras Wood (Dedoche)
- Festa no céu de Ângela Lago
(Palitoches)
- A folha de papel que queria ser
um barquinho de Cristina
Teixeira Vicentini (Dobradura)
- A casa sonolenta de Audrey
Narrativa em vídeo Kinemaster e Inshot Wood
- O grande rabanete de Tatiana
Belinky
- Só um minutinho, adaptada por
Ana Maria Machado
FONTE: construído pela pesquisadora

As histórias atuam com diferentes funcionalidades, informam, divertem, denunciam


injustiças, provocam diferentes emoções, ampliam o vocabulário e o conhecimento de mundo,
colaboram com a formação da linguagem culta, dentre outras. Nessa vertente, com as sugestões
de técnicas, recursos e histórias apontadas neste tópico, pretendemos reafirmar a importância
dos alunos entrarem em contato com o universo literário através da escuta de narrativas, pois
assim, mais tarde, poderão tornar-se leitores maduros. Portanto, as práticas de contação de
histórias, quando bem planejadas poderão fazer com que os alunos saiam da condição de
ouvinte de histórias para leitores e mediadores de histórias (SOUZA; MODESTO-SILVA;
MOTOYAMA, 2020). No capítulo a seguir, a fim de concluirmos as discussões, trazemos as
considerações finais deste trabalho.
165

6 PARA TERMINAR: IMPRESSÕES DA PESQUISADORA

A consciência da complexidade nos faz


compreender que não poderemos escapar jamais da
incerteza e que jamais poderemos ter um saber total
[...].
Edgar Morin (1996)

Após percorrermos este processo desafiador e cheio de descobertas que configura a


pesquisa científica, é chegada a hora de apontarmos os resultados alcançados. Não queremos
dizer que são achados incontestáveis, pois ao fazermos a opção pela pesquisa qualitativa,
lidamos com as especificidades humanas e, por esse motivo, temos a consciência de que outras
realidades poderão existir e diferir da que encontramos. Acreditamos que este estudo abre
espaço para que outras pesquisas no âmbito da formação de leitores e da realização de práticas
de contação de histórias mediadas pelas tecnologias digitais, possam surgir.
Apesar das limitações devido ao pouco tempo de trabalho e a ausência da observação
das práticas das colaboradoras (em virtude da pandemia) para conflitar com suas falas, a
presente pesquisa possibilitou reflexões importantes acerca do desenvolvimento de práticas de
contação de histórias nos anos iniciais do Ensino Fundamental durante o ensino remoto,
resultante da excepcionalidade da COVID-19.
Nesta investigação, apontamos o ato de ler e a capacidade de fantasiar como
características implícitas do ser humano (CAVALCANTI, 2002) e a literatura como um direito
básico e uma necessidade universal, ainda que em tempos de pandemia, distanciamento e
isolamento social, pois a arte da palavra, ao falar da vida, empresta força, coragem, esperança
e ousadia para vencermos as batalhas diárias (CANDIDO, 2002).
Apresentamos a contação de histórias como uma prática antiga advinda da tradição oral,
que atravessou o tempo e adaptou-se as mudanças ocorridas na sociedade, conseguindo manter-
se viva até os dias atuais e encantar os mais diversos públicos, facilitando a travessia dos
ouvintes em busca do livro enquanto objeto de prazer e, consequentemente, a formação do gosto
pela leitura (BUSATTO, 2012; 2013; SISTO, 2012; BEDRAN, 2012; BEZERRA, 2020).
À medida que o contador/narrador/mediador atribui movimento, cor e emoção, às
narrativas através da sua voz e do seu corpo, aqueles que ouvem afetiva e efetivamente a
história, são convidados a entrar no mundo do faz-de-conta, identificar-se com personagens e
situações e reviver os sentimentos despertados na hora da narrativa através da leitura da obra
literária.
166

Explicitamos ainda os desafios que envolvem o trabalho com a literatura com auxílio
das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (principalmente partindo da realidade
estruturada nas escolas durante o contexto pandêmico). Apesar de estarmos inseridos na
cibercultura, ainda existem inúmeras limitações que dificultam o uso das ferramentas digitais
no âmbito da educação, como a desigualdade de acesso à internet e aparelhos tecnológicos de
qualidade; deficiência ou ausência de formação inicial e continuada dos professores;
infraestruturas precárias; falta de recursos materiais e humanos nas escolas; resistência de
alguns profissionais para utilizar os recursos digitais no desenvolvimento das práticas
pedagógicas; dentre outros.
No entanto, sinalizamos também as possibilidades encontradas para a efetivação de um
trabalho planejado, intencional e de qualidade a partir do uso das ferramentas tecnológicas,
plataformas digitais e redes sociais, seja no âmbito da leitura, seja no contexto pedagógico como
um todo e a urgência em trabalhar em sala de aula, não apenas no campo teórico, mas sobretudo,
prático, o letramento digital e os multiletramentos (MORAN, 2000; MEDEIROS, 2019; ROJO,
2012; ALVES, 2020). Objetivando investigar o desenvolvimento de práticas de contação de
histórias com vistas a formação de leitores durante o ensino remoto, a partir da visão das
colaboradoras, construímos três categorias de análise a partir dos dados coletados que, por sua
vez, são oriundos dos relatos das professoras do 1º e 3º ano do Ensino Fundamental da Escola
Estadual “País das Maravilhas”, do município de Pau dos Ferros/RN.
Na primeira categoria, importância do trabalho com leitura literária no âmbito da
Educação Básica, chegamos à conclusão de que as professoras colaboradoras compreendem a
leitura em seu sentido amplo, cuja função não se limita a mera decodificação do código escrito
e reconhecem o poder transformador da literatura na formação leitora e humana dos alunos. As
professoras participantes dessa investigação, apontam as práticas de contação de histórias como
um caminho seguro capaz de facilitar a entrada dos educandos no universo simbólico, à medida
que favorece ao leitor em formação, a aproximação do livro literário, formação do gosto pela
leitura, familiaridade com a leitura e escrita de novas palavras e textos, identificação com
personagens e situações, reflexão acerca de temáticas diversas, vivência de sentimentos e
emoções e até mesmo mudança no modo de pensar e agir sobre determinando assunto.
A contação de histórias atua como um elo de comunicação que interliga o passado, o
presente e o futuro e contribui para a formação de leitores. Os dados da pesquisa revelam que
a mediação de histórias durante a pandemia foi indispensável para assegurar aos alunos o direito
do acesso à literatura, bem como oportunizar momentos de lazer e entretenimento, ainda que
em tempos difíceis e de perdas constantes. No entanto, o ato de contar não era uma prática
167

diária e não era realizada apenas com o intuito de despertar o prazer e o gosto pela obra literária,
como acontecia antes no formato presencial. Segundo uma das professoras, devido a limitação
do tempo de aula, as histórias eram selecionadas a partir do conteúdo a ser trabalhado em sala
e, posterior o momento da narrativa, os alunos fariam uma atividade escrita e/ou de reconto em
áudio ou vídeo como uma forma de retorno à escuta da história.
Analisamos a segunda categoria, pandemia, tecnologia e contação de histórias, também
com base nos posicionamentos das participantes. O contexto pandêmico obrigou, de forma
abrupta, educadores do mundo inteiro a adaptar as práticas pedagógicas presenciais ao formato
remoto. No que diz respeito as práticas de contação de histórias, estas tiveram de deixar de ser
presenciais e passaram a ser mediadas por meio de vídeos agregando diversas linguagens
(verbal, não-verbal, audiovisual, gestual, dentre outras). Tal realidade exigiu dos professores
aquisição de instrumentos tecnológicos, estudos e pesquisas para melhor manuseio das
plataformas digitais a serem utilizadas nas aulas síncronas, assíncronas e na edição dos vídeos
das histórias, planejamento mais aguçado a fim de contemplar as diferentes realidades dos
educandos e o uso constante e dinâmico das TDICs.
Considerando isso, os dados revelam que as contações de histórias durante a pandemia
nas duas turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais eram realizadas nas aulas síncronas (as
próprias professoras narravam as histórias na plataforma do Google Meet, abrindo espaço para
o diálogo e exposição de opiniões); b) e assíncronas (por meio do compartilhamento de vídeos
de histórias do YouTube no grupo do WhatsApp).
Porém, para que este trabalho com as narrativas fosse possível na modalidade remota,
muitos foram os desafios enfrentados pelas educadoras, famílias e alunos, tais como a
deficiência na formação das professoras para utilizar com finalidades pedagógicas os recursos
tecnológicos, a baixa participação dos alunos nas aulas síncronas e assíncronas que envolviam
a leitura literária e o obstáculo socioeconômico, que acaba por excluir os alunos mais
vulneráveis dos direitos à tecnologia, à internet de qualidade e à literatura.
Como terceira categoria trouxemos a formação de leitores durante o ensino remoto. As
educadoras que contribuíram com a nossa investigação enunciaram que, apesar das limitações
impostas pelo formato emergencial de ensino e das particularidades socioeconômicas dos
alunos, foi possível desenvolver um trabalho de qualidade com a mediação de histórias. Os
relatos das docentes nos permitem concluir que as possibilidades encontradas -
compartilhamento de vídeos de histórias gravadas pelas próprias professoras ou do YouTube,
encaminhamento de livros digitais no grupo do WhatsApp, contações de histórias em formato
síncrono e vivência do Projeto Literário “Uma viagem pelos gêneros textuais” - para fazer com
168

que as narrativas chegassem até os educandos, possibilitaram a construção de sentidos e a


expressão da criatividade através de atividades de desenho, escrita, reconto e dramatização por
parte dos alunos que participaram assiduamente das aulas.
O fato de as professoras narrarem as histórias usando a entonação de voz, brincarem
com os gestos e movimentos do corpo e convidarem os aprendizes a expor suas opiniões antes
e após a contação de história favoreceu o envolvimento destes, isto é, à medida que
expressavam seus anseios, dúvidas, posicionamentos e críticas acerca do enredo narrado ou
recontavam a história a partir de suas experiências, se sentiram coautores do texto literário.
Os dados indicam que é possível formar leitores a partir da contação de histórias
realizada sob meios digitais, desde que a presença do narrador não seja anulada, pois como
vimos anteriormente, a participação e o envolvimento maior dos alunos com as histórias se
davam na aula síncrona, na qual existia a interação simultânea do mediador e dos
ouvintes/leitores. Apesar das mudanças sofridas por esta arte secular, a presença do contador
de histórias torna-se indispensável, dado que é este quem atribui movimento e cor à obra
literária. No contexto educacional, o professor é este sujeito que atua como principal mediador
entre a leitura e os alunos, devendo construir, a partir de suas experiências literárias, um espaço
para que o contato com o universo simbólico seja uma prática diária, sistematizada, intencional
e prazerosa.
Tais constatações revelam que a contação de histórias contribui satisfatoriamente com
a formação do gosto e prazer pela leitura, que a maioria dos professores, durante o ensino
remoto, atuaram na linha de frente em combate à desvalorização docente, para garantir o
mínimo de qualidade educacional aos alunos e amenizar as desigualdades existentes na
sociedade, assim como tornaram-se os principais agentes de leitura do país, ao passo que se
preocuparam em criar ambientes de leitura, compartilhar vídeos de contação de histórias e
realizar projetos literários, tornando os educandos, protagonistas do processo de formação e
autoformação de leitores e mediadores de histórias.
É possível desenvolver práticas de contação de histórias e habilidades leitoras por meio
da tecnologia e ambientes digitais, isso porque há a possibilidade de compartilhar livros
virtuais, promover o contato com diferentes linguagens e encorajar professores, alunos e
familiares a produzirem vídeos e/ou áudios contando e recontando histórias.
Levando em consideração o objeto de estudo, os sujeitos e espaço da pesquisa e os
procedimentos metodológicos adotados neste percurso investigativo, acreditamos que
conseguimos responder a questão-problema e alcançar os objetivos previamente estabelecidos.
Os resultados foram satisfatórios, uma vez que os apontamentos feitos permitiram refletir sobre
169

a frequência e intencionalidade com que a contação de histórias estava sendo realizada durante
o ensino emergencial, compreender como se dava a participação dos alunos nos momentos de
narrativa e identificar os desafios e possibilidades encontradas pelas educadoras para mediar o
contato dos aprendizes com as histórias.
Com este trabalho, esperamos ampliar as discussões que envolvem a contação de
histórias e contribuir com os debates que giram em torno da arte de contar durante a
excepcionalidade da pandemia da COVID-19, visto que nossa dissertação configura-se uma das
primeiras pesquisas realizadas sobre o desenvolvimento de práticas de contação de histórias em
turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, envolvendo o contexto do ensino remoto.
Desejamos ainda que este estudo contribua com a construção de conceitos teóricos, que vão do
planejamento ao momento pós narrativa, acerca da contação de histórias por parte dos
professores e ampliação de saberes práticos a partir das sugestões de técnicas, recursos e
histórias. Uma história bem planejada e contada não termina quando o narrador acaba de contá-
la, mas permanece viva na mente de quem escuta, tornando-se alimento para a imaginação.
170

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171

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202
175

APÊNDICE A

CARTA DE ANUÊNCIA

Eu,__________________________________________________________________,
(CPF ou matrícula):____________________, representante legal da _____________________
_______________________________________________________, localizada no endereço:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
venho através deste documento, conceder a anuência para a realização da pesquisa intitulada
provisoriamente: “Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar de professores
sobre a arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”, sob a orientação da Profa.
Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha, vinculada a Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (UERN) a ser realizada no(s) local(is) Google Meet.
Esta instituição está ciente de suas responsabilidades, como instituição coparticipante
do presente projeto de pesquisa e de seu cumprimento no resguardo da segurança e bem estar
dos participantes de pesquisa nela recrutados, dispondo de infraestrutura necessária para a
garantia de tal segurança e bem estar.
Ciente dos objetivos, métodos e técnicas que serão usados nesta pesquisa, concordo em
fornecer todos os subsídios para seu desenvolvimento, desde que seja assegurado o que segue
abaixo:
1) Zelo pelos aspectos éticos;
2) A garantia do participante em solicitar e receber esclarecimentos antes, durante e depois do
desenvolvimento da pesquisa;
3) Liberdade do participante de retirar a anuência a qualquer momento da pesquisa sem
penalidade ou prejuízos.

____________________________________, ____/____/____

_________________________________
Assinatura e Carimbo do responsável preferencialmente.
Na inexistência do carimbo, Portaria de nomeação da função ou CPF.
176

APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE


Esclarecimentos
Prezada professora, este é um convite para você participar da pesquisa intitulada
provisoriamente por: “Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar de
professores sobre a arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias” coordenada pela
Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha. Sua participação é voluntária, o que significa
que você poderá desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento sem que isso lhe
traga nenhum prejuízo ou penalidade.
Caso decida aceitar o convite, você será submetida ao seguinte procedimento:
preenchimento de um questionário, realização de uma entrevista coletiva e participação em
oficinas temáticas (quantidade de oficinas a ser definida) cuja responsabilidade de aplicação é
de Aparecida Suiane Batista Estevam, aluna do Mestrado Acadêmico em Ensino do Programa
de Pós Graduação em Ensino (PPGE), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF). As informações coletadas serão
organizadas em banco de dados em programa estatístico e analisadas a partir de técnicas de
estatística descritiva e inferencial.
Essa pesquisa tem como objetivo geral: “Investigar as práticas de contação de história
com vistas a formação de leitores no Ensino Fundamental – Anos Iniciais de uma escola
pública do município de Pau dos Ferros/RN durante o ensino remoto”.
O benefício desta pesquisa é contribuir através da investigação teórica e empírica, o
processo de formação de leitores a partir da contação de histórias durante o ensino remoto, além
de vislumbrar a construção de um material prático (cartilha) e o desenvolvimento de oficinas
para enriquecer ainda mais as práticas de contação no período pandêmico.
Os riscos mínimos que o participante da pesquisa estará exposto são de são de
divulgação do nome, idade e do local onde estuda. Esses riscos serão minimizados mediante:
Garantia do anonimato/privacidade do participante na pesquisa, onde não será preciso colocar
o nome do mesmo; Para manter o sigilo e o respeito ao participante da pesquisa, apenas a
discente Aparecida Suiane Batista Estevam aplicará o questionário e realizará a entrevista e
somente a discente Aparecida Suiane Batista Estevam e a pesquisadora responsável poderão
manusear e guardar os questionários e os arquivos de gravações da entrevista; Sigilo das
informações por ocasião da publicação dos resultados, visto que não será divulgado dado que
identifique o participante; Garantia que o participante se sinta a vontade para responder aos
questionários, participar da entrevista e das oficinas e anuência das Instituições de ensino para
a realização da pesquisa.
Os dados coletados serão, ao final da pesquisa, armazenados em pendrive e caixa
arquivo, guardada por no mínimo cinco anos sob a responsabilidade da pesquisadora
responsável, a fim de garantir a confidencialidade, a privacidade e a segurança das informações
coletadas, e a divulgação dos resultados será feita de forma a não identificar os participantes e
o responsável.
Você ficará com uma via original deste TCLE e toda a dúvida que você tiver a respeito
desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para a pesquisadora Aparecida Suiane Batista
Estevam, aluna do Mestrado Acadêmico em Ensino do Programa de Pós Graduação em Ensino
(PPGE), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus Avançado de
Pau dos Ferros (CAPF), no endereço BR 405, S/N, KM 3, Arizona, 59900-000 – Pau dos Ferros
– RN. Tel.(84) 99625-3433.
Se para o participante houver gasto de qualquer natureza, em virtude da sua participação
nesse estudo, é garantido o direito a indenização (Res. 466/12 II.7) – cobertura material para
177

reparar dano – e/ou ressarcimento (Res. 466/12 II.21) – compensação material, exclusivamente
de despesas do participante e seus acompanhantes, quando necessário, tais como transporte e
alimentação – sob a responsabilidade da pesquisadora Aparecida Suiane Batista Estevam.
Não será efetuada nenhuma forma de gratificação por sua participação. Os dados
coletados farão parte do nosso trabalho, podendo ser divulgados em eventos científicos e
publicados em revistas nacionais ou internacionais. A pesquisadora estará à disposição para
qualquer esclarecimento durante todo o processo de desenvolvimento deste estudo. Após todas
essas informações, agradeço antecipadamente sua atenção e colaboração.
Consentimento Livre
Concordo em participar desta pesquisa “Contação de histórias durante o ensino remoto: o
olhar de professores sobre a arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”.
Declarando, para os devidos fins, que fui devidamente esclarecido quanto aos objetivos da
pesquisa, aos procedimentos aos quais serei submetida e dos possíveis riscos que possam advir
de tal participação. Foram garantidos a mim esclarecimentos que venham a solicitar durante a
pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que minha
desistência implique em qualquer prejuízo a minha pessoa ou a minha família. Autorizo assim,
a publicação dos dados da pesquisa, a qual me garante o anonimato e o sigilo dos dados
referentes à minha identificação.
Pau dos Ferros/RN, ______/_______/_______.

______________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora

_______________________________________________________________
Assinatura do (a) participante/colaborador (a)

Aparecida Suiane Batista Estevam (Aluna-Pesquisadora) – Aluna do Mestrado Acadêmico em Ensino do


Programa de Pós Graduação em Ensino (PPGE), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF), no endereço BR 405, KM 3, Arizona, Bairro, 59900-000 – Pau dos
Ferros – RN. Tel. (84) 99625-3433. E-mail: suianebatista@gmail.com

Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (Orientadora da pesquisa) – Professora do Mestrado
Acadêmico em Ensino do Programa de Pós Graduação em Ensino (PPGE), da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN), Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF), no endereço BR 405, KM 3, Arizona,
Bairro, 59900-000 – Pau dos Ferros – RN. Tel. (84) 99616-9256. E-mail: dianalsaldanha@yahoo.com.br
178

APÊNDICE C

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE ÁUDIO

Eu, _________________________________________________________________, depois


de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da
pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade da gravação de áudio produzido por mim,
AUTORIZO, através do presente termo, a pesquisadora Aparecida Suiane Batista Estevam e a
orientadora Diana Maria Leite Lopes Saldanha da pesquisa intitulada “Contação de histórias
durante o ensino remoto: o olhar de professoras sobre a arte de contar e encantar mediada
pelas tecnologias” a realizar captação de áudios que se façam necessários sem quaisquer ônus
financeiros a nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destes áudios (suas respectivas cópias) para fins científicos
e de estudos (livros, artigos, monografias, TCC’s, dissertações ou teses, além de slides e
transparências), em favor dos pesquisadores da pesquisa, acima especificados.

Pau dos Ferros/RN, ______/_______/_______.

___________________________________________________
Assinatura do (a) participante/colaborador (a)

___________________________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável
179

APÊNDICE D

QUESTIONÁRIO ONLINE
180
181
182
183

APÊNDICE E

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA COLETIVA

1- No questionário aplicado anteriormente, vocês responderam que durante o ensino


remoto proporcionaram aos alunos o contato com a contação de histórias, dessa forma,
gostaríamos que falassem um pouco sobre a importância dessa prática para a formação
leitora dos alunos.
2- Quais os impactos da pandemia no planejamento e desenvolvimento de práticas de
contação de histórias com vistas a formação de leitores? O que mudou?
3- Vocês produziram algum material para mediação da leitura de literatura durante o
ensino remoto? Qual/quais?
4- Como e com qual frequência e intencionalidade a contação de história foi realizada
durante o ensino remoto?
5- Como se deu a participação dos alunos nesses momentos de contação de histórias?
6- Quais atividades foram desenvolvidas para aproximar os alunos do universo literário?
Quais dessas atividades, vocês consideram que houve mais participação e envolvimento
por parte dos alunos? Como vocês avaliam essa participação dos alunos?
7- Quais foram as principais dificuldades encontradas por vocês para o desenvolvimento
das práticas de contação de histórias durante o ensino remoto emergencial?
8- Houve alguma capacitação – oficina, minicurso, palestra, curso de curta duração – para
a adaptação do ensino presencial para a modalidade remota? Comentem sobre.
9- Relatem sobre os desafios e possibilidades com a mediação de histórias durante a
pandemia da COVID-19. Se puderem, citem alguma contação de história realizada
nesse ensino remoto que as marcaram e justifiquem o porquê.
184

APÊNDICE F

TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COLETIVA

Data: 22/10/2021
Participantes: Entrevistadora, Alice e Pollyanna.
Legenda:
... = Qualquer pausa
(...) = Fala inaudível, trecho repetido ou descontextualizado
{ } = Explicação para ampliar a compreensão do contexto

1. Entrevistadora: Boa noite. Vamos iniciar hoje, 22 de outubro de 2021, a nossa entrevista coletiva.
Então, no questionário aplicado e preenchido anteriormente com/por vocês, todas colocaram que
durante o ensino remoto, proporcionaram aos alunos o contato com a contação de histórias. Dessa
forma, gostaríamos que vocês falassem um pouco sobre a importância dessa prática para a formação
leitora. Ou seja, por que é importante contar histórias?

2. Alice: (...) Bem, a minha turma é o 1º ano e assim, eu acho importante a participação deles e o contato
com várias histórias. Como a gente estava no remoto, nem sempre foi a gente fazendo a contação na
aula devido ao tempo limitado, pois a gente só tinha 1h de Meet, e como os alunos usavam no celular,
muitos descarregavam. Às vezes eu não realizava a leitura no dia, mas sempre colocava ou um vídeo
do YouTube, ou outra forma de contação. Também disponibilizava os livros em PDF para eles
fazerem a leitura e terem acesso a esse material em casa. E porque como eles estão descobrindo as
letras ainda, estão nesse processo de escrita e de leitura, começando…, os livros é quem dão uma
chavinha do interesse de ler, realmente. Você vai vendo os livros, as imagens, o pessoal contando,
ou assistindo desenho, ou outra pessoa contando. Eu quando contei, o BALE participou também de
uma contação, contando a Chapeuzinho Vermelho. Aí dá aquela vontade. Eles sempre querem aquele
livro que a gente faz a contação, eles sempre querem levar para casa, pelo menos quando a gente
estava no presencial. É motivador, quando você conta a história eles querem recontar e querem dar
a opinião deles. Sempre tem um caso parecido de alguma coisa. Hoje mesmo, na aula presencial, foi
“Meu bicho de estimação”{a história}, aí cada um queria falar o bicho que tinha, o que achava que
ia ter e falavam sobre o que estava acontecendo na história. É motivador, eles ficam com vontade de
ir lá pegar o livro e tentar fazer a leitura, descobrir. E a gente também faz a leitura visual primeiro,
antes de tudo. A gente lê as imagens, percebe o que a história está dizendo, o que a capa está tentando
transmitir. Acho que é isso, esse processo do porque que a gente trabalha muito os livros em sala,
porque realmente é muito motivador, é muito chamativo, o livro.

3. Pollyanna: Eu acredito também, Alice, que a história tanto lida, quanto contada, leva eles {os
alunos} ao imaginário, a descobrir, a construir. Você sabe que o mundo infantil é um mundo cheio
de fantasias. (...) No meu planejamento diário eu já tenho uma história, eu não sou boa contadora de
história. Eu digo sempre: Kalina é ótima! Eu adoro as histórias de Kalina! É tanto que no período
185

remoto, Kalina ainda contou história na minha turma, porque eu não sou boa contadora, mas eu gosto
de ler, inventar, eu acrescento o que não tem no livro, eu invento falas. Eu acredito muito no poder
da leitura (...) Eu lembro de uma fala de Maura, em que ela diz que naquela época que ela era
professora já era muito difícil a leitura, porque as pessoas não tinham muito acesso aos livros. E ela
disse que todos os alunos dela que gostavam de ler se sucederam na vida. Eu acredito muito nisso!
Eu acredito que a leitura, que se você aprender a gostar de ler, você vai superar todas as outras
dificuldades. Por isso que eu gosto de incentivar. Hoje na nossa aula, lá no livro de português, tinha
uma história (...) o título era “Mãe conta para mim”. Aí a mãe foi contar para criança e depois a
criança transformou a história da Cinderela e trouxe para realidade e disse que a Cinderela não teve
essa história de fada madrinha não, ela foi lá e deu uma “chegada” no velho pai dela e ela comprou
aqueles vestidos bonitos, que ela namorou com príncipe e não casou porque o príncipe era muito
mandão e ela não aceitou. Foi bem interessante! Eles adoraram essa história! É tanto que a aula de
amanhã, amanhã a gente tem aula, sábado letivo, e eu vou pedir para eles fazerem uma produção,
contar uma história, inventarem uma história. Vou mandar o passo-a-passo para eles produzirem uma
história. Eles amaram a história da Cinderela nos tempos reais. Então eu acho isso, a leitura é
fantástica, ela transforma vidas.

4. Entrevistadora: E sabendo desse desafio que é o ensino remoto, o que foi impactado da pandemia
no planejamento e no desenvolvimento dessas práticas de contação de histórias com vistas à
formação de leitores? (...) Mudou alguma coisa? O que mudou?

5. Alice: Bem, como eu já disse, o que impactou foi isso: o tempo limitado. (...) A gente... realizava as
atividades no grupo pelo WhatsApp... e orientava as atividades lá. Tinha um grupo [de alunos] que
participava das aulas síncronas também aqui no Meet. Só que no Meet a gente tinha um tempo
limitado, porque eles são de um nível social baixo, carentes alguns... Só tinha um aluno que usava
computador para assistir a aula, todos os outros usavam o celular. Então o celular descarrega, não
consegue passar muitas horas. Eu já consegui dar aula até 1h40min, dependendo de algumas
atividades, da necessidade. Mas era sempre já no sufoco: “tia meu celular está descarregando” (...)
As leituras deleite que eu sempre realizo em sala, que voltamos agora no presencial, todo dia, ficaram
um pouco restritas para ou um dia na semana, no máximo dois com a participação da biblioteca
também, porque ou eu focava mais na leitura, pois isso leva um tempo para discutir, ver o que que
eles acham que vai acontecer na leitura, fazer a contação, depois retomar o que foi lido, o que eles
acharam. Então leva um tempo e esse tempo às vezes é um tempo grande, uns 40 minutos numa aula
online já era bastante tempo. Aí para ter uma outra atividade, com outra coisa, por exemplo, uma
outra disciplina, outro conteúdo mais estruturado de outra coisa já ia afetar, digamos assim. Porque
eu já ia ter que ter um tempo para explicar lá e eles ficavam perguntando “tia e a aula não vai começar
não”? Na cabeça deles, a aula só começava quando eles começavam a fazer a atividade, a responder.
Mas aí eu ia tentar dizer “mas a gente já está na aula, a gente já está discutindo, conversando, isso já
é aula” (...) Aí impactou um pouco nisso, de não ter essa frequência diária, porque a gente tinha aula
diária, todos os dias, não 4 dias na semana, um com a professora do rotativo. Aí não tinha história
todo dia, mas quando não tinha história, eu sempre colocava um vídeo relacionado, também para as
pessoas que não assistiram a aula, para terem esse contato com alguma história relacionada com
algum conteúdo. Uma história que desse certo para eles assistirem e sempre com uma atividade
relacionada à interpretação, uma ficha de leitura também com essa característica. Que acabava, que
na aula presencial não tem esse fator cobrança, uma leitura deleite que é só para a gente conhecer a
história e discutir, sem uma avaliação sobre. Mas, como a gente tinha um tempo limitado de
atividades, ela acabava sendo uma leitura mais com a finalidade de aprendizado, que tem uma
186

atividade de retorno para mim, no caso. E aí acabava ficando assim, um pouco mais voltado para
dentro do conteúdo, para usar como uma ferramenta, como uma metodologia dentro do que eu estava
trabalhando durante o ano. Acho que foi mais isso, a mudança de não ter a leitura só por leitura. E
como os meus são muito pequenos, (...) é uma carga muito grande para eles entenderem. Leva um
tempo. Diferente dos alunos de Pollyanna do 3º ano [do Ensino Fundamental], eles já conseguem
entender que tem aquele momento da leitura, mas é só um momento de prazer, de estar ali lendo com
a professora e depois a gente vai para atividade, para o conteúdo do dia. Os meus não, para ter esta
diferença leva um tempo na escola, leva uns anos. Eles ainda têm essa dificuldade de separação.
Acho que foi isso que eu trabalhei, dessa forma…

6. Pollyanna: O que eu achei que atrapalhou muito foi o acesso porque... a minha turma tinha 28 alunos.

7. Alice: A participação era bem pouca, realmente.

8. Pollyanna: Transferiram-se dois agora aqui para o Encanto, mas tinha dias que participava 5, até 8.
Quer dizer para eles terem acesso às histórias… todo dia tinha história…

9. Alice: Mas nem todo dia dá para a gente postar, não acha um vídeo que conta aquela história.

10. Pollyanna: É! Aí tem aqueles links que tem as histórias em PDF. Eu sempre mandava a história
para ver se eles liam, se alguém lia. Eu pedia “se não souberem, peçam para alguém ler”. Por que?
Porque eu achava que eles tinham que ter. Porque vocês vejam que de 28, participavam 8. E os 20?
Eu acredito que essa foi uma das maiores dificuldades que impactou nesse período da pandemia,
porque a gente consegue ver que os que participavam eles estão muito bem, estão no nível mesmo
do 3º ano, em todos os sentidos. (...) O acesso foi muito restrito às histórias por causa da participação
e do tempo também, porque... quando chegava em 40 minutos, “tia falta muito? Já está
descarregando”! Era muito difícil!

11. Pesquisadora: E o planejamento? Como foi colocar a contação de histórias, a leitura dentro desse
planejamento, com esse tempo limitado? Vocês mencionaram também o YouTube, que sempre
pegavam um vídeo lá e que compartilhavam livros, como era a análise desse material para fazer a
postagem no WhatsApp e para compartilhar com os alunos no próprio momento da aula síncrona, já
que o Meet permite esse compartilhamento em tela? Como foi que vocês fizeram esse planejamento?
(...)

12. Alice: Pronto, do planejamento mesmo, a gente sempre tinha um dia que era da nossa bibliotecária…
(...) Ela sempre procurava histórias dentro das temáticas que ela queria trabalhar, dos projetos que
ela fazia e nos enviava com antecedência e em cima disso, a gente fazia o nosso planejamento. Né
isso, Pollyanna?

13. Pollyanna: Isso!


187

14. Alice: Alguma atividade, planejava. Enviava algum dos vídeos, ou não. Ela sempre procurava ter o
livro em PDF. Quando a gente achava, a gente compartilhava. E o meu planejamento da semana, por
exemplo, eu olhava os conteúdos que eu ia trabalhar, os assuntos que ia trabalhando e dentro daquilo
ali, eu procurava alguma história relacionada… Pronto, eu trabalhei um período, as fábulas. Aí
procurei várias histórias que eram contações de fábulas e selecionei algumas para ir postando durante
o mês que eu trabalhei. A gente também está com um projeto de leitura, o meu {livro} é “amar o
mar” de Jane Prado. Então, também procurei algumas histórias relacionadas ao mar, a animais
marinhos para trabalhar dentro dos dias. Aí era dessa forma, planejava de acordo com os conteúdos
que a gente ia trabalhando e ia tentando anexar e buscar algumas histórias relacionadas a eles. Porque
como eu disse, o tempo era muito restrito e não dava para sempre ter histórias só por deleite mesmo.
Então eram mais relacionados aos conteúdos para ganhar tempo, para dar uma dinamizada nas aulas.

15. Pollyanna: Para complementar, né Alice?

16. Alice: Realmente! Para tornar mais interessante, né Pollyanna?

17. Pollyanna: Pronto, era exatamente isso. Eu sempre procurava alguma história porque o YouTube
hoje está muito bom né?

18. Alice: Tem vários canais de contação.

19. Pollyanna: Se você quiser trabalhar… Pense como foi um auxílio nota 10. (...) Por exemplo, quando
eu fui trabalhar às Comunidades Quilombolas em geografia, consegui um livro sobre o pequeno
Zumbi que complementava aquele assunto que eu estava trabalhando. Os índios… Todos os temas
que a gente ia trabalhar…

20. Alice: Tinha uma história.

21. Pollyanna: (...) Sempre tinha uma história lá para complementar. O YouTube foi uma “mão na
roda”, como se diz, para nos auxiliar. Quem queria pesquisar ia lá encontrava e foi muito bom e
complementou de verdade mesmo, no planejamento da gente.

22. Alice: A pandemia trouxe algumas coisas boas. Os canais de algumas professoras cresceram
bastante durante a pandemia, assim como o compartilhamento de atividades, de estratégias, das
contações também. (...) Auxiliaram bastante nesse período, ainda estão auxiliando porque a gente
ainda está com aluno remoto, então a gente ainda está fazendo uso dessas estratégias.

23. (...)

24. Entrevistadora: Além dos vídeos do YouTube, dos livros digitais, da plataforma do WhatsApp,
vocês conseguiram produzir algum material de mediação de leitura que oportunizou o contato dos
alunos com as histórias? Se sim, qual (is) material (is) vocês conseguiram criar?
188

25. Alice: A gente tem o projeto de leitura e ano passado eu fiz uma sequência didática trabalhando o
livro… (...) que é uma sequência de poemas, na sequência alfabética de Ruth Rocha. Então foram
feitas algumas atividades.

26. Pollyanna: Palavras entre palavras, era?

27. Alice: Era! E nesse agora, desse ano, já fiz algumas atividades que foram encaminhadas para serem
impressas, mas eu ainda não fiz nada para o presencial. Estamos para desenvolver, porque a gente
deu uma atrasadinha no processo. Porque ficou muito tumultuado esse retorno, mas eu acho que ficou
limitado, muito mesmo, aos livros. Para produzir material, porque tinha a distância da escola e para
eles {os alunos} irem buscar, ficava muito ruim na dinâmica de pegar, na distribuição mesmo de
fazer. E vídeos de contação, tiveram algumas {contações de histórias} que eu anexei aos vídeos que
eu subi no YouTube no meu canal, também dentro das aulas gravadas, visto que tivemos mais aulas
gravadas ano passado, né Pollyanna?

28. Pollyanna: Era

29. Alice: A gente estava mais com aulas assíncronas, de certa forma, que eram atividades 3 dias por
semana e esse ano foram mais aulas online. Então, teve mais gravação ano passado. Eu ainda fiz
algumas gravações esse ano {de 2021}, mas eu acho que só teve uma ou duas histórias que eu contei,
que eu gravei, que eu guardei. Eu não sei nem se é uma contação, porque tem os termos corretos -
quando a gente não está contando com o livro é que é contação e quando a gente está com o livro é
uma leitura compartilhada. Então foi mais uma leitura compartilhada que eu contei as imagens do
livro, mas ficou meio assim, entre essas duas coisas. (risos) E de produção mesmo, teve os vídeos do
projeto literário que ficaram no YouTube da escola, das cinco turmas, que foram produzidos ano
passado. Esse ano a gente ainda está vendo, se esse ano vai ser gravado ou mostrado internamente
para as turmas… Pollyanna, produziu alguma coisa?

30. Pollyanna: É, não... é igual ao seu! No ano passado, o livro do meu projeto era “Cadê meu
travesseiro”? A gente foi produzindo alguma coisa relacionada. Até Eliene [...] fez um áudio
contando, acredita? Que Eliene é muito tímida. Mas é assim, o que a gente conseguiu produzir foi o
quê? Foram vídeos com contações. Porque como você sabe, as dificuldades que a gente tem enquanto
professor de escola pública né, nessa produção de material? É limitado e nesse período de pandemia
o que a gente conseguiu foi tudo do nosso bolso. Aí como não é muita coisa, muito dinheiro… Eu
tiro por mim que não é muita coisa. (risos) A gente não consegue produzir como a gente gostaria,
mas a gente vai fazendo o que pode.

31. Entrevistadora: No caso, os vídeos que vocês produziram estão no canal do YouTube de vocês e
da escola?

32. Alice: No da escola!

33. Entrevistadora: É público né?


189

34. Alice: Palavras muitas palavras de Ruth Rocha, meu livro. {A colaboradora lembrou o nome do
livro trabalhado por sua turma no projeto de leitura, mencionado anteriormente por ela e citou nesse
momento}.

35. O nome do canal da escola é “Escola João Escolástico”.

36. Entrevistadora: O acesso é público né isso? Então a gente pode estar tendo acesso ao material para
ver e compartilhar os vídeos de vocês... Então, vocês já falaram como, com qual frequência - no
remoto essa frequência ela deixou de ser diária, para ser mais uma vez na semana - e a
intencionalidade com que trabalham a leitura literária - que não foi por total deleite em virtude desse
pouco tempo, que vocês colocam, e unindo a literatura a questão das aprendizagens, do
desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos. Em relação à participação dos alunos
nessas atividades síncronas e assíncronas, que é o que vocês desenvolviam e que vocês mencionaram
lá no questionário, que tinham aulas síncronas e assíncronas, como era a participação das crianças,
dos alunos, nesses momentos de contação de histórias? Eles conseguiram interagir? Eles
conseguiram se expressar? Como era que acontecia de fato, esse envolvimento deles?

(...)

37. Pollyanna: Eu acho que no meu caso era pouco {envolvimento}. Eu já falei para você que a
participação não era muito frequente, muito boa. Mas era assim, a gente pedia vídeos para eles
produzirem. Quando a gente saísse do síncrono e fosse para o assíncrono, eles produzissem vídeos.
Quem não quisesse produzir vídeo, produzisse áudios recontando as histórias. E não tinha uma
frequência muito boa não. Dos 28 {alunos}, tinha uns 12 que me davam retorno. Era muito difícil.
(...) A gente vê pelas dificuldades que estamos enfrentando agora, com essa volta presencial.
Exatamente porque eles não deram, a família, eu digo muito a família, porque a criança só vai se a
família incentivar. A família não estava dando muita importância! Porque também tem muita gente
que acha que história é perda de tempo. Eu já vi muita gente dizer. Eu já vi professor dizer que
história é perda de tempo… Era isso que acontecia. A gente tentava, mas a interação não era muito
boa não…

38. Alice: (...) Meus alunos são 25, e normalmente a média {de participação} era de 7, 8 nos encontros
síncronos. Nos encontros síncronos todos se envolviam com a contação, com as perguntas antes, as
hipóteses faziam bastante, e durante a contação eles também interagiam. E depois, também davam
retorno de terem entendido a história. Mas já as atividades, as devolutivas do grupo todo, eram bem
poucas as respostas. (...) Eu sentia que no dia que era atividade mais voltada para o livro literário,
caía a devolutiva. Aí quando eu falava no encontro síncrono de algum aluno, aí lembrava sobre a
história da semana passada, aí muitos diziam “a tia, que livro é esse”? Aí eu dizia assim: “está lá no
grupo. Pergunta a mãe, pede a mãe para ver o livro”. Porque, compartilhava o arquivo e ficava no
celular para eles verem fazerem a leitura junto. Mas aí muitos dos pais não abriam, não faziam essa
leitura por isso mesmo, por não achar que era uma atividade válida, um momento a se ter: “a vou
perder tempo parando para fazer a leitura disso aqui. Isso aqui é bem rapidinho, é só responder isso
aqui”... Colocava talvez o menino para responder de qualquer maneira. Só pelas questões, você
consegue responder, realmente. Um adulto consegue responder. Mas aí o interesse não era só isso,
de responder uma atividade. Era (...) também de promover esse momento em família, porque a gente
190

estava em pandemia, sem poder sair de casa. Então a intenção era realmente levar algumas histórias
para eles terem esse momento em casa, de sentar com a família, porque muitos não têm esse afago.
A gente percebe nas atividades, nos retornos porque você percebe na aprendizagem das crianças que
tem criança que ninguém senta com ela para conversar. Os meus alunos com 6, 7 anos, você pegar
um aluno que não sabe contar até 5 é porque ninguém senta com ele para contar os calçados da casa,
na hora que está guardando os pratos, contar os pratos, uma coisa assim diária… Pelo menos é uma
coisa diária aqui em casa. São aprendizagens que você vai tendo no dia a dia, fácil, fácil. Então se
essa criança não está desenvolvendo essas áreas é porque está faltando o olhar para ela

39. Pollyanna: Nem os desenhos educativos eles verem, porque toda criança vê muito desenho
educativo.

40. Alice: Justamente! Eu digo isso, porque se não conta até 10, que desenho você está assistindo? Não
está conversando com o pai, está passando o dia nas telas, provavelmente, mas está assistindo o quê?
Porque nem desenho educativo tem lá para contar (...), falar sobre o mundo, sobre investigar a
natureza e essas crianças não tem nenhum tipo de bagagem dessa… É complicado.

41. Pollyanna: Todo dia eu mandava um PDF, um livro em PDF. Aí muitas vezes eu perguntava e eles
não tinham visto “a minha mãe apagou”. Muitas vezes você mandava a atividade e elas apagavam.

42. Alice: Os seus, alguns ainda tinham celular e entravam no grupo. E os meus, nem isso! Eles são
completamente dependentes dos responsáveis (...) Todos eram mediados pelos responsáveis, se o
responsável mostrasse eles faziam, se não, não sabiam nem o que estava acontecendo.

43. Pollyanna: É difícil a situação!

44. Entrevistadora: E dentre essas atividades, (...) que vocês desenvolveram no ensino remoto, tanto
síncronas quanto assíncronas, (...) seja dos vídeos, seja da contação na aula síncrona - que pela fala
de vocês é o que se apresenta de forma melhor, no que diz respeito à participação dos alunos porque
eles conseguem interagir, eles conseguem se expressar, eles conseguem participar expor suas
opiniões - (...) qual delas vocês consideram que teve melhor participação e envolvimento? E por que
vocês acham que esse tipo de atividade favoreceu essa interação, essa participação, digamos mais
direta, mais expressiva deles?

45. …

46. Alice: O que você fazia que dava mais certo?

47. Pollyanna: As interpretações orais, quando eles estavam participando. Eu gosto muito de contar ou
ler a história, fazendo aquelas paradas e indo fazendo indagações, sabe? E eu sentia que dava certo.
Se fosse oral essas interpretações, (...) esses questionamentos, muitas vezes, davam muito certo -
com os que estavam participando. Aí eu gravava os áudios e mandava explicando, mas aí o retorno
era muito pouco. As atividades do São João, aquelas histórias que Norma tinha no projeto - Norma
191

é a professora da biblioteca - eles gostavam muito das histórias que envolviam a época junina. Não
era?

48. Alice: Era! Teve bastante retorno.

49. Pollyanna: Teve um retorno bem legal. Por exemplo aquele “Fogo no céu” que ela contou. Ela
contava, ela lia, ela procurava no YouTube. Ela enviava várias alternativas. (...) Eu senti que aquelas
histórias da época junina tinham mais retorno, eles gostavam mais.

50. Alice: Foi! Eu acho que foi uma identificação cultural! Eles entendiam um pouco o que a história
contava, eles conseguiram se ver ali e aí deram um retorno maior. Assim, eu acho que nos encontros
síncronos, quando a gente fazia a contação, pelo menos eu, era sempre no momento pós-leitura para
se confirmar as hipóteses que eles tinham levantado. Eles ficavam bem empolgados quando
acertavam ou quando era uma história completamente o contrário do que eles achavam que era… E
eu tentava instigar para eles perceberem as camadas da história, de certa forma, porque eles ficam
muito na superfície (veem as imagens e acabam se perdendo no que foi lido, no que foi dito). Aí
quando a gente leva um pouquinho mais, eles começavam... a conversar sobre a vida deles, cada um
tinha um exemplo para contar (...) Acho que era nesses momentos, quando tinha alguma coisa que
realmente, eles conseguissem perceber no dia a dia deles, que tivesse uma ligação, aí desenrolava
mais a história. Uma história que eles conseguissem uma identificação, que tivesse uma relação
cultural com as coisas que acontecem na vida deles ou então uma história muito conhecida. No dia
em que o BALE participou, foi contada a história da Chapeuzinho Vermelho. Isso durou a semana
toda, não sei se era porque as meninas eram diferentes e eles estavam cansado de me ver todo dia, a
história era muito conhecida e depois eu fiz uma atividade na semana, só sei que rendeu bastante.

51. Entrevistadora: Se vocês pudessem colocar numa ordem, da maior para a menor dificuldade,
tentando apontar as principais dificuldades que vocês encontraram para desenvolver essas práticas
de contação de histórias, para envolver os alunos nessas histórias durante o ensino remoto que vocês
já colocaram muito difícil e desafiador, (...) como seria essa estrutura?

52. Alice: A maior {dificuldade}, realmente, é a participação. Foi muito desequilibrada. No começo do
ano teve uma participação maior, porque a turma era nova, estava entrando na escola, aí sempre tem
aquela curiosidade. Os pais estão um pouco mais atentos. Aí depois que entra numa rotina, que eles
já entenderam, eles começam dar uma desanimada nos acessos, não querem mais participar dos
encontros síncronos. Minhas primeiras aulas síncronas em abril tinha uma participação regular, mas
na terceira semana, muitos alunos que estavam se esforçando para entrar, já não estava entrando
mais, porque percebeu o que estava acontecendo na aula, que dava para fazer as atividades só com
as orientações que estava no grupo e que achava que não era necessário fazer esforço para participar
do encontro síncrono - que é o momento que você ia conseguir aprofundar, realmente, os assuntos,
conversar. Eu acho que foi mais isso: a participação. Eu elencaria como o primeiro fator de
dificuldade. Você também, Pollyanna?

53. Pollyanna: Isso mesmo! Primeiro é a participação! (...) Eu ficava muito preocupada! Como diz “eu
não quero soltar a mão de nenhum”. Aí ficava muito difícil, exatamente por isso, esse acesso. A
gente sabe que as condições deles não são boas. (...) Para você ter ideia, Suiane, a cada mês era um
192

chip novo. Quando pensava que não desapareciam do grupo. Aí quando eu perguntava “cadê fulano”,
aí diziam “não o chip, o telefone não está mais funcionando não”.

54. Alice: O chip está desativado!

55. Pollyanna: Ou seja, não estava mais no grupo. Era muito difícil. Exatamente, foi isso aí o mais
difícil, a participação, o acesso que era muito negativo.

56. Alice: Eu acho que o segundo fator {de maior dificuldade} também está relacionado com a
participação: a falta de acesso de alguns alunos. A gente sabe que tinha alguns alunos, né Pollyanna,
que queriam participar, que eram bons alunos no presencial, mas que a gente sabe que tem uma
condição social bem aquém, bem difícil mesmo e que infelizmente, a gente não conseguia atender
esses alunos nessas questões. A gente fez apostila de conteúdos e imprimiu para entregar aos alunos,
mas essa parte das histórias a gente não conseguiu chegar, porque a gente não conseguia
disponibilizar livros para eles; a biblioteca não estava funcionando; não podiam levar o livro (como
iam devolver?). E além disso, eles não tinham esse acesso na internet, no celular para ver YouTube,
ver as contações… (...) E terceiro… (risos) eu acho que é também o valor que a família atribui.

57. Pollyanna: Isso mesmo! Era isso que eu estava pensando, o valor da família.

58. Alice: Porque tinha acesso, a gente tentava, na medida do possível, levar as histórias e conseguir os
PDF. Todo mundo ajudava: os coordenadores, os outros professores compartilhavam no grupo do
planejamento. Mas, muitos eram, realmente, o valor que a família não tem, não dá a leitura. E a gente
também compreende um pouco esse aspecto, porque são famílias que não tem um nível social muito
alto. Então, culturalmente, elas não têm acesso a isso, a essa cultura de ler. Então como é? Se você
não tem esse hábito, você também não passa o hábito, obviamente, porque você não dá esse valor,
você não tem esse hábito de fazer a leitura, então você não mostra. Criança segue o exemplo! (...)
Aqui em casa, eu sou professora, mas eu não “pego no pé” do meu filho, eu sempre tentei não ser
professora dele, sempre tentei ser mãe. Mas como a gente lê muito, a gente tem livros e sempre
compra livros para ele, ele leu muito cedo. Ele gosta muito de histórias e sempre está lendo em casa.
Ele se interessa pelas coisas que está lendo. Não porque eu fiquei sempre cobrando, mas pelo
exemplo. (...)

59. Pollyanna: (...) O que eu penso? Aqui em casa tem livros em todos os lugares, sempre deixei de
fácil acesso, expostos para que os meus filhos pudessem pegar e às vezes dava certo. Mas a gente
sabe que eles {os alunos} não têm esses livros pelas condições e a família não tem esse contato com
a leitura. Então, eu acho que a família não ter esse hábito, foi uma das maiores dificuldades também,
que prejudicou esse processo. Eu digo sempre que a gente educa pelo exemplo. A criança se espelha
naquilo que ela vê na sua frente. Você é o espelho. Você não consegue educar a criança falando, você
tem de praticar sua fala para você conseguir atingir seu objetivo. Se eles não têm isso em casa, aí fica
meio difícil.

60. Entrevistadora: E como foi, vocês professoras, acostumadas a contar no presencial, com aquele
olho no olho, com aquele contato físico das crianças com o livro, com o próprio professor? Como foi
193

isso? Vocês tiveram alguma dificuldade de realizar esse momento na tela, diante de uma câmera?
Quando vocês foram gravar os vídeos, tiveram dificuldade? Como foi operar os aplicativos? Como
foi essa experiência de vocês?

61. Alice: Muito desafiadora! (risos) Começando pelo ano passado que eu voltei da licença-maternidade
já na véspera do projeto {de leitura}. A gente já estava vendo como é que ia fazer o projeto dá certo,
que era para separar as falas e cada família ia gravar sua parte, do seu aluno e enviar. Aí já começou
por aí. As primeiras aulas, gravava 500 mil vezes, apagava (risos) e não dava certo, porque você não
tem esse hábito de ficar se vendo…

62. Pollyanna: Você olha para você e diz “eu não suporto mais essa cara”.

63. Alice: O pior é se ouvir, é ouvir a nossa voz gravada!

64. Pollyanna: Ah, meu Deus! Foi muito difícil, muito difícil!

65. Alice: Mas na aula síncrona eu já me dei um pouco melhor, porque como não estava sendo gravada
eu não estava me vendo depois. Então eu não estava apagando. O que estava de erro, estava de erro
junto com os meninos na aula. Eu sou um pouco empolgada na vida, e no encontro síncrono eu era
empolgada também. (risos) Sempre na contação eu gostava de ficar em pé, porque aí eu ficava indo
para frente, para trás. Não sei se estava atrapalhando a concentração deles ou ajudando a eles ficarem
animados, sei que aconteceu dessa forma.

66. Pollyanna: Eu digo muito: eu gosto de imitar, de mudar a voz. Era difícil, eu lembro que dizia
“quem é que está aí do outro lado me ouvindo”? Eu sempre falava isso… E aconteceu que no ano
passado {2020} eu não contei muita história, não gravei muito, porque eu não suportava me olhar e
ouvir minha voz. Eu cheguei a ter início de ansiedade, porque ficou difícil, sabe? Esse ano não! Eu
fiquei até pensando, se a gente tivesse, no ano passado, tivesse iniciado síncrono, teria sido melhor.
Eu achava tão difícil quando falava, mas quando a gente foi para a prática, Suiane, foi muito
maravilhoso. Aquela hora que passava com eles dava para fazer leitura compartilhada, dava para
fazer muita coisa numa hora.

67. Alice: Dava!

68. Pollyanna: Mas foi difícil. Essas produções de vídeo, para mim, foram muito difíceis.

69. Alice: E aprender a produzir vídeo na raça…

70. Pollyanna: Eu não produzi muito vídeo não, produzi mais áudio. Eu passei por tanta dificuldade na
minha vida desde os oito anos de idade, que eu nunca imaginei que com essa idade eu ia ter ansiedade.
194

71. Alice: Mas é porque foi muito difícil. Era um mundo muito diferente, muito novo. Aprender a editar
vídeo na raça (no início saía tudo errado), aprender a subir para o YouTube, a mudar o formato do
vídeo para ficar menor. Foram muitos desafios, mas a gente foi se ajudando. Quem não sabia, o outro
fazia. Kalina ajudou muito. Eliene também ajudou muito. Estão ajudando os coordenadores, também
agora. E a gente, entre si, foi trocando muita coisa quando dava certo para trocar, porque cada um
estava com muitas coisas para fazer. Mas a gente foi se ajudando nesse novo tempo.

72. Entrevistadora: E vocês, tiveram alguma formação, alguma capacitação? Talvez um seminário,
uma oficina, uma palestra, um curso de curta duração para essa adaptação do ensino presencial, que
vocês estavam acostumados a viver, a presenciar, a ensinar, para essa modalidade remota? Como foi
isso? Se vocês puderem comentar um pouco sobre esse momento, sobre formação, se houve ou não,
o que vocês sentiram falta, se ela por si só foi suficiente ou se precisou de alguma coisa a mais.

73. Alice: Bem, ano passado a pandemia nos atropelou, atropelou todo mundo.

74. Pollyanna: Jogaram em cima da gente.

75. Alice: Foi atropelamento, porque a gente fazia as coisas, ninguém estava sabendo de nada. Todo
mundo esperava que fosse por pouco tempo, “vamos começar só com alguns encontros assíncronos
para ter contato com os alunos e eles se situar". Aí depois, “vamos começar com as aulas, enviando
pelos grupos”. Aí vinha as portarias redizendo, que era para gente fazer o que já tínhamos feito. Para
o início deste ano, (...) a gente teve uma formação pela DIREC para usar o SIGEDUC, usar a
ferramenta das videochamadas e como a gente poderia gravar e subir os vídeos para o YouTube. Mas,
uma formação para editar vídeo, desde o ano passado realmente a gente não teve nenhuma formação
voltada para produção de vídeos. (...) teve algumas palestras… explicando o que gostariam que
fizéssemos, as metodologias que poderíamos usar, mas muito vago, muito teórico, nada muito
prático.

76. Pollyanna: E se adequava mais aos anos posteriores, do 6º ao 9º ano.

77. Alice: Isso. Fundamental - Anos Finais e Ensino Médio.

78. Pollyanna: (...) Para os anos iniciais não tinha nada muito proveitoso e era algo muito técnico.

79. Alice: E muito rápido. Eram muitas informações para apenas uma tarde.

80. Pollyanna: A gente não tinha como assimilar. (...) O Estado suspendeu as aulas dia 18 de Março
não foi?

81. Alice: Foi!


195

82. Pollyanna: Dia 30, nós iniciamos com a cara e a coragem, para não perder o vínculo com as crianças
e a gente foi tentando…

83. Alice: Achando que ia demorar três meses. (...)

84. Pollyanna: A gente achava que ia ser igual a H1N1. Ia passar rápido. Ia aparecer uma solução
rápida. E foi assim, a gente, no ano passado, foi só no rumo, muito no escuro.

85. Alice: Tentando fazer alguma coisa. O máximo que dava.

86. Pollyanna: A ajuda maior que a gente teve, foi da escola, do apoio da escola.

87. Alice: As formações ficaram muito aquém. Cada um independente. Eu pelo menos… tive ajuda do
meu marido, que sabe um pouco, e eu também tento explorar o computador e assim, tentava passar
alguma coisa para as meninas, mas muito pouco. Até porque cada uma achou um programa diferente,
algumas editavam no celular, outras no computador. (...)

88. Pollyanna: Eu não tenho muita familiaridade com as mídias. Sou muito atrasada. Mesmo com tudo
isso, não foi uma área em que cresci muito, não.

89. Alice: É normal por causa da sua geração.

90. Pollyanna: É isso mesmo!

91. Alice: (...)Todo mundo foi se adaptando.

92. Pollyanna: Eu já sou velha! Sou da geração muito antiga, já tenho 53 anos!

93. Alice: E a minha geração só veio ter internet da adolescência para cá.

94. Pollyanna: Vocês já nasceram explorando a internet. Eu não, eu só vim ter acesso depois de um
tempo.

95. (...)

96. Pollyanna: Fui fazendo o que dava para fazer, mas eu sei que não fui muito bem não.

97. Alice: Saiu sim! Você se saiu ótima. Dava aula explicando as páginas, todos os quesitos, um por
um, todos os meninos aprendendo. Não é só preciso aparecer, gravar o rosto e explicar! Cada um faz
da sua forma!
196

98. (...)

99. Entrevistadora: Já era uma forma que antes você não utilizava, mas que teve que se adaptar e se
reinventar. Acredito que a palavra-chave que resume muito bem esse ensino remoto, o uso que o
professor teve de fazer da tecnologia, das mídias, das plataformas digitais e do próprio WhatsApp
como uma ferramenta educativa, foi reinvenção. (...) Agora, fiquem bem à vontade para relatarem
sobre esses desafios vivenciados nesses novos espaços em que se deu as contações de histórias. (...)
Quais foram os desafios e possibilidades encontrados? Vocês já até já relataram alguns! Se vocês se
recordarem de alguma história que contaram na aula síncrona ou assíncrona e que teve um retorno
muito bom, ou que marcaram de alguma forma vocês, relatem, por favor. (...) Então… vocês
conseguem se recordar de alguma contação de história que realizaram e que marcaram vocês? Se
puderem, contem como foi essa experiência e justifiquem o porquê que essa história marcou vocês.

100. ...

101. Pollyanna: (...) A história que me chamou atenção foi a do projeto: “A rã de três olhos”. A
história fala de uma rã especial que nasceu com uma deficiência de ter três olhos. Você conhece, Suiane?
A avó dela vivia em uma lagoa normal, mas depois foi construída uma fábrica perto dessa lagoa e
começaram a jogar coisas que ainda prestavam para ser usadas. Essa lagoa ficou muito poluída e a
rãzinha, para conseguir tomar banho teve de vestir um maiô listrado, porque a água era muito poluída.
Então, os alunos queriam saber porque essa rã nasceu com três olhos, se as rãs normais têm apenas 2
olhos. Alguns dos alunos despertaram para as diferenças, já que a rã era diferente. Eles acharam que a
gente tinha de respeitar as diferenças, porque do jeito que a rãzinha é diferente, tem pessoas que também
são diferentes. E eu tenho um aluno que tem baixa visão, aí eles já foram citando essa diferença do
colega de sala. Ele {o estudante com deficiência} mesmo disse: “tia, eu sou diferente porque eu não
consigo enxergar direito! Eu sou igual a essa rãzinha! Eu só não tenho um olho a mais, como ela”. Eu
tenho contado muitas histórias sobre o meio ambiente porque estou preocupada com o momento que
nós estamos. É tanto que eu digo para eles “a gente tem que aprender a preservar o meio ambiente”.
Além disso, tento levar isso para a vida deles (...) eu até aconselho que eles plantem uma árvore, pois se
cada pessoa tivesse uma árvore, o mundo não estaria tão quente como está. E essa história, a rãzinha de
três olhos, que ainda vai ser apresentada, (depois você vai ver a gravação, pois será gravada) está sendo
muito especial. Isso porque, está chamando atenção dos alunos sobre as diferenças, pois estamos
vivendo também um momento muito turbulento sobre essa questão das diferenças e do respeito que não
está mais existindo. As pessoas estão muito raivosas, não estão mais respeitando umas às outras e a
gente tem que procurar trabalhar esses temas para ver se formamos pessoas melhores. E essa história da
rãzinha foi muito especial por isso.

102. Alice: A bichinha sofreu uma mutação por causa do lixo.

103. Pollyanna: Foi! Por causa do ambiente em que ela nasceu: na lagoa poluída.

104. Entrevistadora: Essa história foi contada de forma síncrona?


197

105. Pollyanna: Foi! Kalina contou! Kalina fez toda uma apresentação, fez um baldezinho para
representar, ia virando, Kalina é show! (risos)

106. Entrevistadora: Era isso que eu ia perguntar, se nessas contações síncronas, vocês utilizavam
algum recurso lúdico, seja um fantoche, um palitoche, ou se usavam apenas a entonação de voz, o
corporal…

107. Pollyanna: Não, uma vez ou outra, a gente ia inventando coisas! Pegava o que tinha em casa
mesmo e ia criando. Kalina mesmo, pegou um balde daqueles de tinta e de um lado ela fez a lagoa
limpa, do outro lado a lagoa poluída e a rãzinha foi juntando os amigos e conseguiram limpar a lagoa
e chamar a atenção da fábrica para não produzir mais coisas e jogar na lagoa. Então eles conseguiram
reestruturar o ambiente, e no final, a lagoa ficou linda, bem colorida e com todos os bichinhos lá
dentro.

108. Entrevistadora: Como foi as crianças verem esse balde e essa interação de Kalina?

109. Pollyanna: Eles deram muita atenção e depois ficaram comentando que tinham gostado, que
era bem interessante. Nesse dia, tinha 9 {alunos}participando. Foi bem legal, eles prestaram bastante
atenção. Aqueles que participam são aqueles que gostam mesmo, que interagiam e que davam um
retorno. Eles gostaram muito da história contada por Kalina!

110. Entrevistadora: E você, acha que o uso do recurso fez alguma diferença nessa história ou em
outras histórias contadas por você? (...)

111. Pollyanna: Os recursos com certeza chamam mais atenção! Por mais simples que sejam. Até
mesmo a mudança na voz, imitar a voz dos personagens, já chama a atenção.

112. Alice: Eles acham engraçado, decoram a fala quando você usa uma entonação diferente…
113. Eu fiquei aqui pensando na minha experiência, porque eu tive algumas histórias em que usei
recurso. Mas teve uma que eles acharam muito interessante porque era uma versão diferente dos Três
Porquinhos, que é “Os três lobinhos e o porco mal”.

114. Pollyanna: É bem legal! Eu também já contei!

115. Alice: É muito interessante! A gente estava falando sobre os materiais, sobre as moradias…
Depois eu contei a história dos porquinhos com as imagens, usando casinhas. A partir dessa história
do porquinho, a gente falou sobre os sentimentos, sobre amizade, sobre várias coisas. O porco era
mal só porque era sozinho e eles {os lobinhos} tentavam se defender usando os materiais mais fortes
possíveis: (...) começam com concreto, depois vão para o ferro… Sabe? Só vão aumentando. E por
último, eles conseguem se proteger do porco quando constroem uma casa só de flores, de margaridas
e várias outras. Com cheiro das flores, o porquinho fica bom, se torna amigo deles e vai morar com
eles. Eles ficaram encantados por causa do cheiro… Eu estava usando o livro, pois o tenho em
formato físico e a imagem do porco sentindo o aroma das flores chamou a atenção dos alunos. Eles
198

acharam interessante. O assunto rendeu bastante, e acabamos entrando em outros… isso porque às
vezes a gente encontra uma pessoa que não é tão boa da vida, é meio ranzinza e às vezes a gente trata
as pessoas da mesma forma, com a mesma frieza.

116. Pollyanna: Aspereza.

117. Alice: E a gente acaba se distanciando mais. Ao invés de conseguir se aproximar, a gente age
da mesma forma e acaba sendo igualzinho. Quando eles {os lobinhos} foram para o outro lado -
a doçura - e não tentaram se afastar ou proteger com coisas difíceis, eles conseguiram alcançar o
porquinho e ficaram amigos dele. Mas foi muito engraçado, porque os alunos achavam que era
outra coisa. Quando a gente começou a levantar as hipóteses, que eles viram os lobos, eles só
achavam que eles iam ser ruins e que o porco que era o bonzinho, além disso, não entendiam
como esse porco ia ser mal. Então eles ficaram muito empolgados com a história. E apesar de
ser uma história bem longa, com bastante texto e bem comprida os alunos prestaram atenção do
início ao fim. Então, esta foi uma das histórias que mais ficou na minha memória desse ano.

118. Entrevistadora: Eles conseguiram associar também à história com a dos Três Porquinhos.

119. Alice: Isso! Como eles já tinham a referência dos Três Porquinhos, da história original, eles se
empolgaram para saber como era essa outra história, essa versão.

120. Entrevistadora: A curiosidade deles foi instigada pela relação, talvez, dos mesmos animais,
apenas com a diferença das ações estarem investidas, que ao invés de três porcos, teriam três lobos e
apenas um pouco.

121. Alice: E o temperamento ser diferente, porque sempre os lobos são relatados nas histórias como
os carnívoros, os que são maus e os que vão comer.

122. Pollyanna: É igual a história dos três jacarezinhos. É bem parecido também. Só que nos três
jacarezinhos é um javali. (risos)

123. Entrevistadora: Eles associam a figura do personagem lobo com aquele que faz mal e que é
ruim na história.
124. Então para finalizar, gostaríamos que vocês dissessem o que conseguiram aprender nesse tempo
do ensino remoto. Apesar dos desafios que vocês citaram em relação à família, a formação que foi
um pouco deficiente, mas que tiveram muita ajuda entre si, (...) o que foi possível aprender? O que a
pandemia trouxe e que vai ficar de bom para vocês, em relação ao uso da tecnologia e das histórias?
Isso porque, mesmo que tenha sido reduzido o tempo e que não tenha sido uma prática diária, vocês
não pararam de contar história. (...) Então, o que vocês aprenderam com esse ensino remoto? O que
ficou de ensinamento e que vocês vão levar para as salas de aula, hoje, com já com esse retorno
presencia, híbrido e por que mantiveram as histórias mesmo diante dos desafios da formação
deficiente e da dificuldade em operar os aplicativos e de se adaptar ao formato pequeno da tela de
um computador para contar uma história? (...)
199

125. Alice: O que vai ficar são os aprendizados das tecnologias. Realmente foram alguns
apreendidos: instalar câmera, fazer edição, subir vídeo para o YouTube. Da aprendizagem das
contações, foram: pensar bastante qual a história é melhor para contar, porque às vezes na leitura
diária você pega várias histórias, às vezes nem sempre, você pensa muito sobre aquela história
quando está na sala de aula. Você quer uma história deleite, rápida, que dê certo naquele momento.
E nos encontros síncronos, como o tempo era mais reduzido, então tinha de escolher, selecionar bem
uma história que servisse para várias coisas, tanto para entreter, quanto para resolver alguns assuntos,
conteúdos e metodologias. (...) A gente já tinha esse cuidado, mas no dia a dia, na rotina como você
vai usar muitas histórias, 200 dias letivos, acabava fazendo, (...) muitas vezes, no automático. Por
mais que, claro, a gente tivesse o cuidado de escolher a história.

126. Pollyanna: De fazer a leitura prévia {da história} né, Alice?

127. Alice: Antes do ensino remoto, isso era uma coisa que a gente fazia sem tanta dificuldade. “Não,
essa daqui dá certo”, mas essa daqui vai ficar um pouco melhor, é mais chamativa, se encaixa melhor
em vários assuntos”. E também, a gente já fazia uso das tecnologias em sala, passávamos alguma
animação… Na sala, a gente usa mais os filmes, não passava vídeos de contação, porque a gente já
fazia esse papel lá na sala de aula. Mas eu acho que também vai perdurar esse uso das contações do
YouTube, das plataformas, dos acessos. Acho que a gente vai continuar com esses grupos de
WhatsApp por um tempo, pois nos ajudaram muito. Por mais que tenha sido difícil, (...), porque a
gente perde os pais no grupo, eles dão uma sumida, mas pelo menos está todo mundo ali do grupo.
Antes, para falar com os pais, a gente mandava recado pelo aluno, pelo vizinho do aluno, para ver se
assim, alcançava o pai. E agora tendo todo mundo junto, você lá no grupo, e por mais que eles não
respondam e ignorem a gente, ache ruim porque mandou mensagem e que ligou, mas pelo menos
está ali, está mais perto. E outra coisa que deu certo e que talvez a gente mantenha, é o envio das
histórias para o grupo do WhatsApp, se for uma atividade de casa. (...)

128. Pollyanna: É porque a gente já usava na sala de aula, os filmes, os curta-metragem. Esses filmes
são o complemento da carga horária. (...) Não tem um mal que não venha para o bem. (...)

129. Alice: Para quem sabe olhar, sempre acha uma coisa boa.

130. Pollyanna: Uma luz! A gente sempre acha um fator positivo. Eu digo muito que essa pandemia
serviu para “quem era bom ficou melhor e quem era ruim piorou”. Não sei se vocês pensam assim,
mas eu penso. (...) Eu acho que a gente conseguiu chamar atenção de algumas famílias, não foram
todas, para o valor, a importância da educação, a importância de uma leitura. (...)
131. Nós conseguimos chegar lá na família e quebrar alguma barreira. A gente conseguiu levar
alguma coisa para aquelas famílias.

132. Alice: Do jeito que a gente foi para casa deles, eles foram para a escola. Os pais que estavam
acompanhando {às aulas remotas junto dos alunos}, conseguiram ver a rotina da sala de aula, um
pouco, pelo menos.
200

133. Pollyanna: Eu procuro sempre manter uma relação harmoniosa com a família, de construir um
vínculo, porque a gente vai passar um ano tentando traçar o mesmo percurso. Eu digo muito que
respeito e admiro pelo que as famílias fizeram, aquelas que assumiram compromisso de acompanhar
os filhos nesse período do ensino remoto, porque a maioria não sabe ler, tem afazeres, a vida difícil.
Mas que mesmo assim, assumiram aquele compromisso todo dia. Todos os dias eu falava nisso.
Quando eu entrava na casa das famílias, eu pedia licença para estar ali e fazia uma oração. Gosto
muito de fazer oração! (...) Eu acredito que a gente conseguiu levar alguma coisa. A vida daqui para
frente não vai ser como era. Nós conseguimos chegar lá e fazer alguma coisa. Mesmo com todas as
dificuldades que a gente enfrentou, eu vejo que hoje que a gente conseguiu!

134. Alice: Eu acho que até para quem a gente não conseguiu chegar, para quem não teve acesso ou
para quem… não é nem quem não quis participar, mas que não tem esse valor da educação ainda,
conseguiu perceber a falta que faz a escola e o valor que tem o aluno está ali na escola participando
e sentiu a falta que fez a escola está ali presente, de ter aquele momento das crianças irem para a
escola. Porque quem não estava conseguindo ter acesso às aulas síncronas sentiu bastante a criança
passar 6, 8 meses sem encontrar com a professora, sem sair de casa e ver os colegas. É complicado!

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