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O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido
pela Diretoria de Informatização (DINF), sob orientação dos bibliotecários do SIB-UERN, para ser adaptado às
necessidades da comunidade acadêmica UERN.
A dissertação “Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar de professoras sobre a
arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”, de autoria de Aparecida Suiane Batista
Estevam foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGE/UERN, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Ensino, outorgado pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte- UERN.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (PPGE/UERN)
(PRESIDENTE DA BANCA)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Keutre Gláudia da Conceição Soares Bezerra (UERN)
(EXAMINADORA INTERNA)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Francileide Batista Almeida Vieira (UFRN)
(EXAMINADORA EXTERNA)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Pessoa Sampaio (UERN)
(SUPLENTE INTERNA)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Daise Lilian Fonseca Dias (UFCG)
(SUPLENTE EXTERNA)
Ao Mestre dos Mestres, pela dádiva da vida.
A Jesus Misericordioso, por me dar a força e a
sabedoria necessária para concluir com êxito esta
trajetória.
AGRADECIMENTOS
Este estudo discorre sobre as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto, formato
de ensino emergencial, adotado no Brasil, em virtude da pandemia da COVID-19 nos anos de
2020 e 2021, período em que o vírus se propagou de forma mais intensa e desastrosa. Parte do
pressuposto de que contar histórias, por envolver ludicidade, desperta nos alunos a curiosidade,
imaginação e o gosto pela leitura literária e contribui significativamente com a formação de
leitores, não podendo deixar de ser desenvolvida, mesmo em tempos de ensino não-presencial.
Por isso, objetiva investigar, a partir da visão das professoras, as práticas de contação de
histórias com vistas a formação de leitores em turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais
de uma escola pública do município de Pau dos Ferros (RN), durante o ensino remoto. Se
configura em uma pesquisa de campo e de abordagem qualitativa, que utiliza a aplicação de
questionário online por meio do Google Formulário e a realização de entrevista coletiva,
semiestruturada, com as professoras colaboradoras da pesquisa, por meio do Google Meet,
como técnicas para a obtenção dos dados empíricos. A pesquisa ainda adota o método de
interpretação de sentidos como técnica para analisar os dados (GOMES, 2009). A interpretação
dos dados indica que, apesar das limitações impostas pela modalidade remota de ensino, a
prática de contação de histórias mediada por suportes tecnológicos é possível e necessária,
sobretudo, para garantir aos alunos o direito à literatura. Nesse sentido, a pesquisa apresenta
resultados relevantes para a compreensão acerca da frequência e intencionalidade do trabalho
com a contação de histórias, no âmbito da Educação Básica, durante o ensino remoto; para a
reflexão dos desafios e possibilidades encontrados pelas educadoras para mediar as narrativas
em formato virtual; e para o conhecimento de experiências exitosas com a contação de histórias,
com vistas a formação de leitores em ambientes digitais. Portanto, esta pesquisa contribui com
a formação de professores, no que diz respeito a ampliação de saberes teóricos e práticos quanto
ao fomento da leitura literária através da contação de histórias em aulas remotas.
This study discusses the practices of storytelling during remote teaching, an emergency
teaching format adopted in Brazil, due to the pandemic of COVID-19 in the years 2020 and
2021, the period in which the virus spread more intensely and disastrously. It is based on the
assumption that storytelling, by involving playfulness, awakens in students curiosity,
imagination, and a taste for literary reading, and contributes significantly to the formation of
readers, and cannot fail to be developed, even in times of non-presential education. Therefore,
it aims to investigate, from the teachers' point of view, the practices of storytelling with a view
to the formation of readers in classes of Elementary School - Early Years of a public school in
the city of Pau dos Ferros (RN), during the remote teaching. This is a field research with a
qualitative approach, which uses the application of an online questionnaire through Google
Form and a collective semi-structured interview with the cooperating teachers through Google
Meet as techniques to obtain empirical data. The research also adopts the meaning interpretation
method as a technique to analyze the data (GOMES, 2009). The interpretation of the data
indicates that, despite the limitations imposed by the remote teaching modality, the practice of
storytelling mediated by technological supports is possible and necessary, especially to
guarantee students the right to literature. In this sense, the research presents relevant results for
the understanding of the frequency and intentionality of the work with storytelling in Basic
Education, during remote teaching; for the reflection on the challenges and possibilities
encountered by educators to mediate narratives in virtual format; and for the knowledge of
successful experiences with storytelling, aiming at the formation of readers in digital
environments. Therefore, this research contributes to the formation of teachers, with respect to
the expansion of theoretical and practical knowledge about the promotion of literary reading
through storytelling in remote classrooms.
QUADRO 01: Revisão sistemática nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES e SCIELO .......................................................................................... 25
QUADRO 02: Trabalhos realizados de 2016 à 2021 no âmbito do PPGE .............................. 30
QUADRO 03: Perfil acadêmico e profissional das professoras colaboradoras ....................... 44
QUADRO 04: Perfil leitor das professoras colaboradoras ....................................................... 45
QUADRO 05: Diferenças existentes entre a contação de história mediada em formato
presencial e virtual de acordo com Busatto (2013) ................................................................ 100
QUADRO 06: Aplicativos e plataformas digitais utilizadas pelas professoras durante o ensino
remoto ..................................................................................................................................... 122
QUADRO 07: Algumas das histórias trabalhadas pelas colaboradoras durante o ensino remoto
................................................................................................................................................ 145
QUADRO 08: Relato das professoras acerca da recepção dos alunos ao ouvirem as histórias
nos encontros síncronos .......................................................................................................... 152
QUADRO 09: Técnicas para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020) ..................................................................................................................................... 158
QUADRO 10: Recursos para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020) ..................................................................................................................................... 161
QUADRO 11: Articulação de técnicas e recursos + sugestões de histórias que melhor se
adequam a cada escolha .......................................................................................................... 163
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: : Aspectos indispensáveis na hora de planejar uma contação de histórias ....... 106
FIGURA 02: Elementos a serem considerados pelo narrador na hora de contar uma história
................................................................................................................................................ 110
FIGURA 03: Desafios enfrentados pelas educadoras para realização de práticas de contação de
histórias durante o ensino remoto ........................................................................................... 132
FIGURA 04: Prints de tela do vídeo da representação do livro “Palavras, Muitas Palavras?”
pelos alunos do 1º ano ............................................................................................................ 147
FIGURA 05: Prints de tela do vídeo da representação da história “Amar o Mar” pelos alunos
do 1º ano ................................................................................................................................. 148
FIGURA 06: Prints de tela do vídeo da representação da história “Cadê meu Travesseiro?”
pelos alunos do 3º ano ............................................................................................................ 149
FIGURA 07: Prints de tela do vídeo da representação da história “Rã de Três Olhos” pelos
alunos do 3º ano ...................................................................................................................... 150
SUMÁRIO
A literatura enquanto arte da palavra assume diversas funções em nossa vida individual
e coletiva, nos permite sentir inúmeras sensações, como alegria, tristeza, medo, revolta,
comoção e esperança. Por isso, se torna indispensável para a formação humana e não deve ser
utilizada na escola com um fim estritamente pedagógico, pois fazer isso é retroceder ao início
do século XVIII, quando a literatura para crianças foi criada, com o intuito de moralizá-las e
moldá-las conforme os ideais adultos e dominantes.
Conforme aponta Abramovich (2004), a literatura propicia experiências
transformadoras e oportuniza o conhecimento de si, do outro, do mundo e a identificação com
personagens, situações, crenças e valores, o que faz dessa vivência uma troca de saberes,
sentimentos e emoções (entre quem lê e quem escreve) e um encontro entre diferentes pontos
de vistas, contextos e culturas. Logo, a leitura de literatura permite nos reconhecermos como
membros de uma comunidade.
Através da leitura literária, adentramos em universos até então desconhecidos,
apreciamos novas belezas, conhecemos personagens e nos identificamos (ou não) com sua
personalidade, travamos lutas, nos desestabilizamos, sorrimos, choramos. Ao entrarmos nas
histórias, nos arriscamos a construir outras e a, simplesmente, não ser a mesma pessoa, pois a
literatura transforma, e mais que isso, liberta, humaniza, porque fala da vida e mantém uma
relação direta com a nossa realidade. Em vista disso, defendemos que a literatura é um direito
de todos e uma necessidade universal (CANDIDO, 2011).
É ressaltando a relevância e necessidade da literatura para a formação humana que nos
arriscamos a dizer que a leitura literária, provavelmente, nunca tenha se mostrado tão
importante e necessária em nossas vidas quanto ao longo da pandemia da COVID-19; doença
causada por uma nova espécie de coronavírus, o SARS-CoV-2, um vírus invisível que atinge o
sistema respiratório e que já causou inúmeras mortes em todo o planeta, tornando-se uma
ameaça para todos. Em março de 2020, as autoridades sanitárias recomendaram o
distanciamento e isolamento social, a fim de diminuir a propagação do vírus que se proliferava
17
no âmbito da Educação Básica, não pode ser esquecida, mesmo em tempos de ensino remoto,
que é o desenvolvimento de práticas de contação de histórias, pois o contato com as narrativas
orais, que por sua vez também acontece a partir de textos contemporâneos, poderá propiciar ao
leitor em formação, o enriquecimento de sua bagagem antecipatória, o despertar pelo gosto da
leitura e o desejo de familiarizar-se com a escrita para que, em outro momento, seja possível
(decodificar) e reviver essa mesma história contada, em um livro (AMARILHA, 2012).
É por meio da contação de histórias que os alunos, que ainda não decodificam o código
escrito, entram em contato com as narrativas, aumentam seu repertório de leitura e se
aproximam da escrita. A partir da voz de quem conta, os educandos têm a oportunidade de
apreciar histórias, interpretá-las e ressignificá-las a partir de suas experiências, de conhecer
novos lugares e pessoas e de sentir inúmeros sentimentos e emoções (ABRAMOVICH, 2004).
A contação de histórias transcendeu as gerações, adaptou-se às mudanças ocorridas na
sociedade e conseguiu manter-se viva até hoje, encantando os mais diversos públicos, sendo
uma arte imprescindível para a formação de leitores, para o despertar da imaginação e do gosto
pela leitura, pois de forma lúdica, chama a atenção e aguça a curiosidade de quem a aprecia.
Refletir sobre isso é reconhecer a importância das histórias para a humanização dos
sujeitos, e entender que a função formativa da literatura não se restringe ao repasse de regras
moralizantes, como o preenchimento de fichas exaustivas de leitura e realização de atividades
vazias de sentido. A literatura transcende a esta visão estritamente pedagógica, porque educa à
medida que faz viver, com os sabores e dissabores da vida, com as vitórias e derrotas.
Assim, por reconhecermos a importância da leitura literária para a humanização dos
sujeitos, o caráter lúdico da contação de histórias e sua contribuição para a formação de leitores,
e as exigências impostas pelo ensino remoto, sobretudo, no que diz respeito ao uso das
tecnologias para a mediação do conhecimento é que esta pesquisa foi guiada, a princípio, pela
seguinte questão: Durante o ensino remoto, qual lugar a contação de histórias tem ocupado nas
práticas dos professores? A este questionamento agregamos outros: a) Como estão sendo
desenvolvidas as práticas de contação de histórias, com vistas a formação de leitores durante o
ensino remoto nos anos iniciais do Ensino Fundamental? b) Com que frequência e
intencionalidade têm acontecido esse trabalho? c) Que desafios e possibilidades foram
encontrados pelos professores para o desenvolvimento de práticas de contação de histórias
durante este ensino mediado pelas tecnologias?
Para o entendimento das problematizações expostas, se faz necessário o
aprofundamento teórico acerca do ensino remoto enquanto ensino emergencial, decorrente da
pandemia da COVID-19, do uso das tecnologias na mediação do processo de ensino-
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aprendizagem e da contação de histórias como recurso lúdico capaz de despertar o gosto pela
leitura.
Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral investigar, a partir da visão
das professoras, as práticas de contação de histórias com vistas a formação de leitores em turmas
do Ensino Fundamental – Anos Iniciais de uma escola pública do município de Pau dos
Ferros/RN durante o ensino remoto. Como objetivos específicos estabelecemos: i) Averiguar
como e com qual frequência estão sendo desenvolvidas as práticas de contação de histórias
durante o ensino remoto, decorrente da pandemia da COVID-19; ii) Identificar os desafios e
possibilidades que permeiam as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto; (iii)
Compreender como tem se efetivado a participação dos alunos nestas atividades remotas.
Acreditamos que para o desenvolvimento de um trabalho significativo com o texto
literário nos anos iniciais da formação do aluno, os educadores devem despertar o gosto dos
alunos pelas histórias, a partir de estratégias lúdicas que chamem a atenção e despertem a
curiosidade. Assim, defendemos que a contação de histórias pode funcionar como recurso
lúdico para a formação desses novos leitores e mediadores de leitura. Além disso, através da
história contada oralmente pelo professor, os educandos que ainda não decodificam o código
escrito, poderão sentir o desejo de ler o livro, o texto e a partir de então, desvendar palavras e
construir sentidos.
Dessa forma, a relevância do presente estudo para a comunidade acadêmica e escolar se
dá pelo fato de contextualizar elementos que poderão enriquecer ainda mais as práticas de
contação de histórias enquanto recurso lúdico para despertar a imaginação e o gosto pela leitura,
mesmo em tempos de ensino remoto (não presencial). Bem como discutir sobre os desafios e
possibilidades encontradas pelos educadores para mediar esse contato dos alunos com o
universo simbólico das histórias, e contribuir com a valorização da arte de contar histórias e a
mediação do texto literário enquanto propulsores de momentos de aprendizagem, diversão e
reflexão nessa etapa de ensino em um contexto pandêmico em que os medos e incertezas são
constantes. A seguir, apresentamos as justificativas pessoais, profissionais, acadêmicas, e
sociais para a realização desse estudo investigativo no âmbito da leitura, da contação de
histórias e da formação de leitores e descrevemos brevemente a estrutura do trabalho.
da contação de histórias, pois como recurso lúdico, a narrativa atua como facilitadora na
aproximação do aluno com o universo da leitura literária.
Acreditamos que a contação de histórias é uma arte, porque contagia, desperta
sentimentos, emociona, é indissociável da capacidade do ser humano relacionar as histórias
com suas experiências e produzir sentido para a vida (BEDRAN, 2012). Além disso,
defendemos que tal prática, configura-se em um caminho seguro para propiciar o contato dos
alunos com o livro, haja vista que a escuta e o olhar atento de cada palavra e gesto podem
despertar o interesse e curiosidade dos educandos em buscar o livro da história narrada para
reviver ou viver novos sentimentos e emoções.
Para Candido (2011), o acesso à literatura é um direito de todos e a contação de histórias,
enquanto recurso lúdico, que pode aproximar os alunos do livro, objeto de prazer, suscitar o
imaginário e despertar o desejo de conhecer novas histórias, precisa ser valorizada pelos
profissionais da educação, principalmente, em tempos de distanciamento e isolamento social,
pois o contato dos educandos com o universo das histórias, em alguns casos, provavelmente, só
aconteça por meio da mediação do professor.
No entanto, é válido ressaltarmos que não é objetivo da escola, criar dependência de
alguém que conte histórias para o aluno (sempre), mas desenvolver neste, interesse e autonomia,
para que por conta própria, possa trilhar caminhos em busca do prazer em ler. Para Amarilha
(2012) para que os leitores em formação adquiram autonomia na leitura, estes precisam da
mediação de alguém mais experiente que possibilite o contato diário com textos ricos em
qualidade estética e com diversidade de gêneros, bem como promova espaços de discussões
para que os alunos se sintam à vontade para apresentarem suas opiniões e argumentarem sobre
as histórias lidas. Logo, pensar as práticas de contação de histórias realizadas com o auxílio das
ferramentas tecnológicas durante o ensino remoto, é de suma importância para refletirmos sobre
a formação de leitores em tempos de crise, de ataques à democracia e à vida, de desvalorização
da ciência e de desmonte da educação pública de qualidade.
Nesse sentido, a relevância atribuída a esta pesquisa não se restringe a apresentação de
resultados em caráter informativo, mas busca analisar e refletir de forma fundamentada sobre o
desenvolvimento das práticas de contação de histórias nos três primeiros anos do Ensino
Fundamental de uma escola pública do município de Pau dos Ferros (RN), durante o ensino
remoto. A pesquisa visa investigar de que modo essas práticas têm contribuído para a formação
de leitores, como tem se efetivado a participação dos alunos, quais os desafios e alternativas
foram sendo encontradas pelos educadores, para tornar possível o contato dos alunos com o
universo da leitura literária durante a pandemia da COVID-19.
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Destes treze (13) trabalhos que discutem as práticas de contação de histórias sob a perspectiva
de formação de leitores, realizamos o download de apenas dois (2), pois constatamos, após a
leitura dos resumos, que algumas pesquisas foram realizadas no âmbito do Ensino Fundamental
– Anos Finais e da Educação Infantil, cuja discussão se volta para a importância da contação
de histórias enquanto recurso facilitador para aprimorar as habilidades de leitura e escrita dos
educandos; outras enfatizam a biblioteca como espaço propício para implementação de projetos
de leitura que envolvam as práticas de contação de histórias e favoreçam a formação de leitores
e a expressão da criatividade e criticidade dos sujeitos, além de discutirem as memórias leitoras
de bibliotecários; há ainda um trabalho que se destaca com propostas inclusivas voltadas para
a literatura surda e outro que aborda as contribuições de um dos segmentos do PNBE 2012 para
a formação de leitores.
Seguindo a mesma sistemática anterior, uso de descritores, espaço temporal e critérios
de inclusão e exclusão, realizamos a busca no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para o descritor “contação de
histórias”, encontramos duzentos e cinquenta e três (253) trabalhos; para “formação de leitores”
vinte e quatro (24) trabalhos; e “ensino remoto”, cento e cinquenta (150) trabalhos, resultando
em uma soma de quatrocentos e vinte e sete (427) trabalhos, entre dissertações e teses. No
entanto, para os descritores “Contação de histórias AND formação de leitores”, obtivemos um
resultado de trinte e dois (32) trabalhos; desses, doze (12) estavam duplicados, restando-nos um
número de vinte (20) trabalhos que discutem a contação de histórias articulada a formação de
leitores. Quando acrescentamos o descritor “ensino remoto”, nenhum resultado foi encontrado.
Aplicando os critérios de inclusão e exclusão, verificamos que os trabalhos excluídos
são desenvolvidos em espaços não-escolares e no Ensino Fundamental – Anos Finais; discutem
acerca da performance de mulheres contadoras de histórias na contemporaneidade, através da
experiência estética e poética; problematizam a contação de histórias como uma metodologia
capaz de desenvolver a imaginação e capacidade comunicativa dos alunos inseridos nos anos
finais do Ensino Fundamental; e refletem sobre a importância das narrativas serem realizadas
de forma lúdica em bibliotecas escolares e públicas. Sendo assim, do total de resultados obtidos
neste banco de dados, realizamos o download de apenas três (3) trabalhos.
Para finalizar a busca de pesquisas que discutem sobre o objeto de estudo em evidência
nesse trabalho, realizamos o mesmo processo de busca no banco de dados da Scientific
Electronic Library Online - SCIELO. Para o descritor “contação de histórias”, encontramos dez
(10) artigos; trinta e três (33) para “formação de leitores”; vinte (20) para “ensino remoto”; o
que totaliza sessenta e três (63) artigos. Porém, ao pesquisarmos trabalhos que abordam a
25
contação de histórias como recurso facilitador para a formação de leitores, não tivemos nenhum
resultado, da mesma forma quando acrescentado “ensino remoto”.
Os trabalhos que versam sobre a contação de histórias associavam-se, na sua maioria, à
área da saúde, cujas investigações buscavam enfatizar a relevância da contação de histórias para
o estudo da teoria da mente das crianças, cuidado humanizado no hospital e o uso da contação
como tecnologia assistiva para o envelhecimento ativo ou estavam relacionados ao Ensino
Fundamental – Anos Finais, Educação Infantil e Ensino Superior.
Quanto aos estudos realizados no contexto da formação de leitores, versam no geral
sobre os seguintes aspectos: livro didático, mediação da leitura na sala de aula, em bibliotecas
escolares e públicas e leitura de texto de divulgação científica. No que diz respeito ao Ensino
Remoto, alguns estudos estão voltados para os impactos na economia e administração de
empresas, outros referem-se a pesquisas desenvolvidas em universidades, e outros ainda na área
da saúde e ciências exatas e da natureza, envolvendo aplicativos e experimentos. Assim, após
a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, realizamos a leitura dos resumos e realizamos
o download de apenas um (1) artigo, pois foi o que mais se aproximou da nossa discussão.
No quadro abaixo, sintetizamos as principais informações dos seis (6) trabalhos que
mais dialogam com nosso objeto de estudo nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses
e Dissertações da CAPES e SCIELO.
4º ano, propiciou
uma experiência
significativa para os
alunos.
sugestões de obras da
literatura infantil e
estratégias de como
trabalhá-las na
Educação Básica,
propiciando
reflexões teóricas-
práticas acerca da
contação de histórias
e contribuindo para o
aperfeiçoamento das
práticas de leitura
desenvolvidas por
professores.
Catálogo de TESE: Da terra do Investigar Pesquisa O estudo discute
Teses e nunca ao país das como um participante do sobre as histórias
Dissertações maravilhas: os trabalho tipo intervenção. infantis, articulando
da CAPES clássicos da pautado nos a prática da contação
literatura infanto- clássicos da de história ao
juvenil e a literatura desenvolvimento da
linguagem oral e infanto- linguagem (com e
escrita (COSTA, juvenil, sem ênfase na
2020) pode imaginação).
contribuir Apresenta resultados
para o positivos, no que diz
desenvolvi respeito aos avanços
mento da na área de leitura,
linguagem escrita e oralidade
oral e escrita dos alunos
de alunos do participantes da
5º ano do pesquisa, visto que,
Ensino passaram a
Fundamenta interpretar e escrever
l. textos com coesão e
coerência textual,
bem como se
expressar através de
desenhos,
compreendendo a
importância e a
necessidade de
pensar, para quê e
para quem se
escreve. A contação
de histórias se mostra
uma “metodologia”
lúdica e prazerosa,
capaz de contribuir
com o
desenvolvimento da
28
linguagem (oral e
escrita) e da
imaginação dos
sujeitos.
Catálogo de DISSERTAÇÃO: Refletir Pesquisa A pesquisa aponta a
Teses e A contação de sobre a exploratória, contação de história
Dissertações história como contação de bibliográfica e de como um recurso
da CAPES recurso para a histórias abordagem pedagógica e de
formação de como qualitativa. grande potencial para
leitores: estratégia a formação leitora de
proposição de para o alunos inseridos no
práticas leitoras estímulo da Ensino Fundamental
para os anos leitura nos – Anos Iniciais.
iniciais do Ensino anos iniciais Apresenta inúmeros
Fundamental. do Ensino contributos teóricos
(SOUZA, 2021) Fundamenta no que diz respeito à
l leitura, à obra
literária, à formação
de leitores e à
contação de histórias,
bem como no campo
da prática, visto que
organiza sequências
didáticas, com obras
literárias de boa
qualidade estética e
com temáticas
relevantes, como o
caso da história
“Menina bonita do
laço de fita”, de Ana
Maria Machado. As
proposições didáticas
que embasam a
prática de contação
de história, elencadas
pela pesquisadora,
convida o leitor a
pensar tema,
objetivos,
habilidades de
acordo com a Base
Nacional Comum
Curricular, recursos e
estratégias para
mediar a narrativa. O
trabalho defende uma
prática de contação
de história
contextualizada e
29
voltada para a
formação do gosto e
prazer pelo texto
literário.
A contação de Analisar as Pesquisa- A pesquisa articula a
SCIELO histórias no contribuiçõe intervenção e de área de saúde mental
Instagram como s da abordagem e literatura, tendo a
tecnologia leve contação de qualitativa. contação de histórias
em tempos histórias como um recurso
pesados de para a saúde expressivo e que
pandemia mental no poderá, a partir da
(MENEZES et al, contexto da arte literária,
2020) pandemia contribuir para a
de Covid- discussão de temas
19. considerados
polêmicos como
racismo, morte,
desigualdade social,
dentre outros. Além
disso, fica evidente
que a realização da
contação de histórias
a partir do Instagram
(rede social que
alcança um grande
número de
usuários/seguidores)
é um desafio
inicialmente para os
pesquisadores, mas
que possibilitou a
construção de
memórias coletivas,
a escuta de valores,
conceitos, ideias e
tradições.
FONTE: Elaborado pela pesquisadora com base nos bancos de dados da BDTD, Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES e SCIELO
leitores nos anos ferramenta para a utilizados para a contação de história para o
iniciais do Ensino formação de coleta e análise dos desenvolvimento da
Fundamental leitores nos anos dados foram: imaginação dos alunos e
(SILVA, 2020). iniciais do Ensino questionário, para a formação de leitores
Fundamental entrevista e diário críticos. Os dados apontam
de campo. a utilização da prática de
contação para fins
estritamente pedagógicos,
que não favorecem a
formação do gosto pelo
texto literário; a
necessidade do professor
ser também o sujeito leitor;
que a contação de histórias
chama a atenção da maioria
dos alunos; e que é
necessário um
redimensionamento da
prática docente para
utilização da contação de
histórias como recurso
capaz de contribuir com a
formação de leitores.
FONTE: Elaborado pela pesquisadora com base no banco de dados da Plataforma Sucupira
Com base nos estudos realizados acerca da nossa temática, verificamos que muitos são
os trabalhos que tratam da contação de histórias e formação de leitores em diversas etapas da
Educação Básica e sob diferentes perspectivas. Contudo, não encontramos nenhuma pesquisa
que discutisse as práticas de contação de histórias mediadas pelas ferramentas tecnológicas
durante o ensino remoto. Vale reforçar que os trabalhos encontrados sobre o ensino remoto
foram realizados no âmbito do Ensino Fundamental – Anos Finais, Ensino Médio, nível
superior e gestão escolar, e abordados, em sua maioria, na área das ciências exatas e da natureza,
como matemática, física e química.
Há, pois, a necessidade de apresentar aos alunos, a linguagem estética e simbólica da
literatura, através da contação de histórias em suas inúmeras formas de manifestações, a partir
de vários suportes, para que comecem desde cedo, a apreciar os encantamentos que a leitura
literária nos permite experimentar. Contudo, se a formação de leitores, por gosto, se constitui
um desafio diário para os professores, durante o ensino remoto, tal desafio se intensificou ainda
mais, pois além da distância física entre professores e alunos, existem ainda outros obstáculos
que dificultam esse processo de ensino-aprendizagem por meio das tecnologias.
O diferencial desse estudo está no fato de investigar as práticas de contação de histórias
com vistas a formação de leitores durante a pandemia da COVID-19, sob o olhar reflexivo de
32
professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que poderá resultar em um dos
primeiros trabalhos que discute esta temática no âmbito desse ensino emergencial e nessa etapa
de ensino. Além disso, intenciona contribuir com a formação continuada dos professores, ao
propor espaços de discussões (teóricos e práticos) acerca da literatura, leitura, contação de
histórias e uso das tecnologias no contexto pedagógico.
De forma didática, essa dissertação será organizada em seis (6) capítulos, além das
referências, anexos e apêndices. O primeiro capítulo discorre sobre as considerações iniciais
do trabalho. Traz uma breve contextualização acerca do objeto de estudo e da temática a ser
discutida; apresenta a questão-problema, os objetivos (geral e específicos) e as motivações
(pessoais, profissionais, acadêmicas e sociais) que fizeram emergir este estudo; e situa as
contribuições para o universo acadêmico, no que diz respeito a ampliação da discussão acerca
da temática delineada e para a Educação Básica quanto ao aumento da qualidade do ensino e
enriquecimento das práticas de leitura literária por meio da contação de histórias.
O segundo capítulo apresenta o percurso metodológico e o contexto em que a pesquisa
foi realizada, além de sistematizar as etapas que foram seguidas em toda a investigação. O
terceiro capítulo aborda as discussões teóricas no âmbito do ensino remoto e das tecnologias,
o que norteou nossas reflexões acerca da educação no contexto pandêmico e o uso das
tecnologias no ensino, seus desafios e possibilidades.
No quarto capítulo, apresentamos a discussão teórica acerca da importância da
contação de histórias para a formação de leitores. Para isso, resgatamos aspectos importantes
do surgimento dessa arte antiga e as adaptações pelas quais teve de passar para não deixar de
existir com as mudanças da sociedade, e trouxemos reflexões sobre a presença e importância
das narrativas e seus elementos básicos no ambiente escolar.
No quinto capítulo realizamos a análise do corpus da pesquisa, construídos a partir da
aplicação do questionário e da realização da entrevista semiestruturada e coletiva, realizada
com as professoras colaboradoras. Por meio do diálogo entre os dados empíricos e a teoria
estudada, conseguimos fazer novas descobertas e construir novos saberes acerca da temática
delineada nesse estudo. Além disso, apresentamos de forma breve, alguns recursos e técnicas
que poderão contribuir com o enriquecimento das práticas de contação de histórias no âmbito
da Educação Básica.
No sexto capítulo apresentamos as considerações finais, na qual retomamos os aspectos
primordiais da pesquisa, a fim de trazer possíveis contributos teóricos e práticos para a
Educação Básica e para a nossa formação enquanto docentes. Ainda indicamos nas
Referências, as fontes teóricas em que nos fundamentamos ao longo de toda a pesquisa; nos
33
Para iniciar o delineamento desse processo, começamos ressaltando que esta pesquisa
se vincula ao campo da educação, no qual os sujeitos imersos em sua realidade, têm a liberdade
de construir sentidos de acordo com as experiências pedagógicas. Trata-se de uma pesquisa
aplicada, já que poderá trazer contributos para a realidade investigada, a partir da discussão
teórica e das proposições de estratégias e recursos que podem vir favorecer o aprimoramento
das práticas de contação de histórias realizadas, com e sem o auxílio das tecnologias, por
professores da Educação Básica. A pesquisa tem como base epistemológica, a dialética. Esta
por sua vez,
números, pois há um universo de significados que precisam ser analisados atentamente pelo
pesquisador. A abordagem qualitativa,
[...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes e é entendido como parte da realidade
social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o
que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e
partilhada com seus semelhantes (MINAYO, 2009, p. 21).
coisas [...]”, isto é, não se limita a descrição dos fatos, mas apresenta-os, problematiza, justifica,
explica e argumenta. Essa perspectiva é apropriada ao presente trabalho pelo fato de
objetivarmos não apenas descrever as práticas de contação de histórias realizadas por
educadores durante o ensino emergencial, mas compreender a partir da vinculação
colaborador/sujeito pesquisado e realidade pedagógica existente, por exemplo, quais são os
desafios e possibilidades que permeiam esse trabalho e com qual frequência e intencionalidade
tais práticas são realizadas. Assim, através da problematização e explicação da realidade
investigada, podemos encontrar respostas para as perguntas iniciais, pontuar aspectos essenciais
do processo e propor alternativas para o problema investigado.
No que diz respeito aos procedimentos técnicos para a coleta de dados, realizamos
inicialmente um levantamento bibliográfico e, posteriormente, a pesquisa de campo. O
levantamento bibliográfico é indispensável para a fundamentação teórica de qualquer estudo
investigativo, pois a partir deste será possível selecionar e reunir teorias que discutam e
dialoguem com a temática abordada ao longo do trabalho. Conforme aponta Gil (2008), o
levantamento bibliográfico está disponível nos mais diversos suportes (físicos ou virtuais) para
que possamos buscar teorias que contribuam com o aprofundamento de nossa pesquisa.
Para fundamentarmos o presente estudo, recorremos aos contributos teóricos de
(ALVES, 2020; MEDEIROS, 2019; RIBEIRO, 2020; KENSKI, 2007; 2012; MORAN, 2000)
dentre outros, que discutem sobre a concepção de ensino remoto, seus encontros e desencontros
frente a uma educação de qualidade; as mudanças oriundas na sociedade a partir do advento das
tecnologias e como isso se reflete no contexto educacional; (CANDIDO, 2002; 2011; FARIAS;
2011; BUSATTO, 2012; 2013; SISTO, 2012; BEZERRA, 2020) que defendem o acesso à
literatura como uma necessidade básica e um direito de todos; compreendem a contação de
histórias como uma arte que atravessa as gerações por meio de seu caráter lúdico e dinâmico e
que consegue se manter viva até os dias atuais, podendo causar encantamento naqueles que se
permitem viver tal experiência; e que reconhecem a relevância da contação de histórias para o
despertar do gosto pela leitura e por conseguinte para a formação de leitores.
O estudo de campo, de acordo com Gonçalves (2001, p. 67) é “[...] o tipo de pesquisa
que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada [...]”, isto é, exige
um contato mais direto do pesquisador com o espaço e sujeitos pesquisados. Além disso, a
interação entre pesquisador, sujeito e realidade social possibilita a construção do conhecimento.
Então, a pesquisa de campo,
38
Para que essa aproximação seja possível, faz-se necessário que o pesquisador se desfaça
de seus pré-julgamentos acerca do seu objeto de estudo, seja curioso, criativo e capaz de
confrontar as discussões teóricas com as descobertas no campo empírico, e assim, estabelecer
aproximações e distanciamentos entre a teoria e a prática. Bogdan e Biklen (1994, p. 113)
afirmam que “o trabalho de campo se refere ao estar dentro do mundo do sujeito [...]” e isso
implica aprender algo com esse sujeito, escutar seus anseios, ser empático com a realidade em
que está inserido. Fazendo isso, o pesquisador não deseja ser superior aos colaboradores, mas
cria uma relação harmônica, sem preconceitos, para que o estudo de campo tenha qualidade, o
que só será possível se passar “[...] pelo estabelecimento de relações[...]” quer quando
aplicamos o questionário ou quando realizamos a entrevista coletiva ou as oficinas formativas
(aspectos que serão detalhados na próxima seção).
Faz-se importante lembrar que nossa aproximação com o campo de estudo e com os
colaboradores da pesquisa se deu de forma remota, por meio do aplicativo de mensagens
WhatsApp, do formulário eletrônico Google forms e da plataforma de videoconferência Google
Meet, tendo em vista os protocolos de segurança estabelecidos pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), em virtude do contexto pandêmico estruturado em todo o mundo, por causa do
coronavírus. Assim, esse estudo pode configurar-se como uma pesquisa online, visto que
segundo Flick (2013, p. 164, grifo do autor) “[...] a pesquisa que usa a internet como um
instrumento para a realização de pesquisa social é às vezes chamada de “pesquisa on-line” [...]”.
Acreditamos que a pesquisa de campo se adequa ao nosso trabalho pelo fato de
necessitarmos adentrar no espaço escolar e conhecer as práticas de contação de histórias
realizadas em turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais durante o contexto pandêmico (o
modo como esse trabalho acontece, quais as dificuldades que se impõem e as estratégias
encontradas para que esse trabalho com a linguagem simbólica das histórias se tornasse possível
e chegasse até os alunos por meio dos recursos tecnológicos), a partir da voz das educadoras,
visto que são esses sujeitos que vivenciam na prática e de forma mais direta esse desafio duplo
(o de formar leitores e o ensino remoto).
Nesse sentido, apresentamos na seção seguinte, as técnicas adotadas nesse estudo
investigativo para a construção dos dados empíricos e para o desvelar de sentidos e significados
que permeiam as práticas de contação de histórias com vistas a formação leitora dos educandos.
39
melhor represente aquilo que acredita, vivencia ou deseja, o que acaba por gerar maior
uniformidade nas respostas, já que a escolha por uma mesma opção poderá ocorrer mais de uma
vez.
Nessa fase, intencionamos traçar o perfil acadêmico (escolaridade e se possui ou não
pós-graduação), profissional (qual escola trabalha, em que turma atua, quantos anos de docência
na escola e qual vínculo empregatício possui) e leitor (quais tipos de leitura faz e com qual
frequência e intencionalidade, bem como relato de experiência com o texto literário) das
professoras; conhecer as formas de interação estabelecida com os alunos durante o ensino
remoto, sua periodicidade, e se o contato com o universo da leitura através da contação de
histórias é oportunizado, bem como, abrir um espaço para que as educadoras avaliem e
justifiquem a sua prática pedagógica e a participação dos alunos nessa nova forma de ensinar e
aprender.
Aplicado o questionário, realizamos a leitura e uma análise breve dos dados obtidos para
sistematizarmos a caracterização das professoras, assim como suas primeiras percepções acerca
dos aspectos abordados no questionário. Feito isso, realizamos a entrevista com as
colaboradoras da pesquisa, cuja realização justifica-se pelo fato de combinar “[...] perguntas
fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em
questão sem se prender à indagação formulada” (MINAYO, 2009, p. 65). Isso permitiu as
colaboradoras expressarem suas opiniões, ideias e experiências acerca da temática abordada,
dando mais confiança a pesquisadora.
A entrevista se configura em uma ação dialógica entre os sujeitos, uma forma de
interação social, na qual há trocas, compartilhamento de ideias, conhecimentos e significados
(BAUER; GASKELL, 2002). Constitui-se em uma “[...] técnica em que o investigador se
apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados
que interessam à investigação [...]” (GIL, 2008, p. 109). A partir da escuta, do que o outro
apresenta, buscamos entender os conceitos, ideias, experiências e opiniões que os sujeitos
entrevistados carregavam e como isso se relacionava à realidade em que estão inseridos.
Nessa perspectiva, acreditamos que a partir do diálogo travado com as entrevistadas,
compreendemos aspectos peculiares do nosso objeto de estudo, bem como encontramos as
respostas para as perguntas iniciais e, por consequência, construímos novos saberes. Para isso,
elaboramos questões que nortearam o diálogo e que puderam ser reelaboradas e retomadas de
acordo com as respostas das colaboradoras. Nessa vertente,
41
Nesse estudo, optamos pela entrevista semiestruturada que, segundo Flick (2013), é
organizada a partir de um guia ou roteiro com questionamentos norteadores que abrangem os
objetivos da entrevista, pois julgamos mais adequada ao que propomos realizar na pesquisa e
por nos propiciar mais segurança, visto que elaboramos questões que serviram como guia para
conduzir a discussão. Com isso, não apresentamos alternativas para respostas, mas criamos um
espaço para que as entrevistadas expusessem livremente suas opiniões acerca da temática
investigada. Nessa pesquisa, utilizamos a entrevista coletiva, visto que esta torna-se útil “[...]
para transportar o entrevistador para o mundo dos sujeitos” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.
138) à medida que o grupo se sentir encorajado e a vontade para falar sobre a temática abordada.
Além disso, por meio do diálogo estabelecido entre as entrevistadas, uma estimulava a
outra a posicionar-se em determinada questão, o que contribuiu com a ampliação da discussão
e com o surgimento de novas ideias problematizadas pelo grupo. Kramer (2007, p. 65) afirma
que “[...] nas entrevistas coletivas, a situação dialógica é enriquecida, as análises são mais
profundas e substanciais e, acima de tudo, a perplexidade é expressa [...]”. Os sujeitos
encontram-se em interação social, compartilhando e apreendendo novos saberes, pois, através
da escuta do outro, somos convidados a conhecer outras realidades e novas experiências e
refletir sobre suas limitações e fragilidades, bem como, vislumbrar o caminho futuro. Nessa
perspectiva,
A escola, enquanto instituição social, tem o papel de promover a formação integral dos
sujeitos, bem como possibilitar o acesso ao universo literário e aos bens culturais. Acreditando
nisso, realizamos a presente pesquisa em turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental de
uma escola da rede estadual de ensino, localizada no município de Pau dos Ferros (RN), mais
conhecido como Princesinha do Oeste. Os sujeitos da pesquisa são do sexo feminino e, a fim
de preservarmos sua identidade e a da instituição escolar em que atuam e respeitarmos os
princípios éticos na pesquisa, usamos nomes fictícios para nos referirmos a cada uma.
A Escola Estadual “País das Maravilhas” está situada em um bairro periférico da cidade
de Pau dos Ferros e possui aproximadamente 120 alunos matriculados em turmas do 1º ao 5º
ano do Ensino Fundamental, nos turnos matutino (1º ao 3º ano) e vespertino (4º e 5º ano). Essa
instituição escolar possui um diferencial se comparada a outras escolas do município: o
estabelecimento de uma parceria com o Programa BALE desde o ano de 2007. O BALE é um
Programa de Extensão do CAPF/UERN e foi idealizado em 2007 pelas professoras Lúcia
Sampaio e Renata Mascarenhas.
O principal objetivo do Programa é democratizar o acesso ao livro literário, disseminar
o gosto pela leitura e formar novos leitores e mediadores de leitura, através de diferentes ações
(dentre elas, a contação de histórias). Essa ação surge como uma necessidade social e como
uma resposta a falta de políticas públicas voltadas para o incentivo à leitura de literatura na
região do Alto Oeste Potiguar. A escola (lócus da pesquisa) foi uma das primeiras instituições
a estabelecer vínculo com o programa BALE e a única a ter a atuação do Projeto BALE-MIRIM
na biblioteca. Esse projeto intenciona formar os alunos da escola como leitores e mediadores
de leitura literária, no qual à medida que descobrem o gosto pela literatura, também
compartilham experiências com seus pares e formam outros leitores.
Acreditamos que a escola, por ter a oportunidade de trocar experiências com um
programa desta natureza, de fomento à leitura, deva buscar em suas práticas diárias, o
44
NA
ESCOLA
Alice Entre Ensino Superior Funcionária
31 e 40 completo e estadual – Efetiva 8 anos 1º ano
anos especialização em
Educação Infantil
Pollyanna Mais de Ensino Superior Funcionária 4 anos 3º ano
50 anos completo estadual – Efetiva
FONTE: construído pela pesquisadora com base no questionário online (2021)
Conforme síntese dos dados, as educadoras possuem formação inicial específica na área
em que atuam, e uma delas possui pós-graduação lato sensu em Educação Infantil. Ambas
atuam há mais de três na escola e exercem à docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
mais especificadamente, no ciclo de alfabetização. Acreditamos que a experiência das
professoras tem muito a acrescentar nesse estudo, visto que estão inseridas nos primeiros anos
do percurso estudantil dos alunos e têm a responsabilidade de apresentar, de forma mais
sistemática e intencional, o universo da leitura e da escrita aos educandos.
A partir da resposta das professoras ao questionário online, é possível afirmar que ambas
possuem o primeiro requisito básico para ser um mediador de leitura literária, ser antes de tudo,
alguém que encontra prazer na leitura, ser leitor de literatura (AMARILHA, 2012). Como se vê
no quadro, as profissionais realizam diversas leituras diariamente. Acreditamos que a finalidade
com que buscam a leitura é modificada de acordo com a necessidade de cada uma, por exemplo,
o jornal pode ser lido com o intuito de buscar informações sobre as últimas notícias e
acontecimentos da região e do mundo, vagas de emprego, destaques da semana; a internet para
buscar entretenimento, notícias, troca de mensagens; e livros literários para apreciar, relaxar,
divertir, imaginar.
46
Quando questionadas acerca da finalidade da última leitura realizada, afirmam que foi
feita por prazer, por deleite e para mediar/contar para os alunos, o que nos permite inferir que
a sala de aula também é um espaço para o professor construir novas aprendizagens, aumentar o
repertório de leitura a partir da troca de experiências com os alunos e descobrir o gosto e o
prazer pelas histórias (AMARILHA, 2012).
Nesse caso, se pensarmos nos saberes necessários ao professor para mediar o contato
dos alunos com as histórias, podemos afirmar que, antes de apresentar métodos, técnicas e
recursos para o educador realizar uma contação de história de qualidade, é preciso que este,
tenha despertado primeiro, o gosto pelo livro literário. Por esse motivo, consideramos relevante
abrir um espaço para que as colaboradoras relatassem no questionário sua relação e experiência
com a leitura de literatura. Elas escrevem o seguinte:
A professora Alice destaca como leitura de sua preferência, aquela que a permite
imaginar, fantasiar, visitar diversos lugares, conhecer personagens e realidades diversas, ou
seja, a leitura de literatura. Isso porque, composta pela linguagem simbólica, a literatura nos dá
acesso a um outro mundo, no qual é possível criar, imaginar, expressar sentimentos, propor
resoluções para os problemas apresentados, viver novas experiências. Além disso, sinaliza que
com o passar do tempo, a frequência com que lia textos literários foi diminuindo e no contexto
da pandemia da COVID-19 foi possível retomar a partir da compra de livros em formato digital.
47
da instituição quanto pelas educadoras, o que nos motivou ainda mais, a seguir em frente e
desempenhar da melhor forma possível, o nosso papel enquanto pesquisadoras e construtoras
do conhecimento.
Em um segundo momento, realizamos a aplicação do questionário online por meio do
Google Forms - ferramenta do Google - com questões abertas e fechadas, com o objetivo de
traçarmos o perfil pessoal, acadêmico, profissional e leitor das educadoras. Buscamos um
consenso entre as participantes quanto as datas e a quantidade de dias para responderem o
formulário, a fim de respeitar a disponibilidade e particularidade de cada uma. Em outro
momento, realizamos o agendamento da entrevista coletiva semiestruturada pelo Google Meet,
plataforma virtual gratuita que possibilita a realização de videoconferências e envio de
mensagens por meio do chat e que as colaboradoras já tinham familiaridade por trabalharem
com ela nas aulas remotas.
Contudo, deixamos esclarecido que, por dependermos de aspectos que “escapam” do
nosso controle, como por exemplo, a internet, se houvesse algum imprevisto por qualquer uma
das partes (colaboradoras e/ou pesquisadoras), entraríamos em contato uma com as outras,
justificaríamos o ocorrido e remarcaríamos a entrevista conforme a disponibilidade de todas.
Além disso, foi assegurado as participantes a opção de desistir ou retirar o seu consentimento
para participar da pesquisa, cabendo a pesquisadora adaptar seu estudo e assegurar a
participante o seu direito de não colaborar sem que haja qualquer problema para si.
Nessa perspectiva, a entrevista foi marcada com as colaboradoras para o dia 22 de
outubro de 2021, às 19h00, de acordo a preferência e disponibilidade delas, pois não era nosso
intuito prejudicá-las ou retirá-las de suas atividades escolares ou outras demandas que viessem
a desempenhar. Compareceram a entrevista no dia e horário marcados, as professoras do 1º e
3º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual “País das Maravilhas”. Logo depois,
passamos a nos organizar para a realização da leitura, análise e interpretação dos dados para o
direcionamento intencional da proposta de intervenção a ser desenvolvida junto à escola e que
detalharemos um pouco mais no tópico a seguir.
dos dados obtidos torna-se possível classificar e agrupar palavras, ideias e conceitos em
categorias, isto é, seu objetivo não é quantificar os sujeitos e opiniões, mas explorar os
significados e opiniões construídos e emitidos pelos colaboradores. Gomes (2009, p. 87)
destaca a “[...] categorização, inferência, descrição e interpretação [...]” como procedimentos
metodológicos importantes para análise de dados na perspectiva da pesquisa qualitativa. Isto é,
dividimos o material empírico em partes menores (palavras, frases, enunciados), distribuímos
essas partes em categorias críticas, descrevemos os achados da análise, fazemos inferências
acerca dos resultados encontrados e interpretamos os resultados à luz da fundamentação teórica
e objetivos adotados para a pesquisa.
A análise de dados não se constitui na mera descrição das opiniões, ideias e experiências
dos sujeitos pesquisados, mas de um momento de confronto e reflexão acerca da teoria
estudada, dos dados obtidos e da criatividade (aspecto indispensável para a fase de inferências)
do pesquisador. O objetivo da análise dos dados é ir além da descrição dos fatos, a partir da
decomposição dos dados e do estabelecimento das relações entre as experiências apresentadas
pelos colaboradores, os dados sistematizados e as teorias estudadas.
No caso desse estudo investigativo, adotamos o método de interpretação de sentidos
como técnica para análise de dados, visto que tal proposta abrange a compreensão de palavras,
ações, grupos, relações sociais, dentre outras e entende a construção de tudo isso a partir da
articulação entre as estruturas de significados estabelecidas a partir das interações sociais
(GOMES, 2009). Tal proposta de interpretação de dados dialoga com a concepção dialética
(base epistemológica dessa pesquisa) que, segundo Gomes (2009), corrobora com a
interpretação qualitativa dos dados, pois o diálogo estabelecido entre os partícipes da pesquisa
e as ressignificações construídas pelo pesquisador resultam na interação entre os fatos e
consequentemente em sua contextualização. O Método de Interpretação de Sentidos,
Tal abordagem de análise vai além da descrição dos dados, sujeitos e conceitos, pois
caminha rumo a compreensão dos contextos em que as falas e relatos emergem. Assim,
enquanto pesquisadores precisamos confrontar as ideias, os diferentes posicionamentos e o
distanciamento entre as falas e as ações. Para que a interpretação dos dados à luz do método de
interpretação de sentidos seja possível, faz-se necessário: “[...] a) buscar a lógica interna dos
50
fatos, dos relatos [...]; b) situar os fatos, os relatos [...] no contexto dos atores; c) produzir um
relato dos fatos em que seus atores nele se reconheçam” (GOMES, 2009, p. 100). É preciso que
atribuamos sentidos e significados aos dados coletados, contextualizemos estes, à realidade em
que os sujeitos estão inseridos e redijamos um relato desse processo investigativo de modo que
os colaboradores se identifiquem e se reconheçam. Assim, quais caminhos teremos de seguir
para chegarmos à interpretação dos dados? Gomes (2009, p. 100-101) aponta as seguintes
etapas para que seja possível o alcance da interpretação dos dados: “(i) leitura compreensiva do
material selecionado; (ii) exploração do material; (iii) elaboração de síntese interpretativa”.
A primeira etapa corresponde a visão de totalidade e singularidades do material
construído, assim como a organização da estrutura de análise (sistematização das categorias)
que contribuirá com uma melhor interpretação dos dados. A segunda etapa abrange a
exploração minuciosa do material construído, o que exige do pesquisador criatividade e
reflexão, pois não podemos nos deter a superficialidade dos fatos, precisamos ir além do que
está visível e fazer a leitura do que está nas entrelinhas. Para isso, é preciso identificar e
problematizar as ideias apresentadas pelos sujeitos; buscar significados mais amplos associados
a estas ideias (entender o contexto de quem fala); e estabelecer o diálogo entre a
problematização do estudo, os dados provenientes dos colaboradores e de outras pesquisas e as
teorias estudadas ao longo da pesquisa. A última etapa equivale a construção da síntese da
interpretação dos dados coletados, o que só se torna possível a partir da articulação entre os
objetivos previamente estabelecidos, a questão-problema, os dados da pesquisa empírica e a
base teórica estudada (GOMES, 2009).
Observando esses passos enumerados pelo autor no que diz respeito ao tratamento e
análise dos dados, realizamos, em um primeiro momento, a leitura compreensiva das respostas
do questionário e das falas da entrevista coletiva semiestruturada das colaboradoras,
objetivando a visão de totalidade, compreensão das singularidades dos sujeitos quanto as
experiências com as práticas de contação de histórias e identificação das temáticas que poderão
sintetizar e agrupar relatos das entrevistadas.
Na segunda etapa, fizemos o recorte de trechos importantes da entrevista feita com as
professoras e agrupamos às ideias implícitas e explícitas às categorias construídas, a saber: (i)
importância do trabalho com leitura literária no âmbito da Educação Básica, (ii) a tecnologia e
a contação de histórias, e (iii) a formação de leitores durante o ensino remoto. Por fim, na
terceira etapa, construímos o resumo da interpretação a partir da recapitulação dos sentidos mais
amplos associados às ideias mais particulares. Para tanto, estabelecemos um diálogo: com as
teorias abordadas e estudadas ao longo da pesquisa e os relatos das colaboradoras; com as
51
1
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/DLG6-2020.htm Acesso em: 22 jan. 2020
2
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14511-
pcp005-20&category_slud=marco-2020-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 25 jan. 2020
54
3
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L14040.htm Acesso em: 30 jan.
2020.
55
efetivamente mudou no processo educativo dos sujeitos durante a pandemia? Mudou as formas
de interação, pois o tempo e o espaço para aprender foram reconfigurados.
Além disso, professores e alunos foram desafiados a aprender novas habilidades e a
reinventar-se, principalmente, os primeiros, pois como bem salientou Alves (2020), os
educadores precisaram, por exemplo, reorganizar rotinas; adaptar suas casas/ambientes de
trabalho; fazer gestão de tempo; adequar metodologias; adotar novos recursos (plataformas
digitais, jogos virtuais, leituras interativas, áudios, vídeos, dentre outros); e buscar novas
estratégias para tornar os conteúdos atrativos e compreensíveis para os alunos. Tais
possibilidades/alternativas, encontradas ao longo desse percurso, buscaram atenuar os impactos
negativos dessa retirada brusca dos alunos do ambiente presencial/físico da escola. Por outro
lado, sabemos que o número de escolas que dispõe e não dispõe de boas estruturas e
equipamentos, de professores mais e menos preparados para atuar no ensino remoto e de
estudantes que tem e não tem uma boa conexão de internet é desproporcional, o que acaba por
evidenciar as desigualdades entre as camadas sociais e as escolas (RIBEIRO, 2020).
O ensino remoto se configura como uma alternativa emergencial diante do caos
estabelecido em todo o mundo, porém, apesar de surgir como uma possibilidade para diminuir
os impactos negativos na educação, impôs muitos desafios aos educadores e evidenciou as
desigualdades que separam a sociedade em dois extremos (ricos e pobres). Assim,
No que diz respeito ao ensino mediado pelo professor, podemos elucidar que este, por
não ter, na maioria das vezes, muita familiaridade com as tecnologias, teve que se autoformar
de forma aligeirada por meio dos tutoriais no YouTube e cursos de curta duração, para aprender
a manusear aplicativos e plataformas digitais como Google Meet, Zoom e Skype, gravar vídeos
e editá-los, adaptar seu espaço pessoal e torná-lo sua sala de aula, e colocar à disposição dos
pais seu contato (pessoal) para tirar dúvidas, encaminhar atividades e receber devolutivas.
Diante disso,
O autor nos permite compreender que o acesso à informação, aos meios tecnológicos e
seus contributos, assim como a educação, deve ser um direito de todos. Para tanto, sugere que
a sociedade e, sobretudo, os governantes, invistam em políticas públicas que diminuam as
desigualdades existentes entre as diferentes classes sociais. Assim, torna-se perceptível que
muitos são os desafios que embalam a sociedade nesse contexto pandêmico. Contudo,
acreditamos, assim como Ribeiro (2020, p. 05), que “[...] a excepcionalidade deste episódio
talvez nos leve a aprender algo sobre tecnologias e educação, sem abandonar nosso
compromisso social e ético”, isto é, apesar das dificuldades, poderemos fazer descobertas -
relacionadas ao uso pedagógico das tecnologias - que futuramente (pós-pandemia) poderão
revolucionar o ensino e contribuir satisfatoriamente com a aprendizagem dos educandos.
O avanço das tecnologias provocou inúmeras transformações na sociedade, no modo de
vida e no comportamento das pessoas. Segundo Medeiros (2019, p. 54) “a história da tecnologia
vem registrada junto à história das técnicas, do trabalho e da produção humana [...]”, isso porque
em cada época da história houve o domínio de uma tecnologia por parte de seus habitantes.
Sobre isso, Kenski (2007) ressalta que os nossos ancestrais, quando fizeram o uso da pedra e
de outros recursos da natureza, a fim de se beneficiar e garantir sua sobrevivência frente às
outras espécies, por exemplo, possibilitaram a criação de tecnologias, cuja definição transcende
o uso de máquinas e equipamentos sofisticados. Ainda para Kenski (2007, p. 15) “as tecnologias
são tão antigas quanto a espécie humana [...]”, pois desde os primórdios da história, o homem
em seu processo de evolução cria e aperfeiçoa ferramentas, recursos e técnicas para garantir a
sua sobrevivência e aumentar sua qualidade de vida, ou seja, a capacidade de raciocinar e criar,
57
permite que o homem adapte, invente e ressignifique aquilo que tem em mãos a seu favor
(KENSKI, 2007).
Entretanto, apesar dos avanços tecnológicos ser uma pauta recorrente em pesquisas e
noticiários e estar presente em nosso cotidiano diariamente, ainda temos uma visão muito
limitada e negativa da tecnologia, já que na maioria das vezes a associamos a máquinas,
ferramentas ou algo de difícil manuseio. Tecnologia, de acordo com Kenski (2007, p. 24), é um
“[...] conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à
construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade [...]”, logo,
não podemos reduzi-la ao uso de equipamentos, pois seu conceito abrange todas as coisas que
o homem conseguiu/consegue criar. Kenski (2007, p. 20) aborda, por exemplo, o cérebro
humano como uma das mais “[...] diferenciadas e aperfeiçoadas das tecnologias [...]”, isso
porque é a capacidade de raciocinar, criar e usar os instrumentos/conhecimentos de acordo com
suas necessidades que diferencia o homem dos outros animais. Além disso, a autora aponta a
linguagem como uma tecnologia que não se materializa/manifesta por meio de uma máquina
ou equipamento, mas que foi construída e organizada por diversas gerações a fim de facilitar a
comunicação entre os diferentes grupos.
As inovações resultantes da atuação do homem em busca de melhorias que aumentem a
qualidade de vida não param no tempo, mas acompanham as mudanças sociais, políticas,
econômicas e culturais pelas quais passam a sociedade. O século XVIII, por exemplo, ficou
marcado pelas “[...] invenções tecnológicas da Revolução Industrial [...]” (MEDEIROS, 2019,
p. 54) que desencadearam inúmeras mudanças no setor produtivo. Dentre as transformações,
Valente (1999, p. 54, grifos do autor) ressalta “[...] a mudança de paradigma − do paradigma
da produção em massa, do empurrar a produção (‘push’) para o paradigma da produção
‘enxuta’, do puxar a produção (‘pull’) [...]”, além disso, enfatiza que tais mudanças “[...]
demarcam a passagem da sociedade do conhecimento [...]” (VALENTE, 1999, p. 54), o que
significa dizer que todos os setores da sociedade foram afetados com estas modificações,
inclusive a educação.
A partir dessas mudanças, novas habilidades passaram a ser exigidas, sobretudo, no que
diz respeito a qualificação dos profissionais, tendo em vista que, enquanto a produção em massa
centralizava o trabalho em uma pessoa (especialista) que planejava, fragmentava e distribuía as
tarefas para os trabalhadores (com pouco aperfeiçoamento) realizarem, a produção enxuta
passou a exigir trabalhadores cada vez mais qualificados, autônomos, críticos e capazes de
solucionar problemas em tempo hábil (VALENTE, 1999). Os avanços decorrentes da
Revolução Industrial, as mudanças no setor de produção e consequentemente nos outros
58
Ao contrário do que muitos pensam, não é o uso das tecnologias que vai definir o
sucesso ou fracasso das práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, pois a tecnologia
é um meio¸ uma possibilidade que, quando bem utilizada, poderá contribuir com o
aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem dos sujeitos. Para tanto, o uso
pedagógico da tecnologia com vistas o desenvolvimento de aprendizagens precisa ser
intencional, logo, necessita de organização e planejamento (MORAN, 2000). Em educação, as
novas tecnologias podem ser entendidas a partir do,
No entanto, apesar das novas tecnologias terem ganhado espaço nas discussões
educacionais, há estudos que enfatizam que estas já não são tão novas assim (MEDEIROS,
2019). Dessa forma, em pesquisas mais recentes acerca dos avanços tecnológicos não se fala
mais em TIC, mas em Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Segundo
Schneider et al. (2020, p. 1076) “as TDIC são definidas como um conjunto de diferentes mídias
que utilizam o recurso digital”, logo, em relação as TIC, as TDIC modernizaram ainda mais as
relações comunicativas nos diversos setores da sociedade, aprimoraram as formas de interação
e comunicação entre as pessoas e possibilitaram o acesso a uma diversidade de informações por
meio de um clique, de modo a garantir melhor qualidade e rapidez nos serviços.
Segundo Medeiros (2019, p. 54) “as tecnologias digitais são fruto do desenvolvimento
tecnológico alcançado pelo ser humano e têm um papel fundamental no âmbito da inovação
[...]”. Hoje, com um smartphone em mãos, por exemplo, acessamos sites, pagamos contas,
pedimos comida, nos comunicamos com pessoas a quilômetros de distância por meio de
chamadas de voz e de vídeo, registramos momentos especiais por meio de fotos, baixamos
aplicativos de músicas, jogos, livros, enfim, temos uma infinidade de possibilidades.
Isto é, a partir das novas relações estabelecidas entre os sujeitos, e da modernização dos
meios comunicacionais, passamos a viver na cibercultura, que segundo Lemos (2004, p. 5) é
“[...] a cultura contemporânea, marcada basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade
on-line, pela navegação planetária, pela informação [...]”. A cibercultura é resultante da troca
social sob diferentes formatos digitais, chats, redes sociais, blogs, mensagens de textos e jogos
virtuais e da livre circulação dessas informações e tem como principal característica o
compartilhamento de ideias e conhecimentos na rede. Além disso,
Tudo isso, só tende a impulsionar novas transformações rumo a consolidação de uma sociedade
cada vez mais tecnológica, digital, interativa.
Problematizar a utilização das TDIC no ambiente educacional é indispensável,
sobretudo, quando o mundo inteiro teve de adotar por um longo período de meses, a tecnologia
como principal instrumento de trabalho dos educadores e milhares de outros profissionais.
Além disso, é reconhecer que o principal objetivo das TDIC,
(2020) nos convidam a refletir sobre a importância de conhecer a realidade social dos educandos
antes de introduzir as TDIC no âmbito da sala de aula, para não reforçar assim, as desigualdades
sociais existentes em nossa sociedade. Nessa perspectiva, afirmam:
critérios e procedimentos para adesão por meio de decretos, resoluções e portarias. O PROINFO
foi idealizado “[...] para promover o uso pedagógico de Tecnologias de Informática e
Comunicações (TICs) na rede pública de ensino fundamental e médio”, (BRASIL, 1997, p. 1),
Em face disso, visa contemplar as escolas públicas de Educação Básica com a instalação de
laboratórios de informática, proporcionar a melhoria do processo de ensino-aprendizagem a
partir da articulação entre ensino e tecnologia e contribuir com a formação continuada dos
professores envolvidos nas ações do programa, dentre outros objetivos que para serem
alcançados, precisam da atuação em regime de colaboração.
Essa iniciativa foi um passo importante rumo à articulação entre o processo educativo e
a tecnologia, pois a partir da inserção de dispositivos tecnológicos nas escolas dos municípios
e/ou Estados que aderiram ao programa, da reorganização de sua infraestrutura de modo a
favorecer uma aprendizagem de qualidade e da realização de capacitações para que os
profissionais da educação se familiarizassem e inserissem as tecnologias e suas ferramentas em
sala de aula de modo intencional e responsável, o processo de ensino-aprendizagem poderá
torna-se mais atrativo aos alunos que já encontram-se inseridos no ambiente virtual, que por
sua vez dispõe de novas linguagens e formas de interação.
Um outro documento normativo mais recente que rege, orienta e embasa a educação
brasileira, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), também traz
considerações sobre o uso da tecnologia. A BNCC, enquanto documento normativo, estabelece
“[...] o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica [...]” (BRASIL, 2018, p.
07). Logo, tornou-se referência para a reformulação dos currículos dos sistemas educacionais,
de modo a garantir que todos os educandos tenham seus direitos assegurados e que a
aprendizagem seja significativa e contextualizada às suas necessidades, bem como, às novas
exigências da sociedade atual a fim de formar o sujeito integralmente, em todas as suas
dimensões: física, intelectual, emocional, social e cultural. No que diz respeito às tecnologias,
a BNCC estabelece dentre as dez competências gerais, uma que está estritamente relacionada
ao uso da tecnologia. Na competência cinco (5) pontua-se:
[...] mais se as escolas devem ou não utilizar esses recursos como ferramenta
educacional, pois, como sabemos essa já é uma realidade atual. O que
precisará ser discutido e refletido são como essas tecnologias deverão ser
utilizadas de forma benéfica e eficiente, porquanto que elas auxiliam no
processo de ensino, mas, as escolas, os professores e os alunos serão sempre
os protagonistas que determinarão o sucesso deste projeto (MEDEIROS,
2019, p. 53).
viver na era digital, na era da informação. Segundo Moran, (2000, p. 18) a construção do
conhecimento na sociedade da informação não ocorre de modo “[...] fragmentado, mas
interdependente, interligado, intersensorial. [...] Conhecemos mais e melhor conectando,
juntando, relacionando, acessando o nosso objeto de todos os pontos de vistas, por todos os
caminhos [...]”.
O professor não poderá trabalhar de forma isolada, mas contextualizada à realidade
social em que estamos envoltos, levando em consideração a relevância de introduzir de forma
correta e responsável os alunos neste mundo de informações rápidas, ensinando-os a pesquisar
e selecionar dados em sites confiáveis, compartilhar e-books e livros interativos, construir
materiais e divulgá-los nas mídias digitais, buscar jogos e games educativos que os ajudem a
consolidar os conceitos apreendidos em aula e que favoreçam o trabalho colaborativo.
Relacionando, pois, as tecnologias e seus avanços à educação e mais especificamente
ao processo de ensino-aprendizagem é preciso reconhecer que, conforme salienta Kenski (1998,
p. 60, grifo da autora), “as velozes transformações tecnológicas da atualidade impõem novos
ritmos e dimensões à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente estado
de aprendizagem e de adaptação ao novo [...]”. O processo educativo precisa ser repensado a
fim de proporcionar aos alunos do século XXI, uma aprendizagem contextualizada, interativa,
colaborativa e dinâmica, aspectos contemplados pelo uso adequado e responsável das
tecnologias. Além disso,
A geração do século XXI tem contato diariamente com as tecnologias e seus artefatos.
Conectados à internet, as crianças, adolescentes e jovens estudantes têm acesso a jogos, games,
músicas, memes, vídeos, enfim, a informações diversas e a escola, sobretudo, os professores
não podem ignorar isso. Ao contrário, devem investigar meios de inserir os recursos
tecnológicos e as novas linguagens (que ganharam o favoritismo dos alunos) no processo de
ensino-aprendizagem, de modo a ampliar o conhecimento dos educandos e ensinar a usar as
ferramentas digitais e tecnológicas de modo consciente, responsável e crítico.
O constante estado de aprendizagem e adaptação ao novo, enfatizado por Kenski (1998),
nos remonta ao cenário construído no Brasil durante o ensino remoto implementado no decorrer
67
da pandemia da COVID-19 como uma alternativa para amenizar os impactos negativos no setor
educacional. O ensino remoto acabou revelando algumas fragilidades no que diz respeito ao
uso de tecnologias e ferramentas digitais como impulsionadoras de uma educação de qualidade,
contudo, mostrou também, que é possível introduzir a tecnologia no processo de ensino-
aprendizagem de forma positiva.
A experiência do ensino remoto modificou a dinâmica da aula, da escola, todos
(professores e alunos) tiveram de se reinventar e se adaptar ao novo formato de ensino-
aprendizagem. A cozinha, o quarto, a calçada e tantos outros espaços da casa das famílias
passaram a ser a sala de aula. O celular, computador, rádio e televisão (a depender da realidade
social dos sujeitos) passou a ser o ponto de encontro entre os protagonistas da escola, ou seja,
as práticas de ensino ultrapassaram o espaço físico da sala de aula, da escola para ganhar novos
espaços. Moran (2007) afirma que a educação de qualidade resulta da organização e
gerenciamento de atividades em diversos espaços (presenciais e virtuais). O autor não dispensa
o contato físico com o aluno em sala de aula, pois acredita ser este momento, importante para
a construção de vínculos afetivos, apresentação e discussão acerca da temática trabalhada pelo
docente, socialização dos resultados de pesquisas, projetos e trabalhos encaminhados para
serem feitos em outro momento e espaço que não fosse o da sala de aula. Dessa forma,
mediar o ensino-aprendizagem. O último princípio nos chama atenção, sobretudo, pelo apelo
com que lemos “valorizar a presença no que ela tem de melhor” (MORAN, 2000, p. 32). É
possível aproveitar seus aspectos positivos, estar abertos para investigar suas potencialidades,
planejar como inserir os diversos recursos tecnológicos nas práticas pedagógicas e criar
estratégias para viabilizar o contato dos educandos com as tecnologias e mídias digitais, sem
deixar de lado outras atividades que trabalhem com a oralidade, a escrita e as emoções, por
exemplo.
Ainda segundo o autor, o papel do educador será de orientar, desafiar, propor diálogos
e trabalhos em equipe e construir saberes junto com os alunos. Moran (2000, p. 142) afirma que
o professor deverá desenvolver “[...] o papel de mediação pedagógica”, isto é, o docente torna-
se a ponte que facilita a travessia do aluno em busca de uma aprendizagem na qual haja sentido
e que seja colaborativa e contextualizada com as suas necessidades. Assim, questionamos: O
que o professor deverá fazer para tornar possível esta travessia? Segundo Moran (2000), a
adoção de novas práticas pedagógicas não se limita a mera substituição de “velhas tecnologias”
(giz e quadro) por “novas” (computador e celular), mas compreende o trabalho,
[...] com técnicas que incentivem a participação dos alunos, a interação entre
eles, a pesquisa, o debate, o diálogo; que promovam a produção do
conhecimento; [...] que motivem o desenvolvimento de atitudes e valores
como ética, respeito nos outros e a suas opiniões, abertura ao novo, criticidade
[...] (MORAN, 2000, p. 143).
O professor deverá valer-se de técnicas que tragam o aluno para o centro do processo e
que contribuam para que os aprendizes se tornem protagonistas, construtores de sua
aprendizagem e não meros receptores passivos. Para tanto, o educador deverá diversificar suas
estratégias (com ou sem o uso da tecnologia) e adaptá-las à realidade e necessidade dos
educandos. Para Moran (2000), a tecnologia só será relevante no ambiente educacional se
facilitar a construção do conhecimento de modo significativo, contribuir para o alcance dos
objetivos traçados inicialmente e se mostrar eficiente para isso. Caso contrário, será apenas
mais um “elemento inovador” usado com perspectivas mecanicistas, que reproduzem um
ensino exclusivamente tradicional. Moran (2000), coloca ainda que um professor preocupado
em ser um mediador pedagógico deverá desenvolver algumas características essenciais.
Dentre as elencadas pelo autor, destacamos as seguintes: compreensão de que o aluno
está no centro do processo, haja vista que um ensino preocupado com a aprendizagem deve
pautar-se no diálogo e compartilhamento do conhecimento (professor e aluno aprendem e
ensinam juntos); preocupação em introduzir ações coletivas que contribuam para o
70
Para que haja mudança no ensinar e aprender a partir das tecnologias e mídias digitais,
é preciso revisitar alguns paradigmas e concepções que, muitas vezes, estão arraigadas em
71
As escolas do século XXI têm o desafio de desempenhar sua função social e formativa
na sociedade em que está inserida. Para tanto, torna-se importante o desenvolvimento de
estratégias que articulem as necessidades pedagógicas da instituição e as novas demandas que
surgem para professores e alunos em decorrência das inovações tecnológicas, porque os
interesses, atuações e modos de interações desses sujeitos são modificados à medida que as
transformações na sociedade acontecem. Conforme aponta os autores, a preocupação central da
escola deve ser no processo de ensino-aprendizagem, isto é, nos aspectos que envolvem o
ensinar e o aprender a partir das tecnologias. Além disso, é dada uma ênfase na formação dos
docentes, pois estes necessitam de preparação para usar de modo intencional, crítico e inovador
esses novos recursos oriundos das TDIC.
Dentre os impasses que dificultam a realização de um trabalho pedagógico, articulado
com as tecnologias, Moran (2007) destaca, por exemplo, a pouca familiaridade e a falta de
domínio dos profissionais de educação com os recursos tecnológicos, o uso complementar da
tecnologia nas escolas e a sua implementação nas práticas pedagógicas apenas para obtenção
de maior visibilidade e enfrentamento à concorrência. Kenski (2012) aponta a falta de
infraestrutura tecnológica nas instituições escolares como um empecilho para o trabalho
pedagógico com a tecnologia. Para a autora, é preciso que haja equipamentos (computador,
notebook, tablet ou smartphone) suficientes, em boas condições de uso e que estejam
conectados à internet. Este último aspecto é de suma importância, pois a partir do acesso à rede
as possibilidades de aprendizagens aumentam ainda mais, tendo em vista que os usuários
poderão navegar por livros, páginas, blogs, sites, jogos e games online, e-mails, redes sociais,
dentre outras alternativas.
No entanto, considerando nossas reais condições, sabemos que esta realidade ainda é
demasiadamente utópica no ensino público brasileiro, pois muitas são as escolas que não
dispõem sequer de uma boa infraestrutura para a mediação do ensino. De acordo com Kenski,
(2012, p. 56), o ensino privado, ao contrário, por dispor de “recursos próprios [...] pode garantir
com maior facilidade sua integração no mundo das redes eletrônicas de comunicação e
informação [...]”. Ainda segundo a autora, as diferenças entre as escolas públicas e privadas, no
que se refere ao acesso e uso das tecnologias enquanto recursos pedagógicos que favorecem a
construção de uma aprendizagem articulada às necessidades dos alunos e às exigências da
sociedade da informação, nos permitem visualizar um novo desafio a ser vencido: o de garantir
as instituições públicas as mesmas possibilidades de um ensino integrado ao universo digital e
informacional de que gozam as instituições privadas.
73
um novo desafio a ser superado no âmbito do ensino remoto. Com o fechamento das escolas,
os responsáveis pelos alunos se tornaram seus principais orientadores no processo de construção
do conhecimento e, muitas vezes, esses familiares, apesar de desejarem ver seus filhos, netos,
sobrinhos e irmãos galgando em direção aos estudos, não conseguiram ajudá-los nesse
momento de isolamento e distanciamento social devido sua pouca escolarização.
Como resultado dessa realidade, temos, por exemplo, a pouca participação ou ausência
da maioria dos alunos nas aulas remotas síncronas (quando estas acontecem) e a falta de
interesse de alguns em realizar as atividades assíncronas, o que faz com que os alunos tenham
sua aprendizagem prejudicada. Além dessas, outras dificuldades são enfrentadas pelos
familiares durante o ensino remoto e,
A maioria das famílias, cujos filhos estudam em escola pública, não dispõe de
computadores, o que significa que os alunos dependem dos celulares de seus responsáveis para
acompanhar e realizar as atividades enviadas pelos professores e a pouca experiência com as
plataformas de videoconferências como o Google Meet faz com que as famílias fiquem
desmotivadas em tentar o acesso.
Ademais, provavelmente, a maior dificuldade da família seja o que a autora pontua por
último: a mediação das atividades, pois além de possuir o conhecimento referente ao conteúdo,
os pais ou responsáveis dos alunos deverão usar estratégias adequadas para torná-lo
compreensível para os estudantes. Os desafios que dificultam o desenvolvimento de um ensino
integrado à tecnologia não acabam por aí, porém destacamos um último. Assim como Caetano
(2015), consideramos que “[...] o maior desafio é a formação de professores ao nível da
utilização pedagógica das tecnologias” (CAETANO, 2015, p. 306), pois a formação docente é
a base para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Nesse sentido,
Desde a década de 1970 essas formações foram pensadas sem integrar as TIC
em seu currículo, isto é, as TIC eram consideradas um assunto restrito e
somente especialistas da área a utilizavam, o conhecimento técnico era
desconectado do conhecimento pedagógico [...] (COSTA, 2017, p. 53).
77
Como se vê, por muito tempo, a integração da tecnologia ao currículo escolar e ao ensino
não foi uma pauta de grande importância na formação dos professores. Nos arriscamos em dizer
que até o período anterior à pandemia da COVID-19, não havia muita preocupação em inserir
as ferramentas tecnológicas no processo de ensino-aprendizagem, pois o seu uso (para muitos)
era considerado difícil ou ainda, porque deveria se restringir aos técnicos em informática.
Investir em disciplinas (formação inicial) e cursos/capacitações (formação continuada) que
tratem sobre as tecnologias, seu manuseio, desafios e possibilidades, por exemplo, para
qualificar melhor os educadores, era dispensável, pois o uso pedagógico das TDIC era uma
realidade distante (para não dizer impossível) na visão de muitos docentes. Para Linhares, Melo
e Costa (2020, p. 121), “a formação para o uso das TDIC na escola deve ser contínua e abranger
diferentes áreas e focos, assim como direcionar à prática docente, inúmeros programas,
aplicativos e ferramentas pedagógicas capazes de ampliar o leque da ação de ensinar”.
Ao integrar teoria e prática, os educadores terão oportunidade de redirecionar seu
planejamento inserindo as tecnologias, mídias digitais e comunicacionais em suas práticas;
pesquisar como implementar o uso dessas ferramentas com intencionalidade pedagógica;
repensar a avaliação de modo que os aspectos qualitativos sejam priorizados diante dos
quantitativos; e construir novos saberes em colaboração com os alunos. Costa (2017, p. 54)
afirma que as formações continuadas “[...] precisam ser mais dinâmicas e direcionadas, com
situações práticas de aprendizagem para o professor”. Tais informações devem possibilitar a
articulação entre teoria e prática e, além disso, devem incentivar os educadores a
problematizarem suas práticas, refletirem sobre suas ações pedagógicas, se disporem a
manusear as ferramentas tecnológicas e inseri-las em seu plano de trabalho, pois somente assim
deixarão os bastidores (no que tange ao uso das tecnologias) para adentrar no palco como
protagonistas.
Os encontros formativos que discutem e apresentam o uso das TDIC no contexto
educativo deverão, portanto, “[...] estimular, instigar e motivar os docentes, em riqueza de
detalhes, sobre os diferentes usos, viabilidade, potencialidades e capacidade de execução da
ferramenta no contexto das disciplinas (LINHARES; MELO; COSTA, 2020, p. 118). É preciso
apresentar aos educadores as potencialidades dessas ferramentas e como estas poderão ser
utilizadas em sala de aula para facilitar o fazer pedagógico e promover uma aprendizagem
qualitativa. O reconhecimento do potencial pedagógico das diversas ferramentas digitais,
tecnológicas e midiáticas no aperfeiçoamento da aprendizagem dos alunos é o primeiro passo
para que se possa investir em formações direcionadas aos diversos objetos de aprendizagem
interativos e plataformas específicas para os educadores (LINHARES; MELO; COSTA, 2020),
78
pois a apresentação inicial acerca dos contributos de cada recurso poderá ser um estímulo para
que os professores se sintam curiosos e impulsionados para aprender e usar tais ferramentas em
sua prática.
Por esse motivo, os autores assinalam a necessidade de encontros formativos voltados
para a atuação pedagógica em sala de aula, pois os professores poderiam se sentir mais abertos
para trabalhar com as TDIC e suas ferramentas, interessados e curiosos para dominar tais
recursos e usá-los em sua prática, a fim de contribuir com a construção do conhecimento de
modo significativo, colaborativo, dinâmico e desafiador (LINHARES; MELO; COSTA, 2020).
A formação do educador é contínua e inacabada, assim como as transformações pelas
quais passam a sociedade, pois todos os dias há o que aprender, assim como todos os dias
alguém inventa algo novo (KENSKI, 2012). O ensino remoto nos mostrou que, apesar de
usarmos alguns recursos tecnológicos em nosso dia a dia, ainda não sabemos muito sobre eles,
sobre suas potencialidades, principalmente, no que diz respeito ao seu uso didático-pedagógico.
No entanto, quando há disponibilidade e condições para aprender por parte do educador, esta
realidade é transformada e novas possibilidades e experiências passam a ser construídas e
mediadas por aquele que deseja ser e fazer a diferença na vida dos educandos. As linhas que se
seguem, traduzem o sentimento e a realidade de muitos educadores quando se depararam com
a realidade do ensino remoto ao longo da pandemia, pois reafirmam que enquanto educadores,
Embora ainda exista muito o que aprender sobre a tecnologias e, sobretudo, sobre suas
possibilidades para enriquecer as aulas (presenciais ou remotas), é possível ressaltar diante do
atual contexto pandêmico, que os professores foram desafiados e impulsionados a buscar meios
para se aprofundar, estudar e pesquisar recursos e caminhos possíveis para que a educação não
parasse. Os docentes se colocaram na condição de aprendizes e, mesmo diante de suas
limitações, ousaram caminhar por “terras”, até então, pouco conhecidas e exploradas, e com
curiosidade e desejo de aprender para ensinar e minimizar os impactos negativos na
79
de acordo com os sentimentos que lhes são transmitidos; dentre outras possibilidades
(MORAN, 2000). Além da televisão, Moran (2000) enfatiza as possibilidades de se trabalhar
com o computador e a internet no ambiente escolar ou fora dele. Mas o que é internet? É um
espaço de muitas possibilidades, de troca, de interação, pois possibilita que pessoas localizadas
em diferentes lugares se reúnam virtualmente com diferentes objetivos: conversar, marcar
encontros, realizar pesquisas, jogar, aprender. (KENSKI, 2012). No que diz respeito a
articulação entre o uso das ferramentas digitais e o trabalho com a leitura, por exemplo, é
possível afirmar que,
No século XXI, o estudante passa a ser ainda mais ativo na interação eletrônica
ao utilizar diversas páginas de relacionamentos como Instagram, Facebook,
blogs e fotologs, os repositórios de vídeos como YouTube, os podcasts
(arquivos digitais sonoros que se assemelham a programas de rádio e podem
ser baixados da internet), uma enciclopédia mundial, a Wikipédia, além dos
campeões de acesso como Whatsapp, Messenger e demais aplicativos de chats
online. [...] (MEDEIROS, 2019, p. 62, grifo do autor)
de comunicação à medida que o texto escrito deixa de ser a única opção para estabelecer
diálogos e expressar opiniões, haja vista que as imagens, os áudios, memes e figurinhas, por
exemplo, também comunicam e expressam sentimentos, emoções.
Reconhecendo os desafios impostos pelo ensino remoto (ensino emergencial durante a
pandemia da COVID-19) ao setor educacional, a necessidade de articular o uso das tecnologias
ao ensino e a relevância da formação inicial e continuada dos professores para a construção de
uma educação de qualidade e cada vez mais contextualizada às vivências e necessidades (dos
educandos e da nova sociedade), consideramos importante refletir acerca das práticas de
contação de histórias realizadas por professoras de uma escola da rede estadual de ensino no
município de Pau dos Ferros/RN durante o ensino remoto.
83
(CAVALCANTI, 2002)
O ato de ler é intrínseco do ser humano e de sua relação com o mundo e pressupõe
reflexão e representação. Em paredes de cavernas ou em aparelhos tecnológicos sofisticados,
através de traços, cores e/ou códigos, o homem representa vivências, memórias, costumes,
valores e crenças. Logo, a leitura vista de forma ampla, humaniza e sensibiliza
(CAVALCANTI, 2002).
A aprendizagem da leitura, por sua vez, não se restringe a aquisição de mais uma
habilidade, e ser leitor não se limita a leitura diária e obrigatória de um livro, pois “[...] aprender
a ler e ser leitor são práticas sociais que medeiam e transformam as relações humanas [...]”
(COSSON, 2011, p. 40). A leitura, quando trabalhada de forma sistematizada, dinamizada,
intencional e crítica, contribui com a formação do gosto e não do hábito em ler, com a
transformação da sociedade e com o exercício pleno da cidadania.
84
Podemos falar então de uma leitura articulada ao letramento que, segundo Xavier
(2007), é uma prática cultural que não se dissocia do letramento alfabético, capacidade de
codificar e decodificar os sinais gráficos de uma língua - e que permite aos sujeitos ir além
daquilo que está escrito. O letramento abrange a capacidade dos indivíduos em lê, interpretar e
estabelecer relações com informações que não estão descritas no texto, imagem, áudio ou vídeo
lido/ouvido/assistido com a sua realidade social.
Assim, quando falamos em leitura de literatura no contexto escolar, nos reportamos ao
letramento literário, cujo significado ultrapassa a mera decodificação do código escrito – leitura
mecanizada – e proporciona “[...] ao leitor experiências de vida, conferindo autonomia na
prática leitora e envolve reflexões diversas sobre sua realidade a partir de práticas
metodológicas planejadas para a finalidade da formação do leitor literário [...]” (SILVESTRE;
NÓBREGA; DALLA-BONA, 2021, p. 126).
O letramento literário torna-se indispensável para aprofundar as leituras que fazemos,
permitindo-nos, compreender o contexto em que foi escrita a obra e a relação que se mantém
com o passado e o presente; atribuir sentido as nossas vivências cotidianas; adquirir autonomia
na leitura a partir do gosto e prazer despertado pelas histórias e a necessidade de fantasiar
provocada pelos diálogos estabelecidos entre o texto e outros leitores. Ler literatura significa
viver, olhar e falar para si, sem a necessidade de encontrar verdades incontestáveis ou
explicações. No texto literário, não há uma verdade absoluta, há múltiplos sentidos e
significados, que por sua vez, são construídos, percebidos e atribuídos pelo leitor e suas
singularidades.
Além disso, é a literatura que nos permite viver através da imaginação, emoções e
sentimentos diversos, olhar para as singularidades dos personagens fictícios e encontrá-los, na
vida real, vestidos em outras pessoas, olhar para dentro de nós e encontrar perdida a capacidade
de sonhar e esperançar, ainda que em dias difíceis, e falar para nós mesmos, a partir da leitura
de uma história, que a coragem e a força de vontade podem nos permitir chegar mais longe
(CAVALCANTI, 2002).
A literatura, como defende Candido (2011), é uma necessidade básica, um direito
universal e portanto, um bem incompressível. Candido (2011, p. 174) aponta que “[...] são bens
incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas
os que garantem a integridade espiritual [...]”. Assim, como o alimento material é sustento para
o corpo, a arte da palavra é subsistência para o espírito, pois pode despertar emoções e
sentimentos e funcionar como fuga da dura realidade da vida. Ainda segundo Candido (2011,
p. 174) a literatura pode ser entendida “[...] como manifestação universal de todos os homens
85
em todos os tempos [...]”, pois atravessa as diversas culturas e se realiza através da subjetividade
e criatividade humana. É impossível viver sem fabular, sonhar, imaginar. Nessa perspectiva, os
diferentes povos fazem uso dessa arte para manifestar suas crenças, registrar seus costumes,
inventar seus “causos” e repassar valores, vez que intencionam mantê-los vivos para que as
futuras gerações tomem conhecimento de sua história. Além disso,
É na literatura que nossa memória está melhor preservada porque, lá, os fatos
da realidade associados à imaginação têm sangue, suor, emoção e, assim, é
através dela que podemos observar em retrospectiva trajetória da vida como
múltipla e plena de virtualidade inesperada. (AMARILHA 2012, p. 77).
A literatura que forma à medida que encanta, guarda em seus escritos as memórias de
situações difíceis, de tristeza, guerra, medo, mas também de lutas vencidas, dificuldades
superadas, medos enfrentados. Por meio da arte da palavra, temos a oportunidade de
compreender uma história que concretamente, temporalmente não vivemos, mas que
influenciou o nosso modo de viver.
A literatura preserva o hoje, o ontem e o amanhã (COSSON, 2011) porque fala da vida,
dos sabores e descontentamentos, das lutas, vitórias e derrotas de um povo. Através da leitura
de literatura “[...] nos sentimos parte de um grupo social maior, e, ainda que na maior solidão,
o texto pode nos mostrar um enraizamento com outros seres – alguém em algum lugar já viveu
aqueles sentimentos” [...] (AMARILHA, 2012, p. 81). O texto literário, embora lido na
individualidade, nos permite fazer parte de uma história maior, pois entramos em interação com
outros espaços, pessoas e culturas, logo, partilhamos dos mesmos sentimentos e emoções que
alguém em algum lugar do mundo já viveu quando pensou e escreveu a história.
O poder humanizador da literatura e sua relevância na formação do homem, perpassa
por três funções importantes: função psicológica, relacionada a necessidade universal de ficção,
fantasia; função educativa, que ultrapassa a visão estritamente pedagógica para contribuir com
a formação da personalidade humana e com a humanização do ser, à medida que denuncia as
injustiças, quebra paradigmas, rompe preconceitos e faz viver; e a função de conhecimento do
mundo e do ser, na qual a obra literária está estritamente vinculada a realidade do mundo, que
apesar de ter sido pensada e escrita em um dado contexto pode ganhar novos sentidos e
significados a partir da singularidade de quem a lê (CANDIDO, 2002). A partir da leitura de
um texto literário,
86
consiste por sua vez às “[...] funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo
de maturação [...]” (VIGOTSKY 2007, p. 98). A distância entre o que o aluno consegue realizar
sozinho e aquilo que, devido a reorganização de suas estruturas psicológicas só consegue fazer
sob orientação, mas que em breve poderá realizar com autonomia. Em vista disso, “[...] o
trabalho de mediação atua na zona de desenvolvimento iminente (ou proximal) das crianças,
possibilitando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores” [...] (SOUZA;
MODESTO-SILVA; MOTOYOMA, p. 09, 2020).
A mediação, longe de ser um processo estático, indica transformação e se dá a partir de
movimentos que gerem aprendizagens para os sujeitos envolvidos. Quando relacionamos esse
conceito à prática de leitura, podemos afirmar que a mediação de leitura não se restringe ao
compartilhamento de uma história por alguém mais experiente, pois contar história é interagir
com os leitores/ouvintes, com o texto literário e consigo mesmo. Anda de acordo com as
autoras, em contato com as histórias e, consequentemente, com diversas culturas e contextos
sociais, os leitores em formação poderão desenvolver a linguagem, a escrita, o desenho, e tantas
outras formas de transpor materialmente os sentidos construídos a partir da apropriação da
narrativa. A mediação de leitura possibilita que aqueles que ouvem ou leem as histórias,
transformam sua realidade, atribuem novos significados ao texto literário e à vida, e interagem
uns com outros. Para Souza, Modesto-Silva, Motoyama (2020), existem pelo menos três modos
de apresentar a leitura literária para os alunos: o reconto, a proferição e a leitura.
O reconto, que chamamos de contação de histórias, diferencia-se do ato de proferir/dizer
uma narrativa. O recontar é uma ação criativa, realizada por um mediador, no qual este, não
necessariamente precisa estar de posse do livro, pois é livre para criar e reinventar a história,
tomando apenas o cuidado de não adulterar a qualidade estética da obra. Além disso, é um modo
de retomar as origens da história humana e compartilhar os saberes das gerações pela via da
oralidade, tendo o próprio corpo e voz como principais fontes de expressão. Já o dizer/proferir
histórias, apesar de exigir a presença de um mediador e do uso da entonação de voz e expressões
corporais, refere-se a leitura pronunciada tal qual está no livro, cuja sequência não pode ser
modificada. Apesar de existirem diferenças entre o contar e o dizer histórias, esses dois modos
de mediar a literatura corroboram para a terceira ação: o ato de ler histórias. A leitura é solitária,
porque ocorre entre o leitor e o livro (físico ou digital), é autônoma e pode ser realizada de
maneira silenciosa ou em voz baixa. Porém, não exige mediação e a compreensão acerca da
leitura surge do interior de quem lê e das relações estabelecidas com a realidade vivida e os
sonhos idealizados (SOUZA; MODESTO-SILVA; MOTOYAMA, 2020).
89
Contar uma história é comunicar algo a alguém, é narrar com entusiasmo e riquezas de
detalhes um fato, situação, é ter alguém para ouvir atentamente o que se quer transmitir pela
via da oralidade. Por meio da narrativa, nos socializamos com o outro e com sua cultura,
costumes, crenças e valores, nos encontramos enquanto sujeitos históricos e tomamos
consciência de quem somos e onde queremos estar. Bezerra (2020, p. 167), coloca que “[...] o
costume de contar histórias se tornou uma tradição pela necessidade de guardar a bagagem
cultural, tecida nas diversas tentativas de entender o mundo e de explicar as coisas que não
podem ser interpretadas de modo racional. [...]”. A partir da magia e encantamento presentes
nas narrativas, o homem consegue fugir da realidade, escapar dos problemas, sentir alegrias,
compreender e refletir sobre situações diversas e transitar pelo universo fabuloso das histórias.
Desse modo, corroboramos com a ideia de Cavalcanti (2002, p. 19) quando afirma que,
“as narrativas sempre se constituíram relato essencial da capacidade humana de fabular,
fantasiar e criar. [...]”. A capacidade do homem de imaginar e usar a criatividade que o fez
deixar de ser primitivo, para se tornar alguém capaz de narrar sua própria história. Para a autora,
a entrada no universo da linguagem (ato comunicativo) se deu pela capacidade de simbolização
do ser humano, dado que é por meio desta, que preenchemos os vazios das histórias e lhe
atribuímos, a partir da representação e das vivências enquanto sujeitos singulares, novos
significados e sentidos. O simbólico, é ainda, o caminho que encontramos para dar sentido à
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vida, para compreendermos e refletirmos sobre a dimensão do outro. Bedran (2012, p. 43),
defende que “[...] o ato de narrar, significa um reencontro de experiências transmitidas de
indivíduo a indivíduo, de povo a povo, capaz de deixar impressos na memória das gerações
elementos essenciais à vida em seus diversos momentos”.
Então, é no contato com as histórias que podemos conhecer a nós e aos outros, pois é
nelas que a memória de um povo está guardada e ao contrário dos tesouros materiais, o poder
de humanização contido nas narrativas não se perde no tempo, pois há sempre alguém
interessado em lê-las e apreciá-las, e o mais intrigante, nunca estão ultrapassadas, mas
conservam-se sempre muito atuais.
Diferente das informações rápidas que nos chegam diariamente, as narrativas mantêm-
se vivas e ganham repercussão, pois estão intimamente relacionadas com os sabores e
dissabores da vida. Além disso, proveniente da tradição oral, as primeiras histórias,
conseguiram atravessar os tempos e instigar sonhos, falar da origem e da morte de um povo; da
alegria e tristeza; romper paradigmas; quebrar preconceitos; anunciar aventuras; descobrir
segredos; enfim, falar da vida (BEDRAN, 2012).
Narrar uma história é organizar o mundo por meio da memória individual, isto é, a partir
da acumulação e organização de vivências não necessariamente experimentadas, é possível
imaginar e retransmitir ideias, sentimentos, subjetividades e saberes adquiridos na experiência
de vida, na leitura, no universo simbólico (FARIAS, 2011). É possível afirmar que a narrativa
se configurou, ao longo do tempo, uma forma de construir cultura; a oralidade, o principal meio
para propagar as histórias, visto que, “[...] por muito tempo a fala foi o único veículo condutor
do legado cultural para as gerações futuras [...]” (BEZERRA, 2020, p. 165); e o contador de
histórias, o sujeito capaz de reproduzir os saberes adquiridos por meio da oralidade.
Nessa vertente, Busatto (2012) afirma que as histórias existem para que a tradição, a
cultura e a memória dos povos sejam conservadas. Para isso, além de alguém para escutar,
apreciar e valorizar as narrativas, faz-se necessário alguém (contador/narrador) que empreste a
sua voz e criatividade para contá-las. Segundo a autora, o contador de histórias é um sujeito que
rompe as barreiras do tempo e chega até as pessoas através da arte de narrar, seja por meio
exclusivo da oralidade (contador tradicional, narrador tradicional) ou por meio de técnicas e
recursos diversos (contador contemporâneo). A tradição oral é de grande relevância para a
humanidade, pois é a partir dela que tomamos conhecimento das primeiras narrativas e
construímos sentidos e significados inapagáveis por meio da oralidade. Portanto, a princípio, o
contador de histórias,
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[...] Era um sujeito que se valia da narração oral como via para organizar o
caos, perturbar e propagar os mitos fundacionais das suas culturas. Um sujeito
que mantinha vivo o pensamento do seu povo por meio da memória prodigiosa
e que o divulga por meio da arte. Sua forma de expressão, a voz manifestada
por meio de um corpo receptivo e maleável (BUSATTO, 2012, p. 18).
coautores das histórias, fazendo com que se sintam partes da narrativa à medida que se
encantam e envolvem na trama em busca de interpretá-la a partir de suas vivências sociais.
A existência dos contadores de histórias, embora com algumas mudanças, permanece
até hoje, “[...] porque o homem, como um ser de natureza complexa, a todo momento procura
entender os mistérios do universo [...]” (BEZERRA, 2020, p. 171). Como a escrita ainda não
era uma realidade no princípio do mundo, foi através da memória que os saberes dos diferentes
povos se materializavam na voz de quem contava e encantava. O valor social do contador de
histórias encontra-se na sua capacidade de reorganizar o mundo a partir da ludicidade presente
na narração de histórias, mas, sobretudo, de poder repassar para as gerações futuras a herança
cultural do seu povo, contribuindo para a compreensão da diversidade com que teremos de lidar
diariamente a partir da interação com diferentes contextos, culturas e realidades.
Apesar das mudanças ocorridas nos diversos espaços sociais, a habilidade do ser
humano em criar, recriar e narrar, atravessa os tempos e sobrevive até hoje, através do ato de
contar histórias, que ressurge por sua vez, no fim do século XX como uma criação artística, na
qual os contadores podem buscar formação em cursos e aprender e exercitar a habilidade de
narrar e contar histórias (BEZERRA, 2020). A contação de histórias é uma arte capaz de atribuir
sentido às experiências de um povo e compartilhar ensinamentos, crenças e costumes de uma
geração. A arte de narrar mantém viva a tradição e a memória de uma dada cultura, sociedade.
E por que a contação de histórias se configura uma arte? Segundo Busatto (2013, p. 49), “[...]
a arte é transformação simbólica do mundo. Ela propicia a criação de um universo mais
significativo e ordenado. A arte vibra com vida [...]”. A arte fala da vida de modo singular, pois
comunica, encanta, emociona, sensibiliza e causa reflexões naqueles que estão abertos a
experimentá-la, senti-la e vivê-la intensamente.
A contação de histórias como arte não exige explicações dos ouvintes, pois abre espaço
para que interpretem e relacionem a narrativa com suas experiências pessoais, além disso, não
funciona como uma ação moralizante, visto que oportuniza aos leitores, visualizar, ouvir e sentir
a si, ao outro e ao mundo de forma mais compreensiva e empática (SISTO, 2007). Busatto
(2013) afirma que a arte nos permite olhar diferente para aquilo que nos é entregue de modo
fragmentado e rápido pelos diferentes meios de comunicação, além de nos propiciar refletir
criticamente sobre o mundo moderno que muito preza pelo consumismo exacerbado e
informações rápidas, e pouco valoriza as necessidades básicas do ser humano. Desse modo,
[...] a arte de contar histórias se faz hoje mais do que nunca necessária
exatamente porque quando ela se dá, seja num contexto pedagógico, numa
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Então, o que é necessário para que contar histórias seja arte ao alcance de
quem deseja fazê-la? Extrapolar as amarras do didático, do exemplar e do
mero informativo. Saltar da obrigação de ensinamento para a noção de fruição,
de prazer estético, de embelezamento da conversa trocada através de uma
história, do exercício de linguagem que procura a forma adequada para dizer-
se de si mesmo (SISTO, 2007, p. 40).
A contação de histórias como arte não pode limitar-se ao alcance dos objetivos
pedagógicos, moralizantes e informativos da rotina escolar, nem tampouco ser vista como uma
obrigação. Ao contrário, precisa ser inserida no ambiente educacional com o intuito de
aproximar os educandos do universo fabuloso das histórias e despertar neles o gosto e prazer
pelo texto literário. Para tanto, Sisto (2007, p. 41) defende que “[...] a arte de contar exige um
fazer anterior, um preparo, um domínio prévio, um conhecimento, estudo, ensaio,
profundidade. E é, evidentemente, exercício de longo prazo. [...]”.
Contar histórias deve ser um ato planejado e intencional, isto é, antes de narrar deve
haver uma preparação (conhecer a história a ser contada e o público a ser contemplado; sentir
com profundidade as emoções que o texto oportuniza viver; adaptar e sintetizar a história;
memorizar e ensaiar a narrativa, dentre outros aspectos), pois só então, será possível construir
um espaço de diálogo acerca do texto e da sua relação com o contexto e vivências sociais,
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culturais e afetivas dos alunos, pois é a partir dessa interação texto-leitor que a identificação
com a obra literária, com o autor e com os personagens da história acontece.
A contação de história, enquanto arte/ato criativo, surge como um caminho seguro para
aproximar os educandos da leitura literária e o contador de histórias contemporâneo passa a ser
visto como um artista que, por sua vez, deve ser capaz de construir uma relação harmônica, de
intimidade e cumplicidade com o leitor/ouvinte. Além disso,
Eles chegam de todas as partes [...] Vêm vestidos de vermelho, azul e amarelo;
fitas coloridas penduradas pelo corpo; vêm com jeito de palhaço ou princesa;
outros vestidos de si próprio. Alguns trazem consigo instrumentos sonoros,
músicos e cantores; [...] alguns portam malas, bonecos, fantoches, panos,
chapéus [...]; outros nada trazem, apenas vão chegando, contando, cantando,
deixando leitura, múltiplas leituras aos seus ouvintes hipnotizados. [...]
(BUSATTO, 2013, p. 26, grifo nosso).
histórias, busca cursos para se atualizar e aperfeiçoar suas habilidades no que diz respeito a
contação de histórias. O contador contemporâneo também registra sua investigação de modo
escrito e o traz para a oralidade por meio de técnicas e estudos, exercendo assim, sua função de
mediador entre os leitores e o universo literário. Um contador (tradicional ou contemporâneo)
não anula o outro, independente de fazer uso ou não de técnicas e recursos, aquele que empresta
sua voz para atribuir vida às memórias de um povo, se torna uma ponte que facilita a travessia
do leitor em busca da leitura de literatura. No entanto, devemos estar cientes de que, com as
mudanças na sociedade e a inserção das tecnologias nos diversos espaços sociais, a contação
de histórias ganhou outras dimensões e sentidos, visto que
O contato com as múltiplas linguagens (verbal, visual, sonora, gestual) presentes nos
diferentes meios de comunicação poderão nos permitir visualizar, descriminar, interpretar e
atribuir significações aos textos, visto que as cores, os formatos, as músicas e os sons presentes
nos novos suportes em que se apresentam as histórias, possuem sentidos que precisam ser
interpretados, refletidos e reconstruídos a partir das nossas vivências e singularidades. A leitura
no meio digital é feita de modo flexível, “[...] em que as páginas se desdobram a nossa frente,
aleatórias, como se ali sempre estivessem, sobrepostas, como um palimpsesto, e no aguardo de
um comando, para se apresentarem e de desdobrarem no tempo virtual” (BUSATTO, 2013, p.
116). Conforme argumenta a autora, esse tempo virtual diminui a distância entre o pensar e o
saber, não existindo certezas, visto que tudo se dissolve e fragmenta no tempo do ciberespaço
– espaço em que se estabelece a comunicação por meio das redes digitais e de computação.
Estando inseridos em uma cultura contemporânea (cibercultura) que, por sua vez, é
envolta por redes telemáticas e caracterizada pela troca de informações online e pela navegação
na rede de internet, precisamos compreender que esta, “[...] além da forma cooperativa de
trabalho, trata-se de buscar adicionar, modificar o que foi dito, escrito, gravado, sem a lógica
proprietária, sem a dinâmica da acumulação e do segredo” (LEMOS, 2004, p. 10). E por que
isso acontece? Porque muito do que existe na rede, pode ser alterado (acrescentado ou retirado)
e as verdades que antes eram incontestáveis são refutadas e/ou criticadas. Se pensarmos a
formação leitora no âmbito da cibercultura, podemos afirmar que uma mesma história na rede,
por exemplo, poderá ser recriada artisticamente, de forma colaborativa, através de desenho,
música, peça teatral, filme, poema, dentre outras possibilidades. Além disso, diversidade de
recontos e reescritas de uma mesma história faz com que novas leituras e sentidos sejam criados,
logo, a hibridez do ambiente virtual apresenta aos novos leitores do século XXI inúmeras
possibilidades de interpretações.
Nessa vertente, mediante o surgimento de novas formas de construir e consumir textos,
o trabalho com o letramento digital, que corresponde a realização de [...] práticas de leitura e
escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização [...] (XAVIER, 2007, p.
135) surge com a necessidade de possibilitar aos usuários da rede uma navegação segura e
responsável, se tornou urgente e indispensável no ambiente escolar. Logo, os modos de ler e
escrever são transformados, pois se fazem necessárias novas ferramentas: áudio, vídeo,
imagem, dentre outras. O uso de artefatos tecnológicos pelas crianças e adolescentes, assim
como a necessidade de trabalhar o letramento digital é uma realidade que não pode ser mais
ignorada pela instituição escolar, pois conforme mostra a pesquisa TIC kids online, mais de
50% de crianças e adolescentes utilizam a internet para realizar leituras (CETIC.BR, 2019).
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formam seu repertório de leitura a partir da escuta das narrativas recontadas pelos sujeitos das
culturas não letradas (BEDRAN, 2012). A contação de histórias não se perde com a descoberta
da escrita, nem tampouco com o advento das tecnologias. Apesar de sofrer mudanças nos modos
e suportes pelos quais ocorrem, a narração, essa arte secular, ganha novos sentidos, pois com a
grande predominância dos meios de comunicação digital, as imagens, sons e vídeos passaram
a ser incorporados às narrativas, a fim de enriquecê-las. Amarilha (2010) aponta que a partir do
surgimento dos diferentes meios de comunicação e das novas linguagens, um novo perfil de
leitor e de modos de leitura foram criados, porque os modos de leitura deixaram de se limitar
ao impresso e escrito, visto que o texto literário passou a existir no meio digital e entre uma
página da web e outra, o leitor passou a ter a possibilidade de selecionar, de se apropriar das
informações e de produzir conhecimento a partir da leitura.
Nesse contexto, a tecnologia passou a ser de grande importância no processo de
aprendizagem da leitura e escrita, pois agrega conhecimentos que não se resumem a
informações de livros, mas abrangem saberes do dia a dia dos alunos e possuem inúmeros canais
de comunicação (SILVESTRE; NÓBREGA; DALLA-BONA, 2021). No campo da leitura
literária, por exemplo, as TDIC passaram a disponibilizar acervos com livros digitais, vídeos
de contação de histórias e aplicativos que possibilitam a criação de narrativas a partir de
sequências de imagens, conceber novos espaços para criar, recriar e dialogar sobre textos, e
propiciar inúmeras outras experiências estéticas e oportunidades para se trabalhar com a
literatura.
Tais possibilidades propiciaram ao leitor ser um agente ativo na leitura e produção de
textos, dado que passou a ter a oportunidade de recepcionar, produzir e reescrever com
criatividade e de modo colaborativo com outros leitores em rede, uma história, uma obra
literária. Acreditamos que a escola, durante e após o ensino remoto, precisa acompanhar tais
mudanças e trabalhar com os novos modos de ler e escrever, tendo em vista, que os alunos já
estão imersos no universo digital, lendo e escrevendo textos que articulam múltiplas linguagem.
A partir da disseminação da tecnologia, o texto escrito por si só, tornou-se insuficiente para
atrair o leitor, visto que as imagens, traços e cores (recursos multimodais) presentes nas histórias
passaram a complementar seu sentido e atrair nossa atenção. É nesse contexto e em meio às
novas exigências dos leitores em rede, que as práticas de contação de histórias realizadas
durante a pandemia da COVID-19 tiveram de ser reconfiguradas.
Esta realidade emergencial impôs desafios à maioria dos professores, dado que tiveram
de se reinventar, buscar formações e usar plataformas e aplicativos digitais para mediar o
contato dos alunos com a leitura literária em um espaço pouco explorado por muitos deles, que
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é o universo digital. A arte que exigia o contato físico, o olhar e a interação afetiva entre
contador e ouvinte/leitor foi adaptada e realizada de modo virtual (síncrono ou assíncrono), com
a presença de imagens interativas, sons, gifs, figuras e palavras digitadas em várias cores,
tamanhos e formatos. Para Busatto (2013, p. 117), “a narração oral no meio digital é uma outra
representação, uma organização híbrida em constante mutação. Não é fixa, nem autoritária
[...]”. Isso porque tal produção é transformada por um conjunto de pessoas - músicos,
programadores, ilustradores - que colaboram com o resultado final da narração, ou melhor, com
a construção de uma nova história.
No que diz respeito a adaptação da contação de história para o ensino remoto, foram os
professores, em sua maioria que tiveram de fazer tais funções, iniciando pelo processo de gravar
e editar a própria imagem. Ainda para a autora citada, é essa edição que colabora com a
construção de uma nova história, pois ao adicionar, retirar e/ou ajustar elementos como sons,
músicas, imagens e textos, o professor/contador/narrador/criador de novas leituras, produzem
sentidos a partir da articulação desses signos com os novos significantes do sistema. No entanto,
para Busatto (2010), seria importante que a contação de histórias fosse performática em tempo
real, propiciando interação entre narrador e receptor, pois assim, a qualidade da narração no
meio virtual seria garantida.
Independente do suporte pelo qual a contação de histórias acontece, “[...] a figura do
contador de histórias continua sendo a ponte que une o ouvinte ao conto. Esteja ele ao vivo, na
frente do ouvinte, ou na tela do computador é o personagem mágico capaz de propor uma
viagem por mundos nunca antes explorados. [...]” (BUSATTO, 2013, p. 122). É preciso que
haja esse narrador para que a história ganhe vida, sentido, dado que, através da sua performance,
gestos, expressões faciais, ritmo da voz e do corpo, somos convidados, na maioria das vezes, a
entrar no universo ficcional e exercer nosso direito de imaginar, fantasiar.
A partir dessa breve contextualização acerca da contação de histórias, compreendemos
que para acompanhar as transformações da sociedade, esta arte secular teve de se reinventar e
adaptar-se as exigências da modernidade. No quadro abaixo, sintetizamos algumas das
principais diferenças existentes entre a contação de história mediada em formato presencial
(com o contato e interação física entre narrador/contador e público) e virtual (síncrono ou
assíncrono, cujo contato, a depender da forma de interação, poderá ser limitado ao envio de
mensagens de textos via chats):
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[...] implica criar imagens no ar e dar corpo ao que até então era inexistente.
No instante em que o contador de histórias se movimenta no espaço criando
cenários, personagens e ações, com gestos diminutos ou ampliados, ele não
está conduzindo o nosso olhar para o que ele está gerando, mas também
provocando a ilusão de que aquilo de fato existe. Mas, para o imaginário, essa
ilusão é real. O contador de histórias vê o que cria enquanto constrói, e essa
condição é dada no olhar. Ao acompanhar com seus olhos o movimento que
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concebe, ele projeta energia para as imagens, dá vida para elas, que vão, aos
poucos, se corporificando diante do espectador, podendo ou não se tonar
significativas e atuantes [...] (BUSATTO 2012, p. 64).
As narrativas encantam porque ganham vida e movimento através da voz e dos gestos
do contador. As expressões corporais e a voz do narrador tornam-se importantes aliados no
desenrolar da narração; por exemplo, transparece meiguice quando faz a voz doce da
Chapeuzinho Vermelho, causa medo quando faz a voz grossa do Lobo e arranca sorrisos quando
faz a risada descontrolada da Bruxa. Uma história quando bem contada é capaz de suscitar a
imaginação de quem a ouve e abrir espaço para a entrada no mundo do faz-de-conta. Dessa
forma,
Ler histórias para crianças, sempre, sempre... É poder sorrir, rir, gargalhar com
as situações vividas pelos personagens, gargalhar com as idéias do conto ou
com o jeito de escrever dum autor e então, poder ser um pouco cúmplice desse
momento de humor, de brincadeira, de divertimento... É também suscitar o
imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas [...]
É a cada vez ir se identificando com outra personagem [...] e, assim, esclarecer
melhor as próprias dificuldades ou encontrar um caminho para a resolução
delas... (ABRAMOVICH 2004, p. 17).
As histórias são indispensáveis para formação dos educandos, pois por meio delas é
possível sorrir e ter esperança em dias melhores, além de, poderem funcionar para os aprendizes
como um lugar de fuga da realidade, onde tudo é possível, que há dias difíceis e desanimadores,
mas que existem saídas para os problemas. Farias (2011) afirma que o contar e o ouvir histórias
é importante para que a imaginação criativa e a oratória sejam alimentadas. Conforme aponta
o autor, o ser humano é o único capaz de verbalizar a chave (era uma vez) que dá acesso ao
universo fabuloso das histórias, bem como contar, recontar a própria história de vida e a dos
outros, acrescentar novos detalhes e criar novos fatos, personagens, situações e formas de
ver/estar/sentir o mundo (real e imaginário). A contação de histórias oportuniza também,
O ato de contar história contribui para formação do gosto e prazer pela leitura que, ao
contrário do hábito, não se dá de forma automática e obrigatória, não se perde ao longo dos
anos e, tampouco, se presta a realização de tarefas e preenchimento de fichas literárias. A leitura
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por gosto perdura por toda a vida e é realizada pela necessidade de o leitor descobrir novos
mundos e culturas, viver novas emoções e sentimentos, e atribuir significado a sua própria
história.
A partir da escuta atenta de uma história, somos capazes de pensar e refletir sobre
situações que antes não havíamos atentado, fazendo com que nossos conhecimentos, valores e
princípios sejam reelaborados. Temos nosso repertório de leitura e saberes ampliados, o que
corrobora com a construção de uma ampla bagagem que poderá nos ajudar a enfrentar
momentos novos e desafiadores ao longo da vida, já que a leitura literária não se limita a uma
verdade absoluta, mas se abre para múltiplas interpretações (FARIAS, 2011). A contação de
histórias pode atuar como uma estratégia lúdica para propiciar o gosto e o prazer pela leitura
durante a trajetória escolar dos alunos. Ainda que estes não dominem a leitura do código escrito,
as histórias contadas pelo educador poderão ser compreendidas e ressignificadas por esses
leitores em formação, que posteriormente poderão sentir-se motivados a ler um livro e dar seus
primeiros passos na decifração da escrita.
As práticas de contação de histórias realizadas nas salas de aulas devem valorizar o
conceito amplo de leitura, compreendendo que ler é mais que decodificar o código escrito, é a
capacidade de interpretar, compreender e atribuir novos significados às múltiplas leituras
inseridas nos diversos suportes (papel, imagens, vídeos, áudios, dentre outros). Assim, devemos
contar histórias
[...] para formar leitores; para fazer da diversidade cultural um fato; valorizar
as etnias; manter a História viva; para se sentir vivo; para encantar e
sensibilizar o ouvinte; para estimular o imaginário; articular o sensível; tocar
o coração; alimentar o espírito; resgatar significados para nossa existência e
reativar o sagrado (BUSATTO, 2012, p, 45-46).
considerados na hora que o professor/mediador for contar uma história. O primeiro requisito
para ser um bom contador de histórias é ser primeiro um leitor. Leitor dos contos, das piadas,
das poesias, dos livros, da vida. Dessa forma,
Para fazer o aluno gostar de ler, o professor tem, antes, que gostar de ler; falar
com entusiasmo e emoção de suas leituras; [...] pensar na leitura, não só como
uma exigência profissional, mas como uma necessidade pessoal; estar
consciente de que nem tudo o que ele lê é bom ou o melhor para seus alunos
lerem; saber reconhecer as características de um bom texto e as impressões ou
sensações que um determinado texto desperta nele. [...] O professor, para se
tornar um eficaz agente de leitura, tem que ser, antes de tudo um grande leitor
(SISTO, 2012, p. 89).
Para que o gosto e o prazer pela leitura sejam despertados nos educandos, o professor
precisa primeiro, ter experimentado/sentido a história, compreendido seu contexto, sua relação
com o ontem e o hoje e como poderá influenciar no amanhã, refletido sobre seu enredo, atitudes
dos personagens e preenchido suas lacunas. Se desejamos ser bons contadores de histórias, não
podemos ver a leitura literária como uma obrigação profissional (lemos para ‘trabalhar’
determinado assunto com os alunos), mas deve ser antes, uma aventura a procura de respostas
para as nossas inquietações, de respaldo para os nossos argumentos, de desconstruções para os
nossos preconceitos, uma necessidade pessoal. Para ter êxito nas práticas de contação de
histórias, o narrador deverá primeiro,
[...] ler muito; os livros, as placas, os gestos, as pessoas, a vida que vai em
cada coisa. E não ter pressa: o contador de histórias tem que ter paixão pela
palavra pronunciada e contar a história pelo prazer de dizer (que é muito
diferente de ler uma história, que também é diferente de explicar uma história!
(SISTO, 2012, p. 25, grifo do autor).
Para ser um bom contador de histórias, o educador precisa ser um leitor assíduo, crítico,
maduro, capaz de ler as múltiplas linguagens presentes na diversidade de textos que entramos
em contato diariamente. O autor, em sua discussão, reconhece ainda que a leitura não se limita
ao código escrito, mas que é possível ler os gestos, expressões, estilos, modas, e a vida e que
aquele que narra a história não precisa ter pressa, mas paixão pelo que está sendo criado a partir
da palavra verbalizada.
Além de ser um leitor, o professor enquanto mediador/narrador, precisa reconhecer a
importância das histórias e das estratégias lúdicas para o desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem, visto que “[...] A história tem que ser narrada com paixão, sentimento,
105
Para que o mediador obtenha sucesso em suas práticas de contação de histórias, se faz
necessário um planejamento que norteie e estabeleça metas para o desenvolvimento de sua ação
em vistas a formação de leitores. Por esse motivo, precisamos reconhecer que trabalhar com
leitura literária em sala de aula não é simples, pois exige que o educador estude (o público/leitor,
o espaço físico em que ocorrerá a mediação, a história, a melhor forma de contar), seja criativo
e se dedique aos ensaios, a fim de evitar tropeços na fala e encontros “desagradáveis” com
palavras ou situações da história.
Nesse sentido, embasadas em autores que discutem a prática de contação de histórias
como Busatto (2012; 2013), Sisto (2012), Coelho (2008), Bedran (2012), enumeramos uma
sequência de passos a serem seguidos pelo professor na hora de planejar uma contação de
histórias:
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Além de selecionar e ler a história, o mediador deverá ainda estudá-la, pois “estudar
uma história é, em primeiro lugar, divertir-se com ela, captar a mensagem que nela está
implícita e, em seguida, após algumas leituras, identificar os seus elementos essenciais, isto é,
que constituem a sua estrutura” (COELHO, 2008, p. 21). O estudo da história permitirá a
identificação da temática abordada, do contexto histórico em que foi escrita, da intencionalidade
do autor e dos elementos mais significativos presentes na obra, bem como permitirá ao
professor, adaptar e resumir a história, a fim de construir um roteiro sintético que contenha os
elementos essenciais da narrativa e que facilite a apropriação dos sentimentos e emoções
despertados pela obra na hora de contá-la de forma oral. Após o conhecimento do público,
seleção, leitura e estudo da obra literária é indispensável que o mediador enumere objetivos
para a experiência com a leitura de literatura através da contação de histórias, pois
[...] quem conta história tem clareza do que pretende atingir. Se o objetivo é
lúdico, se é discutir determinada ideia ou tema, se é despertar uma série de
sentimentos e trazer informações, se é terapêutico, se pretende promover uma
integração social e cultural – para cada um há procedimentos e
encaminhamentos diferentes, embora se saiba que quem conta um conto
aumenta um ponto, uma vírgula, uma exclamação e uma boca aberta diante da
possibilidade de se construir um mundo melhor – povoado de histórias
(SISTO, 2012, p. 36).
Conforme defende o autor, aquele que narra uma história, deve narrar com alguma
intencionalidade, entreter, tornar a aula mais lúdica e interativa, apresentar e discutir um
assunto, problematizar aspectos polêmicos, despertar emoções ou até mesmo informar.
Enquanto educadores, deveremos nos perguntar para que contamos história? Ao responder esse
questionamento, precisamos estar cientes de que para cada objetivo mencionado existe um
método, técnica ou recurso diferente a ser utilizado.
No entanto, não podemos nos esquecer de que a criatividade do contador de histórias é
elemento indispensável na nora de narrar, visto que, através do poder da palavra materializada
pela voz de quem conta, outras histórias poderão surgir, muros poderão ser erguidos ou
derrubados e um mundo melhor poderá ser construído. Sisto (2012, p. 86-87) afirma ainda que
“contar história é dialogar em várias direções: na da Arte, na do outro, na nossa! Os objetivos
podem mudar – é recrear, é informar, é transformar, é curar, é apaziguar, é intrigar -, podem se
alternar, mas nunca acabar com o prazer de escutar! De participar! De criar junto!”. Enquanto
arte, a contação de histórias poderá ser realizada para atingir inúmeros objetivos, mas um em
especial não poderá ser esquecido em nossas práticas, que é o de assegurar aos leitores em
formação a escuta afetiva (o gosto e o prazer pelas imagens que se formam através da voz
108
adaptável a cada situação, do narrador), o prazer em ler despertado pelas histórias através de
uma participação efetiva na reconstrução de sentidos do texto literário.
Outro aspecto imprescindível na hora de planejar uma contação de histórias é a seleção
do método, da técnica e dos recursos. Tal escolha refletirá significativamente na compreensão
da leitura e na formação do gosto pelo texto literário e de leitores para uma vida inteira.
Selecionar o método a ser utilizado na hora da contação de histórias é pensar em um caminho
capaz de possibilitar ao leitor em formação o encontro com a literatura de modo prazeroso, é
vislumbrar possibilidades para que haja compreensão e ressignificação da história contada. É
relevante mencionar o método da andaimagem no desenvolvimento de práticas de leituras e
contação de histórias contextualizadas e intencionais. Segundo Graves e Graves (1995), a
andaimagem é um processo que possibilita aos alunos alcançarem suas metas, isto é, um
processo de mediação capaz de colaborar com o avanço e autonomia dos educandos. No âmbito
da leitura, tal método propõe a existência de desafios que instiguem a curiosidade dos leitores,
mas também o apoio necessário para que enfrentem esses desafios. Para tanto, os autores
estabeleceram duas fases nesse método: i) planejamento e ii) implementação.
A primeira fase corresponde ao conhecimento dos estudantes, a seleção do texto e os
objetivos da leitura (aspectos mencionados anteriormente). A segunda fase é dividia em três
etapas: pré-leitura, durante leitura e pós-leitura. A pré-leitura é o momento da motivação, do
convite para a escuta atenta da história, isto é, onde o mediador desperta o interesse dos leitores
e os convidam a expressarem seus conhecimentos, inferências e ideias prévias acerca do texto
literário. A durante leitura é a história sendo lida, contada ou proferida, é o momento em que se
efetiva o contato dos leitores com o universo fabuloso da literatura, é onde somos convidados
a exercer a imaginação e adentrar no mundo do faz-de-conta das histórias. A pós-leitura é o
espaço do diálogo, da expressão da criatividade e subjetividade de cada leitor, é onde
confirmamos ou não as nossas ideias prévias, realizamos ou não nossos desejos,
ressignificamos o texto e atribuímos sentido ao que ouvimos ou lemos (GRAVES; GRAVES,
1995).
Sabendo que a subjetividade, segundo Bezerra (2020, p. 106), é definida pelos “[...]
processos que são gerados pelos seres humanos, ao viverem uma experiência a partir do caráter
gerador de sentidos que a interação proporciona”, e a criatividade é um processo complexo que
se manifesta a partir da necessidade de sentidos subjetivos e da atuação dos sujeitos no espaço
social em que vivem (BEZERRA, 2020), é que consideramos relevante o papel da contação de
histórias no espaço escolar realizada sob o método da andaimagem. Admirado no mundo do
faz-de-conta e participando da construção de significados a partir da narrativa, os
109
FIGURA 02: Elementos a serem considerados pelo narrador na hora de contar uma história
para que os leitores/ouvintes fantasiem e criem as imagens do que se narra a partir da escuta
atenta da história, bem como, evitar preconceitos. Cavalcanti (2002, p. 84) defende que
devemos explorar o texto literário “[...] do ponto de vista intersemiótico, ou seja,
potencializando a utilização do texto escrito no sentido da pintura, dramatização, colagens,
sonoridade, enfim, imagens que comunicam de formas múltiplas”.
O professor, após a contação de histórias, poderá propor atividades lúdicas que
envolvam músicas, desenhos, pinturas, recontos, dramatizações, reescrita da história. Com isso,
os educandos serão convidados a expressarem artisticamente as compreensões, sentimentos e
anseios resultantes da escuta da história, não limitando-se a atividades descontextualizadas e
mecânicas, cujo objetivo maior é, na maioria das vezes, limitar a interpretação da história a uma
única versão/sentido. Contar histórias é um ato criativo, mas também uma tarefa difícil, pois
requer muito preparo, exercício, técnica.
A prática de contação de histórias demanda planejamento, estudo, reflexão,
intencionalidade, técnica, ensaio (muito ensaio), porque quem conta não pode perder de vista o
principal objetivo dessa arte tão antiga, que é o de incentivar o gosto pela leitura através da
palavra oral, despertar a imaginação, a curiosidade e emoções de quem/em que se propõe a
apreciar a narrativa e promover a identificação com personagens, situações e personalidades da
história.
O mediador deve ser primeiro um leitor crítico, alguém que olha atentamente para o
texto, identificando sua essência e preenchendo suas lacunas, para os sentimentos que são
despertados (em si) após a leitura da história, e para o outro que escuta a história através da sua
voz, percebendo as reações, envolvimento e participação na narrativa. Não há, pois, como negar
a relevância da contação de histórias para a formação leitora dos alunos e do próprio professor,
que no processo, também vai se descobrindo leitor/mediador, aumentando o repertório de
leitura e se apropriando de técnicas e recursos que enriquecem a experiência dos alunos com a
literatura.
Compreender de que forma as práticas de contação de histórias durante o ensino remoto
contribuíram com a formação leitora dos alunos inseridos em turmas do Ensino Fundamental –
Anos Iniciais, é uma oportunidade para ouvirmos respeitosamente as professoras acerca de suas
experiências com as narrativas nas aulas virtuais, sem tentar uniformizá-las, bem como
socializarmos com a comunidade acadêmica e escolar, vivências exitosas de contação de
histórias mediadas com o auxílio das tecnologias, e sugerirmos técnicas e recursos que poderão
enriquecer ainda mais a hora do conto nas aulas presenciais e/ou virtuais.
113
O ato de ler sempre esteve presente na história da humanidade, pois desde os tempos
mais antigos, existem representações históricas em paredes de cavernas deixadas pelos
primeiros homens. Hoje, não é diferente. Inseridos em uma sociedade moderna e rodeados de
aparelhos tecnológicos, também exercemos nossa capacidade de representar o que pensamos,
compreendemos e sentimos.
A leitura sempre se constituiu uma forma de relacionar o ser humano com o mundo, isso
porque o exercício da leitura nos torna pessoas mais humanas, criativas, sensíveis e conscientes
(CAVALCANTI, 2002). Segundo Sisto (2012), ler é dialogar, duvidar, compreender o sentido
das coisas e deixar-se transformar pelo poder da palavra. Por meio da leitura, estabelecemos
diálogos com o contexto em que estamos inseridos e com o apresentado no texto, com a ação
dos personagens, com o outro que pensa diferente e consigo mesmo. Duvidamos do que está
posto e do que se apresenta como belo e bom, compreendemos o ontem e o hoje, a fim de
refletirmos como isso poderá influenciar no amanhã, e transformamos a nós mesmos, para só
então transformar o mundo em que vivemos.
A leitura vista de forma ampla não é superficial e não se limita ao que está visível, além
disso, não lemos apenas palavras escritas, lemos imagens, códigos, áudios, vídeos, gestos,
sinais, cores. Enfim, lemos o mundo e tudo o que o compõe, porque somos seres multimodais,
isto é, a cultura digital em que estamos inseridos, nos permite utilizar múltiplas linguagens
(verbal, não-verbal, visual, audiovisual e gestual, por exemplo) para construir sentidos, para
representar o que vivemos, sentimos e acreditamos. É nessa perspectiva, que trazemos um
enunciado da professora Pollyanna, no qual reafirma o poder transformador da leitura na vida
daqueles que a praticam e a valorizam:
A leitura pode ser exercida com muitas finalidades, para atender múltiplas necessidades.
Lemos para nos manter informados, nos divertir e nos orientar, para exercitar a imaginação e
capacidade de criação, lemos para nos sentirmos vivos e parte de uma cultura, de um povo. A
professora Pollyanna fala da leitura sob uma perspectiva ampla, cujo exercício ultrapassa a
decodificação das palavras, e se expande para a capacidade de trocar sentidos com a obra que
está sendo lida, com o autor que a escreveu e com outros leitores. A menção de verbos como
“aprender a gostar de ler; superar; incentivar e transformar”, nos permite afirmar que a
116
professora fala de uma leitura que tem o poder de modificar realidades, de emprestar coragem
e sabedoria para enfrentar os percalços do meio do caminho e de possibilitar a entrada em um
mundo fantástico, onde satisfazemos nossos desejos e nos identificamos com pessoas, lugares
e personalidades diferentes ou semelhantes das que conhecemos. Entendemos que a leitura de
que a educadora fala, é a leitura de literatura. De acordo com Candido (2002), esta é uma
necessidade e um direito de todos e se materializa em nosso meio pelo poder da palavra e pela
sua capacidade de servir como refúgio para a dor, angústia e medo.
Falando da vida, do que se apresenta no mundo real, a literatura nos apresenta as
dificuldades da luta, mas sobretudo, a possibilidade da vitória, pois é nesta arte que a memória,
as crenças, os valores e a cultura de um povo estão melhores resguardados. É a leitura de ficção
que melhor se configura como uma leitura lúdica, visto que, independentemente de ser uma
narrativa ou uma poesia, esta é uma proposta de jogo em que o leitor é convidado a transitar do
real para o ficcional e do ficcional para o real (AMARILHA, 2012).
É a entrada no universo simbólico que torna possível, o leitor escapar de sua realidade,
atribuir sentido à vida e colocar-se no lugar o outro, e portanto, na dimensão humana. Segundo
Cavalcanti (2002), a literatura que se concretiza em um universo de metáforas, simbologias e
jogos, constitui-se um caminho seguro para fazer as pessoas mais felizes, ou ao menos, mais
sensíveis, justamente porque a linguagem simbólica é capaz de mobilizar no leitor sua
capacidade de fantasiar e criar, lançando-o para um mundo onde os desejos são experimentados
pelo poder da palavra metaforizada e poética.
Quando afirma que gosta de incentivar a leitura, Pollyanna valoriza e reconhece a
importância do ato de ler, para o bem viver e para o exercício pleno da cidadania, por parte dos
alunos. Encontrar professores que valorizem e acreditem no poder transformador da leitura
literária tem sido algo cada vez mais recorrente, porém, em algumas realidades, os educadores,
orientados por um currículo seletivo e que supervaloriza o conteúdo, têm deixado a formação
de leitores em segundo plano. No entanto, encontramos na educadora um desejo de tornar a
leitura, uma realidade para os seus alunos, pois ela dá o primeiro e mais significativo passo,
para que a formação de leitores se concretize em sua sala de aula: o incentivo ao gosto e o prazer
pelo universo literário, pelos livros.
É nesse contexto do fascínio da leitura, de ler as memórias e tradições de um povo que
surge o fascínio da contação de histórias. Hoje, o ato de contar histórias significa recuperar o
mundo imaginário, a capacidade criativa e imaginativa do ser humano, pois, diariamente, somos
bombardeados por informações rápidas. Ao narrar uma história, o mediador abre espaço para
117
que o maravilhoso se instale, cria imagens no ar, brinca com as palavras e seus sons e comunica
sentimentos.
A contação de histórias existe desde os tempos mais remotos. Estudos apontam que as
primeiras narrativas relatavam o surgimento do universo a partir de conteúdos sobrenaturais e
misteriosos. Com o passar dos tempos, a necessidade de manter viva a tradição das
comunidades e das diversas culturas fez com que o ato de contar histórias se configurasse uma
prática essencial. Os índios passaram a compartilhar, através das narrativas, suas experiências,
descobertas, rituais, crenças e costumes e as amas de leite a usar as histórias para tranquilizar
as crianças que ficavam sob os seus cuidados. O contar histórias funcionava como uma forma
de manter viva a memória de um povo, como uma ferramenta para preservar e entreter uma
geração (SISTO, 2012).
Além disso, essa prática antiga torna possível a sociabilidade e o reconhecimento de
quem somos, onde estamos e para que viemos, isto é, a partir da contação de uma história
compartilha-se a memória de um povo. Ao ouvirmos efetiva e afetivamente as narrativas, temos
a oportunidade de olhar diferente para o mundo, para a nossa realidade. A capacidade de narrar,
segundo Bezerra (2019), é uma característica peculiar do ser humano, e só se tornou possível
graças às capacidades de ouvir e memorizar do homem. A partir da escuta atenta, da
memorização e criatividade dos primeiros contadores de histórias, as narrativas conseguiram
transcender os tempos e manter-se viva diante de tantas transformações na sociedade.
Foram também os relatos orais que fizeram com que as histórias superassem as barreiras
temporais e tecnológicas e chegassem até os dias atuais, o que significa dizer, que a palavra
continua tendo poder na sociedade, no meio do povo (CAVALCANTI, 2002). Para tanto, é
válido lembrarmos que em todo o tempo, fez-se necessário alguém que
narrasse/contasse/mediasse as histórias e alguém que as ouvisse.
Pronunciada pelo contador tradicional, que extrai as histórias de suas próprias
experiências e não faz uso de técnicas para encantar, ou pelo contador contemporâneo, que se
apresenta como um artista da palavra, que estuda, pesquisa, utiliza técnicas e se apropria de
tecnologias para efetivar a narrativa, a contação de histórias se mantém viva até os dias atuais
como uma arte, capaz de sensibilizar, emocionar e proporcionar diferentes interpretações
àqueles que a apreciam.
A contação de histórias pode ser considerada uma arte, porque como tal, propicia
transformação e sensibilização. A linguagem artística é capaz de promover experiências
estéticas singulares, logo, o ato de contar alcança um status de arte quando deixa de prender-se
ao didatismo, a informação rápida ou a moralização, e não se realiza como uma obrigação de
118
ensinar algo, e passa a acontecer com o intuito de despertar prazer e gosto pelas histórias,
fruição, encantamento.
Além disso, com as mudanças ocorridas na sociedade, esta arte secular, advinda da
tradição oral, passou a ser realizada não mais sob forma de improviso, mas passou a exigir
planejamento, pesquisa, estudo, domínio técnico, conhecimentos prévios sobre a história e
sobre o público (SISTO, 2012). Acreditamos que a contação de histórias funciona como uma
possibilidade lúdica de inserir os alunos - que acabaram de iniciar sua trajetória estudantil no
ensino formal - no universo simbólico da literatura. Assim, questionadas sobre a realização de
práticas de contação de histórias durante o ensino remoto, as professoras afirmaram que
trabalharam com as narrativas e que as consideram relevantes para formação leitora dos
educandos. Sobre a importância dessa arte secular, as colaboradoras responderam:
3- Pollyanna: [...] a história tanto lida, quanto contada, leva eles {os alunos}
ao imaginário, a descobrir, a construir. Você sabe que o mundo infantil é um
mundo cheio de fantasias [...] No meu planejamento diário eu já tenho uma
história [...] (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).
4
Questionamos as docentes acerca da importância da contação de histórias, de forma ampla, sem
restringir ao período pandêmico, logo, acreditamos que nesta afirmativa a professora quis fazer
referência ao desejo dos alunos em manusear o livro da história contada e/ou proferida, independente
da modalidade em que esta ocorre, se presencial ou virtual.
119
histórias. Além disso, compartilhar esse momento com os alunos, é ter a possibilidade de
suscitar a imaginação, despertar a curiosidade, propor soluções para os conflitos e conhecer
novos lugares e culturas (ABRAMOVICH, 2004).
As professoras enumeram diversos aspectos positivos que confirmam a relevância dessa
prática lúdica na formação do gosto pela leitura e no desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos. Dentre esses aspectos, destacamos: familiaridade com a leitura e escrita,
envolvimento com as histórias, busca do livro como objeto de prazer, identificação com
situações ou personagens do texto literário, expressão das opiniões, e criatividade.
A contação de histórias hoje não se restringe a uma prática da biblioteca escolar, mas
está presente em diversos espaços (públicos ou privados; escolares ou não-escolares).
Conforme salienta Bedran (2012), como uma ação pedagógica. Essa prática estimula o
desenvolvimento da leitura e da escrita, bem como contribui significativamente com a formação
de leitores, pois quando a história toca, encanta e marca o ouvinte/leitor, este demonstra
interesse pelo livro, querendo reler e reviver a narrativa ouvida.
Tal realidade é relatada por Alice, quando afirma que os alunos desejam levar o livro da
história contada para casa e que é esse contato que desperta o interesse deles para o ato de ler.
Esse interesse é, sem dúvidas, estimulado pela ludicidade, pelo brincar com as palavras, seus
ritmos e sons que envolve as práticas de contação de histórias. Alice ressalta também que os
educandos gostam de recontar e expor suas opiniões acerca da história contada, além de sempre
haver casos de identificação com algo narrado.
Através do reconto e da exposição de opiniões, os alunos têm a oportunidade de recriar
a narrativa a partir do significado que lhes atribui, e este por sua vez, resulta das experiências
cotidianas dos aprendizes. Logo, há um diálogo estabelecido entre o passado e o presente, entre
diferentes contextos e realidades, há uma necessidade de preencher os vazios do texto e resolver
os problemas existentes. Coelho (2008) enfatiza que a história alimenta a imaginação,
possibilitando ao leitor em formação, identificar-se com personagens, personalidades e
situações apresentados na história, compreender e aceitar as situações difíceis, contribuir com
a resolução de conflitos e aumentar a esperança em dias melhores.
Dessa forma, ao contar uma história em sala de aula, o professor propicia aos aprendizes,
como bem ressaltou a professora Pollyanna, a entrada no mundo imaginário e o despertar da
sua capacidade investigativa, criativa e representativa. Segundo Farias (2011), a importância
do ato de contar e ouvir histórias encontra-se na possibilidade de desenvolver no ser humano
duas características imprescindíveis: a imaginação e a oratória. O autor salienta que só o homem
é capaz de fantasiar, de contar sua história e reconstruir outra a partir do acréscimo ou retirada
120
de detalhes, somente os seres humanos são capazes de imaginar, de criar imagens de coisas,
pessoas, lugares que não existem na realidade, mas que se materializou a partir da nossa
imaginação criativa e funcionou como catarse para as nossas angústias.
Em contato com o universo simbólico das histórias, ampliamos conhecimentos e a
capacidade de se colocar e compreender o outro, rompemos com as verdades absolutas que a
sociedade dominante impõe e reelaboramos princípios e valores. A contação de histórias coloca
narradores e ouvintes na posição de criadores, isto é, permite que estes, usem a imaginação,
criatividade e ludicidade para criar e recriar a narrativa. Além disso, rompe com a ideia de
objetividade e homogeneidade nas interpretações, pois permitem compreensões e soluções
múltiplas (FARIAS, 2011).
É reconhecendo, pois, a relevância da contação de histórias para despertar nos alunos, o
gosto pela leitura que consideramos importante investigarmos o desenvolvimento dessas
práticas durante o ensino remoto. Num contexto atípico como este, em que o distanciamento e
isolamento físico foram as principais medidas de prevenção para amenizar os impactos letais
do vírus, o contato com a arte da palavra tornou-se imprescindível na vida das pessoas,
principalmente, das crianças, visto que, através de momentos lúdicos com as histórias, os
leitores mirins podem se divertir, entender a realidade em que estão situados, encontrar
personagens que enfrentam situações semelhantes as suas e assim, acreditar, que apesar dos
desafios, pode existir um final feliz.
O YouTube, assim como o Google Meet, foi uma das plataformas digitais mais utilizadas
pelos educadores durante o ensino emergencial. A plataforma de compartilhamento de vídeos
tornou-se uma grande aliada dos professores, possibilitando, desde o aperfeiçoamento docente
até o desenvolvimento das aulas. O YouTube tornou-se uma ferramenta indispensável no ensino
remoto, pois a grande maioria dos professores o utilizaram para aprender a usar aplicativos e
outras plataformas digitais, e assim, melhorar sua prática de ensino; compartilhar vídeos de
histórias; e divulgar seu trabalho através da criação de conteúdo em canais abertos. As
professoras Alice e Pollyanna afirmam que o YouTube foi de grande relevância para o trabalho
com a leitura literária durante as aulas síncronas e assíncronas. Sobre o uso da plataforma com
vistas a formação do leitor, Pollyanna aponta:
A professora enfatiza que o YouTube foi uma “mão na roda” para auxiliar o trabalho
docente durante o ensino remoto, pois a ferramenta contribuiu significativamente para o alcance
dos objetivos pedagógicos propostos. A educadora afirma ainda que a plataforma dispõe de
uma grande quantidade e variedade de vídeos de contação de histórias e que sua utilização foi
indispensável para a complementação na etapa de planejamento. Além disso, Alice aponta que,
literários e vídeos de contação de histórias pelo aplicativo, para que assim, os alunos entrem em
contato com o universo simbólico e tenham o seu direito ao acesso à literatura assegurados.
No entanto, a princípio, quando Alice menciona no questionário que utiliza a ferramenta
para encaminhar e orientar as atividades, compreendemos que o uso do App se restringia,
naquele momento, apenas ao envio e recebimento de mensagens pela professora e familiares
dos alunos, não sendo visualizado pois, o potencial educativo da ferramenta. Porém, quando na
entrevista relata o uso do aplicativo para compartilhar livros literários e vídeos de contação de
histórias, o grupo criado no WhatsApp passa a ser também um espaço de leitura, de incentivo
ao gosto pelo texto literário, a formação do leitor.
A professora não especifica o que faz após o compartilhamento dos livros e dos vídeos
de contação de histórias, mas sabendo das potencialidades do App, as professoras poderiam,
afim de contribuir com a formação de leitores durante este tempo atípico da pandemia, solicitar
aos alunos que digitassem ou enviassem áudios explicitando as opiniões acerca da obra literária,
relatassem a articulação com livros que leram antes e sugerissem outros, encaminhassem vídeos
recontando a história, discutissem entre si sobre como foi a experiência da leitura e falassem
sobre os encontros e desencontros propiciados pelo texto.
As possibilidades de explorar o aplicativo sob a perspectiva da formação de leitores são
inúmeras e poderão favorecer aos alunos exercerem a capacidade de se expressar, criar,
argumentar, criticar, compreender e respeitar a opinião do outro e construir saberes de forma
colaborativa. O WhatsApp, quando utilizado de forma intencional, configura-se em um recurso
significativo na mediação do conhecimento, no compartilhamento de saberes e na
democratização do acesso à leitura (GOMES; CARVALHO; MAIA, 2020).
Sabendo que estamos inseridos em uma cibercultura e que os alunos gostam de estar no
ambiente digital e usufruir de suas possibilidades, faz-se urgente e necessário que a instituição
escolar, sobretudo os educadores, se sensibilizem, compreendam e utilizem as múltiplas
linguagens advindas dos meios de comunicação. Somente a partir do reconhecimento dessa
necessidade, é que a escola poderá criar condições para que os alunos, em contato crítico com
o universo tecnológico, possam lidar criticamente com tais ferramentas, utilizando-as com
responsabilidade sem correr o risco de se deixar ser dominados por elas (MEDEIROS, 2019).
Com a introdução das TDIC na sociedade, a escola precisou/precisa repensar a sua
proposta de ensino (KESNKI, 2012). O que significa dizer que, o uso dos diversos artefatos
tecnológicos e recursos digitais, oriundos dos novos meios de comunicação e interação social,
exigem novos modos de ensinar e aprender, visto que estes, poderão colaborar satisfatoriamente
com o aumento da qualidade da educação (MORAN, 2000). Para tanto, com o bombardeamento
126
5 - Alice: [...] o que impactou foi isso: o tempo limitado [...] as leituras
deleite, que antes eu realizava todo dia no presencial, ficaram um pouco
restritas para um dia na semana, no máximo dois, com a participação da
bibliotecária também. Porque ou eu focava mais na leitura, pois isso leva um
tempo para discutir, ver o que que eles acham que vai acontecer na leitura,
fazer a contação, depois retomar o que foi lido, o que eles acharam. [...] Aí
não tinha história todo dia, mas quando não tinha história, eu sempre
colocava um vídeo [...] para as pessoas que não assistiram a aula terem esse
contato com alguma história relacionada a algum conteúdo. Uma história que
desse certo para eles assistirem e sempre com uma atividade relacionada à
interpretação, uma ficha de leitura também com essa característica. [...]como
127
a gente tinha um tempo limitado de atividades, ela acabava sendo uma leitura
mais com a finalidade de aprendizado, que tem uma atividade de retorno para
mim, no caso. E aí acabava ficando assim, um pouco mais voltado para dentro
do conteúdo, para usar como uma ferramenta, como uma metodologia dentro
do que eu estava trabalhando [...] (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).
A professora Alice menciona em sua fala que o maior impacto da pandemia, do ensino
remoto no planejamento e desenvolvimento das atividades voltadas para a formação de leitores,
foi respectivamente, a necessidade de selecionar às histórias de acordo com os conteúdos a
serem abordados e o tempo limitado das aulas. Tal implicação, na experiência da professora,
fez com que as contações de histórias fossem realizadas com menor frequência, isto é, uma
prática que, no ensino presencial, era diária e realizada para despertar o prazer pela leitura,
passou a ser realizada apenas uma ou duas vezes na semana, com objetivos didáticos.
Por outro lado, Pollyanna afirma que todos os dias tinha história e que o fator de maior
implicação, além do mencionado por Alice, foi a falta de acesso às aulas pela grande maioria
dos alunos, visto que, de uma turma de 28 alunos, apenas 8 participavam das aulas síncronas.
O tempo limitado, apontado pelas professoras Alice e Pollyanna, se relaciona ao tempo da aula
síncrona, ou seja, ao momento em que ambos (professora e alunos) estão interagindo
simultaneamente em um mesmo espaço virtual. Na aula presencial, os educandos permanecem
no mínimo 4h na escola, porque de certa forma, há estrutura física e material, assim como,
recursos humanos para isso.
Por outro lado, no ensino remoto, o acompanhamento das aulas e a realização das
atividades depende, principalmente, da disponibilidade dos alunos e seus familiares que, por
sua vez, ficam à mercê das poucas condições sociais, financeiras e culturais, pois nem todos
dispõem de internet, aparelhos eletrônicos com grande espaço de armazenamento e pessoas que
os orientem e ajudem na execução das tarefas, na leitura das histórias. Na fala de Alice,
identificamos que há uma preocupação por parte da educadora, em desenvolver um trabalho
responsável com a literatura, visto que relata que há todo um processo na hora de narrar uma
história: (i) levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos; (ii) realização da contação de
128
histórias; (iii) retomada da narrativa e abertura do espaço para os alunos dialogarem sobre a
história.
Nessa afirmativa, a professora aponta o método com que medeia as contações de
histórias: o da andaimagem de Graves, Graves (1995). A escolha do método é um fator
indispensável na hora de planejar a contação de histórias, pois a partir da seleção do método, o
professor/mediador/contador de histórias poderá contextualizar e problematizar a narrativa com
a realidade dos ouvintes e traçar os objetivos da contação de histórias após a leitura sensível do
texto. O método de andaimagem aponta que, para que haja sucesso na leitura, é preciso seguir
três passos importantes na fase da implementação: pré, durante e pós-leitura. Fazendo isso, o
narrador estará valorizando os conhecimentos prévios, as leituras anteriores, os gostos e
preferências dos leitores/ouvintes, ampliando o repertório de histórias e abrindo espaço para
interpretação e reconstrução da história de modo crítico e criativo (GRAVES; GRAVES, 1995).
A efetivação da contação de histórias só ocorrerá se antes houver sistematização de
textos, métodos, técnicas e recursos; contextualização com as necessidades dos leitores, e
intencionalidades definidas que dialoguem com a formação do gosto pelo texto literário e que
não se reduzem a explicação de conteúdo ou a transmissão de normas e regras de boa conduta.
Com isso, percebemos que o trabalho com a formação de leitores é sério, complexo e
necessita de um preparo para se concretizar. Não podemos negar que para realizar uma boa
contação de histórias e favorecer momentos significativos com as histórias, leva muito tempo,
principalmente, quando estamos falando de uma mediação de histórias realizada em um
ambiente virtual, no qual há interação, mas não há o contato físico, o envolvimento e a emoção
que tem uma história contada presencialmente.
No entanto, também não podemos deixar que a voz que encanta, cria imagens e brinca
com as palavras e seus ritmos e sons deixe de existir por causa dos desafios impostos pelo
ensino emergencial, pois assim, estaríamos negando aos alunos o direito à literatura, ao lazer
propiciado pelas histórias. Amarilha (2012) afirma que quanto maior for o contato dos alunos
com as histórias, com o universo literário e com uma mediação adequada, maior a familiaridade
com a linguagem simbólica e o gosto pela leitura.
Portanto, ainda que exista a limitação do tempo nas aulas síncronas, é preciso que
asseguremos o direito dos alunos à leitura literária. Então, que diariamente, possamos dizer ou
contar uma história, um poema, uma fábula, uma quadrinha ou qualquer outro gênero textual,
para que assim, os alunos sejam incentivados a buscar por si só outros textos. Além disso, que
façamos da contação ou proferição de histórias, um momento a ser desejado e aguardado pelos
leitores em formação, e não suportável, visto como uma obrigação para realizar uma atividade
129
ou preencher uma ficha de leitura, tampouco, sirva apenas para introduzir uma temática, um
conteúdo.
Através de uma contação de histórias, o narrador poderá propiciar aos ouvintes a
descoberta de novos ambientes, contextos, culturas, personalidades, atitudes e jeitos de viver,
bem como, aprender sobre diversos assuntos no âmbito da história, geografia, ciências, política
e tantas outras áreas do conhecimento. Mas sem precisar saber tais nomenclaturas e que a
mediação se pareça com uma aula expositiva, porque, se assim for, deixa de ser literatura, deixa
de ser incentivo ao gosto e prazer pelos textos literários e passa a ser aula, a ser didática, cuja
preocupação maior não é a de possibilitar a entrada no mundo do faz-de-conta
(ABRAMOVICH, 2004).
Além do fator tempo limitado ter sido citado como justificativa para a diminuição na
frequência da realização das contações de histórias nas aulas remotas, as professoras, quando
relatam suas experiências com as narrativas em tela, sem o contato físico com os alunos,
acabaram mencionando a dificuldade em gravar e editar os vídeos, em ouvir a própria voz e
visualizar sua imagem.
66- Pollyanna: [...] no ano passado {2020} eu não contei muita história, não
gravei muito, porque eu não suportava me olhar e ouvir minha voz. Eu
cheguei a ter início de ansiedade, porque ficou difícil, sabe?
68- Pollyanna: [...] Essas produções de vídeo, para mim, foram muito difíceis
(Trechos de enunciados de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021).
.
Nesse sentido, Pollyanna relata que não gravou muitos vídeos de contação de histórias
porque tinha dificuldade de se ver e ouvir nos vídeos, motivo pelo qual desenvolveu uma
ansiedade. Sabemos que as implicações na saúde mental dos professores não surgiram com a
pandemia, pois antes já havia a desvalorização docente. No entanto, acreditamos que com o
ensino remoto, educadores como Pollyanna, preocupados em fazer o melhor, com as condições
que dispunham, ficaram ainda mais sobrecarregados, visto que além das aulas remotas, existiam
fichas e planilhas para serem preenchidas e constatar a realização do trabalho remoto, bem
como, a vida e os problemas pessoais. Complementando a menção de Pollyanna, Alice
justifica
71- Alice: Mas é porque foi muito difícil. Era um mundo muito diferente,
muito novo. Aprender a editar vídeo na raça (no início saía tudo errado),
aprender a subir para o YouTube, a mudar o formato do vídeo para ficar
menor. Foram muitos desafios, mas a gente foi se ajudando [...] (Trecho de
enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).
Amarilha (2012), aponta que a contação de histórias deve ser realizada pelos professores
em sala de aula (física ou virtual) com o objetivo de ampliar a capacidade dos alunos em
reconhecer e apreciar aspectos da linguagem literária, atribuir sentido e significado às histórias
e a sua existência e enriquecer a bagagem do leitor, de modo, a introduzi-lo as convenções da
língua escrita. Ouvir histórias é o início da trajetória leitora, pois é ouvindo as histórias que
somos atraídos ao livro e convidados a ver, ouvir e sentir o mundo com os olhos da imaginação
(ABRAMOVICH, 2004).
Apesar de no planejamento das professoras, as histórias serem escolhidas de acordo com
os conteúdos, da limitação do tempo nas aulas síncronas, o que acabou por diminuir a
frequência da realização de contação de histórias, e da dificuldade de acesso às histórias por
parte dos alunos, é possível notar esforço e valorização por parte das professoras Alice e
Pollyanna em oportunizar aos alunos, momentos com a leitura literária. Quando existe
ludicidade no momento da contação de histórias, os significados da leitura ultrapassam o tempo
em que a história é narrada e podem perdurar por toda a vida, permitindo ao leitor relacionar
aquilo que ouviu pela voz do narrador com a realidade e experiências vividas (AMARILHA,
2012).
Nesse contexto, no ensino presencial, muitos obstáculos, como por exemplo, o
entendimento da contação de histórias como uma perda de tempo, um recurso utilizado para
moralizar e/ou acalmar os alunos, e uma prática que dispensa planejamento, eram erguidos para
dificultar a realização da contação de histórias como um momento enriquecedor de
aprendizagens em sala de aula. No ensino remoto, tais desafios tornaram-se ainda maiores,
porque somado aos obstáculos mencionados acima, existia a dificuldade de manusear a
tecnologia com fins pedagógicos e de interação colaborativa, pois um grande número de
professores não tinha familiaridade com os aparatos tecnológicos, com as diversas redes sociais
e plataformas digitais.
Reconhecendo que em todo caminho existem pedras a serem retiradas para melhor
travessia, Alice e Pollyanna mencionaram, em ordem decrescente, os principais desafios
enfrentados por elas, para oportunizar aos alunos o contato com as histórias, de modo a
despertar o gosto e o prazer pela literatura. Na figura abaixo, apresentamos a síntese das
informações:
132
FIGURA 03: Desafios enfrentados pelas educadoras para realização de práticas de contação de
histórias durante o ensino remoto
FONTE: construído pela pesquisadora com base nos dados da Entrevista coletiva (2021)
Alice acredita que é na troca dialógica e no contato mais direto com os alunos que o
conhecimento é construído e as aprendizagens aprofundadas. Apesar dos encontros assíncronos
favorecer o desenvolvimento da autonomia e senso investigativo dos alunos, à medida que estes
são convidados a organizar seus horários de estudos e pesquisar sobre os temas sugeridos pelos
professores com ajuda dos familiares (no caso dos alunos inseridos nas primeiras etapas da
Educação Básica), são nas aulas síncronas, na interação com os seus pares e sob a mediação de
um profissional da área, com saberes teóricos e práticos no âmbito da docência, que os alunos
dialogam e expressam posicionamentos e dúvidas, e que o educador atua como mediador das
aprendizagens, problematizando os questionamentos, esclarecendo as dúvidas e
potencializando novos saberes. Além disso, Pollyanna, aponta que os alunos
10- Pollyanna: [...] que participavam eles estão muito bem, estão no nível
mesmo do 3º ano, em todos os sentidos [...] (Trecho de enunciado de Alice –
Entrevista coletiva, 2021).
Pollyanna ressalta que aqueles que participavam assiduamente das atividades síncronas
e assíncronas, obtiveram resultados positivos. O comprometimento dos alunos e da família com
as atividades remotas e as condições favoráveis (recursos estruturais, materiais e humanos),
para isso, atenuaram os déficits de aprendizagens resultantes da ausência física da escola e dos
professores na trajetória escolar dos educandos durante a pandemia. Tal realidade só reafirma
a importância do professor enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem e a
necessidade da existência de espaços presenciais para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas como premissa básica, principalmente nas primeiras etapas da Educação Básica -
Educação Infantil e Ensino Fundamental – Anos Iniciais – (ALVES, 2020).
Assim, durante o ensino remoto, ficou evidente que as práticas de ensino presenciais
não podem deixar de existir e que a tecnologia não substitui o papel do professor na mediação
do conhecimento. Outro fator desafiador citado pelas educadoras, intimamente relacionado ao
pouco envolvimento dos alunos, foi a falta de condições favoráveis para dar continuidade aos
estudos de forma remota, dada a realidade social em que muitos alunos estavam inseridos. Sobre
isso, as professoras relatam:
53- Pollyanna: A gente sabe que as condições deles não são boas. (...) Para
você ter ideia, Suiane, a cada mês era um chip novo. Quando pensava que
não desapareciam do grupo (Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista
coletiva, 2021).
134
56- Alice: [...] A gente sabe que tinha alguns alunos, né Pollyanna, que
queriam participar, que eram bons alunos no presencial, mas que a gente
sabe que tem uma condição social bem aquém, bem difícil mesmo [...] A gente
fez apostila de conteúdos e imprimiu para entregar aos alunos, mas essa parte
das histórias a gente não conseguiu chegar, porque a gente não conseguia
disponibilizar livros para eles; a biblioteca não estava funcionando;[...] E
além disso, eles não tinham esse acesso na internet, no celular para ver
YouTube, ver as contações… (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).
Com a fala de Pollyanna, podemos inferir que se manter um chip ativo era uma
dificuldade para a família, possuir uma internet de qualidade para a criança assistir as aulas,
fazer pesquisas e realizar as tarefas, era ainda mais difícil. Nesse contexto, concordamos com
Santos (2020), quando afirma que a pandemia, além de tornar visível a disparidade entre ricos
e pobres, entre os que podem e os que não podem usufruir de elementos básicos de
sobrevivência, dentre eles o acesso à internet e à literatura, reforça a injustiça e exclui as
camadas menos favorecidas.
Como alternativa para amenizar os impactos negativos na aprendizagem dos educandos,
resultantes da falta de acesso à tecnologia, Alice menciona a produção de apostilas para que os
alunos, que não dispusessem de internet, não fossem ainda mais prejudicados, no que diz
respeito a aquisição de competências e habilidades necessárias para o seu pleno
desenvolvimento.
Por outro lado, a professora relata que no âmbito da formação de leitores, não foi
possível propiciar a estes alunos o contato com as histórias, pois nem eles tinham acesso à
internet para visualizar os vídeos com as narrativas, nem a escola pôde disponibilizar os livros,
em virtude do fechamento da biblioteca escolar. Resta-nos, pois, alguns questionamentos que
poderão problematizar outra pesquisa: Como é possível favorecer o contato com a literatura aos
alunos que se encontram fora da escola e sem acesso à internet? Quais políticas públicas
deverão ser criadas e/ou repensadas para assegurar o direito à literatura a todos,
independentemente de classe social?
Destarte, fica evidente que ao se pensar sobre o uso das TDIC na mediação das aulas,
principalmente, quando falamos de escola pública, é preciso observar os aspectos sociais que
envolvem os alunos, para que o professor não contribua com o aumento das desigualdades
existentes na sociedade. Os educadores devem escolher recursos gratuitos, de fácil manuseio e
que ocupem uma pequena parte do armazenamento do aparelho móvel, dado que a maioria dos
smartphones utilizados pelas famílias populares não dispõe de uma memória com muitos
gigabytes (GOMES; CARVALHO; MAIA, 2020, p. 220).
135
O contato dos alunos com o universo literário, na experiência de Pollyanna, era uma
prática diária. Contudo, algumas famílias não demonstravam interesse e preocupação em
propiciar essa experiência simbólica aos seus filhos, sobrinhos e netos por muitos motivos.
Inclusive, as próprias professoras reconhecem que alguns deles estão associados a pouca
familiaridade com a leitura. Vejamos:
Então como é? Se você não tem esse hábito, você também não passa o hábito
[...] (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).
53- Pollyanna: [...] a gente sabe que eles {os alunos} não têm esses livros
pelas condições e a família não tem esse contato com a leitura. [...] (Trecho
de enunciado de Alice – Entrevista coletiva, 2021).
Sabemos que, na maioria das vezes, o acesso a livros é restrito àqueles que podem pagar
para usufruir, pois são muito caros. Grande parte dos alunos de escola pública só tem contato
com as histórias e com o livro enquanto objeto de desejo, na instituição escolar, a partir da
mediação do professor. A realidade social dos alunos de Alice e Pollyanna não os permitem
possuir livros em casa, cabendo a escola assumir esse papel importante na formação leitora de
seus educandos. Além disso, o pouco contato com a leitura por parte dos responsáveis dos
alunos, fazem com que alguns não valorizem esse trabalho. Amarilha (2012), aponta que
dificilmente alguém que não é leitor, despertará o interesse no outro em experimentar essa
aventura pelo mundo do faz-de-conta, ou seja, somente aquele que gosta de ler, que se aventura
pelas histórias e compartilha suas experiências com a linguagem simbólica é capaz de formar
leitores, de incentivar o prazer pela leitura.
Além desses desafios citados pelas educadoras, consideramos relevante questioná-las
sobre a existência de formações continuadas para que o ensino remoto se tornasse possível e
fosse realizado, de modo a propiciar a construção do conhecimento e a formação de leitores.
Tal questionamento acerca desse preparo anterior para uma mudança abrupta no modo de
interagir com os alunos e partilhar saberes, se torna importante, porque a grande maioria dos
educadores não utilizavam os artefatos tecnológicos em sala de aula com fins pedagógicos, bem
como, narravam as histórias apenas de forma presencial, nos quais os principais recursos
utilizados na hora do conto eram o corpo e a voz do narrador.
Além disso, sabemos que com a existência dos espaços telemáticos e suas imagens
eletrônicas e virtuais, a dimensão da realidade é reconfigurada e o tempo real abre espaço para
o virtual, para a interação social a partir de diversas linguagens, para os sons reproduzidos
eletronicamente e para os gestos recriados. É nesse contexto da ocupação no espaço digital que
o ato de narrar histórias ganha outras dimensões (BUSATTO, 2013) e o professor, enquanto
principal mediador da leitura na escola, não poderia deixar de oportunizar aos alunos, durante
o ensino remoto, experiências estéticas através da contação de histórias.
Assim, devido à pouca familiaridade com as tecnologias, acreditamos que seria
importante o investimento em formações continuadas para os professores no âmbito da leitura,
contação de histórias e formação de leitores, pois somente bem fundamentados teórico e
137
66- Pollyanna: [...] se a gente tivesse, no ano passado, [...] iniciado síncrono,
teria sido melhor. Eu achava tão difícil quando falava, mas quando a gente
foi para a prática, Suiane, foi muito maravilhoso. Aquela 1h que passava com
eles dava para fazer leitura compartilhada, dava para fazer muita coisa [...]
(Trecho de enunciado de Pollyanna – Entrevista coletiva, 2021, grifo nosso).
38- Alice: Nos encontros síncronos todos se envolviam com a contação, com
as perguntas antes, as hipóteses faziam bastante, e durante a contação eles
também interagiam. E depois, também davam retorno de terem entendido a
história. Mas já as atividades, as devolutivas do grupo todo, eram bem poucas
as respostas. [...] Eu sentia que no dia que era atividade mais voltada para o
livro literário, caía a devolutiva (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista
coletiva, 2021).
De acordo com Busatto (2013), a narração de histórias ao vivo deve assegurar ao ouvinte
seu papel de coautor, de leitor ativo. O relato de Alice vai ao encontro do que a autora confirma
141
em seus estudos e experiências com a contação de histórias realizada nos suportes digitais. As
narrativas que envolvem performance em tempo real criam interatividade entre narrador e
ouvinte, e é isso que traz qualidade para o momento da contação de histórias. Os estudos da
autora apontam que das histórias apresentadas no suporte do CD-ROM, as crianças preferem
aquelas que o narrador aparece narrando e que as histórias apenas com áudio e animação
(imagens, gifs, figurinhas) não provocam tanto interesse.
Relacionando isso a fala da professora Alice, é possível afirmar que, enquanto as
histórias mediadas no modo síncrono, abriam espaço para o diálogo e para a troca entre os
educandos, os momentos de leitura a serem realizados de modo assíncrono não tinham muito
retorno e engajamento dos alunos. Algumas das justificativas para isso já foram mencionadas
nas dificuldades enfrentadas pelas educadoras anteriormente, mas acrescido a isso,
mencionamos a falta de um mediador experiente (o/a professor/a), que sente prazer em lê, em
falar sobre suas leituras e que empresta a voz para dá vida às narrativas, tornar conhecidos
outros povos e culturas e brincar com as palavras.
Fica evidente a importância do contador de histórias como uma ponte que facilita a
travessia do ouvinte até a leitura. Seja em um espaço amplo ou diminuto, como a tela de um
celular, a presença do narrador é indispensável para que o maravilhoso se instale e para que a
entrada no mundo do faz-de-conta seja possível. Para tanto, o professor enquanto
mediador/narrador deve ter conhecimentos teórico-práticos, criatividade e muito preparo para
apresentar as histórias de forma adequada em diferentes suportes, sabendo que cada suporte
requer estratégias, metodologias e adaptações diferentes.
Afim de tornar a hora da história prazerosa, ainda que através de uma tela de celular ou
computador, as professoras mencionaram alguns meios encontrados para atrair a atenção dos
alunos e possibilitar a interação entre estes, antes, durante e após a contação de histórias.
Vejamos as estratégias utilizadas pelas professoras:
2- Alice: [...] a gente [...] faz a leitura visual primeiro, antes de tudo. A gente
lê as imagens, percebe o que a história está dizendo, o que a capa está
tentando transmitir (Trecho de enunciado de Alice – Entrevista coletiva,
2021).
Sabendo que narrar uma história não é explicá-la, e que a boa narrativa é aquela que
possibilita a construção de sentidos pelos ouvintes, é que analisamos essas duas afirmativas das
professoras sob o aspecto formal da contação de histórias (BUSATTO, 2012). Na fase de
planejamento, o professor/narrador/contador escolhe/seleciona o texto, o modo, o suporte, os
objetivos, os recursos e as técnicas que serão utilizadas na mediação da leitura. Existem
diferentes modos de favorecer o contato do leitor com um texto literário, a contação de histórias
é apenas um deles.
Pollyanna menciona dois modos de mediar a leitura; o contar e o ler. Contudo, apesar
de na maioria das vezes, tratarmos os termos como sendo iguais, ambos se diferenciam. Souza,
Modesto-Silva, Motoyama (2020) afirmam que a contação de histórias é uma prática da
oralidade com intencionalidade comunicativa e que exige mediação, pois atua como forma de
compartilhar um acontecimento com alguém. Para tanto, faz uso da entonação de voz/prosódia,
expressões corporais e faciais, performance, recursos e técnicas, bem como não exige o uso do
livro e a fidelidade das palavras e da sequência tal como está escrito, porque permite a
flexibilidade da linguagem e o improviso. Já a leitura de uma história não exige mediação, mas
constitui-se um ato executado de forma individual e silenciosamente ou em voz baixa, isto é, é
um ato solitário que se dá entre o leitor e o livro.
Além do contar e do ler, as autoras abordam o proferir/dizer histórias como um modo
de mediar a leitura de literatura. Proferir/dizer uma história é reproduzir o que está escrito no
livro, usando as mesmas palavras e sequência por meio da voz, entonação, expressão corporal,
gestual e facial, além de exigir mediação e a presença do livro (SOUZA; MODESTO-SILVA;
MOTOYAMA, 2020). Em vista disso e fundamentadas em trechos de falas anteriores,
acreditamos que as professoras colaboradoras, apesar de confundirem os termos que se referem
aos modos de mediar as histórias, realizam ora a contação de histórias, ora a proferição, assim
como também oportunizam momentos de leitura, no qual os alunos são convidados a ler e
interpretar a história individualmente.
Outro aspecto que chama a atenção na fala de Pollyanna é o fato de fazer
questionamentos aos alunos no decorrer da narrativa. Busatto (2012) considera que existem três
vias que não podem ser desconsideradas na hora de narrar uma história: ritmo, intenção e
imagens. O ritmo é o que dar musicalidade e harmonia à contação de histórias, isto é, refere-se
à capacidade do narrador adaptar sua voz (timbre, altura, velocidade) às situações do texto e
compreender os momentos das pausas e silêncios, dando vida e movimento à narrativa. A
intenção se relaciona ao que o texto quer passar para o leitor, o que o narrador deseja despertar
nos ouvintes, o que não precisa está explícito nas descrições exageradas, mas através da
144
intenção desejada, aquele que conta, se expressa com emoção e acaba por modificar a entonação
da voz, permitindo aquele que escuta interpretar o que está nas entrelinhas. As imagens estão
associadas às descrições oferecidas pelo texto (imagens verbais), aos sons que aparecem na
narrativa, como as onomatopeias (imagens sonoras) e aos movimentos que são criados
espontaneamente para enriquecer a contação (imagens corporais) (BUSATTO, 2012).
Todos esses elementos atuam em conjunto e fazem da narrativa um momento singular
e uma atitude multidimensional, no qual é possível incentivar a leitura, despertar o gosto pelas
histórias, valorizar culturas, estimular o imaginário e a criatividade, sensibilizar o ouvinte/leitor,
alimentar o espírito e manter viva as memórias de um povo.
Apesar de Pollyanna apontar a utilização das pausas para questionamentos no decorrer
da história como positiva, acreditamos assim como Busatto (2012), que narrar uma história é
possibilitar a entrada dos leitores no universo imaginário, onde tudo é possível. Permitir
comentários ou qualquer outra interrupção na hora da contação de história seria romper com a
magia criada pelo “era uma vez”. Para que isso não ocorra, é preciso que o professor firme
acordos, eduque o ouvido para a escuta atenta e sensível e olhe carinhosamente para os ouvintes
como se estivesse dizendo que após a contação de histórias abrirá espaço para o diálogo.
A professora Alice, por outro lado, menciona em seu relato um detalhe importante na
hora de contar uma história: a postura física de quem conta. Segundo Busatto (2012), não há
uma postura fixa que favoreça o sucesso de uma narrativa, pois a forma ideal é aquela que deixa
o narrador mais confortável. Porém, a autora lembra que quando o mediador escolhe contar a
história em pé, este precisa atentar-se para sua movimentação, que não deve ser excessiva, pois
poderá causar dispersão nos ouvintes e retirar o encantamento e força do texto.
Sabendo que os gestos, as expressões corporais são tipos de linguagem, possíveis de
leitura e interpretações e a contação de histórias se enriquece com o uso espontâneo e criativo
dessa linguagem (SISTO, 2012), é que problematizamos o uso desses elementos na contação
de histórias no formato virtual. No ambiente digital, o movimento do contador de histórias deve
ser pequeno, diminuto, pois caso contrário extrapolará os limites da tela. Sendo assim, o
narrador deve investir principalmente, nas expressões faciais e gestos pequenos que carreguem
significados e transmitam emoções (BUSATTO, 2013). Feitas essas considerações,
consideramos relevante apresentar de forma sucinta algumas histórias contadas e enfatizadas
pelas educadoras, como experiências exitosas durante os encontros síncronos (Quadro 7).
145
QUADRO 07: Algumas das histórias trabalhadas pelas colaboradoras durante o ensino remoto
HISTÓRIA
AUTOR/A – CONHECENDO UM POUCO A HISTÓRIA
ILUSTRADOR/A
Fogo no céu É uma história curta, que contém repetições e animais
como personagens. A narrativa fala de um fogo estranho
Mary – Eliardo França que ilumina o céu e cai na mata. Este fato coloca em risco
a vida dos animais que lá vivem e que logo começam a
fugir. No final, o fogo no céu é identificado como um balão
que ao cair na mata tem seu fogo apagado e por um dos
animais, que posteriormente o pendura em um lugar e
todos os animais dão vivas à São João.
Palavras, Muitas Palavras O livro apresenta de forma lúdica, palavras que iniciam
com cada letra do alfabeto. As letras do alfabeto são
Ruth Rocha – Raul Fernandes apresentadas para o leitor com rimas e acompanhadas de
ilustrações que complementam o sentido do texto escrito.
Assim, o livro aborda a leitura de uma forma divertida e
prazerosa.
Cadê meu Travesseiro? A história conta de forma envolvente, a aventura de uma
menina chamada Isadora em busca de seu travesseiro. A
Ana Maria Machado narrativa apresenta diversas rimas e ritmos, e cita cantigas
de roda e personagens dos clássicos infantis para
enriquecer a trama protagonizada por Isadora que perdeu o
travesseiro.
Amar o Mar A narrativa é construída por meio de rima e apresenta
diversos animais marinhos citando atitudes que
Jane Prado demonstram amor ao mar (a casa desses seres vivos).
A história fala de uma rã de três olhos que vive em uma
Rã de Três Olhos lagoa, que com o passar do tempo ficou muito poluída e
que para proteger sua pele teve de usar um maiô listrado.
Olga de Dios Inconformada em viver nessa lagoa, decidiu investigar de
onde vem tanta poluição. Ao descobrir, juntou forças com
seus amigos para reverter essa situação até que juntos
conseguiram salvar a lagoa, deixando-a límpida.
Os Três Lobinhos e o Porco A história, de forma divertida, inverte os papéis (mau e
Mau bom) dos personagens da história clássica “Os Três
Porquinhos”, logo, são os lobinhos que tentam se livrar do
Eugente Trivizas – Helen porco mau. Apesar de utilizar elementos semelhantes aos
Oxenbury da narrativa original, inova, por exemplo, nos materiais
para construir e destruir casas fortes. No decorrer da trama,
os lobinhos percebem que não adianta investir na
construção de uma casa forte, pois o porco é muito forte.
Então, resolvem construir uma casa de flores e alcançar um
final surpreendente, onde o porco se torna bom e vai morar
com os lobinhos.
FONTE: construído pela pesquisadora
146
As obras literárias Palavras, Muitas Palavras, Amar o Mar, Cadê meu Travesseiro? e
Rã de Três Olhos, foram trabalhadas pelas professoras Alice e Pollyanna, respectivamente, no
Projeto Literário “Uma viagem pelos gêneros textuais”, que vem sendo realizado pela Escola
Estadual “País das Maravilhas”, desde o ano de 2014, com o objetivo de desenvolver um
trabalho contínuo com a literatura e despertar nos alunos o gosto e o prazer pelos livros. Para
tanto, os professores trabalham durante todo o ano letivo os mais variados gêneros textuais e
selecionam uma história para a turma apresentar na culminância do projeto. Esta, por sua vez,
acontece no final do ano letivo com as apresentações das histórias e com a presença de toda a
comunidade escolar, enaltecendo o trabalho valoroso com a leitura literária realizado pelos
alunos e professores.
Apesar das limitações impostas pela pandemia, pelo ensino remoto, este trabalho não
deixou de acontecer e os alunos continuaram protagonizando as edições do projeto no formato
virtual. Segundo as professoras, os leitores em formação foram convidados a realizar atividades
escritas referente às obras literárias selecionadas para o projeto, bem como, produzir vídeos
contando e recontando outras histórias.
Em virtude da pandemia da COVID-2019, a culminância do projeto nos anos de 2020 e
2021 ocorreu de forma virtual, isto é, por meio do compartilhamento dos vídeos produzidos por
cada turma em plataformas digitais da escola, como YouTube e Facebook. Vale especificarmos
que no ano de 2020, os vídeos foram produzidos coletivamente pelos alunos, mas em espaços
distintos, pois as histórias foram divididas e compartilhadas entre os educandos para que cada
um, em suas residências pudessem gravar sua parte e participar da socialização. Em 2021, como
as aulas já estavam voltando em formato híbrido (aulas presenciais e virtuais) na escola, os
vídeos foram gravados em sala de aula respeitando as recomendações sanitárias.
Destacamos entre os aspectos positivos da culminância do projeto literário na
modalidade remota, a produção dos vídeos de até 5min, visto que, quando se trata de contação
de histórias no formato virtual, um vídeo mais longo pode se tornar cansativo e enfadonho e o
compartilhamento nas redes sociais da escola, pois assim, outras pessoas poderão ter acesso a
momentos de lazer com as histórias e outros professores poderão se inspirar com a experiência
exitosa da instituição. Considerando isso, relatamos a seguir, de forma objetiva, esta vivência
significativa das professoras colaboradoras com a literatura.
Desse modo, iniciamos falando sobre os vídeos das histórias Palavras, Muitas Palavras,
(Figura 04) e Amar o Mar (Figura 05) que marcam a culminância do projeto do ano letivo de
2020 e 2021, respectivamente, e foram gravados pelos alunos do 1º ano e editados pela
professora Alice. A obra literária Palavras, Muitas Palavras foi representada pelos alunos por
147
meio da técnica “simples narrativa (com objetos)” e a partir da utilização de letras do alfabeto
como recurso visual. Segurando a letra do alfabeto que representariam, os leitores mirins
recitavam, ora devagar, ora rápido os fragmentos da narrativa; descobriam o que seria possível
escrever com cada letra; e davam sentido a história descobrindo as infinitas possibilidades de
formar palavras:
FIGURA 04: Prints de tela do vídeo da representação do livro Palavras, Muitas Palavras? pelos
alunos do 1º ano
Ao recitarem o que a autora escreveu sobre cada letra, os aprendizes brincavam com as
palavras, seus ritmos e sons, aumentavam o repertório de palavras que iniciam com uma letra
em específico, e descobriam que as letras formam diversos nomes e que estas podem ocupar
diferentes posições na palavra. Acreditamos que a obra de Ruth Rocha, Palavras, muitas
palavras, por conter rimas, torna a hora da narrativa mais lúdica e cativa a atenção dos alunos
que estão adentrando no universo da leitura de forma sistematizada.
A narrativa curta Amar o mar, escrita por Jane Prado, apresenta de forma criativa um
diálogo entre os animais marinhos acerca da preservação do mar. Ao longo da história, os
habitantes deste espaço, sinalizam para o leitor, através de frases compostas por rimas, atitudes
que demonstram amor ao mar.
148
FIGURA 05: Prints de tela do vídeo da representação da história "Amar o Mar" pelos alunos
do 1º ano
Amar o mar foi contada coletivamente pelos alunos a partir das técnicas “simples
narrativa e com música”, e teve como recurso, máscaras de animais, que representavam os
animais da história e, sob um pano de fundo simbolizando o mar, os alunos narraram a história,
intercalando as falas uns com os outros de acordo com os personagens. Em seguida, finalizaram
a apresentação cantando “Xote Ecológico” de Luiz Gonzaga, o que consideramos que à medida
que verbalizavam as falas dos animais, implorando por socorro ou alertando o que poderia e o
que não poderia ser feito para manter o mar limpo, os alunos, sem necessidade de maiores
explicações, compreendiam o que poderia ser feito para que a vida neste habitat fosse
preservada.
Julgamos que as edições dos vídeos das duas histórias contadas pela turma do 1º ano,
combinaram harmonicamente a voz dos alunos, o plano de fundo, a música e os sons. Tais
aspectos enriqueceram ainda mais a produção deste material de leitura que se destaca, em nossa
visão, pelo fato dos alunos se apresentarem como os contadores de história que levam
entretenimento, cultura e conhecimento para outros leitores.
Os vídeos das histórias “Cadê meu Travesseiro?” (Figura 06) e “Rã de Três Olhos”
(Figura 07) marcam a culminância do projeto do ano letivo de 2020 e 2021, respectivamente, e
foram gravados pelos alunos do 3º ano, editados pela professora Pollyanna. A história “Cadê
meu travesseiro” possui uma trama envolvente, que gira em torno da aventura de uma garota a
procura de seu travesseiro e foi representado pelos alunos a partir da técnica “simples
149
narrativa”. Apesar de não utilizarem recursos lúdicos para contar a história, os educandos se
apresentaram vestidos com pijama e alguns, seguravam um travesseiro.
FIGURA 06: Prints de tela do vídeo da representação da história "Cadê meu Travesseiro?"
pelos alunos do 3º ano
O vídeo da história escrita por Ana Maria Machado foi construído de modo a articular
a voz dos alunos, imagens e fundo musical. Além disso, os estudantes, por serem mais velhos
que os do 1º ano, narraram sua parte da história com entonação de voz, respeitando as pausas e
pontuações e investiram em gestos que enriqueceram ainda mais a narrativa. Ao contarem
histórias como esta, os alunos exercitam a socialização, aprendem a se expressar em público,
adequar a voz às intenções de fala, assim como têm a oportunidade de entrar em contato com
os próprios afetos, pois ao expressar as emoções contidas no texto, ao verbalizar as falas dos
personagens e dar vida as suas personalidades, os mediadores mirins tem os conhecimentos
ampliados e seu psicológico amadurecido, visto que pegam emprestado das histórias, a força,
coragem, sabedoria e esperteza para saírem das situações difíceis em que se encontram
(BUSATTO, 2012).
Contendo uma riqueza de elementos estéticos e literários, a obra literária Rã de Três
Olhos aborda de forma dinâmica e envolvente, as consequências da poluição ambiental na vida
dos seres vivos. A história foi contada pelos alunos a partir da técnica da dramatização, na qual
valoriza-se a linguagem, os gestos e a interpretação dos leitores/narradores:
150
FIGURA 07: Prints de tela do vídeo da representação da história "Rã de Três Olhos" pelos
alunos do 3º ano
precisam aprender e dominar novas habilidades. Os vídeos editados por Alice e Pollyanna
apresentam uma série de efeitos estéticos (ritmo, fonte, tamanho e cor da letra, cortes de vídeos,
inserção de imagens e músicas, e organização da entrada e saída de um vídeo para outro a fim
de haver sentido na montagem do novo vídeo, já que os alunos os gravaram em momentos e
espaços diferentes) selecionados para compor harmonia e ajudar na construção de sentidos e a
essa multiplicidade de linguagens dar-se o nome de multimodalidade dos textos
contemporâneos (ROJO, 2012). Professores e alunos precisam dominar as práticas de
interpretação e produção de novas linguagens, isto é, os multiletramentos, para só então atribuir-
lhes significados.
A partir das falas das colaboradoras, da contação/proferição das histórias trabalhadas
com os alunos nos encontros síncronos, e das gravações de vídeos, percebemos que a seleção
de histórias feita por Alice e Pollyanna contempla os critérios elencados por Sisto (2012). O
autor destaca a importância de o professor/mediador/narrador considerar a qualidade literária
das obras, isto é, um texto bem escrito, com diálogos ricos capazes de desencadear construção
de significados, mas sem deixar de lado a poesia, o encantamento, o humor, o lúdico, pois isso
pode sensibilizar e tocar internamente o leitor/ouvinte. Sisto (2012) aponta ainda que uma boa
história é aquela que desperta curiosidade e cria expectativa nos leitores e isso foi perceptível
ao longo da pesquisa, à medida que ouvíamos os relatos exitosos das professoras.
Nessa vertente, se contar histórias é uma atitude transdisciplinar (BUSATTO, 2012), as
professoras, ao narrar ou proferir essas obras literárias, abriram espaço para que os alunos, em
contato com a linguagem ficcional, conhecessem diferentes realidades, personagens e
personalidades, falassem sobre assuntos, como festas juninas, meio ambiente, adotassem
atitudes responsáveis e éticas, e sobretudo, interpretassem os conflitos e a trama a partir de suas
vivências, sem a necessidade de chegar em uma interpretação correta, bem como, expressassem
suas opiniões acerca de cada um desses aspectos de forma espontânea.
Ao escolherem trilhar esse caminho da contação e/ou proferição de histórias para
contribuir com a formação leitora dos alunos, as professoras passam a promover, em sua prática
pedagógica, o fazer artístico dos educandos, visto que passam a construir obras criativas
(desenhos, dramatizações, poesias e novas histórias, por exemplo) a partir do que a narrativa
desencadeou dentro de si. Através da contação de uma história, os professores contadores de
histórias, encorajam os leitores em formação a se aventurar pela leitura da obra, a escrever outra
narrativa, a desenhar, dramatizar, enfim a criar novas formas para o que foi ouvido (BEDRAN,
2011).
152
QUADRO 8: Relato das professoras acerca da recepção dos alunos ao ouvirem as histórias nos
encontros síncronos
uma pessoa que não é tão boa da vida, é meio ranzinza e às vezes a gente
trata as pessoas da mesma forma, com a mesma frieza.
117- Alice: E a gente acaba se distanciando mais. Ao invés de conseguir
se aproximar, a gente age da mesma forma e acaba sendo igualzinho.
Quando eles (os lobinhos) foram para o outro lado - a doçura - e não
tentaram se afastar ou proteger com coisas difíceis, eles conseguiram
alcançar o porquinho e ficaram amigos dele. Mas foi muito engraçado,
porque os alunos achavam que era outra coisa. Quando a gente começou
a levantar as hipóteses, que eles viram os lobos, eles só achavam que eles
iam ser ruins e que o porco que era o bonzinho, além disso, não
entendiam como esse porco ia ser mau. Então eles ficaram muito
empolgados com a história. E apesar de ser uma história bem longa, com
bastante texto e bem comprida os alunos prestaram atenção do início ao
fim.
FONTE: trechos de enunciados de Pollyanna e Alice – Entrevista coletiva, 2021.
Contar histórias, longe de ser uma imposição ou uma maneira diferente de explicar o
certo e o errado para o aluno, é um momento singular, de encontro com as memórias de um
povo, é uma forma de comunicar sentidos, sentimentos e emoções, é a construção de imagens,
conceitos, personalidades, é a desconstrução do que somos, dos preconceitos, das ideias
prontas; é sobretudo, descobrir o poder da palavra (SISTO, 2012). As professoras, ao levarem
as histórias para a sala de aula virtual, propiciaram aos alunos momentos lúdicos com a
literatura, permitindo-os alimentar a imaginação, se identificar com personagens como o caso
do aluno do 3º ano, que se diz diferente por não conseguir enxergar direito tal como a rã da
narrativa, e se surpreender com situações e personagens como foi a realidade dos alunos do 1º
ano que se não esperavam que a história fosse apresentar os lobinho como os bons e o porco
como o vilão da história.
As duas histórias citadas pelas professoras como experiências marcantes retratam temas
relevantes e que precisam ser problematizados e discutidos em sala de aula. A história
enfatizada por Pollyanna discute sobre problemas ambientais e tem como protagonista uma rã
de três olhos. Apesar da diferença física da rã não ser o enfoque central da narrativa, e sim a
poluição da lagoa, ocasionada pela falta de consciência dos que compõem a fábrica, os alunos
se sensibilizam com a diferença da rã e falam sobre isso, relacionando a personagem ao colega
de sala que possui baixa visão. Envolvidos com a narrativa, os leitores em formação apontam
para a existência de pessoas diferentes e a importância de respeitar a todos e isso leva a
professora a acreditar que histórias como essa, precisam ser mediadas em sala de aula, para que
uma sociedade melhor seja construída.
154
125- Alice: O que vai ficar são os aprendizados das tecnologias. Realmente
foram alguns apreendidos: instalar câmera, fazer edição, subir vídeo para o
YouTube. Da aprendizagem das contações, foram: pensar bastante qual a
história é melhor para contar, porque às vezes na leitura diária você pega
várias histórias, às vezes nem sempre, você pensa muito sobre aquela história
quando está na sala de aula. [...] E nos encontros síncronos, como o tempo
era mais reduzido, então tinha de escolher, selecionar bem uma história que
servisse para várias coisas, tanto para entreter, quanto para resolver alguns
assuntos, conteúdos e metodologias.
127- Alice: [...] E outra coisa que deu certo e que talvez a gente mantenha, é
o envio das histórias para o grupo do WhatsApp, se for uma atividade de casa
(Trechos de enunciados de Alice – Entrevista coletiva, 2021).
.
a história a ser compartilhada no ambiente virtual. Segundo Sisto (2012), para selecionar um
bom texto a ser contado, o professor precisa observar alguns aspectos importantes, isto é, a
história precisa ser bem escrita, possibilitar a adaptação da escrita para a oralidade, durar entre
5min e 10min, não ser didática nem moralista, despertar a curiosidade, interesse e prazer nos
alunos, dentre outros.
A preocupação que a professora passou a ter durante o ensino remoto com a seleção da
história, permitiu ela compreender que, ao mudar o suporte da mediação do texto, modifica-se
também o tempo da narrativa e os recursos e técnicas a serem utilizados para auxiliar o
momento da contação ou proferição de histórias. Não se deve esquecer que a intenção primeira
com que se conta a história deve ser principalmente, a de despertar o gosto e o prazer pela
leitura, o que faz com que os objetivos pedagógicos se tornem secundários e consequência do
primeiro. Outro fator positivo enfatizado por Alice foi o compartilhamento de vídeos de
contação de histórias e de livros no grupo do WhatsApp da turma. Em sua fala, a professora
apresenta perspectiva de continuar com esse envio, o que consideramos muito prudente, visto
que, a partir disso, o acesso a obras literária de forma gratuita passou a ser garantido e os alunos
puderam ampliar seus repertórios de leitura e ter momentos de entretenimento e lazer a partir
dos vídeos de contação de histórias.
Fazendo isso, a educadora contempla alguns dos princípios básicos que poderão nortear
o uso da tecnologia nas práticas pedagógicas, como a integração das TDIC e atividades escritas,
oportunizando os alunos a entrarem em contato com diversas linguagens e tipos de textos, a
variação nos modos de dar aula e de encaminhar atividades, podendo usar o WhatsApp como
uma ferramenta potencializadora de debates a partir da troca de mensagens, áudios e vídeos que
retratem opiniões e defendam pontos de vistas, e a valorização do que a tecnologia tem de
melhor (MORAN, 2000).
Além disso, Pollyanna ressalta que apesar das dificuldades, a escola chegou até as
famílias e conseguiu despertá-las para a relevância da educação e da leitura na formação integral
do ser humano. Muitas famílias passaram a reconhecer o valor da escola e do professor no
desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o pleno exercício da
cidadania, pois com os alunos em casa, foram os pais e/ou responsáveis que tiveram de exercer,
na maioria das vezes, o papel de mediador do conhecimento e o contador de histórias (ALVES,
2020). Para exercer esse novo papel, mesmo temporariamente, a família não estava preparada,
pois mediar o conhecimento de forma sistematizada, ao contrário do que alguns pensam que
basta saber ler, escrever e contar, exige formação, pesquisa, estudo, preparo, conhecimento de
estratégias e tantos outros aspectos.
157
Antes disso, vale relembrar que a técnica se refere à estratégia, a forma como se conta
uma história, de modo que articule a performance do narrador e o uso harmonioso da voz e dos
gestos corporais e gestuais. Os recursos configuram-se em acessórios utilizados para
complementar a técnica, isto é, em ferramentas que auxiliam o ato de contar e contribuem para
melhor memorização acerca da sequência da narrativa (SOUZA; MODESTO-SILVA;
MOTOYAMA, 2020). Vejamos o quadro abaixo:
QUADRO 09: Técnicas para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020)
5
Para realizar a narrativa com interferência dos ouvintes a partir de perguntas com a finalidade de acrescentar
detalhes à história, o narrador precisa: i) selecionar um texto curto, para que com o acréscimo esta não fique longa
e dificulte a memorização; ii) combinar antes com os leitores como deve ser a interferência, para que não haja
dispersão ou comentários que descontextualizem a história; e iii) atentar-se para as respostas escolhidas para que
não se priorize apenas um leitor, fazendo com que os outros se sintam excluídos.
159
e planeje com antecedência o momento da narrativa, pois a escolha da técnica só poderá ser
feita após a seleção, leitura e estudo da história, dado que é esta que indicará, na maioria das
vezes, a melhor estratégia a ser utilizada para cativar a atenção do leitor. Assim, uma mesma
história poderá ser contada através de uma ou mais técnicas. Por exemplo, ao usar a narrativa
com desenhos, o professor poderá iniciar a contação de histórias e fazer o primeiro desenho e
convidar os ouvintes para dar continuidade a construção da história fazendo o mesmo. O
mediador estará utilizando também a narrativa com interferência do público.
Ao selecionar e adequar as estratégias para cada história a ser contada, os professores,
de forma criativa e dinâmica, poderão enriquecer as práticas de contação de histórias em sala
de aula, de modo que, os ouvintes sintam-se motivados a ouvir e posteriormente, contar outras
histórias. Assim, como as técnicas, os acessórios também tornam a hora da narrativa mais
atrativa. Nessa perspectiva, sinalizamos no quadro abaixo alguns recursos, suas principais
características e o formato de aula em que poderão ser utilizados, o que não limita a utilização
em apenas uma ou outra modalidade de ensino, pois o professor poderá adaptar cada um à sua
realidade.
O que pontuamos no Quadro 10 são sugestões que consideramos adequadas para cada
formato e que poderão propiciar aos alunos, momentos significativos com o universo da
literatura. Assim, para facilitar a utilização dos recursos sugeridos especificamente para o
formato remoto, indicamos tutoriais6 de linguagem simples e acessível para orientá-los no uso
adequado de cada ferramenta:
QUADRO 10: Recursos para contar histórias segundo Souza; Modesto-Silva; Motoyama
(2020)
RECURSO CARACTERÍSTICAS
Objetos e São utilizados para representar personagens e facilitar a compreensão
instrumentos da história. Poderão ser utilizados com seu significado real ou figurativo
diversos e confeccionados ou reutilizados de casa a fim de despertar a
imaginação dos ouvintes.
Se refere a um recurso visual que possibilita maior concentração dos
leitores mirins e pode ser utilizado de três formas: i) a história já
Caixa de história montada em seu entorno e que vai sendo girada/apresentada conforme
a narrativa vai ocorrendo; ii) presença de objetos no interior da caixa,
fazendo com que a história seja construída a partir da retirada dos
elementos da caixa; iii) construção coletiva da história a partir da
6
Tutorial do Kinemaster, disponível em: https://youtu.be/lNRGaX1C90E.
Tutorial do Inshot, disponível em: https://youtu.be/Uo2W2cmXOxs.
Tutorial do Edpuzzle, disponível em: https://youtu.be/cd4_lmJJpJg.
162
Explicitamos ainda os desafios que envolvem o trabalho com a literatura com auxílio
das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (principalmente partindo da realidade
estruturada nas escolas durante o contexto pandêmico). Apesar de estarmos inseridos na
cibercultura, ainda existem inúmeras limitações que dificultam o uso das ferramentas digitais
no âmbito da educação, como a desigualdade de acesso à internet e aparelhos tecnológicos de
qualidade; deficiência ou ausência de formação inicial e continuada dos professores;
infraestruturas precárias; falta de recursos materiais e humanos nas escolas; resistência de
alguns profissionais para utilizar os recursos digitais no desenvolvimento das práticas
pedagógicas; dentre outros.
No entanto, sinalizamos também as possibilidades encontradas para a efetivação de um
trabalho planejado, intencional e de qualidade a partir do uso das ferramentas tecnológicas,
plataformas digitais e redes sociais, seja no âmbito da leitura, seja no contexto pedagógico como
um todo e a urgência em trabalhar em sala de aula, não apenas no campo teórico, mas sobretudo,
prático, o letramento digital e os multiletramentos (MORAN, 2000; MEDEIROS, 2019; ROJO,
2012; ALVES, 2020). Objetivando investigar o desenvolvimento de práticas de contação de
histórias com vistas a formação de leitores durante o ensino remoto, a partir da visão das
colaboradoras, construímos três categorias de análise a partir dos dados coletados que, por sua
vez, são oriundos dos relatos das professoras do 1º e 3º ano do Ensino Fundamental da Escola
Estadual “País das Maravilhas”, do município de Pau dos Ferros/RN.
Na primeira categoria, importância do trabalho com leitura literária no âmbito da
Educação Básica, chegamos à conclusão de que as professoras colaboradoras compreendem a
leitura em seu sentido amplo, cuja função não se limita a mera decodificação do código escrito
e reconhecem o poder transformador da literatura na formação leitora e humana dos alunos. As
professoras participantes dessa investigação, apontam as práticas de contação de histórias como
um caminho seguro capaz de facilitar a entrada dos educandos no universo simbólico, à medida
que favorece ao leitor em formação, a aproximação do livro literário, formação do gosto pela
leitura, familiaridade com a leitura e escrita de novas palavras e textos, identificação com
personagens e situações, reflexão acerca de temáticas diversas, vivência de sentimentos e
emoções e até mesmo mudança no modo de pensar e agir sobre determinando assunto.
A contação de histórias atua como um elo de comunicação que interliga o passado, o
presente e o futuro e contribui para a formação de leitores. Os dados da pesquisa revelam que
a mediação de histórias durante a pandemia foi indispensável para assegurar aos alunos o direito
do acesso à literatura, bem como oportunizar momentos de lazer e entretenimento, ainda que
em tempos difíceis e de perdas constantes. No entanto, o ato de contar não era uma prática
167
diária e não era realizada apenas com o intuito de despertar o prazer e o gosto pela obra literária,
como acontecia antes no formato presencial. Segundo uma das professoras, devido a limitação
do tempo de aula, as histórias eram selecionadas a partir do conteúdo a ser trabalhado em sala
e, posterior o momento da narrativa, os alunos fariam uma atividade escrita e/ou de reconto em
áudio ou vídeo como uma forma de retorno à escuta da história.
Analisamos a segunda categoria, pandemia, tecnologia e contação de histórias, também
com base nos posicionamentos das participantes. O contexto pandêmico obrigou, de forma
abrupta, educadores do mundo inteiro a adaptar as práticas pedagógicas presenciais ao formato
remoto. No que diz respeito as práticas de contação de histórias, estas tiveram de deixar de ser
presenciais e passaram a ser mediadas por meio de vídeos agregando diversas linguagens
(verbal, não-verbal, audiovisual, gestual, dentre outras). Tal realidade exigiu dos professores
aquisição de instrumentos tecnológicos, estudos e pesquisas para melhor manuseio das
plataformas digitais a serem utilizadas nas aulas síncronas, assíncronas e na edição dos vídeos
das histórias, planejamento mais aguçado a fim de contemplar as diferentes realidades dos
educandos e o uso constante e dinâmico das TDICs.
Considerando isso, os dados revelam que as contações de histórias durante a pandemia
nas duas turmas do Ensino Fundamental – Anos Iniciais eram realizadas nas aulas síncronas (as
próprias professoras narravam as histórias na plataforma do Google Meet, abrindo espaço para
o diálogo e exposição de opiniões); b) e assíncronas (por meio do compartilhamento de vídeos
de histórias do YouTube no grupo do WhatsApp).
Porém, para que este trabalho com as narrativas fosse possível na modalidade remota,
muitos foram os desafios enfrentados pelas educadoras, famílias e alunos, tais como a
deficiência na formação das professoras para utilizar com finalidades pedagógicas os recursos
tecnológicos, a baixa participação dos alunos nas aulas síncronas e assíncronas que envolviam
a leitura literária e o obstáculo socioeconômico, que acaba por excluir os alunos mais
vulneráveis dos direitos à tecnologia, à internet de qualidade e à literatura.
Como terceira categoria trouxemos a formação de leitores durante o ensino remoto. As
educadoras que contribuíram com a nossa investigação enunciaram que, apesar das limitações
impostas pelo formato emergencial de ensino e das particularidades socioeconômicas dos
alunos, foi possível desenvolver um trabalho de qualidade com a mediação de histórias. Os
relatos das docentes nos permitem concluir que as possibilidades encontradas -
compartilhamento de vídeos de histórias gravadas pelas próprias professoras ou do YouTube,
encaminhamento de livros digitais no grupo do WhatsApp, contações de histórias em formato
síncrono e vivência do Projeto Literário “Uma viagem pelos gêneros textuais” - para fazer com
168
a frequência e intencionalidade com que a contação de histórias estava sendo realizada durante
o ensino emergencial, compreender como se dava a participação dos alunos nos momentos de
narrativa e identificar os desafios e possibilidades encontradas pelas educadoras para mediar o
contato dos aprendizes com as histórias.
Com este trabalho, esperamos ampliar as discussões que envolvem a contação de
histórias e contribuir com os debates que giram em torno da arte de contar durante a
excepcionalidade da pandemia da COVID-19, visto que nossa dissertação configura-se uma das
primeiras pesquisas realizadas sobre o desenvolvimento de práticas de contação de histórias em
turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, envolvendo o contexto do ensino remoto.
Desejamos ainda que este estudo contribua com a construção de conceitos teóricos, que vão do
planejamento ao momento pós narrativa, acerca da contação de histórias por parte dos
professores e ampliação de saberes práticos a partir das sugestões de técnicas, recursos e
histórias. Uma história bem planejada e contada não termina quando o narrador acaba de contá-
la, mas permanece viva na mente de quem escuta, tornando-se alimento para a imaginação.
170
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http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/arquivos/22.pdf. Acesso em: 21 dez.
202
175
APÊNDICE A
CARTA DE ANUÊNCIA
Eu,__________________________________________________________________,
(CPF ou matrícula):____________________, representante legal da _____________________
_______________________________________________________, localizada no endereço:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
venho através deste documento, conceder a anuência para a realização da pesquisa intitulada
provisoriamente: “Contação de histórias durante o ensino remoto: o olhar de professores
sobre a arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”, sob a orientação da Profa.
Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha, vinculada a Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (UERN) a ser realizada no(s) local(is) Google Meet.
Esta instituição está ciente de suas responsabilidades, como instituição coparticipante
do presente projeto de pesquisa e de seu cumprimento no resguardo da segurança e bem estar
dos participantes de pesquisa nela recrutados, dispondo de infraestrutura necessária para a
garantia de tal segurança e bem estar.
Ciente dos objetivos, métodos e técnicas que serão usados nesta pesquisa, concordo em
fornecer todos os subsídios para seu desenvolvimento, desde que seja assegurado o que segue
abaixo:
1) Zelo pelos aspectos éticos;
2) A garantia do participante em solicitar e receber esclarecimentos antes, durante e depois do
desenvolvimento da pesquisa;
3) Liberdade do participante de retirar a anuência a qualquer momento da pesquisa sem
penalidade ou prejuízos.
____________________________________, ____/____/____
_________________________________
Assinatura e Carimbo do responsável preferencialmente.
Na inexistência do carimbo, Portaria de nomeação da função ou CPF.
176
APÊNDICE B
reparar dano – e/ou ressarcimento (Res. 466/12 II.21) – compensação material, exclusivamente
de despesas do participante e seus acompanhantes, quando necessário, tais como transporte e
alimentação – sob a responsabilidade da pesquisadora Aparecida Suiane Batista Estevam.
Não será efetuada nenhuma forma de gratificação por sua participação. Os dados
coletados farão parte do nosso trabalho, podendo ser divulgados em eventos científicos e
publicados em revistas nacionais ou internacionais. A pesquisadora estará à disposição para
qualquer esclarecimento durante todo o processo de desenvolvimento deste estudo. Após todas
essas informações, agradeço antecipadamente sua atenção e colaboração.
Consentimento Livre
Concordo em participar desta pesquisa “Contação de histórias durante o ensino remoto: o
olhar de professores sobre a arte de contar e encantar mediada pelas tecnologias”.
Declarando, para os devidos fins, que fui devidamente esclarecido quanto aos objetivos da
pesquisa, aos procedimentos aos quais serei submetida e dos possíveis riscos que possam advir
de tal participação. Foram garantidos a mim esclarecimentos que venham a solicitar durante a
pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que minha
desistência implique em qualquer prejuízo a minha pessoa ou a minha família. Autorizo assim,
a publicação dos dados da pesquisa, a qual me garante o anonimato e o sigilo dos dados
referentes à minha identificação.
Pau dos Ferros/RN, ______/_______/_______.
______________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
_______________________________________________________________
Assinatura do (a) participante/colaborador (a)
Profa. Dra. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (Orientadora da pesquisa) – Professora do Mestrado
Acadêmico em Ensino do Programa de Pós Graduação em Ensino (PPGE), da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN), Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF), no endereço BR 405, KM 3, Arizona,
Bairro, 59900-000 – Pau dos Ferros – RN. Tel. (84) 99616-9256. E-mail: dianalsaldanha@yahoo.com.br
178
APÊNDICE C
Ao mesmo tempo, libero a utilização destes áudios (suas respectivas cópias) para fins científicos
e de estudos (livros, artigos, monografias, TCC’s, dissertações ou teses, além de slides e
transparências), em favor dos pesquisadores da pesquisa, acima especificados.
___________________________________________________
Assinatura do (a) participante/colaborador (a)
___________________________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável
179
APÊNDICE D
QUESTIONÁRIO ONLINE
180
181
182
183
APÊNDICE E
APÊNDICE F
Data: 22/10/2021
Participantes: Entrevistadora, Alice e Pollyanna.
Legenda:
... = Qualquer pausa
(...) = Fala inaudível, trecho repetido ou descontextualizado
{ } = Explicação para ampliar a compreensão do contexto
1. Entrevistadora: Boa noite. Vamos iniciar hoje, 22 de outubro de 2021, a nossa entrevista coletiva.
Então, no questionário aplicado e preenchido anteriormente com/por vocês, todas colocaram que
durante o ensino remoto, proporcionaram aos alunos o contato com a contação de histórias. Dessa
forma, gostaríamos que vocês falassem um pouco sobre a importância dessa prática para a formação
leitora. Ou seja, por que é importante contar histórias?
2. Alice: (...) Bem, a minha turma é o 1º ano e assim, eu acho importante a participação deles e o contato
com várias histórias. Como a gente estava no remoto, nem sempre foi a gente fazendo a contação na
aula devido ao tempo limitado, pois a gente só tinha 1h de Meet, e como os alunos usavam no celular,
muitos descarregavam. Às vezes eu não realizava a leitura no dia, mas sempre colocava ou um vídeo
do YouTube, ou outra forma de contação. Também disponibilizava os livros em PDF para eles
fazerem a leitura e terem acesso a esse material em casa. E porque como eles estão descobrindo as
letras ainda, estão nesse processo de escrita e de leitura, começando…, os livros é quem dão uma
chavinha do interesse de ler, realmente. Você vai vendo os livros, as imagens, o pessoal contando,
ou assistindo desenho, ou outra pessoa contando. Eu quando contei, o BALE participou também de
uma contação, contando a Chapeuzinho Vermelho. Aí dá aquela vontade. Eles sempre querem aquele
livro que a gente faz a contação, eles sempre querem levar para casa, pelo menos quando a gente
estava no presencial. É motivador, quando você conta a história eles querem recontar e querem dar
a opinião deles. Sempre tem um caso parecido de alguma coisa. Hoje mesmo, na aula presencial, foi
“Meu bicho de estimação”{a história}, aí cada um queria falar o bicho que tinha, o que achava que
ia ter e falavam sobre o que estava acontecendo na história. É motivador, eles ficam com vontade de
ir lá pegar o livro e tentar fazer a leitura, descobrir. E a gente também faz a leitura visual primeiro,
antes de tudo. A gente lê as imagens, percebe o que a história está dizendo, o que a capa está tentando
transmitir. Acho que é isso, esse processo do porque que a gente trabalha muito os livros em sala,
porque realmente é muito motivador, é muito chamativo, o livro.
3. Pollyanna: Eu acredito também, Alice, que a história tanto lida, quanto contada, leva eles {os
alunos} ao imaginário, a descobrir, a construir. Você sabe que o mundo infantil é um mundo cheio
de fantasias. (...) No meu planejamento diário eu já tenho uma história, eu não sou boa contadora de
história. Eu digo sempre: Kalina é ótima! Eu adoro as histórias de Kalina! É tanto que no período
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remoto, Kalina ainda contou história na minha turma, porque eu não sou boa contadora, mas eu gosto
de ler, inventar, eu acrescento o que não tem no livro, eu invento falas. Eu acredito muito no poder
da leitura (...) Eu lembro de uma fala de Maura, em que ela diz que naquela época que ela era
professora já era muito difícil a leitura, porque as pessoas não tinham muito acesso aos livros. E ela
disse que todos os alunos dela que gostavam de ler se sucederam na vida. Eu acredito muito nisso!
Eu acredito que a leitura, que se você aprender a gostar de ler, você vai superar todas as outras
dificuldades. Por isso que eu gosto de incentivar. Hoje na nossa aula, lá no livro de português, tinha
uma história (...) o título era “Mãe conta para mim”. Aí a mãe foi contar para criança e depois a
criança transformou a história da Cinderela e trouxe para realidade e disse que a Cinderela não teve
essa história de fada madrinha não, ela foi lá e deu uma “chegada” no velho pai dela e ela comprou
aqueles vestidos bonitos, que ela namorou com príncipe e não casou porque o príncipe era muito
mandão e ela não aceitou. Foi bem interessante! Eles adoraram essa história! É tanto que a aula de
amanhã, amanhã a gente tem aula, sábado letivo, e eu vou pedir para eles fazerem uma produção,
contar uma história, inventarem uma história. Vou mandar o passo-a-passo para eles produzirem uma
história. Eles amaram a história da Cinderela nos tempos reais. Então eu acho isso, a leitura é
fantástica, ela transforma vidas.
4. Entrevistadora: E sabendo desse desafio que é o ensino remoto, o que foi impactado da pandemia
no planejamento e no desenvolvimento dessas práticas de contação de histórias com vistas à
formação de leitores? (...) Mudou alguma coisa? O que mudou?
5. Alice: Bem, como eu já disse, o que impactou foi isso: o tempo limitado. (...) A gente... realizava as
atividades no grupo pelo WhatsApp... e orientava as atividades lá. Tinha um grupo [de alunos] que
participava das aulas síncronas também aqui no Meet. Só que no Meet a gente tinha um tempo
limitado, porque eles são de um nível social baixo, carentes alguns... Só tinha um aluno que usava
computador para assistir a aula, todos os outros usavam o celular. Então o celular descarrega, não
consegue passar muitas horas. Eu já consegui dar aula até 1h40min, dependendo de algumas
atividades, da necessidade. Mas era sempre já no sufoco: “tia meu celular está descarregando” (...)
As leituras deleite que eu sempre realizo em sala, que voltamos agora no presencial, todo dia, ficaram
um pouco restritas para ou um dia na semana, no máximo dois com a participação da biblioteca
também, porque ou eu focava mais na leitura, pois isso leva um tempo para discutir, ver o que que
eles acham que vai acontecer na leitura, fazer a contação, depois retomar o que foi lido, o que eles
acharam. Então leva um tempo e esse tempo às vezes é um tempo grande, uns 40 minutos numa aula
online já era bastante tempo. Aí para ter uma outra atividade, com outra coisa, por exemplo, uma
outra disciplina, outro conteúdo mais estruturado de outra coisa já ia afetar, digamos assim. Porque
eu já ia ter que ter um tempo para explicar lá e eles ficavam perguntando “tia e a aula não vai começar
não”? Na cabeça deles, a aula só começava quando eles começavam a fazer a atividade, a responder.
Mas aí eu ia tentar dizer “mas a gente já está na aula, a gente já está discutindo, conversando, isso já
é aula” (...) Aí impactou um pouco nisso, de não ter essa frequência diária, porque a gente tinha aula
diária, todos os dias, não 4 dias na semana, um com a professora do rotativo. Aí não tinha história
todo dia, mas quando não tinha história, eu sempre colocava um vídeo relacionado, também para as
pessoas que não assistiram a aula, para terem esse contato com alguma história relacionada com
algum conteúdo. Uma história que desse certo para eles assistirem e sempre com uma atividade
relacionada à interpretação, uma ficha de leitura também com essa característica. Que acabava, que
na aula presencial não tem esse fator cobrança, uma leitura deleite que é só para a gente conhecer a
história e discutir, sem uma avaliação sobre. Mas, como a gente tinha um tempo limitado de
atividades, ela acabava sendo uma leitura mais com a finalidade de aprendizado, que tem uma
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atividade de retorno para mim, no caso. E aí acabava ficando assim, um pouco mais voltado para
dentro do conteúdo, para usar como uma ferramenta, como uma metodologia dentro do que eu estava
trabalhando durante o ano. Acho que foi mais isso, a mudança de não ter a leitura só por leitura. E
como os meus são muito pequenos, (...) é uma carga muito grande para eles entenderem. Leva um
tempo. Diferente dos alunos de Pollyanna do 3º ano [do Ensino Fundamental], eles já conseguem
entender que tem aquele momento da leitura, mas é só um momento de prazer, de estar ali lendo com
a professora e depois a gente vai para atividade, para o conteúdo do dia. Os meus não, para ter esta
diferença leva um tempo na escola, leva uns anos. Eles ainda têm essa dificuldade de separação.
Acho que foi isso que eu trabalhei, dessa forma…
6. Pollyanna: O que eu achei que atrapalhou muito foi o acesso porque... a minha turma tinha 28 alunos.
8. Pollyanna: Transferiram-se dois agora aqui para o Encanto, mas tinha dias que participava 5, até 8.
Quer dizer para eles terem acesso às histórias… todo dia tinha história…
9. Alice: Mas nem todo dia dá para a gente postar, não acha um vídeo que conta aquela história.
10. Pollyanna: É! Aí tem aqueles links que tem as histórias em PDF. Eu sempre mandava a história
para ver se eles liam, se alguém lia. Eu pedia “se não souberem, peçam para alguém ler”. Por que?
Porque eu achava que eles tinham que ter. Porque vocês vejam que de 28, participavam 8. E os 20?
Eu acredito que essa foi uma das maiores dificuldades que impactou nesse período da pandemia,
porque a gente consegue ver que os que participavam eles estão muito bem, estão no nível mesmo
do 3º ano, em todos os sentidos. (...) O acesso foi muito restrito às histórias por causa da participação
e do tempo também, porque... quando chegava em 40 minutos, “tia falta muito? Já está
descarregando”! Era muito difícil!
11. Pesquisadora: E o planejamento? Como foi colocar a contação de histórias, a leitura dentro desse
planejamento, com esse tempo limitado? Vocês mencionaram também o YouTube, que sempre
pegavam um vídeo lá e que compartilhavam livros, como era a análise desse material para fazer a
postagem no WhatsApp e para compartilhar com os alunos no próprio momento da aula síncrona, já
que o Meet permite esse compartilhamento em tela? Como foi que vocês fizeram esse planejamento?
(...)
12. Alice: Pronto, do planejamento mesmo, a gente sempre tinha um dia que era da nossa bibliotecária…
(...) Ela sempre procurava histórias dentro das temáticas que ela queria trabalhar, dos projetos que
ela fazia e nos enviava com antecedência e em cima disso, a gente fazia o nosso planejamento. Né
isso, Pollyanna?
14. Alice: Alguma atividade, planejava. Enviava algum dos vídeos, ou não. Ela sempre procurava ter o
livro em PDF. Quando a gente achava, a gente compartilhava. E o meu planejamento da semana, por
exemplo, eu olhava os conteúdos que eu ia trabalhar, os assuntos que ia trabalhando e dentro daquilo
ali, eu procurava alguma história relacionada… Pronto, eu trabalhei um período, as fábulas. Aí
procurei várias histórias que eram contações de fábulas e selecionei algumas para ir postando durante
o mês que eu trabalhei. A gente também está com um projeto de leitura, o meu {livro} é “amar o
mar” de Jane Prado. Então, também procurei algumas histórias relacionadas ao mar, a animais
marinhos para trabalhar dentro dos dias. Aí era dessa forma, planejava de acordo com os conteúdos
que a gente ia trabalhando e ia tentando anexar e buscar algumas histórias relacionadas a eles. Porque
como eu disse, o tempo era muito restrito e não dava para sempre ter histórias só por deleite mesmo.
Então eram mais relacionados aos conteúdos para ganhar tempo, para dar uma dinamizada nas aulas.
17. Pollyanna: Pronto, era exatamente isso. Eu sempre procurava alguma história porque o YouTube
hoje está muito bom né?
19. Pollyanna: Se você quiser trabalhar… Pense como foi um auxílio nota 10. (...) Por exemplo, quando
eu fui trabalhar às Comunidades Quilombolas em geografia, consegui um livro sobre o pequeno
Zumbi que complementava aquele assunto que eu estava trabalhando. Os índios… Todos os temas
que a gente ia trabalhar…
21. Pollyanna: (...) Sempre tinha uma história lá para complementar. O YouTube foi uma “mão na
roda”, como se diz, para nos auxiliar. Quem queria pesquisar ia lá encontrava e foi muito bom e
complementou de verdade mesmo, no planejamento da gente.
22. Alice: A pandemia trouxe algumas coisas boas. Os canais de algumas professoras cresceram
bastante durante a pandemia, assim como o compartilhamento de atividades, de estratégias, das
contações também. (...) Auxiliaram bastante nesse período, ainda estão auxiliando porque a gente
ainda está com aluno remoto, então a gente ainda está fazendo uso dessas estratégias.
23. (...)
24. Entrevistadora: Além dos vídeos do YouTube, dos livros digitais, da plataforma do WhatsApp,
vocês conseguiram produzir algum material de mediação de leitura que oportunizou o contato dos
alunos com as histórias? Se sim, qual (is) material (is) vocês conseguiram criar?
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25. Alice: A gente tem o projeto de leitura e ano passado eu fiz uma sequência didática trabalhando o
livro… (...) que é uma sequência de poemas, na sequência alfabética de Ruth Rocha. Então foram
feitas algumas atividades.
27. Alice: Era! E nesse agora, desse ano, já fiz algumas atividades que foram encaminhadas para serem
impressas, mas eu ainda não fiz nada para o presencial. Estamos para desenvolver, porque a gente
deu uma atrasadinha no processo. Porque ficou muito tumultuado esse retorno, mas eu acho que ficou
limitado, muito mesmo, aos livros. Para produzir material, porque tinha a distância da escola e para
eles {os alunos} irem buscar, ficava muito ruim na dinâmica de pegar, na distribuição mesmo de
fazer. E vídeos de contação, tiveram algumas {contações de histórias} que eu anexei aos vídeos que
eu subi no YouTube no meu canal, também dentro das aulas gravadas, visto que tivemos mais aulas
gravadas ano passado, né Pollyanna?
29. Alice: A gente estava mais com aulas assíncronas, de certa forma, que eram atividades 3 dias por
semana e esse ano foram mais aulas online. Então, teve mais gravação ano passado. Eu ainda fiz
algumas gravações esse ano {de 2021}, mas eu acho que só teve uma ou duas histórias que eu contei,
que eu gravei, que eu guardei. Eu não sei nem se é uma contação, porque tem os termos corretos -
quando a gente não está contando com o livro é que é contação e quando a gente está com o livro é
uma leitura compartilhada. Então foi mais uma leitura compartilhada que eu contei as imagens do
livro, mas ficou meio assim, entre essas duas coisas. (risos) E de produção mesmo, teve os vídeos do
projeto literário que ficaram no YouTube da escola, das cinco turmas, que foram produzidos ano
passado. Esse ano a gente ainda está vendo, se esse ano vai ser gravado ou mostrado internamente
para as turmas… Pollyanna, produziu alguma coisa?
30. Pollyanna: É, não... é igual ao seu! No ano passado, o livro do meu projeto era “Cadê meu
travesseiro”? A gente foi produzindo alguma coisa relacionada. Até Eliene [...] fez um áudio
contando, acredita? Que Eliene é muito tímida. Mas é assim, o que a gente conseguiu produzir foi o
quê? Foram vídeos com contações. Porque como você sabe, as dificuldades que a gente tem enquanto
professor de escola pública né, nessa produção de material? É limitado e nesse período de pandemia
o que a gente conseguiu foi tudo do nosso bolso. Aí como não é muita coisa, muito dinheiro… Eu
tiro por mim que não é muita coisa. (risos) A gente não consegue produzir como a gente gostaria,
mas a gente vai fazendo o que pode.
31. Entrevistadora: No caso, os vídeos que vocês produziram estão no canal do YouTube de vocês e
da escola?
34. Alice: Palavras muitas palavras de Ruth Rocha, meu livro. {A colaboradora lembrou o nome do
livro trabalhado por sua turma no projeto de leitura, mencionado anteriormente por ela e citou nesse
momento}.
36. Entrevistadora: O acesso é público né isso? Então a gente pode estar tendo acesso ao material para
ver e compartilhar os vídeos de vocês... Então, vocês já falaram como, com qual frequência - no
remoto essa frequência ela deixou de ser diária, para ser mais uma vez na semana - e a
intencionalidade com que trabalham a leitura literária - que não foi por total deleite em virtude desse
pouco tempo, que vocês colocam, e unindo a literatura a questão das aprendizagens, do
desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos. Em relação à participação dos alunos
nessas atividades síncronas e assíncronas, que é o que vocês desenvolviam e que vocês mencionaram
lá no questionário, que tinham aulas síncronas e assíncronas, como era a participação das crianças,
dos alunos, nesses momentos de contação de histórias? Eles conseguiram interagir? Eles
conseguiram se expressar? Como era que acontecia de fato, esse envolvimento deles?
(...)
37. Pollyanna: Eu acho que no meu caso era pouco {envolvimento}. Eu já falei para você que a
participação não era muito frequente, muito boa. Mas era assim, a gente pedia vídeos para eles
produzirem. Quando a gente saísse do síncrono e fosse para o assíncrono, eles produzissem vídeos.
Quem não quisesse produzir vídeo, produzisse áudios recontando as histórias. E não tinha uma
frequência muito boa não. Dos 28 {alunos}, tinha uns 12 que me davam retorno. Era muito difícil.
(...) A gente vê pelas dificuldades que estamos enfrentando agora, com essa volta presencial.
Exatamente porque eles não deram, a família, eu digo muito a família, porque a criança só vai se a
família incentivar. A família não estava dando muita importância! Porque também tem muita gente
que acha que história é perda de tempo. Eu já vi muita gente dizer. Eu já vi professor dizer que
história é perda de tempo… Era isso que acontecia. A gente tentava, mas a interação não era muito
boa não…
38. Alice: (...) Meus alunos são 25, e normalmente a média {de participação} era de 7, 8 nos encontros
síncronos. Nos encontros síncronos todos se envolviam com a contação, com as perguntas antes, as
hipóteses faziam bastante, e durante a contação eles também interagiam. E depois, também davam
retorno de terem entendido a história. Mas já as atividades, as devolutivas do grupo todo, eram bem
poucas as respostas. (...) Eu sentia que no dia que era atividade mais voltada para o livro literário,
caía a devolutiva. Aí quando eu falava no encontro síncrono de algum aluno, aí lembrava sobre a
história da semana passada, aí muitos diziam “a tia, que livro é esse”? Aí eu dizia assim: “está lá no
grupo. Pergunta a mãe, pede a mãe para ver o livro”. Porque, compartilhava o arquivo e ficava no
celular para eles verem fazerem a leitura junto. Mas aí muitos dos pais não abriam, não faziam essa
leitura por isso mesmo, por não achar que era uma atividade válida, um momento a se ter: “a vou
perder tempo parando para fazer a leitura disso aqui. Isso aqui é bem rapidinho, é só responder isso
aqui”... Colocava talvez o menino para responder de qualquer maneira. Só pelas questões, você
consegue responder, realmente. Um adulto consegue responder. Mas aí o interesse não era só isso,
de responder uma atividade. Era (...) também de promover esse momento em família, porque a gente
190
estava em pandemia, sem poder sair de casa. Então a intenção era realmente levar algumas histórias
para eles terem esse momento em casa, de sentar com a família, porque muitos não têm esse afago.
A gente percebe nas atividades, nos retornos porque você percebe na aprendizagem das crianças que
tem criança que ninguém senta com ela para conversar. Os meus alunos com 6, 7 anos, você pegar
um aluno que não sabe contar até 5 é porque ninguém senta com ele para contar os calçados da casa,
na hora que está guardando os pratos, contar os pratos, uma coisa assim diária… Pelo menos é uma
coisa diária aqui em casa. São aprendizagens que você vai tendo no dia a dia, fácil, fácil. Então se
essa criança não está desenvolvendo essas áreas é porque está faltando o olhar para ela
39. Pollyanna: Nem os desenhos educativos eles verem, porque toda criança vê muito desenho
educativo.
40. Alice: Justamente! Eu digo isso, porque se não conta até 10, que desenho você está assistindo? Não
está conversando com o pai, está passando o dia nas telas, provavelmente, mas está assistindo o quê?
Porque nem desenho educativo tem lá para contar (...), falar sobre o mundo, sobre investigar a
natureza e essas crianças não tem nenhum tipo de bagagem dessa… É complicado.
41. Pollyanna: Todo dia eu mandava um PDF, um livro em PDF. Aí muitas vezes eu perguntava e eles
não tinham visto “a minha mãe apagou”. Muitas vezes você mandava a atividade e elas apagavam.
42. Alice: Os seus, alguns ainda tinham celular e entravam no grupo. E os meus, nem isso! Eles são
completamente dependentes dos responsáveis (...) Todos eram mediados pelos responsáveis, se o
responsável mostrasse eles faziam, se não, não sabiam nem o que estava acontecendo.
44. Entrevistadora: E dentre essas atividades, (...) que vocês desenvolveram no ensino remoto, tanto
síncronas quanto assíncronas, (...) seja dos vídeos, seja da contação na aula síncrona - que pela fala
de vocês é o que se apresenta de forma melhor, no que diz respeito à participação dos alunos porque
eles conseguem interagir, eles conseguem se expressar, eles conseguem participar expor suas
opiniões - (...) qual delas vocês consideram que teve melhor participação e envolvimento? E por que
vocês acham que esse tipo de atividade favoreceu essa interação, essa participação, digamos mais
direta, mais expressiva deles?
45. …
47. Pollyanna: As interpretações orais, quando eles estavam participando. Eu gosto muito de contar ou
ler a história, fazendo aquelas paradas e indo fazendo indagações, sabe? E eu sentia que dava certo.
Se fosse oral essas interpretações, (...) esses questionamentos, muitas vezes, davam muito certo -
com os que estavam participando. Aí eu gravava os áudios e mandava explicando, mas aí o retorno
era muito pouco. As atividades do São João, aquelas histórias que Norma tinha no projeto - Norma
191
é a professora da biblioteca - eles gostavam muito das histórias que envolviam a época junina. Não
era?
49. Pollyanna: Teve um retorno bem legal. Por exemplo aquele “Fogo no céu” que ela contou. Ela
contava, ela lia, ela procurava no YouTube. Ela enviava várias alternativas. (...) Eu senti que aquelas
histórias da época junina tinham mais retorno, eles gostavam mais.
50. Alice: Foi! Eu acho que foi uma identificação cultural! Eles entendiam um pouco o que a história
contava, eles conseguiram se ver ali e aí deram um retorno maior. Assim, eu acho que nos encontros
síncronos, quando a gente fazia a contação, pelo menos eu, era sempre no momento pós-leitura para
se confirmar as hipóteses que eles tinham levantado. Eles ficavam bem empolgados quando
acertavam ou quando era uma história completamente o contrário do que eles achavam que era… E
eu tentava instigar para eles perceberem as camadas da história, de certa forma, porque eles ficam
muito na superfície (veem as imagens e acabam se perdendo no que foi lido, no que foi dito). Aí
quando a gente leva um pouquinho mais, eles começavam... a conversar sobre a vida deles, cada um
tinha um exemplo para contar (...) Acho que era nesses momentos, quando tinha alguma coisa que
realmente, eles conseguissem perceber no dia a dia deles, que tivesse uma ligação, aí desenrolava
mais a história. Uma história que eles conseguissem uma identificação, que tivesse uma relação
cultural com as coisas que acontecem na vida deles ou então uma história muito conhecida. No dia
em que o BALE participou, foi contada a história da Chapeuzinho Vermelho. Isso durou a semana
toda, não sei se era porque as meninas eram diferentes e eles estavam cansado de me ver todo dia, a
história era muito conhecida e depois eu fiz uma atividade na semana, só sei que rendeu bastante.
51. Entrevistadora: Se vocês pudessem colocar numa ordem, da maior para a menor dificuldade,
tentando apontar as principais dificuldades que vocês encontraram para desenvolver essas práticas
de contação de histórias, para envolver os alunos nessas histórias durante o ensino remoto que vocês
já colocaram muito difícil e desafiador, (...) como seria essa estrutura?
52. Alice: A maior {dificuldade}, realmente, é a participação. Foi muito desequilibrada. No começo do
ano teve uma participação maior, porque a turma era nova, estava entrando na escola, aí sempre tem
aquela curiosidade. Os pais estão um pouco mais atentos. Aí depois que entra numa rotina, que eles
já entenderam, eles começam dar uma desanimada nos acessos, não querem mais participar dos
encontros síncronos. Minhas primeiras aulas síncronas em abril tinha uma participação regular, mas
na terceira semana, muitos alunos que estavam se esforçando para entrar, já não estava entrando
mais, porque percebeu o que estava acontecendo na aula, que dava para fazer as atividades só com
as orientações que estava no grupo e que achava que não era necessário fazer esforço para participar
do encontro síncrono - que é o momento que você ia conseguir aprofundar, realmente, os assuntos,
conversar. Eu acho que foi mais isso: a participação. Eu elencaria como o primeiro fator de
dificuldade. Você também, Pollyanna?
53. Pollyanna: Isso mesmo! Primeiro é a participação! (...) Eu ficava muito preocupada! Como diz “eu
não quero soltar a mão de nenhum”. Aí ficava muito difícil, exatamente por isso, esse acesso. A
gente sabe que as condições deles não são boas. (...) Para você ter ideia, Suiane, a cada mês era um
192
chip novo. Quando pensava que não desapareciam do grupo. Aí quando eu perguntava “cadê fulano”,
aí diziam “não o chip, o telefone não está mais funcionando não”.
55. Pollyanna: Ou seja, não estava mais no grupo. Era muito difícil. Exatamente, foi isso aí o mais
difícil, a participação, o acesso que era muito negativo.
56. Alice: Eu acho que o segundo fator {de maior dificuldade} também está relacionado com a
participação: a falta de acesso de alguns alunos. A gente sabe que tinha alguns alunos, né Pollyanna,
que queriam participar, que eram bons alunos no presencial, mas que a gente sabe que tem uma
condição social bem aquém, bem difícil mesmo e que infelizmente, a gente não conseguia atender
esses alunos nessas questões. A gente fez apostila de conteúdos e imprimiu para entregar aos alunos,
mas essa parte das histórias a gente não conseguiu chegar, porque a gente não conseguia
disponibilizar livros para eles; a biblioteca não estava funcionando; não podiam levar o livro (como
iam devolver?). E além disso, eles não tinham esse acesso na internet, no celular para ver YouTube,
ver as contações… (...) E terceiro… (risos) eu acho que é também o valor que a família atribui.
57. Pollyanna: Isso mesmo! Era isso que eu estava pensando, o valor da família.
58. Alice: Porque tinha acesso, a gente tentava, na medida do possível, levar as histórias e conseguir os
PDF. Todo mundo ajudava: os coordenadores, os outros professores compartilhavam no grupo do
planejamento. Mas, muitos eram, realmente, o valor que a família não tem, não dá a leitura. E a gente
também compreende um pouco esse aspecto, porque são famílias que não tem um nível social muito
alto. Então, culturalmente, elas não têm acesso a isso, a essa cultura de ler. Então como é? Se você
não tem esse hábito, você também não passa o hábito, obviamente, porque você não dá esse valor,
você não tem esse hábito de fazer a leitura, então você não mostra. Criança segue o exemplo! (...)
Aqui em casa, eu sou professora, mas eu não “pego no pé” do meu filho, eu sempre tentei não ser
professora dele, sempre tentei ser mãe. Mas como a gente lê muito, a gente tem livros e sempre
compra livros para ele, ele leu muito cedo. Ele gosta muito de histórias e sempre está lendo em casa.
Ele se interessa pelas coisas que está lendo. Não porque eu fiquei sempre cobrando, mas pelo
exemplo. (...)
59. Pollyanna: (...) O que eu penso? Aqui em casa tem livros em todos os lugares, sempre deixei de
fácil acesso, expostos para que os meus filhos pudessem pegar e às vezes dava certo. Mas a gente
sabe que eles {os alunos} não têm esses livros pelas condições e a família não tem esse contato com
a leitura. Então, eu acho que a família não ter esse hábito, foi uma das maiores dificuldades também,
que prejudicou esse processo. Eu digo sempre que a gente educa pelo exemplo. A criança se espelha
naquilo que ela vê na sua frente. Você é o espelho. Você não consegue educar a criança falando, você
tem de praticar sua fala para você conseguir atingir seu objetivo. Se eles não têm isso em casa, aí fica
meio difícil.
60. Entrevistadora: E como foi, vocês professoras, acostumadas a contar no presencial, com aquele
olho no olho, com aquele contato físico das crianças com o livro, com o próprio professor? Como foi
193
isso? Vocês tiveram alguma dificuldade de realizar esse momento na tela, diante de uma câmera?
Quando vocês foram gravar os vídeos, tiveram dificuldade? Como foi operar os aplicativos? Como
foi essa experiência de vocês?
61. Alice: Muito desafiadora! (risos) Começando pelo ano passado que eu voltei da licença-maternidade
já na véspera do projeto {de leitura}. A gente já estava vendo como é que ia fazer o projeto dá certo,
que era para separar as falas e cada família ia gravar sua parte, do seu aluno e enviar. Aí já começou
por aí. As primeiras aulas, gravava 500 mil vezes, apagava (risos) e não dava certo, porque você não
tem esse hábito de ficar se vendo…
62. Pollyanna: Você olha para você e diz “eu não suporto mais essa cara”.
64. Pollyanna: Ah, meu Deus! Foi muito difícil, muito difícil!
65. Alice: Mas na aula síncrona eu já me dei um pouco melhor, porque como não estava sendo gravada
eu não estava me vendo depois. Então eu não estava apagando. O que estava de erro, estava de erro
junto com os meninos na aula. Eu sou um pouco empolgada na vida, e no encontro síncrono eu era
empolgada também. (risos) Sempre na contação eu gostava de ficar em pé, porque aí eu ficava indo
para frente, para trás. Não sei se estava atrapalhando a concentração deles ou ajudando a eles ficarem
animados, sei que aconteceu dessa forma.
66. Pollyanna: Eu digo muito: eu gosto de imitar, de mudar a voz. Era difícil, eu lembro que dizia
“quem é que está aí do outro lado me ouvindo”? Eu sempre falava isso… E aconteceu que no ano
passado {2020} eu não contei muita história, não gravei muito, porque eu não suportava me olhar e
ouvir minha voz. Eu cheguei a ter início de ansiedade, porque ficou difícil, sabe? Esse ano não! Eu
fiquei até pensando, se a gente tivesse, no ano passado, tivesse iniciado síncrono, teria sido melhor.
Eu achava tão difícil quando falava, mas quando a gente foi para a prática, Suiane, foi muito
maravilhoso. Aquela hora que passava com eles dava para fazer leitura compartilhada, dava para
fazer muita coisa numa hora.
68. Pollyanna: Mas foi difícil. Essas produções de vídeo, para mim, foram muito difíceis.
70. Pollyanna: Eu não produzi muito vídeo não, produzi mais áudio. Eu passei por tanta dificuldade na
minha vida desde os oito anos de idade, que eu nunca imaginei que com essa idade eu ia ter ansiedade.
194
71. Alice: Mas é porque foi muito difícil. Era um mundo muito diferente, muito novo. Aprender a editar
vídeo na raça (no início saía tudo errado), aprender a subir para o YouTube, a mudar o formato do
vídeo para ficar menor. Foram muitos desafios, mas a gente foi se ajudando. Quem não sabia, o outro
fazia. Kalina ajudou muito. Eliene também ajudou muito. Estão ajudando os coordenadores, também
agora. E a gente, entre si, foi trocando muita coisa quando dava certo para trocar, porque cada um
estava com muitas coisas para fazer. Mas a gente foi se ajudando nesse novo tempo.
72. Entrevistadora: E vocês, tiveram alguma formação, alguma capacitação? Talvez um seminário,
uma oficina, uma palestra, um curso de curta duração para essa adaptação do ensino presencial, que
vocês estavam acostumados a viver, a presenciar, a ensinar, para essa modalidade remota? Como foi
isso? Se vocês puderem comentar um pouco sobre esse momento, sobre formação, se houve ou não,
o que vocês sentiram falta, se ela por si só foi suficiente ou se precisou de alguma coisa a mais.
73. Alice: Bem, ano passado a pandemia nos atropelou, atropelou todo mundo.
75. Alice: Foi atropelamento, porque a gente fazia as coisas, ninguém estava sabendo de nada. Todo
mundo esperava que fosse por pouco tempo, “vamos começar só com alguns encontros assíncronos
para ter contato com os alunos e eles se situar". Aí depois, “vamos começar com as aulas, enviando
pelos grupos”. Aí vinha as portarias redizendo, que era para gente fazer o que já tínhamos feito. Para
o início deste ano, (...) a gente teve uma formação pela DIREC para usar o SIGEDUC, usar a
ferramenta das videochamadas e como a gente poderia gravar e subir os vídeos para o YouTube. Mas,
uma formação para editar vídeo, desde o ano passado realmente a gente não teve nenhuma formação
voltada para produção de vídeos. (...) teve algumas palestras… explicando o que gostariam que
fizéssemos, as metodologias que poderíamos usar, mas muito vago, muito teórico, nada muito
prático.
78. Pollyanna: (...) Para os anos iniciais não tinha nada muito proveitoso e era algo muito técnico.
79. Alice: E muito rápido. Eram muitas informações para apenas uma tarde.
80. Pollyanna: A gente não tinha como assimilar. (...) O Estado suspendeu as aulas dia 18 de Março
não foi?
82. Pollyanna: Dia 30, nós iniciamos com a cara e a coragem, para não perder o vínculo com as crianças
e a gente foi tentando…
84. Pollyanna: A gente achava que ia ser igual a H1N1. Ia passar rápido. Ia aparecer uma solução
rápida. E foi assim, a gente, no ano passado, foi só no rumo, muito no escuro.
86. Pollyanna: A ajuda maior que a gente teve, foi da escola, do apoio da escola.
87. Alice: As formações ficaram muito aquém. Cada um independente. Eu pelo menos… tive ajuda do
meu marido, que sabe um pouco, e eu também tento explorar o computador e assim, tentava passar
alguma coisa para as meninas, mas muito pouco. Até porque cada uma achou um programa diferente,
algumas editavam no celular, outras no computador. (...)
88. Pollyanna: Eu não tenho muita familiaridade com as mídias. Sou muito atrasada. Mesmo com tudo
isso, não foi uma área em que cresci muito, não.
92. Pollyanna: Eu já sou velha! Sou da geração muito antiga, já tenho 53 anos!
93. Alice: E a minha geração só veio ter internet da adolescência para cá.
94. Pollyanna: Vocês já nasceram explorando a internet. Eu não, eu só vim ter acesso depois de um
tempo.
95. (...)
96. Pollyanna: Fui fazendo o que dava para fazer, mas eu sei que não fui muito bem não.
97. Alice: Saiu sim! Você se saiu ótima. Dava aula explicando as páginas, todos os quesitos, um por
um, todos os meninos aprendendo. Não é só preciso aparecer, gravar o rosto e explicar! Cada um faz
da sua forma!
196
98. (...)
99. Entrevistadora: Já era uma forma que antes você não utilizava, mas que teve que se adaptar e se
reinventar. Acredito que a palavra-chave que resume muito bem esse ensino remoto, o uso que o
professor teve de fazer da tecnologia, das mídias, das plataformas digitais e do próprio WhatsApp
como uma ferramenta educativa, foi reinvenção. (...) Agora, fiquem bem à vontade para relatarem
sobre esses desafios vivenciados nesses novos espaços em que se deu as contações de histórias. (...)
Quais foram os desafios e possibilidades encontrados? Vocês já até já relataram alguns! Se vocês se
recordarem de alguma história que contaram na aula síncrona ou assíncrona e que teve um retorno
muito bom, ou que marcaram de alguma forma vocês, relatem, por favor. (...) Então… vocês
conseguem se recordar de alguma contação de história que realizaram e que marcaram vocês? Se
puderem, contem como foi essa experiência e justifiquem o porquê que essa história marcou vocês.
100. ...
101. Pollyanna: (...) A história que me chamou atenção foi a do projeto: “A rã de três olhos”. A
história fala de uma rã especial que nasceu com uma deficiência de ter três olhos. Você conhece, Suiane?
A avó dela vivia em uma lagoa normal, mas depois foi construída uma fábrica perto dessa lagoa e
começaram a jogar coisas que ainda prestavam para ser usadas. Essa lagoa ficou muito poluída e a
rãzinha, para conseguir tomar banho teve de vestir um maiô listrado, porque a água era muito poluída.
Então, os alunos queriam saber porque essa rã nasceu com três olhos, se as rãs normais têm apenas 2
olhos. Alguns dos alunos despertaram para as diferenças, já que a rã era diferente. Eles acharam que a
gente tinha de respeitar as diferenças, porque do jeito que a rãzinha é diferente, tem pessoas que também
são diferentes. E eu tenho um aluno que tem baixa visão, aí eles já foram citando essa diferença do
colega de sala. Ele {o estudante com deficiência} mesmo disse: “tia, eu sou diferente porque eu não
consigo enxergar direito! Eu sou igual a essa rãzinha! Eu só não tenho um olho a mais, como ela”. Eu
tenho contado muitas histórias sobre o meio ambiente porque estou preocupada com o momento que
nós estamos. É tanto que eu digo para eles “a gente tem que aprender a preservar o meio ambiente”.
Além disso, tento levar isso para a vida deles (...) eu até aconselho que eles plantem uma árvore, pois se
cada pessoa tivesse uma árvore, o mundo não estaria tão quente como está. E essa história, a rãzinha de
três olhos, que ainda vai ser apresentada, (depois você vai ver a gravação, pois será gravada) está sendo
muito especial. Isso porque, está chamando atenção dos alunos sobre as diferenças, pois estamos
vivendo também um momento muito turbulento sobre essa questão das diferenças e do respeito que não
está mais existindo. As pessoas estão muito raivosas, não estão mais respeitando umas às outras e a
gente tem que procurar trabalhar esses temas para ver se formamos pessoas melhores. E essa história da
rãzinha foi muito especial por isso.
103. Pollyanna: Foi! Por causa do ambiente em que ela nasceu: na lagoa poluída.
105. Pollyanna: Foi! Kalina contou! Kalina fez toda uma apresentação, fez um baldezinho para
representar, ia virando, Kalina é show! (risos)
106. Entrevistadora: Era isso que eu ia perguntar, se nessas contações síncronas, vocês utilizavam
algum recurso lúdico, seja um fantoche, um palitoche, ou se usavam apenas a entonação de voz, o
corporal…
107. Pollyanna: Não, uma vez ou outra, a gente ia inventando coisas! Pegava o que tinha em casa
mesmo e ia criando. Kalina mesmo, pegou um balde daqueles de tinta e de um lado ela fez a lagoa
limpa, do outro lado a lagoa poluída e a rãzinha foi juntando os amigos e conseguiram limpar a lagoa
e chamar a atenção da fábrica para não produzir mais coisas e jogar na lagoa. Então eles conseguiram
reestruturar o ambiente, e no final, a lagoa ficou linda, bem colorida e com todos os bichinhos lá
dentro.
108. Entrevistadora: Como foi as crianças verem esse balde e essa interação de Kalina?
109. Pollyanna: Eles deram muita atenção e depois ficaram comentando que tinham gostado, que
era bem interessante. Nesse dia, tinha 9 {alunos}participando. Foi bem legal, eles prestaram bastante
atenção. Aqueles que participam são aqueles que gostam mesmo, que interagiam e que davam um
retorno. Eles gostaram muito da história contada por Kalina!
110. Entrevistadora: E você, acha que o uso do recurso fez alguma diferença nessa história ou em
outras histórias contadas por você? (...)
111. Pollyanna: Os recursos com certeza chamam mais atenção! Por mais simples que sejam. Até
mesmo a mudança na voz, imitar a voz dos personagens, já chama a atenção.
112. Alice: Eles acham engraçado, decoram a fala quando você usa uma entonação diferente…
113. Eu fiquei aqui pensando na minha experiência, porque eu tive algumas histórias em que usei
recurso. Mas teve uma que eles acharam muito interessante porque era uma versão diferente dos Três
Porquinhos, que é “Os três lobinhos e o porco mal”.
115. Alice: É muito interessante! A gente estava falando sobre os materiais, sobre as moradias…
Depois eu contei a história dos porquinhos com as imagens, usando casinhas. A partir dessa história
do porquinho, a gente falou sobre os sentimentos, sobre amizade, sobre várias coisas. O porco era
mal só porque era sozinho e eles {os lobinhos} tentavam se defender usando os materiais mais fortes
possíveis: (...) começam com concreto, depois vão para o ferro… Sabe? Só vão aumentando. E por
último, eles conseguem se proteger do porco quando constroem uma casa só de flores, de margaridas
e várias outras. Com cheiro das flores, o porquinho fica bom, se torna amigo deles e vai morar com
eles. Eles ficaram encantados por causa do cheiro… Eu estava usando o livro, pois o tenho em
formato físico e a imagem do porco sentindo o aroma das flores chamou a atenção dos alunos. Eles
198
acharam interessante. O assunto rendeu bastante, e acabamos entrando em outros… isso porque às
vezes a gente encontra uma pessoa que não é tão boa da vida, é meio ranzinza e às vezes a gente trata
as pessoas da mesma forma, com a mesma frieza.
117. Alice: E a gente acaba se distanciando mais. Ao invés de conseguir se aproximar, a gente age
da mesma forma e acaba sendo igualzinho. Quando eles {os lobinhos} foram para o outro lado -
a doçura - e não tentaram se afastar ou proteger com coisas difíceis, eles conseguiram alcançar o
porquinho e ficaram amigos dele. Mas foi muito engraçado, porque os alunos achavam que era
outra coisa. Quando a gente começou a levantar as hipóteses, que eles viram os lobos, eles só
achavam que eles iam ser ruins e que o porco que era o bonzinho, além disso, não entendiam
como esse porco ia ser mal. Então eles ficaram muito empolgados com a história. E apesar de
ser uma história bem longa, com bastante texto e bem comprida os alunos prestaram atenção do
início ao fim. Então, esta foi uma das histórias que mais ficou na minha memória desse ano.
118. Entrevistadora: Eles conseguiram associar também à história com a dos Três Porquinhos.
119. Alice: Isso! Como eles já tinham a referência dos Três Porquinhos, da história original, eles se
empolgaram para saber como era essa outra história, essa versão.
120. Entrevistadora: A curiosidade deles foi instigada pela relação, talvez, dos mesmos animais,
apenas com a diferença das ações estarem investidas, que ao invés de três porcos, teriam três lobos e
apenas um pouco.
121. Alice: E o temperamento ser diferente, porque sempre os lobos são relatados nas histórias como
os carnívoros, os que são maus e os que vão comer.
122. Pollyanna: É igual a história dos três jacarezinhos. É bem parecido também. Só que nos três
jacarezinhos é um javali. (risos)
123. Entrevistadora: Eles associam a figura do personagem lobo com aquele que faz mal e que é
ruim na história.
124. Então para finalizar, gostaríamos que vocês dissessem o que conseguiram aprender nesse tempo
do ensino remoto. Apesar dos desafios que vocês citaram em relação à família, a formação que foi
um pouco deficiente, mas que tiveram muita ajuda entre si, (...) o que foi possível aprender? O que a
pandemia trouxe e que vai ficar de bom para vocês, em relação ao uso da tecnologia e das histórias?
Isso porque, mesmo que tenha sido reduzido o tempo e que não tenha sido uma prática diária, vocês
não pararam de contar história. (...) Então, o que vocês aprenderam com esse ensino remoto? O que
ficou de ensinamento e que vocês vão levar para as salas de aula, hoje, com já com esse retorno
presencia, híbrido e por que mantiveram as histórias mesmo diante dos desafios da formação
deficiente e da dificuldade em operar os aplicativos e de se adaptar ao formato pequeno da tela de
um computador para contar uma história? (...)
199
125. Alice: O que vai ficar são os aprendizados das tecnologias. Realmente foram alguns
apreendidos: instalar câmera, fazer edição, subir vídeo para o YouTube. Da aprendizagem das
contações, foram: pensar bastante qual a história é melhor para contar, porque às vezes na leitura
diária você pega várias histórias, às vezes nem sempre, você pensa muito sobre aquela história
quando está na sala de aula. Você quer uma história deleite, rápida, que dê certo naquele momento.
E nos encontros síncronos, como o tempo era mais reduzido, então tinha de escolher, selecionar bem
uma história que servisse para várias coisas, tanto para entreter, quanto para resolver alguns assuntos,
conteúdos e metodologias. (...) A gente já tinha esse cuidado, mas no dia a dia, na rotina como você
vai usar muitas histórias, 200 dias letivos, acabava fazendo, (...) muitas vezes, no automático. Por
mais que, claro, a gente tivesse o cuidado de escolher a história.
127. Alice: Antes do ensino remoto, isso era uma coisa que a gente fazia sem tanta dificuldade. “Não,
essa daqui dá certo”, mas essa daqui vai ficar um pouco melhor, é mais chamativa, se encaixa melhor
em vários assuntos”. E também, a gente já fazia uso das tecnologias em sala, passávamos alguma
animação… Na sala, a gente usa mais os filmes, não passava vídeos de contação, porque a gente já
fazia esse papel lá na sala de aula. Mas eu acho que também vai perdurar esse uso das contações do
YouTube, das plataformas, dos acessos. Acho que a gente vai continuar com esses grupos de
WhatsApp por um tempo, pois nos ajudaram muito. Por mais que tenha sido difícil, (...), porque a
gente perde os pais no grupo, eles dão uma sumida, mas pelo menos está todo mundo ali do grupo.
Antes, para falar com os pais, a gente mandava recado pelo aluno, pelo vizinho do aluno, para ver se
assim, alcançava o pai. E agora tendo todo mundo junto, você lá no grupo, e por mais que eles não
respondam e ignorem a gente, ache ruim porque mandou mensagem e que ligou, mas pelo menos
está ali, está mais perto. E outra coisa que deu certo e que talvez a gente mantenha, é o envio das
histórias para o grupo do WhatsApp, se for uma atividade de casa. (...)
128. Pollyanna: É porque a gente já usava na sala de aula, os filmes, os curta-metragem. Esses filmes
são o complemento da carga horária. (...) Não tem um mal que não venha para o bem. (...)
129. Alice: Para quem sabe olhar, sempre acha uma coisa boa.
130. Pollyanna: Uma luz! A gente sempre acha um fator positivo. Eu digo muito que essa pandemia
serviu para “quem era bom ficou melhor e quem era ruim piorou”. Não sei se vocês pensam assim,
mas eu penso. (...) Eu acho que a gente conseguiu chamar atenção de algumas famílias, não foram
todas, para o valor, a importância da educação, a importância de uma leitura. (...)
131. Nós conseguimos chegar lá na família e quebrar alguma barreira. A gente conseguiu levar
alguma coisa para aquelas famílias.
132. Alice: Do jeito que a gente foi para casa deles, eles foram para a escola. Os pais que estavam
acompanhando {às aulas remotas junto dos alunos}, conseguiram ver a rotina da sala de aula, um
pouco, pelo menos.
200
133. Pollyanna: Eu procuro sempre manter uma relação harmoniosa com a família, de construir um
vínculo, porque a gente vai passar um ano tentando traçar o mesmo percurso. Eu digo muito que
respeito e admiro pelo que as famílias fizeram, aquelas que assumiram compromisso de acompanhar
os filhos nesse período do ensino remoto, porque a maioria não sabe ler, tem afazeres, a vida difícil.
Mas que mesmo assim, assumiram aquele compromisso todo dia. Todos os dias eu falava nisso.
Quando eu entrava na casa das famílias, eu pedia licença para estar ali e fazia uma oração. Gosto
muito de fazer oração! (...) Eu acredito que a gente conseguiu levar alguma coisa. A vida daqui para
frente não vai ser como era. Nós conseguimos chegar lá e fazer alguma coisa. Mesmo com todas as
dificuldades que a gente enfrentou, eu vejo que hoje que a gente conseguiu!
134. Alice: Eu acho que até para quem a gente não conseguiu chegar, para quem não teve acesso ou
para quem… não é nem quem não quis participar, mas que não tem esse valor da educação ainda,
conseguiu perceber a falta que faz a escola e o valor que tem o aluno está ali na escola participando
e sentiu a falta que fez a escola está ali presente, de ter aquele momento das crianças irem para a
escola. Porque quem não estava conseguindo ter acesso às aulas síncronas sentiu bastante a criança
passar 6, 8 meses sem encontrar com a professora, sem sair de casa e ver os colegas. É complicado!